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AO EXCELENTÍSSIMO JUÍZO DA __ª VARA JUDICIAL DA COMARCA DE NOVA PRATA – RS

Edital n.º 44/2022 do


Conselho da Magistratura do
TJRS, alterado pelo Edital n.º
48/2022-COMAG - Remessa
ao Projeto Gestão de
Superendividamento

MARIA LUIZA DE JESUS SANTOS, brasileira, microempreendedora individual,


inscrita no sob o nº CPF 585.695.295 - 20, com endereço na Rua Dorvalino
Colla, nº 700, Apto. 02, Bairro São Pelegrino, Nova Prata/RS, CEP: 95.320-
000, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por intermédio
de seus advogados devidamente constituídos, propor a presente:

AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS PREVISTA NO ARTIGO 104-A DO CDC


(INTRODUZIDO PELA LEI 14.181/21 – SUPERENDIVIDAMENTO)

com base no art. 104-A do CDC, conforme redação dada pela Lei
14.181/2021, em face de BANCO ITAUCARD S.A., sociedade anônima
fechada, inscrita no CNPJ sob o nº 17.192.451/0001-70, com sede na
Praça Alfredo Egydio de Souza Aranha, nº 100, Torre Olavo Setubal, 7º Andar,
Parque Jabaquara, São Paulo/SP, CEP: 04.344-902; LUIZACRED S.A.
SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, sociedade
anônima fechada, inscrita no CNPJ sob o nº 02.206.577/0001-80, com
sede na Rua Maria Prestes Maia, nº 300, Sala 5ª, Carandiru, São Paulo/SP,
CEP: 02.047-901; BANCO BTG PACTUAL S.A., sociedade anônima aberta,
inscrita no CNPJ sob o nº 30.306.294/0002-26, com sede na Avenida
Brigadeiro Faria Lima, nº 3477, Andar 10, 11, 12, 14 e 15, Itaim Bibi, São
Paulo/SP, CEP: 04.538-133; BANCO COOPERATIVO SICREDI S.A., sociedade
anônima fechada, inscrita no CNPJ sob o nº 01.181.521/0001-55, com
sede na Avenida Assis Brasil, nº 3940, São Sebastião, Andar 12, Porto
Alegre/RS, CEP: 91.060-900; MERCADO PAGO INSTITUICAO DE PAGAMENTO
LTDA., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº
10.573.521/0001-91, com sede na Avenida das Nações Unidas, nº 3.003,
Parte E, Bonfim, Osasco/SP, CEP: 06.233-903, pelos fatos e fundamentos
que a seguir se expõe.

1. DOS FATOS

A parte autora enquadra-se na definição legal do superendividamento,


conforme a expressa previsão da recente lei 14.181/2021, que acrescentou diversos
dispositivos ao Código de Defesa do Consumidor.

O parágrafo § 1º do artigo 54-A do CDC prevê:

§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o


consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de
consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial,
nos termos da regulamentação.

Este é exatamente o caso da parte autora, que se vê na contingência de


propor a presente demanda judicial, com o objetivo de ver repactuadas as suas obrigações
com as instituições qualificadas no preâmbulo, e assim readquirir a sua dignidade e reabilitar-
se nos mercados de consumo e de crédito.
A autora é microempreendedora individual, conforme declaração anual
junto ao SIMEI:

Considerando as atividades econômicas despendidas pela


microempreendedora, sua renda básica líquida é calculada sobre a fração de 32% da receita
bruta pela prestação de serviços em geral1, o que corresponde a R$ 25.920,00 por ano,
perfazendo mensalmente uma renda líquida na média de R$ 2.160,00.

Assim, nos últimos tempos vem utilizando o canal de empréstimos junto às


instituições rés, face a necessidade decorrente das dificuldades financeiras pelas quais vem
enfrentando ao longo dos últimos anos. Os gastos extraordinários que vem suportando
demandaram a contratação de empréstimos que hoje se tornaram impagáveis, na medida

1 https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/como-o-mei-faz-a-declaracao-de-imposto-de-
renda,2f48921aaebab510VgnVCM1000004c00210aRCRD
em que consomem quase toda sua renda disponível.

Neste contexto, a requerente viu sua vida inviabilizada, tendo que solicitar
sucessivas repactuações nos empréstimos, solicitar valores aos familiares e amigos para,
justamente, conseguir pagar as contas básicas como alimentação, transporte e moradia.

Para se ter uma ideia, só a título de empréstimos, os valores devidos


chegaram a R$ 49.577,82:

Soma-se a isto, as dívidas oriundas dos cartões de crédito, que chegam ao


montante de R$ 55.984,26:
Com isso, sua conta seguidamente está negativa, fato que reflete
diretamente no seu limite de conta (cheque especial):

Uma verdadeira bola de neve!

Com quase 100% de sua renda comprometida apenas com as dívidas de


seu dia a dia, a autora chegou a um nível de endividamento totalmente fora do seu controle,
não havendo qualquer possibilidade de proceder o pagamento das dívidas sem que isso
produza grave ameaça à sua sobrevivência.
Referida situação vivenciada pela autora é literalmente insustentável, vez
que na medida em que recebe seus proventos, as instituições rés promovem a retenção de
quase sua integralidade.

Assim, a parte autora viu-se sem dinheiro suficiente para manter a si e sua
família durante os últimos meses, o que lhe vem lhe causando imensurável desgaste
emocional.

Portando, visando a manutenção da vida da requerente, sua sobrevivência,


a autora recorre à tutela jurisdicional para proteção dos seus direitos.

2. JUSTIÇA GRATUITA

A Requerente faz jus à concessão da Gratuidade de Justiça, haja vista que a


mesma não possui rendimentos suficientes para custear as despesas processuais e
honorários advocatícios em detrimento de seu sustento, nos termos do artigo 98 do CPC bem
como da lei 1060/50 c/c artigo 5, LXXIV da CRFB/88.

Outrossim, segue anexo a declaração de afirmação de pobreza,


demonstrando que não possui condições para arcar com as despesas processuais e
honorários advocatícios em detrimento de seu sustento.

Portanto, requer à Vossa Excelência, que lhe seja concedida a gratuidade de


justiça, com amparo nos argumentos legais de direito expostos.
3. DO DIREITO

3.1 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Conforme podemos extrair dos presentes autos, estamos claramente diante


de uma lide que versa sobre a relação consumerista, devendo ser observado ainda que os
fatos alegados pela autora estão revestidos de verossimilhança, com isso, inegável ser caso
de aplicação de inversão do ônus da prova, tudo de acordo com artigo 6º, inciso VIII, do Código
de Defesa do Consumidor.

Neste sentido, vejamos o que prevê o mencionado dispositivo legal:

“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

...

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do


ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for
verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências;”

O CDC reconhece, ainda, a vulnerabilidade técnica, fática e econômica do


consumidor, por meio do disposto em seu artigo 4º. Neste tocante, não pode passar
desapercebido que os aposentados são as principais vítimas de instituições financeiras que
promovem o endividamento do consumidor.

Ainda, a proteção do consumidor está respaldada na Constituição Federal,


em seus artigos 5º, inciso XXXII e 170, inciso V. Neste tocante, impera para o caso em exame
a incidência de todas as normas protetivas aos consumidores, em especial, os artigos 6º,
inciso VIII (com a inversão do ônus da prova), o artigo 39 do CDC (vedação de práticas
abusivas), artigo 47 (interpretação de cláusula contratual mais favorável ao consumidor) e
artigo 51, IV (desvantagem exagerada), além do Princípio da Transparência, consectário que
é do Princípio da Boa-Fé Objetiva.

Assim, observa-se que os réus figuram como fornecedores de serviços


financeiros e a autora como consumidora, sendo clara a relação de consumo, decorrente do
contrato. Portanto, é plenamente aplicável o Estatuto Consumerista, principalmente no que
diz respeito a responsabilização civil objetiva (art. 14 do CDC) e o dever probatório.

3.2 DO SUPERENDIVIDAMENTO

Sancionada no dia 1º de julho de 2021, a Lei do Superendividamento é o


instrumento jurídico que foi incorporado ao Código de Defesa do Consumidor para
estabelecer diversas normas que regulamentam a relação de consumo, buscando melhorar
ainda mais a proteção do consumidor frente aos inúmeros instrumentos de persuasão
indiscriminadamente utilizado por empresas prestadores de serviços financeiros.

No terreno da objetividade, o endividamento se dá por infinitas motivações,


graus e circunstâncias. Porém, em todos os casos vai fragilizando o devedor até que, se nada
for feito, acaba por aniquilá-lo completamente, retirando-lhe a subjetividade para relegá-lo à
condição de pária. No caso em comento, a parte autora é cidadão em situação de
hipervulnerabilidade, não podendo o judiciário permitir sua aniquilação financeira.

Posto isso, o parágrafo § 1º do artigo 54-A do CDC prevê:

“§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o


consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas
de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo
existencial, nos termos da regulamentação.”

Este é exatamente o caso da parte autora, que se vê na necessidade de


propor a presente demanda judicial, com o objetivo de ver repactuadas as suas obrigações
com as instituições financeiras rés, e assim readquirir a sua dignidade e reabilitar-se nos
mercados de consumo e de crédito.

O superendividado, conforme texto contido na Lei, é a pessoa que se


encontra em estado de insolvência, incapaz de pagar suas dívidas, sem que isso importe no
comprometimento de sua própria subsistência, ou seja, é quando a pessoa não dispõe de
recursos para pagar dívidas antigas sem que isso implique privar a si e sua família de bens
imprescindíveis à sobrevivência.

In casu, se está diante de uma clara situação de hipervulnerabilidade da


parte autora frente as rés. O Código de Defesa do Consumidor no seu art. 4º, inc. I, dispõe
acerca da vulnerabilidade do consumidor, a saber:

“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o


atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua
dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos,
a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia
das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de


consumo;”

A lei 14.181/2021 acresceu ao artigo 4º os incisos IX e X, a saber:

“IX - fomento de ações direcionadas à educação financeira e ambiental dos


consumidores;

X - prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a


exclusão social do consumidor.”

Já a doutrina especializada diferencia a vulnerabilidade nas formas que


seguem: (i) vulnerabilidade informacional, como sendo aquela em que consumidor não só
não tem acesso a todas as informações necessárias para a realização do negócio jurídico,
mas também a manipulação da informação por parte do prestador de serviços; (ii)
vulnerabilidade técnica, segundo a qual o consumidor não tem conhecimento técnico do
objeto que está adquirindo; (iii) vulnerabilidade jurídica ou científica, que consiste na falta de
conhecimentos jurídicos específicos, de contabilidade ou de economia; e (iv) vulnerabilidade
fática ou socioeconômica, caracterizada pela grande disparidade econômica entre o
fornecedor de serviços e o consumidor2.

A presença de qualquer uma das facetas da vulnerabilidade na situação de


fato, caracterizaria o consumidor como vulnerável e merecedor da proteção jurídica especial
da legislação consumerista. No caso dos autos, vê-se claramente que a parte autora
preenche os requisitos de todas as espécies.

A parte autora é um caso de hipervulnerabilidade tangível. Versamos aqui


não apenas sobre uma pessoa hipossuficiente, mas um núcleo familiar inteiramente
hipervulnerável que beira não conseguir prover o mínimo de sua subsistência e dignidade por
conta do superendividamento.

Diante da situação específica dos autos – superendividamento e


hipervulnerabilidade – qualquer infração aos ditames da boa-fé objetiva e do estabelecido no
ordenamento jurídico pátrio resultará na anulação dos negócios jurídicos firmados.

Noutro ponto, em uma simples análise do acervo fático-probatório ora


carreado aos autos, depreende-se que as instituições demandadas não cumpriram suas
obrigações legais.

Vejamos.

Primeiramente, o art. 52 do CDC estabelece o dever de informação no

2 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do
consumidor. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
fornecimento de serviços que envolvam outorga de crédito3.

Ora, é cediço que o maior instrumento de prevenção do superendividamento


dos consumidores é a informação, sendo “a informação detalhada ao consumidor um dever
de boa-fé, dever de informar os elementos principais e mesmo dever de esclarecer o leigo
sobre os riscos do crédito e o comprometimento futuro de sua renda”4.

Nesta linha, as taxas de juros abusivas devem ser reduzidas, de modo a


adequar-se às taxas médias praticadas pelo mercado, de forma que realmente reflitam a
inflação do período, e possibilitem o pagamento do consumidor devedor.

Frise-se que segundo o art. 192, caput da CF/88, o sistema financeiro


nacional é "estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir
os interesses da sociedade, em todas as partes que o compõem [...]". No mesmo sentido,
dispõe o art. 173, §4°, da CR, que "a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise [...]
ao aumento arbitrário dos lucros".

Consequência de todos os problemas acima elencados é o atual grau de


endividamento. Mister ressaltar que de muitos contratos sequer possui cópia ou extratos,
razão pela qual impossível estimar de imediato o tamanho da dívida atual.

E as instituições financeiras rés, apenas preocupadas com o atingimento de

3 Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de
financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente
sobre:
I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;
III - acréscimos legalmente previstos;
IV - número e periodicidade das prestações;
V - soma total a pagar, com e sem financiamento.
4 MARQUES, Cláudia Lima. Algumas perguntas e respostas sobre prevenção e tratamento do

superendividamento dos consumidores pessoas físicas. Revista de Direito do Consumidor, vol. 75 Ed. RT, jul.
2010.
suas metas e os indicadores de rentabilidade financeira, ignoram sua obrigação de
concessão responsável do crédito.

Por sinal, tanto o dever específico de informação como a concessão


responsável do crédito estão agora incorporados ao CDC, nos incisos I e II do artigo 54-D:

“Art. 54-D. Na oferta de crédito, previamente à contratação, o fornecedor ou


o intermediário deverá, entre outras condutas:

I - informar e esclarecer adequadamente o consumidor, considerada sua


idade, sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido, sobre todos os
custos incidentes, observado o disposto nos arts. 52 e 54-B deste Código, e
sobre as consequências genéricas e específicas do inadimplemento;

II - avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor,


mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de
proteção ao crédito, observado o disposto neste Código e na legislação
sobre proteção de dados;”

Trata-se, portanto, de infração a dever anexo imposto pela boa-fé objetiva a


oferta de crédito, sem uma análise adequada e minuciosa da possibilidade de cumprimento
contratual por parte do consumidor, como ocorreu no caso dos autos.

Nessa conjuntura, uma vez que a formação dos contratos não respeitou as
diretrizes fundamentais de todo e qualquer negócio jurídico, e que, em verdade, os grandes
causadores do estado de superendividamento em que vive a parte autora são as próprias
rés, a solução que se impõe é a readequação das suas obrigações a patamares que não lhe
comprometam o mínimo existencial.

Por isso é que, em boa hora, o legislador traz a lume a possibilidade, em


primeiro lugar, de uma conciliação mediada pelo Poder Judiciário, e, acaso não exitosa, prevê
um procedimento que fixará um plano judicial compulsório, a fim de viabilizar a quitação das
dívidas do superendividado.
3.3 DA DIGNIDADE HUMANA E O MÍNIMO EXISTENCIAL

O fundamento essencial dos pedidos aqui consignados é o princípio da


dignidade da pessoa humana, ao passo que pretende proteger o mínimo existencial de uma
família. A dignidade da pessoa humana é o centro da ordem jurídica democrática, revelando-
se como verdadeiro super (ou supra) princípio. Das lições do Ministro do Supremo Tribunal
Federal e professor Luís Roberto Barroso (2010, p.4) extrai-se que:

“O positivismo normativista constituiu na inclusão da dignidade da pessoa


humana em diferentes documentos internacionais e Constitucionais de
Estados democráticos. Convertida em um conceito jurídico, a dificuldade
presente está em dar a ela um conteúdo mínimo, que a torne uma categoria
operacional e útil, tanto na prática doméstica de cada país quanto no
discurso transnacional”.

Avançando um pouco, Barroso afirma que:

“A dignidade da pessoa humana tem seu berço secular na filosofia.


Constitui, assim, em primeiro lugar, um valor, que é conceito axiológico,
ligado à idéia de bom, justo, virtuoso. Nessa condição, ela se situa ao lado
de outros valores centrais para o Direito, como justiça, segurança e
solidariedade. É nesse plano ético que a dignidade se torna, para muitos
autores, a justificação moral dos direitos humanos e fundamentais”.
(BARROSO 2010, p.4)

Por seu turno, o Ministro Alexandre de Moraes (2010, p. 48) leciona que:

“A dignidade da pessoa humana concede unidade aos direitos e garantias


fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse
fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas
de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um
valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente
na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz
consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,
constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve
assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas
limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem
menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto
seres humanos”.

A dignidade da pessoa humana é efetivada através da proteção de direitos


e garantias fundamentais promovida pela Constituição Federal. Daí surge a ideia de um
mínimo existencial, o qual deve ser visto como a base e o alicerce da vida humana. Trata-se
de um direito fundamental e essencial, vinculado à Constituição Federal, e não necessita de
Lei para sua obtenção, tendo em vista que é inerente a todo ser humano.

Esta parcela mínima dos direitos fundamentais é chamada Mínimo


Existencial, que, no entendimento de Rocha (2005, p. 445) foi criado “[...] para dar
efetividade ao princípio da possibilidade digna, ou da dignidade da pessoa humana possível,
a ser garantido pela sociedade e pelo Estado”.

Neste diapasão, o Mínimo Existencial é o direito de cada indivíduo às


condições mínimas indispensáveis para a existência humana digna, que não pode ser objeto
de intervenção do Estado, mas que exige prestações positivas deste. Consiste, então, a um
padrão mínimo de efetivação dos direitos fundamentais sociais pelo Estado.

Embora não esteja expressamente contido em nossa Constituição Federal,


deve-se contextualizá-lo nos direitos humanos, na ideia de liberdade em todos os seus
sentidos e nos princípios da igualdade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana,
princípio basilar das garantias constitucionais.

O mínimo se refere aos direitos relacionados às necessidades sem as quais


não é possível “viver como gente”. É um direito que visa garantir condições mínimas de
existência humana digna, e se refere aos direitos positivos, pois exige que o Estado ofereça
condições para que haja eficácia plena na aplicabilidade destes direitos.

Os direitos abrangidos pelo mínimo existencial são os que estão


relacionados com os direitos sociais, econômicos e culturais, previstos na Constituição
Federal (como o trabalho, salário mínimo, alimentação, vestimenta, lazer, educação, repouso,
férias e despesas importantes, como água e luz). São direitos de 2ª geração que possuem
caráter programático, pois o Estado deve desenvolver programas para que esses direitos
alcancem o indivíduo.

Ocorre que os descontos nas contas da autora não estão permitindo fruição
destes direitos fundamentais, sendo que o que se pretende com a presente demanda é
justamente preservar esses direitos abrangidos pelo mínimo existencial, tais como
alimentação, vestimenta, manutenção da saúde, educação, entre outras despesas
importantes.

Nesse sentido é possível destacar a vasta jurisprudência do TJRS em que é


adotado o entendimento de que a limitação dos descontos dos rendimentos líquidos no
patamar de 35% (trinta e cincopor cento) atende aos referidos princípios, conforme se
constata dos julgados abaixo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE


OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZATÓRIA. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM
CONTRACHEQUE. IMPOSIÇÃO DE ASTREINTES. CABIMENTO. SITUAÇÃO DE
SUPERENDIVIDAMENTO CONFIGURADA. READEQUAÇÃO DAS PARCELAS.
Limitação de descontos. Embora possível a limitação dos descontos
mensais no contracheque de 70% da renda mensal bruta do servidor
público estadual ativo ou inativo, com base no Decreto Estadual 43.337/04,
analisando a documentação juntada aos autos com a petição inicial,
observa-se que a autora se encontra em flagrante situação de
superendividamento. Dessa forma, autorizar os descontos no patamar de
70% pretendido pelo Banco agravante, comprometeria a dignidade e a
subsistência pessoal da agravada, vedando-lhe o acesso ao mínimo
existencial. Logo, em observância a Lei Federal n° 14.131/2021 (Lei do
Superendividamento do Cidadão), deve ser mantida a decisão recorrida que
limitou os descontos relativos aos empréstimos "dentro do limite de 30%
dos proventos da demandante passíveis de serem destinados a tais
pagamentos (R$ 2.136,45), bem como limite a 5% os descontos alusivos a
cartão de crédito (R$ 356,07)". Astreintes fixadas para o caso de
descumprimento. A multa pecuniária é devida e não se mostra excessiva,
visto que está dentro dos parâmetros adotados por esta Câmara em casos
análogos. Precedentes. Readequação das parcelas. Diante da limitação dos
descontos imposta de 30% dos proventos da demandante e 5% referente
ao cartão de crédito, a readequação das parcelas deverá observar a ordem
cronológica dos empréstimos, permitindo-se a extensão do número de
parcelas, em face da redução do percentual a ser descontado. AGRAVO DE
INSTRUMENTO PROVIDO EM PARTE.(Agravo de Instrumento, Nº
50106781320228217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Maria Ines Claraz de Souza Linck, Julgado em: 23-
03-2022).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE


LIMITAÇÃO DE MARGEM DE CRÉDITO CONSIGNÁVEL. EMPRÉSTIMOS
PESSOAIS CONSIGNADOS PARA TRABALHADORES DO SETOR PÚBLICO.
SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO CARACTERIZADA. 1. MARGEM
CONSIGNÁVEL EM FOLHA DE PAGAMENTO DE SERVIDOR PÚBLICO
ESTADUAL APOSENTADO. SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. A PESSOA
NATURAL SUPERENDIVIDADA É AQUELA CUJA RENDA MENSAL ESTÁ
SEVERAMENTE COMPROMETIDA, A PONTO DE PERDER A CAPACIDADE DE
PAGAR AS SUAS DÍVIDAS, COLOCANDO EM RISCO A SUA PRÓPRIA
SUBSISTÊNCIA E A DE SUA FAMÍLIA. 2. PROCEDIMENTALIZADOS, NA FORMA
DA LEI, OS DESCONTOS MENSAIS CONSIGNADOS NA FOLHA DE
PAGAMENTO DE SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL APOSENTADO
SUPERENDIVIDADO, A JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DO TJRS SINALIZAM A
NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL
DO DEVEDOR SUPERENDIVIDADO À SUA SUBSISTÊNCIA PRÓPRIA. 3. CASO
CONCRETO EM QUE A ADMISSÃO DE DESCONTOS NA FOLHA DE
PAGAMENTO DE SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL APOSENTADA, ATÉ O
LIMITE DE 70% (SETENTA POR CENTO) DO SEU RENDIMENTO MENSAL
BRUTO, FUNCIONA COMO UM INDUTOR INERCIAL DE
SUPERENDIVIDAMENTO DAS PESSOAS FÍSICAS NO MERCADO DE
CONSUMO DE BENS E SERVIÇOS, ASSIM COMPROMETENDO A DIGNIDADE
E SUBSISTÊNCIA PESSOAL DA AGRAVADA E VEDANDO-LHE O ACESSO A
VALORES INDISPENSÁVEIS À SUA SOBREVIVÊNCIA. PORTANTO, NESTE
PONTO, VAI MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA, QUE LIMITOU OS
DESCONTOS MENSAIS CONSIGNADOS NA FOLHA DE PAGAMENTO DA
AUTORA-AGRAVADA A 30% (TRINTA POR CENTO) DA SUA REMUNERAÇÃO.
4. NA ESPÉCIE, OS DESCONTOS MENSAIS DOS EMPRÉSTIMOS
CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO DE SERVIDORA PÚBLICA
ESTADUAL APOSENTADA, BEM ASSIM EM CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO
PESSOAL NÃO CONSIGNADO, COM PAGAMENTO MEDIANTE DÉBITO EM
CONTA, CONSOMEM QUASE A INTEGRALIDADE DA SUA REMUNERAÇÃO
LÍQUIDA. ESTE QUADRO DE INSOLVÊNCIA MATERIAL CONDUZ À
MANUTENÇÃO, NO PONTO, DA DECISÃO RECORRIDA. 5. NESTA MOLDURA
CONJUNTURAL, A PROVA DOCUMENTAL PRODUZIDA NO ACERVO
PROCESSUAL INTEGRADO ATESTA A SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO
DA AUTORA-AGRAVADA, MATERIALIZANDO A PROBABILIDADE DO FUMUS
BONIS JURIS E DO PERICULUM IN MORA, COM PERIGO DE DANO DE DIFÍCIL
REPARAÇÃO E RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO DE ORIGEM, NAS
ALEGAÇÕES POR ELA DEDUZIDAS, QUE DEMONSTRAM OS DESCONTOS
CONSIGNADOS MENSAIS OPERADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO MENSAL,
COLOCANDO EM RISCO A SUA DIGNIDADE, SUBSISTÊNCIA E MANUTENÇÃO
DO MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDOS NÃO SÓ POR MEIO DAS CLÁUSULAS
GERAIS DE TUTELA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, MAS,
TAMBÉM, E MUITO ESPECIALMENTE, NAS ALTERAÇÕES NORMATIVAS
INTRODUZIDAS PEL A LEI FEDERAL Nº 14.181/2021, DE 01/07/2021
(DOU DE 02/07/2021), A DENOMINADA "LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO
DO CIDADÃO". MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA NO PONTO.
PRECEDENTES DO STJ E DO TJRS EM MATÉRIA DE SUPERENDIVIDAMENTO
DE PESSOAS NATURAIS. 6. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO DE
PLANO, COM FUNDAMENTO NO ART. 932, INC. VIII, DO CPC, COMBINADO
COM O ART. 206, INC. XXXVI, DO RITJRS. RECURSO DESPROVIDO.M/AI Nº
4.207 - JM 18/12/2021 (Agravo de Instrumento, Nº
52191999420218217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em: 18-12-
2021)

Portanto, o caso em tela encerra hipótese que justifica a excepcionalidade


ao princípio do pacta sunt servanda, pois a toda evidência há valores maiores a serem
preservados, em especial o direito a uma vida digna.

Assim, a retenção na conta do autor é quase 100% (cento por cento) de seus
rendimentos brutos, ultrapassando em muito o aceitável, comprometendo o mínimo
necessário a manutenção de uma existência digna.

A luz da dignidade da pessoa humana, o mínimo existencial deve ser


preservado, não sendo aceitável num estado democrático de direito que o direito à vida digna
padeça frente ao direito ao crédito.

4. DA EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS

A parte autora não detém as vias dos contratos celebrados com as


instituições financeiras rés, uma vez que não lhe foram fornecidas quaisquer cópias e o autor
sequer possui informações concretas de todos eles.

No entanto, tais documentos são fundamentais até mesmo para que se


conclua a proposta de plano de pagamento a ser apresentada por ocasião da audiência de
conciliação prevista neste procedimento, razão pela qual, desde já requer sejam as rés
intimadas a apresentar todos os contratos celebrados entre as partes.

Tal pedido encontra guarida no art. 396 e seguintes do CPC, sob as


consequências do art. 400 do mesmo diploma legal, bem como já foi objeto de definição do
Tema 411, em repetitivo junto ao STJ:

TESE FIRMADA:

É cabível a inversão do ônus da prova em favor do consumidor para o fim


de determinar às instituições financeiras a exibição de extratos bancários,
enquanto não estiver prescrita a eventual ação sobre eles, tratando-se de
obrigação decorrente de lei e de integração contratual compulsória, não
sujeita à recusa ou condicionantes, tais como o adiantamento dos custos
da operação pelo correntista e a prévia recusa administrativa da instituição
financeira em exibir os documentos, com a ressalva de que ao correntista,
autor da ação, incumbe a demonstração da plausibilidade da relação
jurídica alegada, com indícios mínimos capazes de comprovar a existência
da contratação, devendo, ainda, especificar, de modo preciso, os períodos
em que pretenda ver exibidos os extratos.

Por fim, requer que a intimação conste que a exibição se dê com prazo
mínimo de 15 dias antes da audiência de conciliação. Assim, a parte autora terá tempo hábil
para adequar a sua proposta de plano de pagamento aos documentos que vierem a ser
exibidos.

5. DA TUTELA DE URGÊNCIA

Conforme consignado, as prestações atualmente descontadas, da conta


corrente do autor, consomem quase 100% de seus vencimentos.

Tal circunstância coloca em risco inclusive sua dignidade, o que requer seja
considerado por esse MM. juízo.

Ora, não se trata de uma retenção qualquer de valores, mas sim, de uma
retenção que corresponde à verba alimentar da parte autora, essencial para sua
subsistência. A toda evidência, no momento presente não está preservado o mínimo
existencial da parte autora, assim reconhecido como o necessário a que se viva uma vida
minimamente digna, atendendo-se ao menos as necessidades mais básicas de alimentação,
moradia e saúde.

A probabilidade do direito está patente na prova documental produzida com


esta petição inicial, que comprova o comprometimento dos vencimentos da parte autora.

E o perigo de dano é evidente, uma vez que a parte autora se encontra em


situação insustentável, sob o risco de não mais poder prover a sua subsistência financeira,
que como bem sabido está atrelado ao direito fundamental à vida e à dignidade da pessoa
humana. Nesta direção, importa destacar a lição do eminente jurista RODOLFO DE CAMARGO
MANCUSA, no sentido de que, em sede de direitos difusos e coletivos: “O que interessa é a
prevenção do dano antes que sua reparação, esta última tornada às vezes impossível ou
ineficaz;” principalmente quando se está debatendo a dignidade da pessoa humana e o
direito ao mínimo existencial, como no caso em tela.
De outra banda, o perigo de irreversibilidade, previsto no art. 300, § 3º, CPC
é inexistente. A uma, a parte autora não está se negando a pagar o que deve, apenas
pretende repactuar suas obrigações. A duas, o faz com base em expresso permissivo legal,
quais sejam as novas disposições do CDC, introduzidas pela Lei 14.181/2021.

Cumpre ressaltar, que o TJRS tem concedido medidas de urgência


semelhantes em ações individuais, sendo inequívoco o direito do autor. Nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE


OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZATÓRIA. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM
CONTRACHEQUE. IMPOSIÇÃO DE ASTREINTES. CABIMENTO. SITUAÇÃO DE
SUPERENDIVIDAMENTO CONFIGURADA. READEQUAÇÃO DAS PARCELAS.
Limitação de descontos. Embora possível a limitação dos descontos
mensais no contracheque de 70% da renda mensal bruta do servidor
público estadual ativo ou inativo, com base no Decreto Estadual 43.337/04,
analisando a documentação juntada aos autos com a petição inicial,
observa-se que a autora se encontra em flagrante situação de
superendividamento. Dessa forma, autorizar os descontos no patamar de
70% pretendido pelo Banco agravante, comprometeria a dignidade e a
subsistência pessoal da agravada, vedando-lhe o acesso ao mínimo
existencial. Logo, em observância a Lei Federal n° 14.131/2021 (Lei do
Superendividamento do Cidadão), deve ser mantida a decisão recorrida que
limitou os descontos relativos aos empréstimos "dentro do limite de 30%
dos proventos da demandante passíveis de serem destinados a tais
pagamentos (R$ 2.136,45), bem como limite a 5% os descontos alusivos a
cartão de crédito (R$ 356,07)". Astreintes fixadas para o caso de
descumprimento. A multa pecuniária é devida e não se mostra excessiva,
visto que está dentro dos parâmetros adotados por esta Câmara em casos
análogos. Precedentes. Readequação das parcelas. Diante da limitação dos
descontos imposta de 30% dos proventos da demandante e 5% referente
ao cartão de crédito, a readequação das parcelas deverá observar a ordem
cronológica dos empréstimos, permitindo-se a extensão do número de
parcelas, em face da redução do percentual a ser descontado. AGRAVO DE
INSTRUMENTO PROVIDO EM PARTE.(Agravo de Instrumento, Nº
50106781320228217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Maria Ines Claraz de Souza Linck, Julgado em: 23-
03-2022).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE
LIMITAÇÃO DE MARGEM DE CRÉDITO CONSIGNÁVEL. EMPRÉSTIMOS
PESSOAIS CONSIGNADOS PARA TRABALHADORES DO SETOR PÚBLICO.
SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO CARACTERIZADA. 1. MARGEM
CONSIGNÁVEL EM FOLHA DE PAGAMENTO DE SERVIDOR PÚBLICO
ESTADUAL APOSENTADO. SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. A PESSOA
NATURAL SUPERENDIVIDADA É AQUELA CUJA RENDA MENSAL ESTÁ
SEVERAMENTE COMPROMETIDA, A PONTO DE PERDER A CAPACIDADE DE
PAGAR AS SUAS DÍVIDAS, COLOCANDO EM RISCO A SUA PRÓPRIA
SUBSISTÊNCIA E A DE SUA FAMÍLIA. 2. PROCEDIMENTALIZADOS, NA FORMA
DA LEI, OS DESCONTOS MENSAIS CONSIGNADOS NA FOLHA DE
PAGAMENTO DE SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL APOSENTADO
SUPERENDIVIDADO, A JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DO TJRS SINALIZAM A
NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL
DO DEVEDOR SUPERENDIVIDADO À SUA SUBSISTÊNCIA PRÓPRIA. 3. CASO
CONCRETO EM QUE A ADMISSÃO DE DESCONTOS NA FOLHA DE
PAGAMENTO DE SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL APOSENTADA, ATÉ O
LIMITE DE 70% (SETENTA POR CENTO) DO SEU RENDIMENTO MENSAL
BRUTO, FUNCIONA COMO UM INDUTOR INERCIAL DE
SUPERENDIVIDAMENTO DAS PESSOAS FÍSICAS NO MERCADO DE
CONSUMO DE BENS E SERVIÇOS, ASSIM COMPROMETENDO A DIGNIDADE
E SUBSISTÊNCIA PESSOAL DA AGRAVADA E VEDANDO-LHE O ACESSO A
VALORES INDISPENSÁVEIS À SUA SOBREVIVÊNCIA. PORTANTO, NESTE
PONTO, VAI MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA, QUE LIMITOU OS
DESCONTOS MENSAIS CONSIGNADOS NA FOLHA DE PAGAMENTO DA
AUTORA-AGRAVADA A 30% (TRINTA POR CENTO) DA SUA REMUNERAÇÃO.
4. NA ESPÉCIE, OS DESCONTOS MENSAIS DOS EMPRÉSTIMOS
CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO DE SERVIDORA PÚBLICA
ESTADUAL APOSENTADA, BEM ASSIM EM CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO
PESSOAL NÃO CONSIGNADO, COM PAGAMENTO MEDIANTE DÉBITO EM
CONTA, CONSOMEM QUASE A INTEGRALIDADE DA SUA REMUNERAÇÃO
LÍQUIDA. ESTE QUADRO DE INSOLVÊNCIA MATERIAL CONDUZ À
MANUTENÇÃO, NO PONTO, DA DECISÃO RECORRIDA. 5. NESTA MOLDURA
CONJUNTURAL, A PROVA DOCUMENTAL PRODUZIDA NO ACERVO
PROCESSUAL INTEGRADO ATESTA A SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO
DA AUTORA-AGRAVADA, MATERIALIZANDO A PROBABILIDADE DO FUMUS
BONIS JURIS E DO PERICULUM IN MORA, COM PERIGO DE DANO DE DIFÍCIL
REPARAÇÃO E RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO DE ORIGEM, NAS
ALEGAÇÕES POR ELA DEDUZIDAS, QUE DEMONSTRAM OS DESCONTOS
CONSIGNADOS MENSAIS OPERADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO MENSAL,
COLOCANDO EM RISCO A SUA DIGNIDADE, SUBSISTÊNCIA E MANUTENÇÃO
DO MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDOS NÃO SÓ POR MEIO DAS CLÁUSULAS
GERAIS DE TUTELA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, MAS,
TAMBÉM, E MUITO ESPECIALMENTE, NAS ALTERAÇÕES NORMATIVAS
INTRODUZIDAS PEL A LEI FEDERAL Nº 14.181/2021, DE 01/07/2021
(DOU DE 02/07/2021), A DENOMINADA "LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO
DO CIDADÃO". MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA NO PONTO.
PRECEDENTES DO STJ E DO TJRS EM MATÉRIA DE SUPERENDIVIDAMENTO
DE PESSOAS NATURAIS. 6. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO DE
PLANO, COM FUNDAMENTO NO ART. 932, INC. VIII, DO CPC, COMBINADO
COM O ART. 206, INC. XXXVI, DO RITJRS. RECURSO DESPROVIDO.M/AI Nº
4.207 - JM 18/12/2021 (Agravo de Instrumento, Nº
52191999420218217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em: 18-12-
2021)

Assim é que, salvo melhor juízo, estão presentes os requisitos para que seja
deferida a antecipação parcial dos efeitos da tutela, para os fins de limitar a totalidade dos
descontos para pagamento de dívidas a 30% dos vencimentos da parte autora; determinar a
suspensão da exigibilidade dos demais valores devidos, ao menos até a realização da
audiência de conciliação prevista no artigo 104-A do CDC e, como efeito da tutela provisória,
determinar aos demandados que se abstenham de incluir o nome da parte autora em
cadastros de restrição de crédito, tais como SERASA, SPC e afins.

5.1 PROPOSTA DE PLANO DE PAGAMENTO


6. DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer à Vossa Excelência:

LIMINARMENTE e inaudita altera pars, deferir a tutela provisória, para:

a) Limitar a totalidade dos descontos para pagamento de dívidas a 35% dos


vencimentos líquidos da parte autora, conforme proposta de plano de
pagamento provisório, anexa.;

b) Determinar a suspensão da exigibilidade dos demais valores devidos, ao


menos até a realização da audiência de conciliação prevista no artigo 104-
A do CDC;

c) Ainda, como efeito da tutela provisória, determinar aos demandados que


se abstenham de incluir o nome da parte autora em cadastros de restrição
de crédito, tais como SERASA, SPC e afins, sob pena de multa a ser
cominada por Vossa Excelência, a qual sugere em R$500,00 diários a se
consolidar em 90 dias;

d) Sejam intimadas as rés para proceder a exibição de TODOS os contratos


de origem das relações obrigacionais creditícias, sob pena de multa diária a
ser fixada pelo Juízo, consoante ao que determina o inciso VIII, do art. 6º, do
CDC; em até 15 (quinze) dias antes da realização da audiência de
conciliação;

No MÉRITO:

e) Determinar a citação e intimação das rés para comparecer à audiência de


conciliação prevista no artigo 104-A do CDC, em data a ser fixada por Vossa Excelência;
f) Fazer constar da intimação para a audiência a advertência constante do §
2º do art. 104-A do CDC, de que “o não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou
de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação
de que trata o caput deste artigo acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a
interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de
pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo
consumidor, devendo o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o
pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.”

g) Para a hipótese de acordo parcial ou não existência de acordo, desde logo


requer seja ordenado o prosseguimento do feito, com a sua conversão em “processo por
superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas”
conforme expressamente previsto no artigo 104-B do CDC, adotando-se o rito processual ali
determinado;

h) Requer ainda a revisão dos contratos firmados entre as partes para


ajustar os juros remuneratórios à taxa média de mercado apurada pelo Banco Central, de
forma que os juros viabilizem o pagamento pela autora, respeitando os ditames
constitucionais citados, dentre eles o da dignidade da pessoa humana;

i) Ao final, configurando-se a hipótese legal, condenar os demandados a


suportar os ônus legais e jurídicos da sucumbência, dentro das balizas do artigo 85 do CPC.

l) Seja invertido o ônus da prova, na forma do art. 6º, VIII, do CDC, em face
da verossimilhança das alegações e da hipossuficiência da autora consumidora;

m) Seja concedida a gratuidade de justiça nos termos da Lei nº 1.060/50 e


do art. 98 e seguintes do CPC, tendo em vista que a autora é hipossuficiente financeiramente
e não possui condições de arcar com o pagamento de custas processuais e honorários
advocatícios, o que se constata dos documentos acostados que comprovam tal situação.

Requer provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos,


em especial documental e pericial.

Dá-se à causa o valor de alçada, R$ 12.145,00.

Termos em que, pede deferimento.

Caxias do Sul/RS, 17 de fevereiro de 2023.

Maurício Rodrigues de Freitas Gustavo Cenci Agostini


OAB/RS 100.379 OAB/RS 102.173

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