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Aluno: Alvaro Inforçatti

Disciplina: Instituições de Direito

Resenha Crítica do livro de Albert Camus,“Reflexões sobre a guilhotina”.

Com o avanço das relações interpessoais os indivíduos que coexistem em comunidades e


teias sociais desenvolveram discussões acerca de seus comportamentos para com seus
companheiros, e entre esses dilemas surgiu a necessidade de analisar o sistema jurídico-
carcerário, e com isso, a viabilidade de certos métodos de punição, assim como a pena
capital. Diante dessa necessidade, o filósofo e escritor Albert Camus escreveu o livro
“Reflexões sobre a guilhotina”, no qual o tema central é a discussão sobre a viabilidade da
pena de morte aplicada em pessoas que cometessem atos criminisos de grande relevância
no contexto em que estava inserido.
A obra é iniciada com a descrição do relato vivido pelo pai do autor, o qual presenciou
uma sentença capital em praça pública de um assassino que havia massacrado uma família
de fazendeiro e suas crianças, e como isso afetou seu ser psicológico. Segundo a descrição
do próprio filósofo, ao testemunhar a morte do homicida pela guilhotina, seu pai acabara de
perceber o horror da morte e relembrar o porquê de ser temida, segundo Camus, “ao invés
de pensar nas crianças mortas, ele não conseguia pensar em nada além daquele corpo
trêmulo, que havia acabado de ser largado sob uma tábua para ter sua cabeça cortada”.
Essa análise pode ser introduzida no conceito abordado pela pensadora Hannah Arendt, a
banalidade do mal(1), uma vez que a pena capital nunca era tratada como o que ela
realmente é, a obstrução de uma vida de acordo com o julgamentos de outros indivíduos,
mas sim como se o penalizado tivesse “pagado seu débito com a sociedade” ou que “as
cinco horas da manhã a justiça foi feita”, tratando a execução com um tom de eufemismo,
algo ordinário e sem a relevância que esse ato verdadeiramente possui, sendo comparada
com o estigma associado às doenças como câncer e tuberculose na época vigente à
narrativa.
Nos passos subsequentes do livro surge a discussão em torno da utilidade da pena de
morte, defendida por muitos pelo seu objetivo de “servir de exemplo” para os potenciais
criminosos que presenciassem a sentença, o que constiui um argumento inválido e
infundado haja visto que essa prerrogativa foi estuda e analisada por diversos veículos de
informação, assim como a BCC news(2), e foi comprovado a ineficácia dessa função para a
utilização da pena capital. Outro fato que corrobora para descredibilização desse argumento
é o fato de que a partir de um determinado momento as execuções foram realizadas dentro
das próprias cadeias, sem acesso do público, logo improvável de ter qualquer influência
sobre a população e possíveis futuros criminosos.
Ademais, ao usar a atual Constituição brasileira, mais precisamente o artigo 5(3), o qual
transcreve sobre o direito dos cidadãos à vida e sua isonomia, pode-se entender que o
princípio da pena capital viola o direito à vida, mesmo se tratando de criminosos, pois
seguindo o conceito de isonomia, também expressado no artigo, todo cidadão é igual
perante a lei, sendo a mesma violada ou não. Portanto, os cidadãos brasileiros ou
estrangeiros residentes no País têm o direito de se defender de acusações e não pegar com
a própria vida, mas sim com a pena devidamente aplicada para cada situação, determinada
pelo tribunal em questão.
Outro ponto levantado na obra é a imprevisibilidade do homem, segundo relatos do
próprio livro, a maior parte dos assassinos não pretendia cometer o crime antes de fazê-lo,
não pensava na morte de alguém na manhã do crime enquanto escova seus dentes. A
partir dessa síntese é possível definir o ser humano como ser mutável e inconstante, sendo
seus atos e ações determinados por motivações diversas em variadas circunstâncias, e
assim também é com as suas decisões, sendo elas de ordem normativa ou jurídicas,
decisão de qual pão comprar ou se uma sentença máxima deve ser aplicada em alguém.
Ao permitir a legalidade da pena capital o homem deve entender os limites racionais do
próprio ser, ele não é perfeito e tão pouco suas decisões são 100% corretas, assim como
ocorreu nos Estados Unidos o caso Chessman(4), ou também conhecido como “bandido da
luz vermelha”, sentenciado à morte pelo Tribunal Federal de São Francisco após acusação
de uma série de assassinatos, e no momento em que ele estava a caminho da câmara de
gás, seu time de advogados contatou o presidente do tribunal para o reconhecimento de um
direito que foi negado ao seu cliente, e após refletir sobre os argumentos do time de
Chessman, o presidente reconheceu o erro e ordenou o atraso de meia hora da execução
para obter um melhor julgamento da acusação, o que não obteve o êxito, pois o réu já havia
dado como morto na câmara de gás, um erro que poderia salvar a vida de um cidadão que
não obteve seu direito de isonomia.
Outrossim, as teias sociais e suas culturas não são estáveis e imutáveis, sendo isso
refletido no seu conjunto de normas jurídicas, a Constituição. A maioria dos Estados tiveram
uma mudança drástica nos seus códigos jurídicos, assim como os Estados Unidos com sua
lei que proibia o casamento inter-racial(5), e só a partir de 1967, usando a caso Loving
versus Virginia(6) como precedente, foi decidido a legalizaçao do casamento entre brancos
e negros. Portanto, é entendido que até a própria lei pode sofrer alterações ao longo dos
anos, o que em uma década pode ser considerado crime, na década seguinte pode ser
legalizado, sendo assim, decidir pela legalidade da pena capital é privar o direito de
mudança do código jurídico, privar o réu de defender-se usando a Constituição, assim como
se algum casal inter-racial consolidasse o matrimônio antes de 1967, seriam presos, mas
nos anos subsequentes isso seria retratado.
Com isso, é possível conferir o grau de seriedade ao objeto de análise de Albert Camus
em sua obra, a viabilidade da pena capital, uma medida que priva o direito à vida, não
compreende o caráter anamórfico do próprio homem e de seu julgamento e impede a
defesa do réu de acordo com a mutabilidade dos códigos jurídicos.

Referências:
(1)https://www.politize.com.br/hannah-arendt-banalidade-do-mal/#:~:text=Hannah
%20Arendt%20chegou%20%C3%A0%20conclus%C3%A3o,virou%20comum%20de%20ser
%20praticado

(2)https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/01/150115_penademorte_pai_jf

(3)https://www.oab.org.br/publicacoes/AbrirPDF?LivroId=0000004097#:~:text=(Dispositivos
%20aplic%C3%A1veis)-,Art.%205%C2%BA%20Todos%20s%C3%A3o%20iguais
%20perante%20a%20lei%2C%20sem%20distin%C3%A7%C3%A3o,seguintes%3A%20(...)

(4)https://www.jusbrasil.com.br/artigos/pena-de-morte-e-erros-judiciais-dois-casos-
emblematicos/111842157
(5)https://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/ObrasJuridicas/iv%202.pdf?
d=636680453445105256

(6)https://www.cafehistoria.com.br/luta-pelo-direito-de-casar-lovings-vs-virginia/

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