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DE CONIECTURIS: UM NOMINALISMO SIMBÓLICO?

Raphael Gargiulo1

ABSTRACT:
The present study endeavors to demonstrate that it is not implausible for the referential
characteristic of the signum, inherent in nominalism, to have influenced the philosophical
thought of Nicholas of Cusa. This inquiry holds substantial philosophical significance, as
evidenced by De Cusa's work "De Coniecturis," where elements reminiscent of the
concepts of object, self, and knowledge are introduced, subsequently gaining prominence
in both modern and contemporary philosophical discourse. This serves as a preliminary
sketch of what could be construed as a theory of objectivity, notably prevalent in
transcendental idealism. The study will undertake an examination of this potential
relationship among the acts of conjecture, the sign, and nominalism, within the
framework of three fundamental pillars: a) The conceptualization of Sign and
Signification within Ockham's nominalism; b) Does conjecture imply a form of
nominalism? c) The conceptualization of symbolism in Nicholas of Cusa.

DE CUSA, NOMINALISM, DE CONIECTURIS, SIGNUM, SIMBOLISM.

RESUMEN:
El presente estudio se esfuerza por demostrar que no es implausible que la característica
referencial del signum, inherente al nominalismo, haya influido en el pensamiento
filosófico de Nicolás de Cusa. Esta investigación tiene una significancia filosófica
sustancial, como se evidencia en la obra de De Cusa "De Coniecturis", donde se
introducen elementos que recuerdan a los conceptos de objeto, yo y conocimiento,
ganando posteriormente prominencia en el discurso filosófico tanto moderno como
contemporáneo. Esto sirve como un boceto preliminar de lo que podría interpretarse
como una teoría de la objetividad, notablemente prevalente en el idealismo
trascendental. El estudio emprenderá un examen de esta potencial relación entre los
actos de conjetura, el signo y el nominalismo, dentro del marco de tres pilares
fundamentales: a) La conceptualización de Signo y Significación dentro del nominalismo
de Ockham; b) ¿Implica la conjetura una forma de nominalismo? c) La
conceptualización del simbolismo en Nicolás de Cusa.

DE CUSA, NOMINALISMO, DE CONIECTURIS, SIGNUM, SIMBOLISMO.

1
Mestrando em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), tendo como linha de pesquisa:
Metafísica e Ontologia Geral, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Calixto - Universidade Federal de Juiz
de Fora (UFJF) /Juiz de Fora. Bacharel em Direito, advogado especialista em Direito Processual Civil pelo
Instituto PROMINAS, graduando em bacharelado em filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF). E-mail: raphaeldeogargiulo@gmail.com.
I – O CONCEITO DE SIGNO E SIGNIFICAÇÃO COMO FUNDAMENTO DO
NOMINALISMO DE OCKHAM

Para compreender a fundamentação do conceito de signo e significação pelo


nominalismo, sobretudo no pensamento de Ockham, volve-se sucintamente ao
questionário de Porfírio, na Isagogè, propõe três perguntas, quais sejam:

1.) Os gêneros e as espécies subsistem ou são postos em intelecções


isoladas e nuas? 2.) Subsistentes, são corporais ou incorporais? 3.)
Se postos separados dos sensíveis ou nos sensíveis, são constantes?2

Como é notório, essas três questões, claramente postas, mas não resolvidas por Porfírio,
constituem a origem da Querela dos Universais. Pois bem, para a primeira pergunta,
sobretudo a primeira parte, temos da leitura de Boécio que os gêneros e as espécies devem
subsistir, pois do contrário o conhecimento seria falso, caso fossem intelecções isolados
e nuas, de forma que precisamos de algo que “re-presente”, que dê consistência ao
pensamento.
Boécio, ao traduzir a Isagogè, e por isso que, como Porfírio, parece estar em busca de
uma certa verdade ontológica e, também, por isso que Boécio abandona a ideia de que os
universais seriam intelecções isoladas e nuas. Caso não haja uma adequação entre o
Modus Essendi - intelligendi – haveria, tão somente, um erro e por assim, não seria
possível fazer ciência, sabendo que para Aristóteles não há ciência do particular, mas tão
somente dos universais.

Das coisas que existem, [1] umas são ditas de algum sujeito, mas
não existem em nenhum sujeito. Por exemplo, homem é dito de
um sujeito, a saber, de um certo homem, mas não existe em
nenhum sujeito. [2] outras existem no sujeito, mas não são ditas
de nenhum sujeito (com ˂num sujeito˃ quero dizer aquilo que
existe em alguma coisa, não como uma sua parte, e que não pode
existir separadamente daquilo em que existe). Por exemplo, um
certo conhecimento gramatical existe num sujeito, a saber, na
alma, mas não é dito de nenhum sujeito; e um certo branco existe
num sujeito, a saber, no corpo (pois toda a cor existe num corpo),
mas não é dito de nenhum sujeito. [3] Outras são ditas de um
sujeito e existem num sujeito. Por exemplo, o conhecimento
existe num sujeito, a saber, alma, e é dito de um sujeito, a saber,
da gramática. [4] Outras ainda nem existem num sujeito nem são
ditas de um sujeito. Por exemplo, um certo homem ou um certo
cavalo; pois nenhum destes existe num sujeito nem é dito de um
sujeito. Em geral, as coisas individuais e numericamente umas
não são nunca ditas de um sujeito, mas nada impede que algumas

2
C. E. de Oliveira. Ockham Comentador de Porfírio: Sobre a Metafísica na Querela dos Universais.
Revista Ética e Filosofia Política, nº XXI – Vol. III. pg 83. 2018
existam num sujeito; pois um certo conhecimento gramatical é
algo que existe num sujeito.3
Aristóteles4, então, propõe que para que haja verdade, uma mesma coisa deve existir sob
dois aspectos, matéria e forma, matéria enquanto a substância da coisa individual e forma
como delimitação (definição) atingida graças a sua teoria abstração. Vale notar que o
modus intelligendi irá tentar abstrair a essência da res, não sua matéria, o que
possibilitaria a teoria da verdade como adaequatio intellecto et rei, como dirá
posteriormente o realismo Tomasiano com o qual o nominalismo de Ockham vai dialogar.
O modus intelligendi, por intermédio do modus dicendi se encarna e torna-se sensível e,
logo, suscetível de apontar para outra coisa que si mesmo, a saber: o modus essendi, donde
o caráter universal da ciência que se realiza em signo numa proposição de dimensão
generalizante e especificamente.
A partir daí, surge a radicalização deste realismo em Guilherme de Champeaux, qual finca
sua proposta naquela primeira alternativa, ‘subsistem’ ou, então. não há verdade, nem,
por conseguinte ciência. O que o pai do Nominalismo, Roscelino de Compiègne rejeitará
posteriormente, justamente com fulcro no conceitualismo de Pedro Abelardo.
Ockham, também nominalista, apresenta, por sua vez, uma solução bem comedida à
questão da existência ou não dos universais. Se apropriou, em seu comentário da Isagogè,
daquelas três questões e reformulando-as.

1.) O gênero e a espécie são subsistentes fora da alma ou são


unicamente no intelecto? 2.) São corporais ou incorporais? 3.) Se
forem incorporais, são separados dos sensíveis ou são nos próprios
sensíveis?5

Assim, Ockham evidencia sua vertente nominalista, pois em nenhum momento coloca
em dúvida a existência dos universais no intelecto, mas se interroga se os universais, que
existem no intelecto, existem somente no intelecto.
Decorre desta posição, com relação aos universais, que a questão da verdade não é mais
colocada de forma ontológica, como em Aristóteles e Tomás de Aquino, mas trata-se, em
verdade, de uma questão uma questão de linguagem. O que verdadeiramente significa o
emprego dos termos universais.

3
Aristóteles, Categorias, 1a 20- 1b 8.
4
Aristóteles, Analíticos, Livro II, § 19, 100a 3-100b 17.
5
C. E. de Oliveira. Ockham Comentador de Porfírio: Sobre a Metafísica na Querela dos Universais. p.
83. 2018
A metafísica ockhamiana pressupõe a singularidade de tudo aquilo que o intelecto
apreende e que, consequentemente, o mesmo intelecto atribuí nomes que implicam uma
coleção de coisas singulares, relevam de uma ação do intelecto e, por sua vez, gera um
distanciamento da res singularis. Em argumentos na Ordinatio, Ockham propõe que:

a.) “Qualquer coisa existente imaginável é, de per se, sem qualquer


adição, uma coisa singular e numericamente uma, de modo que
nenhuma coisa imaginável é singular por algo acrescentado a ela.”
b.) “Não há um universal existente realmente fora da alma nas
substâncias individuais, nem desde a substância ou desde a essência
delas. Ora, o universal ou se encontra unicamente na alma ou é
universal por instituição, do modo pelo qual a voz falada ‘animal’ (e,
de modo semelhante, ‘homem’) é universal: porque é predicável de
muitos; não por si, mas pelas coisas que significa.” 6
Ockham restringe a faculdade da imaginação à percepção sensível da singularidade, dessa
forma a totalidade, que implica uma singularidade, não poderia ser objeto da imaginação.
De fato, pode-se imaginar um objeto que está diante do sujeito, um objeto qualquer do
qual se faz a experiência sensível, mas não pode-se imaginar uma conexão entre esses
mesmos objetos singulares. Nesta toada, questiona-se quais são as questões relevantes da
metafísica aristotélica para o estatuto dos signos na corrente nominalista de Okcham?
Para Ockham, o modus intelligendi irá se distanciar do modus essendi, mas a intensidade
da verdade se dá, para ele, nos singulares e não nos gêneros e nas espécies, como apontara
Aristóteles. Essa questão da verdade vai reverberar na relação entre os modus, o modus
dicendi, que pretende indicar o universal não o faz essencialmente, mas tão somente,
singularmente, uma vez que o modus essendi se dá, agora, com o res singularis.
Em suma, o fato de termos aqui uma metafísica que assume que toda experiência humana
é necessariamente experiência do singular e que as coisas “extra-mentais” não podem
“ex-istir” em sua singularidade com o caráter “de comunidade atribuído àquilo que é o
universal”, de igual modo, Ockham transmuta a pergunta original em uma questão de
significação. Assim, aponta que “[...] todo termo seja parte da proposição, ou o possa ser,
nem todos os termos são da mesma natureza.”7 Com efeito, para Ockham, existem sob
três formas de concebermos os termos: escritos, falados e os signos conceituais, conforme
o texto.

6
OCKHAM; Expositio in Librum Porphyrii dePraedicabilibus. Prooem. § 2, p. 11, l, 29-34, 1978, apud
C. E. de Oliveira. Ockham Comentador de Porfírio: Sobre a Metafísica na Querela dos Universais. 2018.
7
OCKHAM, Guilherme de. Lógica dos termos / Guilherme de Ockham : Trad. Fernando Pio de Almeida
Fleck : Introd. Paola Müller. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 1999. 365 p. : (Coleção Pensamento Franciscano,
v. 3). P. 118
[...] tríplice é o termo, a saber: escrito, proferido e concebido. O termo
escrito é a parte da proposição inscrita em algum corpo, que é vista ou
pode ser vista pelo olho corporal. O termo concebido é a intenção ou
paixão da alma significando ou co-significando naturalmente algo,
capaz de ser parte da proposição mental e por ela supor. Assim esses
termos concebidos e as proposições compostas por eles são aquelas
palavras mentais que Santo Agostinho, no Livro XV do tratado Sobre a
Trindade, diz não serem de língua alguma, porque permanecem apenas
na mente e não podem ser proferidas ao exterior, embora as palavras
faladas (voces), como sinas subordinados a eles, se pronunciem
exteriormente.8

No modelo nominalista proposto, como se verifica, o modus dicendi não se identifica


mais com os demais modus. Assim sendo, Ockham rompe com a tríade aristotélica,
atribuindo uma nova funcionalidade ao modus dicendi, que não seja mais a tal verdade
ontológica. Afinal, os nomes que utilizamos não designam necessariamente coisas,
ademais não há subordinação dos signos às coisas existentes, mas sim subordinação,
enquanto signos, aos signos mentais, quais são, em sua vez, inefáveis.
Como, então, estabelecer a designação que Ockham propõe? Considerando que o aspecto
convencional do signo seria linguístico. Caberia, então, nos interrogarmos sobre sua
função, dado que não são meros flatus vocis.
Haveriam dois tipos distintos de signos, interior e exterior: um tido como conceito ou
intenções da alma e outro enquanto tentativas de exteriorização (signos escritos e signos
falados) de suas intenções. Essa distinção seria a primeira marca do nominalismo
escolástico.
Aqui já é possível ver, em sua medida, uma correlação ao pensamento de De Cusa, pois
verifica-se que ambos, tanto o cusano quanto o nominalista, estão de acordo que o
conceito de verdade não poderá ser extraído de um singular, tão somente. Se não são mais
a verdade ontológica, qual seria, então, a função de tais signos? Carlos Eduardo de
Oliveira explica que:

[...] ao fazer do universal nada além de um signo mental natural que não
cumpre senão a função linguística de um predicado, Ockham elimina
qualquer possibilidade de uma saída platonizante relativa à questão dos
universais. 9
Assim, os termos exteriores se tornam convenções ad placitum que existem para
significar, dar signo, a coisas singulares, quais apreendem-se singularmente, ou seja, os

8
OCKHAM, Guilherme de. Lógica dos termos / Guilherme de Ockham. p. 119
9
OCKHAM, Guilherme de. Expositio in Librum Porphytii de Praedicabilibus, Prooem. § 2, 1978, p. 15
s., lin 163-198; apud C. E. de Oliveira. Ockham Comentador de Porfírio: Sobre a Metafísica na Querela
dos Universais. p. 105. 2018.
termos, as palavras convencionadas pela língua são apreendidas; contudo, num segundo
momento esses termos possuem a serventia de expressar os signos mentais, assim tem-se
do movimento claro, e muito bem disposto, no qual o homem vê, através do sentido da
visão, uma coisa nova, nomeia essa coisa, usa desse nome para significar o conceito
daquela coisa singular e através da memória, resgata aquele signo que não é mais a coisa,
mas sua “re-presentação”, um signo dela.

II – CONJECTURAR SERIA UMA FORMA DE NOMINALISMO?


Para defender tal proposta, o estudo parte sobre o que seriam os signos e as conjecturas
para Nicolau de Cusa. Em diversas obras, Nicolau de Cusa versa sobre o que seriam os
signos. Uma delas acaba se destacando, o De Compedium, donde se detrai:

Signa omnia, sensibillia sunt et aut naturaliter res designant aut ex


instituto . Naturaliter, uti signa, [per quae in sisnu designatur obiectum.
Ex instituto vero, uti vocabula et scripturae et omnia, quae aut auditu aut
visu capiuntur et res, prout institutum est, designat. Naturalia signa
naturaliter nota sunt sine omni alio doctore, sicut signum designans
colorem omnibus videntibus notum est et designans vocem omnibus
audientibus – ita de aliis sensibus. 10

Nesse excerto Nicolau de Cusa estabelece que todos os signos são perceptíveis, tanto os
naturais quanto os convencionais, e que ambos possuem uma função: designar. Contudo,
o que significa designar e como fazem? Designar é um ato pelo qual um sujeito se
relaciona a algo interior ou exterior através de signos (naturais ou artificiais) que apontam
para algo outrem.

Vê-se, então, que Nicolau De Cusa assimila um elemento básico do conceito de signo
elaborado por Aristóteles no Peri Hermeneia (Traduzido como De Interpretatione por
Boécio). O que nos lembra de imediato o, já mencionado, tríptico: modus essendi, modus
intelligendi, modus dicendi. A questão fundamental para decidirmos quanto a possível
influência nominalista no pensamento de Nicolau de Cusa seria, segundo nos parece,
saber como esses três modi do tríptico se relacionam, sobretudo, quando se trata de signos
que remetem aos universais, a saber aos gêneros e às espécies.

Num texto importante do De Coniecturis, De Cusa afirma que “Has mentales unitates
vocalibus signis figurat.”11 Ou seja, de certa forma, ao assumirmos que a comunicação se
dá por meio de signos, a compreensão das coisas se dará, também, por meio de signos e

10
Comp. II, 2:h I, 5, n. 5-8
11
De Coni. I, 4:h, III, 14, n. 1.
o signo SEMPRE será insuficiente, pois sempre será representação de significados de
unidades singulares ou unidades que englobam uma pluralidade. Então, nunca
compreenderemos, por meio de signos, a unidade específica que é a humanidade, por
exemplo. Pois a essência das próprias coisas está além do poder de conjecturar e o signo
simplesmente encarna uma conjectura.

Omnia autem in deo deus, in intelligentia intellectus, in anima anima,


in corpore corpus . Quod aliud non est quam mentem omnia complecti
vel divine vel intellectualiter vel animaliter aut corporaliter : divine
quidem, hoc est prout res est veritas ; intellectualiter, hoc est ut res non
est veritas ipsa, sed vere ; animaliter, hoc est ut res est verisimiliter ;
corporaliter vero etiam veri similitudinem exit et confusionem
subintrat. 12

Em suma, Nicolau De Cusa parece ir além de Ockham, pois para ele nunca apreender-se-
á as unidades reais, sejam elas singulares ou múltiplas, através de signos provindos de
nossas conjecturas e, consequentemente, propriamente falando, o signo não significa a
coisa em si, mas tão somente informa que a coisa é, que “ex-siste” a partir da primeira
unidade, na qual ela subsiste verdadeiramente. Ainda, no que se refere ao mundo interior,
mundo de signos mentais e conjecturas, as coisas não se encontram enquanto tais, mas
tão somente como coisas para nós.

No entanto, para De Cusa, quando refere-se à uma designação específica ou genérica,


diferentemente da designação do singular, o sujeito se eleva da multiplicidade inerente ao
sensível, devido ao fato de ele ser investido do grau mais elevado de alteridade e busca
se familiarizar com características em comum, meras semelhanças conjecturais, para
unificar multiplicidades numa unidade superior, seja específica ou genérica, para que
possa conjecturá-las e expressá-las. A intensidade de verdade, como diz claramente o
texto acima citado, seria inversamente superior ao grau de multiplicidade, ainda que
sempre conjecturas.

Assim, faz-se pertinente o retorno às pirâmides contidas no De Coniecturis, sendo que as


unidades mais próximas dos indivíduos, isto é, da alteridade pressupõe um maior grau de
contração das unidades do que aquelas mais próximas dos universais, isto é, da Unidade.
Daí o movimento “bidirecional” da mente, quando ela distingue todas as coisas e une

12
De Coni. I, 4:h, III, 15, n. 1-10.
todas as coisas, de forma que a inteligência não divina e a alma racional não estão,
totalmente, fora da divindade.
Desta forma, o conceito de verdade está inerente à pirâmide, de modo que pode ser
encontrado e correlacionado entre os graus de intensidade da unidade e da alteridade que
se interpenetram, seja divinamente, intelectualmente, como a alma o faz ou bem como o
corpo.
Pois, a mente humana realiza esse movimento de idas e vindas por dentro dos espectro
alteridade-unidade e o fazendo, a própria mente humana organiza o micro-cosmos
interior, buscando verdades mais próximas dos universais, isto é, nos gêneros e nas
espécies e buscando verdades mais próximas dos indivíduos, mas sempre conjecturando
e assim devido a limitação da inteligência, que não divina, ainda que participe da
divindade, em certo modo, o sujeito nunca atingirá a verdade per si, mas sempre
tangenciando-a.
Assim se interpreta a afirmação do filósofo na Comp. II, 5:h I, 13, n.1-20, qual que os
casos de quantidade são individualmente conhecidos por meio de um sinal que tem
correlação com a quantidade em geral. Em outras palavras, a unidade sensível é conhecida
pela mediação das unidades racional e intelectual, mas tem sua unidade garantida pela
sua aderência ontológica à primeira unidade, que lhe concede uma verdade ontológica
como horizonte, somente.
A verdade ontológica provém ou emana da própria divindade ou unidade inefável. Já os
diferentes níveis de verdade (intelectual, racional e sensível) que formamos a partir dos
sinais naturais desta emanação da unidade absoluta constituem pura e tão somente
conjecturas.
Desta forma, a mente humana, não somente tem o poder de unificação que funda o ato de
conjecturar, mas possui igualmente a faculdade que consiste justamente em “co-
significar” essas unidades conjecturais, para si mesma e para outrem, graças à faculdade
de pensar e se exteriorizar através de signos, o que se verifica:

Nam cum nullum signum adeo sufficienter modum essendi designet,


sicut designari potest, si melliori modo, quo fieri potest. Ad cognitionem
perveniti debet, per varia signa hoc fieri necesse est, ut ex illi melius
notitia haberi queat, sicut melius ex quinque sensibilibus signis
sensibilis res cognoscitur quam ex uno aut duobus.13

13
Comp. II, 1:h I, 1, n. 2-8.
Em suma, tenta-se demonstrar que existe uma íntima conexão entre conjectura e
significação. Analisar-se-á, agora, o conceito do termo simbólico, e o alcance do
conhecimento, para De Cusa, através do ato conjectural e suas possíveis relações.

III – O ALCANCE DO CONHECIMENTO POR MEIO DAS CONJECTURAS


“SIMBÓLICAS”
A palavra símbolo vem do grego e tem como prefixo Syn, que passa a ideia do movimento
de encontro e Boleyn, que é associado ao verbo de lançar, arremessar. Dessa forma, o que
percebemos é que ao conjecturar a mente humana lança/arremessa um sentido/significado
ao objeto que está fora dela, significando-o à sua maneira e assim organizando seu micro-
cosmos.

O que seriam, então, finalmente, as correlações entre as conjecturas, os signos e o


nominalismo? Nos parece que De Cusa propõe um novo paradigma de intelecção sobre a
apreensão do mundo. De forma que o sensível se mostra determinante para que haja o
conhecimento:

Res igitur, ut cadit in notitia, in signis deprehenditur. Oportet igitur, ut


vários cognoscendi modos in variis signis quaeras. Nam cum nullum
signum adeo sufficienter modum essndi desgnet, sicut perverveniri
debet, per varia signa hoc fieri necesse est, ut ex illi melius notitia
haberi queat. 14

De Cusa parece crer, então, que as coisas se inserem no âmbito do conhecimento através
dos signos, o mundo é repleto de signos sensíveis que nos possibilitam produzir
conjecturas das coisas. Neste excerto, em particular, De Cusa ainda diz que os vários
modos de conhecer devem ser buscados dentro e através de vários signos, pela lógica,
pode-se deduzir que o conhecimento conjectural perpassaria pelos signos?

Assim como para Ockham, De Cusa compreende que nenhum signo designa o modo de
ser tão plenamente quanto pode ser designado, conforme explicita:

Cum autem perfectio signorum recipiat magis aut minus, nullum


signum umquam erit ita perfectum et speciale, quin possit esse
perfectius. Singularitatis igitur, quae non recipit magis et minus,
nullum est dabile signum. Et ideo tale non est per se cognoscibile, sed
per accidens. 15

14
Comp. II, 2:h I, 3, n. 1-6.
15
Comp. II, 5:h I, 11, n. 14-19.
Ainda nesta passagem percebe-se uma conexão e uma divergência entre o Nominalismo
e o pensamento Cusano, pois o signo apenas demonstra, representa, mas jamais vai ser a
coisa em si, dessa forma o conhecimento humano será sempre conjectural, jamais
atingindo a verdade. Logo, a verdade não releva da adequação entre o modus essendi e o
modus intelligendi. Afinal, conhecemos as coisas através das instâncias e graus superiores
de conjectura, como dito acima, a mente humana organiza, por intermédio do poder
unitivo, do individual ao coletivo e realiza tal associação, a unificação dos graus, através
da inteligência, qual é princípio das concepções racionais de todas as coisas, conforme o
De Coniecturis:
Intelligentia igitur nihil horum est, quae dici aut nominari possunt, sed
est principium retionis omnium, sicut deus intelligentiae. In istis
meditari diligenti assiduitate, et dum profunda mente intraveris,
difficilia apud plures tibi manifestabuntur cum dulcore intellectualis
dulcedinis omnem sensibilem amoenitatem incomparabitiliter
excellentis.16

Pois, uma das máximas da economia proposta pelo Cusano é, exatamente, a de que o
conhecimento humano é limitado e não pode compreender a essência das coisas. Nessa
toada, é lógico reconhecer a incapacidade do ser humano em conhecer as coisas como
elas são, o que acaba por concordar com o sentido de signo que o nominalismo apresenta,
os signos não são as coisas, mas sim uma representação aquém do modo ontológico que
as manifestam.

CONCLUSÃO

O próprio De Cusa utiliza-se de argumentos matemáticos, qual seja o “círculo máximo”


para representar o conhecimento humano, qual sempre será um polígono inscrito dentro
de um círculo e que por mais que tenha tal consciência e que busque “aparar as arestas do
polígono”, nunca atingirá os 360º do conhecimento. E o que apara essas “arestas do
polígono” é a inteligência humana, que não é, em si, imanência divina, mas sim própria
do ser, que foi dada pelo Uno.
Dessa maneira, tendo o signo para Ockham como algo que não faz o objeto em si, mas
que representa na mente tal objeto e compreendendo a proposta de Nicolau de Cusa de
que ao conjecturarmos não estamos apreendendo os objetos, mas sim os significados,
nota-se, então, uma grande proximidade entre os autores. Parece ser notório que não se

16
De Coni. I, 6:h, III, 26, 1-6.
nega a existência do mundo externo, mas seu conhecimento se dá através das estruturas
mentais, pois o intelecto arremessa (bolein) o significado para o mundo externo, sendo
possível, por fim, que De Cusa seja precursor do Idealismo Transcendental na
modernidade.

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