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Lucas de Souza Martins

ENSAIO DE ANTROPOLOGIA FILOSOFICA:  Cassirer e o homem como animal


simbólico

Trabalho apresentado à disciplina Antropologia


Filosófica do curso de filosofia do Instituto de
Filosofia e Teologia Dom João Resende Costa, da
PUC Minas.
Professor: Wanderley Martins da Cunha

Belo Horizonte

2021
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................3
ANÁLISE DA TEORIA DO ANIMAL SYMBOLICUM........................................................4
CONCLUSÃO...........................................................................................................................7
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INTRODUÇÃO

Desvelar e propor a essência do homem tem sido tarefa antiquíssima sobre a qual se
detêm vários filósofos antropólogos. De fato, a pergunta “o que é o homem” não foi
formulada por mentes contemporâneas, ao contrário, essa questão intriga o homem desde
quando ele começou a pensar a si mesmo. Afinal, qual a essência do homem? Qual a coisa
sem a qual o homem não é e com a qual nenhum outro ser é dotado? O que distingue o
homem de outros animais?
Dentre muitos pensadores que propuseram uma resposta a esse enigma se encontra
Aristóteles. Para o estagirita, segundo Henrique Cláudio Lima Vaz, a essência do homem é a
racionalidade (capacidade intelectual); sua capacidade política (VAZ, 1991); e paixão e
desejo, porém, segundo o mesmo autor, as duas últimas (paixão e desejo) apesar de
constituírem o homem, estão presentes em sua parte irracional e por isso, infere-se, portanto,
que está presente também nos animais. Já o ser político derivaria da racionalidade do homem,
ou seja, somente o animal racional é dotado de capacidade política. Desse modo, a razão é
para esse filósofo aquilo que identifica o homem e sem a qual o ser humano seria como outros
animais.
Vale a pena recordar também o pensamento de outro grande filósofo a cerca dessa
problemática: René Descartes. Para ele, a consciência é o pressuposto que distancia
infinitamente os animais e demais seres do homem. Somente o ser humano tem corpo (res
extensa) e consciência (res cogitans) enquanto que os demais têm apenas um corpo. Assim
sendo, a essência humana é a consciência e esta que lhe distingue dos não-humanos.
Como dito, além dessas duas mentes brilhantes, outras tantas tentaram solucionar essa
questão que perpassa milênios, porém dada a complexidade do tema, as respostas não são
absolutas e são sempre abertas a interpretações e refutações diversas. Na busca para propor
uma solução ao tema, Cassirer traça um itinerário intelectual cuja bússola norteadora é o
sistema simbólico o qual distingue o homem dos demais animais (portanto animais simbólicos
e não-simbólico) e que abrange todo o ser do homem. Será sobre essas duas vias que este
trabalho será exposto de forma dialogal com a teoria de Ernest Cassirer.
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ANÁLISE DA TEORIA DO ANIMAL SYMBOLICUM

Para entendermos a construção da antropologia de Cassirer cujo ponto principal é o


sistema simbólico, faz-se necessário lançar mão de seu livro Ensaio sobre o homem e sendo
mais específico do capítulo II: “Uma chave para a natureza humana: o símbolo”. Este capítulo
clareará esta pesquisa que se dará na tentativa de elucidar a questão de como o filósofo em
questão defende o homem como sendo um animal symbolicum.
Ao lermos o capítulo II, nos deparamos com um pensamento o qual Cassirer irá
refutar, propondo uma nova visão. O pensamento em questão é o de Johannes Von Uexküll,
biólogo alemão, um empirista formal baseado em “métodos de observação e experiência”
(CASSIRER, 1994 p. 45). Este mesmo autor expõe a teoria do referido biólogo destacando
que para este a realidade do mundo não é a mesma para todos os seres viventes, sendo mais
claro, cada espécie tem seu mundo próprio e que de modo algum é possível atribuir esse
mundo a outra espécie. Nesse sentido diz: “No mundo de uma mosca, diz Uexküll,
encontramos apenas ‘coisas de mosca’; no mundo de um ouriço-do-mar encontramos apenas
“coisas de ouriço-do-mar”. (CASSIRER, 1994 p. 46)
A partir disso, Cassirer assinala duas consequências decorrentes desse pensamento. A
primeira diz respeito ao conhecimento da experiência dos animais. Com efeito, segundo
Uexküll, a chave para se compreender o mundo animal seria encontrada a partir do momento
em que sua estrutura física fosse compreendida e seu corpo com todos os seus mecanismos
fossem estudados a fim de serem reconstruídos e sendo reconstruídos poder-se-ia experienciar
o mundo segundo aquela determinada espécie. A segunda consequência, que se nos apresenta
no texto é igualdade ontológica entre os diversos tipos de animais para qual aponta o
pensamento de Uexküll no qual, de certo modo, ele se nega a falar de formas de vida
inferiores ou superiores. A vida é perfeita em toda a parte; é a mesma no círculo menor e
maior. (CASSIRER, 1994, p. 46)
Ainda considerando esse pensamento e de acordo com suas pesquisas, esse biólogo
sustenta que cada ser tem capacidade de se adaptar ao ambiente no qual vive por meio de um
sistema receptor e um outro efetuador: “O sistema receptor, através do qual uma espécie
biológica recebe os estímulos externos, e o sistema efetuador, pelo qual reage a eles”
(CASSIRER, 1994, p. 47) e é justamente se valendo desses sistemas é que Cassirer se
contrapõe a Uexküll e começa a expor seu pensamento principal, pois para o filósofo essa
equivalência entre os seres não é aceitável e, portanto, ele propõe que:
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Entre o sistema receptor e o efetuador que são encontrados em todas as espécies


animais, observamos no homem um terceiro elo que podemos descrever como o
sistema simbólico. Essa nova aquisição transforma o conjunto da vida humana.
Comparando aos outros animais, o homem não vive apenas em uma realidade mais
ampla; vive, pode-se dizer, em uma nova dimensão da realidade. Existe uma
diferença inconfundível entre as reações orgânicas e as respostas humanas. No
primeiro caso, uma resposta direta e imediata é dada a um estímulo externo; no
segundo, a resposta é diferida. É interrompida e retardada por um lento e
complicado processo de pensamento. (CASSIRER, 1994, p.47-48)

Cassirer aceita que haja um sistema receptor e efetuador, mas acrescenta uma espécie
de terceiro elo que seria um sistema construtor ou transformador que seria, além do
diferencial humano, aquilo que mais se aproxima de ser sua essência.
Esse terceiro elo, o sistema simbólico, só verificado no homem e fruto de uma
resposta mais lenta aos estímulos que ele apreende, é que o diferencia dos demais animais.
Esses não têm o pensamento para mediar seus sistemas e por isso produzem uma resposta
imediata, já o homem rompe com essa característica animal e consegue responder de forma
simbólica àquilo que ele apreendeu.
Deste modo, para Cassirer o homem transpõe a barreira de sua natureza² (natureza
animal) para a qual não pode mais voltar. Agora ele está determinado a viver num “universo
simbólico” e não consegue ver a realidade com de fato ela é, ou seja, como ela se apresenta a
ele. O animal symbolicum para Cassirer (1994, p.48)
Envolveu-se de tal modo em formas linguísticas, imagens artísticas, símbolos
místicos ou ritos religiosos que não consegue ver ou conhecer coisa alguma a não
ser pela interposição desse meio artificial.

Ao lidar com esse aspecto da antropologia, Vinícius Figueiredo diz que “Cada uma -
mito, religião, linguagem e arte” -que são expressões simbólicas – “além da teoria- simboliza
um aspecto do real, todas envolvendo uma transformação das impressões sensíveis ‘em um
mundo de pura expressão espiritual’.” Junto a Figueiredo, Vladimir Fernandes diz:
Segundo Cassirer, o sujeito não tem acesso a um “dado sensível puro”, como propõe
o sensualismo. O dado sensível sempre é carregado de sentido pela percepção que já
é originariamente simbólica. Ou seja, a tese da pregnância simbólica de Cassirer
nega a tese do sensualismo que afirma que o dado sensível é um dado
fenomenológico puro. (2000, p.4)

A partir do momento em que o homem se encontra nessa nova dimensão da realidade


a sua experiência sensível não é pura como a dos animais: as coisas são matizadas pelo
espirito humano e ganham um novo significado, que não é aquele da coisa em si. Podemos
citar diversos exemplos para demonstrar como isso acontece na experiência humana.
Tomemos, para uma melhor compreensão, a placa de trânsito “PARE”. Ao se deparar com
esse objeto, não o apreendemos apenas aquilo que ele é “nu e cru” (sua forma e sua matéria),
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mas o nosso pensamento se põe em intenso trabalho e o ressignifica de tal forma que aquele
objeto nos passa uma mensagem de alerta, de cautela, de atenção, de cuidado, de perigo, etc.
Isso se dá devido a um processo de construção da linguagem que torna o homem capaz de
ajuntar as letras das placas e entender que a mensagem ali escrita pede que a pessoa pare,
além disso, as letras maiúsculas são apreendidas como mais dignas de atenção e ganha um
sentido de ordem, e ainda, quem se depara com o supracitado objeto é capaz também de ver a
cor vermelha e atribuir a ela um sentido de perigo, intensidade e importância. Passando para o
âmbito religioso podemos questionar o motivo pelo qual os católicos prestam seus louvores ao
que dizem ser eucaristia. Na realidade, e é assim que um animal não simbólico veria, aquilo é
um pedaço de pão redondo feito de trigo sem fermento, porém depois da consagração e
estando dentro do sacrário o católico não enxerga aquele pão senão como sendo o corpo de
Cristo. Mais uma vez podemos observar aqui, que houve toda uma construção simbólica em
torno de um objeto que deu a ele uma nova realidade. Neste exemplo podemos observar
claramente que “quanto maior for o distanciamento da matéria, mais complexa a
simbolização.” (VINÍCIUS FIGUEIREDO)
Foram dados esses exemplos mais claros que nos mostram como o homem vive suas
mais variadas experiências. De fato, não é apenas no âmbito religioso, artístico entre outros
que o homem, a partir do momento em que ele inverte a ordem natural, ressignifica a
realidade, mas o faz em toda a sua experiência humana como no diz Vladimir Fernandes (2000,
p. 4): “Na experiência sensível, por mais elementar que seja, nunca existe um mero dado
sensível, mas toda experiência contém sempre um dado sensível com significado.” E é por
isso que Cassirer propõe a definição de homem como sendo um animal simbólico ao invés de
animal racional: a racionalidade não cobre todo o ser humano, ou seja, há experiências
humanas que ficam fora da área racional e isso se dá “porque, lado a lado com a linguagem
conceitual, existe uma linguagem emocional; lado a lado com a linguagem cientifica ou
lógica, existe uma linguagem da imaginação poética.” (CASSIRER, 1994, p. 49).
percebemos, nessa passagem que nem todas as formas são racionais, mas, como diz o autor,
todas elas são simbólicas. É por esse abarcamento pleno das suas experiências é que o homem
deve ser chamado de animal simbólico como vemos também em FERNANDES:
No Ensaio sobre o homem, Cassirer defende que é mais adequado definir o homem
como animal symbolicum do que como um animal rationale, pois esta última
definição contempla apenas uma faceta do homem, uma capacidade que não se faz
presente em todas as suas produções, já que não se pode dizer que a linguagem
primária, o mito ou a religião sejam puramente racionais. Mas ao defini-lo como um
animal symbolicum se caracteriza sua diferença fundamental, de ser um produtor de
signos e símbolos na sua relação com o mundo. (2000, P. 4-5)
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CONCLUSÃO

Na busca de propor uma resposta para a pergunta “o que é o homem?” Ernest


Cassirrer, filósofo e antropólogo, propõe que o ser humano é um animal symbolicum dado que
este não consegue se relacionar com o mundo a não ser por meio de uma interposição de um
complexo sistema simbólico pelo qual ele rompe com sua natureza e não olha mais a
realidade do jeito que ela se apresenta naturalmente, mas ela é intensamente ressignificada por
um constructo mental que a faz uma outra coisa muito mais fragmentada.

Este trabalho constituiu uma pesquisa que procurou evidenciar de forma suscinta o
caminho percorrido por Cassirer em sua tentativa de responder a pergunta acima citada. O
filósofo, se valendo da teoria biológica de Johannes Von Uexküll, diferencia drasticamente o
homem dos demais animais quando introduz um terceiro elo na vivência humana. Além disso,
o pensador diz que o esse terceiro elo “o sistema simbólico” é a verdadeira essência humana,
pois, dado que o homem não se relaciona com o mundo senão por ele, abrange toda a
experiência humana no mundo diferente da razão que nem sempre acompanha o homem
porque espaço em seu ser com as emoções, sentimentos, a chamada imaginação poética.
Desta forma, em poucas linhas, E. Cassirer expõe seu pensamento que foi exposto neste
trabalho com o máximo de fidelidade e objetividade.
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REFERÊNCIAS:

CASSIRER, Ernst. Ensaio Sobre o Homem: Uma Introdução a uma Filosofia da Cultura
Humana. Ed: Martins Fontes, São Paulo. 1994.
FERNANDES, Vladmir. Cassirer: a filosofia das formas simbólicas. Disponível em:
https://nilsonjosemachado.net/lca6.pdf. Acesso em 27 abr. 2021.
FIGUEIREDO, Vinícius. O animal simbólico: Uma compreensão filosófica da cultura. São
Paulo. 2001. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/resenha/rs0809200113.htm.
Acesso em 26 abr. 2021.

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