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Aristóteles (384-322 a.C.

) inaugurou sua Metafísica, propomos que


no homem há uma propensão para o saber 1. Tomemos essa máxima para
refletir que não há propensão para o saber sem que a priori haja uma
instância de pura liberdade e identidade, entendemos que para essa frase de
Aristóteles fazer pleno sentido, se faz necessário ao ser humano ser distinto
dos restantes dos seres vivos, i.e., segundo suas representações qualitativas,
hierárquicas e simbólicas que permitem-no possuir uma auto imagem de si no
mundo, e, por tanto, a “propensão pelo saber” participe de sua vontade livre
em compartilhar na esfera da linguagem signos homomorficamente iguais aos
significantes dentro do consenso social, e esse impulso natural ativo para
examinar o cosmos2 e dotá-lo de significado, é sua sui generis, i.e., o apanágio
que nos singulariza entre todos os seres do reino animália, dado que, embora
estejamos no mundo, nossa identificação não está sujeita às forças titânicas e
cíclicas da natureza animal, sentimos que estamos acima disso e possuímos
liberdade.
Abre por consequência um leque de disputas relacionadas a essa
“liberdade”: se há pleno efeito determinístico da natureza no homem ou temos
alguma liberdade “fora” da causa e efeito mecanicista, o que é per si
extenuante dentro dos debates na filosofia da mente e psicologia moderna.
Esgotaríamos as páginas desse trabalho se propuséssemos a toda a análise
dos conceitos dessas ciências, por isso, tomemos por “liberdade” a
designação que o homem é um animal simbólico e “autoconsciente” [wide-
awakeness], que tente ao saber na medida que classifica e compreende
desses símbolos o valor semântico ou qualitativo, dito por outros meios, é o
fluxo espontâneo de pensamentos que gerenciam e transformam o presente,
Ipso facto, nossa relação com o cosmos é dado por meio de símbolos
linguísticos e representações em nossa memória dos objetos [in concreto], e
essa capacidade de criar símbolos, assenta, culturalmente, a forma como nos
reconhecermos e agimos numa realidade que é virtual, de substância mental,
e isso é sem precedentes no mundo animal.
1
Essa propensão está descrita no início do livro 1 da metafísica, "Todos os homens, por natureza,
desejam saber [eidénai].”
2
Em Platão, encontra-se uma oposição sistemática entre dois mundos: o mundo sensível [aisthetós] e o
mundo inteligível [noetós]. No entanto, ele costuma atribuir a este último a denominação kósmos, i.e.,
uma inteligência por trás da ordem do mundo, Aristóteles costuma usar o termo universo [hólon] que
significa a totalidade de todos os seres. (GOBRY, IVAN 2007 p.75)
Mas se tudo que podemos saber está dado na intuição direta com o
mundo com a reflexão exaustiva de exaurir sua compreensão, em que
momento poderia está assentado a experiência religiosa? Uma vez que, inere o
conceito de “experiência religiosa” a ideia de que há algo fora do cotidiano das
nossas experiências com o mundo, seria isso o efeito de alguma capacidade
latente do homem que miticamente responde a algumas experiências no plano
concreto do seu cotidiano deflacionando-a em prol de caber numa explicação
sobrenatural? E se é tal que independesse da criação simbólica da
humanidade viesse de uma realidade externa? De acordo com Émile Durkheim
(2001, p.32), dentro de uma comunidade, há crenças e práticas solidárias
relativas ao sagrado que transferem ao grupo uma sensibilidade moral
comunitária e participativa. Mas o que é essa sensibilidade moral e essa
sensação do sagrado? assim, na continuação desse capítulo, se fará
necessário tentar responder esses .

1.1. DA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO: TEÓRETICO, CONDUDA,


PERFORMANCE FECHADA E OPERATIVA.

No século XX muitos filósofos, antropólogos e historiadores


perceberam essa força imaginativa no homem para sua criação social, do
trabalho e de toda a esfera cultural, tomo as palavras de Edgar Morin que
teceu comentários ao conceito de “noosfera 3” a partir da obra do matemático
francês Édouard Le Roy, que serve para englobar numa categoria o mundo de
símbolos que interagem com o homem no processo histórico. Morin escreve
que:

os símbolos, mitos, ideias, são englobados


simultaneamente pelas noções de cultura e de
Noosfera. Sob o ponto de vista da cultura, constituem
a sua memória, os seus saberes, os seus programas,
as suas crenças, os seus valores, as suas normas.
Sob o ponto de vista da Noosfera, são entidades feitas
de substância espiritual e dotadas de uma certa
existência. Saída das próprias interrogações que
tecem a cultura de uma sociedade, a Noosfera
emerge como uma realidade objetiva, dispondo de
uma relativa autonomia e povoada de entidades a que

3
Indica o domínio da evolução propriamente humana, contraposto ao domínio biológico, biosfera.
(ABBAGNANO, N, 2007, p.837)
vamos chamar de “seres do espírito (Morin, 2005,
p.139)

Isso significa que os elementos que correspondem a noosfera estão


interagindo com nosso self, uma vez que absorvemos essas características na
cultura, assim, nossa classe de significados do mundo estão sempre em
modificação e mediando-nos diante da natureza, a relação com a natureza e
nosso self será vista mais adiante assim também com a importância da crença
para que os elementos da noosfera nos estimulem à ação, no momento se
faz necessário entender o estagirita e sua divisão do saber do homem e
entender o que é essa “ação” e o que ela tem a ver com o tema desse projeto.
Aristóteles em virtude do seu exame das condições do
conhecimento para se chegar à verdade, descreve que existem cinco formas
do pensamento humano apreender o mundo natural e entende-lo.

“(...) As disposições em virtude das quais a alma


alcança a verdade por meio da afirmação e da
negação: a arte, a ciência, o discernimento, a
sabedoria filosófica e a inteligência.”. Aristóteles.
2001, VI 3, 1139b.)

Aristóteles classifica essas disposições do espírito [noûs]4 a partir


de três categorias, sendo a arte e a ciência voltadas para o mundo extrínseco,
relacionadas àquilo que é tangível ao exercício da ação humana na natureza,
sendo a arte5 um exercício voltado para satisfação do homem em executar a
partir de certo domínio de sua experiência uma ação que visa modificar um
produto da natureza, e a ciência uma clarificação do intelecto em adequar os
termos conceituais às coisas da natureza a fim de produzir noção do
funcionamento, em exceção, há as faculdades puramente contemplativas 6,
condicionadas pelo espírito contraindo sobre si mesmo no autoexame.
Essas averiguações de Aristóteles não se perdem plenamente no
tempo atual, ademais, o estagirita fala sobre hábitos éticos, isso é, certas
4
Noûs. Esse termo tem dois sentidos: substância: espírito; faculdade mental: inteligência. Aristóteles dá
ao Noûs, sucessivamente, os dois sentidos. Sentido psicológico em De anima, o intelecto passivo
(pathetikós), "como uma tábua na qual nada ainda está escrito" (IlI, 4); por outro lado, o intelecto ativo
(poietikós), chamado às vezes de "agente", "princípio causal", que produz o conhecimento, que escreve
na tábua. (GOBRY, IVAN. 2007 p.98-99.)
5
Poíesis - Operação, fabricação, em oposição à ação imanente (Aristóteles. 2001., VI, 1,4-5).
6
Theoría - a contemplação dos Princípios primeiros, pela parte epistêmica da alma (Aristóteles. 2001.
X,VIl, 1).
atitudes conscientes que homem deveria tomar em seu modo de vida para
condicioná-lo em boas atitudes de agir, estava ciente que no homem os
hábitos são mais fortes do que o poder de decisão racional, e de certa
maneira antecede uma vontade volitiva que precisa ser ordenada pela razão,
todavia, só mais tarde nos trabalhos de Leibniz que teremos na filosofia o
conceito de representação obscura7, e ulteriormente nos trabalhos de S. Freud
que essa parte da mente se nominará de o inconsciente, no que, toda ação
espontânea, não é apenas em virtude da suas capacidades racionais e
significativas, mas também de certas condições inconscientes que nos forçam
a certos conhecimentos imediatos que nossa participação racional não está
presente.
Alfred Schütz (1899 e 1959) remodela a ação espontânea no
mundo a partir de uma forma que podemos correlacionar a de Aristóteles,
segundo Schütz (1962 p.209), o homem possui diversas formas de
manifestações espontâneas, elas são nada menos que a fluidez dos
movimentos corporais que interagem com o meio em que vive, contudo,
apenas uma pequena fração delas constrói significado subjetivo [subjectively
meaningful], i.e., assim como a ciência em Aristóteles, é um gesto de
manifestação consciente em direção a uma causa delimitada e gerida pela
vontade. Supomos uma conversa, durante o ato de interação eu percebo que
meu tom de voz varia, as facetas da transferência comunicativa estão sempre
em transição conforme o enfoque emocional presente, a exemplo, minha
dicção acelera na medida que me estresso, ou expressões faciais e gestos se
intensificam, são sinais inconscientes que acompanham a percepção de
irascibilidade do momento, esses atos espontâneas, são elementos que
aparecem como reflexos, fluxos inconscientes percebidos mas não
apercebidos, que fogem do controle do meu self consciente. Uso essas
manifestações inconscientes enquanto contraste para entender o ato de
significação subjetiva. Em uma conversa busco, ao separar determinadas
palavras para um fim específico, um engendramento, fazer a compreensão
dos meus pensamentos serem suficientes ao interlocutor, aqui existe uma
significação como veremos no próximo parágrafo. Portanto, existe uma
separação entre conscientes e inconscientes, os atos conscientes, são as que
7
Monadologia, §14
apercebo no ato diário de agir no mundo, os atos conscientes significativos
são aqueles em que exercem maior concentração em trazer a partir da
memória “o semelhante”, assim, a representação comparada, na presença do
ente atual, me permite delimitar e ter maior capacidade de compreensão
sintética do ente, em contraste com os atos conscientes não significativos,
e.g.: no momento, bebo um café, tal ato de levar o café a boca tem uma
intenção clara e consciente, no entanto não é uma operação [working], é um
ato comumente associado a todos os atos espontâneos do cotidiano, no
entanto não traça nenhuma significação per si, não é planejado no sentido de
ser conferido atenção em demasia, para o futuro, senão “excitamento e ação”
habitual ou vontades inconscientes: se levo o copo a boca, é porque sinto uma
vontade rápida que exerce um pouco da minha atenção em ser locupletada.
Veremos isso.
Schütz (p.211) denomina as manifestações espontâneas
conscientes de conduta [conduct], elas podem ser abertas [overt] ou fechadas
[covert], as condutas abertas são o mero fazer, o mero agir, as últimas são o
mero pensar. Quando há uma intenção de realizar algo que deriva de um
planejamento, Schutz declara que a conduta se transforma numa ação
[action], a ação encoberta, para separar daquelas que Aristóteles chama de
teoria [theoria] visto acima, ou seja: a afecção do espírito sobre si mesmo na
autocontemplação. Ele as chama de performance [performance], i.e., quando
busca um meio de resolver um problema, um fim em contraste com o mero
pensamento contemplativo, um exemplo desse tipo de performance encoberta
são as resoluções das ciências num exercício mental. Sobre as ações abertas,
todas são performances, porque todas buscam um fim, todavia, para separar
as performances encobertas conscientes das manifestações involuntárias, ele
as chama de performances operacionais [working]. Voltando ao exemplo do
parágrafo anterior, a xícara e o líquido de café formam o conjunto de ações
significativas, ou performances operacionais, que outras pessoas em outrora,
engendraram por intermédio do movimento corporal a confecção e o uso da
substancia para um fim significativo, e isso resultou numa mudança social que
transformou a forma como eu na contemporaneidade bebo café, sem as
performances operacionais significativas não haveria sociedade alguma.
A questão agora se faz presente, como podemos trabalhar sobre a
Ideia de Deus a partir de ações abertas e encobertas, qual a relação disso no
ato de performances operacionais com o tema do projeto, como a observação
do mundo natural pode nos levar a discutir sobre Deus? Todas essas
perguntas serão relacionadas no momento oportuno. É a partir da formação
do conhecimento que o homem recria crenças e formas que serão mostrados
a seguir como necessidades para mudar o meio cultural e explicação do
cosmos, para a ideia de Deus ser a mais elevada dessas crenças, que, mais
tarde, no capítulo dois, veremos como essa ideia competiu entre cristãos e
pagãos na antiguidade tardia, e como dialeticamente essa ideia surgiu de
povos estritamente diversos e complexos que foi culminado na obra de
Agostinho de Hipona, mas antes falemos do significado da crença, e como ele
surgi. Willian James irá discutir que, o significado real das coisas está na força
da crença que usamos para relacioná-las dentro do nosso mundo particular.

1.2. WILLIAN JAMES E O CONCEITO DE CRENÇA A PARTIR DO


CONHECIMENTO PRÉVIO.

Como poderia o homem vim ajustar sua linguagem para se referir a


mais peremptória proposição da natureza, o que chamamos de conhecimento,
se já não estivesse nele os mecanismos que tornam possíveis essa
determinação, enquanto forma desprovida de matéria? William James (1989
p.804) responde que não seria possível nenhum conhecimento se assentar no
espírito se lá já não houvesse, a priori, no entendimento 8[in intellectu], uma
faculdade receptiva para organizar e conceitualizar as impressões dos
sentidos em suas devidas categorias 9. Tento essas informações dos sentidos
organizadas no aparato intelectivo do ser humano, torna-se isso uma

8
[Verstand]. Willian James se utiliza da analítica transcendental de kant: “como definição mais geral do
entendimento, Kant sugere que é a faculdade de cognição, isto é, o poder de determinação conceitual
de material em julgamentos, que por sua vez se resume à capacidade de julgar. O entendimento é a
fonte de conceitos puros (categorias) e princípios puros do entendimento. Kant oferece um número de
diferentes caracterizações do entendimento: espontaneidade da cognição em contraste com a
receptividade da sensibilidade; faculdade de pensar; faculdade de conceitos e também de julgamentos;
faculdade de regras. Diferentemente da sensibilidade, que é a faculdade das intuições, o entendimento
(humano) é discursivo, ou seja, proporciona a cognição por meio de conceitos. Pensa o objeto da
intuição e não intui nada”. (HELMUT HOLZHEY, 205, p.288)
9
[Kategorie]. São os modelos pelos quais se manifesta a atividade do intelecto, que consiste,
essencialmente, “em ordenar diversas representações sob uma representação comum, isto é, em julgar.
(GOBRY, IVAN. 2007 p.139).
representação da realidade, uma margem subjetiva, mas não significativa, que
representa o nosso “mundo real”, e a partir disso tomamos essa nova
informação como uma verdade, como um mecanismo de direção para nossa
vontade na natureza, e o conjunto dessas informações damos o nome de
crença.
James nos sugeri que subjaz a toda crença uma lógica interna, que
ele descreve como: (1) antecedência de que a realidade do nosso mundo
interior correspondem ao mundo objetivo de forma imutável e continua, e.g.,
“eu sei que o sol nascerá amanhã”, ou seja, a crença se fixa na aceitação
prévia que os fenômenos naturais são repetitivos, que nunca mudam
baseadas apenas na nossa disposição psicológica de aceitar isso como
circunstância fechada e imutável. (2) Que não haja contradições inerente às
preposições durante o ato de crer, o que significa que durante o ato de
aceitação de uma crença eu não sinta desconforto por deter duas
possibilidades auto excludentes sobre a mesma crença, e.g., “não tenho
certeza se o sol nascerá amanhã”, ou seja, a crença precisa ter um conteúdo
que nos força a não ter dúvidas sobre o que ela aponta, é impossível
conscientemente deter uma crença cuja a ordem eu ponho sobre dúvida
constante, e (3) que esteja estritamente relacionada a participação ativa no
meu anseio por crer que seja verdadeiro, isso significa que haja correlação
entre os campos das crenças anteriores e que por ação emocional me force
crer ser verdadeira esta crença em relação àquelas, por tanto, que me
estimule a acreditar.
Willian James (1989, p. 805) constata que a crença por seguir uma
ordem própria, podemos projetar diversos universos de realidades coexistindo
em nossa mente em forma de crenças sobre o mundo, e que não dependem
de uma relação homomórfica de primeira ordem com o universo. James
defende que a relação de crença e realidade “do mundo externo” (1989 p.811)
não é mediada tão somente nos sentidos pela matéria das aparências [in
sensu] ou das formas puras da intuição que estão no sujeito cognoscente [in
concreto], que são reajustados na sensibilidade e conferidos conteúdo
representacional pelas categorias do entendimento [in intellectu]. Porém a
crença não é uma simples aparência das coisas, uma pessoa pode estar
sobre efeito de uma ilusão de óptica, está ciente disso e não ter nenhuma
inclinação de crença sobre a aparência. Nem tão pouco um desejar que algo
seja verdadeiro, eu posso imaginar que irei para o “céu” quando morrer,
mesmo não tendo nenhum grau de compromisso em demonstrar essa certeza,
isso é uma crença de nível mais baixo, tal que as contradições são postas de
fora. Mas a crença que falamos é algo que se apresenta a mim de maneira tal
que sou levado a acreditar no conteúdo exato daquele fenômeno e sua
explicação diante de mim me parece imediatamente clara.
Citando um exemplo, com o fim de especificar o que seja uma
crença. Tomemos os conceitos da relação de trabalho cotidiano como “mais
reais” em contraste com ida a um evento esportivo, durante o evento
esportivo, vencer e perder são instância redutíveis à crença que: P crer que se
Q ganhar a partida, P ganha algo por Q, e se colocarmos o que significa
vencer e ganhar em contraposição ao mundo do trabalho, perceberíamos que
esse ganhar ou perder pelo resultado da partida, não passa de uma
disposição a crer que existe algo que realmente participamos, que recebemos
que acreditamos ganhar ou perder, mas que não são conteúdos reais tais
quais o do exemplo primeiro, não são concretos, não participam de uma
realidade física, são emocionais, dispostas na relação consensual de crenças
mútuas que regem as regras da partida, fica mais óbvio isso se de repente, um
não fã de esporte presente na mesma partida não sentir nada em relação ao
fim do evento, ele não crer que ganha algo ele não participa da mesma crença
que os outros participam.
Há assim, segundo James, um subgrupo de universos
(subniversos) para cada crença advinda das nossas experiências, sem
relações com o mundo, que, por não serem contraditórias em si mesmas,
permanecem como motivos para conservar a crença [phenomenal
conservatism10].
James nos mostra que toda crença, ainda que não possua uma
concretude ontológica, ou seja, que não participe objetivamente no mundo,
senão em nossas mentes, ainda assim, nos provoca sensações e sentimentos
em relação a ela, sobretudo se compartilhada por mais pessoas do mesmo
grupo. Rudolf Otto (2007, p.47), filósofo que mais analisou as experiências
religiosas no século XX, descreve que um dos motores para a crença no
10
sobrenatural está na experiência religiosa, i.e., a sensação [gefühl] do
numinoso [des numinosen], que provoca, segundo ele, “o sentimento de
criatura”. Não se trata de uma performance [performance], porque não está
inerente a minha autonomia racional. Dessa experiência, Otto escreve que:

Trata-se de um sentimento confesso de dependência


que, além de ser muito mais do que todos os
sentimentos naturais de dependência, é ao mesmo
tempo algo qualitativamente diferente. Ao procurar
um nome para isso, deparo-me com sentimento de
criatura – o sentimento da criatura que afunda e
desvanece em sua nulidade perante o que está acima
de toda criatura. (RUDOLF OTTO 2007, p.40)

O sentimento de criatura é o sine qua non da transferência de


significado esotérico11 à natureza, comumente, nossas inferências sobre a
realidade segundo a ideia de Schutz são prescindida em duas camadas, as
Instáveis e indecifráveis, que não possuem a clareza, são na linguagem de
Leibniz; obscuras12, não podem funcionar como fundamento de significado para
performance, e as que acompanham a apercepção pura 13 [apperzeption] que
são claras e estáveis, isso significa que, nosso “self-desperto”, compara a partir
das representações, imagens na memória de tudo que nossa experiência tocou
pelos sentidos, uma composição entre os novos fatos da intuição, o que está
sendo percebido, com o que existe em memória. Atribuímos lógica ao que
ocorre no mundo, porque anterior a isso temos uma lógica interna que organiza
nossos pensamentos e a matéria dos sentidos, temos uma lógica inerente a
nossa ordem de pensamento14, e assim sendo, se alguma vez quando criança
você colocou a mão no fogo, descobriu que afecção daquela combustão não é
nada agradável, durante toda sua vida, sempre trará consigo as sensações ao
ver outro elemento semelhante, assim funciona nossa razão, na percepção dos
elementos atuais, consegue prever certas ocorrências, todavia, isso, aponta
Otto, que não cabe ao tratarmos daquilo que transcende o conceito: o
inominável; o sagrado.

11

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14
Pelo sagrado, como que um elemento fora do mundo cotidiano, nos
estimulasse a veneração e temor de forças imprevisíveis subjacentes à
natureza, porque fogem da ordem interna dos nossos pensamentos, é
sobretudo incompatível com nosso cotidiano, que comporta um certo grau de
reconhecimento, o numinoso é suprarracional, o que significa que não pode ser
entendido pela simples exame da experiência, em outro Livro, James nos logra
uma pequena lista dos elementos mais comuns de uma experiência religiosa 15,
esse conjunto de sensações insólitas não podem ser conceituadas e que, no
entanto, interagem em nossa mente, formando crenças fortes, e isso levaria o
homem primitivo ao "medo do mundo 16"[weltangst]. “Medo” aqui possui um
sentido próprio, nas palavras de Otto, uma sensação de terror acompanhada
de uma experiência de diminuição perante ao inominável. Essa prostração
diante do que não pode ser examinado pela razão nos forma um traço
característico da experiência religiosa17, a sensação de dependência com ao
Sagrado. Isso levaria ao homem a compor formas de relação com essa
suposta super-realidade, e, posteriormente, o homem criará nomes
aproximados para permitir imprimir um contexto compartilhado entre os
membros da sua tribo, reconhecer essas grandezas por conceitos não tão
claros com a experiência com numinoso: nomes, símbolos, rituais são
maneiras de ter determinado poder sobre o suprarracional, o conjunto
ordenado dessa configuração torna-se a religião.

15
Essa lista será vista no capítulo 2 na página
16

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