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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - UERN FACULDADE

DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS – FAFIC DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA –


DFI

RAILSON FERREIRA DA SILVA

A ESSÊNCIA EVIDENCIADA SEGUNDO SCHOPENHAUER

Mossoró
2023
RAILSON FERREIRA DA SILVA

A ESSÊNCIA EVIDENCIADA SEGUNDO SCHOPENHAUER

Monografia apresentada ao Departamento de


Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências
Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte como um dos requisitos para obtenção
do grau de Licenciado em Filosofia.

Mossoró
2023
RAILSON FERREIRA DA SILVA

A ESSÊNCIA EVIDENCIADA SEGUNDO SCHOPENHAUER

Monografia apresentada ao Departamento de


Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências
Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte como um dos requisitos para obtenção
do grau de Licenciado em Filosofia.

Mossoró, _14_de _março de _2023_

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. ..............


Universidade ..............

Prof. Dr. ..............


Universidade ..............

Prof. Dr. ..............


Universidade ..............
Dedico este trabalho aos meus pais que me
incentivaram a fazer uma faculdade.
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus professores do curso que me ensinaram muito durante


todo o curso. Aprendendo não somente sobre as temáticas de cada disciplina, mas
também aprendendo a ser um professor.
RESUM

Este trabalho tem por objetivo mostrar um pouco mais o que normalmente é
mostrado sobre a filosofia de Schopenhauer. Visto que o que normalmente aparece
na mídia em geral são resumos, simplificações que por vezes podem soar simplistas
demais diante da grandeza do filósofo e sua importância, inclusive para os que o
sucederam. Para tanto, usarei como literatura principal: O Mundo como Vontade e
Representação, mais especificamente os livros I e II; ainda como auxiliar usarei
Sobre a Vontade na Natureza, do mesmo autor. Além de complementar com outros
livros.
Dessa forma, procurarei mostrar como, e de certo modo até bastante intuitiva ele
procura demonstrar que a realidade última, aquilo com a qual Kant percebeu ser
algo inalcançável ao ser humano chegar à coisa mais fundamental da realidade, a
partir do filósofo ele consegue mostrar que esse mistério agora pode ser revelado.
Entre as nuances de todo o real ele propõe mostrar com bases empíricas aquilo que
fomenta a ideia da Vontade. E de fato, ele consegue impor um rigor quase que
científico para mostrar que a ideia da Vontade é um produto de uma razão lógico e
bem fundamentada.
Ele caminha entre vários aspectos da realidade para fundamentar sua ideia; e nisso
ele chega a revelar a manifestação da Vontade desde o homem até as leis que
regem a natureza. No primeiro capítulo busco trabalhar um pouco sobre o que
antecede a ideia central da monografia, que seria a Representação e as formas do
intelecto. Noutro momento eu tratarei de mostrar como a Vontade é revelada e a
partir daí como ela é manifesta no homem, animais e plantas, o que constitui o
mundo orgânico. E por último, falo sobre a manifestação dela nas leis que regem a
natureza, e ainda acrescentando alguma observação.

Palavras-chave: Vontade; Representação; Formas do intelecto.


ABSTRA

This work aims to show a little more than is usually shown about
Schopenhauer's philosophy. Since what usually appears in the media in general are
summaries, simplifications that can sometimes sound too simplistic in the face of the
greatness of the philosopher and his importance, including for those who followed
him. For that, I will use as main literature: The World as Will and Representation,
more specifically books I and II; still as an auxiliary I will use Sobre a Vontade na
Natureza, by the same author. In addition to complementing with other books.
In this way, I tried to show how, and in a very intuitive way he tries to demonstrate
that even the last reality, that with which Kant feels to be something unreachable for
the human being to reach the most fundamental thing of reality, from the philosopher
he manages to show that this mystery can now be revealed.
Among the nuances of all reality, he proposes to show with empirical bases what
fosters the idea of Will. And indeed, he manages to impose an almost scientific rigor
to show that the idea of Will is a product of a logical and well-founded reason.
He walks between various aspects of reality to substantiate his idea; and this he
manages to reveal the manifestation of the Will from man to the laws that govern
nature. In the first chapter I try to work a little on what precedes the central idea of
the monograph, which would be the Representation and the forms of the intellect. In
another moment I tried to show how the Will is revealed and from there how it is
manifested in man, animals and plants, which constitutes the organic world. And
finally, I talk about its manifestation in the laws that govern nature, and still adding
some observation.

Keywords: Willing; Representation; forms of intellect.


SUMÁRI

INTRODUÇÃO...........................................................................................................8
...........
1 A. .REPRESENTAÇÃO
................E . . SUA
. . . . .ESTRUTURA.........................................................10
.........
2 A. .VONTADE
. . . . . . . . .MANIFESTA......................................................................................15
.........
CONCLUSÃO..........................................................................................................25
..........
REFERÊNCIAS.......................................................................................................27
............
8
INTRODUÇÃO

No presente trabalho que tem como tema "A Essência Evidenciada Segundo
Schopenhauer" pretendo trabalhar o conceito de Vontade na forma variada que ela
se apresenta na realidade. Vejo com certa importância esse estudo pois ela se
propõe sobretudo à mostrar além do que é mostrado quando se é trabalho a filosofia
de Schopenhauer. Percebo que a tal conceito expresso por ele na sua filosofia se
constitui um marco filosófico, principalmente por tentar dar uma resposta que seu
antecessor, Kant não deu; e com isso ele acaba superando Kant. Como tal ideia é
percebida por mim como fato importante na obra do filósofo, penso que desenvolver,
buscar mais as razões que levaram Schopenhauer a gastar muitos anos de sua vida
para produzir toda uma filosofia, é algo importante, e como tal me pus a trabalhar
esse conceito e sua razão de ser na realidade.
O que é a vontade e como ela se manifesta no mundo? Irei demonstrar como
essa Vontade idealizada pelo filósofo se manifesta no mundo em suas mais variadas
formas e maneiras. Visto que ela não é um conceito comum na filosofia; ou algo não
tão fácil de se entender nos escritos do filósofo essa pergunta será importante de
responder no final do trabalho.
De início me atenho à dar as bases que antecedem a Vontade. Com isso no
primeiro capítulo item "1. A representação " irei abordar os aspectos relacionados à
representação. No livro O mundo como representação- Livro Primeiro nos é
apresentado um sujeito que conhece; e nessa relação do conhecer ela se dá com
outra coisa, no caso: o objeto. Noutro momento demonstro uma parte que constitui
um passo importante na filosofia de Schopenhauer, pois ele demonstra que há uma
realidade primeira que aparece ao indivíduo, mas ela mesma não é a realidade
última. A filósofa Jacqueline russ mostra esse aspecto da realidade ilusória que o
filósofo trata " O que tomamos por realidade e designamos como "mundo" nada é
além de uma representação subjetiva, de uma ilusão" (RUSS, 2015, p. 294). Sigo
mostrando que a partir do filósofo a relação sujeito-objeto se dá de tal modo que
ambos produzem aquilo que se chama de representação: "O mundo considerado
como representação [...] compreende duas metades essenciais, necessárias e
inseparáveis. A primeira é o objeto [...] a segunda é o sujeito" (SCHOPENHAUER,
2001, p. 11). Em dado momento diferencio diante da perspectiva do filósofo dois
tipos de representações, a saber, as intuitivas, e as abstratas. Já no item "2.Espaço,
Tempo, Causalidade" desenvolvo os fundamentos da representação, que para kant,
além do espaço e tempo, teria também as categorias. No entanto, em Schopenhauer
ele reduzirá as categorias em uma: causalidade. Sendo essas(tempo, espaço e
causalidade), estruturas a priori do conhecimento, e elas constituindo assim, as
bases do mundo fenomênico, são, segundo a perspectiva do filósofo, inseparáveis e
9
impõe-se à matéria quando esta está preso dentro dessa estrutura a priori. E por fim,
nesse capítulo finalizo mostrando que o espaço, tempo e causalidade são estruturas
a priori inseparáveis, pois segundo schopenhauer, a ação da matéria sempre se
dará nessas condições: espacial, temporal e causal. Portanto seguindo para o
capítulo seguinte entendo que a representação nos é dada diante da relação,
sujeito-objeto; que por sua vez, é condicionada às leis a priori do espaço, tempo e
causalidade.
No segundo capítulo desenvolvo a ideia mais geral de schopenhauer. No item
" A Descoberta da Vontade" procurarei mostrar como a vontade se apresenta. Num
primeiro momento mostro a visão do filósofo sobre a incapacidade dos filósofos e
das ciências de descobrir, chegar a descobrir a essência íntima da realidade.
Seguirei mostrando que essa busca empenhada por ele em dado momento chega a
se voltar ao sujeito. Nesse momento aquela realidade que antes estava encoberta
pelo véu de Maya, agora, a partir do filósofo, se mostra visível se partirmos do
sujeito, das suas ações. Ele, inclusive demonstra esse fato "[...] o conhecimento que
tenho da minha vontade, embora imediato, é inseparável do conhecimento que
tenho do meu corpo." (SCHOPENHAUER, 2001, p. 111). Em demonstro alguns
pontos que tornam a vontade algo tão característico. No item "A Vontade no Mundo
Orgânico" pretendo demonstrar a vontade de fato como manifestação nos seus mais
diversos seres. Nesse momento usarei bastante o livro Sobre a Vontade na
Natureza, pois reforça bastante a ideia do autor. No início, começamos pelo homem,
sujeito este por onde começou a busca da Vontade. Tal sujeito é posto como
morada de uma vontade que se manifesta nas ações motivadas e involuntários por
ocasião de atos do próprio corpo. Em seguida prossigo trabalhando o agir nos
animais. Os animais, diferente dos homens, não é dotado de razão; portanto, tem
suas carências. No entanto, tal carência é suprida com suas potencialidades físicas.
Nas plantas a vontade também é demonstrada nos seus movimentos que aparentam
uma intencionalidade, onde a vontade de viver se afirma. Por último, no item "A
Vontade no Mundo Inorgânico" começo por mostrar que Schopenhauer percebe que
as ciências que estudam tais fenômenos só conseguem estudar as condições em
tais forças atuam, mas nunca elas em sua essência. E por fim, noutro momento há a
demonstração que filósofo fará das forças que atuam como se fossem um confronto
de uma contra a outra. Nesse último capítulo Mostrei o caminho pelo qual
Schopenhauer chegou a utilizar para chegar à vontade. A partir daí segui mostrando
os graus de efetivação dessa força inconsciente e irracional chamada vontade. Parto
do homem e sigo dos animais passando para as plantas e por fim, chegando ao
mundo inorgânico.
1
1 A REPRESENTAÇÃO E SUA ESTRUTURA

1. 1. A Representação
Antes de abordar a proposta central dessa monografia é importante analisar
os fundamentos das ideias de Schopenhauer. Para chegar à Vontade é preciso
começar por algo fundamental: A representação. Digo isso porque ele vai pensar
primeiro numa relação importante que é a relação Sujeito-Objeto
Como eu me relaciono com o mundo que está à minha volta? Como eu
concebo o mundo? Essa reflexão ele, como bom admirador de Kant, pegará e trará
para sua filosofia como ponto de partida. Ele no "Livro I-O Mundo como
Representação" logo de início começa com a afirmação "O mundo é a minha
representação..." (SCHOPENHAUER, 2001, p. 09). Aqui ele começa introduzindo
seu conceito inicial e entrando na sua epstemologia, por onde ele trabalhará como o
indivíduo percebe o mundo, os objetos à sua volta.

Ele coloca que essa é uma verdade incontestável principalmente para o


homem pensante. Essa verdade se torna evidente a partir do momento que tudo que
existe tem uma relação muito ligada ao pensamento. O que existe só existe no
momento em que o indivíduo o pensa; o homem tenta dar sentido à realidade que se
mostra para ele, portanto, tudo o que o homem observa, tem contato ele tem a
tendência de conceituá-lo, dar sentido. Então sendo assim, o mundo da experiência
seria o mundo da representação em que o indivíduo dá sentido às coisas. Nessa
perspectiva da representação há uma relação muito forte entre o sujeito que percebe
o mundo e o objeto que está no mundo, pois não há objeto sem o sujeito, mas há
sujeito sem objeto; afinal de contas uma árvore não dá sentido às coisas, somente o
sujeito pode a partir de sua percepção, experiência. Essa relação (Sujeito-Objeto) se
dá quando há uma representação mental do objeto e essa representação não se
apresenta para o indivíduo como algo isolado e separado, pois todas nossas
representações estão relacionadas com outras, nós percebemos os vários
elementos daquele objeto e configuramos assim a forma como nós entendemos tal
objeto. Por exemplo, quando olhamos para uma algo no formato da cadeira,
identificamos que o que seria o assento serviria para sentar, o encosto para apoiar
as costas, etc. Nesse caso, é como se houvesse uma ligação de elementos
representacionais causando, gerando o conhecimento de determinado objeto.
Como já colocado, existe a representação que nada mais é que o objeto
percebido e dado uma significação a ele; a representação, por sua vez, se constitui
de duas metades essenciais e inseparáveis: O sujeito e o Objeto. O sujeito é o que
conhece, e dotado de razão, ele é o único na relação que conhece. Podemos dizer
que o sujeito é ponto de partida do conhecer. Schopenhauer elucida bem esse
1
ponto:

Aquele que conhece todo o resto, sem ser ele mesmo conhecido, é o
sujeito. Por conseguinte, o sujeito é o substratum do mundo, a condição
invariável, sempre subentendidade todo fenômeno, de todo objeto, visto que
tudo o que existe, existe apenas para o sujeito. (SCHOPENHAUER, 2001,
p. 11)

O objeto, por sua vez, é o que é conhecido; nunca é o que conhece. Essa
dependência do objeto para com o sujeito é primeira condição. Ambos não tem
muito sentido sem a existência do outro.
O filósofo colocará essa constatação do fenômeno como uma verdade que se
pode afirmar a priori "Se existe uma verdade que se possa afirmar a priori é esta,
pois ela exprime o modo de toda experiência possível e inimaginável, conceito muito
mais geral que os de tempo, espaço e causalidade que o implicam."
(SCHOPENHAUER, 2001, p. 09).

O objeto representado por ocasião da experiência não é algo que o indivíduo


simplesmente tem o contato e a partir daí ele apreende, conhece e dá sentido e logo
após o eleva à condição de representação, muito pelo contrário, tem algo mais
dentro desse processo. E nesse processo ele vai pensar em dois tipos de
representações: Intuitivas (INTUITIVE VORSTELLUNGEN) e Abstratas
(ABSTRAKTE VORSTELLUNGEN). A primeira diz respeito à percepção pura do
objeto, ao objeto tal como ele se apresenta fisicamente, onde o objeto da
experiência está condicionado à forma subjetiva do homem. A segunda, por sua vez,
diz respeito à abstração e conceituação dos objetos; nesse momento a razão é uma
característica importante dessa representação.
Aqui ele entende que a categoria das representações intuitivas é comum ao
homem e ao animal, já a abstrata, exclusiva do homem. É importante esse momento
porque é aqui que ele começa a tecer a diferença do homem para o animal.
Poderíamos pensar simplesmente que, haja vista que o objeto é percebido por um
sujeito, logo os animais estariam nessa categoria de sujeito; afinal de contas eles
são dotados de algum grau de razão. No entanto ele deixa claro que a razão do
homem é superior à dos animais. Mesmo assim, Schopenhauer não exclui os outros
seres vivos dessa relação que se manifesta no contato com a realidade. Muito pelo
contrário, ele deixa claro as diferenças de relação sujeito-objeto e, digamos, animal-
objeto. Frederick Copleston no seu livro "Uma história da Filosofia- Do iluminismo
francês a Nietzsche. Vol.III " relata um pouco essa diferença:
1
Há um mundo fenomênico não somente para o homem, mas também para
os animais. Pois as condições de sua possibilidade estão presentes também
nestes, sendo essas condições as formas de sensibilidade a priori, a saber,
o espaço e o tempo, e a categoria do entendimento, a saber, a causalidade
(COPLESTON, 2022, p. 634)

Os animais possuem a possibilidade de entendimento do objeto, mas


diferentemente do homem, ele não possui a razão (VERNUFT) no seu grau maior
que o levaria a conceituar o objeto, ou mesmo, refletir sobre algo de forma bem
abstrata. Portanto fica claro que a percepção do animal é limitada à espaço, tempo e
relações de causalidade.

1. 2. Espaço, Tempo, Causalidade


Agora há outro aspecto nesse mundo do fenômeno que é essencial, que são
as ideias de Espaço, Tempo e Causalidade. Dentro desse panorama do mundo da
representação esses elementos são também de extrema importância. Na
epstemologia Kantiana havia a sensação e era ela que ao intuir os objetos os
colocavam e situavam eles no espaço e no tempo. Com Schopenhauer ele traz
consigo a ideia kantiana, no entanto acrescenta um; retira as categorias do
intelecto de Kant e coloca no lugar a Causalidade. Ele a partir da própria experiência
entende que nós percebemos as coisas via causalidade e situada dentro do espaço
e tempo. Ele quer dizer com isso que os objetos da experiência nos são
apresentadas a partir da estrutura de causa e efeito, e que esse comportamento da
matéria é ao mesmo tempo uma ação situada do espaço e tempo.Esta compreensão
via experiência e suas condições são da ordem da representação intuitiva pois nela
é que são percebidas a realidade e sua estrutura do espaço, tempo e causalidade.
Esse conhecimento a priori é a condição de toda experiência, e é nesses
termos que a experiência é dada ao indivíduo, e portanto, o sujeito consegue
conhecer e conceituar o objeto. Digamos que essas formas da experiência(Espaço,
tempo e Causalidade) é a estrutura da realidade que dá a condição necessária do
homem conhecer, ser um sujeito à conhecer. O filósofo faz questão de perceber
essa estrutura como aspectos isolados do conteúdo mais fundamental da realidade.
A causalidade, por exemplo, constitui a realidade básica da matéria, pois a realidade
dela se manifesta na sua atividade; tal principio de causalidade se torna visível na
atividade da matéria, uma vez que a atuação de um objeto sobre o outro só é
percebida quando um exerce uma ação física. Neste momento vemos a causalidade
e percebemos ela na sua forma imediata e o objeto acaba por ser nesse sentido
"Causa e Efeito". Ora, não existe uma ação sem uma causa que a possa descrevê-
la; por isso que esse princípio é uma realidade básica da matéria e não apenas mais
1
uma característica, um atributo, mas algo que na intuição se constitui como um dos
princípios do real. Schopenhauer faz questão de ressaltar a qualidade essencial da
matéria "Ser causa e efeito, eis portanto a própria essência da matéria; o seu ser
consiste unicamente na sua atividade." (SCHOPENHAUER, 2001, p. 15).

A ação, por assim dizer, da matéria sobre a matéria se constitui sempre na


modificação produzida por uma das partes sobre a outra; o nexo causal que se
origina da ação se conecta à experiência e clarifica toda a ideia que pretende
demonstrar que, nesse aspecto, tal ação sempre revelará ao indivíduo que aí estará
agindo a causalidade, e não menos que isso.
A atividade da matéria não é algo somente característico da causalidade, se
faz também característico como ação ligada ao espaço; afinal de contas, toda ação,
mudança está determinada espacialmente. Como dito anteriormente, o tempo e
espaço são inseparáveis, nesse sentido essa dada ação espacial também está
condicionada ao tempo. Ora, a mudança não é consequência somente do corpo no
espaço, mas também no tempo; há modificações resultantes do agir temporal que
são importantes também. A causalidade não é somente a sucessão de estados no
tempo, mas também considerando o espaço dado.
Schopenhauer faz questão de mostrar em seu texto a importância que essas
formas da experiência tem uma com a outra e levando o autor, inclusive a entender
que uma sem a outra é basicamente fora de questão; não há como ter uma sem a
outra:

Ora, constituindo a causalidade a própria essência da matéria, se a primeira


não existisse, a segunda desapareceria também. Para que a lei da
causalidade conserve todo o seu significado e necessidade, a mudança
efetuada não deve limitar-se a uma simples transformação dos diversos
estados considerados em si mesmos: é preciso antes de mais nada, que
num determinado ponto do espaço, tal estado exista agora e um outro a
seguir; é preciso, além disso, que, num determinado, tal fenômeno se
produza aqui e um outro acolá (SCHOPENHAUER, 2001, p. 16)

Interessante analisarmos que apesar do autor pensar que esses três


fundamentos da realidade são conhecimentos a priori e se estende à todo objeto,
ainda sim essa forma do conhecer é atributo da cognição diante das coisas e não
das coisas nelas mesmas. Ou seja, conhecemos o que os objetos nos aparentam,
mas nunca a essência delas. Portanto, esse conhecimento tem suas limitações,
muito embora como veremos a seguir, tais limitações são possíveis, segundo o
filósofo, de serem ultrapassadas.
1
1
2 A VONTADE MANIFESTA

1. 1. A Descoberta da Vontade
Agora entramos no momento em que há um novo dado na filosofia do autor,
e agora, portanto, começamos a entrar no ápice de sua filosofia. Schopenhauer não
chega até aqui sem um objetivo, sobretudo no que tange a diferença de sua filosofia
com a de Kant ele se destaca e traz algo novo principalmente nesse ponto acerca da
Coisa-em-Sí.
Primeiramente o autor percebe que na história os filósofos percebiam e
trabalharam de formas diferentes, mas que sua procura era convergente no
momento em que eles tinham por objetivo procurar o conteúdo, fundamento de toda
realidade, representação:

Inicialmente a filosofia parece-nos um monstro de várias cabeças, cada uma


das quais fala uma língua diferente. Contudo, sobre este ponto particular
que nos ocupa - a significação da representação intuitiva-, elas não estão
todas em desacordo, visto que, com exceção dos céticos e dos idealistas,
todos os filósofos se encontram, pelo menos quanto ao essencial, no que
diz respeito a um certo objeto, fundamento de toda representação.
(SCHOPENHAUER, 2001, p. 105)

Assim não só os filósofos estão à procura do conteúdo do real e com isso


acabam encontrando várias perspectivas para o mesmo objetivo, mas também as
ciências, que segundo ele, também estão tentando encontrar tais respostas. A
matemática, por exemplo, vai lhe dar com a representação enquanto grandezas que
preenchem o espaço e tempo, e ela vai dar sempre a quantidade e grandeza, mas
como estas são sempre relativas quando comparadas uma com a outra, acaba que
esta não é a explicação que o autor pretende encontrar, ele procura algo mais
essencial e sem incompreensão. Noutro momento ele vai para as ciências naturais
que descrevem as formas e explicam a mudança que elas se propõe a conhecer e a
partir disso todo um sistema é criado para tentar explicar ao máximo a realidade, ou
parte dela. Com isso todos os fenômenos estudados aparecem com muitas
variações, mas com um único tema; no final da contas a força íntima de tudo ainda
será para essas ciências, um mistério. Schopenhauer com essa sua conclusão não
pretende desmerecer toda a contribuição da ciência, mas apenas demonstrar que
elas em maior ou menor perfeição, ou grau, conseguem dar explicação até certo
ponto, a partir desse ponto elas se mostram fracas na sua explicação. Sobre isto ele
ressalta:
1
...embora a etiologia tenha atingido os seus resultados mais perfeitos na
mecânica, e os mais imperfeitos na fisiologia, todavia a força que faz cair
uma pedra, ou que impele um corpo contra outro, não é menos desconhecia
e misteriosa para nós na sua essência do que a que produz os movimentos
e o crescimento do animal (SCHOPENHAUER, 2001, p. 107).

A gente pode perceber que esse é o problema, segundo o autor, da limitação


das ciências enquanto resposta acerca da essência da realidade. Ele ressalta
também da impossibilidade da ciência de se chegar à resposta mais fundamental:

Mas a essência íntima das forças assim demonstradas deverá permanecer


sempre desconhecida, porque a lei a que a ciência obedece não conduz a
ela, e desse modo será preciso limitarmo-nos aos fenômenos e à sua
sucessão (SCHOPENHAUER, 2001, p. 108).

Ele entende que Kant estava errado ao colocar a Coisa-Em-Sí como algo
incognoscível, que está para além de nossa capacidade de apreender o mundo,
portanto, só temos acesso ao fenômeno. Com isso Schopenhauer não se sentindo
satisfeito começa a procurar a forma pela qual podemos ter acesso à Coisa-Em-Sí.
A partir desse momento ele investiga uma forma, e é nesse ponto que vamos seguir
adiante.
Nesse ponto é importante dizer que assim como Kant, Schopenhauer segue
ele colocando a representação como algo separado da coisa-em-sí. Então, nesse
caso, o mundo como representação não é a coisa-em-sí. O filósofo traz consigo
ideias do hinduísmo para ilustrar o que o fenômeno é para ele. Ele chega a dizer que
o fenômeno é ilusão, que ele concebe como sendo o Véu de Maya, conceito que ele
traz da cultura hindu; que seria aquilo que cobre as coisas. Nesse sentido a
realidade para o filósofo seria ilusão que cobre a essência das coisas.
Tudo bem, se existe uma realidade encoberta, como se chegar à realidade
última? Ele se destaca aqui quando entende que há uma maneira de encontra o
númeno de Kant e procura uma forma de encontra-lo, um meio de acesso, ao que
para Kant, é algo que foge à nossa visão. Copleston em seu livro Uma história da
filosofia - Do iluminismo francês a Nietzche chega a perceber e explicar o ponto
fundamental na filosofia de Schopenhauer:

A discussão da natureza desta realidade e de suas formas de


automanifestação são a parte realmente interessante do sistema de
Schopenhauer. Pois a teoria do mundo como representação, embora seja
na opinião de Schopenhauer uma parte indispensável da sua filosofia, é um
1
desenvolvimento óbvio da posição de Kant, ao passo que a teoria do mundo
como representação é original (COPLESTON, 2022, p. 635).

Nessa busca fica claro para o filósofo que não é de fora que devemos partir
em busca da coisa-em-sí, pois assim sendo chegaríamos a enganos e nisso é que
deixa claro o erro dos filósofos.
Ele vai em direção ao sujeito. Sujeito este que é ao mesmo tempo
representação e sujeito conhecedor. Partindo do sujeito ele percebe nas
manifestações e ações do corpo algo que para ele se chama Vontade. Aqui está o
achado que ele procurava. A essência íntima de toda realidade. Reale expressa bem
essa constatação do filósofo:

...A íntima essência do próprio fenômeno (que se manifesta a ele como


representação, tanto por meio das suas ações quanto por meio do seu
substrato permanente, o corpo) não é senão a sua vontade, que constitui o
objeto imediato da sua própria consciência (REALE; ANTISERI, 2018, p.
61).

Essa Vontade seria a essência do homem, aquilo que de mais fundamental


ele tem. A coisa-em-sí se encontra nesse momento nua, sem o véu da ilusão antes
dada por Kant; em Schopenhauer não há mais nada que possa esconder, encobrir a
essência, tudo está à mostra.
Mas o que seria a Vontade? Ela não é no sentido comum da palavra a ação
provocada por algo exterior, mas sim uma força, impulso cego e irracional que anima
o cosmo. No homem ela se dá na ação, movimento do corpo como um todo; mas
como mais para frente mostrarei ela não é somente isso, nem tampouco um
movimentar dos dedos, mas há todo um conjunto fisiológico que rege o corpo por
meio da vontade.
E outro ponto que ele considera é que a vontade não é semelhante a todos os
objetos, ela se diferencia em muitos aspectos; um deles é a independência dele do
sujeito. Vimos que o objeto não é nada sem o sujeito que lhe dá contornos
representacionais; a vontade, por outro lado é, com o sujeito ou sem o sujeito. Não
atoa ela não está condicionada a nada, nem às leis que regem o mundo fenomênico.
O filósofo mesmo constata isso no seu livro Sobre a Vontade na Natureza:

...por isso, essa vontade, longe de, como supunham todos os filósofos até
agora, ser inseparável da cognição e mesmo um mero resultado da mesma
1
– dela, que é totalmente secundária e tardia –, é fundamentalmente distinta
e plenamente independente desta, e que consequentemente essa vontade
pode também existir e se manifestar sem ela, o que é realmente o caso em
toda a natureza, dos animais para baixo.. (SCHOPENHAUER, 2013, p. 27).

1. 2. A Vontade No Mundo Orgânico


Agora irei trabalhar um pouco sobre as variadas formas de manifestação da
vontade na realidade. Nesse primeiro momento pretendo a manifestação no mundo
orgânico, pois para Schopenhauer o homem não é o único portador dessa essência
íntima do real, mas um microcosmo dentro do macro.
A partir desse momento podemos dizer que o sujeito, até então, unicamente
ligado aos objetos numa espécie de relação Sujeito-Objeto, agora toma uma nova
forma de nós olharmos ele; o sujeito agora pode ter um aspecto de dualidade porque
ele pode ser dado de duas maneiras: como objeto no conhecimento fenomenal
submetido às leis de Espaço, Tempo e Causalidade; e também como sujeito
portador da vontade. E com isso Schopenhauer percebe que ao mesmo tempo que
o movimento do corpo, ação dela de forma voluntária ou involuntária, se constitui
como ato da vontade, ela se torna vontade objetivada:

Todo ato real, efetivo, da vontade é imediata e diretamente um ato


fenomenal do corpo; e, pelo contrário, toda ação exercida sobre o corpo é
por esse fato e imediatamente uma ação exercida sobre a vontade: como
tal, ela designa-se dor quando vai contra a vontade; quando lhe é conforme,
pelo contrário, chama-se bem-estar ou prazer (SCHOPENHAUER, 2001, p.
110).

O conhecimento que temos da vontade acaba sendo inevitavelmente o


conhecer os atos do corpo; a condição do conhecimento da vontade passa pelo
conhecimento do meu corpo. Schopenhauer chega a chamar o conhecimento da
vontade de verdade filosófica por excelência.
Ele observa que a manifestação da vontade se torna visível, por exemplo, na
ação de seres cognoscentes por meio de motivos, ou mesmo através das funções
vitais e de eventos do funcionamento do corpo. Entendendo que "Motivos" nada
mais são que a ação do indivíduo motivada por um querer, percebemos que a ação
da vontade no corpo se dá, entre outras formas, como uma ação em busca de algo
que o sacie.
No Sobre a vontade na natureza Schopenhauer diz ter encontrado
confirmações através do médico dinamarquês Joachim Dietrich Brandis em seus
escritos. Nesse escrito o autor retrata a reação do corpo à algo prejudicial; reação
natural de defesa do corpo:
1

Isso ocorre até mesmo nos processos vitais mais elevados da inflamação:
algo de novo é formado e o prejudicial é expulso; mais do elemento formável
é levado até o local pelas artérias e mais sangue venoso escoa, até que o
processo de inflamação esteja completo e a vontade orgânica aplacada.
Essa vontade pode, porém, ficar também tão excitada que não é mais
possível aplacá-la. Essa causa excitante (estímulo) age ou imediatamente
sobre o órgão singular (veneno, contagium), ou afeta a vida como um todo,
ao que essa vida logo começa a fazer os maiores esforços para afastar o
danoso ou para alterar a disposição da vontade orgânica, incitando funções
vitais críticas em certas partes individuais – inflamações – ou também
exaurindo a vontade insatisfeita (SCHOPENHAUER, 2013, p. 33).

O filósofo faz ainda uma relação interessante entre a manifestação da


vontade e as partes do corpo:

...os dentes, o esôfago e o canal intestinal são a fome objetivada; as mãos


que agarram, os pés rápidos correspondem ao exercício já menos imediato
da vontade que eles representam. Do mesmo modo que a forma humana
em geral corresponde á vontade humana em geral, a forma individual do
corpo, muito característica e muito expressiva por consequência, no seu
conjunto e em todas as suas partes... (SCHOPENHAUER, 2001, p. 118).

Ele vai concluir também que as ações dirigidas pelo sistema nervoso e seus
processos que mantêm o corpo em perfeito funcionamento também são ações
submetidas à vontade. Aqui vemos Schopenhauer adentrando cada vez mais na
estrutura fisiológica do corpo e como esta é nada menos que a vontade manifesta,
sobretudo em suas ações. Ele também não se atêm somente aos atos movidos por
motivos; em dado momento ele começa a alargar ainda mais as possibilidades e
chega a explicar os atos movidos por estímulos:

Há também provas específicas para o fato de os movimentos segundo


estímulos (os não arbitrários) partirem, assim como os segundo motivos (os
arbitrários), da vontade: como os casos em que o mesmo movimento ocorre
ora segundo um estímulo, ora segundo um motivo, como, por exemplo, a
contração da pupila: ela ocorre segundo um estímulo com o aumento da luz
e segundo um motivo ao nos esforçarmos por observar um objeto muito
próximo e pequeno com precisão; pois a contração da pupila permite ver
com nitidez a uma distância mínima, efeito que pode ser aumentado ainda
mais se olharmos através de um buraco furado com uma agulha em uma
folha de papel.. (SCHOPENHAUER, 2013, p. 43-44).

E cabe aqui uma diferença entre estímulo e motivo: o estímulo segundo


2
Schopenhauer, advêm de uma reação imediata; já o motivo advêm a partir do
estímulo da imagem, que por sua vez, passa pelo cérebro e então reage como ato.
A gente pode ver mais atos involuntários no corpo, que para se hidratar estando em
ambiente de muito calor necessita transpirar. Agora atos voluntário se manifesta a
partir da ereção que é ocasionada por motivo via representação, que por sua vez
atuará por meio da excitação. Nisso a gente pode perceber que a ação do corpo não
se dá somente em atos voluntários, mas de mesmo modo em involuntários também.
Vemos com isso que a vontade não se dá apenas em partes do corpo, mas em todo
corpo; portanto, o corpo inteiro é a expressão da vontade, vontade objetivada.
Num primeiro momento podemos pensar que o intelecto, a razão não tem
uma menor importância dado que a vontade, um impulso que é independente de
tudo, livre, cega, irracional, que a vontade é poderosa de modo a sujeitar a razão à
seu querer, pois razão sempre está sujeita à vontade. No entanto ela tem sua razão
de ser. O intelecto tem limitações, mas estas só no que tange a determinação sobre
a vontade. Nesse sentido o intelecto pode clarear os motivos, mas nunca subjugar a
vontade.
Para o filósofo a vontade sempre avança impulsivamente em suprir seus
desejos. Sendo assim, o homem sempre se manterá submisso ao querer da vontade
de viver, à afirmação da vida Ele afirma que a vontade se coloca e se reafirma numa
espécie de VONTADE DE VIVER na natureza. Copleston mostra como isso se dá a
partir dessa ideia "Os pássaros, por exemplo, constroem ninhos para os jovens que
ainda não conhecem. Os insetos depositam seus ovos onde a larva pode encontrar
nutrição." (COPLESTON, 2022, p. 639)
O que Schopenhauer quer mostrar é a natureza manifesta, a ideia da vontade
de viver através da vida animal. Outro exemplo é a do trabalho incansável das
abelhas e formigas que buscam comida para satisfazer sua fome. Isso acontece
como uma forma desesperada se viver, de manutenção da vida animal. E isso não
acontece somente nos animais; vemos nos homens também. Essa observação
Copleston também faz de forma muito interessante:

E se olharmos para o homem, com sua indústria e comércio, com suas


invenções e tecnologias, devemos admitir que todo esse esforço serve em
primeira instância apenas para sustentar e trazer uma certa quantidade de
de conforto adicional a indivíduos efêmeros em seu breve tempo de
existência, e por meio deles para contribuir para a manutenção da espécie
(COPLESTON, 2022, p. 639).

A vontade de viver também se reafirma também nas potencialidades dos


animais. Há animais, por exemplo, que tem toda uma estrutura física preparada para
2
viver em árvores longe dos predadores com os quais não teriam chance alguma. O
bicho-preguiça, por exemplo, não é muito capaz de andar, pois sua condição
corpórea lhe dá vantagem trepando nas árvores. Para isso, Schopenhauer considera
ser isso um feito da própria vontade:

A absoluta conformidade aos fins, a evidente intencionalidade em todas as


partes do organismo animal indica de modo demasiado nítido que aqui não
agiram forças da natureza casuais e desorientadas, mas sim uma vontade,
para que isso jamais pudesse ser ignorado seriamente (SCHOPENHAUER,
2013, p. 50).

Como demonstrado acima, a natureza supõe uma racionalidade, muito


embora sendo os feitos nela obra de um impulso irracional, isto é, obra de uma
vontade não guiada por razão. É como se a vontade manifesta no reino animal
mostrasse o quão caótica é esse ambiente. Como se o grau de manifestação de tal
vontade fosse total. Diferente dos homens que apesar da vontade ser suprema, há
de ser percebido que o caos no reino animal não é o mesmo no "reino do homo
sapiens". Nesse em questão há uma certa ordem que faz prevalecer ainda mais a
vontade de viver.
Uma questão que o filósofo nos apresenta é a seguinte: o modo de vida dos
animais teria se ajustado à sua constituição física, ou a constituição física deles teria
se ajustado ao modo de vida? De início ele pretende demonstrar que aparentemente
a resposta é a de que o modo de vida se ajustou à constituição física, visto que a
organização física antecede o modo de vida, de modo que o animal se apoderou do
modo de vida que se adequava à sua estrutura física utilizando-as da melhor forma;
ou seja, "...o pássaro voa por ter asas; o touro chifra por ter chifres, e não o
contrário." (SCHOPENHAUER, 2013, p. 52).
No final das contas ele chega à conclusão de que é a constituição física deles
que teria se ajustado ao modo de vida:

isso tudo comprova que foi o modo de vida querido pelo animal para sua
manutenção que determinou a sua constituição – e não o contrário; isso
comprova também que a coisa tenha ocorrido justamente dessa forma,
como se um conhecimento do modo de vida e de suas condições externas
tivesse antecedido a sua constituição, como se cada animal tivesse
escolhido, assim, o seu equipamento, antes que se corporificasse..
(SCHOPENHAUER, 2013, p. 53).

Essa constatação dele deixa claro que há ali a vontade de viver querendo se
apossar da manutenção da espécie deixando ela sobreviver na natureza do mais
2
forte.
Em dado momento ainda nessa discussão, ele traz De Lamarck e insere
ideias dele para reforçar mais ainda sua resposta à pergunta antes feita. Para ele o
naturalista estava certo ao mostrar que as "armas próprias" de cada espécie não fora
dada de forma alguma na sua origem, seu nascimento; mas sobretudo, foi sendo
dada no seu desenvolvimento gradativo no tempo e de geração a geração e a partir
da circunstância do ambiente; ou seja, as características físicas dos animais que lhe
confere a habilidade de sobrevivência não nasce com ele em seu estado final, mas
foi sendo dado conforme a sua espécie foi de geração em geração se adaptando:

Desse modo, diz ele, as aves e os mamíferos aquáticos obtiveram


gradativamente suas membranas natatórias somente por terem afastado os
dedos dos pés ao nadar; aves pantaneiras obtiveram pernas e pescoços
longos por consequência de seu vadear; os bovídeos obtiveram seus chifres
gradualmente somente porque, na falta de uma mandíbula apropriada,
lutavam apenas com a cabeça, e essa vontade de lutar gerou gradualmente
chifres ou galhadas... (SCHOPENHAUER, 2013, p. 54-55).

Com isso ele reforça a ideia de que a constituição física do animal pressupõe
o agir da vontade de viver em seu estado mais puro; pois há animais voltados à
caça, tendo portanto mandíbulas, garras, há também os animais que tem por
excelência se proteger. Nesse ponto fica claro que todo desejo da vontade de se
afirmar na natureza está posta. Sua organização física deve estar disposta de tal
modo à uma finalidade que nada pode ser encontrado como algo inútil ou contrário,
de modo à dar dificuldades.
Outro ponto importante a se notar é que o homem e o animal tem suas
potencialidade e suas carências, Schopenhauer traz esse ponto para mostrar a
diferença de ambos. No homem há a razão e o entendimento que são superior à dos
animais justamente pelo homem conter carências quanto a seus aspectos físicos em
diferença com a de outros animais. Há certas características físicas que enquanto
um tem de sobre, noutro tem em falta. O homem, por exemplo, não tem a mesma
força que um gorila; do mesmo modo, o leão não tem a mesma capacidade de
inteligência que um homem. Portanto, a faculdade da razão nasce no homem como
forma de suprir sua carência diante das outras espécies; não que nas outras
espécies não haja um grau de razão, mas cada qual em um dado grau e estando
apenas lá para suprir a carência de cada espécie.
A vontade se manifesta também onde aparentemente não há vida. As plantas
vão aparecer nos estudos de Schopenhauer de forma muito interessante e tornando
2
seu conceito de vontade ainda mais abrangente.
De início ele considera a partir da leitura do Dicionário de ciências naturais a
vontade de viver na forma como as plantas se comportam:

Enquanto os animais demonstram, em sua busca por alimento, um apetite,


e, na escolha do mesmo, uma faculdade distintiva, vemos também as raízes
das plantas se voltarem em direção à terra mais rica, chegando a buscar
nas rochas as menores rachaduras de onde possam extrair algum alimento:
suas folhas e seus ramos apontam diligentemente para o lado em que
encontram mais ar e luz. Se dobramos um galho de tal modo que a
superfície superior das folhas fique voltada para baixo; então até mesmo as
folhas giram seus talos para retornar à posição mais apropriada ao exercício
de suas funções (isto é, com o lado liso para cima). Sabe-se ao certo que
isso se passa sem consciência? (SCHOPENHAUER, 2013, p. 66).

Como uma espécie de tentativa de sobrevivência as plantas demonstram a


vontade de viver, de modo que noutro momento ele mostra outro exemplo:

Uma evidência clara da manifestação da vontade nas plantas nos é dada


nas trepadeiras, as quais, quando não têm por perto nenhum apoio para se
agarrar, orientam, na busca por ele, seu crescimento sempre ao local mais
sombreado, até mesmo em direção a um papel de cor escura, onde quer
que seja colocado: por outro lado, fogem do vidro, por reluzir
(SCHOPENHAUER, 2013, p. 67).

Há um artigo que ele também comenta com relação à mobilidade das plantas:

em solo ruim, estando próximas a um que seja melhor, algumas plantas


afundam um ramo no solo bom; depois, a planta original definha; o ramo,
porém, medra e torna-se agora ele mesmo a planta. Uma planta desceu de
um muro por meio desse procedimento (SCHOPENHAUER, 2013, p. 68).

Saindo um pouco do que pode aparentar, o filósofo ressalta que a consciência


não é uma condição à vontade; afinal de contas as plantas não tem essa
consciência. No caso, a vontade é algo primário, enquanto que a cognição,
secundária. Lembrando que com relação à cognição estar em maior ou menor grau
dependendo da espécie, nas plantas não há necessidade da mesma, visto que as
plantas tem menos carências que os animais e o homem.
Ele vai entender que nas plantas o estímulo é algo essencial; que no caso,
substitui a cognição. A cognição, então, acaba sendo mais forte nos animais e
homens que nas plantas; sendo estas últimas receptivas aos estímulos "O serviço
2
prestado aos animais e homens pela cognição como meio dos motivos é prestado às
plantas pela receptividade a estímulos..." (SCHOPENHAUER, 2013, p. 71).

1. 3. A Vontade No Mundo Inorgânico


Resta agora, para finalizar, entrar no campo das leis físicas, da ação de
corpos sobre outrem. No mundo inorgânico o desenvolvimento se dá observando o
grau mais baixo da objetivação da vontade; ela, manifesta em toda a matéria e leis,
como, por exemplo: A Gravidade.
Schopenhauer entende que há forças que são estudadas por determinadas
áreas da ciência que só conseguem explicar a circunstância em que a força se
manifesta e suas leis que regem, mas de fato, não conseguem explicá-la na sua
essência, mesmo tal ciência conheça bem as condições em que tal força se dá:

...Um poderoso imã pode agora agir sobre o ferro dos pesos e vencer a
gravidade: imediatamente o movimento da máquina para, e a matéria torna-
se de imediato o palco de uma outra força natural bastante diferente, o
magnetismo; a explicação etiológica mais uma vez não nos ensina nada
além das condições em que esta força se manifesta." (SCHOPENHAUER,
2001, p. 144).

Outro ponto interessante que o filósofo aborda é quanto à ação de forças que
acabam se resistindo umas às outras. Ele dá exemplos de tais eventos e colocando-
as como objetidade da vontade:

...o mundo reduzido a não mais do que uma esfera, exposto a uma luta
entre a força de atração e a força de repulsão, a primeira agindo como
gravidade, que se esforça de todos os lados em direção ao centro, a
segunda agindo como impenetrabilidade, que resiste à outra, seja como
solidez ou elasticidade... (SCHOPENHAUER, 2001, p. 158).

A vontade tem seus graus de "força" na sua manifestação na realidade; como


vimos, no mundo inorgânico é onde a sua manifestação aparece em menor grau.
Mesmo assim, a vontade como mostrada no decorrer desse desenvolvimento, ela é
soberana em toda instância da realidade.
2
CONCLUSÃO

O trabalho apresentado foi feito em busca de ressaltar a partir de seu


problema, a importância do filósofo. Schopenhauer não foi apenas um filósofo ele
trouxe à história uma nova perspectiva metafísica e que abrangeu várias questões
outras como a Arte. A questão e proposta de demonstrar o conceito de vontade e
sua manifestação diversa na natureza se torna muito importante, pois além de dar
um olhar mais próximo ao conceito em si, trata-se também de mostrar em que se
fundamenta empiricamente tal conceito do filósofo. Nesse sentido se torna essencial
esse trabalho como forma de mostrar as várias nuances de tal conceito.
No primeiro capítulo como um todo foquei em trabalhar gradualmente cada
elemento pré-vontade. Portanto, no primeiro item "A representação" estabeleci o que
o filósofo chamou de Representação e a partir da mesma desenvolvi sua
característica, a relação sujeito-objeto e como ela estabelece o ponto de partida para
se chegar à Vontade. No segundo item "Espaço, Tempo, Causalidade" demonstrei
como se dá as formas a priori da intuição na interação com o objeto e como cada
elemento é inseparável da outra. No terceiro "A Descoberta da Vontade" trabalhei
como foi o processo que levou Schopenhauer a descobrir ser a vontade, força cega,
irracional que anima tudo. Nesse ponto mostrei também suas características. No
quarto item "A Vontade no Mundo Orgânico" fui buscar resposta de como se dá a
vontade manifesta no homem, animal e plantas. Disso observei alguns pontos que
dizem respeito a como a vontade age em cada um desse ator. E por último, no item
"A Vontade no Mundo Inorgânico" passei um pouco sobre a vontade e sua relação
com as leis físicas, sendo esse mundo inorgânico onde a vontade se manifesta em
seu menor grau.
A minha pesquisa se deu principalmente através dos livros de Schopenhauer:
O mundo como vontade e representação; Sobre a vontade na natureza. Neles
encontrei a base da minha pesquisa, mas também me utilizei de referência de outros
livros de teor mais voltado à história da filosofia. Livros esses que são de autores
respeitados como Fraderick Copleston e Giovanni Reali. Como referências bem
menos importante fiz uso de vídeos da internet e alguns artigos.
A vontade como demonstrado nesse trabalho parte do conceito de ser uma
força, impulso cego, irracional; que se manifesta em tudo, no entanto, é no homem
que ela se evidencia no seu mais alto grau. Já nos animais ela é evidenciada, só
que não da mesma forma que o homem, visto que o animal não tem consciência
racional. No entanto, essa falta é suprida em suas características físicas. A vontade
não é algo, como demonstrado por meio de suas diversas formas de manifestar,
individualizado, mas algo macro; ela supera qualquer individualidade e se mostra
2
como sendo impulso de amplitude macro.
2
REFERÊNCIAS

COPLESTON, frederick. uma história da filosofia: do iluminismo francês a


Nietzche. 1 ed. Campinas-SP: vide editorial, v. 3, 2022.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. FILOSOFIA: Idade Contemporânea. 2 ed. São


Paulo: Paulus, v. 3, 2018.

RUSS, Jacqueline. filosofia: os autores, as obras. Petrópoles-Rj: vozes, 2015.

SCHOPENHAUER, arthur. O mundo como vontade e representação. 1 ed. Rio de


Janeiro: contraponto, 2001.

SCHOPENHAUER, arthur. sobre a vontade na natureza. 1 ed. porto alegre: L&PM,


2013.

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