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O DESENCANTAMENTO
DO MUNDO
Todos os passos do conceito em Max Weber
editorai1 3 4
Para felicidade dos seus leitores Antônio
Flávio Pierucci conseguiu produzir um p a ra
doxo: um livro encantador que trata do de-
sencantam ento. Eu ia escrevendo: do irrepa
rável desencantam ento do m undo. M as con-
tive-me em tem po. H á surpresas dem ais no
texto de Pierucci para permitir form ulações
tão chapadas.
Este é um livro p ara ser lido com gosto,
acom panhando-se p asso a p asso o itinerário
concebido pelo autor para propiciar nada me
nos do que “ tod os os p a sso s” da reconstru
ção de um conceito que ocupa p osição de re
levo na obra de um dos gigantes do pen sa
mento do século X X , M a x Weber.
J á aqui despontam duas teses fortes. Pri
meiro, que o termo “ desencantam ento” , apli
cado a toda uma condição do m undo em que
se movem os hom ens, vai m uito m ais fundo
do que um a vaga noção alusiva a algum a per
da, carência ou mal-estar subjetivo: desencan
tam ento não é desencanto. Estam os — e esta
é a prim eira afirm ação forte — diante de um
conceito, construído p ara aju d ar a explicar
o m undo, n ão p ara lam entá-lo. Um concei
to não se entende sozinho; só ganha sentido
quando encontra seu lugar na estrutura an a
lítica que, no conjunto, form a uma teoria. É,
pois, toda a arm ação da teoria sociológica de
M a x W eber que está em jogo. É ela que tem
que ser percorrida quando a tarefa consiste
em reconstruir, p asso a p asso, o m odo com o
nela se vai fazendo presente um a peça sem a
qual o resto não avança, que é precisam ente
o conceito de desencantam ento do mundo.
Reconstruir p asso a p asso não quer dizer
pouco. Significa — e aqui encontram os a se
gunda afirm ação forte — que o conceito não
se encontra inteiriço em todos os pontos e em
todos os m om entos da obra de W eber. M as
também não quer dizer que um simples acom
panham ento linear da cronologia dos textos
de W eber resolva o problem a. A coisa não é
O DESENCANTAMENTO
DO MUNDO
T o d o s o s p a s s o s d o c o n c e ito em M a x W eb er
Antonio Flávio Pierucci
O DESENCANTAMENTO
DO MUNDO
T o d o s o s p a s s o s d o co n ce ito em M a x W eber
FFLCH-USP C A P E S
Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hum anas
Programa de Pós-Graduação em Sociologia
editoraH34
ED IT O R A 34
Editora 34 Ltda.
R ua H ungria, 5 92 Jard im Europa CEP 01 4 5 5 -0 0 0
São Paulo - SP Brasil T el/Fax (11) 3 8 1 1 -6 7 7 7 w w w .editora34.com .br
IS B N 9 7 8 -8 5 -7 3 2 6 -2 7 8 -0
C D D - 300
O D E SE N C A N T A M E N T O
DO M UNDO
T od os os passos do conceito em M a x W eber
T o d o s o s p a sso s d o c o n c e it o
B ibliografia.......................................................................... 223
A PR ESEN T A Ç Ã O
Apresentação 7
nio, charme, atração, sedução... Der Z auberer nomeia o m ágico,
o m ago, o feiticeiro, o bruxo, o encantador. Enfeitiçar, em bruxar
ou encantar pode ser zaubern, verzaubern, bezaubern, anzaubern,
e encantamento se traduz o mais das vezes por Verzauberung, Be-
zauberung e Zauberei, que com o Z auber tam bém quer dizer m a
gia, feitiçaria, bruxaria, encantaria e assim por diante.
Entre estudiosos e estudantes, M ax Weber costum a ser lem
brado com o “ o homem que fez da ideia de desencantam ento não
meramente um tema importante para pensar a vida m oderna, mas
talvez o m ais essencial aspecto da m odernidade” .2 Um autêntico
desencantador.^
Este livro pretende acom panhar, pacientemente e na m inú
cia, o percurso que faz por toda a obra de W eber o conceito de
desencantamento do m undo. O trabalho foi originalmente defen
dido em 13 de junho de 2 0 0 1 , dia de Santo Antônio, com o tese
de livre-docência em Sociologia, no D epartam ento de Sociologia
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências H um anas da Univer
sidade de São Paulo (FFLCH /USP). Aproveito para agradecer aos
cinco m em bros da banca exam inadora pela instigante e profícua
arguição. M eu muito obrigado aos professores Guita Grin Debert
(Unicamp), Vilm a Figueiredo (UnB), Sedi H irano (USP), Ruben
George Oliven (UFRGS) e Gabriel Cohn (USP) por aqueles dias
mem oráveis de discussão e brilho intelectual.
Sou m uito grato tam bém ao C N Pq e à CAPES. Ao CN Pq,
pela bolsa de produtividade em pesquisa que possibilitou a reali
zação deste estudo. E à CAPES, pelo apoio financeiro que alavan-
cou sua edição em livro.
2 Goldman, 1988: 1.
8 O desencantamento do mundo
O DESENCANTAMENTO
DO MUNDO
T o d o s o s p a s s o s d o co n ce ito em M a x W eb er
SIGLAS DAS O BRA S CITA D A S DE M A X W EBER
HGE História geral da economia. São Paulo, Mestre Jou, 1968 [1923].
12 O desencantamento do mundo
KS “ Kritische Studien auf dem Gebiet der kulturwissenschafltlichen
Logik” . In: WL: 215-290, 1988 [1906, 1922],
MSS The Methodology ofth e Social Sciences. N ova York, Free Press,
1949.
PE “ Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalism us” . In:
GARS I: 17-206 [1920],
PE“ G ” K Die protestantische Ethik und der “ G eist” des Kapitalismus (edi
ção crítica da edição original de 1904-05, a cargo de Karl Licht
blau e Johannes Weiss). Bodenheim, Athenäum Hain Hanstein
Verlagsgesellschaft, 1993 [1904-05].
PSek “ Die protestantischen Sekten und der Geist des Kapitalism us” .
In: GARS I: 207-236 [1920],
14 O desencantamento do mundo
IN T R O D U Ç Ã O
Introdução 15
poderá dizer que é conhecedor da sociologia de W eber se não
passar por sua Sociologia da Religião, ou frequentar ao menos seus
picos mais altos.
Reinhard Bendix entendeu isso precocem ente.4 Seu M ax
Weber: An Intellectual Portrait de 1960 (ver Bendix, 1986) dedi
ca vasto volume de texto, nada menos que seis capítulos, numa
atenção simplesmente descom unal para a época, à sociologia das
religiões de Weber. Que é m esm o vastíssim a, diversificada, avan
tajad a, de encher a boca e as prateleiras. W eber tem de fato uma
grande Sociologia da Religião, m as não é, repito, um “ sociólogo
da religião” com o os que hoje conhecemos ou som os. Weber deu-
-se ao luxo até m esm o de com por passo a passo um a sociologia
sistem ática da religião, publicada na edição convencional de E co
nom ia e sociedade à guisa de capítulo.5
Entretanto, frequentar a Sociologia da Religião de Weber não
pode se resumir, note bem, em revisitar esse com pêndio sistemáti
co de Sociologia da Religião publicado em Econom ia e sociedade,
sobre o qual Bourdieu se debruçou com esm ero, e burilou e es
quem atizou e sistem atizou ainda m ais, dando-lhe um plus ines
perado de operacionalidade sociológica (Bourdieu, 1971; 1974b).
É m uito m ais que isso. G rande parte da sociologia histórica e
com parada de W eber, sua sociologia substantiva, é tam bém ela
Religionssoziologie — eis aí a melhor parte do mal-entendido. A
“ obra reunida” que ele estava preparando para editar em 1920,
ano em que m orreu, não era outra senão os E nsaios reunidos de
Sociologia da R eligião, os fam osos G A RS [Gesam m elte Aufsätze
16 O desencantamento do mundo
zur R eligionssoziologie]. O s capítulos iniciais do volum e I dos
G A RS são os dois conhecidíssim os estudos sociológicos sobre o
protestantism o ascético, “ A ética protestante e o espírito do ca
pitalism o” e “ As seitas protestantes e o espírito do capitalism o” .
T irando os dois, todo o restante dos três volumes dos G A R S é
tom ado por uma vasta e diversificada obra de sociologia históri-
co-com parada das religiões, a que W eber deu o título de Ética
econôm ica das religiões m undiais [W irtscbaftsethik der Weltreli-
gionen], Ela compreende: as m onografias sobre a China \Konfu-
zianism us und Taoism us] e sobre a índia [Hinduism us und Bud-
dhismus], o estudo inacabado sobre o judaísm o antigo \D as antike
Ju dentu m ], além de dois dos três grandes ensaios teórico-reflexi-
vos supracitados: a longa “ Introdução” [Einleitung], m ais conhe
cida em português pelo estranho título que herdou da tradução
am ericana, “ A psicologia social das religiões m undiais” , e a pre
ciosa e celebradíssim a “ Consideração interm ediária” [Zwiscben-
betrachtung\, mais conhecida no Brasil por um título que na ver
dade é o subtítulo de sua segunda edição alemã, “ Rejeições religio
sas do m undo e suas direções” , subtítulo m utilado já na versão
em inglês da coletânea From M ax Weber [FMW ].
Dentre os ensaios teórico-reflexivos de W eber, se existe um
que de m odo algum pode ser lido com o peça apenas de Sociolo
gia da Religião, dado que o próprio Weber nos desautoriza a tanto
de form a explícita, é a “ Consideração interm ediária” [Zwiscben-
betracbtung]. Os term os lançados por W eber são inequívocos:
Introdução 17
É uma autoexigência de W eber que me soa tam bém com o
um caveat, uma cham ada de atenção ao leitor. Vejo nos verbos
“ deve e quer ser” uma pretensão e, ao mesmo tem po, um alerta
a que nunca se leiam seus ensaios de Sociologia da Religião co
mo se o autor os tivesse escrito na condição de especialista em
Sociologia da Religião e pronto. Ao contrário, W eber se preten
de o sociólogo que, ao eleger as religiões com o objeto, produz
uma dupla m acrossociologia: uma sociologia geral da m udança
social com o inevitável racionalização da vida, e uma sociologia
específica da m odernização ocidental.7 A popularização de al
guns de seus trabalhos que tratam enfaticamente de religião, sen
do A ética protestante e o espírito do capitalism o [PE; EPbras] o
m ais conhecido e o m ais lido, leva inevitavelmente a associar o
nome de Weber a esse cam po especializado de investigação, a So
ciologia da Religião, que hoje goza de autonom ia muito m aior
com o área de pesquisa e subárea (setorial, fraccionai) do conhe
cimento do que cem anos atrás. N o s idos de W eber a Religions-
soziologie já se fazia pensável, porém impensáveis eram ainda os
sociólogos da religião.8
Foi desse m odo, nessa chave, que imediatamente traduzi o
caveat assim que o li.
18 O desencantamento do mundo
E assim que li saí a pendurar im aginariam ente o aviso, que
dum outro ponto de vista mais parece um reclame, no frontispício
imaginário de minhas salas de aula e no alto do ponto mesmo onde
instalei meu observatório sociológico, que, a conselho de Weber,
é o lugar onde exercito asceticamente minha capacidade de con
tinuar acom panhando, mediante a análise em pírico-substantiva
das religiões e das religiosidades no Brasil e na América Latina, a
evolução da sociedade ocidental com o algo de particular em seu
acontecer e universal em seu alcance cultural.
Introdução 19
mínio do mundo [Weltbeherrschung]” 9 ou a do “ desenvolvimento
de um racionalism o prático sui generis tornado conduta de vida
[rationale Lebensfiihrung]” 10 — , tanto m aior foi ficando o inte
resse em conhecer sua sociologia substantiva das religiões.
Em se tratando de docum entar empiricamente processos de
racionalização de variada extensão, nada melhor que a história
com parada das religiões em chave sociológica para nos fornecer
os exem plos mais salientemente heterogêneos de racionalização
da vida em sua dupla vertente básica, a racionalização teórica e a
racionalização prática (Einleit/GARS I: 265-6; EnSoc: 337). É por
isso que na segunda metade da década de 80 W olfgang J. M om-
msen já podia anotar que “ os estudos de Weber em Sociologia da
Religião passaram a atrair renovada atenção. Por um período, sua
Sociologia da R eligião tinha sido con siderada desatu alizada e
irrelevante [...]. A gora vai se tornando evidente um novo e vivo
interesse por este aspecto da obra de W eber, precisamente na me
dida em que sua Sociologia da Religião está relacionada às fon
tes de racionalização no O cidente” (M om m sen, 1989: 5 ).11
20 O desencantamento do mundo
algum as bem produtivas em novos achados e estudos de fôlego.
Houve, a partir da década de 70 e m ais perceptivelmente ainda
nos anos 80, um a espécie de renascim ento do interesse pelos es
critos de W eber, que produziu verdadeira enchente de literatura
secundária sobre todos os aspectos de sua obra e, por força, de
sua Sociologia da Religião. Stephen Kalberg (1994: 16) deu a esse
caudal o nome de “ international Weber renascence” . Em m até
ria de racionalização, o velho ângulo de observação à la M ann
heim (1962), que favorecia a atenção ao processo de racionali
zação funcional e portanto de burocratização da sociedade m o
derna, foi cedendo espaço a um ponto de vista m ais abrangente
em term os históricos, que valoriza o observar-se a sociedade oci
dental do ponto de vista de um vasto processo de racionalização
de longuíssim a duração.
Introdução 21
grandes religiões. Crítico de Tenbruck, Schluchter também se viu
às voltas com as várias sociologias da religião deixadas por We-
ber, e tam bém ele procurou acom panhar passo a passo o fio de
Ariadne do processo de racionalização religiosa em sua peculiar
vertente ocidental. Escreveu sucessivos estudos de explanação
sempre m ais apurada e sistem ática dos ângulos de visão weberia-
nos sobre o desenvolvimento do racionalism o característico do
Ocidente, tendo por referência empírica as diferentes religiões e
seus contrastes (Schluchter, 1989; 1991; 1996).
22 O desencantamento do mundo
za, com todas as contradições e irracionalidades que esse m odo
de relação com o mundo implica e acarreta.
De m odo que chego ao conceito de desencantam ento em
W eber sendo principalmente eu o sociólogo da religião e ele o
sociólogo da racionalização. N ad a há nisso de acidental.
* s:-
Introdução 23
a um procedimento de busca informatizada de palavras numa obra
(completa) digitalizada.
Pois já existe um “ W eber digital” , viva! O C D -R O M n° 58
da D igitale Bibliotbek (cf. DigitB) saiu em 2001 trazendo sua
obra reunida, precedida da fam osa Lebensbild [biografia] escri
ta por sua viúva, M arianne Weber. C om o uma grata surpresa e
gentile pensiero de Leopoldo W aizbort, meu colega no D eparta
mento de Sociologia da USP, esse C D -R O M chegou às minhas
m ãos na hora exata, bem a tem po de subsidiar-me com sua bem-
-vinda exatidão tecnológica no m om ento em que eu devia con
ferir, p asso a p asso, antes de entregar os originais ao editor, a
localização e a contagem das ocorrências vocabulares que eu fi
zera para a livre-docência. Penso que devo inform ar aos leitores,
sobretudo aos meus alunos, que para chegar aos bons resultados
que atingi no primeiro rastream ento foram necessários quase três
anos de buscas, releituras para conferir, revisões constantes e rea
justes infindáveis. H oje estou ciente de que os meios e m odos ar-
tesanais de que dispunha, de longe mais m odestos e dem orados
que os recursos atualmente disponíveis no m ercado, no fundo,
no fundo, não conseguiam , apesar de todo o meu zelo e discipli
nada atenção, se safar da dúvida instalada na porosidade dos re
sultados prom etidos: será que não deixei p assar nada? Com o
“ Weber digital” , o trabalho de investigação ficou mais fácil, mais
rápido e até m ais divertido, e o resultado da coleta e da con ta
gem, cem por cento seguro.
As passagens colecionadas serão, num prim eiro momento
(capítulo 3), dispostas em ordem cronológica, m as sem grandes
contextualizações sistem áticas, pois é intenção deste meu exercí
cio de pesquisa textual, num segundo momento que será seu cor
po propriam ente dito (capítulos 5 a 13), contextualizar cada p a s
sagem nas dobras da estrutura e do movimento interno da pró
pria teorização sociológica de M ax Weber.
24 O desencantamento do mundo
TODOS OS PASSOS
DO CONCEITO
28 O desencantamento do mundo
duplo sentido: os aspectos cosm ológicos do pensam ento e da cul
tura ocidentais foram caracterizados pela eliminação da m agia (se
gundo a frase de Schiller, ‘o desencantam ento do m un do’)-, e a
estrutura e a organização form al, a estilística das artes, são ra
cionais. O exem plo particular de W eber era a m úsica harm ônica
ocidental de acordes, baseada numa escala que permite o m áxi
mo de relações ordenadas, diferentemente da m úsica primitiva e
não ocidental” (Bell, 1976: 36, grifos meus).
M ais tarde um pouco, em 1988, os brasileiros iam poder ler
num livro de resumo do pensamento weberiano escrito por Donald
M acR ae a alegação de que W eber “ tom ou do poeta Schiller uma
frase que é usualmente traduzida com o ‘o desencanto do m undo’ ”
(M acRae, 1988: 90, grifo meu). É assim mesmo que aparece tradu
zido o componente verbal do conceito: “ desencanto do m undo” ,
já incorporando em português um certo deslizamento de sentido.
Bem mais recentemente, em 1993, ainda pude encontrar a
mesm a atribuição de filiação term inológica, dessa vez na pena de
Andrew M . Koch, em artigo a respeito do “ m odernism o” de We
ber publicado no Canadian Jo u rn al o f Political Science, no qual
fica dito que desencantamento “ é um termo em prestado de Fried
rich Schiller” (Koch, 1993: 138, grifo meu).
E m ais recentemente ainda, pude ler em Peter Ghosh mais
uma referência a tal empréstim o. D epois de com entar que, quan
do em prega a expressão “ afinidades eletivas” [W ahlverwandt
schaften] para caracterizar a relação de “ causalidade ad eq u ad a”
e de “ m útua atra çã o ” entre a ética puritana e o espírito capitalis
ta, Weber está na verdade “ usando uma frase tornada fam osa por
G oethe” , Peter Ghosh se refere de passagem , em nota de rodapé,
a “ um outro im portante empréstim o literário, tom ado de Schil
ler, usualmente traduzido com o ‘o desencantamento do m undo’ ”
(Ghosh, 1994: 106, nota 8, grifo meu).
Estam os perante um caso claro de “ ideia recebida” . Pes
soalm ente, nunca vi nenhum desses autores citando exatam ente
o lugar da obra de Schiller em que se encontra a expressão. Ain
da estou à espera de provas, pois apesar da aparente unanim ida
30 O desencantamento do mundo
municáveis, inefáveis, cujo conteúdo indizível permanece “ com o
o único Além ainda possível junto ao m ecanism o desdivinizado
do m undo” [neben dem entgotteten M echanismus der Welt] (Ein-
leit/GARS I: 2 5 4 ; grifos m eus).15
Pelo sim , pelo não, o fato é que M ax Weber construiu um
conceito, m uito m ais que um sim ples termo. E um a vez elabora
do o conceito e fixado o significante com toda essa poética lexi-
calidade, tão insinuante que muita gente pensa se tratar tão só de
um a m etáfora — Paul Ricoeur é um deles (1995) — , W eber p as
sou a m obilizá-lo com tal centralidade e tam anha proeminência
em seus escritos, falas e reescritos da m aturidade — e por “ m a
turidade” entenda-se aqui algo apenas cronológico, um atalho
vocabular para designar os últimos oito ou dez anos de sua vida
— , que o significante Entzauberung der Welt, inusitado m as in
discutivelmente um m arcador, intenso com o referência m aterial
pela carga de efeitos de sentido, alusões e ressonâncias que abri
ga e emite, viria a se tornar um a das m arcas registradas, não só
das teses substantivas de Weber sobre o desenvolvimento do racio-
nalism o ocidental, mas também da própria escritura weberiana.
Entzauberung der Welt — eis aí um m arcador da diferença.
D a diferença do pensam ento, m as tam bém da escrita de M ax
Weber. Em qualquer língua do m undo a ideia de encantam ento
se diz gostosam ente, gozosam ente, em form as belas, arrebatado
ras, fascinantes: encanto, encantam ento, encantado, encantador,
encantaria... Desencantam ento, seu negativo, quem sabe também
por isso não term inou se im pondo com o um dos melhores identi
ficadores pessoais de um pensam ento, senão o melhor.
32 O desencantamento do mundo
lógicos do conteúdo que ele entende dar ao novo conceito. Em
plena assepsia do trabalho de construir um conceito logicamente
consistente, insinua-se na fraseologia de Weber, incontida, a m e
táfora do “ jardim m ágico” .16 Às vezes na mesm a página, quan
do não no m esmo parágrafo (cf. G A RS I: 513), aflora a m etáfora
no afã de ilustrar empiricamente a form ulação abstrata a duras
penas alcançada, e então o pensar de W eber transita pra lá e pra
cá, do lógico ao figurativo. Figurativo, sim, pois o que mais p o
deria ser “ jardim encantado” no texto weberiano se não uma fi
gura de linguagem ? Certamente não um conceito científico.
N o decorrer deste trabalho teremos chance de p assar várias
vezes pela im agem do “ jardim encantado” , essa m etáfora escan
caradam ente m etafórica que W eber insere em seus escritos de
Sociologia da Religião nada menos que seis vezes (cf. DigitB) no
intuito de condensar numa figura im aginária e com um radical
evocativo — Z auber — a visão algo etnocêntrica que em suas
pesquisas históricas fora elaborando das grandes civilizações asiá
ticas: encantadas, porquanto dom inadas pela m agia, p aralisadas
pelo tabu.
Isso quer dizer que o significante encantam ento tem força
expressiva própria, quase uma lógica própria, tantas são as on
dulações e deslizam entos de que seu uso é capaz, viáveis em di
versos idiom as, e em todos eles carregando o m esm o poder de
enlevo lexical. Im possível não lem brar o cum prim ento francês
encbanté, impossível esquecer que em italiano incantesimo é uma
beleza de palavra, e assim vai. Destino tam bém de todos os seus
contrários. Desencanto, por exem plo, é um a palavra tam bém ela
muito sugestiva, e não são tão raros assim os tradutores que subs
tituem desencantam ento por desencanto, criando com isso a ex
Meu ponto 33
pressão “ desencanto do m undo” (cf. M acR ae, 1988: 90; Haw-
thorn, 1982: 161), ultra-am bígua em português, onde desencanto
diz desaponto, desilusão e decepção, m as corretíssim a e precisa
em italiano, língua na qual desencantam ento se diz sim plesm en
te disincanto — disincanto dei m ondo (cf. Treiber, 1993: passim ;
W eiss, 1993). N a tradução brasileira de um livro que trata da
genealogia da secularização, escrito pelo italiano G iacom o M ar-
ram ao ,17 em um título de capítulo o tradutor trouxe para o por
tuguês o disincanto do italiano. E o capítulo ficou se cham ando
“ Racionalidade e desencanto” (cf. M arram ao, 1997: 5; 47).
M as nesse rol dos propensos a tratar o desencantam ento na
chave do desencanto há um nome ainda m ais fam oso que os já
citados, Arthur M itzm an, que em seu livro The Iron Cage, de
1971, pretende descobrir em W eber, “ sob a superfície de sua So
ciologia da R eligião” , uma síndrome psicológica que ele define e
adjetiva com o “ person al disenchantm ent", e descreve com o “ o
profundo senso de desilusão e desencanto do scholar convalescen
te com a sociedade e a política alem ãs” de seu tem po, síndrome
cujas raízes M itzm an não dem onstra a menor dificuldade em lo
calizar “ nos próprios sentimentos de cu lp a” de um M ax Weber
pós-colapso psíquico (cf. M itzm an, 1971: 204-205).
O desencantam ento do m undo, quando traduzido por de
sencanto e, com isso, re-duzido, psicologizado nos term os de um
estado mental de desilusão pessoal com o m undo (moderno) ou
com os rum os da sociedade (nacional), não leva necessariamente
a lugar teórico nenhum. N ão tem, ou melhor, nem chega a tocar
em sentido cognitivo algum . N ão p assa de um mísero nóm ade
desfigurado nas variações do nome. Pode ser sintom a da pobre
za mental do com entarista, quando não de preguiça intelectual.
T od a essa dispersão interpretativa leva a crer que o signifi-
cante em si m esmo (fazer o quê?) talvez seja encantador o sufi
34 O desencantamento do mundo
ciente para impelir sua aplicação a agasalhar carga semântica sem
pre m ais expandida e alusiva, um feixe sempre elástico de signi
ficados de uso corrente, definitivamente proteiform e (cf. Cohn,
1995: 15). D evagar com o andor, porém. São tantas na verdade
as excitações cabíveis na elasticidade desse feixe, que sua am plia
ção pode dar em dissipação. H á este risco. Com palavra assim tão
provocante, de aura tão carregada de m agnetism o e m agia, é mui
to grande m esm o o risco da volatilização sem ântica e do disp a
rate, da tolice. É assim , por exem plo, que vam os ler na tradução
brasileira do livro A m áquina de fazer deuses, de Serge M oscovici
(1990), algo com o: “ M as aquilo que W eber cham a de ‘desilusão
do m undo’ [...]” (p. 153); “ Assim sendo, ‘desiludir com o m un
d o ’ significa [...]” (p. 154); “ O m undo aqui de baixo tendo sido
desiludido, observa Weber a propósito das seitas batistas [...]” (p.
155); “ Por outro lado, a desilusão do m undo representa a des
coberta de um cam inho estrito [...]” (p. 155). A leitura de frases
com o essas — e exarad as além do mais num léxico atribuído ex
plicitamente a W eber — chega a ser uma experiência irritante de
desnecessário nonsense.
N ão haveria nada de errado em procurar inconsistências e
até mesmo contradições no próprio Weber, assim com o, tenho cer
teza, não haveria nada de errado se o uso da voz “ desencantamen-
to do m undo” por Weber fosse variegado, m ulticolorido ou m es
mo furta-cor. Apenas teria sido outro o rum o tom ado pela an áli
se e pelo esforço de exegese que tenho feito. Acontece, porém, que
não é. A o contrário do que m uita gente pensa, inclusive assim
pensava eu tem pos atrás, as coisas não vão por aí. O uso do ter
mo em W eber de fato não é unívoco, lá isso é verdade. Ele m uda:
dependendo da questão em tela — e não do transcurso dos anos
do autor, atenção! — ele se expande e se retrai, fica m ais forte ou
m ais fraco, m as nem por isso chega a se pôr com o desbragada-
mente polissêm ico. E é isto que eu pretendo deixar bem dem ons
trado aqui: não é hiperpolissêm ico e muito menos contraditório.
E deveras surpreendente sua consistência lógica e sua fixa
ção num p ar de sentidos ao longo das sucessivas utilizações.
Meu ponto 35
Talvez isso se deva ao fato de serem quantitativam ente re
duzidos seus em pregos diretos no texto weberiano, o que já não
acontece com a frase “ processo de racionalização” e menos ain
da com os substantivos simples “ racionalização” , “ racionalidade”
e “ racionalism o” , de incontáveis possibilidades de uso e uso efe
tivamente variegado (cf. Vogel, 1973; N elson, 1974; Eisen, 1978;
Kalberg, 1980; Brubaker, 1984; Gonzales, 1988; Sica, 1988). Es
sas são term inologias polissêm icas no sentido generoso da p ala
vra, não estando, por isso m esm o, isentas de contradições no pró
prio pensam ento weberiano (cf. Treiber, 1993: 2 ).18 T ão polissê
m icas, que o próprio W eber por diversas vezes nos alertou quan
to a isso: “ Nun kann unter diesem Wort [Rationalism us] bòchst
Verscbiedenes verstanden werden" , ou seja, “ com esta palavra [ra
cionalism o] podem-se entender as coisas mais diversas” (GARS
I: 11; ESSR I: 21 ; EPbras: 11). Semelhante alerta não se vai en
contrar em seus textos visando à palavra desencantamento. T am
bém, pudera, são de fato poucos os em pregos textuais que faz do
termo “ desencantam ento” . 19 Pode-se contá-los com os dedos das
m ãos. Ele é, sem dúvida algum a, uma exclusividade conceituai da
sua sociologia, uma espécie de m arcador da “ individualidade his
tó rica” do seu pensam ento — o que, convenham os, está longe de
ocorrer com os termos racionalism o, racionalidade e racionaliza
ção, apropriados pelas mais variadas correntes de pensamento.
Talvez por isso os usos dele não tenham se beneficiado do sem-
36 O desencantamento do mundo
pre alegado (e ademais muito real) “ caráter fragm entário” da obra
w eberiana para disparar o significante num a spiraling diversity
de significados eivada de inconsistências e contradições.
N ão encontrei nada de escorregadio aí. O terreno que piso
ao rastrear o desencantamento em W eber é surpreendentemente
limpo, é terra firme.
Além do quê, há um lado ético do pensam ento de M ax We
ber que sustenta a tese segundo a qual o interesse último da ciên
cia social para um ser hum ano reside em sua contribuição para a
luta do indivíduo com um em busca de clareza. T al busca é em
Weber parte integrante de uma verdadeira obsessão com a hones
tidade intelectual. D aí seu com prom isso pessoal, uma espécie de
dever profissional do cientista vocacional que ele era, dever au-
toim posto em nome da “ c a u sa ” , com o de resto exigido de todo
cientista no sentido m oderno do termo: o dever de empregar, e
se for necessário construir ele m esm o, conceitos claros, conceitos
que sejam internamente consistentes e externam ente bem deli
m itados, recortados com nitidez.
Tam bém pretendo dem onstrar aqui, relativamente ao con
ceito de desencantamento do m undo, que esse cuidado de Weber
com a clareza do conteúdo sem ântico deste significante em p ar
ticular se patenteia não raro na própria aparência do texto: pela
adoção de determ inados recursos estilístico-form ais de caráter
explicativo, m ais do que apenas enfático, com o por exem plo o
aposto simples, o aposto com dois pontos, a adjetivação especi-
ficante aduzida ao sintagm a original e até m esm o o fraseado co-
nectivo-explicativo explícito do gênero “ isto significa” .
Luta por clareza. Este meu trabalho sobre M ax Weber tem
a ver com essa luta, que era dele m as que tam bém é minha, e eu
sinceramente acho, tal com o ele achava, que ela deve ser de to
dos os que se ocupam profissionalm ente de uma ciência. De con
fusa e em baralhada, basta a vida real, basta a Wirklichkeit, a rea
lidade em fluxo permanente. O s conceitos, as categorias, as defi
nições são nossas ferram entas de trabalho, e ferram entas têm de
ser boas e adequadas para o que delas se espera, e no caso das
Meu ponto 37
teorizações científicas sistem áticas, das sistem atizações teóricas,
esperam-se instrumentos de precisão, conceitos portanto de alta
definição. N ão é sempre que se consegue, m as é nosso dever con
tinuar tentando chegar lá, à clareza, à nitidez. De confusos, repi
to, bastam os Vorgänge der Welt, diria W eber (WuG: 308), os
“ processos/sucessos do m undo” , que continuam caóticos, nebu
losos, indom áveis, m esm o quando já tenham sido “ desencanta
d o s” pela ciência, ela mesma. N ão há momento melhor para fla
grar nosso autor às voltas com esses seus cuidados que também
são meus — “ ai meus cu id ad os!” — do que nas longas e meticulo
sas respostas que deu aos críticos da tese do “ espírito” do capita
lism o, anticríticas publicadas no Archiv em 1910, uma das quais
leva no título a taxativa palavra Schlusswort, “ última palavra”
(texto parcialmente traduzido para o inglês em 1978, Anticritical
last w ord...20).
Em 1910, cinco anos depois da primeira publicação d ’/\ éti
ca protestante e o “espírito” do capitalism o21 nos fascículos do
Archiv für Sozialw issenschaft und Sozialpolitik, Weber resolveu
publicar no m esmo veículo dois longos textos de resposta a seus
críticos: Antikritischen zum “ G e ist” des Kapitalism us (vol. 30,
fase. 1) e Antikritisches Schlussw ort zum “ G eist des K apitalis
m u s” (vol. 31, fase. 2). De m odo geral, os pesquisadores dão
pouca atenção a esse conjunto de artigos, fruto da apaixonada
polêmica a que W eber se viu arrastado em razão do im pacto en
tre os contem porâneos da sua obra mais conhecida. Nem mesmo
a reedição das Kritischen und Antikritischen zur Protestantischen
38 O desencantamento do mundo
Ethik organizada por Johannes W inckelman em 1968 (ver PE II)
conseguiu interessar de m aneira abrangente os com entadores. É
compreensível.
N esses escritos anticríticos (ver tam bém Fischoff, 1944),
Weber se concede toda a oportunidade (não sem um certo ar bla-
sé) não só de esclarecer de novo conceitos seus que, segundo ele,
já estavam claros em diferentes capítulos d ’A ética protestante de
1904-05 — por exem plo, os conceitos de “ ascese intramunda-
n a” , “ espírito do capitalism o” , “ vo cação” , m as tam bém de fazê-
-lo com alto grau de reflexividade, na medida em que, aqui e ali,
nomeia explicitamente a regra de ouro da “ clareza conceituai”
com vistas ao “ aguçam ento da evidência” .22 Quer me parecer
que essa atitude de Weber (de alta reflexividade científica, repito)
por si só deixa estabelecido ou pelo menos sugerido que o inte
resse m aior de todo debate intelectual que se pretenda científico
apesar de apaixon ado reside no objetivo subjetivamente valori
zado de desfazer a confusão conceituai, dissipar a nebulosidade
que dilui o(s) significado(s) m entado(s) pelo pesquisador ao em
pregar esta ou aquela term inologia, através de uma operação de
recortar com nitidez os seus contornos e distinguir exatam ente
seus com ponentes parciais. Em ciência não é possível deixar o
significante solto por aí, proteicamente, dionisiacamente, heracli-
tianamente significando a seu bel-prazer, em polissem ias “ se agi
gantando pela própria n atureza” , dizendo coisas novas a cada
nova leitura m algrado o sujeito-autor-cientista que o empregue.
M as, devemos reconhecer, W eber tam bém é — e isto sem
dúvida é menos importante nele com o homem do intelecto do que
a capacidade de produzir conceitos, m as nem por isso menos real
nem menos elogioso — um autor de grandes m etáforas, m etáfo
ras que ficaram fam osas. E m etáfora, a gente sabe, é coisa que tem
Meu ponto 39
baixa definição, ainda que intensa comunicabilidade. Quem já não
ouviu falar da “ jaula de ferro” , m etáfora fortíssim a, que mesmo
em inglês é completamente im pactante, ou talvez principalmente
em inglês — iron cage — , onde a im agem sonora fica perfeita, ou
m esm o em francês, cage d ’acier, para não pensar na gab bia d ’ac-
ciaio em italiano, e que em alem ão queria dizer ao pé da letra algo
com o “ carapaça dura feito a ço ” , “ cápsula dura qual a ço ” {Stahl
hartes G ehäuse]? Eis aí uma bela m etáfora, feita para soar opres
siva, claustrofóbica, e que em inglês acabou funcionando à per
feição — iron cage,23
Com que, então, W eber é um bom autor até de m etáforas!
Tanto assim que Paul Ricoeur não perdoa. Paul Ricoeur, o intér
prete. Para ele, o desencantamento do mundo também é m etáfora,
uma grande m etáfora. Tendo a oportunidade de falar em desen
cantam ento do m undo, vai logo partindo para evocar a questão
da “ plurivocidade de interpretação” do processo de racionaliza
ção, sugerindo a recusa da univocidade da leitura que recorrente
mente se faz desse m esmo processo que, segundo ele, sempre esta
ciona no registro protoniilista do feitiço que vira contra o feiticeiro.
Diz ele: “ A questão [do processo de racionalização] permanece
aberta: até onde seria preciso rem ontar para reabrir a plurivoci
dade? Esta questão me parece essencial, se o que se quer é resistir
ao efeito de ofuscam ento criado pelas grandes m etáforas webe-
rianas: ‘jaula de ferro’, ‘luta dos deuses’, ‘último hom em ’, ‘encan
tam ento’ e ‘desencantam ento’ ” (Ricoeur, 1995: 15).
N ão é preciso ser muito sagaz para reparar que Ricoeur dei
xou de fora de sua lista a im portantíssim a m etáfora das “ afini-
40 O desencantamento do mundo
dades eletivas” que W eber sorveu diretamente de Goethe e, atra
vés de Goethe, da jovem química da m odernidade clássica com
sua attractio electiva, ou attractio electrix, e que W eber emprega
numa discussão para ele absolutam ente central, a da causalidade
histórica das ideias religiosas n’A ética protestante (cf. PE/GARS
I: 83; EPLus: 6 4 24) ou, para dizer de m odo mais geral e em ter
mos seus, na “ análise das conexões causais da realidade empíri
c a ” (WL: 398). M etáforas, com o se vê no caso das “ afinidades
eletivas” , podem ser de crucial valia, m esm o para as discussões
puramente lógicas e teórico-sistem áticas.
E o que dizer daquela passagem da “ Introdu ção” à Etica
econômica das religiões m undiais (GARS I: 252), na qual W eber,
ao com parar a diferencial eficácia histórico-empírica dos interes
ses e das ideias, lança m ão da m etáfora dos “ m anobreiros de des
vio” de linha de trem de ferro, os switchmen, em alem ão Weichen-
steller, para descrever o poder das ideias na definição dos trilhos
por onde se movem os nossos interesses?
N ão tenho neste m om ento espaço nem disposição para co
mentar a cism a exagerada que Paul Ricoeur dem onstra nutrir em
relação ao que ele fantasia ser (cito:) “ o desafio ‘nihilista’ conti
do no diagnóstico cético que M ax Weber faz sobre o curso da m o
dernidade” (Ibid.: 14). Kulturpessimismus tem hora. Rapidamente
retruco com uma pergunta, que segue por sua vez outra pergun
ta levantada na mesma linha por Jean Séguy (1996): e quem foi
que disse que o ceticismo de Weber deve necessariamente ser q ua
lificado de “ niilism o” ? W eber, afinal, sabia m uito bem o que sig
nifica um ponto de vista, gosta de dizer Schluchter.
Meu ponto 41
M eu ponto neste trabalho é simples e ao final me agrad a
ria enormemente tê-lo deixado bem dem onstrado: parti para esta
pesquisa tendo plena consciência de que o uso que M ax Weber
faz do conceito de desencantam ento do m undo não é com plica
do, nem hesitante, nem muito menos obscuro. Àquela altura de
sua vida, m ergulhado até o pescoço em diversas investigações —
teórico-sistem áticas e histórico-com parativas — , ele sabia m ui
to bem o que queria com a term inologia escolhida para m ate
rializar os mais centrais de seus conceitos substantivos. Desen
cantam ento do m undo tornou-se um deles. Em vista disso, d a
qui do meio desta minha paciente em preitada, m ergulhado até o
pescoço em textos originais e traduções em diversas línguas, só
p osso augurar para mim m esmo que ao final eu haja conseguido
deixar claro que W eber, pelo menos neste preciso ponto, não foi
nada obscuro.
Para conseguir isso, finco o pé nalgum as vias de dem ons
tração:
(1) A meu ver é possível, por exem plo, dem onstrar que em
boa parte dos em pregos que W eber faz da expressão term inoló
gica desencantamento do m undo, e são dezessete empregos ao to
do, há uma p reocu pação clara em definir o significado que na
quele preciso contexto ele entende dar ao significante;
(2) Proponho prestar atenção a cada um desses empregos,
perscrutando pacientem ente a escrita w eberiana para que seja
possível, ao final deste longo, tortuoso e às vezes hesitante per
curso por entre citações o mais possível literais de seu pensam en
to, deixar dem onstrado que o sintagm a em tela tem apenas dois
conteúdos sem ânticos, e que esses conteúdos, adem ais, são niti
damente dem arcados;
(3) D escubro no meio dessa travessia, e dem onstro, que os
dois significados encontrados são concom itantes na biografia de
Weber. Eles se acom panham um ao outro sabendo-se entretan
to distintos, na m edida em que dizem ora o desencantam ento do
mundo pela religião (sentido “ a ” ), ora o desencantamento do mun
do pela ciência (sentido “ b ” ).
42 O desencantamento do mundo
Leituras recentes segundo as quais o conceito de desencan-
tam ento do m undo no pensam ento de W eber foi m udando de
sentido com o transcorrer dos anos de sua vida, p assan d o do sig
nificado “ a ” para o “ b ” , estão portanto desatualizadas em rela
ção ao estado das artes hoje vigente em m atéria de “ biografia da
o b ra ” [W erkgescbichte]. São leituras que trabalham com uma
hipótese aparentemente óbvia, hoje facilmente refutável com d a
dos de evidência. Trata-se de uma tese que de repente se viu cabal
mente refutada pelos próprios avanços cum ulativos da scholar
ship em torno da obra de W eber, propiciados pelas pesquisas do
cumentais de caráter biográfico, com seus novos aportes para a
cham ada “ biografia da o b ra ” .
Meu pon to: neste trabalho eu uso bastante as águas desse
novo m oinho para m ostrar por a + b que W eber na verdade tra
balhou com os dois significados ao m esmo tempo e o tempo todo,
desde sua primeira form ulação pouco antes de 1913 até os últi
mos meses de sua vida, que expirou prem aturam ente em junho
de 1920.
N em todos sabem , mas está em curso desde m eados da dé
cada de 1970 uma em preitada coletiva de m onta: a edição crítica
das obras de M ax W eber, com plexo projeto que leva o nome de
M ax Weber Gesam m tausgabe [MW G, M ax Weber: Edição C om
pleta], com sede em M unique. O grupo inicial dos editores res
ponsáveis existe desde 1976, form ado por M . Rainer Lepsius (de
Heidelberg), H orst Baier (de K onstanz), Johannes W inckelmann
(de Rottach-Egern, já falecido), W olfgang J. M om m sen (de D üs
seldorf) e W olfgang Schluchter (de Heidelberg). O projeto tem o
patrocínio da Kom m ission fúr Sozial- und W irtschaftsgeschichte
da Academ ia de Ciências da Baviera, M unique. O editor é J.C .B .
M ohr (Paul Siebeck), de Tübingen. Um primeiro apanhado do pro
jeto com o um todo foi publicado em 1981, num prospecto expli
cando seus objetivos e procedim entos e apresentando o estado da
preparação da M ax W eber G esam m tausgabe naquele momento.
N a Biblioteca Central da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciên
cias H um anas da USP nós podem os ter acesso a diversos dos vo-
Meu ponto 43
lumes já publicados, alguns dos quais, por sinal, me interessaram
de perto já no presente estudo. G raças a essas aquisições de nos
sa biblioteca, meu conhecimento das fontes originais disponíveis
atualmente ganhou substancial incremento. Sabem os que os ori
ginais de M ax Weber, no sentido técnico da palavra, não existem
mais. T od avia, dispersos em diversas localidades e propriedades,
havia m uitos “ restos literários” guardados em arquivos privados,
em coleções pessoais e em outras form as de conservação, con
tendo m anuscritos, versões prelim inares, palestras e preleções de
que não se tinha notícia etc.; e as cartas, m uitas cartas, nos mais
diversos paradeiros (cf. Roth, 1991). A ideia que desde o início
preside ao projeto M ax W eber G esam m tausgabe é a de recolher
o m aior número possível de inform ações adicionais ao que já se
conhecia dos escritos de W eber e colocar tudo isso junto à dispo
sição dos estudiosos, interessados e curiosos de m odo geral, numa
vasta edição crítica que quer ser o m ais com pleta possível quan
to às inform ações existentes sobre cada ensaio, cada estudo, cada
palestra, cada aula, cada carta dele. Em 1984 foi publicada uma
revisão do primeiro prospecto aparecido em 1981, indicando en
tão as três grandes subséries da série com pleta: (1) escritos e p a
lestras; (2) cartas; (3) aulas. Só para a primeira subsérie, que con
tem pla sua oeuvre propriam ente acadêm ica, foram previstos 22
volumes (cf. K àsler, 1988: 2 7 5 ; Roth, 1988: I3 6 s; Kim ball &
Ulmen, 1991).25
Esse é realmente um dado novo. Um fato auspicioso e de
extrema relevância para quem estuda ou quer estudar a obra de
Weber. Sua im portância transcende largam ente o fato, já em si
m uito significativo, de passarm os a contar com uma edição críti
ca com pleta, que abre o acesso a uma quantidade inestimável de
fontes até agora desconhecidas, a novos dados e a lances insus-
44 O desencantamento do mundo
peitados em torno da produção intelectual desse m onstro sagra
do da sociologia. Lá onde chegam os volum es já editados da sé
rie, a M ax Weber G esam m tausgabe vai silenciosamente suscitan
do um tipo novo de interesse, o interesse pelo “ texto em si” , até
bem pouco tem po inusitado ou pelo menos raríssim o entre os es
tudiosos de W eber, o interesse em ir além do conteúdo e muito
além das “ ideias recebidas” e interpretações correntes, eis que o
próprio texto em sua m aterialidade se oferece agora com o objeto
de questionam ento (cf. Séguy, 1996).
A pesar da nitidez das definições de desencantam ento do
m undo, uma certa polissem ia, em bora mínima, persiste e segue
seduzindo a im aginação dos intérpretes. N ão obstante o fato de
que toda essa clareza conceituai no uso dos termos tenha sido algo
metodicamente buscado pelo Weber da m aturidade no que toca
ao fenômeno do desencantam ento, tem os de convir que o sintag
ma, o nome, o termo “ desencantamento do m undo” continua com
sua carga nada negligenciável de sugestividade, continua a aco
lher e nutrir possibilidades inúmeras de m etaforização, continua
propenso à diluição dos seus contornos lógicos, convite, por ou
tro lado, ao adensam ento filosófico de seus conteúdos no traba
lho de reflexão sobre os grandes dilem as existenciais postos pelo
processo de racionalização especificamente ocidental. Ocorre que
entre filósofos e dem ais am antes do filosofar prospera a leitura
m elancólica do conceito de desencantam ento basicam ente com o
perda de sentido [Sinnverlust]. A o contrário do conhecim ento
científico, que assum e com realism o e galhardia sua incapacida
de constitutiva de “ provar cientificamente” (WaB/WL: 600; FMW:
145) que o m undo e a vida trazem em si sentido e valor, e abraça
com coragem e senso de dever a tarefa de pesquisar metodicamen
te, manipulando e experimentando para modificar e explorar, sem
culpa nem pejo, sem limite nem resto, todo esse m undo natural
que, uma vez desencantado, se oferece à aventura científica feito
zona de caça liberada mercê de sua objetiva falta de sentido \Sinn-
losigkeit], ao contrário das ciências, repito, as visões de mundo
— na verdade todas as visões de m undo, sejam elas religiosas ou
Meu ponto 45
filosóficas — insistem em dotá-lo de um sentido que, lam enta
velmente do ponto de vista desses pensadores, vai-se perdendo
sempre m ais, e irreparavelmente, quanto m ais se difundem e se
dispersam os diferentes processos rivais de racionalização dos
m undos da vida.
Isso, porém , não nos autoriza a fazer do conceito de desen-
cantamento um uso sempre flexível, pouco apertado, alusivo, falto
de rigor e nitidez. Weber aqui é tão explícito nos seus próprios
term os, que qualquer eventual tentativa de, por aí, dem onstrar
textualmente que ele concebeu o desencantamento do m undo em
term os am plos e fluidos teria de se haver com um bom número
de definições explicativas do conceito que ele não se poupa em
dar, nas quais enquadra o processo em limites muito estritos e
claros, sem m argem para toda a m aleabilidade interpretativa dos
amantes da polissemia. O excesso de am or à polissemia corre neste
caso um sério risco — o de fazer a plurivocidade virar-se contra
si m esm a, vindo então a esfum ar os fortes contrastes da lim itadís
sima policrom ia (dicrôm ica!) originalmente conferida pelo autor
ao conceito.
Por isso m esm o, ultimamente, alguns autores têm preferi
do adotar uma nova tradução técnica para Entzauberung. Em vez
de “ desencantam ento” , termo que, com o estam os vendo, se pres
ta a deslizamentos sem ânticos incontroláveis, dadas as suas co
notações rom ânticas (cf. Sayre & Lòw y, 1984) e seus pendores
psicologizantes (veja-se a propósito a falsa proxim idade que há
entre os sintagmas “ desencantamento do m undo” e “ universo em
desencanto” ), respeitáveis estudiosos hoje propõem o uso da p a
lavra “ desm agificação” .
O recurso a esse outro vocábulo, menos charm oso, de fei
tio mais técnico e lexicalidade m ais óbvia — desm agificação (mas
há tam bém quem diga desm agicalização) — , é decerto uma ten
tativa cientificamente bem-intencionada, para o caso do desencan
tam ento do m undo, de “ chegar ju n to” daquele “ núcleo duro de
significado (que) um conceito certamente terá” , conforme Gabriel
Cohn costum a nos ensinar e cobrar (Cohn, 1995: 15).
46 O desencantamento do mundo
3.
C O N T A N D O OS PASSOS
PASSO 1
Contando os passos 47
PASSO 2
PASSO 3
48 O desencantamento do mundo
de que sejam postos em um a ordem significativa e ‘plena de sen
tido’.” 26 (Sociologia da Religião/EeS I: 344)
ORIGINAL [1913, 1914...]: “Je mehr der Intellektualismus den Glau
ben an die M agie zurückdrängt, und so die Vorgänge der Welt ‘ent
zaubert’ werden, ihren magischen Sinngehalt verlieren, nur noch
‘sind’ und ‘geschehen’, aber nichts mehr ‘bedeuten’, desto dringlicher
erwächst die Forderung an die Welt und ‘Lebensführung’ je als Gan
zes, dass sie bedeutungshaft und ‘sinnvoll’ geordnet seien.” (WuG:
308)
PASSO 4
Contando os passos 49
PASSO 5
PASSO 6
PASSO 7
50 O desencantamento do mundo
vida sob as quais alguém se encontra. Significam , ao contrário,
uma outra coisa: o saber ou a crença de que basta alguém que
rer para poder provar, a qualquer hora, que em princípio não há
forças m isteriosas e incalculáveis interferindo; que, em vez dis
so, um a pessoa pode — em princípio — dom inar pelo cálculo
todas as coisas. Isto significa: o desencantam ento do m undo.
Ninguém m ais precisa lançar m ão de meios m ágicos para coagir
os espíritos ou suplicar-lhes, feito o selvagem , p ara quem tais
forças existiam . Ao contrário, meios técnicos e cálculo se encar
regam disso. Isto, antes de m ais nada, significa a intelectualiza-
ção propriamente dita.” (A ciência como vocação, ver FMW: 139;
CP2V: 30, grifos do original)
ORIGINAL [1917]: “ Die zunehmende Intellektualisierung und Ratio
nalisierung bedeutet also nicht eine zunehmende allgemeine Kenntnis
der Lebensbedingungen, unter denen man steht. Sondern sie bedeu
tet etwas anderes: das Wissen davon oder den Glauben daran: dass
man, wenn man nur wollte, es jederzeit erfahren könnte, dass es also
prinzipiell keine geheimnisvollen unberechenbaren Mächte gebe, die
da hineinspielen, dass man viel mehr alle Dinge — im Prinzip — durch
Berechnen berrerschen könne. D as aber bedeutet: die Entzauberung
der Welt. Nicht mehr, wie der Wilde, für den es solche Mächte gab,
muss man zu magischen Mitteln greifen, um die Geister zu beherrschen
oder zu erbitten. Sondern technische Mittel und Berechnung leisten
das. Dies vor allem bedeutet die Intellektualisierung als solche.” (WaB/
WL: 594, grifos do original)
PASSO 8
Contando os passos 51
posta em sua mais elevada form a, na obra de Lev T o lstó i.” (A
ciência com o vocação, ver FM W : 139; CP2V: 31)
ORIGINAL [1917]: “ H at denn aber nun dieser in der okzidentalen
Kultur durch Jahrtausende fortgesetzte Entzauberungsprozess und
überhaupt: dieser ‘Fortschritt’, dem die Wissenschaft als Glied und
Triebkraft mit angehört, irgendeinen über dies rein Praktische und
Technische hinausgehenden Sinn? Aufgeworfen finden Sie diese Fra
ge am prinzipiellsten in den Werken Leo T olstojs.” (WaB/WL: 594)
PASSO 9
“ Pois aqui tam bém diferentes deuses lutam entre si, agora
e para sempre. Tudo se p assa com o se [vivêssemos] no m undo
antigo, mundo ainda não desencantado de seus deuses e dem ô
nios, só que em outro sentido [...].” (A ciência com o vocação, ver
FM W : 148; CP2V: 42)
O RIG IN A L [1917]: “ Hier streiten eben auch verschiedene Götter
miteinander, und zwar für alle Zeit. Es ist wie in der alten, noch nicht
von ihren Göttern und Dämonen entzauberten Welt, nur in anderem
Sinne [...].” (WaB/WL: 604)
PASSO 10
52 O desencantamento do mundo
ORIGINAL [1917]: “ Wie der Hellene einmal der Aphrodite opferte
und dann dem Apollon und vor allem jeder den Göttern seiner Stadt,
so ist es, entzaubert und entkleidet der mythischen, aber innerlich wah
ren Plastik jenes Verhaltens, noch heute. Und über diesen Göttern und
in ihrem Kam pf waltet das Schicksal, aber ganz gewiss keine ‘Wissen
schaft’.” (WaB/WL: 604)
PASSO 11
Contando os passos 53
PASSO 12
PASSO 13
54 O desencantamento do mundo
ORIGINAL [1919-20]: “ Die Magie zu brechen und Rationalisierung
der Lebensführung durchsetzen, hat es zu allen Zeiten nur ein Mittel
gegeben: grosse rationale Prophetien. Nicht jede Prophetie allerdings
zerstörst ihre Macht: aber es ist möglich, dass ein Prophet, der sich
durch Wunder und andere Mittel legitimiert, die überkommenen
heiligen Ordnungen durchbricht. Prophetien haben die Entzauberung
der Welt herbeigeführt und dam it auch die Grundlage für unsere
moderne W issenschaft, die Technik und den Kapitalism us geschaf
fen. In China fehlt eine eingeborene Prophetie.” (Wg: 308-309, grifos
do original)
PASSO 14
Contando os passos 55
O RIGINAL [1920]: “ Dies: der absolute (im Luthertum noch keines
wegs in allen Konsequenzen vollzogene) Fortfall kirchlich-sa&ra-
mentalen Heils, war gegenüber dem Katholizism us das absolut Ent
scheidende. lener grosse religionsgeschichtliche Prozess der Entzau
berung der Welt.31 welcher mit der altjüdischen Prophetie einsetzte
und, im Verein mit dem hellenischen wissenschaftlichen Denken, alle
magischen Mittel der Heilssuche als Aberglaube und Frevel verwarf,
fand hier seinen Abschluss. Der echte Puritaner verwarf ja sogar je
de Spur von religiösen Zeremonien am Grabe und begrub die ihm
Nächststehenden sang- und klanglos, um nur ja keinerlei ‘supersti-
tion’ : kein Vertrauen auf Heilswirkungen magisch-sakram entaler
Art, aufkommen zu lassen. Es gab nicht nur kein magisches, sondern
überhaupt kein Mittel, die Gnade Gottes dem zuzuwenden, dem Gott
sie zu versagen sich entschlossen hatte.” (PE/GARS I: 94-95, grifos
do original)
PASSO 15
56 O desencantamento do mundo
PASSO 16
PASSO 17
Contando os passos 57
4.
FA Z E N D O AS C O N T A S
58 O desencantamento do mundo
as devidas flexões de caso, e uma vez no perfeito simples (entzau
berte = desencantou].
Por duas vezes W eber nom eia o desencantam ento com o
“ p rocesso” : Entzauberungsprozess (passo 8), Prozess der Ent
zauberung der Welt (passo 14). E por um a vez (passo 1) o de
sencantam ento do m undo se faz acom panhar do adjetivo verbal
zunehmend = crescente, algo que está no crescente, crescendo,
aum entando. Isso quer dizer, antes de m ais nada, que o desen
cantam ento do m undo, na medida em que vem definido tecnica
mente com o desm agificação da atitude ou m entalidade religio
sa, é para W eber um resultado, porquanto produto da profecia,
e é também fator explicativo do desenvolvimento sui generis do
racionalism o ocidental, ao m esm o tem po que é, ele mesm o, um
processo histórico de desenvolvimento. N esse sentido e na me
dida em que pode aum entar e crescer, o desencantamento pode
se concretizar historicam ente com solidez variável e diferentes
intensidades. D aí W eber em pregar por duas vezes adjetivos de
intensidade m áxim a para caracterizar o momento singularíssimo
de desm agificação religiosa alcançado nos séculos XVI e XVII
pela conduta de vida m etódica-e-intram undana do protestan
tism o ascético: aqui a d esm agificação aparece qualificada de
gänzliche = plena, total, com pleta (passo 4) e radikale = radical,
extrem a (passo 17), quando não die radikalste = a mais radical
(passo 16).
Fazendo as contas 59
5.
C O M E N T A N D O OS PASSOS
Comentando os passos 61
6.
PASSO 1:
S O B R E A L G U M A S C A T E G O R IA S
D A S O C IO L O G IA C O M P R E E N SIV A
(pouco antes de 1913)
BREVE N O T ÍC IA DA OBRA
62 O desencantamento do mundo
conhecido pelo nicknam e “ o ensaio da L o g o s” ; aqui, vou me re
ferir a ele pelo nickname “ K ategorien” [Kat|. Hoje já se sabe com
toda a certeza que foi aí que o conceito circulou im presso pela
primeira vez (cf. W inckelmann, 1980). Está fora de dúvida, em
bora não tenham os ainda notícia do primeiro uso não público,
ou público só na voz, não escrito.
W eber havia escrito o Kategorien com o parte de um grande
livro de sociologia, mais am plo e de caráter sistem ático, que por
uma série de percalços começou a dem orar a ficar pronto. Por isso
ele tem esse form ato de um verdadeiro dispositivo de conceitos e
conceituações, alguns totalmente novos — excelente lugar, por
tanto, para aí inscrever a primeira m enção ao desencantamento
do m undo. Em 1921, m uitos anos depois da primeira publicação
do ensaio com o artigo de periódico, o grande livro sairia publi
cado com o título de Econom ia e sociedade, lamentavelmente sem
incluir o Kategorien, que entretanto seria republicado no ano se
guinte, na coletânea de textos de Weber sobre ciência e m etodolo
gia científica, cham ada Gesam m elte Aufsàtzse zur Wissenschafts-
lehre [WL, 1922J.
Logo na abertura do Kategorien, Weber puxa uma nota de
rodapé, bem longa por sinal, na qual termina por fornecer uma
referência cronológica im portantíssim a para a presente pesquisa.
Entre outras coisas, ele atesta que já havia escrito um pedaço do
ensaio algum tem po antes de 1913:
C O M E N T Á R IO
64 O desencantamento do mundo
tico de Sociologia da Religião publicado com o capítulo de E co
nom ia e sociedade, levando em conta que o Kategorien também
estava pensado para ser parte dessa obra.
Kategorien é um ensaio de m etodologia sociológica. Nele,
W eber lança alguns fundam entos m etodológicos e, im portante
frisar neste m om ento, algum as unidades conceituais da sociolo
gia com preensiva, tendo os olhos nos outros capítulos (àquela
altura já prontos, sem iprontos ou apenas planejados), que esta
vam destinados a integrar o volume assinado por ele, o qual com
poria uma coletânea de livros encom endados a vários autores,
livros esses que os editores pretendiam tivessem caráter sistem á
tico, quase didático. Livros de alto nível, m as didáticos. Pode-se
perceber, só por essas ligeiras referências, que o contexto do pri
meiro uso do sintagm a “ desencantam ento do m undo” não pode
ria ser m ais digno (ou condigno) em se tratando de um conceito
que estava apenas em seus prim eiros traços. Gabriel Cohn consi
dera o Kategorien “ um texto da m aior im portância” , justamente
porque nele “ é desenvolvido pela primeira vez o inovador q u a
dro conceituai destinado a servir às análises daquilo que mais tar
de seria publicado sob o título de Econom ia e sociedade” (Cohn,
1991: x iv ).
N o próprio período gram atical em que o desencantamento
se encontra inserido, cercam-no de imediato conceitos centrais (eu
quase ia dizendo, anacronicam ente, clássicos) da epistem ologia
sociológica w eberiana, a qual, todos sabem os, concebe a socio
logia com o ciência do sentido subjetivo da ação social (cf. Burger,
1987; M om m sen, 1981: 2 4 5 ss; Cohn, 1979a: 89ss; 1979b: 26ss;
1991, xiv; 1995). Só nessa frase do passo 1, a palavra subjektiv
aparece duas vezes. Aliás, é a palavra que mais aparece em todo
o ensaio. O K ategorien é um a verdadeira p rofusão de usos do
significante subjektiv, seja com o adjetivo ou com o advérbio, e
Weber chega m esm o a se desculpar nesse rodapé por parecer pe
dante em querer explicitar tanto o que intenciona com as p ala
vras. E ainda estão aí, na mesm a frase do desencantam ento, os
weberianíssim os conceitos de ação racional com relação a fins,
66 O desencantamento do mundo
primeiro sol. T udo se p assa com o se W eber quisesse, com todo
esse dispositivo de conceitos novos, m arcar posição num momen
to im portante do debate m etodológico na Alemanha, com a ques
tão do juízo de valor na berlinda. R elação com os valores nas
ciências da cultura e nas culturas vividas, na ação social [soziales
Handeln]. A qual, não custa lem brar, em 1913 ainda era designa
da por W eber de ação em com unidade [Gem einscbatfshandeln]
(cf. Turner, 1983).
Exem plos de novos conceitos desenvolvidos no ensaio de
1913: G em einschaftshandeln (ação em com un idade), G esell
schaftshandeln (ação associativa), M assenhandeln (ação de m as
sa), Einverständnishandeln (ação por acordo), Verbandshandeln
(ação organizada), Am staltshandeln (ação institucional), Verge
m einschaftung (“ com un itarização” , relação com unitária), Ver
gesellschaftung (“ societarização” , socialização, relação associa
tiva), Einverständnisvergem einschaftung (relação com unitária
por acordo), estes dois últimos pensados tam bém enquanto au
xiliares conceituais do conceito-chave de Rationalisierung (ra
cionalização) da ação social, do m esm o m odo com o já vem pen
sado o conceito de Entzauberung, a saber, determinando a R atio
nalisierung.
É curioso, por outro lado, ao m esm o tem po que revelador
da sim ultaneidade dos diferentes interesses de conhecimento efe
tivamente tocados por M ax W eber nos anos 1912-14, o fato de
que, ao lado e no meio do esforço de elaboração sistem ática de
todo um conjunto de conceitos gerais e categorias form ais, ao re
digir o ensaio da L ogos Weber se lance a certos desenvolvimentos
bem interessantes, ainda que passageiros, sobre tem as religiosos:
a irracionalidade do êxtase e da experiência m ística, a contem pla
ção budista, a ascese cristã da disposição íntima, o “ acosm ism o”
do am or m ístico, os procedim entos m ágicos, o com portam ento
religioso, a perda de racionalidade da religião contem porânea, a
lógica psicológica da ação religiosa e, de repente... o desencanta-
mento do mundo. Que, é bom que se anote m ais uma vez, apare
ce com o um conceito “ desenvolvim ental” , quer na escolha do
68 O desencantamento do mundo
N o Kategorien as coisas vêm invertidas, e não só aparentemente,
há uma am biciosa teorização por trás.
Com ecem os, portanto, do com eço do começo. Para Weber,
a Sociologia da Religião se ocupa de duas form as de religiosida
de, que no jargão durkheim iano seriam duas form as de relação
com o “ sag rad o ” : m agia e religião. D uas estratégias que o sujei
to tem para acessar o “ suprassensível” (cf. Pierucci, 2001). D uas
espécies de um m esm o gênero. A elas W eber se apressa em dar o
tratam ento conceituai de tipos ideais, porquan to na realidade
vivida m agia e religião andam m isturadas, não havendo assim m a
gia em estado puro, apenas enquanto conceito-limite (Isambert,
1986: 84), ao m esm o tem po que ele as presenteia com sua visada
“ desenvolvimental” , tratando-as com o dois momentos de um pro
cesso de desenvolvimento cultural, que não é único nem unívoco,
a racionalização religiosa. N este sentido, a m agia representa para
Weber o m om ento anterior da religião, com nítida afinidade ele
tiva com o estágio “ anim ista” de um a hum anidade imersa num
mundo cheio de espíritos, não essencialmente bons nem essen
cialmente m aus, apenas capazes de influir “ favorável” ou “ preju
dicialm ente” nos affaires hum anos, povoando invisivelmente um
universo concebido de form a não dual (pois dual é o m undo pen
sado pela religião). Uma visão de m undo m onista — e só neste
sentido a m agia constitui um a “ imagem de m undo” em catego
rias w eberianas [ein m agisches Weltbild] (GA RS I: 564; FMW :
350) — para a qual o m undo dos espíritos faz parte do mundo
dos hum anos tanto quanto os anim ais e vegetais, e onde inanima
dos não há, uma vez que tudo quanto existe tem “ alm a” , ânim a,
anim ação. Um mundo anim ado, em sum a. Um jardim encanta
do, dirá Weber. Que, por definição, é um m undo indiferenciado,
“ m assivo” . Estágio “ prim itivo” da hum anidade e da religiosida
de, segundo W eber, ou, p ara m elhor usar de seu vocabulário,
prim ordial, recortado típico-idealmente da religião, m as não só
idealmente, às vezes tam bém efetivamente, às vezes até mesmo
violentamente com o nos episódios de “ caça às b ru x as” , uma vez
que a religião no Ocidente tenderá a se dem arcar por ativa von
70 O desencantamento do mundo
mo ocorreu com os m onoteísm os ocidentais, um processo de
racionalização religiosa que radicaliza o registro da “ eticização” ,
tornando-se assim , nos term os fortes de Bourdieu, um “ proces
so de m oralização” (cf. Bourdieu, 1974a: 85). Em outros passos
analisados adiante, W eber vai designar o outro lado da m oeda
da m oralização religiosa com o sendo o desencantamento religio
so do m undo, ou seja, a desm agificação da religiosidade. É co
mo se a religiosidade, de gênero que é com duas espécies, se re
duzisse paulatinam ente a uma espécie só, a uma espécie genéri
ca: a m oral religiosa. Sem lugar para a m agia — von M agie freie
(GA RS III: 6).
Em diversos escritos W olfgang Schluchter se dedica a elu-
cubrar per longum et latum em torno dessa transição de uma im a
gem m ágica do m undo, m onista, p ara um a im agem de m undo
metafísico-religiosa, que é dualista (cf. sobretudo 1996: 69ss). Para
a m etafísica religiosa existem “ este m undo” e o “ outro m undo” ,
dois m undos, portanto. Já a m agia concebe o mundo com o sen
do “ um só com duas b an d as” [the “ tw o-sided” w orld o fm agic],
um m undo visível que traz consigo, imanente e pouco diferente,
uma espécie de Hinterwelt de deuses e dem ônios povoando invi
sivelmente o m undo visível. São espíritos que gozam de ligeira su
perioridade sobre os hum anos, uma superioridade muito relati
va, tão precária que não consegue isentá-los de serem subjugados
pela potência oculta das fórm ulas m ágicas estereotipadas quan
do corretamente m anipuladas pelo feiticeiro em transe. N o ma-
gism o, os espíritos podem ser conjurados, e isso significa: coagi
dos pelo carisma do feiticeiro, poder extraordinário que entretanto
só é eficaz se so m ad o ao carism a p róp rio de um ritual mítico-
-mágico cristalizado, estereotipado, inalterável, tradicionalistica-
mente respeitado e iniciaticamente transmitido, na medida do pos
sível sem adulterações, perigosíssim as estas se vierem a ocorrer.
T abu é isso, afinal.
Já a religião, ela tem lá os seus intelectuais. N ão existiria re
ligião se não existissem os intelectuais — esse é um dos ensina
m entos m ais caracteristicam ente sociológicos da Sociologia da
72 O desencantamento do mundo
nização das criatu ras” com o atentado à m ajestade de
Deus. (WuG: 317; E & S : 523; EeS I: 353-354)
74 O desencantamento do mundo
dinária — eis um outro aspecto im portante da racionalidade da
m agia. N o gesto de coagir os espíritos com uma fórm ula m ágica,
e não de lhes fazer um pedido, está em butida a certeza de obter
deles uma intervenção que vá no sentido desejado pelo cliente e
ordenado carism aticam ente pelo feiticeiro. Em bora possa parecer
que o ato de m agia, por não corresponder aos term os da lógica
do nosso conhecimento, não seja exatam ente o que costum am os
cham ar de racional, Weber aqui o classifica com o uma ação su b
jetivam ente racional com relação a fins, ou seja, subjetivamente
racional também em sua preocupação com os efeitos im ediatos
que o ritual m ágico diz ter sobre as coisas e os eventos, os quais
por sua vez são percebidos unicamente em term os de sua mera
facticidade (cf. Tenbruck, 1980: 337). Um m undo m ágico assim
tão pragm ático com o de fato é, só pode aparecer (paradoxalm en
te?) com o pobre em significação, pois afinal os bens que as pessoas
procuram obter com a m agia preenchem realmente a definição do
que sejam fins indiscutivelmente racionais: dinheiro, com ida, saú
de, longevidade e descendência. A m agia tem a seu favor essa ra
cionalidade dos fins. Ela tem fins racionais — fins “ econôm icos” ,
dirá W eber no início de sua Sociologia da Religião em EeS.
E, no entanto, são incontáveis as vezes em que W eber a sso
cia m agia ao irracional. Ele realmente encarava o m undo da m a
gia com o o reino do irracional e do tradicional. H á uma p assa
gem curta e grossa das considerações finais do estudo sobre a índia
que merece ser citada. Ele está falando da Ásia, das velhas cultu
ras do Oriente. O s antigos impérios orientais, com o se sabe, eram
uma das pontas de sua tipologia triangular de estruturas do mun
do pré-capitalista, sendo as outras duas pontas a antiguidade me
diterrânea e a Europa medieval. Três grandes contextos culturais-
-civilizacionais, três autênticos “ jardins encan tados” . Pois muito
bem. Em duas frases, não m ais que isso, ao procurar resumir sua
visão geral da religiosidade asiática, ele enuncia o ponto de p ar
tida contrastivo e a pergunta que percorre toda a sua sociologia
com parada da religião:
76 O desencantamento do mundo
Os cam poneses, cuja vida econômica por inteiro
esteve especificamente ligada à natureza e foi sempre
dependente das forças elementares, deixaram -se ficar
tão perto da m agia — a saber, o encantam ento coerci
vo [der zivingende Z au b er] contra os espíritos que re
giam por sobre e por trás das forças naturais, ou m es
mo a sim ples com pra da benevolência divina — que
somente transform ações trem endas na orientação da
vida, vindas de outros estratos ou de profetas podero
sos legitim ados com o feiticeiros pelo poder dos seus
prodígios, conseguiram arrancá-los [herausreissen] de
seu apego a essa form a de religiosidade que é por toda
parte prim ordial. (GA RS I: 255; ESSR I: 250)
78 O desencantamento do mundo
lógica, m as algo m ais com plicado, um processo m ais com plexo
no qual é a m agia que de repente aparece em sua indiscutível ra
cionalidade teleológica de curto prazo, em sua racionalidade prá-
tico-técnica só que teoricamente irracional, tosca, bem pobre em
significação, contrastando com a abundância de sentido de que
são portadoras as m etafísicas religiosas. A religião, agora, apare
ce com o sem saída racional, desgarrada de sua velha orientação
em direção a uma racionalização teórico-doutrinária sempre mais
sofisticada e um a prática religiosa sem pre m ais sublim ada ra
cionalmente em term os éticos. A gora, a religião afunda no irra
cional, “ à medida que avança o desencantam ento do m undo” .
Eis-nos assistindo à religião abrir m ão de suas pretensões ra-
cionalistas, inclusive da pretensão ético-prática de regulam entar
racionalmente a vida cotidiana dos fiéis e de im plantar o religio
samente válido nas ações do dia a dia. Ei-la que se vê, ao contrá
rio, “ obrigada a aceitar referências de sentido cada vez mais sub
jetivamente irracionais com relação a fin s” (Kat: 181; WL: 433),
“ à medida que avança o desencantamento do m undo” . Referências
de sentido cada vez mais “ fora do com um ” , extracotidianas, ex
traordin árias, m ísticas, deslocando-se da ascese intram undana
para o misticismo extático extram undano, paradoxalm ente fazen
do, “ à medida que avança o desencantamento do m undo” , o ca
minho inverso ao percorrido pelo desencantam ento ético-religio-
so do m undo. E isso tudo sem conseguir reverter, por sua conta,
por sua própria capacidade m otivacional agora desorientada, o
processo de desencantam ento, que continua “ avan çan do” , adje
tiva Weber: zunebm end, m ontante e sem destino. Com o ficam os,
então, se o processo de racionalização ético-religiosa de algum a
forma se faz em detrimento da m agia, mais precisamente, em con
traste com a irracionalidade da m agia? Já que W eber nessa nossa
listagem de passos acaba nos presenteando com um novo ângulo
de onde olhar para o m undo da m agia, aceito a provocação que
adivinho aí contida e passo agora a considerar o fato por ele apon
tado: a ação m ágica tem, do ponto de vista (subjetivo) de quem a
executa e pratica, uma forte característica (intram undana) de ra-
80 O desencantamento do mundo
Este mundo, este lado — Diesseits, é com o se diz em alem ão,
e curiosam ente o som dessa palavra é quase com o no inglês this
side — o lado de cá, o Aquém. É neste m undo, afinal, é nesta vida
que, segundo W eber, estam os todos “ religiosam ente” interessa
dos, se é que se pode apropriadam ente aditar essa conotação ao
conceito de religioso para abarcar os interesses apontados em seta
não para o Além, o além -túmulo, o outro m undo, a vida após a
morte, o “ andar de cim a” , com o hoje se ouve dizer no Brasil tele
visivo — jen seits, se diz em alem ão. O ponto de vista de W eber,
que é m uito atual para a sociologia contem porânea da religião, é
este: a demanda “ religiosa” sempre foi, é e segue sendo constituída
essencialmente de interesses voltados antes de mais nada para o
ici bas, com o dizem os franceses, seja este aqui em baixo o aqui e
agora, seja ele um aqui futuro, futuro m essiânico ou m ilenarista,
um aqui posto lá na frente, um futuro, mas aqui, futuro desde que
aqui, não no outro m undo, não lá em cima.
Em diversos m om entos, em vez de qualificar essa dem anda
com o religiosa, Weber vai preferir dizê-la m ágica. Religiosa pro
priamente dita é a oferta que vem da parte dos profissionais reli
giosos, via de regra intelectuais, literati, que respondem à demanda
pragm ática com prom essas m etafísicas. Este mundo: só assim faz
sentido falar-se empiricam ente, e não norm ativam ente com o o
fazem alguns, em hom o religiosus. Porque o homem não nasce
religioso, ele se torna. N o nace, se bace. Tal qual a mulher da fa
m osa frase que Simone de Beauvoir cunhou lá no fim dos anos
1940, frase prenúncio (depois tornada ícone) da segunda onda do
feminismo, sua expressão idiomática, sua frase feita, passo eu aqui
a cunhar a minha, inspirado em Weber: ninguém nasce religioso
— torna-se religioso. O hom o religiosus é algo que se produz,
82 O desencantamento do mundo
firew orks” , diz o nome daquele filme. “ Para que tudo te corra bem
e tenhas vida longa sobre a T erra” , diz o Antigo Testamento (WuG
I: 317). Isso sim , isso é W eber. Isso é básico na Sociologia da
Religião weberiana. O ser hum ano, quando age religiosamente,
age com o objetivo de permanecer o m aior tem po possível sobre
a face da Terra. T od o m undo quer sempre adiar a hora da m or
te, em purrar para depois a despedida deste m undo. Pede, supli
ca, conjura, sacrifica, chantageia e até se submete “ para que tudo
lhe corra bem e ele viva m uitos anos de vida sobre a T erra” , se
gundo os generosos term os da prom essa bíblica aos patriarcas de
Israel (e a todos os que honram seus pais e antepassados).
Pierre Bourdieu estava muito atento a essa boa ideia de M ax
Weber quando escreveu seu fam oso ensaio sobre a gênese e estru
tura do cam po religioso.40 Bourdieu cham a a atenção para o fato
de que Weber, no texto sobre Sociologia da Religião de Econom ia
e sociedade, “ coloca de chofre que as ações m ágicas ou religiosas
são m undanas [diesseitig]41 em seu princípio e devem ser realiza
das ‘p ara se ter um a vida lon ga’ ” (Bourdieu, 1974b: 32). “ De
chofre” , diz Bourdieu, e é assim m esm o; Bourdieu notou correta
mente esse gesto de Weber, que logo de cara introduz esse seu p o
deroso insight sociológico, quase tão m aterialista-histórico quan
to um enunciado m arxiano tirado do núcleo d ’A ideologia ale
mã, e que o editor põe em destaque no frontispício: Ursprüngliche
D iesseitigkeit religiös und m agisch motivierten G em einschafts
handelns. Em português: “ A prim ordial m undanidade42 da ação
com unitária m otivada religiosa ou m agicam ente” (WuG: 245).
lidade” , “ terraquidade” ... Este último soa muito bem, que tal? A tradução
brasileira supervisionada por Gabriel Cohn preferiu o sintagma “ caráter
intramundano original” (EeS I: 279).
84 O desencantamento do mundo
uma vez que tam bém seus próprios fins são , em sua
grande m aioria, econôm icos. (EeS I: 2 7 9 ; W uG: 245;
grifo do original)
86 O desencantamento do mundo
voltado para o aqui e agora. (Einleit/GARS I: 249; Psi-
co: 320-321)
[...]
N o p assad o , coube aos intelectuais sublim ar a
posse de bens de salvação numa convicção de “ reden
ç ã o ” . A concepção da ideia de redenção, com o tal, é
muito antiga, se por ela entenderm os um a libertação
da desgraça, da fome, da seca, da doença e, em últi
ma análise, do sofrim ento e da morte. N ão obstante,
a redenção só alcançou significação específica quan
do expressou um a “ im agem de m un d o” sistem ático-
-racionalizada e representou uma tom ada de posição
perante o m undo, pois o significado bem com o a q u a
lidade pretendida e real da redenção dependeram dessa
im agem e dessa posição. (Einleit/GARS I: 252; Psico:
323, grifos meus)
88 O desencantamento do mundo
PASSO 2:
“ IN T R O D U Ç Ã O ” À É T IC A E C O N Ô M IC A
D A S R E L IG IÕ E S M U N D IA IS
(1913)
BREV E N O T ÍC IA DA O BRA
C O M E N T Á R IO
90 O desencantamento do mundo
consciente de sua identidade única, equipada assim para fazer
frente às dem andas de um m undo dom inado por crescente racio
nalização... e desencantam ento (cf. PE/GARS I: 115-117; G old
man, 1988: 42s, 118).
O sintagm a desencantamento do m undo aparece aí em seu
sentido estrito: um a operação religiosa (eu diria m esmo intrarreli-
giosa) pela qual uma determinada religiosidade é retrabalhada por
seus intelectuais no sentido de “ se despojar ao m áxim o do caráter
puramente m ágico ou sacram ental dos meios da g raça” , meios es
ses que, segundo Weber, sempre desvalorizam [entwerten] o agir
no m undo, impedindo com isso que se chegue à noção de que o
trabalho cotidiano, com sua racionalidade técnico-econômica, po
de ser o lugar por excelência da bênção divina, essa ideia puritana.
O ponto culminante dessa teorização com pacta da evolu
ção religiosa (Bellah, 1970) que W eber desenvolve na “ Introdu
ç ã o ” é conhecido. É a fam osa fórmula sobre a eficácia histórica
diferencial de “ ideias e interesses” . Essa fórmula é lembrada tam
bém por trazer em seu enunciado m ais uma boa m etáfora de We
ber, a dos switcbmen, em alem ão Weichensteller, m anobristas de
linha de trem (cf. Pierucci, 2002: 96), função determinante de de
finir rum os que ele atribui às “ ideias” na história. Eis a fórm ula
m em orável:45
45 Fórmula que Bendix, não se sabe por que razão, considerou uma
“ enigmática observação” , uma cryptic remark (Bendix, 1986: 65; 1960: 68).
mittelbar das Handeln der Menschen. Aber: die ‘ Weltbilder’, welche durch
‘Ideen’ geschaffen wurden, haben sehr oft als Weichensteller die Bahnen
bestimmt, in denen die Dynamik der interessen das Handeln fortbewegte”
(Einleit/GARS I: 252).
92 O desencantamento do mundo
priamente dita) teria portanto com o conteúdo um progresso an
tes de tudo na racionalidade teórica, um avanço na consistência
interna e na articulação sistêmica de sua imagem de mundo. E um
verdadeiro processo de aprendizagem, que obedece primeiro a uma
lógica interna que é própria de cada grande religião e que se des
dobra sob pressão tam bém de fatores externos, dentre os quais
sobressaem as dem andas do intelectualismo dos leigos, isto é, dos
leigos intelectualizados.
A linha ao longo da qual o pensam ento m ágico-m ítico das
religiões tribais vai se racionalizando progressivamente até se trans
formar numa ética religiosa universalista, trajeto que Weber ilustra
porm enorizadam ente, Tenbruck a resume da seguinte m aneira:
94 O desencantamento do mundo
po todo e a todo m om ento, nem os povos que nós conhecemos
com o os mais anim istas, nem os indivíduos que depreciam os co
mo os m ais “ m acum beiros” . O s rituais m ágicos são atividades
extraordinárias e, com o sabem os leitores de W eber, o que é ex
traordinário é literalmente extracotidiano [ausseralltàglich], em
que pese o pleonasm o embutido nesta ênfase. N o passo 2 em exa
me, o desencantam ento do m undo é entendido com o desvalori
zação dos meios m ágicos de salvação na medida em que, em sua
extracotidianeidade constitutiva, essas práticas “ desvalorizam ”
religiosamente o trabalho profissional cotidiano no mundo como
locus das boas relações com o invisível. De m odo aparentem en
te paradoxal, porém, a desm agificação puritana do mundo se faz
acom panhar, também ela, de uma atitude de desvalorização do
mundo: este mundo é inerentemente corrupto! Ou seja, o m un
do não tem sentido em si mesm o. E que “ a fé na predestinação
[...]” , explica W eber, “ [ess]a reconhecida im possibilidade de
medir [s/c| os desígnios divinos com critérios hum anos, implica
uma renúncia em fria clareza a um sentido do m undo acessível
ao entendimento hum ano” (ZB/G A RS I: 573, ESSR I: 561). Em
seu estado pecam inoso de criatura, se ele tem sentido é exclusiva
mente com o objeto do cumprimento dos deveres em ações racio
nais executadas segundo a vontade de um Deus absolutam ente
supram undano e insondável (cf. EeS I: 373).
O personagem do asceta intram undano — que Weber co
meçou a descobrir e a descrever já na primeira versão d ’A ética
protestante de 1904-05, no esforço por dem onstrar pela primeira
vez sua tese pessoal acerca da relação entre o protestantism o ascé
tico e o “ espírito” do capitalism o — equilibra-se por assim dizer
num fio de navalha quando deposita toda a sua expectativa de
estar salvo pelo Deus único no estreitíssim o intervalo que medeia
entre sua concepção negativa do mundo d ’ici bas, visto como peca
m inoso e sem valor, sem pre perigoso para os bons, e sua concep
ção positiva da ação racional no mundo, vista como sinal ou prova
de salvação. D ada a sutileza na com binação lógica dos seus com
ponentes, o conceito típico-ideal de ascese intram undana consti
96 O desencantamento do mundo
própria conduta de vida. (W uG: 329-330; ver EeS I:
365-366; EyS I: 429-430)
98 O desencantamento do mundo
tado de alerta. Constante vigília. Acresce a isto a im possibilidade
de abandonar-se inteiramente à união m ística, pois no protestan
tism o radical a unio m ystica não é possível, dado o “ golfo in
transponível” que separa de nós a absoluta transcendência do “ Al
tíssim o” , detonadas que foram todas as pontes “ sacram entais” ,
vale dizer, toda a m agia, já que em jargão calvinista sacram ento
é m agia. Desm agificada assim a religião, não resta outra saída ao
renascido santo a não ser a ascese intram undana, dirá W eber em
1920 a propósito dos an abatistas tardios, a ascese do trabalho
profissional e nada mais.
Ascese intram undana = dom ínio m etódico “ desperto” da
própria conduta de vida (WuG: 330; EeS I: 366). O asceta intra-
m undano é um racionalista prático todo dia, não de segunda a
sáb ado, m as de segunda a segunda. D aí a im portância do binô
mio cotidiano-extracotidiano na sociologia sistemática de Weber,
im portância que eu diria acrescida em sua sociologia sistemática
da religião, na medida em que a oposição “ ética x m agia” replica
diretamente esta outra dicotom ia básica tam bém em sua socio
logia da dom inação, “ cotidiano x extracotidian o” , “ ordinário x
extraordin ário” , “ rotina x carism a” .
C O M E N T Á R IO
C O M E N T Á R IO
ética (que tinha as cidades como sedes e os estratos cidadãos como portado
res) e um cristianismo que assume os traços característicos de uma religião
ritualista e formalista — mágica, numa palavra — moldado de acordo com
os interesses materiais e ideais dos estratos feudais dominantes. A nobreza
guerreira e as forças feudais não tinham nenhuma propensão a se tornar
portadoras de uma ética religiosa ativa. E próprio do guerreiro afrontar com
coragem e valentia a morte e a irracionalidade do destino. Ele não exige de
sua religião senão que ela o proteja contra aquilo que a seus olhos são feiti
ços maus, magia negra, e lhe assegure os ritos cerimoniais adequados à ideia
que ele faz da dignidade de seu status social” (Ladrière, 1986: 111).
M ax Weber, AIntro: 14
BREV E N O T ÍC IA DA O BRA
C O M E N T Á R IO
BREV E N O T ÍC IA DA O BRA
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sed quia absurdum, isto é, o ‘sacrifício do intelecto’” (ZB/G A RSI: 566; ESSR
I: 554; cf. WaB/WL: 611). A frase em latim citada por Weber é de santo
Atanásio e se traduz assim: “ Creio não no quê, mas por que é absurdo” .
O desencantamento do mundo
sab er” .82 E na sequência dos argum entos retorna sempre, ainda
que nem sempre com as m esm as palavras, essa mesma ideia for
te, com o que a balizar a extensão inteira do longo fragm ento:
“ (O) entendimento que vence a superstição deve im perar sobre
a natureza desencantada. [...] Desencantar o mundo é destruir o
anim ismo. [...] D oravante, a m atéria deve ser dom inada sem o
recurso ilusório a forças soberanas ou imanentes, sem a ilusão
de qualidades ocultas. [...] O que se continua a exigir insistente
mente é a destruição dos deuses e das qualidades” (pp. 19-23), a
substituição dos m itos pela pretensão de calculabilidade univer
sal desenvolvida pelo m oderno conhecimento científico.
São m uitos os com entaristas que interpretam a tese do de-
sencantam ento do mundo atendo-se apenas a esse conteúdo que
eu aqui cham o de conteúdo expandido, o qual, não resta dúvida,
com porta sempre essa dim ensão atualíssim a de um desconforto
perante o avanço implacável da ciência. Têm razão, mas não toda.
Isso decorre da influência dos filósofos da Escola de Frankfurt e
do prestígio da releitura que nos anos 1940 eles fizeram do de-
sencantam ento do m undo, associando-o ao movimento irrefreá
vel do “ esclarecim ento” (cf. W iggershaus, 1994). Talvez seja por
isso que m uitos de nós dão com o certo que é o avanço da ciência
natural por sobre as ilusões m íticas o acontecer histórico que o
conceito weberiano de desencantamento captura e apresenta. N ão
é. Isso aliás me incom oda muito. Pode ser que o fato de praticar
Sociologia da Religião há tantos anos me haja predisposto a re
conhecer na obra de Weber o registro sociológico reiteradamente
aprofundado da obstinada luta da religião contra a m agia, pre
sença mais destacada em sua obra do que o com bate que a ciên
cia trava contra o(s) mito(s) e, com isso, meus olhos talvez se ha
jam fixado com m ais força nessa perm anência de uma acepção
original que, agora se constata, é também terminal, a saber: a per
Êxodo 22, 17
Amós 3, 7
88 “ [...] e vamos ver [...] de quem nasceu essa ideia de ‘vocação profis
sional’ e de devoção ao trabalho numa profissão — noção essa tão irracional,
como vemos, do ponto de vista de um interesse próprio puramente eude-
monista — que foi, e continua sendo, um dos elementos mais característicos
de nossa cultura capitalista [unserer kapitalistischen Kultur]. A nós, interes-
sa-nos aqui justamente a origem desse elemento irracional que se assenta neste
como em todo conceito de ‘vocação profissional’ ” (PE/GARS I: 62; EPbras:
51; EPLus: 55).
94 O que lhe exigiu o esforço extra de redigir toda uma série de impor
tantes aditamentos ao texto de 1904-05, além de novas e longas notas de
rodapé, para fazê-los constar da nova edição de 1920 (ver PE“ G ” K; cf. Kás-
ler, 1988).
101 “ Die protestantische Ethik und der ‘Geist’ des Kapitalism us, I” ,
escrita no verão de 1904 e publicada no Archiv für Sozialwissenschaft und
Sozialpolitik, vol. 20 (nov. 1904), pp. 1-54; e “ Die protestantische Ethik und
der ‘Geist’ des Kapitalismus, II” , escrita no início de 1905 e publicada no
Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, vol. 21 (jun. 1905), pp. 1-
110. Foi essa primeira versão de 1904-05, obviamente, que suscitou a longa
polêmica entre Weber e seus críticos, cujas posições refutou em textos que
ficariam conhecidos como “ anticríticos” (menos conhecidos entre nós bra
sileiros), e que foram publicados nos anos de 1907, 1908 e 1910, também
na revista Archiv (cf. PE II).
C O M E N T Á R IO
110 Sobre a “ era axial” , ver Eisenstadt (1982; 1987) e Gauchet (1985).
113 O que não significa que a edição portuguesa não tenha, por sua vez,
introduzido outras falhas de tradução.
l2íi A dataçao está equivocada, uma vez que a última data na produ
ção intelectual de Weber é 1920.
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G abriel Cohn
FFLCH - USP C A P E S
Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Sociologia
ISBN 978-85-7326-278-0
J l l i l l l e d it o r a .3 4