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PERRY ANDERSON

TEORIA , POL Í TICA E HIST Ó RIA


Um debate com E . P. Thompson

TRADU ÇÃ O
Marcelo Cizaurre Guirau

REVIS Ã O DA TRADU ÇÃ O
Ivan M . Ribeiro
atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Lingua
( infill
Portuguesa de 1990 F.m vigor no Brasil a partir de 2009.

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DIRETÓ RIA DE TRATAMENTO DA INFORMA ÇÃO
r
Bibliotccáía: Mar -
ía L úcia Nery Dutra de Castro - CRB 8* / 1724

An 24 t Anderson, Peny.
Teoria, politica e história : um debate com E. P. Thompson / Perry Anderson ;
tradução : Marcelo Cizaune; revisão da tradução: Ivan M. Ribeiro. - Campinas,
SP: Editora da Unicamp, 2018.

Tradu ção de: Arguments within English marxism .

I . Thompson , Edward Palmer, 1924 1993.2. New Left Review . 3. Comu ¬


-
- .
nismo História . 4. Socialismo - História. 1 Cizaurre, Marcelo. II. Ri ¬
beiro, Ivan M. III. Titulo.

CDD - 052
- 320.531
- -
ISBN 978 85 268 1453 0- - - 335.43

Titulo original: Arguments within English marxism


Copyright O 1980 by Perry Anderson
Copyright O 1980 by The Imprint of the New Left Books

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O historiador pode tender a ser um tanto generoso porque
um historiador tem que aprender a escutar e a dar aten ¬
çã o a grupos muito distintos de pessoas e a experimentar
e entender seus sistemas de valores e sua consciê ncia.
Obviamente, em uma situa ção de grande engajamento,
n ã o se pode sempre arcar com esse tipo de generosidade.
-
Mas, arcando se muito pouco, se é impelido a um tipo
de posição sect á ria na qual erros de julgamento em re ¬
la çã o a outras pessoas sã o repetidamente cometidos.
Temos visto muito disso ultimamente . A consci ê ncia
hist ó rica deve ajudar a entender as possibilidades de
transforma ção e as possibilidades nas pessoas.
Edward Thompson
SUMÁ RIO

PREF Á CIO À EDI ÇÃ O BRASILEIRA 9

INTRODU ÇÃ O.. - •••••••••« « a 13

1 - HISTORIOGRAFIA 17

2 - AG Ê NCIA 29

3 - MARXISMO . 75

4 — STALINISMO 117

5 - INTERNACIONALISMO •• ••• •••• •• •• I 149

6
— UTOPIAS

7 - ESTRATÉGIAS
177

197

BIBLIOGRAFIA - 231

Í NDICE . 237
PREF Á CIO À EDI ÇÃ O BRASILEIRA

Danilo Enrico Martuscelli

O presente livro ocupa posição ú nica e até intrigante na história das edi ções
brasileiras das obras de Perry Anderson.
Como é sabido de muitos, o marxista ingl ês Perry Anderson é um dos
mais importantes historiadores europeus e possui diversas obras e artigos
publicados no Brasil que versam sobre temas variados, como a história eu ¬
ropeia e a transi ção social, a história do marxismo, o exame crí tico da pro¬
dução teórica de pensadores marxistas e não marxistas, tais como Gramsci ,
Bobbio, Rawls, Hayek, entre outros, alé m de reflexões acerca da conjuntura
mais recente, incluindo-se aqui análises sobre o neoliberalismo e a pol ítica
brasileira dos governos Lula e Dilma.
Surpreendentemente, a obra que estamos apresentando ao pú blico brasi ¬
leiro, Arguments within English Marxism , que é uma de suas obras mais
polê micas e importantes para o debate acerca da teoria marxista da história,
não contava com tradução em l í ngua portuguesa até o momento. Nesta pri ¬
meira edi ção brasileira do livro, a tradu ção foi feita a partir da edição inglesa
original publicada pela New Left Books e Verso Editions em 1980; adotou,
contudo, o t í tulo proposto pela tradução em castelhano, por considerá- lo mais
oportuno quanto à descri ção dos temas abordados ( teoria, pol ítica e história )
e do objeto da pol ê mica do livro: Teoria, política e história: Um debate com
E. P. Thompson .
O livro está dividido em sete capí tulos. Nos quatro primeiros (“ Historio¬
grafia” , “ Agência” , “ Marxismo” e “ Stalinismo” ), Anderson procura analisar

9
a procedência das criticas formuladas por Thompson ao pensamento de Louis Left Review , do qual Thompson havia sido um dos fundadores, tendo se reti ¬
Althusser, condensadas na obra The poverty of theory and others essays , rado no momento em que Anderson assumiu a editoria daquela publicação.
publicada pela Merlin Press, de Londres, em 1978. Vale ressaltar que, al ém O espirito geral do livro que ora apresentamos foi o de estabelecer um
do ensaio crítico dirigido exclusivamente contra Althusser: “ The poverty of di á logo fraterno com Thompson sem , contudo, renunciar à crí tica. 3 Trata se -
theory, or An orrery of errors” , o livro continha outros artigos mais antigos de um livro que aborda questões decisivas para o desenvolvimento do mar ¬
que evidenciam alguns traços marcantes do modo como Thompson pensava xismo como ciência e para a luta socialista, destacando-se aqui na sequência
a história e a historiografia, tais como: “ Outside the Whale” ( 1960), “ The cm que figuram no texto: a relação entre dados empí ricos e teoria: o papel
peculiarities of the English” ( 1965 ), “ An Open Letter to Leszek Kolakowski ” da agência humana na história; as ambiguidades do conceito de experiência
(1973). Na única tradução disponí vel em l íngua portuguesa desse livro de presente na obra de Thompson; as polêmicas em tomo da formação da classe
Thompson, apenas o ensaio “ The poverty of theory, or An orrery of errors” trabalhadora na Inglaterra; a evoluçã o do pensamento de Marx e as bases
foi publicado.' constitutivas do materialismo histórico; os equ í vocos de Thompson quanto
Em grande medida, a iniciativa de escrever Teoria, política e história... á caracterização de Althusser como um teórico stalinista; a trajetória inte ¬
surgiu da crí tica exacerbada feita por Thompson à obra de Althusser.2 No lectual de Althusser, sua crí tica ao stalinismo e sua proximidade com a Revo¬
Brasil , o livro de Thompson A miséria da teoria ou um planetário de erros lução Cultural Chinesa; a trajetória pol ítica de Thompson, o que envolve sua
fez sucesso entre estudantes e professores universitários e é apresentado sa ída do Partido Comunista da Grã-Bretanha e sua posterior adesão a um
como a sentença final de condenação da obra de Althusser. Agora, o pú blico partido de caráter social-democrata: o Partido Trabalhista inglês; o intemacio¬
brasileiro tem à sua disposi ção uma avaliação critica, rigorosa e ponderada nalismo e suas implicações sobre o debate no interior da esquerda inglesa; a
dessa sentença de primeira instância. crí tica ao utopismo pol í tico-moral de William Morris, que havia influenciado
Em troca de correspondências entre janeiro e março de 1979, Anderson a obra de Thompson ; o problema da transi ção e da estratégia socialistas.
chegou a convidar Althusser para dar uma resposta a Thompson nas páginas Enfim, esse conjunto amplo de temas debatidos, as pol ê micas suscitadas
da revista New Left Review, mas o filósofo marxista franco-argelino recusou- por cada um deles e o rigor anal ítico de Perry Anderson são aspectos mais
-se a fazê-lo, alegando não possuir conhecimento profundo sobre a historio¬ do que suficientes para justificar a publicação da primeira tradução desta obra
grafia marxista inglesa, mas lamentando também ter se dedicado muito pouco no Brasil. Aliás, o que causava estranheza era a sua já referida ausência na
e de maneira sumá ria e unilateral ao tema da história na obra Lire Le capital extensa lista de livros e artigos de Perry Anderson traduzidos no Brasil .
( Ler O capital ) , o que n ão deixa de ser uma ironia, tendo em vista que uma
das questões centrais que percorreram toda a sua trajetória intelectual, e não
só a obra Lire Le capital , foi a de delimitar os conceitos e a problem á tica Notas
teórica que permitiriam o desenvolvimento de uma teoria marxista da histó¬
ria com bases cient íficas.3 É de supor que Althusser não tenha querido dar 1 Ver: A miséria da teoria ou um planetário de erros: Uma critica ao pensamento de A Ithusser.
Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro, Zahar, 1981. Dois dos outros artigos da versão origi ¬
nenhuma resposta, pois o caráter dogmático e caricatural e o tom virulento nal do livro permanecem sem tradução. Há poucos anos foi publicado no Brasil no formato
do livro de Thompson impediam qualquer tipo de diálogo entre eles.4 de livro o ensaio “ The peculiarities of the English” . Ver: As peculiaridades dos ingleses e
Nos três capítulos finais do livro (“ Intemacionalismo” , “ Utopias” e “ Es¬ outros ensaios. Campinas, Editora da Unicamp, 2012. Essa tradução havia sido publicada
tratégias” ), Anderson recupera alguns dos debates que havia travado com -
originalmente e com pequena tiragem na coleção Textos Didáticos do IFCH Unicamp, em
1998.
Thompson no contexto dos anos 1960 em tomo da história da formação social 2 Para uma aná lise e uma contcxtualização exaustiva de The poverty of theory and others
inglesa. Isso, especialmente no que se refere à caracterização que faziam do .
essays, ven Scott Hamilton The Crisis of Theory. E. P. Thompson, the New Left and postwar
British politics. Manchester/New York, Manchester University Press, 2011 .
papel da burguesia no processo de transição ao capitalismo e do papel dos
3 Sobre a troca de correspondências entre Anderson e Althusser, consultar Gregory Elliott .
trabalhadores em relação à burguesia, e da linha editorial do peri ódico New Althusser: Detour of theory. Leiden/Boston, Brill, 2006. A primeira edição desse livro havia
sido publicada pela editora Verso em 1987.

m //
4 Para uma an á lise de conte ú do da pol é mica Thompson / Althusscr, ver: César Kendueles.
“ Teoria social y cxperiencia histórica. La polémica entre E . P. Thompson y Louis Althusser".
Sociologia Histórica, n. 3, 2013; Pedro Benitez Martin . “ Thompson v.r. Althusser". Critica
Marxista , n. 39, 2014; Pedro Benitez Martin. En torno a la polémica Thompson-Althusser
(apuntes para una revision ) , mimeo., s.d. Vale a pena citar também o trabalho de uma jovem
estudante brasileira , Geise Targa de Souza. O problema da produção do conhecimento
-
histórico na polêmica Thompson Althusser. Chapecó, trabalho de conclusão do curso de
licenciatura em História, 2015. Dispon ível em : < http://www.libgen.io/book/ index.php?
md5=0152 Í9029140c7e9cfIb7755fTfc4340 >.
5 Para um amplo balanço da polêmica Anderson/Thompson, ver: José Sazbón . “ Duas caras
do marxismo inglês: O intercâmbio Thompson/ Anderson ” . História e Perspectivas , n. 1 ,
jan.-jun. 2014, pp. 235-294 . Sobre o debate Anderson-Thompson na New Left Review , con ¬ INTRODU ÇÃ O
sultar: Renata H . Dalaqua . “ O debate no interior da New Left brit â nica : O significado
da controvérsia entre Perry Anderson e E. P. Thompson ” . História Social , n. 16, 2009,
-
pp. 215 232.

Edward Thompson é atualmente nosso melhor escritor socialista - certamente


na Inglaterra, possivelmente na Europa. Os leitores de A formação da classe
operária inglesa , ou mesmo de Senhores e caçadores , sempre se lembrarão
dessas grandes obras literárias. A admirá vel variedade de timbres e ritmos
dominada pela escrita de Thompson no m á ximo de seu alcance - alternada ¬
mente apaixonada e l údica, cá ustica e delicada, coloquial e decorosa - nã o
encontra par na Esquerda . Possivelmente, també m , o êxito estritamente his¬
tórico da série de estudos que se estende através dos séculos XVIII e XIX - de
William Morris ao rico grupo de ensaios recentes cuja reuni ão está prometida
em Costumes em comum - é talvez o produto mais original do corpus da
Historiografia Marxista Inglesa para o qual tantos estudiosos talentosos con ¬
tribu í ram . Deixando de lado outras considerações, é raro a qualquer pesqui ¬
sador se sentir igualmente em casa em duas é pocas tã o contrastantes. Qual ¬
quer que seja a avaliação comparativa feita a esse respeito - na qual , sem
d ú vida , nenhum julgamento definitivo será alcan çado - duas caracter í sticas
distintivas da prática de Thompson como historiador se destacam . Do começo
ao fim, sua prática foi a mais declaradamente pol ítica de todos de sua geração.
-
Todos os grandes e quase todos os pequenos - trabalhos que escreveu con ¬
cluem com uma reflex ão aberta e direta sobre suas li ções para os socialistas
de seu próprio tempo. William Morris termina com uma discussão sobre
“ realismo moral ” ; A formação da classe operária inglesa relembra nossa
d í vida com a “ á rvore da liberdade” plantada pelo antigo proletariado ingl ês;

12 13
TRORIA, POL Í TICA I HISTORIA im t ms*t** ' %

Senhores e caçadores termina com uma reavaliação geral do “ Estado de di ¬ alaques seria, obviamentc, um nllhusscriuno. No entanto, na ausência mo¬
reito” ; um ensaio como “ Tempo, disciplina do trabalho e capitalismo indus¬ mentâ nea de candidatos mais indicados, vale a pena rever aqui as teses que
trial ” 1 especula sobre uma possí vel sí ntese do “ velho e do novo sentido do Thompson lan ça no ensaio - que é quase um livro - que dá tí tulo ( c mani festo )
tempo” em uma sociedade comunista do futuro que tenha superado o “ pro¬ ao volume. A miséria da teoria ou um planetário de erros não é apenas uma
blema do ócio” . Cada um desses textos é, a sua maneira , uma interven ção pol ê mica contra Althusser: é também a mais sustentada exposi ção do credo
militante no presente, bem como um resgate profissional do passado. A sólida do pró prio Thompson, como historiador e como socialista . Dessa forma, os
consistência de sua direção, de meados dos anos 1950 ao final dos anos 1970 - objetivos do presente ensaio serão três. Olhar para a crítica de Thompson a
visivelmente atestada no longo posfácio à nova edi ção do estudo sobre Mor¬ Althusser e tentar determinar sua justi ça; simultaneamente, e mais impor ¬
ris (1977) -, é profundamente impressiva. Ao mesmo tempo, esses trabalhos tante, procurar extrair os pontos cruciais do sólido trabalho de Thompson
de história são també m contribui ções deliberadas e orientadas para a teoria: pela lente dos princ í pios e procedimentos recomendados em A miséria da
nenhum outro historiador marxista se deu ao trabalho de confrontar e explo¬ teoria,3 O tratamento de Althusser, começando moderadamente e terminando
rar, sem insinuações ou circunlóquios, questões conceituais dif íceis no seu em uma tempestade de f ú ria, é não convencional em organização. A discus¬
trabalho de pesquisa. As defini ções de “ classe” e “ consciência de classe” em sã o desse assunto será facilitada por um reagrupamento de seus temas para
A formação da classe operária inglesa; a crítica a “ base e superestrutura” um comentário mais conciso sobre cada um deles. A miséria da teoria é, com
pelo prisma do direito em Senhores e caçadores; o restabelecimento do "uto- efeito, dominada por quatro problemas principais: o caráter da pesquisa his¬
pismo” como imaginação disciplinada na nova edi ção de William Morris - t órica; o papel da agência humana na história; a natureza e o destino do
todos representam argumentos teóricos que não são meros enclaves em seus marxismo; o fenômeno do stalinismo. Abordarei cada um deles a seu turno,
respectivos discursos históricos, mas, em vez disso, formam sua culminâ ncia conforme aparecerem nas críticas de Thompson a Althusser e na sua própria
e sua resolução naturais. prá tica como historiador. E, para concluir, tentarei situar o trabalho de Thomp¬
A afirmação de nosso respeito crítico e nossa gratidão é, desse modo, de son em um contexto comparativo capaz de esclarecer, de algum modo, as
complexidade e magnitude formidá veis. No entanto, uma apreciação das diferen ças surgidas entre ele e a New Left Review , uma publicação em cuja
preocupações e ideias centrais de Thompson aguarda há tempos para ser feita. criação ele desempenhou papel central. Qualquer que seja a nossa visão so¬
A publica çã o de A miséria da teoria2 fornece a ocasi ão para começar tal bre argumentos espec íficos de A miséria da teoria, a empreitada em si deve
apreciação. Lan çada há mais de um ano, em geral , essa obra tem tido uma ser bem-vinda. Ela representa o primeiro envolvimento pleno de um histo¬
recepção favorá vel na Inglaterra. Mas, até o momento em que escrevo, ne¬ riador ingl ês, no terreno do marxismo, com um grande sistema filosófico do
nhuma resposta aprofundada ao livro apareceu. Dado o desafio que a obra continente. O encontro direto das duas diferentes tradições discursivas re¬
posta, isso aparenta ser algo como um anticl í max. Em muitos aspectos, eu presentadas por Thompson e Althusser é, h á algum tempo, necessá rio para
0 desenvolvimento do materialismo hist órico como um todo. É m érito de
4
não posso ser considerado o mais apropriado interlocutor. A miséria da teoria
contém quatro ensaios, três dos quais já publicados. Entre os três está a fa ¬ Thompson ter assumido essa tarefa, iniciando um processo de trocas que
mosa crítica das visões da sociedade e da história inglesas desenvolvida na esperamos seja, ao final, m ú ltiplo.
New Left Review - à qual me reintegrei h á mais de uma década -, intitulada
“ As peculiaridades dos ingleses” .* O inédito é um ataque de mais de 200
páginas ao pensamento de Louis Althusser que, por sua escala e sua novi ¬ Notas
dade, inevitavelmente domina o livro. O debatedor apropriado para esses
-
1 Past and Present , n. 38, 1967, pp. 56 97.
2 The Poverty of Theory. London, 1978.
“ The Peculiarities of the English” , no original . Em português, integra a obra As peculia¬ 3 As referências às obras serão, doravante, abreviadas para: PT ( The Poverty of Theory ) ,-
ridades dos ingleses e outros artigos. Org. Antonio Luigi Negro e Sergio Silva. Trad. An¬ .
MEWC ( The Making of the English Working Class [ A formação da classe operária inglesa ] )
tonio L. Negro eial. Campinas, Editora da Unicamp, 2* reimpr. 2015. (N. da T.)
.
it,OKU rot ITU '* t HisrtiMA

edição Penguin de 1963; WH ( Whigs and Hunters [ Senhores e caçadores ] ), 1973; WM


.
( William Morris - Romantic to Revolutionary [ William Morris - Romântico e revolucioná¬
rio ] ), reediç8o de 1977.
-
4 Ver os comentários em Considerations on Western Marxism. London, 1979, pp. 111 112.

1
HISTORIOGRAFIA

As seções de abertura de A miséria da teoria são endereçadas a certas ques¬


t ões gerais da historiografia como disciplina. Três problemas específicos sã o
explorados por Thompson, os quais podem ser formulados desta forma : ( a )
Quais são a natureza e o lugar particulares da evidência em qualquer pesquisa
histórica? ( b) Quais são os conceitos apropriados para a compreensão de
processos históricos? (c) Qual é o objeto específico do conhecimento histó¬
rico? Em cada caso, Thompson evoca e rejeita o que ele assume ser a resposta
de Althusser e propõe sua própria solução. Ele começa seu caso com a acusa ¬
çã o de que a epistemologia de Althusser exibe uma indiferença radical pelos
dados primários que formam o que é nela chamado de Generalidades I : ne¬
nhuma explicação ou atençã o é dada para o cará ter ou a origem desses
dados - dentre os quais a "experiência” lidera. A atitude negligente de Althus¬
ser para com os fatos emp í ricos é confirmada por sua descrição das Genera¬
lidades II , ou o processo de cogni çã o em si, as quais efetivamente supõem
que qualquer teoria cient ífica pode definir e produzir seus próprios fatos por
meio de protocolos autovalidadores, sem recorrer a apelos externos. Thomp¬
son argumenta que isso é uma extensão abusiva dos procedimentos muito
restritos e excepcionais da matemá tica e da l ógica, sendo totalmente ilegí tima
se aplicada às ciências sociais ou f ísicas, nas quais o controle da evid ência
ê sempre central. O resultado disso é que nenhum conhecimento novo ge¬
nu í no pode emergir nas Generalidades III ( seu pretenso lugar ) de Althusser,
considerando que as Generalidades II já empacotaram os dados das Genera-
TEORIA , FOLlTICA E HISTÓ RIA HISTORIOGRAFIA

lidades I - h á um ciclo epistemol ógico. O resultado é “ exatamente o que é .


logos ingleses Hirst e Hindess,7 pela máxima de que “ fatos nunca são dados,
geralmente designado, na tradição marxista, como idealismo” 1 - ou seja, “ um são sempre produzidos” , mas falha ao não observar que o trabalho citado,
universo conceituai autogerador que impõe sua própria identidade sobre os especificamente, acusa Althusser de “ empirismo” e, por essa razão, mal pode
fenômenos de existência material e social, em vez de se engajar em um di á ¬ ser considerado um representante desse procedimento.
logo contínuo com eles” .2 Ao construir uma eloquente e necessá ria defesa genérica do oficio do
Qual é a justi ça nessas acusações? Na minha visão, muita. A teoria do historiador, Thompson de fato incorre com muita frequência em uma amal-
conhecimento de Althusser - tanto da ci ência quanto da ideologia - é, como gamação de posi ções individuais, cada uma delas deficiente, mas em graus
argumentei em outro lugar, diretamente tributá ria à de Espinosa.3 Não é e maneiras significativamente diferentes. Assim, Althusser de fato responde
surpreendente que uma epistemologia com esse fundo metaf ísico seja in ¬ de modo impróprio a protocolos lógico-matem áticos de prova como modelos
compatí vel com os câ nones da ciência moderna. Lucio Colletti observou de procedimento científico. Sua teoria do conhecimento, dissociada dos con ¬
certa vez: troles da evidência, é insustentavelmente intemalista: acima de tudo, a ela
falta algum conceito de falsificação. Ao contrário, no entanto, a força da fi ¬
Pode-se dizer que há duas tradições principais na filosofia ocidental nesse sentido: losofia da ciência de Popper - não se sabe se Thompson compreende o quanto
uma que descende de Espinosa e de Hegel; outra, de Hume e Kant . Essas duas linhas ela é forte - sempre se assentou precisamente na sua insistência na falseabi-
de desenvolvimento são profundamente divergentes. Para qualquer teoria que assuma lidade, um princ í pio crucialmente caracterizado por Lakatos e outros, mas
a ciência como a ú nica forma de conhecimento verdadeiro, é indubitá vel que à tradi ¬ que fica comprometida pelas notórias ilusões de Popper relativas aos registros
- -
ção de Hume Kant deve ser dada prioridade e preferência sobre a de Espinosa Hegel.
4
históricos. A hostilidade que Thompson sente nos dois filósofos quanto à
prática do historiador tem origens opostas - aproximando, uma confiança
A vasta verdade dessa afirmação é incontestá vel. No caso em questã o, não exagerada nos paradigmas da matem ática e da f ísica, respectivamente - e
há qualquer d ú vida de que Althusser não demonstra interesse algum na ori ¬ consequências opostas - negação de quaisquer leis de movimento no curso
gem e na natureza ( diversas ) das Generalidades 1, dentro de seu esquema. aleatório da história, e sua afirmação na implacá vel m áquina da Darstellung.
Em um aspecto, Thompson até vai muito longe na direção de Althusser O conhecido argumento de que os opostos se atraem n ão é algo que sobreviva
quando, casualmente, supõe que a “ sensopercepção” não é “ conhecimento” .5 a uma inspeção mais próxima. Muito mais pertinente e substancial é a demo¬
De fato, certos tipos de experiências perceptivas - os dados dos sentidos com li ção analítica de Thompson da máxima de Althusser de que “ o conhecimento
os quais o empirismo radical, desde Hume, sempre esteve preocupado - não da história não é histórico, tanto quanto n ão é aç ucarado o conhecimento do
precisam de transformação por qualquer das Generalidades II para gerar co¬ açúcar” . Em uma demonstração espirituosa, Thompson expõe o sofisma da
nhecimento: eles constituem uma forma de conhecimento elementar em si comparação, a qual ele aponta ser sustentável apenas se l êssemos “ qu í mico”
mesmos, sem mais delongas ( por exemplo, “ como está o tempo hoje?” ). O no lugar de “ açucarado” - e, assim o fazendo, cancelaria sua própria preten ¬
sistema de Althusser erroneamente assimila tout court o conhecimento à são." A inten ção da fórmula de Althusser, claro, era dramatizar a distâ ncia
ciência - um deslize inaugural distante da trivialidade em suas consequências: entre o “ objeto real ” e o “ objeto do conhecimento” . Ironicamente, a ambi ¬
a origem definitiva de sua insensibilidade em relação à evidência se encontra guidade do vocábulo “ histórico” nessa fórmula produz exatamente a confu ¬
aqui. Thompson certamente está certo em fazer essa acusação. Por outro lado, são que ela deveria evitar. Pois, sozinha entre as ciências, a história como
seu vigoroso ataque à noção de que fatos históricos primários são, de algum um termo - diferentemente da astronomia ou da sociologia, da lingu ística ou
modo, “ preparados” ou “ pré-selecionados” pela inten ção daqueles que os da biologia, da f ísica ou da química - designa ao mesmo tempo o processo
deixam para trás6 é pertinente no que se refere a Popper, que avançou essa e a disciplina que busca capturá-lo. Falhando em localizar o perigo da fusão
controvérsia absurda, mas n ão a Althusser, que nunca fez isso. Uma discus¬ onde ele genuinamente surge, nesse uso ordinário, Althusser o reproduz na
são salutar em si mesma é aqui mal utilizada para sugerir culpa por associa ¬ própria forma dc seu gesto contra ele.
çã o. Similarmente, Thompson condena, de maneira justificada, dois soció-
TKOKIA , POLITIC A * HIST Ô AIA IIISTOKI( HI » AriA

A própria afirmação de Thompson da realidade irredutivel e independente As formas de apelação que a corte da disciplina histórica permite são
da evid ência histórica - e das várias maneiras pelas quais ela pode ser inter¬ duplas: “ evidenciai ” e “ teórica” . Como Thompson observa, a evidência já
rogada - é, em geral , um modelo de bom senso. Algumas das distinções que foi suficientemente discutida em seu trabalho. E a teoria? Aqui , a apelação
ele delineia - como entre tipos de evidências “ portadoras de valor” e “ livres deve ser a “ coerência, adequação e consistência dos conceitos e a sua con ¬
de valor” ou “ laterais” e “ estruturais” - são talvez menos precisas do que ele gruência com o conhecimento de disciplinas adjacentes” . 13 Onde está, então,
sugere. Mas poucos escritores, ou leitores reflexivos, de história discordariam a força ou a falibilidade dos conceitos históricos marxistas? Thompson não
de sua descrição da “ oficina do historiador” aqui . As dificuldades realmente se questiona diretamente sobre esse tema. Em vez disso, ele coloca uma
começam do outro lado de sua enumeração dos diferentes tipos de questio¬
ná rios que podem ser utilizados ao se olhar para a evidência primária. Isso
se toma agudamente familiar quando Thompson recomenda a “ regra da rea ¬
-
questão mais ampla: qual é a natureza distintiva dos conceitos históricos em
Ki ral marxistas ou não marxistas? Sua resposta é que eles são “ expectati-
vas em vez de regras” , pois possuem uma “ flexibilidade particular” , uma
lidade” de J . H. Hexter, segundo a qual o historiador deveria buscar “ a história “ generalidade necessária e elasticidade” , um “ coeficiente de mobilidade 14

mais prová vel que pode ser sustentada pelas evidências relevantes existentes” pela natureza movediça do próprio processo histórico. As “ categorias mudam ,
como “ ú til ” - apenas para ter que lamentar imediatamente depois que ela assim como o objeto” .15 Uma vez isso compreendido, pode se ver que, en ¬
-
“ foi posta em curso por seu autor de formas cada vez menos produtivas, em quanto o materialismo histórico é distinguido “ por sua consistência persis¬
defesa de uma suposi ção prévia de que qualquer narrativa marxista seja, tente ( infelizmente, uma persistê ncia que por vez é doutrinária ) em elaborar
necessariamente, improvável” .9 Mas, evidentemente, a banalidade da fórmula tais categorias e por sua articulação dessas categorias em uma totalidade con¬
é precisamente a garantia de sua inutilidade: quem deve determinar o que é ceituai” ,16 por razões semelhantes, ele é também perpetuamente ameaçado -
relevante ou, nesse sentido, o que constitui uma história? Somos imediata ¬ em um grau maior que a historiografia não marxista - pelo perigo de uma
mente enviados de volta ao espinhoso problema dos conceitos históricos. conceituação rígida e estática, que é radicalmente inapropriada à sucessão
Thompson não tenta expor ou justificar o conjunto específico de categorias histórica.
que define o materialismo histórico - uma abstenção com consequências
importantes mais adiante em seu ensaio. Ele sugere de passagem , com per¬ É um infortúnio dos historiadores marxistas (é certamente nosso infortúnio parti¬
10
feita retidão, que “ há outras formas legí timas de interrogar as evidências” cular hoje) que alguns de nossos conceitos sejam moeda corrente em um universo
além daquelas que formam os principais parâ metros de investigação dos intelectual mais amplo, sejam adotados por outras disciplinas, que lhes impõem sua
própria lógica e os reduzem a categorias estáticas, a-históricas . Nenhuma categoria
historiadores marxistas. Em vez de permanecer nos cânones e procedimentos
histórica tem sido mais mal compreendida , atormentada, paralisada e desistoricizada
típicos da historiografia marxista, Thompson enfatiza o usual “ teste da lógica
que a categoria classe social ... Não é, e nunca foi, tarefa da história conciliar esse tipo
histórica” ," ao qual eles, com todos os outros, devem se submeter. Em um
de categoria inelástica.17
belo parágrafo, ele assim representa o veredito geral da disciplina:

Aqui, no entanto, Thompson se equivoca. Sua argumentação, com efeito,


O tribunal está em sessão para julgar o materialismo histórico há cem anos e sua
decisão vem sendo continuamente postergada. Esse adiamento constitui , de fato, um
leva a reivindicação por uma legitima frouxidão de noções, que seria o privi¬
tributo ao vigor da tradi ção; nesse prolongado intervalo, as acusações contra inúmeros
l égio peculiar do historiador. Mas a natureza do processo histórico não emite
outros sistemas interpretativos têm sido levadas ao tribunal , e os acusados sumiram
tal permissão especial . O fato de que seu objeto se modifica continuamente
"escada abaixo” . O fato de o tribunal ainda não ter se decidido em favor do materialismo não isenta a disciplina da história da obrigação de formular conceitos claros
histórico não se deve apenas ao parti pris ideológico de alguns dos juí zes (embora haja e exatos para sua compreensão mais do que isentaria a meteorologia - uma
bastante disso) mas deve-se, também , à natureza provisória dos conceitos explicativos, ci ê ncia f ísica cujos dados notoriamente se modificam bem mais rá pida e
aos silêncios reais (ou mediações ausentes) que há neles, ao caráter primitivo e não mercurialmente que aqueles da própria história. Se o clima se mantém , em
12
reconstitu ído de algumas das categorias c à determinação inconclusiva das evidências. grande medida, imprevisí vel (e incontrolável ), o meteorologista não se re-
nonA , POLlTtCA i HISTÔ KIA UIX

signa a afirmações da aproximaçã o inerente a seu estudo: ele busca recuar exigê ncia mais claramente que Thompson . Mn» foi Marx quem originalmente
os limites do nosso conhecimento por meio de mais investigações cient íficas, inscreveu essa demanda no programa do materialismo histórico.
que envolverão não menos, mas, sim, mais conceituação, de uma gama mais Thompson, no entanto, contesta que a história seja uma ciência e pode,
ampla de evidências. Assim é em qualquer outra ci ência. A história não é assim , descartar qualquer comparação com outras disciplinas. Ele argumenta
exceção. Brecht certa vez observou que, se o comportamento humano parece que “ a tentativa de designar a história como uma ‘ciência’ sempre foi confusa
imprevisí vel, não é porque não existem determina ções, mas porque há mui ¬ c desnecessá ria ” ,20 porque o conhecimento histórico é, por natureza, provi ¬
tas. 18 O necessá rio dever de aten ção, do historiador, ao evento particular ou sório, incompleto e aproximativo. “ A antiga, ‘amadorística’ noção da histó¬
à prá tica concreta não deve ser livre de suspeitas dobrando-se ou alargando- ria como uma ‘humanidade’ disciplinada sempre foi mais precisa.” 21 Agora,
-se conceitos gerais em tomo deles. Ele só pode ser absolvido pela reconstru¬ disputar termos seria um exerc ício in ú til. Mas a recusa de Thompson em
ção da multiplicidade complexa de suas reais determina ções, o que sempre conferir o t í tulo de ciê ncia à história repousa, de fato, em um substantivo
demandará mais - e mais rigorosa - conceituação. Thompson tende a ver os equ í voco quanto à natureza das ciências em geral , o que o leva a criar uma
conceitos como modelos ou diagramas de uma realidade que nunca se com ¬ liilsa extraterritorialidade para a história. Assim ele prossegue ao afirmar:
porta adequadamente, em uma alternâ ncia do “ abstrato” e do “ particular” “ Nesse sentido, é verdade (aqui podemos concordar com Popper ) que, en¬
que se esquece desta injunçâo central de Marx: “ O concreto é concreto por¬ quanto o conhecimento histórico deve sempre ficar aquém de provas posi ¬
que é a síntese de muitas determinações, portanto unidade da diversidade... tivas ( dos tipos apropriados à ci ência experimental ), o falso conhecimento
as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do histórico está, em geral, sujeito a refutação” .22 A oposição postulada aqui é
pensamento” .19 Para que as categorias sejam categorias de fato, elas deman ¬ imaginá ria; no entanto, ela sugere uma familiaridade um tanto limitada com
dam definição precisa e inequ í voca . Para capturarem os processos de mu ¬
dança que naturalmente caracterizam a história, os conceitos históricos pre¬
• contemporânea filosofia da ciência. Pois Popper, evidentemente, sempre
sustentou que a verificação conclusiva de hipóteses cient íficas - nas f ísicas
cisam ser muito cuidadosamente formulados e especificados: mas eles só ou em qualquer outro ramo do conhecimento - é axiomaticamente impossí ¬
serão conceitos se fixarem alguma estrutura de invariância, por mais variação vel : a pedra fundamental de A lógica da pesquisa cientifica é precisamente
interna que tal estrutura possa permitir - em outras palavras, por mais ampla sua rejei ção do “ princ í pio da verificação” do positivismo lógico.23 Em seu
que seja sua morfologia. Essa condição de lucidez intelectual impede uma lugar, ele coloca o princí pio da falsificação - de que hipóteses são científicas
captura adequada de qualquer história diacrônica? De forma alguma. Pelo apenas na medida em que possam ser falsificadas por teste empí rico per¬
contrário, longe de ser especialmente responsá vel por uma relação de con¬ tinente. Desse modo, o que Thompson aceita como condi ção excepcional da
ceitos estáticos indevidos, o marxismo, como sustenta Thompson , acima de hist ória é, na verdade, o status normal de toda ciência. Provisionalidade,
tudo possui conceitos que tanto teorizam as possibilidades e os limites da seletividade e falseabilidade são constitutivas da natureza da empreitada
mudança histórica como tal ( contradi çã o ) quanto exploram a dinâmica de cient í fica como tal . Até a falta de controles experimentais não está confinada
processos de desenvolvimento específicos ( as leis do movimento do capital ). ú historiografia: a astronomia també m não permite testes de laboratório. A
Seu repertório permanece, evidentemente, parcial e provisório - em certo muis importante filosofia da ciê ncia recente - a de Lakatos - tem mostrado
sentido, mero prel údio à composi ção da plenária da história. As ausências e os limites até da descrição de Popper, ao demonstrar que uma teoria cient ífica
insuficiências de seu instrumental explicativo não estão, até hoje, em ques- pode sobreviver a uma quantidade de falsificações e deve ser julgada pelo
tionamento: Althusser as enfatiza tanto quanto Thompson. Poré m, elas n ão desenvolvimento ou pela deterioração no longo prazo de seu “ programa de
são razão para uma retirada da empreitada teórica, mas para avançar em pesquisa’’, e não por seu padrão imediato de falhas e não confirmações.24 Em
direção a aná lises mais plenas. Em outras palavras, as realidades da diver¬ outras palavras, o prolongado “ adiamento” do veredito sobre o materialismo
sidade social e do fluxo histórico obrigam o historiador a ser mais rigoroso histórico, na metáfora memorá vel de Thompson, está bem próximo de uma
e produtivo na criação de conceitos, e não menos. Apesar de sua grande descri çã o das circunstâ ncias ordin á rias de qualquer teoria cient ífica.
dist â ncia da prá tica do historiador, é preciso dizer que Althusser viu essa
A negação de Thompson de exatid ão “ cient í fica ” para a história , por ou ¬ at é esse tema é um movimento n ã o premeditado do pensamento, n ão sua
tro lado, d á provas de ser um preâ mbulo para uma reivindicação mais ampla devida c deliberada resposta à quest ão embora não seja sem significâ nciu
dessa exatidão, pois ele prossegue e escreve: pura outro tema de A miséria da teoria, como veremos. Quando trata cons¬
cientemente do problema em uma seção posterior, em resposta à formulação
A “ história" deve ser devolvida a seu trono de Rainha das humanidades, mesmo bem incisiva de Althusser sobre a questã o, ele concede que “ se eu levantar
que ela tenha provado, às vezes, ser um tanto surda para alguns de seus súditos ( nota- da minha mesa ( como farei em breve ) para levar o maldito cachorro para
damente, para a antropologia ) e ingénua com seus cortesãos preferidos (como a eco¬ pussear, isso dificilmente será um evento ‘histórico’. Assim , aquilo que faz
nometria ). Mas, em segundo lugar, e para refrear suas pretensões imperialistas, deve ¬ eventos serem históricos deve ser definido de alguma outra forma” . Mas de
mos também observar que a “ história” , na medida em que é a mais unitária e geral de que forma? É surpreendente que Thompson mal tente sequer uma visita su ¬
todas as disciplinas humanas, deve sempre ser a menos precisa. Seu conhecimento perficial ao problema. Ele apenas escreve:
nunca será, sejam quantos forem os milhares de anos, nada além de aproximativo.25
|... ] mesmo quando definimos in úmeros acontecimentos como sendo de interesse li ¬
Essa é, certamente, uma bela imagem , mas seria ela persuasiva? A resposta mitado para a aná lise histórica, o que devemos analisar continua sendo um processo
deve, indubitavelmente, ser negativa. Em que sentido seria a história “ menos dc sucessão de acontecimentos. De fato, é exatamente a significação do acontecimento
precisa” que a estética ou a cr ítica literária? É suficientemente óbvio que, se pura esse processo que fornece o critério de seleção.29
quisermos continuar com esses termos, ela é bem mais precisa. Por que seria
a história incapaz do conhecimento “ alé m do aproximativo” ? Acaso supomos Em um texto de 200 páginas, duas linhas. O que isso nos revela? Uma tauto¬
que a data da Revolução de Outubro está sujeita a alteração no próximo sé¬ logia: um evento histórico é aquele que é significativo ao processo de suces¬
culo? O conhecimento exato e positivo nunca esteve além dos poderes da sã o histórica. Como sabemos se um evento tem ou não tal significâ ncia?
história: sua vocação, assim como a de suas disciplinas-irmãs, é expandi lo - - Como delimitamos a sucessão para a qual ele é significante? As duas senten ¬
ainda que o processo, como Lenin notou , seja sempre assimptótico a seu ças formam um único e vazio circulo.
objeto. Qualquer escrutí nio verdadeiro da construção de Thompson a anula. Provavelmente esse lapso de Thompson decorreu de sua atençã o para
Uma questão central, no entanto, permanece. O que define o conteúdo da polê mica estar tã o polarizada pela solução de Althusser ao problema que ele
supremacia “ unitária e geral ” da história sobre todas as outras disciplinas ignorou o quanto a sua própria era insuficiente. Curiosamente, seu descon ¬
humanas? Chegamos aqui à questão final do discurso de abertura de Thomp¬ tentamento com a linguagem de Althusser é tal que ele realmente l ê aqui de
son sobre o m é todo: qual é o objeto espec ífico da pesquisa histórica? O maneira equivocada o que ela está de fato dizendo. Afinal, Althusser efeti ¬
problema constitui o cl ássico enigma de todas as teorias da história. Nenhum vamente tenta uma defini ção mais substantiva do objeto da história: um fato
outro se mostrou tão dif ícil de lidar a gerações de debates por historiadores histórico é um fato “ que causa uma mutação nas relações estruturais exis¬
e fil ósofos. A resposta inicial de Thompson a esse problema é surpreen ¬ tentes” .30 O comentário de Thompson é indignado: “ O processo revela não
dentemente simples. Ele iguala história e passado. “ ‘Histórico’ é uma defi ¬ ser de forma alguma um processo histórico (essa alma penada encamou-se
ni ção gené rica: define bem genericamente uma propriedade comum de seu no corpo errado), mas a articulação estrutural de formações sociais e econó¬
objeto - pertencer ao passado, e não ao presente ou ao futuro” .26 Ao mesmo micas... A alma do processo deve ser capturada no ar e convertida à força na
tempo, ele sustenta que “ o passado humano não é um agregado de histórias está tua de m á rmore do imobilismo estrutural ” .31 Em sua ira contra a frase
particulares, mas uma soma unitá ria do comportamento humano” .27 A lógica “ relações estruturais” , Thompson negligencia o ponto cr ítico da defini ção
dessas proposi ções parece ser a de que a história é o registro de tudo que que ele está atacando: o termo “ mutação” . A fórmula de Althusser põe uma
aconteceu - uma conclusã o notoriamente vazia para a qual quase todos os ênfase impecá vel na mudança, e não na estabilidade - como Thompson ima¬
pensadores anteriores que se dedicaram ao tema deram um fin de non recevoir. gina que ela faz. Isso n ão permite dizer que essa fórmula forneça uma solu ¬
É famosa a crí tica de Carr sobre o tema.28 De fato, o deslize de Thompson ção satisfatória para o problema. Ao contrário: ela é indubitavelmente muito

24 25
restritiva. Por exemplo, a morte de Marx causou uma mutação em relações 12 Idem, p. 237.
estruturais existentes? Quase nenhuma. Ainda assim, ela permanece eminen ¬ 13 Ibidem.
temente como um fato histórico. O real solo cultivado pelo historiador está 14 -
Idem, pp. 237, 248 249.
15 Idem , p. 248.
localizado em algum lugar entre um confinamento às mudanças estruturais 16 Idem, p. 242.
e uma infinitude de comportamento humano. N ão é objeto de reprovação que 17 Ibidem .
nem Thompson nem Althusser resolvessem um dos mais antigos e mais obs¬ 18 “ Die Unberechenbarkeit der kleinsten KOrper” , de Me Ti - Buch der Wendungen cm Ge . -
tinados enigmas na filosofia da história. Mas, dos dois, é preciso dizer que sammelte Schriften, vol. 12. Frankfurt, 1967, p. 568.
19 Grundrisse. London, 1974, p. 101.
foi o fil ósofo francês, em vez do historiador inglês, que, nessa ocasião, nos
20 PT, p. 231.
deu a resposta preferí vel - superior porque suficientemente firme e definida 21 Idem, p. 387.
para ser falseá vel. 22 Idem, p. 232.
Resumindo: a defini ção de Thompson do objeto da história é casual e 23 A lógica da pesquisa cientifica.Trad. Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São
circular; sua prescri ção de conceitos históricos, em uma ênfase tradicional Paulo, Cultrix, 1972, pp. 41-42: “ As teorias nunca são empiricamente verificá veis. Se qui ¬
sermos evitar o erro positivista de eliminar, por força de critério de demarcação que esta ¬
no cará ter aproximativo da disciplina, é, em conclusão, nada convincente; .
beleçamos os sistemas teóricos de ciência natural , deveremos eleger um critério que nos
mas as seções de abertura de A miséria da teoria eclipsam essas limitações permita incluir, no dom ínio da ciência empírica, até mesmo enunciados insuscetiveis de
na sua esplê ndida defesa da evidência histórica e de sua autoridade sobre o .
verificação. (.. ) Essas considerações sugerem que deve ser tomado como critério de demar¬

materialismo histórico. A falta de controles empíricos que Thompson cor¬


cação não a verificabilidade, mas a falseabilidade de um sistema” . Para Popper, evidente -
mente, o problema da demarcação era o da fronteira entre “ as ciências empiricas, de um
retamente percebe no trabalho de Althusser faz parte, na realidade, de um lado, e matem ática e lógica, assim como os sistemas ‘metaf ísicos’, de outro" ( The Logic of
padrã o mais amplo dentro do marxismo ocidental , como discuti em outro Scientific Discovery. London, I 960, p. 34 ).
24 Imre Lakatos. The Methodology of Scientific Research Programmes. Cambridge, 1978,
lugar, de cujo deslize especulativo apenas Gramsci escapou . Na atualidade, sobretudo as páginas de 31 a 47.
o per
íodo dessa longa propensão está passando, quando uma cultura socialista 25 PT, p. 262.
mais forte e inquisitiva começa a emergir nos anos 1970. A eloquê ncia das 26 Idem, p. 223.
advertê ncias de Thompson deveria , daqui em diante, se posicionar entre essa 27 Idem, p. 232.
cultura emergente e a tentação de qualquer retomo ao passado. -
28 What is History?. London, 1961, pp. 5 6.
- .
29 PT, pp. 281 282
30 Reading Capital. London, 1970, p. 102.
31 PT, p. 281.
Notas
1 PT, p. 205. [As traduções da referida obra foram feitas para esta edição. Não foi utilizada a
versão que se encontra na edição brasileira de 1981. ( N. da T.)]
2 Ibidem .
3 Considerations on Western Marxism, pp. 64 65. -
4 “ A Political and Philosophical Interview ” , publicado primeiro na New Left Review , n. 86,
p. 11, c agora cm Western Marxism - A Critical Reader . London, 1977, p. 325.
5 PT, p. 224.
6 Idem , p. 218.
7 Ibidem .
8 Idem , p. 387.
9 Ibidem.
10 Ibidem.
11 Idem, p. 236.

26 27
2
AG Ê NCIA

O segundo grande tema de A misé ria da teoria não é mais procedimental -


qual é a natureza da historiografia? mas substantivo: qual é o papel da
escolha, dos valores e da açã o humana consciente na história? Os leitores de
William Morris ou de A formação da classe operária inglesa reconhecerão
que esse é o tema organizador de toda a obra de Thompson. A paixão que ele
tem trazido para esse tema ao longo de 25 anos transpira de cada pá gina do
que agora assume o seu lugar como a mais extensa afirmação teórica do pro¬
blema. Seu argumento caminha da seguinte forma: o pecado fundamental de
Althusser é sua repetida asserção de que “ a história é um processo sem um
sujeito” ,1 na qual homens e mulheres individuais são “ suportes de relações
de produção” .2 Apesar de ser apresentada como a ú ltima palavra em mar¬
xismo contemporâneo, “ esse é um modo de pensamento bem antigo: processo
é destino” .3 Hoje, longe de ser uma proposição do materialismo histórico,
ela está em sintonia com a mais decadente e reificada ideologia burguesa, à
qual todos os socialistas engajados devem resistir. Pois, em contrapartida,
tanto a herança genu í na da teoria de Marx quanto os achados reais da in ¬
vestiga ção histórica nos ensinam que homens e mulheres são os “ agentes
continuamente desnorteados e ressurgentes de uma história ind ómita” .4 Nin¬
gué m percebeu ou expressou isso melhor que Morris, quando escreveu: “ Pon ¬
derei sobre todas essas coisas, e sobre como os homens lutam e perdem a
batalha, e que as coisas pelas quais lutaram surgem apesar de sua derrota, e
que quando elas surgem revelam não ser o que eles almejavam, e que outros

29
homens tê m de lutar, sob novo nome, por aquilo que seus antecessores al ¬ Intençã o de conotar o primeiro sentido, mas frases como “ agentes de uma
mejavam ” .5 A história não é um processo sem um sujeito: é uma “ prá tica pol ê ncia estrangeira" e “ agentes de um banco mercantil ” nos lembram da
humana indómita” ,* na qual cada hora é “ um momento de transformação, de frequê ncia do segundo sentido. Ironicamente, Thompson, sem perceber, uti -
possibilidades alternativas, de forças ascendentes e descendentes, de defi ¬ h / n ele mesmo o termo dessa forma em vários momentos em A miséria da
nições e esforços (de classe ) opostos, de sinais ambíguos” .7 O meio crucial teoria , depreciando o que ele chama de diversas “ agências de importação”
pelo qual homens e mulheres convertem determinações objetivas em inicia ¬ de doutrinas estrangeiras 15 ( entre elas, a New Left Review ). A mesma inver -
tivas subjetivas é a sua experiência - a junção entre “ ser e consciência” , pela » Ao dc sentido ocorre, evidentemente, com o termo correlato “ sujeito” , signi ¬
qual “ a estrutura é transmutada em processo e o sujeito reingressa na his¬ ficando simultaneamente “ soberania” e "subordinação” : uma coincidência
tória” .8 É por meio de tal experiência, por exemplo, que eles se fazem grupos lurpreendente. No caso de agência , contudo, temos uma maneira corriqueira
de classe social conscientes de valores e interesses antagónicos e em luta dc distinguir entre os dois sentidos da palavra. Quando necessá rio, a fala
-
para tomá los realidade: costuma se referir a “ agentes livres” para deixar claro que o primeiro sentido
i o almejado. É isso o que Thompson pretende dizer com agência? A res¬
[...] as classes surgem porque homens e mulheres, cm relações produtivas determi ¬ posta é de algum interesse. Uma grande questão filosófica está claramente
nadas, identificam seus interesses antagónicos e passam a lutar, a pensar e a definir em jogo aqui. Ainda assim, em seu longo ensaio, o problema emerge apenas
valor em termos de classe: desse modo, o processo de formação de classe é um pro¬ uma vez, em um curto parêntese: “ Qualquer que seja a nossa conclusão, no
cesso que gera a si mesmo, ainda que sob condições que são “ dadas” .9
-
vaiv é m intermin á vel da discussão sobre predeterminação e livre arbítrio” ,
ele observa em dado momento, “ é extremamente importante que [...] nos
O famoso “ paralelograma de forças” de Engels - no qual “ desejos individuais consideremos ‘livres’ (o que Althusser não nos permitirá pensar )” .14 O reco¬
n ào são satisfeitos” e, mesmo assim, “ cada um contribui para a resultante e nhecimento aqui se aproxima de um puro pragmatismo afim à doutrina da
está , nesse patamar, envolvido nela” 10 -, desmantelado e rejeitado por Al ¬
“ ilusão útil” , de Nietzsche.15 Em meio a tantos argumentos longos e incon¬
thusser, pode ser reabilitado substituindo-se vontade individual por classe: dicionais contra Althusser, uma breve senten ça abre repentinamente os por¬
“ se a resultante histórica é, assim, vista como a consequência de uma colisão tões para o definitivo desarmamento ante ele (e se a verdade contradisse o
de interesses e forças de classe contraditórios, então podemos ver como a conforto?). Depois, a densa massa de refutação retoma seu curso. Fomos
agência humana faz surgir um resultado involuntário e como podemos dizer, lembrados, no entanto, de uma incerteza subterrânea abaixo do solo confi á-
ao mesmo tempo, que ‘nós fazemos a nossa própria história ' e que ‘a hist ó¬ vel em que a agência é geralmente entoada em A miséria da teoria.
ria faz a si mesma’” .11 A verdadeira lição do materialismo histórico é a “ am ¬ O equ í voco momentâ neo de Thompson desarma todo o seu argumento?
bival ê ncia crucial de nossa presen ça humana em nossa própria história, de Ele n ão precisa, pois a noção de agência pode ser mantida, mesmo com pre¬
sermos parte sujeitos, parte objetos, agentes voluntá rios de nossas próprias missas rigorosamente deterministas, se isso significar uma atividade cons¬
determinações involuntárias” .12 ciente, orientada para um objetivo. Sebastiano Timpanaro propôs uma defi ¬
Como veremos, o eixo da construção de Thompson é a noção de agên ¬ ni ção próxima a essa em seu trabalho On Materialism , de um ponto de vista
cia - uma dominante em seu vocabul á rio desde seus primeiros escritos. De fiel à s mais estoicas injunções do ú ltimo Engels. 14 O problema das fontes
forma atrativa, por vez comovente, como empregada em A miséria da teoria, definitivas de ação pode, desse modo, ser delineado em uma investigação
essa noção pode vir a parecer praticamente autoexplicativa. Mas, na verdade, histórica racional, para um estudo de seus fins. Mas se a agê ncia é interpre¬
ela demanda um escrut í nio cuidadoso e diferenciador, pois sua aparente sim ¬ tada como uma atividade consciente, orientada para um objetivo, tudo se
-
plicidade é enganosa. Lembremo nos, primeiramente, de que o termo “ agen ¬ volta para a natureza dos “ objetivos” , pois é óbvio que todos os sujeitos
te” revela uma ambiguidade curiosa em seu uso ordin á rio, possuindo duas históricos se engajam em ações o tempo todo, das quais eles são “ agentes” ,
conotações opostas. Ele significa, ao mesmo tempo, iniciador ativo e instru¬ nesse sentido estrito. Contanto que permaneça nesse n í vel de indeterminação,
mento passivo. A palavra é utilizada por Thompson exclusivamente com a
-
a noção é um vazio anal í tico. Para tomá la operacional , ao menos três tipos

30 31
dc objetivos qualitativamente diferentes devem ser claramente distinguidos. dores ( o colapso demográfico da popula ção mexicana depois de Cortez ). Mas
Ao longo da história , a maioria esmagadora das pessoas em grande parte de isso també m é verdadeiro para qualquer das formas de iniciativa histórica
suas vidas perseguiu objetivos “ privados” : cultivo de um plano, escolha de acima descritas. Por defini ção, é o alcance intencional , e não o resultado

um casamento, exerc ício de uma habilidade, manutenção de um lar, conces¬ involuntá rio, que distingue uma forma de agência de outra.
são de um nome. Esses projetos pessoais estão inscritos nas relações sociais Finalmente, há aqueles projetos coletivos que tentam fazer de seus ini ¬
existentes e tipicamente as reproduzem. Apesar disso, eles permanecem sendo ciadores autores de seu modo de existê ncia coletiva como um todo, em um
iniciativas profundamente intencionais que têm consumido grande parte da programa consciente voltado para a criação ou a remodelação de estruturas
persistência e da energia humanas ao longo do tempo registrado. O historia ¬ sociais inteiras. H á premonições isoladas desse fenômeno em colonizações
dor de qualquer pequena comunidade mergulha diretamente no meio dessa politicas, heterodoxias religiosas ou utopias literárias em séculos anteriores,
agência universal : o estudo de Leroy Ladurie de uma vila albigense do século mas, essencialmente, esse tipo de agência é de fato bem recente. Em larga
XIV - Montailiou - é um caso arquet í pico. Existem, evidentemente, projetos escala, a própria noção de agência em pouco antecede o Iluminismo. A Revo¬
coletivos ou individuais cujos objetivos são de cará ter “ pú blico” : quantitati ¬ lu çã o Francesa e a Americana são as primeiras figurações de agência coletiva
vamente bem menos, envolvendo menores n ú meros em esforços intermiten ¬ nesse sentido decisivo. Originando-se como amplas explosões espont âneas
tes, mas normalmente mais interessantes e importantes para o historiador. e terminando em reconstruções político-jur ídicas, no entanto, elas ainda per¬
Vontade e ação adquirem aqui uma significância histórica independente como manecem a grande distância das manifestações de uma completa agência
sequências causais em si mesmas, em vez de amostras moleculares de rela¬ popular que deseje e crie novas condições sociais de vida para si mesma. É
ções sociais. A diferença está tipicamente inscrita nos próprios registros his¬ o moderno movimento trabalhista que verdadeiramente fez nascer essa nova
tóricos: podemos pegar dois documentos do final da Idade Média - digamos, concepçã o de mudança histórica; e é com o advento do que seus fundadores
entre as Cartas de Paston e as Crónicas de Froissart. Movimentos religiosos, chamam de socialismo cientifico que, de fato, pela primeira vez, projetos
lutas pol íticas, conflitos militares, transações diplomáticas, explorações co¬ coletivos de transformação social se casam com esforços sistemá ticos para
merciais, criações culturais estão entre os tipos essenciais de tais agendas entender os processos do passado e do presente, a fim de produzir um futuro
p ú blicas. No entanto, essas també m, em sua maioria esmagadora, n ão alme¬ premeditado. A Revolução Russa é, nesse sentido, a encarna ção inaugural
jam transformar as relações sociais como tais - criar novas sociedades ou dc um novo tipo de história, fundada em uma forma de agê ncia sem pre¬
dominar antigas: na maior parte, elas estão muito mais limitadas a seu escopo cedentes. Notoriamente, os resultados do grande ciclo de revoltas que ela
( voluntário). Os objetivos buscados têm sido inseridos de forma característica iniciou estão, até o momento, distantes daqueles esperados no in ício. Mas a
em um quadro estrutural conhecido, aceito como verdadeiro pelos atores. A altera ção do potencial de ação histórica, no curso do século XX, permanece
fundação da Ordem Beneditina na Idade das Trevas, a construção de Notre irreversível.
Dame, as guerras entre os Valois e os Habsburgos na Itá lia, o Tratado de Agora, o efeito dos apelos de Thompson à agê ncia em sua cr í tica a Al¬
Vestfá lia ou Utrecht, a competi ção entre Chapé us e Gorros no parlamento thusser é para permitir um deslize do sentido um pelo sentido dois até o
sueco, a viagem ao Japão do comodoro Perry - a maioria dos familiares sentido três. Seu impacto retórico apoia-se nas evidências cotidianas de que
eventos históricos ou processos dessa natureza, independentemente de sua as pessoas cuidam de suas vidas fazendo todo tipo de escolhas, agindo de
miséria ou grandeza, são marcados pela busca de objetivos locais no interior acordo com valores e perseguindo propósitos - alguns dos quais realizados,
de uma ordem aceita que os engloba. As pró prias conquistas militares de outros não, outros realizados de formas não desejadas. Esse tipo de agência
larga escala, que podem parecer uma exceção, tê m geralmente buscado não ( escolha de marido ou amante, na pará bola aguda do Thompson sobre a tra¬
mais do que impor uma nova autoridade económica e pol í tica em terras de balhadora )17 é, desse modo, suprimido pelo projeto coletivo limitado, que
outro modo inalteradas: o Império mongol , o maior de todos, é um exemplo é menos frequente ( a greve em sua fá brica ) e que pode, assim, tacitamente
clássico. As consequências de uma anexação estrangeira podem, evidente¬ se equiparar à forma de agência indicada peia máxima de Morris, que clara¬
mente, ser muito mais drásticas, de modos não imaginados pelos conquista¬ mente se refere a transformações sociais por completo ( seu contexto é a

32 33
Revolta dos Camponeses ), as quais sã o, com efeito, muito raras na história umu revolu ção socialista, cujo propósito é inaugurar a transi ção do que Marx
como processos conscientes. A frase reducionista “ agentes continuamente chamou dc “ reino da necessidade” para o “ reino da liberdade” .
desnorteados e ressurgentes” fornece a ligação atemporal. O erro conceituai A ausência de algum eco desse tema básico do marxismo no ensaio de
envolvido é amalgamar sob a mesma rubrica de “ agência” aquelas ações que ITiompson sobre Althusser é bastante surpreendente. Mais ainda, talvez, por¬
sã o de fato vontades conscientes no n í vel pessoal ou local, mas cuja incidê n ¬ que o tema encontra um lugar no longo texto dedicado a Kolakowski , escrito
cia social é profundamente involuntá ria ( relação entre casamento-idade, di ¬ anteriormente e agora publicado no mesmo volume. Lá, Thompson destaca
gamos, e crescimento populacional ), com aquelas ações que são vontades “ o potencial humano de agir como agentes racionais e morais” como “ um
conscientes no ní vel de sua própria incidência social. O resultado paradoxal conceito coincidente com aquele da passagem do reino da necessidade para
da critica de Thompson a Althusser é, desse modo, reproduzir na prá tica a o reino da liberdade” . 1* Sob o comunismo,
falha fundamental do filósofo francês por meio de uma inversão polê mica.
-
Afinal , as duas fórmulas antagonistas de um “ processo humano natural sem |.. | as coisas são derrubadas da sela e deixam de cavalgar a humanidade. Os homens
um sujeito” e de “ agentes continuamente desnorteados e ressurgentes de uma lutam livres de sua própria maquinaria e a subjugam a necessidades e decisões hu ¬
história ind ómita" são, ambas, afirmações dc um caráter essencialmente apo- manas. O homem deixa de viver em uma postura defensiva, repelindo o assalto das
ditico e especulativo - axiomas eternos que de forma alguma nos ajudam a “ circunstâ ncias” , seu maior triunfo em engendrar socialmente um sistema de pesos e
traçar os papéis reais e variáveis de diferentes tipos de iniciativas deliberadas, contrapesos e equilibrar poderes contra sua própria m á vontade. Ele principia a viver
pessoais ou coletivas, na história. Uma abordagem histórica, em oposi ção a dc seus pró prios recursos de possibilidades criativas, liberto do determinismo do
uma apod í tica, do problema buscaria traçar a curva de tais iniciativas, a qual “ processo" dentro de sociedades divididas em classes.19
tem crescido pronunciadamente - em termos de massa de participação e es¬
cala de objetivos - nos ú ltimos dois séculos, de n í veis anteriores baixos. Dessa descrição, no entanto, Thompson tira uma conclusão inesperada: “ caso
Ainda assim , no entanto, é importante lembrar que h á enormes á reas da esse reino da liberdade seja alcançado, o argumento não dá nenhuma garan¬
exist ência que permanecem , em grande parte, fora de qualquer forma de tia de que os homens escolherão sabiamente ou serão bons” .20 Essa contin ¬
agê ncia organizada. Padrões demográficos, para pegar o exemplo anterior, gê ncia logo assume uma forma bem imediata e tangí vel , pois
tê m tradicionalmente estado fora do dom í nio de qualquer escolha social
consciente. Se estã o agora começando, pela primeira vez, a ser objeto de [ ... ] existe a possibilidade, terrivelmente imprópria como indica a metá fora, de que
os países “ socialistas” já tenham cruzado a fronteira marxista do “ reino da liberdade".
tentativas de intervenção deliberada, experimentos iniciais em controle po¬
Ou seja, enquanto na história anterior o ser social parecia, em ú ltima aná lise, deter¬
pulacional ainda permanecem em grande parte ineficientes ( e també m auto¬
minar a consci ê ncia social - porque a lógica do processo sobrevinha às intenções
ritários ) - como na í ndia e na China -, ao passo que a indução do crescimento
humanas -, nas sociedades socialistas pode n ão haver tal lógica determinante do
populacional - como na Alemanha Oriental ou na França - tem, até aqui,
processo, e a consciência social pode determinar o ser social.2'
produzido pouco resultado. Outra zona de prá tica humana primordial que
permanece at é mais involuntá ria é, evidentemente, a l í ngua, embora o século
Thompson continua, especulando assim:
XX tenha visto algumas exceções até nessa á rea , tais como o renascimento
do hebraico em Israel. A área de autodeterminação, para usar um termo mais
( ...) os m étodos dc análise histó rica aos quais nos habituamos deixariam de ter a mesma
preciso que “ agência” , esteve em expansão nos ú ltimos ISO anos, mas ainda
validade na investigação da evolução socialista. Por um lado, isso abre a perspectiva
é bem menor que a de sua oponente. Todo o propósito do materialismo his¬
de um duradouro prolongamento da tirania. Enquanto algum grupo dominante - talvez
tórico, afinal de contas, tem sido precisamente fornecer a homens e mulheres fortuitamente estabelecido no poder no momento da revolução - puder se reproduzir
os meios com os quais eles possam exercer uma autodeterminação popular c controlar ou fabricar consciência social, não haverá lógica do processo inerente
verdadeira pela primeira vez na história. Esse é exatamente o objetivo de dentro do sistema que, como ser social, trabalhe com poder suficiente para provocar
a derrubada desse grupo.22

34 35
Mas, ao mesmo tempo, contradas do Egito antigo ao Tibet medieval c que floresceram , sobretudo,
no mundo isl â mico. O pensamento pol í tico moderno no Ocidente deve sua
|. .. ] acima e al ém de qualquer contestação que suija do "ser social” , o grupo dominante origem a esses frágeis guias de dominaçã o: o que mais é a forma d’0 príncipe ,
tem mais a temer da contestação da "consci ê ncia social” racional . É exatamente a de Maquiavel? As limitações dessa literatura secular são aquelas de sua com ¬
racionalidade e um processo moral aberto e avaliatório que “ precisam” ser a lógica preensão histórica: incapaz de capturar, muitas vezes até de vislumbrar, os
do processo socialista, expressa em formas democrá ticas de autogestão e em institui¬ mecanismos sociais subjacentes à estabilidade pol í tica ou à mudança , ela
ções democráticas.23 esteve confinada a má ximas m íopes sobre conduta régia, sentenciosas ou
c í nicas, como urgia a cultura. O tipo de agência conservadora que essa lite¬
O salto de todo esse argumento - hipoteticamente avan çado como é - deve ratura codificou sobrevive até hoje, mas com uma alteração crescentemente
espantar qualquer um familiarizado com a teoria do materialismo hist órico significativa. Com a investida do capitalismo industrial no século XIX, os
ou com a realidade da Uni ão Soviética e de pa íses associados, pois o reino grandes estadistas da rea ção eram caracteristicamente aqueles que se pro¬
da necessidade é fundado, para Marx, na escassez: o salto para a liberdade varam capazes de conduzir grandes transformações do Estado por meio da
evocado n' O capital só se toma poss í vel com o advento da abund â ncia exploração calculada das forças sociais ou económicas para al é m da jurisdi ¬
generalizada, enquanto a camada dominante na Uni ão Soviética, longe de çã o da perspectiva tradicional da pol í tica. Cavour, Bismark e Ito foram os
desfrutar de um dom í nio vital das leis do desenvolvimento histórico nesse exemplares supremos dessa enorme ampliação do modelo de superordenação
pa ís, tem notoriamente esbarrado em uma longa série de crises sociais e pro¬ consciente. Mas a sua lucidez permaneceu operacional em vez de estrutural.
cessos económicos descontrolados imprevistos, de repentinas faltas de grãos Nenhum deles possu ía uma visão geral do desenvolvimento histórico, e o
a desenfreadas epidemias de terror e a assustadoras paralisações de produti ¬ trabalho de cada um resultou em subsequente fiasco, consumado por sucesso¬
vidade - todos eles movimentos cegos de uma sociedade à s escuras para res do século XX - Mussolini, Hitler e os aventureiros de Showa - que erro¬
todos os seus membros. neamente tomaram o legado de seus antecessores como lição sobre a eficácia
Como Thompson pôde chegar a tal construção perversa? A resposta está de um voluntarismo sem limites. O culto da vontade pol í tica sem visão social
em um erro duplo: em primeiro lugar, ele implicitamente identifica agência resultou em quase suicídio de classe para o capital alemão, italiano e japonês
histórica com a expressão da vontade ou da aspiração. De fato, ao longo de na Segunda Guerra Mundial. O registro dessa demência é um lembrete do
A miséria da teoria, os termos com os quais ele concebe a agência tendem a quão distante o monopólio do poder pol ítico está de um dom í nio do processo
ser existenciais em escala - “ escolha” , “ valor” , “ decisão” . O que lhes falta é histórico. O mesmo se mostra verdadeiro, hoje, para a burocracia soviética
alguma devida ênfase complementar nas dimensões cognitivas da agência. ou chinesa, cuja capacidade de compreender suas próprias sociedades é ine ¬
A prá tica soberana dos produtores associados conjecturada por Marx como rentemente limitada pelas necessidades ideológicas de suas próprias usurpa ¬
a realiza ção do comunismo era n ã o apenas fruto da vontade, mas igual e ções e privil égios. De fato, é seguro afirmar que nenhuma formação social
inseparavelmente do conhecimento. Esse componente é central para qualquer aquém da democracia socialista plena tem o potencial de gerar conhecimento
estudo materialista das formas vari á veis de agência social na história. O preciso sobre suas próprias leis do movimento mais profundas.
“ dom í nio” da sociedade no mero sentido de um voluntarismo pol ítico ins¬ Por si mesmas, no entanto, até as aspirações comuns amalgamadas com
trumental n ão é nenhuma novidade: essa tem sido a ambi ção e a atividade a cognição real - em uma democracia de trabalhadores pós-revolucionária -
de prí ncipes desde o despontar da divisão do trabalho. A própria existência não seriam suficientes para cruzar as fronteiras da necessidade. O segundo
do Estado, como um aparato de administração e coerção centralizado, garante erro de Thompson é o de se esquecer das irredut íveis imposições materiais
a presença desse tipo de poder em toda sociedade de classes. Desde os pri ¬ da escassez. A Uni ão Soviética hoje, mesmo que livre do desmando burocrá¬
meiros tempos e nas mais diversas formações sociais, esse poder produziu tico, ainda permaneceria a uma vasta distância da perspectiva evocada por
seus próprios manuais - o Espelho dos reis, compilações de adágios tá ticos Thompson de uma “ primazia da consciência social sobre o ser social ” - um
e prescri ções para o exercício bem-sucedido do dom ínio que podem ser en- futuro formulado pela primeira vez, nesses termos, 60 anos atrás por Lukács,

36 37
durante a Comuna H ú ngara. A pobreza c a escassez ainda assombram a so¬ em vez de a experiê ncia ser um conjunto de respostas mentais e emocionais
ciedade russa , tanto a rural quanto a urbana , em uma economia cuja pro¬ a eventos, ela é ela mesma “ tratada ” para fornecer as respostas ( em especial )
dutividade do trabalho permanece metade daquela da Alemanha Ocidental. de classe e cultura . A noção de uma segunda ordem de subjetividade, por
Uma falha inexplicá vel em registrar esse fato conhecido leva Thompson não assim dizer, é reforçada pelo pleonasmo pouco usual ao qual Thompson re¬
apenas a atribuir à liderança sovi ética uma liberdade de manobra imaginária, corre ao desenvolver sua descrição: “ As pessoas n ão apenas experimentam
mas també m a privar sua emergência de qualquer causalidade histórica ra ¬ suas próprias experi ências como ideais, dentro do pensamento e de seus
cional . Assim , ele pode provisoriamente se perguntar se a liderança soviética procedimentos, ou como instinto proletá rio. Elas também experimentam sua
ou grupos similares não foram , “ quem sabe, fortuitamente estabelecidos no própria experiência como sentimento” .28
poder no momento da revolução” ,24 quando, na verdade - como todo estudo O que oscilações e incertezas de uso significam ? Essencialmente, elas
marxista sério do destino da Revolução Russa mostra -, foi o cruel ambiente são lembranças da ambiguidade do termo “ experi ência” na própria linguagem
interno de escassez penetrante, aliado à emergência externa de um cerco cotidiana.29 Por um lado, a palavra denota uma ocorrê ncia ou um episódio
militar imperialista, que produziu a burocratização do partido e do Estado como vivido pelos participantes, a textura subjetiva de ações objetivas, “ a
na Uni ão Soviética. A análise original de Trotsky desse processo permanece passagem por um evento ou sequ ê ncia de eventos pelos quais se é afetado” .
50

insuperável . O reino da necessidade, longe de ter desaparecido dos pa íses Por outro lado, ela indica um processo subsequente de aprendizado por meio
comunistas, ainda continua tanto reproduzindo burocracia quanto a agui - de tais ocorrências, uma alteração subjetiva capaz de modificar ações objeti ¬
Ihoando. A ú nica admissão conjectural de variação histórica de Thompson a vas posteriores; consequentemente, como coloca o dicionário, “ conhecimento
sua descri ção de agência parece confirmar uma tendê ncia de subestimar suas prático de qualquer maté ria conquistado pela experimentação; observação
circunscri ções objetivas. longa e variada, pessoal ou geral ; sabedoria derivada das mudanças ou expe¬
Podemos explorar mais essa possibilidade voltando à Miséria da teoria rimentações da vida” .51 Esses dois sentidos distintos podem ser aqui chama ¬
e olhando para a categoria central ali empregada como sustentaçã o para o dos de neutros e positivos. O adjetivo "experiente” , evidentemente, refere-se
seu tratamento da noção de agência - o conceito de “ experi ência” . Thompson apenas ao ú ltimo. Agora, se olharmos para o uso que Thompson dá ao termo
nos diz que é “ por meio do termo ausente ‘experiência ’ que a estrutura é em sua critica a Althusser, podemos ver que, na maior parte do tempo, ele
transmutada em processo e o sujeito reaparece na história” .25 Repetidamente está inconscientemente transferindo as virtudes e os poderes do ( mais restrito)
invocada como um verdadeiro destilador da vida social , o que é a experiên ¬ segundo tipo para o ( mais geral ) primeiro tipo de experi ência. A eficácia de
cia? Duas respostas um tanto diferentes são dadas. Thompson inicialmente um é mesclada à universalidade do outro para sugerir uma maneira alterna ¬
escreve que “ ela engloba a reação mental e emocional, seja de um indiv íduo tiva de ler a história como um todo. A categoria genérica resultante inevita¬
ou de um grupo social , a diversos eventos inter- relacionados ou a diversas velmente combina problemas muito diferentes. A ilustração mais espec ífica
repetições do mesmo tipo de evento” .26 Mais adiante, no entanto, ele sugere de Thompson da força do conceito ocorre já no in ício da sua contenda com
outra defini ção: “ A experi ê ncia é um necessá rio termo intermediá rio entre o Althusser. Ele escreve: “ A experi ência é válida e efetiva quando dentro de
ser social e a consciê ncia social” . Assim, se “ a experiência é, em ú ltima ins¬ limites determinados: o agricultor ‘conhece’ suas estações, o marinheiro ‘co¬
tância, gerada na ‘vida material’ , é estruturada em formas de classe e, con ¬ nhece’ seus mares, mas ambos podem permanecer incertos sobre monarquia
sequentemente, o ‘ser social’ determina a ‘consciência social ” ’, ao mesmo e cosmologia” .52 Agora, se seguido em uma direção, esse comentário leva ao
tempo, “ para qualquer geração viva, em qualquer ‘agora’ , a maneira como tipo de conclusão que A miséria da teoria de outro modo negligencia: que
eles ‘lidam ’ com a experiência desafia previsões e escapa de qualquer defini ¬ agência/conhecimento efetivos têm sido hierarquicamente limitados ao longo
ção estreita de determinação” .27 A primeira dessas formulações situa a expe¬ da história humana, seu alcance tipicamente não relacionado em forma al ¬
riência diretamente “ dentro” da consci ência, como uma rea ção subjetiva - guma a relações sociais como tais. Em outras palavras, permite-se ao menos
“ resposta mental e emocional” - a eventos objetivos. A segunda e a terceira a sugestão das assimetrias, das disparidades, entre determinação e autode¬
a intercalam “ entre” o ser e a consciência e introduzem ainda outro conceito: terminação em é pocas passadas. Mas, evidentemente, somente registrar esse

i /t 39
tema nã o é suficiente, pois o problema colocado pelo argumento de Thomp¬ -
daquela da Erfahrung mais moral -existencial que prá tico experimental .
son nâo c apenas aquele do alcance espacial de uma dada experiê ncia, mas Mas o mesmo problema repete-se també m nesse registro. O que assegura
de seu tipo relevante. Agricultura e navegação, no exemplo que ele dá, são que uma experiê ncia de perturbação ou desastre em particular inspirará uma
prá ticas experimentais controladas por resultados observá veis. Elas certa¬ particular ( moral ou cognitivamente apropriada ) conclusão? A fome da dé¬
mente geram conhecimento real, mas não podem ser tomadas, a partir daí, cada de 1840 levou o campesinato irlandês a pensar de novas maneiras sobre
como emblem á ticas da experiência em geral . Se substituirmos, digamos, o o mercado? Poucos pa í ses no Ocidente permaneceram tão imunes à critica
par de Thompson por o “ paroquiano” conhece suas “ orações” , o “ padre” co¬ socialista do mercado, mesmo na mais t í mida forma social -democrata, como
nhece seu “ rebanho” , a que conclusão chegaremos? A experiência religiosa a Repú blica fundada naquela classe. O aprisionamento de uma geração de
é “ vá lida e efetiva dentro de limites determinados” ? Obviamente que não. comunistas do Leste europeu antes da guerra os fez defensores da legalidade
Dificilmente se pode suspeitar que Thompson tenha feito concessões a esse e de uma justi ça humana depois dela? A mais longa provação em uma prisão
respeito. De fato, em outro momento ele vai ao extremo oposto, comprome - foi suportada por um prisioneiro cujo nome, uma lenda internacional de he¬
-
tendo se com a ousada visão não histórica de que “ a maior parte da história roísmo nos anos 1930, tomou-se sinónimo de sadismo nos anos 1950: Matyas
das ideias é uma história de aberrações” - “ para qualquer mente racional ” .33 Rakosi. A experiência como tal é um conceito tous azimuts , que pode apon ¬
N ão precisamos aderir a esse tipo de racionalismo para avaliar que a ex ¬ tar em qualquer direção. Eventos idênticos podem ser vividos por agentes
peri ência religiosa - embora subjetivamente muito intensa e real , embora que tiram deles conclusões diametralmente opostas. Outra das agitações
enormemente eficiente em levar grandes massas de homens e mulheres ao transformadoras citadas por Thompson é a guerra, que fornece algumas das
longo dos séculos tanto a executar funções de rotina como a empreendimentos mais espetaculares ilustrações dessa polivalência. Assim como é provável
excepcionais - não é “ válida” como conhecimento, e nunca foi. que poucas experiê ncias coletivas tenham sido tão intensas quanto a religião
Como, ent ão, distinguir a experiência vá lida da invá lida? Thompson não para a maioria dos produtores em momentos específicos de suas vidas (muito
nos d á indicações em lugar algum . Ainda assim , esse problema é claramente desigualmente ) em é pocas pré- industriais, nos tempos modernos, poucas
central em toda sua hipótese em A miséria da teoria. Os exemplos discutidos experiências populares têm sido tão fortes e tão difundidas entre tantos mi ¬
acima são todos práticas regularmente codificadas. Mas a experiência, evi ¬ lhões quanto o sentimento nacional - materialmente enraizado na localidade,
dentemente, assume muitas outras formas, e Thompson, em outro lugar, faz na lí ngua e nos costumes. O que essa experiência ensinou às massas explo¬
alusão a algumas delas. Algumas páginas adiante, ele escreve: radas da Europa em 1914? Que era certo e natural, mesmo que lamentá vel,
eles lutarem uns contra os outros em uma escala sem precedentes. Teriam os
A experiê ncia entra sem bater na porta e anuncia mortes, crises de subsistência, quatro anos de massacre cruel que se seguiram desfeito essa ilusão, ensi ¬
guerra de trincheiras, desemprego, inflação, genoc ídio. Pessoas passam fome: seus nando-os a refletir de novas maneiras sobre a nação? Em alguns casos - para
sobreviventes pensam de novas maneiras sobre o mercado. Pessoas são aprisionadas: a maior parte da classe trabalhadora e do campesinato russo, para muitos da
na prisão, elas meditam de novas maneiras sobre o direito.34 classe trabalhadora italiana e para uma minoria da alemã -, sim: a Terceira
Internacional se desenvolveu precisamente a partir dessa matriz. Em outros
O sentido de “ experi ê ncia” nessa passagem é claramente o da lição que pro¬ casos, o mesmo não ocorreu: o patriotismo tradicional das massas inglesas
cessos inesperados - vicissitudes ou calamidades - podem ensinar àqueles e francesas foi moderado por certo pacifismo pós-guerra, mas n âo fundamen ¬
que sobrevivem a eles. Thompson claramente assume que as lições ensinadas talmente modificado. Em outros casos ainda, o nacionalismo, pelo contrário,
serão as corretas, como pode ser visto no comentário que segue: “ não se vê passou por uma exacerbação infernal: entre a pequena burguesia alemã e ita¬
na epistemologia de Althusser tal apresentação imperativa de efeitos do co¬ liana, o campesinato austrí aco, o lumpemproletariado h ú ngaro, a derrota
nhecimento” .35 O paradigma presumido aqui é, na verdade, muito mais cen¬ comprimiu as primaveras de vingança em fascismo. A experiência em massa
tral cm todo o trabalho de Thompson que o tipo anterior. A ê nfase da “ expe¬ da morte e da destrui ção n ão trouxe, por si mesma, nenhuma iluminação
riência” de Thompson é, em geral, mais próxima daquela da Erlebnis que

40 41
necessá ria. Uma floresta de interpretações cresceu sobre os campos dc bata ¬ O processo dessa defini ção formativa é estudado cm três movimentos
lha desertos. consecutivos. A primeira parte do livro reconstró i as tradi ções pol í ticas e
Em outras palavras, a tácita primeira versão de experiência a ser encon¬ culturais do radicalismo inglês no século XVIII: dissidência religiosa, agita ¬
trada em A miséria da teoria - um conjunto de respostas mentais e emocio¬ ção popular e convicção constitucional - a ú ltima finalmente culminando na
nais como “ dadas por” um conjunto de eventos vividos ao qual elas corres¬ ruptura de Paine com o constitucionalismo, seguida pelo breve episódio do
pondem ’6 - n ã o pode ser sustentada. No entanto, como vimos, Thompson jacobinismo ingl ês na d écada de 1790. A segunda parte lida com a experiê n ¬
-
també m esboça uma segunda defini ção, que parece abrir se muito melhor a cia social catastrófica da Revolução Industrial, como ela foi vivida por suces¬
divergê ncias e variações de resposta. Aqui , a própria experiência permanece sivos grupos de produtores primários - trabalhadores do campo, artesãos,
um setor objetivo do “ ser social ” , que é, assim, processado ou “ tratado” pelo tecel ões - e discute o padrão de vida, o proselitismo, a disciplina do trabalho
sujeito a fim de gerar uma “ consciê ncia social ” espec ífica. A possibilidade de e instituições comunitá rias dc trabalhadores nesses anos sinistros. A terceira
diferentes maneiras de “ tratar” a mesma experiência é epistemologicamente parte tra ça o crescimento da consciência de classe dos trabalhadores em su ¬
segura . Esse esquema representa, na verdade, a mais recorrente e importante cessivas lutas pol íticas e industriais contra a nova ordem durante e após a
das duas descrições desenvolvidas por Thompson, ainda que haja um grau era napoleônica - as campanhas parlamentares em Londres, a eclosão do
significativo de oscilação entre elas. Para ver isso trabalhado em grande es¬ luddismo no Norte e nas Midlands, o radicalismo nacional conduzido por
cala, devemos nos voltar para A formação da classe operária inglesa. Ao Cobbett e Hunt, o massacre em Peterloo, a expansão do owenismo. Na época
fazê- lo, iremos imediatamente reencontrar o problema da agência histórica da crise de 1832, Thompson conclui: “ a presença da classe trabalhadora era
nos n í veis mais aprofundados do engajamento intelectual de Thompson com o mais significativo fator na vida pol ítica britânica” . Agora, de fato, “ h á
41

esse tema. Essa grande obra abre com a famosa declaração: “ A classe traba ¬ uma sensação de que a classe trabalhadora não está mais em formação, mas
lhadora n ão surgiu como o Sol em um momento determinado. Ela estava já foi formada” .42
presente em sua própria formação” ,37 pois essa formação foi um processo Logo fará 20 anos da publicação de A formação da classe operária in¬
ativo, “ que deve tanto à agência quanto ao condicionamento” .38 O nascente glesa. Ainda assim, há surpreendentemente pouca discussão historiográfica
proletariado inglês não foi mero produto do advento do sistema de fábricas. do livro pela esquerda; seu extraordiná rio poder parece ter inibido o fluxo
Pelo contrário, “ a classe trabalhadora se formou tanto quanto foi formada” .39 habitual de reflexão critica e assimilação normalmente alcançado por traba ¬
A forma fundamental que essa agência assumiu foi a da conversão de uma lhos de tal magnitude. Há duas vias pelas quais uma reavaliação contempo¬
experiência coletiva numa consci ência social que, desse modo, definiu e criou râ nea de A formação da classe operária inglesa poderia seguir. A primeira
a própria classe. é uma revisão empí rica detalhada das evidências que têm, desde então, vindo
à luz sobre os anos iniciais do proletariado ingl ês, a fim de ver o quanto o
A classe acontece quando alguns homens , como resultado de experi ências em panorama apresentado por Thompson necessita de retoques locais ou gerais.
comum ( herdadas ou compartilhadas), sentem e articulam a identidade de seus inte¬ -
N ão há, evidentemente, nem espa ço nem competência para fazê la aqui. A
resses como algo entre eles, e como algo contrário a outros homens cujos interesses segunda é um exame mais próximo da estrutura lógica do argumento nesse
são diferentes dos ( e frequentemente opostos aos ) seus . A experiência de classe é
clássico da história marxista inglesa. Algumas observações sobre isso serão
amplamente determinada pelas relações de produção nas quais os homens nascem - ou
tentadas. Do breve resumo feito acima, veremos que três teses fundamentais
dão sustentação à arquitetura de A formação da classe operária inglesa .
ingressam involuntariamente. A consciência de classe é a maneira pela qual as expe¬
riências são “ tratadas” em termos culturais : incorporadas a tradições, sistemas de
Chamaremos a primeira de a afirmação da codeterminação: isto é, a tese de
valores, ideias e formais institucionais. Se a experiência aparece como determinada,
que a classe trabalhadora inglesa “ se formou tanto quanto foi formada ” , em
a consciência de classe não . . . a classe é definida por homens enquanto vivem sua
uma paridade causal entre “ agência e condicionamento” . A segunda é o
43
própria história e, ao final, essa é sua única defini ção.40
critério da consciência como a pedra de toque de classe: a saber, a alegação
de que “ a classe acontece quando alguns homens, como resultado de expe-

42 43
ri é ncius em comum , sentem e articulam a identidade de seus interesses como mentos, no entanto, est ã o esscncialmente ausentes em A formação da classe
algo entre eles, e como algo contrá rio a outros homens cujos interesses são operária inglesa A segunda parte do livro, onde se poderia esperar encontrá-
.
diferentes dos (e frequentemente opostos aos ) seus” .44 Essa formulação ecoa - los, na realidade se concentra amplamente na experiência imediata dos pro¬
fortemente em A miséria da teoria: “ as classes surgem porque homens e dutores em vez de se concentrar no próprio modo de produção. O advento
mulheres, em relações produtivas determinadas, identificam seus interesses do capitalismo industrial na Inglaterra é um pano de fundo terrí vel para o
antagónicos e passam a lutar, a pensar e a definir valor em termos de classe” .45 livro, em vez de um objeto de aná lise direto em si mesmo. O resultado é uma
As classes existem no e por meio do processo de autoidenti íicação coletiva desconcertante ausência de coordenadas objetivas enquanto a narrativa da
que é a consciência de classe: “ A ciasse é definida pelos homens enquanto formação de classe se desenrola. 47 Causa espanto perceber, ao final de 900
vivem sua própria história, e, ao final , essa é sua ú nica defini ção” .46 A terceira páginas, que não se aprendeu um fato tão elementar quanto a dimensão apro¬
tese poderia ser nomeada as implicações do fechamento: em outras palavras, ximada da classe trabalhadora inglesa, ou sua proporção no interior do total
a declaração de que a identidade da classe trabalhadora inglesa foi, em certo da população, em qualquer data na história de sua “ formação” .
sentido, completada por volta do começo da década de 1830, de forma que Uma lacuna como essa não pode ser ignorada pela mera referência des¬
podemos falar dela como “ não mais em formação” , mas “ formada ” . O tí tulo denhosa às “ infinitas estupidezas da mensuração quantitativa de classes” , até
do trabalho empresta uma força de sugestão decisiva a essa noção. Conside¬ porque o próprio Thompson de fato fornece uma ou duas estimativas numé¬
remos cada um desses temas. ricas de categorias ocupacionais espec íficas.48 De modo mais geral , o que a
O interesse peculiar do primeiro reside no fato de que nos é apresentado omissão simboliza é a ausência, em A formação da classe operária inglesa,
um teste prá tico das declarações teóricas de A miséria da teoria. As “ propor¬ de qualquer tratamento real de todo o processo histórico, por meio do qual
ções” de agência e necessidade são especificadas em um processo histórico grupos heterogéneos de artesãos, pequenos proprietários, trabalhadores agr í¬
em particular - a formação da classe trabalhadora inglesa. Thompson as julga colas, trabalhadores domésticos e pobres ocasionais fossem gradualmente
iguais. A clareza e a seriedade com as quais ele situa o problema estão para reunidos, distribu ídos e reduzidos à condi ção de trabalho subsumido ao ca¬
al ém do louvor: não há precedente na historiografia marxista ou em outra. pital , primeiramente na dependência formal do contrato de trabalho e, por
Ao final de seu estudo, no entanto, se formos fiéis ao problema por ele le ¬ fim, na dependência real da integração aos meios de produção mecanizados.
vantado no in ício, devemos nos colocar algumas perguntas. A primeira é a Os ritmos temporais recortados e as quebras, as distribui ções espaciais desi ¬
seguinte: Teria Thompson demonstrado que a classe trabalhadora inglesa se guais e os deslocamentos da acumulação de capital entre 1790 e 1830 inevita¬
formou tanto quanto foi formada - não em um sentido postiço, cient ífico, velmente marcaram a composi ção e o cará ter do nascente proletariado ingl ês.
mas em termos de um balanço de evidências plausí vel? Poucos dos histo¬ Ainda assim, tudo isso não encontra lugar nessa descrição de sua formação.
riadores profissionais que resenharam A formação da classe operária inglesa Pró ximo ao final do livro, Thompson observa que “ a classe trabalhadora
se detiveram nessa questão, ainda que ela paire sobre o livro todo: sem d ú vida, britâ nica de 1832” foi “ talvez uma formação única” , porque
tem sido geralmente vista por eles como excessivamente “ meta- histórica” .
Mas é ela incapaz de controle empí rico ou arbitramento? Fazer essa pergunta [... ] o crescimento lento, fragmentário da acumulação de capital significou que as
é constatar que A formação da classe operária inglesa não nos oferece, ao preliminares da Revolução Industrial se estendiam centenas de anos para trás. Dos
contrário das aparências, os meios pelos quais poder íamos resolver a questão. tempos dos Tudors em diante, essa cultura artesã foi crescendo e se tomando mais
Afinal, se a afirmação da codeterminação de agência e necessidade tivesse complexa com cada fase de mudança técnica e social . Delaney, Dekker e Nashe;
que ser fundamentada, precisaríamos ter, no m ínimo, uma exploração con ¬ Winstanley e Lilburne ; Bunyan e Defoe - todos ocasionalmente se posicionaram
junta da reuni ão e da transformação objetivas de uma força de trabalho pela em relação a isso. Enriquecidos pelas experiências do século XVII , levando a efeito
Revolução Industrial, e da germinação subjetiva de uma cultura de classe em no século XVIII as tradições intelectuais e libertárias que descrevemos, formando suas
resposta a isso. Por si só, isso poderia fornecer os elementos iniciais - não próprias tradições de mutualidade nas sociedades amistosas e nos clubes de comércio,
conclusivos - para um julgamento de seu peso histórico relativo. Esses ele¬ esses homens não passaram, em uma geração, do campesinato à nova cidade industrial .

44 45
Ele* sofreram a experi ê ncia da Revolução Industrial como ingleses articulados, nas¬ mento da outra".52 Essa divisão, que se estende à Social Democratic Federa ¬
cidos cm liberdade ... Essa foi, talvez, a mais distinta cultura popular que a Inglaterra tion ( SDF) e ao Independem Labour Party ( 1LP ) e alé m, tem sido, certamcntc,
conheceu .49 um traço decisivo do movimento trabalhista ingl ês. Mas ela não está adequa ¬
damente ancorada em A formação da classe operária inglesa - apesar de
I )e modo excepcional, aqui, é formalmente concedida ao padrão objetivo da todas as suas consequências no desenvolvimento da narrativa - porque não
acumula ção do capital uma primazia de determinação original. Mas a escala h á um mapa espacial do capitalismo britâ nico que revele a medida de sua
secular na qual ela é evocada - retrocedendo ao tempo dos Tudors - permite importâ ncia. Com efeito, o frio fato económico de que Londres permaneceu,
ao breve perí odo em estudo aparecer sob o disfarce de um codicilo. O verda¬ ao longo do século XIX, uma capital arrendadora, comercial e burocrática,
deiro centro de gravidade da passagem é a sobrevivência e a continuidade dominada pela corte e pela cidade - mais próxima, em alguns aspectos, a
de tantos valores populares e tradições de resistência dos quais o andamento Viena ou Madri do que a Paris, Berlim ou São Petersburgo seria um grande
lento do desenvolvimento capitalista na Inglaterra não é mais que a condição obstáculo à emergência de um movimento trabalhista politicamente agressivo
propiciadora. Ainda assim , a velocidade e a amplitude da industrialização na Inglaterra. Uma capital sem ind ústria pesada ajudou a separar um prole¬
certamente se tomariam parte da trama da própria textura de qualquer estudo tariado de fá brica de um instinto de poder. Quando o radicalismo dos artí fi ¬
materialista de uma classe trabalhadora. Se elas não são tomadas como “ ex ¬ ces entrou em colapso - com o decl í nio do com ércio especializado no qual
ternas” à formação do proletariado russo ou italiano - como qualquer vislum ¬ era baseado -, as fraquezas inerentes da divisão entre tradições metropolita ¬
bre da história do trabalho de Petrogrado ou Turim basta para nos lembrar nas e provincianas, fundadas em tipos de acumulação tão separados, toma ¬
por que deveriam ser para o proletariado inglês? Thompson corretamente ram -se evidentes.53 A influência crescente do benthamismo no trabalho de
enfatiza que “ a m ã o de obra das fá bricas, bem longe de ser ‘a filha mais ve ¬ Place e de seus associados depois de 1815, descrita por Thompson, prefigurou
lha da Revolu ção Industrial’, era convidada atrasada” 50 na Inglaterra, e que desenvolvimentos bem posteriores. Pode-se dizer que Londres acabou por
trabalhadores externos anteciparam muitas de suas ideias e formas de orga ¬ burocratizar a moderação do Norte em um sistema municipal-nacional , na
nização. Mas isso justifica uma investigação da formação da classe trabalha ¬ era de Morrison.
dora inglesa que omita completamente qualquer descri ção direta desses tra ¬ A compleição peculiar da maior cidade do mundo na época da Revolução
balhadores de fá brica? Algod ão, ferro e carvão formam juntos praticamente Industrial estava, evidentemente, intimamente relacionada não apenas a suas
a soma total da primeira fase da industrialização na Grã - Bretanha : mesmo institui ções da corte e do parlamento, mas també m, e sobretudo, a suas fun ¬
assim, a força de trabalho direta de nenhum deles é tratada em A formação ções imperiais. Contudo, aqui também é dif ícil sentir que Thompson dê o
da classe operária inglesa.5' Na ausência de algum enquadramento objetivo tipo de atenção e o peso às coordenadas objetivas de seu tema que o tí tulo
estabelecendo o padrão geral da acumulação de capital nesses anos, há pou¬ do trabalho nos leva a supor. Possivelmente, isso fique mais óbvio no próprio
cas chances de avaliar a importância relativa de uma á rea da experi ência ní vel pol ítico, no qual h á pouco reconhecimento sustentado das dimensões
subjetiva na classe trabalhadora inglesa em contraste com outra. Proporções internacionais da história da classe trabalhadora inglesa. Na primeira parte
estão ausentes. A seletividade de foco é combinada à amplitude de conclusão de seu estudo, Thompson enfatiza que, apesar da força ideol ógica do com ¬
tipicamente com tal paixão e tal destreza que a primeira pode facilmente ser plexo de crenças sintetizado na noção do “ inglês nascido em liberdade” ,
esquecida pelo leitor. demandas radicais permaneceram aprisionadas nos termos de um consti ¬
Não é apenas uma questão de sopesar os diferentes grupos de produtores tucionalismo imaginário até a década de 1790. A ruptura decisiva, que alterou
dentro do processo em desenvolvimento da Revolu ção Industrial. As inter- os parâ metros da pol í tica radical, veio com a publicaçã o d ‘Qj direitos do
- relaçôes sã o, obviamente, de importâ ncia ainda maior. Thompson devota homem , de Paine, obra que, pela primeira vez, rejeitou a monarquia consti ¬
uma quantidade de páginas bem perceptivas às diferentes culturas populares tucional e atacou a Declaração dos Direitos.* Thompson também menciona
de Londres e do Norte, o que ele chama de dial ética de “ intelecto e entu ¬
siasmo” , comentando que “ cada cultura parece enfraquecida sem o comple¬
* “ The Bill of Rights” , no original. (N. da T.)

46 47
o sentido pouco not á vel do próprio pensamento e da vida de Paine como um tivcl na comunidade, salvo aquela que os trabalhadores, em antagonismo a
agente de alf â ndega na Inglaterra até o in ício da d écada de 1770, e as mudan ¬ seu trabalho e a seus patrões, constru í ram para si mesmos” ." Aqui , no en-
ças repentinas precipitadas por sua imigração para a América. Do mesmo tunto, eloquência não é necessariamente exatid ão. O sentido de comunidade
modo, a circunst â ncia na qual a obra Os direitos do homem foi escrita, em nacional , sistematicamente orquestrado e incutido pelo Estado, pode bem
resposta às Reflexões sobre a Revolução Francesa , de Burke, é, evidente ¬ ler sido uma realidade maior na era napoleô nica do que em qualquer outro
mente, registrada. Mas em nenhum lugar o choque combinado da Revolução per í odo nos séculos anteriores. Ao passar por cima disso, Thompson pode
Americana e da Francesa - da qual o trabalho de Paine é o produto pol í tico urgumentar que, embora a classe dominante houvesse governado em 1792
direto na Inglaterra - encontra, em A formação da classe operária inglesa , por meio do consentimento e da deferência, “ em 1816, o povo ingl ês foi con ¬
espaço proporcional a sua real importâ ncia histórica. O fato é que todo o uni ¬ trolado pela força ” .56 Ainda que o governo de Liverpool fosse odiado por
verso ideológico do Ocidente foi transformado por esses dois grandes levan¬ vá rios setores das massas, esse julgamento deve ser considerado um exagero.
tes. O padrão de seu impacto internacional é o tema de trabalhos como o Um exé rcito de 25 mil - o total de tropas dispon í veis para a repressão do¬
grande estudo de Palmer: A era da revolução democrática . Seu significado - m éstica - mal era suficiente para coagir uma sociedade de 12 milhões.57 O
sobretudo o da Revolução Francesa - é incomparavelmente maior para a poder do ancien regime inglês sc mantinha por uma combinação de cultura
formação pol í tica da classe trabalhadora inglesa que, digamos, atitudes po¬ e coerção, depois das guerras não menos do que antes delas. A principal arma
pulares em relação ao crime. Ainda assim, o segundo tema recebe tratamento de seu arsenal ideol ógico - depois de 20 anos de luta vitoriosa contra a Revo¬
meticuloso, enquanto o primeiro é relegado à obscuridade. Apesar de sua lu ção Francesa e seus regimes sucessores - era o nacionalismo contrarre-
importância central ao longo de duas décadas, o leitor aprende pouco ou nada volucion á rio, cuja importâ ncia estrutural, geral e durá vel, era certamente
sobre as atitudes complicadas e os debates dentro do radicalismo ingl ês a maior que aquela do mais local e limitado fenômeno do metodismo, por mais
respeito dos eventos na Fran ça. Um aparente v ício procedimental os exclui: histéricas que fossem suas manifestações - ao qual Thompson devota um
uma vez que revoluções sociais no exterior nã o podem contar como ativida ¬ dos mais inesquecí veis capítulos de seu livro. A Inglaterra foi , na verdade,
des da própria classe trabalhadora na Inglaterra, elas ficam de fora do relato provavelmente o primeiro pa ís da Europa no qual a nação superou a religião
histórico feito sobre esses anos. como forma dominante de discurso ideol ógico - uma mudança, evidente¬
Suas consequê ncias també m são, em grande medida, omitidas das partes mente, já em curso no século XVIII . Seria dif ícil adivinhar isso a partir da
posteriores do livro, pois, enquanto Thompson invoca em princ í pio a coin ¬ obra A formação da classe operária inglesa, na qual poucos ou nenhum dos
cid ê ncia entre Revolução Industrial e contrarrevolução pol ítica durante as elos ideológicos subordinando os produtores imediatos - não a seus patrões
Guerras Napoleônicas - com sua simultâ nea “ intensificação de duas formas ( metodismo ou utilitarismo estão certamente presentes ), mas a seus governan ¬
intolerá veis de relação: aquelas da exploraçã o econó mica e da repressã o tes - se materializam. Quanto essas omissões afetam os progressos de Thomp¬
pol í tica ” -,54 na prá tica, o impacto de duas décadas de guerra na cultura po¬ son ? Afinal , livro nenhum pode dizer tudo. Em face da profusão de riquezas
pular inglesa é praticamente ignorado. Como o pró prio padrã o de acumula ¬ em A formação da classe operária inglesa , é razoá vel exigir qualquer coisa
ção de capital, a realidade do conflito militar figura apenas como gesto na a mais? Pelos padrões usuais, não. Mas o trabalho também nã o é um dos
narrativa. Um resultado inevitá vel é a minimização da mobilização nacio¬ temas históricos usuais, como vimos. A pertinência das lacunas sugeridas
nalista de toda a populaçã o inglesa pela classe dominante, em sua gigantesca acima - os setores ponta de lança da Revolução Industrial, a configuração
luta com a Fran ça pela supremacia. Ainda assim , nenhum retrato completo comercial-arrendadora de Londres, o impacto da Revolução Francesa e da
da cultura popular inglesa depois de 1815 pode ser alcan çado sem a devida Americana, a galvanizaçã o do chauvinismo do tempo da guerra - reside no
aten ção à profundidade da captura ideológica da “ nação” para fins conser¬ fato de que elas tomam um julgamento do problema apresentado no in ício
vadores na Grã- Bretanha. O resultado é um grave excesso de simplificação do livro inegociá vel. Na ausência de qualquer tratamento direto desses só¬
do legado das guerras. Assim , em uma conclusão memorá vel da segunda lidos moldes da história nascente da classe trabalhadora inglesa, n ão temos
parte do livro, Thompson escreve sobre “ a perda de qualquer coesão percep- como julgar o papel da autodeterminação coletiva em sua formação. A pa-

48 49
ridadc entre agê ncia c condicionamento afirmada no inicio permanece um çõcs produtivas determinadas, identificam seus interesses antagónicos e pas¬
postulado que nunca é realmente testado por meio do leque de evid ê ncias sam a lutar, a pensar e a definir valor em termos de classe".'’" Consciência de
relevante para ambos os lados do processo. Apesar de todo o seu poder, as classe, aqui , toma-se a pró pria ins í gnia de formação de classe. Empirica ¬
descrições de alienação e pauperiza çã o em massa gravadas na segunda parte .
mente quão plaus í vel é essa defini ção? A resposta é, certamente, que é impos¬
do livro n ão são, em sentido algum , equivalentes a uma investigação das s í vel reconcili á la com o simples registro da evidência histórica. Frequen -
-
determina ções objetivas na formação da classe trabalhadora inglesa. N ão são temente há classes cujos membros n ã o “ identificam seus interesses anta ¬
as transformações estruturais - económicas, pol í ticas e demográficas evo¬ gónicos” em qualquer processo de esclarecimento ou luta em comum . De
cadas por Thompson no principio dessa parte do livro, que são os objetos de fato, é prová vel que, para a maior parte do tempo histórico, essa tenha sido
sua investigação, mas, em vez disso, suas consequ ê ncias na experiência sub¬ a regra, em vez da exceção. Afinal de contas, no sentido moderno, o pró prio
jetiva daqueles que passaram por esses “ anos terrí veis” . O resultado é redu ¬ termo “ classe” é uma inven ção do século XIX. Acaso os escravos atenienses
zir a multiplicidade complexa de determinações objetivas-subjetivas, cuja na Grécia antiga ou os habitantes de vilarejos que viviam sob o sistema de
totalização de fato gerou a classe trabalhadora inglesa, a uma dial ética sim ¬ castas na í ndia medieval ou os trabalhadores do per í odo Meiji no Japão mo¬
ples entre sofrimento e resistência, cujo movimento inteiro é interno à sub¬ derno “ passaram a lutar, a pensar em termos de classe” ? Todas as evidê ncias
jetividade da classe. Essa é a força do celebrado final do livro. apontam para o contrário. Ainda assim , a partir de então, eles cessaram de
compor classes? O erro de Thompson é fazer uma generalização abusiva com
Tais homens se encontraram com o utilitarismo em suas vidas cotidianas e procu¬ base na experi ência inglesa que ele mesmo estudou: a notá vel consciência
-
raram recusá lo, não cegamente, mas com inteligê ncia e paixão moral... Esses anos dc classe da primeira classe trabalhadora industrial na hist ória do mundo é
parecem, às vezes, expor não uma mudança revolucionária, mas um movimento de projetada universalmente às classes como tais. O resultado é uma defini ção
resistê ncia, no qual os Rom â nticos e os Artesãos Radicais se opuseram à proclamação de classe que é extremamente voluntarista e subjetivista - mais próxima de
do Homem Aquisitivo 58. um parti pris ético- retórico que de uma conclusão a partir de investigação
empírica. Em sua obra fundamental - A teoria da história de Karl Marx -,
Inscrita nas sentenças comoventes de sua conclusão, a afirmação da paridade Cohen corretamente criticou a l ógica da descri ção de classe de Thompson ,
entre agência e necessidade repete-se, mas, na forma da obra, n ão está sujeita defendendo a tese marxista tradicional de que
a julgamento.
Podemos, agora , olhar para o segundo maior tema de A formação da [...] a classe de uma pessoa é estabelecida por nada além de seu lugar objetivo na
classe operária inglesa , o de que cadeia de relações de propriedade... Consci ência, cultura e pol í tica n ã o contam
na definição de sua posição de classe. Dc fato, essas exclusões são necessárias para
[...] a classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências em proteger o caráter substancial da tese marxiana de que a posição de classe condiciona
comum ( herdadas ou compartilhadas), sentem e articulam a identidade de seus inte¬ fortemente consciência, cultura e pol ítica.61
resses como algo entre eles, e como algo contrá rio a outros homens cujos interesses
são diferentes dos (e frequentemente opostos aos ) seus.5
’ A descrição de Cohen da posi ção estrutural do proletá rio em uma economia
capitalista, e da gama de relações de produ ção possí veis que geram as clas¬
Isso é o que chamamos de crité rio da consciência, porque o efeito da defini ¬ ses, é de uma clareza e uma sutileza exemplares. O conceito de classe como
ção de Thompson é fazer a existência de uma classe depender da presen ça uma relação objetiva com os meios de produ ção, independente de vontade
de uma expressão (sensação/articulação ) coletiva de interesses em comum, ou de atitude, não parece carecer de novas reafirmações.
em oposi çã o àqueles de uma classe (ou classes ) antagonista(s). Em A misé ria A fragilidade da defini ção de classe de Thompson na obra A formação da
da teoria, como vimos, Thompson reafirma essa posição ainda mais n ítida e classe operária inglesa , se tomada literalmente, pode ser vista a partir do
inequivocamente: “ As classes surgem porque homens e mulheres, em rela- desenvolvimento posterior de sua própria escrita. À medida que o campo de

50 51
sua pesquisa histórica se moveu para trás em direção à Inglaterra do século Essa abrangente redefini ção resolve as dificuldades da visão de Thompson
XVIII - um período no qual a consci ê ncia de classe entre os produtores pri ¬ sobre as classes? À primeira vista, ela aparenta ser um enorme passo al é m
m á rios é, obviamente, bem menos visível suas posições sofreram uma das formulações de A formação da classe operária inglesa. Mais de perto, no
alteraçã o interessante. Em um brilhante ensaio recente sobre a “ Sociedade entanto, a mesma inspira ção teórica pode ser vista aqui e, com ela, alguns
inglesa do século XVIII” , Thompson desenvolve uma série de novas propo¬ dos mesmos problemas l ógicos e empíricos reaparecem. Entretanto, o que
sições. Agora, ele concede que Thompson faz, de fato, é manter a equa ção “ classe = consciência de classe” ,
mus para postular por trás disso - ao mesmo tempo conceituai e historica ¬
|... ] a classe, como ela resultou nas sociedades capitalistas industriais do século XIX mente - um estágio anterior da luta de classes, quando os grupos se confronta ¬
e como ela assim deixou sua marca na categoria heur í stica de classe, n ão tem , na vam sem alcan çar aquela autoconsciência que define a classe em si. Mas por
realidade, nenhuma reivindicação de universalidade. Classe, nesse sentido, não é nada
alé m de um caso especial das formações históricas que surgem da luta de classes.62
.
que enfim, usar o termo classe, nesse caso, para tal luta? A resposta parece
er essencialmente pragmática ; não surgiu nenhuma palavra melhor até o
momento. Um historiador liberal sem dúvida responderia a isso dizendo que
Pois, no século XIX,
0 “ conflito social ” é, desse modo, prefer í vel, justamente porque é inques¬
tioná vel . N ão é fácil saber que resposta Thompson poderia dar, pois todo o
[ ..] classe, em sua acepçào moderna, tomou se dispon í vel ao sistema cognitivo das
- impulso de seu argumento ainda está em desatar a classe de sua ancoragem
pessoas vivendo naquele per íodo... Por isso, o conceito não apenas nos possibilita
objetiva nas relações de produção determinantes, e identificá-la com a cons¬
organizar e analisar as evidências; ele também é, em um novo sentido, presente na
evidência mesma. Podemos observar, na Grã Bretanha industrial ou na França ou na
ciência subjetiva ou a cultura. Uma vez isso feito, a ausência de uma “ cultura”
- de classe automaticamente coloca em xeque a própria existência da classe
Alemanha, instituições de classe, partidos de classe, culturas de classe.63
em si - como na Inglaterra do século XVIII. Em uma lógica perversa, é então
Antes do século XIX, no entanto, os historiadores eram ainda obrigados a possí vel sugerir que houve “ luta de classes sem classes” - no t ítulo do en ¬
usar o conceito de classe, não por sua perfeição como noção, mas porque saio -, afirmação para a qual existem duas respostas objetivas. Em primeiro
“ nenhuma categoria alternativa está dispon í vel para se analisar um processo lugar, a classe dominante - a “ aristocracia e a pequena nobreza” , como ele
histórico manifesto e universal ” - a saber, “ a luta de classes” .64 Esses argu ¬ corretamente a designa aqui - era certamente dotada do necessário senso de
mentos levam à concisa conclusão de que “ a luta de classes é o principal, identidade e combatividade para constituir uma classe, mesmo nos próprios
assim como o mais universal, conceito” , pois critérios de Thompson, o que nos deixaria com a curiosidade de uma “ luta
dc classes sem classes” - um koan* de uma só mão aplaudindo. Em segundo
[...] as pessoas se encontram em uma sociedade estruturada de maneiras determinadas lugar, a ausência da consciê ncia de classe, no sentido do século XIX, de forma
( crucialmente, mas não exclusivamente, em relações de produção), elas experienciam alguma significa que a plebe do século XVIII era, portanto, um fenômeno
a exploração (ou a necessidade de manter o poder sobre aqueles que exploram ), elas aclassista. Ela não era, evidentemente, um bloco social homogéneo, mas uma
identificam pontos de interesse antagónicos, começam a lutar em tomo dessas questões coalizão mutá vel composta de diferentes categorias de assalariados urbanos
e, no processo de luta, descobrem a si mesmas como classes, percebendo essa desco¬ e rurais, pequenos produtores, pequenos negociantes e desempregados, cujas
berta como consciência de classe. Classe e consciência de classe são sempre o ú ltimo fronteiras variavam de acordo com as sucessivas conjunturas que a cristali ¬
estágio, não o primeiro, no processo histórico real.65 zavam - bem próximo ao que Thompson tão habilmente descreve. Cada uma
dessas categorias, entretanto, pode ser racionalmente ordenada em uma aná-
Por isso o paradoxo de que, em toda a Inglaterra do século XVIII , repousa
um “ campo de força societal ” de luta de classes entre “ a multid ão em um
* Anedota paradoxal ou charada sem solução, usada no zen-budismo para demonstrar a inade¬
polo, a aristocracia e a pequena nobreza no outro” ,66 todavia, sem que a ú ltima quação do raciocínio lógico ou para provocar a iluminação ( Oxford Dictionary of English
constitua verdadeiramente uma classe. .
- versão eletrónica ). (N. da T )

S3
lisc materialista dc classe por suas respectivas posi ções estruturais no interior cesso foi revertido” .7" A partir da í , os reformistas da classe m édia obtiveram
de diversos modos de produ ção da sociedade hanoveriana. Desagregar as sucesso em utilizar as agitações populares para forçar uma emancipação em
rixas pol í ticas ou sociais daquele tempo em suas unidades componentes de rela ção à s classes propriet á rias, que foi cuidadosamente demarcada para ex ¬
classe não é, em outras palavras, praticar uma violência à sua inteligibilidade, cluir as massas que a haviam tomado possí vel. Nesses anos, também, “ algo
-
mas é ajudar a elucid á las. Nenhuma necessidade economicista impl ícita em foi perdido” no fracasso da tradi ção de radicalismo da classe trabalhadora
tal procedimento, o que n ã o toma o estudo do processo de congregação que em alcançar uma conexão com a cr ítica rom ântica do utilitarismo, que era
-
formou as aglomerações do século XVIII ( radical dissidente ou monarquista - sua contemporânea. Ainda assim , é a conquista coletiva desse momento que
- clerical , espontânea ou manipulada, conforme o caso ) desnecessá rio, mas é definitivamente digna de nota. “ Os trabalhadores não deveriam ser vistos
até mais preciso e certeiro. A sentença de Thompson de que “ nós sabemos apenas como as mirí ades perdidas da eternidade. Eles também nutriram, por
sobre as classes porque as pessoas se comportam repetidamente em termos 30 anos, e com firmeza incompará vel, a Á rvore da Liberdade. Nós devemos
- lhes agradecer por esses anos de cultura heroica.”
71
de classe” 67 não admite sua presença onde o comportamento parece tão coa
lescente e contraditório que se tome “ como que sem classe” . Seja a ênfase A grandeza dessas páginas de conclusão é unanimemente reconhecida.
posta no comportamento ou na consciência6* - luta ou valoraçâo -, tais de¬ Dc certa forma, é seu próprio poder que nos impõe seu maior problema, pois,
finições de classe permanecem fatalmente circulares. É melhor dizer, com como Tom Nairn escreveu 15 anos atrás, no que permanece até hoje a mais
Marx, que as classes sociais podem não se tomar conscientes de si mesmas, importante reflexão sobre o livro, um dos fatos mais centrais sobre a classe
podem falhar em agir ou em se comportar em comunhão, mas ainda perma ¬ trabalhadora inglesa é que “ seu desenvolvimento como classe é dividido em
necem - material e historicamente - classes. duas grandes fases, e parece, à primeira vista, não haver muita conexão entre
A terceira afirmação central contida em A formação da classe operária elas” ; afinal, “ a história inicial da classe trabalhadora inglesa é uma história
inglesa nos traz de volta ao século XIX. O tí tulo do livro promete traçar um de revolta, perpassando mais de meio século, do período da Revolução Fran ¬
processo com um fim definido: a classe trabalhadora inglesa - inexistente, cesa ao cl í max do cartismo na década de 1840” .72 Porém ,
como tal , na década de 1790 - é formada em meados da década de 1830,
quando sua presença é o fator mais significativo na pol ítica nacional, sentida [...] no que essa revolta resultou? A grande classe trabalhadora inglesa - essa força
em “ cada condado da Inglaterra, e na maioria das esferas da vida” .69 O termo social titânica que parecia ter sido liberada pelo rápido desenvolvimento do capitalismo
formação possui , aqui, uma força inequ í voca: ele sugere que o cará ter da inglês na primeira metade do século - não emergiu, afinal, para dominar e reconstruir
classe trabalhadora inglesa foi, em seus traços mais essenciais, formado pelo a sociedade inglesa. Ela não podia quebrar o molde e modelar outro. Em vez disso,
tempo da Lei da Reforma. Quais são os argumentos que Thompson apresenta depois da década de 1840 ela rapidamente se tomou uma classe aparentemente dócil .
para essa periodização? O primeiro e mais saliente é o de que o proletariado Abraçou um tipo de reformismo moderado após outro, e tem permanecido casada às
mais estreitas e cinzentas ideologias burguesas em seus principais movimentos.
73
ingl ês havia alcan çado uma nova consciência de sua própria unidade pela
década de 1830. Uma identidade de interesses era sentida por trabalhadores
nas mais diversas ocupa ções, onde antes divisões tradicionais de com ércio Descontado o indubitá vel elemento de exagero na ú ltima sentença, que en ¬
ou região haviam prevalecido. Primeiramente expressa no crescente “ ethos fatiza excessivamente o grau da dominação fabiana posterior, a verdade ge ¬
da mutualidade” das sociedades amistosas locais, essa identidade emergiu ral de sua descrição é difícil de negar. Victor Kieman recentemente pronun ¬
-
em escala nacional com o Sindicalismo Geral de 1830 1834. Politicamente, ciou o mesmo veredito:
-
o curso de toda a crise parlamentar de 1831 1832 revelou a marca de sua ini ¬
[...] com o cartismo praticamente chegando ao fim por volta de 1850, o fracasso da
ciativa e independência. Dessa forma, foi uma peculiaridade do desenvolvi ¬
mento ingl ês que “ onde se esperaria encontrar um crescente movimento de -
nova classe trabalhadora em ingressar e remodelar a vida nacional deixou a presa
reforma da classe média, com uma rabeira de classe trabalhadora - apenas ao “ trabalhismo” , à autoabsorção e à apatia pol í tica, da qual ela nunca se recuperou
mais tarde sucedida por uma agitação dessa classe -, na realidade, esse pro¬ realmente.74

54 55
A quest ã o que isso imedialamente coloca é: como a classe trabulhadora in ¬ importa quão duro os sindicalistas lutassem contra seus patrões, o capital industrial
glesa pôde ser “ formada ” na década de 1830 se mais tarde ela passou por essa vi « aceito como o fruto do espirito empreendedor e fora do alcance da intromiss
ão
“ transformação impressionante” - cujos contornos principais já duram quase .
pol í tica . At é a década de 1880, foi de modo geral , dentro desse quadro que o radica ¬

lismo da classe trabalhadora permaneceu paralisado.


77
um século? A resposta é, certamente, que as conotações do termo estão equi ¬
vocadas. Em primeiro lugar, a classe trabalhadora inglesa não foi “ formada ”
pela d écada de 1830, no sentido sociol ógico simples de que ela estava ainda Esse julgamento precisa ser visto com alguma nuan ça, uma vez que, por
longe de ser predominantemente uma força de trabalho operando meios de volta da década de 1860, a herança positiva do painismo estava grandemente
oin suspensão. Assim , A formação da classe operária inglesa també m enfa
¬
produção genuinamente industriais, seja em fábricas ou em outros complexos
t écnicos. A “ Maquinofatura” foi , de fato, muito mais lenta na sua difusão - tiza corretamente seu anticonstitucionalismo, republicanismo e intemacio-
mesmo na economia vitoriana - do que se tem tradicionalmente pensado.75 nulismo, junto com a virtude jacobina associada da egalit é , e observa que
Seu advento gradual, no entanto, indicou uma radical recomposição de longo tradições trabalhistas posteriores na Inglaterra tipicamente careciam preci-
mimcnte dessas qualidades. A principal tradição do trabalhismo do final do
78
prazo da classe, alterando profundamente suas estruturas em todos os n í veis,
enquanto a figura do trabalhador coletivo em um processo de trabalho in ¬ século XIX e do século XX tomou seu molde das ideias anticapitalistas à
tegrado foi generalizada. O prolongado hiato no desenvolvimento do mo¬ frente daquelas de Paine, mas ainda assim permaneceram “ paralisadas” em
vimento trabalhista entre as décadas de 1840 e 1880 pode ser parcialmente um quadro parlamentarista em regressão atrás dele. A classe que Thompson
explicado pela duração e pela hesitação da transi çã o das oficinas para as descreve era revolucionária em temperamento e ideologia, mas não era so¬
fá bricas como tipos modelares de organização industrial na Inglaterra. Em cialista. Depois da metamorfose do meio do século, à medida que partes dela
todos os eventos, é a descontinuidade , n ã o a continuidade , que dá o tom sc tomavam socialistas, ela cessava de ser revolucionária. Nesse ponto re¬
dominante da história da classe trabalhadora no século XIX. A evolu ção pousa toda a tragédia da história trabalhista inglesa até hoje, como Tom Nairn
sociol ógica do trabalhador artesanal para o proletariado - uma transformação estava perfeitamente correto em assim chamá la. -
objetiva induzida pelo processo de acumulação do capital - foi acompanhada Assim, se pegarmos o que são, provavelmente, as duas mais fundamentais
por uma desarticulação de tradições pol íticas, ideológicas e culturais tão dimensões de qualquer classe trabalhadora - sua composição objetiva como
profunda que os novos padrões emergentes na década de 1880 foram cunha ¬ uma força social e sua perspectiva subjetiva como uma força política -, se¬
dos por Gareth Stedman Jones, em um extraordiná rio ensaio, uma efetiva remos obrigados a concluir que o proletariado inglês n ão foi, de forma al ¬
-
“ re formação” da classe trabalhadora inglesa.76 A mudança mais importante guma, essencialmente formado em 1832: ou, se foi, sua primeira “ encarnação”
foi , evidentemente, no próprio n í vel pol í tico. As principais influê ncias e seria estranha e sistematicamente invertida por sua segunda. Thompson, evi ¬
porta-vozes ideológicos no mundo da classe trabalhadora inglesa inicial eram, dentemente, não desconhece o problema. Ele nã o é tratado no pró prio A
eles mesmos, de fora dela. Paine, Cobbett e Owen - agente de alf â ndega , formação da classe operária inglesa , mas Thompson falou depois do traba ¬
jornalista e dono de fábrica - eram todos de origem proprietária. A classe lho de unificação de classe que produziu o cartismo, em certo sentido a cul ¬
trabalhadora inglesa desse período não produziu nenhum Weitling ou Prou ¬ minação do período de “ formação” , como tendo sido desfeito em uma fase
dhon. Desses três, somente Owen, com seu socialismo cooperativo, antecipou posterior.79 Mas, se a mesma classe poderia ser formada pelos anos 1830,
a perspectiva característica do proletariado moderno, mas o impacto de suas des -formada depois dos anos 1840 e re-formada durante os 1880, quão satis¬
ideias foi o mais transitório. Como Thompson observa: fatório, no final das contas, é todo o vocabul á rio da formação em si ? Em um
contexto diferente, o pró prio Thompson indiretamente detectou algumas
A principal tradição do radicalismo da classe trabalhadora do século XIX tomou dessas dificuldades. Escrevendo o ensaio “ As peculiaridades dos ingleses” ,*
seu molde de Paine. Houve momentos, nos clímax owenista e cartista, quando outras
tradições se tomaram dominantes. Mas, após cada reincidência, o substrato das supo¬ * “ The Peculiarities of the English” , no original. Em português, integra a obra As peculia¬
sições painistas permaneceu intacto. A aristocracia era o alvo principal... mas, não ridades dos ingleses e outros artigos. Org- Antonio Luigi Negro e Sergio Silva. Trad. An ¬
tonio L. Negro et al. Campinas, Editora da Unicamp, 2* reimpr. 2015. (N. da T.)

56 57
ele se preocupa n 9o lanto em vindicar a agê ncia insurgenle da classe traba ¬ porque pressões reformistas, mais limitadas, vindas de bases organizacionais está veis,
lhadora inicial, mas cm rejeitar o que julgou ser o tratamento raso e desde¬ trazem regressos evidentes. '
8

nhoso dado por Tom Nairn e por mim mesmo - ao reformismo moderado
da classe trabalhadora posterior. Ao fazê-lo, ele desenvolveu dois argumen ¬ Agora o que certamente é surpreendente a respeito desse argumento é que
tos que são de grande interesse pela luz que jogam na própria A formação da ele vai lotalmente na contram ão de A formação da classe operária inglesa .
classe operária inglesa . Primeiramente, ele argumenta que, no nosso relato As ê nfases sã o repentinamente invertidas aqui. Menos uma celebração da
da história inglesa, “ a classe está o tempo todo vestida em imagens antropo¬ agê ncia que uma longa discussão sobre a necessidade; em vez de uma proje¬
m órficas. As classes possuem atributos de identidade pessoal, com vontade, çã o dc identidade, uma ênfase na mutabilidade das classes; não mais um
objetivos conscientes e qualidades morais” .110 Concedendo que isso era, “ em processo nacional , mas um padrão internacional. Os pontos polê micos em ¬
parte, um problema de metáfora ” , ele prossegue: “ Mas n ão se pode esquecer purram em uma direção nã o usual , uma vez que, se é equivocado atribuir
que isso continua a ser uma descri ção metafórica de um processo mais com ¬ "vontade e identidade” às classes, como podemos falar da classe trabalhadora
plexo, que acontece sem vontade ou identidade” .81 Para ilustrar essa crítica, " formando a si mesma” - um verbo que parece combinar os dois erros em

Thompson, em seguida, seleciona precisamente o divisor de águas que esti ¬ uma ú nica frase? Onde A formação da classe operária inglesa afirmava que
vemos discutindo - o que denominamos “ a cesura profunda na história da essa formação “ devia tanto à agência quanto ao condicionamento” , “ As pecu ¬
classe trabalhadora inglesa ” da década de 1850 até a d écada de 1870. Repro¬ liaridades dos ingleses” adverte seus leitores:
vando essa denominação, ele argumenta que o per íodo entre o cartismo e o
Novo Sindicalismo foi, de fato, caracterizado por novas divisões sociol ógi ¬ Olhemos para a história como história - homens colocados em contextos reais, os
cas na classe trabalhadora, um ajuste psicol ógico ao sistema de fá bricas, e a quais eles não escolheram , e confrontados por forças incontomáveis, com uma esma¬
construção das instituições t ípicas do movimento trabalhista - sindicatos, gadora imediação de relações e deveres e com apenas oportunidades escassas de
84
conselhos, cooperativas. inserir sua própria agência.

Os trabalhadores, tendo fracassado em derrotar a sociedade capitalista, passaram A codeterminação encolheu-se até uma afirmação muito mais modesta aqui.
a se imiscuir nela de ponta a ponta... Era parte da lógica dessa nova orientação que Os contextos polê micos diferentes, evidentemente, explicam muito do con ¬
cada avanço dentro do quadro do capitalismo simultaneamente envolvesse a classe traste. Em A formação da classe operária inglesa, Thompson procurou sus¬
trabalhadora ainda mais profundamente no status quo . À medida que eles aperfeiçoa ¬ tentar a atividade criativa e a autonomia do radicalismo ingl ês contra histo¬
vam seu posicionamento pela organização dentro do local de trabalho, eles se tomavam riadores económicos ou sociólogos inclinados a reduzir a classe trabalhadora
mais relutantes em se engajar em insurreições quixotescas que pudessem ameaçar inicial a um objeto passivo da industrialização. Em “ As peculiaridades dos
ganhos acumulados a tal preço.82 ingleses” , ele está preocupado em defender o histórico do trabalhismo de
esquerda apelando a uma maior compreensão do peso incontrolá vel das cir¬
A partir dessa descrição, Thompson tira a seguinte conclusão: cunstâ ncias que comprimem sua capacidade de ação. A intenção pol ítica é
honrosa em ambos os casos. Mas enquanto essa tolerância é concedida, as
Essa é a direção que foi tomada e, por trás de todas as diferenças de expressão discrepâ ncias teóricas permanecem insuperá veis. O papel da agência na his¬
ideológica, muito do mesmo tipo de imbricação no status quo será encontrado em t ória não pode ser adaptado ad hoc para se adequar a objetivos ret óricos
todas as nações capitalistas avançadas. Não precisamos necessariamente concordar
particulares. Não há razão para pensar que a linha de Lansbury a Benn con¬
com Wright Mills que isso indica que a classe trabalhadora pode ser uma classe revo¬
frontou forças que eram mais incontomá veis que aquelas que pairavam sobre
lucionária apenas em seus anos de formação; mas devemos, acredito, reconhecer que,
os jacobinos ou os luditas. O contrá rio seria mais plausível.
uma vez ultrapassado certo momento cr ítico, a oportunidade para certo tipo de movi¬
Contudo, a variação dos desdobramentos nos dois textos vai mais longe,
mento revolucioná rio irrevogavelmente passa - não tanto devido à “ exaustão” , mas
uma vez que, em “ As peculiaridades dos ingleses” , Thompson efetivamente

58 59
esboça uma teoria geral da evolução da classe trabalhadora , vá lida para todos I vu>, outra vez, pode ser visto como o produto de um poder que, tomado como em seu
os paises industrializados. Um “ certo tipo de movimento revolucioná rio” é uonjunlo, trabalha inconseientemente c sem a vontade, pois o que cada indiv íduo
dcacja é obstruido por todos os outros, e o que emerge c algo que ninguém desejou.*
6
caracteristico dos anos iniciais da classe trabalhadora; mas quando um “ mo¬
mento crítico” passa, ele desaparece, e uma fase mais “ limitada, reformista”
se estabelece. Esse esquema guarda alguma semelhança com uma visão gene¬ Thompson admite parte da força da crítica de Althusser a essa construção.
ralizada na sociologia convencional de que a classe trabalhadora é rebelde Em particular,
na sua juventude porque ainda não aceitou o advento irreversível do indus-
.
-
trialismo; com relutâ ncia, adapta se à realidade da ordem capitalista na meia - , P.ngels não oferece uma solução para o problema, maso recoloca em novos termos
|. |
, deci
-idade; e se reconcilia com essa ordem por meio de novos n íveis de consumo Ele começa com a proposiçã o de que pressuposições econ ó micas são “ ao final ¬

quando alcança a aposentaria - antes de morrer de vez em uma sociedade sivas", e aqui é que ele conclui. No caminho, ele acumula uma infinidade de “ vonta¬
pós-industrial . A grande diferença, evidentemente, é que Thompson - embora -
des individuais” cujas agências, no resultado, cancelam se reciprocamente.
87

disposto a aceitar a possibilidade de uma “ ruptura com as antigas institui ções


de classe e sistemas de valores” e “ amplas mudanças na composição socio¬ Contudo, Thompson diverge fortemente de Althusser em sua avaliação geral
l ógica dos grupos que formam a classe histórica” *5 - agarra-se firmemente à do trecho, considerando que “ Engels propôs um problema bem crí tico (agê n ¬
esperança de uma transição para o socialismo, se necessária após tal trans¬ cia e processo) e que, apesar das deficiências, a tendência geral de sua me¬
mutação. Não há nada de desmerecedor a respeito dessas hipóteses. Mas o dita ção é útil” .** Ele argumenta que, com uma emenda, a fórmula de Engels
que salta aos olhos é que esse tipo de perspectiva é relativamente incon ¬ pode, de fato, ser preservada. Tudo fica bem se substituirmos vontades indi ¬
gruente com aquela de A formação da classe operária inglesa, visto que, se viduais por vontades de classe. Assim,
tal sequência universal é determinada, o que permanece da reivindica ção por
invenção espec í fica no caso da Inglaterra? A agência coletiva deve, inevita ¬ |. . ] a “ resultante” hist ó rica não pode ser proveitosamente concebida como o produto
velmente, parecer que se encolhe em escopo, uma vez que “ quase o mesmo" involuntário da soma de uma infinidade de vontades individuais mutuamente contra¬
tipo de consequência , no final das contas, resulta de seu exerc ício em “ todos ditórias, [pois] essas “ vontades individuais” , não importa o quão “ particulares” sejam
os pa í ses capitalistas avançados". Somos levados a pensar: a classe traba ¬ suas “ condições de vida” , são condicionadas em termos de classe; e se a resultante
lhadora inglesa poderia não ter formado a si mesma? A reductio ad absurdum histórica é assim vista como a consequê ncia de uma colisão de interesses de classe e
envolvida em tal questão traz uma severa nuvem final sobre a reivindicação forças contraditó rios, então podemos ver como a agência humana faz surgir um re¬
da codeterminação. O papel da agê ncia na história, justamente por ser tão sultado involuntário - “ o movimento económico finalmente afirma a si mesmo como
infatigavelmente perseguido em A formação da classe operária inglesa, per¬ necessário” - e como podemos dizer, a um só tempo, que “ nós fazemos a nossa própria
história” e que “ a história faz a si mesma” .
89
manece ainda mais inequivocamente indefin í vel ao final do livro.
O mais substancial trabalho de história de Thompson se ocupa da forma ¬
ção das classes em si mesmas. Podemos traçar a recorrência do mesmo mo¬ Essa emenda resolve a aporia da solu ção de Engels? Thompson, obvia-
vimento intelectual, e de seus limites, quando ele se volta para o problema mente, está certo em enfatizar que “ vontades individuais não são á tomos
da formação da história pelas classes em A miséria da teoria. Lá ele cita o desestruturados em colisão, mas agem umas com , sobre e contra as outras
famoso paradigma do processo histórico de Engels: como vontades agrupadas" . Mas se esquece de que ele mesmo redefine classe
de uma forma tal que, na verdade, a faz dependente de uma soma de vontades
A história se faz de tal forma que seu resultado final sempre surge dos conflitos individuais, uma vez que “ as classes surgem porque homens e mulheres, em
entre vontades individuais, cada qual, novamente, feita o que é por uma imensidão de rela ções produtivas determinadas, identificam seus interesses antagónicos e
condições particulares de vida. Dessa forma, existem in ú meras forças que se cruzam , passam a lutar, a pensar e a definir valor em termos de classe: desse modo,
um paralelogramo de forças infinito que origina uma resultante o evento histórico. o processo de formação de classe é um processo que gera a si mesmo, ainda

60 61
que sob condi ções que são ‘dadas’".''0 Em outras palavras, a mesma regressão •Inerte, cm todas as suas mir íades de figuras. Seu objetivo era explorar como
cm direção ao infinito ocorre tanto na constru ção de Thompson quanto na nx "diferentes prá ticas que podem ser encontradas e localizadas em um dado
de Engels: a ú nica diferen ça é que, enquanto para Engels os blocos de cons¬ momento da temporaliza ção hist órica finalmente aparecem como parcial -
trução imediatos da história são os homens e as mulheres individuais, para mente totalizantes e como conectadas e fundidas em suas próprias oposições
c diversidades por uma totalizaçâo inteligivel, da qual não há escapatória” .
93
Thompson , eles são as classes, que são elas mesmas constru ídas, por sua vez,
por homens e mulheres individuais. A convergência dos resultados finais Com isso, ele esperava estabelecer a natureza da história como uma “ totali-
pode ser percebida na sentença de Thompson alhures: “ a agência reside n ão Mçã o sem um totalizador” e de suas “ forças motrizes e sua direção não cir¬
nas classes, mas nos homens” .91 A dificuldade teórica central permanece in - cular” .94 Diferentemente de Parsons, Sartre, como um marxista, naturalmente

tacta nos dois casos. Ela concerne nã o ao tipo apropriado coletivo ou se recusa a evocar valores “ hiperorganicistas” como um princ ípio totalizante
pessoal -, mas ao lugar pertinente da vontade na história, pois a quest ão dc conjuntos sociais ou históricos. Ele também seguiu al ém das “ práxis” in ¬
dif ícil de lidar colocada por qualquer construção como a de Thompson é esta: dividuais até o ní vel das práticas de classe e dos projetos como tais, enquanto
se processos históricos fundamentais - a estrutura e a evolução de sociedades tentava preservar a continuidade epistemol ógica entre as duas de uma forma
inteiras - são a resultante involuntária de uma dualidade ou de uma plurali ¬ que nã o é dissimilar àquela de Thompson. De fato, pode-se dizer que a con ¬
dade de forças de classe voluntárias em choque umas com as outras, o que clusã o de Thompson (substituir classe por vontades individuais, as quais,
explica sua natureza ordenada? Por que a intersecção de vontades coletivas elas próprias, compõem as classes) ensaia o ponto de partida de Sartre. Isso
rivais não produziria o caos aleatório, um impasse arbitrário e desestruturado? porque nela está ausente a atormentada consciência de Sartre das dificulda ¬
Dois dos maiores trabalhos do pensamento social moderno trataram eles des empí ricas e l ógicas de construir um conjunto de estruturas sociais orde ¬
mesmos precisamente desse problema - A estrutura da ação social , de Par¬ nado a partir de uma multiplicidade de atos-unidades antagónicos. O notá vel
sons, e a Crítica da razão dialética, de Sartre. A posição de Parsons sobre o não publicado segundo volume da Critica é exatamente dedicado à questão:
problema permanece insuperá vel em clareza e poder de convencimento. como pode “ uma pluralidade de epicentros de ação possuir uma ú nica inteli ¬
Como o modelo utilitá rio de interesses racionais conflitantes poderia um dia gibilidade” , de tal forma que a luta de classes possa ser descrita como con¬
encontrar uma ordem social coerente?92 O que o impediu de se dissolver em tradições - em outras palavras, “ particularizações de uma totalizaçâo unitá ¬
uma incessante guerra de todos contra todos? Estando ele mesmo profunda¬ ria al é m delas” ?95 O corpo principal do trabalho se inicia com uma intricada
.
mente comprometido com uma “ teoria voluntarista da ação” Parsons procu ¬ série de aná lises de conflitos sociais e pol íticos dividindo a sociedade sovié¬
rou oferecer uma resposta melhor ao enigma de como uma multiplicidade tica após a Revolução Russa - no próprio Partido Bolchevique, entre o pro¬
de “ atos-unidades” individuais poderia ao final constituir um “ sistema so¬ letariado e a burocracia, entre a classe operá ria e o campesinato - destinada
cial ” . Sua solução, como é bem sabido, foi postular normas comuns e valo¬ a mostrar a história da URSS até a morte de Stalin como um processo unitá ¬
res como a moldura integrativa de qualquer sociedade, dando forma aos atos rio de uma ú nica “ totalizaçâo global ” . A série de investigações concretas ao
individuais e temperando os interesses divergentes, a fim de assegurar um final se move para uma meditação teórica, de grande brilho, sobre a perso¬
todo social está vel e coeso. A marca idealista dessa fiiga do problema hob- nalidade e o papel do próprio Stalin - e, a seguir, se rompe abruptamente, o
besiano da ordem - incapaz de explicar tanto a criação quanto o conflito de -
resto do manuscrito desviando se para um discurso ontológico de impene¬
valores em si - tem sido muitas vezes criticada e não requer que nos dete¬ trável abstração e obscuridade, voltado para diversas outras questões. A razão
nhamos aqui . O que mais interessa é o paralelismo próximo entre problema para essa perda de direção final, que, possivelmente, impediu a publicação
e divergência de solu ção na Critica da razão dialética sartriana. do estudo, é suficientemente clara. Não obstante toda a ambi ção e a agudeza
A questão básica de Sartre era como os processos históricos podiam ser de sua exploração das sucessivas contradi ções da sociedade soviética, Sartre
racionalmente inteligí veis se eram compostos de uma multiplicidade de “ pro¬ foi incapaz de demonstrar de fato como as lutas devastadoras daquele tempo
jetos” individuais em colisão, chocando-se e contrariando-se mutuamente criaram uma unidade estrutural final. Na ausência de qualquer princípio de

para produzir o moribundo e alienado inverso da agência humana o prático - explicação ampliado, a agulha da sua descri ção gira de volta para a resposta

61 63
mnis curta e simples: a sociedade soviética foi mantida unidu pela lorça di ¬ forma çã o social é essencialmente garantida pela opera ção combinada das
tatorial exercida por Stalin, um soberano monocêntrico impondo uma unifi ¬ m áquinas coercitiva e cultural do Estado ( este interpretado in sensu lato ) .
cação repressiva a todas as práxis conflitantes em seu interior. Da í a lógica “ Na maior parte, ela é garantida pelo exercício do Poder do Estado nos Apa¬
da conclusão da Cr í tica na figura do próprio déspota. O desfecho real é, desse relhos de Estado; por um lado, o Aparelho ( Repressivo ) de Estado, por outro,
modo, paradoxalmente uma totalizaçâo com um totalizador - minando a os Aparelhos Ideol ógicos de Estado” . 100 O primeiro é direcionado pela “ li ¬
própria complexidade do processo histórico cujo estabelecimento era o ob¬ deran ça dos representantes das classes no poder executando a pol ítica da luta
jetivo expresso de Sartre. Em nenhum outro lugar evidenciado com tal cla ¬ de classes das classes no poder” , enquanto os ú ltimos efetuam um “ inculcar
reza, o triste silêncio que repentinamente se abate sobre a obra indica a in¬ maciço da ideologia da classe dominante” nas classes oprimidas. Ironica ¬
101

quietação de Sartre com a conclusão a que seu argumento chegou. De fato, mente, essas formulações d ão uma guinada quase em direção a um esquema
ele lucidamente havia enfatizado no in ício que a hipótese de uma sociedade dc explicação histórica voluntarista, ao qual Althusser havia procurado re¬
ditatorial era mais fácil para sua tarefa - o mais exigente teste para a teoria nunciar. Possivelmente percebendo isso, ele estipulou em um posfácio duas
marxista sendo colocado pelas democracias burguesas, cujas lutas de classe qualificações: o “ processo total” de reprodução era “ concretizado” no interior
não estavam compactadas em conjunto por um regime policial.96 Mas, bem dos processos de produção e circulação, por meio de uma “ luta de classes” ,
próximo ao que Engels havia feito antes dele, ao se limitar à URSS, Sartre contrapondo as classes dominantes e dominadas.102 Alguns anos depois, Al ¬
termina, dessa forma, achando na “ resultante” histórica o que ele havia posto thusser propôs uma nova emenda: “ A luta de classes não acontece no vazio
nela desde o começo. A tendência geral de sua resposta ao problema da or¬ ou em algo como um lance de dados. Ela é enraizada no modo de produção
dem, no entanto, pode ser discernida nessa exploração especializada do pro¬ c na exploração em uma dada sociedade de classes” .103 Dessa forma, “ a base
blema. Confrontado com a questão imediata sobre o que impediu a história materiaC da luta de classes era “ a unidade das relações de produção e das
de ser “ um caos arbitrá rio de projetos que se entrebloqueiam” em seu quadro forças produtivas sob as relações de um dado modo de produçã o em uma
conceituai, sua resposta essencial foi: poder .” Em vez do consenso de valo¬
res morais de Parsons, o centro de integração de Sartre era o comando de um
- -
formação sócio histórica concreta” .104 Aqui , a ênfase reverte se drasticamente
de volta à “ base” , na topografia marxista tradicional, que possui e reforça
Estado coercitivo. sua própria “ unidade” .
Althusser, lembremos, ao criticar o paradigma de Engels, estendeu seu Como devem ser considerados esses sucessivos ajustes? A lógica do ma ¬
ataque à tentativa de Sartre de retrabalhar o problema - em uma escala muito terialismo histórico rechaça tanto a solu ção parsoniana quanto a sartriana.
mais ampla - na Cr í tica, ligando os dois diretamente: só é possí vel bloquear Sustentar que as formações sociais derivam sua unidade tipicamente da
Sartre em seu caminho fechando aquele que Engels abriu para ele” .98 Mas a difusão de valores, ou do exercício da violência, mediante uma pluralidade
rejeição radical, em Por Marx e Ler O capital * a qualquer forma de vontade, de vontades individuais ou grupais, é rejeitar a insistência marxista na pri ¬
individual ou coletiva, como ponto de partida epistemológico não levantou, mazia fundamental das determinações económicas na história. De fato, Marx
ao mesmo tempo, o problema da ordem social. A seguir, Althusser també m e Engels polemizaram em seu tempo diretamente com as versões do século
se viu confrontado com essa questão, e é interessante que sua resposta inicial XIX precisamente dessas duas posições - no trabalho de Hegel e no de
a ela tenha sido, na verdade, um h í brido das posições de Parsons e Sartre. Duhring, respectivamente. O problema da ordem social é insol ú vel enquanto
Seu vocabul ário para situar o problema foi, com certeza, significantemente a resposta a ele for buscada no ní vel da intenção ( ou apreciação), não impor¬
diferente. Citando a m áxima de Marx de que “ uma formação social que não tando quão complexa e emaranhada seja a meada da voli ção, quão definida
reproduzisse as condições de produção ao mesmo tempo que as produzisse por classe seja a luta das vontades, quão alienada seja a resultante final de
não duraria um ano” , ele pergunta: “ como a reprodução das relações de pro¬ todos os atores imputados. O modo de produção é, e deve ser, o que confere
dução é garantida?" .” Sua resposta é que a reprodu ção cont í nua de qualquer unidade fundamental a uma formação social , alocando suas posições objeti ¬
vas às classes no interior dele e distribuindo os agentes em cada classe. O
* Reading Capital. Em português: Ler O capital. Rio de Janeiro, Zahar, 1979. (N. da T. ) resultado é, tipicamente, um processo objetivo de luta de classes. A fim

64 65
dc estabilizar c regular esse conflito, as modalidades complementares do voli ção. Ele o faz por meio dc uma analogia. “ As sociedades” , ele argumenta,
poder pol í tico, que incluem repressão e ideologia, exercidas dentro e fora “ podem ser vistas como ‘jogos’ muito complexos” , governados por regras
do Estado, sâ o, consequentemente, indispensá veis. Mas a pró pria luta de vis í veis e invisí veis, que “ atribuem a cada jogador seu papel ou função no
classes n ã o é um precedente causal na sustentação da ordem , pois as classes Jogo".105 Mas, dentro dessas regras, os jogadores se confrontam como agen¬
sâo constituídas pelos modos de produção, e não o contrário. O único modo tes criativos. Devemos, assim, vislumbrar uma “ estruturação da sucessão
de produ çã o para o qual isso não será verdade é o comunismo - que, preci ¬ hist órica governada por regras, no interior da qual homens e mulheres per¬
samente, abolirá as classes. manecem sujeitos de sua história” .106 Essa imagem parece abrir as portas para
Ao mesmo tempo, evidentemente, a questão da ordem n ão exaure a na ¬
• dupla determinação indicada há pouco. Mas a aparência é enganosa, porque
tureza do processo histórico. Rebeli ões e desordens igualmente requerem a analogia de Thompson esconde uma petitio principii central , pois jogos
explicação. A tentação é dizer que elas formam a prov í ncia particular da luta sã o, precisamente, constru ções deliberadas - alguns novos são inventados
de classes, que é posta em movimento pelo modo de produ çã o. Isso, no en ¬ todos os dias, como as mercadorias sob o capitalismo - cujas regras são
tanto, seria superficial , uma vez que, entre os mais fundamentais de todos os conscientemente aprendidas pelos jogadores a partir de posi ções de paridade,
mecanismos dc mudança social, de acordo com o materialismo histórico, os quais contêm objetivos homogé neos às regras. Mas ninguém “ aprende” ,
estão as contradições sistémicas entre forças e relações de produção , não só nesse sentido, as regras das relações sociais de produção; não há igualdade
os conflitos sociais entre classes gerados apenas pelas relações de produção de posição inicial entre os jogadores; e não há objetivo comum , especificado
antagonistas. As primeiras se sobrepõem às segundas, porque o trabalho - pelas regras, pelo qual eles competem. De fato, os ú nicos jogadores que
que simultaneamente figura como uma classe especificada pelas relações de poderiam , hipoteticamente, dominar as regras - socialistas revolucionários
produ ção - é sempre uma das principais forças de produção. Mas elas não conhecedores das relações de produção capitalistas - são aqueles cujo obje¬
coincidem . Crises no interior do modo de produção n ão são id ê nticas aos tivo é quebrá-las. Em outras palavras, a analogia se desmonta por todos os
confrontos entre classes. Os dois podem se fundir ou n ão, de acordo com a lados. Sua função sugestiva é a de imaginar um sistema ordenado, que, no
ocasi ão histórica. O in ício de grandes crises económicas, seja sob o feuda¬ entanto, é um de conflito - fazendo a quadratura do c í rculo do paradigma de
lismo ou o capitalismo, tem frequentemente pegado todas as classes de sur¬ Engels. Tal metáfora apenas funciona - ainda assim, parcialmente - onde os
presa, derivando de profundezas estruturais abaixo das do conflito direto conflitos são estritamente locais e parciais. A aplicação dela por Eric Hobs -
entre elas. Por outro lado, a resolu ção de tais crises tem sido, n ã o menos bawm para descrever o in ício da negociação salarial na Inglaterra vitoriana,
tipicamente, consequ ê ncia de guerra prolongada entre classes. Em geral, seu uso original, era apropriada para o contexto.107 Mas ela é inoperante como
transformações revolucionárias - de um modo de produção para outro - são, uma analogia geral para processos históricos de grande escala ou de longo
de fato, terreno privilegiado da luta de classes. Aqui, no entanto, também é prazo, os quais não são sistemas conscientemente aprendidos - ou, onde eles
essencial lembrar a grande dist â ncia entre os choques relativamente cegos excepcionalmente assim se tomam, são disputados n ão dentro das regras,
do passado imemorial e a recente - bem desigual e imperfeita - conversão mas por sobre elas. Desenvolvendo suas imagens de jogos, Thompson con ¬
nos séculos XIX e XX desses choques em disputas conscientes. Assim, tanto clui sua longa discussão da agência com uma reprise figurativa da propensão
na reprodução quanto na transformação - manuten ção e subversão - da ordem que as influencia desde o in ício: uma tendência a chutar a presença da esco¬
social , o modo de produ ção e a luta de classes estão sempre atuando. Mas o lha consciente e da ação dentro das formações sociais do passado para longe
segundo deve ser ativado pelo primeiro para atingir seus efeitos determinan ¬ do gol , e a subestimar a ruptura histórica representada pelo advento do pró¬
tes, que, em todo caso, acharão seu ponto má ximo de concentração na estru ¬ prio projeto socialista.
tura pol ítica do Estado. Nós vimos, até aqui, como essa tintura colore insistentemente as reflexões
Chegando ao final de A miséria da teoria, Thompson se aproxima, pela axiomá ticas sobre agência em A miséria da teoria, o emprego da categoria
primeira vez, de um reconhecimento dessa dualidade básica das formas da da experiência, a própria arquitetura de A formação da classe operária in¬
determina ção histórica, que interrompe todas as construções baseadas na glesa, as emendas ao paradigma de Engels e, agora, a metáfora l údica final

66 67
próxima
.
pura sociedade A melhor maneira de avaliar a posi ção geral dc Thompson, forma a condições coletivas de vida, por outro lado, está bem mais
a seu tempo mas
e sua contribui ção, nesse dom í nio dc dif ícil trato é comparando-a àquela de do temperamento pol í tico dos pró prios Marx e Engels
, em
seu antagonista eletivo: Althusser. A simetria da oposi ção dos dois é quase tende a ser projetada para trás como uma trama uniforme do passado
completa, pois a experiência imediata de Althusser é o universo de ilusões - oposição às milenares negações da autodeterminaçã o no reino da necessidade .
o
De modo singular, dos dois conjuntos desbalanceados de generalizações
,
a vaga experientia de Spinoza, que induz apenas ao erro. A ciê ncia sozinha,
Thompson, em
fundada em um trabalho de transformação conceituai, gera o conhecimento. dc Althusser se inclina melhor em direção à história; o de
his¬
A incompatibilidade dessa visão com qualquer descri ção materialista da prᬠdireção à pol í tica. O cl ássico equil í brio dos fundadores do materialismo
tica ou da sensa ção física, como base insubstitu í vel das próprias ciências tórico está a alguma distância de ambos.
naturais - sem falar como fontes vá lidas por si mesmas de verdade é óbvia.
Para Thompson, por outro lado, a experiência é o meio privilegiado no qual
a consciência da realidade desperta e respostas criativas a ela se ativam. Si ¬ Notas
nal de autenticidade e espontaneidade, a experiência liga o ser ao pensamento,
evitando a fuga da teoria rumo à artificialidade e à desrazão. Essa interpreta¬ .
1 Politics and History . London, 1972, p 183.
ção, por sua vez, é irreconcili ável com o sinal luminoso de alerta da realidade .
2 Reading Capital , pp. 112 e 252
e as profundezas do desastre que tais experiências salientes como a fé reli ¬
.
3 PT, p 281.
4 Idem , p. 280.
giosa ou a lealdade nacionalista têm trazido àqueles sob suas garras. Althus¬ 5 Ibidem.
ser erroneamente identifica a experi ência apenas como ilusões: Thompson 6 Idem, p. 295.
inverte esse erro, identificando a experiê ncia essencialmente como percepção 7 Ibidem.
e aprendizado. O que se faz necessá rio, para al ém da contraposi ção abstrata B Idem, p. 362.

desses dois polos, é o esclarecimento conceituai dos bem diferentes sentidos - .


9 Idem , pp. 297 298
10 Idem, p. 279.
e formas da “ experiência” , e o estudo empírico das respectivas variações 11 Ibidem.
hist óricas abarcadas por cada um deles. Esse termo n ão é, em si mesmo, 12 Idem, p. 280.
nenhum talism ã - nem de verdade, nem de falsidade; nem de avanço, nem 13 Idem , p. 366.
de regressão. Assim também o tratamento do problema da agência por esses 14 Idem , p. 344.
15 “ A falsidade de uma opinião não representa, para nós qualquer
, .
objeção a ela.. A questão
teóricos rivais, diametralmente contrastado em suas ê nfases, sofre uma in- da vida” . Beyond Good and
é o quanto uma opinião é prolongadora da vida, preservadora
discriminação comum. A própria forma como eles encapsulam a história - ,
Evil . Edinburgh/London, 1909 p. 8.
“ um processo sem um sujeito” , “ prática humana n ão dominada” - é latente¬ .
16 Ver, por exemplo On Materialism . London, 1975 p.
, 105.
mente a-histórica. Nenhum dos dois, evidentemente, pode estar inconsciente -
17 PT, pp. 342 343.
da possibilidade de curvatura no campo de investigação, mas cada um deles, 18 Idem , pp. 166 167.
.
-
19 Idem , p. 167
em defini ção, ignora isso. O resultado, mais uma vez, é uma ausência de
necessária diferenciação histórica. As consequências das suas axiomáticas
20 Idem , pp. 167 168. -
21 Idem , p. 167.
são, no entanto, bem distintas. Elas podem ser expostas da seguinte forma. 22 Idem , p. 155.
A ênfase unilateral e desapiedada que Althusser confere ao peso esmagador 23 Ibidem.
24 Idem , p. 156.
da necessidade estrutural na história corresponde mais fielmente aos princ í¬
pios centrais do materialismo hist órico e às verdadeiras li ções do estudo
.
25 PT, p 362.
26 Idem , p. 199.
cient ífico do passado - mas ao preço de obscurecer as inovações do movi¬ 27 Idem , p. 363.
mento trabalhista moderno e atenuar a vocação do socialismo revolucionário. 28 Ibidem.
A percepção passional de Thompson do potencial da agência humana de dar

68 69
W Oakeshott certa vez observou que "experiência, de iodas as palavras do vocabulá rio filosó- ligação sobre elas a “ com ércio c trabalhos manuais” , ignorando qualquer provisão dc dados
.
lico é aquela com a qual é mais dillcil lidar; e lodo escritor imprudenie o suficiente para compará veis sobre "fabricações". Essas lacunas tomam dif íceis, mas n âo dc lodo impossí ¬
usar essa palavra deve ler a ambição de escapar das ambiguidades que ela contiim ” . Expe¬ .
veis avaliações do tamanho e da estrutura de diferentes classes na sociedade inglesa da
.
rience and its Mudes Cambridge, 1933, p. 9. Thompson faz referência a Oakesholt uma vez, época , Para o tipo de projeções retrospcctivas que podem ser feitas a partir de dados pos ¬
mas nâ o aparenta ter registrado sua advertência possivelmente porque o próprio Oakeshott .
teriores e mais ú teis, ver J . A . Banks “ The Social Structure of 19th Century England as
-
pouco a observou em sua pró pria busca de um neo hegelianismo resoluto para o qual “ a Seen through the Census” . In: Richard Lawton ( ed .). The Census and Social Structure .
experiência começa com ideias" e termina com elas - “ o que é alcan çado na experiê ncia é -
London, 1978, pp. 179 223.
um coerente mundo das ideias” (p. 28 ). -
49 MEWC, pp. 913 914.
30 Chambers Twentieth Century Dictionary. 50 Idem , p. 211.
31 Idem . 51 Os cá lculos dc Booth indicam que algo em tomo de 210 mil trabalhadores estavam traba ¬
32 PT, p. 199. lhando em mineração na Inglaterra e no Pa ís de Gales em 1841, e 188 mil em metalurgia,
33 Idem , p. 195. contra 604 mil na ind ústria têxtil, dos quais, naquela é poca, cerca de 300 mil estariam em
.
34 Idem, p 201. atividade nas fá bricas de tecido ( Charles Booth , “ Occupations of the People of the United
35 Idem, p. 195. -
Kingdom 1801- 1881 ” . Journal of the Statistical Society , junho de 1886, pp. 314 425 ). Uma
36 O interessante é que essa fal ácia foi objeto de uma clássica critica dc Sartre em sua polêmica
década antes ( 1832 ), trabalhadores do algodão eram apenas cerca de 200 mil (N. J . Smelser.
com Lefort no começo da década de 1950, na qual ele atacou o que chamou de noção por¬
Social Change in the Industrial Revolution. London, 1959, p. 194 ). O crescimento era, evi-
dcntemenie , bem menos rá pido em mineração c siderurgia. Em seu posf ácio de 1968, o
- - - - -
tátil de Texpérience qui comporte sa propre interprètation. Ver “ Ré ponse à Claude Lefort” ,
próprio Thompson concede que sua descrição omite vastas á reas da classe trabalhadora
- -
Les Temps Mudernes , 4/1953, pp. 1.577 1.579, 1.588 1.589. As próprias posições teóricas de
( MEWC, p. 916).
Sartre nessa série de artigos, Les communistes et la paix , não estavam , de forma alguma,
livres de erros: da extensa literatura que elas provocaram , a melhor ré plica foi o trabalho 52 MEWC, p. 58.
de Ernest Mandei ; “ Lettre à Jean - Paul Sartre” , agora reimpressa em La longue marche 53 Ver os comentários pertinentes de Victor Kieman. “ Working Class and Nation in Nineteenth
de la revolution. Paris, 1976, pp. 83-123. Mas a discussão de Sartre sobre esse t ópico é de Century Britain". In : Maurice Comforth ( ed. ). Rebels and Their Causes: Essays in Honour
m érito duradouro. of A. L. Morton. London, 1978, p. 126.
37 MEWC, p. 9. 54 MEWC, p. 217.
38 Ibidem . 55 Idem , p. 488.
39 Idem, p. 213. 56 Idem , p. 663.
40 Idem , pp. 9- 11. Formulações similares posteriores dc Thompson sempre incluem mulheres. 57 O padrão da disposi ção das forças militares pela classe dominante inglesa ao final das
41 MEWC, p. 12. Guerras Napoleônicas é revelador. F.m 1816, o Ex é rcito de Ocupa çã o na própria França
contava com 35 mil integrantes. Outros 35 mil estavam posicionados na í ndia; 10 mil no
42 Idem, p. 887.
Canadá e nas Bahamas; 13 mil nas í ndias Ocidentais; tropas de 3 mil cada no Cabo, nas
43 Idem , pp. 213, 9.
ilhas Maur í cio e no Ceilão; e 11 mil no Mediterrâ neo. Enquanto a guarnição na Inglaterra
-
44 Idem , pp. 9 10. era de 25 mil , a Irlanda - com um terço da popula ção - precisava de uma de 35 mil : aqui .
-
45 PT, pp. 298 299. as observações de Thompson seriam mais aplicá veis. Ver J . W. Fortescue. A History of lhe
46 MEWC, p. II . British Army. London , 1923, vol . XI , p. 50. Em 1817, Castlereagh lamentava que o govemo
47 De certo modo, um tratamento mais satisfatório da questão básica em discussão aqui pode dispusesse de uma força de nâo mais que 16 mil soldados em casa. Na crise de 1819, cerca
ser encontrado na descrição de Barrington Moore da evolução da classe trabalhadora alemã de 11 mil reformados tiveram que ser convocados e as tropas aumentaram . O aparato mili ¬
cm seu livro Injustice: The Social Roots of Obedience and Revolt ( London, 1978, pp. 126 - -
tar interno permanente do F.stado inglês manteve se impreciso ao longo desse per íodo. Ao
- 353), que se move entre determinantes objetivos e constelações subjetivas com maior ob¬ final dele , na crise nacional de 1832, Halévy ainda podia escrever sobre “ um mero punhado
jetividade e consistência . O estudo de Moore é de especial interesse, pois é parcialmente de aristocratas apoiados por 11 mil mercenários, cuja fidelidade não estava, de forma alguma,
inspirado pelo exemplo de Thompson , como explica o autor. Em contrapartida, diferente- longe de suspeitas” , confrontando o movimento de Reforma ( A History of the English
mente dc Thompson , Moore é desintórmado e desinteressado sobre a verdadeira ideologia People 1830 1841. London, I 927, p. 57).
-
( ou organização ) pol í tica do movimento socialista alemão cm si , talvez cspecialmentc sobre 58 MEWC, p. 915.
o desenvolvimento do marxismo revolucioná rio dentro dele. Nesse aspecto, o contraste com 59 Idem , p. 9.
A formação da classe operária inglesa é enorme.
-
60 PT. pp. 298 299.
.
48 A frase é de “ Eighteenth -Century English Society ; Class Struggle without Class?” Social 61 G . A. Cohen . Karl Marx s Theory of History: A Defense. Oxford, 1979, p. 73.
History, vol. 3, n. 2, 5/1978, p. 149. Exemplos desse tipo de quantificação na obra A forma¬
ção da classe operária inglesa incluem trabalhadores agr ícolas e tecelões. N ão é a redun ¬
-
62 "Eighteenth Century English Society: Class Struggle without Class?” , p. 149.
63 Ibidem.
dâ ncia. mas a deficiê ncia de informação estat ística precisa o real problema nesse per íodo. 64 Ibidem.
O censo de 1831, o primeiro a fornecer alguma aná lise das ocupações, limitou sua inves - 65 Idem , p. 151.

n
7 71
< i < > /A /i/cm . ( nnlrudiloriumcntc. Thompson, em outro lugar, fala du “ burgucsiu agnliiu" ( p. 161 ) 94 Ibidem.
e me repreende , entre outros, por não ver a classe dominante inglesa do século XVIII à luz -
95 Critique , vol . II , manuscrito, pp. 3 5.
disso unta disputa que seu próprio uso normal prova scr falsa.
-
67 “ Eighteenth Century English Society: Class Struggle without Class?” , p. 147.
-
96 Idem , pp. 392 393 e 396.
97 Entrevista: “ The Itinerary of a Thought . New Left Review , n.
" -
58, novembro dezembro de
68 A interpretação das classes predominantemente pelo prisma da consciência não é, eviden ¬ .
1969, p. 60 agora compilada em Between existentialism and Marxism . London , 1974, p. 55.
temente, de modo algum exclusiva de Thompson. Em diferentes variações, essa interpreta ¬
ção ( em representado uma tentação recorrente na história do marxismo ocidental. A obra
98 .
For Marx p. 127. [ Em português: Por Marx. Trad. Maria Leonor F. R. Loureiro. Campinas,
Editora da Unicamp, 2015. (N . da T.)]
mais conhecida de Luk ács oferece um exemplo saliente desse fato. Escrevendo sobre o 99 Lenin and Philosophy and Other Essays. London, 1971, p. 141.
campesinato ou a pequena burguesia, ele comenta: “ não podemos de fato falar de consciência
100 Ibidem .
de classe no caso dessas classes ( se, realmcnte, podemos mesmo falar delas como classes
no estrito sentido marxista do termo)” History and Class Consciousness. London, 1971, 101 Idem , pp. 142, 148.
p. 61. Sartre adotou uma versão mais extrema do mesmo ponto de vista em Les communit¬ 102 Idem , pp. 170-171.
ies et la paix , na qual ele defende que faltava ao próprio proletariado francês algum “ ser- 103 -
Essays in Self Criticism. London , 1976, p. 50.
-
- de classe” até ser dotado de consciê ncia e unidade por seu partido: uma posição posle - 104 Ibidem .
riormente desdita na mais complexa radiografia das classes almejada cm Critica da razão 105 PT, p. 344.
dialética , a qual assume que a unidade total e a consciê ncia são incompat í veis, em princí pio, 106 Idem , p. 345.
com as coordenadas objetivas de qualquer classe social .
107 “ Custom, Wages and Work- Load in Nineteenth Century Industry” . Labouring Men. London,
69 MEWC , p. 887 .
1964, pp. 344-370.
70 Idem , p. 888.
71 Idem, p. 915.
72 “ The English Working Class” . New Left Review , n. 24, 3 e 4/ 1964, p. 43.
73 Idem , p. 44.
74 “ Working Class and Nation in Nineteenth Century Britain ” , p. 125.
75 Ver a magistral demonstraçã o de Raphael Samuel , “ W'orkshop of the World : Steam Power
and Hand Technology in mid - Victorian Britain ” . History Workshop , n . 3, Spring, 1977,
-
pp. 6 72.
- -
76 “ Working Class Culture and Working-Class Politics in London, 1870 1890: Notes on the
Remaking of a Working-Class". Journal of Social History , Summer, 1974, pp. 460-508.
77 Mf.WC p. 105..
78 Idem , pp. 200-201 .
79 Posfácio da edi ção de 1968 de MEWC, p. 937.
80 PT, p. 69.
81 Ibidem.
82 Idem , p. 71 .
83 Ibidem.
84 Idem , p. 69 ( itá licos meus ).
85 Idem , p. 72.
86 Idem , p. 279.
87 Ibidem.
88 Idem , p. 280.
89 Idem , p. 279.
90 Idem , pp. 298-299.
91 Idem , p. 86.
92 Talcotl Parsons . The Structure of Social Action. New York , 1961 , pp. 87- 125. Para Parsons,
o pró prio marxismo era uma variante do “ positivismo individualista” no interior do mesmo
campo.
93 .
< 'ritique of Dialectical Reason London , 1976, p. 817.

72 73
3
MARXISMO

Thompson, no entanto, tem suas próprias reflexões críticas sobre o traba ¬


lho dos fundadores. Ao longo de A miséria da teoria , ele propõe uma leitura
completamente nova de Marx e do marxismo, a qual contém algumas de suas
mais interessantes e originais discussões. A sua tese é mais ou menos esta:
o verdadeiro objeto do materialismo histórico é um “ conhecimento unitário
da sociedade” ,1 cujo estatuto foi estabelecido por Marx na d écada de 1840,
-
sobretudo nos Manuscritos económico filosóficos de 1844 , em A ideologia
alemã, em A miséria da filosofia e O manifesto comunista. Contudo, Marx
não se ateve suficientemente a seu próprio programa. Na década de 1850, ele
infelizmente se tomou tão hipnotizado pelas complexidades da economia
-
pol ítica burguesa que, em seu esforço para dominá-las e criticá las, por algum
tempo se esqueceu de todo o resto e, abandonando a busca por um conheci ¬
mento social unitá rio, começou a produzir uma versão socialista da limitada
teoria do homem económico - deixando de lado as “ muitas atividades e re¬
lações (de poder, de consciência, sexuais, culturais, normativas) as quais n ã o
fazem parte das preocupações da Economia Pol í tica, que foram definidas
fora da Economia Pol í tica e para as quais ela não possui quaisquer termos” .2
Os resultados podem ser vistos na “ estática, anti-histórica estrutura” 3 dos
Grundrisse. Mais tarde, na década de 1860, sob a influência do refloresci ¬
mento da atividade pol í tica nas fileiras do trabalho europeu e da revelação
intelectual do m étodo de Darwin em A origem das espécies , ele se corrigiu,
até certo ponto, em O capital , o que permitiu um sopro de história real nas

75
abafadas abstra ções da Economia Pol í tica. Mas o livro permanece, de modo gunda . O que eles já descobriram ? "A experiência humana .” * Essa genética
geral , uma “ inconsistê ncia descomunal ” ,' ainda aprisionado na luta para pro¬
'
n ão é tão racionalista quanto a esboçada em linguagem filosófica por Marx:
duzir uma resposta interna à Economia Pol ítica e prejudicado por uma ex ¬ ela confere um peso muito maior à cultura e, dentro dela, à “ consciência
posi ção que é de um hegelianismo rococó. Sua extrapolação das categorias moral e afetiva” .9 Nesse ponto, há um silêncio real e completo no próprio
puramente econ ómicas do capital , em relação ao processo social total, levou Marx, que nunca teve um sentido apropriado da força da moralidade e da
a um sistema fechado de “ leis económicas muito obsequiosamente a-histó- afetividade, como opostas ao interesse e à ideologia, na história. Mesmo em
ricas” ,5 que causou um efeito desastroso no marxismo posterior. Engels, ao seu melhor, ele foi excessivamente racionalista. A esse respeito, Engels não
final , percebeu isso na década de 1890 e dedicou muitas cartas à tentativa de representou progresso algum. Sua brusca rejei ção de Morris, um grande e
retificar a ênfase de Marx, salientando a autonomia relativa das superestru¬ sensitivo moralista comunista, é reveladora de uma cegueira comum . A de¬
turas, a importâ ncia dos elementos n ão económicos na história e a necessi ¬ solaçã o devastadora do althusserianismo é, aqui, o produto final de uma
dade de se estudar isso tudo por si mesmo. Althusser, no entanto, buscando herança de omissão. Consequentemente, o marxismo, como uma teoria, deve
“ impelir o materialismo histórico de volta à prisão da Economia Pol í tica” 6 ser recusado. Sua pretensão a ser uma ciê ncia é, e sempre foi, obscurantista.
ao fazer do marxismo uma teoria dos modos de produção, tornou absolutos H á, no entanto, uma tradição , derivada de Marx, que é antipoda de tal teoria
os erros de Marx nos Grundrisse e n’O capital . O erro fundamental advindo e que deveria ser honrada. A primeira não tem mais nada para nos dizer do
disso, preparado pelo próprio Marx , foi uma confusão sistem á tica do modo mundo; a ú ltima é explorat ória e positiva. A esse materialismo histórico
de produ ção capitalista com as forma ções sociais reais, do capital com o genu í no - “ a tradi ção de investigação emp írica, aberta, originada do trabalho
capitalismo. Esse erro é sustentado e induzido por toda a metáfora mecâ nica de Marx e empregando, desenvolvendo e revisando seus conceitos” 10 -, a
da “ base” e da “ superestrutura” . O estruturalismo e o reducionismo idealista afiliação é ainda eminentemente compensadora.
gélidos de Ler O capital são as malfadadas consequências disso. De várias formas, esse caso representa a consequência mais original e
Se o Marx inicial nos deu o estatuto do materialismo histórico genuino, coerente em A misé ria da teoria . Representa, com efeito, uma leitura relativa¬
mas depois ele próprio se desviou, neste século os historiadores marxistas mente nova da trajetória intelectual de Marx, que não privilegia nem os es¬
vêm buscando restaurá-lo. A busca por um conhecimento unitário da socie¬ critos filosóficos do in ício nem os trabalhos económicos do final , mas, em
dade os levou ao vez disso, confere importância central aos textos pol êmicos de meados dos
anos 1840. Nessa perspectiva, a obra A ideologia alemã chegaria, provavel ¬
[...] drama de Ésquilo, [à] ciência grega antiga, [às] origens do Budismo, [à] cidade- mente, mais próximo não apenas de uma enunciação, mas dos contornos de
-estado, [aos] monastérios cistercienses, [ao] pensamento utópico, [às] doutrinas pu¬ uma encarnação do programa de uma reconstrução materialista de toda a
ritanas, [à] propriedade feudal , [à] poesia de Marvell , [ao] revivalismo metodista, [ao] história da humanidade como um processo social unitário. Os grandes tra ¬
simbolismo de Tybum, [a] grands peurs e revoltas, [às] seitas behmenistas, [aos] balhos de Marx a partir dai mudam , sutilmente, de direção, em um movi¬
rebeldes originários, [às] ideologias económicas e imperialistas e [a] todo tipo de mento de distanciamento da história. Os escritos posteriores de Engels, Anti-
confrontação, negociação e refração de classe.7 - Diihring e A origem da famí lia , podem então ser vistos como tentativas
insatisfatórias de remediar a “ grande omissão” de qualquer exposição sus¬
No curso de suas explorações, eles descobriram que o trabalho de Marx so¬ tentada ou demonstração do materialismo histórico em si no legado de Marx.
fria de uma ausência central tão profunda quanto o de Darwin . Se a teoria da Sob essa luz, O capital torna-se um tipo de desvio, um lapso restritivo em
evolu ção carecia de uma explicação sobre as formas da transmissã o e da direção à mera “ economia pol ítica” .
mutação das espécies, a teoria do materialismo histórico carecia de uma ex¬ Até que ponto essa reinterpretação da obra de Marx pode ser aceita? A
plicação sobre as formas da correspondência ( parcial ) entre modos de pro¬ chave para isso, como é poss í vel ver, está na alegação de que o itinerá rio
du ção e processo histórico. A genética de Mendel proporcionou a primeira desde A ideologia alemã ou O manifesto comunista até os Grundrisse ou
explicação. A tarefa dos historiadores materialistas tem sido fornecer a se¬ O capital foi um passo em falso, um “ desvio” 11 do projeto histórico global

76 77
-
estabelecido primeiramente nos Manuscritos económico filosó ficos de 1844. materialismo histórico como tal : as “ forças e relações de produ çã o” . Goran
A melhor forma de avaliar essa sugestão é tentar, por um momento, imaginar Therbom mostrou em detalhes o processo da cristalização desses conceitos
o que Marx teria escrito se houvesse aceitado a fórmula de Thompson de um -
no desenvolvimento intelectual de Marx . A inovação chave representada
“ conhecimento social unitário” 12 como sua meta nas d écadas de 1850 e 1860. pelas “ relações sociais de produ ção” , que não são encontradas em lugar al ¬
Qual teria sido o prová vel resultado disso? Certamente, a resposta é: algo gum da economia pol ítica clássica, não ocorre antes de A miséria da filosofia
como o Die Materialistische Geschichtsauffassung , de Kautsky - um com ¬ c n ão adquire seu sentido pleno antes dos Grundrisse; a dupla de termos é
pê ndio universal e superficial da evolução, do pitecantropo a Palmerston. formalizada pela primeira vez no “ Prefácio” de 1859.14 Foi essa descoberta
Em outras palavras, é difícil conceber - por razões que Thompson, como teórica progressista que finalmente tomou poss í vel a exploração em escala
historiador, deveria saber muito bem - que Marx pudesse realmente ter pro¬ ampliada de um novo objeto histórico em O capital', o modo de produção ca¬
duzido novo conhecimento em uma escala “ unitá ria” , dadas as exigê ncias pitalista. Em outras palavras, o movimento essencial de Marx após 1848 não
- de tempo e energia - para dominar até mesmo um campo de investigação -
foi de “ afastar se” da história, mas de mergulhar ainda mais nela. Podemos
limitado, numa época em que ainda não existia algo como um corpus cumu¬ agora ver a consequência da omissão de Thompson em sua, fora isso, longa
lativo de pesquisa confiá vel do passado. A pesquisa histórica, como disciplina dissertação sobre conceitos históricos de qualquer tipo de categorias mar¬
moderna, estava então apenas começando a emergir - contando, entre seus xistas como tais. Esse sil êncio é notá vel. Em 200 páginas, mal há uma men ¬
pioneiros, com Niebuhr e Mommsen . O que Marx fez, de fato, foi selecionar ção às forças/relações de produ ção. Possivelmente, Thompson assumiu a
o dom ínio que a teoria do materialismo histórico havia indicado como, em dupla como tão evidente que imaginou poder prescindir de referências a elas.

ú ltima instância, determinante - a saber, a produção económica e devotar Mas, de todo modo, a falha de se deter na especificidade dos conceitos do
toda a sua paixão e toda a sua engenhosidade a explorá-lo e reconstru í -lo, na materialismo histórico, em oposi ção à elasticidade geral de todas as noções
época por excelência do capitalismo. Que outro caminho cientifico estava históricas, impossibilita radicalmente uma compreensão da real conquista
aberto para ele? Seu procedimento foi , de fato, o clássico primeiro passo do de O capital. O termo “ modo de produção” até figura com certa frequência
cientista. Se é para culpar O capital por algo, é por seu poder de persuasão no texto de Thompson. Na conclusão das suas criticas a O capital , ele efeti ¬
interno, não por seus limites externos. Será que Thompson realmente teria vamente escreve: "Essas ressalvas n ão vão, de forma alguma, mostrar que o
preferido que Marx fosse como Buckle ou Diihring, enciclopedistas das ilu ¬ projeto de Marx não era leg ítimo. Foi um avanço transformador no conheci ¬
sões recebidas de sua época - lidando com “ todas as coisas abaixo do Sol e mento construir - por meio de á rduo engajamento teórico, hipóteses e igual ¬
algumas outras també m ” , como Engels comentaria a respeito deste ú ltimo?13 mente árdua investigação empí rica - o conceito de um modo de produ ção
Deve ser dito que, aqui, a fórmula de Althusser é muito mais precisa e reve¬ estruturado dessa forma” . ls Pareceria, assim , n ão haver aqui motivo para
ladora em captar a natureza do empreendimento de Marx: ele começou uma disputa.
exploração do vasto continente da História, que ainda hoje permanece, em O próprio Thompson traz a questão: “ Não seria isso devolver a Althusser
muitos aspectos, amplamente desconhecido, mas que ele nunca poderia ter com minha mão esquerda tudo o que tomei com minha direita?” . Sua resposta
desvelado no começo. A condiçã o para os avanços posteriores foi precisa ¬ é uma sú bita e agressiva negativa. A razão é esclarecedora. O conceito de
mente o limite de sua investigação inicial a uma única região, o que a tomou um modo de produção é, para ele, essencialmente uma categoria apropriada
capaz de apurar processos reais - não m íticos - na história, uma vez que os à teoria económica, não à história, que não pode ser estendida à caracteriza ¬
Grundrisse e O capital n ã o são, de forma alguma, meros trabalhos de uma ção de sociedades, cujo estudo é objeto do historiador.
“ antieconomia-pol ítica” .
Thompson somente consegue tratá-los como tal ao ignorar o fato de os Um modo de produção capitalista não é o capitalismo. Nós mudamos duas letras
escritos da década de 1840 que ele traz para o primeiro plano - os quais Al ¬ da caracterização adjetiva de um modo de produção ( um conceito da Economia Pol í ¬
thusser chama de as Obras da Ruptura - ainda não possu írem os conceitos tica, ainda que dentro da "anti” Economia Pol í tica marxista) para um substantivo
históricos básicos que iriam constituir a pedra fundamental da teoria do descritivo de uma formação social na totalidade de suas relações.16

78 79
Al é m disso, enquanto "a teoria de um modo dc produ çã o pertence, muito fortes cr í ticas contra o uso de “ modos de produçã o” por Althusser e Balibar,
apropriadamente, ao sistema conceituai ” de “ economistas marxistas” , ela Thompson nunca toma um tempo para discutir, sequer em um parágrafo, a
sofre somente um mau tratamento, “ ativamente erróneo e diversivo” ,17 nas leitura que eles de fato fazem da combinação de três elementos ( produtor,
m â os de filósofos marxistas como Althusser. nã o produtor, meios de produção ) e de duas relações ( apropriação, proprie-
Como dever íamos julgar esse conjunto de discussões? Em primeiro lugar, dnde ). que eles sustentam compor qualquer modo de produ ção. Nada disso
deve ficar suficientemente claro que Marx n ã o desenvolveu o conceito de foi dito pelas palavras de Marx, nem seria encontrado nos escritos de histo¬
modo de produ ção como uma categoria da economia pol ítica, nem mesmo riadores marxistas. N ão restam d ú vidas de que isso pode ser, e, de fato, tem
como uma versão que a ela se opõe. Qual é, no final das contas, a fun ção sido, melhorado: o recente reexame de Cohen dos componentes tanto de
primordial desse conceito? Pensar a diversidade de formas socioeconômicas “ forças” quanto de “ relações” de produ ção representa um avanço signifi ¬
e épocas - a fim de nos fornecer os meios para diferenciar , na evolu ção da cativo. Mas o que é relativamente inegá vel é que o tipo de esclarecimento
humanidade, um tipo principal de estrutura histórica de outro. A economia conceituai sistemático tentado por Althusser e Balibar foi uma empreitada
pol í tica, ao contrário, era um sistema de pensamento que, em última instân ¬ original e frutífera, que gerou uma descrição bem mais espec ífica e precisa
cia, tendia a negar e suprimir a historicidade das relações económicas e das do que qualquer discussão marxista antes dela, seja entre historiadores, seja
instituições, eternizando os padrões particulares do capitalismo como traços entre antropólogos, que Thompson possa dar como exemplo. A legitimidade
perenes da sociedade civil como tal. Dessa forma, não é acidente que já a e a produtividade da contribui ção dada por eles podem ser vistas ao menos
primeira exposi ção ampliada dos elementos encerrados no complexo de um em dois campos. Por um lado, ela foi pioneira no escrut í nio teórico cerrado
modo de produção a ser encontrada em Marx n ão fosse uma an á lise do pró¬ dos câ nones do materialismo histórico, de um tipo cujo exemplo mais l úcido
prio capitalismo, mas uma pesquisa comparativa sobre sociedades pré -capi¬ e crí tico é o trabalho filosófico de Cohen. Por outro, ela tem instruído os
talistas: o célebre capí tulo dos Grundrisse ( uma obra que Thompson conside¬ principais trabalhos de pesquisa empí rica, realizados tanto por historiadores
rou de um “ hegelianismo não reconstru ído” na abstração de “ todo o seu modo quanto por antropólogos: o grande estudo de Guy Bois do feudalismo nor-
de apresentação” ),18 que abarca desde a Grécia antiga e Roma às tribos germ⬠mando e a reconstru ção feita por Pierre-Philippe Rey do impacto do colo¬
nicas e aos tiranos asiáticos, passando pelos proprietários medievais e pelos nialismo francês no Congo são casos que podemos apontar. A cren ça de
comerciantes renascentistas. Gen ética e funcionalmente, a descoberta de Thompson de que a influência de Althusser exclui a investigação disciplinada
Marx do conceito de modo de produção marca uma sa ída decisiva do mundo do mundo real é relativamente infundada. N ão há d ú vidas de que Ler O ca ¬

da economia política; com isso, ele embarcou em um novo tipo de história. pital teria sido um livro melhor - muito melhor - se seus autores dominassem
A noção, no entanto, apesar de toda a sua centralidade em seus escritos uma cultura histórica mais apurada e mostrassem mais respeito pelo trabalho
posteriores, nunca foi sistematicamente articulada por ele. Thompson parece do historiador. Mas A misé ria da teoria também teria se beneficiado se seu
insens í vel a essa constatação óbvia, pois escreve: “ os historiadores dentro autor houvesse tido um interesse mais paciente e escrupuloso pelas elucida¬
da tradi ção marxista por muitas d écadas fizeram uso do conceito de modo ções teóricas de Balibar. Thompson supõe que o conceito de modo de pro¬
de produção, examinaram o processo de trabalho e as relações de produção” 19 du ção é uma ferramenta pronta , dispon ível para o “ emprego” pelos histo¬
e, depois, rejeita as discussões do conceito por Althusser e Balibar sob a riadores: pode-se demonstrar que não é o caso. Althusser e Balibar buscaram
alegação de que elas são inocentes de qualquer referência às descobertas constru í-lo como um conceito articulado, sem relação com outros materiais
emp í ricas desses e de outros historiadores. Desse modo, “ a questão não é a históricos que não aqueles de Marx: indubitavelmente, uma falha. Mas o que
discordância a respeito disso ou daquilo, mas sim a total incompatibilidade essas insuficiências realmente nos ensinam não é a “ completa incompatibi ¬
na maneira pela qual um historiador e tal ‘teórico’ situa a si mesmo diante lidade” das duas perspectivas decretada por Thompson , mas o exato oposto:
de um modo de produção” .20 Esse pronunciamento, por sua vez, permite a sua mútua indispensabilidade . A história marxista é impossí vel sem a cons¬
Thompson ignorar, não menos definitivamente, as descobertas anal íticas de trução formal de conceitos teóricos, que não são aqueles da “ historiografia
fil ósofos da tradição marxista. Em seu ensaio inteiro, apesar de todas as suas em geral ” ; mas esses conceitos só produzirão conhecimento real se derivarem

80 81
dc c retornarem á pesquisa histórica controlá vel . Thompson reclama, com tinha pouca, ou nenhuma, circulação no marxismo antes de Althusser. Por
alguma razã o, da ausência de referências históricas na discussão dos modos que cie começou a introduzir essa noçã o, em lugar de “ sociedade” , em Por
de produ çã o feita por Althusser e Balibar. Mas, considerando que falta a ele Marxl Porque o termo familiar sugeria uma simplicidade e unidade engano¬
próprio um engajamento intelectual com essa discussão, ele é paradoxalmente sas, que ele buscou desafiar - a noção hegeliana de uma totalidade expressiva,
incapaz de fazer uma cr ítica histórica verdadeira de Ler O capital. Derro¬ circular. Em contraposi ção, o termo “ formação social ” , tomado da “ Introdu ¬
tando sua própria intenção, suas páginas permanecem mais abstratas e de- çã o" de 1859 ( Gesellschaftsformation ), era utilizado para sublinhar a com ¬
claratórias do que as que ele está atacando. plexidade e a sobredeterminação de qualquer todo social. Em Ler O capital ,
N ão é preciso ir longe para encontrar a origem da desconfiança de Thomp¬ Balibar deu um passo decisivo adiante ao enfatizar que qualquer formaçã o
son com O capital e de sua aversão ao debate contemporâneo sobre seus social dada é passí vel de conter n ão apenas um , mas uma pluralidade de
conceitos. Eles são inspirados pelo temor de que uma teoria regional de um modos de produção - uma li ção aprendida não de Marx, mas de Lenin: “ 0
“ modo de produ ção” conduza, inevitavelmente, a um reducionismo econ ó¬ capital , que expõe a teoria abstrata do modo de produção capitalista, não se
mico, deformando ou negligenciando todos os outros dom í nios da vida social, ocupa de analisar formações sociais concretas, que geralmente contê m vários
nos quais “ muitos dos mais estimados interesses humanos estão situados” .21 modos de produção, cujas leis de coexistência e hierarquia devem, portanto,
Associada a essa suspeita está a rejeição da distinção marxista tradicional ser estudadas” .25 Com isso, a forma-padrão de distinção entre os dois con¬
entre base e superestrutura , como ao mesmo tempo mecâ nica e quimérica. ceitos passou para o uso geral. Balibar, na própria ocasião de cunhar o termo,
Ainda assim , Thompson não nega a hipótese geral da primazia das deter¬ enfrentou grande dificuldade para indicar os perigos da “ confusão constante,
minações económicas na história. Mas como essa hipótese poderia ser sus¬ na literatura marxista, entre formação social e sua inffaestrutura económica
tentada de outra forma que não pela exploração de determinado modo de ( que é, ela pró pria, frequentemente ligada a um modo de produ çã o )” .
26

produ çã o? Estabelecer uma noçã o confi á vel da “ estrutura econ ómica ” da Thompson, em outras palavras, tramou para condenar seus oponentes por
sociedade não é, consequentemente, excluir ou comprometer o estudo his¬ um erro que eles foram os primeiros a apontar.
tórico de suas “ superestruturas” culturais ou pol í ticas, mas facilitá lo. Sem O resultado é irónico, visto que os autores de Ler O capital h á muito
-
antes construir uma teoria do modo de produção, qualquer tentativa de pro¬ foram mais longe em enfatizar a distâ ncia entre “ capital ” e qualquer dada
duzir um “ conhecimento unit á rio da sociedade” poderia somente produzir (digamos) formação social ocidental do que o próprio A miséria da teoria -
um interacionismo eclético. Thompson , no entanto, acusa Marx de tender a o qual nunca aborda o problema da combinação de modos de produção no
colapsar um sobre o outro - tomando sua teoria regional dos circuitos do interior de uma mesma sociedade.27 O conceito de formação social foi ini ¬
capital por um mapa completo das estruturas da sociedade: “ O capital é uma cialmente introduzido como uma lembrança imperativa de que a diversidade
categoria operativa que legisla sobre seu pró prio desenvolvimento, e o capita ¬ das práticas humanas em qualquer sociedade é irredut í vel a práticas eco¬
lismo é o efeito, em formações sociais, dessas leis” .22 Althusser, ele sustenta, nómicas apenas. A questão com a qual esse conceito lida era precisamente
sistematizou essa identificação grosseira de “ um modo de produção” com aquela que fez surgirem as inquietações de Thompson em rela çã o a base e
uma “ formação social na totalidade de suas relações” ,23 que, em ú ltima ins¬ superestrutura: a diferença entre as estruturas económicas puras do “ capital ”
tâ ncia, deriva da visão caolha da Economia Pol í tica. Assim , Thompson es¬ e o tecido intricado da vida social , polftica, cultural e moral do capitalismo
creve que Althusser “ deseja nos levar de volta à prisão conceituai ( modo de ( francês, ingl ês ou americano ). Sua ê nfase foi depois ainda mais radicali ¬
produção = formação social ) que fora imposta a Marx por seus antagonistas zada, na direção de ampliar a discrepância entre “ capital” e “ capitalismo” ,
burgueses” .24 É preciso dizer que esse refrão é uma das mais surpreendentes por meio da observação da existência de formas não capitalistas, mesmo no
den ú ncias na longa peça de acusação contra Althusser presente em A miséria interior da própria economia. Preocupado com o primeiro problema, Thomp¬
da teoria, uma vez que foram os próprios Althusser e Balibar que inventaram son parece ter falhado em perceber o segundo, e acabou se esquecendo de
a mesm íssima distinção entre modo de produ ção e formação social que onde vêm os termos a partir dos quais os dois são formulados. Ainda assim ,
Thompson agora levanta contra eles. A própria noção de formação social o que é notá vel no conceito althusseriano de formação social é o avan ço

82 83
historiográfico - no caminho de maior discrimina ção c maior complexi ¬ que sua própria separação de instâ ncias plurais é uma violação do imperativo
dade na investigaçã o de sociedades concretas - que ele claramente permite. do conhecimento unitá rio da sociedade n ão menor do que a concentraçã o
Longe de aprisionar os marxistas em uma equação rígida de modo de pro¬ isolada em apenas uma instâ ncia . Para ilustrar sua objeção às formulações
du ção com formaçã o social , o efeito do trabalho de Althusser tem sido o de de Althusser, ele cita seu pró prio trabalho sobre o papel do direito na Ingla¬
emancipá-los dela. terra do século XVIII , o qual, ele argumenta, mostra que a lei operava em
As ressalvas de Thompson em relação a O capital e a suas consequências todos os n í veis da sociedade hanoveriana, não apenas em um :
para a tradi çã o marxista posterior possuem uma outra motivação. O proce ¬
dimento mesmo de tratar o “ modo de produção em abstrato” , ele parece | . . .| descobri que a lei não permanecia educadamente em um “ n í vel ” , mas que estava
imaginar, tende a uma laceração do processo histórico real: cm cada bendito n í vel; ela estava imbricada no modo de produção e nas próprias
relações de produção ( como direitos de propriedade, definições de práticas agrárias )
O marxismo foi marcado, em um momento crí tico de seu desenvolvimento, pelas c estava simultaneamente presente na filosofia de Locke; ela invadia bruscamente
categorias da Economia Pol í tica : da qual a principal era a noção do “ económico” , categorias alheias, reaparecendo, de toga e peruca, disfarçada de ideologia; ela val ¬

como uma atividade dc primeira ordem , capaz, desse modo, de isolar-se como o objeto sou com a religi ão, moralizando o teatro de Tybum; ela foi um braço da pol í tica e a
de uma ciência, fazendo surgir leis cuja operação viria a se sobrepor às atividades de pol í tica foi um de seus braços; ela foi uma disciplina acadêmica, sujeita ao rigor de
segunda ordem.28 sua própria lógica autónoma; ela contribuiu para a definição da identidade própria
tanto de governantes quanto de governados; acima de tudo, ela propiciou uma arena
Mas, Thompson declara, “ um conhecimento unitá rio da sociedade ( que está para a luta de classes, no interior da qual noções alternativas de lei foram objeto de
sempre em movimento, portanto, um conhecimento histórico) não pode ser disputa.20
conquistado por uma ‘ciê ncia ’ que, como pressuposi ção de sua disciplina,
isole certos tipos de atividade apenas para estudo, e n ão proveja qualquer Essa esplêndida enumeração deveria remeter cada leitor à memorável obra
categoria a outros” .2'' Poder-se-ia pensar que Althusser não seria culpado por que é Senhores e caçadores . Lá, eles encontrarão as mats notá veis explora ¬
esse erro, uma vez que é bem sabido que ele devota bastante energia a enfa¬ ções dos m ú ltiplos sentidos e funções do direito já escritas por um marxista
tizar a diferença entre as várias prá ticas em uma formação social e a neces¬ ou por qualquer outro historiador. Mas será que seus achados realmente
sidade de leituras históricas espec íficas para cada uma delas. Por Marx dis¬ anulam a noção de diferentes instâncias ou n í veis no interior de uma forma ¬
tingue três n í veis fundamentais em toda sociedade - económico, pol í tico e ção social? Ao olharmos para a lista de Thompson, notamos que ela se divide
ideológico - e insiste longamente na irredutibilidade de um ao outro. O mais muito naturalmente em três á reas, atravessadas por uma força comum a
célebre conceito do livro, “ sobredeterminação” , foi criado precisamente para todas elas:
deixar clara, com m áxima força, essa complexidade constitutiva de qualquer
N
formação social . O desenvolvimento subsequente do marxismo althusseriano Economia "modo de produçã o" / "direitos de propriedade’
de forma alguma se deté m apenas na á rea económica: na pior das hipóteses, Governo "braço da política"
ela foi , por algum tempo, relativamente negligenciada. A principal aplicação 1 ' Luta de classes"
Cultura "filosofia", "ideologia", "religi ã o"
dos conceitos de Althusser aconteceria no campo pol í tico, com o vasto tra ¬
"identidade pró pria", "disciplina acadêmica"
balho teórico de Poulantzas sobre o Estado. Os próprios interesses posterio¬ /
res de Althusser foram sobretudo na á rea da ideologia. Seria, dessa forma,
dif í cil afirmar que essa tradição tenha “ isolado certos tipos de atividade para O que isso nos diz? Algo que é perfeitamente compatí vel com a descrição
estudo” e “ não tenha provido qualquer categoria a outros” . althusseriana mais ortodoxa: a saber, que, em uma formação social capitalista,
Para Thompson , todavia, essa tradição n ão representa nenhum avanço no o direito é essencialmente um sistema ideológico (cinco termos ), cuja espe¬
legado abstracionista dos Grundrisse ou no essencial de O capital, uma vez cificidade é ao mesmo tempo, por defini ção, materializada por meio da ins-

ÍU 85
ú lu\ç&o política do Hstado ( um termo ), onde sua fun ção primordial é a regu ¬ acuidade em relação ao engodo da noção de “ Estado de direito", acriticamente
la çã o c a proteçã o da propriedade económica ( um termo ). Os protocolos aceita - até mesmo exaltada - por Thompson como uma conquista da época
lormais de Ur O capital , na realidade, descrevem detalhadamente tal terreno hanoveriana. Como ele acertadamente aponta, mesmo os Estados mais despó¬
complexo: ticos caracteristicamente possu í ram códigos legais abrangentes e governaram
por leis.36 Um dos mais avançados desses códigos na história, impondo uma
O conhecimento de uma instância da formação social por meio de sua estrutura rigorosa igualdade diante da lei, foi oyasa mongol , de Gêngis Khan . Retor¬
inclui a possibilidade teórica de conhecer suas articulações com outras instâncias . naremos a essa quest ão; para nosso objetivo, neste momento, é suficiente
Esse problema emerge, desse modo, como o problema do modo de intervenção de observar que Poulantzas, a partir da mesma topografia de instâ ncias denun ¬
outras instâncias na história da instância analisada... As formas de intervenção do ciada como metaf ísica em A miséria da teoria , é capaz de fazer uma crí tica
direito na prática económica não são as mesmas que as das intervenções da prá tica histórica válida de Thompson, verificá vel em bases empí ricas habituais.
económica na prática jurídica, isto é, diferem os efeitos que uma transformação ditada O temor que se esconde por trás da rejeição de Thompson à noçã o de
pela prá tica económica podem ter no sistema jurí dico, exatamente em virtude de sua
diferentes n í veis em uma sociedade é, evidentemente, generalizado. Raymond
sistematicidade (a qual também constitui um sistema de “ limites” internos).31 Williams o expressou com grande força em Marxismo e literatura. Trata se -
da apreensão de que distinguir analiticamente entre vá rias instâ ncias de uma
A ubiquidade do direito na Inglaterra hanoveriana após a Revolução de 1688,
formação social tenda a induzir à convicção de que elas existam substancial ¬
tã o eloquentemente demonstrada por Thompson, corresponde muito proxi ¬
mente como objetos distintos, fisicamente separá veis uns dos outros no
mamente à descri ção feita por Poulantzas, quando este sustenta que “ a ideo¬ mundo real.37 Seria equivocado negar que tal confusão de procedimentos
logia se imiscui em todos os ní veis da estrutura social” 32 como um tipo de epistemológicos com categorias ontológicas possa ocorrer. Mas a causa dela
“ cimento” de coesão social, e que “ o direito capitalista é preeminentemente
é exatamente a falha em ter em mente, da forma necessá ria , a distinção entre
capaz” de realizar essa “ função unificadora ” .33 De fato, o paralelismo entre o objeto do conhecimento e o objeto real , que Althusser, acima de tudo,
as interpretações “ thornpsonianas” e “ althusserianas” do direito moderno vai enfatizou. Daí a insistência em discordar dele afirmando que, na realidade,
ainda mais longe. Douglas Hay, em um extraordin ário ensaio cujos temas todas as atividades sociais são misturadas e entremeadas umas às outras, algo
sã o retomados por Thompson , defende que o direito substituiu a religi ão
que ele, mais do que ninguém, não pensaria em contestar. A natureza estri ¬
como a ideologia legitimadora central na Inglaterra do século XVIII. 34 Pou ¬ tamente metafórica da distinção base/superestrutura em si , repetidamente
lantzas manté m exatamente a mesma tese: “ O centro de legitimidade passa
advertida por Thompson e por outros, foi , do mesmo modo, apontada por
do sagrado para a legalidade. A lei em si, que agora é a corporificação de Althusser.38 A diferença é que, enquanto um a rejeitaria diretamente, o outro
nação- povo, torna-se a categoria fundamental da soberania do Estado; a reteria e a desenvolveria. No entanto, uma vez que a primazia de longo
e a ideologia jurídico-pol í tica suplantou a ideologia religiosa como a forma
prazo dos processos económicos na história é admitida - como Thompson o
predominante” .35
faz -, qualquer figuraçã o dela, seja mecâ nica, vitalista ou matemá tica, deve
Há, evidentemente, diferenças entre as duas leituras, para al é m da riqueza inevitavelmente ser assimétrica. Descartando base/superestrutura como ex ¬
empí rica bem maior da primeira. As reflexões finais de Thompson sobre o di ¬ cessivamente “ construcional” , Thompson joga com a alternativa semente/
reito em Senhores e caçadores são bem mais sensíveis às dimensões progres¬ casca,* antes de julgá- la excessivamente “ vegetativa” e concluir que “ é pos¬
sistas da ideologia legal burguesa na época do Iluminismo e aos pontos de sível que nenhuma metáfora possa ser concebida a não ser em termos espe-
defesa que ela poderia proporcionar à resistência popular contra a espoliação cificamente humanos” .39 Parece que, até aqui, ele não cruzou com nenhuma
económica pela classe dominante, bem como ao bastião que ela constitu ía met á fora substitutiva para propor. Nesse interim , não h á razões para n ão
contra a autoridade pol í tica arbitrária no seio das próprias classes proprie¬
tárias - em outras palavras, às suas contradições históricas como uma área
de luta de classes em movimento. Poulantzas, por outro lado, mostra grande
* “ Kemel/nut” , no original . (N. da T. )

t!6 87
continuarmos a fazer uso da imagem tradicional . De fato, isso ocorre de tal íicção acadê mica” .42 Aqui , parece que o furor polemicus conduziu Thompson
maneira que temos agora uma rigorosa e persuasiva reivindica ção de seu u uma negação contra a qual o seu senso comum profissional o teria, normal ¬
papel na teoria marxista no trabalho de Cohen, cuja força intelectual suplanta mente, alertado, pois quem , afinal de contas, foram os autores originais da
praticamente toda a discussão anterior. Assim, é de particular interesse aqui ideia dc temporalidade histórica diferencial? Seus colegas historiadores Brau ¬
que a demonstração de Cohen da utilidade dessa metá fora focasse exatamente del e Labrousse. A própria arquitetura de O Mediterrâneo e o mundo medi¬
no caso do direito - que, ele sustenta, deve sempre ser distinguido da base terrâneo na época de Filipe II é organizada em camadas de n í veis descen ¬
económica como uma superestrutura. Entre as fontes que erroneamente as¬ dentes: estrutural, conjuntural, eventual - denotando diferentes regiões da
similaram as duas, ele destaca uma discussão feita por mim sobre sociedades história: geográfica, socioeconômica, pol ítica - cada uma das quais recebendo
-
pré capitalistas.40 Seus argumentos são igualmente pertinentes à leitura de um padrão de duração diferente: longo, médio, curto. Toda essa construção
Thompson sobre o direito na sociedade capitalista nascente. Eles me pare¬ será desdenhosamente jogada de lado como uma mera ficção acadêmica?
cem convincentes: possivelmente eles possam persuadir Thompson também, Obviamente que não. Será que Thompson efetivamente contestaria que a
como um modelo do tipo de raciocínio que ele pleiteia. A lei pode ser empi ¬ temporalidade da transumância no Saara fosse distinta daquela do transporte
ricamente onipresente em uma sociedade, como ele mostrou, e ainda perma¬ de ouro do Sudão ao Mediterrâneo, e ambos dos inquéritos militares espa ¬

necer, analiticamente, um n í vel dela, como Poulantzas sustenta; e esse n í vel nhóis em Magrebe? Com maior precisão, Labrousse havia demonstrado, já
pode, de fato, ser elevado a uma superestrutura acima da base económica, antes da guerra, a existência de diferentes agendas históricas em uma mesma
mesmo quando é indispensá vel a ela, como demonstra Cohen. N ão há in¬ regi ão, traçando ondas de preços sobrepostas - secular, c íclica e sazonal - na
compatibilidade entre essas proposições sucessivas. economia agrá ria da França do século XVIII .43 Outros exemplos concretos
Depois de desenvolver, em Por Marx , a tese da necessá ria complexidade poderiam ser multiplicados à vontade. Para citar apenas um dos mais próxi ¬
regional de qualquer forma çã o social , Althusser prosseguiu em Ler O capi¬ mos: quem negaria que o ritmo de mudança evidenciado pela população tem
tal sustentando que cada regi ão possui sua própria temporalidade, que só sido mais lento que aquele da forma de govemo na Inglaterra do século XX?
pode ser capturada após constru ído o conceito da instâ ncia em foco. Essa Tais considerações são tão elementares que é desconcertante que um histo¬
noção de tempos históricos diferenciais é rejeitada por Thompson não menos -
riador pareça rejeitá las com desdé m.
categoricamente. Essencialmente, seu pensamento é que falar de n í veis dis¬ Em seu próximo parágrafo, Thompson oferece um contraexemplo para
tintos ou temporalidades diferenciais é quebrar a textura unitária da experiên¬ ilustrar sua própria alegação de que a “ mesma experiência unitá ria” pode
cia , na qual todas as instâ ncias são vividas simultaneamente pelo sujeito. encontrar uma “ expressão” circular em um agrupamento sincronizado de
Desse modo, processos sociais díspares. Na Inglaterra do século XVIII,

[...] as construções de Althusser são efetivamente erradas e completamente enganosas, [... ] o medo da multid ão na “ pol í tica” reaparecendo como desprezo pelo trabalho
[ porque] todas essas “ instâncias" e todos esses “ n í veis” são, na verdade, atividades, -
manual entre os gentis homens, reaparecendo como desprezo pelapráxis na academia,
instituições e ideias humanas. Estamos tratando de homens e mulheres em sua vida reaparecendo como Black Acts no “ direito” , reaparecendo como doutrinas de subor¬
material, em suas relações determinadas, em sua experiência delas e em sua autocons¬ dinação na “ religião” - serão a mesma experiência unitária ou pressão determinante,
ciência dessa experi ência. Por “ relações determinadas” indicamos relações estrutura¬ -
resultando no mesmo tempo histórico, e movendo se no mesmo ritmo.
44

das no interior de formações sociais especí ficas em termos de classe e que a experiên ¬
cia de classe encontrará expressã o em todas essas “ instâ ncias” , “ n íveis” , instituições Mas não é dif ícil responder a isso. Não é verdade que o desprezo pelo traba ¬
e atividades.41 lho manual sobreviveu aos Black Acts ( bem como os precedeu em muito )?
Que o medo da multidão persistiu muito depois das doutrinas de subordina ¬
Conclui-se, portanto, que, em Althusser, a “ noção de ‘n í veis’ movendo-se ção religiosa terem definhado? N ão seriam as academias mais recentes que
por a í na história, em diferentes velocidades e com diferentes agendas, é uma ambos, e, ainda assim , mais duráveis que as leis capitais hanoverianas? Cada

88 89
umu íICSSIIS diferentes atitudes ou códigos possui seu próprio compasso e sua
cotidianos do termo. Iodas as discussões sobre o tempo histórico se referem
extensão evolutiva. Nessa única sentença fervilha uma pluralidade de tempos
ã combinação dos dois ú ltimos sentidos, como qualquer um familiarizado
-
históricos. Thompson n ão devia ter dificuldade em vê los, mas ele parece
sentir que admiti-los seria rasgar o tecido uniforme da experiência para al ém
com a emergência do tema de Lambrousse e Braudel em diante reconhecerá
sã o sempre
,

lais temporalidades históricas, não importa o quão diferenciais


,
da possibilidade de emenda. Ainda assim , a sensação subjetiva de “ simulta
¬ conversí veis em tempo cronológico, que se mantém idêntico. A fustigaçâo
neidade” não é garantia da cotemporalidade objetiva, em um sentido mais de Althusser a um “ ú nico tempo de referência contí nuo” é, na verdade com
,“ -
profundo, dos processos vividos. clara
plctamente enganosa” , pois ela falha em estabelecer qualquer distinção
entre a incontestável ( de fato, indispensá vel - pensemos em
Thompson está em terreno muito mais seguro quando prossegue e observa data çã o ) exis¬
que “ todas essas ‘histórias distintas’ devem ser reunidas no mesmo tempo , sua falta de
t ê ncia de tal tempo, como o instrumento de toda história e
histórico real , o tempo no interior do qual o processo se desenrola” .4S escans ões do de
pertinência como um princí pio organizador das variadas
¬
Isso
está muito bem dito. Aqui reside a verdadeira fraqueza das discuss
ões de senvolvimento histórico. O tempo relevante no qual todas as histórias regio¬
Althusser sobre história : não sua ê nfase na existência de diferentes tempos
nais deveriam ser reunidas não é uma grade de datas vazia, mas o movimento
setoriais, a qual é salutar, mas sua falha em ressaltar a necessidade de rein ¬ é possí vel
pleno de toda a formaçã o social . No m í nimo. Ao afirmar que “ só
tegrá-los a um tempo societal pleno. N ão é que Althusser ignore completa ¬ histórico
prover um conteúdo ao conceito de tempo histórico ao definir tempo
-
mente o problema: referindo se às “ diferentes temporalidades produzidas
como a forma específica da totalidade social em consideração” , Althusser
,
pelos diferentes n íveis da estrutura” , ele escreve que “ sua combinaçã equiva
caracteristicamente, supõe que a “ totalidade social ” em questão seja ¬
o com¬
plexa... constitui o tempo peculiar” 46 do desenvolvimento de uma formaçã
o lente a uma “ formaçã o social ” , em outras palavras, que os agrupamentos
social. Mas a mem ória dessa prudente alusão é logo apagada pela densidade
nacionais constituam os limites naturais da investigação histórica. Mas na
,
das subsequentes den ú ncias da “ ideologia do tempo” em Ler O capital
verdade, o materialismo histórico insiste, acima de tudo, no caráter interna
¬
: “ N ão
pode haver dú vidas sobre relacionar a diversidade de diferentes temporali ¬ de cada
cional do modo de produção e na necessidade de integrar os tempos
dades a uma ú nica base de tempo ideológica, ou sobre medir seu desloca¬
formação social particular a uma muito mais complexa história geral do modo
mento contra a linha de um ú nico tempo de referência cont í nuo .47
” Aqui , de produção nelas dominante.
Althusser, em vez de descartar, cogita uma ambiguidade conceituai central: Os problemas teóricos e técnicos envolvidos na reunião de temporalida
¬
o resultado é uma grave confusão. O tempo como cronologia é um ú nico e
des hist óricas diferenciais em um ú nico tempo social são imensos . N ã o é
homogéneo continuum. N ão h á nada tenuamente “ ideológico” a respeito
mero acidente que o próprio trabalho monumental de Braudel venha sendo
,
desse conceito de temporalidade, que forma o objeto cient ífico de instituições em sua falha
desde sua primeira publicação, criticado precisamente com base
como o Observatório de Greenwich. O tempo como desenvolvimento é dife¬ nessa tarefa - seus três estratos nunca alcan çam qualquer s í ntese signifi
¬

rencial , heteróclito, descontinuo. Os dois sentidos da palavra estão impressos para n ã o falar dos
cativa.4* A ausência de uma ênfase adequada no problema,
na linguagem cotidiana , aproximadamente, como em “ tempo do rel ógio” e para ele, n ã o é , desse modo , de todo
elementos de uma solução satisfat riaó
“ tempo musical ” . O ú ltimo, no entanto, conota apenas ritmo, enquanto Braudel , La -
o surpreendente no trabalho de Althusser. Em contraposição a
sentido técnico acima também inclui duração. “ Qual é o tempo* do Prelúdio tempos
brousse, no entanto, obteve de fato sucesso em integrar diferentes
em Dó Maior de Bach ?” As três diferentes possibilidades de resposta ( diga ¬ conjunturas
setoriais em um único movimento histórico ao se concentrar em
mos: às duas horas; 4/4; 5 minutos ) indicam a quantidade de significados
de crise. O texto clássico nesse aspecto é seu sucinto ensaio sobre o entrela
¬

çamento-padrão de ciclos económicos plurais (agrícola/ industrial ) com fis ¬

suras financeiras e pol íticas no bloco governante e no aparelho de Estado que


* “ What is the time” , no original. Em inglês, essa pergunta pode tanto fazer referência ao na
horário da apresentação quanto ao ritmo da execução c à duração da peça. A palavra denotaram as grandes explosões revolucionárias de 1789, 1830 e 1848
mantém parte da ambiguidade almejada pelo autor no original,
“ tempo”
França.49 Provavelmente, esse estudo forneceu o modelo remoto para as
re¬
excluindo apenas a ideia de
“ horário” . (N. daT.) flexões sobre a questão das situações revolucionárias em Por Marx
, uma vez

90 91
que o trabalho de Althusser n ão carece, como um todo de . conceitos que turn dc Outubro é reunido, mas sua hierarquia material
e suas interconexòes
convoquem temporalidades diferenciais a uma hist ória em comum: as noções lista indis¬
não são estabelecidas em lugar algum. Somos deixados com uma
criminada, em vez de uma estrutura explicativa genu í na. A ã
de “ deslocamento” , “ fusão” e “ condensação” de contradi ções sã o
elaboradas raz o para isso
para servir a esse propósito em seu trabalho inicial. De fato Por
t é m uma categoria clara de integra ção geral - a da “ unidade dc
. Marx con ¬ pode, em parte, ser encontrada na autoridade em que Althusser
se baseia -
abrangente da
ruptura” . Lcnin. Afinal , Lenin nunca produziu uma aná lise histórica
Althusser cunhou essa expressão para descrever o paradigma de Outubro de dessa revolução
Revolu ção Russa como tal : suas visões sobre a causalidade
1917. Em tais crises, “ uma vasta acumulação de ‘contradições’ entra em jogo ocasionais
precisam ser reconstru ídas a partir do material disperso dc artigos
no mesmo campo, algumas das quais são radicalmente heterogéneas - de que nunca encontrou um
di ¬ e discursos produzidos durante e depois do evento ,
ferentes origens, diferentes sentidos, diferentes níveis epontos de aplicação , mimetiza
- ponto de integração. A teorização de Althusser sobre esses escritos
mas que, não obstante, ‘se fundem ’ em uma unidade de ruptura” “ a quanto intelectual , já
- unidade essa dispersão original . A falha aqui foi tanto pol ítica
que eles constituem nessa ‘fusão’ [é] uma ruptura revolucioná pro
de ¬
ria ” .50 A li ¬ que o materialismo histórico de fato possu í a uma leitura de Outubro
mitação desse conjunto de termos é que eles se ocupam essencialmente da Revolu¬
de fundidade e relevância incomparavelmente maiores - a História
conjunturas de levantes revolucionários ( quando “ a imensa teoria marxista
maioria das mas¬ ção Russa, de Trotsky, a qual precisamente antecipa uma
sas populares” est á “ agrupada em uma investida contra um regime cujas de¬
geral desse evento, trabalhada por meio de uma reconstru o narrativa
çã
classes dominantes são incapazes de defender ),51 os quais são historicamente de Althus¬
” talhada dos próprios acontecimentos. As filiações organizacionais
muito raros. O mais frequente n ão é uma “ unidade de ruptura ” , mas uma ão à obra de
ser ao tempo de Por Marx impediram até a possibilidade de alus
“ unidade de conten ção” ou “ de reforço” ou força de sua
“ de bloqueio” . A unidade con¬ Trotsky. A consequê ncia é um drástico enfraquecimento da
juntural que Thompson evoca do tempo de Walpole é um v mais uma denomi ¬
ívido exemplo. exposi ção da própria sobredeterminação, que permanece
Apesar de estar consciente do problema (ele menciona o caso da R ússia do
Alemanha nação para a superf ície multiforme do processo revolucioná rio na
no per íodo de Wilhelm ),52 o vocabulário de Althusser não possui nenhum inteligibilidade .
que uma explicação de sua unidade interna e
conceito eficiente para lidar com esse tipo de situação. Nesse sentido, a queixa poderia desen¬
A questã o permanece: o conceito de sobredeterminação
de Thompson contra esse fato é justificada e o exemplo que ele arregimenta mais ade¬
volver , ao n í vel teórico propriamente dito, uma amplitude causal
é bem escolhido. Mas a predominância quantitativa de “ do termo
unidades bloquea ¬ quada? Thompson, apontando a defici ência no uso não examinado
das” , ou, mais precisamente, de “ unidades adaptativas” , é, em si , um favor á vel , sua própria
lembrete "determinação” por Althusser, cita, em um contraste
da menor incidência da agê ncia coletiva operando no n í vel da con ¬
formação discussão e a de Raymond Williams sobre o termo. Ele provavelmente
social como tal, para moldá-la ou remodel á-la. . O mé rito
cordaria que, das duas, a de Williams está mais bem sustentada
Resta uma crí tica final, e fundamental, feita por Thompson aos escritos é inquestio¬
das reflexões sobre “ determinação” em Marxismo e literatura
sobre história de Althusser. O conceito mestre com o qual ele ganhou sua do termo
ná vel:54 de modo característico, Williams focou as ambiguidades
fama inicial foi o de sobredeterminação. Seu papel central em Por Marx . Ao fazer
antes e com maior clareza de olhar que qualquer outro pensador
nunca esteve em d úvida: a própria unidade de ruptura há pouco discutida é como “ estabeleci ¬
isso, estabeleceu sua preferência pela leitura do termo
apenas uma especificação do mecanismo universal da “ controle” -
sobredeterminação das mento de limites” , ou “ extemalização de pressões” , em vez de
contradições no complexo todo social que Althusser defendia ser peculiar ao o de “ sobrede¬
escolha que Thompson partilha - e ainda expressou uma 55 vis ã
marxismo. Ainda assim , Thompson acertadamente observa que “ determi¬
terminação” bem mais apreciativa que a de Thompson . É de
interesse
naçãoi, que permanece no centro de todo o seu campo gravitacional tica realizada dos
recor¬ especial , portanto, que, na primeira explora çã o sistemá
rente, não merece uma ú nica senten ça de escrut í nio teórico” .S3 O e na história,
resultado, diferentes tipos de determina çã o causal atuando na sociedade
na principal interpretação de Althusser das causas da Revolução Russa, é um do
o primeiro modelo a se distinguir seja exatamente o primeiro sentido
curioso deslize em direção a um mero pluralismo emp í rico: um variegado do conjunto da
termo dado por Williams, enquanto a filia ção intelectual
conjunto de “ circunstâ ncias” e “ correntes” responsá vel pela unidade de rup
- empreitada derive do conceito original de sobredetermina o de Althusser
çã .

92 o?
.
Classe, crise e o Estado, de Erik Olin Wright constrói uniu gama teórica dc
seis diferentes tipos de determinação, encabeçada, mas longe de
Thompson nos diz que a resposta “ se encontra em uma expressão ausente:
conclu ída, ‘experiência humana '” , na qual “ homens e mulheres também retomam
como
pela “ limita çã o estrutural ” , que oferece exemplos históricos de produçã o e relações
empíricos dc sujeitos" - "pessoas experienciando suas situaçõ es
cada e busca traçar suas complexas interconex ões sociais nas relaçõ como necessidades e interesses e como antagonismos, e, assim ,
es em determinadas
curso entre modos de produ ção, luta de classes e Estados.56 Como uma pri
¬ ‘lidando’ com essa experiência dentro de sua consciência e de sua cultura
meira incursã o em territ ório n ão cartografado, a obra é, certamente,
susce¬ das formas mais complexas, e, então, atuando, por sua vez, sobre sua situa ¬
t í vel a correções e melhorias - de historiadores, soci ó logos ou fil
ósofos. çã o determinada” .5*
Mas está claro que a direção dessa discussão pioneira é a correta: h á Será esse caminho que nos é mostrado aqui uma rota preferí vel para a
muito
aguardada entre os marxistas. Se as reprimendas de Thompson compreensão histórica? A força da genética mendeliana, na descri ção acima,
a Althusser
pelo uso do termo determina ção são justificadas, um trabalho
escrito dentro foi prover o mecanismo causal que explicou a evolução das espécies que
da tradi çã o althusseriana produziu - contrariando suas
Darwin havia meramente observado. Se a “ experiência é de fato o código
"
confiantes inferên ¬
cias - de longe a mais desenvolvida e discemidora descrição de suas ,
moda ¬ gen é tico da hist ória, ela, presumivelmente, constitui, do mesmo modo a
lidades até hoje feita. explicaçã o do desenvolvimento de todas as sociedades. Será que esse con ¬
ceito pode sustentar tal peso? J á vimos a dificuldade central intema a ele.
Em resumo, o ataque de Thompson aos conceitos históricos presentes
na
obra de Althusser carece de profundidade e nuança. Tomando a no o
çã de Aonde a experiê ncia leva? Qual consciê ncia ela gera? Qual ação ela inspira?
modo de produção de Marx como efetivamente dada, ele falha em
registrar Nenhuma resposta vem empacotada com ela - sozinha, a palavra permanece
seja a novidade, seja a necessidade de uma aná lise sistemá tica
dessa noção; emudecida perante essas perguntas. Para fins explicativos, o termo é um
equivoca-se sobre a proveniência c o objetivo do conceito de forma
ção social; vazio ambí guo. Por isso a necessidade de preenchê- lo com um novo adicio¬
exagera os perigos de uma topografia anal í tica de á reas; e se esquece
da nal - a metaexperi ê ncia já enfrentada e previsivelmente presente aqui nova ¬
origem e dos ganhos gerais da noção de tempo diferencial para os
historia ¬ mente: o “ lidar” com a experiência. O mistério dessa noção é paradoxalmente
dores. Mas essa série de rejeições é, de certa forma, nã o mais que o conco reminiscente de algo dos próprios conceitos de Althusser ( ideologia definida
¬
mitante negativo das proposições positivas que Thompson desenvolve
em n ão como uma rela ção imaginária dos homens com suas condições de exis¬
A miséria da teoria, pois, se ele rejeita o itinerá rio - modo de produ
ção > t ência, mas como uma relaçã o imagin á ria com o modo pelo qual eles vivem
formação social > topografia de práticas > temporalidade diferencial
-é suas condi ções de existência ). Sua função é criar uma ponte entre uma causa
porque tem uma outra, e mais curta, rota para recomendar. O elo que imponderá vel e um efeito incalcul á vel . Mas, se não h á passagem pronta
falta
entre o “ modo de produção” abstrato e o “ processo histórico”
concreto é a un í voca da “ experi ência ” para a “ ação” , a interpolação de “ lidar com” para
“ experiência humana” . Ele sustenta que, com essa descoberta, os historia ¬
converter um no outro não faz nossa compreensão sobre nenhum deles avan ¬
dores marxistas modernos começaram a remediar os limites darwinianos
çar. Isso meramente reproduz a indeterminação da conexão entre os dois em
,
do
próprio Marx com uma ousadamente nova genética mendeliana,
um ainda mais isolado santuá rio do sujeito. O caminho para um melhor en ¬
tendimento materialista da a ção histórica n ã o vai ser encontrado em uma
[...] já que, assim como Darwin propôs e demonstrou um processo
evolutivo que regressã o a fontes de motiva çã o cada vez mais intang í veis, mas em avan çar
ocorria por meio de uma transmutação hipotética de espécies espé
- cies que haviam em direção a uma compreensão cada vez mais espec ífica e concreta da mul ¬
até ali sido hipostasiadas como imutá veis e fixas - e ainda assim
permanecia totalmente tiplicidade de suas determinações sociais.
no escuro sobre os verdadeiros meios genéticos de tais transmissão e
transmutação -, O apelo à experiência em A miséria da teoria envolve, no entanto, dois
também, dc forma aná loga, o materialismo histórico, como uma
provido de sua própria “ genética” . Se uma correspond ência pudesse
hipótese, estava des¬ corolários de import â ncia adicionais. Lembremo- nos de que a experiê ncia
em parte, demonstrada - entre um modo dc produção e o processo
ser proposta - e, não é apenas o tecido vivido da sociedade; ela é a solução na qual “ a estrutura
de que maneiras, isso se deu?57
histórico, como, e é transmutada em processo” e o “ sujeito reingressa na história ” . Mas. se é
para ser, ao mesmo tempo, o código mendeliano da aventura humana na

94 95
Terra, esse meio no qual “ homens c mulheres relomum como sujeitos em sua
regras visíveis
-
própria história" toma se nada mais que o segredo causal de todo o “ processo
histórico” . A l ógica da compara ção é outra forma de escrever em demasia a
relações familiares
costumes direito
hegemonia instituições
respeito - de inflar a dimensões simplesmente insustentá veis - do verdadeiro deferência
papel da agência na mudança histórica até hoje. (Jma tendência crescente¬ símbolos
mente idealista e voluntarista emerge na discussão aqui. A impressão é re¬ fé religiosa
forçada quando olhamos para as - um tanto esparsas - especificações que impulsos milenaristas
condutas
Thompson oferece sobre a nova genética. Sugerindo que a experiê ncia hu ¬
ideologias
mana pode explicar por que as sociedades passam por transições e modifi ¬ regras invisíveis
cações de uma forma que não estava dada a Marx, Thompson escreve:

Na “ experi ência” , fomos levados a reexaminar todos aqueles sistemas densos, Os dez itens à esquerda pertencem todos, aproximadamente, à á rea da
complexos e elaborados por meio dos quais a vida familiar e a social sâo estruturadas cultura, tomada no sentido amplo adotado por Thompson em seu trabalho
c a consciência social encontra concretização e expressão (sistemas que o próprio histórico. Os três itens à direita são mais vagamente, potencialmente pol íti ¬
rigor da disciplina em Ricardo ou no Marx d' O capital é feito para excluir ): relações cos em caráter. O equil íbrio entre os dois lados, e a distribuição de interesse
familiares, costumes, regras visíveis e invisíveis de regulaçã o social, hegemonia e c especificidade (compare “ fé religiosa e impulsos milenaristas” a “ institui¬
deferência, formas simbólicas de dominação e resistência, fé religiosa e impulsos ções” ), é pouco questionável. Involuntariamente, um culturalismo dissimu ¬
milenaristas, condutas, leis, instituições e ideologias - todos os quais, somados, cons¬ lado parece estar atuando. Na página seguinte, Thompson nos diz que
tituem a “ genética” de todo o processo histórico; todos eles unidos, até certo ponto,
em experiência humana comum.59 [...] com “ experiência” e “ cultura” nos encontraimos em um ponto de junção de outro
tipo [pois] as pessoas não apenas experienciam suas próprias experiências como ideias
,

dentro do pensamento e dos seus procedimentos , ou ( como alguns profissionais da


Como devemos avaliar essa proposição? A primeira coisa a ser dita é que
Thompson simplesmente se esqueceu do princípio central do materialismo teoria supõem ) como instinto proletá rio. Elas também experienciam sua pró pria
histórico. Afinal , longe de necessitar de algum princí pio explicativo de tipo experiência como sentimento, e lidam com seus sentimentos na sua cultura, como
“ gen ético” , a teoria de Marx conspicuamente possui um normas, obrigações familiares ou consanguíneas e reciprocidades, como valores ou
- estabelecido com
(por meio de formas mais elaboradas) na arte ou nas crenças religiosas.
60
singular clareza e força no “ Prefácio” de 1859: a tese de que a contradição
entre forças de produção e relações de produção é a mais profunda fonte de
mudança histórica de longo prazo. Thompson, provavelmente avesso ao ob Ele prossegue: “ Essa metade da cultura (e é uma metade plena ) pode ser
jetivismo dos termos, ignora inteiramente a ideia. Nenhum argumento é se¬
- descrita como consciência moral e afetiva” . Marx e Engels exibiram uma
61

quer evocado contra ela em A miséria da teoria: ela é abandonada em silên ¬ singular cegueira em relação a isso, transmitindo uma repressão de todo esse
cio. O que o inventário da genética de Thompson nos proporciona no lugar dom í nio para o marxismo posterior, com consequências intelectuais e pol í ¬
dela? Em contraste com Marx, ele nos fornece um catá logo de sistemas, não ticas desastrosas. O efeito dessas defini ções sucessivas é um conjunto sub-
uma hipótese causal sobre eles. Uma lista não é uma explicação. No entanto, -reptício de equações: modo de produção = demanda de “ experiência” para
ela não é, dessa forma, meramente neutra. Os elementos selecionados para explicar o processo histórico; experiência = vivida na cultura e na consciên ¬
cia, com sistemas complexos que Marx excluiu; metade da cultura = elemen
¬
inclusão insinuam um padrão definido:
tos não ideacionais, sobretudo a afetividade e a moralidade; Marx ignorou
isso tudo de modo preciso e, sobretudo, sistem ático. Lidas estritamente,
essas páginas chegam perto de dizer que a moralidade e a afetividade forne ¬
cem a metade da experiência que impulsiona geneticamente as transforma-

96 07
w çflcs da história . Tal posição possui um respeit á vel pedigree liberal , mas n ão
6 definitivamente uma posi çã o marxista. De fato, Thompson, evidente¬
ficados: nós apertaremos a m ão de Swift. Endossaremos cm nosso presente os valores
tie Winstanley c garantiremos que o tipo de oportunismo baixo e cruel que distinguiu
65
mente, não adere na prá tica a essa posição. Ele permanece bem mais mate¬ a pol í tica de Walpole seja abominado.
rialista como historiador. No próprio A miséria da teoria, cie sucessivamente
insiste que os valores devem ser situados na “ morada material da cultura: a O poder dessa visão não deve ser negado. Ele constitui o n úcleo da própria
forma de vida das pessoas e, sobretudo, suas relações produtivas e familia ¬ utuaçâo de Thompson e muito da razão de sua grandeza como historiador.
res"."’- Mas a tendência de suas reflex ões sempre se reverte em uma simulta¬ Mas. ao mesmo tempo, também é impossível não observar sua distâ ncia do
neidade circular entre “ valores” e “ interesses” , “ querer” e “ obrigação” , “ luta materialismo histórico como entendido por Marx ou Engels. Um sintoma
de classes” e “ conflito moral” , enraizada na totalidade expressiva da expe¬ precoce de uma dissociação entre os dois em A miséria da teoria é o padrão
riê ncia. Uma dinâmica explicativa permanece impossí vel de obter por meio das próprias definições de história e de materialismo histórico de Thompson.
desses pares. Repetidas vezes, ele espontaneamente equipara a “ história” ao “ passado” .
Como se ele mesmo estivesse em parte consciente disso, Thompson apre¬ Desse modo, o termo “ histórico é uma definição genérica: ele define de ma ¬
senta, em outro ponto de A miséria da teoria, outra leitura das relações entre neira bem geral uma propriedade comum a seu objeto ( pertencer ao passado,
valores e história, sugerindo uma posição mais aprofundada. Lá, ele sustenta c n ão ao presente ou ao futuro )” .66 Novamente, “ o verdadeiro objeto per¬
não tanto que a moralidade ou a afetividade sã o metade das causas escondi ¬ manece unitário. O passado humano n ão é uma agregação de histórias parti ¬
das da mudan ça histórica, mas que os valores que elas expressam constituem culares” .67 Essas são formulações incautas, de cujas armadilhas Thompson
as ligações inextingu íveis entre indiv íduos no curso geral da história. Os estaria consciente em outra parte. Sua relevância reside em sua aliança a
processos históricos como tais não podem ser considerados “ progressistas” outro conjunto de identificações. Nele, o materialismo histórico é assimilado
ou “ reacionários” . Mas, “ se não podemos atribuir valor a processos, as mes¬ lout court à historiografia - a prática de escrever sobre a história. Assim, já
mas objeções não surgem com a mesma força quando estamos considerando na primeira linha de A miséria da teoria , o “ materialismo histórico” como
as escolhas dos indiv íduos” ,63 porque individuos espec íficos no passado po¬ uma “ prática madura ” é a “ mais forte disciplina derivada da tradi ção mar¬
dem exibir valores com os quais podemos nos identificar, ou pelos quais xista” - que, durante a vida de Thompson “ como um historiador” , realizou
podemos ser inspirados hoje, que nós, por nossa vez, podemos transmiti- los, avanços considerá veis.68 Posteriormente, o “ materialismo histórico” será
pela qualidade do nosso julgamento ou de nossas vidas, aos indiv íduos fu ¬ distinguido dos “ marxistas profissionais de outras disciplinas” e diretamente
turos. Tal filiação moral, para além da tarefa da explicação causal , é uma equiparado à “ historiografia marxista". A partir daí, a equivalê ncia entre os
69

dignidade inerente e salutar da pró pria história como disciplina, “ pois ‘pro¬ dois é, de forma geral, dada como certa. No entanto, se relembrarmos do
gresso’ é um conceito ou vazio de significado ou pior, quando imputado como trabalho dos próprios Marx e Engels, podemos imediatamente ver que a
um atributo do passado que só pode adquirir significado a partir de uma constante assimilação da história ao passado e do materialismo histórico
posição especifica no presente, uma posi ção do valor em busca de sua própria à historiografia, promovida por Thompson, era totalmente estranha a eles,
genealogia” .64 Dessa forma, nós podemos pois o materialismo histórico era, para seus fundadores, també m um “ socia ¬
lismo científico” , em outras palavras, o projeto de compreender o presente
[...] nos identificar com certos valores que atores do passado seguiram, e rejeitar e controlar o futuro - um projeto pol ítico em sintonia com a ideia de revo¬
outros. Podemos dar nosso voto para Winstanley e para Swift; podemos votar contra lu ção proletá ria. Nessa perspectiva, o materialismo histórico não está confi ¬
Walpole e Sir Edwin Chadwick. Nosso voto não mudará nada. E, mesmo assim, em nado ao - ou mesmo predominantemente concentrado no - passado. A his¬
outro sentido, pode mudar tudo, pois estamos dizendo que esses valores, e n ão aque¬
tória da qual ele se ocupa é, ao menos, igual ao presente. De fato, qual é a
les outros, são os que fazem essa história significativa para nós , e que esses valores
outra orientação d' O capital senão essa? Seu ponto de referência “ emp í rico”
são os valores que pretendemos ampliar e sustentar em nosso presente. Se tivermos
essencial é a economia inglesa da década de 1860. Esse parece ser um tópico
sucesso, então nós alcan çaremos o passado e o dotaremos dos nossos próprios signi - extremamente óbvio e elementar. O que surpreende é o quão completamente

98 oo
-
Thompson lulha cm ocupar se disso em seu longo coment á rio sobre as dife ¬ eles nunca os sistematizaram em um discurso separado. Em certo sentido,
ren ças entre O capital e o materialismo histórico, como ele o interpreta. Thompson está correto em cobrar do legado deles esse sil ê ncio relativo - cujo
Hoje, nos anais do marxismo do século XX, é o erro oposto que tem sido resultado mais sério durante a pró pria vida dos dois foi , ele com justi ça
difundido - a redução do materialismo histórico a uma sociologia da revo¬ nponta , a impaciência e a insensibilidade de Engels em relação ao gênio pe¬
lu çã o, e a compressão de seus princ í pios investigativos às normas da luta culiar de Morris. Mas o que ele ignora é que a razão de os fundadores do
pol ítica. Contra esse estreitamento instrumental, é necessário enfatizar firme muterialismo histórico serem tão relutantes em relação às discussões éticas
e claramente que o passado, que repousa longe de qualquer alteração material do socialismo - uma razão que não perdeu sua relevância para sua pró pria
pelas atividades do presente, permanece, contudo, um perpétuo e essencial defesa atual delas - é a tendência dessas discussões a se tomarem substitu¬
objeto de conhecimento para o marxismo, uma zona de cogni ção intacta - ao tas das interpretações explicativas da história. Agressivamente reivindicando
contrá rio das teses sobre Feuerbach - pela ausência de transformação. Em a restauração do “ moralismo” como uma parte integral de qualquer cultura
um ensaio sobre as formas e os limites do marxismo ocidental , eu discuto o contemporâ nea da esquerda, Thompson se esquece da diferencia ção que cabe
perigoso empobrecimento envolvido em qualquer confinamento do materia ¬ ao próprio termo indicar no uso cotidiano. A consciência moral é, certamente,
lismo histórico a horizontes contemporâneos apenas.70 Thompson, por outro indispensá vel à ideia mesma de socialismo: o próprio Engcls enfatizou que
lado, tende a cometer uma reduçã o na direção oposta, um desvio muito mais “ uma moralidade realmente humana" seria um emblema do comunismo, o
72

incomum : o que falta a toda a sua leitura do materialismo histórico em A melhor produto de sua vitória sobre as velhas divisões sociais e antagonismos
miséria da teoria é algum sentido real de que um dos objetivos centrais de enraizados na escassez. O moralismo, por outro lado, denota a vã intrusão
entender o passado é oferecer um conhecimento causal dos processos histó¬ de julgamentos morais na compreensão causal - tipicamente, tanto na aná ¬
ricos capaz de fornecer a base para uma prática pol ítica adequada no presente, lise da vida cotidiana quanto na da pol í tica, levando a uma “ inflação" dos
direcionada para a transformação da ordem social existente em um futuro próprios termos éticos em uma falsa retórica, que carece do senso rigoroso
popular, organizado - pela primeira vez na hist ória. Essa é a ambi ção do de cuidado material e medida que é insepará vel da verdadeira consci ência
Manifesto Comunista. No entanto, na leitura de Thompson do estatuto ori ¬ moral. Esse processo é bem evidente e familiar à pol ítica contemporâ nea
ginal do materialismo histórico, do qual ele alega ter Marx se desviado para fora do movimento socialista, e contra ele. Soljenítsin, desde seu exílio, é
os labirintos da economia pol ítica, não se encontra a mais tênue alusão a isso. um exemplo indicativo. Seu resultado final é desvalorizar todo o decreto do
Outra coisa assume o seu lugar em A miséria da teoria. Para Thompson, com julgamento moral.
efeito, a história se transforma essencialmente em um manual de exemplos Thompson pode ser isentado dessa lógica. Com outro â nimo, diferentes
morais, a serem aprendidos e legados para a imitação ética. A continuidade circunstâncias, ele se mostrou crítico desses perigos. Em A formação da
entre passado e presente é, a partir disso, trincada no n í vel básico em que é classe operária inglesa , a “ moralização” de Cobbett é tratada como uma
fraqueza que reduz seu enlevo pela classe trabalhadora em ascensão; na
77
materialmente efetiva - nos processos objetivos de desenvolvimento social
e mudança, os quais, até agora, não foram - exatamente - a arena de uma edi ção revisada de William Morris, ele escreve sobre a versão original do
livro: “ Eu me intrometi no texto sobremaneira com comentários moralistas” .
74
celebração da agência coletiva livre.
Consciente da dificuldade pol ítica de apresentar isso como tal, Thompson O uso da história que ele advoga em A miséria da teoria n ã o é moralista,
recorre ao resgate dos valores morais individuais de um processo amoral, de nesse sentido deteriorado. Mas a noção da hist ória como um á lbum de valo¬
direção neutra. Os ecos da tradição marxista mais clássica não estão total ¬ res a ser legado de indiv íduo a indiv í duo não é, poré m, uma noção marxista,
mente ausentes de A miséria da teoria ,7' mas sã o cada vez mais fracos e ou mesmo especificamente socialista . Chamadas nominais de vidas passadas,
distantes. A maior conquista do texto é em outro ponto. É uma que está fun ¬ como exemplos morais para lutas ou aspirações presentes, são um traço de
damentalmente em desacordo com a corrente dominante do materialismo vários movimentos pol í ticos dos mais opostos caracteres - conservadores ou
hist órico. Nem Marx nem Engels - como observa Thompson - foram de liberais tanto quanto radicais. Sua fonte original é o nacionalismo rom ântico
forma alguma relutantes em expressar julgamentos sociomorais. No entanto . de meados do século XIX, que muito cedo patenteou rememorações resso-

too 101
nantcs do uma linha cerimonial dc heróis mortos: para pegar um
exemplo
-padrão, os discursos de Kossuth eram habitualmcntc recheados de evocações - do livro A miséria da teoria por sua “ ironia swiftiana” , do autor saudando
n li mesmo.
a Zrinyi, Dobozy, Bethlen, TOkõly, Rákóczi... como ícones da luta pela in¬ Deixando, no entanto, isso de lado, quais razões são fornecidas para as
dependência h úngara. A força retórica dessas listas estava avaliações antitéticas para as quais somos convidados tanto em A miséria da
inteiramente em
consonância com a ideologia nacionalista da época, que possu ía uma concep teoria quanto em Senhores e caçadores? Thompson demonstra, de forma
¬
ção de tempo histórico bem simples - de fato, amplamente m ítica.
A trans¬ original e poderosa, a brutalidade da repressão legal visitada pelo govemo
posi ção de procedimentos similares para o panorama do socialismo
moderno dc Walpole nas menores infrações contra a propriedade agrá ria. A principal
é muito mais complicada. Podemos imediatamente perceber isso se
olharmos parte de Senhores e caçadores é dedicada a uma exposi çã o das fontes do
para o principal exemplo dado por Thompson da relação com a história Black Act de 1723, no momento em que interesses elitistas usurpavam direi ¬
que
ele recomenda . Na passagem anteriormente citada, quatro nomes tos c costumes tradicionais da população nas florestas de Berkshire e Hamp
¬
ocorrem
como objetos prototípicos para admiração ou aversão. Dois deles, Winstan
ley e Chadwick, estão separados entre si por mais de 200 anos - uma é
poca
- shire. A reconstru ção desses conflitos silenciosos e mortais é um magn ífico
feito de restauração histórica. Thompson, no entanto, não limita seu julga ¬
de transformação social tão ampla que acabou por privar o contraste
entre mento a eles: ele retoma um veredito geral sobre a natureza do govemo de
eles de tensão real : se a diferen ça é proeminente, també m o é a discrepâ
ncia Walpole que se estende bem al é m das questões estudadas em detalhe em seu
de contexto. São os dois outros nomes, que aparecem duas vezes, que livro. O peso dessa caracterização estendida é a alegação de que o govemo
for¬
necem o ponto crucial da discussão. Swift e Walpole eram contemporâ neos, Whig na década de 1720 representou uma degradação abrupta dos padrões
e adversá rios. Se é para encenar, como Thompson tencionava, um “ voto pol í ticos da classe dominante na Inglaterra:

retrospectivo, a ú nica seção eleitoral comum estaria situada no começo do
século XVIII. [ ... ] n ão é verdade, a não ser aos olhos dos m ísticos, que a moralidade pol ítica de uma
época é basicamente a mesma que em qualquer outra; precedentes de corrupção ã
N ão é acidente, desse modo, que exatamente a mesma dupla figure como n o
contraste simbólico em Senhores e caçadores. Lá , Walpole é se somam até formar um sistema de corrupção. Não é verdade que o sistema de Wal
¬
caracterizado os
como "o primeiro e menos apreciado Primeiro- Ministro da Inglaterra” :75 o pole e Newcastle - de nepotismo, de imposição brutal de interesses Whig a todos
prefácio informa ao leitor desde o começo que Thompson está perdido setores do serviço público, de compra e intimidação de eleitores, de desvio do
dinheiro
sobre
quem se beneficiou com esse govemo - “ além do circulo de criaturas do pr ¬ público para bolsos privados, de subornos e pensões, de sentenças de morte, de perse
¬

prio Walpole” .76 Estigmatizando o govemo de Walpole como um pântano


ó
de guição à imprensa e impostos sobre os meios de vida do , Riot Act e do Black .
Act e de
corrupção, repressão e manipulação sem precedentes, ele sustenta que os cinismo religioso combinado com a subordinação da Igreja a interesses sectários - era
“ seria
escritores mais talentosos, quase demais para um homem, refugiaram-se des¬ idêntico àquele de 30 ou 50 anos antes, mesmo que seja verdade que o sistema
herdado, com pouca modificação, por George III e os Torys. Em algum lugar entre a
ses padrões dos pol íticos Whig no humanismo Tory” .77 Para eles, “ os Whigs
hanoverianos em ascensão surgiram como n ão mais que uma espécie de nobreza puritana e os oficiais da Commonwealth e os grandes administradores Whigs
dos anos 1720, algum lapso havia se dado.
80
banditismo de Estado” 78 - uma visão endossada com autoridade pelo próprio
Thompson. Preeminente entre os críticos Tory do regime de Walpole
estava
Swift, cujas Viagens de Gulliver iluminam a época, e cujo “ comentário pre ¬ Há três acusações que podem ser distinguidas aqui . Em primeiro lugar,
ciso e moralmente seguro” 79 sobre a promoção de um dos seguidores desse há a sugestão de que o sistema de Walpole foi cxcepcional na ferocidade de
regime recebe, no livro, a ú ltima palavra. A importâ ncia de Swift suas proscri ções e de repressão (“ sentenças de morte” / “ perseguição à im ¬
para a
presente posição de Thompson é sublinhada pelo cumprimento f í prensa” ). Ainda assim, o próprio Thompson concede em outro momento de
sico que
ele recebe em A miséria da teoria: ao longo dos séculos, “ nós apertaremos Senhores e caçadores que execuções pol íticas ocorriam agora menos que no
século anterior - “ pol íticos banidos não subiam ao cadafalso” . Contrário a
81
a mão de Swift ” - uma homenagem que provoca imagens desconfortá
isso, no entanto, ele aponta para a escalada de punições a “ crimes” econô-
veis
quando lemos, sob o retrato complacente do autor, o aplauso oficial
atrás

102 103
micos cometidos pelos pobres: “ cm cadu décudu , mais intrusões contra u A vida pol ítica na Inglaterra dos anos 1720 possuia algo da qualidade doentia de
.-
propriedade eram definidas como questões capitais” ' Mas faltam evidências uma “ repú blica das bananas". Essa é uma fase reconhecida do capitalismo comercial
de um real aumento da crueldade da classe dominante, uma vez que Thomp¬ mt qual predadores lutam pelos despojos do poder e ainda n ão concordaram em se
son não fornece n ú meros sobre a operaçã o geral das leis capitais no final do -
«uhmctcr a formas e regras racionais ou burocráticas. Cada politico por meio de
século XVII ou no século XVIII. Sua omissão aqui é ainda mais surpreendente, nepotismo, interesse ou compra - reunia à sua volta um séquito de dependentes leais.
visto que seu colega Douglas Hay os fornece, chegando a conclusões dire¬ -
O objetivo era recompensá los dando- lhes algum cargo no qual pudessem sugar al ¬
tamente relevantes para a quest ão. Hay relata que o n ú mero dc execu ções guma parte da receita pública: finanças do exército, a Igreja, impostos. Cada cargo
em Londres e Middlesex no começo do século XVII era cerca de quatro vezes trazia suas prerrogativas - porcentagens, comissões, recebimentos de subornos seus
superior aos n ú meros de 1750. Apesar da proliferaçã o de novas leis capitais, despojos ocultos.87
que haviam crescido de 50 para 200 à época de Waterloo, a incidê ncia real
das execuções parece, de fato, ter sido em grande medida está vel no século Em outro momento, ele radicaliza ainda mais a discussão: “ o Estado não era
XVIII.83 A hipótese óbvia sugere ela mesma - e é estranho que Thompson tanto um órgão efetivo de alguma classe e sim um parasitismo sobre as cos¬
não a explore em Senhores e caçadores - que a legislação dos Black Acts e tas daquela própria classe ( a pequena nobreza ) que havia se sa ído vitoriosa
similares deveria ser vista sobretudo como parte daquele “ teatro” estilizado em 1688” .88 Por isso,
de hegemonia de classe que ele analisa tão imaginativamente em outro lugar,84
um espetáculo legislativo criado para impressionar e intimidar, mais do que |.. . ] a Corrupção Antiga é um termo de análise pol ítica mais sério do que se costuma
um instrumento executivo de castigo cotidiano. Em todo caso, está razoa ¬ supor; pois o poder pol ítico ao longo do século XVIII pode ser mais bem compreendido
velmente claro que os registros do governo de Walpole não cont ê m episódio não como um órgão direto de qualquer classe ou interesse, mas como uma formação
compará vel ao massacre e às deportações indiscriminadas conduzidas pela politica secundária, um balcão de negociações a partir do qual outros tipos de pode¬
“ nobreza puritana e os oficiais da Commonwealth” na Irlanda da década de res econ ómicos e sociais eram conquistados ou ampliados; em suas funções prim á ¬
1650. Windsor e Waltham n ão podem ser comparados a Wexford ou Dro¬ rias, ele era dispendioso, brutalmente ineficiente, e sobreviveu ao século apenas por¬
gheda, muito menos ao que os sucedeu .85 Em segundo lugar, há uma queixa que não inibia seriamente as ações daqueles com poder político ( local) ou económico
de “ cinismo religioso combinado com a subordinação da Igreja a interesses de fato.86
sectá rios” - que teria , aparentemente, “ enojado o Arcebispo Laud” .86 Essa é
uma queixa peculiar para um historiador marxista. Seria o fanatismo, que Com isso, retomamos ao retrato da administração de Walpole benefi ¬
era ainda generalizado nos séculos anteriores, tão preferível ao ceticismo? ciando ningu é m “ al é m do círculo de criaturas do próprio Walpole” , e - lo¬
N ã o havia a laicizaçã o da Igreja Oficial contribu ído precisamente para a gicamente - do próprio Walpole como a personificação de um “ oportunismo
emancipação cultural e intelectual contra ela? O governo Whig na d écada de baixo e cruel” , um objeto de “ aversão” , nosso “ menos apreciado Primeiro-
1720 significou tolerância religiosa - um enorme ganho humano, enquanto -Ministro” . Podemos ver isso como uma caracterização precisa do governo
o “ humanismo” Tory representava um retomo ao fanatismo e à desumani¬ dos Whigs hanoverianos; ou como um retrato adequado de seu l íder mais
dade. Com efeito, o cerne da acusaçã o de Thompson contra os métodos de duradouro? A resposta é, com certeza, não. O erro fundamental, no qual o
governo de Walpole se resume, assim, ao terceiro - e, de longe, mais longo edif ício de tipificação inteiro se sustenta, está na fórmula inicial, equiparando
- artigo de seu pronunciamento (“ imposição do interesse Whig / compra e a sociedade inglesa do começo do século XVIII a uma “ rep ú blica das bana ¬
intimidação de eleitores / desvio do dinheiro público para bolsos privados / nas” . A frase é um tipo de anacronismo calculado ostentado por historiadores
acadêmicos ávidos por escapar da reprimenda de solenidade ultrapassada ou
.
subornos e pensões” ) É aqui que sua pol ê mica com outros historiadores é
de irrelevâ ncia . O que ele negligencia é o simples fato - que deveria ser
mais aguda . Significativamente, essa é também a base para a conceituação
do regime de Walpole que ele propõe. Desse modo, ele escreve: suficientemente óbvio - de que o termo “ rep ú blica das bananas” foi cunhado
para designar um Estado que é uma dependência semicolonial fraca e pe-

104 105
.
qucna e cuja politic» c, portanto, joguete de interesses comerciais estran ¬
I seguido por outro meio século de alternância de partidos dentro do mesmo
geiros. Sociedades da América Central , que deram origem ao termo, são os .
I quadro, praticamente inalterado do começo ao fim A carreira e a pessoa de
exemplos cl ássicos: uma á rea onde a economia agr ícola de Honduras per¬
I Walpole devem ser vistas nesse contexto. A acusação de “ oportunismo faz
"
manece até hoje como uma reserva da United Brands. A Inglaterra hanove- pouco sentido. Ingressando no Parlamento em um momento de ascendência
riana, em contrapartida, exibia um Estado que era, em suas determinações imediata de cargo ou ascensão, ele iniciou sua vida
básicas, exatamente o oposto: em outras palavras, um poder colonial em I Tory, sem expectativa
ascensão, crescendo rapidamente rumo à hegemonia internacional nos cinco
I pol ítica como um Whig moderado e permaneceu assim, sem grandes desvios,
dal i por diante - diferentemente de muitos dos seus contemporâneos, coerente
continentes. Tal equ í voco não é nada trivial . Suas consequências podem ser I em relação a partido e princípios até sua morte. Ele adquiriu experiência e
vistas na simplificação, por Thompson, das funções do governo Whig a um
I conquistou sua reputação inicial como um administrador, não como um te¬
mero “ parasitismo” , que não responde a interesses de classe, nutrindo-se da soureiro-geral surrupiador, mas como secretário de Guerra, organizando a
sociedade inglesa por meio de um Estado que era “ fraco” , “ dispendioso” e base logística para Oudenarde e Zaragoza. Sua ascendê ncia subsequente nos
“ brutalmente ineficiente em suas fun ções prim árias” . Apesar disso, foi esse
quadros dos Whigs deu-se gra ças à competê ncia financeira que ele demons¬
Estado que assimilou a redu ção da ascendência francesa no continente eu¬ trou no surgimento da Bolha dos Mares do Sul. Seu controle da Câ mara dos
ropeu, tomou conta das vantagens comerciais na Amé rica do Sul e estava
I Comuns por duas décadas, de 1721 a 1741, não foi produto de mera malver¬
-
para se expandir até o Canadá, a í ndia e as Antilhas. Seu papel no além mar
não era, em sentido algum , uma “ função secundá ria” .90 Durante o século
sação e intimidação - subornos, ameaças e sinecuras, como os crí ticos Tories
alegam , e Thompson, por inferência, repete. A “ Câ mara comprada” era, em
XVIII, despesas militares eram responsáveis por algo entre 75% e 90% de
grande parte, um mito. O bloco de votos controlados pelo governo no Par¬
todo o gasto do Estado. Os anos de formação da carreira politica de Walpole
lamento nunca ultrapassou 150 membros da Câ mara. O poder de Walpole se
foram exatamente aqueles em que essa má quina de dom í nio imperial supre¬ sustentava em sua habilidade de persuadir e de criar consensos entre os par¬
mamente bem-sucedida estava sendo constru ída. A Guerra de Sucessã o Es¬
lamentares independentes, que sempre responderam por algo entre um terço
panhola marca o advento de n íveis de armamento permanente historicamente
e metade da Câ mara. “ Walpole muito claramente não garantia a maioria no
novos: após 1705, a Grã- Bretanha possu ía, pela primeira vez, um exército Parlamento por meios corruptos” , escreve a autoridade mais recente e ju ¬
profissional de prontidão, al é m de um orçamento militar que nunca mais
diciosa no assunto.92 Ele conquistou e manteve essa maioria pela busca de
regrediu aos ní veis pré-guerra. Perto de 1725, após uma década de paz, os
pol í ticas favorá veis e aceitá veis para o conjunto das classes proprietá rias:
gastos civis não haviam crescido mais do que 23% da despesa pú blica total
- baixos impostos sobre a propriedade da terra para a pequena nobreza, tole¬
o pico para o século.91 Como os outros Estados absolutistas do continente, o rância religiosa para os mercadores, estabilização do arranjo constitucional
Estado ingl ês do século XVIII foi constru ído para a guerra - apesar dos dife¬
em casa e da hegemonia comercial no exterior. Em meio a tudo isso, Walpole
.
rentes e bem mais lucrativos, tipos de agressão. Qualificar os regimes Whigs
acumulou uma imensa fortuna privada por meio do peculato e da corrupção.
da época como meros conluios parasitas é substituir a invectiva das sá tiras
Sua pilhagem no governo foi, sem d ú vida, mais ampla que a de seus prede
¬

Tories pelas categorias da an álise materialista. Sob o dom í nio dos Whigs
cessores, possivelmente em razão da maior duração de seu mandato: há pou¬
hanoverianos, o Estado inglês serviu aos interesses do bloco mercantil e cas evidências de que ela tenha sido de uma grandiosidade qualitativamente
agrário na Inglaterra, e os serviu extremamente bem. Por volta da década de
maior. Mas não há razões para fetichizar essa dimensão de sua carreira em
1760, uma riqueza colossal estava inundando o pa ís, vinda do tributo colonial
um critério central para avaliar seu trabalho, não mais que nos casos aná logos
a um Império que agora eclipsava todos os outros. Em casa, o mesmo regime
de Talleyrand ou Cavour, dois outros estadistas europeus notórios pela au
¬

provava sua extraordiná ria correspondência de classe às necessidades tanto n o pol í tico e
sê ncia de escr ú pulos monetários. Fazê-lo é, ao mesmo tempo , ã
de magnatas quanto de membros da pequena nobreza, pela destreza de sua
não histórico: como se as preocupações do Olhar privado devessem ser to
¬

estabilidade. Nenhuma outra ordem pol ítica na história inglesa moderna pode madas como um guia significativo para investigar o equil íbrio de for ças
igualar seu recorde - meio século de imperturbá vel monopólio partidário,
sociais ou o curso da luta de classes. Miopias desse tipo têm pouco a ver com

106 107
o materialismo: cias meramente reproduzem o reflexo ret órico do jornalismo
económicas e sociais - com grande resultado, em uma renovada campanha
contemporâ neo, reduzindo a Guerra de Sucessão Espanhola ao enriqueci ¬ Viagens de
contra o governo Whig, cujo principal produto literá rio são As
Gulliver Logo depois, ele estava fazendo propostas para Walpole ( 1726 e
.
mento privado do duque de Marlborough. 9 A observação ponderada de Na ¬ )

mier de que a corrupção da Inglaterra do século XVIII pode ser vista como movimentos ,
cultivando relações com o herdeiro legí timo hanoveriano -
sinal e instrumento de um apaziguamento dos conflitos no interior da classe mais uma vez, inutilizados por ataques venenosos contra uma amiga da
prin ¬
dominante,44 depois das proscri ções c execuções letais dos séculos anteriores, Gay , um
cesa por causa de uma imagin á ria omissão em garantir ao escritor
nos aproxima muito mais de uma compreensão genu í na de suas funções do colega postulante, uma sinecura suficientemente lucrativa na corte. As indi
¬

que um n ú mero qualquer de pasquinadas sobre roubo em espaços palacianos, -


cações para cargos esquivaram se dele até o fim dos seus dias, apesar de sua
passados ou presentes. Walpole não justifica nem o ultraje de Thompson, renovada esperança de que elas ocorressem na década de 1730.
nem o encómio de Plumb.95 Sua verdadeira insígnia é sua notável represen
- Essa carreira cheia de altos e baixos - de certa forma, não at í pica de es
¬

critores desse tempo - é pouco convidativa à simples congratulação. A m


tatividade, em caráter e ponto de vista, da classe que ele, firme e eficiente, ão
mas não extraordinariamente, liderou por 20 anos. Essa classe foi, em geral, que Thompson nos faria apertar foi levantada em fú ria e ódio, similarmente
,

contra dissidentes, homens da Commonwealth , estrangeiros, mulheres -


exploradora e impiedosa em seu dom í nio do mundo, bem como confiante e , ex
criativa naquela época. Walpole compartilhava a maioria de seus traços. Ele
-
não evoca nenhuma indignação excepcional. Descrevê lo como o “ menos
- amigos pessoais e adversá rios pú blicos. Suas pol êmicas eram indiferentes
à verdade.97 Intolerância pol ítica e religiosa, misoginia e xenofobia ideol ó
gica
apreciado Primeiro- Ministro” é um floreio frí volo. Por quais razões deveria destemperaram e desequilibraram a obra de Swift como um todo. A citação
um socialista aceitar esse depoimento infundado de mensageiros da morte mesma trazida como evidência de suas qualidades em Senhores e caçadores
tais como Castlereagh ou Lloyd George?
conta sua própria história:
O caso de Swift pode ser tratado com mais brevidade, uma vez que
Thompson diz pouca coisa de substancial sobre ele. Uma comparação direta O arcebispo de Dublin atacou o primaz no castelo por dar uma boa vida a certo
com Walpole é um exerc í cio limitado, dada a assimetria de profissão e po¬ animal chamado Walsh Black , ao que este justificou alegando ter sido ele posto
lá por
sição entre os dois homens. Mas certos pontos podem ser notados. Swift lorde Townshend. É um falso testemunho, para um ladr ão de cervos . Esse camarada
també m começou sua carreira como um Whig moderado, em 1705. Mas, foi l í der de uma gangue e teve a honra de enforcar meia dúzia de seus
companheiros
decepcionado pelo que considerou uma falta de indicação apropriada para rito seu Se voc ê nã o conseguir encontrar
na qualidade de informantes, o que foi m é .
9*
um cargo, ele mudou sua lealdade para os l íderes Tories em 1710, tomando
- par para isso na Itália, passe para Moscou, e dali para os hotentotes .

- se seu principal propagandista e ganhando fama por ferozes crí ticas contra
os aliados holandeses, austríacos e alemães na Guerra de Sucessão Espanhola. Aqui, o desdém apropriado pelo informante combina-se lado a lado com uma
Esperando por uma promoção clerical na Inglaterra em troca de seus serviços, preocupação invejosa com rendas eclesiásticas (“ uma boa vida” ) e bruta ¬
lidade de linguagem estudada (“ certo animal ” ) antes de emergir no chau
ele foi deslocado para a Irlanda em razão de um ataque vingativo contra a ¬

duquesa de Somerset, uma das amigas da rainha.96 Lá, ele optou pela facção vinismo e no racismo mais banais ( moscovitas e hotentotes). O elogio de
ultra-Tory de Bolingbroke na crise de 1713 1714, demandando uma repressão
- Thompson a essa passagem como “ apropriada” e “ moralmente equilibrada”
crescente de dissidentes pela Igreja Oficial , elimina çã o permanente dos é um estranho lapso de atenção. Em geral , o equilíbrio moral ou intelectual
Whigs da vida pol í tica, expurgos sistem á ticos no parlamento e no exército - um senso de medida ou proporção - é a ú ltima qualidade que Swift possui
.
a fim de assegurá- los sob o controle Tory. Quando o colapso do planejado Até mesmo os escritos pelos quais ele deve ser reverenciado, suas den ú
ncias
golpe Tory em Londres, na ocasião da morte inesperada da rainha, frustrou da miséria do campesinato irlandês sob o véu do regime de propriedade da
terra inglês, entre suas outras virtudes, carecem dele. Determinado
esses esquemas, Swift, em Dublin, caiu no silêncio por uns seis anos, em um a “ ser
sua percep ção
país pelo qual ele frequentemente expressava aversão. Na década de 1720, usado como um lorde” , mas relegado a um exílio modesto ,
99

no entanto, ele assumiu a causa das iniquidades irlandesas - monetárias, de injustiça pessoal e social se funde explosivamente na Irlanda. Mas a fe -
108 109
rociiludc du sátira dc Swift, an pretender expor a crueldade c a desumanidade, seu programa poderia ter sido.103 A posteridade não tem razões para lamentar
acaha compulsivamente tomando parte nelas - o impulso de brutalizar é a que a Inglaterra tenha sido governada por Walpole no espirito dc Defoe em
sombra gé lida e perpétua da intenção de escandalizar. A patologia dessa vez dc controlada por Bolingbroke sob as incitações de Swift.
viol ência tem sua fonte em outra parte que não a condi çã o dos irlandeses, e Reflexões mais gerais se impõem para concluir. Thompson está certo em
encontra vazã o em toda parte em seus escritos. Ambições frustradas e senti ¬ insistir que Marx e Engels não deixaram nenhuma É tica , e que a lacuna re¬
mentos contrariados - o bloqueio radical de Swift na vida pú blica e privada sultante nunca foi transformada em algo bom no marxismo que se sucedeu
- são as chamas emocionais que alimentam a f úria da sua prosa. A ausência a suas mortes - para o perigo do materialismo histórico como uma teoria e
de comiseração desinteressada e do calor da solidariedade é manifesta se o do movimento socialista como uma prá tica. A ú nica exceção significativa é
compararmos a um contemporâ neo como Fielding - de quem Thompson, Trotsky, cujo A moral deles e a nossa permanece um caso defensá vel e oca ¬
com mais pertinência, toma a epígrafe de Senhores e caçadores. O julgamento sional . Tanto Lukács quanto Sartre, vale notar, planejaram escrever obras
de Leavis, com toda sua gravidade, permanece peremptório: importantes sobre ética, mas, em cada caso, abandonaram ou adiaram o pro¬
jeto, julgando a ontologia e a estética mais tratá veis. Brecht brigou, de modo
Um grande escritor - sim; essa opinião ainda se impõe como apropriada, ainda persistente, mas inútil, para encenar uma moralidade marxista cm seu teatro.
que sua grandeza não seja uma questão de grandeza moral ou centralidade humana;
A dificuldade de desenvolver uma ética materialista, ao mesmo tempo inte¬
nossa perccpção dela é meramente uma percepçào de uma grande força . E essa força,
como a sentimos, está condicionada por frustação e constrição; os canais da vida
gralmente histórica e radicalmente não utilitária, tem se provado desencora -
jadora. É essa dificuldade que Thompson subestima. Negligenciando as boas
foram estancados e deturbados. Que nós sejamos tão frequentemente convidados a
vê-lo como um moralista e um idealista parece ser principalmente um testemunho do
razões que levaram Marx e Engels a rejeitar o “ socialismo ético” dos utopis -
tas de antes deles, e Luxemburgo e Lenin a rejeitar o “ socialismo ético” de
poder da vaidade e do papel que ela pode ter na apreciação literá ria; saeva indignatio
é uma complacência que solicita a todos, e o uso da literatura por leitores e criticos
Bernstein ou Hardie de depois deles, a discussão em A miséria da teoria
para a projeção de eus nobremente sofredores é familiar. Sem d úvida, também, é agra¬ tende a uma extrapolação de valores morais do passado histórico que envolve
dável acreditar que capacidade inabitual dc â nimo egotista signifique inabitual distin¬ uma dupla simplificação. A continuidade primária entre passado e presente,
ção de intelecto; mas, como vimos, não há razões para se concentrar no intelecto
em
-
que é necessariamente causal , é tirada de foco - arriscando se um uso retó¬
Swift... Ele era, de várias formas, curiosamente incônscio - o oposto de clarividente. rico, em vez de estratégico, da história. Para o materialismo histórico, como
Ele se distingue pela intensidade de seus sentimentos, não pela compreensão deles, para a pol í tica socialista, o que o passado deixa de legado para o presente é,
e
certamente não nos impressiona como uma mente em posse de sua experiência.100 antes de tudo, um conjunto de linhas de força para a transformação, e não
uma galeria de vidas exemplares para imitação. Essas linhas de força, por
A clareza dessa an á lise de Swift como escritor deixa pouco a acrescentar. sua vez, encarnam certos valores que são parte ativa do próprio processo de
H á, no entanto, uma li ção pol ítica equivalente. A extração de valores morais transformação social - algo que Thompson mostrou, possivelmente, de forma
de vidas individuais, para transmissão ao longo da história, é uma questão mais eloquente que qualquer outro historiador. Os marxistas não têm motivo
muito mais complexa e delicada do que sugere A miséria da teoria - como para se abster do julgamento desses valores, da forma como eles eram incor¬
os próprios exemplos lá dados, em um exame mais próximo, provam. Re¬ porados no passado. Mas tal julgamento só é possí vel em contexto histórico
gressos ao grupo Tory, mesmo em personificações mais puras que aquela de pleno, que não é a mesma coisa que o contexto contemporâneo do tempo. O
Swift , significavam o triunfo do fanatismo, da hierarquia, da autoridade e da perigo de selecionar indiv íduos como emblemas de códigos opostos, a serem
obediência às leis da Inglaterra do in ício do século XVIII.101 A consolidação adotados ou repudiados pelas gerações descendentes, é que isso facilmente
dos Whig deu fim à experiência de um regime controlado pela camarilha de cria um curto-circuito na complexidade da tarefa. Os casos arquetípicos es¬
1714. Alguns pensamentos dispersos sobre o presente estado de coisas , escrita colhidos por Thompson são uma ilustração disso. Walpole é reduzido a uma
por Swift naquele ano, oferece-nos, no entanto, um cenário desolador do que máscara de corrupção - pondo à parte a substância econ ómica e pol í tica de
sua gestão e sua relação efetiva com as necessidades da classe dominante

110 ill
inglesa. Swift c reduzido a uma voz gritando o caos ignorando as origens 4 Idem , p. 257.
de sua raiva, o padrã o de suas lealdades c as consequê ncias de sua politica. 5 Ibidem .
6 Idem, p. 260.
Escolhidas para serem desenvolvidas em A miséria da teoria, essas carac ¬ 7 .
Idem p. 362.
terizações devem ser lidas, por assim dizer, nas margens de Senhores e ca¬ I Idem , p. 356.
çadores , cujos méritos da narrativa principal não são afetados por elas. Por 9 Idem , p. 363.

trás delas, no entanto, há a tentação de subscrever as categorias da oposi çã o 10 Idem , p. 361 .


Tory ao dom í nio Whig.103 Nã o foram os ataques de Swift ou Gay baseados II Idem , p. 355.
12 Idem, p. 257.
na experiência direta? Não foram eles “ os escritores mais talentosos daquele 13 Anli Diihring. Moscou, 1954, p. 10.
- .
. Science Class and Society. London,
tempo” - e assim testemunhas com uma afinidade empá tica a um dos escri ¬ 14 Veja o rastreamenlo meticuloso em Goran Therbom
tores mais talentosos do nosso tempo? O apelo latente ao “ humanismo Tory” -
1976, pp. 365 377 - a melhor discussão sobre o assunto
.
como um parâmetro vá lido para avaliar o governo de Walpole é uma fraqueza 15 PT, p. 346.
16 Ibidem.
mais grave em Senhores e caçadores , em alguns momentos levando, como
vimos, a uma reproduçã o acrí tica de pol êmicas contemporâneas em vez de
17 .
Idem p. 348.
18 Idem, p. 253.
conduzir à formulação de conceitos históricos baseados em conhecimento 19 Idem , p. 346.
moderno - cujas fontes incluem não apenas dados desconhecidos a qualquer 20 Idem , p. 347.
dos atores do tempo, mas também o registro da época subsequente; em outras 21 Idem, p. 353.
palavras, da direção do tempo. Thompson reserva o termo “ progresso” ape¬ 22 Idem, p. 253.
23 Idem , p. 346.
nas para movimentos no presente, recusando-o para processos no passado.
24 Idem , p. 355.
Mais racionalmente, o contrário deve ser defendido: o resultado retrospectivo 25 Reading Capital , p. 207.
de conflitos passados é relativamente estabelecido e averigu á vel , enquanto 26 Ibidem.
de produção que se sobrepõem ” na
as questões do presente são, por sua natureza, sempre fundamentalmente 27 Há uma menção de passagem à existê ncia de “ modos
índia, no contexto de outro tópico ( PT , p. 353 ). Essa é a ú nica alusão ao problema no ensaio.
incertas, sujeitas à indeterminação de um futuro cuja forma falta ser vista.
Uma aná lise marxista do passado é insepará vel de uma explicação sobre ele: 28 PT, pp. 252 253- .
e uma explicação deve necessariamente abrigar suas consequê ncias, em toda
.
29 Idem p. 257 .
30 Idem , p. 288 .
sua ambiguidade e toda sua contradi ção. O presente nunca é um juiz adequado 31 Reading Capital , pp. 250, 306.
de si mesmo. A concepçã o de progresso histórico de Marx, que inclu ía as 32 Political Power and Social Classes. London
, 1974, p. 207.
duas terr í veis provações do estabelecimento do capitalismo agrá rio e do ca¬ .
33 State, Power, Socialism London , 1978 .
, p 88 .
" Hay et al. Albion s Fatal Tree. London, 1973,
pitalismo industrial na Inglaterra - o momento mesmo de Senhores e caça¬ 34 "Property, Authority and the Criminal Law .

dores e A formação da classe operária inglesa , respectivamente -, é uma


-
pp. 7 63.
.
35 State Power, Socialism, p. 87.
concepção dif í cil. Mas mesmo - sobretudo - em meio aos tormentos do 36 Idem, p. 76.
movimento socialista no século XX, n ão temos motivo para revisá-la. 37 Marxism and Literature. Oxford, 1977, pp. 80 - 81.

38 Lenin and Philosophy , pp. 129-130 .


39 PT, p. 121 .
40 Karl Marx 's Theory of History - A Defence -
, pp. 217 248.
Notas 41 PT, p 289. .
42 Ibidem.
43 Ernest Labrousse. Esquisse du mouvement des prix
etdes revenus en France au XVIIP siècle.
.
1 PT, p. 252
Paris, 1933.
2 Idem, p. 254.
44 PT, p. 289.
3 Jdem , p. 253.
113
112
45 Ibidem .
46 Reading Capital , p. 104 . H 4 "Patrician Society, Plebeian Culture". Journal of Social History. Summer 1974 . pp. 389 390; -
. -
47 Idem pp. 104 105 .
8 -
-
"Eighteenth Century English Society", p. 158.
I litre 1641 e 1652 , possivelmente 600 mil irlandeses pereceram de uma população cm tomo
48 Para um exemplo representativo
.
dessa opinião, ver J . H Hcxter. On Historians '
London, de 1 ,5 milh ão: tal foi a escala da devastaçã o cromwelliana. Ver Patrick Corish , “ The
-
1979, pp 134 138.
Cromwellian Regime, 1650- 1660". In : T. W. Moody et at. A New History of Ireland , vol . Ill ,
49 "Comment naissent les R é
vnlutions” . Acles du Congres du Cemenuire de la Oxford, p. 357.
.
184b Paris , 1948. Revolution de
86 PT , p. 198 .
50 For Marx , p. 100.
51 Idem , p. 99. 87 -
Idem , pp. 197 198.
52 Idem, p. 106 .
88
89
-
“ Eighteenth Century English Society", p. 139.
Idem , p. 141.
53 PT, p. 288.
54 Marxism and Literature, pp. 83 89; 90 Em uma nota de rodapé em "Eighteenth -Century English Society", Thompson reconhece a
- Keywords. London, 1976, pp . 87-91 . “ força externa" do Estado brit ânico nesse per í odo e comenta que foi quando sua "fraqueza
55 Marxism and Literature, p. 88 .
.
56 Class Crisis and the Slate. London,
-
interna" precipitou reveses al ém mar que “ a maioria das questões dc principio” foi levantada
1978. pp. 14-27. na alta pol ítica dc meados do século XVIII ( pp. 141-142 ). A observação é bem -feita, mas seu
57 PT, p. 356. objeto n ão deveria ser relegado à margem da discussão.
58 Idem, pp. 362, 356. 91 -
Michael Mann, “ State and Society, 1130 1815: An Analysis of English State Finances” . The
.
59 Idem pp. 362- 363. Source of Social Power. London , 1980.
60 Idem, p. 363. 92 H.T. Dickinson . Walpole and the Whig Supremacy . London, 1973, pp. 81-83, 150-155.
61 Ibidem . 93 O fardo, evidentemente, de A conduta dos Aliados , de Swift.
62 Idem , p. 368. 94 Para Namier, a corrupção do século XV 11I era “ uma marca da liberdade e da independência
63 Idem, p. 234. inglesas", já que "ningu ém suborna onde se pode ameaçar" ( England in the Age of the
64 Idem , pp. 234- 235 . American Revolution. London, 1930, pp. 4-5 ). “ O subomo, para ser realmentc efetivo, tem
65 Idem, p. 234. que ser generalizado e aberto; ele tem que ser o costume da terra e cessar dc desonrar seus
recebedores, de forma que seus benef í cios sejam atraentes à média dos homens de respeito.
66 Idem , p. 223.
Tal era a corrupção pol í tica na Grã- Bretanha por volta dc meados do século XV11 I" ( The
67 PT, p. 232.
Structure of Politics at the Accession of George III . London, 1929, p. 219).
68 Idem , p. 153. "Quanto mais conheço desse grande homem , mais fortemente cresce minha admira ção"
95
69 Idem, p. 236.
70 Considerations on Western
-
( J. H . Plumb. Sir Robert Walpole , vol . I . London, 1956, p. xi ). Plumb fala do “ cará ter rica
Marxism , pp. 109- 111 . mente variado e intensamente humano", do “ gosto requintado", da "fineza nas relações
71 Veja, por exemplo, a observação
de
que o conhecimento do passado "nos ajuda a humanas", da "empatia" e do “ amor pelo mundo visí vel" de Walpole, sem mencionar seu
somos, por que estamos aqui , quais possibilidades saber quem “ poder de concentraçã o” e “ firme, implac á vel execução de vasta quantidade de negócios
pudermos saber sobre a lógica e as formas humanas foram descobertas e o quanto altamente técnicos” ( ibid . ). Descontando esses entusiasmos, a biografia de Plumb pode ser
do processo social ” ( PT. p. 239). É a marginali
zaçâo de reflexões como essas, no entanto,
que é impressionante na discussão do
- tomada como um retrato de Walpole que é, de outra forma, muitas vezes psicologicamente
como um todo. ensaio preciso.
-
72 Anti Diihring , p. 133. 96 A quem ele acusava, sem evidê ncias ou receio, de ter matado um ex-marido.
73 MEWC, p. 707 . 97 É notá vel a frequência com que Irvin Ehrenpreis, um biógrafo respeitado e admirá vel cujo
74 WM, p. x . Ver outra desaprovação estudo é um monumento dc trabalho acadêmico meticuloso, tem que registrar a operação
dos “ inoportunos moralismos politicos", p.
75 WH, p. 198. 769. desse traço; a propensão dc Swift por “ cal ú nias an ónimas” , “ mentiras não assinadas” ,
“ m últiplas insinuações", "representações desonestas” , “ alegações mentirosas” , “ vitupérios
76 Idem, p. 17.
odiosos” . Ehrenpreis observa que Swift sempre evitou a responsabilidade pessoal por suas
77 Idem , p. 216.
cal ú nias, ao contrá rio do seu ex -amigo e oponente definitivo Steel, “ que aceitava colocar
78 Idem, p. 294. seu nome verdadeiro cm publicações controversas e assumir o risco pelas consequências”
79 Ibidem. . . -
( Swift , The Man His Works The Age , vol. II . London , 1967, pp. 444-445 , 492 493, 530-532,
80 Idem , p. 216. 540-541 , 705, 712 ).
81 Idem, p. 197. 98 WH , p. 221 .
82 Ibidem. 99 “ Todo o meu empenho, desde pequeno, para me distinguir foi apenas pelo desejo de fortuna
83 Albion s Fatal Free , pp. 22 23. e de um t í tulo importante, que eu pudesse ser usado como um lorde por aqueles que tives¬
- sem uma opinião sobre as minhas ideias c ações - certas ou erradas, isso não é importante”

114
H5
( The Correspondence of Jonathan Swift , vol , IV Bd F. Elrlngton Hall London, 1913,
p. 78 Carta a Pope ).
100 The Common Pursuit London, 1976, pp. 86 87. -
101 O próprio Projeto peto avanço da religião e reforma dos costumes ( 1708 ) de Swift <5 descrito
.
por seu biógrafo como “ uma expansão assombrosa do Test Act" Em relação à liberdade
de imprensa, “ a raiva que Swift transpirava contra jornalistas que o haviam atacado, ou ao
governo, em publicações” era tal que em 1711 ele “ rogou ao Secretário de Estado para
fazer deles um exemplo; mas, como ocorreu, nem as pol í ticas da administração, nem
a prática nos tribunais forneciam as oportunidades que Swift desejava; e aqueles que
. . .
eram presos podiam apenas ser ameaçados e soltos” ( Swift The Man His Works The Age,
.
vol. II, pp 292, 517). De fato, evidentemente, Bolingbroke aprovou um Stamp Act, em 1712,
e foi Walpole, ironicamente, que teve que estabelecer uma tipografia clandestina em sua 4
. -
própria casa pois nenhum impressor ousaria ocupar se de seus panfletos no clima de inti¬
STALINISMO
midação Tory.
102 “ A Igreja da Inglaterra deveria ser preservada integralmente em todos os Seus
Direitos,
Poderes c Privilégios” , “ Todas as Divisões, Seitas e Heresias desaprovadas e mantidas sob
a devida submissão” , “ Seus Inimigos abertos não confiados com o menor grau de Poder
Civil ou Militar” , “ um Fim daquela Facçáo” ser realizado onde houvesse se manifestado
a propensão a “ perturbar e insultar a Administração" - uma “ Confederação perversa que

“ n ão pode ser desmantelada tão cedo ou suficientemente” - tomando medidas para excluir
qualquer possibilidade de “ uma Maioria prejudicial na Câmara dos Comuns” , e para “ re¬
gular o Exército e liderar os Comandantes daquelas Tropas que, por sua vez, têm a atençã
da Pessoa de Sua Majestade” (“ Some Free Thoughts upon the Present State of Affairs .
o Tendo demolido, para sua própria satisfação, a estrutura intelectual da teoria

. -
In : Herbert Davis & Irvin Ehrenpreis ( eds. ). Political Tracts 1713 1719. Oxford, 1953, de Althusser, Thompson finaliza A misé ria da teoria tentando, a um só tempo,
-
pp. 88 89).
uma interpretação social e uma avaliação pol í tica dessa estrutura . No entanto,
103 Um exemplo: Thompson considera, sobre o Bispo de Rochester, Francis Atterbury - um
dos companheiros de Swift -, que “ sua critica a Walpole era suficientemente sóbria” , ba as duas são dissociadas em apresentação e discrepantes em argumento. Vamos
seando-se no fato de que ele alegava que Walpole havia obtido sua maioria parlamentar “ à
¬
observar cada uma delas por vez. A primeira sustenta que , na história do
custa da moral de um povo, que era notá vel por sua honra e sua probidade, e que guardava movimento socialista, três grandes épocas podem ser distinguidas desde a
ainda um pouco disso ate ficar sob sua administração” ( WH, p. 215 ). Tais foram suas pala¬
morte de Marx , cada uma delas com correspondentes vocabulário e perspec
-
vras depois da derrota e do ex ílio. Quando ele era um pol ítico ativo, como um ferrenho
defensor Tory em 1710, esta era sua opinião sobre o mesmo assunto: “ A voz do povo é o tiva expandidos , formados pela experiência social dominante de seu tempo .
grito do inferno, levando à idolatria , à rebelião, ao assassinato e a toda perversidade que o Dos anos de 1890 a meados da década de 1930, o crescimento do movimento
diabo pode sugerir... Nada além do fogo do céu pode parar o grito, nada além das chamas
trabalhista europeu ( antes da Primeira Guerra Mundial ) e o desenvolvimento
.
sulfureas pode subjugar a voz do povo” . Sobre The Voice of the People No Voice of God,
ver: H. T. Dickinson, Liberty and Property. Political Ideology in Eighteenth Century En¬ da URSS ( depois dela ) fizeram crescer as ilusões de “ evolucionismo : O
” “

gland. London, 1977, p. 45. marxismo foi , então, infiltrado pelo vocabul ário (e até pelas premissas ) do
‘progresso’ técnico e económico” . Essa era foi sucedida, entre 1936 e 1946,
1

por um per í odo de lutas populares decisivas contra o fascismo, as quais cul ¬
minaram na vitória das forças Aliadas na Segunda Guerra Mundial , o que
produziu uma cultura do “ voluntarismo” :

O vocabulário do marxismo foi infiltrado por uma nova direção: a do liberalismo


a do
autêntico ( as escolhas dos indiv íduos autónomos) e, possivelmente, também
Romantismo ( a rebelião do espirito contra o dom í nio dos fatos). A poesia, em vez das
:
ciências naturais e da sociologia, era saudada como uma prima .

116 //7
Depois da Segunda Guerra Mundial , houve alguns afloramentos desse vo - ele produziu que possam ser comparadas àquelas de 1917 1936? Apenas uma.
-
luntarismo até o seu “ flamejar poético tardio” cm Cuba no final dos anos que Thompson não menciona : o trabalho em desenvolvimento de Mao na
1950. Mas essencialmente de 1948 em diante, com o começo da guerra fria China, o qual vem desde 1928 em registro inalterado. Finalmente, qual justi ¬
entre o Oriente e o Ocidente, tomou forma uma terceira época na qual a ficativa há para a afirmação de que a história “ sofreu um nauseante solavanco
história “ parece se congelar instantaneamente em duas monstruosas estrutu¬ de desaceleração” após 1946? A Revolução Chinesa estava na verdade ace
¬

ras antagonistas, cada uma delas permitindo apenas a menor latitude de mo¬ lerando nessa conjuntura: a vitória do movimento socialista na na çã o mais
vimento no interior de seu dom í nio operativo” .1 O resultado foi a expansão populosa do planeta - um ponto de virada decisivo da história mundial -
do “ estruturalismo” , que em “ seus sotaques mais disseminados [ ...] tê m sido ocorreu três anos mais tarde, após o in ício da alegada estase internacional.
um vocabulário burguês, uma apologia do status quo" .* O althusserianismo Com o advento da Revolução Cubana, os anos 1950 viram a primeira ruptura
é uma manifestação consumada desse processo - a infiltração de um “ con ¬ bem sucedida do capitalismo no hemisfério ocidental. Os anos I 960 foram,
-
servadorismo sociológico” de contrabando no mundo do pensamento da entre outras coisas, a década do guevarismo na América Latina - certamentc,
esquerda, durante “ três décadas de estase da guerra fria” . Hoje, “ o vocabu¬ uma das correntes menos “ estruturalistas” da hist ória do socialismo - e da
l á rio do estruturalismo vem empurrando tudo mais para segundo plano” .5 irrupção de importantes lutas da classe trabalhadora na Europa Ocidental,
O que se pode dizer dessa periodizaçã o? Antes de tudo, que ela revela com a maior greve em massa da história eclodindo na França: um evento
uma falta de sentido histórico desconcertante em um historiador da estatura parcamente registrado por Thompson em A miséria da teoria , salvo como
de Thompson, mas que parece ser um padrão recorrente em seus comentá rios um obstá culo a assuntos mais importantes para a esquerda na Inglaterra.
.
sobre o século XX Como podem os marxismos revolucioná rios de Lenin, Acima de tudo, os anos 1970 tê m visto, com a derrota do imperialismo norte -
Trotsky ou Luxemburgo ser descritos como exemplares do "evolucionismo” -americano no Vietnã, o triunfo do maior feito de “ vontade” revolucionária
- o vicio mesmo da Segunda Internacional que
eles mais detestavam ? Ex ¬ persistente no século XX. Ainda assim, a Revolução Vietnamita n ão merece
pressões teóricas da Revolu ção de Outubro na R ússia e da Revolu ção de uma menção na leitura de Thompson das ú ltimas duas décadas. Pode se ape¬ -
Novembro na Alemanha, eles foram seguidos por rejei ções ainda mais in ¬ nas concluir que esse evento é omitido porque ele não se enquadra na ideia
-
transigentes da herança da social democracia pré guerra, nascida da Comuna que Thompson faz de como seria uma revolução socialista no mundo con ¬
h ú ngara e dos conselhos de fá brica italianos. A Revolução contra O capital, temporâ neo ( por estar relativamente relacionado de perto a uma das “ estru ¬
turas monstruosas” cuja fun ção é tida como a imposi ção de uma estase glo
¬
de Gramsci, saudava o triunfo dos bolcheviques como um desafio às leis da
economia pol í tica de Marx, enquanto A função em transformação do mate¬ bal que de partida descarta tais movimentos ). Angola e Nicarágua sã o as
rialismo histórico, de Lukács, ansiava pela supressão da primazia do econó¬ evidências de seu impacto continuado no equil í brio real de forças sociointer-
mico na história como um todo.6 O voluntarismo, se o termo possui algum nacionais. Até na Inglaterra, os eventos de 1973-1974 foram uma demonstra ¬
significado, é a defini ção mesma desses textos. Tampouco o ponto de vista ção do poder da vontade proletária coletiva mais expressiva que qualquer
deles era um mero reflexo da grande crise de 1918-1921, restrito às consequên ¬ outro episódio no comparavelmente inofensivo processo interno de 1936 a
cias imediatas da Revolução Russa e do final da Primeira Guerra Mundial. 1946 - de Baldwin a Attlee.
Thompson ignora a experiência dramática do Terceiro Per íodo do Comintern, Evidentemente, as três décadas passadas desde a Segunda Guerra Mundial
que dominou o final dos anos 1920 e o começo da década de 1930, cujo embate presenciaram grandes reveses e desastres também para a causa do socialismo:
de “ classe contra classe” e a “ tempestade nas ruas” marcaram um paroxismo alguns deles são citados por Thompson ( Hungria, Tchecoslováquia, Chile )
da política voluntarista que não foi mais visto desde então. Por comparação, e a lista poderia ser estendida ( Indonésia. Bolí via, Portugal ). Não tem havido
a retórica das Frentes Populares depois de 1935 foi emoliente e sua prá tica nenhum padrão homogéneo nem tendência unilinear em qualquer dos pe ¬
gradualista, adiando o alvorecer do socialismo para depois do dia da demo¬ rodos que Thompson constrói. Todos eles combinam revoltas, períodos de
í
cracia - de maneira infrutífera na França e na Espanha. De fato, se avaliarmos estabilidade, apaziguamentos, derrotas, tréguas, vitórias, impasses distribu í ¬
todo o período de 1936-1946, quais teorias de “ vontade pol ítica e iniciativa” dos por uma vasta escala geográfica que têm garantido contraste e complexi-

118 119
dudc mutá veis em cuda década. ( ) que a leitura de Thompson nos traz é o coerente. Esse é o planetá rio* de Althusser’’." Como tal, ele é uma “ operação
relato seletivo de sua própria experiê ncia subjetiva, majoritariamente domi ¬ policial ideol ógica objetiva” . 10 Seu fim é reprimir o “ humanismo socialista"
nado pelas lutas da Frente Popular e da Resistência na Europa, com pouca c o “ comunismo libertá rio” que eclodiram em 1956 e representaram “ uma
mem ória da história anterior da Terceira Internacional e profunda decepçâo cr í tica total ” do stalinismo, e dos quais o próprio Thompson foi um dos prin ¬
com os fracassos posteriores das oposições comunistas ou da esquerda in ¬ cipais porta vozes, “ listando, um por um , os erros da teoria stalinista” . Seus
- 11

dependente em romper com o padrão da pol í tica europeia após a morte de princ í pios pol í ticos são um cí rculo de mentiras e ilusões. Para Althusser,
Stalin . Parece ter se seguido certa desconexão de muitos dos maiores pro¬
gressos internacionais das ú ltimas duas décadas. Daí a projeção do estrutu ¬ | .. ] o PCF** é ideologia proletária personificada, o stalinismo em decomposição é o
ral ismo como a ideologia de um tempo imaginariamente sereno que tem , na “ humanismo socialista” , o assassinato dos quadros revolucionários é a ditadura do
verdade, sido um tempo de turbul ência reunida. No que se refere ao objeto proletariado, os ganhos substanciais da classe trabalhadora ocidental ao longo
17
da constru ção, o texto fundador da obra de Althusser - “ Contradições e so
- de d écadas são um índice de sua exploração mais intensa.
bredeterminação” , publicado em 1962 - é uma teoria das matrizes da revo¬
lu ção social. Dez anos depois, seu autor resumiu sua própria visão da década Para Thompson , por outro lado, nenhuma tendência no movimento da classe
subsequente: trabalhadora pode ser concebida que esteja “ mais à direita que o stalinismo” ,
ou, da perspectiva da liberdade socialista, nenhuma que esteja “ mais à ‘di ¬
reita’ que o anti -historicismo e o anti -humanismo de Althusser” . Levando-
13
Uma boa quantidade de água passou por baixo da ponte da história desde I 960.
O movimento trabalhista sobreviveu a vários eventos importantes; a resistência heroica
-se em conta que Althusser afirma, com alguma justiça, ter algo a ver com o
e vitoriosa do povo vietnamita contra o mais poderoso imperialismo do mundo; a marxismo - o que a experiência do stalinismo havia mostrado, em todo caso,
Revolução Cultural Proletária na China ( 1%6- 1969); a maior greve de trabalhadores a necessidade de revisar -, é necessário não ter nada mais a ver com o mar¬
da história mundial (dez milhões de trabalhadores em greve por um mês) em Maio de
xismo como tal, e renunciar à ilusão de que alguma vez houve uma “ tradi ção
1968 na França - uma greve que foi “ precedida” e “ acompanhada” por uma profunda
marxista comum” . Ao contrário, “ há duas tradições” que são “ antagonistas
revolta ideológica entre os estudantes franceses e os intelectuais pequeno- burgueses;
irreconciliáveis” 14 hoje: “ Entre a teologia e a razão, não pode haver espaço
a ocupação da Tchecoslováquia pelos exércitos dos outros pa íses do Pacto de Varsó¬
para negociaçã o” . Descartando o “ jargã o” “ nenhum inimigo à esquerda” ,
via ; a guerra na Irlanda etc.7
Thompson finaliza clamando por uma “ guerra intelectual implacá vel” contra
Althusser e todos os “ marxismos desse tipo” .
15
As generalidades do relato de Thompson, em outras palavras, nos dizem
O crescendo de viol ência que marca essas páginas finais de A miséria da
mais a respeito do astigmatismo do observador que das propriedades espe¬
teoria, uma escalada de tom com poucos precedentes na esquerda brit ânica,
c íficas do observado. Uma explicação do pensamento de Althusser em termos
pode ser posto de lado por um momento. Em vez disso, olhemos para a subs¬
de uma calmaria mundial não tem valor.
tâ ncia das acusações de Thompson a Althusser. A primeira pergunta a fazer
Thompson, no entanto, desenvolve uma segunda caracterização de Althus¬
é: qual evidência ele apresenta para sustentar a alegação de que Althusser
ser que é mais expandida e drástica. Divergindo da primeira, ela ocupa a
seja o supremo oficiante do stalinismo, superando o próprio ditador cm sis¬
maior parte do final de A miséria da teoria e fornece a principal conclusão
tema e implacabilidade de doutrina? A resposta é surpreendente para um
do ensaio. É um veredito pol í tico. De acordo com Thompson , Althusser pro¬
historiador profissional. Thompson não faz esforço algum para situar o pen-
duziu a teorização completa da prá tica de Stalin: “ O althusserianismo é o
stalinismo reduzido ao paradigma da teoria. É, ao final, o stalinismo, teori¬
zado como ideologia ” .* Durante a vida do ditador, as doutrinas soviéticas
* “ Orrery” , no original, remete ao subtítulo do livro de Thompson: The Poverty of Theory:
careciam de tal sistematização: “ Foi apenas em nosso próprio tempo que o or an Orrery of Errors , cuja tradu ção em português é A miséria da teoria ou um planetário
stalinismo ganhou sua expressão teórica verdadeira, rigorosa e totalmente .
de erros (N. da T.)
** Partido Comunista Francês. (N . da T.)

120 121
r
sarnento de Althusser no contexto social ou intelectual francês dos ú
ltimoa necessidade de uma “ operação policial ideológica” contra o humanismo so¬
20 anos que é simplesmente ignorado. Ele não gasta tempo algum
seja com cialista , porque o í mpeto pol ítico e ideológico por trás dele estava gasto.
a relação de Althusser com o Partido Comunista Francês, seja com o movi , em
¬ Seus representantes mais sérios e consequentes, o grupo, na Inglaterra
mento comunista internacional naquele período. Ele nâo dedica uma polí¬
linha tomo do próprio Thompson, estavam, em sua maioria, abandonando a
aos pronunciamentos de fato de Althusser em seus numerosos escritos
-
sobre questões pol í ticas. Em vez disso, nos é dado um conjunto de equaçõ -
es
tica ativa - escassamente sob pressões policiais, mas por causa das conheci
das dificuldades de construir uma esquerda independente fora das estruturas
¬

rudimentares entre aspectos putativos dos pensamentos stalinista e althussc


riano, nos mais gené ricos níveis de abstração: mecanismo, dogmatismo, anti -- tradicionais do Partido Trabalhista.
Nesse í nterim , uma situação internacional totalmente nova havia se esta¬
-humanismo, elitismo, irracionalismo. Mesmo estes não são sustentados por belecido. Em 1960, a disputa entre R ú ssia e China explodiu , dividindo o
qualquer gesto em demonstração textual: as ú nicas citações de Stalin a serem
"campo socialista” e dominando o fermento dentro do movimento comunista
encontradas em todo o ensaio são duas formulações manifestamente em de¬
mundial pelo próximo per íodo. O momento fundador da obra de Althusser
sacordo com as visões de Althusser e, de fato, produzidas para comparação
n ã o a ele, mas ao soci ólogo parsoniano Smelser. IA No entanto, qualquer his
-
foi esse conflito inteiramente distinto. A disputa sino soviética, a qual não
¬ recebe mais do que uma men ção em A miséria da teoria, é o pano de fundo
toriador, marxista ou não, deveria saber que o caráter pol í tico de um corpo
pol í tico real para a escrita de Por Marx e Ler O capital. Naqueles anos as
,
de pensamento pode apenas ser estabelecido por meio de um estudo respon
¬ frentes e as questões da década de 1950 passaram por uma série de mudanças
-
sá vel de seus textos e contexto. Considerando se a escassez de pistas em A
miséria da teoria sobre o real hist órico pol í tico de Althusser, é necessá
e abrandamentos repentinos, em uma paisagem histórica modificada. Tipi ¬
rio camente, os rebeldes de 1956 haviam apelado ao humanismo do Jovem Marx
recordar algumas datas e fatos simples.
contra a repressão administrativa e intelectual do stalinismo; eles haviam
Louis Althusser começou a publicar seus primeiros grandes ensaios “ So¬
defendido a causa da independência nacional e da tradição local contra o
-
bre o Jovem Marx ” ( março abril de 1961 ) e “ Contradi ção e sobredetermi
- monolitismo russo; eles haviam rejeitado práticas manipulativas e golpistas
naçâo” ( dezembro de 1962 ) no in ício dos anos 1960. Qual era a conjuntura
no movimento trabalhista, em nome de uma pol í tica popular consensual . No
daquele tempo no movimento comunista internacional ? A inquietação e a
começo dos anos 1960, esses temas haviam se tomado s/ogaw.v padrão das -
revolta de 1956, que colorem tã o indelevelmente as mem órias de Thompson
próprias lideranças comunistas oficiais. Na Europa Ocidental, os valores do
do período, haviam sido contidas. Na R ússia, Khrushchev era o senhor incon ¬
humanismo foram enaltecidos das sacadas do Politburo* francês por seu
testá vel do PCUS.* Na Europa Oriental , K ád ár - apesar da repressão inicial
principal ideólogo, Garaudy, enquanto, na URSS, o novo programa de partido
de Khrushchev para o PCUS proclamava “ Tudo para o homem” . Caminhos
e contrário às expectativas - começava a emergir como um pol í tico relati ¬
vamente popular na Hungria , enquanto Gomulka se tomava crescentemente
nacionais para o socialismo eram exaltados em todo lugar, não menos pelo
impopular na Polónia. Na Europa Ocidental, os principais partidos comu ¬
PCGB.** També m cada vez mais, perspectivas pacíficas, e mesmo parlamen
¬
nistas haviam sobrevivido à crise de 1956 com perdas relativamente secun ¬
tares, eram defendidas para suplantar o capitalismo, com a san ção parcial da
dárias - mais significativas na Itá lia que na França, mas, em ambos os casos,
pol í tica externa soviética, agora totalmente comprometida com a busca de
principalmente restritas a intelectuais; o pequeno partido na Inglaterra, em
“ coexistê ncia pac ífica” com os Estados Unidos. De fato, foi contra toda essa
contraste, havia sofrido pesadamente com o êxodo de um terço de seus mem ¬
constelação que o Partido Chinês descarregou , na primavera de 1960, sua
bros, a maior parte da classe trabalhadora. Mas, cinco ou seis anos mais tarde,
bateria com a célebre artilharia de artigos “ Vida longa ao leninismo” . O título
nenhuma liderança estabelecida havia sido abalada na Europa;17 o n ú mero
era significante. Os debates do período pós-56 na Europa haviam primaria-
de filiações havia crescido novamente em quase todo lugar; a lealdade ao
mente girado em torno da antítese Stalin/Jovem Marx . Lenin mal aparecia .
PCUS era ainda formalmente universal e incondicional. Não havia nenhuma
.)
( . da T
* Escritório pol ítico do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética. N
* Partido Comunista da União Soviética. (N. da T.) .
** Partido Comunista da Grã Bretanha. (N. da T )
-
122 123
o que se pode ver consultando uma revista como The New Reasoner , onde Icctuais que ainda eram socialistas. O caso de Garaudy ( compará vel , em
seu nome é conspí cuo por sua ausê ncia. formação pastoral , a John Lewis ) é bem conhecido nas fileiras do próprio
A intervenção de Althusser em 1961 - 1962 mirava , intemacionalmente, na movimento comunista ortodoxo. Fora dele, Fromm - antologista, em 1963,
linha russa e, nacional mente, em grande parte da cultura oficial do PCF, a dc Humanismo socialista - estava untando-se com um unguento de sincre -
partir de uma posi ção simpá tica aos chineses. Não é mero acidente que ele lismo de fé com psicaná lise.25 Mais próximo ao c í rculo do próprio Thompson,
MacIntyre, imbu ído de devoção anglicana, acabara de proporcionar livros
24
tenha marcado sua estreia intelectual no partido com um ensaio criticando
filósofos soviéticos e europeus orientais - Lapine, Bakouradze, Pazhitnov, sobre o marxismo para o Movimento de Estudantes Cristãos. Não havia evi ¬
SchafT, Jahn 18 - por sua recepção a temas ideológicos na moda no Ocidente d ê ncia de direitismo nessas correntes? Temos meramente que tomar dois
( “ Sobre o Jovem Marx” ), seguido por outro que reconstrói a teoria da revolu ¬ fil ósofos que o próprio Thompson cita mais frequente e calorosamente em A
ção de Lenin (“ Contradição e sobredeterminação” ). Suas referê ncias à URSS miséria da teoria. MacIntyre foi parar nas páginas de Encounter e Survey,
logo em seguida, longe de serem os elogios que Thompson, surdo para ironia, enquanto Kolakowski se tomou o Koestler dos anos 1970, denunciando - para
assume que elas sejam, eram críticas sardónicas ( “ Marxismo e humanismo” ): os aplausos do The Daily Telegraph - o marxismo por sua arrogante usur¬
“ o terror, a repressão e o dogmatismo” n ã o haviam “ ainda sido completa ¬ pação da religião (“ deificação da humanidade” ). Entre as principais figuras
mente superados” , e as lisonjas oficiais ao “ humanismo socialista” 19 e o re¬ pol í ticas associadas às rebeli ões de 1956, Herv é se tornou um deputado
púdio ao “ culto da personalidade” eram um placebo ideol ógico - um substi ¬ gaullista na França; Giolitti , um ministro social-democrata na Itá lia. O risco
-
tuto de medidas pol í ticas genu í nas para elimin á los na URSS.20 Tudo isso está de um colapso à direita não era nenhuma invenção da imaginação: estava,
lá para todo mundo ver nos próprios textos, completando com suas alusões em alguns casos, para se tomar uma lamentá vel realidade. Em alguns, mas
a Mao. Isso tinha muito pouco a ver com Stalin. É verdade que era hostil aos não em todos. O julgamento de Althusser estava incorreto em sugerir uma
desdobramentos filosóficos do final dos anos 1950. Mas será que estava com ¬ dedução pol ítica gené rica a partir das premissas teóricas do humanismo so¬
pletamente errado nisso? Diversas questões devem ser distinguidas aqui. É cialista, pois havia também oponentes do stalinismo corajosos e imbu ídos
incontestá vel que havia, naquele momento, uma corrente difundida para dis¬ de princí pios em 1956, que permaneceram fi é is às causas daquele ano. O
solver as conquistas de Marx na antropologia filosófica de sua juventude, próprio Thompson é um excelente exemplo, junto com seu colega editor
que, não importa o qu ão brilhante fosse, não substitu ía seus escritos maduros, Saville. Não havia nenhuma simples fatalidade ideológica inscrita no quadro
e era frequentemente contraposta a eles. De fato, o próprio Thompson, em do humanismo socialista: se seus limites e suas fraquezas permitiam um tipo
dada ocasião, queixou-se dessa tendência.21 Contra essa corrente, o restabe¬ particular de evolu ção para a direita, eles não ditavam um .
lecimento por Althusser do estudo rigoroso de O capital e de Formações Ironicamente, as próprias opções de Althusser no começo dos anos 1960
-
económicas pré capitalistas como o n úcleo do materialismo histórico foi seriam submetidas a um teste similar, com um resultado não dissimilar. Por
uma realização intelectual grandiosa e duradoura - para a qual prestou home¬ mais de uma d écada , sua orientação - n ão importa o qu ão delficamente ex ¬
nagem um marxista de formação e perspectiva tão distintas quanto Cohen.22 pressa em um tempo em que o PCF era o partido mais antichinês no Ocidente
Uma segunda quest ão é pol í tica: Althusser estava certo em perceber o - permaneceu fixada na China. O advento da Revolução Cultural em 1966
perigo de um desdobramento direitista da celebração do humanismo socialista reforçou grandemente essa inclinação: a Rep ú blica Popular da China ( RPC )
do começo da década de 1960? A resposta aqui deve ser mais matizada, mas parecia agora oferecer não apenas uma crítica teórica à União Soviética, mas
ela certamente não irá negar toda justi ça a essa acusação. O ressurgimento um modelo prático de uma experiência alternativa e superior de construção
das ideias do Jovem Marx foi, entre outras coisas, também obra de muitos socialista - governada pela “ linha da massa” , a luta contra o “ economismo” ,
escritores e comentadores no Ocidente que não tinham compromisso algum o “ direito de rebelar-se” contra privilégios burocráticos e constrições. O apelo
com o socialismo: acad ê micos como Tucker ou Avineri, padres como Bigo de um processo social sem precedente na China foi, nesses anos, propalado
ou Calvez estavam entre os principais intérpretes do novo Marx. A influência pelo Ocidente, atraindo o interesse e a simpatia de muitos fora das fileiras
da religião nunca esteve distante nesse período, mesmo entre muitos inte
- do pró prio movimento comunista. A convicção de Althusser da significâ n
25 -
124 125
cia pol í tica geral do exemplo chinês, e da Revolu ção Cultural em particular, Apesar disso, as inadequações e os equ í vocos da postura oposicionista
pode ser vista muito claramente em sua declaração tardia de junho de 1972: -
inspirada pela China em 1960 1962 não levavam necessariamente a um rom ¬
pimento com o marxismo, n ão mais que aqueles da oposi ção inspirada pela
A ú nica “ critica" ( de esquerda ) historicamente existente dos fundamentos do “ des¬ -
Hungria e pela Polónia em 1956 1957. Apesar de sua complacência com a
-
vio stalinista" a ser encontrada e que, além disso, é contemporânea a esse próprio Revolução Cultural, o saldo do histórico pol í tico de Althusser seria perfeita-
desvio e, dessa forma, em grande parte precede o 20° Congresso do Partido - é uma
mente defensá vel. A publica ção de Por Marx e Ler O capital em 1965, que
critica concreta, uma que existe nos fatos, na luta, nas fileiras, nas práticas, em seus
fez dele uma força intelectual na França, foi um choque indesejado para a
princ í pios e suas formas, da Revolução Chinesa. Uma crítica silenciosa, que fala por
liderança do PCF, recebida com um gé lido sil ê ncio. Dois anos depois, Al ¬
meio de suas ações, o resultado das lutas pol í ticas e ideológicas da Revolução, da
thusser estava deliberando e ponderando fratemalmente com Debray sobre
Longa Marcha à Revolução Cultural c a seus resultados.26
a estratégia cubana às vésperas da campanha boliviana. Quando uma crise
27

de dimensões nacionais irrompeu na França, ele interveio contra as posições


Alguns meses antes, Nixon estava sendo celebrado em Pequim, enquanto
oficiais de seu partido, com uma defesa eloquente e generosa do papel dos
bombas estadunidenses choviam sobre o Vietnã. Dentro de mais alguns anos,
estudantes nos eventos de Maio de 1968 - que, entre outras coisas, relembrou
a Revolução Cultural seria oficialmente enterrada pelo Partido Comunista
o PCF da desconfiança que o partido recebeu por sua conduta durante a Guerra
Chinês como uma década desastrosa de vingança, regressão e anarquia - seu
da Argélia.28 Ao mesmo tempo, ele estava encorajando e apoiando uma critica
ú nico legado duradouro sendo uma pol í tica externa de reacionarismo feroz,
oposicionista, a partir da esquerda, às prá ticas eleitorais do PCI na Itá lia -
muito mais à direita até que das mais cínicas aberturas de Stalin para o im ¬
para a irritaçã o e o desconforto da liderança do partido de l á. Em 1972, ele
29

perialismo. Se for para cobrar Althusser por seu histórico pol í tico, ele deve
publicou sua Resposta a John Lewis - contendo uma discussão trivial e tática
ser criticado por seu ingénuo erro de julgamento do regime de Mao na China,
do stalinismo, como se esse fosse um mero desvio filosófico, demagogica ¬
e não por hipotéticos anseios pelo regime de Stalin na R ússia. A Revolução
mente jogando para os reflexos partid á rios dos filiados do PCF ( equação de
Chinesa - em alguns aspectos historicamente mais avan çada que a Revolu ção
“ violência burguesa anticomunista” com “ trotskismo anti-stalinista” ), que
Russa (escala de apoio popular, posição ordinal no tempo); em outros, mais
Thompson corretamente condena. Mas é notá vel que mesmo esse texto ter¬
atrasada ( limites para a participaçã o da classe trabalhadora, ausência de cul¬
mine com uma clara declaração de apoio ao movimento de massa nacional
tura burguesa ) - evitou os desastres da coletivização forçada ou dos expurgos
representado pela Primavera de Praga na Tchecoslováquia e um aval de sua
em massa , mas nunca, em qualquer fase, conheceu uma experiência operativa
reivindicação de um “ socialismo com rosto humano” . Em 1976, Althusser
30

-
de democracia proletá ria . Em um chassé croisé de ilusões, enquanto os re¬
beldes de 1956 estavam para encontrar o humanismo do Jovem Marx, no qual
defendeu a causa dos trabalhadores poloneses nos portos bálticos e declarou
sua solidariedade ao Comité de Defesa dos Trabalhadores na Polónia. Pre ¬
fixaram suas cores, logo absorvido como a devoção oficial das lideranças
faciando um estudo de Lysenko no mesmo ano, ele ressaltou que, na URSS,
comunistas ocidentais contra as quais eles haviam lutado, o leninismo que
“ o sistema repressivo do perí odo stalinista , incluindo os campos, continua
Althusser havia buscado relembrar era pisoteado pela manipulação burocrá¬
existindo, assim como os princ í pios básicos daquele per íodo com relação à
tica das massas e pelo conluio diplomático com o imperialismo do Partido
vida social , politica e cultural” , al é m de observar que a liderança do PCUS
Chinês, no qual ele havia ingenuamente tentado projetá-lo. No Ocidente, a
“ até mesmo retrocedeu nos poucos tênues vislumbres de elucidação com os
colheita do maoísmo, por sua vez, produziu uma safra abundante de trans
fúgios para a direita. Glucksmann e Foucault, anteriormente celebrados por
- quais Khrushchev despertou esperança ” . Em 1977, ele estava tentando es¬
31

tabelecer um dif ícil equil í brio entre os elementos positivos e negativos na


Althusser, hoje rivalizam em entusiasmo pela guerra fria com Kolakowski,
orientação do PCF após este ter abandonado a “ ditadura do proletariado” :
um dia saudado por Thompson. É dif ícil pensar em qualquer adepto do hu ¬
saudando o compromisso do partido com as liberdades populares na transição
manismo socialista que tenha mergulhado a tais profundidades como litera ¬
para o socialismo e sua aliança com o PS, mas também alertando para sua
tos do tipo de Sollers, defensores recentes do anti-humanismo materialista.
subestimação dos perigos da intervenção imperialista contra um governo de

126 127
esquerda na França, seu fracasso cm criar órgãos de unidade popular vindos dele como a personificação do stalinismo patentemente rid ícula. No entanto,
de baixo, sua falta de elementos até mesmo da democracia burguesa entre cm vez de mudá- la ou retirá- la, Thompson adicionou um posfácio a seu texto,
suas próprias fileiras. jogando duas linhas em defesa dela . Por outro lado, ele tenta minimizar o
Em resumo, não há a menor justificativa para a apresentação de Althusser escopo e a força da crítica de Althusser ao aparato do Partido Francês. Agora,
por Thompson como um - o - stalinista consumado. Seu hist órico pol í tico é verdade que Althusser falha em evocar o direito de formar tend ências or¬
não é perfeito. Por um longo tempo, ele pagou um preço elevado em silêncios ganizadas dentro do PCF, e que parece estar inconsciente de que essa era uma
por seu cartão do partido. Mas, apesar de suas concepções subjetivas equi ¬ prá tica normal no Partido Bolchevique ao longo de grande parte da vida de
vocadas sobre a China e das restrições objetivas da filiação ao PCF, o peso l.enin . Mas també m essa não foi uma das principais demandas de Thompson
real de sua interven ção pol í tica ao longo de 15 anos está do lado de um co¬ quando ele estava combatendo na luta dentro do PCGB. Em geral, se com ¬
38

munismo mais democrá tico e de um intemacionalismo mais militante. Sc pararmos Ce qui nepeut plus durer... com The Reasoner , o ataque de Althus¬
eles permaneceram longe da prática de um marxismo francamente revolu ¬ ser à estrutura de comando e à organização interna do partido é bem mais
cion á rio, em seu próprio idioma eles suportam comparação com o histórico mordaz e sistemático. De fato, é provavelmente seguro dizer que o manifesto
do seu crítico ao longo do mesmo arco temporal. Descrevendo sua própria de Althusser de abril de 1978 seja a mais violenta carta de oposição já publi ¬
retirada da pol ítica ativa após 1968, Thompson escreve: “ Era um tempo para cada dentro de um partido na hist ória do pós-guerra do comunismo ociden ¬
a razão recolher-se a sua tenda” .32 Essa descrição, que pode ser tomada como tal. Thompson censura o momento em que ocorre - que o manifesto tenha
autodescritiva, na verdade, presta um desservi ço a seu autor. N ão apenas surgido 20 anos depois das rebeliões de 1956 e na ocasião da derrota da es¬
Aquiles nunca conquistou muitos admiradores, como també m Thompson querda nas elei ções legislativas de março. Mas ambos são bem inteligí veis
exagera o grau de seu desengajamento. Apesar de todo o seu descontenta¬ em termos da escolha de longo prazo de Althusser de permanecer no mo¬
mento atual com o radicalismo estudantil do final dos anos I 960, ele editou vimento comunista . Essa opção envolveu pagar o preço do silêncio em
um dos melhores volumes surgidos do tumulto dos campi daquele tempo, um conjunto de questões fundamentais a fim de manter-se ativo no maior
Warwick University Limited." Em 1970-1972, ele escreveu dois artigos magní¬ partido da classe trabalhadora francesa. Uma decisão similar - baseada no
ficos sobre as greves dos trabalhadores de usinas e de minas como confron¬ ju ízo prático de vantagens e desvantagens relativas - foi feita no final da
tos de classe na Inglaterra.34 Uma elegia a Allende, de 1973, será lembrada.35 d écada de 1950 por muitos outros intelectuais respeitados por Thompson:
A filiação britânica à Comunidade Económica Europeia foi veementemente Eric Hobsbawm, na Inglaterra, ou Paolo Spriano, na Itá lia , por exemplo. A
combatida em I 975.36 Por outro lado, é verdade que, sobre muitos dos princi ¬ latitude da expressão pol ítica consentida no PCGB ou no PCI estendeu se, -
pais temas da década - dos eventos de Maio na França à vitória da Revolução evidentemente, ao longo dos anos muito mais do que no PCF. Mas é exata ¬
Vietnamita, dos levantes na China à ocupação da Tchecoslováquia, da queda mente essa rigidez do controle burocrático e da censura dentro do partido
de Nixon à derrubada de Heath - Thompson parece dizer pouco: certamente francês que explica a cronologia do ataque de Althusser a ele. Antes do fra¬
menos do que ele teria dito na virada da década de 1960. Sem explicação casso da primavera de 1978, desafiar publicamente a liderança do PCF em
p ú blica, em algum momento desses anos ele se juntou ao Partido Trabalhista. todo o arco de suas pol í ticas e prá ticas imediatas era incorrer em expulsão
Essa era a situação em fevereiro de 1978, quando a escrita de A miséria certa . Althusser escolheu o momento de sua iniciativa pol ítica e deliberada-
da teoria chegou ao fim com seu ataque fervoroso a Althusser como o arqui
- stalinista encarnado. Mal a tinta havia secado, o manifesto Ce qui ne peut
- mente - o instante em que o aparato do partido estava profundamente abalado
e desacreditado, tanto entre militantes comunistas como entre eleitores, e
plus durer dans le Parti Communiste, de Althusser, surgia na Fran ça. Raras não era mais capaz de aplicar suas sanções tradicionais. Em outras palavras,
vezes uma acusação polêmica desapareceu tão rápida e completamente.37 ele aguardou por uma crise interna grave antes de atacar: um cá lculo perfei ¬
Todo o edif ício da caracterização de Thompson ficou em escombros perante tamente racional e convencional no pensamento militar. Ainda assim , a opo¬
a evidê ncia irrefutá vel das verdadeiras convicções de Althusser. A acusação sição que ele apoiou permaneceu relativamente isolada no partido, como a
feroz deste ao regime burocrático e à pol ítica sectária do PCF tomou a noção continuação dos eventos provou - tomando claro qual teria sido sua situação

128 179
alguns anos antes, quando o equil í brio de 1'orvas era bem menos favorá vel . Venho aqui defendendo Althusser da selvageria das acusações de Thompson :
Nesse evento, a liderança do PCF foi capa/ de conter a ameaça de uma revolta mas, com outros colegas e colaboradores, eu també m critiquei tanto suas
generalizada vinda de baixo e de reestabilizar sua autoridade sobre os filiados . constru ções especulativas quanto suas ilusões pol í ticas ( Considerações sobre
Mesmo assim , apesar dessa derrota, o manifesto de Althusser alcançou uma o marxismo ocidental , NLR , n . 100). A New Left Books n ão tem “ publicado
conquista notá vel. A liberdade de expressão foi assegurada no Partido Fran ¬ nada mais” da Fran ça a n ão ser os produtos da “ fábrica althusseriana” ? Os
cês - sua extensão, dali em diante, mensurá vel pelo tom de diatribe de Al ¬ trabalhos dos historiadores Lucien Febvre ( O aparecimento do livro ) ou
thusser. Hoje, h á, provavelmente, mais liberdade de discussã o genu í na no Pierre Vilar ( Ouro e moeda na história ) , Georges Lefebvre ( O grande medo
PCF do que no consenso dopado do PCI. de 1789 ) ou Albert Soboul ( A Revolução Francesa ) realmente cabem nessa
Thompson parece perceber a debilidade de sua tentativa final de agarrar- descri çã o? Mortos ou vivos, eles ficariam surpresos ao ouvir isso. O que
- à descrição de Althusser como um stalinista inveterado, pois, na metade
se falar, a esse respeito, de filósofos como Jean - Paul Sartre ( Critica da razão
de seu posfácio, repentinamente muda de direção. Declarando que “ o que dialética ) ou Lucien Goldmann ( Immanuel Kant ), os pró prios adversá rios
importava ” a ele em A miséria da teoria “ não era a situação particular de humanistas contra quem Althusser expressamente construiu suas teorias? O
Althusser na França ” , ele concede que “ os sinais, e as dificuldades, daquela economista Arghiri Emmanuel ( A troca desigual ) ou o soci ólogo Lucien
situação eu posso nem sempre ter lido corretamente” .39 Essa aceita ção tácita Mal son (Tv crianças selvagens )? A afirmação de Thompson é simplesmente
de erro, no entanto, n ão recebe maior exploração. Em vez disso, Thompson absurda. Sua acusação final não o é menos. Quando foi que a NLR “ impôs a
anuncia que sua verdadeira preocupação desde o começo n ã o era a obra de um p ú blico inocente” a proposição de que “ o proletariado francês = o PCF,
Althusser em si , “ mas a influência do pensamento althusseriano transposto um partido supostamente composto por uma ‘base’ militante heroica, sem
para fora da Fran ça” , sobretudo na Inglaterra, e as “ agências de importação” complica ções, na qual estão l úcidos e rigorosos teóricos marxistas, imbrica ¬
responsá veis por isso. Ele continua: dos na vida concreta do Partido” ? O “ conto de fadas” aqui é inteiramente de
Thompson. Se ele tivesse agido com escrúpulo e olhado a revista, em vez de
A New Left Review (e a New Left Books ) tem uma responsabilidade particular inventado apressadamente essa ficção, teria encontrado artigos como o de
nisso, uma vez que, ao longo dos ú ltimos 15 anos, eles publicaram - para o acompa¬ Jean- Marie Vincent (“ O PCF e sua História” ) ou o de Ernest Mandei ( “ As
41
nhamento de "apresentações" extasiadas e pesadas respirações teóricas - cada produto, li ções de Maio de 1968” ), sem falar de Critica do eurocomunismo, cuja
não importa o quão banal, da fábrica althusseriana; e da Fran ça e sobre a França, eles agudeza cirú rgica e clareza falam por si mesmas. Revolvendo-se no ú ltimo
não publicaram nada mais [itálico dele]. De forma que, sejam quais forem as ressal ¬ instante da “ situação de Althusser na França” para a “ importação” de suas
vas esotéricas que os editores da Review possam ter em relação a Althusser, foi trans¬ ideias na Inglaterra como o alvo ostensivo de sua pol ê mica , Thompson n ão
mitida a um pú blico inocente a imposição o proletariado francês = o PCF, um partido acrescenta nada a sua argumentação. Um historiador, para n ã o dizer um
supostamente composto por uma “ base” militante heroica, sem complicações, na qual socialista, deveria ser mais sensí vel à exatidão e à equidade.
estão l úcidos e rigorosos teóricos marxistas, imbricados na vida concreta do Partido.40
No entanto, outra questã o permanece. Em si, o retrato que Thompson faz
de Althusser como um stalinista pode ser absurdo. Mas, impl ícita nesse re ¬
Provavelmente escrito às pressas, possivelmente fora de equil í brio, seria trato n ão estaria a afirmação muito mais persuasiva de que o anti -stalinismo
injusto julgar o posfácio com a mesma régua com que julgamos a própria A de Althusser era menos sólido e apaixonado que o de Thompson? Aqui , a
.
miséria da teoria Mas é preciso dizer que esse parágrafo é uma caricatura resposta deve, de bom grado e seguramente, ser sim. A intensidade moral e
da verdade, indigno de seu autor. A NLR não publicou nada além de “ apre¬ pol í tica da rejei ção de Thompson à herança de Stalin, após sua saida do Par¬
sentações extasiadas” dos trabalhos de Althusser? Muito antes de o próprio tido Britâ nico em 1956, é bem maior que qualquer coisa que Althusser expo¬
Thompson se dedicar atarefa, a revista havia publicado uma série sistemá tica
ria ao longo das próximas duas décadas. Em parte, a diferença estava inscrita
de críticas a Althusser: de sua filosofia (Geras, n. 71; Glucksmann, n . 72 ); dc na divergê ncia de pontos de partida. Qualquer crí tica ao PCUS inspirada
sua teoria da história ( Vilar, n . 80); de sua pol í tica ( Gerratana, n. 101/102). pelas pol êmicas chinesas de 1960 em diante, em vez das inspiradas pelo 20a

130 131
Congresso ou pela Revolta H ú ngara de 1956, continha uma restri çã o con ¬ Slaline , de Souvarinc; Retour de 1'URSS , de Gide; Memórias de um revolucio¬
gé nita contra um ataque aberto ao ditador e a seu regime. O famoso artigo nário, de Serge - para citar apenas alguns. Thompson, hoje, repreende Al ¬
"Sobre a quest ã o Stalin ” , no qual o Partido Comunista Chinês deu seu vere* thusser pela demora de sua crítica ao stalinismo, caracteristicamente pergun ¬
dito sobre seu papel hist órico, foi publicado na Renminribao em setembro tando : “ Onde estava Althusser in 1956?" .** Depois, por uma breve senten ça,
de 1963, no momento mesmo em que "Sobre a dial é tica materialista ” , de ele admite que a l ógica da pergunta é incómoda a ele també m . Onde estava
Althusser, surgia na França. Entre os custos da credulidade no maoísmo como Thompson em 1952 (Trama dos médicos ) ou 1951 ( Julgamento de Slansky ),
uma alternativa ao khrushchevismo estava esse. Thompson, para sua honra, por exemplo? Mas ele afasta essa linha de racioc í nio, enfatizando uma dife ¬
nunca o compartilhou. No entanto, em A miséria da teoria ele faz reivindi ¬ rença essencial : “ Em 1956, foi ampla e oficialmente revelado que o stalinismo
ca ções muito al é m desse meritório contraste, uma vez que é central para toda havia, por d écadas, esmagado homens como moscas” . Será que o an ú ncio
a parte final do seu ensaio a tese de que ele, com a ajuda do humanismo so¬ oficial dos crimes de Stalin serve para delimitar a fronteira entre responsabi ¬
cialista, estava imbu ído de um completo discernimento do stalinismo em lidade venial e mortal? A sugest ão parece ser que é compreens í vel dispensar
1956 - uma “ crí tica total ” de suas "prá ticas e teoria” .42 Hoje, isso permanece Trotsky e ignorar Serge, mas imperdoável n ão dar aten ção a Khrushchev ou
como a “ agenda inacabada ” da história, temporariamente “ deixada de lado” a Mikoyan. O próprio Thompson mal consegue levar isso a sé rio. Que des¬
pela usurpa ção imatura de marxismos subsequentes, mas, em ú ltima instâ n ¬ culpa havia para dar qualquer crédito ao infame Julgamento Rajk , pelo qual,
cia, irrespond í vel como uma “ cr ítica moral ” que era , ao mesmo tempo, “ uma após 1956, ele certa vez disse a seus leitores em uma frase enérgica e ruim
cr ítica pol í tica muito espec í fica e prá tica ” .43 Repetidas vezes, Thompson que n ão pretendia ser “ incapacitado pelo remorso” ?45 J á existia uma literatura
retoma à ideia de que 1956 foi o ano da epifania histórica em que o stalinismo abundante sobre os Julgamentos de Moscou, que qualquer um verdadeira ¬
recebeu, pela primeira vez, seu golpe de misericórdia ético, sua exposi ção mente preocupado com o assunto dificilmente poderia evitar. Em vez disso,
intelectual completa, sua definitiva sentença de morte pol í tica para os socia ¬ ele aparentemente se satisfaz com Andrew Rothstein.
46

listas. Ali, e somente ali, as “ duas tradi ções” do marxismo, teologia versus Evidentemente, também é possível que, na realidade, Thompson nunca
-
razão, dividiram se irremediavelmente e, desde entã o, todos os desdobra¬ tivesse acreditado completamente nos Julgamentos de Moscou, suspeitado
mentos podem ser julgados em termos de como corresponderam ou frustra ¬ da existê ncia dos campos de trabalho, estado ciente do papel de Stalin nas
ram as expectativas daquele momento de revelação apocal í ptica. revoluções espanhola, grega ou chinesa, mas tivesse guardado sil êncio por
Essa leitura pode ser aceita? A resposta é certamente dupla. Antes do ano pensar que era mais ú til e responsável trabalhar no mais devotado partido da
encantado do 20° Congresso do Partido, havia uma longa tradi ção de aná lises classe trabalhadora dispon í vel na Inglaterra naquele tempo, esperando que
e discussões marxistas do stalinismo, por socialistas revolucioná rios. Sua dias melhores viessem. Deve ter havido alguns comunistas entre os rebeldes
principal corrente, evidentemente, foi fundada por Trotsky. A cr ítica à URSS de 1956, isso é praticamente certo, que pensassem dessa forma depois da
que ele construiu de meados dos anos 1920 em diante estava carregada de guerra. Em muitos casos, uma mistura de motivos é prová vel . Mas nenhuma
ardente indigna çã o moral e pol í tica , umas três d écadas antes das luzes de das suposi ções - inocência de conhecimento ou estimativa de ganho relativo
1956. Mas isso també m foi uma empreitada de teoria social materialista, uma - fornece base sólida para afrontar revoltas posteriores. O fato é que o ano
tentativa de explicação histórica do stalinismo. A hipótese fundamental de de 1956 não confere a Thompson nenhum privil égio histórico especial ou
A revolução traída ( 1936 ) permanece até hoje insuperá vel como quadro ana ¬ isenção. Para avaliar sua contribuição para uma crítica socialista do stali ¬
l ítico para a investigação da sociedade soviética. O trabalho de Trotsky, por nismo, é necessário olhar para a real composição e o desempenho das opo¬
sua vez, foi desenvolvido e amplificado por Isaac Deutscher em sua biogra ¬ si ções comunistas do per íodo. Na Europa Oriental, onde as explosões sociais
fia de Stalin ( 1952 ), e em muitos outros escritos, sobretudo na sua trilogia e nacionais lhes conferiram um cará ter de massa, muitos artigos corajosos e
sobre o próprio Trotsky. Se esses foram os á pices do estudo histórico- pol í tico alguns excelentes poemas foram escritos durante o breve período de ebuli ção
do stalinismo pela esquerda, també m surgiu uma extensa gama de livros de da primavera ao outono - sem falar do heroismo daqueles que lutaram nas
memórias e relatos denunciando as realidades do regime ditatorial na R ússia: ruas quando a prova de fogo chegou. Mas poucos trabalhos intelectuais de

132 tu
subst â ncia duradoura sobreviveram á crise. O principal intelectual a vir em eminente nessa á rea - R . W. Davies,4" que chegou a colaborar com E. H . Carr
apoio á s causas daquele ano foi Luk á cs, que nunca as teorizou: filosofica ¬ cm A fundação da economia planificada. Mas ele parece ter sido uma figura
mente antitético a Althusser, em sua relação pol í tica com o Partido H ú ngaro, de certo modo isolada de seus pares daquele período. Em geral, conhecimen ¬
Lukács reagiu de modo similar à atitude do primeiro em relação ao Partido tos reais sobre o stalinismo foram desenvolvidos naqueles anos por pesqui ¬
Francês. Os limites da literatura marxista sobre o stalinismo inspirada por sadores profissionais como Carr, Nove ou Rigby, ou por trotskistas como
1956 na Europa Oriental podem ser vistos ao olharmos adiante para os mar¬ Mandei ou Maitan. A principal corrente de 56 se provou, no final, surpreen¬
dentemente estreita, e não deixou um grande rastro. Em parte, isso se deu
411
cos que vieram em seguida. Nada surgiu de compará vel em estatura à obra
de Medvedev nos anos 1960, ou à de Bahro nos anos 1970. cm virtude da falta de habilidades especializadas e de interesses na R ússia,
Na Europa Ocidental , as oposi ções tiveram mais tempo e espaço para na Europa Oriental e na China entre os intelectuais que deixaram o movi ¬
desenvolver uma an á lise radical e sistem ática da natureza e das origens do mento comunista naquele ano. Sua aten ção estava mais naturalmente voltada
stalinismo como um fenômeno histórico. Thompson convida seus leitores para suas próprias sociedades. Mas, mesmo aqui, é surpreendente o quã o
mais jovens a inquirir: "Você identificou as fontes do stalinismo? Você cons¬ diminuto foi o progresso feito em um entendimento materialista da persis¬
truiu uma teoria melhor?".47 Essa, evidentemente, é a segunda pergunta que t ê ncia da lealdade comandada pelas estruturas burocráticas e tradi ções dos
precisa ser feita. Vimos que Thompson ignora toda a tradi ção de engajamento principais partidos comunistas entre os trabalhadores de vanguarda e as gran¬
teórico marxista com a União Soviética anterior a 1956. O que, então, ele e des massas de filiados e eleitores no Ocidente, sem se beneficiar da coerção
seus colegas produziram nos 20 e poucos anos desde essa data? A resposta é pol í tica ou do monopólio ideol ógico: uma questão muito pouco levantada
curiosamente contraditória. Na Inglaterra, a The New Reasoner manteve, de por marxistas até hoje. Razões mais profundas estavam atuando na direção
1957 a 1959, um registro de documentação socialista sobre a Europa Oriental ulterior dos rebeldes de 1956 do que uma mera retirada dos desapontamentos
e a URSS sem igual na esquerda de qualquer outro pais. Nenhuma edi ção com a desestalinização no Leste.
estava completa sem artigos a respeito do mundo comunista ou traduções É dif í cil não se perguntar se os resultados do humanismo socialista da¬
vindas de l á. Entre eles estavam os ensaios do próprio Thompson aos quais quele tempo não foram tão analiticamente escassos em decorrência de uma
ele se refere - equivalentes ocidentais eloquentes dos manifestos orientais premissa continuamente visí vel em A miséria da teoria : a convicção de que
do tempo - e poemas e histórias de Dery, Yashin, Hikmet, Wazyk, Ilyes, o verdadeiro trabalho já estava feito - a cr ítica moral do stalinismo, que tor¬
Woroszylski, Brecht e outros. Mas, com a interrupção da The New Reasoner nou sobressalente ou secundária a meticulosa investigação histórica ou so¬
no final de 1959, esse interesse definhou . H á escassas reflexões sobre isso na ciológica sobre a dinâ mica de sociedades orientais. O prolongado silê ncio
New Left Review de 1960- 1961 . Na França, o êxito foi menor. Lá, o produto sobre a Uni ão Soviética ou a China que se seguiu à efervescência de 1956 -
tipico daqueles anos foram as memórias autobiográficas de Edgar Morin -1959 foi, nesse sentido, possivelmente o resultado lógico do que pode ser
sobre seu per íodo no PCF, Autocritique. Na Itália, uns poucos panfletos efé¬ genuinamente chamado de uma substitui ção do moralismo pelo materialismo
meros surgiram . No in ício dos anos 1960, o momentum de 1956 parecia ter histórico. Em vez de um rastreamento dos complexos processos causais que
passado. Apesar de todas as pol ê micas apaixonadas e autoquestionamentos levaram da morte de Stalin ao equil íbrio de Brejnev, temos uma passagem
do período, deve ser dito que, de maneira abrangente, é a escassez de estudos da tocha do protesto ético ao longo das d écadas, de 1956 a algum tempo no
fundamentados sobre o stalinismo - em vez de qualquer padrão de pesquisa futuro quando a "agenda inacabada” do humanismo socialista será novamente
cumulativa - que é digna de nota. O grupo de 1956 produziu um ú nico livro retomada. A relação entre passado e presente estabelecida no cânone da his¬
substancial , ou mesmo um ensaio anal ítico, sobre a URSS nos ú ltimos anos toriografia de Thompson encontra um reflexo fiel em sua definição de pol ítica
de Khrushchev? Investigou as raízes do conflito sino-soviético? Tinha algo aqui. Um culto acr ítico de 1956 é a consequê ncia prática de uma concepção
a dizer sobre a China, antes ou depois da Revolução Cultural? Acompanhou da história como uma antologia de exemplos morais. Em ú ltima instância,
a evolução das sociedades russa ou europeia oriental na época de Brejnev? isso leva a um abandono das responsabilidades da aná lise intelectual e da
Um escritor em The Reasoner e The New Reasoner deu uma contribui ção explicação cont í nuas. A própria obra A miséria da teoria fornece a pertur-

134 135
badora prova disso. O tratamento de Althusser como um stalinista é como. Como é poss í vel, desse modo, que o althusserianismo - o produto recôn ¬
vimos, uma frivola caricatura de Althusser. Mas ele també m graceja, de uma dito de uma min úscula fração da intelligentsia em um pa ís capitalista alta-
maneira diferente, com a natureza do stalinismo, uma vez que o regime sta
-
linista na R ússia foi um colossal complexo pol í tico-institucional nascido em
mente desenvolvido - tenha emergido para dar uma teoriza ção post hoc
completa desse fenômeno? Em um ou noutro sentido do termo stalinismo, a
um pais atrasado, dominado por extrema escassez e cercado por inimigos pró pria ideia desafia a imaginação. Thompson até a pretende com o primeiro
armados, consolidado em meio às mais profundas convulsões sociais e man ¬ sentido, como a própria magistratura sangrenta de Stalin. Qual concebí vel
tido pelos interesses materiais de um estrato burocrático privilegiado criado base material ou lógica histórica conecta duas tais forças absolutamente des¬
pela pró pria Revolução. O cataclismo da coletivização forçada, o terror dos semelhantes e desproporcionais? Em lugar algum Thompson tenta fornecer
expurgos, as hecatombes da Segunda Guerra Mundial , juntos dizimando a uma explicação. Em vez disso, possivelmente percebendo a impossibilidade
população soviética, foram espec íficos a esse stalinismo. Sua marca foi a -
de fazê lo, ele se lan ça cm umaJuite en avant de generalização ampla - uma
perda de vidas - pela repressão sanguinária ou pelo erro insensato - em uma hora evocando a ameaça de uma “ nova classe dominante” no Ocidente; em
escala descomunal. outra, futuros governantes despóticos no Terceiro Mundo, apoderando-se do
Com a morte do autocrata que deu seu nome ao sistema, o stalinismo, em althusserianismo como uma ideologia ca ída do cé u. Sugestões obscuras dos
Khmers Vermelhos se misturam a advertências de niilismo nas politécnicas.
50
seu sentido clássico, logo chegou ao fim na R ússia . Permaneceu uma rígida
ditadura de partido, dedicada simultaneamente à industrialização de uma -
A pura fantasia desse retrato composto de Althusser - ghost writer póstumo
economia planificada, à defesa da propriedade estatal contra as pressões do de Stalin, conselheiro invis í vel de Pol Pot, semeador de uma miríade de flo¬
imperialismo e à proteção de seus privilégios contra as massas de trabalha¬ rescentes Nechaievs - é espantosa. Em outro lugar, ainda em busca de uma
dores e camponeses - ainda uma negação da democracia socialista, mas não explicação para o trabalho de Althusser, Thompson, de maneira mais banal,
mais um aparato de terror generalizado. O stalinismo, nesse sentido secun¬ apresenta-o como um produto do elitismo congénito da academia no Ocidente
d ário, tem provado possuir uma base histórica muito mais ampla . No século e de outros intelectuais, mimados pela educação gratuita e por atuais empre¬
XX , até agora, ele tem constitu í do o formato de todos os regimes que emer¬ gos confortáveis, mas, de outro modo, meros descendentes das tradições de
giram de revolu ções socialistas vitoriosas, com a exceção parcial de Cuba. Bentham, Coleridge ou Webb.sl O jorrar de comentários contradit órios nas
Apesar de todas as suas, de outra forma, diferenças significativas, China, pá ginas finais de A miséria da teoria pode ser tomado como um testemunho
lugoslávia e Vietnã representam, essencialmente, variações desse modelo. de uma subjacente falta de interesse em seu objeto nominal em si . As decla ¬
Em apenas um caso, o terror do imperialismo produziu uma experiência mais rações estertorosas de que o althusserianismo é a codificação aprimorada das
terrível que a da tirania de Stalin : a ditadura cambojana, encerrada por um prá ticas do terror burocrá tico na URSS de fato envolvem - contrariamente a
vizinho mais clemente. Outras deformidades menores do stalinismo russo suas intenções - uma trivializaçâo da ditadura de Stalin. Elas não servem de
foram, ocasionalmente, excedidas: o culto da personalidade na Coreia do propaganda para a sabedoria materialista de 1956.
Norte, por exemplo, eclipsou qualquer precedente. Mas, de modo geral, as Ao mesmo tempo, os julgamentos pol í ticos de Thompson sobre o stali ¬
revoluções socialistas desde Outubro de 1917 têm se beneficiado das mudan ¬ nismo em seu sentido contemporâ neo mais amplo també m se desencami ¬
ças postas em curso por esta no equil íbrio de forças mundial: os custos da nharam seriamente em A miséria da teoria: “ Do meu próprio ponto de vista” ,
transformação social, em brutalidade pol í tica e irracionalidade, t ê m sido ele nos conta, “ não consigo conceber qualquer outra tend ência no movimento
da classe trabalhadora que esteja mais distante à ‘direita’ que o stalinismo” .
52
proporcionalmente menores. O stalinismo tem sido, ao mesmo tempo, repro¬
duzido e mitigado fora da R ússia, onde quer que a constru ção do socialismo Com essa sentença grave, ele desliza de volta ao que é, de fato, uma clássica
tenha sido tentada em formações sociais pobres e atrasadas, presas à luta posição da guerra fria, uma vez que os movimentos stalinistas, no sentido
contra a dominação colonial ou a agressão imperial. O arco de seu alcance em que ele utiliza o termo aqui - partidos comunistas moldados pelas tra ¬
no mundo subdesenvolvido forma um dos principais padrões históricos do di ções autoritá rias do PCUS tardio -, n ão são meros sobreviventes de um
século XX. passado reacionário: pelo contrário, alguns se provaram capazes de ainda

136 137
continuar a ter um papel histórico-mundial revolucionário, atravessando as
alcançar tal justiça. Há,dc fato, uma sugestão ocasional na escrita de Thomp
¬

décadas de I960 c 1970. O que mais foi a Revolução Vietnamita - o mais árias
son de que um historiador pode ser dispensado de suas obrigações ordin
grandioso épico de luta anti-imperialista do século XX? O parentesco aquém
entre com a verdade quando está lidando com contemporâneos - de que algo
Stalingrado e Saigon é claro para todos verem. A contradição entre liberta¬
dos padrões rigorosos requeridos do passado servirá no presente quando
,
ção e arregimentação, emancipação e coerção foi bem menos drástica no forma,
o envolvimento pessoal em seus conflitos impossibilita, de qualquer
Vietnã que na URSS. Mas a forma geral do processo histórico é aparentada
Se Thompson não conseguia realmente conceber uma tendência mais à direita
. a objetividade. Em uma interessante entrevista dada nos
Estados Unidos,
ele comenta:
em relação ao stalinismo no movimento trabalhista, a lógica de sua posição
teria sido a confluência com Shirley Williams e Lee Kuan Yew nas violentas jovens
Quando se trata do século XX, estou quase certo de que historiadores mais
denúncias que elesíf zeram na NLR nas fileiras da Segunda Internacional. Nu grande em alguns
devem fazer o trabalho, por causa do meu envolvimento muito
verdade, embora a Revolução Vietnamita receba pouca ênfase dele hoje, no episódios. Eu não acho que posso escrever sobre eles como um historiador
. Eu posso

passado, ele de fato foi solidário a ela. O anticomunismo vulgar é expressa¬ escrever teoria polí tica, mas não posso escrever como um historiador sobre 1943,
mente desaprovado em outro ponto de A miséria da teoria. Mas isso não ária para tomar
porque cu mesmo estou demasiadamente lá. Há uma distância necess
inibe Thompson de proferir uma saraivada de ferozes investidas contra o possivel uma análise objetiva.”
PCF, as quais não caem bem a um membro conformado do Partido
Trabalhista
ógicas
Britânico - uma organização cujo histórico particular sobre o Vietnã (para O argumento é uma curiosa contradição das reivindicações epistemol
não mencionar Rodésia, Malásia Britânica, Grécia) estava abaixo do desdém, da experiência que são centrais à Miséria da teoria - como pode ser per ¬

e cujo caráter geral até os seus admiradores poderiam hesitar em descrever cebido em um comentário paralelo sobre a história do comunismo no mo
¬

a experi ê ncia
como verdadeiramente à “esquerda” do PCF. Evidentemente, não é que a vimento trabalhista britânico: “ Aqueles de nós que viveram
nunca serão capazes de mantê-la à distância requerida para a análise”. Mas
54
escolha de um socialista para trabalhar no Partido Trabalhista da Grã Bre¬
-
tanha seja necessariamente errada ou incompreensí vel: uma defesa de tipo a consequência que Thompson parece tirar disso não é uma necessidade
similar pode ser feita tanto dessa escolha quanto da opção de Althusser de de maior zelo, mas uma licença para maior frouxidão de julgamento
. Ele
trabalhar no Partido Comunista na Franç a. Em ambos os casos, um c álculo prossegue:
sóbrio da utilidade relativa está, sem dúvidas, envolvido. Mas, precisamente
por essa razão, é impróprio para Thompson açoitar Althusser publicamente O historiador pode tender a ser um tanto generoso porque ele tem que
aprender a
e entender
pela filiação a um partido comunista em um texto que fracassa em tomar escutar e a dar atenção a grupos muito distintos de pessoas e a experimentar
qualquer distância do Partido Social Democrata ao qual ele pertence hoje. O em uma situaçã o de grande
seus sistemas de valores e sua consciência. Obviamente ,
55
desvio da declaração de que não há “ nenhum inimigo à direita” do stalinismo engajamento, não se pode sempre arcar com esse tipo de generosidade .
dentro do movimento trabalhista é a aceitação da social-democracia como
um mal menor. É impossível acreditar que Thompson verdadeiramente de¬ De fato, generosidade é um termo menos apropriado para a prática
adequada
ção
fenda essa visão. Tudo em seu temperamento político depõe contra isso. É do historiador que justiça. Está bem claro que, no que assume ser a “ situa
muito mais provável que a declaração seja um deslize da pena, originado do de grande engajamento” na qual estava escrevendo A mis ria é da teoria ,
:
calor do momento. Em vez de sinal de uma acomodação nova e profunda às Thompson se sentiu subjetivamente incapaz de arcar com o primeiro termo
o resultado objetivo foi sacrificar o segundo. A mesma entrevista
categorias da guerra fria, ele é simplesmente uma evidência das limitações cont é m sua
e dos perigos da “ teoria entendida como polêmica”. própria correção:
As deficiências políticas e teóricas da obra de Althusser não se esquivaram
a um tipo
aqui. Elas são eminentemente assunto para crítica socialista justa. Mas o Mas, arcando- se muito pouco com isso [a generosidade ], se é impelido
pessoas são repe-
estilo de polêmica de Thompson em A miséria da teoria nem mesmo tenta de posição sectária na qual erros de julgamento em relação a outras

138 no
ência
A própria pessoa de Althusser e seus escritos são uma coisa a influ
lidnmcntc cometidos. Temos visto muito disso ultimamcnlc. A consci ência hist ó ;
rica
dc suas ideias - o fenô meno do althusserianismo - é outra. Ser
deve ajudar a entender as possibilidades de transformação e as possibilidades á Thompson
nas
pessoas. ? N ão h á d ú vidas de que, na
mais pertinente em seu veredito sobre o ú ltimo
de Althusser
Inglaterra, ocorreu nos anos 70 um tipo de subproduto da obra
É exatamente essa consciência que era necessária à Miséria da que, de fato, responde a algumas das mais severas crí ticas de Thompson . Os
teoria, e que
está tão ausente. algumas
escritos de Hirst, Hindess e de seus colegas notoriamente levaram
A convicção de Thompson de que Althusser deve ser um
stalinista endu ¬ dus ideias de Althusser a uma redutio ad absurdum - antes de sucessivamente
próprias
recido é puramente baseada, em grande parte, no inflex ível determinismo
dc rejeitar o próprio Althusser como empirista demais, depois suas
sua obra: uma negação filosófica do papel da agência humana na história noções iniciais como racionalistas demais e, por fim, Marx como revolucio ¬
ê
lida como uma teorização da repressão prática de homens e mulheres
reais. ná rio demais. Mas essa iconoclastia sem substância, ainda que
compreen -
O anti-humanismo althusseriano é, dessa forma, equiparado a corrente domi ¬
um stalinismo sivelmente uma provocação a Thompson, nunca foi parte da
desumano, no qual os “ apoiadores” das relações de produção de Balibar são , junto
nante de trabalhos althusserianos - a que ela expressamente renuncia
praticamente incorporados às v ítimas dos pelotões de
fuzilamento de Béria. com o marxismo. A verdadeira questão está em outro lugar É . o caso , como
Um estruturalismo anal ítico, em outras palavras, toma-se um
outro nome Thompson alega , de que o histórico geral do althusserianismo
tenha sido
para niilismo moral. Mas se Thompson tivesse permitido que uma á ria", cujas
consciên ¬ “ uma praga da mente” , como uma “ ideologia totalmente reacion
da
cia histórica usual conduzisse sua atenção em Althusser, possivelmente,
ele categorias reificadas “ nunca poderão” ser aplicadas ou testadas na escrita
história?57 A resposta é que, tão longe de isso ser verdade o althusserianismo
teria relembrado que, na história da filosofia, não há relação intrí nseca ,
entre
um determinismo causal e um amoralismo insensí vel. Se há algo, é o con se provou notavelmente produtivo - gerando uma amplitude impressionante
¬
trá rio que é verdadeiro. O mais radical e implacá vel determinista o presente .
de todos, de trabalhos que lidam com o mundo real, tanto o passado quanto
Baruch Spinoza, era conhecido em seu tempo como o mais gentil e sobre a
nobre A obra Crise do feudalismo , de Guy Bois, é um marco da literatura
dos homens e foi canonizado pelos seus sucessores como o “ santo dos com a exposi ção
filó¬ Idade Média, combinando pesquisa empí rica meticulosa
conceituai rigorosa da dinâmica do feudalismo normando. Uma teoria
sofos” . As categorias do pensamento de Althusser são diretamente da
derivadas,
como eu procurei mostrar em outro lugar, do monismo de Spinoza. Não á regulação capitalista , de Michel Aglietta, é uma pioneira economia
pol í tica
h
do desenvolvimento do capitalismo norte-americano. Fascismo
razão para supor, a partir dos seus princ ípios teóricos, que sua perspectiva e ditadura,
ética fosse especialmentc diferente. Existem poucos vislumbres de dos fascis¬
Althusser de Nicos Poulantzas, é uma investigação comparativa detalhada
em texto. Mas vale a pena citar a memória que Régis Debray - um para o
marxista mos alemão e italiano. Colonialismo, neocolonianismo e a transição
muito diferente pol ítica e intelectualmente - tinha dele, de sua cela em antropol ó gico do
uma capitalismo , de Pierre- Philippe Rey, é um grande estudo
prisão boliviana:
impacto do colonialismo francês no Congo. Lenin, os
camponeses, Taylor ,
bolchevique
de Robert Linhart, reexamina as condi ções formativas do avanço
ça, de
rumo ao socialismo na União Soviética. A Escola Capitalista na Fran
Com jeito, ele nos deu a chance de trabalhar consigo, de tal forma que não
perce¬
bíamos que era ele que estava realmente fazendo o trabalho, que ele ís-
estava trabalhando Roger Establet e Christian Baudelot, fornece um levantamento socioestat
para nós. Nós sabíamos que ele era um comunista e, sob sua influê , e deter¬
lhe contar isso, n ós també m nos tomamos. Mas, com ele, isso
ncia apesar de não tico completo do sistema educacional francês. Estrutura de classe
empí rico abrangente
era uma convicção minação de renda, de Erik Olin Wright, é um estudo
incondicional, como podia ser visto não apenas em seus trabalhos escritos, mas tam Unidos . Ciência, classe e
bé m na afeição e na generosidade com as quais ele guiava
¬
das bases da desigualdade econ ómica nos Estados
nossos passos naquela sociologia europeia
direção. Aquilo que seus alunos viam como suas qualidades pessoais sociedade , de Goran Therbom , é uma história crí tica da
ú nica das
dade, qualidades de todo ativista.36
eram, na reali¬ clássica; seu Como domina a classe dominante? é uma sinopse
capitalista e
estruturas organizacionais contrastantes dos Estados feudal
,
socialista.58

140 141
Esses livros são apenas uma amostra da ampla litcrutura inspirada, em É contra a própria ideia de qualquer com é rcio ou troca desse tipo que
maior ou menor grau, pela obra de Althusser que tem emergido na ú ltima Thompson interporia seu veto mais veemente. A miséria da teoria termina
d é cada . Eles se limitam a estudos substanciais de t ópicos de import â ncia com a declaração de uma jihad geral contra o althusserianismo - uma con¬
-
inquestioná vel - excluindo se textos predominantemente epistemol ógicos voca ção para uma nova Guerra Religiosa na esquerda. A temeridade dessa
ou puramente teóricos. Mesmo dentro desses limites, a lista acima está longe convocação para o bem -estar do que Morris chamou de camaradagem so¬
de ser exaustiva. També m não está imune a defeitos - que vão da coloração cialista necessita de pouca ê nfase. Sua própria amplitude e sua vaguidão
mao ísta imprópria, em alguns casos, ao uso insuficientemente cr ítico de fon ¬ dizem tudo: “ Eu declaro guerra intelectual incansá vel contra tais marxis-
tes, em outros. Mas ela, incontestavelmente, indica a vitalidade do althusse - mos” .60 Quais? Aparentemente, “ práticas teóricas (e marxismos aliados )” ,
61

rianismo como uma força intelectual capaz de estimular e informar investiga¬ para as quais o próprio Thompson escreveu a melhor resposta, censurando
ções concretas igualmente entre economistas, cientistas pol íticos, historia ¬ Kolakowski exatamente pelo procedimento que ele agora emprega: a mesma
dores, sociólogos e antropólogos. Seria dif ícil negar que o balanço geral do “ ameaça indiscriminada contra uma parte da esquerda ” , “ feita de uma forma
impacto de Althusser tenha, nesse sentido, sido positivo para o desenvolvi ¬ tã o imprecisa” , com sua singular contraparte naquela “ pequena frase, gote ¬
mento real do materialismo histórico. De fato, se nos perguntarmos qual jada t ão silenciosamente, e em ‘todas aquelas outras utopias sociais’ ” . Mas
62

gama compará vel de obras que o thompsonismo, para arriscar o termo, fez n ão é apenas sua indiscriminação que é equivocada nas ameaças finais de
surgir, a resposta é evidentemente mais modesta. Onde - o leitor de A misé¬ Thompson; é a suposição contida na ep í grafe de Marx ostentada no topo de
ria da teoria pode ter a tenta ção de perguntar - estão as explorações thomp- A miséria da teoria como um todo: “ Deixar o erro irref útado é encorajar a
sonianas da trajetória do capitalismo industrial avan çado, dos mecanismos imoralidade intelectual ” . Um dos motes favoritos de Thompson, sua autori ¬
da crise do feudalismo, do papel da acumulação primitiva no colonialismo, dade deveria ser rejeitada, pois um erro intelectual não é um crime moral, e
da relação entre classes na construção do socialismo, dos padrões de opor¬ confundir os dois é dar carta branca para o fanático e o fariseu. O tom dos
tunidades educacionais ou de distribuição de renda nas democracias burgue¬ longos trechos de ataques de Thompson a Althusser dá testemunho das con ¬
sas, da história intelectual das ciências sociais, ou da natureza do fascismo? sequê ncias sombrias dessa m á xima: “ monstruoso” , “ nebuloso” , “ absurdo” ,
A tentação deve ser evitada, porque nenhuma comparação entre Althusser e “ asneira” , “ caminho burguês” , “ operação policial ” - o dicion á rio é perscru ¬
Thompson nessas linhas seria estrita. N ã o é apenas porque a obra histórica tado de variações de insulto. A nocividade desse estilo de pol êmica para as
de Thompson carrega um peso e uma autoridade em seu próprio campo muito possibilidades de comunicação racional ou camaradesca na esquerda é in ¬
al é m dos encontrados em qualquer estudo althusseriano até hoje feito, mas questionável. A longa e desastrosa tradi ção por trás de tal estilo é lembran ça
também porque um historiador ensina pelo exemplo, em uma disciplina na suficiente desse efeito nocivo. Chamar Althusser, hoje, de agente policial do
qual um longo per íodo de amadurecimento é normal entre novos praticantes, stalinismo, no campo da ideologia, é certamente mais brando que chamar
enquanto um filósofo pode instruir pelo sistema, generalizando conceitos e Slansky, ontem , de agente de inteligência do capitalismo, mas os há bitos de
teses de maneira relativamente rápida através de vá rias disciplinas. Por ú l ¬ linguagem envolvidos não são inteiramente dessemelhantes. É compreens í ¬
timo, Thompson não deveria, evidentemente, ser separado como indiv íduo vel que Thompson estivesse exasperado com a arrogâ ncia genérica do trata ¬
do brilhante grupo de historiadores marxistas ingleses de sua própria geração, mento dado por Althusser ao humanismo socialista ou à historiografia pro¬
mesmo que as inflexões e os interesses de sua obra sejam certamente distin ¬ fissional - por sua falta de qualquer inclinação pelas obrigações usuais e de
tos dentro dele. Uma comparaçã o das conquistas do conjunto dessa historio¬ decoro do diálogo cr ítico na esquerda. Mas, reagindo contra esses defeitos,
grafia marxista com o legado de Althusser se mostraria bem diferente. Mas ele os ultrapassa e os supera com os seus próprios.
seria uma comparação entre iguais, dentro de uma mesma cultura socialista, Por trás da viol ência de sua investida contra Althusser, pode ser rastreado,
que se desenvolveu para al é m de anátemas m ú tuos. Jovens marxistas na In ¬ de fato, um descontentamento mais profundo e geral com o presente, visto
glaterra estão hoje, de fato, já buscando um equil í brio crí tico ou uma sí ntese que o althusserianismo é apenas “ mais outro espantoso espetáculo aberrante
entre essas duas tradições diversas.59 somado à fantasmagoria do nosso tempo. É um tempo ruim para a mente

142 143
internacional no qual tenho a sen-
racional viver: para uma mente racional da tradição marxista , é um tempo lado desse período de discussão, em um contexto
, dc pertencer a uma esfera c uma dimensão de
tra¬
que não pode ser suportado’'.63 O julgamento histórico mais amplo envolvido MIçAO, pela primeira vez na vida

balho nas quais cu poderia me sentir em casa.


64
aqui é um estranho para um marxista : alguma passagem das décadas passadas
pode se comparar em escuridão ao final dos anos 1930, o tempo do na / ismo estudos literários e
triunfante e dos Grandes Expurgos, que, ainda assim, faz parte de uma época Mesmo admitindo- se a diferença de situação entre
. O “ tempo insuportável para
poética para Thompson? Mas , mesmo localmente, restringindo-nos apenas históricos , a qualidade da resposta é antité tica
uma mente racional da tradição marxista toma
” -se, aqui , “ o primeiro” no
ao panorama intelectual da esquerda, é de fato o caso de as sombras terem ência, pedra de toque do
qual tal mente “ poderia se sentir em casa . A experi

se alargado tão tenebrosamente, a um tom quase de pesadelo, nesses últimos
anos? Thompson nos deu o testemunho de suas sensações nesse tempo. A mundo thompsoniano, revela seu capricho.
honestidade do seu relato não é objeto de questionamento, mas a sua racio¬
nalidade pode ser. Nós podemos averiguar o grau de sua validade, possivel ¬
mente, comparando suas reações à mudanç a na atmosfera cultural da es ¬ Notas
querda na Inglaterra desde os anos 1960 àquelas do colega socialista cujas
ideias ele, com grande frequência, reconhece em A misé ria da teoria como 1 . .
PT, p 263

próximas às suas próprias. Raymond Williams descreveu a expansão da cul ¬ 2 . .


Idem , p 264
3 . .
Idem , p 265
tura marxista na Grã- Bretanha , da qual a introdução à obra de Althusser foi 4 Ibidem.
um elemento, de maneira bem diferente: 5 -
Idem , pp. 265 266.
-
, Selections from the Political Writings, 1910 1920.
6 Ver, respectivamente, Antonio Gramsci
and Class Consciousness. London, 1971,
Foi nessa nova situação que eu senti o entusiasmo do contato com mais obras
-
pp. 223 256.
-
London, 1977, pp. 34 37; Georg Lukács, History

marxistas novas: os mais recentes trabalhos de Lukács, os mais recentes trabalhos de 7 Essays in Self Criticism, pp. 35 36
- - .
Sartre, o trabalho em curso de Goldmann e de Althusser, as sí nteses variá veis e em 8 PT, p. 374.
desenvolvimento do marxismo e algumas formas de estruturalismo. Ao mesmo tempo, 9 Idem, p. 333 .
no interior dessa significante atividade nova, houve maior acesso a obras mais antigas, 10 Idem, p. 375.
notadamente as da Escola de Frankfurt (em seu período mais significativo nos anos It Idem, p. 332.
12 Idem, p. 375.
20 e 30) e, especialmente, à obra de Walter Benjamin ; à obra extraordinariamente
. -
13 Idem, pp 326 327.
original de Antonio Gramsci; e, como um elemento decisivo de um novo sentido dc . -
14 Idem, pp 380 381.
tradição, a obras havia pouco traduzidas de Marx e, especialmente, aos Grundrisse. 15 Idem, p. 381.
Enquanto tudo isso acontecia, durante os anos 60 e in ício dos 70, eu frequentemente 16 Idem, pp. 270 271. - havia de maneira ú nica conduzido a maioria
refletia - e em Cambridge tinha razão direta para refletir - sobre o contraste entre a 17 Com exceção da Dinamarca, onde Axel Larsen .
ção socialista independente, a SF muito
do Partido Comunista na criação de uma organiza
situação do estudante socialista de literatura em 1940 e em 1970. Mais genericamente,
maior que o Partido residual em 1956.
eu tinha razões para refletir sobre o contraste para muitos estudantes de literatura, em -
18 Ver For Marx , sobretudo pp. 5S 70.
uma situação na qual um debate que tinha se encaminhado para um impasse, ou para 19 Idem , p. 237. são
20 Thompson cita Althusser como se este
estivesse afirmando que “ na URSS, os homens
posições locais e parciais, no final dos anos 30 e 40, estava sendo vigorosa e signifi-
é, como pessoas " (PT, p. 315).
de fato tratados agora sem qualquer distinçã
o de classe isto
,
cantemente reaberto... Meu próprio longo e frequentemente interno e solitá rio debate ; Os soviéticos dizem , em nosso pais .
Na verdade, a passagem citada começa com a frase “
com o que eu havia conhecido como marxismo agora assumia seu lugar em uma in ¬ , . , itálico meu). Similarmente, ele cita
as classes desapareceram ..." etc. ( For Marx p 222
vestigação internacional séria e expandida. Eu tive oportunidade de expandir minhas mundo se abrindo diante dos soviéticos" como
Althusser como se este estivesse falando do “
, de ci ência, de cultura, de sustento e li
¬
um mundo de "infinitas perspectives de progresso
discussões na Itália, na Escandinávia, na França, na América do Norte e na Alemanha, que consegue funcionar sem sombras e
berdade, de desenvolvimento livre - um mundo
e com visitantes da Hungria, da Iugoslávia e da União Soviética. Este livro é o resul - trag édias” ( PT, pp. 315-317 ). Novamente, o efeito é atingido pelo simples recurso de
omitir

145
144
o period» com o quid a frase começa:“ O comunismo com o qual a Unido Soviético < o i
..
comprometida é um mundo sem exploração económica . " ele. ( For Marx, p 23 ) Dec In . *.
-. 19 Pt , pp. 404-405.
40 Idem , p. 405.
rações russas oficiais são convertidas, com uma penada, cm afirmações althusscrianas . 41 New Left Review , n . 50; London, 1978.
21 Ver "C'ommitmcnl in Politics". University and Left Review , n. 6, Spring 1959, p. 51 . .
42 PT p. 324.
22 Karl Marx s Theory of History - A Defence, p x . . H 41 Idem , pp 375, 369.
23 "Uma nova religi ão vai se desenvolver nas próximas poucas centenas de anos, uma religião 44 Idem , p. 324.
que corresponde ao desenvolvimento da espécie humana. Ela chegará á existência com o 4' “ Socialism and the Intellectuals , Universities and
" Left Review , n. I , Spring 1957, p. 36. O
surgimento de um novo grande professor.” Cf.: The Sane Society. London, 1956, p. 351 . eleito da frase é a recusa da devida responsabilidade pela sua expansão retórica.
24 "O objetivo é criar uma forma de comunidade que irá exemplificar o modelo do evangelho . London , 1955, no qual , sob a força de um
46 Ver William Morris - Romantic to Revolutionary
, leitores: “ Vinte anos
e que irá continuamente renovar sua penitência por sua conformação ao padrão do pecado artigo de Rothstein ( “ Culture in the Soviet Factory") ele diz a seus
humano... A verdadeira comunidade Crist ã será uma de pobreza c oração"; “ Suas oraçõc » muitos devem ter considerado o retrato de
atrás, mesmo entre socialistas e comunistas ,
serão orações cl ássicas da Cristandade. Paradoxalmente, é o estudo contemporâ neo do Morris de ‘Uma f á brica como ela deve ser ’ como um impratic á vel sonho de poeta; hoje .
já realizado” ( p. 760 ).
marxismo que, possivelmente, revele mais claramente o que os métodos clássicos de me¬ visitantes retomam da União Soviética com histórias do sonho do poeta
ditação t êm a nos dizer sobre a ‘noite escura da alma’ . É uma ‘noite escura " , uma ascese de
pobreza e questionamento, que deve renovar nossa pol í tica. Uma comunidade comprome¬
.
47 PT p. 374.
, . 3, 11 / 1956, e “ The Russian
4* Ver “ Some Notes on the 1937 38 Purges” . The Reasoner n
-
tida igualmente com pol í tica e oração serviria na renovação de toda a Igreja” ( Marxism An . Economy” . The New Reasoner , n 10, .
Autumn 1959 O .
primeiro artigo é estranhamente si¬
Interpretation. London , 1953). Em uma demonstra ção notá vel de continuidade ideol ógica , por Grahame Lock,
milar na explicação que esboça dc Yczhovschina àquela desenvolvida
o livro foi reimpresso por seu autor, com ajustes modestos para a perda de fé hodierna, como
Marxism and Christianity , em 1969. pupilo de Althusser, em sua introdução a Essays in Self
.
-
Criticism
tamb ém
.
é
A resenha
de Davies
solitá ria sobre
.
a URSS nas primeiras edi ções da New Left Review ( n 5 )
25 Na Inglaterra, eles inclu íam Raymond Williams ( ver Terry Eaglcton & Brian Wicker (eds ) .. 49 Em outro lugar, o próprio Thompson praticamente admite isso
. Em sua carta a Kolakowski,
From Culture to Revolution . London , 1968, p. 298); A New Left Review , até a revelação, na ência intelectual de
das “ poucas consequências construtivas e duradouras da turbul

virada du década, da nova pol í tica externa chinesa; possivelmente, em alguma medida, o ele fala
próprio Edward Thompson, que misteriosamente isenta a China de sua, de outra forma 1956 ( PT, p. 93).
universal, “ estase estrutural” da pol ítica mundial ao final da década - ver PT, p 265 . . -
50 PT, pp. 379 380, 397.
-
26 Essays in Self Criticism , p. 92.
27 Sua longa carta de I “ de março de 1967, criticando Revolução na Revolução? , foi publicada
51 Idem , p. 377.
52 Idem , p. 326.
.
por Debray em La Critique des Armes. Paris 1974, pp. 262 269. - 53 “ An Interview with E. P. Thompson” . Radical History
.
Review Ill, 4, Autumn 1976, p. 17.
28 “ À propos de 1‘article de Michel Vcrret sur ‘Mai é tudiant ’ ” . La Pensée , n . 143, 6/ 1969, 54 PT, p. 75
- .
pp. 3 14 55 “ An Interview with E. P. Thompson” , p. 17.
29 M .- A . Macciocchi, Letters from Inside lhe Italian Communist Party to Louis Althusser. 56 Prison Writings. London, 1973 p. 198. .
.
London 1973; reações oficiais podem ser encontradas em pp. 323 335. - 57 PT, pp. 352, 375, 287.
-
30 Essays in Self Criticism , p. 77. 58 Guy Bois, Crise du féodalisme. Paris, 1977; Michel
Aglictta, Regulation et crises du capi -
, 1970; Pierrc- Philippe
.
31 Prefácio a : Dominique Lecourt Proletarian Science?. London, 1977, pp. 11 12. - .
talisme. Paris 1976; Nicos Poulantzas, Fascisme et dictature Paris
.
. Paris, 1971; Robert
. -
32 PT p ii. [ No original, a expressão lo sulk in its tent ( recolher se a sua lenda ) faz referência -
Rey, Colonialismo, nêo coloniali me et\ transition au capitalisme
.
-
ao episódio da lliada no qual Aquiles recolhe-se a sua tenda em recusa ajuntar se à luta dos Linhart, Lénine les . paysans .
Taylor . Paris, 1976 ; Christian Baudelot & Roger Establet
Structure and Income
L ’ ccole cupituliste en France. Paris, 1971; Erik Olin Wright Class
,
gregos contra os troianos. ( N. da T. )]
33 London, 1970. O livro é uma exposição da vigilâ ncia académica e industrial . A conclusã o Determination. New York 1979 , ; Goran Therbom , Science .
Class and Society . London , 1976;

What Does the Ruling Class Do When it Rules?. London , 1978


.
final ( “ Highly Confidential: A Personal Comment by the Editor” , pp. 146-164 ) é urn dos
pontos de partida originais da preocupa ção dc Thompson com as liberdades civis no final 59 Ver o impressionante volume produzido pelo Centro de Estudos Culturais Contemporâneos,
dos anos 70. em Birmingham ( John Clarke; Chas Critcher & Richard Johnson -
( eds. ), Working Class

34 “ Sir, Writing by Candlelight ” . Mew Society , 24 / 12/ 1970; "A Special Case ” . New Society , Culture,sobretudo “ Culture and the Historians ", pp . 41 -
71, c “ Three Problematics
.
: Elements
24/2/ 1972. -
of a Theory of Working Class Culture", pp. 201 -232, de Richard Johnson )

35 “ Homage to Salvador Allende". Spokesman Broadsheet . Nottingham, 30/9/1973. 60 PT, p. 380.


36 Sunday Times , 27/4/ 1975. 61 Ibidem.
. -
37 Os artigos de Althusser foram publicados no Le Monde 24 27/4/1978. -
62 Idem, pp. 127 128.
38 Ken Alexander era o principal cr í tico do centralismo democrá tico, como interpretado pela 63 Idem, p. 216.
liderança do partido: ver os artigos dele sobre o assunto em The Reasoner , n. I , 6/1956, e 64 Marxism and Literature, pp. 4 5. -
.
World News 7/9/1956.

146 147
5
INTERNACIONALISMO

O percurso por A miséria da teoria está agora completo. Ele cruzou um am ¬

plo arco de problemas teóricos e pol íticos que confrontam o socialismo con ¬
temporâneo - do status e da lógica da história como disciplina à direção e
aos limites das conquistas intelectuais de Marx; da participação da escolha
humana e da iniciativa na geração de estruturas sociais às bases e à natureza
do stalinismo como um tipo de regime pol í tico e movimento organizacional.
Ao longo do caminho, o foco do debate foi a polê mica de Thompson com
Althusser sobre todos esses temas. Cada um deles foi analisado aqui , com
algum pausar, à luz dessa polê mica. No entanto, permanece um dever final
a ser saldado. Não pode passar despercebido a nenhum leitor de A miséria
da teoria como um todo - o livro, e não o ensaio - que um de seus temas
recorrentes, seja como digressão, seja como insinuação ou pronunciamento
aberto, é a disputa de Thompson com a atual New Left Review, uma revista
da qual ele foi um dos fundadores. O prefácio se inicia com um ataque brusco
a Tom Naim. / Ispeculiaridades dos ingleses é, como é bem sabido, um vee¬
mente ataque aos ensaios sobre a sociedade e a história britâ nicas escritos
por Nairn e por mim no começo da d écada de 1960 - agora apimentado com
escá rnios adicionais meticulosamente preservados para publicação quase 15
anos depois. A “ Carta Aberta a Leszek Kolakowski ” dedica grande parte de
sua introdução a uma caracterização mais geral e a uma condena ção da prá ¬
tica editorial da NLR. A compilação, então, termina como começou: com uma

149
“ Nota de Esclarecimento” que, como vimos, desloca seu ) que n ã o só a mera
togo de Althusser estavam em jogo na desintegração da antiga New LeJ
para a New Left Review e a New Left Books. Seria
incorreto evitar tratar da impiedade da parte dos novos editores da NLR .
insistência desse padrão. Os riscos de uma rixa perpétua são severamente"
A segunda crí tica de Thompson é a de que a revista limitou

bem claros: eles
“ marcou a tradi ção
devem ser exorcizados. Portanto, para concluir, tentarei levar as
relações o “ interesse e o diá logo com” a dissensão comunista que
interesse havia dimi ¬
de The New Reasoner" .* De fato, como vimos esse
entre Edward Thompson e a New Left Review desde o come ,
ço dos anos 1960
a uma disposição mais fraternal - ao mesmo tempo
estando, no mesmo es¬ nu ído fortemente na própria New Left Review inicial de
, -
1960 1961. O histó¬
pírito, aberto a correções ou emendas. diferente por algum
rico do novo Comité Editorial não foi significativamente
A visão completa das diferenças que Thompson percebe tempo; se o seu interesse no mundo comunista era
maior, sua cobertura era
haver entre ele
e nós pode ser achada em sua “ Carta” a Kolakowski. Lá, ão pôde deixar de re¬
ele lista cinco prin ¬ muito irregular e incerta. Em todo caso, Thompson n
cipais zonas de discórdia. A primeira é o que ele chama
de “ exclusão” de gistrar o decl í nio em relação aos altivos padrões de
The New Reasoner . No
em 1973, sua
editores e colaboradores iniciais do discurso da revista - “ a revista
não ape¬ entanto, na época em que ele escrevia suas criticas à revista
nas se afastou de seus fundadores, como també m preteriu seu republicação hoje, visto
pensamento alegação já n ão era vá lida - para não falar de sua
sem exame” . 1 Será vá lida essa acusação? Posta como está, ela n o dos principais dissi ¬
ã é dif ícil que, ao longo da ú ltima década, a NLR incluiu textos
de refutar. A NLR foi a primeira revista a publicar uma an pa íses comunistas da
álise extensa de A dentes marxistas de praticamente todos os principais
formação da classe operária inglesa . O ensaio de Tom Bahro, da Alemanha
Nairn sobre essa obra Europa: Roy e Zhores Medvedev, da R ússia; Rudolf
, da Hungria;
Oriental; Jirí Pelikán , da Tchecoslováquia; Mikl ós Haraszti
pode ter desagradado a Thompson, mas a admiração
e a seriedade da abor¬
trabalhadores
dagem do livro ali contidas pouco podem ser questionadas. O Zaga Golubovic, da lugoslá via; Edward Baluka e seus
colegas
estudo de Ralph
Miliband de O Estado na sociedade capitalista foi avaliado por Nicos vez no mundo de
Pou- de estaleiro, da Polónia - em alguns casos, pela primeira
lantzas, a quem ele se reuniu nas páginas da revista em um monitoraram o curso
debate ampla¬ l í ngua inglesa. Sucessivos artigos de Tamara Deutscher
mente reconhecido, doméstica e intemacionalmente. Terceiro
Mundo , de das novas oposições soviéticas durante os anos 1970
. Até dissidentes an -
por vá¬
Peter Worsley, e A Era das Revoluções , de Eric Hobsbawm, foram
resenha¬ tissocialistas, como Soljen ítsin, foram cuidadosamente examinados
dos em profundidade por Victor Kieman, e Os
trabalhadores , de Hobsbawm, rios autores.
por Gareth Stedman Jones. A obra de Raymond
Williams foi tema de um A terceira reclamação de Thompson é que a NLR
vem promovendo um
grande debate entre Terry Eagleton e Anthony Barnett.
Miliband, Hobsbawm, “ estreitamento de referentes intelectuais” , alé m
de exercer “ uma insistente
é uma acusa ¬
pressão para reafirmar o marxismo como uma doutrina” . Essa
4
Williams, Kieman e Hilton contribu í ram todos, por sua vez,
com alguma
regularidade para a NLR . Por outro lado, é verdade que . Mas, no que tange
nem todos os funda¬ ção mais vaga, à qual não é fácil saber como responder
dores ou colaboradores de The New Reasoner ou Universities and que, se algo pode ser
Left Review às referências intelectuais, seria plausí vel argumentar
foram publicados ou discutidos na NLR enquanto ela se rio de sua herança ime¬
desenvolvia do co¬ dito, a revista as tem expandido para além do inventá
meço da década de 1960 em diante. Se Thompson tivesse falado diata. Entre os grandes pensadores sem conexão com o
materialismo histórico
de seleção,
em vez de exclusão, sua cr desde 1962 estão
ítica seria mais justificada. Alguma parte da culpa discutidos mais amplamente ou pela primeira vez na NLR
por isso certamente pertence à revista, por razões que figuras ó bvias, tais como Freud, Weber, Darwin,
Hegel Rousseau, Lévi ¬
,
discutirei. Mas parte
da responsabilidade é simplesmente do destino diverso de única “ doutrina ” , a revista
v íduos originalmente envolvidos, dos quais nem todos sequer
muitos dos indi¬ -Strauss. Em vez de insistir no marxismo como escolas de pensamento no
permaneceram tem enfatizado a diversidade e a pluralidade de
na esquerda. Certamente, não é sem alguma significâ
ncia que a própria The marxismo do século XX e tem propositadamente publicado
críticas a todas
Socialist Register , editada por Ralph Miliband e John Saville, que de seus ensaios compi ¬
Thompson elas - como pode ser prontamente visto no volume
descreve como “ a ú ltima sobrevivente da linha de continuidade lados como Western Marxism - A Critical Reader .
direta da
antiga New Left” , ele também observa, “ não envolveu
Em quarto lugar, Thompson sustenta que a NLR tem
praticado “ uma re¬
todas as tendências
que coexistiram ffutiferamente no antigo movimento” .2
Razões mais amplas jeição obrigatória do modo de investigação empírico” e concedido -
uma “ prio

/ 50 151
ridade hegeliana" á "organização estrutural de conceitos” a nossa em qualquer das
sobre a "aná lise grande abismo parece existir entre sua posi ção e
substantiva” .' Essa descrição corresponde muito pouco ao real conteú , então, que não há base
do da questões substantivas que ele levanta. Isso significa
Review. Ao contrário, uma das marcas distintivas da NLR nós h á mais de uma dé¬
tem sido a atenção pura a disputa que indubitavelmente irrompeu entre
ao dado empírico nos seus principais ensaios pol íticos. O , não resolvida? Não. Mas,
artigo-padrão da cada e que até agora permanece, aparentemente
Review nas ú ltimas duas décadas emprega tipicamente uma gama carta de particularidades
maior de para entendê-la, devemos olhar para além da ténue
informações estat ísticas e factuais, quase sempre inseridas em sentida por Thomp¬
contexto his¬ upresentada em 1973. A base real para a genu í na ofensa
tórico, do que era costumeiro, seja em The New âncias da mudança de
Reasoner, seja na New Left son contra a atual NLR com certeza reside nas circunst
Review inicial. Um relance aleatório em qualquer seleção de
suas publicações equipe e de controle da própria revista, em 1962 -1963. É a isso que a maior
confirmará esse fato, seja o assunto a Alemanha Ocidental, a
Turquia, o Japão, e mais substancial , ainda que exagerada , de
suas críticas alude. Thompson
a Argentina, o Ceilão ou a í ndia, a economia britâ nica a da Review por dois
ou estrutura de clas¬ repreende a mim e a outros do novo Comité Editorial
ses norte-americana, o padrão de industrialização nos pa í os fundadores
pontos essenciais aqui - por “ dispensar” administrativamente
8
ses capitalistas sub¬
desenvolvidos ou as origens da democracia burguesa nos países capitalistas
da revista do Conselho, quando falhá vamos em
articular nossas diferenças
avançados. A necessidade de controles emp íricos tem Thompson e seus com ¬
sido tanto defendida teóricas com eles, e, a partir daí, por desconsiderar
quanto aplicada na prá tica editorial da Review. para a NLR . O que aconte¬
panheiros no desenvolvimento de um novo estilo
Em quinto lugar, e finalmente, Thompson tem d ú vida se nós “ que o antigo Conselho tenha
absorvemos ceu me parece ser mais complexo. É inverídico
ou lidamos com a experiência histórica total do qualquer participante daquele
stalinismo” .6 A premissa aqui sido “ dispensado” por mim ou pelo novo, como
é a agora familiar pressuposição de que uma experi
ência como essa traz com tempo pode atestar. Nenhuma ação desse tipo
foi algum dia possível: como
ela suas próprias lições, à qual é novamente necessá , quando fala da antiga
rio responder que dife¬ Thompson, com efeito, concede poucas linhas adiante
ção administrativa” - o
9
rentes lições podem ser tiradas da mesma experiê
ncia histórica - um argu¬ New Left Review “ elegendo para sua própria dissolu
mento ironicamente levantado pela própria invoca é uma lenda. Não
ção que Thompson usa no que é uma descrição precisa. A noção de um golpe editorial
texto. “ Você e eu certamente duvidaríamos disso” , ele disse transição. Thompson está
a Kolakowski, obstante, isso n ão elimina as peculiaridades da
como se as lições estivessem ao menos claras e comuns a dois ção prática ocorreu sem uma
veteranos de certo quando afirma que uma divisão da dire
leitura intelectual adequada disso por nós. Foi
56 - uma ilusão que a resposta de Kolakowski rapidamente
afasta,7 sem falar a evidência dessa “ fratura”
da “ moral” pol ítica desgastada que ele posteriormente passou e de outros da NLR em
a derivar das que, claro, motivou o desengajamento silencioso dele
experiências em questão. Em todo caso, no que
diz respeito à “ tradição mu- 1962. A partir de então, não houve nenhuma pol
ítica para excluir o trabalho
tante” da NLR, é preciso apenas dizer que ela publicaria
mais material sobre do antigo Conselho da revista; mas també m
é verdade que o novo Comité
as origens históricas e o desenvolvimento do e integrar esse grupo.
stalinismo na URSS que a New Editorial não fez um esforço sistemático para requisitar
Left Review inicial ou a The New Reasoner antes
dela. O prolongado debate Uma grande mudança de colaboradores de fato
ocorreu com o novo formato
entre Emest Mandei , Nicolas Krassó e Monty
Johnstone em meados da dé¬ da Review . Em meados dos anos 1960, Thompson
certamente não estava so¬
cada de 1960 não possuía equivalente, tanto em extensã
o quanto em profun¬ zinho em sua distância em relação a ela.
didade, nas publicações antecedentes. Textos subsequentes de ? Para mensurá-lo pre¬
Medvedev, Qual foi a nossa parcela de responsabilidade nisso
Carr, Halliday, M észáros, Miliband, Nove e, repetidamente, que primeiramente trou ¬
de novo de Man - cisamente, é necessário relembrar as circunstâncias
del continuaram a exploração cerrada do significado e do legado de uma fusão da
do stalinismo xeram a New Left Review à existência. A revista foi criada
na R ússia e das formas aparentadas de controle burocrá Left Review ( ULR ) em I 960;
tico na China. The New Reasoner ( TNR ) com a Universities and
Em outras palavras, as censuras de Thompson à NLR erram, da fusão, trabalhando sob
em grande seu primeiro editor foi Stuart Hall, do lado da ULR
parte, seu objeto. O histórico da Review ao longo revistas anteriores.
dos anos certamente contém um amplo Conselho vindo de dentro e de fora das duas
sua partilha de erros, omissões e ilusões. Mas seu desempenho conquistados por
nas á reas Beneficiando-se tanto do prest ígio quanto da fidelidade
em que Thompson a reprova pode ser defendido sem ira ou como o órgão de um amplo
força. Nenhum seus predecessores, a nova Review foi concebida

J 52 153
movimento socialista, informalmentc organi /ado nos New Left Clubs ao
O anormal era que esse processo ocorresse em uma revista politica recente
¬

mente criada por outros que estavam eles mesmos na flor da idade. A sensa
redor do país e centralmente focado em tomo da Campanha ¬
pelo Desarma¬
mento Nuclear, que estava, naquele momento, registrando nesse deslocamento
avanços rá pidos ção de exclusão de que Thompson fala tem sua origem
no Partido Trabalhista. Mesmo assim , apesar dessas perspectivas
favorá veis, peculiar. Se tivéssemos mais maturidade, teria havido uma colaboração mais
em dois anos a NLR estava em severa crise. A CND* foi abruptamente
igualitá ria e fluente; se eles tivessem sido veteranos, teria havido uma acei
¬
freada
no Partido Trabalhista; os Clubs declinaram; o Conselho
da Review estava tação mais fácil de nossa necessidade de encontrar nosso próprio
chão. Entre
dividido e incerto sobre qual direção tomar; as vendas da revista opostas . Conside¬
estavam em essas opções, os dois lados ficaram à deriva em direções
queda. Com efeito, a base política a partir da qual a Review
rando que nós está vamos editando a Review, Thompson pôde, com justi a
havia sido lan çada ç ,
estava cedendo, e nenhuma outra nova estava prontamente discem
depositar em nós a maior parte da responsabilidade. Mas
í vel. A , isso posto , ainda
ren ú ncia do editor, sob pressões conflitantes do Conselho, criou um
pode-se cogitar se qualquer grupo ou pol ítica editorial seria capaz de reavi
¬
vácuo
no final de 1961. Após uma série de acordos provisórios, que produziram
uma var e reunir a New Left de 1962. Levando-se em conta que Stuart Hall , muito
edi ção notá vel da Review, ela foi preenchida - por falta de qualquer garan¬
alterna ¬ mais próximo em autoridade e perspectiva da maioria, foi incapaz de
tiva - pelo n úcleo original do atual Comité Editorial da NLR: Review , havia
na primeira tir a interação harmoniosa e frut ífera do antigo Conselho da
instância, eu, Tom Naim e Robin Blackburn. , ser
alguma chance de que nós a alcançássemos? A pergunta pode, ao menos
Dois aspectos desse estranho resultado devem ser ressaltados. de outros
Os recur¬ feita. Talvez seja melhor deixar uma resposta para o julgamento
sos materiais e intelectuais à disposição do antigo Conselho
eram incompa ¬ que não Thompson ou eu mesmo, que está vamos envolvidos nos eventos
ravelmente maiores, em todos os aspectos, do que aqueles do pequeno grupo Ralph
daquele tempo. De qualquer forma , vale a pena observar a visão de
que começou a editar a Review em 1962. Ainda assim , ningu
ém se prontificou Miliband, que julga a própria decisão de fundir a The New Reasoner , da qual
a assumir a responsabilidade de resgatar e reconstruir a
ele era um dos editores, com a Universities and Left Review como malfadada
revista. Na ausência ,
de quaisquer outros candidatos à tarefa, nós nos vimos
tentando realizá la. - inevitavelmente levando às dificuldades posteriores da New Left Review como
Não houve nenhuma usurpação no processo de sucessão: houve
uma abdica¬ um projeto em conjunto.10 A possibilidade de recriar o modelo da The New
ção, no sentido estrito, neutro do termo. A peculiaridade
adicional da troca Reasoner , no entanto, foi aberta em 1962, quando o futuro da NLR estava em
reside nas caracleristicas dos novos pr íncipiantes-incumbidos, sem nenhuma jogo: ela não se concretizou. Naquele momento, outros compromissos pro
¬
experi ê ncia pol ítica ou editorial, nem mesmo jovens recrutas
da corrente vavelmente tiveram prioridade. Quem os pode criticar, quando, entre outras
predominante do movimento da Nova Esquerda, em pu ¬
seus 20 e poucos anos: coisas, eles nos deram A formação da classe operária inglesa , que foi
um deles ainda era aluno de graduação. A perda de qualidade e
reação em um blicado no ano seguinte?
periódico que lutava para sobreviver em 1962 1963, comparada
- à maturidade Levou cerca de dois anos para o novo grupo editorial desenvolver direções
da The New Reasoner ou à vitalidade da Universities and Left com
Review, era pe¬ está veis. Quando ele o fez, por volta de 1964, a esquerda era confrontada
nosamente evidente a todos naquele tempo. Era composta pelo sentido a crise
exa¬ uma situação relativamente nova na Inglaterra. Pela primeira vez ,
gerado de distâ ncia geracional t í pico daquela época ,
nacional do capitalismo britânico era indiscutí vel: o longo regime conserva
¬
acentuado pela atmos¬
fera caracter ística da década. Entre nós, falá vamos abertamente
da “ Velha dor da década de 1950 estava visivelmente afundando, enquanto o fracasso
.
Guarda” .. em um tempo em que Thompson estava com pouco
mais de 35 da CND e o eclipse da Nova Esquerda foram sucedidos pelo retomo da
pros¬
anos. É um processo normal para a juventude isolar-se em certa
medida, por peridade do Partido Trabalhista. O programa que a NLR se propôs foi o de
um período, em seu próprio mundo mental, afastando se dos
em busca de suas próprias identidade e direção. Isso, nós
- seus velhos tentar compreender essa conjuntura, para a qual pouco da herança da antiga
certamente fizemos. revista nos havia preparado. O resultado foi a sé rie de ensaios, escritos por
-
Tom Nairn e por mim em 1964 1965, sobre a ordem governante britâ nica
d é
,a
cada
classe trabalhadora inglesa, o Partido Trabalhista e a esquerda da
Campaign for Nuclear Disarmament ( Campanha pelo
Desarmamento Nuclear ). (N. da T.) anterior. A novidade desses textos, em comparação a qualquer coisa publicada

154 ns
IIIM|HLNI«lrus NLRou nas revistas que a antecederam , era simplesmente a de capital* - todos repousavam no futuro. Deveríamos, talvez, ter sido capazes
qiw CICK buscavam oferecer uma explicação histórica sistemática da confi
- de relativizar todos eles. De qualquer forma, nós está vamos certamente su¬
Utirn çAo de forças de classe na sociedade inglesa e da natureza da crise atual .
bestimando o êxito de Maurice Dobb e sobretudo, negligenciando a figura
< li 1 1 .ipitalismo britânico. Pode parecer surpreendente que membros do antigo grandiosa de Morris no século anterior. Assim, havia uma causa real para o
Conselho da New Left , constelado por eminentes historiadores, nunca hou ¬ reflexo de indignação de Thompson. Por outro lado, também era verdade
vessem se dedicado a essa tarefa. Mas esse era o caso. Possivelmente, o rigor como apontamos posted ormente - que a The New Reasoner , sob a pena
mesmo da prá tica profissional inibisse excursões h í bridas entre o passado e conjunta dos próprios Edward Thompson e John Saville, havia, alguns anos
o presente. Em todo caso, sem nem essas vantagens, nem apreensões, nós antes, proferido o mesm íssimo veredito sobre o marxismo britânico do qual
éramos culpá veis: “ fraco e raso” , nas palavras deles.' Havia, dessa forma
tentamos esboçar uma leitura marxista cumulativa de nossas próprias histó¬ 2 ,
ria e sociedade. Foi essa empreitada que motivou Thompson a despejar suas espaço para debate aqui, de acordo com a ênfase e o contexto . Eu hoje penso
taças de ira em nossas cabeças publicamente. Em “ As peculiaridades dos que nossa ênfase foi mal direcionada. Mas isso em si não autoriza uma in -
ingleses” , publicado em The Socialist Register em 1965, ele atacou nossos vectiva indiscriminada contra nossas aná lises na Review. “ As peculiaridades
ensaios agressiva e impiedosamente. dos ingleses” , dc várias formas, é por si mesmo um ensaio maravilhoso como
O que eles haviam feito para provocar essa den ú ncia? Nós n ão hav íamos um exercício de imaginação histórica - como posso ver hoje até mais clara ¬
cometido nenhuma hostilidade contra Thompson que indicasse falta de ca¬ mente que na época. Mas ele não teria sofrido ou sido substancialmente al ¬
maradagem - pelo contrário, como apontei, nós hav íamos saudado sua obra terado em nada se tivesse se despido de sua armadura rebarbativa de invec-
com enorme respeito. Nós estávamos buscando introduzir uma perspectiva tivas contra nós. Ele poderia ter sido escrito como uma réplica em bom humor
mais histórica sobre a pol í tica britânica contemporânea - um projeto que e camaradagem respeitosa, com cada tese concreta e cr í tica pertinente ou
deveria, em princípio, recomendar a si mesmo aos fundadores da NLR. Nós reprovação intactas. Em vez disso, adotou desde o in ício um tom que Thomp¬
enfatizamos a natureza esquemática e provisória de nossas teses, como ponto son nunca havia exibido, nem mesmo com inimigos da direita: onde fora
de partida, em vez de conclusão, de uma discussão mais ampla. Tudo isso amenizado pelos escrú pulos de seus editores em 1965, agora está restaurado
parece agora, e parecia então, inocente o bastante. Mas nós também insen ¬ ao seu grau original em A miséria da teoria.
satamente declaramos nossa crença de que a tradi ção do marxismo havia, até Isso foi um erro, e um erro desnecessá rio. Levou, inexoravelmente, à
ali, sido relativamente fraca na Grã- Bretanha, enquanto n ós mesmos recor¬ retaliação na mesma moeda. Minha própria resposta, “ Socialismo e pseudo-
r íamos a categorias derivadas das tradições marxistas da Itá lia e da França. empirismo” ,13 foi escrita com uma violência desnecessária, da qual me arre
¬

Esse julgamento injurioso, certamente, foi o motivo imediato para a reação pendo. A distância que há entre esse texto e as normas do discurso socialista
explosiva de Thompson, uma vez que ele podia ser lido como uma rejeição que nos colocamos pode ser vista no fato de que, até hoje, esse permanece
tácita ao trabalho da antiga New Left , ou, mais propriamente, do trabalho um episódio inteiramente isolado nos anais da NLR, que nunca mais publicou
daquela parte dela ( não necessariamente majoritária ) que era vinculada ao nada como isso. Mas, como reparação, deve ser dito que nós sentíamos que
marxismo. Na verdade, a quest ão mesma era discutí vel. Para entender nossa está vamos lutando pela nossa sobrevivência contra uma tentativa de aniqui
¬

atitude naquele momento é necessário relembrar que a grande florescência lar-nos pelo peso da autoridade superior e de uma farsa sistemática. Qualquer
da historiografia marxista inglesa é posterior a nosso ingresso na NLR em coisa menor que uma resposta enérgica parecia inadequada para repelir essa
1962. Nos próximos dois anos, as obras A Era das Revoluções e A formação ameaça, uma vez que a Review estava apenas começando a adquirir uma nova
daclasse operária inglesa seriam publicadas, mas nós está vamos bem cons¬ forma e estabilidade. Mesmo assim , ainda que meu vocabul ário excedesse o
cientes de que “ obras maduras de historiadores marxistas” estavam “ somente
agora começando a emergir e se consolidar mutuamente” . Da Reforma à
" .
Revolução Industrial , Indústria e Império, O mundo de ponta cabeça Os
-
senhores da humanidade, Servos libertos, Senhores e caçadores , A era do
. * From Reformation to Industrial Revolution Industry and Empire, The World Turned
. .
Down, The Lords of Humankind Bondmen Made Free Whigs and Hunters , The
Capital, no original. (N. da T.)
Upside
Age of

156 157
de Thompson cm rispidez, era, ao mesmo tempo, mats generoso: cm nenhum nacionalismo socialista” .16 À primeira vista, pouco precisa ser dito aqui . Fui
momento neguei os reais m éritos de “ As peculiaridades dos ingleses” ou eu quem lançou o rótulo de “ populista” em 1965. Prejudicial no contexto em
deixei dc elogiar aqueles retratos agudos e argumentos que ainda hoje mais que usei o termo, ele não o é inevitavelmente. De fato, de melhor humor, o
requerem minha admira çã o. O artigo termina, de fato, saudando o debate pró prio Thompson o tem ocasionalmente invocado. Para ver o porquê, n ão
histórico que havia então sido iniciado. Não obstante, continha uma seção há melhor discussão que a aná lise equilibrada e simpática de seus significa ¬
que estava fadada a agravar a disputa. Indo além da autodefesa, eu passei a dos em mutaçã o na esquerda britâ nica de Raymond Williams, de cujas con ¬
contra-atacar a própria escrita pol í tica e editorial de Thompson na The New clusões eu arrisco o palpite de que nem Thompson, nem Tom Nairn, nem
Reasoner e na New Left Review. O objetivo ao fazê-lo, como enfatizei na íamos agora em qualquer sentido significativo. A declaraçã o
17
eu discordar
ocasião, não foi o de censurar Thompson por seu passado, mas o de explicar mais importante é a afirmativa resultante. Aqui, é necessário ser categórico:
por que nós hav í amos sentido ser necessário romper com o estilo de comen ¬ Thompson tem todo o direito de reivindicar, com máxima força, a bandeira
tá rio sobre a pol í tica britâ nica que seus principais artigos e suas “ cartas aos do intemacionalismo socialista como sua. O histórico de solidariedade que
leitores” de 1958 a 1961 haviam - assim pensá vamos - exemplificado, ten ¬ ele cita - lugosl á via, Bulgária, Coreia, Egito, Chipre, Argélia, Cuba, Vietnã,
.
tando em vez disso, um tipo diferente de aná lise socialista. A substância da Chile - fala por si mesmo. Qualquer sugestão de suspeita nesse plano seria
argumentação que produzi pode ser deixada para a arbitragem de leitores falsa e absurda.
contemporâneos. Mas n ão pode haver d ú vida de que sua formulação foi bem H á, no entanto, mais de um tipo válido de intemacionalismo. Vale a pena
lesiva. A l â mina da pol ê mica, uma vez desembainhada , com grande frequên ¬ olhar mais de perto a feição particular da forma adotada por Thompson. O
cia termina em carnificina. Por esse fato, devo expressar minhas desculpas. -
melhor ponto de partida para fazê lo é, inquestionavelmente, a coleção de
As mais construtivas reparações que posso fazer aqui serão tentar corrigir cartas escritas por seu irmão, Frank Thompson, morto na Resistê ncia Bú lgara
em 1944, que ele editou conjuntamente após a Segunda Guerra Mundial . *
1
duas acusações que direcionei a Thompson então, e que hoje considero, de
modo geral , como erros de interpretação. Elas dizem respeito, respectiva
mente, a alegações de “ nacionalismo” e “ moralismo” que eu forcei contra
- Esse livro de mem órias proporciona um comovente mergulho na profun ¬
didade biográfica do engajamento intemacionalista de Thompson , pois a
Thompson em 1965. Em cada uma delas, uma divergência genu ína estava em correspondência de seu irmão, dos sucessivos postos que ele ocupou - Líbia,
jogo, como penso que pode ser demonstrado, mas elas foram mal represen ¬ Egito, Síria, Pérsia, Sicí lia, Bulgária não releva somente maturidade, vi¬
tadas por esses termos. Uma reconstrução das reais diferenças deve, pode-se vacidade e coragem impressionantes; ela també m respira, em cada linha, um
esperar, ajudar a resolver parte da divisão irreal que tem separado as legiões esp í rito de intemacionalismo comunista incompará vel. Na época de sua exe ¬
da New Left desde meados dos anos I 960. cução pelos fascistas b ú lgaros aos 24 anos, Frank Thompson havia estudado
Em seu prefácio de A miséria da teoria, Thompson repreende Tom Nairn ou falava umas nove l í nguas europeias - russo, francês, alem ão, italiano,
pelo erro de descrever sua pol í tica como um “ socialismo populista ” e por -
servo croata, grego, bú lgaro, tcheco e polonês. “ Frank viveu e escreveu como
atribuir a de um “ nacionalismo cultural” .14 Ele apresenta a leitura de Nairn um europeu” ,19 comentou o irmão após sua morte, e deve ter havido poucos
como hostil, quando, na verdade, qualquer leitor que consultar o trecho em soldados na Segunda Guerra Mundial, em qualquer país, sobre quem isso
questão verá que se trata do oposto: escrito como elogio a um “ movimento parece tão impressionantemente verdadeiro. Edward Thompson seguiu seu
cultural generoso e progressista” , imbu ído de um “ romantismo não infali ¬ irmão na entrada no Partido Comunista , aos 17 anos, e na guerra, aos 19.
velmente Tory em seus resultados” , capaz de uma “ contribuição pol ítica” Podemos ter certeza de que essa sucessão pessoal e pol ítica foi decisiva em
que o “ marxismo nunca poderia prover por si mesmo” , que constitui uma sua própria vida. Os ideais expressos nas cartas de Frank Thompson foram
“ esperançacrí tica” para a Inglaterra. 15 Contudo, além de seu engano sobre seu legado fraterno imediato. Lutar na campanha italiana e ser voluntá rio da
o objeti \o de Nairn, Thompson prossegue para a resoluta declaração: “ Eu construção na lugoslá via e na Bulgária após a guerra selaram - nos na prática.
sinto ser necessá rio fazer um claro rep údio. Em momento algum levantei A melhor descrição do significado desse per íodo para ele é a sua: foi um
uma bandeira de ‘socialismo populista’. Se há uma bandeira, ela é a do inter
-
158 159
-
I I momcnlo formativo extraordinário cm que foi possí vel cstar profundamente somente pelo Canal, mas pelas experiências que não compartilhamos” .22 A
.
engajado, at é com a pró pria vida cm apoio a uma luta politico cm particular que era, Inglaterra não só escapou da invasã o nazista, como també m foi a ú nica po¬
an mesmo tempo, uma luta popular; isto é, não se sentia de forma alguma uma sen¬ tê ncia europeia a manter seu imenso império colonial praticamente intacto
-
sa ção de estar isolado dos povos da Europa ou da Grã Bretanha.20 ao longo da guerra. Consequentemente, a guerra nacional com a Alemanha
preservou tons bem mais tradicionais, permanecendo em um limiar pol ítico -
A Segunda Guerra Mundial, “ um momento muito delicado da civilização
humana” ,21 oferece, dessa forma, em seu próprio relato a chave para muitas
- ideal menor que em qualquer outro lugar, em um conflito ainda ligado na
mem ória e na associação coletivas com disputas passadas por dominação
das atitudes pol íticas posteriores de Thompson. Para entender completamente imperial contra inimigos continentais - dos Habsburgos, dos Bourbons ou
esse impacto, é necessário explorar o exato significado daquela uni ão de uma napoleônico. O patriotismo da supremacia sob amea ça era necessariamente
“ luta pol í tica em particular” com uma “ luta popular” que ele relata. O que bem diferente do nacionalismo da derrota e da ocupa ção. N ão obstante, as
esses dois termos denotam ? Podemos assumir que o primeiro é causa do coordenadas gerais se mantinham aqui também para os comunistas locais.
comunismo, e o segundo, do antifascismo. Thompson está certo em enfatizar Intemacionalismo e nacionalismo eram não contraditórios no comum esforço
o nexo popular criado pela fusão dos dois nos pa íses em que a Resistência de guerra.
foi mais forte ( França, Itália, Noruega, Eslováquia, Iugoslávia, Albâ nia, Bul ¬ Por um curto período de tempo, a união entre eles durou depois da Se¬
gá ria, Grécia - sem falar da China, das Filipinas ou do Vietnã, na Á sia ). Mas gunda Guerra Mundial, ao menos na superf ície dos eventos. Em casa , a
h á outra forma historicamente mais precisa de definir a mesma ligação. De elei ção de um governo trabalhista em 1945 criou a atmosfera de um “ breve
1941 em diante, a Segunda Guerra Mundial permitiu uma fusã o ú nica de episódio de populismo socialista otimista ” .23 No exterior, o trabalho de
causas internacionais e nacionais na esquerda. O verdadeiro poder e o verda¬ Thompson com uma brigada ferrovi ária na Bosnia ( 1947 ) expressava a di ¬
deiro significado dos movimentos de Resistê ncia residem nessa jun ção. A mensão comunista dos resultados eufóricos da vitória - solidariedade inter¬
devoção incondicional a objetivos internacionais do comunismo podia ser
combinada à lideran ça intransigente da luta pela libertação nacional da Ocu ¬
nacional diretamente a serviço da independência nacional.24 O matiz prático -
- moral desse intemacionalismo socialista tem sido uma caracteristica perma¬
pação alemã . Da unidade dos dois nasceram as revolu ções socialistas na nente do olhar de Thompson desde então e, possivelmente, de muitos outros
Iugoslá via e na Albânia, na China e no Vietn ã , al é m de diversas quase-revo
luções em outros lugares, notadamente na Tchecoslov áquia e na Bulgá ria.
- de sua geração. No entanto, ao final de 1947, o id í lio do tempo da guerra
havia terminado. Com o começo da guerra fria, o Cominform * foi estabe ¬
Nacionalismo e intemacionalismo marcharam juntos na maior parte da Eu¬ lecido por Stalin e Jdanov para reafirmar uma subordinação uniforme dos
ropa e em boa parte da Ásia na conflagração militar de então. Evidentemente, partidos comunistas europeus, ocidentais ou orientais, ao PCUS. Poucos me¬
a harmonia entre eles n ão era universal. Por defini ção, a Alemanha foi ex ¬ ses depois, foi apropriadamente na Iugosl á via que os princí pios da libertação
clu í da dela. Lá , a “ luta pol ítica em particular” nunca poderia se tomar ao nacional se chocaram irreconciliavelmente com esse ostensivo processo in ¬
mesmo tempo uma “ luta popular” , porque o povo estava mobilizado em uma ternacional de Gleichschaltung. N ão sabemos como Thompson reagiu à de¬
causa nacional em franca disputa contra aquela de todos os outros. O Terceiro n ú ncia de Tito como um fascista pelo Cominform,25 mas, para muitos mem ¬
Reich foi o ú nico pa ís continental que n ã o produziu nenhuma Resistê ncia bros do partido no Ocidente, a pressão deve ser sido enorme. Ainda assim,
em massa significativa e que n ão levou a nenhum crescimento - um decl í nio a drástica guinada à “ esquerda” de 1948- 1950 no movimento comunista inter¬
catastrófico, em vez disso - no movimento comunista. A Grã- Bretanha tam ¬ nacional não levou a nenhum retomo completo a normas anteriores do Co¬
bém foi algo como um caso especial. No trecho citado acima, Thompson a mintern . A autonomia nominal de cada partido permaneceu a mesma: a dis¬
assimila ao resto da Europa. Mas, no livro de memórias do seu irm ão, de ciplina mandatória da Terceira Internacional foi substituída pelo mero “ com-
1947, ele escreve mais precisamente: “ Poucos de n ós na Grã- Bretanha en ¬
tendemos a tragédia pela qual a Europa passou ou a força do renascimento
em que ela está agora entrando. A Inglaterra está dividida da Europa, n ã o
* Communist Information Bureau ( Escritório de Informações Comunista ). (N. da T.)

160 161
parti Ihiimcntodc informa ções" noCominform . Com n cclosfio da Guerra da tensiva de um acadêmico estadunidense de confiscar William Morris para a
.
Coreia a linha oficial do movimento comunista mundial oscilou maci çamente reação - em um artigo para a publicaçã o do partido intitulada Arena , em
de volta a uma exaltaçã o de demandas “ nacionais” , enquanto o PCUS se es¬ 1951 -, ele foi convidado pelo editor a escrever um texto mais amplo sobre
forçava para dividir o bloco ocidental nutrindo lutas em seu interior e senti ¬ Morris, em um tempo no qual o editor em questão ( Jack Lindsay ) estava ele
mentos antiamericanos. No 19“ Congresso do Partido, em 1952, um ano antes mesmo publicando artigos reivindicando Coleridge como nosso dial ético
de sua morte, Stalin anunciou que o movimento da classe trabalhadora de ¬ nacional .27 Da encomenda cresceu a grande obra que foi publicada em 1955,
veria, naquele momento, em todo lugar “ pegar a bandeira nacional e demo¬ resgatando a figura de Morris como um socialista revolucionário radicalmente
crá tica que a burguesia havia abandonado na lama” . As m ã os dos partidos incompatível com o ethos ortodoxo do stalinismo.
comunistas europeus permanecem, em certo sentido, agarrando-a compulsi ¬ Assim, quando da ruptura com o Partido Comunista, em 1956, a base po¬
vamente até hoje. Na Inglaterra, o in ício da d écada de 1950 foi, assim, mar¬ l ítica e teórica para ela já havia sido, em uma escala considerá vel , preparada.
cado por um simulacro oficial das unidades perdidas da guerra. “ O caminho Nada é mais impressionante no desenvolvimento de Thompson que a coe¬
britânico para o socialismo” * - selado com a aprovação de Stalin - foi lan ¬ rência e a continuidade de seu pensamento, ao longo de suas fases comunista
çado em 1951, enfatizando a particularidade das condi ções inglesas e o papel e não comunista - algo que ele acertadamente aponta com orgulho no pos-
positivo do Parlamento. O PCGB, assim como seus partidos irmãos em todo fácio de William Morris 20 anos depois. A ocasi ão de sua ruptura com o PCGB
lugar, lutou bem e duramente contra a Guerra da Coreia - uma luta na qual foi a intervenção soviética na Hungria. Fora do partido, Thompson procurou
Thompson foi ativo. Conferências sobre “ A ameaça norte-americana à cultura lutar uma batalha em conjunto com as oposi ções comunistas daquele ano ao
britânica” foram organizadas, menos felizmente, das quais Thompson tam ¬ redor da Europa. Causas nacionais - sobretudo aquelas da Pol ónia e da Hun ¬
bé m participou.26 Nacionalismo e intemacionalismo foram mais uma vez gria - podiam agora ser vistas como genuinamente unidas a um movimento
fundidos dentro do sistema organizacional do stalinismo. internacional. A The New Reasoner era a expressão dessa esperança. A sau ¬
Contudo, abaixo da superf ície, algo havia mudado. Em meados dos anos dação de despedida como comunista de Thompson aos leitores da revista ,
1950, era impossí vel para as cabeças mais inteligentes e independentes do em 1959, sinalizou o fim dessa perspectiva imediata. The New Left , contudo,
Partido Britâ nico abrigar exatamente as mesmas visões da URSS como fora como tomou forma ao mesmo tempo, reunia algo do mesmo padrão em outra
corrente durante a Segunda Guerra. Suspeita e d ú vidas latentes - em muitos arena, visto que o principal foco de sua atividade era a Campanha pelo De¬
casos, talvez não totalmente conscientes - agora existiam com frequência sarmamento Nuclear - um movimento de massa que simultaneamente insis¬
onde antes prevalecera a confiança plena. Era exatamente em reação a mé¬ tia na capacidade da Inglaterra de “ liderar o mundo” , como era frequente -
todos “ russos” e a “ modelos” europeu-orientais que comunistas como esses mente dito naquele tempo, estabelecendo um exemplo moral de ren ú ncia das
começaram a acentuar fontes e tradições inglesas. Uma genu í na ambiguidade armas atómicas para todos os outros pa íses, e, ao mesmo tempo, enfatizando
estava inscrita nesse projeto desde o in ício, uma vez que, se por um lado sua os objetivos universalistas da paz internacional e da solidariedade com os
intenção era efetivamente anti-stalinista - uma tentativa de recuperar e afir¬ povos coloniais. A genealogia da CND como um tipo de campanha pol í tica
mar valores e direções comunistas democráticos -, por outro, uma orientação era uma peculiaridade inglesa, bem diferente daquela das brigadas de recons¬
positiva voltada para o passado nacional era assiduamente promovida pela trução do pós-guerra. Mas seu intemacionalismo - ao mesmo tempo generoso
oficialidade stalinista do próprio partido. A esse respeito, houve um “ encaixe” e ingénuo - também era fortemente pragm ático e moral em matiz. Enquanto
paradoxal entre os interesses abertamente ideol ógicos tanto de funcionários manteve o seu momentum , a CND relembrava, no final dos anos 1950, certos
quanto de pensadores independentes. O primeiro grande trabalho intelectual elementos da mobilização popular dos anos 1940. A relativa congruência dos
de Thompson germinou dali. Intervindo com vigor contra a tentativa os- momentos cr í ticos da formação pol í tica de Thompson é, a esse respeito,
notá vel. Do começo ao fim , como temos visto, houve atração, em vez de
tensão, entre seus polos nacional e internacional . Solidariedade pol í tica prá ¬
* -
‘The British Road to Socialism” , no original, refere se a um programa do Partido Comunista
Britâ nico. N . da T.) tica com as lutas dos oprimidos no exterior - classes ou povos - andava junto
<

162 163
com concentração teórica e intelectual em tradições nativas de sonho e re¬
As condi ções que formaram a atual New Left Review eram bem diferentes
sistência em casa.
dessa história. Elas eram mais frias. Intocados pelo crep úsculo da Segunda
É importante lembrar o ú ltimo aspecto também . A cultura de Thompson
Guerra Mundial , nós nunca conhecemos o el ã popular dos anos 1940. Foi
até o in ício da década de 1960 permaneceu profundamente inglesa. A ausê n ¬
a consolidação reacionária dos anos 1950 que dominou nossa consciência.
cia de referências ao marxismo que emergiu após a Primeira Guerra Mundial
Aquele “ período-base” , como Raymond Williams o chamou, ' foi marcado
21

no continente n ão é surpreendente, já que Lukács e Gramsci, sem falar da


em todo o Ocidente pela mobilização da guerra fria em todos os n í veis ins¬
Escola de Frankfurt ou de desenvolvimentos posteriores, eram em geral des¬
titucionais e ideol ógicos. Na Inglaterra, sua principal expressão foi um chau ¬
-
conhecidos na Grã Bretanha do tempo. Mais significativa é a falta de in¬
vinismo glutinoso - adora ção reverente a Westminster, culto ubíquo da mo¬
teresse na tradi ção cl ássica do marxismo revolucioná rio no século XX. O
deração constitucional e do senso comum, exaltação ritualizada da tradiçã o
mundo de Thompson de antes ou depois de 1956 mal registra a exist ência de
e do exemplo. A variante de “ esquerda” da cultura pol í tica de então descen ¬
Lenin . Trotsky n ão influencia nada. Em clima descontra ído, o próprio Thomp¬
deu do patriotismo social piegas de Orwell ; a variante de “ direita” , dos hinos
son francamente reconhece essa circunscrição:
à sabedoria da “ experiência” gradualista de pensadores como Oakeshott. A
maior parte da classe trabalhadora estava passiva e integrada ao “ consenso”
Isso, sendo honesto, é meu eu, minha sensibilidade. Retire Marx e Vico e uns
nacional - um dos grandes temas ideol ógicos da década. O Reino Unido
poucos romancistas europeus e meu panteão mais íntimo será um chá da tarde: uma
parecia um basti ã o seguro do Mundo Livre. As principais ameaças ao capi ¬
- -
reunião de ingleses e anglo irlandeses. Fale de livre arbítrio e determinismo,
e eu talismo britânico não vinham de casa, mas de fora: das revoltas coloniais em
pensarei imediatamente em Milton. Fale da desumanidade do homem, e eu pensarei
em Swift. Fale de moralidade e revolução, e minha mente divaga com A ceifeira so sucessivos teatros do império do pós-guerra - Quénia, Chipre, Egito, Guiana,
litária* de Wordsworth. Fale dos problemas da atividade autogerida e do trabalho
¬ Áden. Em outras palavras, a constelação de forças nacionais e internacionais
criativo na sociedade socialista, e eu estou num instante de volta a William Morris.28 em operação na esquerda britâ nica (assim como, de forma mais notável, na
francesa ) estava completamente transformada. Intemacionalismo agora re¬
N ão seria justo chamar essa declaração de “ nacionalismo cultural ” , mas queria uma rejeição frontal de mistificações nacionais, no n ível político mais
pode-se prontamente observar que, em humor irasc í vel - infelizmente, não imediato. Naqueles anos, socialista algum demonstrou solidariedade mais
raro desde meados da década de I 960 -, a mesma sensibilidade pode se tor¬ constante aos movimentos de libertação colonial do que Thompson. Mas,
nar agressivamente nacionalista, em cultura. Os tons do col óquio de 1951 , como vimos, o crescimento da Campanha pelo Desarmamento Nuclear ao
de algumas das polêmicas conosco em 1965, dos pronunciamentos na EEC** mesmo tempo cultivou a esperança de uma reconciliação renovada da ini¬
em 1975, de partes do anátema contra Althusser de fato vagueiam em direção ciativa nacional britânica com a causa universal da paz mundial , dentro de
a tal nacionalismo cultural - apesar de momentaneamente e, talvez, como um movimento popular ressurgente na Inglaterra. Nós v íamos as perspectivas
da CND um pouco mais ceticamente, como expliquei em outro lugar. A
30

Thompson veria isso, sob “ provocação” estrangeira. A reação não vai al é m


da superf ície da pele, geralmente em resposta à ação de agentes espec íficos campanha era um fen ômeno predominantemente de classe média, de massa,
provocadores de irritação. Mas ela nos diz algo importante - n ão degradante em n ú meros, mas não proletário em peso. A ambiguidade do termo “ popular”
- a respeito do tipo de intemacionalismo socialista que Thompson ocultava a diferença sociológica crucial - uma das razões da nossa descon ¬
defendeu fiança em relação ao populismo. O termo també m era incapaz de gerar qual ¬
tão destemidamente e por tanto tempo.
quer compreensão histórica ou materialista do conflito internacional - a
guerra fria - contra o qual seu protesto moral estava direcionado, visto que
fazê-lo envolveria uma avaliação complexa das contradições entre os blocos
* Apenas Solitary, no original, que deduzimos se tratar do poema The Solitary Reaper . imperialista e comunista e dentro de cada um deles, o que estava fora do
. .
( N da T ) alcance das categorias liberais que esse termo herdou da tradi ção das cam ¬
** European Economic Community (Comunidade Económica Europeia). (N. da T.) panhas humanitá rias radicais que remontavam à Inglaterra do século XIX.

164 165
Seu fracasso na virada dos anos I 960 estava inscrito nesses limites de seu tos dos quais eram efetivamente então desconhecidos na Inglaterra. N ós
horizonte. O colapso da CND, que levou consigo as esperanças da New Left I também , evidentemente, buscamos popularizar os escritos do pró prio Marx ,
como um movimento pol í tico, foi rapidamente seguido pela cristalização da criando a Biblioteca Pelicano, que incluiria a primeira tradução dos Grun -
crise prolongada do capitalismo britânico que estamos vivendo desde ent ão. I Jrisse e uma versão completa de O capital. Ao mesmo tempo, esse trabalho
Essas coordenadas determinaram a emergê ncia de um tipo de intemacio
nalismo na NLR após 1963 razoavelmente distinto daquele de seus predecesso¬
- nã o era meramente de exposição passiva e intermediação. A revista também
criticava, serena e sistematicamente, cada uma das escolas teóricas do “ mar¬
res. Sua relação com o nacionalismo inglês, de qualquer espécie, era marcada xismo ocidental” , assumindo como certo que era dever de uma revista so¬
mais pela hostilidade que pela harmonia. Um ódio violento do conformismo -
cialista independente fazê lo. Finalmente, e mais fundamentalmente, a NLR
cultural reinante na Grã- Bretanha, decorado com todas as cores patrióticas, tentava utilizar as conquistas de um materialismo histórico ampliado para
inspirou-a desde o in ício. Nós não sentíamos nenhuma inclinação para soldar analisar sua própria sociedade. Aqui, a influência decisiva foi Gramsci, cujos
o passado nativo em busca de uma tradi ção mais progressista ou alternativa conceitos foram empregados pela Review em suas explorações da história e
a fim de contrapô-la às celebrações oficiais do empirismo cultural e do cons¬ da pol í tica inglesas uma década antes de que eles entrassem em voga em
titucionalismo pol í tico ingleses. Para nós, o fato histórico central para o qual outros lugares. Dessa forma, a internacionalização do discurso n ão levou à
tais empreendimentos sempre pareciam ter sido criados com o intuito de abstração das realidades nacionais; pelo contrário, ela serviu - entre outros
minimizar ou liquidar era o fracasso da sociedade britânica em gerar qualquer fins - para colocar essas realidades mais n í tida e especificamente em foco,
movimento socialista de massa ou partido revolucion á rio significativo no uma vez que o quadro das aná lises da Inglaterra resultante era ele mesmo
século XX - fato que a isola entre as principais nações da Europa. No entanto, comparativo e internacional. A crise da ordem burguesa brit ânica foi inter¬
essa visão era acompanhada de uma simplificação indevida de suposi ções pretada pelo prisma do desenvolvimento desigual no mundo capitalista como
sobre a relação geral da cultura socialista contemporâ nea com o passado e um todo. A internacionalização da pesquisa a que a NLR almejava nesses anos
de uma depreciação característica de certos recursos e forças dentro das tra ¬ possuía, portanto, duas dimensões: era cultural , no sentido de valer-se das
dições radicais inglesas. Por outro lado, cada geração tem sua própria tarefa fontes teóricas de uma ampla gama de obras marxistas no exterior; e era
a cumprir. Nossa insatisfação com o que o próprio Thompson , em dado mo¬ pol ítica, como um princípio de explicação causal da sociedade doméstica.
mento, chama de “ uma cultura nacional hostil , tanto presun çosa quanto re¬ Em vez de independ ê ncia nacional , interdependência global era o ponto de
sistente à intelectualidade e deficiente cm autoconfiança ” , nos dirigiu para partida tácito para analisar a conjuntura contemporâ nea na Grã- Bretanha.
fora, a fim de experimentar e nos apropriar de um universo cultural mais Logo, uma das principais categorias da cobertura da NLR já n ão era apenas
amplo. O intemacionalismo que resultou disso era de tipo teórico. Ele estava o forte ( ainda que nem sempre preciso ) matiz comparativo do trabalho da
fundamentado na convicção de que, assim como o materialismo histórico revista sobre a pró pria Inglaterra, mas também os estudos em série sobre
nasceu em meados do século XIX da confluência de ao menos três sistemas outras sociedades - capitalistas avan çadas, subdesenvolvidas ou comunistas.
de pensamento nacionais diferentes - a filosofia alemã, a política francesa e Essa combinação era nova na esquerda britânica e representava um ganho.
a economia inglesa -, só se poderia esperar que ele se desenvolvesse livre e Com ela , houve uma perda. O registro popular que vem com a participa ¬
frutiferamente em meados do século XX a partir de uma ruptura igual , ou ção em um movimento de massas real estava faltando. Não havia como negar
mesmo até maior, das barreiras nacionais. Em uma palavra: nós não acredi ¬ -
també m as necessidades de um intemacionalismo prá tico moral , mas, na
távamos em marxismo em um só pa ís. ausência de qualquer expansão socialista genu í na que as carregasse para
A NLR , de meados dos anos I 960 em diante, se propôs a introduzir na dentro da sociedade britânica, seu í mpeto inevitavelmente retrocedeu por um
cultura da esquerda britâ nica os principais sistemas intelectuais do socialismo tempo. Embora o debate circundante esteja exagerado, Thompson está certo
continental na é poca pós-cl ássica. Sucessivas traduções e apresentações em enfatizar, em A miséria da teoria, a ausê ncia crí tica de qualquer contexto
foram feitas das obras de Lukács, Korsch, Gramsci, Adorno, Delia Volpe, popular real para o trabalho teórico marxista nesse período:
Colletti, Goldmann, Sartre, Althusser, Timpanaro e outros pensadores - mui-

166 167
|. ..|o tipodc experiência com atividade pol ítica de massa , na qual os intelectuais vê
m histórico do brejnevismo na URSS tudo parecia digno de aten çã o e da mais
assumindo um papel minoritá rio e lendo uma participaçã o subordinada ( algumas ve¬
minuciosa aná lise. Esse interesse continuado nos futuros intricados dos mo¬
zes, cm excesso ) ao lado de companheiros com posições de lideran ça prá tica em suas
vimentos comunistas ao redor do mundo n ã o era meramente intelectual .
próprias comunidades c seus locais dc trabalho - esse tipo de experiência tem ampla
mente passado despercebida aos [Jovens marxistas].51
- Membros da NLR atuaram nos Comités de Solidariedade cubano e tcheco
desde o princí pio e na organização do Tribunal Internacional no Vietnã.
Acima de tudo, a Review assumiu seu papel na Campanha de Solidariedade
Por outro lado, essa situação histórica - tão diferente da “ experiência da luta
ao Vietnã - a mais importante mobilização pol ítica da esquerda britânica nos
antifascista, da Guerra e da Resistência ” da pró pria geração de Thompson
anos 1960, que, no seu auge, foi responsá vel por manifestações em massa
exigia um outro tipo de perseverança pol í tica. Isso pode ser visto com rela ¬
iguais, em n ú meros, àquelas da CND, superando-as em militância . A VSC*
tiva clareza se compararmos a atitude de Thompson em relação ao movimento
herdou muito, em métodos e inspiradores, da CND; mas também representou
comunista internacional nesses anos com a nossa. Como vimos, Thompson
uma ruptura com as tradi ções tanto da CND quanto do Movimento Pacifista
depositou as mais ardentes esperanças nas oposi ções comunistas que emer¬
do per íodo comunista de Thompson, pois ela clamava não pela paz, mas pela
giram após o 20” Congresso do Partido do PCUS. Elas lhe ofereceram a pers
pectiva de um retomo aos melhores valores do per
- vit ória; não pelo neutralismo, mas pelo socialismo no Vietnã. Contraposta
íodo da Resistência, agora como aventureira pelo Partido Comunista britânico, atacada pela pol ícia em
fortificados por um anti-stalinismo lucidamente democrá tico. No entanto,
nome do Partido Trabalhista britânico, cujo governo era um sólido aliado do
-
quando a contestação de 1956 1958 se dissipou e os principais partidos co¬
munistas ao redor do mundo foram “ normalizados” , seu interesse correspon ¬
imperialismo norte-americano, foi a VSC que reuniu uma grande força po¬
pular nas ruas e cujos temas respondiam às realidades da guerra na Indochina.
dentemente esmoreceu. Por volta de 1960- 1961 , é impressionante que a New
Em A miséria da teoria , o tom das referências de Thompson ao movimento
Left Review inicial ignorasse quase completamente o comunismo como um
de solidariedade com a Revolu ção Vietnamita é vagamente depreciativo,
fenômeno mundial: em 12 edições sob o comando do antigo Conselho, um
como se ele pudesse ser definido por seu desalinho penumbroso ou bravata.
artigo e uma resenha de livro abrangiam toda a atenção dada a um terço do
De fato, a resistência internacional à agressão norte-americana no Vietnã foi
mundo e (ao menos ) metade do movimento trabalhista internacional. A par¬
a mais bem sucedida campanha anti -imperialista na história do capitalismo.
-
tir da í, os acontecimentos no bloco comunista atra í ram tão pouco a atenção
Acima de tudo, mesmo nos Estados Unidos, ela foi um fator determinante
de Thompson que, como observamos anteriormente, ele parece ter pratica
mente se esquecido da existência da disputa sino-soviética quando começa
- no colapso do esforço de guerra: até suas formas mais cegas contribu í ram
para a derrocada do regime de Nixon, com seu est ímulo ao cerco paranoico
a escrever sobre a pol í tica de Althusser de meados dos anos 1960. A decepção
de Watergate. Em nosso tempo, n ã o houve realização mais notá vel e efetiva
parece ter levado ao desengajamento, como se, uma vez que a corrente de
do internacional ismo socialista que a luta travada pela esquerda norte-ameri ¬
iniciativa popular - como ele a conhecia ou a imaginava - cessasse de fluir,
cana, apoiada por seus congéneres nos pa íses “ aliados” , em auxí lio ao co¬
suas próprias energias também se apagassem.
munismo vietnamita. A New Left Review ofereceu o que, provavelmente,
Nossa posição a esse respeito era diferente. Diferentemente de Thompson,
permanece até hoje como a melhor síntese do significado histórico desse
nós hav íamos tido poucas ilusões com o stalinismo. Tomamos nossos pri ¬
momento marcante no texto “ De Petrogrado a Saigon” ,33 de Goran Therbom,
meiros conhecimentos sobre a URSS de Isaac Deutscher, em vez de Andrew
escrito durante a Ofensiva do Tet.
Rothstein.52 Vimos a turbul ência da Europa Oriental em 1956 com simpatia,
A solidariedade com a Revolução Vietnamita foi uma causa que opôs
mas n ão como definitiva. A Revoluçã o Cubana de 1959 nos parecia mais
frontalmente intemacionalismo e nacionalismo nos Estados Unidos. N ão é
importante e esperançosa para o futuro. A partir dali, o conflito sino-soviético,
acidental o fato de que lá o impulso mais consistente, como o mais pioneiro
as primeiras agitações do policentrismo italiano, a Revolução Cultural na
na Inglaterra e na França, em um movimento mais amplo contra a Guerra do
China, as expedições cubanas na Amé rica Latina e na Á frica, a Primavera
de Praga, a queda de Gomulka na Polónia, o advento do eurocomunismo, o
* Vietnam Solidarity Campaign ( Campanha dc Solidariedade ao Vietnã ). ( N. da T.)

168 169
Victnfl, tivesse vindo de seções da Quarta Internacional, pois a tradição ini ¬ “ a partir de baixo” - enquanto, ao mesmo tempo, era preeminentemente
ciada por Trotsky - cujo ato original fora a rejei ção do “ socialismo em um capaz de mapear complexos choques e altera ções das forças pol í ticas orga ¬
só pais" - sempre encarnou a mais intransigente recusa a se comprometer nizadas “ a partir de cima". Apesar disso, esse exemplo supremo de uma
com sentimentos nacionais nas fileiras do movimento trabalhista no mundo autê ntica imagina çã o histórica socialista não encontra o menor eco na obra
desenvolvido. Muito logicamente, essa tradição se tomou, com o tempo, um de Thompson - caracteristicamente, nem mesmo na própria A miséria da
polo de referência pol ítica central e incontomável na NLR. Aqui, nós tocamos teoria, ao longo de sua extensa busca das relações entre hist ória e pol í tica .
em uma das diferenças reais mais submersas, ainda que substanciais, de to¬ Quais são as razões para uma supressão tão ampla? Elas devem certamente
das, entre Thompson e nós, uma vez que, de v á rias formas, nada é mais ser procuradas no período de formação de Thompson como comunista. Vimos
surpreendente em sua perspectiva a partir da revolta de 1956 que o vazio a imensa importâ ncia da Segunda Guerra Mundial em sua mem ória pol í tica
diante da principal herança alternativa do marxismo revolucioná rio desde a e em sua sensibilidade. Foram justamente os termos comuns desse conflito
Revolu ção de Outubro. Para ele, é como se a história do movimento comu ¬ que Trotsky, ao final de sua vida, rejeitou - denunciando a eclosão de hosti ¬
nista houvesse começado em 1936. Em seus escritos, não h á praticamente lidades em 1939 como uma luta interimperialista compará vel à de 1914. Esse
nenhuma men çã o a qualquer grande evento ou debate na Terceira Interna ¬ julgamento foi, do meu ponto de vista, um grande erro, pois a classe traba¬
36

cional de antes dessa data. Umas poucas alusões displicentes ao trotskismo lhadora tinha muitas razões para defender a democracia burguesa contra o
que possam ser encontradas são uniformemente triviais e pejorativas, em fascismo tanto na esfera internacional quanto na nacional. O erro foi com ¬
geral se moldando a um tropo dessa geração dc intelectuais: a sugestão casual partilhado, evidentemente, pelo pró prio Comintern. A invasão da URSS em
de que o trotskismo não seria, na verdade, nada mais do que outra versão do 1941 transformou o cará ter da guerra. Tanto stalinistas quanto trotskistas re¬
stalinismo.34 O que essa alegação recorrente verdadeiramente representa é agruparam-se para a defesa do estado dos trabalhadores soviéticos - mas
uma recusa de regressar do ciclo biográfico imediato de ilusão e desilusão com uma diferença: os primeiros concedendo primazia incondicional à luta
com o comunismo oficial dos anos 1930 e 1940, uma rejeição involuntá ria de antifascista por si mesma dentro do campo dos Aliados capitalista e dos
qualquer outra hist ória. Um crí tico recente simpático a Thompson levantou pa íses ocupados, caracteristicamente sob o comando de governos burgueses
a questão essencial muito bem: a New Left inicial presentes ou no ex ílio; os ú ltimos recusando qualquer comprometimento com
o “ imperialismo democrático". Depois da guerra, a Quarta Internacional
. -
[ ..] recusou se a acertar as contas com a tradição comunista em sua forma leninista
nunca cessou de criticar a Resistência Comunista por sua pol í tica de uni ão
original e com a tradição da oposição de esquerda que cresceu a partir dela. A revista
nacional. É nessa cisão histórica , na qual o certo e o errado pol íticos estavam
ignorou amplamente toda a experiê ncia histórica de 1914 a 1956. Significativamente,
inextricavelmente misturados em ambos os lados, que a falta de qualquer
ela mal discutiu a Internacional Comunista.35
compreensão ou reconhecimento da tradição trotskista de Thompson quase
certamente reside.
N ós já observamos a ausência de Lenin na reconstrução de Thompson do
De nossa parte, um encontro com a obra de Trotsky era um processo ine ¬
marxismo a partir de 1956. Sua supressão de Trotsky é, à primeira vista, mais
vitá vel na tentativa de recuperar um marxismo revolucioná rio coerente depois
surpreendente, já que Trotsky n ão apenas ofereceu a primeira e mais dura ¬
do refluxo pol ítico do in í cio dos anos 1960. Em nosso caso, a influência for¬
doura teoria marxista do stalinismo - o principal objeto da atenção de Thomp¬
mativa de Isaac Deutscher foi, obviamente, da maior importância; a edi ção
son após deixar o Partido Britânico -, como também foi o primeiro grande
inicial da NLR reformulada de 1963 era encabeçada por um ensaio dele sobre
historiador marxista. De fato, por um longo tempo, a História da Revolução
as divisões no interior do Comunismo Internacional e o ú ltimo texto que ele
Russa permaneceu ú nica na literatura do materialismo histórico. Nenhum
publicou antes de sua morte, em 1967, sobre a guerra no Oriente Médio, foi
outro marxista clássico possuía uma percepção tão profunda da mudança de
uma entrevista para a NLR?1 De meados da década de 1960 em diante, Emest
temperamentos e das capacidades criativas das massas de homens e mulhe¬
Mandei - o principal porta-voz vivo da Quarta Internacional - era o cola ¬
res trabalhadores, pressionando as fundações de uma ordem social arcaica
borador externo mais frequente da Review , na qual ele debateu o histórico

170 171
-
de Trotsky com um membro do pró prio comit é editorial , um ex pupilo de tornado menos ainda á medida que a conjuntura muda. Hoje, as posições
l .ukács c participante do Conselho de trabalhadores de Budapeste, e també m reais associadas a ambos os paradigmas são muito mais relativas e mutáveis
com um membro leal do Partido Comunista britâ nico - a primeira vez que a respeito de questões contemporâneas. Thompson e a seção local da Quarta
tal troca ocorria em qualquer lugar do mundo. A partir daí, a NLR nunca per¬ Internacional, por exemplo, foram unidos por uma resoluta oposição à entrada
deu de vista a ccntralidade da heran ça de Trotsky, mesmo quando seus pró¬ da Grã- Bretanha na Comunidade Económica Europeia: Tom Naim e Ray ¬
prios editores variavam amplamente entre eles em suas avaliações dessa mond Williams - um socialista com uma formação pol ítica e geracional muito
heran ça, e nenhum deles foi alguma vez acrítico em relaçã o a ela. Minhas similar à de Thompson - juntaram -se na defesa dessa causa. Na NLR , Nairn
próprias ressalvas, eu estabeleci em outro lugar.38 Esse engajamento com o defenderia o potencial emancipatório de movimentos nacionais populares na
pensamento de Trotsky n ão estava, evidentemente, confinado à New Left Escócia e no Pa ís de Gales - sua reivindicação deles para a esquerda residia
Review. De diferentes formas, e com interpretações diversas, esse tem sido em bases muito mais próximas à associação entre intemacionalismo e na ¬
um fen ômeno bastante geral na ú ltima d écada entre a nova gera ção de mili ¬ cionalismo dos anos de formação de Thompson do que à polariza ção dos
tantes socialistas na Grã- Bretanha - bem mais que o althusserianismo, do dois -, caracter ística dos primeiros escritos da NLR sobre a Inglaterra. Nesse
qual Thompson se ocupa. í nterim , tais obrigações elementares de socialistas através das fronteiras -
Para o nosso objetivo aqui, a importância dessa heran ça reside no cará ter como a campanha pela soltura de Rudolf Bahro - nos uniram a todos: co¬
e no modelo do intemacionalismo que ela incorpora. Ao longo de sua vida, munistas, trotskistas, neoesquerdistas,* trabalhistas. Nunca haverá, e nunca
Trotsky foi um adversá rio incansá vel de toda forma de patriotismo social ou poderá haver, um formato único de intemacionalismo socialista. Aqui , como
de chauvinismo de grande potência: nenhum revolucion ário jamais pregou em outros lugares, a variedade de tom e ênfase não é uma desvantagem, mas
ou praticou, em sua própria atuação pol ítica, um intemacionalismo proletário um trunfo para o crescimento de uma cultura pol í tica essencial da esquerda.
tão durável e tão coerentemente. Ao mesmo tempo, nenhum outro socialista A nossa própria identidade e a de Thompson dificilmente serão um dia con ¬
tem mostrado o mesmo grau de compreensã o da cultura e da sociedade de fundidas em suas formas caracter ísticas de tentar compreender o mosaico de
outras nações além da sua própria como Trotsky demonstrou em seus escri ¬ nações no qual as classes existem e a luta pelo socialismo se desenvolve.
tos sobre a Alemanha , a França , a Inglaterra, bem como sobre a R ússia. Fi ¬ Mas será que elas ainda precisam ser contrapostas?
nalmente, Trotsky foi o primeiro marxista a fundir uma interpretação histó¬
rica da natureza , assim como uma estratégia pol ítica para o futuro, de sua
própria nação em uma teoria sobre sua integração na ordem imperialista in¬ Notas
ternacional .39 As dimensões pol í tica, cultural e teórica desse intemaciona ¬
lismo se sobrepuseram a tudo, antes e depois dele. Ele não foi imune a fra¬ 1 .
PT, p 105.
cassos e erros, alguns dos quais enormes. Mas sua grandeza moral e inte¬ 2 Idem ,p. 102.
lectual só cresceu com o passar do tempo e o desenrolar de outras vertentes 3 Idem , p. 105.
4 Ibidem.
no movimento trabalhista. Até aqui , apenas essa tradi ção tem se provado
5 Ibidem.
capaz de uma visão amadurecida do socialismo em uma escala mundial, como 6 Ibidem.
qualquer um que ler o recente Marxismo revolucionário atual ,*0 de Mandei , 7 -
“ My Correct Views on Everything” . The Socialist Register 1974, pp. 1 20, descrito como
poderá ver por si mesmo. Um contato natural e crí tico com essa tradi ção de¬ “ um documento trágico” pelos editores da Register.
veria ter sido um elemento comum na pol ítica dos novos e dos velhos cons- 8 PT, p. 102.
9 Ibidem.
critos da New Left . Na realidade, ela se revelaria uma nova linha de divisão. .
10 “ John Saville: A Presentation ” . In: David Martin & David Rubinstein ( eds. ) Ideology and
Mesmo assim , tal divisão tem se tomado crescentemente desnecessária, the Labour Movement. Essays Presented to John Saville. London, 1979, pp. 25 27 . -
uma vez que o contraste entre os dois paradigmas de intemacionalismo a
serem achados na obra de Thompson e na nossa nunca foi absoluto e tem se * New Leftists, no original. ( N. da T.)

172 173
.
11 "Origin* of ihc Present Crisis". N I K n. 21.1 -2/ 1'164. p. 27 . 34 Tí pico a esse respeito é o artigo original sobre o "humanismo socialista” no primeiro n ú mero
12 77«’ Reason?r , n . I , 7/ 1456, p. 5. John Seville reiterou visão muito semelhante a essa na da The New Reasoner , no qual ele temia o perigo, “ caso a queda da burocracia sovié tica
primeira ediçã o de The New Reasoner. “ O marxismo tem lan çado poucas fagulhas na vida fosse muito adiada, de que a ideologia trotskista formasse ra í zes e, se vitoriosa , levasse a
.
politiea e intelectual da Grã - Bretanha desde 1945" ( The New Reasoner , n I , Summer 1957, distorções e confusões similares", pois o “ trotskismo, é també m uma ideologia autocoerente.
p . 78 ) . Possivelmente, o julgamento original fosse mais de Saville que de Thompson uma sendo na raiz um ’ anti-stalinismo’ ( da mesma forma que houve outrora antipapas )", com
possibilidade que eu deixei passar na é poca. “ o mesmo quadro conceituai e atitudes falsos - o mesmo behaviorismo económico, culto
. -
13 V/J?, n. 35, 1 2/ 1966. da elite, niilismo moral ” . O peso intelectual dessa avaliação é sugerido pelo comentário que
.
14 PT p. iii. segue. Reclamando que, para o trotskismo, os “ ‘conselhos dos trabalhadores’ e ‘sovietes’
- .
15 The Break up of Britain. London 1977, p. 304.
-
devem ser impostos como a única ortodoxia” , ele continua: "mas a Grã Bretanha está cheia
dc sovietes. Temos um Soviete Central da TUC [Trades Union Congress] e sovietes de co¬
.
16 PT p. iii.
mércio em cada cidade; sovietes da paz e sovietes nacionais das mulheres, paróquia eletiva,
17 “ Notes on British Marxism since the War” . NLR , n. 100, pp. 86-88. distrito urbano e sovietes das vilas” ( The New Reasoner , n . I , pp. 139-140 ) , Suas ú ltimas
.
18 T. J . Thompson & E. P. Thompson ( eds. ) There is a Spirit in Europe: A Memoir of Frank digressões batem na mesma tecla. Alguns "marxistas de derivação trotskista” devem, no
Thompson . London , 1947. -
tempo devido, "resgatarem se" de suas próprias ideias - uma redenção muito necessária,
19 Idem , p. 20. uma vez que o “ trotskismo reforçou o sistema intelectual stalinista ao ensaiar as mesmas
20 “ An Interview with E. P. Thompson", p. 10. lendas c estabelecer bloqueios idê nticos” ( PT, pp. 122-123, 325 ). A tentativa de igualar os
21 Ibidem . legados de Stalin e Trotsky é antiga . Trotsky lidou com isso ele mesmo, com palavras dc
alguma relevância contemporânea. Tendo rejeitado o stalinismo, ele observou , muitas pes ¬
22 There is a Spirit in Europe , p. 20.
soas “ não podem evitar de buscar compensação cm postulados de moralidade abstrata para
23 Warwick University Limited , p. 162.
a desilusão e o abatimento com ideais que elas viveram ” - “ Elas possuem uma resposta
24 Relatos dessa experiência foram compilados sob o titulo The Railway: An Adventure in
Construction, editado por Thompson c publicado pela Associação Britâ nica- lugoslava ( Lon ¬
pronta: ‘o trotskismo não é diferente do stalinismo” ’ ( Their Morals and Ours. New York .
1942, p. 19).
don , 1948 ). Entre outros colaboradores, estavam Martin Even, Peter Worsley e Francis
35 Duncan Hallas, “ How Can We Move On ?” . The Socialist Register 1976 , p. 7.
Klingender. Thompson era comandante da Brigada Britâ nica c escreveu o mais longo relato.
Nesse mesmo texto inicial , suas caracteristicas ênfases estào já fortes e claras. Descrevendo 36 Ver Considerations on Western Marxism, pp. 119-120. Para uma an á lise complexa e equi ¬
librada da Segunda Guerra Mundial feita por um trotskista que atuava na Resistência, ver
-
o espí rito altru ísta do trabalho voluntá rio na linha Samac Sarajcvo, ele comenta : “ Seria
imposs í vel entender qualquer coisa sobre essa história sem reconhecer essa mudança de a recente discussão dc Emest Mandei em Revolutionary Marxism Today ( London, 1979,
valores” ( p. 3 ). Outras impressões da lugosl á via e da Bulgá ria podem ser encontradas em pp. 162- 170 ); no entanto, apesar de todo o seu interesse, ele não afeta o meu julgamento da
posição de Trotsky em 1939.
natureza humana sendo mudada pela agência humana” .
. .
seu artigo “ Comments on a Peoples’s Culture” ( Our Time 10/ 1947) que fala “ da própria
. .- .-
37 Ver NLR n . 23 1 2 / 1964, e n . 44 7 8/ 1967.
25 Uma reação que seria de especial interesse desde The Railway , com sua epígrafe de Tito e 38 Considerations on Western Marxism , pp. 118-121.
sua publicação binacional , deve ter surgido apenas poucos meses antes da den ú ncia do . .
39 Ver, por exemplo Results and Prospects . New York, 1978 p. 108.
Cominform do governo da lugosl á via , em junho de 1948. como um “ regime terrorista ” . 40 RJO de Janeiro, Zahar, 1981.
Significativamente, já n ào havia contingentes russos entre as brigadas estrangeiras na Bos¬
nia durante o verã o dc 1947.
-
26 Arena , vol . II , n. 8, 6 7/ 1951.
27 Ver E . P. Thompson , “ The Murder of William Morris". Arena , II , n. 7, 4-5/ 1951 ; Jack Lind ¬
- -
say, “ Samuel Taylor Coleridge” . Arena , II, n . 6 7, 2/3, 4 5/ 1951; “ An Interview with E. P.
Thompson ” , pp. 12, 14.
28 PT, p. 109.
29 Politics and Letters. London , 1979, p. 135.
- . -
30 “ The Lett in the Fifties” . NLR , n . 29, 1 2/ 1965 pp. 10 13.
31 PT, p. 376.
32 Vale a pena recordar o tratamento comunista oficial de Deutscher no inicio da d écada de
1950. Para Rothslein , sua biografia de Stalin era “ ultrajante” e “ grotesca ” , “ a versão mais
atual da Enciclopédia trotskista", um compê ndio erró neo "convocado para cumprir seu
papel na propaganda por uma terceira guerra mundial ” (s/c). Ver “ Stalin : A Novel Bio¬
graphy” . The Modern Quarterly , vol . 5, n . 2, p. 122.
. -
33 “ From Petrograd to Saigon ” . NLR n . 48, 3 4/ 1968, pp. 3- 11.

174 175
6
UTOPIAS

O segundo erro de concepção pelo qual fui responsá vel em 1965 foi a suges¬
tão de que as preocupações pol í ticas mais distintivas de Thompson poderiam
ser reduzidas à categoria de “ moralismo” . Continuo a pensar que muito da
-
retórica de 1958 1961, que eu cobrei com o termo, pertence à parte mais d é¬
bil dos escritos de Thompson - seu tom crescentemente desesperado sendo
um reflexo de dificuldades e tensã o inegoci á veis na New Left de ent ão. Mas,
ao criticá-la, seja com a justiça que for, cometi o grave erro de falhar em
perceber a verdadeira força e a originalidade do engajamento de Thompson
em sua principal obra com os problemas da moralidade comunista. O campo
de provas aqui foi William Morris. Minha lembran ça é que, estranhamente,
esse livro nunca adquiriu a mesma centralidade ou circulação na New Left -
ao menos entre seus jovens recrutas - que Cultura e sociedade e A longa
revolução, de Williams, ou mesmo que Os usos da cultura ,* de Hoggart.
Olhando em retrospecto, isso parece incompreens í vel. Provavelmente, no
entanto, as casualidades de época e forma de expressão tiveram algo a ver
com seus diferentes destinos. William Morris foi publicado em 1955, dois
anos antes da existê ncia tanto da The New Reasoner quanto da Universities
and Left Review , e foi escrito em um vocabulário mais militante e comunista
do que seria usual na New Left , enquanto as obras de Williams e Hoggart
coincidiram exatamente com a ascensão desta ú ltima e corresponderam mais

* Uses of Literacy, no original. (N. da T.)

177
.
proximamente a sua linguagem . Em todo caso quaisquer que tenham sido . .
[...] sua importância dentro da tradição marxista pode ser vista hoje menos pelo lato
-
suas respectivas recepções em 1958 1960, n ão há d ú vidas de que o grupo de dc sua adesão a ela do que pelas “ ausências” ou falhas marxistas em minimamente
cadetes que remodelou a NLR em 1964- 1965 falhou completamente em notar lidar com essa adesão. A “ conversão" de Morris ao marxismo ofereceu um momento
critico em cuja rec í proca o marxismo falhou.
4
a significâ ncia do primeiro grande livro de Thompson. Isso pode ser visto
mais explicitamente na recusa desse grupo em reconhecer qualquer passado
marxista importante na Inglaterra - uma forma intencional de ignorar Morris, Para estabelecer esses pontos, Thompson se volta para o trabalho de dois
cujo gênio Thompson havia declarado ser “ peculiarmente inglês” ;1 porém, estudiosos franceses - Paul Meier, um comunista, e Miguel Abensour, um
mais essencialmente, em sua insensibilidade à principal reivindicação da libertário. Apesar de aceitar que o denso estudo de Meier em William Morris
grandeza de Morris introduzida por Thompson: seu “ realismo moral ” , não - O sonhador marxista seja “ de peso” e ( até certo ponto) “ ú til” , ele o re ¬

apenas o “ exemplo moral prá tico que foi sua vida ” e a “ compreensão moral preende por ter assimilado Morris “ bruscamente” a “ um mito da ortodoxia
profunda de seus escritos pol íticos e art ísticos” , mas “ o apelo à consciência marxista” e, da í em diante, ter produzido uma conclusão que é “ não apenas
moral como uma agê ncia imprescind í vel na mudança social ” .2 Essa reivin ¬ limitadora” , mas também “ distanciadora e maçante” .' A interpretação de
dicação é convincentemente substanciada pelo estudo de Thompson. Hoje, Abensour, em compensa çã o, pode ser inequivocamente saudada . Ela propõe
suas qualidades provavelmente alcan çaram , pela primeira vez, um devido uma nova leitura de Noticias de lugar nenhum que reabilita seu utopismo
reconhecimento amplo com a reedição do livro em versão revisada. O pos¬ como uma ruptura com a tradi ção de construção diagramá tica de modelos
tado, que fecha a obra hoje, examinando a literatura sobre Morris que surgiu de sociedades futuras rumo a uma mais livre quimera heur ística que se dis¬
nos 20 anos desde a primeira publicação, deve ser considerado por si só uma tingue por “ sua qualidade aberta, especulativa, e por seu desprendimento
das mais importantes declarações pol íticas e teóricas de Thompson. O texto da imaginação em relação às demandas de precisão conceituai ” .' Essa ini ¬
1

reintroduz Morris diretamente no â mago do debate socialista contemporâ neo -


ciativa permitiu que Morris entrasse no “ espaço próprio e recém descoberto
ao dar especial atenção à natureza e à estatura de seu utopismo. Como repa¬ da utopia: a educação do desejo" - a centelha de aspiração por uma vida
ra ção pela negligência do passado, deixe- me fazer algumas observa ções melhor mantida acesa por meio de “ uma interrogação ininterrupta" de va ¬
sobre o Morris recém -apresentado - podemos agora esperar que definitiva ¬ lores do presente que també m é uma “ crí tica de tudo aquilo que entende ¬
mente - nessa edi ção revisada. mos por ‘pol í tica’ ” .7 Saudando essas formulações de Abensour, Thompson
A discussão de Thompson em seu posfácio pode ser resumida da seguinte continua:
maneira: a versão original de seu livro se ocupava ao mesmo tempo de mos¬
trar a originalidade da imaginação moral e pol ítica de Morris e de reivindicá- O que pode estar envolvido, no “ caso de Morris” , é o problema todo da subordi ¬
-lo para o marxismo revolucionário. Ao fazer isso, ele tacitamente sugeria nação das faculdades imaginativas utó picas dentro da tradição marxista posterior: sua
que não havia nenhuma contradi ção significativa , ou mesmo tensão, entre carência de uma autoconsciência moral ou mesmo de um vocabulário do desejo; sua
esses dois objetivos. Hoje, no entanto, essa presunção de unidade inocente inabilidade dc projetar quaisquer imagens do futuro, ou mesmo sua tendência de, em
não pode mais ser sustentada. Para al ém de sua própria formação rom â ntica, -
lugar dessa projeção, recuar a um para íso dos utilitaristas na terra a maximização
Morris havia desenvolvido uma crítica profunda do capitalismo, antes de sua do crescimento económico.8
descoberta do pensamento de Marx, e essa crítica continuou a dar forma a
seus escritos socialistas depois de ele ter aprendido com o marxismo - pro¬ O comunismo utópico dc Morris, livremente derivado da tradição romântica,
duzindo uma visão moral do comunismo que ficaria criticamente de fora da possu í a uma generosidade e uma confiança de visão que faltam à corrente
tradi çã o marxista ortodoxa, para preju ízo dessa tradi ção. Dessa forma , “ é predominante do materialismo histórico - de então ou posterior a ele -, cuja
-
mais importante entendê lo como um romântico ( transformado) do que como própria defini ção como ciência restringe seu alcance humano, uma vez que
um marxista ( conformado )” .3 De fato, o objetivo do próprio comunismo é

178 179
|...| inalcan çá vel scin uma pré viu educaçã o do desejo ou da "necessidade” . E a ciên ¬
em sua origem” .13 O que está errado nessa aná lise? Essencialmente, o fato
cia nío pode nos dizer o que desejar ou como desejar. Morris via como uma tarefa
de substituir uma explicação ontológica por uma histórica sobre o registro
dos socialistas ( a primeira tarefa para cie também ) ajudar as pessoas a descobrirem
das relações entre Morris e o marxismo.
-
suas vontades, encorajá- las a querer mais, desafiá las a querer diferentemente e ima ¬
Isso pode ser visto muito claramente se paramos por um momento para
ginar uma sociedade do futuro na qual as pessoas, finalmente libertas da necessidade,
possam escolher entre diferentes vontades. ' 1 examinar o termo-chave nesse debate. O eixo da reinterpretação de Thomp¬
son em seu posfácio é a noção de “ desejo” . Ela é deixada um tanto indefinida
Thompson, então, prossegue para a conclusão decisiva de seu ensaio: no texto, mas a autoridade por trás de seu uso é sinalizada sem ambiguidade:
Abensour. O que este ú ltimo quer dizer com ela? Tudo que nos é dado é o
Agora deveria estar claro que h á um sentido em que Morris, como utopista e
que se segue. Para Abensour, o papel do pensamento utópico é o de “ ensinar
moralista, nunca poderá ser assimilado ao marxismo, não por qualquer contradição o desejo a desejar, a desejar melhor, a desejar mais e, sobretudo, a desejar de
de objetivos, mas porque n ão se pode assimilar desejo a conhecimento, e porque a outra forma” .13 De que forma? O que significa “ ensinar o desejo a desejar” ?
-
tentativa de fazê lo é confundir dois diferentes princ í pios operativos da cultura, de A tautologia nebulosa deveria ser um alerta adequado. O que se insinuou
lorma que eu coloquei o problema erroneamente, e o marxismo requer menos um aqui no texto impecá vel de Thompson é uma elegant íssima filosofia do irra-
reordenamento de suas partes do que um sentido de humildade diante daquelas partes cionalismo parisiense. O mote do desejo tem sido, de fato, um dos slogans
da cultura que ele nunca poderá ordenar.10 da Schwàrmerei subjetivista que sucedeu o desencanto com a revolta social
de 1968 - celebrado em escritos tais como Désir et révolution , de Jean-Paul
A injunção final da passagem intima o marxismo a “ fechar um balcão de sua Doll é, e O anti-Édipo - expressão de um desalentado anarquismo pós-lap-
farm ácia universal e cessar de administrar poções de aná lise para curar as sariano -, de Deleuze e Guattari . lntelectualmente, a categoria opera como
enfermidades do desejo” .11 uma licença para o exercício de qualquer fantasia, liberado da responsa ¬
A sedução desse rico e meditativo posfácio é poderoso. Suas sentenças, bilidade de controles cognitivos. A passagem de Abensour citada por Thomp¬
no entanto, precisam ser discriminadas umas das outras, para a avalia ção son exalta “ o desejo de fazer uma descoberta, de ousar uma aventura ou uma
apropriada de sua discussão. A afirmaçã o central de que o utopismo de Mor¬ experi ência - no sentido mais completo da palavra - que permita vislumbrar,
ris representa um feito de imaginação moral sem equivalente na obra de ver ou mesmo pensar o que um texto teórico nunca poderia, por sua própria
Marx, ignorado sem razão por Engels e abandonado sem seguidores ou eco natureza, nos permitir pensar, fechado como é dentro dos limites de um sig¬
em grande parte do marxismo posterior, é seguramente correta. O pensamento nificado claro e observável” 14 - um cândido convite ao obscurantismo. Po¬
de Morris permaneceu , nesse sentido, um pico isolado dentro da literatura liticamente, a noção de desejo pode levar aqui, com a maior facilidade, à
socialista ao menos por meio século após sua morte. Hoje, també m , Thomp¬ supersti ção e ao reacionarismo envelhecidos. Assim, o próprio Abensour
son está completamente certo em convocar o materialismo hist órico a nova ¬ publicou recentemente um volume no qual seus colaboradores intelectuais
mente analisar, completa e autocriticamente, a grandeza de Morris. Contudo, Clastres e Lefort expõem a visão de que a origem do Estado nas sociedades
sua teorização ulterior das razões de o marxismo como um todo ter falhado primitivas reside no “ desejo” masoquista das pró prias classes oprimidas
por tanto tempo em assumir o legado de Morris n ão pode ser aceita tão fa ¬ -
de serem dominadas.15 Tais elucubrações estão a anos luz de dist ância de
cilmente. O primeiro, ele mantém, pertence - ou ao menos pretende perten ¬ Thompson, mas sua possibilidade est á inscrita na abertura metaf ísica do
cer - ao “ conhecimento” ; o ú ltimo, ao “ desejo” . Esses são “ dois diferentes próprio termo - que pode legitimar o desejo de morte e destrui ção tanto
princí pios operativos da cultura” que nã o podem ser assimilados um ao ou ¬ quanto o desejo de vida e liberdade, como suas origens em Nietzsche deixam
tro. Detalhando a distinção, ele escreve: “ Os movimentos do desejo podem claro. Nem o marxismo, nem o socialismo tê m algo a ganhar barganhando
ser legí veis no texto da necessidade, e podem, dessa forma, tomar-se objeto com esse termo, a n ão ser que lhe seja dado justamente o que, nesse irracio-
de crítica e explicação racional. Mas tal crítica pouco toca esses movimentos nalismo, ele é tão expressamente constru í do para rejeitar - um significado
claro e observável.

180 181
Thompson nã o fornece um cm seu posfácio. Desconhecendo o pano de socialistas do século XIX vieram de fam í lias prósperas alguns deles arrui ¬
fundo de seu empréstimo, ele sem d ú vida não viu nenhuma razão premente -
nados ou empobrecidos por vicissitudes subsequentes ( Saint Simon , Fourier );
para o fazer, e não há motivo para responsabilizá- lo por isso. No entanto, -
outros, elevando se à prosperidade tarde na vida ( Owen, Engels). Nenhum,
não se pode negar que ele também assume a oposição entre desejo e conhe¬ porém, gozou de posição semelhante à de Morris. Faltam informações exatas
cimento t ípica dessa moda e que procura interpretar a recepção de Morris sobre a fortuna de seu pai. Mas, segundo as evidências encontradas por Mac-
- kail , ele pode ter estado entre os 250 homens mais ricos da Inglaterra. Aos
17
por meio dela. Ao fazê lo, ele reconhece que “ os movimentos do desejo
podem ser legí veis no texto da necessidade, c podem, dessa forma, tomar se - 21 anos, seu filho herdou uma renda de aproximadamente 20 mil libras por
objeto de cr í tica e explicação racional ” . Ainda assim , imediatamente conti ¬ ano, em valores atuais. Além disso, evidentemente, a empresa Morris se tor¬
nua: “ Mas tal crítica pouco toca esses movimentos em sua origem” . Não é naria por si mesma um empreendimento altamente bem -sucedido: ao morrer,
inteiramente claro o que essa frase significa, mas, lida literalmente, ela é Morris deixou um património pessoal - à parte os bens imobiliários - de mais
ou menos um milhão de libras, em preços atuais. * Parece prová vel que essa
1
certamente indefensá vel: dir íamos que as origens da crueldade, por exemplo,
estã o al é m da crí tica? Um tratamento contradit ório e mais satisfatório da riqueza tenha sido um substrato material da sensação de liberdade e conforto
mesma questão pode ser encontrado em comentá rios anteriores, nos quais por trás da capacidade de Morris de visualizar os contornos de uma sociedade
ele escreve: de abundâ ncia além do capitalismo. O próprio Morris era moralmente realista
o suficiente para ter consciência da possibilidade dessa conexão. Em A so¬
A “ educação do desejo” não está além da cr ítica do sentido e do sentimento, em ¬ .
ciedade do futuro ele escreveu:
bora os procedimentos da crí tica devam ser mais próximos daqueles da literatura
ficcional que daqueles da teoria política . Há maneiras disciplinadas e indisciplinadas Suponho que vocês achem algumas das minhas visões bem estranhas. Uma razão
de “ sonhar” , mas a disciplina é da imaginaçã o c não da ciência. Permanece por ser -
que fará alguns de vocês considerá las estranhas é triste e vergonhosa . Eu sempre
mostrado que o pensamento utópico de Morris sobrevive a essa critica, bem como à pertenci às classes abastadas e nasci no luxo, de forma que necessariamente peço
crítica de 90 anos bem sombrios. Eu não mudei minha visão de que ele o faz.16 muito mais do futuro do que muitos de vocês.
19

A melhor forma de responder a isso é enfrentar o desafio e ver se a explica¬ Poucos dos grandes socialistas estiveram, em suas próprias vidas e imagina¬
ção racional n ã o pode alcançar algumas das origens do utopismo de Morris, ção, tão libertos das pressões deformadoras da escassez. O contraste com
e o criticismo racional não pode indicar alguns de seus limites, de formas Marx é notá vel. Em si mesma, evidentemente, a mera prosperidade não su ¬
ainda não dispon íveis no estudo magistral de Thompson. gere nada. Sua combinação com outras e incomparavelmente maiores ri ¬
O primeiro ponto a ser considerado é que, ainda que o novo posfá cio quezas de Morris foi significativa para a formação de seu utopismo, uma
conceda tal ênfase central à visão utópica de Morris, nem ele nem o próprio vez que ele também era um artista atuante dos mais altos dons, para quem o
livro perguntam de fato quais eram as condi ções históricas desse utopismo trabalho trivial era a criação di ária. Assim, também profissionalmente ele
espec í fico - o que o tomou possí vel? Contudo, quando uma realização é tão estava liberto das agruras do trabalho. O contraste com Engels - ainda que
rara como a de Morris provou ser, a esse respeito, é certamente de interesse este seja mais modestamente próspero - também é igualmente notável. Ade ¬
especial investigar as circunstâncias que permitiram sua ocorrência. Por que mais, os principais campos de atuação de Morris eram as artes pl ásticas, que
ela é tão diferente das numerosas utopias que a antecederam ? Por que surgi ¬ são elas mesmas distintas dentre as formas de composição estética por elu ¬
ram tão poucas utopias, de qualquer tipo, depois dela? Parte da resposta à direm a divisão entre trabalho manual e mental . Ainda, ao mesmo tempo, ele
primeira questão reside, evidentemente, na junção de romantismo e marxismo também era poeta e escritor. Dessa forma , seria poss í vel dizer que, em suas
no pensamento de Morris, que Thompson estuda, em traços gerais, de modo figurações do futuro, Morris podia se valer de recursos ú nicos em seu pre¬
admirá vel. Mas essa fusão intelectual ocorreu na evolução de um pensador sente, que o trouxeram tangivelmente mais próximo às condições por ele
com uma situação de vida material de tipo pouco comum . Muitos teóricos imaginadas do que a qualquer outro dos comunistas seus contemporâ neos:

182 183
rique/ a sólida, trabalho criativo, habilidades poliin á ticas. Essas eram algumas a um mito da ortodoxia marxista ” , ele se desencaminha seriamente. Primeiro,
das raizes materiais do alcance moral dos seus sonhos, tanto em sua liberdade porque um estudo de extensão em tomo de 600 páginas dificilmente pode -
quanto em seus limites, visto que, se olharmos para a utopia do próprio No¬ quaisquer que sejam os outros poss í veis julgamentos - ser chamado de
ticias de lugar nenhum - sua representação mais completa de uma sociedade “ brusco” . Na realidade, o maior feito de Meier uma leitura crí tica sensí vel
comunista essas condições formativas figuram, em toda parte, como prin ¬ e meticulosa de Noticias de lugar nenhum - mal é registrado por Thompson.
c í pios ativos de sua constru ção. Contudo, a crítica que ele dirige a Meier se aproxima impressionantemente
Em seu posfácio, Thompson nota, como vimos, que o pensamento utópico de seus próprios comentários sobre esse livro, para o qual são alocadas ape¬
"não está al é m da cr í tica do sentido e do sentimento, embora os procedimen ¬ nas seis pá ginas das 800 de William Morris - Romântico e revolucionário,
tos da crítica devam ser mais próximos daqueles da literatura ficcional que bem menos espaço do que o dado a tais narrativas em verso como A defesa
daqueles da teoria pol ítica” .30 Essa prescri ção, em muitos sentidos atrativa, de Guinevere : tratamento que pode bem ser chamado de descuidado. Isso
remete a uma tend ê ncia em A misé ria da teoria de relacionar “ valores” a não é uma mera trivialidade quantitativa. Qs poucos parágrafos que Thomp¬
“ sentimentos” em oposi ção a "ideias” . Marx, como podemos lembrar, foi
lá son dedica a Noticias de lugar nenhum não contêm qualquer sondagem cr í¬
censurado por um racionalismo excessivo, insensí vel àquelas “ partes da cul ¬ tica real. Eles se contentam em sugerir que, se “ algo está faltando” , a saber,
tura ” que "podem ser descritas como consciência moral e afetiva” .21 Agora, “ uma vida intelectual á vida” em sua visão do futuro, o próprio Morris “ sabia
se a ê nfase geral da correçã o de Thompson pode ser bem aceita, suas formu ¬ que a vida não seria exatamente dessa forma em nenhuma sociedade real” .
22

lações dela enveredam sutilmente em direção contrária, visto que valores Em contraste, Meier examina, com a maior delicadeza e detalhe, cada epi ¬
n ão são somente sentimentos, são també m convicções. A consciência moral sódio narrativo e elemento temá tico de Noticias de lugar nenhum , em um
não deve ser simplesmente elidida pela sensação afetiva: ela é sempre tam ¬ notá vel feito de inteligê ncia e interpretaçã o fundamentadas. Os resultados,
bé m uma questão de convicção intelectual. Sem princ í pios, as paix ões ficam longe de serem “ distanciadores e maçantes” - como Thompson levaria seus
sem coordenadas éticas. Os valores repousam , normal e regularmente, sobre leitores a crer -, são fascinantes e iluminadores. Eles não equivalem a uma
um delicado equilí brio entre “ ideias” e “ sentimentos” . Qualquer extrapolação anexação crua de Morris ao marxismo, mas, em vez disso, a uma sondagem
unilateral de um deles, de uma esfera ou de outra, corre o risco de deformar
-Ihe a natureza. Os resultados práticos podem ser vistos em contrastes em ¬
- persuasiva das diferen ças, bem como das congruências centrais, que há entre
os dois. Destacando que Noticias de lugar nenhum é a primeira utopia escrita
blem á ticos tais como a famosa disputa entre Russell e Lawrence: um racio¬ que possui tanto uma geografia real - Inglaterra, o vale do Tâ misa - quanto
nalismo frágil e excessivamente cerebral empacado em uma rixa com um uma hist ória retrospectiva - que remonta à “ grande mudan ça” de poder em
instintualismo denso e truculento. A relevâ ncia dessas reflexões para o tra ¬ 1952-1954 -, Meier mostra o cuidado com que Morris construiu sua imagem
tamento que Thompson dá a Morris é esta: a depreciação da “ teoria pol ítica” do futuro em linhas que acompanhavam a teoria marxista da transição para
como guia vá lido para a cr í tica do pensamento utópico e a descriçã o lau- uma sociedade sem classes em dois estágios - socialismo ( “ de cada um , de
datória deste ú ltimo como uma recusa a seu "conhecimento” parecem permi¬ acordo com suas habilidades” ) e comunismo ( “ a cada um , de acordo com
tir uma atitude bem causal em relação à avaliação precisa de Noticias de suas necessidades"). A abundâ ncia material do mundo que William Guest
lugar nenhum . cruza está baseada nas facilidades de uma tecnologia avançada que aboliu
O tratamento que Thompson dá à obra de Meier é aqui sintomático. Seu todo o trabalho penoso na ind ústria, deixando apenas o trabalho criativo a
argumento deque Meier ocasionalmente exagera o grau de correspondência ser realizado. Estado, leis e dinheiro definharam, junto com as divisões sociais
direta e derivação entre temas em Morris e proposições em Marx ou Engels e as fronteiras nacionais. A divisão entre campo e cidade, em grande parte,
é, em si, perfeitamente justo. Meier efetivamente tende a exagerar a conexão desapareceu. A autorregulaçã o espontâ nea por uma moralidade em comum
filol ógica entre os dois corpos de pensamento. Mas esse é apenas um - e substituiu todas as formas de coerções administrativas. Uma alegre emanci ¬
longe de ser o mais importante - aspecto de seu extenso trabalho. Quando pação e igualdade formam o tecido mesmo das relações sociais. Até aqui a .
Thompson prossegue para afirmar que Meier “ bruscamente assimila Morris utopia de Morris parece se aproximar bastante dos cenários de Marx ou En-

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gels. Mas, ao mesmo tempo, toda uma série de aspectos a distingue de visões - e n ã o pelo aumento desse n ú mero - c mesmo assim apenas para um sexo.
que poderiam , tanto factual quanto hipoteticamente, ser atribu ídas aos pró¬ Na verdade, a discriminação das mulheres é menor do que parece ser à pri ¬
prios fundadores do materialismo hist órico. Meier observa esses aspectos meira vista, uma vez que os homens são também predominantemente desig¬
.
escrupulosamente, com admiráveis tato e respeito Na atmosfera á urea dc nados para funções manuais em um mundo que celebra uma destreza f ísica
futuro desenhada por Morris, onde “ todo trabalho feito com gosto e digno essencialmente similar nos lares, nas ruas e nos campos. Invisí veis, as má ¬
de elogio produz arte” ,23 há um renascimento abrangente do trabalho artesa- quinas e a tecnologia sustentam , sem esforço, esse universo. Essa combina ¬
nal em todas as áreas da vida social. Tecnologia e energia existem, mas estão ção, uma transvaloração coletiva da situação de vida pessoal de Morris, teria
restritas aos bastidores, a tarefas repetitivas e desagradá veis. Economica ¬ sido impensá vel para Marx. N ão meramente porque seria imprová vel que
.
mente as forças de produção cessaram de avançar. Culturalmente, a ci ência ele ignorasse com tal ligeireza os problemas da divisão económica, mesmo
se tomou uma busca periférica, que não produz quaisquer grandes descober¬ em meio à abundância, mas també m porque, tanto por vocação quanto por
tas ou invenções. A educação foi desmantelada, deixando as crianças livres convicção, ele teria concedido lugar bem mais elevado ao trabalho intelectual
para aprender com a vida, em vez de escolas e livros. O conhecimento sobre em qualquer sociedade comunista do futuro. A visão de Morris é, efetiva¬
ou o interesse no passado diminu í ram grandemente. As formas literárias con ¬ mente, uma inversão do presente - o trabalho manual, hoje a ú ltima espécie
tra í ram -se: o romance está desaparecendo. A pol ítica também desapareceu - de atividade social, toma-se a primeira, enquanto o trabalho mental, que hoje
pequenas reuniões são suficientes para lidar com questões locais esporádicas. ocupa o primeiro n ível, amanhã será degradado ao ú ltimo: por isso a dispensa
O casamento não é mais um contrato legal, mas a posição das mulheres é sumária da ciência, da educação, da ficção, da história e de outras atividades
semidoméstica: seus papéis, livremente escolhidos, sã o predominantemente intelectuais. Para Marx, ao contrário, o “ conhecimento” era em si mesmo um
domésticos e maternais. A população, por outro lado, é incongruentemente “ desejo” humano fundamental e ilimitá vel. A ciência, longe de estar isolada
está vel. Viagens, apesar da ausê ncia dc fronteiras, parecem m í nimas. O século em poucos retiros rurais excêntricos, permearia toda a vida económica, for¬
XXII é uma “ época de repouso” . necendo o quadro regular da produ çã o cotidiana. Os trabalhos manuais e
Agora, seria possí vel comparar, ponto por ponto, as suposições e atitudes mentais permutariam entre si e coalesceriam em n í veis de integração pro ¬

impl ícitas nessa série de projeções com as declarações de Marx ou Engels. gressivamente mais elevados, em sintonia com as forças de produção em
Esse não seria um exercício estéril ou desinteressante. Certas conclusões movimento. O trabalho criativo não seria, necessariamente, um prazer des¬
emergiriam de alguma saliência. Recentemente Raymond Williams criticou preocupado. Marx tinha outro paradigma em mente, menos sensório que o
o utopismo de Morris por associar “ a noção de simplicidade social” ao comu ¬ artesanato, quando pensou em trabalho não alienado. Repreendendo Fourier
-
nismo argumentando que, de fato, “ a ruptura para o socialismo pode apenas pela noção de que tal trabalho seria como “ brincar” , do que ele desdenhou
ser rumo a uma complexidade inimaginavelmente maior” .34 Essa observação como o sonho de uma “ ingénua atendente de loja” , ele escreveu: “ trabalho
fundamental - tão “ teórica” quanto se poderia desejar - aplica-se em boa verdadeiramente livre, tal como compor, é, ao mesmo tempo, o mais obstina ¬
medida a Marx e Engels, e, a esse respeito, também a Lenin. A evaporação damente sério, o mais intenso esforço” .25 Aqui, a imagem do artista está mais
da pol ítica em uma sociedade sem classes, por exemplo, é uma premissa próxima à de Beethoven ou Flaubert do que - digamos - à de Blake ou Chau¬
comum a todos os quatro pensadores e herdada de Saint-Simon - cujo axioma cer, admirados por Morris. Uma vez que Marx se aventura pouco no tema
ilusório de que “ o governo dos homens” seria um dia completamente subs¬ mulheres, é dif ícil saber como ele imaginaria a posi ção delas no comunismo,
tituído pela “ administração das coisas” teria consequências nocivas de um mas é possí vel que ele não divergisse tanto da versão de Morris sobre isso.
tipo bem material na prá tica bolchevique após a Revolução de Outubro. Mas Já Engels tinha visões bem mais definidas sobre a liberação feminina e nunca
não há dú vidas de que o impulso rumo à simplificação foi muito mais longe aprovaria um futuro redomesticado para elas, n ão mais do que Lenin. Todas
em Morris do que teria ido em Marx ou Engels. Noticias de lugar nenhum essas diferenças bem valem reflexão. Nem todas elas são oposições exclusi ¬
descreve uma sociedade na qual a divisã o do trabalho foi superada por meio vas. N ão h á razão para pensar, por exemplo, que a prá tica art í stica poderia
da regressão da amplitude de potenciais ocupações na sociedade capitalista alguma vez ser reduzida a um padrão existencial único, através ou mesmo

186 ;x 7
dentro de suas diferentes formas a teoria de Morris sobre suas origens, pulso imediato para sua composi ção, como é bem sabido, foi o sucesso re¬
derivada de Ruskin , é claramente muito estreita: uma variedade de produ ções cente de Looking backward, de Bellamy - uma grosseira utopia neobentha-
estéticas muito maior, incorporando e sobrepujando tanto os ideais de Mor¬ mita de arregimeniação industrial mecanizada. Rejeitando furiosamente esse
ris quanto os de Marx , parece um horizonte mais digno de crédito para uma “ para íso da periferia londrina ” , como ele o chamou, Morris produziu um tipo
sociedade emancipada. de para íso do artesã o. N ão há comparação entre a qualidade pol í tica ou lite ¬
Mas a conclusão realmente importante a ser tirada de Noticias de lugar rá ria dos dois, mas o torniquete da oposi ção entre ambos é bem velho. Marx
nenhum nã o reside no ní vel de qualquer uma dessas comparações individuais, escreveu nos Grundrisse :
frequentemente injustas, uma vez que Morris se engajou t ão audaciosamente
onde Marx ou Engels foram tão reticentes. Ela toca os contornos de toda a É tão ridículo ansiar por um retorno a uma completude original quanto o é acre¬
utopia de Morris, pois o que sua projeção do futuro em geral envolve é uma ditar que, com esse vazio presente, a história chegou a um estado de paralisia . O ponto
repressão consistente da história do capitalismo. A rejeição de Morris dos de vista da burguesia nunca avançou para al ém dessa ant í tese entre si mesmo e o
400 anos anteriores da civilização europeia era, de fato, quase absoluta.34 ponto de vista romântico e, dessa forma, o último acompanhará o primeiro como sua
28
Esse é o sentido comum de todas as limitações particulares de Noticias de legítima antítese até seu abençoado fim.
lugar nenhum. Culturalmente, ele consentia com pouco do que viera após o
período medieval . Ele antipatizava igualmente com o Renascimento, a Re ¬ Esse sentido de complementaridade dialética entre utilitarismo e romantismo
forma c o lluminismo: a arte e a ciência que eles produziram significavam é o que distingue o marxismo clássico das muitas tentativas de socialistas, em
pouco ou nada para ele. O radicalismo dessa perspectiva apartou-o até mesmo um ou noutro momento, de construir uma oposi çã o ao capitalismo a partir
da tradiçã o româ ntica da qual fazia parte, cuja verdadeira aversão era dirigida de um ou outro ponto de vista: só den ú ncia de sua irracionalidade ou de sua
à Revolução Industrial. A maioria dos primeiros rom ânticos não era de modo inumanidade. Cada um deles é capaz de “ derivações” tanto progressistas
algum uniformemente hostil às épocas pré-industriais do começo da história quanto reacioná rias - Mill ou Zola podem ser postos contra Carlyle ou Bar-
rès, tanto quanto Shelley ou Ruskin podem ser postos contra Ure ou Spencer.
29
moderna: foram eles, de fato, que universalizaram Shakespeare e que intro¬
duziram o culto do século XIX ao Renascimento. De certo modo, a própria N ão h á uma “ l ógica” única em nenhuma dessas tradi ções, cada um das quais
intransigência da retrospecção de Morris o trouxe mais próximo do socia ¬ -
tem se provado capaz de um arco íris de metamorfoses pol íticas. O dever
lismo - em especial , seu movimento para alé m de um medievalismo conven ¬ dos socialistas hoje não é o de, mais uma vez, opor uma contra a outra , mas
cional até uma ancoragem ideal anterior ao advento da pró pria sociedade o de situar ambas intelectualmente em seus contextos históricos em muta ¬
feudal na igualdade de clã da Islândia dos vikings , um entusiasmo que ele ção e de preparar na prática as condições para a tão esperada bênção de seu
dividia com Engels. Mas, de outro modo, essa intransigê ncia determinava m útuo fim .
limites sistemá ticos ao tipo de comunismo que ele podia imaginar. Tecnolo¬ Marx foi capaz de imaginar tal possí vel fim porque dispunha do legado
gia, ciência, escolas, romances, história, viagens, feminismo eram, cada um grandioso de Hegel atrás de si . Foi a partir das categorias e dos procedimen ¬
deles, produto de todo um ciclo de civilização burguesa erradicado do alcance tos da filosofia alem ã cl ássica que ele pôde colocar a possibilidade não me ¬
de sua simpatia . Da í vem o tipo de censura que eles sofrem - uma margina- ramente de uma ligação entre, mas de uma síntese para além de ambos os
lização ou supressão - em Noticias de lugar nenhum. antagonismos culturais centrais de seu próprio tempo. Esse sentido está au ¬
Podemos ver, agora, por que a sugestão de Thompson de que a “ livre sente nos pensadores ingleses equivalentes a quem Thompson, acima de tudo,
derivação do comunismo para fora da l ógica da tradi ção rom â ntica ” 27 de recorre por uma herança revolucionária local - Blake e Morris: cada um dos
Morris produziu um utopismo pol ítico-moral de certa forma além do alcance quais possuidor de um sentido agudo para a oposi ção dialética, mas bem
do marxismo é errada. Afinal, o materialismo histórico, em seu ápice, sempre menos para a superação ou a síntese. Por outro lado, o pano de fundo hege-
foi definido por sua suplantação da antí tese entre romantismo e utilitarismo liano que foi formativo para Marx foi també m o mesmo que exatamente
que Notícias de lugar nenhum reitera, apesar de todo o seu esplendor. O im ¬ inibiu - até transformou em tabu - especulações de longa duração sobre o

188 189
futuro: A filosofia da história termina irrevogavclmente na plenitude do pre¬ Morris foi o maior, mas n ão o ú nico, expoente. O crescimento dos partidos
sente. N â o surpreende que Marx ou Engels nunca tenham procurado explo¬ organizados da classe trabalhadora antes da Primeira Guerra Mundial presen ¬
rar a forma de uma sociedade comunista. Tais esforços iam na contramão de ciou, em todo lugar, um decl í nio dessa tradi ção meditativa, enquanto questões
.
toda sua perspectiva fortificada ainda mais em sua aversã o à utopia pelo t á ticas ascendiam , de modo crescente, ao primeiro plano. Uma década mais
socialismo que eles haviam conhecido em sua juventude. O campo que eles tarde, a eclosão da Revolução de Outubro transformou todo o cená rio do
deixaram aberto foi habitado por Morris - para sua imensa honra e nossa pensamento socialista. Dali em diante, a construção de uma sociedade co¬
imensa divida. Nenhuma das crí ticas vá lidas que podem e devem ser feitas munista nâo era mais uma questão de teoria especulativa, mas de prá tica
a Noticias de lugar nenhum a diminui diante da ousadia da obra de seu autor. experimental - ou assim parecia ser, à medida que as doutrinas do socialismo
O trabalho dos fundadores do materialismo histórico não possui equivalentes em um só pa ís, em transgressão ao marxismo clássico, eram proclamadas
a ela, e, nesse sentido, Thompson est á inteiramente correto em insistir na e em geral aceitas. O profundo anseio por outra ordem humana que havia
autonomia do valor do utopismo de Morris. Onde ele está errado é em suge¬ encontrado expressão nas utopias do século XIX estava agora atado à - mui ¬
rir que esse utopismo está també m fora da jurisdição da teoria marxista ou tas vezes um pouco menos imaginá ria - sociedade na URSS. Sem d ú vida, o
do conhecimento materialista. De fato, como vimos, o imenso parê ntese no novo Estado soviético era suficientemente real. Mas sua realidade era um
centro do sonho de futuro traçado por Morris, que descarta meio milénio de tanto diferente de qualquer coisa que pudesse ter fornecido material para uma
desenvolvimento humano, é sobretudo objeto de uma crítica marxista propria ¬ genu í na utopia no Ocidente: o sombrio processo de acumulação socialista
mente. O próprio Morris, em sua mod éstia, seria o ú ltimo a reivindicar, em primitiva, em meio à barbárie e à escassez; uma disciplina do trabalho im ¬
seu próprio tempo, imunidade à crítica: “ Lá na Associação” , começa Noticias piedosa e in ú meras v í timas. O brusco impulso pela industrialização, que, no
de lugar nenhum , “ houve um vivo debate sobre o que aconteceria na manhã final, salvou a R ússia e a Europa do nazismo, foi apresentado como se fosse
seguinte à Revolu ção” - “ seis pessoas estavam presentes e, consequente¬ um êxtase de harmonia social e felicidade. Utilitarista em seus fins e meios,
mente, seis divisões do partido estavam representadas” : 10 a jornada pela ima¬ o utopismo oficial do Plano Quinquenal era romântico em sua iconografia e
ginação que se segue é, desde o in í cio, a conjectura de apenas uma delas.
Qual foi o destino posterior do utopismo de Morris? Thompson o apre¬
-
sua retórica, aclamando em todos os alto falantes o prazer criativo das tropas
de trabalhadores em sua labuta. O encanto dessas imagens durou bastante:
senta como um destino de implacá vel negligência por “ um marxismo que até mesmo a primeira edi ção de William Morris?' Enquanto elas duraram, o
n ã o podia retribuir ou viver sem desdé m ao lado de Morris” . A verdadeira utopismo de Morris estava necessariamente desacreditado por causa de seu
história tem sido mais complexa do que isso, como pode ser visto pelo fato eclipse da tecnologia e da ciência: um mundo no qual as forças de produção
de que foi uma sequência de comunistas - Page Amot na década de 1930, eram estacionárias era dif ícil de relacionar a uma sociedade dominada pelo
Thompson na de 1950, Meier na de 1970 - a principal responsá vel pela redes- objetivo do crescimento económico total.
coberta de Morris como um pensador revolucionário e por restabelecer sua No Ocidente, a mesma dificuldade era, em um sentido direto, não tão
obra em uma cultura socialista geral. O lapso de centralidade que esses termos severa, apesar de que até l á o encurtamento da história feito por Morris foi
implicam era um fato. Mas sua explica ção será encontrada menos nas de¬ um enorme obstáculo para a recepção posterior de sua obra, uma vez que os
fici ências morais do marxismo que na forma intelectual e no momento his¬ problemas científicos e industriais se multiplicavam. Contudo, talvez o mais
tórico do trabalho de Morris. Noticias de lugar nenhum e os ensaios que importante tenha sido a forma dessa obra. Para Thompson , o termo “ sistema”
acompanham essa obra foram escritos após o advento de Marx e à luz de sua é quase sempre pejorativo. Em A miséria da teoria , ele significa fechamento
teoria - ainda que não coincidam com ela - c antes da expansão da Segunda intelectual, paralisia, repressão, irracionalidade. Os perigos para os quais
Internacional ou da vitória da Revolução Russa . A pró pria insignificâ ncia do Thompson aponta são incontestá veis, em qualquer forma - marxista ou nâo
socialismo como uma força pol ítica na Inglaterra, em uma época em que não - de investigação social ou filosófica. Mas ele está, ao mesmo tempo, insu ¬
existia nenhum movimento trabalhista de massas que colocasse problemas ficientemente cônscio das forças de modos de pensamento sistemáticos - em
cotidianos de mobilização, encorajou uma tendência ao futurismo, da qual oposi ção aos dispersos e partidos em fragmentos. Eles são duplos: em pri -
190 191
r
mciro lugar, um sistema teórico genu í no requer um certo grau de coerência revela uma suspei çâo cética da tecnologia e da ciê ncia modernas e uma re¬
c conex ã o manifestas entre suas partes constituintes. Isso, dessa forma, não jei ção calculada dos motivos promcteicos cm Marx uma ren ú ncia a qualquer
apenas trabalha contra o pensamento descuidado e inconsequente, como tam ¬ prospecto de crescimento económico incessante. Cada qual recorda a proxi ¬
bé m expõe mais claramente à crí tica suas próprias premissas e l ógica. Em midade, em vez do conflito, do homem com a natureza - um tema central
segundo lugar, a ordem de tal sistema caracteristicamente permite um maior para toda a Escola de Frankfurt, cuja primeira formulação histórica por um
grau de continuidade com ele após sua criação, seja na forma de assimilação socialista na verdade ocorre em uma das passagens menos notadas e belas
ou de desenvolvimento. O pensamento exposto como teoria é, nesse sentido, de Not ícias de lugar nenhum . Cada qual liga ética diretamente a estética,
ao mesmo tempo mais fácil de ser apropriado com o passar do tempo e mais como fazia Morris, como o princ ípio de um mundo finalmente liberto da
imediatamente suscetí vel à correção ou à modificação em uma tradição cumu¬ opressão e da desigualdade. Os dois, evidentemente, també m divergem de
lativa. Essa ú ltima consideração é importante para o destino da obra de Mor¬ formas importantes entre si e em relação às ênfases de Morris. O sistema de
ris. Seu pensamento era coerente o suficiente em substância, segundo qual ¬ treliças de aforismos em Minima Moralia busca fornecer vislumbres de um
quer padrã o. Mas sua forma era amplamente assistemática - diversamente futuro livre por meio de observações precisas do presente aprisionado: sua
disseminada tanto em prosa e poemas narrativos quanto em conferê ncias e moralidade é construída como um conjunto de máximas impossíveis à vida
artigos. Ainda que atrativa ad hoc , essa dispersão ao final depõe contra ela. no capitalismo. O mundo órfico de Eros e civilização , por outro lado, é pro¬
Para que as li ções de Morris sejam aprendidas, tanto para emulação quanto jetado além de qualquer horizonte contemporâneo determinado. Suas noções
para aperfei çoamento, elas precisam primeiro ser reunidas. Isso, elas não reguladoras são derivadas da visão iluminista da arte como jogo sensório, de
foram. Mesmo alguns dos principais textos pol íticos n ão estavam sequer Schiller, e da metapsicologia da economia libidinal, de Freud. Ambas as obras
prontamente dispon í veis até que os dois volumes suplementares de sua obra estão mais interessadas na vida sexual do que Morris estava, e ambas possuem
fossem tardiamente publicados por sua filha em 1936. Uma boa parte da razão uma concepção mais intelectual da arte. Mas a principal diferença é, evidente¬
pela qual Morris se tomou uma figura t ão isolada postumamente provavel ¬ mente, o matiz aristocrá tico - por vezes, esotérico - das obras de Adorno e
mente reside nessa dificuldade, pois n ão se tratava de isolamento em relação Marcuse, e sua distância da pol ítica ativa. O que desapareceu completamente
aos marxistas apenas, mas a praticamente todas as correntes posteriores do da tradi ção de Frankfurt foram a textura popular da escrita de Morris e a
movimento socialista na Grã- Bretanha. Os sistemas cobram seu preço, como conexão orgânica entre sua imaginação utópica e sua concepção militante da
Thompson argumenta, mas a falta deles també m tem seu custo, e, nesse caso, transição do capitalismo para o comunismo. Para Morris, imagens utópicas
ele foi pago em influência limitada. Na ausência de um cânone de pensamento do futuro eram indispensá veis à luta revolucionária contra o reformismo no
consolidado, o comunismo de Morris seria logo apagado na imagem alter¬ presente: “ É essencial que o ideal da nova sociedade seja sempre mantido
nativa local , tã o prontamente dispon í vel , do artista e designer inglês. O des¬ diante dos olhos das classes trabalhadoras, para que a continuidade das de¬
tino póstumo de Blake, Shelley ou mesmo Wilde revela algo do mesmo mandas da população não seja rompida, ou para que elas não sejam mal di¬
padrã o, talvez um padrão peculiarmente nacional. Uma reconstrução pura ¬ recionadas” .33
mente estética ocorreu, fato que, por muito tempo, separou Morris das gera ¬ Esse sentido da relação entre pol ítica cotidiana e utópica foi hoje restau ¬
ções seguintes da esquerda. rado para nós por Rudolf Bahro, cujo A alternativa* é a melhor tentativa
Teria o marxismo no Ocidente sido incapaz, enquanto isso, de gerar qual ¬ marxista já escrita para pensar o futuro. É apenas necessário indicar as formas
quer pensamento utópico próprio? N ão exatamente. A tradição de Frankfurt pelas quais a obra representa um afastamento em relação às tradições utópi ¬
contribuiu com duas chefs d 'oeuvre idiossincráticas de registro utópico: Mi¬ cas anteriores. Em primeiro lugar, diferentemente de qualquer predecessor,
nima Moralia, de Adorno, e Eros e civilização , de Marcuse. Com uma forma ela é produto da experiê ncia histórica da construção real de uma sociedade
de expressão vastamente diferente, ambas possuem afinidades significativas
com a obra de Morris. Cada qual imagina uma sociedade liberta n ão como
A alternativa para uma critica do socialismo real. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.
uma sociedade de perpétuo movimento, mas de pl ácido repouso. Cada qual (N. da T.)

192 195
.
al é m do capitalismo. N ã o coincidcntementc a RDA * é, económica e social ¬ ses, no espirito valoroso das primeiras linhas de Noticias de lugar nenhum,
mente, o mais avan çado pais do mundo comunista: c, ao mesmo tempo, o pode ser novamente retomado.
ú nico a partilhar uma mesma cultura com um poderoso Estado capitalista.
Em segundo lugar, o livro é o resultado do trabalho de um homem familia ¬
rizado, por experiência pessoal , com as estruturas de uma economia industrial Notas
moderna, mas cujas competências são transversais aos compartimentos da
divisão do trabalho nessa sociedade, em uma carreira sucessivamente como 1 . .
WM, p 728
organizador agrá rio, jornalista cultural e consultor industrial. Em terceiro 2 .
Idem , pp. 717, 721
lugar, e decisivamente, a obra representa uma figuração socialista do futuro 3 Idem, p. 786.
al é m da ant í tese entre romantismo e utilitarismo - a primeira a dar algo como 4 Ibidem .
5 Idem, pp. 780, 802.
uma forma concreta, ainda que preliminar, à esperan ça de Marx. Diferente
mente das utopias românticas tanto de Morris quanto de Marcuse, o mundo
- 6 Idem , p. 790.
7 Idem, p. 791.
de Bahro está baseado na total aceitação da ci ência moderna e da comple¬ 8 Idem , p. 792 .
xidade necessária da sociedade industrial . As conquistas da época da civili ¬ 9 Idem , p. 806.
za çã o capitalista são integrais a esse mundo; o Renascimento e o Iluminismo 10 Idem , p. 807.
11 Ibidem.
orgulhosamente reivindicados como sua herança. Diferentemente das utopias
12 Ibidem.
utilitarístas de Bellamy e de outros, ele recusa quaisquer imperativos neutros 13 Idem, p. 791.
da m áquina e rejeita o crescimento econ ómico, agora não mais um objetivo 14 Ibidem .
supremo. A educação, longe de desaparecer, é radicalmente elevada e gene¬ 15 Ver a edição feita por Abensour de Discours sur la servitude vohntaire , de Etienne de La
ralizada a todos. Sob seu compasso, estudos técnicos e matemá ticos harmo¬ Boétie ( Paris, 1976 ), com sua “ Présentation - les leçons de la servitude et leur destin ” , de
Miguel Abensour e Marcel Gauchet, e seus dois posfácios em sequência, de PierTe Clastres
nizam -se com a formação estética, histórica e pol ítica. O trabalho é finalmente e Claude Lefort. Para Clastres, “ sociedades com Estado” são baseadas no “ desejo de sub¬
redividido pela universalização do ensino superior, pela obrigação geral de missão" - “ n ão há desejo realizá vel de poder sem o correlativo desejo de submissão”
participar em trabalhos operativos simples e pela diminuição do tempo dedi ¬ ( p. 239 ss.). Nas meditações correlatas de Lefort, “ o desejo de servitude” pressagiado por
La Boétie surge do "encantamento do Nome do Uno” em um anseio secreto por uniformidade
cado à produção. Em um espaço para vida tã o liberto, a política - longe de como "narcisismo social” , percebido por meio "do desejo de cada um, qualquer que seja
regredir - adquire, pela primeira vez, centralidade e dignidade totais, como -
sua posição hierárquica, de se identificar com o tirano tomando se mestre de outro” - “ a
o “ trabalho comum ” de direção democrática dos assuntos da sociedade como cadeia de identificação é tal que o mais baixo dos escravos ainda deseja um deus para si
um todo. A visão de Bahro do futuro n ão está, de forma alguma, isenta de -
mesmo” ( pp. 273 274, 301).
16 WM, p. 793.
críticas. Ela superestima grandemente o nivel de desenvolvimento económico 17 Ver The Life of William Morris , vol. I . London, 1899, p. 14, à luz de W. D Rubinstein, “ The
da Europa Oriental” e se abstrai das lutas e demandas l á em curso, com o Victorian Middle Classes: Wealth, Occupation and Geography” . Economic History Review ,
resultado de que sua articulação institucional (sistema de partidos, estruturas vol. 30, n. 4, 11/ 1977.
18 Valor registrado em testamento de 55 mil libras em 1896, atualizado pelo í ndice Economist.
de comuna) permanece muito fraca. Mas, a respeito de sua significância in ¬
telectual - para socialistas tanto no Ocidente quanto no Oriente - não pode
. .
19 “ The Society of the Future” . In: May Morris (ed.), William Morris - Artist Writer Socialist ,
vol. II. Oxford, 1936, p. 455.
haver d ú vida. O marxismo atual deu à luz uma grande utopia. Os termos da 20 WM, p. 793 .
contraposi ção de Thompson às duas utopias manifestamente não se sustentam 21 PT, p. 363 .
mais. O debate socialista geral sobre a natureza de um mundo al é m das clas¬ 22 WM, p. 697.
23 Art and Labour. London, 1884, p. 116.
. -
24 Politics and Letters , pp 128 129.
.
* Rep ú blica Democrá tica Alem ã. O autor usa no original, a sigla em alem ão ( DDR - 25 Grundrisse, p. 611 (tradução modificada ).
Deutsche Demokratische Rcpublik ). (N. da T.)

194 195
26 Ver o coment á rio de Meier em William Morria The Marxist Dreamer. London , 1978,
. .
p 549
27 WM, p. 802.
28 Grundrisse, p 162.
29 Ver a excelente discussão dc Gareth Stedman Jones: “ The Marxism of the Early Lukács".

.-
Western Marxism - A Critical Reader , pp. 23 24.
30 News from Nowhere. In: A. L. Morton (ed.) Three Works by William Morris. London, 1977,
p. 101. John Goode, em seu, de outra forma, iluminador ensaio sobre Morris, lê essa passa ¬
gem de modo muito solene, acho, como uma invocação do “ individualismo destrutivo do
qual a narrativa escapa” : “ William Morris and the Dream of Revolution ” . In: John Lucas

bretudo de ironia bem-humorada consigo mesmo.


.
( ed.), Literature and Politics in the Nineteenth Century. London, 1971 p. 275. O tom é so¬ 7
31 Na qual “ o plano de Stalin do comunismo avançado” é lido como “ promessa de realização” ESTRAT É GIAS
das reivindicações de Morris (William Morris , 1955, pp. 760-761 ).
32 News From Nowhere, p. 367.
33 Socialism - Its Growth and Outcome. London, 1893, p. 278.
34 É por essa razão, essencialmente, que o pensamento dc Bahro pode ser descrito, sem de¬
preciação, como utópico. Em geral , a capacidade histórica de projetar um futuro qualitati ¬
vamente além do confinamemo do presente envolveu, tipicamente, ultrapassar os limites
do realizável, transformar os horizontes do concebí vel - uma condi ção, por sua vez, de
outras e posteriores libertações. Isso também é verdade sobre temas em Marx ou Lenin.
Até aqui, nós nos debruçamos sobre o pensamento de Morris através das
Nesse sentido, todo pensamento socialista criativo é passivel de possuir uma dimensão
utópica. lentes da visão de Thompson como essencialmente uma forma exemplar de
utopismo. Dessa perspectiva, Um sonho de John Bali e Noticias de lugar
nenhum são sugestivamente descritos como “ moralidades altamente imagi ¬

nativas” . 1 Há, contudo, outro Morris a quem devemos não menores homena ¬
gens, que estava preocupado não apenas com moralidades, mas com estra¬
tégias. Aqui , imediatamente nos deparamos com um paradoxo. Apesar de o
estudo de Thompson conter os materiais para um retrato de Morris como um
pensador revolucionário de impressionantes lucidez e originalidade no campo
da estratégia socialista, ele inexplicavelmente nã o o desenha. As diferentes
declarações de Morris sobre questões cruciais da luta pelo poder , seus suces¬
sivos cenários para a derrubada do capitalismo são escrupulosamente citados;
contudo, nunca organizados ou inter-relacionados em uma avaliação pol ítica
de suas concepções em mudança sobre os meios de atacar e destruir o Estado
burguês. A toda a dimensão estratégica do seu pensamento n ão é dado prati-
camente nenhum peso no resumo final de suas conquistas, e ela é completa¬
mente ignorada na reavaliação do Posfácio. Apesar disso, essa dimensão é
por si só bastante notá vel, pois o que presenciamos nos escritos pol íticos de
Morris é o primeiro combate frontal do reformismo na história do marxismo.
A noção mesma de “ reformismo” , a crença na possibilidade de atingir o
socialismo por meio de reformas pacíficas e graduais no quadro de um Estado
parlamentar neutro, não possui existência distinta na obra de Marx. O próprio

196 197
fenômeno, como uma tendência majoritá ria no movimento trabalhista, data destituem a antiga ordem das coisas. Minha crença é que a antiga ordem pode
de muito após sua morte. Nas duas décadas seguintes, no entanto, ele come ¬ ser destitu ída apenas pela força; e. por essa razão, se faz muito mais neces¬
çou a adquirir substâ ncia e forma mais visí vel na Europa. Mas n âo foi antes sário que a revolu ção seja n ã o ignorante, mas inteligente” - organizada e
da explosão da controvérsia sobre o “ revisionismo” no SPD* no final dos liderada por quadros proletá rios treinados, “ que ajam como os instrutores
anos 1890 que o conceito moderno de reformismo realmente emergiu na das massas e como seus l íderes durante os per íodos críticos do movimento” .2
pol í tica socialista. É perfeitamente claro que Engels ainda carecia de qualquer Essa declaração geral de intenção revolucioná ria foi seguida, um ano mais
categoria teórica como essa na década final de sua vida, quando confrontado tarde, por uma exposi ção da base racional teórica para ela: “ Há, sem d ú vida,
com a crescente moderação da Social Democracia Alemã: o resultado disso muitos que são genu í nos democratas” , ele escreveu, “ que têm nas suas ca ¬
pode ser visto na ambiguidade e na indetermina çã o persistentes de seus pró¬ beças que é tanto poss í vel quanto desejá vel capturar o Parlamento consti ¬
prios comentá rios pol íticos nesses anos, que, apesar de todo o seu tempera ¬ tucional e transformá-lo em uma verdadeira assembleia popular, a qual, com
mento revolucionário indómito, seriam mais tarde amplamente interpretados a população a apoi á-la, pode nos levar pac ífica e constitucionalmente à grande
como recomendações de uma evolução eleitoral rumo ao socialismo. Thomp¬ Revolução” . A esperança de tais reformadores era “ constituir um corpo de
son percebe e reprova, com razão, a falha de Engels em dar uma resposta à representantes eleitos para o Parlamento e, por meio deles, aprovar medida
imagina ção moral de Morris. Mas o que é nada menos - talvez at é mais
surpreendente é sua incapacidade em registrar o discernimento estratégico
- atrás de medida que tenderão rumo a esse objetivo; nem ficariam alguns
deles, talvez a maioria, descontentes se, por esse meio, pudéssemos deslizar
de Morris, pois Morris era intelectualmente muito mais duro e clarividente até o completo socialismo de Estado” .3 O julgamento de Morris sobre essa
que Engels em suas leituras das escolhas diante do movimento trabalhista rgido:
confortá vel perspectiva foi í
nascente. A razão para isso reside, indubitavelmente, em sua maior familia ¬
ridade com a fortaleza das ilusões reformistas do futuro - o Parlamento de¬ Aqueles que pensam que podem lidar com o nosso presente sistema dessa forma
-
mocrático burguês. A Inglaterra, com o mais antigo e consagrado sistema gradativa subestimam sobremaneira a força da tremenda organização sob a qual vi ¬
parlamentar da Europa, produziria no próximo século o mais profundo e vemos e que aponta para cada um de nós o nosso lugar; e, se acontecer de não nos
duradouro reformismo em massa. Onde Marx e Engels buscaram uma even¬ ajustarmos, ela nos tritura até que o façamos. Nada além de uma extraordinária força
tual explicação da passividade ou moderação pol ítica da classe trabalhadora pode lidar com essa força: ela não vai tolerar ser desmembrada, nem perder qualquer
inglesa na posi ção económica imperial da Inglaterra no século XIX , Morris coisa que seja realmente a sua essência sem empregar todas as suas forças em resis¬
teve uma compreensão bem mais ampla de suas potenciais bases pol í ticas, tência; no lugar de perder qualquer coisa que considere de importância, ela irá forçar
4
que sobreviveriam muito após o fim da hegemonia internacional inglesa para o telhado do mundo a desmoronar sobre sua cabeça.
produzir a persistência do trabalhismo no século XX. Ele encarou o refor¬
mismo, onde eles o haviam meramente vislumbrado do canto do olho. A A discussão aqui é nova e fundamental, c n ão se encontra no próprio
amplitude de opções estratégicas que ele considerou foi um produto de seu Marx: pela primeira vez, a unidade estrutural da ordem capitalista é clara¬
engajamento revolucionário. Elas foram muito alé m de qualquer coisa que mente posta como o obstáculo intranspon í vel a qualquer sequência de refor¬
possa ser encontrada em Marx ou em Engels. mas parciais que tente ser capaz de mud á- la pacificamente em socialismo -
No primeiro pronunciamento pú blico de Morris como um dos l íderes da “ ela não vai tolerar ser desmembrada” . O princ í pio tão firmemente anunciado
Liga Socialista em janeiro de 1885, dois anos depois de sua própria descoberta aqui teria uma longa história subsequente, como doutrina central do mar¬
do marxismo e duas semanas depois da cisão na SDF,** ele declarou ambi ¬ xismo revolucionário após Lenin. Morris, no entanto, não abandonou a ques¬
guamente: “ Os descontentes devem saber o que estão almejando quando tão. Ele continuou , em um dos lampejos de imaginação estratégica que eram
caracter ísticos do seu gê nio, para evocar a possibilidade de um governo re¬
* Sozialdcmokratischc Partei Deulschlands ( Partido Social-democrata da Alemanha). (N. da T.) formista no Parlamento de fato tentando implementar um programa gradativo
** Social Democratic Federation ( Federação Social -democrata britânica ). (N. da T. ) para a mudança social. O que aconteceria nesse caso?

198 / 00
I
Hu concedo a esses democratas semissocialistas que há uma esperanva para a “ Tentemos, em vez disso, apoiar um grande corpo de trabalhadores fora
vacilante mudança gradual da nossa sociedade por eles proposta, se, por acaso, eles do Parlamento - chamem-no de parlamento do trabalho, se preferirem - e
incitarem as pessoas a reivindicar scriamente, ainda que cegamente, um ou outro
quando isso estiver feito, estejam certos de que seus decretos serão obede ¬
desses assuntos em questão, e puderem ser bem-sucedidos no Parlamento em levar
cidos, e não aqueles do Comité de Westminster” . Esse “ corpo revolucioná rio
isso adiante, eles certamente ocasionariam uma grande guerra civil , e uma tal guerra,
encontrará suas tarefas divididas em duas partes: a subsistência de seus mem ¬
uma vez iniciada, não se encerraria a não ser com o triunfo total do socialismo ou com
bros enquanto as coisas estiverem avançando rumo à batalha final, e a resis¬
sua extinção para o presente.5
tência à autoridade constitucional ” - tal “ Combina ção Trabalhista” “ educa ¬
ria” , por meio dela, “ seus membros em administração, de forma que, na
Aqui , Morris efetivamente escreveu o roteiro da tragédia chilena com quase
manh ã seguinte à revolu ção, eles fossem capazes - com base em um conhe ¬
um século de antecedência: da “ vacilante mudança gradual ” de um governo
cimento completo das vontades e capacidades dos trabalhadores - de con ¬
bem - intencionado à “ agitação cega ” das massas provocada por isso, “ oca ¬
duzir os afazeres com a menor quantidade possí vel de erros” e, assim , “ não
sionando" as explosões de uma brutal investida militar, alcançando a “ extin¬
oferecer qualquer oportunidade à contrarrevolução” .* Esse parece ter sido o
ção” da causa do socialismo “ para o presente” . primeiro cenário marxista para o poder duplo desde o Pronunciamento à Liga
Em 1887, ele, mais uma vez, diretamente caracterizou e denunciou a
Comunista de 1850, um texto desconhecido para Morris e deixado sem de¬
crença no que chamou de “ sistema de reformas cumulativas” a serem “ im¬
senvolvimento posterior no próprio Marx - uma noção completamente au ¬
plementadas por meio do Parlamento e de um poder executivo burguês” ,6
sente dos escritos de Engels daquele tempo.
que, ele alertou, se mostraria peculiarmente desmedido na cultura pol ítica
Essas ideias ganharam materialização expandida no longo capítulo “ Como
nacional da Inglaterra.
a mudança veio” * de Noticias de lugar nenhum. Morris não deixou d ú vidas
sobre o que considerava o traço principal e fundamental da transi ção do ca¬
Os membros socialistas [do Parlamento] serão, no futuro, vistos com complacên¬
cia, pelas classes no govemo, como servindo ao fim de escorar a estabilidade da so¬
pitalismo para o socialismo. “ Diga-me uma coisa, se puder” , pergunta seu
ciedade de ladrões da maneira mais segura e menos incómoda, iludindo-os a fazer visitante do século XIX, “ a mudança, a ‘revolução’ , como era chamada, veio
parte do seu próprio govemo. Uma grande invenção, e bastante digna da reputação pacificamente?” . Seu interlocutor responde: “ Pacificamente? Que paz havia
dos britânicos por sua natureza prática - e pela patifaria! Muito melhor que o rude entre aqueles pobres coitados confusos do século XIX? Era guerra do começo
mundo antigo da repressão de ferro daquele desajeitado Bismark.7 ao fim: guerra amarga, até que a esperança e o prazer puseram um fim nisso” .
“ Você quer dizer batalhas reais, com armas? Ou as greves, os bloqueios das
fábricas e a inanição das quais ouvimos falar?” - “ Ambos, ambos” . O pro¬
10
Demonstrando uma compreensão antecipada da dinâ mica em movimento
da dominação capitalista em um Estado representativo, Morris continua: “ Os cesso da Revolução Inglesa de 1952-1954, recontado, a partir da í, em detalhes,
dois caminhos [diante da classe dominante] são a fraude e a força e, sem abrange uma sequência crescente de lutas de classe, eclodindo, finalmente,
d ú vida, em um pa ís comercial como esse, os recursos para a fraude seriam em uma guerra civil de complexidade e verossimilhan ça notá veis. Reformas
exauridos antes de que a classe dominante se dirigisse para a força aberta ” .8 parciais das condi ções de trabalho feitas por um govemo liberal, sob pressão
Qual deveria ser o caminho das classes oprimidas? Uma vez mais, a resposta de um movimento trabalhista em ascensão, alcançaram sucesso apenas em
de Morris foi um extraordin á rio prognóstico da experiência revolucionária diminuir a taxa de lucro e em frustrar a acumulação do capital, sem afetar a
do próximo século, de 1905 em diante. Em poucas frases repletas de sentido, natureza do sistema económico. O resultado é uma sé rie de recessões, em
ele defende a criação de instituições rivais de soberania popular, fora ou meio a tensão social e polariza ção crescentes, as quais o govemo tenta miti ¬
contra o Parlamento, para educar as massas sobre seu próprio autogoverno, gar por meio da expansão de um setor público ineficiente a fim de manter o
e para emitir decretos impingidos pelo poder da greve, da cooperação e do emprego. O efeito é apenas precipitar uma crise final da confiança nos negó-
boicote, subvertendo e substituindo aqueles do “ Comité de Westminster” :
* “ How the Change Came” , no original . ( N . da T. )

200 201
cios e um colapso económico. Os sindicatos se mobilizam para as demandas nobras de capitalistas c centros populares dc soberania , pausas bruscas e
dc socialização completa dos meios de produção. O regime responde com acelerações em mobiliza ções de massa, oscilações por forças intermediárias,
ataques da policia em manifestações. Os trabalhadores da capital revidam a ções militares iniciadas dentro e fora do aparelho de Estado - representam ,
com a formação do seu próprio órgão de soberania popular, o Comité de em retrospecto histórico, um feito teórico extraordiná rio. N ão há nada igual
Segurança P ú blica - na prá tica, um soviete ingl ês, que organiza e requisita em qualquer outra literatura nacional de então ou desde ent ão. Escrito em
suprimentos de alimento em Londres, em meio à crescente escassez. Con ¬ 1890, esse feito marca o cl ímax das reflexões de Morris sobre a transição para
frontado com essa amea ça a seu monopólio de legitimidade, o governo pro¬ o socialismo na Liga Socialista. Pouco mais de um mês após a publicação
clama um estado de sítio e cerca a cidade com tropas - liberando seu poder da ú ltima parte de Noticias de lugar nenhum na Commonweal , Morris aban ¬
de fogo em repressão armada direta contra a próxima grande manifestação. donou a Liga, agora capturada por opositores anarquistas. O fracasso orga¬
O massacre resultante produz uma onda de revolta contra o governo at é nizacional da Liga, o crescimento das greves nas minas de carvão e os pri ¬
mesmo entre as classes intermediá rias, enquanto jurados se recusam a con¬ meiros êxitos eleitorais do Partido Trabalhista Independente ( ILP) em 1892
denar os que foram presos pela pol ícia. Banido pelo regime, o Comité de levaram a uma mudança de perspectiva. Nessa conjuntura, ele renunciou ao
Segurança Pú blica logo ressurge mais forte do que nunca, sob uma liderança abstencionismo parlamentar, que havia sido até então a fraqueza mais notá ¬
mais militante, e pressiona os patrões por novas medidas para a melhoria das -
vel de suas posi ções. Mas, ao fazê lo, suas visões estratégicas ficavam, dali
condições de trabalho. A economia afunda em redemoinho novamente, e o para frente, sujeitas a uma nova oscilação: seguidos textos ou declarações
-
estrato m édio, com medo da sua própria ru í na, reagrupa se agora em defesa revelavam mudan ças de ênfase e de visão, sem nunca atingir uma sí ntese
da ordem estabelecida. Um novo e mais vigorosamente reacioná rio governo está vel. Em anotações de palestra nã o publicadas, provavelmente escritas
é eleito: os deputados dos trabalhadores abandonam o Parlamento e se juntam em 1892, ele escreve:
ao Comité de Seguran ça P ú blica. O governo, então, prende os membros do
Comité. Na manhã seguinte, a Inglaterra desperta com uma greve geral. Os -
O bate boca sórdido de uma eleição é suficientemente desagradá vel de lidar para
ú nicos meios de comunicação a operar são os jornais socialistas. O Estado um homem objetivo: ainda assim, não posso deixar de ver que é necessá rio de alguma
parece temporariamente paralisado, enquanto até jovens ricos começam a forma dominar a m áquina que tem em suas costas o poder executivo do pa ís, seja
saquear. Vendo-se em um repentino vá cuo, o governo liberta o Comité de como for que isso se faça. E que a organiza ção e o trabalho necessários para alcan çar
Segurança Pública e negocia uma trégua temporá ria - legitimando sua exis¬ isso por meio das umas serão para dizer o m ínimo - de fato poucos, comparados
tê ncia pela primeira vez, sob um t ítulo mais inócuo. Essa formaliza ção de com o que seria necessá rio para alcançar isso por meio da revolta aberta; além do fato
dois poderes rivais, longe de garantir um retomo à calma, prepara o cenário de que a mudança se faria de forma mais completa e com menos risco, realmente sem
para a guerra civil. Grupos vigilantes de extrema direita se formam agora risco de contrarrevoluçâo. 1 '
entre as classes proprietá rias, cujos pelotões armados guarnecem instalações
industriais e saqueiam as ruas. Combates de guerrilha se espalham ao redor Aqui , ele trouxe sua habitual clareza e agudeza de formulação para uma
do pa ís. O governo, então, coloca suas tropas regulares nas ruas ao lado dos concepção social-democrata clássica: a noção de “ dominar a máquina que
pelotões para esmagar a resistência da classe trabalhadora. À medida que a tem em suas costas o poder executivo do pa ís” - como se os aparelhos ad ¬

batalha culminante explode, a maioria dos soldados rasos deserta em favor ministrativos e repressivos do Estado capitalista fossem um instrumento
da causa revolucionária, enquanto os oficiais lideram o campo da contrarre- neutro a ser utilizado por quem quer que seja a maioria prevalecente no apa ¬
volução. Após prolongado conflito, combinando resistência civil e combate relho representativo do Parlamento. Em um artigo para o ILP de janeiro de
militar, as forças do socialismo triunfam. 1894, ele similarmente escreveu:
O cuidado e a profundidade de pensamento que Morris dedicou à natureza
Os trabalhadores começaram a reivindicar novas condições de vida, as quais eles
-
de um processo revolucioná rio calcul á vel na Grã Bretanha - com sua dial é ¬
só podem obter à custa das classes proprietá rias; e eles precisam, portanto, forçar
tica de reformas sociais e crise económica, manobras pol í ticas e contrama-

202 TM
I
Mias reivindicações sobre essas classes. Os meios pelos quais vão tentar isso não são lutam bem com a corda da forca em volta de seus pescoços, c é isso que uma revolta
desconhecidos. Para falar francamcnte, h á apenas dois métodos para fazer surgir a agora significaria. Devemos buscar c conquistar uma posição para legalizar a revolta
.
força necessária: insurreição armada aberta de um lado; uso do voto para controlar o ir para trás das coronhas das metralhadoras e dos rifles e, então, o uso da força será
executivo, do outro. Sobre o primeiro método, eles não estão sequer pensando; mas provavelmente bem menos necessário e o sucesso bem mais certo.
1
'

a cada dia mais determinados a usar o segundo, que é praticamente o único meio
direto.
-
E deve se dizer que, se eles forem derrotados em sua tentativa, isso significará a der¬
Essa sequência de batalhas - do voto às armas - está muito mais próxima
rota atual do socialismo: ainda que sua derrota final seja impossível.12
das concepções de Noticias de lugar nenhum , modificada pelo abandono do
abstencionismo. Ela ecoa no prognóstico em Socialism, its Growth and Out¬
A antftese simplificada das armas contra os votos, novamente, enunciava
come [Socialismo, seu crescimento e desdobramentos], escrito com Bax em
com marcante objetividade o que seria um tema constante dos reformistas
1893, de que “ a revolta armada ou a guerra civil pode ser um incidente da
posteriores - um tema que as próprias projeções de Morris em Noticias de
luta, e, de uma forma ou de outra , provavelmente será , especial mente nas
lugar nenhum haviam tão efetivamente enfraquecido. Em parte, a rejei ção
fases finais da revolução” . M Em 1895, às vésperas da morte, Morris mais uma
da viol ência refletia um necessário repúdio à demê ncia anarquista dos anos
vez reiterou sua hostilidade intransigente ao princ í pio do reformismo: “ Para
1890. Em uma entrevista para o jornal Justice,da Federação Social-democrata
o socialista, o objetivo não é o aperfeiçoamento das condições, mas a mu ¬

(SDF), no mesmo mês, descrevendo o anarquismo como “


uma doença social dança de posição da classe trabalhadora” . O caminho reformista pode bem
15

causada pelas condições cruéis da sociedade", Morris observou que “ aqui na


ser trilhado pela classe trabalhadora no futuro próximo, mas, eventual mente,
Inglaterra, de qualquer forma, seria simplesmente loucura tentar algo como
uma insurrei ção” . Ele prosseguiu para repetir a noção de que “ o que quer
-
ela terá que “ repudiar esse demi-semi socialismo” , se quiser que o conflito
entre capital e trabalho seja historicamente resolvido. Em suas ú ltimas ano¬
que possa ser dito sobre outros países, temos aqui um corpo, em nosso Par¬
tações de palestra de março de 1895, enquanto ainda reiterava suas esperan ¬
lamento, às costas do qual se encontra todo o poder executivo da nação. O
ças em uma maioria parlamentar, ele expressou mais impetuosamente do que
que temos que fazer, parece- me, é assumir o controle desse corpo e, assim,
nunca sua convicção de que o comunismo não poderia ser alcançado sem as
teremos esse poder executivo nas nossas costas” . Por outro lado, o mesmo
mais profundas convulsões sociais. As panaceias indolores de hoje perma¬
texto, que marcou sua reconciliação final com uma SDF ocupada em apre¬
neceram desconhecidas para ele até o fim :
sentar suas visões na mais moderada luz, também conté m uma apreciação
contrá ria e muito mais complexa das combinações estratégicas possí veis para
Acredito que o próprio movimento trabalhista em ascensão, a consciência entre
a derrubada do capitalismo na Grã- Bretanha. Depois de enfatizar a necessi¬
os trabalhadores de que eles deveriam ser cidadãos e não máquinas, terá que ter seus
dade de criação de um “ partido forte” , que “ teria controle completo” dos seus custos arcados como todas as outras coisas boas, e que os gastos não serão poucos.
“ representantes” no Parlamento, ele passa a imaginar um governo socialista Tenho dado voltas ao tema e não consigo, por minha vida, ver como a grande mudança
fazendo uso da legitimidade eleitoral a fim de abranger a revolta popular e que desejamos possa vir de outra forma que não por meio dc algum tipo de desordem
dividir ou paralisar as forças de repressão mobilizadas contra ela: e de sofrimento; [...] Esse combate pode ser lutado, volto a dizer, sem perdas e sofri¬
mento? Francamente falando, sei que não.
16

-
Não se pode começar pela revolta - deve se preparar o caminho para ela, e exau¬
rir outros meios antes. Eu n ão concordo que se deva abster de qualquer ato meramente O repertório de cená rios possí veis para a conquista do poder pela classe
-
baseando se na possibilidade de que ele precipite uma guerra civil - mesmo que o
trabalhadora pintados por Morris - incluindo, em um momento ou outro:
resultado dc uma guerra civil seja problemático -, desde que o ato seja justificável.
insurreição direta pelas massas, precipitação involuntária de guerra civil pela
Mas, com o fabuloso poder dos exé rcitos modernos, é essencial que tudo seja feito
administração reformista, criação de órgãos de poder dual contrapostos pelo
para legalizar a revolta . Como temos visto, os soldados dispararão nas pessoas
sem Parlamento, uso de uma maioria eleitoral para comandar uma máquina de
hesitação, desde que não haja d úvida sobre a legalidade dessa ação. Os homens não
Estado passiva, revolta armada como resultado eventual de prolongado im-

204 205
I

passe c cobertura governamental legitimando um levante popular - não en ¬ A "ditadura do proletariado" desapareceu sem explicações e sem deixar ras¬
contra equivalente em lugar nenhum da Europa de seus dias, e em poucos tros. Institui ções de poder dual - sovietes ou conselhos de trabalhadores -
após isso. Nada compará vel pode ser encontrado em Engels, Plekhanov, sumiram . Nenhuma linha aludia à necessidade de “ esmagar” o aparelho
l.abriola ou Kautsky. 17 Morris també m foi mais vigorosa e constantemente administrativo e repressivo permanente do Estado capitalista. A própria no¬
revolucioná rio em suas explorações que qualquer desses contemporâneos. A ção de “ democracia proletária” foi banida. Ao contrário, o programa do par¬
inventividade e o ataque de sua imaginação estratégica não são a menor parte tido agora declarava: “ Os inimigos do comunismo acusam o Partido Comu ¬
de sua grandeza. Ainda assim, embora as evidências disso estejam dispostas nista de almejar a introdução do poder soviético na Inglaterra e a aboli çã o
de forma clara cm William Morris - From Romantic to Revolutionary , elas do Parlamento. Essa é uma distorção caluniosa da nossa pol í tica” . O ver¬
parecem mal ter sido registradas por Thompson . O livro não traz nenhuma dadeiro objetivo do Partido Comunista da Grã- Bretanha ( CPGB ) era “ trans¬
pausa para reflex ão sobre as seguidas tentativas de Morris de lidar com o formar a democracia capitalista em uma verdadeira democracia do povo,
problema do poder de Estado capitalista, nenhuma discussão séria sobre os transformando o Parlamento, produto da histórica luta britânica pela demo¬
diferentes meios que ele defende para a derrubada desse poder. Qual é a ex ¬ cracia, no instrumento democrático da vontade da vasta maioria da sua po¬
plicação desse paradoxo? pulaçã o” . Longe de perder importância, o Parlamento a ganharia nessa pers¬
A resposta provavelmente deve ser buscada em dois n í veis distintos. De pectiva. Rejeitando “ todas aquelas teorias que declaram a soberania nacional
certa forma, a relativa falta de interesse de Thompson por essa dimensão da ultrapassada ” , O caminho britânico convocava a “ unidade de todos os ver¬
obra de Morris pode ser tomada como o anverso de seu interesse pelo uto - dadeiros patriotas para defender a independ ência e os interesses nacionais
pismo do autor. Quando Thompson escreveu o livro nos anos 1950, o mora ¬ britâ nicos” e anunciava empenhar-se em devolver “ ao Parlamento britânico
lista saltava aos olhos muito mais que o estrategista para ele, e o ú ltimo foi seu direito soberano exclusivo de controlar as pol í ticas económica, financeira
praticamente apagado em sua totalidade por volta do final dos anos 1970. e militar do pa ís” e “ aos comandantes britânicos o controle das Forças Ar¬
Essa leitura de Morris era coerente com as mais profundas preocupações madas britâ nicas” ."
pol í ticas de Thompson ao longo de sua carreira. Esses eram interesses ori¬ Em maio de 1956, o Comité Executivo do Partido podia orgulhosamente
ginais , que remavam contra a maré da escrita comunista ao tempo da publi ¬ afirmar: “ O nosso foi o primeiro Partido Comunista fora dos pa íses socialis¬
caçã o de William Morris. Era muito mais usual - e, para Thompson, devia tas a pôr em evidê ncia um programa para a transi ção pac ífica ao socialismo
parecer mais importante - privilegiar a contribui ção de Morris à moralidade por meio do estabelecimento de uma aliança popular ampla, de eleições de
que à estratégia do socialismo. Desde ent ão, Thompson permaneceu fiel a um governo do povo e da transformação do Parlamento e do Estado” . Uma
19

essa escolha básica. O abuso cometido pela minha réplica a ele há mais de década mais tarde, a terceira ediçã o de O caminho britânico novamente
uma d écada foi ter reduzido a um mero “ moralismo” a continuidade profunda afian çava a cren ça do partido de que “ o socialismo pode ser alcan çado na
dessa busca de uma moralidade comunista. Mas existia um contraste real - e -
Grã Bretanha, não sem um esforço sério e prolongado, mas por meios pac í ¬
legitimo també m - entre nossa direçã o e a dele: nós está vamos persisten ¬ ficos e sem luta armada” . A condi ção do seu advento residia na aspiraçã o
temente mais interessados em questões de estratégia socialista. Devido a popular: “ tal avan ço pac ífico e democrá tico pode, na visão do Partido Comu ¬
isso, nós, em ú ltima instância, caminhamos rumo a visões diferentes da es¬ nista, ser alcançado na Inglaterra se a grande maioria da população o desejar” .
trutura do Estado burguês e da ruptura envolvida em uma revolução socialista O caminho nacional para o socialismo seria aberto pelo “ desenvolvimento e
contra ele. Para entender essa divergê ncia, é necessá rio observar mais de [ pelo] uso cont í nuos dos meios democráticos tradicionais de luta” na Ingla ¬
perto a formação e a evolu ção da perspectiva pol í tica de Thompson . terra; o mais importante deles, o documento reiterava, era o Parlamento, “ o
No tempo em que William Morris foi escrito, o Partido Comunista da órgão supremo do poder representativo” . O avanço rumo ao socialismo não
Grã- Bretanha já havia adotado a primeira edi çã o de O caminho britânico deveria ser precipitado, mas gradual: todo um est ágio de “ aliança antimo-
nopolista” intercorreria antes que o próprio socialismo estivesse na agenda.
20
para o socialismo. Supervisionado pessoalmente por Stalin, esse documento
omitiu qualquer menção aos princ ípios cl ássicos da Terceira Internacional. Eventualmente, uma maioria parlamentar legislaria medidas socialistas,

206 207
upoinda por um movimento de massa fora do Parlamento, dentro do panorama reformismo” - sua “ complacê ncia", suas “ boas inten ções” , suas frases pias,
seu olho cego para o imperialismo, a exploração e a guerra - foram , em
24
da Constitui ção. Tais eram as perspectivas oficiais desenvolvidas pelo CPGB
do começo dos anos 1950 em diante; em seguidos esboços, a própria palavra geral , descartadas, talvez como excessivas. També m o foi o ataque à apro¬
"revolução" quase nunca aparece.21 Intimamente, muitos dos membros an ¬ priação do nome de Morris pelo Partido Trabalhista, que resultou na punição
tigos do partido provavelmente não se resignaram imediatamente ao tom de Attlee - junto com todos “ aqueles que falaram da influência de Morris
comedido de O caminho britânico, com sua vagueza calculada sobre a na ¬ como sendo ‘britâ nica’ , ou ‘empí rica’, ou ‘humanit á ria’ ” e cujo propósito
tureza do Estado capitalista, sua insí pida equação de avanço democrático e fosse “ desviar a atençã o dos reais princ í pios de Morris, as reais origens de
pac í fico, sua esquiva estudada de qualquer evoca ção a formas de soberania sua indignação moral - sua compreensão da luta de classes, seu ódio do im ¬
de diferentes classes. Mas até aqui muitos outros membros, sem d ú vida, perialismo e da guerra” .25 A percepção de Morris “ de que o mito burguês de
perceberam o documento principalmente como uma indicação de uma dese¬ uma democracia parlamentar havia assumido suas formas mais hipócritas e
jada distâ ncia de modelos de governo soviético ou do Leste Europeu e se insidiosas na Grã-Bretanha” 26 também não se encontra mais no livro - pos¬
contentaram a n ão se aprofundar mais. Certamente, é surpreendente que, em sivelmente porque a formulação não se ajusta particularmente bem com as
meio a todo o furor de 1956, nenhuma das forças em disputa no partido pareça definições posteriores das peculiaridades dos ingleses. De fato, o ensaio que
ter seriamente questionado essa parte de sua herança.22 leva esse nome bate em uma tecla bem diferente sobre o reformismo: l á, são
Agora é possí vel ver por que o estudo de Thompson sobre Morris podia a “ soma verdadeiramente astronómica de capital humano que foi investida
pussar sem problemas de maneira um tanto amena sobre o pensamento estra ¬ na estratégia da reforma gradual ” 27 e os "resultados evidentes” que ela garan ¬
tégico deste ú ltimo - mesmo independentemente do fato de as principais preo¬ tiu que encontram mais ênfase. A redução da hostilidade ao Partido Traba
¬

cupações de Thompson, de todo modo, se concentrarem em outro lugar - pois lhista é óbvia em meados dos anos 1960, mas ela não deve ser exagerada no
o legado pol ítico de Morris nessa área era, de várias formas, algo manifes¬ período imediatamente após a publicação do pró prio William Morris.
tamente desconfortável para um comunista leal em 1955.25 Esse legado tratava Isso porque, quando a New Left foi formada no final dos anos 1950 e
de forma muito clara e direta de questões que o partido entã o considerava Thompson podia desenvolver, livre e publicamente, uma posição pol ítica
melhor ficarem esquecidas ou não ditas; poder dual, levantes populares, re ¬ sobre a transição para o socialismo, ele se distinguiu por sua insistência na
pressão militar, guerra civil. Até as m áximas "parlamentaristas" de Morris necessidade de compreender essa transi ção como uma “ revolução” uma -
eram embaraçosamente plenas e diretas - para uma oficialidade sistematica ¬ palavra naquele momento n ão muito bem -aceita entre muitos dos porta-
mente viciada em per íffases, eufemismos e evasivas. Toda a linguagem das - vozes da revista. Como ele observou, o uso do termo fez recair sobre sua
declara es de Morris, sempre n ítida e firme, era radicalmente incompatível
çõ reputação uma suspeita de pensamento “ apocal í ptico” , nos círculos com
com as ambiguidades fl ácidas do vocabul ário burocrático de então. Thomp¬ menor formação comunista dentro da New Left. Vale a pena relembrar sua
son era um historiador muito escrupuloso para n ão ter fornecido o registro apresentação do que ele pretendia com essa noção. “ Em seus primeiros anos
verdadeiro da pol í tica de Morris, e um escritor muito bom para ter algo a ver propagandistas” , ele observou em um artigo intitulado “ Revolução” , em 1960,
com a linguagem de funcioná rio do partido. Mas é impossí vel dizer se ele “ Morris pensava um tanto ingenuamente em uma revolução insurreicionista,
divergia em qualquer aspecto importante do discurso e da perspectiva estraté¬ no modelo da Comuna de Paris” , enquanto em 1893 “ ele havia chegado a
gicos do seu partido. N ão há evidê ncia disso no próprio William Morris. Por imaginar a conquista final do poder como sendo realizada por meios parla ¬
outro lado, a versão original do livro conté m um conjunto de passagens que mentares” .28 Mas “ seu conceito da transiçã o revolucioná ria foi pouco alte¬
lembra o temperamento militante do tempo, qualquer que fossem os auspícios rado” , uma vez que “ não era na necessidade de uma revolução violenta que
formais de O caminho britânico, e que - significativamente ou não - tem Morris insistia, mas na necessidade de um conflito crí tico em todas as á reas
sido omitido da edição revisada. Acima de tudo, o primeiro William Morris da vida no período de transição” . Essa formulação notavelmente vaga recebe
estava animado por uma ardente pol ê mica contra o reformismo, a qual está alguma especificação - embora longe de conclusiva - na discussão que se
marcadamente mitigada no segundo. Den ú ncias da “ degeneração moral do segue. Descartando as noções opostas de “ evolução” e “ revolução cata-

208 209
-
cllsmica" como caminhos para o socialismo na Grã Bretanha, Thompson ( incluindo a
Centura dos Comuns e os conselhos nacionalizados ) e ainda a transfe¬

sustenta que “ é poss í vel esperar uma revolução pacifica na Grã - Bretanha, rê ncia de novas funções para outras (conselhos municipais, de consumidores, de ne
¬

com muito maior continuidade de formas institucionais e da vida social do gócios, comités de representantes sindicais e todos os outros ).31
que pareceria prová vel mesmo há 20 anos” , porque “ o potencial socialista
tem se ampliado, e as formas socialistas, não importa o quã o imperfeitas, Disso, poderia ser dito que praticamente todas as medidas enumeradas sã o
vêm crescendo no interior do capitalismo” - como no passado formas ca ¬ compat í veis com a manutenção das relações de produ ção capitalistas e com
pitalistas cresceram no interior do feudalismo. Do que, então, se trataria tal a preservação do Estado burguês. A maioria das democracias parlamentaris¬
revolução, como um processo pol í tico? O equil íbrio entre poderes capitalis¬ tas n ão possui câ maras hereditárias, poucas possuem armas nucleares, algu ¬
tas e que se opõem a ele no interior da sociedade atual “ poderia ser levado mas n ão possuem monopólios de imprensa e uma ou duas economias ca ¬
adiante , por meio de pressão popular de grande intensidade, ao ponto em pitalistas até prescindem de bolsas de valores, enquanto muitas possuem
que os poderes da democracia cessassem de criar equil íbrio e se tomassem assembleias legislativas mais democráticas e menos universidades de corpo
por si mesmos a dinâ mica ativa da sociedade. Isso é revolução” .29 Se é assim, elitista . Thompson , no entanto, n ão impõe seus particulares aqui , pois sus¬
alguém poderia ser tentado a comentar, esse conceito de revoluçã o parece tenta que h á algo mais importante que eles: “ A forma da revolu çã o pode
anódino o suficiente para ser aceito por um burguês esclarecido. Em outro depender das formas de poder; mas, em ú ltima aná lise, seu conteúdo depende
lugar, “ o divisor de á guas histórico entre capitalismo de ‘ú ltimo estágio’ e da consci ência e da vontade da população” .32 As instituições são, ao final ,
socialismo democrá tico” é definido como “ o ponto no qual o potencial so¬ menos de momento que de impulsos ou ideais.
cialista é liberado, o setor pú blico assume o papel dominante, subordinando As concepções pol í ticas estabelecidas em “ Revolução” há quase 20 anos
o privado a seu comando e, sobre uma imensa á rea da vida, as prioridades são de significaçã o dupla. Por um lado, seu grau de continuidade com as
da necessidade prevalecem sobre aquelas do lucro” .30 Nada tão severo quanto perspectivas estratégicas principais do CPGB de meados dos anos 1950 em
expropriação é sequer mencionado; enquanto o Estado é totalmente ignorado. diante é inegá vel. Em uma linguagem mais humanizada, com grande ênfase
Como é que o divisor de águas é definido para ser alcan çado? Essencialmente, nas “ atividades autogeridas” democrá ticas vindas de baixo, mas também um
por meio de “ pressões reformistas implacá veis em muitos campos, que são destino menos definitivo reservado para o capital privado, muitas das mesmas
criadas para atingir uma culminação revolucioná ria” . Qual forma tal climax afirmações - e evasivas - fundamentais reaparecem . N ã o apenas a transi ção
irá assumir? para o socialismo será provavelmente pac ífica, com maior continuidade ins¬
titucional com o capitalismo do que já se acreditou, devido aos avanços
O ponto de ruptura não é um conceito politico limitado: ele vai impor um con ¬ do movimento trabalhista, “ o foco do poder pol í tico” também permanece o
fronto, em toda sociedade, entre dois sistemas, duas formas de vida. Nesse confronto, “ Parlamento” , que deve, contudo, ser “ transformado” no curso da transição.
a consciência pol í tica se tomará aguda: cada influência, direta ou indireta, será trazida O agente da mudança social é o “ povo” ; seu adversá rio, os “ monopolistas” ,
para a defesa dos direitos de propriedade; as pessoas serão forçadas pelos eventos a uma vez que “ é a tarefa dos socialistas demarcar o limite” , nas palavras de
exercer toda a sua força pol ítica ou industrial . Thompson, “ entre os monopolistas e o povo” .33 A principal diferença entre
as duas concepções, no in ício dos anos 1960, residia na falta de credibilidade
Mas, o que, pode-se perguntar, as pessoas farão com sua força? A resposta do apego dos Partidos Comunistas com as democracias avançadas que eles
de Thompson é o que de mais próximo ele nos d á de um delineamento con¬ urgiam no pa ís, enquanto mantinham a regra arbitrária de uma burocracia de
creto de sua concepçã o de uma revolu ção britâ nica: ferro em suas próprias fileiras. Ningué m, ao contrá rio, poderia duvidar da
sinceridade dos compromissos de Thompson. Eles, al é m do mais, se pro¬
Ela envolve a dissolução de algumas institui ções ( e a Câ mara dos Lordes, San ¬ variam duradouros, visto que Thompson mostrou imensas consist ê ncia e
dhurst, Aldermaston, Bolsa de Valores, monopólios de imprensa e a Dí vida Interna fidelidade em sua concepção de uma transi çã o para o socialismo na Grã-
estão entre os candidatos mais óbvios), a transformação e modificações de outras

210 211
- Bretanha . Km I % I , ele a defendeu extensamente outra vez mais em “ Revo ¬ ou os interesses estabelecidos; lutando por uma causa popular contra a autoridade
lu ção novamente” : “ O conceito hist órico de revolu ção” , ele escreveu, arbitrá ria ou decisões secretas.

| ] é nâo dessa mudan ça em “ estrutura” , ou desse momento de “ transi ção” , ele tam ¬ E continua: “ Nos é dito que possu í mos um governo parlamentar, mas tudo
bé m não precisa ser da crise catacl ísmica c da violência. É um conceito do processo que podemos dizer é que gostar íamos de ver algo disso” .37 O que esse “ tudo”
hist órico, a partir do qual pressões democrá ticas não podem mais ser contidas dentro exclui é a própria noção de instituições alternativas de democracia proletária
do sistema capitalista; em determinado ponto, é precipitada uma crise que caminha
- comunas, sovietes ou conselhos - materializando uma nova e insurgente
-
para uma cadeia de crises inter relacionadas, as quais resultam em mudanças pro¬
soberania, defendida não apenas por Marx e Lenin, mas, como vimos, tam ¬
fundas em classe, em relações sociais e nas instituições - “ transi ção” de poder no
bém por Morris.
sentido de fazer uma nova época.34
Nos anos 1970, Thompson deixou clara sua distância do ressurgimento
de concepções mais clássicas de revolução socialista na tradi ção marxista.
Ele retomou ao tema, com uma variação, em “ As peculiaridades dos ingle¬
Em 1975, ele viu “ um tempo de oportunidade socialista sem igual ” na Grã-
ses” , imaginando seja “ um partido pol ítico mais ou menos constitucional,
baseado nas instituições de classe, com uma estratégia socialista muito cla¬
-Bretanha, desde que a nação não ingressasse na Comunidade Económica
Europeia - onde o “ trabalhismo britânico jogará fora seu único património
ramente articulada, cujas reformas cumulativas levem o pa ís a um ponto
histórico incompará vel ( um movimento unido ) em ansiosas negociações com
critico de equil íbrio de classes, a partir do qual uma transi ção revolucioná ria
seus parceiros fragmentados e ideologicamente c í nicos” , uma vez que, na
rá pida seja impulsionada ” - ou ( mais obscuramente) “ outras mudan ças de Inglaterra, “ vislumbra-se, como uma oportunidade aparente, a possibilidade
longo alcance na composi ção sociol ógica dos grupos construindo a classe
de levarmos a efeito aqui - pela primeira vez no mundo - uma transi ção
hist órica, que acarretem a ruptura com as instituições e o sistema de valores pac ífica para uma sociedade socialista democrática. Estou dizendo que po¬
da classe antiga e a criação de novos” .35 O texto coletivo Manifesto de Pri¬
deríamos fazer isso nos próximos cinco anos, não no próximo século” - “ a
meiro de Maio, de 1968, não é atribu í vel somente a Thompson e não contém
oportunidade está dada na lógica do nosso pró prio itinerá rio passado. As
nenhum apelo a uma transi çã o revolucion á ria no sentido em que ele a entende
linhas da cultura britânica ainda caminham vigorosamente rumo ao ponto de
- a esse respeito, o texto está mais próximo da tendência de opini ão domi ¬
mudança onde nossas tradi ções e organizações deixam de ser defensivas e
nante na NLR da década anterior. Mas a discussão subentendida em passagens - se tomam forças afirmativas: o pa ís se torna nosso” .3* Em bem menos de
-chave n ão é dessemelhante:
cinco anos, essas expectativas eufóricas cederam lugar às visões catacl ís¬
micas de A miséria da teoria. Mas o ponto de vista pol ítico subjacente per¬
É apenas no n í vel da repetição impensada que a escolha entre “ revolução” - em
manecia consistente. O prefácio de A miséria da teoria fala da Revolta de
seu sentido tradicional de uma tomada violenta do poder de Estado - e “ evolução”
Maio na Fran ça e da turbul ência industrial na Inglaterra como parecendo
- em seu sentido tradicional de inevitabilidade da mudan ça gradual rumo a formas
“ oferecer aos impacientes rotas muito mais rá pidas a algo chamado de ‘re¬
socialistas - pode sobreviver. Essas n ão são, e não foram por algum tempo, estratégias
volução’” .3’ Em sua “ Nota de Esclarecimento” ao mesmo volume, ele con ¬
socialistas dispon í veis, em sociedades desse tipo.36
dena a crítica de Althusser ao PCF em praticamente todos os pontos, exceto
em um: sua aceitação tácita da estratégia do partido, como distinta de orga ¬
A mesma seção do Manifesto declara:
nização e tá ticas - uma estratégia que Althusser descreveu como de uma
"transi ção pac ífica e democrá tica para o socialismo” .40 Os comentários de
Nós admitiríamos de bom grado o poder e a importância da Câmara dos Comuns
Thompson sobre o eurocomunismo no próprio texto, ainda que questionando
se ela mostrasse alguns sinais de ação pol ítica em termos gerais, ao contrário do que
ela assume ser significante em seus próprios termos. Podemos conceber, e gostar íamos as credenciais da liderança do PCF (se não do PCI ) para defender tal caminho,
de ver, uma Câmara dos Comuns combativa contra os poderes privados organizados nã o indicam grande divergência da rota em si . Mais recentemente, ele rea ¬
firmou, em uma entrevista, todos os principais elementos de sua posi ção de

212 213
r
longa data. O caminho para o socialismo é lutar por reformas até que um rá pida e fatalmente opor a revolu ção á contrarrevoluçã o em uma convulsão
momento “ divisor de águas" seja alcançado, quando os interesses da popu ¬ violenta. Em tal conflito, o capital irá sempre comandar uma massa de susten ¬
lação e os interesses do capital se confrontam em um “ momento de intensa tação para al ém de uns poucos monopolistas. Nessa conjuntura de embate
consciê ncia ” . Contudo, isso não seria, necessariamente, uma “ revolução da final, os socialistas procurarão evitar uma conclusão pelas armas, mas não
forma como as pessoas comumente a imaginam” , pois uma transição pac ífica irão semear ilusões sobre a probabilidade de recorrer a elas. O capitalismo
é tanto mais desejá vel quanto historicamente mais comum .' não triunfou em qualquer um dos principais países avançados do mundo atual
"
N ão seria apropriado reiterar aqui em detalhes as concepções estratégicas sem conflito armado ou guerra civil, seja na Inglaterra, na Fran ça, na Alema ¬
da transi çã o para o socialismo que a NLR atual defende. Será suficiente ob¬ nha, na Itá lia , no Japão ou nos Estados Unidos. Contudo, a transi ção eco¬
servar as principais diferenças. Para nós, uma revolu ção socialista significa nómica do feudalismo para o capitalismo é apenas uma transi ção de uma
algo mais firme e preciso: a dissolu çã o do Estado capitalista existente, forma de propriedade privada para outra. Será concebí vel que a mudança
a
expropriaçã o dos meios de produ ção das classes proprietárias e a construção histórica muito maior envolvida na transi ção da propriedade privada para a
de um novo tipo de Estado e de ordem econ ómica, em que os produtores coletiva, com a necessidade de uma expropriação de poder e riqueza bem
associados possam , pela primeira vez, exercer o controle direto sobre suas mais drástica, assumirá formas pol íticas menos dilacerantes? Do mesmo
vidas de trabalho e o poder direto sobre seu governo pol ítico. Essa mudança modo, se as passagens consecutivas da Antiguidade para o feudalismo e deste
nflo ocorrerá sem uma crise económica fundamental , seja ela
determinada para o capitalismo produziram mudanças iniciadoras de época em tipos de
por contradições prévias do próprio desenvolvimento capitalista ou pelos regime e representação - das assembleias antigas aos Estados medievais,
deslocamentos inevitáveis induzidos pela própria tentativa de alterar os me¬ destes aos Parlamentos burgueses, sem falar dos Estados imperiais, absolu ¬
canismos de acumulação em uma economia de mercado. Quando essa situa¬ tistas e fascistas -, é possí vel que a passagem para o socialismo, que já erigiu
ção for iminente, o foco principal do poder de classe burguês será redire conselhos de trabalhadores bem como Estados burocráticos, não faça o
cionado para o aparelho repressivo - em vez do representativo - do Estado
-
mesmo no futuro?
capitalista. Esses aparelhos devem ser inutilizados como instituições orga¬
A tradi ção a que essas concepções pertencem é, em termos gerais, a de
nizadas para que qualquer transferência de poder revolucionária possa ocor¬ Lenin, Trotsky, Luxemburgo e Gramsci. Foi com base em tais princ í pios que
rer. Isso pode ser alcançado apenas pela criação de órgãos de democracia a Terceira Internacional foi fundada, em rejeição à teoria e à prática da Se¬
socialista, mobilizando uma força popular capaz de enfraquecer a unidade gunda Internacional, e que a Quarta Internacional foi fundada, à medida que
da máquina coercitiva do Estado estabelecido e anulando a legitimidade de a Terceira começava a rever seus passos a partir deles na época das Frentes
sua m áquina parlamentar - esteja ou n ão o govemo constitucional nas m ãos Populares. Hoje, os partidos que são herdeiros da Terceira Internacional na
dos partidos de esquerda, em si mesma uma contingência nem imposs í vel, Europa defendem pol íticas crescentemente em convergência com aquelas
nem inevitá vel . A ascensão de tais formas de um segundo poder, incorporando dos partidos da era clássica da Segunda Internacional, nas primeiras duas
a soberania de uma democracia proletá ria alternativa e antagonista à sobe¬ décadas desse século. A continuidade entre as ideias pol íticas de Kautsky e
rania da democracia burguesa, deve ser o objetivo estratégico de longo prazo Bauer e as de Berlinguer e Carrillo sobre o caminho do socialismo na Europa
do movimento socialista. Sua prá tica pol í tica de curto prazo deve conscien¬ Ocidental é hoje praticamente total. As concepções de Thompson são uma
temente ir em busca de ligar as demandas imediatas da classe trabalhadora versão libertária dessa linha de descendência alternativa. Sua expressão mais
a esse objetivo final por meio da formulação de metas de transição calculadas influente hoje, evidentemente, são as doutrinas do eurocomunismo. Traçar
para desequilibrar a ordem estabelecida e fundir todos os grupos e estratos um limite claro entre essas duas linhagens teóricas n ão é impedir o debate
oprimidos contra ela . O advento pol ítico de uma situação de poder dual , camaradesco entre elas. De fato, nada é mais importante do que essa troca
acompanhado pelo in ício de uma crise económica, não permite
nenhuma próxima e crítica se desenvolver entre seus respectivos partid ários, em um
resolução gradual. Quando a unidade do Estado burguês e a reprodução da
clima livre de anátemas ou desdéns. Nenhuma das duas posi ções está livre
economia capitalista forem rompidas, a agitação social que se seguirá deve de certos problemas centrais, cuja raiz comum é a ausência até hoje de qual-

214 ?/ <
quer transiçflo bem -sucedida nos paises capitalistas
cógnito, mas o exame de um passado conhecido. É sobre esse solo o
avançados. A fraque /a , terreno
critica da primeira é sua dificuldade cm demonstrar a plausibilidade
trainstilui ções de poder dual surgirem no interior de
democracias pnrla
--
de con firme do historiador onde todo marxista deveria manter os pés, que
cia aponta para a maior solidez e realismo da tradição de Lenin e
a evidên ¬
Trotsky .
mentares consolidadas: todos os exemplos de sovietes e conselhos respon ¬
até agora A principal necessidade hoje na Europa é de um debate fraternal e
surgiram de autocracias em desintegração ( R ú . Tendo esta¬
ssia, Hungria, Á ustria ), tie sável entre as diferentes visões sobre esses temas fundamentais
regimes militares derrotados ( Alemanha ) e de Estados
fascistas ascendente» belecido os termos gerais do contraste entre Thompson e nós, uns poucos
ou derrubados ( Espanha e Portugal ). Por outro lado, a zona especí ¬
nevrá lgica da comentários podem ser arriscados a respeito da evolução de ênfases
segunda é sua dificuldade de fornecer qualquer relato de dis¬
convincente da possi ¬ ficas na posi ção geral de Thompson, como um testemunho do tipo
bilidade de um desmantelamento gradual em paz social de um , uma vez que
Estado capi ¬ cussão possí vel em que diferenças são percebidas e respeitadas
talista constru ído para a guerra de classes ou de uma transformaçã no
de uma economia de mercado em seu oposto hist
o meliorista um novo conjunto de temas de grande interesse emergiu em seus escritos
órico: todos os exemplos final da década de 1970. O ponto de partida para esses temas pode
ser encon ¬

de governos reformistas até agora ou simplesmente se


trado na poderosa conclusão de Senhores e caçadores. Lá, Thompson
adaptaram ao Estado desen ¬
e á economia capitalistas - mudando sua própria natureza e objetivos que
mais volve três discussões principais. Em primeiro lugar, ele critica a visão de
do que os da sociedade que presidem ( Inglaterra, Noruega, Sué eco¬
cia , Alemanha o direito na sociedade do século XVIII era meramente um instrumento
Ocidental, Á ustria ) -, ou, quando se provaram sérios em suas
nómico nas mãos das classes proprietárias. Apesar de essa ser uma
intenções, , de fato ,
foram brutalmente abatidos pelas forças militares ( Chile). , ele
Hoje, nenhum de suas funções, como seu próprio estudo sobre os Black Acts demonstra
socialista pode sustentar qualquer clamor por complacência principal meio
pol ítica a seu era muito mais, e mais complexo, que isso. Era também o
estoque de noções estratégicas. Thompson compartilha religião
posições com seus ideológico de legitimação da classe governante, em uma era em que a
adversá rios Althusser e Poulantzas, sem falar de Hirst e hegem ónica”
estava caindo em relativo desuso. Mas sua própria capacidade
Hindess, dentro de "
um espectro amplo que hoje se estende do eurocomunismo à
social -demo¬ dependia da credibilidade de regras legais e procedimentos como um sistema
cracia de esquerda. A ampla maioria da intelligentsia marxista limites
no Ocidente de justiça para as classes dominadas: e isso, por sua vez, impunha
tem -se reunido em tomo dessas perspectivas .
ultimamente, e trabalhos bas¬ objetivos e restrições sobre sua manipulabilidade pelas classes dominantes
tante criativos vêm sendo feitos a partir desse ponto de meramente uma
vista. O Estado, o Para ser socialmente efetivo, o direito inglês não poderia ser
poder, o socialismo , de Nicos Poulantzas, e Socialism
and Parliamentary fraude - outro nome para força. O resultado dialético era que, “ em certas
Democracy, de Geoffrey Hodgson, são as duas mais inteligentes e no no qual
originais á reas limitadas” , o direito poderia se tomar “ um fórum genu í
exposições desse novo consenso, assim como From Stalinism
certos tipos de conflito de classe eram disputados” - mesmo ocasional
to Eurocom¬
42 , ¬
munism, de Ernest Mandei, é a mais efetiva crítica a isso, Wilkes ,
enquanto Karl mente, levando a reveses para o governo nas cortes, como no caso de
Kauhky and the Socialist Revolution, de Massimo
Salvadori, oferece a me¬ que simultaneamente inibiu o poder administrativo e fortaleceu a hegemonia
lhor contextualização histórica para a contrové rsia contempor dialé¬
ânea entre os jurídica da ordem governante. A interpretação de Thompson sobre essa
dois pontos de vista. A polêmica nesse campo, natural e inevit
ável nas filei¬ tica é de agudeza e sutileza exemplares e deveria ser aceita por todo marxista
.
ras da esquerda, deveria ser moderada pela consciência de que
Sua segunda tese é uma extrapolação da primeira.
todas as con ¬ Thompson insiste “ no
cepções estratégicas da transição para o socialismo
argumento óbvio, que alguns marxistas modernos negligenciam, de que á
inerentemente contêm h
uma diferença entre poder arbitrário e o Estado de direito .
discussões de um tipo probabilistico , visto que a teoria pode ” 43
Mas esse argu ¬
estimar, mas
apenas a prática do futuro vai apurar os limites de varia
ção das estruturas mento é bem menos óbvio do que ele parece supor, pois, como vimos
ante -
pol íticas e sociais do presente, sejam as do capital ou as promulgaram e
do trabalho. N ão é riormente, alguns dos mais amplos despotismos da hist ria ó
possí vel haver qualquer axiom ática da mudança revolucion
ária, no sentido impingiram sistemas legais abrangentes. O Império mongol é um caso famoso
forte do termo. O terreno real de arbitragem entre as duas jurí dica de
concepções em disso. O grande yasa, de Gêngis Khan , estipulava a igualdade
oposição reciproca é histórico - n ão uma especula
ção sobre um futuro in ¬ todos diante das provisões de seu código. As exigências de qualquer
44 admi -

216 217
nistraçâo imperial possuem, de fato, uma tendência inata de gerar uma cx* que esse direito era ú til e propiciava à sua hegemonia a retórica da legiti ¬
tensa codificação legal. O que Thompson fez foi combinar o caso historica -
midade” .4* Mas “ quando as lutas de 1790 1832 sinalizaram que esse equil í brio
¬
mente bastante especifico - e pouco usual - do direito inglês do século XVIII havia mudado, os governantes da Inglaterra foram confrontados com alter¬
com o direito em geral. A própria expressão “ Estado de direito” [ rule of nativas alarmantes” . Quais eram elas? “ Eles poderiam ou dispensar o Estado

/aw"], a qual é insular arquet ípica, explica a si mesma, pois o direito [ law
] de direito, desmantelar suas estruturas constitucionais elaboradas, revogar
nunca “ governa” [ rule ] - imaginar que ele o possa é reificar relações sociais sua própria retórica e exercer o poder pela força, ou poderiam se submeter
em uma clássica fal ácia formalists. O deslize conceituai ocorrido no texto às suas próprias regras e ceder sua hegemonia.” Após dar alguns passos he¬
de Thompson se toma evidente na próxima sentença, na qual ele escreve: “
O sitantes em direção à repressão, da campanha contra Paine nos anos 1790 às
próprio Estado de direito [ rule of law ] , a imposição de restrições efetivas Seis Leis de 1820, eles, ao final, seguiram o segundo caminho: “ No final , em
ao poder e a defesa do cidad ão das pretensões completamente intrusivas do vez de despedaçar sua pró pria autoimagem e repudiar 150 anos de legali ¬
poder, parece- me ser um bem humano irrestrito” .''5 O verdadeiro significado
dade constitucional, eles se renderam à lei. Nessa rendi ção, lançaram luzes
da expressão “ Estado de direito” como ele a usa é algo bem diferente; em retrospectivas sobre a história de sua classe e recuperaram para ela algo de
outras palavras: o que é de fato pretendido é muito mais próximo de “ liber¬ sua honra” .49
dades civis” . A distinção não é fútil, pois nos traz imediatamente à memória Senhores e caçadores termina nessa nota elegíaca. Devemos ratificá la? -
os perigos de falar do direito como uma unidade homogé nea. Essa reflexão A resposta, penso, é não, pois o que Thompson fez aqui foi amalgamar regras
é diretamente ligada à terceira tese de Thompson . e processos jur ídicos muito diferentes em um constructo genérico e hiposta -
Nos séculos XVI e XVII, ele sustenta, o direito na Inglaterra era “ menos siado - “ o Estado de direito” . Para começo de conversa, qualquer código
um instrumento de poder de classe que uma arena de conflito” .46 No curso legal precisa ser dividido em provisões civis, criminais e constitucionais.
de lutas prolongadas, o direito havia mudado: Trata-se de setores distintos do direito, que podem ser bastante dissimilares
ou mesmo contraditórios em cará ter. O direito imperial romano é um cé lebre
( . . . ] herdado pela pequena nobreza do século XVIII, esse direito
mudado foi , literal - exemplo: um sistema constitucional autocrático de soberania, presidindo um
mente. central para toda sua obtenção de poder e dos meios de vida . Exclua o
direito, direito civil aprimorado e igualitário para a cidadania, sustentado por um
e a prerrogativa real ou a presunção de aristocracia podem recuar para suas
proprie¬ direito criminal barbaramente punitivo para as classes inferiores. O legado
dades c suas vidas; exclua o direito, e o fio que costura suas terras e seus
casamentos de luta da pequena nobreza inglesa no século XVII, ao qual Thompson se
sc romperia.
refere, tratava essencialmente do direito constitucional . O principal arsenal
de expropriação à disposição da mesma classe no direito do século XVIII
Mas, ao mesmo tempo,
residia no direito civil , de longe a região mais volumosa da jurisprudê ncia
inglesa. A franca repressão dos Black Acts era uma extensão do direito crimi ¬
[. . . ] era inerente à própria natureza do meio que eles haviam selecionado para
própria autodefesa que ele não pudesse ser reservado para o uso
sua nal. Ao mesmo tempo, evidentemente, os procedimentos legais para esses
exclusivo de sua pró¬
pria classe . A lei, em suas formas e tradições, traz consigo igualdade c códigos substantivamente diferentes foram unificados em certas práticas e
que, forçosamente, tinham que ser estendidas a todos os tipos e ní
universalidade instituições comuns: na Inglaterra, o julgamento pelo júri era de longe o mais
veis de homens.47
importante, se n ão o mais universal. Juntar tudo isso em uma ú nica rubrica
O “ imenso capital de lutas humanas ao longo dos dois séculos anteriores” retórica como “ o Estado de direito” é histórica e politicamente enganoso. O
foi, dessa forma, “ transmitido como um legado ao século XVIII, quando ori ¬ erro crucial a que esse equ í voco leva pode ser visto na descrição final
ginou uma visão, nas mentes de alguns homens, de uma aspiração de Thompson da Crise da Reforma de 1832: “ em vez de repudiar 150 anos de
ideal a legalidade constitucional , eles se renderam à lei ” . Aqui, a genuinamente po¬
valores universais do direito” - mesmo enquanto “ as oligarquias e a alta
nobreza estavam satisfeitas em se submeter ao Estado de direito apenas por¬ sitiva e popular “ herança de luta” pela conquista das liberdades civis é elidida
sem mais problemas pelas mistificações da “ legalidade constitucional” - pela

218 710
qual Paine, por sua parle, nutria nada al ém de desprezo. De fato, evidcnlc - tinção, pelo governo trabalhista instigado pela policia da necessidade de
mcntc, as classes dominantes de 1832 n âo se “ renderam ” de forma alguma, vereditos unâ nimes c denunciando os procedimentos de rastreamento, ope¬
mas negociaram com êxito sua própria sobrevivência em um novo bloco rados pela pol ícia , ele insiste nas origens muito antigas do júri , como uma
politico, e elas o fizeram nã o em nome da “ lei ” , mas sob a amea ça de um instituição que remonta à época pré-feudal na Inglaterra e n ão tem nada a
levante revolucioná rio vindo de baixo. N ão deveria ser necessá rio ter que ver com o liberalismo burguês como tal. Asseverando o indispensá vel valor
sustentar esses tópicos aqui, uma vez que ninguém os formulou no passado do júri como uma “ prá tica democrá tica obstinadamente mantida” , ele co¬
de maneira mais definitiva que o próprio Thompson. O que deu errado ao menta: “ Prefiro pensar no sistema de jú ri como um paradigma persistente
final de Senhores e caçadores pode ser visto mais claramente, de fato, de um modo de autogestão alternativo, um n úcleo em tomo do qual modos
-
olhando se para o descaimento dos três julgamentos consecutivos de 1832 a aná logos podem crescer em nossas prefeituras, fábricas e mas” .
53

serem encontrados em suas principais obras. Em tVilliam Morris ( primeira Essa perspectiva radical nos lembra do papei do sistema de jú ri em outros
edi ção ), ele escreveu: “ A visão de 1789 foi pisoteada pela prudente Lei da paises e tempos - na Grécia clássica, por exemplo, onde era a pedra funda ¬
Reforma de 1832. ‘Liberdade, igualdade e fraternidade’ - foram todas des¬ mental da democracia ateniense. Mas relembrar esse exemplo, bem mais
prezadas” .50 Em A formação da classe operária inglesa , sua fórmula para a avançado que aquele de nossos antepassados anglo-saxões, é també m per¬
Lei da Reforma foi pouco menos incisiva: “ o sangue se aliou ao ouro para ceber o que está faltando à lista de Thompson. N ão h á equivalente à Assem ¬
.
afastar os apelos pela egalité ” M Em Senhores e caçadores , o pacto entre ouro bleia nela: o Parlamento permanece no seu lugar. Pois um outro tema desses
c sangue desapareceu. Agora, os arranjos contrarrevolucionários de 1832 ensaios é uma lamentação pelo Parlamento como enfeitiçado - ou mesmo
lançam uma tênue “ luz retrospectiva ” sobre a história da classe dominante literalmente “ chantageado” - pela submissão passiva à erosão de liberdades
e “ recuperam algo de sua honra” ! civis pelos serviços de seguran ça . Thompson pinta um convincente retrato
Essa sequê ncia significa um movimento de Thompson à direita? À pri ¬ dessas agências na Inglaterra de hoje - “ alguns dos mais secretos e arrogan ¬
meira vista, pode parecer plausí vel pensar assim. Mas eu penso que a lógica tes ‘servidores’ ( na prática, frequentemente senhores ) entre os Estados mo¬
teórica em funcionamento é mais complexa e mais interessante. Há de se ter, dernos” , cujas “ operações são caracterizadas por sua invisibilidade e por sua
evidentemente, tolerâ ncia com as tentações histriónicas de uma estrofe final falta de responsabilização” .54 Sua explicação do crescimento dessas agências
em um livro como esse. Para além delas, contudo, o que está realmente em é, contudo, menos persuasiva. Essencialmente, ele atribui o fato ao efeito
debate na conclusão de Senhores e caçadores é uma concepção subjacente cumulativo de duas guerras mundiais ( que acostumaram a população a uni ¬
de Estado. Podemos ver isso se olharmos para o conjunto de ensaios escritos formes e conversas sobre interesse nacional ), à reimporta çã o de ideologia
-
mais tarde em 1978 1979, todos eles dedicados a um único grupo de proble¬ imperialista domesticamente e à influência do macartismo durante a guerra
mas: o crescimento no poder do aparelho de segurança do Estado britânico; fria.55 Tudo isso dito, esses fatores geraram um clima de “ estatismo autori ¬
o decl ínio das proteções garantidas pela lei contra as incursões de tal apare¬ tário” que permitiu o crescimento alarmante do poder e das pretensões dos
lho; a falta de controle parlamentar sobre ambos os processos.52 Escritos com aparelhos de segurança desde os anos 1950. Hoje, o “ nervo da indignação
paixão e autoridade, eles representam talvez a mais efetiva intervenção po¬ libertá ria” precisa ser novamente acordado e uma campanha organizada pre¬
lí tica feita por qualquer escritor socialista na Inglaterra em anos recentes - cisa surgir para lutar pela reforma da Lei de Segredos Oficiais,* a aprovação
forçando para a aten ção pú blica, por pura eloquê ncia e erudi ção, processos de uma Lei de Liberdade de Informação, o estabelecimento de controles
que, de outra forma, ficariam negligenciados ou despercebidos às margens civis da pol í cia e a exposi ção de atos ilegítimos pelas forças de segurança.
da consciência convencional. A esquerda britâ nica toda está em divida com Aqui , algumas ressalvas se impõem. A explicação oferecida para a ex ¬
a energia moral e intelectual desses ensaios. Neles, Thompson agora evoca pansão da vigil â ncia interna nas recentes décadas é muito ad hoc para ser
um “ Estado de direito” abstrato mais como uma defesa de liberdades popu ¬ convincente. As razões para esse crescimento não se encontram tanto em
lares e menos como de institui ções legais específicas - sobretudo, o sistema
de jú ri. Corretamente atacando a indiferença da esquerda cm relação à ex ¬ * Official Secrets Act, no original. ( N. da T.)

220 221
uma sequência fortuita dc conjunturas, menos ainda na nebulosa do “ esta
tismo” , mas sim em uma mudan ça estrutural na posição objetiva da classe
- ciosas tramadas entre coronéis c investigadores não o é menos. O Partido
Trabalhista busca suas pol í ticas no Parlamento não sob uma compulsã o si ¬
dominante inglesa e dc seu Estado. Desde a Segunda Guerra Mundial , csttu nistra , mas por sua própria livre vontade: não h á grande incompatibilidade
classe tem estado, em um sentido histórico, profundamente na defensiva - sua entre seus objetivos ordiná rios e aqueles do sistema policial sobre os quais
economia sendo um dos mais traços elos de um sistema capitalista mundial os ministros do partido rotineiramente decidem . O Parlamento inglês não é
que perdeu ele mesmo o controle de mais de um terço do planeta e está sob o bastião, temporariamente desativado, das liberdades populares contra o
cerco permanente nas periferias de seu império de exploração. De maneira Estado, mas uma parte essencial e integral do Estado capitalista britâ nico.
inevit á vel, o medo obsessivo tem crescentemente impregnado a ordem estu - Contanto que ele mantenha sua legitimidade representativa no interior de
belecida na Grã-Bretanha, levando a uma multiplicação da tecnologia e da uma economia de mercado, não há necessidade de um plano repressivo ou
força humana de sua máquina repressiva. H á pouca surpresa nisso. As prá ¬ de um golpe de Estado pelas forças de segurança que o ladeiam. A locução
ticas reais de espionagem doméstica e provocações provavelmente se alte¬ da moda, “ estatismo” , atual mente na boca da esquerda, torna essas relações
raram menos e sua eficácia possivelmente até diminuiu. Apesar de todos os obscuras. Logicamente, ela goza de boa reputação apenas em conversações
escâ ndalos de anos recentes, n ão houve operações com o mesmo alcance anarquistas. Thompson certamente não é anarquista. Na verdade, se seu diag¬
politico nacional quanto, digamos, aquele de Oliver, o espi ão, ou da Carta nóstico sobre o crescimento do poder dos órgãos de segurança na Grã Bre¬ -
de Zinoviev. Provavelmente, a mudança mais significativa para o futuro seja tanha é muito extremo, suas propostas para desmantel á- lo podem ser criti ¬
o papel ampliado do exército regular em “ operações de baixa intensidade” , cadas por serem, ao contrário, muito modestas. O conjunto de reformas que
que Thompson , tratando a crise no norte da Irlanda essencialmente como ele defende é composto por demandas imediatas vitais e exequ í veis para
um conflito intrairlandês, tende a subestimar. 56 Mais importante do que campanha hoje. Mas essas reformas não constituem um programa de objeti¬
isso, contudo, é o papel putativamente atribu ído ao Parlamento nessa aná lise. vos - nem a m édio, nem a longo prazo - para um movimento socialista. Tal
Confrontado com o fato de que o Parlamento vem claramente falhando em perspectiva está ainda ausente das intervenções de Thompson. O prospecto
“ lutar por uma causa popular contra a autoridade arbitrária e decisões secre¬ que é oferecido em seu lugar permanece, apesar de toda a sua necessidade e
tas” , como ele havia imaginado nos anos 1960 que essa casa faria, Thompson sua eloquência, defensivo:
busca motivos para esse silê ncio irresponsá vel na ameaça de chantagem , com
dossiês sobre suas vidas pú blicas e privadas - elaborados por Unidades Es¬ Dever íamos, certamente, fazer campanha por uma Lei de Liberdade de Informa ¬
peciais* -, sob a qual ministros trabalhistas e membros do Parlamento su
postamente vivem. “ N ão conheço precedente histórico para isso” , ele es¬
- ção. A campanha terá valor educativo. Ela pode garantir ganhos pequenos, e, para
historiadores, ganhos significativos. Mas n ão deveríamos ter ilusões quanto a isso;
creve.57 Sugerindo que o próprio Wilson tenha sido forçado a renunciar por seja qual for a lei aprovada, nossos servidores pú blicos encontrarão uma maneira
causa de ameaças obscuras emanadas dos recônditos do MI5, ele conjecture .
de contom á-la 59
que esquemas para uma “ tomada de poder pela direita” na forma de um go¬
verno nacional autoritário estão sendo incubados nos serviços de segurança, Em outro lugar, Thompson aceita a manutenção dos principais aparelhos de
nas Forças Armadas e na pol ícia: de fato, “ minha percepção da pol í tica sugere segurança existentes, demandando apenas que suas asas sejam cortadas: “ Se
que a tomada do poder já está em curso” .5' eu tivesse o poder” , escreve, “ fecharia o Grupo de Patrulhamento Especial
Esse retrato todo é excessivamente melodramático. A imagem de parla¬ de uma vez por todas, bem como muitas das atividades das Unidades Espe ¬
mentares do Partido Trabalhista curvando-se diante de arquivos de agências ciais e do MI5” .60 Por que deveríamos ficar satisfeitos com uma mera limita¬
de segurança é um tanto duvidosa - a noção de conspirações pol í ticas ambi ¬ ção das “ atividades” dessas forças? É sua estrutura e seu contingente que são
irreconciliá veis com uma democracia socialista.
Thompson possivelmente concordaria com isso depois de refletir. As con ¬
* Special Branch, no original. Setor das forças de segurança responsável por operações de
segurança nacional e inteligência . (N. daT. ) cessões feitas aqui não são concessões de principio, mas de perspectiva. O

222 223
que elas expressam é um confinamcntn do horizonte da lula pol í tica na Grâ - cultura, sobre as quais eu n ã o me detive aqui , mas que podem prontamente
- Bretanha ao que Thompson prevê que será, "pelos próximos 30 anos” , “ a ser traçadas em artigos e trabalhos por ela publicados. Mas, inegavelmente,
prática e o controle democráticos de uma máquina de Estado muito pode¬ a distribui ção de ê nfases tem sido bem diferente. N ão é questã o, aqui , de
rosa” .61 H á um elemento de sobriedade admirá vel nisso. Mas h á também um comparar os m é ritos dos resultados. A obra de Thompson como historiador
.
risco, pois se a “ prática democrática” for separada tão completamente da é, simplesmente, incompará vel. O que precisa ser dito, no entanto, é que a
“ luta socialista" em perspectiva anal í tica e em demanda articulada, entã o as
- -
esquerda como um todo, na Grã Bretanha e em todo lugar, beneficia se - 1m
campanhas “ libertá rias” poderiam imperceptivelmente se reverter em pol í tica vez de sofrer - com a diversidade de interesses e perspectivas. Nenhum es¬
“ liberal ” . Esse perigo persegue qualquer discurso que oponha um novo “ es
tatismo” às “ liberdades” tradicionais. A concepção de liberdade envolvida é
- critor, ou grupo de escritores, pode sozinho esperar abranger todas as facetas
necessárias a uma cultura socialista viva. Uma certa visada unilateral é ine¬
sempre negativa - a proteção contra o Estado louvada por Berlin e tantos rente a toda produção intelectual como tal: o importante é que haja muitos
filósofos liberais. N ão é acidente que a ideologia do regime conservador atual lados. Uma divisão do trabalho é, nesse sentido, inevitá vel para o pensamento
seja clamorosamente “ antiestatista” . A luta pela preservação das liberdades de qualquer esquerda significativa, e deve ser saudada , nã o lamentada. De
civis só será verdadeiramente bem-sucedida se for capaz de fazê-las avançar fato, as ê nfases dominantes na escrita das levas “ antigas” e “ novas” da New
para al é m do limite da oposi ção liberal entre Estado e indiv íduo, até o ponto Left deveriam ser complementares, ao invés de conflitantes. Estratégia sem
em que a emergência de outro tipo de Estado - não somente de salvaguardas moralidade é um cá lculo maquiavélico, de nenhum interesse ou uso para um
contra o Estado existente - seja sua conclusão l ógica e prática, pois essas movimento socialista real. Em seu tempo, o stalinismo efetivamente reduziu
demandas transicionais - ligando objetivos imediatos a finais, democráticos o marxismo a isso, poder sem valor; homens como R á kosi ou Zachari ádis
a socialistas - são essenciais. O potencial pleno das questões pol í ticas da sâo lembranças malignas desse fato. Moralidade sem estratégia; um socia ¬
democracia levantadas por Thompson pode apenas ser concretizado pela lismo humano equipado apenas com uma ética contra um mundo hostil está
demonstração pú blica e persistente de sua convergência no socialismo. Cam ¬ fadado a uma in útil tragédia: a dignidade sem força leva ao desastre, como
panhas libertá rias radicais no presente n ã o serão ganhas por apelos conti- os nomes de Dubcek e Allende nos fazem lembrar. A fórmula de Thompson
nu ístas a um passado constitucional, mas por programas crí veis para um para William Morris fornece a sí ntese adequada: o que o socialismo revolu ¬
futuro em comum finalmente emancipado desse passado.62 Com isso, demos cionário necessita hoje é, acima de tudo, de um realismo moral - com igual
a volta completa e retomamos à necessidade de um ressurgimento das facul ¬ ênfase em cada um dos termos. Para que esse tipo de síntese comece a emer¬
dades de imaginação pol í tica e moral - que foram tradicionalmente chama¬ gir, aqui e em todo lugar, divisões do trabalho iniciais na esquerda precisam
das de pensamento utópico - na esquerda atual. Ningué m tem feito mais para convergir para uma eventual forma de cooperação ativa. O silêncio e a dis¬
trazer essa necessidade mais próxima de todos nós do que Edward Thompson. tância tomam isso impossí vel. A obra de Thompson está repleta de encru ¬
As conexões entre os dois polos positivos de seus escritos recentes - defesa -
zilhadas pol í ticas ou intelectuais que deixaram de ocorrer - rendez vous
das liberdades civis e ilustração de virtudes utópicas - são o lugar onde o históricos que foram perdidos, para nosso prejuízo permanente: poetas ro¬
trabalho coletivo é mais ausente, e mais necessá rio. mânticos e trabalhadores radicais no começo do século XIX; Engels e Morris
As divisões entre Thompson e a New Left , enraizadas em diferentes for¬ ao final dele; libertários e movimentos trabalhistas hoje. Foi pensando nesses
mações, como discuti, podem ser mais bem compreendidas como ênfases exemplos maiores que este ensaio foi, em parte, escrito - a fim de evitar um
contrastantes a respeito de moralidade e estratégia. O pró prio Thompson texto ainda mais ínfimo. O debate em tomo do arco completo das ideias de
generosamente reconheceu, em determinada ocasião, que “ o nó da questão” Thompson é aqui pretendido, com alguma certeza, contra ele. Até hoje, nossas
era “ uma ênfase na cultura ” em contraposi ção a “ uma nova ê nfase no po¬ contribui ções contrastantes para uma cultura socialista em comum envolve ¬
der” .63 Nenhuma delas foi, alguma vez, absoluta. Busquei mostrar que ram cada uma, de várias formas, reafirmações ou críticas a heranças clássicas
Thompson sempre possuiu uma concepção própria dos caminhos para o po¬ - seja a valores imaginados por Morris ou Caudwell, ou a estratégias plane ¬
der; já a NLR vem perseguindo suas próprias inquietações com as formas da jadas por Luxemburgo ou Gramsci - mais do que avan ços inovadores em

224 225
terrenos desconhecidos. N ão c dificil divisar as razões para isso: a ausência , interesse: “ Eles pareciam incapa / cs dc conceber qualquer estado de sociedade melhor que
na Inglaterra , de uma massa e de um movimento revolucionário reais, como aquele que lhes permitiu viver cm umu condição dc inferioridade cm troca dc manter aquela
sociedade viva por meio dc seu trabalho. Eles nem mesmo compreendiam que eram uma
cm outros lugares do Ocidente, tem fixado o perímetro de todo pensamento classe, mas praticamentc aceitavam a posição que lhes era determinada pelos abastados, de
possí vel nesse perí odo . Mas o exemplo do próprio Morris , que não viveu serem os res í duos fortuitos da ind ústria, próspera na competição por riquezas” .
exatamente em um cl í max da hist ória da classe trabalhadora inglesa , mostra 13 “ A Socialist Poet on Bombs and Anarchism. An Interview with William Morris” , Justice ,
0 quanto ainda pode ser feito no que parecem ser condi ções 27/1 /1894.
adversas. Seria -
14 Socialism Its Growth and Outcome, p. 285 .
bom deixar antigas disputas para trás e explorar novos problemas juntos.
-
15 "Improvement of Condition or Change in Position?” , May Day No, Justice , 1895.
16 “ What We Have to Look For", British Museum Add. Mss. 45.333 .
17 Nem havia qualquer outro pensador socialista no século XIX que tenha previsto tão prcci -
Notas -
samente a potencial estabilização do capitalismo do bem estar social no século XX. Esse
aspecto do pensamento de Morris é muito mais conhecido, graças aos trabalhos tanto dc
.
Thompson quanto de Williams. Vale a pena registrar aqui contudo, um tema significativo
.
1 WM , p 717. -
desse pensamento que tem sido pouco observado o repetido alerta de Morris de que o
. .
2 “ A Talk with William Morris on Socialism ” Daily News 8/ 1/1885, p. 5. desenvolvimento do capitalismo não levaria necessariamente à polarização social que Marx
3 "Whigs, Democrats and Socialists” ( Conferência ministrada em 1886 ). Signs of Change. havia previsto em O capital e que Engels, em geral, havia aceito depois dele. Já em 1886
London, 1888, pp. 40, 43 . Morris expressava seu pressentimento ruim a respeito da “ criação de uma nova classe
4 "Whigs, Democrats and Socialists” , p. 46. m édia feita da classe trabalhadora e à sua custa; o crescimento, em resumo, de um novo
4 Ibidem. Em outro lugar, elc sc refere sardonicamente à perspectiva de "atormentar o Par¬ exército contra o ataque dos deserdados” (Signs of Change , p. 44). Um ano depois, ele
lamento constitucional com reformas cumulativas para nos levar á crise da Revolução” . previu que o efeito do reformismo seria o dc “ dar vá rias oportunidades aos reacionistas de
ampliar as bases do monopólio, criando uma classe média nova sob a atual e, assim , adiando
Socialist , II , p. 451.
-
Ver: “ The Policy of Abstention ” . In: May Morris (ed. ). William Morris Artist. Writer . .
o dia da grande mudança” ( “ The Policy of Abstention” , p 451 ) .
6 “ The Policy of Abstention ” , p. 437. Como se pode inferir do t ítulo, a limitação
das visões
. .
18 The British Road to Socialism. London 1951 pp. 14, 10, II . Sobre a aprovação, ou inspiração,
dc Morris nesse tempo era o seu ( nunca absoluto ) abstencionismo parlamentar - um erro de Stalin ao documento, ver o agora ú til artigo de Andrew Chester : “ Uneven Development :
politicamente separá vel da força anal ítica da sua compreensão dos mecanismos da domi¬ Communist Strategy from the 1940s to the 1970s” . Marxism Today,9/1979.
nação capitalista na Inglaterra . A relação entre as duas questões n ão seria adequadamente 19 “ The Lessons of the Twentieth Congress of the CPSU ” , Resolução do Comité Executivo do
resolvida no movimento socialista até o advento da Terceira Internacional . Partido Comunista, World News, 19/5/1956.
-
7 "The Policy of Abstention” , pp. 439 440. -
20 The British Road to Socialism. London, 1968, pp. 6, 17, 24 25, 48. Para uma crítica abrangente
.
.
8 Idem p. 441.
-
Sept. Oct. 1970.
.
dessa edição, ver Bill Warren “ The British Road to Socialism", New Left Review , n 63,
.
9 Idem pp. 446. 448, 452. No que diz respeito ao potencial
das greves, Morris demonstrou
.
21 Sobre isso a edição de 1978 um documento mais sofisticado e volumoso - registra uma
-
uma característica presciência em uma palestra dada poucos anos mais tarde. Dirigindo se
a um pú blico no Norte, ele teria declarado: “ Qual foi o ponto de inflex ão do qual o trabalho
- transformação notá vel, sem d ú vida, a refletir as pressões exercidas pelo crescimento de uma
dependeu até hoje? A mineração do carvão. Eles sabiam, portanto, que podiam impor suas esquerda revolucion ária fora do PC na década de 1970.
reivindicações - isso queria dizer, pela greve dos carvoeiros do Reino Unido, apoiada por 22 Em The Reasoner , a única referência de Thompson a O caminho britânico foi uma ressalva
toda a inteligência do trabalho. Esse era um dos possí veis instrumentos de rebelião que não ao fato de que ele era ainda insuficientemente nacional : “ Eu perguntaria se estamos total ¬
estavam, talvez, tão distantes de nós (aplausos)” ( Leeds Mercury , 26/3/1890, "The Class mente satisfeitos com o fato dc que nossa pol ítica possa ser verdadeiramente chamada de
Struggle: An Address by Mr. William Morris” ) . O caminho britânico para o socialismo; ou se algumas passagens desse texto não deveriam
10 News from Nowhere, pp. 287-288. ser intituladas O caminho russo para o socialismo, feito em inglês. Certamente , espero que
11 “ Communism ” ( anotações para a segunda palestra ), British Museum Add. Mss. 45.333.
as ‘formulações’ sobre ‘a democracia do povo’ sejam reexaminadas sob essa luz" ( Ver
confiança expressa na sentença final mingua no espaço do mesmo texto. Após dizer que
Sua “ Reply to George Matthews” , n. I , 7/ 1956, p. 13). As frases em questão furam , de fato,
pensava “ que o que se chama de violência nunca será necessá rio", ele imediatamente acres ¬
abandonadas poucas semanas depois pela liderança do partido ( Ver J. R. Campbell , discus¬
centa: “ a menos que, de fato, os reacionistas recusassem a decisão das umas e tentassem
.
são inicial do novo esboço dc O caminho britânico World News , 22/9/ 1956 ). Não houve eco
resolver a questão pelas armas” , antes dc concluir fracamcntc que ele estava “ bem certo de delas na segunda edição adotada em 1958.
que eles não tentariam" fazer isso “ pelo tempo que as coisas houvessem ido tão longe assim ” . 23 Introduzindo uma seleção de escritos pol í ticos de Morris ( The Political Writings of William
12 “ What is Our Present Business as Socialists?", Labour Prophet , III, n. 25, I / I 894. Thompson
Morris ) em 1973, A. L. Morton ainda podia dizer a seus leitores que “ seu autor era um pouco
teórico político" ( London, p. II ). Sintomaticamente, nenhum dos textos dc Morris discuti ¬
cita esse texto em uma seção sob a rubrica de “ Teoria madura” ( WM , p. 610 ). Em outro ponto
do mesmo artigo, a lembran ça de Morris da classe trabalhadora inglesa dos anos 1880 é de
dos acima está inclu ído nesse volume.
24 William Morris , edição de 1955, p. 502 .

226 227
25 .
MM, p. 719. Na cdiçáo revisada Ihotnpson escreve que ele retirou linhas como essas “ nâo .
51 MltWC p. 902.
porque eu me desculpe por elas cm 1955, inas porque elas nã o sâo relevantes cm 1976“ 52 Uma compilação desses ensaios está atualmcnte prometida para 1980, com o titulo dc Wri
¬

( p. 812 ) deixando aberta uma ambiguidade sobre se a lalta de rclcv & ncia delas se deve ting by Candlelight.
meramente ao lato de as referencias a Attlee serem datadas, ou, em vez disso, à> altera ções
53 Introduction to Review of Security and the State 1978, compilado por State Research Lon
. ¬
das condições sob Wilson e Callaghan. N âo há exemplos contemporâ neos do mesmo trata ¬
don, 1978, p. xiii.
mento de Morris no Partido Trabalhista atual?
26 William Morris, edição de 1955, p. 545.
.
54 Idem, pp. i, iii
55 Idem , pp. v, vi.
.
27 PT p. 71.
56 “ Quaisquer que sejam os agravamentos trazidos pela politica britânica e pela
presença
- .
28 “ Revolution” , NLR, n. 3, 5 6/ 1960, p 4.
militar britânica, a origem da enfermidade n âo será encontrada no ‘imperialismo britâ nico’
29 Idem, p. 7. contemporâ neo , mas em um conflito histórico dentro da pró pria Irlanda e dentro da classe
-
30 Idem , pp. 7 8. .
trabalhadora irlandesa” ( Introduction... p. xiii). Corretamente condenando o IRA Provi ¬
31 Idem, p. 8. sório, Thompson erroneamente comete aqui uma simplificadora petitio principii. A questão
32 Ihidem. óbvia, sobretudo para um historiador, é colocada por uma recombinação de seus termos:
33 Ibidem. A frase é um eco de Morris, com uma diferença significativa. O que Morris escreveu qual é a “ origem histórica” do “ conflito” dentro da Irlanda?
foi: "Nossa tarefa é ajudar a tomar as pessoas conscientes desse grande antagonismo entre .
57 “ The Secret State within the State", New Statesman, n 10, 11/1978.
o povo e o constitucionalismo", pois “ somos responsá veis pela enunciação de principies 58 Ibidem .
socialistas c pelas consequências que possam advir de sua aceitação generalizada, quaisquer 59 Introduction . , p. xvii.
que sejam . Dessa responsabilidade, nenhum socialista pode se esquivar por meio de decla ¬
rações contra a força física e a favor de métodos constitucionais de agitação; estamos ata ¬
60 .
“ On the New Issue of Postage Stamps” , New Society 8/ 11 /1979.
cando a Constituição com as origens mesmas, os meros balbucios do socialismo” . Signs of 61 “ Recovering the Libertarian Tradition", p. 21.
Change, pp. 53, 51. 62 A correção apropriada aos apelos reiterados de Thompson à Constituição Britânica, em seus
artigos recentes para a New Society (ver, especialmente, “ Trial by Jury” , com citação dc
-
34 “ Revolution Again", NLR, n. 6, 11 12/1960, p. 30.
Burke ), foi escrita por ele mesmo há uma década, refletindo sobre as lições da luta contra
35 PT. pp. 71 -72.
a vigilância secreta na Universidade de Warwick . Mutatis mutandis , seu argumento é emi ¬
36 May- Day Manifesto. London, 1968, p. 152.
nentemente aplicá vel à escala mais ampla na qual ele agora levanta as mesmas questões:
-
37 Idem , pp. 147 148. “ A lógica do conflito todo leva não apenas a uma posição defensiva (dc estabelecer salva¬
38 Sunday Times, 27/4/1975. guardas tradicionais para a ‘liberdade acadêmica' ), mas deve levar a uma reconstrução
.
39 PT p. i. positiva e de amplo alcance da autogestão da universidade e de suas relações com a comu ¬
40 “ On the Twenty -Second Congress of the French Communist Party” , NLR , n. 104, 7 8/1977, nidade. Nós forçamos as questões a um ponto no qual temos que demandar uma Constitui¬
p. 14.
- ção mais democrática do que qualquer universidade existente possui, ou nada - e talvez
41 "Recovering the Libertarian Tradition". The Leveller , n. 22. Thompson observa que ele não algo muito pior que nada - terá sido conquistado". Warwick University Limited, p. 159.
está mais certo de que “ a revolução cl ássica é uma coisa tão boa ” . 63 “ Interview with E. P. Thompson ” , p. 17.
42 WH , p. 265.
43 Idem , p. 266.
44 Para uma explicação do Yasa, ver: Cieorge Vernadsky. The Mongols and Russia. New Haven,
-
1953, pp. 99 110.
45 WH, p. 266. Essa especificação contrasta, por sua vez, com a de Douglas Hay, cujos três
critérios para o “ Estado de direito” são: delitos fixos, determinação clara da evidência e
juizes honestos e bem formados ( Albion i Fatal Tree, p. 23). Hay é, em geral, menos preso
ao papel dos jú ris que Thompson. Os diferentes usos da expressão são um ind ício dessa
indcterminaçâo maleável. Thompson mostra mais consciência de seus significados variáveis
e usos autoritários em escritos mais recentes, sem deixar de apelar a ela como um ideal
normativo ( ver: “ Trial by Jury". New Society, 29/11 /1979).
.
46 WH p. 264 .
47 Ibidem.
48 Idem , p. 269.
49 Ibidem.
50 William Morris , edição de 1955, p. 45.

228 229
BIBLIOGRAFIA

Abaixo está uma lista de escritos selecionados de Edward Thompson ,


dispostos em alguma ordem para a exploração pelos leitores que possam ser
relativamente novos no conhecimento do conjunto de sua obra. A lista não
é, de forma alguma , exaustiva, excluindo - entre outros - todos os artigos
de jornal , editoriais não assinados ou outros materiais em revistas. As cate ¬
gorias nas quais os textos estão divididos são, inevitavelmente, arbitrá rias e,
até certo ponto, sobrepostas. “ Ensaios” pol í ticos estão diferenciados de “ Ar¬
tigos” , por exemplo, mais por uma questão de extensão do que de impor¬
tância. Os nove últimos itens incluídos nessa última rubrica serão, de fato,
compilados e publicados em livro - Writing by Candlelight - no começo de
1980. Um volume dos ensaios pol í ticos mais longos foi também prometido
pela Merlin Press, com o t í tulo Reasoning. Um volume dos ensaios históricos
sobre a Inglaterra do século XVIII será publicado no devido tempo como
Customs in Common .* Dois textos de especial interesse, n ão inclu ídos no
levantamento das obras de Thompson acima, são “ Disenchantment or De¬
fault?” , que discute o padrão e a significâ ncia das respostas de Wordsworth
e Coleridge às mudanças sociais e pol í ticas nos anos de 1790 e depois, e -
em chave relacionada - o recente “ Comentário” no simpósio Stand sobre

* Publ içado no Brasi1 como Costumes em comum: Estudos sobre cultura popular tradicional.
Sâo Paulo, Companhia das Letras, 1998. (N. da T.)

231
¥ 1
“ Valores comuns", que também traça paralelos
entre a ú ltima década do s »' Brochuras
culo XVIII e o presente. Finalmcntc, a limitação de espaç o impediu nqiti
qualquer alusão à s resenhas históricas das quais Thompson é um grande The Fascist Threat to Britain 1947.
mestre. Algumas delas estão listadas ao final . Muito se deve ansiar para que The Fight for a Free Press 1952.
elas. que incluem alguns escritos maravilhosos, sejam um dia també m com The Communism of William Morris - 1965.
piladas. As dificuldades cr
í ticas da ordem que elas impõem a autoridades tais
como Stone, Thomas ou Lévi -Strauss ( “ Rough Music” ) devem tomar reco >so
qualquer crí tico do próprio trabalho de Thompson . Ensaios politicos
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-
Family and Inheritance: Rural Society in Western Europe 1200 1800****
— 1976. .
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“ Winter Wheat in Omsk ” . World News, 30 June, 1956.
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* N ão assinado, mas de atribuição inequí voca.
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-
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** Não assinado, mas de atribuição inequí voca.

234 235
Í N D I C E*

A -
Bahro, Rudolf, 134, 151, 193 194
Abensour, Miguel, 179, 181 Balibar, Etienne, 80-82, 140
Adorno, Theodor, 192 193- Baluka, Edward , 151
Aglietla, Michel , 141 Barnett, Anthony, 150
Alguns pensamentos dispersos sobre o Barrington Moore, J ., 70 ( n . 47)
presente estado de coisas (Swift ), 110 Baudelot, Christian, 141
Allende, Salvador, 128, 225 Bellamy, Edward, 189, 194
Alternativa: Para uma critica do so¬ Benjamin, Walter, 144
cialismo real, A ( Bahro), 193 Bcnn, Anthony Wedgwood, 59
- - -
Althusser, Louis, 10 11, 17 19, 23 26, 31, Bernstein, Eduard, 111
- . . -
33 35, 39-40, 61 , 68-69 76 78 85, 87- Blackburn , Robin, 154
- -
-94, 120 131, 135, 140- 141 , 142 144, Blake, William , 189
164, 213, 216 Bois, Guy, 81, 141
-
Anti Duhring ( Engels ), 77 Bolivia, 127
-
Anti Édipo, O ( Deleuze-Guattari ), 181 Braudel , Fernand , 89-91
Arena , 163 Brecht, Bertolt, 22, 111
Attlee, Clement, 119, 209 Brejnev, Leonid, 135
Buckle, Henry 78.
B Bunyan, John, 45
Bach, Johann Sebastian, 90 Burke, Edmund, 48

* O nome de E. P. Thompson foi omitido deste í ndice.

237
c Considerações sobre o Marxismo Oci ¬ - -
Engels, Friedrich, 30 31 , 60-62 , 64 65, .
Gramsci , Antonio, 26 118, 144, 164, 225
Camboja, 136 dental ( Anderson ), 131 , 175 ( n. 36 ) - -
67, 69, 76 78, 97, 99 101, 111 , 180, 183- -
Grundrisse ( Marx ), 27 ( n . 19 ), 75 80, 84,
Cominho britânico para o socialismo, Coreia do Norte, 136 -184, 186- 190, 198, 201 , 206, 225 144, 167, 189
-
162 , 206 209 Cortez, Heman, 33 .
Era da revolução democrática A ( Pal ¬ Grupo de Patrulhaincnto Especial { Spe¬
Campanha de Solidariedade ao Vietnã, Costumes em comum: Estudos sobre cul ¬ mer ), 48 cial Patrol Group ), 223
169 tura popular tradicional ( Thompson ) . Eros e civilização ( Marcuse ), 192-193 Guerra da Coreia, 162
Campanha pelo Desarmamento Nuclear 13 Escola Capitalista na França, A ( Bau - Guerra fria, 165, 221
( CND, Campaign for Nuclear Disar¬ Crianças selvagens , As ( Malson ), 131 delot e Establet ), 141
-
mament ), 154 155, 163, 165, 169 Crise do feudalismo, A ( Bois ), 141 Escola de Frankfurt, 144, 164, 193 H
- -
Capital , O ( Marx ), 36, 75, 77 78, 82 84, Critica da razão dialética (Sartre ), 62 64- . Establet, Roger, 141 -
Hall, Stuart, 153 155
99 72 (n. 68), 131 Estado, o poder, o socialismo, O ( Pou- Haraszti, Miklos, 151
Carr, Edward Hallett, 24, 135 Critica do eurocomunismo ( Mandei ), lantzas), 216 Hardie, Kier, 111
Cartas de Paston, 32 131, 215 Estrutura da ação social , A ( Parsons), 62 Hay, Douglas, 86, 104, 228 ( n. 45 )
Cartismo, 55 57 - Cultura e sociedade ( Williams ), 177 Eurocomunismo, 213, 215 Hegel, G . W. F„ 18, 65, 189
Castlereagh, Robert Stewart, visconde, Experience and its Modes ( Oakeshott ), 7 Hexter, J . H., 20
108 D ( n. 29) Hindess, Barry, 19, 141 , 216
( audwell, Christopher, 225
favour, Camillo Bcnso, 37, 107
Darwin, Charles, 75 76, 95 - Hirst, Paul, 19, 141, 216
Davies, R . W., 135 F História da Revolução Russa ( Trotsky ),
(V qui ne peut plus durer dans le Parti Debray, R égis, 127, 140 Fascismo e ditadura ( Poulantzas), 141 93, 170
Communiste ( Althusser ), 128 Defesa de Guinevere , A ( Morris), 185 Fascismo, 117, 160, 170 History and Class Consciousness
Chadwick, Sir Edwin, 98, 102 Defoe, Daniel, 45, 111 Febvre, Lucien, 131 ( Luká cs ), 72 ( n . 68)
Ciência, classe e sociedade (Therbom ), Dekker, Thomas, 45 Fielding, Henry, 110 Hitler, Adolf, 37
141 Deleuze, Gilles, & Guattari , Fé lix, 181 Formação da classe operária inglesa, A Hobsbawm , Eric, 67, 129
Classe, crise e o Estado ( Wright ), 94 Deutschcr, Isaac, 132, 168, 171 -
( Thompson ), 13 14, 42-44, 67, 101, 112, Hodgson, Geoffrey, 216
Clastres, Pierre, 181
Cobbett, William, 56, 101
Deutscher, Tamara, 151 -
150, 155 156, 220 Hoggart, Richard, 177
Die Materialistische Geschicht - Foucault, Michel , 126 Hume, David, 18
Cohen, G. A., 51, 81.88, 124 sauffassung ( Kautsky ), 78 Fourier, Charles, 183, 187
.
Colletti Lucio, 18 .
Direitos do homem Os ( Paine ), 47 Frentes Populares, 118, 215
Colonialismo, neocolonianismo e a tran¬ -
Disputa sino soviética, 123, 125, 168 Fromm , Erich, 125 Ideologia alemã, A ( Marx ), 75, 77 78 -
sição para o capitalismo ( Rey ), 141
-
Doll é, Jean Paul , 181 Império mongol , 32, 217
Comintern ( Terceira Internacional ), 161 Dilhring, Eugen, 65, 77 G .
Independent Labour Party ( ILP) 47, 203
Comité de Defesa dos Trabalhadores Po¬ .
Garaudy, Roger 123 125 - Injustice ( Barrington Moore), 70 ( n . 47 )
loneses, 127 E Gay, John, 109, 112 IRA Provisório, 229 ( n. 56)
Comité de Solidariedade cubano, 169 Eagleton, Terry, 150 George III , 103 Irlanda, 41
Comité de Solidariedade tcheco, 169 EEC, European Economic Community Gêngis Khan , 87 Ito, pr í ncipe Hirobumi, 37
Commonweal , 203 (Comunidade Econ ó mica Europeia ), Gide, Andre, 133
Communistes et la paix , Les ( Sartre ), 70 128, 173, 213 Glucksmann, André, 130 i
( n. 36), 72 ( n. 68) Ehrenpreis, Irvin, 115 ( n. 97 ), 116 ( n. 102 ) Golubovic, Zaga, 151 Justiça, 217
Comuna H ú ngara, 38, 118 Emmanuel, Arghiri, 131 Governo Conservador, 224

239
K
Kunl, Immanuel 18 .
Longue marche de la revolution La . M 15, 222 223- n
O aparecimento do livro , A ( Febvre ). 131
Karl Kautsky e a Revolução Socialista
( Mandel ), 70 ( n. 36 )
.
Miliband Ralph , ISO, 155
Looking backward ( Bellamy ), 189 Minima Moralia ( Adorno ), 192 193 - Oakcshott , Michael , 70 ( n . 29 ), 165
( Salvadori ), 216
Ludismo, 43 Miséria da filosofia , A ( Marx ), 75, 79 On Materialism (Timpanaro), 31
Kautsky, Karl, 78, 215
.
Lukács, Georg 37, 111, 118, 134, 144 Miséria da teoria, A ( Thompson ) 14- 15, . .
Origem da família A ( Engels) 77 .
Kiernan, Victor, 55 150 . Luxemburgo, Rosa, I I I , 118, 215, 225 - - .
17, 30 31, 36 42, 44 60, 66 67, 77, 81, - Origem das espécies , A ( Darwin ), 75
.
Kolakowski I .eszek, 35, 125-126, 150,
-
83, 87, 94- 103, 110 123, 128 129, 137, - Owen, Robert, 56, 183
152
.
Kossuth Louis, 102
M - -
139, 142 143, 149, 157 158, 167, 169, Owenismo, 43
Maquiavel, Nicolau, 37 171, 184, 191, 213
Khrushchev, Nikita, 122 MacIntyre, Alasdair, 125 Mommsen , Theodor, 78 P
Mackail, J. W„183 Mora! deles e a nossa , A (Trotsky), 111 . -
Paine Tom , 43, 47-48, 56 57, 219 220 -
L Maitan , Livio, 135 Morin, Edgar, 134 Palmer, R . R ., 48
I abrousse, Ernest , 88-91
I aduric, Emmanuel Leroy. 32
Malson, Lucien, 131 Morris, William, 29, 33, 77, 101, 143, 163 - Parsons, Talcott, 62 65 -
-
Mandel , Ernest, 70 ( n . 36 ), 131, 171 172, - -
164, 178 206, 208-209, 225 226 - Partido Bolchevique, 63, 129
.
Lakatos Imre, 19, 23 216 Morrison, Herbert, 47 Partido Comunista Chin ês, 126, 132
I ansbury, George, 59
I aud, William, arcebispo, 104
Manifesto Comunista , O ( Marx ), 75, 77, Movimentos de Resist ê ncia, 120, 160- Partido Comunista da Grã Bretanha -
100 -
161, 171 - -
( PCGB ), 122 123, 129, 162 163, 206 -
Lawton, Richard , 70, 71 ( n. 48) -
l .eavis, Frank Raymond 110 .
Manifesto de Primeiro de Maio ( May
-Day Manifesto ), 212 213
- Mussolini, Benito, 37 207, 211

Lee Kuan Yew, 138


- Partido Comunista da Uni ã o Sovi é tica
-
Manuscritos económico filosóficos de N -
( PCUS ), 122 123, 127, 131, 137
l .cfort, Claude 181 . 1844 ( Marx ), 75, 78 Nairn, Tom, 55, 57, 58, 149, 150, 154, Partido Comunista Francês ( PCF ), 122,
Lenin and Philosophy ( Althusser ), 73 MaoTsé-Tung, 119 124-125, 127-131, 134, 138, 213
( n . 99 )
-
158 159, 173
Marcuse, Herbert, 192 Namier, Lewis, 108 Partido Comunista Italiano ( PCI ), 127,

141
. .
l .cnin os camponeses Taylor ( Linhart ), Marlborough. John Churchill, duque de, Nashe, Thomas, 45 129, 130
108 New Left Books, 130-131 Partido Socialista, Fran ça ( PS ), 127
.
Lenin, V. 1. 24, 83, 93, 111 , 118, 123 124,
- -
Marx, Karl, 22 23, 26, 35-36, 54, 64-65, New Left Clubs, 154 Partido Trabalhista , 123, 128, 138, 154 -
164, 186, 199, 215
- -
69, 75 83, 96-97, 99 100, 111 - 112, 164, -
New Left Review , 14 15, 31, 130, 149-156, -
155, 169, 203, 209, 222 223 -
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, , -
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SPD ( Sozialdemokratische Partei
Deutschlands [Partido Socialdemocrata
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Rothstein, Andrew, 133, 147 (n. 46), 168, Stalin, Joseph, 63, 120, 122
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St. John, Henry ( lo visconde Boling
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S
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-
Sartre, Jean- Paul, 62 64, 70 ( n. 36), 72
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Saville, John, 125, 150 Talleyrand, Charles de, 107
SDF (Social Democratic Federation [Fe¬ Terceira Internacional (Comintern ), 41 ,
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118, 120, 161, 170 171, 206, 215, 226
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