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Coleção Khronos

Dirigida por J. Guinsburg

Robert Paris

As Origens do Fascismo

NI

ASS
EDITORA PERSPECTIVA
Equipe de realização — Tradução: Elisabete Perez; Revisão: Mary
Amazonas Leite de Barros; Produção: Ricardo W. Neves e Sylvia
Chamis.
IS
q
Título do original francês SUMÁRIO
Les Origines du Fascisme

& FLAMMARION, 1972, Paris

CRONOLOGIA eme rmrerecro


.....cccceeeeerrrmeme
OS FATOS ........cccretets 15
PRIMEIRA PARTE:
1. As condições específicas do desenvolvimento
italiano ....ccseseesecccerecaroo 16
econômico
2. Nacionalismo e expansionismo: A Associação
Italiana ..ccceccsetcsececeeeers 26
Nacionalista
revolucionário .......ceeeeo 35
3. O sindicalismo
4. As origens literárias e o Partido Político
enero
..c.ccccccccreccccerrrrere
42
Futurista
.....cceseccereeterees 52
5. Guerra e pós-guerra
dos fasci italiani di combattimento 62
6. A fundação
da guinada: Revolução ou reação 70
7. 1920, o ano
O Partido Nacional Fascista e a “marcha sobre
8.
Roma” cic erro ra ste ado
rememes s
Reimpressão da 1.º Edição
SEGUNDA PARTE: ELEMENTOS DO DOSSIÊ E
SITUAÇÃO DO PROBLEMA ......... cce
retee
....cccecereneanerereece r
Documentos
tere
Direitos em língua portuguesa reservados à Julgamentos dos contemporâneos ........ci
..... ....+
EDITORA PERSPECTIVA S.A. Problemas e querelas de interpretação
Avenida Brigadeiro Luís Antonio, 3025 Bibliografia ...ccceesereereescerererceneroo
01401 - São Paulo - SP - Brasil
Telefones: 885-8388/885-6878
1993
CRONOLOGIA

FATOS OCORRIDOS NA ITÁLIA

20 set. 1918 Publicação de Roma futurista € do


Manifesto do Partido Político Fu-
turista.

3 novembro Vitória de Vittorio Veneto.


4 novembro Armistício austro-italiano.

22 dezembro Publicação de Il Soviet (Bordiga).


Primeiro Congresso de L”Unione
5-6 janeiro 1919
Italiana del Lavoro.
18 janeiro Fundação do Partido Popular Ita-
liano.
Janeiro 1919 Congresso da C.G.L.
18 março A Direção do P.S.I. adere à Tercei-
ra Internacional.
Fundação dos Fasci di combatti-
23 março
E
mento.

15 abril Incêndio de V Avanti!


Fundação da Unione Socialista
13-15 maio
Italiana.
6 junho Publicação do Manifesto dos Fasci.

7 junho Publicação de L'Ordine Nuovo


(Tasca, Gramsci).
14 junho Congresso do Partido Popular Ita-
liano: 55 895 adesões.
20-21 julho Greve geral contra a intervenção
na Rússia.
Polêmica da Stampa sobre Capo-
Julho-agosto
retto.
12 setembro Ocupação de Fiume.
FORA DA ITALIA FATOS OCORRIDOS NA ITÁLIA

11 nov. 1918 Armistício franco-alemão. 5 outubro XVI Congresso do P.S.I. que con-
a adesão à Terceira Inter-
“Eleições cáqui” na Grã-Bretanha. firma
14 dezembro
á nacional.
Janeiro 1919 “Semana sangrenta” de Buenos 9-10 outubro Congresso fascista de Florença.
Aires. Eleições.
15 novembro
15 janeiro Assassinato de Rosa Luxemburgo e
Karl Liebknecht. 17 novembro Bomba fascista em Milão.

19 fevereiro Atentado contra Clemenceau. 20-23 dezembro III Congresso de "Unione Sindaca-
le Italiana em Parma.
2-7 março Primeiro Congresso da Internacio-
nal Comunista. 21 dezembro Governo Nitti.
21 março Bela Kun no poder. Reunião nacional dos industriais
7 março 1920
10 abril Assassinato de Zapata. em Milão.
11 abril O Congresso de Versalhes adota a 28 mar. - 24 abr. “Greve das agulhas”.
Carta Internacional do Trabalho. Discurso da expiação do reformista
30 março
16 abril Motim dos marinheiros franceses Claudio Treves.
no Mar Negro. em
8-12 abril Congresso do Partido Popular
20-22 abril Congresso Socialista de Paris. Nápoles.
do “Movimento de o suce-
4 maio China: Início
9 janeiro Demissão de Nitti. Giolitti
4 de maio”. de (o II).
28 junho Assinatura do Tratado de Versa-
26 janeiro Sublevação de Ancona.
lhes.
3 agosto Evacuação da Albânia.
Julho Alguns membros da A.F.L.
(E.U.A.) pedem restrições para 18 agosto Fundação da Confagricoltura.
a imigração. 28 ago. - 27 set. Ocupação das fábricas.
19 julho Mao Tsé-Tung organiza movimen- D'Annunzio publica os Estatutos
30 agosto
tos estudantis. de Quarnero.
5 agosto “Kemal revolta-se contra O Sultão. 21 setembro O Avanti! publica as “21 condi-
Tratado de Trianon. ções” para a admissão na Interna-
19 setembro
cional Comunista.
14 novembro Entrada de Horthy em Budapeste.
12 novembro Tratado ítalo-iugoslavo de Rapallo.
16 novembro Eleições francesas: Câmara Bleu Accursio de
21 novembro Ataque do Palazzo
Horizon.
Bolonha.
27 novembro Tratado de Neuilly.
20 dezembro Expedição fascista a Ferrara.
Sorel publica Matériaux pour une
théorie du prolétariat. 24-26 dezembro “Natal de Fiume”.
FATOS OCORRIDOS NA ITÁLIA
FORA DA ITALIA

Deschanel, Presidente da Repú- 15-21 jan. 1921 Congresso de Livorno do Partido


17 janeiro 1920 Fundação do
blica. Socialista Italiano.
Partido Comu nist a da Itália.
20 janeiro Ministério Millerand.
Fevereiro Congresso de Livorno da C.G.L.
fevereiro Congresso socialista em Estras-
25-29
burgo. 25 fevereiro Fundação em San-Bartolomeo-in-
Bosco do primeiro sindicato fas-
12-25 março Na Alemanha: golpe armado de
cista.
Liittwitz-Kapp. anarquista no teatro
23 março Atentado
18-26 abril Conferência de San Remo. Diana de Milão.
Kemal, Presidente da Grande As- Eleições. Trinta e cinco deputa-
29 abril 15 maio
sembléia Nacional Turca. dos fascistas.
Tratado de Trianon. 21 junho Primeiro discurso de Mussolini na
4 junho Câmara.
Julho O exército francês em Damas.
Demissão de Giolitti.
21 jul. - 6 ago. JI Congresso da Internacional Co- 23 junho
munista. 4 julho Governo Bonomi.
Na Alemanha, criação do Primeira manifestação em Roma
7-8 agosto 6 julho
N.S.D.A.P. dos Arditi del popolo.
10 agosto Tratado de Sêvres. 21 julho Tiroteio de Sarzana.
socia-
15 agosto O Exército Vermelho diante de
2 agosto Pacto de pacificação entre Os
Varsóvia. listas e os fascistas.
de Baku dos Povos do Congresso de Milão do Partido
1.º-5 setembro Congresso 10-15 outubro
Oriente. Socialista.
io.
24 setembro Millerand sucede a Deschanel. 7-10 novembro Congresso de Roma do Fasc
Nac ion al
Congresso Comu- Constituição do Partido
12-17 outubro Na Alemanha:
nista de Halle.
Fascista.

Novembro Harding, Presidente dos Estados 15 novembro Os fascistas denunciam o “pacto


Unidos. de pacificação”.
5 dezembro Na Grécia: plebiscito que decide 29 dezembro O Banco de Desconto suspende
a volta de Constantino. seus pagamentos.

25-30 dezembro Congresso de Tours: nascimento 17-22 jan. 1922 Conselho Nacional do Partido So-
do Partido Comunista Francês. cialista.

24-25 janeiro Formação, em Bolonha, da Confe-


Keynes publica Les conséquences
économiques de la paix; Lênin, Le deração Nacional das Corporações
Gauchisme; Trótsky, Terrorrisme Sindicais, que publica IH lavoro
et Communisme. d'Italia.

“1
10
FATOS OCORRIDOS NA ITÁLIA
FORA DA ITÁLIA
25 janeiro Fundação da revista Gerarchia.
16 janeiro 1921 Ministério Briand.
2 fevereiro O rei recusa a demissão de Bonomi.
24-29 janeiro Conferência de Paris.
é
6 fevereiro Achille Ratti, cardeal de Milão,
27 fev. - 3 mar. Conferência de Londres.
eleito papa sob o nome de Pio XI.
2-17 março Sublevação de Cronstadt.
18 fevereiro Queda do governo Bonomi, Facta
12 março Tratado de Riga. sucede-o em 25.
16 março Tratado Comercial anglo-soviético;
20 fevereiro Formação da Aliança do Trabalho.
Tratado russo-turco.
20-24 março Congresso de Roma do Partido
18 março Tratado de paz entre a Polônia e a Comunista da Itália.
Rússia .
“ação de março”. 1.º maio Há oficialmente quatrocentos e dez
Na Alemanha,
18-28 março mil desempregados na Itália.
britânicos.
Os fascistas preparam os aconte-
Abril-junho Greve dos mineiros

16 maio Reatamento das relações diplomá- cimentos.


ticas entre a França e o Vaticano.
12 maio Balbo ocupa Ferrara.
22 jun. - 12 jul. III Congresso da Internacional Co- da
23-24 maio Congresso dos Trabalhadores
munista.
Terra.
21 julho Abd el-Krim derrota os espanhóis Balbo ocupa Rovigo, depois Bo-
29-30 maio
em Anual. lonha.
29 julho Hitler é eleito presidente do Mussolini convida seus hierarcas à
2 junho
N.S.D.A.P. moderação.
25 agosto Paz germano-americana, em sepa- Os fascistas tomam e saqueiam
13 julho
rado. Cremona.
20 outubro Paz de Angora. 26 julho Os fascistas ocupam Rimini.
29 outubro Conferência de Washington. 1.º agosto Greve legalitária.
Anatole France, Prêmio Nobel de em Roma do Partido
10 novembro 1.º-4 outubro Congresso
Literatura. Socialista.
constitutivo do Partido
26-31 dezembro Congresso de Marselha do P.C.F. 8 outubro Congresso
(S.F.LC.) Liberal.
dus-
5-12 jan. 1922 Conferência de Cannes. 17 outubro Congresso Nacional da Confin
Na França, cisão da C.G.T. tria.
14 janeiro
15 janeiro Governo Poincaré. 24 outubro Congresso de Nápoles do Partido
Nacional Fascista.
6 fevereiro Acordo Naval de Washington.
13
12
FATOS OCORRIDOS NA ITÁLIA PRIMEIRA PARTE:
26 outubro Ultimatum de Mussolini.
OS FATOS
27 outubro Queda do governo Facta.
28 outubro O rei recusa assinar o decreto so-
bre o estado de sítio.
29 outubro Início da “marcha sobre Roma”.

FORA DA ITÁLIA

15 fevereiro Abertura da Corte Internacional de


Haia.
2-5 abril Conferência sobre as Três Interna-
cionais.
3 abril Stálin, secretário-geral do Partido
Comunista da Rússia.
10 abr. - 19 maio Conferência de Gênova.
16 abril Rapallo.
16 jun. - 20 jul. Conferência de Haia.
24 junho Assassinato de Rathenau.
5 julho No Brasil, primeira revolta tenen-
tista.
Julho Primeiro Congresso do Partido Co-
munista da China.
26 ago. - 8 set. Vitórias turcas sobre os gregos.
11 outubro Armistício greco-turco.
Reconstituição da Ku Klux Klan.
15 outubro Na Inglaterra, vitória eleitoral dos
conservadores.
19 outubro Demissão de Lloyd George.
23 outubro Governo Bonar Law.
4 nov. - 15 dez. IV Congresso da Internacional Co-
munista.
30 dezembro Fundação da U.R.S.S.

14
aliás já desen-
CAPÍTULO | e o campesinato pobre do Sul: posição como Salve-
volvida por um “reformista conseque nte”
mini.
o demons-
Isto significava esquecer, como depois alismo,
Romeo (Risorgi ment o e capit
As Condições Específicas trou Rosario agrária
essa ausência de revolução
Bari, 1959), que
do Desenvolvimento Econômico Italiano importante, da
foi uma das chaves, talvez a mais
al, como assi-
acumulação do capital na Itália. O capit des-
Luxemburgo, se acumula e reproduz
nala Rosa
— neste caso:
truindo os modos de produção arcaicos, pequena pro-
da
a economia agrícola. A presença te constituído
pric dade rural na Itáli a teria cert amen
ão e a essa trans -
um sério obstáculo a essa acumulaç
ao contrário, com
formação. A grande propriedade, receu-a
”, favo
suas relações de produção “semifeudais
inegavelmente. O elemento decisivo desse processo
pública dos bens do
foi, indubitavelmente, à venda
Itália do Sul após
clero — 700 000 hectares — na
ade se solidificava,
1866. Enquanto a grande propried ente indús-
nasc
o capital que poderia ser investido na de terras.
na era dest inad o à comp ra
tria napolita
Gramsci,
| Sejam quais forem os conceitos empregados: A “aliança” que Salvemini e, depois dele,
os indus triai s do Nort e e os
ausência ou atraso da revolução burguesa, ausência de julgavam descobrir entre
verdade apenas
revolução agrária ou de Reforma e, portanto, de ética proprietários de terras do Sul era na
misti ficada, de uma
protestante que encontrasse sua sanção na poupança, o a expressão política, parcialmente de uma
e, em suma,
processo de acumulação do capital italiano foi extre- relação estrutural mais profunda
propriedade meri-
mamente penoso. “Revolução conservadora”, o Ri- estrutura unitária na qual a grande
mome nto — indis-
sorgimento realizou-se essencialmente sob a dupla pro- dional constituía tão-somente um
do capital. Para
teção, ou protetorado do capital francês e britânico. pensável — do desenvolvimento de
de “conquista”,
Foi, em grande parte, como agente desse capital expressar essa relação, Os conceitos efetiva-
” eram
estrangeiro que a pequena Piemonte, entorpecida pela “pilhagem” ou mesmo de “colonização
imperialismo.
Sardenha desde 1847, empreendeu a conquista e a co- mente menos adequados que o de
Mundial,
lonização do resto da Itália: conquista do Sul pelo Contudo, na época da Primeira Guerra
zar essa trans-
Norte, dos campos pelas cidades. o capitalismo italiano não chegara a reali
ter acompa-
Alguns, como Gramsci, insistiram, a respeito formação do setor agrário que deveria
Aí estaria um dos
sobre a ausência de revolução agrária e, portanto, nhado o desenvolvimento do capital. ações
ra: ocup
sobre o caráter dualista da sociedade italiana: um Sul elementos principais da crise do pós-guer
surg imen to de um par-
agrário e pobre, sujeito à pilhagem de um Norte indus- de terras e, no plano político, am sido
imo do que havi
trial e conquistador. Daí por que, para Gramsci, a tido camponês, bastante próx o Partido
para os problemas italianos re- Socialistas Revolucionários na Rússia,
solução revolucionária os
sidiria na aliança do proletariado industrial do Norte Popular.
17
16
O período do câmbio-livre
ficiada pela epidemia de filoxera que grassava na
Essa tarefa de destruição França, o capital começou a voltar-se para a indústria
e de transformação
da
agricultura fora contudo empree e, fato importante, parte dos trabalhadores do setor
ndi
primeiros anos da Itália unificad da durante os vinte rural passou a procurar emprego nas fábricas. A
a. O livre-cambismo
da classe dirigente italiana, a com abolição da cotação obrigatória, em 1883, favoreceu,
eçar por Cavour, fa-
vorecendo a penetração do capi além disso, o afluxo do capital estrangeiro.
tal francês e britânico, A trans-
contribuiu para se fazer formação do sistema fiscal, levando
tabula rasa das estruturas em conta a nova
industriais obsoletas do Sul e relação de forças que se estabeleciam, demonstrou que
para fixar os termos, em
escala nacional, da “divisão eram o comércio e a indústria que forneciam daí em
do trabalho”. Esse livre-
cambismo favoreceu efetivame diante as principais contribuições.
nte o desenvolvimento
da agricultura italiana: o índice
da produção agrícola O equilíbrio financeiro continuou contudo precá-
(1938 = 100) deveria passar
de 44,3 em 1851 à 65,9 rio e foi necessário recorrer a empréstimos e a emis-
em 1880, enq uanto as exportações agrícolas não
vam de aumentar. cessa- sões de títulos no exterior: mais de 600 milhões, se-
A renda fundiária acompanhava pundo Morandi. O ponto fraco continuava a ser as
essa progressão. Era, todavia, uma
lação forçada: salários e con
forma de acumu- fontes de capitais. Ainda nessa época a agiotagem,
sumo dos trabalhadores sobretudo nas regiões do Sul, continuava a render mais
agrícolas permaneceram estacionário
s durante esse pe- que os investimentos. Industriais e produtores de ce
ríodo.
reais conseguiram impor uma reforma alfandegária
O sistema fiscal, o mais pesado (1887) que, acentuando alguns dos desequilíbrios e das
da Europa segun-
do alguns, drenava uma boa dificuldades existentes, favoreceu a expansão
parte desses rendimentos da indús-
agrícolas para investilos em empreendimentos tria, em particular da indústria metalúrgica, mecânica e
cos como as rodovias e ferrovia públi-
s, infra-estruturas indis- química.
pensáveis ao desenvolvimento do capital
industrial. . A política protecionista, que assegurava aos indus-
Como a maior contribuição
era feita pelos rendimen- triais o controle
tos agrícolas, essa política fisca do mercado interior, encorajou os
l encorajava-os a inves- organismos de crédito
tirem, ainda timidamente, na a investirem. Já, em 1874, o
indústria nascente, Esta Hanca Nazionale investira em Ansaldo. A criação das
permaneceu, no entanto, limitada
ao setor têxtil, seda mpresas Franco Tosi, especializadas na produção de
e algodão, não se cogitando aind
a em constituir uma enldeiras (1882), e a Breda, produtora de locomotivas
indústria pesada. Como única exce
mecânica começou à se desenvolver ção, a indústria (1886), lançou as bases da indústria mecânica. Mas
ao redor de Nápo- O fato mais importante foi, em 1884, a fundação dos
les e na Ligú ria, especialmente com os estabele
Ansaldo, cimentos Altos-Fornos da Terni, mantida pelo Banca Generale
de Gênova, fundados em 1847
se deveria falar cada vez mais. e dos quais é pelo Credito Mobiliare e encorajada, secretamente,
O essencial do capital por subvenções do Estado. De um capital de 3 milhões,
permaneceu, porém, ligado ao comércio.
4 Terni em breve passava a um capital de 16 milhões
6 O equivalente em obrigações. A Itália encontrava-se
Protecionismo e grande indústria ussim em condições de produzir aço: de 4000 tone-
laudas em 1885, a produção nacional de aço passava a
A crise de 1874, que repercut 24 000 em 1886, e a 158000 em 1889. O conjunto
tardiamente, determinou uma qued iu na Itália mais das atividades industriais continuava todavia a ser do-
a
colas. Enquanto a produção agrí dos preços agrí- minado pela indústria têxtil: seda e algodão.
cola se orientava
para novas culturas, principalmente, A política protecionista, como já dissemos, acen-
a do vinho bene-
tuou alguns desequilíbrios. Esforçando-se em reduzir
18

19
de fascismo antecipado.
as importações de trigo, favorecia evidentemente as um regime forte, uma espécie
temente ainda bastante
regiões — Norte e Centro — produtoras de cereais, Mas o capital não era eviden e derrotar a iniciativa po-
mas bloqueava o desenvolvimento da agricultura meri- poderoso para impor sua lei ainda de
E o movimento operário, consciente
dional. Retardatário quanto à produção de cereais, o pular.
te ao perigo de apoiar
Sul viu-se ao mesmo tempo privado da possibilidade sua fraqueza, contentou-se fren Engels o aconselhava
de exportar suas outras produções agrícolas para seus a burguesia democrata, como
mercados “naturais”, a França por exemplo, e forçado aliás a Turati.
eiros sinais de
a comprar os produtos da indústria italiana, infinita- De fato, a partir de 1896 os prim
caros que os dos países industriais mais festar-se na indústria.
mente mais progresso começaram à mani
Foi o nascimento efetivo da “questão me- Cafagna, passou, desde
avançados. Esta, como o notou Luciano que,
direto do Haute Ban
ridional”. então, a contar com O apoio
se aos efeitos do prote-
A crise que germinava desde 1887 explodiu por que veio evidentemente somar- , a expansão,
ocasião da crise financeira mundial dos anos 1890. cionismo. Com exceção da crise de 1907
guer ra colo nial de 1911, de-
Já a criação do Partido Socialista no Congresso de Gê- em nada diminuída pela
era da Grande Guerra.
nova de 1892, depois, em 1893-1894, o movimento veria prolongar-se até a vésp a renda nacional passou
dos Fasci sicilianos, consequências ambos desse pro- De 61 423 milhões em 1895,
fizeram com que A produção de instrumen-
cesso de industrialização forçada, a 92 340 milhões em 1913.
ava 28% da produção
novos elementos interviessem na dinâmica social: ainda tos de produção, que represent % em 1913. Nascia
à 471
que moderadamente, a concentração industrial e a pro- industrial em 1895, passou
dução de mais-valia iriam doravante se chocar contra o grande capital ital iano .
a resistência do proletariado das fábricas e do cam- A constituição do Banca Commercia
le Italiana por
pesinato pobre. Contemporâneo do escândalo de Pa- , desde 1894,a
acarretou em um grupo industrial alemão indicara nto industrial
vime
tendência dominante do desenvol
namá, a quebra do Banca Romana, que
o ário e do capital
1893 a queda do primeiro governo Giolitti, marcou desse período: a fusã o do capi tal banc
fim de uma época. Uma nova prova da extrema fra- imediata do capi tal finan-
industrial, isto é, a aparição
gilidade do capital italiano foi, aliás, dada no ano se- — particularmente visível
ceiro descrito por Hilferding
guinte com a crise de Aduá. no domínio da siderurgia. A produção anual de ferro
000 toneladas em 1900
e de aço passaria assim de 300
1913; a energia empre-
a um milhão de toneladas em
A “revolução industrial” HP em 1900, elevava-se
gada na siderurgia, de 35 000
mão-de-obra passava de
a 180000 HP em 1913; a em 1913.
A derrota colonial de Aduá, após o movimento lo a 35 000
o prelúdio da crise polí- 15 000 operários no início do sécu
dos Fasci sicilianos, foi pois e a um proces-
tica e social que marcou o fim do século XIX mas Essa expansão deu-se paralelament
Em 1902, a Soci etã Elba, criada
também a entrada da Itália no século XX. Prefigu- so de concentração. para explorar
sta belg a
ração do fascismo segundo alguns para: os quais em 1899 por um grupo capitali cont role da
para O
Pelloux, general e homem forte, devia surgir com Crispi as minas da ilha de Elba, passou através desta, para O
€,
entre os predecessores de Mussolini, a crise de 1898 “ocietà Siderurgica di Savona
— como vimos — em
foi antes de tudo um requestionamento das instituições controle da Terni, fundada o Banca Generale.
liberais tradicionais. Pois se Pelloux não se chocasse [884 pelo Credito Mobiliare e
à criação da Savona-Alba.
contra a oposição dos democratas e dos socialistas, um Chegamos assim em 1904
com à Societã Alti
pouco abusivamente responsabilizados pela sublevação No ano seguinte, esta fundia-se 1897, para dar nasci-
de Milão, em maio de 1898, a Itália teria conhecido Forni di Piombino, fundada em
21
20
milhões em 1912, para ele-
em 1906, elevou-se a 17
que hões no momento da entra-
mento à Ilva (Alti forni e acciaierie d'Italia),
de var-se novamente a 25 mil empresa empregava então
assim à controlar os centros industriais da da Itália na guerra. A
passou
A falência do Credito Mobi- ios que provinham em sua
Piombino e de Bagnoli. (1912) de 2 a 5 000 operár e de atividades artesanais
sferia, em seguida, as maioria da imigração rura
l
liare e do Banca Generale tran época, as indústrias algo-
do Banc a Commerciale, já em declínio. Na mes ma
ações da Terni ao poder intermédio arredores emp regavam ainda
da Ilva por doeiras de Turim e dos
de posse de boa parte das ações ios, à metalurgia e à
química,
Com O agra vamento da situação perto de 110 000 operár
de Savona-Elba. a crise financeira de que fosse a situação
financeira da siderurgia logo após rúrgicas italianas — 21000. Por mais “específica” se pro let aria-
demográfica des
1907, as principais empresas
side de Turim, a composição ria s ava nça das,
Ligure
Ferriere italiane e ões nas indúst
Elba, Piombino, Savona, do, “jovem” e sem tradiç ore s já obs ole tos,
constituir com a Ilva uma parado nos set
Metallurgica — tentaram numeroso e melhor pre elementos
71,7 milhões em 1900, a a ser um dos
sociedade de participação. De prefigurava já O que viri -guerra: por causa da ra-
side rúrg icas passava, na vés- importantes da crise do
pós
o capital das sociedades strial, as massas operár
indu
ias
pera da guerra, à 312 milhões. pidez da concentração pertenciam ainda,
ao fascismo
ribuiu eviden- que deveriam se opor
O peso dos trustes siderúrgicos cont strias mecâ- ira geração”.
das indú em sua maioria, à “prime
temente para frear o progresso da guerra, de res-
nicas, ainda incapaze s, às vésp eras
contudo,
ponder à demanda nacional. Também aí,
No limiar do imperialismo
do capital bancário e do capital
assistiu-se à fusão industrial e do
industrial. Assim a Breda de Milão,
fundada em Fusão quase imediata do capital do Estado em
edad e anônima e ão frequente
1886, constituiu-se, em 1900,
em soci capital bancário, intervenç
capi tal de 14 milhões. capi tal: tudo na realidade ocorrera
atingiu assim, em 1906, um favor do grande pa
o vimos à siderurgia, liana tivesse saltado a eta
Enquanto a Terni, ligada com como se a economia ita efetivamente, com à apro-
resa especializada na do capitalismo liberal. E, O capitalismo italiano pa-
criava em La Spezia uma emp a Ansaldo, contro- rra,
construção de peças de artilharia, ximação da Grande Gue A conquista
transformava-se por sua VEZ, ati ngi do a fase do imperialismo.
lada pelo grupo Perrone, so- rece ter à objeti vos coloniais
O capital das da Líbia obedece, assim,
menos
em 1903, em sociedade anônima. de 62 milhões em aco nte cido, por exemplo,
se a
m — o que poderia ter
ciedades mecânicas passou assi xando para 379, em a por vol
Tunísi ta de 188 0 —
ões em 1909 , bai Itália se estabelecesse na or-
ontrar um campo de exp
1900 a 415 milh
a contudo mais da mo- de enc
1913: crescimento que resultav que à necessidade
que de um pro- iano.
dernização das estruturas
financeiras tação para O capital ital
tou responder também
gresso real. Certamente a conquista ten social. Dizia-se que
a nova, a auto- a motivos de ordem pol
ítica e
O aparecimento de uma indústri nenhuma con- nqu agésimo aniversário da
Itália
existia O qui
mobilística, ramo em que não um verdadeiro boom. ela vinha cor oar
der também às exi gên cia s da
corrência, suscitou, ao cont rári o, unificada. Parecia respon com efeito, após incidentes
indústrias automobilís- emigração: no mesmo
ano,
De 1904 a 1907 o capital das ões, correspon- Arg ent ina fechou suas portas com-
à imi-
a 90 milh s, à
ticas na Itália passou de 8 ítalo-arg ent ino
no político, sat isf aze ndo
as de cons trução que empregavam gração italiana. No pla s, ela permitiu a Giolitti,
dendo a 70 empres Cerca da ali sta
aproximadamente 12 000 trabalhadores. pletamente aos nacion ento O
encontrava-se con tud o con cen tra do para instaurar nesse mom
metade do capital suficientemente hábil parte dos
resas automobilísticas. antir O apoio de uma
em Turim que contava vinte emp sufrágio universal, gar nários.
Entre estas, a FIAT mani
festou-se rapidamente com
o
socialistas e dos sindicalistas revolucio
capi tal que, de 9 mil hõe s
a mais importante, com um 23

22
Quando em 1878 a Inglaterra,
França aí se instalar, encorajar receando ver a levá-los a uma decisão.
a a Itália a estabelecer- Ameaçando o governo italia-
se na Tunísia, Cairoli “prude no de entregar, se necessário, a tutela dos interesses
ntemente” recusara: o do Banco à Austria e à Alemanha, Pacelli forçou Gio-
capital italiano não era man
ifestadamente suficiente- litti a se comprometer, um pouco a contragosto, com
mente forte para se compro
meter na empresa, nem | à conquista da Tripolitânia.
mesmo para perceber sua nece A Itália reproduzia
ssidade. Alguns anos ussim as preocupações dos outros imperialismos, vol-
depois, as derrotas de Dogali
(1887) e Aduá (1896) tados igualmente para o “homem doente” da Europa:
puseram fim aos sonhos de
expansão na Etiópia. a conquista da Líbia e depois, em 1912, a guerra dos
Participando, em 1900, da
expedição das potências Bálcãs, prefiguraram igualmente o desmembramento pe
contra a China, onde obteve
a magra concessão de Império turco que se seguiria à Grande Guerra.
Tsien-Tsin, comprando, O
na costa africana do Mar
melho, territórios que cons Ver- contrário das expedições africanas anteriores, a de Trí-
tituíam, em 1908, a Som
italiana, a Itália assistira tão-somente ália poli provocou na Itália um entusiasmo popular aula
mundo à partilha do lente apenas ao provocado, em 1935, pela guerra: da
entre os grandes imperialismo
s. Abissínia.
A conquista da Tripolitânia
1911, com o estímulo do
foi empreendida, em
Banco de Roma, que inte
— Como verifica E. Santarel rveio
li
avançado” das novas tendên — como “o ponto mais
cias expansionistas do ca-
pital italiano. Fundado em 1880 pelos
ceiros ligados meios finan-
ao Vaticano, o Banco de
tou inicialmente Roma enfren-
muitas dificuldades. Forçado,
1894, a reduzir seu capital em
de 6 para 2,5 milhões, teve
de, em 1898, reduzilo
a um milhão. A influência
do Credito Mobiliare, do Ban
ca Commerciale Italiana
e do Banca Generale sobr
e o Norte da Itália e mes
por intermédio do protecion mo,
ismo, sobre as zonas agrí-
colas do Mezzogiorno for
çou o Banco de Roma,
a presidência de Ernesto Pace sob
lli, a exportar seus capi-
tais para o Oriente mediterrâ
neo, Só no decorrer dos
anos 1905-1907, o Banco criou
assim filiais e socie-
dades comerciais no Egito,
Eritréia, Etiópia, Marrocos
e Tripolitânia. Em 1907 também o Banco, que con-
trolava, por outro lado, várias
para
linhas de Navegação
o Oriente-Próximo, criou uma
Commer- Societã
ciale d'Oriente que se propôs
— “pequena Companhia
das Índias Moderna”, nota E.
Santarelli — a assegurar
a penetração italiana nos
territórios do decadente
Império Otomano.
A jovem revolução turca
alguns obstáculos à Penetraçã de 1908, colocando
o do capital italiano, co-
meçou a alarmar os dirigent
es do Banco de Roma.
Os trâmites internacionais que
do protetorado francês no levariam à instauração
Marrocos acabaram por
24
25
CAPÍTULO Il assinalou, ao contrário, um fato nacional já realizado.
O “irredentismo”, contrariamente ao que se crê, não
foi próprio do nacionalismo. Este antes, sonhou
com outros objetivos. Desde seu nascimento foi impe-
rialismo. “Dentro de vinte anos toda a Itália será
Nacionalismo e Expansionismo: imperialista”, escrevia Corradini no final de um de
A Associação Nacionalista Italiana seus primeiros livros. O fascismo deveria realizar
esse sonho.

Corradini e “Il Regno”

Foi, aliás, o malogro do primeiro imperialismo


italiano, a cruel derrota das tropas italianas em Aduá,
a 19 de março de 1896, que deu origem à Associação
Nacionalista Italiana de 1910. Surpreendido pelo de-
sastre, — de seis a dez mil soldados massacrados, o go-
verno forçado a se demitir, a política de recuo que se
anunciava — um jovem intelectual vindo do sindica-
lismo revolucionário, Enrico Corradini, começou então
a agitar os sonhos de vingança. “Escritor e jornalista
brilhante”, como o definiu uma Enciclopédia publicada
sob o fascismo, Corradini sofreu então a influência do
Salvemini não estava enganado, ao notar, em suas nacionalismo francês, fruto, por sua vez, da derrota de
Leçons d'Harvard: “Se o fascismo apresenta uma dou- 70. Esse nacionalismo, mesclado a influências sore-
trina coerente, deve-o ao fato de que os fascis
tas re- lianas em Corradini, de Gobineau e de Maurras em
toma ram o conjunto da doutrina nacionalista”.
A Francesco Coppola, deveria contribuir, segundo os
entrada dos nacionalistas no Partido Nacional
Fascista termos de Gentile, para “reformar profundamente a
a 26 de fevereiro de 1923, e a fusão dos
“camisas mentalidade política” das “classes intelectuais” ita-
negras” e dos “camisas azuis”, fadados,
estes últimos lianas.
a desaparecer, nada mais fizeram, na verda
de, que
sancionar formalmente uma identidade objetiva, O teatro e os romances de Corradini contribuíram
a
nacional-fascismo” de que falava o historiado do para difundir esses temas. Enquanto Giulio Cesare,
r L
Salvatorelli num panfleto dessa época. Os nacionalis- drama em cinco atos (1902), exaltava o imperator e
tas trouxeram ao fascismo esse “corpo de a lenda da Roma Imperial, La Patria lontana (1910)
doutrina”
sem O qual o movimento, na opinião de punha em cena um nacionalista e um anarco-sindica-
Mussolini
seria obrigado a “morrer ou, pior ainda, a suici lista emigrados para a América Latina e La Guerra
dar-se”,
Fascismo, nacionalismo e futurismo foram igual- lontana (1911), mais explícita ainda, “demonstrava” a
mente produtos da época contemporânea, da socied “necessidade vital” da colonização. O escritor, aliás,
ade
industrial e, mais precisamente, do grande capita cra medíocre, — tagarela, prolixo, muito inclinado à
l (com
exceção, talvez, do futurismo). O nacionalismo ita- retórica. Tinha, de fato, apenas uma idéia: “ensinar
liano surgiu com o século. Sem grandes relações com à Itália o valor da luta internacional”, da mesma ma-
esse nacionalismo ilustrado por Petrarca ou Dante, o neira que o socialismo ensinara ao proletariado o da
Cap. XXVI do Príncipe, ou os Canti de Leopardi luta de classes.

26 21
A fundação da revista Il Regno, a 7 de novembro L'Associazione Nazionalista Italiana
de 1903, teve por objetivo reagir contra o “estado de
decadência em que se encontra[va] a Nação”, contra a Enfim, a 3 de dezembro de 1910, depois de
“democracia positivista”, ou, como era igualmente muitas hesitações (se a Nação fosse uma totalidade,
chamada, a “monarquia socialista”. Ao sistema de poder-se-ia fundar um partido com o risco de se opor
Giolitti, “aparição soberana da prosa no domínio da à cla?), um Congresso constituinte reunia-se em Flo-
vida política italiana”, como o definia Prezzolini, os rença para fundar a Associação Nacionalista Italiana.
nacionalistas do Regno opunham o mito da Roma Sua finalidade? — Da mesma maneira que o socialismo
antiga e os condottieri e os navegadores, os poetas e tirara o proletariado de seu sono e o tornara capaz
os pintores, da Itália da Idade Média e do Renasci- de “ditar sua lei de classe às outras classes”, o nacio-
mento. Era uma imagem da Itália em que D'Annun- nalismo, substituindo a luta de classe pela “luta das
zio, e depois Mussolini deveriam reconhecer-se. nações”, deveria, segundo Corradini, suscitar na Itália
“a vontade da guerra vitoriosa”. Tratava-se na ver-
dade de opor, ao “statu quo europeu”, um “statu quo
“La Voce” italiano”, o “statu quo de nossos interesses, da Sicília a
Génova”. Não acabáramos, aliás, de ter a prova de
No início de 1905 Il Regno deixa de aparecer, que esse statu quo não era imutável?
sendo, por assim dizer, substituído pela revista La Excetuando-se a intervenção na China junto às
Voce, fundada em 1908 por Prezzolini e Papini. outras potências imperialistas, foi como espectadora
Substituição completamente teórica, aliás. Sob os que a Itália viu ocorrerem as últimas mudanças. O
auspícios de dois antigos colaboradores de Il Regno, a exemplo do Japão, em particular, abalava vivamente
revista publicou exatamente ao mesmo tempo liberais vs nacionalistas. Uma ascensão repentina, a rapidez
como Amendola, antigos socialistas como Salvemini, da industrialização, a vitória sobre os russos em 1905,
personagens tão inclassificáveis como Oriani e nacio- pareciam igualmente testemunhar as possibilidades de
nalistas como Federzoni, Forges Davanzati e Papini. um país que, cercado totalmente como a Itália por
Sem falar, evidentemente, de Gentile e Croce. A pre- potências imperialistas, tinha também de resolver os
sença destes últimos, campeões neo-hegelianos da “rea- problemas colocados pelo desenvolvimento de sua po-
ção antipositivista”, era talvez o símbolo do que po- pulação. Inversamente, a anexação de Bósnia-Herze-
deria unificar correntes aparentemente tão diversas. povina à Áustria, em 1908, despertava antigos desejos,
velhos ressentimentos. O que se esperava para reagir
Herdeira, em alguns aspectos, do programa de Il contra o que Federzoni chamava “uma política de
Regno, La Voce, com efeito, se apropriara do essencial castidade nacional”?
(ou do mais superficial) dessa reação antipositivista
que, precisamente desde 1903, se exprimia na revista
de Croce, La Critica. A essa irritação contra o “posi- Capital, emigração, expansão
tivismo” — e essa palavra, evidentemente, poderia de-
signar o que quer que fosse — vinham acrescentar-se Isso contudo não era o essencial. Não se tra-
alguns “sonhos de inquietude malsãos” (Gobetti). La tava tanto, para Corradini e os nacionalistas, de re-
Voce propunha-se em particular criar “um órgão fora solver os problemas exteriores por meio da expansão,
dos partidos... que afirme os princípios superiores às - O que poderia parecer uma dispersão —, mas de
lutas políticas...” Era uma das primeiras expressões operar também ou primeiramente, simultaneamente
dessa totalidade que, para o nacionalismo, devia reali- pelo menos, uma verdadeira “reforma interior”. A
zar-se na Nação, acima das classes e dos partidos. política exterior, deveria declarar Corradini numa con-

28 29
ferência em maio de 1911, constitui para o naciona-
lismo “um meio de reforma interior revolucionária. de trabalho que marcou o nascimento do sistema cor-
É porativo fascista.
um meio de renovar o pessoal do governo”. O nacio-
nalismo na realidade pretendia sobretudo ser — A esse projeto de integração do proletariado pa-
Corra-
dini o reconheceu posteriormente, numa confer recia opor-se, ao menos formalmente, o projeto de
ência,
em dezembro de 1913 — uma “reação contra o socia- resolver os problemas da emigração pelo expansionis-
lismo”. Nada existe, pois, de surpreendente no fato mo colonial. Como todos os homens de sua geração,
de o próprio Corradini lançar, a partir do Congresso Corradini, que, aliás, viajara pela América Latina e
de Florença, a fórmula do “socialismo nacional”. pela bacia do Mediterrâneo, era particularmente sen-
Era, já o dissemos, sua única idéia sível aos problemas apresentados pela emigração dos
grande
, mas seu trabalhadores italianos. “A emigração, declarava na
achado: recuperar um certo populism
o e trans- véspera da guerra da Líbia, significa parte do trabalho
mutá-lo em nacionalismo. Um conceito — o de
“naç italiano abandonado a si mesmo,
ão proletária” — deveria permitir essa conversão. por toda parte; a
“Assim como, dentro dos limites de
conquista das colônias significa, ao contrário, que o
cada Estado, for- trabalho italiano está sendo acompanhado, no mundo
mou-se um conjunto de classes dominant
es e um con- inteiro, por outras forças da nação italiana e pela pró-
junto de classes dominadas, também, nas
relações inter- pria nação”. Ele mesmo pudera verificar, o que ser-
nacionais, existem Estados mais fortes
e Estados mais via de apoio a sua tese diante do Congresso de Flo-
fracos: Estados burgueses e Estados proletários”. rença, que uma greve de trabalhadores italianos da
Uma totalidade abstrata oferecia-se assim Argentina fora suficiente para paralisar o país.
para resolver
e sintetizar; para reconciliar as class
es em luta, — Tratava-se, em outras palavras, de dar ao capital
“inversão dialética” com que o próprio Hege
l não teria italiano os meios para apropriar-se dessa mais-valia
ousado sonhar, mas que encontrava na filosofia de produzida fora da Itália.
Gentile sua expressão teórica. Da mesma maneira que o
corporativismo procurava fazer do movimento operário
Alguns meses depois do Congresso de Florença, um momento do desenvolvimento do capital italiano, a
Corradini, Federzoni, Coppola, Maraviglia expansão colonial, “forma de emigração também,
Davanzati
e Forges mas... da nação inteira”, apresentava-se inseparável
começaram a publicar, em março de 1911, desse desenvolvimento.
um pequeno hebdomadário de quatro págin A derrota de Aduá, que for-
as, L'Idea necera ao capital italiano um pretexto para o investi-
Nazionale, que se propunha representar
e exprimir mento nas indústrias nascentes, com efeito, coincidira
Os interesses daqueles que o jornal designava, não
sem ambigiiidade, como os com o fim de uma depressão que persistia desde 1874.
“produtores de riqueza”.
Influência soreliana transmitida por Corradin A evolução que se seguiu, interrompida somente por
i, sindi
calista revolucionário arrependido? — É prová - uma crise em 1907, mas destinada a prolongar-se até
vel. a véspera da Primeira Guerra Mundial, fora marcada
L'Idea Nazionale que, desordenadamente
, defendia o em particular pelo aparecimento de novas relações
Estado forte e exaltava o Exército, gabava
o naciona- entre o banco e a indústria pesada. Foi desse modo
lismo econômico e a expansão colonial,
praticava um que, em 1894, um grupo industrial alemão constituíra
culto obstinado da tradição e de Roma e
recorria regu- o Banco Comercial Italiano que deveria, em seguida,
larmente a uma política de prestígio, iria igualmente, sustentar a Associação Nacionalista Italiana.
através de tais fórmulas, lançar as primeira
s bases teó-
ricas daquilo que mais tarde se tornaria o
corporati- A evolução da A.N.I.
vismo. Foi, aliás, um antigo nacionalista, — Alfr
edo
Rocco, — quem elaborou a lei, promulga
da a 3 de Enquanto a política de “paz social” de Giolitti
abril de 1926, sobre a “disciplina jurídica” nas relaç
ões exprimia mais ou menos os interesses da indústria leve,
30
31
ainda predominante na economia italiana, a indústria um lado, ainda que indiretamente, pelo capital finan-
pesada nascente se reconhecia de preferência no na- ceiro alemão, L'Idea Nazionale era, de outro, susten-
cionalismo e em sua ideologia corporativista e impe- tado por Agnelli, pela Terni ou pelos fabricantes de
rialista. A própria evolução do movimento deveria projéteis. O jornal recebeu, além disso, a visita do
conduzi-lo efetivamente a representar apenas os inte- social-democrata alemão Siidekum, encarregado de
resses do grande capital. O Congresso de Florença, encorajar o órgão nacionalista a dirigir uma campanha
que misturava nacionalistas, liberais, republicanos e para que a Itália honrasse seus compromissos junto à
mazzinianos, fora bastante heterogêneo, .— prefigurando Iríplice. Para os nacionalistas, contudo, o importante
com isso também os inícios do movimento fascista. O era que, — Tríplice ou Entente — a Itália, pelo menos,
segundo Congresso da Associação Nacionalista, — tomasse partido, saísse da sua neutralidade. O “banho
Roma, 20-22 de dezembro de 1912, — marcou a sepa- de sangue” tão desejado aí estava.
ração dos democratas. Proclamou-se então, parti-
O intervencionismo, em sua maior parte, era a
cularmente, a incompatibilidade entre w nacionalismo
favor da entrada na guerra em prol da Entente e era
e a franco-maçonaria chegando-se mesmo à decisão de
difícil para os nacionalistas caminharem, no caso,
promover uma campanha contra esta. O Congresso
contra a corrente. A Áustria, como o observou
de Milão, enfim, de 16 a 18 de maio de 1914, levou à
Lldea Nazionale, não era a verdadeira aliada da
ruptura com os liberais que aí representavam a indús-
Itália, ou era-o apenas pelo desvio da aliança alemã.
tria leve. Restaram apenas, como escreve L. Salvato-
Somente a Alemanha era “a aliada indispensável”.
relli, os nacionalistas, — os representantes da indústria
Além disso — como também se verificou — interesses
pesada, do grande capital.
italianos e interesses austríacos, principalmente no
Os nacionalistas possuíam apenas cinco represen- Adriático, não coincidiam. Assim, a partir do fim do
tantes no Parlamento, entre eles Federzoni, eleitos em verão de 1914, os nacionalistas começaram a se incli-
1913. A guerra da Líbia, na qual Giolitti se engajara nar em favor da Entente. O pacto de Londres de 26
a contragosto, parecia contudo dar-lhes razão — “É de abril de 1915, que decidiu a entrada na guerra
nossa guerra”, declarava L'Idea Nazionale —, aumen- junto à Entente, prometeu à Itália “justas compen-
tando ligeiramente as fileiras do movimento, que per- sações” que coincidiam com a maior parte das reivin-
manecia, contudo, minoritário e localizado. (Dois dos dicações territoriais dos nacionalistas. Tiveram eles
cinco deputados, no ano seguinte, foram eleitos em conhecimento do conteúdo do pacto? Aplicaram-se
Roma.) As vésperas da Primeira Guerra Mundial, o desde então em denunciar os “perigos do pangerma-
movimento começou a receber subsídios do grande nismo” e do expansionismo alemão.
capital, entre outros, da “Sociedade italiana para a Enquanto as outras correntes do intervencionismo
fabricação de projéteis”. A 3 de outubro de 1914 o afirmavam principalmente seu amor à democracia, sua
pequeno hebdomadário Idea Nazionale pôde assim esperança numa guerra que seria “a última das últimas”
ceder lugar a um jornal diário de mesmo nome. ou, mais simplesmente, a sua francofilia, os naciona-
listas esforçaram-se por conferir à guerra — “sua”
guerra — um caráter exclusivamente italiano. Houve
Face à guerra ussim, observa P. Alatri, “duas guerras”: a dos inter-
vencionistas de esquerda e a dos nacionalistas. Para
A eclosão de 1914 devia colocar os nacionalistas estes, a guerra, com efeito, não podia senão confirmar
em apuros. Suas simpatias dirigiam-se, evidentemente, suas teses. A ordem do dia de 15 de dezembro de
para a Alemanha, como aliás se dirigiram para o 1918 da Associação Nacionalista, que encarecia mais
Japão, com algumas reticências é verdade, diante da uma vez as promessas do Pacto de Londres, e, logo
penetração do capital alemão na Itália. Mantido, de upós, a revista Politica, fundada no mesmo mês por F.

32 33
CAPÍTULO IH
Coppola, insistiram ainda sobre isso: a guerra realizara
“os
“uma autêntica revolução mundial” e corroborara
princípios essenciais da doutrina nacionalista”. Rocco
retorna mais uma vez ao tema no IV (e último) Con-
gresso da Associação Nacionalista Italiana, realizado O Sindicalismo Revolucionário
em Roma de 16 a 18 de março de 1919, alguns dias
depois da fundação dos Fasci di combattimento por
Mussolini.

“ ..No grande rio do fascismo, escrevia Musso-


de
lini em 1932, encontrareis as correntes de Sorel,
Movim ento Sociali sta e da
Péguy, do Lagardelle do
coorte dos sindicalistas italianos...” Certamente, dez
da “marcha sobre Roma”, enquanto a
anos depois
com à
antidemocracia se preparava para se alistar
fórmul a poderi a
Etiópia na corrida para O Império, tal
Era contudo uma dessas cartas que
parecer abusiva.
jogá-la
Mussolini gostava de pôr de lado, para tentar
derrota, no momento da República de Salo.
ainda na
de
Afinal, o socialismo nacional da República social
(abusivo)
1943-45 era, até certo ponto, O herdeiro
se dizia ligado
desse sindicalismo ao qual Mussolini
ainda em 1932.
quase
O apogeu do sindicalismo revolucionário foi
nacio nalis mo italia no e à
contemporâneo à subida do
chefe dos “revo lucio nário s”
ascensão de Mussolini como
do Partido Socialista Italiano, — contemporâneo tam-
financeiro ita-
bém da crise de crescimento do capital
com a con-
liano que devia se resolver provisoriamente
quista da Tripolitânia. Presidente do Conselho, quase
sem interrupção, de 1902 a 1914, Giolitti inaugurara

35
34
como Milão ou Turim e nas zonas de grande concen-
a desig-
um sistema de governo que valera ao período tração agrícola como Emília: no Congresso de 1913
da Unione Sindacale Italiana os principais núcleos de
perío do da monar quia social ista. Tratav a-se,
nação de
da indús- a
com efeito, de oferecer, ao desenvolvimento aderentes foram os de Parma, Milão, Bolonha, Móden
e do primeiro capital financeiro italiano, Em Nápoles, berço desse “sorel ismo”
tria pesada e Carrara.
estável, que repousava,
um quadro político e social italiano, alguns socialistas como Enrico Leone e Ernes-
tácita do proletariado
essencialmente, sobre a aliança to Cesare Longobardi lutavam, há muitos anos, contra
industrial, enquadrado pelos reformistas, € do capita- o reformismo e pelo “retorno a Marx”. Assim, O
lismo nascente. A acumulação do capital tinha assim revisionismo de Sorel deveria concor rer inicial mente
samente, O
como suporte o campesinato e, mais preci para restaurar O marxismo. Sorel, é verdade, surgia
pela grand e pro- do revisionismo
campesinato pobre do Sul, esmagado menos como o representante europeu
priedade. de esquerda que como o crítico incansável da demo-
des
O VIII Congresso do Partido Socialista Italiano, cracia reformista e autor de L'Avenir socialiste
em abril de 1904, teve de admitir que, em escala na- syndicats.
cional, o reformismo fora um fracasso. “.. . Durante Riforme e rivoluzione sociale (1904) de Arturo
pouco depois o
três ou quatro anos”, como consta taria Labriola, Il Sindacalismo (1906) de Enrico Leone,
“servido gra-
reformista Turati, os socialistas haviam para citar os dois principais representantes dessa cor-
tirando disso o
tuitamente como policiais” a Giolitti, rente, e jornais como Propaganda de Nápoles e
possivelmente alguns benefícios, a começar pela neutra- Avanguardia socialista de Milão, retomaram pois
nos “conflitos econômicos”. Mas como
lidade do governo alguns temas sorelianos para redefinir o marxismo
era evidente que, para toda a Itália do Sul e amplos uma “teoria das revoluções sociais,” uma “teoria da
re-
setores do campesinato o “socialismo giolittiano” ação”. Tal como em Sorel, e como Croce, que aca-
pura € simples . E não foi trata-
presentava uma falênci a
crítica s bara de fundar em Nápoles La Critica (1903),
provavelmente por acaso que as primeiras va-se de reagir, a princípi o, contra o positiv ismo,
provie ssem de O sindicato — e
socialistas dirigidas a essa estratégia identificado aqui com o reformismo.
que
meridionais: desde o “reformista consequente” nisto residia a grande diferen ça com Sorel ou Pellou-
de sindica listas da
Salvemini pretendia ser, até o grupo ticr — manifestava-se menos como O instrumento
Nápoles.
revolucionários que começava a florescer em auto-emancipação do proletariado do que como o meio
revolução social, e, indiretamente, a
de realizar a
no centro do marxismo uma
ocasião de reencontrar
Os “'sorelianos” italianos teoria da violência revolucionária.
Era esse, evidentemente, o grande ponto de con-
O personagem tutelar desse despertar anarquista vergência com Sorel: a redescoberta da violência
e,
era evidentemente Georges Sorel, cuja obra Benedetto singul arment e, da greve geral, que a revolu ção russa
Croce e nolens volens Antonio Labriola contribuíram de 1905 deveria, aliás, reconduzir ao centro das
preo-
para que se conhecesse na Itália. Foi em 1898 que Rosa Luxem bur-
cupações dos revolucionários; assim,
o jovem socialis ta napolit ano Arturo Labriola o encon- Mesmo na Itália, após as sublevações de Ceri-
go...
sta A. do
trou, por sua vez, em Paris, em casa do anarqui nhola, Buggerú e Castelluzzo, a grande greve geral
Mas, como observa com razão E. Santarel li, parece u dar razão aos sindica listas revo-
Hamon. verão de 1904
não se tratava, nesse caso, de um encontro puramente lucionários. Durante quatro dias — de 16 a 20 de
intelectual. Novas camadas de trabalhadores, extre- setembro — o proletariado, conclamado a protest
ar
r tra- e
mamente combativas mas desprovidas de qualque contra a repressão de Castelluzzo, ocupou as fábricas
tar-se, s
dição sindical ou política , começa vam à manifes organizou Conselhos operários na maioria das grande
industriais
menos na Itália meridional que nas cidades
37
36
cidades da Itália. “Cinco minutos de ação direta, de Parma. A 3 de novembro de 1907, um congresso
deveria constatar Labriola, valem mais que vários anos dos minoritários da Ação direta, representando duzen-
de tagarelices parlamentares.” O mais notável, contu- tos mil adeptos, considerou a atitude a adotar em
do, era que esse protesto contra a repressão na Itália relação à C.G.L., que não apoiara os movimentos de
meridional partira de Milão, da Câmara do Trabalho preve dos marinheiros e dos ferroviários. Depois que
e da Avanguardia socialista, dirigida por Labriola. Michele Bianchi e Edmondo Rossoni propuseram a
O malogro da greve de Parma de 1908, de forma entrada em massa na C.G.L. para transformá-la inter-
“alguma mantida pela C.G.L., provocou o início da namente, o congresso adotou uma política de compro-
. crise do movimento. Esta foi precipitada, e por assim misso e determinou a criação de um Comitê de resis-
dizer, resolvida pela guerra da Líbia. Fazia já um tência destinado a coordenar a ação dos sindicalistas.
ano que a revista florentina La Lupa, dirigida por No ano seguinte, o vasto movimento de greve do
Paolo Orano, começara a reunir o sindicalista Labriola proletariado industrial e dos trabalhadores agrícolas de
e o nacionalista Corradini. A conquista colonial Parma e de Ferrara, sem nenhum apoio da C.G.L.,
acabou por desarraigar da revolução um número con- resultou num malogro, mas durante três dias, a popu-
siderável de sindicalistas revolucionários. O mar, como lação operária de Parma, galvanizada por De Ambris,
declarou exageradamente Orano, vencera o socialismo. resistiu às forças da ordem. O segundo congresso da
A maior parte dos “sorelianos” — Labriola, Orano, A. Ação direta (Bolonha, 12 de dezembro de 1910), de
O. Olivetti aderiu a Corradini, D'Annunzio e Pascoli, que participaram Arturo Labriola e Enrico Leone,
para exaltar “a grande proletária”. Alceste De Ambris, representava ainda cento e cinqiienta mil adeptos,
contudo, recusou-se a subscrever essa “empresa de ex- quando a C.G.L. possuía apenas trezentos mil, as
torsão” e Enrico Leone fez suas reservas em Espansio- organizações católicas, cem mil e as linhas “indepen-
nismo e colonie (1911). Mas, sob sua forma “sore- dentes”, duzentos e cingienta mil. Sob a direção de
liana”, o sindicalismo revolucionário não era, daí por De Ambris, os partidários da Ação direta promoveram
diante, mais que um nacionalismo de esquerda, anun- uma campanha contra a guerra da Líbia.
ciando, por esse mesmo motivo, o intervencionismo de |
O Congresso de Módena, de 23 a 25 de novembro
esquerda de 1914.
de 1912 proclamou enfim a constituição da Unione
Sindacale Italiana, cujo órgão era o Internazionale.
L'Unione Sindacale Italiana Como Alceste De Ambris e Armando Borghi estivessem
então no exílio, o Comitê central compreendia entre
Inspirando-se igualmente em Sorel e na experiên- outros, Amilcare De Ambris, irmão do Secretário da
cia das Bolsas do Trabalho de Pelloutier, mas muito Câmara do Trabalho de Parma, Filippo Corridoni, da
mais marcado por influências anarquistas e menos Unione Sindacale Milanese, Cesare Rossi e Giuseppe
preocupado com a reflexão teórica, o sindicalismo da Di Vittorio. A U.S.I. propunha-se encorajar o prole-
U.S.I. procurou, na mesma época, encontrar no sindi- tariado a “confiar apenas em suas próprias forças...
cato “o novo princípio diretivo de uma sociedade” que O proletariado — declarou Amilcare De Ambris —
não fosse — segundo os termos do Congresso Sindical deve saber que obterá apenas o que ele mesmo souber
de Parma de 1907 — “a ampliação, nem a extensão conquistar”. O manifesto da U.S.I., no ano seguinte,
da sociedade burguesa”, mas “um autêntico self-govern- insistiu sobre este tema: “É uma velha e gloriosa
ment”". No momento da criação da C.G.L., em 1906, bandeira que retomamos... a bandeira da Primeira
os sindicalistas revolucionários constituíram um grupo Internacional...”
de minoria — a “Ação direta” — sob a direção de No Segundo Congresso da U.S.I. (Milão, 4 a 7
Alceste De Ambris, secretário da Câmara do Trabalho de dezembro de 1913), acharam-se representados cerca

38 39
5 e 6 de janeiro
O Segundo Congresso da UIL., a
parte encontrava-se Mussolini deve-
de cem mil adeptos, cuja maior
367) , Bolonha (10 de 1919, propôs um programa em que de certo modo,
em Parma (20 055), Milã o (17 rar-se (ver Documento 2). Era,
400). Armando ria inspi dos
306), Módena (9 640), e Carr ara (8 expressão elaborada desse socialismo
a primeira
uma moção sobre a em diante, o
Borghi obteve a aprovação de
defesa e de produtores, para o qual convergiam, daí
greve geral, “um dos meios eficazes de intervencionismo de esquerda e o soci alis mo nacional.
s, visando à vitória defi- Rossoni observava: “O
conquista para Os trabalhadore Comentando o Congresso,
nitiva da classe operária”. Após a “semana vermelha” sindicalismo não teve medo da guerra; não temerá, mas
no decorrer da qual a nunca pertenceu aos
de Ancona, de junho de 1914, fará a revolução. A história
e geral, o movimento futuro não perten-
U.S.I. tomou a iniciativa da grev incapazes e aos covardes; assim o
a. Em 14 de se- izados e desa-
dividiu-se sobre a questão da guerr cerá aos “neutros” e aos loucos desorgan aos
idon i, Cesare Rossi, aos que querem, dos que agem,
tembro de 1914, enquanto Corr irmãos De gregadores, mas
oni e os aos audaciosos!”
Michele Bianchi, Edmondo Ross que são inteligentes, aos produtores,
rvenção, demitiam-se a precisamente O
Ambris, todos partidários da inte Italiana del Lavoro, Este conceito de audácia const ituír
i em o Popolo
. para constituir
da U.S.I a Unio ne tema do primeiro artigo de Mussolin
Conselho Geral da União d'Italia, a 15 de novembro de 1914...
Armando Borghi obteve do
que concitava O proleta-
a aprovação de uma moção cimento Tratava-se, em suma, de operar, ainda uma vez,
inevitável enfraque
riado a “aproveitar-se do
uma conversão. Rossoni já o havia feito em 1914,
crise geral resultante da ro dos IW.W.,
das forças do Estado e da quando, no tempo em que era memb
ação comum visando nas manifestações
guerra para se empenhar numa nos Estados Unidos, mandava que
burgueses € monárquicos”. Tratava-se desta
à derrubada dos Estados se cuspisse na bandeira itali ana.
, a U.S.I. publicou um io distribuiria a
A partir de 17 de abril de 1915 vez, tal como no folheto que O Fasc
novo jornal, Guerra di classe. 4), de reivindicar
19 de maio de 1919 (ver Documento “O dina-
vitória.
para os “produtores” O benefício da
expu nha o jorna l da U.I.L. Battaglie,
mismo sindical, ao Idea nazio-
osta
L'Unione Italiana del Lavoro
sucessor do Italia nostra, numa resp
de classes, porque a
nale, só pode se basear na luta
da Unione Italiana del Lavoro foi dora, que aspir a à gestã o da produção,
A atividade classe trabalha ser através de
praticamente nula durante Os primeiro
s anos da guerra. nunca poderá atingir seu ideal a não
ito, a fim de dar classe dirigente...
Com a aproximação do fim do confl uma série de batalhas contra à
européia não
um pouco de vida à organização,
Edmondo Rossoni e defender a nação durante a conflagração a nação vito-
r
queria absolutamente dizer abandona greve “nacional”
-—

m a publicar, a 19 de
Angelo Oliviero Olivetti começara ” A
de 1918, o Italia nostra cujo objetivo era “a riosa ao arbít rio da burg uesi a. .
maio o de 1919, enalte-
guerra contra O sistema capitalist
a e contra todas as e “produtiva” de Dalmine, em març
i, procurou dar uma
instituições que o mantêm” e prop
unha, através de um cida posteriormente por Mussolin
econ ômic o pregado por
artigo póstumo de Corridoni, uma “revi
calista”.
são sindi forma prática ao sindicalismo
O

conf iante
uma acolh ida calorosa às Rossoni. Dois anos mais tarde, este último,
O Popolo d'Italia reservou O primeiro sindicato
iniciativas de Rossoni. Mussolini
foi, em compensa- nos mesmos princípios, organizou
às de De Ambris: a fascista.
ção, muito mais frio em relação
a partir de março
publicação da revista Rinnovamento
da Unione Socia-
de 1918, logo após a constituição
Evid ente mente, era
lista Italiana, de 13 a 15 de maio. olini —
ca” de Muss
uma nova manifestação da “táti
mais tarde, fascista. 41

40
CAPÍTULO Iv
A reação antipositivista

Na época em que os nacionalistas começavam a


reagrupar-se, Croce fundava La critica (1903) que se
As Origens Literárias propunha ligar “de certa forma” a filosofia italiana a
e o Partido Político Futurista Hegel, procedendo a uma “reforma da dialética”. De-
pois de um “fogo passional” pelo marxismo, Croce iria
então engajar-se no que Gramsci definiu como uma
tentativa de laicização da cultura italiana, colocada sob
o signo do “renascimento do idealismo”. Dois termos
indicavam os limites desse empreendimento: a recusa
de toda transcendência e uma polêmica incessante con-
tra o positivismo, ao qual Croce censurava “deixar
insatisfeita a necessidade religiosa do homem”. Trata-
va-se pois, em última instância, de restaurar o Espírito
em seus poderes. Empreendimento, em suma, bastante
próximo do que Bergson tentava na mesma época na
França com seu “suplemento de alma”.
A “reforma da dialética” — e, nesse ponto, o
“Atualismo” de Gentile não diferia absolutamente do
historicismo crociano — situava-se aquém do hegelia-
Os progressos do capitalismo italiano, no final da nismo e constituía inteiramente uma “contra-reforma
crise dos anos 1890, suscitaram nos intelectuais e nos da dialética”. Se visasse indiretamente ao marxismo, a
escritores uma reação neo-romântica que deveria con- rejeição do “positivismo” levaria Croce a tratar como
tribuir amplamente para preparar os espíritos para
uma sequência de núcleos irredutíveis ou irracionais
o
fascismo e estabelecer algumas categorias adequadas à alguns “momentos” que, em Hegel, pertenciam à esfera
constituição de uma nova mentalidade. do Espírito: a natureza e, evidentemente, as ciências,
Nascidos na
Romanha como Pascoli ou Oriani ou mais simples- a poesia, a política. Isso não era certamente uma
mente no Mezzogiorno como Croce ou D'Annunzio,
destruição pura e simples da razão como a que Lukács
deveria denunciar em seguida, mas a incapacidade de
esses intelectuais traduziram, a sua maneira, as preo-
reencontrar a identidade do real e do racional que se
cupações de grupos sociais e de zonas geográficas cada
encontrava na base da dialética hegeliana e, principal-
vez mais marginalizados, por esse impulso brutal do mente, a recusa em tratar a política, como o fizera
capitalismo da nação e de seus centros de decisão. Maquiavel em O Príncipe, como uma ciência leiga e
O fato de que os principais representantes amoral, “atéia”, deveria inegavelmente participar tanto
da intelli-
gentsia e mesmo do pessoal político italianos — quer da crise de que se originaria o fascismo como — atra-
vés do Atualismo gentiliano — da doutrina que este
se pense em Crispi ou em Nitti — tenham assim último procuraria atribuir-se, ao alcançar o poder.
continuado a ser recrutados, bastante paradoxalmen-
Uma revista, além de La Critica, contribuiu mani-
te, nas zonas ou nos meios já marginais, teste- festamente para popularizar a reação antipositivista:
munhava bastante claramente a fragilidade e a ins- La Voce de Prezzolmi e Papini, criada — como vimos
tabilidade das novas estruturas italianas. — no prolongamento de Il Regno de Corradini. De-
dicando-se, da mesma maneira que Croce, a “despro-
42
43
vincializar” a cultura italiana, fazendo com que se co- der-se a vários intelectuais liberais ou marxistas, do
nhecesse, por exemplo, esse Péguy que Mussolini deve- Risorgimento senza eroi, de Gobetti, ao Risorgimento,
ria colocar nas origens do “grande rio do fascismo”, La de Gramsci 2.
Voce ocupou, evidentemente, uma posição estratégica Romanhês como Mussolini — e Crémieux com
extremamente importante numa sociedade, como a ita- justa razão observava que esse termo acabara por de-
liana, em que classe política e classe intelectual consti- signar um certo tipo de pensador político — Oriani
tuíam ainda grupos relativamente restritos e muito comprazia-se em opor à Itália artificial, “burguesa”,
frequentemente confundidos. O importante, com efei- resultante desse Risorgimento inacabado, uma Itália
to, não era tanto que o idealismo antipositivista pudes- que se renova, num vasto renascimento popular, — o
se, em seu confusionismo e generalidade, reconciliar povo significando aqui uma categoria ética e ideal,
socialistas como Salvemini e nacionalistas como Papini, essencialmente a-histórica, sem conteúdo efetivo. Era
quanto as insuficiências que caracterizavam a organi- esse o povo de onde procederia a “democracia fascista”
zação da cultura e o recrutamento das classes dirigentes. e a quem Mussolini concitava, até o final do ventennio,
Em suma, não foi por acaso que as questões de a vir aclamá-lo e dar-lhe razão sob seu balcão do Pa-
pedagogia, de reforma universitária e de organização lazzo Venezia.
intelectual tiveram e deviam continuar a ter tanta Mas, sobretudo, populismo e idealismo conflufam
importância em Croce, Gentile e, mais tarde, Gramsci. em Oriani e realizavam-se na idéia do Império, con-
clusão de um Risorgimento que não soubera alcançar
seus fins. Para produzir “grandes coisas”, os italianos
Alfredo Oriani deveriam realizar sua verdadeira unidade. Esse senti-
mento do Império passava assim, logicamente, por uma
Alfredo Oriani foi precisamente um dos que teoria da violência libertadora, em que Sorel não hesitou
Croce, La Voce e os nacionalistas “descobriram” e em reconhecer-se: “O futuro pertencerá àqueles que
revelaram à Itália durante esse período. Romancista não o temeram: a fortuna e a história são mulheres e
medíocre, morto na solidão, em 1907, alguns de seus amam apenas os fortes capazes de violentá-las”. Era
ensaios — e sobretudo La lotta politica in Italia (1892) já o leitmotiv mussoliniano: “O futuro pertence aos
e Rivolta ideale (1907) — deveriam fazê-lo surgir FORtes” iso
como um precursor do nacionalismo, do imperialismo
e, depois, do fascismo. Se, por um lado, entre seus
discípulos encontravam-se dois futuros teóricos do na- Os poetas: Pascoli, D'Annunzio
cionalismo, Federzoni e Bellonci, por outro, a edição
nacional de suas obras foi organizada e prefaciada pelo Romanhês igualmente, Pascoli fora, em sua juven-
próprio Mussolini, durante o período fascista. tude, socialista e internacionalista. A idade madura,
as honras, a consagração oficial conduziram-no a erigir-
Um dos temas centrais de sua obra consistia na se em poeta nacional e a cantar a epopéia italiana: ao
crítica do Risorgimento que Oriani considerava, não poeta elegíaco dos Myricae (1891) sucedeu o cantor
completamente sem razão, como uma revolução inaca- oficial dos Poemi Italici (1903) e dos Poemi del Risor- |
bada: “A Revolução italiana, longe de ser uma obra gimento (1913). Inteiramente preocupada em reen-
popular, triunfou graças à usurpação heróica de uma contrar uma infância adormecida — e poder-se-ia
minoria favorecida por acontecimentos e circunstâncias evocar aqui o Renan dos Souvenirs d'enfance et de
estrangeiros”. Crítica que o fascismo, em suas fracas jeunesse — sua obra traduzia bastante fielmente as
tentativas teóricas, logo retomaria a seu modo; assim, inquietudes e as nostalgias de um mundo em agonia,
Gentile: “Sem dúvida alguma o Risorgimento foi obra
de uma minoria”. Crítica que deveria também esten- 1. Ver “Crítica ou defesa do Risorgimento”, p. 106 e ss.

44 45
de uma jovem Itália exposta aos assaltos do capitalis- não tanto o miles gloriosus que a Europa nele viu algu-
mo e que se sentia já envelhecida. mas vezes, como uma espécie de encarnação enaltecida
O socialismo humanitário dos anos de juventude de todos os sonhos, declarados ou não, da pequena bur-
iria assim desembocar — muito naturalmente, observa guesia italiana, essa pequena burguesia que iria organi-
A. Asor Rosa — no nacionalismo e mesmo num zar-se nos Fasci. D'Annunzio, o personagem, resumia
“imperialismo dos pobres”, a exaltação do Mediterrâ- bastante bem e também prefigurava, tudo o que o
neo como um Mare nostrum. A guerra da Líbia levou Fascismo prometeria aos italianos. E o culto de
esses temas ao puroxismo. Em seu discurso de Barga D'Annunzio foi o prenúncio, inegavelmente, daquele de
de 27 de novembro de 1911, “A Grande Proletária que Mussolini procuraria cercar-se.
pôs-se em movimento. . .”, Pascoli uniu-se aos nacio-
nalistas de Corradini e aos teóricos do “socialismo
nacional”, todos trabalhando, como deveria constatá-lo Os futuristas
Mussolini, para “criar a alma italiana”.
Mas o principal artesão dessa alma italiana foi “Bastante embaraçado”, confessava-o, “para citar
inegavelmente D'Annunzio. Um itinerário que se com-
obras típicas” do futurismo, Benjamin Crémicux obser-
parou fregiientemente ao de Barrês, um egotismo à
vava em 1928 que o futurismo “preparara os caminhos
Stendhal, mas o stendhalismo nele exprimia-se, muito
para a alma fascista”. Até a “marcha sobre Roma”,
mais, no culto da energia, um gosto obsessivo pelo
gesto, deveriam levar o poeta dos Laudi a cantar a observava igualmente, o futurismo representou “a lite-
gesta colonial e o imperialismo italianos. Itinerário, ratura oficial” do fascismo ainda revolucionário. O
contudo, previsível: desde o fim do século, um nietz- que parece menos exato a quem conhece o gosto, e até
cheísmo fácil, bastante vulgar, começara a dar forma a paixão, de Mussolini e dos fascistas pela retórica e a
a esse culto da energia. O primeiro livro dos Laudi, declamação. Mas o fascismo, em resumo, retomara
Maia (1903), ostentou em exergo a divisa das cidades muito do futurismo: não tanto do estilo ou da Antiaca-
hanseáticas, que deveria fornecer mais tarde seu título demia quanto das idéias políticas, não tanto da psico-
a um artigo famoso de Mussolini: logia ou de uma visão do mundo quanto dos temas
Navigare necesse est, destinados a fundir-se e, algumas vezes, a perder-se no
Vivere non est necesse. sincretismo fascista.
Daí à exaltação do Império, foi um passo. O futurismo literário, é verdade, preparara o ca-
Apadrinhando a revista florentina Il Marzocco minho, — atestara ao menos uma certa decomposição
(1896), berço de um nacionalismo ainda esteticizante, das estruturas sociais, políticas e cívicas. Os futuristas,
D'Annunzio convidava, em 1900, o jovem Vítor-Ema- escrevia Gramsci em 1921, “destruíram, destruíram, des-
nuel III a abrir às “virtudes” italianas “as portas dos truíram... Os futuristas, em seu domínio, o da cultura,
domínios futuros”. Convite que retomava alguns anos são revolucionários”. Esta apreciação inesperada apoia-
depois em seu drama La Nave (1908), onde instava a va-se na autoridade de Lunatcharsky que, no Segundo
Itália a vogar “pelo mundo”. A guerra da Líbia o infla- Congresso da Internacional Comunista, declarara que
mou, foi a grande ocasião, a primeira:“ O Paraíso está
existia na Itália “um intelectual revolucionário... Fi-
à sombra das espadas”, afirmava sua “Canzone d'Oltre- lippo Tommaso Marinetti”. Estava-se evidentemente
mare” (1911). Dever-se-ia reencontrá-lo em 1915, e,
muito mal informado na Rússia sobre o que se fazia na
última ocasião, no fim da guerra, em Fiume.
Inumeráveis aventuras galantes, grandes amores,
Itália, podendo-se legitimamente aí confundir Marinetti
belos gestos como o vôo sobre Viena em plena guerra, e Maiakóvski, e a famosa carta de Gramsci a Trotsky
mesmo seu ferimento fizeram desse zarolho glorioso sobre o futurismo não deveria esclarecer as coisas...

47
46
Preconizava-se aí . uma política exterior “agressiva,
Marinetti astuciosa, cínica” e reclamava-se, como os nacionalis-
Filippo Tommaso tas, a restauração da Roma imperial. Era, contudo,
Nascido em Alexandria em 1876, à atenção geral emo uma repetiçã o, um golpe que não levava a
ir-s e face
Marinetti, começou a distingu
série de manifestos nada...
publicando com seus amigos uma cafeína da Europa”:
que lhe valeram a alcunha de
“a . No mesmo ano, 1913, começava a aparecer em
de 20 de fevereiro de Nápoles La Vela latina, a que veio juntar-se, em 1916,
Manifesto futurista, no Figaro
zzes chi, Govoni, Folgore e L'ltalia futurista, de Florença. Mas, até a guerra, Os
1909, com Papini, Pala
, em abril de 1909; con- futuristas não conseguiram ganhar fama.
outros; Manifesto contra O luar
Manifesto da literatura
tra Veneza, em abril de 1910; Seria influência da educação francesa de Marinetti,
Outros manifestos, obras
futurista, em maio de 1912. que fizera seus estudos em Paris, e publicara a maior
am essa agitação: Ma-
de amigos ou discípulos, prolongav Carra, Russolo, parte de sua obra poética em francês? Diferentemente
pintura futurista, de Boccioni,
nifesto da da Associação Nacionalista, os futuristas tornaram-se
: Manifesto da mu-
Balla e Severini, em abril de 1910 de chofre inimigos da Áustria, colocando-se, por isso,
t-Point, em março
lher futurista, de Valentine de Sain sto da escultura de uma certa forma, entre os intervencionistas de es-
, e em abril de 1912, Man ife
de 1912 contudo, O querda. Em meados de setembro de 1914, Marinetti
essa época,
futurista, de Boccioni. Por e Boccioni organizaram em Milão as primeiras manifes-
e” começou a preo-
criador das “palavras em liberdad política.
tações contra a Áustria. Os futuristas, na sua maioria
cupar-se em intervir também na vida adeptos voluntários, — sobretudo Marinetti e alguns
como Mario Carli, o futuro diretor do Imperio em os
“Arditi” (secções de ataque especializadas em ataques-
“Higiene do mundo” surpresa) — deveriam estabelecer, no após-guerra, Os
primeiros contactos entre Mussolini e os “Arditi” que
para à política
Pouco ou muito, essa abertura este último empregaria contra os “subversivos”, Mas
ismo revolucionário
coincidia com os inícios do sindical ista Italiana. - A não foi isso, evidentemente, o mais importante.
onal
e a constituição da Associação Naci am algumas tenta-
1909 , os futu rist as real izar
partir de
icalistas revolucioná-
tivas para se aproximar dos sind O Partido Político Futurista
cha mav a — em um artigo
rios contra os que Marinetti
”. Mais foi, tam-
de 1910 — “nossos inimigos comuns desempenhou um A partir de 20 de setembro de 1918 começou a
da Líbi a que
bém neste caso, a guerra ser publicado, inicialmente de dez em dez dias, em
na Tripolitânia, Ma-
papel decisivo. Enviado especial seguida, toda a semana, Roma futurista, dirigido por
icando Mafarka, ro-
rinetti comemorou a aventura publ Mariretti, Mario Carli e Emilio Settimelli. O jor-
descobriu então o que
mance de inspiração “africana”, e nal, que trazia como subtítulo: “Jornal do Partido
vs da política futu-
deveria constituir um dos leitmoti Futurista”, continha o Manifesto-programa do Parti-
mundo”, como inti-
rista: a guerra, “única higiene do do político futurista “invocado por todos os italianos”
livros (Guerra sola
tulou ulteriormente um de seus (Ver Documento 1) e adiava para O fim da guerra
). Em outubro de 1913, a organização definitiva do Partido. Esse programa,
igiene del mondo, Milão, 1915 grama político.
pro que retomava vários temas do intervencionismo de
os futuristas publicaram seu primeiro
Anti-socialista e anticlerical — Mari
netti não exigiu esquerda, tais como a “socialização das terras” ou a
da Itália? — o pro- extensão do sufrágio universal às mulheres, distin-
em seguida a “«desvaticanização”
uistador, imperialista guia-se dele por seu anticlericalismo resoluto (“Única
grama futurista pretendia-se conq nte italiano”. religião, a Itália de amanhã”) e por alguns temas em
lusivame
e guerreiro, e, evidentemente, “exc
49
48
que o fascismo deveria inspirar-se: o projeto de reu- propaganda e de imprensa. Alguns dias depois, a 15
nir no Parlamento, industriais, agricultores, engenhei- de abril, por instigação de Mussolini e Marinctti, os
ros e comerciantes, ou ainda de suprimir esse mes- arditi de Ferruccio Vecchi tomavam de assalto e sa-
mo Parlamento para substituí-lo por “um Governo queavam as instalações do Avanti! em Milão: Sã
composto de vinte técnicos”, anunciava alguns aspec- reação contra a “chantagem leninista”, “primeiro epi-
tos do Estado corporativo; o apelo à juventude — sódio de guerra civil”, comentou Mussolini reivindi-
outro aspecto a observar — que preparava, por sua cando para os fascistas “toda a responsabilidade mo-
vez, O hino fascista, Giovinezza. ral do assunto”... Mas foram também desta vez
Em dezembro de 1918 surgiam os primeiros fasci os futuristas que forneceram o grosso das tropas.
futuristas. Inicialmente, poucas adesões, mas alguns Não que Marinetti ou os futuristas fossem ple-
nomes: Giuseppe Bottai, Massimo Bontempelli... namente devotados ao fascismo e à totalidade do anti-
Por intermédio de Mario Carlo e Ferruccio Vecchi, bolchevismo de Mussolini. Certamente, a partir do
o movimento apoiava-se essencialmente nos arditi. Em mês de agosto de 1919, o grupo futurista de Milão a
novembro, estes constituíram uma Associação dos que Marinetti estava estreitamente ligado, pois que era
arditi de Itália, sob a presidência de Carli. Após a membro do fascio dessa cidade, começou a manter a
dissolução do exército, em janeiro de 1919, esses lia- publicação do jornal de Armando Mazza, I Nemici
mes tenderam mesmo a se reforçar e, em maio de d'Itália, “hebdomadário antibolchevista” (Ver Docu-
1919, Vecchi e Carli empreenderam a publicação de mento 5). Mas quase na mesma época teve início em
um jornal, L'Ardito. Os Futuristas haviam aderido Roma futurista uma longa discussão sobre a possibi-
desde dezembro de 1918 ao projeto — apresentado lidade de estabelecer relações entre o futurismo e o
por Mussolini — de convocação de uma Constituinte fascismo, — discussão finalizada de maneira bastante
do intervencionismo. Mussolini e Marinetti encon- autoritária por Giuseppe Bottai, futuro ministro fas-
traram-se pouco depois, em 11 de janeiro de 1919, cista, que tomara a direção do jornal em setembro.
entre os que, no Scala de Milão, impediram, à força Quando Mussolini fez com que o segundo con-
de tumulto, que o velho Leonida Bissolati expusesse gresso dos fasci em Milão, 24-25 de maio de 1920,
o programa exterior do intervencionismo de esquerda, adotasse os primeiros elementos de um programa
contrário a algumas anexações que considerava, com agnóstico em relação às instituições, — portanto, virtual-
toda razão, como imperialistas. Mussolini, evidente- mente monarquista e, o que é mais importante, preo-
mente, tinha ainda muito a lucrar em tais ocasiões, nu- cupado em não atentar à “soberania espiritual” do Vati-
ma época em que, a despeito de todos os seus esfor- cano — Marinetti, que se horrorizava “tanto” com o
ços e do tumulto presidido pelo Papolo d'Itália, con- “passadismo”, apressou-se em demitir-se do movimento.
seguia apenas representar-se a si mesmo. Foi essa talvez a origem das apreciações de Lunat-
charsky em Moscou. Não era contudo a ruptura de-
finitiva entre o fascismo e os futuristas. Igualmente
Futurismo e fascismo demissionário — do fascio de Roma —, Mario Carli
publicava pouco depois, com Emilio Settimelli, o heb-
E efetivamente, Marinetti, que deveria publicar domadário ultramonarquista Il Principe (“A monar-
pouco depois Al di là del comunismo (Para lá do quia absoluta é o regime mais perfeito”, declarava o
Comunismo, Milão, 1920), foi a única personalidade jornal), a que viriam suceder o Impero, e depois o
de alguma importância a participar da reunião da pra- Impero Fascista. Quanto a Marinetti, depois de cons-
ça San Sepolcro de 23 de março de 1919. A elabo- tar como signatário do Manifesto dos intelectuais fas-
ração do Programa dos fasci devia muito, entre ou- cistas de 21 de abril de 1925, passou a fazer parte —
tros, aos futuristas. Marinetti foi então eleito mem- triste fim para um futurista — da Academia de
bro do Comitê central e, em seguida, da comissão de Itália.

50 51
CAPÍTULO V moderada, ou mais hábil, representada por Giolitti, con-
siderava muito mais político capitalizar essa neutra-
lidade. Por outro lado, conferências com a Austria
procuravam fixar o preço — as “compensações”
da intervenção eventual da Itália junto aos Impérios
Guerra e Pós-Guerra Centrais.
A batalha do Marne foi o elemento decisivo, fa-
zendo com que se acreditasse que a guerra seria bre-
ve e que terminaria com a vitória da Entente. Com
exceção dos nacionalistas, os meios intervencionistas
estavam, aliás, convertidos às “democracias” e aspi-
ravam plenamente à reviravolta das alianças. Na
primavera de 1915 travaram-se novas conversações
com a França, a Grã-Bretanha e a Rússia, que con-
cluíram em 26 de abril pela assinatura do Pacto de
Londres no qual a Itália se comprometia, | mediante
“justas compensações”, a declarar guerra à Áustria
no prazo de um mês. Preparando-se para a aventu-
ra, Só restava ao governo italiano deixar o caminho
livre para as manifestações intervencionistas.
Da Tríplice ao Pacto de Londres
A agitação intervencionista
Em 1914 a Itália já estava ligada à Alemanha e
à Áustria-Hungria, desde 1882, por um pacto de alian- O intervencionismo, da mesma maneira que a
ça a que Giolitti, enquanto melhoravam as relações agitação fascista, alguns anos mais tarde, foi obra de
com a França, tentara dar um caráter estritamente uma minoria favorecida pela atitude do governo. De
defensivo. Se dermos crédito ao Livre jaune, publi- intervencionistas, propriamente ditos, houve apenas,
cado no final da Primeira Guerra Mundial pelo go- em favor dos Impérios Centrais, o Estado-Maior e
verno francês, desde o início do século a Itália com- os nacionalistas da A.N.I.; e em favor da Entente,
prometera- -se, no término de conversações entre Bar- o intervencionismo de esquerda, irredentista, amigo
rêre e Delcassé, de um lado e Visconti-Venosta e Pri- da democracia francesa ou inglesa, inimigo de Gui-
netti de outro, a permanecer neutra no caso de agres- lherme II e das tradições bismarckianas, obstinada-
são contra a França. A viagem de Loubet a Roma, mente hostil à Áustria-Hungria, sonhando libertar
em 1904, consagrara essa aliança. Trento e Trieste e algumas vezes até a Boêmia... Aí
Como a origem do conflito não constituísse o encontravam-se republicanos, como Pietro Nenni: anti-
casus foederis previsto pela Tríplice, em 3 de agosto gos socialistas, como Bissolati, Salvemini e, logo após,
de 1914, o governo italiano proclamou sua neutra- Mussolini; anarquistas arrependidos, como Marie Ry-
lidade. Sem dúvida, para os meios conservadores — gier ou Massimo Rocca; sindicalistas revolucionários:
Salandra, Albertini — a guerra representava um dre- Alceste De Ambris, Rossoni, Corridoni e, evidente-
no para as dificuldades internas: a agitação social pre- mente, os Futuristas com sua estética de tanques de
sidida pelos socialistas, o déficit orçamentário conse- combate. Para não falar em D'Annunzio que, des-
quenteà guerra da Líbia... Mas uma corrente mais denhando seus credores, retorna à Itália para diri-

53
52
gir campanhas e publicar sonetos em favor da inter- dara excluir, no Congresso de Reggio Emilia, os di-
venção... rigentes reformistas Bissolati, Cabrini e Bonomi. Di-
retor do Avanti!, a partir de 19 de dezembro de 1912,
Entre os adversários da guerra, encontravam-se evi- suscitara ou encorajara algumas greves gerais e, em ju-
dentemente os socialistas, a grande maioria do pro- nho de 1914, sustentara calorosamente a “semana ver-
letariado, e também os camponeses, os meios cató- melha” de Ancona, animada pelo anarquista Malates-
licos, sobretudo o Vaticano, hostil — como se sabia ta e pelo republicano Pietro Nenni. O próprio Grams-
— a uma guerra contra a católica Áustria-Hungria, ci é testemunha de que Mussolini foi, na época, ob-
e alguns meios burgueses, muito bem personificados jeto de um verdadeiro culto junto aos jovens socia-
em Giolitti ou Croce, mais por prudência e conservado-
listas.
rismo que por amor à paz, mas cujo peso sobre a
opinião pública era considerável; assim, em 9 de maio O período da neutralidade viu-o primeiro prati-
de 1915, houve ainda 300 deputados que ofereceram car a política da intransigência. No mês de setembro,
seu “cartão de visita” a Giolitti, considerado como o contudo, começou a vacilar, evitando, por exemplo,
partidário mais oficial da neutralidade. ir à conferência socialista de Lugano; ou aproximan-
do-se do diretor do Resto del Carlino, Filippo Naldi,
Mas, em 15 e 16 de setembro de 1914, Mari-
que deveria conseguir-lhe os primeiros fundos para
netti e os Futuristas organizavam em Milão as pri- lançar o Popolo d'Italia. A intervenção de alguns
meiras manifestações em favor da intervenção junto socialistas franceses, como Cachin, portador — dizia-
à França. Em 5 de outubro, um grupo de sindica- se — do “ouro francês”, representou, evidentemente,
listas revolucionários e de anarquistas aliados à “guer- um papel decisivo nessa conversão ?.
ra revolucionária” constituíam um Fascio d'azione
internazionalista, que lançava um primeiro apelo aos Aplaudido pelos meios intervencionistas de esquer-
trabalhadores italianos, em prol da “revolução eu- da, Mussolini a 18 de outubro publicava no Avanti!
ropéia”, “contra a barbárie, o autoritarismo, o mili- um longo artigo intitulado “Da neutralidade absoluta
tarismo, o feudalismo alemão e a perfídia católica da à neutralidade ativa e eficaz”, que era um apelo à in-
Áustria”. A partir de 15 de novembro, o interven- tervenção junto à Entente. Demitido de suas funções
cionismo de esquerda dispôs, além disso, de um ór- de diretor do Avanti! pela direção do Partido em 20
gão de escala nacional: o Popolo d'Itália. de outubro, Mussolini começou a publicar, em 15 de
novembro, o Popolo d'talia. Em 24 de novembro
foi excluído do Partido Socialista, levando consigo al-
A crise mussoliniana guns de seus camaradas.

A adesão de Mussolini ao intervencionismo foi


sem dúvida alguma a mais bela vitória dos partidá- Os “Fasci d'azione rivoluzionaria”
rios da guerra. Era, com efeito, o protótipo do “sub-
versivo”, do revolucionário que fazia tremer a bur- Em 1º de janeiro de 1915 Mussolini publicou no
guesia italiana. Depois de ter conhecido a boêmia, Popolo d'Italia o primeiro Manifesto dos “fasci d'azio-
o exílio, a fome, dizia ele, esse pequeno preceptor da ne rivoluzionaria”, que, retomando o Apelo de 5 de
Romanha, filho de um ferreiro socialista (que ascen- outubro, identificava a causa da Entente à da Jiber-
são!), o jovem Benito Mussolini, então começara a dade e via na luta de classes uma “fórmula vã” enquan-
tornar-se conhecido nos meios socialistas por sua in- to não fosse resolvida a questão nacional. Em 24
transigência e seu “idealismo revolucionário”. Ata- e 25 de janeiro reuniu-se em Milão o primeiro congres-
cando a guerra da Líbia, chegara em 1912 à chefia 1. Ver “Mussolini recebeu ajuda financeira dos socialistas
da corrente revolucionária do Partido, do qual man- franceses?”, p. 112.

54 55
so desses Fasci — “livres associações de subversivos” feridos. O estabelecimento de um protetorado na Al-
— onde Mussolini, contrabalanceado por De Ambris, bânia — em 3 de junho — evidentemente não bas-
evocou os “primeiros congressos da Internacional” con- tava para compensar essas perdas. O descontenta-
vidando à “revolução contra a monarquia inerte”. Um mento continuou a crescer terminando, em Turim, pe-
mês depois, o movimento contava cerca de 9 000 adep- la sublevação de agosto. A 25 de outubro, enfim,
tos em todo o país. foi a vez de Caporetto: 400 000 homens fora de com-
Tratava-se, para Mussolini e seus amigos, de con- bate; 3 000 canhões perdidos; uma retirada de per-
duzir a Itália para uma guerra contra a Áustria. Fez- to de 100 quilômetros com os austríacos às portas de
se o projeto de suscitar um casus belli realizando-se, Veneza.
com o apoio dos irmãos Garibaldi, um ataque de sur-
presa contra um quartel austríaco. Mussolini procu-
rou mesmo, por intermédio de um agente tzarista, ob- O movimento operário e a guerra
ter os fundos necessários para a operação... 2 En-
trementes, Mussolini esforçava-se por convencer os ou- Exceto algumas defecções, como vimos, os anar-
tros grupos “revolucionários” a conceder uma trégua à quistas pronunciaram-se resolutamente contra a guer-
monarquia se esta entrasse na guerra.
ra. A atitude dos socialistas foi marcada pelo duplo
Reencontra-
mo-lo, com Corridoni, De Ambris e Battisti, à frente cuidado de não aderir à guerra e de não sabotá-la.
das manifestações do “Maio radioso”, em Milão. A palavra de ordem oficial do Partido — “nem ade-
A rir, nem sabotar” — traduziu muito bem a oscilação
24 de maio a Itália declarou guerra à Áustria.
do centro — Serrati, Lazzari — entre reformistas que
se percebia estarem na iminência de cair no terreno do
A guerra: patriotismo — e foi o caso de Turati, depois de Ca-
Caporetto
poretto — e uma esquerda, Bordiga em particular, que
Mal preparado, mal dirigida, impopular, a guerra tinha em vista opor-se à guerra pela revolução.
foi, evidentemente, a aventura que Giolitti receava: Criadores em colaboração com os socialistas suí-
66 000 mortos, 190 000 feridos, 22 000 prisioneiros ços, da Conferência de Lugano (27 de setembro de
nos seis primeiros meses... Em maio de 1916 a 1914), os socialistas italianos participaram das con-
derrota de Asiago — 150 000 homens fora de com- ferências internacionais de Zimmerwald (5-8 de se-
bate — demonstrou a fraqueza do preparo militar ita- tembro de 1915) e de Kienthal (24-30 de abril de
liano e, indiretamente, a fragilidade das estruturas eco- 1916), onde, ainda que signatários de todos os tex-
nômicas do país. A partir de 9 de junho um “ministé- tos, situaram-se demasiado à direita com relação a
rio nacional”, sob a presidência de Boselli, reuniu re- Lênin. Mas, difundindo amplamente os Manifestos
presentantes de todas as tendências, com exceção dos e Resoluções das duas conferências, Serrati contribuiu
socialistas. Em 9 de agosto Cardona tomou Gorizia. inegavelmente para o reforço das correntes neutralis-
Alguns dias depois, encorajado pela entrada da Ro- tas e para a constituição de uma “esquerda comunis-
mênia na guerra, a Itália declarou guerra à Alemanha. ta” na Itália. Esta deveria encontrar-se em Florença
em 18 de novembro de 1917, alguns dias após a Re-
Como em toda a parte na Europa, 1917 foi um
volução de Outubro.
ano de crise: dificuldades financeiras, restrições e prin-
cipalmente esgotamento e cansaço. De maio a se- A revolução russa de fevereiro, em que o pró-
tembro, as ofensivas contra Isonzo, dirigidas por Car- prio Mussolini viu o prelúdio da revolução alemã, co-
dona, causaram mais de 100 000 mortos e de 150 000 mo também a mensagem pontificial de 1º de agosto de
1917, contribuiram para intensificar as tendências pa-
2. Ver “Situação do Problema”, p. 115, n. 4. cifistas e, sobretudo, para estendê-las a novas cama-

56
57
das da sociedade. Em agosto, após a passagem de pamentos, a Ilva e Ansaldo, declaravam, no final da
dois enviados de Kerensky — os mencheviques Gol- guerra, um capital de 300 milhões e 146 milhões de
demberg e Smirnov, que se apresentaram abusivamen- obrigações (Ilva), 500 e 100 milhões (Ansaldo).
te ante a multidão como mensageiros da paz —, o pro- Em 1918, todas as empresas controladas pela llva
letariado de Turim, exasperado pelas restrições, pela fundiam-se legalmente. Mais modestas, as empresas
falta de pão e pela duração da guerra, revoltou-se: como a Fiat decuplicaram o capital, enquanto que o
insurreição espontânea, cuja responsabilidade foi atri- da Breda ou da Terni atingia 100 milhões.
buída a Serrati e aos socialistas.
Temos, como consegiências dessa concentração
Caporetto inverteu bastante curiosamente as ten- industrial: aumento da instabilidade no setor agrário,
dências que se patentearam durante todo o ano. Al- já abalado pela mobilização, e a baixa da produção
guns grupos, — os católicos em particular — uniram- agrícola: de 50 milhões de quintais em 1914 (aos
se na defesa da pátria ameaçada. Dentro do Parti- quais vinham juntar-se 14 milhões de quintais impor-
do Socialista, a ala reformista — Turati, Treves, Ri- tados), a produção de trigo caiu a 38 milhões de quin-
gola — e mesmo, mais timidamente, alguns elementos tais, durante a guerra. A eliminação de um grande
centristas, passaram também à “defesa territorial”. Ao número de médias e pequenas empresas, outra con-
mesmo tempo que condenava esses extravasamentos pa- segiiência da concentração, afetou ao mesmo tempo
trióticos, o centro protestava contra as acusações de a pequena burguesia, contribuindo assim para sua
sabotagens dirigidas aos socialistas depois de Capo- proletarização, e alguns setores do proletariado con-
retto. A esquerda, ao contrário, propunha — em denados ao desemprego. A isso, acrescentaram-se
Florença — preparar-se para a insurreição. As três
os efeitos da inflação, a desvalorização da lira e a
grandes correntes estavam já na situação em que se baixa do nível de vida. De 1914 a 1920, a lira per-
encontrariam após a guerra.
deu, com efeito, 80% de seu valor. O câmbio pas-
sou de 5,18 liras por um dólar, em 1914, a 13,07 em
1919 (para chegar a atingir 28,57, em dezembro de
Efeitos econômicos da guerra
1920). Acreditara-se, de fato, na curta duração da
guerra e ninguém se preocupara com seu financiamen-
A guerra acentuou os processos de concentração
to — abandonado quase inteiramente aos recursos fis-
industrial e contribuiu para modificar a composição
cais. O déficit do Estado elevou-se assim a 214
do capital italiano, o capital constante tendente a au-
mentar sempre mais em relação ao capital variável. milhões, em 1914-1915, a 23 345 milhões em 1918-
De 1915 a 1917, a taxa média de lucro na indústria 1919, sendo que a maior parte das despesas, devido
passou de 4,26% a 7,75%; para os principais ramos: ao sistema fiscal, coube à pequena burguesia.

e! 1915 1917
O após-guerra — o “diciannovismo”
siderurgia as assda sas 6,3% 16,55%
Resultado: concentração industrial, mas frágil e
automobilística .... 8,2% 30,51% desproporcional às estruturas e às possibilidades do
quimica 4 us ss: 8,02% 15,39% país. Foi assim que no duelo que oporia, no pós-
Borráchas. su sea é 8,57% 14,95% guerra, os irmãos Perrone (Ansaldo) ao Banco Co-
mercial italiano, este não hesitou em financiar
De 200 000 toneladas por ano, a produção de um Consórcio proprietário das ações do Crédito Ita-
ferro e aço elevou-se, no decorrer do conflito, a 1 liano, que financiou, por sua vez, um segundo Con-
milhão de toneladas por ano. Os dois grandes agru- sórcio, proprietário das ações do Banco Comercial.

58 59
A derrocada da Ilva e de Ansaldo em 1922 teste
nhou perfeitamente essa fragilidade. Conce mu- conseguiriam reintegrar-se na vida
ntração civil
? quantos forne-
que, como já dissemos, ocorreu juntamente ceriam seus quadros às esquadras
com o fascistas? Crise do
empobrecimento de algumas camadas da pequena capit
al, como no resto do mundo:
bur- era necessário reco-
guesia: e a locar a produção em anda
esse título o fascismo foi efetivamente a mento; transformar as
“revolução” das classes médias $; o crescimento do
indústri as ampliadas artificialmente,
privadas de mercados; repentinamente
desemprego em uma parte do proletariado e, simulta- resolver, impedir o aumento de
neamente, a desemprego* exacerbado pelas restrições
passagem de uma parte da mão-de-obra aplicadas à
rural para a indústria: proletariado jovem emigração. Crise social: empobrecimento
, (relativo)
talvez essa falsa idéia de que o “maximalismo” — daí das grandes massas trabalhadoras, enriquecimento fa-
medra- buloso dos beneficiários
ria no movimento operário; a queda da da guerra.
Crise política en-
produção fim: a velha classe dirigente não
agrícola: e o Partido Popular, fundado por Don soubera evitar a guer-
Sturzo ta, nem prepará-la, estando comp
em 1919, exprimiria ao mesmo tempo as aspir letamente a ponto
ações de de perdê-la, aliás, como o test
todo um setor da população camponesa e a emunhou no mês de
participação, agosto de 1919, uma pesquisa sobre Caporett
— reforçada pela guerra, sobretudo após o.
Caporetto —
dos católicos na vida nacional. O diciannovismo — o espírito
expressão desse clima de decepçõe de 1919 — foi a
O último ano de guerra fora conduzido à custa confundidas, de “vazio” do poder s e de esperanças
de promessas e de ilusões: a terra para os e de sensação de que
camponeses, tudo era possível. Greves, agitação
solução da questão meridional, ampliação ou contra a intervenção na Rúss contra a carestia
da democra- ia, Sovietes provisórios
cia, lugar para os antigos combatentes etc. e efêmeras Repúblicas bolchevi
Unido aos ques, pilhagens às vezes,
14 pontos de Wilson, o intervencionismo de — à “santa vingança popular”
esquerda , como a chamava ainda
acreditara numa paz egiiitativa: “Seria um mau ne- Mussolini, teve livre curso,
gócio para a Itália — escrevia ainda De parecendo mesmo a certa
Ambris em. altura, em 4 de julho, encami
março de 1919 — confundir seu direito e nhar-se para a revolução.
sua segur Mas novas forças já abriam
com o apetite imperialista do quilômetro quadr ança corrente começou a mudar de
caminho: desde 1920 a
ado de rumo...
terra”. Mas as vitórias da Piave (junho de 1918)
de Vittorio Veneto (3 de novembro), assim e
como o
preço da guerra: 600 000 mortos, 500 000 mutilados,
fizeram com que se esperassem “justas
compensações”.
A Conferência de Paris, longe de cumpr
ir as promessas
do Pacto de Londres, rejeitou a maior parte
das reivin-
dicações italianas, em particular: Trieste. O mito
da “vitória mutilada”, de uma pregnância
extrema, ten-
tou justificar essa situação: a Itália manifestav
a-se mais
uma vez como a “grande proletária”, alvo para
as cons-
pirações do “imperialismo estrangeiro”
e das “pluto-
cracias”.
Crise moral, pois: nos bairros proletário
grandes cidades, cuspia-se nos ofici s das
ais que ousavam
exibir-se em seus uniformes e suas cond
ecorações. Dos
160 000 oficiais que seriam desmobilizados, quantos
3. Ver “Situação do problema”, 4. Dezembro de 199%:
p. 104. 102 000 desempregados; julho
388 000; dezembro de 1921: de 1921:
512000; janeiro de 1922: 606
000.
60
61
CAPÍTULO VI os credos, dogmas, mentalidade e sobretudo preconcei-
tos dos velhos partidos”. Em 3 de janeiro de 1919
convocava enfim à reunião de uma “constituinte de in-
tervencionismo italiano”, o que o colocava numa posi-
ção bastante moderada dentro do intervencionismo de
A Fundação dos Fasci ltaliani
esquerda.
di Combattimento
O projeto chocou-se contra as zombarias da U.S.1.
mas recebeu a adesão dos futuristas e de alguns repu-
blicanos. Pouco depois, o Congresso de Bolonha da
C.G.L. adotava igualmente o projeto de uma Consti-
tuinte democrática conferindo-lhe uma conotação fran-
camente reformista. “Chegamos pois — comentou
Mussolini — ao partido do trabalho que é, quer eles
confessem ou não, a aspiração tão ardente quanto se-
creta de todos os que compõem o estado-maior da
C.G.L.? [...] A C.G.L. permanece... no terreno da
democracia... Não se trata pois de ditadura de clas-
se através de um partido político, mas de soberania
popular sob a forma do governo republicano.” Mas o
Popolo d'Italia e seu diretor permaneciam isolados.
Mantido principalmente pela publicidade da Ansaldo, o
jornal ia vivendo. Mussolini constituíra para si uma
Sem esperar pelo fim da guerra, alguns represen-
espécie de pequena corte ou de exército entre os arditi
tantes do intervencionismo de esquerda começaram a
desmobilizados, mas estes continuavam sobretudo sob a
reagrupar-se em torno de objetivos pretensamente re-
volucionários. Em março de 1918, Alceste De Am- influência dos futuristas. De fato, era difícil situar-se
entre os republicanos, os reformistas da C.G.L., os fu-
bris publicava o primeiro número de Rinnovamento.
turistas, os socialistas da U.S.I. e os sindicalistas de
Alguns meses mais tarde, em 13-15 de maio de 1918,
concorria para a criação da Unione Socialista Italiana,
Rossoni.
primeira organização do “socialismo nacional”, que
aceitava ao mesmo tempo o “conceito de luta de
Um socialismo nacional: Dalmine
classes” e o “conceito de pátria-nação”. Na mesma
época, a Unione Italiana del Lavoro, sob os auspícios
Subsistia a esperança de realizar a “síntese da an-
de Rossoni, recomeçava a funcionar lentamente, a for-
títese: classe e nação”. A 6 de janeiro de 1919 o
mular, ao menos, objetivos. Mussolini não aderira a
Popolo d'Italia aprovava vigorosamente a greve dos pos-
nenhuma dessas iniciativas, mas, com seu faro habitual,
talistas. Em 11 de janeiro, à frente de um grupo de
modificara o subtítulo do Popolo d'Itália, que assim se arditi, Mussolini e os futuristas intervinham na confe-
tornara, a partir de agosto de 1918, o “diário dos com- rência de Bissolati no Scala de Milão e aos gritos de
batentes e dos produtores”. Depois, após ter celebra- “Vendido”, “Traidor”, “Croata” e “Viva a Dalmácia
do a vitória (“Corações ao alto!”) começara a falar italiana”, impediam Bissolati, demissionário do governo
muito vagamente de seu “antipartido”: “Nós consti- de Orlando, de expor e justificar os motivos de sua de-
tuiremos o antipartido dos realizadores... uma orga- missão: sua oposição à anexação da Dalmácia e, mais
nização fascista, que não terá nada em comum com amplamente, à política expansionista do governo. Mus-
62 63
solini dava assim mais um passo na direção dos na- esqueceram a nação... Vocês se subtraíram ao jogo
cionalistas. das influências políticas”.
Em 2 de março de 1919 o Popolo d'Italia convi-
dou leitores, simpatizantes e amigos a se reunirem em
Milão no dia 23 do mesmo mês para que aí se cons- A reunião de San Sepolcro
tituíssem fasci di combattimento. O programa, acres-
centava Mussolini, “está contido no próprio termo”. Os biógrafos mais dedicados a Mussolini estão de
E precisava alguns dias depois: “Em 23 de março, acordo em afirmar que, a reunião de 23 de março, que
não se fundará um partido mas dar-se-á impulso a um marcou o “ato de nascimento” dos Fasci di combatti-
novo movimento... Em 23 de março, criar-se-á O mento, foi uma das mais modestas e passou quase que
antipartido.” O programa? —- “Alguns pontos, mas despercebida: “cento e cingiienta pessoas, segundo
precisos e radicais.” Tratava-se de fato, separando-se Margherita Sarfatti... os nomes conhecidos não che-
“não somente do socialismo oficial, mas também de gavam a dez”. Entre estes, Marinetti Eo capitão
todos esses pequenos grupos e homens que procuram Mario Carli, futurista e ardito ao mesmo tempo. As
talvez em vão”, continuar “a revolução” iniciada em circunstâncias, constataria Giorgio Pini, não favoreciam
maio de 1915 e prolongada até o final da guerra. Fe- o proselitismo. Mussolini anunciara centenas de ade-
lizmente, a greve de Dalmine veio colocar um pouco sões. Dois dias antes da reunião, para dar peso a seu
de clareza nas idéias de Mussolini. empreendimento, constituiu um primeiro fascio, o de
Milão, onde se encontraram o sindicalista Michele
Em Dalmine, pequena cidade dos arredores de Bianchi e Ferruccio Vecci, amigo de Marinetti e chefe
Bérgamo, os metalúrgicos da empresa Franchi-Grego- dos arditi que vaiaram Bissolati em 11 de janeiro.
rini — cerca de dois mil operários — não obtendo jus- Uma sala emprestada pelo Círculo dos Interesses In-
tiça por parte dos dirigentes da fábrica, acabaram por dustriais e Comerciais, local onde se realizavam fre-
expulsar os proprietários, entrincheirando-se na própria quentemente reuniões desse gênero, abrigou, na praça
fábrica. Sindicalizados em sua maioria à U.IL. de
do San Sopolcro em Milão, durante todo o dia 23 de
Rossoni, colocaram no telhado da fábrica a bandeira
março de 1919, a assembléia constituinte dos Fasci di
nacional italiana e praticaram durante dois dias, no
Combattimento, “reunião privada” conforme a convo-
fim dos quais o exército viera desalojá-los, a “greve
cação de 2 de março.
produtiva”. O Popolo d'Italia seguiu o caso com mui-
ta atenção. Essa foi, de fato, para Mussolini a ocasião A assistência compunha-se, em sua maioria, de
de formular pela primeira vez um dos principais temas antigos membros dos Fasci d'azione rivoluzionaria, de
do programa fascista, mas de um fascismo ainda popu- intervencionistas de esquerda, anarco-sindicalistas e re-
lista: “A formação do Conselho dos operários que, publicanos, como Farinacci, e de arditi desmobilizados:
durante três dias, permaneceu vigilante na direção do entre os, aproximadamente, cinqiienta nomes citados
estabelecimento e assegurou seu funcionamento... Te- pelo Popolo d'Italia no dia seguinte, encontram-se dez
presenta a tentativa honesta, o esforço pleno de boa oficiais, na maioria tenentes, e, além de Marinetti, dois
vontade, a ambição digna de suceder à classe dita bur- futuristas, Mario Carli e Achille Funi. Se por um
guesa na gestão do trabalho”. O ocupação de Dal- lado, a partir do dia seguinte, Mussolini começou a
mine, precisou ele algum tempo depois, vem provar a falar do “programa” do movimento que acabava de
“capacidade do proletariado em dirigir diretamente a fundar, por outro, a assembléia, onde se fazia sentir a
fábrica”. Depois, a 20 de março, quando, dois dias ausência de De Ambris, foi incapaz de escapar ao confu-
depois, tudo retornara à ordem, Mussolini dirigiu-se a sionismo que presidira sua convocação e foi necessário
Dalmine e, num discurso rápido, felicitou os operários: esperar o dia 6 de junho de 1919 para encontrar no Po-
“Vocês se colocaram no terreno da classe, mas não polo d'Halia o manifesto do movimento (Ver Do-

64 65
cumento 3). A intervenção de Marinetti, bastante comissões, designadas em 19 de abril, e um secretariado
frágil, refletiu muito bem o clima de incerteza reinante nacional, em 6 de maio, constituíram a organização do
entre os participantes: todos os “que não têm medo da novo movimento. A partir de 15 de agosto começou
palavra revolução, declarou ele em resumo, devem afas- a ser publicado em Milão o hebdomadário 11 fascio,
tar a multidão de seus maus pastores e guiá-la rumo a órgão oficial dos Fasci, cujos meios e recepção conti-
novas formas de governo mais livres e mais modernas”. nuaram limitados. O movimento contentou-se com
De forma alguma amedrontado pela palavra “bolche- efeito em sobreviver até o verão de 1920. Os efetivos
vismo”, terminava com um apelo a “ousar tudo”. Salvo o testemunham: no final do ano, havia na Itália trinta
uma exceção, as outras intervenções contentaram-se em e um fasci reagrupando oitocentos e setenta adeptos; o
aprovar Mussolini. fascio de Gênova, por exemplo, contava apenas com
Negando querer fundar “um partido dos comba- vinte e nove. Em dezembro de 1920 encontravam-se,
tentes”, submeteu à aprovação da assembléia três de- ao contrário, oitenta e oito fasci reunindo vinte mil
clarações que procuravam definir as tarefas do inter- adeptos.
vencionismo de esquerda. Seu comentário sublinhou
alguns “resultados positivos” da guerra: “A reação
O incêndio de “Avanti!”
não triunfou em nenhuma nação vitoriosa. Todas ca-
minham para uma democracia política e econômica
maior” e insistiu na necessidade de não autorizar “as A 15 de abril de 1919, em Milão, uma pequena
nações ricas” a “lograr” as “nações proletárias” na So- tropa composta de arditi, de futuristas, de fascistas e de
ciedade das Nações. Quando se tratou — à tarde — estudantes nacionalistas invadiu e incendiou a sede do
de propor alguns pontos de referência, o diretor do Avanti! “Nós, Fasci, não preparamos esse ataque
Popolo d'Italia deixou-se levar por um impulso cuja contra o jornal socialista, mas aceitamos toda a res-
demagogia chegava ao absurdo. -... Escrevi que seria ponsabilidade moral pelo incidente”, declarou Musso-
lini, enquanto Ferruccio Vecci e Marinetti, insistindo no
necessário ir ao encontro do trabalho que partir das
caráter espontâneo de sua ação, também reivindicavam
trincheiras, pois seria odioso e bolchevista recusar-se a
reconhecer os direitos dos que fizeram a guerra. [...]
essa responsabilidade. Tolerado pela polícia e por
Eles querem as oito horas?... as seis horas? as pen- Bonomi, então Ministro das obras públicas, em visita à
sões de invalidez e de velhice? o controle das indús- Milão, aprovado pelo General Caviglia, Ministro da
Guerra, o incêndio do Avanti! foi o “primeiro ato da
trias? Nós apoiaremos essas petições...” Ao que
guerra civil”. E, sobretudo, marcou um ponto de con-
Michele Bianchi protestou: “E fácil ganhar a simpatia
tinuidade no itinerário dos fascistas e em suas relações
das massas com grandes promessas... Não somos
uma assembléia de demagogos”. O essencial foi con- com o movimento operário. A 19 de maio Mussolini
tudo que Mussolini pronunciou-se a favor de uma repú- lançou um apelo aos operários socialistas: “Proletá-
blica em que os interesses profissionais estivessem re- rios! acabem com a tirania dos políticos da carta cons-
titucional!”
presentados: “Poder-se-ia objetar a esse programa
que, com ele, retorna-se às corporações. Pouco im-
porta. Trata-se de constituir Conselhos de categoria
Rivalidades. ..
que integram a representação sinceramente política”.
A sessão terminou com a designação de um Comitê No primeiro congresso dos Fasci, em 9 e 10 de
central que compreendia, entre outros, além de Mus- outubro, em Florença, ficou evidente que o movimen-
solini e Marinetti, Ferruccio Vecchi, Mario Giampaoli e to se impacientava. As adesões e os números eram
Cesare Rossi (de quem se tornaria a falar, sobretudo, intencional e desmedidamente aumentados — esta-
na época do assassinato de Matteotti). Uma série de vam longe de atingir o “milhar de fasci” prometido por
66 67
abolição da censura e manifestou sua solidariedade a
Não havia dinheiro. Alguns elementos,
Mussolini.
O papel de D'Annunzio, — e os fascistas foram às eleições.
bastante curiosamente, não aceitavam
de abril: Em 15 de novembro, Mussolini apresentou-se
“guarda branca” que lhe conferiam desde 15 mas encabeçando uma lista em que se
Ardit! não são a sentinela de um Governo, então em Milão,
“Os
da Nação!”, manchete de uma página inteira do Ar- encontravam também os nomes de Toscanini e de Ma-
18 de maio de 1919. Mussolini continuava, rinetti. Para este último, Armando Mazza, poeta fu-
dito de
de todo turista que animava o hebdomadário antibolchevis:a
acima de tudo, longe de ser o chefe inconteste nunzio, I Nemici d'Italia, idealizou uma propaganda eleitoral
E D'An
o movimento. Havia Marinetti... As despesas da campanha
conduzir ao sob a forma de caligramas.
cuja “marcha sobre Fiume” acabava de o her- foram — parece-nos — cobertas, em grande parte,
primeiro plano... “O último dos italia nos,
lou o nome da praças à subscrição aberta pelo Papolo d'Italia em fa-
deiro desse espírito latino que propa
cham ava o Ardit o, vor de D'Annunzio e de Fiume. Foi um fracasso
pátria no mundo inteiro”, como o
nal? Mari- retumbante. Enquanto os socialistas contavam, só na
não era o chefe virtual da icvolução nacio cidade de Milão, com cento e setenta mil votos, a lista
netti fora para Fiume. Foi a oportunidade, para OS
a glória do caso: Fiume, fascista, dirigida por Mussolini, obeteve apenas quatro
futuristas, de reivindicar O Avanti! publicou
Marine- mil, setecentos e noventa e cinco.
“capital futurista da Itália, como D'Annunzio, então uma nota pretensamente irônica: descobrira-se
Após 0.
tti... são os chefes futuristas italianos”... no esgoto da cidade o cadáver, em estado de putrefa-
lidar
Congresso, houve um esforço no sentido de conso ção, de um suicida, Benito Mussolini...
elli, saem
a trindade: “Três nomes, escreveu Settim
defin itiva mente ligad os: Marinetti,
desse congresso
nte, era
Mussolini, D'Annunzio”, o que, evidenteme
falso.

As eleições de 1919
sobretudo
Mussolini, todavia, estava preocupado novem-
o dia 15 de
com as eleições anunciadas para 7 de outu-
Uma viagem relâmpago a Fium e, a
bro. r uma
r D'An nunz io de tenta
bro, permitiu-lhe dissuadi
e, ainda, de se apresentar no congresso
sublevação
do-se o dis
apoiado pelo “Comandante”. Excetuan à ques-
dedi cado em gran de parte
curso de Marinetti, ncia l do:
o esse
tão da “desvaticanização” da Itália, das can-
ão
congresso foi portanto dedicado à preparaç
didaturas fascitas às eleições que se aproximavam.
Mussolini insistiu então sobre a necessidade — sem
qualquer preocupação doutrinária — de aproveitarem
o para O partido:
toda a oportunidade de afirmaçã
s preestabelecidas,
“Nós, fascistas, não temos doutrina onde
nossa doutrina é o fato... Devemos nos afirmar
quer que formos”. O congresso endossou e o progra-
ro, exigiu a
ma sindical da Unione Italiana del Lavo
69
68
CAPÍTULO VII Foi então que uma série de artigos, “Como nos enca-
minhamos para Caporetto”, publicados na Stampa,
acabou por exasperar os militares e os meios naciona-
listas. Falou-se novamente de um golpe de Estado,
em favor, desta vez, de Emanuele Filiberto, duque de
1920, O Ano da Guinada Aosta. A 12 de setembro, uma coluna de “legioná-
Revolução ou Reação rios”, comandada por D'Annunzio, apoderou-se de
Fiume e proclamou sua anexação à Itália.
Era o mesmo que colocar os aliados e o governo
diante do fato consumado, Em um discurso que pro-
vocou escândalo, Nitti denunciou diante do Parlamen-
to a empresa do “literato vaidoso” e invocou o apoio
das “massas anônimas”; clamou-se contra o bolchevis-
mo. Para os socialistas, era mais um sintoma da
“desagregação do regime burguês”. Não menos sur-
preso que as autoridades e, em resumo, não muito mais
entusiasta, Mussolini abriu em seu jornal uma subs-
crição em favor de Fiume, e empreendeu uma campa-
nha que D'Annunzio julgaria bastante fraca. “O Co-
mandante é um grande poeta que admiro de todo co-
ração; quanto a mim sou um sólido camponês ligado
à realidade da gleba”, notava Mussolini politicamente
A ocupação de Fiume consciente de suas possibilidades. Uma eventual rea-
proximação com os socialistas, uma cadeira no Par-
A 16 de maio de 1919 um acordo ítalo-iugoslavo lamento: eram estes também, provavelmente os obje-
colocou Fiume sob a proteção da S.D.N. Descon- tivos do diretor do Papolo d'Italia.
tentes com essa solução — era “Fiume ou a morte” — Em Fiume, não se desprezava a idéia de tentar
nacionalistas e fascistas reiniciaram as agitações. A uma “marcha sobre Roma”. Tencionava-se mesmo
10 de maio, o Fascio de Roma condenara “o imperia- apoiar-se em Malatesta, recém-chegado do exílio. Ele
lismo bancário estrangeiro” e “a aliança da plutocra- recusou, evidentemente. Houve também aberturas
cia” que se encarniçavam contra a “nação proletária . para alguns socialistas. E para a Rússia bolchevista.
Começaram então a circular rumores. D'Annunzio, “Entre Fiume e Moscou, escrevia Mario Carli na pri-
Mussolini, os nácionalistas de Federzoni e o general mavera de 1920, há talvez um oceano de trevas. Mas
Giardino estariam em vias de preparar um golpe de. indiscutivelmente Fiume e Moscou são duas margens
Estado para, em seguida, poder declarar guerra à Iugos- luminosas. É necessário, o mais depressa possível, lan-
lávia. ! çar uma ponte entre essas duas margens”.
No início de julho, violentos incidentes manifes- A primeira reação do governo italiano fora pro-
taram-se em Fiume entre as tropas francesas, que se clamar o bloqueio da cidade. Mas excessiva cumpli-
encontravam estacionadas na cidade, e os soldados e cidade rodeava D'Annunzio. Soldados e “legioná-
civis italianos. Falou-se de “Vésperas fiumianas” y rios” continuaram a afluir: em pouco tempo havia
Após averiguação de uma comissão quadripartida, os perto de vinte mil deles. Navios de guerra chegavam
Granadeiros de Sardenha tiveram de deixar a cidade, ao porto, colocavam-se ao serviço do “Comandante”.
Os homens do capitão Giulietti desviavam da rota os
1. Evocando as “Vésperas sicilianas” de 1282. cargueiros,- assegurando assim a intendência. Nitti

70 é 71
foi então forçado a concordar com as negociações. se acentuar. Uma inegável radicalização das massas
D'Annunzio comprometeu-se a não empreender novas proletárias, uma combatividade que se expressou nu-
anexações. Este foi, por alguns meses, o statu quo. ma série incessante de greves: Mussolini chegou mesmo
E se, como escreveria Aniante, D'Annunzio foi o “São a falar de “grevemania”, — uma vontade, às vezes
João do fascismo”, o foi menos, evidentemente, por mistificada, de agir da mesma forma que se agia na
ter pregado uma palavra mussoliniana qualquer, que Rússia seguiam-se paralelamente à incerteza dos di-
por ter contribuído para a decomposição do Estado rigentes socialistas e à franqueza de outras organiza-
liberal e tê-lo constrangido portanto, pela primeira vez, ções como a Federação Anarquista.
a ceder. Entretanto, greves e ocupações de fábricas su-
cediam-se de maneira desordenada, sem coordenação:
greve dos postalistas, depois a dos ferroviários, em
O “Natal de sangue” janeiro; ocupações de fábrica em Sestri Ponente a 18
de fevereiro, em Viareggio a 19, em Ponte Canavese
Proclamando-se “Regente de Quarnero”, D'An-
e Torre Pellice a 28, em Asti a 2 de março e em Ná-
nunzio publicou em 30 de agosto de 1920 os “Esta-
poles a 24, em Sesto San Giovanni a 4 de junho e em
tutos de Guarnero” com os quais Mussolini deveria de junho... Nos campos, a agitação
entusiasmar-se. Reencontrava-se aí a maior parte dos Piombino a 10
pelo reajuste dos salários agrícolas não cessava.
temas do intervencionismo de esquerda. A contri- fora atingido pela “grevemania”. As
buicão de Ne Ambris. chefe de cábinete de D'Annun- O vale do Pó
vuição G€ ve Amors, encic Ge gaoincie nnun
Ligas “brancas”, católicas, com perto de um milhão
zio, fazia-se sentir, particularmente no espírito corpo-
de adeptos, prevaleciam sobre os socialistas, que con-
rativista dessa Constituição. Os cidadãos estavam di-
tavam com setecentos e cinguenta mil elementos.
vididos em dez corporações, que deveriam eleger em ca-
Portanto, crise das classes dominantes, e do
seguida um “Conselho dos Provisores” destinado a
flanquear o “Conselho dos Melhores”, eleito, por sua pitalismo, mas principalmente crise da direção revo-
vez, na base do princípio do sufrágio universal. Evi- lucionária. “Ao lado da crise burguesa, há a crise
do socialismo, constatava Mussolini. Dir-se-ia que
dentemente, o fascismo deveria inspirar-se nisso...
elas se condicionam reciprocamente...”
Em 9 de setembro, enfim, D'Annunzio proclamou contudo,
Dentro do P.S., alguns se esforçavam,
a independência da “Regência italiana de Quarnero”,
que ampliou pouco depois com algumas ilhas iugosla- no sentido de superar o centrismo da direção. Com
vas. Giolitti não poderia razoavelmente, como o su- Bordiga, o grupo do Soviet dedicava-se à construção
geria um artigo irônico (e talvez provocador) do
de uma organização revolucionária em todo o país.
Popolo d'Italia, solicitar o nihil obstat de D'Annunzio Afastando-se de Lênin quanto ao problema das elei-
ções, Bordiga era, sem dúvida, o que melhor com-
para pôr em prática os acordos ítalo-iugoslavos de
preendera o risco da cisão sancionada, no plano inter-
Rapallo. A 24 de dezembro de 1920, as tropas ita-
lianas iniciaram o ataque a Fiume, obrigando D'An- nacional, com a criação da III Internacional: “O obje-
tivo histórico dos comunistas é a formação do par-
nunzio a demitir-se. Esse “Natal de sangue” pôs fim
ao “tumultuoso poema” — expressão de Sforza — tido político de classe e a luta pela conquista
revolucionária do poder”. Com um radicalismo me-
que foi para D'Annunzio a aventura de Fiume. Para
Mussolini, ele levantou uma hipoteca. nos marcado, freqiientemente taxado de anarco-sindi-
calismo, o grupo da Ordine Nuovo de Turim continua-
va, por sua vez, seu trabalho de organização paciente,
A crise socialista limitado a Turim e seus arredores. Foi essa sem
dúvida, sem falar do conteúdo do programa, a fraqueza
Após as eleições vitoriosas de novembro de 1919 essencial do movimento, destinado a permanecer iso-
as ambigiiidades do Partido Socialista continuaram a lado.

72 73
Pôde-se observá-lo por ocasião da famosa “greve em fazer com que a polícia e o exército ocupassem os
das agulhas”, em abril de 1920. A direção da FIAT, centros industriais. Assim “enquistado”, o movimen-
tendo adotado a hora legal sem consultar as comissões to só podia fracassar. Seria necessário ampliá-lo.
internas, fez com que estas proclamassem uma pri- Mas, como deveria notar Rakosi, “todos os revolucio-
meira greve (28 de março) que resultou (13 de abril), nários — Serrati, Bordiga, Borghi — encontravam-
numa greve de solidariedade, estendendo-se por toda se em Moscou”. Exceto os anarquistas e o grupo da
a região de Piemonte e reunindo meio milhão de ope- Ordine Nuovo, bem poucos pensavam em se empenhar
rários e de camponeses. Para a C.G.L. era um ato numa “luta decisiva” (Ver Documento 6). A 7 de
de indisciplina caracterizada. O Conselho nacional setembro, em Sampierdarena, uma conferência anar-
do P.S.I., reunido em Milão, recusou-se a intervir. quista, de que participaram o secretário da Seção Me-
Isolado, o movimento estava condenado a perecer. Em talúrgica de Turim, Pietro Ferrero, e um anarquista
24 de abril, após dez dias de luta, o trabalho reco- ligado ao Ordine Nuovo, Maurizio Garino, projetou
meçou. “criar um fato consumado”, ocupando o porto de
Foi necessário, contudo, para que se destruíssem Gênova, e depois todos os portos da Ligúria e todos
as últimas ilusões, o malogro da ocupação das fábri- os estabelecimentos industriais. Mas, apoiada pelas
cas, no verão de 1920. garantias do delegado da C.G.L. Colombino, para
quem a própria central sindical, sem tardar, tomaria
essa decisão, a assembléia decidiu não se empenhar
A ocupação das fábricas numa ação parcial e prematura.
Reunidos em Milão (9-11 de setembro), os diri-
gentes da C.G.L. recusaram-se a manter uma ação
Desta vez o movimento visava obter um aumento
revolucionária. Era necessário, para D'Aragona, con-
de salário — sinal de que o nível das lutas já baixa-
tentar-se em fazer com que reconhecessem “o princí-
ra. Depois de dois meses de discussões, a 13 de
pio do controle sindical das empresas”. Colocou-se
agosto de 1920, os industriais rompiam as negociações
então a revolução em votação... A tese de D'Ara-
com os dirigentes da Federação dos metalúrgicos.
gona venceu por 591 245 votos contra 409 596 e 93 623
Estes decidiram então pôr em prática a obstrução e,
abstenções.
eventualmente, ocupar as fábricas. A 30 de agosto
Em 15 de setembro, Giolitti reuniu em Turim os
de 1920 a Força Pública ocupou os estabelecimentos
representantes das duas posições para atualizar esse
Romeo de Milão. No mesmo dia, às 17 horas, as
trezentas fábricas de Milão estavam nas mãos dos
reconhecimento do controle sindical exigido pela
C.G.L. O acordo foi assinado em 22 de setembro
operários. O movimento continuava em Turim, Gê-
e, em 4 de outubro, o trabalho recomeçou. Um de-
nova e nas principais cidades do “triângulo”, estenden- creto-lei de Giolitti, em 19 de setembro, constituíra uma
do-se a toda a Itália. Como já o narrava o Umanita comissão paritária encarregada de preparar a lei so-
Nova de 1º de setembro de 1920: “Colocaram-se bre o controle sindical. Encontrava-se aí, em com-
sentinelas nas portas e içaram-se sobre as fábricas
panhia de Turati, Umberto Terracini, do grupo do
bandeiras vermelhas e bandeiras negras”. E quase Ordine Nuovo 2.
em toda a parte houve, como em Dalmine um ano an-
tes, a “greve produtiva”.
Giolitti e o planejamento do capital
Longe de intervir como o exigiam os industriais
— propôs ironicamente a um deles que mandasse As novas relações entre os bancos e a indústria
bombardear sua fábrica... — Giolitti, que nem se pesada, o surgimento de um capital financeiro, exigiam
deu ao trabalho de interromper suas férias, conten- 2. “Ignazio Silone ricorda una posizione dei comunisti al
tou-se em mandar as tropas cercarem as fábricas e tempo della resa”, Umanitã Nova, 11 out. 1964.

74 75
uma transformação das relações entre o capital e a subversivos para interessar diretamente aos “capitalis-
força-trabalho. Tratava-se de intensificar o controle tas”; a opção republicana só poderia incomodar.
do capital sobre a força-trabalho, de integrá-la ao ca- A atitude de Mussolini na época do “Natal de
pital, transformando-a num momento de seu desen- sangue” testemunhou muito bem, a despeito de algu-
volvimento. A 7 de março de 1920, a primeira con- mas declarações clangorosas, que, se não fora com-
ferência nacional dos industriais italianos definiu esse prado por Giolitti, suas perspectivas eram, daí em
novo planejamento do capital e confirmou a hegemo- diante, muito próximas das do velho liberal: apro-
nia da Confindustria sobre o conjunto da economia. ximação que já se manifestara no momento da ocupa-
Giovanni Silvestri, presidente da Confindustria, expôs ção das fábricas.
então bastante esquematicamente os objetivos do ca-
pital: “intensificar a produção”, reforçar a disciplina
trabalhista, certamente, mas também os industriais, Mussolini e a ocupação das fábricas
com vistas a estabelecer “um novo e moderno equilí-
brio social”. Decidiu-se então recorrer a Giolitti. A partir de 10 de agosto de 1920 o Popolo d'Italia
A atitude “homeopática” deste último — segundo manifestou sua simpatia por um movimento preocupa-
expressão de Gramsci — em face da ocupação das do em não ultrapassar seus “limites estritamente eco-
fábricas já não correspondia, sem dúvida, às exigências nômicos”. O jornal — e essa foi sua palavra de or-
dos industriais. Tudo ocorreu como se a Confindus- dem durante todo esse período — valia-se em todo o
tria tivesse se preocupado em vencer a iniciativa ope- caso de uma transação, de um compromisso. Em 5
rária a fim de integrar a força-trabalho necessária à de setembro, vendo que a ocupação se prolongava,
realização do planejamento do capital e em demonstrar Mussolini advertiu: “Nós nos oporemos por todos os
a incapacidade do governo, doravante inútil. Como meios a uma experiência bolchevista”. A 10 de setem-
elo mais fraco da cadeia do capital internacional, sem bro Mussolini encontra-se, em Milão, com Bruno
a “retaguarda” de um Império ou de um Common- Buozzi e Mário Guarnieri, para propor-lhes sua me-
wealth, o capital italiano não era daí em diante sufi- diação.
cientemente forte para contentar-se com os métodos Mussolini pareceu então representar uma espé-
de Giolitti 3%. A criação da Guarda Real — iniciati- cie de ponto geométrico para o qual convergiam as
va de Nitti —, na primavera de 1920, constituiu pro- posições dos reformistas e as de Giolitti. Pouco de-
vavelmente o sinal precursor dessa mudança, à qual pois, por intermédio do prefeito de Milão, Lusignoli,
sucedeu o fascismo. entabularam-se negociações com Giolitti sobre o pro-
blema de Fiume. Houve, da parte de Giolitti, uma
ajuda em dinheiro como se sugeriu em seguida? Em 12
A “conversão” necessária de novembro Mussolini publicou um artigo aprovando
o tratado ítalo-iugoslavo e desde então só restava atri-
As únicas vantagens de Mussolini eram sua dis- buir a culpa da “traição” de Rapallo aos nacionalistas.
ponibilidade e seu isolamento, até mesmo sua fraque-
za, ainda mais manifestos por seu fracasso nas elei-
ções. Desencorajado, prostrado, atormentado por O fascismo rural
dificuldades financeiras, pensara então em abandonar
tudo, inclusive seu jornal, mesmo em emigrar. O Fora do quadro urbano — que Mussolini desti-
homem e seu programa pareciam ainda demasiado nara ao fascismo nascente e que escapava, ao que pa-
rece, um pouco ao seu controle — começou a mani-
3. Ver “A ocupação das fábricas, oportunidade perdida?”,
p. 119.
festar-se a essa altura o fascismo rural. A constituição

76 77
da Confederação Geral da Agricultura, a 18 de agosto Comunista, testemunharam um início de estabilização
de 1920, reagrupava a grande e a média propriedade do capitalismo mundial e o refluxo da revolução. A Itá-
de terras e as indústrias agrícolas a fim de dirigir con- lia viu réforçar-se o “Fronte interno” dos anos de guer-
tra as “ligas”, vermelhas ou brancas, uma política de ra. Em janeiro de 1921 constituiu-se uma federação
reação e de contra-revolução. A formação de “con- de todas as Uniões antibolchevistas e Organizações
selhos de fazenda”, iniciativa das Ligas católicas na cívicas da Itália com o objetivo de “opor-se a qualquer
época da ocupação das fábricas, forneceu o pretexto reviravolta política e social” e organizou, por ocasião
para a reação. O ataque do Palazzo Accursio, a pre- das greves, as primeiras manifestações de “trabalho
feitura de Bolonha, em 24 de novembro de 1920, mar- voluntário”, em que o fascimo se inspiraria logo a
cou o início do terror branco. Houve mortos e uma seguir.
centena de feridos. Omitiu-se mesmo o ataque da: No segundo Congresso dos Fasci (24-25 de maio
Casa do Povo de Siena, em 7 de março, o atentado de 1920) Mussolini opusera-se a Marinetti com rela-
contra a sede das organizações eslavas de Trieste, em ção à questão do Vaticano e da República: O Vati-
14 de julho, e ainda em Trieste, o incêndio do diário cano representava “quatrocentos milhões de homens
socialista Il lavoratore, em 14 de outubro. A 20 de espalhados pelo mundo”, podia-se utilizá-lo em bene-
dezembro foi a vez da municipalidade de Ferrara; de- fício do expansionismo italiano. Quanto à questão das
pois, em janeiro de 1921, o incêndio da Câmara do instituições, era preferível julgar a monarquia a julgar
Trabalho de Bolonha; em 28 de fevereiro o da de suas obras. A solução dos problemas encontrava-se
Trieste e assim por diante. em todo o caso na “colaboração entre o proletariado
O governo teve sem dúvida sua parte de respon- produtor e a burguesia produtora”. Cansado de todo
esse “passadismo”, Marinetti demitiu-se.
sabilidade nessa chama repentina de violência. Uma
circular do Ministro da Guerra, Ivanoe Bonomi, que Tal ruptura era sobretudo sintomática, menos
convidava os oficiais desmobilizados a aderir aos fasci, grave que a que se esboçava com D'Annunzio e De
fez com que o movimento se engrossasse com antigos Ambris. O último relatório de Fiume, de fato, con-
combatentes; as expedições punitivas foram fregiiente- vidara os legionários, uma vez de volta à Itália, a
mente dirigidas por antigos oficiais como Dino Grandi romperem com os “traidores” e a se reagruparem em
ou Italo Balbo. Às simpatias mal dissimuladas da organizações autônomas, apoiando-se na Carta de
“imprensa burguesa ou de informação acrescentava-se Quarnero. Enquanto alguns, encorajados por D'An-
a benevolência das autoridades que fechavam os olhos nunzio, aderiam ao efêmero Partito Nazionale Demo-
e não se importavam com o que realmente acontecia. cratico, mantido e financiado, ao que parece, pela
Uma circular do Ministro da Justiça teria, segundo Grande Loge, De Ambris organizava a Federazione
Tasca, convidado os magistrados italianos a não em- Nazionale dei Legionari Fiumani que publicou vários
preender perseguições aos fascistas. Estes passaram periódicos, entre os quais a Vigilia de Milão e a Ris-
assim de uíis vinte mil, no final de 1920, a mais de cossa de Bolonha, geralmente hostis aos Fasci.
duzentos mil um ano depois. A grande causa de discórdia continuava a ser,
evidentemente, a atitude de Mussolini na época do
“Natal de sangue”. Assim, a Vigilia perguntava-se
Os fascistas e seus aliados por que os fascistas não haviam feito “para o assas-
sínio de Fiume o que fazem todo dia desde que se
A derrota do exército vermelho face a Varsóvia pise no calo de um fascista”. E ainda mais, sempre
na época da ocupação das fábricas, a repressão da segundo a Vigilia, “sob pretexto de lhes dar trabalho”,
sublevação de Cronstadt e o encaminhamento para a os fascistas utilizavam os antigos legionários como
N.E.P., as decisões do III Congresso da Internacional “furadores de greve”. Em fevereiro de 1921 um gran-

78 79
de tumulto que opôs, em Turim, legionários e fascis-
tas, chegou mesmo a fazer com que alguns comunistas, CAPITULO VIII
como Gramsci, pensassem em organizar, apoiando-se
em D'Annunzio, uma espécie de movimento “nacio-
nal-bolchevique” como o que existia nessa época, na
Alemanha. O Partido Nacional Fascista
*e a “Marcha Sobre Roma”
A cisão de Livorno

Em 21 de setembro de 1920 o Avanti! publicou


as “21 condições” de adesão à Internacional Comu-
nista. Mas desde 28 de setembro patenteara-se que
Serrati, como já se previra, não se decidira a romper
com os reformistas nem a renunciar à velha denomi-
nação do Partido. Não se aceitara, no Partido fran-
cês, “socialistas chauvinistas” como Cachin?
A cisão deu-se no Congresso de Livorno (15-21
de janeiro de 1921)t. A despeito dos esforços de
alguns delegados como o comunista alemão Paul Levi,
a linha de ruptura passava entre Serrati e os comunis-
tas. Tal cisão — notava J. Mesnil — não resolvia
absolutamente as contradições do Partido Socialista;
uma outra cisão — à direita — era inevitável. Esta efe- O “pacto de pacificação”...
tivamente ocorreu: um ano e meio depois, no Con-
gresso de Roma do P.S.I. (19-4 de outubro de 1922) Com a decisão de Gioltti de aproveitar as eleições
onde o grupo formado por Serrati e os partidários da para integrar os Fascitas às outras forças burguesas,
HI Internacional obteve 32 106 votos contra 29 119 trinta e cinco deputados fascitas, entre os quais Mus-
para os reformistas. O número total dos componen- solini, foram eleitos em “listas nacionais” que reuni-
tes do Partido reduzia-se, pois, nesse momento, a sua ram todos os partidos italianos, dos liberais aos: fas-
metade: reformistas e unitários reunidos contavam, cistas. O primeiro discurso de Mussolini na Câmara,
em Livorno, com 112723 adesões; não passavam en- em 21 de junho, foi um manifesto “manchesteriano”,
tão de 61 225. E, sobretudo, enquanto o número dos exigindo que o Estado, “reduzido a sua mais simples
reformistas passara de 14695 a 29119, o dos par- expressão”, abandonasse a economia à “iniciativa
tidários de Serrati diminuíra em dois terços, caindo privada”.
de 98 028 para 32 106. Quanto ao contingente de As eleições se desenrolaram num clima de vio-
comunistas, era ainda, na ocasião do Congresso de lência e de terror inaudito: “Vivemos dias de angústia,
Roma do P.C. da Itália (20-24 de março de 1922), escrevia Serrati... Nossos negócios e nossa própria
de 43 211 adeptos, contra o de 58 783 de Livorno. vida já não valem um centavo”. Mussolini estava
contudo resolvido a “normalizar” a situação. Pas-
sada a primeira onda do squadrismo agrário, o “perigo
4. A votação resultou em 98028 votos para a moção “uni-
tária” (Serrati), 58783 para a moção comunísta “pura” (Bor- bolchevique” parecia definitivamente afastado, as
diga) e 14695 para os reformistas da “concentração socialista” ajudas financeiras tinham diminuído. Os mais “polí-
(Turati).
ticos” dentre os facistas, Cesare Rossi em particular,
80
81
Por isso Mussolini acentuou sua guinada para a direita:
sublinhavam esse refluxo, anunciavam o isolamento:
clogio do Estado liberal, aspirações imperialistas, ne-
quase ruptura com D'Annunzio, ruptura certa com De gação da luta de classes, ambigiiidade sobre a questão
Ambris e a U.LL. A primeira manifestação do “Co- das instituições, apologia de Crispi. Com maior bri-
mitê de Defesa Proletária” de Roma, em 6 de julho, lhantismo, Grandi defendeu pela última vez o socia-
fizera com que se receasse uma reação popular. Pouco
lismo nacional “Liberdade, nação, sindicalismo: o
depois, em Sarzana, uma dúzia de carabineiros afu-
Estado deve resumir-se em uma grande e potente hie-
gentavam perto de quinhentos fascistas: dezoito mor- - rarquia de sindicatos”, Contudo, isso não passou de
tos, quarenta feridos. Era necessário reorganizar-se,
fogo de palha. A 9 de novembro, uma moção de
reencontrar — como escrevia Mussolini — “o sentido Michele Bianchi proclamou a constituição do P.N.F.
dos limites”. A assinatura de um “pacto de pacifi- Dois meses depois, Rossoni organizou a Confederação
cação” com os socialistas, em 3 de agosto de 1921,
Nacional das Corporações Sindicais 1,
traria uma trégua.
Se, por um lado, o programa do P.N.F. foi publi-
cado apenas no final do ano (Ver Documento 7), por
. e a crise interna do Fascismo outro, desde 15 de novembro, tendo como pretexto as
“violências” dos Arditi vermelhos, o Comitê Central
Esse pacto chocou-se contra a oposição dos rasos denunciou o “pacto de pacificação”. Balbo e o gene-
de província. Durante o mês de agosto, Grandi e ral Gandolfo foram então encarregados de organizar “o
Balbo, apoiados por Marsich, pediram a D'Annunzig exército fascista” que, segundo o programa, formava
“marcha sobre Roma É “um todo” com o Partido. As violências recomeça-
para assumir a chefia de uma
que seria apoiada por alguns generais. O “Coman- ram. Após o assassinato do deputado socialista Bol-
dante” esquivou-se. Tentando uma áltima manobra, dori, uma circular aos prefeitos, em 23 de dezembro,
em 17 de agosto, Grandi reuniu em Bolonha os di- proibiu as organizações armadas; mas não surtiu efeito:
rigentes dos Fasci dissidentes para fazê-los condenar a seria necessário, para aplicá-la, proibir o P.N.F.
“pacificação”, o compromisso parlamentar, a “trair
ção”. Os Fasci rurais continuaram a luta. Mussolini,
Final do após-guerra
imitado por Cesare e Rossi, logo apresentou sua demiss
são e propôs retornar às fileiras. Mas, já em 23 de
A 10 de abril de 1922 iniciou-se em Gênova uma
agosto, propunha sua solução: transformar o movi conferência econômica internacional que se propunha
mento em partido. Quando um novo choque com à
normalizar as relações com a Rússia bolchevista e a
polícia provocou entre os fascistas oito mortos e trim reintegrar a Alemanha na economia européia. A que-
ta feridos, a causa pareceu decidir-se. bra do Banco de Desconto e a derrocada de Ansaldo,
seguida pela da Ilva, acabavam de tornar manifesta a
principal fraqueza do capital italiano: a insuficiência
O Congresso de Roma (7-9 de novembro de 1921) dos investimentos. A reconstrução da Alemanha, como
o Partido Nacional Fascista ( Nitti insinuava em L'Europa senza pace (1921), teria
permitido à Itália recuperar sua principal fonte de
Se se absteve de retirar sua demissão, Mussoli investimentos estrangeiros, e o capital italiano poderia
por outro lado aplicou-se em preparar, às escondid então entregar-se a essa política democrática de que
a grande reconciliação com Grandi e Marsich que ir Nitti era o porta-voz. Depois do tratado de Rapallo,
ficar no centro do congresso. Este se desenrolou nu 1. O P.N.F. contava (nov. 1921) 320000 membros. A Con-
clima de violências que se, por um lado, pareceu dar federação (ago. 1922), 458000, dos quais 277000
73000 operários e 109000 membros das “classes médias”.
camponeses,
lhes razão, por outro irritou um pouco os “políticos”,
83
82
tornou-se evidente que a reconstrução alemã seguiria
outros caminhos. aplicava-se, daí em diante, em trangiilizar a monar-
quia. “E necessário ter a coragem de ser monarquis-
A crise era já quase insolúvel. O arcebispo de ta!” acabou por proclamar em Udine, a 20 de setembro.
Milão, Achille Ratti, eleito papa (Pio XI), favoreceu Conquistada a monarquia, conquistava-se também o
as iniciativas do cardeal Boffiani e do marquês Cor- exército: e Badoglio deu a conhecer a neutralidade do
naggia, que, desorientando o Partido Popular, tornaram exército, enquanto a rainha-mãe, Margarida de Savóia,
impossível qualquer aproximação com os Socialistas. assegurava aos tenentes do Duce simpatias da corte.
A constituição da Aliança do Trabalho, iniciativa dos
anarco-sindicalistas, não interessou o Partido Comu- O caminho estava portanto livre. Giolitti? Ins-
nista. Contrariando as decisões do III Congresso da taurando a nominatividade dos títulos bancários 2,
Internacional Comunista, as Teses de Roma, inspiradas atraíra a hostilidade dos meios financeiros ligados ao
por Bordiga, mas aprovadas pela direita (Tasca) e Vaticano. Salandra, “Camisa negra honorário”, con-
pelo centro (Gramsci), proclamavam que se a crise cordara com Mussolini sobre uma fórmula de governo.
estrutural do capitalismo continuasse a se agravar na Mas, a 28 de outubro, os dirigentes da Confindustria,
Itália, a ofensiva revolucionária seria ainda possível. da Confagricoltura e da Associação Bancária informa-
ram-no que somente Mussolini os satisfaria. Restava
Ferrara, Cremona, Rovigo, Andria, Sestri Ponente, ainda D'Annunzio, que Facta esperara dispor contra
Pesaro, Viterbo, Alatri, Tolentino, Ancona, Novara, os fascistas por ocasião das cerimônias de 4 de novem-
Ravena, Rimini: todos nomes de expedições fascistas. bro. A constituição de um comitê de acordo nacional-
Facta, sucessor de Bonomi, não interferia. Abando- -fascista (24 de setembro), e depois a assinatura de um
nada a si mesma, a greve das organizações operárias pacto entre Mussolini, D'Annunzio e Giulietti (16 de
do “triângulo industrial” foi um fracasso (18-19 de outubro), colocaram um fim nesses projetos.
julho). Recebido pelo rei em 29 de julho, Turati con-
tinuava a acreditar num governo de coalizão mantido
pelos reformistas. A “greve legalitária” de 1º de A “marcha sobre Roma”
agosto foi sem dúvida um último esforço nesse sentido.
Prevenidos, os fascistas empenharam-se, a partir de 31 Quando, em 25 de outubro, Michele Bianchi lan-
de julho, numa ofensiva geral que resultaria, entre çou diante do congresso fascista de Nápoles seu famoso
outras coisas, na ocupação da prefeitura de Milão, de apelo: “Fascistas, chove em Nápoles, o que é que
onde D'Annunzio, uma vez mais, dirigiu-se à multidão. vocês esperam?” Mussolini, em contacto permanente
Única exceção: Parma resistiu cinco dias aos fascistas. com Giolitti desde o início do mês, já sabia pois quais
“A marcha sobre Roma começou”, declarou Mussolini eram suas possibilidades. A 27 de outubro, a demis-
a 11 de agosto. são do Ministro das Obras Públicas, Riccio, fiel a
Salandra, provocava a queda do governo. No dia se-
guinte, Facta, enfurecido, apresentava ao rei um de-
A preparação do golpe de Estado creto proclamando o estado de sítio, que o soberano se
recusou a assinar. Mussolini, de volta a Milão, espe-
A quebra da Aliança do Trabalho após o fracasso rava. Um telegrama do rei, em 29 de outubro, con-
da “greve legalitária”, a cisão socialista de Roma (4 vidou-o a organizar o governo.
de outubro), depois a ruptura do pacto de ação entre
a C.G.L. e os socialistas (6 de outubro) comprovaram
que nenhuma força poderia mais se opor aos fascistas.
Ao mesmo tempo que confiava a Balbo, De Bono e
De Vecchi a organização da Milícia fascista, Mussolini 2. A revogação desta lei, a 10 de novembro de 1922, foi
uma das primeiras medidas do governo fascista.
84
85
SEGUNDA PARTE:
ELEMENTOS DO DOSSIÊ E
SITUAÇÃO DO PROBLEMA
DOCUMENTOS intelectual, a força, o progresso, a grandeza e o orgulho de
todo o povo italiano.
3. Educação patriótica do proletariado [...].
4. Transformação do Parlamento através de uma justa
participação de industriais, agricultores, engenheiros e comer-
ciantes no Governo do país. [...] Abolição do Senado.
Se esse Parlamento racional e prático não traz bons
resultados, nós o aboliremos para alcançar um Governo téc-
nico, sem Parlamento, um Governo composto por 20 técnicos
eleitos pelo sufrágio universal.
Substituiremos o Senado por uma Assembléia de gontralê
composta de jovens de menos de trinta anos, eleitos pelo
sufrágio universal [...].
5. Substituir o atual anticlericalismo retórico e quietis-
ta por um anticlericalismo de ação, violento e resoluto, para
livrar a Itália e Roma de sua Idade Média teocrática que
poderá escolher o lugar que lhe convém para morrer lenta-
mente. [...] Única religião, a Itália de amanhã [...].
6. Supressão da autorização marital. Facilidade para
o divórcio. Desvalorização progressiva do casamento para
chegar-se gradualmente ao amor livre e aos filhos do Estado.
7. [...] Preparação de uma mobilização industrial com-
1. Manifesto-programa do Partido político futurista. pleta (armas e munições) que, em caso de guerra, será rea-
lizada ao mesmo tempo que a mobilização militar.
2. As reivindicações da Unione Italiana del Lavoro. Completamente preparados, com uma despesa mínima,
Programa dos Fasci Italiani de Combattimento. para uma guerra eventual ou uma eventual revolução [...].
pa E w

Os fascistas € o 1º de maio de 1919. 8. Preparação da futura socialização das terras [...].


Sistema fiscal fundamentado no imposto direto e progressivo
Manifesto antibolchevique. [...]. Direito de greve, de reunião, de organização, liber-
Errico Malatesta — A ocupação das fábricas. dade de imprensa,

Programa do Partido Nacional Fascista.


10. [...] Extinção da indústria estrangeira, perigosa e
Amadeo Bordiga: O Partido Comunista Italiano aleatória [...].
o

e a ofensiva capitalista,
ll. Reforma radical da Burocracia que se tornou hoje
um fim em si mesma e um Estado dentro do Estado.

Documento 1: Manteremos esse programa político pela violência e pela


coragem futurista que caracterizaram até agora nosso movi-
MANIFESTO-PROGRAMA DO PARTIDO POLÍTICO FUTURISTA mento nos teatros e nas ruas. Todo mundo sabe, na Itália
(trechos escolhidos). e no exterior, o que entendemos por violência e por coragem.
Fonte: Renzo DE FELICE, Mussolini il rivoluzionario, pp.
1. O Partido Político Futurista que fundamos quer 738-741,
uma Itália livre, forte, que não seja mais submetida a seu
grande passado, ao estrangeiro amado demais, e aos padres Documento 2:
muito tolerados: uma Itália sem tutela, absolutamente se- AS REIVINDICAÇÕES DA UNIONE ITALIANA DEL LAVORO.
nhora de todas as suas energias e voltada para seu grande Nós QUEREMOS:
uturo.
. 2z A Itália, única soberana. Nacionalismo revolucio- 1. Constituinte Nacional, compreendida como seção ita-
nário pela liberdade, o bem-estar, o aperfeiçoamento físico e liana da Constituinte Internacional dos Povos, para proceder

89
à transformação radical das bases políticas e econômicas da
garantam, sem fim e sem taxas, impostos ou algo semelhante — as adminis-
vida social, através de métodos e meios que
trações públicas.
estagnações ou interrupções, a continuação e O desenvolvimento
da civilização.
10. Recenseamento e redução das fortunas individuais.
Confiscação das rendas improdutivas. E, nesse sentido, paga-
2. Proclamação da República Italiana. Descentralização
e mento das dívidas do velho Estado pelos possuidores que ele
do poder executivo; autonomia administrativa das Regiões protegeu e que foram seus beneficiários.
das Comunas por meio de órgãos legislativos próprios. Sobe-
e 11. Trabalho proibido para menores de 16 anos. Após
rania popular exercida através do sufrágio universal igual
as sexos, com o direito de ini- 16 anos, trabalho de oito horas diárias obrigatório para todos.
direto dos cidadãos de ambos
Extirpação da Basta de parasitas que não se mostram úteis, segundo sua
ciativa, de referendo e de veto para O povo.
e reorganizaç ão ex novo da adminis- capacidade, à comunidade social; condenação da ociosidade co-
burocracia irresponsável
Limitação das funções dd Es- mo manifestação de criminalidade humana.
tração dos organismos estatais.
tado à direção civil e política da vida nacional. 12. Intensificação da produção agrícola industrial, da ex-
3. Abolição do Senado e de qualquer forma artificial e ploração do mar e desenvolvimento da navegação, não para
arbitrária de limitação da soberania popular. Abolição da o proveito de um pequeno número, mas para garantir um
política; constituição de uma Guarda Cívica Comunal alto nível de vida aos que trabalham, conforme a idéia su-
polícia
e Nacional. Magistratura eletiva, independente do poder exe- perior da justiça distributiva da riqueza produzida.
cutivo, 13. Reorganização do sistema da produção com base
4. Abolição de todas as distinções e títulos de casta dos associativa e a participação direta de todos os elementos do
príncipes, duques, marqueses, condes, comendadores, cavaleiros trabalho intelectual, técnico e manual: restituição da terra a
etc. Os únicos títulos de honra e de nobreza serão: a inteli- ser cultivada aos camponeses associados; administração das
gência, a honestidade, o trabalho. indústrias, dos transportes e dos serviços públicos aos Sindi-
5. Abolição da convocação obrigatória. Desarmamento catos dos técnicos e dos trabalhadores. Eliminação de qual-
arma-
geral e interdição, em todas as nações, da fabricação de quer forma de especulação individual sobre a produção, atra--
mentos e navios de guerra. vés do estabelecimento do princípio social segundo o qual
se deve produzir para o bem-estar comum e para o perfeito
6. Liberdade de pensamento, de religião, de associação,
de imprensa, de propaganda, de agitação individual e coletiva. funcionamento das administrações civis locais, regionais, na-
cionais.
7. Sistema de educação com escolas de cultura, -de arte
e de profissões efetivamente livres e acessíveis a todos. Biblio- 14. Abolição da diplomacia secreta. Política interna-
tecas gratuitas para o conhecimento e o estudo de tudo o que cional aberta, inspirada na idéia da solidariedade e da frater-
se pensa e escreve em cada um dos domínios da pesquisa inte- nidade dos povos, obrigando-se ao respeito recíproco da in-
lectual e científica. Instrução superior reservada apenas às dependência e dos interesses nacionais de cada povo. Con-
capacidades manifestas e próprias a desenvolver a ciência e trole do câmbio para a exportação e para a importação. Rea-
a cultura do próximo. Escolha escrupulosa e garantias aos lização da grande idéia da liberdade de cada cidadão na
educadores, tendo-se em conta a grande importância social de Nação e da Nação na Internacional.
sua tarefa. Fonte: Battaglie dellUnione Italiana del Lavoro, 8/2/
8. Organização extrema, até a perfeição, da higiene so- 1919, p. 4.
cial, através do saneamento das habitações das cidades e dos
campos e a construção de novas e modernas residências.
Apoio e assistência incondicionada aos mutilados, aos órfãos, Documento 3:
aos inválidos, aos velhos, aos doentes, à maternidade, aos de-
PROGRAMA DOS FASCI ITALIANI DI COMBATTIMENTO.
ficientes. Eliminação de qualquer manifestação de miséria e
de mendicidade e, assim sendo, de toda e qualquer forma de
Italianos!
caridade degradante e hipocritamente compassiva. Eis o programa nacional de um movimento sadiamente
9. Dissolução das sociedades anônimas, industriais e fi- italiano.
nanceiras; supressão de qualquer forma de especulação bancá- Revolucionário, porque antidogmático e antidemagógico;
ria e bolsista; criação de um organismo nacional com seções poderosamente inovador porque desprovido de apriorismos.
regionais, que regularize os valores, distribua o crédito e man-
Colocamos acima de tudo e de todos a valorização da
tenha com os produtos do trabalho — estabelecidos para este guerra revolucionária.

90 91
c) Política exterior nacional que valorize, nas compe-
Os outros problemas: burocracia, administração, direito,
escolas, colônias etc., nós os esboçaremos quando tivermos tições pacíficas da civilização, a nação italiana no mundo.
criado a classe dirigente.
Para o problema financeiro:
É por isso que QUEREMOS:

Para o problema político: QUEREMOS:


a) Sufrágio universal com escrutínio de lista regional e a) Um grande imposto extraordinário de caráter pro-
representação proporcional, direito de voto e elegibilidade pa- gressivo sobre o capital, que represente uma autêntica EX-
ra as mulheres. PROPRIAÇÃO PARCIAL de todas as riquezas.
b) Redução do limite de idade — dezoito anos — para b) O confisco de todos os bens das Congregações reli-
os eleitores, e vinte e cinco para os Deputados. giosas e a supressão de todos os rendimentos episcopais, que
c) Abolição do Senado. constituem um déficit enorme para a Nação, e um privilé-
d) Convocação, para um período de três anos, de uma gio para uma minoria.
Assembléia Nacional que deverá, como tarefa essencial, esta- c) A revisão de todos os contratos de provisões de
belecer a forma de constituição do Estado. guerra e o confisco de 85% dos benefícios de guerra.
e) Formação de Conselhos nacionais técnicos do tra- Fonte: Il Popolo d'Italia, 6/6/1919.
balho, da indústria, dos transportes, da higiene social, das
comunicações etc., eleitos pelas coletividades profissionais ou
de ofício, com poderes legislativos e o direito de eleger um Documento 4:
Comissário-Geral com poderes de Ministro.
OS FASCISTAS E O 1.º DE MAIO DE 1919.
Para o problema social:
Operários!
QUEREMOS: Hoje é a vossa festa e a vossa vitória. O Primeiro de
Maio de 1919 vê realizada a aspiração às oito horas de
a) Promulgação rápida de uma Lei que sancione, para trabalho.
todos os trabalhadores, a jornada legal de oito horas de A vitória da Itália foi a vitória de vossos braços de
trabalho. trabalhadores ou de combatentes: a vitória operária é a
b) O salário-mínino. própria vitória da Itália.
c) A participação dos representantes dos trabalhadores Reconhecei, graças a esse acontecimento histórico, a uni-
no funcionamento técnico da indústria. dade de vossos destinos e dos destinos da pátria.
d) A concessão, para as próprias organizações prole- Não vos torneis voluntariamente estranhos no domínio
tárias (contanto que elas sejam dignas moral e tecnicamente), em que vosso sacrifício interveio: não mutileis vossa história.
da administração de indústrias ou de serviços públicos. Que o que foi pago com vossa vida seja, para vossa
e) A organização rápida e completa dos ferroviários consciência, um mérito, da mesma maneira que foi uma difi-
e de todas as indústrias dos transportes. culdade: não mutileis vossa história.
f) Uma modificação necessária do projeto de lei de Que o que mais vos pertence, pois é o grande todo que
segurança por invalidez ou velhice, que diminua o limite de
vos representa e vos dá um valor diante de um mundo dila-
idade de 65 anos para 55 anos. cerado, que a Itália seja vossa nos fatos e nas consciências,
que ela seja vossa vontade: não mutileis vossa história.
Para o problema militar:
Não acrediteis no ódio do vizinho por amor ao distante.
QUEREMOS: Não acrediteis nesses que gostariam de fazer de vós o
fermento da discórdia no país que extraiu força e vitória
da unidade. é
a) Instituição de uma Milícia Nacional, com breves
períodos de instrução e um objetivo exclusivamente defensivo. Não vos junteis aos que quiseram a derrota e encon-
tram-se hoje vencidos na vitória.
b) Nacionalização de todas as indústrias de armamen-
tos e de explosivos. Estai com a vitória, pois fostes vitoriosos.

92 93
Vosso direito está formidavelmente fundado no mérito: todo aquele que diminui a Vitória e a grandeza da Itália
não renegueis vosso mérito. através da suspeita irônica, da zombaria, do pessimismo;
Vossa justiça tem uma grande voz: não a coloqueis nos através de palavras, de atos, de artigos;
lábios daqueles que causam repugnância com suas palavras. todo aquele que se empenha, por todos os meios, em
Hoje, quando inimigos dissimulados e escondidos jun- retardar o inevitável renascimento italiano na indústria, no
tam-se aos inimigos visíveis da Itália e quando o imperialis- comércio, nas artes;
mo bancário recusa-se a reconhecer para a Itália os filhos todo aquele que sabota as forças de resistência dos ci-
que lhe estendem espontaneamente os braços, hoje, quando dadãos;
ainda se quer questionar os destinos irrevogáveis da pátria, todo aquele que os torna famintos pelo gosto do lucro,
os antigos e os novos inimigos da Itália vos chamam com por estar garantido pela impunidade;
tanta insolência que vós vos sentis enojados.
procurais todo aquele que, sem ter aptidões necessárias, assume a
Acreditam eles que estais desesperados, que
responsabilidade de ocupar altos cargos no funcionamento
vossa salvação na ruína comum e na vergonha de vosso
da máquina estatal;
próprio País.
todo aquele que se regozija com a transgressão dos direi-
Quem vos retratou tão ignominiosamente perante a opi- tos e das aspirações da Nação;
nião estrangeira? perante — se o preferirdes — a Interna-
cional? todo aquele que, membro do poder constituído, não se
inspira na liberdade nem a respeita nos outros;
Operários!
a espera confiante do País e a expec- todo aquele que, por interesses particulares, prejudica-a,
De vós dependem
todos os nossos inimigos. Vossa pretensa deformando-a conforme os ideais dos apóstolos de cada so-
tativa egoísta de
uma grande inquietação! ciedade;
covardia provoca
fez com que vos cressem covardes? todo aquele que ignora sistematicamente os poderes inte-
Quem
lectuais dos que colaboram para a renovação da cultura e
Não sois o heroísmo da Itália?
das tradições entravadas;
Operários! todo aquele que não exalta, não encoraja e não mantém,
Sede a nova voz da Itália: a Itália do trabalho, a Itália por todos os meios possíveis, as descobertas estéticas e cien-
da paz; a Itália de todos os ideais que vos sorriem; mas a tíficas;
Itália, pois é apenas com esse nome que vossa personalidade todo aquele que se regozija com sua fossilização e com
social poderá inserir-se na família das nações, e vossa gran- a fossilização de seu semelhante, aceitando preconceitos e
deza será a grandeza da Itália, e vós sereis a Itália. idéias inadaptadas à nossa época abrasada por febres do
Il fascio di combattimento futuro;

de propaganda fascista, patrimô- todo aquele que recusa às massas evoluídas a sanção das
Fonte: Panfletos e cartazes
nio da B.D.LC. (A 319) aspirações político-sócio-econômicas capazes de lhes propor-
cionarem essa independência de julgamento e de movimento
que lhes permitiria desenvolver sua vontade de um futuro mais
digno.
Documento 5:
É bolchevique:
MANIFESTO ANTIBOLCHEVIQUE.
todo aquele que renuncia aos direitos e às aspirações das
maiorias;
É inimigo da lália todo bolchevique.
todo aquele que faz parte de conluios e de camarilhas
É bolchevique: funestos ao desenvolvimento da nação;
todo aquele que aspira ao advento da ditadura sovieto-
; todo aquele que se obstina, contra os votos de descon-
comunista que desagrega as nacionalidades e as raças que
fiança da Nação, em querer manipular os poderes do Estado.
concretiza o ódio de casta acumulado no decorrer dos sécu-
los: a forja da maior injustiça humana trágico-grotesca; a É bolchevique:
aniquilação de todo ideal social; a ressurreição" da escravidão TODO AQUELE QUE NÃO VÊ NO TRABALHO
das inteligências e a instauração de métodos punitivos bár- ININTERRUPTO E NA SUPERPRODUÇÃO INDUSTRIAL
baros, que proíbem a liberdade, a vida e o pensamento. A ÚNICA E EXCLUSIVA FORÇA VIVA REDENTORA
É bolchevique: DA ITALIA,

94 95
Travaremos uma luta sem tréguas contra todos os bol- que os operários deixassem as fábricas, no momento exato
cheviques. em que eram maiores as probabilidades de êxito.
Fonte: 1 Nemici d'Italia Settimanale antibolscevico (Milão), ae Umanitã Nova, 28/6/1922, Trad. fr. de Armando
nº 1, 10/8/1919, p. 1. assi,

Documento 6: Documento 7:
ERRICO MALATESTA — A OCUPAÇÃO DAS FÁBRICAS.
PROGRAMA DO PARTIDO NACIONA
Os metalúrgicos desencadearam o movimento por uma
questão de tarifas. Tratava-se de um novo tipo de greve.
Fundamentos
Ao invés de abandonar as fábricas, eles aí permaneceram
sem trabalhar, montando guarda para impedir que os pa- O fascismo constituiu-se em Partido político
trões aplicassem o lock-out. para refor-
çar sua disciplina e precisar seu “credo”.
Mas era 1920: toda a Itália se agitava com uma febre ; A Nação não é a simples soma dos indivíduos vivos nem
revolucionária e rapidamente a coisa mudou de figura. Os O instrumento dos objetivos partidários, mas um organismo
operários pensaram que chegara o momento de apoderar-se que compreende a série indefinida das gerações cujos indiví-
definitivamente dos meios de produção. Armaram-se para a duos são elementos passageiros; é a síntese suprema de todos
defesa, transformando muitas fábricas em verdadeiras forti- os valores materiais e espirituais da raça.
ficações e começaram a organizar a produção por sua pró-
pria conta. Os patrões foram expulsos ou declarados em O Estado é a encarnação jurídica da Nação [...].
estado de detenção.
Era a abolição de fato, do direito de propriedade; a O Estado
lei que defende a exploração capitalista fora violada. E o
Governo não intervinha nos acontecimentos pois sentia-se in- . O Estado deve. reduzir-se a suas funções essenciais de
capaz de opor-se: confessou-o mais tarde, excusando-se diante
ordem política e jurídica.
do Parlamento pela falta de repressão.
O movimento ampliava-se e tendia a englobar as outras [...] Os poderes e as funções atribuídos atualmente ao
categorias: aqui e ali os camponeses ocupavam terras. Era Parlamento devem ser limitados.
a revolução que começava e que se desenvolvia de uma ma-
O Estado é soberano: e essa soberania não pode e nem
neira, eu diria, quase ideal. deve ser abalada ou diminuída pela Igreja.
Os reformistas viam o fato com maus olhos e procura-
vam fazê-lo abortar. Mesmo o Avanti! não sabendo a que
santo devotar-se, procurou fazer-nos passar por pacifistas pois As Corporações
dizíamos que se o movimento se estendesse a todas as catego-
rias e se os operários e camponeses seguissem o exemplo dos Listed]
metalúrgicos, expulsassem os patrões e se apossassem dos
meios de produção, a revolução seria realizada quase sem uma : As corporações devem ser encorajadas conforme duas
gota de sangue. direções fundamentais: como expressão da solidariedade na-
As massas estavam conosco: solicitavam-nos que fôsse- cional e como meio de desenvolvimento da produção.
mos às fábricas para falar, encorajar, aconselhar e tínha- . As corporações não devem tender à anulação do indi-
mos de nos multiplicar por mil para responder a todos os víduo no interior da coletividade, nivelando arbitrariamente
chamados. Em toda parte aonde íamos os discursos eram as capacidades e as forças dos indivíduos, mas, ao contrário
aplaudidos pelos operários: os reformistas eram obrigados a a exaltá-los e desenvolvê-los [...]. k
retirar-se ou a camuflar-se. As massas estavam do nosso lado
porque interpretávamos melhor seus instintos, necessidades, Princípios de política interior
interesses.
Contudo, bastaram o trabalho dissimulado dos dirigen- O Partido Nacional Fascista pretende conferir uma dig-
tes da Confederação Geral do Trabalho e acordos realizados nidade absoluta aos costumes políticos a fim de que a moral
com Giolitti, que fizeram com que se acreditasse numa es- pública e a moral privada não mais se mostrem em contra-
pécie de vitória, com a trapaça do controle operário, para dição na vida da Nação.

96 97
Aspira à honra suprema do Governo do País [...]. e perfeita, por um lado zele — escolta atenta — pelas fron-
O prestígio do Estado Nacional deve ser restaurado: o
teiras conquistadas e, por outro, no País prepare, arraste e
[...] deve ser o zeloso guardião, o defensor e o
Estado enquadre os espíritos, os homens e os meios que a Nação
propagador da tradição nacional, do sentimento nacional, da
possa produzir, com seus infinitos recursos, na hora do pe-
vontade nacional. rigo e da glória.
E- =]
Organização
Princípios de política exterior
O Fascismo em ação é um organismo:
A Itália deve reafirmar seu direito de realizar sua plena
e geográfica, mesmo nos domínios em que a) político;
unidade histórica
ainda não a realizou; deve preencher sua função de baluarte
de maneira
b) eçonômico;
latina no Mediterrâneo; deve impor,
da civilização
estável, o domínio da lei sobre os povos de c) de combate.
consistente e
ener-
nacionalidade diferente anexados à Itália; deve proteger No domínio político, aceita, sem sectarismo, todos os
gicamente os italianos no exterior, que devem gozar do direi- que subscrevem sinceramente seus princípios e obedecem a
to de representação política fa]: sua disciplina; encoraja e valoriza os talentos particulares,
reunindo-os segundo suas atitudes em grupos de competência;
Princípios de política social participa intensa e constantemente de todas as manifestações
da vida política de sua doutrina realizando contingentemente
da propriedade
O Fascismo reconhece a função social o que poderia fazê-lo de modo prático e reafirmando seu
um direito e um dever [...].
privada que é ao mesmo tempo conteúdo integral.
O Partido Nacional Fascista agirá: No domínio econômico encoraja a constituição das cor-
a) para disciplinar as lutas de interesse desorganizadas porações profissionais, puramente fascistas ou autônomas,
entre as categorias e as classes [.. J: conforme as exigências de tempo e de lugár, com a condição
de que obedeçam, em sua essência, ao princípio nacional
b) para sancionar e fazer com que se respeite, em
segundo o qual a Nação está acima das classes.
todos os lugares e épocas, a interdição da greve nos serviços
públicos [...]. No domínio da organização de combate, o Partido Na-
cional Fascista forma um único todo com suas esquadras:
Política escolar milícia voluntária a serviço do Estado Nacional, força viva
em que se encarna a Idéia Fascista e pela qual essa idéia é
deve ter como objetivo geral a formação de defendida.
A escola
de assegurar O progresso econômico e histó-
pessoas capazes Fonte: Il Popolo D'Italia, 27/12/1921.
o nível moral e cultural da massa e
rico da Nação; elevar
as classes para
promover os melhores elementos de todas
garantir a renovação constan te das camada s dirigentes.
Documento 8:
Liss]
AMADEO BORDIGA: O PARTIDO COMUNISTA DA ITÁLIA
A Justiça E A OFENSIVA CAPITALISTA.
ud k Detido a 3 de fevereiro de 1923, como outros dirigentes
O Par-
É necessário abolir as magistraturas especiais. comunistas, sob a acusação de estimular o ódio de classe e
à revisão do có-
tido Nacional Fascista declara-se favorável de exercer atividades antifascistas, Amadeo Bordiga apresen-
digo penal militar. tou, diante do Tribunal penal de Roma, um relatório sobre
as atividades do P. C. da Itália, de que apresentamos aqui
O processo deve ser rápido. alguns trechos escolhidos. O título é nosso.
Cor eae esa oras rn een o se na e a na nu na o e a o nn o e nu nn
A Defesa nacional
Os anos de 1919 e 1920 conheceram um grande fluxo
iza a organi-
[...] O Partido Nacional Fascista precon de atividade proletária; mas apenas na Rússia essa atividade
com forma ção completa
zação imediata de um Exército que, atingiu um resultado efetivo. Nos outros países, a partir

98 99
todos os projetos de ação dos partidos comunistas nestes
de 1920, desencadeou-se esse fenômeno geral que denomina- últimos tempos [...].
mos “ofensiva capitalista” [...].
A ofensiva burguesa na Itália desenvolveu-se de maneira
,
Diante da agitação proletária à qual faltava, contudo clássica. A influência do proletariado atingiu seu apogeu
consciê ncia e coorde nação necessá rias, a classe dominan te, por volta do final de 1920: em seguida a situação
começou à
a e da
por um período de confusão, mas antes Em virtude de sua confusão ideológi ca
depois de ter passado inverter-se.
maneira não
que o proletariado se tivesse aproveitado disso de debilidade de sua organização, o partido proletário (PSI)
que dispõe de forças políticas e, por- aproveit ar-se das condiçõe s objetivas favoráve is. Os
irreversível, constata soubera ando
tanto, militares que pode empregar com sucesso na defesa governos de Nitti e Giolitti salvaram a situação, especul
que constituíam a
do regime. Ê habilmente a incapacidade dos reformistas En-
e dirigind o a Confede ração do Trabalho.
correntes que pré- direita do PSI
No seio da burguesia manifestam-se quanto a burguesia era encoraja da e enquant o surgia o mo-
forte”. O capitalismo vê assim a situa-
conizam a “maneira s desmora'iza-
procurar salvar da ruína o sistema vimento fascista, os fracassos e as decepçõe
ção econômica: pode-se ram o proletariado.
que se possa dispor, pelo me-
econômico burguês, contanto
do trabalho proletário para cobrir as
nor preço possível, STEFANO MERLI, Autodifese di militante operai
e demo-
e pela crise. Daí, um Fonte:
enormes brechas cavadas pela guerra italiani davanti ai tribuna li, Milão, 1958, pp. 161-17 4.
ático de ação consti tuída por todas as forças cratici
plano sistem estatais e das
reação política através dos órgãos
burguesas:
dos patrões contra os con-
milícias privadas, ofensiva sindical
vantaj osos impost os pelos operários no
tratos de trabalhos
início do pós-guerra.
os partidos subver-
objetivo é dispensar não somente
O
izaçõ es econô micas da classe tra-
sivos, mas também as organ
talha dora.
visa não somente para-
Portanto, uma ofensiva geral, que
se propõe também
lisar o ataque revolucionário, mas que conquistou e a
do das posiç ões que
a expulsar o proletaria m sido re-
conquistadas que já lhe havia
tirar-lhe as posições
conhecidas.
ofensivo da classe dominante, particular-
Esse retorno
influência sobre a
mente quando o partido comunista não tem izações deste
e quand o as organ
totalidade do proletariado de diferentes
são, em parte, dirigidas por socialistas
último
ema tático que
tendências, cria para os comunistas O probl
resolv ido com a renún cia provis ória à tática ofensiva
fora
emática, e com a
revolucionária, que a situação torna probl
enfren tar a ação da classe
adoção de uma outra via para
dirigente. Essa via consiste em procurar obter uma ação
izaçõ es operár ias para a defesa das
comum de todas as organ As orga-
stas e dos direit os ataca dos pelo patronato.
conqui defesa
stas não poder ão opor-s e a essa
nizações não-comuni
s dos trabalhadores e,
dos interesses ' imediatos e quotidiano
moderados cessaria
se o fizessem, a influência dos elementos Reali-
ista aumen taria.
enquanto que a do partido comun enção , a manut
zando-se assim a ação geral do proletariado
implic aria, apesar da modéstia do
das posições deste último
e do result ado, o fracas so dos planos ofensivos da
objeti vo
como já se disse, de que dispõe para
burguesia, único meio,
econômico. T ais são,
conjurar a catástrofe de seu regime
e, o sentid o e O espíri to de toda a ação e
esquematicament
101
100
JULGAMENTO DOS CONTEMPORÂNEOS “[Os fascistas] ameaçam considerar os tratados que os
ligam às outras nações como pedaços de papel.”
Chicago Daily News, 3/10/1922.
“O senhor Mussolini pertence à nova escola que sabe, me-
lhor que o povo, o que o povo deseja... É a escola em que
Lênin e Tróstski ocupam o primeiro lugar e De Valera é um
aluno aplicado.”
The Manchester Guardian, 30/10/1922.
“O mau exemplo do bolchevismo não teve na Itália a in-
fluência que muitos receavam.”
Kansas City Time, 31/10/1922.
“É uma revolução moralizante e reconstrutora que pre-
tende mudar o sistema “pegando pelo cangote a miserável clas-
se política dominante”, isto é, os políticos de ofício...”
Acción (Madri), 31/10/1922.
“O golpe de Estado fascista triunfou porque era favore-
“A Marcha sobre Roma surpreendeu-me em Paris”, es- cido pela simpatia, pelo assentimento prévio de uma porção
creve Salvemini no início de suas Memórias. *“...Escrevi a considerável da opinião pública.”
Ernesto Rossi que Mussolini era preferível a D'Annunzio: po- Léon Blum, in Le Populaire, 31/10/1922.
der-se-ia esperar que ele acumulasse tantos erros que o retorno
à velha ordem seria rapidamente inevitável...” Essa espécie “O senhor Mussolini, Primeiro-Ministro, desce a encosta
de otimismo transparece mais ou menos em todos os comen- da noite... o fascismo acabou.”
tários dos contemporâneos. Quantos poderiam de fato ima- Georges Ponsot, in L'Ere Nouvelle, 31/10/1922.
ginar que o fascismo duraria vinte anos?
“ . ministério de reação no interior e de aventura no
“A marcha sobre Roma será, sobretudo, uma corrida aos exterior...” E
cargos públicos!”
L'Humanité, 1/11/1922.
La Sentinelle (La Chaux-de-Fonds), 25/10/1922.
“Estaríamos enganados se olhássemos o fascismo como um
“...Por querer semear a desordem num velho país civili- movimento reacionário somente porque se levantou contra o
zado e profundamente patriota, os exaltados da revo'ução so- socialismo internacional. Já se lançaram as pontes entre ele
cial chegaram apenas a um único resultado: coligar, contra o e o proletariado. Mussolini, sem dúvida, pensa, no momento,
socialismo, todo o corpo da nação.” que o socialismo, solidamente estabelecido no terreno nacional,
será a forma consistente e fecunda da democracia de amanhã.”
Le Petit Parisien, 28/10/1922.
Jules Galtier, in Le Temps, 1/11/1922.
“.. o próprio Fascismo é um partido viciado como os
“A ordem reina, perfeita e por si mesma... O método
précedentes no espírito revolucionário.” E é
é bom e encontra o consentimento unânime.”
L'Action française, 28/10/1922.
LI ntransigeant, 7/11/1922.
“Esse governo, anti-Soviete, só pode ser concebido como
“Mussolini desejaria despovoar a Itália para poder do-
uma ditadura,”
miná-la melhor...”
Jacques Bainville, in La Liberté, 30/10/1922. Unión (Buenos Aires), 10/11/1922.
“O fascismo nasceu para combater o socialismo... Ini- “... Um episódio, sem dúvida sensacional, da vida parla-
cialmente saudado como uma libertação, tornou-se uma tira- mentar de um país que atravessa uma crise desesperada...
nia. Sua história é um exemplo instrutivo dos perigos dos uma crise ministerial um pouco movimentada...”
métodos “extralegais' em política”.
Umberto Terracini, in La Correspondance interna-
The Times, 30/10/1922. tionale, 15/11/1922.

102 103
PROBLEMAS E QUERELAS DE INTERPRETAÇÃO Revolução das classes médias?

A primeira “massa de manobra” do fascismo foi


constituída por pequenos-burgueses, entre os quais um
número considerável de oficiais desmobilizados. L. Sal-
vatorelli (Nazionalfascismo, Turim, 1923) foi um dos
primeiros a salientar o fascínio que o fascismo exer-
cia sobre uma pequena burguesia nutrida pela “retó-
rica”: antiproletário, o fascismo não deixou de se
entregar a declarações “contra a plutocracia, a burgue-
sia, as classes dirigentes... O fascismo representa
pois a luta de classes da pequena burguesia, que se
enquadra entre o capitalismo e o proletariado, como
um terceiro entre dois litigantes”. Analisando o pan-
fleto de Salvatorelli (Cf. IH Lavoro, de Gênova,
3/6/1923), G. Ansaldo, por sua vez, observa: pequena
As interpretações do Fascismo. burguesia, certamente, mas de modo algum “humanista”
como o pretende Salvatorelli; trata-se de uma pequena
2. Crítica ou defesa do Risorgimento? burguesia que se desenvolveu dentro do quadro da so-
ciedade industrial: “No retardado desenvolvimento eco-
3. Mussolini recebeu ajuda financeira dos socialistas nômico de nosso país, o capitalismo e os fenômenos
franceses? colaterais assumem, também, um caráter artificial e re-
tórico”. Portanto, pequena burguesia, retórica e mes-
4. O financiamento do fascismo.
mo o gosto pelo esporte, manifestam-se, para alguns
As responsabilidades das classes dirigentes. Um — Salvatorelli, Ansaldo, Croce, Fortunato e até Gobetti
exemplo: Bonomi e o fascismo, — como componentes essenciais do fascismo.

6. A ocupação das fábricas, oportunidade perdida?


O Fascismo, burocracia
Fascismo e Nazismo.
G. Salvemini e seu discípulo C. Rosselli tendem,
8. O inconsciente é fascista? inversamente, a definir o fascismo como a política de
uma burocracia que vem substituir as velhas classes
dirigentes. “Os capitalistas — constata Salvemini —
| As interpretações do Fascismo |! perderam o controle financeiro da máquina... TO
fascismo] tornou-se uma força independente.” Assim,
o fascismo torna-se incapaz de realizar até mesmo seus
A antologia publicada por C. Casucci, Il Fascismo. objetivos e resolver as contradições da sociedade capi-
Antologia di scritti critici (Bolonha, 1961), permite talista, e apresenta-se como uma solução vazia de con-
fazer um balanço bastante completo das interpretações teúdo. De fato, a crítica do fascismo redunda numa
do fascismo propostas na Itália. crítica da burocracia: é como burocracia que o fascismo
fracassa.
1. Tomo a liberdade de remetê-los a meu artigo: “A noção Procedendo de outros postulados, B. Rizzi (La
do fascismo. Notas sobre alguns livros recentes”, Partisans,
set.-out. 1962, pp. 150-168. Bureaucratisation du Monde, Paris, 1939) inclina-se

104 105
igualmente a integrar o fascismo nesse “coletivismo assim muito bem o ponto de vista do liberalismo (fre-
burocrático” que a burocracia stalinista, o New Deal qiientemente passivo, quando não cúmplice) frente à
de Roosevelt ou a Frente Popular ilustram a títulos “enorme perda de tempo” — expressão de Turati, em
diversos. Através do controle do Estado sobre os 1922 — que representara o fascismo. Reduzindo o
instrumentos de produção, a classe burocrática tornar- fascismo a algumas extravagâncias — o “passo roma-
se-ia a verdadeira classe dominante. Considerando-se no”, a saudação fascista, o deperecimento das fórmulas
que o fascismo nunca chegou a efetuar tal controle, de cortesia — ou a um “morbus moral”, ao “Anti-
parece-nos que o elemento comum aos diversos fenô- cristo que está em nós”, até mesmo ao “mau caráter”
menos estudados por Rizzi é, antes de tudo, a integra- que leva uns a endossar a camisa negra, outros a pra-
ção da força de trabalho (do proletariado) no orga- ticar esportes (Cf. Quaderni della “Critica”, jul. 1947),
nismo estatal: o que o corporativismo, efetivamente, Croce manifestamente esforçou-se tanto para minimizar
procurou pôr em prática. a importância do fenômeno como para esvaziá-lo de
significação: incompreensão teórica? Talvez. Mas é
Fascismo e grande capital necessário levar em conta também as responsabilidades
das classes dirigentes na ascensão do fascismo (Cf.
Socialistas, comunistas e anarquistas estão de sobre esse assunto R. Zangrandi, Il lungo viaggio
acordo quanto à observação de que o fascismo é “um attraverso il fascismo, Milão, 1962) e da preocupação
produto cujos germes fermentam em todos os Estados em retornar à antiga ordem da Itália pré-fascista. A
capitalistas” (Turati). Contudo, é necessário que se
tese do fascismo como parêntese exprime, em suma,
explique essa forma “particular, específica” de reação muito bem, os interesses dos velhos grupos liberais.
(Togliatti). Afirmar que todo capitalismo esteja desti-
nado ao fascismo ou ainda que seja suscetível de des- Revelação, descoberta das lacunas e das contra-
cambar no fascismo, é, na realidade, nada dizer. F. dições da história anterior, o fascismo mostra-se, ao
Sternberg demonstrou muito bem, a propósito do nazis- | contrário, para Gobetti como uma autêntica “autobio-
mo — e a análise também é válida para o fascismo —' grafia da nação” (Cf. P. Gobetti, La rivoluzione libe-
que o capitalismo alemão “constituía o membro mais rale. Saggio sulla lotta politica in Italia, Introd. de
fraco da família dos grandes Estados capitalistas” (CF. G. De Caro, 3. ed. Turim, 1964). Mussolini — observa
Le conflit du siêcle, trad. fr., Paris, 1958). De fato, Gobetti — conseguiu apenas generalizar na Itália intei-
tudo se passa como se a ruptura, também aqui, se ra O sistema de pauladas inaugurado por Giolitti no
realizasse nesse ponto que Lênin denomina “o elo Mezzogiorno. Mais geralmente, e essa será a ocasião
mais fraco” da cadeia dos Estados capitalistas. Con- de uma verdadeira volta à formação da Unidade ita-
firmação indireta dessa posição: a Itália dos anos 1919- liana, o fascismo aparece “ligado a todas as falhas de
-1922, e depois a Alemanha dos anos 30, formam, nossa formação”. Posição que coteja — ou anuncia
sem dúvida alguma, os dois países da Europa mais — algumas análises de inspiração marxista: do Risor-
próximos da revolução. De onde se conclui que é gimento de Gramsci (Turim, 1949) aos trabalhos do
importante, também aqui, sair dos limites nacionais, Congresso de estudos gramscianos sobre a Unidade
recolocar, no caso, o capital italiano no quadro do italiana (Problemi dell Unitã d'Italia, Roma, 1962).
mercado mundial, o movimento operário nas grandes Mas que procede de outros postulados: o projeto de
correntes revolucionárias do pós-guerra. Gobetti não é, como se acreditou, propor uma revolu-
ção democrática realizada por uma aliança do prole-
. eo lugar do fascismo na história italiana tariado e do campesinato pobre, mas, simplesmente —
como o assinala De Caro — um “programa reformista
“O que é em nossa História um parêntese de vinte de nível elevado”, visando, com o apoio e, se possível,
anos?”, perguntava-se Croce em 1944, exprimindo o consentimento do proletariado, a uma modernização
106 107
do capitalismo italiano. Perspectiva, portanto, de um luzione liberale, ed. cit., pp. 7-37) e, principalmente, o
neoliberalismo, — de um liberalismo de esquerda. admirável Risorgimento senza eroi (Turim, 1926, pós-
Parêntese ou revelação, o fascismo parece, em tumo) —, esse esforço em enquadrar o aparente pa-
ambos os casos, provocar uma ruptura na temporali- rêntese do fascismo na continuidade da história italia-
dade, introduzir uma outra duração. A própria inves- na, a partir da Unidade.
tigação dos antecedentes, em Gobetti ou, ainda mais, Bastante curiosamente, Gobetti liga-se aqui a uma
na alucinante Antistoria d'ltalia de F. Cusin (Turim, tradição que pensadores ou jornalistas, Oriani ou Mis-
1948), tende sempre, mais ou menos, a atribuir-se um siroli, desenvolveram e aos quais se filiará o fascismo
tempo descontínuo. Tudo corre como se o fascismo, ou que unificarão o fascismo, — tradição que, contudo,
na longa duração da história italiana, introduzisse, re- remonta, como o observa Gramsci, a La Réforme intel-.
pentinamente, uma história de curta duração. Essa é lectuelle et morale de Renan. A debilidade essencial do
evidentemente uma espécie de tradução do sentimento Estado italiano consistiria precisamente no fato de que
de crise que os contemporâneos provavelmente expe- a Itália, não tendo conhecido a Reforma, teria sido
rimentaram diante do novo regime. Mas, para quem incapaz de ultrapassar a “idéia católica” e de criar
deseja efetivamente recolocar o fascismo no conjunto um Estado moderno, “compreendido como Estado Éti-
da história italiana, ao menos a partir da Unidade, e, co” (M. Missiroli, La Monarchia Socialista, Bolonha,
a fortiori, na história da Europa e do mundo, é evidente 1914). Consciente de que tal esquema comporta
que, se a explicação “parentesista” é completamente insuficiências, Gobetti — pelo que não parece absolu-
insuficiente, se não ridícula, a posição “reveladora” tamente ter lido Weber — insistirá mais nas fraquezas
mostra-se igualmente incapaz de articular a história do estruturais da burguesia italiana.
Ventennio com o resto da história italiana. A reve-
lação, se quisermos, inspira-se em um modelo muito A revisão do Risorgimento...
menos dialético que aristotélico: o modelo da passagem
do possível ao real, do virtual ao atual. Falta-lhe a O Risorgimento se lhe apresenta portanto como a
descrição ou a análise desse trabalho que permite ao obra de uma minoria — uma burguesia antes parasi-
oprimido manifestar-se. Daí a importância de alguns tária que produtora — que foi incapaz de “construir
trabalhos: F. Chabod (L'Italia contemporanea (1918- uma unidade que fosse a unidade do povo”. A falta
1948), Turim, 1961), G. Perticone Lº Italia contem- de participação das massas populares e a debilidade
poranea dal 1871 al 1948, Milão, 1962), que se esfor- efetiva da burguesia deixaram a obra inacabada. A
çam, com maior ou menor felicidade, em fazer do fas- essa revolução dos “heróis”, o jovem liberal opõe a
cismo um momento de uma história mais ampla, mani- dos “heréticos”. Nesse mesmo esquema, Gramsci e
festando, como assinala E. Fasano Guarini, “uma seus sucessores integrarão o tema da mancata rivolu-
fundamental continuidade social” (Annales E.S.C., I, zione agraria: diferentemente dos jacobinos franceses,
1964). os homens do Partido da Ação (Mazzini, Garibaldi,
Pisacane), abandonando a direção do movimento para
IH. Crítica ou defesa do Risorgimento? os moderados (Cavour, por exemplo), não teriam rea-
O antifascismo — observa Gobetti, em 1924 —
lizado uma reforma agrária indispensável. O Risorgi-
mento teria sido assim apenas uma “revolução passiva”.
nutrir-se-á do historicismo: “Nossa geração será
uma geração de historiadores”. À falsa consciência, De onde o atraso do desenvolvimento econômico e o
retrocesso das estruturas italianas.
ao anti-historicismo — que são próprios da ideologia
fascista — vão se opor o embasamento histórico, a Essa crítica do Risorgimento que, como o demons-
elaboração de uma consciência historicista. Daí, essas trou de forma excelente C. Pavone, estará no centro
reflexões — “A herança do Risorgimento” (La Rivo- das “idéias” da Resistência italiana (C. Pavone, Le

108 109
idee della Resistenza, Passato e Presente, jan.-fev. dada — a partir dos anos 1924 — na aliança do pro-
1959, pp. 850-918), visa igualmente a objetivos mais letariado do Norte e do campesinato pobre do Sul, e,
imediatos. Além de “a Itália de fato”, o fascismo mais especificamente, na “função nacional” do prole-
pretende ser — nessa linguagem em que G. Volpe tariado, na definição do proletariado como “classe na-
coincide com Maurras — a ressurreição de “Itália de cional”. Perspectiva que tende igualmente a diluir os
direito”. A “revolução fascista”, proclama Gentile objetivos de classe nos objetivos “nacionais” ou “po-
(Origini e dottrina del fascismo, Roma, 1929), é “idea- pulares”.
lista” e “mazziniana”, “antimaterialista”; é um “segundo
Risorgimento”. JE, bastante curiosamente, de Gobetti A polêmica atual
a Gramsci, concorda-se prontamente em abandonar o
Risorgimento aos que o reivindicam. “A revolução anti- Risorgimento e capitalismo, de R. Romeo (Bari,
fascista — escreve ainda Togliatti em 1931 — poderá 1959), critica em Gramsci o fato de projetar suas preo-
ser apenas uma revolução contra o Risorgimento,... cupações políticas do momento sobre o período do
contra a solução que ele trouxe ao problema da unidade Risorgimento e de não reconhecer que uma revolução
do Estado e a todos os problemas da vida nacional” agrária seria impossível na Itália do século XIX.
(in Lo Stato Operaio, set. 1931): fórmula que leva, Gramsci teria sido vítima da utilização do modelo da
evidentemente, a marca do sectarismo (formal) do Revolução Francesa, evidentemente mais democrática,
“terceiro período” da Internacional Comunista. mas menos eficaz que a “via prussiana” (Lênin). De
fato, e isso é o essencial da tese de Romeo, longe de
frear o desenvolvimento, a grande propriedade teria,
. € seus pressupostos políticos pelo contrário, favorecido a acumulação primitiva do
Por detrás desse abandono dos valores do Risor- capital na Itália.
gimento — valores reivindicados ainda pelos liberais Dizer que Gramsci tenha sião incapaz de adotar
como Croce ou como A. Omodeo (Difesa del Risor- a atitude serena que convém, digamos assim, ao histo-
gimento, Turim, 1951: coletânea de artigos escritos riador, é uma acusação frágil: e qual o historiador,
entre 1926 e 1945) — encontra-se, tanto em Gobetti aliás, que pode isentar-se disso? Os trabalhos de F.
como nos comunistas, uma certa concepção do papel Della Peruta, 1 democratici e la rivoluzione italiana
da classe operária. Para Gobetti, que assiste, surpre- (Milão, 1958) e de G. Berti, 1 democratici e Viniziativa
so, à ascensão da grande indústria de Turim, “é neces- meridionale nel Risorgimento (Milão, 1962) demons-
sário esperar pelo movimento operário para que haja, traram muito bem, contudo, a importância da questão
na Itália, iniciativas autônomas das massas populares, agrária para alguns democratas dos anos 1860, —
que possam levar a revolução liberal a suas últimas sinal de que o problema da reforma agrária já se colo-
consegiiências”. Tese que pode parecer revolucioná- cava, ainda que seja fácil, ex post facto, proclamar sua
ria, mas que de fato tende — G. De Caro sublinha-o impossibilidade. A presença da Revolução Francesa
com propriedade — a efetivar, na Itália, ao contrário no próprio Risorgimento é, aliás, esclarecida no artigo
do fascismo, o nível mais alto de desenvolvimento de A. Soboul, Risorgimento e revolução burguesa (La
capitalista, integrando, sem coerção, o proletariado à Pensée, jan.-fev. 1961).
sociedade global. Interpretado aqui a partir de uma Quanto ao ponto crucial, os sucessores de Grams-
perspectiva “neocapitalista”, o “valor nacional” do pro- ci concordam em acusar Romeo de ignorar efetiva-
letariado está igualmente no centro das análises de mente o que é a acumulação primitiva do capital: cf.
Gramsci e de seus sucessores. Em Gramsci, de fato, me particular L. Cafagana, TI saggio di R. R. Romeo su
pondo de lado a influência de Gobetti, a crítica do Risorgimento e capitalismo (Cultura Moderna, abr.
Risorgimento acompanha uma estratégia política fun- 1959), R. Zangheri, La mancata rivoluzione agraria

110 111
nel Risorgimento e i problemi economici del"Unitã fundado com um subsídio de origem francesa que lhe
foi entregue por Dumas, Secretário de Guesde, então
mente, Problemi delPUnitã d'ltalia (Roma, 1962); Ministro de Estado. A primeira importância foi de
ponto de vista retomado por J.M. Cammett em seu 15 000 francos, seguida de importâncias mensais de
Antonio Gramsci and the Origins of Italian Commu-
10 000 francos”. Números e nomes são os mesmos
nism (Stanford, 1967). Mais articulado, o artigo de
que os citados em março de 1925 por Henri Torrês
A. Gerschenkron, Rosario Romelo e [accumulazione
num discurso diante dos tribunais, depois em Guerra di
primitiva del capitale (Rivista Storica Italiana, dez.
1959), tende, ao contrário, a demonstrar que não se classe, invocando documentos que teriam estado em
pode aplicar à Itália o conceito de acumulação primi- seu poder. A assinatura de Jouhaux, juntando-se à
tiva. Romeo efetivamente teria descrito, não a acumu- de Torrês, pode ter algum peso no caso. Tanto mais
lação primitiva definida por Marx, mas uma série de que Jouhaux, não nos esqueçamos, também realizara
“substitutos” que teriam ocorrido. uma “missão” em Milão em fevereiro de 1915...

Il. Mussolini recebeu ajuda financeira dos A missão de Cachin


socialistas franceses?
Um nome é citado com mais fregiência que o de
Excetuando-se algumas biografias oficiais do pe- Dumas: o de Marcel Cachin, enviado para uma missão
ríodo fascista, todos os historiadores concordam em na Itália durante o último trimestre do ano de 1914.
reconhecer que o Popolo d'Italia foi, se não “lançado”, Aqui, um primeiro testemunho, o de Serrati no Con-
pelo menos vigorosamente mantido por fundos prove- gresso de Livorno em janeiro de 1921: “Durante nosso
nientes do Governo francês 2. O mortante das somas período de neutralidade, Cachin veio à Itália para inci-
que Mussolini possa ter recebido tem um interesse tar-nos a acompanhar a França na Guerra. Nós, poli-
insignificante; a principal preocupação é estabelecer a damente, o expulsamos do Avanti!, como expulsáramos
maneira pela qual Mussolini pôde apossar-se desses seu companheiro Albert Thomas. Esteve também no
fundos.
Corriere della sera” etc. (XVII Congresso Nazionale
del P.S.I. — Livorno, 1921, resumo estenografado,
Guesde ou Sembat? Milão, 1962, p. 308)º. Aliás, Serrati deveria re-
tomar muitas vezes esse ponto e, em particular, sob
Para Cesare Rossi (Mussolini com'era, Roma, o título Le missioni di Cachin, no Avanti! de 16 de
1947, pp. 71-72), o dinheiro teria sido enviado a Mus- março de 1922. Antes mesmo desses ataques de
solini pelo ministro sem pasta, e socialista, Marcel Serrati, a “Delegação para o estrangeiro” do Partido
Sembat. As outras fontes — H. Torrês, M. Rocca, A. Social Democrata russo (menchevique) lembrara essa
De Ambris, L. Campolonghi — em compensação, primeira missão de Cachin quando, em 1917, este se
citam o nome de J. Guesde. Um testemunho parti- preparava para partir para a Rússia a fim de encorajar
cularmente importante é, evidentemente, uma publica- Kerenski a prosseguir na guerra: “Quanto ao cidadão
ção do Instituto Superior Operário: Le fascisme en Cachin, lembraremos aos camaradas russos que ele já
Italie (Cours de PInstitut supérieur ouvrier, 1933-34), cumpriu uma missão análoga na Itália, tentando para-
prefácio de Léon Jouhaux, Paris, 1934, p. 13, onde
lisar a ação gloriosa dos socialistas italianos no mo-
se lê: “Não há dúvida de que o Popolo d'Italia foi mento em que os nacionalistas obstinavam-se em levar
2. E. Serra, L'oro inglese e Mussolini, IL Mondo, 18/2/1955,
acredita que Mussolini tenha igualmente recebido ajuda do 3. Deve-se observar que, já em 1920, Serrati evocara — na
governo britânico. presença de Lênin, em Moscou, — as “missões” de Cachin.

112 113
seu povo para a disputa sangrenta” (citado em A. nº 149, set.-out. 1963, pp. 145-149). Contudo, ne-
Kriegel, Aux origines du communisme français, Paris, nhum documento vem apoiar essa tese*. Sem acom-
1964, 1, p. 164, nota 1). panhar toda a demonstração de G, Pontremoli que
Alfred Rosmer (Le mouvement ouvrier pendant acredita que Mussolini tenha tido um primeiro encontro
com Cachin em 19 de outubro de 1914 (Un giornale
la guerre, Paris, 1936, pp. 327-333) e Gaetano Salve-
e qualche uomo, Il Mondo, 25/3/1950), pode-se
mini (Mussolini diplomate, Paris, 1932, pp. 19-21 e
contudo recordar, com R. De Felice, que existem ves-
Scritti sul fascismo, I, Milão, 1961, pp. 9 e 386-391) tígios que ao menos permitem datar de dezembro de
insistiram particularmente sobre o conluio entre Mus- 1914 a viagem de Cachin à Itália (Mussolini il rivolu-
solini e Cachin. Entre as fontes citadas, pode-se reter, zionario, Turim, 1965, pp. 263-264, nota). Rosmer,
como anteriormente no caso de Jouhaux, o testemunho por sua vez, estabelece (loc cit., p. 330) que os pri-
dos que tiveram motivos suficientes para saber o que meiros artigos de Cachin, nutridos por uma experiência
realmente acontecia: Renaudel e Paul Faure. “Vários italiana recente, surgem no Humanité a partir de 22 de
entre nós estão lembrados de que os primeiros números dezembro, isto é, pouco mais de um mês após a fun-
do Popolo d'Italia foram publicados com ajuda finan- dação do Popolo d'Italia...
ceira francesa, escrevia Renaudel no Quotidien de 9 de
Coloca-se, enfim, uma última questão: em 12 e
novembro de 1926. Marcel Cachin conhece todos
13 de novembro, Mussolini, acompanhado por seu
esses fatos, embora não goste de que se fale deles.” E
Paul Faure, in Le Populaire, de 9 de janeiro de 1928:
financiador italiano Filippo Naldi, diretor do Resto del
Carlino e por Mario Girardon, correspondente desse
“Um dia, Jules Guesde, então Ministro do Estado, dis-
jornal em Paris, ter-se-ia — segundo De Felice (loc.
se-me confidencialmente que tínhamos um homem:
Mussolini; havíamos lhe enviado uma primeira contri-
cit., p. 276) — encontrado em Genebra com “homens
buição de 100000 francos para lançar seu jornal. políticos da frente aliada”. De quem se trata?
Não posso precisar quem efetivamente levou o dinheiro,
mas Cachin, se quiser, poderá informar os leitores da
Humanité; ele foi então à Itália avistar-se com Musso- IV. O financiamento do Fascismo
lini por conta do Governo francês”. Como observa
Salvemini, que cita ainda outras fontes, jamais houve O grande mérito de Daniel Guérin fora o de
desmentido por parte de Mussolini ou de Cachin. levantar em sua época, no primeiro capítulo de Fascis-
me et grand capital (Paris, 1936), o problema dos
“financiadores” do fascismo. Renzo De Felice hoje o
aborda, munida de número: Primi elementi sul finan-
Data da missão
ziamento del fascismo dalle origini al 1924, Rivista
Storica del Socialismo, VII, 22, maio-ago. 1964, pp.
Comovido com o que se atribuiu (acreditava ele) 223-251. Quais foram os recursós do fascismo duran-
à memória do “grande militante desaparecido”, Mois-
sonnier procurou dar uma versão oficial da missão de 4. A. C Konnzev, “Iz istorii odnogo zagovora “(Delo
(O
Mussolin;-Gedenstrom)” [Da história de uma conspiração
Cachin: “Quando Marcel Cachin, enviado por Jules caso Mussolini-Ge denstrom)], Istoriceskij arkhiv, n.º 5, 1962,
e 7, de 9 e 16 fev.
Guesde, encontrou-se efetivamente com o futuro Duce, retomado parcialmente em Rinascita, n.ºº 6 Mussolini” trata
1963, sob o título “I rubli dello zar a Benito
então desertor do Partido Socialista Italiano, em março dos trâmites empreendidos por Mussolini junto
ao agente tzarista
necessários para O
de 1915, em Milão, o Popolo d'Italia já existia desde Gedenstrom com o fim de obter os fundos ham se propun
que alguns intervencionistas de esquerda
ataque casus
criar um
15 de novembro de 1914, ou seja, há cinco meses”. a realizar contra um quartel austríaco para
s, não
belli. Como se trata aqui de ouro e de agente tzarista
(“Autour du fascisme italien”, La Nouvelle Critique, se hesita evidentemente em publicar documentos..
.

114 115
te os anos de ascensão? Como os conseguia? O industriais e pelos grandes proprietários fundiários, não
exame dos arquivos do Ministério do Interior italiano se poderia falar, quanto aos industriais, de uma “ati-
demonstra a princípio que, após algumas tentativas vidade -pró-fascista intensa” visando conscientemente
mais ou menos bem sucedidas, o fascismo recorreu, a levar Mussolini ao poder: prova disto seria o tardio
partir do verão de 1921, a um sistema de subscrições aparecimento da Confindustria e da Associação das
e de taxas extremamente moderno e bem organizado, sociedades por ações, para as eleições de 1924. O
que, a despeito de suas divisões e rivalidades internas, exame geográfico do financiamento, enfim, permite a
permitiu-lhe ser alimentado bastante regularmente. verificação do que já se conhecia no plano político: as
Contudo, o estudo do financiamento permite dis- dificuldades do fascismo em penetrar no Sul da Itália.
tinguir três, se não quatro fases. No decorrer do Paolo Spriano na Unitãà (6/10/1964) e Giordano
primeiro período, de 23 de março de 1919 até o verão Sivini na Rivista Storica del Socialismo (VII, 23, set.-
de 1921, esse financiamento permanece muito restrito: dez. 1964, pp. 627-630) contestaram alguns dos resul-
o fascismo mostra-se ainda “subversivo” para alguns e, tados de De Felice: os números estão longe de repre-
é necessário lembrar, sem haver saído das cidades. sentar a totalidade das contribuições financeiras do
Com o verão de 1921, quando começa a vigorar o movimento fascista, pois nelas não figuram os “subs-
novo sistema de adiantamentos, quando o fascismo se critores” principais, bancos e grandes industriais, nem
manifesta como uma força nacional, os fundos come- as subvenções recebidas pelo Popolo d'Italia. Além
çam a afluir, para diminuir em 1922 até a marcha disso, como o reconhece o próprio De Felice (R.S.58.,
sobre Roma: “O perigo bolchevique — observa o autor VII, 23, pp. 630-632) as arrecadações excepcionais
— estava então afastado e as coisas estavam em vias dos dias da “marcha sobre Roma” não foram consi-
de normalização” (p. 242); a isso deve-se acrescentar, deradas. Entre estas, as 3 500 000 liras com que o
como já o demonstrou Salvemini º, que em 1922 o Grande Oriente teria, segundo Berneri, contribuído
capitalismo italiano começava a superar a crise do pós- para o financiamento da “marcha” (Cf. Camillo Ber-
guerra. A marcha sobre Roma, enfim, e a chegada neri, La Massoneria e il fascismo [1939], Umanitá
de Mussolini ao poder marcarão “uma retomada maci- Nuova, XLIII, 4, 27/1/1963). De resto, é certo que,
ça das subvenções” (ibid.): de 447 200 liras em outu- como o demonstrou Ernesto Rossi (especialmente em
bro-dezembro de 1921 e de 1 247 025 liras de janeiro I padroni del vapore, Bari, 1955), os industriais e os
a outubro de 1922, as subvenções das sociedades indus- proprietários agrários italianos manifestaram plenamen-
triais e comerciais elevar-se-ão a 4 125 750 liras de te seu reconhecimento ao fascismo apenas quando este
novembro de 1922 a dezembro de 1924, o que repre- já se encontrava definitivamente estabelecido.
senta um sensível aumento (perto de 20% ao ano).
Entre as conclusões que Renzo De Felice tira de
sua análise, reter-se-ão principalmente estas: “O finan- V. As responsabilidades das Classes Dirigentes.
ciamento dos fasci foi essencialmente um fenômeno de Um exemplo: Bonomi e o Fascismo
classe, sobre o qual os outros fenômenos não tiveram
nenhuma influência notável” (loc. cit) e — conclusão Os primeiros rumores concernentes ao apoio ofe-
que é, segundo nosso ponto de vista, mais importante recido ao desenvolvimento dos Fasci por Ivanoe Bo-
— se a maior parte dos fundos foi fornecida pelos nomi, Ministro da Guerra do governo de Giolitti, co-
meçaram a circular a partir de 1921. Giuseppe De
5. É legítimo que se conduza essa pesquisa até dezembro Falco (Jl fascismo milizia di classe, Bolonha, 1921, p.
de 1924, já que o fascismo só se estabiliza verdadeiramente
depois da “crise Matteotti”. 26) falou então sobre uma circular do Estado-Maior
1o8io GAETANO SALVEMINI, Scritti sul fascismo, Feltrinelli, Milão, datada de 21 de outubro de 1920 (trata-se, na reali-
dade, de 24 de setembro) convocando o apoio aos
116 7
tataremos que o antigo Ministro da Guerra apenas
Fasci. Foi apenas em 1924 que Bonomi preocupou-se lamenta que a imprensa tenha tomado conhecimento
em desmentir esses rumores, por ocasião da publicação das duas circulares incriminadas. Como observa R.
de seu livro Dieci anni di politica italiana (Milão,
Vivarelli, nenhuma sanção foi determinada contra os
1924). Segundo a introdução da obra (Ferruccio Ru-
militares excessivamente zelosos.
biani, “Il pensiero e Pazione di Ivanoe Bonomi”),
tudo não passara de um mal-entendido: um general
que interpretara erroneamente uma circular que apenas
outra cir- VI. A ocupação das fábricas, oportunidade
pedia informações sobre os Fasci. Uma perdida?
cular, de Badoglio, chefe do Estado-Maior, em 23 de
outubro de 1920, viria aliás colocar um ponto final ao Até uma época bastante recente, comunistas e
caso. Como alguns comentadores — e Gobetti, sin-
— acentuassem o que essa justificação anarquistas estiveram de acordo em julgar a ocupação
gularmente
das fábricas em 1920 como a grande oportunidade
tardia tinha de contraditório, Bonomi respondia —
perdida do pós-guerra italiano: oportunidade perdida
desta vez diretamente — na Azione de Roma, em 9
Gobetti voltava então à questão — é preciso ser mais explícito? — por culpa dos refor-
de março de 1924.
liberale (Turim) em 18 de março: mistas. Foi esse, aliás, um dos principais argumentos
na Rivoluzione
invocados no momento da cisão de Livorno e, exceto
“Bonomi exige de nós uma estupidez excessiva...” algumas épocas “unitárias”, os comunistas nunca aban-
Os documentos publicados por Roberto Vivarelli
donaram essa tese ”.
(Bonomi e il fascismo in alcuni documenti inediti,
Rivista Storica Italiana, LXXII? a., nº 1, mar. 1960, Um livro recente de Paolo Spriano (L'Occupa-
pp. 147-157) demonstram que os “rumores” de 1921 zione delle fabbriche — settembre 1920, Turim, 1964)
não estavam completamente desprovidos de fundamen- se esforça, ao contrário, em mostrar que o movimento
to. A circular de 24 de setembro de 1920 constata, de 1920 testemunhou mais “insuficiências”, “vícios”,
com efeito, que os Fasci “podem ser considerados de “atrasos” do socialismo italiano — fórmulas que po-
agora em diante como forças vivas que eventualmente demos, para dizer a verdade, empregar a posteriori
se opõem aos elementos antinacionais e subversivos. para todo movimento fracassado — que “suas virtu-
Parece pois oportuno — prossegue o texto — ... des, seu impulso, seus trunfos revolucionários”. O
manter contacto com eles, seguindo de perto suas ativi- governo — observa o autor — nunca perdeu o con-
dades e, levando-as eventualmente, em considera- trole da situação e, principalmente, quando os refor-
ção...” etc. O julgamento extremamente favorável mistas optaram pelo compromisso, “as massas não
aos Fasci que essa primeira circular contém mostra-se tiveram, na escala nacional, força para opor-se”.
tacitamente cqnfirmada pela de 23 de outubro, desti- É esse, parece-nos, o argumento mais sério. Re-
nada contudo a restabelecer a interpretação da primeira mete-nos implicitamente a posições simétricas: 19) por
que visava, diz o texto, “obter, por meio de contactos falta de organização revolucionária, o proletariado não
prudentes, informações seguras sobre a atividade dos pôde se expressar: é a posição comunista tradicional,
Fasci". Uma outra circular, de 19 de outubro de 1920, que julga a oportunidade perdida e justifica a cisão de
até então completamente desconhecida, do comando da Livorno, posição afastada pelo autor; 2º) inversamente,
232 Divisão de Infantaria de Chieti, retoma palavra por é a espontaneidade revolucionária que deveria, em
palavra a estimativa dos Fasci como “forças vivas” e última instância, decidir: tese que oscila entre Bakunine
solicita o emprego, para informar-se sobre suas ativi-
dades, “de fiduciários, escolhidos entre antigos oficiais, 7. É evidentemente como o reflexo de um período “uni-
e que fossem filiados aos próprios Fasci”. Se, por tário” — o das Frentes únicas — que se deve entender a fórmula
setembro de 1920, o momento histórico já
fim, nos reportarmos às notas inéditas de Bonomi, de
havia
Zinoviev:
passado”
“Em
(em L'Internationale Communiste au travail,
escritas provavelmente durante o verão de 1921, cons- Paris, 1923, p. 138).

119
118
e Rosa Luxemburgo, e consegue, em grau maior ou havido um índice menor de falsa consciência ou misti-
menor, demonstrar a inutilidade da organização e, ficação entre os representantes do grande capital que
portanto, da cisão de Livorno. Seremos, pois, tentados entre os dirigentes reformistas do proletariado.
a encontrar também no livro de P. Spriano, por outro
lado, bastante interessante e muito bem documentado,
um testemunho do atual período “unitário” do Partido VII. Fascismo e Nazismo
Comunista Italiano.
Colocando-se no ponto de vista do historiador A influência de Mussolini sobre Hitler passa a
econômico-político e manifestamente preocupado com ser conhecida a partir de Mein Kampf (1924). As
perspectivas mais amplas, Carlo Vallauri (“L'atteggia- relações que se travaram — antes mesmo da “marcha
mento del governo Giolitti di fronte al"occupazione sobre Roma” — entre os fascistas e os nazis, da mesma
delle fabbriche (settembre, 1920)”, Storia e Politica, forma que alguns “racistas” da Alemanha do Sul, foram
1965) procura demonstrar que em 1920 a partida seria amplamente exploradas: cf. por exemplo E. Anchieri,
jogada, não tanto entre o proletariado e os industriais, Les rapports italo-allemands pendant Vêre nazifas-
ciste (Revue dHistoire de la Deuxiôême Guerre
quanto entre estes últimos e um governo prudente, acos-
Mondiale, abril, 1957), como foi estudada a maioria
tumado com o “risco calculado” e preocupado em
evitar um choque catastrófico. De fato, enquanto — dos aspectos da aliança nazi-fascista: desde a obra já
exceto os anarquistas e os comunistas — as organi- clássica de M. Toscano, Le rigini del patto d'acciaio
zações do proletariado não parecem de modo algum (Florença, 1948), até a Faschismus-Nationalsozia-
decididas a tomar o poder, todos os esforços do grande lismus (Brunswick, 1964) e, principalmente, F. W.
capital, particularmente a Confindustria, tendem a pro- Deakin, The Brutal Friedship. Mussolini, Hitler and
vocar a eclosão do conflito e a levar o governo à the Fall of Italian Fascism (Londres, 1962). Mas o
falência. “problema dos problemas” nunca foi abordado: dadas
duas formações sociais estruturalmente idênticas, onde
Essas são — segundo o autor — as novas relações se situam as diferenças?
entre os bancos e a indústria pesada que estão na
“origem das perturbações econômicas e políticas que Fascismo e nazismo diferem entre si: não se che-
caracterizam a Itália de 1920”. Em face, pois, das gou algumas vezes a opô-los? A não ser que se recor-
ofertas de mediação do Governo de Giolitti e do desli- ra, dentro de uma perspectiva a-histórica, a uma “per-
zamento das organizações operárias para posições de sonalidade de base” (alemã qu italiana) que desse
compromisso, a atividade dos industriais visa então conta de tais diferenças, estas se explicam a princípio
“obrigar” o proletariado, que responde ocupando as pela situação respectiva dos capitalismos italiano e
fábricas. É uma tese engenhosa que mostra bastante alemão. Os dois países certamente realizaram sua
claramente como, quando seu desenvolvimento o exige, unidade nacional na mesma época, bastante tardiamen-
o capital consegue, muito facilmente, — com a cumpli- te no panorama europeu, mas já sobre bases diferentes.
cidade objetiva dos reformistas — utilizar as inicia- Conhece-se o pouco de autonomia ou de existência de
tivas revolucionárias do proletariado para superar algu- que a pequena burguesia italiana então dispunha, quan-
mas etapas — aqui, dar um passo a mais em direção do a unidade alemã foi o resultado de um capital
dessa integração do proletariado e desse regime fascista já autonômo. Capital mais forte, portanto, e que,
que haviam se tornado indispensáveis aos progressos do apoiando-se em organizações sociodemocráticas, dis-
capital financeiro italiano. A responsabilidade dos tribuindo “migalhas” maiores, integrou muito rapida-
reformistas, contudo, continua a mesma, mas procura-
mente o proletariado na sociedade global.
remos pensá-la, mais que nos termos (morais) da Portanto, primeira diferença: o nazismo realizou
traição, nos da falsa consciência. Em suma, teria uma “totalidade” mais completa que a efetuada pelo

120 121
fascismo. O proletariado alemão “integrou-se” muito De fato, nesse nível, as diferenças são claras. É tudo
melhor que o proletariado italiano. Ter-se-ia bastante o que separa a Teoria Generale dello Spirito come Atto
dificuldade em encontrar na Alemanha o equivalente puro de Gentile (Bari, 1924) de Der Mythos des XX.
da incansável “conspiração operária” que a Itália de Jahrhunderts de Rosenberg (7. ed., Munique, 1933),
Mussolini conheceu: cf. D. Zucãro, Cospirazione ope- — uma filosofia reacionária de uma ideologia, psica-
raia (Turim, 1965). Também nada equivalente à naliticamente falando, “reacional”.
Resistência italiana: cf. R. Battaglia, Storia della Re-
sistenza italiana (2. ed., Turim, 1964) e G. Quazza, Atinge-se neste ponto a diferença mais visível: o
La Resistenza italiana. Appunti e documenti (Turim, anti-semitismo. Anti-semita, o fascismo não o é em
1966). sua origem. Os esforços “teóricos” de um Preziosi
mostram-se principalmente como exceções: cf. R. De
Se o advento do fascismo operou-se com o apoio Felice, Giovanni Preziosi e le origini del fascismo
da classe dirigente, foi — como vimos — no final de (1917-1931) (Rivista Storica del Socialismo, V, 17,
quatro anos de guerra civil. Ao contrário, a ascensão set.-dez. 1962). Um dos personagens centrais da bio-
de Hitler assemelha-se bastante a uma “via parlamen- grafia do Duce é uma judia: Margherita Sarfatti. Mas
tar”: comparem-se as eleições italianas após a toma- isso é episódico e não certamente uma prova. Há
da do poder em 1924: fascistas: 38%; antifascistas: coisas mais significativas: as reticências dos dirigentes
25%; abstenções: 37%, após dois anos de governo fas- fascistas, uma vez o nazismo no poder, ao adotar ofi-
cista, e os 36,8% dos votos obtidos por Hitler desde “ cialmente o anti-semitismo: cf. sobre esse assunto a
1932. É verdade que, a despeito da força dos par- importante obra de R. De Felice, Storia degli ebrei
tidos operários na Alemanha, Hitler não encontrou a italiani sotto il fascismo (Turim, 1961). A primeira
mesma oposição que Mussolini. A política de “classe legislação radical foi, de fato, adotada apenas em 1938.
contra classe” praticada, sob a instigação de Stálin, E esteve longe de encontrar a mesma adesão que encon-
pelos comunistas alemães favoreceu objetiva, se não trou na Alemanha.
intencionalmente, a chegada ao poder dos nazis. Em
que medida Stálin e seus companheiros não preferiram,
a uma revolução alemã que teria feito da Rússia — VIH. O inconsciente é Fascista?
segundo a fórmula de Lênin — “não mais um exemplo,
mas novamente um país em atraso”, um Estado alemão Excetuando-se as reflexões sobre a pequena bur-
suscetível de se voltar contra as democracias ociden- guesia de um L. Salvatorell ou de um G. Ansaldo,
tais em um desses “conflitos inter-imperialistas” de que aliás mais próximas do “moralista” que do psicólogo ou
J. Stálin se fez teórico? do sociólogo, a “psicologia do fascismo” só atraiu
verdadeiramente a atenção — como já dissemos —
Mas as diferenças são também aquelas que a
experiência imediata apreende. Se o “César de Car- após a ascensão do nazismo. Citaremos aqui, a título
naval” faz rir, quem pensaria em se divertir com Hitler? de curiosidade, o pequeno panfleto do trabalhista inglês
O nazismo mostra-se como pura violência. Encontra- L. Birch, Why they Join the Fascists (Londres, s.d.
se nele efetivamente essa ascensão do irracional, esse [1937]), que procura demonstrar como o nazismo — e
“retorno do reprimido” que toda sociedade receia. o fascismo britânico de Oswald Mosley — esforçam-se,
Não é de surpreender que as primeiras tentativas de a princípio, em realizar os desejos reprimidos da pe-
explicar — psicológica ou psicanaliticamente — o fe- quena burguesia.
nômeno nazi-fascista datem somente dos anos 30. W. Reich inegavelmente escreveu, com The Mass
Apenas o nazismo realiza plenamente essa destruição Psychology of Fascism (Nova Iorque, 1946, edição
da razão descrita — bastante esquematicamente — por aumentada por uma introdução e dois capítulos: a pri-
Lukács: La destruction de la raison (Paris, 1958, 2v.). meira edição, Massenpsychologie des Faschismus, é de

122 123
1933), o grande livro sobre a questão *. O fascismo, espaço em detrimento da temporalidade: basta citar o
de fato, viria apenas liberar os impulsos que esperam gosto do fascismo pelo monumental e, particularmente,
— adormecidos? — dentro de cada um de nós. O iniciativa do Duce, os trabalhos Go desaterro do Forum
problema do fascismo não seria portanto unicamente romano que constituem perfeitanente a síntese dessa
o de uma organização sociopolítica, mas também o da
dupla busca do espacial e do eterno; de uma desdiale-
organização de nossos instintos: somente a liberação tização da visão do mundo — e mesmo do ser-no-
controlada da sexualidade e da combatividade evitaria mundo — o fascismo não pretendeu acabar com as
que estas últimas fossem empregadas ou (como se cos- contradições e os antagonismos sociais? A identidade
tuma dizer) “se desrecalcassem” na agressividade fas- reencontrada? uma espécie de “fim da história”? A
cista. Às causas econômicas do fascismo, às contra- falsa consciência, inseparável do fascismo, e o próprio
dições do capitalismo se juntariam, portanto, as con- fascismo, mostram-se assim sujeitos à mesma análise
tradições da vida sexual, a repressão da vida amorosa que a esquizofrenia. Uma simples analogia? ou —
dos homens. Ponto de vista confirmado pela Psycha- trata-se efetivamente de uma homologia? — a história
nalyse de Vantisémitisme, de R. Loewenstein (Paris, do fascismo é um grande livro onde o psiquiatra —
1952). também — encontra um discurso que lhe é familiar,
Um dos interesses da tese de Reich é, sem dúvida,
permitir — ao historiador ou ao sociólogo — intro-
duzir uma distinção dentro da categoria (genérica) de
totalitarismo; distinguir, se se quiser, entre stalinismo
e fascismo. Enquanto, de fato, o fascismo (ou o na-
zismo) teria como base a liberação desordenada dos
impulsos e, portanto, como o demonstra R. Loewens-
tein, uma verdadeira decomposição do superego, o
stalinismo, pelo contrário, estabelecer-se-ia a partir do
recalque desses impulsos, do reforço desse mesmo
superego. Daí, efetivamente, a involução incessante da
vida sexual que acompanha a instauração da buro-
cracia stalinista, o puritanismo hoje em vigor na União
Soviética e nos Partidos Comunistas ? etc. Daí, e isso
não é o menos importante, a diferença entre os dois
“totalitarismos”.
Numa perspectiva psiquiátrica, a obra de J. Gabel,
La fausse conscience (Paris, 1962), parece fornecer
ao historiador instrumentos muito mais maleáveis. J.
Gabel demonstra, efetivamente, com propriedade como
a falsa consciência é inseparável de uma degradação da
temporalidade ou da historicidade: e de fato fascismo
e nazismo pretender-se-ão a-históricos (“Reich de mil
anos”, “Terceira Roma” etc.); de uma valorização do
8. Sobre Reich, cf. o conjunto organizado por B. FRraENKEL
“Sexualité et répression”, em Partisans, out.-nov. 1966.
* 9. Puritanismo evidentemente reforçado pela posição cada
vez mais importante ocupada pela pequena burguesia nesses
movimentos...

124 125
BIBLIOGRAFIA E. SANTARELLI, Storia del movimento e del regime
fascista, Roma, 1967, 2 v.
Vasto painel que se esforça em recolocar o fascismo na
crise da sociedade européia entre as duas guerras. Obra im-
portante.

D. GUERIN, Fascisme et grand capital, 3. ed. (1. ed


1936), Paris, 1965.
Indispensável. Não envelheceu.
C. M. R. Histoire du fascisme italien. Paris, 1938. Com
Tasca e Salvemini, uma das melhores obras dos exilados anti-
fascistas.
M. GALLO, L'ltalie de Mussolini, Paris, 1954.
Crônica ágil, bem feita.

Il — Origens e advento

| — Obras gerais sobre o período 1. Testemunhos

F. CHABOD, L'Italia contemporanea (1918-1948), Turim, Um certo número de obras consagradas ao período de
1919-1922 podem ser consideradas de agora em diante como
1961, que preferiremos à edição francesa por ser mais comple-
testemunhos. Assim:
ta, constituindo, talvez, atualmente, a melhor introdução aos
problemas do período. P. NENNI, La lutte de classes en Italie, Paris, 1930;
G. A. CHIURCO, Storia della rivoluzione fascista, Flo- Six ans de guerre civile en Italie, Paris, 1930; Storia di quattro
rença, 1929, 5 v. anni, Roma, 1946; Vingt ans de fascismes, Paris, 1960.

Monumental. Versão quase oficial dos fatos. E. LUSSU, La Marche sur Rome... et autres licux, Paris,
1935.
G. VOLPE, Histoire du mouvement fasciste, Roma, s.d.
Por um grande historiador nacionalista, uma obra de pro- G. VOLPE, Guerra dopoguerra fascismo, Veneza, 1928.
paganda bastante medíocre.
2. Estudos
G. PINI, F. BRESADOLA, G. GIACCHERO, Storia del
fascismo. Guerra — Rivoluzione — Impero, 2. ed. Roma,
A. GRAMSCI, L'Ordine Nuovo 1919-1980, Turim, 1955;
1938.
Socialismo e fascismo, ['Ordine Nuovo 1921-1922. Turim,
De Aduá à proclamação do Império: um painel da “re- 1966, da mesma forma que P. GOBETTI, Scritti politici, Tu-
denção” da Itália. rim, 1960, representam pontos de partida fundamentais.
R. FARINACCI, Storia del fascismo, Cremona, 1940. A, TASCA, Nascita e avvento del fascismo, Florença,
Por um dos “hierarcas” do regime, a história dos quatro 1950. Continua a ser o grande livro sobre a questão. Existe
anos cruciais 1919-1922. Característica do gênero. uma edição francesa: Naissance du fascisme, Paris, 1968.
M. FEDELI, La nascita del fascismo, Ivrea, 1959, mimeo-
G. SALVEMINI, Scritti sul fascismo, 2. ed. Milão, 1963.
grafado. Ponto de vista de um anarquista. Uma pequena
Por um grande historiador antifascista, um clássico. síntese excelente.
L. SALVATORELLI, G. MIRA, Storia d'Italia nel periodo P. ALATRI, Le origini del fascismo, 2. ed., Roma, 1961.
fascista, Turim, 1946. Particularmente importante no que concerne ao naciona-
História essencialmente política, muito próxima da crônica. lismo e às responsabilidades das classes dirigentes.
G. CAROCCI, Storia del fascismo, MERO 1959, R. PARIS, Histoire du fascisme en Ialie. I. Des origines
Excelente “Que sais-je?” à la prise du pouvoir, Paris, 1962.

126
127
R. VIVARELLI, Il dopoguerra in Italia e Pavvento del Lacerba, La Voce) publicada em Turim desde 1960: “La cul-
fascismo (1918-1922): I. Dalla fine della guerra allimpresa di tura italiana del'900 attraverso le riviste”. Um testemunho
Fiume, Nápoles, 1967. interessante sobre esse clima intelectual: H. GIORDAN, Ro-
As origens da Itália contemporânea. main Rolland et le mouvement florentin de “La Voce”, Paris,
Uma reconstrução rigorosa. Dois outros volumes anunciados. 1966.
Três ciclos de lições ou seminários sobre o fascismo abordam B. CRÉMIEUX, Littérature italicnne, Paris, 1928; C.
igualmente, dentro de um prazo mais ou menos breve, o pro- SALINARI, Storia popolare della letteratura italiana: HI. Dalla
blema das origens, com exposições de N. VALERI (in Lezioni seconda metà del Settecento al Novecento, Roma, 1962.
sullantifascismo, Bari, 1960), P. ALATRI (in Trenfanni di Esclarecem igualmente o quadro literário.
storia italiana. 1915-1945, Turim, 1961) e L. BASSO (in A. ASOR ROSA, Scrittori e popolo. Saggio sulla lettera-
Fascismo e antifascismo. 1918-1948, Milão, 1962).
tura populista in Italia, Roma, 1965.
R. COLAPIETRA, Napoli tra dopoguerra e fascismo, Mi- Um dos livros mais brilhantes publicados na Itália após o
lão, 1962; G. PERILLO, 1 comunisti e la lotta di classe in Ligu- final da guerra.
ria negli anni 1921-22, extraído da revista Movimento opera- 1 Futuristi, aos cuidados de G. Ravegnani, Milão, 1963.
io e socialista, 1962-1963; E. SANTARELLI, Le Marche dal- Pequena antologia poética.
Punitã al fascismo, Roma, 1964; S. SECHI, La Sardegna tra F. T. MARINETTI, Al di là del comunismo, Milão,
guerra e dopoguerra, Il Movimento di Liberazione in Italia, 1920: documento; Futurismo e fascismo, Foligno, 1924:
jul.-set. 1967, pp. 3-32, e Il movimento autonomistico e Je O problema é efetivamente tratado na obra de R. DF
origini del Fascismo in Sardegna (1920-1922), in Annali della FELICE, supra.
Fondazione Einaudi, 1968, pp.1-71 (a ser publicado), oferecem
A. PAVOLINI, Futurismo, Vita [Diretor J. Luchaire],
exemplos de situações localmente determinadas.
25 dez. 1919; o ponto de vista de um contemporâneo.
G. SALVEMINI, The March on Rome, Current His- M. CANCOGNI, Storia dello squadrismo, Milão, 1959,
tory, out. 1932, pp. 38-43; A. REPACI, Mito e realtà della contém algumas páginas vivas sobre as expedições de arditi
marcia su Roma, !l Movimento di Liberazione in Italia, abr.- futuristas.
jul. 1960, pp. 3-41. Como o nome de D'Annunzio se manifesta por toda a
parte, contentamo-nos em reter o excelente livro de N. VA-
LERI, D'Annunzio davanti al fascismo, Florença, 1963, sem
3. Origens ideológicas esquecer S. CAPRIOGLIO, Un mancato incontro Gramsci-
D'Annunzio a Gardone nellaprile 1921 (Con una testimo-
G. GENTILE, Origini e dottrina del fascismo, Roma, 1929, nianza di P. Togliatti), Rivista Storica del Socialismo, jan.-
da mesma maneira que B. MUSSOLINI, La doctrine du fascis- ago. 1962, pp. 263-273.
me, trad. fr., Florença, 1938, 3. ed., metade devida a Gentile
e, outra metade, a Missiroli, representam os grandes momen-
tos teóricos do Ventennio.
Hi — Grupos, partidos, sindicatos'
Mais edificantes, o Dizionario
mussoliniano: 1500 affermazioni e definizioni del Duce, Mi-
F. CHABOD, op. cit., contém um importante panorama
lão, 1940: a opinião do Duce sobre todos os assuntos, em
ordem alfabética, da “Accademia” a “Zara”, e La dottrina
da situação política da Itália mo decorrer do após-guerra,
fascista ad uso delle scuole e del popolo, Roma, que se pode completar com C. MORANDI, I partiti politici
s.d.: os prin- nella storia d'Italia, Florença, 1963, e J. MEYNAUD, Les
cípios do mussolinismo.
Partis politiques en Italie, Paris, 1966.
R. DE FELICE, Giovanni Preziosi e le origini del fas-
cismo (1917-1931), Rivista Storica del Socialismo, set.-dez. 1. Os nacionalistas
1962, pp. 493-555. Sobre um problema pouco estudado.
Sobre os neo-hegelianos italianos: E. GARIN, Cronache di filo-
A. ORIANI, La rivolta ideale, Bolonha, 1926; E. COR-
sofia italiana 1900-1943, 2 v., Bari, 1966, 3. ed.: panorama
RADINL L'Ora di Tripoli, Milão, 1911; Il nazionalismo ita-
um pouco denso, mas extremamente completo: o idealismo
italiano visto de dentro.
liano, Milão, 1914; G. PAPINT, G. PREZZOLINI, Vecchio «
E. AGAZZI, il giovane Croce e il
marxismo, Turim, 1962: notável. F. VALENTINI, La contro- 1. Para o Partido Popular e os diversos liberais (Salandra,
riforma della dialettica, Roma, 1966: sobre os limites do Giolitti, Nitti) faremos referências às bibliografias — citadas
abaixo — de F, Chabod e C. Morandi, da mesma forma que
neo-hegelianismo. P. Alatri, loc. cit. G. GroLrrrr, Mémoires de ma vie, trad. franc.,
Para as origens literárias, uma das fontes mais importantes Paris, 1923; L. Srurzo, L'Italie et le fascisme, Paris, 1927. A.
é a série de antologias de revistas entre as quais: Il Regno, SALANDRA, Memorie politiche 1916-1925, Milão, 1951, apresentam
pontos de vista interessantes,

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nuovo nazionalismo, Milão, 1914: as nuanças do nacionalismo. Opera omnia, 35 v. anunciados, Florença, a partir de
Cf. também M. VAUSSARD, De Pétrarque à Mussolini. 1951.
Evolution du sentiment nationaliste italien, Paris, 1961: uma Edição completa.
continuidade contestável.
A célebre Autobiography, Londres-Nova York, 1928, é
P. ALATRI, op. cit. contém — já se disse — um ex- uma espécie de contrafação sem grande interesse. Mais inte-
celente estudo sobre o nacionalismo. Uma boa introdução: ressantes, ainda que se tenha freqiientemente exagerado sua
W. ALFF, “Die Associazione Nazionalista Italiana von 1910” importância, os Colloqui con Mussolini de EMIL LUDWIG,
in Faschismus-Nationalsozialismus (Schriftenreihe des Inter- Milão, 1950, 3. ed. (1. ed. 1932).
nationalen Schulbuchinstituts), Brunswick, 1964, pp. 7-27.
P. VALERA, Mussolini, Milão, 1924.
R. MOLINELLI, Per una storia del nazionalismo ita-
liano, Urbino, 1966: importante quanto à exposição dos pro- Panfleto. O autor é um socialista que conheceu de perto
gramas. Mussolini e não lhe perdoa as renegações e contradições. No
mesmo sentido, veremos também A. BALABANOFF, Ricordi di
2. O “socialismo nacional” una socialista, Roma, 1946.
M. SARFATTI, Dux, Milão, 1926, forneceu o modelo das
P. ORANO, “Colei che siede sovra "acque”: Conferenza biografias escritas durante o Ventennio. Assim: G. Pini, Be-
pronunciata a Roma il 15 dicembre 1915, Roma, 1916, ilus- nito Mussolini — La sua vita fino ad oggi dalla strada al
tra muito bem a conversão de alguns anarco-sindicalistas. potere, Bolonha, 1926.
E. ROSSONI, Le idee della ricostruzione. Discorsi sul Y. DE BEGNAC, Vita di Mussolini, Milão, 1936-1940,
sindacalismo fascista, Florença, 1923; V. AMORUSO, II sinda- 3 V:
calismo di E. Corradini, Palermo, 1929: documentos. Pára em 1922. Apologética. Do mesmo autor, Palazzo
G. BOURGIN, L'Etat corporatif en Italie, Paris, 1935: Venezia-Storia di un regime, Roma, 1951, contém elementos
um bom quadro dos resultados. que esclarecem a “psicologia” do Duce. Igualmente atentos
em caracterizar o personagem, C. Rosst, Mussolini comera,
E. SANTARELLI, Le socialisme national en Italie,
Roma, 1947, e P. MONELLI, Mussolini piccolo borghese, Milão,
Le Mouvenment social, jan.-mar. 1965, pp. 41-70: a primeira Paris, 1955),
1954 (tr. franc.: Mussolini petit bourgeois,
atualização rigorosa sobre esse importante problema.
extremamente vivo, mas limitado.
3. O Partido Nacional Fascista A. BORGHI, Mussolini en chemise, Paris, 1932; A. DF
AMEBRIS, Mussolini 'uomo e la leggenda, Paris, 1930 e, eviden-
A. GAMBINO, Storia del PNF, Milão, 1962. temente, G. Dorso, Mussolini alla conquista del potere, Milão,
Jornalismo brilhante. 1961, 2. ed., estão entre as melhores “desmistificações” do
D. L. GERMINO, The Iralian Fascist Party in Power, Duce.
Minneapolis, 1959. E. SANTARELLI, La revisione del marxismo in Italia.
Sobre o período que começa com a “marcha sobre Milão, 1964 (cf. minha exposição em Le Mouvement social,
Roma”, quando o Partido começa verdadeiramente a desem- abr.-jun. 1966), contém importantes páginas sobre o “musso-
penhar um papel. Tese minuciosa. A literatura antifascista linismo” dos anos 1913-1914.
dos emigrados, evidentemente, insistiu particularmente sobre R. DE FELICE, Mussolini il rivoluzionario, 1883-1920,
os aspectos tofalitários do PNF. Assim: S. TRENTIN, An- Turim, 1965; Mussolini il fascista. La conquista del potere.
tidémocratie, Paris, 1930 e Dix ans de fascisme totalitaire en 1921-1925, Turim, 1966, introduzem a uma biografia monu-
Htalie, Paris, 1937. Mas aqui ainda se trata do PNF no mental composta de cinco volumes. Centrada na aventura
poder. de Mussolini, tal biografia tende evidentemente a subestimar
o peso das estruturas e a importância das lutas de classe no
IV — Mussolini período considerado. O material abrangido é extremamente
rico, a minúcia frequentemente levada ao absurdo. Somente
= B. MUSSOLINI, Scriti e Discorsi, Milão, 1934-1940, um bom conhecimento da questão permite-nos seguir o autor
v. em seus meandros. Sobre essa obra, poderemos ler com
. Edição oficial, cuidadosamente isenta de toda ênfase muito proveito a importante discussão entre R. VIVARELLI €
subversiva » onde, portanto, não figuram os escritos do pe- L. VALIANE in Rivista Storica Italiana, LXXIX, 2, jun. 1967,
ríodo socialista, sendo bastante incompleta quanto ao resto. pp. 438-481.

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A essas obras acrescentamos alguns livros sobre o movi- NOTA DE ORIENTAÇÃO
mento operário e em particular:
E. SANTARELLI, // socialismo anarchico in Italia, Milão,
1959: chega somente até a Grande Guerra no que concerne
à influência (mediatizada) do anarco-sindicalismo, e, mesmo
antes, aos anarquistas. 1. Bibliografias, instrumentos de trabalho
U. FEDELI, Breve Storia del!Unione Sindacale Ita-
liana, Volontã, 1957, n. 9, 10 e Il: como todos os tra-
balhos do autor, sério e bem documentado. Um aspecto
“local” é tratado por G. Branco, “Anarchici e sindacalisti ri-
voluzionari”, in G. Bianco, G. PERILLO, 1 partiti operai in
Liguria nel primo dopoguerra, Gênova, 1965.
L. FABRI La Controrivoluzione preventiva, Bolonha,
1922: a interpretação anarquista da ascensão do fascismo.

“Sur Vltalie mussolinienne”, número especial da Revue


d'Histoire de la Deuxiéême Guerre mondiale, abr. 1957; C. F.
DeLZzELL, Benito Mussolini: A Guide to Biographical Lite-
rature, The Journal of Modern History, dez. 1963, pp.
339-353; e principalmente a excelente “Note bibliographique”
elaborada por P, AtLaTRI, in Le origini del fascismo, pp.
286-302, remetem-nos ou a obras sobre o fascismo, ou a
bibliografias.

Entre as revistas de trabalhos d:dicados ao fascismo, assi-


nalamos: R. Paris, La notion de fascisme. Notes sur quel-
ques livres récents, Partisans, set.-out. 1962, pp. 150-168, e
E. FAsaNo GuarinI, Travaux récents sur le fascisme italien, in
Annales E.S.C., jan.-fev. 1964, pp. 83-102, da mesma forma
que — para o contexto — L'Italie jusqu'au fascisme, in Ania-
les E.S.C., mar.-abr. 1967, pp. 431-442.

Ainda que incompleto, A. LEONETTI, Mouvements ou-


vriers et socialistes (Chronologie et bibliographie). Lltalie
(Des origines à 1922), Paris, 1953, pode ainda prestar-nos bons
serviços. Inversamente, G. TREVISANI, Piccola Enciclopedia
del Socialismo e del Comunismo, 2 v., Milão, 1962-1963, deve
ser consultada com muita prudência.

Acrescentemos, enfim, que os fichários da Biblioteca de


documentação internacional contemporânea são particularmente
bem providos e bem organizados.

132 133
2. Jornais, revistas Societã (1945-1962), Roma.

O ideal seria ler um jornal de cada tendência: Movimento operaio (1949-1956), Milão.

Il Popolo d'Italia (fascista). Movimento operaio e socialista (desde 1955), Genova.


11 Corriere della Sera (liberal).
Rivista Storica del Socialismo (desde 1958), Milão-Roma-
La Stampa (“giolittiano”). Florença.
L'idea Nazionale, La Tribuna (nacionalistas), Il Movimento di Liberazione in Italia (desde 1949), Milão.
LV Avanti! (socialista), Rivista Storica Italiana (desde o fim da guerra), Nápoles.
H Soviet, L'Ordine Nuovo (comunistas)!. Studi Storici (desde 1959), Roma.
La rivoluzione liberale (dir. P. Gobetti — liberal de es- Rinascita (desde 1944), Roma-Milão.
querda), a partir de 12 de fevereiro de 1922.
H Ponte (desde 1945), Florença.
Umanitã Nuova (anarquista).
Entre as revistas francesas, a Revue d'Histoire de la
Entre as revistas desse período, Gerarchia (fascista) e, Deuxiême Guerre mondiale é inegavelmente a que segue com à
principalmente, Politica (nacionalista) apresentam as grandes maior atenção a Itália desse período.
linhas da ideologia nacional-fascista.
A imprensa estrangeira seguiu de muito perto a ascensão 3. Bibliotecas, arquivos
do fascismo. Cf. a esse propósito os estudos de E. Dr NoLro
(Lopinione pubblica europea e Iascesa al potere di Musso- Os documentos mais importantes estão depositados no
lini, 11 Mulino, out. 1954), de C. VivantI (La stampa fran- Archivio Centrale dello Stato, da mesma forma que — para
cese di fronte al fascismo (luglio 1922-gennaio 1925), Rivista o período ulterior — nos arquivos de diferentes ministérios.
Storica del Socialismo, jan.-abr. 1965) e de F. FASANO GUA- Um certo número de arquivos privados foram amplamente
RINI (Il Times di fronte al fascismo (1919-1932), Rivista explorados por R. DE FELICE em sua obra Mussolini, a qual
Storica del Socialismo, maio-dez. 1965), da mesma forma que remetemos, quanto a este ponto.
o ensaio de P. MiLZa, L'talie fasciste devant Popinion fran-
çaise. 1920-1940, Paris, 1967. Algumas bibliotecas são particularmente ricas: Câmara
dos Deputados, Instituto Feltrinelli de Milão, Biblioteca Na-
Entre os jornais estrangeiros, dever-se-á reter principal- cional (Florença), Biblioteca de Roma etc.
mente The Times, o Daily Mail (pelos artigos de Sir Percival
Phillips) e L'Humanité (pelos comentários sempre clarividentes Alguns centros, enfim, contêm às vezes documentos inte-
de Jacques Mesnil). ressantes: Centro Studi Piero Gobetti (Turim), Centro Ligure
Na América do Sul, na mesma época,
El Tiempo de Lima publica as “Cartas de Italia” de José di Storia Sociale (Gênova), Instituto Storico della Resistenza
in Piemonte (Turim) etc.
Carlos Mariátegui, notáveis pela precisão e clareza.
A imprensa da Internacional Comunista concedeu, eviden-
temente, um vasto lugar ao fascismo e à situação da Itália
em geral;
L' Internationale Communiste, La Correspondance Inter-
nationale, Mouvement Ouvrier International (Bulletin du
Conseil International Provisoire des Syndicats Ouvriers) —
nº 1, jan, 1921), L'Internationale Syndicale Rouge, tratam
pois igualmente dos “ziguezagues do movimento operário” e
da situação política e econômica da Itália.
Exceto as revistas de poesia pura, todas as revistas ita-
lianas ocupam-se ou ocuparam-se, umas mais outras menos,
do fascismo. Deveremos sobretudo reter:

1. Lembramos, a respeito, que o Instituto Feltrinelli de


Milão acaba de reeditar — em reprint — as coleções completas
dos jornais comunistas italianos.

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Coleção Khronos

1. O Mercantilismo, Pierre Deyon.


2. Florença na Época dos Médici, Alberto Tenenti.
3. O Anti-Semitismo Alemão, Pierre Sorlin.
4. Mecanismos da Conquista Colonial, Ruggiero Romano.
5. 4 Revolução Russa de 1917, Marc Ferro.
6.A Partilha da África Negra, Henri Brunschwig.
7. As Origens do Fascismo, Robert Paris.
8. A Revolução Francesa, Alice Gérard.
9. Heresias Medievais, Nachman Falbel.
10. Armamentos Nucleares e Guerra Fria, Claude Delmas.
11. A Descoberta da América, Marianne Mahn-Lot.
12. As Revoluções do México, Américo Nunes.
13.0 Comércio Ultramarino Espanhol no Prata, Emanuel Soares
da Veiga Garcia.
14. Rosa Luxemburgo e a Espontaneidade Revolucionária, Daniel
Guérin.
15. Teatro e Sociedade: Shakespeare, Guy Boquet.
16. O Trotskismo, Jean-Jacques Marie.
17.A Revolução Espanhola 1931-1939, Pierre Broué.
18. Weimar, Claude Klein.

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