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Os personagens e eventos deste livro são fictícios ou são usados de

forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é


pura coincidência e não pretendida pela autora.
Copyright © Cláudia Muguet 2022 [2ª edição - revisado ] –
cmmuguetautora@gmail.com
Copyright © Cláudia Muguet 2016 [1ª edição]
ISBN 978-65-00-36538-2

Todos os direitos desta obra são exclusivos da autora.


Salvo em caso de um pequeno trecho para resenha, é expressamente
proibida a distribuição ou cópia, parcial ou total, por meio eletrônico ou
impresso, deste livro.
Revisão/preparação de texto*: Vânia Nunes
Capa: Denis Lenzi
*As expressões em outros idiomas são de total criatividade e
responsabilidade da autora, para dar à história mais veracidade
A autora reconhece o status de ™ aos donos das marcas citadas no
livro.

SÉRIE DON ANGELO :

*Livro 1 – DON ANGELO


*Livro 2 – ENRICO
*Livro 3 – DONNA
*Livro 4 – ELISA
Eu sou o Don. Eu sou a lei.
Sumário
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Epílogo
SOBRE A AUTORA
Dedicatória

A todos que venceram e chegaram até aqui.

Claudia Muguet
Prólogo

Os Vicentini Ferrari começaram suas atividades na Itália num período


muito difícil da história. O meu bisavô, Giovanni Vicentini Ferrari, participou
junto com os fascistas do golpe de Estado e apoiou Mussolini na ditadura
militar. Quase meio milhão de italianos, incluindo civis, morreram no
conflito e a economia estava completamente destruída. Oriundos de família
operária, os Vicentini Ferrari começaram a passar necessidade e algumas
opções para sair dessa situação foram apresentadas por pequenos traficantes
que começaram a dominar a Itália vindo de países que se instalaram em nosso
território, levando meu bisavô a iniciar suas atividades clandestinas para
sustentar a família. Venda de drogas, armamentos e os cassinos foram
construídos como forma de sobrevivência levando o nome Vicentini Ferrari a
ser temido e respeitado por todo o território italiano. Meu bisavô morreu
numa emboscada de seus rivais, os Andretti, e iniciou-se uma guerra de
gangues em busca de poder e reconhecimento. Nessa guerra, todos os
Andretti foram extirpados da face da Terra, não restando nenhum para contar
a história.
Meu avô, Antonio Vicentini, assumiu com dezoito anos a
Organização e levou os Vicentini a serem temidos na Europa. No final dos
anos 60 até o início dos anos 90, o país experimentou os “Anos de Chumbo”,
um período caracterizado pela crise econômica, generalizando conflitos
sociais e massacres terroristas realizados por grupos extremistas opostos. As
organizações criminosas estavam por trás desses ataques. Havia o interesse
de desestabilizarmos o governo e assumirmos uma cadeira no Parlamento, era
necessário agirmos com pressão, mesmo que o povo pagasse por isso. Num
desses conflitos, o galpão foi invadido por tropas militares e meu avô morreu
defendendo sua família. Meu pai, Stefano Vicentini Ferrari, transformou a
Organização em empresas e nos infiltramos em diversas atividades no país,
de comércio a grandes indústrias, de bancos à indústria tecnológica.
Hoje, meu pai não pode mais estar à frente de nossa Organização, o
Alzheimer o impossibilita de continuar e assumirei o poder.
Sou Angelo Vicentini Ferrari, tenho 28 anos e sou o primogênito –
tendo mais dois irmãos, gêmeos, Enrico e Elisa, de 26 anos –, futuro chefe da
máfia mais temida e respeitada do mundo.

PARTE I
Capítulo 1

Don Angelo

Meu objetivo é expandir a indústria tecnológica a países do terceiro


mundo, conquistar um território ainda não explorado e oferecer a traficantes
locais nossos serviços. A recepção de posse será em quinze dias, e como o
novo Don, poderei fechar acordos e ganhar a confiança de políticos,
empresários e, principalmente, dos homens que estão sob o meu comando.
Nossa Organização ocupa um prédio no centro de Toscana e temos
um armazém no porto onde vendemos nossos produtos legais; os ilegais vão
camuflados nos nossos containers que seguem por toda a Europa, Ásia,
África e Estados Unidos, e em breve, Brasil.
Com todos esses compromissos e prestes a me tornar um Don, não
tenho tempo para romances, muito menos paciência para me relacionar com
alguém. Sempre que me sobra um tempo, vou ao Cassino Ferrari e me divirto
um pouco com Rita, que já me conhece e sabe os meus gostos na hora do
sexo. Minha mãe sempre me cobra um casamento para poder ter seus netos,
mas isso é uma coisa que não está nos meus planos tão cedo, tenho muito que
conquistar, e uma mulher atrapalharia.
Saio do escritório em direção à casa dos meus pais para verificar a
organização do coquetel que daremos aos convidados após a transição. Desço
nos jardins da mansão, Alessandro se apressa a abrir a porta.
— Boa noite, Alessandro, onde estão todos?
— Boa noite, Don Angelo, estão todos no salão principal. Deseja
alguma coisa? Posso providenciar.
— Não, obrigado. — Deixo meu agasalho em suas mãos e vou ao
encontro da minha família que está em volta da lareira, com taças de vinho
nas mãos.
— Boa noite a todos. — Falo. Mamma me olha triste.
— Olha só quem resolveu aparecer — Enrico, como sempre, tentando
me irritar. — Pensei que teríamos que te procurar nos cassinos para te trazer
para casa.
— Sempre querendo chamar a atenção para si, não é, Enrico? — Falo
com desdém.
Amo meus irmãos, mas Enrico tem a capacidade de me tirar do sério,
sempre procurando focar em meus erros e fazer disso uma batalha. Meu
irmão tem muitas responsabilidades dentro da Organização e sei que quando
quer é muito engraçado, mas nesses últimos dias tem procurado me irritar.
Sei que estão todos apreensivos com essa transição, mas já faço parte disso
há muito tempo e desde que Stefano ficou doente, assumi interinamente o
comando do império Vicentini, tudo será mera formalidade, afinal, um dia
isso iria acontecer.
— Não irrite seu irmão, Enrico — Mamma vem em minha direção
para me beijar — Como está, Angelo?
— Estou bem, mamma. E Stefano, foi à consulta hoje?
— Fomos e não temos boas notícias — Meu coração acelera. Meu pai
sempre foi um desgraçado e fez de tudo para me ferir em meu treinamento;
sempre que podia tentava me atingir ferindo Enrico, mas, ainda assim, tratava
mamma bem, na medida do possível, e para mim é o quanto basta.
— O que o Dr. Luigi falou? — Pergunto olhando em seus olhos
marejados.
— Vamos nos sentar e esperar que Elisa desça para conversarmos. —
Sentamo-nos e logo Alessandro me entrega uma taça de vinho. Fico
pensando no que está por vir e se mamma terá forças para superar tudo isso.
Elisa se junta a nós e se senta ao meu lado.
— Como está, Don? — Ela sempre me chamou assim, mesmo quando
éramos crianças.
— Estou bem. Muito trabalho nos cassinos e, em breve, viajarei para
expandir os negócios.
— Enrico ficará no seu lugar?
— Ficará no cassino e nas indústrias, você me ajudará com a VF
Technology, dando assistência e gerindo na minha ausência.
— Sabe que não gosto muito de ficar com as empresas, não?
— Sei sim, mas preciso de você lá. Muita coisa está envolvida com
essa negociação que farei na China e preciso de alguém de confiança aqui
para cruzarmos as informações e ter alguns políticos e empresários em nossas
mãos.
— Eles ainda estão relutantes com a implantação do sistema nas redes
de dados do país?
— Estão. Desconfiam de alguma coisa, por isso, vou pessoalmente e
esclarecerei alguns pontos. Depois que nos infiltrarmos, só restará alguns
países do terceiro mundo, e o primeiro que visitarei será o Brasil.
— Por que esse país? Pelo que sei, está enfrentando uma grave crise
política e tem um alto índice de corrupção.
— Por isso mesmo, maninha. Estão mergulhados no caos e não
criarão barreiras para o investimento de uma empresa de tecnologia
conhecida mundialmente.
— Gosto como faz as coisas, Don. — Afirma toda orgulhosa. — Mas
tenha cuidado. Nesses países, a violência é extrema e um homem como você
pode se tornar alvo fácil para a máfia.
— Não se preocupe, sei me cuidar. — Interrompemos nossa conversa
quando mamma e Enrico voltam do quarto onde Stefano está.
— Como ele está, mamma? — Elisa vai ao encontro dela e a abraça.
— Vamos nos sentar para que eu possa contar o que o Dr. Luigi me
falou. — Ela se senta em sua poltrona com Enrico e Elisa ao seu lado,
enquanto eu permaneço na cadeira de frente ao grande sofá que fica próximo
à lareira.
— Stefano está entrando no estágio avançado da doença — Mamma
fala com a voz embargada e olhos marejados — Ele tem sentido dificuldade
para se alimentar sozinho e a cada dia fica mais difícil a comunicação. Outro
dia, não me reconheceu e Alessandro me ajudou a levá-lo para o banheiro,
não conseguia se locomover.
— Vamos contratar uma equipe, mamma, não pode cuidar dele
sozinha, não tem mais idade para isso e pode adoecer. — Falo já tirando o
telefone do bolso.
— Calma, meu filho. — Mamma me impede de ligar. — Dr. Luigi
indicou uma equipe que chegará ainda hoje, por isso pedi que viessem.
— O que mais Luigi falou?
— A sobrevida é curta, mas com os devidos cuidados, pode ser
prolongada. — Uma lágrima escorre de seus olhos. Olho para Elisa que chora
nos braços de Enrico, que assim que nota meu olhar entende o que quero
falar.
— Vamos aguardar essa equipe, mamma, e dar o melhor para
Stefano.
— Faremos isso, Angelo, ficarei atenta a tudo.
— A senhora também precisa se cuidar, mamma. — Diz Enrico
abraçando-a. — Não tem idade também para essa carga. Estarei aqui todos os
dias e pedirei a Georgia que providencie toda a arrumação necessária para a
equipe que cuidará de Stefano até que se restabeleça.
— Faça isso, meu filho — Fala segurando as mãos de Enrico. —
Arrume o quarto ao lado do seu para que Antonella Vitale se instale.
— Quem é Antonella Vitale? — Pergunto sem entender nada.
— É a fisioterapeuta que cuidará para que seu pai não fique
completamente debilitado. Quem me indicou foi o Padre Nicola; ela é
sobrinha dele. Depois da morte de seus pais, veio para Toscana ficar perto do
tio. Ela é uma moça adorável, vocês verão.
— Faça o que quiser, mamma. — Falo sabendo que ninguém é
melhor do que ela para cuidar de Stefano.
Meia hora depois, as duas enfermeiras que ficariam cuidando dele
chegam e logo todos se dispersam. Estava cedo ainda, resolvo voltar para
casa, preciso descansar e pensar em tudo o que teria pela frente.
Ser um Don requer muitos compromissos, principalmente com as
quatro Casas.
Quando Stefano Vicentini, meu dito pai, assumiu, ele criou uma
Organização bem estruturada e dominou toda a Europa e Ásia; com isso,
criaram-se quatro Casas importantes: a vermelha fica na Rússia, meu tio
Domenico Petrovick é o líder; a azul fica em Israel, Yuri Kringer é seu líder;
a amarela fica no Japão, e é liderada por Minamoto Takeda; e a verde fica na
China, Jin Yang assumiu para que pudéssemos nos infiltrar na elite do país.
Embora todas as Casas tenham líderes, há apenas um Don, e em breve,
oficialmente, serei eu.
Quando toda a Europa foi dominada por tropas alemãs, meu bisavô
criou uma rede de aliados e se perpetuou até hoje. As Casas – uma forma de
organizar tais aliados – são a extensão da nossa Organização, e assim que
assumir, expandirei para a América do Sul, em específico no Brasil.
Tomo um banho e procuro dormir, afinal, teremos uma semana cheia
e muitos convites para serem distribuídos.

*****

A semana passa voando e minha equipe está na sala de reuniões do


Forte me esperando. São meus homens de confiança. Enrico e Elisa estão
juntos para assumirem suas funções nas Organizações da VF
Empreendimentos e Tecnologia.
— Boa tarde a todos. — Falo tomando o meu lugar na cabeceira, e
todos se sentam.
— Boa tarde, Don. — Me respondem em uníssono.
— Amanhã tomarei posse oficialmente e quero que fiquem de olho
em alguns convidados que não estão familiarizados com o nosso esquema de
segurança, dentre eles, um brasileiro e sua acompanhante. Tenho muito
interesse em uma parceria e não quero que nada saia do controle.
— Quem é esse homem, Don? — Elisa me pergunta, posso sentir um
certo interesse.
— Ninguém tão importante que valha a sua atenção, Elisa. — Sou
duro e firme com ela. Conheço minha irmã que gosta de provocar meus
novos aliados.
— Se não vale minha atenção, por que estou sentada aqui? — olho
repreendendo-a, ela se cala.
— Porque é uma Vicentini e precisa estar inteirada dos assuntos que
dizem respeito à máfia, e faz parte da Organização como uma herdeira. —
Olho para Enrico que tem os olhos tão frios para Elisa quanto eu. — Se não
quiser ser excluída, concentre-se no seu papel e deixe que do restante eu
cuido.
— Perdoe-me, Don. — Ela pensa que me engana, conheço as
artimanhas de Elisa, mas por ora deixarei passar.
— Quero Filippo e Salvatore fazendo a minha segurança, e Costa e
Mariano cuidando dos meus pais. — Esses são meus homens de confiança.
Filippo é meu chefe de segurança, foi treinado no exército americano;
Salvatore é um excelente sniper, nunca errou um tiro.
— Eu e Elisa ficaremos no escritório e daremos suporte às equipes
que farão a ronda e, principalmente, as de prontidão para uma saída rápida.
— Enrico assume seu posto e me deixa orgulhoso.
— Amanhã todos nós ficaremos expostos, é necessário ter muita
atenção e, acima de tudo, concentração. Teremos muitos convidados que não
fazem a mínima ideia do que acontecerá. Para muitos, será a transição da
presidência do Grupo VF, mas para as Casas, será a minha nomeação como
Don.
— Estará tudo sobre controle, Don. — Diz Filippo. — Fiz um
treinamento rigoroso com a equipe. — Dou um meio sorriso, pois, sei que
tipo de treinamento rigoroso ele submeteu seus homens. Sempre vamos para
a academia do Forte e treinamos juntos, ficamos horas em um combate até
que um caia e peça para parar e, geralmente, é ele. — Eles estão muito bem-
preparados para todos os tipos de combate.
— Excelente. Amanhã sairemos juntos do Forte; Enrico e Elisa
ficarão no controle, e se algo der errado, Enrico assume. — Falo sem hesitar.
— Até a situação se normalizar. Por hoje é só, nos vemos amanhã.
Levanto e saio, seguido por Enrico e Elisa. Vou até a minha sala e
aponto a cadeira para que sentem.
— Não tolero esse tipo de comportamento, Elisa. — Tento controlar
minha raiva. — Espero que tenha entendido.
— Desculpa, Don. — Fala abaixando a cabeça — Foi sem querer.
— Você é uma Vicentini. — Soco a mesa e ela se assusta. — Olhe
dentro dos meus olhos e nunca mais abaixe a cabeça — Uma fúria me toma.
— Fomos treinados para nunca nos submetermos e abaixar a cabeça diante
do inimigo é sinal de fraqueza; honre os ensinamentos que Domenico te deu e
aja como a mulher que desafiou Stefano para ser aceita.
— Você tem razão. — Fala se levantando e vindo em minha direção.
— Sou uma Vicentini e lutei muito para chegar até aqui. — Me abraça e
retribuo, sei que Elisa ainda despontará como uma grande líder e espero com
ansiedade esse dia chegar.
— Enrico — ele me olha através do copo de whiskey —, fique de olho
em Elisa. Estou interessado no mercado de armas no Brasil e receberei Hugo
Falcão, o maior traficante de drogas e armas do país, junto com sua
acompanhante, Maria Eduarda. Pelo que Chang me passou, Maria Eduarda é
jornalista e socialite, filha de um empresário bem-sucedido na área
tecnológica e que me será muito útil. Segundo o relatório, ela foi sequestrada
por Falcão e se apaixonou, hoje é conhecida como “Dama de Ferro”. Nada
pode sair errado, conto com vocês.
— Pode deixar, Don, tudo sairá conforme o planejado. — Sinto
segurança em Enrico e olho para Elisa, que concorda.
Deixo os dois na sala de controle e vou ao meu quarto descansar, mas
encontro Bianca no corredor e a puxo para mim. Bianca é nossa agente, filha
de Alessandro e Samanta, minha secretária, é uma mulher muito sexy que me
dá muito prazer quando estou estressado.
— Don. — Tenta fazer uma voz sexy e finjo que gosto só para me
aliviar. — Saudades desse seu corpo.
— Bianca — falo bem próximo ao seu ouvido. — Nada impede de
matarmos essa saudade agora. — Seguro sua cintura e a conduzo para o meu
quarto. Assim que fecho a porta, prenso seu corpo na parede e me delicio em
seus seios. Ela tenta me beijar, mas não permito.
— Que saudades dessa boca em mim, Don. — Toca-me com fome,
desata minha gravata e começa a desabotoar minha camisa com uma mão; a
outra não desgruda do meu pau, deixando-me ainda mais sedento para me
aliviar. Saio de seus braços e começo a tirar a sua roupa deixando-a nua em
minha cama. Retiro o restante de minha roupa e pego um preservativo na
gaveta, já vestindo, sentindo meu membro latejar em potência máxima.
Arreganho suas pernas e sugo sua intimidade com intensidade, mordo sua
carne e introduzo dois dedos no seu núcleo deixando-a louca de tesão.
Trabalho intensamente em suas dobras, ela se derrama em meus dedos, não
perco tempo e entro com tudo, estocando com força. Levanto suas pernas e
viro-a de costa para mim, metendo mais profundo até sentir seu útero. Seus
gritos de prazer me deixam mais excitado. Saio dela para entrar com tudo
novamente, fazendo-a gemer de prazer. Aproveito e deixo minha marca em
sua bunda, introduzo um dedo em seu pequeno buraco estimulando para
penetrá-la, aumentando seus gritos e gemidos até que ela goze novamente.
Saio de sua intimidade e penetro, até alcançar meu prazer, levo meu dedo ao
seu clitóris fazendo movimentos rápidos para que goze junto comigo.
Chegamos ao ápice e deixamos nossos corpos suados e exaustos caírem sobre
a cama.
Bianca é uma bela mulher e sabe agradar a um homem, mas,
infelizmente, é muito pegajosa e confunde as coisas. Gosto de sexo sem
compromisso e nunca me amarrarei a nenhuma mulher, nenhuma vale a pena.
Sempre tive as mulheres que queria, mas sigo duas regras desde sempre:
nunca beijar na boca nenhuma mulher que só serve para uma foda (beijo é
íntimo), e nunca faço sexo sem camisinha (sexo é somente para meu prazer e
não para procriação com vadias.)
Vou ao banheiro tomar um banho e quando volto, Bianca já se foi. Ela
sabe que não gosto de ter a mulher na minha cama depois do sexo. Chamo a
camareira para fazer a troca da roupa de cama e finalmente posso descansar.
Capítulo 2

Don Angelo

São seis horas da manhã e já estou na academia do Forte me


exercitando, sempre pela manhã me concentro no meu treinamento e preparo
físico.
Quando completei seis anos, Don Stefano me levou até a praia e
mandou que tirasse toda a roupa e corresse nu por toda a extensão da areia,
indo e voltando por dez vezes, e toda vez que eu caía ou parava, ele me
surrava como se eu fosse um homem crescido. Com o tempo, consegui
cumprir suas exigências para logo surgirem outras, até Enrico se juntar a mim
quando completou seis anos. Os métodos de treinamento de Stefano variavam
de acordo com seu humor; já fomos largados na mata sem nenhum tipo de
recursos; no mar, com apenas uma jangada, e nos alpes, somente com um
agasalho de frio, o que quase causou a morte de Enrico por hipotermia. Tive
que pensar rápido para salvá-lo e escaparmos. Tudo para que hoje eu
assumisse o maior de todos os cargos da Organização.
Ouço passos e sei que Enrico se juntará a mim, largo o saco de areia e
olho por cima do ombro, vejo-o se alongando.
— Vamos aquecer juntos? — Instigo-o a uma competição e sei que
não recusará. Calço minhas luvas e me direciono para o tatame. Deixo que se
aqueça um pouco.
— Já me aqueci. Fiz uma corrida na propriedade e vim à academia
para levantar uns pesos, mas se precisa da minha ajuda para se exercitar, já
que está ficando velho... — Gargalho. Ele fala para me irritar e aperto meus
olhos desdenhando-o, mantendo o sorriso irônico nos lábios, mas ele
continua e me ignora. — Quem sou eu para contrariar o Don? — Logo,
Filippo e Salvatore entram e vejo o sorrisinho de satisfação neles ao verem os
irmãos Ferrari num duelo que pode durar horas.
— Bondade de sua parte. — Falo zombando de sua cara. — Sabe que
acabaremos somente quando me pedir clemência.
Vejo fogo nos seus olhos e sorrio. — Não terei clemência com você,
Don Angelo.
— Veremos, veremos. — Posiciono-me para o ataque e logo ele vem.
Fui treinado para resistir por dias em uma batalha e Enrico sabe que se ele
não desistir não pararemos de lutar.
Três horas depois e nossos homens estão todos no ginásio de
treinamento assistindo um duelo de força e resistência. Tanto eu quanto
Enrico não demonstramos cansaço e isso é um show para nossos homens e
uma lição para não nos desafiar. Depois de quase cinco horas, Elisa entra no
ginásio e interrompe o duelo.
— Vocês se esqueceram que temos uma cerimônia daqui a duas
horas? — Todos param para olhar a bela mulher com fogo nos olhos. —
Mamma já ligou avisando que alguns convidados já se encontram no local e o
nosso Don está com roupas de academia e suado. Vamos, senão se atrasarão
mais ainda.
— Elisa, você atrapalhou nosso confronto. — Enrico fala com raiva.
— Eu estava vencendo.
Rio debochado. — Deixa de ser mentiroso — Ele se volta para mim
com fúria nos olhos. —Você estava quase desistindo.
— Não é hora para isso. — Elisa interrompe de novo. — Os
convidados aguardam o novo Don, então, se apressem. — Fala e sai. Sigo-a
para me arrumar.

Entro no grande salão do Hotel Vicentini no centro de Livorno, na


Toscana, seguido por Filippo e Salvatore que me deixam e se posicionam em
pontos estratégicos. Cumprimento alguns executivos e empresários e falo
com alguns colaboradores, mas minha atenção está voltada para a entrada,
onde Stefano e Giordana Vicentini Ferrari, meus pais, entrarão. Um silêncio
se faz no ambiente e me volto para a entrada, avisto Stefano em uma cadeira
de rodas sendo empurrada por uma jovem mulher e minha mãe ao seu lado. A
Sra. Giordana está deslumbrante, cumprimenta alguns convidados e vem em
minha direção, com Stefano.
— Meu filho. — Beija minha face. — Tudo está perfeito.
— Mamma. — Toco em seu rosto — Está deslumbrante, como
sempre.
— São seus olhos, meu filho. Deixe-me te apresentar — volta-se para
a moça e segura em sua mão. — Esta é Antonella Vitale, a fisioterapeuta de
Stefano.
— Prazer em conhecê-la, senhorita. — Toco sua mão em
cumprimento. — Espero que tudo esteja apropriado para o tratamento de
Stefano. — Vejo o olhar que ele me lança e pouco me importa.
— Sr. Vicentini, é um prazer conhecê-lo. E sim, tudo está de acordo
para o tratamento do Sr. Ferrari.
— Qualquer coisa é só falar com mamma ou com Enrico. — Percebo
que quando falo em Enrico, seu rosto cora e já sei que meu irmão andou
aprontando, afinal, Antonella é uma bela mulher.
— Falarei com sua mãe, senhor.
— Como quiser. Se me dão licença — Beijo a mão de mamma. —,
preciso receber alguns convidados.
— Fique à vontade. — Minha mãe fala já saindo de perto de mim
com Antonella e Stefano, que me olha com desdém.
Já passava das onze horas quando tomei a palavra para o meu
discurso. Stefano estava ao meu lado junto com mamma.
— Boa noite. Quero agradecer a presença de todos e dizer que é uma
honra tê-los aqui. Como todos sabem, meu pai — Sinto o amargo na boca ao
falar tal palavra —, Stefano Vicentini, encontra-se doente e hoje serei
nomeado oficialmente como CEO das empresas. Administrarei, em nome da
minha família, todo o patrimônio que leva o nome Vicentini Ferrari e gostaria
de continuar contando com o apoio e a parceria de vocês. Queremos levar as
empresas Vicentini Ferrari para além do século vinte e um, e fazer com que
todos, ao redor do mundo, identifiquem imediatamente o nosso nome ao que
existe de mais avançado, atual e desejado. Assim como estiveram ao lado de
meu pai, peço que estejam comigo nessa caminhada. E, acreditem, aqueles
que se mantêm leais à nossa marca serão muito bem recompensados. —
Todos aplaudem.
E assim, torno-me oficialmente o novo dono das empresas e do
patrimônio.
O jantar é servido e todos se distraem em suas mesas com conversas
que vão desde negócios até futilidades femininas. Elisa se posiciona ao meu
lado e como uma coreografia ensaiada, sei que chegou o momento de abrir a
pista de dança. É uma noite de negócios, mas também de comemoração, e
todos da Organização devem sentir que não houve qualquer mudança, a não
ser para melhor. Conduzo-a pela mão para a pista de dança e uma música
suave começa. Aproveito este momento para saber como estão as coisas sem
levantar suspeitas.
— Como estão as coisas, Isa? — falo próximo ao seu ouvido.
— Até agora tudo bem, mas acaba de entrar no salão um casal que
não conheço. — Faço uma virada estratégica para ver quem é e
imediatamente identifico Hugo Falcão e Maria Eduarda, os mafiosos
brasileiros.
— Fique atenta, Isa. — Falo olhando em seus olhos. Amo minha irmã
e sempre que a chamo assim, ela sabe o grau de preocupação que estou. —
Não conhecemos esses dois e não confio neles.
— Ficarei, Don. — A música acaba e todos aplaudem. Levo Elisa até
a mesa e logo ela se retira.
Filippo se aproxima e me avisa que a sala onde os papéis serão
assinados está pronta e que as Casas já se encontram reunidas. Peço licença a
todos à mesa, beijo a mão de mamma e me retiro.
Ao entrar na sala de reuniões, os que estavam sentados à enorme mesa
de reunião levantam-se em deferência a mim. Reporto-me mais uma vez à
cabeceira. O tabelião se posiciona ao meu lado e assume a parte inicial.
— Estamos aqui para a cerimônia de transição de poder da Castellar.
De acordo com documentos assinados por todas as Casas e por Don Stefano
Vicentini Ferrari, hoje, fica determinado e lavrado que Angelo Vicentini
Ferrari, solteiro, 28 anos e com qualificação e treinamento necessário para tal
posto, passa a ser chamado e respeitado dentro de todos os clãs que compõem
a Castellar por Don Angelo Vicentini Ferrari. Fica registrado que como novo
Don, terá que cumprir todo o ritual que seu posto exige, tanto para a vida
quanto para a morte.
Fico de pé e é passado para as minhas mãos a ata de posse que já
havia sido assinada por Stefano, restando somente a assinatura do tabelião e a
minha. Ainda de pé, dirijo-me a todos que compõem a mesa, aos associados e
às Casas, assim como para alguns de meus soldados que estão fazendo a
segurança do local.
— Quero firmar o compromisso de honrar, respeitar e liderar nossa
Organização como vem sendo feito nesses últimos anos, e conto com cada
Casa para mantermos a nossa Organização forte e vitoriosa. Quero comunicar
que em breve uma nova Casa se erguerá e o apoio e comprometimento de
todos será de suma importância. — A porta se abre e Stefano é trazido por
Enrico e todos se põem de pé. Mesmo debilitado, ele tem momentos de
lucidez e é muito importante seu pronunciamento, embora eu já esteja
assumindo suas funções desde quando foi diagnosticado com Alzheimer.
Todos se sentam e ele se coloca na cabeceira da mesa ao meu lado. Em seu
colo, na cadeira, há uma caixa de veludo preto.
— Quero agradecer a todos que me apoiaram durante todos os anos
em que fiquei à frente dessa Organização que foi criada por meu bisnono. O
desejo era estar passando para o meu filho. — Olha para Enrico e estranho
essas suas palavras, mas não levo em conta por causa de sua doença e espero
que a mesa e as Casas também ignorem. — Mas, infelizmente essa doença
está me consumindo e terei que passar a Angelo o meu legado. — Respira
fundo e coloca a caixa sobre a mesa. — Passo a Angelo Vicentini Ferrari a
liderança da Organização e o nomeio Don Angelo Vicentini Ferrari — Abre a
caixa e retira a adaga com o brasão da família, o crucifixo, e o anel com a
cabeça de dragão e dois rubis em seus olhos, representando o poder de um
Don. — Esses são os símbolos que representam um Don e espero que os
honre, assim como eu e meus antepassados honraram. — Entrega-me e todos
aplaudem e se silenciam com seu gesto de mão. — A adaga representa a
força, o equilíbrio e a justiça que um Don precisa para liderar. Que possa se
valer dessas qualidades. — Novamente todos aplaudem.
— Diante de todos e com a benção de Don Stefano, fica registrado e...
— Só um momento. — Stefano interrompe o tabelião. — Como
último desejo, quero nomear Enrico Vicentini Ferrari como Braccio Destro e
Elisa Vicentini Ferrari como Consigliere. Quero que conste nos livros que
tanto o Don, quanto o Braccio Destro deverão perpetuar o nome da família e
se casarem para gerar uma nova geração de Vicentini. O prazo máximo será
de cinco anos para o Don e sete anos para o Braccio Destro. — Fico imóvel,
não acreditando que Stefano mais uma vez acabou com a minha vida. Olho
para Enrico e vejo que está com a mesma cara de assustado, quando me volto
para o homem sentado na cadeira de rodas, vejo-o com um leve sorriso
arrogante nos lábios. — Que faça valer a minha palavra sem revogação, tenho
dito. — Todos vêm nos cumprimentar e Elisa surge com cara de choro e
decepção.
— Como ele pôde fazer isso com vocês? Já não basta todo o
sofrimento que causou? — seco sua lágrima e a abraço.
— Vou contestar. Ele está com Alzheimer, será fácil revogar.
— Não podemos, Don. — Enrico fala. — Está no acordo das Casas
que a última palavra de um Don não pode ser revogada, e caso tentem, todos
os acordos serão quebrados e cada Casa poderá seguir seu próprio caminho.
— Disgraziato. Distruggendo sempre le nostre vite (desgraçado,
destruindo sempre a nossa vida).
— Calma. — Elisa me abraça. — Não deixe os outros perceberem o
que ele te causou, você é o novo Don e ainda terá cinco anos para se casar.
— Ela está certa. — Enrico segura meu braço. — Até lá, muita coisa
pode acontecer, não se prenda a isso. Venha, vamos voltar para a festa, afinal,
Hugo Falcão quer falar com você.
Saio da sala e vou direto para o escritório junto com Enrico e Filippo.
Salvatore já havia trazido o convidado especial, Hugo Falcão. Espero que
possamos fazer bons negócios. Ele se encontra ao lado de uma linda mulher
morena. Procuro me focar nele, já que, segundo o código, não posso desejar a
mulher de um possível colaborador.
— Sr. Vicentini, é um enorme prazer conhecê-lo — Fala levantando a
mão para um cumprimento que logo retribuo.
— Sejam bem-vindos à Itália. — Aponto a cadeira à minha frente
para que possam se sentar.
— Essa é a Srtª Maria Eduarda Medeiros, minha mulher. — Gesticulo
com a cabeça em cumprimento. — Sei que hoje não é um bom dia para
tratarmos de negócios, mas gostaria de fechar uma parceria com a tão
mundialmente conhecida máfia Castellar.
— Direto ao ponto.
Hugo dá um meio-sorriso, algo que poderia ser caracterizado como
letal, se eu não fosse mais letal do que ele.
Para entrar na propriedade, ele foi totalmente revistado, e sei que num
confronto corpo a corpo eu levaria a melhor.
— Será um prazer fazermos negócio, mas, como pode ver, a casa está
cheia e como anfitrião, seria imperdoável se eu deixasse meus convidados
desamparados. Por outro lado, sua presença aqui é mais do que bem-vinda.
Espero que desfrute da hospitalidade italiana e aproveite a festa. Pedirei ao
meu irmão, Enrico, que marque uma reunião para podermos conversar com
calma, sem interrupções.
Noto uma leve tremedeira em sua sobrancelha. Como eu, Hugo
Falcão não está acostumado a ser contrariado. Mas ele está no meu território e
aqui quem dá as cartas sou eu.
— Tenho certeza de que a noite será... agradável. Obrigado por sua
atenção, Don. — Fala se levantando e abotoando o terno. Ele sai seguido pela
bela dama.
Volto para a recepção. A noite segue tranquila e logo todos se retiram,
restando somente minha família.
Olho para Stefano e vejo o castigo que a vida lhe trouxe. Toda a
arrogância, a altivez e a sua falta de amor com a família, agora, se resumem a
depender de cada um de nós.
Lembro-me de uma manhã de inverno ser acordado às cinco horas da
manhã com um balde de água gelada, senti todo o meu corpo arder, mas não
tive tempo para assimilar o que estava acontecendo. Dois seguranças de
Stefano me pegaram e me jogaram no sótão; fiquei por três dias sem comer e
sem beber. Não havia uma cama e nem um simples colchão para descansar,
somente um úmido e gelado chão. Foram os três dias mais difíceis da vida de
uma criança de dez anos de idade. Depois que passou, ele teve a coragem de
dizer que era para o meu bem, que se um dia eu fosse pego e submetido a um
lugar como aquele, meu corpo já estaria adaptado. Depois dessa, houve
outras incontáveis vezes e com o passar do tempo, Enrico se uniu a mim no
teste; ele sempre chorava de fome e sede.
Tenho um ódio mortal por esse homem que se denomina meu pai;
finjo ser o melhor filho para não entristecer minha mãe, já que ela nunca
soube das barbaridades que ele cometia comigo e com Enrico.
Quando Elisa nasceu, ele simplesmente nos afastou, enviou mamma e
ela para a casa de Domenico, na Rússia, dizia que uma criança em casa nos
tornava fracos. Com o caminho livre, sem a presença de mamma, os
treinamentos que já eram exaustivos tornaram-se desumanos.
— O que tanto pensa, Don? — Saio dos meus pensamentos com
Enrico me chamando, dou um gole no meu whiskey e aponto discretamente
para Stefano, que está sendo cuidado pela enfermeira.
— Fico olhando para Stefano e relembrando tudo o que nos fez
passar. Será que algum dia conseguirei perdoá-lo, Enrico?
— Não pense nisso, Angelo. Ele não vale a pena. Tudo o que
passamos nas mãos dele só serviu para nos fortalecer e agora como o Don,
poderá fazer melhor do que ele.
— Com certeza farei. — Falo buscando a verdade dentro de mim. —
Me encontre no Forte amanhã e traga Elisa para fazermos uma reunião, quero
fechar negócio com Hugo Falcão e expandir os negócios no Brasil.
— Nos encontramos às dez. — Fala e sai.
Dou minha noite por encerrada e volto sozinho para a minha casa.
Tenho muito que pensar. Quero expandir os negócios da famiglia. Quero ser
melhor do que Stefano. E, acima de tudo, quero dar um jeito de anular aquela
maldita cláusula dele de última hora. Não preciso de uma mulher ao meu
lado, mais ainda, não terei uma só porque ele designou que o fizesse. Eu sou
o Don. Eu sou a Lei.
Capítulo 3

RIO DE JANEIRO, BRASIL

Don Angelo

Hoje completa um ano que me tornei o chefe da máfia e estou de


malas prontas, juntamente com Filippo e Salvatore, para o Brasil. Conhecerei
como funciona o tráfico e procurarei um lugar para me estabelecer como
empresário. Segundo o dossiê que Chang me entregou, o pai de Maria
Eduarda Medeiros de Albuquerque é um grande empresário no ramo
tecnológico e está procurando sócios para a expansão no mercado
internacional, vi a oportunidade de me infiltrar no governo e me estabelecer.
Terei uma reunião com Eduardo Albuquerque e dominarei o mercado
tecnológico no Brasil.
Saio da suíte do Copacabana Palace em direção a Medeiros
Technology Enterprise. Nesse encontro, conhecerei toda a logística e amanhã
fecharemos contrato. Chego ao elegante prédio no Centro do Rio de Janeiro e
me direciono ao recepcionista que está elegantemente vestido. Assim que me
aproximo, sou interceptado por uma mulher com aparentemente uns quarenta
anos e que se identifica como Cássia, assessora pessoal do Dr. Eduardo. Sou
direcionado à sala da presidência. Olho todo o ambiente e percebo que a
secretária não se encontra em seu lugar. Sigo até a porta de madeira maciça e
entro num enorme escritório com vista para o centro histórico do Rio de
Janeiro e avisto Eduardo Albuquerque de pé. Falo o português fluentemente,
mas sou recebido por Eduardo falando em italiano.
— Buongiorno, signor Vicentini. È un grande piacere accogliervi nel
mio ufficio. (Bom dia, Sr. Vicentini. É um imenso prazer recebê-lo em meu
escritório.)
— Il piacere è tutto mio, signor Albuquerque, e sono affascinato dalla
bellezza della tua città. (O prazer é todo meu, Sr. Albuquerque, e fico
fascinado por tamanha beleza da sua cidade.)
— Que bom. Fiquei admirado ao receber o seu e-mail. Em que posso
ser útil ao dono de uma das maiores empresas de tecnologia do planeta? —
ele continua falando em meu idioma.
— Agradeço o reconhecimento — falo sem falsa modéstia — Sou um
grande investidor na área tecnológica em grande parte da Europa, Ásia e
África, e estou procurando uma empresa para que possa expandir meus
negócios pela América do Sul; e como é a maior empresa tecnológica do
país, pensei que poderíamos fechar uma parceria e tornar a Technology
Enterprise uma empresa mundialmente conhecida. — Coloco sobre a mesa a
minha proposta e espero que ele análise por alto.
— É uma proposta tentadora, Sr. Vicentini. Qual o prazo para que o
meu departamento jurídico examine e eu possa lhe responder?
— Ficarei no Brasil por uma semana — Deixo meu cartão sobre sua
mesa e me coloco de pé.
— Dentro de três dias voltamos a conversar, foi um prazer conhecê-
lo.
— Nos veremos em breve — Saio de sua sala e encontro novamente a
mesma mulher. Percebo que a secretária ainda não chegou, paro e me volto
para a mulher.
— Onde está a secretária? — A mulher olha para a mesa vazia e seu
olhar se entristece.
— Infelizmente Isadora não pôde vir hoje, seu pai está no hospital e o
Dr. Eduardo a dispensou — Seguimos para o elevador.
— Ela é uma boa funcionária?
— Oh, sim, Isadora é um doce de menina, mas tem responsabilidades
demais. Ela cuida de seus pais que são idosos e mantém toda a casa —
Decido calar minha boca, já que pouco me importa uma simples secretária de
um país subdesenvolvido, mas prezo por funcionários eficientes.
Volto para o hotel para descansar e aproveito para ligar para Enrico e
saber como estão as coisas. Hoje à noite, encontrarei com Hugo Falcão e
visitarei o seu galpão. Daremos prosseguimento às negociações de um ano
antes. Precisei desse tempo para colocar alguns pontos nos eixos sob a minha
administração.
A noite neste país costuma ser bem quente, mas agradável, e a brisa
que vem do mar deixa o ambiente com um leve cheiro de maresia. Passo uma
mensagem para Filippo e aviso que descerei em dez minutos, marcamos de
nos encontrar em um bairro nobre e seguirmos em carros separados para o
galpão que fica numa zona afastada da cidade.
São exatamente dez horas quando adentramos no terreno que fica na
Baixada Fluminense e avisto o enorme galpão, que mais parece um
frigorífico. Caminho ao lado de Falcão, e assim que passamos pelas portas,
Filippo e Salvatore se posicionam e suas armas ficam a postos.
— Avise seus homens para relaxarem, aqui estamos tratando de
negócios e meus homens não lhes farão mal, Don. Tenho muito interesse em
expandir meus negócios e me tornar uma Casa e fazer parte desta
organização.
— Vamos com calma, Sr. Falcão. Mostre-me o que sua Organização
criminosa pode nos oferecer e discutiremos as propostas.
— Justo, muito justo.
Entramos em uma sala totalmente branca e climatizada. A princípio,
parecia um freezer, mas atrás das paredes falsas havia um laboratório de
refino de drogas extremamente moderno. Vários homens trabalhavam nas
várias fases do processo, desde o refino, até a separação e o empacotamento
do material. Usavam avental, luvas, máscara e gorro branco. Quem visse
poderia até pensar tratar-se de um laboratório aprovado pelo governo na
criação de medicamentos. Tudo seria distribuído de diferentes formas para
enganar as autoridades policiais ao longo do envio, fosse de caminhão ou de
avião.
— Aqui é onde aperfeiçoamos a nossa mercadoria, que vem
diretamente da Colômbia através de pequenas embarcações. Refinamos e
distribuímos pelas favelas do Rio e São Paulo, estamos expandindo para o
Nordeste e Sul. — Fico impressionado com todo o aparato e conforme
andávamos pelo galpão, novas coisas vão surgindo, desde produtos de marcas
falsificados até roubo de produtos eletrônicos. Em outra sala, há várias armas
de todos os calibres sendo encaixotadas e percebo que ele tem bastante
conhecimento de armas e, com certeza, vários distribuidores.
— O que deseja realmente da Castellar, Sr. Falcão?
— Quero estabilidade nos meus negócios e sua proteção. Aqui no
Brasil, o crime organizado vem sofrendo várias perdas, desde as incursões
nos morros até os processos que a Lava Jato tem investigado junto com a
Polícia Federal, e tem prendido vários políticos que nos davam apoio. Não
posso perder meu império.
— E quanto à sua mulher? — Pergunto por já ter conhecido seu pai, e
quero saber mais sobre esse envolvimento um tanto peculiar.
— Não se preocupe com Maria Eduarda, ela é carta fora do baralho.
— Estranho suas palavras, mas estímulo a falar mais.
— Como assim? Pensei que estavam juntos na Organização.
— Sou um homem que tem faro, Don. Sei onde encontrar um bom
negócio e ela foi um.
— Entendo. Mas, infelizmente, terei que ser informado de tudo para
poder fazer meu julgamento e ver se o que me oferece vai favorecer as Casas,
não posso ser pego de surpresa. — Particularmente, tenho tanto interesse em
ter um “braço” no Rio de Janeiro quanto Falcão tem em se unir a Castellar,
mas não posso mostrar muito interesse, ou o preço a pagar será alto demais
— Conte-me, como Maria Eduarda passou a ser conhecida como “Dama de
Ferro”?
— Eu mandei sequestrá-la e a mantive em cativeiro por um mês; ela
se apaixonou por mim, juntei o útil ao agradável e passei a distribuir
Metanfetamina, crack, cocaína, maconha, LSD e outras drogas nas festas da
Sociedade Carioca. Vários playboys e patricinhas passaram a consumir e
traficar, expandir meus negócios. Passei a ter contatos com políticos,
empresários e com artistas que faziam questão de um produto de qualidade.
Madu se encarrega de divulgar e fornecer, já que está sempre envolvida nesse
tipo de ambiente com seus pais, mas sempre no maior sigilo.
O típico caso de Síndrome de Estocolmo, penso, e sei que isso está
com os dias contados. Não há qualquer tipo de sentimento nele, somente
negócios. — E o que tem a oferecer a Castellar?
— Ofereço 25% de participação de tudo o que for vendido, desde
drogas, produtos pirateados e venda de armas, livre acesso às comunidades e
proteção dos meus homens para todas as Casas.
— Proponho 45% e administraremos todos os recursos financeiros; se
acontecer alguma coisa com você, um segundo homem de sua confiança
assume e tem a nossa proteção. Ofereço ajuda de todas as Casas em caso de
ataque de outra Organização rival e lavagem de dinheiro através de algumas
empresas. — Vejo-o titubear, mas mantenho minha proposta inicial.
— Quarenta e cinco é mais do que imaginei. Preciso pensar a
respeito.
— Você tem dois dias. Saiba que a Castellar terá uma Casa no Brasil
com ou sem o seu apoio. Tê-lo na Organização facilitaria muita coisa, mas
não é a única maneira de virmos para cá.
Percebo que ele entendeu a minha mensagem. É pegar ou largar.
Aperto a sua mão e sigo até o carro com Filippo e Salvatore em meu encalço.
Chego ao hotel já quase amanhecendo e tudo o que quero é um bom
banho e descansar, ainda terei uma longa semana. Pretendo sair e conhecer a
cidade, e se tudo firmar, pensarei em comprar uma casa aqui e recrutar alguns
homens para manter a minha segurança e de meu imóvel. Tomo um banho e
caio nu na enorme cama.

Já passa do meio-dia quando acordo renovado. Hoje, aproveitarei a


praia carioca e, quem sabe, uma boa foda. Ligo para Filippo e informo nosso
roteiro, sei que estava doido para cair nesse mar. Passo pelo hall e observo
uma pequena movimentação. Trata-se de um juiz que está cuidando do caso
de corrupção, e qual não foi minha surpresa ao ver no meio dos jornalistas a
“Dama de Ferro”. A cada dia me surpreendo mais com a capacidade do
brasileiro de ser versátil, quem diria que uma jornalista se tornaria amante do
maior traficante do Brasil.
Sigo para a praia e aproveito o restante do meu dia, já sabendo que a
noite precisarei da companhia de uma bela mulher carioca. Recebemos um
convite para uma famosa boate do Rio e assim que viro o convite, vejo a
assinatura de Hugo Falcão.
Chego à boate por volta das onze horas e sigo para o bar. Filippo e
Salvatore me seguem e ficam no refrigerante e água, enquanto eu
experimento a famosa caipirinha. A pista de dança está lotada e somos
conduzidos para a área reservada. Permaneço sentado junto com meus
seguranças e avisto uma bela morena me olhando. Sei que tenho boa
aparência e chamo atenção com meu um metro e noventa de altura e porte
atlético, sem contar com meus olhos azuis que são um chamariz para as
mulheres, e não estou nem um pouco ofendido com isso. Faço um leve
levantar com o meu copo de whiskey e ela retribui, dou um sorriso de leve e
ela se levanta do bar e se aproxima. Sei que o Brasil é conhecido
mundialmente por suas belas mulheres e posso atestar que de fato isso é
verdade, pois, assim que ela se aproxima, posso analisar com mais detalhe o
belo corpo e suas curvas.
— Olá, me chamo Jéssica, e você?
— Ciao, Angelo — uso meu italiano para impressioná-la e evito meu
segundo nome para não me reconhecer.
— Uauuuu... um italiano?! — Fala demonstrando excitação — Amo o
sotaque italiano. — Fala tentando fazer uma voz sensual, mas falha
miseravelmente.
— Dove possiamo andare in modo che posso presentarvi il mio
meglio ... come dici? ... acento (Onde podemos ir para eu te apresentar
melhor o meu... como você diz? Sotaque.)
— Não entendo o que me diz, amor. — Nossa, broxante esse ‘amor’
— Vou chamar minhas amigas Carol e Cristina para se juntarem a nós e,
quem sabe, fazer companhia para seus amigos? — Olho para Filippo e
Salvatore e sei que estão doidos para experimentar uma carioca.
— Pode chamá-las, meus amigos adorarão conhecê-las. — Olho para
os dois que dão um meio-sorriso.
— Você fala português, por que não falou logo? — Faz um biquinho
nada sexy, mas como quero foder, pouco me importo.
— Vá logo chamar suas amigas e não demore. — Ela sai no meio da
multidão e aviso a meus seguranças que as levaremos para um motel e
ficaremos numa suíte, assim aproveitaremos melhor. Falo que as mulheres
assim têm o hábito de aplicar um “boa noite, Cinderela” nos homens e roubá-
los, peço que não tomem nada oferecido por elas. Não é a primeira vez que
dividimos mulheres, mas esta noite quero ter essa morena totalmente para
mim.
Capítulo 4

Don Angelo

Estacionamos o carro no Shopping na Zona Sul do Rio e direciono-


me ao restaurante onde Hugo Falcão me encontrará, chego com meia hora de
antecedência. Esse é o costume de longa data, assim, é feita uma varredura no
local, e analisadas todas as possibilidades no caso de uma fuga. Filippo e
Salvatore cuidam de todos os detalhes, e só depois entro no estabelecimento.
Quinze minutos depois, Falcão entra sozinho, mas sei que seus homens estão
espalhados pelo lugar. Ele parece preocupado, olhando em volta e andando
apressado.
— Boa tarde, Don. — Fala estendendo a mão em cumprimento.
— Buonasera. — Cumprimento-o de volta.
— Sinto muito, mas não poderei acompanhá-lo no almoço — fala
sentando-se à minha frente — Houve uma invasão da milícia em uma área
dominada por minha Organização e preciso estar perto para liderar meus
homens. Apesar disso, sabia que este encontro era importante.
— Então, vamos direto ao que interessa.
— Aceito sua proposta e quero ser a primeira Casa na América do
Sul. — Vejo a soberba e o orgulho, mas não falo nada, tenho planos para o
Brasil e Hugo Falcão se tornará a minha escada.
Mantenho o semblante indiferente, mas interiormente sabia que a
resposta era essa. Há muitas vantagens para ele em unir-se à Castellar. E mais
ainda para mim.
— Enviarei um homem de minha confiança para fazer o levantamento
de tudo o que sua Organização tem e passará para o meu controle. Tão logo a
Casa do Rio de Janeiro se torne real, espero que o trabalho em conjunto seja
eficaz e satisfatório a ambos os lados. As Casas não têm misericórdia. Eu não
tenho misericórdia. — Friso bem a palavra.
Vejo seus olhos aumentarem e o medo transparecer em seus olhos,
esse é o combustível para alimentar o respeito, o medo.
— Temos um acordo e serei fiel à Castellar. — Não acredito em suas
palavras. Hugo Falcão é ardiloso e ambicioso demais para confiar, colocarei
alguém infiltrado para ficar de olho nele. — Fico aguardando as ordens. Com
licença, Don, mas preciso me retirar.
— Licença concedida. — Ele se espanta com minha permissão e,
assim, deixo claro que ninguém da máfia se retira da presença do Don sem a
sua permissão.
Vira-se e sai. Filippo e Salvatore entram e se juntam a mim para o
almoço.
Resolvo dar uma volta pelo shopping e comprar lembranças para
Elisa e mamma.
O dia está muito quente e o ar-condicionado do shopping ameniza a
sensação térmica do corpo. Por volta das dezoito e trinta, retorno ao
Copacabana Palace, recebo uma mensagem de Eduardo Albuquerque
pedindo para me encontrar amanhã pela manhã em seu escritório. Um sorriso
se forma em meus lábios e sei que essa parceria já está ganha; pelos meus
planos, me tornarei dono da Medeiros Technology Enterprise, comprarei as
ações dos sócios minoritários e assumirei a presidência.

Desço em frente ao imponente prédio às nove horas da manhã e


novamente a assessora Cássia me recebe no hall. Subimos em silêncio até o
trigésimo andar e assim que as portas do elevador se abrem, observo que tem
mais duas pessoas trabalhando, mas a mesa da secretária continua vazia.
Cássia me informa que os dois são secretários do Vice-presidente e do
gerente financeiro. Olho para a mesa da secretária e ela percebe o
questionamento invisível que faço e trata logo de responder, mesmo sem eu
pronunciar uma palavra.
— Isadora está auxiliando no Jurídico, ordens do Dr. Eduardo. —
Assinto com a cabeça e sou levado ao escritório.
— Bom dia, Sr. Vicentini. Bom revê-lo.
— Bom dia. — Cumprimento-o formalmente antes de me sentar,
desabotoando meu paletó. — Vamos direto aos negócios. O que tem a me
dizer, Sr. Albuquerque? — Sou igualmente sucinto.
— Estive analisando a sua proposta juntamente com os meus diretores
e todo o departamento jurídico da empresa, e um questionamento surgiu e
gostaria de esclarecer alguns pontos antes de qualquer coisa.
— Que tipo de esclarecimento?
— Me chame de Eduardo, ficarei mais à vontade assim. — faço um
consentimento com a cabeça. — Qual o seu interesse em específico em nossa
empresa? — Bingo, eu sabia que essa seria a pergunta e tenho a resposta
perfeita para mexer com seu ego.
— A minha empresa visa novas tecnologias e, principalmente, buscar
grandes empresas com potencial de mercado. O Brasil tem crescido no ramo
tecnológico, e a VF Technology Company tem softwares e hardwares que
são amplamente utilizados para garantir planejamento estratégico e
otimização de qualquer tipo de operação, entre outras funções. Busco ampliar
meus negócios e levar a países em desenvolvimento um novo conceito
tecnológico. A sua empresa já está à frente, tem um bom desempenho e suas
ações no mercado financeiro são bem valorizadas. — Chego ao ponto que
queria. — Mas se fundirmos os dois nomes, com certeza terá uma grande
valorização no mercado, podendo triplicar o valor das ações.
— Analisando por esse lado seremos a maior empresa tecnológica
mundial, nos igualando as maiores como a Apple, Google e Microsoft. — Ele
para e pensa por alguns poucos minutos — Creio que sua resposta foi
satisfatória e peço que aguarde até que eu retorne da reunião com os
acionistas e traga uma resposta definitiva. Sinta-se à vontade em minha sala e
pedirei que lhe tragam um café e uma água.
— Obrigado, mas não precisa se preocupar.
— Faço questão. — Fala já saindo por uma porta lateral ao seu
escritório. O que acho incrível é que o padrão é sempre o mesmo, eles
pensam que não sei que tudo está sendo filmado e que os acionistas já
ouviram minha resposta.
Meia hora se passa e começo a ficar entediado. Levanto-me indo até a
grande parede de vidro e observo todo o centro histórico da cidade. É um
belo país, mas a corrupção e a criminalidade estragam, o povo é gentil e
muito hospitaleiro, merecem um país forte e solidificado. Ainda olhando a
cidade, pego meu celular e ligo para Enrico, preciso saber como estão as
coisas na Castellar e como vão as empresas.
— Enrico. — Falo assim que ele atende.
— Olá, Don, como vão as coisas por aí? É verdade que as brasileiras
são muito gostosas? — Ele gargalha. Enrico não muda.
— Você não tem jeito mesmo, Enrico. — Falo ainda rindo — Eu aqui
atolado de trabalho e compromissos e você pensando em mulher.
— Quer coisa melhor do que mulher, Don?
— Deixa de pensar nisso. Liguei para saber como andam as coisas na
minha ausência. — Ele fica em silêncio e sei que vem merda.
— Os gregos estão começando a se movimentar pela Europa,
Domenico já deslocou seu pessoal para a Áustria e Suíça. Estamos
monitorando a movimentação e já vimos alguns homens de Aquiles rondando
a Toscana.
— Porra, Enrico — Aperto o celular para controlar a raiva. — Como
não fui informado sobre isso?
— Está tudo sob controle. Elisa está no Forte junto com Chang e
Romeu fazendo o mapeamento.
— Vou antecipar meu retorno. Prepare tudo e me mantenha
informado. Não quero surpresas; e cace esses filhos da puta em cada beco e
viela da Toscana, leve-os para o Forte que daremos tratamento especial para
esses desgraçados — falo enfurecido.
— Pode deixar. Guido estará no aeroporto te aguardando com o
helicóptero.
— Faça isso. — Desligo e fico olhando a paisagem tentando me
acalmar, não posso perder o controle agora. Literalmente, Aquiles é um pé no
saco e vou achar seu calcanhar para acabar com ele, se ele pensa que vai
tomar meu território, está muito enganado. Vou reunir as Casas e tomarei a
Grécia.
Ouço a porta se abrir, mas permaneço olhando a paisagem.
— Com licença, Sr. Vicentini. — Uma voz doce e harmoniosa toma o
ambiente e fico estático olhando para fora. — O Dr. Eduardo me pediu para
trazer um café e uma água — Viro-me lentamente para conhecer a dona
daquela voz melodiosa e me surpreendo por tamanha beleza. Seus cabelos
são de um dourado natural e intenso e os olhos, de um azul cristalino e
brilhante, que transmitem tristeza e dor, percebo que ela também não se
move, está tão afetada quanto eu.
— Açúcar ou adoçante, Senhor? — Ela se recompõe, colocando a
bandeja sobre a mesa e permanece com a cabeça baixa para desviar dos meus
olhos.
— Açúcar, per favore. — Ela levanta o olhar e a vejo paralisar assim
que nossos olhos se cruzam novamente, uma sensação de frescor passa pelo
meu corpo e me obrigo a me mexer, indo até a mesa.
— Perdonami, non sapevo fossi italiano. (Perdão, não sabia que era
italiano.) — Estou impressionado com a perfeição do seu italiano, mas quero
ouvi-la em seu idioma.
— Não precisa se desculpar, senhorita...? — Franzo o cenho dando
um ar de curiosidade.
— Sou a secretária do Dr. Eduardo, me chamo Isadora. — Finalmente
conheci a secretária fujona.
— Prazer em conhecê-la, Isadora. — Aproximo-me dela e invado seu
espaço pessoal, vejo a maçã do seu rosto enrubescer e fico fascinado por
ainda existirem mulheres que se enrubescem com uma simples aproximação
de um homem. Pego o café ainda olhando encantado com tamanha beleza.
— Com licença, Senhor. — Afasta-se indo em direção à saída. Fecha
a porta atrás de si e nem espera que eu responda.
A bela feiticeira fugiu de mim, o que só me deixa ainda mais
fascinado.
Já tive o meu quinhão de mulheres bonitas. Todas sempre se
encantam por mim, seja pelo meu porte físico ou pelo poder que repousa
sobre minhas costas. Elas querem dinheiro, status, proteção. Eu, delas, só
quero prazer temporário.
Isso me faz lembrar da armadilha criada por Stefano no dia de minha
posse, e o meu bom humor se nubla. Ele pensa que conseguiu me colocar
numa enrascada, mas ainda tenho tempo, e darei um jeito de me livrar de sua
maldição. A Castellar, as Casas, toda a Organização precisam de uma mão de
ferro para lidar com os problemas presentes, assim como fazer-nos crescer.
Ter uma mulher, filhos, só faria com que eu ficasse vulnerável, e no meu tipo
de vida fraquezas não são permitidas.
— O Dr. Eduardo o aguarda na sala de reuniões, queira me
acompanhar, por favor. — A secretária retorna, para à porta permitindo que
eu passe por ela. Sigo-a em direção ao elevador. Assim que as portas se
fecham, posso sentir o seu perfume e isso mexe comigo de forma diferente,
um cheiro adocicado e com uma leve fragrância de flores, mas numa
suavidade que tenho vontade de cheirar seu pescoço. Meu pau mostra sinais
de vida e se fosse num outro momento, num outro ambiente, daria um jeito
de dominá-la e fazê-la minha. Mas, primeiro os negócios. As portas se abrem,
seguimos por um corredor até uma grande porta de vidro e atrás dela, a sala
de reuniões.
— Com licença. — Novamente sua voz suave preenche o ambiente
totalmente masculino. Noto alguns olhares sobre ela e isso me incomoda
sobremaneira.
— Entre, Isadora, e traga o Sr. Vicentini até aqui. — Eduardo fala
com um sorriso no rosto e vejo os pescoços se virarem assim que ela passa.
— Sr. Vicentini. — Ela aponta uma cadeira ao lado dela e uma
euforia me toma. — Esses são os relatórios com um levantamento completo
da situação financeira da empresa. — Passa para mim os documentos e
nossas mãos se encontram. Posso sentir a delicadeza de sua pele e um desejo
de tocá-la mais vezes surge, mas ela retira a mão tão rápido que me
impressiona.
— Obrigado. — Tento parecer não me sentir afetado.
— Sr. Vicentini, é de nosso interesse fechar essa fusão, mas
precisamos conhecer a VF Technology Company, peço que nos permita uma
visita à sua empresa.
— Será um prazer recebê-los na Itália. Podemos agendar a visita
para... daqui um mês?
— Excelente! — Eduardo fala esbanjando confiança para firmarmos
esse acordo — Gostaria que aceitasse ser nosso convidado para o almoço,
como sinal de boa-fé para conclusão desse acordo. — Assinto e saímos em
direção ao elevador.
A sugestão é uma churrascaria na Barra da Tijuca. Sigo em meu
próprio carro, com meus guarda-costas, para o restaurante. Não percebi que
Isadora estaria presente, fico com um misto de felicidade e frieza ao vê-la.
— Com uma preciosidade dessas eu até me casava. — Filippo
menciona ao vê-la se aproximando. Salvatore ri. Normalmente eu
concordaria com eles, ratificando com algum comentário, mas achei melhor
defender a feiticeira.
— Respeite a moça, Filippo.
— Perdão, Don. — Filippo trata logo de se desculpar seguido por
Salvatore. Eles sabem que não tolero que passem à minha frente e,
principalmente, que se metam em meus assuntos.
— Mantenham o foco no que vieram fazer aqui. Estamos num
território neutro, mas isso não impede de sofrermos algum atentado.
— Estamos em alerta, senhor. — Salvatore fala e se posiciona em um
local estratégico, enquanto Filippo me segue para dentro da churrascaria.
Além de Eduardo, outros homens do Conselho participam do almoço.
O assunto, logicamente, fica em torno das duas empresas e da expectativa
que a fusão causará no mercado.
Isadora senta-se a uma certa distância de mim, mantém a cabeça baixa
e fala só quando solicitada. Algo nessa mulher me intriga e me fascina ao
mesmo tempo. Sinto-me como um inseto atraído pela lâmpada, querendo
saber por que ela me intriga dessa forma. Sua beleza, de fato, é grande, mas
seu jeito recatado é ainda mais afrodisíaco, se é que isso é possível.
Horas depois, saímos da churrascaria e seguimos nossos destinos, mas
uma sensação estranha me faz querer ver novamente Isadora antes de retornar
para a Itália. Peço a Salvatore que fique de olho quando ela sair do trabalho e
me informe para onde ela segue e me mantenha informado. Vou para o hotel
descansar e aguardo a ligação de Salvatore.
Somente depois das oito da noite que o telefonema acontece.
— Senhor, desculpe a demora, mas ela saiu agora. Entrou em um
coletivo e está indo para a Zona Sul, estou seguindo o veículo.
— Assim que ela chegar, me avise.
— Sim, senhor.
Quarenta minutos depois, Salvatore torna a me ligar e me passa a
localização de onde Isadora está.
— Senhor, ela desceu em frente ao Dona Marta, no bairro de
Botafogo, e seguiu para dentro da comunidade. Não posso segui-la, senhor.
— Retorne, Salvatore. — Não arriscarei a segurança do meu melhor
atirador.
Então, uma moça com tamanha beleza e que fala fluentemente
italiano – e acredito que tenha estudo – mora numa comunidade...
Definitivamente, esse país é cheio de idiossincrasia.
Ainda com o telefone nas mãos, ligo para Hugo Falcão, vamos ver até
onde vai a sua fidelidade a um Don.
— Sr. Vicentini, houve algum problema? — Percebo a surpresa em
sua voz.
— Preciso de seus serviços.
— Em que posso ajudá-lo?
— Localize e investigue uma moradora do morro Dona Marta. Seu
nome é Isadora e trabalha como secretária de Eduardo Albuquerque. Quero
um dossiê completo em 12h.
— Sem problemas. Maria Eduarda me passará todas as informações.
Deseja que eu tome alguma providência em relação a isso?
— Faça somente o que mandei. — Deixo claro que não quero
interferência.
— É claro...
Desligo sem esperar que complete o que estava falando.
Custo a dormir preocupado com a situação na Itália. Minha vinda ao
Brasil cumpriu o seu objetivo. Preciso me preparar para a próxima fase dos
dois negócios fechados e defender a Castellar de qualquer ação inimiga.
Pela manhã, ao chegar à mesa do café, encontro um envelope pardo.
Calmamente coloco meu café na xícara, tomo um gole do forte líquido negro.
Segurando a xícara e o envelope, direciono-me à sacada e vejo o belo dia, a
praia já com seus frequentadores e, só então, abro o envelope para ver a
informação contida.
Isadora Fontinni Agnelli, sua origem é de família italiana e o que leio
a seguir me deixa em alerta.
A feiticeira não é apenas bela demais; velhos fantasmas estão prestes
a ressurgir e preciso de informações precisas sobre tudo isso. Meu retorno à
Itália se torna ainda mais urgente.
Capítulo 5

Isadora

Os dias têm sido muito difíceis. Depois que minha irmã se envolveu
com um traficante do morro e engravidou, minha família nunca mais foi a
mesma e piorou com a morte prematura dela. Isaura tinha vinte e um anos e,
aparentemente, não sofria de nenhuma doença, mas depois que Luna nasceu,
ela teve complicações no parto e morreu. Desde a morte de Isaura, meus pais
se debilitaram mais e eu precisei me desdobrar em três para dar conta deles,
de um bebê e do meu trabalho.
Sou secretária executiva numa empresa de tecnologia e, na parte da
tarde, Dr. Eduardo me deixa estagiar no setor jurídico, o que me rende um
extra, já que os medicamentos dos meus pais são caros. Amo o que faço e me
dedico totalmente a aprender e ser a melhor profissional possível. A empresa
está expandindo seus negócios e de acordo com reuniões que participo, Dr.
Eduardo quer expandir a empresa e torná-la multinacional, com isso, tem
buscado parcerias. Fico feliz de participar desse processo e me aperfeiçoar
cada vez mais tanto na questão administrativa quanto no jurídico.
Graças a Deus também temos vizinhos muito bons; em meio à
comunidade, existe gente muito boa e honesta. Conto com a ajuda de dona
Carmem e de Andressa, que olha Luna enquanto trabalho.
Saio de casa bem cedo, já que faltei ontem preciso compensar
chegando mais cedo. Passo pela portaria e Henrique logo vem cheio de graça.
— Olá, meu anjo, senti sua falta ontem. — Vem se aproximando
enquanto pego meu crachá na bolsa.
— Bom dia para você também, Henrique. — Falo já passando o
cartão. — Meu pai passou mal e tive que cuidar dele.
— Se você me desse bola, eu saberia cuidar muito bem de você. —
Fala com cara de paquerador, mas sei que se der moleza ele vem com tudo,
por isso levo na brincadeira e saio fora.
— Não sou gandula para te dar bola, Henrique, e sei cuidar muito
bem de mim. — Entro no elevador e observo a cara de decepcionado dele,
mas não tenho tempo para isso e Henrique é somente um amigo de trabalho.
Meu setor está estranhamente movimentado. Cássia me olha entrando
e se apressa em vir me atualizar dos assuntos.
— Bom dia, Cássia. O que está havendo?
— Bom dia, Isa. Isso aqui está um caos desde que o italiano gostoso
apareceu. — Franzo o cenho sem entender nada.
— Do que está falando, mulher?! — Sorrio.
— Ontem apareceu um italiano que parece um deus grego. —
Suspira. — O cara é a perfeição e com um olhar matador que deixa qualquer
calcinha pingando, e pelo que entendi, ele ofereceu uma parceria com a
Medeiros, com isso, estamos trabalhando como condenados para preparar
tudo.
— Tudo isso aconteceu em um dia? — Pergunto incrédula.
— Para você ver, e antes que me esqueça, Dr. Eduardo pediu que
fosse à sala dele assim que chegasse. Tente descobrir mais sobre ele e me
conte tudo, preciso estar preparada para um possível romance. — Rio da cara
de pau de Cássia que não perde a mania de azarar os executivos que
aparecem na presidência.
— Deixa Dr. Eduardo te escutar falando isso, sabe que ele preza
muito pela discrição.
— Não tem como ser indiferente a esse homem, Isa, ele é a
personificação de todos os deuses do olimpo. — Suspira mais uma vez. —
Pena que é inalcançável para uma reles mortal.
— Deixa eu ver o que o Dr. Eduardo quer. — Falo deixando minhas
coisas na minha mesa e me dirigindo para a sala do presidente, deixando
Cássia suspirando atrás de mim. Dou duas batidas na porta e entro.
— Bom dia, Dr. Eduardo. — Falo me aproximando de sua mesa.
— Bom dia, Isadora. Preciso que você fique no setor jurídico e ajude
a fazer um relatório para um investidor, terei uma reunião com ele ainda pela
manhã e eles ainda não me enviaram por e-mail.
— Estou indo para lá agora, deseja mais alguma coisa?
— Por ora, só isso, mas quero que participe dessa reunião, será muito
importante para o seu curriculum participar de uma fusão dessas.
— Obrigada, Dr. Eduardo. — Emociono-me com o apoio e o carinho
que ele tem por mim.
— Não por isso, Isadora. Agora vá e apressa esses documentos. —
Saio de sua sala e vou direto para o vigésimo andar para dar início ao que me
pediu.
— Bom dia, Hernani. — Cumprimento o diretor do jurídico.
— Bom dia, Isa, ainda bem que você chegou. — Vejo alívio em seu
rosto. — Preciso que organize e envie esses documentos por e-mail ao Dr.
Eduardo e faça cópias para todos os diretores e para o investidor.
— Pode deixar que num instante resolvo isso.
— Obrigado, Isa.
— De nada. — Saio de sua sala e me sento na mesa vaga, começando
a trabalhar.
Envio todos os e-mails e vou para a sala de cópias. Passo boa parte da
manhã fazendo esse trabalho. Ao olhar para o relógio, percebo que já são dez
e meia e preciso entregar os documentos para o investidor. Chego ao
trigésimo andar e está uma loucura, todos ocupados e mesas extras foram
colocadas para a assessoria jurídica.
— Graças a Deus que você chegou, Isa. — Cássia fala esbaforida. —
Dr. Eduardo pediu que levasse água e café para o investidor que está na sala
dele, mas não tive como fazer isso, está uma loucura isso aqui hoje, por
favor, faça isso para mim?
— Calma, Cássia, vou na cozinha e passo um café fresco e levo tudo.
— Obrigada, anjo.
Preparo tudo numa bandeja e sigo para a sala do chefe, bato duas
vezes na porta e entro.
— Com licença. — Vejo um homem enorme de frente para as
grandes janelas que mostram o centro histórico. — Dr. Eduardo me pediu
para trazer um café e uma água, desculpa a demora. — Ele se virou
lentamente me surpreendendo com tamanha beleza. Seus cabelos são de um
preto tão intenso que chega brilhar e os olhos azuis da cor do mar, demonstra
severidade e determinação, mas transmitem tristeza. Ele não se move e tento
sair do meu torpor e servi-lo. Com muita dificuldade, recobro o controle e
assumo o lado profissional sem dar margem para que pense o contrário de
mim, apesar de achá-lo realmente um deus grego.
— Açúcar ou adoçante, senhor? — Falo com a cabeça abaixada para
desviar dos seus olhos avaliativos.
— Açúcar, per favore. — Levanto o olhar e paraliso assim que nossos
olhos se cruzam novamente, um formigamento começa a tomar meu corpo e
desvio meus pensamentos desse homem que está mexendo comigo de forma
estranha.
— Mi dispiace, non sapevo che tu fossi italiano. — Percebo que fica
impressionado com a minha resposta em italiano.
— Não precisa se desculpar, senhorita...? — Franze o cenho
mostrando sua curiosidade. Decepciono-me quando ele fala em português,
mas trato logo de me concentrar.
— Desculpe-me novamente. — Apresso-me em me apresentar. —
Sou a secretária do Dr. Eduardo, me chamo Isadora. — Vejo-o franzir a testa.
— Prazer em conhecê-la, Isadora. — Ele se aproxima de mim e
invade meu espaço pessoal com seu tamanho e cheiro, sinto meu rosto
erubescer. Pega o café ainda me olhando.
— Com licença, senhor. — Afasto-me indo em direção à porta. —
Em breve voltarei para levá-lo à sala de reuniões. — Fecho a porta atrás de
mim e uma sensação de vazio preenche meu peito, nunca senti isso por
homem nenhum e um medo me toma. Sento-me em minha mesa e revejo
alguns relatórios. Meia hora depois, meu telefone toca e Dr. Eduardo pede
que eu acompanhe o investidor até a sala de reuniões. Meu coração acelera e
minhas mãos suam, mas preciso fazer meu trabalho. Bato na porta, entro e o
encontro no mesmo lugar que antes.
— O Dr. Eduardo o aguarda na sala de reuniões, queira me
acompanhar, por favor. — Vou em direção ao elevador e posso senti-lo
colado a mim. Assim que as portas se fecham, permaneço olhando para a
frente, mas vejo-o pelo reflexo do metal. Ele me olha com tanta intensidade
que um calor sobe pelo meu corpo e me deixa incomodada, mas de uma
forma boa, e isso me assusta. As portas se abrem e saio sem olhar para trás,
seguimos por um corredor até uma grande porta de vidro e entramos.
— Com licença. — Todos nos olham. Sinto-me incomodada por ver
cobiça de alguns homens e admiração de outros, e procuro não me importar
com ninguém até chegar à cabeceira da mesa onde Dr. Eduardo me olha com
carinho.
— Que bom que chegaram, Isadora, traga o Sr. Vicentini até aqui. —
Dr. Eduardo fala seu nome e um arrepio corre pelo meu corpo.
— Sr. Vicentini. — Testo seu nome em meus lábios e gosto como
soa. Aponto uma cadeira ao meu lado, ele se senta. Seu perfume penetra mais
uma vez em minhas narinas. — Essas são as pastas com um levantamento
completo da situação financeira da empresa. — Passo as pastas para ele e
nossas mãos se encontram; posso sentir a aspereza de seus dedos e logo puxo
minha mão.
Foi mais de uma hora entre leitura de relatórios e conversas, ficando
acertado uma visita à Itália em um mês.
Saímos para almoçar em uma churrascaria na Barra da Tijuca
juntamente com alguns diretores, e me sinto constrangida com seu olhar
intenso e investigativo, mas tenho que permanecer até o final mesmo me
sentindo exposta e atraída por esse homem que conheci hoje.
Tudo isso é novo para mim, não que eu não tenha namorado, mas
ficar atraída por um homem que não conheço e, principalmente, que mora em
outro país, assusta. Todos se despedem e sigo com Dr. Eduardo novamente
para a empresa, mas com a sensação de vazio no peito.
Capítulo 6

FLORENÇA, ITÁLIA

Don Angelo

Depois de longas horas dentro de um avião, pouso no aeroporto de


Peretola, em Florença, e sigo de helicóptero para Livorno, onde fica o Forte.
Não consegui descansar e tenho muitos assuntos para resolver. Sou recebido
por Enrico e vamos direto para o meu escritório.
— Como está a situação com a Andragathia?
— Aquiles está parado, não identificamos qualquer movimentação em
torno da Toscana e nem na Capital. Omar Ranzziotti tem nos mantido
informado como estão as coisas em Milão e, ao que parece, fugiu.
— Não confio em Aquiles. — Sei o quanto é traiçoeiro. A máfia
Grega saiu de nós e Aquiles herdou, assim como eu, o poder e tentará nos
derrubar.
— Estamos de olho. Temos um ‘convidado’ na sala de espera. O
pegamos fotografando em torno da casa de mamma.
— Ele já abriu o bico? — Pergunto olhando para Enrico com o cenho
franzido.
— Estava esperando você chegar para começar. — Dá um sorrisinho
debochado. — Afinal, não poderia me divertir sozinho.
— Realmente, estou precisando extravasar, mas hoje deixarei por sua
conta, estou muito cansado, precisando dormir. Leve Nico e Anderson com
você.
— Está diferente. — Fala se aproximando e olhando em meus olhos.
— Tem um brilho diferente no olhar. Espero que o Brasil não o tenha
amaciado. — Sorri debochado. — Com licença, Don. — Ainda permanece
com o sorriso nos lábios e ignoro.
— Stronzo (Babaca). — Retira-se e me deixa sozinho com meus
pensamentos.
Vou para o meu quarto descansar após um banho relaxante, mas a
imagem de Isadora insiste em povoar meus pensamentos. Preciso dar uma
olhada melhor naquele dossiê e tomar certas decisões. No entanto, o cansaço
é tanto que logo adormeço.

Horas depois, sentindo-me mais disposto, chego ao escritório e peço


para que Chang compareça à minha presença. Preciso de um dossiê mais
completo sobre a família Agnelli.
Até o momento, o que sei é que há mais de cinquenta anos, Jarbas
Agnelli, com sede de poder, causou um racha na máfia. Como ele já estava
em idade avançada, quis que seu filho primogênito, Leonidas Agnelli, de
apenas 20 anos, assumisse o papel de Capo, mas ele se negou, e para não
morrer, fugiu do país com sua esposa. Já o filho mais novo, Tenório Agnelli,
associou-se à máfia Grega e junto com Átila Callas, fortificaram a
Andragathia e se tornaram a maior rival da Castellar. Se o que estou prevendo
se confirmar, o herdeiro da Andragathia está no Brasil e farei o que for
preciso para trazê-lo para a Castellar, para desestabilizar Aquiles Callas.
Ouço a voz da Dona Samanta anunciar Chang e o mando entrar.
— Bom dia, Don, o que deseja de mim? — Fala se posicionando à
minha frente e faço um sinal para que se sente.
— Bom dia, Chang. O que conversaremos aqui permanecerá somente
entre nós e não quero outro, a não ser você, nessa investigação, e se reportará
somente a mim, entendido? — Falo olhando em seus olhos.
— Como quiser, Don. Estou aqui somente para te servir e ser fiel
somente a ti. — Gosto da lealdade desse menino. Chang veio foragido da
China e o encontrei por acaso próximo ao Forte com um celular na mão,
invadindo o sistema de segurança do seu país, assim que me viu tentou
correr, mas Filippo foi mais rápido e o trouxe a mim e até hoje é um dos
melhores hackers que conheço.
— Preciso que descubra tudo sobre Leonidas Agnelli. Te passarei as
informações que tenho, preciso disso o quanto antes. — Enquanto falo,
Chang abre seu notebook e começa a invadir o sistema.
— Posso começar agora, se desejar, pelo menos o básico — Digita
com tremenda agilidade, para olhando para mim, esperando o meu
consentimento, coisa que faço prontamente. Preciso saber se minhas suspeitas
procedem.
Logo, ele já tem algo a relatar.
— Leonidas Agnelli, filho mais velho de Jarbas Agnelli. — Ele para e
olha assustado para mim, faço um gesto para que continue. — Fugiu para o
Brasil em 1947 com sua esposa grávida e se estabeleceu como um pequeno
comerciante numa comunidade da Zona Sul do Rio de Janeiro, passando o
comércio para seu filho, Leonel Muniz Agnelli, de apenas 15 anos após seu
falecimento em 1963. Morreu em um acidente de carro juntamente com sua
esposa, Ana Clara Muniz Agnelli, em situação suspeita, mas que não foi
solucionado pela polícia local. Atualmente, Leonel Muniz Agnelli é casado
com Beatriz Fontinni Agnelli e tem duas filhas gêmeas, Isaura Fontinni
Agnelli e Isadora Fontinni Agnelli. — A Feiticeira. — Uma das filhas,
Isaura, faleceu há uns três anos. Eles também têm uma criança na família,
Luna, de três anos — Arqueio minha sobrancelha diante dessa informação. —
Hoje, Leonel Agnelli e esposa, após a morte da filha, têm a saúde debilitada e
são cuidados por Isadora.
— Apesar de você não ter dito, devemos crer que a tal criança é, na
verdade, filha de Isaura.
— A data é coincidência demais, Don. Entretanto, parece que os
Agnelli registraram a menina como filha deles, e não como neta.
Fico imaginando o que essa menina já passou na vida e um
sentimento de admiração surge no meu peito. Sei que não sou o melhor
homem do mundo e tenho planos para me aproximar da herdeira legítima da
Andragathia, mas quando olho para ela, desejo me tornar um homem melhor.
Continuo ouvindo o que Chang fala e penso numa estratégia para atraí-la para
mim.
— Isadora Fontinni Agnelli, atualmente com 24 anos, cursou Direito
pela UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro, e fazia pós-graduação
em Direito Internacional, mas teve de trancar a matrícula. Atualmente,
trabalha como secretária executiva de Eduardo Albuquerque na Enterprise
Technology e reside com os pais no mesmo endereço até hoje. Isso é tudo o
que está disponível nos sistemas dos governos da Itália e do Brasil, já que
Leonidas Agnelli pediu asilo político, de acordo com o tratado assinado entre
os dois países em 1940.
— Continue investigando, e o que achar de novidade me comunique
imediatamente.
— Sim, Don. — Fala fechando seu notebook. — Permissão para me
retirar.
— Obrigado, Chang, e peça à dona Samanta para entrar.
Ele se retira e logo Samanta entra. Samanta é esposa de Alessandro,
mordomo de mamma, e trabalha para a máfia há muitos anos, assim como
seus pais.
— Deseja algo, Don?
— Quero que entre em contato com a Enterprise Technology, no
Brasil, e adiante a vinda da equipe à Itália, com a nossa cortesia, e peça que
Isadora Fontinni Agnelli esteja entre os diretores, mas faça isso de forma
discreta. Entretanto, ela deve fazer parte da comitiva.
Ela anota tudo. — Mais alguma coisa?
— Por enquanto é só.
Vejo a porta se fechar. Vou até o canto da minha sala e pego um
whiskey para pensar no que fazer.

*****

Resolvo passar na casa de dona Giordana antes que ela invada a


minha casa para brigar comigo. Odeio ter que pôr meus pés novamente
naquele lugar, mais mamma não pode pagar pelos erros de Stefano, e faço
isso por ela.
— Buonasera, figlio ingrato (Boa noite, filho ingrato.) — como
sempre, dramática.
— Não sou ingrato, mamma, estava cansado da longa viagem e sou
um homem ocupado. Vim ver como está.
— Estou bem. Seu pai que piorou e está tendo dificuldades de engolir,
foi preciso colocá-lo no soro. — Confesso que não tenho um pingo de pena e
espero que ele morra engasgado com a própria saliva, trago marcas em meu
corpo que escondo com tatuagens para apagar um pouco a lembrança.
— Ele está sendo cuidado, mamma. — Falo para fugir do assunto. —
Quero saber se a senhora está bem, isso que me importa.
— Estou bem, como já disse. Sei que seu pai não foi um bom pai,
Angelo, e me culpo por ficar longe e permitir tamanha maldade com vocês.
— Vejo pesar em seu semblante. — Se eu soubesse que ele me afastava
daqui para treiná-los e os transformar em homens frios, eu teria enfrentado e
pago o preço.
— Vamos esquecer o passado, mamma, não podemos mudá-lo. —
Fujo do assunto para não a entristecer. — Mas podemos consertar o presente
e melhorar o futuro.
— Molto bene (muito bem). Pensiamo ad un futuro migliore (vamos
pensar num futuro melhor).
— É o melhor que fazemos. Onde está Elisa? Ainda não a vi — Mudo
de assunto.
— Foi com alguns amigos para Milão e retorna na próxima semana.
— Tiro o celular do bolso e envio uma mensagem para Enrico enquanto
mamma vai até a cozinha.
O que Elisa foi fazer em Milão? — A resposta veio logo em seguida.
Se encontrar com Omar Ranzziotti, me parece que eles pegaram o
segundo em comando da Andragathia e ela vai acompanhar o interrogatório.
Traga-o até mim.
Avisarei Elisa e arrumarei o transporte.
Aguardo o comunicado.
Tudo bem. — Desliga.
— Fica para o jantar, mio figlio? — Mamma surge trazendo pratos e
talheres em uma bandeja.
— Sim. Vou tomar um banho e descansar até a hora do jantar.
— Peço Georgia para chamá-lo.
— Obrigado, mamma.
Subo para o meu antigo quarto na casa e aproveito para descansar até
obter uma resposta de Enrico e ir ao Forte interrogar pessoalmente esse figlio
di puttana (filho da puta). Por volta das oito horas, Georgia me chama e me
sento na cabeceira da mesa com mamma, Antonella e mais duas
acompanhantes. O jantar é agradável, mas logo me retiro para atender uma
ligação de Enrico.
— Fala, Enrico.
— Estão a caminho. Enviei o helicóptero e pousarão em meia hora no
Forte.
— Leve-o para a sala de interrogatório e quero somente eu, você e
Filippo, dispense os outros e peça para ficarem na segurança.
— E quanto a Elisa? Sabe que ela vai querer acompanhar também.
— A ordem já foi dada. — Falo irritado. — Que se cumpra.
Amo meus irmãos, mas detesto que me contrariem. Preciso pôr Elisa
em seu lugar, apesar de ser minha irmãzinha, ainda é subordinada a mim e
tem que cumprir ordens.

Chego ao Forte à meia-noite, estaciono meu carro na garagem e pego


o elevador para o subsolo. O Forte foi construído no início dos anos 80 e
levou um longo tempo para ficar pronto. Por conta da morte do general
Alberto Falcone, criou-se uma verdadeira caça aos mafiosos e nós nos
refugiamos no Forte, até que passasse, e Stefano pudesse retornar às
atividades. Uma fortaleza abandonada pelo exército que foi comprada por
Stefano para ser nosso refúgio em tempos de perseguição, no subsolo
construímos vários quartos com suítes, academia, sala de tiro, dormitórios
para os soldados e um mini hospital equipado com centro cirúrgico e uma
UTI para atender nossos feridos em combate.
Entro no escritório e encontro Elisa de cara feia, mas pouco me
importa. Pego a escada lateral e desço até o porão, sigo para o preso que está
nu, de pé com as mãos amarradas no alto da cabeça e percebe-se seu
esgotamento físico. Olho para Enrico encostado na parede e Filippo que está
arrumando a mesa com alguns brinquedos de tortura.
— Você sabe quem eu sou? — Pergunto para ver até onde vai o seu
conhecimento. Ele levanta a cabeça com dificuldade e me olha já com o olho
quase fechando de inchado.
— Don. — Cospe o sangue no chão.
— Muito bem. — Falo indo até a mesa e pego uma arma de choque,
só para começar. Enrico abre o chuveiro na água fria e logo o prisioneiro está
encharcado, o que facilita a ação do choque.
— O que Aquiles deseja em meu território? — Aproximo-me e o vejo
roxo de frio.
— Para que quer saber? Ele conseguirá o que quer mesmo. — Fala
com arrogância e dou uma descarga de choque em suas costelas, levando-o
ao desmaio.
— Enrico. — Ele me olha. — Ligue novamente o chuveiro para esse
bosta despertar. — E assim ele faz, e o homem desperta.
— Vou perguntar mais uma vez, qual o plano de Aquiles?
— Vai à merda, Don Angelo. — Ri com os dentes sujos de sangue. —
Seu reinado vai cair, Aquiles tomará o poder na Itália, assumirá todas as
Casas e matará a família Vicentini, assim como seu pai matou a nossa
família.
— Desgraçado, como ousa proferir tais palavras? Não sairá daqui
vivo para contar a ninguém e matarei toda a sua família e tudo o que tiver
vida em sua casa, quero ver até onde vai sua fidelidade a Aquiles.
— Não ouse chegar perto da minha família. — Fala assustado. —
Eles não têm nada a ver com isso.
— Pensasse antes de me desafiar. — Pego a chibata e acerto três
golpes em suas costas, ele urra de dor.
— Prepare o vinagre com sal, Enrico, e jogue nas feridas. — Enrico
faz o que mando sorrindo e o homem desmaia novamente. Estou apenas
começando e o merda está acabando com a diversão, mas tenho a noite toda.
— Coloque-o na cadeira especial.
Mandei fazer uma cadeira igual à que usavam na inquisição. O
assento e o encosto são cravados com pregos afiados que penetram na carne e
os braços ficam presos por correias de couro com pequenos fios que, se
acionados, liberam uma carga elétrica de 110 Volts.
Filippo joga o homem na cadeira e os pregos entram em sua carne
fazendo o sangue jorrar de suas pernas e costas, e um grito ecoar pela sala da
tortura. Com piso e paredes em cerâmica branca e uma forte iluminação,
deixa qualquer prisioneiro desorientado.
— Vamos, me fale o que Aquiles planeja. — Falo segurando o
controle da corrente elétrica.
— Da minha boca não sairá nada, sou fiel ao meu Capo e posso
morrer, mas de mim nenhuma palavra sairá. — Afirma categoricamente.
Aperto o controle e ele se contorce na cadeira fazendo as lanças entrarem
mais na sua carne.
— Tenho a noite toda. — Digo com calma. — E não tenho pressa em
te matar.
— DESGRAÇADO. — Está ficando bom, já está se desestabilizando.
— Me diga, o que planejam? — Pergunto novamente.
— VAI À MERDA, DESGRAÇADO, MALDITO. — Dou uma
gargalhada.
— Já me chamaram de coisas piores que essa. — Mas tenho paciência
até certo ponto. Peça para trazer a Sra. Salazar e suas crias. — Dirijo-me a
Filippo e os olhos do prisioneiro se arregalam.
— MALDITO... DEXEM ELES EM PAZ. — Nada me abala. Stefano
fez um ótimo trabalho e a frieza que tenho dentro de mim reflete nos meus
atos. Uma mulher e duas crianças, uma de aparentemente cinco anos e outra
de dois, entram vendadas e chorando.
— Muito bem, Salazar. — Respiro fundo. — Você tem a vida de sua
mulher e seus filhos em suas mãos. Se me contar o que quero saber, deixo-os
viver, mas se continuar fiel a Aquiles, eles morrerão na sua frente.
— Aquiles irá matá-los. — Fala com desespero na voz. — Mesmo se
preservá-los, ele irá matá-los. Minha família é tudo para mim.
— Me conte o que quero saber e sua família será protegida por mim e
seus filhos me servirão.
— Eu não posso. — Vejo o desespero da mulher em proteger os
filhos. — Jurei lealdade.
— E a lealdade à sua família, não conta? — Mexo com seu
emocional.
— Eles são tudo para mim. — É notório sua derrota.
— Vou te dar um tempo para pensar, enquanto isso, sua mulher e
filhos ficarão sob os meus cuidados. Você tem 24 horas para abrir a boca,
caso contrário, diga adeus à sua família. — Viro de costas e olho para
Filippo. — Deixe-o sem comer e sem água e a cada uma hora abra o chuveiro
e dê uma carga nele. — Filippo leva a mulher e entrega a Salvatore; eu e
Enrico saímos do porão.

Foi uma longa noite, mas valeu a pena. O dia amanhece nublado e
uma fina garoa cai sobre Livorno. Quando entro no porão novamente, o
homem está desfigurado e logo trata de abrir o bico e contar o que Aquiles
pretende.
— Ele enviou dez homens para desestabilizar a Castellar e estudar
seus movimentos. Durante vinte dias, ficamos observando sua família e
pudemos nos movimentar pela Toscana e Milão. Aquiles quer invadir o
Forte, que é o símbolo da força e poder da Castellar, matar todos os
descendentes Vicentini e assumir o poder, causará um boato de falência da
VF Technology Company para suas ações caírem e, assim, comprar a preço
baixo e acabar com o nome de vocês. — Um ódio cresce dentro de mim; saco
a minha Colt e acerto o meio de sua testa, fazendo com que o corpo caia sem
vida.
— Diga a Agnaldo para limpar essa sujeira e mande um recado meu
para Aquiles. — Saio da sala seguido por Enrico e Filippo.
— O que faremos agora, Don? — Enrico pergunta.
— Reuniremos todas as Casas e planejaremos um contra-ataque na
Grécia. Ligue para todos e peça que venham para uma reunião no Forte até
sexta-feira. — Entro em meu quarto e vou tirando a roupa para tomar um
banho e tirar o cheiro de sangue de mim. Despachei a mulher e as crianças
para a Rússia e deixei aos cuidados de Domenico. Agora, é planejar uma ação
e acabar de uma vez por todas com a arrogância e a empáfia de Aquiles
Callas.
Capítulo 7

Don Angelo

A reunião com todas as Casas começaria em meia hora e aproveito


esse tempo para confirmar a vinda dos representantes da Medeiros
Technology Enterprise na próxima semana. A cada dia minha ansiedade por
rever Isadora cresce e, ao mesmo tempo, me assusta. Entro na sala de
reuniões do Forte e todos se colocam de pé, vou até a minha cadeira e após
me sentar, autorizo que todos também o façam. Peço a Enrico que relate o
ocorrido na minha ausência e, logo depois, Elisa fala sobre o que averiguou
no trajeto de Milão até Livorno, e todos ouvem atentamente. Autorizo as
Casas a começarem seus relatórios e o que me impressiona foi a agilidade
que Aquiles agiu não só na Toscana, mas ao redor das Casas.
— Então, Don, esses são todos os fatos. — Domenico é o último a se
pronunciar.
— Pelo que pude observar, Aquiles tem nos estudado e vigiado cada
Casa, o que mais me impressiona é o quanto abaixamos a guarda para que
esse maledetto se aproximasse assim. Mudaremos nossas estratégias;
atacaremos o reduto de Aquiles e tomaremos seus territórios, compraremos
seus informantes e destruiremos tudo e todos que carregam o sobrenome
Callas, não deixando vivo nem mesmo o cachorro. Começaremos com um
ataque vindo da Casa vermelha e, depois, segue-se a Azul, Amarela, Verde.
Quando todas as barreiras forem rompidas, começaremos um ataque em
massa no quartel de Aquiles Callas, destruindo tudo para não restar nem um
para a história. Quero que Enrico e Elisa organizem esses ataques junto com
cada Casa e me passem o relatório a cada semana. — Vejo a euforia nos
olhos de cada líder e percebo o quanto isso serviu para voltarmos à ativa
como no passado. Buscar territórios dentro da Itália e em outros países foi
recompensador, pois, agora, dominamos uma boa parte do globo terrestre.
Aproveito a reunião para falar sobre Hugo Falcão e uma nova Casa que em
breve surgirá, mas omito que seu líder não será Hugo Falcão.
— Quero comunicar que em breve teremos mais uma Casa sob nosso
domínio. — Todos se agitam. — Será a Casa Negra e, com isso,
conquistaremos a América do Sul. O primeiro país que se tornará parte da
Castellar será o Brasil e aproveitaremos o acordo entre os países vizinhos, o
Mercosul, para expandirmos nossos negócios pelas fronteiras e ganhar todo o
continente Sul. — Os homens se agitam, mas aguardo a pergunta crucial.
— Com sua permissão para falar, Don. — Yuri Kringer pede a
palavra. — Quem assumirá essa nova Casa? — Bingo. — Não conhecemos
muito sobre esse país, a não ser suas belas mulheres e o futebol, e sabemos do
alto índice de violência. Quem assumirá? — Todos se voltam para mim.
— Estou negociando com o maior chefe do tráfico de drogas e armas
do Rio de Janeiro, e antes que me perguntem, não confio nele, mas tenho
planos para o país. A princípio, o deixarei pensando que faz parte da
Castellar, mas assim que conseguir o que quero, o dispensarei e colocarei
alguém de minha inteira confiança para governar a Casa. Estou com dois
homens de olho em Hugo Falcão e um deles é seu braço direito, Manuel
Ramos Fontes, que foi punido com um dedo arrancado por olhar para Maria
Eduarda, e quer vingança; ele alega que foi ela quem se insinuou, mas não
teve a misericórdia do seu chefe, e o outro é meu homem de confiança,
Miguel Campanaro, o mesmo que investigou cada Casa.
— E por que não confia em Hugo Falcão? — Domenico pergunta.
— Ele é escorregadio e tem olhos traiçoeiros. Sua mulher, Maria
Eduarda Medeiros de Albuquerque, é filha do magnata da tecnologia Eduardo
Albuquerque e foi sequestrada há dois anos por Falcão. Ela desenvolveu
Síndrome de Estocolmo e está num relacionamento com ele desde então.
Como faz parte de alta sociedade carioca, ela o ajuda na distribuição de
drogas em festas de alto padrão e o avisa de qualquer incursão da polícia nos
morros dominados por ele, já que ela é uma jornalista famosa no país. Nós
valorizamos muito nossas mulheres e família, mas Hugo Falcão demonstrou
que está somente usando Maria Eduarda para alcançar seus objetivos.
— E quanto a mulher, pretende matá-la? — Minamoto Takeda
pergunta.
— Não está nos meus planos. Ela é herdeira do império da tecnologia
no país, a usarei para meus propósitos e se demonstrar lealdade, assume o
posto de seu namorado.
— Permissão, Don. — Elisa, que até então estava calada, pede a
palavra. — E quanto à família Albuquerque, pretende matá-los?
— Não. Pelo que pude ver, não sabem que a filha tem envolvimento
com Hugo Falcão. Vou estudá-los e verei o que fazer.
— E se Falcão desconfiar de suas intenções, o que pretende fazer? —
Enrico pergunta preocupado. Ele sabe do que estamos falando aqui e
qualquer movimento em falso, nossos planos serão arruinados.
— Matá-lo.
— O que a Castellar lucra indo para um país de terceiro mundo? —
Enrico ainda pergunta.
— O Brasil é um país vulnerável e podemos lucrar muito. Não tem
uma política sólida, suas leis são fracas e os políticos, corruptos. A inversão
de valores é muito grande, o pobre fica cada vez mais pobre e o rico esbanja
nas festas e viagens às custas do trabalhador, ou seja, é um país que nos
favorecerá a lucrar, principalmente com a fusão das duas empresas
tecnológicas que ocorrerá em poucos dias. Quando a fusão estiver concluída,
marcaremos uma nova reunião para discutirmos. — Olho para todos e dou a
reunião por encerrada. Levanto-me e saio da sala já sacando meu telefone do
bolso e ligando para Samanta.
— Samanta?! — Falo assim que ela atende.
— Don, estava aguardando sua chamada. — Espera que eu fale.
— Confirmada a reunião para a próxima semana com os brasileiros?
— Meu grau de ansiedade está a mil, mas passo tranquilidade e desinteresse
na ligação.
— Sim, senhor. — Percebo receio em sua voz.
— Fala, Samanta, o que está havendo?
— Senhor, a Srtª Isadora não poderá vir. — Uma frustração me toma
e me pega de surpresa, nunca senti isso em toda a minha vida. — Pelo que
informaram, sua mãe está internada com pneumonia no hospital público
Miguel Couto, na Zona Sul do Rio de Janeiro, e seu pai está muito debilitado
e se agravou com a preocupação com a esposa, sem contar que ela cuida de
uma criança. Sinto muito, senhor. — Ouço um suspiro. — Mas essa moça
tem uma responsabilidade muito grande e, se me permite, é muito raro ver
uma jovem se dedicar assim à família e desistir de conhecer e participar de
uma fusão como essa que valorizaria e muito seu curriculum. Perdoe-me dar
minha opinião sem ser permitida. — Fala com receio por dar sua opinião em
um assunto meu, mas não a repreenderei por isso, pelo contrário, suas
palavras serviram para olhar para essa moça de forma diferente.
— Samanta, estou indo para a empresa e assim que chegar, quero que
faça uma chamada para Miguel Campanaro, chego em meia hora.
— Sim, senhor. — Desligo e sigo para a empresa.
Faço o trajeto pensando no que Samanta havia me falado e se quero
me aproximar de Leonel Agnelli, preciso dar melhores condições para a
família. O primeiro passo é colocar a mãe de Isadora no melhor hospital e
bancar o tratamento, mas preciso pensar em fazer isso sem me expor, preciso
conversar com Elisa para entender esse turbilhão de sentimentos que estão no
meu peito, só uma mulher para me falar o que é isso. Chego à empresa e vou
direto para a minha sala, logo Miguel Campanaro está na linha.
— Don. Precisa dos meus serviços?
— Campanaro, preciso que faça a transferência de uma paciente do
hospital Miguel Couto para o melhor que vocês tiverem, ainda hoje. — Não
entro em detalhes. — Compre a direção do hospital para que invente qualquer
coisa para a filha, Isadora, e acompanhe de perto tudo. Providencie alimentos,
remédios, brinquedos, roupas para a família de Leonel Agnelli e diga que
uma Organização filantrópica que está bancando; diga que a milícia está para
tomar a comunidade e houve uma ordem direta da empresa VF Technology
Company para manter os funcionários que moram em área de risco, seguros,
de preferência com a mudança deles, e me mantenha informado. Passarei por
mensagem o nome da paciente e o endereço da família.
— Considere feito, Don. Mais alguma coisa?
— Sim. Vigie Isadora Agnelli e arrume uma creche para que a criança
fique até que Isadora chegue em casa. Sei que terá meios para arrumar tudo
isso sem levantar suspeitas e conto com sua discrição.
— Tem a minha fidelidade, Don, agirei com discrição, e farei o que
me ordenou.
— Seja feito. — Desligo imaginando a reação de Isadora diante
dessas mudanças. Mando a mensagem e aguardo o resultado.
Termino de assinar alguns documentos da fusão e saio do escritório,
encontrando Samanta ainda trabalhando.
— Providencie estadia para todos os brasileiros e deixe dois
motoristas à disposição. Marque a reunião para sexta-feira à tarde e cancele
meus compromissos nesse dia.
— Sim, Don. Mais alguma coisa?
— Ligue para Elisa e peça para ir à minha casa. Boa noite e até
amanhã.
— Boa noite, Don.
Passo no L'Ostricaio, pego uma massa e levo para casa. Deixo tudo na
cozinha e sigo para o meu quarto para tomar um banho e jantar enquanto
espero Elisa chegar. Faço tudo em meia hora e assim que estou pondo a louça
na máquina, ouço a porta abrir e minha irmã entrar.
— Olá, maninho. — Quando estamos a sós somos somente irmãos.
— Fala, pirralha. — Dou um abraço nela.
— O que quer de mim para me chamar à sua casa com urgência?
— Preciso de sua ajuda. — Vejo-a enrugar a testa. — É um assunto
sigiloso e que por enquanto precisamos manter em família, embora ainda não
tenha conversado com Enrico.
— Fala, Angelo.
Penso um pouco e tenho receio de ser mal interpretado, mas estou
diante da minha irmã e só ela pode me entender e me ajudar.
— Me ouça primeiro e depois que eu terminar de falar, você se
manifesta. — Sou enfático neste quesito, não gosto de ser interrompido na
minha linha de raciocínio. Ela assente, tomo uma lufada de ar e começo: —
Quando viajei para o Brasil, conheci uma mulher. — Ela se assusta — que
tem mexido comigo desde então. — Olho para Elisa e vejo um sorriso brotar
em seus lábios, mas não diz nada, e prossigo: — Foi por acaso. Ela é a
secretária de Eduardo Albuquerque. Eu estava aguardando em sua sala para a
reunião e ela entrou me trazendo um café. Não sei o que aconteceu, mas…
nunca vi mulher tão graciosa e tão linda. Seus olhos são de um azul cristalino
e os fios tão dourados que seus cabelos parecem fios de ouro... — Paro e fico
perdido por um instante ao me lembrar de Isadora, mas logo me lembro que
Elisa está me olhando e volto à postura inicial. — Pedi a Salvatore que fosse
atrás dela para saber onde morava e descobri que é em uma comunidade
perigosa; fiquei preocupado e busquei junto com Hugo Falcão um dossiê
completo, e qual não foi a minha surpresa, ela é da família Agnelli. — Elisa
arregala os olhos mostrando total surpresa, mas não permito que ainda fale.
— Mandei Chang fazer um levantamento completo dos Agnellis e descobri
que Leonel Agnelli é o herdeiro legítimo da Andragathia e pretendo trazê-los
para a Itália e tomar a Andragathia junto com Leonel. Quanto a Isadora, não
sei o que está acontecendo comigo. — Suspiro. — Pedi que Samanta
incluísse Isadora para vir junto com os brasileiros, queria revê-la, mas ela não
virá. Sua mãe está internada com pneumonia, e ainda tem seu pai e sobrinha
que ela cuida. Mandei Miguel Campanaro cuidar do bem-estar de todos da
família e, agora, não sei se ela aceitará e tenho receio de ser ignorado. — Dou
mais um suspiro. — Pela primeira vez na vida, não sei como agir com uma
mulher e preciso que me ajude a entender o que está acontecendo comigo.
Preciso que me olhe como seu irmão e não como o Don.
Espero pelas palavras de Elisa, mas sua reação já mostra que está
mais do que surpresa com as minhas próprias. Primeiro, porque não sou de
pedir ajuda ou conselho quando tenho algum problema pessoal. Como Don,
eu não peço, eu mando, e aguardo ser obedecido. Depois, porque nunca tive
problemas para seduzir uma mulher. Tenho plena consciência de que minha
aparência as agrada, e quando não, meu título é chamariz suficiente para que
caiam aos meus pés.
— Angelo, você está apaixonado. — Elisa fala com uma animação
inesperada, e eu fico estático diante de sua afirmação. Levanto do sofá onde
estava e caminho de um lado ao outro da sala, passando a mão no cabelo em
exasperação.
— Não seja boba, Elisa. Jamais me apaixono.
Ela dá um sorriso ainda maior e se senta mais à vontade no sofá, olha
para as unhas como se as inspecionasse.
— Ah, não? Então me diga, quantas vezes esteve com ela?
— Uma ou duas vezes.
— E, ainda assim, a descreveu como se fosse um bardo da Idade
Média.
— Ela é só... — solto um suspiro alto, em frustração, e volto a encará-
la.
— Me diga outra coisa, se não é paixão, por que chamou a mim? Por
que não chamou Enrico? Você acaba de me dizer que sabe como entrar em
contato com o verdadeiro herdeiro da Andragathia e vai se unir a ele para
derrubar o nosso arqui-inimigo. Isso é estratégia de guerra. Normalmente
você chamaria o nosso irmão.
Tenho consciência que olho para ela em desespero, sem resposta.
— Está vendo? Seu silêncio já é uma resposta. — Ela se levanta e se
aproxima — Calma, não precisa ficar assim. A paixão às vezes assusta, mas
também traz tranquilidade e o desejo de cuidar, assim como fez com ela. Ter
zelo e querer a pessoa sempre por perto é normal, principalmente no início, e
se for correspondido, é melhor ainda, sentirá os cuidados dela com você
também. Conquiste a sua confiança aos poucos e procure não a assustar com
essa sua mania por controle. — Encaro-a com o cenho franzido e ela continua
como se não percebesse. — Respeite os limites e, principalmente, marque sua
presença, não deixe que ela se sinta seduzida e abandonada. Conquiste, flerte
e ganhe espaço. Comece fazendo-a te conhecer e ver que não é indiferente a
ela; assim que puder, convide-a para um jantar ou mande flores, mas respeite
o tempo dela.
— Ela mora no Brasil, sorella (irmã), fica difícil jantar e conhecê-la
desse jeito.
— Você não quer trazê-los para a Itália? Arrume um jeito. Você pode
exigir que um representante da empresa venha para cá e pode ser ela. Trate da
transferência assim que assinar a fusão e poderá cuidar de tudo.
— Ótima ideia. — Beijo o alto da cabeça de Elisa. — Assim que
fizermos a fusão, pedirei a transferência de Isadora para a Itália e ela
trabalhará junto a mim.
— Faça isso, fratello (irmão), e conquistará o coração del tuo amato
(da sua amada).
O plano de Elisa me mostra que tudo pode ser fácil de se arranjar – e
internamente me puno por não ter tido a mesma ideia.
— Definitivamente, preciso conhecer quem é essa mulher que
conseguiu desestabilizar o Don.
Passo os dedos nos cantos da boca olhando-a desconfiado.
— Preciso te lembrar que esse é um assunto pessoal e não deve sair
desta sala?
Ela sorri, levantando-se. — Que assunto? Você me disse alguma
coisa? — ela pisca para mim e sai.
Assim que Elisa vai embora, vou para o meu quarto e me preparo para
dormir, e fico pensando em suas palavras. Não consigo dormir de pronto.
Paixão? Será isso mesmo?
Capítulo 8
Capítulo 8

BRASIL

Isadora

A situação em casa ficou difícil e minha mãe foi internada com


pneumonia no hospital público Miguel Couto. Com isso, não poderei fazer
parte da fusão. Dr. Eduardo me deu uma semana para cuidar dos meus pais e
da minha sobrinha, mas o quadro clínico de mamãe estava se agravando por
falta de medicamentos no hospital. O Rio de Janeiro passa por uma de suas
piores crises financeiras e isso está afetando todos os setores, tanto público
como privado, e minha mãe está sentindo na pele o pouco caso dos
governantes.
Chego às nove horas para ficar com mamãe, mas sou direcionada à
sala do diretor do hospital. Estranhei e achei que algo grave tivesse
acontecido e um pânico me tomou.
— Bom dia, Srtª Isadora. — Estende a mão em cumprimento. — Sou
Dr. Ernesto Assis. Gostaria de informar que sua mãe será transferida para o
Hospital Samaritano, agora pela manhã, e todas as despesas serão pagas por
uma entidade filantrópica.
— Meu Deus! Não estou entendendo, Dr. Ernesto. — Falo surpresa
— O médico que estava acompanhando minha mãe disse que ela está muito
debilitada, será que ela aguenta uma transferência?
— A equipe de UTI do Samaritano está vindo e dará toda a
assistência à sua mãe, fique tranquila.
— Sendo assim, onde tenho que assinar. — Ele aponta uns papéis e
assino.
Saio e sigo para a enfermaria onde ela está. Encontro mamãe sentada
e com a aparência muito cansada, mas fico agradecida por ela ser logo
transferida. Informo a ela que terá um tratamento melhor e que logo ficará
boa. No final da manhã, a equipe do Samaritano chega e minha mãe é
transferida.
Fico encantada com o quarto e com a equipe que veio avaliá-la e, pelo
que o médico falou, com alguns antibióticos e cuidados, em uma semana
mamãe estará de volta em casa. Foram dias difíceis entre ir ao hospital,
cuidar de papai e Luna, e trabalhar, mas no final, valeu a pena.
Capítulo 9

ITÁLIA

Don Angelo

Saio da empresa às 22h. Preciso ter certeza de que toda a


documentação necessária para a vinda da equipe brasileira está pronta.
Finalmente recebo de Samanta a confirmação. Dr. Eduardo e todos os
diretores chegam amanhã pela manhã e serão conduzidos para o Hotel
Vicentini, e à tarde assinaremos finalmente os contratos.
Acordo cedo e vou para o Forte, preciso extravasar minha frustração e
vou direto para a academia. Caio na piscina e nado até meus músculos
reclamarem, depois, vou para os pesos e, por fim, corro na esteira por mais
quarenta minutos, queria deixar meu corpo bem cansado e desanuviar minha
mente. Quando estou quase terminando, Enrico entra e percebo que alguma
coisa está errada.
Enrico é um homem com um bom caráter e de um humor invejável,
mas devido a tudo o que passamos, tornou-se tão frio quanto eu quando o
assunto é trabalho, mas uma coisa ele tem de melhor, deixa transparecer seus
sentimentos e basta olhá-lo para eu saber que está com problemas.
— O que houve, Enrico? — Pergunto enxugando o meu rosto com a
toalha.
— Estou cansado de chegar em casa e encontrar o silêncio. — Fala
pensativo e direto. — Tenho 26 anos e uma merda de vida que me faz ser um
filho da puta com as mulheres, porque não consigo confiar em nenhuma
delas. — Percebo o amargor em sua voz.
— Por que está falando disso agora? Nunca se interessou por esse
assunto e sempre foi um solteirão convicto, o que mudou?
— Ontem fui à despedida de solteiro de Luca Parisi e alguns dos
meus amigos já têm suas famílias; vi que estou ficando para trás. Quero uma
família também, mas quem vou colocar na minha vida? Vou trazer uma
pessoa para essa vida de merda que tenho? — Vejo a tristeza nos olhos de
meu irmão e acabo refletindo sobre isso também.
— Tudo vai se resolver, Enrico. — Tento parecer confiante, mas sei
que esse também é o meu dilema. — Teremos tempos de paz novamente e
poderemos pensar sobre isso, você tem mais tempo para se casar, já eu, tenho
quase trinta anos e menos tempo para arrumar uma noiva e se casar, e ainda
não tenho ninguém em vista.
— Às vezes, fico pensando em tudo o que Stefano nos fez. Nos
transformou em homens frios e em assassinos, mas com títulos de poder e
nobreza que nada nos adianta quando queremos uma família. Tenho medo de
ter que transformar um filho no que somos hoje e trazer para a vida dele
todos esses pesadelos que rondam a minha mente antes de dormir. Não quero
isso para o meu filho, Angelo. Quero viver como todos os meus amigos. Ter
um emprego, chegar em casa à noite e ser recebido por uma mulher
apaixonada, beijar a cabeça dos meus filhos. Reunir a família para uma bela
macarronada no domingo e envelhecer vendo os meus netos crescerem. —
Suspira derrotado. — Isso nunca acontecerá conosco. Sempre teremos receio
de um bastardo querer ferir nossa família e destruir nossos sonhos.
— Não pode pensar assim, Enrico. Somos capazes de formar uma
família e termos tudo isso que falou, a diferença é que eles terão vigilância
eterna. Quanto ao treinamento de nossos filhos, nunca farei com eles o que
Stefano fez conosco. Ele nunca nos amou e colocou a máfia acima da família,
por isso, nos causou tantos danos. Não somos como ele. Hoje, somos sim,
mafiosos, mas, acima de tudo, somos filhos e irmãos que se amam e se
protegem e é isso que temos que ensinar aos nossos filhos, são esses valores
que temos que deixar prevalecer em nossas vidas. Agora, me fala o nome da
donna (mulher) que está mexendo com sua cabeça? — Ele me olha de
soslaio e percebo um leve sorriso em seus lábios.
— E quem disse que ela está mexendo com a minha cabeça? — Ele
pergunta irritado.
Apenas meneio a cabeça mostrando a ele de que era meio óbvio. Ele
suspira alto.
— Antonella Vitale. — Ele fala meio que a contragosto, mas percebo
seus olhos brilharem ao falar dela.
— A fisioterapeuta de Stefano? — Surpreendo-me.
— Essa mulher é diferente; ela mexe com algo desconhecido dentro
de mim e da mesma forma que gosto, me irrito e acabo a tratando mal. Não
sei o que sinto e essa incerteza me deixa doido.
— Isso é paixão, mio fratello (meu irmão) — Ele me olha apavorado
e me pego repetindo as palavras de Elisa, para ele. — Você se apaixonou por
ela e agora não sabe o que fazer.
— Eu nunca vou me apaixonar por aquela mulher teimosa e
malcriada. — Fala fazendo birra como um garoto. — Ela é a pessoa mais
difícil que eu conheci. Prefiro enfrentar dez Aquiles a ter que lidar com uma
Antonella. — Caio na gargalhada. Ele está ferrado.
— Acho que deveria conversar com Elisa, ela é a melhor pessoa para
te ajudar. Sou homem como você e desconheço as coisas do coração.
— Vou falar com ela. Tenho certeza de que me infernizará o resto da
vida por conta disso. — E rimos juntos.
— Essa é nossa irmã.
— Obrigado por me ouvir.
— Sempre. — Vou direto para a ducha e tudo o que Enrico me falou
fica martelando na minha cabeça. Esse é o mesmo dilema que tenho, mas
com uma diferença: Isadora é filha e neta de mafiosos, seu sangue tem a
máfia no DNA.
Capítulo 10

BRASIL

Isadora

Há uns dias, fomos informados de que a milícia subiria o morro e


teríamos que sair de nossas casas, mas papai não quis, e ficamos. Foram dias
complicados para ir trabalhar e voltar, a instabilidade do morro e a sensação
de insegurança eram as piores coisas. A polícia ficava no asfalto dando uma
falsa impressão de segurança, enquanto o morador tinha que enfrentar as
“balas perdidas” de um confronto onde os únicos perdedores eram a
população pobre, mas ninguém quer saber dos nossos problemas e a vida
precisava seguir seu curso, independentemente de qualquer obstáculo que ela
apresente.
Essa semana a Srtª Maria Eduarda viajaria para a Itália e tive que ter
trabalho dobrado. Ela é uma mulher arrogante e sem educação, não
cumprimenta ninguém e acha que tem o rei na barriga. Cuidar do voo, ver
hospedagem e transporte na cidade, passar roteiros e fazer o câmbio, tudo por
minha conta e nem recebi um “muito obrigada” em retribuição. Ela é muito
diferente de seus pais.
Alguns dizem à boca miúda de que ela é uma mafiosa, já outros, que é
dona de uma casa de massagens e prostituição, mas a conheço da televisão.
Ela é jornalista de uma grande emissora e herdeira desse império, por isso,
acha-se superior.
Deixo tudo organizado para a sua viagem e peço ao motoboy que
entregue em seu apartamento de luxo na Vieira Souto, em Ipanema, e volto
para a minha humilde residência no morro Dona Marta.
ITÁLIA

Don Angelo

Chego à empresa e me direciono à sala de reuniões. Samanta me


informa que estão todos à minha espera, entrega-me as pastas e me
acompanha. Assim que entro, surpreendo-me ao ver Maria Eduarda
Albuquerque sentada próxima ao pai.
— Boa tarde a todos. — Tomo o meu lugar. — Espero que tenham
aproveitado a visita guiada pela empresa, e tenham ficado satisfeitos com
tudo o que viram. Dando prosseguimento à nossa negociação, em frente aos
senhores estão os relatórios com os gráficos de lucros da VF Technology
Company nos últimos anos. Além disso, foi acrescentada, a meu pedido, a
simulação de lucro que teremos com a fusão das empresas. — Todos abrem
suas pastas e olham, com exceção de Maria Eduarda, que fica me olhando.
— Sr. Vicentini, vejo que sua empresa ocupa o primeiro lugar em
desenvolvimento tecnológico junto com a Apple. — Eduardo fala satisfeito e
um tanto invejoso.
— Somos participantes no desenvolvimento dos softwares da Apple e
algumas outras. — Falo com orgulho.
— Não vejo nenhum empecilho para fecharmos essa fusão. —
Eduardo fala aos seus diretores, que concordam.
Logo que todos os documentos são assinados, dirigimo-nos para uma
sala onde é servido um coquetel para todos os diretores das duas empresas.
Estou saindo do banheiro, vejo Maria Eduarda esperando para falar comigo
longe do pai e dos outros acionistas. Fico na dúvida se converso com ela ou
não, mas acabo dando atenção, quero ver até onde vai.
— Sr. Vicentini... Don. — Ela tenta ser sexy. — Estou encantada em
estar aqui e conhecê-lo melhor.
— Sono spiacente, signorina (perdão, senhorita), mas creio que já me
conheceu e estava acompanhada do Sr. Falcão.
— Sim, mas não tive a oportunidade de me apresentar devidamente.
— Aproxima-se de mim e põe a mão no meu braço. Intimidade demais —
Acredito que podemos ter um momento a sós e nos conhecermos... melhor —
Fica passando a mão na manga do meu paletó e subindo para o meu ombro.
— Sinto muito, Srtª Albuquerque, mas não estou interessado. — Vejo
seu olhar ganhar um tom de espanto. — Sou um homem muito seletivo e não
costumo me envolver com as mulheres de meus aliados, vai contra o código
das Casas e, como Don, devo reportar ao Sr. Falcão a sua conduta e será
punida por tal atrevimento. — Sua cara de espanto é a melhor. — E farei
questão de estar presente.
— Perdoe-me, senhor. — Lágrimas se formam em seus olhos e o
pavor é notório em sua voz. — Não sabíamos como funcionava e Falcão me
enviou para agradá-lo. — Disgraziato. — Ele me pediu para ser útil e
adiantar a participação do Brasil na Castellar. Se o senhor se agradasse de
mim, poderíamos nos tornar seus aliados antes do tempo.
— Togliti de mezzo (saia da minha presença) e avise ao Sr. Falcão que
não tolerarei mais uma afronta dessa em minha cidade. Agora, SAIA. — Um
ódio me toma. Quem esse stupido pensa que é? Vou acabar com ele e toda a
corja que o cerca.
Volto para o coquetel e meia hora depois me retiro para o Forte.
Preciso resolver logo essa questão com o Brasil. Ter Maria Eduarda se
prestando a esse papel esclareceu muito bem com quem estou lidando. Hugo
Falcão não mede esforços para conseguir o que quer e usa até sua mulher
como barganha. Não quero esse homem como meu aliado, não confio nele e
nem nela.
Ligo para Campanaro para saber como andam as coisas no Brasil,
preciso resolver esse problema logo.
— Don.
— Como andam as coisas com Hugo Falcão?
— Creio que as notícias que tenho não lhe agradarão.
— Fale.
— Ele é indisciplinado, não aceita ordens, não respeita hierarquia e
trata mal seus subordinados. Não me deixou ter acesso às contas e não me
deu o relatório de todas as suas transações; sempre inventa uma desculpa e
vem com jeitinhos para resolver as questões. Não é bem-visto como líder e
deixa seus liderados sozinhos em uma guerra. Resumindo, Don, esse cara é
um filho de uma quenga e quando digo isso é literalmente, pois, a mãe é
prostituta de luxo numa casa de massagem no centro do Rio e recrutam
menores de idade. Lá, vendem todos os tipos de drogas e praticam tráfico de
mulheres. Ele é ardiloso, e conversando com alguns homens, eles me
confidenciaram que ouviram uma conversa dele com a Dama de Ferro, ele
quer ser o novo Don, só que no Brasil.
Disgraziato. Ele não sabe com quem está lidando.
— Eu sabia que não poderia confiar nesse stronzo (idiota). Reúna
todos os homens que estão insatisfeitos com ele e me chame em
videoconferência; convocarei aliados aí no Brasil para acabar com ele e sua
digníssima mulher.
— Sim, senhor.
— Faça o mais rápido possível. Amanhã, Maria Eduarda voltará para
o Brasil e, provavelmente, vai relatar o ocorrido aqui na Itália, e não
poderemos ser pegos de surpresa por esse merda.
— Amanhã estará feito. — Fala com determinação.
— Aguardo seu contato. — Desligo puto da vida. Eu sabia que não
poderia confiar em Hugo Falcão, mas ele não perde por esperar.

*****

Saio de casa cedo, preciso estar na empresa antes que todos cheguem.
Acompanharei Chang e Romeo no setor de segurança, colocaremos em teste
um controle mais rigoroso com raio-X e detector de metal na recepção, e
infravermelho que, dentre outras vantagens, faz o reconhecimento de face.
Fui informado que Aquiles pretende infiltrar pessoas na VF e preciso estar à
sua frente.
Ao meio-dia, recebo uma mensagem de Campanaro informando que a
videoconferência estaria disponível em meia hora. Saio da sala de reuniões e
vou ao meu escritório e aguardo o seu chamado. Meia hora depois, atendo e
percebo que está em um galpão com cerca de mil homens, incluindo Manuel
Fontes.
— Don. Esses são os homens que estão insatisfeitos com Hugo
Falcão.
— Ponha na tela grande, Campanaro. — Aguardo para me dirigir aos
homens de Falcão.
— Pronto, Don.
— Olá a todos. — Todos assentem. — Sou Don Angelo Vicentini.
Hugo Falcão comprometeu nosso acordo e sofrerá as consequências, os que
forem fiéis a mim, permanecerão vivos e ganharão a minha proteção.
— Permissão para falar, Don Angelo. — Fala Manuel Ramos Fontes,
e assinto. — Somos fiéis a Castellar e estamos prontos para nos unir às
Casas e tomar o poder de Hugo Falcão. Além de nós, temos também o apoio
de outros traficantes aliados que estão sendo mortos e extorquidos por ele,
sem contar que suas famílias estão sendo obrigadas a saírem de suas casas
somente com a roupa do corpo. Todos os seus pertences estão sendo
negociados com traficantes colombianos e bolivianos em troca de drogas.
Desgraçado!
— Tomarei providências e estarão sob o comando de Campanaro.
Sejam leais e saberei retribuir.
— Seremos, Don, seremos.
— Campanaro. — Aguardo que dispense os homens para
conversarmos.
— Pronto, Don, pode falar.
— Providencie segurança para as famílias e entre em contato com
esses traficantes e firme uma aliança. Fique de olho em Falcão e na sua
mulher, algo me diz que aprontarão.
— Será feito.
— Conto com isso. — Desligo e peço Samanta para chamar Enrico e
Elisa, precisamos traçar estratégia para pegarmos Falcão desprevenido.
Capítulo 11

RIO DE JANEIRO, BRASIL

Hugo Falcão

Ser o maior traficante de drogas e armas do Brasil é pouco para mim.


Depois que conheci Don Angelo, almejei ser igual ou melhor que ele, e para
isso não medirei esforços. A inútil da Maria Eduarda não ajuda em nada, nem
para seduzi-lo foi capaz. Ao lembrar que a sequestrei para ter dinheiro e
investir na casa de massagem, percebo a merda que fiz, a inútil se apaixonou
por mim. Não sou homem de uma só mulher, tenho várias espalhadas pelo
Rio de Janeiro e só a mantenho do meu lado para receber informações
privilegiadas.
Quinze dias atrás, fui comunicado pelo meu informante que um
representante de uma ONG visitou a família de Isadora Fontinni Agnelli e
levou roupas, comida e remédios para o velho Leonel, mas o que me chamou
atenção é que um tempo atrás, Angelo Vicentini me pediu um dossiê dessa
família, e através dos contatos de Maria Eduarda, descobri que Leonel
Agnelli é filho de um mafioso importante na Itália que fugiu para o Brasil
para não assumir a função de Capo. Preciso ser mais rápido que Vicentini e
trazer Leonel Agnelli para o meu lado.
São oito horas da manhã e sou informado que Isadora Agnelli deixou
o morro para trabalhar. Aproveito e subo até a casa de Leonel Agnelli, já que
está sozinho e o forçarei a me ajudar a tomar o comando da maior
Organização criminosa do mundo, e serei o novo Don. Não chamo e nem me
dou o trabalho de bater na porta, já abro e vou entrando, o velho me olha
assustado.
— Ora, ora, ora. — Falo com ironia ao encontrá-lo sentado numa
poltrona velha no canto da sala, com cara assustada. — Se não é o Capo
Leonel Agnelli.
— Quem é você? — Vejo medo em seus olhos por eu saber quem ele
é.
— Sou Hugo Falcão, dono do morro, futuro Don Hugo Falcão. — Ele
arregala os olhos e vejo suas rugas. Leonel Agnelli é um velho debilitado e
sei que terei que agir logo.
— Não sei do que está falando. — Ele tenta desconversar. — Meu
nome é Leonel Muniz e não conheço nenhum Capo.
— Não tente me enganar, velho. — Chego próximo ao seu rosto. —
Não estou aqui de brincadeira, sabe muito bem do que sou capaz para
conseguir o que quero. Já me conhece, nos vimos no hospital e me viu no
quarto com Isaura; sabe que a ajudei a descansar em paz, afinal, sua filha era
a minha preferida, pena que quis me prender a ela com essa história de filho e
fui obrigado a dar um fim nela. — Ridícula. — Ainda bem que se calou, não
contou para ninguém que fui eu quem a matei com injeção de potássio. Sei
que era sua filha e que ainda tem mais uma, se não colaborar comigo, farei
pior a Isadora.
— Deixe minha família em paz. Você já nos destruiu uma vez. —
Fala com falta de ar. — Elas não sabem do que aconteceu, não sabem do meu
passado.
— Pouco me importo com você e sua família, o que quero é poder, e
isso você vai me dar, Capo. — Vejo uma lágrima escorrer e rio com gosto.
Adoro ver o sofrimento das pessoas, principalmente quando causa a minha
alegria. — E aí, temos um acordo?
— Sim.
— Muito bem, vejo que tenho um colaborador. Preciso que entre em
contato com seus parentes na Itália e marque uma reunião para que me
apresente, informarei meus planos para acabar com Don Angelo e assumir
seu lugar.
— Eu não tenho mais contato com eles. Meu pai deixou a Itália há
mais de cinquenta anos e nunca conheci ninguém da minha família. —
Seguro seu pescoço e mostro que não estou brincando. Aperto bem
lentamente para ele sentir o poder de minhas mãos.
— Ache um jeito, senão sua família morre. — Olho dentro de seus
olhos, ele engole seco e seu medo alimenta a minha alma. — Em alguns dias
voltarei e espero já ter uma resposta, caso contrário...
Viro-me e saio daquela casa e abandono o velho, sigo com os meus
planos para reunir o maior número de homens para tomar a comunidade na
Zona Oeste. Meu dia hoje começou muito bem e sei que ainda tenho muito
que trabalhar para chegar aonde quero.
Quando fui à Itália com Maria Eduarda, nunca imaginei que fosse
conhecer um mafioso de verdade. Aqui no Brasil, nossa máfia é outra, máfia
da previdência, do governo, da prefeitura, nos hospitais, mas uma máfia que
honra o nome e o sangue, essa nunca tinha visto. Assim que chegamos ao
hotel, ouvimos um russo falando de transição de poder na máfia e o nome
Vicentini Ferrari surgir. Com a habilidade de repórter, Madu investigou e
descobriu que na mesma festa que aconteceria a transição da presidência do
grupo VF, onde ela faria uma exclusiva, ocorreria também a posse do novo
Don, foi aí que descobri que queria ser um. Com alguns contatos, consegui
uma breve reunião e marcamos para que ele conhecesse o meu império.
Ele pensa que sou idiota. Nunca passarei o poder para um cara que
chegou agora e quer sentar-se na janela. Lutei muito para alcançar tudo o que
tenho e não vai ser agora que vou perder tudo. Não sou otário, sei que a máfia
italiana é a maior de todas, e com as Casas, torna-se a mais poderosa, mas se
achar o aliado certo, certamente conseguirei meu lugar ao sol.
Maria Eduarda está fora dos meus planos. Será útil até chegar à Itália,
depois disso, byebye. Estarei aberto para coisas maiores, e quando me tornar
o novo Don e assumir todas as Casas, terei a mulher que eu quiser e poderei
finalmente pensar em formar uma família.
Nunca tive uma família de verdade. Meu pai era um dos muitos
clientes da minha mãe e nem o nome ela sabe, já minha adorável mãe, sempre
foi prostituta. Antes, trabalhava no calçadão de Copacabana ganhando alguns
trocados, enquanto eu servia de aviãozinho para os traficantes locais. Com o
dinheiro que eu ganhava, procurei estudar e consegui terminar meu Ensino
Médio. Optei por fazer faculdade de Administração, já que mexia com todo
dinheiro do tráfico. Na faculdade, vendia pequena porções de drogas e
lucrava com as festas rave que os playboys davam, com isso, consegui
terminar e assumir o morro quando o chefão morreu num tiroteio com a
polícia. Não vivo no morro e não sabem quem eu sou, nunca conseguiram
saber quem é Hugo Falcão, já que para a sociedade sou somente Heitor Luiz
de Azevedo.
Capítulo 12

ITÁLIA

Hugo Falcão

Dias se passaram e o velho Leonel Agnelli finalmente conseguiu que


me encontrasse com um representante da Andragathia. Sophia Sartore me
receberá no Giappone Inn Parking Hotel, no centro de Livorno. Maria
Eduarda me acompanhará e, se tudo der certo, me livrarei dela e estarei
desimpedido para conseguir tudo o que quero.
Chegamos a Livorno por volta das vinte e três horas e o cansaço da
viagem estava cobrando seu preço. O encontro com Sophia Sartore será
amanhã de manhã, marquei um passeio de iate para o final da tarde. Tenho
tudo planejado, assim que fechar o acordo com a Andragathia, levarei Madu
para um passeio pelo Rio Arno e seguirei para o Mar Mediterrâneo onde um
acidente matará a minha tão adorável namorada.
Essa conquista será minha e não cabe a mais ninguém. Sempre fui um
homem ambicioso e não foi à toa que cheguei até aqui. Precisei matar,
enganar e trair a confiança de muita gente para alcançar o comando da facção
Inferno Vermelho, e farei de novo se for para me tornar o maior mafioso de
todo os tempos.
Chego ao hotel por volta das nove horas e vou direto para o
restaurante aguardar a chegada de Sophia Sartore. O ambiente é bem
pitoresco e poucas mesas estão ocupadas. Observo uma mulher de
aparentemente 40 anos sozinha em uma mesa e alguns homens tomando seus
cafés, acredito serem empresários. Não a conheço e como estou sozinho,
penso que logo me identificará.

Estou há quarenta minutos esperando e ninguém saiu ou entrou do


restaurante. Logo começa uma movimentação e a mulher que estava na outra
mesa se aproxima e se senta junto a mim, os homens em perfeitos ternos
alinhados se colocam de pé ao lado da mulher, só aí que percebo tudo, eles
estavam me estudando e eu achando que era o esperto.
— Buongiorno, signor Falcon. Sono Sophia Callas e voglio che tu mi
accompagni, per favore. (Bom dia, Sr. Falcão. Sou Sophia Callas e quero que
me acompanhe, por favor).
Levanto-me juntamente com ela e seguimos por uma porta lateral, em
silêncio. Sou colocado em um carro preto e uma venda é posta em meus
olhos.
— Não se preocupe, Sr. Falcão, é somente medida de segurança.
Logo chegaremos ao quartel general da Andragathia e conversaremos sem ser
interrompidos.
Permaneço calado, e pelos meus cálculos, levamos quarenta minutos
para chegar, acredito que estamos afastados da cidade, em uma área rural.
Descemos do carro e sou conduzido para alguma área dentro de um galpão,
colocam-me em uma cadeira e a venda é tirada dos meus olhos.
— Bom dia, Sr. Falcão. — Um homem aparentemente de meia-idade
se dirige a mim falando português. — Sou Aquiles Callas e esta é a minha
mulher, Sophia Callas, que já teve o prazer de conhecê-la. Fui informado por
um dos meus homens de confiança que gostaria de se juntar a Andragathia
para destruir Angelo Vicentini. — Limito-me a concordar assentindo — Mas
o que me intriga é que há pouco tempo fui informado de que ele esteve no
Brasil e que, agora, o senhor faz parte da Castellar. O que deseja de mim,
então?
— Quero o lugar de Don Angelo e me aliar a Andragathia para
destruí-lo. Sei que são inimigos e nada melhor do que ter um aliado da
Castellar passando todas as informações para Andragathia.
— Interessante — Aquiles Callas anda devagar pelo ambiente, com as
mãos nos bolsos da calça. O jeito despreocupado dele não me engana. Tenho
certeza de que está armado até os dentes, e, além disso, seus capangas
espalhados pelo local estão fortemente armados. Um passo em falso meu e
viro peneira — Não trabalhamos assim, Sr. Falcão. Temos lealdade e
princípios, mesmo sendo mafiosos, não permitimos qualquer tipo de traição e
não gostamos de traidores, pois, da mesma forma que trai o inimigo, pode
nos trair.
Essa informação me pega desprevenido. Preciso pensar rápido ou esse
jogo pode virar contra mim.
— Sou um homem ambicioso e quero crescer mais dentro de uma
Organização que me respeite como um líder. Don Angelo brincou com a
minha inteligência. Não cheguei aonde cheguei com meros discursos e
herdando nome de mafiosos que escreveram a história de um país. Precisei de
muito esforço e artimanhas para alcançar o respeito no meio do crime
organizado no Brasil. Meu nome é conhecido por todas as comunidades,
respeitado por outros traficantes e temido por diversas polícias no meu país,
então, Sr. Callas, não está lidando com um leigo.
Ele dá um sorriso enviesado. Acho que o meu pequeno discurso não o
impressionou tanto assim.
— Posso afirmar, Sr. Falcão, que estou muito interessado na sua
proposta, principalmente no que tange a expandir os meus negócios para a
América do Sul. Diga-me o que deseja da Andragathia e direi o que
queremos do senhor.
— Quero ser um mafioso tão poderoso no meu país, assim como é no
seu. Expandir os meus negócios para a Europa e ter seu apoio nessa
transação. Serei fiel e seremos sócios em um negócio altamente lucrativo.
— E que tipo de negócios são esses?
— Tráfico de drogas, de armas e mulheres, prostituição e venda de
virgens em leilões.
— Não lidamos com drogas, Sr. Falcão, mas os outros negócios nos
interessam.
— Podemos fechar um acordo hoje, e amanhã mesmo começamos a
pôr algumas coisas em prática, como, por exemplo, o leilão virtual de
virgens, com divisão de meio a meio.
— Interessante. — Percebo que está muito interessado, mas busca no
olhar da mulher. — Digamos que firmemos esse acordo — Puxa uma cadeira
e se senta atrás de uma mesa —, como fará para enganar Don Angelo?
— Isso é fácil. Atuarei como aliado dele e ganharei sua confiança,
depois que souber como a Castellar funciona, tomaremos o poder.
— Tenho buscado por isso há anos, mas nenhum dos seguidores de
Don Angelo ousaria traí-lo. Espero conseguir alcançar com sua ajuda, mas
lembre-se, não sou Don Angelo, e se me trair não restará um pedaço do seu
corpo para contar história.
— Sei quais são os meus objetivos, Sr. Callas, e quando estou focado
no que quero, nada nem ninguém é capaz de me deter.
— Assim espero.
Ele se levanta e faz um gesto para que Sophia traga uma navalha para
que seja firmado um pacto de sangue. Corto a palma da minha mão, assim
como Aquiles Callas, e nos cumprimentamos; logo uma mulher loira entra na
sala juntamente com outros homens e testemunham o pacto de sangue que
está sendo firmado. Sou convidado para o almoço e descubro que a linda
mulher é Milena Gandine, viúva do sobrinho de Aquiles. Este foi morto pela
Castellar e, desde então, Milena Gandine busca vingança.
Conto a Aquiles meu plano de eliminação de Maria Eduarda e tudo o
que ela sabe, e recebo todo o suporte para uma boa execução do plano; os
policiais e guarda-costeira me ajudariam a encobrir o homicídio, já que
deviam favores a Andragathia.
Saio de forma diferente de como cheguei. Chego ao hotel e Maria
Eduarda já está pronta me esperando. Não falo para ela o que estava fazendo,
muito menos que me associei à Andragathia e traí a confiança de Don
Angelo, afinal, ela vai morrer mesmo.
Capítulo 13

Hugo Falcão

O cais está tranquilo, embora a cidade esteja cheia de turistas. Haverá


um show na Piazza della Repubblica, no centro de Livorno, e todos se
concentram por lá, deixando o cais praticamente vazio, o que facilita para que
ninguém nos note.
Maria Eduarda está encantada com a arquitetura do lugar e o ar
romântico que exala chega a dar náuseas. Aluguei um iate por uma noite com
Arturo, integrante da Andragathia, e eu mesmo conduzirei para não levantar
suspeitas.
Partimos para o passeio e aproveito para deixá-la bem alta com os
incontáveis drinks que já tomou e que finjo beber. No iPod toca Hello, da
Adele, e a tiro para dançar, deixando-a bem soltinha. Quando atraco, tenho o
cuidado de fazê-lo afastado da costa, observo que ao longe tem outro iate,
mas nada que atrapalhe meus planos; no mínimo devem estar numa transa
louca e nem nos notaram chegar, sem contar que está a 1 km de distância e a
visibilidade está comprometida por conta de já estar escurecendo.
— Min-nha águia. — Odeio mulher bêbada e esse jeito meloso de
Madu falar me enoja. — E...eu…te...amo.
— Também, minha Dama de Ferro. — Agarro sua cintura e cheiro
seu pescoço.
— Qu...quero. — Gargalha achando graça de tudo. — Fazer amor,
minha a... águia. — Até parece que sou um homem que faz amor. Prefiro
foder. Ela põe a cabeça no meu peito e percebo que ela está entregue.
Vou conduzindo Maria Eduarda para a proa do barco, olho seus olhos
e sei que de alguma forma ela me ajudou a crescer, mas tenho planos maiores
nos quais ela não está incluída, ela sabe demais e não posso cometer um erro
tão primário assim. Aquiles Callas encobrirá tudo, por isso, sei que é o
melhor a se fazer.
Dançamos mais uma música e, de certa forma, me despeço dela; vou
conduzindo os passos para bem próximo da proa e numa distração dela,
empurro-a. Ela cai na água gelada e vejo-a vir à tona em busca de ar, mas
como está embriagada volta a afundar. Sobe e desce em busca de ar, vejo seu
desespero, suas palavras são incompletas e desesperadas. Não posso ser fraco
agora, penso. Sei que não sabe nadar e alguns minutos depois, ela afunda.
Espero por mais um pouco e como ela não volta à superfície, ligo o motor,
saio da rota e peço socorro pelo rádio. Tudo está como planejado. Aquiles
Callas já direcionou seus contatos para me ajudar e encobrir o homicídio e
atestar acidente. Trinta minutos depois, aporto no cais e a polícia marítima já
me espera para prestar esclarecimentos enquanto a guarda-costeira faz a
busca. Como sou um ótimo ator, diga-se de passagem, faço todo um drama e
logo sou liberado para retornar ao hotel.
Não consigo dormir e a imagem dela tentando emergir vem sempre à
minha mente; bebo para me entorpecer. Na manhã seguinte, sou informado
de que não acharam o corpo dela e terei que avisar aos seus pais. Pego meu
telefone e ligo, e ao terceiro toque, a voz de Dr. Eduardo soa pretensioso e
arrogante.
— Alô.
— Dr. Eduardo Albuquerque? — Sei que é ele, mas faço uma média.
— Ele mesmo, com quem estou falando?
— Heitor Luiz, senhor. — Odeio formalidades com esses ricaços de
merda.
— Não o conheço, o que deseja? Como conseguiu esse número?
— É sobre sua filha, Maria Eduarda. — Percebo que a respiração dele
se altera.
— O que tem a minha filha?
— Ela sofreu um acidente na Itália, senhor, e precisamos que venha
para ajudá-la. — Omito que já está morta.
— De onde você é, rapaz? — Desconfia que seja um trote.
— Estou em Livorno, na Itália, e fui incumbido de ligar para a família
e pedir que venha para ajudá-la.
— O que realmente aconteceu com Maria Eduarda?
— Não posso passar os detalhes pelo telefone, senhor. Peço que
venha o quanto antes e procure o departamento de polícia de Livorno.
— Não estou gostando dessa história, rapaz. — Fala ainda
desconfiado e minha paciência foi para o brejo.
— Sua filha está desaparecida no mar, senhor, então, sugiro que
venha o quanto antes. Meus sentimentos. — Desligo sem querer mais assunto
com ele e aproveito para tomar um banho.
Mais tarde, sou informado pelo chefe de polícia que o ocorrido será
investigado como suicídio, já que ela estava sozinha e embriagada e tinham
encontrado várias garrafas de cerveja e vodka no iate. Todos os vestígios
meus foram limpos pelo pessoal da Andragathia. Permaneço na cidade por
dois dias. Eduardo e Emília Albuquerque chegam a Livorno e Don Angelo
está ajudando com todos os trâmites. O corpo de Maria Eduarda não foi
encontrado. Foram dias de buscas e nada, para o meu alívio. Agora, só me
resta seguir em frente com o que planejei.
Reúno-me com Aquiles para planejarmos o próximo passo, e como o
nosso objetivo é destruir Don Angelo, fica acordado que voltarei ao Brasil e
matarei todos da família Agnelli para que não se forme nenhuma aliança com
a Castellar. Volto ao hotel e me organizo para voltar ao Brasil.

*****

BRASIL

Isadora

Estava me arrumando para o trabalho. Papai estava na sala assistindo


seu jornal da manhã, quando o plantão de notícias entra e mostra a foto de
Maria Eduarda Medeiros de Albuquerque.
PLANTÃO DE NOTÍCIAS URGENTE. — A voz do locutor chama a
nossa atenção.
A herdeira do império da tecnologia Medeiros, a jornalista Maria
Eduarda de Medeiros Albuquerque se suicida em Livorno, na Itália.
Autoridades locais informam que ainda não encontraram seu paradeiro no
mar, mas segundo testemunhas, ela estava embriagada e pulou do iate que
conduzia em alto mar, deixando-o à deriva. Maria Eduarda de Medeiros
Albuquerque estava na cidade em férias acompanhada, mas autoridades
locais desmentem. O magnata da tecnologia brasileira, Dr. Eduardo
Albuquerque e sua esposa, Emília de Medeiros, embarcam ainda hoje para a
Itália para acompanharem de perto as buscas.
Olho para papai e vejo que está igualmente espantado. Termino de me
arrumar e vou para a empresa, tudo está um caos. Há imprensa de todos os
tipos, sem contar que os seguranças estão tendo trabalho dobrado, passar é
difícil, mas chego ao meu andar.
— Isa. — Cassia vem com cara de espanto. — Isso aqui está uma
baderna, todos estão perplexos e sem rumo, o que vamos fazer?
— Primeiro de tudo, vamos reunir o pessoal no auditório e tentar
acalmar os ânimos. Sei que é um momento muito difícil para o Dr. Eduardo,
precisamos manter o controle das coisas. Segundo, ligue para Débora e peça
para o Dr. Ibrahim dar uma palavra aos funcionários, já que ele é o porta-voz
da empresa.
— Como consegue manter a calma diante desse caos?
— Simples, preciso desse emprego. — Ela me olha e concorda com a
cabeça.
Uma hora depois, somos informados que ficaremos em luto por
quinze dias e que o Dr. Eduardo e esposa viajaram para a Itália para
acompanhar as buscas, sem previsão de retorno. De acordo com Dr. Ibrahim,
eu assumirei o comando do setor, o que me deixa pasma.
Uma semana depois, Dr. Eduardo não havia voltado e muitos
contratos e documentos se acumulavam sobre sua mesa.
Foram dias turbulentos e difíceis de aguentar, duas semanas depois e
nada do corpo de Maria Eduarda.
Dr. Eduardo retorna ao Brasil com Emília e a tristeza dele é de cortar
o coração. Como o corpo não foi encontrado, amigos e familiares decidiram
fazer um enterro simbólico e decretaram luto por uma semana; a família
estava destroçada e sem condições de administrar a empresa. O sobrinho do
Dr. Eduardo assumiu interinamente e alguns funcionários ganharam uma
semana de folga, dentre eles, eu.

*****

BRASIL

Hugo Falcão

Quinze dias após o meu retorno, leio no obituário do jornal que


haverá um velório e missa de corpo ausente de Maria Eduarda Medeiros de
Albuquerque, às dez horas da manhã. Arrumo-me e sigo para o local da
missa, sento-me no canto mais afastado, observando. Vejo que a filha de
Agnelli está ao lado do Eduardo com a esposa. É uma linda mulher, cabelos
tão claros quanto os raios de sol e um corpo pequeno, mas curvilíneo, como
toda a carioca. Uma pena ter que desperdiçar tamanha beleza.

*****

Reúno todos os meus homens de confiança para subirmos a parte alta


do Dona Marta e cumprir com o acordo eliminando todos da família Agnelli.
São vinte horas quando arrombo a porta e encontro os velhos vendo televisão.
— Boa noite, Sr. e Sra. Agnelli. — Vejo os olhos assombrados dos
dois e me divirto com seus medos. — Vim trazer um recado de um parente
italiano que não ficou nem um pouco satisfeito de saber que Leonel Agnelli
está fazendo alianças com Don Angelo, da Castellar.
— Quem é Don Angelo? — Quer se fazer de desentendido, então,
vamos fazer seu jogo.
— Pois bem, deixe-me refrescar sua memória. — Puxo uma cadeira e
me sento. — Quando sua esposa ficou internada, quem pagou o tratamento
no hospital particular? Não responda. — Falo, cortando-o antes de abrir a
boca. — Don Angelo. Quando uma instituição filantrópica ajudou sua
família, dando alimentos, brinquedos para sua filha e comida, quem acha que
foi? Deixe-me adivinhar. — Ponho o indicador e o polegar no rosto
simulando pensar. — Don Angelo. Não tente me fazer de idiota, que não sou.
Toda a traição tem seu preço e vim aqui hoje cobrar o pagamento — Faço
sinal para Mosca e Pezão, que começam a derramar gasolina pelo ambiente,
aponto minha arma para a cabeça de Leonel, sua esposa chora.
— Nós não conhecemos esse Don Angelo. O homem que veio aqui
nos disse que a empresa italiana que estava se filiando à empresa que Isadora
trabalha que tinha essa política de ajuda aos funcionários. Por favor. — Fala
com a voz embargada de medo e em nada lembra o mafioso que é. — Não
nos machuque. Nunca fizemos nada para desagradá-lo, não podemos pagar
por algo que não sabíamos.
— Não vim até aqui para escutar suas desculpas, nem tampouco para
ter piedade de alguém, vim em uma missão e não vou deixar de cumpri-la por
causa de dois velhos nojentos que não prestam para mais nada. Onde estão
suas duas filhas?
— Foram viajar e não retornarão tão cedo.
— MENTIRA. — Grito bem próximo à sua cara. — ONDE ELAS
ESTÃO?
— Já disse. — Engole seco. — Foram viajar. Por causa do luto, o Dr.
Eduardo só abrirá a empresa em uma semana e ela levou a irmã para viajar.
— Para onde? — Ele olha para a esposa que chora copiosamente,
certa de que vai morrer essa noite.
— Paraty.
— Saiba que vou caçá-las em qualquer lugar e em breve se juntarão a
vocês. — Aponto na cabeça de Leonel e atiro, logo sua mulher tem o mesmo
destino. Saio de lá com meus homens; Mosca joga o fósforo e a casa vira
uma enorme fogueira. Missão cumprida, agora, só resta acabar com Isadora e
Luna Agnelli.

*****

Isadora

Consegui matricular Luna na creche. Luna estava radiante com os


novos amiguinhos e encantada com a diversidade de brinquedos. No final de
semana terá um acampamento na Serra das Araras, Luna está a semana toda
falando desse passeio, terei que ir com ela e deixarei dona Carmem cuidando
dos meus pais. O morro está calmo e meus pais estão bem de saúde, então,
viajarei tranquila.
Embarcamos num ônibus na sexta-feira e passaríamos o final de
semana inteiro, só retornando na segunda-feira pela manhã. O lugar é lindo e
esse momento de descontração está renovando as minhas forças. Os últimos
quinze dias foram muito complicados, mas graças a Deus as coisas estão se
normalizando, pelo menos para nós funcionários.
Beijo o rostinho de Luna que já dorme tranquilamente, pego meu
livro para ler e vou direto para a sacada. Amo ler romances e sou apaixonada
por Clarice Lispector. Coloco meu fone de ouvido e sou preenchida pela voz
de Ana Carolina, abro o livro, e sentada na sacada do chalé, desfruto de um
momento de paz e tranquilidade.
São cinco horas da manhã e acordo com uma sensação estranha no
meu peito, uma angústia me toma e lágrimas descem pelo meu rosto sem eu
querer. Uma ansiedade de retornar para casa me atinge e assim que posso,
ligo para dona Carmem para ter notícias dos meus pais.
— Alô. — Percebo a voz sonolenta de dona Carmem.
— Bom dia, dona Carmem, desculpa ligar cedo, mas é que estou
preocupada com os meus pais, como eles estão?
— Estão bem, menina. — Observo a certeza em sua voz — Ontem
quando os deixei, estavam assistindo TV e já fui até lá e preparei o café, seu
Leonel estava no sofá vendo o jornal e Beatriz estava dormindo.
— Obrigada, dona Carmem, desculpa ficar ligando.
— Pode ligar o quanto quiser, menina.
— Obrigada. Retornaremos logo.
— Divirta-se e deixe que tomo conta de tudo.
— Tá bom, beijo, dona Carmem.
— Beijinhos na minha garotinha.
Capítulo 14

ITÁLIA

DIAS ANTES

Don Angelo

Saio do escritório tarde. Filippo e os outros seguranças me aguardam


no estacionamento privativo para seguirmos para casa. Pegamos a estrada que
leva ao litoral; atrás mais três carros fazem minha segurança, em um deles,
Salvatore e seu pessoal de confiança.
A estrada está calma para um dia de semana e aproveito para
examinar alguns documentos que foram enviados por Elisa, mas percebo pelo
meu olhar periférico que Filippo está olhando demais pelo retrovisor e antes
mesmo de perguntar alguma coisa, escutamos um grande estrondo e, ao olhar
para trás, vejo o último carro pegando fogo e totalmente destruído. Filippo
acelera e deixamos os outros carros para trás. Mesmo o meu sendo blindado,
a tensão é grande, ouvimos mais estrondos; um carro desliza capotando pela
estrada ao nosso lado e quase se choca com o meu. Percebo que não é dos
nossos, o modelo era de um carro alugado. Salvatore acelera e encosta em
nós para dar condições de fuga, mas o som de tiros fica alto e o estampido na
lataria não deixa dúvidas de que não desistirão enquanto não alcançarem o
objetivo deles: me eliminar.
O carro onde Salvatore está serve de bloqueio para o meu. Isso não
impede de os desgraçados tentarem chegar até mim e acabam batendo no
carro de Salvatore, ele perde a direção, capota e vem com tudo para cima do
meu, e bate nos empurrando para fora da estrada, mas Filippo consegue
controlar e nos mantém na estrada. Os tiros se intensificam e o barulho na
lataria é ensurdecedor.
— Me dê um relatório breve, Filippo? — Falo me preparando para
reagir.
— Estamos sendo atacados por dois carros, senhor. — Fala e faz uma
manobra brusca, me jogando para o lado na tentativa de não sermos tirados
da estrada.
— Vamos para o Forte, darei o alerta vermelho para os outros virem
nos ajudar. — Aciono a chamada rápida e falo com Enrico o que está
acontecendo, e logo ouço o barulho da moto.
— Já fiz isso, senhor. — Olho para trás e vejo Salvatore abrindo fogo,
um carro preto capota. Felizmente não aconteceu nada grave a eles.
Pego a metralhadora semiautomática que está embaixo do banco;
peço para Filippo reduzir e abro fogo contra outro carro que aparece, vindo
para cima de nós. O confronto está armado quando Enrico surge com o
restante do pessoal em motos com suas submetralhadoras Uzi e o tiroteio se
intensifica. Meu carro é atingido e jogado para fora da estrada.
Abatemos vários homens e os outros fogem, mas são perseguidos pelo
meu pessoal. Estou me recuperando ao lado do carro quando Salvatore se
aproxima.
— Don, como está? — Vejo preocupação em seus olhos, que me
analisam de cima a baixo, e constata que estou bem. — Temos dez homens
mortos, cinco agonizando e dois ainda vivos. São todos da Andragathia.
— E o nosso pessoal? — Sei que perdemos homens nesse confronto.
— Perdemos quatro homens, senhor. Antônio, Luca, Meireles e Juan.
— Arrume essa bagunça com os outros. Peça para o escritório dar
auxílio às famílias e providencie o melhor funeral. Leve os sobreviventes
para o Forte para interrogatório.
Subo na moto de Carlo e sigo junto com Enrico direto para a minha
casa.
Preciso de um banho e beber alguma coisa forte, foi uma noite intensa
e meu corpo está reclamando por conta do acidente. Fazia muito tempo que
não tínhamos um confronto desses. Agora que sei que Aquiles está
envolvido, vou encontrá-lo e terei o prazer de arrancar cada parte do seu
corpo.
— Já sabe quem é o mandante, não é? — Enrico me pergunta assim
que chego em casa.
— Sei. Quero que ligue para Elisa e peça para ela rastrear cada
câmera dessa cidade e achar Aquiles.
— Farei.
Subo as escadas e vou para o meu quarto. Retiro minha roupa, entro
na ducha de água fria e me deixo envolver pela sensação de frescor. Saio com
uma toalha enrolada na cintura e secando meu cabelo. Vou no closet e visto
uma cueca branca, pego um jeans escuro e uma camisa preta, calço um tênis e
arrumo meu cabelo com os dedos.
Encontro Enrico ao telefone e pela sua cara as notícias não são boas,
mas preciso de uma dose de whiskey para relaxar e enfrentar o que está por
vir.
— Tenho boas e más notícias, Don. — Quando será que teremos
somente boas notícias?, me questiono. — Conseguimos interceptar os outros
atiradores e capturá-los. Entre eles está Nicolas Callas, irmão mais novo de
Aquiles. A outra notícia é que pelas câmeras da cidade, vimos Hugo Falcão e
Maria Eduarda Medeiros desembarcarem em Livorno ontem; hoje, ele se
encontrou com Sophia Callas no Giappone, e seguiram para o quartel de
Aquiles. Ele nos traiu.
Eu sabia que aquele stronzo ia me trair, mas não imaginava que seria
audacioso a esse ponto de vir fazer isso embaixo do meu nariz. Enrico
continua falando.
— Ele alugou um iate para às dezessete horas, irá passear com a
namorada pelo Rio Arno.
— Siga-o e deixe nosso iate na saída do Rio Arno; observe o que ele
irá fazer. Se meus cálculos estiverem corretos, ele eliminará Maria Eduarda e
será nossa chance de tê-la em nosso poder e usá-la contra ele. Vá com
Salvatore e mais três homens de sua confiança; se realmente ele fizer isso,
ajude-a; depois, cuidaremos de Hugo Falcão.
— Filippo já está com os homens no Forte nos aguardando.
— Vamos. — Falo já pegando a chave da minha mais nova aquisição,
um lindo Maybach Exelero, produzido sob encomenda.
Chegamos ao Forte e um grande esquema de segurança está montado.
Elisa trouxe mamma e Stefano, junto com toda a equipe de saúde e
empregados da mansão e os alojou na área nobre. Estamos em alerta
vermelho. Depois do ataque de hoje, e com Nicolas Callas sob o nosso
domínio, a guerra está declarada na Itália e a segurança da famiglia é
primordial nessa situação.
Sigo para a sala branca, onde Nicolas Callas está preso juntamente
com mais dois homens de confiança de Aquiles. Cumprimento alguns dos
meus soldados que estão de vigia pelos corredores, querendo a cabeça dos
que mataram seus companheiros.
Entramos na sala e olho para eles. Estão amarrados na cadeira com
capuz sobre suas cabeças. Arrasto a mesa com os apetrechos de tortura para
próximo de mim e pego um soco inglês para começar, enquanto Enrico pega
o taco de basebol. Faço sinal para que Filippo retire o capuz da cara deles.
Eles forçam seus olhos para se acostumarem à claridade do ambiente e assim
que o fazem, reconhecem-me e vejo o medo tomar conta de suas fisionomias.
— Olá, senhores. Caso ainda tenham dúvida, sou Don Angelo, mas
creio que já me conhecem; tentaram me matar hoje mais cedo. — Falo com
ironia. — Não estamos aqui para trocar figurinhas e muito menos para fazer
amizade. Quero informações e cada “não”, “talvez”, “quem sabe” ou “não
sei” que falarem ou até mesmo o “silêncio” terão uma parte do seu corpo
arrancada ou esfolada, entendidos? — Faço uma pausa, olhando-os bem nos
olhos, para terem certeza de que me entenderam — Começarei com a
pergunta de praxe. O que Aquiles planeja? — Olho para o homem negro à
minha frente; seu medo era tanto que se urinou.
— Tomar o poder. — Responde tão baixo que quase não escuto. —
Nos tornarmos a maior organização criminosa — Dou uma gargalhada e
acerto seu rosto com um soco.
— Ótima resposta, mas óbvia demais. Vamos tentar de novo. — Olho
para o outro homem que, ao não responder, Enrico acerta o taco de beisebol
em seu joelho e um grito sai de sua boca. — Estou esperando.
— Te... destruir. — Sua voz sai falha por causa da dor.
Olho para Nicolas que assiste a tudo com um leve sorriso em seus
lábios.
— Então, Nicolas, quanto tempo não nos vemos. Sentiu saudades,
pelo visto. — Acerto o nariz dele com o cotovelo e o sangue jorra.
— Sim, Angelo, senti saudades de te matar e isso logo acontecerá. —
Fala depois de cuspir o sangue.
— O que te dá tanta certeza? — Me faço de desentendido.
— Porque Aquiles está à sua frente e logo todos da Castellar se
dobrarão à Andragathia e reinaremos sobre todas as Casas. Sua cabeça está a
prêmio, sua arrogância e soberba serão nada e sentirá o poder de um Callas.
— Pego a arma de choque e atinjo sua virilha, ele urra de dor. Filippo abre a
mangueira e um forte jato de água gelada os atinge e ataco novamente com a
arma de choque.
Chego bem perto de seu ouvido. — Isso nunca vai acontecer, sabe por
quê? — Dou uma parada para ele pensar. — Porque a Andragathia terá um
novo líder e esse será associado a Castellar, e com isso, todos os Callas serão
extirpados da face da Terra, sem exceção, nem seus animais de estimação
respirarão sobre a Terra. — Ele dá uma gargalhada de deboche.
— Você é tão inocente, Don. — Gargalha novamente e isso me irrita.
— As coisas estão acontecendo debaixo do seu nariz e você nem sente o
cheiro. Estamos nos organizando e muito em breve toda a Toscana estará sob
o nosso domínio, toda a Europa se renderá e tomaremos seus territórios e
destruiremos o nome Vicentini Ferrari.
Puxo Nicolas pelo cabelo e o jogo no chão, coloco meu joelho sobre
sua barriga e um pano na sua cara, Filippo liga a mangueira e o asfixio, mas
não quero que o desgraçado morra, ele se engasga com o excesso de água e
isso é música para os meus ouvidos.
— Para isso acontecer, terão que nos matar, e para nos matar terão
que se preparar muito bem, afinal, é um Callas que está no meu território e
que morrerá esta noite.
— Faça como quiser, Don. — Sua voz sai abafada por conta do pano
molhado. — Mas saiba que o inevitável já está acontecendo. Pode até trazer
todo o seu pessoal para este lugar, mas existem pessoas as quais você não
está protegendo o suficiente e que podem estar correndo sérios riscos neste
momento.
— O que quer dizer com isso, desgraçado? — Retiro o pano molhado
de sua cara, dou um soco e o sangue brota novamente, ele cospe e levanta sua
cabeça do chão para me olhar.
— Tente descobrir, de mim não tirará mais nada. — Pego o taco das
mãos de Enrico e acerto seu joelho e um ódio se apossa de mim. Retiro-o do
chão e bato tanto nele que perde a consciência. Coloco-o na cadeira da
inquisição e novamente a água fria encontra sua pele já dilacerada pelas
surras, e ele desperta. Seu sangue jorra pelo chão e a sessão de choques
começa, a voltagem aumenta de acordo com a minha ira e antes que eu o
mate, Enrico me para.
— Calma, Don, precisamos de mais informação desse desgraçado, se
o matar agora não saberemos o que estão planejando.
— Ele não sairá vivo daqui, Enrico. — Falo com ódio.
— Eu sei, mas temos que ter o controle para obter mais informações
sobre o que Aquiles planeja. — Concordo e me afasto para respirar e
controlar minha ira.
Filippo prepara um unguento com álcool, sal e vinagre e despeja em
suas feridas fazendo-o desmaiar novamente de dor, enquanto os outros
assistem em pânico.
Jogo água na sua cara para acordar, pego a espátula afastadora de
unha e me aproximo de suas mãos que estão presas na cadeira, ele me olha
atordoado e sabe o que farei.
— O que Aquiles está planejando? — Tento novamente obter a
resposta.
— Sabe que de mim não saberá nada. — Fala ainda com petulância e
novamente um ódio me toma, arranco cada unha com a espátula. Seus gritos
são tão altos que se eu não tivesse acostumado me assustaria, mas para mim é
como uma sinfonia.
— Vou perguntar mais uma vez, o que Aquiles está planejando? —
Ele levanta a cabeça e me olha em desafio e não permito que me desafie.
Prenso suas bolas com o alicate e novamente ele desmaia.
Olho para os outros homens e me concentro em obter a resposta que
tanto preciso e não deixo de fazer o mesmo com eles.
Faço isso por horas, mas as respostas são sempre as mesmas e
desconfio que somente Nicolas e Aquiles sabem a informação principal, mas
esse desgraçado não me falará nada. Afasto-me para pensar em tudo o que ele
me falou e fico vendo Filippo jogar o unguento nos homens que ficam
inconscientes de tanto apanhar.
Deixo que fiquem com sua dor e saio para tentar juntar as peças, mas
não consigo pensar em nada que Aquiles possa usar contra mim. Preciso de
mais informações e espero que quando eu voltar à sala branca, esses cullones
(efeminados) já tenham entendido que não os deixarei em paz até conseguir o
que quero.

Nas horas seguintes, seguem mais surras e torturas sem obter


respostas. Cansado dessa porra, acerto um tiro na testa de cada capanga,
deixando Nicolas Callas por último.
— Não estou para brincadeiras, Nicolas. — Falo dando a última
chance para ele abrir o bico, não que ele sairá vivo daqui, mas vale tentar
uma última vez.
— Vaffanculo (vai tomar no cu). — Fala com a voz fraca e os dentes
quebrados.
— Você escolheu a sua sentença. — Acerto um tiro em sua cabeça e
como forma de demonstrar o meu poder, pego o machado e arranco a cabeça
de Nicolas, que será enviada numa bandeja de prata para Aquiles, assim
como a de João Batista. Seu corpo e de seus capangas mando deixar na porta
do quartel general de Aquiles.
Saio da sala branca e rumo para o meu quarto. Meus músculos doem e
meu pensamento está uma bagunça, tentando processar tudo o que Nicolas
me falou. Tomo um longo banho e desabo na cama. Sou acordado com o
toque insistente do meu telefone e vejo o nome de Enrico na tela.
— Bom dia, Don. — Diz com voz cansada. Enrico não ficou na sala
de tortura por muito tempo, precisava seguir Falcão.
— Me passa o relatório, Enrico. — Falo me levantando e seguindo
para o banheiro.
— Hugo Falcão embriagou Maria Eduarda e a empurrou para se
afogar. Deixei Manuel de prontidão com o equipamento de mergulho.
Manuel a puxou para baixo, colocou o oxigênio nela e a trouxe a bordo, ela
está desacordada e estamos seguindo para o Forte. Mandei a equipe médica
ficar de prontidão, acho que ele a drogou.
— Disgraziato, miserabile, pusillanime (Desgraçado, miserável,
covarde). Aguardo sua chegada com a equipe.
Tomo um banho rápido e tomo meu café. Encontro todos à mesa, até
o homem que gostaria de nunca mais olhar, Stefano. Apresso-me e logo
Enrico estaciona com uma Maria Eduarda desacordada. Ela é levada para a
clínica montada e os exames começam a ser feitos. Como desconfiado, o
filho da puta a drogou e a dose foi tão alta que vai demorar algum tempo para
ela acordar.
Permanecemos no Forte por quinze dias e as últimas notícias eram de
que Aquiles voltou para a Grécia com o corpo de Nicolas.
As Casas foram fortificadas e enviaram reforço para a nossa
segurança. Tenho trabalhado a partir de casa e Samanta me mantém
informado de tudo que acontece no escritório.
Sei que ainda teremos uma grande tempestade, mas acredito na força
de nossa famiglia, de nosso nome. Ninguém terá o direito de nos tirar do
poder, porque somos os Vicentini Ferrari.
Capítulo 15

Don Angelo

Foram dias bem tensos, mas tudo foi voltando ao normal aos poucos.
Retornei ao escritório e fiquei preso a muitas reuniões e não pude
atender de pronto a Campanaro que insistia em falar comigo, assim que fiquei
livre fui verificar suas mensagens.
Don, é urgente — Verifiquei às 8:50am
Por favor, me atenda — Cerca de 10 minutos depois da primeira; isso
me preocupa.
Não posso deixar o recado com Samanta, é muito grave — Meia hora
depois da última.
Foram várias mensagens da mesma forma e decidi retornar sua
ligação.
— O que foi, Campanaro? Qual era a urgência?
— Senhor... é com a família Agnelli. — Meu sangue gelou e fiquei
mudo e não ouvi mais nada. Engulo o nó que se formou em minha garganta e
respondo.
— Fale o que houve, Campanaro.
— Hugo Falcão incendiou a casa dos Agnelli. É certo que o casal
estava na casa, mas ainda não sabemos se Isadora e Luna estavam. Os
homens de Falcão estão montando guarda e não deixam ninguém chegar
perto.
Minha ira alcança decibéis imensos. Ele não pode ter matado Isadora
antes mesmo de eu ter me reencontrado com ela.
— Reúna todos os homens de sua confiança, juntamente com os
outros traficantes e invadam o morro. Preciso saber o que houve; estou
enviando Enrico para tomar conta de tudo.
— Será feito, senhor. — Desliga.
Fico em transe e as palavras de Nicolas ecoam pela minha cabeça:
Faça como quiser, Don, mas saiba que o inevitável já está acontecendo.
Pode até trazer todo o seu pessoal para este lugar, mas existem pessoas as
quais você não está protegendo o suficiente e que podem estar correndo
sérios riscos neste momento.
— Disgraziati, eu vou matar esse frocio (efeminado) e não terei
misericórdia. — Ligo para Enrico que me atende no primeiro toque.
— Arrume sua mala, você viajará hoje à noite para o Brasil; chego em
meia hora em sua casa e explicarei tudo. Peça a Elisa que nos encontre lá
também. Leve dois homens de sua confiança.
— Estou indo para casa agora, nos falamos depois.
Pego minhas coisas e desço para o subsolo, onde Filippo já me
aguarda com a porta aberta. Aviso que iremos para casa de Enrico e o ponho
a par do que está acontecendo. Chegamos juntos com Elisa, percebo o olhar
de Filippo para ela e vejo que é recíproco, mas ignoro, tenho muita coisa para
resolver.
— Enrico. — Chamo da sala me direcionando para o bar no canto e
me servindo de um whiskey. Elisa volta da cozinha com um copo d’água,
Filippo fica de canto a olhando. Não é por ser minha irmã, mas admito que
Elisa é uma mulher linda, cabelos negros e compridos, estatura média e
lindos olhos azuis-esverdeados, diferente dos meus e de Enrico, herança de
nossa avó.
— Estou pronto, Don. — Enrico aparece com uma pequena mala e
em traje esporte. — Por que tenho que ir ao Brasil com urgência?
— Hugo Falcão matou a família Agnelli e preciso saber se as filhas
sobreviveram. — Só em falar meu coração acelera. — Se estiverem vivas,
traga-as para cá e as leve direto para a Fazenda.
— Faço alguma coisa com Falcão? — Pergunta com a frieza de
sempre.
— Não. Terei o prazer de destruí-lo com minhas próprias mãos. Ao
chegar lá, Miguel Campanaro te deixará informado. Ele reuniu todos os
desafetos de Hugo Falcão e a essa hora devem estar invadindo o morro. Só
tenha cuidado, estamos lidando com um território ainda desconhecido por
nós. Quem irá com você?
— Levarei Austin e Mariano e, se você permitir, quero que Romeu vá
comigo para entrar no sistema de segurança, preciso estar informado sobre
qualquer incursão da polícia brasileira, e quero hackear Hugo Falcão.
— Excelente ideia, pode levá-lo. — E um pensamento me vem à
cabeça. — Peça que ele rastreie tudo o que for de Maria Eduarda Medeiros de
Albuquerque e faça um relatório.
— Tudo bem, mais alguma coisa?
— Não, só tenha cuidado. — Falo, puxando-o para um abraço e logo
Elisa se aproxima e o abraça também. — Elisa ficará à sua disposição para
passar todas as informações e preparar seu retorno. Traga boas notícias para
mim, Enrico.
— Trarei, Don, trarei. — Falando isso, sai em direção ao seu carro e
logo some de nossas vistas.
— Elisa. — Ela se vira para mim e percebo sua fisionomia
preocupada. — Dê assistência a Enrico e suporte a Romeu junto com Chang.
— Me fala o que realmente está acontecendo, Angelo, e tentarei ir
mais a fundo nessa história.
— Vou deixar que Filippo te informe — dou uma olhada de
advertência para ele e espero que esse início de clima de romance não
atrapalhe os meus planos. — Preciso retornar ao Forte para saber se Maria
Eduarda já acordou e buscar informações para ajudar Enrico na missão. —
Saio, e deixo que eles se resolvam.

*****

Chego ao Forte e vou direto à clínica para saber notícias de Maria


Eduarda. Passo por Bianca e vejo seu olhar de cobiça, mas não estou
interessado, sigo para a ala de enfermaria e encontro Maria Eduarda sentada
na cama, seu olhar está perdido. Assim que me vê, se assusta. Puxo uma
poltrona que estava próximo à porta e me sento. Seu desconforto é nítido,
mas não me importo, tudo o que quero são informações que me ajudem a
destruir Hugo Falcão.
— Você sabe o que aconteceu para estar aqui, Srtª Albuquerque? —
Ela fica perdida em pensamentos e desvia seu olhar da porta, me olhando
com os olhos marejados.
— Sei, Sr. Vicentini. — Uma lágrima escorre pelo seu rosto, vejo a
dor da decepção em seu olhar.
— Pode me contar o que realmente aconteceu? Quero te ajudar, mas
preciso de todos os fatos. — Ela pondera por alguns instantes, toma uma
lufada de ar e volta a me olhar tristemente.
— Ainda estou tentando entender tudo isso, Don. Pensei que ele me
amava e, no final, ele tentou me matar.
— Como conheceu Hugo Falcão? — Não sou dado a emoções, então,
não me comovo com lágrimas.
— Fui sequestrada há cinco anos por ele. Fui mantida em cativeiro
por um mês e acabei me apaixonando por seu jeito mandão e possessivo.
Tentei de todas as formas me aproximar e acabei conseguindo seduzi-lo.
Entramos num relacionamento e me envolvi com suas atividades. Sempre o
aceitei; para ser inserida em seu meio, eu o apresentei ao meu mundo, o
transformando num traficante da elite. Dominamos boa parte dos morros
Cariocas devido às informações privilegiadas que eu recebia e passava para
ele, estávamos planejando expandir para outros Estados, mas ele me traiu.
— Se lembra como isso aconteceu?
— Tenho observado sua mudança de comportamento em relação a
mim. Se tornou mais distante e frio e não me envolvia mais em seus
negócios, sempre com segredos e pelos cantos falando ao telefone. Certo dia,
cheguei em sua casa e usei a chave que tinha, entrei sem ser percebida por ele
que estava no escritório com a porta aberta, ouvi sua conversa com uma
mulher e depois de longo tempo, ele a chamou pelo nome, Sophia. Não
deixei que me visse e saí de lá indignada.
“Ao chegar na rua, meu celular tocou e seu nome apareceu no visor,
relutei se atendia ou não, mas atendi como se não houvesse acontecido nada.
Ele me avisou que viajaríamos para Itália em dois dias e fazia questão que eu
estivesse com ele, seria uma viagem romântica. Estranhei, em cinco anos, ele
nunca foi romântico, mas queria ver até onde ele iria com isso.
— Sophia Sartore? — Pergunto para saber se realmente é esse nome.
— Sim. — Confirma. Sei que Aquiles já estava agindo sem que eu me
desse conta e Hugo Falcão era seu cúmplice. Ela continuou e me forcei a
prestar atenção novamente.
— Chegamos à Itália e sua mudança de comportamento era notória,
estava mais tenso e associei que deveria ser por conta de alguma reunião com
o senhor, Don, mas me enganei. Na manhã seguinte, ele levantou cedo e me
deixou no quarto do hotel, foi até outra suíte, se arrumou e saiu. Pensou que
eu estava dormindo, mas assim que levantou, despertei e observei ele ir até o
outro quarto, aproveitei, troquei de roupa e fui atrás dele. Havia marcado de
se encontrar com alguém em um restaurante um pouco afastado do hotel,
fiquei de longe esperando uma oportunidade para flagrá-lo, mas assim que
me aproximei, fui impedida de entrar por um segurança que informou que o
restaurante estava reservado pela Sra. Sartore e somente a área externa estava
liberada, voltei meus olhos para dentro do restaurante e a vi. Ela é uma
mulher muito elegante e de uma beleza sem igual. Me acomodei próximo às
vidraças que davam para ver a movimentação dentro do restaurante e
perguntei ao garçom quem era a linda mulher, ele me informou se tratar de
Sophia Sartore, uma designer de joias famosa na Itália. Ela se aproximou
dele e depois de alguma conversa, se retiraram. Voltei ao hotel pronta para ir
embora, mas infelizmente não tinha voo partindo, somente no dia seguinte.
“Ao entardecer, recebi uma mensagem dele, informando que
passearíamos de iate. Achei que estava arrependido por ter me traído e queria
se redimir, ledo engano. Depois de beber para esquecer sua traição, não me
lembro de quase nada, só do meu corpo se chocando com a água gelada e um
homem me puxando e colocando uma máscara de oxigênio no meu rosto.
— Sabe onde está, senhorita?
— Num hospital? — Ouço a incerteza em sua resposta.
— Sim, mas dentro do meu Forte. — Seus olhos se arregalam e vejo o
medo neles. — Não se preocupe, Srtª Albuquerque, está segura aqui e assim
que estiver totalmente restabelecida, teremos muito que conversar, mas, por
enquanto, desejo saber algumas informações mais básicas.
— O que deseja de mim, Don?
— A princípio que me fale um pouco sobre os negócios de Hugo
Falcão e como ele pôde me trair.
Ela compreende minha necessidade em saber todos os pontos sobre
Falcão, os fortes e, especialmente, os fracos. Ao me vingar pela traição dele,
automaticamente vingarei a ela também.
— Hugo é um homem ambicioso e não mede esforços para conseguir
o que quer. Quando viemos para a festa de sua empresa, ele ficou fascinado
com o título de Don e almejou ser um também, já que é o maior traficante do
Brasil. Tentei de todas as formas dissuadi-lo disso, mas não consegui.
Quando pediu que checasse tudo sobre Isadora, secretária de papai... — Faz
uma pausa tentando lembrar de algo. — Quanto tempo estou aqui, Don? —
Percebe que não dá notícias a seus pais.
— Há mais de quinze dias. — Vejo assombro em seu rosto. — Você
foi drogada e permaneceu desacordada por quatro dias e, depois, te sedamos
para o seu organismo liberar toda a substância tóxica que Hugo Falcão
inseriu em você.
— Meus pais, eles sabem que estou viva? — Fala com a voz
embargada e os olhos lacrimejados.
— Não. Para todos a senhorita morreu. — Ela abaixa a cabeça e chora
descontroladamente, preciso chamar uma enfermeira e dar um sedativo.
Depois, retornamos à nossa conversa.
Minutos depois, Maria Eduarda dorme tranquila. Quando saio do seu
quarto, a Dra. Francesca me chama ao seu consultório. Atendo ao seu
chamado e espero que fale o que deseja.
— Tenho acompanhado o caso da Srtª Medeiros e percebemos que
havia algo anormal, até pedirmos exames específicos. Conforme desconfiava,
ela estava grávida. De gêmeos, mas, infelizmente, um dos bebês não resistiu
e ela sofreu um aborto espontâneo. Os riscos ainda são grandes, a quantidade
de drogas em seu organismo pode ter afetado o bebê, mas só saberemos após
sua total recuperação. — Um ódio me toma. Como pode um homem matar
seu próprio filho? Como ela pode proteger um desgraçado desses? Assim que
acordar, tirarei essa história a limpo.
— Ela já sabe? — Se ela estiver me enganando sofrerá as
consequências.
— Ainda não. — Sinto um alívio, tenho planos e não posso perder
essa oportunidade. — Os exames complementares ficaram prontos hoje,
precisei trazer do hospital no centro, não tínhamos recursos para fazê-lo.
Depois que autorizar, falaremos com ela.
— Amanhã pela manhã estarei aqui e após uma conversa que terei
com ela, mando te chamar.
— Aguardarei seu chamado. — Levanto-me e vou até a porta, mas
viro-me e ela olha em expectativa.
— Sabe o sexo dos bebês?
— Ainda estava muito prematuro, mas creio que seriam dois meninos.
— Meneio a cabeça e sigo pelo corredor.
Vou para o escritório e resolvo algumas coisas pendentes, enquanto
não tiver notícias de Isadora eu não descansarei em paz.

O dia amanhece, não preguei os olhos. Tomo uma ducha e me arrumo


para continuar minha conversa com Maria Eduarda, não posso perder tempo,
Isadora precisa que eu aja rápido. Vou até a cozinha e encontro Joaquim
fazendo o café. Sento pegando um pedaço de bolo e duas fatias de pão,
começo a comer, ele serve meu café e aproveito para ler o jornal.
Pouco tempo depois, estou sentado na poltrona esperando que Maria
Eduarda termine seu café. Assim que termina, vejo a mágoa em seus olhos e
sei que assim que ela se recuperar de todo esse estresse, será uma excelente
aliada.
— Está melhor?
— Não. Para meus pais, amigos e familiares estou morta e não sei o
que fazer da minha vida.
— Nós te ajudaremos, mas preciso que me ajude também. — Vou
direto ao assunto, não tenho tempo a perder.
— O que quer de mim, Don? Não valho de nada estando morta, pelo
menos, para a sociedade.
— Aí que você se engana. Hugo Falcão pensa que conseguiu seu
objetivo, mas estamos à sua frente. Se você se aliar a mim, te darei todo o
apoio para se vingar dele.
— Não quero me envolver mais com isso. Tudo o que quero é viver
minha vida em paz. Cometi um grande erro ao me apaixonar por um bandido
e estou pagando o preço. Por isso, quero ficar distante desse submundo e
viver minha vida em paz.
— Você acha que se Hugo Falcão descobrir que está viva ele não vai
terminar o serviço que começou? — Falo sentindo um ódio crescer em mim.
— Você não faz mais parte dos planos dele e, com certeza, não pensará duas
vezes em te eliminar novamente.
— Eu ainda o amo, Don. — Fala irritada. — E não farei nada contra
ele, mesmo que ele tenha me magoado, não posso apagar o que sinto.
— Eu te entendo, mas ele não atentou somente contra a sua vida, mais
pessoas sofreram com esse ato. — Vejo a dúvida e trabalharei em cima disso.
— Meus pais só têm a mim e sei o quanto saber da minha morte os
destruiu, mesmo assim, quero ficar longe disso e seguir minha vida em frente.
— Infelizmente isso não será possível, Maria Eduarda. — Tiro o
celular do bolso e envio uma mensagem para Dra. Francesca — Sophia
Sartori é Sophia Callas, esposa de Aquiles Callas, o desafeto da Castellar.
Hugo Falcão me traiu e não deixarei barato. Assim que ele souber que está
viva, poderá tentar chegar até você usando seus pais, não pensa na segurança
deles? Ele destruirá tudo para chegar até você.
— Oh, meu Deus. Não posso deixar meus pais pagarem pelos meus
erros, Don, eles não merecem isso. O que posso fazer para protegê-los? —
Ela leva as mãos ao rosto.
— Se alie a mim e cuidarei da segurança de todos e te manterei aqui
no Forte até que se restabeleça, receberá treinamento e fará jus ao título de
“Dama de Ferro” — ela pensa um pouco e percebo um outro sentimento
surgindo, um que conheço muito bem, o ódio.
— Não entendo como ele pôde te trair. — Para e pensa um pouco. —
Ele sempre quis fazer parte da máfia italiana e sempre que podia, procurava
informações de como fazer parte. Ele ficou deslumbrado em te conhecer...
Realmente não conhecemos a pessoa que está do nosso lado.
— Não sou homem de me iludir ou me decepcionar com as pessoas,
senhorita, mas sei ler muito bem as pessoas, e Hugo Falcão nunca me passou
confiança, tinha certeza de que iria me trair. Acredito que deva rever seus
conceitos a respeito dele e se juntar a mim e proteger quem ama. — Dra.
Francesca entra no quarto com os exames nas mãos e me olha esperando o
meu consentimento para falar. — A vida de seus pais, amigos e familiares
está em perigo e a sua também, se voltar ao Brasil.
— Não posso deixar meus pais pensando que morri, tenho uma vida
no Brasil e não vou deixar Hugo acabar com tudo o que conquistei.
— Não está entendendo, senhorita. — Dou uma pausa para ela
entender. — Não estou pedindo sua autorização ou comunicando que pode
sair e voltar para o Brasil, existe muita coisa em jogo e sei que depois que a
Dra. Francesca lhe falar, mudará de opinião. — Faço um gesto para que
Francesca comece a falar.
— Bom dia, sou a Dra. Francesca e venho acompanhando a senhorita
desde que chegou. Seu quadro clínico era instável e seu organismo
apresentava uma grande quantidade de Katamina, que é categorizada como
um “anestésico dissociativo”. Normalmente é usado em animais como
anestésico na forma de pó ou líquida. Pode ser injetado, usado em bebidas,
cheirado ou acrescentado a baseados ou cigarros. Os efeitos de curto e longo
prazo incluem alguns sintomas como: taquicardia e pressão alta, náusea,
torpor, amnésia, alucinações e problemas respiratórios potencialmente fatais.
Como foi socorrida a tempo, pudemos evitar que os efeitos se prolongassem
em seu organismo, mas infelizmente não conseguimos evitar o aborto
espontâneo que teve e o bebê não sobreviveu. — Maria Eduarda fica pálida e
seus olhos ganham um tom escuro e lágrimas logo caem. — Mas
conseguimos salvar o outro e a senhorita está com dezoito semanas de
gestação.
— Está me falando que eu estava grávida de gêmeos e que por conta
da droga usada para tentar me matar, perdi meu bebê?
— Infelizmente, sim. Mas o outro bebê está aí e, se bem
acompanhado, terá uma gravidez tranquila.
Maria Eduarda está visivelmente emocionada. Espero alguns minutos
em respeito para que ela possa entender o que de fato lhe ocorreu. Só então
dispenso a médica.
— Obrigado, doutora.
— De nada. Qualquer coisa pode me chamar, com licença. —
Ficamos novamente sozinhos. Olho para os olhos molhados pelas lágrimas e
vejo frieza e ódio, tudo que alimenta a vingança.
— O que quer que eu faça, Don?
— A princípio que se recupere, depois, conversaremos e falarei no
que pode me ser útil.
— É claro. Se não se importa, preciso ficar sozinha.
— Tudo bem, descanse. Volto amanhã. — Saio e deixo uma Maria
Eduarda totalmente diferente daquela de quando cheguei.

*****

Já passa bastante do tempo de Enrico ter dado notícias de sua chegada


ao Brasil, e até agora, nada. Envio uma mensagem para Elisa e ela diz que
ainda não tem notícias. Volto para a minha casa e tento resolver algumas
coisas do escritório, mas não consigo me concentrar. Dou o meu dia por
encerrado. Vou ao meu quarto e visto uma roupa de banho, preciso eliminar
essa tensão e faço isso dando umas braçadas na piscina.
Depois de um lanche rápido que eu mesmo preparo, acabo dormindo
no sofá e acordo com o telefone tocando. Era Enrico finalmente.
— Já estava preocupado. O que tem a relatar?
— Don. — Escutar a voz de Enrico me desperta e me sento no sofá
sentindo os efeitos de uma noite mal dormida. — Não tenho boas notícias.
Infelizmente Leonel e Beatriz estão mortos e não encontramos sinal de mais
ninguém na casa. Segundo alguns moradores, Hugo Falcão invadiu a
residência, atirou em ambos e tacou fogo. As filhas foram para um
acampamento e só retornarão hoje, estou aguardando a chegada de ambas
para deixá-las em segurança. Providenciei a remoção do que sobrou dos
corpos para a Itália, onde as filhas poderão sepultá-los.
— Como foi a invasão? — Mudo de assunto para que Enrico não
perceba o meu alívio.
— O pessoal de Hugo Falcão não resistiu e muitos deram apoio à
nossa equipe. A família era querida no morro e isso criou uma revolta. O
traficante Marcinho Auê assumirá o comando e Campanaro dará suporte.
Achamos muitos desafetos de Hugo Falcão e montaremos equipes para
invadirem e tomarem seus territórios, será uma guerra nessa cidade. O
batalhão de polícia da área já está sabendo e Hugo Falcão está com a
cabeça a prêmio, o disque denúncia está oferecendo recompensa por
qualquer informação. Embarco para a Itália amanhã, peça a Guido para nos
aguardar, pousaremos na Fazenda.
— Aguardarei sua confirmação e esperarei na Fazenda para irmos ao
Forte. Enrico — Faço uma pausa. —, traga-as em segurança.
— Será feito.
— Confio em você, Enrico, cuide delas.
— Pode deixar, irmão. — Desliga, e meu coração se agita.
Fico alguns minutos ainda no sofá para absorver as informações dadas
por Enrico. Para facilitar a vida da polícia brasileira, ajudarei com algumas
informações, mas Hugo Falcão que me aguarde, pois não restará pedra sobre
pedra até que eu ponha minhas mãos sobre ele, isso é uma promessa.
Capítulo 16

BRASIL

Isadora

Finalmente estamos na estrada voltando para casa, chegaremos em


meia hora. O ônibus para em frente à creche, ajeito Luna no meu colo e
desço, pego minha bolsa e sigo para o ponto de táxi. Fico na entrada do
morro, segurando a mão de Luna, sigo para dentro da comunidade. Observo
que por onde passo, as pessoas me olham e cochicham, pego Luna no colo e
ao me aproximar da entrada do beco onde moro, vejo vários homens armados
e dona Carmem chorando, desço Luna do meu colo e corro para saber o que
aconteceu. No local onde havia minha casa, restam apenas cinzas e focos de
fumaça.
— Onde estão os meus pais, dona Carmem? — Pergunto com
lágrimas nos meus olhos. — Por favor, dona Carmem... onde... por favor!?
Ela me abraça, chorando copiosamente e Vanessa pega Luna em seu
colo.
— O que aconteceu, dona Carmem? Em que hospital estão? — Vejo
seus olhos desviarem dos meus. — Dona... Car... mem... — Meus soluços se
tornam incontroláveis e caio ajoelhada no chão.
Meu mundo desabou, meu chão sumiu, olho o que restou da minha
casa e meu coração sangra. Choramos abraçadas por um tempo que nem sei
contar, perdi a noção de tudo. Só pensava que tinha saído para passar um
final de semana divertido e, quando volto, não tenho mais referências. Minha
família, as pessoas para quem vivi nos últimos anos, desapareceu.
Dona Carmem enxuga meu rosto com as mãos carinhosas.
— Vamos à minha casa e conversamos. Tem um moço à sua procura.
— Moço? — pergunto desorientada.
— Sim, um moço de boa aparência. Deve ser alguém da empresa que
você trabalha.
Sou conduzida para a sua casa e não escuto nada do que me fala. —
Vou fazer um chá de camomila para você e conversaremos.
Fico sozinha na sala e percebo que agora estou sozinha com uma
criança e não terei mais a minha família. Não sei o que aconteceu para a casa
pegar fogo, mas tenho certeza de que papai nunca mexeria com fogo sozinho
e mamãe há muito tempo não chega na cozinha para nada. Temo pelo
desconhecido e fico perdida diante dessa situação. Dona Carmen retorna e me
traz o chá, mas sinto o gosto amargo e meu estômago revira, busco forças do
mais profundo de mim para saber a verdade.
— O que houve, D. Carmem? Como a casa pegou fogo? — Meus
olhos nublam com as lágrimas. Choro sem me importar com nada.
— Ah, querida... me desculpa. — Ela chora de tristeza. — Seus pais
estavam bem, lembra-se de que você me ligou? Mas, na manhã seguinte, não
havia mais nada. Não pudemos nos aproximar. O bando de Falcão bloqueava
o local.
— Foi meu pai que pôs fogo na casa? — Ela me olha com pesar.
— Eles... — Uma forte batida na porta interrompe nossa conversa.
Um homem muito bonito e elegante entra pela sala acompanhado por mais
três.
O que toma a dianteira me lembra alguém, mas não consigo dizer
quem é. Ele olha para mim como se me conhecesse, mas tenho certeza de que
nunca o vi antes, nem mesmo na empresa.
— Bom dia, Srtª Isadora. — Estranho ele saber meu nome e ter um
sotaque italiano. — Me chamo Enrico e preciso que me acompanhe.
— Desculpe, senhor, mas não lhe conheço e não costumo acompanhar
desconhecidos. — Falo olhando em seus lindos olhos azuis da cor do mar e
me lembro do Sr. Vicentini.
— É verdade que ainda não nos conhecemos, e lamento muito que a
ocasião seja num momento tão... doloroso, mas é necessário que a senhorita e
a criança me acompanhem. Vocês correm risco de morte.
— O que está acontecendo? — Franzo a testa e percebo que dona
Carmem já não se encontra mais na sala. Levou Luna para outro cômodo para
nos dar liberdade de conversar.
— Senhorita, aqui não é um bom lugar para conversarmos, queira me
acompanhar, por favor.
— Não lhe conheço e não vou a lugar nenhum com você. — Sou
enfática e me levanto do sofá para ir embora.
— Senhorita, por favor. — Percebo que o tal Enrico está perdendo a
paciência comigo, mas não ligo. — Não quero ser grosso e muito menos
violento. — Me espanto com suas palavras. — Mas se não vier comigo
agora, terei que tomar medidas não convencionais a respeito. — Um pavor
me toma e fico imóvel próximo à porta. — Vamos. — Segura em meu
cotovelo e me guia para fora. Vejo Vanessa com Luna no colo e minhas
bolsas no chão, o homem grandão carrega minhas coisas e o tal do Enrico
pede que Vanessa me dê Luna.
Entramos num desses SUV escuros, com vidro também escurecido.
Seguimos para um hotel na Barra da Tijuca. Fazemos o check in. O tal do
Enrico é quem toma a dianteira em me acompanhar até o quarto designado a
mim e Luna. Ele entra e coloca minha bolsa em cima da cama.
— Coloque sua irmã na cama. Vou dar-lhe um tempo para se
acomodar. Se quiser tomar um banho, acho que seria bem-vindo. Retorno
para conversarmos.
Fico parada no meio do cômodo enquanto ele se retira. Ponho Luna
na cama e fico olhando ao redor, pego uma muda de roupa e entro no
banheiro para um banho rápido. Uma hora depois, Enrico entra e junto dele
estão dois homens, um tão alto que eu preciso levantar a cabeça para enxergar
seu rosto, e o outro com um jeito de nerd e sorriso fácil.
— Vejo que está pronta para conversarmos — ele vai direto ao
assunto.
— Por que estou aqui? Quem são vocês?
— Como falei, me chamo Enrico e estes são Austin e Romeu.
Mariano está fazendo a segurança do lado de fora. Vou ser direto porque o
tempo não está do nosso lado.
— Tudo bem.
— A senhorita já ouviu falar em Hugo Falcão? — Esse nome me dá
arrepios. Lembro-me do quanto Isaura se iludiu com esse homem.
— Sim. Ele é um dos maiores traficantes do Rio de Janeiro. Por quê?
— Qual a ligação do seu pai com ele?
— Que eu saiba, nenhuma. O que está acontecendo? — Ele olha para
o tal Romeu que digita sem parar em seu notebook e vira a câmera para mim.
— Senhorita, o que tenho a lhe falar é muito grave, mas já estamos
tomando providências necessárias, e tanto a senhorita quanto sua irmã estarão
seguras.
— Pelo amor de Deus. — Meus olhos já começam a lacrimejar, sinto
que tem a ver com meus pais e um medo me toma — O que aconteceu com
os meus pais?
— Hugo Falcão foi o responsável pela morte de seus pais. Aquilo não
foi um acidente — a dor lancinante que perfura meu coração dá a impressão
de que o ar me falta e que vou morrer asfixiada. Não consigo me controlar,
um desespero me toma e começo a gritar, logo Luna está chorando na cama e
o tal Austin a segura no colo.
— Calma, senhorita. — Como esse homem pode me pedir calma?
Meus pais foram mortos e estou sozinha para cuidar de um bebê de três anos.
— Já tomei todas as providencias.
— Como assim? — Falo entre soluços. — Não autorizei que
tomassem providência nenhuma.
— Não preciso de sua permissão. — Fala com convicção — Você e
sua irmã estão sob nossa proteção.
— Quem são vocês e o que querem de mim? — Grito em desespero.
— Somos sua melhor opção no momento. — Vejo sinceridade em
seus olhos. — Você e sua irmã correm risco se ficarem aqui. — Meu coração
dispara. Não posso perder minha sobrinha, minha única família, o pedacinho
que restou de Isaura.
— Para onde vão nos levar? São da polícia?
— Tudo o que precisa saber é que vamos te ajudar, as respostas virão
depois.
— Preciso dar um enterro digno aos meus pais – falo chorando. —
Eles merecem.
— Seus pais serão transladados para a Itália e serão sepultados lá, e a
senhorita e sua irmã virão comigo. — Não tenho forças para contestar mais
nada e acabo sendo conduzida por pessoas estranhas, que tomam decisões
estranhas por mim.

No início da noite, embarcamos em um avião fretado e vejo da janela


as duas urnas serem colocadas no bagageiro do avião. Ainda estou sem
entender nada, parece que uma nuvem está sobre minha mente e só vejo
escuridão. Luna dorme enquanto eu fico sentada na poltrona olhando para o
nada, do jeito que está a minha vida, um verdadeiro nada.

*****

ITÁLIA

Don Angelo

Depois que falei com Enrico, começo a cobrar alguns favores e um


em particular será muito bem cobrado. Levanto-me do sofá e vou ao meu
quarto tomar um banho e me preparar para mais um dia cheio de
compromissos, principalmente, organizar tudo para a chegada de Isadora.
Chego na empresa e Samanta traz minha agenda.
— Bom dia, Don.
— Bom dia, Sam. Ligue para o gabinete de Jean Paul. — Ela sai da
sala e dois minutos depois eu o tenho na linha privada.
A conversa flui tranquila e induzo-o a entrar em contato com as
autoridades brasileiras e soltar algumas informações sobre Hugo Falcão, ele
prontamente concorda. Agora, é só aguardar e destruir Hugo Falcão aos
poucos. Ele pagará por ter me traído e mexido com algo que me pertence.
O restante do dia foi tratando da transferência de Isadora para ser
minha assistente pessoal. Ela precisa estar protegida e ninguém melhor do
que eu para fazer isso, não posso correr o risco de Aquiles descobrir seu
paradeiro.
À noite, chego em casa exausto e sigo para o escritório com Filippo e
Salvatore.
— Sentem-se. — Eles me olham desconfiados, mas fazem o que
mando. — Quero que preparem cinco homens, os deixe bem treinados e
prontos para darem suas vidas pela segurança de Isadora e Luna Agnelli.
Preparem um esquema de segurança para a Fazenda, tudo discretamente, não
quero que se assustem, deixe um Sniper em prontidão. Qualquer um que
chegar, que não seja dos nossos, pode atirar para matar.
— Quando elas chegam, Don? — Salvatore me pergunta.
— Amanhã. Monte toda a segurança e dê a Guido tranquilidade para
trazê-las.
— Será feito, Don. — Filippo se apressa em me informar.
— Quero trazer Hugo Falcão para o meu território e de uma única vez
acabar com ele e todos da Andragathia.
— Pretende reunir as Casas? — Salvatore me pergunta; sei que ele já
está traçando algum plano.
Conheci Salvatore quando sua família sofreu um atentado nos Estados
Unidos e precisou trazê-los para a Itália. Embora tenha a nacionalidade
americana, seu pai é italiano e sua família trabalha para a Castellar, por isso,
ganhou nossa proteção. Ele serviu nas Forças Especiais e foi considerado
desertor quando precisou se refugiar na Itália para proteger sua família; hoje,
ele é o segundo no comando de treinamento de nossos homens e tem minha
total confiança.
— O que tem em mente, Salvatore? — Filippo dá um meio-sorriso.
— Nas Forças Especiais, tínhamos um lema: “atrair para depois agir”.
Estive pensando em como atrair Hugo Falcão e, pelo que sei, ele ainda não
sabe que o senhor conhece seus planos; para ele, te pegará desprevenido.
Podemos usar a mesma tática e pegá-lo da mesma forma. — Olho para
Filippo e analiso as palavras de Salvatore.
— E por que me perguntou sobre as Casas? — Arqueio uma
sobrancelha.
— Eles podem simular um ataque a um dos supostos “inimigos” de
Falcão, sendo que será para ganhar sua confiança e o deixar com a guarda
baixa. Ele imagina que já está sabendo da traição, e como Enrico falou, o
morro foi tomado por um rival e a guerra está declarada no Brasil. Podemos
enviar alguns soldados para “ajudá-lo” a retomar o morro — ele faz as aspas
com os dedos —, ele achará que está nos enganando, mas, na verdade,
estamos atraindo-o para a nossa armadilha.
— Vamos acuá-lo e tomar seu território, quando ele estiver perdendo
forças, entramos para ajudá-lo e o atraímos como abelha no mel. Monte um
planejamento com Filippo e, na próxima semana, apresentaremos às Casas.
— Sim, senhor. — Salvatore concorda, Filippo assente.
Já passava da meia-noite quando os dois saem de meu escritório,
aproveito e ligo para Enrico e informo a mudança de planos. Estou tão
agitado que não consegui dormir direito. Ainda mais ansioso com a chegada
de Isadora na Fazenda.
Capítulo 17

Isadora

Foram dez horas e quarenta minutos dentro de um avião. Apesar da


distância e do cansaço, não consegui dormir, minha cabeça dava voltas e meu
corpo parecia anestesiado. Estava indo para um país distante e com pessoas
que nunca tinha visto na vida, mas que estavam me ajudando sem saber o
motivo ainda. O que me resta agora?
Olho para Luna dormindo numa cama e penso em tudo o que
passamos, nas noites que passei ao lado dos meus pais assistindo à
programação de domingo ou quando mamãe se emocionava com algum filme
de romance da sessão da tarde; das gargalhadas de Isaura quando mamãe
tentava falar em italiano e do carinho que papai sempre nos dedicou. Tudo
isso não existe mais, somente a dor e a solidão. Encolho-me na cama ao lado
de Luna e choro por mim e por ela, choro por tudo o que a vida me tirou e
por ter somente lembranças de momentos felizes e nunca mais poder vivê-
los, pela droga de mulher que estou me tornando, cheia de amargura e frieza.
Ouço duas batidas na porta e logo Enrico entra segurando uma bandeja com
frutas e suco.
— Precisa se alimentar. — Coloca a bandeja na mesa ao lado da
cama. — Estamos quase chegando e tudo vai se resolver.
— Não tenho essa certeza. — Falo com a voz embargada. — Não me
resta mais nada, senhor.
— Me chame de Enrico. Vai ver que depois que essa dor passar, se
tornará forte e lutará por quem ama. — Olha para Luna que já desperta.
— Gostaria de ter essa certeza. — Minha voz sai com amargura.
— Vai ter. — ele fala e sai do quarto, me deixando alimentar Luna e
me forçar a comer uma fruta.
Quando descemos do avião, um helicóptero nos aguardava, o piloto
muito gentil me ajudou a subir com Luna em meu colo.
Enrico e os outros três homens, que não me lembro os nomes agora,
carregaram as bolsas e minha pequena mochila, tudo o que temos no
momento. Levantamos voo e quarenta minutos depois pousamos em uma
maravilhosa fazenda, sua arquitetura era impressionante e, pelo pouco que
conhecia, deveria ser datada do século XIX, a combinação da estrutura de
pedra e a paisagem eram magníficas. Fomos levadas para dentro e como
esperado, era impressionante a beleza, o pé direito deveria ter uns quatro
metros de altura e a imponência das vigas em madeira talhada dava um
charme à parte; a escadaria que conduzia ao segundo pavimento era toda em
madeira rústica, mas a decoração era moderna e de muito bom gosto.
Observo tudo ao redor e percebo que Enrico me olha entediado.
— Seu quarto é na terceira porta à direita. Um dos guardas irá
acompanhá-la caso queira descansar. Mais tarde, precisamos conversar e meu
irmão cuidará de tudo.
— Como assim, seu irmão? Não quero ficar aqui, muito menos com
alguém que não conheço, já está difícil confiar em você, quanto mais em um
irmão. — Ele me olha e levanta a sobrancelha de leve, dá um pequeno sorriso
de lado que seria sexy se eu estivesse interessada.
— Não se preocupe, eu estou cumprindo ordens. Na verdade, quem é
o responsável por seu resgate é o meu irmão, ele cuidará de tudo. — Fala já
se direcionando para a saída e me deixando plantada na sala.
Um ruído de alguém limpando a garganta é ouvido e eu olho para o
lado e só então noto que um dos guardas ficou ali, e o coitado está segurando
todas as nossas bolsas.
— Podemos subir ao quarto, senhorita?
Assinto e deixo-o me guiar ao meu novo lar... temporário.
Subo as escadas com Luna olhando tudo e assim que abro a porta,
surpreendo com um berço e vários brinquedos, que logo ganham a atenção de
Luna. O guarda deixa as bolsas no chão, faz uma espécie de reverência e sai,
deixando a porta entreaberta. Observo cada canto e fico absorvida em
pensamentos, até uma batida na porta me tirar do transe.
— Entre. — Viro-me e uma senhora de aparência singela me saúda
com um lindo sorriso acolhedor.
— Boa tarde, minha jovem. Don pediu que cuidássemos da senhorita
em sua ausência, se precisar de alguma coisa é só me chamar. Meu nome é
Julia — ela fala em italiano.
— Obrigada, Sra. Julia, mas não preciso de nada. — Respondo em
seu idioma.
Ela se mostra surpresa e feliz ao me ver falar em italiano. — Qualquer
coisa é só me chamar.
— Grazie.
Ela fecha a porta atrás de si e olho para Luna que está brincando no
berço.
Aproveito a distração dela e vou tomar um banho, passo a chave na
porta do quarto e deixo a do banheiro aberta. Tomo um banho e aproveito
para pensar no que farei daqui para frente.
Sei que preciso entrar em contato com Dr. Eduardo e pedir alguns
dias para organizar minha vida; ligar para dona Carmem e saber se ela pode
me ajudar a encontrar um outro lugar para morar, não posso voltar para o
morro, tenho que pensar na segurança de Luna.
Saio do banho enrolada na toalha, escolho uma lingerie branca e visto
uma bermuda jeans com uma bata vermelha, penteio meus cabelos e passo
um pouco do meu perfume, não sei a hora que o “irmão” virá, preciso estar
preparada. Dou um banho em Luna e o cansaço nos vence. Adormecemos
juntas na enorme cama do quarto e só assim me permito descansar e desligar
a mente. Sei que ainda enfrentarei muitas coisas, mas preciso estar forte por
mim e por Luna.
Acordo com batidas na porta e me recomponho para abri-la. Dona
Julia empurra um carrinho com nossa refeição. Estou perdida no tempo e já
não sei se é hora do almoço ou jantar. Ela traz também alguns travesseiros e
uma manta. Fico observando-a e uma lágrima escorre pelo meu rosto, sinto
falta dos cuidados de mamãe, que desde que adoeceu perdeu a alegria, e ver
dona Julia tão ativa me traz recordações.
— Menina — Para à minha frente e enxuga minhas lágrimas —, sei
que está assustada com tudo o que está acontecendo, sinto muito pelos seus
pais. — Vejo sinceridade em seus olhos e me emociono mais. — Os meninos
cuidarão da senhorita.
— Estou com medo, Julia. — Sinto que posso confiar nela e falo
chorando. — Não sei onde estou e por que estou aqui, ninguém me falou
nada e terei que enterrar meus pais aqui. Não conheço esses homens e não sei
o que querem comigo.
— Don não pode vir hoje, mas sei que Enrico cuidará de tudo. —
Percebo que confia em Enrico. — Descanse, criança, suas perguntas serão
respondidas assim que conversar com o Don.
— Quem é esse Don?
— Alguém que se importa com você — Assusto-me com o que fala.
— Não se preocupe, tudo será esclarecido.
— Assim espero, Julia. — Viro-me para a enorme janela que tem
vista para a piscina e escuto a porta se fechar.
Luna ainda dorme. Preciso acordá-la para se alimentar, assim como
eu, afinal, preciso estar forte para o que terei que enfrentar.
Capítulo 18

ALGUMAS HORAS ANTES

Don Angelo

Estou no escritório quando ouço o helicóptero sobrevoar a Fazenda,


meu coração se agita e minhas mãos começam a transpirar. Não entendo por
que fico desse jeito, só a vi uma única vez e nem nos falamos direito, mas
tudo o que está relacionado a Isadora me deixa em estado de alerta.
Permaneço no escritório e ouço os movimentos e vozes pela casa, Enrico
entra no escritório e percebo o quanto está cansado.
— Como foi de viagem?
— Na medida do possível, bem. — Se esparrama na poltrona à minha
frente.
Ele fica quieto, de olhos fechados e rosto voltado para o teto. Minha
paciência já está além do limite.
— Me passa o relatório, Enrico. — Falo entredentes, não querendo
começar uma briga já que percebo seu cansaço.
Ao abrir os olhos e me olhar, sinto todo o seu ódio. Não direcionado a
mim, mas à lembrança do que testemunhou no Brasil.
— Sei que sou um filho da puta, que nosso pai é um desgraçado de
merda, mas ver essa menina se quebrar diante dos meus olhos acabou
comigo.
— Você ainda é humano, Enrico, e, apesar de tudo o que fazemos,
ainda somos filhos e prezamos pela família. Isadora vai precisar de nós, e
como herdeira da máfia, estaremos aqui para ajudá-la.
— O canalha matou os velhos de uma forma covarde. Os homens de
Falcão não deixaram que ninguém se aproximasse da casa para que
queimasse bem. Sobrou muito pouco para ser colocado num caixão, ainda
assim, por pena dela, não deixei que trouxessem numa urna pequena. Para
não a impressionar.
— Como a encontrou?
— Ela havia ido a uma excursão. Encontrei-a na casa de uma vizinha.
— Teve problemas em trazê-la?
— Ela é bem teimosa, não queria ser bruto e precisei reunir toda a
minha paciência. Ajudou o fato de ela estar bem perdida do que fazer da vida
— Olho de cara feia. Como assim, ser bruto? — O que pretende fazer com
Hugo Falcão?
— Primeiro, cuidarei de Isadora e Luna. Ela trabalhará na VF
Technology Company como minha assistente pessoal e não falarei nada sobre
ser herdeira da máfia. Precisaremos ganhar sua confiança e trazê-la para o
nosso lado. Quanto a Hugo Falcão, na próxima semana Salvatore e Filippo
apresentarão a estratégia para o pegarmos e, junto dele, toda a corja da
Andragathia.
— Quando vai ver sua convidada? — Fala se levantando e preparando
uma dose de whiskey.
— Não me apresentarei agora a ela. Cuide dela e peça a Elisa para vir
para a Fazenda, preciso que ganhe sua confiança.
— E quanto ao sepultamento dos pais, pode ser amanhã?
— Providencie tudo para amanhã, o quanto antes resolvermos isso,
melhor. Eles precisam descansar, e Isadora, seguir em frente. Peça a Chang
para habilitar as câmeras da Fazenda, quero monitorá-la. — Ele me olha com
um vinco entre as sobrancelhas. Sei que desconfia dessa minha proteção, mas
não direi nada.
— Será feito, Don. — Termina de virar o último gole de sua bebida.
— Preciso descansar, nos falamos depois. — Vejo-o ir em direção à porta.
— Enrico. — Ele se vira. — Obrigado. — Ele volta para perto de
mim.
— Sei que devo respeito ao meu Don, mas também sou seu irmão e
como tal, quero que saiba que estou do seu lado. Vejo que há um sentimento
por essa moça e se ela for sua remissão, então, a tome para si, mas se for sua
fraqueza, deixe-a ir. — Sinto sua preocupação comigo, me levanto e abraço
meu irmão.
— Descobrirei em breve.
— Faça isso, Don. — Sai, me deixando com meus pensamentos.

*****

Fico dentro do carro e vejo o quão destruída Isadora está. Assistir de


longe o funeral de seus pais e não poder abraçá-la quebra ainda mais meu
coração. Pedi que Enrico e Elisa estivessem junto dela e alguns dos meus
homens também. Julia ficou com Luna na Fazenda e Isadora se juntaria a ela
após o sepultamento. Assim que termina, ela vem na direção do meu carro e
fica bem próximo, posso ver seus olhos inchados e sua tristeza. Elisa a abraça
e olha na direção em que estou, ainda que não possa me ver por causa do
escuro do vidro.
Desde que tivemos aquela conversa e ela me disse que estou
apaixonado por Isadora, não falamos mais sobre o assunto. Fui criado
distante de Elisa. Talvez por ela ser mulher, Stefano não a maltratou tanto
quanto fez comigo e Enrico. Como sangue do meu sangue, ela é importante
para mim, assim como é importante para a Organização.
Volto para a empresa e acerto tudo com Samanta. Isadora começará
na próxima semana e Sam a ajudará com o trabalho e a se familiarizar com
minha agenda e viagens. Mais tarde, vou ao Forte, preciso ver como Maria
Eduarda está, ela será muito útil na vingança contra Hugo Falcão.
Assim que entro no Forte, Bianca pula no meu pescoço. Sou
surpreendido, mas anos de treinamento me faz desvencilhar dela e prendê-la
junto à parede, segurando em seu pescoço, quase a sufocando.
— Está louca?
— Don... — Resmunga sem ar e afrouxo um pouco para que respire.
— Quer morrer, cazzo!?
— Don... — Sua fala manhosa me enjoa. — Estou com saudades de
ter você. — Segura a garganta depois que a solto. — Achei que pudesse
relaxar um pouco em meio a tanta confusão...
— Quando eu quiser, te procuro. — Falo rude e sigo pelo corredor,
mas ouço-a falar.
— Don. — Viro-me e sou surpreendido por uma Bianca totalmente
nua, ali, no corredor. Faz bastante tempo que não fodo ninguém. Todas essas
coisas acontecendo e Isadora... Ah! Como eu queria que fosse Isadora a se
oferecer a mim neste instante.
Meu pau começa a mostrar sinais de que despertou. Para ele não há
um rosto; há uma boceta querendo ser fodida.
Volto aonde ela está, com a roupa espalhada ao seu redor, e tão logo
me aproximo, ela coloca suas mãos em meus ombros. Eu permito.
— Vou te foder do jeito que quer, mas é somente uma foda. — Deixo
novamente as coisas bem claras para Bianca.
— Contanto que me foda, será o bastante. — Dito isto, não perco meu
tempo. Encosto-a mais uma vez contra a parede, com um pouco menos de
violência e me preparo.
Não me dou ao trabalho de tirar minha calça. Apenas abro o zíper e
retiro meu pau de dentro. Pego uma camisinha na carteira, visto e a viro de
costa para mim, provocando sua primeira gemida. Sem aviso, penetro-a
fundo e ouço seu grito de prazer. Dou estocadas rápidas e seguro seu cabelo
com uma mão enquanto a outra prendo sua cintura. Sua voz me irrita; não é
com ela que eu queria estar. Tapo sua boca com a mão que estava no cabelo,
e fecho os olhos, imaginando estar com Isadora, minha Feiticeira. Sinto sua
boceta contrair e logo ela goza, duas estocadas depois gozo e saio de dentro
dela. Solto-a e retiro a camisinha, amarrando a ponta e coloco no meu bolso,
arrumo-me e a deixo ainda mole pelo orgasmo sem olhar para trás.
Vou direto para o quarto de Maria Eduarda e a encontro sentada na
poltrona olhando para a janela.
— Boa noite, Dama de Ferro — Ela me olha com raiva.
— Me chamo Maria Eduarda. — Fala se levantando e seguindo para a
cama. — Esse apelido não me pertence mais.
— Pode pertencer, se quiser. — Instigo para saber o que realmente a
atinge. — Basta aceitar a minha proposta.
— Estive pensando todo esse tempo, Don, e realmente está certo.
Hugo não me deixará viver tranquilamente com meu filho, e entre ele e
minha família, minha família vem em primeiro lugar.
— Fico feliz que pense assim. — Sento na poltrona que ela estava
antes. — Ajudarei com tudo o que precisar, basta ser leal a mim.
— Teve a minha lealdade assim que me salvou. — Ela olha em meus
olhos. — E terá eternamente se proteger meus pais.
— Farei. — Afirmo categoricamente, não quero que aconteça o
mesmo que aconteceu com os pais de Isadora. — Mas terá que me dar
alguma coisa sobre Hugo Falcão. — Ela desvia o olhar, buscando algo em
sua mente.
— Há cerca de três meses, viajamos para o México. Hugo comprou
um grande carregamento de armas; ficou acertado que chegaria ao porto
brasileiro dentro de cilindros de serpentinas de aço. Um pequeno lote de
armas velhas serviria de isca para a Polícia Federal e seguiriam pela Rio-
Santos indo para Ubatuba, em São Paulo, mas o grande carregamento viria
em um cargueiro e atracaria no porto de Sepetiba e seguiria pela Bahia de
Guanabara na madrugada, em uma traineira. Pelos meus cálculos, esse
carregamento chegará na próxima semana e se alguém chegar primeiro e
pegá-la, desestruturará Hugo Falcão e o deixará endividado com a máfia
mexicana, o que o levará a vir pedir ajuda.
— Como tem certeza de que ele seguirá esse plano?
— A única que sabe sou eu, ou seja, seu segredo morreu comigo.
— Quem são os contatos dele no porto?
— Carlos Domingues, Antônio Costa e Paulo Gomes, seguranças, e
Otávio Silva, fiscal. A traineira sairá da Ilha do Governador e quatro homens
de confiança de Hugo estarão a bordo e executarão o plano. As armas
seguirão para a Baixada Fluminense, para o mesmo depósito que o senhor
esteve. Pela minha experiência, Hugo fará tudo com o máximo de discrição,
serão poucos homens que escoltarão essas armas até o depósito. Sugiro que
arme uma emboscada no meio do caminho e pegue a mercadoria.
— Tem a proteção da Castellar. — Olho em seus olhos para que veja
sinceridade. — Espero que honre.
— Honrarei. — Percebo que quer me falar algo mais.
— Diga o que te aflige, Maria Eduarda.
— Preciso de tranquilidade para ter meu filho. Ajudarei em tudo o
que precisar, mas peço que me deixe ter meu bebê e, depois, estarei pronta
para me vingar pessoalmente de Hugo, se me permitir, quero fazer isso
pessoalmente.
— Agora estamos nos entendendo. — Fico surpreso com seu pedido.
— Mas cuidarei pessoalmente de Hugo Falcão.
— Me permita estar junto. Quero olhar em seus olhos quando estiver
agonizando.
— Permissão concedida. — Vou até a porta, mas me viro e a olho
novamente. — Amanhã irá para um outro local e terá todo o apoio para que
tenha uma gravidez tranquila.
— Obrigada, Don. — Saio e encontro Filippo encostado na parede me
aguardando.
— Don. — Aceno com a cabeça. — Temos notícias de Aquiles.
— Vamos conversar em outro lugar. — Seguimos para o meu
escritório e sou informado de que Aquiles retornou sozinho para Livorno. —
Mantenha vigilância nele e me informe qualquer movimentação suspeita.
— Sim, Don. — Seguimos para o carro.

*****

Reúno-me com Filippo e Salvatore para fechar o planejamento do


ataque a Hugo Falcão antes de seguir para a sala de reuniões, onde os chefes
das Casas me aguardam.
— Seja direto, Salvatore — falo me sentando e apontando as cadeiras
de frente para os dois.
— Entrei em contato com Campanaro e tudo está pronto para
seguirmos o plano. Marcinho Auê nos dará suporte no Brasil e os homens de
Falcão o atrairão para a comunidade.
— Quem ficará junto dele para sugerir a Castellar dar apoio?
— Manoel Fontes. — Filippo se apressa em responder — Como é de
confiança, sugerirá que Falcão peça ajuda a Campanaro e em questão de 24hs
daremos esse falso suporte a ele.
— Como o atrairemos para cá?
— Colocaremos a Polícia no negócio o obrigando a fugir e deixar
tudo com Manuel Fontes, e será o golpe final com o roubo do armamento.
— Vamos pôr o plano em ação esse final de semana; Yuri Kringer
atacará Hugo Falcão junto com os traficantes rivais; causaremos o caos nas
favelas do Rio de Janeiro, depois que Falcão pedir ajuda, enviamos
Domenico Petrovick para ajudá-lo. Assim que ele estiver confiante, Jin Yang
ataca com a máfia chinesa, enquanto Minamoto Takeda rouba as armas.
Quando Hugo Falcão estiver na Itália, será nossa vez de entrar em ação; o
forçaremos a correr para Aquiles e daremos o xeque-mate, mataremos a
todos, desde o maior até o menor, não deixando nenhum rastro da família
Callas.
— Providenciarei tudo com Campanaro e assim que a reunião
terminar, terá um avião pronto para levar Yuri Kringer a Israel e, na segunda-
feira, Campanaro os recepcionará e dará abrigo.
— Faça isso, Filippo.
— Com sua permissão, Don. — Balanço a cabeça em concordância e
olho para Salvatore.
— Quero que venha à sala de reuniões e exponha seu plano. — Sigo à
porta e Salvatore me segue.
Vamos até a outra sala de reuniões na qual os chefes das outras Casas
já me aguardavam. Os cumprimentos de praxe e dou início à reunião. Não
quero perder um minuto sequer nesse plano de vingança.
Repasso o relatório sobre a traição de Hugo Falcão e todos ficam
espantados. Há mais de cinquenta anos que não temos uma traição no nosso
meio, o último foi Jarbas Agnelli, o que resultou na Andragathia e, hoje, um
bandido do terceiro mundo quer ser mais esperto do que eu, Don Angelo,
treinado e catequizado por Stefano Ferrari que foi de igual modo treinado por
seu antecessor. Temos história na máfia italiana e que foi conquistada com o
sangue de muitos homens, inclusive dos meus bisnonos.
Dou a oportunidade para que Salvatore exponha o plano de ataque e
todas as Casas vibram. Yuri Kringer repassa o plano com Salvatore e logo sai
de volta a Israel para organizar seus homens. Com tudo planejado, só resta
acompanhar a desgraça de Hugo Falcão.
Retorno à minha casa e percebo que, assim como Enrico, não tenho
ninguém esperando por mim e me pego pensando em Isadora, de como
gostaria de trazê-la para meu mundo, mas tenho receio de estragar tudo. O
que mais me deixa frustrado é que eu, o todo poderoso Don, estou com medo
de machucar uma pessoa. Fui treinado a não ter sentimentos, ser frio e
calculista, mas quem manda no coração?
Depois de um banho, desço até a cozinha, tiro um prato congelado de
lasanha do freezer e ponho no micro-ondas para esquentar. Enquanto
aguardo, não resisto e pego meu notebook apoiando-o na bancada, acesso as
câmeras de segurança da Fazenda, vasculhando cada cômodo e não a
encontro. A preocupação toma conta de mim e, apesar de saber que ela está
bem vigiada, já penso em levantar e telefonar para a Fazenda para tomar
satisfações, quando ela aparece enrolada em uma toalha. Meu coração
acelera. Seu cabelo está molhado e seus olhos estão tristes, demonstrando que
andou chorando. Mudo a posição da câmera e a vejo entrar no closet, depois,
sair com um short e uma camiseta. Logo o meu pau fica duro, e lembro que
hoje mesmo fodi Bianca num corredor, mas tendo Isadora em minha mente.
Como uma mulher que nunca toquei pode dominar meu corpo assim, mesmo
distante? Ela se deita em posição fetal e chora. Observo por longo tempo até
que ela adormece. Preciso fazer alguma coisa para tirá-la dessa tristeza e a
primeira delas é devolver seu trabalho, depois, cuidarei do bem-estar de
Luna.

*****

A segunda-feira chega chuvosa em Livorno. Ligo para Elisa para que


possa acompanhar Isadora ao shopping e comprar roupas para o trabalho.
Organizo toda a documentação de transferência, deixo sobre a mesa e peço
Samanta para que ligue no celular de Isadora Agnelli e informe que
compareça à sede da VF Technology Company no final da tarde. Sigo com
minha rotina normal até ser chamado pelo telefone por Samanta, informando
da presença de Isadora na recepção. Meu coração acelera e começo a suar,
minhas mãos ficam frias e preciso de um tempo para me recuperar.
— Peça que aguarde uns cinco minutos e, então, pode trazê-la. —
Aviso a Sam.
Vou ao banheiro e jogo água em meu rosto, seco minhas mãos e volto
para a minha mesa, respiro fundo e aguardo a entrada de Isadora. Duas
batidas na porta e Sam entra, logo atrás está Isadora Agnelli, linda em um
vestido elegante e olhando em seu entorno, sem olhar para mim, até escutar
minha voz.
— Grazie, Sam. — Ela assente e se retira, deixando uma Isadora
perplexa. — Sente-se, Srtª Agnelli. — Ela se aproxima lentamente com a
cabeça baixa e se senta na poltrona à minha frente. Sigo falando em italiano
— A partir de amanhã a senhorita trabalhará para mim como minha assistente
pessoal. Sei o que houve com seus pais. Meus sentimentos. Fui eu quem
requisitou a sua vinda à Itália. Sei que tem perguntas para fazer, mas
deixaremos para o jantar. — Seus olhos se arregalam e ela se pronuncia.
— Sr. Vicentini... — Ela me olha dentro dos olhos e me sinto sendo
escaneado. — Como?
— Senhorita, sei que não está entendendo, mas já havia um acordo
com Dr. Albuquerque para lhe trazer à Itália, mas as circunstâncias me
fizeram adiantar sua vinda. Sei pelo que passou e já estou tomando as devidas
providências. Portanto, só preciso que confie em mim.
Ela respira fundo com os olhos fechados e quando os abre, vejo uma
mulher lutando para permanecer inteira e independente. Essa situação não é a
desejável para ela, mas o será. Em breve.
— Sr. Vicentini, desde que saí de casa e deixei meus pais aos
cuidados de D. Carmem, tenho confiado nas pessoas e, por conta disso,
enterrei meus pais. Tudo o que me pedem é para confiar, não sei se poderei
confiar no senhor.
— Senhorita, sei que é difícil confiar em uma pessoa que só viu uma
única vez, mas acredite, estou lhe ajudando.
— Me ajudando? Desculpe-me se não concordo com o senhor. Estou
aqui porque o senhor precisa de minha expertise sobre a empresa no Brasil, a
empresa que o senhor acaba de fazer uma fusão muita vantajosa. — Fico
ruminando suas palavras, e se fosse outra pessoa já estaria morta.
— Como bem disse, sou um homem de negócios. Sim, você está aqui
com um propósito que, a princípio, é ajudar na transição/fusão das empresas.
Mas também agirá como minha assistente pessoal nesse meio tempo.
Acredito que você tenha competência para esse cargo, não? — Ela ia
responder alguma coisa, mas continuo com minha preleção, não lhe dando
oportunidade de falar. — Entretanto, gostaria de deixar claro que as coisas na
Itália funcionam muito diferentes das do Brasil. Aqui, sou o presidente da
empresa, mas também sou praticamente um deus. Minhas ordens não são
questionadas. Nunca. Isso significa que quando eu digo ‘pule’, você diz... —
paro, esperando que ela responda.
— ‘Que altura’. — Ela balbucia.
— Exato. Espero que entenda as regras do jogo e, assim, não teremos
qualquer problema nesse nosso novo ‘relacionamento’.
Ela abaixa o olhar e assente.
Dói-me vê-la dessa forma, tão vulnerável, mas eu sou o Don, e ainda
que eu tenha sentimentos novos para com ela, não posso deixar que ela se
torna uma fraqueza para mim, e um meio de desrespeito no qual outros
possam ver e achar que podem seguir o exemplo e se rebelarem.
— Sinto muito.
— Dito isso, vamos tratar do seu trabalho, depois, falaremos de outros
assuntos.
— Como quiser, senhor. — Ela se ajeita na cadeira, sentando-se mais
ereta.
— Pode me chamar de Dr. Angelo ou Sr. Angelo, como achar melhor.
Quero que tenhamos uma boa convivência.
— Como quiser, Dr. Angelo. — Meu coração acelera ao ouvir meu
nome sair de seus lábios, tento me recompor.
— Você trabalhará direto comigo, sua mesa é aquela no canto. —
Aponto e ela olha. — Minha agenda precisa ser passada pela manhã e à tarde,
e nas viagens de negócios, a senhorita me acompanhará.
— Dr. Angelo, como sabe, tenho minha sobrinha de três anos para
cuidar e não poderei deixá-la sozinha, não conheço ninguém neste país e
estou de favor em uma fazenda.
— Já providenciei uma babá para Luna. — Ela enruga a testa, e não
percebeu que me confirmou a informação de que Luna é filha de Isaura. — A
partir de amanhã, a senhorita se mudará para um apartamento no centro de
Livorno e terá dois seguranças.
— Não preciso de segurança, senhor. Sou uma pessoa simples e andar
com seguranças pode assustar Luna.
— Fora de cogitação, Isadora. Como minha assistente, estará
suscetível a qualquer ataque que possa me atingir. Sou um homem que tem
inimigos e não posso arriscar sua vida, muito menos a de uma criança.
— Sendo assim, eu aceito.
— Quanto ao seu pagamento, amanhã passe no RH e resolva tudo
diretamente com Telma, ela tem ordens expressas de te atender no primeiro
horário.
— Começo amanhã mesmo?
— Sim, e logo teremos um café com empresários, por isso, resolva o
quanto antes. — Fico de pé e ela faz o mesmo. — Temos um jantar nos
esperando.
Saímos em direção ao meu Maserati e partimos para a Fazenda. Ela
está aqui, ao meu alcance. Está na hora de dar início à segunda parte do
plano.
PARTE II
Capítulo 19

Don Angelo

Chegamos à Fazenda e somos recepcionados por uma linda criança.


Seus cabelos cor do sol e lindos olhinhos brilhantes me fizeram paralisar,
enquanto Isadora se abaixava para receber um caloroso abraço. Fico
observando a cena e desejo viver um momento assim com um filho. Logo
vem à mente a conversa que tive com Enrico, mas estou disposto a superar
qualquer obstáculo para ter uma experiência assim. Seguimos para dentro,
Julia surge na sala e pega Luna nos braços.
— Desculpa, Don. — Automaticamente olho para Isadora que está
sem entender nada. — Essa mocinha fujona correu assim que escutou o
barulho do carro.
— Sem problema, Julia. — Vou até ela e coloco a mão em seu ombro.
— Providenciou tudo o que pedi?
— O Sr. Filippo trouxe tudo e está na biblioteca. Se me permite, darei
um banho nesta boneca e nos recolheremos.
— Pode ir, Julia. — Volto para olhar Isadora que continua no mesmo
lugar sem entender nada.
— Venha, senhorita. — Faço um gesto que me acompanhe — Vamos
conversar.
O trajeto curto é feito no mais absoluto silêncio e pela minha visão
periférica observo Isadora me olhando, meu coração acelera toda a vez que
nossos olhares se cruzam e percebo que ela não era imune a mim, o que me
faz ter esperanças.
— Sente-se, Isadora. — Aponto o sofá próximo às grandes janelas
que davam para o jardim. — Preciso que me escute atentamente e não me
interrompa, responderei a qualquer pergunta que tiver que fazer somente
depois de me ouvir.
Ela hesita por um instante, mas logo acata a minha ordem e se senta.
— Sim, senhor. — Vejo incerteza em sua afirmação, mas terei
paciência com ela, afinal, ela não conhece os princípios para estar na
presença de um Don.
— Me chamo Angelo Vicentini Ferrari e sou dono, junto com meus
irmãos Enrico, que você conheceu no Brasil, e Elisa, que conheceu aqui na
Fazenda, da VF Technology Company. — Ela abre a boca para falar, mas a
interrompo com um olhar; ela desiste. — Fui eu quem a trouxe para cá.
Quando fui ao Brasil, meu objetivo era fazer a fusão e ter um escritório aqui
em Livorno para que pudesse administrar daqui tudo o que acontecia por lá.
Soube da morte prematura da Srtª Maria Eduarda e ajudei o Dr. Albuquerque
nos trâmites aqui na Itália e pedi que me enviasse um funcionário de
confiança para que me ajudasse nesse escritório, e seu nome foi indicado. A
senhorita sabe todo o funcionamento e me ajudará a entender tudo. Pedi a
Miguel Campanaro que a contatasse, mas, infelizmente, soube da tragédia
que abateu sua família e providenciei tudo para que estivesse em segurança.
— Olho para ela, que me encara absorvendo cada palavra do que digo. Não
falo mentiras, mas, também, não digo toda a verdade.
— Por que seu irmão me perguntou se eu conhecia Hugo Falcão?
— Tenho negócios com Hugo Falcão. — Ela arregala os olhos
assustada. — Ele trabalha com importação e exportação e é do meu interesse
esse acordo. — Não deixo brecha para que me questione. — Quanto à morte
dos seus pais, já tem pessoas trabalhando nisso. — Ela me olha desconfiada.
— Pessoas? Se refere à polícia?
— A polícia saberá cumprir a parte dela.
Ela morde o lábio inferior, pensativa, o que me distrai. Um gesto tão
banal e que consegue me deixar desconfortável dentro das calças.
— Por que Julia te chamou de Don?
Merda, merda, merda.
— Aqui na Itália, significa chefe. Como falei, sou dono de muitos
negócios, mas como filho primogênito, sou o responsável.
— Esta fazenda, então, é sua também? — Ela mais afirma do que
pergunta — Por que estou aqui?
— É só até amanhã. Seu apartamento está sendo montado e terá seu
espaço.
— E quanto a Luna? Não posso deixá-la sozinha.
— Terá uma babá a aguardando no apartamento, Julia já providenciou
sua sobrinha, Kaira. Ela ajudará a se estabelecer e conhecer a cidade, mas não
poderá sair sem os seguranças.
— Como quiser, Sr. Vicentini. — Fala derrotada, isso mexe comigo.
Quero ver o brilho de seus olhos e seu sorriso espontâneo de quando a vi pela
primeira vez. — Se não deseja mais nada de mim, peço licença para me
recolher.
— Boa noite, Isadora. — Ela se levanta, caminha até a porta e se volta
para mim.
— Obrigada por cuidar do funeral dos meus pais, senhor, e por cuidar
de nós duas.
— Sempre. — Ela esboça um leve sorriso e se retira.
Sei que terei que dar a informação sobre seu pai, mas tenho receio.
Serei obrigado a falar quem realmente sou e isso pode afastá-la de mim, mas
aproveitarei o máximo de sua companhia e, no tempo certo, ela saberá.
Capítulo 20

Don Angelo

A guerra estava declarada no Brasil, Kringer sabia causar o terror e a


cidade estava em alerta máximo. Os morros entraram em guerra e a Polícia
não dava conta de tantos bandidos. A Força Nacional de Segurança precisou
ser acionada para causar a sensação de segurança no Estado. Hugo Falcão
estava acuado e seus depósitos foram invadidos pela facção rival, seus
prostíbulos investigados pelo Ministério Público, afinal, Jean Paul é um
homem bem relacionado e conhece muita gente no Brasil, entre eles, pessoas
ligadas à justiça.
As informações que recebo de Campanaro me deixam tranquilo e sei
que Aquiles Callas logo enviará ajuda, mas terei que ser rápido, se quero
pegar Falcão desprevenido.
— Toro (Touro).
— Sì, Aquila (Sim, Águia)
— Quero que intercepte qualquer tipo de ajuda a Hugo Falcão, não
deixe passar nada que Aquiles ordene, nem que seja preciso matar um por
um.
—Será feito, Águia. — Luigi Abbate é líder da família do Borgo
Vecchio, de Palermo, e depois do declínio das máfias menores, ele se juntou
a nós como informante e ganhou a confiança de Aquiles Callas quando fez
jus ao seu apelido Gino il mitra, (a arma). A razão desse apelido não é difícil
de imaginar, ele é um excelente Sniper.
Hoje, tenho uma reunião no centro de Pisa e Isadora terá que me
acompanhar. Faz um mês que ela está trabalhando na minha sala e a cada dia
minha admiração por ela cresce. Ela é centrada e muito profissional, sabe
lidar com os outros funcionários e ganhou o carinho de Samanta, que a trata
como filha. Nossa convivência tem me ensinado muito e a cada dia conquisto
um pouquinho da sua confiança.
Filippo não poderá nos acompanhar, está com Elisa em uma
investigação de tentativa de hackearem nosso sistema de segurança.
Seguirei com Giovani e Nico, mas eu mesmo dirigirei meu Aston
Martin até o Centro Empresarial, onde me encontrarei com Giuseppe
Morabito, o rei indiscutível da ‘Nangheta’, é o Tiradritto, aquele que acerta o
alvo, ou seja, uma boa mira. Seu pai era muito fiel ao meu avô e ajudou,
ainda garoto, a tomar a Alemanha.
Saímos do prédio e logo estamos na estrada, observo de soslaio
Isadora mexendo na agenda e fico admirado com tamanha beleza. Pegamos a
A12 em direção a Pisa; uma melodia toca suave no som do carro, a
tranquilidade da estrada e o silêncio confortável nos dão uma ótima sensação.
A distração entre dirigir e ficar observando-a me faz perder o foco da
segurança, e sou desperto quando ouço um barulho muito forte e vejo o carro
que estava com Giovani e Nico sair da estrada, acelero o máximo que posso e
Isadora se segura no banco.
— O que está havendo, senhor? — Sua voz está assustada.
— Estamos sendo perseguidos. — Olho pelo retrovisor e os vejo se
aproximando e junto três motos fazem a cobertura. — Se segure e abaixe a
cabeça.
Logo, os tiros são disparados e Isadora se segura firme ao meu lado,
aciono o telefone e peço reforço no Forte, mais sei que demorarão a chegar e
não posso pôr a vida da minha Isadora em risco. Duas motos passam por nós
e se posicionam a alguns metros com armas pesadas. Acelero mais, fazendo o
motor rugir e antes que eu chegue, eles disparam, acertando a blindagem do
carro, passo por cima deles, Isadora grita.
Um Audi R8 passa por nós e bloqueia a estrada, as duas motos
emparelham e atiram. Vou com tudo para cima do Audi e o acerto, fazendo
meu carro capotar várias vezes. Paramos de cabeça para baixo e minha
cabeça sangra muito; Isadora está desacordada. Solto meu cinto de segurança
e pego minha Glock G25, esperando para acertá-los. Minha cabeça dói e
minha vista está turva, mas não deixarei que façam nada contra Isadora.
Ouço os passos e uma bota feminina para em frente à janela e abaixa,
enquanto do outro lado uma arma é apontada para Isadora.
— Ora, ora, ora, se não é Don Angelo, o famoso e mais temível Don
de toda a Europa. — Gargalha. — Vejo que sangra como todos nós.
— Eu vou te matar, desgraçada. — Tento me mexer, mas quando olho
para o lado, Isadora não está mais.
— Você não está em condições de matar ninguém, Don — Dá um
sorriso de deboche. — Você está nas minhas mãos.
— Será por pouco tempo, Milena Gaudini. — Cuspo o sangue que
está em minha boca. — Farei com você o mesmo que fiz com o filho da puta
de seu marido. — Seus olhos são puro ódio.
— Eu não teria tanta certeza assim. — Sou puxado do carro e apago
com a coronhada que recebo.

*****

Não sei quanto tempo estou apagado. Estou amarrado na cruz de


Santo André num galpão; Isadora está sentada em uma cadeira amarrada e
amordaçada, ainda desacordada. Seu rosto sangra e vejo várias luxações e
escoriações pelo seu corpo que se encontra somente de lingerie. Meu sangue
gela só em pensar que alguém encostou nela e uma fúria me toma, vou matar
o desgraçado que ousou encostar na minha mulher.
Uma porta é aberta e Milena entra com Aquiles.
— Como se sente, Don Angelo? Gostando da nossa hospitalidade? —
Aquiles fala com sarcasmo.
— Acredito que não esteja gostando, Aquiles, não é nenhum hotel
cinco estrelas. — Milena fala e gargalha.
— Só lamento por ele. — Vai até uma mesa e pega uma chibata. —
Como se sente quando está na mesma posição que seus prisioneiros?
— Com a mesma sensação quando sou seu algoz. — Falo com
firmeza.
— Quero ver até onde vai essa sua empáfia, não restará nada dela
quando eu terminar com você.
— Você fala demais, Aquiles Callas, igualzinho ao seu sobrinho e
irmão. — Recebo uma chicotada nas costas, mas para mim não causa tanto
efeito, afinal, Stefano fez um bom trabalho.
— Quero ver aguentar até o fim. — Milena pega sal e vinagre e joga
em mim. — Não sabe o que temos reservado para você.
— Me mostre, então — Sorrio de sua cara.
Nas horas seguintes, sofro todo tipo de chibatadas, choques,
afogamento e surras, mas não me rendo, até ver a exaustão em todos. Olho
para o lado e meus olhos cruzaram com o de Isadora que estavam úmidos de
tantas lágrimas. Tento passar conforto, mas falho, suas lágrimas eram
incessantes. Sou retirado da cruz de Santo André e posto amarrado em uma
cadeira ao lado de Isadora.
— Mocinha — Aquiles segura seu rosto e o levanta até que encontre
seus olhos. —, infelizmente você estava com a pessoa errada, na hora errada
e acabou entrando de gaiato, mas tenho planos para você. Sua beleza me
renderá uma fortuna no nosso leilão. Cuide de tudo, Milena — e sai dando
gargalhadas.
Eu vou matar Aquiles Callas com minhas próprias mãos se ele
encostar um dedo na minha mulher. Observo o local e percebo que deixaram
a mesa com as navalhas no mesmo lugar. Faço força com a cadeira e mesmo
sentindo meus músculos doloridos, forço até me aproximar. Inclino a cadeira
e me apoio nos meus pés e, curvado, alcanço com a boca a navalha e me
arrasto até estar de frente para as mãos de Isadora.
— Vou colocar a navalha nas suas mãos, consegue cortar minhas
cordas? — Falo entredentes. — Balança a cabeça já que está amordaçada.
— Faça. — Solto a navalha na sua mão e me viro de costa para ela.
Depois de quinze minutos, minhas mãos estão livres e desamarro
Isadora. Seguro em sua mão e a conduzo até a porta que está destrancada,
seguimos por um corredor. Não posso me preocupar agora com o fato de ela
estar somente de lingerie. Primeiro, preciso nos tirar daqui. Logo, ouvimos
vozes, devem ser os guardas.
— Se abaixe e faça silêncio. — Cochicho. — Não olhe e só faça o
que eu mandar. — Ela balança a cabeça e se abaixa.
Olho pela porta e vejo que estão distraídos. Vou bem devagar até a
mesa e pego a arma com silenciador e atiro em suas cabeças. Vou até Isadora,
espantada ao ver os cadáveres, e seguro sua mão.
— Não olhe. — Cochicho.
Seguimos por uma porta e entramos em uma garagem, onde um
Dodge Charge está com a chave na ignição, entramos e nos abaixamos
quando escutamos a porta se abrir e vários homens entram armados e Milena
Gaudini dita ordens.
— Procurem os dois, eles não estão muito longe. — Uma correria se
instala. — Peguem a garota e matem Don Angelo.
Permanecemos abaixados dentro do carro, espero até tudo estar calmo
e olho para todos os lados, não vejo ninguém. Ligo o carro e acelero,
arrebentando a porta da garagem e ganhando o pátio.
Tiros são disparados e consigo chegar até o portão, destruindo tudo o
que vejo pela frente. Ganho a estrada e vários carros nos seguem, acelero o
máximo que posso e peço para Isadora achar alguma arma.
— Olhe embaixo dos bancos e no porta-luvas, veja se encontra
alguma arma. — Ela faz com as mãos tremendo.
— AQUI, AQUI. — Grita em desespero.
— Segure a direção. — Ela me olha assustada. — Preciso nos tirar
daqui.
— Eu não sei dirigir. — Me olha com medo.
— Segura a direção e mantenha o pé nesse pedal. — Ela segura e
quase se joga em cima de mim.
Abro a janela e disparo contra os dois carros, consigo acertar o pneu
de um, que capota, e o motorista do outro, que perde a direção e bate em um
muro. Pego novamente a direção e acelero o carro, duas motos emparelham
conosco.
Miro e acerto a perna de um piloto e o outro dispara. Não consigo
sentir se fui atingido, mas quando olho para Isadora, seu ombro está
sangrando, ela me olha, sua cabeça reclina em minha direção e apaga. Sou
tomado por um desespero que não meço o que estou fazendo, coloco a cabeça
dela no encosto e busco a arma que está no meio das minhas pernas, paro o
carro e solto. Miro no motoqueiro e o atinjo na cabeça, a moto desequilibra e
cai e o corpo desliza no asfalto parando próximo a mim. Pego sua arma e
atiro no motorista do outro carro que vem em minha direção em alta
velocidade, ele perde a direção e capota. Entro novamente no Dodge e corro
para o hospital do Forte, preciso salvar a minha mulher.
Aproximo-me dos portões já vindo buzinando a uma certa distância,
para avisar aos meus guardas para não atirarem. Entro com tudo pelos portões
e sou recepcionado por vários fuzis.
Saio do carro e dou a volta, me dirigindo à porta do passageiro, e, ao
mesmo tempo, grito ordens.
— Chamem a doutora. Isadora está ferida.
Elisa corre junto com Enrico e me ajudam a tirar Isadora do carro.
Uma maca surge e Dra. Francisca conduz Isadora para dentro.
Fraco depois de tantas horas sendo torturado, caio de joelhos no chão
e Enrico me ajuda a levantar, me coloca em outra maca; sou levado para
outro setor do Forte e Dr. Luigi cuida dos meus ferimentos junto com uma
enfermeira. Tenho meu peito enfaixado por conta da costela quebrada,
algumas escoriações e hematomas, mas a pior dor é no coração. Não sei
como minha pequena está, se corre risco ou se ficará bem. Tudo o que sei é
que Aquiles Callas pagará muito caro por ter ferido minha mulher. É estranho
falar assim, pois, Isadora ainda não sabe, mas será a Sra. Vicentini Ferrari.
Capítulo 21

Don Angelo

Não sei quantas horas se passaram, não sei se comi, não sei quem
falava comigo, não sei se sobreviverei se perder a única mulher que despertou
algo em mim.
Enrico está em um canto do quarto, enquanto Elisa fala ao telefone,
nenhuma notícia de Isadora e estou impotente nesta cama. A porta se abre e
Dra. Francesca entra com o semblante cansado.
— Don, como está se sentindo?
— Sem rodeios, Doutora, como Isadora está?
— O tiro não atingiu nenhum órgão importante, mas ela perdeu muito
sangue, sem contar com a concussão na cabeça. A cirurgia para extração da
bala foi um sucesso e a paciente está se recuperando na UTI, logo estará no
quarto.
— Ela não corre qualquer risco?
— Aparentemente não, mas assim que ela acordar, faremos novos
exames, como uma tomografia. A pancada na cabeça foi muito forte e ela
teve todo esse estresse, mas vamos esperar que acorde e veremos o que fazer.
— Ainda preciso ficar aqui?
— Será liberado amanhã, Don, descanse e deixarei ver Isadora pela
manhã.
Olho para Enrico e sei que quer saber o que houve; Elisa me fita com
carinho, mas não estou com cabeça para isso agora. Fecho meus olhos e
descanso, amanhã quero estar bem para ver meu raio de sol.
Acordo com a claridade no meu rosto e vejo uma bandeja com café da
manhã sobre a mesa, olho ao redor e a imagem de Isadora machucada vem à
minha mente; reitero minha jura, Aquiles Callas sofrerá para morrer.
Ouço duas batidas na porta e uma enfermeira entra para tirar o meu
IV. Logo, Enrico chega com uma bolsa, onde traz roupas para mim. Mesmo
tendo uma suíte no Forte, fui impedido de sair do quarto do hospital que
temos aqui.
— Bom dia, irmão, como se sente? — Enrico exibe uma ruga na testa
e sei que está preocupado comigo.
— Sinto os efeitos do acidente, mas estou bem. Minha única
preocupação agora é com Isadora, ela presenciou coisas que não deveria,
tenho receio que passe a ter medo de mim.
— Ela é uma mulher forte e saberá separar as coisas. — Sei que ele
quer saber o que houve, mas contarei com todos juntos. — Já passou por
muitas situações difíceis e superou.
— Sei disso, mas para ela, eu sou somente um empresário e não um
mafioso. — Não posso sofrer por antecipação, tenho que me concentrar em
destruir Aquiles Callas.
— Vai me contar o que aconteceu?
— Contarei a todos juntos. Tomarei um banho e irei ver Isadora,
depois, reúna todos na sala azul e me aguardem. — Falo levantando-me com
dificuldade e indo para o banheiro fazer minha higiene. Preciso estar bem
para ver meu raio de sol.
Depois do desjejum obrigatório, sigo a Dra. Francesca até o quarto
onde Isadora está. Uma sensação de alívio me toma em saber que ela está
fora de perigo, mas sinto que isso ainda não acabou. Entro no quarto e a vejo
ainda dormindo, seu rosto está machucado por conta do capotamento e um
curativo está na sua testa, seu corpo tem algumas escoriações e hematomas.
Tomo sua mão na minha e beijo seus dedos, acaricio seu rosto e seus cabelos
e deixo um beijo em sua testa antes de sair, não sou dado a demonstrações de
carinhos com estranhos, mas ela desperta o melhor de mim. Preciso tomar
providencias e meu pessoal me aguarda para a reunião. Mais tarde volto para
vê-la.
Entro na sala azul e olhos curiosos me fitam. Elisa se apressa a vir
falar comigo, mas faço com que se sente.
— Bom dia a todos. — Falo me sentando, com uma certa dificuldade
pela dor no corpo. — Vamos direto ao assunto. Ontem, eu e Isadora, minha
nova assistente, sofremos um atentado comandado por Milena Gaudini, a
mando de Aquiles Callas. — Olho para Anderson e Nico que estão
machucados. Ainda não sei como foram resgatados. — Fomos levados ao
quartel general deles e descobri que têm um péssimo sistema de segurança. A
vulnerabilidade é muito grande e seus armamentos são antigos e velhos.
Quero que seja montado uma vigilância efetiva no local, e assim que Hugo
Falcão estiver reunido com Aquiles, atacaremos. Não ficará impune o que ele
nos causou. Tenho planos para a Srtª Agnelli, por isso, tão logo possa, será
treinada por mim em defesa pessoal e Salvatore a ensinará a atirar. Enrico,
providencie instrutor de direção defensiva e, Elisa, ajude-a com as facas.
Quero prepará-la para o que está por vir, não posso deixá-la vulnerável, a
qualquer momento. Aquiles descobrirá quem ela é e ela precisa saber se
defender.
Sei que querem saber o que aconteceu comigo e que já têm
informações de Anderson e Nico de tudo o que aconteceu na estrada. Olho
para os dois, que consentem.
— Depois que capotamos, eles nos levaram para o galpão dentro do
QG e fui torturado. Isadora presenciou tudo, mas assim que saíram, deixaram
a mesa com os apetrechos de tortura e consegui pegar uma navalha e Isadora
me soltou. Matei dois homens e fugimos em um dos carros, até Isadora ser
atingida por um tiro e corri para cá.
— Quando chegamos no local, Anderson e Nico estavam
desacordados e os trouxemos para cá; Chang rastreou seu celular, mas eles
foram espertos e levaram para Pisa. Estávamos trabalhando para te localizar,
quando chegou com Isadora ferida. — Fala Enrico.
— Precisamos de reforços para a casa de mamma e quero atualização
do que está acontecendo no Brasil.
— Kringer está com Campanaro invadindo os territórios de Falcão,
pelo que Manoel Fontes nos informou; Hugo Falcão está acuado e é questão
de dias para pedir ajuda. — Fala Filippo. — As informações sobre o
armamento procedem, mas houve um atraso por conta dessa guerra, mas,
segundo Fontes, em quinze dias eles buscarão no porto.
— Monte com Salvatore e Domenico um plano para trazermos essas
armas para cá, podemos aproveitar o mesmo container e embarcarmos como
roupas. Suborne o fiscal para liberar.
— Será feito, Don. — Fala Filippo.
— O que vai fazer em relação a Isadora, Don? — Elisa pergunta
preocupada.
— Terei que contar meia-verdade. Ela presenciou o que Aquiles e
Milena fizeram comigo e viu a minha resistência, ela sabe que em condições
normais, nenhum ser humano aguenta tanto tempo de tortura, e eu aguentei
por horas.
Duas batidas na porta e Chang pede permissão para entrar, o que me
deixa em alerta, já que ele não tem esse hábito de interromper uma reunião
com os chefes.
— Perdoe-me interromper, Don, mas é urgente. — Faço sinal para
que entre e fale. — Conferi as câmeras de segurança de todo o trajeto que foi
feito até o ataque e percebi algo estranho.
Ele se senta numa cadeira ao meu lado e digita uns comandos, pondo
a imagem no telão.
— Vou colocar a imagem desde o início e entenderá o que falo.
A imagem mostra Anderson e Nico em frente a VF Technology
Company, uma moça aparece e cai bem próximo a eles que se prontificam em
ajudar, até aí nada de mais, mas quando Chang aproxima a câmera para a
mão da moça, dá para notar quando gruda algo na blusa de Nico. Ela
agradece e se afasta. Eles voltam para o carro e logo eu e Isadora aparecemos
saindo da garagem do prédio e Nico e Anderson nos seguem.
As imagens vão até o momento que passamos do Centro de Livorno
para a autoestrada A12, que liga Livorno a Pisa. Na altura da entrada para a
cidade de Cascina, nosso carro é perseguido, mas o que chama a atenção é
que eles já nos aguardavam e isso indica que além do rastreador, a mulher
também colocou uma escuta. Chang aproxima a câmera e vemos a mesma
mulher montada em uma moto e na outra, está Milena Gandini, nos carros
estão os soldados de Aquiles.
Olho para todos que estão na sala e vejo a perplexidade em seus
rostos e um ódio me toma. Aquiles está nos monitorando.
— Quero que descubra quem é essa mulher e faça uma inspeção em
todos os carros, motos e nas roupas de todos os funcionários. Providencie
detectores para bombas e faça uma vistoria completa em quem entra nas
empresas e em nossos imóveis; se precisar, convoque alguns homens das
Casas, mas preciso disso para ontem. — Levanto-me e vou para a minha
suíte, preciso de um banho e pensar em tudo isso.
Capítulo 22

Don Angelo

Enquanto tomava um banho, a imagem de Isadora baleada me vem


com tudo à mente e um sentimento de temor me toma, pois ela não sabe que
por trás de um empresário de sucesso, está um ser tão obscuro que minha
alma está além de salvação.
Temo a rejeição de Isadora quando ela souber a verdade, temo seu
afastamento, temo sua indiferença, temo que meu passado volte a me
assombrar, temo que ela desvende todos os meus segredos. Não estou me
reconhecendo. Fui treinado para não me render a uma mulher como estou
rendido a Isadora; fui catequizado a não ter sentimentos e usar as mulheres
para depravação, a ser frio e deixar a razão vencer a emoção. Fui treinado
para ser um monstro, sem coração e muito racional. Lembranças da
destruição psicológica que Stefano me causou inundam minha mente e o
único sentimento que tenho por ele é meu ódio mortal.
No colegial, comecei a me interessar por uma menina, seu nome era
Giuliana Ambrósio, ela era linda e popular, chamava a atenção por onde
passava. Certa vez, fui ao escritório de Stefano e peguei um papel de carta
timbrado com o brasão dos Vicentini Ferrari para escrever a minha primeira
carta de amor, mas fui surpreendido com sua chegada.
— O que faz no meu escritório, Angelo? — Fala com os punhos
cerrados.
— Só queria um papel e caneta para escrever a carta para uma menina
da escola.
— Já está querendo comer uma boceta? — Ri debochando. — Então,
serei eu a te ensinar como comer direito. Amanhã sairá comigo, esteja pronto
assim que retornar do colégio.
— Sim, Pappa. — Deixo a folha e a caneta e saio do seu escritório
correndo, sempre tive medo do meu pai.
Lembro-me de no dia seguinte, Stefano me levou a um puteiro, eu
tinha 15 anos e o máximo que conhecia de sexo era minhas punhetas de
adolescente quando via filme pornô escondido e as ejaculações noturnas. Ele
pagou para que uma mulher tirasse a minha virgindade, as coisas que ela
fazia comigo me davam medo, não conseguia ter uma ereção, não gostava de
como ela me tocava e passava a mão por meu corpo. Foi difícil me deixar ser
seduzido, mas como uma profissional, ela soube fazer seu trabalho me
induzindo a tocá-la e sentir meu corpo inflamar de desejo; me fez chupá-la,
tocá-la em várias partes e tentava me beijar na boca, mas sentia nojo. Ela me
fez sentir coisas que até então eram desconhecidas para mim e tudo sob o
olhar atento de Stefano, que estava nu e se tocava. Foi a pior experiência que
pude ter e fiz uma jura que não deixaria Enrico passar por aquilo.
Três anos depois, ele comprou uma virgem em um leilão nos Estados
Unidos, estávamos em uma viagem de negócios, e me entregou a jovem. Era
meu presente de aniversário, completaria 18 anos no dia seguinte. Já conhecia
o sexo sem amor e nunca permiti que nenhuma mulher me beijasse, ainda
sentia nojo dos beijos das prostitutas. Ele se sentou em uma poltrona e ficou
observando-me tirar a virgindade da pobre menina, mas não senti nada,
estava me transformando numa réplica perfeita de Stefano Ferrari. Para mim,
ela era somente o meu presente, uma boceta nova e sem experiência, e me
aproveitei de todas as formas. Depois de tirar sua virgindade, Stefano tirou
sua roupa, veio ao nosso encontro e tirou de dentro de uma gaveta um gel,
segurou o cabelo da garota, deixando-a de quatro, lubrificou seu ânus e o seu
pau e meteu com tudo, tirando um urro de dor da menina. Depois de gozar,
mandou que eu fizesse o mesmo, foi o meu primeiro sexo anal e a primeira
vez que compartilhei uma mulher com alguém. Depois que terminamos, tive
nojo de mim mesmo, ver as lágrimas de dor e tristeza no rosto da menina que
aparentava ter uns 18 anos me causou arrependimento, Stefano percebeu meu
olhar. O estado deplorável que a menina ficou me comoveu e percebi que
Stefano havia me tornado igual a ele. Assim que saímos do quarto, ele me
deu uma bofetada.
— Nunca mais demonstre fraqueza na frente de ninguém. Essa vadia
não vale nada e se vendeu por míseros cinco mil dólares, somente para usar
drogas.
— Desculpa, Pappa. — Falei entredentes e fiz uma jura de que nunca
mais ele encostaria a mão em mim.

Afasto essas lembranças e saio nu do banheiro. Jogo-me na cama e


me lembro o quanto odeio Stefano por me transformar em uma réplica dele.
Não permiti que ele fizesse isso com o Enrico. Quando ele fez 15 anos, eu o
introduzi no mundo do sexo, mas tive o cuidado para que sua experiência não
fosse tão traumática quanto a minha. Aos dezoito, Enrico estava de namoro
com Pietra Gerninaze e foi com ela que ele descobriu o sexo por amor, coisa
que nunca tive, pois, Stefano gostava de exercer o controle até sobre o meu
prazer.
Aos 21 anos, fui levado para a Holanda e Stefano me fez
experimentar todos os tipos de drogas, desde a maconha até o crack. Foram
dias no submundo, onde conheci pessoas dispostas a tudo por um pouco de
droga, me viciei rápido e como uma ave de rapina em cima de sua carniça,
ele me levou para a pior tortura que um ser humano pode passar: a
desintoxicação. Fiquei em uma clínica na Holanda por três meses, a
abstinência é insuportável e muito traumática, mas, para ele, fazia parte do
“treinamento”.
Voltei para a Itália com 20 quilos a menos e foi preciso
acompanhamento médico para recuperar meu peso. Mamma se desesperou,
mas Stefano a enviou para Domenico novamente para que ele concluísse seu
belo trabalho de me torturar. Sempre que eu o questionava, ele vinha com a
mesma história.
— Se um dia você for drogado por um rival, saberá resistir e
sobreviverá.
Três meses depois de ter me recuperado, viajamos para a Alemanha,
onde existem casas que praticam o sadomasoquismo, fui levado a uma dessas
casas de BDSM. Lá, fui submetido a todo o tipo de libertinagem, tanto com
homens quanto com mulheres, foi uma semana sendo violado e sendo
obrigado a violar corpos de todas as formas.
Sempre que eu o questionava, ele dizia a mesma frase: era para o meu
treinamento. Eu o odeio por isso, quando olho para ele, essas memórias
voltam e me questiono o porquê. Nunca demonstrou qualquer sentimento
paterno por mim ou por Enrico, sempre fomos preteridos e reclusos do
contato com Elisa, sempre fomos submetidos a todos os tipos de crueldade e
tratamento desumano.
Lembrar do meu passado me dá asco e saber que quem devia me
proteger me induziu a isso me faz odiá-lo com todas as minhas forças, e não
canso de nutrir esse sentimento todos os dias.
Levanto-me da cama, me visto de jeans e camiseta e dissipo essas
lembranças de minha mente, preciso me concentrar em outras coisas; o
passado deve permanecer onde sempre esteve, no passado, e construir uma
nova lembrança com o presente, e Isadora faz parte disso e, se depender de
mim, ela será o meu futuro.
Sigo o corredor que leva até o quarto onde ela está, mas antes de
entrar, a Dra. Francisca me chama e me conduz ao seu consultório.
— Os exames de Isadora ficaram prontos e ela está com anemia,
precisará de repouso e uma boa alimentação, então, sugiro que fique de olho
nessa mocinha.
— Quando ela terá alta?
— Se tudo correr como planejado, daqui a uma semana. — Fala
olhando para o prontuário de Isadora. — Ainda está se recuperando da
cirurgia e precisa de cuidados.
— Quando ela estiver pronta para ir embora, me informe,
providenciarei tudo. — Cumprimento-a e sigo para a porta me retirando.
Novamente, ando pelo corredor em direção ao quarto de Isadora e
vejo Bianca encostada na parede à minha espera.
— O que quer, Bianca?
— Você. — Responde também direta.
— Não terá, tenho mais o que fazer. — Passo por ela e sinto sua mão
segurar meu braço.
— Não permitirei que me troque por essa “sem sal”. Eu sou sua
mulher, Don, e continuarei sendo até a morte. — Olho para sua mão em meu
braço e ela solta.
— Você não é minha e eu não sou seu; tudo o que tivemos foram
fodas, somente fodas, nada mais. Isadora é minha assistente e não permito
que a insulte ou lhe falte com respeito, estamos entendidos?
— Você não se livrará de mim tão fácil assim. — Fala com raiva.
— Está me ameaçando, Bianca? — Olho-a com ódio. — Esqueceu
quem sou? Não me faça tomar providências a seu respeito, gosto de seus pais
e não quero causar sofrimento a eles.
Olha para baixo. — É que... Eu te amo.
— Não pedi que me amasse, tudo o que tivemos foi apenas sexo e
nada mais. — Saio deixando Bianca para trás.
Dou duas batidas na porta do quarto de Isadora e entro. Seus olhos
estão vermelhos de chorar e, assim que me vê, seu choro aumenta.
— Ei... está tudo bem. Está com dor? — Aproximo-me da sua cama e
a abraço.
— Es... tou com... me... do. — Fala entre soluços.
— Acalme-se, Isadora, não pode se esforçar assim. Passou por uma
cirurgia, mas está bem. — Ela me olha e procura meus machucados.
— O senhor... está... bem? — Mesmo machucada se preocupa
comigo.
— Estou sim, tive apenas escoriações e uma costela quebrada, mas
estou bem. — Ela franze o nariz e acho lindo. — Se acalme. — Ela respira
devagar e, aos poucos, se recupera.
— O que aconteceu, Sr. Vicentini?
— Não se preocupe com isso agora, Isadora. Você precisa se
recuperar.
— Quanto tempo estou aqui?
— Um dia. Chegamos ontem, como você foi baleada, precisou de
cirurgia. — Seus olhos se arregalam e percebo que sua mente traz as
lembranças de tudo o que passamos.
— Minha sobrinha, como ela está?
— Está na Fazenda com Julia; Elisa dormiu lá para ajudar a olhá-la.
Mais tarde a trarão para cá.
— Quando irei embora?
— Em uma semana, precisa se recuperar bem. — Ela faz uma careta e
acabo rindo.
— Eu detesto hospital. — Faz um biquinho lindo. — Não me traz
boas lembranças. Mas se preciso me recuperar, terei que aguentar.
— Estarei aqui com você. — Que merda estou falando? — Ainda
estou me recuperando também. — Emendo logo para disfarçar.
— Não precisa, Sr. Vicentini. O senhor é muito ocupado e eu sou
somente sua assistente, posso ficar sozinha. — Ela me olha com seus olhos
intensos que parecem enxergar o meu interior obscuro.
— Fora de cogitação, Isadora. Sofremos um atentado e um sequestro
e é minha responsabilidade cuidar de você. Quando tiver alta, irá para a
minha casa com Luna e ficará lá até se recuperar totalmente.
— Nã... — Interrompo-a colocando o indicador sobre os seus lábios.
Tão macios...
— Vocês ficarão em minha casa e não aceito sua recusa. Pedirei a
Elisa que vá ao seu apartamento e traga algumas roupas para você e Luna.
Estará sobre os meus cuidados e assim que estiver totalmente restabelecida,
começarei a te ensinar defesa pessoal.
— Eu não gosto de violência, Sr. Vicentini, não sei se saberei
machucar alguém.
— Defesa pessoal não é violência, Isadora. Como o nome diz, é
defesa, e como minha assistente, terá que aprender a regra para ser ligada
pessoalmente a mim.
— Não gosto dessa ideia, senhor, mas se é necessário...
— Agora, descanse, mais tarde venho lhe ver.
— Obrigada por tudo, senhor.
— Me chame de Angelo. — Ela enruga a testa.
— Prefiro manter a formalidade... senhor.
— Como queira, por enquanto. — Dou um beijo em sua testa e saio.
Sei que terei trabalho em conquistar o coração de Isadora, mas farei
de tudo para alcançá-lo. Não sou o Don por acaso, sou determinado naquilo
que desejo e desejo Isadora com todas as minhas forças.
Capítulo 23

Don Angelo

A recuperação de Isadora se dá melhor do que o esperado e hoje ela


teve alta. Estamos seguindo para a minha casa e pedi que Elisa levasse Julia e
Kaira para cuidar da organização de tudo e para olhar a criança.
Entro pelos portões e vejo a admiração de Isadora pelo lugar. Minha
casa fica no alto da colina e é cercada por vegetação nativa, o que traz um
aroma de terra e orvalho. Estaciono na porta principal e Julia sai com uma
garotinha saltitante e feliz. Não me lembro de esboçar um sorriso tão
verdadeiro quanto o de Luna quando era pequeno, sempre fomos tolhidos de
demonstrar qualquer tipo de sentimento. Ela é feliz. Estou tão absorto em
meus pensamentos que não a vejo se aproximar de Isadora.
— Mamãeeee... — Corre e agarra as pernas de Isadora. — Tô cum
sodade de voxê.
— Oh, minha linda. — Beija o rosto da criança pequena. — Mamãe
também está morrendo de saudade de você, mas não posso te pegar agora,
ainda estou dodói.
— Vô tuidar dileitinho de voxê, tá?
— Conto com isso, meu amor. — Ela olha para Luna com um olhar
doce e desejo que algum dia eu possa receber o mesmo olhar.
Ela me olha e solta as pernas de Isadora e corre em minha direção,
fico sem saber o que fazer e me enrijeço quando suas mãos circulam minhas
pernas.
— Tio Angelo, me pega. — Estende os bracinhos para o alto e espera
que a tome em meus braços. Todos me olham e percebo o olhar assustado de
Isadora. Abaixo-me e ergo o pequeno corpo de Luna em meus braços e sinto
o seu perfume de bebê e um instinto de medo e proteção me toma.
— Obigada por cudá da mamãe. — Fala próximo ao meu ouvido e
uma sensação de paz toma meu peito. — Dosto muito de voxê, tio. — Faz
força para descer e me deixa atônito com essa demonstração de carinho.
Coloco-a no chão e ela segue para dentro da casa, como se pertencesse a esse
lugar há muito tempo.
— Desculpa por isso, Sr. Vicentini, Luna é muito expansiva e
demonstra o que sente.
— Não tem por que se desculpar, Isadora. — Olho em seus lindos
olhos. — Ela é uma criança adorável. — E uma feiticeirazinha, como você.
— Ela é sim, mas também é muito ousada. Se ela te perturbar, por
favor, me avise.
— Deixe a criança, Isadora, gosto de tê-la aqui. — Falo
verdadeiramente. Nunca pensei que fosse me sentir bem com uma criança na
minha casa, mas Luna traz vida e esperança.
Seguimos; logo Julia acomoda Isadora no quarto de hóspedes. Preciso
ir ao escritório resolver algumas coisas e, depois, voltarei ao Forte para saber
como estão as coisas no Brasil.

*****

Entro na sala de reuniões do Forte e todos se levantam, tomo o meu


lugar e autorizo que se assentem novamente.
— Quero um relatório completo. — Olho para Filippo.
— Domenico já está no país e amanhã será a entrega do carregamento
de armas. Nosso pessoal já providenciou o transporte para a Itália. Quando o
carregamento chegar, o navio ficará atracado a 10 Km da costa de Livorno e
o cargueiro que irá levar a mercadoria até o nosso cais no porto já estão a
postos. De lá, um caminhão levará até o Forte.
— E quanto a Polícia?
— Já providenciei tudo, Don. — Fala Enrico. — Todos os
pagamentos já foram feitos.
— Ótimo. — Tenho orgulho da minha equipe. — Quero ser
informado quando esse carregamento chegar e já estiver bem guardado.
Como estão as coisas no morro do Brasil? Alguma notícia de Kringer?
— Já tomaram os territórios de Falcão e é questão de dias para pedir
ajuda. Domenico está com uma equipe no hotel, esperando só o seu comando.
Os traficantes estão sob o seu domínio e o que for ordenado, eles farão.
— Esperaremos até a carregamento ser embarcado, sei que assim que
suas armas forem roubadas ele virá me procurar, já que esse é um plano, ele
se passar de leal a Castellar.
— Estamos monitorando Aquiles e descobrimos que a mulher que
estava com Milena se chama Guilhermina Nardine Salazar. É filha de
Augusto Salazar e voltou da Sérvia para vingar a morte do pai. — Elisa nos
atualiza sobre as investigações do atentado. — Segundo Fontes, ela é filha
com Inês Nardine, uma atriz pornô espanhola que morreu de Aids há três
anos. Guilhermina foi cuidada por sua avó materna na Sérvia, até completar
18 anos. Sua avó morreu há dois anos e ela veio à Itália para cumprir sua
vingança contra a Castellar, já que ela está envolvida com a máfia sérvia.
— Então, isso leva a crer que Aquiles Callas está se associando a
máfias fora do nosso controle. Precisamos de mais informações. — Todos
me olham quando solto uma bomba — Quero que vigiem de perto Bianca.
Ela fez uma ameaça a Isadora, e como tenho planos específicos para a Srtª
Agnelli, ela é nossa protegida, até tomarmos a Andragathia.
— Colocarei um rastreador nela. — Informa Chang. — Falarei que é
para um teste.
— Pode fazer isso com todos. — Falo incisivamente. — Será uma
forma de nos localizarmos se algo der errado.
— Providenciarei tudo, Don. — Chang digita algo no computador. —
Podemos começar com o senhor, depois, a menina e Isadora, já que a
Andragathia está de olho em vocês.
— Faremos isso amanhã mesmo. — Ponho-me de pé. —
Comuniquem a seus liderados e ponham rastreador em todos os carros e
motos, não podemos dar brecha para o acaso. — Direciono-me até a porta e
todos se levantam para cumprir suas ordens.

*****
O dia está muito quente em Livorno e passo na gelateria e compro
alguns gelatos para levar para casa, me sinto bem fazendo isso. Para quem
sempre foi sozinho, ter alguém me esperando me agrada muito. Chego em
casa, já escuto a voz de Luna e sorrio, encosto no batente e aprecio a
interação das duas.
— Mas, mamãe — Percebe-se sua contrariedade —, eu papei tudo, pu
que não posso comê chotolate?
— Porque é açúcar e você fica elétrica com açúcar.
— Só um mucadinho. — Faz sinal de prece. — Pu favorzinho. — Faz
um biquinho.
— Luna, não é que eu não queira te dar, é que você vai acabar
dormindo tarde e a mamãe precisa descansar.
— Eu fico com tio Angelo. — Faz carinha de pidona. — Só um
mucadinho. — Acabo rindo e elas me olham.
— Tio Angelo. — Ela corre em minha direção e abraça minhas
pernas. — Pede pá mamãe dexá eu comer chotolate!? — Olho para Isadora
que está sem graça.
— Sua mamãe é quem sabe, bonequinha. — Ela sorri. — Mas trouxe
gelato que é melhor que chocolate. — Ela arregala os olhos e corre para a
mãe.
— Posso, mamãe, posso?
Isadora me olha sem acreditar no que fiz, mas estou pouco me
lixando. Queria ter um momento de normalidade em minha vida e se para
isso eu tiver que burlar todas as regras preestabelecidas pela sociedade em
como não se deve mimar uma criança, eu burlarei.
— Só um pouco, Luna. — Ela me olha e percebo que acabei de
contrariá-la; o jeito que me olha me agrada, me sinto parte delas.
— Obá — Fala pulando. — Eu goto muito de voxê, tio.
— Deixa de ser interesseira, Luna. Precisa gostar das pessoas
independentemente de elas darem presentes ou não.
Fico frustrado pelas palavras dela, não era minha intenção comprar a
atenção ou o carinho de ninguém, muito menos despertar esse tipo de
sentimento em uma criança. Deixo os gelatos sobre o balcão da cozinha e
sigo a passos duros para a sala, indo em direção ao meu quarto, quando sinto
dedos delicados tocarem meu braço. Viro-me e encontro aquele mar do
Caribe me olhando arrependido e me sinto um sortudo desgraçado por ter
Isadora me tocando com carinho.
— Me desculpa, senhor. — Fala abaixando a cabeça. — Não queria
ser ingrata e muito menos lhe ofender, mas é que Luna precisa ser educada e
não tenho mais meus pais para fazerem isso; me sinto na responsabilidade de
dizer não, quando na verdade quero dizer sim. Não estou acostumada a ter
esse tipo de atenção e cuidado, sempre fui eu a cuidar e suprir as coisas em
casa e, muitas vezes, não podia comprar um simples picolé, o dinheiro já
estava contado para o mês. Sinto muito. — Aproximo-me dela e toco-lhe o
rosto, e sentir a textura da sua pele me dá esperança de ser melhor.
— Não precisa se preocupar com mais nada em relação aos cuidados
de Luna, Isadora. Aqui, ela terá de tudo e você será cuidada por mim.
— Não posso aceitar, senhor...
— Angelo. — Corto sua fala. — Me chame de Angelo. Estamos
debaixo do mesmo teto e não precisamos desta formalidade aqui.
— Como quiser... Angelo. — Uma sensação de prazer me toma ao
escutar meu nome em seus lábios. — Mas não posso aceitar que nos sustente,
eu trabalho e posso cuidar de Luna.
— Não falei que não pode cuidar dela, só falei que em minha casa
vocês terão o que for melhor, faço questão e não aceito que discuta sobre
isso.
— O senhor é muito mandão. — Coloca a mão na boca depois de
falar. — Desculpa, senhor.
Estreito meus olhos para ela e uma euforia cresce dentro de mim.
Nenhuma mulher ousou me criticar tão abertamente, nem Elisa tem tal
liberdade, e ela ousa me chamar de mandão?
— Creio que não entendi o que disse, Isadora. — Quero que ela fale
novamente. — Do que me chamou?
— Mandão. — Esboça um sorriso, mas se segura.
— Não goste que eu seja... mandão? — Falo me divertindo com sua
expressão quando vou me aproximando mais dela.
— Não... é... que... — Seu pequeno corpo encosta na parede e coloco
minhas mãos na altura de sua cabeça, e aproximo meu rosto do seu. — É
que...? — Seu perfume natural entra por minhas narinas e um fogo se acende
em meu corpo. — Não... estou acostumada a receber ordens de alguém que
não conheço. — Termina a frase em um sussurro e quase não escuto, meus
olhos não saem de seus lábios.
— Como disse, senhorita? — Pergunto novamente para poder sentir
seu hálito de morango ao falar.
— Não estou acostumada a re...
Tomo seus lábios nos meus e sinto como se uma bomba nuclear
estourasse em meu peito. Seus lábios são macios e seu gosto misturado com o
sabor do morango torna tudo perfeito. Nunca senti necessidade de beijar uma
mulher, mas Isadora desperta meus instintos mais primitivos e adormecidos.
Ela retribui o beijo, enlaço sua cintura e embrenho meus dedos nos seus
cabelos macios, trazendo-a mais para mim. Seu pequeno corpo se encaixa no
meu e um sentimento de posse me toma. Ela é minha.
Minha Isadora.
Minha mulher.
Capítulo 24

Don Angelo

Aos poucos vou parando nosso beijo, puxo seu lábio inferior e
encosto minha testa na sua e ao abrir meus olhos, encontro-a de olhos
fechados.
— Foi o melhor beijo que dei em toda a minha vida, Isadora, e vou te
beijar de novo.
Tomo novamente seus lábios, mas, desta vez, de forma mais calma,
saboreando o momento e me entregando ao melhor que a vida pôde me
oferecer até aqui. Toco sua cintura e desço minha mão para as suas costas
num carinho cheio de cuidado, toco seu braço e volto para sua nuca. Ela está
totalmente entregue a mim e isso me dá uma satisfação que não tem como
mensurar.
Separamo-nos lentamente e ao abrir seus olhos, vejo sua íris dilatada
e o quanto ela gostou. Seus lábios estão vermelhos, levemente inchados, e
suas bochechas, coradas. Toco seu rosto e dou um selinho.
— Estava ansioso para sentir seu gosto, minha Isadora, desde quando
te vi pela primeira vez.
— Isso... isso foi errado, senhor. — Percebo sua luta interna — Sou
sua assistente, não podemos...
— Podemos e quero que aceite. — Estou sendo mandão novamente,
mas não posso recuar, eu quero esta mulher e sei que ela me quer também. —
Não te beijei por impulso, Isadora, quero te beijar há muito tempo e esta foi a
oportunidade; não quero deixar de te beijar por ser minha assistente.
— Mas é errado, senhor...
— Angelo. Já pedi que me chame pelo nome. — Sou um pouco
arrogante, mas ela precisa entender.
Faz um bico de contrariedade e não resisto, aproximo-me novamente
e a beijo. Não como os outros beijos, mas um beijo de... felicidade?
— Não precisa manter distância de mim, Isadora. — Prendo seu
corpo ao meu. — Somos adultos e não devemos satisfação a ninguém. Eu te
quero na minha vida.
— Não nos conhecemos direito, Angelo. Estou em sua casa para me
recuperar e agora...
— Agora? — Incentivo a continuar falando.
— Não sei... quando me beijou... senti familiaridade... Como se
sempre tivesse em seus braços, como se pertencesse aos seus braços.
— Você pertence, Isadora. — Estou com um tumulto de sensações em
meu peito, mas sou incapaz de soltá-la, que está aconchegada em meu peito.
— Não quero confundir as coisas, Angelo. — Olho em seus olhos
assim que ela levanta a cabeça e me encara. — Sou sua assistente e quero que
me trate como tal, não é porque nos beijamos que terei tratamento
diferenciado.
— Não terá tratamento diferenciado, só beijarei você quando der
vontade. — Ela estreita os olhos e me faz dar uma gargalhada, coisa que há
muito tempo não fazia.
— Posso sabê o poque voxes estão abaçados e nem me xamô? —
Somos despertados da nossa bolha assim que uma criaturazinha fala conosco.
Luna está com os bracinhos cruzados na altura do peito, cara emburrada e o
pezinho bate no chão. Olho para Isadora que está com a sobrancelha
levantada e, ao me olhar, caímos na gargalhada. Nunca pensei que teria uma
noite tão especial, tão comum, como estou tendo hoje. Isadora nos meus
braços e Luna querendo nosso carinho. Finalmente, acho que Deus se
lembrou de mim.

*****

Saímos cedo para o escritório. Filippo me olha pelo retrovisor e


franze a testa. Isadora está concentrada na agenda e eu, como um tolo, não
paro de sorrir. Lembrar dos lábios do meu raio de sol, me dá uma felicidade
nunca sentida por mim e isso é especial. Descemos no estacionamento e tomo
sua mão na minha, ela me olha espantada, mas sigo como se fosse normal.
Passamos pelo saguão e todos param e nos olham, mas foda-se, ela é minha
mulher e quero que todos saibam.
O elevador se abre no trigésimo oitavo andar e Samanta se levanta
para nos receber, olha para as nossas mãos e sorri.
— Bom dia, Don. Bom dia, Isadora. A Srtª Elisa aguarda na sua sala e
o senhor Enrico está a caminho.
— Obrigado, Sam. — Sigo para a minha sala e encontro Elisa com
um copo de vodka logo cedo.
— Não acha cedo demais para beber, Elisa? — ligo meu notebook.
— Estou nervosa, Don. — Levanto minha cabeça e percebo que está
preocupada.
— O que está havendo, Elisa?
— Temos um traidor. — Levanto-me tão rápido da cadeira que ela
cai, fazendo um grande barulho.
— Quem é o desgraçado? — Soco a mesa. — Fala, Elisa, quem é a
porra do desgraçado?
— Romeu. — Fecho meus olhos e não consigo acreditar. — Depois
que colocamos os rastreadores, ele ficou muito estranho. Chang começou a
monitorá-lo e ontem ele foi até o quartel de Aquiles Callas. Nico o seguiu e,
agora, ele está no Forte, na sala branca, aguardando por você.
— Não poderei ir agora, tenho assuntos a tratar na empresa. Deixe-o
preso até à noite. Precisamos averiguar isso direito.
— Será feito.
Duas batidas na porta e Enrico entra com cara de poucos amigos, e já
sei que vem mais bomba por aí.
— Estou vindo do centro e o filho da puta do inspetor de segurança
quer mais dinheiro, diz que para fazer vista grossa para o desembarque das
armas precisa calar algumas pessoas.
— Dê o que ele quer, mas fique de olho, pessoas assim querem
sempre mais.
— Ficarei. Soube de Romeu, o que pretende fazer?
— O de sempre, mas antes preciso de informações.
— Isso está muito estranho, Don. Romeu sempre foi fiel e quando
viajamos para o Brasil, estava bem, acho que tem coisa nessa suposta traição.
— Também tenho minhas desconfianças. Sempre trabalhei com
Chang e Romeu e nunca percebi nada de errado. Ele sempre falou que sua
irmãzinha de dez anos tinha ficado com sua tia em Monteriggione; contou
que sua mãe morreu há cinco anos e ele fugiu para tentar melhorar de vida, já
que a tia não tinha condições de criar duas crianças.
— Vamos verificar, mas fiquem de olho e peça a Filippo para saber o
paradeiro de sua tia e irmã, e as traga para mim.
— Eu faço isso, Enrico. — Elisa se apressa. — Estou mesmo de
saída.
Enrico fica mais uma hora no meu escritório e segue para o Forte.
Pedi que organizasse as coisas até eu chegar e verificasse com Chang os
registros de Romeu.
Sei que algo não encaixa, mas preciso ser imparcial e dar a Romeu o
direito de se explicar, afinal, ele está há três anos conosco e nunca me
decepcionou.
Capítulo 25

Don Angelo

Chego ao Forte depois de deixar Isadora em casa. Entro na minha


suíte e retiro minha roupa, preciso de um banho e, depois, vou à sala branca
visitar Romeu. Encontro-o amarrado e ao me ver, uma lágrima escorre de
seus olhos.
— Desamarre-o e o coloque sentado na cadeira comum, terei uma
conversa primeiro — Salvatore desamarra Romeu e o coloca sentado de
frente para mim. — Quero que me fale a verdade, se eu sentir que está
mentindo, você sabe quais serão as consequências. — Ponho minha Glock em
cima da mesa e olho para Romeu.
— Me perdoe, Don. — Fala chorando. — Me perdoe.
— Não estou aqui para ouvir seu pedido de perdão, Romeu, quero a
verdade e não estou com muita paciência hoje. — Ele suspira e abaixa a
cabeça para se recompor e, em seguida, olha dentro dos meus olhos e começa
a falar. Admiro a coragem dele e a ousadia de me olhar nos olhos para que
veja a sua sinceridade.
— Na minha folga, fui a Monteriggione visitar minha irmã e minha
tia, mas quando cheguei em casa, Aquiles Callas estava tomando café com
elas. Fiquei apavorado, mas não podia demonstrar. Assim que elas saíram da
sala, ele apontou sua arma para mim e me ameaçou.
— O que ele te falou, Romeu? — Falo irritado.
— Queria informações sobre Isadora Agnelli. — Soco a mesa.
— E você deu? Deu a porra das informações que ele queria? — Falo
gritando.
— NÃO, DON, NÃO DEI. — Ele grita também. — ELE LEVOU
MINHA TIA E MINHA IRMÃ. — Volta a chorar.
Olho para Filippo e busco nele a informação que pedi e ele nega com
a cabeça.
— O que você foi fazer no quartel de Aquiles, Romeu?
— Fui tentar negociar e ganhar tempo para tirar minha irmã e minha
tia de lá, mas Nico me pegou antes que pudesse fazer.
— Por que não falou comigo? — Estou irritado com a facilidade que
Aquiles está chegando perto da gente.
— Fiquei com medo de não acreditarem e me matarem.
Silencio durante longos minutos para analisar toda a situação. Aquiles
está cada vez mais ousado, invadindo o meu território e, agora, ameaçando
pessoas dentre o meu povo.
— Soltem-no. — Ordeno. — Quero uma reunião agora na sala azul.
— Deixo o local e vou para o escritório.
Sirvo-me de um whiskey e tento absorver tudo o que está
acontecendo. Amanhã, Domenico roubará a carga de Falcão e em breve ele
virá até mim, mas Aquiles está tentando me desestabilizar, atacando o meu
pessoal. Preciso de uma estratégia para pará-lo, antes que uma guerra se
instale em Livorno.
— Com sua permissão, Don. — Filippo entra na sala. — Aqui estão
as informações que me pediu.
Abro a pasta e vejo a foto de uma senhora de idade com uma
garotinha sendo posta dentro de um carro e reconheço Aquiles Callas. A
sequência de fotos mostra o carro em movimento e eles entrando no QG de
Aquiles.
— Entre em contato com Luigi Abbate, o Toro, preciso que se
certifique de que a tia e a criança ainda estão no QG e, depois, as traga para
mim.
— Será feito, Don. — Filippo pega o telefone e prontamente Toro
atende, afirmando que fará o que foi ordenado.

Chego em casa e o silêncio me domina, deixo minha pasta sobre o


sofá e sigo para o andar superior, percorro o corredor em silêncio e abro a
porta do quarto de Isadora. Ela está dormindo serenamente. Aproximo-me,
passo a ponta dos meus dedos no seu rosto e ela acorda.
— Aconteceu alguma coisa com Luna? — Senta-se na cama e posso
ver seu corpo numa camisola preta de renda; meu pau ganha vida.
— Não, não aconteceu nada. Estou com saudades dos seus beijos. —
Sento-me na ponta da cama e a puxo para mim. — Do seu perfume, do seu
carinho.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não, meu raio de sol, estou somente com saudades de você. —
Faço carinho em seus cabelos. — Meu dia foi difícil hoje e preciso relaxar.
— Não sou a pessoa ideal, Angelo. — Ela se afasta de mim e cobre o
corpo. — Não posso te oferecer o que quer.
— Não quero sexo, Isadora, quero somente estar perto de você. —
Falo tirando o paletó e me livrando dos sapatos e meias, abro a calça e fico de
cueca e me deito ao seu lado, o que lhe causa espanto.
— O que está fazendo?
— Somente me deitando ao lado da minha namorada. — Ela me olha
assustada. — Sei que ainda não formalizei e que está cedo para isso, mas em
breve isso será um fato.
— Você só pode estar de brincadeira comigo? — Ela se levanta toda
nervosa. Fico apreciando seu corpo e me deliciando da visão privilegiada. —
Nos conhecemos há pouco tempo e... fala em namoro, mas se deita na minha
cama como se... e... o que as pessoas vão pensar de mim? — Gagueja e acho
lindo seu receio.
— E por que eu me preocuparia com o que as pessoas haveriam de
falar? Não estou preocupado com isso, raio de sol, o que me interessa é o que
você pensa e o que eu quero. Somos adultos, Isadora, e não devemos
satisfação a ninguém. E, além do mais — Levanto-me, indo até ela —, quero
estar com você.
— Isso não é certo. — Seguro sua cintura e a aproximo mais de mim.
— Sou sua assistente e...
Beijo-a. Calo sua linda boquinha com um beijo que aquece os nossos
corpos. Ergo-a do chão e a conduzo para a cama e deixo meu corpo pairar
sobre o dela, posso sentir a quentura do seu sexo. Paro o beijo aos poucos e
olho em seus olhos.
— Não fique colocando empecilho no que estamos vivendo; vamos
deixar as coisas acontecerem e não tenha medo, não farei nada que não
queira. — Beijo a ponta do seu nariz. — Quero só ficar com você, sentir seu
cheiro e a quentura do seu corpo. — Coloco minha cabeça na dobra do seu
pescoço e inalo seu cheiro.
— Nunca dormi com nenhum homem, Angelo. — Levanto minha
cabeça tão rápido que acho que não escutei direito.
— O que você falou?
— Nunca dormi com nenhum homem. — Suas bochechas coram. —
Eu sou virgem, Angelo. — Cobre o rosto com as mãos parecendo uma
criança e eu fico tentando absorver essa informação.
— Olhe para mim, Isadora. — Ela aos poucos tira suas mãos do rosto
e levanta o olhar — Você é especial e eu não mereço ter um ser tão puro
perto de mim, mas sou egoísta demais para renunciar a você. — Ela me olha
sem entender nada— Sou um filho da puta sortudo por receber da vida uma
chance de me redimir. Você é a minha redenção. — Tomo seus lábios nos
meus, numa promessa de nunca deixar ninguém tirar de mim essa chance que
a vida está me dando.
Capítulo 26

Don Angelo

Finalmente hoje será a ruína de Hugo Falcão.


A operação ocorre tranquila e assim que temos o aval, Manoel Fontes
entra em ação. Foram exatos três dias até o primeiro contato de Hugo Falcão.
— Bom dia, Don. — Ouço a voz de Hugo Falcão na chamada e logo
que todos se posicionam em seus lugares, a chamada de vídeo é aberta e
podemos perceber as olheiras e o cansaço em seu semblante. — Estou
precisando de ajuda.
— Em que a Castellar pode lhe ajudar, Falcão? — Tento ser
indiferente.
— Minhas áreas foram tomadas por rivais, estou sendo procurado e
como se não bastasse, todo o armamento que comprei no México foi roubado
por meus inimigos. Estou sendo caçado pelo Cartel Los Betas. Eles virão
atrás do pagamento e não terei como honrar, e não posso exercer minhas
atividades enquanto as Forças Armadas estiverem nas ruas. Minha
esperança está na nossa Organização, Don, estou precisando de apoio.
Olho para todos os meus líderes e eles entendem que chegou o
momento que tanto aguardamos, chegou o momento de destruir Hugo Falcão
e a Andragathia.
— Terá minha ajuda, Falcão. Amanhã chegará à cidade o líder da
Casa Vermelha, Domenico Petrovick, e tomaremos novamente o controle da
situação, mas terá que se refugiar aqui na Itália e deixar que meus homens
assumam tudo.
— Não tenho opção, Don Angelo. — Percebo a derrota em sua voz,
mas é pouco para me sentir saciado do desejo de matá-lo com minhas
próprias mãos. — Assim que passar o comando para o seu líder, embarco
para o Uruguai em um voo clandestino e sigo para Itália.
— Tudo voltará ao seu lugar, Falcão, confie na Castellar. — Vejo um
certo receio em seus olhos, mas continuo: — Afinal, agora faz parte da
família.
— Agradeço a ajuda. Nos veremos em breve. — A transmissão é
encerrada e olho para todos.
— Chegou o grande momento. — Anuncio com satisfação — Assim
que estiver confirmado seu embarque, reserve um hotel para ele e montemos
vigilância; o pegaremos desprevenido e deixaremos Aquiles exposto para
atacarmos.
— Será feito, Don. — Elisa avisa.
A reunião com todos os representantes das Casas demorou horas e
assim que terminou, tudo o que queria era ir para casa, estar nos braços de
Isadora, mas as coisas nem sempre são como planejamos.
O alarme de invasão começa a soar e todos se posicionam para
contra-atacar. Filippo e Salvatore se juntam a mim e vamos para o ponto
estratégico dentro do Forte, onde as câmeras captam toda a movimentação.
Seis homens fortemente armados avançam pela lateral e são mortos por Jin
Yang e seu pessoal; mais à frente, Minamoto Takeda luta com dois homens
que são facilmente derrubados pelo nosso samurai. Elisa acerta a sua faca no
peito de um homem e luta com outro enquanto Enrico, na retaguarda, luta
com mais dois.
Saio da sala de monitoramento e sigo com Filippo e Salvatore para a
entrada principal, e assim que abrimos a porta, dez homens fortemente
armados apontam para nós. Um carro se aproxima e um motorista
elegantemente vestido sai e abre a porta traseira. Um homem trajando um
alinhado terno preto se aproxima e Filippo aponta a arma em sua direção e
Salvatore fica ao fundo com a mesma postura.
— Desculpe invadir seu território e causar tamanha confusão e
estrago. — Fala de uma distância segura. — Me chamo Aleksander Ivanov e
pertenço a Tigres de Arkan, mais conhecidos como Boinas Vermelhas, faço
parte da máfia Sérvia.
— Que forma interessante de se apresentar. — Falo debochadamente,
não mostrando intimidação — O que realmente deseja de nós, Sr. Ivanov?
— Juntar forças e acabar com o desgraçado que invadiu minha casa,
matou meus pais e sequestrou minha irmã pequena. Aquiles Callas.
— E por que acha que a Castellar vai lhe ajudar?
— Porque também tem algo a perder.
— E o que seria? — Quero ver até onde ele vai.
— Isadora Fontinni Agnelli, filha de Leonel Agnelli, herdeira da
Andragathia.
— Basta. — Faço sinal para que Filippo o reviste e ele se deixa
revistar. — Venha, vamos até meu escritório. — Seguimos em silêncio para
dentro do Forte e Enrico se posiciona na minha retaguarda, enquanto
Salvatore mantém a arma em punho com a mira para Aleksander Ivanov.
Elisa vai até o Centro de Monitoramento pesquisar tudo sobre Aleksander e
me atualizar assim que conseguir informações.
— Sente-se. — Aponto a poltrona à minha frente e me posiciono atrás
da minha mesa. — Convença-me.
— Don Angelo, nossos pais se conheceram há muito tempo — Olho
desconfiado. — Há exatos vinte e seis anos. Minha família nunca teve
envolvimento com a máfia Sérvia, mas, um belo dia, nossa casa foi invadida
por militantes da máfia Italiana e junto com outras crianças, minha irmã de
apenas dois meses foi levada; fomos mantidos em cativeiro por dois dias e
libertos quando saíram da cidade de Belgrado. Três dias depois, fomos
procurados por Stefano Vicentini Ferrari, ele nos contou que a Andragathia
vendia crianças para a prostituição e para casais que pagavam uma fortuna
para adquirir bebês sem passarem pelo processo lento e burocrático
convencional. Foi oferecido ao meu pai a chance de encontrar minha irmã;
meu pai se aliou a Castellar, com o objetivo de receber ajuda nessa procura.
Anos se passaram e três grupos surgiram em meu país, mas o que mais se
destacou foi o Zenun, que era ligado a Castellar. Não vou lhe aborrecer com
detalhes técnicos da história, mas o importante é que minha família foi
empurrada, por questões de miséria, a entrar no crime organizado. Meu pai se
tornou o líder, mas o governo pôs em marcha uma operação contra o crime
organizado, a Operação Sablja. Meu pai acabou sendo morto e minha mãe
não se recuperou das perdas. Ficou doente, câncer, e há dois meses faleceu.
Hoje, vim para cobrar a ajuda da Castellar na procura pela minha irmã, minha
única família, e conto com a palavra que foi dada por Don Stefano ao meu
pai muitos anos atrás.
Pelo ponto em meu ouvido, Elisa confirma tudo o que Aleksander
Ivanov falou. Levanto-me e vou até o canto da minha sala, servindo dois
copos de whiskey e entrego um a Aleksander, e recosto-me em minha mesa.
— Quais as informações que têm sobre sua irmã?
— Que foi adotada por uma família italiana. Seu pai se suicidou
depois de perder tudo na bolsa de valores há cinco anos e sua mãe morreu há
dez anos em um acidente de carro.
— Algum sobrenome ou referência que possa ajudar?
— Somente o sobrenome de sua mãe, Palmiere. Antes que pergunte
qualquer coisa, já respondo que os Palmiere simplesmente sumiram da face
da Terra. Provavelmente tornaram-se em menor número e, para se
protegerem, devem ter trocado de nome. É onde minha pista se encerra.
— É o bastante. — Pedirei a Chang que faça uma varredura nos
arquivos e tente encontrar alguma coisa, mas manterei sigilo por enquanto
sobre isso. — Verei o que posso achar.
— Aqui está o meu cartão. — Ele me estende seu cartão e o deixo
sobre a mesa. — Estou morando na cidade e aguardarei seu contato. Peço que
mantenha a palavra de seu pai.
— A palavra de um Don nunca volta. — Ele sai acompanhado por
Filippo e fico tentando absorver tudo o que ele me falou.
Elisa entra na minha sala com um dossiê preliminar de Aleksander
Ivanov e tudo o que leio confirma sua história.
Saio da minha sala junto com Elisa e logo Enrico se junta a nós. Tudo
o que tenho em mente é ir atrás de informações que somente Stefano pode me
dar.
Capítulo 27

Don Angelo

Entro no quarto do último homem que gostaria de ver neste momento


da minha vida.
Stefano está deitado com um tubo de oxigênio no nariz e Antonella
Vitale ao seu lado fazendo exercícios.
— Bom dia. — Cumprimento sem nenhuma vontade.
— Bom dia, senhor. — Ajeita as cobertas e me olha. — Com licença.
— Sai antes que eu peça.
Aproximo-me da cama e o cheiro de sua pele me enoja, olhar para o
homem que destruiu meus sonhos e foi o carrasco que me ensinou a ser frio e
um assassino não me causa nenhum tipo de sentimento bom, a não ser ódio.
Ele me olha e um leve sorriso se forma em seus lábios.
— Sentindo a minha falta, garoto? — Meu corpo se enrijece e meus
músculos tensionam, ele sempre me chamava assim e eu odeio esse vocativo.
— Nunca, Stefano. — Sou frio em minhas palavras. — O que me traz
aqui é um assunto que eu não tinha conhecimento.
— Ainda sou um Don e mesmo que essa doença tente acabar com as
minhas memórias, ainda me lembro do quão cruel fui com você e o quão
prazeroso foi. — Dá um sorriso debochado.
— Você é um doente e nunca duvidei do seu ódio por mim, mas o que
sempre me questionei foi: por quê? — Ele fica sério e olha para a janela que
dá vista para o jardim de mamma; quando volta a olhar para mim, vejo o
homem frio e cruel, é o mesmo olhar.
— Quando Giordana engravidou, fiquei muito feliz. Era meu sonho
ter um herdeiro que pudesse seguir ao meu lado na máfia e passar a ele todo o
meu conhecimento e treinamento. Foi maravilhoso descobrir que teria um
herdeiro, passei toda a gravidez de Giordana ansiando para ter meu filho nos
braços.
“Assim que vi seu rosto pela primeira vez, notei que algo estava
errado, você era muito parecido com Giuseppe Pellegrini, meu chefe de
segurança e amigo pessoal, mas como todos os bebês são iguais, não me
importei; até que no seu primeiro ano de vida, algo me chamou atenção,
Giuseppe e Giordana estavam indo em direção ao escritório e os segui.
Questionei sua mãe naquela mesma noite e descobri que você é fruto de uma
traição. — Fico sem palavras. Nunca pensei que minha mãe pudesse fazer tal
coisa. — Já havia te registrado como meu filho e como punição pela traição,
executei Giuseppe na frente de sua mãe que, por conta disso, teve um colapso
e precisou ir para o hospital.
Olho para ele atônito. Essa história é completamente absurda, mamma
nunca trairia Stefano, até porque ele é a encarnação do demônio, seria capaz
de matá-la sem antes procurar a verdade.
— Temos um código na máfia, você sabe disso, não aceitamos
divórcios e tive que manter meu casamento de fachada. Certo dia, cheguei
bêbado em casa e ela me ajudou, fomos para o meu quarto e ela cuidou de
mim, acabamos fodendo sem qualquer proteção, pois ela estava estragada
para ter filhos. — Sinto nojo quando ele fala assim de mamma. — Giordana
não podia mais engravidar devido a complicações no parto, mas um mês
depois os enjoos começaram, tonturas e desejos, até que foi constatada a
gravidez. Depois de dois anos, o milagre aconteceu, ela estava grávida de
gêmeos e fiquei feliz; finalmente teria herdeiros legítimos, não um bastardo.
— Ouço calado. — Enrico e Elisa nasceram, meus filhos legítimos, mas que
não podia assumir o meu lugar por já ter registrado um bastardo e a Castellar
nunca destituiria um primogênito. Sempre torci para você morrer nos
treinamentos, mas sempre foi resistente e não tive escolha, te tornei meu
sucessor.
Chocado com a revelação e enojado por todo esse segredo, mantenho
meus braços tensos ao lado do meu corpo, com as mãos cerradas em punho.
— Eu te odeio por isso. Por ter me submetido a suas atrocidades, por
ter tirado a minha inocência e me tornado frio igual a você. Eu era uma
criança e não pedi para nascer, muito menos como fruto de uma traição.
Sempre achei que não gostava de mim e nunca entendi por que, mas agora
tudo foi esclarecido, minhas dúvidas foram sanadas e agradeço por não ter
seu sangue correndo em minhas veias.
— Estou morrendo, Angelo. — Viro meu rosto para as enormes
janelas e contemplo o belo jardim. — Não podia morrer com esse segredo.
— Não vim até aqui para ouvir suas confissões, muito menos para te
perdoar, mas foi esclarecedor, como já disse.
— O que veio fazer aqui, então?
— Quero saber tudo sobre a família Ivanov e qual foi o real acordo
firmado com o clã Zanun. — Ele franze o cenho como se tentasse lembrar e
logo um brilho diferente surge no seu olhar.
— A Andragathia percorria diversos países em busca de crianças,
jovens moças e meninos para serem explorados ou vendidos. Descobri que
estavam na Sérvia e fui até lá para impedir que causassem estrago em mais
um país, e me vingar de Átila Callas por ter matado Tenório Agnelli, mas
cheguei tarde. Meus homens acharam Boris Ivanov e sua família há dois dias
presos no porão sem comer e nem beber. Descobri o que a Andragathia fez e
prometi que o ajudaria a achar sua filha, mas que ele fosse o líder de uma
extensão da Castellar em Belgrado. Nunca achei o paradeiro da menina e
depois que Boris morreu, não vi necessidade de ir atrás de informações.
— Aleksander Ivanov me procurou ontem e cobrou o acordo que foi
firmado.
— Então, ache a garota e não deixe a palavra de um Don se perder.
— Farei, mas não por você e sim, pela Castellar, é o nome da
Organização que está em jogo e foi por ela que Boris Ivanov morreu, é o
mínimo que tenho a fazer para honrar sua palavra de merda. — Direciono-me
à porta e saio sem olhar para trás.

As palavras de Stefano não saíam da minha cabeça e assim que chego


ao escritório, não cumprimento ninguém e não consigo esconder minha
irritação. Isadora se aproxima, mas a impeço.
— Agora não, Srtª Agnelli. — Falo grosseiramente; ela abaixa a
cabeça e volta ao seu lugar. A raiva acumulada em mim é maior que o amor
que sinto por ela e acabo descontando nela o ódio que sinto por Stefano. Sei
que me arrependerei depois, mas por ora é melhor ela se afastar de mim. —
Não estou com paciência e nem com disposição para lhe dar atenção, quando
eu quiser lhe procuro para qualquer assunto.
Pedi que Samanta chamasse Chang à minha sala. Isadora estava
calada e de vez em quando me olhava de soslaio. Samanta anuncia Chang.
— Isadora, poderia me deixar a sós com o Sr. Chang? — Ela se
levanta, pega sua bolsa e vai até a porta e se vira com um olhar diferente para
mim, mas não estou me importando. — Peça que entre — falo com
indiferença. — Chang entra e se senta.
— Preciso que descubra tudo sobre Giuseppe Pellegrini e me entregue
um dossiê completo.
— Será feito.
— Preciso também de informações sobre Boris Ivanov e uma família
italiana com o sobrenome Palmiere. O mais rápido possível
— Será feito. — Ele se levanta e sai.

*****

Isadora

Começo o dia respondendo alguns e-mails, atendendo algumas


ligações e anotando os recados para passar para o Sr. Vicentini que não vejo
há dois dias. Ouço seus passos e logo ele entra na sala e não me
cumprimenta. Estranho, ele é sempre educado, mas hoje ele está diferente,
parece aborrecido e tem um semblante triste. Levanto-me da minha cadeira e
sigo para a sua mesa para deixar os recados, mas antes que eu dê três passos,
ele me impede.
— Agora não, Srtª Agnelli. — Olho espantada por seu tom grosseiro,
abaixo minha cabeça e engulo o nó que se formou em minha garganta.
Continuo trabalhando e em nenhum momento ele me olha. Começo a
me questionar o que fiz de errado e me lembro de falar que sou virgem, talvez
seja isso, ele ficou com raiva que não cedi aos seus encantos. Estou tão
perdida nos meus pensamentos que não escuto o telefone tocar e novamente o
tom grosseiro para falar comigo.
— Isadora. — Levanto minha cabeça e o olho com profunda tristeza.
Trabalhei anos com o Dr. Eduardo e nunca fui tratada dessa forma. —
Poderia me deixar a sós com o Sr. Chang? — Foi a gota d’água. Foi ele que
colocou minha mesa em sua sala, foi ele quem me trouxe para trabalhar aqui
e foi ele que me contratou como assessora particular, se não quiser que eu
escute suas conversas, me dê uma sala. Levanto e pego a minha bolsa, não
vou admitir ser tratada dessa forma, vou voltar para o Brasil, tenho certeza de
que o Dr. Eduardo me aceita de volta e posso alugar uma casa na Zona Norte.
Encaminho-me à porta, mas ele ainda fala comigo e um ódio me toma. —
Peça que entre.
Passo pela recepção e falo para o Sr. Chang entrar, olho para Samanta
e vou para o elevador, preciso sair deste lugar e chorar. Assim que chego na
entrada, faço sinal para um táxi, mas Anderson me impede de entrar e me
leva para casa do Sr. Vicentini. Entro decidida a ir embora, chamo Luna e
arrumo nossas coisas em tempo recorde. Julia insiste em me impedir de ir
para o aeroporto, diz que está tarde e que Luna ainda é um bebê. Acabo indo
para o apartamento que o Sr. Vicentini me emprestou, mas assim que
amanhecer, comprarei as passagens para o Brasil.
Minha cara estava péssima, também, chorei praticamente a noite toda
e não estava me sentindo bem. Resolvi ficar em casa e fazer algumas ligações
para arrumar tudo para minha volta ao Brasil, e a primeira com quem falei foi
dona Carmen.
— Dona Carmem, sou eu, Isadora.
— Olá, menina, como vocês estão?
— Estamos bem, na medida do possível. — Falo me lembrando dos
meus pais. — Estamos na Itália e estou trabalhando na filial daqui.
— Isso é ótimo, criança. — Fala animada. — E como está minha
bonequinha?
— Está bem. Estou precisando de um favor da senhora. — Aguardo-a
responder.
— O que precisa, Isa? Sabe que pode contar comigo para tudo o que
precisar.
— Sei, por isso estou te ligando. Preciso que a senhora arrume um
apartamento na Zona Norte para mim. Vou voltar ao Brasil com Luna e não
posso mais morar no morro.
— Vou falar com Leandro, meu genro, ele trabalha naquela
imobiliária perto do metrô, quem sabe não tem nenhum aqui perto.
— Não posso morar aí perto, dona Carmem, muitas lembranças. —
Desconverso, não posso falar que Hugo Falcão está atrás de mim.
— Entendo. Vamos procurar, me ligue em uma semana e já te passo
tudo e qualquer coisa você manda os documentos pelo computador.
— Obrigada, dona Carmem.
— De nada, filha, manda um beijo para a minha boneca.
— Pode deixar que mando sim, tchau. — Desligo e fico no quarto.

*****

Don Angelo

O restante do dia foi uma merda e, no final do expediente, me dou


conta que Isadora não voltou desde a hora que Chang esteve na minha sala,
mas não me importo, queria ficar só e quieto.
As palavras de Stefano repercutiam em minha mente e muitas peças
começavam a se encaixar. Todas as vezes que Samanta entrava na minha sala
para me entregar alguma coisa me olhava com recriminação, mas nunca que
daria confiança a ninguém para me criticar.
Saio do escritório tarde e não encontro Isadora me esperando, o que
me causa uma certa estranheza, mas sou informado por Filippo que Nico e
Anderson a levaram para a minha casa e fico puto por ela ter saído sem me
esperar. Já passam das vinte e duas horas quando entro em casa e o silêncio
me causa um desconforto. Há quinze dias que Isadora está aqui com Luna.
Subo as escadas e não escuto nada. Abro a porta do quarto de Luna e
está vazio, vou até o quarto de Isadora e não encontro ninguém. Desço e
procuro por Julia e Kaira e não as encontro, estranho e ligo para Anderson
que me atende prontamente.
— Onde estão Isadora e Luna? — Sou direto.
— Senhor? — Noto um receio em sua voz.
— Fala, cazzo. — Me altero. Sei que não vou gostar de ouvir o que
ele tem a me dizer.
— A Srtª Isadora saiu da empresa chorando. — Meu coração se
aperta. — Ela ia pegar um táxi, mas a interceptei e a levei à sua casa. Meia
hora depois, ela saiu com duas bolsas e queria que a levasse para o
aeroporto, mas Julia a fez mudar de ideia. A levei para o apartamento.
— Por que não me informou? — Ando de um lado para o outro.
— Ela estava relutante em ficar no apartamento, queria voltar para o
Brasil a todo o custo, mas não deixamos.
— Fez um bom trabalho. — Gosto quando meus comandados tem
iniciativa.
— Obrigado, senhor.
— Fiquem de prontidão e não permitam que ela saia do apartamento.
— Ficaremos atentos, Don. — Desligo e me jogo no sofá.
Mas que porra de mulher geniosa! Não estou acostumado a lidar com
isso, acho melhor deixá-la esfriar a cabeça, amanhã conversarei com ela.
Vou para o meu quarto e deixo a roupa pelo caminho, entro no
banheiro e permito a água escorrer pelo meu corpo, tentar levar um pouco da
tensão que foi esse dia. As palavras de Stefano fizeram um estrago na minha
cabeça, nada tinha me preparado para isso, saber que eu sou um filho
bastardo. Agora entendo todas as torturas e surras, entendo seu desprezo por
mim e as vezes que afastou mamma para não ver o que fazia comigo, ele
sabia que ela não permitiria; as palavras pesadas que escutei e o tratamento
diferente com Enrico e Elisa quando pequenos, enquanto comigo era só
indiferença.
Foi uma noite de merda. Não consegui pregar o olho e ainda tinha que
consertar as coisas com Isadora.

*****

Chego cedo na empresa e não encontro ninguém. Sigo para a minha


sala e adianto alguns contratos que precisavam ser assinados. Às nove horas,
Samanta entra na minha sala me trazendo um café e aproveito para perguntar
por Isadora.
— Isadora já chegou, Sam?
— Ainda não, Don. — Seu tom sai frio e indiferente.
— O que está havendo, Sam?
— Não é a mim que tem que perguntar, senhor. — Mas que droga,
será que as pessoas estão a fim de me enlouquecer?
— Fala logo, Sam. — Ela me fulmina com o olhar, mas estou pouco
me lixando para o que pensam de mim.
— Senhor, não posso falar nada do que não sei, mas sou uma mulher
experiente da vida e o olhar magoado que a Isadora saiu desta sala me faz
crer que o senhor a tratou com indiferença depois da demonstração de
carinho aqui na empresa diante de todos os funcionários. — Cacete, ela
achou que eu me aproveitei dela e, agora, estava menosprezando-a. —
Percebi que segurava o choro e diante de tudo o que essa menina passou,
acredito que não virá hoje.
— Ligue para o apartamento dela e pergunte a Julia como ela está.
Alguns minutos se passam e meu peito se comprime com a ausência
de informação de Isadora. É uma droga não ter controle sobre o nosso
coração. Meu telefone toca e Samanta me informa como Isadora está.
— Senhor, Julia me informou que a senhorita Isadora ainda não saiu
do quarto e que Luna está com ela.
— Obrigado, Sam. — Desligo.
Preciso me redimir com Isadora e a única que pode me ajudar é Elisa.
Pego meu celular e envio uma mensagem para ela, pedindo sugestão de
coisas que mulheres gostam, já que nunca precisei fazer esse tipo de coisa
para agradar a uma mulher. A resposta vem logo a seguir.

Flores e um belo jantar para começar, e se estiver difícil, uma joia.


Boa sorte.

Ligo para o Restaurante Ciclieri e peço que seja preparado um jantar


na Fazenda; peço a Samanta que encomende na floricultura o maior
ramalhete de flores vermelhas que encontrar, quero que ela entenda que o que
sinto é verdadeiro, e apesar desse meu jeito frio, eu quero que ela seja minha
mulher. Ligo para Julia e peço que informe a Isadora que às vinte horas esteja
pronta para sairmos. Espero conseguir me redimir pela merda que fiz.
Capítulo 28

Don Angelo

Chego ao apartamento de Isadora no centro de Livorno e vejo Nico na


entrada, sua expressão não é boa e confirmo assim que me aproximo; isso me
deixa puto. Subo até o vigésimo andar e toco a campainha e uma Julia
assustada me atende.
— Onde ela está, Julia? — Pergunto soltando fogo pelas ventas.
— Senhor, assim que passei seu recado, a senhorita retornou ao seu
quarto e, depois de meia hora, saiu com Luna. Insisti para que me falasse
aonde iria e que o senhor estava vindo buscá-la, mas ela não me respondeu e
saiu.
— MAS QUE DROGA. — Grito assustando Julia. Pego um jarro e
taco na parede. Quem ela pensa que é para me deixar plantado com um jantar
à nossa espera? Nunca nenhuma mulher ousou tamanha desfeita. Tiro o
telefone do bolso e disco para Anderson, que me atende no segundo toque e
percebo que está correndo.
— Onde vocês estão? — Tento me controlar para não ser ignorante
com meus soldados.
— Senhor. — Respira cansado. — Estou procurando por elas. —
Respira ofegante. — Ela me enganou.
— Como assim te enganou? Você é treinado, como uma mulher de
1,60 m pôde te enganar?
— Senhor. — Respira mais calmo. — Estamos no Shopping e ela
disse que iria ao banheiro com a pequena, me posicionei próximo, mas a
saída do cinema foi liberada e ela saiu junto com a multidão e não a achei
até agora.
— ESSA MULHER QUER ME ENLOUQUECER, SÓ PODE —
Passo a mão freneticamente sobre o meu cabelo. — Vou tentar achá-la pelo
rastreador, fique onde está, estou indo aí.
Desligo e ligo para que Chang encontre Isadora pelo rastreador; logo
sou informado da sua localização. Saio apressado do apartamento e Nico se
junta a mim, vamos ao encontro de Isadora. Ele informa a Anderson e nos
encontramos na entrada do parque de diversões da cidade.
— Vamos nos separar e assim que encontrarmos, nos comunicamos.
Olho para todos os lados e observo cada brinquedo, vou às barracas
de jogos e às lanchonetes, mas nada de Isadora. Procuro que nem louco e
nada. Envio uma mensagem para Nico e Anderson para saber se tiveram
sucesso. Voltamos para a entrada do parque e observamos todos e um
desespero começa a me tomar.
— Senhor. — Olho para Anderson. — Chang avisou que estão se
movendo para outra área.
— Para onde?
— Centro da Cidade. — Fecho meus olhos e levanto minha cabeça
em sinal de cansaço.
— Vamos atrás delas. — Saímos para o estacionamento e vamos em
direção ao centro da cidade, que a essa hora está tranquila, com exceção dos
bares e lanchonetes.
Passo pela rua devagar à procura de Isadora e Luna, mas não as vejo.
Ligo para Chang e ele prontamente atende.
— Os rastreadores mostram-nas paradas a dois quilômetros de onde
o senhor está. — Fala firme e decidido.
— Espero que esteja certo disso, Chang. — Faço uma ameaça
informal.
— Estou, Don.
Desligo e sigo pela Via Grande, o principal destino da gastronomia e
compras de Livorno. Estaciono e descemos, olhamos ao redor e logo vejo
Luna e Isadora sentadas rindo em uma cafeteria. A cena me deixa extasiado,
Luna coloca um pedaço de alguma coisa na boca de Isadora e beija o rosto da
tia, que deixa sair por seus lábios o mais lindo sorriso que já vi na vida. Fico
paralisado diante da cena e de igual modo estão Anderson e Nico.
— Fiquem aqui. — Ordeno saindo da inércia e sigo a passos rápidos
ao encontro das duas.
Assim que me aproximo, noto que um grupo de rapazes não tira o
olho de Isadora e um deles se levanta indo em sua direção. Fico parado
olhando e meu coração falha uma batida quando vejo o sorriso que ela dá
para ele. Uma sensação estranha toma meu peito e o desejo de sacar minha
arma e atirar na cara do disgraziato se torna maior que meu desejo de
somente fingir que nada está acontecendo. Olho mais uma vez e o projeto de
defunto está se sentando e percebo que Luna não está gostando. Caminho
mais rápido e assim que ponho meus pés no local, várias pessoas me olham e
dentre elas está Luna que corre em minha direção.
— Tio Angelo. — Fala gritando e me abaixo para tomá-la em meus
braços; olho para Isadora que está com cara de espanto.
— Olá, pequena, está passeando com a mamãe? — Falo olhando para
Isadora.
— Vim tomê bolo de chotolate. — Olho sua boca ainda suja — E
tomá refigelante com a mamãe, mas fugimo do Andeson pala ele dexá, foi
ingraçado. — Começa a rir e olho com os olhos estreitos para Isadora.
Aproximo-me e assim que o rapaz me vê, se espanta. Fica de pé e
começa a pedir perdão por estar com minha esposa. Uma sensação boa me
toma em pensar que isso pode se tornar real, enchendo-me de orgulho
masculino.
— Eu não sou... — Ela tenta falar, mas logo interrompo.
— Desta vez passa, mas da próxima, sabe o que irá lhe acontecer. —
Vejo medo em seus olhos e logo ele se afasta.
Puxo uma cadeira e me sento com Luna no meu colo, noto o olhar
indignado de Isadora.
— Por que não me esperou como mandei? — Falo entredentes.
— Porque você não manda em mim e não sou obrigada a receber
ordens suas fora da empresa. — Responde prontamente, isso me enfurece.
— Por que fugiu de Anderson? Sabe que é para a sua segurança. —
Ela revira os olhos me deixando mais puto. Como pode revirar os olhos para
mim?
— Não estava a fim de ter seu cão de guarda me seguindo em um
programa com minha sobrinha, não sou sua prisioneira e tenho direito de ser
livre e sair sem escolta, afinal, não estou no meu horário de trabalho.
— Não teste a minha paciência, Isadora. — Falo em tom de ameaça.
— Não estou com disposição para entrar em um confronto com você em
público.
— Não seja por isso, Sr. Vicentini. — Fala se levantando e puxando
Luna do meu colo. — Eu saio e continuo a me divertir com minha sobrinha
sem sua desnecessária presença. Estávamos indo muito bem antes de ter o
desprazer da sua chegada interrompendo a nossa diversão. Com licença. —
Fico perplexo com tamanha ousadia e não consigo mexer um músculo
sequer.
Olho para Anderson e Nico, que me olham espantados, mas
disfarçam. Isadora entra em um táxi com Luna e some pela Via Grande. Pago
a conta que a ordinária deixou para mim e saio em direção ao carro. Volto
para casa sem acreditar no que aconteceu e percebo que essa mulher
conseguiu me domar, porque se fosse outra mulher que fizesse isso, já estaria
morta.
Feiticeira desgraçada!

*****

Chego cedo na empresa, com uma reunião agendada para às oito


horas. Samanta me acompanha e recebemos Dr. Albuquerque.
— Bom dia, Dr. Albuquerque. — Cumprimento-o e indico a poltrona
à minha frente.
— Bom dia, Dr. Vicentini. — Fala e percebo seu semblante cansado e
sua apatia.
— Em que posso ajudá-lo?
— Quero vender minhas ações e me aposentar. — Fico surpreso. —
Depois da morte de Maria Eduarda, eu e minha esposa não temos mais
alegria e não estou conseguindo gerir os negócios. Já vendi outras duas
pequenas empresas e quero que o senhor assuma a Medeiros Technology, já
que tem boa parte das ações e com a compra do meu lote, pode assumir o
controle total.
— O que o senhor fará da vida, Dr. Eduardo? A Empresa é sua vida.
— Não, meu jovem, minha filha era minha vida e tudo o que construí
foi para dar à minha família conforto e segurança, mas de nada adiantou.
Perdi meu maior tesouro. Só quando for pai saberá do que estou falando.
— Entendo. — Penso que Maria Eduarda deve sentir a mesma coisa,
mas ainda não é o tempo de saber a verdade — Comprarei suas ações, dê seu
preço e o dinheiro estará em sua conta.
— Obrigado, Dr. Vicentini, sei que cuidará muito bem da empresa e,
se puder, mantenha os funcionários; são leais e qualificados.
— Não penso em mexer em nada por enquanto, pode ficar tranquilo.
— Não vou mais ocupar seu tempo. Volto hoje para o Brasil, vim só
assinar alguns papéis da morte de Maria Eduarda. — A tristeza é nítida em
sua voz.
— O que precisar é só avisar, estarei pronto para ajudá-lo — Falo
com sinceridade.
— Obrigado, mais uma vez. — Cumprimenta-me e se retira.
Aguardo que ele saia de minha sala, e chamo minha secretária.
— Samanta, peça Elisa e Enrico para virem à minha sala.
Fico pensando no amor que Eduardo tem por sua filha e o quanto está
sofrendo por sua “morte”. Queria ter tido um amor de pai assim, talvez seria
um homem melhor.

*****

A porta se abre e Elisa e Enrico entram.


— Nos chamou, Don? — Enrico já vai direto para minha garrafa de
whiskey, ao preço de quatrocentos e sessenta mil dólares e o desgraçado não
desembolsa um centavo para comprar a sua própria.
— Pedi. — Ele me entrega um copo. — Temos um assunto muito
sério para resolver.
— Onde está Isadora, Don? — Elisa pergunta.
— Ainda não chegou e acho que não vem hoje.
— Não deu certo o jantar? — Elisa dá um leve sorriso.
— Não teve jantar nenhum. — Falo com raiva. Isadora me deu o bolo
e tive que caçá-la por toda Livorno.
— Poxa, irmão. Eu queria saber os detalhes, depois de toda dica que
dei…
— Estou dizendo, não teve nenhum jantar. — Corto logo, não quero
me aborrecer mais do que já estou aborrecido. Isadora conseguiu me deixar
estressado e com raiva e enquanto isso não passar não quero vê-la. — Vamos
tratar de assuntos sérios em vez de querer saber da minha vida.
Seguimos para a sala de reuniões e peço que Samanta traga café e
água, assim que ela sai, coloco o assunto em pauta.
— Precisamos pôr em ação a captura de Hugo Falcão, não podemos
perder a oportunidade e deixar Aquiles Callas chegar nele primeiro.
— Como pretende pegá-lo? — Pergunta Enrico.
— Montaremos uma vigilância constante sobre ele, e assim que for
ter com Aquiles Callas, os pegamos e eliminamos cada membro da
Andragathia.
— Você participará da ação diretamente ou ficará comandando do
Forte? — Enrico me olha com ansiedade. Ele sabe do quanto gosto de
participar dessas ações, mas, como quero estar no Forte para cuidar de Hugo
Falcão, acho mais conveniente não participar.
— Ficarei no Forte.
— E quanto a Isadora? Quando pretende contar a ela que é herdeira
da Andragathia? Afinal, ela assumirá assim que matarmos todos os Callas. —
Elisa sempre com suas perguntas que me deixam nervoso.
— Se depender de mim, me livro de todos os Callas e, depois, ela
assume a Andragathia e faremos a junção das duas máfias.
— Você acha que ela vai aceitar isso assim tão fácil? — Olho para
Enrico e novamente está bebendo, preciso conversar a sós com ele para saber
por que está bebendo tanto.
— Estamos num processo de nos conhecer; assim que ela confiar em
mim, assumo tudo. Ela sequer sabe o que faço por aqui, então, me passará o
poder. A Andragathia precisa voltar ao nosso controle e se for preciso seduzir
Isadora para isso, eu o farei.
Levanto-me e vou até o bar no canto da sala e quando olho pelo
espelho, vejo Isadora olhando-me assustada e me volto para ela, atraindo a
atenção de Enrico e Elisa, que me olham igualmente surpresos. Ela sai
correndo, não consigo ter reação nenhuma e, pelo visto, nem meus irmãos.
— Ela escutou tudo. — Elisa quebra o silêncio que se formou.
— Fotarsi (foda-se). — Taco o copo na parede espantando os dois. —
Isso não podia ter acontecido. — Soco o balcão — Ela não vai querer falar
comigo e vai me odiar.
— Vai atrás dela, Don, e tenta explicar tudo. — Elisa fala se
levantando e caminhando para perto de mim.
— Vou esperar ela absorver tudo, depois conversamos.
Ficamos em silêncio por muito tempo, cada um com seus
pensamentos, até Samanta interromper e avisar que Isadora saiu correndo e
entrou em um táxi, não dando tempo de Nico e Anderson a acompanhar. Sei
que tudo o que ela quer é ficar sozinha e não vou interferir, mas amanhã vou
até o apartamento e converso com ela. Fico com Enrico e Elisa até tarde e
volto com Salvatore, já que Filippo está de folga.

Não consegui dormir essa noite. A dor nos olhos de Isadora não saíam
da minha mente, sei que ela tem muitos questionamentos que farei questão de
responder, mas, por enquanto, prefiro ficar afastado.
Vou ao Forte treinar um pouco e decido não demorar para pegar Hugo
Falcão. De acordo com o Fontes, ele embarcou para o Uruguai e com toda a
baldeação que fará, fugindo da polícia, deve chegar na Itália ainda esta
semana, aí poderemos cobrar nossa dívida.

*****
Isadora

A Andragathia precisa voltar ao nosso controle e se for preciso


seduzir Isadora para isso, eu o farei.
Essas palavras não param de assombrar a minha mente.
Ele estava me seduzindo para tomar o controle dessa tal de
Andragathia, não foi verdadeiro, não foi real, foi tudo mentira. Choro tanto
que nem sei como dormi. Ouço a voz dele e Julia diz que estou trancada no
quarto; não falo com ninguém desde ontem. Elisa também aparece, brinca
com Luna e vai embora. Não consigo entender o porquê disso tudo. Meu pai
nunca nos falou sobre herança e sempre vivemos com dificuldades no Brasil.
Alcanço meu computador e digito ‘Andragathia’; logo, uma série de
informações aparece; fico chocada com o que leio. Meu pai era filho mais
velho de mafiosos e meu tio Tenório morreu pelas mãos desse tal Aquiles
Callas. Vejo que o maior rival da Andragathia é uma Organização chamada
Castellar e que comanda toda a cidade de Livorno e toda a Toscana com
ramificações na Ásia, África e Estados Unidos. Busco informações sobre
Angelo Vicentini Ferrari e o pouco que tem diz que é um empresário bem-
sucedido, solteiro, recentemente assumiu todos os negócios da família e que
há especulações de ele ser o líder da Castellar, mas nenhuma ligação foi
associada a ele ou à família. Tento absorver todas essas informações e não
consigo entender como fui me enfiar no meio de mafiosos italianos, trazendo
Luna para essa sujeira toda. Tenho que pensar em um jeito de sair daqui e
voltar para o Brasil.

*****

Don Angelo
Há exatos cinco dias não vejo Isadora. Fui até o seu apartamento e ela
estava trancada no quarto e não quis falar comigo. Elisa também tentou, mas,
pelo visto, ela é mais durona do que pensei.

*****

Hugo Falcão já está na cidade e hoje o pegaremos, tudo está montado


e quem o atrairá será Elisa.
Chego ao Forte pela manhã, meu humor está negro e assim que entro
em meu escritório, vejo Bianca sentada à minha mesa e o pouco de paciência
que tinha se esvaiu.
— Desde quando eu te dei esse tipo de liberdade?
— Sou sua mulher, Don, e devo estar onde meu homem está. — Fala
olhando para as unhas longas e pintadas.
— Está ficando louca? Nunca serei seu homem, acho que precisa
entender isso de uma vez. — Vou até ela e seguro firme seu braço e a
conduzo até a porta. — Vai procurar um tratamento e me deixe em paz. —
Empurro-a para fora e ela cai no corredor.
— Isso não vai ficar assim! — Fala chorando.
— Está me ameaçando, cazzo? — Avanço para cima dela e a prendo
na parede pelo pescoço. — Está a fim de morrer?
— Já estou morta, Don. Você acabou de apunhalar meu coração.
— Não quero mais te ver aqui no Forte, está banida da Organização.
Se eu souber de qualquer traição, te mato pessoalmente. — Solto seu pescoço
e sigo para a minha sala batendo a porta com força.
Bianca já foi uma aquisição interessante à Organização, trabalhando
como agente. Isso sem contar que ela é filha de Alessandro e Samanta, dois
dos mais leais da famiglia. Mas juro que minha paciência com ela acabou.

Já passava das dezoito horas quando Enrico entra na sala de


monitoramento onde estou. Pelas câmeras, observamos a movimentação de
Hugo Falcão. Elisa está vestida com elegância e entra no hotel, atraindo
olhares, inclusive o de nosso alvo. Ela segue para o restaurante e em menos
de cinco minutos ele entra e se aproxima, ela sorri e acena para que ele se
sente.
A conversa dura todo o jantar e numa distração de Hugo, Elisa põe o
sonífero em sua bebida, que induz o sono de forma rápida e intensa, mas
dando tempo de ela o conduzir até a saída dos fundos, onde Nico e Salvatore
os aguardavam.
Vou para o meu quarto e me preparo. Ligo para que Filippo
traga Maria Eduarda para o Forte e a leve direto para a sala branca. Quero
que Hugo Falcão olhe primeiro para ela, que já apresenta uma barriga maior,
e veja que ele não conseguiu matá-la.

Algum tempo depois, desço para a sala branca e vejo Maria Eduarda
de frente para um Hugo Falcão desacordado, e pelo seu semblante, todo o
amor que tinha por ele se esvaiu. Chego ao seu lado e o olho com desprezo.
— Nunca pensei que fosse sentir tanto ódio por uma pessoa que eu
amava. — Fala sem olhar para mim. — Pensei em formar uma família com
ele e ajudá-lo com a máfia, mas ele nunca teve o mesmo sentimento por mim,
nunca me amou e, na primeira oportunidade, tentou me matar, mas acabou
matando o próprio filho. — Uma lágrima escorre e o meu nível de raiva
aumenta com a dor dessa mulher.
— Hoje, você terá o prazer de vê-lo pagar por isso. Saiba que não o
pouparei, e se não suportar, se retire.
— Sei que não aguentarei, mas não tenho nenhum tipo de sentimento
por esse homem. Ele não merece nada de mim, entre ele e o meu filho, fico
com o meu filho.
— Boa escolha. — Volto meu olhar para Hugo Falcão e percebo que
já está despertando. Saio para a antessala e observo tudo pelo vidro. E é
impagável a cara de surpresa dele.
— Olá, Hugo. — Maria Eduarda fala, ele pisca tentando acreditar no
que vê. — Achou que eu estava morta? Lamento informar, querido. — Ela
debocha. — Fui salva e estou aqui para presenciar sua derrota.
— Como?! Não pode ser. Eu vi você se afogar. Eu te droguei.
— Sei disso tudo, Hugo. — Aproxima-se; ele olha para a barriga dela,
que já está aparente. — Quando fui para o hospital, estava desacordada por
conta do ‘boa noite, Cinderela’ que me deu, mas assim que despertei, fui
informada de tudo o que aconteceu e descobri que perdi meu filho por conta
do que você fez. — Ele a olha espantado e focaliza o olhar novamente em sua
barriga. — Ah, me esqueci de dizer, eram gêmeos. — Está espantado com
toda essa informação. — Você matou seu próprio filho e tentou me matar,
agora, terei o prazer de vê-lo sofrer e morrer.
— Você não terá coragem de matar o pai de seus filhos. — Fala com
um sorriso de deboche. — Não tem sangue frio para isso.
— Realmente, Hugo. — Fala puxando para perto dele a mesa com os
utensílios de tortura. — Não tenho coragem de matar o pai do meu filho, mas
terei o prazer de ver o que um traidor sofre nas mãos da máfia que ele traiu.
Abro a porta e sou acompanhado por Enrico, Elisa e Filippo e,
minutos depois, Nico, Anderson e Salvatore entram.
— Feliz em me ver, Hugo Falcão? — Ele olha para todos sem
entender nada.
— O que está acontecendo aqui? — A dúvida em seus olhos é nítida.
— Vocês estão de sacanagem com a minha cara? É um rito de passagem para
a Castellar?
— Não, Hugo Falcão. — Elisa se aproxima e segura seu queixo. —
Isso é o que fazemos com traidores. — Dá um soco na cara dele e sangue
jorra do seu nariz.
— Tsc tsc tsc... O que é isso, maninha? Sejamos bons anfitriões.
Senão, o que o maior traficante do Rio de Janeiro vai pensar dos italianos?
Então, Hugo Falcão. — Olha ainda desorientado pelo soco de Elisa. — Qual
foi a sensação de achar que estava nos traindo com Aquiles Callas? — Puxo
o carrinho, pego meu alicate e me aproximo dele. — Achou mesmo que me
trairia e ficaria por isso mesmo? — Seguro seu dedo da mão e arranco uma
unha e ele grita de dor. Olho para Maria Eduarda que está sentada no canto
da sala e não esboça nenhuma reação.
— DESGRAÇADO, MISERÁVEL. EU VOU TE MATAR.
Sorrio.
— Esses são elogios para os meus ouvidos, Falcão, agora vou te
apresentar meu verdadeiro nome. — Pego o martelo e acerto seus joelhos que
quebram na hora e ele desmaia. — Poxa, nem me apresentei direito. —
Todos riem.
Enrico liga o chuveiro e Hugo desperta e treme de frio. Seu olhar
procura o de Maria Eduarda, que continua com sua postura de indiferença.
— Vamos lá, Falcão, diga-me o que te levou a me trair? — Falo
trazendo comigo a arma de choque. — Quero saber o que Aquiles te
prometeu.
— Se eu contar tudo, vocês me liberam? — Dou uma gargalhada,
seguido por todos que estão na sala.
— Sabe, Hugo — Falo andando em volta dele —, desde que te vi no
dia da minha nomeação, eu sabia que você iria me trair. — Paro olhando em
seus olhos. — Mas eu gosto de dar um voto de confiança às pessoas; acredito
que elas podem me mostrar o seu melhor, mas, sabia que você não estava
disposto a sacrificar tudo que conquistou para dividir com a máfia. Se
associou com Aquiles e achou que eu não saberia. Vive em um mundinho de
traficante de merda de um país subdesenvolvido e que só porque tem um
pouco de poder, acha que tem o direito de chegar aqui e tentar tomar de mim
o que levamos anos para construir? Você é patético. Se aliou a Aquiles Callas
achando que ele te daria algum poder? Aquiles é pior que você, ele usa as
pessoas para conseguir o que deseja e você era mais um pião no jogo de
tabuleiro dele. — O medo e ódio são latentes no olhar dele.
— Como pôde tentar matar a mulher que estava ao seu lado, que te
ajudava a manter seu esquema de tráfico na elite Carioca? Ficou feliz em
rever Maria Eduarda? — Elisa pergunta.
— Ela sabia demais.
— Por que trair a Castellar? — Enrico se aproxima e pergunta.
— Vocês queriam tomar tudo o que é meu e antes de isso acontecer,
tomaria o que é seu primeiro. — Fala cerrando os dentes por causa da dor. —
Ela é uma inútil. — Fixa o olhar em Maria Eduarda. — Estava atrapalhando
meus planos com esse negócio de formar família. Tenho outras mulheres e
não seria ela a me prender.
— Resposta errada, Hugo Falcão. — Dou uma descarga de choque
em suas costelas. — Você queria informar a Aquiles Callas como a Castellar
funciona e nos deixar vulneráveis para que ele nos atacasse, com isso, você se
tornaria leal a Andragathia e assumiria a liderança no Brasil, mas a casa caiu
para você, todos os seus planos foram descobertos e ninguém te ajudará.
— Engano seu, Don Angelo. Você está certo de que me uni a
Andragathia por apoio para derrubá-lo, mas o jogo é muito maior do que
esse. — Ele olha para Maria Eduarda com nojo — Quando a sequestrei, foi
somente para ganhar dinheiro e montar minha casa de prostituição no Rio de
Janeiro, mas a idiota se apaixonou por mim e vi a chance de crescer como
traficante dos bacanas. Nunca gostei dela, mas precisava tolerar para alcançar
meus objetivos. Meu grande amor era Isaura. — Gelo. Sei que ele está
falando da irmã de Isadora. — Isaura era a menina mais bonita do morro e
sempre que ela passava, meus homens ficavam loucos e não demorou para eu
chegar nela. Foram dois anos de muito amor, mas como toda mulher
romântica e idiota, ela inventou uma gravidez e isso atrapalharia meus
planos. Comecei a ser indiferente a ela, até que um dia dei um basta e a
mandei embora. Alguns meses depois, meu soldado me informou que Isaura
foi ter o nosso bebê e eu já tinha mandado ela dar um jeito de tirar a criança,
mas não fez, então, fui ao hospital.
“O irmão do meu soldado trabalha na faxina do hospital e me deu um
uniforme para eu me aproximar e entrei em seu quarto. Injetei potássio no seu
braço, mas seu pai chegou assim que eu acabei. — Um ódio foi tomando meu
corpo e não pensei mais.
— SEU DESGRAÇADO. — Desferi muitos socos na cara dele, foi
preciso Salvatore e Enrico para me tirarem de cima de Hugo Falcão. —
VOCÊ MATOU UMA MULHER POR TER TIDO UM FILHO SEU?
COVARDE. — Esbravejo de longe e vejo Falcão desacordado.
— Calma, Don. — Enrico ainda me segura pelos braços.
Saio da sala transtornado, só em lembrar os olhos lindos de Luna e
seu sorriso carinhoso, já me enche de ódio novamente. Esse desgraçado tirou
a mãe de um bebê, matou a menina na frente do pai e destruiu uma família.
Vou para o meu quarto e tomo um banho para tentar me acalmar, afinal,
ainda não terminamos.
Capítulo 29

Don Angelo

Voltamos à sala branca e Hugo Falcão grita de dor, a cama da morte


serve justamente para isso, para levar o corpo do prisioneiro ao limite. Puxo o
carrinho com os utensílios de tortura e me aproximo dele, que me olha com
os olhos inchados de tanta porrada que dei nele mais cedo.
— Olá de novo, sentiu minha falta? — Debocho de sua cara. —
Vamos retomar de onde paramos, e se você abrir o bico como estava fazendo,
serei bonzinho e não te matarei agora.
— Vai se foder. — Vira o rosto para o outro lado. — Quero falar com
Maria Eduarda.
— Não está em condições de exigir nada. — Falo com desdém. —
Mas, serei magnânimo e deixarei que fale com ela. — Afasto-me um pouco
para que Maria Eduarda se aproxime.
— Esse é seu amante? — Pergunta com um sorriso nos lábios
inchados pelos socos. — Nem esperou meu filho nascer e já está sendo a
vadia de sempre.
— CALE ESSA BOCA. — Ela desfere um tapa na sua cara. — Não
sou essas vadias que você costuma pegar, respeite meu filho e nunca, eu disse
nunca mais ouse me ofender, seu canalha.
— Chega. — Falo incisivo. — Vamos ao que interessa. Continue sua
história de merda e me fale o que Aquiles Callas quer.
— Preciso que me solte, esta posição está acabando comigo e meus
pulmões doem. — Respira com dificuldade. — Assim não consigo.
— Acho que você ainda não entendeu, Falcão. Não somos a porra de
um hotel cinco estrelas. Você está aqui como prisioneiro, e mesmo que
considere a possibilidade de barganhar informação por sua vida, saiba que
cada vez que demora para contar o que sabe, é menos tempo de vida que você
tem.
— Depois que matei Isaura, as coisas começaram a acontecer, me
tornei o dono do morro. Obviamente que sempre quis expandir os meus
domínios, e foi quando te conheci, Don, que tive a certeza de como faria.
“Quando me pediu para localizar Isadora Agnelli, foi como se uma
luz se acendesse. — Minha raiva aflora só por falar de Isadora. — Se essa
mulher estava te interessando, então, ela era seu ponto fraco. Depois que te
entreguei o dossiê, fui investigar mais detalhadamente e graças a Maria
Eduarda, não só descobri que ela era a gêmea da mulher que amei, e matei,
como tivemos acesso aos arquivos de jornais da Itália e liguei os fatos, os
Agnellis são de uma máfia rival, e se me associasse a eles, poderia ficar com
o seu lugar quando eles tomassem o poder. — Ele dá uma risada debochada
— Se eu soubesse que Isaura valia o peso dela em ouro desse jeito, teria
aceitado o pentelho que ela queria como filho só para usá-la para ascender ao
poder.
— Seu filho da puta! — Maria Eduarda age, por ciúme, e se joga em
cima de Falcão, mas logo é segurada por Enrico.
Apesar de estar sentindo dor, Falcão gargalha.
— Ahh... Madu... Tivemos altas fodas, não? Se eu estivesse com as
mãos livres bateria palmas para você. Você sabia como pagar um boquete.
Isaura não era tão boa assim, mas tive o prazer de ser quem tirou o cabaço
dela...
— Desgraçado! Você acabou com a minha vida! Me sequestrou... —
ela esperneava ainda nos braços de Enrico, tentando se soltar.
— E você, literalmente, gozou em cada momento.
— Já chega vocês dois! — grito afastando Maria Eduarda dele, e
Enrico a leva para mais longe — Tic tac, Falcão. Eu disse que seu tempo de
vida está diminuindo. Conte-me como a Andragathia pretende nos atacar.
Mais uma vez, Falcão gargalha e um pouco de sangue sai pela boca
dele.
— Nessa altura do campeonato, acredito que já conseguiu. Enquanto
você focava em me pegar...
E foi quando a minha ficha caiu. Mais uma vez o meu plano foi
desestabilizado por Aquiles.
— Desgraçado. Vocês planejaram tudo, você sabia que eu estava de
olho em você, sabia que seria pego.
— Bingo. — Gargalha. — Era questão de tempo, até isso acontecer.
Olho para todos que estão na sala e fico atônito com essa informação.
Peço a Filippo para checar Isadora e Elisa, verificar as câmeras, mas sou
surpreendido com um tiro. Volto para Hugo Falcão e vejo Maria Eduarda
com minha arma e um buraco na testa de Falcão, ela deixa a arma sobre a
mesa e sai da sala. Diabos! Mulher de cabeça quente nunca é algo confiável.
Peço para que Nico e Anderson limpem tudo e vou ter notícias de
Isadora.
Todas as tentativas de comunicação com ela são frustradas, até que
Julia atende o celular de Isadora.
— Onde está Isadora, Julia? — Vou direto ao assunto e ouço os
passos de Julia apressados para verificar Isadora.
— Ela estava no quarto e não vi quando saiu com Luna. Ela deixou o
telefone na cama.
— Onde estão Agnaldo e Austin?
— No térreo, senhor.
Desligo e ligo para Austin, que atende no primeiro toque.
— Isadora está com você?
— Sim, senhor, estão no playground. — Um alívio me toma.
— Fica de olho nelas. Podemos sofrer um ataque a qualquer
momento.
— Ficarei, senhor.
Apesar da aparente tranquilidade, sinto-me pronto a explodir. Preciso
aumentar a vigilância sobre Isadora.
Capítulo 30

Isadora

Já faz uns dias que não vou à VF Technology e nem vejo ninguém da
família Vicentini, o que para mim é um alívio. Saio do quarto e vou ao
playground brincar com Luna e percebo que os dois seguranças ficam de
longe me olhando. Sei que mandam notícias minhas para Angelo e que estou
sob eterna vigilância. Brincamos por uma hora e logo voltamos para casa,
não posso expor Luna a pessoas que não conheço e que correm o risco de nos
matar. Estou no meu quarto e Luna aparece correndo.
— Mamãe, poxo i na rua com Zulia? — Minha bonequinha está
animada.
— Aonde vocês vão?
— No mecado, poxo? — Julia entra arrumada e olha para Luna.
— Você é uma menininha muito apressadinha. — Segura o nariz de
Luna e olha para mim. — Vou ao mercado com Agnaldo, posso levar Luna
para dar uma volta?
— Pode. — Olho para Luna. — Comporte-se, mocinha.
— Vô obedecê, pometo. — Faz sua famosa carinha de anjo.
— Acho bom. Agora, vem cá e me dá um beijo. — Puxo seu corpinho
para perto de mim e beijo sua bochecha.
Fico sozinha em casa e aproveito para ler meu livro que há muito
tempo não leio. Vou à cozinha e preparo um chá de maçã com canela, pego
uns cookies com gotas de chocolate e sigo para a biblioteca. Deixo meu
celular na mesinha e me acomodo no sofá. Perco-me nessa leitura fascinante
e não percebo que está anoitecendo e Julia ainda não chegou com Luna.
Meu celular toca e é um número restrito, fico apreensiva em atender,
mas pode ser Julia avisando onde está.
— Alô. — Silêncio do outro lado. — Alô, Julia?
— Não, Srtª Agnelli. — Um frio percorre meu corpo.
— Quem está falando? — Minha voz sai com receio.
— Alguém que tem algo seu. — Meu coração acelera e penso em
Luna.
— Com quem estou falando? — Tento manter a calma.
— Irá me conhecer pessoalmente, Srtª Agnelli. Quero que a senhorita
venha ao meu encontro.
— Não posso ir ao encontro de alguém que não conheço. — Tento ser
firme.
— Será uma pena se a senhorita não vier, amei conhecer Luna. —
Meu coração bate descompassado e minhas mãos tremem.
— Deixe minha sobrinha em paz. — Falo com medo em minha voz.
— Me encontre na praça da República, e dê um jeito de vir sozinha.
Não avise a ninguém. Saia pela porta dos funcionários e não deixe ninguém
te seguir, tenho olhos e ouvidos onde está. Senão a velha e a criança
morrem. — Desliga, e fico paralisada, em choque.
Saio do meu torpor depois de alguns minutos e corro para o meu
quarto. Visto um jeans, calço botas e pego meu casaco, agarro minha bolsa e
desço pela escada até a saída dos funcionários. Ando pelo beco e avisto a
estrada, faço sinal para um táxi que estava passando e dou o endereço. Faço o
percurso com o coração apertado, não sei o que encontrarei e tenho receio
que essa pessoa tenha feito mal a Luna e a Julia.
O taxista me informa que chegamos à Praça da República, pago e
desço em busca de alguma pista de Luna. Olho para todos os lugares e não
vejo ninguém suspeito, até uma elegante senhora se aproximar.
— Olá, querida. — Olho desconfiada. — Me acompanhe, por favor.
Sigo a senhora até o ancoradouro e entramos em uma lancha que sai
pelo canal até o mar. Um iate nos aguarda e um homem elegante,
aparentando ter uns 50 anos, me estende a mão e, logo depois, para a senhora
que está atrás de mim. Forço minha mente para tentar lembrar de onde o
conheço, mas falho miseravelmente.
— Sou Aquiles Callas e essa é minha esposa, Sophia. — Olho de um
para o outro e minha mente tem um flash da tortura de Angelo, era ele. Tão
elegantes e educados que nem parecem bandidos, totalmente diferente do
morro.
Sou levada para dentro, numa luxuosa sala de visitas. Nunca soube de
que um barco, ou iate, pudesse ser tão luxuoso, mas meus olhos estão
escaneando o ambiente, procurando por pistas para saber onde as duas estão.
— Onde estão Luna e Julia?
— Calma, querida, sente-se, Aquiles falará o que desejamos de você.
— Sophia fala com elegância. Não quero me sentar, mas não adianta ser
teimosa. Eles já provaram ser perigosos e eu preciso da minha menina em
segurança. Sento e aguardo para saber o que querem de mim.
— Srtª Agnelli, já ouviu falar em nomes como Castellar e
Andragathia? — Limito-me a negar com a cabeça — Seu pai nunca
mencionou esses nomes em casa?
— Não, senhor.
— Vou ser direto. — Fico tentando achar coerência em tudo o que
está acontecendo, mas não acho e parece que estou vivendo um pesadelo.
Volto minha atenção para o que ele está falando e tento manter o controle das
minhas emoções. — Durante muitos anos, almejamos o poder e o controle de
toda a Itália, mas infelizmente, a família Vicentini Ferrari tem o controle de
toda a Europa, assim como a Ásia, África e Estados Unidos e, agora, Brasil.
A Andragathia surgiu da briga por divisão do poder entre Antônio Vicentini
com o seu avô, Jarbas Agnelli. Os Agnellis estruturaram sua própria máfia, a
Andragathia — Não consigo acreditar que minha família era envolvida com
algo tão sujo —, que sobreviveu muito bem por algum tempo, mas por conta
da luta por territórios se enfraqueceu e, com isso, se associaram à máfia
Grega para manter o controle sobre os Cassinos e pontos de drogas. Meu pai,
Ícaro Callas, teve um papel muito importante na formação da Andragathia,
desenvolvendo junto com Jarbas Agnelli estratégias para tomar os pontos da
Castellar. Foram anos de guerra, mas falharam, o que levou a morte de
muitos membros. Seu avô e o meu morreram e eu e seu tio, Tenório Agnelli,
assumimos.
Surpreendo-me com essa informação. Tio? Como assim tio? Meu pai
sempre falou que era filho único e que seus pais morreram em um acidente, o
que esse homem está falando?
— Construímos uma máfia mais fechada com um código de honra
antigo e ultrapassado, precisávamos abrir para ganhar mais associados e criar
uma máfia tão forte quanto a Castellar e lutarmos de igual para igual. Mas
Tenório não queria que nos associássemos à máfia Irlandesa, o que levou à
insatisfação de alguns que se voltaram contra ele que, infelizmente, morreu
em uma emboscada. Desde então, assumi o controle da Andragathia.
Recentemente, fui informado sobre uma herdeira Agnelli e te procurei, mas
Don Angelo chegou em você primeiro. — Ele para de falar e me dá uma
olhada significativa — Você é herdeira legítima da Andragathia e me ajudará
a destruir a Castellar, a começar por seu líder maior, Don Angelo Vicentini
Ferrari.
Arregalo meus olhos diante dessa história espetaculosa. Vem à minha
mente o que ouvi no escritório de Angelo e começo a entender o que ele
disse.
— Preciso que assuma seu lugar como herdeira da Andragathia e lute
conosco para tomar o controle e o poder da máfia.
— Eu não entendo. — Suspiro. — Meu pai nunca me contou essa
história e, agora, estou presa em algo que não faz parte de mim. Se você tem
a liderança da Andragathia, o que quer comigo?
— Como disse, você é herdeira direta de Jarbas Agnelli, o fundador
da Andragathia. E, por direito, agora é a nossa líder. — Ele titubeia nessa
afirmação e vejo que isso não o agrada, e percebo a troca de olhares com sua
esposa.
— Soltem Luna e Julia e faço o que me pediram. — Fico de pé e tento
negociar a vida da minha sobrinha, mas Sophia me faz sentar novamente
segurando em meu braço.
— Só soltaremos a criança e a velha quando estivermos com Don
Angelo. — Sophia fala com muito mais frieza do que o seu marido, até o
momento.
— Eu não posso. — Sinto uma lágrima escorrer.
— Deixa de ser idiota! — Sophia se coloca de pé e me olha com
raiva. — Ele só fez isso para juntar as duas máfias e tomar o controle de tudo,
depois te descartaria como faz com todas as mulheres que passam por sua
cama.
Fico sem palavras e novamente a conversa no escritório vem à minha
mente. Será que tudo o que fez por mim foi para me enganar?
— Tenho uma proposta para te fazer e não estou te dando a opção de
dizer não. — Pega um notebook e coloca na minha frente e logo a imagem de
Luna e Julia aparecem, elas estão aparentemente bem. — Se juntará a nós e
assumiremos o controle de tudo, poderá criar sua sobrinha com todo o
conforto, pois, como Signora Della Notte (senhora da noite), poderá
comandar a Organização assim como seu avô e seu tio fizeram.
— Eu não sei lidar com a máfia e muito menos comandar algo assim,
sou uma advogada, luto pela justiça, e quer eu faça coisas contra as leis deste
país? Não conseguirei usar de violência com ninguém e muito menos ordenar
algo assim. Creio que escolheram a pessoa errada.
— Não me tome por tolo, menina. — Se exaspera. — Não há diálogo,
muito menos acordo. Don Angelo não pensará duas vezes antes de meter uma
bala na sua cabeça. Você ficará conosco e te treinaremos, e quando estiver
pronta, o confrontaremos. Como disse, não tem opção, ou faz o que mando
ou sua sobrinha e a velha morrem de forma dolorosa. — Engulo o choro e
tento controlar minhas emoções. Trago à memória ensinamentos que meu pai
me passava em como gerir conflitos e tento agir como meu pai agiria.
— Como faremos isso? — Falo tentando transmitir segurança.
— Voltará para casa e pegará tudo o que é seu, terei um homem te
esperando no Centro e não tente nenhuma gracinha. Don Angelo te caçará e
assim que tiver certeza de que está comigo, tentará me pegar, mas ficará
vulnerável e aí, atacarei.
— Quais garantias tenho que não machucará Luna e Julia?
— A minha palavra como Capo.
— Não confio na sua palavra.
Ele gargalha. — Garota esperta. Mas é a única coisa que tem.
— Venha, querida. — Olho com nojo dessa mulher. — Nosso
soldado a acompanhará. — Sigo até a lancha que me aguarda próximo à
embarcação e seguimos para o porto em silêncio.
Sentada no banco traseiro do carro, tento processar tudo o que está
acontecendo e não consigo achar nenhuma saída sem que coloque a vida de
Luna e Julia em perigo. Sou deixada no beco onde peguei o táxi e entro no
prédio sem ninguém me ver. Sigo pelas escadas de emergência, entro em casa
e encontro tudo escuro. Desabo no chão, meu choro é tão descontrolado que
meu peito dói, busco forças dentro de mim para passar por esse pesadelo e
faço uma jura: Aquiles Callas sofrerá tudo o que estou sofrendo e se há em
mim sangue da máfia, peço a Deus perdão, pois, todos pagarão, a começar
por Don Angelo.
Capítulo 31

Don Angelo

Depois que tudo foi resolvido, vou até o cassino me distrair um


pouco, afinal, essa última semana estava sendo muito difícil. Chego e
encontro Enrico e alguns de seus amigos, mas tudo o que quero é relaxar e
usufruir de um pouco de diversão. Sigo para o escritório e vou ao bar, pego
uma cerveja, sento-me na minha cadeira e degusto com calma. Fico pensando
em Isadora e o que vou precisar fazer para acalmar a fera; acabo rindo
sozinho. Uma batida na porta me tira dos meus pensamentos. Núbia Star,
uma dançarina da casa, entra trazendo um balde de gelo com uma garrafa de
champanhe e duas taças.
— O que quer, Núbia?
— Te trazer um pouco de diversão, Don. Vi que está precisando. —
Tira o sobretudo que estava em seu corpo e fica nua na minha frente.
Caminha como uma gata em minha direção e me ponho de pé.
Seu corpo é uma tentação e do jeito que estou aborrecido, me enfiar
em uma mulher pode me ajudar a relaxar.
Retiro meu casaco e a coloco debruçada sobre a mesa com a bunda
empinada para mim, dou um tapa forte e certeiro, e a desgraçada geme de
excitação. Acaricio sua intimidade e sei que está molhadinha para mim. Passo
meu dedo sobre seu clitóris e ela se esfrega em mim. Faço movimentos com
meus dedos e introduzo dois dedos nela e continuo acariciar seu ponto de
prazer com o polegar. Logo, ela se derrama em minha mão e a deixo se
recuperar.
Coloco uma camisinha e a penetro com força e dou estocadas rápidas.
Não sinto nada de tão larga que a mulher é, mas por ora basta para tirar toda a
tensão desses últimos dias. Quando sinto que vou gozar saio dela, e com seu
gozo umedeço seu outro buraco, um pouco mais apertado e o penetro, dou
algumas estocadas e gozo. Retiro a camisinha e me recomponho, enquanto
Núbia ainda se refaz. Tão logo terminamos, ela se veste e deixa o meu
escritório. Sozinho, aprecio o champanhe.
Não, a foda não foi a que eu almejava. Ainda sonho em ter Isadora em
meus braços, gemendo, excitada, implorando que a foda, devagar no início, e
depois, forte, desesperado, assim como o meu sentimento por ela.
Já dei tempo suficiente a ela para se recompor depois do que ouviu de
mim. Está na hora de encontrá-la e termos aquela conversa.
Passam das três da manhã quando saio e levo a reboque um Enrico
totalmente embriagado e rindo descontroladamente do seu quase strip-tease.
Deixo Enrico em um quarto da minha casa e, depois de um banho, caio num
sono profundo.
Acordo com meu telefone tocando e o nome de Anderson me
desperta.
— Fala, Anderson. — Bocejo.
— Senhor, tem alguma coisa de errado. — Percebo sua voz
preocupada.
— O que quer dizer com isso? — Já estou de pé indo em direção ao
banheiro.
— Cheguei para substituir Agnaldo e Austin e fui até a residência
para falar com Julia, mas não a encontrei. Voltei ao térreo e Jacob, o
porteiro, me informou que viu Julia e Luna ontem e que iam ao mercado...
Fui verificar... Senhor, não tem ninguém e as camas estão arrumadas como
se não tivessem dormido em casa. Olhei nos armários, o de Julia está
faltando algumas peças e os de Luna e Isadora estão vazios.
— Estou saindo de casa agora, Anderson. Não deixe o local, ligue
para Elisa e peça que investigue.
— Sim, Don.
Um frio toma minha espinha. Vou para o meu Porsche que estava na
entrada e sigo para o apartamento de Isadora. Meia hora depois, estaciono na
frente e avisto Austin ao telefone, Anderson vem ao meu encontro.
— Senhor, fiz uma vistoria completa; na biblioteca havia uma xícara
de chá e cookies e um livro na mesinha; no banheiro, a toalha ainda está
úmida, indicando que a senhorita Isadora saiu recentemente.
— Peça que Chang acesse as câmeras do prédio e da rua e veja com
quem ela saiu.
— Já falei com ele, Don, e está vindo para cá com seu computador.
— Assim que chegarem, me avise. — Vou até o elevador e entro.
Fico imaginando que talvez ela tenha voltado para o Brasil. Mas onde Julia
está? Por que não me avisou? Checo se tem alguma mensagem ou chamada
de Julia e não vejo nada.
Entro no apartamento e vou fazer a conferência de tudo o que
Anderson me falou e constato que ela não se deitou; vejo no canto do quarto
uma bolinha de papel amassada, desenrolo e leio o que ela estava escrevendo
e me surpreendo.

Se para demonstrar a minha força for preciso me tornar o que não


quero, então, o farei, por mim e por Luna. Permita que Angelo um dia possa
me perdoar.

Percebo que algumas palavras estão borradas, o que leva a crer que
estava chorando, mas por que ela diz que precisa se tornar forte por ela e
Luna? E o que quis dizer com ‘um dia eu possa perdoá-la’?
Anderson entra e me avisa que Chang tem imagens. Sigo para a sala e
encontro Filippo, Salvatore e Nico de pé próximo ao sofá, Chang sentado
com o notebook à mesa, logo as imagens preenchem a tela.
Vejo o momento que Julia sai com Luna. Isadora atende um
telefonema e pouco tempo depois, sai apressada e segue pelas escadas de
incêndio. A câmera corta para a parte externa de trás do prédio e ela entra em
um táxi e segue em direção ao Centro. Chang vai passando as imagens por
toda a extensão da via, troca para as imagens de satélite e aproxima, Isadora
desce do carro e segue para a Praça da República. Chang acessa a imagem de
segurança da Praça e Isadora está à procura de alguém até ser abordada por
uma mulher elegante, ao aproximar a imagem vejo se tratar de Sophia Callas.
Um pavor me toma, um ódio cresce em mim e soco o braço do sofá atraindo
a atenção de todos.
— Continue, Chang. — Falo entredentes e a imagem volta.
Elas seguem para o ancoradouro e somem pelo canal em uma lancha.
Chang adianta a imagem; depois de um longo tempo, a mesma lancha aporta
no ancoradouro e uma Isadora transtornada e em prantos desembarca seguida
por um homem, que reconheço muito bem. Besouro, homem de confiança de
Aquiles Callas. Ele a deixa na parte de trás do prédio e ela volta pelas
escadas, entrando em casa sozinha. Às seis da manhã, ela sai pelo mesmo
local e encontra Besouro à sua espera, seguem para o QG de Aquiles Callas.
Meu sangue ferve e meus olhos queimam de ódio e me viro para todos que
estão na sala.
— Monte uma invasão ao QG de Callas e vamos resgatar Isadora e
Luna. Matem tudo que tiver vida na merda daquele buraco. — Eles me olham
e não se movem. — Eu dei uma ordem!
Enrico e Elisa entram e impedem todos de sair, contrariando as
minhas ordens.
— Ninguém sai desta sala. Precisamos conversar. — Enrico fala.
— SOU EU O CHEFE DESSA MÁFIA E SOU EU QUEM DÁ AS
ORDENS, ENRICO, E NÃO OUSE DESFAZER UMA ORDEM MINHA.
— Grito irritado com a ousadia dele. — VÃO, AGORA.
— Não — Elisa fala.
Tiro minha Glock da cintura e aponto para a cabeça dela e todos
paralisam. Meu olhar para Elisa é tão mortal que uma lágrima escorre pelo
seu rosto, mas estou pouco me fodendo para isso.
— O chefe sou eu. — Falo sem deixar dúvidas. — Quer morrer? —
Ela está paralisada, mas não há vestígio de medo. — Se não, não interfira nas
minhas ordens. — Sinto a mão de Enrico na minha e o olho com ódio.
— Se acalme, Don. Temos informações sérias e não podemos tomar
uma atitude de cabeça quente. — Enrico tenta apaziguar a situação.
Abaixo minha arma, mas continuo encarando Elisa, inconformado
pela atitude dela em ir contra as minhas ordens. Enrico assume a palavra.
— Quando Elisa me informou o que estava acontecendo, corri para o
Forte e descobrimos uma movimentação dos gregos. As câmeras de
segurança mostraram um avião sendo taxiado no aeroporto de Florença.
Aquiles Callas e Sophia embarcarem com Isadora, Luna e Julia e mais seu
pessoal com destino à Grécia. Ao que parece, Aquiles convenceu Isadora a
assumir seu lugar na Andragathia. Liguei para Toro e ele confirmou as
minhas suspeitas e ficará de olho em tudo e nos manterá informados.
Não consigo acreditar que ela me traiu. Por que não conversou
comigo? Por que fui tão burro a ponto de achar que ela sentia o mesmo que
eu? Pela primeira vez na vida me sinto impotente, sem condições de pensar
direito, sem voz de comando. Sigo até a porta sem olhar para trás e vou
embora na esperança do aperto que estou sentindo no peito desaparecer e
tudo não passar de um pesadelo.
Capítulo 32

BELGRADO

Don Angelo

Três meses haviam se passado. As poucas notícias que tínhamos de


Isadora era que ela estava sendo treinada para assumir a Andragathia e que
comparecia a festas e eventos em Atenas acompanhada sempre por Aquiles e
Sophia.
Sigo com minha rotina e de vez em quando vou ao apartamento de
Maria Eduarda que está com a barriga bem grande. Já sabe que seu bebê é um
menino e o nomeou Christopher.
Minha relação com Elisa mudou desde aquele dia, mas não me
importo, minha vida segue independentemente de estar bem com quem quer
que seja. Continuo no comando e todos devem me obedecer.
Hoje, embarco para a Sérvia. Aleksander Ivanov convocou uma
reunião com todos os líderes das Casas da Castellar e os líderes dos clãs da
máfia Romena, Irlandesa e Albanesa para a formação de uma “Irmandade”,
onde somente os grandes Capos serão membros.
Chegamos a um enorme prédio no Centro de Belgrado e a cúpula da
máfia mundial está reunida. Tomo meu assento na cabeceira da mesa e ao
meu lado direito está Aleksander Ivanov, líder da máfia Sérvia; Razvan
Negrescu, da máfia Romena; Gael Murphy, da máfia Irlandesa e Fatmir
Lazami, da máfia Albanesa. Ao meu lado esquerdo estão todos os membros
das minhas Casas, Domenico Petrovick, da Rússia; Yuri Kringer, de Israel;
Minamoto Takeda, do Japão; Jin Yang, da China. É apresentado pelo líder da
Sérvia, Aleksander Ivanov, um tratado de comprometimento para que todos
os líderes presentes façam parte da “Irmandade”, onde todos se unirão em
prol da máfia, unificando a nossa força. Qualquer inimigo da Irmandade será
inimigo de todos e o líder maior que comandará a Irmandade será eleito em
voto secreto.
Todos vamos à cabine e votamos. Domenico é escolhido para a leitura
dos votos e Aleksander Ivanov foi o escolhido para ser o Lorde Negro. A
irmandade recebe o nome em Sérvio de Блацк Инферно (Inferno Negro) e
sou nomeado Conselheiro e Gael Murphy como Secretário. Depois de tudo
assinado e documentado, seguimos para um coquetel oferecido por
Aleksander Ivanov em sua casa, alguns acordos são selados e
compartilhamos um pouco de cada máfia, mas o respeito a Castellar
permaneceu intacta.

*****

ITÁLIA

Volto a Livorno e sigo direto para casa, precisava descansar antes de


voltar às atividades. Estar em casa me traz boas e más recordações. Nunca
mais vi Isadora, e toda vez que penso nela é como se tudo fosse somente um
pesadelo, logo acordaria e voltaria ao normal.
O tempo passa e procuro me afundar no trabalho e no treinamento de
defesa pessoal e de guerra. Estamos na iminência de uma, e todo cuidado é
pouco.
Vou de helicóptero para o escritório em Florença. Segundo Enrico,
houve um desvio de um container que vinha de Singapura e ainda não
localizaram. Peço a carta náutica do navio que deixou Singapura e passo os
dados para Chang, que faz uma varredura completa via satélite da rota; meia
hora depois, sou informado que a Andragathia interceptou o navio antes de
chegar em mares Italianos. O container continha peças de informática, um
grande carregamento de munições, explosivos e armas. Sou tomado por uma
fúria e tudo que está na minha mesa vai ao chão. Nunca fomos roubados e,
principalmente, nunca a Andragathia foi tão longe. Ligo para Enrico e agendo
uma reunião com todas as Casas; peço a presença de Aleksander Ivanov e as
imagens do satélite sobre o roubo da carga.
Poucos minutos depois, recebo as imagens de satélite e o que vejo me
deixa estarrecido. A traição me corroeu os ossos e me deixou paralisado.
Isadora, ao lado de Aquiles, no comando do roubo da minha carga.
Ela está diferente, mudou o corte do cabelo e se veste de forma mais elegante.
Não resta mais dúvida, Isadora Agnelli se tornou minha arqui-
inimiga. A partir de agora, é matar ou morrer.
E foda-se o coração.
PARTE III
Capítulo 33

Don Angelo

Signora Della Notte.


É assim que todos se referem agora à chefe da Andragathia.
Seria cômico se não fosse sério – e perigoso – o fato dessa mulher ser
aquela secretária brasileira por quem caí de amores.
Mas isso é passado.
Meus homens estão vigilantes 24h para descobrir os próximos passos
de Isadora e Aquiles, e não sermos pegos mais uma vez de surpresa.
Toro nos passa a informação de que ela e Aquiles estão a caminho da
Itália.

Convoco uma reunião com minha equipe. Se a Andragathia quer


guerra, é guerra que teremos. Não pouparei ninguém e derrubarei quem
estiver no meu caminho.
Entro na sala de reunião e encontro todos de pé, sento e fazem o
mesmo.
— Enrico, relate a todos o que Toro falou.
Todos ficam atentos e preocupados com a guerra iminente.
— Preciso traçar planos para atacar antes deles. Os pegaremos
desprevenidos e destruiremos o que estiver à nossa frente, não importando
quem quer que seja.
— Don. — Salvatore pede a palavra. — Estive planejando junto com
o pessoal da segurança uma maneira de pegá-los sem que haja confronto
direto.
— Explique-se.
— Haverá um baile Aquarius no centro de Livorno daqui a um mês e
a cúpula da máfia estará toda reunida. De acordo com o convite, não poderá
haver confronto, pois, o baile é beneficente, ajudará crianças com câncer.
Montaremos uma emboscada fora dos limites da festa, pegando a
Andragathia desprevenidos.
— Posso ajudar, Don. Ficarei na van com Romeo e Chang dando
assistência à equipe.
— Don. — Enrico fala. — Estarei junto com a equipe e atacaremos
sem piedade.
— Temos que ter total controle da situação. — Olho para todos que
assentem. — Recebi o convite ontem e levarei Agnaldo comigo. Ele ficará no
salão de baile monitorando a saída deles, os outros se juntam a vocês.
Aguardem a confirmação de Toro e tragam-me todos da Andragathia vivos, e
não aceito falhas.

*****

O estado de saúde de Stefano piorou e chegou a ser internado no


Instituto Neurológico Mondino Pavia. Tento me envolver o mínimo possível,
mas tenho que estar lá em alguns instantes por conta de dona Giordana que
me cobra visitas a Stefano.
Sigo pelos corredores acompanhado por Anderson e Filippo que se
posicionam do lado de fora do quarto, entro sem bater e o que vejo me
surpreende. Stefano está totalmente debilitado e seu estado caquético me
assusta e em nada lembra aquele homem cheio de músculos e saudável, uma
colostomia está pendurada e um respirador o ajuda a manter a respiração
regular. Não tem ninguém no quarto, quando penso em sair ouço sua voz.
— Figlio mio (meu filho).
Viro-me instantaneamente e o sorriso em seus lábios me dá medo,
pois era o mesmo jeito que usava para me chicotear e depois tacar vinagre
com sal em minhas costas.
- Il mio ragazzo (meu menino).
Não consigo me aproximar, não consigo sentir nada, não consigo
pensar, não consigo ter qualquer sentimento por esse homem.
- Estou com saudades de você, figlio mio.
Lembranças começam a vir à tona em minha mente e essas palavras
me ferem em tal proporção que uma lágrima me escapa, mas trato logo de
secá-la. Todas as vezes que queria me torturar, ele me falava que estava com
“saudades” e logo a sessão de tortura começava. Viro-me e saio daquele
quarto, não querendo nunca mais estar perto desse homem, mas dou de cara
com mamma. Deixo-a falando sozinha e vou embora, seguido por Filippo e
Anderson que se entreolham sem entender nada.
Estou pouco me lixando para o que pensam, só não quero mais estar
com Stefano, e se dependesse de mim, nem em seu funeral eu iria.

*****

Quase um mês se passa, e capturamos o informante ogni notte


(noturno) da Andragathia. Foi um alívio descontar toda a minha raiva nele.
— Estamos nisso há uma semana, ogni notte, acredito que já não
suporta mais tudo isso, está pedindo a morte, mas não te darei até saber tudo
o que quero.
— Não falarei nada. — Cospe o sangue que está em sua boca. —
Mate-me e levarei para o túmulo o que a Andragathia me confiou.
Preparo o alicate e arranco as suas unhas a sangue frio e amarro suas
mãos para trás, deixando o sangue escorrer sem me importar formando uma
poça a seus pés. Preparo o conta gotas com ácido e a cada negativa uma gota
pinga em seus ferimentos e o grito é ensurdecedor, mas alimenta a minha
raiva. Sem ter mais forças, acaba falando o que sabe e para aliviar seu
sofrimento, atiro em sua cabeça. Saio da sala branca e me reúno com minha
equipe.
— Eles pretendem atacar o Forte na noite do baile, por isso,
deixaremos as equipes esperando por eles, enquanto eu e Agnaldo vamos ao
baile.
— Será muito perigoso ir somente com Agnaldo, Don. — Elisa fala e
acende novamente a raiva dentro de mim.
— Não pedi sua opinião. Faremos o que falei e não aceito que
descumpram as minhas ordens. — Deixo a sala sem olhar para trás.
Capítulo 34

Don Angelo

Finalmente o grande dia do baile. Estou pronto com meu smoking,


minhas abotoaduras com o brasão da Castellar. Sigo com Agnaldo no meu
Rolls Royce totalmente blindado para o Centro de Livorno e uma grande fila
de carros se forma na entrada do grande salão de baile. Assim que ponho
meus pés sobre o tapete vermelho, sou bombardeado com flashes e perguntas
dos repórteres e paparazzi que se encontram no local, mas passo direto sem
me dar ao trabalho de responder ninguém.
Adentro ao suntuoso salão clássico e observo todo o ambiente.
Agnaldo se junta a mim e se posiciona em um ponto estratégico. Encontro
com alguns amigos de negócios e sigo para a minha mesa, onde o Prefeito e
Primeira-Dama já estão. Cumprimento a todos e logo Angelina Mastroni se
aproxima, exuberante como sempre.
— Santo Deus, Angelo, é mais fácil me encontrar com o Papa do que
com você. — Gargalho. Angelina, como sempre, divertida.
— Como sempre elegante e divertida, cara mia.
— Preciso falar de negócios contigo, Angelo.
— Quanto exagero, Angelina. Ligue-me no escritório e terá um
horário te esperando.
— Grazie, mio caro amico. Agora, circularei, afinal, sou uma
celebridade. — Ela sai e vejo o sorriso no rosto do prefeito.
— Una bela attrice.
— Si, è una grande amica.
Volto meus olhos para o salão e alguns casais se arriscam na pista de
dança, outros conversam com suas taças nas mãos, mas um movimento na
entrada chama a minha atenção e nem nos meus mais torturantes
treinamentos fui preparado para ver Isadora Agnelli entrando.
Ela está magnífica em um vestido vermelho que se ajusta ao seu
corpo, um lindo colar de diamantes e seu cabelo está mais curto, mas num
corte elegante. Nossos olhos se cruzam e o que enxerguei foi um pedaço de
iceberg; foi o suficiente para me identificar com o que ela sentia.
Volto-me para os convidados e permaneço de olho em tudo o que
fazem. Logo o leilão tem início e grandes lances são dados para as doações.
Um lote com um conjunto de safiras azuis foi posto à venda, conhecidas pelo
nome de “Estrela de Adão”, foi achada no Sri Lanka e chamou a minha
atenção. Os lances começam e espero até o último momento, o maior lance
foi dado por Aquiles Callas por noventa mil dólares, mas na contagem final,
ofereci cento e cinquenta mil dólares e as peças vieram para mim. Vejo o
ódio de Aquiles e o saúdo com meu copo de whiskey.
O jantar é servido e o som que se ouve é somente da orquestra e de
sussurros. Meus olhos sempre procuram por Isadora. Em nenhum momento
ela olha na minha direção.
A sobremesa é servida e a pista de dança é liberada novamente. Sigo
até Isadora que se encontra conversando com outros convidados, e percebo
seu espanto ao me ver aproximar. Quero dançar com ela, sentir seu perfume e
tê-la, nem que seja uma última vez, em meus braços.
— Senhores, Senhoras. — Comprimento a todos. — Srtª Agnelli, está
maravilhosa. Concede-me essa dança?
Ela me olha surpresa, mas não assustada, mostrando claramente que
nos últimos meses foi bem treinada. Volta-se para Aquiles que nos olha com
raiva, mas logo Sophia se pronuncia.
— Vá, querida, está tudo bem.
Tomo-a pela mão e seguimos até a pista de dança onde toca All The
Way, de Frank Sinatra. Colo meu corpo ao dela e deslizamos pela pista em
uma bolha só nossa. Seu perfume é o mesmo e seu corpo se molda ao meu e
posso sentir sua respiração acelerada. Colo minha boca ao seu ouvido e canto
parte do refrão.

Quem sabe onde esta estrada nos levará


Só um tolo diria
Mas se você me deixar te amar
É certo que eu vou te amar
De todos os modos...

Seu corpo relaxa e me permito viver este momento sem qualquer peso
ou responsabilidade, somente ser Angelo Vicentini, um homem que
descobriu o amor, mas que perdeu por sua insensatez.
A música termina e a conduzo para a sua mesa. Não há ninguém
sentado, e permaneço ao seu lado. Trocamos palavras ásperas. Não reconheço
essa Isadora que está na minha frente. Pego duas taças que estão com o
garçom que se aproxima de nós. Ela reluta em ficar junto a mim, mas
acabamos brindando e bebendo. Sinto-me estranho e peço licença.
Direciono-me ao banheiro, mas não consigo chegar. Tudo escurece.
Capítulo 35

Don Angelo

Acordo dentro de uma jaula pequena que mal dá para me sentar


direito e o lugar é tão escuro que não consigo identificar onde estou. Tento
recobrar a minha memória aos poucos e flashes da noite do baile voltam à
minha mente.
Estava com Isadora, um garçom nos serviu uma bebida e me senti
mal, lembro-me de ter ido ao banheiro, mas depois, foi escuridão. Meu
coração falha uma batida só de imaginar que Isadora tem algo a ver com isso.
Meu corpo dói, meus músculos estão tensionados e estou com muita
sede. Tento aprimorar meus instintos e não escuto nada, somente o silêncio.
Não sei há quanto tempo estou aqui, não sei o quanto fiquei apagado, não sei
se sobreviverei a isso. Estou nu, e sinto como se formigas andassem pelo meu
corpo, ouço barulhos de insetos e, de repente, um som familiar chega aos
meus ouvidos, estou no mar, dentro de um navio, sendo levado para algum
lugar longe da Itália.
Horas se passam, conto mentalmente o tempo e um estrondo faz o
navio balançar, ele está atracando. Fecho os meus olhos e espero em silêncio
para ver o que irá acontecer. Ouço movimentos do lado de fora e um outro
barulho forte que sacode onde estou, projetando meu corpo para frente, uma
fina luz do sol ilumina o ambiente, só aí que percebo estar dentro de uma
jaula num container.

Depois de dias sem água e comida, e tendo que tomar minha própria
urina, uma movimentação do lado de fora chama minha atenção, ouço
pessoas falando em árabe, vozes masculinas e vez ou outra, ouço o Italiano.
A porta do container é aberta e a claridade cega meus olhos. Um homem
trajando roupas muçulmanas e de capuz se aproxima e me entrega um cantil
com água, um embrulho com comida e uma roupa. Cheiro e provo para ver se
tem alguma substância que vai me fazer perder os sentidos novamente, mas
não encontro nada. Devoro o sanduíche e bebo toda a água do cantil.
Aproveito para reparar no ambiente, visto-me com dificuldades por conta do
pequeno espaço. Assim que termino de comer, um gancho puxa a jaula para
fora e sou içado para dentro de uma caminhonete velha sob o olhar atento de
um grupo de homens. Seguimos pelo deserto até uma cidade abandonada,
onde um outro grupo de homens fortemente armados está nos esperando. Eles
retiram a jaula e me levam para um porão, puxam-me da jaula e me colocam
amarrado num poste. Espero que comecem com as torturas, mas nada
acontece.
Ouço passos firmes e um barulho de salto alto até ouvir a voz da
pessoa que mais odeio no mundo, tirando Stefano. Eles se aproximam e
trazem com eles uma mesa de tortura, sei que agora que vai começar
realmente o espetáculo.
— Como vai, Don Angelo? Creio que não preciso te apresentar a Srtª
Nardine, não é mesmo? Sei que já sabe quem ela é e o porquê dela está aqui.
— Como sempre um covarde, não é mesmo, Aquiles? Precisou me
drogar para me pegar.
— Não fui eu que te droguei, meu caro Don. Foi a líder suprema da
Andragathia, a Signora Della Notte, à qual você conhece muito bem.
Todas as minhas dúvidas caem por terra com essa revelação, então,
Isadora se aproveitou do momento que estávamos sozinhos e me drogou para
me capturar.
— Vejo que está decepcionado. — Ele gargalha — Ela é uma
excelente estrategista e tem sido uma ótima líder para a Andragathia. Foi uma
pena você não ter percebido isso antes. — Faz uma pausa e finge pensar. —
Ou melhor, foi muito bom você não ter percebido isso antes, pois, agora,
usamos nossa melhor arma contra a Castellar.
— Precisou uma mulher assumir para que você tivesse alguma vitória
sobre nós, Aquiles? Tsc tsc. — Faço barulho com a boca e nego com a
cabeça. — Como pensei. Você nunca foi um bom Capo, sempre visou o
poder e o dinheiro acima de tudo, sempre passou por cima das regras e, para
alcançar o poder, precisou matar Tenório Agnelli; é ardiloso como um rato,
não respeita seus liderados e usa de meios baixos para conseguir o que quer.
— Sim, esse sou eu. — Ri novamente — Deixe-me te contar uma
pequena história, Don Angelo, e quem sabe você entenderá melhor os meus
motivos para te odiar.
— Vamos lá, Aquiles, estou mesmo ficando entediado. — Ele me
olha com raiva, mas estou pouco me fodendo para isso.
— Sempre irônico, quero ver se no final ainda terá esse senso de
humor. — Ele respira fundo e começa a contar sua história. — Meu pai, Átila
Callas, conheceu Giuseppe Pellegrini em uma viagem à Itália. Ele era um
menino em busca de sucesso e dinheiro nas ruas de Milão, mas tinha tino
para passar a perna nos outros, roubando joias e carteiras de quem parasse
para assistir seu show. — Fico atento a esse nome, foi o mesmo que Stefano
falou que era meu pai. — Após roubar a carteira de meu pai, Giuseppe se
escondeu em um beco e logo foi encontrado pelos capangas de Átila, os dois
se tornaram ótimos amigos e Giuseppe se tornou seu braço direito na
Andragathia. Aproveitando o dom que o moleque tinha, meu pai o treinou
para ser seu informante, e com 18 anos, assumiu um posto de confiança, mas
minha mãe, se é que posso chamar a vadia assim, se apaixonou por Giuseppe
e traiu meu pai e como fruto desse amor eu nasci. Meu pai nunca desconfiou
e aos 19 anos, Giuseppe já demonstrava para o que veio.
Anos se passaram, e Giuseppe se infiltrou na Castellar, que o recebeu sem
questionamentos. Assumiu um posto baixo, mas ganhou a confiança de todos
e logo se tornou segurança particular de Stefano. Ele foi informante da
Andragathia por 5 anos, mas caiu de amores por sua mãe, Giordana, e traiu a
Andragathia. Stefano matou Guiseppe quando descobriu que ele havia traído
sua confiança, mas já era tarde demais, o filho tão esperado para assumir a
Castellar havia nascido e sido apresentado como herdeiro da organização
criminosa mais importante do planeta.
Não confio nas palavras de Aquilles, mas pedirei a Chang que
intensifique nas buscas por informações.
— Para que eu pudesse me vingar de todos da Castellar, incentivei
meu pai a nutrir ódio mortal por todos da Castellar e, assim, poderíamos
batalhar e matar nossos rivais. Quando meu pai morreu e eu assumi, matei
Tenório e vivi esses anos todos buscando a minha vingança contra o homem
que tirou de mim o meu verdadeiro pai, mas como Stefano está decrépito,
foquei minha vingança em você, pois, assim, atingiria toda família Vicentini.
— Esbocei um meio-sorriso, Sophia fechou a cara. — Comecei trazendo para
o meu lado a sua doce e amada Isadora, que assumiu seu posto ao meu lado e
junto com todos aqueles que te odeiam, nos tornaremos a maior liderança
criminosa do planeta, eliminando o nome Vicentini Ferrari do mapa.
— Estou tão emocionado com sua história, que se pudesse eu choraria
em solidariedade. — Debocho. — Você sempre foi egoísta e agora me vem
com esse papo fajuto de que somos irmãos? Me poupe, Aquiles. Tudo o que
quer é assumir meu posto, nunca se contentou em ser um mafioso de quinta
categoria, sem respeito às outras Organizações e nem ser conhecido
mundialmente. O que você quer é status e poder, coisa que não consegue por
méritos próprios. Você é a escória da raça humana e é uma vergonha para a
máfia; homens como você só servem para trabalhos sujos.
— CALA A BOCA, SEU MERDA. — Grita descontrolado, eu sorrio.
— VOU ACABAR COM A SUA VIDA, DESGRAÇADO. — Uma
chicotada rasga minha pele e logo uma infinidade de açoites dilaceram minha
carne.
— Você vai matá-lo antes do tempo, Aquiles. — Guilhermina tenta
controlar a ira de Aquiles. — A Signora Della Notte não gostará de saber o
que está acontecendo aqui, as ordens foram claras, não podemos matá-lo.
— Desgraça. — Resmunga, joga o chicote na mesa e se retira junto
com Guilhermina, me deixando pendurado e com vergões em minhas costas.
Dois homens entram e me tiram do poste, pondo-me deitado de
bruços sobre uma cama algemado, logo, outro chega com remédio e aplica no
local onde levei os açoites. Foram cinco dias sem me mexer e sempre sendo
cuidado pelos mesmos homens.
Sou retirado da cama com violência e posto em uma jaula submersa, a
água estava gelada e minhas mãos, amarradas para cima. Não consigo me
mexer, um balde de sanguessugas é jogado dentro da água e posso sentir
quando grudavam em minha pele.
Três dias fico dentro daquele poço, três dias sem comida, três dias
mergulhado nas minhas próprias fezes e urina, três dias que prometia a mim
mesmo que quando pegasse Aquiles, ele sofreria dez vezes mais.
Sou içado da água, retirado da gaiola e posto sob um chuveiro com
jato forte de água fria para lavar meu corpo fétido, um pedaço de sabão é
jogado aos meus pés e o pego para me lavar e tirar de mim os excrementos. O
mesmo homem que trouxe minha comida me lança um Jabâliyah e o visto.
Como toda a comida e bebo a água do cantil, sou levado algemado nos pés e
nas mãos para o mesmo quarto em que estava, sou preso no pé da cama e
algemado na cabeceira, mas estou pouco me importando, tudo o que quero é
dormir um pouco e preparar meu corpo para o que está por vir.

*****

FAIXA DE GAZA

Perdi as contas de quanto tempo estou aqui. Pelo que pude entender,
fui trazido para Faixa de Gaza e estou em poder do Hamas, um grupo
terrorista.
Comecei a observar alguns pontos soltos e pude entender que Aquiles
se juntou a Hamas prometendo assumir a Castellar e dar a eles o controle da
Casa azul, matar Yuri Kringer e obter informações que podem destruir o
Estado de Israel, mas o que não consegui entender ainda é o que ele ganharia
com isso.
Estou numa espécie de masmorra; ontem rasparam minha cabeça e
perdi um pouco de peso, mas ainda estou resistente e entendo que toda a
tortura que Stefano me fez passar está servindo para alguma coisa. Ouço
passos no degrau da escada de madeira improvisada, Sophia Callas surge,
vestida com elegância, mas com a soberba que já lhe é peculiar.
— Está sendo bem tratado, Don Angelo? — Percebo o sarcasmo em
sua voz. Não respondo nada. — Sabe, Don, sempre te achei um homem
bonito e charmoso, desde novo, mas era inacessível para alguém como eu; a
nossa diferença de idade não me permitia. — Fico intrigado. Não me lembro
de ter conhecido Sophia antes.
— Não me lembro de já ter sido apresentado a você. — Ela sorri e
puxa uma velha cadeira para se sentar em frente à minha cela.
— Nos conhecemos quando você foi com Stefano ao leilão de virgens
nos Estados Unidos, eu estava lá, fui eu quem vendeu aquela garota para ele.
— Vadia.
— Como pôde vender uma menina para aquele doente?
— Negócios, meu bem. — Sorri. — Quando o vi no quarto com ela e
mostrava toda a sua masculinidade de todas as formas, desejei estar no lugar
daquela menina e ser possuída por você, mas Stefano me pegou olhando e
assim que me chamou para dar a última parte do pagamento, me segurou e
apanhei como um homem. Fui jogada na sarjeta, só porque o desejei. Passei a
noite sangrando em um beco. Aquiles me encontrou, cuidou de mim e depois
que contei o que houve, nos casamos e hoje, vendo-o assim, sem nenhum
resquício do todo poderoso Don Angelo, percebo que é mortal como qualquer
um de nós. — Ela dá uma olhada à sua volta, como que extasiada pela
situação em que me encontro. Como um prisioneiro. — Influenciar Isadora
foi fácil. A menina boba e assustada não existe mais, agora ela é forte, é a
Signora Della Notte. Ataca seus opositores sem que eles a vejam, e você foi
um deles. Ouvimos tudo o que conversaram na noite do baile e fomos nós
que mandamos o garçom te entregar a taça com o remédio. Isadora não sabia
que faríamos isso e não sabe para onde te trouxemos, mas é questão de dias
até descobrir, já que é a nossa líder agora. Sei que morrerei por suas mãos,
pois, traí a Capo, mas morrerei feliz por vê-lo sofrer desse jeito.
— Como você mesma falou, nunca te vi e mesmo que visse, sentiria o
cheiro de vagabunda à distância. — Seus olhos se arregalam e engole a saliva
com dificuldade. — Espero que Isadora seja tão boa Capo como sou como
Don, pois a morte é pouco para traidores como vocês.
— Ela aprendeu com Aquiles e fará com você pior do que ele tem
feito até agora, afinal, é você que está preso aí, não eu.
— Se ela aprendeu com Aquiles, então, provavelmente, sairei
andando pela porta da frente. Aquiles é o pior exemplo que alguém pode ter.
É a escória da máfia, renegado por seus “aliados”, e seus homens não têm por
ele nenhum tipo de lealdade; o mesmo que faz com seu Capo, faz com você,
te trai e te submete às suas vontades só porque te tirou da sarjeta.
— CALE-SE. — Sei que consegui desestabilizá-la. — Não sabe o que
está falando. Aquiles tem sido um bom marido e o que depender de mim,
você só sairá daqui morto.
— Ainda bem que sua palavra não tem nenhuma relevância aqui. —
Olhamos para o alto da escada e uma Isadora toda imponente desce os
degraus.
Olho para a mulher que me traiu e procuro dentro de mim o ódio, mas
tudo o que sinto é um puto tesão em ver uma mulher que esbanja
determinação e ousadia. Ela se aproxima da cela e me olha com desdém, mas
observo que procura pelo meu corpo qualquer tipo de lesão ou ferimento
grave. Ela se volta para Sophia e a olha de forma dura.
— Retire-se e me aguarde no cômodo superior. — Sophia sai, mas
ainda me olha com um ar de deboche.
— Como está, Don Angelo? Gostando de nossas acomodações?
— Estou sendo muito bem tratado, Capo, seus soldados são ótimos
anfitriões. — Falo com deboche.
— Vejo que continua com sua costumeira ironia. — Aproxima-se
mais. — Mas, de nada ela te valeu até agora, correto?
— Acredito que não tenha vindo até aqui para debater onde empregar
a minha ironia. Diga o que quer.
— De você, nada.
— Então, por que seu pau mandado me trouxe para cá? Por que você
me drogou no baile e por que está aqui agora?
— Por quê, por quê, por quê? Pensava que era mais inteligente que
isso, Don. Tudo o que Aquiles deseja é tomar o seu lugar e tudo o que desejo
é tomar o lugar de direito do meu pai.
— Você já é uma Capo.
— Não, não sou. Aquiles ainda é o Capo, mas isso está mudando.
Tenho buscado aliados e acredito que por acaso do destino, muitos deles não
concordam com a gestão de Aquiles e desejam que um herdeiro legítimo da
Andragathia assuma o poder, mas, para isso, terei que me casar.
Perco o foco quando a palavra casamento é mencionada. Como assim
se casar? Nunca permitirei que ela se case para fortalecer a Andragathia.
— Meu noivo desembarca na próxima semana e nos casaremos em
quinze dias. Infelizmente não estará lá para celebrar esse momento histórico,
pois, ainda estará refém, junto com os “amigos” de Aquiles.
— Nunca que a Castellar permitirá que uma Agnelli assuma o poder.
— Sim, a Castellar permitirá, pois, jamais poderá ir contra o Lorde
Negro.
Fico em choque. Aleksander Ivanov se casará com Isadora Agnelli
para tomar o poder de todas as máfias e seremos subjugados a eles. Um plano
muito bem elaborado e que me pegou totalmente despreparado.
— Isso nunca irá acontecer. Quando os Capos perceberem que
Aleksander Ivanov quer assumir o controle de todas as máfias, haverá guerra
e muita gente irá morrer.
— Ora, Don Angelo. — Fala com falsa tranquilidade. — Não foi você
mesmo que queria se juntar a mim para tomar o poder? Como pode agora ser
contra a minha união com Aleksander?
— Eu nunca te usaria para isso, eu estava te protegendo de gente
como Aquiles Callas, que destrói tudo que toca, mas, pelo visto, ele
conseguiu seu intento e, hoje, você é um fantoche nas mãos dele.
— Não sabia que “proteção” tinha sido substituído pela palavra
“sedução”. Se eu me lembro bem suas palavras, você disse que me seduziria
para juntar as duas máfias. Agora, não me venha com lições de moral, você
queria fazer o mesmo que Aquiles, me manipular e assumir a minha herança
mafiosa, para depois tomar o poder. Mas eu não vim aqui para te dar
satisfação dos meus atos. Você será levado para a Síria e ficará aos cuidados
de alguns soldados, saiba que monitorarei de perto tudo o que fizer e depois
do meu casamento, decidiremos o que faremos com você.
— Obrigado por me informar, Capo. — Falo com ironia novamente.
— Fico feliz que ainda viverei mais esses dias, e adorarei conhecer os
aposentos da Síria.
— De nada. Depois me agradecerá como deve. — Sai sem olhar para
trás.

No dia seguinte, fui posto em um carro e seguimos por uma estrada


no meio do deserto, foram dois dias no deserto até chegar a um aeroporto
clandestino e embarcarmos num monomotor com destino à Síria. Duas horas
depois, descemos no meio do nada, em uma pista improvisada onde um carro
nos aguardava. O sol já estava se pondo e uma venda foi posta sobre meus
olhos. Seguimos por longos minutos por uma estrada esburacada até
pararmos.
Fui arrancado com força de dentro do carro e novamente colocado em
uma cela. Estava exausto, com fome e sede.

*****

Mais uns dias se passam, acredito que mais ou menos quinze, se é que
meus cálculos estão corretos, e não vi mais Aquiles ou Isadora.
O casamento seria essa semana e logo o inferno estaria instaurado em
todos os países que a Castellar predominava, só espero que Enrico esteja
sendo o Don que a Castellar precisa nessa hora.
Sou levado para uma sala de banho e faço minha higiene, minhas
roupas são trocadas por novas; eles mantêm minha barba que cresceu
bastante nesse um mês e quinze dias que estou enclausurado, e o cabelo já
cresce. Sou alimentado como nunca havia sido desde que saí da Itália. Meu
corpo está mais magro e meus músculos menos trabalhados, mas ainda tenho
forças para lutar. Colocam-me em um quarto no andar superior das celas e
um soldado mantém a guarda na porta. Não estou algemado e muito menos
amarrado, as janelas estão fechadas com cadeados grandes e com tábuas que
impossibilitam a visão. O chão é de concreto frio e a porta é de madeira, o
que dificulta qualquer ação que eu possa ter. Deito-me na cama que está
limpa e cheirosa e o cansaço me vence, durmo por horas e meu corpo
agradece.
A porta se abre e o mesmo homem que me trouxe, traz minha
refeição. Fico desconfiado com o que está acontecendo, pois estou sendo bem
tratado e isso não é normal. Alimento-me e volto a dormir, fiquei muitos dias
dormindo em um colchão no chão úmido e fedorento dentro de um cubículo
no subsolo de uma construção abandonada que serviu de ponto de apoio para
tropas inimigas na guerra contra a Síria.
Um estrondo forte soa no andar de baixo e isso me acorda, fico em
estado de alerta, tiros estão sendo disparados e coisas sendo quebradas. Ouço
vozes alteradas e não entendo o que falam, carros estacionam no pátio e uma
voz de comando se sobressai. Posiciono-me atrás da porta para me proteger
de quem quer que seja e espero até que me alcancem no quarto improvisado.
Uma forte batida na porta e dois homens entram me procurando por todos os
lados e assim que se afastam da porta, saio em disparada, mas sou alcançado
por uma pessoa e quando me viro, me surpreendo.
— Você?
Capítulo 36

ALGUM TEMPO ANTES

Isadora

Nesses três meses que estou com Aquiles Callas, pude entender o que
ele deseja de mim. Ele é manipulador e sem escrúpulos nenhum, usa as
pessoas para alcançar seus objetivos e destrói depois que os alcança. Minhas
únicas companhias são Julia e Luna, que todos os dias chora pedindo para
voltar para casa. Estou nas mãos de Aquiles e tenho buscado reunir provas
que eu possa usar contra ele.
Sou obrigada a fazer aparições em festas e ser exibida como a Signora
Della Notte, título dado a mim por Aquiles para demonstrar sua lealdade à
herdeira da Andragathia.
Vivo em Atenas, onde sou treinada diariamente até a exaustão por
Besouro, e acabamos desenvolvendo uma amizade e aos poucos descubro o
que quero sobre Aquiles.
Percebo que seus homens não são totalmente leais a ele e muitos se
submetem ao que ele quer por medo de suas famílias serem punidas. Começo
a formular um plano em minha mente, mas para isso, precisarei de Besouro.
Estamos indo para o complexo de apartamentos no Centro de Atenas e noto
que Besouro quer me falar alguma coisa, mas fica calado. Espero chegar no
apartamento e assim que entramos, viro-me para ele que está fechando a
porta.
— Agora você pode me falar o que está te afligindo. — Ele me olha
sem demonstrar nenhum tipo de reação.
— Srtª Agnelli. — Se aproxima de mim e me olha nos olhos. —
Tenho profundo respeito pela minha Capo e lhe devo respeito e obediência, e
nunca faria nada que a prejudicasse.
— Seja claro, Besouro.
— Peço que o que falarmos aqui, fique aqui. Não posso pôr minha
mulher e meus filhos em risco. — Confirmo com a cabeça. — Aquiles Callas
está planejando sequestrar Don Angelo e a usará para isso, caso não faça,
matará a Sra. Julia. — Meu sangue gela. Como ele pode querer passar por
cima de mim desse jeito?
— Quando será isso, Besouro?
— No baile de Caridade que haverá daqui a quinze dias na Itália.
— Você estará comigo nesse dia?
— Não. Ficarei em Atenas para cuidar de Luna e dona Julia.
— Obrigada pela informação, Besouro. Cuidarei pessoalmente desse
assunto quando chegar a hora.
— Senhorita, cuidado com Aquiles. Ele não mede esforços para
alcançar o que quer.
— Terei, fique tranquilo. — Sigo para o meu quarto e tento assimilar
o que Besouro me falou.
Tomo um banho e vou até o quarto de Luna. Deito-me ao seu lado e
inalo o cheirinho do seu cabelo, e silenciosamente oro a Deus e peço uma luz
para que eu possa sair dos domínios de Aquiles. Sou vencida pelo cansaço e
acabo dormindo junto a Luna.
De manhã, pego meu café preto, inalo o aroma e degusto sem pressa,
sob os olhos atentos de Julia.
— O que se passa, menina? — Olho-a por cima da caneca enquanto
bebo.
— Nada, Julia. — Tento passar tranquilidade, mas sei que Julia já me
conhece um pouco e sabe quando algo me aflige.
— Não tente me enganar, menina, já te conheço e sei que essa
cabecinha está cheia. Quer conversar?
— Não consigo te esconder nada, não é mesmo? — Ela nega com a
cabeça.
Luna vai para a sala e liga a TV num canal de desenho; Julia se senta em seu
lugar e segura a minha mão.
— Isa — Respira fundo e solta o ar devagar —, sei que nos
conhecemos há pouco tempo, mas tenho idade para ser sua avó, estamos
nessa juntas e sei que aquele homem asqueroso está te chantageando para te
manter aqui. Sei também que se ele pudesse, já teria me matado, só não fez
ainda porque precisa de você. Não quero que me esconda o que está sentindo,
somos o mais próximo de família que eu e você temos e estamos juntas nisso
tudo. Confie em mim, com o conhecimento que tenho por trabalhar por anos
com o Don, posso te ajudar.
Olho para Julia e enxergo nela uma grande amiga e percebo a
sinceridade de suas palavras. Quem sabe ela não me ajuda a sair disso sem
machucar ninguém?
— Ontem fiquei sabendo que haverá um baile de caridade na Itália e
que Aquiles me levará. Mas o que me deixou preocupada é que ele quer me
usar para sequestrar Don Angelo. Sei que será impossível, pois, Anderson,
Nico, Salvatore e Filippo sempre fazem sua segurança, mas algo me diz que
ele está armando alguma coisa; as peças não se encaixam, tem alguma coisa
faltando.
— Vamos pensar como se fosse Don Angelo que estivesse planejando
tal intento. — A olho com a testa franzida. — O que ele faria para Aquiles
baixar a guarda? — Ficamos presas em nossos pensamentos por um bom
tempo.
— Ele vai fazer uma armadilha para atrair Don Angelo, depois, vai
pegá-lo.
— Don Angelo não cairia numa armadilha. — Fala com
conhecimento de causa. — A menos que... — Pensa mais um pouco e se
volta totalmente para mim. — A menos que espalhe um boato e deixe Don
Angelo vulnerável.
— Como assim, Julia?
— Me lembro uma vez que Don Stefano espalhou um boato sobre a
Andragathia e deixou Tenório vulnerável. Tenório deixou todos os seus
seguranças guardando o QG e saiu somente com um segurança, que acabou
morrendo na emboscada e Tenório conseguiu fugir. Aquiles não é um homem
muito criativo e, no mínimo, deve estar copiando a ideia.
— Ele pegará Don Angelo no baile.
— Ele deve ter espalhado que vai invadir a Castellar, o que deixará
todos guardando o Forte. Como tem o evento, Don Angelo deverá ir somente
com um segurança, o que o deixará vulnerável. Ele te usará para distração do
Don, pois sabe que ele tentará uma aproximação. Cabe agora decidir o que
fará a respeito.
Fico pensando e nada me vem à mente, olho para Julia que está do
mesmo jeito.
— Já sei o que farei. — Olho para Julia. — Mas para sua segurança e
de Luna, não te falarei agora, deixa eu formular um plano em minha cabeça e
assim que pôr em ação, se prepare para voltarmos à Itália.
Vou para o meu quarto me preparar para o treinamento. Hoje será
diferente, trarei Besouro para o meu lado e ele me falará os passos de
Aquiles.

Chego na academia no bairro de Kolonaki e sou recebida por Besouro


que tem um ar preocupado. Mudo de roupa e logo estamos nos aquecendo
para uma luta de Muay Thai. Hoje, o treino foi muito puxado e logo pegamos
a estrada para a sala de tiro para treinar mais um pouco. Aproveito que
estamos sozinhos e não há nenhuma vigilância no local e puxo Besouro para
conversarmos.
— Vou ser direta com você. Minha vida está em suas mãos, cabe você
apertar o gatilho ou não.
— Não estou entendendo aonde quer chegar, Signora.
— Aquiles está armando uma emboscada para sequestrar Don Angelo
e vai me usar para conseguir o que quer. Sei que o levará para outro lugar e
não terei conhecimento, pois sabe que iria interferir se soubesse. Quero que
fique de ouvidos bem abertos para tudo que Aquiles ou qualquer um falar, e
me avise. Se for fiel a mim, sua família terá a minha proteção, se me entregar
a Aquiles e eu sobreviver, caçarei a todos e não terei piedade.
— Como lhe falei antes, sou fiel ao meu Capo, desde o momento que
a Signora se tornou a herdeira legítima, minha fidelidade é sua.
— Fico feliz com isso, Besouro, mas esteja preparado para nossas
ações, e se tiver alguém que possa nos ajudar dentro da Organização, recrute.
— Vários homens estão insatisfeitos com a forma que Aquiles
comanda a Organização. Vou averiguar e passarei as informações.
— Obrigada, Besouro.
— Matteo.
— O quê?
— Meu nome, Capo. Me chamo Matteo Palmiere.
Capítulo 37

ITÁLIA

AINDA UNS DIAS ANTES

Isadora

Chegamos à Itália um dia antes do baile e Augusto Massotti quem


ficou responsável pela minha segurança. Como Matteo havia falado, ele ficou
com Luna e Julia na Grécia. Estou no meu quarto e uma batida na porta me
chama a atenção.
— Entre.
— Com licença, Signora. — Augusto entra.
— Sim, o que deseja?
— Besouro falou comigo e sou fiel à minha Capo. — Percebo receio
em sua voz. — Mas gostaria que protegesse a minha família. Meus pais são
idosos e sou o provedor de suas necessidades, tenho medo de que Aquiles
faça algum mal a eles.
— Se for fiel a mim, serei com você.
— O que deseja de mim, Capo?
— Fique de olhos e ouvidos atentos a tudo o que Aquiles, Sophia e
Milena falarem, e me informe imediatamente.
— Sim, Capo. Ficarei atento. — Retira-se e fico pensando no que
farei quando estiver frente a frente com Angelo.
Ele despertou sentimentos que nunca pensei sentir por um homem e
me destruiu da mesma forma, mas não posso deixar Aquiles vencer essa
guerra. Ele matou meu tio para tomar o poder e eu o matarei para vingar seu
sangue.
Tomo um banho e me deito para descansar. Escuto uma
movimentação pela casa e ouço a voz alterada de Aquiles. Frank e Sophia
estão com ele, também falam alto. Levanto-me e abro uma fresta da porta
para escutar melhor, mas eles diminuem o tom e preciso sair pelo corredor e
me esconder no canto da escada para escutar o que planejam. Fico atônita
com tamanho disparate, mas se ele quer me usar para isso, deixarei e, depois,
puxarei o seu tapete.

*****

Noite do baile, e Aquiles me faz colocar uma roupa ousada e


chamativa. Angelo teria de ser cego para não me encontrar em meio à
multidão.
Querendo passar para Aquiles uma imagem de que Angelo não mais
me afetava, tomo o cuidado de em nenhum momento olhar na direção dele,
mas não poderia mentir para mim mesma. O meu coração o via e sabia cada
movimento dele pelo salão.
Há o leilão, no qual Aquiles fica puto da vida por ter pedido o lance
para Angelo. Depois disso, o jantar. Pela graça de Deus, nós e Angelo não
ficamos na mesma mesa. Mas após o jantar, finalmente, a careação.
— Senhores, Senhoras. — Angelo se aproxima do grupo no qual eu
estava e cumprimenta a todos — Srtª Agnelli, está maravilhosa. Concede-me
essa dança?
Olho para ele surpresa por tamanha audácia, e, ao mesmo tempo,
temerosa por ver que o plano de Aquiles de me usar para distrair Angelo
estava dando certo.
— Vá, querida, está tudo bem. — Sophia se pronuncia. As cartas
estão na mesa. Rezei tanto para que Angelo não se aproximasse de mim, mas
Deus não quis assim.
Ele me toma pela mão e me conduz até a pista de dança onde Frank
Sinatra canta All The Way. Ele cola nossos corpos e deslizamos pela pista,
nossos olhos se encontram e vivemos esse momento como se nunca
tivéssemos nos separado. Seu cheiro penetrava minhas narinas e fechei meus
olhos para gravar em minha mente, nossos corpos se moldando como parte de
um quebra-cabeças em um perfeito encaixe. Sua voz rouca no meu ouvido
cantando parte do refrão e meu coração acelera. Fecho meus olhos e nos
imagino em um outro momento, onde poderia viver esse sentimento que se
apossa do meu coração. Relaxo o meu corpo e me permito viver esse
momento, me esqueço que Aquiles está nos observando, que a máfia agora
faz parte da minha vida, que preciso proteger Luna e Julia.
A música termina e a realidade toma forma novamente. Sou
conduzida para a mesa e uma inquietação me toma, sei que em breve Aquiles
atacará e não poderei impedir que ele siga seu plano; se quero acabar com
Aquiles, terei que permitir que o único homem que amei, me odeie.
— Como está sua sobrinha Luna?
— Está bem. — Sou sucinta na minha resposta e viro meu rosto para
a pista de dança e fica observando os casais que ainda fingem felicidade.
— Sei que temos assuntos pendentes para tratar e gostaria de me
explicar, sei que aqui não é hora e nem lugar para isso, mas preciso me
explicar sobre o que ouviu no escritório. — As lembranças retornam com
força total e a ira me acende.
— Sr. Vicentini, não estou interessada em nada que possa me falar.
Ouvi perfeitamente e, agora, estou focada em outras coisas. Portanto, não
creio que seja conveniente falarmos de um assunto que eu não me importo.
— Não quero trazer esse assunto à tona aqui. Aquiles e Sophia têm escutas,
mas ele insiste e isso me irrita.
— Acredito que precisamos esclarecer alguns fatos, mas não
falaremos disso agora, podemos marcar em um Café ou em um restaurante e
conversarmos.
— Acho que o senhor não entendeu. — Encaro-o com uma frieza e
irritação. — Não estou interessada em nada que venha do senhor e, muito
menos, em sua companhia, mas se vamos manter a boa educação, podemos
fingir para essa sociedade hipócrita que somos velhos amigos e sorrir
teatralmente para os fotógrafos, afinal, o nobre Don Angelo está gastando seu
tempo precioso com a Capo da Andragathia.
— O que fizeram contigo, Isadora? — Fala controlando a raiva que
sente. — Não acredito que a doce e adorável Isadora tenha se transformado
nesta mulher fria e sem coração, você é muito mais do que isso. — Olho-o
soltando fogo pelas ventas.
— Muita coisa mudou, Don. Entendi que como herdeira da
Andragathia, tenho que deixar meus sentimentos de lado e fazer tudo para a
minha Organização, assim como o senhor. Tem sido a minha inspiração,
olhá-lo atuando como um bom empresário, cuja imagem é inabalável, me fez
ver que realmente para manter o porte de homem bem-sucedido é necessário
passar por cima de tudo e de todos, não importando se vai machucar ou ferir
alguém. Portanto, não me venha com falso moralismo, pois, o resto que tinha
do meu coração o senhor fez o favor de arrancar e pisotear. — Tenho vontade
de chorar, mas seguro para não dar esse gostinho a ele.
— Não estou com falso moralismo. — Sua voz, entredentes. — E
muito menos posando de bom moço. Fui treinado e preparado para assumir a
máfia e faço tudo para manter a ordem com as minhas Casas, e nunca
deixaria que a Andragathia te usasse para me atingir. — Minha raiva e
frustração chegam a níveis estratosféricos e despejo toda a minha frustração
nas minhas palavras.
— Ora, Sr. Vicentini, o mundo não gira em torno do seu umbigo,
muito menos está sempre curvado para as suas vontades como vacas de
presépio. Existem pessoas e sentimentos que precisam ser respeitados.
Agradeço por ter me mostrado quem realmente é, sem máscaras, sem a
postura de bom moço e por ter percebido a tempo que tudo não passava de
negócios. Hoje, sei onde é o meu lugar e posso sentir o gostinho do que é ter
o poder de decisão sobre a vida e a morte, mas nunca perderei minha
essência, nunca venderei minha alma ao diabo para ser o que os outros
querem de mim, porque ao contrário de você, eu ainda tenho princípios.
— Fala isso agora. Seus princípios não serão nada quando Aquiles
Callas te transformar num protótipo dele e exigir que faça coisas — Vejo
ódio em seus olhos e isso alimenta minha necessidade de me manter longe
dele.
— Falar de princípios é muito bonito para essa sociedade que acredita
na postura de bom moço e não enxergam o homem sem escrúpulos que é,
mas para nós, mafiosos, é mera balela.
— Tem aprendido rápido, mas não se esqueça que para cada ação tem
uma reação e a minha logo chegará, e pode ter certeza, Srtª Agnelli, não terei
misericórdia com ninguém.
Desvio meus olhos dos seus e tento desfazer o nó que se formou mais
uma vez em minha garganta, mas se torna quase impossível. Um garçom se
aproxima e sei que a sentença já foi decretada, mas terei que desempenhar
esse papel para proteger quem eu amo.
Ele pega duas taças de champanhe e fazemos um brinde silencioso e
bebemos. Em pouco tempo, vejo seus olhos se dilatarem. Ele se pôs de pé e
seguiu em direção ao banheiro, uma lágrima me escapa, mas me
recomponho, pois, Sophia Callas se aproxima me chamando para ir embora.
Foi dada a largada. Que vença o mais esperto.
Capítulo 38

Isadora

Vinte dias... vinte longos dias que não consigo obter informações de
onde Angelo está. Reuni meu pequeno exército de homens de confiança e
temos olhos e ouvidos em todos os lugares. Retornamos à Grécia no dia
seguinte ao baile e, uma semana depois, voltamos para Livorno, para a
felicidade de Julia e Luna, mas ainda estamos sob forte vigilância; meu
treinamento está indo melhor que o esperado. Faz dois dias que não vejo
nenhum dos Callas e descobri que viajaram e só retornarão em uma semana.
O que me deixa tranquila é que Augusto foi com eles e aguardo ansiosa seu
retorno. Aproveito que estou sozinha e começo a fazer pesquisas sobre a
Castellar e um novo nome surge, Aleksander Ivanov, um moreno lindo e
perigoso, que me acende uma esperança.
Traço um plano junto com Matteo. Atrairemos Aleksander Ivanov até
o ginásio de treinamento e pedirei sua ajuda para resgatar Angelo onde quer
que esteja.
Hoje, o dia amanheceu chuvoso em Livorno e o frio começa a dar as
caras, mas nada me impede de ir ao ginásio, afinal, precisaria pôr meu plano
em prática.
Após exaustivos alongamentos e exercícios, sigo para um banho e me
preparo como uma Capo para receber o Lorde Negro no escritório da
academia.
Meia hora depois, Matteo entra e logo atrás está Aleksander Ivanov
com toda a sua elegância e postura.
— Sr. Aleksander? — Aproximo-me com a mão estendida. — Sou
Isadora Agnelli, Capo da Andragathia. Ou, quase isso.
— Muito prazer, Srtª Agnelli. Estou muito curioso para saber o que
uma Capo, ou quase isso, da máfia rival deseja comigo.
— Vamos nos sentar, Sr. Aleksander, e logo esclarecerei. —
Acomodamo-nos na poltrona que fica no canto da sala e Matteo se posiciona
logo atrás, junto com o segurança do Sr. Ivanov. — Pois bem, vamos ao
assunto que o fez vir aqui a meu pedido. — Respiro fundo e solto o ar aos
poucos. — Aquiles Callas sequestrou Don Angelo e preciso de pessoal e
suporte para resgatá-lo. — Ele me olha como se uma outra cabeça tivesse
surgido no meu ombro.
— Deixa ver se entendi. A senhorita me chamou aqui para informar o
que todos nós sabemos?
— Não. Te chamei aqui para me ajudar a resgatar Don Angelo. —
Levanto-me, indo até a janela. — Sr. Ivanov, apesar de ser a Capo desta
organização, Aquiles Callas tem feito coisas sem meu conhecimento, e uma
delas foi sequestrar Don Angelo, a quem devo muito. Sei que é difícil confiar
numa Capo da máfia rival, mas meu avô foi um grande amigo da família
Vicentini e juntos criaram a Castellar. Sei que houve a divisão, mas meu tio-
avô Tenório nunca invadiu os territórios ocupados pela Castellar, diferente de
Aquiles que quer usurpar o que não lhe pertence, assim como fez com o meu
tio.
— Conheço essa história, senhorita, faz parte de cada um de nós.
— Sei que conhece, mas o que não sabe é que eu e minha sobrinha
estamos sendo mantidas em constante vigilância e que fugi da casa do Sr.
Vicentini porque Aquiles sequestrou minha sobrinha, ameaçando de morte.
Me resignei na minha miséria até agora, mas não posso permitir que Aquiles
Callas destrua o pouco que restou da memória do meu avô e quero vingar a
morte do meu tio.
— O que sabe até agora sobre o paradeiro de Don Angelo?
— Meu soldado de confiança foi junto com Aquiles em uma viagem,
creio que foram ao cativeiro de Don Angelo. Em uma semana eles retornarão
e saberei melhor.
— Irei ajudar, Srtª Agnelli, mas terá que ficar em sigilo, não podemos
envolver todas as Casas e muito menos as máfias da Irmandade. Faremos
tudo com cautela, assim que estiver tudo pronto, o regataremos.
— Faremos dessa forma, mas ainda preciso de um grande favor. —
Faço uma pausa para dar tempo de raciocinar e me preparar para o que ele irá
falar. — Nessa ausência de Aquiles, pude ver os fundamentos da Andragathia
e suas normas. Sei que é comum o Don anterior estipular regras para o seu
sucessor, e com meu tio não foi diferente. Ele sabia que meu pai havia
formado família no Brasil e que algum dia seu herdeiro reclamaria a herança,
por isso, ele estipulou algumas cláusulas — Pego o papel da bolsa. — Entre
essas se destacam duas: 1º - Fica acordado com os presentes colaboradores e
futuros colaboradores que o Don deverá se casar com qualquer membro
direto ou indireto da Castellar, para que possa permanecer uma máfia pura;
2º - O herdeiro só poderá assumir seu papel como Don após o casamento,
anulando qualquer aliança que não estiver de acordo com os interesses de
ambas as máfias.
“Para eu assumir a Andragathia e destituir a aliança feita pelo meu tio
Tenório Agnelli com a máfia Grega, terei que me casar com um membro de
uma das Casas da Castellar e assumir meu lugar como Don da Andragathia.
Preciso que se case comigo, nem que seja de fachada, para que eu possa
assumir o poder e destruir Aquiles Callas.
— Senhorita. — Ele se coloca de pé e se aproxima de mim. — Esse
tempo todo que estamos procurando por Don Angelo, tenho ouvido o quanto
ele a tem em alta estima. Sei que é uma situação atípica e que para recuperar
seu posto como Don, terá que seguir seus planos. Não quero causar nenhuma
ruptura com a Castellar, mas se para salvar Don Angelo das mãos de Aquiles
eu tenho que me casar com a senhorita, então, me casarei, mas preciso que
empenhe sua palavra como Don que meu Capo voltará com vida.
— Tem a minha palavra.
Ele assente. — Para quando deseja a cerimônia? — Eu penso e
calculo o tempo para resgatarmos Angelo.
— Um mês.
— Prepare tudo; assim que estiver organizado, nos casaremos.
— Obrigada por me ajudar, Sr. Ivanov, e assim que resolver tudo isso,
conversarei com Don Angelo e uniremos as Organizações.
— Faça isso por meio do casamento, senhorita. Percebe-se o quanto o
ama. — Arregalo meus olhos em espanto. Somente por amor que arriscaria a
minha vida para salvá-lo.
— Obrigada mais uma vez, e nos vemos em breve. — Ele se retira me
deixando absorta com os meus pensamentos.
Chego em casa já anoitecendo e encontro Frank me espionando. Passo
direto para o meu quarto e após um banho, jogo-me na cama pensando em
tudo o que Aleksander Ivanov me disse. Percebo que deixei minha raiva
abalar o amor que descobri sentir por Angelo, mas não permitirei mais que
Aquiles destrua o legado dos meus antepassados. Quando tudo isso terminar,
conversaremos e colocaremos tudo em pratos limpos. Assim espero.

*****

Finalmente, Augusto retornou com Aquiles e estava me contorcendo


para saber onde eles estavam, mas infelizmente, Aquiles não me deu uma
trégua, durante toda a semana exigiu de mim treinamento e aparições em
eventos e não pude saber o que havia acontecido. Comuniquei a todos os
colaboradores e, principalmente, ao casal Callas sobre uma recepção para que
todos me conhecessem; a ideia foi bem aceita, mas o que eles não sabem é
que hoje apresentarei meu noivo a Andragathia e poderei sentir até onde os
homens são solidários a Aquiles. Peço a Julia que prepare um jantar especial
para todos os membros da Organização na casa nobre, onde estou hospedada
com ela e Luna.
Já são vinte horas quando desço, todos voltam-se para mim e sigo
meu caminho até Aleksander Ivanov, que está no canto, e os olhares me
seguem. Um coquetel está sendo servido e pela minha visão periférica vejo
Aquiles e Sophia se aproximando.
— Não vai nos apresentar seu amigo, Signora Della Notte?
— Após o jantar, farei as devidas apresentações, Sr. Callas, guarde
sua curiosidade para si. — Ele me fulmina com os olhos, mas tenho que
assumir a postura de um Capo, senão, serei facilmente esmagada por eles.
— Como preferir, Capo. — Afasta-se e, de longe, fica monitorando
todos os meus atos.
Estou muito nervosa e tento ao máximo me controlar, mas estar num
ambiente onde a predominância de testosterona é grande, causa-me um certo
pavor, principalmente, em se tratando de mafiosos. Sinto a mão de
Aleksander em meus ombros e dou um sobressalto, mas rapidamente ele me
tranquiliza.
— Calma, senhorita. Se continuar assim, esses homens nunca a
respeitarão. Vista a capa da indiferença e mantenha um olhar de
superioridade, nunca deixe que digam o que deve fazer; uma Capo sempre
está à frente e sabe o que é melhor para a sua Organização. Nunca deixem
que falem sem seu consentimento e puna quem transgredir, mesmo que vá
contra seus princípios.
— Obrigada, Sr. Ivanov. Tudo isso é novo para mim, nunca pensei
que um dia viveria o que sempre lia em livros. Tento pensar no que meu pai
faria, mas acho que estou falhando.
— Os tempos são outros. Para ganhar o respeito dos membros da
máfia são necessárias algumas atitudes e, se me permitir, gostaria de ajudar,
pois, como seu noivo, tenho interesse em manter a máfia sob controle.
— É muito bem-vinda essa ajuda. Não conheço nada da máfia e
acabei herdando do meu pai algo que nem sabia que existia. Não sei lidar
com esses homens e eles me assustam.
— Vou lhe dar cinco dicas importantes. É o primeiro passo para
acabar com Aquiles Callas e poderá começar essa noite. — Aceno
discretamente com a cabeça. — Primeiro, crie uma comunidade leal ao seu
redor. Conheça seus comandados pelo nome e pergunte pela família, ganhará
admiração e serão capazes de ajudá-la. Busque contatos influentes, ajude as
pessoas que vêm até você, pois, assim, poderá cobrar o favor. Segundo, cobre
resultados. Se você permitir que algumas fraquezas sejam notadas, eles vão te
matar, por isso, seja dura nas suas cobranças e não permita falhas. Uma
ordem deve ser cumprida, caso contrário, puna-o. Terceiro, não deixe que as
emoções tomem conta de você, como agora. Se for preciso passar por cima
de alguém para alcançar seus objetivos, vá em frente. Quando demonstramos
vulnerabilidade, nossos inimigos as usam contra nós, mantenha-se com suas
emoções sob controle. Quarto, seja decidida, saiba o que realmente quer.
Execute o objetivo de maneira decidida, comande com respeito e com uma
liderança inabalável, só assim ganhará o respeito dos seus liderados. E, por
último, passe tempo com sua família. Sua dedicação à máfia não pode acabar
com outras partes da sua vida, ganhará a lealdade de todos se valorizar sua
família, pois, a máfia é uma família.
Fico absorvendo tudo o que ele me fala e analiso, percebo que ele tem
mais conhecimento do que eu e essa ajuda será crucial para acabar com
Aquiles.
— Entendeu? Hoje será o primeiro passo. Não deixe que o cheiro do
seu medo seja sentido por eles, mascare suas emoções e fale com firmeza,
não deixando que te conteste sem permissão. Aquiles Callas é somente um
fantoche em suas mãos, saiba manipulá-lo e poderá destruí-lo.
Julia anuncia o jantar e seguimos todos para o salão e cada um toma
seu lugar à mesa.
Meu lugar é na cabeceira principal e Aquiles, na oposta. Seus olhos
me escrutinam e percebo o seu questionamento, mas ainda não é o momento
para que anuncie o meu casamento. O jantar é servido no mais absoluto
silêncio, só o que se ouve são os barulhos dos talheres no prato. Aleksander
está ao meu lado, dando-me forças para fazer o que preciso para salvar
Vicentini. Sei que começarei uma guerra com Aquiles, mas pouco me
importo, tudo o que quero é acabar com tudo isso e seguir minha vida com
minha sobrinha aqui ou no Brasil. O jantar transcorre bem e após a
sobremesa, nos dirigimos para o salão principal. Chamo a atenção de todos
que se voltam para mim.
— Como todos sabem, sou filha de Leonel Agnelli, filho único de
Leônidas Agnelli, que é o primogênito de Jarbas Agnelli, líder e fundador da
Andragathia. Sou herdeira legítima de Jarbas Agnelli e, hoje, assumo perante
todos o meu lugar como Signora e destituo Aquiles Callas, o tornando Break.
— Ora, ora, ora. — Ele se põe de pé. –— Vejam, Senhores. —
Aponta para mim. — Uma mulher querendo tomar o poder. — Os outros
Capos sorriem e eu permaneço firme. — Nunca que permitiremos que uma
mulher assuma o controle da máfia, e para deixar claro a todos os presentes, a
Srtª Agnelli só poderá assumir como herdeira quando se casar ou, pelo
menos, ficar noiva de algum membro das Casas da Castellar, mas não estou
vendo noivo algum nesta sala, muito menos membro da Castellar. — Aponta
ao redor.
— Não lhe concedi que falasse, Aquiles. — Sou incisiva. — Deixarei
passar somente desta vez porque temos assuntos a tratar, mas saiba que não
terei piedade em puni-lo por tamanha afronta à sua Signora. — Ele me olha
desacreditando nas minhas palavras. — Hoje, quero apresentar a todos dessa
Organização, o meu noivo, Aleksander Ivanov, Capo da máfia Sérvia que é
uma das casas da Castellar.
— Nunca permitirei tamanho disparate. — Aquiles fala enfurecido.
— Sou o Capo dessa organização há muito tempo e não permitirei que uma
mocinha venha e tire de mim anos de trabalho e dedicação. Aqueles que não
apoiam essa decisão, juntem-se a mim.
Todos se entreolham e um silêncio se faz no ambiente, Aquiles
procura o apoio de seus aliados, mas nenhum se move. Olho ao redor e
percebo que Sophia fugiu e somente com um olhar Besouro me entende e vai
atrás dela.
— COVARDES. — Ele grita em desespero. — BANDO DE
COVARDES.
— CALE-SE. — Grito e todos me olham em expectativa. — Sou o
novo Don desta Organização e deve a mim respeito e obediência. Não
tolerarei mais insubordinação e muito menos que me desrespeite, se quer
continuar vivo, reduza à sua insignificância.
— Isso não vai ficar assim. — Fala me desafiando. — Tomarei de
volta o que está me usurpando.
— Assim como fez com o meu tio Tenório Agnelli? Armou uma
emboscada para assumir o poder? Como você é patético, Aquiles. A partir de
agora, Aquiles Callas será vigiado 24 horas por dia e quero um relatório no
final de cada dia de tudo o que ele fez e com quem falou, e designo para essa
função Augusto Spinello.
Aquiles se cala e me olha com olhos mortais. Todos aguardam meu
próximo passo e busco em Aleksander confiança, já que estou morrendo de
medo.
— A Andragathia entrará em uma nova fase. Depois de fazer uma
avaliação minuciosa de todo o patrimônio e das finanças da Organização,
marcaremos uma reunião, em que definirei a função que cada um passará a
ocupar. Meu noivo, Aleksander Ivanov, estará me auxiliando e o nosso
casamento se dará em quinze dias; desde já estão convidados. Alguém tem
alguma coisa para falar? A minha permissão já está concedida.
— Signora. — Um senhor calvo dá um passo à frente. — Me chamo
Valter Huston e represento a máfia de Seattle. Será uma satisfação ter
finalmente um Agnelli novamente no poder. Trabalhei com Tenório Agnelli e
me ponho à sua disposição, assim como fui fiel ao seu tio, serei à senhora.
— Obrigada, Sr. Huston. Saberei recompensar tamanha fidelidade.
— Signora. — Um homem negro e muito elegante se posiciona. —
Me chamo Abiola Akin e represento a máfia na Nigéria; será uma honra tê-la
como novo Don e serei fiel ao seu comando.
Muitos outros começaram a me apoiar e era impagável a cara de
Aquiles Callas. Permaneci firme ao lado de Aleksander e fomos
cumprimentados por todos e felicitados por nosso casamento. Após o último
sair, ordeno a Augusto que acompanhe Aquiles ao seu quarto e monte guarda
e não permita que ele saia sem sua companhia.
Respiro aliviada e posso relaxar meu corpo. Pego uma taça de vinho e
sirvo a Aleksander que me observa em silêncio. Vou até o sofá e me sento,
sendo seguida por ele.
— Você realmente o ama muito. — Fala olhando para a taça em suas
mãos. — Enfrentar Aquiles para libertar Don Angelo é a maior prova de
amor que uma mulher pode dar ao seu homem.
— Faço isso para me libertar também e devo isso ao meu tio Tenório
e aos meus pais que foram mortos covardemente por Hugo Falcão. — Ele se
vira e me olha com o cenho franzido.
— Hugo Falcão?
— Sim. Ele tacou fogo na minha casa, só sobrevivi porque estava em
viagem.
— Don Angelo o matou. — Meus olhos se arregalam e um misto de
satisfação e surpresa. — Ele estava traindo a Castellar. Se associou a Aquiles
e queria tomar o lugar de Don Angelo. A Castellar armou uma emboscada e
ele foi pego e morto dentro do Forte.
— Menos um filho do capeta no mundo. Se Don Angelo não tivesse
feito isso, eu faria e teria o maior prazer em atirar na cara dele.
Fomos interrompidos por Besouro; logo Aleksander se retirou, me
deixando para tratar dos meus assuntos.
— Para onde ela foi?
— Embarcou para a Faixa de Gaza, já sabemos para onde.
— Peça para preparar o jatinho, estamos indo para lá.
— Sim, Signora.
Subo para o meu quarto e preparo uma pequena valise. Ligo para
Aleksander Ivanov e relato o que Matteo me falou, sou orientada a mandar
Don Angelo para Síria, onde homens de confiança de Aleksander cuidarão
dele até o resgate. Aviso a Augusto que o deixarei responsável por Aquiles na
minha ausência. Um carro me espera na entrada da mansão e seguimos para o
aeroporto, meus documentos e passaporte são checados e embarco para a
Faixa de Gaza para ver onde o meu amado está e preparar tudo para o seu
resgate.
Capítulo 39

FAIXA DE GAZA

Isadora

Acabo de confrontar Angelo em sua prisão. Sei que o surpreendi ao


aparecer de repente, e mais ainda, com a revelação de meu futuro casamento
com Ivanov.
Doeu-me o coração vê-lo naquela situação, mas ainda preciso manter
a fachada de quem não se importa com ele, afinal, eu realmente o ouvi dizer
para seus irmãos que para ter a Andragathia de volta, ele até mesmo me
seduziria.
Águas passadas. Quero libertá-lo. Quero provar a ele o que ainda
sinto por ele, e acreditar que ainda tenhamos alguma chance de futuro.
Depois de deixá-lo novamente na cela, vou ter meu tete-a-tete com
Sophia.
— Não te autorizei a sair de minha casa e nem tampouco que viajasse
sem o meu consentimento. De uma coisa serviu sua indisciplina, você me
trouxe a Don Angelo e assumirei daqui. Você será levada de volta à Itália e
ficará enclausurada em seu quarto até eu resolver o que fazer com você.
— Não tenho medo de você. Já vi mulheres como você serem usadas
e jogadas fora, já vi mulheres como você se submeterem a todo o tipo de
depravação para segurar um homem. Quer saber o que difere você das
demais? Você é muito ingênua e acha que Aquiles permitirá que assuma a
Andragathia. Eu estava lá quando ele matou Tenório Agnelli com veneno e
fui eu quem preparou a bebida; assisti de camarote a ascensão de meu
marido, e assistirei de camarote mais uma Agnelli morrer.
Retiro a minha pistola Black Deagle da cintura e atiro em sua testa e
seu corpo desfalece aos meus pés. Olho para Besouro que está espantado com
minha ousadia e dá um sorriso de lado me encorajando. O corpo de Sophia é
carregado para a caminhonete e passo as ordens para os homens que
permanecerão com Vicentini até a chegada dos carros que o levará para Síria.
Permaneço mais um dia na cidade fantasma e acompanho de longe a
transferência de Vicentini. Volto para o aeroporto e espero até que anoiteça
para embarcar com o corpo de Sophia para a Itália.

*****

ITÁLIA

Chegamos à Itália e Aleksander me aguardava para dar um jeito no


corpo de Sophia. Quando se tem dinheiro e as autoridades em suas mãos,
tudo é possível. O corpo de Sophia seguiu para a funerária e eu voltei para a
casa onde Aquiles ainda estava preso. Terei muitas coisas para pôr em ordem
e cuidarei pessoalmente de tudo, verificarei cada documento, cada
colaborador e cada conta bancária ativa e em paraísos fiscais, para depois
saber o que fazer com Aquiles.
O funeral de Sophia foi na capela do próprio cemitério e somente o
meu pessoal estava comigo, e um Aquiles indiferente com a cena à sua frente.
Ele se aproxima do caixão e a olha com desdém. Aproximo-me e falo
olhando para dentro do caixão:
— Não tive dificuldades em matar sua mulher e não terei em te matar
também.
— Terá que nascer e renascer para tal feito. — Me olha em desafio.
— Sophia nunca foi muito inteligente, e para desencargo da sua consciência,
você me prestou um favor.
— Não teria essa confiança toda se fosse você, fui bem treinada e
poderia te matar agora se quisesse.
— E como faria isso, se nem armada está?
— Quem disse que não. — Encosto o cano da minha pistola em sua
cintura e ele estremece.
— Realmente você aprendeu, mas não me mataria aqui, seria muito
evidente matar um marido que está sofrendo por sua amada esposa. — Fala
com falso pesar. — Só quero que saiba, sua hora vai chegar e quando chegar,
serei eu a puxar o gatilho. — Volto para perto de Aleksander e observo tudo
o que Aquiles faz.
Depois do enterro, voltamos para a mansão de Aquiles e, novamente,
ele foi para seu quarto, Augusto manteve a guarda. Todo o cuidado é pouco
com Aquiles Callas, mas eu sou Isadora Agnelli, líder e Capo da Andragathia
e nunca mais deixarei que um Callas extermine um Agnelli.

*****

Hoje é o meu casamento com Aleksander Ivanov. Será uma cerimônia


simples no jardim da mansão e uma recepção para poucos convidados da
máfia, logo seguiremos para a Síria para resgatar Vicentini. A movimentação
começa cedo, mas me dou o luxo de permanecer deitada e pensando em tudo
o que me aconteceu para chegar até aqui.
Aleksander tem me ensinado muitas coisas e tem me ajudado nesse
plano para resgatar Vicentini. Embarcaremos para a Síria após a valsa dos
noivos.
Levanto-me e tomo um longo banho, desço para o café e encontro
Luna e Julia à mesa. Sento-me e usufruo do meu delicioso café e como
algumas torradas, tomo um iogurte com granola e me preparo para os
questionamentos habituais de Julia. Desde o dia que anunciei o meu
casamento, ela vem tentando me fazer desistir, mas isso é necessário para
salvar a vida de Vicentini. Luna vai para a sala ver desenhos e Julia se volta
para mim.
— Tem certeza de que quer continuar com isso, menina?
— Tenho. Você sabe que se eu não fizer isso, Don Angelo morre e
nunca poderei assumir a Andragathia e livrar todos das garras de Aquiles.
— É se sacrificar muito por amor, minha filha.
— Sei disso, Julia, mas não posso simplesmente cruzar meus braços e
deixar que Aquiles destrua minha vida e de Luna. Meu pai era um homem
honesto e me ensinou a lutar para alcançar meus objetivos, e se para isso for
preciso perder o amor da minha vida, então, que seja, pelo menos garantirei
um futuro para Luna.
— Admiro sua coragem e determinação. Pode contar comigo, já que
não consigo fazê-la desistir, estarei ao seu lado e te apoiarei no que precisar,
mas não deixe seu coração endurecer, não deixe que o que está por vir
destrua a menina meiga e carinhosa que conheci.
— Não deixarei. Ainda sou essa menina, Julia, o que vê é uma
carapaça que visto para não demonstrar fraqueza, mas tudo o que quero, às
vezes, é me deitar no colo de alguém e receber um afago.
— Estou sempre disposta a fazer esse afago, querida.
— Obrigada, Julia, você tem sido minha rocha e não sei o que seria de
mim sem você Só te peço que fique de olho em Luna, não a deixe sozinha
nem um minuto. Sei que as coisas mudaram um pouco por aqui, mas Milena
e Guilhermina ainda estão livres e não sei o que elas podem fazer.
— Colocarei Luna para dormir no meu quarto até seu retorno. Vá em
paz e traga o Don em segurança. Terá o respeito da Castellar e a gratidão
eterna do Don Angelo.
— Não quero isso, Julia. Tudo o que quero é viver em paz com Luna
e poder ficar tranquila quanto à Organização.
— Mesmo não querendo, é o que terá. — Ela se levanta para receber
o pessoal da ornamentação e é minha deixa para ficar um pouco com Luna
antes de ter que me arrumar.

A cerimônia se deu sem percalços. Precisei me munir de toda


coragem para fazer os votos – fictícios – a um homem que não amo, tudo por
um bem maior.
O mais difícil foi saber que tantos rostos conhecidos estavam
presentes, como alguns poucos funcionários da VF Technology, assim como
os dois irmãos de Angelo.
A comemoração não demorou tanto. Meus nervos estavam à flor da
pele, esperando ansiosamente a hora em que iríamos embarcar.
E cá estamos.
Aproveito o longo voo e descanso. Faltando uma hora para
aterrissarmos, Aleksander me chama. É necessário revermos os planos e nos
preparar para qualquer eventualidade. Só percebo que temos companhia
quando retorno do quarto. Seis homens encapuzados e bem armados, todos
prestam atenção nas ordens de Aleksander e eu peço que tragam Vicentini
seguro até mim.
O avião taxia nos levando para o desembarque de aeronaves
particulares, fazemos a apresentação de nossos passaportes para um homem,
um funcionário nos leva para uma sala, onde os homens que nos garantiriam
o retorno com um outro passageiro estão.
O pagamento pelo trabalho é feito e seguimos finalmente para o
resgate de Angelo.
Saímos em comboio até próximo a Al Qamishli, depois nos
dividimos, o carro onde estamos com mais dois homens segue pela estrada e
meia hora depois estamos no esconderijo. Esperamos os homens chegarem e
mais cinco se juntam a nós no local, montamos uma emboscada para os
homens que Aquiles ainda mantinha de olho em Angelo e um pequeno
confronto acontece, os homens de Aquiles caem mortos feito fruta podre e
entramos no prédio abandonado sem dificuldades.
Começamos a procurar por ele, um grupo vai para o subsolo, outro,
para os escombros do prédio e outro para o andar superior. Fico junto a
Aleksander e dois soldados encapuzados dando cobertura, desloco-me para o
interior do que um dia foi uma casa, distraio-me com meus pensamentos e
um vulto passa rápido por mim, vou atrás sem pestanejar, não poderíamos
deixar sobreviventes.
Quando o fugitivo se vira para mim, ambos nos assustamos.
— Você? — é Angelo. Ele está limpo, mas visivelmente mais magro
e de barba. Ele parece não acreditar que estou ali.
Os homens que o procuravam em outro cômodo se aproximam. Assim
que eu ia pedir que abaixasse a arma, o soldado retira a máscara ninja e
aponta a arma para mim. Fico pasma ao saber quem é. Elisa Vicentini está
apontando a arma para mim. Aleksander chega apressado junto com os outros
soldados e todos, ao me verem na mira, se voltam contra ela apontando suas
armas.
— Abaixe a arma, Elisa. Está tudo bem agora, Don está salvo e
precisamos sair logo, você sabe do risco que corremos se o Estado Islâmico
nos achar. — Fala Ivanov.
— Tudo isso é culpa dela. — Fala ela, ainda com a arma apontada
para mim.
— Você sabe que não. Foi Aquiles que sequestrou o Don, Isadora está
do nosso lado. Abaixe essa arma e vamos resolver nossos problemas em local
seguro.
— Abaixe a arma, Elisa. — A voz possante de Don Angelo preenche
o lugar. — Resolveremos isso outra hora, em território neutro.
Elisa abaixa a arma e seguimos para os carros que nos aguardam. Eles
entram no banco de trás e meu coração acelera só em saber que meu
Vicentini estava seguro e próximo a mim. O desejo que tenho é de me jogar
em seus braços, mas me contenho por lealdade a Aleksander Embora seja um
contrato, devo respeito ao homem que me ajudou a chegar aonde estou. Sei
que ainda enfrentarei uma guerra, mas sabendo que lutarei até o fim por meus
ideais.

*****

Don Angelo

Entramos no banco de trás e Aleksander assume a direção, com Elisa


ao seu lado, seguimos por uma estrada secundária e próximo ao aeroporto, o
carro que nos dava apoio se retira e seguimos sozinhos até chegarmos na
pista do aeroporto. Um homem estava nos aguardando, é entregue uma mala
em suas mãos, na certa o restante do pagamento.
Um avião já nos aguardava e assim que tomamos assento, levanta voo
para Itália. Todos ainda estão em silêncio, mas consigo observar a aliança no
dedo anelar esquerdo de Isadora e Aleksander, e uma angústia toma conta do
meu peito. Ela se casou com ele, pertence a outro homem, eu a perdi. Assim
que nos foi autorizado levantar dos nossos assentos, Elisa me conduz para um
quarto e posso tomar um banho, fazer a barba e descansar.

Chegamos à Florença com o dia amanhecendo e tudo o que eu queria


era ir para a minha casa dormir e nunca mais olhar para a cara de Isadora
Agnelli. Seguimos de helicóptero até uma mansão em Livorno, o que deduzi
ser de Isadora, mas não questionei, depois averiguaria tudo direitinho com
Chang.
— Don. — Aleksander me chama. — Sei que temos muito o que
falar, mas precisamos descansar. Meus soldados os acompanharão até suas
casas e marcaremos para conversar e esclarecer tudo isso.
— Fico grato, pois, não estou suportando estar na presença desta
mulher. — Olho para Isadora e vejo seus olhos marejarem, mas pouco me
importo, foi ela que planejou tudo isso e, agora, quer dar uma de boa moça?
— Don. Não fale aquilo que não sabe, pode se arrepender depois e
gostaria que respeitasse minha esposa.
Olho para Elisa, que está de cabeça baixa, mas o que chama a minha
atenção é a mudança no olhar de Isadora, a frieza assume o lugar das
lágrimas. Ela mudou, e sei que tenho uma parcela de culpa nisso, mas não me
arrependo de nada que fiz. Casou-se para herdar a Andragathia e forjou meu
salvamento para me ter nas mãos, mas isso nunca irá acontecer.
— Como quiser, Aleksander. — Olho para todos e me dirijo para o
carro que está parado me esperando, mas a voz dela me faz parar.
— Espero que quando estiver mais descansado, ouça o que
Aleksander tem para falar, e se mesmo assim duvidar, me procure, será bem-
vindo à minha casa.
— Se depender de mim — Viro-me e olho dentro dos seus olhos. —,
esta será a última vez que nos veremos. — Entro no carro e fecho a porta com
força. Vejo Aleksander a abraçando e um misto de raiva, ódio e ciúme se
apossa de mim e fecho meus olhos para controlar a minha ira.
— Vai me explicar o que estava fazendo com a máfia inimiga ou vou
precisar te torturar para isso? — Falo me virando para Elisa, que se acomoda
ao meu lado.
— Aqui não é o local para conversarmos, Angelo. — Olha o
motorista que nos observa pelo retrovisor. — Quando estiver descansado,
alimentado e medicado, falaremos.
— Não preciso de médico.
— Mas é o que terá. Você é o nosso líder e foi torturado, passou fome
e sabe-se lá mais o quê. Por isso, Dr. Luigi estará no Forte para te avaliar e
depois de restabelecido, conversaremos.
— Não quero discutir com você, Elisa, ainda sou o líder e quando
solicitar uma resposta, exijo que a resposta seja imediatamente dada.
— Te entendo, Don — ela frisa o meu título —, mas agora você é o
meu irmão e eu estou cuidando da sua saúde. Me preocupo com você e quero
o seu bem. Eu te amo, Angelo, e daria a minha vida por você.
Olho para Elisa espantado, não por ela me amar, mas por dizer que
daria a sua vida por mim. Sei que é o código da Castellar, o Don tem que ser
protegido acima de qualquer coisa. Ela enfrentou a Capo da Andragathia para
me resgatar e sou grato a ela.
Permaneço em silêncio e nos aproximamos do Forte. Elisa abre a
porta e Austin se certifica que é ela e se assusta ao me ver dentro do veículo.
Depois de uma inspeção, libera o carro e volta ao seu posto. Saio com
dificuldades, meu corpo está debilitado e sou ajudado por Elisa; logo,
Anderson vem ao nosso encontro igualmente assustado e me ajuda.
Sou levado para a minha suíte e me apresso a tomar um banho
demorado e vestir minha calça de pijama preta e uma camisa cinza. Batem na
porta e autorizo a entrada, Elisa carrega uma bandeja com frutas, suco, pães e
café e logo atrás entra Dr. Luigi.
— Como está se sentindo, Don? — Dr. Luigi me pergunta.
— Estou bem, apesar de tudo.
— Assim que terminar sua refeição, farei um exame rápido e deixarei
o senhor descansar.
— É o que estou precisando. — Ele assente. Elisa se posiciona na
poltrona ao lado da janela e me observa comer. Tomo meu café e me
acomodo na cama para ser examinado pelo médico. Algumas vitaminas e um
relaxante para dormir são o suficiente por hoje e amanhã passarei por uma
bateria de exames logo pela manhã. Não me recordo quando foi que dormi.
Acordei ainda sonolento e uma bandeja com uma sopa num réchaud
descansava na mesa do canto. Levanto-me ainda grogue e tomo a sopa,
depois de escovar meus dentes, volto a dormir para repor as noites que passei
dentro daquele lugar.
Desperto com a luz do dia no meu rosto e não tenho noção do tempo e
de onde estou. Esforço-me para me lembrar, aos poucos a memória volta e
reconheço meu quarto no Forte. Fico deitado um pouco mais e duas batidas
na porta me fazem levantar. Enrico entra seguido de Filippo e sou tomado em
um abraço pelo meu irmão.
— Me perdoa, Don. — Fala com a voz embargada. — Deixei passar
tal armadilha. Deveria desconfiar que aquela cadela estava armando para
você; deveria ter percebido, estava evidente demais o boato, mas o desejo de
acabar com Aquiles me cegou.
— Nos cegou, Enrico. Não há ninguém para culpar, fomos desatentos
e ficamos vulneráveis. Como está Agnaldo?
— Ele nos traiu, Don. — Filippo se aproxima e nos cumprimentamos.
— Ele está foragido, mas Chang o viu sair da festa com duas mulheres e uma
era Milena Nardine e a outra com certeza era Guilhermina.
— Vamos redobrar a segurança do Forte, Agnaldo sabe todo o nosso
funcionamento. Providencie reforço também para mamma.
— Como se sente, Don? — Enrico me olha de cima a baixo.
Na verdade, já estava de saco cheio de todo mundo me perguntando
isso, mas vejo em seu olhar a preocupação.
— Agora estou bem. Farei alguns exames só para desencargo de
consciência, mas estou bem.
— Esperaremos que esteja liberado pelo Dr. Luigi e passaremos o
relatório desse tempo que esteve ausente, e queremos saber de tudo o que
aconteceu.
— Marque uma reunião à noite com todos e conversaremos.
Somos interrompidos por uma enfermeira que veio me buscar para
fazer os exames.
De acordo com a primeira avaliação, estou bem, tomei algumas
vacinas para reforço e fiquei no soro para hidratar um pouco, depois, fui
liberado para seguir minha vida até os exames mais específicos ficarem
prontos.
Meu telefone tocou com um sinal de mensagem, Enrico me avisando
que a reunião está marcada para às vinte horas. Aproveito para dormir mais
durante o dia e repor minhas energias.
Às vinte horas entro na sala de reuniões e todos os meus homens de
confiança e minha irmã se colocam de pé. Senti falta disso.
— Contarei a todos em detalhe tudo o que aconteceu e me passem o
relatório do que houve na minha ausência.
Falei desde a hora que saí de casa até acordar num container dentro
de um navio indo para território palestino; falei das visitas de Aquiles e
Sophia, da visita de Isadora e do tiro que ouvi; da transferência para a Síria e
do tratamento mais humanizado e o resgate. Foi aí que me lembrei que Elisa
estava junto e que eu havia questionado, mas não obtive resposta.
— Elisa — Ela me olha já sabendo o que perguntarei —, o que você
estava fazendo com a Andragathia na Síria?
— Fui te resgatar.
— Disso eu sei. O que quero saber é como você estava lá e ninguém
no Forte tinha conhecimento disso?
— Sempre fui fiel a Castellar, Don. Aqui é a minha casa, foi aqui que
aprendi a lutar e defender a família, foi aqui que conquistei respeito e
reconhecimento. Nunca trairia minha família, nunca trairia meu irmão. —
Fico esperando as explicações sem me comover, sem demonstração de afeto.
— Tenho observado Aleksander Ivanov desde quando ele chegou no Forte
daquele jeito e tenho posto meu homem de confiança em seu encalço.
Descobri que ele se encontrou com Isadora Agnelli em uma academia no
bairro Kolonaki, em Atenas. Achei estranho um Capo da Castellar se
encontrar com a Capo da máfia rival. Fiquei esse tempo todo o monitorando,
até que houve uma recepção após o baile e Aleksander era um dos
convidados junto com todos os líderes da Andragathia. — Junto alguns fatos,
mas permaneço calado. — O casamento foi anunciado e, para a minha
surpresa, o noivo era Aleksander Ivanov.
— Como descobriu isso tudo?
— Sou uma Vicentini, tenho meus métodos.
— Prossiga.
— Na mesma noite, o segui de carro até a sua casa para tirar isso a
limpo. Ele negou qualquer envolvimento, pedi um copo com água e assim
que ele foi buscar, grampeei seu telefone. Mais tarde, escutei uma conversa
dele com Isadora e ele mandou que te levasse para Síria, onde haveria o
resgate. Planejei ir junto e deixei uma bolsa com minha roupa no carro de
Enrico.
“Antes da cerimônia. Entrei no quarto onde ele estava e o questionei;
disse que sabia de tudo e que se ele não me colocasse no avião junto com
seus homens para te salvar, contaria a Enrico e a guerra seria anunciada. Ele
concordou, mas Isadora não podia saber, e assim aconteceu. Passei tudo o
que descobri para Enrico e montamos um esquema de resgate se os planos de
Aleksander dessem errado.
“Embarquei assim que saí do casamento e esperei a oportunidade de
estar contigo protegido e matar Isadora, mas falhei na missão de matá-la. Não
sei o que está acontecendo na Andragathia, mas Isadora assumiu o poder e
precisamos nos preparar.
— Por que não relatou a mim suas suspeitas com Aleksander Ivanov?
— Queria ter certeza de que era confiável. Não queria trazer mal-estar
para a Castellar; cumpri minha função dentro da Organização.
— Mas assumiu riscos e colocou a Castellar em evidência, não
relatou o que descobriu ao seu superior e se arriscou.
— Enrico, o tempo todo, esteve comigo.
— Estávamos juntos nisso, Don, e graças a Elisa conseguimos te
localizar.
— Agradeço o empenho de todos, mas agora, temos mais coisas para
nos preocupar. Isadora Agnelli.
— Acha que ela vai continuar com a guerra de Aquilles?
— Ainda não sei, teremos que esperar e saber o que realmente quer de
nós.
— Estaremos prontos, aguardando ordens.
— Estão dispensados, preciso descansar. — Todos me cumprimentam
e saem da sala aos poucos.
Vou direto para o meu quarto, tenho que digerir tudo o que Elisa falou
e tentar descobrir uma falha nisso tudo. Algo não se encaixa e preciso
descobrir a peça que não faz parte do jogo.
Capítulo 40

Don Angelo

Hoje faz quinze dias que fui resgatado e tenho um encontro aqui no
Forte com Aleksander Ivanov e sua esposa. Temos muitas coisas a serem
esclarecidas e, infelizmente, terei que olhar o casalzinho feliz.
Arrumo-me em meu terno Stuart Hughes, quero mostrar boa
aparência e que já estou recuperado.
Sigo para o escritório e o casal está sentado cada um em uma poltrona
de frente à minha mesa. Assim que entro, Aleksander se coloca de pé, mas a
petulante permanece sentada como se fosse a dona da situação.
Cumprimento Ivanov calorosamente, mas ela, trato com indiferença,
mas por dentro queria agarrá-la e beijar aqueles lábios em formato de
coração. Ela me olha com frieza e sei que será uma longa e exaustiva
conversa. Sento-me à mesa.
— Antes de tudo, quero agradecer por permitir Elisa participar do
resgate. Sei que ela o ameaçou e peço que a perdoe, mas devo confessar que
foi bom rever um rosto amigo. — Olho com desdém para Isadora.
— Sua irmã sabe ser convincente quando quer. E não há o que
perdoar. Fazemos loucuras por aqueles que amamos. — Ivanov fala, e dá um
olhar significativo à esposa.
— É claro. Estou pronto para ouvir o que tem a me dizer, Aleksander.
Nos tornamos próximos e me sinto traído por você, em todos os sentidos.
— Don, eu nunca te trairia. Vim aqui para esclarecermos tudo isso e a
única coisa que te peço é que me escute e, depois, faça o seu julgamento.
— Não é o que suas atitudes demonstraram, mas estou ouvindo e farei
a minha avaliação dos fatos. O que não entendo é porque a Capo da
Andragathia está sentada na minha frente e ninguém fez nada para que isso
não acontecesse. Independente de ela ser sua esposa, ela é inimiga e não sou
complacente com meus inimigos.
— Peço perdão sobre isso, Don, mas Isadora foi parte fundamental
em todo o plano e terá que ser ouvida primeiro.
Olho para Isadora que está com seus olhos focados em mim e em
nenhum momento abaixou a cabeça; me enfrentou de igual para igual e isso
me incomoda, mas não deixo transparecer.
— Que seja.
Ela respira fundo e Aleksander segura sua mão, e isso me incomoda,
mas demonstro indiferença.
— Depois que eu ouvi a conversa de vocês em seu escritório, procurei
saber o que era Andragathia e descobri que meu avô era um mafioso. Fiquei
muito perdida com todas aquelas informações e preferi não me envolver com
nada disso. Queria cuidar de Luna, trabalhar e terminar meus estudos.
Confesso que comecei a planejar uma forma de voltar ao Brasil.
“Julia e Luna foram sequestradas por Aquiles e se eu não fosse ao seu
encontro, ele as mataria. Não pensei duas vezes, fui e tive que sair da sua casa
e me juntar a Aquiles para ele não perder o poder. Com a convivência e a
fidelidade de alguns homens, descobri que Andragathia estava atrelada a
Castellar e que nossos avós eram muito amigos, mas que se separaram por
divergências de ideais. A Andragathia perdeu seu foco quando Aquiles
assumiu, não mexia somente com cassinos e agiotagem, mas também com
tráfico de drogas, mulheres e crianças, sem contar com venda ilegal de órgãos
e assassinatos.
— Não está me contando nenhuma novidade até agora.
— Deixe-me terminar e saberá onde está a novidade. — Responde
sem ter medo.
— Continue.
— No dia em que fui te ver na Faixa de Gaza, descobri que Sophia
havia envenenado meu tio-avô, Tenório Agnelli, a mando de Aquiles para se
vingar de Stefano Vicentini.
— Se me lembro bem, você confirmou que havia me sequestrado e,
no dia do baile, a última pessoa com quem falei foi contigo e logo apaguei.
Então, não me venha com essa história de sentimentalismo barato para cima
de mim. Não estou nisso há pouco tempo e sei identificar uma mentirosa de
cara.
— Não tenho necessidade de mentir. Estou aqui somente para
esclarecer os fatos e não me importo se você acredita ou não. Não quero que
a amizade entre meu marido e a Castellar seja abalada por minha causa; foi
eu quem pediu a ajuda de Aleksander para te salvar.
— Você é muito dissimulada. — Gargalho. — Primeiro me sequestra
e, depois, me salva. Qual o seu jogo, Agnelli?
— Como disse, não me importo com o que pensa de mim. Quero
esclarecer suas dúvidas e, se depender de mim, nunca mais olharei para essa
sua cara fingida.
— Eu? Fingido? Não fui eu quem te drogou e sequestrou; não fui eu
que te levei para uma zona de guerra e te torturei; não fui eu quem te deixei
com fome e sede e, muito menos, quem te deixei numa gaiola com suas fezes
e urina. Então, não venha aqui dizer que me salvou. Isso tudo aconteceu
porque achei que poderia confiar na mulher que um dia eu conheci no Rio de
Janeiro e que me encantou, hoje, o que sinto por você é desprezo e nojo por
tudo o que se tornou. — Seus olhos estão presos nos meus e se enchem de
água, mas logo ela se recompõe e volta a me olhar com frieza.
— Você tem razão, Don Angelo. Realmente eu sabia o que Aquiles
iria fazer com você no baile, mas não pude impedir, sabe por quê? Minha
sobrinha e Julia estavam em casa com o pau mandado de Aquiles e ele
poderia matá-las, e entre a minha sobrinha e você, eu sempre escolherei
proteger minha única família.
— Don. — Aleksander interrompe a guerra de frieza entre mim e
Isadora. — Termine de escutá-la, há muita coisa que precisa ser esclarecida.
— Tudo bem. — Suspiro fundo. — Continue, Sra. Ivanov.
— Agnelli Ivanov, Don Angelo. — Fala com sarcasmo.
— Que seja, pouco me importo qual seja seu nome.
— Mas se importará depois que terminar e saiba que não aceitarei
suas desculpas.
— Não pedirei, não se preocupe.
— O desejo é recíproco. — Que ódio dessa mulher. — Continuando
de onde o senhor me interrompeu. Nos meses em que Aquiles me manteve
presa, pude estudá-lo e descobri algumas coisas, e dentre essas coisas, era que
teria que me casar para assumir a Andragathia, mas faltava a peça principal,
por que ele queria me usar para te destruir, já que eu estava em seu poder?
Ainda não tinha a resposta. Foi aí que descobri através das minhas pesquisas
um novo membro da Castellar, Aleksander Ivanov, Capo da máfia Sérvia.
Matteo, meu amigo e treinador, me ajudou a atrair Aleksander até a academia
e pude contar a ele tudo o que sabia. — Olho para Aleksander que me olha de
volta e vejo que não há nenhuma reação contrária ao que ela fala. —
Precisava de alguém com influência para te resgatar, não sabia como
funcionava essas coisas no meio da máfia, muito menos a quem podia confiar
para pedir ajuda sem que você corresse riscos. — Fico abismado por fingir
preocupação. — Estava disposta a arriscar falando com um Capo da máfia
Sérvia, associado da Castellar. Achei em Aleksander um excelente aliado,
disposto a tudo para te salvar. Mas para que tudo corresse bem, era necessário
que eu assumisse meu papel na Andragathia, ser o Don definitivamente e
destituir o poder de Aquiles Callas.
— Pelo visto você se aproveitou dessa situação para alcançar seu
objetivo maior. Muito cômodo da sua parte usar um dos meus aliados para
isso, assumiria seu papel de Don e ganharia a confiança de todos da Castellar.
Bem engenhoso o seu plano.
— Diferente do senhor que usa a ingenuidade das pessoas para
conseguir seus objetivos mais escusos, eu fui honesta e sincera com
Aleksander e tenho sido até agora. Se o senhor parar de me interromper,
gostaria de acabar logo e sair daqui.
— Continue com seu teatro.
— Estúpido. — Fala baixo, mas escuto e tenho vontade de rir, mas
mantenho a postura. Respira fundo e continua: — Descobri que para destruir
o poder de Aquiles, precisaria me casar e Aleksander aceitou ser meu marido
por contrato até eu ganhar a confiança dos associados e caminhar com
minhas próprias pernas. Ficamos noivos e recebi o apoio dos associados;
destituí Aquiles da função de Capo rebaixando-o a Break. — Arregalo os
olhos em espanto. Um Break é o posto mais humilhante para um Capo, é
como se fosse o último grau da desonra. — Decidimos resgatá-lo no dia do
nosso casamento para não levantar suspeita, pois, sairíamos em lua de mel e
ninguém desconfiaria. Viajamos para a Síria e junto com os soldados de
Aleksander, que já estavam cuidando de você, te libertaríamos e Aquiles
perderia qualquer influência na máfia, já que seu principal rival estava de
volta para enfrentá-lo. Estou casada com Aleksander Ivanov por contrato e
temos seis meses a cumprir, até a passagem oficial do poder para as minhas
mãos. Sei que está se perguntando, o que eu ganharia em te deixar viver?
Ganharia o respeito da máfia e honraria a educação que recebi, de ser grata às
pessoas que nos fazem o bem. Você me ajudou quando meus pais morreram
me trazendo para a Itália, salvou a vida de Luna e, em retribuição, ajudei a
salvar a sua. Não espero nenhum tipo de agradecimento, muito menos sua
amizade, e a partir daqui não te devo mais nada e nem você a mim.
— Sabe o que ainda não entendi? Por que quer assumir a
Andragathia, se até pouco tempo atrás você nem sabia que era herdeira da
máfia?
— Meu avô lutou para construir seu nome e reputação, meu tio-avô
morreu defendendo a Organização de um crápula como Aquiles e meu pai
morreu por não querer se envolver com seu passado mafioso. Devo a eles.
Preciso reerguer uma máfia com a visão desses homens e trazer descanso aos
seus espíritos. Sou uma Agnelli e assumirei a Andragathia para vivermos
tempos de paz.
— Bonito discurso, fico emocionado com suas palavras, mas a
realidade é diferente. Ser um mafioso requer muitas coisas das quais você não
tem metade. Aceito esses termos por enquanto, mas não pense que abaixarei
a guarda, me tornarei mais vigilante, porque de você... não espero nada de
bom.
— Não me conhece e não sabe qual a minha capacidade e, muito
menos, estou pedindo que aceite alguma coisa. Só estou aqui para que meu
marido não pague por algo que não fez, e espero que seja grato a ele por ter te
salvo, coisa que nem seus melhores homens fizeram por você.
Levanto-me exasperado com as últimas palavras dela, e dou um
murro na mesa.
— Creio que nosso assunto já terminou. Gostaria que saísse da minha
presença.
— Com o maior prazer; e passe muito mal, Estúpido.
Ela dá um beijo na boca de Aleksander, o que me deixa com ódio
mortal. Faltam pouco fundirem suas línguas e me seguro na cadeira para não
arrancar as mãos dele de cima dela. Essa mulher é a minha ruína. Ela sai toda
elegante sem olhar para mim, me deixando puto, e um Aleksander totalmente
embasbacado para trás.

Esclareço todos os pontos com Aleksander e o libero de estar na


Castellar enquanto estiver casado com Isadora Agnelli. Ainda estamos
procurando por sua irmã e, em gratidão, permito que ainda seja associado da
Castellar.

*****

Voltei a trabalhar na VF. Samanta tem me ajudado a pôr em ordem


todos os documentos para o próximo ano. Olho para a mesa no canto da
minha sala e me bate uma nostalgia. Sinto falta da minha doce e bela Isadora,
dos seus sorrisos ingênuos e seus lindos olhos brilhantes, totalmente
diferentes dessa mulher fria e amarga que tenho visto. Depois que ela saiu do
meu escritório no Forte, encontramo-nos duas vezes. Uma vez num
restaurante em Pisa e a outra, na minha boate, e em ambas as vezes ela estava
acompanhada do marido. Desejei diversas vezes ser ele.
Os dias têm sido calmos. Aquiles está sendo vigiado por Isadora, mas
algo me diz que essa calmaria será por pouco tempo. Fui informado que o
contrato de casamento termina essa semana, sinto um misto de sensações, ora
boas, ora ruins, mas o que me deixa tranquilo é que Aleksander poderá se
juntar a nós novamente e poderei ter informações sobre a Andragathia.
Quando voltei às minhas funções como Don, pude constatar que
Enrico desempenhou muito bem sua função como Braccio Destro e todas as
casas o respeitaram como um Don. Elisa tem me ignorado desde que a
questionei, mas isso não me surpreende. Elisa sendo Elisa. Mamma não ficou
sabendo do meu sequestro. Stefano não reage a mais nada e ela tem se
dedicado ao máximo para dar a ele o melhor nessa fase final; ela está se
preparando para perdê-lo e eu sentirei um alívio quando isso acontecer. No
entanto, algumas coisas devem permanecer como são desde o início da
Castellar e uma delas é o jantar de confraternização de fim de ano que
acontece todos os anos no Forte, afinal, precisamos encerrar o ano com chave
de ouro, haja vista tudo o que passamos.
Estão presentes todos os Capos das Casas, meus soldados de
confiança, minha equipe de inteligência e Maria Eduarda, com o pequeno
Christopher nos braços. O bebê nasceu saudável em nosso hospital no Forte e
Maria Eduarda ainda se recupera da cirurgia. Ele tornou-se a “mascote” de
todos.
Beber e comer com meus homens me torna mais próximo a eles e é
disso que uma máfia precisa para ser estabelecer por todos esses anos.
Proximidade, companheirismo e lealdade de ambas as partes, e isso nós
temos. Olho ao redor e os vejo rindo e por mais que sejam contaminados pelo
“espírito natalino”, como dizem, não é minha data preferida do ano. Essa data
evoca pensamentos que insistem em me assombrar, por isso evito ao máximo
tudo o que remete a ela.
Nunca gostei das noites de Natal. A hipocrisia de Stefano em
apresentar uma família perfeita me dava asco, sentar-se à mesa e representar
não me agradava, mas para não ser punido, me submetia às suas vontades, e
para agradar dona Giordana. Sempre gostei mais das festividades de Ano
Novo, sentia minhas esperanças se renovando e jurava para mim mesmo que
aquele ano seria diferente, que não permitiria Stefano destruir o melhor de
mim, mas sempre falhava, ele sempre encontrava a minha vulnerabilidade e
me destruía. Sei que hoje ele não tem mais nenhum poder sobre mim e nem
sobre a máfia e talvez seja realmente melhor acreditar que existe um “espírito
natalino” que esteja me fazendo pensar em todas essas merdas enquanto
assisto meus homens se embebedarem com o meu melhor whiskey ou, talvez,
seja a porra da bebida que está fazendo efeito sobre mim, me levando por um
caminho de lembranças que lutei muito para jogar no fundo da minha mente.
Foda-se Stefano e suas merdas!. Ergo o copo em um brinde a mim
mesmo.
Finalmente a semana passa rápido e não vejo a hora deste ano acabar
e voltar a viajar em busca de novos países para nos infiltrarmos. Minha
agenda já tem alguns compromissos para o início do mês de janeiro, mas não
fora do país. Enrico buscará novas Casas, a começar pela América Central.
Ter o México como uma de nossas Casas nos ajudará muito, principalmente
por conta da fronteira com os Estados Unidos, e precisaremos de todo apoio
possível. Como sempre, mamma já se adiantou e fará uma grande recepção
de ano novo e receberemos convidados ilustres, como o Prefeito e Primeira-
Dama e o Primeiro-Ministro, todos ligados à máfia; sem contar os chefes das
casas, alguns Empresários, e os funcionários administrativos da VF
Tchnology.
Durante toda a semana, a casa de mamma esteve agitada e procurei
me afastar para não atrapalhar os preparativos; vejo que valeu a pena todo o
trabalho que ela fez. Assim que chego na casa de Stefano, vejo o salão todo
enfeitado com lanternas e flores, a lareira tem uma cascata de luzes e mais à
frente, uma enorme tenda abriga as mesas e um buffet com todas as iguarias
italianas como lentilhas e carne de porco, cotecchino[1] e zampone[2] e frutas,
muitas frutas em cascatas. Sigo ao encontro de Enrico que já está com um
copo de whiskey nas mãos, assim que me vê me abraça. Não gosto de
demonstração de carinho em público, mas darei um desconto por ser noite de
festa. Cumprimento alguns convidados e vou falar com a minha mãe.
— Está linda, dona Giordana. — Abraço minha mãe discretamente.
— São seus olhos, meu filho. Estou ficando mais velha e daqui a
pouco sou eu a dar trabalho para vocês.
— Não fale isso nem brincando, mamma. Você é uma mulher forte e
muito resistente, ainda vai segurar seus netos no colo.
— Se depender de você e seus irmãos, vou morrer e não terei esse
gostinho.
— Deixa de ser exagerada, dona Giordana. Está nova ainda e logo
Elisa e Enrico se casam.
— E você?
— Não fui feito para isso, mamma. Nunca conseguirei amar uma
mulher sem colocá-la em risco. Qualquer outra mulher só se interessaria por
mim por dinheiro.
— Deixa de tolice. Você é um homem bonito e muito inteligente,
logo, uma bela dama irá se interessar por você e me darão lindos netinhos.
— Não se iluda, dona Giordana. — Escuto um gritinho de criança e
eu e mamma nos viramos para ver. Luna vem correndo em minha direção
com os braços abertos, fico sem reação e só me dou conta de ter abaixado e
tê-la com os bracinhos em volta do meu pescoço quando mamma fala.
— Que coisinha mais linda, quem é ela, Angelo?
Olho ao redor e vejo Aleksander Ivanov se aproximar com Isadora ao
seu lado. Perco o fôlego com tanta beleza. Seus cabelos estão presos e seu
vestido é elegante e discreto. Luna está agarrada a mim como a um bote
salva-vidas e trato logo de responder minha mãe.
— Essa é Luna, sobrinha de Aleksander Ivanov. — Antes de terminar
de falar, ela me corta.
— Num sô não. — Olho para Luna sem entender nada. — Só sô sua
sombrinha. — Gargalho, mas logo me recomponho para cumprimentar o
casal.
— Don. — Aleksander me cumprimenta, depois, se dirige à minha
mãe. — Senhora, boa noite.
— Boa noite, meu jovem, e bonita dama essa que o acompanha. —
Minha mãe fica encantada com a beleza de Isadora.
— Essa é Isadora Agnelli, uma amiga. — Não perco quando ele a
chama de amiga.
— Muito prazer, sou Giordana Vicentini, mãe desse moço que ficou
mudo com sua presença. — Desperto do meu estado de torpor quando minha
mãe faz graça.
— O prazer é todo meu, Sra. Vicentini. — Isadora dá um meio-sorriso
e me olha de lado.
— Ora, minha filha, me chame somente de Giordana, não sou tão
velha assim.
— Como desejar. Realmente ainda é muito nova e uma senhora muito
bonita e elegante.
— Obrigada, você também é muito bonita. Essa bonequinha é sua
filha?
— Essa é Luna, minha sobrinha.
— Ela é uma graça. Amo crianças. Estava falando ainda há pouco
para Angelo que espero não morrer sem conhecer meus netos.
— Ora, mamma, deixe de drama. Hoje é noite de festa, não para
reclamações.
— Fala isso porque se recusa a me dar netos. Vamos, minha jovem,
me acompanhe até a mesa e vamos comer alguma coisa, sei que essa gracinha
deve estar com fome. — Fala e se segura no braço de Isadora e na mão de
Luna, e vão até a tenda se alimentar.
Ivanov e eu somos deixados a sós.
— Como estão as coisas, Don?
— Estão bem. Final de ano tende a ser tranquilo. Temos novidades do
paradeiro da família Palmieri, quando podemos nos falar?
— Quando quiser. Estou retornando às minhas atividades. Ontem,
nosso contrato acabou e Isadora está qualificada e aprovada para assumir de
vez a Andragathia. Ela organizou todos os documentos e redistribuiu as
funções de cada Capo. Aquiles ainda está sendo vigiado. Acredito que ela
não fará mal a ele se ele se comportar.
— Fico feliz que esteja retornando. Quanto a Aquiles, ele é uma
serpente no deserto, se pisarmos em falso nos ataca.
— E quanto a Isadora?
— O que tem essa mulher?
— Vocês se amam, Angelo. — Olho tão rápido para ele que meu
pescoço chega a estalar. — Podem querer mascarar isso demonstrando raiva
e rivalidade, mas é notório que isso é paixão reprimida. — Faço-me de
desentendido, mas sei que ele tem razão. — Isadora é uma boa moça e antes
que me pergunte, não tivemos nada além daquele beijo na sua sala. Ela fez
aquilo para te irritar e vi que conseguiu. Não deixe o tempo passar, Don, nada
dura para sempre e sempre pode aparecer um novo amor para se esquecer o
velho, pense nisso. — Ele toca meu ombro e sai.
Permaneço perdido em pensamentos e recordações. O pouco que
vivemos toma a minha mente e um desejo insano de tê-la novamente em
meus braços me toma, mas meu orgulho fala mais alto e não serei eu a dar o
primeiro passo. Ela me traiu, mesmo que fosse para proteger Luna, me traiu
por não confiar em mim.
Fico de longe olhando a interação de Isadora com minha mãe, parece
que se conhecem há muitos anos. Observo cada gesto, cada toque, cada
sorriso que não está sendo direcionado a mim e sinto ciúmes. Seis meses se
passaram depois de meu sequestro e ainda não consegui tirar essa diaba da
minha cabeça. Será que eu deveria esquecer tudo o que passamos e seguir
atrás da minha felicidade? Devo engolir o meu orgulho e ir atrás da feiticeira
que domou meu coração?
Acho que chegou o tempo de pensar em mim. Sempre vivi em função
do que os outros queriam, do que precisavam, do que esperavam que eu,
como Don, fizesse. Sempre fui muito cobrado por Stefano e, depois, por
todas as Casas. Minha família depende de mim, a máfia depende de mim, a
empresa depende de mim, mas não tenho um amor que dependa de mim, não
tenho a minha Isadora.
Recordo-me de quando era criança que sempre ia até o deck atrás de
casa e me sentava para apreciar o pôr do sol. Ali, sentado sozinho, fazia
sempre uma oração, pedia a Deus que me desse a felicidade, que olhasse para
mim e me desse uma alegria para viver, e ele nos deu Elisa. Hoje, depois de
adulto e com a alma amargurada, tudo o que peço é uma redenção. Quem
sabe a minha redenção não está na minha frente e estou deixando passar?
O jantar é anunciado. Saio do meu estado solitário e sigo todos para a
enorme tenda e tomamos nossos lugares. Minha família está próximo a mim
na cabeceira e, em seguida, todos das Casas, e pude ter a visão privilegiada
de Isadora e Luna à minha frente. Refleti por alguns minutos e desejei tê-las
em minha vida, e se Deus me concedesse um único pedido esta noite, eu já o
teria na ponta da língua. Jantamos em um clima agradável, e assim que
serviram a sobremesa, fomos convidados a ir para os fundos da mansão, onde
uma enorme tenda aquecida está armada. O frio em Livorno está muito
intenso e optamos por uma tenda de vidro para apreciarmos os fogos que
saíam da embarcação atrás da mansão.
Junto-me a Enrico, Elisa e Giordana e do meu lado direito a uns dez
passos estão Luna, Isadora e Aleksander, e ao meu lado esquerdo Filippo,
Salvatore e Austin. Os outros convidados estão espalhados pela tenda e um
painel iluminado mostrando a contagem regressiva do Terrazza Mascagni
anuncia o novo ano que está chegando.
— 10,9,8,7,6,5,4,3,2,1... Felice Anno Nuevo! (Feliz Ano Novo) —
Todos gritam e os fogos explodem formando lindos desenhos no céu. Abraço
minha mãe, que chora, e Enrico e Elisa se juntam a nós. Sinto um bracinho na
minha perna e olho Luna me agarrando, abaixo-me para pegá-la. Todos
beijam sua bochecha e se retiram, ficando só nos dois.
— Tio Anjo. — Olho em seus lindos olhos azuis. — Voxê sabia que
mamãe falô que xeu mome é anjo? Eu goto de Anjos, eles são bonzinhos.
— Também gosto do seu nome. Luna, significa Lua. Você é a minha
lua, que veio iluminar minhas noites de tempestades.
— Tá suvendo não, só neve.
— Você é uma lua bonita para mim. — Ela abre um lindo sorriso que
me encanta.
— Eu te amo, tio Anjo. — Fico em choque e não sei o que fazer. —
Tem que dizer que me ama tamem, tio Anjo, igualzinho minha mamãe.
— Também te amo, Lua. — Ela beija minha bochecha e desce do
meu colo para ir até Isadora que a chama; fico apaixonado por esse serzinho
de luz que me deu o melhor presente de início de ano, seu amor.
Os convidados estão se retirando e somente meus seguranças e alguns
colaboradores ainda estão no salão. Aleksander conversa com Filippo e
Salvatore enquanto Isadora abraça Anderson e Austin. Luna corre pelas
pessoas com mais algumas crianças que ainda estão acordadas, Elisa e Enrico
estão com mamma. Foi uma noite memorável e ter Isadora por perto foi a
melhor coisa que podia acontecer.
Aleksander se aproxima para se despedir, eu o acompanho até a porta;
Isadora acena com a cabeça e segue Aleksander até seu carro com Luna que
está dormindo em seu colo. Fico observando de longe o carro ganhar a saída
e todos se recolherem. Agasalho-me e me sento no jardim bebendo meu
whiskey tranquilamente quando escuto tiros e um forte barulho.
Coloco-me de pé. Filippo e Anderson, que estavam se recolhendo,
correm para o portão com suas armas nas mãos, os outros seguranças abrem o
portão e vão checar o que aconteceu. Caminho para a entrada do jardim e
vejo Anderson segurar um corpo em seus braços, aproximo-me correndo para
saber o que está acontecendo de fato e sou surpreendido por uma Isadora
ensanguentada e pouco consciente. Anderson a coloca em meus braços, ela se
esforça para me olhar e um pavor preenche minha alma. Nunca pensei que
um dia pudesse ter medo de perder alguém, assim como estou de perdê-la.
Ela se esforça para falar, tento impedir, mas falho.
— E... eles... a… levaram. — Desmaia em meus braços e vejo o tiro
que levou no ombro. De novo. Coloco-a no meu carro que já está
estacionando à minha frente com Anderson na direção e seguimos para o
hospital mais próximo. Sou informado que Aleksander Ivanov foi baleado e
que Filippo está trazendo-o para o mesmo hospital. Quanto a criança, ela não
estava no carro e pude entender o que Isadora falou antes de desmaiar.
Sequestraram Luna, agora só resta saber, quem?

Filippo chega com um Aleksander em estado crítico e vemos os


enfermeiros colocá-lo numa maca e seguirem para o corredor, o mesmo onde
Isadora foi levada, e somos impedidos de ultrapassar. Peço a Filippo que
contate Chang e vasculhe todas as câmeras de segurança dessa cidade,
precisamos saber quem está com Luna e para onde foram.
Capítulo 41

Don Angelo

Enrico chegou uma hora depois ao hospital trazendo uma muda de


roupa para mim. Troquei e voltei para a sala de espera no terceiro andar. Já
passava das três da manhã quando um médico apareceu.
— Parentes da paciente Isadora Agnelli.
Coloco-me de pé e sigo ao seu encontro.
— Sou o responsável por ela. — Aproximo-me, seguido de Enrico e
Anderson.
— Sou o Dr. Frederico Mancini. — Estende a mão para me
cumprimentar. — O que o senhor é dela?
— Noivo. — Enrico não diz nada, mas me olha estranho. — Angelo
Vicentini. — A postura do médico muda, mas estou pouco me fodendo em
estar em um hospital público.
— Pois bem. A Srtª Agnelli está fora de risco. — Respiro aliviado. —
O tiro pegou no ombro, mas não atingiu nenhuma área vital. Ela foi operada
para tirar a bala alojada e amanhã estará no quarto. Hoje, somente uma
pessoa poderá vê-la.
— Eu irei. — Falo sem deixar base para contestação.
— Me siga.
Vamos por um corredor até o elevador que nos leva até o oitavo andar
em silêncio e descemos. Sou conduzido para a sala de recuperação.
Isadora está inconsciente e ligada a alguns fios; seu rosto está pálido e
seus lábios esbranquiçados. Aproximo-me e seguro sua mão livre, na outra
tem um acesso intravenoso e o eletro, acaricio seu rosto e beijo seus lábios,
mesmo que estejam frios, ainda sinto a maciez.
— Ela está bem. — Dou-me conta de que não estou sozinho.
— Obrigado, Dr. Mancini, por cuidar da minha noiva. Como está meu
amigo Aleksander? — Com a ansiedade de ver Isadora não perguntei por
Aleksander.
— Vamos sair daqui e deixar sua noiva descansar. — Aponta a porta
e concordo, saímos e fomos pelo mesmo corredor que viemos.
— Venha à minha sala e conversaremos melhor. — Aponta o
consultório próximo.
A sala dele era até confortável, mas ainda tinha aquele cheiro de
hospital que dava náusea. Sento-me em uma cadeira de frente para a sua mesa
e espero o que tem para me falar.
— Sr. Vicentini, o estado de saúde do Sr. Aleksander Ivanov é mais
crítico. Ele recebeu cinco tiros nas costas, creio que ele se jogou em cima de
sua noiva para protegê-la. — Uma angústia de perdê-la me toma, se não fosse
por Aleksander, minha Isadora poderia estar morta. — Dois tiros acertaram o
pulmão, um, o rim direito as outras duas transpassaram seu corpo, uma no
ombro esquerdo e creio que foi essa que acertou a Srtª Isadora e a outra, o
braço direito. Ele passou por cirurgia e está na UTI em coma induzido para
que seu corpo reaja aos medicamentos sem entrar em colapso.
— Ele corre risco de morrer?
— Ainda é cedo para afirmar qualquer coisa, mas riscos sempre há.
Ele está sendo muito bem cuidado e temos uma ótima equipe na UTI.
— Quero o melhor para os dois e farei uma generosa doação a esse
hospital para que tenha os melhores equipamentos para atender melhor os
pacientes.
— Não se preocupe com isso, Sr. Vicentini, como disse, eles estão em
boas mãos. Nosso hospital é referência e temos os melhores equipamentos,
mas se desejar ainda assim fazer a doação, doe para o novo prédio de
oncologia infantil que estamos construindo, será bem-vindo.
— Já considere doado, Doutor.
— Fique tranquilo, Sr. Vicentini, eles estão sendo muito bem
atendidos.
— Obrigado. — Deixo a sala o cumprimentando.
Volto para a recepção para dar notícias a todos. Vejo minha mãe e
Elisa conversando com Enrico, assim que me veem se aproximam.
— Como eles estão, Angelo? — Elisa pergunta. — Por que não os
levaram para o Forte?
— Aqui tem mais recursos para atendê-los. A situação é bem grave e
lá não tinha como fazer duas cirurgias simultaneamente.
— Como está Isadora, Angelo? — Mamma pergunta.
— Isadora está bem. A bala que acertou seu ombro foi a que perfurou
o ombro de Aleksander, ele se jogou em cima dela para protegê-la. Ela irá
para o quarto em breve.
— E Aleksander? — Enrico se apressa em perguntar.
— O estado dele é mais grave. Ele levou cinco tiros nas costas, está
em coma induzido para se restabelecer, mas ainda corre riscos.
Decidimos ir para casa, não temos mais nada a fazer aqui, por
enquanto, e preciso ver o que Chang conseguiu.
— Fique aqui no hospital, Anderson, e fique atento a qualquer
movimento suspeito.
— Se me permitir, Senhor, ficarei com ele. — Austin se prontifica.
— Sem problema. Aleksander e Isadora estão no oitavo andar — Eles
assentem e assim que me viro com meus irmãos e minha mãe para sair, uma
movimentação intensa chama a nossa atenção. Filippo e Anderson se
posicionam para nos proteger.
Reconheço o homem que entra na recepção, Besouro. Eles trazem um
homem baleado e outros ainda mais feridos, mas conscientes, que são levados
para o mesmo corredor que algumas horas atrás Isadora e Aleksander foram
levados. Ele para na recepção, logo atrás Toro entra machucado e uma
enfermeira o leva para a sala de curativos, fico de longe olhando e tentando
entender o que é tudo isso. Assim que me vê, Besouro se aproxima cauteloso.
— Don. — Seu tom é aflito. Filippo e Anderson me protegem e
Enrico e Elisa se posicionam próximos a mamma. — Houve uma invasão na
mansão e muitos homens morreram, os poucos que sobreviveram estão sendo
trazidos para cá. Sei que a Signora estava na recepção em sua casa
juntamente com o Capo, sabe me informar onde eles estão? Ainda na
recepção da sua casa? Não conseguimos encontrá-los e nem os rastrear pelos
seguranças.
— Eles estão aqui. — Ele me olha sem entender nada. — Sofreram
um atentado e Luna foi sequestrada.
— Onde estão Arthur e Henrique, os seguranças? — Filippo se
aproxima mais e responde.
— Mortos. — Ele fecha os olhos e percebo a dor que sente.
— O que está acontecendo, Besouro? — Pergunto para tentar
entender o que é tudo isso. — Preciso entender o que está acontecendo
debaixo do meu nariz e na porta da minha casa.
Ele me olha avaliando se deve confiar em um Don da máfia rival,
mas vejo a mudança em seu semblante e uma respiração mais profunda e
começa a falar.
— A mansão foi invadida por vários homens e tudo o que viam pela
frente atiravam, entraram e resgataram Aquiles. Estava celebrando com a
minha família quando fui notificado pelo rádio sobre o que estava
acontecendo. Deixei tudo e fui imediatamente para lá; encontrei um cenário
de guerra, muitos homens mortos e outros feridos. Entrei na casa desesperado
achando que algo grave tivesse acontecido com a Signora e encontrei
Augusto muito ferido jogado no corredor de acesso ao quarto de Aquiles, o
trouxemos para cá junto com os outros. Toro estava com um galo na cabeça e
desacordado próximo à sala de monitoramento. Pelo que vi através das
câmeras, a Sra. Milena Gandini junto com Guilhermina Nardine comandaram
o resgate e levaram Aquiles. Nossos homens tentaram segui-los, mas havia
mais atiradores fazendo a escolta e fugiram em direção a Pisa.
— Se Milena e Guilhermina estavam na casa de Isadora, quem
sequestrou Luna? — Divago e todos me olham e ficam pensativos.
— Como está a Signora? — Pergunta preocupado.
— Foi operada e está se restabelecendo, não corre risco de morte, mas
Aleksander sim. Se jogou em cima de Isadora para protegê-la, só que a bala
que atravessou seu ombro a atingiu no ombro, mas graças a Deus, ela está
bem.
— Mandarei seguranças para cá e iniciarei a busca pela segunda
herdeira. Aquiles não pode estar muito longe, farei uma caçada a esse
desgraçado e resgatarei a menina Luna.
— Já temos segurança no hospital e, mais tarde, Isadora será
transferida para o quarto. Não podemos falar tudo isso para ela agora, temos
que esperá-la se restabelecer. Quanto a Luna, faremos uma busca detalhada
do que houve e encontraremos Aquiles, ele pagará por isso. Cuide de seus
homens e faça uma busca minuciosa em suas câmeras e mais tarde se junte a
Castellar, temos assuntos em comum para resolver e devemos juntar forças
para achar e salvar a pequena Luna.
— A Signora não está em condições de liderar, e eu como seu
Consigliere, aceito me juntar a Castellar para procurarmos Luna.
— Nos encontraremos mais tarde no meu escritório e conversaremos
melhor. Seus homens precisam de você e eu vou para casa descansar, temos
uma longa jornada pela frente.
Fomos para casa, mas Anderson e Austin ficaram fazendo a segurança
dela. Precisava pensar sobre tudo o que aconteceu e traçar um plano para
acabar de vez com Aquiles.
Capítulo 42

Don Angelo

Uma verdadeira caça pela cabeça de Aquiles Callas e sua equipe


começará. Entro no centro de monitoramento dentro do Forte e todos se
colocam de pé, gesticulo para que se sentem, Elisa se junta a mim.
— O que tem para mim, Chang?
— Tudo é uma confusão, Don. — Olho-o sem entender. — Vou
passar as imagens e o senhor entenderá o que quero falar.
Acompanho as imagens desde o momento que os convidados
começam a chegar e observo cada carro e cada pessoa que desce deles, depois
de um longo tempo, um Freemont preto estaciona em uma área mais escura.
Por estar nevando, a neblina cobre a placa, mas é visível que o carro está
esperando alguém. As imagens passam e o carro continua no mesmo lugar,
ninguém sai ou entra, a câmera faz um giro de 360° e quando volta, o carro
sumiu. Levanto-me e me aproximo mais da tela que está à minha frente e
peço que Chang volte a imagem em câmera lenta, e assim que ele passa, vejo
o reflexo de um rosto no para-brisa e o conheço muito bem. Agnaldo.
— Estão vendo o que estou vendo? — Pergunto para ter certeza.
— Agnaldo! — Elisa põe a mão na boca em espanto.
— Esse desgraçado estava esperando para pegar Isadora
desprevenida. — Falo com raiva. — Eu vou matá-lo. — Soco a mesa com
ódio.
— Continue olhando, Don. — Chang chama a minha atenção, mas
estou com tanto ódio que minha vista nubla.
— O que é aquilo ali? — Elisa se levanta e se aproxima da tela.
— É disso que estou falando. Não consegui identificar quem é a
pessoa que está atrás da árvore e é ela quem atira, provavelmente um Sniper.
A imagem está congelada e é notório a presença de uma segunda
pessoa na cena. O que chama a atenção é que fez questão de se esconder para
não ser reconhecida, numa clara certeza de estar sendo filmada.
A imagem segue e vemos o momento exato que o carro de
Aleksander é alvejado, perde a direção colidindo com a árvore; Agnaldo tira
Luna desacordada do carro, coloca no SUV e sai em disparada em direção ao
Centro de Livorno. As câmeras da cidade estão ligadas ao nosso sistema e
monitoramos tudo ao nosso redor, com isso, acompanhamos o carro de
Agnaldo que para próximo à Praça da República. Duas pessoas descem, mas
somente Agnaldo é visível, entrega Luna chorando para Milena Gandine, que
se vira para a câmera e acena, entrando num carro com um motorista
encapuzado na direção. Agnaldo entra no Freemont e segue para San
Gemignano, direção contrária de Milena, e o outro carro aguarda alguns
minutos para sair e sai na mesma direção de Agnaldo, sem ser possível ver
quem é.
— Chang, mantenha a câmera em Milena, precisamos saber o que vai
fazer com Luna. — Ele digita alguma coisa e a câmera focaliza o carro que
passa em alta velocidade pelos radares.
— Romeu. — Chang chama e ele olha. — Monitore o outro carro. —
Assim ele faz.
Seguimos o carro de Milena através das câmeras, ele para próximo a
Portoferraio, uma rua que vai sair no cais; Aquiles desce de um carro que está
estacionado e entra no de Milena, mas um caminhão passa e não
conseguimos ver que direção tomaram.
— Ainda estou terminando de baixar as imagens, Don, por isso não
está completa.
— Encontre onde Agnaldo está, ele nos dará o que precisamos. Assim
que souber, me avisa.
— Estou trabalhando nisso agora. Romeu vai continuar baixando as
imagens do outro carro. — Aceno com a cabeça e saio seguido por Elisa.
— O que vamos fazer, Don? — Olho-a, sem conseguir formular
nenhum pensamento.
— Me reunirei com Besouro e verei o que eles têm. Prepare o pessoal
para sairmos a qualquer momento. — Ela assente e se retira.
Sigo para a minha sala e preparo um whiskey para tentar pôr as ideias
no lugar. Sento e fico analisando as imagens na minha cabeça e vejo a
sincronia dos fatos, mas algo está faltando e ainda não encontrei a peça solta.
Meu telefone toca. Filippo anuncia a chegada de Besouro e Toro, e
autorizo a entrada. Eles são seguidos de perto por Filippo e Salvatore, entram
e se posicionam na poltrona à frente da minha mesa, ofereço bebida para eles
e me sento.
— Encontraram-no em suas câmeras?
— Foram no total de vinte homens bem armados e todo encapuzados,
mas uma coisa chamou nossa atenção, eles entraram pelos fundos e somente
Aquiles tinha a chave do portão, era uma rota de fuga da mansão, isso leva a
crer que temos um traidor no nosso meio. — Besouro responde.
— Desconfiam de alguém?
— Sim, Eraldo Spinelly. Ele chegou junto com a Sra. Milena Gandine
dois dias depois que Sra. Sophia foi sepultada e disse que ele seria um dos
nossos a partir daquele dia. Estranhamos e a Signora pediu que ficássemos de
olho. Levantamos a ficha do cara e ele trabalha para Andragathia há muitos
anos, em Atenas. Na conferência das câmeras de dentro da mansão, ele
aparece nas filmagens minutos antes da invasão.
— Sabem sobre outras pessoas que podem ter ajudado?
— Pelas nossas câmeras, não.
Olho para Toro e percebo seu desconforto, sei que tem algo a dizer, só
que não confia em falar perto de Besouro, pois, deixaria claro que nos
conhecemos.
— Mostrarei para vocês o que apuramos e preciso de esclarecimentos,
e antes que perguntem, já estamos tomando providências.
Abro meu notebook e viro as imagens para que eles possam olhar e
me ajudar a descobrir quem é a pessoa atrás da árvore. Eles assistem e
percebo que Besouro se incomoda e logo suaviza sua expressão.
— Conheço o motorista da SUV. O nome dele é Vladmir Mirahyev,
é sérvio, veio junto com Guilhermina Nardine, foi infiltrado por Aquiles no
Forte para saber o funcionamento e descobrir o ponto fraco para invadirmos.
Seu nome italiano é Agnaldo... — Tenta lembrar o sobrenome, mas já sei
quem é. — Não me lembro o sobrenome. Foi ele quem ajudou Aquiles a
carregar seu corpo imóvel e colocar dentro de um baú no dia do baile. Ele ria
disso todas as vezes que contava e os homens se divertiam com suas histórias
daquela noite. Já a pessoa atrás da árvore, não conheço, deve ser algum
matador de aluguel contratado para atirar em Aleksander Ivanov.
— Mas... por que a máfia Sérvia se voltaria contra seu líder e sua
esposa? Isso não faz sentido. Aleksander é o Capo da máfia Sérvia e ninguém
quer arrumar problema com uma das Casas da Castellar. — Besouro
pergunta.
— A máfia Sérvia é dividida em três grupos principais: Vodcovac,
Surnin e Zenun. Aleksander Ivanov é oriundo do grupo Zenun e com o
crescimento apoiado pela Castellar, os grupos rivais se fundiram e se
tornaram matadores de aluguel, narcotraficantes, contrabandistas e sem
contar com proteção forçada, jogos de azar e roubo. Guilhermina Nardine
veio da Vodcovac e, com certeza, planejou a destruição do líder e Capo da
Zenun e Isadora estava no lugar errado.
— Isso não explica o fato de sequestrar Luna. Uma coisa é o atentado
contra Aleksander Ivanov, outra é sequestrar Luna. O que Aquiles quer com
uma criança? — Besouro novamente pergunta.
— Atrair Isadora e matá-la para assumir novamente o poder. — Toro
fala sem dúvida alguma. — Atingir Isadora estava nos planos de Aquiles e,
provavelmente, eles foram se esconder na Sérvia, mais precisamente em
Kosovo, reduto da Vodcovac e residência de Guilhermina Nardine.
— Vamos trabalhar juntos para descobrir onde Luna está. Assim que
Isadora Agnelli se recuperar, montaremos um exército para buscar a criança.
— Investigaremos também e trocaremos informações durante o
processo. — Fala se colocando de pé.
— Manteremos contato, deixarei acesso livre até mim para nos
comunicarmos. — Cumprimento a todos e eles saem.
Penso em tudo o que falaram e nas imagens que temos aqui, e agora
tudo se encaixa. Aquiles planejou sequestrar Luna e fazer com que Isadora
renunciasse à Andragathia para salvar a sobrinha, mas Guilhermina queria a
cabeça de Aleksander Ivanov. Planejar um atentado disfarçaria as intenções
de Aquiles perante os cooperadores e novamente ele seria necessário para
manter a Andragathia de pé, assim como fez com Tenório Agnelli.
Capítulo 43

Don Angelo

Saio do escritório para ir ao hospital, precisava saber notícias de


Isadora e Aleksander, mas antes, passo novamente na sala de monitoramento
para saber se tem a localização de Agnaldo ou Vladmir.
— Alguma notícia do paradeiro de Agnaldo, Chang?
— Sim, Don. Romeu localizou seu carro na Piazza della Cisterna e,
provavelmente, está em algum hotel por perto.
Tiro meu telefone do bolso e ligo para Besouro, que atende no
segundo toque.
— Sabe de algum hotel em San Gemignano onde Agnaldo possa se
hospedar sem chamar atenção?
— No Fattoria Guicciardini. Ele ficou hospedado lá antes de ser
enviado para a Castellar e provavelmente voltou para o mesmo lugar.
— Reúna dois dos seus homens e me encontre daqui uma hora na
Praça da República.
— Estaremos lá.
Filippo já está me aguardando do lado de fora para irmos ao hospital
saber de Isadora e Aleksander. Passo as ordens para que traga Agnaldo com
vida para o Forte e quero que ele e Salvatore coordenem a operação. Assim
que chego na recepção do hospital, sou direcionado a uma sala, onde o diretor
do hospital me aguarda. Não estou com paciência para bajulações, muito
menos para conversar com alguém agora, tudo o que quero é saber da minha
Isadora e ter notícias do meu amigo. A jovem recepcionista bate em uma
porta de madeira e logo entra, me conduzindo até uma enorme cadeira de
frente a um homem de aparentemente uns sessenta anos e com o olhar
simpático.
— Sr. Vicentini. — Estende a mão em cumprimento e retribuo para
acabar logo com isso. — Sou o Dr. Otávio Fleming, diretor desse hospital, e
quero agradecer por doar uma generosa quantia para o nosso complexo de
Oncologia Infantil. Sei que está num momento difícil, mas encontrou mesmo
diante da dor uma forma de ajudar e somos muito gratos.
— Eu que agradeço por cuidarem da minha noiva e do meu amigo tão
bem, e gostaria de pedir absoluto sigilo sobre essa doação, não quero ficar
exposto na mídia e, muito menos, expor a minha família. Creio que me
compreende.
— Como quiser, Sr. Vicentini. Não o prenderei mais aqui, sei que
deseja ver sua noiva; o Dr. Mancini o está aguardando na recepção. — Me
cumprimenta e me leva até a porta.
Ansiedade é o que me toma nesse momento. Estou de frente para a
porta do quarto de Isadora e pelo que o Dr. Mancini me explicou, ainda essa
semana terá alta, mas o que me deixa aflito é saber a sua reação ao me ver.
Tomo coragem e abro a porta bem devagar e o que vejo aperta o meu
coração.
Isadora está deitada em posição fetal e chora compulsivamente, fecho
a porta devagar e me aproximo, ficando de frente para ela.
— Isadora. — Ela levanta os olhos e a dor e a tristeza são o reflexo de
sua alma. — Ei...fica calma, tudo está se resolvendo. — Acaricio seus
cabelos e sinto a textura suave dos fios.
— E... eles. — Soluços. — A... levaram. — Lágrimas grossas descem
pelo seu rosto e molham o travesseiro. — E... eu... falhei.
— Não diga isso. Foi uma emboscada armada por Milena e
Guilhermina, e já estamos atrás delas. Seu Consigliere está junto com meus
homens atrás de Agnaldo, vamos achar Luna.
— Por... que... está me... ajudando?
— Gosto muito de Luna, a pequena conquista todos ao seu redor e
nunca deixarei que façam mal à pequena.
— Onde está Aleksander? — Aos poucos ela vai se acalmando.
— Na UTI. Ele levou cinco tiros; o estado dele ainda inspira
cuidados, mas não se preocupe com isso, ele está sendo bem cuidado.
— Por que está aqui?
— Vim te ver. — Ela me olha com curiosidade. — Olha, Isadora, sei
que temos muito que conversar, mas quero que saiba que não te odeio, quero
o melhor para você. Não está em condições de qualquer coisa no momento,
por isso, se recupere e assim que souber onde Luna está, iremos juntos buscá-
la.
— Não quero ficar sozinha ne... neste hospital, não gosto de hospitais.
— Vou falar com o Dr. Mancini e transferi-la para o hospital do
Forte, lá poderá se recuperar melhor, com Julia ao seu lado.
— Me esqueci da Julia. — Fala como se fosse ser punida por isso.
— Não se preocupe, ela foi avisada por Besouro...
— Matteo. — Ela me corta. — O nome dele é Matteo e não gosto que
o chame de Besouro. — Um ciúme me toma e fecho os punhos ao longo do
corpo. — Essa fase de apelidos acabou, todos são chamados pelos seus
nomes.
— Então, ela foi avisada por Matteo e já está vindo ficar com você
aqui. Providenciarei a sua transferência e ainda hoje estará num lugar melhor.
— Obrigada, Angelo. — Olho seus lindos olhos que estão vermelhos
pelo choro, mas que continuam encantadores; me sinto feliz por ouvi-la me
chamar pelo meu primeiro nome.
— Não me agradeça. Farei tudo o que for possível para consertar tudo
isso e te peço perdão por não ter sido honesto contigo desde o início. Como
disse, temos muito o que conversar, mas não aqui; quando estiver acomodada
no Forte, conversaremos.
Duas batidas na porta e Julia entra trazendo uma valise, com o olhar
preocupado. Aproveito que ela tem companhia e vou tratar da transferência e
resolver a questão de Agnaldo, afinal, esse pesadelo só está começando e
tenho certeza de que teremos surpresas pela frente.
Isadora é autorizada a ser transferida para o Forte sob os cuidados de
Dr. Luigi, que prontamente virá com uma ambulância; assino tudo o que
precisa e saio assim que Dr. Luigi chega.
Saio do hospital e vou até a Praça da República para dar ordens; volto
para o Forte para aguardar a chegada de Isadora junto com o Dr. Luigi. A
ambulância chega e logo a direcionamos para uma suíte próxima à minha,
Julia volta para seu quarto de antigamente.
Acomodamos suas coisas e antes de deixar seu quarto, informo que
estamos atrás do homem que pegou Luna.
— Quero estar presente no interrogatório, se me permitir.
— Se o Dr. Luigi te liberar, não vejo problema algum. Não poderá se
esforçar e se não conseguir permanecer no ambiente, se retire.
— Farei questão de estar presente.
— Como queira. Agora, descanse, e assim que tiver notícias, te aviso.
— Obrigada, mais uma vez, Angelo. — Assinto com a cabeça e me
retiro.

Estou na minha suíte quando meu telefone toca e vejo o nome de


Filippo no visor.
— Don.
— Estamos chegando com Agnaldo e mais uma surpresa que
encontramos, e tenho certeza de que não vai gostar nem um pouco.
— Fale logo, Filippo, sabe que não gosto de adivinhações.
— Estou entrando agora no Forte, senhor, venha e verá. — Bufo de
raiva e desligo, me dirigindo para a entrada do Forte.
Passo pelos corredores e aviso a Austin que prepare a sala branca,
sigo para a entrada principal e o que vejo me surpreende, mas não me
espanta. Sempre soube que um dia isso iria acontecer, só não esperava que
fosse tão rápido assim.
Capítulo 44

Don Angelo

Quando chego ao pátio, encontro todos os meus soldados em volta do


carro de Filippo e assim que Salvatore retira Agnaldo, os homens começam a
dar gritos de guerra e vejo o desejo de matar no olhar de cada um deles. Ao
retirar a mulher, faz-se um silêncio e o choque é perceptível em cada um, mas
a mim não surpreende em nada.
— Traga-os para a sala branca. — Falo e me retiro.
Austin já me aguarda na entrada da sala branca e todo o material de
tortura está disposto. Alguns homens seguem junto com Salvatore e Filippo, a
fim de assistir o que irá acontecer com os traidores. Eles entram e permaneço
de costa para a movimentação, os homens estão agitados e sei que isso é
bom. Viro-me e encontro os olhos de Milena Gandine me desafiando,
enquanto Agnaldo permanece sem expressar qualquer reação.
— Nos encontramos de novo, Milena. — Aproximo-me, ela
estremece, mas se recupera. — Pode deixar que darei o meu melhor
tratamento a você.
— Vá para o inferno, Don Angelo. — Cospe tentando me acertar.
— Está dando um belo show para os meus soldados, quero ver até
onde vai a sua coragem quando a brincadeira realmente começar.
— Você pode fazer o que quiser comigo, mas nunca saberá o que
aconteceu com a fedelha, e pode ter certeza de uma coisa, nunca mais a
verão.
— Veremos isso daqui a pouco quando eu começar a brincar com
você. Agora, darei uma amostra grátis do que acontecerá se você não abrir
essa boca e me falar onde Aquiles e Guilhermina estão com Luna.
— Você nunca saberá.
— Veremos. — Volto-me para Agnaldo, que me olha assustado. —
Como vai Vladmir Mirahyev? Achou que me enganaria até quando?
— Foi fácil me infiltrar e te enganar, Don.
— Mas nenhuma mentira resiste para sempre, Vladmir, e o preço que
pagará por desafiar a Castellar será alto demais. Farei você sofrer igual ou
mais do que sofri com o meu sequestro e pode ter certeza, só darei o alívio
para sua alma quando conseguir as respostas que quero. Vocês irão clamar
pela morte e ela não chegará.
Puxo o carrinho de tortura até onde Vladmir está sentado e me
direciono a todos os homens que estão vendo o que acontecerá nesta sala.
— A Castellar preza pela honra, amizade e lealdade. Não toleramos
traição, intrigas e motins, sejam de soldados ou de Capos. Somos uma família
e nos protegemos acima de tudo e não podemos ser coniventes com qualquer
ato que desonre a nossa casa. Agnaldo ou Vladmir nos traiu, tramou contra o
Don e se uniu à máfia rival para prejudicar a Castellar, dando informações e
tramando contra seu Don. A pena para esse ato é a morte por enforcamento,
mas como ele nunca foi um dos nossos, era um infiltrado, terá a morte lenta e
dolorosa e deixarei que cada um de vocês exerça a função de carrasco, mas
lembrem-se, ele não pode morrer logo.
Olho para a entrada. Isadora entra seguida pelo Dr. Luigi que observa
tudo um pouco assustado. Aproximo-me dela e a tomo pela mão a
conduzindo para próximo a Vladmir.
— Este é o homem que retirou Luna do carro de Aleksander. — Ela
afirma. — Foi ele que Guilhermina apresentou a Aquiles e, depois, começou
a trabalhar na Andragathia. Matteo ficou de olho nele, mas logo sumiu e fui
saber que tinha ajudado no seu sequestro.
— O que deseja fazer com ele, Signora? — Ela me olha espantada.
— Quero que tenha uma morte lenta e dolorosa. — Sentencia. Uma
ovação preenche o ambiente.
— Quero que tenha a honra de iniciar, Signora. Vingue Aleksander e
Luna. — Faz-se um silêncio sepulcral no ambiente e tudo o que escutamos é
a respiração pesada de Vladmir.
Isadora se aproxima da mesa e pega um maçarico e Anderson a auxilia para
acender, já que seu braço está imobilizado com uma tipoia, e se dirige para
Vladmir.
— Eu não sei de que tipo de máfia você veio, muito menos o que
Aquiles ou até mesmo Guilhermina te falaram sobre a Andragathia, mas
quero que saiba que hoje não toleramos traições, insubordinação e, muito
menos, complô contra a Signora, por isso, pagará com aquilo que te é mais
precioso.
Ela se aproxima de Anderson e dá ordem para que o deixem nu. Fico
incomodado por ela ver outro homem nu, mas me controlo para não deixar
meus soldados notarem a minha insegurança em relação a essa mulher.
Anderson me pede consentimento e autorizo discretamente, e assim o faz.
Isadora aproxima o maçarico de Vladmir e vejo medo em seus olhos,
mas ela está determinada a causar-lhe dor e aos poucos a chama vai
queimando seu abdome, suas pernas e ele urra de dor. O que chama a atenção
de todos é a determinação em seus gestos e quando ela começa a torturá-lo
com pequenas queimaduras em seu escroto, os homens se contorcem como se
fossem com eles, mas nada desvia o seu foco e o maçarico queima até ficar
em carne viva.
— Gosta de sequestrar criancinhas, Vladmir? — Ela vai até a mesa e
começa a mexer. — Te fiz uma pergunta. — Fala tão calma que assusta a
todos.
— Fiz o que foi me mandado, eu cumpro ordens. — Fala se
contorcendo de dor.
— Muito bem. — Pega um frasco com álcool e novamente se
aproxima dele. — Quanto tempo você trabalhou junto a Don Angelo? — Ele
olha para as mãos dela.
— Um ano.
— Quanto tempo trabalha para Aquiles?
— Cinco anos.
— Sabe quem eu sou?
— Sim. — Geme de dor. — Signora Della Notte.
— Sabe quem Luna é?
— A segunda herdeira. — Ela retira a tampa do frasco. — Por favor,
Signora, me mate.
— Ainda não, Agnaldo. — Joga o álcool e os gritos de Vladmir se
tornam ensurdecedores. — Essa é um pouco da dor que me causou ao retirar
a minha sobrinha de perto de mim, e só não faço mais coisas porque quero
dar a honra para esses homens de descontarem em você o ódio que estão
sentindo nesse momento por sua traição ao seu Don.
Assim que ela termina, é reverenciada por todos os meus homens.
Nunca pensei que ela seria capaz de fazer algo assim, mas me enchi de
orgulho da mulher que ela se tornou.
— Agora, cada um de vocês terá o prazer de demonstrar a Vladmir
que não toleramos traição.
Cada homem pega um instrumento, um a um inicia a tortura e vejo o
quanto isso é prazeroso para cada um deles.

Isadora olha para Milena que chora copiosamente amarrada à parede,


e se aproxima com frieza no olhar.
— Achou que faria mal à Signora e ficaria impune? Você é patética.
— Deveria ter te matado quando a tive na mira meses atrás, você e
aquela fedelha. Hoje, estaríamos no poder e não precisaríamos descer tanto.
Quando me juntei a Aquiles, foi para me tornar poderosa e temida, mas você
chegou para tirar tudo meu e não medi esforços para tirar de você quem você
ama. Não tenho medo de você, Isadora, se tiver que morrer, morrerei pelas
mãos de um Don e não pelas mãos de uma mulher que se acha mafiosa.
— Não me importo com o que pensa de mim, Milena, nunca me
importei com a opinião dos outros, mas você cometeu um erro primário,
menosprezou seu oponente, nunca menospreze seu oponente, porque pode se
surpreender.
— Nunca foi uma oponente forte o bastante. — Desdenha.
— Não sou eu que estou amarrada e prestes a ser torturada. Olhe à sua
volta, Milena, olhe para seu cúmplice e perceba o estado que ele se encontra,
acha mesmo que está em condições de demonstrar superioridade? A corda.
Você morrerá pelas minhas mãos, não antes de me dizer onde está Luna.
— Morrerei com esse segredo.
— Quando estamos sofrendo as mais graves torturas, abrimos o bico.
— Sou treinada a suportar diversas formas de tortura, Signora.
— Então, se prepare, pois, só sairá daqui morta.

Acompanhei todo o diálogo de Isadora e Milena e precisei demonstrar


autocontrole para não matar Milena agora com um tiro na testa. Precisamos
de uma pista do paradeiro de Luna e irmos resgatá-la.

*****

Uma semana e obtivemos pouco resultado. Vladmir pede a morte


todos os dias e Milena está exausta de acompanhar toda a tortura dele. Hoje,
estou mais disposto do que nunca, Isadora recebeu alta e me acompanhará no
interrogatório, estou amando cada vez mais essa mulher, ela me surpreende a
cada dia e tenho certeza de que encontrei o meu par.
Entramos na sala branca e o temor no rosto dos dois é notório. Deixo
Isadora tomar a frente e tentar obter alguma coisa de Vladmir, já que com os
meus métodos não tivemos muito êxito.
— Vladmir, vamos facilitar um pouco as coisas para você. — Puxa
uma cadeira e se senta daquela forma feminina e sexy, de pernas cruzadas,
que consegue me deixar com tesão. — Conte-me tudo o que sabe e tirarei
você da Cruz de Santo André, te darei água e comida, deixarei você dormir.
— Não... posso. — Ele está esgotado e suas forças se esvaem a cada
sessão de tortura.
— Vamos melhorar então. Você me dá uma informação relevante e
alívio o seu sofrimento, o que acha?
— Me ma… ta.
— Me dê algo, Vladmir. — Ela insiste, ele está quase cedendo, mas
olha para Milena e trava novamente.
— Eu... n... não... — Começa a tossir e espumar sangue pela boca.
— Deixe-me te contar uma história, Vladmir. — Ele força o olhar
para Isadora e acompanho tudo de perto, admirando a frieza e a tranquilidade
com que ela conduz tudo. — Luna é filha da minha irmã que foi assassinada
por Hugo Falcão; ela tem apenas três anos e deve estar assustada e com
medo. Aquiles é um homem ruim e pode estar ferindo uma criança para me
atingir. Você acha justo isso? Um bebê pagar o preço por um adulto? Você
pode ajudar Luna e darei alívio para sua alma.
Ele olha para Milena e depois para Isadora, suspira e volta a olhar
para Isadora. Reflete por um longo tempo. Afasto-me e deixo que ela assuma
o controle, minha presença pode intimidar.
— Eu não queria fazer mal para a pequena. — Começa a falar. — Ela
é a coisa mais doce que já vi. Ela me surpreendeu, certo dia, ao me dar sua
última bala e sorrir para mim. Aquiles ameaçou matá-la se eu não ajudasse e
fiz para que a pequena não morresse.
— Mas você sabe que ele vai matá-la, não sabe?
— Sei.
— Me ajuda a encontrá-la, Vladmir.
— Eles não falaram para onde iriam com ninguém, mas escutei uma
conversa dele com Frank e ouvi algo sobre Sérvia, não tenho certeza... Não
aguento mais esse sofrimento, me matem logo...
— Obrigada por me ajudar, Vladmir, e te aliviarei.
Isadora assume o lado sombrio e saca sua Glock e coloca na boca de
Vladmir, que a olha com os olhos arregalados.
— Nunca te daria uma morte digna, Vladmir, você mexeu com um
pedaço de mim, ajudou a machucar meu raio de sol e, por isso, terá que pagar
o preço. Nunca subestime uma mãe, ela é capaz de ir ao inferno e matar o
próprio diabo por um filho.
Estou acostumado a todo o tipo de atrocidade, já vi e fiz muitas coisas
ruins em minha vida, mas nunca presenciei uma mãe com tanto ódio por
alguém que machucou seu filho. Luna é como uma filha para Isadora e ela é
uma leoa para defendê-la.
Ela puxa o gatilho e pedaços de massa encefálica voam para tudo
quanto é lugar. Milena está estática e é visível o seu medo.
— Temos um ponto para procurar, Angelo. — Ela se aproxima de
mim e vejo o olhar sereno que sempre admirei.
— Informarei a Matteo e tentaremos rastrear qualquer coisa. —
Precisamos de mais informações, Isadora. — Toco sua face que está com um
ponto de sangue de Vladmir.
— Ainda temos Milena. — Ela olha pela lateral do meu corpo e
assume novamente a postura da mafiosa que estou amando ver em ação,
afasta-se do meu corpo e vai até Milena.
— Tenho todo o tempo do mundo para me dedicar a você agora,
Milena. A escolha é sua, ou fala tudo o que sabe e eu te mato logo ou vou te
torturar aos poucos e não deixarei que a morte te leve, e quando achar que
está acabando, aí começarei tudo de novo. Sei o quanto adora estar bonita. —
Toca seus cabelos. — O quanto é vaidosa. — Toca suas unhas. — E o quanto
ama cuidar da sua pele. — Toca-lhe a face. — Mas te garanto que quando for
ser velada, o seu caixão ficará fechado, pois, acabarei com cada parte desse
seu corpo que tanto ama.
— DESGRAÇADA. — Grita em desespero. — SE EU ESTIVESSE
SOLTA, NÃO TERIA CHANCE CONTRA MIM. — Isadora levanta uma
sobrancelha e pede para Anderson soltar Milena.
— Isadora. — Tento pôr um pouco de razão nela. — Milena está
acostumada a lutar por horas. — Ela me olha com desafio.
A porta se abre e Matteo entra com Toro, assim que olha Isadora se
preparando para lutar com Milena, sorri. Fico puto e trato logo de fechar a
cara. Ele se aproxima dela e fala algo em seu ouvido, ela assente, depois, se
dirige a mim me cumprimentando e se senta para assistir o duelo.
— Vamos fazer um acordo, Milena. Quando perder, me contará onde
está Luna e não farei nada a você, deixarei Don Angelo decidir o seu destino.
— E quem disse que vou perder? Faremos assim, se eu ganhar vocês
me libertam e sumo no mundo, mas se eu perder será como falou, mas quero
uma morte rápida e sem deformações.
— Não tocarei em você porque não é minha prisioneira e sim, do
Angelo, ele decidirá o que fazer. — Meu coração dá um salto. Isadora nem
percebeu que se referiu a mim apenas pelo nome, sem o título. Isso me dá
esperança.
Milena me olha e me faço de indiferente, ela sabe que não sairá com
vida daqui. Não posso correr o risco de ela se vingar de Isadora e causar
problemas futuros. Ouço Anderson falar que vale tudo e as duas se
posicionam no centro da sala branca. Milena está mais debilitada por ter
ficado presa por uma semana, ela tira a blusa e fica só de sutiã, já Isadora,
permanece com seu short de ginástica, um top e sua regata.
O duelo começa com pouco movimento, elas se movem para
reconhecer o ponto fraco uma da outra. Milena ataca. Fico impressionado
com a agilidade de Isadora. Seus golpes são certeiros e a técnica que usa
mistura o Muay Thai e o Krav Magá e vejo a satisfação nos olhos de Matteo,
o que faz eu me corroer de ciúmes. Meus soldados se amontoam para ver o
espetáculo e meu orgulho chega nas alturas por Isadora estar dominando as
fraquezas de Milena. A exaustão é visível em Milena e ela está quase
entregando os pontos.
— Chega. — Diz Milena. — Desisto. Contarei o que sei e não me
importo mais em viver ou morrer. Quero acabar logo com isso.
— Fale o que sabe, Milena. — Aproximo-me de Isadora e entrego
uma toalha e uma garrafa d’água.
— Aquiles e Guilhermina se uniram para tomar a máfia Sérvia, já que
Isadora o baniu da Andragathia. Tentaram matar Aleksander Ivanov para
impedir que a Castellar intervisse nos seus planos e o único meio de deixar
vocês impotentes era levando a fedelha. Ele vai usar a menina como escudo.
— Para onde a levaram? — Isadora pergunta.
— Kosovo. Eles têm aliados lá e tudo daria certo se não fosse a
idiotice de Vladmir e a minha burrice. Por mim, quero mais que ele mate
aquela pestinha e destrua todos vocês.
Isadora voa para cima de Milena e começa a bater nela como deve ser.
Não permito que ninguém interfira. Ela puxa Milena pelo cabelo e a leva até
a cadeira da inquisição a jogando sentada e os pregos perfuram sua carne,
prontamente Matteo se aproxima e ajuda a prendê-la.
— Sua vadia, desgraçada. — Isadora acerta um soco no nariz de
Milena que jorra sangue. — Vou te ensinar a respeitar uma criança e não
mexer com uma mãe.
O que acontece a seguir surpreende a todos os homens que estão no
recinto e chama a atenção de Enrico e Elisa que estavam entrando no local.
Isadora rasga a roupa de Milena a deixando nua, pega uma corda e
prende as mamas em cada lado da corda, espremendo até ficarem bem
vermelhas, com um alicate, arranca os mamilos e os gritos são de estremecer
a alma.
Derrama sobre as feridas sal e vinagre e Milena desmaia de tanta dor,
mas isso é incapaz de parar uma Isadora enfurecida. O ambiente está
silencioso, todos olham o espetáculo de horrores hipnotizados e ela trabalha
no corpo de Milena como uma artista inspirada com sua obra.
Matteo se aproxima e a ajuda com a mangueira e um jato de água fria
acorda uma Milena pálida de tanto perder sangue. Isadora se aproxima com a
arma de choque e atinge Milena no ferimento.
— Abrace o diabo quando o encontrar e mande lembranças minhas
para Sophia. — Tira a arma e atira no peito de Milena.
Quando termina, ao observar o seu trabalho, Isadora começa a tremer,
um pouco em estado de choque. Lágrimas escorrem pelo seu rosto. Ela não
faz escândalo, mas desaba. Aproximo-me dela e paro em frente e,
surpreendendo-me, ela se joga em meus braços. Tomo-a para mim e a levanto
em meus braços, olho para Enrico, ele assente. Todos os homens se inclinam
em reverência a Isadora quando passo com ela e um orgulho preenche meu
peito. Minha mulher conquistou a admiração e o respeito de todos os meus
soldados.
Levo Isadora para o meu quarto e a coloco sobre a cama, vou ao
banheiro e encho a banheira e assim que tudo está pronto, a tomo em meus
braços novamente e ela me olha.
— Consegue tomar banho sozinha? Quer que eu te ajude com alguma
coisa? — Ela toca meu rosto com suavidade e recolho uma lágrima perdida
com minha mão.
— Obrigada por estar comigo agora. Não sei se suportaria passar por
tudo isso sozinha, Aleksander ainda está em coma e Luna...
— Shhh. Não pense nisso agora. Tome um banho para relaxar seus
músculos e vou providenciar uma refeição, depois, descansará. Preciso que
esteja descansada para tomarmos decisões importantes.
— Tudo bem. — Saio e fecho a porta do banheiro, desejando estar lá,
junto com ela, abraçando-a e cuidando da minha mulher.
Trago uma bandeja com suco e sanduíches, arrumo na mesa do meu
quarto e aguardo que Isadora saia do banheiro. Assim que abre a porta, me
surpreendo em vê-la com meu roupão que a engole, e descalça, com o cabelo
em um nó desajeitado.
— Trouxe um papino italiano e suco para comermos. — Ela se
aproxima de mim e me abraça. O cheiro de jasmim dos sais de banho
preenche minhas narinas e o aroma de baunilha de seus cabelos acrescenta a
doçura.
— Estou com medo, Angelo. — Sua voz sai embargada. — Tenho
medo do que podem estar fazendo com Luna.
— Não pense nisso agora. Coma e descanse, depois, veremos o que
fazer. — Ela assente e se senta para comer, tomo meu lugar e comemos em
silêncio.
Ela se acomoda na cama e antes que eu me retire, ouço sua voz
arrastada pelo cansaço.
— Não vá. — Viro-me lentamente. — Deita aqui comigo, preciso de
você, não me deixe sozinha, por favor.
— Nunca mais, meu amor. — Deito-me ao seu lado e a trago para os
meus braços e beijo sua testa. — Descanse, estou aqui para te proteger.
Depois de alguns minutos, escuto o seu ressonar. Tê-la em meus
braços por livre e espontânea vontade é o melhor prêmio que eu poderia
almejar. Todo esse tempo longe dela só me trouxe agonia. Mas entendo que
foi preciso. A Isadora de antes seria frágil demais para ser esposa de um Don.
Agora, tenho a mulher perfeita que muito em breve será minha de fato.
Deixo-a descansando em nossa cama e saio do quarto, indo até o
centro de monitoramento. Preciso saber se Chang descobriu alguma pista de
qual região de Kosovo Aquiles está. Assim que entro, Chang se coloca de pé
e projeta a imagem no telão. Segundo dados, Aquiles está na Albânia e a
máfia Albanesa está dando apoio a ele, já que é uma associada da
Andragathia. Eles atuam com tráfico sexual, de armas, drogas e órgãos e têm
forte ligação com grupos Islâmicos.
— Agora, podemos entender como ele conseguiu me esconder em um
país Islâmico. — Falo, Chang assente.
— O princípio da máfia Albanesa, também chamada de “Bajarac”, é
baseado num código de honra surgido no século XV que regia as famílias da
região. Esse código é conhecido como o Canon e é basicamente sustentado
por um pensamento que pode ser descrito pela máxima Palavra dada,
palavra cumprida. Aquiles conseguiu que o ajudassem e está escondido na
cidade de Shkodër, na Albânia, uma cidade industrial. Estou tentando
localizar, via satélite, algum ponto de referência para facilitar a aproximação
dos soldados.
— Continue com suas buscas, Chang, e assim que tiver qualquer
novidade, me avise.
— Pode deixar, Don. — Saio, encontrando Enrico no corredor.
— Vou com Isadora para Albânia, você assumirá a Castellar, ainda
está faltando parte do quebra-cabeça, conto contigo aqui para me passar as
informações.
— Don, deixe que nossos homens cuidem disso. A máfia Albanesa
não está no nosso ciclo e se descobrirem que um Don da Itália está em seu
território, podem te matar.
— Isadora irá comigo. A máfia Albanesa é associada da Andragathia
e ela, como Signora, poderá intervir.
— Tome cuidado. Conte sempre comigo, irmão.
— Tomarei. Obrigado por estar me ajudando. Enrico, não posso
perder Isadora, eu... — Vacilo em continuar.
— Eu sei. — Ele me entende.
— Ela demonstrou uma força impressionante e é a mulher certa para
estar ao meu lado.
— Parabéns, Don, encontrou a mulher da sua vida.
— Você também encontrará, Enrico, tenho certeza. — Ele assente e
se afasta.
Capítulo 45

KOSOVO

Don Angelo

Embarcamos para Kosovo. Vamos com nossos melhores e mais


treinados soldados, Filippo, Anderson, Austin, Salvatore, Toro, Anderson e
Matteo. Optamos em ir com poucos homens; alguns soldados de Aleksander
se unirão a nós em Kosovo, querem vingar seu líder. O jatinho parte em
direção à nossa missão e dentro do avião traçamos a nossa estratégia.
Austin e Matteo cuidarão da segurança de Isadora, Filippo e Salvatore
ficarão comigo. Os outros ficarão na retaguarda e seguiremos as orientações
dos soldados de Aleksander, assim que entrarmos em território inimigo,
buscaremos ser os mais discretos possíveis e pegaremos Aquiles
desprevenido.
Desembarcamos ainda de madrugada e seguimos de carro para a
cidade de Elbasan onde encontraríamos com Afrim Besnik, o Braccio Destro
de Aleksander Ivanov. A estrada é bem iluminada e estamos em alerta total, o
silêncio reflete o quanto estamos concentrados e atentos a qualquer
movimentação estranha, não podemos ser notados neste país, pois, estamos
ilegalmente. Chegamos ao ponto de encontro no vilarejo da cidade e
aguardamos a chegada dos homens de Alexander. Um carro se aproxima e
dois homens bem armados descem e vêm ao nosso encontro. Filippo se
apressa a se apresentar como se fosse o Don, mas Afrim Besnik procura por
mim com o olhar e me encontra, se aproxima e me cumprimenta.
— É um prazer servir a Don Angelo, meus homens estão sobre o seu
comando e faremos de acordo com o que nos falar.
— Não conheço essa região, por isso, deixarei que nos guie e farei o
que nos mandar fazer. Essa é Isadora Agnelli, Signora da Andragathia, está
aqui para levar Aquiles e Guilhermina com vida para Itália.
— Guilhermina foi expulsa de Kosovo e se aliou aos albaneses; está
no próximo vilarejo, meus homens estão de olho nela e na sua acompanhante.
— Acompanhante? Uma cúmplice? — Pergunto estranhando essa
novidade.
— Não sei se é uma cúmplice, mas chegou com Guilhermina e seu
pessoal, acredito ser a mãe de uma criança que sempre chora.
— Luna. — Isadora se manifesta.
— Onde elas estão?
— No próximo vilarejo.
— Vamos buscar Luna agora. — Afirma já se direcionando para o
carro.
— Isadora. — Seguro seu braço de leve. — Não podemos colocar em
risco a missão. Vamos salvar Luna, mas temos que ser cuidadosos, senão,
podem machucá-la.
Ela hesita, mas vê que tenho razão, e baixa o olhar assentindo. Puxo-a
para mim e a abraço.
Meu telefone vibra no meu bolso e vejo ser uma ligação de Enrico,
atendo no segundo toque.
Capítulo 46

LIVORNO, ITÁLIA

Enrico

Chego ao Forte e tudo está uma desordem. Elisa não consegue se


concentrar e eu procuro passar calma e tranquilidade. Os dias têm sido muito
difíceis, a nossa paz e calmaria acabaram.
As Casas estão reunidas e assumo a cadeira de Don na grande mesa e
logo os olhares me encontram.
— Estamos vivendo momentos difíceis e precisamos estar unidos para
o que ainda estar por vir. Estou assumindo a liderança até o regresso de Don
Angelo e preciso contar com a fidelidade de cada Casa e juntar forças para
buscar informações a respeito da segunda herdeira da Andragathia. Aquiles
está na Albânia e será questão de dias para que seja extraditado para a Itália e,
assim que chegar, será trazido para o Forte e todas as Casas poderão se
vingar.
— Não deixarei que Aquiles viva, ele pagará pelo que fez contra o
Don. — Fala Minamoto Takeda.
— O torturaremos até a morte. — Fala Kringer.
— Não podemos esquecer a importância que será para Castellar
fundir a Andragathia a nós, mas, para isso, temos que derrubar mais um
inimigo e recuperar a segunda herdeira. Isadora Agnelli demonstrou
fidelidade a Andragathia e deseja ter convivência pacífica com a Castellar.
— Vamos invadir o QG, como fizemos — Jin Yang sugere.
— Temos homens monitorando o prédio e há um mês está desativado.
Aquiles Callas desapareceu e levou consigo tudo que era importante para nós.
— O que vamos fazer, então? — Domenico pergunta.
— Por enquanto, achar onde Aquiles Callas está e eliminá-lo.
— O que deseja de nós, Braccio Destro? — Jin Yang pergunta.
— Faça busca com seu pessoal por seus territórios e busque
informação com seus contatos, em algum lugar do planeta ele está e o
acharemos.
Deixo a sala de reuniões e vou ao escritório, procuro nos arquivos
alguma pista. Vou até o bar e me sirvo de uma dose de whiskey, fico perdido
em pensamento, tentando achar onde erramos.
Quando armamos a emboscada a Hugo Falcão, tínhamos todas as
informações e fomos certeiros ao seu encontro. Entretanto, Aquiles Callas
planejou tudo com muito cuidado e Hugo Falcão foi sua arma perfeita, seu
passaporte para abalar a Castellar.
Vou até o centro de comando e encontro Chang e Romeu
concentrados em suas buscas. Sento-me próximo a Chang e observamos
novamente as câmeras da cidade e vemos o momento que Aquiles Callas sai
em alta velocidade pelas ruas de Livorno, mas um caminhão atrapalha as
imagens e depois não o localizamos mais. Algo me chama a atenção.
— Chang, aproxime mais a câmera. — Assim ele faz.
— Vê o que estou vendo? — Ninguém me responde.
Ele amplia a imagem e joga para o telão, e o que vemos nos
surpreende. Nunca pensei que sofreríamos tamanha traição.
— O que faremos com ela, Braccio?
— Reunirei todas as Casas e tomarei as providências, guarde sigilo
sobre isso.
— Como quiser, Braccio. — Ele prepara tudo para trabalharmos.
Saio direto para casa e chamo Elisa para pensarmos o que fazer com
essa desgraçada. Levo vinte minutos até em casa e assim que entro, Kiko vem
ao meu encontro, meu cachorro da raça Husky Siberiano. Sigo para o meu
quarto para um banho antes de enfrentar o que virá. Não acredito que uma
pessoa que esteve no nosso meio foi capaz de nos trair dessa forma, mas não
tardará a nossa vingança e não ficará pedra sobre pedra até acharmos Aquiles
Callas e o que nos tomou.
Está na hora de entrar em contato com Angelo e contar-lhe da traição.

***

ALBÂNIA

Don Angelo

Desligo o telefone após a informação passada por Enrico. Vejo tudo


em vermelho de tanto ódio. Não há lugar na máfia para “ratos” e esse,
especificamente, não ficará impune.
O carro segue pela estrada rumo ao vilarejo próximo e procuro
acalmar Isadora. Quando nos aproximamos, notamos que havia homens
guardando a casa. Afrim envia uma mensagem para alguém e vemos os
homens caírem um a um. Dois homens se aproximam do carro e nos avisam
que Aquiles, a mulher e a criança estão em outro lugar, mas que a ‘mãe do
bebê’ está no interior da casa. Filippo e Matteo vão averiguar o perímetro e
uma Isadora ansiosa aguarda ao meu lado no carro, sei que tenho que tomar a
dianteira antes que meu futuro relacionamento com Isadora seja abalado por
qualquer informação passada errada para ela.
A porta do carro é aberta por Matteo. Isadora assume a postura de
Signora e sai do carro, e é envolvida pelo abraço afetuoso dele, apresso-me a
ficar do seu lado a puxando para mim. Sou o único homem que pode tocá-la,
ela é minha.
Matteo dá um meio-sorriso compreensível.
— O nome dela é Bianca Aciolli e está acompanhada por um
segurança de Aquiles. — Informa Matteo.
— Meus homens invadirão pela frente e nós pelos fundos, tanto o
senhor quanto a senhora ficarão em segurança dentro do carro junto com dois
homens de confiança. — Fala Afrim.
— Não matem Bianca. — Olho para Salvatore que entrará junto com
os homens de Afrim. — Quero-a viva. Quero ter o prazer de matá-la olhando
dentro dos seus olhos. Não tolero traição e Bianca traiu a confiança de
Castellar e dos seus pais. — A seguir os homens entram, e nós aguardamos o
sinal deles para seguir.
— Como assim seus pais? — Isadora pergunta baixo e me olha.
— Ela é filha adotiva de Samanta, minha secretária, e Alessandro,
mordomo e motorista de mamma. Bianca cresceu junto com Enrico e Elisa e
foi trabalhar no Forte como secretária e, depois, como agente; acabamos nos
envolvendo. Ela não se conformou por eu dispensá-la para ficar com você e
jurou se vingar, nunca pensei que fosse chegar a tanto. Ela conhece a minha
ira.
— O que vai fazer com ela?
— Tudo vai depender do que ela falar.
Pouco tempo depois, ouvimos barulho de tiros e objetos caindo e se
quebrando. Entramos na casa e encontramos três homens mortos e Bianca
encurralada por Salvatore e Matteo. Ela levanta o olhar e vejo a ira se acender
quando olha para Isadora.
— Tragam-na até aqui. — Posiciono-me no meio da pequena sala e
Salvatore a puxa e a coloca de joelhos aos meus pés. — Satisfeita com sua
vingança?
— Não. Falta fazer essa sem-sal sofrer mais um pouco.
— Sabe que não sairá daqui com vida se continuar a provocar a
Signora da Andragathia, não? E não interferirei.
— Não tenho medo dessa mulher. Ela é fraca demais para mim. Fui
treinada por Filippo e aguento horas de tortura e de uma boa briga.
— Pena que em seu treinamento, não foi treinada para perder um
homem. — Isadora fala cheia de si.
— CALA A SUA BOCA. — Perde o controle e tenta avançar em
Isadora, mas Salvatore a mantém na posição.
— Grite, grite bastante, pois será pouco pelo que farei com você.
Economize suas forças, vai precisar para lutar pela vida.
— Don. — Ela tenta mudar o jogo e me abraça as pernas, mas dou um
passo para trás a surpreendendo.
— Eu te avisei, Bianca. Eu te falei que você deveria seguir sua vida,
mas não me ouviu. Não estou aqui como seu amante, muito menos como
amigo, estou aqui para garantir que a pequena criança volte para casa. E, para
a sua surpresa, quem está no comando é a Andragathia. Você será levada para
o QG e a Signora Della Notte que decidirá sua sorte.
— Leve-a daqui e cuide para que não escape, quero ela viva e inteira
para o nosso interrogatório.
Salvatore ergue Bianca, coloca uma algema em seus pulsos e uma
mordaça em sua boca, e a leva para o carro dos soldados de Afrim que
aguardam suas ordens.
Voltamos para o carro e seguimos para encontrar Aquiles e salvar
Luna.

Já passa das cinco horas e o cansaço é grande. Afrim nos conduz para
uma fábrica abandonada, caminhamos até o subsolo e aguardamos um
elevador que nos levará para o subterrâneo.
— Aqui é um dos nossos esconderijos e descansaremos até obtermos
informações precisas de onde Aquiles e Guilhermina estão.
Vejo o cansaço e preocupação nos olhos de Isadora. Puxo-a para mim
e vamos até os alojamentos, não deixarei que ela fique sozinha no meio de
um bando de homens, ela dormirá comigo.
— Aqui é o alojamento feminino. — Afrim fala, mas a mantenho em
meu abraço.
— Ela dormirá comigo.
Afrim olha para a Signora e ela assente.
— Obrigada, Afrim, mas dormirei com o meu noivo. — Um arrepio
corre por toda a minha espinha e um frio se aloja na minha barriga ao ouvi-la
me chamar de noivo.
— Como quiser, Signora. — Ele nos conduz para outro alojamento e
abre a porta de uma suíte. — Aqui é o alojamento do nosso Capo, fiquem à
vontade.
— Obrigado. Qualquer novidade nos mantenha informados.
— Com sua permissão, senhores.
— Preciso de um banho e de dormir, essas últimas horas foram bem
difíceis.
— Venha. — Abro a porta de um banheiro simples, mas
aconchegante. — Tome seu banho primeiro, vou logo depois.
Tomamos banho em separado e me deito com ela na cama estreita; o
cansaço nos vence e dormimos de conchinha. Foi o melhor sono que tive em
anos.

*****

Ficamos dois dias no subterrâneo à espera de notícias de Aquiles, e


cada hora que passava a ansiedade me tomava e Isadora ficava mais agitada.
No terceiro dia, fomos informados que Aquiles estava a dez quilômetros do
nosso esconderijo. Afrim infiltrou um de seus homens no bando de Pali
“Spartak”. Saímos ainda amanhecendo e fomos por estradas secundárias até o
Condado mais próximo, trocamos de carro.
Continuamos nossa viagem até avistarmos uma cidade industrial um
pouco deserta.
— Por que a cidade está vazia? — Isadora pergunta o que todos nós
queríamos saber.
— Aqui é o reduto de Pali e a máfia albanesa não é um exemplo de
bondade e amabilidade. O povo tem sofrido muito com as guerras e a máfia
infringe repressão e castigo para quem não os tolera.
— Quem é esse Pali “Spartak”? — Isadora e sua curiosidade.
— Ele é um ex-combatente das forças Albanesas. Com a guerra,
muitos soldados se tornaram mercenários e se juntaram a grupos extremistas
e formaram uma milícia antigoverno, mas com o tempo, esses mesmos
homens se tornaram mafiosos e subjugavam o povo. Muitos fugiram e outros
foram mortos por não compactuarem com as atrocidades cometidas.
Aleksander vem lutando há anos para que a Sérvia e a Albânia sejam
melhores para o povo, mas, infelizmente, ainda existem resistentes e se
sujeitam a fazer pactos com mafiosos sem escrúpulos como Aquiles Callas,
com promessa de ganhar dinheiro e poder.
— Não entendo como existem pessoas assim, que exploram seu
próprio povo e que os massacra sem dó nem piedade.
— Infelizmente, Signora, o mundo está repleto de gente assim, que
passa por cima de tudo e todos por poder e dinheiro.
— Sei como é isso. No meu país não é diferente, só que com outra
espécie de bandidos, os engravatados do poder, que enganam o povo com
promessas vãs. Os políticos só pensam em engordar seus bolsos e sempre
querem levar vantagem em tudo. Massacram o povo de todas as formas e a
população sofre nas filas dos hospitais, na falta de segurança pública e na
nossa educação que é uma vergonha, pois, não interessa ao governo que o
povo seja instruído. A corrupção tem destruído o meu país e matado a
esperança do meu povo.
Ficamos olhando para Isadora e sentimos o quanto dói ela falar do seu
país e de tudo que seu povo sofre. Sei que isso é mais comum em países do
terceiro mundo, mas a Europa sofreu muito com o calote de alguns países em
suas dívidas externas, minhas empresas perderam muito dinheiro e precisei
buscar novas parcerias para não declarar falência, recuperei e investi em
pequenas empresas que estavam passando pelo mesmo problema.
— Chegamos — Afrim nos tira de nossos pensamentos.
A casa simples serve para um disfarce perfeito para esconder um
mafioso. Observamos alguns homens de Afrim fazer a checagem e verificar o
perímetro. Aproximamo-nos quando é dado o sinal de que estava seguro;
seguro a mão de Isadora para passar tranquilidade. Ficamos atrás de uma
pilastra e os homens invadem o local. Os soldados que estavam no interior da
casa reagem e há um intenso tiroteio, protejo Isadora com o meu corpo e só
entramos quando tudo está bem.
Isadora olha pela casa e se aproxima de uma porta fechada,
posicionamo-nos atrás da parede; Matteo chuta a porta a fazendo bater na
parede oposta. Luna está assustada, em estado de choque e a mulher que está
com ela tem um furo de bala na testa. Olho em volta e a janela está aberta.
Vejo Aquiles e Guilhermina fugindo para a mata dos fundos.
Filippo, Salvatore e Matteo, junto com os soldados de Afrim, vão
atrás deles; fico com Isadora e Luna, que agora se aproxima da pequena com
cautela.
— Raio de sol. — Lágrimas escorrem pelo rosto de Isadora. —
Mamãe veio te buscar, meu amor, está tudo bem agora. — Luna nos olha e
busca o reconhecimento, até que ela desperta e corre para os meus braços,
abaixo-me e a tomo, deixando Isadora sem reação.
— Tio Anjo, voxê veio me buscá. — Seus olhinhos estão marejados e
uma lágrima solitária escorre, capturo-a com o meu polegar.
— Eu e a mamãe viemos te buscar, minha Lua. — Ela olha para
Isadora e estica os braços, indo para o colo da mãe.
— Mamãe. — As duas se abraçam e choram juntas, eu as abraço.
— Vamos sair daqui, Isadora. — Ela me olha e, depois, para a porta e
assente. Austin e Anderson nos aguardam na sala e nos escoltam até o carro.
Saímos com Luna e a colocamos no carro, ficamos aguardando o
retorno dos homens com Aquiles e Guilhermina para voltarmos para o
esconderijo. Afrim passa um rádio para um de seus homens e é informado
que no confronto Guilhermina morreu e Aquiles está ferido, mas vivo, e que
estavam trazendo até nós. Meia hora depois, eles surgiram com um Aquiles
sujo e machucado e com a mesma arrogância que lhe é peculiar.
— Aquiles, que prazer em revê-lo. — Isadora fala ironicamente. —
Pena que não será prazeroso para você quando acertarmos nossas contas.
— Meu maior prazer foi vê-la sofrer, e se não fosse a idiota da Milena
e o amadorismo de Vladmir, vocês nunca saberiam onde me encontrar e
nunca mais veriam a pestinha; talvez estivesse sendo traficada para outro país
ou a mataríamos para vender seus órgãos no mercado negro. — Sem pensar
duas vezes, acerto meu punho na sua cara, o sangue jorra de seu nariz.
— Isso é pouco pelo que faremos com você. — Olho para Salvatore e
Filippo. — Tirem esse lixo daqui e cuide para que tenha a pior viagem de
volta à Itália.
— Eu vou ter o prazer de acabar com esse cara. — Ela fala com ódio.
— Quero ter o prazer de estar junto para te ajudar a destruí-lo.
Ela me olha e assente. Entramos no carro e partimos.
Seguimos de volta para o esconderijo e passaríamos a noite e pela
manhã, voltaríamos a Livorno e cuidaríamos de Bianca e Aquiles. Luna tem
muita dificuldade em dormir e eu e Isadora permanecemos o tempo todo ao
seu lado. Por volta das três horas da manhã, ela se aninha no meu colo e
dorme, só assim conseguimos descansar um pouco para seguir viagem.
Agradecemos a Afrim e prometemos mantê-lo informado sobre o
estado de saúde de Aleksander, e seguimos para o aeroporto, onde
embarcamos de volta para a Itália sem passar por alfândega.
Desembarcamos em Livorno quase perto da hora do almoço e
seguimos em três carros para o Forte. Isadora não desgruda de Luna e eu
planejo todo o tipo de tortura que Aquiles nunca imaginou. Assim que
descemos, meus soldados estão aguardando a descida de Bianca e Aquiles. É
ensurdecedor os gritos de guerra que dão. Luna se encolhe no colo de Isadora
e Salvatore e Filippo os levam para a sala branca.
Encontro Enrico, Elisa e todos os Capos, tanto da Castellar quanto da
Andragathia, nos aguardando. Cumprimento a todos e logo me seguem para a
sala de reunião. Estou muito cansado, mas teria que ouvir o que eles têm a me
dizer, já que deixei meu posto para ajudar a Signora da máfia rival; Isadora
me pediu ajuda em vez de seus Capos.
Isadora entrega a sobrinha para ser cuidada por uma das empregadas
da casa. Apesar dos protestos da menina, logo Isadora a convence de que
estaria lá antes que ela dormisse.
Sinto a presença de Isadora ao meu lado e seguro sua mão.
Infringimos algumas regras das duas máfias para salvarmos Luna e teríamos
que arcar com as consequências. Posiciono-me em minha cadeira, Isadora ao
meu lado, e todos se sentam. Domenico toma a frente e faz as primeiras
perguntas.
— Don, todos sabemos que Isadora Agnelli assumiu a Andragathia ao
lado de Aleksander Ivanov para tomar o poder de Aquiles. Sabemos que foi
ela quem te salvou do sequestro armado por Aquiles e, agora, em retribuição,
a ajudou a salvar sua sobrinha. Qual a relação que teremos com a
Andragathia, já que os dois Capos se uniram?
— Estamos muito cansados dessa guerra sem fim. Aquiles deturpou
os códigos da máfia e causou mais danos do que podemos imaginar. Isadora
tem transformado a Andragathia e, se unirmos forças, alcançaremos objetivos
maiores.
— Signora. — Um homem baixinho e calvo chama Isadora. — Não
entendemos por que mentiu em relação ao seu casamento com Aleksander
Ivanov. Sentimo-nos enganados e manipulados.
— Não podia falar que meu casamento com Aleksander Ivanov era
um contrato para destituir Aquiles da função de Capo. Havia homens leais a
ele e poderia acabar por pôr a vida de Luna e Julia em risco. Fui ameaçada
por Aquiles e tudo o que fiz foi para salvar minha vida, da minha sobrinha e
de Julia. Não tive a intenção de manipular os senhores, mas precisava do
apoio de todos para tirar Aquiles do poder. Quanto a Don Angelo, não podia
deixar Aquiles machucar uma pessoa inocente para me atingir.
— O que faremos agora, Signora? Sabemos de coisas em conjunto e
muitas informações sigilosas foram compartilhadas pelas duas máfias. —
Pergunta outro.
— Unificaremos as duas máfias. — Falo sem deixar resquício para
dúvidas. — A Andragathia sempre foi uma organização ligada a Castellar,
com o aumento do poder houve uma separação, mas sempre nos respeitamos
e agora teremos que nos unir para enfrentar inimigos ainda piores.
— Que inimigos, Don? — Yang pergunta.
— Aquiles fez pactos com outras máfias e com certeza virão cobrar o
acordo. Precisaremos estar unidos para quando isso acontecer.
— E como se dará essa unificação? — Pergunta Yuri Kringer.
— Preciso conversar com Isadora Agnelli, temos pontos a esclarecer
antes de qualquer decisão.
— Terá nosso apoio no que for preciso, Don. — Minamoto Takeda
fala. — Mas quero lembrar que o tempo está correndo e seu prazo, acabando.
— A decisão será divulgada em breve. — Falo, ficando de pé. — Se
nos permitem, precisamos descansar.
— Senhores. — Isadora coloca-se de pé e chama a atenção de todos.
— Aquiles sequestrou uma criança de três anos e ameaçou seus líderes. Ele
está neste momento numa sala deste prédio para ser interrogado e morto,
estamos cansados e esgotados. Tudo o que precisamos é acabar com esse
tormento e seguir nossas vidas em paz. Eu e Don Angelo conversaremos, e
assim que tomarmos nossa decisão, informaremos a todos. Se nos permitem,
preciso descansar e ver como minha sobrinha está. — Fala, dirigindo-se para
a porta.
Seguimos juntos pelo corredor que nos leva para a suíte e antes de ela
entrar em seu quarto, puxo-a para mim, causando uma certa surpresa nela.
— Sei que ainda precisamos conversar, mas estou doido para te
beijar.
— Não acho que seja uma boa ideia, Angelo, preciso de um banho e
olhar Luna.
— Para mim, você está ótima.
— Vou fingir que acredito. — Ela sorri.
— Mais tarde não fugirá de mim, precisamos conversar e esclarecer
alguns pontos. Vou aguardar você vir no meu quarto depois que resolver tudo
com Luna.
Capítulo 47

Don Angelo

Depois de descansar e recuperar o sono perdido, peço que tragam algo


para eu comer. Olho no relógio da cabeceira e já está bem tarde, mas sei que
Isadora virá para conversarmos. Sento-me na poltrona ao lado da janela e
penso em tudo o que iremos falar. Peço a Deus que tudo fique bem conosco.
Meu celular vibra com uma mensagem de Enrico informando que
Aleksander Ivanov acordou e já está sendo transferido para o quarto. Duas
batidas na porta e autorizo a entrada; Isadora entra com a bandeja com
sanduíches e suco, põe sobre a mesa e se senta de frente para mim.
Observo tudo calado, admirando tamanha beleza e elegância, percebo
o quanto ela mudou. A máfia muda as pessoas, nos destrói, retira de nós o
que há de melhor e nos transforma em monstros sem coração. Ela me olha e
oferece o lanche, comemos em silêncio, mas nada constrangedor.
Terminamos e me ajeito na poltrona e ela faz o mesmo.
— Como vão ficar as coisas agora, Don Angelo? — Tenta ser
impessoal, mas não quero que tenhamos essa conversa como dois Capos,
quero conversar com a mulher que amo e esclarecer tudo.
— Conversaremos como homem e mulher, Isadora, não como Don e
Signora. — Ela pisca aqueles lindos olhos para mim.
— O que tanto quer conversar? Pensei que não teríamos mais nada a
falar.
— Temos muitas coisas a serem ditas; nossas vidas dependem da
decisão que tomarmos hoje.
— Por onde quer começar?
— Do começo de tudo. Desde o momento em que coloquei meus
olhos em você no Brasil.
Ela olha para o jardim e se volta para mim com a expressão mais
branda.
Respiro fundo e busco dentro de mim toda a coragem que nunca
pensei que precisasse usar para ter uma conversa definitiva com Isadora.
— Venho de uma família de mafiosos e fui preparado para assumir o
lugar de Stefano, meu pai. Desde pequeno, fui treinado nos mais diversos
tipos de artes marciais e em controlar o meu corpo, aguentar as dores mais
profundas e resistir a qualquer tipo de tortura. Quando assumi a Castellar
como o novo Don, tinha como meta criar uma nova Casa na América do Sul
e, em especial, no Brasil. Fui em busca dos meus objetivos e não esperava
encontrar você, uma brasileira linda que mexeu comigo como nenhuma outra
mulher fez. — Ela está de cabeça baixa e arrisco olhá-la. — Nunca conheci o
amor. Sempre aprendi que esse tipo de sentimento não pode existir para um
Don; ele enfraquece o mais temível dos homens, destrói as mais altas
muralhas e alquebra o mais forte guerreiro. O amor era uma utopia, algo que
imaginava, mas não acreditava que era real. Até conhecer você. — Seguro
em seu queixo e a forço olhar em meus olhos para ver sinceridade. — Sua
beleza e delicadeza me fascinaram, seu jeito meigo e seus olhos inocentes
entraram dentro de mim como lanças e cortaram o gelo que ergui em meu
peito e perfurou meu coração. — Suspiro e me levanto, indo até a janela,
ficando de costas para ela.
— Queria saber tudo sobre você e como estava fechando uma parceria
com Hugo Falcão, pedi um dossiê completo sobre sua vida. Esse foi o meu
maior erro. Tomado pela ambição, Hugo Falcão matou seus pais e arquitetou
tomar o meu lugar com o apoio de Aquiles.
— Como você soube que Hugo Falcão havia matado os meus pais?
— Miguel Campanaro me informou; logo mandei Enrico atrás de
você e de Luna, não podia deixar que Hugo Falcão a machucasse.
— Então, Miguel era um de seus homens?
— Sim. Ele estava de olho em Hugo Falcão e descobriu o que ele
tramava, mas infelizmente chegamos tarde demais.
— Como descobriu a ligação da minha família com a máfia?
— Jarbas Agnelli era o melhor amigo do meu avô, mas por conta de
divergências de ideias, eles se afastaram, então, Jarbas criou a Andragathia e
alguns dos soldados de meu avô se uniram a ele, mas havia o respeito entre
os dois. Jarbas já estava muito idoso e seu bisavô queria passar o controle da
máfia para Leônidas, só que ele tinha outros planos e fugiu. Tenório Agnelli
assumiu e depois da morte de Jarbas, se uniu à máfia Grega para criar
alianças, mas infelizmente foi morto por Aquiles para assumir o poder.
— Por que não me contou tudo isso? Por que deixou que eu
descobrisse daquela forma?
— Eu estava muito confuso com o que estava sentindo. Nunca havia
experimentado outro sentimento a não ser o ódio e não queria admitir para
mim mesmo que eu havia me apaixonado por você, tudo estava uma bagunça
dentro de mim. — Volto para a poltrona e me sento, encarando-a. — Eu
nunca precisei lidar com esse tipo de situação, Isadora. Nem os mais pesados
treinamentos me prepararam para o que aconteceu dentro de mim; foi uma
avalanche de emoções e não soube lidar com tudo isso. — Ela segura a minha
mão como quem compreende minha confusão interna.
— Aquiles sequestrou Luna e Julia, não podia deixá-lo matar minha
única família, por isso fugi. Fiquei na Grécia sob eterna vigilância de Frank e
Guilhermina, sem contar que não podia ficar com Luna. Fui obrigada a ir a
eventos para firmar o poder de Aquiles na Andragathia e posar de
coadjuvante numa trama bem arquitetada para te destruir. Apesar de estar
muito magoada com você, não poderia deixar Aquiles vencer. Se eu
realmente tinha sangue mafioso correndo em meu DNA, então, eu o usaria
para algo bom, nem que para isso eu precisasse me transformar em uma
assassina. Não permitiria que ninguém mais matasse ou ferisse quem eu amo.
— Como descobriu sobre o meu sequestro?
— Com a convivência, descobri que os homens não eram leais a
Aquiles, eles tinham medo por suas famílias e se submetiam aos desmandos
dele. Matteo era um desses homens, mas demonstrou ser leal a mim e me
contou o que Aquiles pretendia. Foi Julia quem me ajudou a ver a situação
pela sua ótica. — Arqueio a sobrancelha sem entender. — Se Aquiles queria
te pegar, ele precisava tirar o foco de cima de você e criar uma distração. Vi
que Aquiles iria preparar uma armadilha para você ir sozinho ao baile.
— E qual foi esse plano mirabolante que armou? — Pergunto
enquanto acaricio a mão dela. Suas mãos são finas e femininas e macias.
— Eu não sabia como arrumar homens para me ajudar, então, contaria
com os que conseguisse. Matteo e Augusto se prontificaram em me ajudar e
pensaria em algo para te avisar. Ouvi uma conversa entre Aquiles, Sophia e
Frank e sabia tudo o que aconteceria no baile, mas para destruir Aquiles, teria
que ser conivente com aquilo. Fiquei agoniada sem notícias suas, meus
soldados não conseguiam descobrir nada e retomamos à Grécia no dia
seguinte ao baile. — Sorrio. Ela estava preocupada comigo e meu coração se
apaixona mais um pouco por essa mulher. — Descobri que Aquiles e Sophia
haviam viajado e comecei a mexer nas coisas da Andragathia; descobri que
para tirar Aquiles do poder, precisaria me casar com alguém ligado a
Castellar. — Essa parte sobre o casamento atiça o meu lado possessivo. Não
gosto de pensar que ela se casou com Ivanov, mesmo que tenha sido um
casamento de fachada — Em pesquisas recentes, vi o nome de Aleksander
Ivanov como um colaborador da Castellar e decidi procurá-lo para me ajudar.
Aleksander prontamente entendeu e se juntou a mim para te achar e salvar
sua vida. Eu precisaria demonstrar força e poder diante da Andragathia e isso
só aconteceria se apresentasse Aleksander Ivanov como meu noivo.
— Foi corajosa. — Falo orgulhoso.
— Não fui, não. Aleksander me ajudou a seguir com o plano, se
dependesse de mim, me escondia embaixo da cama de medo. — Rio. —
Descobri que ele te levou para a Faixa de Gaza no dia do meu noivado com
Aleksander e fui atrás para saber como estava e te tirar de lá. Aleksander
organizou tudo para que te levássemos para Síria e, depois do nosso
casamento, te resgataríamos. O restante da história você conhece.
— Por que fez tudo isso por mim? — Suas bochechas coram, meu
coração acelera.
— Por amor. — Meu sorriso se abre de uma forma que nunca pensei
em sorrir. Coloco as duas mãos dela entre as minhas como num casulo, e nos
encaramos.
— Nunca é tarde para recomeçarmos, Isadora, eu te amo e você me
ama, nada nos impede de ficarmos juntos, de vivermos esse amor.
— Tudo nos impede, Angelo. Somos de máfias rivais e temos pessoas
que dependem de nós para seguirem suas vidas. Como poderemos viver esse
amor se a máfia nos separa?
— Vamos achar um jeito.
— O único jeito é continuarmos com nossas vidas e tentarmos
esquecer.
— Nunca. — Meu peito dói só de imaginar minha vida sem ela —
Foram meses sem poder te tocar, sem sentir seu cheiro de baunilha, sem
beijar seus lábios. Não quero mais ficar longe de você.
— Eles não aceitarão e seremos prejudicados se persistirmos com
isso.
— Unificaremos as duas máfias através do casamento. — Ela se
coloca de pé abruptamente e me levanto logo em seguida. — Não quero ficar
longe de você. Eu te amo. Além disso, em Sokovo, você me chamou de seu
“noivo” para Afrim.
Ela me olha como se me avaliasse e vai até a janela. Os minutos
passam e não falamos mais nada, ela fica perdida em pensamento e se volta
para mim.
— Seja sincero comigo, Angelo.
— Como assim? Estou sendo sincero, Isadora.
Ela respira fundo como quem toma coragem para fazer algo.
— Sei que seu prazo para se casar termina em pouco tempo e quer me
usar para conseguir se firmar definitivamente como Don.
— Não. — Vou até ela e seguro seus braços. — Quero me casar com
você porque não consigo mais ficar perto sem te beijar, quero dormir com
você, fazer amor com você, formar uma família com você. Eu te amo e não
me afastarei de você nunca mais.
Ela me olha e seus olhos lacrimejam. Vejo uma série de emoções
passarem por seus lindos olhos e o que mais me deixa encantado é o brilho
que ganha força com a compreensão de tudo o que eu falei.
— Como? — ela apenas sussurra.
— Informaremos a todos que nos casaremos no próximo mês e que a
Andragathia se unificará a Castellar se tornando a maior Organização do
planeta, juntos, comandaremos as duas. — Ela sorri e uma lágrima escapa. —
Eu te amo, Isadora Agnelli — Abraço-a fazendo com que seu rosto fique
junto do meu coração. — Quero descobrir junto com você o que esse amor
pode fazer por mim, quero ser seu porto seguro e ter em você a minha casa.
— Parece que estou sonhando.
— Não está. — Seguro sua nuca e tomo sua boca na minha em um
beijo cheio de saudades, de desejos e promessas. Sei que ainda teremos que
enfrentar o dia de amanhã, mas estaremos juntos e passaremos sem nenhum
problema.
Capítulo 48

Don Angelo

O cansaço nos venceu e dormimos juntos mais uma vez. Foi a melhor
noite de sono que pude ter dentro do meu conforto. Isadora me traz paz e
tranquilidade, coisa que nunca senti em toda a minha vida. Acordamos um
pouco mais tarde e pudemos usufruir um pouco mais da presença um do
outro, mas tínhamos assuntos pendentes a tratar e não poderíamos mais adiar.
Tomamos nosso café em meu quarto e depois de ela ir checar a sobrinha,
Isadora foi se trocar para a reunião com todas as Casas e todos os
Colaboradores da Andragathia.
Entramos de mãos dadas na sala de reunião e todos se colocaram de
pé. Sento-me na cabeceira superior e Isadora na inferior, todos os Capos da
Castellar do meu lado direito e todos os colaboradores da Andragathia do
meu lado esquerdo. Cruzo meu olhar com meus irmãos e assumo a postura de
Don.
— Temos alguns pontos a esclarecer, mas antes, quero informar que
Aleksander Ivanov está fora de risco e já está no quarto recebendo todo o
tratamento para voltar a compor a mesa. — Isadora dá um leve sorriso de
felicidade e acabo fechando mais a cara por conta do ciúme. —Todos aqui
sabem a história que une a Castellar e a Andragathia. Nunca foi a intenção de
Jarbas Agnelli que a Andragathia se tornasse rival da Castellar, mas as
circunstâncias levaram a essa rivalidade e culminou com o meu sequestro e o
sequestro da segunda herdeira pelo mesmo homem, Aquiles Callas. Para que
Isadora Agnelli assuma oficialmente a Andragathia, sem nenhuma manobra
para enganar os senhores — Aponto para todos os membros da Andragathia.
—, eu, Don Angelo, líder da Castellar, peço oficialmente a mão da Srtª
Isadora Agnelli em casamento. — Há murmúrios na sala, na maioria de
aceitação.
Enrico se levanta de seu lugar e se dirige a Isadora.
— Srtª Agnelli. Signora Della Notte, está de acordo com a proposta
de unir a máfia Andragathia com a Castellar através do casamento com Don
Angelo Vicentini Ferrari?
Ela olha para Enrico, para cada um dos homens da Andragathia
presentes e, depois, para mim. E seu sorriso se abre com olhos lacrimosos.
— Sim.
Todos os presentes na sala se levantam e aplaudem com alegria e
alívio por saberem que a partir de agora não haverá mais guerras entre nossas
Organizações.
Cada um se aproxima para nos dar os parabéns, e durante longos
minutos ficamos assim, um segurando a mão do outro, enquanto cada um
recebe os cumprimentos de seus homens.
Ainda havia dois assuntos para serem resolvidos: Bianca e Aquiles.
Convido todos para participarem do interrogatório e deixo bem claro que
somente eu e Isadora daremos ordens para qualquer ação. Encontramos
somente Aquiles na sala branca e assim que todos se acomodaram, eu e
Isadora nos aproximamos dele.
— Finalmente o casal vinte resolveu aparecer para conversarmos,
estava ficando entediado nesta sala toda branca e com essa música clássica
tocando sem parar, pensei que fosse mais eclético, Don Angelo. — Olha
Isadora ao meu lado e sorri. — Como vai, Signora Della Notte?
Ele olha para todos os membros das duas máfias e começa a rir.
Aproximo-me mais e seu sorriso some, mas a arrogância continua intacta.
— Nunca pensei que fosse viver para ver tal fato, as duas maiores
Organizações criminosas da Itália unidas no mesmo ambiente, só para mim?
— Gargalha — Vocês são patéticos. Bastou uma mulher assumir para todos
viverem em paz e amor? Onde foi parar os homens temidos e respeitados, os
mafiosos que não mediam esforços para acabar com algum membro da
Castellar? Viraram pau mandado de uma mulher? Tenho vergonha de
mafiosos como vocês.
— Acabou, Aquiles? — Isadora se aproxima. — Acabou de dar seu
show?
Ele olha para ela com desdém e cospe em seu rosto e
automaticamente meu punho acerta seu nariz. O sangue jorra e a postura de
Aquiles muda, passa a se conter para não sofrer maiores consequências.
Como todo valentão, muda de postura quando ele é o alvo.
— Você é um homem sem escrúpulos e merece tudo de ruim que irá
acontecer com você agora. Não pouparei esforços para impingir a você todo o
tipo de sofrimento; clamará por clemencia e ela não chegará; pedirá a morte e
ela rirá de você e quando achar que é seu fim, aí é que estaremos começando.
Pagará por tudo o que fez à minha família e será enterrado como indigente
para que ninguém ache sua lápide para chorar.
Isadora vai até o canto da sala e traz o mais novo método de tortura,
testaremos em Aquiles, e se tudo der certo como pensamos que dará, será
nossa mais nova arma.
— Don. — Ela me chama para ajudá-la nos ajustes. — Pede a
Anderson e Austin que coloque Aquiles na cadeira, amarre e ponha o
capacete e se vira para preparar a seringa.
— Não se preocupe, Aquiles, ainda não é o começo. — Ele olha a
agulha imensa e começa a se debater. — Sentirá uma pressão no seu cérebro
e logo sua língua começará a soltar tudo o que queremos saber. — Introduz a
agulha pela jugular e injeta o líquido.
— Vamos aguardar até fazer efeito, Isadora, e depois, começaremos
as perguntas. — Ela assente e nos afastamos.
Aguardamos por cerca de quinze minutos e logo percebemos que ele
estava pronto para começar a falar.
Aquiles contou tudo o que fez desde que assumiu a Andragathia e o
sequestro de Luna. Contou que fez alianças com algumas máfias fora da
Europa, entre elas o grupo Yadiees. Descobrimos que essas máfias pagaram
uma fortuna para fazer parte da Castellar e que Aquiles deu garantias que,
assim que assumisse, os traria para compor a mesa. Foram longas horas de
interrogatório.
Deixamos Filippo e Matteo com Aquiles e fomos para o nosso quarto,
precisávamos conversar e pensar numa solução para as merdas que Aquiles
fez.
— Estou exausta, Angelo, não sei o que fazer, nunca precisei lidar
com gente perigosa, o máximo de bandido que tive que lidar foram os do
morro e, mesmo assim, eram meninos que cresceram ali mesmo e nos
conheciam.
— Vamos resolver tudo isso, Isa. — Ela me olha e dá um leve sorriso.
— É a primeira vez que me chama assim.
— Sempre quis te chamar com mais intimidade, mas tinha receio de
não gostar.
— Meus amigos me chamam assim e fico feliz que me chame assim
também.
— Quero criar vínculos contigo e termos coisas clichês de casais.
Quero construir uma história de vida com você e viver cada dia como se
fosse único.
— Humm... Um Don romântico!?
— Aprendendo a ser, Isa. — Aproximo-me dela e a tomo pela cintura.
— Quero descobrir o amor na forma mais sublime e demonstrar a minha
admiração por você todos os dias.
— Meu Deus, meu noivo é um romântico adormecido?
— Adormecido, não. E por falar em noivo... — Alcanço o bolso
interno de meu paletó e tiro um caixa de joia. Abro-a e Isadora leva a mão
aos lábios, emocionada e surpresa. — Você não pode ficar noiva sem um anel
digno de uma princesa, não é mesmo?
Ajoelho-me de frente a ela e seguro uma de suas mãos.
— Sempre achei que nenhuma mulher era digna de usar uma joia tão
significativa para mim, mas quando te vi pela primeira vez, soube que havia
perdido o meu coração para você. Hoje, essa joia não significa nada diante do
amor que sinto por você. Essa joia é apenas um objeto que demonstra que
temos um compromisso, porque a minha maior riqueza passou a ser a mulher
que tem o meu coração.
Coloco o anel em seu dedo anelar, levanto-me e a seguro pela cintura.
— Agora que estamos a sós, posso beijar minha noiva?
Ela envolve o meu pescoço com seus braços.
— Deve.
O beijo, que começa romântico, como a ocasião merece, torna-se mais
ardente. Nossas línguas duelam e se unem em urgência; nossos corpos se
esfregam e se aquecem já prontos para o arrebatamento sexual e sensual que
tanto ansiamos. Sim, a minha Isadora está tão “quente” quanto eu.
— Mais tarde, quero você só para mim. — Digo assim que afastamos
nossos lábios e ela me olha espantada. — Pedirei um jantar e conversaremos
sobre o nosso casamento.
Ela assente e depois de mais um beijo, ela se retira para o seu quarto.
Ligo para meu restaurante preferido e peço um jantar digno da mulher
que tem meu coração. Tomo um banho e me preparo para a noite, quero que
seja diferente e que Isadora se sinta especial. Sei que terei que ir com calma,
mas eu a amo e terei paciência de esperar o tempo que for preciso para tê-la
entregue a mim.
Capítulo 49

Don Angelo

Passar esse tempo com Isadora em meus braços tem sido a melhor
sensação de toda a minha vida. Ela representa conforto e segurança para um
homem cansado do peso e das responsabilidades impostas pela vida.
Descobrir novos sentimentos é aterrorizante, mas, ao mesmo tempo,
satisfatório. Sei que vou errar muito com ela, mas também vou acertar; quero
viver tudo isso de forma intensa e segura. Não somos mais tão jovens, e já
está em tempo de formar a minha família. Quero ter filhos e sentir toda a
emoção de segurá-los nos braços e quero tudo isso com Isadora, a
brasileirinha que arrebatou o meu coração.
Estamos na sala de jantar, e após a refeição que tivemos, estamos
dançando uma música baixa, vinda do aparelho de som.
Abaixo o meu olhar para captar um sorriso tímido em seus lábios, seu
queixo encosta no meu peito e me curvo para lhe beijar, nosso beijo é cheio
de promessas e sei que cumpriremos cada uma delas. O destino já nos
separou por muito tempo e não permitirei que nada nem ninguém arranque de
mim meu maior tesouro.
— Está cansada? — Beijo o topo de sua cabeça.
— Não. Gosto de ficar assim com você, sinto que estou em casa, que
seus braços são o meu lar.
— Porque são. Vamos nos casar em um mês. Precisamos organizar as
coisas.
Ela dá um sorriso de contentamento.
— Quem diria... Achei que seríamos só eu e Luna na vida e, agora,
aqui estou eu, prestes a me tornar uma noiva!
— Não estará mais sozinha. Você tem Luna, a mim e construiremos a
nossa família.
— Tem certeza de que é isso que quer?
— Absoluta. Não sei mais viver longe de você, aprendi a me importar
com tudo que diz respeito a você e Luna. Entraremos com o processo de
adoção de Luna e ela será a nossa filha.
— Eu já sou a mãe dela, Angelo.
— Mas eu não sou o seu pai. Quero que ela tenha referências boas de
um pai presente e tenha orgulho de me levar a festinhas da escola e me
apresentar para seus amiguinhos como seu pai.
— Desse jeito eu me apaixono mais por você.
Seguro sua cintura e trago sua boca na minha e nos beijamos com
intensidade e logo nossas mãos estavam por todos os cantos de nossos
corpos. Separo minha boca da dela e olho em seus olhos.
— Te quero tanto. — Esfrego minha ereção em sua barriga.
— Também te quero. — As bochechas dela ficam rosadas, mas vejo
desejo em seu olhar.
Tomo novamente sua boca na minha e a levanto, ela enrosca as pernas
na minha cintura e a prendo contra a parede. Beijo seu pescoço e volto para
seus lábios, cheio de tesão e desejo.
— Diga para eu parar, Isadora. — Falo em súplica, mas rezando para
prosseguir.
— Nunca. Te quero.
Essas palavras foram a gota d'água para elevar meu desejo ao
extremo. Subo as escadas com ela nos braços e não desvencilhamos nossos
lábios um do outro, o desejo ardente toma nossos corpos e procuro me
controlar o máximo e lembrar que Isadora é a minha mulher, que merece ser
tratada com cuidado e delicadeza, que ela é virgem e serei seu primeiro e
único homem.
Chego ao meu quarto e ela fica extasiada com o que vê. Pedi que o
preparassem com pétalas de rosas e velas aromáticas; as luzes estavam baixas
e o ar romântico deu um charme especial, o que fez minha mulher se
emocionar.
— Angelo... — Uma lágrima escorre pelo seu rosto.
— Falei que hoje seria uma noite especial, amore mio.
— Eu te amo, Angelo. — Me beija com tanto carinho que acende um
desejo insano em mim.
Sinto suas mãos subirem pelo meu peito e começar a desabotoar a
minha camisa, ajudo-a a retirar minha roupa e logo cuido de deixá-la
confortável. Ao retirar sua blusa, vejo-a sem sutiã e seus seios lindos e
rosados ficam à mostra e minha boca saliva para sentir seu gosto. Seguro-os
em minhas mãos, se encaixam com perfeição em minha palma, ela fecha os
olhos com o contato.
Desço meus lábios pelo seu pescoço e chego ao vale dos seus seios.
Busco com minha boca seu seio direito enquanto minha mão explora sem
pressa o esquerdo. Isadora está em êxtase e seus gemidos me embriagam.
Minha ereção está monstruosa, mas hoje à noite é somente dela.
Cuidarei para que sua primeira vez seja a mais especial de todas, mesmo que
esteja sendo uma tortura para mim. Tomo-a em meus braços e a conduzo até
a cama, ela se deita e me olha com expectativa. Sei do medo e receio que
tem, por isso, apresso-me em tranquilizá-la.
— Eu te amo e não farei nada que não queira.
— Eu quero, só estou com um pouco de medo.
— Não precisa ter. Serei cuidadoso e jamais machucaria um pedaço
de mim.
— Eu te amo, Don. — Essa palavra acendeu tudo em mim, mas não
quero estar com ela como Don. Fui o Don com todas as outras mulheres, mas
com a minha mulher quero ser Angelo, somente Angelo.
— Quero que me chame de Angelo. Você é a única mulher que pode
me chamar assim. — Ela me olha com intensidade e um lindo sorriso brota
em seus lábios.
— Eu te amo, Angelo. Meu Angelo.
Retiro seu short e me surpreendo com uma calcinha branca toda de
renda que faz meu pau ganhar potência máxima.
Puxo lentamente por suas lindas pernas e sem tirar os olhos de seu
rosto, que vai ganhando uma coloração rosada novamente e isso me encanta.
Pego uma camisinha na mesa de cabeceira e retiro minha cueca a fazendo
corar ainda mais.
— Sou seu homem, Isadora. Isso tudo pertence a você agora. —
Seguro sua mão e a levo para o meu membro que estremece ao sentir seu
toque. — Você é a minha mulher e tudo que tem aqui — Toco sua intimidade
que está molhadinha para mim. — é meu.
Seus olhos estão nublados de desejo e aproveito para excitá-la ainda
mais. Passo minhas mãos sobre sua perna e meus lábios acompanham os
movimentos de minhas mãos, seus gemidos de prazer são música para meus
ouvidos. Chego próximo à sua virilha e exalo seu cheiro e minha boca saliva
de desejo de sentir seu gosto.
— Quero que se abra para mim, Isadora. Vou me embriagar do seu
mel. — Ela aos poucos abre as pernas e fico maravilhado com tamanha
beleza e perfeição.
Passo meus dedos por toda a extensão de sua intimidade e sinto seu
mel em meus dedos. Aproximo minha boca e ela fecha as pernas.
— O que está fazendo, Angelo? — Pergunta com a voz rouca de
tesão.
— Quero sentir seu gosto, beber do seu mel e te preparar para me
receber. Abra suas pernas para seu homem, amore mio.
Ela abre as pernas e abocanho sua fonte de prazer como se fosse
alimento para a minha sobrevivência. Seu gosto é divino e me entorpece,
sugo e chupo seu ponto sensível e penetro meu dedo e sinto o quanto é
apertada, acelero o movimento e logo ela chega ao orgasmo em minha boca e
bebo tudo o que me oferece. Retiro meu dedo de dentro dela e chupo e seus
olhos se abrem em admiração. Tomo sua boca e seu gosto se mistura ainda
mais ao nosso beijo, posiciono-me no meio de suas pernas e aos poucos vou
penetrando. Ela é tão apertada que sinto como se estivesse estrangulando meu
membro, sei que deve ser dolorido, por isso, vou respeitando seu tempo,
mesmo que tenha vontade de fazer movimentos rápidos e fortes.
Vou entrando aos poucos até sentir a barreira. Forço um pouco
rompendo a barreira, seus olhos se arregalam e uma lágrima escapa, espero
um pouco e a beijo com intensidade para tirar o foco da dor e deixá-la mais
excitada. Devagar consigo me acomodar mais dentro dela e faço movimentos
leves e contínuos.
— Angelo. — Sua voz sai suave e cheia de tesão.
— Oi, amore mio.
— Quero que se movimente mais um pouco. — Sei que está
começando a sentir prazer.
— Como quiser. — Acelero meus movimentos e achamos o nosso
ritmo.
A entrega de Isadora ao nosso amor é total. Nossos corpos se
encaixam com perfeição e, pela primeira vez em minha vida, faço amor com
uma mulher. Assim como hoje é sua primeira vez, também é a minha. Ela me
estragou para qualquer outra mulher e nunca mais deixarei que saia da minha
vida, ela tem meu coração, minha mente e meu corpo para sempre.
O desejo cresce a cada movimento e sinto as paredes de sua
intimidade me apertarem e logo ela encontra o seu prazer e me encanto com
sua carinha de desejo, duas estocadas depois me derramo dentro dela no
maior gozo que já tive em minha vida; minhas forças são consumidas e caio
de leve sobre seu corpo desfalecido de prazer. Saio de dentro dela e retiro a
camisinha, amarro e me levanto para jogar no lixo do banheiro. Encho a
banheira com água morna e volto para o quarto e vejo o lençol sujo de
sangue. Tomo Isadora em meus braços e ela encosta a cabeça em meu peito e
a levo para o banheiro.
— Amore mio. — Ela me olha com um olhar cansado. — Tome um
banho, já venho me juntar a você.
Ajudo-a a entrar na banheira e se acomodar e volto para o quarto para
retirar a roupa suja de sangue. Sinto orgulho de ter sido o primeiro e único
homem da vida da mulher que meu coração escolheu. Troco a roupa de cama
e me junto a Isadora na banheira; sento-me atrás dela e a coloco entre minhas
pernas; ela encosta a cabeça em meu peito e com a esponja passo sabonete
líquido em seu corpo, tomamos um banho relaxante e assim que a água
começa a esfriar, levanto e me seco, puxo Isadora para os meus braços e
cuido de secá-la e levá-la para a cama.
Seu corpo está cansado, assim que a acomodo, deito-me do seu lado e
a trago para os meus braços, beijo sua cabeça e ela se aconchega em meu
corpo e logo adormecemos com nossos corpos cansados e saciados pelo
prazer.
*****

Acordo com o sol entrando pelas janelas e vejo Isadora nua ao meu
lado e ainda em um sono profundo. Pego uma mecha de seu cabelo e sinto
seu cheiro de baunilha, aconchego-me em seu corpo e me pego sorrindo ao
lembrar da nossa noite. Oficialmente ela é minha mulher.
Meu celular vibra sobre o criado-mudo e leio a mensagem de Enrico.
Alessandro e Samanta já estão no Forte.
Tomo um banho e me visto, vou até a cama e acaricio o rosto da
minha doce Isadora e saio em busca de um café e providencio uma bandeja
com seu desjejum para quando ela acordar. Deixo um lírio branco em uma
pequena jarra e um bilhete.

Bom dia, amore mio! Tenho um compromisso agora cedo, mas fiz
questão de preparar seu café da manhã e te deixar um lírio, para que não se
esqueça do quanto te amo. Te espero na sala branca para cuidarmos de
Bianca.
Do seu
A.V

Sigo para o meu escritório e encontro Alessandro e Samanta


abraçados, como se pressentissem que algo não está certo. Entro e os
cumprimento com carinho e peço que se sentem na poltrona no canto da
minha sala. Não quero ter uma conversa fria, sei que sofrerão, mas não posso
deixar de punir uma traição.
— Sam, Alessandro. — Quero que sintam o quanto isso é ruim para
mim também, afinal, Bianca cresceu por esses corredores. — O que tenho
para falar irá deixá-los muito tristes. Fiz de tudo para que isso não
acontecesse, mas, infelizmente, fui derrotado pelo ódio de Bianca.
— O que aconteceu com Bianca, Don? — Sam se apressa em
perguntar.
— Ainda nada, mas vai acontecer. — Ela olha para Alessandro que
continua do mesmo jeito que entrou. — Bianca traiu a Castellar e ajudou
Aquiles Callas e Guilhermina a sequestrarem Luna.
— Meu Deus. — Sam começa a chorar. — O que essa menina tem na
cabeça? Como pôde judiar de uma criança indefesa?
— Quero ser sincero com vocês. Eu e Bianca éramos amantes e ela
não aceitou bem o término. A princípio, tentei levar sem ter que agir com
mais severidade, mas ela não aceitou o fim e se aliou a Aquiles.
— Ela fez isso por causa de Isadora? — Sam fala entre as lágrimas.
— Ela fez isso porque não aceitou que estou apaixonado por Isadora,
fez isso para me atingir, mas colocou uma criança em risco.
— Onde está minha filha? — Alessandro se pronuncia.
— Está na sala branca. — Todos sabem o código e traição é a pior
delas.
— Quero vê-la. — Fala e se coloca de pé.
— Sente-se. — Sou enfático. — Ainda não terminei.
— Não estou aqui como seu empregado, estou aqui como um pai que
terá que ver a execução de sua filha.
— Vou perdoar seu desrespeito porque entendo o que está sentindo.
Ainda sou seu Don e não tolerarei desrespeito às minhas ordens, portanto,
sente-se, ainda não acabei. — Ele se senta e começa a chorar.
— Perdoa o Alessandro, Don. Criamos Bianca com maior amor e ela
sempre soube o que acontece com traidores, não sei o que essa menina tinha
na cabeça.
— Samanta, Bianca é uma mulher adulta e responde pelos seus atos.
Sei muito bem o quanto a criaram com amor e carinho e muitas vezes vi seu
amor demonstrado em pequenos atos. Não estou aqui me eximindo das
minhas responsabilidades, pelo contrário, sei que errei em me envolver com
ela e por consideração a tudo o que vivemos, e a vocês, darei a oportunidade
de conversarem e se despedirem.
— Don. — Alessandro me olha com os olhos cheios de dor. — Deixe
minha menina viver. Dê outra punição, mas não arranque nossa filha de nós.
Dou a minha vida pela dela. — Fala em desespero. — Estou velho e minha
filha tem muito a viver.
— Sabe que isso não pode acontecer.
— Meu Deus, Alessandro, o que faremos sem nossa menina? — Meu
peito dói ao ver o sofrimento de meus melhores funcionários e amigos, mas
estou impotente em relação a isso, a menos que Isadora impeça.
Luna foi sequestrada por Aquiles, Guilhermina e Milena, todos
ligados a Andragathia. Não tenho poder sobre a máfia rival, embora Bianca
seja ligada a Castellar, ela foi expulsa e nossa responsabilidade sobre ela foi
extinta. Ela fez tudo por conta própria, mas não posso dar esperanças a eles.
— Posso vê-la, Don? — Samanta pede com lágrimas nos olhos.
— Os levarei até ela. — Levanto-me e aponto para seguirmos para a
sala branca.

Bianca está sentada na cadeira amarrada com cordas e de cabeça


baixa. Austin está de vigia e assim que entramos, ela ergue a cabeça.
— Bianca. — Samanta coloca a mão na boca para conter o choro. —
O que você foi fazer, minha filha?
Ela olha para Samanta com carinho e vejo arrependimento passar
pelos seus olhos.
— Me perdoe, mãe.
— Filha. — Alessandro fala, mas o olhar de Bianca é diferente para
ele.
Eles choram abraçados e, apesar de tudo, sei do amor de Alessandro e
Samanta por Bianca. Isadora entra na sala, dou um selinho nela e seguro seu
corpo contra o meu e ficamos observando de longe a cena.
— O que pretende fazer com ela, Angelo? — Isadora encosta o
queixo no meu peito e olha em meus olhos.
— Não sou eu que tenho o poder de decisão e sim você. — Ela fica
calada e olha de mim para Samanta, que chora junto com a filha.
Isadora volta a olhar o trio que, em prantos, começa o processo de
despedida.
— Não posso fazer isso com Samanta, Angelo. Ela é como uma mãe
para mim e me recebeu com muito carinho, como posso tirar sua filha?
Olho para a minha mulher com admiração e meu amor por ela cresce
ainda mais, mesmo Bianca tendo feito tão mal a Luna, ela ainda se
compadece por Samanta.
— O que pensa em fazer? — Pergunto olhando em seus lindos olhos.
— Ela precisa aprender a importância do amor de família. Ela prestará
serviços dentro de um asilo e dará assistência voluntária em um orfanato,
colocarei um homem vigiando essa mulher dia e noite e se ela aprontar mais
alguma coisa, aí sim, eu a mato.
— Sábia decisão, amore mio. — Beijo seus lábios de leve e tenho
vontade de sair daqui e tomá-la novamente para mim.
Samanta olha para mim e Isadora e vejo toda a dor que essa situação
tem causado, mas vejo também amor, amor incondicional de mãe. Eles saem
de cabeça baixa e passam por mim e Isadora. Vou até Bianca e ela me olha
com ódio.
— Não sei o que ganhou com tudo isso, mas saiba que acabou de
decepcionar seus pais. Eles sempre fizeram de tudo por você, e como você
retribui? Se envolvendo com Aquiles e sequestrando uma criança, tudo para
chamar a minha atenção. Só que não me importo com você, não me atinge.
Sua vida está nas mãos de Isadora, Bianca, cabe a ela decidir se vive ou
morre.
— Don Angelo deixando uma mulher tomar decisões? — Gargalha.
— Quem te viu e quem te vê... O que uma boceta diferente não faz.
— Não insulte Isadora, Bianca. — Falo cerrando os dentes e
demonstrando que não estou gostando onde isso vai dar. — Está errada, não
estou deixando Isadora tomar uma decisão por mim. Você foi expulsa e se
associou a Aquiles, inimigo da Andragathia e assinou sua sentença. —
Aproximo-me e a encaro. — E não foi a boceta de Isadora que fez eu me
apaixonar, foi seu jeito doce e forte, sua determinação em proteger quem ama
e, principalmente, valorizar essas pessoas. Você sempre foi mesquinha, fútil e
mimada, sempre se achou melhor que os outros, sempre desejou ser algo que
nunca seria e para chamar a atenção, feriu uma criança na forma mais cruel,
no seu psicológico. Olhe para você, Bianca, o que sua raiva e vingança lhe
causaram? Está nas mãos da mulher que quis fazer mal, sua vida depende da
palavra da mulher que teve sua sobrinha arrancada do conforto de sua casa
e o amigo quase morto. É Isadora que decidirá o seu destino. — Saio de perto
dela e deixo Bianca calada e uma Isadora perplexa.
— Isa. — Dou um selinho em seus lábios. — A decisão é sua e
apoiarei o que decidir, não dê ouvidos ao veneno que Bianca destilar, ela fará
de tudo para te atingir. Não a deixe destruir o que construímos — Faço um
carinho em seu rosto e a beijo.
Isadora se posiciona de frente a Bianca, que a olha com ódio. Fico
próximo à porta e tenho a visão de tudo o que acontece. Isadora observa
Bianca calada e percebo que talvez não tenha sido um bom negócio ter
deixado Isadora resolver isso.
— O que você tem contra mim e Luna? O que te fiz para causar
sofrimento à minha sobrinha? — Vejo dúvida no rosto de Isadora e sei que
Bianca usará isso para me atingir e destruir meu relacionamento com Isadora.
— Contra a criança? Nada. Você tirou Don de mim. Ele era meu. —
Fala com arrogância. — Mesmo não se entregando totalmente a mim, eu o
tinha e você estragou tudo. Eu te odeio por isso e farei o que for para destruir
você.
— Se ele realmente pertencia a você, por que ele está comigo? Por
que não te escolheu? Sabe, Bianca, quando se está com uma pessoa
verdadeiramente, nada e ninguém pode afastá-la de nós. Ninguém é
propriedade de ninguém, somos livres para decidir com quem queremos ficar,
não mandamos no nosso coração.
— Ele me amava, mesmo que não soubesse ainda, mas me amava, eu
sentia isso quando nos amávamos como animais no cio, era ali que eu o tinha.
E você veio com essa carinha de sem-sal e tirou meu homem de mim. Não
deixarei que seja feliz com ele. — Fala desafiando Isadora. — Serei uma
pedra em seu caminho, uma sombra na sua vida, não será feliz!
— Eu nunca permitirei que se aproxime novamente de mim ou de
Luna. Sou a Capo da Andragathia e não deixarei que ninguém faça mal a
quem amo.
— Acho melhor dormir de olhos bem abertos, quando menos esperar
algo pode acontecer. — Gargalha. — Quem sabe a fedelha pode cair na
piscina e se afogar ou até mesmo uma bala perdida a encontrar? Vai saber,
não é? O mundo está tão violento. — Ela dá de ombros.
— Queria te dar uma chance, Bianca. Quando vi Samanta e
Alessandro aqui, devastados, pensei em deixá-la viver por consideração à sua
mãe que é uma grande amiga, mas diante dessas ameaças a Luna, te sentencio
à morte.
— Muito mais fácil se livrar de mim, a amante do Don, e posar de
mulher traída.
— Não estou me livrando de você por causa de Angelo. — Ela
arregala os olhos quando Isadora me chama de Angelo. — Estou livrando o
mundo de uma mulher amarga e sem respeito próprio; de uma mulher que se
rebaixa por causa de um homem que não a quer; de uma mulher que ameaça
uma criança para se sentir superior. Você não merece nada que a vida te deu,
não merece os pais maravilhosos que tem e nem o respeito da máfia.
— Vai me dar lição de moral? Quem é você para falar alguma coisa
de mim? Não me conhece e não sabe nada da minha vida.
— Não precisa te conhecer para saber seu péssimo caráter. Que a
sentença se cumpra.
Isadora sai da sala branca sem olhar para mim.

Vou até Austin e repasso a sentença a Bianca e vou à procura de


Isadora. Não posso deixar que Bianca estrague o que conquistamos.
Não a encontro em nenhum lugar, procuro por toda parte e não a
encontro. Vou até Filippo para saber se Isadora saiu do Forte.
— Filippo, onde está Isadora?
— Ela pediu que Anderson a levasse para sua casa.
Vou até meu quarto, pego a chave do meu carro e vou atrás dela. Não
deixarei que Isadora fuja mais de mim, não permitirei que a máfia nos separe,
não deixarei que saia da minha vida nunca mais.
Capítulo 50

Don Angelo

Chego à casa de Isadora e Matteo me recebe, informa que ela está no


escritório e sigo para lá. Não deixarei que tire conclusões precipitadas,
esclarecerei os fatos e resolveremos juntos os problemas. Abro a porta sem
bater e a encontro próximo a janela, olhando para a área da piscina.
— Isadora. — Ela não se vira para me encarar. — Precisamos
conversar. Por favor. — Ela se vira e me olha com os olhos crispando raiva.
— Até que ponto aquela mulher era sua amante? Em Kosovo você me
fez acreditar que havia sido uma transa ocasional.
— E era! — Falo a verdade. — Ela sempre soube que nunca haveria
nada além disso entre a gente, sempre levou numa boa e nunca me cobrou
nada.
— Ela te ama.
— Ama? Aquilo é amor? — Falo apontando para a porta como se
Bianca estivesse do outro lado — Amor que tem posse? Que não admite
derrotas? Que humilha os outros por se achar estar numa posição superior?
Ela não ama a mim, ela ama o que eu represento, o meu cargo, a minha
fortuna. Amor... é o que eu sinto por você — Aproximo-me e seguro seu
rosto entre minhas mãos — Foi você que me conquistou, foi você que eu pedi
em casamento. O amor transforma as pessoas, e você me transformou, me fez
acreditar que o amor nos fortalece, nos dá esperança.
Ela fecha os olhos e vira o rosto beijando a palma de uma de minhas
mãos, e colocando suas mãos sobre as minhas.
— Se o mundo fosse uma bolha, onde só estivéssemos eu, você e
Luna... tudo seria tão diferente... tão melhor. Há tantas mentiras, desavenças,
ódio, brigas...
— Lamento que você tenha vindo para o meu mundo; um mundo
cheio dessas coisas ruins. Mas não lamento por você ter vindo para a minha
vida. Com você, eu ganhei tudo. — Passo o polegar sobre o lábio dela — Nós
vamos vencer todas essas dificuldades, Isadora. Minha Isadora. A maior nós
já conseguimos, vamos conseguir unir nossas Organizações com o nosso
casamento. Não deixe que o veneno de outras pessoas nos separe.
— Não me esconda nada. — Ela sussurra — Eu preciso saber de
tudo. Não me trate como uma boneca frágil.
Dou um sorriso aberto. — Querida, de frágil você não tem nada.
Ganhou o respeito de todos. Você é a Signora Della Notte. — E com isso a
beijo.
Um beijo possessivo e que não deixa qualquer dúvida de meu amor
por ela.
Pego-a no colo e me sento no sofá, colocando-a em meu colo.
— E já que vamos pôr cartas na mesa, preciso te falar outro detalhe
sobre Hugo Falcão. — Ela olha para mim com atenção — Descobri sua
traição. Ele veio a Livorno e fechou um acordo com Aquiles Callas e passaria
informações para ele em troca de se tornar um Don em seu país. Mas o pior
não foi isso, ele tentou matar Maria Eduarda Albuquerque e eu descobri,
conseguimos salvá-la.
— Como assim, salvá-la? Ela morreu.
— Não, não morreu. Ela está aqui na Itália sob a minha proteção.
— O Dr. Eduardo e dona Emília estão sofrendo até hoje pela morte
dela e você me diz que ela está viva e aqui?
— Calma, amore mio. Há uma razão. Descobrimos que ela estava
grávida de gêmeos e que o remédio que Hugo Falcão ministrou para dopá-la
causou o aborto de um dos bebês. Mas o outro nasceu saudável. É um lindo
garotinho. Christopher.
— Por que ela não avisou aos pais?
— Precisávamos eliminar Hugo Falcão. Se ele desconfiasse que ela
estava viva, ele mataria a sua família e para protegê-los, ela optou por passar
como morta.
— Mas Hugo Falcão está morto, o que a impede de voltar?
— Ainda não conversei com ela sobre esse assunto, e quero a sua
presença quando for decidir isso com ela. Sei que os pais dela estão
devastados, mas foi necessário, ou Falcão poderia retaliar sequestrando os
pais dela, ou...
— Ou fazendo o mesmo que fez com os meus. — Ela entende.
Beijo seu rosto. — Exato.
— Onde ela está?
— Num apartamento alugado no Centro da Cidade.
Ela assente e olha para mim. Suas mãos alcançam meu rosto e passa a
ajeitar o meu cabelo.
— Estou com saudades do meu homem. — Suas bochechas coram e
acabo rindo. — Não ria de mim, Angelo. — Fala fazendo um biquinho lindo.
— Não tenho experiência com isso.
— Isso? — Me esfrego nela mostrando a minha ereção. — Você quer
dizer fazer amor?
— Não me deixe com mais vergonha. — Fala constrangida. — Sei
que é normal para você, mas para mim ainda é novidade.
— Então, precisamos acabar com essa novidade logo. — Esfrego-me
nela de novo. — Preciso ser mais eficiente em te mostrar como essa novidade
pode ficar melhor.
— Pervertido.
— Só com você, amore mio. — Tomo sua boca na minha e colo mais
nossos corpos fazendo-a deitar-se no sofá sob mim; passeio minhas mãos por
suas curvas e vou me desfazendo aos poucos de suas roupas.
— Angelo...
— Shh... Quero te amar, estou sedento por você, amore mio.
Beijo Isadora de forma sedenta e vou retirando cada peça de roupa
com tesão, deixando-a somente de calcinha e sutiã, que deixa sua pele clara
em evidência.
Retiro minha roupa olhando dentro dos seus olhos, demonstrando
todo o meu amor, aprecio a bela mulher que está deitada sobre o sofá, seu
corpo cheio de curvas sinuosas acende um desejo insano dentro de mim.
Aproximo-me somente de cueca e beijo sua boca carnuda, desço para seu
pescoço e os seus gemidos me enlouquecem; retiro seu sutiã e tomo um seio
em minha boca, sugando e mamando, me deliciando nesta montanha de
prazer.
Deslizo minha mão sobre sua barriga e puxo sua calcinha pela lateral,
que se desfaz em minhas mãos. Encontro sua intimidade babando por mim e
deslizo meu dedo encontrando seu ponto de prazer. Isadora goza em minha
mão e não espero que seus espasmos cessem, retiro minha cueca e penetro
com cuidado para não a machucar. Sua boceta aperta meu pau e uma
sensação diferente me excita mais, meto rápido e compassado e Isadora crava
suas unhas em minhas costas, aumentando o meu prazer. Gememos e nos
entregamos ao nosso amor da forma mais linda e pura. Continuo fazendo
amor com Isadora, puxo sua perna para cima e vou mais fundo, meu pau é
engolido e a sensação de prazer começa a ser construído em mim. Sento e ela
monta em mim, cavalgando até encontrarmos novamente nosso prazer,
perdermos as forças e desabarmos no sofá, ao sair de dentro dela me dou
conta de não ter usado a camisinha. Acredito que acabamos de fazer nosso
herdeiro.

*****

Saímos logo cedo da casa de Isadora e fomos direto para o Forte.


Precisamos acabar logo com esse tormento que é Aquiles Callas.
Entramos juntos na sala branca e Aquiles está amarrado no pau de
arara, seu esgotamento é visível, mas pouco me importo com ele.
— Retire-o daí e coloque na cadeira da inquisição. — Anderson e
Austin retiram Aquiles e logo ele grita ao sentir os pregos perfurando seu
corpo, o sangue escorre por suas pernas, costas e braços e ele desmaia.
— Acordem-no.
Austin liga a mangueira e o jato de água gelado desperta Aquiles e
Isadora se aproxima.
— Está gostando do tratamento, Aquiles? — Ele olha para ela e não
tem forças para responder. — Acredito que sim, afinal, para homens como
você, isso tudo é pouco.
Ela vai até a mesa de tortura e pega dois tipos de alicates, um para
corte e outro para mutilação gradual e vai até Aquiles.
— Vou te mostrar como aprendi as lições que você me ensinou
direitinho.
Pega o alicate de tortura e se aproxima de seus dedos que estão presos
com as amarras da cadeira, segura e pressiona o alicate quebrando cada um.
Ele grita de dor e a frieza de Isadora é espantosa. Depois, com toda a calma,
corta o dedo indicador de cada mão, fazendo Aquiles desmaiar novamente de
dor. O chão está lavado de sangue e acredito que ele durará muito pouco.
— Acorde-o, Austin. — Novamente Austin joga água gelada em
Aquiles que desperta sem forças. — Não mandei desmaiar, Aquiles, seja
homem e aguente. Não pensou na hora de torturar uma criança, não pensou
em causar dor em uma mãe. — Aproxima-se da mesa novamente e é
acompanhada pelo olhar de Aquiles que está cada vez mais sem foco.
Ela prepara sal e vinagre e joga aos poucos sobre as feridas e
novamente Aquiles desmaia. Austin repete o processo e Isadora está
insaciável em sua vingança.
Observo tudo de longe e me alimento com a dor desse homem, que é
pouca diante de todo o mal que causou a pessoas inocentes.
— Traga o ácido, Austin. — Aquiles levanta a cabeça e olha
assustado para Isadora, que demonstra uma indiferença impressionante.
Realmente essa Isadora me causa medo, ela é estrategista e suas atitudes são
calculadas minuciosamente, ela faz tudo com calma e sem alterar a voz, que
transborda frieza.
Ela pinga o ácido em cada parte ferida de Aquiles e observamos o
ácido queimar e corroer a carne já exposta e o grito de dor dado por ele é
música para nossos ouvidos.
— Satisfeito em ver no que me transformou?
— Me... mata — Ele implora.
— Ainda não.
— Por... favor...
Ela vai novamente até a mesa e enche o conta gotas e se aproxima
dele. Está tão debilitado que não tem nenhum tipo de reação e o que mais me
impressiona é a admiração dos homens que estão dentro da sala.
— Meu rosto será a última coisa que verá, e grave bem, pois, quando
chegar no inferno implorará a Satã para apagar da sua mente o meu olhar de
ódio por você, e como sei que ele não atenderá, passará a eternidade no
inferno com a lembrança do que estou fazendo a você. Grave bem minhas
palavras e dê lembranças minhas aos seus lacaios. — E pinga ácido em cada
olho dele.
Aquiles grita e se debate na cadeira cravando mais as lanças em seu
corpo já quase desfalecido. Isadora aprecia a cena e quando ele está
agonizando, ela dá o golpe de misericórdia. Tira a Glock da mesa e acerta sua
veia femoral, Aquiles agoniza mais ainda e depois de alguns minutos morre.
— Livrei o mundo desse ser repugnante. — Fala para si mesma e
todos os homens que fizeram questão de vir ver o fim de Aquiles ficam
pasmos com sua frieza.
— Tragam Bianca. — Ordeno.
Bianca entra e olha Aquiles morto. E por toda condição física em que
ele se encontra, ela congela no lugar e, literalmente, se mija nas calças,
imaginando o que Isadora fará com ela, já que é Isadora quem segura a arma.
Mas antes que eu me arrependa, pego a Glock das mãos de Isadora e acerto
um tiro na testa de minha ex-amante.
— Livrei o mundo de uma cretina. — Repito a fala de Isadora.
Aproximo-me de Isadora e a tomo em meus braços. Sei que por
dentro ela está acabada, cuidarei da minha mulher. Peço a Filippo que limpe
toda a sujeira.
Levo Isadora para o meu quarto, retiro sua roupa e a minha, a tomo no
colo e caminho até o banheiro. Coloco-a sentada na bancada e vou até a
banheira que enche com água quente, e cuido da minha mulher.
Lavamos nossos corpos, mas também nossas almas de todos aqueles
que nos últimos tempos nos seguiram e atormentaram. Faremos novos
inimigos ao longo do caminho, mas, por enquanto, vamos desfrutar da paz
que nos cerca.

*****
Os dias correm e as semanas passam rápido demais e hoje é o jantar
na casa de mamma.
Estou esperando Isadora descer com Luna e aproveito e degusto meu
whiskey. Ouço passos no andar de cima e as duas mulheres da minha vida
apontam no topo da escada, lindas como sempre, mas meus olhos focam na
minha mulher que desce com um vestido branco com transparência nas
pernas, ressaltando suas coxas. Sinto meu pau ganhar volume e um misto de
orgulho e ciúme me toma, mas me controlo, não quero deixá-la triste.
— Estão lindas. — Beijo a cabeça de Luna que está com um laço e
dou um beijo suave nos lábios de Isadora. — Vamos?
— Vamos. — Luna pula e bate palma.
Guio as duas para o carro e acomodo Luna na cadeira e afivelo seu
cinto de segurança, ajudo Isadora a se sentar e fecho a porta dando a volta e
me acomodando no lugar do motorista. Sigo para a casa de mamma
acompanhado por dois carros com seguranças. Depois do atentado de
Aleksander e o sequestro de Luna, aumentamos a segurança, agora, soldados
das duas máfias nos acompanham.
Estaciono na porta da casa e Alessandro abre sem olhar para mim. Sei
que não me perdoará nunca, mas uma traição é punida com a morte.
Entramos e somos recebidos por Elisa e Enrico que estão acompanhados de
Aleksander Ivanov, que abraça Isadora e beija Luna com intimidade e isso
me incomoda, mas não falo nada. Mamma surge da cozinha e abraça Isadora
e pega Luna no colo.
— Como está a princesinha da vovó? — Luna olha para Isadora
buscando alguma reação, mas Isadora sorri.
— Eu tô bem, vovó. — Mamma enche seu rostinho de beijos. —
Você é minha vovó?
— Sou. Agora tenho uma netinha linda e vou encher de mimos.
— Vai estragar a criança. — Enrico se pronuncia e arranca risada de
todos.
— Se tivessem me dado netos antes não precisaria mimar a única que
tenho.
— Vai demorar um pouco, mamma. Peça a Angelo, já que se casará
no final de semana.
Isadora aperta minha mão e percebo que fica pálida, a conduzo para a
sala e ela se senta e me apresso em pegar um copo d’água para ela.
— Está melhor? — Pergunto preocupado.
— Foi uma queda de pressão. Não me alimentei bem hoje e esqueci
de comer durante a reunião com os Capos.
— Vou preparar algo para comer enquanto o jantar não sai.
— Não precisa, amor. Já estou melhor.
— Mesmo assim pegarei alguma coisa, já volto. — Vou à cozinha e
encontro Georgia e uma outra senhora preparando o jantar. Cumprimento
com formalidade e vou até a geladeira pegar queijo, peito de peru e maionese,
faço um sanduíche e levo com suco para Isadora e Luna.
Chego na sala e vejo Isadora conversando com Aleksander e não
gosto do que vejo, a proximidade dos dois me incomoda e começo a ter
sensações desconhecidas por mim. Sinto uma mão no meu ombro e vejo
Enrico ao meu lado olhando a mesma cena.
— Controle-se, Angelo, eles são amigos. Aleksander quase morreu
para protegê-la e a ajudou a te salvar, se ele tivesse interesse nela não teria
dado o divórcio facilmente.
— Não gosto de outro homem perto dela, Enrico, me sinto estranho e
tenho vontade de quebrar a cara do desgraçado.
— Isso se chama ciúme, Angelo. — Gargalha e chama a atenção de
Elisa, que vem ao nosso encontro.
— O que os homens da minha vida estão cochichando?
— Não sou homem de cochichos, Elisa. — Falo para esclarecer.
— Deixa de ser ranzinza, Angelo. — Olho Enrico que ainda ri de
mim.
— Deixe-o em paz, Enrico, e lembre-se que você está indo pelo
mesmo caminho. — Olho meus irmãos e sinto que estou perdendo algo.
— Por que diz isso, Elisa? — Vejo-o ficar nervoso. Será que o seu
caso com a sobrinha do Padre Nicola está mais adiantado?
— Acho que quando Enrico se apaixonar será pior do que você. —
Fala sorrindo. — Ele é possessivo e a última mulher que se envolveu não
aguentou e saiu. — Gargalhamos juntos com a cara de Enrico.
— Ainda não encontrei a mulher que vai domar meu coração. — Fala
com determinação.
— Quero estar de camarote quando isso acontecer; lembre-se que
você também tem prazo para se casar, então, acho bom começar a procurar a
futura Sra. Enrico Vicentini.
— Você está de porre? — Enrico pergunta fazendo-nos rir. — Só
pode estar. Acha que preciso ficar procurando mulher? Elas se matam por
mim e quando for para eu me casar, farei um contrato de um ano e, depois,
voltarei para a minha vida de solteiro.
— Acho que isso está fora de cogitação, Enrico. — Falo ainda com a
bandeja de sanduíche e suco nas mãos. — Não pode haver divórcios na
máfia.
— Mas não falaram nada sobre ser viúvo.
— Cruzes! — Elisa se espanta.
O jantar foi servido e a conversa seguiu agradável. Convidei Enrico e
Elisa para meus padrinhos e Isadora chamou Aleksander e Julia para os seus.
Casaremos na capela da Fazenda, a recepção será no mesmo lugar e antes de
embarcarmos para a lua de mel, haverá outra cerimônia de união das
Organizações.
Capítulo 51

Don Angelo

Finalmente chegou o dia de nosso casamento. Creio nunca ter


encontrado um noivo mais ansioso que a noiva para o término da cerimônia
do que eu. Apesar da tradição de que na noite anterior ao casamento, os
noivos devem passar separados, isso não ocorreu conosco. Desde que Isadora
entregou sua virgindade a mim, passamos todas as noites juntos, amando-nos
e declarando nossos sentimentos.
Ficamos um tempo abraçados até eu ser expulso por Elisa, mamma e
Julia. Almoço junto com meus padrinhos e amigos e seguimos para a casa em
anexo à Fazenda para nos arrumarmos. Nossos trajes estão organizados por
nomes e uma enorme mesa com bebidas e petiscos está posta em um canto. A
segurança foi toda reforçada pelas duas guardas, hoje receberemos algumas
pessoas ilustres das máfias, somos alvo fácil.
Arrumo-me e vou para a área onde acontecerá a cerimônia, recebo
alguns convidados e cumprimento outros, avisto Enrico e Aleksander se
aproximando.
— Nervoso, Don? — Aleksander me pergunta.
— Ansioso.
— Sei como é, passei por isso e te garanto que não quero
experimentar de novo tão cedo. — Olho para ele de cara feia, Enrico começa
a rir.
— Desculpa, Don. — Fala com falso arrependimento. — Sabe que
me casei com ela para ajudá-la. Isadora é como uma irmã para mim.
— Por falar em irmã — Enrico olha para Aleksander —, vocês não
sabem o que descobri. Matteo tem o sobrenome Palmiere.
— Como descobriu isso, Enrico? — Pergunto sem entender.
— No jogo de pôquer. Colocamos nossos sobrenomes e quando ele
falou para Austin que o dele era Palmiere, me lembrei do sobrenome que
estamos procurando.
— Onde ele está? — Aleksander olha em todas as direções.
— Ele vai entrar com Isadora. — Falo para ele se acalmar.
— Finalmente uma esperança. — Fala entusiasmado.
— Vamos esperar a cerimônia acabar e, depois, conversaremos com
ele. — Falo, ele concorda.
— Vocês irão para o Forte, Don. — Enrico me lembra. — Isadora
está preparada para o que vai acontecer?
— Não quero falar sobre isso, Enrico. — Olho para Aleksander que
não está entendendo nada. — Terei que consumar meu casamento diante de
todos da Castellar e da Andragathia.
— Sinto muito, Don. Quero que saiba que respeito muito Isadora e
não ficarei olhando com outros olhos, para mim ela é como uma irmã.
— Agradeço, mas sabemos que os outros membros se excitarão só em
vê-la e a desejarão.
— Deixaremos claro que isso não poderá acontecer, Don, afinal, ela é
sua esposa e o código diz que não se pode desejar a mulher de um Don.
— Agradeço novamente.
Sou chamado para assumir o meu lugar no altar e um frio se aloja em
minha barriga. Mamma se posiciona ao meu lado e segura meu braço e se
aproxima do meu ouvido.
— Estou orgulhosa de você, meu menino. — Viro-me e vejo seus
olhos marejados.
Viro-me para frente e a música All My Life, de Aaron Nevile, começa
a tocar e me emociono em saber que ela escolheu uma música que representa
o que sentia. Ela entra toda majestosa com Luna à sua frente, de braços dados
com Matteo Palmieri, que se tornou seu irmão. Olho sua beleza ressaltada por
um lindo sorriso e desço meus olhos para o vestido de noiva que ela escondeu
de mim por semanas, e a deixa magnífica, e ela caminha para mim, para os
meus braços, para fazer parte eternamente da minha vida.
Tomo-a dos braços de Matteo, beijo sua testa e sinto seu perfume, a
conduzo até o padre e nos posicionamos de joelhos para recebermos as
bênçãos de Deus.
— Está linda, amore mio. — Falo olhando para a minha mulher e
recebo um lindo sorriso.
— Você também está lindo, meu amor. — Aperto de leve sua mão e
nos voltamos para as palavras que o padre falava.
Luna se aproxima com as alianças, o padre abençoa e faz sinal para
que eu faça os meus votos. Tomo a mão de Isadora e olho dentro de seus
olhos para que veja a sinceridade de minhas palavras.
— Eu me comprometo a amá-la seriamente, em todas as suas formas,
agora e para sempre. Prometo que nunca vou esquecer que esse é um amor
para toda a vida, e sempre sabendo na parte mais profunda da minha alma,
que não importa que desafios venham a nos separar, sempre encontraremos
um caminho de volta para o outro.
Para sempre.
Coloco a aliança em seu dedo e a beijo. Olho para o padre que se
volta para Isadora que está emocionada. Espero com ansiedade o que ela
falará para mim e um frio toma minha barriga em expectativa.
— Amore mio... — Abro um enorme sorriso.
— Açúcar ou adoçante? — Gargalho.
— Açúcar, per favore. — Uma lágrima escapa de seus olhos.
— Se eu soubesse que entrar naquela sala mudaria a minha vida por
completo, apressaria meus passos. Olhar para você diante daquela janela
acendeu um sentimento diferente de tudo o que já havia sentido em toda a
minha vida, mas como nem tudo é perfeito, precisamos lutar para que
chegássemos até aqui. Eu te amo, Angelo, e mesmo que os desafios tentem
nos separar, não conseguirão, porque existe um elo maior que nos une, além
do nosso amor.
Ela olha para Julia, que entrega uma pequena caixa em suas mãos. —
Hoje é o dia mais especial da minha vida e não poderia ser mais completo. —
Me entrega a caixa e fica esperando.
Abro devagar e fico sem palavras com o que vejo, retiro de dentro
um sapatinho de bebê e toda a capela aplaude.
— Estou grávida, Angelo. — Olho seus olhos marejados de emoção e
me ajoelho aos seus pés, beijo sua barriga ainda plana e deixo uma lágrima
escapar de meus olhos. — Nosso herdeiro.
— É o melhor presente que poderia me dar, amore mio. — Tomo seus
lábios nos meus e somos interrompidos pelo padre.
— Ainda não acabamos, meus filhos. — Todos riem.
— Desculpa, padre. — Isadora se apressa em se recompor.
— Coloque a aliança em seu marido, filha. — Ela toma a aliança e
coloca em meu dedo anelar. — Pelo poder a mim investido por Deus e pelos
homens, eu os declaro marido e mulher. Agora sim, meu filho, pode beijar a
noiva.
Não espero nem um minuto e tomo a boca da minha mulher em um
beijo cheio de promessas e felicidade. Somos aplaudidos de pé e vejo
mamma e Elisa emocionadas, caminhamos para a saída e recebemos os
cumprimentos e felicitações de todos.
Estou muito feliz, me casei com a mulher que amo e terei um
herdeiro, serei o melhor pai que pode haver e não submeterei meu filho ao
que Stefano fez comigo. Eu amo ainda mais Isadora por me dar uma família.

Seguimos para a tenda montada no jardim dos fundos da casa grande


e tudo estava de muito bom gosto, Isadora e mamma capricharam em tudo.
Eu não me continha de felicidade, casar com a mulher que aos poucos
ganhou meu coração e descobri que seria pai no dia mais feliz da minha vida,
foi a realização de um sonho que mesmo nos meus piores dias tinha fé que
Deus me escutaria. Olho minha mulher, tão linda sorrindo ao ser paparicada
pela minha mãe e acariciar sua barriga ainda plana que me apresso em ir até
ela.
— Oi. — Beijo seus lábios. — Vamos nos sentar um pouco e comer
alguma coisa?
— Estou bem, Angelo. — Fala com suavidade em sua voz e enche
meus ouvidos de paz.
— Ele está preocupado com você, minha filha. — Mamma fala
sorrindo e vejo a alegria de ser avó em seus olhos. — Vamos comer alguma
coisa, meu netinho não pode ficar sem se alimentar. — Fala conduzindo
Isadora pelo braço até a mesa reservada para nós.
Um garçom vem e traz alguns petiscos e bebidas, mas me apresso em
pedir um suco para Isadora. Terei cuidado redobrado com minha família e
isso inclui Luna que, assim que voltarmos de lua de mel, passará a se chamar
Luna Agnelli Vicentini Ferrari, assim como Isadora já assina. Comemos e
conversamos com alguns convidados que vinham nos cumprimentar e
olhávamos Luna correr por todo o canto do jardim até ser parada por Enrico e
Aleksander. Fomos tirados do nosso conforto com a chamada para a valsa
dos noivos.
Conduzo Isadora para a pista de dança improvisada sobre a piscina e
Back At One, de Brian MCKinight, começa a tocar e novamente a música se
encaixa perfeitamente em tudo o que vivemos. Dançamos até o último acorde
e logo os padrinhos se juntaram a nós.
Estávamos degustando um pedaço de bolo e eu sabia que Isadora
estava apreensiva com o que ainda passaríamos, mas precisava distrai-la e
tirar a tensão que sabia que estava sentindo. Olho para Enrico e Elisa e sei
que está se aproximando o momento de irmos para o Forte. Os Capos já
haviam se retirado e ficamos para cumprimentar os últimos convidados.
Mamma levou Isadora e Luna para dentro da casa enquanto eu conversava
com meus irmãos.
— Estou preocupado com Isadora, não sei se ela vai conseguir, seu
estado emocional está mais aflorado por conta da gravidez e tenho receio de
ela passar mal.
— Estarei com ela, Don, cuidarei para que se acalme e passarei
algumas orientações para a preparação do ambiente, farei de tudo para não
expor sua esposa a outros homens. — Fala Elisa preocupada.
— Já conversei com os Capos. — Enrico se pronuncia. — As cortinas
só se abrirão por alguns segundos e não permitirei nenhum ato que desonre a
Sra. Vicentini Ferrari.
— Agradeço a preocupação de todos com minha mulher, mas agora,
preciso cuidar de meu filho. — Abro um sorriso. — Meu herdeiro que está no
ventre de minha mulher.
— Sabe que isso não abona a consumação perante as Casas, não é? —
Elisa pergunta.
— Sei. Quero só que acabe logo e possamos seguir viagem.
— Então, vamos apressar Isadora e acabar logo com isso. — Elisa sai
na frente e logo a seguimos.
Isadora está me esperando na sala ao lado de mamãe. Está vestida
com um macacão branco que ressalta sua beleza e suas curvas. Ela me olha
em expectativa e sabe que teremos que seguir para o Forte, mas assim que dá
um passo para sair de perto de dona Giordana, a mesma a segura pela mão.
— O segredo para passar por isso, minha filha, é olhar para os olhos
de seu marido sempre e se entregar ao amor que une vocês como se não
existisse ninguém por perto. Trancar-se em uma bolha invisível, onde só
exista o amor que sentem um pelo outro, quando se der conta, já passou e foi
tão prazeroso como se estivesse num quarto sozinhos.
— Obrigada, Giordana. — Abraça mamma e, depois, vem para os
meus braços.
Seguimos para o Forte em um silêncio confortável. Acredito que o
que mamma lhe disse a tranquilizou.
Estou ainda apreensivo, existem novos membros juntos com a
Castellar e não os conheço ainda, mas espero que respeitem minha mulher.
Estaciono no pátio seguido por Enrico, que desce com Elisa e Aleksander. Os
outros membros nos aguardam na sala de reuniões para assinarmos o termo
de compromisso entre as duas máfias, fazer o pacto e depois da consumação,
assinaremos a fusão entre a Castellar e a Andragathia. Eu, como Don,
assumirei o comando junto com Isadora que recebera a título de Dona
oficialmente.
Depois de tudo assinado, vou com Isadora para o aposento montado
no centro da sala de convivência. A estrutura é toda em vidro transparente e
com longas cortinas grossas que dificultam a visão de quem estiver do lado
de fora. Uma cama está no centro com almofadas espalhadas na cabeceira, no
canto um biombo de madeira e dois roupões.
Olho para Isadora que está apreensiva e a tomo pela mão, a conduzo
até o centro do quarto e tomo seus lábios nos meus para acalmá-la.
— Tudo vai dar certo, fique tranquila, não deixarei que fique exposta,
confie em mim.
— Eu confio, Angelo.
Novamente a beijo com desejo, suas mãos buscam contato com meu
peito e trato logo de tirar minha camisa, já que o smoking eu tirei no carro.
Nosso desejo aflora e nos perdemos em nosso amor, nossas roupas vão
ficando pelo caminho até a cama e logo a tenho exposta para mim.
Beijo suas pernas e subo até a lateral de sua coxa próximo a sua
intimidade que já está molhada me esperando. Sinto seu cheiro e meu tesão
cresce, abocanho seu monte de prazer e ela geme, estou tão duro que chega a
doer, mas quero ela totalmente entregue a mim. Introduzo dois dedos fazendo
um vai e vem gostoso, sinto suas paredes me apertarem e logo ela se derrama
em um orgasmo profundo fazendo suas costas arcarem da cama. Bebo tudo
como se fosse o mais puro néctar dos deuses e puxo meu dedo e sugo,
aproveitando cada gota do seu prazer.
Aproveito que ainda se recupera e subo por cima dela e me ajeito em
sua entrada e a possuo com calma, meus olhos permanecem presos aos dela,
nos envolvemos em uma bolha só nossa e deixamos que nossos corpos se
entreguem um ao outro sem medo, sem pressa.
Ela geme de prazer e isso é música para os meus ouvidos. Estoco com
mais força tendo cuidado para não a machucar, meu desejo é insaciável por
essa mulher, quero experimentar de tudo com ela, quero ela completa para
mim. Saio de dentro dela e ela reclama, mas preciso usar uma estratégia para
que não veja o momento que as cortinas se abrirão.
— Vira de costa e empina essa bunda gostosa para mim, amore mio,
vou te comer por trás. — Ela faz sem questionar.
Meto com tudo e arranco um gritinho de prazer da minha mulher,
estoco com força e percebo a claridade das cortinas se abrindo, escondo o
corpo de Isadora com o meu e fecho meus olhos, sinto as paredes de sua
boceta contraírem e seu orgasmo me apertar e sem me controlar me derramo
dentro dela num gozo que arranca um urro da minha garganta. Desabo ao
lado de Isadora ofegante e a puxo para mim, sentindo seu coração bater
descompassado como o meu. Olhamos dentro dos olhos um do outro por um
longo tempo e beijo sua boca.
— Acabou, amore mio. — Ela olha em volta e vê tudo fechado.
— Nem percebi que estávamos sendo observados.
— Acabou, isso que importa. Vista o roupão e vamos para a minha
suíte tomar banho e descansar. Irei até a sala de reuniões e mandarei te
chamar quando estiver pronta. — Ela assente e saímos de mãos dadas.
Sigo para o escritório e encontro todos os homens e Elisa me
aguardando.
— O casamento foi consumado. Quero que todos saibam que a partir
de hoje se forma uma nova máfia, uma máfia fortalecida e pronta para
conquistar o mundo. Novas casas serão criadas e dominaremos os quatro
cantos da Terra.
Todos aplaudem de pé e Isadora entra toda imponente e os homens se
curvam para minha mulher reconhecendo sua liderança como Dona.
Assinamos os documentos de fusão das duas máfias, firmamos o pacto com
sangue e, depois de um brinde, eu e Isadora voltamos à Fazenda. Hoje à
tarde, partiremos para a nossa lua de mel e desfrutarei de um descanso
merecido ao lado da mulher mais especial de todas, a minha Feiticeira.
Capítulo 52

Don Angelo

A lua de mel estava perfeita. Fomos para as Maldivas e


desfrutávamos de tudo que apenas os muito ricos podem.
Isadora estava sendo mimada por mim, e por todo o staff do hotel que
estávamos. Os drinks – sem álcool – mas muito coloridos – comidas
saudáveis – por conta da gravidez –, o spa com massagens de todos os tipos,
a praia com sua água cristalina e na temperatura ideal. Mas, o mais
importante, tínhamos um ao outro e, na verdade, isso nos bastava.
Mas como tudo o que é bom parece durar pouco, tivemos nossa lua de
mel interrompida. Recebi um telefonema de Enrico avisando que Stefano
finalmente morreu.

*****

Tudo está pronto para o funeral de Stefano. Seu velório está sendo na
Fazenda e toda a elite de Livorno fez questão de estar presente, afinal, se
tratava de um grande empresário que mudou o desenvolvimento da cidade
trazendo algumas empresas para cá. Dentre os presentes se encontravam
políticos, empresários, mafiosos e alguns funcionários das empresas e outras
pessoas que eu não conhecia. Nossa segurança estava completa e atenta a
tudo. Isadora e Luna eram vigiadas por Matteo e Austin e mamma e Elisa por
Filippo e Aleksander. Fico próximo ao caixão e olho para o homem que foi
responsável por grande parte dos meus traumas e profiro uma única frase.
— Já vai tarde.
Olho procurando por Isadora e não a encontro, vou até Austin e ele
diz que ela foi até o banheiro. Sigo para dentro da casa e vejo um homem
branco, de cabelos negros e mais baixo do que eu, de costas para mim e uma
Isadora assustada olhando para mim, como se pedisse por socorro. Apresso
meus passos e não consigo escutar o que ele diz. Isadora desmaia.
Capítulo 53

Isadora

Nunca pensei que a vida fosse me presentear com um marido tão


apaixonado e amoroso assim. Angelo tem se mostrado totalmente diferente
do Don Angelo, o mafioso.
Precisamos voltar para Livorno antes do tempo. Stefano, pai de
Angelo, morreu e Giordana precisava do nosso apoio e carinho. Não o
conheci.
Assim que entramos no jatinho, vou direto para a poltrona e Angelo
afivela meu cinto, olho para a janela e me despeço do lugar mais fascinante
que conheci e que fui muito feliz com o meu amor. Sinto suas mãos grandes
engolirem as minhas pequenas e logo o avião levanta voo. Estou cansada
ainda e Angelo percebe pela minha fisionomia, ele se levanta e desafivela
meu cinto e me guia para uma suíte na aeronave. É pequena, mas
aconchegante, tem uma cama confortável e um pequeno banheiro. Deito e
olho para ele que está visivelmente cansado, sei que não pregou os olhos essa
noite e que está muito angustiado, mas respeito seu espaço.
— Descanse, amore mio. — Fala e beija minha testa. Queria que se
deitasse comigo e tentasse descansar, mas sei que tem assuntos pendentes
para resolver e o vejo sair.

Precisávamos nos preparar para o funeral de Don Stefano, na


Fazenda, então, organizo uma valise para mim e meu marido enquanto Julia
se incumbe de fazer o mesmo para ela e Luna. Passaremos o dia em seu
velório e, na manhã seguinte, seu funeral no cemitério dentro da propriedade,
numa cerimônia privada.
Giordana está muito abatida e todos os enfermeiros, médicos e
fisioterapeuta estão ao seu lado, percebo que com a moça morena ela tem
mais afinidade e me aproximo para conhecê-la.
— Olá, sou Isadora Vicentini. — Estico minha mão para um
cumprimento. — Sou esposa de Don Angelo. — Ela arregala os olhos.
— Sou Antonella Vitale, a fisioterapeuta. — Estende a mão e nos
cumprimentamos.
— Ela é sobrinha do Padre Nicola e me ajudou muito durante esse
tempo que Stefano ficou entre nós. — Uma lágrima escapa e abraço minha
sogra; vejo que olha para Antonella com carinho.
— Fiz somente o meu trabalho, Giordana. — Fala toda tímida e fico
admirando sua beleza.
— Você se tornou uma filha para mim e não quero que me esqueça,
venha sempre me visitar. — Giordana fala muito emotiva.
— Estarei sempre na sua casa, Giordana, ou se esqueceu que está me
ensinando a cozinhar?
Padre Nicola chama todos para perto do esquife e aviso a Austin que
irei ao banheiro. Sigo pelo jardim e entro na sala principal, vou pelo corredor
e abro a porta do sanitário. Nunca pensei que ficar grávida me faria vir tantas
vezes ao banheiro, minha bexiga enche com uma rapidez impressionante.
Saio do banheiro e volto pelo mesmo caminho, mas sou impedida de
continuar quando sinto uma mão em meu cotovelo. A princípio penso ser
Angelo, mas quando me viro, sinto meu coração se apertar.
— Como vai, Sra. Vicentini? — Aquele sotaque era conhecido, mas
não conseguia me lembrar. — Vejo que finalmente nos conhecemos.
— Quem é você? E tire suas mãos de mim! — Falo com firmeza na
voz e o tal sujeito apenas sorri.
— Vejo que é corajosa. Gosto de mulheres corajosas, mas, no seu
caso, sua coragem só serviu para te pôr na minha mira.
— Quem é você? — Volto a perguntar. Vejo Angelo apressando seus
passos para chegar até a mim, começo a ficar muito nervosa e sinto minha
pressão cair, meus olhos começam a pesar e não tenho tempo para nada,
somente ouvir as últimas palavras daquele sujeito.
— Sou o seu pior pesadelo.
Não vejo mais nada.
Epílogo

Enrico

Existem coisas que são impossíveis de explicar, a morte é uma delas.


Estou diante do esquife de Stefano e tudo o que sinto é um vazio. Estou longe
de ter qualquer tipo de sentimento pelo homem que, embora seja meu pai,
não representou esse papel na vida dos filhos. Eu e Angelo fomos tolhidos de
qualquer contato com Elisa e sofremos com seu treinamento incomum para
dois meninos, então, espero que no inferno ele pague por todos os seus
pecados. Olho em volta e vejo os soldados espalhados para nos garantir
segurança, mas algo em mim diz que uma merda vai acontecer. Pode chamar
de faro, premonição ou o cacete a quatro, mas para mim é instinto mafioso e
quando isso desperta, ligo todos os meus sentidos e fico pronto para agir.
As pessoas começam a chegar para o funeral, entre elas estão meu
irmão Angelo e Isadora, com a pequena Luna que nos conquistou com seu
jeitinho meigo. O semblante de meu irmão está fechado e sei muito bem o
que se passa dentro dele. Angelo foi o que mais sofreu nas garras de Stefano
e para me proteger pagava um preço alto, por isso, devo a minha vida a ele.
Seus passos são apressados até mim e sei que quer um relatório de como
estão as coisas, mas meu instinto diz que é melhor poupá-lo de mais uma
preocupação.
— Como as coisas estão, Enrico?
— Dentro da normalidade. — Ele franze o cenho e acabo rindo. Ele
sabe que em nossa vida não há normalidades. — Está tudo sendo monitorado
e controlado pelos nossos soldados.
— Estou com a sensação de que alguma coisa está passando
despercebida por nós.
É... Stefano nos treinou bem! Carcamano, disgraziato, figlio di una
cagna (Carcamano, desgraçado e filho da puta)
— Fique de olho em tudo, Enrico, nossa família está exposta.
— Vou circular e verificar os pontos que estão sendo cobertos pelos
soldados novamente.
— Faça isso. — Ele olha em volta e vê os nossos aliados chegando.
— Vou recebê-los e fazer as honras como Don, mas a vontade que tenho é de
jogar logo o corpo desse bosta numa cova e deixar apodrecer. — Rio. Angelo
quando fica frustrado fala merda.
— Faça as honras, Don, e deixe seu lacaio cuidar de tudo. — Rio
mais ainda da cara que ele faz.
— Fottiti, Enrico. (Foda-se, Enrico). — Sai apressado me
abandonando gargalhando.
Poucas coisas tiram meu bom humor e uma delas é a incompetência.
Estou caminhando com Austin verificando os pontos descobertos e ouvimos
ao longe o som de um helicóptero, mas, como muitos fazendeiros usam esse
meio para chegar até aqui, não dou atenção. A fazenda fica numa área isolada
de Livorno e quando compramos foi justamente para termos tranquilidade,
coisa rara em nossa atividade, mas que de vez em quando é bem-vinda. É
aqui que estão os restos mortais de nossos antepassados e é por isso que todo
o funeral será realizado aqui. Sigo até o lado leste, que faz fronteira com a
fazenda vizinha e observo a aeronave pousada, mas como fica a uns
quilômetros de distância da nossa casa, não dou tanta importância, mas peço
a Austin que envie dois homens para cá.
Tudo está correndo como o esperado. As casas estão presentes, nossos
aliados enviaram condolências, empresários mandaram coroas de flores e ao
longe observo Isadora, mamma, Elisa e Antonella conversando, e fico
admirado com a força dessas mulheres; sei que em breve elas se tornarão a
força dessa Organização e escreveremos uma nova etapa da nossa história.
Checo uma última vez o perímetro e percebo uma movimentação
estranha, mas sou chamado por Chang na sala montada para a segurança.
Assim que entro, vejo Filippo observando a tela do computador de Chang e
logo percebem a minha presença.
— Braccio. — Chang se levanta. — Tem algo acontecendo, mas não
consigo enxergar onde.
— Como assim, Chang? — Olho a tela do computador e percebo a
imagem se repetindo.
— Estão usando um programa de duplicidade de imagem e a área
leste está descoberta, não consigo imagens.
— Tentei falar com Rivas e Ramon, mas o sinal do rádio está com
interferência. — Filippo fala, tento pensar rápido.
— Essa área é a que faz fronteira com a fazenda vizinha, certo? —
Eles concordam. — Cazzo di inferno! (Puta que pariu) — Saio correndo da
sala, sendo seguido por Fillipo, que não entende nada.
Entro na área onde está acontecendo o funeral sem levantar suspeitas
de ninguém, aproximo-me de Elisa e escrutino o lugar com os olhos atentos.
Mamma conversa com Antonella ao fundo, as pessoas bebem seus whiskeys
em volta de Angelo que, assim como eu, está em constante alerta, os
seguranças estão a postos em lugares estratégicos assegurando tranquilidade
para os presentes, mas sinto os pelos da minha nuca se eriçarem e meu corpo
fica em alerta porque tenho a sensação de que estamos sendo observados.
Olho mais atentamente procurando alguma coisa incomum, mas não encontro
nada. Tudo segue com uma aparente normalidade quase descomunal. Decido
ir para a sacada da varanda para ter uma visão ampla de todo o território e
tentar identificar essa sensação de insegurança que me domina. Observo os
convidados e ao longe vejo alguns homens chegando em quadriciclos, mas
não me prendo a isso, já que alguns estão vindo de fazendas próximas. Olho
para todos os lados e vejo Filippo e Salvatore circulando e fazendo a mesma
varredura que eu. Resolvo me juntar aos convidados e antes que eu chegue à
sala, ouço a voz infantil de Luna que brinca na sala de recreação. Sorrio.
Junto-me novamente a Elisa, que também está em alerta e, assim
como eu, tem um sexto sentido afiado. Fixo minha atenção em Angelo que
fala exasperadamente com Austin e o vejo saindo em disparada para a casa
grande. Franzo o cenho e volto minha atenção para os convidados. Ouço
barulho de motores e vejo três quadriciclos saírem em disparada para a área
leste, e só então percebo a agitação em torno de Isadora dentro da casa.
Angelo está com ela em seus braços e, pelo que parece, está desacordada.
Disparo em sua direção para saber o que aconteceu e acabo chamando a
atenção de Elisa e mamma, que também seguem para a casa. Depois de
cheirar um algodão embebido com álcool oferecido por Antonella, Isadora
desperta e o que ouço faz todos os meus instintos entrarem em alerta
máximo.
— Aquele homem, Angelo, ele me ameaçou. — Isadora fala
chorando.
Olho meu irmão e saio correndo para dar ordens aos homens. Austin,
Anderson e Salvatore, já em suas motos seguindo os quadriciclos, estão bem
adiantados e seguem em direção à área leste. Isadora está muito nervosa e não
consegue parar de chorar. Angelo a segura e tenta entender o que aconteceu,
assim como todos que estão à sua volta. Depois de alguns minutos, ela
consegue falar e pelo pouco que disse, prevejo dias sombrios para a Castellar
e Andragathia.
Vou para a entrada da fazenda assim que os homens chegam e pelas
suas caras sei que vem chumbo grosso por aí.
— O que aconteceu? — Pergunto. Austin se apressa em falar.
— Um helicóptero estava pousado na área leste da fazenda com o
piloto ainda no comando, e assim que nos aproximamos, observamos que as
hélices já estavam acionadas. Trocamos tiros com os seguranças, mas não
conseguimos impedir de a aeronave levantar voo. Encontramos os corpos de
Rivas e Ramon com tiros na cabeça e já providenciaremos a limpeza.
— Eles estavam preparados, Braccio. — Salvatore fala. — Foi um
ataque pensado e sabiam que apesar de toda a segurança, deixaríamos de
verificar alguns nomes, principalmente por se tratar de Don Stefano.
— Isso não podia acontecer. — Passo a mão descontroladamente
sobre a cabeça. — Nós somos a porra da Castellar e estamos deixando o
inimigo se aproximar como fumaça. Isso é um dos piores erros para uma
máfia que precisa proteger dois líderes importantes e que terão um herdeiro.
— Estamos monitorando o entorno do funeral, Braccio, e não vimos
ninguém suspeito ou estranho. A lista com os nomes está sendo checada
novamente e Chang está tentando abrir as imagens da câmera leste. —
Filippo fala segurando um celular com a lista. — Estou indo para a sala de
controle ajudar Chang e Romeo.
— Peça a Chang para fazer uma varredura e achar de onde esse
helicóptero partiu e onde pousou. Quero detalhes para ontem. — Grito as
ordens e volto para onde minha cunhada está.
— Nos conte o que aconteceu, Isadora. — Peço. Angelo me olha com
cara feia, mas pouco me importa. Preciso de detalhes para achar o filho da
puta que ousou entrar em nosso território e ameaçar a Dona.
Isadora relata tudo o que houve e vou memorizando os detalhes. Sei
que algo grande está vindo por aí e precisamos estar preparados para o que
poderá acontecer. Nossas mulheres estão fragilizadas e vulneráveis, os capos
de luto e Don Angelo dividido entre dar assistência à mulher e continuar com
a porra desse funeral. Tomo a dianteira e distribuo as tarefas sem me importar
com as pessoas nos olhando assustadas.
Aos poucos as coisas se acalmam e segue a missa com toda a família
presente, até Isadora está ao lado de Antonella, que segura sua mão. Todo o
culto religioso é feito. As pessoas se despedem e logo em seguida começa o
ritual da máfia e, mesmo a contragosto, Angelo, como o Don, toma a frente
fazendo as honras.
O tempo passou como tartaruga, mas, enfim, Stefano estava onde
deveria estar, enterrado. Ficamos mais alguns dias na fazenda e, depois,
partimos para cuidar dos assuntos pendentes, desde a visita inesperada que
Isadora recebeu, até as novas descobertas de Chang e Romeo sobre o
ocorrido.
Seguimos para o Forte. Don assume seu posto no comando da
reunião, Chang nos apresenta seu relatório e nos mostra a imagem do homem
que ousou desafiar a Castellar. Ninguém o conhece, mas quando Aleksander
Ivanov vê a imagem, se sobressalta, e sei que teremos muitos problemas. E a
partir deste momento, estaremos em estado de atenção indefinido.
Pali Spartak, da máfia Albanesa, é o nome do nosso mais novo alvo.
Agradecimentos

Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com nossos


pensamentos. Com nossos pensamentos, fazemos o nosso mundo.
~ Buda

Agradecer às pessoas por uma história tão intensa como esta é uma
responsabilidade muito grande, mas quando somos cercados por sua amizade
e carinho, tudo fica mais fácil. Por isso, minha homenagem vai para essas
pessoas que, mesmo sem perceberem, foram o meu alicerce nessa caminhada.
Minha amiga e companheira de desafios (e loucuras) Vânia Nunes,
que me enxergou como nem mesmo eu me via. Obrigada por me emprestar
seus ouvidos e me desafiar quando achei que iria desistir.
A Julliana Muguet, minha filha amada, que é a primeira com quem
compartilho a ideia de uma história e sempre me motiva a prosseguir.
A Flávia Soares, que me apresentou um mundo novo dentro da escrita
e junto com seu blog, Apogeu Literário, tem me ajudado a difundir minha
escrita.
Existem também pessoas que ainda não tive o prazer de conhecer,
mas que acreditaram na minha capacidade de trazer novas emoções através
da página de um livro e, hoje, fazem parte do grupo do WhatsApp e do
Facebook, minhas Leitoras Apaixonadas. Obrigada por estarem comigo
nessa caminhada e transformarem este livro em sucesso. Agradeço a você
que chegou até esta última página. Obrigada a todos.
SOBRE A AUTORA

Sentindo a necessidade de extravasar sua criatividade, Cláudia


Muguet começou sua trajetória na escrita como válvula de escape e ganhou
notoriedade ao publicar a série Don Angelo, numa plataforma digital. De lá
para cá, outras obras surgiram, indo para além do universo da máfia, o carro-
chefe de suas obras.
Romancista e apaixonada por mulheres fortes, procura trazer para a
sua escrita um pouco das muitas facetas do universo feminino – e
personagens masculinos apaixonantes e apaixonados.
Ela está sempre em contato com seus leitores através de suas redes
sociais:
Facebook: https://www.facebook.com/cmuguetautora/
Instagram: @claudiamuguetautoraoficial
Tik Tok: @claudiamuguetautora
EM BREVE:
Relançamento:
Enrico
Donna
Entre Laços e Tiros

Outras Obras da Autora

Crescer na máfia não foi um desafio.


Permanecer nela, sim.

Desde muito nova, aprendi qual era o meu lugar junto ao meu pai:
nenhum. De que valor seria uma filha para o grande Stefano Ferrari?
Mulheres na máfia são usadas como moeda de troca e nada mais. O que
deveria me pôr para baixo, acabou sendo meu maior incentivo, e com a ajuda
do meu tio Domenico, eu também me tornei uma arma letal, e o melhor, sou
a peça surpresa em qualquer situação.
A ascensão da Castellar e a felicidade de minha família foram o
incentivo para que eu fosse a fundo descobrir o segredo que se tornou a base
de nossa interação familiar, e, ao mesmo tempo, desse de cara com os
inimigos que colocariam à prova todo o poderio que construímos até então.
Junte a isso a possibilidade de, finalmente, eu fazer as pazes com o meu
passado e poder reivindicar o coração daquele que tem mexido comigo nos
últimos meses, Aleksander Ivanov. Eu tenho sangue da máfia em minhas
veias e lutarei para manter a ordem e a paz em nossos domínios.
Eu sou a Consigliere da Castellar. Eu sou Elisa Vicentini Ferrari.

Até onde uma pessoa pode ir para driblar a crise financeira?


Molly Amaro faz de tudo um pouco para sobreviver com a falta de
emprego formal, enfrentando tudo com bom humor. Moradora do Méier,
Zona Norte do Rio de Janeiro, vê sua vida mudar depois de investir o que
recebera de uma indenização trabalhista em seu grande sonho, mas o que ela
não contava era em reencontrar Otávio Albuquerque, o típico playboy que foi
seu pesadelo no Ensino Médio.
Otávio Albuquerque nunca soube o que era ‘crise financeira’. Filho de
empresário e um dos herdeiros da rede de supermercados Ponto Azul, ele
esbanja arrogância. A menina bolsista transferida para o colégio de elite,
sempre se mostrou ser uma pedra no sapato dele, quando, na verdade, ela
despertava nele sentimentos conflitantes e que poderiam o deixar mal perante
a sua turma.
Seus caminhos voltam a se cruzar anos depois, quando Molly aparece
num dos supermercados recém-inaugurados da família de Otávio, e vê-lo
novamente faz reacender sentimentos que há muito tempo ela sufocou. Já
Otávio lutará com tudo o que tem para conquistar a confiança de Molly e,
finalmente, poder viver essa paixão.
Venha se deixar arder por esse romance cheio de sabores exóticos,
confusão e descobertas.
A pimenta é malagueta, e o amor é de outro mundo!
[1] O cotecchino é um tipo de linguiça de origem italiana que, diferente do
salame, é cozido antes de ser consumido. Na Itália, é tradicionalmente servido com
lentilhas no Ano-Novo.
[2] Zampone é o pé de porco pré-cozido e recheado, temperado com
especiarias.

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