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Pedagogia freireana como método de prevenção de doenças

ARTIGO ARTICLE
Freire’s pedagogy as a method to prevent diseases

Eveline Pinheiro Beserra 1


Cibele Almeida Torres 1
Patrícia Neyva Costa Pinheiro 1
Maria Dalva Santos Alves 1
Maria Grasiela Teixeira Barroso 1

Abstract The actions of health promotion di- Resumo As ações de promoção da saúde voltadas
rected to adolescents must consider sexual and para o grupo de adolescentes devem contemplar a
reproductive health, taking into account doubts saúde sexual e reprodutiva, levando em considera-
on the approached theme. It is a qualitative re- ção as dúvidas acerca da temática abordada. Tra-
search which aims to investigate sexuality in male ta-se de uma pesquisa qualitativa, com o objetivo
adolescents with the implementation of the circle de investigar a sexualidade de adolescentes do sexo
of culture as an educative action in the preven- masculino com a implementação do círculo de
tion of sexually transmitted diseases. It was car- cultura como ação educativa na prevenção de do-
ried out in a public school in Fortaleza, Ceará enças sexualmente transmissíveis. Foi realizada
State, with 10 boys aged from 14 to 16 years old in numa escola pública em Fortaleza (CE), com dez
the period between August and November, 2007. meninos entre catorze e dezesseis anos, no período
It was adopted the circle of culture, Freire’s dia- de agosto a novembro de 2007. Adotou-se o círculo
logical pedagogy, as methodological route. It was de cultura, pedagogia freireana dialógica, como
observed that boys associate sex to sexuality pre- percurso metodológico. Observou-se que os meni-
dominantly and that they have little comprehen- nos associam o sexo à sexualidade de forma predo-
sion of the vulnerabilities which they are exposed minante e que tinham pouca compreensão das
to in an unprotected sexual intercourse, once they vulnerabilidades a que estavam expostos numa
demonstrated they were incentivated precociously prática sexual desprotegida, uma vez que demons-
to begin their sexual life, many times without traram ser incentivados precocemente ao início
previous reflection on the possible consequences. da vida sexual, muitas vezes sem reflexão prévia de
It was evinced the necessity of educative actions, suas possíveis consequências. Evidenciou-se a ne-
such as the circle of culture, which offer young- cessidade de ações educativas, como o círculo de
sters the opportunity to show their doubts and to cultura, que propiciam ao jovem expor suas dúvi-
know means to prevent sexually transmitted dis- das e conhecer os meios de prevenção das doenças
eases. It also makes them able to rethink behav- sexualmente transmissíveis, como também capa-
1
Centro de Ciências da
iors with the objective of reaching a better life citá-los a repensar condutas a fim de alcançar me-
Saúde. Universidade Federal quality in their sexuality. lhor qualidade de vida em sua sexualidade.
do Ceará. Rua Alexandre de Key words Health education, Adolescence, Sex- Palavras-chave Educação em saúde, Adolescên-
Baraúna 1.115, Rodolfo
Teófilo. 60430-160
ually transmitted diseases cia, Doenças sexualmente transmissíveis
Fortaleza CE.
eve_pinheiro@yahoo.com.br
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Beserra EP et al.

Introdução Uma das estratégias de educação que pode


ser utilizada é o círculo de cultura, um método de
A educação em saúde visa contemplar os princí- Paulo Freire, que é capaz de estabelecer o diálogo
pios do Sistema Único de Saúde (SUS) por inter- e a discussão sobre diversos temas, capacitando
médio da promoção da saúde e da conscientiza- as pessoas a refletirem sobre sua realidade.
ção do indivíduo e da comunidade em procurar Desta forma, este estudo teve como objetivo
a garantia de seus direitos. Dessa forma, a arti- investigar a sexualidade de adolescentes do sexo
culação de meios que correlacionem educação e masculino, com base na implementação do cír-
saúde, a fim de proporcionar mudança de com- culo de cultura na prevenção de doenças sexual-
portamento do indivíduo, favorece a isenção de mente transmissíveis, realizando um levantamen-
riscos que o impossibilitem de viver saudavel- to das necessidades educativas em adolescentes
mente1. sobre essa temática.
Neste contexto de vulnerabilidade, a juventu-
de destaca-se por ser uma etapa de vida delicada,
no que diz respeito a sua orientação de condutas, Metodologia
necessitando que muitos temas sejam aborda-
dos, como a sexualidade, uma vez que, em sua Trata-se de um estudo qualitativo exploratório,
maioria, os jovens são imaturos e alguns deles realizado numa escola de ensino fundamental e
buscam aventuras, ignorando a possibilidade de médio em Fortaleza (CE). O número de partici-
se contaminarem com alguma das doenças se- pantes foi intencional para contemplar o objeti-
xualmente transmissíveis (DST), ou até mesmo vo do estudo, totalizando dez meninos escolhi-
acreditam que realizam o ato sexual com pesso- dos aleatoriamente, entre catorze e dezesseis anos,
as seguras, isentas de alguma doença transmissí- do quinto ano do ensino fundamental, que obe-
vel, enquanto, na verdade, todos estão susceptí- deceram aos seguintes critérios de inclusão: esta-
veis à contaminação2. rem devidamente matriculados na escola e dese-
Especificamente sobre as DST/HIV/aids, hou- jarem participar da pesquisa.
ve significativo aumento da infecção pelo HIV. O período da investigação foi de agosto a
No mundo, das trinta milhões de pessoas infec- novembro de 2007. O presente ensaio usou como
tadas pelo HIV, pelo menos um terço tem entre instrumentos e procedimentos a observação,
dez e 24 anos. No Brasil, 11,4% dos casos diag- observação participante, diário de campo e cír-
nosticados entre 1980 e 2006 foram em jovens de culo de cultura. Este foi empregado para pro-
treze a 24 anos3. A vulnerabilidade na adolescên- mover educação em saúde, pois se trata de uma
cia, com relação à sexualidade, é confirmada metodologia que permite aos adolescentes dia-
quando se percebe que os casos de aids aumen- logar abertamente sobre sua vida5. O círculo de
tam nesta fase, também, destacando a questão cultura favorece o aprendizado rápido, contex-
de gênero, atrelada a esse contexto. tualizado à realidade dos educandos, existindo
Em razão da necessidade de inserir a promo- uma inter-relação que proporciona liberdade e
ção da saúde em todos os contextos, cabe aos crítica acerca do assunto abordado, resultando
profissionais da saúde a sensibilização para que em um grupo mais participativo nos debates,
se possa trabalhar com esse objetivo, promover diálogos e trabalhos, como também é utilizado
saúde, contemplando as especificidades da ado- como um itinerário de pesquisa6.
lescência. A respeito da iniciação sexual, muitos O círculo de cultura foi composto por cinco
jovens percebem a juventude como uma etapa encontros, nomeados como diálogos, com du-
em que se goza a liberdade de experimentar o ração de cinquenta minutos, abordando os se-
prazer de viver; logo, nota-se a necessidade de guintes temas: adolescência, sexualidade, doen-
intervenções educativas junto a esse grupo4. ças sexualmente transmissíveis, vida sexual se-
A enfermagem, intimamente ligada ao ser gura e uso do preservativo. O primeiro diálogo
humano e preocupada com o seu bem-estar e foi constituído por palavras geradoras, que são
sua qualidade de vida, enquadra-se no desafio ditas pelos próprios participantes do grupo. Es-
de ações em educação em saúde que permitam sas palavras significam o contexto real no qual
incentivar os jovens à reflexão crítica de sua rea- os educandos vivem, sendo essenciais para a con-
lidade, como também discutir habilidades para dução do círculo de cultura e realização dos en-
trabalhar estratégias de educação em saúde, vol- contros posteriores, como também para a ela-
tadas para atividades que propiciem a conscien- boração das fichas de cultura. O segundo diálo-
tização de adolescentes para a prevenção das DST. go foi a integração das palavras geradoras, quan-
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do se dialogou acerca de temas do interesse dos No início do grupo, foi realizada a reflexão:
jovens; o terceiro relatou a abordagem das do- “O que vem na mente do jovem à associação
enças sexualmente transmissíveis, enquanto o adolescência e sexualidade?”, surgindo, então:
quarto cobriu discussões diversas, em que fo- masturbação, sexo, tesão, doenças, camisinha,
ram refletidas a saúde sexual e reprodutiva dos proteção, atração e prazer. Os meninos relata-
adolescentes. Por fim, o quinto diálogo foi a ava- ram uma ação própria da descoberta do corpo,
liação do processo. O círculo foi composto tam- a masturbação, como também enfatizaram a re-
bém por um animador, que mediava as discus- lação sexual como sexualidade, porém não fala-
sões, organizava e coordenava o grupo, de modo ram sobre gravidez, levando a que ocorra o re-
a proporcionar a participação dos educandos passe para o sexo feminino, isto é, a responsabi-
durante os diálogos6. lidade da gestação.
Para a análise dos dados deste estudo, utili- De forma dialógica, refletiu-se como o jovem
zou-se a análise de conteúdo de Bardin, uma téc- percebe sua sexualidade, e alguns responderam:
nica que analisa as comunicações, objetivando “o tesão pelas meninas”, “a primeira vez”, “a pri-
reconhecer indicadores que permitam a aquisi- meira transa”, “a voz mudando”, “os cabelos nas-
ção de conhecimentos relativos às condições de cendo”, “uns são criança com molecagem”.
produção e recepção destas mensagens, através Viu-se, com efeito, que o grupo não se deteve
de procedimentos sistemáticos e objetivos de des- apenas ao ato sexual, pois conversou também
crição do conteúdo das mensagens7. sobre as alterações físicas e comportamentos que
Foram respeitados os aspectos legais e éticos retratam a sexualidade. Observou-se que, em um
que envolvem pesquisas com seres humanos, dos comentários, foi relatado que o jovem não
conforme a Resolução no 196/96 do Conselho demonstra logo o seu amadurecimento afetivo,
Nacional de Saúde. Também foi esclarecido aos pois muitas vezes realiza ações infantis. Sobre as
jovens que a recusa em participar da pesquisa palavras “tesão” e “prazer”, estas retratam a busca
não lhe causaria nenhum prejuízo ao acesso à pelo prazer como ação de felicidade para o ado-
escola pesquisada. Foi assinado o termo de con- lescente, como também a descoberta do novo8.
sentimento livre e esclarecido, tanto pelos ado- Sobre a reflexão de como a família percebe o
lescentes como pelos responsáveis. Ressalta-se jovem, foi dito: “percebe pela mudança do corpo,
que o estudo foi submetido à apreciação do Co- na voz. A família libera tudo para o homem e para
mitê de Ética em Pesquisa da Universidade Fede- mulher é tudo diferente, ela é mais presa”.
ral do Ceará e aprovado na reunião do dia 26 de Na sociedade atual, o modo de educar as me-
julho de 2007 e, somente após autorização, deu- ninas difere dos meninos em relação à sexualida-
se seu início ao ensaio. de, direcionando mais liberdade para o sexo mas-
culino, privando o sexo feminino de desfrutar de
sua sexualidade igualmente. Os papeis desempe-
Resultados e discussões nhados pelos jovens caracterizam-se pelo mode-
lo de dominação de gênero, cuja visão de mascu-
A escola é um local de troca mútua, em que pro- linidade e feminilidade dificulta o avanço de pro-
fessores e alunos se integram, a fim de construí- gramas de promoção da saúde8. Os meninos re-
rem o conhecimento. A educação escolar está re- lataram que conversam abertamente sobre sexo
lacionada ao trabalho dos professores e dos alu- com a mãe ou com o pai, esclarecendo dúvidas,
nos, tendo como finalidade o caráter coletivo e bem como pedindo conselho, consoante ao co-
interdisciplinar para alcançar o saber. É possível mentário: “Quando eu gosto de uma menina, eu
oferecer aos adolescentes o pensamento crítico falo para minha mãe, aí ela fala alguma coisa”.
de sua condição de vida e de seu processo de ado- A abertura do jovem na família, sentindo-se
lescer por meio do diálogo. à vontade para conversar sobre sexo, estabelece
uma relação aberta, o que proporciona a liber-
dade para expor o assunto, numa suposição ima-
Primeiro diálogo ginária, como: “Se sua namorada estivesse com a
menstruação atrasada, o que você faria?” Os jo-
Essa oficina tem como princípio a primeira inte- vens afirmaram: “Eu falaria com minha mãe, por-
gração com os participantes do grupo por meio que ela ia dar uma solução”.
do acolhimento. As cadeiras estavam em forma É possível uma relação aberta entre os pais e os
de círculo com o propósito de favorecer essa in- adolescentes mediante o diálogo, o que permite o
tegração. reconhecimento de dúvidas e de situações vividas
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pelos jovens. Eles relataram que conversariam com a correlação da sexualidade com a relação a dois,
os pais numa situação como a descrita, pois se por isso que essas fichas retratavam, predomi-
sentem seguros. A relação de confiança deve existir nantemente, casais.
entre pais e filhos, não restringir apenas aos do Em relação à ficha de cultura que retratava
sexo masculino. Os pais podem fazer parte da um casal, foi dito: carinho, amor, namoro, felici-
aprendizagem do jovem, havendo, possivelmente, dade, “fica”, “casquinha”. Assim, foram permea-
a confiança mútua passível de ser estabelecida9. dos assuntos que compreendiam um relaciona-
Inseriu-se no diálogo a relação dos jovens mento a dois. Questionou-se o conceito de “fica”
com os amigos, surgindo o relato: “Esse povo é para o grupo de meninos, relatado como “Um
cabueta”. Vale ressaltar que estudar um grupo é momento com a menina, sem compromisso”. Com-
analisar também sua questão cultural e deparar- pletaram seu comentário afirmando que pode fi-
se com termos próprios de pessoas do seu vín- car somente no beijo e abraço, como pode se es-
culo social e comumente ditas entre eles, como é tender ao ato sexual. Assim, percebem-se os ris-
o caso da palavra “cabueta”. A cultura mostra a cos a que estão expostos os meninos ao realiza-
visão do mundo dos indivíduos, sendo necessá- rem o ato sexual sem reflexão sobre o sexo seguro
rio seu entendimento para que o educador possa e a possibilidade da multiplicidade de parceiros.
intervir de forma pertinente na realidade dos edu- Diante da figura de duas crianças namoran-
candos10. A frase, dita pelo jovem, significa que do, os meninos relataram: “Só o que tem, os pive-
não pode confiar em amigos, porque eles con- tes namorando”. Eles têm a percepção dessa pre-
tam para outras pessoas, na linguagem dos jo- cocidade e mostraram isso com naturalidade. A
vens do grupo, “eles saem espalhando”. questão da precocidade está visível socialmente,
Na discussão de como a escola percebe a se- declarada para todos como um problema de saú-
xualidade, foi relatado: “Não vê, não explicam nada de pública e de intervenção direta. O diálogo é
sobre isso. Nunca tive aula sobre isso”. Eles de- uma das formas de educar e o círculo de cultura
monstram que a escola não orienta sobre sexua- favoreceu a ação, mas, primeiramente, fez-se ne-
lidade de forma aberta, deixando-os com ques- cessário conhecer as especificidades do grupo para,
tionamentos. A escola, a sociedade e a família posteriormente, se intervir de maneira eficaz.
têm, de modo geral, pouca compreensão dessa As discussões permearam o assunto do iní-
realidade de emoções dos jovens, uma vez que cio da vida sexual. Os meninos falaram: “Na pri-
não sabem a forma de lidar com o tema9. meira oportunidade. Com primeira namorada”.
Os adolescentes querem conhecer as altera- Diante desses comentários, eles demonstraram
ções do corpo, entender a mudança de compor- que qualquer momento pode ser o início da vida
tamento, experimentar o novo; enfim, viver essa sexual, até mesmo sem orientação, nem instru-
idade intensamente, mas, para que isso ocorra, ção, nem reflexão. Esse ponto é imposto pela
torna-se necessário orientá-los a fim de que pos- sociedade como forma de mostrar a masculini-
sam vivenciar de forma segura, sem risco de con- dade e que são sexualmente ativos, devendo a
taminação com alguma DST. garota ser passiva, dependente e sensível8. Com-
plementado esse fato, discutiu-se como acontece
a primeira relação sem orientação: “Orientação é
Segundo diálogo a gente que faz, deixa pra pensar na hora”.
É enfática a discussão acerca de como a socie-
No segundo momento, foram organizadas no- dade e a própria família expõem o filho como
vamente as cadeiras em círculo e apresentadas as vulnerável a alguma DST ou à paternidade, por
fichas de cultura. Estas sugerem um debate com incentivá-lo a ser sexualmente ativo como de-
suporte em figuras de situações da realidade do monstração de masculinidade, tornando-se de
grupo, estimulando os educandos a pensar no caráter urgente orientar com antecedência o jo-
seu mundo real e criticá-lo pelo diálogo. Vale sa- vem sobre os riscos de uma relação sexual des-
lientar que as fichas foram elaboradas a partir protegida.
das palavras geradoras6. Por meio das fichas de Relataram que a primeira relação pode ser a
cultura, o animador medeia as discussões. Na qualquer momento, dependendo da oportunidade
primeira ficha de cultura, havia um casal abraça- e que a orientação, muitas vezes, eles “fazem” na
do; na segunda, duas crianças iniciando um bei- hora. Se há o incentivo para o ato sexual, que haja
jo; na terceira, a foto de um casamento; a quarta, informações corretas sobre sexo seguro.
por sua vez, continha uma adolescente grávida. Antes da ficha de cultura que abria a discus-
No primeiro diálogo com o grupo, observou-se são sobre a gravidez precoce, não houve nenhum
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relato dos meninos sobre esse assunto. Assim, de informações sobre a forma correta de colo-
esta ficha de cultura proporcionou uma reflexão car, retirar e descartar o preservativo para se isen-
sobre esse tema. Então, discutiu-se sobre a re- tarem de riscos e se tornarem multiplicadores
percussão para o jovem que assume um filho, dessas ações. Em relação ao acondicionamento
como deixar o estudo para trabalhar, o perigo do preservativo, discutiu-se sua maneira correta
do aborto, a perda da juventude, etc. Foi enfati- de preservá-lo, com a leitura da embalagem da
zado o fato de que os dois têm responsabilidades camisinha que continha essas informações. A
por uma gravidez não planejada; porém, perce- forma correta de armazená-lo precisa ser escla-
beu-se que os jovens não se preocupam com a recida, pois, muitas vezes, o preservativo encon-
gestação e demonstraram iniciar a vida sexual tra-se na carteira e com a embalagem amassada.
sem orientações sólidas sobre os métodos de Com respeito a este fato, o Ministério da Saúde
prevenção de DST e gravidez. veicula campanhas demonstrativas da importân-
Na discussão sobre casamento, iniciado pela cia do uso, bem como do armazenamento ade-
ficha de cultura que continha a foto de um casal, quado de preservativos, porém não se restringe
foi evidenciado o seguinte comentário: “hoje a somente a isso, mas também orienta acerca do
galera só quer é curtição”. uso consciente, considerada a principal estraté-
Essa fala retrata a banalização dos relaciona- gia de prevenção das DST11.
mentos estáveis, percebendo a relação homem e Vale salientar que a prática educativa foi pre-
mulher no casamento, a presença da traição, em ponderante, tendo como finalidade discutir entre
que “ninguém é de ninguém” e a separação como os jovens acerca dessa temática, para que eles se
algo comum na atualidade, havendo, assim, o tornem reflexivos e questionadores de suas ações.
maior risco para a multiplicidade de parceiros. Ao término desse diálogo, foram distribuí-
Durante todo o diálogo, enfatizou-se a refle- das camisinhas e intensificada a noção de que
xão sobre a importância de uma relação sexual seu uso é necessário em toda relação sexual e que
segura e consciente, pois as consequências de uma pessoas conhecidas não são pessoas seguras para
relação desprevenida repercutem no aumento da praticar o ato sexual sem preservativo, sendo se-
suscetibilidade, tanto para a aquisição de algu- gura a relação com camisinha.
ma DST, quanto para uma gravidez precoce.

Quarto diálogo
Terceiro diálogo
Esse encontro foi organizado considerando-se as
Houve discussão sobre a existência das DST. As necessidades específicas do grupo de meninos que
fichas de cultura retratavam suas lesões. Então, foram surgindo no desenvolver do círculo de
abordou-se papiloma vírus humano (HPV), sí- cultura. As discussões entre os meninos foram
filis, gonorréia, herpes, como também se discu- relacionadas à prevenção de DST em todas as
tiu sobre a síndrome da imunodeficiência hu- relações sexuais, pois, nas primeiras oficinas, de-
mana (aids). Enfatizaram-se os métodos de pre- monstraram que a qualquer momento poderi-
venção, as sintomatologias e a evolução dessas am ter uma relação, até mesmo sem camisinha.
patologias. Retornando a essa questão, foi comentado: “A
Os meninos, durante a discussão sobre essas menina pede para fazer sem camisinha e, na hora
doenças, mantiveram-se mais atentos e menos da gente gozar, tirar. Eu tava na parede amaciando
participativos. O grupo de meninos foi conduzi- a menina, quando eu fui ver, já tava lá”. Diante
do pelo conceito de DST e enfatizou-se o sexo dos comentários, é importante que o jovem per-
seguro com o uso do preservativo em todas as ceba o ato sexual não só com risco de gravidez,
relações, como também foi discutido sobre o mas também como um ato que pode propiciar a
acondicionamento da camisinha. contaminação por alguma DST. A negociação do
Ao se conversar sobre o uso do preservativo, preservativo precisa ocorrer entre o casal, para
um jovem afirmou: “Eu tenho é muita, aqui, na que haja o sexo seguro, embora estudos mos-
carteira”. Correlacionando esse diálogo com a trem que nem sempre o preservativo é utilizado
afirmação relatada no diálogo anterior, de que a pelos meninos quando mantêm relações sexuais
qualquer hora pode haver uma relação, obser- com “ficantes”12. Assim, mesmo com as discus-
vou-se haver jovens que andam com o preserva- sões sobre o risco de contágio das DST, alguns
tivo na carteira e outros não. Faz-se necessário jovens não se acham vulneráveis, pois a socieda-
orientá-los sobre a prevenção das DST por meio de impõe machismo e eles devem ser ativos em
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qualquer situação, mesmo quando não têm em vida sexual e o conceito de sexo seguro. Também
posse o preservativo: “Se eu tiver oportunidade relataram sobre DST e o modo de prevenção des-
com uma menina e não tiver camisinha, eu faço, tas com o uso da camisinha. Esta categoria mos-
não tenho como negar”. trou que os adolescentes assimilaram a impor-
O trabalho com os meninos deve ser mais tância do uso do preservativo em todas as rela-
intensificado na prevenção de DST, pois muitos ções, mostrando assim a caracterização do cír-
crescem em um ambiente no qual são cobradas culo em promover educação em saúde, capaci-
dele uma namorada, uma relação sexual, para tando-os a refletir sobre suas condutas: “Aprendi
confirmar sua masculinidade. Observa-se a pre- muitas coisas, como fazer sexo seguro, usando sem-
sença da legitimação de uma “natureza” muito pre camisinha e pensar antes de ter qualquer rela-
mais sexual do homem, como há também o en- ção sexual com outra pessoa. Aprendi mais sobre
tendimento e a crença em uma “natureza” mas- HIV e sobre a transmissão e como e quando a pes-
culina, determinada pela necessidade do sexo, pelo soa estará preparada para primeira relação. É atra-
instinto animal “incontrolável”, sendo muito di- vés do sexo sem camisinha e não tem essa se eu
fícil para o homem “negar fogo”, quando é abor- conheço faz tempo é seguro, sempre fazer sexo com
dado por mulheres, primeiro, porque ele “é ho- camisinha seja quem for”.
mem”13. Assim, é recomendável que as estratégi- Na segunda categoria, assuntos,, eles relata-
as de intervenção promovam a integração de con- ram os temas abordados de que gostaram du-
teúdos e ações de prevenção das DST e de aten- rante as oficinas, como as vulnerabilidades em
ção à saúde sexual e reprodutiva para os adoles- relação às DST/aids, as maneiras de prevenção
centes, que têm grande parte dos encontros se- dessas doenças, o uso da camisinha e, também,
xuais sem qualquer proteção14. as explicações, mais intensificadas para evitar o
Dessa forma, reforçaram-se as discussões contágio por essas doenças que são passíveis de
sobre todos os assuntos dos diálogos anteriores, prevenção. Trata-se, com efeito, que eles perce-
no trabalho de repetição, para que esses jovens, beram a importância do tema, como também a
que não se sensibilizaram com a importância do sua necessidade de aprender e refletir sobre esses
uso do preservativo para prevenção de DST, pos- riscos que existem em sua juventude: “Qualquer
sam refletir sobre suas condutas de vida. Tam- pessoa pode pegar aids através do sexo sem camisi-
bém foi incentivado o uso do preservativo, sua nha. Gostei dos encontros e como se proteger das
aquisição no posto, pois os postos de saúde pos- doenças. Foi se proteger das DST e também que
suem camisinhas específicas com menor diâme- toda hora que a gente for fazer sexo, sempre usar
tro para adolescentes. camisinha. O que eu mais gostei nos encontros foi
É necessário reforçar a necessidade de investi- o alerta para nós não nos contaminarmos com es-
mentos na educação do contingente populacional sas doenças horríveis”.
jovem em geral, principalmente no que se refere à No ensejo da discussão da última categoria,
formação cidadã, capacitando-o a lutar pelos seus maneira de abordagem, os adolescentes comen-
direitos, entre os quais o acesso a informações ne- taram que gostaram de como o animador, nos
cessárias para a prática da anticoncepção15,16. comentários, identificado como professora, me-
diava as discussões, pois estas se caracterizaram
de forma dialógica, abrindo espaço para que os
Quinto diálogo participantes do grupo interagissem nas discus-
sões por meio dos temas suscitados pelos jovens,
Esta oficina estava relacionada à avaliação dos que os incentivaram a repensar seus conceitos:
jovens em relação ao círculo de cultura, pois este “Eu gostei da maneira que a professora ensina a se
foi realizado por eles. Assim, são os seus partici- prevenir das doenças. O que mais gostei foi o jeito
pantes os principais avaliadores de sua imple- que a professora ensinava”.
mentação. Durante o processo avaliativo, os jo- Estas três categorias se completam, pois os
vens estavam livres para relatar o que quisessem assuntos foram do interesse dos jovens. A ma-
sobre o círculo de cultura, podendo ser o que eles neira de abordagem foi dialógica, para que eles
tinham aprendido e/ou do que eles tinham gos- se tornassem participativos nas discussões e, por
tado. Seus comentários foram categorizados em fim, a aprendizagem, que foi consequência natu-
três aspectos: aprendizagem, assuntos e maneira ral dos encontros, já que a reflexão crítica reali-
de abordagem. zada pelos adolescentes foi a partir dos temas
Na primeira, aprendizagem, havia relatos relacionados a aspectos de sua juventude, abor-
sobre a necessidade de refletir antes de iniciar a dados nas oficinas do círculo de cultura.
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Considerações finais de de intervenção, pois os meninos, sendo incen-
tivados à vida sexual, expõem-se a risco de con-
Nesse contexto, o círculo de cultura assume a tágio por alguma DST, logo, cabendo repensar
importância de ser um meio efetivo para exercer políticas de educação que favoreçam esclarecer
ações de educação em saúde sobre a sexualidade os meios de prevenção dessas enfermidades.
e a prevenção de DST com adolescentes, com ori- Por ter sido o círculo de cultura conduzido,
gem nas necessidades do grupo e, em seguida, prioritariamente, pelos próprios participantes, os
capacitando-os às suas potencialidades em reco- assuntos dialogados foram decididos por eles em
nhecer situações de riscos que prejudicam sua concordância com o animador, tendo suas colo-
qualidade de vida, bem como levá-los à reflexão cações apontado as idéias do que deveria ser dis-
sobre suas condutas. cutido por meio das fichas de cultura, pois o gru-
Assim, é crucial se atentar, nessa implemen- po tinha condução própria, mas sempre o ani-
tação, para as necessidades específicas do grupo mador teve o papel de incentivá-los a discutir so-
masculino, onde há, de um lado, a família, de bre métodos de prevenção, por meio de uma re-
outro, a sociedade, impondo que ele tenha um flexão crítica de seus hábitos de vida. Observou-
comportamento de “garanhão”, sendo negligen- se como é importante o aprendizado emergir do
ciadas orientações no que se refere à sexualidade próprio grupo, pois eles se percebem no seu con-
e aos meios de prevenção das DST. texto e podem refletir sobre a própria realidade.
Do primeiro ao último encontro do círculo Constatou-se, com este estudo, que são ne-
de cultura, foi possível identificar o conhecimen- cessárias ações de educação em saúde, como o
to de como os adolescentes, a família, a escola e círculo de cultura, que propiciam ao jovem ex-
os amigos percebem a sexualidade do jovem, por suas dúvidas e conhecer os meios de preven-
constatando-se a necessidade de intervir junto a ção, capacitando-os a repensar condutas, favo-
esse grupo, considerando-se suas necessidades recendo uma melhor qualidade de vida.
específicas. Conscientizou-se, pois, da necessida-

Colaboradores

EP Beserra, PNC Pinheiro, MDS Alves e MGT


Barroso trabalharam na concepção teórica, ela-
boração e redação final do texto; CA Torres par-
ticipou da organização e execução das oficinas e
da revisão bibliográfica.
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Beserra EP et al.

Referências

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