Você está na página 1de 428

O CEO A PATRICINHA

TATIANA MARETO
O CEO E A PATRICINHA @ 2018. Todos os direitos reservados. Obra
protegida pela Lei 9.610 de 1998 (Lei de Direitos Autorais).
É proibida a reprodução gratuita ou a comercialização desta obra sem autorização
expressa da autora.
É proibida a reprodução parcial da obra, mesmo que de forma gratuita, sem a
indicação dos créditos autorais.
O CEO E A PATRICINHA é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com
pessoas ou fatos reais é mera coincidência.
Plágio e crime. Crime, não copie.

Para saber mais sobre a autora, visite


http://www.tatianamaretoescritora.com
À Karina Heid, pela amizade e pelos comentários frenéticos no
Wattpad, que permitiram quase a construção de uma história
paralela! As trocas, as conversas, as ideias - muito obrigada, por
tudo!

À Daiane, à Ana Flávia, à Nayhara, à Alexa, à Kariny, à Fran, à


Ellen, à Sue, à Elis, à Trícia, à Bruna, à Mô, à Amanda, à Renata, à
Suellen, à Thais, à Roberta Sell, à Cissa, à Tatiane, à Alesca, à
Jessi Calisto, à Adriana, à Suelleny, à Hannah, à Marcela, à Gisele,
à Diva, à Alliscya, e a tantas outras leitoras lindas - que dedicaram
tanto tempo para ler e comentar esse livro no Wattpad, me
impulsionando a escrever cada vez mais. Sem vocês eu não teria
chegado nem à metade das mais de 142 mil palavras que compõem
esse livro. Obrigada.

Às mulheres que acreditam que príncipes encantados são meio


chatos e que é melhor juntar impérios do que os trapos.
CONTENTS

Notas
O sócio
Parceria
Na Ilha
Os gêmeos
Me beije e me deixe
O vernissage
O Soldado
No estado da arte
Na cozinha de Pedro
O que me falta
Para viagem
Budapeste
Fascinação
Declarações
O passado tem olhos azuis
O futuro do meu presente
Mãe Rússia
Meias verdades
Vai dar tudo certo
O vazio que precede o nada
Fantasmas
Até que não sejamos mais estranhos
Dois impérios
Epílogo
Sobre a autora
NOTAS

1) O CEO E A PATRICINHA é um romance erótico. Há muitas cenas


de sexo e palavrões, o que torna o livro não indicado para menores
de 18 anos. Se você tem menos de 18 anos ou não curte esse tipo
de leitura, talvez esse livro não seja indicado para você.
2) Não há cenas de abuso ou violência sexual.
3) Obrigada pela leitura, sempre, pois esse livro não seria
possível sem a interação fantástica de minhas leitoras e colegas
escritoras.
O SÓCIO

Giovanna Viola
Acordei cedo naquela segunda-feira, mesmo que o final de semana
tenha sido exótico, regado a álcool, na casa de conhecidos, em uma
praia que não me lembrava bem qual era. Olhei-me no espelho para
tentar descobrir como esconderia as olheiras da noite de pouco
sono e muito sexo. O cara que estava comigo já tinha ido embora,
eu o dispensei porque não gostava muito de dormir com eles.
Entrei debaixo do chuveiro querendo muita água fria porque
sabia que o dia seria quente. Ainda não eram sete horas e o sol já
esquentava o piso da minha varanda. Aquele início de 2018 estava
sendo especialmente desafiador, já que eu completava um mês à
frente da Protomak, a empresa do vovô. Um mês de mudanças e
restrições, em que abri mão da minha vida anterior para cumprir
aquele último desejo dele, antes de morrer: conduzir seu legado.
A imagem que refletiu no espelho, depois do banho, era menos
agressiva. Em alguns minutos, com o cabelo seco e um tailleur rosa
pálido, eu parecia então a executiva que o mundo dos negócios já
conhecia. Não era a mulher que fui pelos meus vinte e sete anos e
não era a mulher que pretendi ser quando me perguntaram sobre o
que eu faria quando crescesse. Nunca sonhei ser empresária nem
pertencer ao mundo dos negócios. Essa não era a vida que escolhi
para mim, mas eu jamais desapontaria meu avô.
O dia prometia, já que meus tios, sócios da Protomak, tinham
convocado uma reunião alegando grandes novidades. Eles já
estavam na empresa há muitos anos e eu esperava que eles
tivessem boas contribuições para me ajudar na administração.
Contar com a família sempre foi importante para mim, aquela coisa
de italianos, sempre unidos, e a reunião poderia ser o início de
minha ascensão à frente do legado de Massimo Viola.
Ah, mas eu estava muito errada. Assim que cheguei na
Protomak já suspeitei de algo não estava certo porque Lourdes
estava muito agitada na porta da sala. Ela era a fiel aliada de vovô
durante doze anos e não costumava se agitar tanto a não ser que
tivesse alguma coisa importante acontecendo, algo grande.
— Bom dia, Srta. Viola. Como foi o final de semana?
— Foi excelente, Lourdes. Bom dia, aconteceu algo? Meus tios
já chegaram para a reunião?
— Sim e não.
— Vai ter que ser mais clara, Lourdes.
Continuei falando enquanto entrava na minha sala e colocava a
bolsa sobre a mesa. Não teria tempo para conferir e-mails ou
contratos, tinha que ir direto para a sala de reuniões.
— Seus tios não vieram. Quem aguarda a senhorita na sala de
reuniões é o Sr. Simonov.
— Simonov? Não faço ideia de quem seja, o que ele quer?
— Ele disse que fala em nome de seus tios.
— É advogado?
— Não sei, Srta. Viola. Servi um café e pedi que aguardasse sua
chegada. Mas algo me diz que ele não é advogado, não.
Aquilo não parecia nada com o que me prometeram. Dirigi-me
bastante desconfiada para a sala de reuniões que ficava do outro
lado do corredor. Tentei caminhar devagar, suavemente, para não
dar a impressão de estar ansiosa com a novidade sobre o figurão
que me aguardava, mas não sei se consegui. Eu esperava falar com
meus tios, nem mesmo imaginava o que o tal Simonov poderia
querer.
Ele estava de costas e usava um terno elegante, muito bem
talhado. Dava para ver que foi caro, então ele não era um advogado
de porta de cadeia indo atrás de um processo qualquer. Tinha
ombros largos e parecia impaciente. Daquele ângulo, era um
homem bonito só que eu não fazia ideia do que ele queria ali. Entrei
na sala com minha expressão padrão de mulher indiferente a tudo, a
que costumava usar sempre que precisava fazer negócios. Não
sabia se funcionava, mas mantinha minha pose arrogante.
— Bom dia, Sr. Simonov?
O homem se virou para mim e eu não estava enganada ao achar
que ele era bonito. Mais do que eu esperava, até. Pele clara,
cabelos castanhos escuros, uma barba por fazer, olhos profundos.
Um ar despojado e chique que combinava perfeitamente com ele.
Seu olhar não dizia nada, mas dizia tudo ao mesmo tempo, e sua
colônia me embriagou mais do que o vinho do final de semana.
— Srta. Viola. — O tal Simonov estendeu a mão para me
cumprimentar. — É um prazer conhecê-la, finalmente.
— Estou um pouco confusa. Esperava uma reunião com meus
tios, então agradeceria se o senhor me explicasse a sua presença.
Sentei-me e indiquei que ele deveria fazer o mesmo. A mesa
oval ficava no centro da sala ampla, que tinha uma bela visão para a
cidade de Vitória, graças a uma enorme vidraça. Vovô soube
escolher aquele imóvel e o dia estava lindo.
— Srta. Viola, seus tios consideraram que era desnecessário vir
até a empresa, já que os dois se encontram fora de Vitória. Eu estou
aqui para me apresentar. Sou seu novo sócio.
Se eu tivesse um medidor de expressões, naquele momento, a
minha não poderia ser lida. A frase não fez o menor sentido na
minha cabeça e eu tive certeza que não tinha entendido o que ele
disse.
— Desculpe, acho que não entendi. Novo sócio?
— Sim, eu adquiri as quotas de Stefano e Marco Viola e passei a
possuir cinquenta por cento da Protomak. Caso você também
deseje me vender as suas quotas, ficarei feliz em assumir a
empresa por completo, mas, se não, a sociedade já muito me apraz.
A Giovanna Viola de um mês atrás teria levantado, batido no
tampo de vidro da mesa e feito um escândalo. Mas eu mudei muito,
de forma impressionante, em pouco tempo. A vontade de gritar e
dar um chilique foi estrangulada dentro de mim, a Giovanna
empresária, a mulher que se comprometeu com a empresa do avô.
Engoli a raiva crescente e sorri, fingindo ainda não estar
compreendendo bem o que me foi explicado.
— Sr. Simonov, a Protomak não possui capital aberto, então
meus tios não poderiam vender as quotas deles sem consultar-me
previamente. Eles não têm essa autorização. Creio ter havido algum
engano.
— Não houve. — O homem pegou dois contratos dentro de sua
valise de couro. — Tudo foi feito dentro das exigências formais
legais; meus advogados asseguraram que a lei fosse cumprida
irrestritamente.
— Ainda creio que seja um engano. — Segurei os documentos
nas mãos para analisá-los. Eles pareciam formalmente corretos. —
Terei que submeter esses contratos ao meu advogado.
— Claro, não há problemas. Estarei em viagem à Europa pela
semana e, quando retornar, assumirei minhas funções na empresa.
Até lá, você pode orientar-se com os advogados para que eles lhe
expliquem melhor a transação. Foi um prazer conhecê-la, Srta.
Viola.
Simonov, que se chamava Alexei, se levantou e me estendeu
novamente a mão. Não consegui reagir e foi a primeira vez que
fiquei sem ação desde que me lembrava por gente. Aquilo tinha que
ser uma pegadinha de mau gosto, um engano terrível. De qualquer
forma, não era possível que eu admitisse que meus tios vendessem
as suas quotas da empresa do vovô. Tudo que ele mais amava
estava na empresa, eu não tinha como aceitar que os filhos de
Massimo não quisessem proteger sua história.
Tão logo Alexei Simonov deixou a sala parti para o outro lado do
corredor. Não havia mais elegância no caminhar, nem mesmo eu
tentava parecer indiferente. Perdi a delicadeza que estava fingindo
ter.
— Lourdes, preciso que encontre meus tios. Qualquer um deles,
os dois de preferência, apenas diga que eu preciso falar com eles
agora. Estarei em minha sala.
— Aconteceu alguma coisa, Srta. Viola?
— Sim, não, não tenho certeza. Apenas ache meus tios, por
favor.
Entrei na sala e desabei na cadeira, sentindo meu coração
disparado. Estava tudo errado, eu não entendia o que tinha acabado
de acontecer. Um homem estranho afirmando que seria meu sócio.
Dois contratos assinados por meus tios que representavam uma
transação secreta: eles tinham me enganado. Passei os olhos no
primeiro documento e as cláusulas pareciam perfeitamente
redigidas em dois idiomas, além de estar assinado e registrado em
cartório. Ainda assim, eu precisava que aquilo estivesse errado. O
telefone da sala tocou e não permitiu que eu remoesse os
documentos por muito tempo.
— Srta. Viola, seu tio Stefano ao telefone.
Lourdes anunciou o interlocutor. O apito do telefone demorou
meio segundo mais do que a minha ansiedade suportava.
— Bom dia, Gio. O que houve?
— Eu é que pergunto o que houve. Acaba de sair da Protomak
um homem que alegou ser meu novo sócio, deixou dois contratos
comigo e eu nunca o vi na vida! Quem diabos é Alexei Simonov e o
que está havendo, tio?
— Gio, ele é um mago da tecnologia. A sua empresa, FiberGen,
é a maior em nanotecnologia do mundo. Alexei transforma em ouro
tudo que toca e ele ofereceu uma pequena fortuna por nossas
quotas. Você deveria vender as suas também.
— Vender? Você ficou louco; você e tio Marco estão doidos?
Como podem vender a Protomak, ela é tudo que sobrou do vovô!
— É muito dinheiro, Gio. Se você não quiser vender, ao menos o
Simonov vai conseguir impulsionar a empresa para o sucesso.
— E eu não faria isso? Vocês não confiam em mim, não é? Não
acreditam que eu vá conseguir fazer o que vovô deixou para eu
fazer.
— Nós te amamos, Gio, mas até ontem você não trabalhava e só
gastava o dinheiro da sua mãe. Não pode nos culpar por achar
que…
— Vovô me deixou a empresa porque sabia que nenhum de
vocês seria capaz de conduzi-la depois que ele morresse. — Eu o
interrompi. A mágoa crescia dentro de mim a medida em que
Stefano Viola sugeria que eu era incapaz de administrar a empresa
e que eu deveria vender minhas quotas e desistir. — Vovô não
queria vender nada e eu serei melhor do que qualquer um de vocês
jamais imaginou que eu pudesse ser. Todos verão e lembrarão do
dia em que me desacreditaram.
Desliguei o telefone sem dizer adeus ou me importar em ser
deseducada. A Protomak era a única coisa que sobrou viva do vovô,
o homem que me criou, que eu tanto amei e para quem prometi
atender aquele último desejo. Não deixaria que o dinheiro de um
estranho comprasse aquela promessa e não deixaria que meus tios
tivessem razão. Eu seria melhor, eu mudaria a minha vida inteira se
fosse preciso, mas não daria aos tios o sabor de estarem certos. Eu
tinha uma semana pra descobrir como anular aquele contrato e
acabar com a festa dos milhões que minha família pretendia lucrar,
então eu não podia perder tempo.
Peguei os contratos, enfiei na pasta e disparei para fora da
empresa. Esqueci até mesmo de avisar a Lourdes onde iria, apenas
precisava visitar Janine. Não queria ver o advogado que sempre
atendia a Protomak pois não sabia se podia confiar nele. Jana ia me
ajudar a entender aquele contrato e eu poderia contar com sua
discrição e profissionalismo. Eu tinha que me livrar daquele sócio
indesejado e faria qualquer coisa para que isso não acontecesse.

Alexei Simonov
Entrei em casa sentindo muito peso nas costas. Era a primeira vez
em muito tempo que eu fazia algo que não aprovava, que me
incomodava realmente. Não podia me deixar abater, era uma
missão que precisava ser cumprida, um caminho sem volta. Retirei
o paletó, afrouxei a gravata e dobrei as mangas da camisa até os
cotovelos, sentindo-me abatido pelo calor intenso. Já tinha passado
algum tempo desde que morei no Brasil pela última vez, estava
desacostumado com a umidade e a sensação térmica do verão
capixaba. Servi uma dose de vodca e joguei-me no sofá da sala.
Selecionei, na discagem rápida, o número de Ilia.
— Está feito. — Disse, antes de um cumprimento formal. Em
russo. — Tenho parte da empresa.
— Não quero parte, quero tudo.
— Sei disso, mas você quer duas coisas difíceis de se conseguir
de uma só vez. Não posso me livrar da mulher, como vou me
aproximar dela?
— Deixarei que siga com sua estratégia, Alexei. Mantenha-me
informado, não quero esperar para sempre para ver Massimo Viola
ser apagado da face da Terra.
— O homem está morto. Você o odeia tanto assim? Algum dia
vai me contar o que aconteceu?
— Você não precisa saber, apenas cumpra sua missão.
Ilia desligou, me deixando no vácuo. Joguei o aparelho sobre a
mesa de centro, sentindo a cabeça latejar com o arrependimento
que eventualmente me fazia considerar que negociar com ele tinha
sido uma péssima escolha. Há dezoito anos, quando papai morreu,
fiquei sem ter como nos sustentar. Irina era uma criança cheia de
problemas e Dmitri não estava nas melhores condições. Sabia que
papai era envolvido com negócios ilegais e que trabalhava para a
máfia russa, ou seja, ele não nos deixou muita coisa, nada em que
pudesse me agarrar. Ilia me estendeu a mão como amigo da família,
mas eu estava forjando uma dívida que se pagava com sangue e
honra. Aos dezessete anos, eu não sabia como recusar a ajuda
financeira e psicológica que recebemos.
Voltei para Moscou com Dmitri e Irina e estabeleci a FiberGen.
No início, eu era apenas brilhante, um prodígio. Com o dinheiro de
Ilia, minha genialidade se transformou em um império. Recursos e
administração eficaz construíram uma das maiores empresas do
ramo de nanotecnologia. Mas Ilia não ia demorar a cobrar o amparo
que ele ofereceu, nada foi porque ele gostava de nossa família,
apenas. Não era dinheiro, Ilia esperava que, em algum momento, eu
fosse devolver o investimento agindo como um soldado da máfia.
Os operários sempre devendo aos chefes.
E lá estava eu de novo no Brasil para saldar aquele débito. Ilia
queria acabar com o legado de Massimo Viola, um italiano que ele
odiava mais que o próprio ódio. O velho morreu de um câncer que
estava em remissão, tornando as circunstâncias suspeitas para
mim. Acreditava que Ilia estivesse por trás daquela morte mas eu
não queria nem ia me envolver com nada disso. Achei que não
fosse, porque Ilia também queria acabar com tudo que tinha restado
do velho. Eu tinha que destruir a empresa dele - e a neta.
Sei lá por que Ilia tinha fixação na mulher, só que ele dizia que
eu precisava acabar com ela. Pensei que eu teria que matá-la, mas
era pior que isso, eu tinha que destruí-la de outras formas. Era muita
coisa para lidar e não havia escolha. Eu sabia que minha família
estava em risco se eu não fizesse o que me comprometi. Não podia
nem chamar de compromisso, foi uma ordem. Eu era um soldado da
máfia russa e precisava cumprir a missão antes de poder sair.
Finalizei o drinque, deitei a cabeça no sofá e fiquei ali, por um
tempo, tentando digerir as memórias que eram ainda muito
recentes. A pior parte de tudo seria mesmo Giovanna. Ela era
bonita, eu a achei linda desde que vi as fotos da família Viola. Seria
bem mais fácil se ela fosse desagradável, se comesse filhotes de
gatos vivos, se maltratasse crianças. Seria bem mais fácil se eu
pudesse detestá-la, mas não foi isso que aconteceu quando a
conheci.
Merda, eu estava bem fodido. Meu celular vibrou com uma
mensagem de Dmitri avisando que ia chegar mais cedo de viagem.
Seria ótimo ter companhia na casa, até porque ele e Pedro eram
sempre uma presença marcante. Ao mesmo tempo, ia ser difícil
fingir para eles o tanto que eu teria que fingir. Jamais poderia deixar
que meu irmão soubesse o que estava fazendo, que eu estava
acabando com a vida das pessoas por causa de dinheiro. Dmitri era
bom, era puro, tinha um coração enorme e ele me odiaria para
sempre se imaginasse as merdas em que me meti. Não, meu irmão
tinha apenas que ser feliz.

Giovanna Viola
A ansiedade estava no comando quando cheguei ao Montenegro &
Fonseca Advogados Associados. Toda tentativa de controlar a raiva
se frustrou e não havia nada que eu pudesse fazer para frear a
vontade de matar alguém. Vestia um sorriso falso quando interpelei
a secretária, que não tinha uma cara muito amigável mas que não
deveria querer disputar comigo nesse quesito.
— Preciso falar com a Dra. Janine, por favor.
— Tem hora marcada?
A secretária não me olhou diretamente. Rangi os dentes, certa
de que essa mania ainda me quebraria os molares, mostrando
impaciência.
— Não, mas é urgente. Se não puder chamá-la, vou ligar do meu
celular mesmo e dizer que estou aqui sendo barrada. O que
prefere?
A jovem, visivelmente mal-humorada, indicou que eu deveria
sentar e fez uma ligação. Em menos de cinco minutos Janine
apareceu na recepção para ver o que eu queria, porque ela sabia
que eu nunca aparecia do nada se não fosse algo grave.
— Diga-me o que houve. — Janine perguntou, tão logo
estávamos acomodadas na sala de reuniões do escritório. Coloquei
os contratos sobre a mesa e não disse uma palavra. Minha amiga
deu uma rápida olhada nos papéis, incrédula ao ver o conteúdo. —
Seus tios venderam a Protomak para… Alexei Simonov? É sério
isso?
— Eu não sei, diga-me você. Acabo de ter uma reunião com
esse tal Simonov e não entendi nada. Tio Stefano disse que sim,
que o cara ofereceu milhões e que eles tinham que vender e que eu
deveria vender a minha parte também. Só que eu não farei isso,
prometi ao vovô que…
— Acalme-se. — Janine me serviu um copo de água, mas eu
estava mesmo era precisando de uísque. — Respire fundo e me
diga: você teve uma reunião com Alexei Simonov?
— Sim, foi o que disse. Por que essa incredulidade?
— Gio, você sabe quem é ele?
— Um cara que acha que é meu sócio e que pode tomar minha
empresa, por quê?
— Não. — Janine deu uma risada. — Ele é apenas um dos
homens mais poderosos do setor de tecnologia. Sua empresa é a
maior em robótica e uma das maiores em nanotecnologia. Ele
comanda o setor. Não faz o menor sentido ele ter sentado
lindamente em uma sala com você para dizer que é seu sócio. Não
faz sentido ele ser seu sócio. Ele é uma celebridade.
— Então o cara é rico e… o que raios ele quer com a Protomak?
Levantei-me. Não ia conseguir ficar sentada enquanto as coisas
saíam todas do lugar ao mesmo tempo naquela segunda-feira.
— Não faço ideia. Mas você não veio me ver, nervosa desse
jeito, para saber minha opinião sobre o russo, veio?
— Ele é russo? Meu Deus, eu não sei de nada. Eu quero anular
isso, Jana. Quero acabar com essa venda fajuta e retomar a minha
empresa.
Janine gastou mais alguns minutos olhando os contratos. Eles
estavam perfeitamente redigidos, mas aquilo eu já sabia. Precisava
de uma forma de anular tudo, de invalidar a venda, de impedir que o
tubarão russo colocasse as mãos na minha empresa.
— Gio, esse contrato parece muito correto. Se quiser, posso
tentar abrir uma disputa, mas precisarei dos documentos originais
de constituição da empresa. E, se não me engano, seu avô era pela
arbitragem, certo?
— Não sei, esqueceu que eu sou turista nesse negócio de
trabalhar? Vovô sempre me achou talentosa e eu posso até ser, mas
estou ainda muito crua. Eu contava que teria a ajuda dos tios, mas
eles são apenas abutres que esperavam a carniça esfriar.
— Tudo bem, vamos com calma, então. Volte para a empresa e
me mande toda a documentação que vou pedir por e-mail. Verei o
que posso fazer para te ajudar, Gio, mas preciso de um tempo, tudo
bem?
— E enquanto isso eu faço o que? Deixo o homem entrar?
Janine deu uma risada e quase engasgou com a água que
levaria à boca.
— Lindo do jeito que ele é, até que não seria má ideia deixá-lo
entrar de alguma forma. E ele é genial, vai que serve para alguma
coisa durante uma semana ou duas? Tenha paciência, mulher
ansiosa.
— Ele não é tão lindo assim nem estou nesse ponto de
desespero.
— Tem razão, ele é maravilhoso. E você esteve em uma sala de
reuniões trancadinha com ele? Diga-me, ele continua com aquela
barba espetacular ou raspou?
— Ele tinha uma barba por fazer, nada demais. E você está
definitivamente exagerando.
Levantei-me novamente, já me preparando para sair. Eu devia
seguir os conselhos da amiga e orientações da advogada - ter
paciência e esperar a melhor solução para o problema em que meus
tios me meteram. Ia ser difícil aceitar esperar um dia sequer e,
quanto mais tempo esperássemos, mais tempo os traíras Stefano e
Marco teriam para gastar os milhões que receberam pela venda.
Mas fazer as coisas com pressa era geralmente a pior opção. Tudo
bem, eu era apressada e tinha consciência de que estava errada.
Olhei no celular, algumas mensagens de conhecidos e amigos,
vários e-mails não lidos e já passava de meio dia. Ainda tinha que
almoçar e não estava com fome, só queria dar um fim no pesadelo
do início da semana.

A primeira coisa que fiz quando cheguei em casa foi pesquisar.


Depois que a raiva e a frustração por ter sido traída por minha
própria família deu uma trégua, eu tinha que saber quem era Alexei
Simonov e tudo mais que se relacionasse àquele nome. Jana tinha
dito que ele era uma celebridade mas eu não me importava com
aquilo, queria que ele caísse tão rápido que nem veria o que o
derrubou. Quis ter algo que pudesse usar contra ele, ao menos
saber mais sobre quem dividiria uma sala de reuniões comigo por
pelo menos uma semana. Larguei os sapatos no meio da sala, abri
uma garrafa de cabernet e me sentei à frente do computador. Claro
que a internet teria tudo que eu precisava. Digitei o nome do meu
novo sócio no site de buscas e… surpreendi-me com os resultados.
Primeiro, meu tio e Janine não foram detalhistas o suficiente ao
descrever Alexei. Ele não era apenas uma celebridade, era quase o
maior nome do mundo dos negócios. A tal FiberGen era uma
empresa de tecnologia com sede em Moscou e uma das maiores do
mercado. Não fazia sentido algum aquele tubarão querer algo com
uma empresa tão pequena como a Protomak. Eu nunca quis ser
empresária, mas não era boba e sabia como funcionavam os
negócios. Por que Alexei Simonov queria a minha empresa? E por
que insistir mesmo depois da tentativa frustrada de aquisição?
Quis conhecer o homem por trás do empresário. Quem ele era, o
que fazia e por que fazia. Não me desapontei com as muitas
páginas de fotos sobre ele, algumas posadas, outras roubadas por
paparazzi. Apesar disso, não tinha muita coisa sobre ele
efetivamente. Todas as várias páginas de matérias jornalísticas
sobre Alexei reproduziam a mesma coisa. Ele nasceu em São
Paulo, mas morou a maior parte de sua vida pulando de cidade em
cidade, o que justificava a falta de sotaque. Fundou a FiberGen aos
dezoito anos. Aquilo era surreal, eu não podia acreditar que ele, tão
jovem, tivesse tanto potencial.
E não tinha mais nada. Mal consegui o nome dos irmãos, Dmitri
e Irina, fora isso era tudo mais do mesmo. Não tinha namoradas ou
ninguém sabia de sua vida amorosa. Tudo que consegui além disso
foram matérias sobre tecnologia e feiras internacionais, o que
tornava Alexei um péssimo investimento para as revistas de fofoca.
No final da pesquisa, eu já estava cansada de ficar na frente
daquela tela e ainda não tinha encontrado nada interessante sobre
meu novo sócio. Menos ainda o motivo de ele estar tão interessado
na Protomak.
Teria que confrontá-lo diretamente ou esperar que ele revelasse
o que estava por trás daquilo tudo. O corpo-a-corpo me deixava
exausta e eu não sabia mesmo se queria enfrentar aquilo. Tudo que
queria era o fim daquele pesadelo o mais rapidamente possível,
mas eu duvidava que fosse conseguir. Uma disputa judicial ou
extrajudicial levaria meses para se resolver. Fechei o notebook,
decepcionada porque não consegui decifrar Alexei Simonov. Eu não
sabia nada dele e acabei descobrindo muito pouco. Muita
informação inútil, muitas fotos idênticas. Queria notícias
bombásticas, fofocas quentes, detalhes sobre o homem que estava
no meu caminho, mas a internet não tinha isso para me oferecer.
Talvez ele nem fosse um tubarão, apenas um cara decente
enganado pela minha família gananciosa. Talvez ele fosse uma boa
pessoa, mas eu não conseguia me convencer daquelas opções. Eu
tinha que odiá-lo, era mais fácil.
Deixei o vinho sobre a mesa para tomar um banho frio. Fazia
muito calor no Espírito Santo e a capital estava parecendo um forno.
Apoiei-me nos azulejos e deixei a água cair lentamente sobre minha
cabeça, querendo relaxar. Minutos depois, meu celular tocou e fez
um estardalhaço no silêncio do apartamento. Era Patrícia, a melhor
pessoa para conversar naquele momento. Ela conhecia todo mundo
e poderia ser melhor que o Google, às vezes.
— Patty! Eu precisava mesmo de você.
Disse, ainda me enrolando na toalha.
— Boa noite, fico honrada por despertar tanto amor. O que
houve?
— Você não vai acreditar, mas meus tios safados decidiram
vender a Protomak pelas minhas costas! Pior, eles acharam que eu
cairia na deles e venderia a minha parte, também!
— Como assim, vender a empresa? Dê-me detalhes!
Expliquei rapidamente o que aconteceu naquela tarde, porque eu
não tinha lá muitos detalhes para contar. Havia muitos espaços em
branco para preencher.
— Alexei Simonov é seu sócio, agora? É isso mesmo que eu
entendi?
— Sim. Por que você parece que todo mundo sabe quem é esse
cara, menos eu?
— Todo mundo quem?
— Jana. Estive no escritório dela hoje. Quero cancelar a venda,
anular o contrato, expulsar esse cara da minha empresa. Diga-me, o
que sabe dele?
— Bem, Alexei é um Midas dos negócios, tudo em que ele põe a
mão vira ouro. A empresa dele disparou em poucos anos, hoje eles
controlam praticamente tudo dessa parte de nanotecnologia e
inteligência artificial.
Aquela notícia não era bem o que eu esperava, era mais do
mesmo. A quantidade de elogios sobre o homem não fazia com que
eu o odiasse menos.
— E o que raios esse deus dos computadores pode querer com
a Protomak? Somos muito pequenos se comparados ao império que
ele parece administrar.
— Se você não sabe, imagine eu. Você terá que sondar para
descobrir, o segredo é parte integrante das pessoas de negócios.
Pelo menos você vai poder passar bastante tempo ao lado dessa
perdição russa, né?
— Eu duvido que ele vá passar tanto tempo assim por aqui. O
cara deve ter muito serviço para se preocupar com uma empresinha
de Vitória. E ele não é tão bonito assim, Patty.
— Tem razão, ele é lindo. O que são aqueles olhos, de uma cor
que nem existe no mundo? E a voz? Se ele sussurrasse em russo
no meu ouvido eu casaria na hora.
Já estava começando a me irritar com minhas amigas. Todas
conheciam Alexei Simonov, todas diziam que ele era fantástico,
todas o achavam lindo. Talvez ele fosse lindo, o que era irrelevante
para mim. Ou não era, mas ele continuava sendo o homem que
precisava desaparecer da minha vida.
— Vou continuar investigando o cara. Ajude-me se souber de
alguma coisa, quero me manter informada.
— Pode deixar que as fofocas sempre chegam aos meus
ouvidos. Assim que eu descobrir o que o Simonov quer com você eu
te digo.
Desliguei o telefone e procurei algo para vestir, já que estava
pingando sobre o chão e deixando marcas no porcelanato. Aquele
homem misterioso ainda me tiraria do sério outra vez, mas era muito
cedo para especular. Eu teria que descobrir sozinha o que ele
pretendia.

Alexei Simonov
Minha viagem foi frustrada quando o investidor decidiu abrir uma
disputa no contrato que iríamos assinar. Não era dinheiro nem para
fazer cócegas em minhas finanças, mas eu sinceramente preferia
passar a semana fora como disse que faria a enfrentar Dmitri
naquele momento. Eu não gostava de mentir para meu irmão nem
de ser obrigado a fingir tanta coisa na frente dele. Dmitri e eu
sempre fomos muito próximos, mas eu não podia contar a ele sobre
Ilia. Não ainda. E estava sendo difícil pensar desculpas para ter
voltado ao Brasil e comprado a Protomak, que não era nada perto
do império que eu administrava mas que representava tudo na
vingança daquele psicopata que eu um dia confiei como meu pai.
Olhei para a garrafa de vodca do meu lado e para o quanto já
tinha consumido. Tinha que parar de beber, mas continuei pensando
que tinha mentido sobre a necessidade de ficar no Brasil, sobre
fazer uma aquisição amigável para expandir meus negócios em
outras áreas, que estava cansado do frio russo e precisando de um
pouco de verão na minha vida. Fingir sobre essas coisas não era
muito complicado, mas Giovanna elevava a mentira para outro nível.
Como eu explicaria, para meu irmão, uma paixão súbita por minha
nova sócia? Justo eu, que não misturava sexo, prazer e negócios?
Tive que pesquisar a vida da mulher e descobrir que ela era um
alvo fácil. Patricinha mimada que vivia gastando o dinheiro da
mamãe e do vovô sem muito freio, que adorava festas, eventos,
homens. Não parecia nada complicado me colocar na cama de
Giovanna, mas, se fosse só isso, não daria certo. Eu tinha que fazer
a desregrada se apaixonar por mim, perdidamente. Ilia achou que
eu conseguiria isso porque sou bonito e cobiçado pelas mulheres,
mas ele se esqueceu que eu não me envolvo com elas, apenas uso
para sexo. Eu as uso, elas me usam, nós nos usamos e dá tudo
certo. Não tenho namorada, não ligo para essa bobagem. Já me
apaixonei, sim, uma vez, e foi a pior experiência da minha vida, por
isso meu coração fechou de vez as portas para romance.
— Vamos ao Outback?
Dmitri entrou em meu quarto e me encontrou ali, meio
alcoolizado, jogado sobre a cama, divagando sobre a vida falsa que
eu teria que levar no Brasil.
— Podemos pedir comida se está com fome.
— Não estou com fome, quero sair. Vamos, Lyosha, levante
dessa cama e saia do casulo. Pedro está na universidade e eu
quero passar algum tempo com você! Se não sair dessa casa, vai
acabar criando raízes.
Meu irmão sentou ao meu lado. Virei para ele e o encarei - Dmitri
era bem mais bonito que eu, mas estava fora do mercado há anos.
Seis anos, para dizer a verdade, desde que conheceu Pedro. Ele
dizia que era igual às araras, só amava uma vez na vida e com
Pedro era para sempre. Considerando o clima constante de lua de
mel que tinha na casa, eu precisava acreditar nele.
— Tudo bem, Outback. Reserve uma mesa que já estou me
arrumando.
— Não tem reserva, Lyosha. Levanta dessa cama, vista suas
calças e vamos. Estou esperando lá em baixo.
Dmitri beijou minha cabeça e saiu, me deixando sozinho com
minha miséria. Eu tinha que parar de sentir pena de mim mesmo,
essa não era uma atitude muito digna em um homem de negócios, o
dono de um império, um mago da tecnologia, que era como me
chamavam pelos lugares. Estava na hora de enfrentar as merdas
em que me meti e sair delas com alguma classe. Olhei para minha
figura no espelho e entrei no banheiro para me livrar daquele
arremedo de barba - não estava a fim de me dedicar a ela, não
agora.
Meu celular vibrou algumas vezes e mostrou o número de Ilia.
Atendi às pressas.
— Já pedi para não me ligar. — Disparei, antes de cumprimentá-
lo.
— Estou ansioso por novidades. Diga-me, já conseguiu dobrar a
mulher?
— Ilia, não faz uma semana que adquiri a empresa. Essas
coisas levam tempo, a não ser que pretenda que eu jogue uma
bomba no prédio com todo mundo dentro, vai ter que esperar.
— Não gosto de esperar e você sabe disso. Mas explodir tudo
não parece ser a opção mais divertida, não quero que a mulher se
machuque. Quero que possa trazê-la para mim.
— Deixe-me fazer o que me pediu. Vou cumprir minha missão e
você mantém sua palavra de me livrar do compromisso.
— Minha palavra sempre é mantida. Seu pai sabia disso. Não
me desaponte, Alexei. Gosto de algum resultado.
Desliguei o telefone com as mãos trêmulas. Ilia sabia me tirar do
sério e suas investidas recorrentes, ligando toda hora e me
ameaçando, estavam começando a incomodar. Talvez eu devesse
jogar uma bomba em cima dele, mas isso traria consequências com
as quais eu não iria querer lidar. O problema era que ele sempre me
colocava contra a parede e aquilo significava que eu teria que
antecipar minhas investidas em Giovanna, sendo que eu nem tinha
conseguido assumir a Protomak ainda. Não dava para
simplesmente chegar e tomar a mulher para mim, eu precisava
conquistá-la. Isso dava muito trabalho.
Tentei desconectar desses problemas para curtir o jantar com
meu irmão. Fomos de carro mesmo porque estávamos próximos do
Outback, que ficava no Shopping Vitória. A casa de Dmitri ficava no
meio da Ilha do Frade, então chegamos rapidamente. Para minha
desgraça ela estava lá, a mulher Viola. Assim que chegamos eu a vi
e tenho certeza que ela me viu também. Estava com uma roupa
casual e em uma mesa cheia de mulheres, todas bonitas, bebendo
bastante. Eu não acreditava em coincidências, então aquilo era
mesmo uma praga sendo jogada na minha cabeça por Ilia para que
eu não me esquecesse nem um minuto da minha missão no Brasil.
Fingi que não a notei e entrei com Dmitri, pedindo uma mesa
bem ao fundo e bem escondida. Mesmo que ela não estivesse na
minha vista, meus olhos percorriam todo o lugar para ver se ela não
aparecia. Sim, eu estava vidrado em Giovanna desde que a vi pela
primeira vez, mas era mais que isso - eu precisava estudar seus
movimentos, conhecer seus gostos, entendê-la melhor do que
qualquer um. Eu precisava que ela me amasse e nem fazia ideia de
como conseguir isso.
PARCERIA

Giovanna Viola
E O S
V , nosso momento preferido entre amigas. Mesmo quando
eu não trabalhava, encontrava as meninas para jogar conversa fora
e fofocar. Patrícia, Cecília, Suzana e Janine eram minhas amigas de
longa data, algumas de infância, e todas estávamos em empregos
no mundo dos negócios, em grandes empreendimentos. Já fazia um
ano desde que instituímos a nossa noite - toda quinta-feira, uma
diversão só para mulheres.
Só que, naquela noite, o assunto era a minha empresa e o meu
novo sócio.
— Vamos começar com uma rodada em homenagem a nossa
amiga Gio.
Patrícia levantou sua caneca de chope fingindo que faria um
brinde.
— Eu duvido que mereça qualquer homenagem, em se
considerando o caos que se instalou em minha vida. E pensei que
não falaríamos de trabalho hoje!
— Mas quem disse que vamos falar de trabalho? — Cecília
questionou, depois de pedir as entradas e mais bebidas. — Na
verdade, eu acho que deveríamos falar sobre trabalhar diretamente
com Alexei Simonov.
Todas suspiraram e trocaram olhares cúmplices. Só eu não
conhecia previamente o russo infernal que decidiu tomar a minha
empresa e isso mostrava o quanto eu era alienada antes de
começar a trabalhar.
— Ai, se eu tivesse um sócio lindo e gostoso como ele…
Suzana disse, com uma expressão sonhadora. O garçom
chegou com o pão Australiano como entrada, além da cebola frita,
nossa preferida. Bebi mais um pouco antes de levantar um protesto
pelo monte de bobagem que estavam falando.
— Vocês estão exagerando e já sabem o que penso desse tal
Simonov. Ele deve ser um parasita e eu não quero estragar a noite
falando de doenças. Sem contar que tem muito homem mais bonito
espalhado por aí.
— Ah, claro que tem. Só que nenhum deles está na sala ao lado
da minha. — Patrícia deu uma risada.
— Gio, Alexei Simonov é o deus dos executivos. Toda mulher iria
querer trabalhar com ele, ser mandada por ele, talvez jogada na
parede por ele, um dia.
— Credo, Suzana! Um homem fino como ele não vai ficar
jogando mulher em lugar nenhum.
— Ele não é nada santo, Cecília. Uma amiga conhece uma
executiva que já ficou com ele e confirmou que ele tem pegada!
Acho que jogar na parede é coisa que ele faria, sim!
— Ele é galinha. — Patrícia ponderou. — Conheço várias
pessoas que já tiveram um momento com Alexei Simonov, ele é
mundialmente conhecido como um homem exótico e mulherengo.
Mas aposto que ele sabe como fazer a coisa.
— Se for só para sexo, quem liga se ele é galinha? — Suzana
disparou.
— Vocês parecem um bando de virgens. — Reclamei, pois já
estava ficando enjoada com o assunto. — Alexei Simonov deve ser
uma pessoa horrível, não importa se é lindo. E trabalhar ao lado
dele não deve ter nenhum glamour, aposto que ele é burocrático. E
vocês falam do cara como se ele fosse um pedaço de carne, não
que isso me incomode.
— Pedaço de carne que acabou de chegar.
Patrícia disse bem baixinho, apontando discretamente para as
pessoas que entravam no restaurante naquele instante. Virei o
pescoço e deparei-me com Alexei Simonov e outro homem mais
jovem, sendo conduzidos por uma garçonete. Estavam vestidos
casualmente e não se pareciam em nada um com o outro.
— Hm, o clã Simonov deu o ar da graça no Outback. Brindemos
à Rússia por eles. — Suzana levantou novamente a caneca de
chope.
— Como assim, clã? Quem é o rapaz com ele, filho? — Cecília
se espantou.
— Que filho, sua louca. É Dmitri, o irmão mais novo. As fofocas
dizem que ele também tem uma irmã, Irina, que mora sei lá onde.
Eles são brasileiros, todos eles.
— O irmão é mais gato ainda! — Patrícia se empolgou. — Olha
só esses cabelos loiros, acho que não resisto. Vá lá cumprimentá-
los, Gio!
— Vocês parecem ter bebido um barril de chope, só estão
falando besteira.
Desisti de levar minhas amigas a sério. Quando começávamos a
falar de homem, a conversa se estendia. Se Janine, a mais louca,
estivesse ali, perigava ela mesma ir atrás dos Simonov apresentar-
se. Talvez fosse sorte que tivesse viajado de última hora. Pedimos
mais comida e minhas amigas continuamos a enumerar as
qualidades dos Simonov. Eram ricos, lindos, falavam mais de uma
língua estrangeira - e isso, para Patrícia, era uma enorme
vantagem, eram educados, vestiam-se bem. Eu não estava nada
interessada em debater sobre nada daquilo, mas deixei-me envolver
no assunto depois do terceiro chope comendo quesadillas de
frango.
— Diz uma coisa, Gio. Você teve tempo para prestar atenção na
bunda dele?
Suzana decidiu colocar fogo na conversa. Cecília engasgou em
uma risada e Patrícia simplesmente parou para ouvir a resposta.
— Eu mal tinha visto Alexei Simonov até hoje. Não tive tempo de
prestar atenção nem na cor do cabelo dele, quanto mais da cintura
para baixo. E qual parte do eu odeio esse homem vocês não
entenderam?
— Ô puritana, quem liga para a cor do cabelo?
— Eu ligo! — Patrícia ergueu a mão. — Ficava com o irmão só
por ser loirinho.
— Pois sou mais uma bunda redondinha. Pena que homens
conseguem beber bastante sem precisar ir ao banheiro, adoraria vê-
lo levantar para poder observar.
— Vocês perderam o juízo, agora. Elogiar é uma coisa, querer
ver a bunda do cara é outra.
— Se você tivesse impressões para nos contar, não
precisaríamos conferir por conta própria. — Suzana insistiu.
— Eu não tenho porque tive uma reunião e só. Ele só vai dar as
caras na minha empresa semana que vem, então como queriam
que eu ficasse por dentro desses detalhes?
— Vamos fazer assim. — Cecília teve uma ideia. — Gio, você
tem quatro dias para dar uma boa analisada no seu novo sócio. No
nosso próximo encontro queremos a ficha completa. Até o tipo de
cueca que usa queremos saber e não tente inventar.
— Por acaso vocês vão se candidatar a tirá-lo da solteirice? —
Giovanna questionou.
— Pode ser que sim. Se vira, queremos detalhes sobre o sócio
gostosão.
— Tudo bem, desafio aceito. Mas, fiquem sabendo que eu
espero que essa semana seja a única. Jana vai dar um jeito de eu
me livrar desse tubarão.

Aquele provavelmente não seria um bom dia para mim, mesmo que
eu tivesse repetido meu mantra várias vezes, na frente do espelho,
de manhã cedo. Durante meu ritual matinal eu tomava banho,
escovava os dentes, vestia-me para o trabalho e me maquiava, tudo
feito religiosamente em uma ordem adequada. Admirava-me no
espelho de corpo inteiro que ficava em meu corredor e dizia que o
dia seria bom. Aprendi com minha mãe a ser positiva, sempre,
mesmo que tudo estivesse prestes a dar errado. Senti saudades
repentinas de Isabella, que estava na Itália desde que vovô morreu.
Talvez fosse hora de ligar para ela, ou de fazer uma visita.
Mas eu estava com a cabeça em outro lugar. Era sexta-feira e
Alexei Simonov começaria a trabalhar na Protomak. Depois daquela
noite no Outback eu não consegui mais parar de pensar no meu
sócio, em vários sentidos. Minhas amigas quase o fizeram parecer
um ser humano e eu não queria humanizá-lo, menos ainda ficar
idealizando a bunda dele. Sim, depois da conversa eu fiquei
pensando em como ele deveria ser realmente gostoso e ter pegada.
Fui para a empresa pensando um monte de coisas estranhas e,
quando cheguei, peguei logo os recados com Lourdes e confinei-me
em minha sala. Não faria a menor diferença trancar-me ali, já que as
salas, minha e dele, eram separadas apenas por uma parede de
vidro transparente, o que me permita ver a mesa de Alexei a poucos
metros da minha. E ele já tinha chegado.
Vestia terno azul e camisa amarela, uma cor clara e sutil, quase
imperceptível, com uma gravata de listras. Concentrado em alguns
papéis, apoiava a face em uma das mãos. Lá estava eu, perdendo
vários minutos olhando para ele e me lembrando do que Patrícia e
Cecília falaram sobre ele ser galinha e mulherengo. Claro que ele
era, caras como ele sempre eram promíscuos. Não sei se isso me
incomodava porque eu também era. Janine tinha mencionado uma
barba, mas ela já tinha desaparecido por completo e fiquei na
dúvida qual versão daquele homem seria mais bonita de se ver.
Estava tudo bem errado, eu não tinha que ficar olhando daquele
jeito para meu sócio tubarão porque ele era o inimigo contra quem
estava me empenhando em lutar.
Decidi então que ia trabalhar e ignorar a presença daquele que
me desconcentrava, afinal, ele estava ali fazendo o que tinha que
fazer e sequer me cumprimentou. Liguei o computador, baixei meus
e-mails e já estava com a caixa cheia de coisas urgentes. Também
tinha uns papéis sobre a mesa, todos contratos e propostas que
Lourdes tinha deixado para mim antes da minha chegada. O serviço
me consumiu significativamente e considerei como meu avô, já com
mais de setenta anos, dava conta de tanta coisa em seu dia. Claro
que havia uma pequena diferença - ele tinha meus tios para ajudá-lo
e eu estava sozinha, apenas com um sócio que queria roubar minha
empresa.
— Meu ar condicionado está quebrado.
A voz de Alexei me tirou do meu momento de concentração. Ele
entrou na minha sala, sentou-se na cadeira à minha frente e me
interrompeu sem nem se preocupar se incomodava ou não. Ergui os
olhos e o encarei - havia suor em suas têmporas e ele já tinha
aberto dois botões da camisa e afrouxado os punhos. Mas que
merda de homem lindo que ficou mais lindo depois daquele happy
hour! Eu tinha que fingir indiferença mas estava difícil!
— Não está. Você está em Vitória, aqui é quente, diminua a
temperatura.
— Já fiz isso, continua quente. E eu morei no Brasil por bastante
tempo para conhecer o clima, Srta. Viola. — O intrometido levou as
mãos aos papéis que eu estava analisando e os tomou para si. — O
que é isso que está tomando toda a sua atenção?
— Uma proposta. — Peguei de volta o rascunho que estava
elaborando. — Nada que seja do seu interesse.
— A empresa é metade minha, então…
— Chame um estagiário para ver seu ar condicionado. — Tentei
mudar de assunto. A presença de Alexei estava me aborrecendo por
dois motivos. Um, eu precisava odiá-lo e não o queria se metendo
nas coisas da minha empresa. Dois, ele tinha aquele cheiro
masculino, aquela voz suave, aquele jeito de se mover que indicava
todos os riscos da natureza. Só faltava ser pintado de vermelho. —
Eu estou ocupada e não entendo nada dessas coisas.
— Sua sala está fresca, acho que meu aparelho foi sabotado.
— Eu não tenho tempo para esse tipo de picuinha, não sabotei
meu próprio equipamento apenas porque quero que você faça as
suas malas e volte para Moscou. Já disse, chame um estagiário.
— Farei isso. — Ele se levantou e virou de costas para mim.
Pronto, aquele passou a ser o momento certo para analisar sua
bunda porque eu tinha, em poucos dias, que entregar um dossiê
completo sobre ela. Daquele ângulo eu podia vê-la muito bem e
algumas suspeitas de Patrícia se confirmaram. Ele estava de
cuecas boxer e tinha uma bunda linda. — E, se não se importa,
tenho uma sugestão sobre essa proposta: não pareça muito
desesperada pelo produto, isso sempre deixa o vendedor
presunçoso.
Sem se virar novamente, meu sócio deixou a sala e retornou
para a sua mesa, deixando-me ali, dividida entre estar muito puta da
vida porque ele se achava no direito de sugerir como eu deveria
fazer meu trabalho e a vontade de mandar todo mundo para casa
apenas para poder invadir a sala dele e beijá-lo. Droga, a ideia de
beijar Alexei Simonov passou a ser um problema a partir daquele
instante, pois eu queria e repudiava, ao mesmo tempo, um contato
mais íntimo com ele. Não era muito de enrolar e geralmente partia
para o ataque quando algo me interessava, mas aquele algo era
muito problemático para valer a pena.
O dia parou de render, já que eu não consegui mais me
concentrar no trabalho. Fiquei observando para ver se Alexei
chamaria alguém para ver o problema com ar, mas ele não fez isso.
Preferiu abrir outro botão e dobrar as mangas até os cotovelos, o
que o deixava ainda mais filhadaputamente sexy. Depois, pegou um
copo de água gelada e uma pedra de gelo, que passou pela nuca,
deixando a água fria escorrer pelo colarinho frouxo. Era erótico
demais e acabou me distraindo por completo do que eu tinha que
fazer, por bastante tempo, até que o telefone tocou.
— Srta. Viola, precisa que peça seu almoço?
Olhei o relógio e soltei um puta que pariu sonoro. Já passava de
uma hora e eu sempre almoçava até meio dia e meia. Não ia
conseguir nenhum restaurante que prestasse naquela hora e nem
tinha pedido nada. Ou seja, ia comer o almoço no jantar, e detestava
isso. A Giovanna empresária era muito regulada com os horários e
eu me irritei ainda mais porque foi o russo maldito que me fez perder
a hora boa. Talvez Lourdes pudesse me salvar.
— Se você conseguir algo que entregue antes das duas… e
peça suco de abacaxi com hortelã, por favor.
— Pode deixar, Srta. Viola. Tenho cartas na manga, assim que
chegar a comida te aviso.
Lourdes era a salvação de vovô e, provavelmente, seria a minha
também. Fingi que Alexei Simonov não estava me ouvindo dar um
chilique e voltei à bendita proposta que não ficava boa, nunca.

Alexei Simonov
Café. Eu precisava muito de um café forte e era a falta de cafeína
que estava fazendo com que meu corpo respondesse
negativamente aos quase quarenta graus do verão capixaba. Muito
tempo morando em Moscou, eu deveria saber que sofreria bastante.
Minhas mãos estavam trêmulas e descoordenadas e minha
necessidade de provocar Giovanna não podia representar minha
ruína - eu teria que chamar o estagiário. Talvez fosse fome. Olhei no
relógio em meu pulso e lembrei de quando Dmitri me mandou livrar
do que ele chama de “velharia”. Hoje em dia todo mundo vê hora no
celular, Alexei! Você parece do século passado, ele dizia. Levantei-
me, disposto a fazer com que a minha sala ficasse como a Sibéria e
a conseguir um café. Não conhecia direito a Protomak, mas
imaginava que alguém poderia me ajudar a encontrar as coisas por
ali.
— Lourdes. — Interpelei a secretária. — Temos uma cozinha?
— Claro, Sr. Simonov. — Ela abriu um largo sorriso e tive que
sorrir de volta. Era meio cansativo despertar quase sempre aquela
reação exagerada nas mulheres. — Fica na última porta à direita, ao
final desse corredor. Quer que te acompanhe?
— Não precisa, obrigado. Só quero providenciar um café.
— Posso fazer isso para o senhor.
— Obrigado novamente mas preciso caminhar ou vou esquecer
como se anda.
Lourdes deu uma risadinha baixa e segui na direção que me foi
indicada. Não estava nem um pouco a fim de seduzir a secretária
nem ninguém além da Viola, que era meu objetivo. Uma coisa meio
“conquistar e destruir” que eu não podia evitar. Enquanto
caminhava, ajeitei a camisa, fechando os botões e desdobrando as
mangas. Eu era o chefe naquele lugar, o macho alfa daquele
espaço, não podia deixar que me vissem desalinhado. Abri a porta
da cozinha já sentindo o calor me dar outra rasteira quando a
encontrei ali.
Era uma boa cozinha, com bastante espaço e uma cafeteira
enorme, mas foi ela que me chamou atenção. Giovanna estava
almoçando na frente de uma vasilha de macarrão. Uma boa
oportunidade para uma conversa casual qualquer, mesmo que eu
precisasse apressar as coisas. Não dava para apressar muito mais
do que já vinha fazendo, só que eu tinha que tentar.
— Ora, vejam. Alguém come por aqui.
Provoquei. A Viola ergueu o olhar e me encarou, fazendo com
que tudo ficasse frio de repente.
— Precisa de algo, sócio?
Ela devolveu a provocação, porque aquele tom de voz era uma
provocação. Respirei fundo e decidi que não podia entrar naquele
joguinho porque ele não me levaria a lugar algum. Irritar a fera não
ia me ajudar em nada.
— Vim buscar um café mas aceitaria comida também. Como
consigo um desses?
Apontei para o prato dela, que cheirava a molho pesto. Eu
gostava de massas.
— Posso te passar o telefone do restaurante, mas eles só
aceitam pedidos até uma e meia. Você está atrasado.
Ela disse, mordendo o lábio inferior. Se eu ia parar de jogar, ela
não parecia interessada em fazer o mesmo.
— Certo. Primeiro você sabota meu ar condicionado e agora me
afronta com comida. Esse é seu jeito de me fazer sentir querido na
empresa?
— Você não é querido, Simonov. — Ela retomou a refeição,
enfiando uma garfada na boca. Oras, ela não se importava em falar
de boca cheia, então. — E é inteligente para saber que não quero
você aqui, já disse isso textualmente mais de uma vez só hoje.
Então, se não tem nada melhor para fazer, além de me importunar,
pretendo terminar esse espaguete, que está fabuloso.
Ser ignorado não era algo ao que estava acostumado, eu
preferia ser desafiado. E Giovanna era um desafio permanente, o
que me deixava bastante excitado. Olhei para ela por alguns
segundos e considerei que eu também deveria afrontá-la porque ela
parecia tão a fim de um desafio quanto eu. Tinha que fazer alguma
coisa, não podia simplesmente voltar para a minha sala. E eu
pensando que bastaria jogar meu charme que ela se apaixonaria
por mim… como sou idiota. Peguei um garfo, um guardanapo de
pano e sentei na cadeira exatamente ao lado dela. Enfiei o garfo no
espaguete, enrolei uma porção no garfo e enfiei na boca. Ela me
olhou com tanto horror que imaginei ter feito a coisa certa.
— Tem razão, está fabuloso. — Disse, de boca também cheia.
— E o que pensa que está fazendo?
— Dividindo a refeição com minha sócia. Vamos, Viola, é só um
prato de macarrão. Estou faminto, perdi a hora, o cheiro desse pesto
está maravilhoso e amanhã eu posso pagar o almoço, o que acha?
Ela me encarou por longos segundos. Quando Giovanna me deu
aquela olhada parecia que ia congelar o universo, mas eu tinha que
me manter firme. Afinal, frio era comigo mesmo - já tinham me
apelidado de homem de gelo. Ao mesmo tempo pensei que ela
fosse explodir e atirar a vasilha em mim, mas ela só voltou a me
ignorar. Não me impediu nem permitiu que eu comesse com ela,
fazendo com que eu tivesse certeza que seria muito mais difícil me
conectar a ela do que eu pensava. Por que diabos essa mulher
resolveu ser uma pessoa diferente justo quando eu precisava que
ela fosse aquela de antes, a mimada volúvel fácil de pegar?
Considerei se não tinha traçado um plano equivocado ao comprar a
empresa antes de conquistá-la, mas não dava para voltar atrás.
Tinha que seguir com o combinado com Ilia e esperar que meu
charme fosse suficiente.

Giovanna Viola
Lourdes conhecia bem minha casa de massas preferida e raramente
media esforços para me agradar. Chegar à cozinha e encontrar
aquele maravilhoso espaguete ao pesto foi a melhor coisa do dia até
aquele momento. Ao invés do suco de abacaxi que pedi, tinha uma
pequena garrafa de vinho branco que era um dos meus favoritos,
também. Tomar vinho no meio da tarde não parecia muito
adequado, mas quem estava ligando?
Para meu desgosto, aquele não seria um almoço tranquilo.
Enquanto apreciava lentamente aquela maravilha da cozinha
italiana, meu sócio indesejado apareceu com toda a sua presença
desconcertante. Ele parecia pouco confortável em suas próprias
roupas e seu rosto exibia olheiras mas, fora isso, continuava lindo e
aquilo me deixava nervosa. Não tinha visto nada de interessante
nele há uma semana, mas minhas amigas tinham que inventar de
falar de Alexei como se ele fosse a melhor coisa da Terra e pronto:
eu estava subitamente intrigada e interessada. A presença dele,
com aquele cheiro masculino, nos espaços que antes eram meus,
era inconveniente.
Para piorar a situação, depois de uma breve conversa
provocativa, ele decidiu sentar ao meu lado e dividir meu almoço.
Sem ser convidado, sem ser autorizado, Alexei parecia não
conhecer os limites básicos da convivência humana. Decidi fazer o
que sabia que o incomodaria mais do que um ataque histérico -
ignorá-lo, fingir que ele não estava ali, que não estava sentado bem
próximo, com a perna tocando a minha, que eu não podia sentir o
cheiro daquela colônia amadeirada que ele usava.
— A proposta que estava preparando, conseguiu enviar?
Alexei ignorou minha indiferença. Pegou a taça de cristal e
bebeu um gole do vinho. A garrafa só tinha 375ml, então não estava
mesmo a fim de dividir meu vinho com ele.
— Isso não te interessa, Simonov. Já disse, por que parece que
estamos repetindo a mesma coisa sempre que nos encontramos?
— Porque você resiste em aceitar que sou proprietário de
metade da empresa e que tudo que acontece aqui me interessa.
Deixar-me de lado não vai fazer com que me afaste, Giovanna.
Era uma merda, mas ele tinha razão.
— Ainda não enviei. — Decidi não insistir nos joguinhos de
provocação. — Mas é apenas uma questão de estratégia, eu
preciso ter certeza que vou dar o melhor lance na tecnologia.
— Bem, não é um leilão. E os gêmeos não costumam estar
preocupados com dinheiro.
Ergui meu olhar até os olhos dele. Preferia evitar encará-lo, mas
estava difícil conseguir meu objetivo. Sempre que olhava para ele
era tomada por aquela sensação de risco que ia além da beleza que
contaminava todo o ambiente.
— Então você conhece os gêmeos?
Alexei deu outra garfada na minha comida, mostrando que ele
também não se importava em falar de boca cheia.
— Você não é ingênua, Viola. Já descobriu quem eu sou, mas
deveria se perguntar por que a FiberGen ainda não tem essa
tecnologia que você quer adquirir, já que somos dez vezes maiores
do que a maioria das empresas de tecnologia do mundo.
— Porque os gêmeos não ligam para dinheiro, eles apenas não
querem vender para uma grande corporação.
“Os gêmeos” era o codinome de Marcos e Marcelo Siqueira, dois
dos mais famosos hackers do Brasil. Eles começaram com
pequenas invasões até serem presos, nos Estados Unidos,
acusados de roubar dados da Agência Nacional de Segurança.
Foram postos em liberdade para trabalhar para o governo
estadunidense, mas desenvolveram, enquanto estavam na cadeia,
um poderoso sistema anti-hackers. Soltos, puderam testá-lo e
descobriram que apenas eles eram capazes de romper o bloqueio
rapidamente - e eles não contavam, pois eram os criadores da
tecnologia. Muita gente estava interessada no que eles tinham, mas
os gêmeos Siqueira só venderiam seu produto para quem eles
aprovassem primeiro.
A FiberGen não tinha chance. Será que esse foi o motivo de
Alexei Simonov estar tão interessado na minha empresa minúscula,
se comparada à dele? Para atingir mercados fora de seu alcance
porque nem todo mundo se seduzia por trilhões de dólares em uma
conta bancária? Do que diabos eu estava falando!
— Então você provavelmente deve ter uma estratégia para
atingi-los que não seja financeira.
— Não tenho. — Confessei. Eu não tinha muitos problemas em
revelar minhas supostas fraquezas, pois não as considerava
fraquezas. Não saber o que fazer e pedir ajuda, para mim era uma
virtude. — Não bolei ainda uma forma de convencê-los que posso
pagar pelo produto e que não o deixarei ser controlado pelo capital.
— Sabe que não pode fazer isso.
Alexei pegou um pãozinho e passou no molho pesto que estava
acumulado na vasilha do espaguete. Bebeu outro gole do meu vinho
e esperou uma réplica, que demorou a vir. Fiquei sem reação
porque era a primeira vez em que estávamos em uma conversa
civilizada e porque eu não consegui me mover observando cada
gesto que ele fazia, como se fosse controlado mas puramente
espontâneo. Alexei era ambíguo, era dúbio, era complexo porque
nada nele parecia real, ao mesmo tempo em que tudo era real
demais. Eu talvez tivesse muito mais a relatar para minhas amigas
do que meras impressões sobre a bunda do meu sócio, porque eu
estava meio que absolutamente enfeitiçada por ele.
— Posso ao menos tentar convencê-los de que é viável.
— Marque um encontro, vamos conversar cara-a-cara com eles.
— Vamos? — E rapidamente retornei para minha armadura e
liguei minhas defesas que estavam desarmadas temporariamente
há alguns minutos.
— Foi minha ideia, acha justo me excluir? Além do que estou
acostumado a lidar com esse tipo de negociação e posso te ajudar.
Droga, ele tinha razão de novo, mas eu não queria que ele
tivesse razão. Precisava mantê-lo a uma distância segura, o que
significava não aceitar nada vindo de Alexei Simonov. Ao mesmo
tempo, eu não podia agir como se não precisasse de ninguém,
como se ter uma pessoa experiente para me ajudar não fosse
importante. Meus tios me traíram, eu tinha que arrumar alguém para
colocar no lugar deles. Talvez enquanto aquele contrato não fosse
anulado eu pudesse seguir os conselhos de Janine e aprender algo
com o tubarão russo.
— Tudo bem, vou contatá-los para um encontro. Mas marcarei
no restaurante mais exclusivo de Vitória e você vai pagar.
— A FiberGen não pode estar envolvida.
— Você vai pagar, Alexei Simonov.
Sorri e finalizei o espaguete, afinal, ele era meu. Ficou um pouco
de molho em meus lábios e Alexei, ao invés de indicar que eu
deveria limpá-los, levou a mão até minha face. Esquivei-me, mas ele
foi mais rápido e me tocou. Senti a pele queimar enquanto ele
passava o polegar em meu lábio inferior, para retirar o excesso do
pesto que estava ali. Foi um segundo que durou dois dias, em que
eu reagi pateticamente fechando os olhos e mostrando que não sou
lá uma pessoa muito controlada na presença do meu sócio.
Em apenas um dia, só um dia, eu já não tinha mais nada certo
em minhas convicções. Bastou meia hora e um almoço roubado
com aquele demônio russo para que eu questionasse minha decisão
de me livrar dele, minha decisão de odiá-lo, minha decisão de bani-
lo de volta para a Rússia. Eu não costumava duvidar de mim
mesma, mas, naquele instante, depois que ele levantou, colocou a
louça na pia e, sem nada mais dizer, saiu da cozinha, parecendo tão
perturbado quanto eu, minhas certezas foram todas por ralo abaixo.

Alexei Simonov
A noite na baía de Vitória estava linda e limpa. Era possível ver as
estrelas e a lua, e o Convento da Penha iluminado. Da varanda de
casa, eu tinha aquela visão privilegiada dos belos pontos daquela
cidade, inclusive da terceira ponte. Eu não conhecia bem o Espírito
Santo, mas Dmitri morava naquele lugar há algum tempo. Sentado
no sofá, com uma garrafa de vodca ao lado, já pela metade, perdi-
me naquela imensidão do horizonte para relaxar. As coisas iam dar
errado de qualquer jeito, mesmo que dessem certo. Não tinha certo.
Se eu cumprisse a missão de Ilia, libertaria Irina de um futuro
incerto e manteria minha família a salvo. Mas teria consequências,
porque falhei em não sentir nada pela Viola. Naquele dia eu tinha
conseguido finalmente afetá-la de forma positiva ao sentar ao seu
lado, furtar o almoço e o vinho e discutir sobre os gêmeos. Eu
causei um efeito sobre ela, não sabia qual. O problema era - ela
também tinha me afetado. Eu não estava sabendo lidar com a
mulher pela qual eu não esperava, com presença de espírito, força,
competitividade. Como era ela que eu precisava destruir, as coisas
iam se complicar.
Servi outra dose da vodca e ignorei meu celular que tocava pela
vigésima vez. Eu tinha certeza que ela Ilia querendo saber dos
meus progressos, mas eu não tinha nenhum para contar. Já tinha
cansado de falar a mesma coisa todo dia, não tinha nem forças para
levantar dali e desligar o aparelho. Minha vida, no Brasil, estava se
resumindo a atuar uma personagem durante o dia, para conquistar a
mulher Viola, e afogar-me em álcool e outras drogas, durante a
noite. Tinha sido cocaína, então era vodca. Larguei o cigarro porque
precisava de coisas mais fortes para ajudar a esquecer, talvez a
desaparecer. Se eu morresse, talvez Ilia quitasse a dívida e meus
irmãos teriam paz.
O relógio marcava duas e vinte e eu ainda não tinha vontade de
dormir. Dmitri mandou uma mensagem dizendo que chegaria tarde,
pois Pedro teve um evento qualquer. Aqueles dois viravam mais
noites do que eu. Mas fiquei sozinho, e sozinho eu acabava sempre
me afundando em pensamentos sombrios sobre como dar um fim
naquilo - na minha vida. Uma overdose parecia clichê demais para
um homem importante como eu, seria mais impactante um tiro nas
têmporas, como gângsteres faziam nas histórias que eu lia quando
jovem. No fim, eu desistia de tudo porque lembrava que Irina
precisava de mim e queria acreditar que Dmitri também.
Finalizei a dose e servi outra. Quando a garrafa chegou ao fim,
eu já estava bebendo no gargalo e bêbado demais para continuar
pensando. Adormeci por ali mesmo, no sofá da varanda, com as
roupas do dia. Acordei sobressaltado com o barulho dos cachorros
no andar de baixo, a cabeça doendo e latejando, o corpo dolorido
pela noite. No quintal, Dmitri e Pedro aproveitavam o dia quente
para dar banho em Nikita e Vanilla. Era terça-feira e meu irmão não
podia estar tão bem disposto depois de ter chegado de madrugada.
Tanta animação me deixava enjoado.
— Lyosha! Você está um lixo, venha tomar um banho de
mangueira.
Ele gritou ao me ver observando pela sacada com olheiras
enormes. Já tinha arrancado a camisa e estava mesmo morrendo
de calor.
— Tenho que ir trabalhar. — Conferi o relógio, já passava de oito
e meia.
— Mas precisa tomar banho assim mesmo! Vou entrar e fazer
um café para você, tudo bem? Depois Pedro te deixa na empresa.
Com um gosto amargo na boca, entrei e comecei a me despir.
Quando foi mesmo que Dmitri começou a cuidar de mim? Eu era o
irmão mais velho, eu cuidava da família e de tudo, por que isso
estava invertido? Mesmo que eu estivesse me sentindo péssimo e
minha vida estivesse fazendo pouco sentido, eu não podia deixar
que Dmitri assumisse as responsabilidades que eram minhas.
Enfiei-me debaixo do chuveiro e deixei que a água fria fizesse seu
milagre de me reenergizar. Enquanto me ensaboava, pensava no
reencontro maldito com Giovanna, a peste que não parava de me
tentar. As imagens e sensações relacionadas a ela começaram a
me perturbar - pele macia, o sorriso, o cheiro. Eu tinha que acelerar
aquilo e me livrar logo dela, ou iria enlouquecer.
Vesti um terno preto com camisa branca, o maior clássico que eu
conhecia, e desci as escadas perseguindo o cheiro do café. A
felicidade de Dmitri e Pedro me incomodava o suficiente porque eu
não tinha nada daquilo. Encontrá-los se beijando na cozinha não fez
com que meu dia começasse melhor. Confesso, era inveja porque
meu irmão era feliz, porque tinha o que queria, porque fazia o que
queria. Fui feliz, até certo ponto, até me deixar engolir pelas trevas e
assumir a faceta de soldado de Ilia Pavlov.
— Como andam os preparativos para o vernissage?
Perguntei, enquanto Dmitri me servia uma caneca de café e
colocava panquecas em um prato. Não dava mais para negar que
ele estava cuidando de mim e isso era por causa do meu
comportamento destrutivo acendendo sinais de alerta nas pessoas.
— Tudo em dia. Pedro está me ajudando a ver os locais mas
creio que já temos um bom espaço. Estou um pouco nervoso, é
minha primeira mostra pública.
— Você tem muito talento, vai dar tudo certo.
Eu acreditava mesmo que iria. Dmitri era artista, era talentoso,
era fabuloso. Ele me beijou e voltou para o quintal, onde Pedro já o
esperava com os cães e muita água envolvida. No início, a decisão
dele em ser um artista soou negativa, já que eu acreditava que isso
não dava dinheiro nem era um emprego decente. Claro que eu
estava errado e, mesmo que estivesse certo, eu não colocaria freios
nos desejos do meu irmão. Ele podia ser o que quisesse. O amor
que sentia por meus irmãos era a única coisa que me mantinha vivo,
mesmo que no rumo errado.
Depois de comer as panquecas e me entupir de cafeína, dirigi
até a Protomak. Declinei a oferta de Pedro porque não gostava de
motoristas, apenas eu dirigia meu carro. Já passava das dez e eu
estava oficialmente atrasado, mas era o chefe e podia chegar a hora
que quisesse. Cumprimentei Lourdes com um aceno de cabeça e
um sorriso, sem vontade de me expressar com palavras, e fui até
minha sala. Deixei a valise sobre a mesa, fui ao bar e me servi de
uma dose de uísque. Queria manter-me bêbado, e foi quando eu a
vi.
Viola vestia rosa, um tom de rosa absurdo para a sua pele, e
girava de um lado para o outro falando ao telefone. Nem conseguia
ouvir o que ela dizia, mas estava agitada e parecia zangada. A
compulsão pelo álcool morreu lentamente enquanto eu a admirava,
sem notar o quanto eu estava ferrado. Os cabelos muito escuros
contrastavam com a pele branca e as sardas pintavam toda a
extensão de suas bochechas. Ela usava um batom que destacava
os lábios, e tinha uma tatuagem nada discreta despontando no
antebraço. Uma corrente de adrenalina me percorreu o corpo e
senti, pela primeira vez no dia, a vida pulsar dentro de mim. Afrouxei
a gravata e o colarinho, arrebatado pelo mesmo calor do dia
anterior, sem entender a reação que aquela mulher me causava.
Desabei na cadeira, realizando o caos. Seria mais fácil seduzir a
jovem Viola se eu realmente quisesse fazer aquilo, mas aí seria
impossível magoá-la se eu me apaixonasse. Eu era Alexei Simonov,
eu não me apaixonava, não me prendia a nenhuma mulher, apenas
as usava assim com elas me usavam. Se fosse apenas isso, não
teria problema algum, mas também nenhum efeito. E não era
apenas isso. Ilia queria que eu acabasse com tudo que o velho mais
amava, incluindo a neta. Não podia matá-la, não podia me matar,
teria que conquista-la e entregá-la para o mafioso. Eu poderia fazer
com que ela se apaixonasse por mim, mas o que eu faria se me
apaixonasse por ela?
NA ILHA

Giovanna Viola
E . Ele estava, finalmente,
sossegado e tentando realizar uma conferência por Skype. Eu podia
ouvir o ruído da conversa - e falavam em russo pois, quando
cheguei, Alexei pediu alguma coisa. Oh, língua estrangeira que
nunca tinha ouvido antes e que soou orgástica desde a primeira
sílaba. O que diabos estava havendo comigo?
— Sexta-feira, meio-dia, Papaguth.
— Não faço ideia do que isso signifique.
— Almoço com os gêmeos. Eles vêm a Vitória ouvir minha…
nossa proposta.
— Uau, Giovanna Viola usando a primeira pessoa do plural. —
Ele ergueu o olhar e me encarou. Acho que fui traída por minhas
palavras mas, ainda assim, havia algo estranho nele. Uma aura ruim
pairando sobre aquela cabeça que eu daria alguns muitos reais para
saber o que se passava por ela. — Não foi tão difícil, foi?
— Se terei que te suportar até o contrato ser rompido, então
entendo que é melhor jogar o jogo. Já confirmei com eles então, se
quiser me acompanhar, ajuste sua agenda.
— Claro que vou te acompanhar.
Sorri e saí da sala, sentindo-me mais animada por causa da
minha investida com os gêmeos. Eles concordaram em me
encontrar depois que disse que teria uma boa proposta para
oferecer, mas eu ainda não a tinha na verdade. Só que eles
adoraram a ideia do face-a-face, principalmente porque teriam a
oportunidade de conhecer uma nova cidade e uma empresária de
quem nunca tinham ouvido falar. Minha não notoriedade contou
pontos. Os gêmeos eram temperamentais e difíceis de lidar, mas eu
já tinha aprendido que isso era comum e vovô sempre dizia que eu
precisava dar conta desses mimados. O mundo dos gênios também
é o mundo das vaidades, era o que Massimo Viola sempre dizia.
Para não perder a hora de almoço de novo, pedi que Lourdes
encomendasse comida. Não ia conseguir sair para comer, estava
fazendo bons progressos com alguns contratos e queria era
trabalhar na bendita proposta dos gêmeos Siqueira. Eu era novata
naquele meio, mas não era tola ou ingênua, então tinha ideias sobre
como dobrar Marcelo e Marcos. Sentei em minha cadeira e olhei
para o lado, porque sou burra, mesmo não sendo tola. A vidraça,
que antes me separava do tio Stefano, mostrava a figura
compenetrada e misteriosa de Alexei e eu continuava intrigada com
aquele cara. Meu sexto sentido nunca falhava, eu sabia que ele era
problema e tinha que me livrar dele, mas como fazer isso se eu
também queria, a toda hora, pular em seu pescoço e beijá-lo?
O telefone tocou, era Janine.
— Novidades? — Disparei, sem nem cumprimentá-la. Eu
precisava de novidades.
— Quanta pressa. Mas sim, liguei porque tenho novidades e elas
vão te desagradar.
Droga, Jana. Não me ligue e me tire do transe-sócio-gostoso do
momento se não for para me dizer algo melhor do que decorar as
linhas do queixo de Alexei Simonov. E lá estava eu, delirando com o
cara de novo.
— Vamos, despeje logo a bomba sobre mim.
— O contrato é perfeito. Há uma brecha nos atos constitutivos da
empresa que permite ao administrador vender, e chancelar a venda,
de quotas da empresa - e seu tio Marcos era o administrador desde
que seu avô piorou. A ata que o nomeou estava vigente quando ele
assinou a venda das quotas, então, Gio, só abrindo uma disputa. Só
que…
— Sei, vovô queria que resolvêssemos tudo por arbitragem. O
que você acha?
— Que é uma boa ideia. Vocês podem pagar, escolhemos uma
câmara em São Paulo ou Minas, o processo é rápido e sigiloso.
Ninguém ficará sabendo da fissura na Protomak.
Respirei fundo. Ela tinha razão, Janine era uma excelente
advogada e eu já pretendia, mesmo, destituir o escritório que
representava a Protomak para contratá-la por tempo integral. Ela
sabia trabalhar e eu precisava ser objetiva.
— Vai demorar bem mais do que eu estava interessada em
esperar e Simonov terá que concordar.
— Convença-o, aposto que ele também vai preferir algo rápido e
sem estardalhaço.
— Tudo bem, verei o que faço. Amanhã te dou uma resposta.
A novidade era mesmo desagradável, pois eu esperava que
Janine tivesse uma carta escondida na manga que me poupasse da
presença nociva do Simonov. Como aquilo não aconteceria tão
cedo, eu teria que me resignar e aprender a trabalhar com o
homem. Não sobravam muitas opções, afinal. Fui ao banheiro,
querendo lavar o rosto, refrescar-me, olhar-me no espelho e repetir
meu mantra matinal, que não parecia estar adiantando muito. Os
dias estavam sendo, quase todos, muito difíceis. Fiquei ali,
trancada, por vários minutos, até que Lourdes bateu à porta e
avisou que o almoço tinha chegada.
Ajeitei a roupa, uma blusa de seda com calça de listras, que me
fazia mais alta, e caminhei até a cozinha, tentando demonstrar
minha pose. Eu sempre encontrava os funcionários pelo corredor e
gostava de mostrar que a chefe deles estava bem, mesmo que eu
não estivesse. Desde que assumi a Protomak eu gostava de fingir
que era uma executiva poderosa, de sucesso. Queria que me
vissem daquela forma, que isso apagasse a imagem de patricinha
mimada que carreguei por toda a minha vida.
Ao chegar à cozinha, deparei-me com Alexei. Olhei para a mesa
e lá estavam duas porções de comida e uma garrafa inteira de
valpolicella - Bolla, para ser mais exata. O meu vinho favorito.
— Foi Lourdes quem providenciou isso?
— Não. — Ele indicou que eu deveria me sentar. — Eu prometi
pagar o almoço e costumo cumprir minhas promessas.
— E vamos consumir uma garrafa inteira de Bolla no meio do
dia? Sendo que você está com cara de quem bebeu a noite inteira?
— Eu bebi a noite inteira, mas foi vodca. — O cínico deu uma
risada e fiquei sem entender se ele falava sério ou estava brincando
comigo. — Vamos beber o que quisermos, depois guardamos o
restante para a noite.
— É criminoso abrir uma garrafa de vinho e não consumir tudo.
Guardar estraga as propriedades e vamos acabar bebendo vinagre.
— Certo, então beberemos tudo agora.
Ele serviu duas taças de cristal e colocou uma à minha frente,
indicando que eu deveria provar o vinho. Girei a taça e levei-a à
boca - estava maravilhoso. Com meu aceite, Alexei terminou de
servir a bebida e a comida, entregando-me um prato de penne ao
molho alfredo. Fiquei olhando para ele e para seus movimentos
cronometrados, como se tudo fosse um filme se passando à minha
frente. O cheiro do molho entrou pelo nariz e quase me nocauteou -
eu adorava molho alfredo, era o meu favorito daquele restaurante.
Meu sócio então sentou-se ao meu lado, permitindo que nossos
corpos se tocassem outra vez. Talvez eu devesse ter comprado uma
mesa menor, afinal.
— Precisamos conversar sobre a sua participação na Protomak.
Abri espaço para a conversa sobre a disputa. Mesmo que eu já
tivesse decidido que odiar Alexei não era possível, eu ainda
pretendia me livrar dele.
— O que há para conversarmos?
— Vou pleitear a nulidade da venda das quotas. Já conversei
com minha advogada, mas gostaríamos de fazer isso pela
arbitragem.
— Tem certeza que quer perder seu tempo com isso, Giovanna?
Ele perguntou com um tom sombrio de voz. Sua expressão toda
adquiriu um tom de seriedade que não existia segundos atrás. O
Alexei descontraído que me serviu vinho e macarrão transformou-se
no homem que me incomodava e que parecia um predador prestes
a atacar a presa. Eu não gostava desse cara.
— Não considero perda de tempo. Não aceito que meus tios
tenham feito isso e não confio em suas boas intenções, portanto
pretendo retomar minha empresa. Não pense que vai me comprar
com molhos e vinhos italianos.
— Jamais imaginaria te comprar com isso. — Ele soou
verdadeiro mas eu não acreditava nele. — Bem, eu concordo com a
arbitragem. Colocarei meus advogados em contato com a sua, eles
resolverão o que precisa ser feito.
O almoço, que poderia ter sido um momento descontraído,
perdeu seu encanto. Por um instante surgiu um lampejo de dúvida
que me fez refletir se não estaria exagerando, se não deveria dar a
ele uma chance. Eu não conhecia Alexei, mas não podia afirmar que
a venda das quotas tinha sido um plano perverso para me tirar a
empresa - até porque eram meus tios os principais responsáveis
pelo que houve. Eu teria a chance de trabalhar com um dos maiores
empresários do mundo, teria a oportunidade de aprender com ele e
de ensinar a ele. Ele era um homem lindo, sedutor, agradável e
ligeiramente interessado em manter um relacionamento cordial
comigo, mesmo que eu só tivesse oferecido as ferraduras a ele.
Decidi que não decidiria nada até a semana seguinte. Diria a
Jana que precisava pensar um pouco mais sobre a arbitragem ou a
disputa e consideraria minhas opções durante o final de semana. Eu
ainda tinha um almoço de negócios com Alexei e precisava
descobrir o quanto ele estava realmente interessado em ajudar a
Protomak, não em absorvê-la por completo. Eu não sabia se podia
confiar nele, mas não tinha mesmo ideia de suas reais intenções.
Comemos em silêncio até que ele finalizou sua taça de vinho e,
segurando o celular que tocava, levantou-se para retornar à sua
sala.
Virei o pescoço para observá-lo melhor. Ah, homem lindo de um
inferno que ia acabar sendo a minha perdição naquela jogada.

— Finalmente ela chegou.


Cecília disse, com alívio ao me ver entrar pela porta do Outback.
Minhas amigas estavam na varanda, mas já me esperavam há
quase meia hora. Daquela vez, o grupo estava completo e já na
segunda rodada de chopes. A noite prometia, mas eu tinha
compromisso para o dia seguinte. Cheguei sentando e pendurando
a bolsa na cadeira, já enfrentando os olhares curiosos. Claro que
aquela ansiedade não era por mim, mas por me fazer falar sobre o
sócio do inferno.
— Peguei trânsito, tinha um carro quebrado no caminho.
Expliquei mesmo sabendo que elas não dariam a mínima. Tudo
seria apenas desculpa.
— Muito bem, agora estamos todas aqui. Como foi a semana de
vocês, mulheres?
Patrícia levantou a caneca de chope para o tradicional brinde do
happy hour das quintas-feiras. Aquele momento era o que nos
mantinha unidas, pois nossas vidas eram loucas. Apenas eu tinha
vida de patricinha antes, mas já estava no ritmo das mulheres
empresárias.
— Não interessa a minha, nada acontece naquela empresa.
Quero saber de Giovana e o Simonov.
Suzana disparou e atacou as coxinhas de frango que tinham
acabado de chegar. Eu estava morrendo e fome e fiz ou mesmo, já
que mal tinha tomado café à tarde e o almoço já era uma distante
lembrança. Eu adorava comer e não me importava com aquilo,
estava bem comigo mesma.
— Realmente, parece que nossa amiga empresária tinha uma
tarefa a cumprir. — Patrícia deu uma risada.
— Vocês andam muito animadinhas com meu sócio. Não
querem ficar com ele para vocês?
— Como é uma semana trabalhando com o deus russo da
tecnologia, hem, Gio? Conta para nós.
Janine insistiu e aquilo me fez encará-la com algum desprezo.
Tipo, ela não sabia que eu pretendia me livrar dele? Ela era a minha
advogada, ela sabia que eu moveria montanhas para tirar aquele
homem da Protomak, mas talvez a demora em dar um sinal para
que ela prosseguisse estivesse fazendo com que ela duvidasse da
minha vontade. Bem, até eu estava duvidando.
— Está bem. O que querem saber?
Desisti de dissimular. Era melhor deixar fluir o assunto, elas
queriam saber sobre Alexei - e não era sobre o quanto inteligente
ele era.
— Você deveria nos contar sobre a bunda dele.
— Diga, ou melhor, relate. — Patrícia se acomodou melhor na
cadeira.
— É uma bunda mais ou menos. — Menti descaradamente e
elas perceberam, atirando bolinhas de guardanapo em mim. Sempre
fazíamos bagunça no Outback, ninguém mais ligava.
— Deixa de ser cínica, Giovanna! — Cecília reclamou. — Duvido
que qualquer coisa naquele homem seja mais ou menos, fala a
verdade, peste!
— Tudo bem, o que vocês querem ouvir? Que ele é lindo? Sim,
ele é, e não consegui mais parar de olhar para o cara depois da
conversa que tivemos semana passada e depois que praticamente
todas as mulheres que conheço surtaram ao saber que ele é meu
sócio!
Elas caíram na risada e o garçom trouxe outra rodada de
chopes. Tínhamos um combinado com os garçons e as garçonetes
do lugar - nunca deveriam nos deixar de caneca vazia. Não
precisávamos pedir, se vissem que o chope tinha acabado,
deveriam trazer mais. Brindamos rapidamente à beleza de Alexei
Simonov e ao reconhecimento dessa beleza, mesmo que eu ainda
não tivesse feito o tal relatório que elas insistiam.
— E então, Gio? — Cecília se ajeitou na cadeira para prosseguir
com a conversa. — Já que ficou pensando no sócio gostoso, conte-
nos sobre isso. Ele cheira bem?
— Você vai seguir a regra do “onde se ganha o pão não se come
a carne” ou vai investir no russão delícia?
Patrícia disparou e todas gargalharam daquela vez. Suzana até
mesmo cuspiu o chope que tinha acabado de colocar a boca
enquanto eu, mesmo tendo achado engraçada a pergunta, não tinha
uma resposta para ela. Na ponta da língua, eu apenas diria que
obviamente Alexei era produto fora do mercado, mas não tinha tanta
certeza daquilo.
— Alexei Simonov estará no meu passado em breve. Se ele
quiser dar uns amassos depois que eu chutar o seu traseiro para
fora da minha empresa, então pode ser que role, sim.
— Pensei que iria desistir disso. — Janine prosseguiu.
— Jamais. Eu ainda estou bolando a melhor estratégia, mas ele
já até concordou com a arbitragem.
— Então dê continuidade ao processo. Vai levar seis meses, até
lá…
— Eu nem vou desistir nem vou seduzi-lo. — Afirmei. — Mesmo
que ele tenha, sim, uma bunda perfeita.
— Agora sim, esse é o assunto que devemos tratar. Sem
chatices jurídicas, por favor! — Cecília agradeceu. — Ele usa boxer,
não usa? E para que lado ele ajeita o pau?
— Socorro, Cecília! — Patrícia quase engasgou com a bebida.
Já estávamos lá pela sexta rodada de chopes e já tínhamos comido
coxinhas de frango, cebola e costelas com molho barbecue. — Não
é possível que Giovanna ficou encarando…
— Lado direito. — Disparei. — Ele usa boxers, sim, e tem um
terno azul marinho que fica justo e…
Fiz um gesto com as mãos, indicando que ele tinha formas
perfeitas. Meu cérebro começou a projetar as imagens dos dias
convividos com Alexei, das olhadas indiscretas que dei para ele, da
cena erótica do gelo na nuca e eu comecei a contar tudo isso para
minhas amigas. Elas queriam um relatório e eu tinha um bem
detalhado, que preencheria umas cem páginas, sobre que cueca ele
usava, sobre ele ter pelos no peito, sobre ele não ser um cara
exageradamente malhado, sobre os braços dele, que estavam
eventualmente expostos quando ele dobrava a manga da camisa.
Assustei-me em perceber o quanto eu tinha realmente notado Alexei
Simonov, o quanto ele estava impregnado em mim naquela noite.
Continuamos bebendo e conversando até por volta de meia
noite, quando decidimos que precisávamos ir embora, já que
trabalhávamos no dia seguinte. Talvez fosse o trabalho ou a
bebedeira que nos derrubou, não saberia afirmar. Depois que o
motorista do Uber confirmou que estava chegando, resolvi mudar
subitamente de trajeto e não ir para casa. Tinha bebido o suficiente
para acessar remotamente os arquivos da Protomak e descobrir
onde Alexei morava. Demorei algum tempo para acertar as senhas,
depois para achar o arquivo, mas consegui. Cheia de decisões
impulsivas e honestas demais, pedi que o motorista me levasse
para a Ilha do Frade, onde Alexei Simonov morava.
Alexei Simonov
Sentado em meu lugar favorito na varanda do meu quarto, estava
observando a noite, mais uma vez. Mantinha minha garrafa amiga
ao meu lado e estava sozinho. Dmitri e Pedro estavam resolvendo
pendências para o vernissage que seria em poucos dias e eu não
tinha com quem conversar. Se tivesse, talvez não pudesse falar
nada. Os cães me olhavam do quintal e pediam atenção, mas eu
não tinha condições de interagir com ninguém. Era melhor recluir-
me à solidão da vodca e beber até perder os sentidos, o que vinha
fazendo com alguma frequência desde que conheci a Viola e
precisei montar a personagem que concretizaria a vingança de Ilia.
Aquilo ia me enlouquecer. Eu tinha um plano bem estruturado
para cumprir uma missão ridícula, e estava tudo sob controle.
Estudei a empresa, estudei Stefano e Marco Viola, entendi como os
convenceria a vender a empresa para mim, e estudei Giovanna. Só
que fui enganado totalmente por ela, pois nada do que tinha sido
escrito sobre a mulher fazia algum sentindo com a pessoa que
conheci. Ela não era mais aquilo que foi e isso estava me deixando
totalmente perdido. O tempo estava passando, Ilia não gostava de
esperar e eu não sabia como fazer para levar a cabo a vingança
dele. Tinha que me esforçar mais.
Divagando com sentimentos complicados pela Viola, ouvi a
campainha tocar. Olhei o celular e não tinha nenhuma mensagem.
Pensei que Dmitri e Pedro estivessem sem chaves, mas meu irmão
teria ligado primeiro. Desci as escadas, desconfiado, e olhei pela
câmera de segurança para encontrar Giovanna, com os cabelos
desarrumados e sapatos na mão. Abri a porta correndo, pensando
que algo ruim poderia ter acontecido com ela.
— Giovanna? O que houve, como chegou aqui?
Eu a abordei um pouco preocupado, um pouco confuso, e ela
quase desabou em meus braços, desequilibrada. Puxei-a para
dentro de casa e notei que ela cheirava a álcool.
— De Uber, oras. Dirigindo que não vim.
— Você andou bebendo?
— Cara! Eu bebi muito. — Ela se sentou no primeiro lugar que
encontrou disponível. Esfreguei os olhos - eu mesmo não estava
sóbrio para lidar com a situação. Mas fazia tempo que eu não
andava sóbrio, então já deveria ter me acostumado. — Bebi mesmo,
enchi a cara de chope. Sabe, para falar de você, eu precisava
mesmo de muito álcool.
— Falar de mim?
Viola ajustou-se no sofá e fez um sinal com as mãos para que eu
me aproximasse. Precisei de alguns instantes para entender o que
ela queria. Quando descobri, ajoelhei à sua frente e ficamos cara a
cara. Ela parecia querer revelar algum segredo, só que a
proximidade era perigosa demais.
— Minhas amigas queriam saber sobre a sua bunda.
Ela disse, bem perto de meus ouvidos. Ela não estava
sussurrando, mas agiu como se fosse realmente um segredo e os
fantasmas da casa não pudessem ouvi-lo. Depois, caiu para trás
gargalhando enquanto fiquei ali com aquela expressão bem
confusa. Instintivamente, acabei levando a mão nos bolsos traseiros
e ela riu ainda mais.
— Vou levá-la para casa. — Foi o que consegui dizer. Viola
estava indefesa demais e eu poderia me aproveitar daquilo, mas
não consegui pensar em nada.
— Vai nada. Você não está exatamente sóbrio para sair dirigindo
por aí, pensa que não notei? Cadê seu irmão, ele não mora com
você? Talvez possa ser o motorista da rodada.
— Dmitri saiu. O que você veio fazer aqui, exatamente,
Giovanna?
Levantei-me rapidamente e fiquei tonto, precisando apoiar na
parede para não cair no chão. Tudo girou e essa não era uma
reação comum para minha bebedeira - geralmente eu apagava na
cama, sem nem tomar banho. Não enfrentava sócias bêbadas ou
mulheres que eu precisava seduzir, mas que não pareciam a fim de
ser seduzidas por mim. Mesmo que Viola estivesse ali, e que
estivesse falando de mim, ela ainda soava inatingível.
— Eu não faço a menor ideia.
Ela respondeu enquanto ficava de pé, aproximando-se de mim
novamente. Ficamos com os rostos muito próximos, e com isso eu
podia sentir seu hálito alcoólico, misturado com um cheiro de
gordura e perfume adocicado de mulher que eu nem podia afirmar
que era dela. Naquele momento, eu finalmente a percebi vulnerável.
Foi a primeira vez que eu a vi entregue, prestes a fazer algo do que
ela certamente se arrependeria depois, mas eu não. Tínhamos os
narizes praticamente colados e os corpos se encostando, a ponto de
que eu pudesse sentir o tecido do vestido que ela usava.
Poderia ter acontecido alguma coisa, mas fomos interrompidos.
Eu estava pronto para beijá-la, porque era isso que eu queria fazer,
aproveitando uma abertura que ela ainda não tinha me dado,
quando Dmitri e Pedro chegaram. Fizeram ruído porque sabiam que
eu estava acordado, e assim eu e Giovanna nos afastamos
repentinamente com ela desabando de novo no sofá da sala.
— Lyosha, temos visitas? — Meu irmão pareceu surpreso que
eu tinha companhia.
— É Giovanna Viola, minha sócia. Ela veio…
— Beber, pelo visto. — Dmitri me interrompeu e estendeu a mão
para cumprimentar Giovanna, assim como Pedro. — O que foi que
nós perdemos, afinal?
— Nada demais, ela apareceu aqui já bêbada. Estávamos
prestes a chamar um Uber.
— Ah, Lyosha, essa casa tem cinco quartos. — Pedro deu uma
risada. — Coloque-a em um deles e pronto! Você só pode estar
ficando louco se pensa que vamos deixar você colocar uma mulher
sozinha e bêbada em um carro, agora.
— Pedro tem razão. É tarde, vamos todos apenas dormir. Vocês
dois parecem que precisam.
Olhei para o sofá e Giovanna já tinha apagado. Ela era como eu,
então - simplesmente adormeceu profundamente no sofá, em uma
posição desconfortável que causaria a ela dores pelo corpo no dia
seguinte. Certo de que meus anfitriões tinham razão, eu a segurei
nos braços e levei para um dos quartos no térreo. Não tinha mais
condições sequer de pensar em um plano para me aproveitar da
situação pois ela estava dormindo e eu zonzo pela mistura de
remédios e vodca que fiz mais cedo. Depois de deixá-la na cama e
cobri-la com uma colcha, arrastei-me até minha suíte e, sem nem
tirar os sapatos, perdi os sentidos.

Giovanna Viola
Minha cabeça doía como se tivesse sido passada em um moedor de
carne. Pressionei as têmporas com força e demorei vários minutos
para abrir os olhos. Céus, que besteira que eu fiz. Fazia tempo que
não bebia tanto e a luz solar que entrava pela janela aberta estava
me causando incômodo. Meu quarto era totalmente escuro, então
eu tinha certeza que não estava nele. Levei mais alguns minutos
para me situar. Sentei na cama e analisei o espaço: cama de casal,
armários de madeira envernizados, padrão rústico, uma cômoda,
janelão de vidro, a praia, vento, maresia. Eu vestia uma camisa
masculina, longa, que cobria minha calcinha, mas eu não usava
mais nada por baixo, nem mesmo sutiã.
Aquela era a casa de Alexei. Merda. Os lampejos da noite
anterior voltaram à minha memória, fazendo-me recordar que
apareci por lá, muito bêbada, e que alguma coisa muito louca ia
acontecer se o irmão não chegasse. A partir daí não me lembro de
mais nada. Levantei e abri a porta do quarto para me deparar com
um corredor vazio. Do outro lado parecia que tinha um banheiro e
corri até lá, pé ante pé, tentando não fazer barulho. Tranquei-me e
olhei-me no espelho. Não parecia muito acabada, então bochechei
com o enxaguante bucal que encontrei sobre a pia e penteei os
cabelos. Não fazia ideia de onde minhas roupas estariam, nem por
que eu estaria sem elas, mas isso me obrigaria a expor-me pela
casa e perguntar a alguém. Nunca liguei mesmo para minha nudez.
Tinha um homem na cozinha, não sabia quem era. A casa dos
Simonov era muito bonita: a cozinha, a copa e sala formavam um
design aberto que se estendia até a enorme porta de vidro que dava
para uma área gramada. Aproximei-me com cuidado, meio
envergonhada de acordar na casa dos outros sem ter sido
convidada a dormir nela. Geralmente eu capotava na casa dos
amigos, mas era depois de festanças regadas a bebida e acordava
com um cara na cama. Eram amigos, e Alexei não era meu amigo.
— Bom dia! — O homem me viu e sorriu. — Pensei que dormiria
até mais tarde.
— Que horas são?
— Oito e quarenta e cinco. — Dmitri Simonov chegou, suado,
vindo da área externa. — Bom dia, sócia do meu irmão.
Ele se aproximou e beijou o homem na cozinha. Eram um casal,
então.
— Giovanna Viola. — Estendi a mão para um cumprimento. —
Algo me diz que já fizemos isso, ontem.
— Sim, mas imagino que não se lembre. Vamos, sente-se e
espere Pedro fazer a mágica dele. Qual o menu de hoje, amor?
— Ovos benedict, torradas francesas, muito tempero verde, suco
detox. E café, em doses cavalares.
O cheiro do café sendo coado entrou no meu nariz pela primeira
vez e meu estômago protestou. Eu quase nunca tinha ressacas
muito violentas, mas havia um comprimido qualquer sobre a
bancada branca e Pedro indicou que era para mim.
— Você é chef? — Quis saber.
— Ainda não, mas estudo gastronomia e adoro fazer as pessoas
de cobaias. Espero que esteja com fome.
Sentei-me ali, em uma banqueta, para observar Pedro enquanto
cozinhava. Eu adorava cozinhar, achava uma terapia, mas quase
nunca fazia comida apenas para mim. Coisa de gente italiana querer
sempre cozinhar para um exército. Dmitri informou que iria tomar
banho e desapareceu pelas escadas. Pedro usava uma camiseta
branca e shorts - dava para ver seus ombros largos e físico bem
definido. Era um homem bonito, assim como Dmitri - todo mundo
era lindo naquela família?
— Diga, Giovanna, como gosta de seus ovos?
— Sinceramente? Do jeito que vierem, eu amo ovos. —
Confessei.
— Vou caprichar para você, então. Parece que o dia será
proveitoso, sua secretária não parou de ligar para Alexei.
Era sexta-feira e havia o almoço com os gêmeos. Eu não tinha
esquecido, mas não estava na programação encher a cara na noite
anterior. Lourdes devia estar maluca para confirmar comigo, porque
eu já teria chegado à empresa. Sempre aparecia cedo, sempre
chegava antes das oito, e não tinha avisado nada sobre atrasos.
— Você faz ideia de onde está minha bolsa? Eu preciso falar
com ela.
— Ela ligou para o telefone fixo de cá, também, e Dmitri atendeu.
Parece que é a confirmação de um compromisso importante. Sua
bolsa está lá no quarto onde você dormiu, dentro do armário.
Sorri, agradecendo a Pedro com o olhar, e corri até o quarto.
Havia quatro chamadas perdidas de Lourdes e ela deveria ter
desistido de mim e tentado meu sócio. Liguei de volta para ela,
explicando que não apareceria na empresa de manhã, mas que
deveria confirmar o almoço com os gêmeos. Eu tinha que ir para
casa, tomar um banho, trocar de roupa e estar linda para meu
primeiro almoço importante à frente da Protomak, mas meu
organismo estava bem precário. Voltei para a cozinha e Pedro
estava servindo comida para três pessoas. Dmitri já estava lá, de
banho tomado, lindo, cheirando a loção pós-barba,
maravilhosamente masculino. Não parecia haver nada de Alexei
nele, se não soubesse que eram irmãos eu jamais suspeitaria. Ele e
Pedro formavam um casal bonito, muito bonito.
Suspirei enquanto os via interagir. Pedro serviu o namorado - era
namorado ou marido? Não sabia, mesmo - e eles trocaram olhares,
Dmitri agradeceu com palavras marcadas nos lábios sem emitir
nenhum som. Eu nunca tive nada daquilo, nem parecido com aquilo,
sempre fugi de relacionamentos, fugi de compromissos. Não curtia
homens na minha cama e na minha casa, queria-os para sexo e só.
Mas ver os dois ali me fez sentir que eu até gostaria de um parceiro
pela vida. É, eu devia estar ficando velha.
— Muito bem, sócia do meu irmão. — Dmitri começou a falar. —
Conseguiu falar com a secretária? Preciso acordar Alexei para
algum compromisso urgente?
— Consegui sim, ela queria confirmar um almoço. Não precisa
acordar ninguém, eu dou conta.
— De acordá-lo?
Dmitri pareceu confuso com minha frase e tive vontade de rir.
— Não, seu bobo. — Pedro explicou — Ela dá conta do almoço,
não é isso, Giovanna?
— Exato. Deixe seu irmão dormir, não quero homem rabugento
porque foi acordado à força.
Os dois se entreolharam, com aquela expressão de que não
iriam me contrariar e continuamos a comer. Eles conversaram entre
eles, assuntos deles, que não compreendi bem. Falaram de um
vernissage, de um jantar, de uma festa. Pareceu que tinham uma
vida atribulada.
— Dmitri, você também é empresário? — Perguntei, querendo
voltar ao assunto. E porque sou curiosa, mesmo.
— Não, socorro! — Ele deu uma risada. — Eu sou artista.
— Ah… atua?
— Não, pinto quadros. Farei meu primeiro vernissage em dez
dias, se quiser posso te mandar um convite.
— Adoraria um convite. Adoro arte, quem sabe a Protomak não
pode investir na sua mostra?
— Viu, Dmitri? — Pedro riu. — Ela parece bem mais fácil de lidar
que seu irmão. Podemos adotá-la.
Os dois gargalharam e eu quase cuspi o café que tinha levado à
boca. A comida estava deliciosa, os ovos perfeitos, o café muito
saboroso. Mas eu precisava ir embora e tinha que encerrar minha
participação no reality show dos Simonov.
— Rapazes, eu adorei o café, mas preciso ir. O almoço…
— Ah, mas não precisa ir. — Dmitri pegou a minha louça antes
que eu pudesse fazer isso. — Sócia do Alexei, eu não queria dizer
mas você está meio péssima. Então recomendo que tome um banho
energizante e fique aqui quietinha até a hora do bendito
compromisso. Temos óleos milagrosos que vão deixar essa sua pele
bem melhor.
— É um convite tentador, Dmitri, mas preciso de roupas… aliás,
onde estão as minhas?
— Na lavadora. E não precisa de roupas…
— Claro que precisa, homem! — Pedro interferiu. — Quer que
ela vá nua?
— Não, marido! Não disse isso, é que não me deixou completar.
Nós temos que ir ao shopping, esqueceu? Podemos trazer uma
roupa para ela, oras.
— Ah, mas claro! Qualquer desculpa para compras é uma boa
desculpa.
A conversa entre eles estava me deixando tonta. Não, era a
ressaca que estava me fazendo passar mal, mas eles falavam
bastante, e eram divertidos. Eu provavelmente não concordaria com
nada do que propuseram, mas já eram quase dez horas e qualquer
coisa parecia melhor do que enfrentar trânsito com dor de cabeça.
— Tudo bem, vocês venceram. Mas eu não tenho dinheiro na
carteira que dê para vocês comprarem um terno para mim.
— Não vá se preocupar com isso. — Dmitri deu alguns passos
até a sala, abriu uma gaveta e mostrou um objeto retangular de
plástico. — Temos o cartão corporativo da FiberGen à nossa
disposição.
Dei uma gargalhada e nem sei se me entenderam. Fazer Alexei
pagar por roupas novas era melhor do que pelo almoço. Ah, ele que
pagasse tudo.
— Ótimo, então compre sapatos.
Todo mundo riu e percebi que aqueles dois eram como minhas
amigas - adoravam uma bobagem. Bem diferentes do russo infernal
que insistia em ficar ali, no cantinho do pensamento, querendo dizer
alguma coisa que eu não estava a fim de ouvir. Dmitri indicou que
eu deveria usar o banheiro do final do corredor e que havia toalhas
limpas no armário. Agradeci com um sorriso e fui atrás de um banho
frio para aplacar o mal-estar e para me livrar da imagem
inconveniente de um Alexei Simonov bêbado pedindo para ser
beijado.
OS GÊMEOS

Alexei Simonov
A , agitado e respirando com dificuldade como se
tivesse saído de um pesadelo. Talvez fosse um pesadelo: havia uma
roda molhada debaixo de mim, na cama, e minha roupa estava
ensopada de suor. Arranquei a camisa sem abrir todos os botões e
corri para o banheiro. Abracei-me com o vaso sanitário e despejei o
não-conteúdo do meu estômago que era uma mistura de álcool
vencido com ácido estomacal e qualquer outra coisa azeda. Minha
cabeça ia me matar se eu não tomasse o chá milagroso de Pedro -
porque só aquela gororoba que ele fazia era capaz de curar minhas
ressacas diárias.
Escovei os dentes, não me penteei nem tomei banho, eu só
queria o chá. Arranquei a calça e desci as escadas, cambaleando,
sem me dar conta exatamente de que horas eram. A cozinha estava
silenciosa mas havia uma caneca coberta com um pires e um
bilhete do meu cunhado, dizendo que aquele era o presente matinal
dele para mim. Eu um dia ainda ia beijar aquele filho da puta,
porque ele sempre sabia o que eu precisava. Virei a bebida toda de
uma vez, sentindo o amargo rasgar a garganta e esperando um
milagre. Era sexta-feira, dia do maldito almoço com os gêmeos e a
Viola ia me matar se eu não aparecesse como um Czar. Pensar nela
acendeu um vulcão em mim e imaginei por que suei tanto de noite -
ela esteve em casa.
Ouvi o chuveiro ligado, ou seja, Dmitri ou Pedro estavam ali. Ou
os dois, mas eu esperava que não fosse pegá-los debaixo do
chuveiro. Eu tinha que falar com meu irmão para saber como tinha
transcorrido a manhã, então meti a mão na porta e entrei.
— Dmitri, é você? Vou pegar um analgésico aqui e descobrir que
fim levou minha sócia, você a viu?
— Sim, ele me viu. — A voz de Giovanna me atingiu como uma
porrada bem dada. Virei-me instintivamente para o boxe e era ela
ali, nua. Pisquei algumas vezes, tentando ter certeza que era ela
mesma e não minha imaginação me pregando uma peça. — Alexei,
vire-se para lá! Não tem vergonha, ficar espiando mulher no banho?
— Desculpe, eu… vou sair.
Mas não saí, não tão rapidamente quanto deveria. Eu a vi por
dez, quinze, vinte segundos, não saberia dizer, mas foi como se
durasse bem mais tempo. A água estava fria, fazia um calor do
Tártaro naquela cidade e não havia nenhum vapor para embaçar o
blindex. Ela estava nua, completamente, com a pele branca e sem
marcas totalmente exposta. Colocou o braço na frente dos seios
para tentar escondê-los, mas deixou-se à vista, mesmo que aquilo
não parecesse tão incômodo assim para ela. Já para mim foi um
caos completo.
Ainda levei alguns segundos para obrigar minhas pernas a me
obedecerem, pois elas se recusavam a caminhar para fora do
banheiro. Fui para a cozinha, meio desnorteado, e logo ouvi a porta
abrir novamente. Ela apareceu, enrolada na toalha, descalça, com
um olhar me recriminando por ter sido idiota.
— Não fique com essa cara, Alexei. — Ela riu. — Nunca viu
mulher nua, é?
— Eu lamento, não pensei que fosse você. Achei que tivesse
ido, já, ou nem tivesse acordado. Acho que ainda estou bêbado, só
pode.
— Seu irmão e o marido saíram para comprar coisas por aí e ele
me mandou tomar um banho. Sei lá, achei que fosse uma boa ideia
e decidi aceitar. Você não se incomodou porque usei seu chuveiro,
certo?
Ela falava com fluidez e parecia natural com o que aconteceu,
ainda desfilando seminua na minha frente como se isso não fizesse
a menor diferença para ela. Para mim fazia, porque eu não estava
emocionalmente estável para lidar com aquilo. Tinha que fugir de
Giovanna, mas não podia porque precisava conquistá-la. E
continuava perdendo as chances.
— Suas roupas devem estar na secadora.
— Dmitri vai me trazer roupas novas. — Ela sumiu pelo corredor
e não consegui nem mesmo me mover. — Ah, e vai pagar com seu
cartão.
Eu ia enlouquecer antes de conseguir chegar perto de cumprir a
tarefa de Ilia. Enchi uma caneca de café preto e forte, coloquei
algumas torradas francesas em um prato e sentei-me na bancada
para tomar meu café da manhã. Não estava com muita fome, meu
estômago ainda estava revirado por causa da bebedeira da noite,
mas era estranho que eu me sentisse tão mal. Vivia
permanentemente bêbado desde que cheguei ao Brasil, lutando
contra a sobriedade porque ela me fazia entender o quanto eu
estava prestes a destruir a vida de uma pessoa que eu nem
conhecia. Não costumava ter tanta ressaca.
Viola retornou do quarto vestindo uma camiseta de Pedro. Não
tinha nada por baixo, apenas uma calcinha, e também não mostrava
vergonha em exibir o corpo com pouca roupa.
— Recomponha-se para o almoço, sócio. — Ela me encarou. —
Acabado assim, é melhor ficar em casa.
— Estarei cem por cento até meio dia, sócia. Já comeu?
— Sim, Pedro me fez ovos benedict.
Ela se pendurou na bancada, à minha frente, e deu uma mordida
na minha torrada. Entendi aquilo como vingança deliberada pelo
furto do almoço dias atrás, mas era uma atitude bem infantil. Eu não
sabia como prosseguir a conversa com ela, mas fui salvo pela
chegada do meu irmão.
— Ora, vejam, Lyosha está vivo.
— Ainda bem que não vamos precisar gastar uma fortuna com
cremação. — Pedro implicou.
— Trouxemos três opções de roupa para você, Giovanna. Pedro
é amigo do dono da loja e ele deixou que trouxéssemos para você
decidir, e depois devolvêssemos o que não quisesse. Mas,
sinceramente? Acho que vai ficar com todas!
— Obrigada, Dmitri e obrigada, Pedro! Vou correndo
experimentar.
Sem muita cerimônia, Viola beijou meu irmão e Pedro na
bochecha e, segurando as sacolas que eles trouxeram,
desapareceu mais uma vez pelo corredor. Aquela casa estava uma
bagunça.
— Dormi tanto assim que acordei em um universo paralelo? —
Disse, porque fazia tempo que não via tanta interação e falação
naquela casa.
— Lyosha, nem tente me enrolar. Essa sua sócia, hem? — Dmitri
me encurralou na bancada, falando em voz baixa. — É ela o motivo
de você estar assim?
— Assim?
— Assim! — Dmitri fez um gesto como se eu devesse
compreendê-lo, mas não fazia ideia do que ele queria dizer. —
Irmão, você é um cara fechado, de mal com a vida, mas
ultimamente anda insuportável. E está evitando mulheres, coisa
que, sinceramente, nunca vi. Quando você está no Brasil, é sempre
uma por noite, essa casa parece um bordel. Mas dessa vez… não
vejo ninguém por aqui. É ela o motivo? É por causa dela que anda
celibatário?
Arregalei os olhos e encarei meu irmão. Não era possível que
Dmitri achasse que eu estava interessado na Viola, porque… talvez
porque eu estivesse. Mas não tinha dado tempo de ele perceber
aquilo, ele não tinha como saber com tão pouco contato. De
qualquer forma, eu podia aproveitar aquela percepção para colocar
meu irmão para me ajudar. Se ele achasse que eu queria ficar com
Giovanna, ele poderia fazer alguma mágica acontecer.
— Talvez seja, mas é muito complicado.
— Ah! Eu desconfiava! Não te disse, Pedro?
— Disse, mas não acreditei. Pensei que Alexei fosse mais
comedido e não quisesse se envolver com a sócia.
— Eu não quero, por isso é complicado.
Enquanto conversávamos quase sussurrando, Viola retornou.
Estava impecável em um terno roxo, mas eu não sabia se vê-la de
qualquer forma iria apagar as imagens que estavam impressas no
meu cérebro depois daquele incidente no chuveiro.
— Esse é o eleito. Vou impressionar os gêmeos, sim ou claro?
Ela desfilou até nós, deu uma girada em seu próprio eixo e
esperou elogios.
— Maravilhosa. — Pedro se aproximou e ajeitou algo na gola da
camisa branca que estava por baixo. — Essa cor está perfeita para
você. Não sei quem são esses gêmeos mas, se eles não se
impressionarem com seu look, não são boas pessoas.
— Eles devem se impressionar pela proposta que ela fizer.
— Cala a boca, Lyosha. — Dmitri me repreendeu. — O visual faz
diferença, sim. Giovanna está magnífica, o que significa que temos
bom gosto feminino, afinal!
— Obrigada, rapazes. Vocês brilharam.
— Diga aqui, sócia do Alexei, o que vai fazer amanhã?
Dmitri perguntou. O que ele estava planejando?
— Amanhã? Sei lá, sair para algum lugar, com alguns amigos,
beber mais, pegar uns caras, por quê?
— Ahm… é que vamos fazer uma festa aqui, na piscina. Pedro
tem um cardápio novo para testar.
— Eu tenho? — Pedro pareceu confuso como eu e recebeu uma
cotovelada do marido.
— Claro que tem, homem. Lembra que falou sobre o teste que
precisa fazer? Então…
— Ah, claro, o cardápio. A festa, isso mesmo, estava quase
esquecendo.
— Então, Giovanna, se quiser, será nossa convidada. Serão
apenas alguns amigos próximos, mas vai ter muita comida e bebida
de qualidade.
Minha sócia torceu a boca e nos olhou por alguns segundos,
refletindo se aceitaria ou não a proposta do meu irmão.
— Acho que vou aceitar esse convite. — Ela sorriu e pareceu
animada. — Vai ser legal conhecer um pessoal diferente. Agora vou
terminar de me arrumar. Alexei, você também deveria.
A mulher infernal foi para o quarto e Pedro e Dmitri se
cumprimentaram, demonstrando que tinham feito algo de que se
orgulhavam. Levei um bocado de tempo para me tocar que a tal
festa não existia até minutos atrás e que meu irmão estava
inventando aquela história para trazer a Viola para nossa casa e
evitar que ela fosse “pegar uns caras”. Não seria má ideia ter a
ajuda de Dmitri e seria menos difícil do que explicar a ele se eu do
nada inventasse um romance com uma mulher que ele nem
conhecia. Mas que eu iria ficar louco até o final desse processo, ah,
eu iria.

Giovanna Viola
Por volta de onze e meia eu já estava impaciente para sair. Peguei o
celular para chamar um Uber mas Alexei me interrompeu. O
miserável não tinha mentido quando disse que estaria bem melhor
até a hora do almoço - barbeado, com um terno impecável, cabelos
lavados, cheirando a uma mistura de hormônios masculinos e
colônia pós-barba que quase me derrubou quando tentei respirar
perto dele. Eu gostaria de prestar menos atenção nele, mas estava
difícil, então tinha que melhorar minha resistência.
— Se eu vou de carro, posso te levar comigo.
Mordi o lábio inferior e considerei que não tinha pensado naquilo.
Claro que era lógico, óbvio, que ele me desse uma carona até o
Papaguth. Não fazia sentido algum que saíssemos os dois da
mesma casa, no mesmo horário, em veículos diferentes, se
estávamos indo para o mesmo lugar. Só era um pouco difícil para
mim considerar qualquer hipótese de “nós”. Eu parecia ridícula com
minha picuinha com Alexei enquanto estava bastante interessada
em aprofundar meu relacionamento com o sócio maligno, ou seja,
eu era a contradição em pessoa. Isso estava confundindo meu
raciocínio.
— Tudo bem, vamos então. — Peguei minha bolsa e meus
óculos escuros, que estavam sempre comigo.
— Está cedo.
— Não, está na hora. Não somos celebridades do rock para
nosso atraso ser chique. Atraso é falta de educação.
— Você tem certeza que é brasileira?
Ele me encarou e encarei de volta, causando mais um daqueles
momentos em que geramos eletricidade suficiente para acender
uma lâmpada.
— E você tem certeza que é russo? Porque…
— Não sou russo, Viola.
Alexei deu um sorrisinho indecifrável, pegou as chaves e me
indicou que deveria segui-lo. Fomos até a garagem e ele destravou
um lindo Land Rover - e eu estaria mentindo se dissesse que
carrões não me seduziam mais. Sim, o cheiro de couro e de homem
lá dentro me deixou tonta assim que sentei no banco e puxei o cinto
de segurança. Só havia um perfume lá dentro, era de Alexei, ou
seja, ele gostava demais do carro para fazê-lo de casa de
prostituição. E eu também me seduzia por homens que gostavam de
carros.
Certo, poderíamos estabelecer que, naquele momento, eu já
estava em um nível de sedução que precisava de controle absoluto.
Olhei para frente e encarei a paisagem enquanto ele abria o portão
da garagem, tirava o carro e o conduzia pelas ruas de Vitória. Da
casa dele até o restaurante não era muito longe, mas havia sempre
aquele trânsito previsivelmente horroroso da cidade que me deixava
estressada. Eu não tolerava atrasos. Enquanto me concentrava nos
carros e tentava contar as cores para evitar olhar para o perfil
perfeito, quadrado, simétrico, de Alexei, não tive sucesso em parar
de respirar - só assim para não sentir aquele cheiro que estava me
engasgando e me fazendo pensar nas conversas da noite anterior -
todas eróticas demais para lidar no meio do dia.
Chegamos quando ainda faltavam vários minutos para o horário
marcado. Havia uma mesa reservada para nós, não gostei e pedi
que mudassem. Não queria nada muito na frente nem nada no meio
do restaurante, precisava de uma mesa no canto e que nos
permitisse ver a beleza da baía. Meu falatório cansou o garçom mas
ele acabou nos atendendo porque havia mesas disponíveis além da
que reservamos. Eu deixaria uma boa gorjeta pelo inconveniente.
— Vamos pedir um vinho? — Alexei pegou a carta de vinhos que
o garçom entregou, assim que nos sentamos.
— Não, água com gás em copos com gelo e limão. — Falei ao
garçom, tomando a carta das mãos do meu sócio. — Você beira ao
alcoolismo, Simonov.
— Talvez. — Ele riu, cinicamente. — E vamos beber água
também quando chegarem nossos convidados?
— Quando chegarem - frise essa parte - podemos pensar no que
beber e comer. Por enquanto, esperamos.
Alexei não pareceu se incomodar que eu ditasse as regras do
almoço, ele tinha uma expressão indiferente a quase tudo, o que
deveria comprovar sua bipolaridade. Eu já tinha visto o Alexei
abalado, incomodado, desconfortável - e então o indiferente.
— Certo. E você vai me contar sua estratégia? Como pretende
conseguir a tecnologia?
— Não, não vou. Você já terá a oportunidade de descobrir.
Trouxeram nossa água e bebemos em silêncio por alguns
minutos, pois logo chegaram os gêmeos Siqueira. Eles eram
idênticos, não era possível diferenciar um do outro sem conhecê-los
bem. Não fazia ideia de quem era Marcos e quem era Marcelo,
talvez por causa disso eles preferiram um codinome que lhes
permitisse o plural. Levantamos para cumprimentá-los e nos
apresentar. Depois de devidamente acomodados em suas cadeiras,
enquanto olhavam o cardápio, iniciamos algum diálogo.
— Preferem comer ou tratamos logo de negócios? — Um deles
perguntou com um sorriso encantador. Eram jovens comuns,
aparência nerd padrão com óculos e aparelhos nos dentes - talvez
uma necessidade tardia ou falta de recursos na adolescência.
— Aprendi a nunca tratar de negócios antes da sobremesa.
Alexei sorriu. De novo, eu tinha que parar de olhar para ele
porque perdia sempre vários segundos analisando aquele rosto
lindo, angulado, liso, aquele sorriso que formava covinhas, o queixo
com um furinho discreto. Até o pássaro que estava pousado na
vegetação próxima da baía poderia perceber o quanto ele me
hipnotizava.
Decidimos então escolher a comida enquanto conversávamos
amenidades. Não éramos conhecidos, mas podíamos conversar
coisas interessantes para a negociação. Como eu conhecia o
restaurante melhor do que eles, pedi anéis de lula e bolinho de
bacalhau como petisco para podermos ocupar a boca se o assunto
ficasse constrangedor.
— Então, Srta. Viola, como ascendeu à presidência de sua
empresa? Pesquisamos sobre ela e pertencia a um velho italiano.
— O velho italiano era meu avô. — Tentei demonstrar bom
humor, já que não vi malícia na pergunta. — Ele faleceu há poucos
meses e deixou a maioria das quotas para mim, em testamento.
— Intrigante. E sua experiência anterior…
Não havia nenhuma, gêmeo Siqueira, e eu não sabia se queria
responder a ele. Geralmente, a sinceridade era mais importante do
que uma pseudo imagem construída. Nada parecia ficar em segredo
naquele universo empresarial, então era bobagem mentir.
— Eu era apenas uma estudante quando meu avô morreu. Isso
quer dizer que não tenho experiência, ele apostou em mim. Meu avô
era um homem de negócios e ele entendeu que eu era capaz de
conduzir a empresa melhor do que seus filhos. Provavelmente
estava certo, já que os dois venderam o que tinham para esse
senhor aqui do meu lado.
Apontei para Alexei e os gêmeos riram da minha forma de me
referir a ele. O russo tentação observava nossa conversa como uma
águia e eu não sabia se aquilo era uma estratégia dele ou se era
interesse em como eu me sairia sozinha. Ele era uma incógnita.
— E você, Sr. Simonov? Como foi se meter com uma empresa
de médio porte no Brasil?
— Diversificando meus negócios.
— Entendemos que o sucesso pode ser bem estressante. — O
gêmeo que se apresentou como Marcelo confessou. — É comum
buscar algum refúgio quando as coisas ficam difíceis.
— É, pode dizer assim.
Não entendi nada do que disseram e preferi nem perguntar.
Quando o garçom trouxe os petiscos, pedi que buscasse uma
garrafa de seu melhor sauvignon blanc e preparasse duas
moquecas mistas. Aquele era o meu almoço, então eu também
escolheria o que comeríamos. A conversa continuou no tom de
reconhecimento - quem somos, o que fazemos, o que eles são, o
que fazem, por que fazem e por que querem vender a tecnologia
revolucionária das invasões em média escala. Nada muito
interessante durante o período em que a comida era nosso principal
foco.
Pela posição que estávamos, Alexei esbarrava em mim o tempo
todo. Eu queria afirmar que eram acidentes, mas parecia que ele
fazia aquilo deliberadamente, como se tivéssemos uma intimidade
que não tínhamos. Não entendi qual era o propósito, talvez mostrar
aos gêmeos que nossa sociedade era sólida, mas aquilo me deixou
desconfortável. Já tínhamos compartilhados dois almoços com
informalidade, mas estávamos em casa. A cozinha da Protomak é
extensão da minha casa, então poderia ser até que eu estivesse
descalço ou usando um robe de seda. Ali, na frente dos gêmeos, eu
sinceramente não estava entendendo aonde ele queria chegar.
— Bem, acho que agora é o momento adequado para
negociarmos. — Marcos Siqueira disse, assim que pedimos a
sobremesa.
— Vocês têm um valor para que possamos analisar? — Marcelo
Siqueira questionou.
— Sim, temos. Mas eu tenho outra coisa que quero oferecer,
além do valor. Algo que provavelmente ninguém vai cobrir e, se
cobrir, dependerá de vocês determinar quem ofereceu primeiro ou
quem teve boa-fé em oferecer primeiro.
Os homens me olhavam, curiosos. Foi divertido manter segredo
sobre minha ideia, mas eu não tinha certeza se funcionaria.
— E o que seria isso?
— Poder.
— Poder? — Foi Alexei que perguntou, esquecendo que ele
deveria fingir uma sociedade sem barreiras.
— Vocês estão preocupados com a tecnologia, não querem que
ela “caia em mãos erradas”. Pois, para isso, se fecharem conosco,
eu garanto a vocês veto e decisão. Vocês podem vetar e sugerir
sobre o uso da tecnologia, nos obrigando a submeter a vocês toda e
qualquer modificação e utilização da base que nos venderem.
Marcelo e Marcos se entreolharam e era claro que eles não
esperavam por isso. Nem eles, nem meu sócio, que ficou
verdadeiramente incomodado na cadeira, como se ela tivesse se
enchido de formigas.
— O que ela quis dizer foi…
— Exatamente o que eu disse. — Interrompi Alexei antes que ele
tentasse me explicar. — Quanto ao valor, essa é nossa proposta.
Entreguei aos gêmeos um envelope, que continha um lance
significativo. Não era um valor exorbitante mas era o que
poderíamos pagar, segundo a contabilidade da empresa. A
Protomak jamais poderia bater uma empresa como a FiberGen, mas
eu esperava que os gêmeos não quisessem apenas dinheiro, como
eles sempre diziam.
— Precisamos refletir um minuto. Vamos nos retirar para
deliberarmos.
Os dois levantaram e foram até a área externa, com o envelope.
Alexei Simonov me encarava perplexo e eu precisava tirar aquele
espanto da cara dele.
— O que foi, sócio?
— Você enlouqueceu.
— Eu estou jogando, Simonov. E nunca mais faça isso.
— Isso o que?
— Tente me explicar para as pessoas. Eu sei muito bem o que
estou fazendo e não preciso de um russo querendo me traduzir.
— Você quer dar poder de decisão para os primitivos donos do
produto, isso engessa completamente o sistema.
— Porém apenas eu terei o sistema. Você pode ser o rei da
tecnologia, mas não me subestime.
Virei para ele pela primeira vez para encontrá-lo com uma
expressão que ainda não tinha visto. Havia uma espécie de glória
em seus olhos, aqueles olhos de cor indefinida, que uma hora
estavam castanhos e outra hora pareciam conter o universo dentro
deles. Seus lábios estavam entrepartidos e me convidavam para um
passeio que eu teria que recusar. Eu teria que recusar Alexei todas
as vezes que ele, mesmo sem saber, se oferecia para mim. Meu
corpo reagiu violentamente à forma como ele me olhava, me
explorando, me invadindo, me desnudando. Ele queria me entender,
queria descobrir como a louca da Giovanna Viola poderia ter ideias
realmente… loucas.
A sobremesa chegou e os gêmeos voltaram. Ataquei o chocolate
para ver se a endorfina substituía a adrenalina. Marcelo e Marcos se
sentaram e entregaram a mim o envelope de volta.
— Temos uma contraproposta. Não negociaremos com mais
ninguém até termos a sua resposta.
— Precisamos de um valor maior do que nos ofereceu, e fizemos
um pedido que sua empresa deve poder pagar. Aguardaremos uma
semana e esperamos fechar com você, Giovanna Viola.

Alexei Simonov
Nem se eu me esforçasse muito eu compreenderia o que tinha
acabado de acontecer. Aquela mulher, a patricinha que eu pesquisei
sobre e que me disseram que não valia um punhado de moedas,
tinha acabado de fazer uma proposta indecente para os gêmeos e
ainda tinha me mandado calar a boca. Ela dominou o espaço todo
desde a hora em que chegou, até quando sacou o cartão e pagou a
conta. Eu fiquei sem entender, sem conseguir me expressar,
parecendo um idiota enquanto os gêmeos negociavam com ela e
somente com ela. Pensei que ela precisaria da minha ajuda, mas a
Viola tinha tudo sob controle desde quando decidiu oferecer dinheiro
na tecnologia dos Siqueira.
E eu estava ali, sentado em minha cadeira, olhando para a tela
do computador, esperando para ter uma revelação. Diminuí a
temperatura do ar, precisando que a sala congelasse e me fizesse
parar de pensar naquela mulher endemoniada. Eu tinha era que ter
estratégias para destruí-la, não ficar babando sobre ela. Porque foi o
que fiz, ou pareceu que fiz, naquele almoço. Estúpido. Uma
notificação indicou que me chamavam no Skype.
— Diga, Vladmir.
— Alexei, boa tarde… acho. Que horas são, no Brasil?
— Umas quatro da tarde, por quê? O que está havendo?
Não era muito difícil pressentir que tinha algo errado, porque
Vladmir não era de me ligar a qualquer hora, sem nem mesmo
saber a hora. Ele era muito regular e organizado, por isso eu o tinha
escolhido para ser meus olhos e ouvidos dentro da FiberGen
enquanto estivesse fora.
— Os diretores marcaram uma reunião com os acionistas. Está
havendo um movimento estranho aqui, e eu suspeito que seja por
causa da TripCom. O Burnshaw esteve rondando a empresa desde
que você saiu.
— Burnshaw está em Moscou?
— Sim, desde que você foi para o Brasil. Estou preocupado,
Alexei, talvez fosse melhor você aparecer por aqui de surpresa.
Aquilo era uma grande merda. Justo quando eu acreditava que
estava fazendo progressos, que Dmitri e Pedro estavam envolvidos
com meu plano, mesmo sem saber, e que a Viola parecia menos
armada contra mim, eu teria que me ausentar para ir à Rússia. Não
podia, no entanto, deixar meus negócios nas mãos daqueles
vagabundos dos acionistas, porque Burnshaw não era de se brincar.
Ele era dono de uma empresa que disputava com a minha e não
perdia a oportunidade de tentar me destituir da cadeira da
presidência. O que os idiotas dos meus acionistas não viam era que
Burnshaw só não transformava a FiberGen em cinzas - e o dinheiro
deles junto - por minha causa. Eu era a barreira. Então, sim, eu teria
que pegar o avião e despencar em Moscou para dar um jeito nas
coisas e mostrar que estava ainda no comando da porra toda.
Ou não, porque, no fundo, parecia que era Viola quem tinha o
comando de tudo. Estava ainda muito irritado quando olhei para o
lado e a vi trabalhando, concentrada, e ainda não consegui acreditar
que aquela menina estava prestes a convencer os gêmeos a vender
uma das mais cobiçadas tecnologias do mês com uma proposta
ousada que nenhum homem teria admitido fazer. Franquear o poder
é algo a que não estamos acostumados, mas ela não pensou duas
vezes em deixar a bola com eles por mais alguns minutos se fosse
para vencer.
— Vlado, avise… melhor, não avise ninguém. Vou para Moscou
na segunda, apenas me mantenha informado de qualquer
movimentação suspeita.
— Claro, Alexei. Nos falamos.
A conversa se encerrou. Aquele assunto não podia esperar, mas
eu estava tentado a aguardar a festa inventada por Dmitri, na
expectativa que ela fosse comparecer. Peguei o telefone e enviei
uma mensagem para meu irmão - se eu desse sorte, ele estaria no
ateliê.
“Dimka, confirme com Giovanna se ela vai à sua festa de
mentira.”
“Que festa de mentira? Já tenho vinte convidados e um DJ para
tocar.”
Ele respondia rápido, provavelmente um hiato criativo.
“Confirme, então. Preciso ir a Moscou e tenho que programar
minha viagem.”
“Uau, Lyosha, isso que é interesse, hem? Pode deixar que vou
confirmar, mas o que devo fazer, ligar para a empresa?”
Percebi que não tinha o telefone da minha sócia na agenda do
meu telefone. Ela sabia até onde eu morava e já me tinha visto de
cuecas, mas eu não sabia o seu telefone. Eu a tinha visto nua, mas
ela sabia mais sobre mim do que eu sobre ela.
“Ligue e pergunte.”
Não podia deixar que percebessem meu interesse nela, então
não podia perguntar o telefone a outras pessoas se ela estava ali,
na sala ao lado. Dmitri era inteligente, ele inventou a festa, ele
poderia resolver isso. Fiquei observando a Viola em sua
concentração no computador, fazendo algo que parecia importante
ou interessante, até o momento que o telefone tocou. Ela sorriu ao
atender, esperei sinceramente que fosse meu irmão e não outro
cara. A ideia de Giovanna sorrindo e se animando com “outro cara”
me irritou subitamente. Repeti para mim mesmo - eu mal a conheço,
ela não é a mulher que eu esperava que fosse, mas a voz dentro de
mim devolveu que eu conhecia o suficiente e que ela era bem
melhor do que eu esperava. A voz estava certa, eu estava ferrado.
“Ela vai. Considere-se sortudo por ter um irmão maravilhoso
como eu.”
Sorri, involuntariamente. Dmitri era maravilhoso e a ideia dele foi
fabulosa. Não apenas porque eu queria muito alguma coisa com a
Viola, algo que eu não sabia descrever direito. Eu queria beijá-la?
Quis, na noite anterior, mas estávamos bêbados, próximos, era
conveniente. Queria tocá-la, queria sentir a textura de sua pele? Eu
não fazia ideia do que queria, mas a questão era que eu precisava.
Se não avançasse na minha conquista, despertaria a desconfiança
de Ilia e tudo que eu não queria era Ilia no meu pé.
Voltei para o serviço, certo que não faria nada útil naquele final
de dia. Ao menos eu podia responder alguns e-mails e fingir que
trabalhei, porque a sexta-feira foi toda dela.

Giovanna Viola
Eu sei lá por que estava animada, mas a verdade é que ansiava
pela festinha na casa dos Simonov. O irmão muito lindo me ligou
para saber se eu iria e confirmei na hora, porque eu realmente
pretendia ir. Não cheguei a contar para as amigas, já imaginando
que elas iriam fazer um escarcéu danado se soubessem que eu fui
parar na casa do sócio-assunto-do-happy-hour depois da bebedeira,
se soubessem que eu tinha aceitado aquele convite para a festa -
mesmo sem saber por que o irmão e o marido estavam sendo tão
simpáticos comigo. E eu estava muito desconfiada, mas isso era
parte da nova Giovanna - ela desconfiava de tudo porque uma
empresária de sucesso deveria ser menos tola.
Era verdade que eu estava com vergonha e medo das minhas
amigas. Elas estavam tão excitadas com Alexei e eu tão irritada que
não saberia dizer a reação delas se soubessem que a minha
irritação tinha passado. Eu ainda queria me livrar dele, mas não
tinha tanta certeza se esperar a arbitragem se desenrolar seria uma
tortura, afinal. Passei a sexta-feira com um gosto misturado de
sucesso, glória e desejo, aquele sabor estranho que só passa
quando a gente beija na boca. Era sexta-feira e eu sempre ia para a
farra no final de semana, mas estava prevendo frequentar uma festa
entre pessoas desconhecidas e provavelmente fofas, mas que
poderia elevar minha bebedeira para um nível estratosfericamente
errado. Se eu enchesse a cara na casa do Simonov eu certamente
iria parar na cama dele, porque era o que eu queria fazer.
Tirando o fato de que o filho da mãe tinha se atrevido a tentar me
explicar para os gêmeos, eu passei bons minutos olhando para as
mãos dele, imaginando como seria se elas me tocassem. Para a
boca dele, imaginando como seria se ele me beijasse. Eu estava
mantendo uma barreira de proteção ao meu redor, segura, mas o
álcool acabaria com ela em segundos. Se meu sócio tubarão me
olhasse com aqueles olhos de cor indefinida que pareciam mudar
toda vez que o via, eu iria para onde ele me mandasse.
Pensar em Alexei fez com que eu não dormisse direito. Fantasiei
com o cara, sonhei com ele, um sonho louco regado a muita vodca,
abacaxi e sexo. Acordei excitada e agitada depois de menos de
duas horas de sono, suando e desejando matar aquele russo
perdição que se meteu no meu caminho. Eu tinha uma empresa
para administrar e uma nova fama para construir, não tinha tempo
para ficar naquela de joguinhos de sedução com o homem de quem
eu deveria me livrar. Desisti de insistir, tomei um banho, vesti um
biquini bem indecente e coloquei uma camisa de tecido que eu
adorava, cogitando chegar mais cedo na casa Simonov. Apostava
que Pedro não ia recusar ajuda.
Conduzi meu Fiat 500 pelas ruas já cheias, pressionando demais
o couro do volante. Meu corpo estava em ebulição, eu precisava
mesmo beber e me enfiar na piscina que eu sabia que aquela casa
maravilhosa tinha. Se bem que eu poderia colocar a água para
ferver e isso seria péssimo. Parei na frente da casa e toquei o
interfone. Esperava que nove da manhã não fosse cedo demais
para uma festa no horário de almoço, mas me surpreendi com o que
encontrei.
— Giovanna, maravilhosa, entre. — Dmitri me recebeu na porta.
Estava de bermuda branca, chinelos e sem camisa - um deleite para
os primeiros horários da manhã. Se ele não fosse comprometido,
talvez eu pudesse investir. — Chegou na hora.
— Pensei que Pedro pudesse querer ajuda. Sabe como é, sou
italiana, então cozinhar para a família é algo que nascemos
sabendo.
— Eu adoro pessoas que carregam esses estereótipos. Alexei,
por exemplo, pensa que é russo e enfia a cara na vodca todo dia.
Ele gostava de zoar o irmão, talvez por isso eu tivesse gostado
tanto dele. Entramos na casa e não tinha ninguém na parte de
dentro, então fui conduzida à área externa nos fundos. Deparei-me
com um espaço gourmet completo, que tinha uma cozinha ainda
mais aparelhada e magnífica que a de dentro, uma piscina digna de
hotéis de luxo, mesas, cadeiras e pelo menos seis pessoas perdidas
por lá. E eu achando que estava adiantada.
— Galera, parem tudo que estão fazendo e cumprimentem
Giovanna. — Pedro veio até mim. — Ela é sócia de Alexei, mas é
bem mais legal que ele. Giovanna, essa é a galera. Aos poucos
você se enturma com todo mundo.
Escaneei rapidamente quem estava por ali. Além de Dmitri e
Pedro, havia três mulheres e um homem. Eram todos pessoas
comuns que eu não me recordaria se reencontrasse na rua, mas eu
também era bem comum. Só os anfitriões tinham entrado várias
vezes na fila da beleza, acumulando para eles a perfeição terrena.
Cumprimentei todo mundo com alguns beijinhos e sentei-me à
sombra porque ainda não tinha passado filtro solar. Ainda precisava
de alguns minutos para me inteirar de tudo e todos.
— Pedro, precisa de algo na cozinha? — Perguntei.
— Linda, essa é minha área de lazer. — Ele fez um círculo com
os braços. — Deixe que eu me divirta e vá tomar um sol, pular na
piscina, sei lá. Priscila, pega uma cerveja para Gio.
Quis recusar, mas aceitei. Começar bebendo não era a melhor
ideia, até porque eu nem mesmo tinha tomado café da manhã.
Podia fingir que bebia, assim ninguém encheria meu copo ou me
serviria nenhum drinque exótico, porque eu podia jurar que tinha
visto um bar quando cheguei. Como eu não era tímida nem me
sentia deslocada, sentei-me bem no meio das amigas de Dmitri e
Pedro e entrei na conversa.
Fiz besteira ao olhar para cima. Admirando a natureza e tudo ao
redor, enquanto esperava uma das garotas contar alguma história
sobre um show qualquer que aconteceu em um final de semana
passado, levantei os olhos e ele estava ali. Sem camisa, cabelos
despenteados, olhos profundos, uma expressão sombria que o
acompanhava frequentemente. E ele olhava para mim, diretamente
para mim, como se pudesse arrancar minha roupa ou me dar um tiro
no meio da testa. Eu nunca sabia o que ele queria, no final.
Merda, Alexei. Mas o que eu pretendia indo àquela festa, se não
o provocar? Abri a long neck que Priscila me entregou e virei
metade em um gole só. Se a coisa era inevitável, então que eu
pudesse colocar a culpa em algo. Voltei minha atenção para a
conversa das amigas e descobri que Priscila e Samira eram
casadas e Vinícius e Fernanda namoravam há algum tempo. Só
tinha casais ali até o momento, o que me categorizava como única
solteira do grupo. Para quem pretendia um final de semana de
pegação com alguém que eu nunca mais veria depois, uma opção
segura, minhas escolhas me conduziram a um caminho bem
diferente.
Passou-se uma hora até que Alexei Simonov decidiu aparecer.
Pedro já tinha servido canapés com abacaxi, atum, salmão, lombo,
molhos variados e maravilhosos, e eu já tinha bebido três cervejas,
o que me desqualificava como sóbria - e ainda nem tínhamos
começado a nos divertir. Ele chegou com a mesma cara de quem
não sabia interagir com seres humanos, pegou uma cerveja no
isopor cheio de gelo e sentou afastado de mim, mas na minha
frente. Vestia uma bermuda colorida e continuava sem camisa,
porque homens como ele não deveriam ser autorizados a usar
camisa. Agora, estava em dúvida se preferia a sua versão
executiva, de ternos caríssimos, ou praiana, mostrando mais do que
era saudável que eu visse.
— Bonita camisa. — Ele implicou. Por algum motivo que
desconheço, a voz de Alexei fez com que as outras pessoas
olhassem para ele. Provavelmente, era porque ele nunca falava
nada, nunca interagia com ninguém em um nível razoável.
— Roubei de um carinha. Tem valor sentimental, acho. E fica
ótima para usar como saída de praia.
Ele sorriu, sorriso torto, movendo o canto da boca.
— Vai ter uma insolação, usando roupa nesse calor. É a única
pessoa vestindo qualquer coisa nessa festa.
Olhei ao redor e ele tinha razão. Todo mundo estava de biquini
ou sunga e Vinícius já estava dentro da piscina com Dmitri. Eles
montavam uma rede de vôlei e indicavam que ainda pretendiam
umas partidas antes do almoço. Lembrei que tinha saído de casa
com meu biquini conquistador e me arrependi de agir no impulso de
irritar Alexei. Eu não era mais aquela boba, só que continuava
sendo. Os oito anos que nos separavam pesou nas minhas costas.
— Estou bem assim, obrigada.
— Que pena, eu ia te desafiar para uma partida.
Sem falar muito mais, Alexei virou a long neck e bebeu o que
restava. Depois, levantou-se, tirou os óculos escuros, abriu a
bermuda e fez com que ela descesse por suas pernas. Se tivesse
alguém me filmando naquele momento, veria meu queixo tocar no
chão e voltar para o lugar em uma fração de segundos. Eu queria
ficar recomposta, mas falhei miseravelmente quando ele pulou na
piscina, jogando água para os lados e irritando Dmitri.
Mas eu era Giovanna Viola e um homem qualquer não me tirava
do prumo. Eu jamais fugiria de um desafio, então, que o biquini
entrasse em ação. Retirei a camisa pelos braços, sem abrir os
botões, e também entrei na água que estava uma delícia. Por que
eu estava torrando ao sol enquanto a água estava perfeita, não
saberia dizer. Nadei até Alexei, que estava ainda parado próximo à
borda, e o encarei.
— Desafio aceito, Simonov. Escolha suas armas.
— Ninguém armado na minha piscina. — Dmitri entrou no nosso
meio. — Vamos uma partida de duplas, pode ser?
Fernanda entrou na água e expulsou o anfitrião.
— Meninos contra meninas. Pode ser, Giovanna?
— Contanto que eu possa acertar umas bolas na cara do meu
sócio, vou adorar jogar com você.
Todo mundo deu risada, menos o assunto principal. Ele ainda
não tinha demonstrado nenhum prazer, nada, com um olhar
desinteressado e desconectado de quase tudo, menos de mim.
Aquela seria a segunda oportunidade que eu teria de enfrentá-lo em
uma partida e eu esperava vencer novamente.
ME BEIJE E ME DEIXE

Giovanna Viola
O P
. Não sei que menu ele estava inventando, para que
servia, que tipo de teste ele tinha, só que a comida estava perfeita.
Como fazia muito calor, ele abusou do frescor com abacaxi e hortelã
em uma salada com molho de iogurte. Eu entendia mais de comer
do que de cozinhar, mas o risotto estava fabuloso, e tinha camarão -
e eu amo, muito, camarão. Ele fez vários pratos diferentes em
porções pequenas, pedindo que nós provássemos de tudo e
déssemos nossa opinião. Depois de umas cinco partidas de vôlei na
piscina e de eu ter esquecido o protetor solar, minha pele estava
assada e eu, faminta.
Pelo menos, as meninas venceram três vezes. Parecia não
haver desafio em que eu não fosse capaz de bater o deus da
tecnologia, o tubarão que administrava a empresa mais famosa no
ramo. O CEO da FiberGen não era páreo para a patricinha mimada
do Espírito Santo e aquilo era muito engraçado. Talvez fosse para
mim, mas ele não estava rindo no final. Bem, Alexei continuava com
aquela expressão ausente, o que já estava me irritando. Optei por
parar de prestar atenção nele, o que parecia bem impossível para
mim.
Depois da comida os convidados não pareciam cachorros
famintos que iriam embora no pós-sobremesa. Mais gente já tinha
chegado e os nomes eu ainda nem tinha descoberto. Homens e
mulheres, alguns mais exóticos, outros mais padronizados, mas
todos e todas atrás de diversão. Dmitri colocou um som eletrônico e
pessoas dançaram, pessoas nadaram, pessoas se beijaram,
pessoas beberam - tudo sob o sol de uma hora da tarde. Eu estava
cozida pelo bafo do inferno e precisava evitar o excesso de sol, por
isso voltei para a minha camisa surrada e sentei debaixo de uma
sombrinha gigante.
— O que houve, linda? Não está se divertindo? — Pedro se
jogou na espreguiçadeira ao meu lado.
— Estou, claro. Mas eu acabei de comer, bebi demais, tomei sol
demais e preciso de uns minutos para me recuperar. Uma meia
hora, talvez.
— Se quiser vá lá para dentro descansar, é mais fresco.
— Tudo bem, está ótimo aqui. Obrigada pelo convite, a comida
estava maravilhosa e seus amigos e amigas são muito gente boa.
— Sócia de Lyosha, amiga nossa.
— Por que o chamam assim? Lyosha?
— Ah, é um apelido. Na Rússia, é comum chamarem os Alexei
de Lyosha, como um diminutivo, algo assim. Dmitri é Dimka, mas
ele não gosta muito.
Dei uma risada e Pedro se afastou, indo dançar em uma pista
improvisada. O som estava alto, mas os fundos da casa davam
apenas para o mar que dispersava o barulho. A imensidão azul
estava linda, calma, e a brisa que soprava refrescava minha pele
ardida. Se eu fechasse os olhos, sucumbiria ao sono que fugiu de
mim à noite, mas eu queria ficar acordada. Queria aproveitar mais,
então por que continuava sentada ali?
Ergui o olhar novamente e ele estava outra vez na varanda. Eu
já tinha dito que não prestaria mais atenção naquele zumbi, mas ele
era mais do que um inconveniente. Era como se eu quisesse,
precisasse conhecer mais sobre Alexei Simonov, entender melhor
sua personalidade, descobrir sobre sua vida. Perguntar as coisas ao
irmão e ao cunhado seria perfeito, mas eles desconfiariam do meu
interesse. Não queria que ninguém soubesse dele, nem minhas
amigas. Para elas, eu odiava o Simonov e pretendia livrar-me dele
antes do próximo feriado. Só que ele não estava apenas ali, ele por
inteiro era um convite aos problemas, um passaporte para a
perdição. Comprimiu os lábios e virou a cabeça, desaparecendo
logo em seguida. Eu não estava louca, ele sugeriu que eu deveria
entrar.
Não vá, Giovanna. Meu cérebro gritou que eu deveria ficar ali
onde estava ou que deveria me jogar na piscina. Um pouco de água
iria me ajudar a aplacar o tsunami em mim, mas eu duvidava que
alguma coisa segurasse aquele fenômeno da natureza. Olhei para
os lados e, imaginando que ninguém estava prestando atenção,
esgueirei-me pelas sombras até a parte de dentro da casa. As
vidraças estavam todas expostas, com as cortinas abertas, mas o
sol intenso fazia com que a casa ficasse na penumbra. Tinha
dúvidas de onde era o quarto em que Alexei estava mas eu sabia
que era no segundo andar, então subi as escadas.
Segurando firme nos corrimãos, desisti três vezes antes de
chegar ao meu destino. Não queria ir, precisava ir. Com todos os
sentimentos mais contraditórios dentro de mim, deixei que meus pés
úmidos estalassem sobre as tábuas de madeira do corredor. Uma
porta se abriu e ele estava lá, com uma camiseta preta, para minha
sorte, e um short de moletom. Eu só tinha visto Alexei de terno e
gravata até então, o que fazia aquele visual informal confuso para
mim. Ele parecia outra pessoa, eu só tinha certeza que era o
mesmo homem pela expressão em seu olhar.
— Cansou da festa? — Perguntei, sem me aproximar demais da
porta. Ela provavelmente dava acesso a uma caverna ou um covil
cheio de monstros, eu só sabia que lá dentro era perigoso.
— Meu tipo de festa costuma ser outro. E não quero atrapalhar
Dmitri e seus amigos, eles se divertem mais sem mim.
— Você parece que tem sessenta anos, Simonov. Não, eu
conheço pessoas mais velhas que isso que são menos ranzinzas.
— Eu não sou ranzinza. — Ele fingiu um sorriso. — Quer entrar?
— Depende do que tem aí dentro. — Impliquei.
— Segredos de Estado. Talvez eu tenha que te matar, depois.
Certo, ele não podia ter senso de humor e isso me desarmou
temporariamente. Dei uma risada e meus pés fraquejaram, guiando-
me para dentro do quarto de Alexei Simonov. A primeira coisa que vi
era que se tratava de um quarto normal. Não havia caixões, velas
escuras, morcegos pendurados ou artefatos que sugerissem que ele
praticava rituais macabros. Além da enorme televisão pendurada na
parede, da cama king size e do computador na escrivaninha, não
havia nada de pessoal naquele cômodo.
— Parece que ninguém mora aqui. — Disparei, passando a mão
pelos móveis ausentes de vida.
— A casa é de Dmitri. Eu estou ocupando um espaço, apenas.
Esse é o quarto que fico quando venho ao Brasil.
— E pretende ir embora, logo?
A pergunta era um desafio. Encarei-o, mas o efeito que eu
esperava não surgiu.
— Não, eu vou ficar mais tempo dessa vez.
— Então deveria dar vida a esse quarto. Ele não tem
personalidade, Alexei, não dá para saber se quem dorme aqui é um
homem ou um robô.
Ele sorriu e baixou os olhos. Por um momento, pensei ter visto
Alexei Simonov sem as barreiras que ele tinha mantido elevadas
durante todo o dia, desde que eu cheguei.
— Como se confere personalidade a um cômodo da casa, Viola?
Com porta-retrato, pôsteres, roupas espalhadas?
— Talvez. Não sei dizer, só sei que tudo aqui parece frio como
você.
— Acha que sou frio?
— Não sei. Me conte, você é?
Provocá-lo despertava um dragão em mim, me fazendo sentir
menos acuada e mais poderosa. Sentei na beirada da cama, cruzei
as pernas e o enfrentei. A música lá fora não nos atrapalhava a
conversar, mas a varanda estava escancarada.
— Não tenho nada para contar. Sou um homem fechado, não
tenho muitos amigos porque todo mundo só se aproxima de mim por
causa de dinheiro e poder. Não gosto de romance nem dessas
bobagens românticas, por isso as mulheres geralmente só querem
saber de mim para sexo sem compromisso. Tenho que lidar com
mais coisas do que gostaria e provavelmente farei isso pelo resto da
vida. É isso.
— Imagina se tivesse o que falar. Mas já entendi, você é um cara
rico que só sabe ser rico.
— Pode-se dizer isso.
Levantei-me. Alexei continuava parado no mesmo lugar, imóvel,
como se minha presença ali lhe causasse dor física. Eu não
conseguia entender se ele me queria perto ou longe, mas não
conseguia afastar-me. Dei alguns passos em sua direção e o quarto
subitamente ficou muito pequeno, claustrofóbico. Apesar do barulho,
eu conseguia ouvir seu coração martelando como um tambor e sua
respiração intensa. Uma corrente de adrenalina me arrebatou,
fazendo com que meu coração também disparasse e meus
músculos tremessem. Não sei como minhas pernas me mantinham
de pé.
Ficamos próximos, mais do que qualquer outra vez. Ele
entreabriu os lábios para dizer algo que morreu na garganta. O que
diabos eu estava fazendo, talvez fosse a pergunta que ele não fez.
Meu organismo entrou no modo automático e o cérebro não tinha
mais o controle de nada. Foi puro instinto e emoção que me fez
levar as mãos e apoiá-las em seu peito. Ele tinha formas definidas e
uma textura suave. Tocá-lo foi libertador. Fechei os olhos, mas ele
não se moveu. Manteve os braços estendidos ao lado do corpo, que
pulsava freneticamente.
— Não faça isso. — Ele sussurrou, mais para si mesmo do que
para mim. — Eu não vou conseguir parar.
— Desafie-se.
Também sussurrei, mas nossos olhos já estavam
irremediavelmente conectados. Aquele olhar era o que dizia as
regras, o que podia ou não podia ser feito e, naquele momento, era
como se valesse tudo. Qualquer coisa que eu quisesse estava
permitido, mas foi Alexei que tomou a iniciativa. Antes que eu
pudesse reagir, ele me segurou pelos ombros e me beijou.
Alexei tinha um gosto louco de álcool e cigarro, um sabor
amargo que parecia um ferormônio pronto para acabar comigo.
Quando aqueles lábios envolveram os meus eu imediatamente cedi,
desabei, desmantelei em seus braços. Não era bem o que eu
queria, pretendia atacá-lo, jogá-lo na cama, despi-lo e usá-lo como
adorava fazer, mesmo com a casa cheia, só que não consegui. Ele
se virou, empurrou-me contra a parede e nossos corpos se fundiram
como se nunca tivessem sido dois. Levantei a camiseta, permiti-me
explorar com os dedos aquela pele macia que eu já tinha desejado
antes. Alexei enfiou as mãos por minha camisa e pressionou minha
carne com os dedos. Ele não ia conseguir parar, eu não queria que
ele parasse.
Mas tinha que acabar. A vontade que eu estava de fazer sexo
até perder os sentidos não podia me dominar, não naquele
momento. Arrumei forças não sei de onde e interrompi o ataque em
meus lábios.
— Caralho, Giovanna. — Ele disparou, virando-se para o outro
lado, mãos na cabeça pressionando as têmporas. A racionalidade
também o atingiu como um piano caído de um tornado. Não era
para termos feito nada daquilo.
— Eu não vou me desculpar. — Balbuciei, porque eu respirava
com tanta dificuldade que não conseguia falar. Alexei voltou a me
olhar, daquela vez com uma tormenta em seus olhos. Finalmente,
alguma emoção naquele rosto lindo do qual eu tinha que me afastar.
— Mas eu vou embora.
— É isso? Vai me beijar e me deixar?
— É assim que tem que ser, Alexei. Nos falamos na segunda.
Girei em meu próprio eixo e, cambaleando como se tivesse
embriagada, pus-me para fora daquele quarto. Minha boca estava
dormente, meu corpo estava dormente, o cheiro dele estava em
minhas roupas, e eu estava simplesmente indo embora. Porque não
dava para fazer aquilo enquanto eu não decidisse o que era certo
sentir por Alexei Simonov.

Alexei Simonov
Desde a hora em que eu vi aquela mulher tirando a camisa, que eu
vi novamente aquele corpo fantástico quase despido, eu perdi a
noção de qualquer coisa. Foi difícil ficar ali na provocação sem
demonstrar o que sentia, foi difícil suportar horas ao lado dela sem
manifestar como eu estava abalado por sua presença. Consegui me
livrar, mas ela ainda estava ali. Ela estava em todos os lugares e
aquilo deveria ser bom, mas eu não estava mais suportando. Por
um momento, em um lampejo de inconsciência, sugeri que ela
subisse. Aquele era um movimento inteligente, mas eu ainda não
estava pronto para fazer o que eu tinha que fazer.
O maior problema foi perceber que eu nunca estaria pronto no
instante em que ela deu abertura o suficiente para que eu a
beijasse. Ela se aproximou, ela colocou as duas mãos em mim, ela
pediu e eu atendi. Foi a coisa mais louca que eu já fiz em muito
tempo, porque parecia totalmente errado e totalmente certo. Aquele
poderia ser o beijo que selava a minha vitória, mas era uma das
muitas derrotas que eu estava sofrendo. E Giovanna não ficou, não
prosseguiu, não permitiu que eu avançasse - ela simplesmente se
desencaixou de mim e foi embora. Ela foi embora, ela me deixou ali
destruído quando quem deveria destruí-la era eu.
Segurava o telefone nas mãos sem coragem para fazer o que eu
precisava fazer. A vontade era de entrar no carro e ir atrás dela e
jogá-la na cama, mas eu nunca chegaria perto da Viola se ela não
quisesse. Por isso estava ali, deitado de costas na cama, sentindo
minhas bolas doerem de tanto desejo, rezando para meu irmão
continuar bebendo até desmaiar pela piscina, apenas para não ter
que dar explicações. Selecionei o contato de Ilia no celular e deixei
chamar.
— Fale, Simonov. Novidades para mim?
— Eu preciso saber. — Disse, sem muito cuidado. — Conte o
motivo dessa vingança.
— Porra, Alexei, eu não quero ter essa conversa com você de
novo. Pensei que fosse claro que eu quero ver o legado de Massimo
Viola ser jogado pelo esgoto, quero que o nome dele seja apagado
da face da Terra. Vocês jovens podem achar que honra é uma coisa
antiga, mas eu dou muito valor a isso. Quero vê-lo eliminado da
História.
— E por que a neta? Por que não explodir a família inteira,
então? Acabar com seu DNA?
— Porque não doeria tanto.
— O velho está morto, Ilia. Morto. Ele não vai sentir nada.
— Filho, estou preocupado com você. Por que essa insistência,
agora? Você está querendo livrar a cara da mulher, é isso?
— Ela é uma pessoa, Ilia. Uma pessoa normal, eu não mereço
saber por que estou destruindo a vida dela?
— Você sugeriu dar um tiro nela ainda ontem. E você não sabe o
que vai acontecer, Alexei. Apenas pedi que você a seduza, é tão
difícil assim seduzir uma mulher?
— Ao menos isso acabaria de uma vez.
Não sei dizer se a resposta foi para ele ou para mim. Aquele
diálogo não tinha muito sentido, mas eu precisava que ele me
explicasse, mais uma vez, o por quê.
— Simonov, o avô dessa mulher tinha uma dívida enorme
comigo. Ia além de dinheiro, muito além, e ele não só nunca me
pagou, como foi ingrato e desdenhou da família russa que o ajudou.
Não é uma questão de ódio, é uma questão de honra e dívida.
Comprometi-me em fazer o que te pedi, mas não consegui, ele ficou
doente e acabou morrendo antes que eu conseguisse. Agora, resta-
me que você cumpra a minha promessa.
— Certo, Ilia. Estou com alguns progressos, fique tranquilo.
— Confio em você, Alexei.
Desliguei o aparelho e o atirei longe. Ninguém ia notar meu
destempero, ninguém estava prestando atenção em mim e isso me
dava a liberdade de mostrar raiva. Eu sabia que, algum dia, teria
que pagar o preço por ter tido ajuda de Ilia Pavlov, mas ele estava
me pedindo mais do que eu era capaz de dar. Talvez eu pudesse
matar, era bem provável que eu pudesse torturar, mas eu não
parecia apto a fazer o mais simples: quebrar o coração de
Giovanna. Era algum tipo de feitiço, só podia, porque eu já tinha me
considerado imune a qualquer espécie de paixão mundana.
Peguei as chaves do carro e saí. Eu queria ir à casa dela, mas
não fui. Fiquei guiando sem destino por Vitória, passei por Cariacica,
fui a Viana, peguei o retorno no trevo e voltei. Parei na Praia de
Camburi, no final da tarde com o sol se pondo e muita gente no
calçadão e na areia. Jovens jogando, correndo, brincando,
namorando. Casais embolados em cangas na areia. Desci do carro,
descalço, sem camisa, com os cabelos despenteados, e caminhei
até quase a arrebentação do mar. Sentei na areia e fiquei
observando as ondas irem e virem, a espuma molhar meus pés e o
vento refrescando a pele.
Eu precisava de outro plano. De um plano que me ajudasse a
esconder de Ilia que eu não ia cumprir a vingança dele até ter um
plano para me livrar das ameaças que ele fazia a Irina. Tinha que
livrar minha irmã das garras dele, mas isso provavelmente só
aconteceria se eu matasse Ilia. Eu já tinha estabelecido que matar
era uma opção, então que fosse. Era uma lógica simples: eu o
enganava, depois resgatava minha irmã, depois o matava. Parecia
coisa demais para se fazer apenas porque aquela desgraçada me
beijou. Era muito esforço para não a machucar, tudo seria mais
simples se eu fizesse o que prometi fazer.
Mas eu não podia, não mais. Nunca pude, na verdade, porque
eu não era aquele cara, ele era só uma imagem que eu vendia para
parecer poderoso, para impor medo. Se eu era capaz de gerir a
FiberGen, eu era capaz de me livrar de Ilia Pavlov.

Giovanna Viola

“Nossa padaria preferida, em meia hora”

Mandei essa mensagem para Janine e Patrícia, e me arrependi no


instante em que o fiz. Não dava mais para voltar atrás e eu
precisava mesmo contar para alguém o que estava acontecendo.
Precisava compartilhar, tirar do peito porque senão eu ia acabar
voltando à Ilha do Frade e fazendo besteira. Era domingo, a festa
tinha ficado para trás, o beijo tinha ficado para trás, mas meu
organismo não sabia disso - continuava querendo que eu voltasse
para os lábios daquele russo infernal.
As duas confirmaram e deixei Cecília e Suzana de fora apenas
porque elas tinham família e não eram vadias livres como eu e
aquelas duas. Como se eu tivesse voltado a ter dezoito anos, estava
ansiosa para fofocar com minhas amigas. Talvez fosse uma
experiência diferente porque, aos dezoito, eu era simplesmente
puta. Não ia achar nenhum evento contar às pessoas que beijei um
homem, aliás, seria um evento eu só ter beijado um. Sim, eu estava
ficando velha, bem velha. Adulta, então era assim que chamavam.
Decidi caminhar até a padaria, mesmo sendo um pouco longe de
casa. Eu adorava caminhar por Jardim da Penha e precisava gastar
energia. Mentira, eu estava com medo de entrar em um carro e
mudar meu trajeto acidentalmente. Calcei meus tênis mais
estilizados e pus-me a apreciar a paisagem da cidade que eu
adorava, mesmo que estivesse revendo os mesmos prédios pela
milésima vez. Nunca eram os mesmos, sempre havia aquela
pintura, aquele detalhe na varanda, aquele pastilhamento, um carro
novo na garagem, para prestar atenção.
Quando cheguei, estava atrasada. Não me importei muito,
apesar de odiar atrasos, porque minhas amigas podiam me
aguardar alguns minutos. A caminhada me fez bem, acalmou o
espírito e gastou energia o suficiente para me fazer conseguir ficar
sentada sem sacudir as pernas ou levantar toda hora.
— Gio tem coisa para contar. — Patrícia disparou, antes mesmo
que eu conseguisse dizer bom dia.
— E, pelo visto, não pode esperar o happy hour. — Janine
concordou. Sentei com elas e pedi meu cappuccino gigante, mesmo
que eu considerasse que precisava de suco de maracujá ou algum
calmante que derrubasse elefantes.
— Vocês são muito curiosas. Por que acham que eu tenho algo
para contar? Só queria ver minhas amigas e saber do final de
semana de vocês.
— Claro. — Jana riu. — O meu ainda nem acabou, mas eu fiquei
em casa por causa de uma cliente que me passou uma
arbitragem…
— Não era para você trabalhar no sábado.
— Desembucha logo, Gio! — Patrícia estava ficando nervosa. —
Vai chegar o jantar e você está aqui enrolando. O que te fez marcar
essa conferência com as solteiras sem eira nem beira?
— Lembram de quinta? Da bebedeira?
— Ô se lembro! Ainda estou com ressaca, nunca passei tanto
mal na vida. — Patrícia atacou alguns pães de queijo que pegou no
bufê.
— Pois bem. Depois disso, fui para a casa do meu sócio.
— O que?
Janine cuspiu o café que estava na boca e Patrícia engasgou
com a comida. Claro que a frase, do jeito que eu a despejei, sugeria
que eu tinha ido para a casa de Alexei e feito algo com ele que elas
provavelmente achariam impróprio, porque a minha fama me
precedia.
— Calma. Eu fui lá, ele também tinha bebido, mas não
aconteceu nada demais. O irmão chegou.
— Ah, só por isso, né? Porque se não fosse o irmão…
— Ele me convidou para uma festa. O irmão. Ontem. Na casa
deles. — Entreguei a informação em partes, mas minhas amigas já
estavam mudas, as duas me olhando com aquela expressão lúdica
de quem segura a pipoca e espera o show. Respirei fundo, elas
queriam tudo, com detalhes. — E eu fui à festa, ontem, e quase não
bebi porque precisava ficar sóbria na caverna do tubarão, mas não
adiantou muito. Depois de muita coisa estranha, acabou que Alexei
me beijou, eu acho que foi nessa ordem.
— Você acha?
— Ele te beijou?
As duas falaram ao mesmo tempo. Eu estava tremendo, não
sabia como explicar para elas o que nem eu entendia.
— É, eu fui até o quarto dele, sabendo que era péssima ideia,
e…
— Caramba, eu esperava que você fosse demorar mais a ir para
a cama do homem que você odiava ontem. — Janine me
repreendeu.
— Não fui para a cama dele. Nós nos beijamos e eu fui embora.
Já que elas pareciam não entender ou não acreditar em mim,
tive que explicar melhor. Contei pausadamente tudo que aconteceu
naqueles dois dias loucos, sexta e sábado, e o bendito do beijo. Ah,
o gosto que eu ainda sentia, aquele amargo delicioso que me fazia
lembrar café com uísque. Quando terminei a história, parecia uma
boba adolescente contando sobre o primeiro beijo para as amigas,
com os dedos nos lábios, querendo poder voltar no tempo para
fazer com que as sensações durassem mais um pouco.
— Puta merda, Gio. O cara te fisgou legal, hem?
Patrícia, delicada como um mamute, quase me nocauteou com
informação que eu já sabia, mas negava.
— Não fisgou. — Neguei, porque negar era sempre a primeira
atitude. — A gente estava meio bêbado.
— Você disse que não bebeu.
— Advogada, está tomando nota do meu depoimento?
— Porra, Gio, você pode ao menos assumir que já está louca
para entrar nas calças do cara? — Janine deu uma gargalhada no
meio da padaria cheia sem nem se importar se íamos virar atração.
— Eu disse que ele era lindo, gostoso, que tinha pegada, e você
querendo se livrar dele. Agora, vai desistir da arbitragem?
— Não! — Protestei. — Eu ainda quero reaver a Protomak.
— Tudo bem, temos seis meses mesmo para te fazer esquecer
essa loucura.
Encerrei o assunto já que alívio de contar estava me fazendo
sentir melhor. Levantei e fui ao bufê pegar alguma comida porque
tinha um rombo no estômago que precisava ser preenchido. Depois
que voltei para a mesa, meu celular vibrou, era uma mensagem de
texto de um número desconhecido.

“Estou a caminho de Moscou. Cuide das coisas. Alexei”.

Não soube o que sentir depois de ler aquelas palavras. Ele não
disse que precisaria viajar em nenhum momento, poderia ser um
efeito do que eu fiz? Estaria o poderoso Alexei Simonov fugindo de
uma patricinha como eu? Claro que não, ele tinha negócios muito
mais importantes do que eu para cuidar. Mas decidi que ia sentir
falta do filho da mãe na sala ao lado falando em russo, dobrando a
camisa, roubando meu almoço.

“Cuidarei. Volte logo. Giovanna”.


Alexei Simonov
Pousar novamente em Moscou me trouxe imediatamente memórias
complicadas de um passado muito recente. A viagem inteira foi
difícil, por sorte eu a fiz na minha poltrona pessoal. Que tipo de
milionário da tecnologia eu seria se não tivesse meu próprio avião?
Eu não gostava de viajar comercialmente porque nunca me
encaixava nos horários e escalas das companhias e nunca me
sentia confortável o suficiente nas classes executivas. Preferia
minha poltrona-cama, minha vodca, meus filmes, meu piloto me
avisando sobre o clima ou as condições de pouso. Daquela vez, no
entanto, eu tinha muita coisa na cabeça para aproveitar a viagem. A
decisão de mentir e enganar Ilia ainda me desafiava e eu não podia
ter certeza dela. Sem um plano eficiente para libertar Irina, eu tinha
apenas ideias sem nenhuma possibilidade de colocá-las em prática.
E eu estava preocupado com a FiberGen. Vladmir tinha me
deixado encucado com a presença de Burnshaw, eu imaginava que
ele estivesse assediando os acionistas burros e minha ausência
poderia ser vista como fraqueza. Arriscar meu império porque
brincava de soldado da máfia russa não parecia razoável, Ilia teria
que entender que eu não era um fantoche em suas mãos. Estava na
hora de virar homem e me posicionar para evitar o colapso da minha
empresa. Principalmente porque pisar em Moscou, colocar os dois
pés na empresa que eu ergui do zero, que eu fiz acontecer, no meu
pequeno feudo, me fazia sentir forte e poderoso.
Foi o que aconteceu no instante em que entrei na sede da
FiberGen. Fui recebido com sorrisos e cumprimentos por todos e
tomei posse da minha sala como se nunca tivesse saído dela. Eu
pertencia àquele lugar, eu e a FiberGen éramos parte de um mesmo
todo e eu não arriscaria perdê-la por qualquer motivo.
— Simonov, bem-vindo. — Pankhov me interpelou quando eu já
estava sentado em minha cadeira, olhando pela vidraça e
namorando uma Moscou bastante emburrada. — Não esperávamos
sua chegada tão cedo.
Pankhov era um dos diretores mas eu não confiava nele. Talvez
eu só confiasse mesmo em Vladmir, meu grande amigo, porque os
outros pareciam sempre interessados no meu lugar. Eu entendia
perfeitamente como Giovanna se sentia, como eu era uma ameaça
para ela, porque eu podia tomar dela tudo que amava. Um dos
problemas de empresas de capital aberto, como era a minha, era o
fato de eu nunca saber quando viria o golpe que me arrancaria da
presidência.
— Eu precisava ver como andam as coisas.
— Teremos uma reunião com acionistas hoje.
— Interessante, não marquei nenhuma.
— Foi a diretoria. Os acionistas estão preocupados com sua
ausência e com a queda de algumas ações.
— Pankhov, meu caro. — Pedi que ele se sentasse à minha
frente. Gostava de encarar os oponentes no olho. — Não foram
nossas ações que caíram. E os acionistas vão adorar saber que
estou prestes a adquirir a tecnologia dos gêmeos Siqueira.
— Eles jamais venderão para nós, Simonov.
— Por que acha que estou no Brasil? Por que acha que comprei
uma pequena empresa por lá? Estou expandido, meu caro. Os
acionistas compreenderão que minha ausência não é, na verdade,
ausência.
— A reunião é às quinze. Não perca, precisamos de você.
Pankhov me deixou e virei novamente para a vidraça, sentindo
meu peito dividido entre Moscou e Brasil, entre ficar com meu irmão
ou a FiberGen e Irina. Eu precisava vê-la, tinha que saber se estava
bem e não confiava na palavra de Ilia. Depois da reunião eu ligaria
para ela e poderíamos sair para jantar, passar algum tempo juntos.
Irina era o motivo de eu fazer qualquer coisa que Ilia pedisse. Ela
era esquizofrênica-paranoica, descobrimos depois que meus pais
morreram. Uma menina de sete anos cheia de delírios e as pessoas
dizendo que era luto. Quando um psiquiatra polonês finalmente a
diagnosticou corretamente, e prescreveu remédios adequados ela
melhorou muito, mas nem eu nem Dmitri conseguíamos cuidar dela.
Quando nossos pais morreram, ela tinha seis anos, eu dezessete, e
mal sabia cuidar de mim. Quando recorri a Ilia, ele ficou com Irina e
se tornou seu tutor, com minha anuência. Ele era como um segundo
pai para nós, ser general da máfia nunca nos incomodou porque
nosso pai também era envolvido com os crimes.
Mas Irina nunca saiu das garras de Ilia. Naquele momento, ela
era casada com o filho dele, Anatoli. Os dois se apaixonaram de
verdade, o menino gostava da minha irmã desde quando eles eram
adolescentes. Irina não era incapaz, medicada ela vivia quase
normalmente, sem nenhum problema, então ela não podia ser
interditada. Eu não queria, jamais imaginei que Ilia usaria a conexão
entre ela e o filho como arma contra mim. Minha irmã era refém dos
Pavlov, sem saber, mas eu sabia bem que, se não fizesse o que me
pediram, ela seria sacrificada. Ilia mataria a nora sem nenhum
remorso e eu acreditava naquilo.
Seria uma boa ideia resgatá-la. Pegá-la e levá-la para fora do
país, mas essa operação desencadearia uma perseguição sem fim.
Eu era público demais, famoso demais, exposto demais e a máfia
iria me achar. Precisava livrar-me sem que isso representasse fuga.
De repente, olhando para a cinzenta Moscou, a decisão de poupar
Giovanna ficou difícil demais de cumprir. Olhei meu relógio e já era
quase hora da reunião. Peguei alguns documentos e fui até o salão,
preparado para defender o meu reinado.

Giovanna Viola
Alexei passaria uma semana em Moscou, foi o que Lourdes me
informou. Ao menos avisou à secretária e pediu que ela anotasse
qualquer recado e lhe passasse no final do dia. Eu teria uma
semana de paz na minha empresa sem o sócio dos infernos para
me atazanar e me provocar com a sua presença. Sentada na minha
mesa, escondida atrás de um notebook e muitos contratos, eu
parecia mais uma burocrata do que tudo naquela segunda-feira,
mas isso significava que eu tinha muito trabalho e não teria tempo
de pensar em bobagens.
Bobagens como a boca de Alexei Simonov. Era uma bela
porcaria que eu não conseguisse tirar o beijo da cabeça nem um
segundo sequer, que eu não conseguisse não sentir as mãos dele
em mim, ou a pressão do seu corpo no meu. Foram menos de cinco
minutos! Não deveria ter feito nenhuma diferença na minha vida,
mas lá estava eu, com medo de fechar os olhos e sonhar com o
cara. Se bem que eu já estava sonhando acordada, mesmo.
Durante o dia recebi um convite de Dmitri para o seu vernissage
que aconteceria no próximo domingo. Recebi também mensagens
das minhas amigas perguntando sobre Alexei, e tive que dizer que
ele não estava. Não teria muito o que contar no happy hour para
entretê-las, nada sobre a bunda nem outras partes do corpo e me
incomodou um pouco que elas quisessem fantasiar sobre as
qualidades físicas do meu sócio como se eu tivesse alguma
autoridade sobre ele. Mas a principal atração da minha semana era
a proposta dos gêmeos. Eles tinham pedido mais dinheiro do que eu
poderia pagar, então eu teria que fazer algum exercício para
conseguir fechar negócio.
Decidi buscar investidores mas eu não sabia bem fazer isso.
Sem ajuda, passei a terça-feira inteira batendo em portas e me
reunindo com possíveis candidatos mas não convenci ninguém da
importância de ter a tecnologia dos Siqueira. Eu não sabia pedir ou
estava escolhendo as pessoas erradas. Na quarta-feira, enquanto
mastigava a caneta tentando descobrir o erro, pensava que
precisava dele. Precisava de Alexei, da experiência que ele tinha em
negociar e conquistar. Eu era boa o suficiente mas ainda muito
inexperiente. Vovô sabia, também, que eu saberia pedir ajuda, só
que eu não tinha quem pudesse me orientar.
— Lourdes, preciso que ache meu sócio.
Disparei pelo interfone, pegando minha secretária de surpresa.
— Agora, Srta. Viola? São oito da noite em Moscou.
— Ligue para o celular, preciso falar com ele.
Confiava que Lourdes saberia o que fazer, que ela encontraria o
russo maligno que estava me deixando louca. Não sabia mais se eu
queria falar com ele porque tinha dificuldades em negociar ou se
queria apenas ouvir aquela voz grave maravilhosa que me derretia
os ouvidos.
— Srta. Viola, o Sr. Simonov está na linha.
Meu coração pulou duas batidas quando minha secretária disse
aquilo. Ajeitei-me na cadeira como quem se ajeita para conversar
com o crush.
— Boa noite, sócio. Curtindo estar em casa?
— Eu amo Moscou, então estou sim, me divertindo bastante. E
você, sócia?
— Não estou em Moscou.
Ele deu uma risada. Ah, risada gostosa, como se ele não fosse
mais o zumbi da festa e sim o homem que me beijou.
— O que precisa, Giovanna?
— Não tenho como pagar os gêmeos.
Era melhor dizer a verdade porque não havia justificativa ligar
para ele para mentir ou fazer aqueles joguinhos irritantes.
— Quanto eles pediram?
— Duas vezes o que eu propus. Posso barganhar mas eu estava
no meu limite. Não tenho como subir a oferta que dei e não
consegui investidores. Parece que a ideia de dividir o poder não
agrada aos homens empresários.
— A FiberGen paga.
Ele disparou sem nem me esperar concluir a frase. Ficamos
alguns segundos em silêncio porque eu precisava pensar. Não havia
o que considerar, eu jamais aceitaria aquela proposta sem refletir
economicamente o que ela representava.
— Não. — Recusei. — Quem vai comprar essa tecnologia é a
Protomak, eu só preciso aprender a negociar com investidores. A
proposta é minha, os gêmeos querem vender para mim.
— É isso que estou dizendo, Viola. A FiberGen investe, eu cubro
o que está faltando para chegar ao valor pedido e você fecha com
eles.
— E o que você ganha com isso?
Claro que ele tinha que ganhar, porque os homens sempre
ganhavam ou achavam que ganhavam. Eles precisavam de algo
que lhes significasse vitória ou não ficavam satisfeitos. Aquele
comportamento me irritava, era geralmente o motivo de eu não os
querer por mais de uma noite. Eu concluí que adorava sexo com
homens, mas não adorava homens em geral.
— Sabe o que vim fazer na Rússia? Meus acionistas estavam
preocupados comigo, eu tenho um arqui-inimigo que sonha em
tomar minha empresa.
— Nossa, parece com uma história que conheço.
— Não tem nada a ver conosco. — Ele se apressou em me
corrigir. — Eu não quero te destruir, Giovanna, mas ele pretende me
tirar da presidência. Tive uma reunião intensa com meus acionistas
e a tecnologia dos gêmeos estava em pauta. Preciso dela tanto
quanto você a quer.
— O uso é franqueado, você sabe.
— Não me importo nem os acionistas sabem. Ter é mais
importante que usar, nesse momento.
Recostei a cabeça para trás e fitei o teto. Aceitar o dinheiro que
me era oferecido, naquele momento, parecia a única saída
inteligente. Eu não tinha muito tempo, os gêmeos esperavam uma
resposta até sexta-feira e minhas ideias estavam ficando escassas.
O problema era que a oferta me prendia irremediavelmente à
FiberGen e, consequentemente, a Alexei. Eu não queria ficar presa
a ele, não pretendia que nossa relação comercial permanecesse
depois que eu anulasse a venda das quotas da Protomak.
— Posso pensar até amanhã? Você mantém a oferta por vinte e
quatro horas?
— Claro que pode, mas você sabe que, se eu quisesse te tomar
essa tecnologia, eu já teria feito isso. E, se eu quiser que você fique
comigo, eu consigo fechar as portas de todos os investidores que
você possa cogitar.
— Sei que você é poderoso e magnânimo, sócio, mas sei
também que venço você em partidas de vôlei aquático.
Impliquei. Queria provocá-lo novamente, ouvir aquela risada
mais uma vez. Deveria ter iniciado uma conferência de vídeo, para
poder vê-lo, mas era melhor que eu apenas sentisse, que eu apenas
imaginasse. Não podia sequer permitir que Simonov soubesse que
eu o queria mais do que demonstrava, eu ainda estava na fase de
resistir.
— Feche comigo, Giovanna.
— Amanhã, Alexei. Eu te ligo de novo.
Desliguei o telefone com o coração acelerado, adrenalina e
endorfina me fazendo sentir euforia. Nem quando experimentei
drogas sintéticas nas raves que frequentava mais jovem eu senti
algo como aquilo. Qualquer interação mínima com Alexei Simonov
era erótica, exótica e me excitava ao grau máximo. Meu sangue
estava fervendo, meu corpo quente como se eu tivesse febre.
Foram minutos de conversa e eu já precisava pular em uma
banheira de gelo. Não adiantava me fingir de resistente, o que eu
sentia por ele era inevitável. Ou eu me afastava de vez, ou me
jogava naquele corpo perfeito que me chamava, naquela boca
deliciosa que me embriagava.
Voltei para o trabalho, um pouco atordoada por simplesmente
trocar algumas palavras com a tormenta na minha vida.
Provavelmente, a melhor opção seria realmente fazer negócio com
a FiberGen, que ofereceu dinheiro sem nem questionar as
cláusulas. Peguei o celular e mandei uma mensagem para Jana,
esperando que ela pudesse preparar um contrato bom o suficiente
para não me prender eternamente a Alexei.
O VERNISSAGE

Alexei Simonov
C A
I . Era a primeira vez que via minha irmã depois de
alguns meses, estava com saudades e iria levá-la em seu
restaurante preferido. Bati à porta e esperei alguns minutos até que
ela surgisse, sorrindo.
— Lyosha!
Irina pulou em meu pescoço e me beijou. Ela parecia uma
criança às vezes, linda e inocente sem conseguir captar a maldade
e a crueldade humanas. Talvez fosse aquele o motivo dela ter se
apaixonado pelo Anatoli e não ter percebido o crápula mafioso que
era seu sogro ou não ter ligado para isso, já que Ilia não era muito
diferente de papai.
— Boa tarde, irmã. Pronta para passar o dia com o irmão mais
velho mais chato que existe?
— Você não é chato e eu estou com saudades. Por que não
trouxe o Dimka com você? Eu queria vê-lo também.
— Ele está ocupado com o vernissage. Nós mandamos um
convite para você.
— Não devo viajar, Lyosha. É muito arriscado, sabe como me
sinto com aviões e os remédios, eles…
— Tudo bem, Irina. Não precisa me explicar. Vamos.
Abracei-a e levei-a até meu carro. Eu mantinha minha casa e
minhas coisas em Moscou como se nunca tivesse saído de lá,
porque eu nem mesmo sabia quanto tempo ia ficar no Brasil. Pedia
a amigos e empregados que cuidassem de tudo para mim, que
mantivessem o carro rodando e que pegassem as correspondências
que chegassem. Vladmir sempre me ajudou nas viagens, aquela era
apenas uma mais longa. Eu estava em casa, afinal.
Irina continuava a mesma mulher que deixei em Moscou, apesar
de parecer um pouco menos coerente. Sabíamos que os remédios a
deixavam confusa às vezes, com dificuldade de se expressar
verbalmente e um pouco sonolenta, mas ela estava bem. Não tinha
delírios, não ficava agressiva, não se cortava nem demonstrava
tendência para nenhum tipo de violência. Passamos um excelente
dia juntos, em que pude esquecer um pouco os problemas,
desocupar a cabeça da vingança de Ilia, falar sobre memórias de
infância e lembrar como era bom não ter que estar preocupado em
manter a irmã em segurança. Mas todo o arrependimento de ter me
envolvido com a máfia e de tê-la deixado com seu algoz me
massacraram o dia todo.
Deixei minha irmã na casa dela às dezessete e fui para a
FiberGen, interessado em revisar o que meus diretores andaram
fazendo durante minha ausência. Pedi à secretária que me enviasse
os relatórios e arquivos das transações comerciais e negociações
que tinham sido feitas, sem necessidade do meu parecer e ajeitei-
me na cadeira para enfrentar uma possível noite de muito trabalho.
Olhei para os lados e havia gente pelas salas, que eram separadas
todas por paredes de vidro, mas eu não a vi. Não costumava me
incomodar com as pessoas ao meu redor quando estava
compenetrado no serviço, porém senti falta de alguém ao lado para
me distrair.
Giovanna me devia uma resposta. Ia ligar para ela do celular
mesmo mas desisti porque eu precisava era vê-la. Apesar do dia
fantástico e de perceber que eu jamais conseguiria enfrentar Ilia e
arriscar minha irmã, e que eu provavelmente não seria capaz de
bolar nenhum plano perfeito para convencê-lo de que estava
fazendo acontecer a vingança, eu ainda queria ver Giovanna. Liguei
o computador na expectativa de que pudesse achá-la no Skype e
que ela estivesse conectada, afinal, uma mulher de negócios tinha
que ficar sempre ligada em suas redes. Pedi para adicioná-la em
meus contatos e esperei. Os segundos passaram e nada. Um
minuto e nada. Sou ansioso por isso levantei e peguei um café, que
preenchi com vodca. Irlandeses tomavam café com uísque, eu era
russo e tomava com vodca.
Quase meia hora, dois cafés e três relatórios manchados depois
ela me aceitou como contato e pude iniciar uma conferência de
vídeo. Ela estava no escritório, era cedo no Brasil, e estava linda. O
cabelo preso em um coque com o pescoço à mostra e uma
camiseta fina que eu me disponibilizaria a rasgar. Não podia ficar
pensando besteira, tinha que trabalhar e estava em público.
— Simonov, ainda no escritório?
— Passei o dia com minha irmã, vim trabalhar à noite. Tenho
muita coisa para resolver aqui, ainda. Pensou na minha resposta?
Ela sorriu e recostou na cadeira. Afrouxei a gravata porque o
simples fato de tê-la do outro lado da tela já estava me fazendo
sentir calor. Não, não era calor, era outra coisa.
— Pensei, Simonov, e decidi aceitar. Tentei outros dois
investidores e realmente não achei um homem disposto a ceder
para uma mulher. Incrível.
— Ótimo. Responda aos gêmeos e vamos para o segundo passo
da aquisição.
— Janine e minha equipe estão vendo isso. Pode deixar que
damos conta. Sua irmã está bem?
— Irina está ótima, foi bom vê-la.
— Já decidiu quando volta?
— Está muito inquisidora, Viola. — Recostei na cadeira e tomei
um gole do café, que estava frio. Minha careta no vídeo fez com que
ela desse uma risada. — Eu chego para o vernissage de Dmitri.
— Ótimo. Vou te deixar trabalhar, boa noite.
Ela encerrou a chamada sem que eu nem pudesse me despedir.
Aquela mulher ainda ia ser a minha ruína, porque eu nunca tinha
lidado com alguém como ela: tão irritante e fora de série. Não tinha
mais jeito, então afundei-me nos relatórios porque era melhor
esquecer a vontade de beijá-la com muito trabalho burocrático, que
eu sempre gostei de fazer.
A secretária se despediu, Ivan e Boris, que trabalhavam ao lado,
se despediram, Alina se despediu. Pouco a pouco, todos que
trabalhavam ao meu lado se foram e fiquei sozinho no andar, o que
já tinha feito muitas vezes antes. Já teve vez de sobrar apenas eu e
o porteiro do prédio, com quem eu já tinha jogado algumas partidas
de baralho e até mesmo tomado uns drinques de manhã cedo, com
o sol quase nascendo. Fiquei ali com meus relatórios, não achando
nada interessante nos números à minha frente, até que Vladmir
apareceu.
— Alexei, vai esticar hoje?
— Sim, preciso terminar de revisar o que fizeram na minha
ausência.
— Deixei essa papelada e venha conosco. Vamos para aquele
bar.
Aquele bar. Quando Vlado falava assim era porque iam atrás de
prostitutas. Nenhum de nós as chamavam assim, eram mulheres
que, se pagássemos, nos dariam prazer. Eu, Alexei Simonov, nunca
precisei de prostitutas mas, às vezes, dava muita preguiça de
passar pela fase da conquista. Quando queria só sexo, um orgasmo
ou dois, eu não estava com muita disposição para encontrar
alguém, seduzi-la e levar para a cama. Olhei para meu amigo e abri
a boca para dizer que não ia, só que fazer isso era uma prova de
que Giovanna estava me afetando. Eu estava em Moscou, com dois
continentes nos separando e ela não poderia ditar o que eu faria.
— Dê-me meia hora e vamos.
Meia hora era tempo suficiente para organizar os papéis,
desligar o computador, arrancar a gravata e encontrá-los no térreo,
no lobby. Além de Vladmir, Nikita nos acompanharia e ele era o mais
porra louca de todos. Certo, íamos para o puteiro mais elitizado de
Moscou e isso significava que eu ia sair do celibato auto imposto
desde que tive que mudar para o Brasil. Já estava mesmo na hora,
eu precisava de sexo.
Chegamos quando ainda era cedo, ou seja, as mulheres
estariam mais disponíveis para nós. Pedimos uma rodada de vodca,
sentamos no bar e esperamos até que nossos olhos se
acostumassem à luz negra. Eu sempre ficava zonzo naquela
iluminação, era tudo azulado e branco e fosforescente. Se tudo
desse certo eu teria uma ótima noite de álcool e garotas lindas para
me entreter. Uma delas já estava acostumada comigo, tinha cabelo
curto e estava com uma peruca clara deixando tudo com aquela cor
entorpecente. Ela se aproximou e colou a boca em meus ouvidos.
— Faz tempo que não vem, Lyosha.
— Andei viajando. Não deu para sentir minha falta, deu?
Ekaterina virou a banqueta em que eu estava sentado e
acomodou-se em meu colo. Passou as unhas pelos botões da
minha camisa branca, que estava mais iluminada do que carro
alegórico, e abriu dois deles.
— Sempre sinto sua falta, você é um dos meus melhores.
Sem muita cerimônia ela me atacou os lábios. Sabia que eu não
gostava de muita enrolação então foi direto ao assunto, só que eu
não esperava pelo que aconteceu. Fechei os olhos e, subitamente,
quem me beijava era Giovanna Viola. Afastei Ekaterina e a encarei -
era a mesma mulher que eventualmente fazia sexo comigo naquele
mesmo bar. Bebi outra dose de vodca sem me dar conta que talvez
o álcool estivesse com alguma substância extra. Duvidava que
Vlado colocasse drogas na minha bebida sem me contar, afinal, eu
nunca recusei um barato diferente. Não era a bebida, não eram
drogas, ainda era outra coisa.
Ekaterina não entendeu e voltou a me beijar. Abriu outro botão e
enfiou as mãos por dentro da camisa, tocando meu peito e minha
barriga. Mesmo de olhos abertos, enquanto eu sabia quem me
tocava, meu cérebro dizia que era Giovanna. Ela então me conduziu
para um lugar afastado, onde as orgias aconteciam, e me jogou
sobre um sofá. Eu estava suscetível, geralmente era mais aguerrido
e tomava as atitudes. Só que nada estava saindo como planejado.
Pensando que eu estivesse daquela forma para fingir uma
personagem, Ekaterina assumiu um papel dominador.
Com unhas enormes e que piscavam sob a luz quase
inexistente, ela abriu minha camisa por completo e passou a língua
em meu peito. Senti a pele arder como se ela fosse um dragão
soltando fogo pela boca. Arqueei as costas e ela ficou com mais
espaço para trabalhar. Lambeu minha barriga até chegar no cós da
calça, descartando o cinto com alguma facilidade. Abriu os botões
da calça, o zíper e encontrou meu pau tentando decidir se queria
aquilo ou não. Eu geralmente estaria no sétimo céu, esperando uma
bela sessão de sexo oral, mas só queria sair correndo dali.
Afastei a mulher definitivamente, levantando e fechando os
botões, enfiando tudo para dentro da roupa. Bebi a terceira dose de
vodca e falei no ouvido de Vladmir que estava me sentindo mal. Saí
tonto do bar, sentindo calor mesmo com frio intenso, sentindo meus
ossos estalarem e meu estômago revirado. Bebi sem comer, parte
do problema era esse. Mas o que me fez sair correndo não tinha
sido o mal-estar, com esse tipo de coisa eu já sabia lidar. O que me
fez fugir no meio de qualquer coisa, no entanto, foi algo bem mais
complicado. O motivo de eu querer rever planos com Ilia, o motivo
de eu ter feito uma conferência via Skype mais cedo, o motivo por
eu ter oferecido dinheiro por um produto que nunca poderei usar, a
razão por minha insensatez. E tinha sobrenome Viola.
Entrei no carro e acendi um cigarro. Eu tinha deixado aquela
merda para trás, mas não dava - era fumar ou cheirar. Nem muita
vodca ia fazer diferença naquela noite. Voltei para casa voando
pelas ruas de Moscou, costurando o trânsito e buzinando para que
saíssem da minha frente. Precisava entrar em um balde de gelo e
ver se aquela mulher saía da minha cabeça, do meu corpo, dos
meus hormônios.

Giovanna Viola
Talvez fosse a primeira vez em que eu não estivesse muito ligada no
que diziam as minhas amigas. Estava há duas horas bebendo com
elas, no Outback na nossa quinta obrigatória, mas totalmente fora
do ar. Ouvi Patrícia falar alguma coisa de sua nova chefe, que
parecia a Jéssica de Suits - o que deveria ter me colocado dando
gritinhos histéricos porque Jéssica é minha ídola dos seriados de
televisão, mas não esbocei reação condizente com uma fã. Ouvi
Cecília falar do namorado, reclamando alguma coisa que ele ia
passar um mês em um curso no exterior e que ela não conseguiu
liberação do trabalho para acompanhá-lo. Ouvi também Janine
criticando que ela tinha que deixar o homem em paz e Cecília
retrucando que o negócio dela era passear no estrangeiro e não
ficar no pé do namorado.
Ouvi tudo que elas falavam mas fiquei introspectiva, presa dentro
de mim mesma, vez ou outra sorrindo. Mal tinha tocado na comida e
não sabia que tipo de doença era aquela me afetando tanto. Porque
tinha que ser doença para me prevenir de comer e fofocar com as
amigas. Saudável, eu era a mais louca, a que tirava a roupa nas
festas e sobre quem tinha um alerta especial em duas boates.
Naquela noite eu não era nem a chata da turma, porque minha
ausência de espírito era notável.
— Você está viva, Gio?
Foi Suzana quem primeiro se incomodou com minha apatia.
— Estou, só um pouco cansada. Essa semana foi muito intensa,
trabalhei demais.
— Ou está em crise de abstinência do russo tentação?
Janine me espetou. Ela não perdia a chance de alfinetar e ela
sabia tudo, em detalhes, sobre o maldito beijo do sábado. Já faziam
cinco dias, Giovanna, cinco dias! Por que parecia tinha acabado de
acontecer?
— Que exagero. Estou cansada oficialmente. Mulheres que
trabalham se cansam, não? Lembrem que trabalhar é novidade para
mim, estou precisando me acostumar. E foi exaustivo porque eu tive
que ir atrás de investidores e ninguém queria apostar em mim.
— Conte sobre isso. Como foi sua primeira grande aquisição?
Respirei fundo e detalhei a compra da tecnologia. Ainda não
tínhamos fechado nada, só negociado os pormenores da transação.
Os gêmeos estariam novamente em Vitória na segunda-feira, eles
gostaram da capital capixaba e se ofereceram para voltar. Assim
assinaríamos os papéis que Janine estava preparando e enviando
para os advogados deles revisarem. Falei da minha proposta e do
fato de que ninguém queria dividir o poder sobre a tecnologia como
eu estava disposta a fazer, por isso não consegui investidores. E
sobre a FiberGen ter coberto a proposta que eu não podia pagar,
aceitando ficar em segundo plano.
— É, quem diria que isso aconteceria tão rapidamente?
— Isso o que? — Não entendi a afirmação de Suzana.
— Você e Alexei Simonov. Alexei Simonov e você.
— Somos sócios, Suzana. O que você está considerando?
— Gio, uma coisa sobre homens de negócios: eles nunca abrem
mão. Por isso você não conseguiu investidores, eles não acharam
que estavam ganhando. Você é uma Barbie de cabelos pretos e,
convenhamos, não passou segurança nem para seus tios. Sabemos
que você é foda, mas somos suas melhores amigas. Esses caras…
então, se o Simonov pagou, querida, é porque ele está totalmente
na sua.
— Concordo. — Janine pediu a outra rodada de chopes. — Ele
está quase a ponto de comer na sua mão. Ou em outro lugar.
Cecília deu uma gargalhada alta e Patrícia cuspiu a comida.
Suzana demorou alguns segundos para entender a referência. Eu
emburrei porque não achava que elas estavam certas.
— Não é isso. Na verdade, ele tem interesse em fazer uso da
tecnologia também e os gêmeos jamais venderiam para ele.
— Acorda, Gio. Ele quer é fazer uso de outras coisas… você já
esteve no quarto com ele, disse que explodiram fogos de artifício,
então não entendo como pode estar tão cega! Só não entendo essa
sua neura de dar uns pegas no cara logo.
— Ele é complicado. E envolver com sócio só pode dar merda,
ainda tenho que aguentar seis meses disso.
— Complicado é você pensando em envolvimento. — Cecília
disparou. — A Giovanna que eu conheço geralmente pegaria o cara
e daria tchau, ele nem mesmo duraria para o dia seguinte.
— Só que eu vou vê-lo no dia seguinte, lindeza.
Ajeitei-me na cadeira. Elas não estavam visualizando o cenário
todo, não era um carinha de uma festa, não era um homem
qualquer que eu vi e gostei. Era o homem com quem eu estava
forçada a conviver por meses. Tínhamos um relacionamento de
qualquer natureza, ou seja, não dava para fingir que ele não existia
no dia seguinte.
— Sério, Giovanna? — Janine se preparou para um discurso. Eu
sempre sabia quando ela viria com lição de moral. — Você está
inventando desculpa para não cair de cabeça. Se está a fim do cara,
beija logo aquela boca, usa logo aquele corpo - e que corpo - e
acalma essa periquita. Já está ficando chato esse chove-mas-não-
molha de vocês dois.
Todas caíram na risada menos eu. Ainda achava que estavam
erradas, que não conseguiam compreender o meu drama, mas Jana
não deixava de ter um pouco de razão. Eu estava, sim, inventando
desculpas para não ficar com Alexei, para não o conduzir por uma
viagem maluca - e sem passagem de volta - pelo sexo mais insano
que ele já fez. Eu estava com medo de gostar e de querer repetir,
porque ele estava disponível, à mão, fácil. Talvez ele não fosse fácil,
mas eu teria que vê-lo com frequência e isso despertaria a vontade
de uma segunda ou terceira vez.
Isso não me impedia, no entanto, de sentir o terreno e ir com
calma. Já estava adulta o suficiente para não achar que todos os
caras que eu conhecesse eram para uma noite apenas ou iriam
para a cama comigo na primeira piscadela. Era provável que Alexei
fosse um desses que saíam pegando tudo e todas, mas ele também
poderia querer ir devagar. Eu tinha que tentar ou me arrependeria
de minha covardia.
— Certo. Vocês agora podem voltar a falar dos seus dramas, já
entendi o recado.

Olhei para mim mesma no espelho. Fazia tempo que não repetia
meu mantra, que não garantia que seria um bom dia apenas com a
força do pensamento. Desde que Simonov chegou na empresa - e
entrou na minha vida, ele fez uma bagunça danada. Mas não
poderia reclamar, ele me ajudou a revelar partes interessantes de
mim que eu não sabia que existiam. Aquele era o dia do vernissage
de Dmitri e eu não poderia perder. O russo era muito gente boa, me
ajudou quando precisei, me convidou para festa e o evento era
importante para ele.
Peguei meu Fiat 500 e guiei na direção do Museu da Vale. Não
sei dizer como Dmitri conseguiu fazer sua mostra naquele espaço
mas jamais iria reclamar porque era um dos meus lugares favoritos
em Vitorinha. De noite, com a iluminação da cidade e o mar, mesmo
que bem poluído, eu poderia sentar no pier e relaxar um pouco caso
o evento me oprimisse. Não, o evento jamais seria opressor, porque
eu adorava festas, bebidas e gente discutindo coisas aleatórias. O
problema era que eu estava, como disseram minhas amigas, em
uma crise de abstinência pela ausência de Alexei e negava o
máximo possível que aquilo fosse verdade.
Fui sozinha porque todas as minhas amigas tinham
compromisso naquela noite. Por sorte não cheguei tarde e tinha
lugar fácil de estacionar. O museu estava com uma iluminação
exótica e eu podia jurar que havia um cheiro adocicado no ar.
Esperava que não fosse uma coisa louca como aqueles perfumes
de ferormônio, porque tudo que eu não precisava era de mais
tentação na minha vida. Passar a semana delirando com um homem
que eu não queria nem ver na minha frente, há pouco tempo, era
suficiente para me fazer surtar.
— Giovanna, você veio! — Dmitri me abraçou na chegada e já
me entregou uma taça de champanhe.
— Obrigada.
— Eu não perderia. O que tem para se ver, por aqui?
— Obras espalhadas pelos lugares. Descubra-as e veja as
histórias. Se gostar de alguma tem como dar likes, uma coisinha
que Pedro inventou com QRcodes e outras tecnologias. Saque seu
celular!
Beijei-o na bochecha e fui explorar a exposição. Meu coração
disparou e a ansiedade me nocauteou logo no início porque eu
imaginei que Alexei estaria ali. Eu não sabia quando ele voltaria,
mas ele garantiu que viria para a exposição do irmão. Então, em
algum momento da noite, nós nos esbarraríamos, era o que eu
esperava. Sim, eu esperava, ansiava por vê-lo de novo. Sentir seu
cheiro, aquela presença masculina que me despertava ódio e desejo
ao mesmo tempo. O homem zumbi que tinha rido e se mostrado
descontraído nas conversas durante a viagem.
Olhei o que tinha no primeiro andar. Dmitri era mesmo talentoso,
eu adorei as pinturas. Pensei que fosse encontrar quadros abstratos
mas era tudo muito singular, retratando a sua vida, a sua infância,
algumas experiências. Havia sentimento naquelas telas, emoções
que ele transmitiu com sucesso. A que mais me atraiu foi a que
tinha duas pessoas, uma maior e outra menor, abraçadas, de
costas, em um cenário fantástico. O título era “irmão”, e tive que
acreditar que aquele quadro tinha sido pintado para Alexei.
Subi as escadas para explorar todo o espaço. Os preços das
telas eram quase obscenos mas elas valiam o que ele pedia. Outra
me atraiu e me fez dar um lance online - ela representava emoções.
O título era “contradição” e tudo na obra me lembrava o oposto.
Quente e frio, feliz e triste, bem e mal. Era uma tela intrigante, com
muitas linhas e entrelinhas para serem lidas e eu a queria na minha
casa.
Peguei outro champanhe e caminhei para fora, procurando obras
escondidas no exterior. Fui até o letreiro para ser encantada pela
paisagem tanto quanto estava pela exposição de obras. Recostei-
me na proteção que nos impedia de cair dentro do mar e fiquei
olhando para a cidade, para os navios, para as luzes. Tudo ali era
hipnótico, eu podia ficar horas namorando aquele cenário. Virei-me
para ver o museu iluminado, apoiando a taça na proteção, quando
eu o vi. Saindo do prédio, olhos divagando pelo lugar, ele usava
smoking e estava mais lindo do que eu jamais o imaginei. Seu
cabelo estava maior, havia aquela barba da qual Janine se referia,
que eu ainda não tinha visto, e ele parecia estar em uma busca que
terminou quando seus olhos me encontraram e ele sorriu.
Fiz uma pausa mental como se o mundo inteiro pudesse
congelar para que eu gastasse mais alguns minutos admirando o
sorriso de Alexei. Eu pouco me lembrava de tê-lo visto sorrir
espontaneamente, afinal ele era o homem zumbi. Mas ele estava
mesmo ali e sorrindo continuou a caminhar na minha direção.
Quando se aproximou, estava de novo com a expressão sem humor
de sempre.
— Já está bebendo, Viola?
— É só o segundo champanhe, sócio. Seja bem-vindo de volta,
como estava a Rússia?
Ele se apoiou na cerca de madeira, virado para o mar. Fui quase
nocauteada por seu perfume, aquele aroma de madeira e couro que
me lembrava algum filme de vikings ou lenhadores, eu não tinha
certeza. Alexei era refinado e bruto ao mesmo tempo, o que me
confundia por completo.
— Um pouco fria demais. Acho que estou mal-acostumado com
o verão.
— Fechei negócio com os gêmeos Siqueira. Amanhã eles devem
vir a Vitória para assinarmos alguns papeis.
— Muito bem, eu sabia que você daria conta.
— Não sabia, não.
Alexei comprimiu os lábios, pegou minha taça apoiada na mureta
e bebeu o restante do conteúdo. Aquela era a forma oficial dele
implicar comigo: comer minha comida e beber minha bebida. Só que
ele podia fazer o que quisesse pois, naquela noite, eu estava
oficialmente enfeitiçada. Nada que viesse dele me tiraria do sério ou
me irritaria.
— Senti sua falta, sócia.
Ele virou de costas para mim e intencionou voltar para o prédio,
só que eu não podia deixar. Vê-lo, ali, naquele momento, que durou
poucos minutos, foi suficiente para despertar o monstro dormindo
em mim. Mentira, o monstro estava bem acordado, só que ele se
soltou da coleira quando viu Alexei e eu provavelmente não teria
muito sucesso em prendê-lo novamente.
Um passo e meu cérebro tentou imaginar o que fazer para ele
desistir de se afastar. Dois passos e pensei em ir atrás dele. Se eu o
segurasse pelo braço ele viraria, mas e aí? O que eu diria, como eu
me portaria? Três passos, não dava mais para puxá-lo. Senti uma
hesitação, como se ele também não quisesse se afastar mas
precisasse que eu o impedisse. Quatro passos e eu não sentia mais
o seu cheiro. Era hora de tomar uma atitude, eu precisava tomar
uma atitude porque iria me arrepender se não o fizesse.
— Alexei.
Chamei-o de volta, sem nem saber de onde saiu voz. Ele se
virou e parou. Dei os exatos quatros passos em sua direção, passos
que uma mulher jamais teria conseguido com meu salto e minha
saia um pouco justa demais, e só parei quando nossos corpos
estavam quase colados. Aquela proximidade era perigosa mas era o
que eu queria.
— O que foi?
Ele perguntou. Senti seu hálito morno, que cheirava a tabaco, e
quis subitamente enfiar o nariz em seu pescoço. Daquela distância,
eu podia.
— Também senti sua falta.
Em um impulso, sem que a razão pudesse se manifestar e
protestar, projetei o corpo para frente e o beijei. Acabei com a
distância que não deveria existir entre nossos lábios, passando os
braços por seu pescoço. Alexei pareceu confuso por dois segundos
no máximo e então retribuiu. Não posso dizer que foi nem parecido
com o primeiro, muito intenso e desesperado. Aquele beijo era
tranquilo, molhado, sóbrio. Ele me envolveu com os braços em
minha cintura e me puxou para si, forçando meus quadris contra os
dele. Era bem divertido saber que eu podia despertar a ereção de
um homem apenas com um beijinho daqueles. Ainda mais um
homem como Alexei. Mas era assustador assumir que minhas
amigas tinham, afinal, razão.
Se eu fosse cronometrar, diria que ficamos mais de dez minutos
trocando saliva e brincando com a língua um do outro. Ele era
delicioso, o tempo não importava e nunca seria suficiente.
— O que deu em você, Viola? — Ele perguntou, em uma
necessária pausa para que buscássemos ar. Nossas testas estavam
coladas, eu não conseguia me desvencilhar dele. — Pensei que isso
não ia se repetir.
— Você andou fumando?
Preferi ignorar a pergunta a ter que respondê-la tão cedo. Eu não
fazia muita ideia de como explicar que eu apenas queria beijá-lo e
que tomei coragem depois que ele apareceu, reluzente, naquele fim
de domingo.
— Quando estou ansioso eu fumo. Pode me julgar, se quiser,
mas eu já usei coisa bem pior do que isso.
Não, Simonov, eu não ia te julgar, nem questionar nada, nem
discutir. Eu apenas queria te beijar e, depois de beijar, eu queria
mais. Eu queria ficar ali, esquecer do vernissage, esquecer da
magnitude do lugar, esquecer que era uma mulher adulta em
público, me permitir agir como uma adolescente de dezessete anos
e continuar beijando. Busquei seus lábios outra vez e fiz com que a
conversa acabasse.
Alexei Simonov
A claridade entrou pela varanda aberta assim como o cheiro de
maresia. Eu estava dormindo naquele quarto havia dias e nunca
tinha sentido o calor do sol na pele nem o cheiro do mar. Sentei na
cama, um pouco zonzo, e procurei o relógio na minha cabeceira:
ainda eram sete e dez da manhã. Só que, se eu pretendia chegar na
hora do trabalho, precisava levantar. Arrastei minha carcaça até o
banheiro e olhei-me no espelho. Vestia uma camisa branca surrada
e estava meio despenteado. Fora isso, nenhum hematoma ou sinal
de abuso na noite anterior. Peguei a espuma de barbear e me
espantei com uma coisa estranha no meu reflexo: eu estava
sorrindo.
Mas que diabos, Viola. As lembranças da noite mais incrível que
já tive com uma mulher, sem fazer sexo com ela, voltaram todas de
uma vez e eu não ia conseguir parar mais de sorrir. Estava
condenado a uma vida como o Coringa com aqueles dentes
arreganhados à mostra, porque a diaba da minha sócia estava me
fazendo feliz. Cortei-me duas vezes enquanto pensava nela, em o
quanto ela tinha a pele macia, em o quanto ela tinha lábios macios,
em o quanto ela sabia usar a porra da língua e imaginando o que
mais ela podia fazer com tudo aquilo.
Tirei a roupa e enfiei-me debaixo do chuveiro, precisando me
reorganizar. Eu a veria em minutos e não saberia como lidar. Podia
chegar e beijá-la na boca? Claro que não, isso era ridículo e eu era
Alexei Simonov, não um retardado adolescente que fica animado
para reencontrar a mulher que está a fim. Tinha que agir
normalmente e esperar que ela me desse outra abertura ou tomasse
a iniciativa. Precisava continuar com o plano, só que não havia mais
plano. Ela tinha me tomado o plano, destruído o plano, arrasado
com o plano. Só tinha a realidade - eu precisava cumprir a vingança
de Ilia só que não podia.
Vesti meu melhor terno e desci para o café, que eu sabia estar
preparado. Morar com Pedro era como ser jurado do MasterChef,
todo dia pratos novos e maravilhosamente elaborados, mesa posta
como em restaurantes, essas coisas. Na minha casa em Moscou só
tinha leite azedo e água. Meu cunhado era maravilhoso, jamais o
deixaria novamente. Quando voltasse para Moscou, ele teria que ir
comigo.
— Lyosha, você parece bem animado, hoje. — Dmitri me
interpelou, voltando de sua malhação matinal no quintal. — Tem a
ver com o fato de você e Giovanna terem desaparecido ontem do
vernissage? Vou encontrá-la na sua cama ou ela vai materializar
aqui daqui a pouco?
— Bom dia, irmão. Ela não está em casa, não dormimos juntos.
— Ué, como não? — Dmitri demonstrou surpresa. — Quero
dizer, depois daquele beijaço espetáculo no pier, pensei que…
— Pensou errado. — Sentei-me à mesa e comecei a me servir.
Não havia sinais do meu chef preferido. — Giovanna é uma criatura
diferente das outras, terei que agir de outra forma com ela.
Dmitri se aproximou e me segurou pelos ombros, olhando dentro
de meus olhos.
— Quem é você e o que fez com meu irmão? Devolva meu
Alexei, agora! — Depois gargalhou, beijando-me a cabeça. — Estou
feliz por você, Lyosha. Ela parece ser boa gente mesmo, então
comporte-se com essa, viu? Quer me contar o que rolou?
Meu irmão se sentou ao meu lado. Se eu não queria contar,
porque não sou de ficar falando essas coisas, ele queria ouvir. Por
experiência própria sabia que, quando Dmitri queria algo, ele não
sossegava enquanto não conseguia. Virei-me para ele, com um
pãozinho na boca e decidi como seria aquela sessão de tortura. Se
eu despejaria sobre ele tudo que sentia ou se fingia indiferença
ainda, mesmo quando essa performance já parecia ridícula.
— Não quero contar.
— Por favor, Lyosha! Vamos, tire esse peso do coração, afinal
vai vê-la em menos de meia hora. Diga o que rolou, mate minha
curiosidade!
— Certo. Eu cheguei e fui direto para seu vernissage. Queria ver
você, ver como as coisas estavam, mas preciso confessar: eu
queria vê-la mais.
— Nossa, agora me ofendeu. — Dmitri fez uma expressão de
drama mas era óbvio que estava sendo irônico. — Tudo bem, e aí?
Veio direto, nem passou em casa e tomou um banho? Credo,
Lyosha, devia estar fedendo a cigarro.
— Sim, ela percebeu. Depois que me beijou, claro.
— Ela te beijou? Caramba, deve ser por isso que achei essa
garota especial.
— Vai me deixar falar? — Enfiei outro pãozinho na boca e bebi
um gole de café. — Foi ela quem me beijou porque, no final, ela é
quem decide o que vai acontecer. Você deve imaginar que faz
bastante tempo que não beijo uma mulher e fico nisso, não é?
— Acho que você nunca beijou uma mulher e ficou nisso, Alexei.
Nem quando você era adolescente. Beijo e sexo devem caminhar
juntos na sua vida.
— É, deve ser. Fomos para o carro, o meu, já que o dela é uma
lata de sardinha. Por mim, teríamos vindo aqui para casa, só que ela
estava a fim de ficar. É isso que jovens fazem, certo?
— Lyosha, você acha que tem sessenta anos? — Dmitri me
arremessou uma bolinha de guardanapo.
— Giovanna também questionou minha idade. Acho que
amadureci demais.
— Quem amadurece demais apodrece, irmão. Jovens ficam,
você é jovem. Mas essa de só beijar costuma ser coisa de
adolescente, mesmo.
— Talvez Giovanna não quisesse arriscar. Uns amassos no
carro, com muita língua envolvida, não foi nada ruim.
— Eca! — Dmitri levantou e se afastou. — Eu pedi para me
contar o que aconteceu, não me dar detalhes. Não quero saber da
língua de ninguém, me poupe.
— Assim não dá, você me manda falar e depois não quer ouvir.
— Fingi ofensa. — Mas tudo bem, agora preciso ir ou vou me ferrar
chegando atrasado no trabalho.
— Desapareça. E lembre de trazer o Alexei de volta, esse cara
com esse sorriso insuportável nos lábios está me assustando.
— Estou sorrindo?
— Feito um palhaço desde que apareceu aqui. Seus lábios estão
esticados, parece que um anjo te soprou enquanto dormia e agora
não consegue mudar de expressão. Tudo bem que você está
apaixonado, mas veja, não precisa dar tanto na pinta, viu?
Meu irmão foi para o banheiro e fiquei ali, sozinho, terminando
de comer enquanto os cachorros me olhavam pela vidraça. Ele tinha
razão, eu não precisava contar para todo mundo como estava me
sentindo. Claro que não estava apaixonado, aquilo era fantasia da
cabeça de Dmitri, mas não ia desmenti-lo. Precisava que
continuasse me ajudando, mesmo que eu estivesse muito perdido
sobre o que fazer com Giovanna. Vingar, não me vingar, contar a
verdade e pedir ajuda - eu não conseguia pensar em nada que
pudesse dar certo.
Escovei os dentes correndo e fui para a Protomak.
Curiosamente, a rádio estava tocando músicas românticas e aquilo
só servia para me deixar ainda mais idiota. Conferi no retrovisor que
minha expressão era patética e tentei retomar meu ar de homem
viril entediado e de mal com a vida. Quando estacionei na empresa
estava com os olhos semicerrados e a boca como uma linha fina,
me esforçando para parecer indiferente a tudo. Meu coração
disparou ao ver o Fiat 500 parado na vaga ao lado da minha, ou
seja, ela já estava ali. Eu não sabia como reagir quando a visse. A
melhor opção era deixar que ela continuasse comandando o jogo.
Meu sorriso pateta, no entanto, ia desaparecer sozinho tão logo
eu pisasse no corredor. Lourdes estava na porta me esperando e
descobri que ela reagia assim quando tinha notícias complicadas
para dar. Não estava lidando com ela há muito tempo, mas era uma
secretária que tinha muitos padrões - e isso nos ajudava a lê-la com
facilidade. A ansiedade de Lourdes sugeriu que algo errado estava
acontecendo.
— Bom dia, Sr. Simonov. — Ela se colocou à minha frente, o que
era incomum. Entregou-me um papel rabiscado. — A sua agenda do
dia.
— Bom dia, Lourdes. Você está bem?
— Sim, senhor, obrigada por perguntar. E… a Srta. Toledo está
aguardando em sua sala.
Toledo? Fiz uma busca rápida na memória para tentar me
lembrar quem era aquela mulher. Investidora não, nem fornecedora.
Eu não tinha ninguém em Vitória, não era o nome de frente da
Protomak. Em relação a FiberGen, eu não fazia negócios com o
Brasil diretamente, era sempre por intermediários. Não teria
ninguém querendo tratar comigo.
— Ela disse o que deseja?
— Não, Sr. Simonov. Foi a Srta. Viola quem a recebeu.
Pronto, estava explicado o motivo da tensão. Giovanna recebeu
uma mulher que queria falar comigo - mas isso sozinho não seria
um problema se eu não descobrisse imediatamente quem era a
Srta. Toledo assim que entrei no hall. Vanessa de Toledo, uma
socialite blogueira fitness que eu conheci em São Paulo há uns dois
anos. Eu tinha vindo visitar Dmitri, ainda não estava enrolado com
nenhuma vingança, e tinha negócios e empreendimentos para
especular. Ela estava em uma festa qualquer, não me recordava
direito, e tivemos um caso.
Grande merda, o que ela estava fazendo na minha sala? Ela não
tinha nada para negociar comigo. Olhei para a sala de Giovanna e
ela estava ali, afundada em trabalho, escondida por trás do
notebook e uma pilha de papéis. Como uma empresa de tecnologia
podia ter tanto papel? Assunto para uma próxima reunião. Eu tinha
que me livrar de Vanessa mas precisava saber como a Viola estava.
— Bom dia, sócia.
Vesti o sorriso idiota de novo e deixei que ele fizesse algum
sucesso, mas o que recebi de volta foi um olhar indiferente e gelado.
Coisa que um monstro de gelo sabe reconhecer em outro.
— Bom dia, sócio. Você tem gente esperando em sua sala.
Entrei e fechei a porta. Sentei à frente dela, na cadeira, e afastei
a pilha de contratos e propostas. Ela tinha que me olhar, porque eu
queria muito olhá-la depois de ontem. Mas tinha um vinco entre
seus olhos que indicava que aquela poderia ser uma longa conversa
que eu não deveria ter.
— Giovanna, eu não sei o que ela está fazendo aqui. Seja lá o
que Vanessa disse…
— Ela não disse nada, Alexei. E está tudo bem, por que acha
que estou incomodada com ela?
— Primeiro, duvido que ela não disse nada. Segundo, tem uma
veia saltada em sua testa que sugere que sua pressão sanguínea
deve estar na estratosfera.
Ela sorriu e o sorriso também era de gelo. Puta merda, o que
diabos aquela louca da Vanessa disse? Justo quando a noite
anterior tinha sido tão boa, tão gostosa, tão repetível, quando as
coisas pareciam estar caminhando para algo bom?
— Sócio, recomendo que vá ver sua convidada. Eu estou bem.
Todas as mulheres diziam que estava bem quando tinham um
pequeno tornado crescendo nelas. Preferia que Giovanna fosse
diferente e deixasse o sangue ferver e me jogasse um monte de
coisas na cara ao invés de guardar mágoa, porque aquilo voltaria
para mim uma hora. Em breve. Só não adiantava insistir, era melhor
levantar e ver o que a pessoa na sala ao lado queria.
— Bom dia, Vanessa de Toledo. — Ajeitei a gravata enquanto
entrava na minha própria sala, deixando a porta de vidro
estrategicamente aberta. Não queria barreiras entre nós caso
precisasse fugir. — Não esperava vê-la.
— Alexei, sempre tão lisonjeiro. — Ela se aproximou e me tocou.
Dois anos e ela achava que tinha liberdade para me tocar? Talvez
eu precisasse terminar melhor meus relacionamentos. — Descobri
que estava no Brasil e decidi vir vê-lo antes que desapareça
novamente. Só não esperava que fosse em uma cidadezinha do
interior.
— Vitória é a capital do estado. — Corrigi-a, mas ela sabia.
Pessoas como Vanessa não são burras, apenas ricas e
desinteressadas em algumas questões. Ela estava linda em um
vestido micro que evidenciava suas formas delineadas com muita
academia e alguma plástica. Ainda parecia se orgulhar de sua
aparência, pelo visto. — Mas diga, Vanessa, o que veio fazer aqui?
— Eu disse, ver você. — Ela colocou as duas mãos em meus
ombros e se aproximou o suficiente para me deixar constrangido.
Afastei-me subitamente e fui até o bar, precisando de um drinque.
— Vanessa, eu não esperava sua vinda e tenho muito trabalho a
fazer. Talvez possamos marcar outro dia.
— Claro. Estarei em Vitória pela semana. — Ela não pareceu
feliz, mas não insistiria para ser dispensada. Pegou meu celular
sobre a mesa e digitou seu nome e número, salvando nos contatos.
Precisava colocar uma senha naquela porcaria, mas já estava todo
quebrado das vezes em que o arremessei na parede. — Ligue-me
quando quiser.
Vanessa veio em minha direção novamente e me beijou,
rapidamente nos lábios. Depois saiu sorrindo e despedindo-se de
Lourdes. Eu tinha deixado a porta aberta, então todo mundo deve
ter ouvido a conversa, inclusive Giovanna. Tive medo de olhar para
o lado e ver como ela estava reagindo, senti um rápido pânico
daquela visita inesperada ter estragado tudo que eu tinha
conquistado e me feito retroceder várias casas no jogo. Fiquei mais
preocupado ainda por não saber o que me fazia sofrer - se era por
causa do plano de Ilia ou porque eu realmente estava, como disse
Dmitri, apaixonado.
O SOLDADO

Giovanna Viola
L
. Era cedo e eu nem tinha comido ainda, mas meu
estômago estava irritado. Não, eu estava irritada, possessa, quase
soltando fogo pelo nariz porque cheguei e tinha uma mulher
desconhecida na minha empresa. Desconhecida para mim, porque
Alexei sabia bem quem ela era. E minha irritação aumentava
enquanto eu percebia que estava rivalizando com uma pessoa que
nem sabia quem era por causa do homem que eu nem queria
gostar.
Foram só uns amassos no banco do motorista, Giovanna. Meu
cérebro gritava porque ele parecia saber o que estava fazendo.
Você já fez isso várias vezes antes, sempre trocou de caras como
trocava de calcinha. Claro, eu era bem promíscua, então não podia
reclamar da promiscuidade alheia. Nunca me importei com
monogamia nem fidelidade, ou seja, estava apenas sendo ridícula e
por isso precisava de um café. Por sorte, Alexei tinha guardado
vodca na cozinha, então eu teria café com álcool às oito e trinta.
Depois que os grãos começaram a moer, apoiei as duas mãos
no balcão e fiquei ali, de olhos fechados, esperando a ira ir embora.
Eu não tinha que ficar tão zangada com algo tão inútil porque não
tinha nem mesmo motivo para me aborrecer tanto. Só que meu
organismo não entendia isso, insistia em jogar altas doses de ódio
em meu sangue, o que me tornava um perigo - irritada, eu falava
muita besteira. O cheiro do café me entorpeceu momentaneamente
mas foi obnubilado pelo cheiro de tabaco que acompanhava Alexei.
Primeiro, era só o cheiro. Eu sabia que ele estava ali porque não
tinha como confundir aquela presença: ele me perturbava até
quando eu não o via. Depois foi o calor emanado de sua pele
próxima à minha. Meus pelos do braço se eriçaram só porque ele se
aproximou sem nem mesmo me tocar. O coração disparou e
pressionei o balcão com os dedos tentando não me virar e atirar
algo sobre ele. E então foi o toque. A mão em minha barriga,
segurando-me firme, os lábios em meu pescoço. Por menos de um
minuto, esqueci até quem eu era enquanto ele beijava minha pele
exposta com cuidado.
Virei-me, afastando-o e o encarando. Não tanto que ele pudesse
parar de me perturbar com aquele cheiro masculino, mas o
suficiente para que eu estudasse os detalhes de sua expressão.
— Você não tem autorização para chegar me beijando, sócio.
— Certo, não tenho, anotado. Você está bem?
— Estou ótima, apenas fazendo um café.
A máquina já tinha terminado de moer os grãos e o expresso já
estava sendo injetado na xícara, mas eu estava mais ocupada com
outro entorpecente - a boca de Alexei perto demais da minha.
— Giovanna, ela era um caso do passado. Eu tive muitas
mulheres no meu passado, imaginei que você soubesse disso.
Claro que eu sabia, Alexei. Só que nada disso me importava até
ontem, nada disso fazia a menor diferença na minha vida. E eu
preferia que tivesse continuado daquela forma.
— Você gosta de deixar suas opções em aberto.
Provoquei. Ele continuava me prendendo entre seu corpo e o
balcão, me mantendo perto demais para que eu não pudesse fugir
rapidamente.
— Ela não é uma opção em aberto. Eu mal lembrava que existia.
— Você anotou o telefone dela e não é nada educado vir dizer
para uma mulher que as outras mulheres que passaram pela sua
vida são uma vaga lembrança.
— Ela anotou o próprio telefone. Eu apenas não quis um
confronto aqui na empresa.
— Isso não importa, sabe? — Fingi indiferença novamente. —
Afinal, não há mesmo nada entre nós que justifique a necessidade
de tantas explicações.
Ele mordeu o lábio inferior e me olhou rapidamente. Os olhos
passaram por mim em velocidade recorde sem que ele se afastasse
um milímetro. Pararam em minha boca e Alexei gastou vários
segundos olhando meus lábios e meu peito arfando. Eu não usava
nenhum decote mas estava tomada por uma euforia que denunciava
tudo que eu queria esconder dele. Foi uma pequena tortura até ele
decidir encerrar a distância e tomar meus lábios nos dele.
— Certo, não há nada entre nós. — Ele me repetiu, boca colada
em mim. Levei a mão até seus quadris e o puxei para perto,
acabando com a agonia do afastamento. Como eu não levei aquele
homem para meu quarto ainda, não fazia a menor ideia.
— Nada que justifique drama, sócio. — Eu falava, abafada entre
seus lábios, enquanto sentia suas mãos em minhas costas, em
minha nuca. — Mas estamos na cozinha, e…
— E tem problema alguém chegar e nos encontrar?
Não sei como Alexei era capaz de falar comigo enquanto
brincava com minha língua, beijava meu pescoço, minha orelha,
enfiava a mão por minha blusa para tocar minhas costas. Aquilo era
tão inadequado por diversas razões, só que eu não estava mesmo a
fim de parar. Se não fosse a cafeteira atrás de mim, já teria subido
no balcão e o enlaçado com as pernas.
— Claro, sou a dona da empresa, preciso dar exemplo.
— Somos os donos. — Ele aprofundou o beijo. — Vou mandar
fechar a empresa, todo mundo para casa.
Ah, excelente ideia. Assim eu poderia empurrá-lo para cima da
mesa e acabar com aquela tortura naquele instante. Só que eu não
faria aquilo, ainda não. Eu poderia trocar uns beijos com ele, dar
amassos no carro, mas não ia ceder. Minha periquita, como disse
Jana, ia ter que sossegar com uma chuveirada fria porque Alexei
não ia entrar nas minhas calças tão facilmente. Não era o que
parecia se alguém nos visse naquele momento - porque ele já tinha
sorrateiramente escorregado a mão para acariciar meus seios por
sobre a blusa enquanto eu não conseguia tirar as mãos de sua
bunda. O assunto comentado por tantas vezes com minhas amigas
valia a pena ser testado - e aprovado.
A brincadeira ia parar por aí. O celular dele tocou e o meu
também: era Lourdes para avisar que os gêmeos estavam na
empresa. Tivemos sorte de ela não ter decidido ir atrás de nós, mas
suspeitei que Lourdes sabia bem o que poderia encontrar.
Afastamo-nos a contragosto e desliguei a cafeteira. O expresso
estava frio, um desperdício que não poderia ser tolerado. Não
trocamos uma palavra enquanto nos recompúnhamos porque eu
estava com aquela cara de quem tinha acabado de dar uma
rapidinha no banheiro. Ajeitei a blusa, o coque, a saia - estava tudo
fora do lugar, tudo cheirando a Alexei, tudo indicando minha
escapada na cozinha. Ajudei-o a ajustar a gravata, que também
estava desalinhada, e a colocar a blusa por dentro das calças - que
eu tinha tirado apenas por diversão.
Olhamo-nos para confirmar se estávamos com tudo certo para
sairmos da cozinha. Depois de um “ok” de Alexei, tive coragem de
enfrentar o corredor mesmo que minhas pernas precisassem ser
empurradas para frente - porque o que eu queria era ficar ali com
aquele homem que só me tentava.

Alexei Simonov
Aquela seria uma noite em que eu precisaria me aliviar
manualmente. Giovanna estava acabando comigo, eu não parava
de pensar nela de todas as formas possíveis. Já tinha tirado cada
peça de roupa com a mão e com os dentes. Em minha cabeça, eu já
a tinha comido em diversas posições e sempre era bom demais
para que fosse real - não era. Em Moscou tentei sair da abstinência
com uma conhecida, não deu certo. Era ela que eu queria, era da
Viola que eu precisava, outra não iria fazer efeito algum. Só que eu
precisei evitar me levantar durante a reunião com os gêmeos, pois
as imagens que eu projetava, em minha mente, eram vívidas
demais e me causavam excitação demais. Resultado: uma ereção
quase permanente.
Posso dizer que a reunião foi burocrática, ou seja, um sucesso.
Os contratos foram assinados, os valores foram transferidos, a
tecnologia foi entregue em um pendrive. Eles ficariam pela semana
para ajudar na instalação e configuração da tecnologia, mas isso era
serviço para os nerds. A minha parte foi quase nula, fiquei ali
decorando o ambiente com minha presença e só. Assim como eu,
os gêmeos estavam fascinados pela Viola. Ela falava e se movia
como uma gata, ela era genial e não sei como ainda não tinham
notado que, por trás daquela aparente ingenuidade quase
criminosa, tinha uma mulher fora de série.
Fiquei até tarde tentando trabalhar, ainda bastante focado nos
problemas da FiberGen. Minha presença na Rússia acalmou todo
mundo mas ainda tinha que conduzir minha empresa com cuidado.
Giovanna saiu sem dizer nada, e acabei sobrando na empresa,
assim como eu estava acostumado a sobrar em Moscou. Ainda não
conhecia o porteiro bem o suficiente para jogar cartas com ele, mas
isso poderia ser providenciado. A diferença era: a Protomak não era
dona do prédio, havia outras empresas e escritórios ali, e isso
deixava nosso espaço inseguro.
Voltei da cozinha com um café quente e ouvi barulho na minha
sala. Era por volta de oito horas, não tinha mais ninguém ali e
duvidava que houvesse ratos na empresa. Suavizei o passo e me
aproximei com cuidado da porta para ver que havia um homem na
minha sala. Ele mexia em meus papéis e tive certeza que não
entrou ali por engano. Apressei-me para dentro da sala a fim de
confrontá-lo.
— Quem é você?
Perguntei, em russo. Um sexto sentido, que não possuo, me
avisou que ele não era brasileiro. O homem se agitou e partiu para
cima de mim tentando me acertar com um soco. Esquivei-me e
atingi-o na face. Ele cambaleou para trás, mas não caiu. Pensei que
sacaria uma arma, mas ele não tinha uma.
— Quem é você? Foi Pavlov que te mandou aqui?
— Ele quer te dar um recado. — O homem disse e eu estava
certo: ele era um soldado como eu. Eu tinha sido envolvido naquela
sujeira, qual seria a sua história? — Ele quer resultados, Simonov.
— E eu o quero longe da minha família. — Voei para cima do
homem e nos atracamos. Alguns socos trocados, alguns empurrões
e acabei por arremessá-lo sobre os vidros da sala. O soldado caiu
estatelado do outro lado, mas tão logo bateu no chão, levantou e
saiu correndo. Quis ir atrás dele, mas pisei sobre um caco de vidro e
furei o pé. — Diga a Ilia que nunca mais mande alguém atrás de
mim. Avise a ele!
Gritei, sem me importar em chamar a atenção. Ninguém ali
entendia russo, mesmo, e poderiam apenas achar que foi uma
invasão para furtar documentos da empresa. Senti um mal-estar
súbito e olhei para minha mão, incrédulo ao ver sangue jorrando. Eu
estava ferido e nem sabia onde ou como havia me ferido. Uma
sensação de fraqueza me abateu e caí sentado no chão, por sobre
o vidro da parede estilhaçada. Fiquei ali alguns minutos até que tudo
ficou escuro, girando, e foi desaparecendo aos poucos.
— Alexei! — Uma voz me puxou de volta. Abri os olhos, zonzo, e
ela estava ali. — Alexei, o que houve aqui?
Giovanna ajoelhou-se ao meu lado. Eu estava sentado ainda e
ela segurava meu rosto com as mãos.
— O que está fazendo aqui, Viola?
— O alarme tocou em casa e vim correndo. Moro perto, não
peguei trânsito. O que aconteceu?
— Alguém invadiu. — Foi o que consegui dizer. Estava difícil
pronunciar as palavras com coerência, como se eu estivesse
bêbado. — Era um homem, não sei o que queria.
— Você está entrando em choque. — Percebi que ela segurava
um pano ao redor da minha mão direita. — Temos que ir ao hospital,
consegue levantar? José já chamou a polícia e eles estão vindo.
— Não preciso de hospital, só quero ir para casa.
— Vou ligar para Dmitri nos encontrar no pronto atendimento.
— Dmitri viajou, Viola. Vou para casa, tudo bem.
Tentei levantar e cambaleei para trás. O pano caiu da minha mão
e sangue voltou a jorrar, eu não entendia que merda era aquela.
— Alexei, você está muito ferido. Eu vou te levar a um pronto
atendimento e você vai comigo, não estou te dando opções.
Claro, ela mandava na porra toda, como eu tinha esquecido?
Giovanna me envolveu com seus braços, segurando o pano
enrolando meu ferimento. Ela ficou enorme naquele momento,
talvez o dobro do meu tamanho. Caminhamos até o elevador e lá
encontramos José, o porteiro que não viu o invasor. Talvez ele
estivesse escondido o dia inteiro, esperando-me sair para dar o bote
atrás de informações para alimentar a sede de Ilia. Fazia tempo que
não dava notícias, estive em Moscou e não falei com ele, o velho
estava ansioso. Mas mandar alguém na empresa? Arriscar
encontrar Giovanna lá?
Ódio me preencheu, só que eu estava mesmo em choque. O
corpo tremia, não conseguia articular nada, mal caminhava. Fui
sentado no banco dianteiro do carro dela, que me prendeu com o
cinto de segurança e saiu dirigindo feito louca pelas ruas. Nunca vi a
Viola nervosa e ela estava muito nervosa.
— Fale comigo. Onde está seu irmão?
— Ele viajou.
— Fique acordado, Simonov. Já estamos chegando.
— Não bati a cabeça, Viola. — Dei uma risada. Nem bêbado eu
era tão ridículo. — Foi só o corte.
— Só. Sua mão está detonada, pode ter pegado um nervo. Vai
precisar de pontos, vamos ver um médico.
Entramos em um PA pela primeira vez na minha vida. Pensei
que, como Giovanna era uma patricinha mimada, ela só conhecesse
a história dos hospitais particulares, mas ela entrou pronto
atendimento adentro me empurrando e pedindo por ajuda. Havia
pessoas esperando, muitas pessoas, mas ela me sentou em uma
cadeira e estacionou no balcão de atendimento.
— Tenho uma emergência, ele pode perder a mão. — Ela dizia,
enquanto eu não via tanta gravidade. — O Dr. Vasconcellos está aí?
— Vamos fazer a triagem. O Dr. Vasconcellos está atendendo.
— Diga a ele que Giovanna Viola está aqui. Pegue o telefone e
ligue.
Ela pegou o fone e enfiou no ouvido de alguém. A pessoa não
parecia muito disponível em atendê-la mas acabou fazendo o que
lhe foi pedido. Não, ordenado. Eu nunca vi ninguém tão mandona
como a Viola, nem eu era daquele jeito. Algum tempo depois um
homem apareceu e falou alguma coisa com ela. Outras pessoas se
juntaram a conversa, que eu não ouvia, e duas mulheres se
aproximaram de mim. Uma delas descobriu meu ferimento e fez
uma careta, enquanto a outra se aproximava com uma cadeira de
rodas. Quando dei por mim, estávamos dentro de uma sala de
atendimento e o tal homem segurava minha mão entre as dele.
— Realmente pode ter atingido um nervo. Vamos fazer um raio-x
para ver se quebrou ossos, depois testamos a sensibilidade. Só aí
vou anestesiar o local.
Ele falava com Giovanna, não comigo. Eu era um mero
expectador do que acontecia mas não tinha forças para reagir. Uma
das mulheres se aproximou com uma seringa sem agulha e jogou
um líquido em minha mão. Pela primeira vez vi o corte, enorme,
entre meu polegar e os demais dedos. Não parecia profundo mas
era muito grande. Senti uma pontada no meu pé e tirei o sapato, na
frente de todos. Indiquei que havia vidro ali, também, e a mulher,
que era enfermeira, foi orientada a tirar os dejetos. Ela pegou meu
pé, apoiou em um suporte de metal, enquanto eu estava recostado
em uma cadeira confortável, e cutucou a sola com alguma coisa.
Senti dor, fisgadas, pontadas, tudo muito dolorido.
— Doutor, creio que vá precisar de alguns pontos. — Ela
mostrou o pé para o médico.
— Sim, vamos dar dois. Pé é um lugar complicado. Prepare o
raio-x para a mão e vamos conduzi-lo assim que eu fizer essa
sutura.
Outra seringa apareceu e daquela vez meu pé ficou dormente. O
médico continuava conversando com Giovanna e me ignorava. Não
levou nem quinze minutos para concluir o trabalho no meu pé e
foram quinze minutos nos quais não consegui me mover para
protestar, para questionar, para fazer nada. A sensação de
impotência era pior do que o medo de me imaginar sem
sensibilidade na mão. Perder a mão era ruim, mas eu não era
jogador de golfe nem digitador. Fui recolocado na cadeira de rodas e
guiado para outra sala. Daquela vez, Viola não me acompanhou.
Outro homem, mais sorridente e com aspecto simpático, me
atendeu. Explicou que fariam um raio-x, torceu a cara para o
ferimento, e bateu algumas chapas. Minha mão aberta não era
mesmo a melhor coisa do mundo de se ver.
— Não tem nada demais aqui, pode ficar tranquilo. Só uns
pontinhos e sua mão fica nova.
O técnico em radiologia explicou, entregando as chapas para a
enfermeira que me carregava. Se ele estava dizendo, duvidava que
estivesse errado - aquela ela a profissão dele e provavelmente fazia
aquilo muitas vezes por dia. Voltamos para a sala do médico e ele
estava em uma interação bastante suspeita com Giovanna. Mais
suspeita do que a minha com Vanessa de Toledo e fiquei com
vontade de jogar aquilo na cara dela. Eu teria a oportunidade, mas
preferia não destratar o homem que enfiaria uma agulha em mim.
Ele olhou as chapas e chegou à mesma conclusão que o
técnico. Não havia dano interno que preocupasse, o corte era
profundo mas sem maiores efeitos.
— Teve sorte, Sr. Simonov. Sua mão deve ter raspado em uma
ponta de vidro mas não foi o suficiente para causar uma lesão
grave. Vamos suturar e não precisará de cirurgia.
— Não sinto como se tivesse sorte.
— Acredite, poderia ter sido muito pior. Vou pedir que deite na
maca para podermos isolar a área e tratá-lo.
O linguajar técnico de médico não era agradável para mim, só
queria que aquele pesadelo acabasse. Fiz o que ele pediu e
Giovanna ficou de pé ao meu lado. Segurou minha mão esquerda e
acariciou meus cabelos, me fazendo querer dormir. Ela não dizia
nada, apenas estava ali, me oferecendo conforto e cuidado. O
médico apoiou a mão ferida em outro suporte, envolveu-a com um
pano azul, com um buraco, colocou uma máscara, uma luz sobre o
ferimento e começou a suturar. Preferi não olhar para o que ele
fazia, então deixei que meus olhos se perdessem nela.
Viola estava tensa. Já passava de nove da noite, talvez ela nem
tivesse comido, pois estava com a roupa do dia, ainda. Seus
músculos estavam rígidos, mesmo que ela tentasse passar calma
para mim. Sua mão segurava a minha com uma pressão exagerada,
enquanto ela acompanhava cada movimento do médico. Pendi a
cabeça para o lado e recostei-a em sua barriga, indicando que
estava tudo bem. Porque estava. O médico disse: eu tive sorte e ela
não sabia que aquele homem em quem bati era um soldado da
máfia russa - nem precisava saber.
— Pronto. — O médico disse, apreciando sua própria obra. — As
enfermeiras vão fazer um curativo e você deve trocá-lo amanhã.
Não molhe o ferimento por vinte e quatro horas, ele está limpo e
deve ficar coberto por enquanto. Quando trocar o curativo pode
lavá-lo normalmente.
— Obrigada, Jonas. — Giovanna abraçou o médico. Ela o
abraçou na minha frente sem nenhuma vergonha. — Eu fico te
devendo.
— Nada, ele era emergência, mesmo. Tinha preferência a
praticamente todo mundo lá fora, menos os baleados.
— Tem baleados lá fora? — Ela se assustou.
— Não, mas geralmente chegam alguns. — O médico riu. — Ele
tem companhia para a noite? Não seria bom ficar sozinho, vou
prescrever um sedativo leve e ele vai ficar grogue.
— Vou garantir que ele esteja acompanhado. Obrigada, de novo.
Não bastasse toda aquela intimidade que eles demonstravam
um com o outro, ela ainda o beijou. Foi na bochecha, mas ela o
beijou. Eu estava indignado e drogado e nem podia demonstrar
minha irritação. Fui conduzido na cadeira de rodas, com a mão
enfaixada, o pé enfaixado e o rosto ferido, até o minicarro da minha
sócia. Aquela não era a forma como eu esperava terminar o dia.
— Para onde estamos indo? — Perguntei, notando que aquele
não era o caminho de casa. — Já passamos a entrada.
— Não passamos. Acha que vou te levar para a sua casa? Te
deixar sozinho na mansão Simonov? Pedro está lá?
— Ele e Dmitri viajaram, eu disse.
— Então, vamos para minha casa. Jonas foi claro, devo
monitorar você.
— Jonas. Você é íntima do médico?
— Nós namoramos. — Ela disse, despretensiosamente,
enquanto prestava atenção no trânsito.
— Namoraram? Pensei que não fazia isso.
— Ficamos, tivemos um caso, nos pegamos. Chame como
quiser, mas somos amigos.
— Quero ir para casa. — Protestei.
— Você tem dez anos, Simonov? Pelo amor de Deus, alguém te
atacou, depredou minha empresa, você quase perdeu um membro,
e ainda está dando piti por ciuminho do meu ex? Sendo que hoje
ainda tive que engolir a sua ex?
— Você não engoliu.
— Se não tivesse engolido, não estaríamos tendo essa conversa
- eu te teria afogado na baía. Vamos para minha casa e está
decidido.

Giovanna Viola
Quando o alarme tocou e a empresa me avisou, eu tinha certeza
que era um erro. Nunca tivemos um incidente na Protomak, não
seria justo na minha administração que aquilo aconteceria. Liguei
para José e ele disse ter ouvido um barulho estranho e que tinha
chamado a polícia, então fui correndo para lá. Fiz como nos filmes
de terror, fui em direção ao perigo, mas algo me avisava que eu
precisava ir. As luzes estavam acesas e o carro de Alexei estava na
garagem, então ele estava ali - e precisava da minha ajuda. O que
aconteceu daí em diante foi eu funcionando no automático.
Vê-lo ferido, esvaindo em sangue e em choque me abalou muito.
Quando ele estava dentro do carro, medicado, costurado e bem, eu
facilmente poderia ter um surto e encontrar um canto para chorar
encolhida. Bem, eu era Giovanna Viola e quase nada me afetava
daquela forma. Decidi levá-lo para casa por dois motivos. Um, ele
não podia ficar sozinho, por ordens médicas. Estava nocauteado e
parecia bem drogado quando falava, então era melhor que tivesse
supervisão. Sem contar que eu tinha um comprimido para dar a ele
e, sem ninguém naquela mansão cheia de escadas, o risco de eu
ter que cuidar do seu funeral era maior. Dois, eu queria ficar perto
dele. Não sabia por quê.
Estacionei na minha garagem, na minha vaga apertada, e abri a
porta para que ele descesse. Ainda bem que meu prédio tinha
elevador, pois eu morava no terceiro andar e não tinha nenhuma
condição de arrastar Alexei pelas escadas - ele era bem mais alto e
mais pesado que eu.
— Consegue andar, Alexei? — Perguntei, ante sua hesitação em
sair do carro. Ofereci a mão para que ele se apoiasse.
— Estou meio devagar, só isso.
Alexei levantou-se e envolvi-o pela cintura para lhe dar suporte,
ele ainda parecia em choque. O porteiro não entendeu muito
quando nos vi mas ajudou com o elevador. Eu costumava chegar
bêbada em casa, mas nunca cheguei carregando um homem. Abri a
porta com alguma dificuldade e carreguei Alexei até o sofá. Com ele
devidamente acomodado, tranquei o apartamento, a porta de grade
e abri as janelas. Fazia calor e a brisa da noite era refrescante. Fui
até o banheiro do meu quarto para encher a banheira - ele precisava
de um banho e eu não teria condições, nem físicas nem emocionais,
de sustentá-lo debaixo do chuveiro. Ser uma patricinha e ter jacuzzi
em casa teve sua razão de ser naquele momento.
— Tome isso e venha comigo. — Entreguei a ele o comprimido e
um copo de água.
— Deixe-me ficar por aqui mesmo, está confortável.
— Você está fedendo, Simonov. Tem sangue na sua roupa, você
cheia a hospital e álcool, precisa de um banho.
— E você vai me dar banho, Viola?
Um brilho indecente reluziu em seus olhos de lince.
— Sorte sua estar ferido ou eu te espancaria por essas
piadinhas.
Ele me acompanhou mancando até o banheiro. A banheira
estava quase cheia e havia sais de banho para muita espuma,
porque eu precisava de uma margem qualquer de segurança para o
que pretendia fazer.
— Devo me despir, agora? Ou vai fazer isso por mim?
— Cala a boca, Alexei. — Abri os botões de sua camisa branca,
que estava arruinada, e fiz com que ela passasse por seus braços,
deixando cair ao chão. Depois, peguei uma toalha e passei por
debaixo de seus braços. — Consegue tirar sua calça? Sem cair?
— Devo conseguir, mas acha essa toalha necessária?
— Não estou a fim de lidar com sua nudez, não agora. —
Confessei porque não era muito de rodeios. Vê-lo sem roupas era
tudo que eu não precisava, apesar de ser exatamente o que eu
queria.
— Tudo bem. Mas não consigo abrir o botão e o zíper com essa
mão.
Puta que pariu, não tinha um plano que desse certo naquela
noite. Claro que ele não poderia se despir, nem tomar banho, nem
fazer nada do que eu estava mandando do jeito que estava. A mão
direita enfaixada e inutilizada, ele era destro, e eu morrendo de raiva
porque deveria tê-lo deixado desmaiado pelo sofá, com aquela
roupa cheia de sangue. Seria menos traumático do que realmente
vê-lo nu. Porque era o que iria acontecer.
— Certo, Simonov. — Descartei a toalha em um canto. — Vire-se
de costas.
Ele fez o que pedi e deixou os braços estendidos ao lado do
corpo. Estava de costas para mim e passei os braços por sua
cintura, querendo desabotoar a calça sem tocar e ver o que não
precisava ser tocado e visto. Tentei, também, imaginar uma folha de
papel branco, uma parede branca, uma geleira, um iceberg -
qualquer coisa branca que me tirasse a atenção daquele homem.
Segurei o cós da calça e a borda das boxers que ele usava e
empurrei para baixo, livrando-o das roupas. Eu não ia olhar para ele,
claro que não. Virei-me para a porta, sentindo-me a pessoa mais
resistente do mundo - mas com o coração saltando pela boca.
— Agora entre na banheira.
— Certo, estou aqui dentro, bem escondido.
Virei-me novamente para ele, que não tinha mentido. Ao menos
a quantidade de espuma tinha sido calculada com sucesso.
— Vou lavar seus cabelos.
— Não precisa fazer isso, Giovanna. Você está claramente
morrendo de medo.
— Medo? — Indignei-me, e a voz saiu esganiçada como uma
gralha. — Medo de que?
— De mim. É o que parece.
— Não tenho medo. — Peguei o xampu, enrolei a calça que
estava usando até o joelho, e sentei na beirada da banheira. Enfiei
as pernas na água, colocando a cabeça de Alexei entre elas. — Sou
destemida, nada me abala, Alexei. Eu apenas…
Não sabia o que dizer. Fiz a pausa mais longa do universo das
pausas longas porque não tinha como explicar a contradição dentro
de mim.
— Tudo bem, podemos ficar em silêncio, se quiser.
Eu queria. Pedi que ele apoiasse a mão e peguei o chuveirinho
para molhar seus cabelos macios e escuros que estavam mais
compridos do que quando ele viajou. Depois, coloquei xampu na
mão e passei a esfregá-los. Alexei deitou a cabeça para trás e
recostou em meu colo, o que quase inviabilizou meu trabalho - mas
como dizer que não era para fazer aquilo, quando era tão bom que
ele fizesse? De olhos fechados, ele parecia relaxado e bem. Não
estava bem, mas parecia calmo e tranquilo, parecia confortável.
Provavelmente eu levaria menos de um minuto naqueles
cabelos, mas perdi um bom tempo fazendo aquilo porque estava
bom. Porque era ótimo tocá-lo sem que aquilo fizesse explodir mil
bombas atômicas dentro de mim, sem que o universo conspirasse
uma guerra nuclear e sem que os relógios parassem todos de uma
vez. Era bom simplesmente tocá-lo. Alexei abraçou minha perna
com a mão esquerda e ele poderia ter adormecido ali se eu
deixasse. Tirei o xampu com o chuveirinho, o que o fez despertar do
transe.
— Agora você consegue lavar o resto, não consegue?
— O resto. É assim que devo chamar outras partes do meu
corpo?
— Chame como quiser. — Saí da banheira com minha calça
ensopada. — Vou esperar para te ajudar a sair.
— Estou limpo o suficiente. Só quero deitar a cabeça em algum
lugar e apagar, esse tal calmante que me deram é mais forte que o
doutor ex sugeriu.
Abri a porta do armário que ficava no banheiro e peguei um
roupão preto atoalhado. Aquela coisa era enorme e eu quase nunca
tinha usado, então deveria servir para Alexei.
— Você está muito piadista, para quem quase morreu. Pode sair
e se enrolar aqui.
— E você está muito agressiva para quem está cuidando de um
homem que quase morreu.
Ignorei-o e enfiei o roupão na minha frente, na intenção de não
ver nada nem espiar nada. Porque eu ia espiar, então tinha que ser
mais forte que a vontade infantil de vê-lo sem roupas. Só voltei a
olhar para ele depois que Alexei fechou a frente do roupão e indicou
que eu deveria amarrar a faixa porque ele não conseguia fazer.
— Ótimo, agora falta isso. — Girei a cueca boxer no dedo,
indicando que ele tinha que ficar o mais coberto possível, para
minha sanidade.
— Mal consigo enxugar a cabeça, como acha que vou me vestir?
— Tudo bem, fique sem. Vou te deixar escovar dentes,
bochechar, sei lá, e arrumar a cama. Aliás, você precisa comer…
— Também não consigo, estou quase caindo pelo chão de tão
tonto que estou.
O calmante de Jonas era mesmo bom ou ele estava fraco pelo
choque. Fui até meu quarto e arrumei a cama - que seria um
problema porque só tinha uma. Maldita hora que redecorei o quarto
de hóspedes e transformei em um escritório sem cama. Nunca
recebia ninguém e meu sofá servia para alguém desabar ali, mas
Alexei não estava em condições de dormir no sofá - que ficaria para
mim a não ser que decidisse dormir ao lado dele sem cuecas e com
um roupão. A segunda opção era a mais tentadora, então era a que
eu deveria evitar.
Alexei veio atrás de mim como um zumbi, daquela vez com
motivos. Não questionou nem discutiu sobre onde dormiria, apenas
colapsou na cama e se aninhou por lá. Ajeitei sua mão direita para
que ela ficasse apoiada e o cobri com um lençol, novamente para
minha segurança. Era minha vez de tomar banho, me livrar da roupa
encharcada e fedida e procurar algo para comer, porque meu
estômago estava protestando de fome. Aquele deus russo da
beleza, totalmente desmaiado na minha cama, eu poderia apreciar
depois.
Fui para a cozinha e coloquei uma lasanha congelada para
esquentar e fui tomar banho. Não tinha muitas forças para refletir
sobre alimentação, apenas queria alguns carboidratos e calorias
inúteis em um prato quente e uma taça de vinho para enfrentar o
sofá. Liguei a televisão para assistir meu seriado favorito do
momento, Suits, esperando ansiosa o final da sétima temporada, e
permiti-me relaxar. Depois de comer e beber, fui até o quarto pegar
minhas coisas e precisei parar alguns minutos para olhar Alexei
dormir estirado na cama, com o roupão aberto no peito, a mão
direita cuidadosamente ainda apoiada como eu a tinha deixado e o
lençol já não cobrindo tudo que eu desejava que cobrisse, mas o
suficiente para me manter sã. Ele parecia um menino e eu não
estava lidando bem com o misto de sentimentos que bagunçavam
dentro de mim.
NO ESTADO DA ARTE

Alexei Simonov
P . Uma dor
aguda me fez lembrar que eu estava ferido, mesmo que fosse
apenas um corte de nada. Olhei ao redor e estava sozinho no quarto
de Giovanna, com o roupão aberto e algum sangue pelo lençol
branco. Eu tinha dormido ali sozinho e meu curativo estava tingido
de vermelho - só esperava não ter estourado alguns pontos. Apesar
de tudo, eu me sentia bem. Olhei-me em um enorme espelho que
ficava perto da porta e estava descabelado por ter apagado com os
cabelos molhados, mas aquilo não me afetou. Saí do quarto depois
de fechar o roupão e não tinha ninguém à vista. O sofá estava
desarrumado, com um lençol e travesseiros sobre ele. Havia cheiro
de café sendo coado e a televisão estava ligada. Ouvi barulho vindo
do banheiro e logo ela apareceu.
— Bom dia, vejo que dormiu bem.
Giovanna veio até mim e causou aquela proximidade
desconfortável em que você não sabe bem o que fazer na presença
da pessoa. Usava uma calça de moletom e uma camiseta com
algum personagem Disney, uma roupa que parecia ser dela desde
os treze anos, e estava com os cabelos tão bagunçados quanto os
meus. Encerrei o desconforto segurando-a pela nuca, com a mão
boa, e beijando seus lábios rapidamente. Ela gostou.
— Bom dia. Sim, dormi como um rei. Obrigado por tudo, ontem
foi um absurdo.
— Como está sua mão? — Ela segurou meu curativo. —
Precisaremos trocar isso, não pode ficar molhado desse jeito.
— Não estou nada a fim de voltar ao PA e encontrar seu doutor
ex.
— O plantão dele acabou e não precisamos. Eu sei fazer
curativo.
Eu queria perguntar a ela o que Giovanna Viola não sabia fazer
mas não tive oportunidade. A mulher foi ao banheiro e voltou com
uma maleta cheia de parafernálias e remédios, me fez sentar no
sofá desarrumado e retirou, cuidadosamente, o curativo sujo. O
ferimento estava horroroso, com marcas roxas próximas aos pontos,
e quase não reconheci minha própria mão. Com habilidade que eu
jamais imaginaria que ela tinha, Giovanna limpou o corte, passou
uma pomada que, segundo ela, também tinha sido recomendada
pelo doutor ex, e envolveu minha mão com gaze branca e
esparadrapo. Cinco minutos depois, estava apreciando sua obra de
arte.
— Ficou maravilhoso. — Ela disse com orgulho. O sol batia em
seus cabelos, entrando por uma janela, fazendo com que sua
silhueta parecesse flutuar. Caralho, como eu estava ferrado.
— E agora?
— Vou levar você em casa para trocar de roupa e vamos sair
para tomar café. Eu não tenho comida em casa.
Giovanna deu uma risada deliciosa e eu quis beijá-la outra vez,
então fiz isso. Sei que tinha me comprometido que ela ditaria as
regras do jogo mas eu podia dar as cartas de vez em quanto, não
podia? Empurrei-a suavemente por sobre os travesseiros que
estavam no sofá e pressionei meus lábios contra os dela, que se
abriram receptivamente para me receber. Aquela boca já era
conhecida e o efeito era sempre o mesmo: molhado, intenso,
gostoso. Só precisava ir devagar, porque estávamos em uma
posição de pouca roupa por ali - e nenhuma proteção.
— Por mim, ficava aqui e assim o dia todo. — Confessei,
recostando a cabeça sobre a estampa de sua camiseta. — Mas
precisamos trabalhar.
— Você deveria tirar folga.
— Por causa disso? — Levantei a mão. Apoiei-me nos cotovelos
e a encarei. — Isso não para Alexei Simonov, Viola. Precisa de um
tiro de canhão para me fazer faltar ao trabalho.
— Vou lembrar de comprar um canhão, então.
— Venha comigo para Budapeste.
Disse, sem lembrar que eu nunca tinha mencionado a feira de
tecnologia de Budapeste para ela. Giovanna me encarou com olhos
curiosos e era óbvio que eu precisava me explicar.
— Não seria mais fácil me convidar para ir a um motel,
Simonov? — Ela riu. — Por que Budapeste?
— Por que um motel, eu pergunto, se temos camas disponíveis
em casa?
— Porque eu gosto de espelhos no teto. Você tem espelhos no
teto do seu quarto?
— Não, não tenho.
— Então… Budapeste?
Continuávamos na mesma posição, ela recostada em
travesseiros no sofá e eu apoiado por sobre ela. Deitei a cabeça em
seu peito novamente e aceitei os carinhos que ela passou a fazer
em meus cabelos.
— Todo ano tem uma feira de tecnologia em Budapeste, na
primavera. É uma das maiores do mundo, vai gente de todo lugar e
tem muita novidade interessante. Também podemos expor nossos
produtos para investidores e interessados.
— E acontece quando? Em algumas semanas?
— Em três dias.
Giovanna parou de acariciar meus cabelos e entendi que eu
precisava olhar para ela.
— Três dias, Simonov? E você vai a essa feira? Quero dizer,
você acabou de chegar de Moscou e já vai para Budapeste?
— Minha vida é assim desde que comecei a FiberGen. —
Sentei-me no sofá porque lá vinha história. — Eu viajo muito, Viola.
E não planejei ir a Moscou, só que a feira eu preciso ir. Sou um dos
anfitriões, a FiberGen é organizadora do evento.
— E eu não estava incluída nesse pacote.
— Até duas semanas eu nem sabia que você seria minha sócia,
pretendia comprar a Protomak inteira, lembra? Depois, você dizia
que me odiava, que queria meu coração em uma bandeja de prata,
então não falei nada da feira. Mas agora eu gostaria que você fosse.
— Por quê?
Ela se levantou e caminhou até o quarto. Fiquei sentado ali,
imaginando que ela queria trocar de roupa e precisava de
privacidade.
— Porque agora você é uma sócia que eu respeito e eu quero
passar mais tempo com você. Sozinhos, em um hotel, e posso
providenciar espelhos.
Giovanna colocou a cabeça pela porta e me encarou por alguns
breves segundos.
— Tudo bem, mas as passagens devem estar pela hora da
morte e eu não devo nem conseguir ir no mesmo voo que você.
— Não precisamos de passagens.
— Como não? — Ela reapareceu, vestindo jeans e camiseta,
como uma mulher jovem e linda. Eu nunca a tinha visto naquele tom
informal, então meus olhos gostaram do que viram. — Quero dizer,
vamos nadando até Budapeste? De Cruzeiro?
— Eu tenho um avião, Giovanna.
— Você tem o que?
Opa, outra coisa que esqueci de contar para ela. Minha sócia
estava de pé, olhando para mim com estupefação, sem saber se me
batia por deixá-la de fora de tantas informações ou se me beijava
porque eu tinha acabado de dizer que era dono de um avião.
Esperava que ela escolhesse a segunda opção, porque eu estava
sentindo muita dor para apanhar de novo.
— Que tipo de empresário milionário eu seria se não tivesse um
avião? — Tentei demonstrar humor para ver se desarmava a
metralhadora dentro dela.
— É muito para eu processar. Vamos atrás de roupas para você
porque não aguento mais esse roupão pedindo para ser arrancado e
não posso lidar com aviões e viagens para a Hungria, agora. Depois
temos que ir à delegacia, você precisa fazer o retrato falado do cara
que invadiu a Protomak.
— Claro, vamos.
Levantei-me e ajeitei a faixa do roupão, também desejando voltar
para minhas roupas. Se eu não iria levar Giovanna para a cama
naquele dia, então preferia estar vestido porque a nudez me deixava
vulnerável. Meu objetivo passou a ser Budapeste, a feira de
tecnologia em que eu costumeiramente brilhava com minha mágica.
Aquele era meu espaço de domínio, onde eu me destacava e
mostrava meu conhecimento. Era como eu queria que ela me visse,
o Alexei inteligente, admirado, desejado, amado. Queria que
Giovanna descobrisse sobre mim tudo que ela poderia descobrir,
principalmente o que ela poderia amar.
Quanto à delegacia, não me importava em denunciar o soldado
de Ilia. Ele provavelmente já estava de volta a Moscou e nunca mais
pisaria em solo brasileiro, então iriam procurá-lo para sempre.
Precisava fingir que não sabia de nada, que tinha sido apenas um
caso isolado, porque a verdade era inconveniente demais.

Giovanna Viola
Olhei para o celular e me espantei que já era uma da tarde. A
manhã passou sem que eu percebesse, principalmente porque
tomamos um chá de espera na delegacia. Tivemos que falar com
investigadores, preencher papeis e Alexei passou um bom tempo
descrevendo o agressor. No final, era um homem comum demais e
eu duvidava que ele fosse achado, mas ao menos o seguro cobriria
o prejuízo. Já era onze e meia quando passamos na Protomak para
garantir que já tinham ido providenciar a troca da divisória de vidro,
pois a sala estava quase inutilizada sem ela.
Lourdes ficou animada ao nos ver pois estava preocupada com
Alexei. Todo mundo na empresa estava assustado e com medo, foi
a primeira vez que alguém invadiu o lugar. Deixei claro que não
aceitava nenhuma responsabilidade sobre José, que a presença de
outras salas comerciais gerava um fluxo de desconhecidos que não
eram registrados na portaria e que os procedimentos poderiam ficar
mais rígidos. Saímos da empresa e fomos almoçar no Shopping
Vitória, o templo do consumismo e um dos meus lugares favoritos.
Meu sócio não estava muito acostumado a comer em praça de
alimentação, então seria divertido.
Entrei com o Land Rover de Alexei no Valet Park. Quando
passamos na casa dele para que se vestisse ele insistiu que eu
pegasse seu carro porque o meu era claustrofóbico. Eu poderia
insistir que era frescura mas adoraria dirigir aquele carrão, então
aceitei sem reclamar. Deixamos o carro com o manobrista e
subimos de elevador até o primeiro andar. Foi naquele instante que
meu sócio decidiu mudar nosso status de relacionamento e segurou
minha mão. Entrelaçou nossos dedos e me olhou, indicando que
daquela forma estava bom para ele. Sorri, sozinha, achando aquilo
totalmente adolescente e absolutamente romântico - e tolo. Eu
nunca tinha andado de mãos dadas com um cara depois dos meus
dezoito.
A sensação era estranha porque eu acreditava que todo mundo
me olhava. Claro que estavam olhando para o deus russo ao meu
lado, porque Alexei Simonov chamava muita atenção apenas por
existir. Ele não andava pelo Shopping, ele desfilava como se
estivesse em uma passarela. Vestindo jeans e uma camisa informal,
usando os tênis que eu consegui calçar nele, o homem conseguia
ficar ainda mais lindo do que de terno. Eram muitas versões do
mesmo Alexei e eu adorava todas elas.
— Aonde vamos comer? — Ele perguntou, olhando as vitrines.
— E o que pretende comprar?
— Podemos ir para a praça de alimentação e escolher qualquer
coisa que você possa comer com apenas uma mão. — Impliquei. —
E não vou comprar nada, por que pensa isso?
— Você me parece uma pessoa que gosta de comprar em
shoppings.
— Ah, eu adoro. Mas estou cortando algumas despesas agora
que ganho meu próprio dinheiro e sei o valor que ele tem.
Alexei deu uma risada espontânea e fiquei pensando onde ele
guardou o zumbi que eu conheci antes. O que ele fez com o cara
indiferente e misterioso que estava na minha sala de reuniões no
primeiro dia em que o vi? Como ele pode mudar tanto em tão pouco
tempo? Ou será que ele não mudou, apenas eu que passei a
enxergá-lo como uma pessoa e não um tubarão monstro?
— Aqui parece bom.
Meu sócio, que era ficante, parou na frente do Madero. Claro que
ele escolheria a opção que tivesse menos cara de lanchonete da
esquina, então nem me dei ao trabalho de dizer que tínhamos mais
restaurantes para ver.
Entramos, escolhemos uma mesa e sentamos bem ao fundo do
restaurante. Alexei sentou ao meu lado e eu normalmente o
empurraria dali, achando pegajosa demais aquela interação.
Daquela vez eu gostei. Foi bom recostar em seu ombro enquanto
olhávamos o cardápio. Foi bom receber carinho na orelha e beijos
nos cabelos enquanto escolhia a comida. Jamais imaginaria que
Alexei fosse atencioso, por mim ele nunca iria sequer sair em
público comigo - assim como eu não sairia em público com ele.
Acabamos ficando com “o melhor hambúrguer do mundo”, pelo
menos ele poderia segurar a comida. A mão dele deveria estar
dolorida, foram mais de dez pontos e o local da ferida era difícil de
manter imobilizado - qualquer movimento que ele pensasse em
fazer, mexia com o polegar.
— Qual a programação para depois do almoço? Você não
parece a fim de voltar para o trabalho.
Alexei perguntou, assim que a comida chegou. Não pedimos
nada alcóolico porque ele estava tomando anti-inflamatórios e eu
não teria coragem de expor um chope estupidamente gelado para
ele. Tínhamos que maneirar no álcool. Ainda achava que meu sócio
tinha um quê de alcoólatra, algo que eu precisava cuidar.
— E você sabe que não vou te deixar sozinho, ainda não. Se
morrer abandonado, vou me sentir culpada. — Impliquei. — Não sei,
podemos não fazer nada, podemos caminhar no calçadão, pegar o
carro e ir à praia, podemos conquistar o mundo.
— Ainda bem que alguém aqui sabe o que é uma folga.
Alexei comia o hambúrguer com a mão esquerda melhor do que
eu com a direita. Acho que ele era elegante e glamuroso para tudo
enquanto eu era puro furacão.
— Você nunca para, não é? — Perguntei, e ele fez que não, com
a cabeça. — Mas acho que praia e maresia não são a melhor
escolha com essa mão.
— É só um corte, Giovanna. Não fiz um transplante de coração.
Já nem estou sentindo dor.
Ele mexeu o polegar e fez uma careta porque deve ter doído.
Era ridículo que ele preferisse se ferir a me deixar cuidar da situação
como uma boa louca superprotetora faria.
— Sugiro continuarmos no Shopping e cinema. Estou muito a fim
de assistir Tomb Raider.
— Certo, então vamos de compras, sacolas e cinema. Lembre-
se que estou inválido, não posso carregar muita coisa.
Dei um soquinho em seu ombro, protestando que sua invalidez
só servisse para não me ajudar com as compras. Havia um
problema óbvio na minha programação - eu estava planejando ir
para o cinema com uma bomba armada e perto de explodir. Depois
que terminamos de comer, fomos caminhar porque a sessão só
começava às dezessete horas. Dava tempo de entrar em todas as
lojas do Shopping e sair com uma sacola de cada uma delas,
mesmo que eu tivesse que fazer três viagens até o Land Rover.
Comprar era, na verdade, uma válvula de escape para que eu não
pensasse no que queria evitar: Alexei.
Tudo bem, a gente já tinha se beijado bastante, quase até
cansar da boca um do outro. Não, eu não acreditava que seria
possível cansar daquela boca tão cedo porque ele beijava bem
demais. A gente já tinha se esfregado, se embolado, se visto de
várias formas. Só que a coisa não ia esperar até Budapeste, ah,
mas não ia. Eu precisava ficar longe dele ou ia queimar como palito
de fósforo, com o inconveniente que precisava ficar ao lado dele, já
que o irmão estava viajando e alguém deveria cuidar do homem. Ele
podia dizer que não, mas precisava de atenção. Por mais delicioso
que estivesse sendo aquele passeio bobo pelo Shopping, o desfile
de mãos dadas pelos corredores, as brincadeiras que ele sabia
fazer, mesmo que eu custasse a acreditar, eu não aguentava mais
de desejo ao lado dele.
E cinema era uma opção horrorosa, mas eu não iria ceder e falar
para Alexei que não dava conta de duas horinhas com ele em uma
sala escura. Compramos ingressos, pipoca e nos acomodamos na
última fila, outra escolha que vai para a lista das mais idiotas já
tomadas ao lado de Alexei Simonov. Ali não tinha ninguém para nos
monitorar, era onde sentavam os casais que queriam se pegar no
meio do filme. Ou seja, nós dois. Tomb Raider deve ter sido um bom
filme, porque eu não vi nada. Assim que apagaram as luzes e os
trailers começaram, minha boca achou o caminho da de Alexei e
não prestei mais atenção na tela.
Ali não era lugar de nada além de uns amassos, como no carro.
Havia zero pessoas ao nosso lado e zero pessoas à nossa frente,
mas não ia rolar nada além de beijos. Só que os beijos ficaram
claramente insuficientes e percebemos isso com muita certeza
naquele momento. Enquanto eu não podia subir em seu colo e me
acomodar em seus quadris, porque alguém ia notar nossa
indiscrição, minhas mãos não estavam satisfeitas em ficar paradas.
Eu queria tocá-lo, mesmo que por cima da roupa, e foi o que fiz.
Deixei que os dedos acariciassem sua pele por debaixo da blusa de
malha, que brincassem com o cós da calça jeans até encontrarem
seu membro ereto, sufocado pelo tecido.
Alexei abafou um gemido em meus lábios e pressionou minha
carne, com a mão esquerda, com toda força que ele parecia ter. Se
eu ficasse com um hematoma ele teria que se ver comigo. Continuei
a pressionar seu membro com movimentos que o faziam se retorcer
na cadeira e ele chegou a se machucar umas duas vezes, tentando
usar a mão ferida para me tocar. Aquilo estava ficando insustentável
e, por volta de uma hora de filme, nos olhamos na escuridão e
decidimos que Budapeste estava longe demais. Levantei-me e saí
do cinema diretamente para o banheiro feminino. Precisava lavar o
rosto, que estava vermelho como fogo, e me acalmar. O sangue
corria muito rapidamente, eu estava em ebulição e já tinha brigado
demais contra mim mesma. Estava na hora de pegar o que eu
queria.
Encontrei Alexei no elevador. Ele não estava nada melhor do que
eu - seus cabelos ainda desarrumados, o curativo da mão
manchado de sangue e a camisa desalinhada. Ficamos em silêncio,
só conseguíamos nos olhar enquanto descemos até o Valet Park,
pagamos o ticket e pegamos o Land Rover. Eu podia ouvir a sua
respiração, alta, nervosa e tinha certeza que ele também poderia
ouvir meu coração pulando do peito.
— Vamos para a Ilha.
Ele disse, olhando fixamente para frente. Eu entendi que era
para a casa dele, então estávamos bem perto. Acelerei pelas ruas,
fiz algumas curvas sem muito cuidado, costurei entre os carros e fiz
de tudo para burlar o trânsito daquele horário. Em pouco tempo
estávamos estacionados na garagem de Alexei. Abri a porta para
que ele saísse e fui subitamente arrebatada por seus braços,
envolvida em um abraço viril e encostada na porta de entrada da
casa. Ele tomou meus lábios com vontade, empurrou meu corpo
contra a madeira, pressionou meus quadris com os dele. Daria para
ter um orgasmo só com aquele ataque. Os jogos tinham começado,
então.
Quase caímos para dentro da casa quando Alexei abriu a porta.
Eu não saberia dizer como ele tirou chave do bolso e enfiou na
fechadura porque só de pensar naquilo eu já estava sonhando
bobagens e fazendo malabarismos mentais, mas sei que eu precisei
me apoiar em qualquer coisa para não desabar no chão. Estávamos
totalmente envolvidos nos lábios um do outro para pensar
racionalmente e tinha mão para todo lado, em todo lugar. Alexei me
manteve presa contra a parede da sala e beijou meu pescoço, meu
colo, voltou para minha boca e eu já nem tinha como ficar de pé
porque minhas pernas tremiam e estavam moles. Era uma
sensação louca que eu podia jurar que ainda não tinha sentido, não
com aquela intensidade.
Se eu ainda lembrava da geografia da casa dos Simonov,
teríamos um caminho tortuoso até o quarto dele - escadas, vidros,
portas. Ele pensou o mesmo que eu, que não chegaríamos vivos até
a cama, então me segurou nos braços e me ergueu no colo.
Considerando o meu peso e o dele, duvidava que eu fosse pesada
demais para ser carregada. Ainda não estávamos conversando,
apenas nos beijando, porque era melhor beijar do que falar.
Passamos pela cozinha, subimos as escadas e logo estávamos na
caverna do tubarão que já estava fofinho demais para continuar a
ser chamado daquilo.
Alexei me deitou na cama mas ficou de pé. Olhou para mim com
um sorriso malicioso e arrancou a camisa com um puxão só. Filho
da puta, eu queria ter feito aquilo mas não teria me despertado tanto
tesão. O quarto estava já na penumbra pelo final do dia e ele tinha
formas que me atraíam bastante: não era um homem que
aparentava viver em academia porque ele só vivia para os negócios,
mas tinha os músculos no lugar. Havia pelos por seu peito,
descendo pela barriga até morrerem no botão dos jeans que eu já
estava enlouquecida para abrir.
Ele era lindo. Perfeito. Não existia homem perfeito, mas ele era,
o que só podia significar que eu estava ficando doida. Eu já o tinha
visto sem camisa antes, mas naquele instante ele estava se
despindo para mim. Ele era meu. Depois da exibição das partes que
eu já conhecia e já tinha tido tempo de admirar, ele se ajoelhou na
cama e dobrou as costas para me beijar. Levei a mão para sua
calça, mas ele ergueu o corpo de novo e me olhou.
— Não quero pressa. — Ele sussurrou, aproximando os lábios
de meus ouvidos. — Quero ver você, explorar você, curtir você.
— E eu não posso fazer o mesmo? — Protestei, mordiscando a
orelha dele.
— Claro que pode.
— Então não se atreva a tirar nenhuma outra peça de roupa sua.
Empurrei-o para cima, tentando demonstrar minha indignação.
Ele sorriu e voltou a me beijar, descendo pelo meu pescoço,
prendendo a pele entre os lábios e sugando com força. Aquilo ia
ficar roxo no dia seguinte e eu nem ia ter como esconder. A posição
era um pouco desconfortável para ele por causa da mão que o
impedia de apoiar o corpo adequadamente. Virei-o na cama, subi
por cima e me acomodei sentada em seus quadris, pressionando a
ereção. Fiz o mesmo que Alexei, puxei minha camiseta para cima e
a arranquei. Se ele podia me tirar aquele prazer, teria troco.
Mas ele não ligou. Sentou na cama, comigo em seu colo, e
voltou a me beijar enquanto tentava, inutilmente, abrir meu sutiã.
Tive que dar uma gargalhada, porque ele não ia funcionar cem por
cento com as mãos. Esperava que outras partes estivessem boas.
— Deixa que eu faço isso.
Soltei o fecho do sutiã e ele o retirou, descendo os beijos até
meus seios. Arqueei o corpo para trás e emiti um gemido meio alto
demais quando ele passou a língua por meus mamilos e colocou um
em sua boca, sugando devagar. Ainda bem que estávamos
sozinhos na casa, duvidava que os cachorros iam entender o que
estávamos fazendo. Cravei as unhas em suas costas enquanto ele
mordiscava e sugava meus seios, me provocando sensações
deliciosas. Suas mãos foram para meus jeans e ele abriu o botão.
Apostei que a mão estava doendo, mas ele queria fazer aquilo
sozinho. Empurrou-me para trás, beijou minha barriga e foi
descendo a boca enquanto puxava os jeans para baixo e se
arrastava para fora da cama.
— Você é linda.
Ele disse, olhando-me. Apoiei os cotovelos na cama, as pernas
caídas para fora do colchão. Alexei estava ajoelhado no chão. Eu
imaginava o que ele queria, então era melhor deixar rolar. Ele voltou
a beijar minha barriga e desceu a boca até a calcinha, que não tirou,
apenas afastou. Eu já estava rendida, provavelmente não
conseguiria emitir nenhum som inteligível naquele momento em que
ele inseriu um dedo em mim e beijou minha virilha.
Tudo bem, eu adorava sexo oral, mas homens raramente faziam
aquilo comigo no primeiro encontro - e eu raramente saía com os
caras mais de uma vez porque eles não curtiam as preliminares e
achavam que tudo se resumia aos seus pênis. Só que Alexei, como
eu já suspeitava, não era um cara qualquer. As minhas amigas
tinham razão, ele elevava os padrões para níveis que dificilmente
outros conseguiam atingir. Ele decidiu usar a língua para me
explorar sem nem mesmo terminar de me despir, lambendo o que
tinha no caminho até meu clitóris. Caramba, um homem que achou
meu clitóris sem dificuldade, na primeira tentativa, merecia um
Oscar. Ele o prendeu nos lábios e chupou, depois soltou, e chupou
de novo, e ele fazia aquilo tão bem e eu estava tão excitada que
desisti de resistir e me entreguei a um dos orgasmos mais violentos
que já tinha atingido.
Era muita tensão sexual guardada que explodiu de uma vez só.
Meu corpo convulsionou e precisei de um tempo para me recuperar.
Alguns segundos respirando enquanto ele massageava a parte
interna das minhas coxas, o que não ajudava muito. Recebi com
satisfação sua boca na minha, novamente, para um beijo molhado,
suado, com gosto de gozo. Ele levou a mão até sua calça e eu bati
nela, na mão.
— Já disse, não se atreva.
— Certo, mandona.
Sentei na cama e o empurrei para trás. Alexei ficou de pé, em
um ângulo perfeito para que eu pudesse também explorá-lo. Abri
lentamente o botão de seus jeans e baixei o zíper com cuidado,
querendo impor a ele algum tipo de tortura. Queria que ele gostasse
de ser tocado por mim o mesmo tanto que eu estava gostando de
ser tocada por ele. Sua ereção pulsava, querendo sair do tecido, e
liberá-la foi a melhor coisa que decidi fazer no dia. Fiz com que suas
calças e cueca caíssem pelo chão e me afastei para admirá-lo.
Céus, como Alexei era lindo. Eu já tinha dito isso, então era meu
cérebro me lembrando que ele era tão lindo que eu precisava dizer
de novo. Eu já tinha saído com homens lindos, populares, mas
ninguém como ele. Sua pele era lisa, firme, tudo era na medida
certa para me seduzir, como se ele tivesse sido criado em
laboratório para atender a tudo que eu desejava. Ajoelhei no
colchão para beijar seu peito, porque eu adorava beijar e queria
passar a língua naquela delícia toda. Ele estava suado do dia,
suado do esforço, então havia aquele gosto salgado que
embriagava e entorpecia. Eram os ferormônios, com certeza, mas
eu precisava dele na minha boca, precisava saboreá-lo como se
fosse comestível. Ah, ele era.
Segurei sua bunda - a bunda - e quase me perdi no quanto ela
era macia e redonda. Quase, porque ficar de cara para um pau que
me chamava pelo nome era um evento que precisava de atenção. E
o pau dele também era lindo, se é que isso existe, e na medida
certa, se é que isso também existe. Coube perfeitamente na minha
boca, com meu esforço para engoli-lo inteiro e fazê-lo desaparecer
em mim. Ergui o olhar, queria vê-lo sentir prazer sem controle
enquanto eu o chupava e passava a língua pela glande. Alexei
moveu sutilmente os quadris para frente e para trás, gemendo e me
segurando pelos cabelos, boca entreaberta e a barriga contraída,
claramente se segurando para não gozar.
— Gio. — Meu apelido na boca dele soou bem. — Primeira
gaveta da cômoda.
Olhei para ele, confusa por cinco segundos até entender que ele
se referia aos preservativos - outra coisa que ele não poderia fazer
sozinho. Arrastei-me até a cômoda e saquei um pacotinho de
camisinha do meio de um monte de coisas que eu não estava
interessada em descobrir o que eram enquanto Alexei terminava de
se livrar das calças. Depois que desenrolei o látex por seu membro,
que já latejava nas minhas mãos, Alexei me empurrou de volta para
a cama e se deitou sobre mim. Não me incomodava que ele
preferisse posições mais tradicionais, eu até gostava. No fundo eu
não era de muitas estripulias, apenas não costumava repetir os
parceiros sexuais.
Ele tinha os olhos nos meus quando me penetrou. Alguns clichês
idiotas de filmes românticos serviriam para descrever o momento e
eles estavam todos na minha cabeça enquanto Alexei se movia,
lentamente, sem perder contato visual comigo até decidir me beijar.
Queria que ele me consumisse ali mesmo, que me exaurisse, que
me fizesse esquecer até mesmo de mim mesma, que substituísse
minhas memórias por outras novas. E que não fosse rápido, que
pudéssemos prolongar o êxtase o máximo possível.
Segurei-o pelas costas e o fiz deitar na cama, afastando sua
mão direita do corpo. Ele estava sentindo dor e era para sentir
prazer, apenas. Mantive-me encaixada a ele, apenas mudei de
posição para assumir o ato. Alexei me segurou pelos quadris e
manteve os olhos em mim o tempo todo, me empurrando para cima
e para baixo enquanto eu passava as mãos por seu peito, apertava
os mamilos sensíveis, gemia. Ele se retorceu, arqueou as costas,
diminuiu o ritmo, apertou os dedos em meus quadris e me fez parar.
Estava difícil segurar.
— Deixe vir.
Sussurrei em seu ouvido e ele me atendeu. Voltei a me mexer,
batendo carne com carne, envolvendo aquele pau inteiro dentro de
mim sem deixar sair tudo, rebolando em seus quadris até que Alexei
cravou os dedos no colchão e gozou em um ritmo frenético, com a
respiração irregular, se expandindo dentro de mim. Aquilo foi
apoteótico. Desabei por sobre ele minutos depois do êxtase,
sentindo o ar difícil de respirar e meu coração pulando pela boca.
Ele me envolveu com os braços e ficamos ali, abraçados, por algum
tempo. Eu não queria sair, não queria me mover, não queria que ele
se movesse, só que aquele momento durasse mais um pouco.
NA COZINHA DE PEDRO

Alexei Simonov
E . Esses são os que
popularmente são chamados de virados para a lua. Eles têm de
tudo sem muito esforço, tudo dá certo para eles. Existem caras que
precisam batalhar muito para conseguir o que querem. Existem
caras que não conseguem nada do que desejam, mesmo com muito
esforço. E existem os fodidos, como eu. Porque sim, eu sou um dos
fodidos que têm mais do que precisam, mas se meteram em
enrascadas das quais não sabem sair. Naquela noite, naquela hora
em que fiquei com Giovanna no meu quarto, enquanto eu fazia com
ela o que meu pensamento já tinha feito - ou seja, enquanto eu a
comia em algumas das posições possíveis, eu só conseguia pensar
que eu estava fodido. Era aquilo, e eu precisava dizer: fodido.
A mulher era perfeita. Ela parecia comum, parecia mais uma,
nada como as modelos que eu já tinha ficado, só que era
exatamente isso que me atraía. Ela tinha personalidade impregnada
em cada célula daquele corpo maravilhoso - e era minha. Não, ela
tinha sido minha naquela hora, e só, não mais do que eu tinha sido
dela. Eu jamais a teria. Mesmo que ela se declarasse para mim, ela
sempre seria dela mesma. Deitado de costas na cama com ela
sonolenta sobre meu peito enquanto nos recuperávamos
fisicamente de um sexo exaustivo, eu não sabia o que faria a partir
dali. Tinha que ligar para Ilia, o meu silêncio não poderia ser
interpretado como algo positivo. Mas o que diria? Comi a mulher,
agora ela está conquistada? Isso seria uma grande mentira, e
apenas apressaria a sanha vingativa do homem. Tinha que pensar.
— Estou com fome.
Giovanna quebrou o silêncio e me fez parar de pensar demais.
— Orgasmo dá fome.
Impliquei. Ela ergueu a cabeça e me olhou.
— Parece que fiz uma maratona de sexo. — Ela beijou minha
boca. — Você acabou comigo, Simonov, ponto para você. Vou
colocar na sua avaliação da empresa que você sabe onde fica o
clitóris.
Dei uma risada. Sim, eu sabia. E adorava.
— Imagine quando eu te fizer realmente passar por uma
maratona de sexo.
— E o que te faz pensar que terá essa oportunidade, Simonov?
— Budapeste. — Virei meu corpo sobre ela e a beijei. Se ela não
tivesse dito que tinha fome, eu aceitaria um bis e a faria gozar mais
só para deixar claro que eu, Alexei Simonov, não brinco em serviço.
— Vamos pedir comida.
— Ou posso cozinhar. — Ela se sentou na cama. — Sei que está
acostumado a comida de um chef, mas eu faço um espaguete
imbatível. Será que Pedro liga se eu mexer na cozinha dele?
— Tem certeza que prefere cozinhar? Quero dizer, não é muito
trabalho?
— Jamais. — Ela levantou, nua e linda, e foi até meu banheiro.
Segunda vez ali e Giovanna já se considerava em casa. Ouvi o
chuveiro ligar e desisti de ficar deitado, ela estava no ritmo de festa.
— Simonov, posso usar sua toalha?
Entrei no banheiro e ela já estava com a cabeça debaixo do
chuveiro. Recostei no batente da porta e fiquei ali, observando-a,
encantado. Que porra de feitiço aquela mulher lançou em mim?
Peguei uma toalha limpa para ela e pendurei no blindex. Giovanna
abriu a porta, toda molhada, ainda com espuma na cabeça, e
segurou minha mão, tirando o curativo. Depois, me puxou para
baixo d’água.
— Você quer cozinhar e comer e decide me trazer para o banho?
Não acha que vamos demorar um pouco aqui?
Perguntei, bem-humorado. Claro que eu estava, ela tinha uma
energia que contagiava. Giovanna parecia jovem, enquanto eu
sempre me sentia com oitenta anos de idade.
— Eu quero tudo, Simonov, quero conquistar o mundo. — Ela
me beijou debaixo do chuveiro e falar perdeu a graça. Eu também
queria tudo, queria a boca dela o tempo todo. — E não ligo em
demorar.
Beijá-la e me esfregar nela no banho era ainda mais gostoso do
que na cama. A água, o xampu, o sabonete, tudo misturado e
lubrificado, levava a brincadeira para um lugar meio perigoso - sem
proteção, sem barreiras. Eu já estava com ela encostada nos
azulejos, suspensa em meus braços, com as pernas me segurando
pelos quadris, o pau roçando nela e aquilo tinha tudo para dar
errado, então achei melhor parar - o caminho para dentro dela era
muito fácil de achar.
— Quero te ver na cozinha. — Menti, pelo menos para inventar
uma desculpa para encerrar o clima. — Depois voltamos para cá.
Giovanna fechou o chuveiro, se enrolou na toalha e saiu pelo
banheiro. Eu precisei de um minuto para voltar ao normal, de um
pouco de tempo para respirar de novo porque ela me tirava o fôlego.
Quando voltei para o quarto ela já tinha vestido a minha camiseta e
sua calcinha, estava como na primeira manhã que passou em casa
só que mais linda. Minhas roupas ficavam melhores nela do que em
mim.
Vesti minhas boxers e desci atrás dela. Estávamos sozinhos em
casa, roupa era acessório dispensável já que fazia um calor do
inferno e eu tinha planos para voltar com ela para a cama. Ainda
não tinha me satisfeito de Giovanna Viola, precisava de mais dela
para dizer que tive o suficiente. Talvez fosse demorar um pouco,
considerando que Giovanna já tinha começado a procurar as coisas
nos armários e tomado posse da cozinha de Pedro. Meu cunhado
não se importaria com aquilo, esperava eu, desde que lavássemos
tudo e colocássemos no mesmo lugar. E não quebrássemos nada.
Abri a adega, peguei um vinho que julguei combinar com massas e
mostrei a ela.
— Esse serve para seus propósitos culinários?
— Hm. Massa fresca com molho de tomates - serve. Pode abrir.
Peguei duas taças de cristal, servi o vinho e recostei no balcão,
vendo-a abrir potes e pegar utensílios.
— Quer alguma ajuda? — Perguntei, mesmo que eu não
soubesse nem como abrir uma lata direito.
— Vou querer, então fique disponível.
Pelo que eu já tinha visto Pedro cozinhar, suspeitei que ela fosse
fazer a massa ao invés de usar as já prontas. E ela era habilidosa,
ao menos parecia saber o que estava fazendo. Apoiei o rosto na
mão e fiquei olhando Giovanna trabalhar, até que ela me pediu para
pegar algumas coisas nos armários. Bebi um gole do vinho, coloquei
o que ela precisava sobre a bancada, e a segurei pela cintura,
atrapalhando sua concentração enquanto beijava seu pescoço.
— Alexei. — Ela se virou para mim. Mulher insuportavelmente
gostosa que despertava coisas em mim que eu preferia manter
dormindo. — Desse jeito eu não vou conseguir fazer a comida. Vou
te expulsar da cozinha. — Giovanna enfiou uma azeitona na minha
boca, me empurrando para que eu a soltasse, mas eu não queria.
— Coloque música, eu quero ouvir música. Pegue meu celular e
coloque minha playlist de festa.
— Não sei onde está seu celular. — Disse, beijando-a.
— Na bolsa, deve estar na Land Rover.
— Deixou sua bolsa no carro? E o celular?
— Em minha defesa, fui empurrada para dentro de casa por
você. Não tive tempo de tirar minhas coisas do carro.
Ela me empurrou de novo e apontou para fora, indicando que eu
deveria fazer o que ela mandou. Saí da casa vestindo quase nada e
com uma meia ereção, mas não me importei. Os cães vieram para
meu lado, abanando o rabo, só que eu não costumava ser muito
gentil com eles e decidiram não se aproximar. Achei a bolsa de
Giovanna e peguei para levar para dentro quando a porta da
garagem se abriu. Dmitri e Pedro estavam de volta.
Os faróis iluminaram minha figura e o carro parou no quase no
meio do caminho. A garagem estava cheia, tinha o Fiat de Giovanna
também e eu tinha me esquecido dele. Meu irmão e meu cunhado
pularam do carro e me pegaram no flagra. De cueca, com uma
bolsa feminina na mão.
— Lyosha? — Dmitri não me reconheceu de imediato. — O que
está fazendo em casa… e pelado?
— Não estou pelado. — Protestei. — E não está na hora de
estar em casa, mesmo?
— Com uma mulher? — Pedro metralhou. — Porque esse carro
aí não é o da sua sócia?
— Caramba, Giovanna está aqui? Ela está pelada também?
Avise porque eu não faço questão de…
— Estamos vestidos, Dimka. — Virei os olhos ante a insistência
do meu irmão em falar de gente nua. — Ela está na sua cozinha,
Pedro.
Antes que os dois morressem de espanto pelo cenário que
encontraram, decidi entrar com eles em casa. Giovanna estava
mexendo na comida e dançando sozinha, sem música mesmo,
cantarolando qualquer coisa. Quando nos viu, adotou uma
expressão de susto, como se usar a bendita cozinha do meu
cunhado fosse um crime inafiançável.
— Opa, acho que fui pega no flagra. Alexei disse que tinham
viajado.
— Estávamos em Ubu, fomos para a festa de um amigo. —
Dmitri explicou. — O que houve com você, Alexei? — E segurou
minha mão ferida, que parecia um pouco melhor do que ontem,
apesar de latejar e doer bastante.
— Um homem invadiu a Protomak. — Giovanna disse, ainda
mexendo na comida. — Alexei o enfrentou e se feriu, mas está tudo
bem, agora.
— Meu Deus, você é louco, Lyosha! Enfrentar ladrão, ele podia
ter te matado.
— Não matou. Vocês querem vinho?
Peguei mais duas taças para tentar calar a boca dos donos da
casa, só que isso seria impossível. Eles falavam demais, Giovanna
falava demais, o jantar, que planejei ser rápido, ia virar um evento
de família.
— O que vai sair aí, Giovanna? — Pedro perguntou, deixando as
bolsas no hall de entrada e entrando na cozinha.
— Massa e molho de tomates. Se quiser ajudar, seja bem-vindo,
porque Alexei não sabe bem o que está fazendo.
— Ah, os Simonov não sabem cozinhar.
Desisti da loucura e fui até meu quarto pegar uma camisa, ficou
desconfortável não vestir quase nada enquanto todo mundo estava
com o peito coberto. Coloquei um short de moletom e desci de volta
para encontrar a tal playlist de Giovanna tocando, a garrafa de vinho
já com menos da metade, Dmitri arrumando a mesa e ela e Pedro
em uma conversa animada enquanto alguma coisa cozinhava.
Parecia molho, porque o cheiro de tomates e temperos verdes era
intenso. Pelo visto teríamos mesmo um evento daqueles que eu
evitei a minha vida inteira: meu irmão com o marido, eu com… a
mulher com quem eu saía.
Viola não era um caso. Eu não queria chamá-la assim porque
soava tão provisório e passageiro, como algo que ia acabar na
semana seguinte. Normalmente eu tinha casos, mas ela não era
um. Ela era minha sócia, a mulher quem eu deveria destruir e eu
desejava que ela fosse outras coisas. Desejava não precisar feri-la
de nenhuma forma. Peguei o maço de cigarros e fui para o quintal
curtir a companhia dos cães. Eu nunca estaria pronto para fazer o
que Ilia pediu.

Giovanna Viola
Fui pega na casa dos outros, mexendo nas coisas dos outros, mas
ao menos tinha sido convidada, daquela vez. Pedro era um
cavalheiro, me ajudou com a comida e ainda deu dicas sobre a
acidez e sobre o ponto da massa. Coloquei os Simonov, que não
estavam sendo muito úteis, para cuidar da louça e do queijo
parmesão. Não deixei Alexei usar nada cortante nem sujar demais a
mão porque eu ainda não tinha refeito o curativo. Quando o jantar
ficou pronto, minha fome já tinha se transformado em buraco negro
e eu seria capaz de comer tudo sozinha.
Eu continuava de calcinha e com a blusa de Alexei. Ela tinha o
cheiro dele e isso estava me fazendo bem. Não era nada fã de
cigarros, mas não tinha nenhuma pretensão de mudar o homem só
porque eu não curtia o vício dele - até porque eu sabia que ele bebia
muito e já tinha usado outras drogas. Mas aquela camisa cheirava a
colônia masculina e suor, apenas, e eu queria me entorpecer
naquele perfume.
— Conta direito essa história de invasão da empresa. — Pedro
pediu, enquanto estávamos na mesa. — Era um ladrão?
— Não sei o que ele queria. — Alexei disse. — Quando ele me
viu, já me atacou e fugiu. Talvez quisesse informação privilegiada.
— Isso foi muito arriscado, Lyosha. Se acontecesse algo com
você, o que seria de nós? E de Irina?
— Dimka, está tudo bem.
— Mas, ainda assim, foi arriscado.
— Falem sobre a irmã de vocês. — Disparei. Os Simonov se
entreolharam e depois me olharam, como se eu tivesse mexido em
um vespeiro ou tocado em um tabu. — Sério, eu sei que ela existe,
mas nunca falam o suficiente sobre ela.
Pedro fingiu que não fazia parte da conversa e foi pegar outra
garrafa de vinho, nossa terceira. Continuei a olhá-los, esperando
uma resposta, porque eu não ia me conformar com qualquer
informação nem com um desvio da conversa. Minha família era
faladeira e problemática, os segredos sempre eram despejados nos
encontros para comer.
— Irina mora em Moscou. Ela é casada com Anatoli, eles se
conhecem desde criança. Quando nossos pais morreram, eu tive
que enfrentar muita coisa muito jovem, então eu a deixei morando
com Ilia Pavlov, amigo da família e pai de Anatoli.
Alexei contou, brevemente, parte da história da irmã.
— E é só isso? Você se culpa por isso?
— Irina tem esquizofrenia paranoide, Giovanna. — Dmitri
completou. — Ela precisava de muitos cuidados que nós, dois
moleques, não poderíamos dar. Mas acho que você tem razão, nós
nos culpamos, por isso sempre falamos dela com cuidado. Mas ela
vive bem e o marido a ama, isso que é importante.
— Lamento saber disso. — Enfiei uma garfada de comida na
boca. Não deveria ter perguntado sobre coisas delicadas de família,
era muito cedo. Só que eu não tinha trava na língua e era muito
curiosa. — E vocês são casados, Dmitri? Você e Pedro?
— Não. — Ele riu. — Somos companheiros, moramos juntos há
seis anos. Mas nunca nos casamos.
— Ele nunca quis fazer de mim um homem honesto.
Pedro implicou e caímos na risada.
— É que, de vez em quando, se chamam de marido…
— Porque estamos juntos há tanto tempo que podemos. —
Pedro se aproximou de Dmitri e o beijou. — O que importa é que
nos amamos, esses rótulos não valem tanto quanto isso.
Sorri, sentindo a garganta obstruída. Era a segunda vez que
sentia invejinha do que eles tinham, do que eles eram um para o
outro. De como Dmitri era pouca coisa mais velho que eu, mas já
tinha um relacionamento sólido e uma vida feliz, enquanto eu mal
tinha começado a trabalhar e era uma patricinha que pulava de
galho em galho nos homens que ficavam comigo. Sem querer,
porque consciente eu jamais faria aquilo, meu olhar foi na direção
de Alexei e ele já estava olhando para mim. Foi uma troca de
segundos, mas alguma coisa travou ali, naquele momento. Foi como
se nos comunicássemos, mesmo que não compreendêssemos o
que estávamos dizendo.
Ainda bem que a comida no prato estava no fim, porque ela
assumiu um gosto amargo, ruim. Eu adorava amargo, não aquele.
Bebi um gole do vinho e acabei virando a taça inteira de uma vez.
Alexei também pareceu constrangido, acuado, com o mesmo
sentimento de angústia que fechou minha garganta e me impediu de
comer. Ajudei Pedro a tirar a mesa e a pegar sorvete na geladeira.
Sorvete cairia bem, principalmente Haagen Dazs com calda de doce
de leite, que serviria para encerrar o problema que eu criei por
causa da discussão sobre casamento e relacionamento somada ao
olhar do homem que eu desejava.
Os homens se sentaram à frente da televisão com as taças de
sorvete, e Alexei me puxou para o lado dele. Dmitri ligou no
Universal Channel para assistirem seriados e acabei no sofá,
sentada no colo de Alexei. Literalmente no colo, dividindo a
sobremesa com ele, com uma colher apenas. De vez em quando o
casal dono da casa nos olhava com curiosidade e eu imaginava que
meu sócio não costumava levar mulheres para casa, ou não
interagia com elas em público. Começou um episódio de Law &
Order: SVU, que eu adorava, então passei a prestar atenção na
televisão - o que parecia criminoso enquanto tinha um homem como
Alexei me acariciando os cabelos, dando beijos no meu pescoço,
passando a mão pelo meu braço.
— Bem, crianças, vou me recolher. — Dmitri levantou. — Acordo
cedo amanhã e preciso do meu sono da beleza.
— Acho que está mesmo na hora de dormir. — Alexei me
empurrou para o lado, rindo, e também se levantou. Ele andava
muito engraçadinho. — Boa noite, irmão.
Sair do sofá foi bastante custoso, porque eu estava com sono.
Não era tarde, porém eu estava cansada, exaurida, esgotada física
e emocionalmente. Alguma coisa me abateu naquele final de noite e
não sabia dizer o que era, exatamente.
— Vou até o quarto. — Sussurrei para Alexei, querendo pegar
minhas roupas. O caminho até minha casa seria longo e eu não
podia sair vestindo a camisa dele pela rua.
— Eu te encontro lá.
Meu sócio me beijou. Quando a boca dele encostava na minha
eu queria me entregar por completo. Tinha sido resistente, mas foi
apenas romper uma barreira que não consegui mais parar de
desejar aquele homem dos infernos. Subi as escadas meio bamba,
meio torta, sem saber direito como ia dirigir até Jardim da Penha
sem provocar um acidente. Comecei a recolher as roupas, que
tinham ficado espalhadas pelo chão e pelos móveis, e tirei a
camiseta de Alexei. Embolei-a nas mãos e levei ao nariz, cheirando
aquele perfume masculino que eu não queria deixar. Suspirei, mas
eu precisava me recompor.
Estava vestindo os jeans quando ele entrou e fechou a porta.
— Aonde você vai?
Sua expressão era um misto de surpresa e frustração.
— Para casa. Você precisa dormir e agora seu irmão está aqui
para cuidar de você.
— Você não pode dirigir, bebeu vinho. — Alexei se aproximou e
me impediu de vestir as calças. Segurou-me em seus braços,
acariciando minhas costas.
— Já dirigi muito bêbada antes, sei me virar.
— E se pegar uma blitz? No Triângulo sempre tem blitz.
— Não tem blitz, Alexei. — Tentei desvencilhar-me dele, mas
não consegui. Nem queria, era a verdade. — Eu vou com cuidado.
— Gio. — Ele passou a mão por meus cabelos. — Fica. Estou
tentando inventar desculpas para te convencer a ficar.
— Amanhã temos que trabalhar, sócio. Nem roupa eu tenho.
— O porta-malas do Land Rover está cheio de sacolas que
comprou, hoje. Se precisa de ajuda para tirar as etiquetas…
— Você quer que eu fique, Alexei? — Encarei-o. — Quer dividir a
cama comigo, quer passar a noite comigo?
— Sim, eu quero. — Ele me beijou. — Fica.
Merda, eu queria ficar. E aquele pedido era impossível de resistir,
ele me olhava como um cãozinho abandonado que precisava de
amor e carinho. Quem era aquele homem, como ele podia ser tão
diferente do que eu conhecia, antes? Suspirei e decidi não tomar
nenhuma decisão, apenas aceitei seus lábios nos meus, sua mão
na minha nuca.
— Tudo bem, eu fico. Mas você não vai dormir vestido assim, ah,
não vai, mesmo.
Coloquei a mão na barra da camisa dele e arranquei. Eu quis
fazer aquilo antes e ele me impediu, então eu iria aproveitar a noite
inteira ao lado dele para me divertir bastante. Depois segurei o
elástico do moletom que ele vestia, mas Alexei me impediu de
prosseguir. Empurrou-me para a cama e me fez deitar de costas no
colchão, colocando-se por sobre mim, beijando minha boca, meu
pescoço, pressionando-me contra os lençóis. A noite prometia ser
longa, só duvidava que fôssemos capazes de dormir.

Alexei Simonov
Levar uma mulher para a cama, para mim, significava sexo e
apenas sexo. Eu não dormia com elas, mesmo que elas passassem
a noite em casa. Detestava dividir a cama, então preferia ir para
outro quarto, ou que elas nem mesmo ficassem. Não sei o que me
deu de pedir que Giovanna ficasse se ela estava disposta a ir. Mais
sexo? Eu poderia ter isso outro dia, porque ela não ia me negar
mais, se eu soubesse pedir direito. Ela estava tão a fim quanto eu,
dava para saber só na forma como ela se movia ao meu redor. Era
quase uma dança do acasalamento, só que eu estava perdendo
meu jeito. Não era por causa de sexo, eu só não estava preparado
para deixá-la ir embora.
Quando ela concordou em ficar e arrancou parte da minha
roupa, pensei: foda-se. Já estava tudo na merda, mesmo, então não
valia a pena ficar refletindo sobre nada. Ia deixar meu instinto agir,
meu desejo comandar e ia passar a noite fazendo amor com ela e
pronto final.
Não. Não foi isso que eu quis dizer. Alexei Simonov não faz amor
com as mulheres, menos ainda com Giovanna Viola. Meu cérebro
deve ter me pregado uma peça, talvez porque fosse difícil me
concentrar enquanto ela me beijava e colocava a mão por dentro
dos meus shorts, me tocando de forma pouco cuidadosa, um pouco
apressada. Claro que tinha sido isso, eu estava apenas confuso.
Precisava parar de pensar, apagar tudo da cabeça. Abri os olhos
para encará-la, e Giovanna era puro desejo. Ajoelhei no colchão,
por sobre ela, para admirá-la. Porra de mulher gostosa do caralho.
Agora o cérebro estava mandando palavrões, no lugar de
pensamentos. Beijei seu pescoço, desci para os seios, depois para
a barriga. Ela tinha um cheiro delicioso, feminino, e eu tinha que
lembrar que aquele era provavelmente o cheiro que o inferno teria
quando eu estivesse nele. Porque Giovanna ia acabar causando a
minha morte.
— Quer mudar de posição? Sua mão está doendo?
Ela perguntou, preocupada com aquele cortezinho. Fiz que não
com a cabeça e continuei a beijá-la, passando a língua por sua pele
e descendo até a base da calcinha. Beijar Giovanna era bom em
qualquer lugar, ela era inteiramente deliciosa, tinha gosto de
problemas - e eu adorava problemas. Arranquei a última peça de
roupa e voltei a admirá-la, porque eu não tinha a menor pressa.
Daquela vez, ela ficou calma, parada, me permitindo vê-la, tocá-la,
cheirá-la. Fui até a cômoda, peguei o preservativo e joguei sobre
ela, que riu. Depois afundei-me entre suas pernas, passando a
língua por tudo, por dentro da sua coxa, até chegar o lugar onde ela
mais sentia prazer. Giovanna soltou um palavrão, acho que um puta
que pariu qualquer.
— Você aguenta? — Perguntei, levantando a cabeça e olhando
para ela, que já estava se contorcendo na cama.
— Cala a boca, Alexei. Acho que é a segunda vez que falo isso
hoje.
— Não adianta ficar mandona, Viola. Quem está no comando,
agora, sou eu.
Forcei suas pernas para o lado, abri algum espaço para mim e
usei os dedos para explorá-la. Tudo ali era gostoso demais, senti-la
tremer e ouvi-la gemer enquanto eu brincava com sua libido era a
melhor parte. Não sabia se ela estava excitada o suficiente para
uma segunda sessão de sexo oral, fiquei achando que se ela
gozasse ia acabar exausta demais. E eu preferia estar dentro dela,
então não chupei com força nem avancei sobre o clitóris, fui apenas
até onde achei que era seguro. Ela soltou outro palavrão.
— Por que parou?
Giovanna reclamou, quando a escalei de volta e ataquei seus
lábios.
— Eu não parei. — Peguei o pacote de camisinha e abri com os
dentes. — Eu quero estar aqui quando você gozar.
Meti o dedo em sua abertura molhada. Ela riu e pegou a
camisinha, desenrolando e cobrindo meu pau inteiro. A ajuda dela
era bem-vinda, porque eu não queria fazer aquilo de qualquer jeito -
e com a mão costurada, não dava. Levantei as pernas de Giovanna
e enfiei com tudo, olhando a forma como ela reagia a mim. Caralho,
ela era quente e apertada, e meu pau cabia direitinho dentro dela,
como era possível? Ainda ajoelhado na cama, comecei a me mexer,
entrando e saindo, empurrando-a para cima enquanto segurava
suas pernas sobre meus ombros.
Mas eu tinha prometido que ela ia gozar, então comecei a
circular o clitóris com o polegar. Giovanna xingou, fechou os olhos e
agarrou os lençóis, estremecendo e se contorcendo enquanto se
contraída e me espremia dentro dela. Porra, assim eu ia gozar antes
dela, tinha que aguentar aquele tranco. Fui mais devagar, depois
mais forte, depois meti com tudo e ela gemeu. Reduzi o ritmo e ela
me xingou de novo.
— Merda, Alexei. — Disse, entre os dentes, olhos fechados,
delirante. — Não. Para.
Sorri e voltei a investir contra ela, com tudo que eu tinha,
entorpecido, sentindo o orgasmo que eu não ia conseguir segurar.
Ela deu um último gemido e quase me enforcou com as pernas em
meu pescoço, travando os quadris enquanto eu continuava indo e
vindo, indo e vindo até gozar. Não parei. Continuei a me mexer,
devagar, insano, sem conseguir sair dela. Giovanna estava estirada
na cama, as pernas tinham caído para o lado e eu me apoiei nos
braços, exaurido. Só tirei o pau quando a ereção acabou, com medo
daquela camisinha vazar. Não lembrava de ter comido uma mulher
que me satisfizesse tanto e tão rapidamente, mesmo que eu não
achasse que estava satisfeito. O orgasmo vinha rápido e vinha forte,
e geralmente eu resistia por muito mais tempo. Com ela, não durei
foi nada.
Deitei de costas na cama e puxei Giovanna para meu peito. Ela
se aninhou ali, passando a perna por entre as minhas, entrelaçando
nossos corpos. Depois, puxei o lençol sobre nós e fechei os olhos,
quase inconsciente. Ela tinha razão, parecia uma maratona de sexo
e foram apenas duas vezes. Duas. Que mulher gostosa do caralho.
O QUE ME FALTA

Giovanna Viola
Q , fui passar um verão na
casa do tio Marco. Lembro que a casa de Angra dos Reis era
enorme e vivia cheia de gente, mas eu não costumava ir lá. Mamãe
sempre tinha seus próprios planos. Naquele verão eu estava
rebelde e quis curtir coisas diferentes, então ela deixou. Lá eu
conheci o Gilberto, ou Giba, um moleque da minha idade, lindo
demais. Nós paqueramos o verão inteiro, mas não rolava nada, até
uma noite em que ficamos até tarde conversando e fomos trancados
para fora de casa por meu primo Alessandro, que não prestava.
Tivemos que dormir no varandão da casa, em um sofá enorme, e
aquela foi a primeira vez que dormi com um homem. E a última.
Os caras nunca passavam a noite em casa. Eles preferiam e eu
também, não queria homens na minha cama. E eu quase nunca ia
para a casa deles, quando ia, fugia antes de pegar no sono. Eu
achava que dormir com um cara era problema. Até aquela noite,
isso vinha dando muito certo, só que Alexei me pediu para ficar. E
eu fiquei. E nós transamos de novo, mesmo que eu estivesse
exausta, dolorida da noite anterior, que foi mal dormida. E foi
maravilhoso, porque ele conseguiu me fazer gozar de todo jeito - e
se preocupou com isso.
Abri os olhos de manhã me sentindo ainda nas nuvens. Apaguei
totalmente nos braços de Alexei e não vi mais nada acontecer,
então estava nua, entre lençóis, com aquele homem perfeitamente
esculpido e desenhado como uma pintura de Sanzio ao meu lado.
Espreguicei-me e estiquei os braços, procurando meu celular para
ver a hora. Tinha doze mensagens das minhas amigas e passava
das sete. Eu tinha que trabalhar e as roupas estavam todas no
carro. Alexei acordou com minha movimentação e se virou para
mim, encarando-me com aqueles olhos indefinidos, sem me deixar
perceber se ele estava bem.
— Bom dia. Volte a dormir, é cedo.
— Não é, não. — Mostrei o horário a ele. — Preciso do meu
ritual de beleza matinal e duvido que sua casa tenha tudo que
preciso.
Ele se sentou na cama, também nu, glorioso como a manhã de
verão. Senti uma fisgada no meio das pernas, querendo que ele se
metesse ali novamente. Que tipo de doença era aquela e como fazia
para curar?
— Quer que eu vá pegar suas roupas? Posso trazer aquele
monte de sacola e você escolhe o que vestir. — Alexei se
aproximou, vendo minha cara de dúvida e incongruência, e beijou
minha boca, minha orelha, meu pescoço. A fisgada se transformou
em ardência, eu já estava prontinha para ele em uma questão de
dois segundos. Nunca tinha visto aquilo. Passei as pernas ao seu
redor e o puxei para mim, sentindo seu membro duro me pressionar
a barriga. Ele também estava pronto. — Ou podemos ficar aqui, se
quiser.
O beijo ficou mais intenso e Alexei segurou meu quadril,
puxando para si, fazendo com que eu rolasse para o lado.
Estávamos meio encaixados, em uma posição erótica, arriscando
aquele contato em que o pau se esfregava na minha abertura,
passando para lá e para cá sem penetração.
— Se eu ficar aqui, assim, com você, não paro de fazer sexo
nunca mais. — Sussurrei para ele. — Precisamos retomar o
controle, homem.
— Para que controle? — Ele apertava minha bunda e falava
entre os dentes. — Deixe que eu te faça gozar outra vez.
Não respondi. O que eu ia dizer? Não, não estou a fim de outro
orgasmo? Porque eu estava, e ele sabia fazer a coisa como poucos
que eu conheci. Alexei desceu a cabeça, pegou meus seios na
boca, mordendo delicadamente meus mamilos e sugando devagar.
Enquanto isso, me penetrava com dois dedos, entrando e saindo,
indo e vindo, fazendo com que uma sensação de agonia crescesse
em mim. Eu ia explodir, mas ele desceu mais a cabeça, beijou e
lambeu minha barriga, minha virilha, a vagina, o clitóris. Daquela vez
ele chupou com violência, me arrancando um grito que ignorou a
existência de outras pessoas no quarteirão. Dava para ser ouvido da
Terceira Ponte.
E eu gozei, como ele pretendia. Ele tinha uma droga poderosa
na língua, tinha que ser alguma coisa além de uma habilidade
fantástica e desinibição total.
— Porra, Giovanna, você é ainda mais gostosa de beijar aqui em
baixo.
Alexei voltou para minha boca, eu sentindo aquele pênis
maravilhoso na minha barriga e querendo que ele entrasse em mim
com a mesma força do orgasmo.
— Agora vai passar a me beijar lá, então? Sempre que quiser?
— Se eu soubesse que era deliciosa assim, já teria te jogado
sobre aquela mesa da cozinha da Protomak e caído de boca há
muito tempo. — Ele implicou. Segurei a base do seu pau e
direcionei para minha entrada, forçando os quadris contra os dele e
o obrigando a entrar em mim, por completo. Alexei deu um pulo para
trás, mas eu o prendi com as pernas. — Ficou louca, Viola?
— Desde quando deixei você me trazer para a cama, sim, fiquei.
— Movi o quadril e ele se retraiu. Vi a expressão de prazer no rosto
dele e quis mais. Movi de novo, e Alexei segurou minha bunda e me
manteve parada.
— Para com isso, eu não vou aguentar. Você não tem juízo?
— Nunca tive, sou uma patricinha mimada, esqueceu?
— Louca. — Ele me beijou e relaxou, mas continuou dentro de
mim. Movi o quadril de novo e ele rosnou em minha boca, tentando
sair, mas sendo impedido por minhas pernas cruzadas ao redor de
seu quadril. — Sério, Giovanna, eu vou acabar gozando. Estou à flor
da pele.
— Está bem.
Liberei-o para se afastar, e Alexei caiu de costas no colchão. Seu
pau estava tão duro e ele tão excitado que dava para ver o sangue
pulsando naquele membro ereto, perfeito, disponível. Não resisti,
agarrei-o com as mãos e coloquei na boca, lambendo o que tinha
meu ali, o que tinha dele, sugando e empurrando tudo até o fundo
da garganta. Ele agarrou meus cabelos com a mão esquerda e ficou
me observando, os olhos semicerrados, a boca aberta, a respiração
acelerada. Pressionei a glande entre os lábios, chupei tudo, fui mais
devagar e mais rápido, até ele não aguentar mais.
— Giovanna. — Alexei ganiu, porque não conseguia falar mais.
— Gio, eu vou…
Eu sabia que ia, sócio. E era exatamente o que eu queria. Enfiei
tudo na boca até que ele convulsionou e ejaculou, jogando o corpo
para trás. Depois me olhou, aquele olhar de surpresa, susto,
encantamento, de quem não esperava que eu fosse, afinal,
totalmente sem vergonha. Lambi cada centímetro daquele pau
delicioso para garantir que não tinha ficado nada para trás, que ele
estivesse limpinho, e fui puxada para cima por Alexei, que me
atacou os lábios, enfiando a língua na minha boca.
— Preciso entrar debaixo de um chuveiro e sair desse quarto. —
Disparei.
— Eu também, mas me dá alguns minutos.
Pulei da cama e fui até o banheiro. Tinha uma hidromassagem
perfeita ali, também, mas eu não ia arriscar me perder em Alexei
pela quarta vez em menos de vinte e quatro horas. Não me
lembrava de ter tido tantos orgasmos em uma noite, porque nem
todos os caras com quem eu saía sabiam me fazer gozar. Muitos
batiam na trave e eu acabava fingindo para não prolongar o
negócio. Alexei não precisou nem de ajuda, era como se ele fosse
um especialista na minha anatomia, especificamente. Preferi enfiar-
me debaixo do chuveiro de novo, porque eu precisava relaxar,
precisava que meu corpo parasse de pulsar no ritmo dele, de pedir
por ele, de ansiar por ele.
Ouvi barulhos no quarto, porta se abrindo, gente falando, e foi
quando lembrei que tinha gente na casa que não estava na cama
comigo. Dmitri e Pedro devem ter ouvido tudo e certamente me
achavam uma pervertida boca-suja, mas eu era, mesmo. Fiquei ali,
sofrendo para passar sabonete em uma pele muito sensível, até
ouvir portas novamente, e barulho de plástico. Alexei, vestindo o
short de moletom, apareceu na porta do banheiro.
— Trouxe suas coisas, espalhei tudo na cama.
— Vai entrar? — Provoquei.
— A prudência diz que preciso de uma medida cautelar contra
você. Uns trezentos metros de distância devem servir.
Caí na risada e fechei o chuveiro. Ele tinha bastante coerência e
eu me sentia da mesma forma - ficar perto dele já colocava meu
vulcão em erupção, então eu precisava me controlar para tocá-lo só
quando pudesse jorrar lava para todo lado. Alexei pegou a toalha e
me entregou, e saí para deixar espaço para que ele também se
arrumasse para a manhã. Olhei o que tinha comprado no dia
anterior, quase tudo por impulso e nada por necessidade, e decidi
primeiro que precisava arrumar meu guarda-roupas. Depois, que
tudo ali combinava com a nova empresária que eu estava me
tornando.
Meio irresponsável, faltando trabalho por causa de um cara. Meu
celular tocou, precisei desbravar a bagunça de roupas para
encontrá-lo sobre a cama, vibrando como louco. Era Lourdes.
— Bom dia, Srta. Viola. Está tudo bem, hoje? O Sr. Simonov
melhorou?
— Ele está ótimo, Lourdes. — Enfatizei o ótimo de uma forma
safada e, me dando conta disso, rezei mentalmente para que
Lourdes não percebesse. — Estou quase chegando na Protomak,
aconteceu algo?
— A Srta. Oliveira está aqui, ela vai te esperar. E os Sres.
Siqueira pediram uma reunião hoje a tarde, marquei às 15h.
— Obrigada. Diga a Janine que chego em quinze minutos e
vamos tomar café.
Peguei um macacão azul que estava entre as roupas e decidi
que era o eleito para o dia. Combinava com os tênis que eu estava
usando, faria um visual contemporâneo, apesar de eu ter dado
preferência aos scarpins desde que assumi a Protomak. Enquanto
retirava a etiqueta com o dente e procurava meu sutiã naquela
bagunça que tínhamos feito no quarto, Alexei saiu do banho. Nu,
desfilou pelo quarto, enxugando os cabelos, e me mostrou a mão
ferida, já bem melhor que antes.
— Você pode fazer o curativo? Andar com isso por aí dá uma
sensação ruim.
— Posso, desde que você vista alguma coisa. — Confessei que
estava distraída demais com sua nudez, com aquele corpo perfeito
se mostrando e me chamando, pedindo para que eu o tocasse.
O homem abriu seu guarda-roupas, pegou um terno entre vários
que estavam ali, uma camisa branca, uma cueca limpa, colocou
tudo sobre a cama, descartou a toalha no banheiro, voltou, vestiu
boxers brancas - que ficaram ainda mais tentadoras que as pretas -
e as calças. Eu parei o que pretendia fazer para admirá-lo,
totalmente enfeitiçada. Entreguei a ele a camisa, porque qualquer
parte descoberta era distrativa, chamativa, incitativa. Alexei vestiu-
se totalmente e sentou na cama, indicando que eu deveria cumprir
minha parte da promessa.
— Tem gaze e esparadrapo na minha cômoda. — Ele indicou
uma gaveta. — Dmitri guarda kits de primeiros socorros pela casa
toda.
Abri a gaveta e realmente tinha medicamentos por lá. Peguei o
que precisava e cobri os pontos, que estavam com uma aparência
ótima, e pedi que ele movesse a mão, para saber se não estava
muito apertado o curativo. Fiz um bom trabalho de novo, e fiquei
feliz em saber que o sexo não estragou o trabalho de Jonas.
— Vou voar para a Protomak. — Disse, beijando Alexei nos
lábios. — Tem gente me esperando lá. Temos reunião com os
gêmeos às três.

Alexei Simonov
Depois de ajeitar a gravata pela décima vez, desci as escadas e
encontrei meu irmão na cozinha, terminando de lavar a louça. Pedro
devia estar na aula, já, e eu provavelmente estava com cara de
moleque que aprontou escondido dos pais. Sentei-me na bancada,
onde estava arrumado meu café da manhã, e agradeci mais uma
vez por meu cunhado cozinhar divinamente. Bebi um gole do café e
enfrentei as costas do meu irmão, que estavam tremendo de
nervosismo.
— Diga o que quer dizer, Dmitri. Seja lá o que for, eu aguento.
Ele virou para mim e sua expressão era de deleite. Alguma coisa
o estava dando extremo prazer, naquele momento.
— Você dormiu com uma mulher, em casa, e vocês estão agindo
como se fossem um casal. — Dmitri tentou manter uma pose de
indiferença que não combinava com ele, enquanto enxugava um
copo. — Os dois notaram isso, certo?
— Foi só sexo. — Mordi a torrada. — Não somos um casal.
— Toda a sua expressão corporal diz o contrário. Negue o
quanto quiser.
— Não se apegue a ela, Dimka. — Eu disse, um pouco
preocupado com a empolgação do meu irmão. Era de se esperar
que ele ficasse daquele jeito ao me ver conquistar a mulher, mas eu
tinha planos, para ela. Não queria magoá-lo também. — Giovanna
não é mulher de ter namoros.
— Nem você, só que o sexo deve ter sido a coisa mais fantástica
desse mundo, pelo barulho que fizeram lá dentro. Até eu fiquei
excitado.
Engasguei com o café. Estava na hora de ir para a empresa,
meu irmão tinha começado a ficar indiscreto.
— Céus, Dmitri. Desculpe incomodar vocês dois, eu a levo para
um motel, na próxima.
— Não, traga-a para cá, sempre. Prometo que usamos fones de
ouvido.
Dmitri me abraçou, visivelmente empolgado, e voltou para a
louça. Só me faltava aquela, além de tudo, eu decepcionaria meu
irmão, que já estava se apegando à Viola de uma forma inusitada. A
minha vida de orgias e pecados deve ter feito com que ele pensasse
que nunca seria tio, ou que eu nunca teria o que ele tem. E pior, ele
estava certo, porque Giovanna era apenas um objeto que teria que
descartar quando chegasse a hora. Merda. Terminei de comer, às
pressas, peguei o carro e fui para a Protomak. Minha mão deu uma
fisgada quando fiz uma curva sem prestar atenção direito e olhei
para o curativo. Tudo à minha volta, tudo ali, lembrava ela.
O carro estava com cheiro feminino. Minha roupa estava com o
perfume dela. Minha boca tinha todos os gostos dela, mesmo que
eu tivesse escovado os dentes três vezes. Minha mão tinha o toque
dela. Tinha um pacote de chicletes no porta-trecos, e era dela.
Quanto tempo foi que a mulher ficou comigo, um dia? Dois? E já
parecia dona do espaço. Recostei a cabeça para trás, com o carro
estacionado, e fiquei por alguns segundos pensando. Ao mesmo
tempo que eu dizia que ela não significava nada, ela já significava
tudo.
Abotoei o paletó, peguei minha pasta e fui para a empresa, a
mesma postura de empresário de sucesso destruidor de pequenas
empresas que eu costumava adotar. Faltavam dois dias para
Budapeste, seria bom ter algumas férias, mas eu precisava de
tempo. Tinha que conseguir tempo com meu algoz, então precisava
falar com ele. Por sorte, quando cheguei, Giovanna estava de saída.
Ela estava na sala, com a amiga advogada, que cuidava da
arbitragem, e pegando as bolsas para irem a algum lugar. Entrei na
minha sala, tentando olhar discretamente para ela, de forma que
isso não representasse qualquer intenção de aproximação.
Mas ela me ignorou. Conversou algo com Lourdes e as duas
saíram, rindo. Senti alívio, por poder cuidar daqueles assuntos
delicados sozinho, mas senti um pouco de incômodo porque ela
simplesmente passou por mim, como se eu não estivesse ali - ou
não existisse.
— Lourdes, bom dia. Preciso alterar a reserva para Budapeste.
Incomodei a secretária, assim que inicializei o computador. Tinha
negócios para tratar em Moscou, e tinha que ser cedo.
— Não precisa, Sr. Simonov. Está tudo certo, ajustado e
confirmado.
— É que Giovanna vai comigo.
— Eu sei, Sr. Simonov. — Lourdes sorriu e notei alguma malícia
oculta nela. — O quarto reservado para o senhor tem cama de
casal.
— Mas eu… quero dizer, você…
Perdi-me nas palavras momentaneamente, imaginando como ela
poderia sequer sugerir que nós ficássemos no mesmo quarto e na
mesma cama por uma semana. Como adivinhar que era exatamente
aquilo que eu queria?
— Sou muito bem paga para saber, Sr. Simonov. E eu conheço a
Srta. Viola desde que ela era uma garotinha, ela não é tão
enigmática quanto pensa que é. Vou enviar para seu celular a
confirmação das reservas, assim o senhor terá mais facilidade em
fazer o check-in. Posso apenas ser um pouco indiscreta?
— Diga o que pretende. — Arrisquei para saber até onde poderia
ir aquela indiscrição.
— Eu trabalhei vinte anos para o avô dela. — Lourdes levantou-
se e fingiu ajeitar a sua mesa, mas eu sabia que ela apenas queria
me olhar nos olhos. — E a Srta. Viola estava sempre aqui na
empresa. Todos acham que ela é menos capaz do que ela
realmente é, eu não sei nem se ela nota o quanto tem potencial. Ela
é um diamante bruto, Sr. Simonov, e o senhor pode ser luz ou
escuridão na vida dela. Espero que escolha a luz.
A secretária voltou a se concentrar em seu trabalho e fiquei com
aquela cara de quem tomou um sermão, como se ela soubesse o
que eu estava fazendo e me repreendesse, ou me ameaçasse, por
fazê-lo. Claro que ela não sabia, mas fiquei com a sensação de que
fui pego. Sorri, um pouco encabulado, e me fechei em minha sala
para a parte difícil do dia. Eu tinha que ligar para Ilia. Sentei na
frente do computador, coloquei os e-mails para baixar, virei a
cadeira para a linda vista da baía e pressionei o contato do homem
que eu teria que matar, um dia. Ou que me mataria, um dia.
— Simonov. Estava esperando sua ligação. Meu menino disse
que você não o tratou muito bem, em sua visita ao Brasil.
Rangi os dentes, querendo quebrar o telefone nas minhas mãos.
— Você não pode mandar soldados atrás de mim, Ilia. Ou você
confia em mim, ou não confia.
— Eu devo confiar em você?
— Veja, não vou mais ficar ligando. Quero dois meses. Em dois
meses eu conseguirei o que precisa.
— É muito tempo.
— É menos que o necessário para sua vingança. A Protomak,
parte dela, eu já tenho e foi fácil. A Viola já começou a comer na
minha mão. Já estou conquistando meu espaço e fazendo o papel
de namoradinho, inclusive. Mas a mulher é dura, não é uma
princesa esperando salvação. Tenho que agir com mais cautela,
então quero dois meses.
— Certo, Simonov. Não mandarei mais ninguém, não ligarei, não
esperarei seu contato. Em sessenta dias, vamos nos encontrar e
quero resultados.
— Combinado.
Desliguei e respirei muito fundo para não arremessar, outra vez,
o telefone no chão. Eu já nem sabia mais com quem eu estava
jogando, se era com Giovanna, com Ilia ou comigo mesmo. Eu tinha
conseguido algum tempo, mesmo que insuficiente. Se eu pedisse
mais, ele não daria, então tive lucro. Voltei para os e-mails e iniciei
uma conferência via Skype para conversar com meus homens em
Moscou. Trabalhar era o que me faria levar o dia adiante.

Giovanna Viola
Peguei um prato cheio de bolinhos, pãezinhos, e ovos mexidos no
bufê, e sentei-me em uma mesa com Janine. Poderíamos ter nossa
conversa na Protomak mesmo, mas eu tinha que comer alguma
coisa. Considerando meu prato, eu tinha que comer todas as coisas.
Pedi um café expresso duplo e, enquanto esperava, olhei para a
cara da minha amiga, que parecia estar um pouco confusa quanto
ao meu desjejum. Não tinha me dado conta do quanto estava
comendo.
— Então diga, Jana. O que temos sobre a arbitragem?
— Antes de entrar no assunto sério… como ficou a coisa com
seu sócio? Depois daquele happy hour, você não falou mais nada
nem respondeu mensagens da gente.
— Aconteceu muita coisa doida. — Respondi, enfiando um
pedaço de bolo na boca. — Eu decidi tomar uma atitude. A melhor
atitude seria me livrar de Alexei, como não pude, eu decidi que ia
ficar com ele.
— Ficar no sentido de guardar em um potinho? — Janine fez
piada e deu risada de si própria. — Ou ficar no sentido de transar?
— Ficar no sentido de beijar. No vernissage do irmão eu o
reencontrei e rolou.
— Rolou? Simples assim?
Expliquei, rapidamente, entre pães, ovos e café, o que
aconteceu naqueles três dias. Falei da invasão à Protomak, do
ferimento de Alexei, da noite em casa, da noite na casa dele. Da
manhã, na casa dele.
— É por isso que você está morrendo de fome! — Janine
disparou, falando alto demais. Fiz um gesto que ela deveria ser mais
silenciosa, afinal não pretendia que minha vida sexual fosse
publicizada para todo Jardim da Penha. — Você acabou de fazer
sexo!
— Não problematize a coisa, Jana, não transforme em um
evento. — Olhei em volta, achando que todas as pessoas da
padaria estavam olhando para mim. Ninguém nem notava a minha
existência, porém eu me sentia despida, falando daquele assunto.
— Foram vocês que ficaram provocando, me jogando para cima do
homem, dizendo que ele deveria entrar em sei lá o que…
— Ah, agora a culpa de você ter acabado na cama de Alexei
Simonov é nossa?
— Não. É dele, mesmo, mas abstraia, por favor. Já estou com a
cabeça cheia pensando na quantidade de merda que isso ainda
pode dar. Fale da arbitragem.
Janine tirou o tablet da bolsa, ligou e virou a tela para mim.
— Os advogados do Simonov estão obstaculizando a
arbitragem. Eles querem que seja feita em Moscou.
— Ah, mas nem matando! — Indignei-me imediatamente,
soltando o pão dentro do prato e segurando o tablet, para ler todo o
e-mail redigido em inglês. — Não vamos fazer nada em Moscou,
isso vai beneficiá-los totalmente!
— Foi o que pensei. Acho que terá que conversar com seu sócio
mais uma vez. Mas, tem certeza que pretende ir adiante com isso?
Vocês estão tão bem, pelo visto… ele é um gênio, rico, e você mal o
conhece como empresário. As outras partes dele devem ter te
agradado, também. Por que não dar uma chance ao homem?
Ô, se as outras partes dele me agradaram. Mas não era sobre
nosso envolvimento pessoal que estávamos tratando, e sim sobre o
legado de vovô. Eu poderia continuar a transar com Alexei mesmo
que ele não fosse mais sócio na Protomak. Bem, eu não podia,
porque, se ele não tivesse mais nada para fazer no Brasil, ele iria
embora para a Rússia em definitivo e eu dificilmente voltaria a vê-lo.
A arbitragem levaria seis meses, era o tempo que eu esperava ter
com ele. E se eu quisesse mais? Seria possível que eu quisesse ir
além com Alexei Simonov, que eu quisesse me relacionar com ele?
Não queria aceitar aquela possiblidade, mas o universo estava me
mandando muitas, muitas mensagens que eu não deveria ignorar,
apenas.
— Eu vou conversar com ele. — Decidi. — Depois nós voltamos
a nos falar sobre isso. Diga aos advogados dele que vamos pensar,
depois de Budapeste eu terei uma solução.
— Budapeste? — Janine não entendeu.
— É, viajo para lá na sexta, terá uma feira de tecnologia muito
importante.
— E, claro, Alexei Simonov também vai?
— Foi ele que me apresentou a feira, eu nem sabia que existia.
— Veja bem, Gio. Você ainda não entendeu que precisa de um
Alexei na sua vida?
Olhei para minha amiga querendo atirar sobre ela tudo que tinha
na mesa. Não, eu não precisava de nenhum tubarão na minha vida,
de nenhum cara achando que sabia mais do que eu, de nenhum
empresário predador que só estava esperando uma fraqueza minha
para dar o bote e acabar comigo de vez. Eu precisava me dedicar,
me preparar, e alguma ajuda era sempre bem-vinda, mas não.
Terminei de comer em silêncio, enfrentando a comida e a realidade
que estavam me espremendo contra o chão. Janine percebeu que
eu não responderia à sua pergunta, nem discutiria aquele assunto, e
não insistiu. No dia seguinte teríamos o happy hour e eu certamente
seria interrogada por mais outras três mulheres curiosas e ávidas
por saber fofocas sobre sexo, bundas e paus.
Voltei para a Protomak sentindo o estômago cheio e a cabeça
doendo. Precisava de uma dipirona, qualquer coisa que fizesse meu
organismo espantar a dor e mandá-la embora. Ao invés disso,
preferi arrumar briga, porque era o que eu fazia melhor. A irritação
por não saber lidar com a presença de Alexei em minha vida, depois
da conversa idiota com minha amiga, me fizeram entrar na sala dele
com o e-mail que Jana mostrou e enfrentá-lo.
— Simonov, seus advogados estão inventando moda para
impedir a arbitragem. Dê um jeito nisso.
Ele franziu a testa e me olhou, com uma expressão de dúvida
genuína. Aqueles olhos lindos, incógnitos, multicores.
— Não faço ideia do que está falando, Giovanna.
Peguei meu celular e mostrei o e-mail, que me foi encaminhado.
Ele levou alguns segundos para ler o conteúdo.
— A arbitragem não vai acontecer em Moscou, isso está fora de
cogitação.
— Eu não lido com esses assuntos. Fale com sua advogada
para…
— Não, você fale com seus advogados que a arbitragem
acontecerá aqui, no Brasil, onde eles escolherem. A Protomak é
brasileira, eu sou brasileira, você é brasileiro, caramba! — Despejei
alguma frustração sobre Alexei, mesmo que ele não tivesse pedido
por isso.
— Giovanna, a arbitragem acontecerá onde você quiser. — Ele
se levantou e deu a volta na mesa, vindo em minha direção como
um gato se aproxima da presa. Aquela comparação me irritava. —
Eu falo com os advogados, não precisa se estressar.
— Não estou estressada. — Menti. — Fico satisfeita que você
decida resolver isso da melhor forma.
Alexei chegou bem perto de mim e segurou minhas mãos nas
dele. Foi quando percebi que estava tremendo e não compreendia
aquela reação do meu corpo. Era demais para uma simples disputa
de arbitragem, eu não era frágil daquela forma. O que estava
acontecendo comigo?
— Você tem certeza que quer isso, Viola? — Alexei olhou em
meus olhos, daquela forma que só ele sabia fazer, que transbordava
o mundo e o universo em tons de castanho. — Quer que eu vá
embora? Que deixe a Protomak?
Eu tinha certeza que sim, desde o primeiro minuto em que
aquele homem esteve na minha empresa. Eu tinha certeza absoluta,
porque aquela era a empresa do meu avô e eu tinha feito uma
promessa a ele. Mas lá estava eu, de pé em frente de Alexei
Simonov, boca entreaberta, olhos arregalados, morrendo de dor de
cabeça, sendo que minutos antes eu estava perfeitamente bem,
olhando para ele como se tivesse sido paralisada por um feitiço
poderoso. E então eu não tinha certeza de mais nada.
Ele sentiu minha hesitação e meu corpo pendendo para o dele e
subiu as mãos pelos meus braços, que relaxaram. Depois passou
por meus ombros, minha nuca, até me segurar firme e conduzir-me
até sua boca. Alexei me beijou, no meio da sala, com aquele monte
de vidro para quem quisesse ver. Molhado, lento, tão devagar que
ele parecia estar degustando um prato exótico enquanto seus lábios
devoravam os meus. Nossos corpos nem se tocavam, mas um filme
erótico inteiro se passava na minha cabeça só pela sensação de
seus dedos em meu pescoço.
Era aquilo. A minha dor de cabeça, a minha irritação, a minha
mudança repentina de humor - era tudo relacionado a Alexei
Simonov. Mais precisamente, ao beijo, à língua, ao toque. O que eu
queria tanto, mesmo que representasse uma contradição absurda
em mim. Era aquilo que estava me desviando para caminhos que eu
não pretendia trilhar, sem conseguir impedir que uma força me
empurrasse em sua direção.
— Quando partimos para Budapeste? — Foi o que perguntei.
— Sexta-feira, bem cedo. Talvez amanhã você deva dormir na
Ilha.
— Jardim da Penha é bem mais perto do aeroporto. Talvez você
deva dormir lá.
Alexei sorriu, esticando os lábios sutilmente. Aquele sorriso
malicioso de quem tinha entendido totalmente a minha proposta, e
de quem sabia que não era possível me vencer.
— Tudo bem, Viola. Eu vou ligar para os advogados e ordenar
que essa droga de arbitragem aconteça em São Paulo. Bom para
você, sócia?
— Excelente para mim, sócio.
Afastei-me dele, com a sensação de que não ganhei nada, ao
contrário, de que foi meu sócio quem saiu vencedor, mesmo que ele
tivesse supostamente cedido às minhas ordens.
PARA VIAGEM

Giovanna Viola
P , com uma garrafa de vinho e
massa congelada, de novo. Eu andava comendo muita massa e
fazendo zero exercícios - em breve, os carboidratos assumiriam as
formas na minha cintura e no meu quadril. Precisava retomar para a
minha alimentação saudável do início do ano. Só que, daquela vez,
o vinho se justificou - eu estava sozinha naquela cama. Nunca me
importei, eu sempre tinha a televisão, filmes e seriados, além dos
meus livros, para me fazerem companhia durante a noite. Só que o
peso do corpo de Alexei, o seu cheiro e seu gosto estavam ainda
impregnados na minha pele, e isso estava me confundindo as
ideias. Tive que beber um pouco - uma garrafa talvez não se
qualificasse como pouco - para entorpecer os sentidos e me impedir
de pegar o carro e dirigir até a Ilha do Frade.
O dia seguinte seria de reencontro, mas Alexei não apareceu de
manhã, na Protomak. Acordei achando que o reveria, então gastei
um bom tempo na frente do espelho olhando cada detalhe do meu
corpo. Eu era bonita, não podia negar, mas ainda queria entender
por que o homem das modelos, o que pegava todas, o garanhão da
tecnologia, queria algo comigo. Tomei um banho revigorante, passei
base, fixei com pó, uma sombra leve, batom. Coisas que eu
geralmente usava sem um propósito, mas que tinham assumido
significado. Escolhi um tailleur cor de terra, avermelhado, que
destacava qualquer coisa que o vestisse. Quis estar linda para
impressionar, nem sempre eu me prendia a esses detalhes.
Mas frustrei-me no instante em que cheguei à minha sala.
— Bom dia, Srta. Viola. O Sr. Simonov deixou um recado para a
senhorita, sobre sua mesa.
Olhei para a sala dele, vazia. Sorri para Lourdes, desejando bom
dia, e fui até a minha sala querendo fingir que não estava ansiosa
em ver o tal recado. Havia um bilhete rabiscado à mão, e achei
curioso que o mago da tecnologia não preferisse mandar um SMS
ou usar um aplicativo de mensagens.
“Precisei ir a São Paulo, às pressas, para resolver uma questão
da FiberGen. Vejo você à noite.”
Não era o que eu esperava, nem o que eu precisava. Levei o
papel ao nariz e sorvi o aroma que não estava ali, para depois olhar
em volta e me sentir idiota e imbecil. Quantos anos eu tinha,
dezesseis? Desde que Alexei entrou na minha vida, sem convite, eu
já tinha revivido toda a minha adolescência, e nada daquilo era bom.
Sentei na frente do computador para preparar um portfólio sobre a
Protomak, pensando em levar para a feira. Alexei disse que as
pessoas iam lá para fazer contatos, então eu adoraria negociar com
estrangeiros. Não tínhamos muitos clientes de fora do Brasil.
Depois da manhã preparando o documento, criei um arquivo
digital e pedi ajuda aos estagiários para montar um QRcode e
colocar o portfólio online. Eu também não era a pessoa mais
tecnológica do mundo, mas não me denominava maga nem
feiticeira de nada. Fiquei orgulhosa do meu trabalho, que fiz sozinha
e sem delegar, e que estava pronto para ser exibido e não impresso.
Era uma feira de tecnologia, não achei prudente levar um monte de
papel. Como tinha que fazer minha mala e enfrentar o happy hour
com as mulheres, saí da Protomak às quatorze horas, depois de
uma reunião rápida com Fernando, que ficaria por conta da parte
operacional da empresa na minha ausência. Lourdes cuidaria da
parte administrativa. Eu confiava neles porque vovô confiava.
Não viajar em avião comercial teria vantagens - eu podia levar
quantas malas quisesse. Considerando uma semana em
Budapeste, sem poder repetir traje nenhum dia, e talvez tendo que
usar dois trajes por dia, eu precisaria de duas malas grandes. Teria
que levar sapatos para todas as ocasiões, levar maquiagem, e o
clima estaria frio. Ainda bem que eu tinha três casacos adequados
ao outono europeu e às roupas que tinha, eram sobretudos lindos,
elegantes e que apostava serem compatíveis com o refinamento do
evento. Alexei não tinha me passado o dress code do evento, mas
ele era um cara, e eles não ligavam para isso.
Cheguei antes das minhas amigas, no Outback, para o happy
hour. Fui de Uber, como sempre, para me autorizar a beber todo o
chope disponível. Logo, Suzana, Cecília, Patrícia e Janine
chegaram, e o assunto não pode ser outro: já faziam quatro
encontros que tudo que elas queriam saber era sobre Alexei.
Daquela vez, eu teria muitos detalhes para dar sobre tudo, mas não
queria ficar falando do tamanho do pinto dele, ou do quanto ele
sabia fazer sexo oral. Não tive muita opção, fui metralhada por elas,
que queriam que eu revelasse qualquer coisa sobre o meu sócio
gostoso.
Ah, e ele era gostoso. Lá por volta das dez da noite, muitos
chopes e o álcool já no comando, mandei uma mensagem para ele.
— O que está fazendo com esse celular, Gio? Já vai pedir
arrego? — Suzana achou que eu estivesse chamando um Uber.
— Não. Estou falando com Alexei.
— Mas eita! — Patrícia arregalou os olhos. — Marcando
encontro?
— Não, é que viajamos amanhã e preciso combinar o horário.
Ele disse “cedo”, não disse quanto era cedo.
Digitei uma mensagem simples, perguntando se ele estava em
Vitória. Alguns minutos depois, a resposta chegou.
“Desembarquei há meia hora no aeroporto. Estou finalizando os
detalhes da nossa viagem. Vejo você na Ilha?”
— Jardim da Penha, Simonov! — Gritei, ao invés de digitar. As
mulheres me olharam, confusas, principalmente porque o álcool já
tinha afetado a todas nós.
— O que tem Jardim da Penha? — Cecília questionou.
— O que tem o Simonov? O que ele disse?
Ignorei Janine e digitei o que era para ter saído pelos dedos, não
pela boca.
“Não vejo motivo para dormir na sua casa, a minha é bem mais
perto. Nos encontramos no aeroporto.”
“Está onde?”
Ele perguntou. Tive vontade de dizer que não era da sua conta,
mas estava meio bêbada demais para ser insolente.
“Outback. Estamos no happy hour, minhas amigas mandam oi”.
— Vamos fazer um vídeo para ele.
Disse, e entrei no modo selfie. Era hora de sermos bobas como
boas pessoas alcoolizadas. Minhas amigas se juntaram e filmamos
um breve “Oi, Alexei”, com acenos e beijinhos. Depois, enviei pelo
aplicativo de mensagens. Ele respondeu.
“Espere-me.”
Não entendi o que ele queria, mas ignorei. Eu ainda ia beber um
pouco com as mulheres e depois ir para casa, enfiar-me na cama e
esperar acordar no dia seguinte. Sequer me dei conta que não
perguntei quando, que horas, a gente iniciaria a viagem. Já tinha
pesquisado e Budapeste ficava há quase quinze horas de voo;
ainda teríamos que fazer escala em algum país mais perto, ou seja,
passaríamos o dia voando. Não sei por que o russo não preferiu um
voo noturno, seria bem mais produtivo. Voltei a dedicar atenção às
minhas amigas.
— O que vocês estão conversando? — Cecília pegou o telefone
da minha mão e digitou a senha, que todas sabiam. Minha senha
sempre foi para o ladrão, nunca para esconder minha privacidade.
Eu não tinha uma noção muito normalizada de privacidade.
— Nada que seja de sua conta. — Tomei o celular de volta. —
Estávamos combinando detalhes da viagem.
— Ele te mandou esperar onde?
— Em casa, acho. Ele vai dormir lá.
As quatro fizeram um “aaaahmmmm” bem alto, chamando a
atenção de outras mesas, nosso modus operandi normal nas noites
de quinta. Nenhuma de nós ligava exatamente em ser muito
animada, porque éramos assim até sóbrias.
— Vamos encerrar, então, já que a senhorita acorda muito cedo.
Patrícia pediu a saideira. Enquanto brindávamos à amizade,
ritual do final de encontro, falávamos bobagens. Percebi que
Suzana fixou o olhar em algum ponto no Shopping, mas eu estava
de costas para o lado de fora, olhando para dentro do restaurante.
Ela fez uma cara de interjeição e espremeu os olhos até que me
torci toda para ver o que a intrigava e vê-lo se aproximando. Alexei
Simonov, todo social, já sem gravata, em um sorriso devastador
naquela boca que eu imediatamente quis beijar. O que diabos ele
estava fazendo ali?
— Boa noite, moças. — Ele disse, com aquela voz maravilhosa,
nocauteando a mesa inteira. Olhei ao redor, não tinha uma pessoa
naquele restaurante que não tenha olhado para Alexei.
— Caramba, eu bebi tanto assim que estou vendo coisas? —
Disparei, colocando a mão no peito de Alexei. Ele estava do lado de
fora do restaurante, recostado na cerca que separava a varanda do
restante do Shopping.
— Só se for alucinação coletiva, porque estou vendo a mesma
coisa. — Janine deu uma risada.
— E o que veio fazer aqui, Simonov? — Perguntei, dando outra
golada no chope.
— Pensei que precisaria de uma carona. — Ele sorriu e minhas
amigas se derreteram. Ninguém era imune ao charme sedutor
daquele tubarão. — E, bem, não sei chegar até sua casa. Jardim da
Penha é um labirinto.
Nós cinco nos entreolhamos e caímos na risada. Todo mundo
achava Jardim da Penha difícil de se localizar, eu achava que até o
GPS tinha um bug que nos levava sempre para a mesma pracinha.
Mas eu, que morava lá há muito tempo, sempre sabia aonde ia.
Alexei entrou no restaurante e foi até nossa mesa, escoltado por
uma garçonete que só faltava babar no bloco de comandas,
andando atrás dele.
— Quer beber alguma coisa? — Perguntei. Ele me empurrou
para o lado e sentou na mesma cadeira, dividindo o espaço comigo.
— Talvez, mas vocês já não estavam de saída?
— Que nada, pedimos outra rodada. — Cecília levantou a mão,
indicando que queríamos uma sexta caneca, daquela vez. —
Chegando da empresa agora, Simonov?
— Estou vindo de São Paulo, fui fechar alguns negócios.
— E que horas viajamos amanhã? — Perguntei, pendendo a
cabeça e recostando nele. Não sei se eu percebi aquilo, ou se fiz de
propósito, só sei que Alexei passou o braço ao meu redor e me
envolveu em uma espécie de abraço. Eu não era muito esperta em
relacionamentos. Segurei a mão dele para examinar os pontos. — E
cadê o curativo?
— O avião sai às cinco, Giovanna.
— Cinco da manhã? — Suzana olhou o relógio. — Então vocês
já estão atrasados para dormir.
— Budapeste é bem longe e quero visitar o local do congresso
amanhã ainda.
— O curativo? — Insisti. A garçonete do sorriso bobo trouxe
nossas bebidas e recebeu uma piscada de olhos de Alexei. — E
pare de flertar com a garçonete!
— Não consegui colocar gaze e esparadrapo na minha mão
direita, não tenho essa habilidade. E não estou flertando com
ninguém.
— Desculpe informar, mas a sua simples existência já flerta com
esse restaurante inteiro. — Patrícia deu uma risada, implicando com
meu sócio. — Talvez seja involuntário.
Alexei colou a boca no meu ouvido, depois de beber um gole de
chope. Senti um calafrio por seus lábios gelados tocando minha
pele.
— Não estou flertando — Ele sussurrou e meus pelos se
eriçaram. Virei-me e nossos lábios acabaram muito próximos e, com
tanto álcool no organismo, eu estava em perigo de fazer algo do que
me arrependeria depois - tipo tascar um beijo em Alexei no meio de
todo mundo.
— Imagina se estivesse.
Protestei e o afastei, para que voltasse a beber seu chope.
Janine começou a contar mentalmente o quanto bebemos para
conferir a conta, que ela pediu para outro garçom. Esperei que ela
não tivesse feito aquilo pensando que eu, Giovanna Viola, poderia
dar um ataque de ciumeira por causa do flerte descarado do meu
sócio com a garçonete, porque aquilo seria ridículo. Quando a conta
chegou, o garçom entregou-a a Alexei, que tinha acabado de
chegar, mas era o homem da mesa. Aquilo me irritou imediatamente
e me fez tomar o papel da mão dele. As minhas amigas estavam se
divertindo com minha desgraça.
— Vocês bebem bastante. — Ele riu.
— Deixamos sempre uma pequena fortuna para o Outback, mas
vale a pena. — Patrícia respondeu, e posso apostar que a ouvi
suspirar. Não era pelo dinheiro, mas pelo homem ao meu lado.
Simonov, pare de seduzir as pessoas!
— Que tal se essa for por minha conta? — Ele sacou um cartão
corporativo daqueles que eu já tinha visto com Dmitri, e que reluzia
a ouro e pedras preciosas só de olharmos para ele. Parecia a
solução de todos os problemas de um país subdesenvolvido, eu
apostava que o limite daquela coisa dava para quitar a dívida de
metade dos brasileiros. — Cheguei para atrapalhar a noite de vocês,
então é justo.
As mulheres guardaram seus cartões. Eu enfrentei, não porque
não gostava que pagassem as coisas para mim. Passaram a vida
me pagando coisas, eu nunca trabalhei. Sempre usei dinheiro dos
outros, isso não me incomodava. Enfrentei porque Alexei estava se
metendo onde não era chamado.
— Deixe de ser arrogante, Simonov. — Coloquei meu cartão
sobre a conta e devolvi o dele. — Nós podemos pagar nossa conta.
— Claro que podem. Mas o que tem de mais se a FiberGen
investir um pouco no teor alcoólico do seu sangue? — Ele disse
aquilo novamente bem perto da minha orelha e o arrepio voltou.
Sem que eu percebesse, para poder evitar, Alexei colocou o cartão
dele sobre a mesa e segurou o meu, chamando a garçonete já
previamente seduzida por ele. — Inclua o serviço, por favor. Tenho
certeza que as moças foram muito bem atendidas.
Olhei em volta e parecia todo mundo enfeitiçado. O que estava
acontecendo, que tipo de bruxaria Alexei Simonov era capaz de
fazer que seduzia até um objeto inanimado? Devia ser alguma coisa
da Rússia, alguma lenda, algum mito, alguma coisa que o ocidente
não sabia explicar. Porque, normal, aquilo não podia ser. A
garçonete ria como boneco de mola enquanto digitava os dados na
máquina de cartão, e quase surtou quando a entregou para Alexei e
ele tocou sua mão. Será que eu era ridícula daquele jeito, antes de
fazer sexo com ele? Ou será que eu continuava ridícula daquele
jeito?
— Espero que você não precise justificar os gastos desse cartão.
— Repreendi, levantando-me e pegando minha bolsa.
— Sou o presidente, não preciso justificar quase nada. Alguma
de vocês precisa de uma carona?
Maldito russo. As minhas amigas recusaram a carona, pois cada
uma ia para um canto, e acabei sozinha na Land Rover com ele,
cheirando a couro e bebida alcoólica, sem decidir se eu estava
excitada a ponto de atacá-lo ou louca a ponto de matá-lo. Alexei
saiu do estacionamento e nos guiou pelas ruas, na direção da praia.
— Bonitas suas amigas. — Ele quebrou o silêncio que eu
estabeleci. — São comprometidas?
— Vá tomar no cu, Alexei. — Disparei, porque embriagada eu
ficava uma metralhadora. Ele disse que só um canhão o parava,
então eu precisava aprimorar meu potencial de fogo. — Você é um
cachorro mesmo.
— Para com isso, Giovanna. — Ele caiu na risada. — Eu estou
provocando você. Suas amigas são bonitas, mas eu não quero nada
com elas.
— Mentiroso, você é um conquistador. Deve querer alguma coisa
com todas as mulheres que existem.
Ele tirou a mão do volante e colocou na minha coxa. Senti uma
fisgada, mas fiquei olhando para frente, irritada, detestando que
meu organismo respondesse a ele como se ele comandasse minhas
células. Era a droga, o feitiço, a magia negra que ele lançava.
— Eu quero alguma coisa com você. — Sua mão me tocou no
meio das pernas. Era a mão ferida, ele não podia fazer estripulias
com ela, mas, ainda assim, a presença dela ali já me colocava em
posição de alerta. — Mas vamos subir, você toma um banho e
dormimos, que tal? Vamos ficar quatorze horas dentro de um avião,
acho que teremos muito tempo para diversão.

Alexei Simonov
Descobrir que Giovanna estava com as amigas bebendo me deu a
ideia de ir até lá provocá-la. Era ótimo irritá-la, fazer com que ela
perdesse a linha e desejasse me mandar para o inferno. Eu já
estava nele, era verdade, mas ela não sabia. E, no fundo, dormir
com ela depois de um dia estressante em São Paulo, em que tive
que matar alguns dragões para conseguir evitar que um fornecedor
antigo fosse cooptado por outra empresa, era tudo que eu queria.
Demorei a admitir e, se ela não me mandasse aquela mensagem,
eu certamente não iria atrás dela. Mas o vídeo dela com as amigas
fez um clique dentro de mim e acabei despencando, exausto, até o
Shopping Vitória para vê-la.
Depois, iria para a casa dela, porque a minha era longe, segundo
Viola. E dormiria na cama dela, que era tão boa quanto a minha. E
tomaria banho na banheira dela. Tive que passar em casa para
pegar minhas malas e despedir de Dmitri e Pedro, mas logo estava
estacionando na frente do prédio minúsculo de Giovanna, e não
estava achando nada daquilo ruim.
— Para uma empresária de sucesso, você mora em um
apartamento muito pequeno. — Reclamei, deixando a mala na sala.
— Eu não era uma empresária até ano passado. — Ela se jogou
no sofá. — E aqui é perfeito, para que eu quero uma mansão? Só
dá trabalho!
— Faz sentido. Posso tomar uma ducha? Estou fedendo.
Ela levantou, chegou perto de mim e enfiou o nariz em meu
peito. Sorveu o ar com força e me encarou.
— Não está, não. Mas claro que pode, tem toalhas limpas no
armário do banheiro.
Sorri e a beijei. Era uma coisa louca, beijar Giovanna era fácil e
parecia sempre a coisa certa a se fazer. Só que eu me perdia, o
tempo todo, naquela boca. Esquecia de mim mesmo enquanto a
segurava pela nuca, sugava os lábios, explorava com a língua.
Afastei-me, sem vontade, e fui para o banheiro enfiar-me debaixo do
chuveiro. Precisava de água fresca, estava suado e cansado, e
precisava dormir. Por mais que eu quisesse fazer sexo sempre que
a via, o cansaço estava mais forte que o tesão. Ela não me
importunou no banho, então relaxei debaixo da água fria, porque
não dava para querer outra temperatura naquele calor infernal.
Quando saí do banho, ela estava cochilando sobre o sofá.
Enrolei a toalha na cintura, penteei os cabelos, examinei a barba,
que parecia por fazer, mas estava do meu agrado, peguei algumas
coisas na minha mala, passei desodorante, e ela continuava
dormindo. Estava tão cansada quanto eu, e o relógio já marcava
quase meia noite. Umas três horas de sono era melhor do que nada,
então peguei-a nos braços e a levei para a cama. Ela enfiou de novo
o nariz no meu peito, envolveu meu pescoço com os braços, beijou
minha pele.
— Adoro seu cheiro. — Ela disse, meio dormindo, meio
acordada. — Onde vamos?
— Para a cama. Dormir.
— Excelente ideia.
Deitei Giovanna no colchão, tirei seus sapatos e seus jeans.
Certo, não seria uma tarefa simples despi-la e não a tocar, eu teria
que exercitar meu autocontrole ao máximo. Voltei ao banheiro,
pendurei a toalha, vesti cuecas limpas e misturei-me com ela na
cama. Viola virou-se para mim, me abraçou e continuou dormindo.
Apaguei sem nem conseguir refletir se aquela posição era
confortável ou não, porque eu estava mesmo exaurido do dia. Viajar
em avião comercial, passar o dia tenso, comer mal - tudo significava
o esgotamento. Mas a sexta-feira seria ótima, então eu teria como
recarregar a bateria.
Acordei de novo com o celular disparando o alarme, que eu tinha
programado para as quatro e vinte. Como o avião era meu, o voo
era privado, não tinha problemas com check-in e embarque. Era
uma pena que eu tivesse que levantar, pois a noite estava sendo
uma delícia. Virei para a mulher ao meu lado, beijei-a na face,
sussurrei em seus ouvidos.
— Precisamos ir.
Ela se espreguiçou e me encarou. Estava com um resto de
maquiagem meio borrada, cara amassada, e linda.
— Mas que droga. Por que não escolheu um voo noturno,
Simonov?
— Porque precisamos dormir. — Beijei sua boca. — E você acha
que, se ficássemos uma noite dentro de um avião, sozinhos, íamos
dormir?
Giovanna deu uma risada e sentou na cama. Ajeitou o cabelo
com as mãos e me deixou ali, indo para o banheiro. Ouvi o chuveiro
abrir, ela provavelmente tomaria uma ducha rápida. Meu cabelo
estava meio arrepiado também, pois adormeci com ele molhado,
mas era só molhar de novo que ficava bom. Fui até minha mala,
peguei uma roupa para vestir, e separei o casaco. Budapeste não
estaria gelada, era primavera e as temperaturas estariam muito
agradáveis, para a Europa. Considerando o calor do tártaro do
Espírito Santo, talvez a cidade estivesse bem fria. Enfiei-me em
calças jeans e uma camiseta de malha e calcei os tênis. Não
precisava me vestir de executivo milionário, eu apenas iria fazer
uma viagem de avião. Não precisava nem mesmo me vestir, era a
verdade.
Ela saiu do banho e caminhou nua pelo apartamento. Caralho,
ela tinha a melhor noção do quanto ela me provocava, apenas por
estar ali, perto de mim?
— Tem certeza que pretende sair hoje desse apartamento? —
Impliquei.
— Não seja bobo. Já me viu nua antes, não tem nenhuma
novidade aqui.
É, não tinha novidade, mas eu precisava de muito mais dela do
que já tinha tido. Comecei a organizar as malas para descer,
assustado com a quantidade de bagagem que a mulher tinha
arrumado. Para que tanta mala, eu nunca saberia. Coloquei-as no
corredor enquanto Giovanna vestia jeans e prendia o cabelo em um
rabo de cavalo - ela preferiu não os lavar. Depois de umas duas
viagens com bagagem, até o Land Rover, estávamos prontos para
partir.
Meu piloto nos esperava quando chegamos. O aeroporto estava
deserto, praticamente vazio, em razão do horário, e meu avião era o
único esperando no pátio. Era um avião grande, porém não o
suficiente para uma viagem tão longa. Teríamos que parar para
abastecer, em Lisboa ou Madri, eu não tinha certeza qual era o
plano de voo. Eu já tinha resolvido a burocracia da viagem, então
fomo direto para embarcar.
— Boa noite, Sr. Simonov. — Meu piloto nos recebeu, ajudando
com as malas. O avião não tinha compartimento de carga, era todo
tomado por espaços personalizados.
— Boa noite, Bernardo. Como está a previsão da viagem?
— Tempo bom, geralmente, e devemos parar para abastecer em
Berna. As condições de pouso são melhores, infelizmente não
temos como fazer a viagem toda com um tanque de combustível.
— Excelente. Conheça Giovanna Viola, minha sócia.
A mulher estendeu a mão para cumprimentar o piloto, que
moveu o quepe em retribuição. Bernardo devia estar confuso,
quando me viu chegando com alguém, pois eu nunca levei nenhuma
mulher comigo, em nenhum voo. Aquele avião era um território
exclusivo, limpo, onde eu me recluía e me perdia eventualmente nas
drogas. Embarcamos e esperamos uns quinze minutos pela
autorização de decolagem. Logo, estávamos ganhando os céus
brasileiros.

Giovanna Viola
Ele tinha um avião, e era aquele avião estupendo. Coisa de filmes,
com sofás, televisão, bar, só faltava pista de dança. E tinha um
quarto privado, com banheiro, incluindo hidromassagem. Se eu
tivesse um avião daqueles, ia viver voando e nunca ter uma casa -
ele seria minha casa. No instante em que entrei naquele paraíso,
fiquei encantada e deslumbrada, como uma menina na
Disneylândia. Bem, eu me lembrava de ter ido à Disney e não posso
garantir que senti o mesmo deslumbramento. Os homens colocaram
as malas em um compartimento de segurança e o piloto trancou-se
na cabine. O sol ainda não tinha nascido, mas o horizonte já
despontava meio rosado no céu.
— Quanto tempo mesmo leva a viagem? — Perguntei, passando
os dedos pelos móveis planejados e atirando-me em um sofá. Havia
dois sofás, um bar, um home teather, sistema de som, carpete por
todos os lados, muitos armários e uma porta que levava ao universo
do pecado - o quarto.
— Quinze horas. O que quer fazer, voltar a dormir? Podemos…
Não deixei que ele continuasse a falar, pulei de onde estava e
pendurei em seu pescoço, beijando-o com alguma urgência. Eu já
estava quase me esquecendo do gosto daquele homem e isso era
algo que eu precisava considerar. Alexei me segurou pelos braços,
apertando minha cintura e me puxando para mais perto.
— O piloto vai nos incomodar?
— Bernardo praticamente não sai da cabine nem se interessa
pelo que faço, aqui. Por quê?
— Porque estou a fim de fazer coisas impublicáveis sobre todos
esses móveis. — Disparei, mantendo os lábios dele nos meus.
— Todos? Alguns podem danificar.
— Mande a conta.
Empurrei-o para cima do sofá onde eu estava, antes. Fiz com
que ele desabasse sentado e montei em seu colo, passando as
duas pernas ao redor de seus quadris, encaixando-me sobre ele.
Alexei passou as mãos por minhas costas, por dentro da minha
blusa, e desabotoou meu sutiã. A mão direita estava funcional
novamente, apesar do pouco tempo e da extensão do ferimento.
Não sei por que pareceu que estávamos com alguma pressa, como
se precisássemos nos consumir rapidamente ou não teríamos outra
oportunidade. Sim, eu queria batizar todos os móveis do avião, mas
não precisava ser de qualquer jeito. Concentrei-me em beijá-lo, em
devorar aquela boca deliciosa e macia, em brincar com aquela
língua que já tinha me deixado louca. Enquanto isso, meus dedos
percorriam sua pele e puxavam a camisa dele para cima.
Despir Alexei era bom, porque ele era uma visão e tanto. Beijei
seu pescoço, seus ombros, friccionei meus quadris nos dele,
provocando a ereção na luta do jeans contra o jeans. Ele soltou um
gemido baixo e aquilo me excitou em dobro - ver sua boca
entreaberta e seus olhos fechados, enquanto eu lhe dava prazer,
era também um prazer único. Foi passando os dedos por seu peito
definido, enroscando nos fios de cabelo que se espalhavam por ali,
permitindo que ele também me despisse lentamente, que eu percebi
que aquele sexo era diferente dos outros que já tive.
Até aquele momento, até conhecer Alexei, eu fazia sexo de uma
forma visceral, instintiva, desinteressada no outro. Os caras me
serviam para orgasmos, quando eles conseguiam me fazer chegar
lá. Fora isso, não tinha o menor apego por eles, não queria ficar
com eles nem me perder neles ou cheirá-los. Parecia complicado,
mas eu queria mais quando a coisa se tratava do meu sócio. Os
homens não me despertavam a vontade de explorá-los, enquanto
Alexei me fazia querer afogar naquela pele perfeita, naquele corpo
maravilhoso. Ele me satisfazia com beijo na boca, com pegada na
nuca, com mão na bunda, coisas que geralmente não me diziam
nada. Antes.
Interrompi a sessão perversão para olhar um pouco para ele.
Meu sócio me encarou também, recostando o corpo para trás, me
permitindo ver seu diafragma subir e descer em um ritmo
descontinuado, entrecortado, excitado. Tirei a blusa, levando o sutiã
junto, e joguei no chão do avião. Alexei levou as mãos aos meus
seios, tocou-os, segurou entre os dedos, comprimiu os mamilos.
Depois me puxou para ele e enfiou um seio inteiro na boca,
chupando devagar - e devagar era tortura, me levava quase ao
descontrole hormonal. Cravei as unhas nas costas dele e me dei
conta que não tinha visitado minha manicure naquela semana - teria
que fazê-lo em Budapeste. Enquanto ele me sugava e me
estimulava com as mãos, pressionando minha carne em diversos
lugares, ele mantinha contato visual o tempo todo. Alexei não tirava
os olhos de mim.
Vendo que eu estava bastante rendida àqueles carinhos, ele
inverteu a posição e ficou por cima de mim, arrancando meus jeans
com alguma facilidade. Já tinha parado de responder por minha
sanidade quando ele se livrou da calcinha e passou os dedos por
minha intimidade, explorando o lugar. Sua expressão era de
perversão lúdica. Fechei os olhos para conter o impulso de gritar
enquanto ele passava a língua por toda a minha extensão, do clitóris
ao ânus, do ânus ao clitóris, afastando os lábios para ter mais
espaço para trabalhar. Estava decidido, sem necessidade de um júri
- Alexei Simonov era o rei das preliminares e ninguém praticava
sexo oral como ele, que sabia o lugar certo de estimular, na hora
certa, com a pressão adequada.
— Você gosta. — Ele afirmou, voltando para me beijar na boca.
Eu estava sem forças sobre o sofá, paralisada ante a iminência do
orgasmo que não veio. Ainda.
— Tem como não gostar? — Eu dei uma risada, ante a
constatação óbvia e ridícula de que eu gostava de receber aquele
tipo de carinho e sentir aquele prazer todo. Tentei levantar o corpo,
mas ele não deixou. Saiu de cima de mim, foi até sua mala e me
mostrou uma cartela enorme de camisinhas. — Você é muito
pretensioso, se acha que vai usar isso tudo nessa viagem.
— Depende do quanto prazer eu sou capaz de te dar, não é?
Alexei abriu os jeans e deixou sua calça cair pelo chão. Eu
queria ter feito aquilo, mas não conseguia me mover. Uma mistura
de sonolência com o efeito da bebedeira e toda a excitação daquele
homem fazendo strip tease para mim e fiquei paralisada.
— Já consegue fazer isso sozinho? — Perguntei ao vê-lo abrir o
pacote plástico.
— Ainda não tentei, vamos ver.
Sentei no sofá e tomei a camisinha da mão dele, ficando face-a-
face com aquela ereção maravilhosa. Eu já disse que ele tem um
pau lindo, certo? Provavelmente sim, porque Alexei tinha outro
efeito em mim, ele despertava a Giovanna das hipérboles. Eu o
odiei mortalmente quando o vi pela primeira vez, desejei que ele
sumisse para sempre, depois passei a desejá-lo loucamente e então
achava que ele era fantasticamente perfeito. Tudo era exagerado e
eu não controlava minha animação porque ele me fazia sentir…
mais. Era isso, era mais. Passei a língua suavemente pela extensão
da ereção, de uma ponta a outra, depois enfiei tudo na boca,
sugando devagar. Eu ia só brincar um pouco, porque eu adorava
aquele gosto.
— Merda.
Ele disse, meio sussurrando, meio gemendo, e me afastou,
entregando o preservativo para que eu o colocasse. Eu também
adorava o Alexei boca-suja do sexo, porque era como eu. Fiquei
dois segundos confusa com a posição até que ele me segurou com
as mãos e me virou de costas, me penetrando por trás bem
devagar. A posição era intensa, permitia uma penetração mais
profunda e eu geralmente não era muito fã porque preferia olhar os
homens nos olhos. Mas algo entre as mãos de Alexei no meu
quadril e o movimento de sua pélvis me empurrando para frente
enquanto ele ia e vinha, me disse que eu mudaria de ideia. Alexei
meteu uma vez, duas, três, e parou, saindo de dentro de mim.
Aquela pausa era inusitada para mim, também. Ele me penetrou de
novo e moveu o quadril, mas parou. Virei para ele, confusa.
— O que houve?
Alexei me pegou nos braços e me beijou. Dava para sentir que
ele estava ansioso.
— Eu queria segurar… eu quero que dure, mas…
— É muito intenso?
Ele fez que sim, movendo a cabeça, sem dizer nada. Empurrei-o
para o sofá, fiz com que se sentasse e me coloquei por cima dele.
Aquele encaixe era bem melhor, mais íntimo, mais olho-no-olho. Por
sobre ele, eu tinha o controle dos movimentos e rebolava para fazer
com que Alexei fosse ao delírio. Ele fechou os olhos, abriu a boca,
cravou os dedos no sofá, balbuciou qualquer coisa.
— Goza para mim. — Eu sussurrei em seu ouvido e deve ter
sido demais para ele, porque Alexei explodiu em um gemido alto
demais, que certamente foi ouvido da cabine de comando, e se
aliviou dentro de mim. Se fosse outro cara, eu ia ficar totalmente
frustrada ao saber que ele gozou sem que eu tivesse chegado lá,
porque isso significava que eu não teria o meu orgasmo. Mas
Alexei, ele não era daquele jeito. Eu podia esperar retribuição
depois, assim que ele recuperasse o fôlego. E foi empoderador
demais, pela primeira vez, falar aquela frase para um homem.
Levantei-me, arranquei o preservativo, amarrei e joguei no
primeiro cesto de lixo que vi - devia ser o único. Alexei continuava
sentado, com a cabeça jogada para trás e as mãos sobre os olhos.
— Caralho, mulher. — Ele disse, me puxando para seu colo
assim que eu me aproximei. — Mas que merda, vai ser sempre
assim? Parece que você passa por cima de mim com um rolo
compressor, que droga é essa que você tem?
— Não vai ser sempre assim. — Impliquei. — Vamos treinar
bastante em Budapeste...
— Você não gozou. — Ele estava com uma expressão
indecifrável nos olhos. Aquele era o Alexei incógnito que eu não
sabia se amava ou temia.
— Ainda temos treze horas de voo.
— Vem para a banheira comigo. Depois a gente resolve isso.
— Depois a gente vai tomar café da manhã. Tem comida nesse
avião, certo? Porque eu estou morrendo de fome.
Ele deu uma risada e levantou, me pegando pela mão e me
conduzindo para o banheiro, que era maior do que meu quarto.
Dava para entender por que Alexei era de hipérboles, tudo dele era
exagerado. Só desconfiei que, depois que ele enchesse aquela
banheira, ainda íamos demorar um pouco para comer, porque
aquele estoque de camisinhas não ia se gastar sozinho.
BUDAPESTE

Giovanna Viola
C . A comida no avião não
era de se jogar fora, ao contrário daquelas que comemos em voos
comerciais. Havia frutas frescas, provavelmente compradas no dia
anterior, comida congelada, pães, bolos. Tudo isso duraria o tempo
da nossa viagem, na volta compraríamos mais. Sentada ao redor de
uma mesa pequena, eu estava apenas de calcinha e com a
camiseta de Alexei. Aquela já tinha sido eleita minha nova roupa
favorita, porque vestir as camisas usadas dele era a melhor coisa -
elas tinham aquele cheiro que me dopava.
E ele já tinha me dado um orgasmo fabuloso, na bendita
banheira, o que significava que eu comeria até chegarmos à Suíça.
Eu estava certa, não havia frustrações com o Alexei Simonov
parceiro sexual.
— O que vai acontecer nessa feira?
— Muito ego, muita gente fingindo, muitos tapinhas nas costas.
Mas também teremos palestras, cursos, mostras de novidades e
invenções. Pode ser interessante para a Protomak se lançar ao
cenário internacional.
— Eu espero que seja, trouxe até um portfólio.
— E escondeu isso de mim?
Alexei riu. Fui até minha bolsa e peguei o notebook, com a
intenção de mostrar o meu trabalho. Ele se sentou ao meu lado,
dividindo espaço na cadeira, e assistiu aos trinta segundos de
apresentação com uma expressão bem favorável.
— O que acha?
— Vai mesmo usar a tecnologia dos gêmeos como chamariz?
— Claro, por que acha que eu a queria?
Ele segurou meu rosto com as mãos e me beijou. A minha
petulância parecia agradá-lo, o meu jeito totalmente inadvertido e
abusado o deixava desconsertado, mas, também, em êxtase.
Duvidei que aquele homem já tivesse lidado com uma mulher como
eu - e era ter certeza disso que me fazia ainda mais petulante.
— Você quer tirar um cochilo, agora? Não temos nada para
fazer, dormimos pouco e eu preciso trabalhar.
— Está me mandando para a cama, sócio?
Questionei, sem nenhuma vontade de recusar. O sono já tinha
me nocauteado três vezes naquele round e eu nem sei como
consegui ficar acordada para comer, depois que saímos do banho.
Mentira, eu postergava qualquer coisa se fosse para comer.
— Estou te dando uma opção mais divertida do que me ver
conversar, em russo, com meus diretores.
— Acho difícil, você falando russo é muito sexy.
Alexei deu uma risada e me empurrou para o quarto. As janelas
do avião estavam fechadas, não dava para saber como estava o
clima lá fora, mas o piloto já tinha avisado que estava tudo bem e
que teríamos pouca turbulência. Fechamos a porta do quarto e
apaguei um minuto depois de me deitar e me enrolar com um lençol,
que também tinha o cheiro do homem que estava comigo. Aquilo
tudo estava ficando confuso, mais do que deveria, mais do que eu
esperava. Alexei era meu sócio, um que eu pretendia expurgar da
empresa do vovô. A teimosia que não me permitia aceitá-lo como
sócio era a mesma arrogância que ele eventualmente admirava. Eu
queria vencer, sozinha, mesmo sabendo que aquilo era impossível.
Mas, com todos os percalços, ele era meu sócio. Mas também era
meu amante.
Não, amante não parecia uma palavra adequada. Ele era um
caso, o homem que eu estava pegando. Mas era bem mais do que
aquilo, mesmo que eu quisesse negar - o que eu nem estava me
esforçando mais para fazer. Eu tinha a opção de colocar um ponto
final no problema, encerrar antes que ele ficasse muito grande, mas
não queria. Simplesmente não queria Alexei na empresa, mas
queria Alexei na cama. Se eu precisasse tolerar o primeiro para ter o
segundo, então que fosse. E era nessa contradição que eu passaria
o restante da viagem, porque não ia conseguir parar de pensar na
quantidade de confusão que eu estava arrumando para minha vida
perfeita de mulher independente que fazia sexo sem compromisso.
Acordei depois de um sonho do qual não me lembro, mas que
me deixou com a sensação de queda. Em um avião sobrevoando o
oceano, aquela era uma péssima sensação. Encontrei Alexei
dormindo no sofá, com o notebook jogado para o lado e alguns e-
mails abertos, todos em russo. Fiquei com vontade de espiar o que
tinha ali, mas apenas fechei o computador e coloquei sobre a mesa.
Ouvi movimento na cabine e era o piloto, Bernardo, saindo.
— Boa tarde, Srta. Viola. — Ele me cumprimentou com aceno de
cabeça.
— Boa tarde, Bernardo. Onde estamos, agora?
— Estamos quase sobre céu Europeu. Vou apenas comer
alguma coisa, mas o copiloto está no comando.
Ele sorriu e olhou para mim com algumas interrogações no olhar.
Eu estava ainda só de calcinha e usava a camiseta do dono daquele
avião - mas tinha sido apresentada como sócia e ia com ele para um
encontro de negócios.
— Ainda não se acostumou com a mulherada que Alexei traz
aqui, Bernardo?
A pergunta era legítima. Surpreendia-me que alguém se
surpreendesse com a canalhice e a promiscuidade do Simonov,
mesmo que eu não fosse nada diferente. Todo mundo sabia que ele
era pegador.
— O Sr. Simonov sempre voa sozinho, senhorita.
E, com outro aceno de cabeça, Bernardo entrou em sua área
privada e me deixou com outra questão para ruminar - aquele avião
era virgem? A frase “sempre viaja sozinho” não comportou nenhuma
exceção até aquele momento? Era eu a primeira mulher que Alexei
levava para voar com ele, o que significava que aquele era meu
antro particular de perdição? Olhei para o homem, dormindo como
um menino, e não soube o que pensar. Fui até o quarto, peguei um
lençol e o cobri, decidindo deixá-lo sossegado até que descansasse
o suficiente. Era a minha vez de trabalhar, o que me levou ao meu
computador. Tinha e-mails para responder, mas não podia fazer
aquilo durante o voo, então preferi analisar alguns contratos e
propostas que já tinha baixado.
Fiquei algum tempo digitando, até começar a sentir dor no
pescoço, mas só parei quando um par de mãos me tocou e lábios
beijaram meus ombros.
— Quanto tempo fiquei dormindo?
Virei-me para Alexei e fui direto para seus braços. Era muito fácil
e descomplicado estar com ele, pele a pele. Ali, naquele momento,
não tínhamos máscaras. Na verdade, eu podia acreditar que Alexei
nunca usou máscaras comigo, ele sempre pareceu sincero e
verdadeiro, mesmo que nem sempre eu gostasse do resultado.
— Espero que o suficiente para ter descansado. Ainda temos
bastante tempo sem fazer nada, quer ver um filme? Tem filme nesse
avião, certo?
— Claro que tem, e podemos nos perder pelo quarto, lá também
tem televisão.
— Parece uma ideia justa.
Parecia claro que não veríamos o filme sem interrupções. Depois
de alguns minutos trancados no quarto, acabamos nus em outra
sessão de sexo que poderia ter derrubado o avião. Alexei estava
menos tenso e mais confortável, o que aumentou o tempo de ação.
Era só prática, que ele tinha muita, mas não comigo. Imaginei que,
se o sexo com ele era único para mim, talvez ele sentisse o mesmo.
Retomamos o filme, mas precisamos interromper novamente para
comer. Ele acabou, eventualmente, antes de cochilarmos de novo,
nos braços um do outro. Despertei com Bernardo informando que
pousaríamos em Berna.
Eu nunca tinha ido à Suíça, mas não ficaríamos por ali.
Tínhamos que estar em Budapeste cedo, no dia seguinte, então
precisávamos chegar à cidade e nos alojarmos antes. Era uma
pena, porque eu só tinha viajado para os Estados Unidos, para a
Itália e para Londres. Nunca tinha realmente viajado pelos países
europeus ou conhecido outras culturas. Enquanto esperávamos o
abastecimento, fomos autorizados a descer do avião e andar pelo
aeroporto. Eu queria comer fast food e visitar a duty free, mesmo
que não coubesse muita coisa nas minhas malas. Afastei-me de
Alexei, dizendo que iria explorar as lojas, e o deixei sentado na
praça de alimentação com um copo enorme de cerveja.
A compradora compulsiva em mim estava adormecida, pois não
vi nada que me interessou e que me fizesse abrir a carteira. Passei
os olhos por tudo e só pensava que eu já tinha aquilo, ou não
precisava de outro perfume, ou outro sapato. Geralmente eu
precisava de mais, sempre. Daquela vez, apenas quis olhar, provar
e não levar. No fundo, eu estava ansiosa e nervosa pensando na
chegada à feira de tecnologia e em como eu seria recebida. Teriam
muitas outras mulheres por lá? Ou seriam apenas acompanhantes?
Iriam me respeitar ou me tratar como incapaz, mesmo que não
soubessem que eu era uma ex-patricinha? Voltei para Alexei com a
cabeça fervilhando de pensamentos e nenhuma sacola, o que o
pegou desprevenido. Seu olhar foi de surpresa, mas ele falava ao
telefone. Em inglês.
A forma como ele conversava sugeria que era um papo
agradável. Sentei-me em sua frente na mesa e peguei um cardápio
que me foi oferecido.
— Claro que estou a caminho, é minha feira, no final das contas.
Organizo esse evento há quase uma década. Não precisa se
preocupar, Chérie, eu não vou a lugar algum. Estou no Brasil a
negócios, mas eu sempre tive negócios no mundo inteiro. Um beijo,
foi bom falar com você, também.
Alexei desligou o telefone e sorriu para mim, mas eu estava
curiosa em saber com quem ele estava falando.
— Negócios? — Perguntei, sabendo a resposta.
— Sim, dos bem enjoados. Um comprador que estava me
cobrando uma permanência maior na FiberGen. Eu já sabia que
lidaria com isso, não é nada demais. O que vai comer? Não
podemos demorar muito.
— Um comprador ou uma compradora? — Insisti. — Você falou
Chérie…
Ele deu uma risada e me encarou. Havia uma nota de humor
naqueles olhos brilhantes.
— É uma compradora, mas isso não faz diferença.
— Pode ser que faça, nesse meio machista em que estamos. Ela
é velha conhecida?
— Ela é uma compradora, Giovanna. Compra tecnologia para
sua empresa. Não somos amigos.
— Pela conversa, pareceu que eram próximos.
— Pela conversa? — Ele continuou rindo e segurou minha mão
entre as suas. Eu estava vermelha como pimenta. — Mas você nem
ouviu nada do que falamos. Giovanna, você está com ciúmes?
Puxei a mão de volta e o olhei com muita indignação, mas fui
pega de surpresa. Nem mesmo consegui responder a contento,
atacá-lo, mostrar o quanto ele estava errado. Porque eu não sabia
se ele estava - olhando bem, eu provavelmente estava, sim, com
ciúmes de Alexei. O que diabos aquilo significava, era o que eu
precisava saber.
— Cala a boca, Alexei. — Use um argumento de autoridade
qualquer - uma ofensa - para encerrar o assunto, mas ele continuou
rindo. Minha desgraça o divertia, mas eu ia ficar pensando naquilo a
viagem inteira.

Alexei Simonov
Eu adorava Budapeste. Já tinha visitado a capital da Hungria várias
vezes e nunca deixava de admirá-la. Meu lugar favorito era o
mesmo de todo mundo, o Parlamento, mas eu podia passar horas
admirando a ponte, também. Chegamos à noite, o que nos
proporcionaria uma cidade iluminada e com bastante trânsito, porém
linda de se ver. Giovanna estava meio calada, depois que peguei no
pé dela por causa da cena de ciúmes no aeroporto de Berna. Aquilo
deveria me deixar irritado ou assustado, uma mulher com ciúmes
era uma mulher envolvida e querendo mais do que eu pretendia dar,
porém senti apenas vontade de abraçá-la e rir, porque era
engraçado ver aquela pequena irritada e incomodada por causa de
Chérie Devoux. Pegamos um táxi e fomos para o hotel, com ela
quieta e sentada ao meu lado sem muito se expressar. Eu gostaria
de entendê-la, às vezes.
O táxi nos deixou na portaria principal e um valete pegou nossas
malas. Havia, certamente, outras pessoas da feira no Four Seasons,
porque muitos sabiam que eu ficaria hospedado lá e iriam querer me
confrontar. Ou porque eram apenas ricos querendo ficar no melhor
hotel da cidade.
— Reserva em nome de Simonov, por favor.
Encostei no balcão da recepção e um homem jovem me
atendeu.
— Quarto com cama king, vista do Danúbio. Confirma, senhor
Simonov?
— Confirmo. Até que horas servem o jantar?
— Até as onze, senhor, mas o serviço no quarto é vinte e quatro
horas.
Agradeci e entreguei o cartão para que ele realizasse a cobrança
preliminar das taxas. Giovanna continuava calada, mas olhava para
tudo com muita atenção. O hotel deve ter causado uma boa
impressão, porque a sua cara de deslumbre era a mesma de
quando viu o avião. Por mais dinheiro que ela tivesse para gastar,
antes, ela era apenas rica. Eu era milionário, o mundo que eu vivia
era radicalmente mais caro e sofisticado que o dela. E mais
enfadonho, complicado e perigoso. O recepcionista nos entregou os
cartões de acesso ao quarto.
— Senhor, estamos oferecendo um coquetel na área principal de
convivência, caso estejam interessados em participar.
Fiz um gesto com a cabeça, indicando agradecimento, e me
afastei com Giovanna.
— Não está gostando, Viola? — Perguntei, bem próximo aos
ouvidos dela. Ela se virou para mim, confusa.
— Por que pergunta isso? Esse lugar é fantástico, eu nunca
pagaria por um hotel desses.
— Pode ficar tranquila, eu não reservei a suíte real. Nosso
quarto será apenas o mais romântico do hotel, não o mais caro. Mas
você está meio quieta.
— Romântico? — Ela deu uma risada. — Você tem ideias
engraçadas sobre viagens de negócios.
— Não tenho culpa se é isso que está na descrição do site. Mas
a vista do Danúbio é algo pelo que vale a pena pagar.
Entramos no quarto e logo nossas malas chegaram. Deixei uma
gorjeta com o valete e fechei a porta para nos isolar no quarto mais
fabuloso que eu já ocupei. Quando pedi a Lourdes que fizesse a
reserva, eu não tinha certeza que Giovanna viria comigo, mas eu
sempre adorei a vista. Hospedar-me ali era quase uma terapia. Tirei
os sapatos e ajeitei-os próximos à entrada, depois me aproximei da
Viola, que estava precisando de algo para melhorar aquele humor.
Eu nunca a tinha visto tão pensativa, tão silenciosa, e eu já estava
me acostumando à matraca que não parava de falar, ou me
desafiar, ao meu lado. Segurei-a pela cintura, puxei-a para mim,
beijei seu pescoço. Ela estava tensa.
Fiz com que se virasse e a tomei em meus lábios. Coloquei as
duas mãos em sua nuca e direcionei a boca para mim, buscando
aquela conexão que nós tínhamos e que era imediata, esperando
que ela correspondesse com o ímpeto das outras vezes. Não me
desapontei, Giovanna segurou a barra dos meus jeans e cravou os
dedos, fazendo com que nossos corpos grudassem como se fossem
um só.
— Quero ver a vista. — Ela falou, sem me largar. — E quero ir
para o coquetel.
— Claro que quer. — Passei as mãos por seus cabelos,
admirando-a por alguns segundos e confirmando que eu estava
mesmo fodido. Quanto tempo ia levar para que todo mundo,
inclusive eu, descobrisse que meus sentimentos pela Viola eram
diferentes do que deveriam ser? — Vamos nos vestir, então.
Ela se afastou e abriu a janela que dava para o rio. Entrou um
vento frio que refrescou rapidamente o quarto, mas fiquei ali,
parado, observando o que ela queria com aquilo. Giovanna ficou ali,
por quase dois minutos inteiros, olhando para a paisagem, de costas
para mim. Cruzei os braços, mas já estava desistindo de esperar por
uma decisão quando ela se virou novamente e me olhou. Sua
expressão já tinha mudado, ela tinha um brilho nos olhos e um
sorriso malicioso nos lábios.
— Tire a roupa. — Ela jogou aquilo sobre mim. Não esbocei
reação porque não entendi.
— Vou tirar, para vestir outra. É isso?
— Pode ser, mas quero decidir agora qual vista é melhor: essa,
do rio, ou você, nu.
Dei uma risada alta, foi incontrolável. Fui até ela com três passos
largos e a peguei nos braços de novo. Ela era um absurdo.
— Você é ridícula.
— Posso ser, mas você ainda está vestido.
Giovanna se desvencilhou de mim e subiu na cama, indicando,
com o olhar, que ela estava falando sério. Aquela mulher tinha
parafusos soltos, uma hora parecia triste, na outra pedia que eu
arrancasse a roupa para me comparar com a vista mais linda que eu
já tinha apreciado? Parecia óbvio que eu ia perder de lavada, mas
não parecia que ela me deixaria fugir da disputa. Puxei minha
camisa e arranquei, fazendo com Giovanna se esticasse por sobre a
cama e pegasse seu celular, dentro da bolsa. Logo, o quarto estava
envolvido com o som da playlist que ela adorava ouvir, e ela
continuava com aquele sorriso vagabundo que me fazia querer pular
em cima dela e acabar com a brincadeira. Mas eu duvidava que ela
deixasse.
Abri os jeans e puxei para baixo, retirando também as meias.
Abri os braços e girei em meu próprio eixo, exibindo-me mesmo com
a temperatura um pouco baixa demais. Ela indicou com os dedos
que ainda faltava uma peça.
— Sério? — Perguntei.
— Pareço estar brincando, Simonov?
Dei uma risada e tirei as boxers. Sim, ela parecia estar brincando
e a brincadeira já tinha me deixado excitado o suficiente - eu não
estava mais em posição de descanso. Abri os braços de novo e
movi os ombros, indicando que não havia mais nada para tirar. Ela
ajoelhou no colchão e olhou pela varanda aberta, depois olhou para
mim.
— Se puder não demorar a tomar uma decisão sobre suas
preferências, está fazendo um pouco de frio.
Ela se levantou e caminhou até a janela, fechando o vidro, mas
deixando as cortinas abertas. Depois, andou ao meu redor,
passando a mão por meu peito e minhas costas. Eu parecia um
boneco para ela brincar, só que isso não estava me incomodando
em nada. Giovanna parou à minha frente e, projetando o corpo, me
beijou. Não estava em uma posição muito cômoda, nu, excitado,
com uma mulher vestida, mas já tínhamos passado de qualquer
fase de vergonhas ou embaraços. Ela me empurrou para a cama e
me fez deitar, passando os dedos por meu peito, minha barriga,
segurando meu quadril, passando a língua por todo lugar. A mulher
era igual a um polvo, tinha tentáculos. Olhando para mim, ela
segurou meu pau com as duas mãos e enfiou na boca, sem muitos
rodeios.
— A vista é maravilhosa, Simonov. — Ela disse. — Mas você
ganha. Você é lindo e gostoso pra caralho.
Puta que pariu, ela sabia falar palavrão muito bem. Nunca tive
nada contra mulher que xingava e gritava e gemia, elas apenas me
despertavam mais tesão. Só que Giovanna não estava a fim de falar
mais e se concentrou em me oferecer uma sessão divina de sexo
oral. Certo, ela podia me achar gostoso, mas aquela língua e aquela
boca sabiam chupar muito bem. Esperava que aquele não fosse um
exercício de resistência, porque nesse eu ia tirar uma nota horrível.
Segurei seus cabelos e tirei da frente da minha visão, porque queria
vê-la engolir meu pau inteiro uma vez, duas vezes, todas as vezes
que ela conseguisse. Ela parou, me olhou, e passou a se exibir ao
perceber que eu estava gostando. Nossos olhares estavam presos
um no outro e aquilo ajudava o meu controle, porque eu queria vê-
la, queria que ela continuasse, então precisava resistir.
Era claro que ela pretendia ir até o fim, que ela ia me chupar até
que eu gozasse. Relaxei o corpo, deitei a cabeça, fechei os olhos e
deixei rolar. Enquanto Giovanna me engolia e me soltava, eu
imaginava o quanto era fácil ficar com ela. Era fácil fazer o que ela
queria, era fácil atender ao que ela pedia, era fácil falar com ela, ser
usado por ela, transar com ela, andar sem roupa na frente dela, e
tantas outras coisas que não pareciam tão simples assim com as
outras. Nunca fui santo, mas Giovanna levava as coisas para outro
nível de insanidade e simplicidade. Ela xingava, ela me mandava
calar a boca, ela me odiava e ela me amava. Parecia ridículo, e era,
mas algo dentro de mim gritava que aquela mulher me dava mais do
que simplesmente sexo sem compromisso, e eu estava ficando
absurdamente confortável com aquilo - mas não devia. O que eu
estava deixando escapar, mesmo?
Meu cérebro ia estourar se eu continuasse pensando enquanto
meu corpo queria se entregar ao orgasmo. Esvaziei a porra da
cabeça para me concentrar no sexo e não demorei muito a gozar.
Ainda bem que estava tocando música no quarto, porque eu não era
muito bom em gozar em silêncio - nem ela. Giovanna me segurava
com as duas mãos, os dedos fincados em minha coxa e minha
bunda, e me chupava e lambia mesmo depois que eu já não
aguentava mais. Eu só não era louco de dizer para ela parar.
Quando ela terminou, porque quem estava com as regras do jogo
nas mãos era ela, Giovanna engatinhou por sobre a cama e me
beijou, aninhando-se em meu peito. Ela era louca.
— Estou com fome, vamos para aquele coquetel?
— Você é louca, sabia? — Repeti-me, em voz alta, daquela vez.
Virei na cama e a imprensei contra os lençóis. — E tarada.
— Quando estou com você, confesso que fico meio
descontrolada. Mas é só entre quatro paredes, Simonov. Pode
deixar que, em público, serei uma perfeita dama.
— Você, uma dama? — Gargalhei.
— Tudo bem, é exagero, mas vou agir como se não
estivéssemos trepando. Bom assim, para você?
— Se é o que você quer, ótimo.
— Então, fora dessa cama porque eu quero comer.

Giovanna Viola
Giovanna Viola vestida para arrasar - era minha missão durante os
eventos de Budapeste. Não conhecia ninguém naquele lugar, mas,
a julgar pelas roupas de Alexei, era todo mundo engomadinho. Eu
sabia viver naquele mundo, eu pertencia a ele. Saquei um vestido
vermelho com um decote nas costas e gostei do resultado. Gastei
algum tempo na frente do espelho, garantindo que a maquiagem
estivesse perfeita e não fosse borrar, e que o batom combinasse
perfeitamente com o vestido. Eu gostava de combinar. Levei uma
meia hora para ficar pronta, depois de tomar uma chuveirada rápida.
Não precisava lavar os cabelos e quem estava todo melado era meu
sócio - eu estava impecável e maravilhosa no alto dos meus saltos
envernizados. Coloquei brincos de brilhantes e conferi o resultado
pela última vez. “Hoje vai ser uma noite de arromba”, disse, para
meu reflexo, mesmo sabendo que era apenas um drinque no hotel.
Alexei estava com o paletó do terno, mas sem gravata. O
colarinho da camisa, meio aberto, dava a ele um ar despojado e
muito sexy, o que sugeria ser urgente sair daquele quarto. Não
estava sabendo lidar com o fogo que estava me consumindo, eu
parecia uma mulher no cio ao lado dele.
— Você está linda. — Ele beijou minha bochecha e ofereceu o
braço, para caminharmos até o elevador. — Pretende conquistar
algum húngaro desavisado, hoje?
— Depende.
Fomos até o bar, onde tinha bastante gente confraternizando.
Sabia que aquele era um dos hotéis preferidos dos milionários que
frequentariam a feira, então a ralé não estaria por ali, só teria
endinheirados como meu sócio. Talvez fosse um bom lugar para
conhecer pessoas e saber mais sobre o que esperar durante a
semana. Só que eu tinha quase me esquecido que a estrela da festa
era o homem ao meu lado - era ele que causaria quando
chegássemos aos lugares. Foi exatamente o que aconteceu quando
fizemos nossa aparição no coquetel: os olhares foram todos para
ele. Homens e mulheres olharam para meu sócio, como se ele fosse
realmente uma celebridade. Eu sabia que ele era, mas ainda não
tinha lidado com a realidade. Até aquele momento, Alexei Simonov
era um russo inconveniente que queria roubar minha empresa.
Mas ele era bem mais do que aquilo.
— Boa noite, Simonov. Bom vê-lo, pensei que estava ocupado
demais no Brasil para comparecer à feira.
Um homem o interpelou, falando em inglês. Era ruivo e tinha
barba, usava um terno cinza que não combinou muito com ele.
— Jamais deixaria de vir, Burnshaw. — Alexei rangeu os dentes
ao falar com ele. O nome me remetia a alguém de quem já tinha
ouvido falar. — A fala de abertura é minha, não costumo abrir mão
das minhas coisas.
— Eu sei bem disso. Foi um prazer revê-lo.
Os dois homens se olharam e acenaram cabeças. Meu corpo
não estava em contato com o de Alexei, mas senti que ele estava
tenso, rígido como madeira. A presença do ruivo o incomodou, e o
suficiente para eu ver aquela rocha não conseguir controlar a
tremedeira do próprio corpo.
— Ele é o cara que te fez voltar à Rússia? — Lembrei de onde
tinha ouvido o nome.
— Sim. Uma cobra traiçoeira.
— E por que precisa cumprimentá-lo com tanta cordialidade?
— Ossos do ofício. — Alexei sorriu e notei que ele olhava para
algumas pessoas, que conversavam em uma roda. — Tenho que
ser simpático com quase todo mundo quase o tempo todo, inclusive
quem eu odeio.
— Vou pegar um drinque.
Passei a mão por seu braço, em um gesto indicando que ele
deveria cumprimentar as pessoas para quem tinha sorrido, e
sugerindo que precisávamos beber. Percebi, subitamente, que
Alexei quase não estava bebendo naqueles dias, assim como eu.
Pelo que eu sabia, ele andava se afogando em vodca desde seu
retorno ao Brasil, mas, fazia uma semana pelo menos que eu não o
via beber significativamente. E não era por causa do remédio da
mão, que já tinha acabado. Encostei no balcão do bar e pedi um
Martini e um uísque com gelo. Enquanto aguardava, o ruivo se
aproximou e se colocou ao meu lado.
— Então você é a mais nova diversão de Alexei Simonov.
Virei-me para ele. O miserável não podia achar que tinha o
direito de falar daquela forma comigo, por mais que odiasse meu
sócio.
— Giovanna Viola, muito prazer. — Estendi a mão para
cumprimentá-lo. — Sou diretora administrativa da Protomak.
— Nunca ouvi falar de sua empresa. É nova no ramo?
— Funcionamos há mais de quarenta anos no mercado
brasileiro, agora estamos expandindo para o exterior.
Peguei meu celular e botei para rodar o portfólio que tinha feito.
O homem não esperava a minha abordagem, então assistiu à
apresentação e franziu a cara em desgosto, ao final.
— Foi você que comprou a tecnologia dos gêmeos. — Ele
sibilou, fingindo um sorriso de apreço. — Sua empresa desenvolve
tecnologia de segurança?
— Sim, fomos nós que compramos e não, não desenvolvemos
segurança, mas software. Vou expô-la na feira durante a semana e
espero receber algumas propostas de empresas interessadas. A
sua é uma delas?
O homem pegou o drinque que lhe foi entregue. Os meus
também chegaram, mas eu não podia sair dali naquele momento.
Tinha que fazê-lo ir embora.
— Você sabe que sua estratégia de compra inutilizou o software,
certo? Os gêmeos jamais aceitarão grandes empresas usando a
tecnologia deles.
— Claro que aceitarão, se eu souber pedir com jeitinho. — Dei
meu melhor sorriso de donzela abandonada frágil que precisa de
amparo. — E eles já toparam a FiberGen envolvida.
— Alexei te emprestou dinheiro? Boa sorte em justificar isso para
os acionistas.
— A FiberGen investiu na tecnologia e os acionistas já sabem.
— Rebati. — Vamos pagá-los com juros e o lucro será certo. Tem
muita gente interessada na tecnologia dos gêmeos, como você deve
saber, Sr. Burnshaw.
Ele deu um gole em sua bebida e não se moveu do lugar.
— Tome cuidado com Alexei Simonov. Ele é perigoso, nunca dá
um passo sem tê-lo planejado.
— Talvez ele devesse tomar cuidado comigo, afinal. E você
também. Qual é mesmo sua empresa?
— BioTech Enterprises.
— Nunca ouvi falar. — Sorri novamente e peguei os dois
drinques. — Se me dá licença, preciso cumprimentar umas pessoas.
Afastei-me, sentindo vontade de vomitar. A presença daquele
homem era desagradável e me fez senti um mal-estar misterioso,
como se apenas a sua aura negativa e nociva já pudesse me afetar
a ponto de me causar mal físico. Alexei estava olhando para mim,
os maxilares tensos, enquanto fingia se envolver em uma conversa
com outros dois homens. Aproximei-me e entreguei o uísque a ele,
que quase virou tudo em um gole só. Eu nem imaginava que o rival
o incomodasse tanto.
— Ele estava te perturbando?
— Sim, mas eu lidei com ele. Depois terá que me contar por que
esse homem te afeta. Está tudo bem?
— Vai ficar.
Meu sócio então me apresentou a dois outros homens que
estavam com ele, Finnbar Walsh e Ronan Murphy, irlandeses, que
representavam a O’Brien Technologies e trabalhavam com robótica.
Eram jovens, como eu, e pareciam bastante animados com a feira -
era também a primeira participação deles. Olhei ao redor, enquanto
eles falavam de nanobôs, algo que eu acreditava só existir em
filmes de ficção científica ou de super-heróis, e vi poucas mulheres.
Eu parecia um troféu a ser exibido, mas Alexei não estava me
ostentando. Seus braços estavam contidos próximos ao corpo e sua
mão esquerda, dentro do bolso. A mão direita ele tinha escondido
sutilmente para que os pontos não ficassem expostos. Amanhã eu
providenciaria um curativo naquela ferida, mesmo que ele não
quisesse.
Outro homem chegou, e fui apresentada a ele, também. Era
Colton Forbes, estadunidense, CEO da GrosSoftware. Interessei-me
por ele, cuja empresa atuava no mesmo ramo da minha -
desenvolvia softwares personalizados para todo tipo de
necessidade.
— Então, Giovanna, você veio à feira para expandir negócios. —
Colton perguntou, recostando no balcão próximo aonde eu estava.
Ele acabou por ficar estrategicamente entre mim e meu sócio, que
conversava com os irlandeses. — O que pretende, em Budapeste?
— Pretendo divulgar a Protomak e negociar a tecnologia dos
gêmeos. Ela é minha, mas, sem parceiros de negócios, ela não me
terá muita utilidade.
— Entendo. Eu tenho especial interesse nessa tecnologia,
acredito que possamos fazer bons negócios juntos.
Colton sorriu. Ele era bonito, loiro, olhos azuis, típico. Bem, ele
não era tão bonito, era apenas branco. Porém, tinha um charme
exótico e uma forma suave de se comunicar que seduzia, como um
encantador de serpentes. Ele parecia bem mais perigoso do que
Burnshaw, que não tinha graça nenhuma e não era capaz de
despertar o interesse em ninguém.
— Espero que possamos. Durante a semana estarei nas
mostras, com alguns modelos de uso da tecnologia, e aceitarei
lances e propostas. Voltaremos a conversar?
— Claro.
Estendi meu celular para meu novo conhecido e pedi que ele
inserisse seu número em minha agenda de contatos. Depois, enviei
a ele uma mensagem com meu cartão comercial digital, para que
salvasse em sua carteira virtual. Ele sorriu novamente e ergueu o
copo de champanhe que estava bebendo. Ergui meu Martini em
retorno, e percebi que ele estava vazio.
— Preciso de outro drinque.
— Pego para você. A noite está só começando, vamos continuar
essa conversa.
Colton afastou-se, e Alexei me olhou discretamente. Tínhamos
combinado que não nos portaríamos como um casal, porque não
éramos um, mas ele parecia claramente intrigado por minha
conversa mais próxima do estadunidense. Sorri para ele e fingi que
não ligava para o fato de que ele ligava para o que eu fazia. Eu
estava ali para conquistar, então, daria o meu melhor, sempre.
FASCINAÇÃO

Alexei Simonov
E , quando vi, Giovanna estava envolvida
pela conversa fiada do Forbes. Ele era um conquistador barato, mas
eu precisava acreditar que ela era esperta o suficiente para se livrar
dele. Ou não. Talvez ela não quisesse se livrar dele, já que os dois
conversavam animadamente. Em um momento, ela colocou a mão
no braço dele. Alguma coisa em mim deu um clique, estalou, ferveu,
estragou. Continuei conversando com os irlandeses, que eram bons
compradores, mas meus olhos vez ou outra se perdiam no que ela
estava fazendo. O que ela estava fazendo, afinal? O que queria com
Colton Forbes, um vagabundo de primeira linha? Tudo bem que eu
também era um vagabundo e ela já tinha ido para a cama comigo.
Mas ela não ia para a cama com o Forbes, claro que não ia.
Estávamos juntos, não estávamos?
Olhei para o copo de uísque e ele ficou muito cheio, de repente.
Eu deveria encher a cara para me livrar das ideias ridículas que me
faziam achar que Giovanna era uma propriedade que eu deveria
cercar e manter. Não estávamos juntos, não éramos um casal, não
tínhamos um relacionamento. Ela nem me queria como sócio. Só
que, na verdade, estávamos juntos. Eu estava confuso demais e
precisava voltar para o quarto com ela e afastá-la daqueles urubus.
— Viola, preciso subir. — Cheguei para ela e disse, diretamente.
— Amanhã eu farei a fala de abertura da feira, às oito da manhã, e
ficar aqui bebendo não é a melhor ideia.
— Tudo bem, sócio. — Ela sorriu. — Nos vemos amanhã.
Engoli minha saliva e olhei para ela como se meus olhos
pudessem gritar uma mensagem. Como assim, nos vemos
amanhã? Que diabos ela queria dizer com isso? Não, eu quero vê-la
agora, na minha cama. Estava vermelho e com uma veia saltada
nas têmporas, pressionando demais o copo de uísque na mão
machucada.
— Claro. Não vá perder a hora.
Giovanna fez um movimento de cabeça e não se moveu.
Continuou conversando com Forbes sobre qualquer coisa de
softwares e me deixou ali, ignorado. Virei-me na direção dos
elevadores e dei dois passos. Parei, considerei voltar e perguntar se
ela não ia para o quarto comigo. Se ela não ia para o quarto, afinal.
Desisti, continuei andando, em linha reta. Pressionei o botão e
esperei, desconfortável, lutando contra a vontade louca de voltar. O
que significava aquilo, afinal? Mas eu não fui até ela, eu não quebrei
o protocolo, eu não enfiei a mão na cara do Forbes só porque ele
estava se atrevendo a jogar conversa sobre minha sócia. Se eu
fizesse aquilo, a Viola ia acabar com a minha raça. Eu tinha que ir
para o quarto e ficar lá esperando, dormir e não me meter no que
ela estivesse planejando.
Mas como era difícil. Arrastei-me pelo corredor, com muita força
de vontade, e tranquei-me no quarto. Fiquei encarando a porta por
alguns minutos, decidindo sair por ela e voltar ao coquetel. Olhei no
relógio, eram onze e treze. Eu deveria esperar por ela, mas ela
disse que nos veríamos no dia seguinte. Eu deveria ir buscá-la, mas
Giovanna não era minha para eu me achar no direito de fazer
aquilo. Respirei fundo, arranquei as roupas, arrumei-as sobre o
aparador, joguei-me desolado sobre a cama. Diaba de mulher, o que
ela estava fazendo comigo?
Minha cabeça estava prestes a explodir. Procurei na minha mala
algum remédio para a dor e não achei nada. Decidi procurar pela
mala dela - com três malas, ela deveria ter trazido algo para aplacar
a dor. Minha mão latejava, os pontos coçavam, meus olhos ardiam.
Eu estava reagindo violentamente a um sentimento que não sabia
lidar bem. Achei uma bolsa com remédios e peguei dois
comprimidos, que bebi com água da torneira. Voltei para a cama e
pressionei um travesseiro sobre a cabeça, querendo muito que o
mundo parasse de girar. Fiquei algum tempo ali, com o cérebro
cheio de ideias sobre o que a Viola estaria fazendo no coquetel, até
ouvir barulhos na porta.
Tirei o travesseiro da frente dos olhos e sentei na cama.
Giovanna entrava quarto adentro, com um enorme sorriso no rosto.
Retirou os sapatos e me viu ali, seminu, um tanto perplexo.
— Foi um pouco difícil, mas despistei todo mundo.
Ela disse, com algum orgulho na voz. Do que diabos ela estava
falando?
— Despistou quem?
— Aquele monte de abutre. — Ela gargalhou. — Colton é um
cara legal, mas meio pegajoso. Pretendo fazer negócios com ele,
mas ele parecia mais interessado em outra coisa.
— Você disse que me veria amanhã. Eu fiquei sem entender.
— Claro que disse, oras. — Giovanna colocou as duas mãos na
cintura. — Se eu dissesse que te veria no quarto, saberiam que
estamos no mesmo quarto, seu bobo.
Olhei para ela estupefato. Ela estava apenas mantendo as
aparências, como disse que faria. Ela sempre pretendeu voltar
comigo, só não o fez porque tinha prometido não deixar que
ninguém soubesse que estávamos transando. Dei uma gargalhada
sonora e me joguei para trás.
— Caralho, que alívio!
— O que está havendo com você, Alexei Simonov? Você está
muito estranho, está bêbado?
Pulei da cama, todos os males repentinamente curados, e
agarrei Giovanna. Puxei ela para mim com um pouco de força
demais, beijei, enfiei a língua na sua boca. Ela correspondeu,
apesar da confusão estampada em sua face.
— Não está havendo nada, estou perfeitamente sóbrio, só me
beija.
Ela me beijou e deitou sobre mim, me permitindo sentir sua pele
na minha. Não queria ficar pensando na minha reação ao episódio
do coquetel nem ficar discutindo o que eu sentia por Giovanna. Eu a
queria, e ia tê-la, e nada importava naquele momento, porque se eu
ficasse pensando eu ia brochar. Virei-me sobre ela e continuei a
beijá-la, cabeça livre, apenas instintos. Puxei o zíper do vestido e
descobri seu colo e seus seios, beijando o pescoço, passando a
língua, enquanto forçava meus quadris contra ela, esfregando o pau
em sua barriga.
Fui empurrando o vestido para baixo até tirá-lo. Tirei também o
sutiã e enfiei aqueles peitos deliciosos na boca. Um, depois o outro,
e chupei até que eles ficassem vermelhos. Eu não era violento,
nunca fiz sexo violento, mas era vigoroso e estava ligeiramente
alterado. Ela me alterava, muito. Giovanna grunhia e se contorcia,
indicando que estava bom, então eu continuava. Mordiscava os
mamilos enquanto enfiava a mão dentro da calcinha e esfregava o
clitóris. Beijei sua barriga, passei a língua ao redor do umbigo, desci
para sua virilha e arranquei a peça de roupa que estava
incomodando. Meu pau já não estava mais aguentando de vontade
de entrar ali, então fui egoísta. Não dediquei tempo suficiente ao
sexo oral, apenas peguei uma camisinha na mala e dei vazão ao
meu desejo.
Giovanna gemeu quando enfiei tudo. Apoiei-me nos braços e
forcei meus quadris contra os dela, tentando controlar a ansiedade e
manter a profundidade da penetração. Ela cruzou as pernas em mim
e me imobilizou.
— Machuco você? — Perguntei, preocupado.
— De jeito algum. — Ela fechou os olhos. — É que está bom…
vai bem devagar.
Dobrei o corpo sobre ela e a beijei. Beijei seu pescoço, seu
queixo, sua boca. A posição em que estávamos fazia com que o
movimento friccionasse seu clitóris enquanto eu a penetrava, então
entendi por que ela estava gostando mais. Tentei não nos
desconectar, aumentei a fricção e a profundidade da penetração.
Era tão intenso que eu nem era capaz de ver meu pau, todo dentro
dela, enquanto eu me esforçava para empurrá-lo mais. Voltei a
beijá-la. Giovanna levou a mão até minha bunda e cravou os dedos,
fazendo com que eu mal conseguisse me mover, ao mesmo tempo
que eu tinha que continuar me movendo. Foi uma dança lenta e
exaustiva, intensa, que nos manteve próximos. Nossas bocas
estavam uma na outra, nossas línguas se entrelaçavam, nosso suor
se misturava. Desvencilhei-me de sua pegada e saí de dentro dela,
conduzindo minha atenção para aquela boceta deliciosa, que estava
vermelha do contato violento com minha pele. O clitóris estava
inchado, exuberante, e precisei de pouco esforço para levá-la ao
êxtase. Passei a língua devagar, com movimentos circulares, e
suguei suavemente os lábios por menos de dois minutos até ela
gozar.
Tão logo Giovanna atingiu o orgasmo, voltei para dentro dela,
metendo fundo e rápido, enquanto ela gemia e se agarrava às
minhas coxas. Meti, meti, segurei o orgasmo, desafiei meu limite,
admirei Giovanna gemendo e gritando e me apertando e xingando.
Aquela mulher era meu tipo na cama. Talvez se eu fosse arrojado o
suficiente, ela pudesse gozar de novo. Foi o que eu fiz, continuei em
um ritmo louco até que eu mesmo não conseguisse mais segurar,
mas o suficiente para que ela tivesse outro orgasmo - e eu também,
desabando sobre ela sem nenhum glamour.

Giovanna Viola
Nunca gostei de acordar cedo, mas era o que eu fazia desde que
comecei a administrar a Protomak. A noite tinha sido especialmente
maravilhosa, a sinergia entre mim e meu sócio, na cama, era
espetacular. Aquilo representava um pequeno problema na minha
vida: o sexo com Alexei era tão fabuloso que ele tinha criado um
parâmetro impossível para os outros homens atingirem. Eu duvidava
que, depois dele, eu pudesse sentir o mesmo prazer com outro, ou
que eu pudesse querer sexo o tanto quanto eu queria com ele. Senti
um calor em minha pele, percorrendo meu corpo, e fogo em meu
pescoço. Abri os olhos sorrindo, já sabendo o que aquilo significava.
Virei-me e afundei o rosto no peito de Alexei, que me envolveu em
um abraço. Nunca gostei de acordar cedo, mas acordar ao lado dele
compensava.
— Bom dia. — Ele disse, me beijando. — Eu preciso sair cedo,
você vai querer me acompanhar ou ficar dormindo mais um pouco?
— É uma pergunta difícil. — Dei uma risada. — Mas eu prefiro ir
com você.
Sentei na cama, olhando ao redor. O dia estava glorioso, havia
sol e a vista do Danúbio era mesmo espetacular. Quase podia
obnubilar a vista do meu lado, mas eu já tinha decidido que preferia
o homem ao rio. Arrastei-me para o banheiro, sentindo necessidade
de água morna e sabonete para começar bem o dia. Liguei o
chuveiro, esperei a água esquentar, enfiei-me debaixo, com
cabeleira e tudo. Ouvi barulho, Alexei estava na pia escovando os
dentes. Meu rosto, teimoso, se abriu em um sorriso. Quando, em
algum momento da minha curta vida, eu imaginaria toda aquela
intimidade com algum homem? Aliás, era bem absurdo que eu
aceitasse, e até mesmo gostasse, daquela intimidade com ele.
— Se quiser, pode vir tomar banho também. — Provoquei.
— Se eu entrar aí com você, vamos perder a hora.
Ele tinha razão, mas isso significava também que eu não podia
enrolar. Tínhamos horário, eu odiava atrasar. Deixei o chuveiro
aberto para que Alexei pudesse iniciar seu banho, enrolei-me na
toalha e fui para o quarto me vestir. A roupa do meu sócio já estava
toda organizada sobre o aparador - ele era extremamente metódico,
enquanto eu tinha três malas não desfeitas e roupas espalhadas por
todas elas. Como não tinha tempo naquela manhã, decidi não
arrumar nada, apenas pegar o outfit do dia. Escolhi calça preta e
camisa, que eu poderia usar com um escarpim básico. Básico era
bom, para quem ia passar o dia em um evento, e no sábado.
Levaria um casaco para caso esfriasse e pronto, eu arrasaria.
Alexei saiu do banho, secando os cabelos, e me distraiu um
pouco. Perdi-me, por mais de um minuto, em seu corpo molhado,
em sua nudez, em seus músculos que estavam colocados ali de
forma equilibrada. Mas que droga, aquele homem tinha efeito de
dopamina. Fingi que ele não me perturbava e comecei a me vestir.
Ele fez o mesmo, logo estávamos quase prontos para descer.
— Pode ir na frente, ainda vou me maquiar. — Disse, indo para o
banheiro atrás de um espelho com muita luz.
— Vou te esperar, estamos bem dentro do prazo. A não ser que
você vá comer o restaurante inteiro no café…
Apareci na porta e mostrei o dedo médio a ele, que caiu na
risada. Quando terminei de me arrumar, com cabelo seco e
maquiagem leve para o dia, Alexei estava me esperando
pacientemente, mexendo no celular. Outro ponto positivo que
merecia atenção, ele não estava me apressando nem desesperado
porque eu levava muitas horas me aprontando. Eu era rápida, mas
quase ninguém tinha paciência comigo - quase nenhum homem.
Descemos para o café às sete e quase me arrependi de ter
ridicularizado a fala de Alexei antes. Eu poderia, sim, demorar horas
naquele bufê cheio de pães, doces e outras iguarias. Ah, os
carboidratos e suas maravilhas. Mas eu me comprometi em ser
pontual, então eu fui. Com meia hora, estávamos prontos para ir até
o evento.
— Para onde vamos? — Perguntei, entrando dentro do carro
preto que nos esperava, com motorista. — E por que tanta
ostentação, não podíamos ir de táxi?
— Vamos para outro hotel, mais adequado para conferências e
congressos. E um táxi não tem o status de um carro alugado.
— Você e essa sua arrogância me irritam. — Impliquei.
Sentamos lado a lado, no banco de trás, e Alexei segurou minha
mão. Aquilo me confundiu um pouco, eu ainda precisava de pistas
do quanto ele queria expor nosso relacionamento. Ri de mim
mesma, porque eu já tinha decidido que tínhamos um
relacionamento. Qualquer que fosse, era melhor aceitar do que
negar. Entrelacei meus dedos nos dele, afirmando que eu gostava
daquilo, que eu gostava dos pequenos gestos que representavam
alguma coisa entre nós. Eu ainda não sabia onde queria chegar,
nem se já estava lá, mas estava curtindo tudo aquilo.
Permanecemos o trajeto admirando a paisagem. Eu não
conhecia do Danúbio, foi uma pena que não conseguimos vê-lo o
tempo todo. Depois de menos de vinte minutos, já estávamos
parados na porta de outro hotel, bem menos glamoroso, mas
igualmente imponente. Alexei me deu a mão para que eu saísse e
nos afastamos um pouco. Eu, tentando conter o deslumbre, ele,
sorrindo aleatoriamente para todo mundo que estava ali, na
recepção. Eu já tinha visto Alexei brilhar no coquetel, mas eu não
fazia ideia do que vinha pela frente naquela feira de tecnologia.
— Preciso falar com algumas pessoas. — Ele disse, bem
próximo ao meu ouvido. — Você consegue se virar por aí?
— Claro que consigo. Vejo você na conferência de abertura?
— Sente-se na primeira fila. Deixarei reservado para você.
Sorrimos um para o outro, aquele sorriso cúmplice. Eu não
entendia absolutamente nada daquela sintonia entre nós, era muito
abrupto e intenso. Quando Alexei se afastou, eu parecia uma boba
apaixonada, e era provavelmente aquilo mesmo. Podia negar, podia
brigar, podia recusar, mas cada célula do meu corpo sabia que eu
sentia alguma coisa por aquele homem, alguma coisa que ia além
do tesão e da vontade de ficar na cama o tempo todo. Entrei no
hotel, um pouco perdida com a quantidade de homens de terno que
aparecia por lá, e procurei as informações sobre a feira. Ainda bem
que estavam em inglês.
— Precisa de alguma ajuda? — Uma voz masculina me
interpelou.
— Estou procurando onde será a conferência de abertura.
— Será no salão principal, aqui mesmo no térreo. Precisa de
companhia até lá?
Olhei para o cara. Todos pareciam flertar comigo, desde Colton
Forbes até esse desconhecido, que estava muito bonito vestindo um
terno risca de giz. O fato de eu ser mulher provavelmente me
colocava em uma posição de disponibilidade, nenhum deles me via
como alguém do mesmo grupo.
— Sim, você pode me conduzir até o lugar? É minha primeira
feira. Giovanna Viola.
Estendi a mão para cumprimentar o estranho. Ele a segurou e
beijou meus dedos.
— Carlos Reyes. CEO da PalmerTech, México.
Outro CEO, provavelmente, todos ali eram assim. Precisava que
começasse logo a feira de tecnologia para encontrar gente menos
rica, menos pretensiosa, menos dona do dinheiro e mais dona do
conhecimento. Eu sempre fui patricinha, mas nunca lidei com tanta
grana e tanta arrogância. Carlos me ofereceu o braço e eu o
acompanhei. Chegamos ao salão de conferências, pegamos nossas
credenciais e nos separamos - eu fui conduzida às primeiras filas.
Não vi Alexei por ali, mas havia uma mesa retangular preparada,
com microfones, no estilo das conferências de grandes eventos. Eu
me sentia uma quase celebridade, por ali.
Sentei-me e pus-me a observar o movimento. Praticamente, só
tinha homens. Um sentou ao meu lado, mas não falou nada, apenas
sorriu. Fiz uma cara de desinteresse e ele não se atreveu a me
incomodar. Alguns minutos depois, o auditório já praticamente cheio,
um homem, também de terno, assumiu o microfone em uma tribuna.
— Bom dia, senhores. Vamos dar início à nossa conferência de
abertura, gostaria que os senhores tomassem assento. — Ele falava
em inglês, o que foi um alívio. — Vamos convidar para a mesa os
financiadores desse evento, Sr. Thomas Milton, Sr. Mwenye Ahmadi
e Sr. Alexei Simonov.
Três homens entraram, entre eles, o meu. Ah, o cérebro estava
me pregando peças, toda hora me fazendo pensar em Alexei como
uma espécie de namorado. Eu pensava em relacionamento, em
posse, eu o chamava de meu. Estava tudo na minha cabeça, o que
significava que era como eu me sentia. Eu ainda ia me ferrar muito
por causa daquilo, mas não estava sequer conseguindo esconder,
mais. A promessa que fiz, de não deixar que soubessem que
estávamos juntos, ia cair por terra em breve.
O tal Milton falou primeiro. Ele era estadunidense, coordenava
projetos que usavam tecnologia limpa. Falou coisas que eu não
ouvi, porque estava surda - tudo que meu cérebro processava era
Alexei à minha frente. Ele me viu, e sorriu. Eu me senti como uma
adolescente na plateia sendo notada pelo ídolo. O segundo homem,
Ahmadi, era africano. Representava um grupo de países periféricos
que buscava desenvolvimento sem prejuízo para o planeta. E então
passaram o microfone para Alexei, quase uma hora depois do início
do evento.
— Bom dia a todos - e a todas. É difícil falar depois de ouvirmos
o Ahmadi, porque ele tem esse jeito sedutor de conduzir o discurso.
Ninguém mais quer saber o que vim fazer aqui. — A plateia riu.
Provavelmente eles entendiam o que ele dizia, eu não tinha captado
a referência. — Mas eu represento a maioria de vocês aqui, os
homens e mulheres da tecnologia, e gostaria de conclamar que
usemos esse momento de encontro para nos concentramos na
proposta do evento: tecnologia sustentável. Como nós vamos fazer
para que nossas empresas assumam responsabilidades em evitar o
fim do planeta?
Alexei tinha um sotaque fabuloso, em inglês. O português era,
para ele, língua nativa, mas o inglês me seduziu tanto quanto o
russo. Ao menos eu conseguia compreendê-lo. Ele falava sobre
produção responsável, sobre consumo, sobre tecnologia limpa e
verde, sobre coisas que eu nunca me preocupei e provavelmente
nunca entendi. Ele falava sobre um Alexei consciente e altruísta que
parecia incompatível com o homem dos milhões que eu conheci.
Não sei dizer se era a iluminação da mesa, ou se era a roupa que
ele estava usando, ou se seus olhos decidiram mudar de cor
naquele dia. Mas Alexei estava estupendo. Nunca deve ter existido
homem como ele, com aquela beleza. Ele parecia um desenho, ali,
um quadro que nem os renascentistas italianos imaginariam pintar.
E eu estava completamente fascinada por ele. Minha boca
estava entreaberta, ouvindo-o falar. Foram vinte e cinco minutos em
que ele parecia estar em um concurso de Miss Universo, pedindo
pela paz mundial, mas que duraram um tempo absurdo, para mim.
Quando ele terminou de falar, e a plateia aplaudiu, eu só queria
pular em seu pescoço e beijá-lo. Mas ele desceu as escadas e veio
até mim e eu não fiz isso.
— E então, Viola, o que achou?
— Foi um discurso muito bonito, Simonov. Quem escreveu para
você?
Alexei deu uma risada e, por algum motivo, achei que ele
quisesse me beijar, também. Pessoas nos cercaram e ele acabou
indo dar atenção para alguns homens de terno - e todos pareciam
iguais, naquele momento. Afastei-me sutilmente e procurei a saída,
porque eu precisava de água, de um café, de ar. Eu precisava
chacoalhar a cabeça e ver se os neurônios voltavam para o lugar,
porque Alexei Simonov tinha bagunçado tudo.

As pessoas se aglomeraram do lado de fora do salão de


conferências, onde havia um coquetel de boas vindas. Mais comida,
aquilo era ótimo. Ia voltar para o Brasil sem caber nas minhas
calças, mas não ia deixar de aproveitar um bufê. Peguei uma taça
de champanhe, que estava sendo servida, achando o máximo beber
álcool antes das onze da manhã, e perambulei por entre o monte de
gente que estava ali. Recostei-me em uma mesa alta e apoiei a taça
para poder pegar um canapé. Um homem se aproximou.
— Você é Giovanna Viola? — Ele perguntou, também usando a
mesa para apoio da taça.
— Sim, quem quer saber?
— Wekesa Dlamini. — O homem estendeu a mão. — Você
gostaria de saber que está famosa entre o pessoal da segurança?
— Imagino que “pessoal da segurança” sejam empresários do
meio e que minha fama se dê à tecnologia dos gêmeos.
Ele riu e direcionou a taça para mim, indicando um brinde virtual.
— Você é perspicaz. Mas receio que sua estratégia para adquirir
o software o tenha inviabilizado.
— Vocês, homens, são muito céticos.
Continuei bebericando meu champanhe. Outro homem se
aproximou, talvez aquela coisa de celebridade fosse realmente
verdade.
— Ora, vejam, Dlamini já está assediando a jovem diretora da
Protomak.
— Não me culpe por ser educado, Massaro. E você não chegou
aqui primeiro porque estava flertando com as húngaras da
organização.
— Rapazes, não discutam. — Interferi na exibição de força dos
desconhecidos. Meus olhos vaguearam, mas eu não vi Alexei. —
São ambos do ramo de segurança?
— Sim. Você pretende colocar a tecnologia à disposição? Vai
fazer parcerias?
— Definitivamente, a exposição será segunda-feira. Os gêmeos
Siqueira foram muito gentis preparando uma mostra para vocês,
eles também esperam que eu feche bons negócios.
— Você ofereceu participação nos lucros, também?
Outro homem se juntou aos dois. Era loiro e alto, muito alto,
parecia ser jogador de basquete. Olhei em volta e estava cercado
por eles, que pareciam urubus sobre a carniça. Inofensivos, no
entanto.
— Oras, De Jong decidiu vir à feira. Pensei que não havia ainda
se recuperado da queda das ações da Safety Ward. — Dlamini
disse, com uma expressão de riso.
— Não foi uma queda, as ações despencaram de um
desfiladeiro. — Massaro concordou e os dois caíram na risada.
— Quem ri por último ri melhor, meus caros. — O recém-
chegado passou os braços ao meu redor. — Segunda-feira pretendo
ser aquele que fará a melhor proposta pela tecnologia dos Siqueira.
Afastei-me do abutre e aquela conversa já estava me cansando.
Era meio irritante ouvir todo mundo criticando minha estratégia
apenas porque eles não sabiam lidar com o franqueamento do
poder. Para minha sorte, uma mulher se aproximou. Ela usava um
tailleur cinza, tinha cabelos loiros, corte Chanel, e usava batom
vermelho. Aquela aparência era uma forma de demarcar território,
percebi imediatamente que ela era uma das donas do poder.
— Vocês deviam se envergonhar. — A mulher se meteu no meio
dos homens. — Estão assediando a novata apenas porque ela não
conhece vocês, ainda. Quer que eu chute esses traseiros magros
para você, Viola?
Dei uma risada e os homens rolaram os olhos, incomodados
com a presença feminina em dobro.
— Não precisa, mas obrigada por se oferecer. Você já me
conhece, mas eu não sei com quem estou falando.
— Carmen Sanchez-Roja. Sou diretora da maior empresa de
software de segurança da Europa, então é a minha proposta para a
tecnologia dos gêmeos que você vai querer ouvir. Já escolheu de
qual palestra pretende participar?
— Sinceramente, eu não sei nem o que vai acontecer, agora.
Minha nova melhor amiga deu uma risada e aquilo espantou as
moscas. Os homens desapareceram na mesma velocidade que
apareceram, e ficamos apenas nós duas na mesa, bebendo
champanhe e comendo alguns salgadinhos. Ela me ofereceu um
tablet para que eu pudesse olhar a programação do sábado, mas eu
não fazia ideia do que escolher.
— Se me permite uma sugestão, a palestra da Angelina
Rodriguez. Ela é especialista em redes e sistemas, sempre tem
alguma coisa boa para ouvir. É para lá que eu vou.
Quis dizer a ela que acompanharia Alexei, mas eu nem mesmo
sabia onde ele estava para saber para onde ele ia. Olhei novamente
a programação e vi que ele tinha um evento programado para
aquele horário, uma reunião de diretores que era fechada para o
público. Meros mortais não eram convidados para a ceia dos
escolhidos. Eu gostaria ao menos de poder falar com ele, de dizer o
que estava fazendo, mas meu sócio estava desaparecido naquele
monte de gente de aparência parecida.
— Acho que vou acompanhá-la.
— Fez uma ótima escolha. Você e eu podemos ser próximas,
Viola, e isso será bom. Mulheres como nós precisam se unir.
Não entendi bem o que ela quis dizer com aquilo, mas imaginei
que não havia muitas como nós naquela posição. O evento era
quase todo masculino, e o fato de encontrar uma outra mulher que
também dirigia uma empresa já me fazia querer negociar com ela.
Fomos para a palestra e eu adorei. Eu tinha muito que aprender:
como ser empresária, como me portar em eventos de negócios,
como negociar, como lidar com homens machistas e como não me
afogar em um mundo que só queria me eliminar. Tomei notas sobre
as dicas da palestrante, no final, apresentei-me a ela e peguei seu
contato.
— O que vai fazer, agora? Onde pretende almoçar? — Minha
nova companhia me perguntou. Eu não sabia a resposta.
— Eu não sei. O que temos para a tarde?
— Mais um monte de cursos e palestras, começam às duas.
Antes que eu pudesse responder, ou que tomasse uma decisão,
ele apareceu no meu campo de visão. Estava procurando por algo e
sorriu, involuntariamente, quando me achou. Caminhou na minha
direção, ignorando alguém que puxava seu braço, até colocar-se na
minha frente.
— Pensei que tinha sido abduzida, Viola. — Alexei disse, bem
perto do meu ouvido. Ele tinha a desculpa de que o ambiente estava
barulhento, mas sua voz me fez estremecer as estruturas.
— Ora vejam, Alexei Simonov. — Carmen colocou as duas mãos
na cintura. — Então você já conhece a nova sensação do mercado?
— Carmen. Devo dizer que é um prazer revê-la, mas você
precisa se atualizar mais, Giovanna é minha sócia.
Sorri para ela, que pareceu ligeiramente perturbada.
— Estávamos em uma excelente palestra. Não achei você,
depois da conferência de abertura.
— Vamos almoçar? — Ele sussurrou em meu ouvido,
novamente, e sua mão tocou meus quadris. — Fiz uma reserva para
nós.
— Claro, vamos. — Virei-me para minha nova colega e estendi a
ela o convite, mesmo que Alexei dificilmente fosse achar uma boa
ideia. — Carmen, gostaria de ir almoçar conosco?
— Vou passar essa. — Ela sorriu. — Aguentar o Simonov nos
negócios é uma coisa, confraternizar com ele já é demais para mim.
Boa sorte, Giovanna. Quem sabe não nos encontramos à tarde?
Ela se afastou e Alexei ficou rindo de algo implícito naquele
relacionamento conturbado dos dois. Na verdade, era como se todo
mundo ali se conhecesse há muito tempo e tivesse uma história
louca para contar. Fomos para o restaurante que Alexei reservou,
mas alguma coisa em mim estava quebrada. Na presença dele, eu
ficava diferente, eu estava diferente. Meu corpo pendia para o lado
dele até que nossos braços se encostassem. Dentro do carro, minha
mão adquiriu vida própria e se posicionou em sua coxa. Senti que
ele ficou tenso, mas colocou sua mão por cima da minha e fizemos
assim o trajeto até o restaurante.
Durante o almoço, ele me contou sobre a palestra que assistiu, e
falei sobre os nomes que conheci.
— Parece que você anda atraindo todos os holofotes. — Alexei
implicou. Já tínhamos almoçado e voltávamos para o hotel, para a
programação da tarde. — Vai me dar a honra de ouvir minha
conferência, agora?
— Você vai fazer uma conferência? Quero dizer, outra?
Surpreendi-me, mas não sabia por quê. Simonov era um dos
nomes mais importantes daquele evento, portanto era admissível
que ele tivesse várias falas.
— Vou discutir sobre gestão empresarial de risco. Pode ser que
seja algo do seu interesse.
— Tudo bem, sócio. Vou participar da sua conferência, espero
que você não seja chato. — Ele deu uma risada. Passou o braço ao
meu redor e recostei a cabeça em seu ombro, enquanto
caminhávamos para o hotel. O restaurante ficava a poucos metros,
decidimos aproveitar para apreciar a cidade. Aquilo pareceu
subitamente íntimo demais para ser compartilhado, o que me
confundiu novamente. — Alexei, o quanto as pessoas podem saber,
ou devem saber, sobre nós?
— Eu posso estar enganado, mas elas provavelmente já sabem
tudo.
— E o que é tudo?
Um silêncio incômodo sugeriu que ele não tinha essa resposta.
Nem eu. Alexei beijou meus cabelos e não falou nada mais até
chegarmos novamente ao hotel e ele se desvencilhar de mim.
Cumprimentou todos e todas que trabalhavam e seguiu, ajeitando o
paletó, na direção da sala que faria a sua conferência. Virou para
trás, ao perceber que eu não o estava acompanhando, e me
esperou. Depois que eu estava sentada e acomodada, Alexei
desapareceu pelos bastidores, deixando-me ali, ainda atordoada
com tudo que estava se abatendo sobre mim. O que era tudo?
Não quis ficar pensando bobagem. Logo, deram início à
conferência e o lugar estava cheio. Alexei era mesmo uma
celebridade, e, quando ele pegou o microfone, dominou totalmente o
ambiente. Saquei o tablet da bolsa, para fazer minhas anotações,
mas, no final, era melhor filmá-lo. Posicionei o celular e deixei
gravando o que ele dizia, em inglês, mesmo que eu me dedicasse a
prestar bastante atenção. Quando a conferência acabou, ele foi
novamente cercado por pessoas antes mesmo de descer do palco.
Parei o vídeo e fiquei ali, olhando, tentando descobrir meu papel
naquilo tudo. Alexei olhou para mim e fez um gesto com as mãos,
indicando que eu deveria subir.
— Essa é Giovanna Viola, minha sócia. — Ele me apresentou,
passando o braço ao meu redor. Os rostos que estavam ali, falando
com ele, não eram conhecidos. Nem todos falavam inglês.
— Vocês vão à festa de abertura, certo? — Um homem
perguntou.
— Alexei Simonov nunca perde a festa de abertura. — Outro
respondeu. Eu não sabia que festa era aquela.
— Ainda estou me decidindo, o dia de hoje foi cansativo.
— Ah, pare com isso! Vamos, Lyosha, vai ser de arromba.
Fecharam um clube e vai ter até banda ao vivo.
Ele se virou para mim. Seu olhar era uma pergunta, era como se
a decisão de ir ou não ir fosse minha. Meus pés estavam exaustos,
mas a sentença já tinha sido dada - Alexei Simonov nunca perdia a
festa de abertura. Fiz um gesto com a cabeça que indicava que ele
deveria dizer que sim.
— Certo, então nos vemos lá.
Saímos da multidão com a desculpa de que iríamos para o hotel
nos arrumarmos. Era cedo, ainda, por volta de quatro da tarde, mas
eu já estava cansada como se tivesse corrido a maratona. Sim,
trabalhar cansava, e aquele tipo de evento não era, definitivamente,
um passeio. A impressão que eu tinha era totalmente equivocada.
Pegamos nosso carro preto que parecia o Batmóvel e ele nos
deixou no Four Seasons. Entramos no quarto ainda sem conversar
muito, mas a culpa era minha - Alexei era mais silencioso e
misterioso, enquanto eu não calava a boca. Se eu estava confusa e
sem conseguir organizar os pensamentos, não me comunicava
bem.
Meu sócio tirou os sapatos e se jogou na cama.
— Caramba, estou muito cansado. Parece que nem dormi essa
noite.
— Se me lembro, você poderia ter dormido mais. — Dei uma
risada e comecei a tirar a roupa. Sapato, calça, camisa. Ele me
observava.
— Você está estranha, Viola. Não estou acostumado com você
tão quieta.
— Está tudo bem. — Menti, porque a verdade era muito
complicada para ser dita em voz alta. Sentei-me na cama. — Dê-me
seus pés.
Ele me obedeceu e colocou os dois pés sobre minhas pernas.
Usei os dedos para massageá-los, já que pessoas cansadas
sempre sentiam dor nos pés. Os meus estavam pegando fogo.
Alexei recostou nos travesseiros e fechou os olhos.
— Você tem muitos talentos ocultos.
— Depois de hoje, duvido que meus talentos cheguem perto dos
seus. Quando me disseram que você era um Midas, pensei que
estivessem exagerando. Só que hoje eu conheci o Alexei Simonov
que todo mundo conhece.
— E o que achou dele? — Meu sócio interrompeu a massagem e
se ajoelhou na cama, na minha frente. Ele estava com aquele cheiro
de ar condicionado e lugares cheios que podia ser inconveniente
para todo mundo, mas que, nele, era bastante sedutor. Encarei-o
por alguns segundos, sem saber expressar meus sentimentos. —
Qual você prefere, o que todo mundo conhece, o que você conhece,
ou o que ninguém conhece?
— Não sabia que tinha uma terceira versão.
— Ela é secreta. Se te contar, terei que te matar.
Havia algo lúdico, porém sombrio em seu olhar. Alexei me
encarava como se eu fosse um objeto precioso, mas também muito
perigoso de se lidar. Era como se ele quisesse me tomar nos braços
e me beijar na mesma intensidade que quisesse sair correndo pela
porta. Era exatamente da forma como eu me sentia, porque ele,
para mim, era um perigo constante.
— Eu prefiro o Alexei que é meu.
Disparei, sem sequer considerar as consequências daquele
pronome possessivo empregado tão displicentemente em uma frase
com o nome dele. Os olhos de Alexei mudaram de cor e seus
maxilares ficaram tensos. Era a posição do predador que atacaria a
presa. Se eu tivesse amor por minha vida, sairia correndo dali. Mas
eu adorava viver me arriscando.
— Acredito que, no momento, não exista nenhuma versão minha
que você não possa chamar de sua, Giovanna.
DECLARAÇÕES

Giovanna Viola
P . Que. Pariu. Eu parei de respirar e meu coração acelerou.
Encarei-o sem saber como lidar ou reagir àquela frase, que foi
significativamente mais impactante que a minha. Coloquei as mãos
em sua camisa, que tinha alguns botões abertos no colarinho,
enquanto nos encarávamos sem reação. Ele ainda tinha o olhar
preso em mim, olhos fluídos que diziam tudo que eles queriam sem
precisar de palavras. Eu não sabia o que nada daquilo significava,
ou eu sabia, mas estava embriagada demais com aquele cheiro de
colônia pós-barba, que permanecia nele o dia inteiro, para
raciocinar. Levei minha boca até a dele, sem soltar a camisa, e o
beijei.
Alexei me segurou pela cintura e me puxou para ele. Abri cada
botão da camisa branca e a arranquei, jogando pelo chão do quarto.
Estávamos com a luz acesa, o que era melhor para que eu pudesse
admirá-lo - e eu queria. Não saberia dizer que poder as palavras
exerciam sobre nós, mas a constatação de que ele se entregava a
mim além do sexo era libertadora. E ele, mesmo que eu não tivesse
dito nada no mesmo sentido, também estava mais rendido do que
antes. Empurrou-me para a cama, olhando para mim por alguns
segundos antes de voltar para a minha boca. Da boca, foi para o
pescoço e o colo, e voltou para a boca. Alexei tinha gosto de menta
e café, e suor. Não dava para ter suado naquele clima, mas ele tinha
aquele sabor único e salgado que inebriava.
Sua boca estava em todo lugar e eu não conseguia reagir.
Cravei as mãos em suas coxas, por cima da calça que eu precisava
arrancar, enquanto ele empurrava o sutiã para o lado e buscava
meu seio, envolvendo com a mão, apertando o mamilo, colocando
na boca e sugando. E eu queria apenas xingar um monte de
palavrão e gritar que eu estava apaixonada por ele. Mas eu não
gritei, não aquilo. Era loucura demais me apaixonar por aquele
homem, então era melhor fingir que não era verdade, ao menos
mais um pouco. Agarrei o botão da calça dele, abri e empurrei para
baixo com os pés, mesmo, querendo livrá-lo de qualquer barreira
que pudesse impedir que nossos corpos se unissem. Alexei levou a
mão à minha intimidade e tocou-me como só ele sabia fazer - bruto,
mas com suavidade, no lugar certo, na pressão certa.
Puxei os lábios dele para mim, enfiei a língua em sua boca
enquanto ele me penetrava com os dedos e atacava meu clitóris
com o polegar. Não sei quantos dedos ele tinha, nem quantas mãos,
mas ele era habilidoso demais. E aquela era a porcaria da mão
cheia de pontos, que nem pareciam fazer diferença, mais. Só não
queria um orgasmo naquele momento. Eu queria mais dele, mais
tempo dele, e ele entendeu. Voltou a soltar o corpo sobre mim, a
ereção pressionando o meio das minhas pernas, enquanto nos
beijávamos. Apostei que Alexei dançasse bem, porque ele mexia
aquele quadril como poucos. Estávamos muito próximos, eu o sentia
quase na minha entrada, entre beijos e carícias e mãos e bocas, e
eu apertei a tecla F.
— Alexei. — Disse, entre dentes, em seus ouvidos, depois de
passar a língua por seu pescoço e sentir o gosto daquele cheiro que
me dopava. — Confia em mim?
Ele grunhiu, mas entendi seu movimento de cabeça.
— Sim, eu confio. O que você…
Fiz com que se calasse com um beijo. Se eu continuasse com a
língua dentro daquela boca, nunca ia concluir um raciocínio. Abri as
pernas acomodei a ereção de Alexei dentro de mim. Daquela vez,
ele nem resistiu, nem tentou fugir, apenas me encarou sem saber se
era sobre aquilo que eu me referi, antes. Ao sentir a confirmação
pelo meu silêncio, ele investiu contra mim, ajeitando-se entre
minhas coxas, sem desviar um segundo dos meus olhos. A
sensação pele com pele era louca, porque parecia errada, e era
perfeita, porque representava algo que eu ainda não tinha
experimentado. Ele entrava e saía com tanta facilidade que eu não
queria que ele parasse, não queria que ele reduzisse o ritmo.
— Só não para. — Foi o que consegui dizer. Alexei gostava de
me obedecer na cama, então ele continuou indo e vindo, sem se
preocupar com mais nada além do dar e receber prazer. Eu estava
tão excitada que podia sentir o orgasmo dele se aproximando e ele
lutando contra, mas eu não me importava que ele chegasse lá
primeiro, eu só queria que ele gozasse.
— Gio. — Ele murmurou, confuso, sem saber o que fazer com o
êxtase iminente, mas meu olhar era de segurança.
— Não para.
E ele não parou até me preencher por completo. Agarrei seus
lábios e não deixei que ele saísse de dentro de mim, apesar de ele
estar exaurido do orgasmo. Eu ainda queria beijá-lo e devorá-lo e
fazer com que ele tivesse mais daquilo, mesmo que ele não
aguentasse. Mas tínhamos um cronograma a cumprir, então deixei
que ele desabasse para o lado e deitasse de costas, encarando o
teto com as mãos na cabeça.
— Caralho, Giovanna. — Ele disparou, alguns minutos depois,
quando conseguiu normalizar as batidas do coração. Subi em cima
dele e sentei sobre sua barriga.
— Você já disse isso, antes. — Impliquei, lembrando-me do
nosso primeiro beijo, depois da “festa” de Dmitri.
— Também já disse que você é louca e sem juízo. — Ele se
sentou, ajeitando-me no colo. — O que vai fazer agora? Quero
dizer…
— Alexei, relaxe. Acha que eu sou esse tipo de louca? Eu uso
anticoncepcional, homem. Tomo direto, por recomendação médica,
eu nem mesmo menstruo.
O homem me encarou por alguns segundos, tentando entender o
que eu disse, e explodiu em uma risada.
— Você podia ter me contado antes, teria poupado alguns
minutos de terror.
— Jamais. — Beijei-o. — É bom provocar você. Só para você
ficar sabendo, é minha primeira vez.
— Oi? — Ele me olhou, mais confuso ainda. — Você era virgem,
antes?
— Primeira vez sem camisinha! — Caí na risada. — Caramba,
Alexei, você fez sexo ou consumiu drogas?
— A minha droga é você, Giovanna. — Ele voltou a me olhar
sério. Era impressionante como Alexei mudava de humor e
expressão em milésimos de segundo, como em um olhar ele era um
jovem brincalhão e, no outro, já aparecia como um homem sombrio
e sério. — Era o que você esperava?
— Vou precisar de outras vezes para formar uma opinião.
— Não tem medo que eu seja um vagabundo promíscuo?
Passei a mão por seus cabelos suados, que estavam grudados
em sua testa e em seu pescoço. Olhei para sua expressão de
dúvida, esperando uma resposta. Baixei os olhos para seu peito,
seu diafragma que subia e descia lentamente, relaxado. Acariciei
seus braços que me envolviam. Segurei sua nuca com as duas
mãos, beijei sua boca. Ele era tão irresistivelmente perfeito que era
difícil dizer o que eu mais gostava, nele.
— Você é um vagabundo promíscuo. — Afirmei. — Mas esse
risco eu já encarei desde a nossa primeira noite juntos. Os outros
riscos estão garantidos, então não vou me preocupar com isso,
agora. A não ser que você não queira…
— Quero você de qualquer jeito.
— Entendido. Vamos tomar banho, não temos uma festa para ir?
— É às oito e podemos atrasar. Eu não vou ficar te devendo um
orgasmo, Giovanna Viola.
Dizendo aquilo, Alexei me jogou na cama, literalmente. Ele me
ergueu nos braços e me atirou nos lençóis, atacando meus lábios.
Enfiou a língua na minha boca, depois desceu por meu queixo até
meu pescoço, e foi lambendo até chegar nos seios. Ele parecia
saber que me provocava mais quando era bem sutil, e foi assim que
fez - contornando os mamilos com a língua, prendendo-os
suavemente com os lábios, segurando-os com as mãos e apertando
bem devagar. Descendo com os carinhos ele beijou minha barriga,
desceu para o púbis e usou os dedos para abrir espaço para
avançar sobre o ponto em que eu sentia mais prazer.
Ah, merda. Alexei segurava o clitóris com os lábios e passava a
língua bem devagar, e depois lambia tudo que tinha pela frente,
passando os dedos por minha abertura, fazendo com que eu
implorasse mentalmente para que ele me penetrasse com um, dois
ou até três deles. Ele queria apenas se besuntar com lubrificante
natural para escorregá-los até o ânus, e depois voltar. Era
simplesmente delicioso e me levava às alturas, mas ele parou.
Ajoelhou na cama e exibiu sua ereção linda, robusta, pronta para
uma segunda rodada. Eu disse, ele precisava de prática, comigo.
Precisávamos de mais tempo juntos, e era o que estávamos
fazendo, então.
Com um movimento suave, Alexei me virou na cama e deitou-se
ao meu lado, grudando seu peito em minhas costas, e deslizou para
dentro de mim. Sua atenção continuou no meu clitóris, que ele
estimulava sem parar, com dois dedos, enquanto investia
cadenciadamente contra mim. Coloquei a mão em sua bunda e
agarrei, acompanhando seus movimentos, delirando com cada
estocada até gozar. Eu estava ferrada, até meus orgasmos eram
mais intensos com aquele homem, o que seria da minha vida sexual
depois dele? Acabamos tão cansados que adormecemos nos
braços um do outro. Provavelmente, aquela seria a noite em que
Alexei perderia a festa de abertura.

Alexei Simonov
Fazia tempo que eu não dormia tão bem, uma noite inteira. Não
sonhei, não acordei sobressaltado com nada, não fui acordado por
ninguém. Simplesmente dormi como uma pedra e acordei, no dia
seguinte, mais revigorado do que nunca. A claridade entrava pelo
quarto, mas todas as cortinas estavam fechadas. A cama estava
vazia, mas eu tinha certeza que era para ter alguém ali. Olhei em
volta, estava tudo no maior silêncio. Porra, era loucura minha ou eu
tinha me declarado para Giovanna, ontem? Eu não disse as
palavras, mas será que ela entendeu que eu estava caído por ela?
E isso a fez assustar e ir embora? Meu peito doeu, senti uma
pressão como seu meu coração fosse explodir. Levantei, fui até o
anexo do quarto e ela estava ali, vestindo minha camisa, sentada no
sofá, com fones de ouvido, vendo algo no celular. Outro alívio.
Joguei-me ao lado dela e deitei a cabeça e seu colo. Giovanna
sorriu e tirou os fones.
— Bom dia. Dormiu bem?
— Como nunca tinha dormido antes. Que horas são?
— Alguma coisa por volta das nove. Eu não queria te acordar,
você parecia um anjinho dormindo.
Dei uma risada, sentei e a beijei. Ela estava com gosto de suco
de laranja e meu estômago roncou. Ontem chegamos perto de uma
maratona de sexo, e não tínhamos nem mesmo jantado. Eu estava
morto de fome, podia comer um boi.
— Você andou comendo.
— Eu pedi o café. — Ela apontou para a mesa, posta, cheia de
iguarias. — Espero que não se importe de ter comido um pouco sem
você, eu estava faminta.
— Café no quarto. — Beijei-a novamente. — Não pretende sair
hoje daqui, pretende?
— É domingo e estou em um país desconhecido. Eu quero
turistar, Simonov, mas não ligo de ficar aqui o tempo todo, sabe? Eu
estou meio que viciada em você.
Ah, mulher, não fala uma coisa dessas para mim. Puxei
Giovanna e a coloquei sentada sobre meu colo. Estávamos quase
nus, ela só tinha aquela camisa por cima e eu já podia devorá-la
inteira antes da comida, então ficamos em posição perigosa.
Principalmente depois que ela abriu a guarda e aboliu o preservativo
da equação, tudo ficou bem mais descontrolado. Agarrei-a pela
nuca e beijei sua boca bem devagar. Eu também estava viciado
nela, totalmente hipnotizado, sem conseguir raciocinar direito
quando ela estava por perto. Merda, Viola.
— Podemos andar por aí, almoçar em algum lugar. Podemos
pegar um trem e ir a um país vizinho, o que acha? Temos Viena aqui
perto.
— Perto quanto?
— Umas duas horas e meia, de carro. Posso alugar um agora,
pelo celular, chegamos para almoçar lá e passamos o dia. Viena é
linda.
— Nada é mais lindo do que você, acho que isso já ficou
decidido. — Ela beijou meu pescoço e minha orelha, passando a
língua por tudo quanto era lugar. — Mas que tal comermos alguma
coisa, ou vamos morrer de inanição? Só sexo não sustenta. Depois
vamos passear, mas pode ser por aqui mesmo. Ainda nem conheço
essa cidade.
Dei uma gargalhada, bem que sexo poderia sustentar. Se eu
tivesse mais motivos para comê-la toda hora, seria muito rigoroso
com a alimentação. Fui até o quarto e vesti minha cueca, mesmo
que meu pau já não coubesse mais nela. Tomar café totalmente
pelado não parecia uma boa ideia, afinal. Enquanto comíamos,
entrei no aplicativo de viagens para confirmar se os restaurantes
que eu conhecia em Budapeste continuavam todos no mesmo lugar.
Eram mais de três anos sem voltar à capital da Hungria, mas os
principais pontos turísticos não saíam do lugar.
Comi como se toda a comida do mundo fosse acabar, ela
também. A Viola gostava de comer, isso me fazia gostar dela ainda
mais. Ela também gostava de beber como eu, porém precisava
considerar, seriamente, que eu quase não tinha colocado uma gota
de álcool desde que passei a me relacionar com ela. Também não
tinha cheirado nada, e mal tinha acendido um cigarro. Quando disse
que minha droga era ela, eu não tinha considerado que ela estava
substituindo todas as outras drogas da minha vida. Tentei colocar os
pensamentos de lado, não sobrecarregar os sentidos com aquelas
informações que me atrapalhariam o passeio. Vesti jeans e blusa de
malha, peguei um casaco e calcei tênis - estava pronto.
Giovanna também aderiu aos jeans, ela parecia interpretar uma
personagem quando colocava aquelas roupas de executiva. Eu
podia estar errado, mas aquela mulher jovem, de jeans e blusa
florida, era a verdadeira Giovanna Viola. Com sapatilhas e bolsa de
grife, ela era uma patricinha diferente das outras, só precisava dar
uma freada no consumismo. Esperava que a feira, de tecnologia
sustentável, ajudasse a colocar algumas boas ideias na sua cabeça.
— Estou pronta, Simonov. Leve-me para passear.
Ela agarrou no meu braço e descemos daquele jeito, abraçados,
até o saguão. Iríamos caminhar pela orla do Danúbio, visitar o
parlamento e o mercado central. Era um para cada lado, mas
tínhamos o dia inteiro para passear, afinal. Enquanto caminhávamos
admirando a paisagem, peguei um cigarro. Era pensar em não
fumar e a vontade incomodava. Giovanna tomou da minha mão,
mas não jogou fora, como pensei, apenas deu uma tragada.
— Não sabia que fumava.
— Não fumo. — Ela disse, sem me devolver o cigarro. — Mas,
se vou me intoxicar com sua fumaça, melhor que seja eu a tragar.
Podia fazer sentido. Fomos primeiro ao mercado, e caminhamos
de mãos dadas pelo trajeto, sem conversarmos muito. Vez ou outra
ela me abraçava, envolvia minha cintura e enfiava o nariz na minha
roupa. Se alguém nos visse, diria que éramos um casal apaixonado.
Certo, eu estava apaixonado, eu tinha caído na minha própria
armadilha. E, naquele momento, foi a primeira vez que eu me
lembrei qual era meu papel naquela história. Por que eu tinha
conhecido Giovanna, por que tinha me enfiado em sua vida. Não
quis pensar naquilo, empurrei para o fundo da cabeça, escondi em
um lugar sem chave.
Estávamos recostados na mureta que nos impedia de cair no rio,
apenas olhando o movimento e tomando sorvete, quando ela
decidiu tocar em outro ponto muito complicado para mim. Algo que
eu também não estava normalmente a fim de falar.
— Simonov, conte para mim. Quem partiu o seu coração?
Olhei para ela, confuso. Giovanna tinha umas conversas
estranhas, complicadas, coisa de mulher.
— De onde surgiu esse assunto?
— Sabe, fiquei pensando. Você é bem ferrado, como eu. Alguém
deve ter feito um estrago em seu coração para você ser assim.
Olhei para a água por alguns instantes. Aquele era um assunto
horrível e eu nunca tocava nele. Respirei fundo, fiz uma careta, mas
Giovanna não parecia a fim de desistir de falar sobre aquilo.
— O nome dela era Tatyana. — Confessei. Devia ser a primeira
vez que eu falava o nome dela em voz alta desde muito tempo. —
Eu a conheci quando tinha dezenove anos, logo depois de fundar a
FiberGen.
— E o que houve? Por que alguém abandona um magnata da
tecnologia que é mestre em sexo oral?
Quase engasguei com saliva. Algumas vezes, Viola era direta
demais e me pegava de surpresa.
— Não, ela não me abandonou… eu não sei. Ela queria um
homem que lhe desse atenção e cuidasse dela, eu estava com uma
empresa em ascensão. Estávamos em momentos diferentes e ela
decidiu ir embora. Eu a amava, eu nunca me abri novamente porque
eu não queria sentir aquela perda outra vez. Não valia a pena.
Viola passou a mão por minha face. Eu estava tremendo, pensar
em Tatyana era dolorido demais, mesmo tantos anos depois. Ela
tinha, sim, feito um rombo em meu peito e eu jurava que ele nunca
ia cicatrizar. Segurei a mão de Giovanna e a beijei, mantendo-a em
minha bochecha. Era bom sentir seu toque, era bom tê-la ali,
naquele momento, enquanto eu sangrava por dentro por causa do
passado remexido.
Voltamos a caminhar, na direção do parlamento, ainda mais
silenciosos. Tinha alguma coisa estranha com Giovanna, na
verdade, desde que chegamos a Budapeste. Eu pensei que aquela
viagem fosse servir para nos aproximar, e estávamos muito
próximos, mas era como se isso a incomodasse. Tive medo que
minha precária declaração a tivesse assustado, só que ela
continuava me cobrindo de carinhos. Então, o que a deixava tão
perturbada?
— Quem partiu meu coração foi meu pai. — Ela disse, sem que
eu precisasse perguntar, aleatoriamente, enquanto percorríamos a
orla do Danúbio. — Eu nunca o conheci, sabe? Ele nunca esteve
presente para mim, era apenas uma foto em um porta-retratos. Um
dia, decidi encontrá-lo. Achei-o, liguei para ele, mas ele disse que
não tinha filha, disse que não sabia do que eu estava falando.
— Seu pai foi seu amor não correspondido. — Entendi. Ela fez
que sim com a cabeça, indicando que aquele também era um
assunto proibido. Giovanna tinha razão, éramos dois fodidos. — E
por isso você acha que seus relacionamentos vão ser todos assim,
como foi o da sua mãe com seu pai? Ou o seu com ele?
— Eu nunca tive um relacionamento, Simonov. Não acredito em
homens, nem nessas coisas românticas.
Doía ouvir aquilo, porque ela era uma mulher incrível. Talvez não
fosse, antes, quando ainda era uma patricinha mimada - palavras
dela mesma. A Giovanna Viola que eu conheci era fantástica. Não
conseguia acreditar que nunca, nenhum homem, tivesse conseguido
romper aquela fortaleza.
— Pensei que o doutor tinha sido um namorado. — Arrisquei.
Minha mão formigou, lembrando do primeiro homem que me
despertou ciúmes em bastante tempo.
— Jonas foi o que chegou mais perto. — Ela parecia estar em
um confessionário. Paramos novamente, sentamos em um banco de
rua. — Ele era insistente, ficamos juntos algum tempo. Mas era
diferente, sabe? Não era como…
Ela parou no meio da frase. Entendi que faltava um parâmetro de
comparação, ou que ela não estivesse sabendo estabelecer um. Eu
podia insistir um pouco, talvez ajudasse a Viola a se abrir.
— Não era como… o relacionamento de seus avós? Primos?
— Eu não sei. — Ela me encarou. — Nunca fiquei com um
homem de forma íntima tempo o suficiente para saber dizer. Só sei
que eu e Jonas não éramos um casal, apenas o sexo durou mais do
que os outros.
— O doutor devia ser bom, afinal. — Provoquei, mas a ideia de
Giovanna fazendo sexo com um homem qualquer, mesmo que anos
no passado, me corroía por dentro.
— Era bom, mas não era como…
Ela mordeu os lábios. Olhou para mim, olhou para a paisagem,
olhou para o nada. Sua expressão era de quem precisava dizer uma
coisa só que ela não sabia como dizer. Eu ainda não tinha visto
Giovanna sem palavras, ou sem conseguir rebater uma fala
qualquer. Ela tinha a língua afiada - e que língua! - e sempre sabia
como se expressar. Ali, naquele momento, sob o céu húngaro da
primavera europeia, ela estava travada. Podia ser o clima, o
ambiente, a água, qualquer coisa.
— Você tem uma projeção ideal de como seja um
relacionamento, é isso? — Tentei ajudá-la a destravar.
— Sinceramente, não. Para mim, são todos horrorosos, por isso
nunca quis. Meus modelos de relacionamentos foram todos
medíocres, até…
— Então o que fez o doutor não ser um namorado, Viola? O que
ele não teve, o que foi diferente?
Giovanna olhou para mim e levantou. Girou trezentos e sessenta
graus e parou no mesmo lugar. Mexeu os braços, quis dizer algo
para mim, olhou para a paisagem de novo. E então ela riu, ela
gargalhou histericamente, enquanto seu corpo todo tremia como se
ela fosse um vulcão em iminente erupção.
— Eu não sabia, Simonov. Até agora, eu não tinha como
responder a sua pergunta, e seria fácil dizer que eu não sabia. Só
que, agora, eu tenho um padrão, eu tenho métrica, e eu não sei
lidar. — Giovanna passou as mãos pelos cabelos, ajeitando-os. O
vento fazia com que eles voassem e cobrissem seus olhos,
eventualmente. — Sabe o que o doutor não tinha, porque não era
um relacionamento, o que faltava? Você.
Certo, eu não entendi. Olhei para ela, sem conseguir me
expressar, e mantive a seriedade enquanto ela respirava tão
acelerado que eu podia ver seu diafragma subir e descer.
— O que tem eu, Gio?
— O padrão, o que eu entendo como um relacionamento, o que
faltava nos outros é o que eu tenho com você. Sabe, eu nunca
dormi com homem algum. Eu os expulsava da cama logo depois do
sexo e os mandava para casa. Ou eu mesma me mandava da casa
deles. Então, eu nunca acordei ao lado deles, sorrindo como uma
boba, procurando, com as mãos, quem deveria estar ali. Eu nunca
usei o banheiro na casa de nenhum cara, nem andei de mãos dadas
por aí. Essa coisa que nós temos, entende? Você entende,
Simonov?
Eu sorri. Era claro que entendia, porque eu também não tinha
aquelas coisas com ninguém, desde meu ex-amor. Aquilo tudo
estava guardado dentro de mim, trancado, porém ela encontrou a
chave. Ao lado de Giovanna eu ficava até mesmo romântico, brega,
ridículo. Era uma situação com a qual eu não sabia lidar bem, mas
que estava tentando deixar fluir. Não mais porque eu tinha uma
porra de missão a cumprir, mas porque a diaba da Viola era xeque
mate, para mim. Levantei, fui até ela e a abracei. Ela nem tentou
esquivar, envolveu-me com seus braços e afundou o rosto em
minha camisa.
— Giovanna Viola, você não sabe o quanto é novo e diferente,
para mim também, todas essas coisas. Como é estranho, e ao
mesmo tempo fenomenal, querer dormir e acordar do seu lado.
Querer te ver de manhã. Querer te ver de tarde. Querer te ver de
noite. — Puxei sua boca para mim e a beijei. Ela passou as unhas
em minhas costas, como se tivesse garras. — Eu estou apaixonado,
Viola, e isso é totalmente inacreditável.
— Mas que dupla nós somos.
Ela disse, abafando a voz em meu pescoço. Ficou ali um tempo,
respirando em minha pele, imóvel. Eu só podia sentir que seu
coração batia, mas ela permanecia em silêncio, agarrada a mim.
Parecia mais difícil para ela abrir o coração do que para mim - o que
era curioso, porque quem estava totalmente fodido naquela situação
era eu. Eu não tinha sequer o direito de me apaixonar.
— Quer voltar para o hotel? — Perguntei, um pouco preocupado
com a sua reação.
— Quero. Acho que eu quero, sim, passar o dia no quarto, afinal.
Mas, sabe, eu preciso falar antes. — Ela se afastou e me olhou.
Sorriu, colocou a mão em meu rosto de novo. Estava fria, úmida, ela
estava nervosa. — Eu também estou apaixonada, Alexei. O
universo é testemunha que eu tinha que te odiar e te expulsar da
minha empresa, eu prometi que faria isso. Mas, falhei. Eu quero
você, e quero tanto, que não sei como lidar com esse sentimento.

Luz entrou pela janela, que estava aberta e soprando um vento frio
da manhã húngara. Sentei subitamente na cama, saída de um
sonho muito maluco em que eu tinha dito a Alexei que o amava.
Olhei para o lado e ele estava dormindo, com o peito descoberto.
Passei bons minutos olhando para ele. Para os cabelos escuros e
bem cortados, que pareciam combinar com alguém uns dez anos
mais velho que ele, mas que eu jamais imaginaria vê-lo de outra
forma. Lisos, macios, cheirando a suor, tabaco e fluídos. Como
havia fluídos no cabelo dele? Tracei com os dedos, sem tocá-lo, a
linha de seu maxilar, até o furinho do queixo, e repousei os olhos
naquela boca perfeita que eu adorava beijar. E que beijava tão bem,
que tinha sabor de perversão e delírio. Eu nem sabia que perversão
poderia ter gosto, mas ele tinha.
Quis beijá-lo, mas ele estava dormindo sereno. Desci pelo
pescoço, o sombreado da barba por fazer, até seu peito e aqueles
fios de cabelo que estavam ali, meticulosamente colocados,
dispostos ao redor dos mamilos, espalhados com perfeição por
alguém que fez um ótimo trabalho ao criar Alexei Simonov. Puxei o
lençol um pouquinho, percorrendo sua barriga, os pelos descendo
cuidadosamente até o quadril. Eu sabia que ele era lindo, mas tinha
ficado ainda mais depois que confessamos nossos sentimentos. Ele
estava mais lindo, mais perfeito, mais divino. Simplesmente não
sabia como lidar com o furacão que estava dentro de mim. A todo
momento ele podia se libertar e fazer um baita estrago, só que não
conseguia mais contê-lo.
A coisa entre nós já tinha definição e forma. Não era mais uma
coisa. Era paixão e desejo, estávamos apaixonados e tínhamos
histórias e demônios próprios que dificultavam aquele processo.
Não ia pedir a Alexei que me falasse mais sobre Tatyana, ela
parecia ser uma fonte de dor e eu não queria vê-lo sofrer. Olhando
ali, para ele, meu peito sufocava e minhas entranhas ardiam,
consumidas por fogo, porque os sentimentos eram tão intensos e
súbitos que não pareciam com nada que eu já tinha ouvido falar,
antes.
Tínhamos voltado para o hotel e não saímos mais do quarto,
para nada. Pedimos comida pelo serviço de quarto e ficamos ali,
sem nos preocuparmos com roupas, com relógios, com
compromissos. Era domingo, era dia de descanso. E fizemos sexo,
ah, como fizemos. Eu não tinha brincado quando disse que ele era
um mestre do sexo oral, mas tinha sido injusta - ele dominava a arte
do sexo, em si. Alexei fodia como ninguém, era a verdade que
gritava na minha cara. E dormimos jogados, misturados com suor,
saliva e outros fluídos corporais. Explicado por que o cabelo dele
parecia… melado. Droga.
Mas era segunda-feira, e eu tinha enormes expectativas para a
feira, afinal. Pulei da cama e fui para o banheiro, querendo tomar
banho e me aprontar. Estava esfolada, vermelha, marcada pela
noite de excessos. Tínhamos consumido umas três garrafas de
vinho, fumado uns dois cigarros, trepado como se nunca mais
fôssemos fazer aquilo na vida. Eu estava mentalmente desbocada,
era inevitável porque Alexei despertava coisas estranhas em mim.
Joguei a água do chuveirinho entre as pernas, sensível demais,
sentindo a ardência de uma noite sendo penetrada de todos os
jeitos possíveis. Uma barreira não rompemos, mas só faltava ela,
mesmo.
— Bom dia.
A voz grave de Alexei entrou em meus ouvidos e eu sorri.
Homem maldito, que tinha estabelecido padrões inatingíveis para
todos os outros da Terra. Ele entrou no boxe, sem pedir permissão,
e se enfiou no banho comigo. Beijou minha boca molhada, debaixo
do chuveiro, deslizando seu corpo em contato com o meu.
— Qual é a programação de hoje? — Perguntei, desvencilhando-
me com dificuldade daqueles braços maravilhosos ao meu redor.
Era impressão minha ou eu tinha comprado um dicionário de
adjetivos para definir Alexei? — Teremos mais eventos ou apenas
as mostras?
— Temos palestras, sim, mas recomendo que se dedique à
exposição. Você tem material para expor?
— Sim, os Siqueira fizeram uma apresentação magnânima.
Estou escondendo como se fosse documento confidencial.
Ele riu e me beijou de novo, não me deixando continuar a falar.
— Você é gostosa para caralho. — Sussurrou no meu ouvido,
empurrando meu corpo contra os azulejos. — Não me deixa perder
a linha.
— Sério que você está falando isso para mim? — Disse,
passando a mão por suas costas e sua bunda. — Eu estou com
medo de te agarrar no meio de todo mundo.
Alexei deu uma risada e rompeu a conexão sexual entre nós -
para nossa sorte. Estava difícil me libertar do desejo por aquele
corpo nu na minha frente, quem estava precisando de medida
cautelar era eu. Não que eu precisasse, realmente, me libertar dele,
mas eu não podia passar o tempo todo na cama com Alexei. Ou
podia? Terminamos o banho quase civilizadamente, com algumas
poucas provocações. Tudo bem, não foram poucas, porque minha
mão não conseguia ficar parada. A solução que encontrei foi
oferecer-me para ensaboá-lo, e dedicar algum tempo esfregando e
tocando as partes que eu já tinha gastado na noite anterior, mas que
ainda queria tocar.
Quando finalmente conseguimos nos vestir e descer para o café,
encontramos de novo a figura desagradável de James Burnshaw.
Havia outros rostos, então conhecidos, no restaurante. Aquele
homem me irritava e eu imaginava ainda que ele fosse me perturbar
mais.
— O quanto vamos fingir? — Ele me perguntou, escolhendo uma
mesa para nós.
— Temos que fingir?
— Claro que não. Mas é uma decisão sua, querer aparecer
como mais alguém que está saindo comigo.
Encarei-o por alguns segundos, apenas o suficiente para não
querer me jogar sobre ele.
— Alexei, você costuma “sair” com as mulheres? Passar o final
de semana de um evento importante com elas no quarto? — Ele fez
que não com a cabeça, rindo. — Então, eu não serei “mais alguém”
saindo com você. Quem nos vir, vai saber que nosso rolo é
diferente, não vai?
— Com certeza, principalmente se vir isso.
Ele me puxou pela cintura e me beijou. Foi rápido e sutil, já que
estávamos em um local inadequado, mas foi o suficiente para que
algumas pessoas nos olhassem e achassem estranho. Alexei
Simonov não fazia aquelas coisas com qualquer mulher, eu sabia e
todo mundo sabia. Eu não ligava de tornar público o que estava
havendo entre nós, a coisa mais difícil eu já tinha feito, que era
admitir meus sentimentos por ele.
A exposição não aconteceria no mesmo hotel das palestras, mas
na Universidade de Tecnologia e Economia de Budapeste. Como
Alexei teria uma conferência, o Batmóvel me deixou primeiro.
— Você vai ficar bem? — Ele perguntou, de dentro do carro.
— Claro que vou. Logo vão chegar as notícias sobre mim:
novata brasileira detona feira de tecnologia na Europa.
Alexei deu uma risada e me puxou para dentro, beijando minha
boca. Caminhei, meio desequilibrada, para dentro da universidade,
com as pernas trêmulas da exaustão do sexo e da proximidade
daquele que me tirava o controle. Pelo menos passaria um dia
inteiro por conta própria, nadando entre os tubarões, para me
desintoxicar de Simonov. Identifiquei-me na entrada: Senhorita
Viola, Protomak, Brasil. Fiquei orgulhosa, pela primeira vez, em
ostentar o sobrenome da família e em levar o nome de vovô para o
exterior. Pendurei o crachá e desfilei, com minha pasta de notebook,
pelo espaço, procurando meu estande. Já tinha muita gente
andando de lá para cá e arrumando seus produtos. Alguns eram
robôs, outros tinham vídeos, outros levavam equipamentos que eu
não fazia ideia do que eram.
— Srta. Viola? — Uma pessoa me interpelou. Era um homem
jovem, da organização, vestindo uniforme preto e com um sorriso
obrigatório.
— Sim, o senhor é...
— Sou Thomas, vou conduzi-la ao seu estande. O Sr. Simonov
deixou instruções para que eu atendesse a senhorita no que fosse
preciso.
Então, o vagabundo do meu sócio tinha colocado alguém para
me paparicar. Não sabia se queria matá-lo ou beijá-lo, mas a
verdade era que eu esperava não precisar de Thomas. Segui-o até
o lugar reservado para mim, que continha exatamente o que eu
precisava: projetor de imagens, tela branca, ambiente virtual de
teste. Algumas coisas eu tinha solicitado à organização do evento,
outras eram uma grata surpresa, provavelmente de Alexei. Agradeci
a Thomas e montei meu equipamento, usando a mesclagem da
logomarca da Protomak com a dos gêmeos para atrair visitantes.
Quando a exposição abriu, eu era o estande mais procurado por
quem atuava no ramo de segurança de software e tecnologia.
Foi uma manhã intensa, em que nem tive tempo de olhar meu
telefone celular ou beber água ou ir ao banheiro. Várias pessoas
queriam entender a tecnologia dos Siqueira, outras eram apenas
curiosas querendo testar o ambiente seguro. Dois hackers serviram
de mídia espontânea ao tentarem, sem sucesso, derrubar a
segurança montada por minha equipe. Quando chegou o almoço, eu
estava exausta e faminta, porém sozinha. Procurei pelo refeitório da
universidade e decidi que almoçaria ali mesmo, principalmente
depois que encontrei minha nova colega Carmen.
Ela acenou, sentada em uma mesa.
— Viola. Vamos almoçar, venha.
Sentei-me ao lado dela, que analisava um pequeno cardápio.
— Já sabe como funcionará o esquema?
— A cozinha preparou dois pratos para nós, do evento. Tem
muito estudante da universidade participando da feira, então eles
montaram um cardápio para nós. Acho que vou ficar com a carne, e
você?
Olhei brevemente para o papel e optei pelo prato vegetariano,
com grão de bico. Pagamos o nosso pedido no caixa e esperamos
que ficasse pronto e servido em uma bandeja. Era tudo muito
rústico, até para mim, e imaginei que Carmen não tinha comido em
um lugar daqueles, ainda. Eu passei por aquela realidade quando
estudei na UFES, e não tinha sido há tanto tempo, assim. Achei
graça em vê-la um pouco atrapalhada com a bandeja e os talheres
pouco refinados, mas a comida estava gostosa, afinal.
— Não te vi na exposição. — Disse, querendo puxar conversa.
— Mas, também, nem consegui sair do meu estande.
— Eu te vi. Confesso que esperava ter esse momento com você,
para poder discutir minha proposta. Eu fiz uma oferta aos gêmeos,
mas eles não queriam vender para nenhuma empresa europeia. —
Ela confessou, com uma boa nota de sinceridade em suas palavras.
— Mas acha que eles aceitarão que eu negocie a tecnologia com
você.
— Sim, acho. Eles não querem impedir o uso do programa,
Viola. Eles só querem seguir alguns padrões, sei lá. Você era a
pessoa ideal para eles: jovem, de país periférico, nova no ramo,
pequena, mas não demais. Foi Simonov que investiu em você?
— Foi a FiberGen. — Insisti em esclarecer que não tinha sido o
homem, mas a empresa, a me emprestar o dinheiro. Talvez não
fizesse diferença. Carmen assentiu e mastigou um pedaço de bife,
antes de prosseguir.
— Serei indiscreta. Você e Simonov, o que há entre vocês é mais
do que sociedade, não é?
— É. Mas não era quando ele aceitou financiar a tecnologia.
— Viola, você é uma mulher boa. Vi você na mostra, e a forma
como lida com esses animais é intrigante. — Carmen disparou. —
Você é boa demais para ser uma conquista do Simonov. Mande-o à
merda, pague o que deve e siga seu caminho.
Dei uma risada e quase cuspi a comida que estava na boca.
Precisei beber um pouco de água para retomar minha voz.
— Eu não sou uma conquista dele, Carmen. Sei que ele tem
essa fama, só que as coisas conosco são diferentes.
— Todas sempre acham isso. Ele acaba nos descartando como
embalagens plásticas.
— Ele descartou você? — Aquilo era novidade, para mim. Não
sei por que, já que eu tinha consciência de que Alexei comia todas
as mulheres que passavam em seu caminho.
— Poderíamos ter feito coisas grandiosas, juntos. Só que aquele
coração de gelo não ama, nem se abre para ninguém. Ele nos
afasta, mais cedo ou mais tarde ele vai te expulsar da vida dele,
também.
Comprimi os lábios e encarei Carmen. Claro que ela me falaria
isso, eu duvidava que alguma mulher tivesse algo que abonasse
meu sócio. Na cama, talvez. Porque ele era fabuloso na cama, ele
era um espetáculo, quase a oitava maravilha do mundo.
— Entendo. Mas não precisa se preocupar, eu posso estar
usando-o da mesma forma que ele está me usando.
— Você acha isso? É como se sente?
Não, não era. Mas eu não ia confessar minha paixão para
Carmen, ela me acharia uma idiota. De certa forma, saber que ela
tinha sido um caso de Alexei não me fez repeli-la, mas ter pena.
Odiava sentir pena, mas Carmen me despertou aquela sororidade
de quem entende uma mulher usada e jogada fora por um cara
desprezível. Eu nunca tinha passado por aquilo, mas era
exatamente para não passar que eu não me envolvia. E talvez ela
estivesse certa, talvez o homem tivesse me enrolando, ou fosse se
cansar de mim rapidamente. Eu teria que decidir se queria viver
intensos momentos ao lado dele, enquanto durasse, ou se iria
preservar minha sanidade e me livrar dele antes que acabasse. A
verdade era, eu conseguiria me afastar de Alexei?
Claro que não. Então, aquela conversa era retórica.
— Sei onde estou pisando. Mas, obrigada por preocupar-se
comigo.
— Como eu disse, você é boa e precisamos estar juntas para
vencer nesse mundo. Pronta para ouvir minha proposta, agora?
Carmen sorriu e me entregou um tablet, com alguns arquivos
virtuais para que eu analisasse. Enquanto terminava de comer,
examinei meticulosamente a proposta que ela fazia, que era bem
arrojada ao pleitear exclusividade da tecnologia. Mas as cifras que
elas ofereciam eram quase irrecusáveis e eu já estava mesmo
tendenciosa a negociar com ela. Nunca fui muito de seguir apenas a
razão, sempre fui puro instinto e isso me fez cometer muitos acertos
e muitos erros. Só que vovô era assim, também puro instinto e
quase nenhuma racionalidade. Eu pretendia dosar, equilibrar - tudo
era uma questão de equilíbrio.
— Vou analisar sua proposta. Sabe que preciso de um parecer
dos gêmeos e do meu investidor.
— Claro. Aproveite para pedir logo a opinião do investidor, pois
ele acaba de chegar.
Virei para onde Carmen estava olhando e Alexei estava parado
na porta do refeitório, olhando para dentro. Nossos olhos se
encontraram e ele sorriu, aquele momento ridiculamente patético de
pessoas apaixonadas. E lá estava abandonado o meu equilíbrio.
O PASSADO TEM OLHOS AZUIS

Alexei Simonov
A , apesar das presenças
desagradáveis de alguns desafetos meus. Não aguentava mais
Burnshaw me perseguindo, mas era melhor que ele viesse atrás de
mim do que fosse atrás de Giovanna. Eu não precisava me
preocupar em poupá-la, ela era bastante forte e sabia cuidar de si
mesma, mas, parte de mim queria cuidar dela. Depois que falei para
uma plateia de mais ou menos duzentos engravatados, como eu,
sobre tecnologia limpa e compromisso sustentável, o que a
FiberGen praticava há dez anos, já era hora de almoço e eu queria
ver a Viola. Fazia muito tempo desde que eu me apaixonei pela
última vez, e jurei, mesmo, que seria a última. Não lembrava direito
das sensações, mas eu me sentia meio bobo. Certo, muito bobo.
Peguei o carro e fui até a universidade. Tentei falar com ela pelo
celular, só que a diaba não respondeu minhas mensagens. No
trajeto, fiquei pensando no problema que eu tinha em mãos. Eu teria
que burlar a vingança de Ilia, mas como faria isso? Tinha dois
meses, uma semana já tinha se passado, e o relógio ia
estrangulando as opções de alguém sair ileso daquela confusão.
Não se brincava com a máfia. Não se brincava com Ilia. Ele tinha
duas formas de resolver as coisas, uma era fazendo com que elas
acontecessem. A outra, era na ponta do revólver. Eu poderia
resolver da mesma forma que ele, mas Giovanna jamais me
perdoaria se eu matasse alguém, menos ainda se soubesse o que
me conduziu a ela.
Giovanna não me perdoaria. Aquela verdade era o que mais me
oprimia o peito no momento. Eu podia matar Ilia, podia matar meio
mundo, podia virar o Rambo, mas o que importava era que eu não
teria a compreensão da mulher que eu amava. Caralho, eu não
sobreviveria a essa paixão, a essa porra toda. Essa mulher seria a
minha ruína, e a culpa nem seria dela, mas minha mesma. Eu era o
responsável, eu era o soldado, eu puxava o gatilho. Aquela pose de
homem gentil e romântico era falsa. Era só para ela. E ela não iria
me querer, mais, quando soubesse tudo. A verdade.
Ela estava lá, no refeitório, comendo com a espanhola. Esperava
que Carmen não antecipasse o caos e falasse um monte de
bobagens para Giovanna, porque eu não queria ter que lidar com
ex-casos.
— Oi, sócio. — Viola se aproximou e me beijou na boca. —
Pensei que ia ficar a tarde toda ocupado.
— Estou ocupado. Tenho que perambular pela exposição, todos
esperam que eu esteja aqui, apoiando as inovações e as
negociações. Fez uma amiga?
Carmen também se aproximou, andando como uma felina.
Aquela mulher sempre foi ótima, mas ela queria mais do que eu
podia oferecer. Todas elas queriam, mas eu só tinha amado, até
então, Tatyana. Não pude retribuir a nenhuma outra, depois dela.
— Veio cuidar do investimento, Simonov? — Ela provocou.
— Tenho certeza que Giovanna consegue fazer isso sozinha.
— Já que está aqui, podemos discutir uma proposta. — Mostrei
a ele meu tablet. — Não quero apresentar aos gêmeos antes de
falar com você.
— Em duas horas, pode ser? Preciso encontrar algumas
pessoas e passar por alguns estandes.
Viola assentiu. Eu me afastei e fui até a sala da reitoria, pois
tinha que conversar com os chefes. Depois de uma chatíssima
reunião com o reitor e alguns puxa-sacos, em que fui homenageado
por ajudar financeiramente a universidade, com algumas doações,
fui visitar a exposição. Tinha sempre muita coisa fantástica por lá,
mas não estávamos procurando nem investimentos, nem nova
tecnologia. A FiberGen estava investindo em pesquisas, para
desenvolver novidades no campo das cirurgias com nanotecnologia,
e isso estava consumindo nosso caixa. Mas era um bom
investimento, afinal.
Encontrei minha sócia no estande da Protomak, cercada de
urubus. Aqueles homens não queriam só ver a tecnologia dos
gêmeos, eles queriam também azarar a mulher maravilhosa que a
tinha comprado. Giovanna usava um tailleur bege, estava linda e
gostosa o suficiente para me fazer desejar encostá-la na parede e
comê-la ali mesmo, no meio de todo mundo. Se eu me sentia
daquela forma, os machos ao redor dela também sentiam, eu tinha
certeza. Conhecia os tipos. Recostei-me em uma pilastra e fiquei
observando como ela os comandava e dominava, como se fossem
cachorrinhos. Nenhum sobreviveria à Viola por uma semana. Eu
quase não sobrei para contar a história.
Tive uma ideia louca, muito louca, porque eu não parava de
considerar como me livrar da tal vingança de Ilia. Eu poderia contar
tudo para Giovanna. Implorar seu perdão, provar que a amava. Era
a segunda vez que eu mentalizava - eu a amo - e isso me assustava
até mais do que Ilia. Era muito cedo, muito intenso, muito
estapafúrdio o que eu sentia por ela. Claro que era mais sexo do
que tudo, só que eu nunca tinha me sentido daquela forma, com
ninguém. Eu podia contar tudo, revelar a verdade, ser sincero. E aí,
só aí, nós forjaríamos um plano para mentir para Ilia. Enganar um
dos chefes da máfia russa não era uma tarefa simples, mas
poderíamos conseguir. Não, era arriscado demais, mas não por
enfrentar Ilia. Porque a Viola não me perdoaria, ela não aceitaria
minhas desculpas.
Como ela estava muito ocupada, fui andar pela universidade.
Tinha que responder alguns e-mails, verificar algumas transações
dos meus diretores, gerir a FiberGen à distância, algo com o que já
estava acostumado. Perdi noção da hora e só olhei no relógio de
novo por volta das cinco da tarde. Eu tinha prometido à Viola que
discutiria com ela a proposta de alguém, que eu suspeitava ser de
Carmen, mas me entretive com o trabalho e esqueci da vida. Pensei
em ir até ela quando Klaus sentou-se ao meu lado.
— Simonov. Não te vi na abertura.
— Fuhler. — Cumprimentei-o com um aceno de cabeça. — Eu
estava indisposto, por isso não pude ir. Fazendo muitos negócios?
— Interessado em algumas tecnologias, mas não fiz nenhuma
proposta, ainda. Esperarei mais alguns dias.
— Certo. Bem, tenho que ver minha sócia. — Levantei,
guardando meu celular no bolso. — Ela está no estande da
Protomak, minha nova aquisição.
— Vamos ao bar hoje? Os homens estão programando pegar
umas garotas.
— Não estou a fim, Fuhler. — Recusei sem nem questionar. Era
claro, para mim, que eu já tinha a mulher que queria, na minha
cama. Mas meu colega certamente estranhou que eu, Alexei
Simonov, não quisesse sexo fácil em algum bar húngaro.
— Bem que disseram que você amoleceu, Simonov. Se quiser,
nos encontre lá.
Klaus enfiou um cartão no meu bolso do paletó e se afastou. Fui
até Giovanna, querendo chamá-la para sair. Talvez ir a um bar não
fosse uma ideia ruim, porque precisávamos mesmo sair, ver
pessoas, não nos perder novamente um no outro, ou íamos passar
o tempo todo na cidade dentro do quarto. Mais uma vez, a Viola
estava cercada por machos insuportáveis. Estava na hora de chegar
espantando aquele bando de lobos dali. Merda, será que eles ainda
não tinham entendido que a mulher era minha e não queria nada
com eles?
Aproximei-me com as mãos nos bolsos. Os olhos dela brilharam
ao me ver, mas ela continuou explicando, em um inglês impecável, o
que representava a tecnologia que ela queria negociar, naquela
feira. Se eu chegasse mais perto, isso poderia fazer com que os
urubus pensassem que ela não era capaz, sozinha, então mantive-
me ali, a um braço de distância de pegar alguém pelo pescoço.
Quando a apresentação acabou, alguns dos caras ficaram para
discutir como fazer propostas. Naquele momento, cheguei por trás
ela e coloquei a mão em seu ombro.
— O que acha de, ao encerrar por aqui, irmos a um bar?
Ela se virou, com uma expressão adolescente.
— Vamos poder passar no hotel primeiro? Estou precisando
trocar esses sapatos, essa roupa não combina com bar, meu cabelo
cheira a esse monte de homem…
— Claro que vamos. — Beijei sua orelha. — Conheço um lugar
legal, alguns caras da feira estarão lá.
— Amigos seus? — Ela me encarou com dúvida.
— Colegas. Não tenho amigos.
— Tudo bem, então vamos.
Giovanna pegou seu notebook, desconectando da parafernália
do estande, enfiou em uma pasta e veio comigo. Deixei de fora o
detalhe que os caras queriam pegar mulher, no bar, mas eu já ia
com a minha e não precisava entrar na pilha deles. Era apenas um
lugar para beber e dançar, eu repetia para mim mesmo, enquanto
estávamos a caminho do Four Seasons. Para minha sorte, ela
estava a fim de sair e se enfiou no banho sem nenhuma provocação
sexual. Nem sei se posso chamar isso de sorte, mas Giovanna logo
estava se arrumando. Fiz como ela, tomei uma chuveirada e vesti
roupas que geralmente não usava: jeans e camisa sem botões.
Olhando para mim, eu até parecia jovem, e não aquele velho de
oitenta anos que Dmitri me acusava de ser.
Estava com saudades do meu irmão. Precisava falar com ele,
contar para ele como eu estava me sentindo e pedir que ele me
orientasse. Dmitri entendia sobre amores, paixões, relacionamentos.
Ele tinha um, e era maravilhoso. Eu o invejei desde sempre, pois
acreditava que nunca teria alguém que me fizesse feliz como Pedro
o fazia. Só não podia, ainda, projetar essa felicidade toda em uma
pessoa apenas. Tinha que curtir o momento e entender que eu era
responsável por meus atos, ainda.
Chegamos ao bar e ainda era cedo, ou seja, iríamos beber
muito. Aquilo provavelmente acabaria em merda, porque Viola não
era muito controlada com bebida, assim como eu. Klaus e o
africano, cujo nome eu não lembrava, estavam bebendo tequila no
balcão. Havia outros caras lá, e eles ainda estavam com a roupa do
dia.
— Que delícia, tem karaokê! — Giovanna me distraiu, apontando
para o palco improvisado em um dos cantos. — Vou querer cantar.
— Você canta, Viola?
— Mal o suficiente para estourar os ouvidos de metade das
pessoas da cidade, mas eu adoro cantar e nem ligo.
— Vamos fazer um dueto, depois.
— Você canta, Simonov? — Ela me devolveu a pergunta.
— Talvez menos mal do que você…
— Caramba, tem alguma coisa nesse mundo que você não faça
bem? — Ela parou na minha frente e colou o corpo no meu.
— Provavelmente, não. — Dei uma gargalhada. — Quer beber,
quer dançar, as duas coisas?
— As duas coisas. Vá me buscar um drinque, depois venha me
levar para dançar.
Segurei a mulher nos meus braços e a beijei. Enfiei a língua na
sua boca, mordi os lábios, ataquei-a sem muita restrição. Podia
servir para saciar minha libido, por algum tempo, e para demarcar
território. Não dava para ficar me enganando, eu queria mesmo que
todo mundo soubesse que Giovanna Viola estava fora do mercado.
Eu esperava que ela concordasse comigo, claro. Depois fui até o
balcão do bar e pedi uísque e um Martini, para ela. Estava me
sentindo feliz, revigorado, mesmo com tantos problemas para
resolver, só que eu era proibido de ser feliz. Sempre que eu sorria,
ou gostava de alguma coisa, alguém vinha e me tirava. Pois bastou
eu me virar para caminhar na direção da Viola para meus olhos me
pregarem uma peça.
Quem entrava pela porta do bar, olhando ao redor como que
procurando alguma coisa, ou alguém, era um dos maiores
fantasmas do meu passado. Alguém que eu pensei que nunca mais
veria. Tatyana.

Giovanna Viola
Eu tinha quinze anos quando meu pai disse que não era meu pai.
Desde os dez, quando eu perguntava para minha mãe sobre ele, ela
desconversava e dizia que eu não tinha pai. Que o homem que me
gerou não era digno de estar na minha vida. Que eu viveria melhor
sem ele. Eu não acreditava nela, eu queria saber, por mim mesma,
como era. Eu fui atrás daquela foto no porta-retratos, eu tentei, de
todas as formas, encontrar o homem cujos genes eu compartilhava.
E eu consegui, depois de vários meses tentando - uma adolescente,
ainda, cheia de anseios e desejos, cheia de vontades e
insatisfações.
Minha mãe tinha razão. Meu pai nunca quis saber de mim, ele
sequer reconheceu a minha existência. Disse que não tinha filha,
não tinha família alguma, e que eu não deveria continuar insistindo
em ligar para ele. Isabella Viola estava correta, eu viveria melhor
sem saber que ele realmente não me queria. Se eu não tivesse me
aberto e me lançado na busca, eu nunca teria me decepcionado
com ele como eu me decepcionei. A dor que senti quando fui
rejeitada foi tão forte que eu jurei nunca mais me jogar de cabeça
em nada daquela forma. Mas eu fiz isso uma segunda vez, eu
mergulhei em meus sentimentos por Alexei Simonov, e teria sido
muito melhor se eu não tivesse feito isso.
Estávamos em um bar, mais parecia uma boate, com música
eletrônica, cheiro de álcool e drogas, e karaokê. Parecia divertido,
seria apenas mais uma noite perfeita dentre outras noites que
passei com meu sócio, mas alguma coisa aconteceu para impedir
que isso acontecesse. Enquanto eu olhava o lugar e movia o corpo
no ritmo da música, louca para ir para a pista de dança, e esperava
Alexei voltar com minha bebida, alguém entrou em nosso caminho.
Não era alguém, simplesmente, qualquer pessoa, era ela - a mulher
com quem eu provavelmente não teria como competir. E nem
queria.
Tinha ouvido Alexei lamentar-se sobre a ex que não suportou
sua vida louca de empresário de uma empresa em ascensão. Do
quanto isso o machucou. Da dor que ela lhe causou. Mas eu não a
conhecia, nunca imaginei conhecê-la. Ela era passado, ela tinha
saído da vida dele. Até aquela noite. Alexei vinha em minha direção,
ele sorriu, mas o sorriso murchou em seus lábios e ele paralisou. A
taça de Martini caiu de sua mão e espatifou-se no chão. Sua
expressão facial era de pura estupefação, como se ele não
soubesse o que estava acontecendo nem o que deveria fazer. Virei-
me na direção em que ele olhava e havia uma mulher. Loira, olhos
azuis e grandes, que circulavam todo o bar. Tinha lábios vermelhos,
brilhantes, e era linda.
Fiquei ali, observando o que acontecia e por que aquela mulher
o fez derrubar a bebida. Não consegui me mover, ir até ele, fazer
nada. Apenas fiquei ali. A mulher continuou procurando alguma
coisa até encontrar - Alexei Simonov. Quando os olhos deles se
encontraram, eu pensei que Alexei fosse desmaiar. Eu assistia a
tudo como a um filme, eu estava espectadora daquele encontro que
não fazia sentido para mim. Dei alguns passos na direção deles, eu
queria saber o que falariam. Alexei nem mesmo me notou ali, ele só
conseguia olhar para a loira cujo nome eu ignorava.
— Lyosha. — Ela pronunciou seu apelido, aquele que nunca
consegui usar. — Ainda bem que acertei o lugar.
Ele não conseguiu esboçar reação antes de virar a dose dupla
de uísque de uma vez só.
— Tatyana, eu… o que você está fazendo aqui?
Meu coração parou quando ouvi aquele nome. Só voltou a bater
alguns segundos depois, e minha respiração estava paralisada. Eu,
inteira, estava imóvel, estatificada, sem saber como lidar ou o que
fazer.
— Eu sabia que estaria na feira. Eu acompanho sua carreira há
bastante tempo, eu nunca deixei de acompanhar a sua empresa. E
eu queria falar com você, por isso vim.
Alexei apoiou o copo em uma mesa qualquer e passou as mãos
nos cabelos. Ele estava visivelmente transtornado, eu deveria
intervir. Deveria entrar na frente dele e afastar aquela mulher, mas
eu não tinha esse direito. Aquela era o amor da vida dele, a mulher
que o machucou a ponto de fazê-lo se fechar para qualquer outro
relacionamento.
— Nós podemos conversar… durante o dia? Quero dizer, é
noite, estou em um bar, eu…
— Sei que parece um momento inadequado, mas também sei o
quanto é difícil interferir entre você e seus negócios. Durante o dia
você só dá atenção para a empresa, pensei que pudéssemos ir a
um lugar mais tranquilo.
— O que você quer comigo, Tatyana?
A voz dele saía tão baixa que eu mal conseguia ouvir. Dei outro
passo em sua direção, eu queria ser vista, mas ele não conseguia
me notar ali.
— Faz algum tempo que eu quero falar com você, só que você
não para em lugar nenhum. Eu queria… podemos ir a outro lugar?
Ele passou as mãos nos cabelos de novo, estava suando. A
mulher o descompensava àquele ponto. Minhas pernas tremiam e
precisei me apoiar em algo. O que diabos estava acontecendo, por
que eu não reagia, porque ele não reagia? Alexei respirava com
dificuldade, eu podia ver e sentir a agonia dele. Ele, no entanto, nem
lembrou que estava acompanhado. Segurou a mulher pelo braço e
saiu com ela do bar, indo na direção da rua. Não fiquei sabendo
para onde ele foi, levei quase dez minutos para esboçar qualquer
reação depois de vê-lo desaparecer pela porta.
Meu peito começou a doer. Não saberia dizer se ela angústia por
ter presenciado tudo aquilo sem conseguir fazer nada, se era ódio
porque ele fez aquilo comigo, se era dor porque eu estava
apaixonada, eu tinha aberto meu coração, e provavelmente teria
que suportar a mesma dor da perda de quando eu era adolescente.
Só que era diferente - meu pai, eu nunca conheci. Não tive carinho,
nem amor, e perdi. Já Alexei... Engoli um bolo amargo de saliva e
rompi pela porta, chamando um Uber com meu celular. Fui direto
para o hotel, enfiei-me no quarto, fechei a porta atrás de mim e
comecei a chorar.
Chorei porque me senti impotente e inútil ao não impedir que ele
me deixasse ali. Chorei porque esperava que ele não fosse me
deixar ali, por achar, mesmo que apenas singelamente, que o que
ele disse sentir por mim era maior do que ele ainda sentia por ela.
Sentei no chão, recostada na porta, abracei os joelhos e chorei
todas as lágrimas que eu não chorei por meu pai, por amores
perdidos, por corações partidos.

Estava deitada no sofá, enrolada em uma coberta, no escuro,


quando ele chegou. Não saberia dizer que horas eram, mas
passava bastante de meia noite. Chegou sozinho, mas pude sentir
cheiro de álcool e cigarro - muito álcool e muito cigarro. Como se ele
tivesse tomado um banho de uísque e sido esfregado com nicotina.
Mantive-me deitada, quieta, e ele passou por mim como se eu não
existisse. Ser ignorada tantas vezes em seguida não era minha
atividade favorita. Voltou para a sala, olhou em volta e me viu, ali.
Eu sabia que ele estava olhando para mim mesmo que eu estivesse
de costas para ele, porque os olhos de Alexei sobre minha pele
ardiam como fogo. Depois de alguns minutos, ele se sentou em
outro sofá.
— Gio. — Alexei chamou meu nome, com a voz parcialmente
embriagada. — Está acordada?
Mantive-me imóvel. Eu não queria saber nada nem ouvir nada
dele, naquele momento, mas não estava apta a dormir.
— É até bom que não esteja. Mas eu vou falar assim mesmo,
certo? Porque estou precisando falar, sabe? — Fez-se novo
silêncio, eu ouvia apenas a sua respiração pesada. — Você viu a
mulher, ela era Tatyana. Eu te falei dela, mas é claro que viu... você
estava lá, eu te deixei lá. Eu sou mesmo um canalha, não é? Mas
eu fiquei tão atordoado quando a vi que não consegui processar
nada, entende? Não consegui reagir, eu apenas a segui. Merda.
Alexei levantou e se afastou. Ouvi ruídos no banheiro, ele estava
despejando o conteúdo estomacal, que deveria ser apenas uísque.
Eu também não tinha comido nada, estava com um rombo no
estômago e outro no peito, então ele provavelmente encheu a cara
de estômago vazio. O chuveiro abriu, desligou, o cheiro de sabonete
e limpeza inundou o quarto. Ele voltou para o anexo, meu corpo
reagiu à presença dele como se nossas energias pudessem se
comunicar uma com a outra.
— Você está mesmo dormindo, não está? Tatyana queria me
contar umas coisas, ela precisava de dinheiro, Gio. Perdeu o filho
recentemente, eu nem sabia que ela tinha filho, era uma criança, eu
fiquei arrasado.
Ouvi um soluço. Virei-me subitamente para encontrar Alexei com
o rosto entre as mãos, chorando. Não como eu tinha chorado, mas
seus olhos vermelhos podiam ser vistos mesmo na escuridão do
quarto. Quem diria que aquela rocha tinha sentimentos a ponto de
chorar? Ele não me percebeu acordada, estava com o olhar fixado
em nada.
— Certo. O menino tinha sete anos, ficou doente, não
descobriram o que ele tinha, ele morreu fazem três semanas. Ela
ainda está de luto. O dinheiro era para algumas despesas que ela
fez; Tatyana não tem uma vida boa como a nossa. Ela se casou com
um homem de classe média e viveu uma vida de classe média,
como ela queria, mas eles se divorciaram e ela passou a fazer
alguns trabalhos para fora, além de receber pensão. Ela nem pode
pagar o funeral do filho, o pai teve que contrair dívidas. Não parece
justo que eu, tão rico, deixei-a mergulhada em dívidas feitas por
causa do filho, não é?
Não sabia por que ele estava falando aquilo para mim, talvez
fosse o álcool, talvez ele apenas quisesse desabafar sobre o que
fez. Eu não sabia o que tinha feito, mas Alexei tinha o cheiro dela.
Eu podia sentir, mesmo naquele hálito alcoólico, o cheiro da mulher
em sua boca. Se ela esteve ali, onde mais teria estado? A ira dentro
de mim estava me impedindo de ser empática, mesmo se eu
soubesse que ela não tinha culpa de nada. Alexei era um
vagabundo devasso, meu problema era com ele.
— Eu preciso tentar dormir, Gio, mas acho que não vou
conseguir. Queria ficar muito bêbado, mas vomitei tudo, agora vai
passar. Se ao menos eu tivesse alguma coisa para me fazer apagar,
eu só quero desligar e fingir que nada disso aconteceu. Não tem
como, não é?
Não, Alexei, não tem como. Empurrar as coisas para o canto,
com álcool e drogas, não adiantaria porque, depois, elas voltariam
para te assombrar. Tatyana era um fantasma que surgiu em um
lugar mal-assombrado para nos abalar, nos fazer rever o que
estávamos fazendo. Virei novamente para o outro lado e o deixei
ignorado, como ele fez comigo. Queria dormir, apenas, como ele,
queria que ele fosse embora. O silêncio, rompido apenas pela nossa
respiração, me embalou em um sono turbulento.
Acordei com claridade no quarto, era dia e era tarde. Peguei o
celular e me deparei com quarenta e sete notificações de
mensagens, todas de minhas amigas, querendo saber da viagem.
Passava das nove da manhã e meu corpo parecia ter saído de um
moedor de carne, dolorido, mas não porque eu passei a noite nos
braços de Alexei, e sim porque dormi de mau jeito no sofá. Não o vi,
ele não estava em lugar nenhum no quarto. Havia um bilhete sobre
o aparador, rabiscado com uma letra garranchada. “Precisei ir ao
banco”, era o que dizia. Não tinha assinado, nem deixado outra
mensagem, apenas aquilo, a informação de que foi ao banco.
Lembrei da noite, quando ele disse que Tatyana precisava de
dinheiro, então ele devia estar com ela, naquele momento.
Raiva me preencheu e eu quis bater nele. A tristeza que me
abateu, no dia anterior, estava transformada em puro ódio e eu
queria causar nele uma dor horrível, porque era o que eu estava
sentindo. Que merda era aquela, eu nunca fui possessiva ou
ciumenta, nunca me importei tanto assim com um homem a ponto
de odiá-lo por amá-lo. Alexei não me devia nada, devia? Ele disse
que estava apaixonado, ele me enganou.
Meu celular tocou e o nome dele piscou no visor. Era claro que
eu não o atenderia, só se fosse para mandá-lo tomar no cu. Ri,
sozinha, como uma hiena, da minha bobagem, e me enfiei no
chuveiro. Não tinha nada da noite para lavar, nenhum cheiro,
nenhum gosto, nada. Decidi que eu precisava de um exorcismo
rápido, que precisava de um tempo para colocar algumas ideias no
lugar. Eu não entendia bem o problema, era verdade, eu não
entendia meu sofrimento. Eu estava sofrendo porque Alexei estava
com o amor da sua vida? Ou porque o amor da vida dele não era
eu? Ou porque eu não suportaria que ele fosse embora, que ele
voltasse para ela, que eu não tivesse mais seu corpo junto ao meu,
seu beijo, sua risada, sua presença?
Eu já estava vestida, morta de fome e preparada para ir à
exposição quando ele chegou. Cheirava novamente a cigarros,
lembrei que ele disse que fumava quando estava nervoso. Sua
expressão era de desalento e exaustão, seus cabelos estavam
despenteados, como se ele tivesse acordado simplesmente e
vestido qualquer coisa para sair. Sua gravata estava desajeitada e
algo dentro de mim sugeriu que aquilo podia ser a expressão física
do resultado de dar uns amassados na ex. Meu cérebro não me
dava paz alguma. Olhei para ele por um minuto, os lábios fechados
em uma linha fina, peguei minha bolsa e quis sair. Alexei me
segurou pelo braço.
— Gio, vamos conversar.
Soltei-me dele.
— Alexei, não sei se consigo fazer isso agora. Eu vou descer e
vou reservar outro quarto para mim, assim...
— Não faça isso. — Ele me interrompeu. Colocou-se à minha
frente, seus braços se moveram em minha direção, mas ele desistiu
de me abraçar. Fez bem, eu estava cheia de espinhos naquele
momento e provavelmente ele se machucaria. — Deixei-me explicar
o que houve. O que está havendo.
— Você transou com ela?
Disparei, daquele jeito que eu sabia fazer bem. Sem um pingo de
racionalização, apenas dando vazão ao sentimento inaceitável que
estava aprisionado no meu peito. Ele pareceu atordoado com a
pergunta, como se ela não fizesse sentido algum.
— Céus, claro que não... eu não transei com Tatyana, não
ontem, não hoje. Gio...
— Ontem você tinha o cheiro dela, Alexei. Eu senti. Eu não estou
sentindo agora, mas ontem o perfume dela estava em todo lugar.
— Nós nos beijamos. Eu a beijei, essa é a verdade. Mas foi
apenas...
— Eu não tenho condição de discutir isso, Alexei. Não agora. —
Desviei dele, sentindo dor física e um embargo na garganta. —
Meus sentimentos estão uma confusão danada, eu preciso entendê-
los primeiro. Eu sou uma pessoa confusa, eu agora preciso de
espaço.
— Certo. O que quer fazer.
— Eu vou para a exposição. — Olhei dentro daqueles olhos
fluidos, apenas o suficiente para não me jogar em seus braços. Eu
poderia me perder nele muito facilmente, mas não era o que eu
queria. — Não venha atrás de mim, não tente me contatar, não
apareça de surpresa. Hoje, não. Deixei que eu faça a digestão
disso, de ter sido largada ontem a noite, de você ter reencontrado o
amor da sua vida, dos motivos pelos quais isso está doendo tão
mais do que deveria.
— Ela não é...
— Prometa que não vai me procurar, hoje. — Interrompi-o, eu
não tinha condição de conversar com ele.
— Eu prometo. Mas, por favor, volte. Me dê a chance de explicar.
— Talvez. Não vou prometer nada.
Saí pela porta sem olhar para trás. Meus olhos estavam cheios
de lágrimas, minha garganta seca, meu coração pulando pela boca.
Eu sei lá o que aquilo significava, porque eu não acreditava que
podia gostar de Alexei daquela forma. Era uma coisa tão visceral,
tão absurdamente intensa, que não parecia fazer sentido algum.
Mas era. Eu sentia, eu sentia tudo e sentia muito, isso estava me
fazendo mal. Fui para a exposição de Uber e comi alguma coisa na
cantina da universidade, qualquer massa frita gordurosa o suficiente
para me ajudar a aplacar o monstro que estava devastando tudo
dentro de mim. Apenas talvez, se eu lhe desse comida, ele pudesse
sossegar um pouco.
Passei a tarde miserável. Fingi sorrisos, deixei que os homens
flertassem comigo, quase desejei me atracar com um deles em um
banheiro qualquer, para fazer com que Alexei sentisse o mesmo que
eu estava sentindo, mas não valia a pena. Ninguém podia me tocar,
além dele. Eu não queria ninguém, além dele. Ouvi propostas, ouvi
comentários machistas, ouvi galanteios, ouvi críticas, ouvi elogios,
tudo no modo automático. Depois de horas de tortura auto infligida,
encontrei Carmen depois de encerrar minha mostra.
— Boa tarde, Viola. Você não parece nada bem. O que o filho da
puta do Simonov fez?
Encarei-a. Como ela podia saber que tinha sido ele? Como ela
podia sentir que eu estava mal? Bem, estava provavelmente escrito
no meio da minha testa, eu nem estava me esforçando tanto assim.
— Eu precisaria de muito tempo para contar.
— Oras, então vamos sair e comer alguma coisa. Melhor, vamos
a uma torteria... você gosta de creme de avelã?
— Quem não gosta de creme de avelã? — Dei uma risada. —
Você acertou o que preciso, então aceitarei seu convite.
Carmen sorriu, simpática, e me conduziu até seu carro. Ela
estava dirigindo, não sabia se era alugado ou não. Sentei no banco
da frente e vi que, no celular, havia mais mensagens das minhas
amigas. Eu precisava muito delas, naquele momento, mas não tinha
como contar tudo que houve em mensagens de texto. À noite eu
poderia fazer uma conferência de vídeo e expor minha miséria.
Respondi-as, rapidamente, dizendo que estava ocupada e que a
feira era maravilhosa, e que de noite nos falaríamos. Elas
continuaram a surtar pelo aplicativo de mensagens enquanto eu
seguia em silêncio.
Paramos em frente a um prédio, com lojas no andar térreo.
Muitas mesas dispostas na calçada, vários restaurantes, cafés e
docerias por perto. Sentamos em uma delas e fomos atendidas por
uma jovem que nos cumprimentou em húngaro. Carmen a
interpelou em um inglês com sotaque e ela sorriu, entregando os
cardápios. Eu já sabia o que queria: café e chocolate, em
proporções gigantescas, daquelas que poderiam intoxicar uma
pessoa menos avisada.
— Agora, quer conversar? — Carmen insistiu, assim que chegou
a comida. — Eu sei que Simonov aprontou algo com você, porque
você está com aquela cara de quem está sofrendo por amor.
Carmen deu uma risada. Ela estava sendo sarcástica, mas, no
fundo, verdadeira.
— Ontem, estávamos em um bar e, quando dei por mim, a ex
dele apareceu. — Resumi a história em uma frase.
— Alexei Simonov não tem ex. — Carmen riu. — Quero dizer,
ele tem casos, isso conta como relacionamento?
— Estou falando de Tatyana.
A minha nova amiga engasgou com o café que tinha levado à
boca.
— Você está falando do motivo de Simonov ter fechado o
coração para o mundo? Da única mulher que ele amou até hoje? —
Balancei a cabeça positivamente. Senti as lágrimas virem, mas
segurei-as. Eu não ia chorar de novo, não na rua, na frente dos
outros, não por Alexei. Engoli o mal-estar e fingi plenitude. —
Desculpe, Viola. Eu não devia ter falado dessa forma, é que parece
surreal que ela tenha voltado, sei lá. Simonov falou dela para você?
— Sim. Eu sei desses detalhes sobre o amor da vida dele, essas
coisas.
Resumi, com um pouco mais de informações, o episódio da noite
e o episódio de hoje de manhã. Carmen ouviu atentamente, mesmo
que ela estivesse completamente aturdida com o que eu dizia.
Parecia que eu falava sobre uma realidade alternativa, não a que
ela conhecia. Depois que contei a história, ficamos alguns minutos
em silêncio. O chocolate estava amargo, mas foi muito bem-vindo,
afinal.
— Ou seja, depois de ter encontrado Tatyana, ele voltou para o
hotel? E hoje, ele também voltou? E pediu que você ficasse?
— Sim. Mas eu não podia, eu tinha que me afastar um pouco.
— Entendo perfeitamente. — Carmen pediu mais café, para nós
duas. — Mas, Viola, talvez você tenha razão ao dizer que o que
vocês têm é diferente. Não sei o que você fez, mas Simonov nunca
volta. Quando ele vai, ele não volta, entende? E ele deixou Tatyana
duas vezes por você.
— Ele não a deixou. Quero dizer...
Pausei, segurando o garfo e encarando Carmen, que sorria
como se entendesse que eu estava tendo uma revelação. Sim, ele
tinha voltado e sim, ele a tinha deixado. Não saberia o que houve
entre eles, ontem, nem hoje, mas sabia que ele tinha ido ao quarto,
que ele estava nervoso, que ele queria falar comigo porque eu
importava. Claro que eu importava, ele disse que estava apaixonado
por mim. Eu rompi uma barreira, esvaziei uma represa, causei um
tsunami. Não era apenas ele que me afetava, mas eu o afetava
também. Mesmo que Tatyana estivesse ali, e que ela precisasse
dele, eu representava alguma coisa e isso fez com que ele voltasse.
Senti outro embargo na garganta. Nós precisávamos, mesmo,
conversar.
O FUTURO DO MEU PRESENTE

Alexei Simonov
E T . No instante
em que eu a vi, meus olhos cegaram e meus ouvidos
ensurdeceram, como se ela fosse capaz de sugar toda a minha
energia e concentrá-la em um só lugar. Esqueci onde estava,
esqueci quem eu era, esqueci o que ela significou - a maior dor que
eu sofri. Tudo que consegui fazer foi atendê-la, foi levá-la para fora
e para onde mais ela quisesse. Para minha sorte, porque eu estava
tremendo tanto que não conseguiria caminhar muito, havia um
restaurante sossegado na esquina do quarteirão e pudemos sentar
ali para conversar. Ela queria conversar, eu precisava continuar
olhando para ela para ter certeza que ela era real.
Mas, na verdade, Tatyana não era real. Aquela mulher, ali, era a
mesma mulher, mas não aquela que eu tanto amei. Ela tinha
mudado, amadurecido, endurecido, sofrido.
— Lyosha, eu sinto muito ter aparecido sem avisar. — Ela
começou a falar, eu ainda estava zonzo com a sua presença. —
Mas algumas coisas aconteceram e eu acabei só pensando em
você. Eu preciso da sua ajuda.
— Diga, se eu puder ajudar. — Ajeitei-me na cadeira,
desconfortável comigo mesmo.
— Terei que contar uma história, mas serei breve porque ela me
emociona muito. Pouco tempo depois que rompemos... eu conheci o
Ivan. Nós nos apaixonamos e nos casamos, e com ele eu tive um
menino, Mikhail. Meu casamento não deu certo, mas éramos bons
amigos até que Mikhail ficou doente. Foram dois anos em que ele
sofreu muito, nós sofremos, até que ele nos deixou, há algumas
semanas.
Tatyana tinha lágrimas nos olhos. Arranquei alguns guardanapos
e entreguei a ela, que aceitou com um aceno de cabeça. Eu não
fazia ideia daquela história, depois que rompemos eu nunca mais
soube dela.
— Eu sinto muito, Anya. — Foi o que consegui dizer.
— Está tudo bem. Quero dizer, não está, mas estamos nos
conformando com a perda. Só que estamos falidos, Lyosha. Eu
fazia alguns trabalhos para fora, meu ex-marido trabalha na
indústria, temos uma vida modesta. Ivan se endividou todo por
causa dos cuidados com Mikhail e fez empréstimos para pagar até o
funeral. Estamos afogados em dívidas e o banco ameaçou tomar a
minha casa se eu não pagar o que devo.
— E você pensou em mim. — Constatei o óbvio. Ela assentiu
com a cabeça, visivelmente envergonhada. — Você sabia que eu
estava milionário, afinal, eu vivo na mídia. Não tem como errar,
certo?
— Acompanhei sua ascensão, Lyosha. Senti-me culpada, por
algum tempo, por te deixar, mas entendi que foi a coisa certa a se
fazer. Éramos, somos muito diferentes.
Ela tinha razão, mesmo que isso me doesse demais admitir.
Saber da verdade e da vida de Tatyana me sensibilizou e quis
abraçá-la. Quis confortá-la em meus braços e dizer que tudo ficaria
bem, mas eu nem mesmo tinha como prometer isso.
— De quando você precisa?
Perguntei, pragmaticamente. Ela abriu a bolsa e me entregou um
papel timbrado, em russo, do Gazprombank. Se eles não pagassem
o que deviam, a hipoteca da casa seria executada. Encarei os olhos
azuis de Tatyana e ela parecia tão jovem, mas tão sofrida. Sorri para
ela ao olhar o valor, para mim insignificante, sem saber como reagir.
Ela precisava de menos de dez mil dólares e eu costumava gastar
aquela quantia em uma semana. Nos negócios, eu gastava aquilo
em minutos. Senti um mal-estar súbito por ter tanto dinheiro e ela,
tão pouco.
— Amanhã vamos ao banco. — Afirmei. — Vou transferir o valor
que você precisa e outro tanto para que consigam se reerguer.
— Não quero isso, Lyosha. Eu só vim te procurar como última
opção, porque eu não tenho crédito e preferi acreditar que, se eu
demorar a te pagar, eu não vou perder a minha casa.
Levantei-me, ela fez o mesmo. Segurei suas duas mãos entre as
minhas, olhei dentro de seus olhos e quase me perdi por alguns
segundos.
— Anya, eu faço questão de pagar essa dívida e não quero
receber de volta nenhum centavo. Eu tenho mais dinheiro do que
posso gastar e isso é muito injusto, enquanto você só queria cuidar
do seu filho. Considere isso como um presente qualquer, mas
aceite. Será um bom uso para meu dinheiro, por favor, aceite.
Ela sorriu, ao mesmo tempo que seus olhos estavam marejados.
Ambígua e confusa, Tatyana me abraçou. Envolvi-a com meus
braços, também confuso, e, em um impulso descontrolado, colei
minha boca na dela. Eu geralmente só beijava mulheres que
queriam ser beijadas por mim, e não sabia como Tatyana reagiria,
mas ela correspondeu, no início. A sensação, no entanto, foi
totalmente diferente do que eu esperava.
Aquela não era mais a mulher que eu amei. Na verdade, ela era
a mesma pessoa, mas o sentimento estava diferente. Seu gosto,
seu cheiro, a textura da pele na minha, da boca na minha, não fez o
sentido que entendi que faria. Tatyana era uma memória, um
passado, alguém que me importou muito, mas que não
representava, no presente, o mesmo que antes. Nós fomos o que
tivemos que ser, não éramos mais. Soltei-a, ainda mais desnorteado
do que antes. A mulher que cabia em meu abraço e que fazia
sentido em meu presente era Giovanna.
Caralho, e eu a tinha deixado no bar, sozinha. Ela certamente viu
Tatyana, viu tudo que aconteceu. Desculpei-me com a mulher que
estava ali, na minha frente, e combinei com ela no banco, no dia
seguinte. Saí correndo e voltei ao bar, mas Giovanna não estava
mais lá. Perguntei a algumas pessoas, ninguém a tinha visto. Ela
deveria ter voltado para o hotel, ou saído sem rumo, eu não sabia,
mas sabia que tinha ferrado tudo. Merda!
Pedi um uísque porque eu precisava de coragem para enfrentá-
la. Eu morria de medo da Viola, morria de medo que ela me
encarasse e me mandasse para o inferno, porque ela era capaz de
fazer exatamente aquilo. Giovanna não era carente nem
dependente, ela não precisava de mim. Só que eu precisava dela,
muito, e eu a queria, muito, e a constatação de que eu
provavelmente a tinha perdido para minha própria burrice era muito
para eu dar conta. Pedi outro uísque e acendi um cigarro. Como eu
era burro. Como pude acreditar que eu ainda sentia algo por
Tatyana, depois de dez anos, ou que ela ainda sentia algo por mim.
Eu estava apaixonado por outra pessoa. Idiota.
Bebi outro uísque, e outro, e quase uma garrafa depois, estava
ébrio demais para me comunicar adequadamente. Peguei o carro e
voltei para o hotel, sentindo frio, sentindo dor, sentindo fome, à flor
da pele. Estava sofrendo por antecipação porque eu sabia que não
ia ser fácil que Giovanna me perdoasse. Ela estava dormindo, e
mesmo assim eu despejei tudo que tinha na cabeça. Vomitei, o que
tinha no estômago, e as palavras que saíram em cima da Viola, só
que ela continuou dormindo. Apaguei, literalmente, no sofá ao lado,
e acordei sobressaltado, moído, morrendo de dor de cabeça. Meu
celular estava tocando, era Tatyana me avisando que eu estava
atrasado.
Vesti a primeira roupa que tinha na frente e saí. Estava
despenteado, desarrumado, desalinhado, mas não me importei. Eu
faria o que me comprometi, eu daria o dinheiro que Tatyana
precisasse, eu compraria outra casa para ela, se fosse de seu
interesse, porque ela certamente merecia mais o dinheiro que eu.
Mas era só isso, eu precisava voltar para Giovanna e explicar tudo a
ela. Precisávamos conversar, só que ela não quis me ouvir. Ela foi
embora, ela estava magoada a ponto de achar que eu tinha trepado
com Tatyana - o que poderia ter acontecido, então ela tinha razão
em me odiar.
Passei o resto dia no hotel, miserável, lamentando minha própria
idiotice e sendo ridículo. Aquele não era Alexei Simonov, mas foi o
que aconteceu. Tomei vários comprimidos para a dor, acabei em um
estado de quase coma, dormi a tarde inteira. Acordei com meu
celular apitando, tinha um monte de mensagens e algumas eram de
Vladmir, ou seja, eram importantes. Não estava com cabeça para
pensar nos problemas da FiberGen, então tomei um banho e fui até
a área externa do hotel, fumar e tentar comer alguma coisa, já que
faziam quase vinte e quatro horas desde a última vez que alguma
coisa ficou no meu estômago.
Estava na área comum, próximo à piscina, olhando para tudo e
para nada, quando ela chegou. Giovanna me procurava, e quando
me achou, sua expressão era de quem não tinha me perdoado, mas
queria ouvir meu lado da história. Talvez eu pudesse convencer que
eu a amava, mesmo que fosse difícil até para mim, acreditar.

Giovanna Viola
Carmen me levou até o hotel. Ela foi bastante gentil, não pude negar
a oferta da carona, nem queria recusar. Estava frágil, passei o dia
sofrendo e precisava chegar a alguns finalmentes com Alexei. Entrei
no hotel e fui ao quarto, mas ele não estava lá. Seu celular estava
sobre o aparador, então ele não deveria ter saído. Fui procurá-lo
pelo hotel, desejando sinceramente que ele estivesse ali. Não ia
suportar saber que Alexei estava fora, ficar imaginando que ele
estava com a ex novamente. Depois de rodar pelo saguão e pelo
restaurante, encontrei-o na área da piscina, fumando.
Quando me viu, Alexei apagou o cigarro e ajeitou a camisa, que
estava bem amarrotada.
— Você voltou. — Ele disse, se aproximando bem devagar. Era
sábio que fizesse isso.
— Você também. Por quê?
Dizem que nunca perguntamos aquilo que não queremos saber,
ou que a resposta pode nos magoar muito. Aquela foi uma das
perguntas mais perigosas que já fiz na vida, e qualquer resposta
poderia me destruir, menos uma.
— Porque eu amo você.
Não havia nenhum sinal em sua face que indicava que ele
estivesse mentindo, ou me enganando. Engoli um bolo de saliva
grosso, que bateu no meu estômago vazio e me fez querer vomitar.
Era demais. Era muito rápido. Era muito intenso. Era exatamente o
que eu precisava ouvir. Mesmo que não fosse verdade, porque eu
achava que Alexei estava completamente fora de si. Ele não me
amava, mas era bom que ele achasse que sim.
— E Tatyana? Ela não é o amor da sua vida? Vocês se beijaram,
ontem.
— Ela foi um amor, Giovanna. Eu amei Tatyana, mas ela está no
meu passado. Talvez eu não tivesse entendido isso, ainda, porque
as coisas entre nós ficaram mal resolvidas. — Ele disse,
aproximando-se mais. Não me afastei, não fui na direção dele,
apenas fiquei ali. — Ontem, quando ela veio até mim, depois de
mais de dez anos, eu fiz um retorno súbito a uma época que não vai
voltar, nem eu quero que volte. Eu errei, Giovanna, eu não mereço
seu perdão, mas eu vou pedi-lo, assim mesmo. Tatyana está no
meu passado, mas você é o que quero no meu futuro.
Baixei o olhar, sentindo o ar rarefeito ao meu redor. Se ele fosse
apenas um cara, eu o mandaria à merda e seguiria em frente. Se
ele fosse apenas mais um, eu não me incomodaria em perdoá-lo,
isso não seria preciso porque eu apenas me livraria dele. Se Alexei
fosse mais do mesmo, eu não estaria tendo essa conversa com ele.
Mas era uma droga que eu estivesse tão fascinada e encantada e
enfeitiçada e apaixonada por aquele canalha que eu quase
desmontei quando ele disse que me amava.
Alexei deu três passos em minha direção e estávamos muito
próximos. Eu sentia o calor de seu corpo, as energias confusas, a
respiração ofegante e o coração batendo em marteladas.
— Eu me fechei para nunca sofrer dessa forma, Alexei. Eu me
abri, e acabei ferida, abatida, no chão. Eu não sei lidar com essas
coisas, não tenho experiência com homens como você.
— Como eu.
— Sim. Cheio de mulheres no seu passado, cada uma mais
interessada em te levar embora.
— Não existem mulheres querendo me levar embora. — Ele
colocou as mãos em meus ombros. Seus dedos tocaram minha pele
e foi como se estivessem pegando fogo. — Nenhuma delas me
quer, elas foram casos esporádicos ou eu as descartei. Sou um
canalha. Mas eu não estava apaixonado por nenhuma delas. Eu
tenho um passado, sim, e ele é horrível, mas eu não o escondi de
você.
Umedeci os lábios com a língua e ergui novamente o olhar. Eu
não sabia o que queria fazer.
— Sabe o que mais machucou, Alexei? Foi você ter me deixado
lá. Não foi você ter ficado confuso, ou ter tido uma recaída pela sua
ex. Foi o fato de eu ter sido insignificante a ponto de você
simplesmente me esquecer, me deixar sozinha.
— Você não é insignificante. — Ele marcou as palavras. — Não
vou fingir que entendo, se fosse comigo, eu talvez estivesse louco,
agora. Mas, me perdoe. Eu não vou deixar isso acontecer de novo,
Giovanna, eu não vou mais te machucar desse jeito.
— Não pode me prometer isso.
— Mas eu vou prometer, assim mesmo.
Seus olhos continuavam sinceros. Dava para saber quando
alguém estava de alma exposta na nossa frente? A minha apatia,
meus olhos marejados, meu corpo trêmulo, as palavras presas em
minha garganta não deixaram que Alexei me percebesse assim
como eu o percebia. Eu estava fechada, novamente, enquanto ele
estava totalmente vulnerável. Alexei soltou-me e seus braços caíram
na lateral do corpo. Balançou a cabeça, entendendo que não tinha
mais jeito, e se afastou. Virou de costas, caminhou para longe,
enquanto eu fiquei ali, respirando devagar, tentando não desabar na
espiral que estava me sugando para um buraco negro.
Ele tinha entendido errado, mas eu não tinha sido clara.
— Alexei. — Chamei-o de volta. Ele já estava vários metros
distante, mas virou e olhou para mim. — Você a ajudou? Deu o
dinheiro que ela precisava?
— Sim, era o certo a se fazer.
— Ela continua em Budapeste?
— Não sei. Não nos falamos mais, provavelmente não nos
falaremos mais.
— Você me leva para jantar? Eu estou morrendo de fome.
Ele sorriu, baixou a cabeça, seu peito inflou e murchou como se
ele tivesse voltado a respirar depois de bastante tempo. Alexei deu
dez passos na minha direção, quase trombou comigo. Passou as
mãos por meus cabelos, sem que eu opusesse qualquer resistência.
Fechei os olhos, também sentindo o ar entrar em meus pulmões, a
paralisia de antes sendo substituída por ondas de calor que me
levaram para a primavera, o aroma das flores, o sol em minha pele.
Aquela era a sensação do toque dele na minha face.
— Posso beijar você, primeiro?
Não respondi, segurei-o pela nuca e colei minha boca na dele.
Alexei me puxou pela cintura, encerrou a distância entre nós, mas o
beijo não foi aquele beijo nervoso e cheio de tensão sexual. Foi
calmo, foi suave, foi intenso. Ele continuava com o mesmo gosto, o
tabaco e a vodca, o mesmo da primeira vez, e o cheiro da colônia e
do cigarro e do suor, da adrenalina que corria por nossas veias.
Coloquei as duas mãos em seu rosto enquanto brincávamos com a
língua um do outro. Aquele era um beijo erótico, mas um beijo
romântico. Foi diferente, mesmo tendo sido igual.
Não trocamos muitas palavras no jantar. Eu estava roxa de fome,
quase entrando em um estágio de inanição, umas vinte e quatro
horas sem comer direito, cheia de glicose no sangue por causa da
torta que comi com Carmen, então toda a minha atenção ia para a
comida. Alexei quis saber como foi na feira, mas eu nem lembrava o
suficiente para contar a ele. Tinha funcionado no modo automático,
decidindo o que faria se eu o perdesse. Eu estava com tanta raiva,
mas tanta raiva, só que não concebia mais ficar sem aquele homem.
Era loucura, e eu estava louca. Mas a química que tínhamos, a
sinergia, a conexão - era tudo inegável. Éramos bons demais juntos
para ficarmos separados.
Subimos para o quarto já por volta das dez, e Alexei não sabia
se podia me tocar, nem o que podia fazer. Ele escovou os dentes,
tomou banho, e não o interrompi. Fiz o mesmo e, quando saí do
banheiro, ele estava vestido e arrumado para dormir no sofá. Foi
meio chocante vê-lo com um short de seda e camisa de malha,
porque eu já tinha me acostumado com outra versão dele - nu, de
boxers, pronto para mim, me esperando. Ele estava assustado com
o que houve, e eu também, o suficiente para não o impedir e para
me encolher na cama, sozinha, e deixar as coisas como estavam.
Só não consegui dormir. Acordei umas três vezes durante a
noite, suando, depois de sonhos ruins, e desisti de ser turrona. Eu
estava certa em estar irritada, mas não ia ficar sofrendo só por
causa disso - quem tinha que sofrer era ele. Levantei e fui até o
anexo do quarto. Alexei estava dormindo no sofá, que parecia meio
apertado para duas pessoas. Puxei o lençol e deitei por sobre ele,
recostando a cabeça em seu peito. Ele reagiu, envolvendo-me com
os braços.
— Tive pesadelos. — Expliquei minha presença, ali. Ele
acariciou meus cabelos, circulou minha orelha, passou os dedos por
minha face, não disse uma palavra. Virei o rosto e beijei seu peito
coberto, enfiando as duas mãos pela camisa para abraçá-lo pele
com pele.
— E você quer voltar a dormir ou...
Ele não terminou a frase. Deixou implícito que eu deveria dizer o
que eu queria.
— Ou.
Alexei riu. Puxou-me para cima e me beijou, da mesma forma de
antes, com toda calma do mundo. E muita língua, aquela língua
maravilhosa, que me invadia e me explorava e me enlouquecia. Ele
sabia que eu queria sexo. Que eu queria que ele me exaurisse para
que eu ficasse tão cansada a ponto de não pensar, não fazer mais
nada, apenas dormir. Sentou no sofá, comigo no colo, e abriu os
botões da camisa que eu estava usando - que era dele, eu tinha
furtado para dormir. Beijou meu ombro, meu colo, meus seios
expostos, tirou a camisa devagar, deixou que ela terminasse no
chão. Voltou para minha boca, passou as mãos por meu corpo,
pressionou minha carne com os dedos. Senti o roçar dos pontos e
lembrei que ele precisava retirá-los. Talvez devêssemos ver um
médico, no dia seguinte.
Puxei a barra da camiseta que ele vestia e arranquei. Eu o
preferia daquela forma, e eu adorava aquele peito nu. Levei a mão
aos shorts e livrei a ereção, segurando-a com a mão. Alexei gemeu,
me apertando mais, beijando meu pescoço. Como tudo estava fácil
o suficiente, apenas direcionei o pau para minha entrada e me
ajeitei sobre ele, forçando a penetração mais funda que consegui.
Ele gemeu de novo.
— Vai ser uma rapidinha? — Ele implicou.
— Não quero nada rapidinho. Mas precisava sentir você aqui
dentro. Podemos ir devagar?
Ele concordou com a cabeça e levantou, comigo no colo, me
levando até a cama. O quarto estava escuro, ele tropeçou no tapete,
mas acabamos ilesos sobre o colchão. Ele me deitou e fez como eu
pedi, me encheu de beijos molhados, lentos, sutis. Colocou os
mamilos na boca, sugou devagar, lambeu, beijou, sugou mais, tudo
tão lento e tão suave que quase me causou agonia. Arqueei o corpo
para trás, me contorci de desejo enquanto ele brincava com a língua
em meu corpo, passando pela virilha, sem atacar diretamente minha
zona de maior prazer. Depois ele beijou minha intimidade, passou a
mão, explorou com os dedos, manipulou o clitóris, colocou na boca,
sugou. Cravei os dedos na cama e gemi, sem me incomodar se
poderiam me ouvir dali.
— Você quer gozar agora? — Alexei perguntou. Apoiei-me nos
cotovelos e olhei para ele, que tinha uma expressão indecorosa.
— Agora. E depois. De novo.
Ele riu e voltou a colocar a boca em mim, disposto a cumprir o
que prometeu - me dar um orgasmo. E, quando Alexei Simonov
perguntava se eu queria um, ele me daria sem dificuldades.
Enquanto ele me sugava e penetrava com os dedos, esvaziei a
cabeça e concentrei-me apenas no prazer, na intensidade do que
ele me provocava. Gozei forte, e Alexei não esperou que meus
músculos relaxassem, me penetrou fundo e, sobre mim, aproveitou
os espasmos vaginais para potencializar o seu prazer - e prolongar
o meu. Era a segunda vez que ele fazia aquilo e eu podia querer
que ele fizesse sempre.
Mesmo que eu já parecesse satisfeita, ele me virou de costas e
me penetrou novamente, elevando minha bunda e metendo forte até
gozar. Empurrei-o para o colchão e deitei por sobre ele, outra vez,
ouvindo seu coração disparado. Ele beijou minha cabeça e
sussurrou “agora durma” para mim, enquanto acariciava minhas
costas. Sim, Simonov, eu podia dormir, mesmo que, com ele, eu
continuasse querendo mais. Fechei os olhos, deixei os carinhos me
transportarem para outro universo, um bem complicado em que eu
era apaixonada por um homem cheio de bagagem, mas que não
estava a fim de abrir mão dele. Um universo em que eu e Alexei
Simonov tínhamos um relacionamento, que todo mundo sabia dele,
e que me fazia muito feliz.

Alexei Simonov
Depois da melhor noite de sono da minha vida, acordei revigorado
para um dia de enfrentamentos. Teríamos uma reunião de cúpula
com representantes das Nações Unidas, então eu tinha que me
vestir como um Czar e me portar como um, também. Aquilo não era
difícil, se comparado a ter que sair da cama, de manhã.
— Aonde você vai?
A voz de Giovanna veio seguida de suas mãos me puxando de
volta. Voltei para os lençóis brancos e a tomei em meus braços,
beijando sua boca, a ponta do nariz, a boca de novo. Ela riu e eu
considerei se aquilo que eu sentia ao lado dela ia passar, um dia.
— Eu ia. — Consertei. — Agora não vou mais a lugar nenhum.
Bom dia, dormiu bem?
— Como uma rainha.
Voltei a beijá-la. Estávamos totalmente debaixo dos lençóis
brancos, que nos cobriam até a cabeça. Perdi-me alguns minutos
em sua boca e seu corpo nu, em minhas mãos. Desci os beijos
devagar, explorando a sua pele exposta, até chegar à sua boceta
linda - que eu também ia beijar, claro. Não sabia que horas eram,
mas as Nações Unidas que esperassem, eu ia comer aquela mulher
outra vez. Passei a língua por sua abertura e ela se contorceu na
cama.
— Se acordar ao seu lado for sempre assim, nunca mais vou
querer dormir sozinha.
Ergui o olhar e ela estava me encarando.
— Sorte a minha.
Voltei a chupá-la e Giovanna gritou um palavrão. Sim, ela era
meu tipo de mulher e o sexo entre nós era incrível. A química foi
imediata e sim, eu esperava que aquilo nunca passasse. E eu a
chupei todinha, até o clitóris ficar inchado, mas não o suficiente para
ela gozar. Outro palavrão e ela me empurrou na cama, me fazendo
cair sobre o colchão. Delicada como um dinossauro, suave como
uma pluma, ela era perfeita. Viola montou em mim, com uma cara
pervertida que eu já tinha visto antes, e me beijou. Depois, se
moveu rapidamente e enfiou meu pau na boca.
Deliciosa, ela me engolia todo e me provocava, olhando
diretamente para mim. Lambia a cabeça, me arrancava uns gemidos
que assustariam até os cachorros de Dmitri. Segurei seus cabelos
para olhá-la melhor e deixei que fizesse o que sabia, até que ela se
fartasse - porque era visível o quanto Giovanna gostava de me
chupar. Precisava segurar o orgasmo, o que, com ela, também não
era fácil.
— Não goze, Simonov. — Ela sentiu que eu já não estava
aguentando mais.
— Se continuar assim, não vou conseguir impedir.
Ela ajoelhou na cama, sobre mim, e me encarou. Afastou os
lençóis e a luz do sol a iluminou, linda, perfeita. Ela também era
muito melhor do que a porra do rio, quem ligava para o Danúbio
com aquela mulher no caminho? Tentei levantar para tomá-la em
meus braços, mas ela me empurrou de novo e sentou sobre meu
pau, envolvendo-o naquela abertura apertada, ajustada exatamente
para cabê-lo. Fechei os olhos, maximizando o que sentia enquanto
ela se movia sobre mim e me beijava o pescoço.
No grau máximo de provocação, ela expulsava meu pau, depois
o envolvia novamente. Sempre que ela interrompia a penetração,
ela retardava o orgasmo e parecia que aumentava o prazer dela
mesma. Agarrei os travesseiros e foi minha vez de soltar um “puta
que pariu” quando ela decidiu dar fim à tortura e cavalgou sobre
mim como se eu fosse um garanhão a ser domado. Com muito
custo, porque era difícil me controlar, levei o polegar ao seu clitóris e
friccionei, o que fez com que ela explodisse em um orgasmo antes
que eu gozasse. Alívio, eu preferia que ela chegasse lá antes de
mim, mesmo. Não demorei eu mesmo para atingir o clímax e me
esvaziar dentro dela, naquela nossa nova loucura do sexo sem
preservativo.
Não era loucura. Estávamos apaixonados, eu não queria
ninguém mais além dela. Giovanna desabou sobre mim e ficamos
abraçados até que nossa respiração voltasse ao normal.
— Qual a agenda de hoje? — Viola perguntou, rolando para o
lado.
— Encerramento da feira. Reunião com as Nações Unidas,
agora de manhã.
Ela pulou da cama, olhando para mim com uma expressão de
susto.
— Reunião com a ONU? — Ela me repetiu. — Agora? Você ficou
louco, Simonov? Vá já se arrumar para isso!
Dei uma risada e também me levantei.
— Eu tentei, mas você me puxou de volta e aí…
— Bem, é bom saber que me foder é mais importante do que a
ONU.
Não aguentei, comecei a gargalhar e a beijei de novo. Agarrei
Giovanna com um abraço, enfiei a língua em sua boca, envolvi-a
naquele beijo erótico que eu adorava e ela também.
— Vamos tomar banho e café, dá tempo de sobra.
Entramos debaixo do chuveiro, os dois juntos, e logo estávamos
prontos. Giovanna era uma patricinha diferenciada, ela conseguia se
vestir e se maquiar em tempo recorde, ainda não tínhamos atrasado
nenhuma vez por causa disso. A reunião era às nove e já passava
das oito e meia quando finalmente terminamos de comer, mas ela
seria na própria universidade, onde teria a feira. As exposições já
estavam acontecendo, e Viola pretendia fechar os negócios naquela
manhã, eu acreditava.
— Você não viu a proposta de Carmen para a tecnologia dos
gêmeos. — Ela reclamou, já dentro do carro.
— Confio que você tomará a melhor decisão. Se acha que a
proposta dela é a melhor, feche com ela.
— Na verdade, eu quero fechar com ela. Não estou a fim de
trabalhar com esses machos urubus que ficaram me azarando a
feira inteira.
— Uma decisão muito inteligente. — Segurei suas mãos e beijei
os dedos. Claro que eu preferia que Giovanna ficasse o mais longe
possível daqueles homens, eles eram todos como eu, uns
vagabundos e só queriam mesmo era entrar nas calças dela. Se ela
tinha ficado amiga de Carmen, era melhor que negociasse mesmo
com ela, até porque Carmen era uma grande empresária e a sua
empresa era uma das maiores da Europa.
— Vamos nos encontrar para almoçar? — Ela perguntou, assim
que o carro estacionou e teríamos que nos separar.
— Eu te pego na exposição, pode ser?
Giovanna concordou com a cabeça e me beijou. Segurei-a pela
nuca, estávamos na porta do hotel e ninguém ligava se estávamos
juntos. Se ligassem, eu os mandaria à merda. Depois, ela
desapareceu pelo corredor e fiquei com uma sensação meio louca
de vazio, provavelmente ainda decorrente do stress que eu causei
para nós, ao sair com Tatyana naquela noite. Fui para a sala de
convenções com um sorriso no rosto e preparado para dar meu
melhor, como sempre, enquanto meu celular vibrava no bolso da
calça. Peguei para ver o que era, e tinha três ligações perdidas de
Vladmir, além de algumas mensagens.
“Alexei, preciso falar com você. Os diretores querem saber se
você volta para Moscou depois da feira. Burnshaw anda fazendo o
inferno porque disse que você está com uma mulher e, por causa
disso, vai se mudar para o Brasil definitivamente. Me liga.”
Merda, caralho, eu ia quebrar a cara de Burnshaw antes do final
daquela feira. Se ele enfiasse aquele traseiro ruivo na minha frente
eu iria matá-lo, esfolá-lo, pendurá-lo para secar no meio de
Budapeste. Pior era que eu não tinha como frear a interferência dele
com meus diretores, porque o maldito era acionista e tinha feito
amizade com alguns. Maldita empresa de capital aberto! Respirei
fundo e liguei para meu braço direito, mesmo já em cima da hora da
reunião.
— Vlado, o que diabos está acontecendo?
— O mesmo de sempre. Na verdade, é seu afastamento que
deixou Burnshaw em festa, ele viu a oportunidade de deixar os
diretores agitados. Todos temem que você não volte.
Pressionei as têmporas, sentido minha cabeça latejar,
subitamente.
— Se eu me mudar de Moscou, isso não vai interferir em nada a
minha gestão da empresa. Esses animais sabem disso, eu sempre
geri a FiberGen pelo mundo.
— Tem mais. Ele diz que agora é uma mulher que manda em
você. Tem uma mulher, Alexei? É a brasileira?
Dei uma risada espontânea. Se Giovanna ficasse sabendo
daquilo, ela mesma quebraria a cara de Burnshaw e eu nem
precisaria sujar as mãos.
— Tem uma mulher, Vladmir, ela é maravilhosa e, sim, ela
manda em mim. Mas ela não é gestora da FiberGen, ela tem sua
própria empresa e nem sabe o que está rolando em Moscou.
— Alexei, pense com cuidado nos seus próximos passos. Se
ficar no Brasil for sua decisão final, entenda os riscos que sua
presidência pode correr, sim?
— Eu ainda sou acionista majoritário da FiberGen, então posso
chutar alguns traseiros se quiser. Mas você tem razão, eu vou tomar
decisões pensando nesses riscos. Vejo você em Moscou, em breve.
— Bom dia, amigo.
Terminei a conversa já sendo convocado para entrar. Desliguei o
telefone e me sentei em uma mesa oval, junto com outros grandes
empresários e membros de duas comissões das Nações Unidas,
todas relacionadas à preservação do ambiente e à sustentabilidade.
Minha cabeça, no entanto, ficou martelando o que eu tinha que
fazer. Voltar para o Brasil era a minha intenção principal, era meu
objetivo. Eu tinha planos para não me afastar mais de Giovanna,
então tinha que ficar em Vitória, junto do meu irmão e cunhado. Mas
a Rússia me chamava, minha empresa precisava de mim.
Talvez eu pedisse a Giovanna para ir comigo para Moscou. Ela
conheceria minha casa, até mesmo Irina. Mas o risco de levá-la
para tão perto de Ilia era grande demais, eu não sabia lidar com
aquilo. Mas, ela poderia querer ir comigo, mesmo assim. Se eu não
a convidasse, ela se magoaria. Se ela se oferecesse para ir e eu
recusasse, ela se magoaria. Eu não podia mais magoá-la. Era uma
merda, eu tinha que ver como ia fazer para não explodir uma bomba
nuclear em Moscou, porque eu teria que evitar Ilia de todas as
formas possíveis e imagináveis.
MÃE RÚSSIA

Giovanna Viola
F C , ao menos determinei que as
empresas dela ficariam com a preferência no uso da tecnologia,
assim que eu submetesse a questão aos gêmeos, como tinha sido
combinado. Iria seguir meu instinto, em que meu avô também
acreditava, e trabalhar com quem eu gostava. Alexei tinha me dado
aval, eu estava pronta para voar.
Mas, durante o almoço, ele me disse que tinha que ir a Moscou,
de novo. Aquilo foi um balde de água fria em meus planos, recentes,
de desenvolver um relacionamento estável com Simonov. Primeiro,
porque ele vivia no mundo - estabilidade não era uma palavra que
fazia parte de seu vocabulário. Segundo, porque a vida dele era na
Rússia, não no Brasil, enquanto a minha estava começando em
Vitória.
— É só dessa vez. — Ele mentiu, descaradamente. — Burnshaw
precisa ser contido, e não sei como fazer isso ainda. Mas vou dar
um jeito.
— Sei que vai. — Eu também menti, não sei se acreditava nisso.
Remexi a comida e Alexei percebeu que a ideia de me separar dele
me incomodava.
— Eu não queria ir, Viola. — Aquilo pareceu verdade. Olhei
dentro de seus olhos misteriosos, eles estavam claros e nítidos,
como que me explicassem que falavam sério. — Me diga o que eu
devo fazer. É minha empresa, não posso deixar que eles me deem
um golpe.
— Leve-me com você. — Disparei, um pouco ansiosa demais
porque eu não podia ir com ele. — Eu apareço por lá, todos me
veem, percebem que eu sou foda e te liberam.
Alexei deu uma risada.
— Sua autoestima é fantástica. — Ele pegou uma batata-frita do
meu prato, o que me mostrava que ele estava implicando comigo. —
Talvez não seja uma ideia muito ruim, pois Burnshaw deve ter
pintado uma imagem e tanto sobre você.
Se eu visse aquele homem na minha frente, de novo, eu o
ensinaria a não mexer comigo. De qualquer forma, a decisão de me
oferecer para ir era legítima, se eu era a causa do mal-estar entre
Alexei e os diretores. Era justo que me vissem como uma simples
empresária incapaz de prejudicar uma empresa ou causar uma
queda na bolsa, mesmo que eu não duvidasse que conseguisse
fazer isso.
— Como está o clima em Moscou, agora?
— Você com certeza tem roupa o suficiente. — Ele riu outra vez.
— Mas, Giovanna, e a Protomak? Não é temerário que você se
ausente por tanto tempo?
— Sim, é. — Isso era óbvio e ele, como empresário, sabia disso.
— Terei que fazer como você, gastar algum tempo na frente do
computador para verificar se as coisas estão saindo direito. Fazer
um vídeo conferência com Lourdes. Ela não ligou, nem me
procurou, porque sabia que eu estaria na feira. Se estender a
viagem…
— Não quero que tenha problemas. Não posso cuidar da minha
empresa à custa de você prejudicar a sua.
Mordi um pãozinho e ele tinha razão. Eu queria ir com ele, mas
deveria voltar. Restava saber o que estaria no meu controle, o
cérebro ou o coração. Ah, se fosse só o coração... meu corpo inteiro
gritava para que eu não saísse de perto de Alexei, para que eu nem
levantasse da cama dele, para que eu me entregasse totalmente e
definitivamente a ele. Minhas células todas pediam para ficar com
ele. Era biofísica a minha necessidade daquele homem, e eu estava
ficando preocupada com isso.
— Se não for te atrapalhar, eu vou com você. — Decidi, sem
pensar demais. — Talvez você não queira me levar em outra
viagem, posso ser peso morto e...
— Giovanna. — Alexei colocou o dedo indicador na frente da
minha boca, me silenciando. — Não fale um absurdo desses. Eu
vou adorar se for a Moscou comigo, está preparada para conhecer a
minha casa?
— Não vejo a hora de conhecer a sua cama.
Nós dois rimos. O almoço acabou e tivemos que retomar nossos
compromissos da tarde, porque, à noite, teríamos o encerramento
da feira. Descobri que era uma grande festa, com bebida livre,
comida grátis e muito ego envolvido, como tinham sido todos os
dias. Para eventos como aquele, eu tinha levado meu vestido preto
com brilho, que traçava uma linha tênue, quase invisível, entre o que
era vulgar e o que era sensual.
Alexei ameaçou não me deixar sair com ele. Não porque era
curto ou justo, mas porque ele me agarrou no meio do quarto com
tanto desejo que pensei que ele não se controlaria no meio da festa.
— Você provocou. — Ele tentou se defender, quando eu o
empurrei e reclamei por borrar meu batom.
— E você parece que tem quinze anos e está na puberdade.
— Quem te ouve acredita que tem algum controle e já não
pensou em me atacar sexualmente no meio de todo mundo.
Ele fez uma cara linda de quem estava me provocando e desejei,
sinceramente, estapeá-lo. Mandei-o à merda e indiquei que
deveríamos ir, porque ele tinha razão: eu também o desejava o
tempo todo e aquilo já estava beirando ao transtorno mental.
Tivemos sorte, ou aquilo foi proposital, mas a festa foi no salão
do Four Seasons. Muitos homens de smoking, muitas mulheres que
não estiveram na feira, então eram acompanhantes, muita gente
que eu não conhecia, outros caras que eu conheci e preferi não ter
conhecido. Alexei se afastou de mim para cumprimentar e socializar
com pessoas estranhas enquanto decidi encher a cara de
champanhe.
Depois de meia hora de festa e duas taças de champanhe, um
cabelo ruivo chamou a minha atenção. Trinquei os dentes e os
maxilares, em uma tentativa de não parecer muito irritada com a
presença do homem que estava espalhando mentiras sobre mim, e
decidi que ficaria quieta se ele não me provocasse. Mas, era claro
que ele me provocaria.
A banda, que estava no palco, tocou uma música introdutória e
um homem, também engravatado, chamou alguns nomes para
discursarem. O evento era, também, um leilão beneficente e os
fundos seriam direcionados para uma fundação da qual Alexei era
membro. Parei para ouvir as falas e Burnshaw se aproximou. Junto
com ele, Carmen também chegou perto de mim e brindou, à
distância. Ela provavelmente não sabia dos meus problemas com o
ruivo.
— Esse homem é um farsante. — Burnshaw disse, para outro
cara, na intenção de que eu ouvisse. Falou baixo, e o som ambiente
dispersou a sua voz. — A empresa dele não está quebrada porque
ele sonega impostos e frauda projetos. Toda a vida dele é uma
fraude, não sei como dão mídia para alguém como ele. Sem contar
o seu gosto duvidoso por prostitutas elegantes.
Pressionei a taça nas mãos. Carmen colocou-se do meu lado.
— Ignore James. — Ela disse. — Ele não vale o esforço.
— Estou decidida a ignorá-lo, mas tenho limites.
O discurso de algum cara, cujo nome eu não ouvi, prosseguiu.
Burnshaw também.
— Já viram a nova aquisição dele? Uma brasileira que ele finge
ser empresária. Simonov decidiu posar de homem de respeito,
agora, espero que a garota tenha custado muito dinheiro.
Carmen segurou meu braço, porque eu já estava virando para
confrontá-lo. Olhei para ela e, sem dizer nada, fiz com que
entendesse que o limite tinha chegado. Entrei no meio da conversa
dos machos e me coloquei na frente de James Burnshaw.
— Eu custo muito dinheiro sim, Burnshaw. Mas eu me banco
sozinha. Já quanto a você, pelo visto precisa desqualificar os outros
para conseguir alguma coisa, senão é capaz da sua empresa
quebrar.
Ele deu uma risada irônica. Os outros homens não falaram nada,
e minha voz não era tão baixa quanto a dele. Não ia me importar de
fazer um pequeno escândalo, se fosse preciso.
— Garota, essa conversa é de homens de negócio. Volte para o
lugar das mulheres, sim?
Carmen se aproximou, testa franzida, também não gostando da
conversa machista. Ela provavelmente estava ali para me impedir
de enfiar a mão na cara daquele mal-educado, mas o assunto
também a afetava.
— É dessa forma que você argumenta? — Provoquei, em tom
ainda mais alto. — Alexei pode ser um cavalheiro e não te dar uma
surra, mas não tente comprar briga com uma patricinha mimada. Eu
não sei ouvir não, eu não estou acostumada a me frustrar, e eu
geralmente tenho tudo que quero.
— E você vai me bater? — Ele riu novamente. — Se bem que,
gostosinha como é, poderia me dar uma surra que eu não ia me
importar.
Em uma fração de segundos, o conteúdo da minha terceira taça
de champanhe acabou na cara de Burnshaw. Joguei o líquido
adocicado sobre ele e bati com as duas mãos em seu peito,
chamando-o claramente para cima de mim. Eu podia estar de salto
e ser a metade do tamanho dele, mas ele não podia falar daquela
forma comigo.
E o caos foi instaurado. Carmen tentou me segurar, mas eu
continuei falando alto, dizendo que ele deveria ir tentar pegar
qualquer coisa de mim, que eu acabaria com ele, e Burnshaw
limpando o champanhe da cara. Alguns minutos de indecisão, em
que ninguém sabia como reagir, e em que eu avancei sobre ele
outra vez, até que mãos firmes se colocaram entre nós e agarraram
o homem pelo colarinho. Alexei.
Ele suspendeu Burnshaw do chão e olhou para mim.
— Você está bem? Ele encostou em você?
— Não, mas eu queria que tentasse! — Gritei, agitada,
precisando ser contida também por minha nova amiga, Carmen.
Alexei virou-se para o homem, que esbravejava, mas não conseguia
se desvencilhar dele. Colocou as duas mãos no colarinho dele e o
encarou.
— Você conseguiu me tirar do sério, James. — A voz de Alexei
era grave e mórbida. Eu nunca o tinha ouvido falar daquela forma,
era como se a escuridão estivesse saindo por sua boca. Aquela
coisa misteriosa que eu já tinha notado dentro dele estava
finalmente se manifestando. — Vou te fazer engolir cada palavra
que disse a Giovanna, e vou te matar se você chegar perto dela de
novo.
— Está me ameaçando, Simonov?
— Não é uma ameaça, é uma promessa. Eu vou te matar, então
nunca mais se aproxime de Giovanna, está me ouvindo?
Um silêncio ensurdecedor se fez no salão. Alexei tinha Burnshaw
erguido, suas mãos pressionando a camisa dele com tanta força
que os nós dos dedos estavam brancos. Sua expressão era de
quem faria exatamente o que estava prometendo. Cheguei por trás
dele e coloquei a mão em seu ombro.
— Alexei, deixe-o. — Entendi que deveria interferir, depois que a
cólera passou. A minha, pelo menos. — Esse cara não vale nosso
esforço.
Parafraseei Carmen. Ela riu, tentando fingir que estava
preocupada com a situação, mas, na verdade, parecia estar se
divertindo.
— Melhor ouvir a mulher, Simonov, antes que faça algo com o
que não vai conseguir lidar.
Algum crédito eu tive que dar ao Burnshaw. Mesmo pendurado
por um homem visivelmente mais forte do que ele, e totalmente
alterado e tomado pela raiva, ele continuava a provocar um
enfrentamento físico. Alexei, no entanto, soltou-o e virou-se para
mim, na intenção de não entrar na provocação do ruivo. O problema
era que o maldito não ia parar.
— É mesmo um covarde.
Talvez fosse um plano, e apanhar fosse o que Burnshaw queria,
para apostar que aquilo pudesse espirrar negativamente em Alexei
depois, mas a verdade era que meu sócio não ia suportar ser
afrontado daquele jeito. Como em uma cena de filmes, Alexei virou
de volta e, em um movimento único de corpo, enfiou um direto no
meio do nariz do ruivo abusado.
A roda de pessoas que se formou abriu, e Burnshaw caiu no
chão, com o nariz quebrado e sangrando. Alexei fechou as duas
mãos em forma de punho e deu um passo em sua direção, para
pegá-lo ainda no chão e continuar a bater, mas entendi que tinha
que interferir. Não vou negar que me divertiu ver aquele canalha
apanhando, mas não podia deixar que Alexei o machucasse de
verdade.
— Eu vou te processar, Simonov! — Burnshaw gritava, com a
mão no rosto. Algumas pessoas se colocaram para ajudá-lo. — Eu
vou acabar com você.
— Alexei, não faça isso. — Coloquei as duas mãos no peito dele
e o encarei. — Eu sei que ele mereceu, mas não complique as
coisas. Todo mundo entende um soco no nariz, não um
espancamento.
Meu sócio balançou a cabeça e segurou meu rosto entre as
mãos. Passei os dedos pelos pontos, que ainda estavam intactos, e
o abracei. Alguém carregou o ruivo para longe e a comoção foi
passando. Como eu já sabia, toda festa costuma ter briga, e
algumas porradas não são questionadas pela maioria. Até porque
ninguém deveria ter que suportar tanta provocação.
— Finalmente, uma mulher para fazer eco comigo. — Carmen
me cumprimentou. — Parabéns, Viola, aquele abutre merecia uma
lição.

Alexei Simonov
Giovanna me impediu de cometer um massacre. Pela primeira vez,
meus colegas de profissão estiveram muito próximos de conhecer
Alexei Simonov, mafioso. A minha capacidade de causar dor e de
destruir tudo que estivesse em meu caminho tinha sido pouco
testada, mas eu simplesmente não aguentei ver Burnshaw atingir a
mulher que eu amava daquela forma.
Eu estava no palco e ela gritava com ele. Não parecia precisar
de ajuda, mas eu não ia ficar ali ouvindo e esperando que algo
acontecesse. Desci em poucos passos e, quando dei por mim, já
estava atracado com aquela escória humana. Mas ela interferiu, ela
disse que ele não valia à pena, ela tinha razão. Tudo que aquele
verme queria era me prejudicar, se eu o matasse, naquele
momento, ou se eu o machucasse muito, ele sairia vencedor.
— Teremos que cuidar desses pontos quando chegarmos a
Moscou.
Giovanna segurou minha mão, que tinha os dedos feridos, e
beijou. Os pontos estavam intactos, a ferida estava fechada, mas
ela estava preocupada. Já estávamos embarcados, dentro do avião,
rumo para casa. Minha casa, o lugar que eu tinha escolhido para
viver. Mas, também, o lugar mais perigoso para o qual eu poderia
inventar de levar a Viola. Por que diabos eu tinha aceitado aquilo?
Que raios de homem eu era, pensando com o pau ao invés do
cérebro?
— Eu vou ao meu médico. — Beijei-a na boca, rapidamente. —
Pedi a Vladmir que contrate alguém para limpar minha casa, assim
que chegarmos vamos direto para lá.
Giovanna recostou em meu peito. Estávamos deitados no sofá,
com a televisão ligada. O voo era rápido, até Moscou, e decidimos ir
na noite da festa. Era melhor deixarmos Budapeste, porque as
coisas não tinham terminado muito bem. Minha preocupação estava
toda em Ilia Pavlov, não me importava muito o que pensariam os
diretores da FiberGen.
Assim que pousamos na minha cidade, Vladmir me esperava no
aeroporto. Abracei-o, com saudades do meu amigo. Talvez eu
tivesse um amigo, afinal.
— Boa noite, Vlado. Conheça Giovanna Viola.
— Seja bem-vinda a Moscou. — Ele beijou a sua mão. Viola não
era lá muito de frescuras, mas não dispensava gentileza. — Vou
levar vocês ao seu apartamento, Alexei, mas ficarei com seu carro.
— Contanto que me pegue amanhã cedo...
Vladmir riu. As ruas de Moscou estavam pouco movimentadas,
já passava de duas da manhã. Meu apartamento ficava em uma
região central, era estéril e tinha pouca personalidade, na
perspectiva de Giovanna Viola. Mas, ainda assim, era casa. Era
meu lar que eu tinha largado para perseguir uma vingança ridícula
de Ilia, e que eu nem reconhecia mais.
Quando chegamos, abri a porta, acendi a luz e esperei que
Giovanna examinasse o lugar. Estava tudo limpo e no lugar, e havia
comida na geladeira, segundo meu amigo. Ele nos deixou e voltou
para casa, onde sua esposa deveria estar esperando de muito mau
humor. Eu era um chefe cheio de manias, ela já deveria estar
acostumada.
— A cama fica para lá. — Indiquei o corredor que dava acesso
ao quarto. Ela deu uma risada, deixou a mala que carregava no
meio da sala, e seguiu minhas instruções. Senti uma pequena
pontada de nostalgia em voltar para casa, mesmo que eu já tivesse
estado ali há pouco tempo. Talvez fosse a presença de Giovanna,
ou o risco em que eu estava nos metendo, ou ter que apresentá-la
para a diretoria. Eu estava nervoso.
— Que quarto lindo, Simonov. — Viola disse, girando ao redor de
si mesma, depois de acender a luz. Ela percorreu as paredes com
pôsteres de filmes e bandas de rock, a prateleira com porta-retratos,
as fotos de Dmitri e Irina, as minhas fotos, nós juntos, nossa
infância. Havia até mesmo uma foto de meus pais, que eu gostava
muito. — Eu não fazia ideia que você gostava de rock, menos ainda
que tinha pôsteres no seu quarto! Isso é tão...
— Isso sou eu. — Falei, com as mãos nos bolsos, me deliciando
com a alegria dela. — Tem muito de mim para você conhecer, aqui,
nesse lugar.
— E eu quero. Fotos velhas, tem? — Assenti com a cabeça. —
Ah, aquelas fotos de bebê! Quero ver o Simonov bebê, você não
tinha chifres e rabo, tinha?
Ela caiu na risada. Dei dois passos em sua direção e tomei-a em
um beijo. Certo, eu não a conhecia a tanto tempo, eu nem mesmo
deveria estar tão apaixonado, mas a personalidade de Giovanna era
fantástica. Nunca conheci uma mulher com aquele carisma, aquele
desprendimento, aquela boca suja, aquela língua maravilhosa,
aquele espírito. Se eu estivesse morto por dentro, ela representaria
a vida entrando em mim, novamente.
— Eu não tinha chifres, era um bebê lindo. Claro que Dmitri era
mais lindo, mas quem resiste a um bebê loiro de olhos azuis?
— Terei que ver isso. Por enquanto, vamos dormir? Amanhã o
dia parece prometer muitas emoções, eu vou conhecer a FiberGen!
Claro que ela ia. Enquanto Giovanna ia ao banheiro escovar os
dentes e se arrumar para dormir, arranquei a colcha da cama e
ajeitei os travesseiros. Os lençóis estavam trocados, depois eu tinha
que dar um beijo em Vladmir por ser um amigo tão bom. Arranquei a
roupa e fiquei só de cueca, eu não via necessidade de me vestir
para dormir, ainda mais ao lado de Viola. Quanto mais contato com
ela, quanto mais minha pele tocasse a dela, melhor para mim.
Ela voltou para o quarto usando um conjunto de renda que me
fez abandonar a sanidade e jogá-la para morrer em algum lugar. A
diaba da mulher queria dormir desfilando daquela forma?
— Pensei que íamos dormir. — Disse, puxando-a para a cama.
— E vamos. Não vamos?
— Ah, agora, não vai dar mais.
Não ia porque eu precisava me fartar dela. Lembrava vagamente
de ter prometido uma maratona de sexo, e não saberia dizer se
estava cumprindo adequadamente. Não estávamos mais em
Budapeste, mas ninguém tinha dito que a maratona se resumia a
uma cidade. Arranquei aquele sutiã maravilhoso com um puxão e a
calcinha teve o mesmo destino. A ideia era que, depois que eu
acabasse com ela, dormir fosse a única opção viável.
Acordei sobressaltado por volta de seis da manhã, meu celular
estava vibrando. Havia algumas mensagens, umas de Vladmir,
informando da reunião dos diretores e dizendo que eu deveria ir
para a empresa de táxi. Outras que despertariam o meu maior temor
e me impediriam de voltar a dormir: eram mensagens de Ilia.
“Soube que pousou em Moscou, Simonov, e que trouxe a neta
do Viola com você. Espero que isso faça parte do seu plano, você
cumpriu a missão muito antes do seu prazo. Traga-a para mim.”
Apertei o celular na mão e só não o arremessei longe porque
acordaria Giovanna. Olhei para o lado e ela estava dormindo como
um anjo - mesmo que ela fosse tudo, menos um. Deveria ter
imaginado que o animal do Ilia me monitorava, mesmo que ele
tivesse garantido que não. E ele era um general da máfia, ou seja,
ele tinha olhos em todos os lugares. Claro que ele teria me visto
chegar no aeroporto, claro que ele saberia que eu estava com a
Viola, mesmo que eu tivesse escolhido chegar de madrugada de
propósito.
Pronto, eu não iria mais dormir. Fui até o outro quarto, abri meu
cofre e confirmei que a pistola estava lá, municiada. Guardei-a
dentro da minha pasta, mesmo que eu relutasse veementemente
em andar armado. Fui para a cozinha fazer um café e pensar em
uma saída. Não tinha uma, eu arrisquei tudo ao levá-la para Moscou
e tinha que arcar com esse ônus, mesmo sabendo que Ilia não iria
machucá-la. Ele era um homem de palavra, ele queria com ela
alguma coisa que eu ainda não sabia.
Talvez fosse melhor fazer o jogo dele. Se Ilia Pavlov queria algo,
nada o impedia de buscar, então eu ia marcar um jantar na casa de
Irina. Giovanna conheceria minha irmã e eu satisfaria o desejo
mórbido do meu general, esperando que, ao entender meus
sentimentos por Viola, ele pudesse reconsiderar a vingança. Ilia me
amava, do jeito louco dele, então eu podia apelar para isso. Ou não.

Eu estava na mesa da cozinha, com o notebook sobre ela e uma


cafeteira cheia de café, quando Giovanna levantou. Vestia minha
camisa, nada por baixo, e tinha a cara de quem não queria ter
acordado. Afastou o computador, subiu em meu colo, encaixou-se
em meu quadril, beijou minha boca. Segurei-a pela cintura e ela se
sentou sobre mim, roçando pele com pele, deixando-me
extremamente excitado antes mesmo do café da manhã. Eu já tinha
dito, mas era sempre bom repetir: aquela mulher ainda ia ser minha
ruína.
— Bom dia. Trabalhando a essa hora? — Ela me questionou.
— Perdi o sono. — Era verdade. — Quer café?
— Você está ansioso. — Giovanna levantou e foi mexer nos
armários, atrás de uma xícara. Ela parecia muito confortável em
minha casa e aquilo era ótimo. Não tinha sequer paciência para
gente cheia de frescura. — Está preocupado porque temos uma
reunião hoje, porque os diretores estão pressionando, porque enfiou
a mão em Burnshaw...
Claro que não era esse o motivo do meu nervosismo. Eu estava,
sim, muito agitado, mas não era por causa da FiberGen. Aquilo,
tiraríamos de letra. Era a máfia que me incomodava e, se eu
quisesse colocar meu novo plano em prática, eu precisaria começar
a abrir o jogo com Giovanna. Seria bom, no entanto, que ela
pensasse que meus diretores me estressavam, caso contrário, eu
teria que explicar coisas antes da hora.
— Vai dar tudo certo, mas você entende que minha empresa é
muito importante para mim, certo?
Abracei-a por trás, enquanto ela se servia de café. Não tinha
nada para comer em casa, mas faríamos isso a caminho da
FiberGen.
— Claro que sei. A minha também é. Hoje preciso resolver
algumas coisas na Protomak e falar com Janine, poderei fazer isso
à tarde?
— Providenciarei uma sala para você, quando chegarmos.
Virei Giovanna para mim e a beijei, daquele jeito que sugeria que
eu não queria nem mesmo sair do apartamento. Coloquei-a sentada
no balcão, acomodei-me entre suas pernas, apoiei suas costas na
parede, enfiei a língua em sua boca. Aquela sensação era
maravilhosa, eu não queria que meu corpo ficasse sem ela nunca
mais. Não era racional nem lógico sentir-me daquela forma, mas eu
não queria que aquilo acabasse.
— Pelo visto, não vamos sair mais daqui. — Ela murmurou,
travando as pernas ao redor do meu quadril.
— Temos que sair, ou vamos ficar anêmicos e encurvados por
falta de vitamina D.
Eu não era engraçado, mas Giovanna caiu na risada com minha
piada. Ela desceu do balcão e o desencaixe era sempre dolorido,
porque eu queria que nossos corpos se fundissem em um, de tanto
que precisava ficar junto a ela. Merda, eu estava mesmo patético!
Aquilo não era pensamento de um executivo milionário que tinha
uma missão a cumprir, para a máfia. Fomos para o quarto nos vestir
e entendi que era uma boa hora para introduzir o assunto do jantar,
mas não tive coragem de falar em Ilia naquele momento. Certo que
a conversa não traria Ilia, mas Irina, porém a minha cabeça girava
naquela vibração.
Tomamos café em um restaurante ao lado da FiberGen, onde eu
costumava fazer minhas refeições quando estava morando sozinho
em Moscou - ou seja, há pouco tempo. Giovanna estava silenciosa,
entendi que o falatório em russo a deixava confusa e fazia com que
prestasse atenção desnecessária nos diálogos que ela não
entenderia. Eu mesmo estava dissertando em russo com a
atendente, com o motorista do táxi, com a recepcionista da
empresa. Aquelas pessoas não eram fluentes em inglês, apesar de
compreenderem alguma coisa, então eu precisava falar com elas no
idioma nativo, no nosso idioma.
— Bem-vindo, Lyosha. — Vladmir me abraçou. — A reunião será
às três.
— Obrigado. Preciso de uma sala para Viola trabalhar, peça que
desocupem a sala ao lado da minha e garantam que tenha uma
cafeteira.
— Claro, pedirei que façam isso agora.
Entramos na minha sala, que era a maior do andar, e tinha uma
vista privilegiada para a cidade. Moscou estava linda, com o tempo
nublado, porém não fazia frio. Giovanna parou na frente da vidraça
e ficou admirando a paisagem. Ela estava com calça preta e camisa,
sem cores, sóbria, os cabelos presos. Aquela era a aparência de
quem queria causar uma impressão determinada para o conselho
de diretores, o que me fazia sentir remorso. Eu estava colocando
sobre ela uma pressão injusta, já que o grande problema da minha
vida não eram os diretores, nem Burnshaw. Eu enfrentava os
diretores e servia Burnshaw no jantar, aquilo era normal no meu dia
a dia. Só que minha tensão visível fazia com que ela acreditasse
que eu estava preocupado com uma bobagem.
Vladmir apareceu para dizer que a sala dela estava disponível,
então conduzi Viola até lá. Deixei que ela ficasse com o computador,
internet rápida, um celular local e o que mais ela precisasse. Eu
queria que ela ficasse confortável e ocupada para poder ajustar a
programação da noite. Disquei os números de Irina e expliquei que
estava na cidade às pressas, que queria muito vê-la, e que tinha
uma pessoa especial para apresentar. Ela se animou e combinamos
o jantar, que seria às oito. Pedi que ela convidasse Ilia, porque
senão ele retaliaria em mim, depois. Minhas mãos estavam suadas
e trêmulas quando desliguei o telefone, eu ainda teria uma síncope
até o dia acabar.
Viola ficou na sala, trabalhando, concentrada. Eu a vi rir, eu a vi
brigar, falava em português, discutia com o computador, escrevia e
girava pela sala. Eu passei mais tempo olhando para ela do que
fazendo algo produtivo, mesmo que eu tivesse duas propostas de
aquisição de tecnologia para analisar, além dos resultados das
pesquisas que estávamos desenvolvendo. Às três da tarde, Vladmir
bateu no vidro para avisar que os diretores estavam reunidos.
Chamei Giovanna e fomos para a sala de reuniões. Fechei o paletó,
ela se colocou do meu lado, e fizemos nossa entrada triunfal.
— Boa tarde, senhores. — Sentei na minha cadeira. Nossa mesa
era redonda, não oval, então eu não ficava em nenhuma situação
preferencial. Giovanna sentou-se ao meu lado e estava com um
sorriso magnífico, que mostrava a patricinha mimada que ela era, ao
mesmo tempo a empresária feroz que estava se tornando. Ela era
doce e agressiva, ao mesmo tempo.
— Boa tarde, Simonov. Vlado disse que você solicitou essa
reunião e que tem a ver com James Burnshaw.
Vasiliev disse. Ele era o mais falante e sempre entendi que
estava do meu lado.
— Sim, eu pedi. Eu sei que Burnshaw anda perturbando minha
diretoria sobre meu afastamento, sobre minha estada no Brasil,
sobre minha compra - pessoal - de uma empresa brasileira. Da
mesma forma que os senhores sabem que sempre administrei a
FiberGen à distância, certo? E que nunca deixei nada sequer mal
resolvido. Mas, recentemente, ele atacou um ponto que me
incomodou. Ele disse que eu estava me relacionando com uma
prostituta e que ela seria o motivo de minha negligência com a
empresa. Então, eu trouxe a mulher com quem estou namorando,
aqui, agora, para vocês conhecerem. Giovanna Viola.
Virei para Giovanna, que nos olhava fascinada, pela conversa
em russo, e disse que ela poderia se apresentar em inglês. Os
animais eram poliglotas, ao menos.
— Desculpem não falar o idioma de vocês. Parece que ando
causando mal-estar com a administração da empresa por causa de
alguns boatos, por isso decidi vir me apresentar e deixar que me
interroguem, se quiserem. Sou Giovanna Viola, empresária
brasileira, administradora da Protomak, uma empresa de software.
Recentemente, adquiri uma tecnologia de grande porte que vocês
financiaram, e já tenho uma excelente proposta para
desenvolvermos programas de segurança de ponta.
Eu estava sorrindo quando ela terminou. A forma como
Giovanna falava passava segurança e autenticidade, ela tinha um
carisma fenomenal.
— Muito bem, Srta. Viola, é um prazer conhecê-la. Fico feliz que
Simonov tenha decidido trazê-la aqui, afinal, nunca conhecemos
nenhuma de suas namoradas.
Ela virou e me encarou. Talvez a palavra “namorada” não tenha
sido o que ela esperava. Fiz um gesto de que explicaria aquilo
depois, mas o que ela achava que éramos, afinal?
— Tem algo que queiram saber? Algo sobre mim?
— Talvez sim, se passar mais tempo conosco vamos adorar
conhecê-la. — Petrov disse. — Mas, sinceramente, Alexei, me
ofende que ache que levamos Burnshaw a sério. Nós o toleramos
porque ele é acionista, mas ninguém o aguenta mais. Falo por mim,
mas estou muito feliz que você tenha arrumado uma mulher e
espero que sossegue, afinal.
Os diretores riram. Petrov era um vagabundo, constrangendo-me
na frente de Giovanna. Mas era verdade o que ele dizia, eu só não
sabia que eles pensavam daquela forma. Para mim, havia gente do
Burnshaw infiltrada na diretoria e eu não tinha como descobrir quem
era.
— Eu agradeço a confiança. Vamos ficar até o final de semana,
Giovanna é um achado. Se conversarem uma hora com ela, vão
querer colocá-la no meu lugar.
— Ela deve ser mão de ferro. — Vasiliev riu. — Para domá-lo, só
sendo muito dura.
Certo, meus diretores estavam decididos realmente a me
constranger. Viola ria, e sua expressão era de alívio. Conversamos
sobre alguns assuntos da empresa, já que estávamos reunidos, e
encerramos a reunião com menos de uma hora. Foi mais simples do
que eu esperava, o problema estava mesmo no general da máfia
que eu teria que enfrentar à noite.
Contei a Giovanna que iríamos jantar com minha irmã e ela
entrou em êxtase. Adorou a ideia de conhecer Irina, de conhecer
Ilia, o homem que me ajudou na adolescência, de jantar com minha
família. Eu tinha que fingir que nada me afetava, pois o motivo da
ansiedade tinha passado - os diretores não tinham nada contra ela
nem contra mim. Ela estava leve e feliz quando voltamos para meu
apartamento e nos arrumamos para o jantar. Colocamos roupas
casuais, afinal era a casa de Irina, e chegamos com meia hora de
antecedência, para dar tempo de confraternizar com Anatoli e seu
pai.
Assim que pisamos na entrada da casa, eu quis voltar. Quis
empurrar Giovanna dali, quis ir embora, quis enfiá-la em um avião,
mas isso não ia acontecer. Irina nos viu chegar pela câmera, abriu a
porta celebrando, abraçou-me, beijou-me, e ficou esperando que eu
apresentasse a mulher ao meu lado.
— Irina, essa é Giovanna. Ela é minha namorada.
Foi outro momento de surto, porque eu não costumava ter
namoradas, só mulheres. Minha irmã abraçou Viola, que estava
confusa sobre o que eu tinha dito, e nos arrastou para dentro.
— O que disse a ela? — Giovanna perguntou.
— Que você é minha namorada.
— E eu sou? — Ela me encarou e parecia estar intrigada. —
Disse isso aos diretores, também.
— Claro que é, Giovanna. A não ser que não queira, eu peço
desculpas e retiro o que disse se achar melhor...
— Isso é muito fofo. — Ela pendurou no meu braço. — Sim, seja
meu namorado. Diga, sua irmã não fala português?
— Ela sempre falou, mas deve estar enferrujada. Force um
pouco que ela entende. Irina fala inglês, também.
O clima de alegria duraria para eles a noite inteira, mas acabou,
para mim, quando Ilia chegou. O homem, de quase setenta anos,
andava como um mafioso e se portava como um cavaleiro britânico.
Eu nunca o odiei, mas, naquele momento, eu o odiava. Olhei para
Giovanna, puxei-a para perto de mim, lembrei que tinha deixado a
pistola dentro do carro, mas eu jamais atiraria em alguém dentro da
casa da minha irmã.
Apresentei Ilia a Viola, e ele fingiu maravilhosamente bem que
era apenas um senhor encantado com ela. Depois do jantar, em que
eu quase esqueci que do meu lado havia um homem louco para
cometer uma vingança contra a mulher por quem eu tinha me
apaixonado, e que tinha notado exatamente como eu me sentia por
ela, eu deixei Giovanna com minha irmã e pedi que Ilia me
acompanhasse até a varanda, com o pretexto de fumar.
Conversaríamos em russo, então não era um risco que ela
entendesse nada.
— Anda fazendo um bom trabalho, Simonov. A mulher está
vidrada em você. — Ilia disse, assim que sentamos nas cadeiras da
varanda.
— Não sei se o suficiente.
— Eu garanto que, pelos olhares que trocaram hoje, que é o
suficiente. Você já pode considerar sua missão quase cumprida.
Agora só falta...
— Ilia. — Interrompi-o. Levantei e parei em sua frente, eu estava
tão nervoso que não conseguia ficar sentado. Ele também se
ergueu. — Eu quero pedir que reconsidere.
— Reconsiderar?
— Sim. Deixe isso para lá. Eu dou um jeito de implodir a
empresa do velho, eu acabo com o nome dele no mundo, mas deixe
Giovanna fora disso.
— Você está apaixonado mesmo, hem, Simonov?
O velho deu uma risada e eu quis enfiar uma bala no meio
daquela cara cínica. Em algum momento da minha vida, a
admiração que eu sentia pelo homem se tornou uma raiva profunda,
um desprezo colossal. Esfreguei as mãos, mas enfiei-as no bolso
para não deixar que ele percebesse mais fraquezas em mim.
— Eu estou apaixonado, Ilia. Você, um dia, disse que eu era
como um filho. Se você ainda sente dessa forma, se me amou ou
me ama como filho, permita que eu seja feliz. Deixe-a, não faça
nada contra Giovanna.
Um silêncio doloroso se fez por minutos, em que Ilia apenas me
encarou e tentou descobrir se eu estava sendo realmente sincero.
— Não posso, Simonov. — Ele sentenciou. — Lamento, mas não
era para você se apaixonar.
— Acha que escolhi, isso? — Esbravejei, mas tive que manter
baixo o tom de voz. — Eu nunca quis isso, mas Viola é uma mulher
fantástica! Ela é incrível, e eu acabei apaixonado. Ninguém teve
culpa, eu a amo, deixe essa vingança para lá.
— Eu te dei dois meses, manterei esse prazo. Você tem uns
quarenta dias para ficar com ela, depois, terá que cumprir o que
prometeu. Eu quero a empresa destruída e quero a mulher aqui, em
Moscou.
— Eu não vou feri-la.
— Não disse que ia, Simonov. Nem eu vou feri-la, fisicamente.
Mas o que acha que vai acontecer quando ela souber a verdade?
Você precisa sair dessa, precisa destruir a empresa, acha que ela
vai te amar, depois disso? Talvez seja melhor você trai-la, assim ela
desencanta de uma vez.
— Céus. — Passei as mãos pelos cabelos. Estava suando,
tremendo, usando o controle que eu não tinha para evitar agarrar Ilia
pelo pescoço. Eu poderia acabar com ele naquele momento, mas
não sairia vivo de Moscou. — Você anda vendo novelas demais.
Isso é mirabolante, não faz sentido esse ódio todo projetado nela.
— Tenho meus motivos. Dois meses, Simonov. Ela é sua, até lá.
Ilia colocou a mão em meu ombro, fez um gesto de cabeça e
deixou a varanda. Acendi um cigarro, trêmulo, e desabei na cadeira.
Aquele tinha sido um plano improvisado, e poderia ter dado certo,
mas o ódio em Pavlov era maior do que qualquer amor dentro dele.
Tinha que descobrir os motivos daquela raiva toda para tentar
conseguir um trunfo, ou eu perderia Giovanna para sempre.
MEIAS VERDADES

Giovanna Viola
M A .
Desde que pousamos, ele ficou tenso e nervoso, como se alguma
coisa muito ruim estivesse prestes a acontecer. Eu notei que ele
estava sempre alerta, atento a qualquer movimento, mantendo-me
junto a ele como se estivesse pronto para me proteger de algo. Não
percebi que ele tinha consciência do que fazia, ele apenas fazia,
como um robô cumprindo uma função. O homem zumbi, mas,
daquela vez, com a missão de tomar conta de mim. Era ridículo que
ele se sentisse assim apenas porque alguns diretores poderiam dar
ouvidos ao boçal do James Burnshaw. O que poderia acontecer,
uma queda de braços na empresa? Isso não me afetaria e não me
machucaria, ou seja, a proteção que ele parecia dedicar a mim não
era razoável.
Pensei em perguntar a ele, várias vezes, o que estava havendo.
Mas aceitei, sem questionar muito, o argumento Bursnhaw. Bem, ele
tinha quebrado a cara do ruivo e aquilo já deveria estar estampando
alguns jornais. “Magnata russo espanca colega em evento de
tecnologia”. A razão: uma mulher insolente que não tinha aceitado
ouvir bobagens de um machista babaca, ou seja, eu. Não queria ser
o motivo da angústia de Alexei, não queria que ele se preocupasse
comigo porque não precisava, definitivamente. Eu não me magoava
fácil, eu já tinha superado uma dor horrível - meu pai, e outra - a
morte do meu avô. E o afastamento de Isabella, a traição de Alexei.
Não queria pensar em nada daquilo, porque eu queria fingir que,
com Tatyana, ele não me traiu. Ele resolveu uma pendência, era o
que empresários faziam.
Mas ele estava muito agitado, nervoso, seus músculos
contraídos. Quando saímos do jantar da casa da irmã, Irina, ele
estava tão tenso que eu podia ver seus maxilares travados, o queixo
quadrado, comprimido, os dentes rangiam. A noite tinha sido além
do agradável, mesmo que eles falassem em russo o tempo todo.
Irina era linda, loira como Dmitri - Alexei era um ponto fora da curva
da família, então - e me mostrou as benditas fotos das crianças
Simonov. Eles eram todos lindos, uma família aparentemente feliz e
completa, mas, por algum motivo, eu não tinha certeza se eram
apenas aparências.
— Você está bem? — Perguntei, quando entramos no
apartamento, e ele respirou aliviado. Sim, ele estava aliviado por
algo. Alexei olhou para mim, sombrio, e colocou as duas mãos em
meus ombros, pressionando a carne com um pouco de força.
— Não. — Ele disparou, sem muito cuidado. — Tem algo que eu
preciso te dizer, e não sei como fazer isso.
— Vamos beber, então. — Decidi, porque, geralmente,
ficávamos mais fáceis de lidar depois de algumas taças de vinho, ou
doses de vodca. Fui até o bar, que ficava na sala, e servi vodca, que
eu não gostava, mas talvez fosse a coisa mais forte no momento.
Entreguei um copo a Alexei, decidia a compartilhá-lo. Se fosse ruim
demais, eu arrumaria um bom vinho tinto. — Espero que não seja
nada que vá me fazer voltar para o Brasil nadando.
Ele não sorriu da minha piada. Alexei estava mesmo tenso.
Sentou no sofá e bebeu a vodca toda de uma vez.
— Eu não sei como você vai reagir, eu espero que não vá
embora.
— Estou ficando nervosa, Alexei.
Quis quebrar o gelo e sentar no colo dele, beijá-lo, fazer alguma
coisa, mas não me senti confortável. Servi mais bebida e foi minha
vez de virar uma dose de uma vez.
— Você sabe por que meu pai nos deixou desamparados, sem
um legado, quando morreu subitamente?
— Claro que não, você ainda não me contou essa história.
— Meu pai era da máfia. — Ele disparou, de novo, como se
aquela informação fosse tão grave que pudesse causar uma guerra.
— Ele era um general da máfia, amigo de Ilia Pavlov. É por isso que
Ilia nos ajudou quando precisamos, porque ele e meu pai eram
muito próximos.
— Então ele também é da máfia. — A conclusão era óbvia. Meu
coração disparou, porque parecia que aquela história ainda tinha
muito para revelar.
— Sim, ele é. Um dos mais perigosos generais que existe. E, por
isso, Giovanna... a dívida que eu fiz com ele, pelos cuidados com
Irina, pelo dinheiro que me ajudou a erguer a FiberGen, isso me
tornou parte de tudo.
— Parte da máfia?
— Sim.
Silêncio. Enchi o copo e bebi outra dose. Alexei levantou e
pegou a bebida da minha mão, querendo me impedir de prosseguir
e me embriagar. Afastei dois passos dele, sem saber como reagir à
informação de que Alexei Simonov não era apenas um milionário
russo que comandava um império, ele era um mafioso.
— Você trabalha para a máfia.
— Não. Eu não trabalho, eu nunca trabalhei. Eu tenho uma
dívida com Ilia, somente, porém essa dívida eu carregarei pela vida.
Ele simplesmente não aceita que eu não tenha querido seguir os
passos de papai, ele nunca me libera do compromisso. Sempre há
algo mais que eu tenha que fazer.
Os olhos de Alexei usualmente me diziam se ele era sincero ou
não. Todas as vezes em que ele me falou algo, seu olhar dizia tudo
que ele sentia, eram espelhos de sua alma, o desnudavam por
completo. Ele não conseguia mentir, mesmo que quisesse, porque
seus olhos denunciariam a mentira. Naquele momento, ele estava
apenas dizendo a verdade, como quando disse que me amava,
como quando disse que era meu, como quando jurou que Tatyana
estava em seu passado.
— Por que decidiu me contar isso, Alexei? Quero dizer, não seria
muito mais fácil se eu ficasse na ignorância, se eu simplesmente
não soubesse de nada?
— Claro que seria. — Estávamos os dois de pé, ele olhava para
mim com agonia nos olhos fluidos, suas mãos estavam estendidas
ao lado do corpo, porém eu sentia que ele queria me tocar. — Mas
eu sei que estamos começando algo. Você é minha sócia, minha
namorada, minha companhia. Eu não posso deixar que isso se
baseie em mentiras, mesmo que a verdade possa custar tudo.
Era uma droga que ele parecesse tão sensato e que fizesse
tanto sentido o que ele me dizia. Não deveria ser daquela forma, eu
deveria estar apta a sair pela porta e ir embora, porque ele era um
homem muito complicado - e eu sempre fugia desse tipo. Não
queria nada na minha cama que me custasse nem um pingo de
preocupação, e Alexei parecia vir com um pacote completo de
problemas. Muitas mulheres, um amor do passado, inimigos dos
negócios, uma vida atribulada viajando pelo mundo, e agora, a
máfia. Parecia óbvio que eu diria tchau e nunca mais o veria, mas
por que não foi isso que eu fiz?
— Eu prefiro a verdade, sim. — Confessei. — Mas não sei como
reagir ao fato de que você é um criminoso. Quero dizer, que
pertence a uma organização que mata e tortura pessoas.
— Eu não mato e torturo. Eu... — Ele fez uma pausa, foi até o
bar, bebeu outra dose de vodca. — Giovanna, eu não vou me
justificar, porque não tenho o que dizer. Nunca matei uma pessoa.
Não faria isso por dinheiro, ou motivos fúteis da máfia. Mas eu
mataria uma pessoa. Eu tenho algum gene defeituoso que vira uma
chave de sombras dentro de mim, e eu seria capaz disso, de acabar
com a vida de alguém, se essa pessoa fizesse por merecer. Eu
entendo se você não estiver preparada para aceitar isso, eu resigno.
Alexei deixou o copo sobre o bar e saiu. Fiquei parada, ali,
esperando alguma coisa acontecer. Esperando ser pegadinha, que
a história da máfia fosse mentira, que ele não fizesse parte de uma
organização perigosa. Meus pés quiseram sair pela porta, sim. O
certo a fazer seria ir para o aeroporto e voltar. Porém eu não
consegui me mexer, nem raciocinar direito. Ouvi o chuveiro ligar,
misturado com as marteladas do meu coração. O ar estava pesado
e morno, difícil de respirar. Eu preferia a verdade, mas e quando a
verdade era difícil demais para lidar?
Continuei em pé e meu cérebro fez projeções necessárias sobre
qualquer decisão que eu pudesse ou não tomar. Aquele homem por
quem me apaixonei era um empresário de sucesso, não um
mafioso. Era um cara que prezava pela sustentabilidade do planeta.
Irmão carinhoso, que amava Dmitri e Irina, que sofreu por deixar a
irmã. Era um homem que não mostrava nenhum medo de expor
seus sentimentos e desnudar sua alma. Aquele era Alexei Simonov,
e eu não tinha como acreditar que ele fosse um mafioso. Ele disse
que não era, disse que era coisa do pai, de Ilia, mas que ele tinha
um débito. O quanto esse débito poderia ser um problema?
Fui para o banheiro, o chuveiro estava desligado e Alexei vinha
para o quarto, enrolado na toalha. Ele não falou nada comigo,
apenas foi até o guarda-roupas pegar algo para vestir. Aproximei-me
e toquei suas costas com as palmas das mãos. Ele baixou a
cabeça, sem me olhar.
— Eu estou em perigo? — Perguntei, porque isso me ocorreu. —
Por isso me contou essa história?
— Não está. — Ele se virou. — Eu jamais deixaria alguém
machucar você. Não foi por isso, eu só não quero mentiras entre
nós.
— Você entende que é muita bagagem para eu carregar, não
entende? — Coloquei as mãos em seu peito úmido. — Eu era
apenas uma menina mimada e que não trabalhava, os podres do
meu passado são apenas festas regadas a álcool e drogas
sintéticas, consumismo exagerado e muitos homens na minha
cama. Nenhum deles significou nada. Já você…
— Eu entenderei se for demais para você, Giovanna. Se preferir,
posso agendar um voo para você voltar ao Brasil, e te devolver a
Protomak. Não vou me impor à sua vida.
Merda, Alexei, eu não queria ir embora. Aliás, eu não queria
pensar em nada, eu apenas queria que tudo ficasse como antes.
Talvez eu devesse revelar, também, algumas coisas sobre os Viola.
Olhei para ele, que estava visivelmente arrasado, e passei as mãos
por seus cabelos molhados. Quase me perdi ali, por alguns
segundos, mas eu também tinha segredos para contar.
— Massimo Viola também foi da máfia. — Disparei. Aquela era
uma história que eu detestava, simplesmente nunca falava sobre
ela. Alexei arregalou os olhos, como se coisas fizessem sentido
naquele momento, mas eu não sabia quais. — Ele mudou, ele
deixou tudo para trás e foi para o Brasil viver pacificamente com sua
família. Nunca conheci meu avô mafioso, ele era o homem mais
corajoso e amoroso do mundo. Ele fundou a Protomak e nos cercou
de uma vida boa e segura. Meu avô tinha sido o único homem que
amei em toda a minha vida, talvez seja uma espécie de destino,
isso, que o outro homem por quem me apaixonei, também esteja
envolvido com... isso.
Ele estava me ouvindo, boca entreaberta, aparentemente
surpreso e assombrado. Não me deixou nem respirar depois que
despejei aquela informação sobre ele, agarrou-me pela nuca e me
beijou, puxando-me para perto, fazendo com que eu me misturasse
naquele corpo ainda molhado, no seu cheiro de sabonete, no hálito
alcoólico. Se eu tive planos para ir embora, eu não os concretizaria.

Alexei me empurrou para trás, suavemente, e em um movimento eu


já estava por sobre a cama. Vestindo a roupa do jantar, querendo
tomar um banho, exausta, mas, ainda assim, absurdamente
excitada desde que ele começou a me beijar. Eu poderia ser muito
louca por achar que Alexei estava mais sexy depois que descobri
que ele tinha realmente aquele lado sombrio que eu achava que
tinha. Ser um mafioso, ou, pelo menos estar envolvido com
mafiosos, fez com que ele me seduzisse ainda mais, se isso fosse
possível. Percebendo-me totalmente entregue, rendida e com a
respiração acelerada, Alexei continuou a me tocar, beijando a
orelha, o pescoço, descendo para meu colo, suspendendo minha
blusa. Eu estava com as pernas penduradas para fora da cama e
ele também. Não consegui esboçar muitas reações enquanto ele
descobria minha pele e beijava cada centímetro, afastando o sutiã
de renda.
— Como você é gostosa. — Ele murmurou, passando a língua
ao redor do meu mamilo. Senti arder no meio das pernas, fechei os
olhos e joguei a cabeça para trás, entregue às sensações do melhor
toque que já recebi. Alexei era o melhor sexo que eu já tinha feito,
disparado. Prendeu o mamilo nos lábios, sugou, eu gemi. Segurei
seus braços com força, as mãos apertando a carne na proporção
em que ele me sugava, com a mesma pressão. Depois, livrou o
outro seio, lambeu, beijou, sugou, segurou nas duas mãos, sugou
de novo. Eu poderia ter um orgasmo só com aquelas preliminares, o
meu desejo por ele não tinha limites.
Ele continuou descendo, abriu os botões da minha calça e puxou
para baixo, beijando minha barriga e enfiando a mão em minha
calcinha, sentindo que eu estava completamente melada, latejando,
esperando que ele entrasse ali. Abriu um sorriso e me encarou,
terminando de tirar a calça. Eu estava mole, parada, sem conseguir
reagir, só sentir. Alexei me olhou, de pé, a toalha ainda presa em
sua cintura, porém desafiando a gravidade pela expansão da
ereção, que forçava espaço para fora do tecido. Então ele se
ajoelhou no chão e beijou meus joelhos, passou a língua por dentro
das minhas coxas, minha virilha, até enfiar a língua em minha
intimidade.
Ah. Contorci-me na cama enquanto ele lambia minha extensão
bem devagar, abria espaço para a boca usando os dedos, apertava
minhas coxas em um toque bruto e maravilhoso. A Giovanna das
hipérboles estava de volta, porque aquela sensação era estupenda.
Ele circulou meu clitóris com a língua e gemi de novo.
— Puta que pariu, Alexei.
— Quer que eu pare? — Ele levantou o olhar e me encontrou
quase delirando.
— Se parar eu juro que te dou um chute.
Alexei deu uma risada e passou a língua em minha abertura,
pressionou, praticamente me penetrou com a língua enquanto o
polegar circulava o clitóris. Depois inverteu, sugando levemente o
clitóris e me provocando com o polegar deslizando pelo períneo. Era
tudo tão devagar e tão intenso que me permitia segurar a o orgasmo
para apreciar aquela boca por mais tempo. Voltou a me lamber, para
cima e para baixo, devorando tudo que tinha ali, pressionando a
carne com os dedos, apertando minha bunda na tentativa de elevar
meus quadris. Os dedos me exploraram outra vez, um entrando em
cada abertura, e foi demais para mim. A tranquilidade da língua
passeando pelo clitóris e os lábios sugando vez ou outra, toda a
minha intimidade, deu lugar àquela sensação de preenchimento e
senti meu corpo convulsionar.
Ele parou. Quis esbravejar, mas ele fez um “shhhhhh” com o
dedo melado selando meus lábios. Enfiei o dedo na boca, limpando
meus fluídos ao redor, e ele me penetrou sem que eu estivesse
preparada. Segurou minhas duas mãos sobre a cabeça e beijou
minha boca, metendo fundo e bem devagar. Eu já estava bem perto
do orgasmo, meu clitóris inchado estava sendo bombardeado por
aquele corpo sobre mim, friccionando pele com pele, enquanto eu
nem mesmo podia me mexer direito. Alexei parou, de novo. Sua
expressão era de intensidade e desejo, gotas de suor se formavam
em sua testa e seu cabelo úmido, de água e fluídos corporais,
estava grudado no pescoço, nas orelhas. Ele respirava acelerado, o
coração martelava, mas ele parou. Desafiou-se, saiu de dentro de
mim, voltou a me chupar.
Daquela vez, a língua circulava meu ânus e os dedos
exploravam o restante. Depois, dois dedos me penetraram atrás,
enquanto ele enfiou o clitóris na boca. Eram muitas mãos, e dedos,
e fendas para que ele entrasse, e ele ia de lá para cá, de cá para lá,
como se estivesse fazendo uma viagem ao redor de Giovanna.
Alexei subitamente me virou de costas na cama, exibindo minha
bunda para o alto. Eu já estava desconfiando aonde aquele cara
queria chegar, e não tinha nenhuma objeção a ele. O pau ereto e
lubrificado por meus fluídos naturais roçou a bunda e abriu espaço,
pressionando minha carne enquanto ele deitava sobre mim e me
beijava a tatuagem, a nuca, as orelhas. Eu estava tão rendida que
ele podia fazer de mim o que quisesse, nunca me senti tão passiva
na cama, querendo apenas ser usada e fodida por um homem.
O pau deslizou para a vagina e ele me penetrou de novo, indo e
vindo bem devagar, lambendo minha orelha e me empurrando
contra o colchão.
— Faça o que você tem vontade. — Murmurei, mordendo os
lençóis em agonia porque ele me fazia chegar na beira do orgasmo
e parava. — Eu gosto.
Alexei sustentou o corpo com os braços e encarou minhas
costas por alguns instantes.
— Você tem uma posição preferida?
Empurrei-o para trás, a bunda em seu quadril, e levantei. Encarei
aquele corpo fabuloso, aquele membro ereto e vermelho, e enfiei na
boca. Ele podia gostar de sexo oral, mas eu também adorava. Não
ia poder exagerar porque arriscava de o homem gozar, e eu queria
outra brincadeira, daquela vez. Alexei me olhou engolir seu pau
inteiro, lamber a cabeça, chupar, engolir de novo. Ele tinha cheiro de
pré-gozo, cheiro de hormônios, masculino, um cheiro que me
entontecia. E um gosto ácido que lhe era peculiar. Alexei era
delicioso, macio, a sua pele deslizando para dentro da minha boca
era uma das coisas mais eróticas que eu já tinha feito.
— Gio, para. — Ele pediu, quase em súplica. Afastou de mim e
pegou uma camisinha em seu criado mudo - eu tinha razão sobre o
que ele queria, então. Abriu o pacotinho, desenrolou o preservativo
sobre o pau pulsante, e eu assisti a tudo quase em êxtase. Que
homem maravilhoso era aquele, que perfeição de movimentos, de
olhar, de boca entreaberta enquanto ele me encarava e mostrava
que ele me desejava loucamente - porque era o que sua expressão
me dizia.
Ele esperou que eu me acomodasse. Ajoelhei na cama e deitei a
cabeça nos travesseiros, colocando meu corpo em um ângulo
agudo e exibindo todas as minhas aberturas para ele. Com calma e
sem pressa, ele segurou meus quadris, os polegares pressionando
a bunda, e enfiou fundo na minha vagina. Gemi, mas ele só queria
lubrificação - que eu tinha sobrando. Meteu com força algumas
vezes, tirou e me penetrou por trás, bem devagar.
Estremeci, ele parou. Levou o polegar até o clitóris e pressionou,
provocando ondas de prazer por meu corpo. Forçou o pau mais um
pouco, senti-me preenchida subitamente por aquele membro duro e
contraí meus músculos, todos ao mesmo tempo. Alexei apertou
minha carne.
— Caralho. — Gemeu, sem conseguir se mover. Relaxei e ele
forçou mais um pouco, saindo em seguida. — Giovanna, eu não vou
aguentar.
— Temos a noite inteira pela frente.
Ele me penetrou novamente, meu corpo mais relaxado, e
circulou meu clitóris. Primeiro com suavidade, depois com força,
enquanto seu pau entrava e saía bem devagar. Os estímulos me
levaram à loucura, o homem dentro de mim, os espaços
preenchidos, a intensidade da penetração, os gemidos que ele
soltava, eróticos, graves, os palavrões, e não consegui evitar - gozei
como louca, convulsionando em espasmos musculares que o
prenderam dentro de mim e me fizeram amolecer. Alexei segurou
meu corpo com as mãos e, em um gemido alto, deu uma última
investida contra mim. A força do meu gozo foi demais e acabou com
a resistência que ele tinha, fazendo com que se aliviasse e
desabasse sobre mim, caindo os dois exauridos sobre o colchão.
Depois de alguns segundos, o coração voltando a bater
normalmente, ele rolou para o lado e se manteve abraçado a mim,
que continuei de costas, sem condições de me mover. Meus olhos
se prenderam nos três pôsteres de bandas de rock que estavam
pendurados na parede. Lindamente emoldurados, Metallica,
Aerosmith e Scorpion.
— Então. — Tentei iniciar um diálogo. — Você gosta de rock.
— Eu amo rock. — Ele beijou minhas costas e contornou meu
desenho com o dedo indicador, chegando até o traçado elevado das
nádegas. — Meu sonho era ter uma banda.
Virei-me na cama. Estava uma delícia ficar deitada ali, com ele
me acariciando, mas eu precisava olhar para ele naquele momento
em que ele revelava uma informação bem mais interessante que a
da máfia.
— Conte-me mais sobre isso. — Dei uma risadinha. Alexei beijou
a ponta do meu nariz.
— Desde pequeno eu queria tocar em uma banda. Meu pai
detestava a ideia, chegou a quebrar meu instrumento e ameaçar me
mandar para o colégio interno. Quando ele morreu eu fui a vários
shows, alguns no Brasil. Lembra do Scorpions em Vitória?
— Eu era um bebê nessa época. — Impliquei e Alexei riu. Ele
continuou a me acariciar, passando os dedos bem de leve por minha
pele, como se me redesenhasse, me pintasse, me enfeitasse.
— Certo. Eu estive lá, foi onde autografei esse pôster. Metallica
na Alemanha, Aerosmith em Nova Iorque. Todos autografados,
tenho palhetas e outras coisas de fã. Mas nunca mais toquei, nem
sonhei com a banda, já que eu tinha uma família para cuidar, afinal.
— Essa é uma história triste. — Puxei seu rosto para mim e
beijei sua boca. — O que você tocava?
— Baixo.
— Mas eu jamais imaginaria esse Alexei Simonov engomadinho,
executivo de sucesso, tocando baixo em uma banda. — Gargalhei,
meu corpo sacudindo com as risadas. Ele deitou de costas e
encarou o teto.
— Esse Alexei não toca, mesmo.
— Então me mostre o músico, qualquer dia desses. Você tem
tantas faces que vai ter que me contar com qual eu estou
conversando.
Apoiei-me no cotovelo e olhei para ele, cujos olhos miravam o
nada.
— Eu sou apenas um, Giovanna. Um homem cheio de histórias
e você pode descobri-las aos poucos, ou todas ao mesmo tempo,
como quiser. Só não vá embora. — Ele se virou para mim e passou
as mãos por meus cabelos, que estavam grudados na testa. — Eu
disse que te deixaria ir, mas a verdade é que isso acabaria comigo.
Não me deixe, eu nunca senti por ninguém o que sinto por você.
Empurrei Alexei para o lado e sentei sobre ele. Beijei seu
pescoço, sua bochecha, sua boca, seu queixo.
— Não vou te deixar.
Voltei a beijá-lo e senti sua ereção pressionando meu corpo.
Íamos começar tudo de novo, ainda bem que eu disse que tínhamos
a noite inteira.

Alexei Simonov
O meu desespero com a negativa de Ilia fez com que eu despejasse
parte da verdade sobre a máfia. Se Giovanna soubesse disso,
talvez fosse mais fácil conversar sobre outras coisas. Claro que foi
um movimento muito arriscado, ela podia simplesmente virar as
costas e ir embora, já que namorar um mafioso podia não ser uma
façanha que ela quisesse realizar. Mas, eu deveria ter suspeitado
desde o início: Massimo Viola também era da máfia. Ele e Ilia
tinham que ter alguma ligação bem grave, bem complexa, que
poderia levá-los a um desentendimento grande o suficiente para que
Ilia desejasse a morte, o apagamento do velho da história mundial.
Não sei se foi isso que a fez compreender o meu lado, ou se ela me
ama mesmo, e não conseguiu ir embora. Só sei que Giovanna ficou.
E eu decidi que iria aproveitar meu tempo com ela, deixar a dura
verdade para depois. Eu ainda tinha quarenta dias, por aí, para
curtir a Viola, para fingir que não havia uma verdade que nos
separaria, para fingir que minha família não corria nenhum risco,
para ter outro plano. Não queria aceitar que eu, tão rico e poderoso,
não conseguisse uma forma de me livrar de Ilia Pavlov. No dia
seguinte, voltamos para o Brasil, para longe da máfia. Meu carro
estava no aeroporto, quando chegamos, e levei Giovanna até a
casa dela. Não conversamos muito, nesse trajeto, e não sei por quê.
Da minha parte, era um misto de sentimentos que apertava o peito:
a necessidade de ficar um pouco trancado no quarto, em silêncio,
apenas refletindo sobre tudo, a vontade de que, depois disso, eu
pudesse simplesmente abrir a porta e encontrar a Viola ali,
esperando por mim. Como eu sabia que as duas coisas não
aconteceriam juntas, estava um pouco aborrecido.
Fiquei mais aborrecido ainda por estar tão fragilizado. Eu não era
frágil e aquela bobagem precisava acabar. Praticamente dormi o
final de semana inteiro, tomei banho de piscina e fiquei trancado em
casa, sem querer sair, ou beber, ou fazer coisas que eu
normalmente fazia. Não a vi, ela estava com as amigas, foi passar o
final de semana na casa de Patrícia, em Guriri. No domingo, meu
irmão não aguentava mais meu marasmo e decidiu fazer um
churrasco no quintal, apenas para nós.
— Dimka, acho que vou alugar um apartamento. — Disse,
sabendo que aquilo seria uma bomba para meu irmão. Ele era
territorialista.
— Oras, mas por quê? Quero dizer, não está se sentindo bem
acomodado aqui, Lyosha?
— Claro que estou, irmão. — Abri uma cerveja e recostei-me na
cadeira. Estava uma brisa agradável, vindo do mar, e o cheiro de
maresia era delicioso. — É que prefiro ter um lugar para minhas
coisas, já que ficarei mais tempo no Brasil.
— Sei. — Pedro virou para mim, segurando a faca de cortar
carne. Ainda bem que ele não estava irritado. — O que você quer é
um lugar para se pegar com a sócia. Vocês estão namorando,
Lyosha?
— Posso dizer que sim. Essa coisa de namorar é nova para nós
dois, mas não estamos indo devagar.
— Vocês estão ladeira abaixo. — Dmitri deu uma risada. — Bem,
nossa casa sempre foi sua casa, se quiser continuar se pegando
com Giovanna aqui, sabe que não ligamos. Se precisar eu coloco
isolamento acústico! Mas, se preferir um apartamento, posso
colocar você em contato com meu corretor. O que acha?
— Terei prazer em conhecê-lo. Marque qualquer coisa amanhã
cedo.
Uma decisão consciente tomada, mas eu não sabia exatamente
os motivos que me levavam a alugar algo. Era mesmo para ficar
mais tempo com Giovanna? Poderia fazer isso no apartamento dela,
ou eu também era territorialista como meu irmão? De qualquer
forma, na segunda de manhã eu encontrei o tal corretor, que me
apresentou todo tipo de imóvel milionário. Como homem de
negócios, eu geralmente levava uma semana para escolher algo, só
que eu não tinha uma semana para gastar, quando o assunto era a
Viola. Tinha que ser rápido, então joguei limpo com o cara: um
apartamento na Mata da Praia, de frente para o mar, semi
mobiliado. Ou na Praia do Canto, de frente para a praça, também
semi mobiliado. Não queria ter que me incomodar com armários, e
eu podia pagar o preço que os proprietários quisessem. Simples.
Quando cheguei à Protomak, já era quase hora do almoço.
Lourdes tinha uma expressão séria, mas sorriu ao me ver entrar
pela porta.
— Bom dia, Sr. Simonov. Seja bem-vindo de volta.
— Bom dia, Lourdes. Alguém me procurou esta manhã?
— Não, senhor. Mas a Srta. Viola esteve na sua sala e atendeu
um telefonema.
Sorri ao imaginar Giovanna mexendo nas minhas coisas, porque
qualquer bobagem que ela fizesse me encantava. Tentei não
demonstrar o quanto eu estava ridiculamente apaixonado por ela e
mantive a pose de empresário milionário coração de gelo. Eu era
aquele homem gelado e duro, só Viola tinha encontrado um
caminho diferente para outro Alexei. Olhei para a sala dela e ela
estava lá, sentada atrás de uma pilha de papéis e digitando
rapidamente com uma expressão pouco amigável. Talvez problemas
no trabalho, talvez mau humor matinal. Entrei na sala e fechei a
porta, mas os vidros não impediriam ninguém de ver o que eu faria,
a seguir. Não que eu me importasse mais, o mundo podia saber que
eu precisava beijá-la mais do que precisava respirar.
— Sócia. — Disse, para chamar a sua atenção. Ela estava tão
distraída que não me notou entrar. — Vejo que está tendo uma
manhã ocupada.
— Simonov, ainda bem que decidiu dar as caras para trabalhar.
— Ela levantou detrás do computador e veio na minha direção. —
Pensei que teria que ir à Ilha de buscar.
Giovanna me abraçou, passando os braços por baixo dos meus,
por dentro do blazer, e enfiou a cara em meu peito. Ela era alguns
centímetros mais baixa que eu, mas a proporção de nossos corpos
era perfeita. Puxei seu rosto para cima e beijei sua boca, mantendo-
a bem perto de mim. Senti falta daquele toque, daquela língua,
daquele gosto.
— Eu fui fazer algo importante. — Confessei e enfiei a mão no
bolso, sacando a chave do novo apartamento. Ela me olhou
confusa, sem entender o que uma chave poderia ser de importante.
— Você quer me ajudar a comprar móveis?
— Comprar? Você vai se mudar, Simonov? — Os olhos dela
brilharam.
— Eu aluguei um apartamento, hoje cedo. Já me liberaram as
chaves, nada que o dinheiro não resolva, não é mesmo? E eu
preciso de móveis, mas não sou muito bom em comprar coisas.
Giovanna pegou meu braço e olhou as horas no meu relógio.
Depois, voltou para trás do notebook e, em menos de dois minutos,
já tinha desligado a máquina.
— Vamos almoçar, então. Passaremos na minha loja favorita de
produtos para casa, mas, antes, preciso ver o apartamento. Onde
é?
— Mata da Praia, frente para o mar.
Ela colocou a mão no peito e fingiu desmaiar, animada com as
notícias.
— E está totalmente vazio?
— Semi mobiliado. Tem armários, precisamos comprar o resto.
— Adoro comprar o resto.
Giovanna pareceu extremamente excitada em fazer compras e
decorar o apartamento, era como se eu estivesse fazendo uma
proposta bastante indecente para ela. Mordeu o lábio inferior e me
encarou com malícia, depois me beijou colando o corpo no meu.
Eram muitas sugestões naquele toque, naquele contato que sugeria
algo mais íntimo, naquela mão no meu pescoço, o dedo enroscando
em meus cabelos. Se eu soubesse que aquelas coisas provocariam
em Giovanna um efeito psicodélico, já teria me mudado antes. Ela
disse para Lourdes que sairíamos para almoçar e que não
voltaríamos à tarde, que ela já tinha respondido os e-mails urgentes.
Pediu que avisasse aos gêmeos sobre a reunião do dia seguinte e
me arrastou pela empresa, até o estacionamento.
Pedi que ela dirigisse, pois queria que soubesse logo onde ficava
o meu novo lar. A empolgação de Viola com uma coisa tão simples
era intrigante. Mesmo que eu achasse que ela já tinha
experimentado quase tudo, era como se cada nova experiência,
mesmo que não tão nova assim, fosse inédita para ela.
— Alexei, esse lugar é maravilhoso. — Ela disse, abrindo os
braços ao entrar na sala de dois ambientes. — Para que você
precisa de um apartamento tão grande, homem? Vai promover
orgias aqui?
Dei uma risada e fechei a porta. Abracei-a por trás e beijei seu
pescoço, já ansioso por alguns momentos a sós com ela - eu estava
totalmente sem freio.
— Você é a única convidada que pretendo ver frequentando
minha casa, além do meu irmão e do meu cunhado.
— Excelente. Mas vamos precisar de muita coisa para fazer isso
ficar do jeito que eu gosto. Quero dizer...
Ela se virou para mim e havia constrangimento em seu sorriso.
Dei outra risada, já estava quase gargalhando com aquela história.
— Pode ficar do jeito que você gosta. — Beijei-a, puxando-a
para mais perto. — Eu nunca liguei muito para decorar nada,
geralmente contrato um profissional e deixo que faça seu trabalho.
Giovanna não me respondeu, daquela vez, continuou a me
beijar. Agarrou minha gravata, desceu a mão por minhas costas,
prendeu-se no meu cinto. Talvez ela também estivesse sem freio,
porque o apartamento ainda estava empoeirado, quase vazio e era
bastante inadequado que fizéssemos sexo por ali. Não importava.
Empurrei-a contra a parede e desci os beijos para seus ombros,
enfiando as mãos por dentro de sua blusa. Tínhamos apenas o mar
imenso como testemunha de nossos corpos vestidos sem
emaranhando ao meio dia. Eu já sentia minha ereção doer dentro
das calças quando decidi que deveríamos esperar até a noite para
consumar aquilo.
— Gio. — Eu disse seu nome, ela entendeu.
— Você é muito estraga prazeres.
— Vem alguém limpar o apartamento, hoje ainda. Se quiser,
podemos comer uma pizza na varanda, sobre um edredom, de
noite. Não teremos energia elétrica ainda.
Com a sua concordância, nos ajeitamos para sair e fomos
almoçar, em um restaurante da orla, mesmo. Eu estava com fome,
ela também, e ainda tínhamos que passar a tarde fazendo compras.
Só ela mesmo para me fazer ter paciência para escolher objetos
para casa, eu achava aquilo muito enfadonho.
Teríamos pelo menos uma semana de diversão mobiliando o
apartamento, e passando algum tempo juntos que não fosse
estritamente no trabalho ou na cama. Nos dias que se sucederam,
Giovanna decidiu pintar uma parede com textura, mas ela mesma
queria fazer aquilo - ou seja, nós dois faríamos. Ela também decidiu
renovar alguns móveis antigos que encontrou em uma loja de
móveis usados, o que nós dois acabaríamos por fazer juntos. E
também decidiu trocar o papel de parede da cozinha, me fazendo
pedir autorização ao proprietário. No final de semana, o
apartamento estava perfeito, pronto para que eu o habitasse
definitivamente, com fotos minhas e dos meus irmãos, espalhadas
em meu quarto, duas referências ao rock em outro dos quartos, e
muita personalidade - boa parte, da mulher que eu namorava.
Sábado foi a inauguração do aparamento, com muita comida boa
feita por chef Pedro. Assim, dias maravilhosos foram passando, eu
cada dia mais apaixonado por Giovanna Viola, já sem saber como
viver sem ela em minha vida, já tão acostumado com sua presença
e sua interferência em tudo que era como se eu sempre tivesse
vivido daquela forma, ou, não tivesse vivido antes. E como eu faria
para revelar a ela a verdade sem que ela se ferisse? Talvez eu
precisasse de ajuda, era hora de contar tudo para Dmitri.
VAI DAR TUDO CERTO

Giovanna Viola
E , mas eu estava sem
vontade de dormir. Recostada no beiral da varanda, encarava as
ondas do mar de Camburi, que quebravam impiedosas nas areias.
Era uma noite chuvosa, o inverno ia chegar, mesmo que as
temperaturas não caíssem muito nem isso representasse uma
grande mudança climática. Quase ninguém estava acordado no
prédio, mas a praia estava ainda movimentada. Pessoas iam para
as festas, ou vinham dos programas da noite. Afinal, a sexta-feira
tinha apenas acabado, isso significava que o final de semana tinha
começado, oficialmente. Eu vestia uma camisa masculina, branca,
que cheirava a perfume e tabaco. Cheirava a ele, Alexei Simonov, o
homem que dominava meus sentidos desde que eu o conheci.
Não saberia dizer seu eu passava mais tempo no apartamento
dele do que no meu, mas era bem provável que eu já morasse lá e
não sabia. Foi mais ou menos quando eu fiquei doente, uma gripe
muito forte que evoluiu para uma pneumonia, e ele decidiu cuidar de
mim. Me levou ao médico, me levou para casa, me fez descansar.
Pegou uma mala de roupas e enfiou no guarda-roupas do quarto de
hóspedes, porque eu tinha, sim, muita coisa. E, desde então, eu
acabava ficando por lá, toda noite, dormindo na sua cama, ao seu
lado, depois do sexo incrível que sempre acabava precedendo o
sono.
Fazia algum tempo que não cuidavam de mim. Isabella era a
pessoa que fazia com que a mágica acontecesse: a comida na
mesa, as roupas lavadas e passadas, o dinheiro na conta. Desde a
morte de vovô, Isabella mudou, tanto espiritualmente quanto
fisicamente. Ela se fechou, se afastou, e voltou para a Toscana, o
estado natal dos Viola, e eu fiquei ali, de repente sozinha, tendo que
crescer fora da hora. Pode ter sido bom, e foi rápido, quase como se
ela arrancasse um band-aid, mas foi sofrido, também. Assumir a
Protomak foi o que me restou. Então, ser cuidada por Alexei foi
bom, foi necessário, foi algo que eu estava precisando, mas que não
pediria a ninguém.
Não me lembrava quanto tempo tinha passado desde que nos
conhecemos. Eu sentia como se ele fosse meu desde sempre,
como se ele tivesse nascido um dia para me encontrar. A nossa
resistência ao amor, aos relacionamentos humanos, era
proporcional à compatibilidade absurda que descobrimos ter. A brisa
soprou forte e gelada enquanto ouvi o rangido leve da porta da
varanda.
— Insônia?
A voz grave de Alexei se seguiu às suas mãos em meus cabelos
e seus lábios em meu pescoço. Tombei a cabeça para o lado,
deixando que ele desenhasse meu contorno com a boca, e que seu
corpo me aconchegasse e me aquecesse.
— Estou um pouco ansiosa. — Disparei, virando-me para ele e
preferindo afundar-me em seu peito a continuar observando a
paisagem. — Para você, aquisições e transações não são novidade,
mas, para mim, é tudo muito recente. Estou adorando.
— Saiu-se muito bem com a tecnologia dos gêmeos, vai arrasar
novamente.
A bola da vez na Protomak era uma licitação privada de um rico
exótico que queria bancar pesquisas para desenvolver um software
que ele considerava futurístico, inovador, muito vanguarda. Ele
apenas informou que se relacionava com inteligência artificial e que
mudaria a forma como nos relacionamos com nossos veículos, mas
não deu muitos detalhes. O que importava era a quantia em dinheiro
que ele estava disposto a pagar para quem apresentasse a melhor
proposta de pesquisa - e eu quis entrar na jogada. Fiquei confiante
com o sucesso da tecnologia dos gêmeos, que já tinha rendido bons
lucros, e que tinha me aproximado da Europa. Se eu conseguisse
ao menos participar ativamente daquela “corrida ao tesouro”, já
seria outra porta aberta para a empresa. Vovô ficaria feliz.
— Quero ir com você. — Falei, beijando seu peito nu, que
cheirava ainda melhor do que o colarinho da camisa. Desci a boca
até a barriga, contornando os músculos com a língua, e passei a
mão em sua bunda, cravando os dedos. Alexei soltou um grunhido.
— Não acho que seja uma boa ideia. — Ele tombou o corpo para
frente e se segurou no beiral, enquanto eu puxava para baixo sua
cueca, beijando as partes que descobria. — A Protomak precisa...
Não deixei que ele completasse a frase, segurei sua ereção
entre os dedos e levei à boca, passando a língua pela glande. Alexei
apertou o beiral até os nós dos dedos ficarem brancos.
— A Protomak está ótima, os eventos da licitação são apenas
mês que vem, e você disse que só vai passar uma semana.
— Só uma semana. — Ele grunhiu de novo, enquanto eu o
engolia por completo. — Céus, vamos mesmo ter essa conversa no
meio de uma sessão de sexo oral?
— Acho vantajoso. — Impliquei. — A meu favor, claro. — Voltei a
me concentrar em seu membro e ele se contraiu. — Uma semana é
pouco para a Protomak mas é uma eternidade, para mim.
Não estava mentindo. Meu vício em Alexei só intensificava a
cada dia que passávamos juntos e ele não fazia nada para me
ajudar a reduzi-lo. Éramos um casal, com todas as características
socialmente esperadas de um. E não morávamos juntos apenas
porque não declaramos isso e eu mantinha meu apartamento, fora
isso, dormia quase todas as noites na Mata da Praia. Eu não queria
passar uma semana afastada dele, nem mesmo um dia. Não ainda.
— Gio, viajar para Moscou pode ser cansativo. — Ele disse, se
esforçando para lutar contra as sensações que seu corpo
proporcionava. — Eu só vou lá resolver pendências da FiberGen.
— Não ligo. Adoro resolver pendências.
Parei de brincar e me concentrei em lhe proporcionar prazer,
passando a língua por sua extensão, sugando, me deliciando com
aquele gosto ácido que ele tinha. Alexei me agarrou pelos ombros,
me puxou para cima, ansioso, e me tomou nos lábios. Me beijou
com intensidade, me arrastou para a sala e me jogou no sofá,
abrindo minhas pernas e me penetrando de uma vez. Adorava
quando ele bancava o amante bruto, sem paciência, que apenas me
dava comandos ou me virava para lá e para cá. Era divertido.
Segurei seu quadril, que investia contra mim com força, e
acompanhei seus movimentos enquanto nossos olhares não se
desprendiam. Não foi uma dança demorada, daquela vez, ele não
conseguiu segurar o orgasmo por muito tempo e gozou
violentamente alguns minutos depois. Desabou sobre mim,
acomodando seu rosto em meu pescoço.
— Você faz isso para me obrigar a dizer sim. — Ele conseguiu
dizer, ainda com a respiração acelerada.
— Claro que faço. Você vai ficar uma semana sem isso? Não
ficou nem um dia, desde que começamos a transar.
— Não vou conseguir te convencer do contrário, vou? — Alexei
sentou no sofá, recostando a cabeça para trás. Sentei em seu colo,
acomodando-me sobre suas pernas.
— Sabe que não. Leve-me com você. A não ser que você
realmente não queira, então...
— Gio, não faz isso. — Seus braços me envolveram e Alexei me
aninhou em seu peito. — Não apele para o que sinto, você sabe que
eu amo você, já disse isso tantas vezes que estou sendo até cafona.
Eu apenas não queria te expor a tanto. Mas, se faz questão, então
venha.
Sorri, vitoriosa na minha insistência. Eu sabia que Alexei teria
que voltar constantemente à Rússia, e que ele viajaria muito, mas
eu queria ir com ele. Ao menos por enquanto, já que estávamos
apaixonados e aquela vontade louca de ficarmos grudados ainda
não tinha passado - e eu esperava que ainda demorasse um pouco
a passar. Queria viajar ao lado dele, ser exibida por ele e exibi-lo,
mostrar que estávamos juntos, colocar um fim em nossa história de
vagabundos sem eira nem beira. Foi boa, a liberdade de sermos
descomprometidos antes, mas eu o queria e ele me queria e foi
como se tudo tivesse sido apenas uma preparação para que
ficássemos juntos, no final.
Alexei parou de contestar e me pegou no colo, levando-me para
a cama. Se eu não estivesse enganada, era a vez dele brincar.
Bem, eu nunca estava.
Alexei Simonov
Flashback - 40 dias atrás

Estou sentado no sofá, segurando uma bolsa de gelo sobre meu


lábio partido. Não sei como vou explicar para as pessoas que meu
irmão me deu um soco, ou como foi que eu me estourei todo, mas
isso não parece importante. Dmitri roda de um lado para o outro,
quase fazendo um buraco onde seus pés caminham, visivelmente
nervoso. Depois que contei a ele a verdade sobre Ilia Pavlov e minha
missão no Brasil, ele perdeu o controle e me enfiou um direto no
meio da cara, com esses punhos de lutador de Muai Thai que
poderiam ter me deixado de olho roxo facilmente. Claro que meu
irmão está irritado, eu não apenas menti para ele, eu também
coloquei nossa irmã em risco, ou omiti esse risco quando ele se
agravou.
— Dimka, eu preciso da sua ajuda.
Falo, tentando chamar atenção para mim, querendo que ele pare
de girar e fale comigo. Se Pedro estivesse ali, eu apanharia duas
vezes - porque Pedro ia acabar com minha raça por deixar o marido
desse jeito.
— O que eu devo fazer, Lyosha? Não sou mafioso, como acha
que resolverei isso?
Dmitri para e me encara. Acho que nunca vi seus olhos ardendo
em fogo como nessa vez.
— Eu não escolhi nada disso, Dimka. Pode ficar bravo, me bater,
mas sabe que eu jamais colocaria Irina em risco consciente! --
Levanto, sentindo uma fisgada na boca. Vou até a cozinha beber um
copo de água, aquela tensão está me exaurindo.
— Você sempre soube que Ilia era mafioso? Que papai era? Você
escondeu isso de nós?
— Claro que escondi. Queria que eu fizesse o que, maculasse a
imagem que vocês tinham dele? Eu tinha que manter o mínimo de
integridade da família, só que eu não imaginaria que fosse ser desse
jeito. Eu acreditava que, depois que eu pagasse Ilia, ele ficaria
satisfeito com o dinheiro. Mas ele tinha essa vingança, o cara está
louco.
— Quantas pessoas você já matou?
Passo as mãos pelos cabelos e encaro meu irmão. Todo mundo
faz a mesma pergunta, provavelmente por razões óbvias - pessoas
da máfia são assassinas.
— Vou te contar uma história, Dimka. Sente-se. — Indico que eu
demorarei mais do que um minuto. Dmitri senta no sofá, posiciono-
me à sua frente. — Quando você era um bebê, eu já ia com papai
fazer alguns trabalhos. Eu tinha dez anos, Irina já tinha completado
um ano, vocês ficavam com mamãe e eu saía com o velho para
“pescar”.
— Lembro. Eu morri de inveja porque nunca fui pescar.
— Eu também nunca fui. A “pescaria” significava a tortura de
alguns membros de grupos desafetos, ou de quem eles queriam
informação, ou de devedores. Pescar era torturar. Íamos para um
açougue, um lugar horrível, fedendo a carne podre e sangue, e eu via
o que ele fazia. “Fazemos o que precisa ser feito”, Pyotr sempre
dizia. Eu fui crescendo, ele continuou me levando. Depois dos dez
anos, eu segurava instrumentos, um dia ele me mandou pregar os
dedos de um homem em uma cadeira. Eu não quis fazer, ele me
bateu. “Os Simonov são homens, não ratos”. Depois que cumpri a
missão de fincar um prego em cada falange de um coitado qualquer,
encolhi-me em um canto e chorei até acabarem minhas lágrimas.
Dmitri segurou minhas mãos, eu estava tremendo.
— Era por isso que ele sempre foi um pai abusivo. — Dmitri
desabafa. — Provavelmente ficamos melhor sem ele, Lyosha. E a
mãe, era sabia de tudo?
— Sim, claro que sabia. Quem acha que livrou a sua cara? Ela
convenceu o pai que eu seria o soldado que ele precisava, e que
você era muito frágil.
— E você sofreu em dobro. Desculpe, Lyosha, foi injusto bater em
você, eu não sabia dessas histórias todas. Sinto-me tão idiota, eu…
Dmitri está nervoso, coloca as mãos no rosto. Ajoelho em sua
frente e abraço meu irmão, nunca, nada foi culpa dele nem de Irina,
nem minha. Talvez eu seja um pouco responsável por me meter com
um homem da máfia, mas eu era um jovem tolo.
— Eu não sei o que fazer agora. Não quero que nada aconteça
com Giovanna. Não sei o que Ilia pretende com ela.
— Vá à polícia. — Meu irmão solta uma bomba sobre mim. —
Acabe com esses caras, entregue-os. Você não tem argumentos para
colocar Ilia atrás das grades?
— Talvez eu tenha. — Essa é uma hipótese que eu nunca cogitei.
Nunca considerei simplesmente procurar a polícia, testemunhar,
livrar-me de tudo de uma forma dolorosa. Eu estou confortável como
homem de negócios, até então não parecia uma opção razoável. —
Mas, Dimka, se não der certo...
— Claro que dá certo. O que acha que a polícia russa não daria
para colocar a mão em gente como Pavlov? Ao menos tente, Lyosha.
Você disse que todas as ideias deram errado, talvez você precise de
um movimento mais ousado.
Meu irmão deve ter razão. Preciso de ousadia, preciso me mover
por caminhos que Ilia não vai nem mesmo suspeitar. Se eu envolver
a polícia, então, eu serei uma testemunha, e eu talvez tenha que
desaparecer, entrar em um programa, sumir até que a gangue toda
de Ilia esteja atrás das grades, definitivamente, e que ninguém mais
ameace minha família. Isso me afastará de todos, mas salvará Irina e
manterá Giovanna segura.
Concordo com a ideia. Prometo a Dmitri que vou resolver tudo de
forma lícita, que vou agir como ele espera que eu aja, que vou honrar
o sobrenome Simonov. Abraço-o como se fosse uma despedida,
mesmo que ainda falte muito tempo no prazo de Ilia. Quando eu der
início a plano, não haverá retorno.

Fim do flashback.

Acordei sobressaltado durante o voo, que era longo e cansativo.


Nada com Giovanna era cansativo, na verdade, mas eu estava
pilhado desde que tive aquela conversa com Dmitri. Foram tantos
arranjos secretos para que tudo desse certo, para que acreditassem
em mim, e no potencial do que eu tinha a oferecer, que foi difícil
esconder o que estava fazendo. Fingia que administrava a
FiberGen, que falava com Vladmir e outros diretores, e abusava do
russo para que ninguém entendesse uma linha do que eu falava,
tudo pensando em manter sigiloso o plano. Ninguém podia
desconfiar que eu tinha contatado a polícia russa e que eu estava
disposto a entregar parte dos generais da máfia para eles. Eu seria
um homem morto, ou glorificado, em alguns dias - e aqueles dias
tinham chegado.
Não era meu objetivo levar Giovanna para Moscou, mas assim
eu poderia me despedir dela. A história ficaria mais crível, para ela,
e eu teria mais alguns momentos com ela. Mesmo que ela me
perdoasse, mais uma vez, eu não tinha como me livrar de
testemunhar e isso representava que eu deveria entrar para o
programa de proteção. Eu desapareceria até que tudo se
resolvesse. Alexei Simonov deixaria de existir, ao menos
temporariamente. Tudo estava encaminhado, com a ajuda de
Vladmir, e tudo estava pronto. Eu estava pronto.
Virei para o lado, ela ainda dormia. Meus dedos percorreram a
extensão de sua silhueta, sem tocá-la. Se eu soubesse o quanto
seria difícil deixá-la, eu nunca teria me envolvido. Mas eu não tinha
escolha, certo? Quem escolhe se apaixonar? Deitei novamente ao
seu lado, colocando a cabeça no espaço entre seu pescoço e seu
ombro, e envolvendo-a com os braços. Fechei os olhos, querendo
dormir até que tudo acabasse, mas eu não teria aquele benefício.
Eu tinha que sofrer, tinha que sofrer muito, para compensar todos os
males que eu fiz, e que eu ainda faria, a ela. Não dormi por mais
muito tempo, Bernardo avisou que pousaríamos em Moscou.
Era manhã na capital da Rússia, uma linda e quente manhã de
verão, em que o sol brilhava e as pessoas estavam nas ruas
tomando sol em suas peles brancas. Eu tinha uma programação
cronometrada naquele dia, se tudo saísse como o planejado, seria
rápido. Assim que pousamos, peguei o celular que tinha sido
deixado para mim e fiz uma ligação.
— Estou em solo. — Disse, ao meu contato. — Encontro vocês
em alguns minutos.
Giovanna acreditava que eu estava conversando com a
FiberGen. Preferia que ela realmente não soubesse de nada, que
ela acreditasse em tudo conforme planejado, que ela nunca fosse
exposta à verdade. Não por minha causa, mas porque eu acreditava
que ela sofreria menos se não descobrisse o quanto eu era um
canalha.
— Vou deixar você no meu apartamento, depois vou para uma
reunião com os acionistas. Certo?
— Preferia sair para passear, mas estou zonza com o jat lag.
Acho que ficar em casa, por agora, será ótimo.
Entramos no meu carro e guiei pelas ruas de Moscou tentando
manter o sorriso nos lábios. Precisava que ela achasse que estava
tudo bem, que todos achassem. Se eu estivesse certo, a máfia
também já sabia da minha presença em Moscou, e eu esperava que
Ilia cumprisse a sua palavra. Era a única coisa que podia dar errada
naquele plano, se o maldito decidisse descumprir nosso combinado.
Deixei a Viola devidamente alojada em meu apartamento, com tudo
que ela precisasse, inclusive suas malas e um estoque de café,
recomendei que ela trancasse a porta e só abrisse para mim. Não
teria outra pessoa que fosse aparecer por ali, mas era melhor
exagerar, sempre. Beijei-a, antes de sair, colando meu corpo no
dela, devorando seus lábios, que tinham gosto de manhã cedo e
canela, e fechei a porta atrás de mim.
Foi difícil sair. Difícil porque eu poderia não voltar, mais. Difícil
porque, mesmo que eu voltasse, aquele era meu último dia com ela.
Difícil porque eu acreditava que estava fazendo a coisa certa, mas
eu sentiria muita falta dos meus irmãos. Porque era provável que eu
tirasse o marido de Irina. Porque eu faria Dmitri assumir parte da
FiberGen, mesmo que ele odiasse aquilo. Porque eu não sabia
como o mundo estaria quando eu voltasse. Porque ninguém iria me
esperar. Difícil, porque desaparecer, deixar de existir, era uma das
piores coisas que uma pessoa poderia sofrer.
Entrei no carro, limpei uma lágrima dos olhos, segui em frente.
Não era o momento de fraquejar, porque eu tinha que seguir o meu
próprio plano. Fui até a FiberGen e Vladmir me aguardava na
garagem. Lá não pegava telefone, eu não tinha como ser rastreado
por Ilia. Deixei tudo que podia me caracterizar e peguei outro carro,
que tinha sido colocado ali para mim. De lá, fui até o departamento
de polícia federal.
— Alexei Simonov. — Identifiquei-me na entrada. — Igor Petrov
está me esperando.
Fui conduzido até uma sala. Duas pessoas entraram, dez
minutos depois.
— Simonov. — Um homem me estendeu a mão. — Obrigada por
vir, não sabíamos se seguiria adiante. Esse é Abramov, ele vai nos
ajudar a grampeá-lo. Está mesmo preparado para isso?
— Não, não estou, mas nunca estarei. Vamos logo ou acabarei
desistindo.
Levantei-me, e arranquei a camisa. Eles colocariam uma escuta,
em mim, e um rastreador, no meu novo telefone, que era um clone
do anterior. Eu tinha que atrair os caras para um lugar determinado,
forçar algumas confissões, a polícia apareceria, prisões seriam
efetuadas, eu testemunharia. Era tudo muito simples e muito
complexo. Depois que Abramov terminou de instalar a escuta, vesti-
me novamente e eles testaram que o grampo tinha ficado
imperceptível. Nem mesmo o detector de metais portátil que Ilia
usava seria capaz de pegar a frequência do mecanismo, então eu
estava seguro, aparentemente.
Traçamos os últimos detalhes e eu precisava voltar para
FiberGen para marcar um encontro com Ilia. Agradeci a ajuda da
polícia e passei a guiar o carro de volta quando meu celular vibrou.
Era uma mensagem de Giovanna. “Alexei, você está bem?” não
parecia uma mensagem inocente que ela mandaria. Parei o carro e
respondi. “Sim, estou em uma reunião, o que houve?”. Retomei o
caminho da empresa esperando que ela respondesse, mas nada. Já
estava quase chegando quando achei o silêncio estranho e fiz uma
conversão proibida para ir até meu apartamento. Um
pressentimento estranho me disse que algo não estava certo com a
Viola, então dei ouvidos a um tal sexto sentido que eu nunca tive,
propriamente. E ele estava certo. Assim que virei a esquina, já com
meu prédio em vista, deparei-me com o carro de Ilia Pavlov parado
na entrada principal.
Eu não sabia o que ele queria, mas não podia ser coisa boa,
sozinho, com Giovanna. Estacionei como um louco, sem me
preocupar em colocar em risco meu disfarce, peguei a pistola no
porta-luvas, que tinha sido deixada ali pela polícia por outros
motivos, e subi até o meu andar preparado para matar quem
estivesse no caminho.
Giovanna Viola
Moscou definitivamente não fazia bem para Alexei. Ele esteve tenso
a viagem inteira, toda hora alerta, como se alguém pudesse estar
atrás dele, ou pudesse fazer mal a ele. Estávamos dentro de uma
lata de metal, muitos mil pés de altura, mas isso parecia não
importar. E, depois que pousamos, ele estava ainda mais esquisito.
Metódico, distante, nossos olhos mal se cruzaram. Tentei dar algum
espaço a ele, aceitei pacificamente ficar no apartamento até que ele
voltasse das reuniões, mesmo porque eu estava cansada. Mas, no
fundo, o que queria era ver se ele voltava diferente, se ele
melhorava o humor, se aliviava a tensão.
Decidi fazer o almoço e comecei a procurar por ingredientes. O
apartamento estava vazio há mais de um mês, mas estava
totalmente abastecido para a nossa chegada. Nada como ter muito
dinheiro e as pessoas fazerem tudo que queremos e pagamos por.
Depois de tomar um banho fresco, de lavar os cabelos, de relaxar e
vestir uma roupa confortável, fui para a cozinha querendo preparar
algo simples, mas que fosse gostoso - minha especialidade, pasta.
Já tinha colocado a água para ferver quando ouvi a campainha. Eu
não deveria atender ninguém, até porque eu não falava russo, mas
estava tão distraída que simplesmente fui até a porta e espiei pelo
olho mágico. Era Ilia, o mafioso. Também, ele não deveria entrar,
então por que eu abri a porta? Mesmo com a trava de segurança,
seria arriscado?
— Bom dia, Srta. Viola. — Ele me cumprimentou, cordial, em
inglês.
— O Alexei não está.
— Sei disso, por isso vim. Não quero falar com ele, mas com
você.
Não havia nada que aquele homem pudesse querer comigo,
havia? Eu não tinha medo dele, o fato de ele ser mafioso não
necessariamente me incomodava. Alexei disse que eu não estava
em perigo. Não havia por que temer. Abri a trava de segurança e
pedi que ele entrasse.
— Você quer um drinque?
— Não, mas aceito um café. Na minha idade, devemos controlar
a bebida. Diga-me, Srta. Viola, o Simonov já contou a você quem eu
sou?
Fui até a cozinha para preparar um café na máquina de expresso
de Alexei. Minhas mãos tremeram quando ele disse aquilo, porque
parecia que a frase sugeria mais informação do que eu já sabia.
Fiquei em silêncio enquanto a máquina moía os grãos e preparava o
expresso. Decidi mandar uma mensagem para Alexei. Fiquei
nervosa pensando que algo poderia ter acontecido a ele, porque o
meu sexto sentido estava me contando uma história. Voltei para a
sala com duas xícaras, e sem saber o que dizer para o mafioso.
— Acredito que sim, ele me contou. — Confessei.
— Eu tenho que duvidar que ele tenha contado toda a verdade,
Srta. Viola. Caso contrário, você não estaria aqui, com ele,
preparando o almoço.
Encarei o homem por alguns segundos. Ele era grisalho, cabelos
ondulados e já ficando ralos. Tinha feições bonitas, eu podia afirmar
que ele era um jovem atraente, mas que estava marcado por muito
tempo e alguma dor. Sim, havia dor em sua expressão, como se ele
estivesse achando muito difícil ficar ali, sentado, conversando
comigo.
— Sr. Pavlov, eu não sou muito boa em jogos. Prefiro que seja
direto, o que veio falar comigo?
Antes que conseguisse me dizer, a porta do apartamento quase
veio abaixo. Alexei entrou como um personagem de filmes de ação,
pronto para atacar alguém ou realizar um resgate de sobreviventes
de uma tragédia colossal. Assustei-me com sua chegada e quase
derrubei o café, levantando abruptamente, em sobressalto. Ilia
Pavlov nem mesmo se mexeu, como se aquela entrada não lhe
causasse nenhuma comoção.
— Giovanna. — Alexei se aproximou de mim, sem dar as costas
para Ilia por nenhum instante. Virou-me para ele, passou as mãos
por minha face, por meus braços, por meus cabelos. — Você está
bem?
— Claro que estou, o que aconteceu? Você não estava em uma
reunião?
— A reunião já acabou, estava vindo te pegar para almoçarmos.
— Ele se colocou à minha frente, então, como se me protegesse
com o corpo. — Ilia, o que está fazendo aqui?
— Vim conversar com a menina Viola. Ela tem muito o que saber
sobre nós, não acha? E sobre seu avô?
— Você prometeu que não a machucaria.
— Não vim machucá-la, Simonov. Essa é a sua função.
— Parem. — Reclamei, saindo de trás de Alexei. — Não estou
entendendo nada, vocês parecem loucos. Sr. Pavlov, o que eu
preciso saber sobre meu avô? Aliás, como conhece meu avô?
O homem se aproximou de mim. Alexei meteu-se entre nós,
encarando-o com ferocidade. Nunca o tinha visto tão protetivo, mas
não sei se estava gostando aquele exagero porque ele me
assustava. Ilia Pavlov desistiu de me tocar, porque era isso que ele
faria.
— Eu conheço toda a sua família, Srta. Viola. Seu avô e eu
tínhamos excelentes negócios, até ele resolver sair da jogada. Você
se parece muito com sua mãe quando ela tinha a sua idade, sabe
disso?
— Você não pode ter tido negócios com meu avô. Ele deixou a
máfia quando mudou para o Brasil.
O russo deu uma risada sonora tão logo eu terminei minha frase.
Não consegui descobrir o que era engraçado, para ele.
— Srta. Viola, parece que tem mais coisa que não sabe sobre
Massimo. Ele nunca deixou a máfia, na verdade, ele não deixou a
máfia até que você nascesse. Mesmo morando no Brasil, ele
mantinha negócios comigo e éramos parceiros, mas Massimo me
traiu. Ele tirou tudo de mim, tirou minha honra, minha família, o amor
da minha vida.
Os olhos de Ilia Pavlov se perderam no nada, como se ele
estivesse vendo um filme da história que ele mesmo contava. Alexei
continuava tenso, e colocou a mão nas costas. Eu estava confusa,
não entendia o que aquele homem queria nem o que ele estava
fazendo ali, me contando velhas histórias sobre meu avô. Nada
daquilo, no fundo, tiraria a admiração e o amor que eu sentia por
vovô.
— Ilia, você deve ir.
— Claro que devo. Mas o seu tempo acabou, Simonov. — Ele
encarou Alexei e pude ver, naquele instante, um general da máfia
falando. Mesmo que eu achasse que nunca tinha visto um, aquele
tom de voz, aquela postura, eu reconheceria no meu avô. — Eu te
dou até amanhã para ficar com ela. Aproveite o dia, se puder,
porque você terá que contar a verdade. Amanhã, eu quero ver
vocês dois. — Ilia Pavlov entregou-me um papel que continha um
endereço e um horário. Suas feições não mudaram quando ele
olhou para mim. — Estejam lá, isso não é um convite. Mas conte a
verdade a ela, Simonov. Apesar de tudo, ela merece saber.
Virando de costas e caminhando para a porta, Ilia nos deixou
lentamente, como quem desfila por um espaço dominado. Antes de
sair, deixou a xícara de café sobre o aparador e fechou a porta.
Alexei virou para mim e passou as mãos pelos cabelos, depois
repousou o rosto nas palmas.
— Precisamos ir embora. — Ele me disse, com os olhos escuros
como a noite. Aqueles olhos me assustaram. — Você desfez as
malas? Precisamos sair, vamos de carro até sairmos do radar de
Ilia.
— Alexei, não vamos a lugar algum. — Segurei-o pelos ombros
e fiz com que me encarasse. — Seja lá que diabos esteja
acontecendo, eu quero essa verdade que ele disse que você deve
me contar. E eu quero agora, inteira, sem rodeios.
— Eu não posso te dizer agora. Eu preciso garantir a sua
segurança, primeiro.
— Você já garantiu que eu estaria segura. Ilia disse que você
seria a única pessoa a me ferir. O que ele estava dizendo? Fale,
Alexei!
A parte final da frase saiu meio alta demais, esganiçada, quase
um latido. Eu estava com as mãos fechadas em punhos, preparada
para socar algo, ou alguém. Estava tensa, e queria entender o que
estava acontecendo, porque tinha muita história que eu não sabia,
pelo visto. Alexei me olhou por longos segundos, a expressão
indecifrável e dura, rígida, o maxilar travado, os lábios em uma linha
fina.
— Você sabe o que fui fazer no Brasil, por que comprei as
quotas dos seus tios na Protomak?
— Claro que não sei. — Eu não estava entendendo onde ele
queria chegar. — Você dizia que queria expandir negócios e não
acreditei, mas…
— Eu recebia ordens de Ilia. — Ele me interrompeu, como se
estivesse ansioso para me falar. — Ele precisava que eu cumprisse
uma missão, assim ele me liberaria do débito.
Afastei-me dois passos de Alexei e o encarei. Sempre fui rápida
em captar as mensagens, mas estava nervosa e definitivamente
despreparada para o que estava por vir.
— A missão era a Protomak? Você deveria fazer o que, com ela?
— Ilia odeia seu avô. — Simonov virou de costas para mim e
encarou a parede. — Eu nunca descobri exatamente por que, ele
sempre conta uma história dando voltas no passado, mas nunca é
toda a história. Quando seu avô morreu, ele admitiu que a morte era
um castigo pequeno, e decidiu varrer o nome de Massimo Viola,
fazer com que ele desaparecesse. Eu tinha que destruir a Protomak,
aniquilá-la ou fundi-la.
Afastei mais, batendo as costas na parede atrás de mim.
— E você concordou. — Perguntei, bastante atordoada. — Diga,
Alexei, você concordou?
— Sim, eu não tive escolha. Ele ia…
— Todos temos escolhas. — Disparei, em voz alta, muito
nervosa. — Vire-se para mim, olhe nos meus olhos quando fala
comigo. Onde eu entro nisso tudo?
Alexei virou-se. Seus olhos estavam vermelhos, suas mãos
estendidas ao lado do corpo. Não era a mesma expressão corporal
de quando ele me confessou sobre Tatyana, daquela vez parecia
que ele sabia que eu não o perdoaria.
— Você era parte do plano.
— Parte? Que parte, Alexei? A parte que você tentou tomar a
empresa ou a parte em que você me levou para a cama?
— Giovanna, ele ameaçou minha família. E ele cumpre as
ameaças, o velho está tão cego com essa vingança que nem o
estou reconhecendo.
— Não me interessa quem ele ameaçou o que ele fez! — Gritei,
mais alto ainda. Estava histérica, minhas mãos fechavas socavam a
parede. — O que eu fui, nisso tudo? Um obstáculo? Você tinha que
me seduzir e me tirar da jogada, era isso?
Ele tentou se aproximar, mas estendi os braços e indiquei que
deveria se manter longe. Não notei que lágrimas escorriam por
minha face, ou que minhas pernas tremiam a ponto de meus joelhos
baterem um no outro.
— Eu me apaixonei por você. — Ele disse, quase murmurando.
— Pare de mentir! Pare de me enganar, eu fui apenas um
inconveniente no caminho da destruição do nome de Massimo Viola,
certo?
— Giovanna, apesar de Ilia ter me dado ordens, em algum
momento eu não consegui segui-las! Sim, eu me aproximei de você
porque ele mandou. Porque eu precisava me livrar de você! —
Alexei veio em minha direção e colocou os braços ao meu redor.
Havia ainda uma distância entre nós, mas ele queria encerrá-la. O
vagabundo sabia o quanto eu ficava frágil quando ele me abraçava,
me beijava, me tocava de qualquer jeito, e estava usando aquilo
para me amolecer. — Mas não foi o que aconteceu, de verdade, eu
me apaixonei, eu pedi que ele reconsiderasse, que me exonerasse,
que me deixasse ficar com você, eu disse a ele que te amava,
mas…
Não deixei que ele terminasse, desferi-lhe um tapa no meio do
rosto. A palma da minha mão direita ardeu e ele tombou para o lado.
— Cale essa boca, não fale que me ama! — Gritei ainda mais. —
Você me enganou, mentiu para mim, só se aproximou de mim para
destruir a reputação do homem que mais amei nessa vida.
— Eu não estou mentindo. — Ele insistiu, tocando meus braços.
Livrei-me dele, comecei a girar pela sala. Estava completamente
fora de mim, meu cérebro funcionando em uma velocidade
incompatível com a realidade. — Essa é toda a verdade, como você
pediu.
— Eu vou embora. — Disparei para o quarto, querendo pegar
minha mala. — Vou voltar para o Brasil e não quero nunca mais ver
você.
— Certo, você vai. Mas agora eu preciso te colocar em
segurança.
— Não precisa, não vou com você a lugar algum.
— Giovanna. — Ele me segurou novamente, e desferi-lhe outro
tapa. — Eu preciso levar você para um lugar seguro. Ilia não vai
deixar que você saia de Moscou, ele mentiu para mim, não confio
nele. Deixe-me escondê-la até amanhã, então você pode partir.
— Eu estou em perigo, então.
Alexei assentiu com a cabeça e eu perdi a linha. Voei sobre ele
com as mãos fechadas, soquei seu peito, seus braços, bati nele
com toda a força que tinha, deixando as lágrimas me confundirem e
me cegarem, despejando nos punhos a minha frustração, a minha
irritação, tentando fazer com que o ar chegasse aos meus pulmões.
Encurralei-o na parede e bati, chutei, estapeei, enquanto ele tentava
me segurar. Era tão patética a força que ele empenhava em me
afastar que eu acreditei que Alexei queria apanhar. E eu queria
bater, mas bater não faria cessar a dor que estava me sufocando
desde a hora em que ele começou a falar.
Parei, me afastei, esfreguei os olhos para secar as lágrimas. Ele
continuou amparado pela parede, as pernas meio dobradas, os
braços estendidos, a roupa desgrenhada e os cabelos
emaranhados. Quem nos visse não saberia dizer se fizemos sexo
ou lutamos uma guerra.
— Leve-me para onde tiver que levar. — Aquiesci. — Mas,
amanhã, eu pegarei o primeiro avião que puder e voltarei para casa.
— Do jeito que você quiser.
Não trocamos outra palavra enquanto descíamos até a portaria.
O carro em que Alexei estava não era a BMW dele, mas não
perguntei nada, não quis saber nada, eu só queria me encolher em
um canto e chorar. A melhor coisa que tinha acontecido na minha
vida tinha sido uma mentira. Era a primeira vez que eu amava um
homem e tinha sido uma mentira. Mas engoli as lágrimas, engoli a
dor, engoli a vontade de sair correndo e gritando pelas ruas de
Moscou enquanto um Alexei Simonov silencioso e tenso nos
conduzia por caminhos que só ele conhecia.
— Aonde estamos indo? — Perguntei, exausta do silêncio.
— Vou levar você a um esconderijo, um lugar seguro. Preciso
que confie em mim, mesmo que eu não esteja muito digno de sua
confiança. Mas estou girando em círculos, estamos sendo seguidos.
Virei para trás, havia um carro preto em nosso encalço. Alexei
não tinha aumentado a velocidade ainda e parecia sereno como se
nada estivesse acontecendo, porém estávamos em um lugar de
pouco movimento. Olhei em volta, poucos carros e pessoas.
Passamos sob um viaduto e à frente tinha outro. O carro atrás de
nós acelerou e Alexei segurou o volante com força. Agarrei-me no
banco do carona, olhando ora para trás, ora para frente. Alexei
olhava para o retrovisor, para o caminho, e apertava o acelerador.
Já estava nos vendo debaixo de um caminhão ou capotados no
meio da rodovia quando o carro preto nos atingiu na lateral traseira
e nos fez girar, parando quase debaixo do segundo viaduto. Fui
alavancada para frente, o cinto de segurança impediu que eu saísse
voando pelo para-brisa do carro.
Foi tudo muito rápido. Alexei puxou algo das costas e saiu pela
porta. Ouvi o estampido de um tiro, logo depois, outro. Gritei e pulei
para fora do carro, apavorada, mas tinha sido ele que atirou. O carro
preto fugiu, não tive como saber se ele atingiu alguém.
— Que diabos é isso? — Gritei.
— Gio, volte para dentro do carro. — Ele nem olhou para mim.
— É uma emboscada.
— Emboscada de quem? O que querem?
— Entra no carro!
Sentei novamente na cadeira, prendi o cinto, e Alexei voltou a
volante, colocando o carro na pista e engatando a ré. Ele queria
fazer um retorno, mas outro carro veio em nossa direção e provocou
uma colisão violenta. Sem o cinto de segurança, Alexei foi jogado
para frente e bateu com a cabeça no volante. Mesmo tonto, ele virou
para trás e disparou três vezes contra o carro que estava atrás de
nós. Gritei novamente, eu nunca tinha vivido nada como aquilo. Não
podia saber, mas o homem que dirigia o carro estava provavelmente
morto.
Alexei saiu. Empunhava a pistola, foi até o carro batido e
remexeu alguma coisa. Pegou outra arma, enfiou nas costas e olhou
ao redor. Saí também do carro, tremendo, mal conseguindo ficar de
pé, mas estava tão apavorada que só queria correr dali. Vi outro
carro vindo em nossa direção, pela frente, mas não se aproximou.
Parou, alguns metros adiante, e Alexei mirou em sua direção.
— Venha até mim, seu covarde. — Ele gritou. Do carro saiu Ilia
Pavlov, também armado.
— Você acha mesmo que pode fugir de mim, Simonov? Estou
sinceramente desapontado.
— Quem não cumpriu a promessa que me fez foi você. Você
prometeu que não a machucaria. Eu vou acabar com isso aqui, e
agora.
Meu sangue gelou, meu coração parou de bater. Engoli um bolo
de saliva. Os eventos começaram a acontecer à minha frente como
em um filme, em câmera lenta, sem que eu sequer conseguisse
continuar a ouvir. Os homens começaram a falar em russo e outros
carros apareceram. Eram da polícia, tinham sirenes. Eu estava na
lateral do carro que Alexei conduzia, agarrada à lataria, tentando
compreender o que acontecia. Policiais armados saíram dos carros
e apontaram suas armas para Alexei e Ilia. Tinha um helicóptero
sobrevoando nossas cabeças. Alexei deixou a arma no chão e
levantou os dois braços sobre a cabeça. Não consegui ver o que
acontecia com Ilia. Os policiais se aproximaram, um deles me
pegou.
Comecei a gritar, eu não queria ser levada por ele. O policial me
segurou, me arrastou, e eu chutava o ar, gritava, esperneava.
— Alexei! Não vou a lugar nenhum, me deixa aqui. Alexei!
Ele olhou para mim. Sorriu.
— Vá com eles, vai dar tudo certo. Vladmir vai encontrar você.
Fui sendo arrastada para longe, outro homem apareceu para
ajudar e tudo que eu conseguia fazer era gritar. Eu já quase não via
os homens mais quando um tiro foi disparado. Ouvi pneus cantando,
o carro em que Ilia estava disparou e rompeu o cerco policial. O
helicóptero voou atrás dele, algumas viaturas acompanharam, e
Alexei puxou a arma que estava nas costas. Outro tiro, mais um, e a
última coisa que vi, antes de ser enfiada dentro de uma viatura, foi o
corpo de Alexei caindo ao chão.
O VAZIO QUE PRECEDE O NADA

Giovanna Viola
A , sem parar, ao meu lado. Elas
gritavam, elas sussurravam, elas andavam para lá e para cá. Eram
muitas pessoas, que iam e vinham, que se misturavam e que
queriam coisas urgentes. Estava sentada em um banco há mais ou
menos quarenta minutos, esfregando as mãos. Olhava para tudo ao
meu redor, mas não compreendia nada, não absorvia nada. Estava
em uma espécie de limbo em que a mesma imagem rodava em loop
como uma fita quebrada. O corpo de Alexei caído no cimento, a sua
mão esquerda sobre o sangue vermelho vivo. Não havia mais nada,
nenhuma outra cor além do cinza e do vermelho, nenhum som,
nada. Fui deixada ali, os policiais estavam ocupados com muitas
coisas e eu não era tão importante. Não sabia o que estava
acontecendo, o que aconteceu, não tinha para quem perguntar.
Uma mão tocou meu ombro, mas não consegui nem mesmo
reagir. Virei a cabeça e deparei-me com Vladmir, o amigo de Alexei.
Lembrei-me que ele disse que o amigo iria me buscar, e lá estava
ele. Sua expressão era de quem estava sofrendo, mas se esforçava
para que ninguém soubesse.
— Giovanna, preciso que venha comigo.
Vladmir ofereceu a mão para que eu me levantasse. O corpo
estava funcionando em modo automático, como se eu fosse apenas
reflexos. Enquanto seguia o homem por corredores, até a saída do
prédio em que eu estava, entendi que eu odiava Alexei. Eu odiava
que ele tivesse mentido para mim e me feito apaixonar por ele.
Odiava que ele tivesse aparecido na minha vida, odiava que ele
fosse um membro da máfia e odiava que ele tivesse morrido sem
me dar o direito de odiá-lo. Eu queria gritar na cara dele que eu o
odiava. Queria bater mais nele, chutá-lo caído no chão, fazer com
que ele sentisse dor por me fazer sofrer. Mas ele não estava mais
ali.
— Para onde vamos?
Consegui perguntar a Vladmir, depois que já estava dentro da
BMW de Alexei.
— Vou levá-la para a FiberGen. Suas coisas já estão no
aeroporto, tenho instruções para tirar você da Rússia
imediatamente.
— Você o viu, Vladmir? Viu Alexei?
— Não podemos. — O homem falava como um robô, talvez eu
não fosse a única a estar desconectada das emoções primárias. —
Isolaram o local, ninguém entra ou sai, ninguém passa por lá. Está
tudo uma bagunça.
— E Ilia?
— Ele fugiu, mas não demorará a ser preso. Estão todos em seu
encalço.
Chegamos à empresa e fui conduzida até a sala de Alexei. Não
havia forma maior de me torturar. Sentei em sua cadeira e fechei os
olhos, dava para sentir seu cheiro impregnado no couro. Aquele
perfume, o cheiro masculino, o xampu de seus cabelos. Vladmir
desapareceu e fiquei ali, mais um tanto de minutos, revendo a cena
anterior. Por um instante, imaginei que seu dedo indicador teria se
mexido. Ele poderia ter ficado vivo? Claro que não, se estivesse
vivo, Vladmir teria dito algo. Eu estava delirando, entorpecida e
nocauteada por um turbilhão de sentimentos intensos demais. O
computador estava ligado, mexi o mouse sem querer e a tela se
abriu. Estava tudo escrito em russo, eu não saberia mexer naquele
sistema operacional.
Vladmir retornou, segurando uma pasta de couro. Retirou alguns
papéis e espalhou sobre a mesa.
— São documentos para seu embarque. — Ele me mostrou um
passaporte da União Europeia — Com seu sotaque, será mais fácil
fingir que é europeia.
— Por que não posso usar meu próprio nome?
— Não queremos que seja rastreada até estar fora da Rússia. —
Vladmir me entregou os documentos. — Giovanna, Alexei preparou
uma operação muito bem organizada para você chegar bem ao
Brasil. Por favor, honre seu nome, mantenha-se viva.
— Não tenho que honrar nada de Alexei. — Disparei, dando
vazão à raiva. — Ele mentiu, ele me enganou, ele me usou.
— E ele te amou. — O amigo me interrompeu. — Conheci Alexei
desde que ele fundou a FiberGen, nunca o vi amar ninguém como
ele amava você.
— Era tudo mentira.
— Não era, Giovanna. Mas entendo que esteja muito frustrada.
Lamento que tenha passado por tudo isso.
Senti-me egoísta porque o amigo estava ali, sofrendo,
visivelmente abatido, enquanto eu despejava raiva e mágoa sobre
ele. Levantei-me da cadeira e abracei Vladmir, sem saber outra
forma de oferecer algum consolo, algum conforto. Ele me envolveu
sutilmente com os braços.
— Dmitri e Irina já sabem? — Perguntei. Como reagiriam os
irmãos de Alexei?
— Avisamos aos dois, já. Dmitri vai te pegar no aeroporto, no
Brasil.
Aceitei, apenas. Não podia imaginar o quanto eles estavam
sofrendo, não podia imaginar o que era perder um irmão, porque
eles eram muito unidos. Enfiei os documentos que Vladmir me deu
dentro da minha bolsa e o acompanhei de volta até a garagem da
empresa. Daquela vez, saímos em outro carro e fomos direto para o
aeroporto. Fui deixada na área de embarque, com uma passagem
na mão e um voo para pegar. Antes de se despedir, Vladmir me
entrou algo mais - um pendrive.
— Alexei pediu que te entregássemos. Quando estiver segura,
veja o conteúdo.
Segurei o pendrive nas mãos e me despedi silenciosamente do
homem. Viramos de costas um para o outro e aquela era,
provavelmente, a última vez em que nos veríamos. Fiz o check-in,
embarquei no avião, sentei no assento que me foi destinado e
paralisei. Fiz tudo de forma mecânica, sem refletir sobre nada, sem
racionalizar, apenas executando comandos simples que precisavam
ser executados. A cena continuava passando em frente aos meus
olhos, mesmo se eles estivessem abertos, agora deslocada para o
momento anterior - para quando ele sorriu e disse que tudo daria
certo. Ele sorriu, olhou para mim, não exatamente nessa ordem, e
me prometeu que tudo daria certo. Era outra mentira. Não estava
nada certo.
Coloquei minha bolsa debaixo do assento à minha frente,
abracei meus joelhos, enfiei o rosto no vão que se formou entre as
pernas e o corpo, e fiquei ali, em uma posição quase fetal,
encolhida, ignorando o mundo exterior, tentando lidar com os
eventos de menos de vinte e quatro horas que mudaram totalmente
a minha vida. Anunciaram a decolagem, alguém pediu que eu
mudasse de posição, o avião levantou voo, mas eu não estava
naquele mundo. Não estava naquele universo. Levei minha mente
para outro lugar, para alguns momentos antes de eu decidir ir para
Moscou, para o apartamento na Mata da Praia, para a visão da
praia chuvosa. Voltei no tempo, quando eu ainda estava plena e
feliz, quando o homem que eu amava não era uma invenção para
me seduzir, quando Alexei Simonov ainda estava vivo e seguro ao
meu lado.

Alexei Simonov
— Matey. Matey!
Ouvi chamarem alguém, mas não reconheci o nome. Continuei
distraído checando notícias no celular até sentir mãos tocando-me
no ombro. Virei-me sobressaltado e encontrei meu companheiro de
viagem, o policial que estava cuidando de mim no programa.
— Diga, Oleg.
— Você ainda não se acostumou com seu nome. Precisa
lembrar que você é, agora, Matey Daskalov, você é búlgaro e
trabalhava no comércio.
— Fazem duas semanas, Oleg. Duas semanas, eu não me
acostumei nem com estar fora do hospital, ainda.
— Então vamos, porque chamaram nosso trem. Temos que
embarcar.
Estávamos a caminho da Europa, viajando de trem, e
pretendíamos chegar até a África por solo. Estávamos viajando há
quase uma semana, desde que eu recebi alta no hospital. Já tinham
se passado três semanas que o evento em Moscou consolidou meu
papel no desbaratamento do esquema da máfia russa, me inscreveu
no programa de proteção à testemunha, me separou de Giovanna.
Fui atingido como dano colateral, mas deu mais certo do que o
esperado - todos realmente achavam que eu estava morto. Ninguém
desconfiava que eu tinha morrido em um confronto, depois de ter
sido feito refém da máfia.
Meu depoimento em juízo foi lacrado, selado, ninguém entrava e
saía, apenas o Judiciário, a polícia, o Ministério Público. Só pessoas
envolvidas, e depois, eu desapareci. Alexei Simonov desapareceu e
deu lugar a Matey Daskalov. Claro que não me acostumei com
aquele nome, e claro que esse tal programa de proteção era uma
coisa que eu estava usando apenas por minha família e por
Giovanna. Depois que Ilia Pavlov e o resto de seus soldados
estivessem todos atrás das grades, definitivamente condenados, eu
voltaria em cena. Não saberia dizer como faria, nem me importaria,
eu ainda levaria pelo menos um ano nas sombras antes de poder
voltar.
E estávamos indo para a África. Eu ficaria pelo Oriente Médio
por um período, me manteria escondido dos radares internacionais,
e depois iria para a África do Sul. Ainda não sabia o que faria. Tinha
dinheiro, meu, que estava em contas não rastreáveis, o suficiente
para sobreviver por muito tempo, e queria trabalhar. Precisava
confirmar se as pessoas que eu amava estavam bem, se elas
estavam superando minha morte e se receberam o que eu deixei
para elas. Deixei minhas ações da FiberGen para Dmitri e
Giovanna. Eu deixaria tudo para meu irmão, mas ele não era
administrador, e eu queria ver a Viola comandando a maior empresa
de tecnologia do mundo. Seria a glória vê-la entrar, com aqueles
terninhos coloridos e aquele ar de jovem ingênua, mas que escondia
uma leoa protegendo a cria, no meio dos machos empresários, e vê-
la devorá-los sem piedade.
Irina receberia uma pensão vitalícia, e eram essas as pessoas
que eu tinha para cuidar. Vladmir, meu fiel escudeiro, cuidou de tudo
sempre, e foi nomeado, por mim, antes da minha fictícia morte,
como o presidente administrativo. Esperava que o conselho de
diretores o aprovasse, caso contrário, eu tinha deixado Giovanna
responsável por mantê-lo no comando, ao lado dela. Esperava,
também, que ela atendesse meus pedidos, que ela ouvisse o vídeo,
que ela aceitasse meu testamento.
Pensar em Giovanna estava doendo. Eu precisava vê-la e aquilo
era urgente, só que eu não podia arriscar a integridade dela, a máfia
ainda não estava sob controle. Meu companheiro de viagem me
impediu de mandar mensagens várias vezes, me impediu de, no
meio da madrugada, febril e descontrolado, ligar para ela. Meu
corpo estava reagindo negativamente à ausência dela, à tensão das
semanas passadas, à fragmentação do meu ser.
Estabeleci-me na Turquia. Consegui trabalho em um mercado,
aluguei um pequeno quarto, e fiquei por lá por um mês inteiro. Oleg
voltou para a Rússia, depois que entendeu que eu podia caminhar
sozinho, e fiquei, realmente, sozinho. Suportei por quatro semanas a
ausência, o apagamento, o silêncio, mas foi meu limite. Decidido a
mudar para a África do Sul, antes disso, acabei pegando um voo
para o Brasil. Eu tinha que ver Giovanna.
Ela não me veria, ela não saberia que eu estava ali. Eram muitos
dias sem ela, sem notícias, sem saber absolutamente nada sobre
ela, e eu não aguentava mais. Peguei o avião diretamente para São
Paulo, e fui de ônibus mesmo para Vitória, tentando não chamar
muita atenção sobre minha nova identidade. Lá estava eu de volta,
depois de muito tempo, na capital do Espírito Santo. O cheiro de
mar me deixou embriagado logo que inalei uma grande quantidade
de ar. Peguei um táxi e, sem saber para onde eu ia, pedi que me
levasse até a praia de Camburi.
Tinha apenas uma mochila com algumas roupas, meu cabelo
estava mais comprido e eu não tinha feito a barba, ou seja, mesmo
que eu ainda me parecesse com ele, ninguém reconheceria em mim
o Alexei Simonov de sempre. Ao chegar à praia, tirei os sapatos,
pisei na areia e sentei-me ali mesmo, em qualquer lugar, apenas
para admirar o horizonte. Eu não tinha pensado em nada, apenas
materializado no Brasil, e não fazia ideia de onde estaria Giovanna.
Na verdade, eu sequer sabia se ela continuava ali, em Vitória.
Depois de meia hora tomando sol na cabeça e sentindo a maresia
grudar em minha pele, peguei outro táxi em direção à Protomak.
A empresa continuava no mesmo lugar, mas eu não podia ser
visto por lá. Não sabia o que fazer, peguei meu novo celular e liguei
para o número que eu sabia que dava na portaria. Fazia bastante
tempo desde minha última vez ali, mas eu ainda lembrava e sentia
as coisas como se tivesse sido ontem. O porteiro, José, atendeu.
Ele não reconheceria minha voz.
— Bom dia. Preciso falar com a Srta. Giovanna Viola.
— Vou transferi-lo para a empresa.
— Apenas gostaria de saber se ela está na empresa.
— Sim, ela já chegou. Vou transferi-lo.
Desliguei a chamada antes que José conseguisse completar sua
tarefa. Não quis ser mal-educado, apenas queria saber se Giovanna
estava na Protomak. Sem saber como chegar até ela sem ser visto
e sem que ela me visse, decidi esperar. Usando boné e óculos
escuros, sentei na cafeteria que ficava em frente ao prédio e fingi ler
um livro, enquanto sonhava com um reencontro que não
aconteceria. Pedi um café, depois outro. Não tinha fome, meu
estômago estava embrulhado e eu estava exausto. Jat lag, uma
viagem inesperada, a ansiedade de revê-la, e depois imaginar ter
que explicar aquilo para os meus protetores. Eles certamente iriam
me rastrear e saberiam que eu não estava onde deveria. Já passava
das duas da tarde e eu era quase parte do mobiliário da cafeteria
quando eu a vi.
Giovanna estava diferente, mas era a mesma mulher que eu
amava. Seu cabelo estava um pouco mais curto e ela não estava
com seus terninhos padrões, mas com um vestido que lhe permitia
movimentos mais livres. Continuava linda, só que não estava
sozinha. Encolhi-me na cadeira e coloquei o livro na frente do rosto
quando notei que ela saiu da Protomak e entrou na cafeteria, de
mãos dadas com ele, o doutor ex. Parte de mim quis pular no
pescoço do médico engomadinho, parte de mim quis gritar, e outra
parte estava eufórica por revê-la. Giovanna estava bem, porque ela
estava sorrindo. O doutor ex a estava fazendo sorrir, afinal. E ele
não era mais ex.
Não podia continuar ali, porque ela não podia me ver nem eu
aguentaria vê-la trocar nenhum tipo de afeto com ele. O carinho que
ela dedicava a mim, os olhares, o cuidado, aquilo tudo era meu, e
eu não teria mais. Ela tinha seguido adiante, e era exatamente o
que ela deveria ter feito. Passei no caixa, tentando ao máximo ficar
invisível, paguei minha conta e me lancei pelas ruas, andando sem
rumo certo enquanto as imagens do passado e do presente se
misturavam em minha cabeça. Ela estava bem, ela estava feliz, e
estava na hora de voltar a desaparecer.

Giovanna Viola
Eu sabia que tinha pessoas na porta, mas não me importava com
isso o suficiente para tomar uma atitude. Estava encolhida no sofá
da sala, enrolada em um edredom, morrendo de frio. Já faziam duas
semanas que tinha chegado de Moscou, duas semanas desde que
minha vida virou do avesso. Ainda não tinha voltado ao meu
apartamento, quando cheguei no aeroporto e Dmitri estava lá, me
esperando, eu pedi que ele me levasse à Mata da Praia. Alexei tinha
pago seis meses adiantados e eu não iria pedir reembolso, apenas
ficaria ali, onde nós costumávamos passar a noite, e definharia
provavelmente.
Talvez eu devesse ser mais forte. Talvez fosse muito cedo para
sofrer tanto por ele. Talvez muitas coisas devessem ser outras
coisas, mas a verdade era que eu estava arrasada, destruída,
despedaçada. Não tinha forças para me reerguer, para sair do lugar,
para cuidar de mim. Havia louça na pia, que eu não lavaria. Havia
roupas sujas, que eu não recolheria do chão do banheiro. Aliás, eu
não tomava banho há três dias. Havia uma caixa de pizza, que
durou cinco dias, porque eu quase não estava comendo - que eu
também não jogaria fora. O apartamento estava quase todo
fechado, porque eu não queria que o cheiro de Alexei saísse das
coisas. Eu só usava as roupas ele, porque queria me manter em
contato com ele.
Minha condição era miserável. E as pessoas na porta sabiam
disso.
— Gio, abre a porta ou vamos derrubá-la. — Patrícia ameaçou,
pateticamente.
— Não adianta, vamos chamar um chaveiro. — Janine decidiu.
— Não vamos arrancá-la à força.
— Não precisamos de chaveiro. Dmitri está chegando, ele tem
uma chave reserva.
Ah, a chave reserva. Eu não lembrava dela e não tinha forças
para levantar e colocar a trava de segurança. Não queria que
entrassem, mas não ligava, ao mesmo tempo. O alvoroço continuou
do lado de fora até que a fechadura girou e visualizei quatro
silhuetas entrando. Alguém acendeu a luz e quase me cegou, pois
faziam dias que eu não via nem mesmo a luz do dia. Alguém
também se sentou do meu lado e colocou a mão em mim.
— Ela está ardendo em febre. — Janine constatou. — Temos
que levá-la a algum lugar.
— Primeiro, temos que entender o que está havendo aqui. —
Pedro olhou ao redor. — Vamos limpar as coisas e ver se ela está
ferida, sei lá. Vou achar um termômetro para medirmos a
temperatura.
Janine arrancou o edredom de mim. Quis puxá-lo de volta, não
consegui. As luzes do apartamento começaram a ser acesas, as
vozes começaram a me incomodar.
— O que estão fazendo aqui? — Perguntei, enfiando a cara em
uma almofada.
— Amém, ela fala. — Patrícia provocou. — Viemos ao seu
resgate, pois achamos que você vai definhar até a morte nesse
apartamento.
— Talvez seja melhor assim.
Minhas amigas rosnaram qualquer coisa e se afastaram, sem
muita paciência. Eu as entendia, mas elas não conseguiam
compreender o que se passava comigo. Nunca tinham perdido
ninguém nas condições em que eu perdi Alexei. Dmitri sentou ao
meu lado no sofá e colocou uma das mãos sobre mim.
— Gio, linda, olhe para mim. — Não quis obedecê-lo, mas um
pedido de Dmitri parecia sempre uma ordem. — Assim está melhor.
Veja, eu quero respeitar a sua dor e o seu luto. Juro que eu quero.
Mas eu não posso deixar você murchar desse jeito sem fazer nada,
porque Alexei jamais me perdoaria. Ele não ia querer você desse
jeito, então por que não levanta desse sofá e vai tomar um banho?
Pedro vai preparar algo para você comer.
Meus olhos estavam cravados no semblante triste de Dmitri e eu
me senti egoísta e injusta. Ele tinha perdido o irmão e eu sabia o
quanto eles se amavam. O sofrimento de Dmitri era muito maior do
que o meu, então não parecia razoável que eu estivesse ali, sendo
consumida pela dor, enquanto ele aparecia radiante como o sol na
minha frente. Sentei-me, sem dizer nada, e o abracei. Enfiei o rosto
em seu pescoço e recebi seus braços ao meu redor com uma
convulsão de lágrimas. Passei vários minutos abraçada a ele,
chorando muito, chorando tudo que eu ainda não tinha conseguido
chorar pela morte de Alexei.
Depois, afastei-me e fui para o banheiro. Ele tinha razão, eu
precisava tomar um banho. Deixei a porta aberta, arranquei as
roupas sem me importar se alguém me veria, e me enfiei embaixo
do chuveiro. Minhas visitas continuavam conversando.
— Ela está mesmo com muita febre. — Dmitri constatou o óbvio.
— Vamos levá-la ao hospital.
— Duvido que Giovanna vá conosco. — Janine, a sensata. Eu
não iria, mesmo. — Mas acho que sei o que temos que fazer. Tem
alguém que pode vir cuidar de Giovanna e que ela não vai recusar.
— Quem? — Patrícia não sabia, e eu não queria acreditar que
Jana estivesse propondo aquilo.
— Jonas, oras. O médico.
— Quem é Jonas? — Dmitri também não sabia.
— Foi um namorado de Gio. — Patrícia teve a revelação. —
Acho que foi o único homem, além do seu irmão, com quem ela se
relacionou por mais de um final de semana. Ela sempre gostou de
Jonas.
— Vou ligar para ele. Tenho certeza que ele também sempre
gostou dela.
A ideia era absurda, mas eu estava indiferente a tudo. A
qualquer coisa. Elas podiam chamar um médico, chamar um
exorcista, chamar um pai de santo ou uma herbalista, o meu mal
não era físico. Deixei a água caindo sobre mim como terapia,
apenas fiquei parada debaixo do chuveiro aberto enquanto apoiava
a cabeça no azulejo frio. Estava exaurida pelo sofrimento e só
queria que tudo acabasse. Que a dor parasse.
Quando saí, enrolada na toalha, tranquei-me no quarto de
Alexei, o nosso quarto. Tinha roupas minhas lá, mas eu abri a sua
gaveta, enfiei-me nas suas boxers e em uma blusa de moletom
preta, que pareceu um vestido em mim. Olhei-me no espelho e vi
como a Giovanna Viola estava, pela primeira vez em muitos dias.
Enormes olheiras roxas e uma expressão de derrota enfeitavam
minha cara. Pedro apareceu no quarto.
— Gio. Eu vou até a Ilha buscar algo para você comer. Não tem
nada nessa casa, mais.
— Não estou com fome.
— Vou trazer um caldo, bem forte, fácil de digerir. — Ele me
ignorou como se eu não tivesse dito nada. — Espere, sim?
Eu não ia a lugar nenhum. Encolhi-me na cama e fiquei ali,
enquanto o movimento na casa continuava. Porta abriu, porta
fechou, a televisão ligou, a porta abriu de novo, e logo o quarto
estava invadido por gente. Janine e Jonas estavam ali,
conversavam como se eu não estivesse presente. Ela saiu, ele
fechou a porta do quarto e sentou na cama, do lado oposto ao meu.
— Ei Giovanna. — Estabeleceu contato. — Janine me contou o
que houve. Eu sinto muito, não imagino o quanto você está
sofrendo. Mas ela também disse que você tem febre, eu posso
examiná-la?
Movi os ombros, nem concordando, nem discordando. Jonas
veio até mim, abriu uma maleta e pegou um estetoscópio. Não quis
facilitar a vida dele, mas acabei sentando na cama, permitindo que
ele me tocasse. Suas mãos estavam quentes, e encostaram em
meu pescoço. Fechei os olhos. Ele apertou aqui e ali e me empurrou
até que eu deitasse. Pegou o estetoscópio e quis levantar a blusa
que eu vestia. Bati em sua mão, empurrei-o para trás e fui para o
outro lado da cama. Não estava tão indiferente a ponto de aceitar
que outro homem, qualquer homem, levantasse minha roupa.
— Certo, eu acho que foi demais. Posso medir sua pressão e
sua temperatura?
Estendi a mão indicando que ele me entregasse o termômetro.
Coloquei debaixo do braço e esperei apitar. Devolvi a ele, sem
consegui olhá-lo. Não me interessava minha temperatura. Jonas
levantou-se e saiu, deixando a porta do quarto aberta. Foi a vez do
quarto ser invadido por Pedro e Dmitri.
— Chegou a comida. — Pedro não estava a fim de ouvir não.
Tinha uma bandeja nas mãos e esperava que eu me ajeitasse para
provar a iguaria que tinha trazido. — Vamos, Gio, sente e prove,
esse caldo está dos deuses.
— Tudo que você cozinha é dos deuses. — Confirmei.
— Bom saber que seu bom senso permanece.
Sentei na cama e olhei para os dois. Aceitei a bandeja com o
caldo, mas segurei o potinho com as mãos mesmo e joguei algumas
torradas dentro. Foi apenas depois da primeira colherada que eu
consegui perceber o quanto sentia fome. O buraco dentro de mim
estava vazio, e ele precisava se alimentar. Ataquei o caldo e comi
tudo com tanta pressa que queimei a língua três vezes. Dmitri
estava sentado ao meu lado e Pedro ficou em pé, eles esperavam
para ter certeza que eu comeria tudo.
— Obrigada, Pedro.
Levantei para levar o pote para a pia. Minhas pernas estavam
fracas, mas eu ainda conseguia andar. Encontrei Jonas e as minhas
amigas na sala, eles conversavam.
— Deve ser psicossomático. Mas eu não consegui examiná-la
direito.
— Não seja dedo-duro. Elas estão loucas para me internar. —
Reclamei, passando por eles.
— Queremos que você saia dessa viva, Gio. Se precisar
internar...
— Não vai precisar. — Jonas interrompeu Patrícia. — Vamos
observá-la para ver se essa febre evolui ou não, tudo bem?
— Vamos? — Perguntei, olhando ao redor.
— Todos nós vamos. — Janine insistiu. — Ninguém vai te deixar
sozinha mais, Giovanna.
— Ela está certa. — Dmitri se aproximou e pegou o pote da
minha mão. — Ainda bem que esse apartamento é enorme, porque
vamos todos dormir aqui, hoje.
Dei de ombros. Se eles queriam ficar ali, não poderia impedir,
mas, no fundo, estava feliz porque decidiram ficar. Eu não
sobreviveria sem ajuda, era a verdade. Cada uma daquelas pessoas
teria uma função em me manter viva, inclusive meu ex namorado,
Jonas. Quem diria que ele ainda tinha sentimentos por mim, afinal?
Deixei que ficassem, que dormissem, e no dia seguinte, decidi
assistir ao vídeo de Alexei.
No pendrive que Vladmir me entregou tinha um arquivo de vídeo.
Quando abri, a primeira coisa que apareceu na tela foi ele. Não ia
conseguir assistir antes, então fechei o vídeo e não abri mais, até
aquele momento. Cercada de amigos e amigas eu conseguiria,
porque eu precisava saber o que ele queria. Acordei antes de todo
mundo, abri meu notebook, coloquei os fones de ouvidos e apertei o
play. Ele estava lá, como se nunca tivesse ido, como se fosse entrar
pela porta a qualquer momento. E ele sorria.

Oi, Gio. Se você está vendo esse vídeo é porque as coisas talvez
não tenham saído como eu esperava. Ou não, pode ser que elas
tenham dado muito certo e você e Irina estão a salvo. Eu decidi
gravar um vídeo porque é mais fácil falar do que escrever, para mim.
E porque eu queria que você prestasse bastante atenção. Está me
ouvindo?

Ele fez uma pausa. Engoli um bolo de saliva e meus olhos


estavam afogados em lágrimas.

Refiz meu testamento, e espero que entenda os motivos de eu ter


deixado a FiberGen por sua conta. Peça ajuda a Carmen, ela é uma
boa amiga. E use Vladmir, ele está instruído a morrer por você, se for
preciso. Vladmir é fiel, é um ótimo amigo, ele vai te ajudar com o
russo e com os diretores mal-humorados. Fora isso, mantenha
distância de Burnshaw, ele deve continuar um babaca e vai ficar
ainda pior depois da minha morte. Mantenha-se próxima a Dmitri.
Fique no apartamento da Mata da Praia, porque eu dei um lance por
ele e o arrematei - ele agora é seu. Procure o corretor de Dmitri, ele
vai te ajudar com a escritura. Fora isso, espero que fique bem.
Apesar de tudo que eu fiz, eu fiz porque te amo. Eu te amei desde a
primeira vez que te vi, na Protomak, eu apenas não sabia ainda.
Você chegou e me enfrentou e ninguém nunca me enfrentava, isso já
foi o suficiente para me conquistar. Me perdoe. Eu continuarei te
amando, nesta vida e em outra.

Quando o vídeo terminou, eu chorava compulsivamente. Não


sabia de testamento, nem de escritura, nem de nada daquilo. Eu
tinha apenas me escondido de tudo e de todos desde que voltei ao
Brasil, e então ele me dizia tudo aquilo, que eu deveria ter ouvido
duas semanas atrás. Acabei acordando o apartamento inteiro com
minhas lágrimas, mas ninguém me julgou ao ver o motivo pelo qual
eu estava chorando. Olhei para todos ao meu redor, fechei o
notebook e sequei as lágrimas com as costas das mãos. Alexei
queria que eu ficasse bem, eu iria ficar.
FANTASMAS

Giovanna Viola
J
A . Um pouco menos desde que decidi que
precisava viver, como ele me pediu. A primeira ação foi retornar
para a Protomak, rever Lourdes e reassumir a minha empresa. Eu
era a única sócia, então, e precisava de alguém para me ajudar.
Não tinha decidido quem ficaria com as partes de Alexei, que, por
lei, tinham ido para seus herdeiros, Dmitri e Irina, mas que nenhum
dos dois queria - Dmitri que garantiu que a irmã só esperava minhas
instruções para assinar os papéis necessários. Desde que Alexei
morreu, ela deixou Anatoli, acreditando que ele tinha
responsabilidade na morte do irmão, e, com a prisão do sogro, temia
que ele assumisse a função do pai. Irina estava voltando para o
Brasil.
A segunda ação foi a FiberGen. Entrei em contato com Vladmir,
que aguardava que eu saísse do luto. Orientei que seguiria o plano
de Alexei, e que ele deveria ser o presidente da FiberGen, pois as
funções administrativas ficariam melhor em suas mãos. Eu e Dmitri,
juntos, concentrávamos sessenta por cento das ações, e eu era
majoritária mesmo com meus trinta e cinco por cento. A empresa
estava sob controle, mas eu não podia ir a Moscou me apresentar,
ainda.
E minha terceira ação foi vender meu apartamento de Jardim da
Penha e assumir o da Mata da Praia, cuja escritura foi lavrada em
meu nome, como Alexei orientou. Tudo isso levou tempo para que
eu desse conta, e me manteve ocupada o suficiente para que o
sofrimento não me consumisse. Para que as noites solitárias, sem o
homem que me acolhia e me aquecia, não fossem um martírio. Eu
quase nem dormia. Minhas amigas estavam me ajudando como
podiam, mas elas mesmas tinham suas ocupações. E eu tinha um
novo velho amigo, então, o Dr. Jonas. Imaginei se Alexei sentiria
ciúmes daquela proximidade, mas era uma grande bobagem.
Ninguém poderia assumir o seu lugar, nem eu queria que isso
acontecesse. Fugi de relacionamentos a vida inteira, por que iria
enfiar Jonas no lugar de Alexei antes mesmo de estar preparada pra
aquilo?
Mas Jonas foi um anjo da guarda. Um anjo, de verdade. Um dia
me disseram que o tempo curava tudo, mas o tempo não me curou.
Ele me deu casca, ele me fez dura, sem que as feridas
cicatrizassem por dentro. Eu tinha uma carapaça de um lado e a
pele exposta, em carne viva, sangrando, do outro lado. O tempo me
deu tempo, apenas. Eu não estava curada, mas estava perseguindo
um objetivo novo - eu tinha que honrar a memória do meu avô e de
Alexei. E Jonas foi o responsável por me fazer acordar para outro
objetivo na minha vida, um inesperado, algo que eu nunca imaginei
que aconteceria.
Estávamos conversando, na sala do apartamento, à noite. Já
fazia calor novamente, porque Vitória nunca esfriava por muito
tempo, e estávamos tomando uma cerveja e assistindo um jogo
chatíssimo de futebol, quando meu amigo médico parou para me
observar.
— O que houve? — Perguntei. Ele sabia que eu me constrangia
quando ele me olhava sugerindo que queria algo que eu não
poderia dar a ele. Eu poderia oferecer carinho e atenção a Jonas, e
era só. Mas eu sabia que homens nunca ficavam apenas por isso.
— Tem algo diferente em você, Giovanna. Algo… que talvez
apenas um médico note. Diga, você fazia sexo sem proteção, não
fazia?
Quase cuspi a cerveja no tapete.
— Que diabo de conversa é essa? Quero dizer, Jonas, eu acho
que talvez...
— Calma, Gio. — Ele deu uma risada, imaginando que eu tinha
entendido alguma coisa errada. Claro que eu tinha. — Eu estou
perguntando isso porque eu acho que você pode estar grávida.
Daquela vez eu cuspi o que tinha na boca, molhando minha
roupa e uma almofada, e disparei uma gargalhada histérica quase
que ao mesmo tempo.
— Eu sempre tomei anticoncepcional, emendava uma cartela na
outra. — Expliquei o quanto ele estava errado.
— Sei, o anticoncepcional que tem apenas 97% de eficácia.
Infalível.
— Sério, Jonas. — Coloquei a long neck sobre a mesa de centro
e o encarei. — Isso é ridículo e totalmente improvável. Eu saberia se
estivesse grávida.
— Saberia? Com tudo que está passando? Vamos descer e
andar até a farmácia, comprar um teste e fazer, assim tiramos a
dúvida.
— Você está totalmente louco. — Decidi, voltando a olhar para a
televisão. Ele não estava louco, de verdade, e eu sabia. Desde os
episódios de Moscou eu não tinha sequer lembrado que existia
anticoncepcional, quanto mais tomado alguma pílula. E,
misteriosamente, eu não tinha menstruado. Nenhuma gota de
sangue, nada. Poderia ser meu corpo ainda se adaptando aos anos
de hormônios sintéticos sendo injetados todos os dias, mas também
podia ser outra coisa. Olhei para mim mesma para tentar imaginar o
que ele tinha visto de diferente que eu não conseguia perceber.
— Os seios. — Jonas entendeu o que eu queria saber.
— Você fica olhando meus peitos?
— Desculpe! — Ele levantou as mãos, como se tivesse sido
pego em um crime. — Mas sim, eu olho para eles, de vez em
quando. E eles estão maiores, com um formato diferente. Seu
ventre, também, está com uma protuberância...
— Agora diz que estou gorda. — Reclamei.
— Giovanna, pare de inventar desculpas. Teste de farmácia,
vamos?
Ele tinha razão, precisávamos confirmar que ele estava errado.
Deixamos o jogo e fomos andando até uma farmácia que ficava
próxima, na orla da praia mesmo. Ainda estava relativamente cedo,
o movimento na praia era razoável e tinha muita gente caminhando.
Compramos o teste e voltamos para o apartamento. Abri a caixa e li
as instruções, mas fiquei desapontada em saber que precisaria
esperar até o dia seguinte.
— Tenho que usar o primeiro xixi da manhã. — Disse, frustrada.
— Se você estiver tão grávida quanto eu imagino, pode ir ao
banheiro agora, que vai dar positivo com uma gota de urina.
— E se eu burlar o teste pode dar falso positivo ou negativo.
— O médico sou eu, Gio. Vamos, pare de enrolar!
Jonas me empurrou para o banheiro e fechou a porta. Fiquei
sozinha com um bastão branco e um potinho, e eu deveria fazer xixi
ali. Era como um exame de laboratório, não precisava me
incomodar, até porque iria dar negativo, mesmo. Eu não estava
grávida e meu amigo estava pirado. Sentei no vaso sanitário,
cantarolei mentalmente alguma música boba enquanto minha
bexiga decidia trabalhar. Depois de encher o potinho, molhei o
bastão, vesti a roupa e abri a porta.
— Precisa de dois minutos. — Mostrei o bastão a Jonas. Ele
pegou o celular e ligou o cronômetro. Ficamos como dois bobos,
olhando para um objeto molhado de urina, enquanto na televisão
alguém gritava gol e eu nem sabia quem eram os times jogando.
Aliás, eu não sabia nem que campeonato era. Um minuto e meio e
dois tracinhos cor-de-rosa enfeitaram o bastão. Jonas deu um grito.
— Ahá, eu disse.
Sim, ele disse e eu ainda não acreditava, segurando a coisa na
mão. Voltei às instruções para confirmar que os dois traços eram
sinal de positivo e que positivo me contava que eu estava
esperando um bebê.
— Mas que porra.
Larguei o bastão cair ao chão e coloquei as duas mãos na boca.
Eu estava grávida, estava esperando um filho de Alexei.
— Amanhã eu recomendo que faça o beta, e uma ultrassom. Se
quiser, eu consigo arranjar uma consulta com um amigo radiologista,
que tal?
Olhei para Jonas, totalmente sem saber o que fazer. Levei a mão
instintivamente à barriga, mas não tinha nada ali para sentir, ainda.
Eu nunca fui muito maternal e não pensava em ter filhos, porque eu
nem homens queria na vida. Só sexo e estava bom demais, por que
eu procriaria? E eu jurava que o excesso do anticoncepcional já
tinha me tornado estéril, já que eu me entupia daquela porcaria há
anos e anos. O Universo tinha uma forma estranha de passar
mensagens.
Meu amigo entendeu que era hora de me deixar em paz e se
despediu, prometendo que me encontraria no dia seguinte para me
levar ao radiologista que confirmaria a gestação. Claro que eu não
consegui dormir, nem contar para ninguém a novidade. E se fosse
falso positivo? E se não tivesse nada ali, se fosse o stress, o
nervosismo, o desejo de que Alexei ainda vivesse, mesmo que
daquela forma exótica, dentro de mim? Passei alguns minutos rindo
sozinha, como uma maluca, agarrada a um travesseiro, até decidir
que eu precisava de seriados de televisão para esvaziar a cabeça.
No dia seguinte eu estava um lixo. Cheia de olheiras, como um
zumbi, mas precisava levantar, seguir com o dia e esperar. Fui para
a Protomak usando um vestido, porque fiquei com medo das minhas
calças, muito justas, apertarem alguma coisa errada, ou mostrarem
para todo mundo que eu estava, como disse Jonas, diferente. Não
enganei Lourdes nem mesmo com uma roupa larga, porque a forma
como ela me olhou quando cheguei foi de quem sabia de tudo. Ela
não sabia, mas era Lourdes, e dela eu podia esperar tudo.
— Srta. Viola, o Sr. Vasconcellos mandou avisar que agendou
uma consulta para as quinze horas. Ele vem encontrá-la aqui. A
senhorita está bem?
— Acho que sim, Lourdes. É apenas rotina, Jonas me ajudou a
conseguir uma consulta antecipada.
Minha secretária concordou com a cabeça e eu sabia que ela
desconfiava. Fiquei como barata tonta a manhã inteira, mas me
obriguei a almoçar - se eu estivesse carregando um bebê, teria que
me alimentar direito. Consegui responder dois e-mails apenas, até a
hora em que Jonas chegou para me acompanhar. Pedi que
passássemos na cafeteria em frente ao prédio para comprar um
pedaço de cheese cake, porque eu precisava de doces e não tinha
nada na empresa. Não era um desejo, expliquei para ele e para mim
mesma. Não era um desejo, aquelas coisas eram bobagens. Jonas
segurou minha mão enquanto caminhávamos.
— Não fique nervosa, Gio. Um bebê é boa notícia, não acha?
Sim, é, claro. É uma notícia colossal, capaz de recriar a Guerra
Fria ou causar a terceira guerra mundial. É notícia demais, bem
mais do que eu daria conta e eu não deveria ficar pensando nela por
enquanto. Entramos na cafeteria enquanto eu empunhava meu
melhor as-coisas-vão-ficar-bem sorriso, e meu amigo pediu o
bendito cheese cake com café. Era extremamente não
recomendado que eu tomasse cafeína se já estava pilhada, porém
eu não ligava. Sentei em uma cadeira e senti um arrepio me
percorrer a espinha. Levantei-me bruscamente e olhei em volta.
Meus pelos estavam todos arrepiados e um sopro em minha nuca
me fez bater a mão na tatuagem da omoplata. Não vi ninguém
conhecido, mas eu podia jurar que aquela sensação eu só tinha tido
uma vez - mas Alexei não poderia estar ali. Ele não estava ali.
Chegamos dois minutos atrasados para o exame e fomos
atendidos logo - foi a primeira vez que não esperei duas horas por
um ultrassom. Uma médica me atenderia, Dra. Verônica, e ela tinha
uma expressão condescendente e alegre. Tirei a roupa, vesti o
roupão, sentei na maca e apoiei as pernas onde mandaram. Jonas
ficou do lado de fora, esperando, e achava que ele estava tão
ansioso quanto eu. Não estava, porém, parecia bem animado com a
ideia de que eu fosse ter um bebê. De outro homem.
— Então, Giovanna, está tentando engravidar?
— Não. — Disparei antes de pensar. — Eu nem acho possível
estar grávida, eu tomo anticoncepcional.
— Bem, mas eu acho que você vai ter uma surpresa. — A
médica me indicou o monitor de televisão que estava pendurado na
parede e, de repente, uma imagem apareceu. Parei de me
incomodar com a posição extremamente desconfortável daquele
ultrassom quando uma silhueta se formou na tela. — Veja, é um
belo feto de aproximadamente doze semanas!
Belo feto. Virei a cabeça para um lado e para outro, no sentido
em que a médica movia o equipamento dentro de mim, para tentar
enxergar o que ela parecia ver. Sim, tinha algo ali, algo além da
massa cinza que deveria ser meu útero. De repente, “algo” se
transformou em braços e uma cabeça.
— Caralho.
Disparei de novo, sem pensar, com o cérebro dando mil piruetas
e os neurônios fazendo sinapses ainda desconhecidas. A médica
arregalou os olhos, mas depois riu, enquanto despejava
informações técnicas sobre mim. Tamanho do feto, que estava tudo
normal, que ela tinha feito uma medição de nome complicado que
indicava que o bebê não teria doenças variadas, que isso e aquilo, e
tudo que passava na minha frente era aquela sombra de braços e
cabeça, no monitor. Eu estava mesmo grávida, não era loucura da
cabeça de Jonas.
Senti o coração disparar, a respiração ficou difícil e tudo ficou
preto - desmaiei sobre a maca e durante o exame. Acordei de novo
com uma histeria generalizada ao meu redor, já em outro lugar -
uma cama de hospital, ao que me parecia. Pisquei algumas vezes e
vi Jonas, a médica, outra pessoa de branco, e Dmitri. O que meu
cunhado estava fazendo ali?
— Giovanna, pelo amor de Deus, que susto foi esse! — Ele se
jogou ao meu lado, dramático como apenas Dmitri sabia ser. —
Como está se sentindo?
— Como chegou até aqui?
— De carro, oras. Seu amigo médico me ligou e disse onde
estavam, que tinha passado mal. Que loucura é essa, Gio, você
está esperando um filho de Alexei?
— Pode ser loucura, sim, mas que é verdade, isso é.
— Puta que pariu. — Dmitri xingou e a médica arregalou os
olhos de novo porque ela não sabia que a família Simonov era
desbocada, assim como eu. — Se isso não fizer Alexei voltar, não
sei mais o que fará
— O que você disse?
Dmitri me encarou, um pouco confuso. Sorriu e segurou minhas
mãos, com uma expressão de júbilo.
— Quis dizer que esse bebê faz com que Alexei viva dentro de
você. Eu vou ser tio, isso é a coisa mais maravilhosa desse mundo!
Quis matar Jonas por ter criado aquele circo, mas, ao menos,
poupei o esforço de dar a notícia para as pessoas. Eu podia jurar
que Dmitri iria colocar a novidade nas redes sociais.
Alexei Simonov
A África do Sul era o país em que eu supostamente mais me
misturaria, mais fácil de enfiar um homem branco de dupla
nacionalidade. A vida por lá podia ser boa e eu estava conseguindo
progredir lentamente, dentro do que era possível, mas eu me
boicotava. Eu não sentia que nada daquilo era permanente, era
como se eu estivesse ali passando tempo, esperando por algo que
ainda viria. Minha vida estava em suspensão, não acontecendo
plenamente. Os primeiros meses foram os mais difíceis, porque eu
nem mesmo lembrava meu nome falso. Depois que montei um
pequeno negócio em uma pequena cidade, e me afundei em
trabalho, como estava acostumado a fazer, as coisas melhoraram.
Mas eu passava o dia entre o trabalho e a ansiedade de ter notícias
da minha família.
Os policiais me contavam fofocas, enquanto estavam ali. Depois
de quatro meses, ele foram embora e eu tinha que prosseguir com a
vida. Já eram muitos meses desde que eu tinha saído do hospital,
desde o julgamento de metade dos mafiosos que delatei, e ainda
faltavam alguns. Não era seguro sequer pensar em contatar alguém,
pois eles não podiam desconfiar que eu estava vivo. Para pesquisar
as coisas na internet, usava computadores compartilhados,
públicos, evitando que pudessem ser rastreados até mim. E eu
estava, naquele mês, especialmente precisando ver a mulher da
minha vida.
Não tinha jeito de esquecer Giovanna. Eu até tentei, conheci
moças lindas, simpáticas, educadas, que queriam ir além de uma
conversa no bar, comigo, mas simplesmente não dava. Sabia que a
Viola estava com o doutor ex, que aquilo seria bom para ela, e
queria algo bom para mim também, só que não havia chances de
isso acontecer. Eu estava destinado a ser solteiro para o resto da
vida, aliás, estava condenado a nunca mais fazer sexo. Seria até
melhor se entrasse para a vida religiosa, já que eu, pelo menos,
teria uma razão para o celibato. Nenhuma das lindas mulheres que
tentaram que conquistar passaram da fase oral - o máximo que
consegui foi trocar alguns beijos. E foi tudo muito ruim, a boca que
eu queria era outra.
Desisti de lutar e pedi a Oleg que me ajudasse. Ou ele arrumava
notícias de Giovanna ou eu ia parar de novo no Brasil. E não servia
qualquer coisa, eu queria vê-la. Precisava vê-la, na verdade. Meu
protetor marcou comigo na lan house mais escondida da cidade e
pediu que eu acessasse um computador específico. No horário
marcado eu estava lá, de bermuda e chinelos, parecendo o mínimo
possível comigo mesmo, tentando ficar calmo. Oleg havia deixado o
navegador aberto em uma conta de e-mail, e lá estavam quatro
arquivos. Eram vídeos e imagens de Giovanna.
Coloquei os fones, sem saber se teria áudio, e quase caí da
cadeira quando vi o primeiro vídeo. Era ela com as amigas no
Outback, em um dos happy hour, e elas riam muito. Não tinha som,
mas eu podia ouvir as gargalhadas mesmo assim. Até um minuto de
filmagem estava tudo bem, eu estava fascinado pelo quanto ela
ainda estava linda, até que ela se levantou. Foi nesse exato
momento que joguei o corpo para trás e quebrei a cadeira, quase
indo ao chão. Giovanna estava grávida.
Saí da lan house sem nem conseguir fechar os vídeos. Fui para
o meio da rua, peguei o celular e liguei para Oleg.
— Que porra era aquela? — Esbravejei. — Que diabo de vídeo
era aquele, quando filmaram?
— Calma, Matey. Meus contatos no Brasil disseram que é dessa
semana. Você me deu um ultimato, eu não fico vigiando a mulher.
— Ela está grávida, porra! — Eu girava em meu próprio eixo e
berrava em russo, literalmente no meio da rua. Se eu tinha um
disfarce, ele estava duzentos por cento comprometido. — Ninguém
pensou em me contar isso?
— Não sabíamos, e, se soubéssemos, não deveríamos te contar.
Esqueceu que sua vida anterior acabou? Que você morreu, que seu
“eu” anterior não existe mais?
— Foda-se, Oleg! Foda-se! Eu estou me fodendo para o
programa ou para esse besteirol, eu já dei o que vocês queriam,
vocês estão com a mão nos mafiosos que interessavam, e tudo que
eu pedi era que mantivessem informado sobre ela! Por que ninguém
me contou?
— Acha que é seu, o bebê?
— Claro que é meu! — Afastei o telefone do ouvido, desejando
enfiar a mão e socar Oleg pelo aparelho. — Ela é minha mulher,
caralho! Ela pode estar com o doutor ex por enquanto, mas
Giovanna é minha! Merda!
Desliguei a chamada e voltei para dentro da lan house. Algumas
pessoas me olhavam, assustadas, e ninguém sequer chegou perto
do computador. Abri outro vídeo, ela estava caminhando na praia. A
barriga redonda, linda, perfeita - ela estava ainda mais exuberante
do que antes. Passei as mãos pelo rosto, pelos cabelos, deletei os
arquivos, desliguei o computador, paguei pelo uso e fui embora. Já
tinha estragado tudo, teria que ir embora daquela cidade que me
abrigava há quatro meses. A África do Sul tinha deixado de ser um
lugar seguro depois que surtei por ter me metido com a vida de
Alexei Simonov.
Fui para casa e arrumei minha mala. Eu não tinha objetos que
não pudesse carregar em uma mala, para caso precisasse fugir.
Quis ligar para Dmitri, mas temi que o celular também estivesse
comprometido. Teria que ir a outro lugar e comprar um celular
descartável, mas eu não ligaria para meu irmão. Liguei novamente
para Oleg, mais calmo, disse que iria para Lima, no Peru, e que
ficaria dois dias por lá, em um hotel, para encontrar uma cidade
pequena o suficiente para me camuflar. Não contei minha intenção
de voltar ao Brasil, disse apenas que América do Sul era mais
seguro do que Ásia e Europa.
Assim que cheguei ao Peru, comprei passagens para São Paulo
e voei para casa. Do aeroporto mesmo decidi acessar as redes
sociais do meu irmão, e como me surpreendi ao ver que ele postou,
diariamente, um histórico da gravidez de Giovanna. Havia fotos
dela, fotos dele com ela, fotos dele, com ela e com Irina. As
legendas todas mencionavam meu nome, diziam que ele seria tio,
continham marcações que eu poderia ter visto antes. Eu podia estar
enganado, mas meu irmão estava me dando pistas do que estava
acontecendo. Aquilo significava que Dmitri tinha entendido o plano,
que eu tinha contado subliminarmente, e suspeitava que eu não
tivesse morrido. Talvez o enterro em caixão fechado tenha sido um
indicador - ele não me viu morto.
Eu poderia ter ajuda, então. Coloquei os óculos escuros,
pendurei a mochila nas costas e peguei o avião para Vitória.
Daquela vez não estava interessado em ser low profile, eu queria
apenas chegar em casa e ver como as coisas estavam. Assim que
pousamos, peguei um táxi até a Ilha. Tinha poucos reais, precisava
ser econômico, mas eu pretendia me revelar. Pedi ao táxi que me
deixasse na entrada da Ilha e fiz o restante do trajeto a pé. Parei
nos fundos da casa, em uma parte que tinha uma entrada secreta
por uma falha na junção do muro com a parte de madeira que
levaria à marina. Eu conhecia a falha, então pude entrar sem ser
notado e me esconder pelas sombras até o ateliê do meu irmão. Ele
estava lá, pintando alguma coisa, concentrado, ouvindo música
clássica e sem camisa. Parecia até uma cena de filme.
Coloquei a mão na porta e girei a maçaneta devagar. Entrei,
fechei a porta, encostei-me nela e esperei que ele me notasse.
Dmitri virou-se, viu-me e levou um minuto inteiro para reagir.
— Eu sabia. — Meu irmão passou a mão na frente dos olhos,
enxugando-os. — Eu tinha certeza que você estava vivo, Lyosha.
E veio em minha direção e me abraçou. Passei os braços ao seu
redor e ficamos ali, os dois, por muito tempo. Desde que Dmitri
nasceu, nunca passamos tanto tempo separados, sem nos falarmos
ao menos. Mesmo quando eu viajava pelo mundo e passava
semanas aqui e acolá, nós nos falávamos. Aquele plano de me
afastar da minha família tinha sido o mais estúpido que eu podia ter
elaborado, mas, ao menos, parecia ter dado certo.
— Você voltou por causa dela, não voltou? — Dimka disse,
depois que o abraço acabou. — Viu as fotos nas redes?
— Na verdade, eu não tinha visto. Mas pedi notícias de vocês e
meu protetor mandou um vídeo dela, eu vi a barriga. Como vocês
estão, Dimka? Como está sendo com Irina? Céus, temos muito que
falar, só que eu não tenho tempo.
— E o programa, você abandonou? Quer entrar em casa?
— Não, eu não abandonei e ninguém mais pode me ver. Só vim
aqui porque você já sabia, eu entendi isso ao ver as fotos. Eram
mensagens para mim, não eram? — Meu irmão confirmou com a
cabeça. — Por isso tenho que ser rápido. Giovanna está com o
médico? Eles estão juntos?
— Defina “juntos”, Lyosha. Porque se quer saber se são um
casal, eles não são. Ninguém nem mesmo encosta em Giovanna,
para fazer exame é difícil. Agora, desde que ele descobriu a doença,
eles...
— Que doença? — Interrompi Dmitri. — Do que está falando?
— Jonas tem câncer, um tipo muito agressivo. Ele está fazendo
quimioterapia e radioterapia e, como não tem família próxima,
Giovanna está praticamente morando com ele. Ela cuida dele, ajuda
em um monte de coisas. É basicamente isso, eles se gostam,
Lyosha, mas não é nada do que você possa pensar.
Certo, as coisas estavam fora de controle. O médico estava
doente, morrendo? Por aquilo eu realmente não esperava.
— Caralho, Dimka. — Passei as mãos pelos cabelos. — Eu
preciso vê-la, para poder ir embora.
— Alexei, ela está grávida do seu filho. Vai mesmo continuar
escondido?
— Não tenho outra escolha. Eu não posso simplesmente surgir
retomando meu lugar, porque as coisas foram se ajustando e não
tem mais espaço para mim.
— Você precisa é parar de tomar péssimas decisões. — Dmitri
deu um tabefe na minha cabeça. — Sempre haverá espaço para
você, em nossas vidas.
— Pense. Se eu chegar agora, depois de meses morto, e
Giovanna ficar tão nervosa e isso prejudicar o bebê? Ela vai largar o
doutor ex e eu vou me culpar porque o homem está morrendo,
caramba. E o julgamento em Moscou ainda não acabou.
— Pretende fazer o que, esperar o médico morrer ou o bebê
nascer? O que vier primeiro?
— O que vier primeiro.
Abracei novamente meu irmão, por mais alguns longos minutos.
Eu ia ver Giovanna, primeiro, mas, outra vez, ela ainda não iria
saber que eu estava ali.
Giovanna Viola
O dia não estava rendendo nada. Olhei para o monitor do
computador umas muitas vezes e não consegui fazer o que
precisava. Estava calor, os pensamentos se embolavam todos na
minha cabeça, eu não encontrava uma boa posição para me
acomodar entre a cadeira e a mesa. Alguns dias eram assim,
mesmo que me dissessem que eu precisava me manter plena por
causa do bebê. “A sua ansiedade passa para ele”, Janine dizia. “Ele
sente tudo que você sente”, Pedro dizia. Ninguém ali tinha filhos,
mas eram todos doutores em gestações desde que eu descobri que
estava grávida. Eu sabia que eles tinham razão, no entanto, porque
a criaturinha dentro de mim estava me respondendo com chutes na
costela e uma pressão incrível sobre a bexiga.
Coloquei música para tocar, fechei os olhos e tentei relaxar,
passando a mão sobre a barriga. Eu não estava calma, em alguns
dias, a ausência de Alexei doía bem mais. Aquele era um desses
dias e eu nunca sabia bem o que devia fazer para que aquele
sentimento desaparecesse. Talvez eu devesse ir para casa, sentar
na beira da praia, olhar o mar, mas uma ligação via Skype me fez
voltar para a realidade. Era Vladmir chamando, de Moscou.
— Diga, Vlado. — Eu já estava bastante próxima do braço direito
de Alexei. Nosso contato, quase diário, me permitia manter um certo
status quo que eu me recusava a abandonar. Eu não queria que as
coisas fossem muito diferentes de quando ele estava vivo.
— Bom dia, Giovanna. Está bem, hoje?
— Não, mas vai melhorar. O que houve, você parece ansioso.
— Estamos com um problema. Alguns investidores estão
querendo abandonar as pesquisas porque não estão seguros com
sua administração.
Cocei a cabeça, sentindo aquela frase despertar um dragão
dentro de mim. Ah, o mundo corporativo e suas frescuras.
— Eles acham que eu não consigo porque não sou Alexei. Não
sou russa, não sou homem. Entendo. Vladmir, marque uma reunião
com os diretores para daqui há dois dias. Estou indo para Moscou.
— Mas você está grávida. Acha mesmo...
— Grávida, não doente, Vlado. — Interrompi-o, porque eu
detestava que usassem minha gestação para me considerar uma
incapacitada. — Estamos plenamente saudáveis e minha médica
não me impediu de trabalhar nem de viajar. O bebê não vai nascer
agora, então está tudo bem. Marque a reunião, preciso conversar
com esse pessoal que acha uma mulher incapaz de comandar um
império.
Vladmir assentiu, movendo os ombros com aquela expressão de
que não adiantava discutir comigo. Não, não adiantava mesmo,
porque eu tomava decisões e as executava, era por isso que a
Protomak tinha crescido nos últimos meses, que a tecnologia dos
gêmeos já estava sendo comercializada em conjunto com a
empresa de Carmen, e que a FiberGen sobrevivia à queda das
ações, depois do anúncio da morte de Alexei. E eu iria aparecer em
Moscou, ah, eu ia. Seria bom, ocupar-me de algo que não fosse a
doença de Jonas.
Ninguém entendia direito por que eu tinha decidido ficar com ele
naquele momento. Talvez ninguém tivesse prestado atenção no
quanto ele me apoiou durante o luto, durante o drama, durante os
dias e as noites em que eu queria que tudo desaparecesse. Minhas
amigas foram fundamentais, meus cunhados foram fundamentais - e
eu nunca deixei de chamar Pedro e Dmitri de cunhados, mas Jonas
era diferente. Ele foi o cara que, apesar dos sentimentos que tinha
por mim, nunca me cobrou absolutamente nada em troca, e isso não
existia mais por aí. Então sim, eu tinha que ficar com ele. Mas ele
estava internado naquela semana, ficaria internado mais uns dias e
daria para eu viajar sem culpa na consciência.
Pedi que Lourdes organizasse a viagem, comprasse passagens
e reservasse um hotel. Dmitri e Irina tinham vendido o apartamento
de Alexei, concordamos que ele não era seguro. Aliás, Moscou não
me parecia segura, mas Ilia Pavlov estava preso, junto com seus
comparsas. Se precisasse, eu dormiria na FiberGen, mas acreditava
que estaria bem. Depois de um dia desgastante de procrastinação e
baixíssima produção, encerrei tudo e fui para casa. Ficar
aconchegada no sofá vendo minhas séries favoritas parecia a
melhor coisa para curar o mal-estar físico e mental, então fui direto
para o apartamento, pretendendo pedir comida e não sair mais de
lá.
Assim que cheguei, senti um perfume já muito conhecido. Ele
estava no corredor, invadindo meu nariz no instante em que saí do
elevador. A coisa estava ficando psicossomática, eu estava sentindo
fisicamente o que meu cérebro projetava - o perfume de Alexei não
poderia estar ali, era simples, mas estava. Abri a porta sem cautela,
como se a sua imagem fosse se materializar na minha frente, mas
não havia ninguém. Deixei a bolsa sobre uma cadeira, fui para o
quarto, tirei as roupas e coloquei um camisão. Fui para a cozinha
preparar pipoca quando notei algo que não deveria estar ali. Um
copo com água e um pequeno ramo de flores.
Não havia flores no apartamento. Eu nunca as colocava ali,
porque não tinha muita vontade de enfeitar o lugar, eu as deixaria
morrer. Então, não fui eu que coloquei flores no copo. Peguei o
ramo e cheirei, sentindo os músculos tremerem. Fui novamente até
a porta e abri, o cheiro de Alexei já estava se esvaindo no ar. Eu não
acreditava no sobrenatural, então algo muito estranho estava
acontecendo. O telefone me impediu de pensar no evento. Era
Dmitri, agitado porque eu ia a Moscou. Passou um sermão pelo
telefone, dizendo que eu era louca, e deixei que ele falasse tudo que
queria antes de me manifestar.
— Dimka, eu vou a Moscou. Alexei não me deixou na
administração da FiberGen porque sou covarde. Se está
preocupado, venha comigo! Vai ser só uma semana.
— Ir com você? — Ele se desarmou.
— Claro, veja que ótima ideia. Vamos passar uma semana em
Moscou, você vai me ajudar com o russo que eu não falo, e Pedro e
Irina serão obrigados a passar mais tempo juntos, o que vai
aproximá-los ainda mais. Você é artista, faz seu próprio horário de
trabalho. Vamos!
— Continuo achando loucura, mas, se eu deixar que algo
aconteça a você e a esse bebê, Alexei nunca vai me perdoar.
— Às vezes você fala como se ele estivesse viajando e fosse
voltar mês que vem. — Resmunguei do fato de Dmitri tratar Alexei
como presente.
— Eu acredito em carma cósmico, linda. Então, fazer coisas hoje
leva a consequências amanhã, nessa vida ou em outra. Vou com
você, pronto.
No final, foi bom ter companhia para viajar, principalmente
porque o fantasma do apartamento apareceu na Protomak, no dia
seguinte. Quando cheguei de manhã, sobre a minha mesa havia
donuts de doce de leite e café - e eu não tinha pedido, nem
encomendado nada. Surtei, coloquei Lourdes para assistir a todas
as filmagens desde a noite anterior, porque eu precisava saber
como o cheiro de Alexei poderia estar na sala, como poderia ter
comida ali, quem estava tentando me pregar uma peça. Era comida
que eu gostava, flores que eu gostava, perfume que eu necessitava.
Alguém tinha estado ali e eu queria saber quem. Mas Lourdes não
viu nada acontecer, pois não tínhamos câmeras em todos os
lugares. Ordenei que instalassem uma em cada metro e fui para o
aeroporto, onde encontraria Dmitri e partiríamos para uma aventura
em Moscou.
A viagem foi tranquila, mesmo que o voo tenha sido diurno. Eu
estava tão cansada por noites sem dormir direito, por maratonas e
mais maratonas de séries, que acabei dormindo no voo, sentindo-
me bem ao lado do meu cunhado. Ao chegarmos na Rússia, eu
tinha poucos dias para convencer um bando de homens de que eu,
grávida até o último fio de cabelo e vendo fantasmas, teria
capacidade de administrar a empresa. Porque eu tinha.
Fomos para o hotel e apenas no dia seguinte comparecemos à
FiberGen. Dmitri era conhecido por lá, mas nunca tinha ido como
acionista, sempre como irmão do presidente. Daquela vez ele usava
terno, porque eu o obriguei, e me acompanhava com uma pasta
executiva. Parecíamos uma dupla e tanto. Vladmir nos recebeu e
nos encaminhou à reunião, onde os diretores, que eu já conhecia,
estavam nos esperando. Ainda bem que eles falavam inglês e eu
não precisaria de tradução simultânea.
— Bom dia, senhores. Estamos com problemas e vim aqui para
resolvê-los. Quem são os investidores que querem pular fora do
barco?
— Bom dia, Srta. Viola. A senhorita está radiante.
— Grávida, Pankhov, mas podemos pular os elogios e discutir o
que importa. Preciso de nomes.
Romanov me entregou uma pasta com três papeis, cada um era
um dossiê sobre uma empresa diferente.
— A empresa de James Burnshaw está por trás disso. — Ele
afirmou. — Estamos nos preparando para um encontro com os
investidores.
— Eu vou me encontrar com cada um deles, pessoalmente. —
Entreguei os papeis a Vladmir. — Marque para hoje o primeiro, se
possível.
— Srta. Viola, entendemos que…
— Que é melhor que eu me mostre para eles e explique quem
eu sou e por que estou no comando. — Interrompi, completando a
frase. — Os caras já estão dispostos a nos cortar, acha que vocês
vão convencê-los do contrário? A melhor pessoa para isso sou eu
mesma, porque eu prefiro enfrentamentos individuais e face-a-face.
Vladmir, não marque as reuniões na FiberGen. Marque um jantar, ou
almoço. As pessoas preferem conversar comendo.
Vladmir riu, tentando disfarçar que achou graça da forma como
me dirigi aos diretores. Ao final da reunião, fui até a sala que era de
Alexei e encontrei mais flores. Flores em um vaso de cristal, que eu
não sabia que estava ali. Eu poderia pensar que alguém na
empresa queria me fazer um agrado, já que sabiam que eu iria
ocupar a sala, mas, na minha cabeça, só tinha o fantasma das flores
e do cheiro. Saí pelo corredor, buscando o perfume amadeirado que
me inebriava os sentidos, mas havia muita gente ali para que eu
conseguisse rastreá-lo. Voltei para a sala, sentei na cadeira de
couro e peguei o vaso de flores na mão. Aquilo tinha que ser uma
mensagem qualquer. Foram flores, e comida. E mais flores. Só que
não fazia sentido algum que eu estivesse considerando que era
Alexei que estava tentando fazer contato comigo.
Eu tinha uma empresa para administrar. Tinha um filho para
parir. E estava ali, olhando para o nada, imaginando que o meu
amor estava, de alguma forma, vivo e querendo me ver. Ah, ele que
viesse, porque eu estava pronta para lhe dar um chute no meio das
pernas.
O primeiro encontro com um investidor foi no jantar. Levei Dmitri
comigo, claro, porque ele era a pessoa ideal para quebrar o gelo em
qualquer situação constrangedora. Nosso alvo era Gregor
Kuznetzov, contato do maior investidor na pesquisa de
nanotecnologia em cirurgias de alta complexidade, e o que menos
estava disposto a me ouvir. Eu sabia que estabelecer um
relacionamento informal poderia ser frutífero e que ele precisava me
conhecer antes de me odiar.
Não poderia dizer que o jantar foi um sucesso, mas ele me
ouviu, no final. Comprometeu-se a continuar com as pesquisas até o
final do ano, nos dando um pouco mais de crédito. Não
precisávamos exatamente daquele dinheiro, o que precisávamos
era de apoio nacional. As ações da empresa não sobreviveriam a
uma perda de confiança. Voltei para o hotel animada com o possível
resultado dos próximos encontros, mas, no fundo, o que eu queria
era saber se teria outra surpresa. Se entraria no quarto e
encontraria algo sobre o travesseiro, se haveria mais flores ou o
perfume de Alexei por lá. Eu não sabia o que pensar, o que desejar,
o que aquilo significaria na minha vida, mas meu coração quase
pulou da boca quando ouvi o chuveiro ligado no quarto. Corri para o
banheiro, mas não havia ninguém lá. Claro que não havia, Alexei
estava morto. Se alguém estivesse no quarto, seria um criminoso,
um mafioso, eu deveria morrer de medo. Mas, antes que eu
enlouquecesse e chamasse a polícia, no vapor que cobria o espelho
havia um desenho - um coração rabiscado, que poderia estar ali
antes ou não, que poderia ter sido feito há mais tempo e apenas
indicava que o hotel tinha um serviço de limpeza ruim.
Parecia óbvio que era coisa antiga, que apareceu depois que o
vapor grudou no espelho. Mas, no fundo, eu sabia que não era. Eu
sabia que era, sim, outra parte de uma mensagem, e que eu
precisaria desvendá-la.
ATÉ QUE NÃO SEJAMOS MAIS
ESTRANHOS

Giovanna Viola
A , como forma de
aplacar meu sofrimento em dias de mais dor, não foi suficiente para
impedir que as coisas degringolassem rapidamente. Quando voltei
para o Brasil, junto com meu cunhado que adorou se divertir
fingindo ser empresário, eu encontrei a situação de Jonas
severamente agravada. O câncer, que era de intestino, tinha sofrido
mais de uma metástase e a medicação não estava mais surtindo
efeito. Pelos médicos, ele não sairia mais do hospital, estava em
uma progressão rápida para o fim. E aquilo ajudou a me jogar no
precipício, já que eu estava flertando com a beirada há meses.
Porque era o que ele queria, insisti com os médicos que Jonas
deveria ir para casa. Ele deveria ter direito de passar o fim de seus
dias em casa, pacificamente, ao lado de quem ele amava. Isso me
consumiu a ponto de eu, praticamente, não retornar ao apartamento
da Mata da Praia - Jonas morava em Bento Ferreira. Eu também
não estava conseguindo ir à Protomak todo dia, por isso montei um
escritório remoto em um dos quartos e dediquei-me a tomar conta
dele.
Minhas amigas não entendiam. Cecília e Patrícia foram visitar-
nos mais de uma vez, e perguntaram por que eu estava fazendo
aquilo. De onde tirei que era meu dever cuidar dele, e a resposta era
que eu não sabia. Eu estava diferente, eu era uma pessoa diferente,
e parte disso tinha sido me transformar em alguém que cuidava das
pessoas. A preocupação delas, e também de Dmitri, Pedro e Irina,
era com o bebê. Mas eu também cuidava do meu filho, ninguém
podia achar que não.
Irina foi uma companheira nesse período. Ela também se mudou
para a casa de Jonas e passou a me ajudar, o que nos aproximou
como amigas. De vez em quando ela tinha alguma espécie de surto,
mas tomava a medicação rigorosamente e isso a deixava até
mesmo sonolenta demais. Aquela rotina de cuidados durou
aproximadamente uns dois meses - até o falecimento de Jonas, em
uma manhã quente de domingo.
Eu já tinha perdido três pessoas, e continuava de pé, mas eu
não sabia mais por quanto tempo. Meu avô, o homem que mais
amei, me deixou pelo câncer. Jonas, um companheiro
surpreendente, que veio quando eu mais precisava, me deixou pelo
câncer. Alexei, o segundo homem que mais amei, foi assassinado
em um confronto. Naquele momento, minhas amigas continuavam
sendo meu maior amparo, porque eu sequer conseguia lidar com a
situação sem desabar em lágrimas. Depois do enterro e de alguns
dias de luto, elas decidiram que precisávamos, sim, manter o happy
hour.
— Acho que preciso me reconciliar com Isabella. — Disparei,
bebericando do chá gelado de cranberry, minha companhia desde
que descobri a gravidez.
— Acho que já passou da hora. — Janine concordou. — Você
precisa ir ver sua mãe, Gio.
— Eu nem sei por que vocês se distanciaram, afinal. — Patrícia
pediu mais comida para a garçonete. — Quero dizer, a sua mãe
sempre foi aquela mãezona que fazia tudo por você.
— A morte do vovô estragou alguma coisa dentro dela, eu acho.
— Divaguei. — Isabella se perdeu em algum lugar e voltou para a
Toscana, e desde então nós nem mesmo nos falamos.
— E você quer visitar a Toscana, agora? Grávida de trinta e seis
semanas? Você não vai conseguir embarcar em voo algum.
Suzana determinou. Ela não estava totalmente errada, mas, com
laudo médico, eu conseguiria. Só que eu não estava determinada a
voar em um avião comercial.
— Eu vou no avião de Alexei.
As quatro mulheres se entreolharam. “Você é louca” foi o olhar
que me lançaram, então, já que nenhuma delas sabia que eu tinha
mantido, também, o avião. Eu não tinha me desfeito de exatamente
nada que era dele, com exceção do apartamento, que estava
marcado. Fora isso, tudo que Alexei tinha foi mantido, contra todas
as orientações de psicólogos e outros sabedores sobre o luto. A
minha fase de negação era eterna, eu ainda não estava pronta para
dizer adeus a nada.
— Vai voar no monstro de metal onde você viveu tórridos
momentos com Alexei. Sozinha. Acha isso saudável, de alguma
forma?
— Não me importa, serão apenas algumas horas.
— E quem vai tomar conta da Protomak? Imagino que você
deseje ficar por lá até nascer a criança. Tem ainda a FiberGen…
Janine era sempre muito prática. A missão daquelas quatro era
colocar juízo na minha cabeça, sempre foi, mesmo quando eu ainda
era uma patricinha desorientada. Eu deixei a vida de patricinha, mas
eu não me orientei, muito. Continuava fazendo coisas de cabeçada,
e minhas amigas me faziam refletir sobre minhas ações.
— Jana, eu quero finalizar aquela alteração de contrato social.
Já conversei com Lourdes, ela concordou em ser minha sócia. Acho
que será muito justo que seja ela, afinal, já que Lourdes dedicou
praticamente toda a sua vida profissional à Protomak.
— Acho uma ideia incrível. Esse problema está solucionado,
então. Quando você pretende viajar?
— Vou ter que contar a Dmitri e Irina que eles não estarão
presentes no nascimento do sobrinho ou da sobrinha, depois disso,
planejo ir. Preciso me afastar um pouco, preciso da paz que a
Toscana pode me trazer.
— Só não faça como Isabella. — Cecília tentou racionalizar. —
Sua mãe fugiu, Gio. Você está fugindo, também?
— Não, eu nunca fugi de nada. Eu apenas preciso de um pouco
de paz para essa criança nascer.
Elas concordaram e brindamos à minha partida para a Toscana.
Eu não tinha tomado aquela decisão subitamente depois da perda
de Jonas, eu já discutia o meu reencontro com Isabella desde
quando Alexei ainda era vivo. E, naqueles dias em que a dor estava
difícil de suportar, porque não havia mais o fantasma que me dava
flores, nem o parceiro que me ajudava a maratonar as séries, nem a
alegria suficiente para os passeios com as amigas, eu me sentia
muito solitária e precisando de carinho. Não queria ser um fardo
para ninguém, mas precisava ser cuidada. Precisava, mais do que
das outras vezes, de alguém para cuidar de mim.
Foi com essa confirmação que decidi ir para a Toscana. Eu sabia
que Isabella estava na antiga casa de vovô e sabia como chegar lá -
nós costumávamos visitar a Toscana regularmente, quando
Massimo era vivo. Bernardo ficou com medo de voar comigo
sozinha e grávida, mas eu o convenci que um trabalho de parto
levaria mais do que as oito horas de viagem e que ele não precisaria
se preocupar porque eu tinha um laudo da minha médica dizendo
que estava tudo bem. E estava. Eu vinha tendo uma gravidez dos
sonhos e, tirando o desconforto para dormir, eu não sentia nada.
Voo tranquilo, aeroporto vazio, italiano enferrujado - em menos
de um dia eu estava, com três malas grandes, parada na porta da
casa de Massimo Viola. As memórias começaram a me nocautear
como se eu tivesse continuado visitando aquela casa e ainda fosse
uma adolescente malcriada, arrumando confusão para ir para Siena
me divertir com outros adolescentes italianos. Na porta de entrada
da vila estava Isabella, como eu me lembrava dela.
O abraço que dei em minha mãe foi longo, demorado e molhado.
Eu derramei lágrimas porque senti saudades, porque precisava de
afeto, porque estava sensível, porque as lembranças daquele lugar
eram tão felizes e sofridas, já que o velho não estava mais ali.
Depois que minhas malas foram acomodadas em um dos quartos
da casa principal, sentamos na área externa para conversar e contar
as histórias desse tempo todo.
— Como você está, mãe? — Perguntei, bebendo um pouco do
chá de camomila que ela tinha acabado de coar. Eu amava o chá de
Isabella, e senti falta dele. E dela.
— Feliz que tenha vindo. Envergonhada de não ter voltado.
— Não fique. Cada um lida com a perda como consegue. — Dei
de ombros, olhando o horizonte.
— O pai da criança é russo, você disse. — Isabella perguntou,
olhando para mim de uma forma diferente. Era como se ela
quisesse me dizer algo, mas não se sentisse segura para falar.
— Ele é brasileiro, na verdade, mas tem pai russo e viveu muito
tempo na Rússia. Ele era. — Ajustei o tempo verbal. — Alexei foi um
furacão na minha vida, ele deixou uma bagunça danada por onde
passou, mãe, e tudo que eu queria, agora, era que ele estivesse
aqui.
— Entendo esse fascínio que os russos exercem sobre nós. —
Ela sorriu e me abraçou. — E entendo bem o que é perder o amor
de nossas vidas, Giovanna. Foi bom você ter vindo.
— Você fala do meu pai? — A forma incisiva como ela disse
“perder” me intrigou. Sempre entendi que meu pai tinha ido embora.
— Sim, do seu pai. Mas não vamos mais falar dessas coisas,
vamos falar do bebê. É menino ou menina?
— Não sei, não quis saber. Mas tenho nomes escolhidos,
padrinhos escolhidos, tios e tia ansiosos esperando. Mas eu
precisava de um afastamento, espero que entenda se eu não tiver
vindo para ficar definitivamente.
— Claro que entendo.
Isabella me abraçou novamente e ficamos ali, por algum tempo,
olhando o horizonte do final da tarde italiana. Aquela era uma das
mais lindas paisagens que eu já tinha visto na vida, e tive que
esconder a risada ao pensar em quem ganharia em uma disputa: o
horizonte da vila ou Alexei sem roupas.
Estava já há uma semana na Toscana, curtindo uma vida de
fazendeira e empresária. Colhia flores, alimentava os bichos, e
resolvia pendências da FiberGen, tudo ao mesmo tempo. Depois da
conversa com os investidores, eles decidiram ficar nas pesquisas e
nós precisávamos enfrentar resultados. Na semana seguinte,
teríamos uma cirurgia experimental e usaríamos a tecnologia
desenvolvida, por isso estava todo mundo nervoso.
O bebê parecia cansado de ficar dentro de mim, e eu cansada
de carregá-lo. Já eram trinta e oito semanas chegando, mais duas
para o esperado pelos médicos. A antiga Giovanna nem queria ser
mãe, quanto mais ter um parto natural, mas a Giovanna nova
esperava que o bebê nascesse sem cirurgia. Naquela noite eu dormi
mal, fazia frio na Toscana e eu não conseguia uma posição. Deixei a
janela aberta e tive que fechar por causa do vento, e até o ruído dos
grilos estava me incomodando. Desisti de insistir com o sono por
volta das cinco horas da manhã, quando Isabella avisou que estava
indo a Siena comprar mantimentos e que só voltaria para o almoço.
Acabei apagando novamente por volta das sete horas da manhã.
Acordei sobressaltada, sentindo o cheiro do forno. Isabella não
teria saído de casa e deixado o forno ligado para que eu desligasse,
tinha? O cheiro não era de queimado, pelo contrário, era de massa
salgada, e parecia com os pães que ela tinha deixado crescendo na
noite anterior. Provavelmente era apenas o cheiro me seduzindo, já
que eu estava com fome. Arrastei-me para fora da cama,
esfregando os olhos, e fui na direção do banheiro, abrindo a torneira
para lavar o rosto. Ao me olhar no espelho, quase caí para trás
porque havia algo escrito com batom. “Desça”. Engoli um bolo de
saliva, nervosa com o recado. O que tinha no andar de baixo, além
dos pães de Isabella?
Esqueci que estava carregando um bebê e dez quilos mais
gorda e disparei na direção da cozinha. Desci as escadas em
velocidade impossível para uma grávida e deparei-me com a mesa
posta. Os pães, outras iguarias, café ainda coando, e um ramo de
flores em um vaso de cerâmica. Meu coração quase parou de bater
e não consegui respirar. Um silêncio ensurdecedor fazia com que eu
apenas ouvisse as marteladas irregulares dentro do meu peito. O
olhar vagueou pela cozinha, pela janela, do lado de fora, mas não
havia nada. Os pelos do meu corpo se eriçaram todos, como
naquele dia na cafeteria, como nas outras vezes em que apenas o
senti presente. Fechei os olhos, as pernas moles e o coração ainda
martelando uma escola de samba.
Virei-me para a porta e ele estava ali. Radiante como o sol que
brilhava pálido do lado de fora, como a imagem de um anjo, se eles
tivessem forma humana. Alexei.

Alexei Simonov
Eu era, provavelmente, o pior homem com que o programa de
testemunhas russo já teve que lidar. Era instável e inconstante, não
aceitava minha nova identidade e estava sempre em contato com o
passado. Exigia notícias das pessoas que deveriam estar fora da
minha nova vida, viajava sem prestar informações, e enlouquecia
Oleg, o pobre coitado designado para me tutorear. Mas eu nunca
pretendi manter aquela farsa, eu queria voltar para casa assim que
Ilia estivesse atrás das grades em definitivo. Descobrir que
Giovanna estava grávida foi a gota d’água que faltava para que eu
surtasse de vez e praticamente abandonasse o programa.
Só não sabia como me aproximar de novo, dela. Tinha decidido
que iria aparecer, por isso coloquei flores para ela e deixei recados
em seu espelho. Eu queria que ela fosse considerando que eu
poderia estar vivo, mesmo que fosse absurdo, só que a morte do
doutor ferrou com tudo. Depois de viajar atrás dela até mesmo para
Moscou, e de invadir a minha própria empresa - porque eu sabia as
fraquezas da FiberGen e era capaz de entrar lá sem ser visto ou
identificado, eu não consegui prosseguir ao vê-la tão ocupada
cuidando do homem.
Dmitri estava certo, minhas escolhas eram todas estúpidas, só
que eram minhas escolhas e eu arcaria com a merda que viesse.
Não ia interferir, ia esperar. O que viesse primeiro, a morte do doutor
ou o nascimento do meu filho. Por sorte, se é que eu poderia dizer
aquilo, o doutor se foi primeiro e eu poderia estar com Giovanna no
parto. Esperei que ela se recompusesse e adorei que ela tivesse ido
visitar a mãe - uma casa na fazenda, na Itália, era um ótimo lugar
escondido para uma aparição mística - porque eu voltaria dos
mortos e esperava não causar uma comoção muito exagerada.
Já tinha esperado demais e precisava estar ao lado de Giovanna
porque ela estava precisando de mim. Só que eu queria chegar de
uma forma em que pudesse controlar os danos, por isso precisei
esperar que a mãe dela se afastasse. Entendi o perfil patricinha da
Viola, a mãe era muito super protetora. Mas, naquela manhã ela
saiu e deixou a filha sozinha, adormecida no quarto. Entrei na casa
e encontrei um recado de Isabella para que Giovanna ligasse o
forno para assar pães, e decidi fazer isso por ela. Fui até o quarto e
senti um aperto enorme no peito - como eu passei tanto tempo
longe dela, não saberia dizer.
Coloquei um recado no espelho e desci. Fiquei do lado de fora,
na varanda, esperando que ela acordasse, ansioso, nervoso,
esfregando as mãos. Olhei pássaros voarem, ouvi os animais e
então lá estava ela - ouvi, finalmente o ruído das escadas rangendo
sob os pés agitados de Giovanna. Abri a porta e ela estava de
costas para mim. Tinha visto a mesa posta, já com os pães ainda
quentes, flores, tudo que eu sabia que ela gostava. Se tinha alguém
que curtia o café da manhã, esse alguém era ela. Quando descobri
que ela estava grávida, por aquele vídeo, eu fiquei imaginando
como seria se tudo fosse diferente, se eu descobrisse junto com ela,
se fosse eu a ler o resultado ao seu lado, não o doutor ex. Jamais
saberia a sensação. Ela provavelmente estava muito zangada
porque eu perdi tudo aquilo, e com razão.
Subitamente, Giovanna se virou e me viu. Sua expressão
atônita, nocauteada, e eu só consegui sorrir. Quis correr em sua
direção, tomá-la em meus braços, beijá-la, mas eu tinha que ficar
ali, parado, esperando. O movimento era dela, e a Viola se
aproximou bem devagar. Estava usando um camisão de malha, de
mangas compridas, porque estava frio. Os pés calçados apenas
com uma meia grossa e seus cabelos estavam amassados, porque
ela tinha acabado de acordar. Caminhou, pé ante pé na minha
direção, e chegou bem perto que dava para sentir seu cheiro de
manhã cedo. Ela levou a mão e tocou meu rosto. Fechei os olhos.
— Eu estou sonhando. — Ela afirmou, os dedos moldados ao
redor da minha face. — Diz, eu estou sonhando?
— Não está, meu amor. Sou eu.
Abri os olhos e Giovanna me encarava, confusa, curiosa,
atordoada. Ela tinha os lábios entreabertos, a expressão incrédula, e
acabei não resistindo. Dobrei o corpo sobre ela e a beijei, o beijo
que eu ansiei por meses, semanas, dias, o beijo que era meu e de
mais ninguém. Viola não resistiu nem se assustou, sua boca
combinava com a minha, sua língua ainda tinha o mesmo sabor, e
ela agarrou meus cabelos com as duas mãos, puxando-os com
força. Puxei-a para mim, quase me esquecendo que ela estava
grávida, e fiz com que ela se acomodasse em meu abraço.
— Você está vivo. — Ela grunhiu entre os dentes, sem que o
beijo fosse interrompido.
— Sim, estou. Eu senti tanto a sua falta. — E senti também uma
dor aguda que me fez romper com nosso contato e me afastar.
Giovanna tinha me acertado uma joelhada no saco, daquelas bem
acertadas. Cambaleei para trás enquanto ela me olhava com os
braços cruzados e fogo saindo dos olhos. — Caralho, Gio.
— Caralho digo eu. Era você, esse tempo todo, o fantasma que
me deixava flores e comida? Diga que você estava em coma,
Alexei, e que teve uma perda momentânea de memória, por isso
não me procurou antes.
— Não posso dizer isso. — Desabei sentado em uma cadeira. —
Mas eu tenho uma boa história, o motivo pelo qual fiquei longe todo
esse tempo.
Giovanna também sentou. Seu peito subia e descia acelerado,
ela estava nervosa e aquilo podia fazer mal a ela e ao bebê.
Levantei, mesmo sentindo aquela dor horrível no meio das pernas, e
ajoelhei à sua frente. Ela colocou as mãos em mim de novo e eu
segurei sua face quando ela começou a chorar.
— Você não faz ideia do que eu passei! — Ela disse, tombando
em minha direção e me abraçando. — Eu perdi você, eu quase
perdi a vontade de viver, eu podia ter morrido sem você, Alexei!
— Eu não deixaria isso acontecer. — Menti, porque eu não teria
como ter impedido nada, estando tão afastado. — Mas eu precisava
desaparecer. Foi um plano elaborado, Gio, eu quero explicar tudo
para você.
— Por onde você esteve? — Ela perguntou, ainda chorando.
— Em vários lugares, fazendo várias coisas diferentes. Eu
estava escondido, esperando que a máfia fosse desbaratada e que
Ilia fosse preso.
— Agora eu não quero ouvir mais nada. — Seus olhos
vermelhos e molhados me encontraram. — Isabella está em Siena,
estamos sozinhos.
Entendi o que ela queria, porque também era o que eu desejava.
Tive medo de pegá-la no colo e não dar conta de subir as escadas,
mas mandei o medo para o inferno e fiz isso assim mesmo. Tomei
Giovanna nos braços e fui com ela até o quarto que ela ocupava,
ansioso por tê-la novamente, sentindo a dor do chute ainda
latejando junto com o desejo de ficar com ela outra vez. A questão
era que eu nunca tinha feito aquilo com uma mulher grávida e, por
mais desinibida que ela fosse e por mais compatibilidade que nós
tivéssemos, eu provavelmente ficaria sem saber o que fazer.
Giovanna entendeu minha aflição, porque ela sempre entendia
tudo que se passava comigo. Primeiro, ela tirou seu camisão e
deixou que ele escorregasse pelos pés, mostrando-se
completamente nua para mim. Puta merda, ela estava linda demais.
Beijei-a sem pudor algum, enfiando a língua em sua boca, sentindo
minha ereção estourar a calça de moletom que eu usava. Odiava
calças de moletom, por isso o búlgaro que tinha se tornado minha
identidade, usava. Enquanto nos beijávamos, minhas mãos
passeavam por suas novas formas. Giovanna agarrou a base da
minha camisa e a arrancou, colocando as duas mãos em meu peito.
Ela me olhava de uma forma quase reverencial, aquilo me deixou
constrangido e ainda mais apaixonado.
Conduzi-a até a cama e passei a beijá-la por completo. Toquei os
seios devagar, esperando que ela me dissesse se estavam
doloridos, se o toque era bom. Alguns gemidos já conhecidos, que
eram música para meus ouvidos, indicavam que eu podia seguir em
frente. Seu corpo reagia a mim como antes, como se nunca
estivéssemos nos separados. Tínhamos passado mais tempo longe
do que juntos, mas era como se a distância nunca tivesse
acontecido. Tinha os olhos abertos quando desci os carinhos até
sua barriga, envolvi-a com as duas mãos, acariciei o que estava ali -
tanto fora quanto dentro. E senti algo se mexer.
— Opa. — Afastei-me, olhando para Giovanna. Ela deu uma
risada.
— Ele está gostando, pode continuar.
— “Ele”, porque é menino ou…
— Não sei o sexo. — Ela disse, orgulhosa de sua resistência. —
O bebê não te conhece, Alexei, mas ele sente o que eu sinto e ele
nunca me viu tão feliz quanto agora.
Voltei a beijá-la, voltei a acariciá-la e a confusão em minha
cabeça fazia com que eu quisesse muito fazer sexo, mas também
quisesse ficar sentado, olhando para a barriga, imaginando o bebê
ali dentro.
— Filho, ou filha, se não se importa, o seu pai vai, agora,
continuar a fazer sua mãe muito feliz. Depois podemos conversar.
Aquela coisa de falar com a barriga sempre me pareceu ridícula,
até eu ter a minha própria para conversar e a coisa acabar saindo
do meu controle. Não pensei, apenas disse, como se a criança ali
dentro pudesse me ouvir e entender. Concentrei-me em beijar
Giovanna, da parte interna da coxa até sua intimidade, saboreando
o gosto que estava me fazendo uma falta imensa. Ah, mulher, como
você é gostosa. Passei a língua em seu clitóris e a penetrei com
dois dedos, bem devagar, sem ter certeza se eu podia ir fundo ou
não. Se estava com medo de colocar o dedo, nem imaginava como
ia fazer com o resto. Eu deveria ter gastado mais tempo entendendo
sobre bebês e gestações, antes de voltar.
Giovanna não aguentou muito tempo, assim como eu
provavelmente não aguentaria. Estava morrendo de tesão e ela
simplesmente explodiu em um orgasmo poucos minutos depois que
comecei a sugá-la. Seu corpo se contorceu sobre a cama, os dedos
fincados no colchão, o gemido baixo, a boca aberta para buscar ar.
Terminei de tirar a calça de moletom, aproveitei aquele momento de
torpor pra virá-la de lado na cama e abraçá-la por trás. Esfreguei
meu pau entre suas pernas enquanto beijava seu pescoço e
acariciava seus seios.
— Alexei. — Ela se virou um pouco, o suficiente para me olhar.
— Está tudo bem, pode ir com tudo.
Ela entendia mais daquilo do que eu, era o corpo dela e eu tinha
certeza que Giovanna já sabia tudo que precisava, porque ela era
daquele tipo - a informada. Segurei seu quadril com as duas mãos e
a penetrei devagar, sentindo como se fosse gozar apenas por estar
dentro dela outra vez. A intensidade das primeiras vezes voltou e
meu corpo não suportou a tensão. O desejo reprimido, o horror de
perdê-la, a dor da separação, o quanto eu a fiz sofrer uma vez
seguida da outra, tudo aquilo ia e vinha em cada estocada até que
eu me esvaí em um orgasmo profundo. Não consegui me
desvencilhar dela, no entanto. Depois de alguns minutos com o
rosto enfiado em seu pescoço, desejando nunca mais sair dali, senti
lágrimas molharem minha pele e, quando consegui me perceber,
estava chorando.

Giovanna Viola
Sempre que uma criança fugia de casa ou saía e demorava a voltar,
eu ficava indignada com os pais e mães que se descabelavam e, ao
reverem os filhos e as filhas, abraçavam e choravam. Por mim,
tinham que dar uma boa surra para que aprendessem a não
desesperar a família novamente. Claro, eu não era mãe, mas era
filha, e filha de Isabella - ou seja, eu nunca fui até a esquina sem
dizer aonde ia. Eu passava uma semana em raves e casas de
amigos, mas mandava mensagens ou ligava para minha mãe,
sempre. Caso contrário, era capaz de Isabella ir me buscar, onde eu
estivesse, com meu tio Marco a tiracolo - e Marco era enorme,
daquele tipo que assustaria meus amigos e paqueras, e me deixaria
constrangida. Isabella nunca ligou de me constranger em público.
Então, eu acreditava que os fujões não tinham vergonha na cara
e mereciam um castigo cruel e doloroso, até que a coisa toda
aconteceu comigo. A reação que tive ao ver Alexei, vivo, na porta da
cozinha, foi um misto de alívio, euforia e raiva. Eu queria beijá-lo,
queria abraçá-lo, queria dizer o quanto eu tinha sentido a sua falta, e
queria bater nele - tudo ao mesmo tempo. Entendi a reação dos
parentes que não sabiam o que fazer ao rever seus desaparecidos e
fiz exatamente o contrário do que eu esperava que eu fizesse. Eu
mal podia acreditar que ele estava ali e, mesmo que ele tivesse
muito o que me explicar, eu precisava que ele acalmasse aquele
tsunami hormonal - não aguentava mais.
E depois que ele me levou para o quarto e me deu o que eu
precisava, ele pareceu tão frágil que eu fiquei temporariamente
desarmada. Não imaginava aquele homem vulnerável, mesmo que
eu já o tivesse visto pedir perdão, implorar para que eu não o
deixasse - eu ainda esperava que ele fosse uma rocha, o monstro
de gelo que eu conheci no início. Talvez ele nunca tivesse sido de
gelo, afinal. Virei-me para ele, tentando acomodar a barriga entre
nós dois, e passei os dedos por sua face, que ele cobriu com as
mãos.
— Pode chorar. — Disse, baixinho, acariciando seus cabelos. —
Faz bem, alivia.
— Eu pensei que você nunca iria me perdoar. — Ele disse,
abafado. — Dessa vez, eu achei que você não iria aceitar o que eu
fiz.
— Eu ainda não sei o que você fez, nem aceitei ou perdoei nada,
Alexei. — Puxei as mãos dele da frente do rosto. — Mas eu venho
enfrentando tudo do jeito que posso, e olha, as coisas não têm sido
suaves para mim, não.
— Desculpe-me. — Ele se recompôs, enxugando as lágrimas. —
Claro que você passou por tanta coisa que chega a ser ridículo que
eu me sinta no direito de sofrer. Eu nunca quis que você passasse
por nada disso, Giovanna, mas não vi outra solução.
Música invadiu nossos ouvidos, algum movimento de alguma
obra de Verdi. Isabella tinha voltado da rua e provavelmente iria me
dar uma bronca porque eu não tinha comido, ainda. E o bebê me
chutou, reclamando que eu precisava daquele pão que continuava
cheirando no andar de baixo.
— Isabella chegou. — Disse para Alexei, levantando-me. —
Confesso que não acredito que vou dizer isso, mas vista algo.
Vamos comer, depois conversamos sobre onde você esteve.
Alexei também se levantou e procurou a calça de moletom que
estava usando, que não combinava muito com ele, e suspirei ao vê-
lo perambular pelo quarto. A maravilhosa paisagem da Toscana
também não tinha a menor chance. Peguei uma blusa de frio, que
também era dele, e joguei para que vestisse.
— Você trouxe roupas minhas? — Ele estranhou.
— Faz algum tempo que eu só uso roupas suas, Alexei. —
Confessei. — Essa eu já lavei, faça o favor de deixar seu cheiro aí
novamente. Não sei quando você vai desaparecer outra vez.
Ele deu três passos em minha direção e me abraçou. Puxou
minha boca para si, beijou, e eu me derretendo toda em seus
braços, como antes. Eu era uma coletânea ambulante de clichês de
livros românticos, pior que as mocinhas dos seriados que eu
assistia.
— Eu não vou a lugar algum, não mais.
Quis acreditar, mesmo que já tivesse sido enrolada o suficiente.
Descemos as escadas para encontrar Isabella colocando sacolas
sobre as bancadas e falando sozinha. Ela adorava falar, quando não
tinha companhia, falava para si mesma. Aquele hábito eu não tinha
herdado dela, ainda bem.
— Giovanna, você não tomou o café da manhã! — Isabella
disse, sem notar que eu tinha companhia. — Quer matar seu filho
de inanição?
— Eu já pulei bem mais do que uma refeição, antes, mãe, e tudo
ficou bem.
Isabella virou-se e viu Alexei descendo as escadas atrás de mim.
Ele assumiu uma posição ao meu lado e estendeu a mão para
cumprimentar minha mãe, que estava genuinamente confusa.
— Bom dia, Srta. Viola. Alexei Simonov.
— Ora vejam. — Ela enxugou a mão e o cumprimentou. —
Quando Giovanna disse que você estava morto, não pensei que
fosse figurativamente.
— E não foi. — Interrompi. — Para mim, ele estava morto até
agora de manhã.
— Imagino que tenham bastante o que conversar. — Isabella
voltou à sua tarefa. — Vou terminar de arrumar as compras e depois
vou cuidar da casa anexa, tenho um pressentimento que vamos
precisar dela.
A mãe era sensata, talvez eu tivesse puxado isso dela. Não
antes, enquanto era apenas uma patricinha, mas depois é provável
que eu tenha adquirido sensatez. Sentamos à mesa, mas eu não
queria conversar a não ser que fôssemos apenas eu e Alexei.
Esperaria, não estava com pressa, era como se eu tivesse
rapidamente me deslocado para um limbo onde eu não sabia o que
fazer, se eu teria as coisas como eram antes ou não. Parte de mim
dizia que não era possível retomar de onde paramos, outra parte
gritava que era ele ali, na minha frente, e que eu não precisava mais
sofrer. Comi o suficiente, apenas, e Isabella ainda não tinha
terminado sua arrumação. Pelo nosso bem, era melhor deixar que
ela fizesse aquilo sozinha, porque eu nunca sabia onde colocar as
coisas - era o que ela sempre dizia.
— Vou tomar um banho. — Levantei, depois de colocar a louça
na pia. — Alexei, você pode pegar minha toalha e subir?
Ele assentiu e Isabella indicou onde estavam penduradas as
toalhas, que ela recolhia meticulosamente todas as noites e
pendurava para secar. Convivendo com minha mãe não era difícil
entender por que eu era tão mimada, já que ela fazia tudo, apenas
ela sabia fazer tudo, e suas regras dentro de casa não deviam ser
descumpridas. Eu era educada, mas não lavava a louça que comia.
Era mágica, tudo aparecia milagrosamente pronto para mim, o que
mudou totalmente depois que ela voltou para a Itália e me deixou no
Brasil. Provavelmente, foi uma das melhores coisas que me
aconteceu naquela confusão toda.
Fui para segundo andar e comecei a encher a banheira.
Coloquei sais de banho, retirei o camisão e me olhei no espelho
para confirmar que eu estava sorrindo como uma boba. Carcomida
por dentro, eu queria gritar, brigar, xingar, chutar, espernear, mas eu
estava apenas feliz. Testei a água, estava bem morna, então entrei
cuidadosamente na banheira e me sentei, sentindo as bolhas
estourando em minha pele. A porta se moveu e Alexei entrou.
— Quer que eu lave suas costas? — Ele colocou a toalha
pendurada e me olhou, com as mãos nos bolsos. Retirei
mentalmente o que pensei, o moletom ficava perfeito nele. Qualquer
coisa ficava. Ajeitei-me e desencostei da beirada da banheira.
— Entre. — Indiquei que ele deveria ocupar o espaço que deixei.
Alexei levou alguns segundos para entender, mas logo retirou a
roupa e enfiou-se na água, comigo. Recostei novamente, em seu
peito, e fechei os olhos enquanto ele me envolvia com os dois
braços. — Agora, antes que a água esfrie, explique-me o que
houve.
— Certo. — Alexei pegou a bucha e começou a passar por
minha pele. Eu estava extremamente sensível, como se a carapaça
dura estivesse se dissolvendo e a carne fosse ficar exposta. — Eu
delatei a máfia para a polícia russa. Apresentei para eles as provas
que precisavam, testemunhei judicialmente, ajudei a colocar um
pessoal graúdo na cadeia e precisei fingir minha morte. Foi a forma
mais simples de desaparecer e tirar o foco de vocês, para que não
houvesse mais retaliação, a minha morte acabava com tudo. Fiz
isso porque eu não via outra solução para nos livrar de Ilia, para tirá-
lo do seu encalço, e para manter Irina à salvo. Você pode não
entender minha decisão, mas deu certo.
— Defina “deu certo”.
— Vocês duas ficaram seguras. Ilia está preso.
Passei as mãos pelos braços dele. Nossa respiração estava no
mesmo ritmo e podia ouvir os corações baterem em sintonia
enquanto ele acariciava meu pescoço, minha orelha, meus cabelos.
— O que me disse, naquele dia em Moscou, era verdade? Você
só se aproximou de mim porque Ilia mandou, e para destruir a
Protomak?
— Sim, era verdade. É verdade. — Senti que ele enrijecia os
músculos ao falar daquilo. Eu não sentia mais nada, porque aquela
dor já tinha passado, ridicularizada por tantas outras que se
seguiram. — Mas foi verdade só até eu te conhecer, Giovanna. Eu
não sabia o que viria, eu fui para o Brasil com uma missão e uma
incerteza enorme, e toda pesquisa que fiz sobre você me mostrou
uma mulher fútil, mimada e que só sabia ir para festas e gastar. Mas
eu me deparei com esse tsunami que é você, e quase morri afogado
várias vezes. Eu fui arrastado para longe da terra firme, você me
largou em mar aberto, flutuando, sem conseguir nadar para lugar
nenhum. Eu me apaixonei no instante em que eu me dei conta
disso, e fiz de tudo para mudar meu destino. Essa foi a única
solução que encontrei, me perdoe por tê-la feito sofrer.
Mantive os olhos fechados. Não havia nada que perdoar, porque
ele não fez nada para me ferir, deliberadamente. Eu sabia daquilo,
mesmo que eu achasse tão difícil aceitar que a decisão mais justa
fosse que ele tomasse as decisões por mim, como se eu não
pudesse fazer aquilo sozinha. Mas a verdade era, eu não podia. Eu
não aceitaria, de jeito algum, que Alexei saísse da minha vida
porque era o certo a se fazer, eu não aceitaria que ele fingisse
morrer, eu seria um estorvo naquele plano. Ele tomou as decisões
difíceis sozinho, mesmo que algumas tenham sido horrorosas, mas
Alexei era um homem de negócios. Ele fazia o que precisava ser
feito.
Virei-me na banheira, mesmo que aquilo parecesse impossível
em um espaço tão reduzido. Percebi que a barriga não atrapalhava
nosso encaixe, então passei as pernas pelo seu quadril e sentei
sobre suas pernas, que também me enlaçaram, com cuidado.
Passei a mão por seus cabelos, fiquei em silêncio por bastante
tempo, apenas olhando para ele, admirando suas feições, matando
as saudades daquela expressão incógnita de homem misterioso,
que nunca tinha saído da minha cabeça.
— O que vai fazer agora? Voltar?
— Não sei ainda. Você quer que eu voltei? Quem você quer que
eu seja, eu mesmo ou a minha identidade pós-programa? Você quer
ficar comigo, quer arriscar estar com alguém como eu, ou quer
voltar para a paz onde nenhum mafioso colocava a sua vida em
risco?
— Não existe uma hipótese válida em que não estejamos juntos,
Alexei. — Decidi. — Se você voltou para ficar, então fique. Seja lá
que loucura vier agora, vamos tentar enfrentar juntos. E você? Você
quer ser pai? Está preparado para esse desafio, além de manter a
máfia longe de nós?
Ele riu.
— Quando descobri que você estava grávida, eu surtei. Fiquei
apavorado e não sei dizer por quê. Eu ainda estou apavorado, mas
eu consigo gerir uma megacorporação e consigo me livrar da máfia
russa, não é possível que eu não consiga lidar com um bebezinho.
— Tem horas que eu penso que a máfia é mais fácil. — Eu
também ri. — Mas deve piorar bastante depois que ele nascer.
— Você já pensou nos nomes?
— Eu tenho nomes italianos e russos para meninos e meninas,
mas estou mais tendenciosa aos russos. Alexandra e Andrei.
— Alguma possibilidade de virem os dois?
Caí na gargalhada.
— Céus, não. Acha que nunca fiz um ultrassom desde que
descobri a gravidez? É certamente um bebê, eu só não me
interessei pelo sexo. Tinha outras preocupações em mente. Eu
queria que você tivesse visto todas essas coisas. Acho que
nenhuma punição podia ser mais cruel.
Alexei segurou meu rosto com as mãos e me beijou. Entre nós
as coisas eram como fogo, queimavam e ardiam, mas, naquele
momento, era tudo paz. O gosto de sua língua, o toque ensaboado
de seus dedos, o contato de nossas intimidades, tudo me levava a
um lugar tranquilo. Não havia tsunamis nem tornados nem vulcões
em erupção, apenas nós dois. Ele se levantou, me levantou, e
pegou a toalha, sem deixar meus lábios, e nos levou para o quarto.
A casa podia estar fria, mas saberíamos nos aquecer.
DOIS IMPÉRIOS

Alexei Simonov
F
, segurando minha filha em minhas mãos. Ela estava
dormindo, assim como a mãe dela, exausta depois de uma
madrugada em trabalho de parto. Eu estava exausto também, mas
nunca me senti tão bem. Enrolada em uma manta estampada de
bichos e usando uma touca de lã, a bebê parecia irreal de tão linda.
A madrugada foi uma bagunça. Giovanna me acordou por volta
de uma hora da manhã e disse que o bebê ia nascer. Nós
estávamos na Itália, ainda, eu tinha retornado para ela havia uma
semana mais ou menos. Esperávamos que o bebê viesse depois,
ela achava que era muito cedo e estava preocupada, mas sua bolsa
tinha estourado e ela estava com contrações. Eu era um homem de
negócios, um executivo que já lidou com as mais hostis aquisições,
mas entrei em pânico. Siena ficava a quinze quilômetros de
distância e eu, na minha ignorância, imaginava que o bebê fosse
escorregar pelas pernas de Giovanna.
— Não seja tolo, Alexei. — Ela riu. — Primeiro filho, ainda vai
demorar. Mas temos que ir.
Pegamos as bolsas, enfiamos no carro e fomos todos, inclusive
Isabella, para a casa de parto. Achei meio rústico demais, eu
pensava logo em enormes hospitais cheios de vidraças e espaços
estéreis, mas Giovanna me mandou ficar quieto e deixar que as
mulheres tomassem as decisões sobre o nascimento da criança. Ela
tinha razão, minha função ali era prestar todo o apoio que ela
precisasse, e esperei ter cumprido esse papel.
Durante as horas que se seguiram, ela foi examinada, caminhou,
sentou em bola, entrou debaixo do chuveiro, e eu estive do lado,
como um bom soldado - era melhor ser o soldado de Giovanna que
o de Ilia, afinal. Isabella teve que ficar na sala de espera porque a
filha não queria mais ninguém com ela, na sala de parto. E, depois
de bastante tempo entre contrações e gritos, nasceu Alexandra,
dentro de uma banheira de água morna, na tranquilidade da manhã
fria do outono italiano, direto para nossos braços, de onde ela ainda
não tinha saído.
Me mandaram colocar a menina no berço. “Logo você não vai
mais aguentar ficar com ela no colo”, disseram, e eu ignorei. Era
provável que eu nunca me cansasse, eu era mais resistente do que
parecia. O sono começou a me abater e recostei a cadeira,
adormecendo com ela sobre meu peito. Só fui acordar novamente
quando tentaram pegá-la. Era Giovanna.
— Volte a dormir. — Ela me beijou a boca. — A bebê está
irrequieta, vou amamentá-la.
— Precisa de ajuda?
— Só descanse, eu consegui dormir bastante, até.
Voltei a cochilar, mas o sono foi irregular já que eu só pensava
em como as coisas seriam, a partir daquele momento. Eu nunca
estive sozinho, desde que meus pais morreram, foi minha obrigação
cuidar dos meus irmãos. Passei a vida zelando por eles, inclusive
financeiramente - eu sustentava todo mundo. Cuidar de uma família,
ter essa responsabilidade, não era nada novo para mim. Acordei
completamente depois de meia hora, e Isabella estava no quarto,
organizando as coisas para irmos para casa.
E iríamos definitivamente para casa. Os dias na Toscana foram
excelentes - muito sexo, muita comida, muito vinho italiano, mas
estava na hora de voltar para o mundo real. O nascimento de Sasha
cravou dois marcos em nossas vidas, um deles foi a minha volta dos
mortos. Meus advogados teriam muito trabalho para lidar com
aquilo, mas eles seriam bem pagos. Pedi que Bernardo viesse com
o avião para nos levar ao Brasil e, em poucas horas, estávamos
aterrissando em Vitória, nós quatro, porque Isabella decidiu ir junto e
ninguém recusou um pouco mais de ajuda.
Dmitri, Pedro, Irina e Janine nos receberam no aeroporto, mas
fomos direto para a Mata da Praia. Alguém me disse que levaríamos
pelo menos trinta dias em adaptação com Alexandra, e ela conosco,
então que esses benditos dias começassem logo. Meu retorno não
causou nenhuma comoção porque Dmitri já tinha se encarregado de
contar a todo mundo a farsa da minha morte fingida. Pelo menos
nossos amigos já sabiam que eu estava vivo, o resto do mundo não
precisava dessa informação, ainda.
— Ela está no berço. — Giovanna disse, assim que entrei no
quarto, de madrugada. Era a quarta noite em casa, e todas eram de
revezamento. Enquanto Giovanna dormia, eu cuidava de Sasha.
Enquanto eu dormia, Viola amamentava a menina, que preferia
apagar apenas durante o dia. — Vamos ver o quanto dura.
— O que fazemos agora? — Pulei na cama e a abracei.
Giovanna aconchegou-se em meu peito e eu sabia que aquele era o
seu lugar favorito. Não tivemos nenhum tempo para nós desde que
a bebê nasceu e era para ser daquela forma, mesmo.
— Vamos dormir, homem. — Ela deu uma risada baixa, abafada
em minha pele. Sim, íamos dormir, mas o toque de seus lábios em
mim despertou sensações loucas. Nossos olhares se cruzaram e
nossas bocas se procuraram, uma invadindo a outra. Mesmo que
fosse só aquilo, mesmo que estivéssemos esgotados fisicamente, o
meu corpo ainda precisava do dela. Conseguimos dormir um pouco,
abraçados, embolados, entrelaçados, até que Sasha reclamou de
fome. A menina comia como a mãe.
E assim se passou outra semana até que eu precisei tomar as
rédeas de algumas coisas. Protomak e FiberGen, mais exatamente.
Liguei para Oleg, pedi que ele resolvesse as coisas com o
programa, liguei para meus advogados, pedi que eles resolvessem
as coisas para meu retorno e me dissessem o que fazer em relação
ao testamento, que foi aberto. Não fazia questão de nada de volta,
de bens, apenas não queria questões jurídicas pendentes na minha
volta do mundo dos mortos. Eu nunca gostei mesmo do Matey
Daskalov, preferia ser Alexei Simonov. E eu precisava resolver a
vida para poder registrar minha filha - Alexandra tinha sido
registrada exclusivamente no nome da mãe e aquilo também estava
me incomodando.
Havia algo mais que precisava ser resolvido. Aproveitei que
Isabella estava ocupando o quarto de hóspedes e muito empenhada
em ser a cuidadora de todos, e tirei um dia para visitar a Protomak,
para discutir algumas estratégias com Lourdes, a melhor escolha
para a sociedade que Giovanna pode tomar, e para levar Irina a um
passeio no Shopping.
— O que viemos comprar aqui, Lyosha? — Ela me interpelou,
enquanto eu perambulava pelas lojas, o olhar um pouco vago.
— Por que acha que viemos comprar? Não posso passear com
minha irmãzinha?
— Irmão. — Ela me abraçou, segurando meu braço. — Se eu
não te conhecesse, diria que estamos apenas passeando. Mas você
quer algo e precisa da minha ajuda, diga o que é.
— Preciso comprar um anel.
Irina arregalou os olhos.
— Vai pedir Giovanna em casamento?
— É uma ideia muito ruim?
Minha irmã deu um gritinho histérico e mantive a pose
indiferente. Eu tinha uma reputação a zelar, mesmo que Giovanna e
Sasha já tivessem esculhambado com ela.
— É uma ideia maravilhosa, Lyosha!! Eu sei que as coisas foram
meio complicadas para vocês, em vários aspectos, mas estão
morando juntos e têm uma filha, por favor, juntem logo esses
impérios! Posso estar enganada, mas eu aposto que ela quer ser
pedida em casamento por você.
Eu também apostava, na verdade estava fazendo aquilo muito
por ela. Nós éramos pessoas contratuais. Irina foi comigo a duas
joalherias que ela dizia serem as melhores para elaborar as
melhores alianças. No Brasil, não tínhamos o hábito de propor
casamento com anéis de diamante, mas eu queria dar um diamante
a Giovanna e ninguém achou que fosse exagero. Saí do Shopping
Vitória alguns milhares de reais menos rico, com uma caixa preta de
joalheria nas mãos, uma proposta de casamento para planejar, e
uma irmã eufórica por ter que guardar aquele segredo.
Voltei para o apartamento no final do dia e já estava sentindo
falta do caos. Encontrei Giovanna dormindo com a bebê sobre ela,
as duas na cama, e achei melhor não perturbar. Tomei um banho,
vesti uma roupa confortável e juntei-me a elas, porque logo o ritmo
de mamadas e fraldas iria recomeçar.

Giovanna Viola
Acordei sobressaltada, como se algo estivesse fora do lugar. Olhei
para o lado e a bebê não estava ali, Alexei também não. As noites
eram difíceis com uma recém-nascida em casa, mas tinha uma
coisa que eu não podia reclamar: desde que voltou para mim, desde
que reassumiu sua identidade e desde que recomeçamos, juntos,
Alexei era a pessoa mais dedicada que eu conhecia. Ele cuidava da
filha com devoção, imaginei o irmão fantástico que ele foi para
Dmitri e Irina. Levantei e fui até a sala, sem fazer muito barulho, e
encontrei os dois na varanda. O pai embalando a filha e cantando
alguma música em seus ouvidinhos. Meu coração poderia derreter
vendo a cena, mas ele me percebeu ali. Aproximou-se com Sasha,
se movendo como em uma dança, e entregou ela para mim,
sabendo que era hora da comida. Bem, ela era minha filha, afinal.
Nós dois tínhamos olheiras, e há um mês inteiro não dormíamos
mais de duas horas seguidas, por noite. Isabella decidiu continuar
no Brasil, mas alugou um apartamento para si, dizendo que não
seria um estorvo morando com a filha e o genro. Mas estava tudo
tão bem e tão pacífico que era difícil acreditar que aquela era nossa
vida. Eu continuei afastada dos negócios e Alexei, mesmo tendo
que resolver questões sobre sua nova vida velha, era quem estava
tratando dos problemas das duas empresas. Ele ainda nem tinha
planejado viajar, não iria pisar em Moscou até que o julgamento final
dos homens que ele ajudou a prender acontecesse. Quiseram ouvi-
lo, ao descobrir que estava vivo, mas os advogados deram um jeito
para que o depoimento acontecesse no Brasil.
— Dmitri nos convidou para um almoço.
Alexei enfiou-se na cama, depois que Sasha terminou de mamar,
arrotar e estava de fraldas limpas. Já dava para ver o sol querendo
nascer no lindíssimo horizonte da praia de Camburi. Aconchegou-se
ao meu lado e me puxou para um beijo molhado. Meu organismo fez
um “clique”, eu estava morrendo de saudades daquele homem e
ainda não poderia tê-lo. Não completamente.
— Você confirmou? Vou adorar provar as novidades de Pedro.
— Vou mandar mensagem confirmando. Não programo nada
sem saber se você quer, primeiro.
Sim, era assim mesmo que você deveria agir. Voltei para a sua
boca, ajustei meu corpo no dele, e senti seu pau roçando em
minhas coxas. Deixei meus dedos percorrerem suas costas,
delinearem o contorno da bunda, entrarem dentro da cueca e se
amoldarem àquela ereção que pulsava em minha mão. Alexei soltou
um gemido baixo, entrecortado, e aquilo foi música para meus
ouvidos, que há muito só ouviam choro de bebê. Foi o suficiente
para me provocar a descer, lentamente, beijo por beijo, a boca até
seu membro rígido.
— Em silêncio. — Sussurrei, indicando que ele podia se
contorcer o quanto quisesse, mas que não se atrevesse a abrir a
boca para acordar Alexandra. Passei a língua pela extensão de sua
ereção, coloquei tudo na boca, saboreando aquele gosto que já
estava me fazendo muita falta. Alexei quase arrancou fora os
lençóis tentando não gemer enquanto eu o sugava sem nenhuma
suavidade, com vigor, morrendo de vontade de arrancar um
orgasmo dele - até conseguir.
— Estava morrendo de saudades. — Ele disse, ofegante,
quando deitei por sobre ele e o beijei na boca, daquela vez.
— Eu também estou. — Senti sua mão tocar levemente a minha
intimidade e estremeci. — Mas ainda tenho alguns dias de molho.
— Já lidei com esperas mais difíceis.
Sentei sobre ele e o encarei. Alexei adorava dormir com quase
nada, e no calor ele podia, então era sempre um homem
maravilhoso, gostoso, delicioso, sem camisa, só de cueca, na minha
cama, e eu ainda podia usar quando quisesse, porque ele estava
sempre a fim. Era um sonho de consumo. Ele era um amante
sensacional, tinha o melhor cheiro do mundo, era carinhoso, o pai
da minha filha, o amor da minha vida. E quando eu o via daquele
jeito, eu só queria ficar com ele para o resto da minha existência.
— Case-se comigo.
Disparei, sem nem pensar direito no que estava falando. Alexei
arregalou os olhos e colocou as duas mãos na cabeça.
— Giovanna! — Ele sentou na cama, ajeitando-me em seu colo.
— Você não pode estar falando sério.
— Talvez eu não esteja em um período muito racional da vida,
mas sim, estou falando sério. Case comigo.
— Caralho, não acredito que você está me pedindo em
casamento. — Ele deu uma gargalhada e eu lhe desferi dois tapas
no peito. Levantei e arrastei-o para fora do quarto, antes que ele
acordasse a menina e estragasse o clima. — São cinco e meia da
manhã e eu estou nu, romantismo não é mesmo o seu forte.
— Mais fácil dizer não do que zoar meu pedido. — Emburrei,
virando de costas para ele. Alexei demorou mais de um minuto para
dizer algo continuando a conversa e, quando virei de volta, ele
estava segurando uma caixa preta na mão.
— Eu não vou dizer não. — Ele disse, sorrindo. — O almoço em
Dmitri, amanhã, seria para que eu te desse isso. — Peguei a caixa e
abri, quase ficando cega em seguida pelo brilho de um diamante
gigantesco, preso a um anel. Olhei para ele, confusa por apenas
dois segundos.
— Você ia me propor casamento. — Foi uma afirmação.
— Sim, no almoço com a família. Pedro fez um bolo e tudo.
Como chego para eles dizendo que você se antecipou a mim?
Alexei deu uma gargalhada e tive que segui-lo. Eu não fazia
ideia, apesar de que não deveria ser algo difícil de prever - o
executivo Simonov gostava de contratos.
— Vamos transformar o almoço na nossa festa de noivado e
contar para todo mundo que eu sou mais rápida em dar lances do
que você.
Ele pegou o anel de dentro da caixinha e colocou no meu dedo
anular direito. Levei um segundo admirando a pedra e pulei no
pescoço de Alexei, porque eu preferia beijá-lo a ficar namorando um
objeto. Como não poderíamos terminar a noite com muito sexo
regado a álcool, porque eu não podia, ainda, fazer sexo, ou beber, e
Sasha tratou de acordar, decidimos preparar um café e seguir com o
sábado, que estava começando.
Na casa de Dmitri, eu já cheguei mostrando para todos e todas o
anel de noivado e contando que, na verdade, fui eu quem o pedi em
casamento. O russo dono de um império teria que aguentar que eu,
a patricinha dona de uma empresa média do Espírito Santo, era
mais arrojada do que ele. Com muita gente para paparicar Sasha,
tivemos um pouco de descanso dos braços e pude até relaxar com
drinques sem álcool que Pedro fez.
— Ora, mas não é que o dia hoje é de boas notícias? — Alexei
deu um pulo da cadeira em que estava, segurando o celular nas
mãos. — Vladmir acaba de mandar um áudio informando que Ilia foi
condenado em definitivo, e pegou mais de cem anos de prisão.
Olhei em volta, mas Irina não estava por ali. Imaginei que, para
ela, deveria ser difícil lidar com aquilo, pois Ilia tinha sido realmente
um pai para ela, e ela era casada com o filho dele. Mas Alexei falou
com tanta espontaneidade que ele nem pensou na irmã. Foi sorte
ela não ter ouvido. A notícia, para nós, era maravilhosa.
— Quer dizer que aquele traste nunca mais vai sair da cadeia?
— Perguntei.
— Não, é o fim de Ilia Pavlov na máfia russa.
— Você disse Pavlov? — Isabella perguntou, em tom baixo.
Olhei para minha mãe e ela estava branca como um fantasma.
Nunca a vi daquela forma, nem quando vovô morreu.
— Sim, Ilia Pavlov. — Eu respondi, pressentindo algo. — Ele foi
o homem que ajudou Alexei na adolescência e que estava cobrando
um preço que arriscava a vida da irmã dele, e a minha, no processo.
Foi por causa dele que Alexei entrou no programa de proteção.
Isabella deu um sorriso falso e cambaleou para dentro da casa.
Alexei e eu nos entreolhamos e sabíamos que tinha algo errado. Vi
que Alexandra estava dormindo no colo de Pedro, que tentava
convencer Dmitri que eles precisavam de uma criança, e decidi ir
atrás dela.
— Mãe. — Chamei, antes que ela conseguisse se trancar no
banheiro. — O que houve?
— Nada, eu apenas preciso usar o banheiro.
— Não precisa. — Insisti. — O que deu em você agora, quando
falamos de Ilia? Você o conhece, sabe quem ele é? Porque ele
odeia o vovô com toda a força do universo e eles tiveram negócios
da máfia juntos. Eu sei que Massimo não largou a máfia quando
veio para o Brasil.
— Entendo que Ilia odeie seu avô. — Ela disse, quase que para
as paredes. Alexei já tinha se juntado a mim.
— Assim como entende a força avassaladora dos russos na
nossa vida? — Lembrei da conversa que tivemos na Toscana.
Minha mãe me olhou e eu sabia que havia um segredo preso dentro
dela. — Diga o que está acontecendo, como você conhece Ilia?
Isabella passou as mãos no rosto e nos encarou.
— Ilia foi o amor da minha vida. — Ela disparou daquele jeito,
sem que eu tivesse a chance de me preparar. — Eu sempre
acreditei que ele tivesse me deixado, me abandonado, porque ele
nunca mais me procurou. Antes de morrer, seu avô me contou que
foi por causa dele. Foi Massimo que afastou Ilia de mim, que mentiu
a ele e a mim, forjando até mesmo uma carta, para nos separar.
— Mas que porra é essa? — Arregalei os olhos. Alexei colocou
as mãos nos meus ombros, me fornecendo amparo. — Você o
conheceu quando era jovem? Adolescente? Ele é alguns anos mais
velho que você.
— Não são anos o suficiente, Giovanna. Ilia tinha um filho
pequeno, Anatoli, quando nos conhecemos. Ele era jovem, ainda, e
sua esposa tinha morrido.
— Isso foi há uns vinte e oito anos... — Alexei não conseguiu
concluir sua frase, colocou a mão na frente da boca e me olhou,
assustado. Eu ainda não tinha conseguido entender o mesmo que
ele.
— Sim, mais ou menos. Papai não achava que deveríamos nos
relacionar, ele não me queria envolvida com a máfia. Curioso como
o mundo dá voltas.
— Foi por isso que você ficou tão mal depois que Massimo
morreu? — Perguntei. — Ele te contou a verdade e você descobriu
que poderia ter vivido um grande amor e não teria que ter passado
pelo abandono, dele e do meu pai?
— Gio. — Alexei me fez virar para ele. — Acho que sua mãe
quer dizer, implicitamente, que Ilia Pavlov, ele é...
— Ele é o seu pai, Giovanna.
O mundo deu duas voltas de trezentos e sessenta graus, girou
em velocidade da luz e parou no mesmo lugar. Havia uma cratera
sob meus pés e eu estaria caindo infinitamente se não fossem os
braços de Alexei me segurando. Tudo começou a fazer sentido. A
depressão de Isabella após a morte de Massimo, o homem da foto
no porta-retratos que dizia nunca ter tido filha, o fato de vovô me
proibir de falar nele em casa, a solidão que minha mãe se impôs
durante todo esse tempo.
— Por isso ele odeia o Viola. — Alexei disse, para mim. — Ele
sabe que seu avô foi o culpado pela separação. Mas, por que ele
odeia você? Não faz sentido.
— Ilia não sabe que Giovanna é filha dele. — Isabella confessou.
— Nunca soube, ele deve pensar que é do homem com quem eu
fugi, já que essa foi a mentira que meu pai contou a ele.
— Mas ele culpa Massimo. — Insisti. — Ele foi muito claro ao me
dizer isso. Eu não conseguirei lidar com isso, agora.
Afastei-me de Alexei e de Isabella e fui para o andar de cima,
esconder-me no antigo quarto do meu noivo. Estava tudo girando,
ainda, porque o homem que eu desejei conhecer a minha vida
inteira, cuja atenção eu ansiei, era o mesmo homem que tinha
ameaçado minha cunhada, que tinha me ameaçado, e que tinha me
afastado de Alexei por tanto tempo. Era o homem que eu odiava,
mas que eu queria tanto amar.
Fiquei mais de meia hora trancada, procurando meu equilíbrio,
deixando a enxurrada de sentimentos passar. Batidas na porta me
fizeram lembrar que eu tinha uma filha ainda recém-nascida e que
aquela era minha festa de noivado. Era Isabella.
— Filha. Eu imagino como esteja se sentindo, mas eu não sabia
que era com Ilia que vocês estavam lidando. Eu nunca perguntei o
nome do tal mafioso, era coincidência demais que fosse o seu pai.
— Você nunca ia me contar, ia? Que meu pai não era o cara da
foto.
— Não. Você já tinha se decepcionado muito e Ilia já tinha se
tornado esse homem que você conheceu.
— Se eu soubesse, talvez tudo isso tivesse sido evitado. Eu
poderia ter contado a ele, ele poderia ter relevado, perdoado,
deixado para lá.
— Talvez. Por isso eu sinto muito.
Olhei para Isabella e a abracei, forte, querendo mostrar que eu
não estava zangada. Ela tinha perdido o amor da vida dela, eu
quase perdi o meu, então eu sabia como era aquela dor. No fundo, a
culpa era de Massimo Viola e sua mania de controlar os destinos
das pessoas. Por que diabos ele me amava tanto, se eu era a
materialização de suas rivalidades? Se eu era livre, independente,
tudo que ele não queria que eu fosse? Talvez eu fosse o ponto fora
da curva dos Viola, mas ele, meu avô, foi o responsável pelo
sofrimento de sua filha, e pelo meu. Não saberia dizer se eu poderia
perdoar aquilo.
— Está tudo bem, mãe. Isso é passado. Vamos viver o presente,
agora, porque minha filha deve estar precisando mamar e eu tenho,
ainda, dois impérios para comandar.

Alexei Simonov
— Eles estão atrasados — Ouvi Dmitri reclamar. — Para o próprio
casamento, os dois, eu não acredito.
Olhei para Giovanna e ela estava rindo, porque também tinha
ouvido. Dmitri estava mais agitado com o casamento do que nós
mesmos, e isso porque não tinha sido fácil chegar ali. Eu enrolei
para pedir a mulher em casamento porque ainda não tinha resolvido
meu problema de identidade - eu estive morto, precisava reviver.
Depois que ela me atropelou e ficamos noivos, precisamos esperar
mais algum tempo até os advogados conseguirem fazer com que
Alexei Simonov voltasse à vida, e com tudo. Testamento anulado,
certidão de óbito anulada, só mantivemos a venda do apartamento
em Moscou porque eu ratifiquei o documento. Não queria mais
morar nele, não me sentia bem.
Segurei a mão da minha noiva, futura esposa, e entramos no
cartório. Nenhum de nós estava com tempo e disposição para uma
festa de casamento, mesmo que quiséssemos uma festa. Giovanna
não podia beber, Sasha ainda era muito pequena, preferíamos algo
mais íntimo, amigos e familiares, que não acontecesse tarde da
noite. Céus, em algum momento da vida eu encontrei a Viola e me
transformei completamente - era pai, colocava minha filha em
primeiro lugar sempre, e não tinha mais nenhuma disposição para
baladas.
— Pronta para se tornar a Sra. Simonov? — Perguntei, enquanto
entrávamos. Ela riu e me beijou, o que significava que sim.
— Ainda bem! — Pedro nos recebeu na porta. — Dmitri está
quase enfartando, aonde estavam?
— A reunião demorou mais do que devia. — Giovanna explicou.
— Mas também, como inventaram uma reunião a esse horário,
justo hoje?
— Fuso horário de Moscou, Pedro. — Abracei meu cunhado. —
E essa aquisição que estamos fazendo é importante, não podemos
postergar.
Giovanna concordou com a cabeça. Desde que reassumi minhas
ações na FiberGen, ela vem administrando a empresa comigo. O
assunto Ilia Pavlov estava, ainda, não mencionado em casa, desde
a conversa na festa de noivado. Tinham se passado dois meses, e
ela não falava no pai nem o que pretenderia fazer. Entendi que
deveria dar espaço a ela, deixar que a Viola digerisse o problema de
ter um pai mafioso - como eu, e que estava preso e com um
histórico tão difícil.
Estavam lá, também, Isabella e Janine, com nossa filha. Janine e
Pedro seriam as testemunhas e, no final de semana, faríamos um
jantar na casa do meu irmão, que começaria cedo para podermos
ter algum tempo sozinhos. Era incrível, mas, desde o parto, eu e
Giovanna ainda não tínhamos feito sexo, propriamente - mãos e
bocas em determinados lugares contavam, mas não estavam sendo
suficiente. Com Sasha dormindo um pouco mais à noite, o que
parecia um milagre, talvez conseguíssemos algum progresso.
Casamentos no cartório eram meu tipo de evento - protocolares,
burocráticos, contratuais. Giovanna estava ficando cada dia mais
parecida comigo, nesse quesito - ela tinha se mostrado uma
administradora criativa, ousada e extremamente eficiente, o que a
transformava, quase que obrigatoriamente, em uma dama de gelo.
Mas o gelo era apenas para os investidores, acionistas e clientes. O
restante das pessoas ela tratava como sempre, inclusive com
algumas voadoras no peito.
Depois da celebração, voltamos ao trabalho. Giovanna levava
Sasha para a Protomak, quando tinha que ir, porque não aguentava
mais ficar em casa. A vantagem de ser dona da empresa era
aquela, ela já tinha adaptado sua sala para acomodar a pequena e
não estava nem um pouco incomodada se alguém achasse que ela
não deveria levar a filha. Eu adorava, pois ficava mais perto das
minhas mulheres.
— Eu quero fundir as empresas. — Giovanna disse, na sexta-
feira à noite. Estávamos aproveitando um pouco de sossego
enquanto a bebê dormia.
— A Protomak e a FiberGen? Mas, e o legado do seu avô? A
promessa que fez a ele?
— Acho que fui liberada dessa promessa depois de tudo que ele
fez, no passado. A Protomak é minha e de Lourdes, ninguém mais
da família liga para ela, eu cortei relações com meus tios e não me
arrependo, por enquanto, então... Lourdes já concordou, ela acha
uma ideia excelente, principalmente porque vai receber muito
dinheiro com a fusão e vai poder se aposentar.
— Não podemos deixar que Lourdes se aposente. — Virei-me na
cama sobre ela e a beijei.
— Realmente, teremos que sequestrá-la. Nenhuma secretária é
melhor do que Lourdes.
Giovanna correspondeu ao beijo e ficamos envolvidos demais
em nossas bocas. Verão, calor, pouca roupa e um bebê dormindo
indicavam que, provavelmente, aquela era a hora de colocar fim à
espera. Desci os carinhos até seu pescoço e seu colo, tomando
cuidado para não deixar muito do meu peso sobre seu corpo.
Precisava saber se ela já estava pronta, se já queria toda aquela
invasão em seu corpo. À medida em que Viola gemia, baixinho, a
cada toque, eu avançava. Beijei seus seios, bem devagar, depois
sua barriga, até atacar sua intimidade com a língua.
Fazia bastante tempo que eu não me metia ali, e ela estava
ainda mais cheirosa e gostosa do que eu me lembrava. Giovanna
não me deixou prosseguir, me empurrou para cima e sussurrou
“para a sala”. Peguei-a no colo, peguei uma camisinha na gaveta,
encostei a porta do quarto, liguei a babá eletrônica e fomos para o
sofá, sem nem ligar com a varanda aberta. Ajoelhei à sua frente e
voltei a me dedicar ao que estava fazendo antes. Ela apoiou os pés
em meus ombros e me abriu todo o espaço que eu precisava,
deixando escapar gemidos altos quando eu sugava o clitóris ou a
penetrava com a língua.
Meu pau estava dolorido de desejo, mas eu ia fazer com que ela
gozasse primeiro. Só depois que Giovanna atingiu o orgasmo,
quase me enforcando com as pernas ao redor do meu pescoço, que
arranquei a cueca, desenrolei o preservativo e entrei nela com tudo.
Meti duas vezes e parei, respirando acelerado, precisando me
concentrar para não gozar em cinco minutos. Ela percebeu minha
inquietação e virou por cima de mim, sentando em meu colo, sobre
minha ereção.
— Senti sua falta. — Sussurrei, enquanto ela se movia bem
devagar, forçando o quadril contra o meu. Beijei seu pescoço e
ataquei sua boca, enquanto Giovanna intensificava os movimentos.
Cravei os dedos em suas coxas e atingi o orgasmo, aliviado e
agoniado, sem acreditar que um dia eu ficaria satisfeito daquela
mulher.
— Eu também. — Ela me beijou, sem que nos
desencaixássemos. — Já que não vamos ter lua de mel, mesmo,
precisamos nos adaptar à rotina de pais.
— Eu já tenho você do meu lado, eu me adapto a qualquer
coisa.
Segurei Giovanna no colo, novamente, e a levei para o quarto.
Ainda tínhamos que cuidar do sono, aquele inexistente, ou não
seríamos nada no dia seguinte. Só que eu tinha uma confissão a
fazer. Já fazia algum tempo, desde que retomei minha identidade,
que eu pensava em buscar algum passatempo, em viver a vida de
outra forma. A máfia, Ilia Pavlov, a tensão de perder Giovanna, e me
perder, de não saber voltar, tudo aquilo causou uma fissura dentro
de mim, quebrou um pedaço e eu não sabia como consertar. Não
dava para chamar um estagiário, daquela vez, meu problema era
emocional. Fiquei frágil, fiquei vulnerável, tive que enfrentar o que
eu não pretendia, porque eu nunca fui, verdadeiramente, da máfia.
Não havia mesmo um lado sombrio em mim, como eu achava.
Tinha sido maltratado por meu pai, mas consegui vencer depois que
ele morreu e me livrei de me tornar um soldado completo - eu
apenas devia a Ilia e não conseguia pagar. Talvez eu pudesse ser
malvado, cruel, conseguisse trucidar pessoas, mas, naquele
momento, eu só arrancaria as tripas de alguém se esse alguém
ousasse chegar perto da minha menina. E da minha mulher.
A decisão era difícil, mas eu seria divertida. A decisão era a
melhor que eu podia tomar e eu queria, muito, ver Viola crescendo e
se tornando um tubarão, como eu era. Então, afastar-me um pouco
dos holofotes era preciso.
— Gio. — Chamei, notando que ela estava acordada. — Você
está feliz, cuidando das empresas? A ideia da fusão, por que
surgiu?
Ela se virou para mim.
— Eu estou adorando cuidar das empresas. Adorei ser
presidente na FiberGen e adoro comandar a Protomak. Fundir me
pareceu o mais racional, apenas, porque não precisamos de duas
empresas no mesmo ramo de atividades. Mas, se acha uma ideia
ruim...
— Eu gostaria que você continuasse na presidência da
FiberGen. — Contei, interrompendo-a, porque eu tinha medo que
ela não entendesse o que eu queria dizer.
— Como é que é?
— Sou o acionista majoritário, com a anulação do testamento eu
voltei a ser o presidente, mas, tudo que aconteceu me fez ver que
existem mais coisas na vida do que comandar um império, sabe?
— Você quer largar tudo, Alexei? Quer fazer outra coisa da vida?
— Ela perguntou, passando as mãos em minha face, tentando
demonstrar compreensão pela minha confusão.
— Não quero. Na verdade, quero continuar como acionista e
participando do conselho, mas acho você uma gestora fenomenal.
Você pisa naqueles diretores e eles comem na sua mão, é
maravilhoso de ver. Se você quiser continuar no cargo, eu vou te
nomear, oficialmente, minha sucessora.
O tempo que ela levou para me responder me fez achar que
Giovanna detestou a ideia. Mas, depois de alguns minutos, ela abriu
um sorriso e atacou minha boca, em um beijo rápido e intenso.
— Essa é a mais incrível declaração de amor que um homem
poderia me fazer, Simonov. Eu vou adorar continuar no comando da
porra toda.
Voltei a beijá-la, certo de que o sono já tinha ido para o espaço e
que não dormiríamos mais até o próximo ciclo de sono de Sasha.
Éramos os donos das empresas, poderíamos nem aparecer para
trabalhar no dia seguinte, se não quiséssemos. Franquear o poder,
era algo que eu estava aprendendo a fazer e que me permitira tanto
agradar a mulher que eu amava quanto retomar um dos meus
maiores sonhos, que foi trancado escondido por muito tempo - eu
poderia voltar a tocar baixo. Já estava velho para ter uma banda de
rock, mas nunca se está velho o suficiente para ter uma banda de
rock.

Giovanna Viola
Moscou era gelada naquela época do ano. Depois da decisão de
Alexei em me manter na presidência da FiberGen, precisávamos de
uma reunião formal com os diretores e de estruturar a fusão. A
Protomak seria uma filial da empresa russa, com o mesmo nome, ou
seja, ela desapareceria. Não tive nenhum remorso em fazer aquilo,
não mais - Massimo Viola não era o homem perfeito que eu
esperava que fosse e eu não precisava me sacrificar para levar
adiante um legado que era boa parte de sangue e lágrimas. Era a
primeira vez que Alexandra iria a Moscou e visitaríamos Irina, que
decidiu retomar o casamento com Anatoli.
Meu meio irmão foi ao Brasil pedir a ela que voltasse. Disse que
a amava sinceramente, que nunca quis seguir os passos do pai - e
isso Alexei confirmou que era verdade, e que estava sofrendo muito.
Irina decidiu tentar outra vez e voltou para a Rússia, mesmo com os
protestos de Dmitri, que já tinha se acostumado com a irmã em
casa. Tudo parecia estranhamente no lugar, e eu não estava
acostumada com aquela calmaria. A minha vida, regada a festas e
gastação de dinheiro, tinha se transformado tanto em um ano que
eu não me reconhecia mais ao olhar no espelho. E foi um ano de
fenômenos da natureza, entre tsunamis e tornados, a chegada de
Alexei na minha vida.
— Hoje vai ser um bom dia.
Disse a mim mesma, na frente do espelho do banheiro do hotel.
Vestia uma roupa quente e queria parecer uma mulher normal,
porque eu visitaria o principal presídio de Moscou. Nunca tinha
entrado em uma penitenciária e só consegui uma visita a Ilia porque
os advogados da FiberGen eram fantásticos.
— Tem certeza que quer fazer isso sozinha? — Alexei se
aproximou, com Sasha no colo, também vestida para o passeio. —
Vocês duas, quero dizer.
— Preciso que seja assim. — Virei e o beijei.
— Certo. Eu irei para a empresa, então, ajeitar o terreno para
nossa reunião, amanhã. A gente se encontra para o almoço.
Claro que iríamos nos encontrar, porque eu estava fisicamente
dependente do contato com meu marido. Quanto mais tempo
passávamos juntos, mais tempo queria passar com ele - e me
disseram que era a sensação de estar apaixonada. Era boa, e
inconveniente, e dolorida.
— Eu te amo. — Disse, antes de sair com Sasha. Ele me
abraçou e sussurrou que me amava, em russo. Já estava viciada
em ouvi-lo falar russo e já até arriscava alguma frase ou outra.
Fui de táxi para a penitenciária e esperei mais de meia hora para
conseguir ser atendida por alguém. Eu não era bem-vinda lá, era
uma rica intrometida que tinha deslocado uma operação inteira para
ter uma visita especial com um general da máfia russa, e com uma
bebê, ainda por cima. Não ligava, eu nunca fui muito de me importar
com a opinião dos outros sobre mim. Fomos levadas até uma sala
cinza, sem vidros, com câmeras nos cantos, uma mesa retangular e
três cadeiras. Lá estava sentado, sem algemas, Ilia Pavlov, meu pai.
Alexei detestou a ideia de que eu o visitasse sem algemas, mas
eu exigi. Duvidava que ele fosse nos fazer algum mal, mesmo que
eu soubesse que aquele homem era cruel e um criminoso
condenado, ele ainda era o homem que fez todas as insanidades
porque estava magoado. Aquela visão distorcida do amor, que se
separa do ódio por uma linha tênue e mal riscada.
— Ora, então foi a Viola quem organizou essa operação de
guerra. — Ilia debochou. — Tudo isso para me jogar na cara que
venceu?
Precisava ficar calma e controlar minha língua. Eu nunca
conseguia, nem uma coisa, nem outra, mas precisava tentar, por
Sasha, por Isabella, por mim.
— Não vim jogar nada na sua cara. Vim apresentar a você a sua
neta, pai.
O homem levou bastante tempo para entender a frase que eu
disse. Sua expressão passou da incompreensão para a
incredulidade, até chegar ao assombro. Ele deve ter feito vários
cálculos mentais depois que processou a palavra “pai” no final da
frase, mas eu duvidava que eles lhe dessem a resposta exata que
precisava.
— Não sei do que você está falando.
— Sabe. — Insisti. — Você vai negar que tinha um
relacionamento com Isabella Viola? Que o mal que meu avô te fez
foi tirá-la de você? Que é por esse motivo que odeia Massimo?
Provavelmente, você também me odeia porque deve achar que sou
filha de algum homem qualquer com a mulher que você amou, só
que você está completamente errado.
— Não nego. — Ilia recostou-se na cadeira. — Eu amei sua
mãe, até ela me trair.
— Isabella nunca te traiu. — Sentei-me com Sasha, porque ela
estava inquieta e pesada. Eu também estava nervosa. — Meu avô,
sim. Ele mentiu, inventou uma história para ela, mostrou uma carta
sua, em que você dizia que não podiam ficar juntos. Ela acreditou, e
você nunca mais a procurou, o que reforçou a crença de que você a
tinha abandonado, grávida, à própria sorte.
— Isabella não estava grávida. — Ele insistiu.
— Estava, da sua filha. Eu. — Ilia demorou mais algum tempo
para processar tudo. Foram minutos em silêncio, em que ele apenas
me olhava e tentava tirar suas conclusões. — Você consegue ver
seus traços em mim? Deve estar pensando o quanto essa mulher
abusada tem de uma filha da máfia? Já considerou que eu me
pareço mais com você do que Anatoli?
Ilia levantou-se e girou pela sala. Talvez o certo seria estar
apavorada ou com medo dele, mas eu não estava. Sentia-me
segura em minha arrogância, mesmo com minha menina nos
braços, porque eu não acreditava que ele fosse nos ferir.
— Eu nunca soube, ela nunca me contou. — Ele, por fim,
sentou-se novamente. — Por que Isabella não me disse?
— Ela não confiava em você, foi enganada por meu avô. Isabella
não tem culpa de nada, ela foi apenas alguém no meio do tiroteio
entre você e Massimo. Ela não contou nem para mim, a história só
veio à tona depois que comemoramos a sua prisão.
— E por que veio aqui, afinal? Me torturar ou me perdoar?
Encarei-o, sem saber como responder àquela pergunta com
sinceridade. Ilia era o pai que eu persegui pela vida, e que me
magoou profundamente, mas ele não era aquele pai. Só que eu não
podia perdoar alguém que tentou me matar e matar o homem que
eu amava.
— Eu vim porque não quero odiá-lo. — Disparei, tentando ser
clara. — Foi graças à sua loucura que eu conheci Alexei, foi parte
por causa dela que eu me tornei a pessoa que sou hoje.
— Como ela se chama? — Ilia trocou o foco do assunto.
— Alexandra.
Pavlov esticou a mão e tentou brincar com Sasha. Ela estava
entediada, mas gostou da interação e riu, segurou o dedo do avô,
resmungou algo com aqueles sons que bebês faziam quando
queriam se comunicar. Estaria mentindo se dissesse que não me
emocionei, porque eu desejei conhecer meu pai durante muito
tempo. De certa forma, saber que ele era um mafioso que sequer
imaginava que era meu pai era uma história menos sofrida do que
ser ignorada por ele, desprezada por ele.
— Vou ver vocês outra vez?
— Serei a nova presidente da FiberGen. Se for seguro, virei a
Moscou com alguma frequência.
— Será seguro.
A visita terminou com a afirmação de que a máfia nunca tentaria
retaliar a ação de Alexei. Eles estavam com medo dele, na verdade,
respeitando a ousadia o homem que se arriscou para enjaular um
dos maiores grupos da máfia russa. Só que o medo não duraria
muito, então era mais garantido ter a palavra de Ilia, que
provavelmente continuaria comandando seu império de dentro da
prisão. Deixei a penitenciária aliviada, sentindo a alma leve e o
corpo curado. Encontrei meu marido para o almoço e passamos um
dia agradável na gelada capital da Rússia.
No dia seguinte, tínhamos que ir para a reunião com os
diretores. Eu estava preparada, como se tivesse nascido para fazer
aquilo. Estava pronta, estava animada, eu queria ver como todos
reagiriam ao que Alexei falaria na reunião. Vesti meu melhor terno
cinza chumbo, com camisa com listras cor-de-rosa, por baixo, e
Alexei estava como um deus executivo, como sempre foi. Aquela foi
a versão dele por quem me apaixonei, e eu desejava continuar a vê-
la, sempre. Até Sasha estava vestida como se fosse passar o dia na
empresa, e ela ia.
Os diretores estavam agitados, porque era a primeira vez que
nos encontraríamos, pessoalmente, depois dos eventos que
culminaram com o retorno de Alexei Simonov. Chegamos na sala de
reuniões de mãos dadas, com Alexei segurando Sasha no colo.
Sentamos em nossas cadeiras e recusamos que a secretária
levasse a bebê - estávamos acostumados a fazer aquele tipo de
coisa com ela. Nos tornamos aquele tipo de pais que não
terceirizam a criação dos filhos.
Alexei iniciou a reunião apresentando números, dados,
estatísticas e gráficos, sobre como a empresa tinha crescido e como
as pesquisas como nanocirurgia eram um sucesso - as cirurgias
experimentais já tinham mostrado que os nanobôs eram ótimos no
tratamento de determinadas patologias. Durante uma hora, mais ou
menos, ele falou sobre a empresa, juntamente com os diretores, que
intervinham quando achavam necessário. Fiquei em silêncio,
esperando a minha vez, porque eu sabia que ela chegaria.
— Bem, eu agora vou passar a palavra para Giovanna, mas,
antes, preciso fazer uma declaração. — Alexei pegou alguns papéis
na pasta. — Fiz a transferência de metade das minhas ações para
minha esposa, a fim de torná-la acionista igualitária. Neste
momento, estou utilizando minha prerrogativa de presidente para
nomeá-la minha sucessora. A partir de hoje, Giovanna Viola-
Simonov será a nova presidente executiva da FiberGen
Technologies, enquanto eu serei apenas acionista com direito de
voto.
Os diretores reagiram com caos. Alguns ficaram boquiabertos,
outros tentaram falar algo, mas só conseguiram emitir guinchos,
outros levantaram de suas cadeiras. Eu quis rir, mas mantive-me
impassível, como se nada daquilo me afetasse. Sasha reclamou no
colo do pai, realmente entediada em ficar ali fazendo nada, e ele
decidiu levá-la para fora. Beijou minha cabeça, acariciou minha face,
e sussurrou, em português, “arrase”. Sorri, peguei os papéis, olhei
para os diretores, ainda atônitos, e esperei que se organizassem.
— Bom dia, senhores. Espero que estejam prontos para as
novidades. Vamos começar?
EPÍLOGO

P ,
sentindo a garganta seca sem motivo. Senti mãos me agarrarem e
se enfiarem por dentro da minha blusa, uma segurando-me pelo
estômago, outra pegando meu peito por dentro do sutiã. A boca
quente e molhada tocou meu pescoço, enquanto sentia a ereção
roçar entre minhas pernas. Outra mulher iria gritar e lutar, mas eu
sabia quem era que me arrebatava daquela forma - porque eu
sempre sabia, eu sentia a sua presença antes mesmo dele se
anunciar. Fui empurrada contra a parede e minha boca foi invadida
pela língua morna e com gosto de tabaco. Ele ainda não tinha
parado de fumar.
— Porra, Giovanna, calça jeans? — Alexei reclamou ao forçar
seu corpo contra o meu e sentir que seria mais difícil uma rapidinha
do que ele esperava.
— Queria que viesse de mini saia para um show, Simonov? Para
os outros caras ficarem se esfregando em mim?
— Nem fala uma bobagem dessas. — Ele continuava me
beijando e passando a mão por dentro da minha roupa. Agarrei o
cós da sua calça, forçando para baixo, delineando com os dedos
sua bunda perfeita. Puxei um pacote plástico de dentro do bolso.
— Camisinha no bolso traseiro? Você anda com isso?
— Eu sabia que ia te pegar aqui.
“Aqui” era o backstage. Eu estava em São Paulo, com filha, mãe
e cunhados, para assistir ao primeiro show do meu marido como
baixista em sua banda de rock. Depois de dois anos de casamento
e uma vida executiva atribulada, enquanto nos dividíamos entre os
cuidados com Alexandra e as viagens a Moscou, Alexei decidiu
seguir sua paixão, e finalmente consegui conhecer sua faceta
musical. E ele foi convidado para fazer parte de uma banda, poucos
meses atrás, porque era mesmo talentoso. O sócio tubarão acabou
por me fazer uma groupie que comprava ingresso para primeira fila
para vê-lo tocar.
— E tem outras pessoas perambulando por aí.
Alexei abriu uma porta e me empurrou para dentro, já agarrado
ao botão da minha calça, que ele abriu sem muita dificuldade. Abri o
pacote do preservativo enquanto ele abria seu próprio zíper e me
exibia seu membro ereto. Sabia que tínhamos pressa, mas nem
liguei, ajoelhei no chão de não sei onde e coloquei-o na boca,
arrancando alguns gemidos exagerados. Quando ele já não
aguentava mais, levantei e desenrolei o preservativo. Alexei me
virou de costas e me penetrou de uma só vez, aproveitando que eu
já estava lubrificada o suficiente.
Era para ser rápido e intenso, e foi. Apenas alguns minutos para
um orgasmo equivalente a algum fenômeno da natureza qualquer:
podia ser tsunami, tornado, furacão, qualquer coisa arrebatadora e
destruidora.
— Você continua me deixando louco. — Alexei sussurrou em
meus ouvidos, por trás. — Deixou Sasha com sua mãe?
— Claro, Pedro e Dmitri estão os mais ansiosos esperando esse
show. — Virei-me e beijei sua boca, vestindo a calça novamente.
Arranquei o preservativo e amarrei, para descartar em algum lugar
que pudesse ser discreto. — Vai conseguir tocar agora?
— Minha inspiração ainda é você. Acho que vai dar tudo certo.
Alexei me deu um último beijo e saiu. Eu nem sabia onde
estávamos, era um cubículo qualquer. Esperei a respiração voltar ao
normal, saí do breu e procurei uma lixeira, para depois ir me
encontrar com meus cunhados. Eles achavam que eu tinha ido tietar
a banda, mas eu só queria ver meu marido, já que fazia dez dias
que eu não o via - estava visitando a empresa de Carmem.
As coisas não saíram, para mim, como eu tinha planejado. Na
verdade, eu nem mesmo tinha planos antes de vovô morrer, ao
menos nenhum que representasse a minha vida adulta. Enquanto
Alexei teve que crescer muito cedo, eu levei tempo demais como
uma menina mimada e malcriada. Naquele instante, olhando para
ele, que tinha acabado de entrar no palco com a banda, eu sabia
que estávamos ambos fazendo aquilo que gostávamos. E que,
apesar de todas as perdas que tivemos, elas serviram para nos
reunir. Não acreditava em destino, mas o que mais poderia ter sido
entre nós?
Meu celular vibrou na calça, era uma mensagem de Janine.
“Saiu o resultado, quer saber?” Bati na cabeça e nem prestei
atenção no início do show - eu tinha me esquecido que, no dia
anterior, tinha feito um exame de sangue porque andava me
sentindo mal, e pedido a Janine, como amiga, para cuidar do
resultado para mim. “Eu vou querer?”, perguntei, sentindo os dedos
suados. Segundos depois, veio a mensagem derradeira de Janine,
com o resultado do exame. “Dê os parabéns ao Simonov, ele vai ser
pai de novo.”.
SOBRE A AUTORA

Tatiana Mareto é sagitariana, gosta de se comunicar, adora transformar


sentimentos em palavras. Mora em Cachoeiro de Itapemirim, é professora e
advogada e começou a escrever aos doze anos, sendo autora de diversos textos
não acabados, muitas poesias não publicadas e alguns originais publicados.
Inspira-se com música e tem uma trilha sonora para todos os capítulos – das suas
histórias e da sua vida. Se apaixona com facilidade pelos próprios personagens e
coleciona crushes literários.

Você também pode gostar