Você está na página 1de 34

DIVIDIR PARA DOMINAR

À PARTILHA DA ÁFRICA
1880 — 1914

H. L. Wesseling

Tradução
Celina Brandt

Revisão técnica
José Murilo de Carvalho

Editora Revan Editora UFRJ


POD O PERES DD ÃO 1 SIS SS PN O NR INN NR 7
mais dependência financeira da aprovação de outros países. Os
whigs no
gabinete de Gladstone opuseram-se ao acordo, mas perderam na votação
para os membros progressistas do gabinete. Estes não se preocuparam mui-
to com as desvantagens, pois não pretendiam que a Inglaterra permaneces-
se muito tempo no Egito. Para eles, as boas relações com a França devidas
a
essa combinação eram mais importantes do que os prejuízos. A
Convenção
de Londres pôs vários governos britânicos num difícil dilema: ou o contri-
buinte britânico tinha de arcar com a conta egípcia, com todas as consegi
ên-
cias eleitorais que isso acarretava, ou então se deixava de pagar às potênci-
]| O Congo
as os juros dos empréstimos, com todas as conseqiiências diplomáticas
daí E, 1882-1885
resultantes. A Grã-Bretanha se tornara prisioneira do Egito. E A CRIAÇÃO DO ESTADO LIVR
À França não podia engolir a perda de sua influência no Egito e recu-
sou-se a reconhecer a ocupação britânica. Durante mais de 20 anos ela s,
tentaria reabrir a questão egípcia, desafiar a Grã-Bretanha no Nilo “Temos de ser ao mesmo tempo prudente
e bus-
car compensação em outro lugar. A Grã-Bretanha, de sua parte, sentiu-s hábeis e prontos a agi...
obrigada não apenas a proteger o Egito, mas, também, a
e [para] conseguir uma fatia desse
artéria vital do
país, o Nilo. Sua influência disseminou-se, primeiro, para o Sudão, depois, magnífico bolo africano.
para os grandes lagos e, por fim, como previra Gladstone numa
sombria Leopoldo IH
ocasião, até o Cabo e Zanzibar.
À ocupação britânica do Egito, por mais indesejável e não planejada
que fosse, teve uma acentuada influência na partilha da África. Determi
-
nou seus cursos e forma. Contudo, não foi sua causa pois
isso teria signifi-
abri
cobr ram”
iram ” o rca . Às viagens j
. ndo
cado que, sem a questão egípcia, não haveria qualquer partilha da África, década de 1870, os europeus “Jes
,

o Na a decade
ley pi dg
que é absurdo, claro. A tendência de emaranhar o continente negro
na rede de Br dé (1875-1878) e sobretudo as de Stan
ávi o de me
europeu ávid neé
ecim
diplomática européia era irresistível. O desejo por uma fatia do bolo africano a nação de um público
ram a iagi i
fe per arida
geográficas desfrutavam de grande
E, ã
€ Ao

era intenso, não apenas na Grã-Bretanha e na França, como, também, dades


e cada 1 ra re «
e outro
lês nr
:
vez mais, em outros países. A rivalidade deles faria sentir-se em toda St inadaa p por doisis ) jornais,is um ing
ey foi ip: patrocinad
a Áfri- a, intit q ulad ph us pi
ca. A Grã-Bretanha pusera esse processo em movimento. Em breve
ele seria a quera Er
elato e fez de sua expedição ; através da Áfric
inen te negr o], tornou ç ind
acelerado graças às ações da França e do rei Leopoldo da Bélgica. D rk eine [Através do cont a
internacional. Nele, Stanley exaltava a grande promessasa : do EaCe a
; a e : Ro
do Mississipi, e falav
” . . .

dizia s er mais fértil do que o vale


o

ii Alé nis
E à eiização. mi
quit íssimo apropriada aopsiércio e
dia”, muit q
ç iai con tudo, ihavia ta m
E fi as e comerciais,
ientá
eo
açõ
balismo e o pag
de escravos, o cani p
rios para exploorar a região. O tráfiàco pela inte rven ção eurc
ca clam ando
nismo grassavam nessa parte da Áfri
torn ou- se, assim , objeto de agudo interesse Ee ç!
péia. A África Central ,
cas nada se
até entãentoão E quase
inédito,to, já que até
fato inédi
peu, inc lusive político. Era um
conhecia da região, a não ser que
era temida por seu terrivel € E den
que se chama pelo gestao E ç
A região do Congo faz p arte do deRe o-
dife
confusoÀ porque pode ser =: E icad
Central ou | Média, um rótulo meio O dudi ão e a 4 ris ç
-se àà área
e-se entre
rentes maneiras. Em t ermos gerais,i : refer
á
ente, e de Moga díci o
arões a Angola no Ocid
do Sul, que se estende . dos Camrat
82
83
1493 ;
aci ma até ens
nsatade eE pe92 e a
u Con go
durante outra viagem, navego hoje Lag E a
a ê É

à Moçambique no Leste. Emprega-se raramente o termo nesse sentido, con-


s a O

até atingir o que se chama


=
L . .

os portugueses avançaram ia, mais tarde,


E

nley Pool —, onde se erguer


:

tudo, porque a região a leste dos grandes lagos é, em geral, tratada como
outrora conhecido como Sta muito i maiaiss lon g e nos
long
parte da África Oriental. Na verdade, portanto, o que nos interessa particu- nsh asa ). Os europeus não à chegariam i
Leopod vil le (Ki o com o rei i do do Con :
:go
larmente aqui é a parte ocidental. O centro desta área consiste de floresta tes . Os por tug ues es entraram em contat
tropical. Ao Norte, estendem-se savanas e, ao Sul, uma zona de floresta aber-
«culos seg uin
ao cristianism 10. Seu rei
: no era conside -
seg uir am ec snv ert er
e n m eles 3 con
a que egui
e partes do Congo
ta. Toda a região é dominada pelo Congo ou Zaire, um rio que, com uma ndo toda a Angola do Norte
rável em tamanho, abra nge nov:o estímulo com a
extensão de cerca de quatro mil e oitocentos quilômetros, é um dos maiores rel açõ es ; comerciais rec eberam um
da África. Sua bacia, também, é imensa: o rio recebe seu volume de água de
e do Gab ão. As
os do Atlântico, quan
o aques ela parte da
a do trá fic o de esc rav
emergênci comércio escravista.
uma região que mede aproximadamente dois mil e quatrocentos milhões de im portante centro de
ÁfricaE passou a ser um importancia
quilômetros quadrados, isto é, uma área maior do que a Índia. Em Boma, o é on t
scente repúdio moral e sua
rio deságua num estuário que, embora largo, não se compara aos deltas gi-
l 2 € es Cra VOS 1 1804 , os
de
revolu Ça O industrial . E mw
o idvento da
am os primeiros a
uu com O

s na África Ocidental, for


jÔmic o 1 dimir
gantescos do Níger e do Nilo. Rio acima, o Congo logo se torna inavegável s, então esc ond ido
dinamarqu ese a o
por causa das grandes cataratas de Matadi. A região tem uma população io de escrav os. Mais significativamente
, os
proibir o com érc
ndo a arinha a '
esparsa que se caracteriza por sua enorme variedade, Mais de 200 línguas são guerras napoleônicas, qua
suiram em 1807, época das ios negreiros, Hbe
faladas, e outrora havia centenas de comunidades independentes. Inexistiam Os britânicos capturava
m OS nav
Eca govern ava os mares. dão e Nati
grandes cidades e mercados e riquezas para atrair comerciantes de regiões escrav os. A colôni a da o aSerra net
tando os 4
distantes. A vida econômica não era muito desenvolvida, consistindo de, f nos lembra O none
mmnvas negros Hbertos, como s de sa i ? Ea
além de caça e coleta, pecuária nômade e agricultura sedentária. criaram as chamadas “village
ade Ni EA asa pio ci o
Pouco se sabe sobre a história política da região. Nossas fontes são es- 1848, fundaram
escravos €, em
de liberdade) para seus ex- dm ne o
cassas e a historiografia africana está em sua infância. Os historiadores dis- le, no Gab ão. A luta contra a s
n
france sa, Libr evil e escravo bei
tinguem vários reinos como os de Luanda e Luba, mas nosso conhecimento
Em seg uid a às gue rra s napoleônicas, O tráfico
longa e árd ua.
0 continuavam ane a
deles é limitado. No século XIX, a parte oriental foi grandemente dominada até a década de 186
gou mesmo a expandir-se e século a hei
por mercadores e colonos da Africa Oriental, na época citados como “ára- ico. Na primeira metade do
do escravos através do Atlânt os portug ues es.
bes”, embora fossem de fato o que hoje chamamos de suaíles, isto é, africanos nde negócio, dominado pel
cravatura ainda era um gra Ang ola -Congo. E:
orientais de uma área nominalmente sob o controle do sultão de Zanzibar. O do tota l dos esc rav os vinha da região
de metade ontrava-se no o
principal potentado na área, o homem que conquistara uma grande parte do ndo a escravatura enc
Entre 1858 e 1878, qua uma for ma ega
Zaire oriental, era Hamed ibn-Muhammad, mais conhecido como Tippu Tipp. mo nas colônias portuguesas,
gradual de ser abolida, mes produtos agrí cola s. Do
Tippu Tipp (1837-1905) nasceu em Zanzibar. O pai era árabe, a mãe ese nvo lve u-se nessas regiões: à de
de com érc io d mente de óle o de
suaíle. Fora ainda jovem para o Congo e fundara seu império no Lualaba.
mod o que na Áfr ica Oci dental, consistia principal e- |
mesmo Estgmabelec
De cerca de 1870 a 1890, Tippu Tipp foi o homem mais poderoso no Congo ito e s em men or es
esca la, de marfim | e borracha.
pal eirra
almmei a e e pa palm ta do Cong
Oriental. Seus prepostos saquearam grandes partes do país em busca de erciais Na costa ou no del
ram-se muitas empresas com icooss e ese es es tan envol-
marfim e escravos, enquanto ele governava sob um verdadeiro regime de bémé , briitâ tânnic
ceses e portugueses mas, tam
terror. Tippu Tipp submetia-se mais ou menos à autoridade do sultão de |
vididos
os,, s sen do os s dois i s d o is últ
últi imo s bem
ys os s maimais -su
bem- s cedido s.. Em temormosp
idos
de a ne
;
|
Zanzibar, e quando os europeus começaram a penetrar na região fez o má- dominavam a costa. A esfera
contudo, França e Portugal ame - o is o-se fa
ximo para conseguir que as grandes potências reconhecessem a soberania era muito aar
br
portugueses, especialmente,
ito
Ambriziz éa Deng ala e ; s
do sultão no interior, tentativa que malogrou. Ele decidiu, então, tomar o e «ao Sul 3 dele, de
Sabiinda ao Norte do Congo
Cab ndae no É ntro
a , ] ç à
partido de Leopoldo II, em nome de quem governou o Congo Oriental de
até Moç âme des , que eles fundaram em 1840. Luaand
tarde, sede g do s Labo .
é entre o Senegal e aa É
Cida
[887 a 1892. O grande comerciante de escravos ingressava no serviço do | opeta
| úni ca cidade autenticamente eur
des
Norte, na cos ta do tJdDat, ;
srande paladino da antiescravatura.! se sobretudo no
Os franceses localizavam- ta de 1860, que pen! sa-
O principal interesse europeu concentrava-se, claro, no Congo Oei- a tal ponto reduzida, por vol
bora sua colônia estivesse is o, , pcporém.
; am a a isso
jamaisis chegar
dental, Esse interesse remontava a 1482, quando o navegador português Á
la. as Ji
As coisisas
Em 1485, ai
ram seriamente em abandoná-
Diogo Cão atravessou pela primeira vez o estuário do Congo.
85
Como nas outras partes da África, havia assim vários assentamentos
europeus ao longo da costa da Africa central durante o século XIX. O pa- A BÉLGICA E LEOPOLDO IH
1
drão comum era o de os europeus consolidarem suas respectivas esferas de
influência na costa e depois estenderem sua autoridade ao interior. Com
toda a probabilidade, teria sido esse o caso aqui também, se não tivesse A Bélgica e as colônias
ocorrido um fenômeno extraordinário: o surgimento, na década de 1880,
do nada, por assim dizer, de uma colônia européia no interior africano. Aí
Entre os muitos acontecimentos estranhos que ocorreram durante
o rei belga, Leopoldo II, fundou, não como rei, mas como indivíduo priva-
a partilha da África, os do Congo talvez tenham sido os mais incongruen-
do, um estado cujas fronteiras conseguiu que as potências reconhecessem.
Em conseqiiência disso, as colônias francesas e portuguesas na costa foram tes. O desfecho de todas as confusões envolvendo-os foi que a Bélgica,
impedidas de expandir-se para o interior, seu acesso sendo bloqueado pelo
um dos menores países da Europa, adquiriu uma das maiores e mais ricas
recém-criado Estado Livre do Congo, mais tarde, o Congo Belga, e, por
colônias na África e isto apesar do fato de que havia decidido não te
nada a ver com colônias.
fim, Zaire, o segundo maior estado da Africa”. Esse extraordinário aconte-
Na Europa do século XIX, a Bélgica era um fenômeno raro. Antes de
cimento deu-se como resultado das obsessões, ambições e gênio político de e
do Reino
apenas um homem, o rei Leopoldo II da Bélgica. 1830, ela não existia como estado independente, mas fazia part
dos Países Baixos, fundado em 1814. À criação desse reino refletiu os sen-
timentos anti-revolucionários das potências e sua determinação em conter
o avanço da França. O nacionalismo, entretanto, revelou-se mais forte do
que esse objetivo, e o Reino Unido dos Países Baixos rompeu-se, após uma
breve e não muito harmoniosa união, com o acompanhamento relativa-
mente em surdina de música operística e escaramuças nas ruas. Os rebel-
des belgas de 1830 eram politicamente inspirados pelos ideais liberais e
nacionalistas, mas precisaram de um estado monarquista para tornar seus
objetivos aceitáveis a Palmerston e Metternich, os guardiões legitimistas e
anti-revolucionários da paz européia. Eles escolheram como seu candidato
ao trono um homem que poderia ter-se tornado o príncipe consorte dos
britânicos não houvesse sua mulher morrido prematuramente, e rei da
Grécia, se ele tivesse desejado. Mas Leopoldo de Saxe-Coburg não queria
tal coisa; o que cobiçava era o trono da Bélgica, e desincumbiu-se de suas
altas obrigações com tanto deleite quanto êxito.
Seu reino era, € é, pequeno, mas não insignificante. A posição es-
tratégica da Bélgica era importante o bastante para preocupar as potên-
cias e a Grã-Bretanha em particular, tão importante, na verdade, que elas
garantiram sua neutralidade por tratado. Economicamente, a situação da
Bélgica não era menos admirável. A população não era grande. Em 1865,
o país tinha quase cinco milhões de habitantes, mas este número iria au-
mentar muito depressa. A Bélgica era um dos mais desenvolvidos países
da Europa, uma terra de ferrovias, minas e altos-fornos. Um terço da
população trabalhava na indústria. A economia da Bélgica era aberta e
|
vulnerável, e afetada pelas turbulentas flutuações do clima econômico
europeu. Isso significou que, em 1865, quando Leopoldo II subiu ao tro-
no, a Bélgica foi sugada para dentro do grande florescimento econômico, |
* Após a queda de Mobutu Sese Seko (1997), 0 pais passou a chamar-se Repr ica do Congo (N. do R,)
o 87
laté fins do século. 1873
Embora o Rio Schelde fosse mais uma
vez aberto à navegação, e à
atividade marítima de Antuérpia estiv
esse longe de ser desprezível, a Bél
gica era mais voltada para a indústria
do que para o comércio, mais para
Os negócios continentais do que ultr
amarinos. Neste aspecto, ela diferia
de sua vizinha do Norte. Além disso — esta era outra
—, não
grande diferençg
tinha colônias. Havi
a inúmeros motivos para isso.
Para começar,
a nova doutrina econômica liberal
ditava que as colônias não serviam
propósito algum. As antigas práticas monopolistas a
pelos novos discípulos do livre comé
eram excomungadas
rcio. Se colônias, segundo o evange-
lho econômico do dia, tivessem de ser
abertas aos serviços e produtos de
todos os países, torn
avam-se apenas um fardo para a
tinha de pagar a conta da administ matriz que, no fim,
ração e defesa, sem receber muito
troca. Em meados e também durante em
o terceiro quarto do século XIX, o
anticolonialismo era uma tendência
que se tinha de levar em conta. Não
só os países pequenos, como os Países Baix
os e a Dinamarc a, rejeitavam a
possessão de colônias africanas como
fúteis, mas os grandes, como a Grã- Leopoldo 1
Bretanha e a França, cogitavam de
fazer o mesmo. A Bélgica tinha moti
vos extras para abster-se de aventura - ldo, isso e
s coloniais: faltava-lhe uma Mari
- sria tolerância aos excessos da realeza. Para Leopo
nha para proteger qualquer possessão ultr can nd
amarina. Se entrasse desajeita- do li cial: sua reputação era tão escandalosa que
damente na loja de porcelana inte visitas às capitais da Europa e ici
rnacional, poderia pôr facilmente
em o e es seit CAS
perigo sua neutralidade e, portanto sensações na aii ig
, a própria existência. Sua tent
ativa Ea o ed A da âncominíbvl busca de novas im
de colonização na Guatemala, em país q
1845, resultara em fiasco. Não é ldo não »ra
Leopoc
n menos generoso e apaixonado por seu
admirar, então, que a Bélgica fosse de
um país anticolonial. algumas de suas es Num certo sentido, ele impunha seu amor
opuse
mesmo à Bélgica. Contudo,
es, , seus suí litos p a
contrári o d da 1S amant
cO
É st
alguma resistência.
agud
Leopoldo II E tenra juventude, Leopoldo desenvolvera
paesde a tenra
€ a expai Sa o ultran na-
3
comercio , ºà naveg
€ Za € ça 10
O qu] Ie os e rel o icion ava
mnava « 10
tudo ]
O segundo rei dos belgas tinha idéia íses Ba s. em part lé
as
ç
read É
h
olan-
s diferentes, contudo. Leopoldo II tina.
S
eu
1 |
modelo
a fe
eram os
Ê P.
ra ses aIxos, en par icular

(1835-1909) era uma personalidad de 1860 , ele


e estranha. Para começar, suas e muito em p ia
espec l Ja Ava - E EM 11 d e fevereir

ções eram gigantescas. Um homem propor- t le sas


ao n » Oriente
a, , € ) nde , como
grande e com grandes idéias, embo p pr imeiro gr c ur ide discurso te
€ nte
F peran Os en ad O bel

muitas vezes agisse de modo mesq ra | roteriu eu


seu
aniver Sa-
uinho. Alto e de compleição musc ocupara um assento desde seu décimo itavo

com uma barba farta e comprida, ulos a, he rdeiro do trono,


e as ex JOT-
e um nariz grande demais, ao qual W
dis curso de estreia foi o incentivo ao comer
, cio

se referia com desprezo.* O amor sua mãe no. O () tema


tem S
d de sse
] l 1
inequivoco 4 “|
que ela lhe devotava não era muito sda l É e
AS Concluiu é o com um
um ape o vetado , mas

mas considerável em comparação grande, '


taçoe se U tramacrim as.
les empi esas
ao do pai, a quem não tinha permissã Sua evocação do glor 1050 passado das gr an

ver, sem um pedido formal de audi o de í X|: ans são colonial.


Jav o j enta o des p e
ência. Não surpreende, portanto, )
t erminou ec ) m uma o referência a os lucros q ue

Leopoldo esbanjasse seus transbor que tai


ads
comerciais Tr
aces 4
dantes afetos sobre pessoas fora de java nos cofres holand eses.
mento e de seu círculo familiar. Seu seu casa- de Leopoldo, o início E
apetite era tão insaciável na cama
quan- Essa foi a primeira de muitas prof fissões de fé
to na mesa . Fo Foi
e também indiscriminado. Desconhe
cia-se o número exato de a longa,
E porém
é vã,à, campa
Cá nha a m missi onária entre seus compatrioti as.nr
suas amantes, mas muit o famosas eram suas incontáv
eis visitas a bordéis, E & ado da longa preparação intelectu
rnaesua
a

onde sua preferência por menores af s ultramarinos ce


DOremon
provocava escândalos mesmo
num mundo Ú » de Brabante. Se u interesse nos paise tava

lua-de-me I a Egito e no Oriente Próxi


Ei mo, onde pasn
88
89
ta atratr sua atenção, assim como Formosa, Tonquim, Sumatra
e outras.
pelos projetos e planos espetaculares de diques e canais. Durante os 10 l ma atrás da outra, as ilhas levavam a planos, projetos, sondage
anos entre a menoridade e a ascensão ao trono em 1865, ele passara muito
ns, todos
is, no fim, não deram em nada. Em seguida à ascensão de Leopoldo
tempo avaliando as possibilidades de uma incursão belga no mesmo cam- o trono, porém, ocorreu uma acentuada mudança.” A finalid
po. Seu entusiasmo refletia a falta de discriminação tão característica dele ade conti-
sendo a mesma, ou seja, dar à Bélgica uma colônia,
mas os meios eram
em outras áreas. O jovem Leopoldo expressava seus pensamentos com tan- diferentes. Leopoldo àquela altura compreendeu que seu país,
ta franqueza que seu próprio despudor tinha algo que desarmava as pesso- ou pelo menos
eu governo, não queria nada que se relacionasse com expansão colonial
as. Seus muitos correspondentes eram abarrotados com sugestões e sedu- ,
Homtiter im ve, suaviter in modo (forte no que se refere aos fins mas flexível
ções, com perguntas e pedidos. “As Filipinas estão à venda?”, perguntou a na
execução), ele permaneceu fiel ao seu sonho, mas mudou sua
um correspondente espanhol. “Vossa majestade consideraria talvez a possi- tática. Daí em
diante, trabalharia como pessoa privada, com o prestígi
o de soberano e sua
bilidade de uma expedição à China?”, escreveu para a rainha Vitória, ofe- fortuna familiar por trás dele, claro, mas livre das limitações govern
recendo-lhe, logo a seguir, a ajuda de tropas belgas. Sua mentalidade era amentais
+ parlamentares. Um príncipe constitucional na Bélgica,
um empreendedor
mais de um bucaneiro ou mafioso do que de um rei. Assim, ele escreveu em independente fora do país — essa foi a nova estratégia de Leopold
1859: “Podem-se encontrar riquezas incríveis no Japão. O tesouro do im- o.
Em 1869, escreveu de maneira grandiosa: “Prometo solene
perador é imenso e mal protegido.” A ênfase foi dele.” mente não
pedir nada ao ministro das Finanças."!º Não manteve a
O pensamento de Leopoldo revelava uma tendência exploradora tão promessa, mas ela
toi, na verdade, a base de suas novas operações. A partir
grosseira que é surpreendente como ele conseguiu criar uma fachada de daí, essas ocorre-
Him num mundo peculiar de sociedades e comitês, compan
virtude, envolvendo o início de sua aventura
hias e empresas
africana em uma aura de ca- fundadas por ele mesmo. No nome sempre internacionais e
ridade missionária e filantrópica, disfarçada com habilidade de perito. A quase sempre
lilantrópicas, passaram a ser cada vez mais opacas e complexas
virada decisiva em seu caminho para uma doutrina colonial mais terra-a- na prática.
“Punion fait la force” — “A união faz a força” é o lema do Estado
terra, mas não menos interesseira, ocorreu em 1861. No final desse ano, belga.
Mas o próprio Leopoldo vivia mais de acordo com palavra
Leopoldo esbarrou num livro que lhe ofereceu nova munição para suas s extraídas de
Ouilherme Tell, de Schiller: “Der Starke ist am mãchtigsten
idéias coloniais, Java or How to Manage a Colony [Java ou como adminis- allein” — “O
forte é mais poderoso sozinho.”
trar uma colônia], de J. W. B. Money. O autor era um advogado britânico
que, em 1858, depois de passar quatro anos na Índia, viajara para Java,
sobretudo porque ouvira dizer que era uma ilha linda, “com um clima exce-
lente, caminhos fáceis e uma ópera”. Mas Money encontrou mais do que
isso em Java. Ficou particularmente impressionado com as r »alizações da
administração colonial holandesa e, em especial, com o sistema de cultivo,
do qual brotavam dividendos impressionantes para o tesouro holandês.
Money esperava que esse livro pudesse servir de lição para seus compatrio-
tas na Índia. Nisso ele malogrou. A política agrícola holandesa, baseada
em trabalhos forçados e monopólio estatal, era demasiado não-liberal e
muito conflitante com o espírito da época para atrair a Grã-Bretanha, o
baluarte do livre comércio e livre empreendimento. Para o ilustre leitor em
Bruxelas, contudo, o livro foi uma dádiva de Deus. Java iria tornar-se seu
grande modelo, seu paradigma colonial. “Java”, escreveu, “é uma mina de
ouro inexaurível. Pode-se, portanto, formular a pergunta da seguinte ma-
neira: é vantajoso possuir uma mina de ouro?”
À princípio, seus pensamentos concentraram-se no Oriente. “O se-

nhor conhece uma ilha na Oceania, no Mar da China ou no Oceano Índico,


que poderia servir para nós?”, perguntou a um oficial naval belga em 1861.*
Ele também tinha simpatia por Bornéu; numa fase posterior, a Nova Guiné
David Livingstone (1813-1873), médico, missionário e explorador,
teve pouco a ver com a partilha da África no sentido estrito, embora o
2 A CCONFERÊNCIA DE BRUXELAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS
problema que o preocupou durante os últimos anos de sua vida certamente
tivesse. Livingstone participara de diversas grandes jornadas — suas via-
vens através da África partindo de Luanda, na costa ocidental, até
| Tendo malogrado todas as ambições coloniais de Leopoldo nos oceanos Quilimane, na oriental, foram as mais famosas — antes de decidir explorar
Índico e Pacífico, ele acabou adquirindo uma colônia no coração da África a nascente do Nilo, em 1866. Numa dessas viagens, em 1871, ele seguiu o
negra, uma região em que parecia haver pequeno espaço para métodos agrí- curso do Lualaba, o longo e caudaloso rio que é, na verdade, a nascente
colas modernos e produção de excedentes. Assim, uma lacuna profunda se- ocidental do Congo. Livingstone, contudo, estava convencido de que
parava o sonho do rei e a realidade. Leopoldo obteve uma colônia com a qual Lualaba era uma continuação do Nilo. Enganara-se, mas o resultado foi
jamais sonhara e na qual, por maior viajante que fosse, jean meteria os pés.
que a África Central se tornou o foco do esforço de exploração feito tanto
A história desse estranho desenrolar de acontecimentosé um conto cheio de a partir da África Ocidental como da Oriental.
surpresas, coincidências, mudanças de tática e viradas do destino. Livingstone atravessara a África do Oeste ao Leste. O primeiro ex-
É difícil dizer exatamente quando Leopoldo direcionou seus pensa- plorador a cruzar o continente do Leste ao Oeste foi Lovett Cameron. Ele
mentos pela primeira vez para a África. Já em 1863, ele mencionava um levou dois anos e meio para percorrer de Bagamoyo, na África Oriental, à
“domínio” belga que se poderia estabelecer, “seja na China, no Japão, em costa ocidental, chegando em Luanda, na embocadura do Congo, em 22 de
Bornéu, na América Central, ou na costa da África”. Uma escolha ampla, novembro de 1875. Não conseguiu acompanhar todo o curso do Lualaba e
na verdade. Em 1873, havia um plano, ou pelo menos a idéia de fundar
do Congo — algo que Stanley iria fazer logo depois —, mas se convencer:
uma East Africa Company [Companhia da África Oriental] na Moçambique de que o Luala sd ra a continuação do Congo e não do Nilo. Na passagem
portuguesa e depois apoderar-se do território em que ela negociava.!* Con- tomou posse dessas regiões para os britânicos em nome da rainha, mas não
tudo, no momento esse domínio africano não iria ser levado muito a sério.
contara com a aversão do ambiente vitoriano da época a obrigações colo-
Até 1875, os pensamentos de Leopoldo mantiveram-se fixos em horizontes a ponto de pro-
niais. Esse sentimento continuava bastante forte na época
distantes no Oriente. A relutância das potências coloniais em responde vocar a rejeição imediata de todas essas anexações. A última coisa de que a
aos avanços meio indiscretos de Leopoldo foi tão grande, porém, que mes- Grã-Bretanha necessitava, opinou o ministro das Relações Exteriores, era
de mais florestas e selvagens. 14
mo o impetuoso e persistente rei desestimulou-se. Em 22 de agosto de 1875,
ele escreveu ao seu confidente, Auguste Lambermont, que as autoridades
O homem que continuou a obra de Cameron, Henry Morton Stanley,
espanholas não aceitariam ceder as Filipinas — seu sonho antigo. À situa- iria tornar-se o mais famoso explorador de seu tempo e o maior na história
ção parecia desanimadora. “Nem os espanhóis, nem os portugueses, da exploração africana. Conquistou sua fama acima de tudo como “o ho-
tampouco os holandeses estão dispostos a vender. Estou planejando desco- mem que encontrou Livingstone”, mas permaneceu famoso como aquele
brir discretamente se há alguma coisa a se fazer na África.”” Embora nem
que proferiu a bizarra frase, “Dr. Livingstone, | presume”. A vida desse ho-
tudo fosse acontecer com muita discrição, Leopoldo encontrou “alguma mem incomum foi tema de muitas biografias.
coisa a se fazer” na África nos anos seguintes. Henry Morton Stanley (1841-1904), cujo nome verdadeiro era John
Rowlands, nasceu em 28 de janeiro de 1841, em Denbigh, no País de Gales.
O registro de batismo declara que o nome de sua mãe era Elizabeth Parry e
Exploração e exploradores
que John Rowlands reconheceu a paternidade. Embora isso pareça bastan-
te claro, acrescentaram a palavra “bastardo” para se ter dupla certeza. John
Que a África iria aos poucos atrair a atenção de Leopoldo não nos
Rowlands era fazendeiro e beberrão, Elizabeth Parry, filha de um açouguei-
deve surpreender. Na década de 1870, a África era um destino tão emocio-
ro que trabalhava como criada em Londres e vez por outra retornava à
nante quanto a lua iria ser na de 1960. Era também quase desconhecida
cidade natal para dar à luz. Ela iria ter outros três filhos ilegítimos e, em
Existiam menos viajantes na África então do que astronautas hoje, e eram
consegiiênçia disso, ganhou uma certa reputação no local do seu nasci-
tão famosos quanto os últimos. Os mais famosos deles foram, claro,
mento. John Rowlands Júnior primeiro morou com o avô e, após a morte
Livingstone, Stanley e Brazza. 1547
deste, com vizinhos. Como esse arranjo se mostrou insatisfatório, em

92
93
acabaram mandando o menino para o reformatório St. Asaph Union
Workhouse, hoje ainda em funcionamento como o Hospital H. M. Stanley. Stanley afirmou ter concluído a viagem em novecentos e noventa e
nove dias exatos — o número verdadeiro foi mil e dois. Ele chegou em Boma,
Charles Dickens legou-nos uma descrição do reformatório do século XIX
tão pungente quanto a descrição do inferno de Dante, e a semelhança en-
no estuário do Congo, em 9 de agosto de 1877. Para a história do Congo, essa
viagem foi de suprema importância. Stanley revelara que, passando o Lago
tre os dois era, na realidade, notável. Não é de admirar que o rapaz fugisse
Stanley [Stanley Pool], o rio oferecia um excelente acesso à África Central.
do lugar. Após vagar, errante, por algum tempo, empregou-se como taifeiro
Ele identificou nisso uma grande oportunidade para sua nativa Gra-Bretanha,
num navio prestes a zarpar para Nova Orleans.
due sempre permanecera cara a ele, mas que, de seu lado, não tinha por ele
Na América, ele encontrou não apenas uma nova terra natal, mas
vrande estima. A reputação de Stanley estava longe de ser imaculada. Ao
também um novo pai, na pessoa de um rico comerciante de algodão, Henry
contrário do universalmente reverenciado Livingstone, consideravam-no uma
Hope Stanley. Este adotou o jovem galês que, a partir dos 19 anos, passou
a chamar-se Henry Morton Stanley. O idoso comerciante morreu sem
personalidade dúbia. Seus feitos podiam ser impressionantes, mas os méto-
dos empregados eram questionáveis. Durante sua expedição, agiu muitas ve-
deixar testamento assim que irrompeu a Guerra Civil Americana, e Stanley
ses de modo cruel. Ele próprio viajava com imenso fausto. Jamais ia a algum
não entrou por isso nos negócios da família. Lutou primeiro com o Sul,
lugar sem uma cama portátil, um conjunto de toalete de prata e vastos supri-
foi preso e depois tornou a alistar-se com o Norte. Contudo, sua verda-
mentos de champanha.
deira vocação não era a de ser soldado, mas correspondente de guerra.
Os britânicos não tinham Stanley em alta estima também por outras

a
Nesta função, conquistou renome mas, quando acabou a Guerra Civil,
não havia muito o que noticiar na América e ele se tornou um repórter
razões. Sua aparência não impressionava muito. Era baixo, corpulento, de
itinerante. Visitou a Espanha, Etiópia, Grécia, Turquia — àquela época rosto vermelho. A rainha Vitória referia-se a ele como “um homenzinho de-
havia bastante guerras, expedições e aventuras. Depois, seu novo patrão, terminado e horroroso — com um forte sotaque americano”.!º Suas maneio,
o dono do New York Herald, deu-lhe a missão que o tornaria famoso: ras eram vulgares. Mas ele era forte e excepcionalmente saudável, e era em
“Encontre Livingstone.” seral o único homem branco a sobreviver às expedições que chefiava. Um
famoso fotógrafo retratou-o como o super-homem, Bula Matari, o “Rompe-
Livingstone era o queridinho da opinião pública inglesa, principal-
mente graças à sua nobre luta contra o tráfico de escravos e seu fervor Pedra”. A Sociedade Geográfica Britânica a princípio considerou-o um char-
latão, mas iria depois reconhecer seu erro. À má reputação de Stanley na |
missionário, embora tenha convertido apenas um africano que, mais tarde,
abandonou a fé.” Como tantos outros, Livingstone Grã-Bretanha deveu-se não pouco à sua inimizade com John Kirk, o cônsul
procurara ansiosamen-
britânico e vice-rei sem coroa de Zanzibar, que tinha muitas coisas desfavo-
te a nascente do Nilo e, como tantos outros, no lugar errado. Em 1870,
após anos de busca, ele desaparecera na selva sem um único sinal de vida.
ráveis a dizer dele, e considerou a viagem de Stanley “uma desgraça para a
No início de 1871, Stanley zarpou de Zanzibar para iniciar sua grande aven-
humanidade”."” Muito se escreveu sobre a crueldade e brutalidade das ações
tura. Em 10 de novembro do mesmo ano, conseguiu finalmente encontrar de Stanley e houve muita especulação sobre seu caráter, cujas deficiências
não eram surpreendentes num homem com suas experiências infantis. Tinha
Livingstone, e disse as palavras que iriam entrar para a lista das mais famo-
fama de ser agressivo e dominador mas, também, sentimental, hipersensível, |
sas da história. Depois do encontro, copos ergueram-se com o champanha
pouco prático e frustrado. “Homossexual enrustido”, e “sadomasoquista” são
que Stanley levava em todas as suas viagens. Em 14 de março de 1872, os
apenas dois dos muitos epítetos usados em relação a ele.!º |
caminhos dos dois exploradores separaram-se de novo. Stanley retornou
ao mundo civilizado, Livingstone, com a saúde debilitada, permaneceu, de-
A campanha de Kirk e a falta de interesse pelo interior da África
cidido a descobrir a nascente do Nilo. Morreu em maio de 1873. Naquele demonstrada por Disraeli e Salisbury explicam a fria recepção que os pla-
nos de Stanley tiveram na Grã-Bretanha. A calorosa atenção dispensada |
mês, Stanley retornou à costa já um homem famoso. Logo depois, partiu
a ele pelo rei Leopoldo deve ter sido, portanto, um alívio para a alma do (|
para a grande jornada que o tornaria ainda mais famoso. Como represen-
acuado explorador. Stanley passou a trabalhar para Leopoldo e permane-
tante do New York Herald e do Daily Telegraph, ele chefiou o que se tornou
conhecido como a expedição “Anglo-Americana”, uma viagem de costa a
ceu com o rei até 1885, após o que iria chefiar a Expedição de Resgaste
do paxá Emin, antes de regressar para sua amada Grã-Bretanha. Ele deu
costa destinada a desvendar todos os mistérios remanescentes. De que ta-
conferências em todas as partes do mundo, tornou-se membro da House
manho era o Lago Vitória? Seria ele a nascente do Nilo? Seria o Lualaba,
of Commons, e até do Clube Athenaeum. Em 1899, recebeu o título de
descoberto por Livingstone, a nascente do Nilo, do Congo ou do Níger?
cavaleiro. Casou-se, adotou um filho e retirou-se para uma propriedade
94

95 ]
de campo, em Surrey, transformando seu jardim num mini-Estado Livre [870, a colônia parecia mesmo condenada. Todo o insignificante comér-
completo, com selva e Stanley Pool. O gosto de Stanley continuou con- cio existente ali pertencia aos britânicos. A administração colonial era
trovertido. Morreu em 1904. dispendiosa. Por esses motivos, a França vinha planejando, no mesmo
Nosso terceiro explorador do Congo, Savorgnan de Brazza, era um ano da expedição de Brazza, extinguir a colônia ou, ainda melhor, fazer
tipo inteiramente diferente. Brazza (1852-1905) era um homem com ori- um acordo com a Grã-Bretanha.?! Os africanos ao longo dos braços
gem tão confusa quanto a de Stanley, embora muito diferente. Enquanto inferiores do rio estavam criando problemas, protegendo com êxito seu
Stanley era filho ilegítimo, educado e mantido num reformatório inglês, monopólio comercial. As instruções de Brazza eram navegar Ogowe aci-
3razza era filho de um nobre romano, criado num lar próspero e respeita- ma, encontrar a nascente do rio e tentar fazer contato com tribos mais
lo, e beneficiou-se de proteção durante toda a sua vida. Assim como Stanley hospitaleiras ao longo de seu trecho superior. Garantiram-lhe um ano de
me um cidadão britânico que se naturalizou americano, mas continuou salário adiantado, um crédito de 10 mil francos e a ajuda de dois compa-
sendo um patriota britânico, Brazza, também, era um homem dividido en- nheiros de viagem brancos, um médico e um contramestre. O ministro da
tre dois países: um italiano, com fervoroso patriotismo francês, que jamais, Educação depois acrescentou um biólogo. Assim, quatro brancos e
seria aceito no meio que escolheu, a Marinha francesa. ” dezessete negros chegaram a Lambaréné, em 13 de novembro de 1875,
Pierre Savorgnan de Brazza nasceu em Roma, em 1852, sétimo filho para uma viagem que iria levar três anos.
de uma família de 12. Seu pai e um amigo da família, o almirante francês A expedição de Brazza levou-o Ogowe acima, através da floresta tro-
Louis de Montaignac, despertaram o interesse do jovem para a Marinha pical até as partes superiores do rio, onde, mais tarde, seria fundada
a francesa — quando ele ainda era uma criança. Isto porque não exis- Franceville. Ali, ele encontrou uma região de savanas habitada por agri-
tia nenhuma Marinha italiana na época, como não existia a própria Itá- cultores sedentários. Os bareques, como eram chamados esses povos, tam-
lia. Seus pais eram entusiásticos seguidores do papa e assim opunham-se bém praticavam tecelagem e tinham ligações comerciais com tribos ao lon-
à Casa de Savóia. Não queriam que ele servisse à frota de Vitor Emanuel go do Alima. Brazza penetrou na bacia desse tributário do Congo. Às re-
e infelizmente não havia nenhuma frota papal. Mesmo assim, a Igreja siões por onde atravessou pareciam ser ricas em matérias-primas cobiçadas,
católica deu o melhor de si para promover a carreira desse jovem cavalei- sobretudo borracha e marfim, enquanto, de sua parte, os nativos pareciam
ro romano e o núncio papal em Paris atuou como seu zeloso protetor.” O ávidos por produtos europeus. Brazza descobrira uma rota de acesso desco-
destino determinou, além disso, que seu outro protetor, o almirante de nhecida e relativamente simples à bacia do Congo superior. Um novo futu-
Montaignac, se tornasse ministro da Marinha, em 1874. Graças à inter- ro despontava no Gabão.
venção do almirante, Brazza recebeu permissão para ingressar na acade- A expedição de Brazza anunciava um novo desenvolvimento colo-
mia naval em 1868, como estudante estrangeiro. Na época, ele tinha 16 nial ao estilo típico francês, nem político nem comercial, mas romântico,
anos. Dois anos depois, fez sua primeira viagem naval, mas não pôde tor- militar, exótico e aventureiro. Nascera da ambição, aplicação e tenacidade
nar-se oficial porque não era francês e só pôde tornar-se francês na maio- de um único homem. O crédito entregue a Brazza destinara-se a cobrir os
ridade. Ao atingi-la, naturalizou-se, afinal, em 13 de agosto de 1874. En- custos de uma expedição de um ano de duração, que acabou durando três.
tretanto, mais uma vez, a legislação atuou contra ele: a senioridade de Portanto, o dinheiro não chegou nem perto das despesas, porém o governo
um oficial naval dependia da data de sua naturalização. De novo, a pro- francês negou-se a mandar mais. Felizmente, a mãe de Brazza mandou-lhe
teção ajudou-o quando a legislação e a hostilidade do oficialato naval fundos de Roma. No fim, Brazza pagou mais da metade dos custos de seu
francês puseram obstáculos no seu caminho. Montaignac conseguiu que próprio bolso.?? Embora a França o tivesse coberto de honras, o tivesse ad-
lhe dessem um posto e o pusessem no comando de uma expedição para a mitido na Legião de Honra e condecorado com várias fitas e medalhas, a
Africa. Isso foi em 1875. A grande paixão de Brazza eram viagens de des- Marinha recusou-se a conceder-lhe a promoção que lhe era devida. O fa-
cobrimento, tanto assim que, ainda na academia naval, submetera-se a moso explorador continuou com a patente inferior à de seus colegas de
uma dieta rigorosa para habituar-se à fome que todos os exploradores turma, o que não diminuiu, contudo, seu fervoroso patriotismo francês. Na
tinham de enfrentar mais cedo ou mais tarde.” verdade, ele iria dar um passo, em nome de seu país adotivo, ainda mais
O estuário de Ogowe estivera em poder dos franceses desde a déca- rico em consequências: sem que lhe fosse pedido, reivindicou o Congo pars
da de 1840, e a possessão se ampliaria mais tarde até se tornar a Colônia a França. No entanto, esse passo colocou-o em conflito direto com o gran-
do Gabão. Isso pertencia ao futuro, contudo, e no início da década de de rival da França na África central, Leopoldo II.

of
A Conferência Geográfica de 1876 escravidão. Um pouco mais difícil de obter-se foi a concordância sobre a
localização dessas bases. Dispensável dizer, teria de haver uma na costa
Em 1875, quando Leopoldo começou a desovar seus planos africa- oriental e outra na ocidental, isto é, uma no estuário do Congo e outra
nos, esses exploradores ainda estavam todos na selva. Cameron reapare- em Zanzibar. Luanda e Bagamoyo pareciam os locais mais convenientes.
ceu em novembro de 1875. Brazza embarcara para a África nesse mesmo Quando se tratou do interior, contudo, houve uma diferença de opinião
mês e só retornaria três anos depois, no Gabão. A viagem de Stanley pela entre os “maximalistas” que exigiam uma ambiciosa rede de bases que se
África negra durou de 1874 a 1878. Notícias dessas viagens, contudo, comunicariam, por fim, com o Nilo e o Zambezi, e os “realistas”, que
vazavam para Europa e Leopoldo acompanhava os relatos com vívido queriam apenas uma conexão Leste-Oeste. O segundo grupo venceu e a
interesse. Em agosto de 1875, realizou-se, em Paris, o Congresso da Soci- conferência aprovou, afinal, quatro bases provisórias, situadas aproxi-
edade Geográfica Francesa. Leopoldo aproveitou a ocasião para colher madamente ao longo da rota feita por Cameron.
informações detalhadas sobre a exploração da África?, e isso O conven- Restava o terceiro ponto da agenda, a natureza da sociedade a ser
ceu a organizar outra conferência geográfica, desta vez em Bruxelas, para fundada. A conferência decidiu pela fórmula de uma associação interna-
melhor descobrir o que poderia ser feito na África, se é que alguma coisa cional, com comissões nacionais nos vários países-membros. Assim, em
poderia ser feita. A conferência teria que ter claros objetivos científicos e 14 de setembro de 1876, fundou-se a Associação Internacional Africana
ser humanitária no espírito, isto é, declarar-se especificamente contra (AIA), com sede em Bruxelas e o rei Leopoldo como seu presidente. Com
o
tráfico de escravos. Ela teria também de ser internacional, evitando toda a devida modéstia, o rei aceitou o cargo, provisoriamente, durante
to-
das as formas de rivalidade. A assembléia internacional, humanitária apenas um ano. Ele iria, ao mesmo tempo, chefiar o comitê executivo,
e
científica reuniu-se em 12 de setembro de 1876, no palácio do rei que também incluía o explorador alemão Gustav Nachtigal, o diplomata
dos
belgas, em Bruxelas. O encontro viria a tornar-se conhecido como britânico, Sir Bartle Frere, e o biólogo francês, J. L. A. de Quatrefages,
a Con-
ferência Geográfica de Bruxelas.* todos os quais presentes na conferência. O comitê, portanto, teve uma
Foi um grupo impressionante que Leopoldo congregou. Havia dele- | composição equilibrada. Confiou-se, enfim, ao presidente a nomeação de
gados da Rússia e da Áustria, Itália e Alemanha, França e Grã-Br um secretário geral para ajudá-lo na direção cotidiana da associação.
etanha e,
da própria Bélgica, vieram seus leais colaboradores, Lambermont Leopoldo originalmente escolheu para o cargo seu confidente, o barão
e Banning.
A maioria desses participantes era de geógrafos e exploradores — com muito Jules Greindl. Contudo, o decepcionado Greindl percebeu as segundas-
]
poucos negociantes e comerciantes presentes. Enalteceu-se o espírito intenções sob os planos de Leopoldo e este achou melhor substituí-lo
de
Bruxelas, não menos enaltecido foi o discurso com o qual pelo coronel M. Strauch.
o ilustre presi-
dente iniciou os trabalhos em 12 de setembro de 1876. Nada jamais viria a se concretizar dos comitês nacionais. Os britâni-
O assunto que os reunira, declarou o rei, era o exame cos não os viam com grande respeito, a orgulhosa Real Sociedade Geográ-
de uma das
maiores tarefas então enfrentadas pela humanidade: o acesso à civiliza fica não tinha a menor intenção de agir como uma sucursal de uma criação
ção
da última parte do globo que ainda não se havia beneficiado dela, de Bruxelas. O entusiasmo esfriou ainda mais quando Leopoldo — bastan-
a África
Central. Essa tarefa teria de ser examinada longamente por meio te estranhamente, numa tentativa de agradar aos britânicos — começou a
da cola-
boração e consultas para evitar duplicação de trabalho. As propostas enfatizar a natureza humanitária de seu empreendimento, ou seja, a luta
con-
cretas na agenda incluíam a criação de bases operacionais em contra a escravidão.” Os britânicos não estavam em busca de um monopó-
Zanzibar e no
estuário do Congo, a indicação de rotas de acesso ao interior lio africano no comércio ou exploração, mas não deixariam ninguém rou-
e à designação
de um comitê internacional para organizar todo o trabalho benefic bar-lhes o direito à paternidade abolicionista. Por conseguinte, estabelece-
ente.
A conferência pôs-se ao trabalho imediatamente e, de acordo com ram seu próprio Fundo para a Exploração Africana e liquidaram o assunto.
a prática moderna, até dividiu-se em grupos de trabalho. A idéia
de criar Na França, houve, a princípio, uma simpatia maior. Ninguém me-
bases na África foi muito bem acolhida. Todos os exploradores concord nos do que Ferdinand de Lesseps, outrora chamado de “canalha” por
a-
vam com a utilidade delas. Essas bases, antes de tudo, iriam Leopoldo, aceitou presidir o comitê francês. Na Exposição Mundial de
proporcionar
hospedagem aos viajantes. Em seguida, teriam um objetivo 1878, ele fez até palestras em favor de seus objetivos e sugeriu uma loteria
científico, ou
seja, reunir informação sobre o país e seu povo. Por fim, teriam nacional em favor dele. Pouco resultou disso, e a maior parte do dinheiro
de ampli-
ar-se e passar a ser centros de civilização e baluartes na guerra reve de vir de subsídios do governo. O comitê francês criou duas ne
contra a

98
“9
A fama de um governante dissoluto e não muito prático, embora no
com a ajuda do Estado e de Leopoldo, mas essas bases içaram a bandeira da
fundo idealista e esclarecido, que Leopoldo adquiriu em Bruxelas, em 1570,
França, não a da Associação. O comitê alemão, também, inaugurou algu-
mas bases que acabariam ostentando a bandeira alemã. Ao contrário dos fria, em todo caso, colocá-lo em posição muito vantajosa nos anos vindou
vos. Ele a conservou até a virada do século, quando as atrocidades do Congo
franceses, os alemães contribuíram com algum dinheiro para o Comitê de príncipe humanitário na de
transformaram para sempre sua imagem
Internacional em Bruxelas, mas só uma vez e com uma soma modesta. Os
únicos países que arcaram com sua parte foram os menores, sobretudo a| vilão-mor colonial. Essa reavaliação quase não causou impacto na partilha
da África. O Estado do Congo havia sido reconhecido pelas potências já
Holanda (que não havia sido representada em Bruxelas, mas ingressara
em 1885. Antes disso, nos anos entre a Conferência de Bruxelas, em 1876,
na AlA logo depois).
ec a de Berlim, de 1884 a 1885, a fama de Leopoldo prestou-lhe um inesti-
O internacionalismo tinha poucas oportunidades num mundo em que,
múvel serviço na aquisição daquele estado e o reconhecimento internacio
sem dúvida depois de 1870, o patriotismo havia-se tornado a grande pai-
também, o momento não era para idealismo ou nal de suas fronteiras.
xão. Economicamente,
internacionalismo. Na década de 1870, uma depressão econômica atingiu
a Europa, e os governos adotaram uma posição cada vez mais intervencio-
nista. Todas as histórias sobre as fantásticas perspectivas comerciais e pos-
sibilidades de investimento sem precedentes, apregoadas por viajantes en-
tusiásticos e engenheiros ambiciosos, não podiam simplesmente ser postas
de lado. A crise econômica clamava por uma solução. Nessas circunstânci-
as, a África não podia continuar sendo apenas objeto de febre de
desbravamentos e filantropia — logo as considerações comerciais e políti-
cas também iriam desempenhar seu papel.
As paixões nacionais, portanto, acabaram pondo um final precoce
nos planos internacionais de Leopoldo. Mas será que o rei realmente se
importou? Não seria todo esse palavrório filantrópico e internacional
apenas uma forma de maquiagem das próprias ambições comerciais e
nacionais do rei da Bélgica? Não estaria Leopoldo, na realidade, atrás
de uma colônia só sua? Apesar das aparências, os problemas eram um
pouquinho mais complexos. Naturalmente, Leopoldo nunca perdeu de
vista suas ambições coloniais, mas, ao mesmo tempo, ele era sincero em
seu declarado internacionalismo. Feitas todas as contas, a tarefa de des-
bravar a África foi algo muito diferente de seu antigo projeto de com-
prar simplesmente uma colônia. Talvez, àquela altura em que tudo o
mais malograra, ele estivesse sendo obrigado a sair em busca dessa colô-
nia, mas isto não mais poderia ser feito da maneira antiga. Afinal, ne-
nhuma colônia estava à venda na África. Ali, tudo tinha de ser cons-
truído do nada e era preciso uma operação de vulto, muito acima das
possibilidades financeiras de Leopoldo. Por outro lado, qualquer um que
assumisse a liderança no desbravamento da África não chegaria tarde
demais para a divisão eventual do espólio. E quanto aos aspectos hu-
manitários, não declarara o presidente da Câmara do Comércio em
Lyons: “Civilizar na moderna acepção da palavra é ensinar as pessoas a
trabalhar de modo a que possam comprar, trocar e gastar”??? Claramen-
te, à linha entre civilizar e explorar era muito tênue. se

101
1/YN cid ei bit ad di
menos, o convidaram para ingressar no serviço do rei. O ex-menino do
3 Os EUROPEUS NO CONGO relormatório ficou, sem dúvida, impressionadíssimo com essa demons-
tração de interesse ilustre. Contudo, seu patriotismo britânico prevale-
vou, Queria primeiro ouvir a resposta do governo britânico às propostas
Da Associação ao Comitê que lhe fizera. Quando a resposta chegou, foi desestimulante: o departa-
mento colonial julgou seus planos vagos demais, o Ministério das Rela-
Em 1876, Leopoldo tivera uma idéia; em 1885 governava um país de
coes Exteriores achou-os interessantes, mas pouco práticos.” Em suma,
quase um décimo do tamanho da África. Alguma coisa deve, portanto, ter [oi pequeno o entusiasmo britânico pelas idéias de Stanley.
Bruxelas adotou exatamente a opinião contrária. O explorador que
acontecido nesses 10 anos. Os objetivos de Leopoldo não haviam mudado.
Mesmo na África, ele aferrou-se à sua convicção de que uma colônia exis- havia sido saudado com tanta frieza na Inglaterra foi acolhido de braços
abertos e seus ambiciosos projetos obtiveram calorosa audiência real. Esses
tia para fazer dinheiro. Para Leopoldo, os “lucros coloniais” não eram o
glacê do bolo, mas o próprio bolo. Mesmo assim, o caminho para esse fim projetos eram nada menos do que o desbravamento do Congo. Para esse
era um labirinto, cujas trilhas desembocavam num beco sem saída. A força fim, teriam de construir uma ferrovia para contornar o trecho inavegável do
Rio Congo, isto é, em torno das cataratas cujos perigos Stanley enfrentara
de Leopoldo estava em que ele jamais se cansou de buscar novos caminhos.
Nesses 10 anos, fez duas mudanças importantes. Em novembro de 1878, tão de perto. No curso superior, onde a navegação se tornava de novo possí-
vel, seriam criados entrepostos comerciais servidos por embarcações a vapor.
ocorreu a primeira, sua conversão da idéia de uma associação filantrópica
Era um plano grandioso, à altura de Leopoldo, mas, claro, exigia vas-
para a de uma empresa comercial privada; em novembro de 1882, a segun-
da, a mudança de um plano comercial para uma realidade política: o Esta- tas somas de dinheiro. Quem estaria disposto a investir essas somas num

co
negócio tão arriscado? Leopoldo conhecia exatamente as pessoas certas,
do Livre do Congo.
Como uma entidade internacional, a Associação Internacional Afri- vma empresa que, nos círculos comerciais africanos, era conhecida como a
cana nasceu morta. Muito poucos se deixaram enganar pela palavra “inter- “Dutch House” [Casa Holandesa]. Em 1857, esta empresa iniciara opera-
nacional”
. ”
— o único país que levou a Associação a sério foi a Bélgica.f
” “ 4 . mo Pas Po» . . ções no delta do Congo sob o nome de Kerdijk & Pincoffs. Em 1868, fora
Ainda assim, o Estado belga não quis assumir qualquer responsabilidade transformada numa companhia limitada: a Afrikaansche Handels-Vereeni-
pelos planos africanos de Leopoldo. Em conseqiiência disso, eram poucas ving ou AHV [Companhia Africana de Comércio]. Proprietária de 44
) as atividades da AIA. Deu-se um novo impulso quando Stanley despontou entrepostos no Congo, era, assim, de longe, a maior empresa naquelas par-
ma costa ocidental após sua longa viagem através da África. Isso foi em tes. Não é de admirar que Leopoldo tentasse atrair o interesse desse gigante
ppgosto de 1877. As notícias alcançaram a Europa em setembro, e Leopoldo comercial para seus planos. O motivo pelo qual os dois empresários de
partiu logo para a ação. Queria atrair a adesão de Stanley à sua causa. Roterdã acolheram de bom grado sua abordagem não se deveu a uma incli-
Numa carta a Henry Solvyns, o embaixador belga em Londres, Leopoldo
nação filantrópica particular, ou a um fraco pela realeza. Ao contrário, era
expôs sua visão das coisas. Eles teriam de começar a trabalhar cuidadosa- a própria natureza de seu negócio.
O comércio na África não era apenas complicado, mas arriscado. Ra-
mente, escreveu, já que não poderiam arriscar-se a um conflito com a Grã-
Bretanha, mas, também, não podiam perder a oportunidade de adquirir ras vezes se obtinham grandes lucros, nem mesmo nos bons anos, e o
futuro era excessivamente incerto. No aspecto da demanda, a conduta
uma fatia desse “magnífico bolo africano”.* Por conseguinte, propunha: 1.
dos compradores negros era, no mínimo, inconstante. À oferta (de óleo
um encontro com Stanley para ver se eles iam se entender; 2. levantar
bastante dinheiro para permitir que Stanley explorasse o Congo e estabele- de palmeira, palmito, amendoim e café) também tinha muitos problemas,
pois as matérias-primas sofriam perdas constantes devido às colheitas fra-
cesse bases; 3. logo que as condições o permitissem, transformar essas bases
cas ou desastres naturais. Em suma, o crédito era muitíssimo necessário e
[em colônias belgas. Deste último item, nada poderia ser vazado, por en- —,
quanto, já que, com certeza, a Grã-Bretanha se oporia.” dependia de confiança que, por sua vez — sem dúvida àquela época
significava uma reputação sólida.
Na noite de 13 de janeiro de 1878, quando Stanley chegou a
Marselha no trem vindo da Itália, ficou surpreso ao ser recebido no solo Os Kerdijk & Pincoffs não descendiam de famílias antigas. Eram, é
francês por dois “embaixadores” do rei dos belgas que, sem mais nem verdade, chamados de “os aristocratas do comércio do Congo”, mas resu-
mia-se a isso seu único traço aristocrático.” Eram, em termos mais crus,

102
novos-ricos, e mais, de descendência judia. Por outro lado, eram extre- quantia de 742 mil e quinhentos francos. O resto teria de vir de outros
mamente bem-sucedidos, ou melhor, Pincoffs era. Sua argúcia comercial, lugares. Os principais contribuintes foram o próprio Leopoldo, por in-
visão ampla e tremenda força de persuasão fizeram dele um dos princi- termédio de seu banqueiro Lambert, com mais de um quarto das cotas
pais empresários de sua época, um homem que se tinha de ouvir, não (260 mil francos), e a Afrikaansche Handels-Vereeniging, com metade
apenas nos círculos comerciais, mas, também, na Câmara Municipal de dessa quantia, isto é, cotas no valor total de 130 mil francos. Os objeti-
Roterdã e no Senado holandês. Em 1879, ofereceram-lhe até a pasta das vos da empresa, segundo o estatuto, eram “essencialmente filantrópi-
Finanças. A posição social de Pincoffs era, portanto, ambígua e o jogo cos e científicos”, embora a empresa também se interessasse por merca-
comercial que praticava, arriscado, já que se baseava em crédito e confi- Jdos para comércio e indústria.” O acréscimo dessas poucas últimas pa-
ança. Para conquistar e conservar essa confiança, Pincoffs convenceu | lavras ressaltava a diferença entre os objetivos puramente científicos
personalidades preeminentes e da realeza, como Marten Mees e o prínci- “da antiga ATA e os da nova CEHC.
pe Henrique, irmão do rei holandês, a fazerem parte do conselho de dire- N Essa nova criação colocou assim o comércio em cena. Em particular,
tores. Não menos principescos eram os dividendos que declarava, 9 e 10%. o estatuto estipulava que, se os estudos de campo revelassem perspectivas
Para torná-los possíveis, adulterava os livros contábeis, emitia “papagai- de mercado favoráveis, os acionistas teriam direito a participar de duas
os” e desviava grandes somas de dinheiro de uma empresa para outra e as novas empresas. À primeira devia basear-se na construção e exploração de
retornava depois. Pois Pincoffs não estava apenas envolvido no comércio Luma ferrovia; a segunda, no comércio e na navegação no Alto Congo. Um
africano, era, também, presidente da Associação Comercial de Roterdã, dos artigos, contudo, declarava explicitamente que qualquer empresa nova
da Companhia de Gás Indo-Holandesa e do Banco Comanditário. Ao não podia competir com a Afrikaansche Handels-Vereeniging — não po-
todo, controlava um capital de 24 milhões de florins, uma soma inédita dia comercializar abaixo das Cataratas Yellala, isto é, no Congo Inferior, a
na época. Em 1875, quando seu negócio na África andava mal, Pincoffs área reservada à AHV. Pincoffs conseguira seus objetivos. Iria existir — e
começou a fraudar os livros da “dama africana”, como era chamada afe- com toda a probabilidade, muito depressa — uma empresa comercial à
tuosamente sua empresa nos círculos mercantis. Logo depois disso, o rei qual ele podia legar seu negócio falido embora aparentemente florescente,
Leopoldo entrou em contato com ele. e que em todo caso não competiria com a AHV. Contudo, os negócios ja-
Em 27 de abril de 1877, fundou-se o Comitê Holandês da AIA. Entre mais alcançariam esse estágio, pois logo depois estourou a bolha de Pincoffs.
seus membros estavam o príncipe Henrique, Henry Kerdijk e Lodewijk Enquanto isso, o comitê pôs-se a trabalhar. Stanley recebeu instru-
Pincoffs. Leopoldo notou com satisfação o interesse real e acima de tudo o ções para comandar uma expedição ao Alto Congo, criar postos ali e esta-
de Roterdã. Quem quisesse pôr o dedo na torta do Congo só podia benefi- belecer ligações fluviais. A 2 de janeiro de 1879, a liberação dos fundos
ciar-se do know-how de Roterdã. Leopoldo, consegiientemente, enviou o necessários foi aprovada e alguns dias depois Stanley partiu para a África.
secretário-geral da AIA a Roterdã e convidou Pincoffs ao seu palácio em Sua viagem não era uma breve excursão. Ele tinha de ir primeiro a Zanzibar,
Bruxelas, colocando o empresário sentado ao lado da rainha. De sua parte, o ponto tradicional de partida de expedições, para recrutar mão-de-obra,
Pincoffs vislumbrou sua última oportunidade de livrar-se de sua calamito- depois voltar ao Congo via Suez e o Mediterrâneo. Ao chegar a Aden, em
sa aventura africana, passando-a adiante à AIA, ou para qualquer empresa sua viagem de retorno, Stanley recebeu um telegrama no qual ficou claro
que a sucedesse. Ofereceu, assim, sua ajuda de maneira generosíssima: trans- que tudo havia mudado. Em 15 de maio de 1879, publicou-se uma matéria
porte grátis em seus navios para o Congo e no próprio Congo, hospedagem na imprensa declarando que a AHV suspendera todos os pagamentos, que
em seus entrepostos e a ajuda de seus empregados. Tudo parecia um pouco um de seus diretores, Kerdijk, fora preso em Antuérpia em seguida a uma
bom demais para ser verdade, e Stanley, desconfiado e atento, ficou de olho | tentativa de suicídio, e que o outro diretor, Pincoffs, fugira.
na influência holandesa no processo de planejamento. Para Leopoldo, a queda do sócio mais importante não foi um con-
Esses planos receberam forma palpável em um encontro realizado tratempo dramático. Ao contrário, deu-lhe a oportunidade de assumir
no palácio de Leopoldo, em 25 de novembro de 1878, com a decisão de pessoalmente o controle de todo o negócio, sem o envolvimento ou obje-
se criar um Comité d'Études du Haut-Congo (CEHC) [Comité de Estu- ções dos cavalheiros no comitê de estudos. Daí em diante, Stanley passou
dos do Alto Congo], na forma de uma société en participation — um tipo a trabalhar sob as ordens do próprio Leopoldo, embora o público, que
de sindicato. O capital autorizado foi de um milhão de francos belgas, tinha pouco conhecimento dos trabalhos do comitê de estudo, continu-
em cotas de 500 francos. Os 18 fundadores reunidos entravam com a asse a achar que Stanley ainda cumpria ordens da filantrópica AIA. A

1AÁ 14
realidade era totalmente outra. Entre a queda de Pincoffs em maio e a
chegada de Stanley ao Congo, em 14 de agosto de 1879, fez-se uma reor-
ranização completa. O Comitê foi na realidade desativado — pouco de-
pois, em 17 de novembro de 1879, ele seria formalmente extinto — e
| Leopoldo, deixado sozinho no comando.
As diretrizes que ele distribuiu pareciam a princípio basear-se num
plano político. Falou-se muito dos “negros livres” que iriam cuidar dos
entrepostos comerciais. Estes entrepostos teriam de exercer influência po-
sitiva sobre os chefes vizinhos e levá-los a se associarem em uma “federa-
ção republicana de negros livres”, que responderia apenas a um presidente
que residiria na Europa e seria nomeado por Leopoldo. Esse esquema polí-
tico era tão vago que Stanley o rejeitou imediatamente. Mas concordou
que os entrepostos poderiam ser encarados como estados — ou melhor,
miniestados — e todos em conjunto como um estado. Por enquanto, con
tudo, o comércio continuava sendo o principal objetivo.”
Stanley chegou ao Congo em 14 de agosto de 1879. No dia 13 de
junho do ano seguinte, assinou o primeiro dos tratados de que fora
pe

incumbido. Este mencionava o direito único e exclusivo de explorar a


atividade agrícola, o direito exclusivo de construir estradas, e assim por
diante. Os outros tratados que Stanley iria assinar nos anos seguintes
foram redigidos de modo semelhante. Nesse período inicial, não se fazia
ainda qualquer menção a ceder territórios ou soberania. Monopólios —
isso foi o que motivou o homem que iria adquirir o Congo com a promes-
sa de livre comércio. Tal motivação era bastante compreensível. Para en-
frentar essa imensa empreitada de desbravar o Congo, necessitava-se de
grandes investimentos de capital e estes só se tornariam disponíveis se se
obtivessem vantagens econômicas na forma de monopólios e concessões,
em áreas com atraentes e comprovados recursos minerais e perspectivas
comerciais. As aspirações políticas teriam de ficar nas prateleiras, por
enquanto, e lá provavelmente ficariam durante algum tempo se as ações Brazza conversa com o makoko

de outro explorador da África não agitassem as coisas mais uma vez.


bem-sucedido. Por outro lado, o ministro não podia, na realidade, recusar
um favor a um homem tão importante como Ferdinand de Lesseps. Quan
Brazza co makoko do este lhe pediu que concedesse a Brazza uma licença especial para lh
permitir chefiar uma missão, em nome do comitê francês da AIA, o pedidc
Brazza, claro, também fora recebido em Bruxelas e Leopoldo tentara
foi atendido. Brazza foi convidado a estabelecer duas stations hospitaliêres e
em vão recrutá-lo. Mas ele era um francês patriota demais para trabalhar scientifiques [postos de hospedagem e científicos] para o comitê. Os minis
para o empreendimento internacional de Leopoldo. Brazza percebeu o se- tros das Relações Exteriores e da Educação estipularam-lhe um subsídio
gredo envolvendo as atividades de Stanley e suspeitou de seus planos. Ele embora ele não fosse tratado como funcionário do governo e não traba-
mesmo ansiava pela volta ao Congo e estava tentando conseguir uma no- lhasse sob instruções governamentais. Era o agente de uma associação pri
meação na Marinha francesa a fim de fazer alguma coisa pela França. Isso vada. Sua missão também não era política. Não lhe haviam solicitado esta-
deu em nada, pois a Marinha continuava ressentida com esse jovem oficial belecer uma colônia, mas postos para o progresso do saber, a propagação do
cristianismo e a luta contra a escravidão.” Na realidade, Brazza iria dedi- “soberania” e “direitos hereditários à supremacia”, termos então estranhos
car-se a atividades bastante diferentes no Alto Congo. 1s realidades políticas da África. Isso suscita várias questões. Primeira, quais
Brazza apressou-se. Como era de seu hábito, viajou com pouca baga- os poderes verdadeiros do makoko? Sobre quem reinava ele na realidade?
em e, portanto, muito depressa. Zarpou da Europa em dezembro de 1879, [ram os outros chefes realmente seus vassalos? As opiniões divergem. Um
partiu de Libreville em março de 1880, fundou Franceville na confluência sionário definiu o makoko como “um rei insignificante daqueles que se
dos rios Ogowe com o Passa em junho e, a 10 de setembro de 1880, assinou encontram a cada poucos quilômetros na África”.*? Historiadores moder-
o tratado que mudaria a história do Congo. Este passou a ser conhecido nos e respeitados, como Jan Vansina, acreditam que se possa de fato falar
como o Tratado de Brazza-Makoko, porque se pensou durante muito tem- da soberania do makoko em todo o Bateke e, portanto, de certo grau de
po que Makoko era um nome e não um cargo. Mas, na verdade, “makoko” subordinação.” Apesar de ser interessante a questão, ela não teve grande
era título do governante local, rei Iloo do Bateke. Pelo tratado, o makoko importância prática. Muito mais importante foi a questão de como os eu-
cedia sua terra e direitos hereditários à França. Como um símbolo desse ato ropeus encararam o problema na época. Se eles reconheciam o makoko
solene, ele pediu e recebeu de presente uma bandeira francesa. como soberano, então os tratados que ele assinou eram válidos.
[ Em seu relatório ao governo francês, Brazza mencionou a “proteção” Outra questão é o que o makoko e os outros chefes congoleses real-
Ique a França estendera ao território do makoko. O próprio tratado refere- mente pensaram estar fazendo quando assinaram os tratados. No decor-
se à soberania do makoko e à concessão feita por ele do território e dos rer dos cinco anos seguintes, firmaram-se centenas desses tratados e de

|
direitos hereditários de supremacia. As palavras diferem, mas o sentido outros semelhantes. Somente Stanley e seus associados fecharam cerca
está claro: o território iria ser tratado como um protetorado. Isso também de 400 ou 500 em nome de Leopoldo e suas associações.”” A mesma coisa
ressaltava do tratado seguinte que Brazza assinou. Ele viajou de Nduo ao acontecia também em outra parte da África. A Royal Niger Company
Lago Stanley e ali saiu à procura de um terreno na margem direita do Congo, [Companhia Real do Níger], por exemplo, concluiu 389 tratados com
que servisse para um assentamento francês. Acabou decidindo-se por uma chefes africanos no espaço de oito anos.*º Por que os chefes os assinaram?
área estrategicamente localizada na cabeceira do Congo navegável. Em se- Para começar, sofriam muitas vezes certa pressão. Brazza informou-lhes
guida, a 3 de outubro, convocou os chefes locais, que descreveu como que os brancos logo chegariam em suas grandes canoas e os chefes teriam
“vassalos do Makoko”, e tomou posse da área “em nome da França e de de optar entre a paz e a guerra.*! Ainda assim, seria errado afirmar que os
acordo com os direitos adquiridos em 10 de setembro de 1880”. Disse ao tratados eram impostos pela força. Havia verdadeiras negociações. O que
grupo reunido que fora enviado pelo “chefe dos franceses”. Mais tarde, con- temos direito de perguntar é se os africanos compreendiam inteirament
fessou que contara uma mentirinha (“un petit mensonge”), pois não lhe 9 que estavam fazendo. Alguns historiadores africanos falam de trapaça
fora possível explicar aos africanos, de maneira compreensível, o que era, gritante: “Os brancos conseguiam tapear os negros e privá-los de seus
na realidade, o comitê francês da AIA.% Nisso ele estava coberto de razão. direitos de soberania.”*? Essa é uma velha história. Exatamente por esse
Brazza içou a bandeira francesa e distribuiu bandeiras tricolores aos chefes motivo, a França tinha declarado explicitamente num tratado com o chefe
reunidos para que pudessem hasteá-las em suas tribos como um sinal da de Cumanda, firmado já em 1687, que ele “entendera perfeitamente” o
presença francesa. Os chefes reconheceram, então, a transferência do ter- texto, “palavra por palavra.”*
ritório para a França e firmaram o tratado. Havia ao todo seis signatários: E, claro, uma questão em aberto o que exatamente termos como “to-
Brazza e os cinco chefes tribais negros. mar posse”, “cessão de direitos”, “transferência de soberania” e similares
É importante deixar bastante claro o que exatamente ocorreu aí. Brazza poderiam significar para os africanos. Na África Ocidental, os contatos
era um oficial da Marinha de licença que tentara em vão obter apoio gover- haviam sido feitos durante um período muito mais longo e os governantes
namental para sua expedição. Viajava a serviço de um comitê francês que locais eram mais cautelosos. No interior do Congo, em contraposição, a
era uma filial de uma organização filantrópica internacional. A ordem que expansão ocidental era um fenômeno desconhecido. Os africanos ali
recebeu foi a de estabelecer duas bases científicas. O que ele estabeleceu provavelmente encaravam um tratado com os brancos como um tipo de
em vez disso foi uma colônia francesa. Agia, segundo suas próprias pala- acordo comercial que teriam, normalmente, selado com uma irmandade de
vras, “em nome da França”, e considerava-se “o representante do governo sangue, segundo os costumes locais. Mas, como os europeus pareciam pre-
francês”. É difícil negar que Brazza deu uma interpretação originalíssima às feri-lo fortemente, selavam o acordo, em vez disso, com um tratado segun-
instruções que recebera. Em seus tratados, ele introduziu conceitos como [do os costumes europeus. Na opinião deles, não estavam cedendo terreno

Ls AM
[4mbém compreendera que o outro caminho, por intermédio de seu prote-
o sobre o que
jaos estrangeiros, mas selando um laço de amizade.é A questã tor, de Lesseps, o presidente do comitê francês, colocaria o último numa
to, uma respost a simples.
eles pensavam desses tratados não tem, portan posição embaraçosa. Afinal, o comitê francês era dirigido por uma entidade
nas sutilez as de so-
Alguns chefes africanos pareciam ter penetrado fundo mais ampla, cujo presidente era o rei Leopoldo. Restava-lhe apenas um ca-
s irromperam
berania e suserania. Também é verdade que em diversas ocasiõe minho: ir a Paris em pessoa e exercer pressão direta no pequeno mas influen-
interpretação
conflitos sobre o significado desses termos, e as diferenças de te círculo de entusiastas coloniais. Ele chegou à capital francesa em 7 de
is e mentai s. O que impor-
resultavam de diferenças de perspectivas cultura junho de 1882 e deslanchou imediatamente sua campanha de propaganda.
tratados pelas po-
tou na prática, como vimos, foi o reconhecimento dos A semente caiu em solo fértil. O retorno de Brazza a Paris foi um triun-
endido, Brazza, que ti-
tências européias. Como Stanley parece ter compre fo. A Société de Géographie [Sociedade Geográfica] recebeu-o no anfiteatro
a, estava em me-
nha à sua disposição apenas uma bandeira e uma bengal da Sorbonne, acompanhado de dois jovens negros vestidos nos uniformes
e suas armas, pelo menos
lhor posição do que ele, com todo o seu séquito dos cadetes navais franceses. Sucederam-se os banquetes. Brazza promoveu
Europa.
enquanto os tratados de Stanley não fossem reconhecidos na uma intensa campanha publicitária e exerceu enorme pressão. À imprensa
za potencial-
Brazza tinha plena consciência do impacto e da nature ficou entusiasmada com o Congo. Publicou ilustrações líricas das perspecti-
e dos tratados que
mente explosiva da sua maneira de lidar com os chefes is e riquezas da região descrita como “uma terra virgem, exuberante, vigo-
, tanto de Stanley , com quem se
com eles fazia. Por isso os manteve ocultos rosa e fértil”, uma combinação de qualidades meio surpreendente.”
dades francesas em
encontrou em Vivi, como, mais tarde, das autori
permaneceu
Libreville, onde chegou em 16 de dezembro de 1880. Brazza
que os ecos
no Congo durante algum tempo e se passaria mais um ano até Do Comitê à Associação
No fim de dezemb ro de 1881, o pri-
de suas atividades alcançassem Paris.
io completo sobre o
meiro-ministro francês, Gambetta, recebeu um relatór O rei Leopoldo observava essas atividades com preocupação cada vez
por um oficial
que estava acontecendo no Congo. O relatório, compilado maior. À chave da área em que concentrara suas ambições parecia estar
m mencio-
naval francês, incluía as expedições de Brazza e Stanley. També escapulindo de suas mãos. Leopoldo não subestimou a força do sentimento
deixara
nava que ocorreram problemas porque um sargento, que Brazza nacionalista na Paris de 1882. A ocupação britânica do Egito provocou
atrás em Ncouma (a estação francesa) negara passagem a Stanley. Junto grande ressentimento em muitos franceses. Que se poderia fazer? Desani-
defesa da
com dois marinheiros, esse sargento compunha toda a força de mado, Leopoldo chegou a pedir que o embaixador belga em Londres inter-
início do ano seguinte, em abril de 1882,
nova colônia francesa. No cedesse junto ao Ministério das Relações Exteriores. “Peça aos britânicos
tinham
afloraram os primeiros problemas diplomáticos. Os portugueses, que que mandem um navio de guerra para o Congo”, escreveu, acrescentando
Além disso, uma
direitos mais antigos à região, começaram a inquietar-se. para suavizar, “um pequenino resolverá”. Por sorte, o embaixador teve o
julho de 1881,
missão batista britânica, que chegara ao lago Stanley em bom senso de não fazer nada. Leopoldo buscou, então, refúgio no que se
s. Instruiu-se
fizera uma cópia do acordo de Brazza e o enviara para Londre poderia chamar de uma fuga para a frente. Tudo o que Brazza fazia, Stanley
as infor-
o embaixador britânico em Paris para pedir às autoridades frances podia fazê-lo tão bem quanto — e até melhor. Em outubro de 1882, Stanley
mações referentes à autenticidade do tratad o.” recebeu numerosos formulários de tratados em branco que precisavam ape-
fazer em
Desse modo, a questão sobre o que o governo francês iria nas ser preenchidos e assinados. Apondo uma cruz num desses, um chefe
te no de-
relação às anexações de Brazza tornou-se cada vez mais premen negro transferia sua soberania para a Associação Internacional do Congo
totalmente
| Icorrer de 1882. Uma coisa era anexar um território, mas outra (AIC), a terceira e última criação de Leopoldo. Ao contrário das duas an-
izava a anexaç ão. O governo
| diferente era ratificar o tratado que formal teriores, a AIA e a CEHC, que haviam sido entidades internacionais au-
a, manifestou-
| francês, na pessoa do chefe de Brazza, o ministro da Marinh tênticas, embora principalmente em teoria, a sigla internacional da AIC
de 1882, ao
se contra a ratificação. Na sua carta, datada de 27 de junho era pura ficção. A AIC não passava do próprio Leopoldo, sob um nome
Brazza não tinha qual-
|jnovo primeiro-ministro, Freycinet, esclareceu que novo. O nome fora escolhido com cuidado numa deliberada tentativa de
e, por conseguinte, não agia em nome
! Iquer mandato de seu departamento confundi-lo com o das duas outras associações. Em consequência disso, a
chegara
do governo francês.** Nesse meio tempo, Brazza compreendeu que AIC conseguiu usurpar a auréola de altruísmo filantrópico e pesquisa de-
em seguir os
a hora de quebrar o silêncio. Sabia que não havia futuro algum sinteressada ostentada pelas suas duas precursoras,
ores na Marinha.
trâmites formais para a ratificação, isto é, via seus superi
HI
agem pura-
I Em outubro de 1882, portanto, Leopoldo adotou a abord
Talvez fosse mais
mente política que estivera latente durante tanto tempo. 4 — AQUESTÃO DO Conco, 1882-1884
l de uma colônia, em-
apropriado falar de um retorno ao seu sonho origina
o rei agora ampliou
bora, desta vez, em vez da Ásia, na África. Além disso,
suplantadas por Portugal e as colônias
seu conceito. “Cidades livres” na forma de bases foram
, e, afinal, em ja-
“cidades livres e territórios”, depois, por “estados livres”
mais depressa
neiro de 1884, pelo “Estado Livre”! As palavras mudaram Fossem quais fossem os
iria referir-se pela
do que a realidade, pois o “novo estado”, a que Leopoldo coisa era certa: os portugueses
haviam reivindicado o territór
io primeiro.
de uma cadeia de pequenas obridor. Nin-
primeira vez em janeiro de 1884, não passava am vincular seu título ao mais remoto de todos, o do desc
vizinho. Não ha- los que
bases com direitos “de soberania” sobre o território circun yuém podia desafiar essas patentes
. É verdade que nos muitos sécu
com fronteiras reco- novos acordos haviam sido feitos
via ainda nenhum estado, muito menos um estado fuviam passado desde então inúmeros
nhecidas, mas o caminho para o Estado Livre do Congo fora
aberto e esta- português à foz do Congo ainda era
mas, mesmo no século XIX, o direito tão
va prestes a ser percorrido em alta velocidade. nte pelas potências. A grande ques
reconhecido explícita ou tacitame
Durante o ano de 1882, lançaram-se, assim, dois movim
entos políti- às incursões de Stanley e Brazza.
era o que Portugal faria em relação
cos rivais. Em outubro de 1882, Leopoldo adotou o métod o de Brazza de , mas menos atrasado do que se
Portugal era um país fraco e atrasado to
assinar tratados. Em novembro, o governo francês,
també m, após longa ostentando títulos tão nobres quan
de novembro tem muitas vezes alegado. Homens
hesitação e oposição inicial, entrou no jogo. No sábado, 18 ificava que O país
Portugal, mas isso não sign
m ocupa- longos talvez proliferassem em havia, na
de 1882, Eugêne Duclerc, o primeiro-ministro francês, que també fosse uma sociedade feudal. Em
Portugal, também, a classe média
va a pasta das Relações Exteriores, apresentou um projet o de lei dando o social. O poder da Igreja havia-se
os por verdade, se tornado o principal grup
| poderes ao presidente da República para ratificar os acordo s firmad republicana. Em suma, Portugal
reduzido, e existia uma forte corrente que
Brazza, isto é, o tratado Brazza-Makoko de 10 de setembro de 1880 e o
fraco e atrasado. Isso queria dizer
era um país capitalista, apesar de n-
acordo seguinte de 3 de outubro, no qual o makoko cedia
seus direitos viam O futuro da economia na expa
mais tarde, Mauric e Rouvier, O muitos clamavam por privilégios e Um império assim
territoriais. O primeiro-ministro francês e, são do império colonial como
um mercado protegido.
. Insis-
rapporteur [relator], explicaram os antecedentes desses documentos também oferecia perspectivas
aos emigrantes portugueses.
Ambos os mo-
tiram em que a França tinha uma vocação na África
e ressaltaram a natu- rialista. O nacio-
o sentimento impe
com a tivos contribuíam para intensificar
reza desinteressada e pacífica da missão de Brazza e sua popularidade do passado e esperanças de um novo
internacionais nalismo, o orgulho das realizações sionário. Claro,
população indígena. Não se precisava temer as repercussões futuro, caminhavam de mãos dadas com o fervor mis
u-
porque a França tinha direitos anteriores e, além disso, não poria obstác havia também os cínicos e os crít
icos. Eles observavam que a infl
uência
senado r, ten- canos não se adequa-
los ao comércio de outros países. Um único parlamentar, um civilizadora de Portugal era uma ficç
ão e que os afri
tou estragar o clima festivo, ao observar com cinismo: “Final
mente não que tentar ensinar O evangelho aos
52 Mas a Câmara foi fácil de con- | vam ao cristianismo. “É o mesmo
estamos mais sozinhos. Temos um aliado.” crítico.”
porilas e orangotangos”, escreveu um
vencer e ratificaram-se unanimemente os tratados em 22 de novemb
ro de
Em todo caso, a presença port ugue sa na África durante a década de
e: “A Cã- | retirada
1882. Le Temps, com visível satisfação, publicou, no dia seguint [880 era extremamente restrita.
Havia mesmo apelos para uma
mara (...) provou ser verdadeiramente francesa”. de ampliar o poder português tinham
completa do interior, onde tentativas cos-
no entanto, repercussões internacionais, e rápidas. A
ratifi-
ique, fora Lourenço Marques na
tido resultados modestos. Em Moçamb
Houve,
numa povo a-
cação dos tratados era um claro sinal de que a África Central entrara ta, os portugueses podiam vangloriar-s
e apenas de algumas colônias
rcia ntes .
nova fase. Brazza, como se expressou o rei Leopoldo de modo
meio bizar- portugueses e pequenos come
das por um punhado de soldados
ro, “tinha introduzido a política no Congo”. A Câmara frances
a, de sua sas restringiam-se a poucas cidades:
uência s não de] Em Angola, as atividades portugue Luanda, a
parte, introduzira o Congo na política européi a. As conseq uela e Moçâmedes, no Sul.
| Europa. Nos Ambriz e Luanda no Norte, Beng cidade
| morariam a surgir. O gênio escapara da garrafa e rondav a a antiga reputação de ser a mais bela
capital de Angola, vivia de sua tráfico
i

dois anos seguintes, 1883 e 1884, o Congo assumiu um lugar cada vez mais | prosperidade, baseada
antiga no
da costa ocidental da África, mas sua
| importante na agenda diplomática européia.
13
de escravos, deixara de existir e suas perspectivas econômicas eram som-
| cravos em troca do reconhecimento da soberania deles, pela Ra

——
brias. Daí que, não importa quão terríveis fossem as condições em seu pró-
repudiando assim a de Portugal. Os negociadores britânicos deram expres-
prio país, dificilmente um português ia voluntariamente para as possessões
o concreta a esses acordos, presenteando os chefes com um manto de
africanas, e a maior parte dos mil habitantes brancos de Luanda eram, na
veludo e uma coroa; por via das dúvidas, Londres explicava que uma coroa
realidade, criminosos.
de palco, feita de imitação de ouro, era mais que adequada.” O slogan
As fronteiras das reivindicações portuguesas na África Ocidental eram
continuava sendo “um império a preço baixo.”
vagas, o mesmo acontecendo na Africa Oriental. No Sul, tomava-se em
Tentativas dos portugueses para obter um acordo anglo-português aca-
geral o paralelo 18 como o limite. Mas isso não tinha grande importância,
buram malogrando em 1881. Assim, àquela época não havia nada que in-
pois a terra era deserta e o assentamento seguinte era a distante Baía Walvis.
dicasse uma entente anglo-portuguesa. Em começos de 1882, quando na
No Norte, a situação era menos clara. A província portuguesa no extremo
Cira-Bretanha se soube do tratado Brazza-Makoko, as coisas começaram a
norte era Ambriz, no paralelo oito. No território ao norte dela, sobretudo
parecer muito diferentes. O primeiro-ministro francês pode ter descrito a
na gigantesca bacia do Congo, havia assentamentos esparsos, que perten-
tica francesa como “eminentemente liberal,)"º durante uma discussão
ciam a vários países. Essa região estendia-se quase até o Equador, onde
“sobre o tratado na Câmara dos Deputados, mas a Grã-Bretanha não se
começava a colônia francesa do Gabão. Os portugueses também reivindi-
deixava enganar. “Não seríamos tão anexionistas,” disse Lord Salisbury ao
cavam todo o estuário do Congo. Todas essas fronteiras e reivindicações, a
embaixador francês, “se vocês não fossem tão protecionistas.”* Era esse,
propósito, referiam-se só a faixas de terra na costa. No interior, a situação
na verdade, o ponto crucial do problema. O espectro do protecionismo
variava de lugar para lugar, estendendo os portugueses algumas vezes sua
I incês impeliu Londres de volta para os braços de Lisboa. Sir Charles Dilke
influência a áreas muito distantes da costa.
resumiu a política britânica de modo muito sucinto: “A fim de manter a
Os portugueses não eram muito populares. Seu apogeu fora durante
França afastada, nos sentimos felizes em promover Portugal.”* Instalar
o tráfico de escravos e sua atitude displicente em aboli-lo rendeu-lhes uma
Portugal no Congo, para fazer a França recuar, era, em termos comerciais, O
péssima fama na abolicionista Grã-Bretanha. Acima de tudo, sob a influ-
mesmo que expulsar o diabo com a ajuda de Belzebu. Mas a França era um
ência de Livingstone, passaram a ser conhecidos como “mascates de carne
diabo poderoso e Portugal um pequenino Belzebu, e isso fazia uma enorme
humana” e “a maldição da raça negra”.” Sem esquecer também, claro, as
diferença. Ironicamente, foi o gabinete liberal de Gladstone que se empe-
notórias taxas alfandegárias portuguesas. Podia-se resumir a reputação de
nhou nessa peculiar forma de exorcismo, um ato tão estranho aos seus prin-
Portugal no século XIX em duas palavras: proteção e corrupção. Os portu-
cípios como fora a ocupação do Egito um pouco antes.
gueses eram renomados protecionistas. “Os portugueses, esse povo horrí-
vel que adora tarifas”, assim se referia a eles Stanley? O chargé d'affaires
holandês em Lisboa falava de um “espírito de ultrajante protecionismo e a
A Grã-Bretanha e Portugal
exclusão de estrangeiros”.“! Pior ainda era a corrupção. Com os portugue-
ses, pagavam-se primeiro os impostos e depois os fiscais alfandegários. Não
As negociações anglo-portuguesas iniciaram-se em novembro de 1882.
é de admirar que suas reivindicações ao território africano caíssem em ou-
O ortugal de repente encontrou uma audiência receptiva. Os negociadores
vidos de mercador na Grã-Bretanha que, a propósito, era a tradicional pro-
britânicos trataram suas contrapartes portuguesas com tolerância e, desta
tetora internacional de Portugal na cena diplomática européia.
forma, ignoraram os ânimos em casa e no Parlamento, onde não se podia
Antes que o Congo se tornasse um problema internacional em 1882,
esquecer da noite para o dia que Portugal era tão monopolista em sua polí-
a rivalidade na região fora na maior parte anglo-portuguesa. Os franceses
tica comercial quanto em suas atividades missionárias. Mas, apesar de os
ainda não se haviam interessado e os holandeses confiavam na política
círculos comerciais e missionários terem declarado ferrenha oposição a um
britânica de livre comércio. A Grã-Bretanha negou-se a reconhecer quais-
tratado com Portugal, este foi no entanto assinado, embora numa forma
quer reivindicações ao norte de Ambriz e contestava o argumento da des-
muito menos favorável para os portugueses do que parecia à primeira vista.
coberta portuguesa enfatizando a ausência de forças de ocupação efetivas.
A guinada anti-portuguesa resultou de um acentuado endurecimento da
As reivindicações portuguesas tinham sido anuladas por sua negligência
atitude britânica em fevereiro de 1883, devido em grande parte à iniciativa
em dar-lhes qualquer forma tangível. O contramovimento britânico foi fe]
de Sir Percy Anderson, o novo chefe do Departamento Africano no Minis-
E tratados com os chefes nativos. Estes prometeram abolir o tráfico de
tério das Relações Exteriores.

LA
114
Henry Percy Anderson (1831-1896) foi um dos grandes arquitetos da do Congo. A esperança era o parlamento engolir esse acordo. Entretanto, à
política africana da Grã-Bretanha no último quarto do século XIX. Sua resistência fez-se sentir imediatamente, não apenas na Grã-Bretanha, mas,
influência começou a fazer sentir-se em 1883, com sua nomeação para chefe tunbém, no continente. As câmaras de comércio de Manchester e outras
do Departamento Africano, e não terminou até sua morte em 1896. Como cidades britânicas deslancharam uma campanha contra esse “ataque ao nosso
verdadeiro campeão do novo imperialismo, ele mudou o nome de sua re- comércio e indústria”, e os círculos eclesiásticos e humanitários, como a União
partição de Departamento do Tráfico de Escravos para Departamento Afri- [utista e a Sociedade das Senhoras Amigas dos Negros, tomaram o partido
cano. Era mais que uma simples troca de nome, pois também envolvia uma delas. Dispensável dizer, Leopoldo também não ficou quieto, enquanto a Fran-
mudança de objetivos. Os dias das cruzadas humanitárias haviam passado. vn e a Alemanha viram-se unidas na oposição ao tratado.
A África se tornara um tabuleiro de xadrez no qual se tinha de responder a
cada movimento com um contramovimento. Estavam em jogo nada menos
!que o poder e o renome da Grã-Bretanha.“ Havia, sem dúvida, demasiados A reação de Leopoldo
jogadores para um jogo de xadrez normal, mas isso não importava porque,
|no que dizia respeito a Anderson, só havia um adversário real, a França.l Em 1883, Leopoldo havia claramente passado à frente da França na
Ele tratava o resto antes como peças que como jogadores. Isso nem sempre corrida pelo Congo, graças às atividades de Stanley. Os formulários em
deu certo — não deu, por exemplo, com Leopoldo II ou Bismarck — mas branco que Leopoldo distribuíra haviam comprovado seu valor. Os chefes
certamente teve o efeito desejado sobre Portugal. locais se acotovelavam para vender sua “soberania” não por um prato de
Anderson ficou horrorizado com a minuta do tratado anglo-português sopa, mas por coisas mais atraentes, como garrafas de gin e uniformes. Num
que lhe mostraram. Para ele, era demasiado vago e pendia demais em favor ano, Stanley assinou centenas de tratados com mais de dois mil chefes que,
de Portugal. Numa contundente nota ao embaixador português, insistiu segundo ele, reinavam por “direito real divino”.? Era como se Bossuet ti-
em que o ponto em questão não era a confirmação de velhas reivindicações vesse chegado à África.
portuguesas, mas o reconhecimento pela Inglaterra da soberania portu- Ao mesmo tempo, ele consolidou sua presença com uma força militar
guesa de um território ao qual Portugal não tinha o menor direito. Por isso, de várias centenas de homens, mil rifles e oito barcos a vapor. Gradualmen-
a liberdade total de comércio era uma condição sine qua non de qualquer te, dirigiu essa poderosa maquinaria rio acima até atingir, em fins de 1883,
tratado. O desfecho da intervenção de Anderson foi um tratado que ofere- 4s Cataratas Stanley, onde fundou Stanleyville. Estava agora a 1600 quilô-
cia à Grã-Bretanha muito mais vantagens do que a minuta original. Mes, metros do mar, o que constituía a força e também a fraqueza de sua opera-
mo assim, não foi o bastante para os ingleses, como em breve se verá. ção. Pois, qual era o futuro de um império, por maior que fosse, cuja única
O estado de ânimo britânico era, e continuou sendo, muito comunicação com os sete mares estava cortada por uma potência estran-
antiportuguês. Além disso, um poderoso lobby fazia pressão em favor das peira no estuário do Congo? Para Leopoldo, portanto, as reivindicações
O eiriidicagões de Leopoldo II. Seus líderes eram James Hutton, um comerci- portuguesas, agora que estavam sendo levadas a sério pelos britânicos, re-
ante de algodão e celebridade local de Manchester, e o magnata armador presentavam uma ameaça mortal. Ele encontrou a resposta mudando de
escocês, Sir William Mackinnon, amigo de toda a vida e colaborador do se- curso de acordo com o provérbio “aux grands maux grands remêdes” — “para
gundo rei dos belgas (ver pp. 154-156). Eles organizaram uma poderosa cam- prandes males, grandes remédios”. Se os britânicos preferiam Portugal à
panha contra a minuta do tratado e obrigaram o governo a prometer que França por medo de prejuízos comerciais, Leopoldo podia facilmente
submeteria o tratado ao parlamento.” Criou-se um dilema para o governo tranquilizá-los, comunicando-lhes que haveria liberdade total de comércio
britânico. O principal e melhor argumento a favor do tratado era sua ten- no seu Estado Livre. O homem que sempre fora a favor do controle estatal
dência antifrancesa, mas isso não poderia ser admitido de público, já que o « de monopólios, e sempre pensara em termos de direitos “únicos e exclusi-
tratado só seria útil se fosse reconhecido pelas outras potências e em particu- vos”, se transformara, de repente, num paladino da liberdade do comércio!
lar pela França. A França, portanto, não podia ser antagonizada. Contudo, Camaleões eram nada em comparação.
não seria fácil para o governo britânico faltar ao seu compromisso anterior. É desnecessário dizer que perguntaram a Leopoldo como se daria essa
[ O tratado anglo-português foi assinado em 26 de fevereiro de 1884. A Gra- mudança. Como poderia existir seu Estado Livre sem rendas? A nova cria-
Bretanha reconheceu a soberania portuguesa sobre a costa de 8º a 5º 12'S, ção de Leopoldo, a AIC, entrou em ação. A AIC, ele informou, pagaria
isto é, de Ambriz a Ponta Negra — em outras palavras, sobre todo o estuário todos os custos. A entidade — que só existia no papel — era tão filantrópica,

119
Ho
proprie-
de reivindicação sobre qualquer
«1a conferir à França prioridade o, interess e em gara ntir que
Vermelha.”º Isso re- teria, entã
escreveu ele ao Times, que podia ser comparada à Cruz dude deixada pela AIC. Portugal . Em 1854,
sultou em certa perplexidade, uma vez que os primeiros tratado
s assinados ndo para manter O paciente vivo
não se cedesse esse espólio, luta do foi
em nome de Leopoldo falavam uma linguagem bastante diferen
te, eram la- aos domínios africanos de Leopol
à direito de preferência da França Jules Ferry,
ainhas de monopólios e de “direitos únicos e exclusivos”.
Os contrariados e o primeiro-ministro francês,
incluído nas cartas trocadas entr À proposta de Leo poldo era
desses docum entos compro- da AIC.
portugueses apressaram-se em publica r alguns « o coronel Strauch, secretário-geral ra esse tipo de fa-
ldade para respon der, reagiu porque à França jamais pedi
metedores. Leopoldo, que jamais se via em dificu surpreendente, não apenas
s exclus ivos pri- concedido. Não se con-
ireza com que foi
com a réplica descarada de que fora obrigado a exigir direito vor, mas, acima de tudo, pela lige sua proprieda-
meiro, antes de devolvê-los a toda a humanidade no devido
tempo.”! Nem
siderou nem mesmo a poss ibilidade de que Leopoldo legasse pode
mesmo um marxista educado por jesuítas superaria essa habili
dade dialética. nição do imperialismo de Leopoldo
de ao Estado belga. A melhor defi como sendo “o está gio
As táticas de Leopoldo foram bem-su cedida s. A Grã-B retanha aca- osa frase de Lenin,
«er dada, numa variante da fam
taxas alfandegárias”,
baria abandonando Portugal e, como um “astado sem superior do oportunismo”.
a criação de Leopoldo navegaria, por fim, no porto seguro
do reconheci- dessas charadas foram grandes e
A importância e as consegiiências ento.
mento internacional. Mas as coisas ainda não haviam
chegado a esse pon- anglo-português foi um despistam
variadas. À curto prazo, O tratado gran de que o par- |
to no início de 1884. Ao contrário, os problemas pareciam
muito difíceis Grã-Bretanha, foi tão
A oposição a ele, dentro e fora da des esp era das
para Leopoldo. Em 26 de fevereiro de 1884, assinou-se o tratad o anglo- -lo. Portanto, as medidas
lamento britânico não pôde ratificá foss em
português, e cortou-se O acesso de Leopoldo ao seu proposto
Estado Livre. ecessário, embora a longo prazo
de Leopoldo foram um golpe desn he-
adversário, a França. do Livre havia sido atrelado a uma
Acuado, ele se voltou, então, para seu outro grande causar-lhe sérios problemas. O Esta inf ormou aos belg as,
a, já que os próprios general de Gaulle
rança desgastante. Assim é que o
O governo francês tratou-o naturalmente com suspeit
go, que, na
objetivos de Leopoldo eram obscuros e, por trás dele e seus comitês estran- para à independência do Con
em 1960, durante as articulações ain da
geiros, a França temia a mão dos britânicos. Afinal, o principal agente de érence” — a primeira opção —
opinião da França, O “troit de préf para
Leopoldo era Stanley, o renomado patriota britânico que declarara franca- passos de Leopoldo foram cruciais
valia. A médio prazo, contudo, os de suas fro nte ira s
mente que a região que desbravara teria de tornar-se um protetorado britâ- o reconhecimento
a criação desse estado “livre” e para e com érc io,
! nico.”? Por isso, os franceses não acreditavam muito
na autonomia de Com sua promessa de livr
pela Grã-Bretanha e a França. pa- |
Leopoldo. Se a Grã-Bretanha não estava ainda por trás de seus
projetos, O -Bretanha, que o considerava um
Leopoldo conquistou O apoio da Grá creditados
Estado Livre, após seu esperado colapso, acabaria de qualqu
er modo nas l mais confiável do que os desa
ladino do comércio internaciona o apoio
«

érence”, ele também conquistou


,

reconheci-
,

mãos britânicas. Portanto, estava totalmente fora de questão o


1

portugueses. Com seu “droit de préf


+ Z

menos até que se elimi- só lhe restava reclinar-se na cade ira e |


mento pela França das reivindicações da AIC, pelo
da França, um país que achava que Leo pol do |
nasse de maneira inequívoca a possibilidade de uma transf erênci a para a empreendimento fila; ntrópico de 2a
esperar pelo colapso inevitável do o dá o — e este foi o ponto mais impor-
os franceses
Grã-Bretanha. Leopoldo não teve dificuldade em tranquilizar para tomar posse do Congo. Além
diss
ci-
em relação a esse item. Para ele, a ameaça britânica não
passara de uma prom essa s, livre comércio e direitos preferen
e ofere- tante de todos — suas duas vantagens nas duas , econ ô-
jogada diplomática contra a França. Ele foi mesmo um pouco além ais, valeram-lhe o apoio de Bism
arck, que via
erada mente obriga da a
ceu à França a primeira opção. Se a AIC fosse inesp dies, na primeira, e política, na
segunda.
sao

Congo
“realizar” suas possessões, isto é, dispor delas, a França teria o droit de
préférence ck discutiu pela primeira vez O
Em 24 de abril de 1884, Bismar ma a
sobre elas. Em outras palavras, oferecia-se à França uma “primeira
opção” de im.” Essa discussão elevou O proble
os france- com o embaixador francês em Berl elev ado. Bis mar ck
adquirir o Estado Livre. Esse gesto surpreendent e não visava fazer necessariamente mais
um nível mais alto, embora não go pass ou à
ses tomarem o partido de Leopoldo. Visava os portug ueses. pela questão e assim o Con
iria assumir um interesse pessoal próp ria Ale-
A idéia era tão simples quanto eficaz. À melhor maneira de ter
suas a da política internacional. À
fazer parte da esfera mais ampl . Em dois anos, iria
de um colo nial
reivindicações respeitadas pelos portugueses era colocá-los diante man ha deci dira , na verdade, trilhar o caminho
da AIC, era a maior rival de Portug al vezes maior do que seu próprio território. Para
perigo ainda maior. E quem, além adquirir um império cinco marck
e, então, fazer os voltar nossa atenção para Bis
naquelas regiões? Ninguém mais que a França. Se se pudess reconstituir essa evolução, precisam
lugar, ele
Portugal entender que se a AIC afundasse, a França tomaria seu e para o início da política colo
nial alemã.
idéia
pensaria duas vezes.” Portanto, a melhor maneira de transmitir essa
19
iu a carreira política e diplomática.
junkers”, mas estudou Direito e segu g
(parlamento) e do Frankfurt Bundesta
Hoi membro do Landtag Prussiano s
E O IMPERIALISMO or em São Petersburgo e Paris ante
5 A ALEMANHA (assembléia), e, mais tarde, embaixad o,
stro das Relações Exteriores prussian
de tornar-se primeiro-ministro e mini para
à maioria parlamentar, e lutou
Governou em nome do rei, mas contra
com discursos e decisões da maio-
A Alemanha sob Bismarck realizar a unificação da Alemanha, “não e
guerras, com à Dinamarca, Austria
ria, mas a ferro e sangue”. Após três
A entrada da Alemanha na corrida colonial em 1885 foi uma surpre- uma vitoriosa Prússia foi proclamado
França, alcançou sua meta: o rei de
Espelhos, em Versalhes. O próprio
sa. O chanceler declarara muitas vezes que não tinha o menor interesse imperador da Alemanha, na Sala dos Até o novo Kaiser, Gui-
por ela, na verdade achava-a uma loucura. No entanto, sua nova posição ado a príncipe.
Bismarck, antes um conde, foi elev Ale-
era lógica. A Alemanha havia se tornado uma grande potência, o país mais ser o líder inquebrantável da nova
lherme II, demiti-lo em 1890, iria
poderoso da Europa. Como poderia um país assim não participar da fundador da Alemanha unida, era
manha. Sua autoridade moral, como
competição internacional? A Alemanha, afinal, era um país de excepcio- política baseada nos três cargos que
quase tão ilimitada quanto sua força siano
nal dinamismo. Sua população crescia depressa: de 41 milhões, em 1871 r do Reich, primeiro-ministro prus
ocupava ao mesmo tempo: chancele essionante e
1914, A expansão demográfica caminhava junto com uma prussiano. De estatura impr
para 60, em e ministro das Relações Exteriores
imensa. Como o ministro das Re-
mudança no caráter da própria Alemanha. Ela se tornou a principal potên- constituição robusta, tinha uma energia de-
cia industrial na Europa. Só restou a Grã-Bretanha como a única rival sé- observou, ele comia demais, bebia
lações Exteriores russo, Gorchakov, de prob lema s de
ria. Mas o rápido crescimento também tornou a Alemanha vulnerável. O admirar que sofresse
mais e trabalhava demais. Não é de eu no pode r até O
'* Mas permanec
setor agrário, a base da antiga Alemanha, foi colhido por uma crise estru- estômago e vesícula durante toda a vida. e três.
tural de mercado, pois não podia competir com os baratos grãos norte- septuagésimo quinto aniversário e viveu até os oitenta
em cujo apoio Bismarck confiava,
americanos. A indústria, também, sofreu uma série de choques críticos O grupo mais importante na Dieta,
movimentos cíclicos e tensões periódicas tão típicas dessa fase do deal O ajudaram na criação do Reich Ale-
eram os nacional-liberais. Eles é que
l esteio parlamentar na década de
volvimento do capitalismo moderno e do “crescimento desequilibrado” mão e continuaram sendo seu principa
longa depressão econômica haviam
em geral. Ao contrário da Grã-Bretanha, onde o comércio era a mãe de 1870. Contudo, as consequências da
ais em geral e na doutrina do livre
toda a atividade econômica, o setor comercial alemão tinha importância abalado a fé germânica nas idéias liber
arck refugou essa doutrina e forjou
relativamente pequena. Na Alemanha, também, pregava-se o evangelho comércio em particular. Em 1878, Bism
conservadores liberais, que tinham
do livre comércio mas, de novo ao contrário da Grã-Bretanha, onde era uma nova maioria parlamentar com os ido
uma fé profundamente arraigada, quase mística, a Alemanha só o respei- com o igualmente conservador Part
rompido com os nacional-liberais, e
o era anti-socialista e defendia a
tava da boca para fora. Central Católico Romano. Esse novo grup
ãs, isto é, de grãos e aço.
Embora a organização política do Reich fosse complicada, a Alema- proteção da agricultura e indústria alem
capital diplomática da Europa,
nha enfrentava o mundo externo como uma unidade, chefiada pelo Kaiser Em 1878, Berlim também se tornou a
depois das vitórias espetaculares de
e o Chanceler de Ferro. Não havia nada semelhante a um sistema parla- algo que jamais havia sido antes. Mesmo
o um perfil discreto no campo diplo-
mentar no sentido normal da palavra, isto é, um executivo responsável 1870-1871, Bismarck mantivera de iníci o árbitro
perante o parlamento. No entanto, era necessário o apoio do Reichstag u que não cabia à Alemanha ser
mático. Durante algum tempo, acho mudou tudo
para aprovar nova legislação e o governo também dependia dele quando da atividade diplomáticaeuropéia. A crise dos Bálcãs em 1878
Berlim para discutir o caso € foi então
era preciso liberar dinheiro para novas iniciativas. Este era um dos muitos isso. Bismarck convidou as potências a
caíra sobre ela após a unificação em
problemas de Bismarck. que a Alemanha aceitou o manto que
e a Alemanha governava a Europa.
Otto von Bismarck (1815-1898) tinha 55 anos quando conseguiu a 1870. Bismarck governava a Alemanha
eram lendários. De excepcio-
unificação da Alemanha. Nascera a 1º de abril de 1815, ano em que se Os talentos diplomáticos de Bismarck
estabeleceu o “sistema de Metternich” no Congresso de Viena para man- línguas, conhecia muito bem a Europa.
nal inteligência e admirável dom para
ter a paz na Europa e conter o nacionalismo alemão. Bismarck iria rom-
per os dois objetivos. Ele vinha de uma família de oficiais prussianos e
* Membros da elit ymussiana (N. do T.)

121
1209 A PE
preservação da Deutschtum — germanidade.” Pode-se deduzir que essas idéi-
Ele era insuperável em cinismo ou misantropia, por palavras ou por escri- as caíram em solo fértil pela rápida ascensão do movimento colonial alemão.
to. Sua diplomacia era consistente, mas oportunista. Suas bases eram paci- Como nos outros países, o movimento teve suas origens nas socieda-
ência e cautela, mas essas qualidades caminhavam junto com determinismo des geográficas e nos círculos comerciais, sobretudo nas cidades hanscáticas.
e rapidez de ação, pois Bismarck acreditava firmemente que as oportunida- À idéia de uma grande organização nacional foi proposta pela primeira vez
des não aconteciam duas vezes.” Ele era diplomata o bastante para não se em 1882. Os precursores não foram homens de negócio, mas um biólogo,
furtar à falsidade, semeando confusão sempre que julgava possível e desejá- um explorador e um político.” Contudo, os círculos comerciais e indus-
vel, e mantendo três bolas em vez de duas no ar ao mesmo tempo. Mas triais não tardaram a entender a mensagem e apoiaram um manifesto res-
também era estadista o bastante para compreender que confiança é saltando a importância da colonização (a criação de novos mercados) e o
indivisível, e a longo prazo o bem mais valioso de um estadista é sua repu- fato de que era de interesse nacional fortalecer vínculos com alemães de
tação. Era cavalheiro o bastante para respeitar o código de que diplomatas ultramar. Foram esses os ideais declarados da Kolonialverein (Associação
não mentem um para o outro, mas havia também um quê de ganância e Colonial) fundada em Frankfurt, em 6 de dezembro de 1882. Esta associa-
rudeza em seu comportamento. No mundo diplomático, Bismarck, como seu ção foi singularmente bem-sucedida, recrutando mais de três mil membros
país, era um arrivista, com todas as características de um arrivista. Como se em um ano. Tinha filiais em quase 500 cidades na Alemanha e cerca de 20
expressou certa vez Lord Salisbury, cuja família estivera associada à atividade cidades ultramarinas. Em 1895, ela ostentava mais de 10 mil membros, o
diplomática desde o século XVI, “ele é meio judeu mas, em geral, até agora, que lhe permitiu publicar um jornal, o Kolonialzeitung, porta-voz da mensa-
tenho feito bons negócios com ele”.?º Bismarck — assim como Lord Salisbury gem colonial. Acadêmicos preeminentes como Schmoller, Sybel e Treitschke
nessa questão — tinha um forte senso de dever e responsabilidade unido a atenderam ao apelo, o último chegando mesmo a definir o colonialismo
imparcialidade e senso de proporção. Foram essas as qualidades que ele tam- como uma Daseinsfrage*! — uma questão de vida ou morte.
bém exibiu quando se defrontou cara a cara, na década de 1880, com um À associação não colocou suas prioridades básicas no lucro econômi-
novo e desconhecido fato: o movimento colonial alemão. co ou na anexação direta, pois visava apenas preparar o povo alemão para
o novo papel mundial da Alemanha. Isso foi a principal diferença entre
essa sociedade e a outra, menor, no mesmo campo, a Gesellschaft fiir Deutsche
O movimento colonial alemão Kolonisation (Sociedade para a Colonização Alemã). A última fora fundada
em Berlim, em 3 de abril de 1884, e tinha um objetivo mais prático: levan-
Os dois pais espirituais do colonialismo alemão não foram políticos tar o capital necessário para o estabelecimento de uma colônia alemã na
nem negociantes, mas um missionário e um advogado. Friedrich Fabri (1824- África Oriental. Embora as duas organizações tivessem começado como
1891) era um clérigo cujo interesse nos negócios ultramarinos ligava-se ao rivais, iriam fundir-se, em 19 de novembro de 1887, na Deutsche
seu cargo de inspetor da missão rhenista. Contudo, em seu livro Bedarf Kolonialgesellschaft. Aquela altura, contudo, o império colonial alemão já
Deutschland der Colonien? [A Alemanha precisa de colônias?], publicado em se encontrava bem e seguramente estabelecido. Tudo isso acontecera mui-
1879, usou raciocínios antes egoístas que piedosos, argumentando com abun- to rápido em 1884 e 1885, assim que Bismarck decidira adotar os objetivos
dância de números e estatísticas que colônias eram uma fonte de prosperidade. de seus compatriotas colonialistas, que ele tanto havia desprezado antes, e
Para a Alemanha, além disso, as colônias eram uma questão de vida e morte, dar às suas insignificantes reivindicações e possessões a proteção do Reich.
já que iriam representar uma pátria em terras estrangeiras onde a nação ale- Essa reviravolta surpreendeu e fascinou muita gente.
má colocaria sua população excedente, sem perdê-la para outro como acon-
tecia nas colônias não-alemãs. O outro paladino do colonialismo, o advoga-
do Wilhelm Hiibbe-Schleiden (1847-1900), de Hamburgo, era um imperia- A conversão colonial de Bismarck
lista completo. Segundo ele, o mundo do futuro seria dirigido por poucos
impérios gigantes. Seu livro Deutsche Kolonisation [Colonização alemã], pu- O fato de historiadores se fascinarem tanto pela conversão de
blicado em 1881, baseou-se, acima de tudo, ao contrário do de Fabri, em Bismarck deve-se em primeiro lugar, claro, ao de serem fascinados pela
conceitos políticos e nacionalistas. A colonização, afirmava, mais que um pessoa de Bismarck. Ele era o tipo de homem a quem normalmente não
negócio comercial era um negócio político. Em particular, as colônias eram se associariam atitudes precipitadas e descontroladas. Suas ações sempre
um instrumento para disseminar a influência e cultura alemãs, para a

123
haviam sido encaradas como parte de algum plano grandioso, sua diplo-
É verdade que Bismarck esforçou-se pela reconciliação com sua po-
macia como formadora de um conjunto consistente, e seu julgamento
derosa vizinha. Também é verdade que no Congresso de Berlim, em 1878,
como sendo infalível. Talvez isso seja um pouco exagerado, mas podemos
ele exortara a França a contemplar horizontes além da linha azul dos Vosges.
aceitar que as ações de Bismarck não eram simples caprichos e que deve
Mas Bismarck sabia muito bem que os rígidos limites do nacionalismo francês
ter havido bons motivos para sua conversão. A questão é de particular
não permitiam essa mudança de perspectiva — pelo menos por enquanto.
importância, pois em nenhum outro caso a política colonial de um país
Contudo, o panorama colonial também oferecia atraentes perspectivas elei-
coincidiu tão perfeitamente com a de um único homem. Pelas ações de
torais em casa. Podia contribuir para um consenso nacional e prometia
Bismarck, a Alemanha adquiriu 99,9% de seu império colonial posterior.
desviar a atenção des problemas sociais e econômicos e concentrá-la, em
Para compreender um pouco esse processo, temos, portanto, de tentar
vez disso, em êxitos nacionais. Por isso, não é necessário supor que existisse
compreender as motivações de Bismarck.
conflito entre as considerações internas e externas. O que motivou Bismarck
Para começar com o mais importante deles, não há a menor dúvida
foi o interesse nacional como ele o via. Paz e ordem, trangjiilidade em casa
em relação ao fato de que, no fundo, Bismarck não era um expansionista
e no exterior, eram de igual importância para promover esse interesse.
colonial. Ele mesmo disse-o claramente em 1889: “Não nasci para ser um
As ações de Bismarck em 1884 e 1885 podem assim, ser explicadas de
colonialista.”*” Claro, essa declaração foi também a manifestação de sua
maneira muito simples. Ele beirava os setenta anos quando embarcou na
decepção com o resultado de todos os feitos e negócios coloniais, mas era
sua aventura colonial. Reconhecia estar idoso e que seu pensamento sobre
mais do que isso. Bismarck expressara opiniões semelhantes no passado.
a Alemanha e a política era dominado pelo passado. Seu horizonte era
“Colônias”, declarou em 1871, “são para nós alemães o que casacos de
europeu, mas o futuro poderia ser diferente e um estadista tinha de pensar
zibelina forrados de seda são para a nobreza polonesa que não tem sequer
no futuro. Essa linha de pensamento refletiu-se claramente em seu discur-
camisa para usar por baixo”. E: “Ainda não somos ricos o bastante para nos
so à Dieta, em 26 de janeiro de 1889, quando declarou: “Tenho de pensar
dar o luxo de colônias.” O sentido dessas palavras era muito claro: faltava
nas décadas futuras de meus compatriotas, tenho de ter em mente que,
à Alemanha, do mesmo modo que àqueles nobres poloneses, uma infra-
daqui a 20 ou 30 anos, podem me criticar por eu ter sido aquele chanceler
estrutura. Faltava-lhe uma Marinha forte o bastante para proteger as colô-
tímido a quem faltou coragem para garantir para nós o que se revelou ser
nias. Ela não tinha empresas comerciais para explorá-las. Nem necessidade
um bem tão valioso.” E acrescentou: “Embora ninguém possa provar as
de matérias-primas ou mercados. Além disso, colônias significavam gastar
vantagens de colônias para o Reich, também não posso provar que sejam
dinheiro em administração e defesa. Esses fundos teriam de ser aprovados
prejudiciais.” Este era o ponto crucial do problema. Ninguém sabia preci-
pelo Reichstag. A expansão colonial levaria, portanto, ao fortalecimento
sar o que a África podia oferecer, mas muitos achavam que tinha muito a
do Reichstag e, deste modo, do regime parlamentar liberal que Bismarck
oferecer. Em 1884, surgiu, de repente, a oportunidade de garantir parte
tanto detestava. Em suma, ele tinha vários motivos para se opor ao
dela a um custo pequeno. Bismarck aprendera durante uma longa vida que
colonialismo e, na década de 1870, negou todos os pedidos de anexações.
se tem de agarrar as oportunidades sempre que elas surgem. Por isso é que
Por que então agiu de modo tão diferente em 1884 e 1885?
agiu em 1884 e 1885 como era de seu feitio: cuidadoso como uma serpente
Algumas explicações são atribuídas ao próprio Bismarck. A primeira,
e corajoso como um leão.
observada por Friedrich von Holstein, foi: “Todo esse negócio colonial é
um engodo, mas precisamos dele para as eleições.”** Aí temos a alegação de
um motivo eleitoral, isto é, de política interna. A outra explicação foi dada
por Bismarck numa conversa com Eugen Wolf, um colonialista e explora-
O nascimento do império colonial alemão
dor entusiástico: “Seu mapa da África é muito bom, mas meu mapa da
África está na Europa. Aqui fica a Rússia, e aqui... a França, e estamos no
O nascimento do império colonial alemão é fácil de datar com exati-
dão. Ocorreu a 24 de abril de 1884, quando Bismarck estendeu a Reichsschutz
meio; este é meu mapa da África.” Era uma explicação referida à política
(a proteção do Reich) à “Liideritz-land” (ver p. 310). Este ato foi o início da
externa. Toda a extensa literatura sobre os motivos de Bismarck consiste
essencialmente de variações sobre esses dois temas, motivos políticos inter- África do Sudoeste Alemã. Outras colônias se seguiriam em rápida suces-
são. Durante o “Ano-do-Congo”, isto é, o ano entre o tratado anglo-portu-
nos, como vantagem eleitoral, e motivos políticos externos, como as rela-
guês de 27 de fevereiro de 1884 e o encerramento da conferência de Berlim,
ções com a Grã-Bretanha e com a França.
exatamente um ano depois, a Alemanha adquiriu a África do Sudoeste

124
125
Alemã, o Togo e, em 27 de fevereiro de 1885, no dia seguinte ao encerra- dos problemas de Bismarck. Na verdade, revelava a maneira de adquirir
mento da conferência de Berlim, anexou a África Oriental Alemã. Pode-se possessões coloniais sem ter de assumir responsabilidade administrativa
entender esse súbito desenvolvimento contrapondo-o ao pano de fundo com todos os custos que esta acarretava. À solução miraculosa consistia
que acabamos de resumir. O movimento colonial havia-se tornado um im- numa companhia privilegiada. Isso era algo extraído do passado, uma
portante fator da vida política na Alemanha, um fator que iria desempe- relíquia dos dias do ancien régime, que, entretanto, fora recentemente res-
nhar um considerável papel nas eleições realizadas naquele ano. Havia, suscitada quando o governo britânico concedera uma carta de privilégio
portanto, bons motivos para satisfazê-lo, desde que não se gastasse dinhei- para a North Borneo Company. Na essência, uma companhia privilegia-
ro e a situação diplomática o permitisse. Ambas as condições foram atendi- da detinha os direitos soberanos ou, em outras palavras, tinha a obripa-
das em 1884. A situação diplomática era favorável e Bismarck descobrira ção de garantir a ordem e administrar. Em troca, tinha assegurado o mo-
um meio de adquirir colônias sem ter de recorrer à Dieta em busca de di- nopólio comercial na região a ela designada.
nheiro. Esse caminho foi mapeado para ele num memorando redigido por Kusserow julgava que isso era a resposta ao problema de Bismarck de
Heinrich von Kusserow, conselheiro particular no Auswártiges Amt, o Mi- como conceder ao colonialista alemão Liideritz, que queria fundar uma
nistério das Relações Exteriores da Alemanha. Kusserow o apresentara ao colônia alemã na África do Sudoeste, permissão para fazê-lo sem que o
chanceler em 6 de abril de 1884. Reich tivesse de assumir a responsabilidade pelos custos administrativos.
Heinrich von Kusserow era um funcionário relativamente pouco im- O governo alemão se restringiria a dar proteção diplomática e militar. Ora,
portante e um conhecido propagandista colonial. Por isso, não era levado essa proteção era da competência do governo e não do parlamento, por-
muito a sério, sobretudo porque apresentara antes uma série de memorandos tanto, não precisava do endosso da Dieta. O caminho para o grande obje-
demasiado longos que haviam irritado Bismarck tanto quanto seus enfado- tivo — colônias sem custos e sem interferência parlamentar — havia sido,
nhos argumentos. Em consequência disso, considerou-se Kusserow inade- portanto, desobstruído. Não se sabe a exata influência daquele memoran-
quado para trabalhos sérios e, após um breve período de estágio no “ginásio” do sobre Bismarck; o que se sabe é que, logo depois de sua apresentação, o
do Ministério das Relações Exteriores — o departamento político —, rebai- chanceler mudou de rumo”.
xaram-no para o “jardim de infância” — o departamento legal-comercial.” O outro motivo de Bismarck foi diplomático. A atitude britânica na
Mas Kusserow não era um homem que se podia ignorar facilmente. Relaci- esfera colonial em geral, e na África do Sudoeste em particular, irritava-o.
onava-se, senão com as melhores, pelo menos com as mais ricas famílias da Perguntara várias vezes se os britânicos faziam alguma reivindicação à África
Alemanha. Era filho de um general prussiano, neto do banqueiro do Sudoeste. A resposta britânica fora demorada e desdenhosa. Não, a Grã-
Oppenheimer e genro de Adolf von Hansemann, diretor da poderosa Bretanha não reivindicava o território, disseram-lhe, mas consideraria rei-
Disconto-Gesellschaft. Além disso, era um homem de idéias e, portanto, vindicações de outros como infringindo seus “direitos legítimos”.”º Isso chei-
conseguia ter acesso a Bismarck de vez em quando, mesmo depois de ter rava a uma doutrina-Monroe britânica para a África. A atitude britânica,
sido rebaixado, contanto que não se prolongasse muito. Sua idéia mais am- a propósito, devia-se mais à confusão do que à arrogância. Havia, na ver-
biciosa era a necessidade de a Alemanha ter um império ultramarino, o dade, poucos motivos para a última. Os anos 1884 e 1885 tinham sido
que provocou risadas entre seus colegas que sabiam, mais do que Kusserow, catastróficos para a Grã-Bretanha. Como se expressou Lord Granville, o
o que era a política do poder e para os quais o mundo, tirante a Europa, era ministro das Relações Exteriores, tudo fora “terrível, safa-se de um pesade-
uma série de postos diplomáticos a serem evitados. O interesse público de lo para entrar em outro”.?! No Egito, tudo, absolutamente tudo, dera erra-
Kusserow na Oceania fazia com que seus colegas se referissem à região como do — política, militar e financeiramente — culminando na tragédia da
“Kusserowia”'*, Para evitar outras piadas à sua custa, Kusserow guardava morte de Gordon em Cartum. Na Ásia, tomava forma uma grande guerra
seu mapa da África, no qual assinalava as futuras possessões alemãs de seus com a Rússia. Por isso, a última coisa que a Grã-Bretanha queria era irritar
devaneios, numa gaveta secreta de sua mesa. Mas ele era um verdadeiro a Alemanha sem nenhum bom motivo, mas os britânicos não conseguiam
fanático, do tipo que acreditava apaixonadamente num grande e poderoso entender as verdadeiras intenções de Bismarck. Será que a Alemanha de
império ultramarino da Alemanha, não para maior proveito de seus cu- repente decidira tornar-se, afinal, uma potência colonial? Isso parecia im-
nhados, mas para maior glória de sua pátria. provável, mas, então, o que ela estaria realmente querendo?
O memorando que Kusserow redigiu em 1884 demonstrava ao mesmo Bismarck, por sua vez, não tinha a menor intenção de molestar a Grã-
tempo seu entusiasmo, sua familiaridade com o assunto e sua compreensão Bretanha, certamente não em nome de algumas terras no deserto do oeste

126
127
africano, mas queria que a Grã-Bretanha o levasse a sério. Além disso,
estava diante de uma situação em que aparentemente não poderia perder.
Podia unir-se à França tornando a vida difícil para a Grã-Bretanha: ele 6 A CONFERÊNCIA DE BERLIM
com reivindicações coloniais na África, a França com queixas no Congo, e
os dois juntos com a espada financeira sobre o Egito. Essa possibilidade
representava uma ameaça considerável à Grã-Bretanha em 1884 e nin- Rumo a uma conferência internacional
guém poderia dizer aonde ela levaria. Se a França se sentisse tentada de-
mais a unir-se à Alemanha e esquecer “le ligne bleue des Vosges”, tanto | Em 26 de abril de 1884, dois dias depois que o Reich havia estendi-
melhor. Mas isso era improvável. Bismarck sabia muito bem que uma do sua proteção às possessões de Liideritz, na África do Sudoeste, Bismarck
amizade com a Alemanha significava suicídio para qualquer governo fran- encontrou-se com o embaixador francês em Berlim. Informou-lhe que a
cês. Todavia, mesmo sem uma entente franco-germânica, podia-se pressi- Alemanha queria discutir assuntos coloniais, em particular o tratado
onar a Grã-Bretanha. Na verdade, a cooperação franco-germânica na África anglo-português, com as outras potências e, em especial, com a França.
não durou muito, embora o tempo suficiente para Bismarck fundar o impé- A Alemanha já havia declarado a Lisboa seus protestos contra aquele
rio colonial alemão. Portanto, a colaboração franco-germânica não foi de tratado e agora buscava cooperação da França contra a “política de inva-
importância estratégica, mas tática. são e exclusivismo de que a Grã-Bretanha acabara de dar nova prova”.
Bismarck pensou muito e durante longo tempo antes de se decidir Bismarck começou, assim, com muita cautela. Não protestou diretamen-
pela expansão colonial, mas uma vez lançados os dados, agiu com vigor e te contra Londres mas, primeiro, procurou apoio em outra parte. A me-
rapidez. Escondeu os dados sob o copo durante um pouco mais de tempo, lhor forma de protestar era internacionalizar toda a questão. À iniciativa
mas depois atacou. Em 7 de junho de 1884, anunciou que não reconhecia viera do governo português. Assim que se tornara claro que a oposição
o tratado anglo-português. Nesse mesmo mês, enviou seu filho Herbert a ao tratado de Londres era tão grande que o reconhecimento internacional
Londres para convencer o governo britânico da seriedade de suas inten- estava fora de questão e, por conseguinte, Londres hesitava em apresentar
ções. Nachtigal, o cônsul alemão, enquanto isso, recebera instruções para o tratado ao parlamento para ratificação, Portugal perdera o interesse no
transformar sua expedição de reconhecimento na África Ocidental numa acordo. A internacionalização era agora a melhor oportunidade que Por-
campanha política. Em 5 de julho, o Togo foi declarado protetorado ale- tugal tinha de romper seu vínculo exclusivo com a Grã-Bretanha.” Isso
mão, seguido de Camarões, em 12 de julho. Em 7 de agosto, anexou-se a explica por que Portugal começou em 13 de maio a fazer sondagens sobre
região em torno de Angra Pequefa, seguida, logo depois, de toda a costa, a possibilidade de uma conferência internacional. Bismarck respondeu
de Angola à Colônia do Cabo. Ao mesmo tempo, enviavam-se convites depressa. Declarou que um tratado bilateral não tinha qualquer validade
para a Conferência de Berlim. internacional, para a qual era necessário o reconhecimento internacio-
nal. Também insistiu que um rio navegável como o Congo tinha de ser
posto sob controle internacional, como fora feito com o Reno e o Danúbio.
Bismarck não hesitou em chamar o Congo de o “Danúbio da África”.
Tinha-se de garantir o livre comércio na região.”
Bismarck assumia, assim, a responsabilidade de resolver a questão do
Congo. Em agosto e setembro, fez contatos com Paris e, após conseguir
apoio para seus planos de um encontro, convidou Londres e Lisboa para
participarem de uma conferência internacional a realizar-se em Berlim. Ela
trataria dos seguintes assuntos:
1. Liberdade de comércio na bacia e no estuário do Congo;
2. Liberdade de navegação no Congo e no Níger, apoiada nos mesmos
princípios adotados para o Danúbio;
3. Definição das formalidades a serem cumpridas ao se tomar posse
de novo território na costa africana.”

110
130
As reações foram favoráveis. Agora se podiam também convidar ou-
tros países para a conferência, começando com os que tinham interesses
nas respectivas regiões. Esses países incluíam, além dos já mencionados
(Grã-Bretanha, França, Alemanha e Portugal), a Holanda, a Bélgica, o
Espanha e os Estados Unidos. Os restantes foram convidados apenas par
o espetáculo, ou, como dizia mais elegantemente a carta-convite, “par
garantir a aprovação geral das resoluções da conferência”.” Entre esses es-
tavam Áustria-Hungria, Suécia-Noruega, Dinamarca, Itália, Turquia e
Rússia. Expediram-se os convites em outubro. Tinha-se, portanto, um mês
para preparar e esclarecer as posições antes de a conferência iniciar-se no
sábado, 15 de novembro de 1884.

A Conferência de Berlim
15 de novembro de 1884 — 26 de fevereiro de 1885

Bismarck abriu a conferência às duas horas da tarde do dia 15 de


novembro de 1884, um sábado, com um discurso breve, mas imponente. Conferência de Dertim
Enfatizou os objetivos desinteressados da conferência. Cabia a ela levar à
rermânicos aproximavam-se muito mais dos da Grã-Bretanha do que dos
África os benefícios da civilização em geral e do comércio em particular.
da França. À própria Alemanha não tinha reivindicações naquela região e
Depois listou os principais pontos da agenda e frisou que a conferência não
o livre comércio servia-lhe muito bem. A Alemanha apoiou, assim, a Grã-
ia tratar de soberania, mas definir normas para a ocupação de novos terri-
Bretanha e isso bastou para resolver o problema. A
tórios na costa africana, pela causa da paz e da humanidade. O embaixador
Tendo liquidado a questão do Níger, a conferência voltou sua aten-
britânico, Sir Edward Malet, foi o orador seguinte. Seus próprios elevados
ão para a região que estava realmente em causa, ou seja, o Congo. ol
sentimentos e idéias estiveram à altura do Chanceler de Ferro. Sir Edward
ponto mais importante aqui era determinar a dimensão da área de livre
enfatizou que a conferência não devia ocupar-se apenas das perspectivas
comércio. À conferência queria que fosse a maior possível. Stanley, que
comerciais mas, também, ter em mente o bem-estar da população nativa.
Por conseguinte, propôs que se proibisse a importação de mercadorias per-
era nominalmente um membro da delegação americana, mas que estava
de fato trabalhando como agente de Leopoldo, defendeu uma área que se
niciosas como álcool, armas e pólvora. No entanto, o altruísmo não era o
estendia do Atlântico ao Oceano Índico, cortando a África Central. Cha-
único ponto na agenda do embaixador de sua majestade. Ele deixou logo
mou-a de a “bacia geográfica e comercial do Congo”, um termo esplêndido,
clara uma coisa: a Grã-Bretanha recusava-se a permitir que se discutisse o
embora o primeiro adjetivo em particular tivesse pouco a ver com a situa-
Níger no mesmo nível que o Congo. No Congo, a Grã-Bretanha era apenas
ção real, “O senhor poderia também considerar o Reno parte da bacia do
uma das partes interessadas; no Níger, a “potência preponderante”.
Ródano”*, observou um perplexo diplomata britânico. Além disso, era a
Mesmo antes da conferência, a imprensa britânica havia ressaltado
Africa Ocidental que estava na pauta da conferência, não a costa oriental,
quão importante era esse ponto para a Grã-Bretanha e manifestara indig-
Por outro lado, tirando as queixas geográficas e processuais, não se fizeram
nação diante dos planos franceses de internacionalizar o Níger. O Níger
grandes objeções à proposta de Stanley. A França e Portugal, os dois que
era tão britânico quanto o Senegal era francês, e se o Níger tivesse de fazer
parte das negociações, o Senegal também teria de fazer. Esta questão entre tinham direitos na região, foram, claro, postos de lado e tentaram reduzir a
área de livre comércio da costa ocidental. A Grã-Bretanha apoiou as rei-
a Grã-Bretanha e a França iria persistir por um longo tempo, mas o primei-
vindicações do sultão de Zanzibar no Leste.
ro round, disputado em torno do Baixo Níger, terminou rapidamente. A
posição britânica ali era tão forte que ninguém a poderia contestar. Nem O resultado final foi um compromisso. Aprovaram-se duas áreas de
queria fazê-lo. Ele via com muita clareza que os interesses livre comércio. À primeira foi definida como “a bacia do Congo e seus
Bismarck

é ma
131
lagos. Na costa, O
tributários” e estendia-se do Atlântico até os grandes
o estuário do Rio
limite setentrional foi fixado em 2º30'S, e adotou-se
bastante estrei-
Loge como o limite sul. Essa faixa costeira era, portanto,
ao Norte
ta, mas, logo depois dela, a região desdobrava-se amplamente
direçã o Leste, estava a outra
assim como ao Sul em forma de leque. Na
l”, que se es-
área de livre comércio, chamada de “zona marítima orienta
N seu limite
tendia dos grandes lagos ao Oceano Índico. Fixou-se em 5º
A pedido da Grá-
costeiro norte, e o sul na embocadura do Rio Zambezi.
os sig-
Bretanha, concordou-se que o Tratado de Berlim obrigava apenas ÍNDICO
claro, foi uma
natários e a nenhum estado africano independente. Isso, OCEANO
r. Os dois
deferência ao protegido da Grã-Bretanha, o sultão de Zanziba ATLÂNTICO
1. “
oriental, eram
territórios de “livre comércio”, a bacia do Congo e a zona
+

a “bacia conven cional do Congo”.


conjuntamente mencionados como
numa ex-
Juntos, pareciam uma salsicha gigante, grossa no meio, afilada
de Zanzibar
tremidade e com um pedaço imenso abocanhado pelo sultão
na outra extremidade.” 400 Milhas
eles
A conferência também discutiu alguns outros assuntos, entre li

as obrigações humanitárias com a população african


a, uma questão que E. MeC. 95 || ==
0 400 Km
-ia a
o embaixador britânico trouxe à baila na primeira sessão. Dar-se cacossosaas Limites da “Área de Livre Comércio Convencional”.
tratado com a França de 5 de fevereiro de
— O tráfico d território da “Associação Intemacional do Congo”, segundo o
proteção às missões cristãs e proibir-se-ia — mais uma vez
Cica Dá
1885 e lo com Portugal de 15 de fevereiro de 1885
. Esta últim
escravos, bem como a venda de bebidas fortes aos nativos (O Território Alemão
etanha . Mas a Alemanha e a Es Território Português
medida foi pelo menos proposta pela Grã-Br
antes em casa, em Sultanato de Zanzibar
Holanda, por acharem que caridade deveria começar
AN Terri rancês ESSA

de Sir
Bremem e Schiedam, do que com as preocupações humanitárias
Edward, objetaram. Três quintos de todas as exportações alemãs
África Ocidental eram de bebidas de alto teor alcoól ico. O
para a
própri
poderi-
o ) Para esse fim, o melhor que temos a fazer é começar
examinando
O Congo depois da Conferência de Berlim

Bismarck era dono de três destilarias.'? Os alemães difici lmente


para dis-
ando o tema com atenção a carta-convite. No trecho que trata dos tópicos
am fazer objeção ao princípio em si, mas continuaram retom africanas.” Portan-
a questão cussão, mencionaram-se “novas ocupações nas costas
geral da conferência, ou seja, O livre comércio. A decisão sobre . Quan-
to, exclufam-se, expressamente, as possessões existentes e O interior
foi, assim, alterada no sentido de que as autoridades locais regulamenta- que as mes-
do se abordou essa questão, o representante britânico propôs
riam o comércio de bebidas alcoólicas. Era uma maneira indireta de dizer r. Contu-
mas regras deviam ser aplicadas às novas aquisições no interio
que nada se faria em relação ao problema. possíve l estabe lecer re-
O item mais importante na agenda, contudo, foi o terceiro: a regula-
do, os franceses e alemães objetaram. Como era
I mentação de novas reivindicações às costas africanas. Embora Bismarck
ência não ia
gras para regiões sobre as quais quase
mantivessem na costa, todos sabiam sobre que se discutia.
nada
As fronteiras
se conhecia? Enquanto se

tivesse declarado em seu discurso de abertura que a confer x até a latitude


res. Afinal, ali podiam ser delimitadas de maneira simples: da latitude
tratar de soberania, o assunto veio, claro, à tona nos bastido propós ito, onde terminava
y. Mas o que se faria em relação ao interior? A
convocara-se a conferência para tratar de problemas resultantes do trata- , ter-se- ia de fazer
a costa e onde começava o interior? Para determiná-lo
do anglo-português, e nos corredores a conversa constante, como se verá, levan tamen to
- um inventário de todas as reivindicações à soberania e um
girou em torno do reconhecimento de bandeiras e da definição de frontei ou o embai-
como de todas as regiões envolvidas. Esse tipo de operação, observ
ras. O mapa da África não fora afixado na parede para nada. Mas da África” . Não foi para isso
temos de xador francês, equivaleria a uma “partilha
esse item da conferência tornou-se uma fonte de mito e confusão, estabe lecer normas
se decidiu. que se convocara a conferência. Cabia a ela apenas
tentar esclarecer o que exatamente se decidiu e o que não
133
119
s,
para novas ocupações ao longo da costa, não discutir acordos existente
nem ocupar-se com o interior.'! A conferência não se reunira para divi-
7. (CONASCIMENTO DO ESTADO LIVRE
dir a África, mas para abri-la ao livre comércio e à civilização, no espírito
as-
de cooperação e harmonia européias. Ninguém podia contestar isso e
sim varreu-se a questão da partilha para debaixo do tapete. No tratado O caminho para o reconhecimento
final de Berlim estipulou-se apenas que qualquer um que ocupasse uma
nova região costeira, ou estabelecesse um protetorado nela, teria de noti-
A Conferência de Berlim realizou-se, portanto, não apenas no grande
ficar os outros signatários e exercer alguma autoridade efetiva. Entretan-
quase não existia mais nenhuma região costeira desocupada, “alão de eventos, mas, também, nos corredores e salinhas escuras late-
to, como
este dispositivo, na prática, não significou virtualmente nada.
tais. Enquanto diplomatas e ministros dedicavam sua atenção a nobres
A conferência encerrou-se em 26 de fevereiro de 1885. Fizera seu princípios e aos pontos mais delicados da lei internacional, um jogo mui-
trabalho. Três meses e meio se haviam passado desde a abertura, durante os
to diferente estava sendo disputado fora do salão, o da barganha diplo-
Livre
de múática e o do toma-lá-dá-cá. O resultado, como vimos, foi o Estado
quais os delegados reuniram-se oito vezes, cada sessão durando cerca com
do Congo. O nascimento deste estado, como convém a uma criatura
duas horas e meia. Com a sessão de abertura e a de encerramento, portan-
to, reuniram-se 10 vezes em 105 dias, num total de aproximadamente 25
tais dimensões, fora precedido de um longo período de gestação. Em ou-
tubro de 1882, como também vimos, Leopoldo deu o passo decisivo de
horas. O congresso não fora umas férias, é verdade, mas, também, não ti-
trocar sua abordagem comercial por uma política, isto é, evoluir da idéia
nha sido um árduo trabalho. Houve reuniões de trabalho para a elaboração
de dirigir um negócio para a de dirigir um estado. O que importava, em
de propostas, claro, e reservara-se tempo para fazer consultas e receber
seguida, era conseguir que as potências reconhecessem O estado, e
instruções, mas esses não foram os verdadeiros motivos do lento progresso.
Leopoldo fizera tudo para atingir esse fim. De um lado, numa tentativa
Tem-se que buscá-los em outro lugar, não no salão, mas nos corredores.
relati- de conquistar o apoio dos britânicos, abraçara avidamente o evangelho
Durante a conferência, estes foram o palco de acaloradas discussões
do livre comércio. A Grã-Bretanha aprovara. Por outro lado, houve sua
vas ao reconhecimento do Estado Livre do Congo, cujo ponto mais difícil,
decisão não menos surpreendente de garantir direitos prioritários aos fran-
claro, era o que envolvia os dois rivais principais no Congo, França e Por-
ceses, que lhe rendeu certamente a simpatia francesa, mas, também, le-
tugal. Só em 5 de fevereiro de 1885, a França assinou um tratado reconhe-
vantou as suspeitas britânicas. Houve outros problemas também. Qual a
cendo o Estado Livre. Portugal assinou logo depois, em 15 de fevereiro.
Mesmo antes que se assinasse o Tratado de Berlim, o Estado Livre validade legal de sua criação? Qual seu futuro político? Era possível al-
guém reivindicar soberania em nome de uma sociedade internacional?
declarara sua adesão às conclusões da conferência. Bismarck pôde, assim,
Pediu-se ao grande jurista de Oxford, Sir Travers Twiss, que desse seu
terminar seu discurso de encerramento com um tom quase tão entusiasma-
parecer. Ele afirmou que se podia fazê-lo, citando precedentes como os
do quanto o de seu discurso de abertura. Deu boas-vindas ao novo Estado
e concluiu com as seguintes palavras: “O novo estado do Congo está desti-
Cavalheiros de Malta e a Ordem Teutônica.!'”? Era um argumento algo
nado a ser um dos mais importantes executores do trabalho que planeja-
forçado. Além disso, para os britânicos, Leopoldo dava a impressão de ser
mos fazer, e expresso meus melhores votos para seu rápido desenvolvimen- apenas um filântropo meio confuso e benevolente, cujo castelo de cartas
to e a realização das nobres aspirações de seu “ilustre criador" ”'ºº Foi para estava condenado a desmoronar muito em breve sob a pressão do equilí-
aguardar o auge dessa exibição diplomática que a conferência tivera de brio internacional de poder. De maneira geral, os sentimentos na Grã-
Bretanha eram mistos. Mas, no decorrer de 1884, entre a rejeição do tra-
andar devagar e o ilustre criador tivera que trabalhar tanto. Com o Estado
Livre, a conferência saudava um bebê que, depois de muitas dores de parto, tado anglo-português e a abertura da Conferência de Berlim, a opinião
acabara de nascer num escuro quartinho lateral.
pública na Grã-Bretanha virou-se a favor de Leopoldo.!º
Nisso Stanley desempenhou um papel importante. Era a grande
autoridade sobre o Congo e fez bom uso dessa fama. Em inúmeros dis
cursos que proferiu na Inglaterra, atacou o desgoverno português e lou
vou o trabalho do desprendido rei dos belgas. Além disso, ressaltou as
enormes perspectivas que essas regiões ofereciam para o comércic

135
de Manchester, ) A questão das fronteiras
britânico. Numa famosa palestra na Câmara de Comércio
essas pers-
em 22 de outubro de 1884, ele discorreu extensamente sobre
pectivas. Se cada habitante da bacia do Congo compra sse apenas um No entanto, o reconhecimento feito pelos Estados Unidos, por mais |
terno de domingo, consumir-se-iam só nisso quase 300
milhões de me- bem-vindo que fosse, não teve grande influência na cena internacional.
o que
tros de algodão de Manchester. Se comprassem um de doming
o e quatro O que Washington fez não foi importante na época, menos ainda
para o dia-a-dia, prosseguiu Stanley no seu “curioso cálculo
”, isto equi- te: Berlim. Dois dias depois do reconhecimento de Berlim, portanto em
com o
de tecido, no valor de vários 14 de abril, Bismarck discutiu o caso de Leopoldo pela primeira vez
valeria a vários milhões a mais de metros
milhões de libras.'5 A promessa de Leopoldo de livre comérc
io iria tor- embaixador francês em Berlim. “Não tenho na realidade muita certeza
do que é exatamente essa Associação”, observou.!!º Bismarck procurou,
nar tudo isso possível.
O Ministério das Relações Exteriores, contudo, não
se empolgou então, informar-se sobre ela e Leopoldo sentiu-se muito contente em po-
com os hinos de louvor ao desprendido rei dos belgas. A “The
King of the der ajudá-lo. A Associação, explicou o rei, era uma organização fundada
Oceano
Belgians' Co. [Companhia do Rei dos Belgas] é um monopó lio comercial para estabelecer bases, com o objetivo de ligar o Atlântico ao
gigantesco”, escreveu Sir Percy Anderson.'% Ele, pessoa
lmente, preferia Índico, e criar um Estado Livre. Para funcionar adequadamente, o estado
também
os portugueses. Mas já que a carta portuguesa fora jogada e derrotada, só teria de se estender de costa a costa. Na verdade, seria melhor se
lhe restava aceitar o rei dos belgas como sócio. Assim, em
16 de dezem- abrangesse o Sudão, que acabara de ser cedido pelo Egito, pois o tráfico
bro de 1884, a Grã-Bretanha decidiu reconhecer a AIC e com isso
ajudou nepreiro havia chegado ao pior ponto e ninguém mais preparado do que a
para o reconhe- Associação para pôr um fim nele.
Leopoldo a dar um importante passo no árduo caminho tema im-
Aqui encontramos os primeiros comentários sobre um novo
cimento internacional,
Os americanos, a propósito, haviam sido os primeiros a conced
er ortante: as fronteiras do Estado Livre. Conseguir o reconhecimento de uma

————
esse reconhecimento. Já em 10 de abril de 1884, o Senado decidir a reco- bandeira era ótimo, mas não era a mesma coisa que conquistar o de um esta-
O que
nhecer a bandeira da AIC, uma estrela dourada sobre
um campo azul — do territorial. O que Leopoldo tinha era uma série de bases dispersas.
outro legado da defunta ALA —, como a de uma potência amiga.
Os pedia era uma vasta área de terra. Como observou o historiador belga, Jean
e, como se Stengers, era quase o mesmo que ser proprietário de vários lugarejos nas
americanos, claro, não tinham o menor interesse na África toda
expressou Leopoldo, que às vezes dizia as coisas sem muita sutileza,
“os margens do Reno, entre Roterdã e Basel, e depois pedir soberania sobre
cas que fossem as exi-
americanos não estão muito interessados em negros” ."” Isso explic ava a Europa Ocidental."! No entanto, por mais fantásti
ban- pências de Leopoldo, o que ele recebeu foi ainda mais fantástico. O Estado
grande parte de sua atitude. Mas havia mais. O reconhecimento da
deira da Associação tivera como seu defensor mais importante O ameri- Livre do Congo era mais do que duas vezes o tamanho da Europa Ocidental.
cano Henry Sanford, que era embaixador dos Estados Unidos na Bélgica Nesse processo, as negociações de Leopoldo com Bismarck haviam
em 27 sido de crucial importância, pois Bismarck seria o primeiro a reconhecer
e tinha interesses comerciais no Congo.'* Ele começou seu lobby Ori-
de novembro de 1883 e a princípio deparou-se com o inevitável ceticis- não apenas a Associação, mas, também, as fronteiras de seu território.
mo do Departamento de Estado, que fazia pouca fé na estabilidade
da vinalmente, isso não parecera provável. Bismarck não era o tipo de homem
AIC. Ergueu-se, então, uma cortina de fumaça filantrópica. Disser
am aos que se envolvesse em devaneios ou fosse tapeado por um colírio humanitá-
de
americanos que a AIC era a sucessora da altruís tica CEHC, da qual se rio. “Schwindel” — conversa fiada — escrevera na margem de uma nota
disse, por sua vez, ser uma filial da humanitária AIA.'º A AIC iria atuar, Leopoldo, contígua a um trecho sobre combate do tráfico de escravos."
o livre
livres” De qualquer modo, ele insistira em que se teria de garantir primeiro
além disso, apenas como administradora temporária dos “estados
— observe-se o plural — que foram criados , ou ainda o seriam, no Congo, comércio. Leopoldo teve o maior prazer em concordar. Bismarck então lhe
mais ou menos do mesmo modo que a Sociedade de Colonização
Ameri- fez a pergunta crucial: quais iriam ser as fronteiras do Estado Livre do Congo?
cana administrara temporariamente o recém-criado Estado
da Libéria. A primeira resposta de Leopoldo foi evasiva. Não poderia a Alemanha re-
aria,
Isso foi incorporado às declarações assinadas pelos Estados Unidos e
pela conhecer a AIC e deixar para aprovar as fronteiras, que a AIC especific
AIC, em 22 de abril de 1884, e, mais tarde, endossadas pelo Senado
. Os numa data posterior? Isso era pedir carta branca, literal e simbolicamente, e
americanos acharam que estavam ajudan do a fundar outra Libéria . O Bismarck, claro, negara-se a concedê-la. Queria um mapa no qual se assina-
que fundavam, na realidade, era o Congo Belga. lassem claramente as fronteiras. Leopoldo e Stanley concentraram-se, então,

» 19
que pudesse da bacia do
Estado maior possível e abranger o máximo
seu encontro em Ostend, em 7 de
agos- ra de sondar o terre-
em produzir um mapa da África no Congo.!é Foi o resultado de um impulso e uma manei
esbo ço do Esta do onare mos”, explicou o repre-
to de 1884. Com traços fortes, produziram o primeiro no. “Se houver alguma oposição, nós a aband
o de uma região estendendo-se de não fez objeç ões. Por que
Livre do Congo. Comparado ao sonh «entante de Leopoldo em Paris.!? Mas Jules Ferry
——

sto — nem mesmo o Livre, mais a França tinha a


Angola ao Egito, era um plano mode
costa a costa, e de deveria ele ter feito? Quanto maior O Estad
o como aquele no papel. Apesar
disso, O 1885, o mapa foi reconhe-
Leopoldo ousaria colocar um sonh “herdar”, Por conseguinte, em 5 de fevereiro de
erior Congo Belga
dois terços do post cido pela França como um apêndice ao seu convê
nio com a AIC. Dez dias
território era bastante vasto, cerca de o outro rival. En-
ou, em outras palavras, O Congo Belg
a menos Kata nga.!!º depois, assinou-se também um tratado com Portugal,
pido”, observou." Mas não quanto se arrastava a Conferência de Berlim, as
potências haviam perdido
Bismarck examinou o mapa. “Nada estú era pedir mui- m ordenado secamen-
soube o que deduzir exatamente daqu
ilo tudo. Por um lado, a paciência com a protelação de Portugal e lhe havia
mas não intratável. Além disso, Leop
oldo garantiram-lhe a es-
to. Por outro, achou Leopoldo tolo, te abrir mão da margem direita do Congo. Em troca, da.
tinh a algu mas do rio, o enclave de Cabin
à Alemanha e seu plano querda e uma pequena área acima do estuário
não representava qualquer ameaça ria ajudar a dimi -
como aquele pode
vantagens. À presença de um estado
er as forças mais perigosas.
nuir as tensõesinternacionais na região e cont
princípio sobre reconhecer as fron
teiras “Enquanto a Inglaterra dormia”
Mesmo assim, Bismarck hesitou a ebid a. Mas, no fim,
rda e mal-conc
propostas. A proposta inteira era absu lobby de Hutton
objeções, pois haviam-lhe oferecido Agora faltava apenas a Grã-Bretanha. Apesar do ativo
ele cedeu. Sabia que a França não faria a tomar algu- ha era pequena. Sir Percy
a Alemanha, também, devi « Mackinnon, a simpatia pela AIC na Grã-Bretan
direitos privilegiados. Achou que manha e iação, que definiu como
ma atitude. O resultado foi o rascunho de um tratado entre a Ale Anderson tinha poucas ilusões a respeito da Assoc
artigos resumindo as obrigações da 8 Contu do, não havia mui-
a AIC, contendo uma série completa de “uma empresa privada de tipo muito anormal”."!' o
comércio, o Estado do rei dos belgas como
AIC para com o Reich: o Estado Livre
garantiria livre tas objeções a substituir Portugal pela criação
do Livre faria isso e aquilo. Em só iria beneficiar o país que
Livre protegeria os súditos alemães
e o Esta guardião do Congo. E opor-se à Associação
reconhecimento da bandeira. Na representava o perigo real, a França. Além disso,
Bismarck era um defensor
troca, a Alemanha prometia apenas O particularmente importante
scentou-se O artigo seis: “O Reich da AIC e a cooperação com a Alemanha era
verdade, era muito pouco e assim acre
radas no mapa anexo.”!'º Esse para a Grã-Bretanha, sobretudo quando se
tratava de reivindicações ao
alemão reconhece as fronteiras como most
ro de 1884. O passo decisivo for Níger.!!º Bismarck não deixara à Grã-Bretanha
nenhuma dúvida sobre isso.
convênio foi assinado em 8 de novemb anha. à Grã-Bretanha do que o
dado. Agora faltava apenas convencer à França e a Grã-Bret O fato é que o Níger era mais importante para
com a França. Afinal, seus direi- verde bem depressa:
Não se esperavam muitos problemas Congo. Portanto, Anderson enviou a Leopoldo o sinal
ponto de fazê-la desejar o maior Estado ico. Garantiu-se formal-
tos privilegiados eram tantos ao a AIC podia contar com o reconhecimento britân
que isto é, logo depois do
Livre possível, contanto, claro, que
o território não usurpasse regiões mente isso no tratado de 16 de dezembro de 1884,
“Niari-Kwilu”, assim bati zada por ha deixou sem especifica ções
reivindicava. Uma dessas regiões era a início da conferência. Contudo, a Grá-Bretan
por fazer, e quando o foi,
No mapa apresentado a Bismarck, as fronteiras do Estado Livre. Isso ainda ficara
causa de dois rios no Baixo Congo.
la região como sujeita à “outros algum tempo depois, o foi da maneira mais surpr
eendente possível.
Leopoldo assinalara cautelosamente aque r-se O soberano do
ça, teve de renunciar à sua reivindi- Em 1º de agosto de 1885, Leopoldo aceitou torna
ajustes”. Nas negociações com à Fran o perdido alguma em vez do título de Im-
cação a ela. Mas Leopoldo era o tipo de
homem que, tend Estado Livre. Após alguma hesitação, ele preferiu,
Por conseguinte, apresentou à Fran- modesto de rei sobera-
coisa aqui, ansiava por recuperá-la ali. perador do Congo, tomar posse com O título mais
mbro de 1884. Nele, o Estado Livre no.!º Também redigiu uma lei de neutralidade,
de acordo com o Artigo 10
ça um mapa diferente, em 24 de deze ou seja, a
de aplicava-se a toda
perdia o território disputado, mas
ganhava algo mais em troca, lo Tratado de Berlim, estipulando que a neutralida
Leopoldo anexou Katanga, pelo menos no dos com a Alemanha,
Katanga. Com isso, naquele dia, área do Estado Livre como especificado nos trata todos os
íncia mais rica e importante do
Congo. o Tratado de Berlim,
papel. Katanga iria tornar-se a prov França e Portugal. Em conformidade com
riquezas minerais que Leopoldo de sua declaração. Se não fizes-
Contudo, segundo Stengers, não eram suas seus signatários tinham de ser notificados ito
ncia imperialista em geral, o desejo ser dado como implíc
buscava. O que o impeliu foi uma urgê sem nenhuma objeção, seu consentimento podia
il e o objetivo de tornar o novo
de compensar-se pela “perda” de Niari-Kw
139
>
de acordo com a prática diplomática. Bismarck, nesse meio tempo, apro-
vou as novas fronteiras estabelecidas no tratado de Leopoldo com a Fran- 8 CONCLUSÃO
ça. O rei assim não tinha nada a temer de Paris, Berlim ou Lisboa. Aguar-
dou a decisão crucial britânica com grande expectativa.
Era o mês de agosto. Os especialistas em assuntos africanos no Minis- Como
tério das Relações Exteriores, entre eles Sir Percy Anderson, haviam tirado
O Congo desempenhou um papel especial na partilha da África.
dade bilater al,
férias. Os funcionários que haviam deixado em seu lugar não estavam in- um todo, a partilha ocorreu sobre um pano de fundo de rivali
ios
teiramente a par dos últimos fatos. Compararam o último mapa que lhes diplomacia bilateral e acordos bilaterais: tratados anglo-britânicos, convên
, em
enviaram com o que tinham em mãos, que mostrava as fronteiras do Esta- franco-germânicos, pactos anglo-germânicos, etc. No Congo
idas desde os primei ríssim os
do Livre, reconhecidas pela Alemanha, França e Portugal. Esse mapa fora contraposição, mais de duas partes estavam envolv
dias. A princípio, essas incluíam as mais famosas, ou seja, a França e a Grã-
publicado em Berlim depois da conferência e enviado a todos os interessa- a. Em
dos. Os funcionários britânicos o anexaram ao dossiê do Congo. A Grã- Bretanha, potências que encontramos repetidas vezes durante a partilh
de seus antigos
Bretanha fora uma das signatárias do Tratado de Berlim. Por conseguinte, prau menor, Portugal também estava envolvido em virtude
ainda vários recém-chega-
os funcionários presumiram que todos os mapas anexados ao tratado, até direitos, reivindicações e possessões. Mas havia
ina e inespera-
mesmo aquele com as fronteiras do Estado Livre, também tinham sido re- dos, o mais importante deles a Alemanha. Sua decisão repent
assim,
conhecidos pelos signatários do Tratado. Não foi este o caso, entretanto, da de ingressar na política colonial foi o fato político de 1884. Mesmo
II. Ele desempe-
pois o tratado não se referia a fronteiras e reivindicações territoriais. Os » recém-chegado mais original foi, sem dúvida, Leopoldo
govern ante constit ucional de um país
únicos mapas que o acompanhavam eram os relativos às zonas de livre nhou um papel bizarro na história: um
partici pação nas colô-
comércio e assuntos correlatos. Mas tudo fora arquivado num único dossiê pequeno, mas respeitado, que não queria nenhuma
; e,
e, nesse ínterim, se haviam feito tantos mapas, tantos acordos, tantos nias: ao mesmo tempo, um conquistador colonial na sua alçada privada
l, um Dr.
Congos, tantas bacias do Congo e tantas associações do Congo, que era logo depois, o único soberano de um gigantesco império colonia
África.
bastante compreensível a confusão dos funcionários. Em todo caso, o Mi- Jekyll constitucional na Bélgica e um Mr. Hyde autoritário na
to ainda mais original . Tradi-
Esse novo fator introduziu um elemen
nistério das Relações Exteriores decidiu que os dois mapas eram idênticos e anglo-
informou em 1º de setembro de 1885 que a declaração havia sido devida- cionalmente, a partilha da África fora dominada pela rivalidade
a rivalidade franco-
francesa. Paralelamente, existira no continente Europeu
mente endossada.'?! Em linguagem diplomática, isso significava aceitação ade pareceu
e era um assunto de crucial importância. Em anos posteriores, Katanga germânica desde 1870. Mas, durante o caso Congo, esta rivalid
que foi, porém, efêmera. A
passaria a ser uma possessão muito cobiçada aos olhos de imperialistas bri- ter dado lugar à cooperação franco-germânica,
o
sombra dos Vosges persistia com mais força que o sol da reconciliaçã
tânicos como Cecil Rhodes e Harry Johnston. Quando abordaram a ques- de 1884 a 1885 exerceu uma
sua posição. Anderson infor- colonial. Ainda assim, a breve lua-de-mel
tão com o governo britânico, este manteve Bismarck
mou-lhes que o mapa de Leopoldo fora reconhecido em 1885, e que seu influência decisiva no curso dos acontecimentos. À intervenção de
isso exigiu que se reemba ralhas sem
território inequivocamente abrangia a região mineira de Katanga.'2 O que significou a entrada de um novo jogador e
to de incer-
foi feito estava feito. Portanto, os caprichos de Bismarck, a ganância de e redistribuíssem as cartas, além de introduzir um novo elemen
al e não o de
Ferry e um “estúpido erro” de Whitehall”, como iria chamá-lo Anderson ao teza. Bismarck acostumara-se a desempenhar o papel princip
em con-
voltar de suas férias, levaram à inclusão de Katanga no Estado Livre, esta- coadjuvante. A Alemanha era uma potência que se tinha de levar
dirigiu a peç:
do que, transplantado para a Europa, se estenderia de Barcelona a Istam- ta. O mesmo não se podia dizer, claro, de Leopoldo. Ele não
te colônia . Con-
bul e da Sicília à Suécia. que terminaria na fácil apropriação que fez de uma excelen
u uma alternativa: O
tudo, aproveitou-se das tensões existentes é oferece
mas em vários
Estado Livre. Essa não foi apenas uma solução original,
s potênci as vantag ens conside-
momentos ofereceu a cada uma das grande
ráveis em relação às alternativas.
de di-
O resultado desses novos acontecimentos foi uma nova forma
de uma conferên-
| plomacia, não mais bilateral, mas multilateral, na forma
o, o govemo britânico. (N. do T)

N 41
espírito de Woodrow Wilson que o de Bismarck, antes o de Grotius que o
cia internacional em Berlim. Não é de admirar que essa solução exercesse
de Maquiavel. Os delegados discutiram princípios e procedimentos. Ras-
uma atração tão forte. A idéia de uma conferência internacional de todos
cunharam resoluções e propostas, esfalfaram-se em argumentos excessiva-
os países europeus reunidos sob a liderança da Alemanha, para discutir o
mente minuciosos e formulações elegantes, definindo canais de navega-
futuro de um continente inteiro, era bastante atraente. Ela trazia à lem-
o cão, pontos de direito internacional e deveres humanitários. Não admira
brança, inevitavelmente, congressos como os de Viena e Paris, nos quais
que Bismarck mal aparecesse. “O negócio todo o entedia”, observou
mapa político da Europa tinha sido reformado, fronteiras tinham sido
Holstein, em 13 de dezembro de 1884, no seu diário.'* Nas próprias memó-
redefinidas, esferas de influência, estabelecidas e territórios, divididos, fun-
rias de Bismarck, a conferência de Berlim nem mesmo é citada.
didos ou cedidos. Não é surpreendente, portanto, que fosse crença geral
Mais do que definir a partilha da África, a conferência serviu como
que a África fora esculpida em Berlim. Por isso, o jornal alemão Algemeen
em 21 de novembro de 1884: “Ninguém pode quei- símbolo dela. Colocara-se a partilha da África na agenda de diplomatas
Handelsblad escreveu,
europeus e ela se recusou a ir embora durante algum tempo. À conferên-
xar-se de monotonia na política, de arrastar-se ao longo de rodovias esta-
traçadas, enquanto o chanceler do Reich continuar cia talvez tenha sido uma “operação de holding”, mas uma operação que
tais cuidadosamente
poderoso estadista. Original em tudo o que faz (...) falhou, pois, ao mesmo tempo em que os delegados mediam suas pala-
sendo o maior e mais
vras, assinavam-se acordos reconhecendo o Estado Livre e fixando suas
ele agora subiu ao palco como o comandante, amante da paz, dos conti-
fronteiras, e acelerou-se enormemente o jogo africano.'” Nos anos se-
nentes, alguém que distribui impérios africanos à esquerda e à direita, as-
mes muitos outros tratados foram assinados e iniciou-se uma verda-
sim como o papa outrora dividira a América entre os fiéis.” O redator, en-
deira corrida por protetorados. Para manter essa corrida sob algum con-
tão, dirigiu-se aos “jovens e estudantes então matriculados em escolas se-
trole necessitava-se desesperadamente de acordos. Ajustes para a reali-
cundárias e de ensino superior, escolas de comércio e universidades” com a
«ação desses acordos foram tentados também em Berlim. Por isso é que se
seguinte advertência: “Prestem muita atenção no que está ocorrendo ago-
tem dito, muitas vezes, que a Conferência de Berlim estabeleceu as regras
ra. Daqui a alguns anos, relembrando sua juventude, vocês poderão dizer:
do jogo africano. Mas não é verdade. As regras que ela determinou sob o
provavelmente testemunhamos a última divisão de um continente entre os
título “formalidades” referiam-se à costa africana, não ao interior, mas
estados da Europa. A África Ocidental no tempo de Bismarck foi partilha-
era no interior que a partida seria jogada nos anos seguintes. As regiões
da amigável e proporcionalmente entre as partes interessadas.”
costeiras já haviam sido quase totalmente divididas. Se fossem necessári-
A crença de que a conferência de Berlim tinha dividido a África po-
as regras, eram para o interior, mas essas não foram estipuladas. Claro, é
dia, portanto, ser encontrada, até mesmo nos jornais da época. Depois, a
mais amplamente. O presidente de Gana, Kwame correto dizer que, neste caso como em qualquer outro, no frigir dos ovos,
idéia se enraizou
vale o ditado: a força faz o direito. Mas havia o desejo, ainda que só no
Nkrumah, por exemplo, escreveu: “O desenho original da África foi com-
papel, de estabelecer alguns princípios. Esse desejo originou a formula-
binado na Conferência de Berlim.”'3 Muitos manuais escolares, também,
ção de vários princípios diplomáticos que se podiam aplicar na competi-
expressaram essa opinião. Trata-se de um engano, apesar de tudo isso. Como
ção internacional por territórios prestes a serem adquiridos, ou em esfe-
vimos, a África não apenas não foi dividida em Berlim como o tema não
constava nem mesmo da agenda; na verdade, a partilha da África foi expli- ras de influência — conceito que se introduziu na lei internacional logo
após a conferência — prestes a serem definidas.
citamente rejeitada pela conferência. É verdade que a idéia pairava no ar.
| O primeiro desses princípios foi a chamada doutrina do interior. Se-
Não foi à toa que se decorou a parede com um grande mapa da África, ea
gundo ela, uma potência com reivindicações à costa tinha direito ao seu
conferência fora convocada, claro, porque se iniciara aqui e ali na África
interior. Muitas vezes se disse que essa doutrina foi adotada durante a con-
uma disputa acirrada por colônias, protetorados e esferas de influência. A
conferência visava pôr um fim nesse processo ou, pelo menos, contê-lo. Foi ferência.!? Trata-se de outro engano — o tratado de Berlim não contém
qualquer menção ao conceito de interior. Mas como surgiu logo depois de
uma “operação de holding”, uma tentativa de acalmar os ânimos, obtendo-
Berlim, o engano é compreensível. Em todo caso, o conceito de interior
se um acordo sobre princípios e códigos de conduta. Lembra mais as confe-
não era assim tão irracional. Qualquer país que tentasse evitar problema
rências posteriores destinadas a introduzir o Ano da Mulher, estabelecer
tinha de certificar-se de não estabelecer sua esfera de influência direta-
códigos de conduta de empresas multinacionais ou aprovar resoluções contra
mente atrás das possessões de outro país. Era dificílimo, contudo, determi-
o racismo. Esse aspecto infunde uma atmosfera de irrealidade à conferên-
não de Viena, reinou supremo, mais O nar onde começava e onde acabava um interior. A seriedade desse proble-
cia. Nela o espírito de Genebra,

143
ma iria revelar-se quando a França, de repente, exigiu a Nigéria, insistindo A partilha do interior da África e do continente como um todo foi,
em que ficava no interior da Argélia.” Lord Salisbury definiu-a como “uma no final das contas, uma questão de diplomacia bilateral. Nos anos seguin-
doutrina (...) que eles [os alemães) em grande parte inventaram”,!” mas tes, sempre que se assinalava um trecho do mapa como britânico ou fran-
que não era reconhecida na lei internacional.” A Grã-Bretanha não que- cês, isso não mais significava que os países interessados naquele território,
res- isto é, Os países com reivindicações a ele ou suas cercanias, tivessem reco-
ria saber da teoria do interior. Lord Selborne, o subsecretário britânico
ponsável pelas colônias de 1895 a 1900, formulou a seguinte queixa: “Não nhecido aquela reivindicação. Esses mapas nada revelavam sobre a reali-
compreendo como é que essa teoria do interior sempre trabalha contra dade na África. Os tratados haviam sido concebidos em termos muito ge-
reivindicam, e rais e mostravam que os responsáveis por eles conheciam muito pouco a
nós. Se os franceses ou alemães têm uma faixa costeira, eles
o fazem com êxito, tudo o que se localiza atrás dela até o Pólo Norte.” geografia da região. As fronteiras eram delimitadas de acordo com o curso
ões, ou aspecto de rios e montanhas ou, pelo menos, era essa a idéia geral. A
Mas os britânicos a reconheceram como princípio durante as negociaç
por exemplo, com a Alemanha em relação à África Oriental.”! Apesar de situação no terreno era diferente. Como se expressou Lord Salisbury numa
tudo isso, a teoria do interior teve pouca importância na prática.
famosa tirada: “Temos aberto mão de montanhas, rios e lagos uns aos ou-
Mais importante foi outro princípio de proveniência anterior, isto é, tros, só estorvados pelo pequeno detalhe de que nunca soubemos exata-
o da posse efetiva, baseada em tratados. A validade legal dos contratos mente onde se localizavam as montanhas, os rios e os lagos.”?* Algumas
afro-europeus era, como vimos antes, altamente questionável. Como se vezes, verificou-se que as montanhas, rios e lagos não existiam. Se o co-
expressou Bismarck em sua maneira inimitável, na África era muito fácil nhecimento da região era ainda menor, as fronteiras eram fixadas ao longo
“obter um pedaço de papel cheio de assinaturas, em cruz, de negros embai- de graus de longitude e latitude. Os tratados resultantes eram considerados
xo" 2 Os diplomatas europeus, portanto, sabiam muitíssimo bem que es- esqueletos a serem retificados por comissões de fronteiras. Os resultados de
ses acordos tinham pouco valor. Mas esses documentos tinham um efeito) seus levantamentos seriam então incorporados a acordos de fronteiras. Não
considerável na prática, pois nenhum país queria lançar dúvida explícita é de admirar que nesse campo a atividade fosse intensa. Em menos de 25
sobre eles. Se o fizessem, outro país bem poderia contestar a validade dos anos, de 1882 a 1905, a França e a Grã-Bretanha assinaram 249 tratados
próprios tratados daquele que duvidou. Isso tinha de ser evitado a qual- de fronteiras como esses, referentes apenas à África Ocidental.!5 Portanto,
quer preço, o que explica por que esses tratados espúrios podiam ser de a diplomacia bilateral atingira o clímax — a experiência da diplomacia de
grande importância e eram, em geral, considerados válidos. As coisas eram congresso não se repetiria. Esse aspecto ímpar da questão do Congo foi
bastante diferentes, claro, quando duas partes tinham motivos tangíveis assim de curta duração.
para discutir sobre tratados. Elas travariam, então, uma batalha legal sobr O outro elemento especial da questão do Congo também se revelou
sua validade, como se poderá ver ao chegarmos à África Ocidental. efêmero. À entente franco-germânica durou apenas um verão. Terminara
Contudo, o princípio mais importante no reconhecimento interna- antes que se tivesse devidamente iniciado, incapaz de prevalecer enquan-
cional não foi a teoria do interior, nem a existência de tratados. Esse prin- to não se resgatasse a hipoteca de 1870. Com a Alsácia-Lorena nas mãos
cípio foi e continuou sendo a mais antiga das “leis”, isto é, a ocupação dos alemães, não havia possibilidade de qualquer reconciliação.
efetiva.!3 A Grã-Bretanha fizera o máximo em Berlim para enfraquecer Clemenceau chamou Ferry, logo após a colaboração diplomática do últi-
esse princípio, uma vez que ela não gostava das obrigações dispendiosas mo com Bismarck, contra o tratado anglo-português, de “le protégé de
que sua aceitação poderia acarretar. Portanto, o que se pôs no papel signi- M. de Bismarck”."º Dificilmente se poderia ter concebido, na França,
ficou muito pouco no fim. A “ocupação efetiva” passou a ser obrigatória aquela época, um epíteto mais mortífero. Bismarck percebeu a inutilida-
apenas para as novas reivindicações, não para as antigas; apenas na costa, de de outras aberturas. “Desisto da tentativa de reconciliação com a Fran-
não no interior; e apenas ao se estabelecerem colônias, não protetorados. ça”, disse, já em setembro de 1885.”
Paradoxalmente, no entanto, esse mesmo princípio teve um certo efeito Entre a Alemanha e a Grã-Bretanha, ao contrário, não havia ne-
normativo. Na prática, a necessidade de alguma forma de ocupação ou nhum choque fundamental de interesses. Assim que os britânicos e!
presença efetiva na defesa de direitos tornou-se uma questão importante. recuperaram da surpresa e do primeiro choque com as táticas violentas
Isso explica não apenas por que a Conferência de Berlim fracassou em aca- de Bismarck, logo se recompuseram. Havia o bastante para todos na
bar com a corrida ao interior, mas também por que, ao contrário, essa cor- África e a Grã-Bretanha já tinha mais do que aquilo de que podia dar
rida continuou em ritmo acelerado. conta. Isso explica por que Gladstone declarou na Câmara dos Comuns,

145
na his-
em 12 de março de 1885: “se a Alemanha vai-se tornar uma potência to, levou a tais excessos que provocou um dos maiores escândalos
cional com
colonizadora, tudo que tenho a dizer é: 'Que Deus a apresse!” Ela se tória colonial, as atrocidades do Congo. A indignação interna
o, pressio-
torna nossa aliada e parceira na execução dos grandes desígnios da Pro- às métodos usados no Congo tornou-se tão forte que Leopold
nar seu regime pessoal
vidência para o proveito da humanidade”."*O Daily Telegraph ofereceu nado pelos políticos belgas, foi obrigado a abando
“calorosas boas-vindas (...) ao desenvolvimento teutônico no exteri- no Congo. Em 1908, o Estado belga assumiu o controle. As atrocidades
antiga
or”,º Aí, também, o padrão normal, portanto, refez-se bem depressa: a também desmentiram as pretensões filantrópicas de Leopoldo. A
e altruís mo transf ormou-se no sím-
partilha da África continuaria sendo encenada contra o pano de fundo personificação de ideais humanitários
Embora
da rivalidade anglo-francesa. bolo do mais puro imperialismo e da mais brutal exploração.
a criação de Leopol do
Bismarck decepcionou-se logo com sua aventura colonial. As em- Ferdinand de Lesseps fosse ainda capaz de chamar
trans-
presas privilegiadas revelaram-se um fiasco. Sobreviviam artificialmen- de “a obra mais humanitária de nosso século”,'? o rei dos belgas
, no
te, muito contra a vontade dos financistas alemães. O banqueiro de formara o Congo, segundo as famosas palavras de Joseph Conrad
Bismarck, Hans von Bleichroeder (filho), manifestou “seguros instin- “coração das trevas” da África.
tos financeiros” quando declarou que o investimento na África era pura
tolice .!4º Mas os Bleichroeder tiveram de participar de vez em quando
, para que Bismarck não parecesse ridículo. A longo prazo, mesmo isso se
revelou inútil. As companhias foram fechadas e o Reich assumiu o con-
| trole das colônias. O que Bismarck não queria veio assim a acontecer: a
! Alemanha assumiu responsabilidades políticas e financeiras na África.
| Não é de admirar, portanto, que Bismarck declarasse em 1889 não agien
| tar mais as colônias.!!!
// Leopoldo II, ao contrário, não estava nada decepcionado. Para ele,
1885 foi só o começo. As fronteiras do Estado Livre eram o mínimo, não
o máximo. Por isso, o Estado Livre passaria a ser um símbolo, não de
reconciliação internacional, mas de conflito. Foi o que também aconte-
ceu no interior da criação de Leopoldo. Nada resultou do livre comércio.
O Estado reivindicou toda a terra não cultivada. Acontece que essa terra
era simplesmente a fonte dos produtos de maior interesse comercial: mar-
fim e borracha. Por isso, aqueles que comerciavam com esses produtos se
tornaram ladrões ou cercas. Isso explica por que Stengers definiu a políti-
ca comercial do Estado Livre da seguinte maneira: “Artigo 1. O comércio
é completamente livre; Artigo 2. Nada pode ser comprado ou vendido.”!*?
Os problemas financeiros de Leopoldo, apesar disso, foram considerá-
veis. Ele próprio teve de desembolsar dinheiro, tanto, na verdade, que
sua mulher se queixou: “Mas, Leopoldo, você vai nos arruinar com seu
Congo."!tº Teve que penhorar suas peças ornamentais ultramarinas e a
libré de seus lacaios, e até mesmo decidiu como último recurso abrir mão
de um dos pratos de seu almoço.!** Tudo isso de nada serviu. A Bélgica
organizou uma loteria estatal. Não adiantou, e o Estado belga teve de
emprestar dinheiro a Leopoldo. Mesmo assim, não se conseguiu resolver
» problema. Então, no momento exato, Leopoldo foi salvo pela borracha.
A crescente demanda por ela fez subir o preço, e a caça à “borracha ver-
melha” no Congo finalmente produziu a renda exigida. A caça, entretan-

146

Você também pode gostar