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externa torasíleira
(de 1946 a nossos dias)

A nova obra do historiador das relações internacionais José


Flávio Sombra Saraiva vem em boa hora. Estudioso do
assunto há vários anos, ele chega à síntese sobre as conexões
que animam o relacionamento do Brasil com o continente
africano nas últimas décadas. Trabalho de pesquisa rigoroso,
sustentado nas mais variadas fontes, O lugar da África
evidencia a sólida formação internacional desenvolvida no
México e na Inglaterra, as suas pesquisas de campo na África
e, principalmente, a maturidade intelectual a que chegou.
O livro tem o mérito de atualizar, revisar e, sobretudo, alargar
os horizontes da obra escrita no início dos anos sessenta por
José Honório Rodrigues. Fácil de ser lido e compreendido
pelo grande público, O lugar da África lança um outro olhar
sobre a história recente do Atlântico Sul, sobre as
oportunidades perdidas, sobre os caminhos que ainda terão
que ser percorridos. Diplomatas, estudantes, jornalistas,
empresários, enfim, africanos e brasileiros encontrarão nas
palavras do autor um ângulo sempre generoso acerca das
possibilidades do encontro dos povos da região.
Os cinqüenta anos abordados por José Flávio Sombra Saraiva
mostram o quanto a África é importante para o Brasil. Seu
argumento acerca da simbiose dos valora-
estratégicos do continente ' ,
do Brasil é novo e extrerm côd'r^ Wtica. o j
internacional do Brasil nos

Amado Luiz Cerro


Professor Titular em História
cias Relações Internacionais
Universidade clc Brasília

ISBN: 85-230-0403-3
COD. EDU: 20109
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Emanuel Araújo
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Lúcio Benedito Reno Salomon
Marcei Auguste Dardenne
Sylvia Ficher
Vil ma de Mendonça Figueiredo
Volnei Garrafa
José Flávio Sombra Saraiva

O LUG AR DA AFRICA
A DIMENSÃO ATLÂNTICA
DA POLÍTICA EXTERNA
BRASILEIRA
(DE 1946 A NOSSOS DIAS)

Coleção Relações Internacionais


Dirigida por
Amado Luiz Cervo

EDITORA

BH
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REVISÃO
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ACOMPANHAMENTO EDITORIAL
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CAPA
F rancisco R ecis
SUPERVISÃO GRÃFICA
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ISBN: 85-230-0403-3

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central


da Universidade de Brasília
S343 Saraiva, José Flávio Sombra
O lugar da África: a dimensão atlântica da política ex­
terna brasileira de 1946 a nossos dias. / José Flávio Sombra
Saraiva. — Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1996.
280 p. (Coleção relações internacionais)
1. Relações internacionais Brasil-Africa. I. Título. II.
Série

CPU 327 (6:81)


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À memória cio velho amigo,
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Mario Federico Real de Az.úa, ri
pelas longas conversas sobre o Atlântico. ri
E ao amigo distante,
Paulo Farias,
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que me mostrou a riqueza humana da nossa outra margem. ri
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SUMÁRIO

Introdução, 9
Razões para uma história das relações do Brasil com a África, 10
O Atlântico: espaço privilegiado, porém ambíguo, 12
A difícil periodização, 14

P r im e ir o c a p ít u l o
A ruptura do silêncio: a África emerge lentamente (1946-1961), 21
O Brasil e as potências coloniais na África (1946-1951), 23
África do Sul e Brasil no contexto atlântico do pós-guerra, 29
A difícil construção de uma política para a África:
o início dos anos 1950, 30
Os anos Kubitschek e o clamor das vozes dissidentes, 35
A eqiiidade racial: discurso de dimensão atlântica, 50

S e g u n d o c a p ít u l o
O nascimento da política africana do Brasil (1961-1964), 59
O novo lugar da África: o Atlântico se faz brasileiro, 62
A África negra: prioridade em discussão, 67
A África do Sul: início das oscilações, 73
O caso angolano: avanços e retrocessos, 76
O discurso culturalista e as ilusões da africanidade brasileira,. 89

T e r c e ir o C a p ít u l o
A dimensão geopolítica do Atlântico e a política africana
(1964-1967), 97
O lugar da África na geopolítica atlântica, 98
A diplomacia e o esforço de continuidade na África, 109
Comunidade luso-brasileira ou afro-luso-brasileira?, 116

Q u a r t o c a p ít u l o
Os anos dourados da política africana (1967-1979), 125
A outra margem do Atlântico: o pragmatismo e o retorno
à África, 128
A dimensão econômica da política africana, 138
8 O LUGAR DA ÁFRICA

A parceria nigeriana e os obstáculos ao comércio


Brasil-África, 149
Uma pedra sobre a Comunidade Luso-Brasileira, 158
Brasil e Angola: relação privilegiada, 165

Q u in t o c a p ít u l o
A África e o Brasil na Pax Atlântica (1979-1990), 185
Continuidades e limites da política africana, 188
A África do Sul, a Pax Atlântica e o lugar da África negra, 201

Sexto capítulo
A política africana dos anos 1990: a opção seletiva, 217
Tendência em baixa e opção seletiva, 218
A desconstruçâo do discurso culturalista, 230

Conclusão, 241

FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes primárias, 245
Livros, 249
Artigos de revistas científicas, 263
Dissertações e teses, 276
Trabalhos não-publicados, 278
INTRODUÇÃO

Os estudos acerca da inserção internacional .do contine.nip. africano


têm-ie~cõncentfãdo^ tfaJicioTTãTmente, na sTuTrelação com dois univer­
sos: o das ex-metrópoíês e o dãTÃõtênciãsTlTrTio entanto ninHn^np
com incipiente divulgação, no outro lado do Atlântico, uma forte tradi­
ção historiográfica que vem estudando as causas e os efeitos do colo­
nialismo e suas conseqüências para as relações internacionais
contemporâneas dos países africanos.
A teoria da dependência, que durante décadas ofereceu lastro inte­
lectual aos estudos da relação da América Latina com o resto do mun­
do, tornou-se uma fonte de referência teórica necessária para os
grandes centros acadêmicos daquele continente. O delineamento me­
todológico “centro-periferia” passou a ter forte apelo intelectual na
politologia e historiografia contemporâneas da África. Daí'a explosão
de títulos acadêmicos dedicados às relações entre o continente africano
e suas ex-metrópoles.1
No Brasil não se pode afirmar o mesmo. A leitura das obras e teses
dedicadas à abordagem das relações externas do país permitirá obser­
var lacunas como a carência de estudo sistemático das relações do
Brasil com potências ou Estados preponderantes nas relações interna­
cionais. E esse o caso, por exemplo, do estudo sobre as relações do
Brasil com a Grã-Bretanha depois do longo período da chamada
“preeminência” inglesa no Brasil.2
Paradoxalmente, estudos dirigidos para as regiões de menor peso
relativo no balanço final das relações externas do Brasil têm ocupado

Interessantes são os desdobramentos das discussões desenvolvidas acerca do tema da


formação do Estado contemporâneo na África por Isa Shivigi (Tanzânia), Petcr Nyongo
(Quênia), Carlos Lopes (Guinc-Bissau), Massimango Kagabo (Zaire), entre outros, na
década de 1980 e na presente cm diferentes centros de pesquisa na África c na America
do Norte.
O termo “preeminência” foi consagrado por Alan Manchcster, British Preeminence in
Biazil, its Pise cuul Decline; A Slndy in European Expansion. Nova York, Oclagon,
1964. Vet também Antonia Fernanda P. de Almeida Wright, Desafio americano à pre­
ponderância britânica no Brasil, 1S0S-1S50. São Paulo/Brasília, Nacional/INL, 1978.
10 O LUGAR DA ÁFRICA

papel relevante na pesquisa. Destacam-se os estudos das relações do


Brasil com o continente africano.
Há menos lacuna de conhecimento da inflexão brasileira para o
continente africano, na década de 1970 e parte da década de 1980, que
sobre a gradual perda de importância da Grã-Bretanha na agenda ex^
terna do Brasil ao longo das primeiras décadas^dest^mesmo século, JL
evidente que houvçm na historiografia_ml£vante sobre a ernsigência-
das relações dofmasil'com(os Estados Unidoy-tnas essa não foi acom­
panhada por uma outra historiografia que abordasse o declínio britâni-
co no Brasil.34

Razões para uma história das relações do Brasil com a África

O que justifica, então, uma nova abordagem das relações do Brasil


com a África? Em primeiro lugar, o fatode^desde o clássico livro
publicado por José Honório Rodrigueseny 961</ ainda não se ter pro­
duzido uma síntese evolutiva.''; estrutural: e atuaífzada>da dimensão
'ãtlantiCípda política externa brasileira para a África, com uma maior
duração histórica.
Estudos diversos cobriram seções, como o comércio do Brasil com
aquele continente, como a tese doutorai de Oliveira,5 ou a diplomacia,
como o meinoire do diplomata Abreu.67Outros, como Selcher e Hur-
rell, abordaram as inclinações africanistas da política exterior brasilei-
ra no contexto das relações do Brasil com o Terceiro Mundo.

3 Ver, em especial, os livros de Moniz Bandeira sobre o assunto: A presença dos Estados
Unidos no Brasil (dois séculos de História). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1973, e Brasil-Estados Unidos: a rivalidade emergente (1950-1988). Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1989.
4 José Honório Rodrigues, Brasil e África: outro horizonte. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1961.
5 Henrique Altemani Oliveira, Política externa brasileira e relações comerciais Bra-
sil/África, tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1987.
6 F. J. Marroni de Abreu, Vévohttion de Ia polilique Africaine du Brésil, dissertação
DEA. Paris, Universidade Panthéon-Sorbonne, Paris 1, 1988.
7 Wayne Selcher, The Afro-Asian Dimension o f Brazilian Foreign Policy, 1956-1978,
tese de doutorado. Gainesville, Universidade da Flórida, 1970; Andrew Hurrell, Brazil
and lhe Third World: New Directions in Brazilian Foreign Policy, tese de mestrado.
Oxford, Universidade de Oxford, 1982.
INTRODUÇÃO 11

Acrescenta-se uma linha de estudos bilaterais como aquele que este


autor realizou para o caso do Brasil e Angola entre 1982 e 1985.8
Mas permanece a carência, que este livro intenciona suprir, de
atualização e reavaliação da chamada política africana no Brasil. Far-
se-á o estudo.de todas as variantes conjuntãsTllõ^jõgõ^ãsnfõrçãspro-
fundas que embalam o sistema de causalidades das relações internaci­
onais aos homens que agiram em diferentes tempos, passando' pelo
cálculo estratégico e pela ação da sociedade e sua opinião, no sentido
que a Escola Renouvin-Duroselíe consagrou em tomo da noção da
história das civilizações.9
O esforço de compreender o lugar da África no âmbito da política
externa do Brasil, desde o período mais imediato do pós-Segunda
Guerra Mundial aos dias atuais, orienta esta obra. Para alcançar o de-
siderato tudo interessa. Exige-se, inclusive, a operação racionalizadora
de tratamento de fontes as mais diversas. Elas vão dos relatórios ofi­
ciais do Itamaraty e entrevistas com diplomatas e chanceleres até os
relatórios de comércio, os debates parlamentares, a percepção dos mili­
tares e empresários, bem como a opinião dos descendentes das gera­
ções de africanos que foram transportados, pela prescrição da
violência, ao longo de vários séculos, da África para o Brasil.
E nesse sentido que se reavalia José Honório Rodrigues já passa­
das mais de três décadas da publicação da sua obra singular. A sua
busca por uma explicação civilizacional, e não estritamente economi-
cista ou diplomática, para a compreensão da política africana do Brasil
que então ensaiava seus primeiros passos, é a lição fundamental, creio,
que há de ser seguida.
A segunda razão para esta obra, que ora apresento, está ditada pela
própria trajetória de quem a escreve. Dedicado à pesquisa e à publica­
ção de livros, dissertação de mestrado e tese doutorai, bem como de
capítulos de livros e artigos dedicados ao tema da formação da África
contemporânea e às relações do Brasil com a África desde 1982, o

José Flávio Sombra Saraiva, Angola y Brasil, 1500-1980. Estúdio de im caso en Ia


História de Ias relaciones y vinculaciones de África con América Latina, dissertação de
mestrado. México, Colcgio do México, 1985.
9 Ver a introdução de René Girault à nova edição da obra em três volumes e quase três
mil páginas de Pierre Renouvin (org.), Histoire des relalions intemalionales. Paris,
Hachette, 1994.
O LUGAR DA ÁFRICA
12

tempo urgia para que uma obra s< á presêntã s |# Escrever


sobre a dimensão atlântica da política exterior do Brasil é falar sobre o
próprio caminho que me impus nos últimos treze anos, entre Brasília,
Dacar, Cidade do México, Banjul, Lagos, Pretória, Cidade do Cabo,
Johannesburg e Birmingham, na Inglaterra.
As pesquisas realizadas ao longo desses anos, enriquecidas com as
viagens àquele continente, exigiam um texto menos provisório, mais
articulado, que substituísse parte das interpretações tímidas e limitadas
por este mesmo autor produzidas. Procura-se, nesta obra, corrigir erros
e equívocos anteriormente cometidos.

O Atlântico: espaço privilegiado, porém ambíguo

Pretende-se demonstrar, nas páginas_que^_^guem,. que a ambi-


eíiidade relativa à África pontua a evolução das percepções brasileiras
ãcêrcíTdãrsüãs próprias identidades nacionais. Tema embrionariamente
desenvolvido por este autor em artigos já publicados, nesta obra o leitor
poderá encontrar os motivos pelos quais as relações do Brasil com a Áfri­
ca, especialmente com a África negra,lu não poderão sei medidas nos
termos estreitos do tradicional pragmatismo da política exterior brasileira.
Valores em xeque, silêncios deliberados e discursos culturalistas
engendraram dinâmica muito própria ao rapprochcnient do Brasil
àquele continente. O discurso que embalou as relações materiais entre
os dois lados, no período mais recente, fez cs I()i;çodc.uicqnst ruçãt) do
passado, em especial das vinculações W '^ric^'e(culm rais ijúe se ini­
ciaram no século XVI entre o Brasil e VÁPrrCáT10

10 O termo África negra neste livro está empregado para se referir ao conjunto de países e
povos que alguns autores se referem como África ao sul cio Saara, África subsárica ou
África subsctriãna. O termo incluiu todos os países ao sul do deserto do Saaia, para
distinguir da chamada África cio Norte. Essa c uma divisão geográfica, mas com impli­
cações históricas c ideológicas profundas. Apesar de não se excluir de todo as relações
com as regiões da África do Norte, o livro se concentra nas relações do Brasil com a
África negra, espccialmcntc da África negra Atlântica, embora nao se encontre teduzi-
do somente aos países da franja atlântica da África. Ficam lambem incluídas no escopo
da obra as relações do Brasil com a África do Sul, que ocupa posição estratégica no
contexto atlântico c nas relações com o Brasil.
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INTRODUÇÃO 13

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Políticos, diplomatas, formuladores de opinião pública, militares e r
empresários, nem sempre com a aquiescência da parte africana, fize­
ram uso do idioma da solidariedade cultural. Em variados aspectos, o rL
léxico engendrou ilusões. E essas deram às relações diplomáticas e r
materiais enüe o Brasil e a Álrica um curso consonante ao peso da r
História que unia os dois lados do Atlântico. José Honório Rodrigues
e, antes dele, Gilberto Freyre contribuíram muito para a construção r
dessas imagens mútuas que são abordadas neste livro em torno da dis­ cI
cussão da análise do discurso culturalista.
Não há discurso ingênuo. A obra, por conseguinte, tenta realizar
r
uma avaliação dos sentidos contidos no discuro culturalista e sua
emulação com um outro discurso de solidariedade cultural e histórica ti
que privilegiou os vínculos entre o Brasil e Portugal.
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O Atlântico é, assim, o espaço privilegiado da ação da política ex­ i
terior do Brasil para a África." A geografia múltipla do mar que ri ■
aptoxima e distancia os dois lados dessa história de contatos e vincu- r
lações está apresentada em seis capítulos aue. abordam o longo período i
ç
que vai desde o governo do presidente^'Dutiy até o governo do presi­ I.
dente Cardoso. O eixo é o da política exterior brasileira, especialmente ri ■
das formulações e ações emanadas do Ministério das Relações Exteri­ r
ores e pelos diferentes presidentes da República.
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• Os acervos documentais que se trabalham não ficam restritos aos i
documentos arquivísticos da chancelaria nem a seus relatórios e do­ cI
cumentos oficialmente publicados..Eles se ampliam para envolver ato­ r
res tão relevantes quanto o Congresso Nacionai>|ue expressou sempre
•ó
correntes de opinião acerca da Inserção brasileira no contiiiente_afdçar
no, e o pensamento militar urdido na Escola Superior de Guerra, e t-
que também teve (e certamente ainda tem) uma visão estratégica pró­ v-
pria para o Atlântico. Procura-se tanibéni auscuhar a sociedade e os
movimentos sociais, como aqueles empreêrrdlcfos pela emergente co­
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munidade de afro-brasileiros, que tem opinião, concepção e versão í
sobre os encontros e desencontros de brasileiros e africanos no univer­ •t
so atlântico.*
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A partir daqui, o termo Atlântico deverá ser entendido como Atlântico Sul, não só no £
sentido geográfico do termo, mas também no sentido simbólico das convergências e
c
separações dos dois litorais: o brasileiro c a parte ocidental do continente africano |j
Quando houver referência ao Atlântico Norte, aparecerá a explicitação precisa e com­ rII
pleta.
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14 O LUGAR DA ÁFRICA

A difícil periodização

A periodização é um problema crucial na História. É um mal ne­


cessário que toma inteligível tempos intangíveis e seus ritmos lentos e
apressados. A história das relações do Brasil com a África pode ser
dividida em cinco períodos desiguais, diferenciados em suas caracte-
, "X rísticas particulares.
O primeiro corresponde ao período colonial brasileiro, do século
ü) XVI ao início do século XIX. Fundamentadas na escravidão e no tráfico
atlâprirn de escravos, as relações do Brasil com a África expandiram-
se em direção a outras formas de comércio, e incluíram intercâmbio de
idéias e experiências políticas e institucionais. Construções civilizaci-
onais cruzaram as águas do Atlântico para se instalarem em portos e
cidades. Do cultivo de técnicas e plantas até a formação da língua
portuguesa, muitas vinculações estabeleceram-se.
Historiadores brasileiros e africanos, entretanto, durante muito
tempo, conseguiram ver, tão-somente, o quantitativismo do tráfico de
escravos e os horrores do trabalho compulsório na América. Há outras
histórias que ainda necessitam ser contadas ou reinventadas, tanto para
os períodos iniciais quanto para os períodos mais recentes das relações
do Brasil com a África.
Historiadores portugueses, como Oliveira Martins e depois Jaime
Cortesão, chamaram a atenção_para..a dependência direta que se esta­
beleceu entre as costas dayGuiné e Angola,\em relação.ao-Brasil^-prin-
cipalmente durante o século.XVI1I.O historiador inglês Charles Boxer
e, mais recentemente, Corcino Medeiros dos Santos e Alberto da Costa
c Silva desenvolveram ainda mais esse tema.1'
A confirmação empírica dessa hipótese, não obstante, foi apresen­
tada, simultaneamente, nos Estados Unidos e no Brasil, em trabalhos
acadêmicos de pós-graduação e no já clássico livro de Joseph MiTTer.1213

12 Oliveira Martins, O Brasil e as colônias portuguesas. Lisboa, 1880; Jaime Cortesão,


“A expansão dos portugueses em África (1557-1640)”, História de Portugal (vol. V).
Barcelos, 1933; C. R. Boxer, Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686.
São Paulo, Nacional/USP, 1973; Corcino Medeiros dos Santos, O Rio de Janeiro e a
conjuntura atlântica. Rio de Janeiro, Expansão e Cultura, 1993; Alberto da Costa e
Silva, “O Brasil, a África e o Atlântico no século XIX”, Studia, 52, 1994, pp. 195-220.
13 Anne Wardworth Pardo, A Comparative Study o f llie Portuguese Colonies o f Angola
and Brazil and Their Independence from 1648 up to 1825, tese de doutorado. Boston,
Universidade de Boston, 1977; Nilcea Lopes dos Santos, União Brasil-Angola. Uma
INTRODUÇÃO 15

Mais recentemente, Selma Pantoja explorou as conexões intelectuais


entre o Rio de Janeiro e Luanda no mesmo século XVIII.1415
n O segundo períodoJnicia-se com a Independência dn Rrnsil e se
prolonga pek> século" XIX.)No século passado, após a assinatura do
Tratado de Reconhecimento da Independência do Brasil assinado por
Portugal em 1826, relativo silêncio se criou entre os dois lados do
Atlântico, na medida em que o Brasil ficou impedido, pela cláusula
terceira do tratado, de aceitar qualquer posição direta de controle dos
territórios portugueses na África. -*^No-©
Era o início de um longo período, afônico, erigido no contexto de
afiffllíLÇão do novo Estado soberano e, no entanto, contra as relações
política§/e tfltelêctyàís que se haviam desenvolvido entre a África
Atlantica e o Brasil. A ruptura dessas relações privilegiadas era a pre-
condição para o reconhecimento do nascente Estado tropical. As elites
fizeram, assim, sua primeira opção clara de “exclusão” do continente
africano.
Não há melhor estudo sobre um caso particular nas relações atlân­
ticas do início do século XIX que aquele escrito por Manuel dos Anjos
da Silva Rebelo.13 Da revolução d£ Pernambuco em 1817 e seus refle-
xos em Angola, passando" peía contribTiiíçãÕÁlê~AngoIã à repressão da
revolta, até os acontecimentos em Luanda e Benguela que levaram in­
tranquilidade, desordens e desinteligência entre os membros da jTmtã
Governativa e os reclamos do tráfico de Lisboa pelo desvio do comér­
cio preferencial entre angolanos e brasileiros, a preciosa contribuição
de Silva Rebelo é outra lição de pesquisa histórica que mostra a di­
mensão profunda das duas terras “ribeirinhas” que o Atlântico uniu em
tempos não tão remotos.
O paradoxo estabeleceu-se quando os primeiros reconhecimentos
da independência brasileira vinham da África Os movimentos angola-

hipótese na independência, dissertação de mestrado. Brasília, Universidade de Brasília,


1979; Joseph Miller, Way ol Dealli. Merchant Capiuúism and lhe Angolan Slave
Trade. Madison, Universidade de Wisconsin, 1988.
Selma Pantoja, O encontro nas terras de além-mar: os espaços urbanos do Rio de
Janeiro, Luanda e ilha de Moçambique na era da Ilustração, tese de doutorado. São
Paulo, Universidade de São Paulo, 1994.
15 Manuel dos Anjos da Silva Rebelo, Relações entre Angola e Brasil, 1808-1830. Lisboa,
Agência Geral do Ultramar, 1970.
16 O LUGAR DA ÁFRICA

nos a favor da anexação ao Brasil e a ação dos mercadores e embaixa­


dores brasileiros e africanos na costa ocidental da África assinalavam,
no final do século XVIII e início do século XIX, o entrelaçamento que
se produzira no Atlântico. E o primeiro soberano a reconhecer a inde­
pendência brasileira não fora um americano ou europeu, mas o Obá
Osenrwede, do Benin. Com aquele sensível ato do rei africano se en­
cerraria, no Atlântico, um capítulo de comunicações e vinculações só
recentemente conhecido.16 ( £ SC"
Após a extinção do tráfico atlântico de escravos, e a aceleração do
processo de penetração européia na África, o Brasil intensiiicouudis-,
tância em relação ao continente africano. As áreas dc inteies.se ciam a
própria Europa, os Estados vizinhos da América Latina e os Estados
Unidos. Esse tipo de relações com o continente africano continuou até
os anoíí 1940 éç 1950/^)
O terceiro período, que se desenvolve neste livro, trata da retomada
íiradual das relações do Brasil com o continente africano.desde a se­
gunda metade da década de 1940. A agonia do processo colonial na
África, a eclosão dos gritos nacionalistas naquele continente e os no­
vos desdobramentos da história brasileira do pós-guerra, bem comojja
relação do Brasil com o centro da aliança ocidental, criaram novas
condições favoráveis para a reconsideração das relações diretas entre o
Brasil e o continente africano.
Nos tardios anos 1950 e no início dos anos 1960 já se observam,
com clareza, as novas inclinações atlânticas da políti.ç.a_externa„do
Brasil. As adaptações e operações que a política exterior teve que rea­
lizar neste período foram significativas para a gestaçao de uma verda­
deira política africana do Brasil. O novo ambiente internacional, que
ressaltava a presença dos novos Estados independentes na África,
exigia uma postura menos incerta, por parte do Brasil, referente ao lu-
aar da África.

Ver o trabalho original do diplomata Alberto da Costa c Silva, As relações cnlic o Brasil
c a África negra, dc 1822 à Primeira Guerra Mundial” cm A. C. Silva, O vício da
África. Lisboa, Sá da Cosia, 1989, p. 26. Do mesmo autor ver também “O Brasil, a
África c o Atlântico no século .... op. cil. Vale ainda lembrar o trabalho seminal ícali-
zado nesse campo por Picrre Vergei', Fluxo c refhtxo do tráfico dc esciavos entie o
golfo do Benin e a baltia dc Todos os Santos, dos séculos XVII a XIX. Salvador, Cor-
rupio, 1987.
INTRODUÇÃO 17

Esle lugar, entretanto, estava condicionado por posições históricas


do Brasil em relação ao colonialismo português na África. O jogo de
contradições entre,discurso e prática bem como as ambiguidades da
própria política africana do Brasil afloraram nos contatos diplomáticos
no âmbito do Atlântico, nas votações de recomendações nas Nações
Unidas e no ensaio das negociações comerciais de produtos primários
como o café e o cacau.
A questão autodefinida^pela^diplomacia como a da “África portu-
guesa mereceu tra ta m e n to e sp e g ã n fè s^ caso, desvenÁ
dam-se alguns nós górdios que perpassam o próprio período para fases
mgigjgcemes.das relações do-Rrasil com os países africanos de língua
oficial poituguesa. O tema é cativante e tem corolários como as ges-
tões que foram desenvolvidas, no governo Itamar Franco, em torno da
ComunidadedosTãTsès de Lingua Portuguesã~fCPLPY^ p
O quarto grande período, que ora também será objeto de análise,
estendeu-se de janeiro de 1961 a meados da década de 1980, quando
os fatores anteriormente relacionados redimensionaram a relevância
atlântica da política externa do Brasil. Esse período, incluindo os anos
que se seguiram imediatamente ao coup de JÜ 64.e que vinham sendo
tradicionalmente apontados como anos de afastamento da política afri­
cana do Brasil, foi extremamente ativo, política e economicamente, np
que se refere à aproximação brasileira à África.
Inteicâmbios políticos, trocas econômicas, investimentos de capi­
tal e tecnologia cruzaram o Atlântico na direção Brasil-África e vice-
versa. Criava-se, no Atlântico, uma nova construção de cooperação
que significou, simultaneamente, a exclusão da noção de militarização
do Atlântico. Em operação delicada da diplomacia brasileira, e que
envolveu alguns países alro-allânticos como Nigéria e Angola, des­
mantelou-se a.operação da África do Sul e da Argentina de criação de
uma OTAN no sul. O projeto da Organização do Tratado do Atlântico
Sul (OTAS) fracassou e permitiu á iniciativa brasileira erigir o Atlânti­
co aho-biasileiro como uma zona de paz e cooperação na metade dos
anos 1980. Era o ponto culminante da dimensão atlântica da política
externa do Brasil.
A paitii daí, o quinto e ultimo período, que se estende até os dias
de hoje, apresenta uma redução da presença da África na agenda da
política exterior brasileira. Não houve ruptura nos princípios formais ç\
18 0 LUGAR DA ÁFRICA

da política, mas esta ficou sem conteúdo, disforme, e sem a graça dos
anos 1960, 1970 em especial, e parte da década de 1980.
Vários fatores, que serão pela primeira vez analisados, trazem uma
reflexão de fundo sobre o cifro-pessimisme que se espraiou tanto na
diplomacia brasileira quanto nos homens de negócio.17 África, o con­
tinente do “atraso”, da inviabilidade política e geradora das novas
“pestes negras” como o vírus HIV e a febre mortal do Ebola, está des­
qualificada como interlocutora dos novos tempos das relações inter­
nacionais do final do século.
Emjcerto sentido, recoloca-se esse continente —■nas mais diferen­
tes versões predominantes na mídia, na inteligência e nos relatórios do
Banco Mundial — no marco do velho paradigma hegeliano da África
sem movimento, exótica e povoada de selvagens e doenças incuráveis.
Para muitos, hoje, a ausência da cura para as enfermidades biológicas
geradas pelo continente africano traduz a própria ausência, naquele
continente, de anticorpos para os dramas do subdesenvolvimento e das
chagas deixadas pelo processo colonial.
Para-o Brasil, depois dos anos dourados da década de 1970 e parte
da de 1980, chegaram os anos do desinteresse na África. O retorno de
teses que pareciam sepultadas pela história da política exterior do
Brasil, como aquelas das relações privilegiadas com os centros avan­
çados da produção capitalita em detrimento de lugares de menor im­
portância para o conjunto da ação externa do país, leva o país a fazer
opções muito seletivas no continente africano. Ou, no caso do Atlânti­
co, o olhar brasileiro se volta para as paragens do triângulo menor do

17 Sobre a discussão do cifro-pessimisme ver Philippe Hugon, Ueconomie cie 1'Afrique.


Paris, La Découverte, 1993, e o fundamental artigo bibliográfico de Franz-Wilhelm
Heimer, “Bibliografia sobre a crise, ajustamento estrutural e democratização em África,
com atenção especial à África de língua oficial portuguesa”, Revista Internacional de
Estudos Africanos, 14-15, 1991, pp. 315-334. Sobre os processos políticos mais recen­
tes como os de redemocratização, o esgotamento dos regimes monopartidários e a re­
definição do tema da cidadania no continente ver Wolfgang Dõpcke, “História e
cidadania no contexto da África contemporânea”, Revista Brasileira cie Política Inter­
nacional, 37 (2), 1994, pp. 75-88. Ver também meu artigo sobre'as frustrações africa­
nas do momento no que se refere às dificuldades de inserção na entropia internacional
do presente: José Flávio Sombra Saraiva, “Cooperação e integração no continente afri­
cano: dos sonhos pan-africanistas às frustrações do momento”, Revista Brasileira de
Política Internacional, 36 (2), 1993, pp. 28-45.
INTRODUÇÃO 19

sul do continente africano. A África do Sul ressurge como área de inte­


resse para a política externa brasileira dos anos 1990, como fora no
imediato pós-guerra.
Tema apaixonante, aliciante e que acumula uma história de opor­
tunidades perdidas e de acúmulo de frustrações, as relações do Brasil
com a África não terminaram. Os capítulos que se seguem procuram
apontar, para cada um dos períodos abordados, as tramas e os traumas
que tornam, ainda hoje, o Atlântico um espaço cuja potencialidade não
foi devidamente explorada. A conclusão procura assinalar algumas
novas tendências que se apresentarão em futuro não tão longínquo.
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pÊbr
PRIMEIRO CAPITULO
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE
LENTAMENTE (1946-1961)

Nossa atitude, em favor das potências coloniais, mas


contrária à nossa formação, às nossas tradições ...
muito enfraquece nossa posição e reduz nossa autori­
dade. .(jCingi-tnè à letra de nossas instruções, mas,
agora, julgo-me no dever de aconselhar uma revisão
dessa orientação internacional.

Carta de Oswaldo Aranha ao presidente Juscelino


Kubitschek em 9 de dezembro de 1957.

Há virtual consenso acerca do renascimento do interesse oficial do


Brasil pela África como um fenômeno da década de 1960, mais preci­
samente nos governos Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-
1964). Argumenta-se que o quadro das independências políticas da
África negra, que se iniciara em 1957 com a independência de Gana,
só se projetou nas percepções brasileiras acerca da África no início da
década de 1960. Assim, o período da chamada “política externa inde­
pendente” (1961-1964) teria sido, simultaneamente, a fase da redesco-
berta da África e da gestação da política africana do Brasil.
Mas isso não é verdade, como já indicam os trechos da carta escri­
ta por Oswaldo Aranha e dirigida ao presidente Juscelino Kubitschek
em dezembro de 1957 (cilada acima). O início de 1960 representou,
certamente, o momento da gestação da política africana, mesmo assim,

1 Essa explicação foi originalmentc sugerida por José Honório Rodrigues, Brasil e
África: outro horizonte. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982, pp. 229-245. A primeira
edição do livro é de 1961. O mémoire de Marroni de Abreu, por exemplo, reproduziu a
mesma leitura. Ver F. Marroni de Abreu, L ‘Evohttion ile Ia Politique Africaine dtt
Brésil, dissertação de DEA. Paris, Universidade de Paris I, 1988, pp. 8-9. Uma exceção
dessa linha de explicação Ibi, em parle, o trabalho de Wayne Sclcher, The Afro-Asian
Dimension o f BrazUian Foreign Policy, 1956-1968, tese de doutorado. Gaincsville,
Universidade da Flórida, 1970, p. 130.
- ov .
22 O LUGAR DA ÁFRICA
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com muita timidez e incerteza sobre seu sentido. A redescoberta da
África como área importante para a formulação da política exterior do
Brasil emergiu no contexto do imediato pós-Segunda Guerra Mundial,
como aqui se demonstrará,. 'P ~ M,
sruptura do silêncio nas relações Brasil-Ámca herdado do século
1 8 cX 6 anterior e já se podem observar suas raízes nas novas percep­
ções entre os formuladores de política exterior no Brasil do final do
Estado Novo e, mais claramente, no períodojjnjxa. Não havia uma
política africana (o Queü n clusive não sg-coadunava com a situação
colonial do continente), contudo a África apareceu, naquele momento,
como componente de alguma relevância naagenda da política externa
brasileira.
Os primeiros elementos da política externa brasileira para a África
foram desenhados no bojo das novas percepções dos gestores do Esta­
do, da diplomacia e dos homens de comércio e do setor financeiro em
tomo de questões como (^financiamento internacional para o desen.-
volvimento da América Latina e da África, a competição-ent-re-prodn-
tos primários africanos e brasileiros no mercado internacional, a
perspectiva da parceria brasileira com a África do Sul no contexto
Atlântico, as relações especiais com Portugal, a formulação da Comu­
nidade Luso-Brasileira e as primeiras conseqiiências do processo de
descolonização da África sobre os interesses do Brasil na região atlântica.
O Brasil esieve fortemente convencido, nas décadas de 1940 e
1950, de que ojdesenvolvimento industrial e a construção de certa in­
fluência regional deveríam andar juntos. A África, que desde o final
do século XIX perdera importância-relativa na agenda da política ex­
terior do modelo da agroexportação, retoma lentamente como um item
(ainda que menor) na complexa agenda brasileira do pós-guerra.
Pode-se, assim, notar a emergência lenta da África como um tema
de relativa importância para formuladores e executores da política ex-
terior do Brasil ao longo das duas décadas, com destaque especial para
o período posterior à Conferência de Bandung e da presença brasileira
como observador míquêhpfconferência. ] ^ ^ 3
Mais ainda, o estudo da documentação mostra a efervescência
produzida por um grupo difuso de diplomatas e intelectuais que de-
fenderam, já naquela época, o nascimento de uma política africana
para o Brasil. A diplomacia começava, assim, a transparecer o acúcw-
lõ de conhecimento sobre o continente esquecidcT na primeira década
(V (í—^Cs— o )q
V, 1
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 23

do século. Esse foi um lastro fundamental para os desdobramentos da


“política externa independente” e sua inclinação africanista.
Com a emergência do interesse na África, o discurso dos diplomatas
e_gestores do .Estado brasileiro abunda em referências aos vínculos
L culturais c históricos.que haviam entrelaçado o país ao continente ao
longo do tempo. A relevância simbólica remontava à formação social
do Brasil e à sua “dívida” para com o continente africano, que fornece­
ra os “braços” da formação econômica do país.
Esse discurso, de base culturalista, que irá se desenvolver mais
claramente nas recentes décadas de 196Ò e 1970, conviveu com outro,
ora contraditório ora consonante, que enfatizava-os vínculos de afeti-
vidade que unia brasileiros aos portugueses e suas “províncias de U l­
tramar”. A relevância simbólica desses discursos é importante parada
compreensão dé ações e decisões, para a explicação de determinadas
escolhas e cálculos estratégicos.
A retórica da africanidade brasileira foi produzida nesse período.
Nos períodos seguintes ela demonstrou suas fraquezas conceituais e
práticas. Apesar de suas falácias e dificuldades, ela foi uma influente
arma contra a lusofilia de outros discursos ideológicos, em especial
depois de 1964. O governo Castello Branco, por exemplo, imbricou o
discurso da lusofilia com o da solidariedade com o “Ocidente cristão”,
que privilegiava o eixo das relações Norte-Sul contra as vinculações
Sul-Suh

O Brasil e as potências coloniais na África (1946-1951)

O primeiro governo do pós-guerra, liderado pelo presidente Eurico


Gaspar Dutra (1946-1951), tentou manteromíveLde. envohdrnento-itu
temacional que a Era Vargas tivera, notadamente durante os anos de
mobilização da Segunda Guerra. Acordos realizados durante os anos
da beligerância deixaram obrigações que deveríam ser respondidas,
especialmente aquelas que vinculavam o país ao centro da aliança
vencedora, ou seja, os Estados Unidos.
O Brasil não abrira mão de exercer sua influência regional e conti-
nuar a política de barganhas com as potências como uma forma dejr-
nanciar o seu desenvolvimento. Essa conduta, presente desde Vargas.
24 O LUGAR DA ÁFRICA . rs. \ /

O
tem certa continuidade, apesar do liberalismo e da abertura desenlrea-
da do governo Dutra."
Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores de Vargas, ha­
via construído, já em 1943, os objetivos para os “próximos trinta anos”
da política exterior do Brasil. Entre eles, quase todos concernentes ao
financiamento do desenvolvimento industrial do país e à busca de
preponderância na América do Sul, era delineado certa aproximação
do Brasil ao continente africano via Portugal. Aranha incluiu na sua
lista o objetivo do aumento da influência brasileira sobre as “posses­
sões portuguesas” na África.23
O objetivo explicitado por Aranha incluía-se no conjunto de obje­
tivos que as elites governantes haviam construído para tentar garantir
mais poder regional c o financiamento do desenvolvimento econômico,
do país. Apesar dos interesses conflitantes no interior do Estado.e da
sociedade, o desenvolvimento a todo custo era o denominador comum
entre os formuladores e executores da política exterior brasileira. Di­
plomatas, agências do governo, militares e o próprio presidente Dutra
estavam convencidos da eficácia da continuação da política de ali­
nhamento aos Estados Unidos para-realizar-ganhos econômicos.
Os ganhos econômicos, contudo, não chegaram. A(_Europã\_e. a
fAsial mais diretamente ameaçadas pela influência comunista, foram
as principais áreas de atuação dos norte-americanos. A Doutrina Tru-
man e sua tradução em política econômica por meio do Plano Marshall
(junho de 1947) tinham como temas especiais a reconstrução da Euro­
pa e o fortalecimento do capitalismo na própria Europa e na Ásia,
fronteira natural do capitalismo ocidental.

2 Sobre esse interessante jogo dc continuidudcs c rupturas ver a excepcional tese dc Ger­
son Moura, Brazil's Foreign Relations, 1939-1950, Tlic Clianging Nature o f Brazil -
Unitecl States Relations Dttring and After lhe Second World War, tese dc doutorado.
Londres, Univcrsity College, 1982. Ver também seu livro Linhas de pensamento e ação
da política externa brasileira — a governo Dutra (1946-1950). Rio de Janciro/Brasília,
MRE/CPDOC-FGV, 1983. Idéias semelhantes também estão expostas na dissertação
dc mestrado de Monica Hirst, O processo de alinhamento nas relações Brasil-Estados
Unidos, 1942-1945. Rio de Janeiro, lUPERJ, 1982.
Apud Frank D. McCann, “Brazilian Forcign Relations in lhe Twcnlicth Ccnlury, cm
VVaync Selchcr (cd.), Brazil and tlie International System: The Rise oj a Middle Power.
Boulder, Westvievv Press. 1981, p. 10.
p

A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMFRGF t.P.NTAMFNTF. 25


H
p
p
O Brasil, que não estivera sob a direta ocupação nazista, e muito
menos sentia asp í ^ p t sjrjpVra itcjrà"c o m os Es tados7 cp m m is (a sÁl a h
Asm/ não foi contemplado com aj ud a^e c o nô m ic à O s financiamentos r
externos que persistiram foram aqueles qiiè~jITeram encaminhados
p
para o setor agrário. Esse quadro.mão se^^siav7hans nhjpiivos d a p l i - í
t e^polf t ica^gii e ha vian; prioiMzado afííídust ri a 1ização p n su bs t itu iç ãio) p
1■1
ieqnrpõTtaçõcs.
f[A África, por outiojadq, beneficiou-se com os novos investimentos.
c
Primeiro porque os financiamentos oriundos do Plano Marshall chega­
ram até a região por meio das metrópoles. Segundo porque, no início
f
r
1
J i ^ « s Estados Unidos lançaram o Poptó IV,.corolário da Dou­ r
trina Truman, e que pode ser visto como um outrpTIano Marshall pura
as regiões atrasadas. ~ ifV-yW IV ; '• © '
A Pensando principalmente em fortalecer a assistência técnica às re­
giões mais periféricas 11a África e na Ásia, e tentando encorajar o in-
-JVgstimento privado nessas regiões, os recursos provenientes do Ponto
í
IV não previam o setor industrial.
Insatisfeitos com esse quadro desfavorável, a política externa de
Dutra tentou persuadir os Estados Unidos e as potências coloniais a
•p
investirem 110 Brasil, aliado no conflito vencido em 1945. Nas Nações j
Unidas, diplomatas brasileiros insistiram no fato de que o tratamento r
preferencial dado à África produziría uma desvantagem comercial para }i
os produtos agrários brasileiros.
r
A açao da diplomacia brasileira, em especial no ambiente da nas­ 1
cente Organizaçao das Nações Unidas, jamais questionou a hegemonia r
1
exercida pelos Estados Unidos e não se desapercebeu do jogo das for­ r
ças vencedoras da Segunda Guerra Mundial. A ativa participação
brasileira nas negociaçoes_4Q_ pós-guerraÁna pérrnãnência por dois
p
anos como membro do Conselho de Segurança e 11a presença de
Oswaldo Aranha na presidência da segunda sessão das Nações Uni­ r
das, mostra a interação do Brasil nos mecanismos internacionais en­
gendrados 110 pós-guerra. r ;

As discordâncias ocorreram dentro dos limites toleráveis das negoci­ c.


ações. O Brasil buscou a amizade preferencial para garantir o “interesse r
nacional”, definido por Moniz Bandeira como aquele voltado para a ex­
pansão do capitalismo e para a busca obsediante da industrialização.'14* C
•Q
4 Moniz Bandeira, liimil-EsliuIns Unidos: a rivalidade emergente (1950-1988). Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1989, p. 28.
■ r;
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/'fõ J ) ç 6<ó C ^K©
26 .0^~ O LUGAR DA ÁFRICA
OLUG

Y
Daí a emergência, ainda que lenta, da África. Ela poderia ser espa­
ço de manobra, e de fato foi, para certos movimentos da política exte­
rior brasileira, na garantia de financiamentos para o desenvolvimento.
ú
O lugar da África pode ser notado, empi rica mente nas posições e vo­
tos brasileiros nas Nações Unidas.
/ •
Na verdade, as Nações Unidas constituíram-se em espaço privile­
giado para percepções do Brasil sobre o continente africano e o local
V propício para aferir conhecimentos sobre as potencialidades a serem
I exploradas nas relações atlânticas.
No governo Dutra, as posições brasileiras foram de tfistemátic
apoio às inétróp^des 'coloniais-5no nue se refere ao tratamento aos ternas
africanos. O colonialismo era, no fundo, uma matéria em aberto, sem
uma política própria, e que servia para instrumento de barganha nas
Nações Unidas em cada voto específico.
V Existiram opiniões discordantes na chancelaria acerca dos movi­
mentos específicos da diplomacia no que se refere ao tema colonialis­
mo, mas a tendência geral do período foi a do acompanhamento das
posições das metrópoles.
~Â primeira manifestação brasileira sobre a questão colonial na
África no período lD_ulra;deu-se na apreciação do Ministério das Rela­
ções Exteriores sobre a conveniência para o Brasil de participar no
Conselho de Tutela das Nações Unidas. Era uma forma de o país estar
presente no seio das Nações Unidas, no seu processo decisório, sem
aumento de responsabilidades. Pelo menos havia sido esta a instrução
do ministro ã delegação brasileira para a Conferência de Londres, em
fins de 1945.6
Mas para o representante brasileiro no Conselho de Segurança, o
embaixador Leão Veloso, tal participação seria insignificante e desne­
cessária. Para Veloso, a “aspiração natural” do Brasil era a participa­
ção no Conselho Econômico e Social (ECOSOC).7 1 {
M W y T j
Ver a dissertação de mestrado de Letícia Pinheiro, Ação e omissão: a ambiguidade da
política brasileira fren te ao processo de descolonização africana, 1946-1960. Rio de
Janeiro, PUC, 1988.
AHI, Documentos Especiais, ONU, telcgr. exp. 1945-46, apud Letícia Pinheiro, op. cit.,
p. 10.
AHI, Documentos Especiais, ONU, tclegr. rec. 1945-50.
• A RUPTURA DO SILENCLO: A AFRICA EMERGE LENTAMENTE 27

(b Va? ' I t i og^- u > cd f:


^ {O tO líT A . 6 T ^ v —.(L 1 Ü&Lfírf\\(rJ
O fato é que o Brasil, embora não tivesse uma política sobre o
tema colonial, se propunha a participar, ao lado das potências coloni­
ais, nas suas concepções acerca da melhor forma de lidar com o qua­
dro colonial na África. Isso ficou visível na participação brasileira no
comitê cul hoc, criado pelas Nações Unidas em 14 de dezembro de
1946, para estudar e requerer informações às potências colonias sobre
a situação em seus territórios.
- ' O Brasil tinha, assim, sua primeira oportunidade de recomendar
políticas para o assunto colonial. O diplomata Eurico Penteado, repre­
sentante do Brasil no comitê, entendeu que a melhor forma de partici­
pação brasileira era acompanhar a tese das potêndas coloniais, que
entendiam que não havia qualquer óbrígaçãjT'de encaminhamento de
informações.8
lí Raul Fernandes, ministro das Relações Exlerioresjde Dutra entre
dezembro de 1946 e janeiro de 1951, consolidou a posição de apoio as
potências coloniais em célebre discurso que procurava explicar que o
Brasil se posicionava entre o artigo 73 da Carta das Na<?fies-Uni7Tns"ê
uma política que não ofendesse as potências coloniais que haviam
apoiado as petições brasileiras.9 Essa era uma percepção também di­
fundida na diplomacia. Ao se observar os votos brasileiros nas Nações
Unidas naquele período, e mesmo em períodos subsequentes, conclui-
se que o Brasil vota pouco a favor da descolonização, e em outras ma­
térias que poderíam trazer área de atrito com as potências coloniais.10
, As posições brasileiras para a África subordinavam-se, assim, a
temas considerados maiores como as relações com os Estados Unidos,
em particular, e com os aliados ocidentais, de forma mais abrangente.

Vale lembrar que, dadas as limitações do Conselho de Tutela para tratar da autodetemi-
nação dos povos sob processo de tutela ou estado colonial, se criaram cotpos paralelos
diretamente ligados ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC). O centro das grandes
discussões e negociações diplomáticas acerca da descolonização africana se fez, a partir
daquele momento, no mencionado comitê ad lioc. Ver H.G. Nicholas, Tlw United Nn-
tions as a PolíticaI Institution. Oxford, Universidade de Oxford, 1967; Evan Luard, A
Histoiy o f the United Nations, vol. 1. Londres, Macmillan, 1982.
Letícia Pinheiro, op. cit., p. 11. Ver também seu artigo: Letícia Pinheiro, “Brasil, Portu­
gal e descolonização africana (1946-1950)”, Contexto Internacional, 9, 1989, pp. 91-
111 .
VVayne Selcher, BraziPs Multilateral Relations Between First and Third Worlcls. Boul-
der, Westview Press, 1978, pp. 175-212.

Mt
v >
28 O LUGAR D A Á I RICA

Ü). C? .< r p Á í - r ^ vCL-y-, (3(Á s^6"


- v'^ oV '■r ^ i y
A África era espaço de manobra para outros objetivos, como o da ne­
gociação brasileira por assento permanente no Conselho de Segurança
(objetivo que já vinha se delineando no linaljdo^governo Vargas).
Mesmo não tendo conseguido esses objetivos, o Brasil foi eleito mem­
bro ríao-pemiaiieiTfe desse conselho ainda em 1946, com um largo
apoio das potências coloniais. A eleição de Oswaldo Aranha para a
presidência da segunda Assembléia-Geral da ONU, emQjMV, também
reflete esse tipo de articulação brasileira. 0 X°\]
A África, portanto, vai se incluindo lentamente como um posto de
manobra para interesses da inserção internacional do Brasil e sua afir­
mação ho contexto do pós-guerra. O mais importante era, para o Bra-
/ sil, afinar-se com os Estados Unidos em todas as matérias de interesse
comum. Nesse sentido, a visita do presidente dos Estados Unidos ao
Brasil e sua repercussão internacional animaram os setores mais con­
servadores da União Democrática Nacional (UDN), que sustentava a
presença de Raul Fernandes no Ministério das Relações Exteriores.
A política de apoio às metrópoles, contudo, não era unanimidade.
A leitura dos anais parlamentares mostra a existência de vozes discor­
dantes, especialmente nos setores mais à esquerda do quadro político
dc então, e que chegaram a defender o envolvimento brasileiro nas
independências das colônias na África. Era essa a peroração do sena­
dor Luís Carlos Prestes, secrelário-geral do Partido Comunista, em
várias das suas manifestações. £>q\0 .
Há uma peça documental muito interessante, coletada nos anais
parlamentares, que traz encalorado debate entre o senador Prestes e o
senador Álvaro Maia, eminente representante do Partido Social De­
mocrata (PSD), acerca da oportunidade da celebração da data nacional
portuguesa.
Depois de uma série de argumentos de ambos os lados a lavor e
contra a celebração da data no Brasil, o lema colonial na África foi
abordado. O senador Maia argumentava que o povo português tinha
mantido, apesar das dificuldades, o esforço civilizacional na Alrica. O
senador Prestes, por outro lado, argumentava que o senador Maia nao1

11 Ver o rol dc argumentos desenvolvidos pelos parlamentares brasileiros cm favor das


relações especiais com os Estados Unidos nos discursos e debates a propósito da visita
dc Truman ao Brasil nos Anais, Senado, 1947 (10), sessão dc 5 dc sctcmbio, pp. 96-
108.
^
>■ ;<|JIMI:RA d o s i l ê n c i o : a Á f r i c a e m e r g í ; l e n t a m e n t e 29

^
tinha qualquer idéia do que era o sistema colonial português na África.

^
Especial mente, não sabia dos campos de concentração em Cabo Ver­
de. Para Prestes, o que havia no Portugal Colonial era o “silêncio dos

-N.- ^
cemitérios”.12 /)\‘ / &0 O; "i ^

^
África do Sul e Brasil no contexto atlântico do pós-guerra

A Álriea do Sul era praticamente o único país 11a região atlântica

-x. ^
com o qual o Brasil tinha alguma relação dire ■no -imed iato pós-
guerra. 'Vivendo circunstâncias muito especiais, e diferenciadas em
relação às demais colônias da África negra, a África do Sul já era obje.,.
to de censura internacional pela institucionalização do_.regime_de_se-

-s
gregação racial e pela dominação sobre o Sudoeste africano (atual
Namíbia). d, W&.
O Brasil acompanhou sempre as recomendações das Nações Uni­
das. Embora reconhecendo os problemas na África do Sul, considera­
va-os assuntos internos do país. Assim ocorrera quando a África do

v v v ~ )
Sul rejeitou a intermediação do Conselho de Tutela na questão do Su­
doeste alricano argumentando que ele perdera sua função com a extin­
ção da Liga das Nações.
O lato de que o Brasil era um dos maiores países do lado ocidental
do Atlântico leve sempre relevânciajias reLa.ções_entre os do is ja ís e s.

-
A tolerância brasileira as aspirações sul-alricanas no Sudoeste africano

^
eia potencialmente importante para as novas elites governamentais
ÂfJ
^
sul-africanas. \ ^ Lv
A dimensão estratégica da relação com a África do Sul tornara o
assunto relevante para a chancelaria e para a área militar do governo
Dutra. Isso explica a relativa tolerância, e mesmo o discreto apoio, às
^

políticas oficiais do governo sul-africano no período.1'1


0
^

Anais, Senado, 1947 (II), sessão de 6 de outubro, p. 96.


Essas percepções do governo brasileiro acerca do lema sul-africano podem ser obser­
^

vadas no Relatório, publicado anualmentc |x:lo Ministério das Relações Exteriores, no


período entre 1947 e 1949. Ver lambem cartas e telegramas entre o Iiamaraly c as dele­
"

gações brasileiras nas sessões das Nações Unidas no Arquivo Histórico do llamaraty:
AHI, Documentos Especiais, de 1946 a 1949.
3

n
o
r 30 O LUGAR DA AFRICA

r
*. i
r Desde 1943 o Ministério das Relações Exteriores havia iniciado
ri discussões, especialmente apresentadas ao presidente da República,
r \ (CÕm vistãsao Estabelecimento de uma
manetU enãA frícrrdoSul. EssTátitude evidencia o jogo estratégico e a
c importância crescente da África do Sul para os formuladores e execu­
( oÁO Y<s„ . \ tores da política exterior do Brasil. Em 1947, no governo Dutra^fl
r1
Brasil estabeleceu sua primeira representação por meio de legação
cá *». aberta enjéBcãlSdS? R ^ cJ g 9 KÁ
r Estava oficializado novo capítulo nas relações do Brasil com o
r ocidente africano e aberto o espaço para a cooperação no Atlântico
r entre dois países que haviam demonstrado, durante a Segunda Guerra
Mundial, a importância da área para o equilíbrio de forças no mundo
ç
r. ' -ocidental. Os limites ideológicos e estratégicos criados pelas noções
c conceituais da Guerra Fria, mais que interesses precisos na área. co-
c CAtS"v fie? mercial, aproximavam os dois países.
Isso explica, na prática, por que o Brasil apoiou as posições sul-
r africanasliõ pós-guerra. Os" militares brasileiros, naTündãçãcTdãnEscõ-
r la Superior de Guerra em 1949. reforçaram a idéia do interesse brasi-
r jpim na reginn p7n natural cooperação militar que deveria existir entre
os dois maiores países da região. A porção sul do oceano. Atlântico
r seria mais bem protegida da presença comunista se estivessem dos
r dois lados países amigos e em condição de responder aos estimjj.los .da_
r aliança ocidental.
Nesse sentido, pode-se até reconhecer que setores do governo Du­
r tra, especialmente nas alas mais conservadoras, pudessem preterir uma
r aproximação com a África negra (cujas imagens de independência
r política podiam se associar às da difusão doxornunismo) em detrimen­
r to da relação preferencial com a amiga segura do outro lado do Atlán^
tico, ou seja, a África do Sul.
r
W SÓ )
A difícil construção de uma política para a África:
o início dos anos 1950 ^
r \
Para o continente africano, a década de 1950 foi cruciaE-Xodos os
componentes da crise que se estampara desde os primeiros anos do

14 Relatório, 1947, p. 13.


(X
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A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 31

1 * 1 5 0 -& L À & 0 O vjp vr C \ I \ •^'T


pós-Segunda G uem MuD^íal^chegârarn ao se ú fd ín r^ ^ s ^ T ta s nacio­
nalistas pela independência começavam a trazer resultados alvissarei­
ros para as hostes libertárias em muitas partes do continente. Como na
Ásia, os movimentos de libertação na África não foram assunto menor
na vida internacional. Foram objeto de preocupação e ação das potên­
cias coloniais, das Nações Unidas e das potências mundiais.
1 : 19 5 Õ N o Brasil, igualmente, a década foi marcada por transformações
sensíveis. O acelerado processo de modernização industrial e de ur­
banização desenfreada ampliou o número de atores da sociedade e da
vida política. Os segmentos empresariais, as classes trabalhadoras e a
emergente classe média urbana trouxeram novos ingredientes para a
91; ■
gestão das relações internacionais do país. ycyç^
O tema central da década, para o Brasil, foi o do^senvolvím ènt^
a qualquer custo. Objeto da atenção de políticos, diplomatas, incíústrí-
ais, militares, intelectuais, sindicatos, e outros setores do Estado e da
sociedade civil, o desenvolvimento moveu paixões e balizou o hori­
zonte da prática política do governo populista. Houve quase sempre
unanimidade na idéia redentora do desenvolvimento rápido como uma
saída para a superação das dificuldades estruturais do país.
A diplomacia brasileira esteve, portanto, a serviço do desenvolvi­
mento. Ela,, tinha ..a função instrumentaLde buscar e garantir,—pelos
meios os mais diversos, novos espaços que favorecessem o investi-
mento estrangeiro para o projeto desenvolvimentista. Esse era o legado
brasileiro da Segunda Guerra Mundial e que encontrava, na década de
1950, euforia generalizada.
A política externa do segundo governo Vargas (1951 - 1954) fez
alguma crítica às desigualdades estruturais da economia internacional.
!| Mas a fez com sentido pragmático. As posições mais convenientes
para a manutenção da aliança ocidental, centrada nas relações especi­
ais com os Estados Unidos, forneciam quadro de referência sobre o
qual se poderia transitar nas mais diferentes formas de inserção inter­
nacional.15
Tanto para o período Xuimaii-(1945-1953) quanto para o período
Eisenhower (1953-1961), o brasíl oferecia aos Estados Unidos porto
seguro para ás manipulações ideológicas e operações militares na de-

Frank McCann, op. cit., p. 13. ^ -L i ]pt&


d's. \/o

32

lesa do modelo ocidental. Concomitanlemente, o Brasil se apresentava


ávido pelos financiamentos para a industrialização e para o desenvol­
vimento econômico do país. Em outras palavras, a orientação urdida
durante a Segunda Guerra Mundial prosseguia no retorno constitucio­
nal do ditador e se estendería no próprio período Kubitschek.
Mas a política brasileira para as áreas menos desenvolvidas, e
portanto para o assunto colonial na África, não foi a mesma do gover­
no Dutra. A dimensão nacionalista^do segundo governo VargãTpro-
cluziu uma política externa mais elaborada e que buscava maior
autonomia relativa para açao do país no cenaiio inteinacional.
Esse -perfil diferenciado da política externa do governo Vargas
trouxe consequências relevantes para as novas percepções biasileiias
acerca das regiões colonias na África. Vargas, ao chamar a atençao
para o caráter imperativo do desenvolvimento econômico, insistiu que
ele não poderia se aplicar exclusivamenle ao Brasil.
O lugar da África era, portanto, aquele que se reservara as arcas
menos desenvolvidas, que necessitavam se desenvolvei como condi­
ção indispensável para a “expansão do comércio mundial”, nas pala­
vras de Vareas.17 Mas isso não significaria um sinal explícito de
qualquer apoio brasileiro à tese da descolonização na África. O reco­
nhecimento de Vargas pela necessidade de desenvolvimelo das regiões
atrasadas incluía a noção da permanência da colonização.
As posições brasileiras nas Nações Unidas mosliaiiam, eniiclanto,
novas percepções e novos conhecimentos da lealidude uliicunu e que
se traduziam em debates e instruções de votos melhor elaborados que
aqueles do governo Dutra. Nhisij:lN^us:sõ_cS-jjcáire p s ^ r r itó r io s ji^ -
autônomos as posições brasileiras foram de estímulo aos interesses dos
povos africanos nas questões que lhes concerniam. O embaixador
Muniz Aragão chegara a afirmar, nas Nações Unidas, que o interesse
econômico do Brasil seria mais bem defendido, nos foros internacio­
nais, com a emancipação dos territórios dependentes.
0 próprio Relatório do Ministério das Relações Exteriores, de
1952, já sinaliza para a guinada'do segundo governo Vargas no que se
refere à possível construção de uma política externa específica para a

16 Moniz Bandeira, op. cil-, p. 29.


17 Getúlio Vargas, O governo inilxilliixta tio limsil, vol. I. Rio de Janeiro, José Olympio,
1952, p. I 5 f o ‘
sfewWMi.-

12 C
tris* / \j o
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 33 p

hI '
África. O texto oficial chama a atenção para a necessidade do respeito p
aos direitos e interesses dos povos africanos. Para o Itamaraty, o rápido r
progresso econômico africano não deveria ocorrer sem o melhoramen­
p
to das condições de vida dos seus habitantes.J8
Esse era o expediente do Ministério das Relações Exteriores, então p
sob a regência de João Neves da Fontoura, de tornar implícita sua crí- n <yyi- h.
ti ca às condições de desenvolvimento econômico no contexto da pro- ^ 6
teção colonial e aos mecanismos preferenciais de comércio que
r
recrudesciam as relações entre as metrópoles européias e as colônias J ,
africanas. Em outras .palavras, o Brasil começava a afirmar, por um hi
lado, que o desenvolvimento africano sobre.bases colonias não interes- c
sava ao país e, por outro lado, para que o Brasil se desenvolvesse era
relevante que outros países atrasados também encontrassem seu cami­
h
nho na trilha do desenvolvimento. h
Daí o Brasil ter defendido, naquele momento, a participação dos h
delegados dos tenitórios não-autônomos no Comitê de Informação,
que^estava encarregado de examinar os rpintóri^c r<^frrf pio gq-rif^ri
os. Eiam esses os primeiros passos para a dilícil construção da polí­
tica africana do Brasif ^ \? ^ "
E evidente que tais resoluções não estavam deslocadas do contexto
internacional. A grande novidade na agenda diplomática era a emanci­
pação política dos territórios coloniais na África e na Ásia. E o Brasil,
com as pretensões internacionais herdadas da Segunda Guerra, não
poderia fícar fora dos debates sobre a questão. rL
■Mas’ ag°ra»nã° bastava acompanhar as posições das potências colo-
niais, como fizera no governo Dutra. Era preciso construir uma percepção
r
própria do inteiesse brasileiro na região atlântica. E Vargas soube ser
£
menos maniqueísta que nos tempos da Guerra Fria. Em uma perspectiva c
bastante mais realista, e de defesa do “interesse nacional”, Vargas inau- U t ■ " -O , r
gurava, em certa medida, a tendência que viria dominar a inserção inter­ iz
nacional do Brasil ao longo das décadas recentes: a busca de um espaço
próprio no sistema internacional para resguardar o desenvolvimento naci- j p V(< ’' ; - r
onalista, secundado em loite sentido pragmático necessário para enfrentar »■r -S i O
r
*v-\ r
18 Relatório, 1952, p. 25. ( J i_L r
19
Idem, pp. 15-16. f
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•> .. v-v o / U .. .
Shlis x
0 ^ “ */ ^ p fr/T rÁ H A -A
34 O LUGAR DA ÁFRICA , ,

t ^ n V ít e
o jogo das forças então dominantes e das demais políticas estatais no ce­
nário internacional.20
Devem ser reconhecidas, entretanto, as limitações das percepções
próprias da diplomacia e do Estado brasileiro, naquele momento, sobre
a relevância do contexto atlântico para as relações internacionais do
Brasil. No caso da África do Sul, por exemplo, o país continuaria no
segundo período Vargas, a manter a posição de eqiiidistância sobre a
discriminação racial na África do Sul. Embora tenha ensejado varias
condenações formais à discriminação racial, o governo brasileiro en-
tendia que a África do Sul deveria resolver seus problemas domésti-
cos.21
O já referido Relatório de 1952 mostrou, sem rodeios, o interesse
especial do Brasil pela África do Sul quando o primeiro ensaiou
“solução conciliatória” nas Nações Unidas no momento em que_a. as-
sembléia-geral ensaiava punição às práticas discriminatórias daquele
país africano. O Brasil incluiu no texto final a ser aprovado a cláusula
de que nenhuma ação poderia ser tomada naquele caso sem o respeito
ao direito da África do Sul de regular seus problemas domésticos.
Para a diplomacia brasileira, a manutenção dos laços especiais que
uniam o Brasil à África do Sul, também herdados do contexto pós-
Segunda Guerra Mundial, deveria ser preservada. E para os diplomatas
brasileiros isso não significava que o país ignorava seus compromissos
com a ordem internacional.”
Alguns analistas da participação brasileira nas Nações Unidas no
período concluíram que tais posições eram a evidência da “falta de
habilidade” da diplomacia brasileira em superar as posições do ime­
diato pós-guerra. Mas é uma inverdade. A aparente falta de habilida­
de do Brasil eclipsava o jogo mais sutil de tentar garantir lugar

Ver o desdobramento desse tema na obra recente dos historiadores das relações inter­
nacionais da Universidade de Brasília, cspecialmcnte no seu primeiro capítulo: Amado
Cervo (org.), O desafio internacional. A política exterior do Brasil de 1930 a nossos
dias. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1994.
Relatório, 1952, pp. 21-22.
Idem, ibidem.
Ver, por exemplo, ò que diz Boadi-Siaw, Developinenl o f Relations belween Brazil and
África, 1950- 1973, tese de doutorado. Los Angeles, Universidade da Califórnia, 1975,
pp. 56 -57.
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A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE Vfc


rn

especial na ordem no hemisfério ocidental. Não havia amb.


estáticas. Elas eram a aparência de forma mais elaborada da inserção
internacional do Brasil.
\\ Finalmente, deve também ser lembrado qne as posições internas
pesaram muito na conformação de opções externas. O Brasil, na meta­
de da década de i 950, vivia momentos dramáticos em sua vida políti­
ca. _ Todas as vicissitudes enfrentadas pelas crises sucessivas—do
governo Vargas se projetaram na política exterior. As mudanças minis­
w teriais e o declínio da autoridade pessoal do presidente trouxeram as
crises interinas para o espaçojja.política^externa.
A reforma ministerial devf953S que resultou na indicação do con­
servador udenist^jyícente RáçPpara o Ministério das Relações Exterio­
res, certamente trouxe um certo saudosismo das teses de Raul
Fernandes, ministro de Dutra, para o Itamaraty. Ráo estava pessoal­
mente mais vincurãcfõlí idéia da preservação dos interesses metropoli­
tanos nas colônias africanas que o ministro deposto. Daí a difícil
gestação de uma política africana pelo Brasil.
f\j G ^
; Os anos Kubitschek e o clamor das vozes dissidentes
d b -,
A segunda metade da década de 1950 Fevé um sabor todo especial
na política internacional do Brasil. Ela internalizou a nova lógica da
Guerra Fria, que abria brechas para negociações da distensão. A visita
de Khruchtchev aos Estados Unidos em 1959^)idicava a mudança dos
ventos.
No plano das regiões periféricas, a Conferência de Bandung em
1_955 trouxe alento para os nacionalismos independentistas africanos e
asiáticos. As lutas pela independência política dos povos colonizados
conferiram alguns espaços internacionais para países à busca de certa
autonomia nas suas posições entre as superpotências. E o arrefecimento
da Guerra Fria trouxe a perspectiva de um novo ângulo para as rela­
ções internacionais que não o Leste-Oeste.
As nações africanas encontraram-se várias vezes durante aquele
período e organizaram a 1 Conferência de Solidariedade Afro-Asiática,
com a criação do Conselho Permanente, em 1957. Seguindo o êxito
dessa experiência, a I Conferência dos Estados Independentes da Áfri-
-A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 37

revolução dos transportes que garantiam a sustentação da expansão


econômica.26 O
A euforia dos anos Kubitschek animou o lançamgnto_da Operação
Pan-Americana (ÜPA), que permitiu_ao carismático presidente dò
desenvolvimentismo ser ouvido em Washington. Por meio da OPA, o
Brasil chamava a atenção dos Estados Unidos para os problemas eco­
nômicos da América Latina e se projetava no mundo como líder da
região. A operação diploinática combinava perfeitamente com os ob­
jetivos propostos, em 1943, por Oswaldo Aranha.
A nova engenharia diplomática da inserção internacional do Brasil,
via OPA, não era fato indiferente às discussões políticas internas.
Kubitschek, apesar da forte oposição, garantiu-se no incentivo ao des­
envolvimento industrial do país.
*— No Congresso Nacional, os setores conservadores confundiam-se
com prismas mais centristas e esquerdistas do processo político quan­
do o tema era o desenvolvimento. O debate parlamentar entre o depu­
tado udenista Severino Sombra e seu colega Josué de Castro (PTB) em
1956 é um exemplo de uma série de demonstrações da determinação
desenvolvimentista e da euforia pela possibilidade que se abria para o
Brasil de romper o ciclo do subdesenvolvimento.27
Severino Sombra insistia que a política exterior estava a serviço da
superação daquilo que no____________
passado era llTTTClo^ÕmõT ‘rcond içãcT'"ou 4 f n( W
çoisajiatural”, ou seja, a fraqueza, a pobreza e o subdesenvolvimento. o
O Brasif portanto, tinha a obrigação de demonstrar ser capTzdé TTfifln-
^ 4
donar sua “condição periférica”. Josué de Castro completava a idéia de
Sombra com a noção dc que era também necessário definir quais eram
os reais problemas do país para dar a devida orientaação política e e
nômica ao Brasil. 28 S~\(
Todas essas questões perpassavam o debate político e se projeta
vam na diplomacia. A reforma administrativa do Itamaraty em 1957 e
a criação da Divisão de Cooperação Técnica e Econômica em 1958 indi- A & -
cavam claramente a ênfase da diplomacia nos assuntos econômicos 29
4
16 Para uma visito geral do período, ver o livro fundamental de Maria Victoria de Mesquita
Bencvides, O govenio Kubitschek — desenvolvimento econômico e estabilidade
política. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976.
27 Anais, Câmara dos Deputados, 1956 (I), sessão de 25 dc janeiro, pp. 449 - 450. r,
28 Idem, ibident.
29
Relatório, 1958, p. 180.
h:
38 O LUGAR DA ÁFRICA

A febre de modernização, que se refletiu na chancelaria, encontrava


no profissionalismo da diplomacia o espaço natural para o aumento de
importância do diplomata brasileiro nas questões pertinentes não
somente à execução, mas também à formulação da política exterior.
A ativa participação desses diplomatas no GATT e sua expertise em
temas como o comércio de produtos primários, a industrialização e o
subdesenvolvimento permitiu ao governo Kubitschek alto nível de
atuação internacional/
E esse foi exatamente o lugar da África na inserção internacional
da época. A ênfase do governo no tema da industrialização do. país via
capital nacional, investimentos externos e intervenção estatal exigia
que a política externa do governo Kubitschek se associasse à política
de proteção das exportações. Ao mesmo tempo, as ligações tão estrei­
tas entre o setor agrário e o industrial tomavam a proteção do primeiro
uma condição para a expansão do segundo.
A África, para Kubitschek, não tinha valor político. A importância
central era com as relações econômicas que se desenvolviam entre a
Europa e a África, independente da condição de superação ou não da
situação colonial. Essa forma de observar o continente africano é en­
contrada em toda a documentação relativa às posições brasileiras na
criação do Mercado Comum Europeu e sobre as observações do Brasil
acerca do Tratado de Paris de 1957.
Para o Brasil, a formação de um mercado europeu que implicasse a
associação das economias africana e européia, por regras preferenciais
de comércio, poderia afetar o projeto de desenvolvimento brasileiro
pelo cerceamento à colocação do produto brasileiro na Europa. As ex­
portações brasileiras de café, cacau e algodão, que eram os principais
produtos de exportação do país, poderíam ser ameaçadas pela concor­
rência, entendida pelos diplomatas como “desleal”, do fornecimento
africano para a Europa.30

30 Relatório, 1948, p. 186. Ver, sobre o lema da diplomacia e do Itamaray no período, o


artigo de João Luiz R. Fragoso, “Notas sobre a política externa brasileira dos anos 50-
70” , Estudos Afro-Asiáticos, 10, 1984, pp. 13-14. Sobre a política externa brasileira
e o desenvolvimentismo ver o livro recentemente lançado por Paulo Vizentini, R e­
lações internacionais e desenvolvimento. O nacionalismo e a política externa in ­
dependente, 1951-1964. Petrópolis, Vozes, 1995, pp. 143-174.
A RUPTURA DO SILENCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 39

C\5_ A íji,A
Reaparecia, com Kubitschek, o mesmo temor que vinha do período
iDutra^Foi justamente por esta razão que o Itamaraty adotou a estraté­
gia de sugerir o GATT como a agência apropriada para enfrentar esse
problema que se criava para o Brasil e para a América Latina.JDJlEasil
sugeri a, assim, q ue oJIlATT se utilizasse do sistema de compensação
de tarifas, ou de outro mecanismo conhecido, para manter o mínimo de
< equilíbrio entre os membros do Merendo Gomum Fj.iKxpeu_e outros
países independentes exportadores de produtos primários.31
Pode-se dizer que a África, para muitos formuladores da política
exterior do Brasil no período, era desconfortável. ETêssa desconfiança"
da África, gerada pelas relações especiais com as metrópoles ou ex-
potências coloniais, também é encontrada em parte da documentação
parlamentar do período. Há discussões sobre os problemas da isenção
das tarifas do comércio para os produtos africanos na Europa e a baixa
remuneração da força de trabalho na África, resultando serem os pro­
dutos agrários africanos mais atrativos no mercado internacional.
Documento expedido pela delegação brasileira, depois das 27
reuniões da II Comissão do Conselho Econômico e Social das Nações
Unidas, entre 2 de outubro e 4 de novembro de 1957, explicita clara­
mente a desconfiança brasileira das relações comerciais que poderíam
se desenvolver entre a África e as metrópoles e ex-metrópoles se me­
canismo de controle não fosse desenvolvido:

... a capacidade de se servirem as potências européias coloniais de


sua posição excepcional naquela vasta e rica área (África)'para sus­
tentar, em seu exclusivo proveito, uma concorrênci^ desleal aos
produtos de exportação do Brasil no mercado mundial.'“*3

31 Relatório, 1957, p. 188.


3' Ministério das Relações Exlcriores, “Item 12 — Relatório do Conselho Econômico
e Social”, XII Sessão da Assemblcia-Gcral das Nações Unidas, CPDOC/FGV, Rcf.
OA/ONY I, 1957, p. 28. Vale lembrar que as exportações brasileiras de café, na se­
gunda metade da década dc 1950, ainda correspondiam a 3/4 de todas as exporta­
ções brasileiras. Ver os Anais Parlamentares relativos ao período. Ver também o
interessante artigo de Pedro Malan, “Relações econômicas internacionais do Brasil
(1945-1964)” em Boris Fausto (org.), História gera! cia civilização brasileira. São
Paulo, Difel, 1984, vol. 11, capítulo 2, p. 80 c seguintes.
40 O LUGAR DA ÁPRICA

Além disso, o novo mercado europeu, com a associação africana,


poderia ameaçar os investimentos norte-americanos e europeus no
Brasil e na América Latina. A Operação Pan-Americana foi, em certa
medida, a expressão dessa preocupação do governo Kubitschek.
A assistência direta à África pelas instituições financeiras interna­
cionais foi o corolário dessa preocupação brasileira. Quando do em­
préstimo do Banco Mundial para o Quênia, em 1960, para estímulo à
produção de café e algodão, o Brasil, por meio de seu embaixador nos
Estados Unidos, Walter Moreira Salles, protestou diretamente. Para o
Brasil, o empréstimo ao Quênia era desrespeitoso às regras do jogo
estabelecidas em 1959 e que concerniam ao Acordo Internacional do
Café. Pelo acordo, o Quênia não podia ter esse tipo de apoio financei­
ro direto.
Esse é apenas um exemplo de uma série de expedientes que se
afastam da dimensão política que Vargas havia ensaiado no seu se­
gundo governo para enquadrar o continente africano na agenda da
política exterior do Brasil. Os anos Kubitschek subordinaram aquela
dimensão à relevância que a competição com a África podia ter. E o
interessante é que essa postura se desenvolveu no centro da evolução
dos movimentos nacionalistas de independência, alguns de corte revo­
lucionários, naquele continente. __________ _—~~—
' ' A dimensão econômica, portanto, era o lugar da África na política
externa brasileira de Kubitschek.\Mas não se pode falar que houvesse
interesse econômico direto, em termos de intercâmbio comercial, jus­
tamente pela concorrência que se desenvolvia em torno dos produtos
primários. Os dados do comércio direto entre os dois países mostram
que somente 0,5% do total das importações brasileira vinha da África
e que as exportações brasileiras para aquele continente raramente al­
cançavam 1,5% do total da exportações brasileiras."
O governo Kubitschek, embora tenha mantido low profile sobre a
dimensão política das revoluções africanas e as independências africa­
nas, admitiu discuti-las intemamente. Mas a economia era a tônica. E
ilustrativo o nascimento da Comissão Econômica da África, a corres­
pondente à CEPAL para o continente africano. O Brasil chegou mes-3

33 Jacques D’Adesky, “ Intercâmbio comercial Brasil-África (1958-1977): problemas e


perspectivas”, Estudos Afro-Asiáticos, 3, 1980, pp. 5 -33.
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A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 41
'Jp a- ^ 0 0\ A l L ix ^ -A

mo a defender, nas Nações Unidas, a criação de um organismo inter­


nacional especialmente dedicado ao tratamento das questões econômi­
cas do continente africano. *
Esse organismo internacional seria a Comissão Econômica para a
África, cuja idéia brotara em 1949, quando o secretário-geral das Na­
ções Unidas recebeu da World Federation of United Nations Associa-
tions uma comunicação em que recomendava um estudo preliminar da
situação econômica daquele continente em todos os seus aspectos e a
conveniência de se estabelecer a comissão. O projeto de criação defi­
nitiva da referida comissão econômica, apresentado na reunião de nú­
mero 465_ da II Comissão do Conselho Econômico e Social, foi
patrocinado pelo Brasil e mais 28 países.34
O Brasil participou ativamente dos debates e da própria elaboração
do mencionado projeto. E também fez gestões junto a outras represen­
tações nas Nações Unidas a fim de assegurar a adoção da resolução na
Assembléia-Geral da ONU,35 o que obteve com esmagadora maioria.
Oswaldo Aranha, que chefiou a delegação brasileira na Assem­
bléia-Geral das Nações Unidas em 1957, expôs o ponto de vista brasi-,
leiro a favor da criação da Comissão Econômica para a África. Para o
Itamaraty, essa era a melhor forma de “reduzir distorções” geradas
pelas relações especiais cjue existiam entre o Mercado Comum Euro­
peu e os países africanos.3637
Com relaçao à Álrica do Sul, entretanto, o Brasil mantinha as per­
cepções do espólio do imediato pós-guerra. Procurando evitar firme
posição oficial sobre o tema da discriminação racial na África do Sul,
o Brasil mantinha-se omisso nessa matéria que já sofria um forte apelo
'internacional.
A documentação preparatória à XII Assembléia-Geral das Nações
Unidas, em 1957, evidencia a ambiguidade brasileira no assunto. No

Minislério das Relações Exteriores, “ Item 12 — Relatório do Conselho Econômico


e Social”, XII Assembicia-Geral das Nações Unidas, CPDOC/FGV. Ref. OA/ONU
t, 1957, pp. 22-23.
35 Idem, p. 23.
36 Relatório, 1957, pp. 28-29.
37 Ministério das Relações Exteriores, “Estudo preparatório: item I da agenda suple­
mentar” (reservado): “Questão do conflito racial na África do Sul resultante da
política de apartheid do governo da União sul-africana", Missão do Brasil junto às
( \ ci5 T ': G BS
r 42 O LUGAR DA APRICA
fl *E*.

r estudo reservado preparado pela embaixada brasileira em Washington


e pelo Itamaraty, no Rio de Janeiro, o Brasil assim definia sua posição:
t
O Brasil tem sempre votado favoravelmente as resoluções apresen­
c tadas pela União Indiana, censurando a África do Sul por sua políti­
c ca discriminatória em matéria racial.
( À medida, porém, que essas resoluções vão crescendo em escopo
c e energia, vão aumentando as dúvidas da delegação brasileira sobre
a competência da assembléia para fazer certas recomendações. As­
c sim, nos temos abstido, e mesmo votado contra muitos dos parágra­
c fos das várias resoluções apresentadas pela União Indiana.
c Com relação às colônias portuguesas na África, e apesar da ebuli-^ Á ^
c ção independentista que os últimos anos da administração Kubitschek
c presenciaram em Angola e Moçambique, o silêncio era a marca da
política oficial do Brasil. Na XV Assembléia-Geral das Nações Uni­
c das, em 1960, o Brasil votou, simultaneamente, a favor da Resolução.
c 1.514 — a famosa Resolução para a Garantia da Independência dos
c Povos e Países Coloniais — e contra outra resolução que requeria de
Portugal providências no sentido de encaminhar informações acerca
c de suas colônias na Á frica.34
c Relatório apresentado pelo conselheiro Donatello Grieco à delega-
r r~r^ ç ã o brasileira na.XII Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 1957,
já evidenciava as prioridades que dominariam os anos Kubitschek. O
r
Brasil defendería a permanência do sistema de votação das_maténas
C relativas aos territórios não-autônomos na regra da maioria dos dois i
c terços, contra a iniciativa mexicana e do já chamado grupo afro-
asiático por um sistema de maioria simples. O Brasil deixou de votar a 11
c favor da consulta que se faria a respeito à Corte Internacional de Justiça.41
ir
c
c Nações Unidas, XVII Assembléia-Geral (1957), Estudos Preparatórios. Nova York,
íI
agosto de 1957, 3 pp.
c Idcm, p. 3. ií
c Álvaro Lins, Missão em Portugal. Rio dc Janeiro, Civilização Brasileira, 1960, pp. 271 -
272.
c Ministérios das Relações Exteriores, Relatório apresentado pelo conselheiro Donatello
Grieco à delegação do Brasil à Xll Assembléia-Geral das Nações Unidas: informações
c 1
relativas aos territórios não-autônomos, CPDOC/FGV, Ref. OA/ONU, 1957, 11 pp.
t Idem, pp. 3-4. 1
c I
f
A RUPTURA DO SILENCIO: A ÁFRICA ElylERGE LENTAMENTE 43
Ò K -

E, para completar, o representante do Brasil na IV Comissão da


Assembléia-Geral de 1957, senador Gomes de Oliveira, também en­
frentou o grupo afro-asiático na iniciativa de a assembléia apresentar o
projeto A/C.4/L.404, no qual se incluíam as “províncias ultramarinas”
portuguesas no conjunto dos territórios não-autônomos. Acompanhan­
do a tese portuguesa de que Angola, Moçambique, Cabo Verde, Gui-
né-Bissau e São Tomé e Príncipe eram parte do território português, o
BrasiLacompanhava Portugal. A batalha diplomática portuguesa con­
tava, na expressão dos próprios diplomatas brasileiros, com a “plena
cooperação do Brasil”.
Mas sobre essas posições brasileiras não havia unanimidade. Vo­
zes dissidentes se fizeram ouvir, não raras vezes dramatizadas com
clamor, na promoção de uma política mais arrojada para o continente
africano.
De onde partiam essas vozes? De setores da diplomacia e de inte­
lectuais brasileiros interessados nos assuntos externos do país. Esses
[\setores estavam convencidos de que a aceleração dos processos de in­
dependência na África e a demanda ascendente por novos mercados
para o Brasil requeriam um acercamento mais ativo em relação à des-
,colonização, especialmente das colônias portuguesas.
Oswaldo Aranha, Álvaro Lins, Gilberto Amado, José Honório Ro­
drigues, Adolpho Justo Bezerra de Menezes, Tristão de Alhayde, Edu­
ardo Portella, entre outros, eram partidários, na segunda metade dos
anos 1950, de um novo rcipprochement para a África, mais progressis­
ta e realista que o desenvolvido pelo governo Kubitschek.4243 '
Embora alguns deles atuassem diretamente na diplomacia e esti­
vessem em posições relevantes na hierarquia decisória, não foram ca­
pazes de construir uma política africana para o Brasil. E tampouco
foram membros de um lobby organizado que tivesse por objetivo re-
dimensionar a política externa do Brasil.

42 Idem, p. 9.
43 Ver essas impressões diluídas em livros como os seguintes: José Honório Rodrigues,
Aspirações nacionais. Interpretação histórico-política. São Paulo, Fulgor, 1962; Ál­
varo Lins, op. cit., Adolfo Justo Bezerra de Menezes, O Brasil e o mundo ásio-
africano. Rio de Janeiro, Pongetti, 1956; Idem, Ásia, África e a política independente
do Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 1961.
44 O LUGAR DA ÁFRICA

Na verdade, suas vozes eram difusas e suas percepções estavam


diluídas em outras manifestações políticas ou profissionais que não
aquelas voltadas para a política exterior do Brasil em face do tema da
descolonização africana. Eles não eram membros do mesmo partido
político nem eram antilusitanos.
Mas iniciaram, em seus livros, artigos e comentários nos relatórios
diplomáticos, a discussão sobre as novas possibilidades. E os docu­
mentos, mesmo os oficiais, comprovam essa hipótese. A carta pessoal
encaminhada por Oswaldo Aranha ao presidente Juscelino Ku­
bitschek, em dezembro de 1957, falava da “defecção afro-asiática
como um'aspecto fundamental a ser considerado na nova conformação
mundial do poder.4445 _) / ^ '\* y o S ^ z^
Criticando as próprias posições do Brasil que ele defendera nas
Nações Unidas em 1957, o ex-chanceler do primeiro governo Vargas e
seu ministro das Finanças no seu segundo governo chamou a atenção
de Kubitschek para a sua voz dissonante, embora elegante no que se
referia às posições retrógradas que o Brasil vinha desenhando na
questão do colonialismo na África:

Nossa atitude, em favor das potências coloniais, mas contrária à


nossa form ação, às nossas tradições e cm c o n flito ate com sentim en­
tos humanos (com o nos casos de Portugal, Holanda, França e, pro-
xim am ente, da Inglaterra, cm C hipre), m uito enfraquece nossa
posição e reduz nossa autoridade, mesmo entre os países latino-»
americanos. C ingi-m e à letra de nossas instruções, mas, agora, j u l ­
go-me no dever de aconselhar uma revisão dessa orientação inter­
nacional. Criou-se um estado de espírito m undial em favor da
liberação dos povos ainda escravizados, e o Brasil não poderá con­
tra ria r essa corrente sem com prom eter seu prestígio internacional e
até sua posição internacional. " a c, . ' .

A carta era mais que um conselho. Era um clamor expresso na voz


influente de Oswaldo Aranha. As percepções sobre a África do velho
revolucionário de 1930 e ex-chanceler tinham ficado claras durante a

44 Carta dc Oswaldo Aranha ao presidente Juscelino Kubitschek, de 9 de dezembro de


1957, na qual avalia o quadro das relações internacionais c as posições da delegação
brasileira na Xll Assemblcia-Gcral das Nações Unidas, a qual ele chefiara.
CPDOC/FGV, Rcf. OA 57.09, 1957, 6 pp.
45 Idem, p. 4.
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 45

viagem que o levara a Nova York como chefe da delegação brasileira


na Assembléia-Geral das Nações Unidas 46
A manifestação de Oswaldo Aranha não estava isolada do conjun­
to de criticas que ele vinha fazendo à tímida diplomacia brasileira nos
assuntos da descolonização e com relação à inserção internacional do
Brasil. Aranha, em outra carta a Kubitschek, disse que o Brasil tinha
sobrevivido graças às visões de seus homens e que o país não devia
sua grandeza histórica unicamente à força das armas e certamente
muito menos “à subserviência diplomática”.47
Mais que a afirmação de uma nova política para o continente afri­
cano, livre das amarras coloniais, Oswaldo Aranha reivindicava a revi­
são da própria orientação internacional que Kubitschek e o Itamaraty
vinham dando às posições do Brasil nos foros internacionais e. nns reü
lações bilaterais.
Para ele, a evolução do sistema internacional não era só o reino da
bipolaridade. O mundo era algo mais complexo e as posições pró-
Estados Unidos, de alinhamento quase automático, imobilizavam o
país e negavam a afirmação política e econômica do Brasil no contexto
internacional.
Não se tratava de negar o caráter ocidental da política externa
brasileira e sua posição no quadro hegemônico existente, sob a incon­
testável liderança dos Estados Unidos. Buscava, isto sim, a autonomia
nacional, colocando-a acima de consolidadas relações de amizade e
•tradições políticas como aquelas que uniam o Brasil a Portugal e aos
Estados Unidos. Aranha foi incisivo ao lembrar a Kubitschek que a
diplomacia era a “arte de aproveitar as boas oportunidades e afastar as
más” e que o Itamaraty estava invertendo o truísmo do diplomata to do
the right thing in the right moment no falso axioma to do the wrong
tliing, but in the right moment,48
Os opositores de Oswaldo Aranha no Itamaraty, especialmente o
chanceler Macedo Soares, não perdoaram as críticas do revolucionário

Las declaraciones dc Oswaldo Aranha", Enfoque. Caracas, 17 dc setembro de 1957;


Biasil sostendrá cn las NN.UU. su política dc libcitad", El Nocioncil. Caracas, 17 de
setembro de 1957; CPDOC/FGV, Rcf. OA 57.09.06, doc. 12 Al e doe. 12 A2.
47 Carta dc Oswaldo Aranha ao presidente Kubitschek, sem data, CPDOC/FGV, Rcf. OA
57.09.06, 1957, p. 4.
48 Idcm, ibidem.
46 O LUGAR DA AFRICA

0 ro^Xr

de 1930. Não só no episódio africano, mas na possibilidade de apro­


ximação à União Soviética e ao bloco soviético, a voz dissonante de
Aranha não seria bem entendida pelos setores mais conservadores da
49
gestão do Estado.
Outro membro importante desse grupo difuso de dissidência foi
Álvaro Lins, embaixador do Brasil em Lisboa entre junho de
outubro de 1959. Ele reavaliou, ao longo de sua experiência em Portu-
gal, o sentido das relações especiais_.com aquele país no que se referia
ao assunto colonial. Concluiu que o Brasil deveria modificar suas per-
cepções e adotar uma posição mais ativa e favorável à independência
das colônias européias e portuguesas, em especial, na África.
As diferenças de percepções entre Álvaro Lins e a diplomacia
brasileira sobre a questão colonial e sobre a política. brasilejra_para
Portugal explicaram sua exoneração como embaixador cm Portugal em
outubro de 1959. Ele mandou carta aberta ao presidente Kubits.chek
explicando sua decisão. Argumentava sua dificuldade em representar o
país junto à ditadura de Salazar, cjue mantinha a situação interna e co-
lonial sob o signo das baionetas.
Álvaro Lins foi substituído em Lisboa pelo ex-chanceler Negrão de
Lima, de formação conservadora, que definiu sua missão em Portugal
como uma questão de “amor”.51 As diferenças de percepções entre os
dois mostraram claramente a tensão entre as posições oficiais do Brasil
sobre a situação colonial da África de língua portuguesa.
Trabalho de “vanguarda”52 - era essa a expressão utilizada por
Lins para se referir ao trabalho que empreendera na Embaixada do
Brasil em Lisboa. Esse trabalho ele bem definiu, ainda em 1958, nos
seguintes termos:

O B rasil deveria estabelecer relações culturais e econôm icas as m ais


próxim as com Angola.Tvtoçam bique e todas"as’ colônias portugue-

49 Ver Flávio Mendes de Oliveira Castro, “As relações oficiais russo-soviclicas com o
Brasil (1808-1961)” , Revista Brasileira cie Política Internacional, 36 (2), 1993, p. 116.
50 “O ex-embaixador cm Lisboa rompe com o presidente Kubitschck,”, O Estado de S.
Paulo, 3 de agosto de 1960, p. 38; Álvaro Lins, op. cit., p. 448. “Carta pessoal de rom­
pimento político e pessoal com o presidente Kubitschck”, pp. 353-357.
51 “O primo de Dona Sarali”, O Diário de Notícias, 11 de junho de 1960, apud Álvaro
Lins, op. cit., p. 448.
52 Álvaro Lins, op. cit., p. 2 7 1.
IQr0 = j W
CTL^ '^>
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 47

sas. É nosso destino influenciar esses novos países.. Essa é nossa


maior tarefa na Afçj^a e a tarefa na qual nossa embaixada em Portu­
gal está engajada...

Esse momento, em que o Itamaraty expressa mais de uma visão


acerca do assunto colonial, foi particularmente imporjante panTdèscfD-
brameníos como o próprio nascimento de uma verdadeira polTtTcãlrfri-
cana do Brasil no início da década de 1960. Álvaro Lins tentou
modificar o curso da política externa mas foi impedidrã ApesãrTtfrsTTrr
exoneração, suas visões perpassaram e foram divididas-pcuLdiplomatas
e intelectuais cujas posições foram posteriormente.reforçadas-justa-
mente com os instrumentos da argumentação de Álvaro Lins e Oswal-
do Aranha.
E os dois, Lins e Aranha, já tinham estabelecido correspondência
pessoal sobre os argumentos a favor de uma nova política externa do
Brasil que contemplasse a África independente. Em carta endereçada a
Lins, ainda em setembro de 1956, Osvvaldo Aranha afirmou que a in­
dicação de Lins para a Embaixada do Brasil em Portugal era. motivo de
felicidade não pela posição a ser ocupada, mas pela sua dimensão es­
tratégica na construção de uma nova política, com novas idéias, por
uma nova geração.53545
Eles acreditavam, como Kubitschek, que o povo “queria e deseja­
va” o desenvolvimento.” Mas não estavam de acordo com uma políti­
ca externa quejtpoiava Portugal contra a libertação de suas colônias
africanas. Para Álvaro Lins, o Brasil traía sua vocação de desenvolvi­
mento e suas aspirações de poder regional. E para tal, o lugar do Brasil
no Atlântico deveria ser de proeminência e não de subserviência.
Mas ninguém produziu clamor mais contundente sobre a questão
africana, na segunda metade da década de 1950, que um diplomata de
carreira. Adqlpho Justo Bezerra de Menezes, que defendera já em
1956 uma política externa pará o Brasil de “escopo mundial”, argu­
mentava que o Brasil tinha todas as condições para alcançar a

53 Idcm, pp. 275-277.


54 Cana manuscrita, pessoal, escrita por Oswaldo Aranha a Álvaro Lins, em setembro de
1956, apud Álvaro Lins, op. cit., p. 327.
55 José Honório Rodrigues, Aspirações nacionais..., op. cit., p. 27.
48 O LUGAR DA ÁFRICA

“liderança nas nações ásio-africanas”.56*E essa liderança seria alcan­


çada por via da nova e independente política externa: Ela deveria ser
“secreta, discreta, mas de grande consequência”.'
Bezerra de Menezes manifestara interesse pelos assuntos africanos
desde a primeira metade da década de Í25.CL Participara, como obser­
vador, da Conferência de Bandung^em 1955, experiência que marcara
sua formação e atuação na chancelaria. Já em 1954, o então segundo-
secretárío iniciou os escritos que resultariam no livro O Brasil e o
mundo Ásio-africano. Obra complexa, foi o primeiro livro escrito por
um diplomata brasileiro voltado para o estudo específico dos dois
continentes. _________________
Concluído e publicado em 1956, o livro de Bezena de \lcn czci>
chamou a atenção do mundo extradiplomático. No Congresso Nacio­
nal, vários parlamentares comentaram as^ novas perspectivas_que se
abriam para o Brasil no contexto da descolonização afro-asiática. Em
agosto de 1957, o deputado Newton Carneiro comentava a emendando
deputado Joaquim P u v a lT d õ " m íc h o 7 q u ^ ro [3 u n h a ao orçamento^
do ano 1958 a concessão dc uma verba de cinco milhões de cruzeiros
para divulgar o Brasil no mundo ásio-africano.
Ambos os deputados afirmavam que a iniciativa era decorrente da
leitura do livro lançado por Bezerra de Menezes. Afirmou Joaquim
Duval que “o escritor chama a atenção do nosso governo e do nosso
povo para os países da Ásia e da África”. Argumentou que lamenta­
velmente as informações do Brasil acerca daqueles continentes ainda
eram ilações provenientes das nações européias. Portanto, seria neces-
sário que o Brasil desenvolvesse seu próprio sistema de inforrna.çãg
acerca das novas nações que se preparavam para a sua libertação.
Os comentários dos deputados Odilon Braga e Newton Carneiro à
iniciativa de Duval são muito interessantes. Informam os deputados ao
plenário que o Itamaraty, curiosamente, não havia incluído nada em
seu orçamento para o ano 1958 que contemplasse qualquer ação no

56 Adolpho Juslo Bezena de Menezes, O Brasil e o niimelo ásio-africano, 2- edição. Rio


de Janeiro, GRD, 1960, pp. 7-9.
57
Idem, p. 315.
58 Diário do Congresso Nacional (Sessão I), Câmara dos Deputados, 2 de agosto de
1957, s/p.
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 49

cenário afro-asiático. Chegam a criticar o Itamaraty dizendo que ele


deveria atuar de forma “mais ativa e agressiva” nessa questão.59
Tecendo uma série de análises sobre o novo conjunto de forças
que compunham o sistema intêm acíõnãrH õrãnos 195Õ, B ezerrãde
Menezes insistia nas mudanças particularmente geradas pela expres-
/ sividade .populacional. e pela imensidão territorial dos_novos Estados
y que estavam nascendo na Afnca. Esses novos Estados certamenfisÁTri-
am a ter um peso relevante nas Nações Unidas. -
Assim, para Bezerra de Menezes, o Brasil possuía condição espe­
cial para assumir a liderança desse novo conjunto que se formava na
África. E o Brasil tinha tempo, ainda, de reorientar sua política exterior
para essa opção inovadora, que traria inevitáveis benefícios. Chega a
afirmar, claramente, que sempre que os Estados Unidos c as potências
metropolitanas insistirem na manutenção de laços colunais, o Brasil
deveria apoiar o país africano ou asiático nos conclaves internacio­
nais, manifestar simpatia pela causa da gente, raça, povo ou nação que
haja sido vítima de discriminação e, mais ainda, inteira desaprovação
pela atitude da potência colonial.”60
A vida “vegetaliva e contemplativa” da política exterior brasileira,
de pouca ação e alinhamento com os Estados Unidos e a Europa, de­
veria ceder lugar a um novo conceito, voltado para o Atlântico e para a
África. Essas eram as convicções do jovem diplomata,_hoje_embaixa-
dor aposentado, Bezerra de Menezes.61
Mas ele só oferecera o substrato para críticas mais mordazes como
aquelas de Eduardo Portella que, ao se referir à política exterior do
período, a define como “conservadora, estática e racista”, e que, além
do desinteresse oficial, os países africanos e asiáticos eram considera­
dos pela carreira diplomática postos de sacrifício.62

59 Idcm, ibidem.
Adolpho Juslo Bezerra dc Menezes, O Brasil e o imnulo..., \- edição, op cit pp
329-330.
A expressão “vegetaliva c contemplativa", para definir a política externa dc Kubitschck,
foi pronunciada pelo cx-cmbaixador cm entrevista concedida ao meu orientando de
mestrado Pio Pcnna Filho, no apartamento dc Bezerra dc Menezes, Rio de Janeiro, 10
de janeiro de 1993. Ver a dissertação dc mestrado de Pio Pcnna Filho, O Brasil e a
descolonização da África nos.anos KubHschek (1956-1961): ensaia de mudança. Uni­
versidade de Brasília, Departamento de História, 1994.
62
Eduardo Portella, África: colonos e cúmplices. Rio de Janeiro, Prado, 1961 pp 137-
147.
50 O LUGAR DA ÁFRICA

As ressonâncias dessas vozes dissidentes não foram ouvidas pelo


governo Kubitskchek. Mas um jovem candidato à sucessão do presi­
dente mineiro, Jânio Quadros, preparava sua estréia na campanha de
1960 com slogans de solidariedade aos povos africanos. Os anos 1960
sentiríam as consequências dos clamores que haviam ecoado nas vozes
de Oswaldo Aranha, —Bezerra
ui de Menezes e Eduardo
■»miMPortella.
I nlllill I IlH»

A equidade racial: discurso de dimensão atlântica

A difícil construção de uma política africana para o Brasil nos anos


1940 e 1950 não era apenas tema para a realpolitik. Houve o espaço
para ilusões e imagens geradas pelos atos discursivos, pela fala e pelas
construções da identidade brasileira.
A construção da identidade teve, e tem, grande influência sobre as
ações e opções da política exterior. Mesmo visões cbbsensual.istas s c k
bre o pluralismo racial e suas influências positivas para a política ex­
terior brasileira atentam para a especificidade do caso das relações do
Brasil com os países africanos.
Esse problema esteve presente na lenta gestação do interesse acer-
ca do continente africano nas duas décadas em estudo.. E j ustamente o
clamor do mais proeminente defensor da gestação de uma política
africana para o Brasil na década de 1950, o diplomata Bezerra de Me­
nezes, foi acompanhado da contundente afirmação:

, o Brasil visa a um extenso e persistente trabalho de sedução das


massas africanas e asiáticas por m eio do uso de nossa principal arma
p o lític o -d ip lo m á tic a — ig u a ld a d e r a c ia l e s o c ia l q u a s e p e rfe ita
e x is te n te n o B r a s il: 634

63 Ver as duas contribuições brasileiras ao Colóquio de Montreal sobre o multiculluralismo


e a história das relações internacionais, do Comitê Internacional de Ciências Históricas,
no XVlli Congresso Internacional de Ciências Históricas: Amado Cervo, “Política ex­
terior dc uma sociedade pluralista: o caso do Brasil”, e Josc Flávio Sombra Saraiva,
“Diplomacy and Culture: African Dcscents and Brazifs African Policy. The Rclevance
of the Culturalisl Discourse”. Montreal, 27 dc agosto a 2 de setembro de 1995.
(separatas).
64 Adolpho Justo Bezerra dc Menezes, O Brasil e a mundo..., 1- edição, op. cit., pp. 329-
330. (Parte do texto foi sublinhado por este autor.)
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 51

Esse foi o paradigma do discurso da equidade racial que sustentou


interpretações acerca do lugar da África e de seus descendentes no
Brasil. O discurso, elaborado no Brasil, espraiou-se pelo Atlântico e
J chegou a Portugal, antes de chegar à África. As relações especiais.eme,
se desenvolveram com Portugal sobre o tema relativo às colônias afri-
canas de expressão oficial portuguesa, explicitaram a eficácia desse
discurso. __
' NoTinal da década d / 1940 e/início da de'Í950T,as imagens da
África de expressão oficial portuguesa e do Portugal metropolitano
estavam marcadas pelo apelo a duas heranças: o legado português no
Brasil e a influência africana. A ambigiiidade começava a se construir
justamente na ponte entre as duas heranças.
As relações com o Portugal metropolitano estavam caracterizadas
pelo sentimento de fraternidade e paternalismo. Há muito havia cessa­
do a animosidade popular contra portugueses vivendo no Brasil, como
nas primeiras décadas depois da independência. As imagens da identi­
dade nacional tendiam a se identificar com o, ou se distinguir dõ,
chamado legado português.65
Nesse contexto, reinava a consciência de que o Brasil poderia
melhor se relacionar com o continente africano via Portugal. E isso se
devia a uma conseqüência natural da “continuidade histórica Jo Ju so -
brasileirismo”, para utilizar a expressão de Luiz Felipe Alencastro.
As raízes da pertinência da África via Portugal estavam nas teses
sociológicas de Gilberto Freyre. A suposta habilidade única do povo.
português para administrar a interpenetração de raças, línguaS e cultu-
ras, e de combinar os trópicos com o estilo europeu, davam sabor todo
especial à própria política externa brasileira.
A mais alta expressão dessa especial receita, aviada pela criativi­
dade do colonizador português, produzira caráter singular à identidade

6S Ver o artigo de Luiz Felipe de Alcncasiro, “Continuidade histórica do lusotropica-


lismo”, Novos Estudos C EURAP, 32, março 1992, pp. 77-84. Ver lambem a tese de
doutorado recentemente defendida por Williams da Silva Gonçalves, O realismo da
fraternidade. As relações Brasil-Portugal uo governo Kubitschek. São Paulo, Universi­
dade de São Paulo, 1994. Ver, finalmenlc, o artigo de Jorge Dias, “A formação de Gil-
bcrlo Freyre: notas sobre a contribuição para o estudo da cultura luso-afro-brasilcira”,
Revista de Cultura, 4, 1987, pp. 53-61.
52 O LUGAR DA ÁFRICA

brasileira, definida como “racialmente democrática”/'6 Assim, para


Freyre, as sociedades lusotropicais, como o Brasil, não poderíam ser
confundidas com aquelas gestadas pelo imperialismo do século XIX,
que haviam simplesmente copiado produtos e projetos culturais dos
povos sujeitos ao regime colonial.
As consequências desse argumento para a política exterior do
Brasil foram apresentadas por Freyre já em 1945, em capítulo especi­
almente dedicado ao assunto. A consciência do seu valor único, como
pioneira na eqiiidade racial, dava à sociedade brasileira responsãbi11-
dade muito grande nas relações internacionais. Ele diz que as novas,
gerações da África portuguesa estavam interessadas em “seguir aspira-
ções e sugestões do Brasil”.
Esse discurso penetrou fortemente nos governos e em influentes
círculos políticos brasileiros. A diplomacia leu e encontrou em Freyre
sustentação intelectual para a política de colaboração com Portugal em
sua “missão civilizatória” na África.
Para a diplomacia, o Brasil tinha a missão de ser o mediador entre
a Europa e as civilizações tropicais. Assim, o Brasil tinha um papel a
cumprir no Atlântico: o de ajudar a reforçar a língua e a cultura portu­
guesas na África. Daí a ideia da criaçao de uma comunidade atlantica
compreendendo o Brasil, o Portugal metropolitano e as “províncias
ultramarinas” de Portugal na África.
Freyre visitou a África sob os auspícios do governo português. Sua
teoria aplicava-se plenamente aos objetivos políticos do colonialismo
português e à posição mediadora do Brasil na.pievenção de supostos
extremismos raciais defendidos pelas organizações negras da África
Austral, inclusive em Angola e Moçambique.
r---- A complexidade dessas imagens e discursos ideológicos teve e tem
) importância capital para a compreensão do lugar da África no Brasil.
------Freyre, cm certo sentido, redescobrira a África que existia dentro do67

66 Ver alguns aspectos do desdobramento desse tema na tese doutorai de Wayne Sclcher,
op. cit., pp. 3-124e 142-143.
67 O termo “províncias ultramarinas” foi oficialmcnte utilizado por Portugal, e corrobo­
rado pelo Brasil, para afirmar que os territórios portugueses na África não eram colônias
mas parte integral do mundo lusitano. O termo legal “colônia”, que havia sido usado na
formação da república portuguesa em 1926, foi mudado para “províncias ultramarinas
pelo ditador Salazar em 1951.
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 53

Brasil de uma forma muito diferente dos teóricos racistas do final do


I século XIX e início deste. jFreyre combatera a eugenia para mostrar a
| riqueza da dimensão africana da formação brasileira e dos novos co-
1Ionizados por Portugal.
Não há, entretanto, mais dúvidas de que ele redescobriu a África
sob o ângulo da glorificação dos senhores de escravos e da “casa-
grande”. Em resumo, Freyre teve o mérito de trazer de. volta a dimen­
são africana para o Brasil, mas a congelou na dimensão cultural. Suas
obras, como Casa-grande e senzala (1933) e O mundo que o portu­
guês criou (1940), foram clássicos lidos e estudados pelas elites, pelos
formadores de opinião pública e pelos diplomatas brasileiros.
Em Portugal, a idéia de uma comunidade luso-brasileira foi vista
como uma construção intelectual e política sedutora. Salazar fez sua
parte da argumentação de Freyre. Isso explica a visita de Freyre às
“províncias ultramarinas” de Portugal na África. 68
Mas não havia consenso sobre a validade do discurso luso-
tropicalista em Portugal. SetÓres do Partido Comunista português fari­
am consistentes análises dos limites da concepção f r evrennn Outros,
mais conservadores que o governo salazarista, chamavam a atenção
para o lato de que uma possível comunidade envolvendo Portugal,
Brasil e as “províncias do Ultramar” era um passo decisivo para o con­
trole direto do Brasil sobre as colônias portuguesas na África.
Uma bem conhecida autoridade colonial portuguesa em Angola,
Augusto Castro Júnior, criticou a idéia de uma comunidade luso-
brasileira. Defendendo idéias bizarras como a da “originalidade branca
sobre a África” e a defesa de falta de “civilidade” dos povos africanos,
argumentava que idéias sociológicas que viessem igualar o “voto de
primitivos” aos valores civilizados de cidades como Lisboa e o Rio de
Janeiro não podiam ter a sua aprovação.69
Apesar dessas divergências, a idéia vingou no seio da política ex­
terna portuguesa. Há muito a evocação da história e da cultura comum

Ver James Brcvvcr, “Brazil and África”, África Report, vol. 10, n9 5, 1965, p. 26; Gcrald
Bcndcr, Angola: m ito y realidad de sn colonización. México, Siglo XXI, 1980, p. 33; e
Ronald Chilcotc, Emerging Nationaiism in Portuguese África: documents. Stanford,
Hoover Institution Press, 1972, pp. XXII-XXIII.
69
Augusto Castro Júnior, A raça negra não é originária da África. Lisboa, Livraria
Popular, s/d, p. 8.
54 O LUGAR DA ÁPRICA

entre os dois países trazia dividendos diplomáticos. Por exemplo, em


dezembro de 1955, quando Portugal foi admitido nas Nações Unidas,
depois de intensos debates sobre a oportunidade de sua admissibilida­
de, o Brasil foi o grande articulador de um pacote de compromissos,
envolvendo outros dezesseis Estados-membros da organização, visan­
do garantir a qualquer custo a entrada de Portugal no concerto das jia-
ções. E essa política brasileira vinha desde a Çonferêncta_de_Raris-ern
1946, com a defesa explícita dessa tese pelos delegados brasileiros.
No Itamaraty, havia um grande número de diplomatas que aprecia­
ram a contribuição de Freyre. Era um verdadeiro grupo pró-Portugal
cuja liderança era exercida por proeminente diplomata, João Neves da
Fontoura. Defensor de uma relação especial com Portugal .e^por exten­
são, com as colônias portuguesas na África, Neves da Fontoura foi ár­
duo defensor de uma comunidade afro-luso-brasileira na qual a
influência sobre o espaço africano fosse luso e brasileiro.
Ex-chanceler entre janeiro e julho de 1946, è depois entre janeiro
de 1951 e junho de 1953, Neves da_FouLaulajxa.b a 1hou em várias ma-
téríãs diplomáticas que envolviam a dimensão portuguesa da-po-fíúca
e^Tterriã brasileira. Em artigo no jornal O Globo, em junho de 1957, ele
professou sentença que pode ser considerada exemplar na construção
do discurso lusofílico da política exterior brasileira no período: “Nossa
política para Portugal não é uma 'política'. E um assunto de família.”
Argumentava o diplomata que entre irmãos não havia necessidade
de regras e tratados, pois os apoios recíprocos eram a expressão dõ
sentimento comum produzido pela! intimidade histórica criada ao lon­
go de séculos.7071 Não obstante, regras e tratados fizeram-se para conso­
lidar a amizade. E tais acordos viriam marcar as futuras relações do
Brasil com Portugal no caso africano. Seria estabelecido um sistema
de mútua recompensa para definir os limites e os interesses do Brasil
na África portuguesa.
-A Concebido por João Neves da Fontoura, o Tratado de Amizade e
Consulta entre Portugal e o Brasil foi assinado pelo noveqrúnistro Vi­
cente Ráo no Rio de Janeiro, em 16 de novembro de i953y. Ratificado
um ano depois, e promulgado pelo governo brasileiro em janeiro de

70 Joao Neves da Fontoura, “Por uma política luso-brasileira”, O Globo, 10 de junho de


1957, p. 13.
71 Ideni, ibidem.
os dois países nas matérias internacionais. Dois desses artigos mos­
tram como tão próximas estavam as relações entre Portugal e Brasil. O
primeiro dizia que a partir de então todos os problemas internacionais
que tivessem interesse comum seriam objeto de consultas prévias. O
oitavo afirmava que as partes contratantes deveríam desenvolver, de
forma harmoniosa, o prestígio da Comunidade Luso-Brasileira no
mundo.72
Pelo Tratado de 1953. no entanto,.o Brasil subordinava suas^posi-
ções sobre as colônias portuguesas na África aos interesses portugue­
ses. O documento, apesar de sua brevidade, possuía forte poder:
encarnava juridicamente a amizade Brasil-Portugal. Álvaro Lins des­
creveu-o como um importante “instrumento jurídico” para a diploma­
cia brasileira.73
Criava-se um verdadeiro bloco político com consequências parai).
futuro das relações do Brasil, não só com as colônias de expressão
portuguesa, mas com toda a África atlântica. A obra de construção-do.
Tratado de 1953 foi engenhosa, e sobre ela ainda paira.rudíivida-sohre_
a. pressão do lobby português no Brasil, que terra influenciado-enorr..
memente a diplomacia brasileira.74
O fato é que as chamadas “Notas Interpretativas”, um texto confi­
dencial anexo ao tratado, estabeleciam que a expressão “Comunidade
Luso-Brasileira” não incluía as “províncias ultramarinas” de Portu­
gal.75 Essa cláusula foi seriamente criticada por Álvaro Lins como uma

72 A. da Silva Rego, Relações Itiso-brasileiras (1S22-I953). Lisboa, Edições Panorama,


1966, pp. 140-143.
73 Álvaro Lins, op. cit., “VII - O que é o Tratado de Amizade e Consulta”, pp. 392-396.
74 Hipótese vem sendo trabalhada por Luis Cláudio Machado dos Santos, em lese de
doutorado em elaboração sob minha orientação, que está estudando a atuação do lobby
português no Brasil como um fator preponderante nas posições do Brasil perante maté­
rias de interesse português. De qualquer forma, a suposta subordinação da política ex­
terior brasileira aos interesses daquele lobby não poderá ser entendida sem outra
dimensão igualmente importante: a força profunda das auto-imagens da identidade bra­
sileira gestadas no final do século XIX e início do presente, da emergência do discurso
da equidade racial nascido da sociologia frcyrcana e dos discursos lusofilicos que ante­
cedem o surgimento de qualquer grupo de interesse ou lobby português no Brasil com
capacidade de influência sobre a diplomacia.
75 Álvaro Lins, op. cit., pp. 378-380.
56
C
barreira às aspirações nalurais do Brasil na África de língua oficial
portuguesa.
Lins defendia, e justamente isso separaria o embaixador brasileiro
em Lisboa do presidende Kubitschek, uma comunidade “afro-luso-
brasileira” na qual o Brasil, por sua dimensão atlântica, teria posição
definitiva. Ao chamar a atenção para a “exclusão do Brasil”, Lins po-
sicionava-se no conjunto das vozes dissidentes já aboráadas. Para ele,
com as Notas Tnterpretativas. o Brasil não recebia a~^iimca posgfvel
vantagem” que o tratado traria imediatamente. A ausência dc recipro­
cidade dificultaria, assim, o desenvolvimento de uma política africana
do Brasil apropriada aos tempos da descolonização.
A mesma crítica era apresentada pelo embaixador Adolpho Justo
Bezerra de Menezes em suas análises sobre a Comunidadg Luso-
Brasileira. Discorreu sobre a maneira pela qual estava sendo posta em
prática a comunidade, já que Portugal afastava o Brasil das colônias
africanas. Nesse sentido, não via vantagens concretas para o Brasil,
objetando que se real mente fosse o caso de:

... emprestar nosso concurso integral no n io d its o p e r a n d i das d ire tri-


zes internacionais lusitanas, é mais que ju sto que nos assista, por
interm édio de uma comunidade real e juridica m e n te estabelecida, o
direito de opinar, abrandar, adocicar, qualquer m edida m aiS-trnpetu-
osa e reacionária tomada por Portugal com relação aos povos da
Ásia e Á fric a .

No pensamento de Bezerra de Menezes havia, como já foi comen­


tado, forte dose do consensualismo legado pelo pensamento de Gilber­
to Freyre. Mas, no universo da recilpolitik, o embaixador reconhecera
que Portugal havia sido mais empecilho que provedor no desenvolvi-
meto das relações com a África.
As declarações dos embaixadores Álvaro Lins e Bezerra de Mene­
zes demonstram o interesse direto que o Brasil tinha na Álrica portu­
guesa desde a década de 1950. Mas o curioso é que o luso-
tropicalismo era o espaço escolhido para a discussão da própria inser­
ção brasileira na chamada África portuguesa. No fundo, a reclamação76

76 Adolpho Justo Bezerra de Menezes, O Brasil e o mundo ásio-africano, 1®edição, op.


cit., p. 378.
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 57

de Lins era que o Brasil não poderia usufruir de suas vantagens no


quadro da comunidade lusotropicalista que se formara.
Entrementes, enquanto as bases discursivas do lusotropicalismo
apareciam bem instaladas no seio da diplomacia brasileira, outras cor­
rentes de pensamento a criticavam. Chamavam alguns a atenção para o
fato de que a miscigenação racial não tinha criado a tão propalada
eqüidade racial. Ao contrário, a miscigenação brasileira foi a forma
encontrada para manter o preconceito racial e a desigualdade.
E o racismo verde-amarelo já tinha sua história registrada antes
mesmo do período em estudo. Pesquisas recentes do historiador norte-
americano Jellrey Lesser, que estudou os anos 1920, demonstram que
o governo brasileiro proibira a imigração de negros americanos cansa­
dos da segregação nos Estados Unidos.77
Em 1944, o Teatro Experimental do Negro (TEN), criado por Ab-
dias Nascimento, tinha o objetivo explícito de “ensinar aos brancos
que os negros não queriam apoios paternalistas como favores especi­
ais”. O TEN teve forte presença intelectual na desconstrução do dis­
curso da eqüidade racial já naquela época.
A Convenção Nacional dos Negros em São Paulo, no início de
1945, lançou o manifesto à nação brasileira denunciando o racismo no
país. Em 1950, o I Congresso dos Negros Brasileiros juntou intelectu­
ais e líderes negros para discutir a condição dos descendentes dos afri­
canos na sociedade brasileira. Eles não estavam de acordo com as
conclusões lusotropicalistas.78 Mas não tinham qualquer força para
reverter a força do discurso lreyreano que havia se espraiado pela di­
plomacia e pela própria sociedade como um todo.
Para concluir, é interessante observar que a comunidade luso­
tropicalista, ao chamar a atenção brasileira para as regiões da África
nas quais a língua portuguesa era falada, nunca teve efeito negativo
direto sobre as políticas brasileiras referentes ao processo de descolo­
nização da África como um todo. Os avanços da diplomacia do segun­
do governo Vargas, articulados pelo grupo de diplomatas que atuaram
nas Nações Unidas no início da década de 1950, haviam promovido
relativo tratamento pragmático das questões coloniais na África com-

77
“Racismo verde-amarelo”, IstoÉ, 2 dc fevereiro de 1994, pp. 43-44.
78
Abdias do Nascimento, O negro revoltado. São Paulo, Nova Fronteira, 1982, pp. 9-11,
83- 84.
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f ,■ 58
iI ' O LUGAR DA ÁFRICA
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■:i
ri patíveis com muitas posições de respeito à autodeterminação dos po­
r vos da África.
r Entretanto, os arranjos empreendidos durante e depois da assinatura
do Tratado de Amizade e Consulta de 1953, associados à atmosfera
i política conturbada depois do suicídio de Vargas em 24 de agosto de
ri 1954, levaram a política externa brasiJeini-a verdadeiro silêncio sobre
a ^questão da descolonização africana, e s p e rin lm p n ie ns colônias-Por-
c
tuguesas. A viagem do presidente Café. Filho a Portugal em 1955 sub-
c -Lmh.ou o rejativo retrocesso. E tal tendência se evidenciaria, ainda
I
r mais, no período Kubitschek.
Mas um jovem candidato à sucessão dc Kubitschek, na campanha
c eleitoral de 1960, pretendia reverter o quadro de indiferença_e-de_sj-
Jêncio consentido. Chegava Jânio Quadros com sua política externa
r independente e com uma verdadeira política africana para o Brasil.
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V
SEGUNDO CAPÍTULO
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA
DO BRASIL (1961-1964)

A solidariedade atlântica não significa apenas unidade


do Atlântico Norte contrária ou indiferente aos inte­
resses das nações do Atlântico Sul, nem deve ficar, como
tem ficado, a serviço da hegemonia européia ou norte-
americana. A OTAN... pode representar uma ameaça, como
quase representou no episódio do Santa Maria, quando foi
convocada a agir no Atlântico Sul, por uma associação
européia. Uma revisão da política atlântica se impõe,
e o Brasil... e as nações africanas ocidentais não
podem ser esquecidos.

José Honório Rodrigues, no prefácio à segunda


edição do seu livro Brasil e África: outro horizonte,
em julho de 1963.

A “política externa independente”, iniciada pelo presidente Jânio


Quadros no seu governo relâmpago (de l9 de fevereiro a 25 de agosto) e
desenvolvida por seu sucessor João Goulart (até março de 1964), foi lan­
çada em momento dramático da política brasileira. Redefinições do Esta­
do populista em crise e novas .percepções da inserção internacional
levaram as elites governantes a novas tentativas de revisão da aliança es­
pecial com o Ocidente.O lançamento da política africana do Brasil, cujas
raízes já tinham sido plantadas no final da década anterior, foi fato mar­
cante da reinserção brasileira no cenário internacional.
A dramaticidade no gesto de redefinição das relações do Brasil
com a África, e implicitamente com Portugal, pode ser observada an­
tes mesmo da posse do jovem presidente Quadros. Horas antes de to­
mar o assento presidencial, ele anunciou que o barccfSanta Maria, que
havia sido sequestrado por opositores do regime salazarista, tinha,
permissão para atracar no Recife justamente no instante de sua posse^
A iminente crise com Portugal e a OTAN, comentada na citação do
60 O LUGAR DA ÁFRICA

historiador José Honório Rodrigues, foi o paico da cena do nascimento


da política africana do Brasil.
Quadros, famoso pela utilização política de gestos hislriônicos, apro­
veitou a ocasião para expor mudanças de rumos. Era o sinal para a ruptu­
ra com a política pró-Portugal desenvolvida por Kubitschek.
Como podem ser explicados tais gestos? Quadros parecia convencido
de que a política externa de Kubitschek tinha sido muito condescendente
com a presença portuguesa na África. Ao mesmo tempo, os trejeitos na
posse eram uma forma de cortejar os setores nacionalistas e de esquerda e
trazer para si a decisão de política externa, sem mesmo consultar as tecni-
calidades que a diplomacia poderia fornecer a um processo decisório
mais racional.
Entretanto, a “política externa independente” não se apresenta corno
mera ambição de poder de um presidente. Quadros era, certamente, me­
nos superficial que a aparência de suas atitudes. A reformulação da polí­
tica exterior na questão africana não seria somente uma reacomodação do
discurso externo aos sonhos internos de poder.
A nova política para a África seria, antes de tudo, conseqüência natu­
ral das mudanças que vinham se processando no final da década de 1950
.e que foram abordadas no capítulo anterior. Ela teve endosso social e res­
paldo na engenharia política que unia as posições de diplomatas como
Bezerra de Menezes e Álvaro Lins, líderes políticos que tinham foite pe­
netração no pensamento diplomático como Oswaldo Aranha e Afonso
Arinos e estrategistas de influência como San Tiago Dantas.
Os nomes citados, todos ligados à defesa dos valores de uma socie­
dade de consumo, não deixaram de defender as inclinações ocidentali-
zantes da política exterior do Brasil. Mas agregaram novas percepções
para os espaços africanos e asiáticos que Jânio Quadros soube apropriar.
E Quadros não o fizera só. Durante a campanha eleitoral que o levaria
ao poder, seu oponente, marechal Lott, também defendeu revisão na polí­
tica externa brasileira, particularmente no que se referia às.re 1ações espe­
ciais com os Estados Unidos.1 Depois, o próprio presidente João Goulart

Moniz Bandeira, Brasil-Estados Unidos: a rivalidade emergente (1950-1988). Rio de


Janeiro, Civilização Brasileira, 1989, pp. 94 - 95. Uma excelente análise da formulação
da política externa independente foi rccentemcnte publicada pelo historiador gaúcho
Paulo Vizenlini, Relações internacionais e desenvolvimento. O nacionalismo e a
política externa independente, 1951-1964. Pctrópolis, Vozes, 1995, pp. 177-228.
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 61

não só viria consolidar asjeses da política externa independente como


também dar substância conceituai e novas direções à nascente política,
africana.
/ Outra dimensão sensível para a compreensão da revisão da política
externa no período foi lembrada por José Brás de Araújo e Lourdes Sola.2
Não havia recursos internos suficientes para o crescimento econômico e
para as demandas sociais geradas pelo processo de industrialização en­
gendrado nas décadas anteriores. A crise da balança de pagamentos, pro­
duzida pelas dificuldades da exportação de café (que ainda representava
2/3 das exportações do país), trazia inquietações. A incipiente exp_ortação
industrial, no entanto, já buscava mercados externos.
As origens da reorientação da política externa brasileira para a África
devem, portanto, ser encontradas nesses novos horizontes criados pela
alteração das forças que impulsionavam o país para fora dele mesmo e
para a busca de novos espaços para sua penetração_
A reorientação da política externa não significaria a exclusão do tra­
dicional alinhamento com os Estados Unidos. Iniciativas políticas - tais
como a do estabelecimento de relações diplomáticas com a União Sovié­
tica e abertura política para o Leste Europeu -, que já haviam sido apre­
sentadas como itens da campanha eleitoral de Quadros em 1960, não
hostilizavam ideologicamente os Estados Unidos. Buscavam-se, na ver­
dade, certos graus de autonomia para a política exterior, numa estratégia
pragmática, para garantir a expansão capitalista coordenada pelo Estado.
— A conduta pragmática da política externa independente anteciparia
o pragmatismo, o que se tomou, nos anos 1970 e 1980, um dos susten-
táculos da ação diplomática do país no período militar. Quadros acredita­
va piamente que os Estados Unidos responderíam com concessões ao
Brasil diante do quadro de instabilidade criada na América Latina pela
Revolução Cubana. Esse jogo implicava movimentos contraditórios que
envolviam desde a condecoração de Che Guevara até o acompanhamento
das posições norte-americanas na crise cubana de 1961.

José Brás de Araújo, Polilique Exteríenre et Contradictions du Capitalisme Dépen-


dent: le Gouvenvnent Jânio Quadros cm Brésil, tese dc doutorado. Vincenes, Universi­
dade de Vincenes, 1979; Lourdes Sola, Tlw Political and Ideological Constraints to
Economic Management in Brazil, 1945-1963, lese de doutorado. Oxford, Universidade
de Oxford, 1982.
62 O LUGAR DA ÁFRICA

No plano doméstico, as contradições do governo Quadros expressa­


vam-se na ambiguidade do discurso da independência com a adoção de
um severo plano de estabilização econômica em março de 1961. O plano,
que incluiu a desvalorização da moeda e a determinação de medidas de
austeridade administrativa, foi até elogiado pelo governo norteriifneri-
cano.3

O novo lugar da África: o Atlântico se faz brasileiro

A política africana do Brasil foi pessoalmente fonnulada por Jânio


Ouadros,em sua memorável mensagem ao Congresso Nacional em 15 de
março de 1961. Definindo a nova política exterior do Brasil como um
instrumento contra o colonialismo e o racismo, e sublinhando_o_agoio
brasileiro ao princípio da.autodeterminação dos povos da África, o presi­
dente avocou para si a responsabilidade maior da sua própria formulação.
Sustentou que o Brasil tinha aspirações comuns com a África, como o
“desenvolvimento econômico, a defesa dos preços das matérias-primas, a
industrialização e o desejo pela paz”.45E deixou também claro que essa
nova dimensão era o resultado das necessidades do crescimento interno
do país.
Não deve ser subestimado o fato de ter sido Quadros o primeiro pre-
sidente brasileiro a externar a inflexão da política brasileira para o contf.
nente africano. É certo que a inflexão tinha sustentação nas
transformações mundiais, como lembrou AbreiL:>~Ã nova^política, em
certo sentido, representou a atualização brasileira diante de um mundo
menos polarizado.
O Brasil tomou, assim, uma posição em favor da descolonização
africana. Mas isso não significava, e Quadros deixou claro na mensa­
gem ao Congresso, nenhuma aliança automática com os blocos tercei-
ro-mundistas, parlicularmente o grupo de nações não-alinhadas.

3 Memorando dc Dean Rusk, secretário de Estado dos Estados Unidos, ao presidente


John Kcnnedy. John F. Kennedy Library; apud Moniz Bandeira, op. cil., p. 59.
4 Jânio Quadros, Mensagem ao Congresso Nacional. Rio dc Janeiro, Departamento de
imprensa Nacional, 1961, pp. 91-101.
5 F. J. Maironi de Abreu, “L'Evolulion de la Poliliquc Africaine du Brcsil”, Mémoire
DEA. Paris, Université Panthéon-Sorbonne, 1988, pp. 15-16.
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 63

A y k ,
San Tia^o Dantas, possivelmente o mais formidável arquiteto entre os
formuladores da política externa independente-e ministro das Relações
Exteriores do primeiro gabinete parlamentar do governo João Goulart (de
setembro de 1961 a julho de 1962), definiu o novo momento como o da
legítima aspiração brasileira pelo “desenvolvimento e emancipação eco­
nômica”.6
Em artigo publicado em setembro de 1961, Quadros afirmou que as
posições brasileiras nas Nações Unidas, de tradicional apoio às potências
coloniais, seriam modificadas.7 Admitiu e lamentou que o Brasil tardasse
a tomar tais medidas e entendeu a desconfiança africana em relação às
posições brasileiras na década de 1950, notadamente durante o governo
Kubitschek.
A ruptura era clara. Há apenas um ano, em 1960, o governo
Kubitschek assistira, de camarote, às independências de 17 países afri-
canos sem qualquer gesto de entusiamo. Quadros, em 1961, rompeu o
silêncio e reaproximou o Atlântico do Brasil.
Argumentou Quadros que a nova política africana do Brasil, inspira­
da no le soleil des indépendences, seria uma “modesta recompensa” pelo
imenso débito que o Brasil linha para com o povo africano. E já bastavam
as “considerações de ordem moral” para justificar a dimensão atlântica da
política externa do Brasil. Chegou a afirmar, de forma contundente, que a
África próspera e estável seria condição essencial à “segurança e ao des­
envolvimento do Brasil”.8
A inflexão atlântica da política externa brasileira também requerería,
na acepção dos formuladores da política externa independente, a dimen­
são da segurança. Afonso Arinos de Melo Franco, figura seminal no perí­
odo e elaborador das novas percepções do Brasil no plano internacional,
chamou a atenção para o fato de que a presença brasileira na costa atlân­
tica da África podería contrabalançar a influência soviética na região e
seria uma oportunidade ímpar para o Brasil preencher o vácuo deixado
pelas potências coloniais.9

6 San Tiago Dantas, Política externa independente. Rio dc Janeiro, Civilização Brasileira,
1962, p. 5.
7 Jânio Quadros, “Brazil's New Foreign Policy”, Foreign Affairs, 40, outubro de
1961, p. 25.
Jânio Quadros, Mensagem ao Congresso...., op. cit., pp. 90-101.
9
Afonso Arinos de Melo Franco, Planalto (memórias). Rio dc Janeiro, José Olympio,
1968, pp. 143 -145.
64 O LUGAR DA ÁFRICA

Esse era um discurso alternativo ao propagado por setores militares


que viam no Atlântico africano espaço para alinhamento aos conceitos da
lf
defesa ocidental sob a batuta dos Estados Unidos. A alegada “ameaça
comunista” na região atlântica poderia ser um argumento interessante,
mas nunca foi pronunciado pelos formuladores civis instalados nos gabi­
netes de Brasília e do Rio de Janeiro.
Assim, a política africana do Brasil foi lançada na dramaticidade de
um jovem presidente, sustentada nas conveniências da diplomacia e teve
seu caráter moldado pelas perspectivas predominantemente civis e eco­
nômicas. O engajamento do Ministério das Relações Exteriores foi facili­
tado pelos estudos e abordagens que vinham se desenvolvendo pelas
vozes dissidentes dos diplomatas, políticos e intelectuais que vinham dos U
anos 1950 e que agora eram postos em evidência.
Durante a campanha eleitoral de 1960, o embaixador Bezerra de Me­
nezes publicou a segunda edição do seu O Brasil e o mundo ásio-
africano, onde expôs, mais uma vez, seu clamor por uma diplomacia
ofensiva do Brasil em direção ao continente africano. Evidência do seu
engajamento na campanha de Jânio Quadros está na própria introdução
da nova edição. Elogiando o “candidato da oposição” pela coragem da I
proposta de rever a política externa para a África, Bezerra de Menezes
corroborava a postulação de Quadros.10
Com a vitória de Quadros, as possibilidades apontadas pelas vozes
dissidentes tomaram cotpo. Um ano depois, Bezerra de Menezes escre­
vería outro livro para elogiar os desdobramentos da nascente política afri­
í kí:-
cana do Brasil bem como os novos passos do Brasil para o continente
asiático.11 IR 6 u .-
A primeira tradução objetiva das novas inclinações africanistas da
diplomacia brasileira apareceu na reforma administrativa do Itamaraty em
1961. Com ela nascia uma nova unidade administrativa no ministério: a
Divisão da África. Ela abrigaria os diplomatas brasileiros que estiveram
envolvidos nos assuntos africanos nas Nações Unidas na década de 1950. ;
A segunda seria a inclusão no Relatório do Itamaraty, a partir de
1961, de capítulo especificamente voltado para os assuntos africanos,

10 Adolpho Justo Bezerra dc Menezes, O Brasil e o mundo dsio-africano, Rio de Janeiro,


GRD, 1960, p. 9.
11 Adolpho Justo Bezerra dc Menezes, Ásia, África c a política externa independente do
Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 1961.
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 65

para a descrição das posições brasileiras relativas àquele continente e o


sumário das atividades desenvolvidas a cada ano. A criação da divisão e
do capítulo no Relatório é justificada como uma demonstração da impor­
tância especial e da atenção que o governo brasileiro dedicava a uma
“relação mais estreita com os povos africanos”.12
A terceira medida concreta foi a criação de um grupo de trabalho do
Itamaraty que teria dois objetivos imediatos: formular propostas sobre as
possibilidades de abertura de novas missões diplomáticas e consulares
junto aos novos Estados africanos e estudar formas objetivas de estabele­
cimento de vínculos econômicos e culturais com o continente africano.
Várias sugestões foram apresentadas pelo grupo de trabalho do Ita-
maraty. A mais interessante delas foi a de que a chancelaria deveria evitar
toda e qualquer tendência em direção a atitudes “partidárias” nos assun­
tos domésticos africanos. A aproximação ao continente deveria ser pauta­
da pelo exame de todas as oportunidades comerciais que emergiam do
contexto das independências africanas.13
Naquele mesmo ano (1961), duas embaixadas brasileiras começaram
a ser operadas em Acra, Tunes e Rabat. O consulado que existia em Da-
car foi elevado ao stcitus de embaixada. Os deveres de representação em
Porto Novo (Daomé, hoje Benin) e Nuakcholt (Mauritânia) foram aloca­
dos ao embaixador do Brasil em Dacar.14
Negociações foram iniciadas no sentido do estabelecimento de novas
embaixadas na Guiné e no Togo. A instalação da embaixada em Lagos foi
concluída na metade daquele ano e começou a operar satisfatoriamente,
de acordo com o Relatório do Itamaraty de 1961.15 Ainda naquele ano,
em verdadeira euforia africanista, o Brasil instalou consulados em Luanda
(Angola), Lourenço Marques (hoje Maputo), em Nairóbi (Quênia) e Sa-
lisbury (na Rodésia, hoje Zimbábue).
A dinâmica diplomática brasileira empreendida nos primeiros meses
de 1961 foi acompanhada por sinais positivos de vários países africanos.
A visita de políticos e funcionários dos Camarões, a missão econômica da
Nigéria e a visita do ministro das Finanças do Gabão foram as primeiras
respostas objetivas aos acenos brasileiros.16

12 Relatório, 1961, p. 39.


13 Idem, pp. 39 - 40.
u Idcm, p. 40.
15 Idem, ibidem.
Ifi Idem, ibidem.
66 O LUGAR DA ÁFRICA

0 Itamaraty, sob a direção de Afonso Arinos de Melo Franco^coor-


denou uma série de missões atlânticas. O Brasil se fez representar pelo
próprio chanceler nas festas do aniversário da independência senegalesa,
em Dacar, em março de 1961. Outra missão, chefiada pelo congressista
Coelho de Souza, representou o Brasil em eventos similares em Serra Le­
oa e em Camarões. Coelho de Souza também coordenou-a. visita de grupo
de políticos e diplomatas brasileiros à Nigéria, Gana, Costa do Marfim e
Guiné.
Em maio do mesmo ano, missão especial chefiada pelo embaixador
do Brasil em Portugal, Negrão de Lima, que sucedera Álvaro Lins no pe-
ríodo Kubitschek, viajou para Angola. No retomo da viagem, Negrão de
Lima apresentou ao Itamaraty relatório detalhado sobre a situação da
administração portuguesa na colônia.17
A iniciativa mais espetacular, entretanto, foi a exposição flutuante no
navio-escoIa^Custódio de MeílÕTprganizada pelo Itamaraty e pelo Minis­
tério da Marinha, a exposição viajou ao longo da costa ocidental africana
durante alguns meses a fim de apresentar produtos brasileiros para uma
possível comercialização no continente africano.
O Atlântico, para alguns membros da expedição, abrasileirava-se.
Dois diplomatas do Itamaraty foram especialmente desl_ocados_para_afi-
ançar o interesse brasileiro pelo continente africano. Eles acompanharam
os representantes da Confederação Nacional da Indústria e do Instituto
Brasileiro do Café nos portos de Dacar, Freetown, Abidjan. Tema Lagos
Duala, Ponta Negra, Luanda, Lourenço Marques, Mombassa, Massawa,
Alexandria, Times e Casablanca.18
A presença de cinco jornalistas na expedição e de um tradutor da lín­
gua árabe facilitou os trabalhos de comunicação e divulgação. A viagem
era apresentada na imprensa brasileira de 1961 como um avanço concreto
da inflexão brasileira para o continente. Ilustra o êxito o fato de que o lí­
der da independência de Gana, presidente Kwane Nkrumah, visitou pes-'
soalmente o navio com numeroso staff.

Idern, pp. 4 0 -4 1 .
Idem, p. 41. Ver detalhes da exposição do navio-cscola Custódio de Mello em Keith
Larry Stons, BraziPs Independem Foreign Policy, 1961-1964: Backgroimd, Tenets,
Linkage to Domeslic Politics, and Aftemiath, lese de doutorado. Cornell, Universidade
deC om ell, 1973, p. 301. 7

OS,
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 67

Assim, a política externa de Quadros ganhava uma dimensão que


não se restringia aos seus gestos. A gestação da política africana, tão
demorada e de tão tortuoso caminho na década anterior, encontrava
agora conteúdo e profissionalização. A diplomacia assenhoreou-se das
teses independentistas emanadas do discurso de Quadros.

A África negra: prioridade em discussão

Na África, pode-se falar de três grandes regiões com as quais a di­


plomacia brasileira estendeu suas iniciativas: a região Norte do continen-
te, a África negra atlântica e a África do Sul. A quarta, que merecerá
especial destaque neste capítulo com uma seção específica, é ã dã África
de língua oficial portuguesa.
A primeira grande área, a África do Norte, teve nas relações do Brasil
com o Egito de Abdel Nasser sua principal referência. Nasser chegou a
anunciar a vontade de visitar o Brasil no final de 1961. E o Brasil, ainda
que se distanciando das teses dos não-alinhados, mandou observadores
para a Conferência do Cairo, para a qual foi destacado João Augusto de
Araújo Castro.
A segunda região de interesse seria a Atlântica. Área de notória rele­
vância para a expansão dos interesses brasileiros, como já demonstrado
pela viagem do navio Custódio de Mello, na qual havia ainda o receio de
certos setores governamentais pelo fato de o Mercado Comum Europeu
ter estabelecido relações especiais com os mercados e produtos africanos
que concorriam com as exportações brasileiras.19
A África negra apresentou-se, assim, como a área prioritária e sobre a
qual muitos debates enriqueceríam as opções ensaiadas pela política ex-
tema independente. Alguns desses debates vinham da década anterior, e
mesmo do imediato pós-guerra, quando os produtos tropicais brasileiros
encontravam expressa competição com os africanos. Quadros, no entanto,
evitava a acumulação de tensões nesse campo por meio da ampliação das
relações bilaterais com os países da África negra, ao sul do Saara. Enfati­

19 Maria Yeda L. Linhares, “Brazilian Foreign Policy and África”, The World Today,
dezembro, 1962, pp. 536 -540. Ver lambem Gary Page Sibeck, Brazil s Independ­
em Foreign Policy, lese de doutorado. Los Angeles, Universidade da Califórnia,
1971, p. 116 c seguintes.
68 O LUGAR DA AFRICA

zava o presidente que o Brasil precisava alcançar o outro lado do Atlânti­


co “para conhecer melhor o outro”.2021A compreensão mútua levaria o
tema da competição comercial para a condição secundária e elevaria a
qualidade da relação do Brasil com a África negra pela via da operacio-
nalização de novas possibilidades da cooperação econômica.
As vontades de Quadros e depois de Goulart para tomarem a África
negra mais próxima do Brasil encontravam sérias limitações advindas, do
lado brasileiro, da própria dimensão doméstica da nova política exterior.
Tensões e incertezas da vida política nos últimos anos do Estado populis­
ta afetaram, em certa medida, a continuidade de políticas esboçadas.
O maior partido na coligação que elegera Quadros, a União Demo­
crática Nacional (UDN), negou apoio à política externa independente. A
11DN vinha defendendo. há„muito, a manutenção exclusiva da aliança
com os Estados Unidos e temia que as novas dimensões africanas da po­
lítica exterior do Brasil, associadas à abertura para o Leste Europeu, re­
presentassem alinhamento radical aos regimes comunistas. As discussões
em tomo da Comissão Militar Conjunta Brasil-Estados Unidos foram
provas incontestáveis da resistência dos setores mais conservadores do
espectro político brasileiro aos acenos de Quadros aos novos regimes sob_
• ^1
a influência comunista.'
E daí o^nublares terem sido o outro setor que apresentou certa resis­
tência ao novo enfoque atlântico de Quadros. Porta-vozes do pensamento
militar como Golbery do Couto e Silva e Carlos de Meira Mattos, acolhi­
dos às perspectivas oeidentalistas da UDN, defendiam uma outra dimen­
são atlântica. Oficiais de altas patentes, particularmente no Exército,
entrincheirados no ideário da Escola Superior de Guerra, preferiam ver o
Atlântico no ângulo da segurança ocidental e sob a grande área de pre­
sença do esforço conjunto do país com os Estados Unidos.
Do outro lado do espectro político, a África negra parecia extrema-
menle cativante para projetos e interesses do alivismo político de centro-
esquerda que se espraiava no Brasil. Esses setores defendiam uma políti­
ca social interna mais justa e uma política externa anliimperialista. A
África recém-independente oferecia, portanto, argumentos facilitadores a
esses setores.

20 Jânio Quadros, Mensagem .... op. cit., p. 91.


21 Moniz Bandeira, op. cit., pp. 60-61, 114.
r
r
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 69
h
h
Quadros nunca teve maioria no Congresso Nacional e, por isso, teve
que conviver, nos seus sete meses de governo, com a frustração de não í
dar consistência a vários dos seus acenos ao mundo externo. A UDN de r
Adauto Lúcio Cardoso dificultou várias das iniciativas propostas. Depu­ t-
tado pelo então Estado da Guanabara, Cardoso apresentou clara resistên­ r
cia à aproximação brasileira à África negra, classificando-a como uma If i
“aventura negativa”.22 r
i
Recheado de noções pejorativas e de termos preconceituosos, o dis­ r
curso do deputado udenista fez alarde. Em sessão da Câmara dos Depu­
tados em abril de 1961 (e logo depois da mensagem de Quadros ao
Congresso anunciando as novas prioridades), Cardoso insistia na impos­ r
sibilidade intrínseca de os povos da África receberem “instrução demo­
crática”.23
A acentuada inclinação conservadora de Adauto Cardoso no que se r
r
referia às suas convicções colonialistas não era fato isolado. Seus argu­ L
mentos apresentavam algumas objeções que o segmento político liderado r
i
pela UDN e apoiado por fração do estamento militar tinha à aventura r
africana de Quadros. i
Mas houve uma seção do Congresso Nacional que apoiou as iniciati­ c
vas da política africana que o governo pleiteava. Fernando Santana, pro­ t
eminente parlamentar do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e o t
deputado Aurélio Viana criticaram duramente os termos jocosos e ofensi-
t
22 Anais, Câmara dos Deputados, 1961 (II), sessão de 4 de abril, p. 154. O levantamento
t
dos debates parlamentares relativo à África indica alguma discussão, mas quase todas t
em torno dos mesmos parlamentares. O debates c discursos, entre 1960 e 1993, foram:
Anais, Câmara do Deputados, sessão de 9 de dezembro de 1960, pp. 674 - 685; Idcrn,
sessão de 2 1 dc novembro de 1960, p. 332; Anais, Senado, sessão de 7 de dezembro de ri
1960, p. 433; Idcni, sessão de 11 dc agosto de 1960, pp. 200 - 203; Anais, Câmara dos
Deputados, sessão dc 9 dc dezembro de 1960, pp. 184 - 185; Idcrn, sessão de 16 de no­ ri
i
vembro dc 1960, pp. 698-701; Idcrn, sessão dc 4 de abril dc 1960, pp. 499-501; Idcrn,
sessão dc 5 dc agosto de 1960, pp. 758-762; Idcm, sessão de 10 dc dezembro dc 1961,
r
pp. 544 - 545; Anais, Senado, sessão de 14 dc junho de 1961, pp. 364-365; Anais,
V
Câmara dos Deputados, sessão de 12 dc dezembro dc 1961, pp. 208-209; Anais,
Senado, sessão de 13 dc abril de 1961, pp. 218-221; Anais, Câmara dos Deputados,
r.
sessão dc 30 dc junho de 1961, pp. 230 - 233; Anais, Senado, sessão de 10 de janeiro r
de 1961, p. 2; Anais, Câmara dos Deputados, sessão dc 9 dc junho de 1961, p. 76;
Idcm, sessão dc 5 dc julho dc 1992, pp. 161-162; Idcm, sessão dc 19 de março de 1963,
c.
pp. 228 - 229; Idcm, sessão dc 29 de abril de 1993, pp. 311-313. r
23 Anais, Câmara dos Deputados, 1961 (II), sessão dc 4 dc abril, p. 154.
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!r 70 O LUGAR DA ÁFRICA
i|
r
i vos com que Adauto Cardoso caracterizara o continente africano justa-
r mente na hora do seu despertar libertário. Aurélio Viana, em debate
aberto contra Cardoso, chegou a afirmar que não podia entender como
r
uma pessoa inteligente como o congressista Adauto Cardoso podería
r “apoiar o colonialismo na África”.2425
r Quadros desenvolvia sua política para a África negra no interior do
r conturbado quadro político do ano 1961 e nos embates com a opinião
pública. Tentava projetar-se como um estrategista indispensável para o
r novo lugar do Brasil no concerto das nações. Sua dramática renúncia em
25 de agosto de 1961 foi parcialmente derivada da frustração de não ter
recebido apoio do Congresso Nacional e de outros setores da sociedade
brasileira para sua nova política externa, como seu ministro das Relações
c Exteriores Afonso Arinos de Melo Franco viria afirmar posteriormente.'
r Ou, em outras palavras, sua política externa se tomaria emblemática da
r própria tentativa de estender os poderes presidenciais sobre o Congresso
Nacional e sobre os partidos políticos.
c Seu sucessor, João Goulart, apesar das dificuldades de sua posse - a
r adoção do sistema parlamentarista, inclusive - assumiu o governo em 11
c de setembro de 1961 reiterando os princípios do anticolonialismo, anti-
racismo e manifestando apoio incondicional às lutas dos povos pela auto­
c determinação. Mostrava, com seu gesto, que havería continuidade nas
r diretrizes da política externa brasileira para a África negra.
San Tiago Dantas, primeiro ministro das Relações Exteriores do go­
verno parlamentar de Goulart, apresentou-se como o mais argiiido cola­
r borador dessa política. Ele tinha fortes vínculos com diplomatas mais
c nacionalistas do Itamaraty e tinha/íFiefiado a rftissão brasileira às Nações
c Unidas antes de se tomar ministro.' Renato Archer, seu subsecretário, des-
creveiTcTprocesso dêTomada de desi-são dia^rrtfíri.stro San Tiago Dantas
c
como aquele em que. o debate prevalecia sobre as instruções de ordem
1-Ç burocrática.26 Assim, para o novo governo, a política externa independen­
• i
te e a política africana deveríam ser aprofundadas e ampliadas em seus
•i horizontes.
c

' Idem, p. 159.


25 Apud Moniz Bandeira, op. cit., p. 60.
26 Renato Archer, “San Tiago e a política externa independente" em José Vieira Colho et
al., San Tiago — vinte anos depois. Rio de Janeiro, Paz e Teira, 1985, p. 31.
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 71

A primeira decisão de San Tiago Dantas para promover a conti­


nuação das diretrizes da política externa independente e verificar as pos­
sibilidades de sua ampliação foi a realização do Seminário da Casa das
Pedras, no Rio de Janeiro, em setembro de 1961, com a participação de
diplomatas e especialistas. Na ocasião foram examinadas as questões da
aproximação do Brasil à África negra no contexto da descolonização.
San Tiago Dantas escreveu, em 1962, que a política externa indepen­
dente, “iniciada pelo Itamaraty”, não havia sido formulada como uma
doutrina nem fora concebida como plano. Os novos movimentos na dire-
ção da África e a ampliação dos espaços de atuação da diplomacia havi­
am “precedido as idéias”.27 Mas os fatos traduziram-se em princípios
muito precisos acerca da reinserção internacional do Brasil: a reafirmação
do princípio de não-intervenção, a defesa da autodeterminação dos povos
e da paz, a ampliação dos mercados com todos os países, inclusive os paí­
ses socialistas, e o reconhecimento da emancipação dos territórios não-
autônomos.28
A formalização daqueles princípios por San Tiago Dantas implicava
críticas não somente no Congresso, mas também no seio da diplomacia.
O diplomata Meira Penna insistia nos “métodos demagógicos” de Qua­
dros e seus seguidores, especialmente aqueles que, como San Tiago
Dantas, utilizavam “as armas do neutralismo para estimular o naciona­
lismo local”.29 San Tiago Dantas seria pessoalmente acusado por Meira
Penna de ter sido membro da Ação Integralista Brasileira (A1B) e pelo
embaixador Augusto Frederico Schmidt por ter formulado a “mais obtu­
sa, estúpida e rudimentar política externa” que o Brasil já tivera.-30
As controvérsias acerca da oportunidade da política externa para a_
África negra não podem ser desvinculadas da crítica à política externa
independente. E a última esteve sempre na berlinda dos conflitos políti­
cos vividos pelos governos Quadros e Goulart. A política externa era um
capítulo, ainda que crucial, nas batalhas em que se empreendiam os di­
versos grupos para o controle do Estado.
(\1&

27 San Tiago Dantas, op. cit., p. 5.


28 Ideni, p. 6.
29 J. O. dc Meira Penna, Política externa. Segurança e desenvolvimento. Rio de Janeiro,
Agir, 1967, p. 186.
30 Apud Meira Penna, op. cit., pp. 187-188.
72 O LUGAR DA ÁFRICA

Os problemas que afetaram a política interna refletiram-se na gestão


da política externa. As mudanças bruscas no quadro político implicaram a
substituição constante dos ministros. Cinco ministros - San Tiago Dan­
tas, Afonso Arinos de Melo Franco, Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e
Araújo Castro - sucederam-se entre 1961 e março de_1964. Jsso demons­
tra a descontinuidade a que a política africana ficou submetida.
De qualquer forma, a África negra recebeu tratamento especial no
período. Apesar das descontinuidades, houve considerável desenvol­
vimento das relações bilaterais entre o Brasil e vários países da mar­
gem oriental do Atlântico. Além das embaixadas brasileiras cm Rabat,
Acra, Dacar e Lagos, foi criado em Mali üm posto diplomático. O em­
baixador do Brasil no Senegal respondería pela nova representação.
Em 1962 estendeu-se o reconhecimento diplomático aos Estados nas­
centes da Argélia, Ruanda e Burundi, imediatamente depois da decla­
ração formal de independência. Na Argélia, que viveu uma
descolonização violenta, o Brasil criou representação diplomática ain­
da em novembro de 1962, quando a situação ainda era tensa.
Alguns embaixadores indicados para a África negra, ao chegar a
seus postos, constataram que o rápido gesto diplomático dos governos^
Quadros e Goulart, de interesse e solidariedade política aos recém-
independentes, não fora acompanhado pela infra-estrutura necessária
ao funcionamento dos novos postos. Raymundo Souza Dantas,' primei­
ro embaixador a ser nomeado para a África negra, por Quadros, ainda
em 1961, chegou a Gana reclamando das condições em que iria traba­
lhar. Jornalista negro e bem-sucedido, Souza Dantas descreveu sua
experiência em Acra, depois de dois anos na representação brasileira,
como dolorosa e traumática.31*
Souza Dantas referia-se, principalmente, à dificuldade de o Ilamaraty
prover a embaixada brasileira em Gana das condições básicas para o
seu pleno funcionamento. Faltavam móveis e pessoal adequado ao de­
safio da abertura de novas frentes para o Brasil no continente africano.
Recentemente, durante o Encontro Nacional Afro-Brasileiro, Souza
Dantas mais uma vez criticou o sentido estreito com que muitos burocra­

31 Raymundo de Souza Dantas, “Miragem africana”. Cadernos Brasileiros, 6, jan./fev.


1964, pp. 5-19. Ele também publicou livro onde descreveu todas as dificuldades da sua
representação em Acra: África difícil: a missão condenada. Rio de Janeiro, Leitura,
1965.
n
i
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 73 i i
o
tas trataram a prioridade daqueles tempos à política africana. Segudo ele, hj
a relativa concentração aos temas comerciais fazia, e fez, com que o f.
Brasil não conseguisse ampliar seus verdadeiros potenciais de cooperação
com os nascentes Estados africanos da costa atlântica.32
r,
Mas não só Souza Dantas reconhecia os limites da política africana -•hi •
do Brasil. A vulnerabilidade do discurso foi também denunciada por Ru­ o
:j r
bem Braga, mandado para o Marrocos como embaixador. Ele chegou a
mencionar o verdadeiro abandono a que foi submetida sua embaixada,
r>
apesar das várias recomendações que enviou ao Itamaraty.33 o
Apesar dessas críticas, a aproximação brasileira à África negra gerou r
resultados. O gesto brasileiro foi acompanhado de reciprocidade africana.
Gana e Senegal criaram embaixadas em Brasília ainda em 1962. Germi-
r,
nava-se o mais importante núcleo de diplomatas africanos no país, o pri­ r
meiro da América Latina. E esse núcleo era apresentado pelos diplomatas C
brasileiros como uma prova da natural afinidade que o Brasil tinha com o r
continente africano.
Missões da África negra visitaram o Brasil entre 1962 e 1964. Em 0
agosto de 1962, Massemba Debal, então ministro do Planejamento do C r
Congo (Brazzãviile), viajou ao Brasil para conhecer Volta Redonda, con­
C‘
versar com o setor industrial brasileiro e com o governo. O ministro nige­
c
riano do Desenvolvimento Econômico aqui esteve em fevereiro de 1963.
O rnirristro da Agricultura, Indústria e Comércio do Quênia, Malhias c> I
Ngobi, visitou o país em janeiro de 1964 para discutir uma política co­ Ti
mum na área do café.34
r
r
A África do Sul: início das osc
n
A terceira grande área de concentração da política externa -indepen­ t1
dente no continente africano foi a África do Sul. O Brasil tinha relações ri
r
3' O Encontro Nacional Afro-Brasileiro realizou-se no Rio de Janeiro entre 29 dc julho e r
l5 dc agosto de 1982. Ver Raymundo de Souza Dantas, “Comunicação”, Estudos Afro-
Asiáticos, 8-9, 1983, p. 180.
<*-
I!
Rubem Braga, “Brasil, Portugal, África”, Jornal do Brasil, 28 de julho dc 1964, parte
B, p. 3.
ri
r
34 O detalhamento dessas visitas pode ser vislo na coleção serial Relatório, do Ministério
das Relações Exteriores, dos anos 1962 e 1963.
74 O LUGAR DA ÁFRICA

importantes desde a Segunda Guerra Mundial e representação diplomáti­


ca em Pretória desde o governo Dutra.
Mas as novas inclinações brasileiras pela África negra criavam pro-
| j blemas para as relações tradicionais com a África do Sul. A opção pelo
fortalecimento das relações com países de militância internacional contra
o apcirtheid sul-africano, corno a Nigéria e o Senegal, traria conseqiiênci-
as para apermanência da política gerada na Segunda Guerra Mundial,
preocupada com as dimensões estratégicas do Atlântico.
Iniciava-se, assim, um período de oscilações no qual o Brasil tratava
de separar o rapprocliement para a África negra da tradicional política de
amizade com a África do Sul. Mas nem sempre foi possível manter essa
separação diante das condicionalidades impostas,pelos países da África
negra e por outros países no sistema das Nações Unidas.
A tensão potencial da matéria já era sentida no início da década de
1960,/O Brasil acompanhou, naquela época, a maioria dos países que
condenavam a prática_do apcirtheid. A diplomacia brasileira apresen­
tava a matéria como uma questão de princípio e de reera do direito
internacional.
Na prática, contudo, o Brasil não apoiou as propostas de países afri­
canos como a Nigéria e Gana que queriam a imposição de sanções contra
a África do Sul. Seguindo outros países, especialmente as ex-potências
coloniais e países com fortes investimentos na África do Sul, o Brasil
procurou estabelecer, nas votações das Nações Unidas, a diferença entre
os princípios e os interesses concretos da matéria.
O apcirtheid, que já se tornara um problema de repercussão inter­
nacional, aparecia cada vez mais como uma questão delicada nas As-
sembléias-Gerais das Nações Unidas e em outros foros internacionais
que as jovens nações africanas estreiavam. A crítica ao regime de se­
gregação na África do Sul permitia a construção de um plano comum e
convergente das políticas exteriores da maioria dos novos Estados na
África,
O Relatório do Ilamaraty do ano de 1961 ofèrece clara ilustração
das posições brasileiras acerca do çijfair sul-africano no contexto da
política externa independente. No momento em que se discutia na As-
sembléia-Geral da ONU a adoção da resolução contra a África do Sul,
por iniciativa de Gana e da Nigéria, as posições do Brasil já indicavam
as oscilações que iriam nortear seus votos ao longo dos períodos se-
(\n - \ ) O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA , /T v ? 75
l n r y ã x r a /b £ £ p o v ^ r
. o ^ H -^ u ^-^M
guintes. A delegação brasileira, além de. votar contra a iniciativa do
grupo africano, em favor de uma proposta conciliatória de iniciativa da
índia e da Malásia, defendeu que a matéria não era da responsabilida­
de da Assembléia-Geral: “a matéria deveria ser discutida no Conselho
de Segurança”.35
As oscilações traduziam interesses. O Brasil tentava também am-
pliar o comércio com a África do Sul. Jânio Quadros, apesar dftS-dis-
cursos contra o racismo, recebeu missão econômica da África do Sul
entre 13 e 16 de março de 1961. Os objetivos da missão eram dar mais
consistência e ampliação ao intercâmbio comercial Brasil-África do
Sul.36
A chegada da missão sul-africana foi animada por um dos famosos.,
bilhetes mandados pelo presidente Quadros ao ministro Afonso Arinos
de Melo Franco, recomendando a continuação dos preparativos de
missão comercial que o Brasil enviaria para a África do Sul naquele
mesmo ano. Havia preocupação do governo acerca dos últimos dados
da balança comercial com a África do Sul.3738
As contradições da política para a África do Sul ficaram mais evi­
dentes depois do massacre de Shaperville. Apesar da condenação ex­
pressa nas Nações Unidas, o Brasil se recusou a qualquer atitude na
área comercial que pudesse afetar os compromissos correntes. Apesar
dos rogos da Organização da Unidade Africana (OUA) em maio de
1963 para que os países que condenavam o regime de discriminação
racial na África do Sul cortassem relações diplomáticas e comerciais, o
Brasil preferiu, como muitos outros, silenciar.
O comércio do Brasil com a África do Sul^ao-final do período da
política externa independente, alcançava cerca de 50% de todas as expor-
' tações brasileiras para o continente africano. As exportações haviam
evoluído de 6,5 milhões de dólares em 1961 para.cerca de oito milhões
em fins de 1963. A contrapartida sul-africana era modesta, da ordem de
seiscentos mil dólares ao longo dos governos Quadros e Goulart.3’’ Ape­
sar de tais valores só representarem cerca de 1% do comércio intemacio-

35 Relatório, 1961, p. 72.


36 Diário de Notícias, 13 de março de 1961, p. 1.
37 Diário de Notícias, 14 de março de 1961, p. 10.
38 Cacex, Banco do Brasil, Intercâmbio comercial, 1953-1976, vol. 1. Dados coletados a
partir de vários cruzamentos cm diferentes seções do documento.
76 O LUGAR DA ÁFRICA

nal do Brasil, a dimensão comercial era um fator inibidor nas percepções


brasileiras do problema do apartheid.
A dimensão mais curiosa das atitudes brasileiras em relação ao pro­
blema sul-africano no período foi a utilização do argumento jurídico da
não-intervenção. Princípio fundamental na evolução da política externa
brasileira, sua evocação para o caso do apcirtlieicl era discutida nas Na-
ções Unidas como uma degradação cínica do seu sentido original. En­
tendia a diplomacia brasileira que as pressões internacionais da opinião
pública seriam suficientes para derrotar o sistema da discriminação racial
na África do Sul. Nesse sentido, aquele país deveria permanecer nos or­
ganismos internacionais e manter sua atuação no mercado mundial.
O Brasil não aceitava a idéia, que já brotara, das sanções contra a
África do Sul. Muito menos se pensava apoiar políticas de embargo.'
Deve-se, finalmente, agregar um outro componente às oscilações
brasileiras. Elas não estavam determinadas somente pelas considerações
comerciais, mas também pelas possibilidades de partilhar, no Atlântico,
liderança regional com a África do Sul. A dimensão estratégica já havia
sido demonstrada na Segunda Guerra Mundial. Nao obstante, a dimensão
comercial, já relevante no início da década de 1960, viria se tornar mais
tarde elemento definidor para as relações do Brasil com a África do Sul.

O caso angolano: avanços e retrocessos \

As posições brasileiras diante da situação das colônias africanas de


língua oficial portuguesa seriam, nos anos Quadros-Goulart (1961-1964),
a expressão do quanto se avançara em relação ao período Kubitschek.
, Mas evidenciariam também as ambiguidades da política externa inde-
J pendente e as dificuldades brasileiras em romper os compromissos que
haviam associado as políticas exteriores do Brasil e de Portugal desde o
final da Segunda Guerra Mundial.
Angola, a mais rica das colônias portuguesas na África, foi o cenário
de guerra civil com repercussões internacionais no início da década de
1960. O Brasil, que havia anunciado mudança de rumos na sua política39

39 David Fig, “South África Intercsts iu Latiu America", South Africem Review, 2, 1984,
pp. 241-242.
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 77

externa para os assuntos coloniais na África, iria enfrentar, nesse episó­


dio, sua principal questão internacional no continente africano.
A importância econômica de Angola havia levado a forte cooperação,
desde a década dc 1920, do governo português com grandes conglomera­
dos econômicos. Dedicados principalmente à exploração mineral c à
agricultura, essas companhias estavam concentradas na extração-do-dia-
mante bem como na produção e exportação do café. Impostos e pagamen­
tos advindos dessas companhias permitiam ao governo português manter
sua política colonial e sustentar as operações militares contra os movi­
mentos de libertação.40
A lula pela independência em Angola foi iniciada pelos intelectuais
africanos nos anos 1950 em tomo do Centro de Estudos Africanos, em
Lisboa, onde futuros líderes como Agostinho Neto e Mário de Andrade
conheceram outros militantes do front anticolonialisla. Atuavam clandes­
tinamente para se esconderem da vigilância da Polícia Internacional e de
Defesa do Estado (PIDE) - a poderosa polícia secreta das décadas da di­
tadura salazarista.
Dependiam, também, da estreita cooperação do Partido Comunista
Português. Essa ligação explica o nascimento do Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA), de inspiração comunista, que tinha como
principal objetivo “a destruição do colonialismo português e a criação de
um país independente com um governo democrático e popular”.41
O MPLA nasceu em 1956 e foi seguido pela Frente Nacional de Li­
bertação de Angola (FNLA), criada no início da década de 1960. Lidera­

Os mecanismos utilizados por Portugal para manter a situação colonial na África cm


detrimento das independências dos demais países africanos, bem como as conexões in­
ternacionais advindas da “descolonização tardia" de Angola, podem ser vistos cm John
Marcun, The Angolan Revoluiion, vol. I: The Aiuilomy o f an Explosion (1950-1962),
1969, vol. II: Exile Polilic and Guerrilla Wcnface (1962 - 1976). Cambridge/Ma &
Londres MIT, 1978; Rcnc Pelissicr, La Colonie da Minolaure: Nationalismes et
Revolts en Angola (1926-1961). Orgcval, 1979; Pierreitc & Gcrard Chalendcr,
“Considerai ions gcncralcs sur Ia décolonisalion portuguaisc”, Révue Française cPÉtudes
Politiques Africaines, 12, 1977, pp. 20 -35; I3asil Davidson, “Qucstions o f Nationa-
lism , Race cfc Class, 19, 1977, pp. 133 -148; Gcrald Bcnder, Angola itndcr tlie Portu-
gueset.The Myth and Realily. Londres, Hcinemann, 1978; Franz-Wilheim Hcimcr, O
processo de descolonização de Angola, 1974-1976. Lisboa, A Regra do Jogo, 1980.
Mário dc Andrade e Marc Olivicr, A guerra em Angola: estudo socioeconômico. Lis­
boa, Seara Nova, 1974, pp. 8 9 -9 1 .
78 O LUGAR DA ÁFRICA

da por Holden Roberto, a FNLA era pró-capitalista e disputava com o


MPLA a hegemonia sobre as manifestações nacionalistas de descoloniza­
ção em Angola.
O ano 1961 foi paradigmático na história angolana. A colônia foi sa­
cudida por fortes revoltas que iniciaram a guerra de libertação. Ela ocorria
concomitantemente às demais frentes de libertação da África negra e ex­
pressava o mesmo movimento contrário à manutenção do jugo colonial
no continente. O MPLA e a FNLA dirigiram as primeiras insurreições.
Em 4 de fevereiro de 1961, a rebelião na prisão política de São Paulo, em
Luanda, tomou possível a libertação de prisioneiros políticos condenados
à pena de morte. Revidando, em 15 de março, revoltosos no norte de An­
gola foram assassinados por agentes da PIDE.42
A guerra em Angola teve dimensões internacionais. Ajudados pelo
equipamento dos Estados Unidos e da OTAN, os portugueses mataram
mais de trinta mil angolanos entre 1961 e 1964. Até as bombas de na­
palm estiveram presentes nas ações portuguesas daqueles anos.
A repercussão mundial da guerra angolana levou os movimentos de
libertação a foros como as Nações Unidas. Países africanos independen-
tes e membros das Nações Unidas foram invocados a apresentar o tema.
da libertação de Angola como matérias das Assembléias-Gerais da ONU.
Em junho de 1961, Gana informou às Nações Unidas que acabara de.fe.-.
char seus portos e aeroportos para barcos e aviões portugueses, entre ou-,
tras políticas restritivas. O Senegal cortou relações diplomáticas com
Portugal naquele mesmo ano.
Nem só os jovens países independentes da África se pronunciaram
contra a guerra em Angola. O Reino Unido anunciou que suspendería
todo o suprimento de equipamentos militares para Portugal. Os Estados
Unidos formalmente protestaram contra o uso de equipamento militar
americano contra populações civis nos países coloniais, referindo-se ao
caso angolano.
O Brasil tinha, assim, a oportunidade de deixar registrada sua efetiva
percepção a favor do processo de descolonização na África. Como se
comportaria a política externa independente nos debates das Nações Uni­
das acerca da independência de Angola? Havia limites para a amizade
que unira o Brasil a Portugal no Tratado de Amizade e Consulta de 1953? .

-12 Idem, ibidem.


| Rç;
.í-
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 79

Inicialmente, o Brasil não tratou o colonialismo português em Angola


como uma exceção. A política externa independente não fizera nenhuma
menção ao caso das colônias portuguesas na África nem propunha trata­
mento especial para o colonialismo português em Angola.
A partir de março de 1961, um mês depois da posse de Quadros, a
imprensa brasileira começou a divulgar a luta de libertação em Angola e
os protestos dos países africanos nas Nações Unidas. Os jornais brasilei­
ros noticiaram o clamor da Nigéria e do Senegal para que a matéria fosse
tratada no Conselho de Segurança.
No Brasil, aguardavam-se as instruções que seriam expedidas pelo
Ministério das Relações Exteriores para a delegação brasileira nas Nações
Unidas. O tema crucial era a proposição, encaminhada pelo grupo africa­
no, de resolução condenatória das ações portuguesas cm Angola e reco­
mendava a constituição de comitê de especialistas para verificar a
situação in loco. Em 30 de março, após reunião do presidente Quadros
com o embaixador português no Brasil, Manoel Rocheta, as posições
brasileiras tornaram-se públicas. Afonso Arinos de Melo Franco foi-e
porta-voz das posições brasileiras ao afirmar que o Brasil confirmava sua
: opção tese anticolonialista, mas o país tinha certas ‘'obrigações internaci­
onais” para com Portugal.43
A inclinação do voto brasileiro nas Nações Unidas seria a abstenção
quando a matéria relativa a Angola fosse apreciada. E isso foi suficiente
para que defensores de uma posição mais firme do BTãsil em favor da
independência angolana criticassem as contradições das posições brasi­
leiras. Eduardo Portella, influente intelectual e diretor de instituto criado
para acompanhar a política brasileira para a África, criticou abertamente a
incongruência do voto brasileiro.44
No Congresso Nacional houve veementes discursos que abordaram a
posição oficial do Brasil. Para muitos parlamentares o país retrocedia em
: relação aos postulados apresentados pelo próprio presidente na formula­
ção da política externa independente. O deputado Fernando Santana, ati­
vo membro do PTB, definiu a política anticçlonial do Brasil como uma
posição a favor do “interesse nacional”. Para o deputado, com aquela

43 Jornal do Brasil, 3 de março de 1961, p. 1. Ver lambem Afonso Arinos dc Melo


Franco, A escalada (memórias). Rio de Janeiro, Josc Olympio, 1965, p. 463.
44 Eduardo Portella, Política externa e povo livre. São Paulo, Fulgor, 1963, p. 21.

Sir
!.j Kj .
80 O LUGAR DA ÁFRICA

manifestação relativa a Angola, o Brasil mostrava “inconcebível” política


externa. 45
No outro lado do espectro político, deputados anticomunistas apoia­
ram a posição de Quadros e do seu ministro Afonso Arinos. Era aquela
uma boa oportunidade para o Brasil expressar suas desconfianças em re­
lação a movimentos de libertação no continente africano que expressas­
sem inspiração comunista, como o MPLA. A típica expressão dessas
percepções foi oferecida pelo deputado Adauto Cardoso, da UDN, quan­
do afirmou no Parlamento que Angola era “o lugar ideal para a infiltração
• 46
. »»
comunista .
Em outro debate no Congresso Nacional, em 10 de abril do mesmo
ano, o deputado Sérgio Magalhães descreveu a política externa do Brasil
para a África, no caso das colônias portuguesas, como uma “política de
duas faces”. Acusando o caráter conservador do ministério Quadros,
exemplificava as atitudes oficiais do Brasil como “retrocesso que indica
falta de maturidade” e “irresponsabilidade”.4
Ainda em abril de 1961, quando retomava das comemorações da in­
dependência do Senegal, o chanceler Alonso Arinos de Melo Franco pas­
sou por Lisboa para consultar o governo português acerca do assunto
angolano. Afonso Arinos informou ao governo lusitano que o Brasil não
estava disposto a votar automaticamente na proposição portuguesa de
evitar toda e qualquer comissão dc verificação internacional sobre a ação
daquele país nas suas colônias africanas. .
Em maio do mesmo ano, o embaixador do Brasil em Lisboa, Negrão
de Lima, visitou Angola e elogiou a amizade Brasil-Portugal. Sobre essa
visita existem muitas indagações que permanecem sem respostas eluci­
dativas. As manifestações públicas dc Negrão de Lima loram toda8 pm-
favor das posições portuguesas em Angola.4 546748 Mas, concomitantemente,

45 Câmara dos Deputados, 1961 (II), sessão dc 4 dc abril dc 1961, p. 632.


46 Idem, pp. 154-155.
47 Anais, Câmara dos Deputados, 1961 (II), sessão dc 10 dc abril dc 1961, p. 632.
48 Daí Waync Sclcher c Storrs lerem mantido a mesma leitura que José Honório
Rodrigues fizera acerca da visita de Negrão de Lima a Angola. Ver Waync Sclcher,
Afro-Asian Diiiiension t f BraziUan Foreign Policv, 1956-196S, tese dc doutorado.
Gaincsville, Universidade da Flórida, 1970; Kailh Larry Storrs, op. cit.; Josc Honório
Rodrigues, Brasil e África: outro horizonte, 3- edição. Rio dc Janeiro, Nova Fronteira,
1982, pp. 408 - 409. Na tese de Storrs a descrição da visita de Negrão de Lima é
r
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 81

ele enviou relatório secreto ao Itamaraty onde teria defendido a auto­


nomia de Angola.'19 O fato é que esse “extensivo relatório sobre a situ­

~ y " V ' V ' Y ^ Y ~ V ' y


ação da administração portuguesa na colônia”4950 ainda é e está
acessível ao público.
Ao mesmo tempo, delegação oficial brasileira, chefiada pelo con­
gressista José Pereira Coelho de Souza, na condição de embaixador
extraordinário, participou das comemorações da independência da Ser­
ra Leoa. Em sua visita a outros países da África Ocidental, Coelho de
Souza teve duas reuniões com membros do MPLA, inclusive com o
líder Mário de Andrade. Ao pedir apoio brasileiro para a luta de liber­
tação em Angola, Mário de Andrade falou das consequências positivas
que o Brasil traria para a paz e a descolonização na jÁfrica se -aceitasse
1papel protagonista nas Nações Unidas quando a matéria referente à
libertação de Angola fosse apreciada.51
Á Após a renúncia dc Quadros, cm 25 de agosto de 1961, e João
Goulart assumir o governo nas circunstâncias tão difíceis que encon­
trou, a questão angolana estourou nas Nações Unidas. O Brasil tinha,
então, sua oportunidade de expressar seu voto. E ele foi feito na voz do
ex-chanceler, agora chefiando a delegação brasileira nas Nações^UnC
das, Afonso Arinos de Melo Franco.
No seu discurso perante a Assembléia-Geral das Nações Unidas,
Afonso Arinos tocou na ferida. Ao se referir às posições brasileiras
para o caso dos movimentos de independência cm Angola, o represen­
tante brasileiro reafirmou o recuo ensaiado pelo governo anterior ao
afirmar perante o mundo que:

"A
vínculos muito especiais entre o Brasil e Portugal existem e continu­
arão a ser um elemento para nossa esperança de que a situação em
Angola será pacificamcnte resolvida... de uma forma compatível
com os interesses portugueses e angolanos e com a preservação dos
^

sumária: “Francisco Negrão dc Lima paid an official visil do Angola, praised Luso-
Brazilian fricndship and retumed in silcncc”, op. cil., p. 302.
49 Essa tese foi apresentada pelo diplomata Marroni dc Abreu cm sua dissertação de
DEA. Suas conclusões levam a crer que ele teria tido acesso a tal documentação. Ver c
Marroni de Abreu, op. cit., p. 27. ■h
50 Relatório, 1961, pp. 4 0 -4 1
51 Marroni de Abreu, op. cit., p. 23. ■ç
'■i
c
r
82 O LUGAR DA ÁFRICA

elementos culturais e humanos que são característicos da presença


portuguesa na África.52

As declarações brasileiras foram consideradas desastrosas pelo


nascente grupo de países africanos nas Nações Unidas. Mas Afonso
Arinos não ficou restrito às generalizações. Ao analisar o relatório
preparado pelo comitê especial que investigou as condições em Ango­
la, o chefe da delegação brasileira criticou parcialmente a metrópole,
mas terminou convocando-a para o exercício de “liderança do movi­
mento para tornar Angola livre” e para a transformação da província
rebelde em país independente, “amigo de Portugal e do Brasil”.53
As ambiguidades existentes em certas partes do discurso de Afon­
so Arinos, como essa passagem que convocava Portugal a liderar a
independência de Angola, levaram muitos a acreditar no apoio brasi­
leiro à independência de Angola. O Jornal do Brasil, em sua edição de
16 de janeiro de 1962, chegou a elogiar as palavras do chefe da dele­
gação brasileira e condenou o comportamento da representação portu­
guesa na Assembléia-Geral das Nações Unidas. Vasco Garin, chefe da
delegação portuguesa, havia se retirado do recinto quando o represen­
tante do Brasil, no seu discurso, se referira ao caso angolano.54
Naquele mesmo mês, por iniciativa de 44 países afro-asiáticos, foi
apiesentado nas Nações Unidas oj3roj£to_dejresolução-q.iie-cd.ava insti­
tuições livres em Angola e estimulava a transferência gradual dc poder
ao povo angolano. A Resolução n9 1.742, apresentada à Assembléia-
Geral, foi aprovada em 30 de janeiro. Noventa e nove votos foram con­
feridos à resolução, inclusive o do Brasil. Votaram desfavoravelmente
à adoção da resolução os Estados Unidos e a África do Sul.
O voto brasileiro à gradual independência de Angola foi visto, no
Brasil, como uma reafirmação dos valores anticoionialistas que orien- -
tavam a política externa independente. Afonso Arinos de Melo Franco,
depois de seu retorno ao país, íoi convidado pelo Senado a esclarecer o
voto brasileiro e suas consequências para o relacionamento com Por­
tugal. Em sua exposição no Congresso Nacional, Afonso Arinos argu-

52 “O Brasil e a questão angolana na ONU” em San Tiago Dantas, Política externa op


cit., p. 197.
53 Idem, p. 198.
54 Jornal cio Brasil, 16 de janeiro de 1962, pp. 1-2.
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 83

mentou que a decisão de conferir o voto favorável a Angola era fruto


da crença nos princípios democráticos. Em entrevista à imprensa, o ex-
chanceler e formulador da política africana do Brasil afirmou que a
decisão do Brasil tinha sido o resultado da percepção brasileira de que
ichegara a hora das independências africanas.55
Contra o voto brasileiro nas Nações Unidas, as organizações portu­
guesas instaladas no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, e outros,
defensores da Comunidade Luso-Brasileira nos quadros, do Tratado de
1^53 se manifestaram. Por meio da imprensa e do lobby organizado, es­
sas organizações convidavam jornalistas brasileiros para visitar Angola
de forma a confirmar in loco que “Portugal estava defendendo uma causa
que era também do interesse brasileiro”.56 & ■
O ministro das Relações Exteriores, San Tiago Dantas, um dos cons­
trutores da política externa independente, procurava não ceder às pressões
dos que criticaram o voto brasileiro. Seguindo as concepções já defendi­
das por Afonso Arinos, San Tiago Dantas justificou a decisão brasileira
como uma conseqüência natural das posições anticoloniais que o pais
vinil a defendendo. É evidente que o Brasil mostrara, com o seu voto a
favor da independência de Angola, que poderia ter orientação própria
relativa à África de expressão oficial portuguesa. Razões de mercado
também explicavam essas novas inclinações.
As palavras do chanceler San Tiago Dantas releriam-se aos “motivos
éticos e econômicos”que haviam provocado a guinada brasileira no caso
angolano.5758As independências africanas, e Angola não era uma exceção,
eram também percebidas como a oportunidade para tomar á presença
brasileira no mercado internacional mais eletiva. A concorrência que o
Brasil sofria dos africanos relativa aos bens tropicais seria amenizada com
a libertação da força de trabalho africana. Ou seja, ocorrera, segundo as
expectativas do mercado, uma elevação do valor salarial dos países liber­
tos. E isso foi reconhecido pelo próprio San Tiago Dantas.
Mas a solução brasileira para o caso angolano foi muito mal interpre­
tada pelos experts de plantão. O voto brasileiro não significara nenhum
compromisso objetivo com a independência angolana, como fica evidente

55 Jornal do Brasil, 27 de fevereiro de 1962, p. 3.


56 Jornal do Brasil, 16 de fevereiro de 1962, p. 8.
57 San Tiago Dantas, Política externa..., op. cit., p. 12.
58 Idem, ibidem.
84 O LUGAR DA ÁFRICA

na documentação. San Tiago Dantas protagonizou a percepção de que era


necessário evitar rígido posicionamento contra Portugal. O chanceler fa­
lava sempre, defendendo-se, da importância da manutenção da língua e
da cultura portuguesas na África.59
Em setembro de 1962, novo conselho de ministros foi instalado em
Brasília, e o novo ministro das Relações Exteriores, Hermes Lima, man­
dou Afonso Arinos de Melo Franco, mais uma vez, como chefe da dele­
gação brasileira à sessão das Nações Unidas. O discurso de Afonso
Arinos em Nova York insistia na idéia de que Portugal deveria “aceitar o
diálogo construtivo com as Nações Unidas”.60
Entretanto, durante as votações na Assembléia-Geral em dezembro
de í962, o Brasil absteve-se nas votações de resoluções que concla­
mavam Portugal a encaminhar a independência de Angola. A Resolu-
/ ção n9 1.807 condenou Portugal por suas atitudes contrárias aos
' princípios da Carta das Nações Unidas. A Resolução n9 1.808 criou
um programa técnico para ajudar as colônias portuguesas na África. O
Brasil recuou nas duas ocasiões de votação.
O mais interessante momento do rectio brasileiro no caso angolano
ocorreu em 1963, após o plebiscito nacional queuteçonduzia _o país ao
regime presidencial. Na sua mensagem ao Congresso Nacional, na aber­
tura do ano legislativo, o presidente João Goulart destacou os avanços da
política externa independente. A mensagem é rica em referências ao re­
conhecimento do direito de independência dos povos coloniais e acerca
das obrigações das potências coloniais de acelerarem as preparações para
a autodeterminação dos povos colonizados, inclusive da “independência
de Angola e de outros territórios ultramarinos de Portugal”.61
O curioso era que, na versão original, o documento assinado por
Goulart se referia, explicilamente, à necessidade da independência de
Angola. Entretanto, a parte citada acima foi removida do texto final pu­
blicado no Diário cio Congresso e de todas as publicações subsequentes
da mensagem presidencial.
O assunto foi tratado em ambiente de tensão. O ministro das Relações
Exteriores, Hermes Lima, afirmou não ter sido consultado sobre a opor-

59 Idcm, p. 13.
60 Afonso Arinos dc Melo Franco, Planalto .... op. cit., p. 247.
61 João Goulart, Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília, Presidência da República,
Imprensa Nacional, 1963, p. 161.
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 85

tunidade da inclusão daquele trecho. Teria sido o próprio ministro a su­


gerir a supressão da referência explicita à independência angolana? O fato
teve repercussão, e o primeiro a manifestar estranheza pela modificação
da mensagem de João Goulart foi o jornalista Carlos Castello Branco. Em
sua coluna no Jornal do Brasil ele anunciou ao país que os setores mais
conservadores do Congresso teriam sido responsáveis pela mudança do
texto.62
A única explicação pública do assunto foi dada pelo ministro
Hermes Lima ao ser convocado pelo Congresso Nacional. Em abril
daquele ano, o ministro afirmou, perante a Câmara de Deputados, que
tudo não passava de um equívoco de redação corrigido a tempo “pelos
meios diplomáticos”.63
Quais as razões desses movimentos ziguezagueantes da política ex-
tema independente? Em primeiro lugar, e especialmente para o período
João Goulart, o pêndulo em movimento nas votações nas Nações Unidas
; é as incertezas na política africana para as colônias portuguesas refletiram
as pressões, ora dos setores mais ocidentalizantes, ora dos grupos que
envidavam esforços por perspectiva mais autonomista e independente
para a política exterior do Brasil.
Esse movimento pendular expressou a própria instabilidade do go­
verno. Sob a orientação de San Tiago Dantas (de setembro de 1961 a ju­
lho de 1962), a diplomacia brasileira leve posições mais firmes a favor da
independência angolana. Mas este terminou sendo transferido para o
Ministério da Fazenda, para depois ser removido do governo em junho de
1963.' Grupos mais conservadores no interior do governo, como aquele
representado pela presença de Carvalho Pinto no Ministério da Fazenda,
pressionaram muito pelo realinhamento automático do Brasil aos Estados
Unidos e argumentavam que a aproximação ao continente africano era
desnecessária. Para estes, apoiar a independência de Angola era sinônimo
do fortalecimento do comunismo mundial—
As mudanças sucessivas de primeiros-ministros no fugaz regime
parlamentarista, e as mudanças ministeriais no igualmente breve período,
presidencialista, tomaram os dois anos finais da política extenia indepen­
dente bastante turbulentos no âmbito da política interna. A externa rece­
bería os influxos das tensões internas.

“Coluna do Castello”, Jornal do Brasil, 7 dc março dc 1963, p. 4.


63 Anais, Câmara dos Deputados, 1963 (III), sessão dc 5 dc abril dc 1963, pp. 340 -343.
86 O LUGAR DA ÁFRICA

Em segundo lugar, deve ser matizado que os avanços e recuos do


Brasil na questão angolana não são simplesmente o resultado das que-
relas internas. A diplomacia portuguesa, como já foi comentado no
capítulo anterior, continuou a exercer papel de extrema relevância nas
decisões e votos brasileiros nas Nações Unidas. Ela apoiou a ação do
lobby português no Brasil e foi muito eficiente ao procurar entrelaçar
decisões brasileiras ao Tratado de Amizade e Consulta de 1953.64
Dois exemplos dessa negociação com Portugal evidenciam as difi-
culdades do Brasil na questão da independência de Angola. O primei­
ro foi a oferta portuguesa de inclusão das suas colônias africanas no
contexto jurídico criado pelo Tratado de 1953. À proposta formulada
diretamente a San Tiago Dantas, em Lisboa, em~rna?ço~de~1962r£nara_
da supressão das Notas Interpretativas que haviam excluído o Brasil da
África.65 O segundo exemplo foi a tentativa direta do chefe da diplo-
macia portuguesa de concretizar a Comunidade Luso-Brasileira._Eram
co Nogueira, o poderoso ministro das Relações Exteriores, liderou a
“ofensiva” sobre o Brasil ao visitá-lo em 1963. Chegou a dizer, no
Brasil, que a unidade cultural que unia o Brasil a Portugal tornaria a
.comunidade “o terceiro grande poder do mundo”.66
O terceiro aspecto a ser considerado nos movimentos brasileiros na
questão angolana deve ser encontrado na tentativa norte-americana de
envolver o Brasil. A perspectiva de mediação do Brasil foi revelada
somente êrfTT974 pelo senador Roberto Campos ao Estado de S.
Paulo. Campos, que ocupava em 1962 a função de embaixador do
Brasil nos Estados Unidos, descreveu o encontro dele e de San Tiago

64 A influência da diplomacia portuguesa na política externa brasileira foi examinada par­


cialmente por Zenaide S. Hirson, O Brasil e a questão colonial portuguesa: o caso an­
golano. dissertação de mestrado. Brasília, Universidade de Brasília, 1979. A tese de
doutorado em preparação dc Luiz Cláudio dos Santos, sob minha orientação no pro­
grama de pós-graduação cm História das Relações Internacionais na Universidade de
Brasília, tratará especificamente do caso do lobby português e sua influência no
processo decisório da política africana do Brasil.
65 Wayne Selcher, op. cit., p. 273; F. J. Marroni de Abreu, op. cit., p. 28.
Essa declaração do ministro português foi proferida em entrevista ao Diário de
Noticias, dirigido por Chateaubriand, que também defendia as posições pró-portuguesas
do Brasil. O texto da entrevista foi citado pelo deputado Cunha Bucno cm sessão do
Congresso Nacional. Ver Anais, Câmara dos Deputados, 1963 (IX), sessão de 6 de
junho de 1963, pp. 188-191.
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 87

Dantas com o secretário de Estado Dean Rusk. O local para o encontro


foi o Departamento de Estado em Washington. Na ocasião, o secretá-
, rio de Estado revelou que os Estados Unidos não estavam em condi­
ções de pressionar Portugal sem causar distúrbios ao esquema de
defesa ocidental e à cooperação portuguesa com a OTAN. Uma solu­
ção plausível, para o governo americano, era a mediação brasileira.
Para Dean Rusk, a intermediação norte-americana poderia ser inter­
pretada como um movimento contra a União Soviética. Para o secretário,
o. Brasil tinha todas as condições de desempenhar o papel dos Estados
Unidos na questão. A saída poderia ser a “retomada do esquema da Co­
munidade Luso-Brasileira, incluindo Angola e as outras colônias africa­
nas, como um instrumento de pacificação”.676869Roberto Campos também
comentou a proposta dos Estados Unidos de fornecer apoio econômico ao
Brasil e à Angola de forma a preparar adequadamente a colônia para a
independência.
A posição oficial do Brasil foi adiada. San Tiago Dantas assegurou a
Dean Rusk que o Brasil apreciaria com atenção a proposta norte-
americana. Aparentemente, nenhuma resposta foi fornecida ao governo
norte-americano. Além do Brasil não estar interessado em se envolver em
guerras africanas, particularmente no caso de uma colônia portuguesa,
havia crescente deterioração nas próprias relações dos Estados Unidos
com o Brasil no período João Goulart. Apesar da visita de Goulart aos
Estados Unidos, pouco havia sido possível avançar no que se referia aos
acordos econômicos entre os dois governos, e houve a suspensão dos em­
préstimos do Banco Mundial e do FMI ao Brasil.6)
O contexto das relações do Brasil com os Estados Unidos impediu,
assim, qualquer concentração em torno da questão angolana. Leonel
Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, já havia expropriado
a ITT. A Amforp já havia sido nacionalizada. Também em 1962, o
Brasil votara contra a suspensão de Cuba da OEA na Conferência de
Punta dei Este. E para completar o quadro de dificuldades entre os
dois países, em março de 1963 falhou o Acordo San Tiago Dantas -

67 Roberto Campos, “Koros-hubris-ahte”, O Estado de S. Paulo, l 9 dc maio, 1974, p. 4.


68 Idem, ibidem.
69 F. J. Marroni de Abreu, op. cit., p. 19; Moniz Bandeira, op. cit., capítulo 111. Ver bem
formulada análise dos impasses e inviabilização da política externa independente no
período do presidente João Goulart em Paulo Vizcnlini, op. cit., pp. 177-230.
88 O LUGAR DA ÁFRICA

Bell, que previa medidas de estabilização no Brasil como precondição


para ajudas financeiras norte-americanas.
O quarto e último aspecto a ser considerado nas posições zigucza-
gueantes do Brasil no caso da hipótese da independência de Angola,
no início da década de 1960, refere-se aos equívocos da política afri­
cana nascente. O Brasil tinha, na verdade, duas políticas, afncanas.
Havia a política geral de aproximação ao continente, especialmente
para a África negra atlântica, sustentada na abertura comercial e na
solidariedade política à descolonização. E havia uma segunda política,
mais específica, de admissibilidade da continuação do colonialismo
para o caso das colônias portuguesas na África.
A segunda política, sustentada nos fatores convergentes das políti­
cas exteriores do Brasil e de Portugal, discursava acerca da necessida­
de da permanência dos valores, da cultura e da língua portuguesas na
África. Havia o receio, mais de uma vez reconhecido por San Tiago
Dantas, de que a independência de Angola pudesse afastá-la do espaço
da língua portuguesa, dada a influência francesa das fronteiras e de
algumas tendências dos movimentos de libertação e dos seus líderes.70
A preservação da língua portuguesa era uni fator razoável, mas .foi
raramente explorado nas análises acerca das posições brasileiras na
questão da descolonização de Angola. É correta a vinculação desse
argumento com os interesses da permanência do colonialismo portu­
guês na África. Mas é igualmente correta a idéia de que a permanência
da língua portuguesa não significaria a exclusão da hipótese da desco­
lonização.
Para demonstrar a veracidade dessa segunda vinculação basta com­
preender os apelos dos lusófonos, nos festivais africanos de arte e cultura
das décadas de 1960 e 1970, para que tais festivais e manifestações polí­
ticas africanas utilizassem a língua portuguesa, que não era só a língua do
colonizador, mas também do colonizado. Ela tinha, portanto, necessidade
de ser preservada como fonte da africanidade dos povos colonizados de
Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.
No segundo Festival Mundial de Artes e Culturas Negras e Africanas
(FESTAC), que se realizou na Nigéria em 1977, o brasileiro Abdias do
Nascimento, ao mesmo tempo que criticava a política africana oficial do

70 San Tiago Dantas, op. cit., pp. 12-13.


O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 89

Brasil, defendera a inclusão da língua portuguesa nas línguas oficiais do


Festac. Segundo ele, os africanos do Brasil, Angola, Moçambique e Gui-
né-Bissau não deveríam continuar a ser colonizados, sob o ponto de vista
linguístico, pelas línguas inglesa e francesa, amplamente faladas nos fes­
tivais.71

O discurso culturalista e as ilusões da africanidade brasileira

A projeção cie uma imagem do brasil na Alnca que facilitasse os


contatos comerciais, políticos e culturais foi aspecto primordial na
formulação da política africana do Brasil. O presidente Quadros falou
em “ponte”, “identidade cultural” e insistiu que o Brasil era o produto
histórico de duas heranças, uma ocidental e uma outra africana.72
A identidade do Brasil com a África era apresentada como condição
suficiente para uma nova relação especial entre os dois lados do Atlântico
Sul. Essas características imaginárias na aproximação brasileira à África
nos governos Jânio Quadros e João Goulart foram definidoras para a
compreensão das ações diplomáticas produzidas naquele continente.73
A fórmula adotada pelo presidente Quadros foi sistematicamente
desenvolvida nas mensagens diplomáticas do Brasil na África. Ela enfati­
zava “familiaridade” e “história comum” entre os dois lados do Atlântico.
Ironicamente, a presença dos, retornados alio-brasileiros e seus descen­
dentes na costa ocidental da África (que haviam sido expatriados do
Brasil para a África como um fluxo contínuo desde as rebeliões urbanas
na Bahia de 1835 até o início do presente século) foi utilizada como uma
evidência da recíproca atração entre a África e o Brasil.
Reíerindo-se à sua visita à África antes da campanha presidencial de
1960, Quadros apresentava-se como alguém interessado naquele conti-

71 Abdias do Nascimento, Sitiado em Lagos: autodefesa de um negro acossado pelo


racismo. Rio dc Janeiro, Nova Fronteira, 1981, pp. 44 - 45.
72 Há uma profusão de tais expressões no artigo já referido dc Jânio Quadros, “Brazifs
N ew ..., op. cit.

clcmcntos propulsores da diplomacia brasileira na África ver José Flávio Sombra


Saraiva, BraziTs Foreign Policv Tonareis A flita, 1945-1985. Realpolitik and Dis­
cotas", tese de doutorado. Birmingham, Inglaterra, Universidade dc Birmingham, 1991,
pp. 127-130.
90 O LUGAR DA ÁFRICA

nente. Só por isso sentia-se livre para declarar, na forma mais paternalista
possível, que os novos “grandes Estados” da África deveríam encontrar
na maturidade internacional do Brasil a coragem para acelerar a inevitá­
vel emancipação.74
Em março de 1961, o ministro das Relações Exteriores Afonso Ari-
nos argumentava que não era o Brasil que estava à procura da África. Ao
contrário, eram as “jovens nações” da África que procuravam o apoio do
Brasil no período da descolonização.
Funcionários dos governos africanos que visitaram o Brasil expressa­
ram polida desconfiança desse discurso de solidariedade cultural, como
fez o ministro nigeriano Joseph Medupe Johnson, em junho de 1961.75
Mas houve também expressas vozes africanas que endossaram a fórmula
brasileira.
Um dos aspectos mais interessantes desse discurso culturalista
elaborado pelos atores da política exterior do Brasil para a África era a
construção acrítica do estereótipo da espontânea generosidade africa­
na. Os formuladores da política africana, como ficou evidente nas falas
de Quadros, Arinos e outros, acreditavam na natural receptividade
africana aos acenos brasileiros de solidariedade cultural e política.
O transparente esforço da diplomacia brasileira em construir uma
imagem negra do Brasil a ser exportada para a África ficou denunciado
quando da nomeação do primeiro embaixador brasileiro para a África
negra. Na ausência de diplomatas negros na chancelaria brasileira, e ante
a necessidade de dar consistência prática ao discurso, foi nomeado o jor­
nalista negro Raymundo de Souza Dantas como embaixador brasileiro
em Acra, Gana, em 1961, pelo próprio Jânio Quadros. Isso refletia uma
serie de juízos e atitudes que enriqueceram-o discurso culturalista_Mas
também serviu para que o presidente daquele país africano, Kwane
Nkrumah, ironicamente comentasse que a melhor prova da integração
racial brasileira seria a indicação de um embaixador negro para países
brancos.76
No Brasil, a indicação de Souza Dantas para a embaixada em Gana
foi considerada uma prova de despojamento e determinação do presiden­
te. Mas também foi objeto de severas críticas. O historiador José Honório

O Globo, 31 dc maio dc 1960, p. 7.


75 O Globo, 18 de junho de 1961, p. 16.
76 Apud Wayne Selchcr, op. cit., p. 94.
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 91

Rodrigues acusou Quadros de “racismo às avessas”.77 Ele não duvidou


das qualidades de inteligência e cultura do novo embaixador, mas insistiu
que Souza Dantas não tinha as qualificações requeridas para o posto de
uma primeira embaixada brasileira na África. A condição de Souza Dan­
tas como negro não era suficiente. Mas a decisão estava tomada e o dis­
curso CLilturalista encontrava sua tradução nas primeiras ações da política
africana do Brasil.
Uma outra dimensão dessa novidade na história diplomática do Brasil
era de origem doméstica. A idéia de o Brasil possuir uma “natural voca­
ção africana” foi certamente uma construção inicialmente arquitetada
para o consumo africano. Entretanto, ela também teve alguma relevância
para aproximar Quadros dãs^ifüsãrgti^drganizágãTcÕmiinidades afro-
brasileiras. Se ele foi o primeiro e único presidente brasileiro que nomeou
um embaixador negro, Quadros também foi o primeiro a conferir a um
negro (professor Milton Santos, da Universidade da Bahia) à Casa Civil
da Presidência da República.
Ao mesmo tempo, talvez não seja uma coincidência que o ministro
das Relações Exteriores de Quadros, Afonso Arinos de Melo Franco, fos­
se um branco conhecido como o congressista que propôs a Lei ns 1.390,
aprovada pelo Congresso Nacional em 3 de julho de 1951. A lei, conhe­
cida popularmente como Lei Afonso Arinos, proibia, pela primeira vez no
Brasil, atos de discriminação racial e estabelecia penalidades para os in-
fratores. Como ministro, Afonso Arinos sustentou que o Brasil tinha uma
importante e positiva contribuição a oferecer às relações internacionais no
-— •78 •
que concerne aos temas raciais.
Acordos culturais foram propostos pelo presidente Quadros para o
Senegal, Gana e Nigéria, e bolsas de estudo brasileiras foram oferecidas a
estudantes africanos. O Brasil, por meio dessa política cultural, apresen-
tava-se ao mundo africano como um exemplo de moderna civilização
tropical. Pretendiam os formuladores da política exterior moslfar paraja
África que o Brasil soube enfrentar o processo de industrialização e que
podería ajudar as nações africanas em seus próprios desafios de desen­
volvimento e de transformação cultural.

77 José Honório Rodrigues, “O racismo às avessas do presidente Jânio Quadros”, O Jor­


nal, 2 de março de 1961; apud J. H. Rodrigues, Brasil eÁfrica..., op. cii., pp. 399-466.
78 Afonso Arinos de Melo Franco, “O Brasil e a questão de Angola na ONU”, Caclenios

Brasileiros, edição especial, 1962, p. 32.


92 O LUGAR DA ÁFRICA

Um grupo de intelectuais brasileiros descreveu o Brasil como um país


ocidental “africanizado” que podería mediar o Primeiro e o Terceiro
Mundo. Um desses intelectuais, Eduardo Poitella, que era também mem­
bro de agências governamentais responsáveis pela implementação de
uma política cultural para a África, chegou a caracterizar o Brasil como “a
maior nação africana fora da África”.
Havia um considerável apoio à nova política africana do Brasil na
comunidade acadêmica. Alguns respeitáveis intelectuais brasileiros toma­
ram-se assessores do Itamaraty e dos presidentes Quadros e Goulart. José
Honório Rodrigues, o mais importante scliolcir que se aproximou do Ita-
maraty naquela época, escreveu muito sobre a necessidade das novas re­
lações com o continente africano. Delendia que a população miscigenada
do Brasil seria um catalisador para o esforço de solidariedade às nações
africanas. Outros intelectuais como Maria Yedda Linhares e Manuel
Maurício de Albuquerque, professores do Instituto Rio Branco, forma­
vam as novas gerações de diplomatas na perspectiva do novo interesse
brasileiro na África.
O mesmo diplomata que havia sido voz dissidente na época da
política exterior de Kubitschek, embaixador Adolpho Justo Bezerra de
Menezes, publicou novo livro, Ásia, África e a política independente.
do Brasil,so no qual argumentava em favor de virtudes brasileiras que
favoreceríam uma ativa política externa do país na África. Primeiro,
ele chamava atenção para a crise do colonialismo, que daria um papel
decisivo às nações africanas no cenário internacional. Em segundo
lugar, ele reiterava a opinião generalizada entre os diplomatas brasilei­
ros de que o Brasil estava em uma excelente posição para liderar o
bloco de nações afro-asiálicas.
As ilusões do discurso culturalista apresentaram-se claramente nos
escritos de Bezerra de Menezes. Ele já havia delendido a falácia, em seu
livro anterior, de que a “quase perfeita” igualdade racial existente no
Brasil permitiría ao país ser o mediador por excelência entre a África e os
países ocidentais.879801

79 Eduardo Poitella, “O dilema cultural da África c a questão de Angola na ONU”,


Caderno Econômico, 164, 1962, p. 58.
80 Adolpho Justo Bezerra de Menezes, Ásia, África c a política independente do Brasil,
op. cit.
81 Adolpho Justo Bezerra de Menezes, O Brasil...., op. cit., p. 7.
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 93

svC^oy
Nao resta dúvida de que tais ilusões envolveram os intelectuais brasi­
leiros no início da década de 1960, e muitos até os nossos dias, mas tam­
bém foram amplamente aceitas por diplomatas e políticos. José Honório
Rodrigues, que publicou o clássico Brasil e África: outro horizonte, em
1961, defendia ardorosamente o Brasil transatlântico, uma nação
“intercontinental”, e propunha uma política externa capaz de “seduzir as
massas africanas”.82
Rodrigues era o mais respeitável estudioso das relações africano-
brasilciras, e seu trabalho seminal foi certamente um marco na evolução
das relações brasileiras da Álrica. Ele deve ser visto como o arquiteto
principal de vários argumentos do discurso culturalista que as diploma-
cias de Jânio Quadros e João Goulart se envaideciam em utilizar.
A matriz intelectual das percepções culturalistas de José Honório Ro­
drigues, e de muitos do seu tempo, foi também o discurso da eqüidade
racial do Biasil. Houve uma fonte freyreana inconleste na sua obra, sem o
exagero do prisma lusotropicalista que marcara as percepções do Brasil
nas décadas de 1940 e 1950, analisado anteriormente. O Brasil, para José
Honório Rodrigues, estava fadado a alcançar a África, pela sua proximi­
dade histórica e pelos desígnios dos “novos horizontes” que se descorti­
navam nas relações internacionais.
Seguindo as idéias de Rodrigues, muitos líderes políticos e intelectu­
ais brasileiros repentinamente descobriram que eles estavam destinados a
influenciar os novos países africanos. Mas o paradoxo era que o Brasil
continuava a viver verdadeira penúria no que se referia ao conhecimento
da realidade africana da época.
As ilusões da africanidade brasileira foram desenhadas sobre um
conhecimento do continente africano que estava muito aquém da
antropologia brilanica do século XIX e dos paradigmas da Royal
Anthropological Sociely de Morgan. Não se conhecia no Brasil a his­
tória do continente africano. O longo período de silêncio construído
pela elite brasileira acerca do continente africano permaneceu, como
que intacto, depois da aboliçao da escravidão. Não havia instituições
de ensino superior no pais que houvessem incluído matéria referente
aos povos africanos em seu currículo.

82 Na primeira edição (RJ, Civilização Brasileira, 1961) do seu Brasil e África..., op. cit., a
citação referida aparece entre as páginas 341 c 346.
94 O LUGAR DA ÁFRICA

Dai a tentativa de Quadros em modificar essa situação. Na ânsia de


dar mais consistência ao discurso de aproximação à África, ele criou o
Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos (IBEAA) em 1961, que só
começou a funcionar efetivamente em março de 1962. O instituto visava
relacionar o Itamaraty à academia por meio dos estudos e do acompa­
nhamento político das conjunturas africanas e asiáticas. Era função regi­
mental do novo instituto a criação de planos na área cultural que seriam
levados à aprovação do governo, especialmente aqueles que envolvessem
o intercâmbio de estudantes e especialistas africanos e brasileiros.
O IBEAA foi muito criticado pelos oponentes da nascente política
africana do Brasil. Alegava-se que havia uma concentração muito grande
de coiministas e intelectuais esquerdistas. O instituto era claramente_sjm-
pático aos novos governos nacionalistas africanos, muitos deles de incli-
nação.socialista. Ensaiou-se, no IBEAA, ativa política de solidariedade e
cooperação com o continente africano naqueles anos. Seu diretor, o jo­
vem intelectual e entusiasta da política externa independente,, Eduardo
Portella,-estava acompanhado de intelectuais de projeção nacional, cgnio.
Cândido Mendes de Almeida e Maria Yedda Linhares.
Na prática, o IBEAA tomou-se um influente /o/i/LV-prórÁfrica no seio
do govemo_e um disseminador de informações positivas à busca de ele-
mentos favoráveis à construção da política africana. Do ponto de vista da
sua produção intelectual, a leitura de seus destacados membros mostra
também que o discurso culturalista tinha feito escola.
O IBEAA ficou pequeno para as dimensões maiores que a política
f africana demandava. Foi por esse motivo que o presidente João Goulart
tentou criar um centro de estudos separado e especialmente voltado para
os temas da cultura africana. Seria o Centro de Estudos de Cultura Afri-
cana, mas este não conseguiu ter a mesma relevância que o IBEAA, até
porque foi abortado pelo golpe militar de 1964.
Entretanto, certas evidências de que o interesse acadêmico pela Áfri-
í ca vinha desde o final do governo Kubitschek comprovam-se com o sur­
gimento, em 1959, do Centro de. Estudos Alio-Orientais (CEAO)~ na
Universidade Federal da Bahia. Embora não tivesse ligação direta com o
Ministério das Relações Exteriores, ele recebeu apoio e recursos do Ita-
maraty no período dos governos Quadros e Goulart.
O fundador e primeiro diretor do CEAO foi o professor Agostinho da
Silva, intelectual português que havia estabelecido certa distância em re­
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AERICANA 95

lação à política colonial portuguesa na África. Vivaldo da Costa Lima,


Paulo F. de Moraes Farias, Waldir de Freitas Oliveira, leda Pessoa de
Castro, entre outros, fizeram parte da primeira geração brasileira de afri­
canistas que se instruíram no CEAO. Dentre eles, ressalta-se Paulo Fari­
as, que veio a se tomar o scholar brasileiro dedicado ao tema da história
da África mais conhecido na Inglaterra, como professor até hoje na Uni­
versidade de Birmingham.
O CEAO esteve ativamente ligado à política cultural do Itamaraty na
África. O centro veio a participar dos primeiros programas de estudantes
africanos no Brasil, que vinham em particular da Nigéria, Gana, Senegal,
Cabo Verde, Camarões e Guiné-Bissau para estudar em universidades
brasileiras.83
A chegada desses estudantes mostrou as outras ilusões engendradas
pelo discurso culturalista. Thales de Azevedo descreveu em seu livro
Democracia racial a visível discriminação racial a que foram submetidos
os primeiros estudantes africanos que chegaram à Bahia.84 Ele descreveu,
entre outros casos, o de um gerente de clube social de Salvador que se
recusou a aceitar a presença dos convidados africanos no clube durante
uma festa natalina.85 De acordo com Azevedo, alguns estudantes africa­
nos começaram a recusar convites para festas brasileiras dado o embaraço
que eles poderíam provocar.
As ilusões da africanidade brasileira permaneceram. A diplomacia
continuou a burilar todas as imagens possíveis do país equilibrado raci­
almente e que deveríam ser exportadas para o continente africano. A pri­
meira delas era a da afinidade cultural natural que deveria existir entre a
África e o Brasil. Para dar consistência à imagem, foram nomeados atta-
cliés culturais para a Embaixada do Brasil em Lagos (o escritor Antonio
Olinto e, depois, o esportista Adhemar Ferreira da Silva) e para Acra (o
antropólogo Vivaldo Costa Lima e, depois, o escritor Gasparino Damata).
A missão dos attachés era a de levar aos líderes africanos as marcas e as
caras da africanidade brasileira.

83 V er a descrição da chegada e dos programas desses estudantes africanos na publi­


cação do CEAO, Afro-Asia, 1, dezembro, 1965.
84 Thales de Azevedo, Democracia racial. Ideologia e realidade. Petrópolis, Vozes,
1975, pp. 41-42.
85 Idem, p. 42.
96 O LUGAR DA ÁFRICA

A segunda imagem era a da permanência dos contatos humanos


que ainda existiam entre as duas margens do Atlântico. Daí o convite
formulado à senhora Romana da Conceição, uma alforriada brasileira
que havia deixado o Recife em 1900 e retornara a Lagos, terra de seus
ancestrais. Romana da Conceição visitou o Brasil, em viagem organi­
zada e patrocinada pelo Itamaraty, em 1963. Ela foi apresentada, na
imprensa e nos círculos políticos nacionais, como um exemplo vivo da
“história comum” que unia o Brasil à África.8687
O paradoxo dessas construções imaginárias e de seus componentes
práticos era evidente. A relevância da contribuição africana à cultura
brasileira só era conhecida pelo público por meio dos aspectos pitores­
cos e folclóricos dos africanos que haviam chegado ao Brasil. O inte­
resse recaía sobre a curiosidade dos nomes, o sabor dos quitutes, a
sinuosidade dos requebros das mulheres negras e os costumes bizarros
da gente que atravessara o Atlântico tanto tempo atrás.
A visita da senhora Romana da Conceição foi bom exemplo das
ambigiiidades do discurso culturalista. As condições históricas da es­
cravidão e suas seqiielas para a formação social do Brasil e a violência
racial eram tratadas como um mundo à parte da cultura dominante e do
universo da política “maior”.
Finalmente, como Florestan Fernandes bem sublinhou, a idéia de
que os padrões de relações entre brancos e negros no Brasil eram o
exemplo de um dos grandes mitos da história brasileira deste século
era o da “democracia racial”.88 Tema já abordado no capítulo anterior,
a suposta democracia racial era a fonte intelectual do discurso cultura-
Iista brasileiro para a África. As ilusões do novo discurso passaram a
ser as mesmas da velha nascente.

86 Ver o livro dc um dos attacliés culturais do Brasil na Nigcria, Antonio Olinto, Brasilei­
ros na África. Rio de Janeiro, GRD, 1964. Ver também sobre a cobertura da visita da
senhora Romana da Conceição na imprensa: “ Brasileira vem ver a pátria 63 anos de­
pois”, O Globo, 11 de maio de 1963.
87 José Luiz dos Santos, O que é cultura. São Paulo, Brasiliensc, 1986, pp. 33-34.
88 Florestan Fernandes, Tlw Negro in BrazUian Society. Nova York, Columbia Univcrsily

Presss, 1967, p. 137.


TERCEIRO CAPÍTULO
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A
POLÍTICA AFRICANA (1964-1967)

No momento em que um poder militar hostil ocupar


a costa Atlântica da África, em qualquer ponto,
do Marrocos à República da África do Sul,
começaremos a sentir no nosso país... pressão belicosa
sem precedentes na nossa história.

Comentário do general Carlos Meira Mattos


antes do Golpe de 1964.

Ao problema colonial o Brasil propõe a busca


de uma solução pacífica... Mas, por outro
lado, esse país está interessado na verdadeira
liberdade dos povos, e opõe-se à mera mudança
de um estado de sujeição a outro, sob o
pretexto de liberação.

Trecho do discurso de saudação de Castello


Branco á Léopold Senghor em setembro de 19.64..
f
\

O golpe de Estado de 31 de março de 1964 representou momento


capital na redeflnação d;í tenra política africana do Brasil. As percep­
ções que haviam sublinhado a inflexão brasileira para a África funda­
mentada na solidariedade aos povos recém-independentes, propafãcfa
pelas vozes dissidentes e renitentes no final da década de 1950 e nos
governos Quadros e Goulart, tiveram que recuar diante do novo qua­
dro político interno.
A saudação de Castello Branco a Léopold Senghor acima referida
dá a tônica das novas percepções oficiais. O lugar da África para os no­
vos governantes passou a ser o do objeto que assistia passivamente à
substituição da “sujeição” colonial por outra ainda pior: a do comunismo.
98 LUGAR DA ÁFR IC ^—

,/Y W
CX^VvCO—^C X JL^va
Nesse capítulo pretende-se avaliara redefinição da política africa­
na gestada pelos vencedores deM964QA política africana, e todo o
conjunto de iniciativas da política externa independente, estava iden­
tificada com os perdedores de 1964. Chegou, com o noxo-goveme-
ínstaurado pelo golpe, a ênfase à dimensão geopolítica do Atlântico. A
política africana deveria, assim, adequar-se aos novos conceitos. Outro
lugar para a África estava reservado nas construções geopolíticas da
Escola Superior de Guerra e de setores conservadores da diplomacia^
Há, entretanto, um aspecto intrigante que merecerá análise ao lon­
go deste capítulo. A atenção especial que passou a ser dada pelo go­
verno Castello Branco à dimensão geopolítica do Atlântico não
significou a derrocada da política africana iniciada no período Qua­
dros. Ao contrário da afirmação de vários estudiosos, a rica documen­
tação oficial publicada (e ainda pouco pesquisada) mostra certos
padrões de continuidade. A grande questão é saber como o Itamaraty
conduziu ativa diplomacia com os governos africanos no período em
questão.
Outra questão, relacionada às anteriores, foi a possibilidade, no
governo Castello Branco, do renascimento da Comunidade Luso-
Brasileira. A imbricação dos discursos da lusitanidade com as pers­
pectivas conservadoras do novo poder instalado em Brasília levaram à
retomada, ainda que com enfoque próprio, de percepções acerca do
papel do Brasil na África que lembravam as discussões lusotropicalis-
tas da década de 1950. O discurso lusófono fundiu-se com os discur­
sos ocidentalistas e geopolíticos dominantes no primeiro governo do
ciclo militar. ) ' _ ~ fT '~ “------------ -

O lugar da África na geopolítica atlântica

0 golpe que levou Castello Branco lo poder orientou suh artilharia


contra o nacionalismo de esquerda e o reformismo social defendido
pelo governo Goulart. A conibinação de forças políticas que defen­
diam a liderança do Estado no desenvolvimento nacional e na indus­
trialização, a nacionalização dos recursos naturais, a reforma agrária,
as medidas de bem-estar social e a política externa independente foram
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 99

/derrotadas pela conspiração militar e civjl que defendia projeto diverso


pãraTTB7ãiTI.H
O novo bloco de poder, composto pelos altos setores financeiros e
pela alta burguesia internacionalizada, sob a chancela dos militares,
tinha suas próprias percepções do jogo internacional. E essas percep-
ções tinham sido consistentemente gestadas pelo recrut.auiejito-d&-inte-
lectuais e.pelo apoio de institutos, como o Instituto de Pesquisa _e_
Estudos Sócias (1PES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática
(IBAD), ambos criados em 1962, rios quais trabalhavam em sintonia
os militares e os conservadores udenistas.
, O projeto internacional j o s —Yencedores explicitava-se na adoção
da doutrina de segurança nacional e na proteção dos Estados Unidos
nas questões~dé segurançlTcõntínental. Para tal, o caminho da inserção
brasileira não seria o do nacionalismo independentista dos dois gover­
nos anteriores, mas o alinhamento aos Estados Unidos.
Daí o governo Castello Branco ter se tornado prisioneiro, nas suas
relações externas, de suas opções ideológicas ocidentalizantes. O novo
governo procuraria enfatizar as relações com os países ocidentais e
criticaria a “ameaça comunista” internacional. A defesa dos conceitos
da Guerra Fria e a necessidade da proteção interna contra a emergência
comunista — a chamada “guerra doméstica” — foram os dois vetores
do mesmo projeto político que conquistara o Estado em J 964.
A concepção do Estado como um Estado beligerante tinha suas
origens no pensamento da Escola Superior de Guerrra e nos própriçts
sonhos de uma geração de oficiais que haviam participado dos movi-

----------------------------------------- Ç V V ' P
1 O golpe de 1964 foi examinado detalhadamente por cientistas políticos e historiadores.
O papel jogado pelo militares antes e depois do golpe foi explorado por autores como
Thomas Skidmore, The Polilics o f Miliuiry Rute in Braz.il, 1964-85. Nova
York/Oxford, Oxford University Press, 1988; Eliczer Rizzo dc Oliveira et al„ As forças
armadas no Brasil. Rio dc Janeiro, Espaço e Tempo, 1987; Oliveiros Ferreira, O fim do
poder civil. São Paulo, Vcrticc, 1987; Alfrcd Slcpan, The Miliuiry in Polilics. Chang-
ing Patters in Brazil. Princcton, Princcton University Press, 1971; Alfrcd Stepan (ed.),
Authorilarian Brazil: Origins, Polilics and Future. New Havcn/Londrcs, Yale Uni­
versity Press, 1973; Moniz Bandeira, O governo João Goulart. A s lulas sociais no
Brasil, 1961-1964. Rio dc Janeiro, Civilização Brasileira, 1978; Rcnc Armand Drcifuss,
1964: A coiupiisia do Eslado. Ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis,
Vozes; entre outros.
100 O LUGAR DA ÁFRICA ■: i

mentos de 1939-1945. Eles agora tinham a oportunidade de levar


aquele ideário para a política externa brasileira."
Em termos econômicos, o governo Castello Branco argumentava
que a preservação da independência brasileira implicava a aceitação da
interdependência militar, política e ideológica com o Ocidente, parti­
cularmente com os Estados Unidos. O discurso de Castello Brancó no
Itamaraty, para os formandos do Instituto Rio Branco em 31 de julho
de 1964, três meses depois do golpe, firmava tais concepções no inte­
rior da chancelaria.23
Naquele famoso discurso, Castello Branco def iniu o contexto no
qual a política externa brasileira para a África deveria se pautar: a
Guerra Fria, a segurança coletiva e a participação nas ações externas
“sob os auspícios dos Estados Unidos”.4As novas percepções interna­
cionais do país recolocavam o pan-americanismo verticalizado pela
relação Brasil - Estados Unidos na agenda dos estrategistas e diplomatas.
A África apresentava relevância particular naquela noção dos
“círculos concêntricos de solidariedade” adotada pelos estrategistas
vitoriosos de 1964. O continente africano deveria ser confinado à sua
situação estratégica no contexto atlântico. As nuanças da cooperação
econômica e da solidariedade política que a África representara no
período da política externa independente cederam lugar ao reducio-
nismo da lógica estratégica na acepção obtusa da segurança coletiva
do Atlântico.

2 A Escola Superior de Guerra (ESG), criada pela Lei n9 785 cm 20 de outubro de 1949,
foi a responsável pela continuação do pensamento militar do alto oficialato que partici­
para da guerra mundial que terminou cm 1945 c que formulou a doutrina de segurança
nacional. Ver J. A. Amaral, Segurança e democracia. Rio de Janeiro, Josc Olyntpio,
1975; Elisabcth Gillion, “L' Écolc Supcricure de Gucnc de Rio de Janeiro”, Mémoire
DEA. Paris, Universidade dc Paris I, 1977; Alfrcd Stcpan, The Mililary in Polilics, op.
cit., capítulo 8, pp. 172-187; Shiguenoli Miyamoto, O pensamento geopolítico bra­
sileiro (1920-1980), dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade dc São Paulo,
1981; Shiguenoli Miyamoto, Do discurso triunfalista ao pragmatismo ecumênico
(geopolítico e política externa no Brasil pós-64), lese de doutorado. São Paulo, Uni­
versidade de São Paulo, 1986.
3 Ministério das Relações Exteriores, A política externa da revolução brasileira. Brasília,
MRE, 1968, pp. 12-13.
4 Idem, pp. 19-20.
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 101

O Atlântico em que o Brasil deveria concentrar sua atenção não


era o da África negra, como fora no período de Quadros e Goulart,
como foi discutido no capítulo anterior. O novo enfoque regional seria
para o Atlântico branco, especialmente aquele que o Brasil j á conhecia
e o qual tinha antigos entrelaçamentos desde a Segunda Guerra Mun­
dial: a África do Sul. Para os estrategistas de 1964, a saída para n
Brasil na região era a ampliação das relações com aquele país, que “já
tinha escolhido seu destino”.'
A mudança de rumo empreendida por Castello Branco foi deter-
) minada pela idéia de que a maioria das nações africanas e muitos dos
movimentos de libertação da África estavam contaminados pelo co-
i munismo, e que a África do Sul era a única parceria leal dentrõ~das
'.concepções ocidentalistas dos generais da Escola Superior deG uerra.0 '
O presidente, com suas preocupações voltadas para a segurança cole­
tiva do Atlântico, desenvolveu ações que inibiram relações fraternas
com as novas nações africanas,
As origens desse retrocesso certamente não devem ser imputadas à
personalidade do presidente. Da mesma forma que as explicações para
a guinada de Quadros em 1961 não podem ser entendidas pelos dotes
estriônicos e pelos sonhos de poder do presidente, o mesmo se pode
afirmar no caso da política externa de Castello Branco e sua pouca
inclinação pelo tema da aproximação às novas nações africanas. É
melhor buscar as origens da nova orientação da política externa nas
concepções da Escola Superior de Guerra, que ainda entendia a inter­
nacionalização da Guerra Fria como uma exigência do momento.*67
Além disso, os grupos civis liberais que haviam promovido o gol­
pe exigiam padrão de conduta próprio muito diferente daqueles inicia­
dos por Quadros em 1961. Castello reafirmou, em muitas ocasiões, o
pensamento desses grupos transnacionalizados. Ao afirmar que o
Brasil não poderia ser considerado país subdesenvolvido, mas uma

Golbery do Couto c Silva, Geopolítica do Brasil. Rio dc Janeiro, José Olynipio,


1967, p. 150. Essa noção do lugar da África para a política externa brasileira já
estava formulada antes do golpe dc 1964, desde a década de 1950.
6 Idcm, p. 50.
7 Oliveiras Ferreira, “La geopolítica y el Ejcrcilo brasileno, Aportes, 12, 1969, pp.
117-120; João Quartim dc M oraes, “O argumento da força” em Eliézer R izzo de
Oliveira et al„ op. cit., p. 37.
102 O LUGAR DA ÁFRICA

“nação com problemas regionais de subdesenvolvimento”,8 Castello


confundia-se com as concepções próprias do esquema liberal que o
sustentava e à sua política externa.
A geopolítica confundia-se com o corte liberal empreendido pela
política externa de Castello Branco. Para os geopolíticos, a situação da
África no Atlântico trazia certas preocupaçõesTA primeira delas era a
posição brasileira como oTuaior poder nacional na costa Atlântica_ao
sul da linha do Equador.
A segunda preocupação estava relacionada ao estreito que separa o
Atlântico brasileiro do africano. A linha de 1.600 milhas que separa
Natal de Dacar,>no Senegal^era de importância estratégica para o
Brasil e para o próprio sistema de defesa ocidental, como tinhalldo
provado na Segunda Guerra Mundial.910
Tais idéias tinham sido apresentadas por Carlos Meira Mattos cm
1961, mas somente após o golpe de 1964 elas passariam a ter stcitus de
política de governo. A afirmação de Meira Mattos acerca da dimensão
geopolítica da política africana do Brasil foi anunciada antes do golpe.
E dizia que o país não poderia escapar às circunstâncias de que:

a costa atlânticd da Á fric a está na linha imediata da proteção da


costa brasileira. No m om ento em que um poder m ilita r hostil ocupar
a costa atlântica da Á frica ,... começaremos a sentir no nosso país.

Para os geopolíticos, a África era objeto sem forma própria, sem


opinião, e eternamente vulnerável às influências comunistas. Essa per­
cepção reducionista levou à idéia de que a África deveria contribuir
para a segurança militar no Atlântico, sob os auspícios das potências

8 Textos e declarações de política externa (abril dc 1964 a abril dc 1965), 1965, p. 37.
9 Amplo desenvolvimento desse tema está na tese doutorai dc Waync Sclchcr, Tlte Afro-
Dimension o f BraziUan Foreign Policy, 1956-1968. Gainesville, Universidade da
Flórida, 1970, p. 118 e seguintes.
10 Carlos Meira Mattos, Projeção mundial do Brasil. São Paulo, Leal, 1961, p. 25. Essas
mesmas reflexões sobre a dimensão geopolítica da África poderão ser encontradas em
Therezinha dc Castro, “Comunidade luso-brasileira: as|x:clo gcopolítico”, A Defesa
Nacional, 619, 1969, pp. 5-25; Meira Mattos, “O Atlântico Sul — sua importância es­
tratégica”, A D efesa Nacional, 688, 1980, pp. 73-90; R.G. Pereira, “Ação do
movimento comunista internacional na África Austral e Ocidental”, A Defesa Nacional,
679, 1978, pp. 35-54; entre outros.
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 1 03

ocidentais. A noção intervencionista era apresentada com muita natu­


ralidade. Para esses, esta noção era a maneira mais eficiente para se
promover a estabilidade no continente africano.
A simplificação da leitura da reinserção da África independente
não era, certamente, proveniente dos desconhecimentos das potencia­
lidades africanas. Sustentando a tese da “imunização” das jovens na­
ções africanas contra a “infecção fatal” do comunismo e a influência
soviética no Atlântico, os geopolíticos brasileiros instalados no Estado
estavam tentando negociar o próprio lugar do Brasil na Aliança Oci­
dental. A garantia era a relação especial com os Estados Unidos, como
insistia Golbery do Couto e Silva:

O Brasil depende... do resto do Ocidente e particularm ente dos Es­


tados Unidos, para o seu com ércio, seu desenvolvim ento econôm ipp
e seu progresso técnico e cultural, bem como para sua segurança...

Este pensamento, pelo seu peso na construção de imagens do


Brasil e dos outros, chegou a se tornar doutrina. E ela tinha o sonho de
estabelecer as diretrizes para o desenvolvimento liberalizante do país e
sua condução à categoria de poder de primeira classe no contexto in­
ternacional. Integração territorial e política interna, controle sobre a
reeião atlântica! hesemonia na ATnerica do Sul eram os fundamentos
_ê----------------’ . ° ------------ - ------------- —----- T2~-—------- >
da doutrina geopolítica que foi levada ao poder em 1964.
A geopolítica não era novidade no Brasil. Já, desde as décadas de
1930 e 1940, apresentara-se na obra de Mário Travassos, ' Lysias A.
Rodrigues,14 Everardo Backheuser15 e Leopoldo Nery da Fonseca Jú­
nior. Foi o general Golbery do Couto e Silva, entretanto, quem for-
neceu a síntese mais influente no final da década de 1950 e no início123456

11 Golbery do Couto c Silva, op. cit., p. 254.


12 Geraldo Lesbat Cavagnari Filho, “Autonomia militar e construção da potência” , em
Eliézer Rizzo de Oliveira, op. cit., pp. 78 -79.
13 Mário Travassos, Projeção continental cio Brasil. Rio dc Janeiro, Brasiliana, 1938;
Idem, Introdução à geografia das comunicações brasileiras. Rio de Janeiro, José
Olympio, 1942.
14 Lysias A. Rodrigues, Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro, Biblioteca Militar, 1947.
15 Everardo Backheuser, A geopolítica geral e do Brasil. Rio dc Janeiro, Biblioteca do
Exército, 1952.
16 Nery da Fonseca Jr., Geopolítica. Rio dc Janeiro, Bcdesschi, 1940.
104 O LUGAR DA ÁFRICA

->'p© -'A ÇOg ^ Í X ^ .


xl - J . . 17
da de 1960, por meio de seus livros Planejamento estratégico e o ja
referido Geopolítica do Brasil. P \ CN^-X.x
Golbery do Couto e Silva havia sido treinado no Exército norte-
americano"na 'decãaã~aeT9407'o que contribuira para o seu êxito na
Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Segunda Guerra
Mundial. Conduzido à chefia do Departamento de Estudos e do Depar­
tamento de Relações Internacionais da Escola Superior de Guerra,
Couto e Silva passou a ter todas as credenciais para dirigir o IPES e

antipolítica externa independente, de Castello Branco na formatura dos


jovens diplomatas do Instituto Rio Branco em 1964. Suas percepções
da política exterior curiosamente chegaram a ser elogiadas pelo ex-
ministro Afonso Arinos, pela “flexibilidade e realismo” que não se
comparavam às teorias geopolíticas alemãs do expansionismo.
De acordo com Couto e Silva, a política africana do Brasil tinha
que ser modificada. O Brasil era vulnerável na região Nordeste, pois
ficava próxima à região ocidental africana, sujeita às influências polí­
ticas da União Soviética.1718I920A linha Dacar —Natal era vital não somente
para a segurança brasileira, mas também para o continente americano
como um todo. Certamente, aos Estados Unidos, responsável principal
pela segurança ocidental, agradava esta perspectiva geopolítica brasi­
leira para o Atlântico africano.
O Atlântico africano, incluído na área do “hemiciclo interior”, que se
estendia na direção do Atlântico e da África na extensão de 10.000 km
5 ,
do ponto central do Brasil, deveria estar sob permanente obervaçao.
- 20
E a melhor observação seria oferecida pela dimensão geopolítica e
pela prática segura do governo de 1964.

17 Golbery do Couto e Silva, Planejamento estratégico. Rio dc Janeiro, Biblioteca do


Exército, 1955.
18 Afonso Arinos de Melo Franco, “Nota introdutória", em Golbery do Couto e Silva,
Geopolítica..., op. cit., p. XIII.
19 Golbery do Couto c Silva, Geopolítica..., op. cit., p. 60.
20 Idem, pp. 133 e 140.
A )r .---s rP'.-
C \fl J r \J - c J ) ( [ n \ , l\ / é<7;
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 105

A África, para os geopolíticos, não poderia ser considerada parte


do Ocidente. O conceito para defini-la foi o de “região associada” e
extremamente vulnerável à influência comunista. A única parte do
“mar interior” que poderia ser considerada ocidental era a África do
Sul. Assim, o “Ocidente ameaçado” pelas nações africanas, com seus
naciortaljsmos exacerbados, deveria reagir para preservar os três ele­
mentos fundamentais da ordem então concebida (a Ciência, a Demo­
cracia e o Cristianismo). O Atlântico era, assim, área-chave para o
combate às ameaças internacionais comunistas que a chamada Revo­
lução de 1964 havia extirpado internamente no Brasil.21*
Essas noções não eram exclusivas aos oficiais da Escola Superior
de Guerra. O medo dos militares brasileiros que a África “caísse em
mãos hostis” requeria o alerta permanente também da Marinha. Altas
patentes desta arma compartilhavam aquela espécie de Doutrina Mon-
roe africana construída de fora para dentro do continente por elites
políticas que nunca haviam pisado o solo africano.
A doutrina tampouco foi monopolizada pelos militares. O consen-
so^civil foi explícito. Á diplomacia forneceu seus ingrediente,sjis vi—
sões geopolíticas e veio a ocupar papel relevante nos entendimentos-
do governo Castello Branco com as lideranças africanas. Esse foi o
caso do diplomata Manoel Pio Corrêa, secrelário-gerál do Ministério
das Relações Exteriores entre janeiro de 1966 e março de 1967.
O mais proeminente exemplo de convicções geopolíticas na Chan-
òelaria, entretanto,_foLo do embaixador J. O. de Meira Penna, cuja crí­
tica à política externa independente já foi abordada no capítulo
anterior. Entendendo que era necessário mudar o curso das relações
com a África, aceitou o convite para ser o segundo embaixador brasi­
leiro na Nigéria, indicado pelos vencedores de 1964.
Para Meira Penna, os objetivos do Brasil na África eram os de
evitaTlfúé ela caísse nas mãos de “potências cxtraconlinentais hos­
tis”."" Argumentava o embaixador que o Brasil tinha se equivocado no
período anterior a março dc 1964, ao haver proposto à África uma
política de cooperação sem as bases geopolíticas que o governo Caste­
llo Branco finalmente trazia para a inserção internacional brasileira.

21 Idcm, p. 233. Xr- -d i Á x £ ,-£L


22
Idem, ibidcm.
Caslj & y t f f
n
106 O LUGAR DA ÁFRICA

Os “erros doutrinais”, para utilizar as expressões de Meira Penna, da


política africana concebida por Jânio Quadros advinham da não-
contemplação do conflito Leste-Oeste e da importância da dimensão
da segurança no contexto atlântico.23
Meira Penna deixou seguidores no Ministério das Relações Exte­
riores, como Oliveira Maia e Nestor dos Santos Lima. Estavam assegu­
rados, assim, no seio da diplomacia, os parâmetros geopolíticos da
África.
O lugar geopolítico reservado pelo Brasil para o continente recém-
liberto do colonialismo não significou, por outro lado, a exclusão de
movimento de aproximação entre os dois lados do Atlântico. O grande
evento da política africana do período Castello Branco foi a visita de
Léopold Senghor ao Brasil seis meses depois do golpe. Era o primeiro
presidente africano a pisar em solo brasileiro.
A visita oficja] do presidente senegalês, que durou de 19 a 25 de
setembro de 1964, causou estranheza em circuitos mais conservadores do
Estado. As conversações entre os dois chefes de.EstaHõ”transcorreram
na maior cordialidade e se concentraram na cooperação bilateral. O
comunicado conjunto assinado ao final da visita chamou a atenção
para a importância dos acordos culturais e econômicos, bem como
para o estabelecimento de comitês brasileiro-senegaleses para analisar
o desenvolvimento de intercâmbios. Os dois presidentes também
examinaram o projeto da participação brasileira no Primeiro Festival
Mundial de Artes Negras, que ocorrería em Dacar em 1965.24
Qual o sentido da visita de Senghor? Em primeiro lugar, o presi­
dente africano já havia aceitado o convite formulado por João Goulart
para visitar o Brasil no ano de 1964. Segundo a chancelaria hnveriàl
reciprocidade para a visita de Senghor no mesmo ano. O golpe militar
de 31 de março impediu a ida de Goulart ao Senegal. Mas o compro­
misso internacional de receber Senghor ficou mantido pelo governo
Castello Branco.
Em segundo lugar, é possível entrever a visita de Senghor na.pers-
pectiva geopolítica que orientava a política exterior do primeiro gover­
no resultante do golpe militar. O Senegal ocupava posição estratégica

" ' J. O . d e M e ir a P e n n a , Política externa: segurança e desenvolvimento. R io d c J a n e iro ,


A g ir, 1 9 6 7 , p . 14 9 .
24 Id c m , p . 3 7 .
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 107

na teoria do “hemiciclo interior”. Dacar era o outro lado do estreito


que a unia a Natal, área de preocupação prioritária desde a Segunda
Guerra Mundial. Assim, fazia sentido a visita de um presidente que,
embora ligado ao conceito nacionalista das descolonizações africanas,
prezava as relações com o mundo Ocidental.
Senghor, para Castello Branco, não era um esquerdista radical. Ao
contrário, o nacionalismo de Senghor, formulado em sua obra intelec­
tual e política da negritude, era atacado por nacionalistas de esquerda
na África e na Europa, graças ao seu caráter moderado e eurocêntrico.
Assim, a chegada do primeiro presidente africano era uma feliz
oportunidade para os geopolíticos instalados no governo fazerem alia­
dos no outro lado do Atlântico. Não foi acaso o fato de Senghor ter
visitado o Brasil acompanhado por grande número de assessores mili­
tares, como o chefe das Forças Armadas do Senegal, coronel Jean Alfred
Diallo. Lamentavelmente, nenhuma informação está disponível so­
bre os resultados das conversas do coronel Diallo com os militares
brasileiros.
O certo é que os militares brasileiros estavam muito interessados
no desenvolvimento de uma cooperaçãoxorrLQ.Senegal.que-incliLÍsse a
| defesa da linha vulnerável que unia Dacar a Natal. A cooperação traria
j mais confiança do Ocidente no Brasil. E no Brasil menos insegurança
com relação às ameaças dos “nacionalistas radicais” da Áfficã^Ttijeitos
à- “contaminação comunista”. A vontade de cooperação contra a ex­
pansão do comunismo na região atlântica foi explicitamente apresen­
tada pelo discurso de saudação de Castello Branco a Senghon-
Castello não poupou Senghor. Referindo-se ao problema colonial
na África, o primeiro presidente do ciclo militar brasileiro afirmou que
^ o Brasil defendia soluções pacíficas que trouxessem o diálogo. Mas
que o país se opunha, conforme o epíteto acima, “à mera mudança de
um estado de sujeição a outro, sob o pretexto de libertação”.-
Essa era a metáfora encontrada pelo presidente para evitar fazer
ataque direto ao comunismo e ao socialismo na África. Mas a mensa-2567

25 “ C o m u n ic a d o c o n ju n to B rasil - S e n e g a l” , Textos e declarações cie /wlítica externa, op.


c it., p . 87.
26 Id e m , p . 8 6 .
27 “ D is c u rs o d e s a u d a ç ã o d o p r e s id e n te C a ste llo B ra n c o a o p re s id e n te L c o p o ld S e n g h o r ” ,
Textos e declarações de política..., o p . c it., p. 2 5 .
108 O LUGAR DA ÁFRICA

gem era clara. Senglior respondeu afirmando a confiança que o Brasil


podia ter no papel de estabilização que o Senegal oferecia na região.
úo^ xk Acordos militares não foram, entretanto, assinados. Os dois acor-
-—Glõs assinados e publicados versaram sobre a cooperação comercial e
cultural. Elaborados pela Divisão da África, do Ministério das Rela­
ções Exteriores, os doirBÕcürnentos são os primeiros assinados pelo
governo de_1964 com governos africanos.
A presença~3e Senghor provocou alguma repercussãO-.aa_opinião
públicãT~Nas cidades visitadas - Rio de Janeiro, Salvador, Brasília e
São Paulo -, jornais locais e nacionais divulgaram a visita oficial do
primeiro mandatário africano ao solo brasileiro. Parte das manifesta­
ções mostrava os efeitos da política de aproximação empreendida pe­
los governos Quadros e Goulart. Esses governos haviam sido
responsáveis, ao trazer à cena interna as matérias internacionais, pela
ampliação de interesse da opinião pública por tais assuntos.
Outro presidente africano também visitou o Brasil no período
Castello-Brauc.o. Foi Maurice Yaméogo, presidente do Alto Volta, que
esteve em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Sua viagem, de dez
dias ao longo do mês de novembro de 1965, não despertou muita aten­
ção. Acompanhado da esposa c de alguns poucos assessores, a viagem
presidencial ocorreu sem muitas consequências relevantes."
I O período Castello Branco respeitou, também, a rotina diplomática.
J Embaixadas e consulados criados na África na época da política exter-
5 na independente foram mantidos e operaram regularmente, apesar das
novas ênfases. Para a Nigéria, Castello Branco despachou em 1964 o
embaixador José Oswaldo de Meira Penna. Era o segundo embaixador
brasileiro na Nigéria. O embaixador Chermont-Lisboa, representante
brasileiro em Dacar, no Senegal, apresentou credenciais junto ao go­
verno vizinho da Mauritânia, passando assim a responder também pela
representação diplomática brasileira junto àquele país.'
O Brasil também reconheceu o novo governo do Daomé, chefiado
por Sourou Migan Apithy, e do Congo-Brazaville, liderado por Alhon-
se Massemba-Débat, bem como o novo Estado independente do Ma-
lawi e de Zâmbia, em agosto e outubro de 1964, respectivamente. E*2930

"8 Id e m , p. 2 6 .
29 Relatório, 1 9 5 4 , p. 4 5 .
30 Relatório, 1 9 6 5 , p. 6 7 .
f 0

-y y y y y y - y y y y.o*'y~y y-y~ ^ 0 ‘
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 109

credenciais foram apresentadas em Brasília pelos novos embaixadores


de Gana e Senegal, príncipe Yao Boateng e Henri Pierre Senghor, em
julho de 1964. Em 1966, outras missões oficiais da África foram man­
dadas ao Brasil: a missão militar nigeriana liderada pelo general
Ogundipe, chefe das Forças Armadas, que estabeleceu contato com
seus correspondentes no Brasil e visitou a Escola Superior de Guerra,
e a missão comercial da África do Sul, liderada pelos ministros H.
Müller, das Relações Exteriores, e H. Kutzemberg, da Indústria.31

A diplomacia e o esforço de continuidade na África

As rotinas diplomáticas descritas foram manifestação de movi­


mento mais profundo. Embora as percepções geopolílicas emanadas
do Palácio do Planalto, do Conselho de Segurança Nacional e da Esco­
la Superior de Guerra tenham dominado a política africana do governo
Castello Branco, inquietante articulação da diplomacia civil manteve
presente certas percepções decorrentes da política externa independen­
te. Propunham alguns diplomatas a continuação da ofensiva diplomá­
tica para a África imciadã no govemtTjQuáüro^ e formiTTada
intelectualmente no governo Goulart.
Matéria ainda não analisada pelos estudiosos do período Castello

y
Branco, esse esforço de continuidade empreendido pelo MínisTeficTctas
Relações Exteriores, contudo, pode ser observado na documentação
oficial publicada. O profissionalismo, que já se firmara como tradição

-
na carreira, dera ao diplomata brasileiro uma visão menos ideologizada
e ocidentalista que aos generais formados na Escola Superior de Guer­
ra. Essa nuança permitiu certas fissuras no discurso geopolítico, refra-
tário à cooperação com o continente africano nos moldes originalmente
y
desenhados pelas vozes dissedenles, na segunda metade da década de
y

1950, e pela iniciativa de Quadros e Goulart, entre 1961 e março de


1964.
'~Yry-'Y '~ ) —v " T '

E evidente que o Itamaraty teve, no período Castello Branco, uma


linha dominante de diplomatas associados ao projeto do liberalismo,
da interdependência e do ocidentalismo exacerbado nas relações inter­
nacionais do Brasil. Para o próprio secreiário-gera 1 do ministério7~èm-

31
Relatório, 19 6 4 , p . 4 4 .
110 O LUGAR DA ÁFRICA

baixador Pio Corrêa, a perspectiva geopolítica adequava-se aos inte­


resses do Brasil na região atlântiça^O embaixador Meira Penna era
outro exemplo da dominância que a perspectiva ocidentalista e estra-
tégico-militar tinha na reformulação da política africana.
Além disso, a posição do Ministério das Relações Exteriores no
período era de subordinação a outras esferas do governo, como os pró­
prios ministérios militares. O poder de atuação com relativa autonomia
no governo estava tolhido pela própria forma da tomada do poder pe­
los vitoriosos de 1964. Outras esferas do processo decisório influenci­
adas pelos teóricos da Escola Superior de Guerra tinham maior peso
que a diplomacia profissional. O próprio ministro Juracv Magalhães
era o ícone das novas perspectivas impostas ao Itamaraty,
Mas isso não foi suficiente para se essquecerem as iniciativas dos
governos da política externa independente. Alguns diplomatas esta­
vam em desacordo com a linha geopolítica imposta à conduta do país
na região atlântica. Esses diplomatas, vinculados não só à Divisão da
África, mãslãmBeTn à Divisão de Cooperação Comercial do Itamaraty,
pretendiam continuar pensando no continente africano como parceiro
não só de manobras militares, mas também das negociações comerci­
ais e políticas iniciadas.porJámo-Quadcos. Defendiam, assim, a per-
manência da prioridade à África negra.
Esse corpo de diplomatas, liderado por Otávio Berenguer, chefe da
Divisão de Promoção Comercial, e outros como Rangel de Castro e
Wladimir Murtinho, que haviam passado pela Divisão da África, pre­
feria uma leitura menos ideológica e mais pragmática do lugar da
África para a política exterior do Brasil. Eles não fizeram alarde nem
se posicionaram contra as linhas dominantes no ministério. Tampouco
produziram qualquer crise objetiva entre as prioridades geopolíticas do
governo e suas ações como funcionários do Estado. Mas se esforçaram
pela realização de projetos de cooperação com o continente africano,
já no primeiro mês depois do golpe de 1964, que continuassem os ace-
I nós políticos que o Brasil iniciara em 1961. Entendiam esses diplomatas
, que era necessário dar consistência aos acenos políticos que fizeram
\ Quadros e Goulart. Essa era a origem da idéia, gestada na Divisão da
\ África, de que se realizasse uma missão comercial ao continente africano,
nos países da costa atlântica, objetivando ampliar a cooperação.'12
Pt lí
32
Relatório, 1 9 6 6 , p. 6 8 .

V —'---- , V
A DIMENSÃO GEOFOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA. AFRICANA • 1 1JL

1 1 ( - /- /i — '> Ca - ól.
G © -* ^ 1 po^uÇL. ^ A '
A prioridade à África negra, como ocorrera no período da políiica
;
externa independente, foi cautelosamente reapresentada por este grupo
de funcionários e admitida pelo ministério como uma hipótese interes­
sante a ser desenvolvida. A iniciativa para a África foi rearticulada de
forma mais ampla, como informa o próprio Relatório do Itamaraty de
1964. Previa-se o envolvimento dos demais ministérios, das agências
do governo e das empresas privadas interessadas no intercâmbio co­
mercial com o continente africano.33345
A liderança exercida pelo Itamaraty, na mobilização de apoio pú­
blico e privado para a continuação da política africana sob o ângulo da
cooperação, foi a característica mais importante da proposta encami­

H ií nhada no mês de abril de 1964._Articulou-se. então, a “primeira missão
m - comercial a ser mandada ao continente africano”, que teria o objetivo
1 » de abrir frentes para a efetiva cooperação das duas margens do Atlân­
!?"■i’fi tico em torno do desenvolvimento e da solidariedade política.'
Havia apreensão sobre as estatísticas do comércio do Brasil com a
África. Apesar do esforço da política externa independente na promo­
ção do comércio atlântico, a balança comercial com aquele continente
era desprezível quando comparada ao-total dabalança conVercitib- do
Brasil, õ pais exftòrlâVâ Céfdü seu'total para o continente
africano, e dele importava menos de 1%. Em 1964, as exportações to­
tais tinham sido em torno de 25 milhões de dólares contra 4 milhões
em importados da África.3'’
O objetivo precípuo da missão comercial proposta pela Divisão da
África era jlistaméiitê reverter a situação insignificante da presença
brasileira nas economias dos Estados recém-independentes da África.
Daí a criação, ainda em 1964, de grupo de estudos voltado para a pre­
paração da missão. Trabalhos previamente realizados, no período da
política externa independente, foram considerados e os dados reorga­
nizados. Havia a percepção no seio daquele grupo de diplomatas de
que era possível a ampliação dos intercâmbios com a Nigéria, Senegal,
Libéria, Camarões e Gana.
A Divisão da África realizou o levantamento inicial da possível
pauta de exportações para a África. Seriam, além dos produtos indus-

33 Relatório, 1964, p. 47.


34 Idem, ibidem.
35 Idcm, ibidem.
1 12 O LUGAR DA ÁFRICA

triais que o país começava a exportar, produtos piiniáiiostjaLs_£01Ilo


arroz, milho, mandioca, feijão e chá. Os importados seriam, principal­
mente, petróleo, alumínio, cobre, zinco e alguns produtos agrícolas
carentes iio Brasil. O mercado de 150 milhões de pessoas era a csti,.
mativa que se fazia dos novos mercados africanos.'
Convencido de que o sucesso da missão dependería do envolvi­
mento dos setores empresariais, o grupo de trabalho contactou empresas
privadas e governamentais que pudessem interessar-se pelos mercados
africanos. Duas grandes associações de empresas privadas envolve­
ram-se no projeto: a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e a
Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP). Depois, outras entidades
similares, como a Associação Nacional da Indústria, a Confederação
Nacional do Comércio e a Confederação Rural, também se agregaram
ao grupo de trabalho. Do setor público estiveram presentes a Petrobrás, a
Caccx, o Banco Central e o Ministério da Indústria e do Comércio.
O grupo de trabalho entendeu que a missão deveria visitar seis paí­
ses da África atlântica - Senegal, Libéria, Gana, Nigéria, Camarões e
Costa do Marfim - em período de cerca de quarenta dias, entre 3 de
maio e 20 de junho de 1965. O programa da visita foi encaminhado
aos diplomatas brasileiros encarregados, em cada um desses países, da
articulação com os governos locais e com as autoridades competentes.
A organização da missão à África atlântica loi notável. A Divisão
da África tratou de dar divulgação ao evento como fizera em 1961,
quando da viagem do navio-escola Custódio de Mello por todo o lito­
ral atlântico da África, visitando potenciais compradores de produtos
brasileiros. Outras áreas do governo, que receberam as informações da
missão, apresentaram-se ao longo do segundo semestre de 1964 e iní­
cio de 1965 para participarem do empreendimento. Foram incluídas na
programação organizações como a Comissão Executiva da Borracha, o
Instituto do Açúcar e do Álcool e o Instituto do Mate, ampliando para
cerca de vinte o número de representantes do setor privado envolvidos
. _ 38
na nussao.

36 Caccx, Banco do Brasil, Intercâmbio comercial, 1953-1976, vol. I. Esses valores e


percentuais foram inferidos por meio do cruzam ento dc dados dc várias parles do
volume.
37 Relatório, 1 9 6 4 , p. 4 6 .
38 Relatório, 1965, pp. 6 0 - 6 1 .

\J \ J tj© ^
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 1 13

A Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (CACEX),


importante seção na promoção do comércio internacional do país, ofe­
receu toda a base de informação e as listagens de firmas que poderíam
participar do esfoço da promoção comercial com o continente africano.
Entretanto, a grande tarefa de consolidação dos dados e o contato com
as empresas interessadas couberam ao grupo de diplomatas do Itama-
raty, especialmente àqueles da Divisão da África. Eles contactaram
cerca de cem empresas brasileiras que se beneficiariam com o comércio
direto com a África. Relacionaram duzentos produtos que teriam todas
as condições para serem exportados imediatamenle aos mercados afri­
canos.
Rangel de Castro, diplomata de carreira e subchefe da Divisão da
África, viajou três semanas antes da missão para preparar a recepção
dos colegas. Iniciou sua viagem em 12 de abril e só voltou ao Brasil
em 20 de junho de 1965. Descreveu seu périplo pela África negra
como uma experiência inesquecível e constatou possibilidades que
antes não imaginara as suas dimensões.
A missão oíicial foi chefiada por um diplomata mais graduado, o
ministro Mário Borges da Fonseca, vice-secretário-geral para Assuntos
Econômicos do Itamaraty. Segundo seus colegas e demais negociado­
res brasileiros, Borges da Fonseca coordenou as principais negocia­
ções com muito entusiamo. Sustentou perante os países visitados os
cinco objetivos que tinham sido previamente discutidos nos trabalhos
preparatórios.40 — ---------------------
O primeiro QbieIivo_era...Q-de{cQletar ..dados eeonnmirnÁ ^ 0ut-ros,
particu larmente onde o Brasil não tinha representagãodiplom átirai
para tornar eletivo o continente africano como um centro de abasteci­
mento de produtos industriais do Brasil. O segundo era o de estudar
quais as reais possibilidades de intercâmbio comercial através do
Atlântico. O terceiro era a promoção dos contatos diretos entre expor­
tadores brasileiros, homens de governo e grupos formadores de opini­
ão pública que pudessem estimular o diálogo entre o Brasil e os países
africanos. O quarto era a divulgação das informações sobre os produ­
tos brasileiros aptos a imediata comercialização nos mercados africa-

39 Idem, pp. 6 - 62.

<l . r tA
R

114 O LUGAR DA ÁFRICA

nos. O quinto era a verificação das possibilidades de estabelecimento,


em solo africano, de sucursais de empresas brasileiras que pudessem
atuar de forma mais eficaz no mercado africano. Pensou-se este último
objetivo especialmente para a Nigéria, onde já se imaginava a organi­
zação de uma exposição de produtos brasileiros.
A missão de 1965 tentava aproveitar duas conjunturas bastante fa­
voráveis à presença comercial brasileira. Em primeiro lugar, havia
certa euforia econômica nos países africanos recém-independentes,
que viam seus níveis de intercâmbio internacional aumentarem grada­
tivamente naqueles anos. Em segundo lugar, esse aumento era acom­
panhado por relativo decréscimo na participação das ex-metrópoles
nõil^cãdT tsT T ncãíT õsr^ participação "do keinÕ Unido e da FrançiT
havia caído de 80% em 1953 para aproximadamente 60% em \9ET.
Enquanto isso, a participação dos Estados Unidos, de outros membros
do Mercado Europeu e do Japão, além dos países socialistas, havia
aumentado substancialmente os níveis de.comércio das novas nações
independentes na África. Essas eram duas oportunidades muito espe-
ciais para a atuação do Brasil.
Dificuldades ocorreram durante a missão. Havia algumas ilusões
dentre os negociadores brasileiros, e talvez certa ingenuidade da di­
plomacia, que entendiam que os africanos se abriríam naturalmente ao
Brasil. As limitações apareceram nas primeiras negociações. A primei-
fts e ? N ra delas advinha da natureza pouco complementar da economia ajnca-
C Q - A f jy U ^ -^ ^ n â vis-à-vis à brasileira. Ambas as economias exportavam produtos
C\muilo similares, apesar das possibilidades de exportação de bens in­
dustriais muito mais sofisticados que o Brasil produzia.
A segunda dificuldade era causada pelo caráter oligopolístico da
estrutura de importação dos países africanos. Existia uma série dé
privilégios come~rciaTs~‘âüe se mantinha no período-pós-colonial. Havia
considerável número de empresas das ex-metrópoles que dominavam
o comércio e a distribuição de produtos industriais na África. Essas
tinham uma rede eficiente de distribuição que o Brasil demoraria
43
muito a montar.4123

41 Idem, pp. 64 - 65.


42 “Missão com ercial brasileira à África Subsaárica", Textos e declarações de política
externa, op. cit., p. 131. Idem, p. 124.
43 Idem, p. 124.
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 115

Em terceiro lugar, os dezoito membros afiliados africanos do Mer­


cado Comum Europeu tomavam difícil a presença de parceiros eco­
nômicos não-europeus no continente. O sistema de comércio
prefencial entre a Europa e a África, graças às isenções de impostos de
importação-exportação, tomava os produtos industriais europeus mais
atrativos na África que os brasileiros-O em blem a dessã~ãssõclãçlõ~
era, no caso britânico, a Commonwealth.
A quarta dificuldade apontada pela missão brasileira de 1965 esta­
va vinculada à baixa capacidade de compra dos países africanos. Saí­
dos de lutas~de~libertação, endividados, esses países tinham uma
debilidade financeira enorme. FaltavãnTrecursos partTãs importações.
Alértir~gisso, exisliam fortes controles sobre as taxas aduaneiras de
forma a proteger os mercados internos
A concorrência já estava estabelecida, na África, com a chegada
dos produtos e empresas do bloco socialista e do Japão. Este último
aumentava assustadoramente sua presença nos mercados africanos. No
caso da Nigéria, a missão brasileira de 1965 notara que cerca de 13%
de suas importações eram de origem japonesa, tornando o Japão o se­
gundo maior parceiro comercial da Nigéria denois do Reino 1Inidn 44
Apesar dessas dificuldades, a diplomacia considerou a missão de
1965 extremamente satisfatória. Ela evidenciou as potencialidades que
a aproximação civil e comercial com a África podia trazer. Para os di­
plomatas da Divisão da África do Itamaraty, aquela era a melhor forma
de atingir o continente, e não a perspectiva geopolítica, que mantinha
desconfiança da “ameaça comunista”.
Para os jovens diplomatas da Divisão da África, e para alguns di­
plomatas que ocupavam posições mais altas na hierarquia do ministé­
rio, o saldo positivo das negociações da missão à África negra
atlântica mostrara que era possível a junção dos interesses do Estado
com os privados na empresa da ampliação dos espaços da influência
brasileira. Essa era a melhor estratégia de defesa dos valores ociden­
tais. Mercados como o da Nigéria, com seus 55 milhões de habitantes
e uma capacidade de importação da ordem de seiscentos milhões de
dólares, não poderíam ser subestimados. A Nigéria já oferecia a pos-*

44
Idcm, p. 126.
1 16 O LUGAR DA ÁFRICA

sibilidade de trocar o seu petróleo por produtos mais sofisticados pro­


duzidos no Brasil.
O Senegalc os Camarões apareceram também, aos olhos dos ne-
gociadores díTmissão de 1965, como parceiros naturais. Ambos po­
deríam iniciar imediatamente a exportação de alumínio e cálcio para o
Brasil.
Em termos concretos, os acordos comerciais (oram assinados com
a Libéria e os Camarões durante a missão. Outros foram propostos
para a Nigéria c a Costa do Marfim. Mais de meio milhão de dólares
foi vendido em produtos brasileiros durante a viagem, e cerca de dõís
milhões de dólares seriam negociados nos anos seguintes como resul­
tado desta missão.
Os produtos brasileiros mais comprados pelos africanos foram
roupas de algodão, sapatos, enlatados, bens elétricos e alguns produtos
agrícolas, como arroz e óleos vegetais. O Brasil manifestou interesse
na compra imediata de produtos, tais como petióleo, alumínio,.carvão
e cálcio. 1
Finaímente, se o Itamaraty encontrara alguma autonomia para con­
tinuar a aproximação do Brasil à África negra, a ênfase do governo
militar era por uma política para a África via Portugal. A missão co­
mercial à África negra correspondería outra para Angola, Moçambique
e África do Sul no ano seguinte.
, T t / T - 7

'C&- :SZ I«
C o m u n i d a d e luso-brasileira ou afro-luso-brasileira?

Castello Branco argumentava que a política externa do Brasil para


a África deveria levar em conta a “afeição” por Portugal. A solução
seria a formação gradual de uma comunidade luso-uho-biasileira.
Qual a diferença desta em relação à idealizada na década de 1950,
pelo Tratado de Consulta e Amizade Brasil-Porlugal?
Golbery do Couto e Silva, que se tornara chefe cio novo Serviço
Nacional de informações, e um dos principais conselheiros do gover­
no, af irmava que o Brasil tinha “quatro janelas para o mundo . A pri-456

45 Idcm, pp. 125-127.


46 Idcm, p. 128.
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 117

meira das janelas era a luso-brasilcira. As outras três eram a latina, a


católica e a defesa do Ocidente contra o “comunismo imperialista” .47
Para Golbery do Couto e Silva, as colônias portuguesas na África
deveríam estar incluídas na primeira janela. Disse que aquelas colôni­
as, embora de responsabilidade portuguesa, deveríam ser preparadas
para uma eventual ascendência brasileira na região. O Brasil, mais
cedo ou mais tarde, deveria “reconhecer e assumir” essa tarefa.48
O embaixador Meira Penna, nomeado embaixador em Lagos por
Castello Branco, afirmava que “se o Brasil estava ligado historicamen­
te à África, essas ligações eram essencialmente portuguesas”.49 Res­
suscitavam-se, assim, as velhas idéias consubstanciadas na diplomacia
de Kubitschek sobre o papel de Portugal na África. Mas havería, ago­
ra, novos desdobramentos e novos sentidos para a Comunidade Luso-
Brasileira. ... «_— ,
O entendimento dos gestores do Estado era o da superação dos
limites que impediam o acesso brasileiro a tais colônias, anteriormente
proibido pelas Notas Interpretativas, adendo secreto ao Tratado de
1953. No lugar da Comunidade Luso-Brasileira emergia a noção de
Comunidade Luso-Afro-Brasileira.
Sc nao havia uma política consistente para a África como um todo,
emanada do Palácio do Planalto, e apesar dos esforços envidados pela
diplomacia para a África negra, o primeiro governo militar tentou criar
uma política especial em direção a região austral do continente africa­
no. Em certo sentido, os pólos de atração foram deslocados da política
de solidariedade com a África negra para o diálogo separado com a
Republica da Áliica do Sul e com os interesses portugueses na região.
O sinal de que Portugal voltava a ser referência capital na política
africana do Brasil foi gerado pelo próprio presidente Castello Branco
em conlerência de imprensa em outubro de 1964. Ele sintetizou a po­
sição brasileira em relaçao à política externa portuguesa nos seguintes
termos:

O Biasil, ao ratificar sua posição na questão da autodeterminação,


sublinhaiá sua convicção que portugal saberá como solucionar seus

47 Ver Relatório de 1966.


Golbery do Couto e Silva, Geopolfiica cio Brasil, op. cit., pp. 200 - 203 Idem p 201
49 Idcm, p. 201.
118 O LUGAR DA ÁFRICA

problem as no espírito das suas tradições históricas... A confiança do


B rasil na missão c iviliz a tó ria de Portugal deriva da... história.

A “missão civilizatória” de Portugal era invocada por Castello


Branco para reconhecer que a política externa para a África tinha dois
grandes campos: o da África independente e o da região cuja presença
portuguesa ainda implicava a permanência de laços coloniais. A geo-
política cuidava do primeiro campo e a história comum que unia o
Brasil a Portugal cuidava do segundo.
Mas havia ainda um terceiro campo, dedicado à África do Sul, que
compunha, com Portugal, a relação triangular tão cara aos geopolíticos
brasileiros. Nesse caso, o Atlântico aparecia como espaço adequado
para a construção de uma aliança política entre as três capitais “livres”
e ocidentais (Brasília-Lisboa-Pretória) contra a ameaça da presença
comunista nas demais nações africanas da África negra.
Essa formulação, de acordo com as regras da política de segurança
global no Atlântico, foi apresentada pelo general Golbery do Couto e
Silva e pelo embaixador Meira Penna. Eles argumentavam que as
“províncias do Ultramar” português seriam ancoradouros naturais e
bases de operações para a triangulação que se fariam no Atlântico. E
isso se faria no marco de uma comunidade especialmente criada, com
vantagens mútuas, a partir de Portugal, passando pelo Brasil e envol­
vendo Angola, Moçambique, Cabo Verde. G n in p .-R is s n n p. São Tome e
Príncipe. Propunha-se uma verdadeira comunidade afro-luso-brasileirà
que tena a dimensão da China e uma população ncimrrdns l?(j milhões
de habitantes e localizada em três continentes. O novo marco traria,
.segundo os geopolíticos, importante incremento de poder para o Brasil.5051
\ No epicentro dessa Verdadeira comnwnwcahh da língua portugue­
sa, Castello Branco propunha um espaço especial para o Brasil. O país
seria © mediador entre Portugal e as “províncias” africanas, como tinha
sido antes sugerido pelo govermTnorie-americano a Jpãó <^o»í*art Prtna.
a responsabilidade da mediação7o~Brasil assumia seu lugar de líder
natural no processo, como disse Castello Branco, de “formação gra­
dual de uma comunidade afro-luso-brasileira”.52

50 J. O. de Meira Penna, op. cil., p. 146.


51 Discurso do presidente Castello Branco; apud James Brcwer, “ Brazil and África”,
África Repor!, 5, maio 1965, p. 28. Ver também Textos e declarações .... op. cit., p. 35.
5" Wayne Selcher, op. cit., p. 120; J. O. de Meira Penna, op. cil., pp. 150-151.
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 11 9

XEssas formulações não ficaram à deriva. As visitas ao Brasil do


ministro Alberto Franco Nogueira, chanceler de Salazar, em junho de
1965 e setembro de^9&6~TnõsTrávam"algunia movimentação do lado
gõrtúguês. A ampliação do~Tratado de 1953 por vários novos acordos,
assinados nesse mesmo período, evidenciava o nível de concertação
entre as duas políticas exteriores. '
A essas movimentações correspondiam outras, na direção da África
do Sul, onde o Brasil procurava associar a idéia da revitalização da co­
munidade de expressão portuguesa à dimensão estratégica-daq.uek_país
no contexto atlântico. Para os estrategistas brasileiros, a África do Sul
era parceiro confiável, na fronteira das duas principais “províncias ul-
tramarinas” portugueas na África Austral, e pró-ocidental. Nesse inter-
regno, fez-se uma missão militar e comercial brasileira visitar a África
do Sul, Angola e Moçambique em outubro de 1966, para avaliar as arti­
culações que se fariam na eventual saída de Portugal daquelas colônias.
Essas articulações não passaram despercebidas por setores da soci­
edade brasileira interessados na política exterior do país. Vozes vincula­
das às visões solidárias de independência das colônias portuguesas
geradas no período da política externa independente e críticos da tole­
rância dõ novo governo em relação ao sistema de segregação racial na
África do Sul não se calaram. O jornal Correio cia Manhã, por meio de
um de seus mais ativos colaboradores, o jornalista Amilcar Alencastre,
prevenia a sociedade e o governo Castello Branco dos riscos de uma
política pró-Portugal e pró-África do Sul. Ele expunha a seus .leitores o
receio da perda de apoio para o Brasil nos foros internacionais, por
suas posições quase isoladas de apoio a Portugal, e à África do Sul.
Para Alencastre, o Brasil já havia perdido o respeito de “cerca de„cin-
qiienta nações afro-asiáticas”."
Outras instituições, que tinham se envolvido ativamente nas rela-
ções solidárias com a África negra nos anos prévios, como o Instituto
Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos (1BEAA), afirmavam que o Brasil
estava arriscando suas conquistas anteriores no relacionamento com os
países africanos. A opção pela política pró-Portugal era apontada
como “desastrada”.5453

53 Ver artigos de Amilcar Alencastre na sua coluna do Correio (Ia Manliã, fevereiro de
1965, bem como James Brewer, op. cit., p. 27.
54 James Brewer, op. cit., p. 27.
120 O LUGAR DA ÁFRICA

Nessa mesma linha crítica apresentou-se a revista Realidade, cria­


da em abril de 1966, dois anos depois do golpe, e que também incluiu
em suas matérias o tema da política pró-Portugal do governo Castello
Branco. Logo no primeiro número da revista, seu editor, Mino Carta,
chamava a atenção para os equívocos da política africana do Brasil. O
segundo número teve como uma de suas matérias centrais o processo
de independência na África.55 No número de outubro de 1967, Mino
Carta fez frente ao discurso da lusofilia. Preparou uma matéria espe­
cial para mostrar o racismo brasileiro e suas raízes na colonização
portuguesa do Brasil.56
Em 1966, Mino Carta mandou para a África os repórteres e fotó­
grafos Antônio Climati, Franco Prosperi e Gualtiero Jacoppetti para
registrar, em fotos e textos exclusivos, os desafios da construção polí­
tica do novo continente. Em matérias sensacionais que foram lidas e
comentadas em todo o país, a revista mantinha acesa a chama da soli­
dariedade ao continente e às suas lutas de libertação.
Na matéria intitulada “África cruel”, a revista descreveu o nasci­
mento das novas nações e seus sonhos de liberdade. E mostrava a re­
portagem a instabilidade política e as dificuldades econômicas do
continente. Ao contrário dos geopolíticos e do discurso lusofílico das
autoridades governamentais, seus autores convidavam o Brasil a par­
ticipar daquele desafio pela via da cooperação, da ajuda c de uma di­
plomacia ativa. Era um outro discurso, um outro enfoque, muito
diferente daquele gerado nos gabinetes do Palácio do Planalto e da
Escola Superior de Guerra.
Um dos ilustres entrevistados pela Realidade veio a ser o ex-
embaixador do Brasil em Gana, Raymundo de Souza Dantas. Criticou
abertamente o enfoque geopolítico dominante no governo Castello
Branco e se referiu ao preconceito racial dominante no Brasil como
algo abominável que tinha que ser superado.'
Apesar dessas críticas na imprensa, o período referido .foi caracte­
rizado pela censura às opiniões dissonantes, inclusive na área da polí-*368

55 “África cruel”, Realidade, 2 dc maio dc 1966, pp. 63 -70.


36 “Começo dc conversa. Nosso tema não c o preconceito, mas a fraternidade”, Reali­
dade, outubro, 1967, pp. 21-59.
57 Realidade, 2 de maio de 1966, p. 63.
38 Realidade, outubro 1967, p. 52.
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 121

tica externa. Eram anos difíceis para a sociedade como um todo e para
as manifestações de posições contrárias ao regime político instalado
com o golpe de 1964. Sobressaíram-se, no caso da África, o enfoque
oferecido pela revista Realidade e a coragem da crítica do ex-
embaixador.
O mesmo se diria da redução das discussões sobre a política exte­
rior do Brasil no Congresso Nacional. Depois de toda a efervescência
discursiva e dos debates acalorados do início da década, o silêncio im­
perou no Congresso Nacional. A leitura das fontes parlamentares
mostra a falta de estímulo para o acompanhamento dos assuntos tnter-
nacionais do país, mormente daqueles temas que tanto se associavam
às iniciativas desenvolvidas, antes, pela poh4icaj5xteoíãÁndep^
As poucas vozes que sé ouviram no Congresso foram a favor das
novas inclinações políticas do governo Castello Branco. O deputado
Padre Nobre, da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), o partido do
poder, defendeu a política de desconfiança do governo em relação às
independências africanas e reafirmou sua convicção de que a presença
brasileira na África deveria-ser pela via portuguesa. Elogiando a II
Conferência da Comunidade Cultural Portuguesa, organizada pelo
Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal em agosto de
1967, o deputado chegou a dizer que tais iniciativas vinham fortalecer
“os desenvolvimentos da Comunidade Luso-Brasiíeira”.'’9
A mais contundente defesa no Congresso Nacional da Comunida­
de Luso-Brasileira, nos moldes pensados por Castello Branco e seu
grupo de geopolíticos, foi apresentada pelo deputado Ivan Luz, cinco
meses depois do golpe de 1964. O deputado governista disse que, com
relação ao tema de Portugal e suas “províncias ultramarinas”, o Brasil
retornava, depois do lamentável “período de distorções” do governo
João Goulart, ao seu ponto exato. E disse ainda que a nova política
de Castello resgatava o respeito às tradições históricas que uniam ò
Brasil àquele “glorioso país”. Tais tradições, para o ilustre deputado,
tinham sido abandonadas por Jânio Quadros e João Goulart.
E evidente que essas declarações refletiram não somente a atitude
pessoal do deputado Luz e de seu grupo político em relação à política 5960

59 Realidade, oulubro 1967, p. 52.


60 Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, 1967 (I), sessão de 18 de
agosto dc 1967, p. 4.565.
122 O LUGAR DA ÁFRICA

externa independente. Os velhos argumentos lusofílicos, analisados


nos capítulos anteriores, serviam a novos propósitos. Citando Luís de
Camões-,-o congressista Ivan Luz alirmou que a cultura portuguesa
produzira, em todos os lugares do mundo, e inchjsjve na África,
“harmonia e paz”.61 ~~~ ~~~---- -----
/ * A missão de Portugal na África foi também elogiada por outro
congressistacõniervador, Anísio RocfTa. em agosto de IQÔ5 Comen-
tava o deputado as sugestões encaminhadasmelo minjstm das Rela­
ções Exteriores de Portugal, Franco Nogueira, acerca da qffpggiHnHp
de. ampliação dos objetivos do Tratado de Amizade e Consulta de
1953j Ao reiterar as contribuições das percepções geopolíticas e ao
desfiar o argumento de que “interesses sino-soviéticos estavam lutan­
do para controlar o continente africano,6'1 Anísio Rocha declarou no
plenário que a unica saída para a tranquilidade brasileira e portuguesa
seria: um acordo político que criasse uma comunidade luso-afro-
brasileira. ---- ^
Parte do apoio brasileiro a Portugal deve ser entendida, assim,
como uma herança das idéias do lusotropicalismo já abordado. Mas
outra, niais.atualizada aos objetivos geopolític.os pós-1964, associava o
[egaclo às percepções geopolíticas e anticomunistas. Mas ninHp hnvin
uma terceira explicação, mais pragmática. Portugal era considerado^
um instrumento seguro para a constituição de vantagens econômicas_
paia o Brasil, que as regras do jogo colonial ainda permitiam, na
eventualidade da formação de uma comunidade afro-luso-brasileira.
Naturalmente, a dimensão econômica da imaginada comunidade
não pode ser subestimada. A descoberta de grandes reservas de petró­
leo em Angola e as novas linhas marítimas que uniam Lourenço Mar­
ques (Moçambique), Luanda (Angola) e o Rio de Janeiro pelo Lloyd
Brasileito encorajavam a idéia do acordo político. Além disso, a per­
manência da África do Sul como a grande parceira brasileira na África
e as rotas de comércio existentes para a região austral do continente

Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, 1967 (I), sessão de 24 de


setembro de 1964, p. 8.093.
Idcm, ibidem.
Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, 1966 (I), sessão de 27 de
agosto dc 1966, p. 6.933.
6-1 Idem, ibidem.
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 1 23

africano facilitariam a gradativa aproximação brasileira às colônias


portuguesas localizadas naquela mesma região meridional do conti­
nente.
Isso explica por que o diálogo com Portugal em loino das suas
colônias africanas foi sempre acompanhado de igual articulação com a
África do Sul. Por exemplo, ao mesmo tempo que o Brasil votava nas
Nações Unidas a favor da permanência de Portugal na África, contra
todas as tendências de votos da maioria dos países na assembléia-geral
e nos comitês, o país recebia ministros sul-africanos e ensaiava a
construção de verdadeiro eixo político entre as três capitais, Lisboa,
Brasília e PretóríaT”
" No fundo, a lógica de combate ao comunismo que afastava o
Brasil da África negra aproximava o Brasil da Álrica do Sul. Os rumo­
res de acordos de defesa no Atlântico, liderados pelo Brasil e pela
África do Sul, estiveram presentes no governo Castello Branco, Costa
e Silva (1967-1969) e até mesmo na década de 1980.
O retorno das idéias da política externa independente em 1967, as
novas inclinações globalistas do Brasil no linal da década de 1960, a
política de diversificação dejqarceiros dos anos 1970 e o reiprgo_da
pragmatismcTJriam erodir a idéia de uma comunidade lnso-afco-
brasileira. O novo tempo seria o da reafirmação da políupa-africana do
Brasil, agora sem Portugal, a partir da segunda melada da década de_
1970.
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QUARTO CAPÍTULO
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA
(1967-1979)

Enfim, nas condições que o Brasil viveu


durante o regime autoritário, o reconhecimento
de Angola, feito sob duras dificuldades,
sobressai como o gesto mais desassombrado
da política externa brasileira em todos os
tempos.

Trecho do depoimento “O reconhecimento de


Angola pelo Brasil em 1975”, do embaixador
Ovidio de Andrade Melo, representante especial
do Brasil perante o governo de transição em
Angola e embaixador especial do Brasil para
as festividades da Independência, em 1 1 de
novembro de 1975.

Costa e Silva, que havia sido ministro do Exército no governo


Castello Branco, tomou-se o segundo presidente militar depois do gol­
pe de 1964. Governou de 1967 a 1969 em momento de redefinições
políticas internas e internacionais. Seu período presidencial seria co­
nhecido pelo início do êxito da mais longa e coerente experiência ex­
terior do Brasil contemporâneo.1
A política africana foi também redefinida. Novo lugar para a Áfri­
ca na política exterior brasileira seria encontrado no conjunto de op­
ções que o país leve que construir cm face do contexto internacional
que passava por grandes modificações. O declínio gradual do enfoque

1 Amado Luiz Cervo, “Relações Internacionais do Brasil" em Amado L. Ccrvo (org.), O


desafio internacional. A política exterior do Brasil de 1930 a nossos dias. Brasília,
Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 42. Para uma visão geral das tendências da
política exterior do Brasil de 1967 a 1979 ver Amado L. Cervo e Clodoaldo Bueno,
História da política exterior do Brasil. São Paulo, Atica, 1992, pp. 358-385.
126 O LUGAR DA ÁFRICA

Q, \ ©-
TrVi>-Ê><xTroq>_ _ \i
geopolítico para a região atlântica e o início de longo ciclo de inflexão
para o continente africano marcaram a atuação do segundo presidente
da chamada “Revolução de 1964”.
Costa e Silva tomou-se presidente sem o apoio de Castello Branco
e de parte do alto oficialato da Escola Superior de Guerra. A mudança
da faixa presidencial foi apontada na época como um golpe dentro do
golpe. QjKmj-pre&klenie identfikaya-se com a linha-dura nacionalista
dos_ofiçiais_jj a Escola Superior de Aperfeiçoamento de~~Qficiai;P
(ESAO), Esses oficiais combinavam as demandas de maior centraliza­
ção política e repressão interna com fortes rrftiras no mnHHn Hp
desnacionalização” empreendido pelo governo Castello Branco.
Costa e Silva apresentou-se como a~o~pção viável para ã~rnãtmténcÍ5~
do Estado autoritário e dos investimentos internacionais, mas~dè~nrn?T
111aneIEL menos liberal e mais voltada para a proteção das “aspirnçfipE_
nacionais pelo desenvolvimento”.^ ^
A diplomacia da prosperidade”, como foi cunhada a política ex­
terior do segundo governo militar, reorientou-se para os temas da eco­
nomia, do desenvolvimento, e particulamente para o crescimento
industrial induzido e organizado pelo Estado. Essa opção, que tinha
__ sua matriz na Era Vargas, implicava a redefinição~do alinhamento-
cpiasc automático aos Estados Unidos - defendido no governo Castello
Branco a crítica à ordem internacional marcada pela hegemonia de
dois blocos hegemônicos e, principalmente, a flexibilização diplomáti-
ca e a busca de novos parceiros internacionais. Em outras palavras, a
diplomacia"aa prosperidade deu ao Esiacfo~ãutoritário objetivos de
\ Política exterior muito semelhantes aos da política externa indèpêrõ
dente do início dos anos 1960.3 . —
O Itamaiaty tomou-se condutor dos objetivos da diplomacia da
ptosperidade. O ministério, com o endosso da área militar instalada no
Palácio do Planalto, iniciou ofensiva discursiva e prática contra o sta-

Momz Bandeira, Brasil-Esiadns Unidos. 4 rivalidade emergente (1950-1988). Rio de


Janeiro, Civilização Brasileira, 1989, pp. 156-157.
Carlos Estevam Martins, “A evolução da política brasileira na década 64/74”, Estudos
CEBRAP, abril, maio c junho, 1975. pp. 67-77; Andrcw Huncl, The Quest fo r Auton-
omy: The Evohnion o f BraziTs Role ia tlie International System, 1964-1985, lese
de doutorado. O xford, Universidade dc Oxford, 1986, p. 118; Moniz Bandeira op.
cit., p. 169.
z'

OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 127


d{

tus cjuo da balança de poder mundial que colocava os Estados Unidos


e a União Soviética no mesmo patamar.
As reações brasileiras contra o controle da tecnologia nuclear por
número restrito de países, em favor da política de dctente e da amplia­
ção de oportunidades de desenvolvimento nacional para países como o
Brasil, foram claras manifestações da reorientação da política exterior
do Brasil. É evidente que tais modificações expressavam .as percep-
ções luasikkas. arprra de um mundo que não era mais o mesmo do
início da década, que mudava rapidamente com a gestaçau dc nuv^s
conflitos como o Norte-Sul~e com o surgimento de novos núcleos in-
ternacionais de poder na Europa Ocidental e na Asia.
O ministro das Relações Exteriores de Costa e Silva, Magalhães
Pinto, ao contrário do seu antecessor Juracy Magalhães, estava longe
da afirmação de que “o que era bom para os Estados Unidos eia tam­
bém bom para o Brasil”.4 Ao contrário, o_Brasil iniciavajma^sçalada
para a ampliação de mercados, e buscava novas paiceiias na Euiopa
Ocidental e no Japão, bem como lutava pelo incremento da cooperação
com países em desenvolvimento. Era o início do movimento de diver­
sificação de opções que levaria o Brasil, nas décadas de 1970 e 1980,
a ampliar consideravelmente sua inserção internacional.
Esse capítulo procura abordar o novo lugar da Álrica no contexto
que se descortinou no final da década de 1960. Muitos analistas dessa
variante brasileira para a África atribuíram-na a lamosa viagem do
ministro Gibson Barboza em 1972. Para eles, reiniciava-se a política
africana na viagem realizada pelo ministro. Essa afirmação,-no entan­
to, é parcialmente verdadeira. A viagem de Gibson Baiboza, ministro
das Relações Exteriores do governo G arrastazu M édici.J(njTj^n^ito
de uma receita que vinha sendo aviada antes, no final da década de
1960. “ f i .
A m issã o comercial para a Álrica de 1965 ioi o ponto de pailida,
embora houvesse um contexto pouco favorável a coopeiação com aquele
continente. Além disso, o lumiiig point da política exteina paia a Alii-
ca foi o mesmo que permitiu a abertura de novos espaços para o pro­
cesso de diversificação que adquirira força já no governo Costa e Silva.
\ ^ 4 S '. M;
4 Juracy Magalhães, Minha experiência diplomática. Rio <Je Janeiro, José Olympio,
1971, p. 176.
128 O LUGAR DA ÁFRICA

'o ) y S h -p y O * * '
Os anos dourados da política africana do Brasil (1967 a 1979) re­
presentaram um capítulo espetacular na reinserção internacional do
Brasil no mundo confuso do final da década de 1960 e toda a década
de 1970. A_di mensão atlântica.da_polÍLÍca-externa hrnsileir.a-.teve. cinco
características que ora^erão-gnalisadas.
Inicialmente, ela (viabilizou) o projeto do nacional-desenvolvimen-
tismo (expansao capitalista e modernização econômica organizada,
pelo Estado) quando aquiesceu à agressiva estratégia internacional
para os países fronteiriços do Atlântico. Em segundo lugar, a política
africana do Brasil foi alimentada pela busca de novos mercados e su­
primento de petróleo africano.
A terceira característica foi provocada pelo redirecionamento das
percepções geopolíticas do primeiro governo depois do golpe de 1964.
Tratou-se de manter a influência brasileira no Atlântico por meios
econômicos e por uma política pacífica, sem a interferência direta de
poderes externos e sem os pactos de segurança coletivos - precioso
compêndio ao Atlântico Norte. 'v J
Em quarto lugar, a política africana reiterou algumas das ilusões
confeccionadas pelo discurso çulturalista que havia acompanhado a
política externa independente no início dos anos 1960. Novos usos e
sentidos foram atribuídos à matriz discursiva fundada pelos ideólogos
e atores protagonistas no relacionamento com a África em períodos
anteriores. Essa é uma intrigante continuidade da política africana do
Brasil ao longo de todas essas décadas.
Finalmente, a nova política africana colocou uma pedra sobre a
comunidade afro-íuso-bfasileira. O Brasil tratou de construir laços pre­
ferenciais com as nações que se independizavam de Portugal, sem os
embaraços tradicionais dos princípios de amizade e dos tratados vincu-
Jatórios entre as duas políticas exteriores. Novas parcerias eram cons­
truídas com Angola, em especial, e que dispensavam a intermediação
portuguesa. O reconhecimento precoce da independência angolana, em
1975, foi momento dramático das novas definições brasileiras para a
região austral do continente africano.

A outra margem do Atlântico: o pragmatismo e o retorno à África

O declínio da percepção geopolítica para o Atlântico e o redimen­


sionamento da política africana foram as primeiras conseqüências da
O 0 r \ C .--íw ^C ^O N W - V'\
OS ANOS DOLlàíADOS DA POLÍTICA AFR ICANA 129

c\ q T \ a í / \ ^
mudança de governo em 1967. A mudança foi postulada pelo chance­
ler Magalhães Pinto em discurso sobre a discriminação racial na Áfri-
ca do Sul e no mundo. Em março de 1968r73êcTãnmt~õ ministro que o
problema da discriminação era. incompreensívef para a sociedade
brasileira e que o seu governo defendia todos os esforços que fossem
necessários à luta contra discriminação racial na África.5
A ruptura do discurso era clara. O presidente Castello Branco e seu
chancelerjamais.se expressaram dessa forma acerca, dos assuntos-afrir
canos. Mas a prática não mudaria com a mesma intensidade do discur­
so. As ações, resultantes das nascentes percepções do novo lugan_da_
África, seriam gradualmente implementadas. No período Costa e Sil­
va, o Brasil ainda votou, ao lado de Portugal e da África do Sul, contra
resoluções das Nações Unidas que condenavam todo tipo de colonia­
lismo. Esse fato, ocorrido em novembro de 1968, acompanhou a ratifi­
cação dos acordos de cooperação com Portugal e o voto favorável a
Portugal na Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos de Teerã.
No mesmo período. Costa e Silva presenciou a crescente impor­
tância da África 11a estrutura administrativa do Ministério das Rela­
ções Exteriores. Em outubro de 1967, a Divisão da África, que se
vinculava à Subsecretaria-Geral para Europa Oriental, foi desvincula­
da desta e incluída numa recém-criada subsecretária dedicada à África
e ao Oriente Médio.6 O posto de subsecretário, criado em 19 de outu­
bro de 1967, teria a função de “seguir a evolução política do continen­
te africano tanto na esfera doméstica quanto na internacional”, nos
termos do Relatório de 1967.78
Mas foi no período Garraslazu Médici (outubro de 1969 a março
de 1974) que as modificações da política africana se tornaram mais
sentidas. O terceiro presidente do ciclo militar testemunhou e fomen­
tou transformações substanciais 11a estrutura do Estado e na vida eco­
nômica do Brasil. Recrudesceu-se o poder em mãos da alta burocracia
do governo e das empresas estatais.s O nacionalismo autoritário, repre-

3 Documentos cie Política Externa, 3, 1967/1968, p. 79.


6 Relatório, 1967, p. 91.
7 Idem, ibidcm.
8 A importância da alta burguesia no novo esquenta dc poder pode ser vista em Carlos
Estevam Martins, op. cit. A relevância das empresas estatais do projeto do nacional-
descnvolvimcniismo foi examinada por Sérgio Abranchcs, “Empresa estatal e capita-
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130 O LUGAR DA ÁFRICA „ ~ s (\

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sentado pelo próprio presidente, redefiniu o conceito de segurança


nacional para dar ênfase ao interesse nacional, mais que ao continental
e ao ocidental. Em outras palavras, os temas da segurança subordina­
ram-se aos do desen /olvimento.9
O mesmo padrão de desenvolvimento do período Médici pôde ser
observado no governo liderado pelo general Ernesto Geisel (março de
1974 a março de 1979), embora o quarto governo militar tenha tido
que revisar aspectos do modelo econômico de crescimento desenfrea­
do e de crescente endividamento externo dos anos do milagre econô­
mico. A estratégia de desenvolvimento baseado no endividamento
mostrou suas primeiras vulnerabilidades.
De qualquer forma, os fundamentos do Estado autoritário foram
mantidos no governo Geisel. E ambos os governos - Garrastazu e
Geisel - manifestaram determjnação na condução de.uma políricn py-
tema voltada para a redução do grau de dependência do país por meio
da redefinição do papel internacional do Brasil. Essa retomada nacio­
nalista, iniciada por Costa e Silva, seguiu por toda a década.de 1970 e
procurou explorar as contradições geradas pela própria integração_da-
Brasil ao Ocidente.10
O governo Médici procurou fazer uma interessante distinção entre
a “política externa brasileira” e a “política internacional do Brasil”. A
primeira lidaria com os princípios do direito dos povos à soberania^à

lismo: uma análise comparada , cm Carlos Estcvam Majlins, cd., Estado e capitalismo
no Brasil. São Paulo, Hucilcc, 1977, pp. 5-54; Eli D. Ccrqucira e Renato R. Boschi,
Elite industrial e Estado: uma análise da ideologia do empresariado nacional nos anos
70” em Carlos Estevam Martins, Estado.... op. cit., pp. 167-190; Thomas J. Trebat,
Brazifs Slate-O m ied Enterprises. Cambridge, Cambridgc University Press, 1983. Ver
também J. M. Chaccl, Pamela S. Falk e David. Flcishcr (cds.), Brazifs Economic and
Political Fature. Bouldcr/Londres, Wcstvicw Press, 1988, parte I ‘The Brazilian 'Mira-
clc' and Brazifs Forcign Debt”, pp. 9 - 96.
Essa inversão de conceitos já se iniciara no |rcríbdo do presidente Costa e Silva, mas
adquiriu maior vigor no período do presidente Médici. Para uma visão geral desse tema
ver Gláucio Soares, Sociedade e política no Brasil. São Paulo, Difel, 1973; Allrcd Ste-
pan (cd.), Anlhrorílarian Brazil: Origins, Politics and Fature. New Havcn/Londres,
Yalc University Press, 1973; Thomas Skidmorc, The Politics oj Military Rale in Brazil,
1964 - 85. Nova York/Oxlord, Oxford University Press, 1988; Allrcd Stepan (ed.),
Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
VValdcr de Góes, O Brasil do general Geisel. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978,
p. 162.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 131

igualdade entre as nações, à autodeterminação e à não-intervenção. As


felações com os Estados Unidos estariam preferencialmente localiza­
das nessa política.
Mas a política internacional do Brasil deveria ser pragmática. Seria
ela que deveria enfrentar os verdadeiros desafios do proieto de desen-
volvimênto nacional. Por ela. O-Brasil deveria_evoluir dos postulados
idealistas e juridicistas da política externa para a dimensão racionai
dõs~custort Be’nerícTos~da inserção mais agressiva no contexto inter-
nacional à busca de parceiros, mercados, capitais e interesses matérias
concretos.
Era justamente a política internacional do Brasil que criticava o
congelamento de poder, como havia feito Araújo Castro no período da
política externa independente. No Brasil dé Médici e Geisel, a crítica
ao congelamento levou o país àTuma política de diversificação de~par-
ceiros, sem respeito às noções restritivas das fronteiras ideológicas,
exceto para o caso de Cuba.
Essas novas percepções do sistema internacional loram também o
resultado da complexidade crescente do sistema, que havia saído, no
final década d.(p960Tde uma rígida bipolaridude dos anos da Guerra
Fria para o relativo declínio do poder isolado dos Estados Unidos no
Ocidente. Essa é uma importante dilerença dos anos de Castello Bran­
co em relação aos anos Médici e Geisel. O governo Costa e Silva foi,
nesse sentido, o momento de transição de incertezas para novas con­
vicções que embalaram decisões e formulações da política externa do
Brasil ao longo da década de 197Ò.11
Em outras paíavas, as complexidades que emergiam no período
demandaram uma política externa cada vez mais flexível e pragmática.
É claro que o pragmatismo não era novo na política exterior do Brasil.
Suas raízes estiveram na Era Vargas e foram desdobradas, em diferen­
tes momentos, em concepções aulodelinidas de variadas maneiras. Tal
foi o caso da política externa independente. Mas agora o contexto in­
ternacional era mais favorável às exigências de maior autonomia do
país. O projeto do desenvolvimentismo fundia-se ao nacionalismo au­
toritário dos militares para encontrar novo lugar para a inserção brasi­
leira no mundo. • ------ -

11 Andrew Hurrell, Brazil and llw Third World New Direclions in BmziUan Foreign Pol-
icy, dissertação dc mestrado. Oxford, Universidade de Oxford, 1982, p. 20.
132 O LUGAR DA ÁFRICA

ò ^
Não foi por acaso que o embaixador Araújo Castrg.- o último mi­
nistro das Relações Exteriores do período da política externa indepen­
dente e conhecido como grande formulador das vinculações da
diplomacia com o desenvolvimento nacional —foi indicado embaixa­
dor brasileiro junto às Nações Unidas em 1968 e junto ao governo de
Washington em 1971. Defensor do pragmatismo e de uma diplomacia
agressora, insistia Araújo Castro para a oportunidade que o Brasil ti­
nha de encontrar o seu lugar próprio e elevado no mundo que se cons­
truía.12134 O estudioso e também ex-chanceler Celso Lafer “qualificou
aqueles anos como os mais importantes na redefinição estratégica da
inserção-internacional do Brasil depois de Vargas.1'
Gibson Barboza, ministro das Relações Exteriores do governo
Médici, criticou as relações congeladas do sistema mundial e as difi­
culdades da geração de desenvolvimento econômico na década de
1960. Afirmou que aquela década tinha sido plena de fracassos eco­
nômicos e débil na estratégia para o desenvolvimento. A “década do.
paradoxo”, para utilizar suas palavras, tinha produzido mais pobreza
que riqueza no contexto internacional.M
O chanceler do terceiro governo militar chegou, em discurso con­
tundente, a eleger as três falácias que haviam mitificado as relações
entre as nações naqueles tempos. A primeira era a do subdesenvolvi­
mento como um fato isolado, destino ou acidente histórico. A segunda
era a visão paternalista segundo a qual os países pobres podiam se
desenvolver por meio de relações especiais com alguns países ditos
desenvolvidos. A terceira era a idéia de que o desenvolvimento era
um processo que poderia ser postergado.15
O discurso de Gibson Barboza era o oposto de Juracy Magalhães e
tinha uma função. Concordando com o estudioso Amado Cervo, o dis­
curso inflamado do Itamaraty na década de 1970 era o instrumento

12 J. A. de Araújo Castro, “Congelamento do poder mundial”, Segurança e Desen­


volvimento, 145, 1971, p. 65.
13 Celso Lafer, Paradoxos e possibilidades: estudos sobre a ordem mundial e sobre a
política exterior do Brasil num sistema internacional em transformação. Rio de Ja­
neiro, Nova Fronteira, 1982, p. 152. Ver também de Celso Lafer, Política cxtciior
brasileira: balanço e perspectivas”, Dados, 22, 1979, pp. 49-64.
14 Mario Gibson Barboza, Documentos dc Política Externa, 4, 1969/1970, p. 143.
15 Idem, pp. 145-146.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 133

GÁ?
retórico para abertura de novos espaços para o Brasil no contexto in­
ternacional.16
O pragmatismo, que só seria formulado conceitualmente no quarto
governo militar - Geisel tornou-se instrumento precípuo para a ação
externa do Brasil. Esses movimentos políticos e retóricos levaram, de
fato, qjraí^ a ocupar espaço no grupo dos 77. A construção dessa di­
mensão terceiromundista, na evolução da~décadaÁtonK)Lr-se elemento
significativo na estratégia brasileira de abrir espaço para manobras no
interior do sistema mundial. Mas essa não era uma opção exclusiva. O
Brasil participava, igualmente, dos diálogos Norte-Sul, das discussões
de entendimento Leste-Oeste e da cooperação Sul-Sul. Eram duas as
dimensões de um único esforço: reforçar o desenvolvimento nacional
e, por meio deste, ganhar novos espaços autônomos para atuar com
maior liberdade no sistema internacional.
O pragmatismo brasileiro não significou qualquer crítica à ordem
capitalista. G que queria o país era alterar sua posição na hierarquia dõ
sistema. A chamada “renegociação dos termos da dependência—fõFaT"
chave para a compreensão dos eslorços dos governos militares dos
anos 1970. A ideologia do “Brasil Grande” veio embalar imaginaria-
mente esses esforços.17
O lugar da África para a política externa do Brasil foi, portanto, o .
de uma área de virtual interesse econômico e estratégico. O retorno à
África foi talvez um dos capítulos mais marcantes da política exterior
do Brasil na década de 1970. Os novos movimentos tornaram o Atlân-
cg x x ■
Amado L. Ccrvo, Duas tendências da política exterior do Brasil desde os anos trinta”,
V Encontro de Historiadores Latino-Americanos e do Caribe, São Paulo, 22 a 26 de
outubro de 1990, pp. 12-13 (separata). Ver também Josc Flávio Sombra Saraiva, ”0
Brasil e a ordem internacional”, Humanidades, 32, 1992, pp. 137-141.
Moniz Bandeira, op.cit., p. 195; Carlos E. Martins, op.cit., p. 89. Sobre as necessidades
do Estado autoritário dc um projeto dc desenvolvimento que ampliassse os níveis de
hegemonia interno ver Martin T.Kalzman, ‘Translatin BraziTs Economic Potentiãl into
International Influencc , cm VVayne Selcher (cd.), Brazil in lhe International Ssystem;
The R is e o f a Middle Power. Boulder, Westvicw Press, 1981, pp. 99-122; Geraldo Les-
bat Cavagnari Filho, “Autonomia militar c construção da potência” cm Eliézer Rizzo de
Oliveira et aL, As Forças Armadas no Brasil. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1987.
Picss, 1981, pp. 99-122; Geraldo Lcsbat Cavagnari Filho, “Autonomia militar e cons­
trução da potência em Eliézer Rizzo de Oliveira et al., A s Forças Armadas no Brasil.
Rio de Janeiro, Espaço c Tempo, 1987.
134 O LUGAR DA ÁFRICA

tico cada vez mais mediterrâneo. A visita de presidentes africanos ao


Brasil e o intercâmbio de diplomatas e empresários no Atlântico apro­
ximaram a África do Brasil de forma inconteste. Deu-se, afinal, consis­
tência prática aos discursos de aproximação gestados no inicio da,
década de 1960 pelo presidente Jânio Quadros.
Mas o lugar da África agora era um pouco diferente daquele ima­
ginado por Quadros. No início da década de 1960, esse lugar era me­
nos evidente. Em Quadros sobressaltava a retórica da solidariedade
entre os povos. A África acabava de sair do jugo colonial. Já na déca-
da de 1970, o lugar da África seria primordialmente o do mercado e de
figurante do quadrante autonomista brasileiro que se esboçava para o
mundo, e particularmente para os centros do capitalismo. Q Brasil ti-
nha vontade própria no contexto internacional, e a África era um.boirp
espaço para manobras e jogos da sua política externa.
Ao mesmo tempo, esse lugar da África vinha sendo construído
desde a década de 1960, conforme visto antes. A missão comercial à
Il África de 1965, organizada pelo Itamaraty, foi a precursora da dimen­
são que se daria-ao relacionamento com a-África na décadajle 1970. O
comércio externo, como lembrou o ministro Gibson Barboza aps_ofi-
ciais da Escola Superior dè Guerra em julho de 1970, era o fator mais
relevante.para o desenvolvimento do país.18
A África passou a ter renovada importância para o Brasil. As de­
clarações acerca dos objetivos da política exterior e a defesa destes em
termos práticos davam nova forma ao pragmatismo da política externa
brasileira.19 O continente africano constituía-se mercado potencial para
a expansão dos interesses econômicos bilaterais. Produtos manufatu­
rados, serviços e tecnologias .seriam intercambiados por petróleo e ou­
tras matérias-primas africanas.
A vulnerabilidade energética do Brasil teve, também, papel ponde­
rável na aproximação aóTcõmibêiTte africano na década de 1970. As
duas crises do petróleo, em 197^ e em 1979, aceleraram a busca de
novas parcerias internacionais. E isso viria explicar a superação gra-

18 Mário Gibson Barboza, “Conferência do ministro Mário Gibson Barboza pronunciada


na Escola Superior de Guerra, cm julho de 1970", Documentos tle Política Extenta, 4,
1969/1970, p. 166.
19 Olga Nazario, Pragmatism iu Braziliatt Foreign Policy: tlte Geisel Years, 1974-1979,
tese de doutorado. Flórida, Universidade de Miami, 1983, p. 17.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 1 35

dual do comércio quase exclusivo com a África do Sul pelo intercâm­


bio crescente com outros dois novos parceiros atlânticos: Nigéria e
Angola.
D continente africano passou a ser visto como uma área onde o
Brasil teria maior facilidade para obter alguma influência regional.
Quando comparados aos os países da América do Sul, onde o Brasil
tinha controvérsias e rivalidades com a Argentina, bem como a des­
confiança de países como Paraguai e Bolívia, os países africanos apa­
rentemente ofereciam menor dificuldade para receberem a presença
brasileira. -A"3 & c~.
A distância de 1.600 milhas que separam as duas costas, a africana
e a do Nordeste do Brasil, foi referida por Médici como a dos
“caminhos fáceis do oceano”.2021 Os “caminhos fáceis” do Atlântico
passaram a ser descritos como corredores marítimos comerciais onde o
baixo frete, condicionado pela pequena distância, foi protagonista das
ações de intercâmbio com o continente africano. > ,
De qualquer forma, a extensão do mar territorial brasileiro para
duzentas milhas, objetivo estratégico do país para o Atlântico, loi tam­
bém incluída no pacote dc aproximação brasileira para a África. A in­
tenção era envolver os países africanos da costa atlântica no apoio a~
decisão do governo Médici. A solidãnedade africana à decisão unilateral
brasileira era um importante trunfo junto aos organismos, mujtjlaterais.
Mas os objetivos diplomáticos do Brasil na África íoram, prici-
palmente, o de projetar a imagem de um poder tropical e industrial,
que um dia fora colônia, e o de convencer aos Estados africanos que as
relações históricas do Brasil com Portugal não inibiríam o desenvol-_
vimento de relações com os países africanos.
No plano bilateral, esses objetivos organizaram-se em torno de
quatro grandes eixos: a assinatura de tratados de cooperação comercial
e técnica; o aumento de rotas de comércio no Atlântico; a abertura de
investimentos em projetos de desenvolvimento e a retomada do dis­
curso culturalista do início dos anrís 1960.' )

20 Apud Olga Nazario, op. cit., p. 62.


21 Objetivos semelhantes foram apontados pela colega nigeriana Joy Ogwu, “Nigerian an
Brazil: A Model for thc Emergin South-South Relations?” cm Jcnkcr Carlsson (cd.),
Soulh-Soulh Relations in a Changing World Order. Uppsala, Scandinavian Inslilnte of
African Studics, 1982, p. 105. Ver também Waync Sclchcr, The Afro-Asian Dimension
pêltTviaÁla política africana, o predomínio das visõesj;stratégicas do
comércio sobre aspEr.^ectrvEGlimitádasdosgeopohâicos de Castello
Branco. Isso não, quecjlizer, entretanto, que a leitura geopolítica do
Atlântico não esteve presente. Claro que sim. E isso se~expficãafe~pela

Golbery do Couto e Silva. . " “ '


Mas a busca de mercados, o pragmatismo e as próprias pressões
adversas dos protecionismos mundiais levaram grande parte dos estra­
tegistas.militares da Escola Superior de Guerra a perceber e incorporar
as novas percepções do papel do AtIântico.22A influência Brasileira na
região, pela via da política africana, não se daria pela luta ideológica
contra a ameaça comunista, mas a favor dos mercados brasileiros.
Apesar de ainda se levar em conta a dimensão restrita da geopolíti­
ca dos anos 1960, o Conselho de Segurança Nacional, gestor final da
própria política externa do Brasil no período e marcado pelas, idéias,
das lutas internas do Estado contra a “subversão”, não tomou essas
moções restritivas para a política africana dos anos 1970. O “perigo
1 comunista” e a “segurança ocidental” perderam Torça. O argumento
para a aproximação à África era o próprio desenvolvimento capitalista
que se desenhara no Brasil, associado à vulnerabilidade energética vi­
vida pelo país. Nos anos dourados da política africana, a segurança
subordinara-se ao desenvolvimento.23
A importância do Atlântico como área vital para a segurança eco­
nômica do país foi, portanto, o centro do enfoque estratégico para a
África. As necessidades de expansão das exportações e a busca.de no­
vas fontes de petróleo para enfrentar a vulnerabilidade energética tor-

o f Brazilicm Foreign Policv, 1956-1968, lese dc doutorado. Gaincsville, Universidade


da Flórida, 1970, pp. x-xi, e também dc Waync Sclcher (ed.), Braz.il's Multilateral Re-
lations. Between First and Tltird Worlds. Bouldcr, Wcslvicw, 1978, pp. 213-214.
22 Ver Tom Forest, “Brazil and África: Geopolitics, Trade and Technology in the South
Atlantic”, African Affairs, 322, 1982, pp. 3-20; Andrcw H u it c II, ‘The polities of South
Atlantic: a survey of proposals for a South Atlantic Trcaty Organization”, International
Affairs, 2, 1983, pp. 179-193. Ver também Mercedes Depino c Patrícia Vázquez, “O
compromisso militar na América Latina”, Humanidades, 18, 1988, pp. 34-39.
23 José Alfredo Amaral Gurgcl, Segurança e desenvolvimento. Rio de Janeiro, José
Olympio, 1975, pp. 58-59.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 137

naram o Atlântico espaço privilegiado. Mais de 90% do comércio


brasileiro era realizado pelo mar, e a importação do petróleo se fazia
pela rota do Cabo, via África do Sul.
A relevância crescente dos mercados marítimos brasileiros, da capa­
cidade de produção de barcos para o comércio e a expansão dos interes­
ses econômicos diretos na costa, especialmente para a pesca e para a
exploração do petróleo, mostraram a nova face do Atlântico não só para
os formuladores de política exterior mas para a sociedade como um todo.
Além da África propriamente, o Atlântico tinha outra relevância
estratégica que era a Antártida. O Tratado da Antártida, ao qual o
Brasil aderiu em 1975, e que evidenciara que a região atlântica era
cada vez mais interessante para outros países do contexto, foi Õüffo
capítulo da emergência do Atlântico como uma área prioritária para a
política externa brasileira. Q v/_£\
Finalmente, a dimensão cultural da política africana do Brasil che­
gou, nos anos 1970, ao seu clímax. A chamada afinidade cultural com
os países afriçanos.foi novamente invocada, como no início da década
de 1960, não só pela diplomacia como também pelos empresários.
As ilusões da aíricanidade brasileira foram novamente embaladas,
embora a dimensão econômica dominasse. Joy Ogvvu, conceituada
intelectual nigeriana, comentou apropriadamente que os gestos culturais
brasileiros da década deixaram marcas no continente africano. Muitos
líderes africanos acreditaram no gesto brasileiro, como fizera o ministro
do Trabalho da Nigéria J. M. Johnson, em 1962, ao recomendar que_o
Brasil deveria fazer parte da Organização da Unidade Africana, lima
vez que tinha a segunda maior população negra do mundo.24
O discurso da afinidade natural com o continente africano, contu­
do, começou a enfrentar críticas veementes, A diplomacia profissional
recebeu as primeiras admoestações de líderes negros e de intelectuais
no Brasil, nos Estados Unidos e na própria África.25 Anani Dzidzienyo
acusou o Itamaraty em 1973 por suas posições Jilywhite?6r

24 Joy Ogwu, op. cit., p. III.


Anani Dzidzienyo e Michacl Tumcr, “African-Brazilian Rclations: A Rcconsideration”
em Wayne Selchcr (cd.) Brazil.... op. cit., pp. 208-210.
Anani Dzidzienyo, ‘T he World o f Afro-Brazilians”, West África, 2 de março de 1973,
p. 301. Ver também Anani Dzidzienyo, “A África vista do Brasil”, Afro-Ásia, 10-11,
1970, pp. 79 - 97.
138 O LUGAR DA ÁFRICA

A seguir, em 1977, a imprensa nigeriana dedicou espaço todo es­


pecial às acusações do intelectual brasileiro e ativista negro, Abdias do
Nascimento, durante o Segundo Festival Mundial e Africano de Arte e
Cultura Negras (FESTAC). Realizado em Kaduna, na Nigéria, em ja­
neiro de 1977, o Segundo Festac teria ressonância mundial, como o
primeiro realizado em 1965 no Senegal.27
Abdias do Nascimento criticou duramente o discurso culturalista
pronunciado pela diplomacia brasileira na África. Para ele, o discurso
era falso, pois tinham fundamento as contradições da ideologia racista
brasileira. Sua crítica principal, publicada no artigo “Black Man's Bur-
den in Brazil” no The Daily Sketch em 28 de janeiro de 1977, e dirigi­
da ao Itamaraty, causou furor.
Apesar dessas manifestações, o Itamaraty continuou, durante a
década dos anos dourados da política africana, a promover a imagem
da equidade racial, embasada nas idéias do lusotropícãlisrnõCSèü tnF
balho nesse sentido éra reconhecido mesmo pelos crítjcfis,'8
’ 3 P -X T ..... ’
/~N ■ ■■lca - .
A dimensão econômica da política africana
£2 ^—v ÚU& C&rnf
O final da década de 1960 já sinalizava as oportunidades econô--df-^
micas da política africana do BrasiJL E a década de 1970 e parte da de
1980 materializaram essas potencialidades. A África, e particularmen­
te a Nigéria, foi um dos mais importantes vetores para a expansão do
comércio externo brasileiro pelo mundo. O centro da política africana
passou a ser, no período, o comércio atlântico.
As relações econômicas com a África não eram novas, mas haviam ij
sido historicamente insignificantes, quando comparadas_com-as-de-
mais áreas tradicionais de intercâmbios brasileiros, como foi comenta­
do nos capítulos anteriores. Ainda antes do golpe de 1964, companhias

Abdias do Nascimento, O negro revoltado. Rio dc Janeiro, Nova Fronteira, 1982, pp.
14-15; Anani Dzidzicnyoo e Michacl Tumcr, op. cit., p. 208.
Anani Dzidzienyo, ‘T he World...”, op. cit., p. 301. Ver também Anani Dzidzienyo,
“Brazifs vicw o f África”, West África, pan I, 13 dc novembro dc 1972, pp. 1.532-
1.533; Idem, “Brazifs ..., op. cit., pane II, 20 dc novembro dc 1972, pp. 1.556-1.557;
Edouard Balby, “La Pcnctralion du Brésil cn Alíique, Afllnités Culturcllcs, Necessités
Économiqucs", Le Monde Diplonmliqne, novembro, 1980, pp. 12-13.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 1 39

importadoras nigerianas tinham manifestado interesse em contactar


exportadores brasileiros. Em 1965, o Itamaraty organizou a já analisa-
da JyEssão Comercial aos países da África negra. Com o objetivo de
“desenvolver o interesse dos exportadores brasileiros e as empresas
nacionais”,29*o resultado maior,da missão foi veriticar as reais capaci-
dades dos mercados africanos. A Nigéria e o Senegal foram identifica­
dos, naquele momento, como os possíveis melhores parceiros
brasileiros na África negra.'
Mas a determinação do Estado em desenvolver projetos econômi­
cos para a África só se tornou realidade na década de 1970. Foi o tem­
po em que a economia se orientou para a exportação — , o chamado
“milagre econômico” — , demandando maior diversificação de parcei­
ros no comércio internacional. Os esforços brasileiro.s_j2.ara asseguiar
mercados consumidores encontravam restrições protecionistas impos­
tas pêlos países desenvolvidos. Daí a necessidade de se estender aos
mercados do Sul, ihclumdaã África.31
Foi esse o contexto no qual a importância econômica da_A.iii.ca
apareceu claramente para as companhias exportadoras brasileiras. Elas
^ r ^scftuiram, em parte, as sinalizações construídas pelo Estado. O caso
_ africano não seria exceção. A renovada idéia da cooperação Sul-Sul
| apareceu como uma solução conceituai as necessidades .jobjgtiyas^de
' '“^'exportação. A perspectiva da utilização de vantagens comparativas
para maximizar as possibilidades de intercâmbio com regiões periléri-
cas como a África, mas não só ela, era a passagem parti a fSIfiseiçãío
comercial do Brasil no chamado Terceiro Mundo. A_d.iplomacia, as
agências do governo e as empresas_estatab^e privadas estiveram entie-
lãçadas nessa contenda comercial nos anos 1970.’.“

Ministério tias Relações Exteriores, “Missão comercial brasileira a África Subsaáiica ,


Textos e declarações de política externa (abril dc 1964 a abril dc 1965), 1965, p. 125.
Idem, p. 129.
Essa nova situação estrutural foi examinada por Gilberto Calcagnolto, “Relacionamento
econômico Brasil-África: corda bamba entre cooperação econômica c a nova de­
pendência Sul-Sul” , Estudos Afro-Asiáticos, 11-13, 1985, pp. 71- 81. Vct também
Martin T. Katzman, op. cit.; Tom Forcst, op. cit.
Maria Regina Soares de Lima e Gerson Moura, “A trajetória do pragmatismo — uma
análise da política externa brasileira”, Dados, 3, 1982, p. 352. Ver também José Crnlos
Brandi Aleixo, “Fundamentos e linhas gerais da política externa do Brasil”, Revista
Brasileira de Ciência Política, 1, 1989, pp. 7- 43.
140 O LUGAR DA AFRICA

Não havia consenso sobre essas definições estratégicas para o co­ is*
mércio brasileiro na época. Inicialmente, o poderoso ministro da Fa-
f zenda do governo Médici, Delfim Netto, não parecia muito favorável à
abertura comercial com áreas tão frágeis para o comércio como a Áfri-
ca negra. A área dc natural cooperação comercial na África, para Del-
' fim Netto. deveria ser a África do Sul, a antiga parceira.
Para o ministro Gibson Barboza a solução da expansão comercial
do Brasil seria a inclusão gradativa dos países da África negra, sem
negar a importância estratégica das relações com a África do Sul. Uma
opção não significaria a exclusão da outra, No fundo, a questão comercial
com a África só expressava parte do choque entre o oçidentalismo de
Delfim Netto e as visões menos ideologizadas da diplomacia representa­
da por Gibson Barboza. O presidente Médici precisou intervir para resol­
ver a contenda, como será analisado na seguinte parte deste capítulo.
A vitória das percepções do ecumenismo comercial sobre o oci-
dentalismo foi obtida pelo presidente Geisel com sua diplomacia
pragmática. As fronteiras ideológicas passaram a ter cada vez menor
peso na inserção internacional, e as distâncias geográficas com países
socialistas foram encurtadas, exceto para o caso de Cuba. A flexibili-
dade diplomática e a ruptura ideológica foram os aspectos mais mar-
cantes da diplomacia de então.’3 Daí eia ter sido uma alavanca para o
comércio externo brasileiro. Embora isso não fosse absolutamente
novo, mas o era pelo caráter mercantil que a atividade diplomática
brasileira adquirira em muitas partes do mundo. Foi justamente esse o
caso da África. \ J)
A mensagem de Geisel ao Congresso Nacional na abertura do ano
legislativo de 1975_foi muito objetiva acerca das novas funções da di­
plomacia. Para ele, em um mundo marcado pelo dinamismo e contra­
dições de toda ordem, a diplomacia deveria ser “pragmática e
responsável”, universal e “ecumênica”.34 (\
c J-C p jb - C-<r-
O conceito dc ruptura ideológica na política externa de Geisel foi pVopostojíor Nilda B.
gfc-ll
Anglarill c Mercedes Guadalupe, “A política externa brasileira para a America Latina e a
África”, Estudos Afro-Asiáticos, 6 -7, 1982, p. 228. Ver também a discussão acerca da
“política não-idcológica” e a “flexibilidade diplomática” cm Andrcw Hurrcll, The cjuest
forA utonom y ..., op. cit., pp. 336 -337, 357; Idcni, Brazil and the Tliird W orld..., op.
cit., pp. 101-1 12.
Presidente Ernesto Geisel, “Mensagem presidencial de instalação da Oitava Legislatura
em Primeiro de Março de 1975", Resenha de Política Exterior do Brasil, 4, 1977, p. 7.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 141

(Of ^vr\, j [
O pragmatismo ecumênicojjueJevou o Brasil à África'foi o mes­
mo qlle o levou ao Japão, àL^ropã^Priental j^aoU riente PróximójTÀ
inflexãó para a África não foiTassurT uma estratégia isolada e de prio-
ridade absoluta. Ao contrário, a inclusão da África fez parte do pacote
da “renegociação da dependência” do Brasil perante a economia
mundial, especialmente perante os Estados Unidos. Õ Brasil estava
determinado a não depender de um só ou de uma única fonte de fi­
nanciamento e mercado. Era esse o centro do projeto da modernização
industrial conservadora e concentradora que se levava a cabo desde a
Era Vargas e que chegava, agora, ao seu ápice, sem as pressões da so­
ciedade civil, que foi silenciada pela intransigência do governo.35
A margem de autonomia na busca de mercados e investimentos ar­
refeceu o investimento norte-americano no país quando comparado ao
europeu e ao japonês.36 No início da década de 1960, cerõTde 50% do
total do capital investido no Brasil era originário dos Estados Unidos.
Em 1975, tais investimentos representavam somente 32%. Ó ~Brasil
havia ampliado suas fontes de financiamento na Comunidade Européia
e no Japão, que já alcançavam juntos cerca de 50% do total das transa­
ções financeiras, substituindo os Estados Unidos.37
A expansão do comércio com a África, o Oriente Próximo e a
América Latina foi a mais importante mudança ocorrida nas relações
econômicas externas do Brasil no final da década de 1960 e início da
de 1970. As exportações brasileiras para o Terceiro Mundo cresceram
de cerca de 12% em 1967 para cerca de 25% no final da década de
1970 e início da de 1980. Em 1981, o Brasil chegou a vender 51,7%
dos seus produtos manufaturados (em torno de seis bilhões de dólares)
para o Terceiro Mundo.38

Carlos Estevam Martins, A evolução .... op. cit., p. 92. Ver também Fernando H en­
rique Cardoso, “Desenvolvimento assoeiado-dependente c teoria dem ocrática” em
Alfrcd Stcpan (ed.). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e T erra, 1988,
pp. 457- 458.
36 Antonio Josc Barbosa, “Outros espaços”, em Amado L. Ccrvo, O desafio ..., op. cit.,
pp. 333-351; Lcón Bicbcr, “Brasil c Europa: um relacionamento flutuante c sem es­
tratégia” cm Amado L. Ccrvo, O desafio ..., op. cit., pp. 209-261.
37 João Luiz Ribeiro Fragoso, “As reformulações na política externa brasileira nos anos
70”, Estudos Afro-Asidlicos. 5, 1981, p. 43.
38 Eul-Soo Pang c Laura Jarnagin, "La democracia brasilcna c la deuda externa”, Contex­
tos, 26, 1984, p. 7.
142 OLUGAK DA AFRICA

i xAí x*->v\JL r>Y ^ |

Q continente africano loxnou-se-&spaça..prívilcgiado para o exercf-


AA cio da estratégia comercial do país. Por um lado, o Brasil estava pronto
‘s 'j para exportar bens, serviços e tecnologia ao continente africanõTPor
y -OuU^JLado,-havi_a interesse na África por prod li.Lqs,jto.vas. uvnõlõgias e
j erviços considerados adequados ao nível de desenvolvimento do
continente e à condição tropical compartilhada pelo Brasil. Os interes­
r ses eram, portanto, mútuos.39
A diplomacia procurou dar animação a essas potencialidades por
r meio de insinuante agenda de contatos e viagens oficiais ao continente
r africano. O momento em que a inflexão comercial para a África ficou
r evidente foi durante a famosa visita do ministro Gibson Barboza a
__ aíses da África negra, entre 25 de outubro e 22 de novembro de
r Cr'
1972q Em todos os nove países visitados, os protocolos e comunicados
< sinados abriram portas para o intercâmbio técnico e o c o m é rc io in-
< lernacional. A visita, que será analisada em seus aspectos políticos na
próxima par.te_d es te-capítulo, foi o sinal de que o Brasil pretendia abrir
(
perspectivas novas de cooperação com o continente.9- - /A
< No ano seguinte, J 973, outra missão organizada pelo Itamaraty,
r essa de caráter eminentemenle comercial, foi mandada a nove países
r africanos (Senegal, Costa do Marfim, Gana, Togo, Daomé, Nigéria,
Camarões, Zaire e Libéria). Nos 33 dias de duração da missão, negoci­
r >U rzyxJà ações mais pontuais foram realizadas em torno da presença brasileira
r ' ' y em projetos de desenvolvimento na África, como a construção de es-
r tradas, hidroelétricas, aíéirTda venda direta de equipamento industriaíT
I A missão de I 973 tinha 37 membros dos quais cinco eram repre­
sentantes de diferentes áreas do governo. Os outros membros eram
~SJP-^T representantes de empresas estatais, como a Pelrobrás e Eletrobrás, e
i
r empresas privadas nacionais e estrangeiras estabelecidas no Brasil. A
organização foi da responsabilidade do Itamaraty, mas teve a partici­
r pação da Câmara de Comércio Afro-Brasileira. Ainda em 1973, 13
r , empresas brasileiras participaram da Feira Internacional de Lagos.
r
39
Idcm, pp. 3-16.
r 40
A Divisão de Atos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores registrou nove
r declarações conjuntas assinadas entre o Brasil c os países africanos durante a visita do
í
r ministro Gibson Barboza: Costa do Marfim, número 01555; Gana, 01551; Togo, sem
numeração; Daomé, 01469; Zaire, 01570; Gabão, sem número; Camarões, sem número;
c* Nigéria, 01567 c Scnc&al, 01571.

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OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFF^ICA^ . ( ' ;145 -

I ^ c ^ r ^ r a e 1'
0 resultado desses movimentos foi o estabelecimento de uma série
de acordos bilaterais de comércio e a instalação das primeiras compa-
nhias brasileiras na África negra. A contrapartida africana foi a ampli-
ação das suas representações diplomáticas e das niissões-comerclais,ao
Brasil para melhor conhecerem o modelo de desenvolvimento brasilei­
ro e explorar as potencialidades. Cerca de quinze embaixadas afriça-
nas estavam em funcionamento em Brasília, enquanto o Brasil
mantinha seis embaixadores acreditados em 16 países.41
O Brasil, como informado em publicação do Ilamaraty de 1972,
procurava estabelecer estratégia de cooperação para a África pensando
nas demandas do “mercado de 130 milhões de pessoas”.4" Durante a
visita de Gibson Barboza, o chanceler deixara claro que o rapproche-
ment brasileiro à África era pautado primordialmente pelas vantagens
econômicas mútuas.414243A importante revista West África analisou a visi­
ta^ de Barboza e as perspectivas comerciais que se abriam como uma
prova de maturidade de ambas as partes.44
O interesse africano na aproximação brasileira foi demonstrado ao
longo do ano 1973 por diferentes manifestações. No início do ano, o
ministro das Relações Exteriores do Zaire, Ngusa Bond, viajou ao
Brasil para retribuir a visita de Gibson Barboza no ano anterior. Em
fevereiro, o ministro do Comércio da Nigéria viajou ao Brasil por duas
semanas para acertar a presença brasileira em projetos de desenvolvi­
mento em Lagos. Em novembro, o ministro das Relações Exteriores da
Costa do Marfim, Arsene Usher Assouan, visitou o Brasil, cuja viagem
teve grande divulgação na imprensa. Ele celebrou com Gibson Barbo­
za a ratificação dos acordos comerciais assinados quando da visita de

41 Relatório, 1972, p. 10; Relatório, 1973, p. 71.


42 “A volta da África", Comércio Exterior, 10, dezembro, 1972 - janeiro, 1973, p. 22.
43 Isso ficou claro nos discursos pronunciados desde o início dc sua viagem aos nove
países africanos cm 1972. Seus principais discursos foram publicados pelo Ministério
das Relações Exteriores na serie Documentos cie Política Externa, 6, 1972: "Visita do
ministro Gibson Barboza à Costa do Marfim” , pp. 281-288; “Visita do ministro
Mário G. Barboza a Gana", pp. 289-294; “ Visita do ministro Mário G. Barboza ao
T ogo”, pp. 295-300; “Visita do ministro M. G. Barboza ao Daomc", pp. 301-306;
“Visita do ministro M. G. Barboza ao Zaire", pp. 307-312; “Visita do ministro M. G.
Barboza aos Camarões” , pp. 319-325; “Visita do ministro M. G. Barboza a Nigéria”,
pp. 327-331; e, “Visita do ministro M. G. Barboza ao Senegal", pp. 330 -340.
44 “Barboza’s West África Tour", West África, 4 de dezembro dc 1972, p. 1.626.
iq ^ S t = > v ' ^ \\( X (Aj9 ip jt Q |
144 OLUGAR DA AFR1CA £> ^

Gibson à Cosia do Marfim em 1972. Assouan referiu-se à sua visita ao


Brasil como a criação de uma ligação especial que influenciaria as no­
vas ações do continente africano para com o Brasil e deste em relação
aos países africanos, particularmente nas áre.as sob a influência portu-
45
glieS£L_
Outras missões econômicas menos pomposas, mas não menos re­
levantes comercialmente, vieram da África ao Brasil durante o período
mencionado. Todas elas ampliavam os acordos iniciados com a visita
de Gibson Barboza. Entre elas vale destacar as lideradas pelas seguin­
tes personalidades: o ministro da Agricultura da Tanzânia, J. Mungai;
o ministro do Planejamento da Costa do Marfim, M. Diawara; o minis­
tro dos Transportes e dos Trabalhos Públicos da Nigéria, L. Okunnu; o
presidente da Sociedade de Eletricidade do Zaire, M. Nzena; o minis­
tro da Habitação, o coronel K. Coker-Appiah, e o secretário-geral do
ministro da Fazenda de Gana, M. Nelson.4546
No segundo semestre de 1973 muitas iniciativas foram tomadas no
Brasil para responder às demandas africanas e ao princípio da reci­
procidade. Em julho, 86 empresas brasileiras expuseram seus produtos
na Feira Internacional de Kinshasa. O Lloyd Brasileiro estabeleceu
linhas regulares de comércio com o ocidente africano. Pelo sistema
inaugurado pelo Lloyd, um barco deixaria a cada quarenta dias os
portos de Santos e Rio de Janeiro em direção aos portos de Dacar,
Monróvia, Abidjan, Takoradi, Tema, Lagos, Matadi e Lobito. Sob os
auspícios do Itamaraty, cerca de cem empresas brasileiras expuseram
seus produtos para exportação em Lagos, entre novembro e dezembro
de 1973. O presidente da Câmara de Comércio Afro-Brasileira, Adal­
berto Camargo, que era também congressista negro, descreveu a pre­
sença das empresas brasileiras na África e a apresentação de produtos,
tais como maquinarias agrícolas, carros e equipamento de construção,
como um verdadeiro e realista retorno à África.47
Era evidente que havia agora um renovada e agressiva política
africana. Em 1974, essa política ficaria livre dos constrangimentos
l kJ l_
45 V e r West África , 5 d c m a rç o d e 1 9 7 3 ; Jam al do Brasil d e n o v e m b r o d e 1973; O
Estado de S. Paulo, 3 0 d e n o v e m b r o d e 1973.
46 Relatório , 19 7 3 , p p . 7 3 -7 6 . /L
47 West AJrica, 10 d e d e z e m b r o , 1 9 7 3 ; Comércio Exterior, 14 d e a g o s to - s e te m b r o , 1973,
p p . 16 - 1 8 ; O Estado de S. Paulo, 3 0 d c n o v e m b ro d e 19 7 3 .

H
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 145

causados pelo apoio brasileiro ao colonialismo português. A partir de


1974, a presença brasileira na África foi crescente, em ritmo acelerado,
como mostram as participações do país nas feiras de comércio de La­
gos, Dacar e Kinshasa, bem como a ampliação impressionante do nú­
mero de missões comerciais mandadas para o continente nos anos
1970.
Um dos aspectos mais significativos da política comercial para a
África naqueles anos era a questão do suprimento de petróleo. A im­
ponderável dependência brasileira das importações de petróleo explica
muito da atração dos mercados africanos. A primeira dimensão a ser
considerada era o fato de que recursos financeiros, para o pagamento
da conta do petróleo e os empréstimos externos para a continuação do
ritmo industrial, somente poderíam ser obtidos graças à intensa política
de exportações. Isso explica, em parte, a importância que a África ocupou
no projeto de modernização capitalista empreendido pelo Brasil.
Influente diplomata, o embaixador Ronaldo Sardenberg descreveu
a nova situação afirmando que os países ricos ocidentais empurravam,
política e conceitualmente, o Brasil para o Terceiro Mundo.48 É bem
verdade que não só os países ricos provocavam esse movimento. O
Brasil encontrara, por trajetória e construção política próprias, os ca­
minhos na direção da Álrica e de outras áreas potenciais no Terceiro
Mundo para receberem os influxos comerciais brasileiros.
Mas o argumento de Sardenberg estava certo no que se referia à
posição do Brasil em relação aos protecionismos dos países ricos. A
busca de novos mercados transformou, assim, a política africana em
uma questão primordialmente mercantil.
A outra dimensão a je r considerada era o falo de a política africana
do Brasil ter atentado para as próprias possibilidades de a África se
tornar uma fonte de suprimento de petróleo para o país. A vulnerabili­
dade energética loi dado capital para a compreensão do ânimo comer­
cial que embalou as relações atlânticas nos anos dourados da política
africana do Brasil.
O petróleo representou cerca de 70% de todas as importações
brasileiras entre 1975 e 1979. A África oferecia, assim, a dupla vanta­
gem de ser, simultaneamente, exportadora de petróleo ao Brasil e inte­
48
Ronaldo Sardenberg, apud Maria Regina Soares dc Lima e Gerson Moura, op. cit.,
p. 357.
146 O LUGAR DA ÁPIUCA

ressada na associação da Petrobrás com companhias petrolíferas afri­


canas para a exploração do petróleo naquele continente via joint ven-
tures. Essa foi a fórmula tendencial aplicada na década de 1970, o que
explica, em parte, o fato de, no início da década, as importações da
África superarem as exportações.
Em 1970, o Brasil exportava US$ 60 milhões para a África e im­
portava US$ 77 milhões. Em 1975, o Brasil exportava US$ 407 mi­
lhões e importava US$ 511 milhões. No final da década, em 1979, a .
balança comercial já era francamente favorável ao Brasil: importavam-
se US$ 463 milhões contra US$ 6.70 milhões de exportações.,y
Outro dado interessante é o aumento gradual da importância estra­
tégica da África para o comércio brasileiro quando comparado a regi­
ões de tradicional intercâmbio. Em 1970, a África ainda representava
os tradicionais 2% das exportações totais do Brasil. Em 1975, este
percentual elevou-se para cerca de 5%, percentual que foi mantido até
o final da década. As importações, que evoluíram de 3%, em 1970,
para 4% em 1975, voltaram a cair no final da década para os níveis
históricos de 2,5%.5(l
A dependência de petróleo explica a balança negativa do Brasil no
início da década de 1970. Mas a tendência geral, quejaermitiu encerrar
a década em superávit, foi a competitividade comercial do modelo de
desenvolvimento implantado no Brasil. A estratégia exportadora en­
volvia,.no caso africano, a concessão de empréstimos condicionada à
'aquisição de bens manufaturados brasileiros. Foi o caso do emprésti-
mo do Brasil ao Senegal e ao Gabão em 1974.4 950152Em uma dessas opera­
ções de crédito, o presidente do Gabão Albert-Bernard Bongo viajou
ao Brasi 1para se,encontrar com o presidente Geisei.5'
Aspecto marcante da aproximação econômica do Brasil à África-
foi a tentativa de penetração nos mercados africanos por meio de cria­
ção progressiva de sua própria estrutura de comércio. Essa estratégia

49 Cacex, Banco do Brasil, Intercâmbio comercial, 1953-1976', Relatório, dc 1972 a


1979.
50 Idcm, ibidcm.
51 “Brasil concede empréstimo dc US$ 10 milhões ao Senegal", Diário cie Brasília, 29 de
novembro de 1974.
52 “Brasil oferece credito para Gabão importar”, O Estado de S. Paulo, 14 dc outubro de
1975.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 147

envolveu ações as mais diversas: desde o incentivo à criação de trad-


ing companies no Brasil, até o estabelecimento de novas redes de co­
mércio fora da esfera das companhias monopolistas, que se originaram
nas ex-metrópoles.53
A criação das trading companies brasileiras, como a Interbrás, a
Cobec e a Cotia, representou capítulo especial na aproximação co­
mercial àquele continente. A Interbrás, subsidiária da Petrobrás criada
em 1976, foi a mais atuante no comércio africano, ao se associar a 21
companhias instaladas no Brasil e na Nigéria, para comercializar cerca
de cem produtos industrializados brasileiros sob a marca exclusiva
Tama. A Cobec, também estatal, estabeleceu-se principalmente em
Lagos, Nigéria. A Cotia foi a mais importante companhia de comércio
privada que atuou na aproximação comercial do Brasil ao continente
africano, e participou especialmente do sistema do coimtertrade com a
Nigéria.54
As relações comerciais demandavam, como já foi comentado, certa
estrutura financeira que. o país leria que criar nn África O Banco do
Brasil instalou agências para facilitar a ação dessas companhias de
comércio e o financiamento às importações africanas de produtos
brasileiros. As agências foram criadas nos principais trevos comerciais
e financeiros do Atlântico africano: Nigéria, Costa do Marfim, Sene­
gal, Gabão e Angola. O Banco Real abriu agência em Abidjan, capital
da Costa do Marfim, em 1978. Simultaneamente, o Banco do Brasil
formou interessante associação com a União dos Bancos Suíços e che­
gou a comprar 40% das ações do BIAO, Banco Internacional da África
Ocidental, com 121 agências na África e cinco na Europa. Essa opera­
ção foi descrita pelo então presidente do Banco do Brasil, Karlos Ris-
chbieter, como a mais necessária operação à expansão de mercados do
Brasil no continente africano.55

53 Essa questão foi examinada por Jacques d ’Adcsky, “La question dess Dcvises et du
Fmancemcnt dans les Relations Economiqucs Brésil-Afrique”, Primeiro Seminário In­
ternacional Brasil-África, CEAA, Conjunto Universitário Cândido Mendes, Rio de Ja­
neiro, 4 a 7 de outubro, 1981; Idcm, “Intercâmbio comercial Brasil-África (1958-1997):
problemas e perspectivas”, Esnulos Afm-Asiáticos, 3, 1980, pp. 5 - 33.
54 “Brazil in África: partnersliip or dcpcndcnce?”, West África, 6 a 12 dc fevereiro de
1989, p. 117.
55
O Globo, 19 dc maio dc 1977.
148 O LUGAR DA ÁFRICA

0 elemento final da estratégia comercial brasileira foi a criação do


esquema do Befiex, que procurava envolver multinacionais operando
no Brasil no esforço de exportação. O esquema oferecia generosas ta­
xas de subsídios da ordem de 15% a 25% como estímulo às exporta­
ções. As companhias multinacionais utilizaram amplamente os
benefícios do esquema Befiex.56 Em 1977, a Volkswagen do Brasil
começou a exportar carros para a Nigéria e Angola para depois estabe­
lecer montadoras em ambos os países. A IBM do Brasil toi outra que
seguiu os passos da Volkswagen.57
O intercâmbio econômico do Brasil no continente africano proce­
deu a interessante “reorientação” geográfica. A Álrica do Sul perdeu
importância gradual, pondo em baixa a tendência histórica das rela­
ções comerciais com aquele país. No início do governo do presidente
Médici, as exportações do Brasil para a África ainda incluíam a África
do Sul como o principal parceiro do Brasil na África atlântica. Mas ao
longo da década e no início da de 1980, a Álrica do Sul perdeu espaço.
Em 1977, somente 5% do total das exportações brasileiras para a Áfri­
ca foi dirigido ao tradicional parceiro. No início da década de 1980,
essa parceria loi quase zerada, pois as exportações alcançaram níveis
baixíssimos, em torno de 1%. Este índice demonstra a derrocada do
comércio brasileiro-sul-africano se se considerar que nas décadas de
1950 e 1960 o intercâmbio acima referido correspondia a 50% de to­
das as transações com a África.
A prioridade comercial era, agora, a Álrica negra. Ainda que tives­
se importância o comércio do Brasil com a Argélia e com a Líbia, as
relações comerciais do Brasil concentraram-se na Nigéria, Congo, Ga-
bão, Angola e Zaire. O Gabão trocava petróleo por produtos industria­
lizados. Angola comprava produtos manufaturados, e na década der
1980 tornou-se parceira na exploração e exportação de petróleo para o
Brasil. O Zaire combinava as duas tendências, pois equilibrava expor­
tações com importações.
ví—-— j C.'{j—
_________ ----------------------------------------
56 “Brazil in África ...", West África, op. cit., p. 177.
57 Miguel Álvares Uriartc, “Coopcración Econômica África-Amcrica Latina , Estúdios de
Ásia y África, 4, 1983, p. 639, 177.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 1 49

A parceria nigeriana e os obstáculos ao comércio Brasil-África

__ [ O novo grande parceiro na região foi a Nigéria. Na década de


1980, a Nigéria tomar-se-ia, de longe, a maior parceira comercial do
Brasil na África. A Nigéria substituiu a Álrica do Sul em curiosa rela­
ção matemática: passou a representar os mesmos 50% do comércio
brasileiro com a África. Qual a origem dessa nova relação especial do
Brasil na região atlântica da África?
Primeiramente, a missão comercial do Itamaraty ao continente
africano em 1965 havia identificado as possibilidades que o inter­
câmbio com a Nigéria poderia trazer no futyro. O assunto foi ampla­
mente discutido por diplomatas brasileiros e nigerianos, em Lagos,
durante a visita de Gibson Barboza em 1972. Houvejjnia determina­
ção governamental, da parte do Brasil, de priorizar as ações para o pa­
ís, que parecia oferecer as melhores condições para se obter uma
relação equilibrada e cooperativa.
A segunda razão é ainda mais expressiva. A partir de 1974, a ex­
pansão do comércio bilateral assumiu uma feição menos voluntária e
mais luncional. Duianle a visita do ministro das Relações Exteriores
da Nigéria, Okoi Arikpo, em janeiro de 1974, Gibson Barboza, já no final
de seu período como ministro do governo Médici, sublinhou que a natu­
reza complementai das duas economias criava condições muito especiais
para o relacionamento comercial direto” entre os dois parceiros.58
O Joincil cio Brasil de 26 de janeiro de 1974, em seu principal
editorial, descreveu a visita do chanceler nigeriano e deu o tom da
funcionalidade do comércio Brasil-Nigéria. Com uma população de
cerca de 80 milhões de habitantes, portanto não muito distante dos 95
milhões de brasileiros, a Nigéria era fonte de riqueza fundamental para
o processo de expansao industrial do Brasil: o petróleo. Havia verda­
deira euforia sobre a participação anuncidada da Petrobrás em refino,
prospecção e transporte do petróleo nigeriano. Além do que o mercado
consumidor potencial da mais próspera economia do atlântico negro
africano não poderia ser negligenciado pelo Brasil.59

“Gibson propõe a Arikpo comercio mais intenso entre Brasil c Nigéria”, Jornal do
Brasil, 24 dc janeiro dc 1974.
Ciédilo na África (editorial). Jornal da Brasil, 26 de janeiro de 1974; “Diplo­
macia. Agora, a Á frica”, IsloÉ, 4 dc dezembro dc 1974, p. 25.
150 O LUGAR DA ÁFRICA

O ponto de convergência da relação bilateral Brasil-Nigéria foi a


troca de produtos industrializados por petróleo. A relação bilateral fora
estimulada pelo aumento internacional do preço do petróleo provocado
pelas sensíveis oscilações do preço desse produto em 1973 e 1974. A
Nigéria rapidamente se tornou uma das maiores fornecedoras do pro­
duto para o Brasil. Na segunda metade da década de 1970, e no início
da de 1980, o Brasil tomou-se o maior provedor na África para o forne­
cimento de produtos, tais como carros, roupas, produtos de construção,
produtos derivados da celulose, petróleo refinado, ares-condicionados,
alimentos e outros itens considerados “tropicalizados” e adaptados às
condições tecnológicas e de consumo da Nigéria.
No fundo, como lembrou a estudiosa nigeriana das relações inter­
nacionais, Joy Ogvvu, o milagre econômico brasileiro tornou-se uma
\ verdadeira referência de superação da dependência para a Nigéria.
Para políticos, diplomatas e empresários nigerianos, o Brasil era o pa-
radigma para o projeto de desenvolvimento da Nigéria.60
As perspectivas de relacionamento tão significativo entre dois paí­
ses do Sul eram também apontadas na época como um exemplo efeti­
vo da cooperação Sul-Sul. Outro ministro das Relações Exteriores da
Nigéria, Joseph Garba, em visita ao Brasil, em maio de 1977, afirmou
categoricamente que o interesse nigeriano no Brasil não era só o co­
mercial e a transferência de tecnologia, mas era sobretudo o novo tipo
de padrão de cooperação que se desenvolvia entre dois países de he­
rança colonial.61 As novas possibilidades que se abriam de romper a
“dependência em relação aos países desenvolvidos” tomavam a rela­
ção Brasil-Nigéria um modelo a ser seguido por outros países.62
No centro dos discursos de aproximação Brasil-Nigéria e das fre-
qüentes viagens de diplomatas, ministros e empresários entre Lagos,

60 Joy Ogwu, “Nigerian-Brazilian rclations: changing perspectives on thc growing


links across lhe South Atlantic", Lusoplione Arcas Slndies Journal, 1, janeiro de
1983, pp. 103-104.
61 “Garba chega hoje à noite ao Rio c vem amanhã a Brasília”, Correio Braziliense, 22
de maio de 1977; Octavio Bomfim, “Uma visita importante". Jornal de Brasília, 22 de
maio de 1977; “C hanceler da Nigéria chega e cooperação pode aum entar”, Jornal
do Brasil, 23 de maio dc 1977.
62
“Chanceler diz que Nigéria quer tecnologia brasileira”. Jornal do Brasil, 26 de maio de
1977; “O nigeriano. África confia no Brasil", IsloÊ, 1- de junho dc 1977.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 151

Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, estabelecia-se o conceito de tec­


nologia “tropical” e “intermediária” como um instrumento justificador
da parceria entre os dois países. A idéia era a de que o Brasil tinha
'j
desenvolvido vantagem comparativa na tecnologia dita tropical, que
poderia ser transferida e adaptada a países com clima semelhante e
condições de desenvolvimento mais limitado, como os países africa­
nos. O modelo Brasil-Nigéria serviu para os outros casos de coopera­
ção econômica com os países africanos.
Um dos argumentos a favor da transferência de tecnologia
“tropicalizada” pelo Brasil para a África foi desenvolvido pelo jornal
Afrochcunber, publicado pela Câmara de Comércio Afro-Brasileira.
Dizia-se que o Brasil tinha uma grande variedade de condições regio­
nais e de níveis de desenvolvimento no interior do país, o que havia
permitido o desenvolvimento de vários patamares tecnológicos adap­
tados a realidades mais avançadas e também às mais atrasadas.63 O
ministro Joseph Garba aceitou essa tese e a utilizou para justificar a
aproximação comercial entre os dois países. Falou desse assunto em
sua visita à Fiesp em 1977.64
Nesse contexto, o comércio Brasil-Nigéria elevou-se rapidamente.
Visto como o maior e mais desenvolvido país no Atlântico negro afri­
cano, marcado pela autoconfiança dos seus políticos e empresários, a
Nigéria apresentava-se como parceira natural das expectativas brasilei­
ras de criação de uma verdadeira área preferencial de comércio.
Mas a primeira ironia dessa autoconfiança vinha do fato de que ela
era sustentada nos padrões do comércio colonial entre metrópole e
colônia. O Brasil exportava produtos industriais e comprava matérias-
primas.65 Esse aspecto, criticado por jornais e especialistas, não inco­
modou muito os gestores de ambos os lados.

63 Helga HolTman, “Towards África? Brazil and lhe Soulh-Soulli Tradc” cm Jcrker
Carlsson, op. cit., p. 66.
64 “Nigcria quer Terceiro Mundo independente", O Globo, 26 de maio de 1977; “Nigéria
quer investimentos brasileiros”, Folho de S. Paulo, 26 de maio de 1977; “Garba garante
bons negócios na Nigcria”, O Estado de S. Paulo, 26 de maio dc 1977.
65 “C ountcriradc wiih Nigcria”, West AJrica, 6 a 12 dc fevereiro, 1989, p. 176. Ver
também Joy Ogw, “Nigcria and Brazil..., op. cit., pp. 102-127; Tom Forest, op. cit.,
pp. 17-20.
152 O LUGAR DA ÁFRICA

Os números desse comércio confirmam sua relevância. Os acordos


assinados entre os dois países ao longo da década de 1970 foram espe­
S
taculares, e não são comparáveis aos acordos assinados com a própria
América Latina no período. Em Lagòs, foram assinados acordos co­
merciais e de transporte aéreo em 1972 e 1977, respectivamente. Em
Brasília, foram assinados acordos de cooperação econômica, científica
e tecnológica, de criação de comissão conjunta, de rádio e televisão e
serviços aéreos em 1974e 1979.66
As exportações de petróleo da Nigéria representavam cerca de 90
% do total das suas vendas ao exterior. A dependência nigeriana de um
único e'fundamental produto na balança comercial foi bem explorada
pelos negociadores brasileiros para escoar os seus produtos industria­
lizados e, de igual forma, equilibrar a balança comercial entre si.
Depois de 1982, quando os preços do petróleo no mercado inter-_
nacional iniciaram uma queda sensível, a conta do petróleo comprado
na Nigéria declinou iguàTmente. Mas isso não significou o declínio
imediato da parceria Brasil-Nigéria. Esta até se ampliou pela prática
do countertrade, ou seja, o intercâmbio direto de mercadorias por
mercadorias, em meados da década de 1980.
De qualquer forma, deve ser reconhecido que o Brasil utilizou, na
Nigéria, sua condição de maior comprador de petróleo não só no
Atlântico, mas em todo o Sul, para assegurar mercados para as manu­
faturas brasileiras. Esse modelo da relação do Brasil com a Nigéria foi
adotado praticamente para toda a África exportadora de petróleo, como
no caso do Gabão e depois de Angola. O papel central das trciding
companies era, justamente, o de assegurar a continuidade e a instituci­
onalização desse modelo.
O pacote comercial, pelo qual a Petrobrás comprou petróleo da
Nigerian National Petroleum Company (NNPC), enquanto a Cotia
vendia outros produtos para a Nigéria, explicou, em parte, a emergên­
cia da Nigéria como a grande parceira brasileira na África, nos anos
1980. O valor do comércio de countertrade entre os dois países che­
gou a cerca de meio bilhão de dólares em 1985 e poderia ter chegado a
cerca de um bilhão de dólares na segunda metade da dçcada se o go-

66 Relatório, 1972, 1974. 197X1979; Resenha de política exterior cio Brasil, 1974, 1977,

l979'
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 153

vemo de Babangida não tivesse suspenso esse mecanismo de comércio


entre os dois países em 1987. A dependência da economia nigeriana
em relação ao Brasil era crescente. A Nigéria atribuía este fato ao su-
perfaturamento dos produtos brasileiros.67
Como resultado das relações tão próximas entre os dois países, a
Varig criou vôos regulares semanais do Rio de Janeiro até Lagos. O
Itamaraty nunca tinha organizado tantas feiras com a Associação
Brasileira de Exportadores (ABE) como as que se realizaram em Lagos
em 1976 e 1977.68
Nesse intervalo, os contatos entre empresários brasileiros e nigeri­
anos fizeram-se com uma regularidade que tornava a intermediação do
Itamaraty, tão importante no início dos contatos comerciais entre os
dois países, cada vez menos necessária.69 Entretanto, o papel do Esta­
do na construção da aproximação comercial à África nunca foi esque­
cido. O chamado “esquema da promoção comercial”, desenvolvido
pelo Ministério das Relações Exteriores em 1973, foi elemento pon-
• tuál na estratégia de entrelaçamento de exportadores, governo p. repre-
sentações diplomáticas- na África. O Departamento de Promoção
Comercial do Itamaraty, sob a direção do embaixador Paulo TarsoJETe-
cha de Lima, desempenhou papel importante na ampliação do comér­
cio Brasil-África.70 Outra agência do governo que prestou relevante
serviço no período foi a Cacex, do Banco do Brasil, facilitando as libe­
rações das empresas brasileiras interessadas no mercado africano.
O esforço de expansão comercial para a África contou com vários
apoios, inclusive da grande imprensa, que apresentou o continente como
um novo Eldorado para o enriquecimento de empresas. A revista IsloÉ,
em 1977, chegou a publicar um guia para a participação brasileira na Fei­
ra Internacional de Lagos, que ocorrería em dezembro daquele ano.71

67 "Countcrtrade juiLh..., op. cil., p. 176.


68 “Ficou fácil ir ate a Nigcria”, IsloÉ, 28 dc setembro de 1977.
69 “Nigéria à espera de mais carga", Gazela Mercantil, 19-21 dc novembro dc 1977.
70 Paulo Tarso Flecha dc Lima, “Diplomacia c comércio: teoria c prática”. Revista Bra­
sileira de Estudos Políticos, 42, 1976, pp. 157-173; Idem, “Comércio exterior do Bra­
sil. Participação do Itamaraty no processo dc promoção das exportações”, Revista
Brasileira de Estudos Políticos, 54, 1982, pp. 19 -37; Idem, “Perspectivas do comércio
Brasil-África", Seminário Brasil-África, Fundação João Pinheiro, abril, 1984, Fundação
JP, 7-10, 1984, pp. 166-171.
71 "Um roteiro para o investidor”, IsloÉ, 14 dc dezembro de 1977, p. 40.
m

154 O LUGAR DA ÁFRICA

Além da Nigéria, deve-se lembrar que a atividade econômica in­


cluiu outros importantes parceiros na África negra. Angola comprou
carros e roupas. Moçambique comprou barcos de pesca e máquinas
agíícolas, enquanto o Zaire adquiriu no Brasil grande parte da sua
frota de carros e peças de reposição. Produtos manufaturados foram
vendidos em larga escala para a Tanzânia, Senegaljyiauritânia, Libé-
ria-eCosta do Marfim..Em_geral, depois de 1975, as ex-colônias por-
tuguesas e os países atlânticos da Álrica negra foram os principais
alvos da expansao comercial do Brasil sobre o continente africFnoT5*”
Além da exportação_dg produtos. o Brasil! transferiu tecnologia e.
gerou uma boa parte de serviços para o continente africano. Inicial­
mente, as companhias estatais brasileiras forneceram esses elementos.
Ao longo da década de 1970 e em toda a década de 1980, as empresas
privadas marcaram presença nesse setor, especialmente as empreiteiras.
As companhias privadas trabalharam principalmente no regime de
j°im ventures. Na carência estrutural de financiamento local para
manterem uma presença permanente no continente, as empresas utili­
zai am prefetencial mente o sistema bitilt-operotc-transfer, que era
também muito bem aceito pelas partes africanas. Uma das primeiras
empresas privadas a estar presente no continente foi o Pão de Açúcar.
Quatro companhias de comunicação, cuja base era São Paulo, fizeram
também grandes negócios na Nigéria, a saber: Hidroservice, Promon
Internacional, Sobrateí e Protec.
A Hidtosetvice foi uma das mais importantes companhias de con-
sultoiia que atuaram na Nigéria. Cerca de trinta engenheiros foram
recrutados em São Paulo para implantar trabalhos de telecomunica­
ções e de computação junto à Companhia de Comunicação da Nigéria
em Lagos. Mas também participou da produção de aço em Abèokuta.
A Promon chegou a levar 140 engenheiros brasileiros para atuarem no
sei viço de telefonia na Nigéria. A Sobrateí e a Protec foram particu­
larmente acionadas nas reparações de deieitos de telefonia de Laaos
em 1977.73 ’
As mais importantes empreiteiras que operaram no setor de cons­
trução na década de 1970, e algumas até hoje, foram a Norberto Ode-

"O estreitamento dc relações com a África Ocidental”, Gazeta Mercantil, 2 -4 de í!


dezembro de 1978.
73
“Infra-estrutura atrai empresas", Jantai do Brasil, 22 de julho de 1977.

,jí. .\
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 155

brecht, a Andrade Gutierrez e a Mendes Júnior. A Norberto Odebrecht


esteve envolvida em projetos de construção de estradas, hidroelétrica e
hotéis em Angola. A Andrade Gutierrez utilizou o sistema built-
operate-transfer para contratos de construção e gerenciamento de mi­
nas de ouro no Zaire, financiados pelo Banco Alricano de Desenvol­
vimento. A construtora também participou da construção de estradas
nos Camarões.
Mas a mais poderosa e atuante empresa de construção presente na
África foi a Mendes Júnior. Trabalhou principalmente na Nigéiia e na
Mauritânia na área de construção de estradas. Construiu o novo aero­
porto da Mauritânia e a Estrada Transmauritana, de Nouakchott, a
capital, até Kiffa. A extensão original de 605 quilômetros foi estendida
para cerca de 1.100 quilômetros, graças aos financiamento dos países
árabes.
Outras empresas, como a Rabello, Ecel, Transcon, Geotécnica,
Reflorenda, Consulbrás, Ecisa, Braspetro, Themag, CPRM, Cicol, lesa
e ParanapaneiYKi, também estiveram ligadas ao desenvolvimento das
..relações -econômicas do Brasil—Goni-Q^cxmúaente aliicano nos anos
,1970.) Foram anos dourados nas relações econômicas entre os dois
contextos atlânticos. Em 1978, estavam registradas, na Câmara de
Comércio Afro-Brasileira, 243 companhias brasileiras que tinham di­
reto envolvimento nessas relações.
Mas a aproximação econômica do Brasil a África teve os seus
problemas. Alguns obstáculos estiveram presentes lodo o tempo, e al­
guns deles explicam até o declínio da importância gradativa dessas
relações ao longo da segunda metade dos anos 1980, e mais incisiva­
mente nos anos 1990.
O primeiro obstáculo vinha da própria estrutura do comércio
atlântico. Baseado na troca de m o ^ rin « t-p rim n s e petrólea-QQLprodutos
manufaturados do Brasil, a relação desigual foi sempre objeto de fer­
vorosa crftica7especia[mêritélifricana, pela sua tace tipicamente colo-
nial. Em certo sentido, o Brasil fizera uso na África dos padrões de
comércio anteriormente construídos pelas companhias metropolitanas
no continente africano. ,
; O segundo obstáculo eraima diversidade de mercados e o variável
■nível da capacidade de consumo na África. Os empresários brasileiros
\tiveram que enfrentar algumas dificuldades para as quais não estavam
nrrLÍL-,^1
1 56 O LUGAR DA ÁFRICA

' ( X clJ j l C u S & u ^6 -*


preparados, como a diversidade de culturas, os desníveis de desenvol­
vimento de país para país, e mesmo no interior de cãcla unTcleles, bem
como as diversas linguagens dos interlocutores.
A superação desse obstáculo foi sempre muito difícil, pois as em­
presas brasileiras expressavam as próprias contradições das imagens
construídas acerca do continente. A suposta afinidade histórica e as
“aspirações comuns”, como afirmara Jânio Quadros em 1961, eram os
argumentos preferidos pelos negociadores e empresários saídos do
Brasil para empreender negócios no continente africano.
Em todo caso, o Departamento de Promoção Comercial e a Divi­
são da Ãfrica, depois departamento, do Ministério das Relações Exte­
riores ocuparam o papel de intermediário entre o desconhecimento do
interlocutor do outro lado do Atlântico e os interesses objetivos cria­
dos pelo modelo da expansão comercial brasileira. Daí o Itamaraty ter,
desde a década de 1960 e em toda a década de 1970, participação de­
cisiva nas negociações econômicas. Ora tentando facilitar a chegada
das empresas, ora promovendo estudos e análises detalhadas acerca
das possibilidades comerciais, os diplomatas tentaram superar as difi­
culdades criadas pelo desconhecimento anterior.74
O terceiro obstáculo era o baixo nível de industrialização. O Brasil
não encontrou na África produtos manufaturados para equilibrar a ba­
lança comercial entre os dois lados. Além disso, havia ainda o proble­
ma das sérias limitações impostas aos créditos para ã exportação
naqueles países.
O quarto obstáculo foi provavelmente o mais dramático. A política
comercial do Brasil para a África teve sempre que enfrentar as rela­
ções privilegiadas que o continente ainda mantinha com suas ex-
metrópoles. Os acordos preferenciais de comércio entre os produtores
africanos e o Mercado Comum Europeu, assinados à epoca das inde­
pendências, continuavam vigentes. As demandas européias por produ­
tos africanos, que eram também produzidos no Brasil, como café,
cacau e produtos agrícolas em geral, facilitavam as relações comerciais

“Divergências. Subsídios: liamaraty versus Fazenda”, IstoÉ, 27 dc setembro de 1978,


pp. 86 - 87; Paulo Tarso Flecha dc Lima, “Diplomacia ..., op. cit., pp. 157-173; Ver &í

também as iniciativas do Itamaraty na excelente lese doutorai dc Henrique Altcmani de


!
Oliveira, Política externa brasileira e relações cometeiais Brasil-Africa. São Paulo,
Universidade de São Paulo, 1987.
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OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA . 157 h
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da Europa com a África. Acontrapartida africana a essas compras eu­ r
ropéias era a importação de bens industriais europeus. E eram exata­ C
mente esses bens que o Brasil também queria comercializar nos
r
mercados africanos.
O comércio preferencial entre europeus e africanos foi institucio­ , c
nalizado nas Convenções de Lomé, de fevereiro de 1975 e março de c. 2r
1980. Exceto para os casos da Argélia, Tunísia, Líbia, Sudão, Egito e
r
Angola (que não firmaram os compromissos de comércio preferenciais
com a Europa), todos os demais países africanos adaptaram seus pro­ c
cessos produtivos aos mecanismos de Lomé. r
A mais significativa conseqüencia para o Brasil dessa condição ç
estrutural que unia a Europa à África era a dificuldade de escoar as_
suas exportações por rotas de transporte que não tinham sido montadas C
para atender a trocas Sul-Sul. Os fretes eram mais caros e difíceis. r
Além disso, os próprios compradores africanos ficavam divididos c
acerca da oportunidade de intercâmbio com o Brasil, pois teriam que
romper certa comodidade comercial criada pela rede de interesses com ç
as ex-metrópoles. c
O aspecto final a ser considerado nos intercâmbios entre a África e
o Brasil no período é a questão da venda de armas. Matéria onde o
c
r
acesso ainda é bastante restrito, sabe-se, entretanto, que o Brasil foi
um dos grandes provedores de armas para o continente na década de r)
1970 e parte da de 1980. Desde 1974. quando o Brasil passou a de­
senvolver capacidade na produção de armas, e particularmente depois
o
de(1977,\]iiando o país denunciou o acordo de cooperação militar com o
os Estados Unidos, a indústria bélica adquiriu reputação e espaço para
exportar. Na primeira metade da década de 1980, o Brasil tomou-se,
depois da União Soviética, Estados Unidos, França, Alemanha, Itália e
o
Reino Unido, um dos maiores exportadores de armas do mundo, com o
valores anuais em torno de dois bilhões de dólares.75 ò
A Nigéria foi a mais importante compradora de armas brasileiras
na África. Os militares nigerianos compraram, em diferentes momen­
o
tos, tanques, armas manuais e de artilharia, aviões de treinamento e de o
guerra. Ian Campbell, estudioso da cooperação militar entre o Brasil e o
a Nigéria, chegou a afirmar que o modelo relativamente bem-sucedido o
t )
75 “Brasil in Á frica:.... op. cit., p. 177. o
~ CP o
rj
158 O LUGAR DA ÁFRICA

do complexo militar-industrial brasileiro animou bastante os militares


nigerianos.
Além da Nigéria, o Brasil exportou armas para o Gabão, Marrocos,
Sudão, Togo, Alto Volta e Zimbábue, no final da década de 1970 e
inicio dos anos 1980. O problema causado pela exportação de armas
era, para certos setores empresariais, a possibilidade de que ela trou­
xesse inconvenientes para a exportação dos outros bens industriais.
Mas a verdade é que a politização da venda de armas no período nunca
se comprovou, exceto no caso, mais tarde, da pressão norte-americana,
em 1988, contra a venda de um bilhão de dólares em armas do Brasil à
Líbia.

Uma pedra sobre a Comunidade Luso-Brasileira

Se o comércio Brasil-África, inclusive o de armas, não foi matéria


politizada na inflexão do Brasil à África atlântica, o mesmo não se
pode falar das lelações que uniam o Brasil ao Portugal metropolitano e
às relações dos dois com as colônias portuguesas na África. O proces­
so de descolonização da África portuguesa, embora iniciado no final
da década de 1950 e inicio da de 1960, só encontra seu término nos
anos 1970. A Comunidade Luso-Brasileira, tão idealizada nas décadas
anteiiores, mostrou-se anacrônica diante dos interesses cada vez mais
globalizantes da política externa brasileira e os seus interesses especí­
ficos, sem Portugal em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bis-
sau e São Tomé e Príncipe.
O grande desafio da política africana do Brasil no período foi lidar
com a questão da independência das colônias portuguesas. As posi­
ções brasileiias na década de 1970 mudaram significatTvamente em
relação aos períodos anteriores, já abordados. Mas elas não Foram
~atrruptas. Seguiram o ritmo das novas circunstancias internacionais
gue envolveram o assunto. —-------—-------- -

Ian Campbell, 'T h e Nigerian Military: lhe transition lo civilian inlc" em Amold Hughes
(cd.), Towards ilw Trird Nigerian Republic, occasional papers 1. Universidade de Bir-
mingham, Centre o f Wesi African Studies, 1990, p. 28.
Livio levela segredos da indústria bélica”, “Setor é dominado por Itamaraty e mili­
tares”, Jornal do Brasil, 9 de junho de 1991, p. 14.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 159

Inicialmente, havia uma aliança de interesses entre os países da


África negra e os países árabes exportadores de petróleo. Esse verda­
deiro “romance”787980foi componente fundamental para entender as novas
posições sobre a questão da descolonização da Áliica poituguesa. A
primeira crise do netróleo. entre 1973 e 1974, a guerra do Oriente
Médio de 1973 e a emergência da OPEP foram elementos que facilita-
ram o entrelaçamento dã~cõo'peraç5o entre os anTcanoTTos^á^ g s ^
Como lembrou o ministro nigeriano das Relações Extei iqms de l 975 a _
1979, Joseph Garba, a cooperação diplomática e política entre os dois
fora fortalecida com as posições africanas a favor dos países arabes
r.nntra a ocupação de territórios árabes por Israel.
Assoma-se a questão da vulnerabilidade energética brasileira, que
criava uma condicionalidade muito interessante cm ielaçao a questão
da África portuguesa. Os países da África negra tinham consciênciãHa
relevância estratégica do petróleo africano e árabe para o Brasil. Entre
1971 e 1974, 68% das importações brasileiras da África negr-a-eram-de
petróleo cru. E isso representava cerca de 20% das necessidades brasi­
leiras. A outra grande parte vinha dos países árabes. Ceica de 70% do
petróleo importado pelo Brasil na época vinha do Oriente M édia
j CÁlérrTdTssqT^rarabes eram virtuais financiadores de projeto sjtejles^
i envolvimento no Brasih,8
L ~ Mas o problema se originou com a iniciativa, em 24 de novembro
de 1973, de ,17 países da África negra, exportadores de petróleo, que
incluíram o Brasil na lista dos seis países que receberíam sanções eco­
nômicas, como o embargo de petróleo, por conta das suas posições nas
questões da África Austral, especialmente no que se referia às posi­
ções recalcitrantes na questão da descolonização de Angola e Mo­

78 Joseph Garba, Diplomado Soldiering. Nigéria Foreign Policy, 1975-1979. Ibadan,


Spccirum Books, 1987, p. 194. Ver lambem sobre esse lema Bijan Mossa Var-
Rahmani “OPEC and NOPEC: Oil in Soulh-Soulh Rclations” cm John Strcmlau
(ed.), The Foreign Policy Priorilies o f Third World States. Boulder, Wcslview,
1980, pp. 49-66; Robcrt A. Morlimcr, The Third World Coalition in huenmtional
Polilics. Boulder, Wcslview, 1984, pp. 44 - 48.
79 Joseph Garba, op.cit., p. 195. ,
80 Jornal do Brasil, 11 dc novembro de 1973. Ver Albcrt Fishlow, “Latiu American Ad-
justment in lhe Oil Shocks of 1973 and 1979" cm J. Hartlyn e S. A. Morlcy, Latm
American Polilical Economy. Finance Crisis and Political Change. Boulder, Colorado,
1986, pp. 54 - 84.
160 O LUGAR DA ÁFRICA

çambique. O embargo de petróleo era a espada de Dâmocles utilizada


pela aliança afro-árabe contra os países que insistiam em apoiar Israel,
a África do Sul e o jugo colonial português na África.81
Em segundo lugar, havia o receio, entre os formuladores de política
externa no Brasil, de que os países da África negra votassem contra o
Brasil nas Nações Unidas, na questão levantada pela Argentina acerca
das consequências negativas que o projeto de construção de Itaipu e
Corpus traria áo rio Paraná. Vários países da África negra haviam ori­
ginalmente votado com a Argentina, e contra o Brasil, na Resolução n9
3.129, do Ecosog, de novembro de 1973. Por aquela resolução criava-
se um sistema de consultas prévias entre os países que tinham projetos
de desenvolvimento que envolvessem rios fronteiriços.82 A resolução,
de iniciativa argentina, representava obstáculo aos projetos comuns do
Brasil com o Paraguai no caso da construção de Itaipu. A diplomacia
brasileira teve que lidar com as tendências das delegações africanas
que se inclinavam a acompanhar as posições argentinas. E esses países
africanos eram os mesmos que vinham criticando a permanência das
posições brasileiras a favor do colonialismo português em Angola.
Em terceiro lugar, as posições do Brasil na questão colonial portu­
guesa não podem ser desligadas das relações com os Estados Unidos
no início da década de 1970, bem como do movimento já referido de
diversificação de parcerias internacionais. A chamada “rivalidade
emergente”, para utilizar um conceito de Moniz Bandeira, reduzia as
coincidências de interesses entre os dois países.83 Em março de 1970,
o Brasil estendeu seu mar territorial para o limite de duzentos milhas e
expulsou barcos norte-americanos encontrados no litoral brasileiro
sem autorização. Os Estados Unidos iniciaram medidas protecionistas
contra a importação de manufaturados brasileiros, como sapatos, bol-
_________ í r i> -TP&Cv.
81 Joseph Garba, op. cit., pp. 195-197.
82 F. J. Marrom de Abreu, “UÉvolulion dc Ia Poliliquc Africuinc du Brésil”, Mémoire.
Paris, Universidade dc Paris I (Sorbonnc), 1988, p. 79.
83 Ver Moniz Bandeira, op. eil. Ver também o mesmo conceito de rivalidade em outros
autores que a descreveram como lhe missing relaiionsliip, “o fim dc uma amizade es­
pecial” c “o conflito administrado": Albcrt Fishlow, ‘T h e United States and Brazil: the
Case of the Missing Relationship”, Foreign Affairs, 60, 1982; Rogcr Fontaine, ‘T he
End o f a Bcautiful Fricndship”, Foreign Policy, 28, 1977; Hclio Jaguaribe, “El futuro de
Ias relaciones entre Brasil y los Estados Unidos”, Esnuiios hiteniacionales, 58, 1982.
l ^ 'J b Y a-v ;JI
Ò Õ ^Y ' ' t ( / A / aAC
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFR ICANA

eu) ^ 2
sas de couro, etc. As incompatibilidades das visões de ambosjosjrafses
sobre o projeto nuclear brasileiro levaram o último a assinar o Acordo
Nuclear com Alemanha em 25 de junho de 1975. Simultaneamente,
com base na política de auto-suficiência militar e na exportação de ar­
mas iniciada em 1974, o Brasil denunciou o Acordo Militar com os
Estados Unidos em 1977.'“ [ C| Z k^cW (\
Auto-afirmava-se, assim, a política externa brasileira. A questão da
descolonização da África portuguesa seria também contemplada à luz '
desse esforço de busca de autonomia relativa no contexto internacional
e da perda gradativa da importância dos Estados Unidos nas relações
econômicas do país. Em 1972, ã Alemanha já era o segundo maior in­
vestidor no Brasil. Em 1973, conforme já foi dito, 50%ydo capital ex-
temo investido no Brasil originava-se da Europa Ocidental e do
Japão.85
Em certo sentido, as decisões que seriam tomadas pelo Brasil para
a questão da África portuguesa permitiríam mostrar à África e à alian­
ça afro-árabe que o país não era um “brinquedo” nas mãos dos interes-
sesmorte^americanos na África. O Brasil procuraria mostrar que tinha
política própria. Esse seria o sentido do dia 1 1 de novembro de 1975,
quando quase simultaneamente à declaração de independência unilate­
ral do governo do MPLA em Angola o Brasil era o primeiro país oci-
dental a reconhecer p u pyp. governo. Perdia sentido a conceituação do
Brasil como país “subimperialista” a serviço da grande potência oci-
dental 86
p
^ 6 -/

Amado L. Cervo e Clodoaldo Bucno, op. cit., pp. 3 6 7 -3 6 9 / ' ■ X_


Idem, ibidem. Ver tambcm o excelente artigo de Carlos Lcssa M. Lessa, “A estratégia,
de diversificação de parcerias rio contexto do nacional-dcscnvolvimcntismo (1974- /(£-.'
1979)”, Revistei Brasileira cie Política Internacional, 38 ( I), 1995, pp. 24 - 39.
O conceito dc “subimperialismo” foi utilizado por muitos analistas e críticos na
época. O ângulo marxista do termo foi proposto por Ruy M auro Marini ao exami­
nar o capitalismo dependente do Brasil c a reprodução dc certo “subimperialismo”
regional pelo Brasil. Ver R. Mauro Marini, “Brazilian Subimperialism”, Montlily Re-
view, fevereiro, 1972. O ângulo da ciência política apressada foi proposto por uma série
de estudos feitos por analistas latino-americanos no período. Ver, por exemplo, R. V.
Beceira, Fundamento y tendências de Ia Política Exterior Brasilena, dissertação de
mestrado. México, EI Colégio de México, 1970; Pedro Fernando Castro Martinez,
Fronteras abiertas. Expansionismo y geopolítica en Brasil contemporâneo. México,
Siglo XXI, 1980.
162 O LUGAR DA ÁFRICA
)W
Jv iasjLdccisão brasileira no 11 de novembro de 1975 não se cons­
truiu sem querelas internai no governo e sem discussão acerca do lu-1
| gar da propalada Comunidade Luso-Brasileira. Apesar das resoluções
das Nações Unidas, que exigiam o térm inoimediitõldo colonialismo
tardio de Portugal na África, o governo luso ainda mantinha cerca de
cinqiienta mil soldados em solo africano para manter, a qualquer cus­
to, um sistema em franca decadência.
A substituição dei Salazar por Marcelo Caetano em 1968Lnão_
permitiu—alteiações substanciais no sistema colonial português na
África. As justificativas ideológicas —tais como a “missão civilizató-
ria” e o “lusotropicalismo” - continuaram a servir de base ao argumen­
to colonizador. Mesmo durante o colapso do regime autoritário
português, Marcelo Caetano, ao se dirigir às Nações Unidas em 5 de
março de 1974 (cinqüenta dias antes da Revolução dos Cravos, em 25
de abril), reíei ia-se a Angola e Moçambique como regiões “criadas por
Portugal a partir de tribos decadentes e pobres” e insistiu que era seu
dever proteger um esforço que era uma contribuição positiva ao pro­
gresso da humanidade e da civilização”.87*
No Brasil, em 7 de novembro de 1973, o assunto do colonialismo
português na África tomou as primeiras páginas de influente jornal
para defender que o país tinha obrigações na região atlântica que in-
clufam o estímulo a governos legítimos e autodeterminados na frontei-
ra oriental, A imprgifsã~~Bifãsileira acompanhou naquele perfodcTa
ciise da ditadura portuguesa e seus eleitos para a política africana do
Brasil. O Jornal do Brasil apoiou os esforços de descolonização ango­
lana enquanto O Estado de S. Paulo apresentava posições mais caute­
losas com relação às iniciativas de independência na África
poituguesa. Dois editoriais do ultimo jornal, publicados no momento
da independência de Angola, definiam o reconhecimento imediato cio
Brasil da nova situação de independência em Angola como “amoral e
desastroso”.89

87
Discurso do premier Marcelo Caetano nas Nações Unidas, apud Gerald Bender, An­
gola: mito y realidaclde su colonizíicióu. México, Siglo XXI, 1980, p. 34.
88
Família atlântica”, Jornal do Brasil, 1 de novembro de 1973.
89
Diplomacia não só amotal, mas desastrada , O Estado de S. Paulo, 14 dc novembro de
1975; “Quem determina nossa política externa?”, O Estado de S. Paulo, 20 de dezem­
bro de 1975.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 1 63

A convicção de que certa solidariedade com os países africanos


deveria se estabelecer como uma forma de obter vantagens econômi­
cas foi expressa em vários artigos e editorias, em jornais e revistas do
período. Havia o temor do boicote árabe ao fornecimento de petróleo
ao Brasil. O Jornal do Brasil publicou em 1973 interessante análise
sobre as relações entre os países árabes do Oriente Próximo e os mo­
vimentos de libertação na África portuguesa. Para o editorialista, havia
fortes indícios da proximidade da independência dessas colônias, e o
Brasil tinha que defender seus interesses diretos na África apoiando o
processo de descolonização.
O Congresso Nacional também participou desses debates. Freitas
Nobre, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e um dos líderes
da oposição tolerada no regime militar, discursou a favor da guinada
brasileira no caso da descolonização das colônias africanas de Portu­
gal. Para ele, era hora de pôr uma pedra sobre a Comunidade Luso-
Brasileira. Mencionou o deputado a pressão dos 17 países africanos
que haviam solicitado do Brasil a reformulação da sua tradicional po­
lítica de apoio a Portugal na África.909192
Para Freitas Nobre, o Brasil não deveria rever sua política para as
colônias portuguesas somente pela questão das piessões das jovens
nações africanas e de seus amigos árabes. Havia o princípio da autode-
terminação dos povos, princípio tão caro à vida internacional, que o
SrásiT,~cõmo ex-colÔmãTsãbia perfeitamente sua relevância histórica.
Portanto, n Brasil' deveria incluir a questão da África portuguesa no
cònjuntcTda sua política de aproximação autônoma ao conjunto do
— .----- <>>—
continente.
Mas algumas vozes que defendiam a Comunidade Luso-Brasileira
e o alinhamento brasileiro na questão da África portuguesa estavam
presentes no Congresso e se fizeram manifestar. O congressista con­
servador Eurípedes Cardoso de Menezes, da Aliança Renovadora Na­
cional (ARENA), chegou a professar a manutenção dos laços coloniais
portugueses na África com o endosso brasileiro. O contexto dessa ar­
gumentação foi a visita do seu colega norte-americano Chailes Diggs
Junior ao Brasil, em novembro de 1973.

90 “Política africana”, Jornal cio Bm sil, 20 de novembro dc 1973.


91 Diário cio Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, 1973 (I), sessão de 27 de no-
vembro de 1973, p. 9.545.
92 Idem, ibidem.
164 O LUGAR DA ÁFRICA

Diggs Junior era presidente do Subcomitê dos Assuntos Externos


na Câmara dos Deputados nos Estados Unidos e havia sido eleito pe­
las comunidades negras de Detroit. Ao comentar a política exterior dos
países americanos para a África, Diggs Junior afirmou que o Brasil
tinha uma “estranha política” para a região, pois mantinha um perigoso
equilíbrio entre a expansão dos interesses econômicos sobre o conti­
nente africano com uma posição favorável a Portugal.93
Cardoso de Menezes não suportou ouvir esse argumento e taxou as
posições de Diggs Junior de “racistas”, defendendo que a unidade da
nação portuguesa, que incluía suas “províncias ultramarinas”, não era
uma matéria que estrangeiros não-portugueses pudessem entender. O
parlamentar brasileiro criticou duramente o parlamentar norte-americano
e ainda acrescentou que os movimentos de independência na África
portuguesa estavam “infiltrados pela presença dos comunistas”.9
A chamada “ameaça comunista” fora ressuscitada por vários polí­
ticos e formadores de opinião pública no Brasil para justificar a per­
manência portuguesa na África. Esse foi o cerne do argumento da
Federação das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras, poderoso
lobby empresarial no Brasil, que negava ser o apoio brasileiro a Portu­
gal nas Nações Unidas um obstáculo ao desenvolvimento frutífero das
relações do Brasil com a África negra independente.
A Confederação Nacional da Indústria (com seu centro empresarial
português - CELB) mandou missão à África portuguesa em 1972 e
retomou defendendo o fortalecimento da Comunidade Luso-Brasileira
Em 1973, a Federação das Associações Portuguesas e Luso-
Brasileiras atuou como um grupo de pressão, com forte ofensiva na
imprensa, tentando evitar que a política externa brasileira pudesse se
inclinar por posições desgarradas de Portugal referentes às colônias.
Em declaração publicada em vários meios de comunicação, a federa­
ção afirmava que não havia justificativa para a noção de que o relacio­
namento do Brasil com Portugal, estruturado em torno da comunidade
de povos da língua portuguesa, tinha que ser sacrificado por eventuais
represálias árabes no suprimento de petróleo ao Brasil.95

93 “Diggs estranha apoio brasileiro a Portugal", Jornal cio Brasil, 20 de novembro de


1973, p. 14.
94 Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, 1973 (I), sessão dc 27 de no­
vembro de 1973, p. 9.545
95 “Federação lusa contesta tese”, Jonial do Brasil, 20 de novembro dc 1973, p. 14.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 165

Na mesma mensagem, a federação dizia que a possível opção


brasileira pela África independente, contra Portugal, não estaria levan­
do em conta a presença econômica marcante das ex-metrópoles por
trás da chamada autonomia jurídica dos novos Estados. Não seria fácil
para o Brasil penetrar comercialmente nos países da África negra, ar­
gumentava o lobby português. Para a federação, a melhor penetração
brasileira no continente africano ainda era aquela que se construíra ao
longo dos contatos franqueados por Portugal ao Brasil. 96
Entretanto, o golpe de 24 de abril de 1974 veio sepultar os sonhos
da conservadora federação. A independência das colônias portuguesas
seria o fruto maior da Revolução dos Cravos. O processo de indepen­
dência da Guiné-Bissau e de Moçambique foi menos traumático que o
de Angola pela relativa unidade das demandas independentistas em
tomo de um grande movimento nacional, como o PAIGC em Cabo
Verde e Guiné-Bissau e a Frelimo em Moçambique. A cena da inde­
pendência em Angola seria mais complexa.
A efêmera Comunidade Luso-Brasileira entrava em degeneres-
cência. O Brasil iria aproveitar o novo contexto para recuperar o tempo
perdido. Rompia-se um grande ciclo..de alinhamento automático de
posições portugueas e brasileiras na África. Projetando-sê~para Luan-
da, Bissau e Maputo (antiga Lourenço Marques), a diplomacia brasi­
leira tinha pressa em sepultara Comunidade Luso-Brasileira.

K P l
Brasil e Angola: relação privilegiada r ^
j4
A Revolução dos Cravos não significou a paz em Angola. Muito
ao contrário, o cenário construído com o 25 de abril deÇ l97jjtrouxe
incertezas para a delicada vida política daquele país. O crescimento do
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) era fato notório
nos primeiros anos da década de 1970. Agostinho Neto, seu líder, re­
cebeu ajuda militar e apoio financeiro da União Soviética, mas tinha
pela frente a tarefa de compor as diferentes tendências dentro do seu
movimento. A Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), lide­
rada por Holden Roberto, recebia ajuda norte-americana e do Zaire.
Angola vivia, assim, o ambiente da Guerra Fria.

96
Idem, ibidem.
166
V í* A
O LUGAR DA ÁFRICA

Um terceiro movimento, a União Nacional pela Independência de


Angola (UNITA), liderado por Jonas Savimbi, estava umbilicalmente
ligado às pretensões imperiais da África do Sul na região austral do
continente. A Unita, originada de uma dissidência da FNLA em 1966,
tinha forte apoio na província de Huambo, na região central de Angola.
Havia, finalmente, a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda
(FLEC), que era apoiada pelo Gabão e por Uganda. A FLEC queria a
autonomia de Cabinda, e o MPLA insistia que Cabinda era parte de
Angola.97
Como um dos desdobramentos do 25 de abril, o Movimento das
Forças Armadas (MFA) decidiu encaminhar a criação dos governos de
transição nas colônias africanas. No caso de Angola, o Acordo de Al­
vor, firmado em 15 de janeiro de 1975, organizou a transição política
por meio de negociações entre o novo governo português e os repre­
sentantes dos três movimentos principais. Em julho de 1975, o gover­
no de transição foi formado em Luanda, com a representação do
MPLA, FNLA e Unita. A data acordada para a independência, a da
pfopria~retirada da administração portuguesa de Angola, foi a de 1 I de
novembro de 1975. Eleições foram anunciadas em outubro. Muitos
países africanos, a Organização da Unidade Africana, e mesmo Portu­
gal, recomendavam um governo de unidade nacional em Angola. Era
uma saída para enfrentar a explosiva convivência dos três movimen­
tos. Mas depois de meses de lutas entre aqueles, o MPLA declarou
governo independente unilateral, sem a participação dos demais mo­
vimentos, no dia da independência.9S

Para compreensão do apoio internacional aos diferentes movimentos de libertação em


Angola ver publicações como West África (Londres) e L V uest African (Dacar) entre
1974 e 1975. Uma boa descrição do MPLA, FNLA e Unita está no L V u est African, 18
de abril de 1975, pp. 1- 4. Uma análise acerca da FLEC e da relevância estratégica de
Cabinda no processo de libertação de Angola pode ser lida no L V u est African, 18 de
julho de 1975, p. 11, e 8 de outubro de 1975, p. 5: “Cabinda: une enclave convoitée”.
Ver também Thomas H. Henriksen, “People's War in Angola, Mozambique and Guinea-
Bissau”, The Journal o f M odem African Suulies, 3, setembro, 1976, pp. 377- 400.
Ver Gerald Bender, Angola under lhe Portuguese: Myth and Reality. Londres, Heine-
mann, 1978; Franz-Wilheim Heimer, O processo de descolonização de Angola, 1974-
1976. Lisboa, A Regra do Jogo, 1980. Ver também Basil Davidson, Joe Slovo e An-
thony R. Wilkinson, Soulhem África: The New Polilics o f Revolution. Harmondsworth,
Penguin Books, 1976, pp. 76-95; e Michael Wolfers e Jane Bcrgerol, Angola in lhe
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 167
M

Jj
Mas o caso angolano era uma questão internacional com repercus­
sões na própria relação política entre as grandes potências. O interesse
dos Estados Uni^os-em Angola ficou claro na autorização do paga­
mento de(ÜS$~3D0 mif)ao FNLA, em 22 de janeiro de 1975." Em
março, a União Soviética mandou um grande número de armas para o
PLA,Vem Luanda.*9100 O conflito tomava-se global e se incluía na
equação das relações Lestr^Oeste:------ ------
' Rõsl^stãdõTunidc^a_crise~ãhgolana tornou-se matéria de relevo.
Henry Kissinger, então secretário de Estado ,~coorde noif Its posições
americanas na questão. Em meados de 1975, na ânsia de derrotar a
possibilidade de governo comunista em Angola, toi aprovado valor de
ÜSÜT4Õ milhões para equipar a FNLÃ e a Unitã. O problema enfrenta­
do pela administração Ford (1974-1977) era o fato que qualquer polí­
tica de intervenção direta não teria sustentação depois da retirada do
Vietnã.)A diplomacia teve que ser conduzida sempre de-forma secreta-
e os fundos de apoio aos.grupos.de. direitajinham muita dificuldade de
i(Vser)i p ro va do e 1o Congresso. I0I_
A guerra secreta encabeçada pelos Estados Unidos em Angola, que
se intensificou no segundo semestre de 1975, tinha o objetivo de_se_
opor à cooperação do governo que instalara em Luanda, sob a direção
de Agostinho Neto, e à UniãcTSõVieticaTA tensão agravou-se quando o

Frontline. Londres, Zcd Press, 1983, part 1, pp. 9- 62. O papel de Portugal na África
depois do 25 de abril pode ser visio em Ruth First, “Southern África After Spinola”,
Ufahamu, 3, 1974, pp. 88 -108; Gerald Bcnder, “Portugal and Her Colonies Join the
Twentieth Century: Causes and Inilial Implicalions of lhe Military Coup”, Ufahamu, 3,
1974, pp. 121-163; Eduardo dc Souza Ferreira, “Portugal and Her Former African
Colonies: Prospects for a Neo-Colonial Rclationship”, Ufahamu, 3, 1975, pp. 159 -170.
99 Garrick Utley, “Globalism or Regionalism? United States Policy Towards Southern
África”, em Robert Jasler (cd.), Saulhem África: Regional Security Probiems and
Prospects. Aldershot, Gower/Intemational Inslitute for Strategic Sludies, 1985, p. 24.
Boa avaliação sobre o envolvimento dos Estados Unidos em Angola no final de 1975
foi preparada pelo coordenador da ação da CIA na região, John Stockwell, In Seatch o f
Enemies: A CIA Story. Londres, Andre Deutsch, 1979. Ver também René Lemarchand,
‘The CIA in África? How Central? How Intelligent?’, The Journal o f M odem African
Sludies, 3, 1976, pp. 401- 426.
100 O envolvimento da União Soviética em Angola pode ser visto em Arthur Jay Klinghof-
fer, TheAngolan War, a Study in Soviet Policy in the Third World. Boulder, Westview,
1980.
101 Garrick Utley, op. cit., p. 25.
168 O LLUGAR
U U O A K DA
U A ÁFRICA
A IK IU A

primeiro contingente de tropas cubanas chegou em Angola em outubro


de 1975, às vésperas da independência.102 A África do Sul, para pre­
servar seus interesses sobre a Namíbia, aceitou e estimulou o pedido
de ajuda da Unita pela intervenção militar em Angola, fato que se
confirmou em 23 de novembro de 1975.
A presença cubana em Angola aumentou a tensão na região. Cas­
tro negava que as armas e os contingentes eram para a guerra. jAtgUr
mentava que a ajuda era uma questão de solidariedade ao Terceiro
Mundo. As acusações mútuas de soviéticos e norte-americanos pu­
nham em xeque as negociações internacionais da détente. Após a de­
claração-unilateral da independência de Angola,; formulada pelo
MPI.A, Henry Kissinger solicitou imediatamente que a. CIA preparasse
plano para “ganhar” a guerra em Angola.103
O presidente Agostinho Neto tentou estabelecer relações diplomá­
ticas com os Estados Unidos. O último alegou que não normalizaria
relações sem a retirada das tropas cubanas de Angola. Um novo pro­
blema, de linkage entre a presença cubana em Angola e a intransigên­
cia norte-americana na região, viria esquentar ainda mais o quadro de
tensão.
Nesse contexto, é interessante observar a evolução das percepções
e atitudes do Brasil. O primeiro aspecto, já discutido, foi a degradação
da Comunidade Luso-Brasileira. A perda de importância da comuni­
dade abriu novas possibilidades para o Brasil em Angola e ensejou a
possibilidade de construção de uma política própria para a ex- colônia.
O ponto de partida para a mudança de percepção acerca da inde­
pendência angolana ocorreu entre 1972 e 1973, antes da Revolução
dos Cravos. Foi uma reformulação lenta e pouco publicizada, para não
ferir as suscetibilidades do governo português. Foi uma mudança re­
pleta de reveses e controvérsias no invólucro do processo decisório
brasileiro. O momento culminante foi o reconhecimento informãl da
independência de Angola ainda em março de 1975, antes da sua for­
malização em novembro de 1975. Os diplomatas desempenharam um
papel singular nesta mudança de rumo ao apressarem o processo deci­
sório no caso da independência de Angola, antes mesmo de outros se-

102 Idcm, ibidem.


103 Idcm, p. 26.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 169

( y ^ % ^ 6 •'A (b>c^
tores do governo compreenderem as redefinições das relações do
Brasil com Angola. Era o início de uma relação privilegiada que per­
siste até os dias atuais.
No governo Médici, o Itamaraty possuiu maior autonomia no inte­
rior do Estado autoritário que nos dois governos anteriores. Apesar das
características fechadas do regime, a Presidência da República e o
Conselho de Segurança Nacional não foram os únicos formuladores de
política externa. Em primeiro lugar, o governo Médici tinha um estilo
de administração descentralizada, inclusive nas matérias de política
externa. Em segundo lugar, um diplomata de carreira. Gibson Barboza.
foi apontado para o Ministério das Relacões-Exteriores. Ele já tinha
sido secretário-gerál do ministério no período Costa e Siiva e era um
árduo defensor da “Diplomacia da Prosperidade” e de uma política
exterior sem fronteiras ideológicas. Considerado um nacionalista,
Gibson Barboza encarnaria, ainda que com certas hesitações, a própria
ruptura do tradicional alinhamento com Portugal no caso das colônias
africanas.104
A confiança de Gibson Barboza na idéia de que a diplomacia esta­
va a serviço do desenvolvimento, e que o Brasil deveria ter liberdade
de tomar iniciativas próprias no caso da África, foi apresentada em sua
notável conferência à Escola Superior de Guerra em 23 de outubro de
1970. Ao afirmar que o Itamaraty necessitava renovar seus métodos
para o inundo dos novos mercados, Gibson Barboza insistiu que novos
caminhos implicavam redifinições de afianças tradicionais e compro­
missos anteriormente estabelecidos.105 Essa era uma lição que a di­
plomacia levaria adiante na questão de Angola e da África portuguesa
como um todo.

104 Sobre as visões políticas do cx-chancelcr, ver seu livro dc memórias lançado no início da
presente década. Ver também o texto dc Giíy Martinicrc, “La Politique Africaine du
Brcsil (1970-1976)", P ro b lin ie s cTAinériqtte Latine, 4474, 1978, pp. 7- 64. Sobre a
substituição gradual, no período dc Gibson Barboza, das visões pró-Portugal por per­
cepções próprias do interesse brasileiro cm Angola ver o excelente artigo de Wayne
Selcher, “Brazilian Relalions with Portugucsc África in lhe Contcxl of the Elusive
'Luso-Brazilian Community'", Jo u rn a l o f lu ie n m iio n a l Studies a n d W o rld A Jfa irs , I,
1976, p. 32.
105 Gibson Barboza, “Conferência do ministro Mário Gibson Barboza, pronunciada na
Escola Superior dc Guerra, cm 17 dc julho dc 1970", Docum entos de P o lítica Exte rn a ,
4, 1969/1970, p. 169.
170 O LUGAR DA ÁFRICA

Durante sua visita aos países da África negra atlântica, em \1 9 t^


Gibson Barboza compreendeu perfeitamente que os interesses eco-
nôniicos do Brasil ria Á frica seriam feridos se o Brasil permanecesse
ligado a Portugal na qua&ião-angolana. ÁÁdsitaTquè lêTnícioíTenT23
de outubro e só terminou em 20 de novembro, foi o marco nas novas
percepções brasileiras na África atlântica. Nos países visitados
(Senegal,-Gosta do Mâr(trn)~Gana, Togo, Daomé, Nigéria, Camarões e
Zaire), houve manifestações desses países ncTsêntido da inclusãõ~dos
territórios portugueses, de forma livre, na política africana do Brasil.106
Durante a visita à Nigéria, Barboza recebeu pressão direta do chefe
de Estado nigeriano, general Gowon, e de seu ministro das Relações
Exteriores, Okoi Arikpo. Õ comunicado conjunto assinado pelos dois
países em 18 de novcmbro-de-l -9-72-não.J.ez qualquer referência «« as­
sunto, como seria de se esperar em um comunicado do gêaexo^-Eatre-
tando, ao contrário de todos os outros comunicados_conjuntos.
assinados na viagem de Gibson Barhoza. não houve menção à autode-
terminaçao dos povos, já.que a Nigéria não aquiescia a ambiguidade
brasileira para o caso da África portuguesa.107
Sabe-se que o Acordo Comercial de 1972 só foi assinado entre
Gibson Barboza e o ministro Arikpo depois da explicitação brasileira
de apoio à independência de Angola. Em janeiro de 1974, ao visitar o
Brasil, Arikpo chegou a dizer que o petróleo só estaria disponível para
os amigos da liberdade no continente africano e para aqueles que apoi­
assem a autodeterminação de todos os povos do seu continente.108 Re­
cado mais claro era impossível.
O interessante é que desde o final de 1972 já estava definido para
o alto escalão do Itamaraty que não havia mais condições de cortejar
Portugal e a África negra simultaneamente. O êxito da visita de
Gibson Barboza e as perspectivas de cooperação técnica e expansão
comercial do Brasil no continente africano pareciam mais promissores
que a tradicional amizade com Portugal. Esse foi o núcleo da reformu­
lação política empreendida na época.

Os textos de iodos os comunicados conjumos c acordos assinados pelo Brasil com os


países africanos visitados cslão publicados cm Documentos de Política Externa, 6,
1972, pp. 140-340.
107 “Declaração conjunta Brasil-Nigéria", Documentos de Política Externa, 6, 1972
pp. 3 3 0 - 331.
108 Jornal do Brasil, 26 de janeiro de 1974.
^ - ^ 9 - (k(/{ h
/
*ADOS DA POLÍTICA AFRICANA
OS-AlvíOSDOüRADOS 171

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____ y
Gibson Barboza voltou da África declarando o ano de 1972 o
“Ano da África”, seguindo os avanços da campanha anticolonial em­
preendida pelas Nações Unidas naquele ano. £alvoxaias-exc.eç5fcs, as^
manifestações foram calorosas ao ministro que havia “redescoberto” a
África. O Congresso Nacional, ainda que limitada em.suas nrerrOgãGH
vas pelo sistema político fechado, manifestou-se sobre a viagem de
Gibson Barboza. O deputado Geraldo Guedes (ARENA) referiu-se à
viagem como uma “vitória diplomática”,10910enquanto o congressista
negro Adalberto Camargo (MDB) discursou sobre os benefícios mú­
tuos que a viagem trazia para o Brasil e para a Álrica."
.Outro congressita, Cláudio Leite, do MDB, achou que a melhor
forma de elogiar a visita de Gibson Barboza era citando os comentári­
os do pai da teoria lusotropicalista. Gilberto Freyre havia declarado ao
Diário de Pernambuco que com a visita do ministro o Brasil “reconquis­
tava o tempo perdido”.11112
O principal mérito da viagem de Gibson Barboza foi o de ter forta­
lecido as percepções que o Itamaraty vinha defendendo desde a Mis­
bB são Comerciai à África dê 1965^ Os diplomatas que acompjmharam
Gibson Barboza na viagem de 1972, entre eles o então ministro André
Mesquita e os secretários Rubens Ricúpero e Alberto da Costa e Silva,
voltaram ao Brasil convencidos de que uma maior presença do país na
África era preciso, mesmo em detrimento da mudança das posições
brasileiras no caso da Ãfricã~po11uguesa-e-da-qtiesrãa^alTgõlana) em.
especial. Um testemunho daquele momento, o hoje embaixador Alber-
to da Costa e Silva, delineou muito bem o espírito daquele ano em sua
excelente descrição da missão de 1972.
Mas havia dificuldades na implementação de uma política africana
que rompesse com Portugal no caso de Angola. A primeira advinha da

109 Diário do Congresso Nac onal. Câmara dos Deputados, 1972, sessão de 27 dc novem-
bro, p. 5.327.
110 Diário do Congresso Nac onal. Câmara dos Deputados, 1972, sessão de 12 de dezem-
bro, p. 5.660.
111 Diário do Congresso Noa onal. Câmara dos Deputados, 1972, sessão de 30 dc novem-
bro de 1972, p. 5.618.
112 Alberto da Costa e Silva, O vício da África. Lisboa, Sá da Costa, 1989. Ver também
seu artigo “Um domingo no reino de Dangomc”, ADB-Bolelini da Associação dos
Diplomatas Brasileiros, 19, 1995, pp. 10- 13.
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17 2 o LUGAR DA ÁFRICA \jL ] T i \


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resistência dos setores mais ideologizados do estamento militar. Como
poderia um regime autoritário de direita apoiar os movimentos de li­
bertação em Angola, como o MPLA, que defendiam o marxismo? Essa
era uma questão imponderável sugerida por áreas mais conservadoras,
especialmente presentes no Conselho de Segurança Nacional.
A segunda dificuldade, associada à primeira, era a presença, no
governo Médici, de outros setores do governo que preferiam uma esco­
lha liberalizante da inserção internacional, sem a presença das colônias
portuguesas em processo de libertação. A tônica, para o ministro da
Fazenda Delfim Netto, seria a retomada das relações especiais com os
Estados Unidos e a defesa da Comunidade Luso-Brasileira. Gestor da
pasta mais importante do governo em momento de reinserção interna­
cional, Delfim Netto defendeu a prioridade do relacionamento com
Portugal e a África do Sul em detrimento das novas escolhas na África
negra. Rejeitava o poderoso ministro qualquer envolvimento brasileiro
em Angola.11314Essa rejeição à possibilidade de uma ligação direta do
Brasil com Angola, como dois países independentes, foi apresentada
pelo seu porta-voz, Villar de Queiroz, ainda durante os preparativõsldã
* ■ |J | ___— | ]4 —• —
visita de Gibson Barboza â Afnca negra.
A querela no interior do governo teve repercussões em setores da
sociedade civil. O lobby português aproveitou para declarar o ano de
1972, o mesmo que havia sido declarado pelo Itamaraty como o “Ano
da África”, o “Ano da Comunidade Luso-Brasileira”. Além disso, vá­
rias concessões entre os dois países foram estabelecidas, corno a cida­
dania comum aos brasileiros e portugueses que viviam em ambos os
países. O presidente Américo Tomáz visitou o Brasil em abril de 1972,.
no sesquicentenário da Independência, e trouxe os restos mortais de
Dom Pedro I. Em maio de 1973, Médici e Gibson Barboza visitaram
Lisboa, em retribuição à atenção portuguesa no ano anterior.

113 A existência dessa tensão entre Gibson Barboza c Delfim Netto foi confirmada pelo
então ministro da Educação Jarbas Passarinho cm entrevista à revista Playboy, 4 de abril
de 1989, p. 48 c seguintes.
114 Jornal do Brasil, 20 de fevereiro de 1972. Para a compreensão das visões de Delfim
Netto sobre o comercio com a África c sua defesa da cooperação com a África do Sul,
que vinha desde a década de 1950, ver D. Netto, “Esperança c realidade sobre a concor­
rência africana”. Revista dos Mercados, 98, 1959, pp. 5- 8.
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OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 173

Mas gestos de amizade dirigidos pelos dois lados não dirimiam a


contenda. Os próprios portugueses temiam que o Brasil pudesse mudar
de posição e reconhecer os movimentos de independência em Angola.
Temiam também que o Brasil viesse a substituir Portugal, econômica e
politicamente, na África.115
As percepções do Itamaraty terminaram dominando. As pressões
arábico-africanas, associadas ao empenho dos diplomatas brasileiros,
terminaram inclinando o processo decisório a favor da aproximação
brasileira a Angola, antes mesmo da Revolução dos Cravos e da gui­
nada portuguesa na questão colonial. Médici chegou a reunir Gibson
Barboza e Delfim Netto para resolver as diferenças internas e ameaçou

-'Á •"> ^
de demissão se persistisse a querela em tomo do tema africano.1161789A
decisão pelo caminho próprio brasileiro em Angola já estava tomada.
O próprio governo Médici começaria a desenvolver uma política de
convencimento junto a Portugal para que este mudasse sua acepção
sobre o caso de Angola. O Brasil mediava, o que foi aceito por vários

"A '1
países africanos, como o Quênia, no final de 1973.'17
Marcello Caetano não gostou da proposição brasileira de media­
ção, que já era de eqüidistância quando comparada às posições tradi­
cionais de alinhamento do Brasil a Portugal. No mesmo mês de
dezembro de 1973, o primeiro-ministro português afirmou que tam­
bém se olerecia como mediador entre o governo brasileiro c a guerri­
lha de esquerda que se instalara no Brasil."8 A troca de insultos já

^
configurava o incidente diplomático e a inclinação brasileira para o
apoio às independências da África portuguesa.
Foi o governo Geiscl, entretanto, que recebeu os louros da inflexão

^
brasileira para Angola. O ministro Azeredo da Silveira, também di­
plomata de carreira, tinha servido, na juventude, ao lado de Araújo
Castro. Defendia a ampliação de espaços para a política externa do ^ " A
Brasil no Terceiro Mundo e o término de qualquer restrição ideológica
na aproximação brasileira às colônias portuguesas."9

113 Wayne Selcher, “Brazilian Rclalions ..., op. cit., p. 30.


116 Jarbas Passarinho, op. cit., p. 48. r
117 Jornal do Brasil, 15 de dezembro de 1973.
118 O Globo, 28 dc dezembro de 1973.
C
119 “Diplomacia: a descoberta da África", Veja, 14 dc julho dc 1976, pp. 24-25; Ver tam­ c
bém' Olga Nazário, op. cit., p. 41, e Jacqucs D'Adcsky, “Brasil-África: convergência
para uma coopcraçSo privilegiada”. Estudos Afro-Asiáiicos, 4, 1980, p. 6. c
c1 .
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174
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l n"i / - > . jj.
Foi com Azeredo da Silveira que o Brasil reconheceu a indepen­
dência da Guiné-Bissau em 16 de julho-de-ÜLZá^ mesmo antes das
conclusões das negociações entre Portugal e.os líderes do movimento
de libertação. Mário Soares criticou o reconhecimento unilateral brasi-
leiro, sem qualquer consulta prévia a Portugal. O Brasil rompia o Tra-
tado de 1953. Victor. Saúde, ministro das Relações F.xterinres do novo
país independente, visitou o Brasil na segunda metade do ano e agra­
deceu o reconhecimento brasileiro._
Em setembro daquele mesmo ano, na sessão de nhertnra da As.
sembléia-Geral das Nações Unidas, Azeredo da Silveira afirmou que o
Brasil acreditava, “sem restrições, que não há justificativa para o adi­
amento do processo de descolonização” da África portuguesa.120 Na- J l
quela mesma ocasião, o ministro brasileiro condenou o apartheid sul-
africano e deu as boas-vindas à delegação da Guiné-Bissau.121
Um pouco antes da Assembléia-Geral das Nações Unidas, a im­
prensa brasileira noticiava a petição da Organização da Unidade Afri­
cana (OUA) para que o Brasil fosse o negociador da independência-de
Angola. O colunista Carlos Dunshee de Abranches, do J o r n a ldo
Brasil, informava aos leitores que o Itamaraty estava se preparando^
para aquela missão.12' Mas O Globo, mais vinculado aos interesses
portugueses, afirmava que não era bem uma oferta de mediação, mas
de mera compreensão humanitária da questão.123
Em novembro de 1974, durante a viagem ao Senegal, Azeredo da
Silveira falou acerca da necessidade da independência de Angola.124
Em sua visita oficial de quatro dias a Dacar, o ministro brasileiro en­
controu o presidente Léopold Senghor e o primeiro-ministro Addou
Dioul. Quando consultado sobre as posições brasileiras no caso ango­
lano, Azeredo da Silveira informou que estava preparado para estabe-'
_________________________________________________________________ — — ■— ■— ~ ~ —

1-0 “Discurso do chanceler brasileiro Antonio F. Azeredo da Silveira, na abertura da XXIX


Assemblcia-Geral da Organização das Nações Unidas”, Resenha de Política Exterior
do Brasil, 2, 1974, pp. 39 -4 1.
121 Idem, ibidem.
Carlos A. Dunshee de Abranches, “Missão do Brasil na África”, Jornal do Brasil, 15 de
junho de 1974.
“Itamaraty não oferece mediação mas quer colaborar com Portugal c África”, O Globo,
9 de junho de 1974, p. 2.
'■J “Chanceler Silveira no Senegal: independência deve ser conquistada de dentro para
fora” , O Globo, 26 de novembro de 1974, p. 6.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 175

lecer contatos com os movimentos de libertação. O Brasil, afirmou o


ministro, estava preparado para ajudar economicamente o novo Estado
angolano, não interessava quem chegasse ao poder.1' 5
Essa era uma questão difícil, inclusive para a diplomacia brasilei­
ra. O então ministro das Relações Exteriores da Nigéria, Joseph Garba,
comentou em seu livro de memórias que a Nigéria, Tanzânia, Zâmbia
e outros países africanos progressitas preferiam um governo de unida­
de nacional em Angola, com os três maiores movimentos dividindo o
poder.12512612789Mas na prática alguns deles apoiavam abertamente um mo­
vimento de libertação contra os outros. Era o caso dos presidentes
Bongo, do Congo, e Idi Amin, de Uganda, que apoiavam a indepen­
dência em separado do Enclave de Cabinda. Ou do ditador do Zaire,
Mobutu Seko, que apoiava o FNLA.
O Brasil também começou a tomar partido já no final de 1974.
Exatamente no final do ano, alguns diplomatas brasileiros discutiram
com o MPLA, FNLA e Unita sobre as possibilidades de cooperação no
novo contexto da Angola independente.1' 7 ítalo Zappa, um dos mais
qualificados diplomatas do Itamaraty nos assuntos africanos e chefe do
novo Departamento da África, Ásia e Oceania, foi mandado para a
Tanzânia, Zâmbia e Etiópia para conversar com os exilados angolanos
e moçambicanos. Zappa argumentava que o Brasil estava convencido
de que as relações de poder tinham que ser alteradas na África Austral,
criticou o apartheicl e defendeu a infiexão da política africana do
Brasil para a África negra. Seu relatório foi mandado para o presidente
I"^8 '
Geisel no início de 1975. "
E hoje não resta dúvida que o relatório de Zappa teve primordial
relevância no processo decisório brasileiro na questão angolana.1"9 Em

125 “Brasil dialogará com líderes dc Angola”, O Estado de S. Paulo, 29 de novembro de


1974, p. 17.
126 Joseph Garba, op. cit., pp. 15-36.
127 “Diplomacia. Agora, a África", Veja, 4 de dezembro de 1974, p. 25.
128 “Relatório da África vai ao presidente”, Jornal do Brasil, 12 dc fevereiro de 1975. Ver
também a conferência do embaixador ítalo Zappa no Painel de Assuntos Internacionais,
organizado pela Comissão dc Relações Exteriores, da Câmara dos Deputados, em 10 de
outubro dc 1975, na Resenlm de Política Exterior do Brasil, 7, 1975, pp. 122-126. Ver
também ítalo Zappa, “Nova ordem mundial: aspectos políticos”, Revista Brasileira de
Política Internacional, 18, 1975, pp. 83 - 88.
129 Marroni de Abreu, op. cit., p. 75.
1 76 O LUGAR DA ÁFRICA

março de 1975, o Brasil foi o primeiro país a estabelecer relações di­


plomáticas com Angola. Uma representação do Itamaraty foi mandada
para Luanda mesmo antes da independência formal do país. A fórmula
jurídica encontrada foi a criação de um representação especial acredi­
tada junto ao governo de transição de Angola. Ovídio de Andrade
Melo, diplomata de carreira que servia no Consulado-Geral do Brasil
em Londres, foi indicado representante especial perante o Conselho
Angolano dos Presidentes, que incluía os três movimentos de liberta-
çao.
O gesto brasileiro foi visto em Angola como o início de uma rela­
ção "privilegiada e o término de um longo período de ambiguidades da
política brasileira para a África de expressão oficial portuguesa. Mas
não só em Angola houve repercussão para a decisão brasileira. A im­
prensa no Brasil elogiou a audácia do Itamaraty e descreveu a Repre­
sentação Especial como uma “embaixada, que cultivará o melhor
relacionamento entre brasileiros e angolanos, sem perda de tempo”.
O clímax da iniciativa brasileira deu-se com a visita dos represen­
tantes dos respectivos movimentos ao Brasil em abril de 1975. Como
convidados do Itamaraty, eles estiveram em Brasília para apresentar
suas razões para a independência e as formas de governo que pensavam
implementar no país que nascia. A partir de maio de 1975, o Brasil
começou a mandar alimentos, equipamentos e roupas para Angola. "
O mais importante, entretanto, foram as descobertas leçentesjobre
o apoio secreto do Brasil ao MPLA naqueles dias. Apesar das declara­
ções de Azeredo da Silveira em Dacar, em novembro de 1975, afirma­
ções de membros do SNI, dez anos depois, indicam que o Brasil teria
mandado secretamente armas para Agostinho Neto e o MPLA na sua
luta contra a FNLA e a Unita.13012133

130 “Angola e África”, Jornal cio Brasil (editorial), 3 dc março de 1975. Ver também o
impressionante relato de Ovídio de Andrade Melo, “O Brasil e o reconhecimento de
Angola" (separata sem data).
131 “Angola c África..., op. ci/.
132 Esse foi o caso da empresa Pão de Açúcar, que manteve suas lojas trabalhando em
Luanda durante toda a guerra. O governo brasileiro deu cerca dc US$5 milhões para
ajudá-la a manter Angola abastecida. Ver “Itamaraty. Afinal, qual o problema com a
China c Angola?", IsioÉ, 26 dc outubro dc 1977, pp. 8 - 9 .
133 IsioÉ, 5 dc junho de 1985, p. 30.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 177

Mas a matéria é controversa. Ovídio de Andrade Melo, em seu re­


cente e intrigante depoimento acerca do reconhecimento brasileiro de
Angola., fala da dubiedade da política brasileira naqueles dias. Ao
mesmo tempo que fazia os acenos ao MPLA, o governo brasileiro
permitia que ‘alguns brasileiros, alguns até fardados com o uniforme
do exército, aparecessem como ‘conselheiros’ de Holden Roberto, em
Kinshasa, depois na invasão de Luanda”! 34
A controvérsia acerca das posições brasileiras envolveu a CIA,
pois incomodavam aos Estados Unidos as relações que o Brasil vinha
mantendo com o MPLA. Essa revelação foi feita pelo próprio chefe da
operação da CIA na guerra de Angola, John Stockwell!35
Quando o Brasil reconheceu a independência de Angola sob a go­
vernança do MPLA, em 11 de novembro de 1975, foi o primeiro país a
fazê-lo. Seguiram-no a Suécia e o Conselho Mundial das Igrejas. Ovídio
de Andrade Melo foi nomeado embaixador especial para a solenidade
de independência, e seguiu do Brasil o conselheiro Cyro Cardoso, para
acompanhar também os festejos da independência de Angola.
Temporariamente ficou Ovídio Melo respondendo pela Embaixada
em Luanda, mas a presença das tropas cubanas deu nova dimensão ao
conflito do governo com a Unita e a FNLA. Como lembrou apropria­
damente o embaixador especial!

O que começara como luta civil financiada e estimulada do exterior,


e continuara como pura e simples invasão estrangeira disfaçada por
todos os meios publicitários, transformava-se agora, cruamcnte, em
mais um episódio da Guerra Fria. As pressões internacionais e inter­
nas sobre o Itamaraty certamente aumentariam.1 341536

E aumentaram. A própria saída de Ovídio de Andrade Melo de


Luanda e sua substituição pelo encarregado de negócios Affonso Cel­
so Ouro Preto foram atribuídas as pressões da CIA sobre o governo
brasileiro. Stockwell declarou que o diplomata Melo apoiava aberta­
mente a facçao de Agostinho Neto. E isso não era bom nem para o
Brasil nem para os Estados Unidos.137

134 Ovídio de Andrade Melo, op. cit., pp. 69 -70.


135 Idcm, p. 70.
136 Idem, p. 58.
Jornal de Brasília, 22 de agoslo de 1978; J. Stockwell, op. cit.; Ovídio dc Andrade
Melo, op. cit., pp. 70 - 7 1.
178 O LUGAR DA ÁFRICA

Sabe-se também que a decisão do reconhecimento de Angola foi


tomada sem unanimidade no Conselho de Segurança Nacional.15* A
chamada linha-dura dos militares não ficou satisfeita com a perfor­
mance do Itamaraty em encaminhar o reconhecimento precoce de um
país comunista. Solicitaram, na Escola Superior de Guerra, explica­
ções do ministro Silveira. Afirmou Silveira que o Brasil tinha informa­
ções suficientes para saber que o MPLA estaria controlando o
governo. O reconhecimento expressava, nas palavras de Silveira, a
promoção dos objetivos estratégicos e econômicos do Brasil na região
e a defesa das relações sadias entre os países de expressão oficial por-
139 _._________ _________-"s
tuguesa.
Configurava-se a vitória do Itamaraty sobre a política externa ideo-
logizada, tão desejada por setores mais conservadores do espectrcTp<>
lítico do regime militar. Apesar das dificuldades, e da penalização
imposta à carreira de Ovídio de Andrade Melo (que nunca foi perdoa­
do por ter agilizado o processo de reconhecimento do governo do
MPLA), o Brasil mostrara flexibilidade diplomática e afirmava sua
política africana. Em 3 de maio de 1976, já em um ambiente jrtenos
tenso para o Itamaraty, foi nomeado Rodolfo Godoy como embaixador
plenipotenciário do Brasil para Angola.
O novo contexto exigia um nova política para a área africana-de
expressão portuguesa, longe da falecida Comunidade Luso-Brasileira.
Portugal era posto à margem diante das pretensões brasileiras na Áfri­
ca portuguesa. Em 15 de novembro de 1975, Moçambique e Brasil
estabeleciam relações diplomáticas. O líder do Partido Comunista,
Luís Carlos Prestes, foi convidado pelo governo moçambicano a par­
ticipar das cerimônias de independência em Moçambique. Depois, o
embaixador ítalo Zappa foi mandado como o primeiro embaixador
brasileiro para Moçambique.
No Congresso Nacional, muitos congressistas defenderam o reco­
nhecimento de Angola e as novas relações entre os dois países atlânti­
cos. Fernando Lyra, do MDB, citou José Honório Rodrigues, que havia
declarado, ainda em 1961, que o “anticoloilialismo brasileiro deveria1389

138 Andrew Hunell, 'T h e polities ofSouih..., op. cit., p. 187.


139 Carlos Conde, “Fala ao Exercito fortalece Silveira”, Jornal do Brasil, 29 de julho de
1977.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 1 79

ser coerente e defender a independência de Angola”.140 O estilo


“Silveirinha”, ao se referir ao ministro Azeredo da Silveira, foi elogia­
do pelo deputado Norton Macedo, da Arena, que caracterizou a ação
do ministro no episódio de Angola como o caso do “homem adequado
no tempo certo”.141
Mas não houve somente manifestações de elogio ao _Itamaral-y.
Força.s máLs” à^direirarno próprio governo e no Congresso tutelado,
sentiram-se traídas pelo novo curso da política africana do Brasil. O
reconhecimento de um governo marxista na África, sustentado por
tropas cubanas e armas soviéticas, era dose excessivamente forte para
o núcleo mais “duro” do poder. O deputado Milton Steinbruch, da
Arena, censurou Azeredo da Silveira pelo reconhecimento
“prematuro” de Angola. Para ele, era um absurdo o Brasil ter sido “o
único país não-comunista a ter reconhecido um governo apoiado por
tropas comunistas estrangeiras”.142 Era uma traição à “filosofia defen-
dida pelas Forças Armadas”.143
A imprensa também tomou partido no assunto. O Estado de S.
Paulo dedicou uma série de editoriais, no ano de L975, criticando-o-
Itamaraty e o pragmatismo na política externa brasileira. Em um edi­
torial intitulado “Mexicanização da diplomacia”, publicado em 12 de
novembro de 1975,144 o jornal acusava o chanceler de ter tido interesse
pessoal na “sedução de setores da esquerda” no Brasil e no mundo.
Seguindo a mesma linha de acusação da linha-dura do estamento
militar, o mesmo editorial afirmava que o Brasil havia reconhecido
diplomaticamente, em Angola, um “fato criado por Moscou e Hava­
na”. E esse era um fato grave para uma área de vital importância geo-
política para o Brasil como o Atlântico Sul. A matéria, “de segurança
nacional”, tinha sido resolvida comaçodamento.145

140 Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, 1975, sessão de 11 de novem­
bro de 1975, p. 10.369.
141 Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Dcpuiados, 1975, sessão de 24 de oulubro
de 1975, p. 9.397.
142 Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, 1976, sessão de 6 de abril de
1976, pp. 2.079-2.080.
143 Idem, ibidem.
144 “Mexicanização da diplomacia”, O Estado de S. Paulo, 12 de novembro de 1975.
145 Idem, ibidem.
180 O LUGAR DA ÁFRICA

A questão angolana foi, certamente, tratada como uma questão de


segurança nacional, bem ao estilo das forças políticas instaladas no
Palácio do Planalto. Houve rumores de que Silveira foi repreendido
privadamente por altas hierarquias militares. O general Sílvio Frota,
ministro do Exército e membro do Conselho de Segurança Nacional,
foi certamente contrário ao encaminhamento dado pelo Itamaraty ao
reconhecimento de Angola. Um dos líderes da chamada linha-dura,
Silvio Frota, atacou a liberalização política liderada pelo presidente
Geisel e chegou a coordenar plano, envolvendo outros oficiais como o
general Jayme Portella (ex-chefe da Casa Militar do presidente Costa e
Silva), pára se tornar o sucessor de Geisel e congelar o que ele chümou
de “decomposição” do regime encaminhada pelo presidente no poder.
Silvio Frota atacou, abertamente, a decisão do reconhecimento de
Angola, como o faria com a China. Em um manifesto mandado para
todas as guarnições militares em 12 de outubro de 1977, as vésperas
da sua demissão pelo presidente, o ministro-general acusou o governo
de “complacência criminosa com a infiltração comunista nos altos ní­
veis do governo”.1 Acusava o Itamaraty e Silveira pelos desatinos
cometidos na questão angolana.
Em 1980, outro oficial da linha-dura, general Andrada Serpa, tam­
bém criticou a política externa brasileira no que se referia ao reconhe­
cimento do governo marxista em Angola. Mas já não havia mais,
espaço político para aquela manifestação. O próprio general Golbery
do Coutro e Silva, um dos ideólogos do anticomunismo e formulador
principal da dimensão geopolítica do Atlântico, concordara com o
sentido pragmático que a política externa dera à questão angolana. O
mesmo aconteceu com o general João Batista Figueiredo, o sucessor1467

146 Thomas Skidmore, op. cit., pp. 108-109.


147 O manifesto de Silvio Frola apareceu na imprensa no dia seguinte. Ver Follm cie S.
Paulo, 13 dc outubro dc 1977. Sobre as diferenças entre os militares acerca da política
interna c externa ver o livro do cltcfc do gabinete militar do presidente Geisel, general
Hugo Abreu, O outro lado do poder. Rio dc Janeiro, Nova Fronteira, 1979. Ver
também “Itamaraty. Afinal, qual o problema com a China e Angola?”, IstoÉ, 26 de
outubro de 1977, pp. 8-9; “Diplomacia. Assim conversam os militares”, IstoE, 27
de julho de 1977, p. 12; “Queda de Frota. Geisel mostra quem manda”, IstoÉ, 19 de
outubro de 1977, pp. 5-7; “No Itamaraty, mais ação e menos solidão”, IstoE, 16 de no­
vembro de 1977, pp. 36 -37; “Os militares c o controle do Estado”, IstoÉ, 14 de março
de 1979, pp. 45 - 46.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 181

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— J- X?-
-deJjeiseJj.e que naquele momento ocupava a chefia do Serviço Nacio­
nal de Informação (SNI). A cooperação dos militares a favor da desi-
deologização da política exterior foi descrita como uma espécie de
“aliança tácita” com o alto escalão do Itamaraty, representado por Sil-
I veira.148
Com o reconhecimento do governo do MPLA em Angola, o Brasil
desafiou a política dos Estados Unidos para a África Austral. O secre­
tário de Estado Henry Kissinger criticou, publicamente, o reconheci­
mento brasileiro da independência angolana, nos termos em que ela foi
encaminhada.149 Na verdade, o reconhecimento da independência an­
golana também operou como um sinal para os Estados Unidos no jogo
de força que vinculava esta questão ao projeto nuclear brasileiro, ao
desenvolvimento da indústria bélica e à própria busca de autonomia
energética via construção de grandes hidroelétricas. Procurava o Brasil
desenvolver ceitos níveis de autonomia nas relações internacionais, e
para tal eram necessários sinais diplomáticos desse esforço. A questão
angolana garantiu muitos refletores para a diplomacia brasileira.
Na África, o reconhecimento brasileiro também gerou repercus­
sões. A Comissão de Conciliação, da Organizaçao da Unidade Africa­
na, havia recomendado para Angola um governo de unidade nacional
formado pelos três grandes movimentos de libertação.150 Mesmo as
políticas externas mais progressistas, como a de Murtala Muhammed,

Moniz Bandeira, op. cit., p. 256. Moniz Bandeira, oportunamente, define o relaciona­
mento entie os militares c o Itamaraty de "aliança tácita". Mas igualmcnlc reconhece a
existência de uma diplomacia militar paralela” que apoiara os golpes militares de direita
na Bolívia (1971), Uruguai (1971-1973) c Chile (1973). Ver Moniz Bandeira, op. cit.,
p. 199. Pode-se reconhecer que essa mesma "diplomacia militar paralela" esteve pre­
sente cm Angola quando alguns militares brasileiros prestavam apoio à FNLA de
Holdcn Roberto, dentro da operação coordenada pela CIA. Ver Ovídio de Andrade
Melo, op. cit., pp. 69 - 70.
O Itamaiaty c o mundo. O reconhecimento da China, a aproximação da África, o
acordo nuclear e as pressões de Jimmy C ancr”, IsioÉ, 21 de fevereiro de 1979, pp. 85-
87; Moniz Bandeira, Brasil-Estados Unidos..., op. cit., p. 228. A estratégia secreta dos
Estados Unidos dc apoio à Unila c à FNLA, bem como de desestabilização do governo
do MPLA, pode ser vista cm Garrick Utlcy, op. cit., p. 24 c seguintes. Ver também
John Stockwell, op. cit. e United States Government, Foreign Reiations o f the United
States. Washington, Government Priming Office, 1976.
150 Chuks llloegbunam, “OAU Special. Evolving African Poticy”, West África, 27 de maio
- 2 de junho, 1991, p. 845.
182 O LUGAR DA ÁFRICA

da Nigéria, defendiam a prudência. Até o dia 23 de novembro de 1975


(12 dias depois da independência e do reconhecimento brasileiro), o
ministro nigeriano das Relações Exteriores, Joseph Garba, defendia o
governo de unidade nacional. A posição nigeriana só mudou em 23 de
novembro quando as tropas sul-africanas começaram a~ãvãnçar em
direção a^LuandS) A definição brasileira em 11 de novembro foi con-
templada como um dado concreto no processo decisório nigeriano.151
O diplomata Marroni de Abreu argumenta que o Brasil pagou um
preço não só em Angola, com a inimizade da Unita de Jonas Savimbi,
mas também em vários países africanos da chamada linha moderada.
O Zaire e o Gabão, países com os quais o Brasil tinha interesses eco­
nômicos, ficaram descontentes com a rápida definição brasileira no
caso angolano.152
O resultado de todo esse difícil processo foi a relação privilegiada
entre Brasil e Angoía até os dias atuais. Depois de 1975TcTc(miércíõ
entre os dois países não floresceu como o sugerido pela retórica di­
plomática. Os problemas políticos domésticos em Angola, como a
tentativa de golpe de Estado de Nito Alves em 1977. e o desarranjo
econômico causado pela permanência da guerra civil dificultaram a
desejada ampliação comercial.
Somente sob a presidência de José Eduardo dos Santos, depois de
1981, ò comércio cresceu consideravelmente. Angola, na África Aus­
tral, e a Nigéria, na África Ocidental, tornaram-se os grandes parceiros
atlânticos do comércio brasileiro. O petróleo, obviamente, ocupou
capítulo central em ambos os casos. A África do Sul foi, assim, substi­
tuída por Angola na condição da maior parceira brasiIeiraÁTa- rêgfãc>.
As condições internacionais restritivas ao apcirtheicl também estimula­
ram essas mutações de interesse.

Joseph Garba, op. cit., pp. 21-22. Ver tambcni A. O. Sotunmbi, Nigéria Recognilion o f
the MPLA Govenuuent o j Angola — A Case Slnily in Decision-making anil implemen-
tation. Lagos, NIIA, Monoghraph Series 9, 1981; A. Bolaji Akinyemi (ed.), Nigéria
and lhe World Readings in Nigéria Foreign Policy. Ibadan/Oxford, NIIA, 1978, p. ix;
Timothy M. Shaw e Olajidc Aluko, Nigerian Foreign Policy. Allemalive Perceplions
and Projections. Londres, Macmillan, 1983; e Joseph Wayas, Nigéria's Leadership
Role in África. Londres, Macmillan, 1979, pp. 48 - 80.
15' J. F. Marroni de Abreu, op. cit., p. 75 -76.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 183

Fato relevante foi a proposição do ministro Joseph Garba do eixo


Angola-Brasil-Nigéria de uma relação triangular privilegiada no
Atlântico. A idéia de Garba, depois realizada justamente pela determi­
nação diplomática de brasileiros e nigerianos, foi a de transformar o
Atlântico ao sul do Equador em região de paz e de comércio livre pre­
ferencial entre o Brasil e os países africanos progressistas da costa
atlântica. Em 1977, Garba agradeceu, no Brasil, a atuação brasileira na
aproximação a Angola. Para ele, o Brasil tinha sido “o melhor amigo
da Nigéria nas lutas de libertação na África”.153 Vale lembrar que a
mesma Nigéria havia cobrado do chanceler Gibson Barboza, ainda em
1972, a atuação brasileira a favor da independência de Angola. O
Brasil cumprira a promessa.
O certo é que o reconhecimento da independência de Angola forta-
leceu a imagem do Brasil no sistema internacionaf particularmente
entre os países, já naquela época, do chamado Terceiro Mundo. Isso
implicou grande receptividade às propostas mercantis brasileiras no
Sul em geral. A dimensão sul da cooperação internacional do Brasil
, viveu, a partir aãre so iução do caso angolano, gradativo crescimento.
A expansão do comércio com os árabes do Oriente Médio loi uma das
principais conseqiiências da resolução da questão ango 1ana pelojltusil.—
Do lado angolano, o presidente Agostinho Neto reconheceu j l c .q i u ri -
buição da diplomacia brasileira. Ofereceu toda a cooperação, .ecoo ômjça
possível. Recebeu, com interesse, a presença da Petrobrás na exploração
de petróleo. Após sua morte, em 1979, seu sucessor ~èhcaminhou os
acordos comerciais e de financiamento para o desenvolvimento ango­
lano. O Brasil tomou-se, então, um dos poucos contatos com o Ocidente.
O ministro Paulo Jorge, das Relações Exteriores de Angola, afir­
mou certa vez o caráter independente da política externa angolana e,
sua amizade ao Brasil.154 Embora a ação externa não tenha sido tão
independente naqueles anos duros do final da década de 1970,.o Brasil
foi certamente um dos poucos amigos confiáveis daquele país que
nascia com a esperança de romper verticalmente o jugo colonial que
lhe fora imposto por Portugal. Foi o capítulo mais dramático dos anos
dourados da política africana do Brasil.

153 “O nigeriano. A África confia no Brasil”, IsioÉ, l9 de junho dc 1977, p. 11.


154 “Angola: Relações Exteriores. Relatório do Comitê Central do Primeiro Congresso do
MPLA. Luanda, dezembro de 1977”, Estudos Afro-Asiâticos, 3, 1980, p. 105.
O©—
*—V'-'' GA

A
QUINTO CAPITULO
A ÁFRICA E O BRASIL NA PAX ATLÂNTICA
(1979-1990)

A África não é estranha ao Brasil, e não é só um


mercado, mas uma das principais fontes da nossa
formação.

O Brasil, como as nações em desenvolvimento na África,


tem interesse em m anter o Atlânjicg_Sul afastado da
corrida armamentista e cia confrontação entre.as.
superpotências.

Trechos de discuro do ministro das Relações Exteriores


Saraiva Guerreiro, na Câmara de Comércio Afro-Brasileira,
em março de 1982.

^ rg é r ^ A
Os novos contextos no Brasil, na África e no sistema internacional,
do final da década de 1970 e durante toda a década de 1980, impuse­
ram limites às relações entre as duas costas atlânticas. A euforia da
política africana do Brasil dos anos dourados foi substituída por rela­
ções mais cautelosas nos anos 1980.
As dificuldades econômicas em ambos os lados, particularmente
geradas pelas crises das dívidas externas, retraíram consideravelmente
as prospecções anteriormente desenvolvidas pelo Brasil na África. O
aumento das taxas de juros do dólar, que saíram de 3% a 4% em 1973
para 22% e 23% no início dos anos 1980, arrefeceram os sonhos de
potência que vinham sendo construídos no Brasil e liquidaram os an­
seios de autonomia econômica do continente africano.
A vulnerabilidade da economia brasileira e o caráter perverso da
dívida externa mostraram o paradoxo da estratégia desenvolvimentista
do Brasil.1 Arquitetada para aumentar a autonomia do Brasil no siste-
____________
i
Pcter Evans, “Staic, local and mullinational capital in Brazil: prospccts for thc stability
o f thc 'triple alliancc' in thc cighlics” cm Dianc Tussic (ed.), Lalin America in llie World
~V ^ ^ "N ^ ^ "V ~v-""v - - V - " V ^ V ^ - -S ^ ~S ; ~ Y ~ > "A
V
- C -C-C-C c c t t U w Sw' Qv' N- k- k»* k- \^y V V^ 'w- v^ (
186 O LUGAR DA ÁFRICA
(Vn<s~uDn
c tw l ~r\\ O' y C/\S^Ca^ i yvfi-y-sAO
joéLb
ma internacional, a lógica do crescimento peía via do endividamento
aumentara a própria dependência internacional do Brasil. O relevante
comércio externo do Brasil, que ajudara a diversificar a ação interna­
cional do país, teve seus créditos debitados na conta do balanço de
pagamentos. Os credores internacionais exigiam maior saldo na balan­
ça comercial do Brasil justamente para o pagamento da dívida. E, si­
multaneamente, esses mesmos credores estavam abarrotando o
mercado mundial com seus próprios produtos.2 O cenário internacio­
nal sepultava as ambições desenvolvimentistas do Brasil e tomaria sua
política externa mais modesta em seus objetivos.
As condições econômicas severas criadas na década de 1980 co­
incidiram com o endurecimento político do maior credor brasileiro, os
Estados Unidos.3 O retorno a certas condições já quase esquecidas da
dependência brasileira em relação à grande potência ocidental con­
fundiam-se com a recuperação da hegemonia norte-americana no Oci­
dente. As políticas agressivas de mercado, o uso político das dívidas
externas e o renascimento do conceito da cruzada contra o comunismo
foram os eixos da administração de Ronald Reagan nos anos 1980.
O Brasil e a África sentiríam as consequências do endurecimento
americano. (•.V,\ '\\ f\J \ j
O colapso da estratégia brasileira de desenvolvimento, e particu^
larmente do III Plano de Desenvolvimento Nacional (1980-1986), foi
confirmado já em 1982, com a crise da dívida. Pelo novo plano, toda a
política econômica subordinava-se ao pagamento das taxas de interes-

Economy: New Perspectives. Aldershot, Gowcr, 1983, pp. 139-168; Peter Evans,
“State, capilal and lhe transformation of dcpcndcncc, lhe Brazilian Computer case”’
World Developinent, vol. 14, nB 7, 1986; Bolívar Lamounier e Alkimar R. Moura!
"Economic Policy and Polilical Opcning in Brazil” cm J. Haillyn e S. A. Morley, Latin
American Polilical Econamy. Financial Crisis and Polilical Chance. Boulder
Westview, 1986, pp. 165-196.
Para a discussão dos problemas criados pelo aumento das laxas de juros ver Robert
Devün, Debl and Crisis in Latin America: lhe Supply Side o f lhe Stoiy. Princeton Uni­
versidade de Princeton, 1989; Howard Handclman e Werner Baer, Paving lhe Cosls o f
Austerily in Latin America. Boulder, Weslvicw, 1989; FMI, World Economic Outlook,
1987, FMI, Externai Debt, Ssaving and Growlli in Latin America. Buenos Aires Insti­
tuto Torquato di Telia, 1987.
Andrew Hurrcll, The Quesl fo r Aiuonomy: The Evolution o f Brazil's Role in lhe Inter­
national System. 1964-/985, tese de doutorado. Oxford, Universidade de Oxford
1986, p. 276.
A ÁFRICA E O BRASIL NA PAX ATLÂNTICA 187

ses e juros da dívida.4 No mesmo ano de 1982, o México declarava


moratória. A crise generalizara-se na América Latina. No Brasil, a di­
vida externa, que era de US$ 25 bilhões em 1976, elevou-se para
US$ 53 bilhões em 1980 e para US$ 105 bilhões em 1985. Em 1988,
Enrique Iglesias, presidente do BID, declarava a “década perdida na
América L a tin a ^ —-------
Na África,' esfacelaram-se\as esperanças^onshmídas_durante as
hitrõÁHp. independênci^r~Ã~dêsrfusHõ~t5rnõu~contados gestores africa-
nos. A década foi mais que perdida para os africanos, pois representou
o próprio desencanto com a democracia. Golpes de Estado e instabilL
dade política foram as marcas da vida política do continente. O abismo
entre elite e sociedade ampliou-se. Os efeitos da dívida e os ajustamen­
tos estruturais coordenados pelos técninos do Fundo Monetário Inter-
nacional tomaram o custo de vida extremamente alto nas capitais
africanas.4567* ...
Mas a política africana do Brasil não sentiu as conseqüencias
imediatas das dificuldades que se somavam em ambos os contextos.
Apesar do seu caráter realista e redução da euforia, o Brasil tentou
continuar sua inflexão para a África. O último governo do ciclo mili­
tar, presidido pelo general Figueiredo l i 979.-.1985-fr JMI}Igve as llnlL-s
gerais das condutas anteriores. Erh 1983,/ Figueiredq jbi _o_E>!'ime *10
presidente brasileiro a visitar o continente africano. O mesmo pode ser

4 Thomas Skidmore, The Polilics o f lhe M ililw y Ride i>\ Bmzil, 1964-1985. Oxford,
Universidade de Oxford, 1988, p. 236.
5 “O Brasil está parando. O aluai eslado da economia revela que o país chegou ao hm
de um ciclo de crescimento” . Exame (número especial), 11 de novembro de 1987,
pp. 22-30.
6 Newsweek, 7 de novembro de 1988, p. 32. . „
7 No caso africano ver Douglas Rimmcr, “Growlh versus Transformailon Revisited ,
África,i AJfairs, 354, 1990, pp. 119 -124; Douglas Rimmcr, “Externai Dcbt and Struc-
tural Adjustment in Tropical África", África,, AJfairs, 355, 1990, pp. 283-291. Ver
também Luc-Joel Grcgoire, “L ‘Afrique et les Perspectives Nouyellcs de Resolut.on du
Problème de la Dctle”, TravaiLX el Documents, 24, Centre d’Elude D'Afnque None,
1989. Sobre os problemas criados para os países cm desenvolvimento ver John Strem-
lau, ‘T h e Foreign Policies of Devcloping Counirics in lhe 1980s”, em J. Stremlau (ed.),
The Foreign Policx Priorities o fT h ird World States. Bouldcr, Wcstview, 1982, pp. 1-
18; Robcil A. Moiliner, The Third World Coalilion in International Polilics. Boulder,
Westview, 1984, pp. 44 - 48.
188

dilo acerca do governo da chamada Nova República, inaugurada com a


gestão do presidente José Sarney (1985-1990).
Foi ainda na década de 1980 que os níveis de comércio com o
continente africano alcançaram seus mais altos índices na história do
relacionamento. Mas no final da década declinaram consideravelmen­
te. Outro declínio foi o da relevância, cada vez menor, do Itamaraty
nas decisões concernentes à reinserção internacional do Brasil, com
consequências para a política africana.
O falo mais importante para a política africana do Brasil no perío­
do foi a construção de uma verdadeira Pax Atlântica. Resistindo às
pressões, norte-americanas pela montagem de um pacto de segurança
coletiva para a região nos moldes da OTAN, a política externa brasilei­
ra articulou-se com a diplomacia africana para garantir que o Atlânti­
co, ao sul da linha do Equador, fosse o lugar da paz e da cooperação.
Foi esse um capítulo muito especial nas relações entre a África e o
Brasil. A política africana confundiu-se, naquele momento, com a pró­
pria dimensão atlântica da política externa do Brasil.

Continuidades e limites da política africana

De março de 1979 a março de 1985, a sociedade brasileira teste­


munhou a transição gradual do Estado autoritário para o Estado demo­
crático. O general Figueiredo foi o último do ciclo de cinco presidentes.,
militares desde o golpe de 1964. Seu sucessor, José Sarney, ao assumir
o governo em março dc 1985, restaurava a democracia brasileira e a...
mantinha atada aos compromissos gerados no período autoritário. A
transição foi mais lenta do que se imaginava.
A política exterior de Figueiredo, e em parte a dc José Sarney, não
mostrou qualquer ruptura significativa em relação aos postulados do
governo Geisel. O sentido pragmático da política externaJloi o traço
marcante e contínuo aos três governos. O modelo econômico que ha­
via sustentado as opções da política exterior na década d'e'T970 não foi
modificado na década dc 1980. O exemplo da moratória mexicana em
1982 não inspirou tratamento similar no Brasil.
O Brasil deixou de lado a idéia da “politização” no tratamento da
dívida externa. Apesar das críticas do Itamaraty aos Estados Unidos e 1
à forma de condução da renegociação da dívida, o ministro Delfim
.- . V

’ >n- -£ - c l ^ ^ r v W C ^ /.'>AW'f\
A AFRICA E O BRASIL NA /VLY ATLANTIC A

^ . O v m Oo
Netto e o setor econômico do governo Figueiredo optaram pela eònti-
nuação do tratamento “técnico yda dívida externa. No final da década,
o país pagaria alto preço pelas desastrosas negociações das dívidas..
r externa c interna. Os elevados níveis inflacionários, que chegaram a
cerca de 85% mensais no final do governo Samey, haviam destruído a
capacidade de reprodução do modelo do íTãcr ÃJésenvoIvi-
mentjsmo,. i CJr\ T E ü \C J ~ ,
Apesar dessas dificuldades, os laços construídos^ com a África na"
década anterior não foram afrouxados. Em alguns casos, houve até-a-
expansão da cooperação tanto na área econômica quanto na política.
Os dados indicam que no governo Figueiredo o comércio Brasil-África
atingiu seu nível mais alto na História, ainda como resultado das polí­
ticas desenvolvidas nos anos dourados^ As exportações chegaram a
representar quase 7% do total das exportações brasileiras no período.
No governo Samey, o comércio começou a declinar, voltando para.ní­
veis entre 3,5% e 4% do total das exportações brasileiras para todo o
mundo. I '1 V ct>• LÊ5"
Na verdade, a continuação da cooperação comercial com a África
Ilera até estimulada pelo sistema financeiro internacional. A manuten­
ção da balança comercial superavitária por parte do Brasil era impor­
tante para dar conta dos délicits da balança comercial. Assim, a África
retornou ao mesmo lugar de antes, sem a relevância absoluta que a cri­
se do petróleo havia gerado na década anterior.
Foi esse o contexto da expansão do comércio com o continente
africano na primeira metade da década de 1980. A movimentação eco­
nômica foi acompanhada por intensos intercâmbios políticos através
do Atlântico. O fato marcante da continuidade da política africana foi
a primeira visita de um presidente brasileiro, e mesmo sul-am ericano/
ao continente africano. O general Figueiredo cumpriu grande périplo
entre 14 e 21 de novembro de 1983.* *9 Era o coroamento do esforço de
toda a década anterior.

Moniz Bandeira, Brasil-Estados Unidos. A rivalidade emergente (1950-1988). Rio de


Janeiro, Civilização Brasileira, 1989, p. 225; Andrew Hurrcll, op. cit., p. 275.
9 Todos os discursos c comunicados conjuntos produzidos durante a visita do presidente
Figueiredo à África estão publicados: “Presidente João Figueiredo visita cinco
-
países africanos”. Resenha de Política Exterior do Brasil, 39, 1983, pp. 3-35.
\V 6 _
190 O LUGAR DA ÁFRICA

Figueiredo visitou a Nigéria, Senegal, Guiné-Bissau, Cabo Verde e


Argélia. E antes dele, o ministro Saraiva Guerreiro havia visitado An­
gola, Moçambique, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue, em junho de 1980,
e Guiné-Bissau, Gabão, Costa do Marfim e o Cabo Verde em março de
1983. A visita de Saraiva Guerreiro a cinco países da Linha de Frente
revestiu-se de importância política maior. A visita a Angola foi a mais
contundente. O comunicado coniunto BrasiNAngola chepnfTa m n ^ 7
nar energicamente os atos “inadmissíveis de agressão” da África do
Sul contra a soberania e integridade territorial de Angola. As declara­
ções de Saraiva Guerreiro, em repúdio aos massacres contra as popula-
ções jçiviSi^mostraram aos angolanos a firmeza da relação privilegiada
Brasil-Angòta?
Comentou-se no círculo diplomático de Brasília que a visita de Fi­
gueiredo ao ocidente africano, e não à África Austral, estava ligada à
preocupação das áieas de segurança no Brasil com um encontro do
presidente com tropas cubanas nas ruas de Luanda. Para o Brasil, que
ainda mantinha posições de eqüidistância em relação a Cuba, não
convinha aquele encontro. O Brasil só viria restabelecer a normalidade
diplomática com Cuba em 1986.
Entretanto, não era essa a razão maior. Havia outros fatores de
atração na Álrica Ocidental atlântica que tornavam mais estratégica a
^visita de Figueiredo. A primeira razão origina-se do fato de ainda ha­
vei foites tensões políticas na África Austral que tornavam a própria
visita insegura. A África do Sul não iniciara as reformas mais substan­
tivas no opartheid e estava ainda comprometida com uma idéia que o
Brasil procurava derrotar: a construção da Organização do Tratado do
Atlântico Sul (OTAS) nos moldes da OTAN. A questão da Namíbia
ainda era problemática. Além disso, o presidente não poderia ir a An­
gola sem visitar também Moçambique.

Sobre a visiia de Saraiva Guerreiro a Angola, Moçambique, Zâmbia, Zimbábue e Tan­


zânia ver “Viagem de Guerreiro à Tanzânia, Zâmbia, Moçambique, Zimbábue e An­
gola", Resenha de Política Exterior do Brasil, 25, 1980, pp. 105-123. Ver também
Relatório, 1980, e “Um caminho próprio", IstoÉ, 21 dc fevereiro de 1980, pp. 30-31.
Vei também CEPALVCEPA, África y América Latina. Perspectivas de cooperación
internacional. Santiago do Chile, Nações Unidas, 1983. Discursos e comunicados con­
juntos assinados durante a visita de Saraiva Guerreiro à África em 1983 estão publica­
dos: “Saraiva Guerreiro visita o Gabão, Costa do Marfim e Guiné-Bissau", Resenha de
Política Exterior do Brasil, 36, 1983, pp. 29-39. Ver também Relatório, 1983.
A ÁPRICA E O BRASIL NA PAXATLÂNTICA 191

A região ocidental da Áfricá permitia, por outro lado, a visita de


um maior número de países em um raio menor de distância. Não havia
problemas políticos tão graves como os da Átrica Austral. E esses paí­
ses representavam as três grandes comunidades lingüísticas - francó-
fonas, anglófonas e lusófonas — em uma proximidade física que
facilitava deslocamentos e montagem de infra-estrutura apropriada à
primeira visita de um presidente brasileiro à África.
A opção também recaía na importância comercial dos países visi­
tados. A Nigéria era o maior parceiro brasileiro na África, como obser-
vado no capítulo anterior. O intercâmbio aumentava a níveis
impressionantes, chegando a cerca de um bilhão de dólares. Comj?
Senegal também havia importantes trocas comerciais. Entretanto, neste
caso, a visita já se revestia de relevância política adicional. O presiden­
te Senghor havia sido o primeiro presidente africano a visitar o Brasil,
ainda em 1964. Além disso, seu país ainda mantinha certa influencia
regional e uma política externa mais moderada, muito próxima a cer­
tas percepções da própria diplomacia brasileira.
A visita de Figueiredo à Guiné-Bissau e a Cabo Verde representa­
va o reconhecimento ao processo de independência de toda a Áliica
portuguesa e à cooperação independente que o Brasil vinha mantendo
com todos eles. A visita àqueles dois países substituía, simbolicamen­
te, a não-visita a Angola e Moçambique. Finalmente, a Argélia, na
África do Norte, era um país árabe, com o quaLo Brasil mantinha íela-
ções comerciais importantes. As trocas de petróleo pot manufaturados
tomaram a Argélia o maior parceiro brasileiro na região. Além disso, a
Argélia era país de visibilidade internacional, com grande envolvimen-^
to nas relações internacionais mediterrâneas e européias.
A viagem revestiu-se, portanto, de dois valores, _OjiTateiãal-,-objeti­
vo, traduzido no reconhecimento recíproco, da estratégia comercial
brasileira ao continente. O segundo, simbólico, remontava à idéia-da
identidade.atlântica que unia, com o gesto político da visita do primei­
ro presidente sul-americano, as duas regiões “ribeirinhas”.
Além da viagem à África, o governo Figueiredo estendeu as lepie-
sentações diplomáticas a 45 países africanos por.pi£LQ c|é 21 embaixa­
das localizadas eryCÃn^I^,^Argélia, vCabo Verde, Camarões, Egito,
Gabão, Gana, Guiné-Bissau, Costa do Martim, Fíbia, Marrocos, Mo­
çambique, Zaire, Zâmbia e Zimbabue. E mais ainda. Durante o mesmo
período, sete chefes de Estado africanos visitaram o Brasil: Kenneth
Kaunda, da Zâmbia, em agosto de 1979; Sekou Touré, da Guiné, em
junho de 1980; Moussa Traoré, do Mali, em outubro de 1981; Sessou
Nguesso, do Congo, em julho de 1982; e João Bernardo Viera (Nino),
da Guiné-Bissau, em julho de 1984."
A política externa, no Brasil, passou ao escrutínio dos debates
democráticos. " As contradições de um país que apresentava um Pro­
duto Interno Bruto que permitia alcançar o status de oitava economia'
do mundo capitalista, e um dos grandes exportadores de manufatura­
dos para o Terceiro Mundo, mas que sofria, simultaneamente, as agru­
ras dos grandes desníveis de renda e da ampliação da pobreza, foram
consideradas na discussão acerca da inserção internacional do Brasil.
Como sublinhado por Cavagnari Filho em 1987, não havia lugar,_
na década de 1980, para a euforia industrializante em um país com
cerca de 140 milhões de habitantes, mas com trinta milhões de analfa­
betos, quarenta milhões de desnutridos e trinta milhões vivendo no
limiar da pobreza absoluta. Metade da população possuía 13vá%__da
riqueza nacional.1123 A política externa da transição para a democracia
teria que lidar com esses desníveis sustentados pelo modelo de desen­
volvimento impulsionado desde os anos 1930.
Hélio Jaguaribe referiu-se a três grandes motivações para a alimen­
tação da concepção, formulação e conduta da política exterior do período.
A primeira era a percepção, entre os formuladores, da vulnerabilidade
do Brasil no sistema internacional. Havia um espaço conquistado no
sistema internacional, mas também muitas dificuldades paTãríi própria

11 Acordos c discursos resultantes dessas visitas foram publicados na Resenlui de Política


Exterior do Brasil, números de 1979 a 1984. Ver também a coleção Relatório.
12 Jorge Pontual, “Política externa precisa de abertura política”, Jantai do Brasil, 27 de
setembro de 1981, p. 2. Ver também artigo de Celso Lalbr que situa, no final da década
de 1970, alguns desafios que, de fato, foram sentidos pela política exterior do Brasil na
década de 1980: Celso Lalbr, “Política exterior brasileira: balanço e perspectivas”,
Dados, 1979, pp. 49 - 64.
13 Geraldo Lesbat Cavagnari Filho, “Autonomia militar e construção da potência” em
Llió/.cr Rizzo de Oliveira et al., As Forças Armadas no Brasil. Rio de Janeiro, Espaço e
Tempo, 1987, p. 78. Ver também “ 1964-1984. O regime está só”. Senhor, 4 de abril de
1984, pp. 35-56; “Simpósio: a transição política: necessidade e limites da negocia­
ção. Relatório final", Universidade de São Paulo, Gabinete do reitor, julho de 1987,
pp. 14 -19.
A ÁFRICA E O BRASIL NA P A X ATLÂNTICA 193

\ 4 W . 4 -r\Sj o ' iy
flexibilização anteriormente desenvolvida._A segunda era a necessida­
de de redefinição dos objetivos concretos do Brasil no sistema inter­
nacional. A última seria a avaliação realista das possibilidades de ação,
cada vez mais reduzidas no conjunto da crise da dívida externa.14
O ministro Saraiva Guerreiro percebia essas motivações que trazi­
am fortes implicações e limites para a continuação do enfoque conti­
nental da política africana do Brasil. As diretrizes da política exterior
do período foram apresentadas, na sua conferência aos oficiais da Es­
cola Superior de Guerra, em tomo de três grandes princípios: o univer­
salismo, a dignidade nacional e a habilidade da convivência. Para ele.
o impacto criado por um cenário internacional cada vez mais fluido e
complexo exigia o universalismo e o sentido das oportunidades.15 Pn>
fessava o ministro o mesmo escopo de discurso da década de 1970,
com adaptações necessárias às dificuldades do momento.
No caso africano, insistia o chanceler Saraiva Guerreiro que o
Brasil não buscava na África “nenhum interesse específico”, muito
menos a “ambição de mercados”. Mas isso era retórica diplomática. É
evidente que o universalismo representava a continuação do ecume­
nismo do governo anterior e era um instrumento para alimentar a pro­
jeção do Brasil no sistema internacional, simultaneamente, no
Primeiro e no Terceiro Mundo. Ao mesmo tempo, o universalismo éra
uma fórmula feliz no relacionamento das novas condições do sistema
internacional com as realidades domésticas, especialmente o processo
de democratização em curso e as desigualdades sociais existentes.
Em outras palavras, o universalismo do início da primeira metade
da década de 1980, que deu contínua relevância ao relacionamento do
Brasil com o continente africano, era a versão, em tempos de vulne­
rabilidade, ao ecumenismo pragmático mais eufórico dos anos 1970.
Outra readaptação conceituai aos novos tempos foi a substituição da
noção do Brasil Grande pela noção de “dignidade nacional”, que
permitia ao Brasil apresentar-se com a imagem confiável do interesse
nacional sem as ambições de uma potência.*13

14 Hclio Jaguaribc, “A Nova República e a política exterior”, Política e Estratégia, 1,


1985, p. 9.
13 “Saraiva Guerreiro, na ESG, fala sobre a política externa do Brasil”, Resenha de
Política Exterior do Brasil, 22, 1979, pp. 25-26. Para suas concepções daquele mo­
mento da política externa brasileira ver seu livro dc memórias publicado recentemente.
194 O LUGAR DA ÁFRICA

Toda essa engenharia conceituai teve seus efeitos na África. O


Brasil apresentou-se àquele continente como um país que também ti-
nha uma África dentro de si mesmo. Saraiva Guerreiro, em uma de
suas justificativas_panpsuas visitas â África, eÁ3o~próprio presidente^
Figuejredo, _^[npcm_que_o_Bra^^ tmji^Jã^ã^ÁfricFTinTlugar especial
que transcendiaio interesse comercial. Afirmou o chanceler que “esses
são países pobrdsrcom dificuldades, numa grande luta pelo desenvol­
vimento, semelhante à nossa”.16 \j
O Brasil procurava, assim, identificar-se à África para ampliar suas
possibilidades de ação. Os diplomatas e empresários apresentavam o
país como parte de dois mundos: do Primeiro e do Terceiro. Adaptava-
se ao mundo externo a fórmula de Jacques Lambert: a compreensão do
país a partir da sua dualidade. Os “dois Brasis”, que existiam interna­
mente, ajudariam o país na sua missão universalista. Saraiva Guerreiro
tornou essa a idéia forte em sü~ã gestão no Itamaraty. AcTtrãtar de ex-
phcar que uma política terceiro-mundista não excluía a inserção do
Brasil no Primeiro Mundo, afirmou o ministro que o país era:

parte do Mundo Ocidental e do Terceiro Mundo, simultaneamente...


Somos uma sociedade com predominância cultural ocidental, mas
com uma forte herança africana.1718

O diplomata Ronaldo Sardenberg, ao se referir à inserção interna­


cional daquele momento, insistia que a política internacional não era
um contrato de adesão. A negociação permanente e o ajustamento re-
cíproco de posições eram o coração da vida internacional.| A Essas
eiam as posições históricas do Itamaraty e do seu profissionalismo.
Daí a persistência de críticas à distribuição de poder no sistema inter­
nacional. Saraiva Guerreiro chegou a afirmar que o Brasil não aceitava
a condição de “mero ator secundário” na cená internacional”.19
A retórica diplomática brasileira tinha endereço certo e interesses
precisos. Ao defender a autonomia brasileira no sistema internacional,

Resenha de Política Exterior do Brasil, 25, 1980, p. 117.


Resenha de Política Exterior do Brasil, 22, 1979, p. 26.
18 Ronaldo Sardenberg, “A evolução da política exterior do Brasil nas duas últimas déca­
das". Brasília, junho de 1980, pp. 19 -20 (separata).
Resenha de Política Exterior do Brasil, setembro de 1984, p. 35.
A ÁFRICA E O BRASIL NA PAXATLÂNTICA 195

o Brasil apresentava-se como parceiro indiscutível nos mercados do


Terceiro Mundo. A política africana estava, portanto, adstrita aos ob­
jetivos acima descritos. E essa era importante para a continuidade das
relações bilaterais com os países africanos da costa atlântica.
Daí o impulso do comércio bilateral entre o Brasil e alguns países
da costa ocidental da África, como a Nigéria e Angola. A prática do
counter-trade entre o Brasil e a Nigéria foi um capítulo todo especial
da expansão das relações comerciais entre o Brasil e a África no final
do governo Figueiredo e início do período presidencial de José Samey.
As exportações de produtos brasileiros para a Álrica alcançaram
sua maior intensidade no governo Figueiredo, chegando à ordem de
6,5% em relação ao total das exportações brasileiras. Mas o nível de
intercâmbio entre o Brasil e o continente africano chegou a alcançar,
em 1984, 7,3% do total das importações do Brasil e 9,3% do total das
exportações.
A dimensão atlântica da política externa brasileira recebeu, naque­
le período, um destaque todo especial pelos centros de estudos das re­
lações internacionais. Em quase todo o país aquelas relações foram
analisadas em diferentes ângulos em seminários que envolveram ato­
res e analistas brasileiros e africanos. A preocupação principal dos
colóquios era analisar as relações Brasil-África, no quadro das rela­
ções Sul—Sul, para implementá-las e transformá-las em modelares.
Esse foi o sentido de seminários como aquele organizado pela
Universidade de Brasília, com o Instituto Rio Branco, em novembro de
1979, e do diálogo Brasil-Nigéria, organizado pelo Instituto Nigeriano
de Relações Internacionais (NIIA), o Itamaraty e a Universidade de
São Paulo, entre julho e agosto de 1980. Em Belo Horizonte, em abril
de 1984, o Instituto João Pinheiro, em consórcio com o Itamaraty e
empresas mineiras presentes na África, organizou o Seminário Brasil-
África. Novamente em Brasília, em agosto de 1986, o Departamento
de História da UnB organizou debate internacional sobre as relações
do Brasil com a África Austral, dez anos depois das independências
das ex-colônias portuguesas na África. Finalmente, em junho de 1986,
no renascimento democrático do país, a Comissão de Relações Exteri­
ores da Câmara dos Deputados organizou o Simpósio Relações Brasil-
África, com a participação de diplomatas, políticos, intelectuais e em­
presários.
1 rj~)\ Cr Cd

1 96 O LUGAR DA ÁFRICA

O período do presidente Samey, beneficiado pelo ambiente demo­


crático instaurado pela Nova República, seguiu os traços da política
africana delineados anteriormente. No seu governo, Samey recebeu a
visita de numerosas autoridades africanas. O presidente da Argélia
retribuiu a visita feita por Figueiredo em 1983. Chaddly Benjeddid,
chefe militar que chegou ao poder na Argélia em 1979, visitou o país
em outubro de 1986, acompanhado de membros do governo e minutas
de acordos na área da agricultura, de petróleo e manufaturados.
Em fevereiro de 1987, foi a vez do presidente Mobuto Sessé Seko,
do Zaire. Autocrático e ocidentalizante, Mobuto foi 0 primeiro presi­
dente da África Austral a visitar o Brasil na sua fase democrática. E foi
seguido, em abril de 1987, pelo presidente do Cabo Verde, Aristides
Pereira.
Exatamente um ano depois, em abril de 1988, o Brasil recebeu a
visita tão significativa de um líder revolucionário da África portuguesa
da região austral do continente africano. A visita do presidente Joa­
quim Chissano revestiu-se de relevância especial exatamente pelas
declarações do presidente Samey acerca do apartheid sul-africano. No
discurso de saudação, Samey aproveitou a oportunidade para mostrar
seu descontentamento com a Tenta trasformação do sistema da discri­
minação racial e social da África do Sul. O presidente brasileiro quali-
ficou o governo da África do Sul como “cruel e anacrônico . O
presidente moçambicano aproveitou para endossar a crítica de Samey-—
■ c -—--- 20------------------
ao regime sul-alncano.
Duas outras visitas despertaram a atenção do Brasil em 1987. Na
primeira, em março, o presidente da Organizaçao do Povo do Sudoeste—
Africano (SWAPO), San Nujoma, fez ver ao Brasil que a Namíbia es­
tava satisfeita com a continuidade da política alricana do Brasil com
relação à África Austral. Samey reafirmou ao visitante, recebido com.
honras de chefe de Estado, que não havia razões aceitáveis para ju sti-.
ficar a resistência sul-africana à aplicação da Resolução n9 435, do
Conselho de Segurança das Nações Unidas, para a solução da auto—
-- - _ - *Tfr~• 1 ~ 1
nomia do povo da Namíbia."20

20 Resenha cie Política Exterior cio Brasil, 67, 1988, pp. 8 - 9.


21
Resenha de Política Exterior do Brasil, 52, 1987, p. 55.
A ÁFRICA E O BRASIL NA l’AXATLÂNTICA 19 7

A segunda, de profunda relevância política, foi a chegada ao Bra­


sil, no segundo semestre de 1987, do bispo anglicano sul-africano
Desmond Tutu. Prêmio Nobel da Paz pelo empenho na derrocada do
apartheid, o religioso seguiu périplo nacional que se iniciou em Sal­
vador, passou por Brasília, e seguiu por São Paulo e Rio de Janeiro.
Na Universidade de Brasília, ao lado do reitor Cristovam Buarque, o
bispo pronunciou inflamado discurso no Auditório Nove do Instituto
Central de Ciências." Foi aplaudido, de pé, por mais de 15 minutos,
por professores e estudantes.
O governo Sarney atuou, dentro dos limites impostos pela negoci­
ação da dívida externa e pela instãKilidade economica interna, de tõr-
ma a não deixar morrer o ímpeto da política africana do Brasil: Os
próprios dados comerciais mostram que, apesar do claro declínio e m '
relação ao governo Figueiredo (só no ano de 1986 o comércio do
Brasil com a África declinou em cerca de 50% em relação ao ano an~
terior), a participação das exportações para a África ainda apresentava
certa importância. Oscilando em torno de 4,5% do total das exporta­
ções brasileiras para todo o mundo, as exportações na segunda metade
da década de 1980 traduziam os esforços que tinham sido feitos nos
anos dourados das relações Brasil—África e a ampliação do esforço
exportador para a Nigéria na primeira metade da década.
Os esforços partiam de seções do governo, espccialmente do De­
partamento de Promoção Comercial do Itamaraty, na perspectiva mais
geial de ampliação, do comércio Sul-Sul. O chele daquele departamen­
to no período Figueiredo, depois secretário-geral do ministério, o di-
plomata.Paulo Tarso Flecha de Lima, afirmou qlieÁi BrasJl procurava
explorar os (luxos comerciais e rfnãíiceiros entre os países em dcscn-
volvimento sem se descuidar das suas tradicionais conexões no Oci­
dente. Mas o terceiro-mundismo retórico o levou a afirmar que o
desafio brasileiro, na África c no Sul em geral, era construir uma nova
configuração nas relações internacionais baseada no próprio dinamis­
mo das relações Sul-Sul.23

Eslc autoi leve a o|x)rtunidnde, na condição dc clicfc do gabinete do reitor, de organizar


a visita do bispo Desmond Tutu à Universidade de Brasília.
Paulo Taiso Flecha de Lima, Participação do Itamaraty no processo de promoção das
exportações”, Revista Brasileira cie Estudos Políticos, 54, 1982, p. 23. Ver também
suas visões accica do papel do Itamaraty na entrevista à revista Veja: “Entrevista: Paulo
Tarso Flecha de Lima. Triunfo no deserto”. Veja, 17 dc outubro de 1990, pp. 5 - 8.
198 O LUGAR DA AFRICA

Em sua conferência à Câmara de Comércio Brasil-África, em São


Paulo, em 1982, o ministro Saraiva Guerreiro, ao elogiar os dados es­
petaculares do comércio Brasil-África do ano anterior (que haviam
alcançado cerca de US$ 4'bilhões), reafirmou que os objetivos das re­
lações comerciais do Brasil com a África eram claros: a África tinha
petróleo e matérias-primas, enquanto o Brasil estava preparado para
suprir o “continente vizinho” de manufaturas adequadas às suas ne­
cessidades.24
E para conter o pragmatismo, o chanceler, na mesma ocasião, rea­
firmou o sentido culturalista da ação brasileira no continente^Declarou
Saraiva Guerreiro, mantendo os padrões discursivos das décadas ante­
riores, que a África não era “estranha ao Brasil” e não representava
“somente um mercado”. O continente africano era, principalmente,
uma das fontes básicas da “ formação” da sociedade brasileira.25
A continuidade conceituai e prática na política africana do Brasil
na década de 1980 foi, portanto, a expressão da própria continuidade
da política exterior do nacional-desenvolvimentismo. Apesar do evi­
dente esgotamento do modelo econômico e social sobre o qual se ar­
quitetou a inserção internacional do Brasil naqueles anos, o país
continuou seu esforço de autonomia no sistema e procurou adequar as
novas vulnerabilidades às tradições de universalismo e busca de espaço
próprio.
O lugar ocupado pela África na política exterior da década não foi,
portanto, diferente do ocupado desde a “Diplomacia da Prosperidade”
de Costa e Silva e, em certo sentido, da própria “política externa inde­
pendente”, do início da década de 1960. O reconhecimento do profis­
sionalismo na condução da política exterior levou a própria oposição
ao regime militar a defender a continuação da política africana.
A continuidade foi, assim, traço marcante que mereceu elogio dos
próprios analistas internacionais. Muitos chegaram a afirmar que o
Itamaraty tinha mais tradição e continuidade que a diplomacia norte-
americana.26

24 “Saraiva Guerreiro faz conferência na Câmara dc Comércio Afro-Brasileira”, Resenlm


de Política Exterior do Brasil, 32, 1982, pp. 50 - 53.
25 Idem, ibidem.
26 Robcrt Wesson e David Fleishcr, Brcizil in Transition. Nova York, Praeger, 1983,
A ÁFRICA E O BRASIL NA PAXATLANTICA 1 99

No momento em que o Brasil preparava sua transição para a nor­


malidade democrática, entre 1984 e 1985, a oposição aplaudiu, de
fato, não só a política africana, mas a própria política externa como um
todo. O então candidato à presidência pelas forças reformistas, Tan-
credo Neves, declarou publicamente essa percepção acerca da diplo­
macia brasileira.27
Foi naquele mesmo contexto que Luís Inácio Lula da Silva, líder
do PT, declarou que “a única boa coisa” do governo Figueiredo era sua
política externa. O legendário Leonel Brizola afirmou que a diploma­
cia era tão profissional e o chanceler Saraiva Guerreiro era tão compe­
tente que ele manteria a política externa e levaria o ministro de
Figueiredo ao seu gabinete, caso viesse a ser o presidente do Brasih28
Na campanha para as eleições presidenciais de 1989, Brizola e Lula
defenderam a mesma política africana de José Samey. Agradava aos
opositores o terceiro-mundismo mantido pelo governo Samey.
O PMDB, apesar de todas as suas ramificações, também tinha suas
atrações pelo terceiro-mundismo do Itamaraty. No programa, para a
eleição de Tancredo, em 1985, as diretrizes relativas à política exterior
do Brasil reconheciam o “alto nível da diplomacia brasileira”.29 De­
fendia o programa do PMDB que o Itamaraty ocupasse, inclusive, uma
importância maior na definição da política exterior em momentos de
incerteza como os vividos pelo Brasil com a crise da dívida externa e a
insatisfação econômica interna. O mesmo se dizia acerca da continua­
ção da política africana do Brasil.
No Congresso Nacional, muitas vozes foram sempre ouvidas, ao
longo da década de 1980, na defesa dos rumos políticos concernentes
à África. Em junho de 1980, o senador Lourival Batista elogiou a visi­
ta de Saraiva Guerreiro a Angola, Moçambique, Zâmbia, Zimbábue e
Tanzânia. Argumentava o senador que o Itamaraty tinha demonstrado,
mais uma vez, seu profissionalismo e sua capacidade de condução de
política de defesa dos interesse brasileiros na África.30

27 Carlos Conde, “A diplomacia de Tancredo”, Jornal do Brasil, 6 de julho de 1984,


p. 12; Moniz Bandeira, op. cil., p. 255.
28 Humberto Ncllo, "PMDB define ação do Itamaraty", Jornal de Brasília, 9 de janeiro de
1985.
29 Idem, ibidem.
30 Diário do Congresso Nacional, Senado, 1980, sessão de 10 de junho, p. 2.521.
200 O LUGAR DA ÁFRICA

Em agosto de 1984, o senador Almir Pinto reconheceu o mérito de


outra viagem do ministro Saraiva Guerreiro a Angola, Moçambique e
Zâmbia. Os mesmos elogios anteriores e o mesmo argumento cultura-
lista estiveram presentes no discurso do senador.31 O Itamaraty era
eficiente no convencimento da área parlamentar da direção tomada no
continente africano.
Apesar de todos esses elogios, o Itamaraty enfrentou problemas
consideráveis na década de 1980. A crise da dívida externa erodiu o
consenso em torno da política externa africana que tinha sido restabe­
lecida desde o período de Gibson Barboza à frente do Ministério da
Relações Exteriores. Entre 1972 e 1973, Barboza tinha, inclusive,
convencido ao presidente Geisel que o poderoso ministro Delfim Netto
estava equivocado em seus óbices à política africana do Brasil para a
África negra. Agora, o Itamaraty não mais dispunha de tantos interlo­
cutores. " *7,, . ,
Liderada novamente pelo ministro Delfim Netto desde agosto de
1979, a área econômica do governo Figueiredo decidiu-se pelas cha­
madas soluções técnicas para a crise da dívida, o que significava certo
realinhamento com os Estados Unidos.32 O Itamaraty defendia" solu-'
ções menos técnicas e mais políticas como fizera o México em 1982.
Consequentemente, o Itamaraty passou a ter menor papel nas negocia­
ções com os Estados Unidos e os credores internacionais como um
todo. Haveria, assim, certa tensão entre o terceiro-mundismo do Itaffia-
raty e as visões mais liberalizantes e ocidentalistas do ministro Delfim
Netto. A crítica do último ao terceiro-mundismo ficara facilitada com
o relativo declínio dos mercados do Terceiro Mundo após 1982.
Apesar de a crise do comércio Brasil-África só ter ficado nítida no
período final do governo do presidente José Samey, o terceiro-
mundismo defendido pelo Itamaraty perdia terreno já entre 1982 e
1985. O analista inglês Andrew Hurrell definiu muito bem aquele
momento ao observar que o Itamaraty se enfraquecia por dois motivos:
a falta de intimidade de Saraiva Guerreiro com o presidente Figueire­
do, ao contrário de seu antecessor em relação ao presidente Geisel, e a
condição marginal do Itamaraty no processo de renegociação da dívida
externa.33

31 Diário ílo Congresso Nacional, Senado, 1984, sessão dc 29 dc agosto, p. 2.922.


32 Moniz Bandeira, op. cit., pp. 255, 279.
33 Andrew Hurrell, op. cit., p. 275.
A ÁFRICA E O BRASIL NA l’AXATLÂNTICA 201

Mas as posições do Itamaraty não estavam tão marginais na arqui­


tetura da política africana em si. A consistência e a credibilidade da
instituição continuavam a influenciar decisões estratégicas da inserção
internacional. John Crimmins, ex-embaixador dos Estados Unidos no
Brasil, ao falar ao Congresso norte-americano, chamara a atenção dos
congressistas daquele país para algumas características centrais da di­
plomacia brasileira: continuidade, busca de espaço de ação, defesa do
desenvolvimento nacional e horror a alinhamentos automáticos e obri­
gações estreitas.34 Ele estava correto. A articulação norte-americana,
associada à África do Sul e à Argentina, de criação de um pacto de
segurança no Atlântico ao sul da linha do Equador provou que a di­
mensão atlântica da política externa brasileira estava viva e tinha seus
próprios interesses.

/ ' t JJ "* / ã-o ,


A África do Sul, a Pax Atlântica e o lugar da África negra

No início da década de 1980, a África do Sul, mas não só ela,


mostrou interesse em reativar as relações daquele país com o Brasil
por meio de mecanismos institucionais de segurança coletiva na região
atlântica. A idéia era ligar Brasília a Pretória por uma linha de segu­
rança, que faria uma triangulação por Buenos Aires, integrando o es­
paço atlântico por meio da criação da Organização do Tratado do
Atlântico Sul (OTAS). c ? ”T " f\%
Os Estados Unidos dariam a chancela ao empreendimento, pois
correspondia em muito aos objetivos estratégicos daquela1;potência
para a região. O endurecimento americano dos anos Reagan e a lógica
da Guerra nas Estrelas recuperaram, na década, certos elementos ideo­
lógicos que lembravam a Guerra Fria. A região estratégica do Atlânti­
co afro-brasileiro mereceu, assim, a consideração da grande potência
ocidental.
Apesar de o projeto ter sido considerado relevante por setores mili­
tares brasileiros, particularmente por áreas do Ministério da Marinha,
o núcleo hegemônico do governo Figueiredo era totalmente contrário à
idéia'de pactos de segurança coletiva na região, principalmente envol-

34
Guy Martiriicrc, “La Politiquc Africainc du Brcsil, 1970-1976”, Problèmes d'Amérique
Laline, 4.474, 1978, pp. 7- 64.
202 O LUGAR DA ÁFRICA

vendo a África do Sul. Qualquer ação explícita de associação a Pretó­


ria sacrificaria todo o esforço na África negra e, especialmente, na re­
gião recém-independente da África Austral, na qual o Brasil tinha,
demonstrado tanto interesse. A resistência da diplomacia à discussão
jla jd é ja foi manifestada desde a primeira propositura para a criação da
OT AS.
Desde o final da década de 1970 eJnício. da. de 1980, a política
africana do Brasil produzira certa distância em relação à sua tradicio­
nal parceira no continente africano. A África do Sul fora sacrificada
P d 3 Pnoridade da política africana do Brasil na África negra e pelo
ambiente internacionalmente contrário às relações de amizade com
uma sociedade cujo desenvolvimento se sustentava na discriminação
racial.
O Brasil piocurava mostrar à África negra, e especialmente a An­
gola e Nigéria, que os vínculos que haviam unido o Brasil à África do
Sul tinham cessado. O Itamaraty foi a agência do governo mais ativa
nessa diretriz de política externa.JEbnmios diplomatas que convenre-
ram o g o y ern o je que não havia sentido uma Câmara de_Comércio
Brasd-Afnca do Sul e criaram certos obstáculos para a ampliação dos
investimentos da Anglo American Corporation, a maior multinacional
na áiea_mineira do mundo e maior da África do Sul, na indústria de
minérios do Brasil. ~ ------------ -
Mas havia algumas ambiguidade, nas relações do Brasil com a
África do Sul. Por um lado, o Brasil seguira a política de isolamento
internacional do país e adotara o mecanismo das sanções, seguindo as
recomendações das Nações Unidas. Já em 19707A7àújo CastroTnãqiie-
fejTiomento embaixador do Brasil nas Nações Unidas, sublinhou que o
Brasil possuía “clara e inequívoca” posição contrária ao sistema de
apartheid reinante na África do Sul.35 Em 1982, Saraiva Guerreiro
aproveitara a oportunidade da sua conferência na Câmara de Comércio
Afro-Btasileira para discursar sobre as medidas que o Brasil vinha
adotando contra o apartheid sul-africano. Disse Saraiva Guerreiro que
aquele sistema produzia consequências perigosas para a paz em região

Pionunciainento do representante do Brasil, embaixador João Augusto de Araújo


Castro, sobre o item 34 da Agenda: a política do apartheid do governo da África do
Sul”, Documentos cie Política Externa, 4, 1969/70, p. 229.
A ÁFRICA E O BRASIL NA PAX ATLÂNTICA 203

tão próxima ao Brasil.36 As mesmas idéias eram apresentadas por vári­


os políticos no Congresso Nacional, como no inflamado discurso do
ex-presidente da República, então senador Itamar Franco (PMDB),
que discursou pedindo o fim do “regime de escravidão comandado por
Pretória”.37*
Por outro lado, a presença dos interesses econômicos e políticos da
África do Sul ainda se fazia notar no Brasil. Joseph Wayas, ao analisar
a “South American connection” da economia sul-africana, explica que,
naqueles anos difíceis, a África do Sul, na ânsia pela ruptura do isola­
mento regional e internacionalÇenvid&i^ esforços para ampliar a coope­
ração econômica e política com os~rêgunes militares do Cone Sul. O
Paraguai, o Uruguai, a Argentina, o Brasil e o Chile eram os locais
preferidos para a operação “conexão sul-americana .
As relações diplomáticas entre Assunção, Montevidéu e Pretória
vinham se fortalecendo desde a visita do primeiro-ministro Voster, em
agosto de 1976. Os interesses sul-africanos na região recaíam sobre a
exploração mineral, especialmente a bauxita. Para o Paraguai, a Áhica
do Sul garantiu recursos financeiros para a construção de hidroelétri­
ca.39 No Uruguai, construíram fábrica de cimento. No Chile, iniciaram
forte aproximação diplomática e uma política de investimentos logo
depois da derrubada de Allende em 1973. Pinochet comprou armas da
África do Sul durante todo seu período no poder. O mesmo aconteceu
com o regime militar argentino depois do golpe de 1976 até os primei­
ros anos da década de 1980.
O Brasil não foi deixado de lado na estratégia sul-africana. O im­
pério da Anglo American Corporation, essencialmente báseado nas
minas de ouro e diamante na Álrica do Sul, havia chegado ao Biasil
em 1973, quando estabeleceu subsidiária no Rio de Janeiro com o
nome Anglo American Corporation do Brasil - Administração, parti­
cipação e Comércio em Empreendimentos Mineiros Limitada

36 “Saraiva Guerreiro faz conferência na Câmara de Comercio Afro-Brasileira , Resenha


de Política Exterior cio Brasil, 32, 1982, p. 51.
37 Diário cio C o n g r e s s o Nacional, Senado, 1980, sessão de 24 de março, p. 507.
38 Joseph Wayas, Nigeria's Leaclership Role in África. Londres, Macmillan, 1979, p. 65.
39
Idem, p. 66. . ,
40 David Fig, “Soulh África Interesls in Latin America”, Sonlli A fnca Review, _, Jolian-
nesburg (SARS), 1984, p. 239.
204 O LUGAR DA ÁFRICA

(AMBRÁS). Foi chefiada ao longo de toda a década de 1970 e parte


da de 1980 por Mário Ferreira, português que havia tido experiência
na administração de Moçambique no período colonial.
A Ambrás estendeu, paulatinamente, seus negócios no Brasil. Sua
participação foi nas companhias de mineração do ouro localizadas em
Minas Gerais. Sua maior presença foi na Ouro Velho Mineração, onde
chegou a possuir 49% das ações. Um dos parceiros da Anglo Ameri­
can no caso da Ouro Velho foi o Grupo Bozano Simonsen. Por meio
da sua subsidiária AECI, a Ambrás estendeu seus interesses na produ­
ção de explosivos. Em novembro de 1983, ela começou a operar nesta
área em São Paulo.41 A outra grande companhia presente até hoje no
Brasil, ao lado da Anglo American, e que chegou ao país naquela
mesma época foi a De Beers.
Nos primeiros anos da década de 1980, o investimento sul-africano
no Brasil aproximava-se dos US$ 100 milhões.42 Mas isso já era sufi­
ciente para preocupar os diplomatas e políticos defensores de uma
política africana mais vinculada à África negra. Devido à influência
ainda mantida pelo Itamaraty na política africana, o entusiasmo inicial
da presença da Anglo América foi temperado pela apreensão com a
proximidade à África do Sul.
Duas comissões parlamentares de inquérito foram criadas na Câ­
mara dos Deputados, no início dos anos 1980, com o intuito de exami­
nar a política de. mineração brasileira e de avaliar o papel do capital
externo no país, Ambas as comissões analisaram a Ibrle presença sul-
africana na Morro Velho. Os congressistas nacionalistas tentaram, e
conseguiram, aprovar legislação restritiva à aquisição de recursos mi-
\ neiros, especialmente o ouro, por firmas estrangeiras. O ouro estava
sendo usado, naquele momento, como um dos meios para o pagamento
da dívida externa. A regulação restritiva aprovada pelo Congresso
Nacional, resultante das duas comissões de inquérito, foi fator para a
contração do investimento sul-africano por meio da Anglo American
Corporation.
A participação do Itamaraty em todos esses movimentos no Parla­
mento foi relevante. A diplomacia aluou como um verdadeiro lobby

41 IsioÉ, I- de fevereiro de 1984, p. 57; David Fig, op. cit., p. 249.


42 Edwards Kannyo, “Soulh Anierica-Africa, The Latiu Balancing Act”, África Repart, 27
(4), 1982, p. 53-54.
w 0
1
A ÁFRICA E O BRASIL NA P A X ATLÂNTICA 205 r.
h
°V M 'í v ^ - i ' O - -
influenciando a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos h
Deputados. Isso ficou evidente no esforço dos diplomatas para abortar ç
a criação, proposta pelas empresas sul-africanas no Brasil e seus par­ r
ceiros nacionais, da Câmara de Comércio Brasil - África do Sul.43
r
Ao mesmo tempo, as duas visitas que o ministro Saraiva Guerreiro
fez aos países da Linha de Frente, em 1980 e 1984, sinalizavam ao r
continente africano que a diplomacia brasileira estava mais interessada r
em ampliarias parcerias comerciais na Conferência para a Coordena­
r
ção do Desenvolvimento da África Austral (SADCC) que em apoiar a
ampliação dos investimentos sul-africanos no Brasil. O Itamaraty C
afirmava que o Brasil ganharia mais na construção de estradas, na r
montagem de sistemas de comunicação, na construção de hidroelétri­
c
cas e na prospecção geológica com os países da Linha de Frente.
Para os diplomatas brasileiros, as facilidades na troca de manufa­ ç
turados e serviços por petróleo já haviam sido demonstradas no caso r,
da cooperação com Angola, Moçambique e Zaire. Só faltava a expan­ r>
são dessas possibilidades para o Zimbábue e Zâmbia, sem mencionar a
Namíbia, que ainda se encontrava sob o controle da África do Sul. c
Além disso, lembravam os diplomatas, havia uma política deliberada O
em toda a África negra de exclusão dos capitais e bens sul-africanos. r
Embora essa política só fosse retórica em alguns casos, o Brasil tinha
todas as condições de ocupar os espaços que a África do Sul vinha r
perdendo em todo o continente africano.44 r
Mas a grande questão dos anos 1980 foi a construção da pax
atlântica. Ela foi o aspecto mais interessante da política africana do
r
Brasil no período, pois restabeleceu, sob um outro ângulo, a dimensão r
estratégica do Atlântico no contexto das relações entre o Brasil e a c
África. r
O Brasil entendia que o Atlântico era uma região de extrema rele­
vância estratégica para deixá-la sob a exclusiva influência militar das r
grandes potências ou de poderes regionais como a África do Sul ou a r
Argentina. A noção do Atlântico como “mar interior”, como definira
Golbery do Couto e Silva, foi, em certo sentido, ampliada e modificada
c
r
c
43
David Fig, op. cit., p. 239. c
44
Tom Forest, “Gcopolitics, Tradc, and Technology in South Atlantic”, African Affairs,
322, 1982, p. 17. c
206 O LUGAR DA ÁFRICA

pelos diplomatas e empresários brasileiros que atuaram na África nos


governos Geisel e Figueiredo.45
Apesar dos argumentos geopolíticos tradicionalmente empunhados
por militares como o general Meira Mattos,46 e os pontos de vista do
ministro da Marinha do governo Geisel, almirante Azevedo Henning, o
Brasil consistentemente se opôs à formação de pacto de defesa regio­
nal nos anos 1980.47
Era evidente que o Brasil tinha presente a relevância estratégica do
Atlântico para_admiiir dividir com-outros-seu espaço natural de ação.
Cercajie-9-Q%_de todas as exportações do Brasil eram realizadas pelo
mar, e quase todo o petróleo importado pelo Brasil atravessa a rota do
Cabo, no triângulo inferior da África do Sul. Na verdade, a rota do
Cabo era a mais importante rota de petróleo do mundo. Além disso^
toda a cooperação comercial com a África negra era feita por meio de
suas águas. As relações privilegiadas com a Nigéria e com Angola de­
pendiam do bom fluxo atlântico e do clima de paz nas nações atlânti­
cas. Finalmente, havia vários elementos que foram considerados pelo
Brasil nas suas percepções para a região, a saber: a presença de tropas
cubanas e armas soviéticas em Angola, a guerra desencadeada pela
CIA e pelos órgãos de inteligência na África Austral contra os países
socialistas recém-independentes e a persistência do ciparfheid na Áfri­
ca do Sul.
( O Brasil fez, portanto, uma escolha política para atuar no contexto
atlântico de 1980: trabalhar sempre pelos meios diplomáticos e eco­
nômicos para assegurar a defesa dos seus interesses na região. Daí o
projeto da Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS) ter sido
habilmente abortado pelo Brasil que propôs, no lugar, a Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul. A África negra veio ocupar lugar todo
especial nessa manobra diplomática.
A Qtasjjeria uma organização militar que envolyeria.-do-lado-afr-i-
cano^a África do Sul, e do lado americano, o Brasil e a Argentina, mas

15 Ver anigo de Carlos Conde, O Estado dc S. Paulo, 22 de julho de 1977.


46 Carlos de Meira Mattos, A geopolítica e as projeções do poder. Rio de Janeiro, José
Olympio, 1977. Ver também Corcino Medeiros dos Santos, “Brasil e Angola - afini­
dades e aproximações”, A Defesa Nacional, 655, 1975, p. 170 e seguintes.
47 Andrew Hurrcll, ‘T h e Politics o f South Atlantic security: a survey o f proposals for a
South Atlantic Treaty Organizaiion”, International AJfairs, 2, 1983, pp. 186 -188.

V<f T,/ v3- C


i f \C\ 4£> — b cA-0- JçnoAi'ySb
ERICA E O BRASIL NA PAX A TLA N TIC A 207
0 \ £ ) \ £\A^F

com a possibilidade de inclusão do Uruguai e dos Estados Unidos. A


proposta fora originalmente encaminhada pela África do Sul ainda na
década de Í96(j^ A Idéia não era exatamente de um pacto de defêsiT—■*
entre tantos, mas um verdadeiro eixo de cooperação militar entre Pre­
tória, Brasília e Lisboa. Essa foi a proposta_apxes.entada pelo ministro
stH-africano das Relações Exteriores, Hildgar Muller, em Brasília, em
1969, e ampliada na década de 1970 pelo projeto de cooperação da
África do Sul com a Argentina depois do golpe militar de 1976 em
tomo da idéia, do “Pacto do Atlântico Sul” (1976-1977)^ 0 jornaLat.
gentino La Ncición. de grjnde circulação, animava seus leitores corroa_
perspectiva desse pacto dizendo que: ^ ‘AA>

Somente três países, pelas suas culturas e tradições ocidentais, têm :


situação geográfica que os tornam aptos a jogarem papel fundamen­
tal no controle e na proteção do Atlântico Sul: Argentina, Brasil e
África do Sul.'
,
O argumento básico usado pela África do Sul para propor a Otas
era a necessidade de se opor à influêncitTsõvTefica no Atlântico. A re-_
gião tinha, na apreciação do governo suí-africano, importância estra-
.tégica para a segurança ocidental, já que abrigava a mais importante
rota de petróleo do mundo.49 O projeto obteve rápida aceitação na Ar­
gentina militarizada do início da década de 1980 e ávida por retomar

48 Apud Joseph Wayas, op. cit., p. 67. Paia uma visão das percepções argentinas acerca
do Atlântico ver Edwards Milensky, Argentina‘s Foreign Policies. Bouldcr, Wcstview,
1978; Elizabcih Fcrrics c Jennic Lincoln, Dynamics o f Latiu American Foreign Pol­
icies: Challengesforthe I9dfís. Bouldcr, Wcstview, 1985. Ver também os livros recen­
temente publicados na Argentina: Carlos Escude, Realismo periférico. Fundamentos
para Ia Ntteva Política Exterior Argentina. Buenos Aires, Editorial Planeta Argentina,
1992; Guillcrmo Miguel Figari, Pasado, presente y futuro de Ia política exterior argen­
tina. Buenos Aires, Biblos, 1993; Josc Paradiso, Debates y trayectoria de Ia política
exterior argentina. Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, 1993.
49 Para detalhes acerca da complexidade de interesses dos países ocidentais na região do
Atlântico, ao sul da linha do Equador, bem como a questão da presença soviética na
região e a resposta da OTAN, ver: Andrew Hurrell, “Nato and the South Atlantic: A
Case-Study in the Coniplexilics of Out-of-arca Operaiions” cm Christopher Coker, Tlte
United States, Western Europe and Mililary Intervenlion Overseas. Londres, Macmil-
lan, 1987, pp. 61-84. Ver também Christopher Coker, “The Western Alliance and
África”, African Affairs, 324, 1982, pp. 324-328.

rr\
208 O LUGAR DA ÁFRICA

as Malvinas para seu controle. Além disso, o fermento anticomunista


nas Forças Armadas argentinas era ainda maior que aquele verificado
pelo nacionalismo militar brasileiro naquele momento da evolução dos
dois regimes autoritários. O envolvimento cubano em Angola era o
. ■ - 50
argumento comum aos dois países.
No Brasil, o Itamaraty leve que lidar com pressões do lobby sul-
africano, gerenciado pelas empresas que atuavam no pais, que apoia­
vam o projeto da Otas. Além disso, no interior do governo, sempre
houve setores minoritários favoráveis a ideia, especialmente no alto
oficialato da Marinha. Mas o Ministério das Relações Exteriores foi
hábil, interna e externamente, em desviar as preocupações estritamente
geopolíticas e militares para o tema da cooperação econômica e políti­
ca. Os diplomatas argumentavam que, aceitando o Tratado da Otas, o
Brasil estaria ajudando a África do Sul a competir diretamente nos
mercados do Cone Sul.51
A convicção de Saraiva Guerreiro era a de que o Brasil perdería,
em ambos os lados do Atlântico, caso viesse aceitar qualquer acordo
de segurança na região envolvendo a Álrica do Sul. E soube habilmen­
te envolver os países africanos mais sensíveis ao apartheid na mano­
bra diplomática ousada de fazer frente à Otas. Essas foram as
percepções que expressou o chanceler em 1982, em contundente de­
claração sobre a posição brasileira no caso do Atlântico:

O Brasil, com o as nações cm desenvolvim ento na Á fric a , tem inte­


resse cm m anter o A tlân tico Sul afastado da corrida armamentista e
da confrontação entre as superpotências. O A tlâ n tico Sul, até hoje;
constitui um oceano que poderiamos considerar “ desarmado” . E
nossointcrcs.se m anter o nosso oceano nesse Estado, dedicado jy>-
sencialm enle às atividades pacíficas do intercâm bio com ercial, eco­
nôm ico, cu ltural e humano. E esse, acredito, também c o interesse
africano.5'

30 Andrew Huirell, ‘T h e polilics o f .... op. cit., p. 182. O levantamento acerca das diferen­
tes posições dos vários países envolvidos na proposta Otas pode ser visto neste artigo.
31 Ver uma boa apreciação do pensamento dos diplomatas sobre o assunto no memóire do
diplomata F. J. Manoni de Abreu, “L'Évolution de Ia Politique Alricainc du Brcsil”.
Paris, Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonnc), capítulo final.
32 "Saraiva Guerreiro faz conferência na Câmara de Comércio Afro-Brasileira”, Rcscnlia
de Política Exterior do Brasil. 32, 1982, p. 50.
A ÁFRICA E O BRASIL NA PAX ATLÂNTICA 209

As palavras de Saraiva Guerreiro não eram simples retórica. Ele


falava em nome do presidente Figueiredo, com a certeza de que o nú­
cleo hegemônico do poder tinha se definido totalmente contrário aos
pactos de defesa no Atlântico. De lato, as primeiras decisões brasilei­
ras no assunto já tinham sido tomadas na década de 19 7 0.53 Entre
1976 e 1977, logo depois do golpe militar na Argentina, houve rumo­
res do Pacto de Defesa do Atlântico Sul envolvendo o Brasil, a Argen­
tina e a África do Sul.54 O Itamaraty imediatamente defendeu que
qualquer iniciativa nesse sentido tinha que envolver também os países
africanos da África negra e as Nações Unidas. A estratégia do Itamara-
ty foi bem-sucedida.
Angola e Nigéria apoiaram imediatamente a saída diplomática
brasileira. O ministro das Relações Exteriores de Angola declarou, em
julho de 1977, que os rumores de uma aliança militar no Atlântico,
que margeava seu país, eram uma ofensa aos povos da África Austral e
uma ameaça â paz mundial.55 O ministro das Relações Exteriores da
Nigéria, Joseph Garba, pronunciou duro discurso quando visitou o
Brasil em maio de 1977. Afirmando que estava surpreso com a idéia
de que existia alguma ameaça soviética no Atlântico, Garba argumen­
tou que a única ameaça na região era a política racista da África do
Sul. Para este, planos de militarização da região que incluíssem a Áfri­
ca do Sul deveríam ser imediatamente esquecidos.56 Um ano antes, em
um seminário de governo no Nigerian Institute of International Affairs
(NIIA), Joseph Garba defendeu a criação de um eixo comercial e de
segurança em teimos diferentes da proposta sul-alricana e argentina.

53 Ncwlon Carlos, ‘Tabuleiro do Atlântico Sul", Correio Bra-ilietise, 8 dc janeiro de


1988; “Criação do Tratado do Atlântico Sul", O Estado de S. Paulo, 7 de janeiro de
1977.
54 “Argentina nega aliança para defesa do Atlântico”, “O Brasil c o Tratado de Defesa do
Atlântico , O Estado de S. Paulo, 5 de outubro de 1977; “Argentina desmente contato
com sul-afticanos sobtc defesa do Atlântico Sul', Jantai do Brasil, 6 de outubro de
1977; “Não há razão para aliança militar", Follm de S. Paulo, 9 dc outubro de 1977;
Em discussão o pacto de defesa do Atlântico Sul O Estado de S. Paulo, 9 dc outubro
de 1977; “Brasil não adere à Aliança do Atlântico Sul", Follta de S. Paulo, 10 de ou­
tubro de 1977.
55 “O nigeriano. A África confia no Brasil", IsloÉ, lç de junho de 1977, p. 1 I.
56 Chanceler nigeriano não crê cm ameaça da URSS no Atlântico Sul”, Folha de S. Paulo,
25 de maio de 1977.
210 O LUGAR DA ÁFRICA

r Para Garba, o único eixo possível no Atlântico era o que envolvesse a


f Nigéria, o Brasil e Angola.57
Seguindo a política de afastamento da África do Sul, o Itamaraty
r decidiu fechar a representação consular da Cidade do Cabo em 1977 e
l impor restrições à imigração de sul-africanos.5859Nas Nações Unidas, o
( Brasil denunciou o projeto de bomba atômica da África do Sul e de­
\ i»'J fendeu, desde o final da década de 1970 e-dnmntp nvfa a de 1980. a
r transformação do Atlântico em uma zona de paz e de cooperação, evitan­
< o lo . do qualquer discussão sobre a dimensão da segurança coletiva na região.
[L
f Nascia, assim, pelas vozes cada vez mais ativas da diplomacia
Ç % brasileira, a idéia da criação da Zona de Paz e Cooperação do Atlânti-
co Sul (ZPCAS). Mas a administração Reagan não estava muito de
•T C acordo.5y Em manobra orquestrada pelo secretário de Estado Alexan-
dér Haig, a embaixadora norte-americana nas Nações Unidas, Jeanne
.\ íí>l
f Kirkpatrick, o embaixador especial para a Argentina, general Vernon

ri i Walters, e um dos membros, do Conselho de Segurança Nacional, Ro-


ger Fontaine, os Estados Unidos iniciaram negociações diretas com o
c:*1 presidente argentino Leopoldo Galtieri, em 1981.60 Reagan, ao se opor
r à idéia brasileira da pax atlântica, envolveu também a África do Sul.61

c1 — • •
57 Amílcar Alcncastre, America Lalina, África e o Ailânlico Sul. Rio dc Janeiro, Paralelo,
1980, p. 12.
r1 58 “Brasil condena aparllieicl c fecha consulado no Cabo”, Jornal do Brasil, 23 de novem­
bro de 1977.
59 A evolução das posições nortc-amcricanas para a África Auslral e a resistência à idéia
y brasileira podem ser vistas cm Garrick Ulley, "Globalism or Rcgionalism? United States
Policy Towards Soulhcrn África” cm Robert Jaster (cd.), Soalham África: Regional
Securily Problems anil Regional Prospects. Aldcrshol, Gowcr/The Instituto for Strate-
/ gic Sludies, 1985. Sobre as ações da OTAN na região ver Douglas T. Sluart, “África as
an Out-of-Area Problem for NATO" cm Chrislophcr Cokcr (ed.), The United States,
r Western Europe and Mililary Intervention Overseas. Londres, Macmillan, 1987, pp.
85-114.
r 60 Carlos Conde, “Cooperação ou coincidência?", Jornal do Brasil, l9 de novembro de
r 1980, p. 11; “Endcrs debate Atlântico Sul com Guerreiro e destaca lado político”, O
Globo, 5 de julho de 1981; Newton Carlos, "EUA querem o pacto do Atlântico Sul”,
c Correio Braziliense, 24 de maio de 1981; “EUA estimulam a criação de pacto no
c Atlântico Sul”, Folha de S. Paulo, 24 de maio dc 1981; "Pentágono se opõe à zona de
paz no Atlântico Sul”, Jornal do Brasil, 26 dc outubro dc 1986.
c 1 “EUA estimulam a criação de pacto no Atlântico Sul", Folha de S. Paulo, 24 de maio
de 1981.
ci
r
§P 1
gfí'

A ÁFRICA E O BRASIL NA PAX ATLÂNTICA 211

As ações do governo Reagan na região só trouxeram desentendi­


mentos entre o Brasil e os Estados Unidos/’2 Não houve ressonância
dos apelos dos negociadores norte-americanos junto ao processo deci-
sório brasileiro. O Itamaraty, embora tivesse perdido espaço nas ne­
gociações da divida externa, permanecia com forte presença na
dimensão atlântica da política africana.
Daí Saraiva Guerreiro ter-se empenhado tanto para que as negoci­
ações diplomáticas da questão fossem conduzidas pela chancelaria. As
intenções do Itamaraty eram as de aproveitar a efervescência provoca­
da pela proposição da Otns para insistir no Atlântico como uma área
desmilitarizada, fora da corrida nuclear e cada vez mais aberta ao co-
mércio. A intenção do Itamaraty era óbvia: reforçar os laços com os_
países da África negra e contrabalançar a influência argentina e sul-
afriçana na região. A zona de livre-comércio e cooperação era a melHõf~
forma de manter a própria condição já conquistada pelo Brasil.
Saraiva Guerreiro envolveu-se pessoalmente na manobra dlplomá-
tica do Brasil junto às Nações Unidas, contra a vontade norte-
americana, para derrotar o projeto da Otas e para envolver os países
africanos do Atlântico, além de alguns outros países sul-americanos,
na estratégia da criação da Zona de Paz e Òôoperação cfo. Atlântico
Sul.
A Nigéria, país de forte liderança no Atlântico africano, foi contac­
tada. Coube à Nigéria organizar a ofensiva diplomática do lado da
África para a obtenção de votos nas Nações Unidas, para o projeto
brasileiro. Desnecessário dizer das motivações do governo nigeriano
em enfrentar a África do Sul no assunto. Para a Nigéria, era mais um
capítulo da luta contra o aparthéid sul-africano. Como lembrou Joseph
Wayas, o crescente interesse comercial entre o Brasil e a Nigéria, alia­
do ao fato de que os dois países tinham a maior população negra nas
costas atlânticas, facilitou a ofensiva diplomática comum.63

1/ 62
Moniz Bandeira, op. cit., p. 259.
63 Joseph Wayas, op. cit., p. 79. Ver as memórias do chanceler nigeriano Joseph Garba,
Diplomalic SoUliering. Nigerian Foreign Folicy, 1975-1979. Ibadan, Spectrum, 1987,
* 1• pp. 93-110. Ver também o livro de A.B. Akinyemi, S.O. Agbi, A.O. Olubano, Nigéria
Since Independence: Tlie First Twenty-ftve Years. International Rclations (vol. X),
Ibadan, Panei on History since Indepcndcncc-Heincmann, 1989, pp. 180-188, 240-250.
212 O LUGAR DA AFRICA

(r X v O ^ W oto Ü
Saraiva GueiTeiro também teve o cuidado de manter os setores
militares mais interessados na questão ao seu lado. Em seus discursos
junto aos oficiais da Escola Superior de Guerra entre 1979 e 1984, o
chanceler procurou sublinhar a necessidade de o Brasil garantir a polí­
tica africana anteriormente desenvolvida por meio da manutenção do
Atlântico livre da corrida armamentista. Ele mantinha as mesmas per­
cepções de Azeredo da Silveira sobre a questão do Atlântico, de quem
tinha sido primeiro colaborador, ao ser escolhido secretário-geral do
Ministério das Relações Exteriores na década de 1970.
Ao mesmo tempo, Saraiva GueiTeiro utilizou-se do debate, já refe­
rido, proporcionado pela transição política do regime autoritário para a
democracia. A política externa vinha sendo o ponto de unanimidade
entre as forças oposicionistas, e isso fortalecia as percepções da políti­
ca atlântica que o Itamaraty vinha conduzindo.
Foi este, portanto, o contexto da luta diplomática do Brasil nas Na­
ções Unidas, ao longo de toda a primeira parte da década de 1980
para criar aliados a proposta da Zona de Paz e Coopeiaçao do Atlânti­
co Sul. Apesar da oposição da Aírica do Sul e dos boicotes dos Esta­
dos Unidos, o Brasil saiu vitorioso, justamente no meio do processo de
transição do governo Figueiredo para o de José Sarney. ’
Na XLI Sessão da Assembléia-Geral das Nações Unidas, em JM 5,
o Brasil encaminhou a proposta, depois de longa concertação com os
países africanos e latino-americanos. No ano seguinte, em 27 de outu­
bro, a Resolução das Nações Unidas de número 41/11 foi aprovada
com 124 votos a favor, oito abstenções (Bélgica, França, Itália, Japão,
Luxemburgo, Holanda, Portugal e Alemanha) e um voto contiario, dos
Estados Unidos.65 Instaurava-se a pox atlanlica graças à vitoriosa
ofensiva diplomática brasileiro-alricana.

------------------ JU - .T ? jornal cio Brasil, 26 de outubro


se opõcTi zona dc paz no Atlântico Sul", Janu
“Pentágono se opõe
de 1986.
“ONU aprova a zona de paz no Atlântico Sul”, O Globo, 28 de outubro de 1986;
“Atlântico Sul, zona dc paz", Joival cia Tarde, 26 dc outubro dc 1986; “ONU aprova
por 124 votos a uni zona dc paz no Atlântico Sul", “Voto contra dos EUA nao sur­
preende”, Jornal cio Brasil, 28 dc outubro dc 1986; “ONU aprova: Atlântico Sul será
unia zona de paz", “Resultado supera expectativa, diz Itamaraty , Correio Braziliease,
28 de outubro dc 1986, p. 7. “A paz no Atlântico Sul" (editorial), Follm de S. Paulo, 29
de outubro de 1986.“
\

~ v o o o ~o .~o
f A ÁFRICA E O BRASIL NA PAX ATLÂNTICA

A resolução que instituiu a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico


Sul envolveu 24 países africanos e latino-americanos. A Argentina,
com a chegada dos ventos democráticos à Casa Rosada do presidente
Raul Alfonsín, terminou auxiliando em muito a aprovação da ZPCAS.

70
Hoje a ZPCAS possui 25 membros, com a entrada da Namíbia inde­
pendente, abrigando um total de 400 milhões de habitantes no seu


grande espaço atlântico. c
A Resolução de 27 de outubro de 1986 estabeleceu que todos os
países ribeirinhos teriam ‘responsabilidades especiais” na manutenção r
das armas convencionais e nucleares fora do Atlântico. A desmilitari­ c
zação do Atlântico foi o golpe mortal contra os geopolíticos brasileiros c
que ainda viviam dos sonhos do governo de Castello Branco.66 O Ita- 1 c
maraty tinha vencido a batalha em momento crucial das relações inter­
nacionais americanas, onde o endurecimento norte-americano implicava,
Ch' r
cada vez mais, a retomada de sua hegemonia no continente. r
Vale abordar, entretanto, que o sucesso do Itamaraty na sua ofen­ r
siva diplomática não loi uma vitória contra os países que originalmen­
te rascunharam o Pacto de Segurança do Atlântico Sul ou a Otas. A
£ r
V

vitória loi, sobretudo, da política africana do Brasil. O lugar da África -M&c


negra tinha sido esboçado no início da década de 1960lTaesen volvido r
como política consistente nos anos 1970. p s anos Í980 continuariam
essa tendência da política exterior do Brasil pelos meios da construção
COT/4J r
da ZPCAS. O Brasil, primeiro país sul-americano a ter chegado à r.
África, entendia que tinha razões próprias para manter sua influência
atlântica sem qualquer aliança de segurança coletiva. O Brasil estava
c
seguro de que essa era sua missão no Terceiro Mundo.67 c
E também compreensível que, apesar de o núcleo do poder militar r
e do poder civil da Nova República ter encaminhado favoravelmente
os pleitos do Itamaraty na questão da ZPCAS e do próprio papel pre­
r
dominante do Brasil no contexto da África negra, houve permanentes c
c
66
Itamaraty c militares têm opiniões dircicnies”, O Estado de S. Paulo, 28 de outubro de c
1986. Pcispcclivas militarizanlcs do Atlântico ainda estiveram presentes nos anos 1980. r
Ver Carlos dc Meira Mattos, "O Atlântico Sul c sua importância estratégica”, A Defesa
67
Nacional, 688, 1980, pp. 73 - 90. c
Essa questão foi examinada por VVoll Grabcndorfl, ”La política exterior entre ei
Ptimet y el Teicct Mundo , Revista Argentina de Relaciones Intèrnacionales 5
c
(15), 1979, p. 46. C
r
214 O LUGAR DAÁLRICA

vozes civis contrárias àquela dimensão atlântica da política externa


brasileira.
Bom exemplo é o do influente ex-ministro e ex-embaixador Rober­
to Campos. Ele criticou duramente o Itamaraty daqueles anos e quali­
ficou a chancelaria de “fábrica de slogans".6* Recorrendo à teoria dos
“círculos concêntricos”, Campos ressuscitou em 1983 as percepções
geopolíticas da década de 1950 e dos primeiros anos do ciclo militar.6869
A crítica não era isolada manifestação. Ela foi acompanhada por
matérias da imprensa mais conservadora e que vinha criticando seve­
ramente o terceiro-mundismo do Itamaraty e o próprio pragmatismo,
que teria se afastado das “diretrizes tradicionais” da política externa do
Brasil. Até a visita de Figueiredo à África em 1983 tinha sido descrita
por esses mesmos críticos como um “vago projeto”.70
Nada disso impediu a continuidade da política africana do Brasil,
apesar dos seus percalços. Em 1984, dos 423 diplomatas brasileiros a
serviço no exterior, 10,04% serviam na África. Entre 1985 e 1984, o
percentual ficou em tomo de 9,5%. Entre 1987 e 1988, o percentual
foi reduzido para cerca de 8,0%.71
As exportações para o continente africano, entre 1987 e 1989,
oscilaram em tomo dos US$ 950 milhões, correspondendo a cerca de
3% do total da exportações brasileiras. As importações oscilaram, no
mesmo período, em torno de US$ 400 milhões, o equivalente a cerca
de 3% das importações brasileiras. Depois da euforia dos anos 1970 e
do início da década de 1980, o comércio foi declinando,72 mas perma­
neceu como uma fonte do universalismo comercial brasileiro.
Do ponto de vista político, o governo José Sarney manteve o mes­
mo lugar para a África negra no contexto da política africana. Como já
foi demonstrado, ele recebeu um número significativo de representan-

68 Roberto Campos, “A retórica e verdade do Itamaraty", O Estado da S. Paulo, 13 de


novembro de 1983.
67 Idem, ibidem. Para uma visão mais completa das idéias acerca da política externa bra­
sileira de Roberto Campos ver seu livro recente.
70 “A propósito de nossa política lercciro-mundisla”, O Estado de S. Paulo, 19 de junho
de 1980; “Editorial", O Estado de S. Paulo, 13 de junho dc 1982.
71 MRE, Lista de pessoa! no exterior, MRE, coleção, dc 1956 aos dias aluais.
7' MRE, Departamento dc Promoção Comercial, a partir dc dados da Cacex, Intercâmbio
comercial brasileiro - participação da África, 1986 - 1990.
A ÁFRICA E O BRASIL NA PAX ATLÂNTICA 215

tes da África negra, membros da ZPCAS, e reforçou a política antia-


paríheid com a Lei nfi 91.524, de 9 de agosto de 1985, que impunha
I sanções contra a África do,Sul.73
I Finalmente, eny 1988-/ realizou-se no Rio de Janeiro a Primeira
Reunião dos Estados-Membros da Zona de Paz e Cooperação do
Atlântico Sul.74 Firmava-se, institucionalmente, a ZPCAS, e com ela a
dimensão atlântica da política externa do Brasil.

73 Ver Josc Maria Nunes Pereira, “O apanheUl c as relações Brasil-África do Sul”, Estu­
dos Afro-Asiáticos, 14, 1987, p. 45; Idcm, “África do Sul: a questão do üfmnheid e as
relações com o Brasil", V Congresso Internacional da Associação Latino-americana de
Estudos Afro-Asiáticos (ALADAA). Buenos Aires, Universidade dc Buenos Aires, 7 a
11 de setembro de 1987. Ver Fernando Augusto dc Albuquerque Mourão, “A política
externa brasileira e a Europa/África: que convergências”, Seminário A Europa e o Brasil
no Limiar do Ano 2000, Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, Lisboa, 3 a
5 de novembro de 1988. Ver também Nações Unidas, Sanctions Against South África,
Nova York, UN, 1988.
74 Discurso do chanceler Celso Amorim na abertura da 111 Reunião dc Estados-Membros
da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, no Auditório do Itamaraty, Brasília, 21
de setembro de 1994 (anotações pessoais do autor).
----------------------- ------------------------------------------------------------------ ---------- ---------
220 O LUGAR DA ÁFRICA

salmente com a remessa mensal de vinte mil barris de petróleo para o


porto do Rio de Janeiro.9
Desde julho de 1994, entretanto, Luanda cessou as remessas. A
visita do presidente José Eduardo dos Santos, realizada em 1995, teve
como um dos seus temas principais a resolução dessa questão.1012
Outros exemplos podem ser dados e todos eles convergem para um
ponto: a perda de importância gradual das relações econômicas do
Brasil com o continente africano. Franz-Willielm Heimer definiu
muito bem o que está por trás das dificuldades de continuação das re­
lações econômicas do Brasil com o continente africano:

Três décadas depois do início das independências, o continente a fri­


cano encontra-se numa profunda crise, de contornos m anifestos mas
de e xp lica çã o controversa."

Nem as políticas de “ajustamento estrutural” preconizadas pelo


Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional nem os proces­
sos de ampliação da democratização dos sistemas políticos têm sido

-
suficientes para enfrentar a profundidade dos problemas econômicos,

— — —
políticos e sociais que o continente vem enfrentando na primeira me­
tade da década de 1990.'"
Os sonhos cooperativos da época das independências, que ainda
perduraram até os anos 1970, cederam lugar ao “afro-pessimismo” dos
anos 1990. Basil Davidson define o novo tempo africano como o dos
“horizontes perdidos”.13 Nessas novas condições o continente africano

9 “D'An°ola”, Correio Braziliense, 8 de julho de 1995, p. 2.


Iü ldcm, ibidem.
11 Franz-Willielm Heimer, “ Bibliografia sobre crise, ajustamento estrutural e democratiza­
ção cm África, com especial atenção à África de língua oficial portuguesa”, Revista In­
ternacional de Estudos Africanos, 14-15, 1991, pp. 315-334.
12 Wolfaang Dopcke, “História e cidadania no contexto da África contemporânea”. Re­
vista Brasileira de Política Internacional, 37 (2), 1994, pp. 75-88. Ver também o
artil,o de Ajamu Olayiwola Owolabi, “Transformação global: redefinindo segurança
africana para a década de 90 c o século XXI", Contexto Internacional, 16 (2),
1994, pp. 283-294.
13 José Flávio Sombra Saraiva, “Cooperação c integração no continente africano: dos
sonhos pan-africanistas às frustrações do momento”. Revista Brasileira de Política In­
ternacional, 36 (2), 1993, pp. 28 - 45. Sobre a reinserção internacional difícil da África

nos anos 1990 ver Robcrt Rotberg, ‘The Clinton Adminislration and África”, Current
A POLÍTICA AFRICANA DOS ANOS 1 9 9 0 : A OPÇÃO SELETIVA 221

perdeu sua capacidade de intervenção consistente no mercado mundial


e no contexto entrópico das relações internacionais do momento.*14
Em terceiro lugar, vale analisar os próprios caminhos da reinserção
internacional do Brasil nos anos 1990. Em entrevista publicada pelo
jornal O Globo em 24 de outubro de 1992, o então chanceler Fernando
Henrique Cardoso, ao assumir sua nova função no governo do presi­
dente Itamar Franco, afirmou textualmente, quando indagado pelo re­
pórter acerca dos locais onde estariam os parceiros prioritários do
Brasil nos anos 1990: “No Leste europeu, na América Latina e na
Ásia. O Brasil não pode tirar os olhos da Ásia.”15
As novas prioridades apontadas pelo atual presidente da República
em 1992 já sinalizaram, claramente, a perda de importância relativa do
continente africano para o Brasil. E as prioridades espelharam as pró­
prias dificuldades do modelo de desenvolvimento que havia impulsio­
nado o Brasil à África nas décadas anteriores.
O Brasil parecia perder, no entanto, nos primeiros anos da década
presente, o bonde da História. Os pessimistas falavam que a corrida para

History, vol. 92, n9 574, pp. 193-198; c Basil Davidson, ‘T he Land o f Lost Horizons”,
The Guardian Wecklv, I I de julho de 1993, p. 25. Ver também Paul Collicr, “Africa's
Externai Economic Rclations, 1960-1990" em Douglas Rimmer (ed.), África 30 Years
On. Londres, The Royal African Society, 1991, pp. 155-168. O livro dc síntese de
Philippc Hugon c também muito interessante para a discussão do afro-pessimismo:
Philippc Hugon, UEconomie de lAfrique. Paris, La Découvertc, 1993. Ver ainda o ar­
tigo de Fernando Augusto Albuquerque Mourão, “África: fatores internos e externos da
crise”, Revista USP, 18, 1994, pp. 60-69.
14 Sobre o conceito dc “entropia" internacional ver os recentes artigos de Richard Falk, “In
Scarch of a New World M odcf', C urm il History, vol. 92, n9 573, 1993, pp. 145-149;
Gaddis Smith, “What Role for America?", Current llistoiy, vol. 92, n9 573, 1993, pp.
150-154. Ver também Richard Rosecrancc, “A New Coneert o f Powers", Dialogue,
101, 1993, pp. 2- 8; Joscph S. Nye, Jr., “What New World Ordcr?”, Foreigu Affairs.
Primavera 1992, pp. 83-96. Ver ainda o livro organizado por Paulo Vizcntini, A grande
crise; a nova des(ordem) internacional dos anos 80 e 90. Pctrópolis, Vozes, 1992.
15 “As prioridades da política externa”, O Globo, primeiro caderno, 24 dc outubro de
1993, apud Ministério das Relações Exteriores, Política Externa eni Tempos de M u­
dança. A gestão do ministro Fernando Henrique Cardoso no llamaraty. MRE, Funda­
ção Alexandre dc Gusmão, 1994, p. 273. Ver também a interessante entrevista do ex-
chcfc do Departamento da África do llamaraty nos anos dourados da |X)lítica africana.
Na entrevista, halo Zappa critica a perda dc importância da África para a política ex-
tema do Brasil; “Entrevista: ítalo Zappa. Não somos mascates”. Veja, 3 dc março de
1993, pp. 7-9. E ver ainda “Entrevista/Cclso Amorim. Democratização também é
política externa". Correio Hrazilien.se, 21 de novembro de 1993, p. 30.
r
222 O LUGAR DA ÁFRICA
r jí
r,\ ■U
i.j
I' ■ o desenvolvimento no Brasil estava perdida. Os relatórios anuais de 1992
f ; do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da Comissão Econô­
mica para a América Latina e Caribe (CEPAL) informavam aos formula-
f , dores de política exterior do Brasil os dados da tragédia: o PIB de toda a
(P* : América Latina, sem a inclusão do Brasil, aumentou 4,3% em 1992, mas
diminuiu para 2,4% quando o Brasil foi incluído nas estatísticas.
Além disso,_o^gvemo do presidente Collor de Mello empreendeu
f ;í. uma movimentação internacional para o Brasil em tomo da moderni­
dade liberal cuja referência eram os tigres asiáticos. Daí o vigor do
chamado discurso neoliberal”, de extrema ressonância em parte das
C r
elites do país, que partia da premissa que havia uma ordem internacio­
jf nal estabelecida, com regras econômicas e políticas precisas na direção
ir da acumulação flexível do capital e na total interdependência dos mer­
cados. A modernidade obtusa, e nunca definida, deveria sêr alcançada
¥ a qualquer custo, mesmo com o custo da desidentificação da Nação.16
£ No centro das redefinições propostas pelo presidente que tomou
f assento piesidencial em março de 1990 estava o reforço dos laços com
L • o Pi inteiro Mundo. Argumentando que as disputas entre o Brasil e os
f
Estados Unidos eram um capítulo encerrado” do relacionamento en­
f tre os dois países, o segundo presidente civil depois do período militar
^ ■ prometeu recolocar o pais nos trilhos do desenvolvimento e da moderni­
dade capitalista por meio do relacionamento preferencial com as econo­
mias ocidentais avançadas. O discurso expressava a doce ilusão do libe­
ralismo associado do governo Dutra e o desconhecimento da complexi­
dade de um período de transição nas relações internacionais. Para o mun­
do moderno que se desejava para o Brasil, a África tinha lugar diminuto.
'"f
O governo do presidente Itantar Franco veio, em certo sentido, re­
> conduzir o país ao seu caminho próprio de desenvolvimento e restabe­
lecei peicepções externas mais adequadas ao Brasil no contexto
■r internacional dos anos 1990. Houve avanços no que se refere à própria
leitura das incertezas do mundo pós-Guerra Fria. E houve, com o go­
t verno Itamar Franco, a superação dos equívocos entrincheirados no
c discurso que prometia elevar o país a uma condição de desenvolvimen­
c to comparável ao do Primeiro Mundo. De forma mais realista e coeren­
te com a tradição profissional da diplomacia brasTíeiTa, as elites-
c
c José Flávio Sombra Saraiva, “O Brasil e a ordem internacional”. Humanidades vol 9
n5 2, 1994, pp. 137-141.
c
c
A POLÍTICA AFRICANA DOS.ANOS 1 9 9 0 : A OPÇÃO SELETIVA^ 223

( r\)£ rV A to ^ ^

políticas passaram a fazer uma apreciaçao do interesse nacional menos


eufórica e mais consequente com os desafios internacionais do Brasil
no final do século.
Por isso o olhar para a América Latina, ejmns_pj£çjsajj)ente para o_
ambiente austral do continente. O Tratado de Assunção, assinado pelo
BrasilHom a ArgentmtqJ^aiaguai.e-Uruguãr em 26 de março de 199.1,
constituiu-se instmmento diplomático original que deu nova face à inser­
ção internacional do Brasil e seus vizinhos do Cone Sul. O piocesso
negociador em construção no Mercosul é o dado mais importante da
reinserção internacional dos anos 1990. As intensas atividades institu­
cionais e técnico-operacionais já apresentam resultados econômicos^ e
políticos que justificam as vontades políticas dos Estados contratantes.
ÁN0 incremento da competividade dos produtos brasileiros e dos ou­
tros países do Mercosul em mercados terceiros tornou-se meta cential
na nova realidade industrial do processo de integração.115Mas esta vem
afastando, lentamente, o Brasil da África. A animação do processo de
intercâmbio platino e as exportações crescentes do Brasil para a Ar­
gentina e vice-versa têm levado cada vez mais o empresariado biasileiro
aos países da região platina e cada vez menos aos mercados africanos.
O Mercosul, em certo sentido, substituiu o^sentido estratégico que
( ks relações com a África tinham na década de 1970 e parte da de 1980.
!li ' Até a tipologia dêlntercím ibm cõmercial desenvolvida faz lembrar o
comércio Brasil-Africa dos anos dourados, em que o Brasd trocava
lê u s manufaturados por suprimentos energéticos cõmo o p etro tetL
Os três elementos até agora analisados poderíam supoi que a polí­
tica africana encerrou seu ciclo-histórico. E que não há mais uma di­
mensão atlântica para a política externa brasileira. Isso também não é
verdadeiro. Embora seja uma tendência em baixa, como demonstrado,
há opções seletivas que o Brasil vem tazendo no continente africano178*

17 Sobre o tema há vasta literatura. Ver, entretanto, algumas coleções de documentos


como: Ministério das Relações Exteriores, Boletim de Integração Latino-Americana.
Brasília MRE de 1992 alé hoje; Ministério das Relações Exteriores, Resenlw de
Política Exterior do Brasil, números 64, 65, 66 e 67. Brasília, MRE, 1992. Ministério
das Relações Exteriores, A s políticas exteriores da Argentina e do Brasil frente a um
mundo em transição: diversidade, convergência e complementaridade. MRE, Funda­
ção Alexandre de Gusmão, 1993. . . „ .
18 Júlio Bucno, “Normalização técnica e competitividade: panorama brasileno , Revista
Brasileira de Política Internacional, 36 (2), 1993, pp. 46 - 53.
228 \ Q.LUGAR DA ÁFRICA rx
/j ç f ò g c C - j L j
xi ' ^ = > CM 'JlC r^Ó >U -M R v í M O V ç& VO s
Brasil, Portugal e países africanos de Ifrfgiia oficial portuguesa. Em
São Luís foram apiovados os objetivos comuns que integrariam tais
países no Instituto Internacional da Língua Portuguesa, a saber:
OJ f o c V c J £F_> C & rr

a) p r o m o v e r a d e fe sa d a lín g u a p o rtu g u e sa , no p re s su p o sto d e que se


trata d e p a tr im ô n io co m u m d o s p aíses e p o v o s q u e a u tiliz a m c o m o
lín g u a n a c io n a l ou o fic ia l;
b) fo m e n ta r o e n riq u e c im e n to e a d iíu sã o do id io m a c o m o v eícu lo
de c u ltu ra , e d u c a ç ã o , in fo rm a ç ã o e de a c e sso ao c o n h e c im e n to c i­
e n tífic o e te c n o ló g ic o ;
c) p ro m o v e r o d e se n v o lv im e n to das re la ç õ e s c u ltu ra is e n tre to d o s os
p aíses e p o v o s q u e u tiliz a m o p o rtu g u ês;
d) e n c o r a ja r a c o o p e ra ç ã o , a p e sq u isa e o in te rc â m b io d e e sp e c ia lis­
tas n o s c a m p o s d a lín g u a e d a cu ltu ra ;
e) p ie s e rv a r e d ifu n d ir o^ A c o rd o O rto g rá fic o j á a ss in a d o p e lo s sete e
em c u rs o d e ra tific a ç ã o .*29 ]
% a jl í — v o ry Q -% r\\
Por iniciativa do governo do presidente Itamar Franco em janeiro 1 '
de 1993, os objetivos comuns em torno da língua foram alimentados
por outros de ordem política. Reforçava a idéia da CPLP o bom relacio­
namento pessoal do embaixador José Aparecido com o presidente Má­
rio Soaies, de Portugal. O tempo das coalisões de "geometria variável”,
para utilizar expressão corrente da diplomacia ao se referir à expansão
de associações entre países com objetivos afins, parecia oportuno, na per­
cepção dos arquitetos da CPLP, para agregá-la à ZPCAS e à Comuni­
dade para o Desenvolvimento dos Países da África Austral (SADC).
A idéia, que ainda não foi levada à sua operacionalização, é de
uma comunidade que atue como um locus de interseção entre vários
processos de integração econômica regional em curso, especialmente o
Mercosul, a União Européia, a SADC e a Comunidade Econômica dos
Estados da Álrica Ocidental.'0 O então chanceler Fernando Henrique
Cardoso, animado com a idéia, declarou (em maio de 1993 que:
________ _|Q)C\
29 Ministério das Relações Exteriores, A Conmniclacíe cios Países cia Língua Portuguesa,
Lisboa, Embaixada do Brasil cm Portugal, novembro de 1994, p. 10. Sobre o fracasso
da cúpula dos sele países que se realizaria cm Lisboa no final de 1994 ver: “Soares
lamenta fracasso da cúpula dos sele países”, ‘•Cancelamento é desastroso”, Correio
Braziliense, 25 de novembro de 1994, p. 13.
Idem, p. 11. Ver também sobre o assunto as comunicações de Fernando A. Albuquer­
que Mourão c William Gonçalves na XII Conferência Internacional de Lisboa: F. A. A.
I

cr
A POLÍTICA AFRICANA DOS ANOS 1 9 9 0 : A OPÇÃO SELETIVA 229 cr.
ç
A Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa não é movida por k.
sentimentalismos. Sua criação corresponde a uma tendência da atual íT
conjuntura internacional, com o fim da bipolaridade, que abriu espa­
ço para novas iniciativas de aproximação entre países com afinida­ rr
des, ora derivados de interesses econômicos, ora fundamentados em ((
valores políticos ou culturais.*31 f
KI . . r VLc4> <r
INovamente a retórica otimista do atual presidente não parece cor­
responder à prática. A “concertação” política proposta para a CPLP
r
terá que enfrentar nos próximos anos, além das dificuldades inerentes cr,
à fragilidade econômica dos países africanos, a incerteza dos processos cr
políticos desses mesmos países no que se refere à m ns m m - ^ n rnm ini^
democrático. Foi exatamente sobre o equilíbrio dessas duas dimensões
cr
que o Mercosul adquiriu consistência institucional e vida própria. rr
Os problemas decorrentes da permanência de certos códigõsjiolí- C
ticos herdados do colonialismo português na África podem dificultar a rr
consecução dos objetivos da CPLP. A discreta retirada angolana, que
inviabilizou em parte a reunião de cúpula que se realizaria em Lisboa <c
em novembro de 1994, mostra que as relações das elites portuguesas c
ainda não sao satisfatórias com suas ex-colônias africanas. Ao Brasil, c
por sua vez, não interessa embarcar novamente nas naus portuguesas
f
que condicionaram, durante tanto tempo, uma-política tímida em rela­
ção aos processos de descolonização em Angola, Moçambique, Cabo c
Veide, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. f
De qualquer forma, a comunidade lusófona, acompanhando as ex­
f
periências das comunidade anglófonas e francófonas no mundo, é uma
iniciativa alvissareira que poderá trazer ânimo à própria tendência em tf
baixa que é a política africana do Brasil nos anos 1990. Em fevereiro c
de 1994, realizou-se em Brasília a Primeira Reunião de Ministros das
c
Relações Exteriores e dos Negócios Estrangeiros dos Países da Língua
c
Mourão, “A Comunidade de Países de Língua Portuguesa: a base linguística e a base c
material ; William Gonçalves, “Comunidade de língua portuguesa: democracia e inte­
gração", XII Conferência Internacional de Lisboa, Instituto de Estudos Estratégicos e r
Internacionais, Fundação Gulbcnkian, Lisboa, 12 a 14 de dezembro de 1994 Ver tam­ r
31
bém Adelino T ones (coord.), Portugal-PALOP. As relações econômicas e financeiras
Lisboa, Escher, 1991. ç
Fernando Henrique Cardoso, “O Brasil c a lusofonia”, Jornal do Brasil, 25 de abril de
r
1993, apud Ministério das Relações Exteriores, Política externa em tempos de mu­
dança, op. cit., p. 262. r
c.
230 O LUGAR DA ÁFRICA

Portuguesa. Criou-se o Grupo de Trabalho de “Concertação” Permanen­


te, que teria como principal incumbência a organização da “Cimeira”
dos chefes de Estado e de governo dos sete países, em Lisboa, ainda
em 1994, com vistas à aprovação do ato constitutivo da CPLP.
Nos primeiros dias de setembro de 1994, realizou-se em Brasília,
sob os auspícios do ministro da Educação e do Desporto, Murílio de
Avellar Hingel, a Terceira Reunião dos Ministros da Educação dos
Países de Língua Portuguesa. Em uma reunião profícua, o Brasil as­
sumiu compromissos nas áreas de educação a distância e da remessa
de materiais escolares e didáticos aos países africanos.32
Mais recentemente, na viagem de julho de 1995 a Portugal, o pre­
sidente Fernando Henique Cardoso e o presidente Mário Soares, bem
como o primeiro-ministro Cavaco Silva, acompanhados pelo ex-
presidente e atual embaixador do Brasil em Portugal, Itamar Franco,
analisaram os próximos passos a serem dados. Parecem tímidos depois
da animação promovida no ano de 1994. Não se falou muito em
“concertação” política nem em cooperação com base na CPLP, apesar
da iminência da Reunião dos Ministros das Relações Exteriores e dos
Negócios Estrangeiros que se iniciou em 19 julho do mesmo ano. Os
temas da visita foram, sobretudo, bilaterais.33

A desconstrução do discurso culturalista

O jornal de circulação nacional Follia cie S. Paulo publicou, em 25


de junho de 1995, caderno especial de dezesseis páginas no qual, mais
uma vez, se discutiu, com dados e artigos de especialistas, o tema da
“cor do racismo brasileiro”. Em um país onde a maioria da população
se considera morena e 39% se diz branca, o suplemento abordou a
“intolerância” racial existente no país, onde 87% dos não-negros mani-

3~ Ministério da Educação e do Desporto, “Ata da Reunião dc Ministros da Educação dos


Países de Língua Oficial Portuguesa”. Brasília, 29 a 31 dc agosto de 1994. Ver também
“Idioma português une países", Jornal de Brasília, 30 dc agosto de 1994.
33 Artigo de José Manuel Durão Barroso, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal,
“FHC em Portugal — rcdcscobrir Portugal", Follia de S. Paulo, 16 de julho de 1995,
caderno 1, p. 3. Ver também, sobre a visita do presidente Fernando Henrique a Portu­
gal, o artigo do historiador Carlos Guilherme Mota, “O futuro das relações Brasil-
Portugal". Folha de S. Paulo, 16 de julho de 1995, caderno I, p. 3.
A POLÍTICA AFRICANA DOS ANOS 1 9 9 0 : A OPÇÃO SELETIVA 231

festam algum preconceito contra negros. Analisou ainda o tema das


“oportunidades” para constatar que a maioria dos negros está traba­
lhando, mas metade recebe até R$ 200. Avaliou ainda a tensão “negro
versus negro”, na qual grande parte dos negros parece concordar que
“negro bom é negro de alma branca”. Enfim, um dos jornais mais lidos
nas manhãs de domingo pelas famílias brasileiras apresentou mais
uma avaliação do “racismo cordial” brasileiro, para utilizar os termos
da publicação.34
O interessante foi a repercussão do caderno especial. Nos dias se­
guintes, brancos e negros, ilustres personagens da vida política nacio­
nal e cidadãos comuns, escreveram ao jornal para elogiar a qualidade
de suas conclusões e de seus dados. O ministro Felipe Lampréia, das
Relações Exteriores, foi um dos primeiros a declarar o alto nível do
trabalho realizado. Concordou o ministro com as conclusões do trabalho.
Um ano e meio antes, um dos mais respeitados estudiosos brasilei­
ros na condição de descendente dos africanos no Brasil, Carlos Ha-
senbalg, publicou artigo acadêmico onde constatou, com pesquisa
empírica, escrita em companhia de Nelson do Valle Silva,35 a
“desigualdade racial e política no Brasil (sic).
O suplemento jornalístico e a pesquisa acadêmica recentes têm em
comum a crítica sistemática às construções ambivalentes acerca da
presença africana na formação da identidade nacional. Essas constru­
ções, analisadas em vários momentos desta obra, marcaram as elites e
o povo. A distância cultural ativa em relação à AIrica, que as elites
forjaram na chamada identidade nacional, loi explicitamente desfavo­
rável à autonomia social e econômica da herança atricana.
A Historia é uma mestra na compreensão da condição ímpar im­
posta à África e aos seus descendentes no Brasil durante período muito
recente. A expulsão de africanos libertos e livres do território brasilei­
ro, a adoção de idéias de progresso e de modernidade permeadas pelas
noções racistas no projeto da abolição da escravidão, o caráter perver­
so dos processos de alforria, a insistência das elites no início do século
pelo processo de “embranquecimento” foram elementos que marca-

34 “Racismo cordial. A maior e mais completa p e s q u is a sobre o preconceito de cor entre


o s brasileiros", Follm de S. Paulo, caderno especial, domingo, 25 de junho de 1995.
35 Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva, “Notas sobre desigualdade racial e política
no Brasil”, Estudos Afro-Asiáticos, 25, 1993, pp. 141-159.
232

ram, profundamente, o distanciament ans-


truiu contra o continente africano.
Mas a herança africana permaneceu e se prestou a manipulações
discursivas muito peculiares. O discurso freyreano, fundamentajjtara-a-
diplomacia brasileira no processo de aproximação à África, progurou
integrar a África à nacionalidade brasileira. Mas o fez pela porta da
cozinha, e não da sala de estar. Daí a presença ambivalente da África
no imaginário das elites e do povo—
A África e seus descendentes foram, a partir das reconsiderações
de Freyre, incluídos nos paradiginas da “naçãõ brasileira”, mas como
subordinados ou reduzidos ao culturalismo dos doces, do reqúèbroMas
negras, da música extasiante e do continente exótico. Ao mesmo tem­
po, em momento de afirmação da brasilidade, a África serviu como
fator de distinção, perante a comunidade internacional, e._como ele­
mento todo especial que dava ao Brasil um aspecto de contraste com
outras partes do continente americano e da Europa. Essa era uma boa
justificativa para o "reencontro , nos anos da política externa indepen­
dente e nos anos dourados das relações do Brasil com a África, com os
“bons amigos africanos”. As ilusões engendradas por esse discurso
foranijmalisadas no segundo capítulo.
O discurso, no entanto, que gerou ilusões acerca da afinidade natu-
ral entre brasileiros e africanos, foi a mais consistente marca da políti-
ca africana do Brasil, do início dos anos 1960 ao governo do
presidente Fernando Henrique Cardoso. Exemplificando, em 1961,
Jânio Quadros insistiu que o Brasil estava fadado a ser a “ponte” da
África com o mundo. Seu chanceler Afonso Arinos de Melo Franco
dizia que o Brasil não procurava a África, mas que a África buscava o
Brasil. O intelectual Eduardo Portella definia o Brasil como a nação mais
africana fora da África. O historiador José Honório Rodrigues afirmava
que o outro horizonte da vida brasileira deveria ser buscado na África.
Na década de 1980, o chanceler Saraiva Guerreiro afirmava que a
África não era só uma nova área de expansão comercial e diplomática
para o Brasil. Defendeu o diplomata que a importância do continente
ribeirinho era ser parte “intrínseca da formação” do país. O presidente
Fernando Collor de Mello, em sua visita à África Austral em 1991,
reproduziu essa mesma linguagem em suas manifestações públicas em
Angola, Moçambique, Zimbábue e Namíbia.
POLÍTICA AFRICANA DOS ANOS 1 9 9 0 : A OPÇÃO SELETIVA 233
'r \'í- ■JLJ i

Mais recentemente, o então chanceler Fernando Henrique Cardoso,


no seu artigo publicado no Jornal do Brasil, declarou textualmente que:

N o ssa p re s e n ç a na Á fric a já a ssu m e fe iç õ e s d e tra d iç ã o , d a q u a l n ão


p o d e m o s re c u a r so b p e n a d e fa z e r ru ir, c o m o c a ste lo d e c a rta s, o
in estim áv el c ap ital d e b o a v o n ta d e a c u m u la d o p o r n o ss a e x p e riê n c ia
n a q u e la re g iã o - d a q u a l so m o s c u ltu r a lm e n te tr ib u tá r io s e c o m a
q ual c o m p a rtilh a m o s u m a im e n sa p o rç ã o o c e â n ic a q u e p re te n d e m o s
v o ltad a p a ra a p a z e a c o o p e ra ç ã o . 6

O “tributo cultural” do Brasil em relação à África a que se refere o


presidente foi a base do discurso “culturalista” que perpassou décadas,
que ele mesmo é porta-voz no presente, e que está em franco processo
,de desconstrução nqsjinos 1990.
E certo que o discurso, para consumo interno e externo, teve uma
função importante como facilitador das ações e interesses concretos do
Brasil na África. O discurso permitiu a pavimentação para a chegada'
dos empresários e exportadores brasileiros à África.'Mas ele também
engendrou ilusões - como a de que o Brasil conhecia a África, pois
tivera uma “histórica comum” de quatro séculos de contatos atlânticos.
Além das vantagens práticas e diplomáticas na aproximação ao
continente africano, outro mérito do discurso culturalista foi o de fazer
certo “retorno” à identidade africana, em sua multiplicidade, aojresga-
tar o tema da identidade para o âmbito da política exterior. As outras
dimensões da política exterior brasileira, mesmo aquelas voltadas para
os vizinhos latino-americanos, nunca tiveram o apelo emocional que
teve o discurso culturalista na aproximação brasileira ao continente
africano.
E certo também que o discurso facilitou a penetração de imagens
positivas do Brasil na África. Daí a diplomacia africana, que se deslo­
cou nos primeiros anos para o Brasil, ter inicialmente imaginado que
estaria vindo trabalhar em país com forte interesse nas realidades afri­
canas contemporâneas. Isso, contudo, não se comprovou. Pelo contrá­
rio, a discreta crítica dos diplomatas africanos na capital da República
tem chamado a atenção para a desigualdade racial no Brasil e para os36

36 Fernando Henrique Cardoso, "A África e o Brasil”, op. cit., p. 255 (parte do texto foi
sublinhado por este autor).
234 O LUGAR DA ÁFRICA

passos que terão que ser dados caso o Brasil ainda deseje se apresentar
na África como o campeão da “democracia racial”.
Chamou também a atenção dos africanos o pouco que se sabia no
Brasil sobre o seu mundo contemporâneo. O país, e mesmo sua diplo­
macia, cultuava, e se satisfazia com, as imagens de Nina Rodrigues e
de Gilberto Freyre acerca da África. Em alguns casos, foi preciso re­
correr a Portugal para fazer a ponte entre o Brasil e a África, como o
fizera o presidente Castello Branco.
No fundo, o discurso engendrou e reproduziu toda a ambivalência
com que o legado africano foi tratado na História do Brasil. Os produ­
tores desse discurso omitiram da “história comum” entre africanos e
brasileiros fatores essenciais para a compreensão mútua: a escravidão,
o racismo cordial (para utilizar a expressão do suplemento comentado
da Folha de S. Paulo) e a condição social e econômica dos descenden­
tes de africanos no Brasil contemporâneo.
A discreta crítica de diplomatas e intelectuais africanos começou a
ruir a precária solidez do discurso culturalista na década def1980* Uma
das primeira críticas foi realizada no contexto do diálogo Nigéria -
Brasil, organizado pelo Instituto Nigeriano de Relações Internacionais
(NIIA) e a Universidade de São Paulo, entre 29 de julho e l fi de agosto
de 1980, na cidade de São Paulo. Talvez facilitado pelo ambiente uni­
versitário, o relatório, depois publicado pelo NIIA, verdadeiro think-
tank da diplomacia nigeriana, fez duras críticas aos disfarces mercan-
tilistas do Brasil trajando indumentárias culturalistas na Nigéria.3738
O relatório do NIIA insistiu que o Brasil deveria ter preocupações
mais sólidas na Nigéria, como a de criação de uma verdadeira parceria
entre os dois países. O diretor do NIIA, Bolaji Akinyemi, depois minis­
tro das Relações Exteriores da Nigéria, e presente ao diálogo, endos-
sou a critica.’ A mais contundente, entretanto, foi aquela que definiu
a percepção brasileira da Nigéria,, e da África em geral, como “vaga”.
Segundo o documento, a diplomacia brasileira demonstrava “clara falta

37 NIIA, Nigerían-BmziUan Dialogue ou Fareign Policy — a report o f a Nigerían —


Brazilian Dialogue. Lagos, NIIA Press, 1982.
38 NIIA, Nigerian-Bmzilian .... op. cit., pp. 6-11. Ver também José Maria Nunes Pereira,
“Brasil-Africa no governo Figueiredo: um balanço", Contexto Internacional, 2 (1),
1985, p. 84.
A POLÍTICA AFRICANA DOS ANOS 1 9 9 0 : A OPÇÃO SELETIVA 235

de conhecimento e de informação” acerca da África” e “muito pouca


pesquisa sistemática” sobre a África e suas relações internacionais.
Em síntese, enquanto a África desejava discutir as possibilidades
no futuro, o Brasil apegava-se ao passado da segura “história comum”.
A última fórmula servia mais aos objetivos pragmáticos na África e
envolvia menor esforço de acompanhamento das novas percepções dos
africanos acerca do seus próprios destinos.
Joy Ogwu, professora do NBA e maior especialista africana das
relações do Brasil com o continente africano, tem produzido uma das
mais severas e articuladas críticas à retórica do Brasil. Em muitos de
seus artigos e conferências, Ogwu, que atua também como consultora
da diplomacia nigeriana, não poupou também críticas ao caráter mer-
cantilista escondido atrás do, discurso culturalista brasileiro. Para ela,3940
quando o Brasil crescia, a Nigéria tinha o Brasil como o modelo a ser
seguido. Depois, com a crise do modelo do nacional-desenvolvimento,
a desestabilização da economia e a desalençao com os desígnios afri­
canos, a África perdeu a confiança no Brasil."1
Por razões diplomáticas, a crítica africana foi sempre mais discreta
que aquela empunhada pelas comunidades e movimentos negros no
Brasil na década de 1980 e na presente. A inclusão dos temas raciais
na agenda política brasileira desde o final da década de 1970 até os
dias atuais levou a uma dicussão interessante das relações do Brasil
com a África no seio de tais comunidades. Como lembrou a atriz de
televisão e ativista do movimento negro Léa Garcia^os movimentos de
libertação dos povos africanos, em especial no caso da independência

39 N1IA, Nigeríctn- Bmzilian .... op. cit., pp. 7- 8. Ver lambem interessante texto de Val-
demir Zamparoni, “Os estudos africanos no Brasil: Veredas”, apresentado no colóquio
Construção e Ensino da História de África. Lisboa, Gulbcnkian, 4 a 10 de junho de
1994 (separata).
40 Ver seus principais artigos: Joy Ogwu, “Nigéria and Bra7.il: A Model for the Emerging
South-South Relations?” cm Jerkcr Carlsson (cd.), Soiilli-Soulh Relations in ci Clumg-
ing World Order. Uppsala, Scandinavian Instilutc of African Sludics, 1982; Joy Ogwy,
“Cooperação Sul-Sul: problemas, possibilidades e perspectivas de uma relação emer­
gente”, Estudos Afro-Asiáticos. 11, 1985. Também tive a oportunidade de participar,
como comentarista, de sua conferência ‘T he Relations bclwecn Bra7.il and Nigéria: the
limits o f imerdependencc". Centre for Contemporary Bra/ilian Sludics, Instilutc of Lalin
American Sludics, Universidade de Londres, Londres, 8 dc junho de 1990.
236 O LUGAR DA ÁFRICA

de Angola e Moçambique em 1975, tiveram uma importante influência


nos movimentos negros brasileiros.4142
Há uma gama variada de movimentos negros que nasceram na úl­
tima década, com diferentes críticas ao discurso culturalista. A Comis­
são do Negro do Partido dos Trabalhadores, por meio de jornais como
o Raça e Classe, manifestou repúdio às ambiguidades do discurso
culturalista brasileiro na África, sem poupar críticas ao Itamaraty. O
Movimento Negro Unificado (MNU) e a Pastoral do Negro dâ Igreja
Católica minimizaram as críticas à diplomacia brasileira. O congressis-
ta negro Adalberto Camargo, do MDB, chegou_.a._elo.giar_oJLtamar.aty_
pelo recrutamento, no Instituto Rio Branco, via concurso, da primeira
diplomata negra, Mônica de Menezes Campos.43
De qualquer forma, desde a década de 1980, os movimentos afro-
brasileiros tomaram-se um fator de desconstrução do discurso cultura­
lista. Mas a voz de tais movimentos, ao contrário do que vem ocorren­

41 Lca Garcia, “O preconceito no quotidiano”, Cadernos do Terceiro Mundo, 41, janeiro


de 1982, p. 33. Alguns artigos nas décadas dc 1970 c 1980 exploraram as conexões en­
tre a política africana do Brasil e a condição dos descendentes dos africanos no Brasil.
Ver, por exemplo, Carlos Guilherme Mota, “O negro cm seu lugar, dá paia acreditar na
‘democracia racial’ do Brasil'?", IsloÉ, 18 dc maio dc 1977, pp. 33-34; Abdias do Nas­
cimento, Lclia Gonzalcs, Zózimo, Clóvis Moura et al., “Cultura. Negro. Qual é o lugar
do negro?”, IsloÉ, 17 dc maio dc 1978, pp. 40-53; “Contra o preconceito”, Veja, 7 de
novembro de 1979, pp. 121-122; “Negros contra segregação”. Folha de S. Paulo, 8 de
agosto dc 1982; “Santillo identifica racismo no llamaraty". Tribuna da Imprensa,
12 dc agosto de 1982; "llam araty boicota cultura negra, denuncia professor” , Folha
de S. Paulo, 10 de julho de 1981.
42 Ver, por exemplo, “Namíbia... Livre!”, Raça e Classe, 3 (1 ), oulubro/novembro, 1987,
p. 8. Ver também PT-PCdoB-PSB-PV, “Por uma política externa soberana”, Os treze
pontos da Frente Popular, 1989, p. 4. De acordo com o último documento, que serviu
dc diretriz à política externa .do candidato Inácio Lula da Silva às eleições presidenciais
de 1989, o Brasil “não reconhecerá países que tenham políticas racistas como o regime
do apartheid, op. cit., p. 4.
43 Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, 1979, sessão de 3 de agosto de
1978, p. 6.141. Sobre o MNU, ver Milton Barbosa, “A organização da população negra
e alienação. Movimento Negro Unificado — MNU”, Afrodiáspora, 3, 1983-1984, pp.
59-62. Sobre a pastoral do negro da Igreja Católica ver Ana Lúcia Eduardo Farah
Valente, “Uma pastoral contra o racismo", Humanidades, 17, 1988, p. 53 e “Pastoral
negra defende direito de fc em orixás”, Folha de 5. Paulo, 23 de abril de 1989, p. 12.
A POLÍTICA AFRICANA DOS ANOS 1 9 9 0 : A OPÇÃO SELETIVA 237

do nos Estados Unidos,44 nunca foi considerada um fator no processo


decisório da política exterior do Brasil para a África.
Uma evidência da indiferença por parle dos formuladores da polí­
tica africana do Brasil foi apresentada pela revista Afrodiáspora
(revista quadrimestral do mundo negro), que discutiu um suposto
“veto” do Itamaraty à organização no Brasil do III Congresso Ameri­
cano de Cultura Negra, que seria realizado em I9 82.45 Em uma es­
trondosa denúncia, com ressonância nacional, vários grupos
organizados de afro-brasileiros criticaram os “critérios racistas” que o
governo brasileiro utilizava para definir sua política cultural e educa­
cional.
A origem do “veto” teria sido a recusa do Itamaraty em tramitar
junto à Unesco os papéis relativos ao Congresso, como tinha ocorrido
nos anteriores, pelas chancelarias dos países que abrigaram o primeiro
e o segundo congressos. O professor Abdias Nascimento, que havia
sido um dos primeiros congressistas negros e um pioneiro na organi­
zação dos movimentos negros no Brasil, era o organizador do congres­
so no Brasil.46 Ele, que já havia criticado o Itamaraty no Festival de
Artes Negras da Nigéria, acusou novamente a chancelaria de racista.
Abdias do Nascimento, indicado vice-presidente do terceiro con­
gresso, encontrou-se com o diretor do Departamento Cultural do Ita-
maraty, embaixador Guy Brandão, para iniciar o procedimento
burocrático de obtenção dos recursos internacionais da OEA e da
Unesco, conforme se fizera nos congressos anteriores. O Itamaraty

Ver u importância dos dcbaic.s cm torno dn relação do muliiculiuralismo com as políti­


cas internas e externa nos Estados Unidos: “Os EUA em pedaços”, Folha de S. Paulo,
caderno Mais, 16 de julho de 1993. pp. 4 - 8.
45 Racismo do Itamaraty veta o 111 Congresso de Cultura Negra das Américas”,
Afrodiáspora, 1, 1983, documento número 2, pp. 71-79.
Abdias do Nascimento, O genocídio do negro brasileiro. Pctrópolis, Vozes, 1978;
Idem (ed.), O negro revohado. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982, pp. 14 -15. Ver
também sobre o assunto Anani Dzidzicnyo c Michacl Turner, “African-Brazilian Rcla-
tioins: A Reconsideraiion" em Waync Sclchcr (cd.), lirazil in llie International System:
The Pise o f a Middle Power. Bouldcr, Wcstview Press, 1981, pp. 208 -210. Ver tam­
bém a crítica de Nascimento à situação dos negros brasileiros cem anos depois da liber­
tação, publicada cm 1988: “ 13 de maio: dia de denúncia contra o racismo”, Minas
Gerais (suplemento literário), 7 de maio de 1988, p. 10 e seguintes.
238 O LUGAR DA ÁFRICA

nunca deu uma resposta, positiva ou negativa, ao encaminhamento de


Abdias do Nascimento: “manteve-se o silencioso desdém”47
O assunto mereceu a apreciação do Congresso Nacional e mobili­
zou congressistas como Raimundo Diniz, Franco Montoro, Alceu Co-
llares, José Frejat e Paes de Andrade. A movimentação do Congresso
Nacional mereceu também destaque na imprensa internacional.48 O
deputado Paes de Andrade, que depois veio a se tomar presidente do
Congresso Nacional em 1989, denunciou a contradição do governo
brasileiro ao simultaneamente “falar em reforçar as relações com os
povos africanos” e não atender a um simples requerimento de encami­
nhamento de uma petição de congraçamento dos africanos e descen­
dentes de africanos no Brasil.49
O deputado José Frejat foi quem conseguiu tirar uma resposta ver­
bal do chefe do Departamento Cultural do Itamaraty: o Itamaraty não
encaminharia a solicitação de apoio à Unesco para o Terceiro Con­
gresso de Cultura Negra das Américas. A resposta negativa aguçou a
desconstrução do discurso culturalista do Brasil. A crítica da opinião
pública, da imprensa e do próprio Congresso Nacional foi fulminante.
O próprio deputado Frejat afirmou que o Itamaraty e sua “brancura
européia” negavam as origens do país e que: “Essa decisão do Itamara-
ty destrói a imagem que o Brasil está construindo nos países africa­
nos.”50
Era a mais dura crítica às ambigüidades do discurso culturalista
jamais pronunciada por um parlamentar brasileiro. Sua voz ecoou pe­
los corredores da chancelaria.
Mais recentemente, na atual década, a manifestação de um soció­
logo e professor da Universidade de Brasília acerca de atitudes racistas
na carreira diplomática causou muita celeuma no Itamaraty. A declara­
ção do professor Argemiro Procópio de que o “monopólio do branco
na carreira diplomática precisa ser extirpado de vez” foi respondida

------------»----------------------------------------
47 “Racismo do Itamaraty veta..., op. cit., p. 73.
48 “Le gouvemment brcsilien refuse de cautionner le Troisieme Congrès des Cullures
Noites”, Le Monde, 17 de dezembro de 1981, p. 42.
49 Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, sessão de 29 de maio de 1981,
pp. 4.668 - 4.670.
50 “Racisfho no Itamaraty veta..., op. cit., p. 76.
A POLÍTICA AFRICANA DOS ANOS 1 9 9 0 : A OPÇÃO SELETIVA 239

pelo diplomata Macedo Soares, então presidente da Associação dos


Diplomatas Brasileiros, nos seguintes termos:

Não será novidade a razão por que não há bastantes diplomatas ne­
gros, como tampouco existem suficientes bispos, parlamentares, jui­
zes, banqueiros, jornalistas e ... professores da UnB. As limitações
existentes não nascem no Itamaraty, na revista Veja, ou mesmo na
Universidade de Brasília, mas sim na sociedade brasileira.51

As últimas observações do diplomata sinalizam para um desafio


importante para o Brasil no final do século XX: suprimir diferenças
sociais e raciais no país para que o cunho culturalista, engendrado no
relacionamento com a África, tenha correspondência com a realidade
interna.52

51 J. A. de Macedo Soares, “Racismo no Itamaraty”, ADB — Boletim tia Associação cios


Diplomatas Brasileiros, 14, 1994, p. 8.
52 O tema tem merecido intenso debate de opiniões na própria imprensa nos anos recentes.
Ver alguns deles nas seguintes matérias: “Discriminação explícita. Veja faz uni teste em
lojas e restaurantes”, Veja, 30 de maio de 1990, p. 44; “Especial. As cores do Brasil”,
Veja, 30 de maio de 1990, pp. 40 - 44; Ivo de Castro, “Ponto de vista. Quero morar na
África do Sul”, Veja, 12 de setembro de 1990, p. 106; “Negros fazem protesto contra
governo”. Gazeta cie Alagoas, 19 de novembro de 1992; “A Cindcrela Negra. Agredida
dentro de um elevador de serviço, a estudante Ana Flávia, rica e filha de governador,
enfrenta a hipocrisia do racismo no Brasil”, Veja, 7 de julho de 1993, pp. 66 -71; “O
preço da cor", Veja, 14 de abril de 1993, p. 28; “Fantasia da escravidão invade as rela­
ções no Brasil, diz psicanalista”, Follia de S. Paulo, caderno 4, p. I ; “O racismo cínico”,
Veja, 9 de junho de 1993, pp. 7-9; “Preto ou branco", Folha de S. Paulo, 12 de julho de
1993; “Racismo punido", Veja, 6 de outubro de 1993, 103; “Racismo verde-amarelo”,
IstoÉ, 2 de fevereiro de 1994, pp. 43 - 44; “Democracia racial para exportação”, O
Estado de S. Paulo, 13 de maio de 1994; “Negro briga por mais vagas na universidade”,
Jontal do Brasil, 29 de setembro de 1994; “Só 37% dos negros são alfabetizados”, O
Estado de S. Paulo, 17 de novembro de 1994; “Negros continuam fora do topo das
profissões de prestígio", Jontal do Brasil, 20 de novembro de 1994, p. 18; ‘Trezentos
anos sem Zumbi dos Palmares”, Correio Braziliense, 2 de julho de 1995, p. 4.
CONCLUSÃO

O valor intrínseco da História é que a sua ausência impede a cons­


trução de perspectivas. A História, e só esta, afiança ou não os proje­
tos. As quatro décadas que distanciam o presente do período imediato
à Segunda Guerra Mundial permitiram o amadurecimento da dimensão
atlântica da política externa do Brasil. A África evoluiu para o coração
da inserção universalista do Brasil. Apesar da retração dos anos 1990, o
lastro que se construiu ao longo do tempo é insofismável. Há motivos
para otimismo em futuro próximo. As razões são as seguintes.
Inicialmente, a inclusão da África na agenda da política externa brasi­
leira deu-se de maneira gradativa e correspondeu à importância crescente
do continente no âmbito das relações internacionais nas últimas décadas.
Embora o mesmo se possa dizer acerca das relações da África com seus
demais parceiros internacionais, o que distingue o Brasil de outros países
é que ele teve razões adicionais para estar presente, e esteve, nos momen­
tos mais dramáticos da vida política e econômica do continente. No
Atlântico — espaço de ligação umbilical entre duas costas — souberam
experimentar as possibilidades únicas da cooperação ribeirinha.
Em segundo lugar, o lastro construído permitiu enfrentar a volatilida­
de das conjunturas. O cabedal de informações mútuas e de conhecimento
acumulado por diplomatas, empresários e formadores de opinião permite
vislumbrar a superação das dificuldades do momento. Em quatro décadas
foi possível construir no Brasil uma base de conhecimento não só sobre
as possibilidades de continuação do rapprochement à África, mas sobre
ela mesma, sua História profunda, suas buscas e suas próprias idiossin­
crasias.
Já não se pode dizer que o conhecimento no Brasil sobre o continente
africano está nos níveis da antropologia britânica do século XIX. Supera-
ram-se mitos e criaram-se alvissareiras oportunidades de diálogo intelec­
tual entre as duas costas atlânticas.
Em terceiro lugar, a dimensão africana da política brasileira foi cons­
trução que se solidificou, apesar dos tropeços, não só pela vontade do
Estado e de seus funcionários. A sociedade brasileira apercebeu-se da
importância atlântica - espaço comum e próximo. Daí a relevância de que
242 O LUGAR DA ÁFRICA

se revestem os encontros entre empresários africanos e brasileiros, entre


professores e estudantes, entre artistas e jornalistas. Superaram-se, aos
poucos, as imagens exóticas e negativas construídas contra a África.
Em quarto lugar, a diplomacia teve o mérito de ter dado consistência
conceituai à aproximação do Brasil à África nestas décadas aqui aborda­
das. As vozes dissidentes daqueles que, na década de 1950, vislumbra­
vam novos horizontes para o Brasil no continente africano foram se
tomando cada vez mais audíveis. Revalida, assim, a obra magistral de
José Honório Rodrigues em 1961 e de Adolpho Justo Bezerra de Mene­
zes na segunda metada dos anos 1950.
A inauguração da política africana, no início da década de 1960, não
foi um ato natural. Foi um ato político e consequente. Foi um projeto de
inserção internacional para o Brasil que procurava colocar a África
Atlântica no centro da afirmação brasileira de autonomia no mundo.
Sobreleva-se a espetacular continuidade que a diplomacia brasileira
conferiu à política africana mesmo no momento em que a presidência da
República parecia inclinar-se para perspectivas mais ocidentalistas e me­
nos terceiro-mundistas. Até mesmo a redescoberta da importância co­
mercial da África nos anos dourados foi uma saída fundamental -
desenhada também pela chancelaria - para o enfrentamento da vulnera­
bilidade energética do Brasil.
Em quinto lugar, não resta dúvida que os interesses materiais e políti­
cos estiveram no centro da aproximação brasileira à ÁTricãTMasrtríniteli-
gência pragmática não foi o único elemento na aproximação brasileira a
este continente. Houve algo mais que deu sabor lodo especial à política
africana do Brasil: o discurso culturalista. Ele foi construído para consu­
mo interno e externo e visou apresentar a política africana como uma
consequência natural dos séculos de contatos do Brasil com a África. O
discurso construiu ilusões e engendrou açoès'que tomaram a política afri­
cana um capítulo especial e distinto das demais políticas externas regio­
nais do Brasil.
Na verdade, o discurso culturalista desdobrou-se em dois. Um enfati­
zou as afinidade históricas com os povos negros da África, em especial os
de língua portuguesa. O outro privilegiou as relações históricas com a
África, via Portugal, dentro de uma perspectiva ainda colonialista, por
meio de uma suposta Comunidade Luso-Afro-Brasileira.

Cj0- Ov
CONCLUSÃO 243

Uma das conseqiiências da política externa independente foi ter en­


fraquecido, em parte, o discurso lusófico, que tinha sido tão forte nos
anos Kubitschek. No período Castelio Branco, o discurso lusófico supe­
rou o primeiro sentido do discurso culturalista. Após a independência da
chamada África portuguesa, os dois discursos convergiram. E curiosa­
mente, recentemente, retoma o segundo sentido do discurso culturalista
nas gestões de formação e institucionalização da Comunidade dos Países
da Língua Portuguesa (CPLP).
O mais curioso é que pouco havia de “natural” nos dois sentidos do
discurso culturalista. A cultura hegemônica no Brasil, embora de língua
portuguesa, há muito adotou definições de si mesma que implicam negli-
genciariLherança-africana. A explicação está no fato de que as elites inte­
lectuais e políticas brasileiras favoreceram modelos ocidentais ao longo
do presente século, que, aliás, pouco tiveram a ver com a África. E Portu­
gal há muito era mais um rival que um canal da influência cultural brasi­
leira na África.
De qualquer forma, deve ser lembrado que o discurso culturalista não
foi uma invenção ad hoç. Ele aiudou o Brasil, em especial à sua política
externa, a manter uma certa autopercepção de país diferente na América
do Sul e distinto culturalmente dos seus vizinhos. A África apresentava-
se, portanto, como lugar para a recepção da presença brasileira. O discur­
so, é certo, teve sua eficácia. O que, naturalmente, não o impediu de rece­
ber críticas de africanos e brasileiros. As ilusões geradas foram enormes.
A África não era tão africana quanto Quadros imaginava. Ela tinha se
transformado, ocidentalizara-se em alguns casos, em outros buscara mo­
delos alternativos de organização política. E hoje o discurso, embora per­
sista, é mais moderado e prudente na afirmação da africanidade brasileira.
A boa aprendizagem e a modéstia, neste campo, ajudarão no reencontro
afetivo com os africanos sem os matizes ideológicos e o pântano concei­
tuai gerado pelo discurso culturalista.
Finalmente, o Atlântico apresenta-se como a área mais desmilitariza­
da do mundo. Essa foi a maior conquista da política africana do Brasil. A
seguir nessa máxima, as possibilidades que se abrirão de diálogo cõfís-
trutivo entre os países do Mercosul e da SADCC, em especial, criarão
espaços de cooperação que permitirão, em futuro não tão longínquo, a
criação de processos de integração originais, como foi, e ainda é, a histó­
ria da pol ítica africana do Brasil.
t
r

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Fontes primárias

^ ^ ^ O
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7
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Partido Social Democrático Brasileiro (PSDB). Programa. Capítulo final
dedicado à política externa brasileira. Brasília, Diretoria Regional,
1987.
Relatos pessoais publicados por políticos estão listados na bibliografia.

3. Jornais

Período de 1946-1960:
Correio da Manhã (Rio de Janeiro)
O Estado de S. Paulo (São Paulo)
Diário Popular (São Paulo)
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro)
Período de 1961-1985:
Correio Brasiliense (Brasília)
Jornal de Brasília (Brasília)
Diário de Brasília (Brasília)
O Correio do Planalto (Brasília)
O Globo (Rio de Janeiro)
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro)
O Estado de S. Paulo (São Paulo)
Folha de S. Paulo (São Paulo)
Gazeta Mercantil (São Paulo)
Jornal da Tarde (São Paulo)
Tribuna da Imprensa (São Paulo)
Movimento (São Paulo)
248 O LUGAR DA ÁFRICA

L'Quest African (Dakar)

4. Revistas

Realidade (São Paulo, 1966-1968)


Veja (São Paulo, 1968-1995)
IstoÉ (São Paulo, 1974-1983)
IstoÉ - Senhor (São Paulo, 1989-1995)
Cadernos do Terceiro Mundo (Rio de Janeiro, 1977-1990)
West África (Londres, 1961-1991)
África Report (Washington, 1962-1972)
Newsweek (Nova York, 1988-1991)

5. Jornais e revistas militares

A Defesa Nacional (Rio de Janeiro, 1959-1979)


Revista do Clube Militar (Rio de Janeiro, 1972-1979)
Revista Aeronáutica (Rio de Janeiro, 1964-1975)
Boletim dos Diplomados da ESC (Rio de Janeiro, 1958-1978)
Revista do Clube Naval (Rio de Janeiro, 1961-1971)
Segurança e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1973-1982)

6. Revistas de movimentos negros

Afrodiáspora — revista quadrimestral do mundo negro (São Paulo 1981-


1985).
Raça e Classe (Brasília, 1985-1995).
Pontos de vista dos militantes do Movimento Negro estão também provi­
dos por entrevistas pessoais, livros e artigos listados.

7. Fontes econômicas

Ministério da Fazenda, Serviço de Estatística. Comércio exterior do


Brasil, por países, segundo as mercadorias. Rio de Janeiro, publi­
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