Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
o
A FR IC A
A dimemsa©
atíâisticí ” '"üca
externa torasíleira
(de 1946 a nossos dias)
ISBN: 85-230-0403-3
COD. EDU: 20109
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Reitor
João Cláudio Todorov
Vice-Reitor
Erico Paulo Siegmar Weidle
E d it o r a U n iv e r s id a d e d e B r a sília
Diretor
Alexandre Lima
C o n s e l h o E d it o r ia l
Presidente
Emanuel Araújo
Alexandre Lima
Álvaro Tamayo
Aryon Dali Igna Rodrigues
Dourimar Nunes de Moura
Emanuel Araújo
Euridice Carvalho de Sardinha Ferro
Lúcio Benedito Reno Salomon
Marcei Auguste Dardenne
Sylvia Ficher
Vil ma de Mendonça Figueiredo
Volnei Garrafa
José Flávio Sombra Saraiva
O LUG AR DA AFRICA
A DIMENSÃO ATLÂNTICA
DA POLÍTICA EXTERNA
BRASILEIRA
(DE 1946 A NOSSOS DIAS)
EDITORA
BH
UnB
Direitos exclusivos para esta edição:
EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
SCS Q.02 - Bloco C - Na 78 - Ed. OK - 2° andar
70300-500 - Brasília - DF
Fax: (061)225-5611
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser armaze
nada ou reproduzida por qualquer meio sem autorização por escrito da editora.
Impresso no Brasil
EDITOR
.M arcelo C arvalho de O liveira
PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS
W ilma G onçalves R osas S altarelli
REVISÃO
W ilma G onçalves Rosas S altarelli
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
N euza P ereira R ibeiro e Raimunda D ias
ACOMPANHAMENTO EDITORIAL
J oelita
de F reitas A raújo
CAPA
F rancisco R ecis
SUPERVISÃO GRÃFICA
E lmano R odrigues P inheiro
ISBN: 85-230-0403-3
Introdução, 9
Razões para uma história das relações do Brasil com a África, 10
O Atlântico: espaço privilegiado, porém ambíguo, 12
A difícil periodização, 14
P r im e ir o c a p ít u l o
A ruptura do silêncio: a África emerge lentamente (1946-1961), 21
O Brasil e as potências coloniais na África (1946-1951), 23
África do Sul e Brasil no contexto atlântico do pós-guerra, 29
A difícil construção de uma política para a África:
o início dos anos 1950, 30
Os anos Kubitschek e o clamor das vozes dissidentes, 35
A eqiiidade racial: discurso de dimensão atlântica, 50
S e g u n d o c a p ít u l o
O nascimento da política africana do Brasil (1961-1964), 59
O novo lugar da África: o Atlântico se faz brasileiro, 62
A África negra: prioridade em discussão, 67
A África do Sul: início das oscilações, 73
O caso angolano: avanços e retrocessos, 76
O discurso culturalista e as ilusões da africanidade brasileira,. 89
T e r c e ir o C a p ít u l o
A dimensão geopolítica do Atlântico e a política africana
(1964-1967), 97
O lugar da África na geopolítica atlântica, 98
A diplomacia e o esforço de continuidade na África, 109
Comunidade luso-brasileira ou afro-luso-brasileira?, 116
Q u a r t o c a p ít u l o
Os anos dourados da política africana (1967-1979), 125
A outra margem do Atlântico: o pragmatismo e o retorno
à África, 128
A dimensão econômica da política africana, 138
8 O LUGAR DA ÁFRICA
Q u in t o c a p ít u l o
A África e o Brasil na Pax Atlântica (1979-1990), 185
Continuidades e limites da política africana, 188
A África do Sul, a Pax Atlântica e o lugar da África negra, 201
Sexto capítulo
A política africana dos anos 1990: a opção seletiva, 217
Tendência em baixa e opção seletiva, 218
A desconstruçâo do discurso culturalista, 230
Conclusão, 241
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes primárias, 245
Livros, 249
Artigos de revistas científicas, 263
Dissertações e teses, 276
Trabalhos não-publicados, 278
INTRODUÇÃO
3 Ver, em especial, os livros de Moniz Bandeira sobre o assunto: A presença dos Estados
Unidos no Brasil (dois séculos de História). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1973, e Brasil-Estados Unidos: a rivalidade emergente (1950-1988). Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1989.
4 José Honório Rodrigues, Brasil e África: outro horizonte. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1961.
5 Henrique Altemani Oliveira, Política externa brasileira e relações comerciais Bra-
sil/África, tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1987.
6 F. J. Marroni de Abreu, Vévohttion de Ia polilique Africaine du Brésil, dissertação
DEA. Paris, Universidade Panthéon-Sorbonne, Paris 1, 1988.
7 Wayne Selcher, The Afro-Asian Dimension o f Brazilian Foreign Policy, 1956-1978,
tese de doutorado. Gainesville, Universidade da Flórida, 1970; Andrew Hurrell, Brazil
and lhe Third World: New Directions in Brazilian Foreign Policy, tese de mestrado.
Oxford, Universidade de Oxford, 1982.
INTRODUÇÃO 11
10 O termo África negra neste livro está empregado para se referir ao conjunto de países e
povos que alguns autores se referem como África ao sul cio Saara, África subsárica ou
África subsctriãna. O termo incluiu todos os países ao sul do deserto do Saaia, para
distinguir da chamada África cio Norte. Essa c uma divisão geográfica, mas com impli
cações históricas c ideológicas profundas. Apesar de não se excluir de todo as relações
com as regiões da África do Norte, o livro se concentra nas relações do Brasil com a
África negra, espccialmcntc da África negra Atlântica, embora nao se encontre teduzi-
do somente aos países da franja atlântica da África. Ficam lambem incluídas no escopo
da obra as relações do Brasil com a África do Sul, que ocupa posição estratégica no
contexto atlântico c nas relações com o Brasil.
o
r
INTRODUÇÃO 13
r
I
Políticos, diplomatas, formuladores de opinião pública, militares e r
empresários, nem sempre com a aquiescência da parte africana, fize
ram uso do idioma da solidariedade cultural. Em variados aspectos, o rL
léxico engendrou ilusões. E essas deram às relações diplomáticas e r
materiais enüe o Brasil e a Álrica um curso consonante ao peso da r
História que unia os dois lados do Atlântico. José Honório Rodrigues
e, antes dele, Gilberto Freyre contribuíram muito para a construção r
dessas imagens mútuas que são abordadas neste livro em torno da dis cI
cussão da análise do discurso culturalista.
Não há discurso ingênuo. A obra, por conseguinte, tenta realizar
r
uma avaliação dos sentidos contidos no discuro culturalista e sua
emulação com um outro discurso de solidariedade cultural e histórica ti
que privilegiou os vínculos entre o Brasil e Portugal.
c
O Atlântico é, assim, o espaço privilegiado da ação da política ex i
terior do Brasil para a África." A geografia múltipla do mar que ri ■
aptoxima e distancia os dois lados dessa história de contatos e vincu- r
lações está apresentada em seis capítulos aue. abordam o longo período i
ç
que vai desde o governo do presidente^'Dutiy até o governo do presi I.
dente Cardoso. O eixo é o da política exterior brasileira, especialmente ri ■
das formulações e ações emanadas do Ministério das Relações Exteri r
ores e pelos diferentes presidentes da República.
C
• Os acervos documentais que se trabalham não ficam restritos aos i
documentos arquivísticos da chancelaria nem a seus relatórios e do cI
cumentos oficialmente publicados..Eles se ampliam para envolver ato r
res tão relevantes quanto o Congresso Nacionai>|ue expressou sempre
•ó
correntes de opinião acerca da Inserção brasileira no contiiiente_afdçar
no, e o pensamento militar urdido na Escola Superior de Guerra, e t-
que também teve (e certamente ainda tem) uma visão estratégica pró v-
pria para o Atlântico. Procura-se tanibéni auscuhar a sociedade e os
movimentos sociais, como aqueles empreêrrdlcfos pela emergente co
í
munidade de afro-brasileiros, que tem opinião, concepção e versão í
sobre os encontros e desencontros de brasileiros e africanos no univer •t
so atlântico.*
ir
A partir daqui, o termo Atlântico deverá ser entendido como Atlântico Sul, não só no £
sentido geográfico do termo, mas também no sentido simbólico das convergências e
c
separações dos dois litorais: o brasileiro c a parte ocidental do continente africano |j
Quando houver referência ao Atlântico Norte, aparecerá a explicitação precisa e com rII
pleta.
r
f
14 O LUGAR DA ÁFRICA
A difícil periodização
Ver o trabalho original do diplomata Alberto da Costa c Silva, As relações cnlic o Brasil
c a África negra, dc 1822 à Primeira Guerra Mundial” cm A. C. Silva, O vício da
África. Lisboa, Sá da Cosia, 1989, p. 26. Do mesmo autor ver também “O Brasil, a
África c o Atlântico no século .... op. cil. Vale ainda lembrar o trabalho seminal ícali-
zado nesse campo por Picrre Vergei', Fluxo c refhtxo do tráfico dc esciavos entie o
golfo do Benin e a baltia dc Todos os Santos, dos séculos XVII a XIX. Salvador, Cor-
rupio, 1987.
INTRODUÇÃO 17
da política, mas esta ficou sem conteúdo, disforme, e sem a graça dos
anos 1960, 1970 em especial, e parte da década de 1980.
Vários fatores, que serão pela primeira vez analisados, trazem uma
reflexão de fundo sobre o cifro-pessimisme que se espraiou tanto na
diplomacia brasileira quanto nos homens de negócio.17 África, o con
tinente do “atraso”, da inviabilidade política e geradora das novas
“pestes negras” como o vírus HIV e a febre mortal do Ebola, está des
qualificada como interlocutora dos novos tempos das relações inter
nacionais do final do século.
Emjcerto sentido, recoloca-se esse continente —■nas mais diferen
tes versões predominantes na mídia, na inteligência e nos relatórios do
Banco Mundial — no marco do velho paradigma hegeliano da África
sem movimento, exótica e povoada de selvagens e doenças incuráveis.
Para muitos, hoje, a ausência da cura para as enfermidades biológicas
geradas pelo continente africano traduz a própria ausência, naquele
continente, de anticorpos para os dramas do subdesenvolvimento e das
chagas deixadas pelo processo colonial.
Para-o Brasil, depois dos anos dourados da década de 1970 e parte
da de 1980, chegaram os anos do desinteresse na África. O retorno de
teses que pareciam sepultadas pela história da política exterior do
Brasil, como aquelas das relações privilegiadas com os centros avan
çados da produção capitalita em detrimento de lugares de menor im
portância para o conjunto da ação externa do país, leva o país a fazer
opções muito seletivas no continente africano. Ou, no caso do Atlânti
co, o olhar brasileiro se volta para as paragens do triângulo menor do
\°[b[
'pvQ—
pÊbr
PRIMEIRO CAPITULO
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE
LENTAMENTE (1946-1961)
1 Essa explicação foi originalmentc sugerida por José Honório Rodrigues, Brasil e
África: outro horizonte. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982, pp. 229-245. A primeira
edição do livro é de 1961. O mémoire de Marroni de Abreu, por exemplo, reproduziu a
mesma leitura. Ver F. Marroni de Abreu, L ‘Evohttion ile Ia Politique Africaine dtt
Brésil, dissertação de DEA. Paris, Universidade de Paris I, 1988, pp. 8-9. Uma exceção
dessa linha de explicação Ibi, em parle, o trabalho de Wayne Sclcher, The Afro-Asian
Dimension o f BrazUian Foreign Policy, 1956-1968, tese de doutorado. Gaincsville,
Universidade da Flórida, 1970, p. 130.
- ov .
22 O LUGAR DA ÁFRICA
i-i~r\ &v. U-vY"! Q »
$' ______<*<?©•
^ ^ 1 ^ ‘M . V a l LI
• o i£>-
com muita timidez e incerteza sobre seu sentido. A redescoberta da
África como área importante para a formulação da política exterior do
Brasil emergiu no contexto do imediato pós-Segunda Guerra Mundial,
como aqui se demonstrará,. 'P ~ M,
sruptura do silêncio nas relações Brasil-Ámca herdado do século
1 8 cX 6 anterior e já se podem observar suas raízes nas novas percep
ções entre os formuladores de política exterior no Brasil do final do
Estado Novo e, mais claramente, no períodojjnjxa. Não havia uma
política africana (o Queü n clusive não sg-coadunava com a situação
colonial do continente), contudo a África apareceu, naquele momento,
como componente de alguma relevância naagenda da política externa
brasileira.
Os primeiros elementos da política externa brasileira para a África
foram desenhados no bojo das novas percepções dos gestores do Esta
do, da diplomacia e dos homens de comércio e do setor financeiro em
tomo de questões como (^financiamento internacional para o desen.-
volvimento da América Latina e da África, a competição-ent-re-prodn-
tos primários africanos e brasileiros no mercado internacional, a
perspectiva da parceria brasileira com a África do Sul no contexto
Atlântico, as relações especiais com Portugal, a formulação da Comu
nidade Luso-Brasileira e as primeiras conseqiiências do processo de
descolonização da África sobre os interesses do Brasil na região atlântica.
O Brasil esieve fortemente convencido, nas décadas de 1940 e
1950, de que ojdesenvolvimento industrial e a construção de certa in
fluência regional deveríam andar juntos. A África, que desde o final
do século XIX perdera importância-relativa na agenda da política ex
terior do modelo da agroexportação, retoma lentamente como um item
(ainda que menor) na complexa agenda brasileira do pós-guerra.
Pode-se, assim, notar a emergência lenta da África como um tema
de relativa importância para formuladores e executores da política ex-
terior do Brasil ao longo das duas décadas, com destaque especial para
o período posterior à Conferência de Bandung e da presença brasileira
como observador míquêhpfconferência. ] ^ ^ 3
Mais ainda, o estudo da documentação mostra a efervescência
produzida por um grupo difuso de diplomatas e intelectuais que de-
fenderam, já naquela época, o nascimento de uma política africana
para o Brasil. A diplomacia começava, assim, a transparecer o acúcw-
lõ de conhecimento sobre o continente esquecidcT na primeira década
(V (í—^Cs— o )q
V, 1
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 23
O
tem certa continuidade, apesar do liberalismo e da abertura desenlrea-
da do governo Dutra."
Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores de Vargas, ha
via construído, já em 1943, os objetivos para os “próximos trinta anos”
da política exterior do Brasil. Entre eles, quase todos concernentes ao
financiamento do desenvolvimento industrial do país e à busca de
preponderância na América do Sul, era delineado certa aproximação
do Brasil ao continente africano via Portugal. Aranha incluiu na sua
lista o objetivo do aumento da influência brasileira sobre as “posses
sões portuguesas” na África.23
O objetivo explicitado por Aranha incluía-se no conjunto de obje
tivos que as elites governantes haviam construído para tentar garantir
mais poder regional c o financiamento do desenvolvimento econômico,
do país. Apesar dos interesses conflitantes no interior do Estado.e da
sociedade, o desenvolvimento a todo custo era o denominador comum
entre os formuladores e executores da política exterior brasileira. Di
plomatas, agências do governo, militares e o próprio presidente Dutra
estavam convencidos da eficácia da continuação da política de ali
nhamento aos Estados Unidos para-realizar-ganhos econômicos.
Os ganhos econômicos, contudo, não chegaram. A(_Europã\_e. a
fAsial mais diretamente ameaçadas pela influência comunista, foram
as principais áreas de atuação dos norte-americanos. A Doutrina Tru-
man e sua tradução em política econômica por meio do Plano Marshall
(junho de 1947) tinham como temas especiais a reconstrução da Euro
pa e o fortalecimento do capitalismo na própria Europa e na Ásia,
fronteira natural do capitalismo ocidental.
2 Sobre esse interessante jogo dc continuidudcs c rupturas ver a excepcional tese dc Ger
son Moura, Brazil's Foreign Relations, 1939-1950, Tlic Clianging Nature o f Brazil -
Unitecl States Relations Dttring and After lhe Second World War, tese dc doutorado.
Londres, Univcrsity College, 1982. Ver também seu livro Linhas de pensamento e ação
da política externa brasileira — a governo Dutra (1946-1950). Rio de Janciro/Brasília,
MRE/CPDOC-FGV, 1983. Idéias semelhantes também estão expostas na dissertação
dc mestrado de Monica Hirst, O processo de alinhamento nas relações Brasil-Estados
Unidos, 1942-1945. Rio de Janeiro, lUPERJ, 1982.
Apud Frank D. McCann, “Brazilian Forcign Relations in lhe Twcnlicth Ccnlury, cm
VVaync Selchcr (cd.), Brazil and tlie International System: The Rise oj a Middle Power.
Boulder, Westvievv Press. 1981, p. 10.
p
Y
Daí a emergência, ainda que lenta, da África. Ela poderia ser espa
ço de manobra, e de fato foi, para certos movimentos da política exte
rior brasileira, na garantia de financiamentos para o desenvolvimento.
ú
O lugar da África pode ser notado, empi rica mente nas posições e vo
tos brasileiros nas Nações Unidas.
/ •
Na verdade, as Nações Unidas constituíram-se em espaço privile
giado para percepções do Brasil sobre o continente africano e o local
V propício para aferir conhecimentos sobre as potencialidades a serem
I exploradas nas relações atlânticas.
No governo Dutra, as posições brasileiras foram de tfistemátic
apoio às inétróp^des 'coloniais-5no nue se refere ao tratamento aos ternas
africanos. O colonialismo era, no fundo, uma matéria em aberto, sem
uma política própria, e que servia para instrumento de barganha nas
Nações Unidas em cada voto específico.
V Existiram opiniões discordantes na chancelaria acerca dos movi
mentos específicos da diplomacia no que se refere ao tema colonialis
mo, mas a tendência geral do período foi a do acompanhamento das
posições das metrópoles.
~Â primeira manifestação brasileira sobre a questão colonial na
África no período lD_ulra;deu-se na apreciação do Ministério das Rela
ções Exteriores sobre a conveniência para o Brasil de participar no
Conselho de Tutela das Nações Unidas. Era uma forma de o país estar
presente no seio das Nações Unidas, no seu processo decisório, sem
aumento de responsabilidades. Pelo menos havia sido esta a instrução
do ministro ã delegação brasileira para a Conferência de Londres, em
fins de 1945.6
Mas para o representante brasileiro no Conselho de Segurança, o
embaixador Leão Veloso, tal participação seria insignificante e desne
cessária. Para Veloso, a “aspiração natural” do Brasil era a participa
ção no Conselho Econômico e Social (ECOSOC).7 1 {
M W y T j
Ver a dissertação de mestrado de Letícia Pinheiro, Ação e omissão: a ambiguidade da
política brasileira fren te ao processo de descolonização africana, 1946-1960. Rio de
Janeiro, PUC, 1988.
AHI, Documentos Especiais, ONU, telcgr. exp. 1945-46, apud Letícia Pinheiro, op. cit.,
p. 10.
AHI, Documentos Especiais, ONU, tclegr. rec. 1945-50.
• A RUPTURA DO SILENCLO: A AFRICA EMERGE LENTAMENTE 27
Vale lembrar que, dadas as limitações do Conselho de Tutela para tratar da autodetemi-
nação dos povos sob processo de tutela ou estado colonial, se criaram cotpos paralelos
diretamente ligados ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC). O centro das grandes
discussões e negociações diplomáticas acerca da descolonização africana se fez, a partir
daquele momento, no mencionado comitê ad lioc. Ver H.G. Nicholas, Tlw United Nn-
tions as a PolíticaI Institution. Oxford, Universidade de Oxford, 1967; Evan Luard, A
Histoiy o f the United Nations, vol. 1. Londres, Macmillan, 1982.
Letícia Pinheiro, op. cit., p. 11. Ver também seu artigo: Letícia Pinheiro, “Brasil, Portu
gal e descolonização africana (1946-1950)”, Contexto Internacional, 9, 1989, pp. 91-
111 .
VVayne Selcher, BraziPs Multilateral Relations Between First and Third Worlcls. Boul-
der, Westview Press, 1978, pp. 175-212.
Mt
v >
28 O LUGAR D A Á I RICA
^
tinha qualquer idéia do que era o sistema colonial português na África.
^
Especial mente, não sabia dos campos de concentração em Cabo Ver
de. Para Prestes, o que havia no Portugal Colonial era o “silêncio dos
-N.- ^
cemitérios”.12 /)\‘ / &0 O; "i ^
^
África do Sul e Brasil no contexto atlântico do pós-guerra
-x. ^
com o qual o Brasil tinha alguma relação dire ■no -imed iato pós-
guerra. 'Vivendo circunstâncias muito especiais, e diferenciadas em
relação às demais colônias da África negra, a África do Sul já era obje.,.
to de censura internacional pela institucionalização do_.regime_de_se-
-s
gregação racial e pela dominação sobre o Sudoeste africano (atual
Namíbia). d, W&.
O Brasil acompanhou sempre as recomendações das Nações Uni
das. Embora reconhecendo os problemas na África do Sul, considera
va-os assuntos internos do país. Assim ocorrera quando a África do
v v v ~ )
Sul rejeitou a intermediação do Conselho de Tutela na questão do Su
doeste alricano argumentando que ele perdera sua função com a extin
ção da Liga das Nações.
O lato de que o Brasil era um dos maiores países do lado ocidental
do Atlântico leve sempre relevânciajias reLa.ções_entre os do is ja ís e s.
-
A tolerância brasileira as aspirações sul-alricanas no Sudoeste africano
^
eia potencialmente importante para as novas elites governamentais
ÂfJ
^
sul-africanas. \ ^ Lv
A dimensão estratégica da relação com a África do Sul tornara o
assunto relevante para a chancelaria e para a área militar do governo
Dutra. Isso explica a relativa tolerância, e mesmo o discreto apoio, às
^
gações brasileiras nas sessões das Nações Unidas no Arquivo Histórico do llamaraty:
AHI, Documentos Especiais, de 1946 a 1949.
3
n
o
r 30 O LUGAR DA AFRICA
r
*. i
r Desde 1943 o Ministério das Relações Exteriores havia iniciado
ri discussões, especialmente apresentadas ao presidente da República,
r \ (CÕm vistãsao Estabelecimento de uma
manetU enãA frícrrdoSul. EssTátitude evidencia o jogo estratégico e a
c importância crescente da África do Sul para os formuladores e execu
( oÁO Y<s„ . \ tores da política exterior do Brasil. Em 1947, no governo Dutra^fl
r1
Brasil estabeleceu sua primeira representação por meio de legação
cá *». aberta enjéBcãlSdS? R ^ cJ g 9 KÁ
r Estava oficializado novo capítulo nas relações do Brasil com o
r ocidente africano e aberto o espaço para a cooperação no Atlântico
r entre dois países que haviam demonstrado, durante a Segunda Guerra
Mundial, a importância da área para o equilíbrio de forças no mundo
ç
r. ' -ocidental. Os limites ideológicos e estratégicos criados pelas noções
c conceituais da Guerra Fria, mais que interesses precisos na área. co-
c CAtS"v fie? mercial, aproximavam os dois países.
Isso explica, na prática, por que o Brasil apoiou as posições sul-
r africanasliõ pós-guerra. Os" militares brasileiros, naTündãçãcTdãnEscõ-
r la Superior de Guerra em 1949. reforçaram a idéia do interesse brasi-
r jpim na reginn p7n natural cooperação militar que deveria existir entre
os dois maiores países da região. A porção sul do oceano. Atlântico
r seria mais bem protegida da presença comunista se estivessem dos
r dois lados países amigos e em condição de responder aos estimjj.los .da_
r aliança ocidental.
Nesse sentido, pode-se até reconhecer que setores do governo Du
r tra, especialmente nas alas mais conservadoras, pudessem preterir uma
r aproximação com a África negra (cujas imagens de independência
r política podiam se associar às da difusão doxornunismo) em detrimen
r to da relação preferencial com a amiga segura do outro lado do Atlán^
tico, ou seja, a África do Sul.
r
W SÓ )
A difícil construção de uma política para a África:
o início dos anos 1950 ^
r \
Para o continente africano, a década de 1950 foi cruciaE-Xodos os
componentes da crise que se estampara desde os primeiros anos do
32
12 C
tris* / \j o
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 33 p
hI '
África. O texto oficial chama a atenção para a necessidade do respeito p
aos direitos e interesses dos povos africanos. Para o Itamaraty, o rápido r
progresso econômico africano não deveria ocorrer sem o melhoramen
p
to das condições de vida dos seus habitantes.J8
Esse era o expediente do Ministério das Relações Exteriores, então p
sob a regência de João Neves da Fontoura, de tornar implícita sua crí- n <yyi- h.
ti ca às condições de desenvolvimento econômico no contexto da pro- ^ 6
teção colonial e aos mecanismos preferenciais de comércio que
r
recrudesciam as relações entre as metrópoles européias e as colônias J ,
africanas. Em outras .palavras, o Brasil começava a afirmar, por um hi
lado, que o desenvolvimento africano sobre.bases colonias não interes- c
sava ao país e, por outro lado, para que o Brasil se desenvolvesse era
relevante que outros países atrasados também encontrassem seu cami
h
nho na trilha do desenvolvimento. h
Daí o Brasil ter defendido, naquele momento, a participação dos h
delegados dos tenitórios não-autônomos no Comitê de Informação,
que^estava encarregado de examinar os rpintóri^c r<^frrf pio gq-rif^ri
os. Eiam esses os primeiros passos para a dilícil construção da polí
tica africana do Brasif ^ \? ^ "
E evidente que tais resoluções não estavam deslocadas do contexto
internacional. A grande novidade na agenda diplomática era a emanci
pação política dos territórios coloniais na África e na Ásia. E o Brasil,
com as pretensões internacionais herdadas da Segunda Guerra, não
poderia fícar fora dos debates sobre a questão. rL
■Mas’ ag°ra»nã° bastava acompanhar as posições das potências colo-
niais, como fizera no governo Dutra. Era preciso construir uma percepção
r
própria do inteiesse brasileiro na região atlântica. E Vargas soube ser
£
menos maniqueísta que nos tempos da Guerra Fria. Em uma perspectiva c
bastante mais realista, e de defesa do “interesse nacional”, Vargas inau- U t ■ " -O , r
gurava, em certa medida, a tendência que viria dominar a inserção inter iz
nacional do Brasil ao longo das décadas recentes: a busca de um espaço
próprio no sistema internacional para resguardar o desenvolvimento naci- j p V(< ’' ; - r
onalista, secundado em loite sentido pragmático necessário para enfrentar »■r -S i O
r
*v-\ r
18 Relatório, 1952, p. 25. ( J i_L r
19
Idem, pp. 15-16. f
'f vv
r
•> .. v-v o / U .. .
Shlis x
0 ^ “ */ ^ p fr/T rÁ H A -A
34 O LUGAR DA ÁFRICA , ,
t ^ n V ít e
o jogo das forças então dominantes e das demais políticas estatais no ce
nário internacional.20
Devem ser reconhecidas, entretanto, as limitações das percepções
próprias da diplomacia e do Estado brasileiro, naquele momento, sobre
a relevância do contexto atlântico para as relações internacionais do
Brasil. No caso da África do Sul, por exemplo, o país continuaria no
segundo período Vargas, a manter a posição de eqiiidistância sobre a
discriminação racial na África do Sul. Embora tenha ensejado varias
condenações formais à discriminação racial, o governo brasileiro en-
tendia que a África do Sul deveria resolver seus problemas domésti-
cos.21
O já referido Relatório de 1952 mostrou, sem rodeios, o interesse
especial do Brasil pela África do Sul quando o primeiro ensaiou
“solução conciliatória” nas Nações Unidas no momento em que_a. as-
sembléia-geral ensaiava punição às práticas discriminatórias daquele
país africano. O Brasil incluiu no texto final a ser aprovado a cláusula
de que nenhuma ação poderia ser tomada naquele caso sem o respeito
ao direito da África do Sul de regular seus problemas domésticos.
Para a diplomacia brasileira, a manutenção dos laços especiais que
uniam o Brasil à África do Sul, também herdados do contexto pós-
Segunda Guerra Mundial, deveria ser preservada. E para os diplomatas
brasileiros isso não significava que o país ignorava seus compromissos
com a ordem internacional.”
Alguns analistas da participação brasileira nas Nações Unidas no
período concluíram que tais posições eram a evidência da “falta de
habilidade” da diplomacia brasileira em superar as posições do ime
diato pós-guerra. Mas é uma inverdade. A aparente falta de habilida
de do Brasil eclipsava o jogo mais sutil de tentar garantir lugar
Ver o desdobramento desse tema na obra recente dos historiadores das relações inter
nacionais da Universidade de Brasília, cspecialmcnte no seu primeiro capítulo: Amado
Cervo (org.), O desafio internacional. A política exterior do Brasil de 1930 a nossos
dias. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1994.
Relatório, 1952, pp. 21-22.
Idem, ibidem.
Ver, por exemplo, ò que diz Boadi-Siaw, Developinenl o f Relations belween Brazil and
África, 1950- 1973, tese de doutorado. Los Angeles, Universidade da Califórnia, 1975,
pp. 56 -57.
Ac
cks> k id —o X í í f. ^ IS>
ty jd f d * — c^Cck
C\5_ A íji,A
Reaparecia, com Kubitschek, o mesmo temor que vinha do período
iDutra^Foi justamente por esta razão que o Itamaraty adotou a estraté
gia de sugerir o GATT como a agência apropriada para enfrentar esse
problema que se criava para o Brasil e para a América Latina.JDJlEasil
sugeri a, assim, q ue oJIlATT se utilizasse do sistema de compensação
de tarifas, ou de outro mecanismo conhecido, para manter o mínimo de
< equilíbrio entre os membros do Merendo Gomum Fj.iKxpeu_e outros
países independentes exportadores de produtos primários.31
Pode-se dizer que a África, para muitos formuladores da política
exterior do Brasil no período, era desconfortável. ETêssa desconfiança"
da África, gerada pelas relações especiais com as metrópoles ou ex-
potências coloniais, também é encontrada em parte da documentação
parlamentar do período. Há discussões sobre os problemas da isenção
das tarifas do comércio para os produtos africanos na Europa e a baixa
remuneração da força de trabalho na África, resultando serem os pro
dutos agrários africanos mais atrativos no mercado internacional.
Documento expedido pela delegação brasileira, depois das 27
reuniões da II Comissão do Conselho Econômico e Social das Nações
Unidas, entre 2 de outubro e 4 de novembro de 1957, explicita clara
mente a desconfiança brasileira das relações comerciais que poderíam
se desenvolver entre a África e as metrópoles e ex-metrópoles se me
canismo de controle não fosse desenvolvido:
42 Idem, p. 9.
43 Ver essas impressões diluídas em livros como os seguintes: José Honório Rodrigues,
Aspirações nacionais. Interpretação histórico-política. São Paulo, Fulgor, 1962; Ál
varo Lins, op. cit., Adolfo Justo Bezerra de Menezes, O Brasil e o mundo ásio-
africano. Rio de Janeiro, Pongetti, 1956; Idem, Ásia, África e a política independente
do Brasil. Rio de Janeiro, Zahar, 1961.
44 O LUGAR DA ÁFRICA
0 ro^Xr
49 Ver Flávio Mendes de Oliveira Castro, “As relações oficiais russo-soviclicas com o
Brasil (1808-1961)” , Revista Brasileira cie Política Internacional, 36 (2), 1993, p. 116.
50 “O ex-embaixador cm Lisboa rompe com o presidente Kubitschck,”, O Estado de S.
Paulo, 3 de agosto de 1960, p. 38; Álvaro Lins, op. cit., p. 448. “Carta pessoal de rom
pimento político e pessoal com o presidente Kubitschck”, pp. 353-357.
51 “O primo de Dona Sarali”, O Diário de Notícias, 11 de junho de 1960, apud Álvaro
Lins, op. cit., p. 448.
52 Álvaro Lins, op. cit., p. 2 7 1.
IQr0 = j W
CTL^ '^>
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 47
59 Idcm, ibidem.
Adolpho Juslo Bezerra dc Menezes, O Brasil e o imnulo..., \- edição, op cit pp
329-330.
A expressão “vegetaliva c contemplativa", para definir a política externa dc Kubitschck,
foi pronunciada pelo cx-cmbaixador cm entrevista concedida ao meu orientando de
mestrado Pio Pcnna Filho, no apartamento dc Bezerra dc Menezes, Rio de Janeiro, 10
de janeiro de 1993. Ver a dissertação dc mestrado de Pio Pcnna Filho, O Brasil e a
descolonização da África nos.anos KubHschek (1956-1961): ensaia de mudança. Uni
versidade de Brasília, Departamento de História, 1994.
62
Eduardo Portella, África: colonos e cúmplices. Rio de Janeiro, Prado, 1961 pp 137-
147.
50 O LUGAR DA ÁFRICA
66 Ver alguns aspectos do desdobramento desse tema na tese doutorai de Wayne Sclcher,
op. cit., pp. 3-124e 142-143.
67 O termo “províncias ultramarinas” foi oficialmcnte utilizado por Portugal, e corrobo
rado pelo Brasil, para afirmar que os territórios portugueses na África não eram colônias
mas parte integral do mundo lusitano. O termo legal “colônia”, que havia sido usado na
formação da república portuguesa em 1926, foi mudado para “províncias ultramarinas
pelo ditador Salazar em 1951.
A RUPTURA DO SILÊNCIO: A ÁFRICA EMERGE LENTAMENTE 53
Ver James Brcvvcr, “Brazil and África”, África Report, vol. 10, n9 5, 1965, p. 26; Gcrald
Bcndcr, Angola: m ito y realidad de sn colonización. México, Siglo XXI, 1980, p. 33; e
Ronald Chilcotc, Emerging Nationaiism in Portuguese África: documents. Stanford,
Hoover Institution Press, 1972, pp. XXII-XXIII.
69
Augusto Castro Júnior, A raça negra não é originária da África. Lisboa, Livraria
Popular, s/d, p. 8.
54 O LUGAR DA ÁPRICA
77
“Racismo verde-amarelo”, IstoÉ, 2 dc fevereiro de 1994, pp. 43-44.
78
Abdias do Nascimento, O negro revoltado. São Paulo, Nova Fronteira, 1982, pp. 9-11,
83- 84.
/
T|' '
f ,■ 58
iI ' O LUGAR DA ÁFRICA
r
■:i
ri patíveis com muitas posições de respeito à autodeterminação dos po
r vos da África.
r Entretanto, os arranjos empreendidos durante e depois da assinatura
do Tratado de Amizade e Consulta de 1953, associados à atmosfera
i política conturbada depois do suicídio de Vargas em 24 de agosto de
ri 1954, levaram a política externa brasiJeini-a verdadeiro silêncio sobre
a ^questão da descolonização africana, e s p e rin lm p n ie ns colônias-Por-
c
tuguesas. A viagem do presidente Café. Filho a Portugal em 1955 sub-
c -Lmh.ou o rejativo retrocesso. E tal tendência se evidenciaria, ainda
I
r mais, no período Kubitschek.
Mas um jovem candidato à sucessão dc Kubitschek, na campanha
c eleitoral de 1960, pretendia reverter o quadro de indiferença_e-de_sj-
Jêncio consentido. Chegava Jânio Quadros com sua política externa
r independente e com uma verdadeira política africana para o Brasil.
r
c
r
ç
<r
r
r
r
C
r
r
r
r
r
r
C
c
r
€
%
V
SEGUNDO CAPÍTULO
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA
DO BRASIL (1961-1964)
A y k ,
San Tia^o Dantas, possivelmente o mais formidável arquiteto entre os
formuladores da política externa independente-e ministro das Relações
Exteriores do primeiro gabinete parlamentar do governo João Goulart (de
setembro de 1961 a julho de 1962), definiu o novo momento como o da
legítima aspiração brasileira pelo “desenvolvimento e emancipação eco
nômica”.6
Em artigo publicado em setembro de 1961, Quadros afirmou que as
posições brasileiras nas Nações Unidas, de tradicional apoio às potências
coloniais, seriam modificadas.7 Admitiu e lamentou que o Brasil tardasse
a tomar tais medidas e entendeu a desconfiança africana em relação às
posições brasileiras na década de 1950, notadamente durante o governo
Kubitschek.
A ruptura era clara. Há apenas um ano, em 1960, o governo
Kubitschek assistira, de camarote, às independências de 17 países afri-
canos sem qualquer gesto de entusiamo. Quadros, em 1961, rompeu o
silêncio e reaproximou o Atlântico do Brasil.
Argumentou Quadros que a nova política africana do Brasil, inspira
da no le soleil des indépendences, seria uma “modesta recompensa” pelo
imenso débito que o Brasil linha para com o povo africano. E já bastavam
as “considerações de ordem moral” para justificar a dimensão atlântica da
política externa do Brasil. Chegou a afirmar, de forma contundente, que a
África próspera e estável seria condição essencial à “segurança e ao des
envolvimento do Brasil”.8
A inflexão atlântica da política externa brasileira também requerería,
na acepção dos formuladores da política externa independente, a dimen
são da segurança. Afonso Arinos de Melo Franco, figura seminal no perí
odo e elaborador das novas percepções do Brasil no plano internacional,
chamou a atenção para o fato de que a presença brasileira na costa atlân
tica da África podería contrabalançar a influência soviética na região e
seria uma oportunidade ímpar para o Brasil preencher o vácuo deixado
pelas potências coloniais.9
6 San Tiago Dantas, Política externa independente. Rio dc Janeiro, Civilização Brasileira,
1962, p. 5.
7 Jânio Quadros, “Brazil's New Foreign Policy”, Foreign Affairs, 40, outubro de
1961, p. 25.
Jânio Quadros, Mensagem ao Congresso...., op. cit., pp. 90-101.
9
Afonso Arinos de Melo Franco, Planalto (memórias). Rio dc Janeiro, José Olympio,
1968, pp. 143 -145.
64 O LUGAR DA ÁFRICA
Idern, pp. 4 0 -4 1 .
Idem, p. 41. Ver detalhes da exposição do navio-cscola Custódio de Mello em Keith
Larry Stons, BraziPs Independem Foreign Policy, 1961-1964: Backgroimd, Tenets,
Linkage to Domeslic Politics, and Aftemiath, lese de doutorado. Cornell, Universidade
deC om ell, 1973, p. 301. 7
OS,
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 67
19 Maria Yeda L. Linhares, “Brazilian Foreign Policy and África”, The World Today,
dezembro, 1962, pp. 536 -540. Ver lambem Gary Page Sibeck, Brazil s Independ
em Foreign Policy, lese de doutorado. Los Angeles, Universidade da Califórnia,
1971, p. 116 c seguintes.
68 O LUGAR DA AFRICA
39 David Fig, “South África Intercsts iu Latiu America", South Africem Review, 2, 1984,
pp. 241-242.
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 77
Sir
!.j Kj .
80 O LUGAR DA ÁFRICA
"A
vínculos muito especiais entre o Brasil e Portugal existem e continu
arão a ser um elemento para nossa esperança de que a situação em
Angola será pacificamcnte resolvida... de uma forma compatível
com os interesses portugueses e angolanos e com a preservação dos
^
sumária: “Francisco Negrão dc Lima paid an official visil do Angola, praised Luso-
Brazilian fricndship and retumed in silcncc”, op. cil., p. 302.
49 Essa tese foi apresentada pelo diplomata Marroni dc Abreu cm sua dissertação de
DEA. Suas conclusões levam a crer que ele teria tido acesso a tal documentação. Ver c
Marroni de Abreu, op. cit., p. 27. ■h
50 Relatório, 1961, pp. 4 0 -4 1
51 Marroni de Abreu, op. cit., p. 23. ■ç
'■i
c
r
82 O LUGAR DA ÁFRICA
59 Idcm, p. 13.
60 Afonso Arinos dc Melo Franco, Planalto .... op. cit., p. 247.
61 João Goulart, Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília, Presidência da República,
Imprensa Nacional, 1963, p. 161.
O NASCIMENTO DA POLÍTICA AFRICANA 85
nente. Só por isso sentia-se livre para declarar, na forma mais paternalista
possível, que os novos “grandes Estados” da África deveríam encontrar
na maturidade internacional do Brasil a coragem para acelerar a inevitá
vel emancipação.74
Em março de 1961, o ministro das Relações Exteriores Afonso Ari-
nos argumentava que não era o Brasil que estava à procura da África. Ao
contrário, eram as “jovens nações” da África que procuravam o apoio do
Brasil no período da descolonização.
Funcionários dos governos africanos que visitaram o Brasil expressa
ram polida desconfiança desse discurso de solidariedade cultural, como
fez o ministro nigeriano Joseph Medupe Johnson, em junho de 1961.75
Mas houve também expressas vozes africanas que endossaram a fórmula
brasileira.
Um dos aspectos mais interessantes desse discurso culturalista
elaborado pelos atores da política exterior do Brasil para a África era a
construção acrítica do estereótipo da espontânea generosidade africa
na. Os formuladores da política africana, como ficou evidente nas falas
de Quadros, Arinos e outros, acreditavam na natural receptividade
africana aos acenos brasileiros de solidariedade cultural e política.
O transparente esforço da diplomacia brasileira em construir uma
imagem negra do Brasil a ser exportada para a África ficou denunciado
quando da nomeação do primeiro embaixador brasileiro para a África
negra. Na ausência de diplomatas negros na chancelaria brasileira, e ante
a necessidade de dar consistência prática ao discurso, foi nomeado o jor
nalista negro Raymundo de Souza Dantas como embaixador brasileiro
em Acra, Gana, em 1961, pelo próprio Jânio Quadros. Isso refletia uma
serie de juízos e atitudes que enriqueceram-o discurso culturalista_Mas
também serviu para que o presidente daquele país africano, Kwane
Nkrumah, ironicamente comentasse que a melhor prova da integração
racial brasileira seria a indicação de um embaixador negro para países
brancos.76
No Brasil, a indicação de Souza Dantas para a embaixada em Gana
foi considerada uma prova de despojamento e determinação do presiden
te. Mas também foi objeto de severas críticas. O historiador José Honório
svC^oy
Nao resta dúvida de que tais ilusões envolveram os intelectuais brasi
leiros no início da década de 1960, e muitos até os nossos dias, mas tam
bém foram amplamente aceitas por diplomatas e políticos. José Honório
Rodrigues, que publicou o clássico Brasil e África: outro horizonte, em
1961, defendia ardorosamente o Brasil transatlântico, uma nação
“intercontinental”, e propunha uma política externa capaz de “seduzir as
massas africanas”.82
Rodrigues era o mais respeitável estudioso das relações africano-
brasilciras, e seu trabalho seminal foi certamente um marco na evolução
das relações brasileiras da Álrica. Ele deve ser visto como o arquiteto
principal de vários argumentos do discurso culturalista que as diploma-
cias de Jânio Quadros e João Goulart se envaideciam em utilizar.
A matriz intelectual das percepções culturalistas de José Honório Ro
drigues, e de muitos do seu tempo, foi também o discurso da eqüidade
racial do Biasil. Houve uma fonte freyreana inconleste na sua obra, sem o
exagero do prisma lusotropicalista que marcara as percepções do Brasil
nas décadas de 1940 e 1950, analisado anteriormente. O Brasil, para José
Honório Rodrigues, estava fadado a alcançar a África, pela sua proximi
dade histórica e pelos desígnios dos “novos horizontes” que se descorti
navam nas relações internacionais.
Seguindo as idéias de Rodrigues, muitos líderes políticos e intelectu
ais brasileiros repentinamente descobriram que eles estavam destinados a
influenciar os novos países africanos. Mas o paradoxo era que o Brasil
continuava a viver verdadeira penúria no que se referia ao conhecimento
da realidade africana da época.
As ilusões da africanidade brasileira foram desenhadas sobre um
conhecimento do continente africano que estava muito aquém da
antropologia brilanica do século XIX e dos paradigmas da Royal
Anthropological Sociely de Morgan. Não se conhecia no Brasil a his
tória do continente africano. O longo período de silêncio construído
pela elite brasileira acerca do continente africano permaneceu, como
que intacto, depois da aboliçao da escravidão. Não havia instituições
de ensino superior no pais que houvessem incluído matéria referente
aos povos africanos em seu currículo.
82 Na primeira edição (RJ, Civilização Brasileira, 1961) do seu Brasil e África..., op. cit., a
citação referida aparece entre as páginas 341 c 346.
94 O LUGAR DA ÁFRICA
86 Ver o livro dc um dos attacliés culturais do Brasil na Nigcria, Antonio Olinto, Brasilei
ros na África. Rio de Janeiro, GRD, 1964. Ver também sobre a cobertura da visita da
senhora Romana da Conceição na imprensa: “ Brasileira vem ver a pátria 63 anos de
pois”, O Globo, 11 de maio de 1963.
87 José Luiz dos Santos, O que é cultura. São Paulo, Brasiliensc, 1986, pp. 33-34.
88 Florestan Fernandes, Tlw Negro in BrazUian Society. Nova York, Columbia Univcrsily
,/Y W
CX^VvCO—^C X JL^va
Nesse capítulo pretende-se avaliara redefinição da política africa
na gestada pelos vencedores deM964QA política africana, e todo o
conjunto de iniciativas da política externa independente, estava iden
tificada com os perdedores de 1964. Chegou, com o noxo-goveme-
ínstaurado pelo golpe, a ênfase à dimensão geopolítica do Atlântico. A
política africana deveria, assim, adequar-se aos novos conceitos. Outro
lugar para a África estava reservado nas construções geopolíticas da
Escola Superior de Guerra e de setores conservadores da diplomacia^
Há, entretanto, um aspecto intrigante que merecerá análise ao lon
go deste capítulo. A atenção especial que passou a ser dada pelo go
verno Castello Branco à dimensão geopolítica do Atlântico não
significou a derrocada da política africana iniciada no período Qua
dros. Ao contrário da afirmação de vários estudiosos, a rica documen
tação oficial publicada (e ainda pouco pesquisada) mostra certos
padrões de continuidade. A grande questão é saber como o Itamaraty
conduziu ativa diplomacia com os governos africanos no período em
questão.
Outra questão, relacionada às anteriores, foi a possibilidade, no
governo Castello Branco, do renascimento da Comunidade Luso-
Brasileira. A imbricação dos discursos da lusitanidade com as pers
pectivas conservadoras do novo poder instalado em Brasília levaram à
retomada, ainda que com enfoque próprio, de percepções acerca do
papel do Brasil na África que lembravam as discussões lusotropicalis-
tas da década de 1950. O discurso lusófono fundiu-se com os discur
sos ocidentalistas e geopolíticos dominantes no primeiro governo do
ciclo militar. ) ' _ ~ fT '~ “------------ -
----------------------------------------- Ç V V ' P
1 O golpe de 1964 foi examinado detalhadamente por cientistas políticos e historiadores.
O papel jogado pelo militares antes e depois do golpe foi explorado por autores como
Thomas Skidmore, The Polilics o f Miliuiry Rute in Braz.il, 1964-85. Nova
York/Oxford, Oxford University Press, 1988; Eliczer Rizzo dc Oliveira et al„ As forças
armadas no Brasil. Rio dc Janeiro, Espaço e Tempo, 1987; Oliveiros Ferreira, O fim do
poder civil. São Paulo, Vcrticc, 1987; Alfrcd Slcpan, The Miliuiry in Polilics. Chang-
ing Patters in Brazil. Princcton, Princcton University Press, 1971; Alfrcd Stepan (ed.),
Authorilarian Brazil: Origins, Polilics and Future. New Havcn/Londrcs, Yale Uni
versity Press, 1973; Moniz Bandeira, O governo João Goulart. A s lulas sociais no
Brasil, 1961-1964. Rio dc Janeiro, Civilização Brasileira, 1978; Rcnc Armand Drcifuss,
1964: A coiupiisia do Eslado. Ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis,
Vozes; entre outros.
100 O LUGAR DA ÁFRICA ■: i
2 A Escola Superior de Guerra (ESG), criada pela Lei n9 785 cm 20 de outubro de 1949,
foi a responsável pela continuação do pensamento militar do alto oficialato que partici
para da guerra mundial que terminou cm 1945 c que formulou a doutrina de segurança
nacional. Ver J. A. Amaral, Segurança e democracia. Rio de Janeiro, Josc Olyntpio,
1975; Elisabcth Gillion, “L' Écolc Supcricure de Gucnc de Rio de Janeiro”, Mémoire
DEA. Paris, Universidade dc Paris I, 1977; Alfrcd Stcpan, The Mililary in Polilics, op.
cit., capítulo 8, pp. 172-187; Shiguenoli Miyamoto, O pensamento geopolítico bra
sileiro (1920-1980), dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade dc São Paulo,
1981; Shiguenoli Miyamoto, Do discurso triunfalista ao pragmatismo ecumênico
(geopolítico e política externa no Brasil pós-64), lese de doutorado. São Paulo, Uni
versidade de São Paulo, 1986.
3 Ministério das Relações Exteriores, A política externa da revolução brasileira. Brasília,
MRE, 1968, pp. 12-13.
4 Idem, pp. 19-20.
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 101
8 Textos e declarações de política externa (abril dc 1964 a abril dc 1965), 1965, p. 37.
9 Amplo desenvolvimento desse tema está na tese doutorai dc Waync Sclchcr, Tlte Afro-
Dimension o f BraziUan Foreign Policy, 1956-1968. Gainesville, Universidade da
Flórida, 1970, p. 118 e seguintes.
10 Carlos Meira Mattos, Projeção mundial do Brasil. São Paulo, Leal, 1961, p. 25. Essas
mesmas reflexões sobre a dimensão geopolítica da África poderão ser encontradas em
Therezinha dc Castro, “Comunidade luso-brasileira: as|x:clo gcopolítico”, A Defesa
Nacional, 619, 1969, pp. 5-25; Meira Mattos, “O Atlântico Sul — sua importância es
tratégica”, A D efesa Nacional, 688, 1980, pp. 73-90; R.G. Pereira, “Ação do
movimento comunista internacional na África Austral e Ocidental”, A Defesa Nacional,
679, 1978, pp. 35-54; entre outros.
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 1 03
"8 Id e m , p. 2 6 .
29 Relatório, 1 9 5 4 , p. 4 5 .
30 Relatório, 1 9 6 5 , p. 6 7 .
f 0
-y y y y y y - y y y y.o*'y~y y-y~ ^ 0 ‘
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 109
y
Branco, esse esforço de continuidade empreendido pelo MínisTeficTctas
Relações Exteriores, contudo, pode ser observado na documentação
oficial publicada. O profissionalismo, que já se firmara como tradição
-
na carreira, dera ao diplomata brasileiro uma visão menos ideologizada
e ocidentalista que aos generais formados na Escola Superior de Guer
ra. Essa nuança permitiu certas fissuras no discurso geopolítico, refra-
tário à cooperação com o continente africano nos moldes originalmente
y
desenhados pelas vozes dissedenles, na segunda metade da década de
y
31
Relatório, 19 6 4 , p . 4 4 .
110 O LUGAR DA ÁFRICA
V —'---- , V
A DIMENSÃO GEOFOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA. AFRICANA • 1 1JL
1 1 ( - /- /i — '> Ca - ól.
G © -* ^ 1 po^uÇL. ^ A '
A prioridade à África negra, como ocorrera no período da políiica
;
externa independente, foi cautelosamente reapresentada por este grupo
de funcionários e admitida pelo ministério como uma hipótese interes
sante a ser desenvolvida. A iniciativa para a África foi rearticulada de
forma mais ampla, como informa o próprio Relatório do Itamaraty de
1964. Previa-se o envolvimento dos demais ministérios, das agências
do governo e das empresas privadas interessadas no intercâmbio co
mercial com o continente africano.33345
A liderança exercida pelo Itamaraty, na mobilização de apoio pú
blico e privado para a continuação da política africana sob o ângulo da
cooperação, foi a característica mais importante da proposta encami
lí
H ií nhada no mês de abril de 1964._Articulou-se. então, a “primeira missão
m - comercial a ser mandada ao continente africano”, que teria o objetivo
1 » de abrir frentes para a efetiva cooperação das duas margens do Atlân
!?"■i’fi tico em torno do desenvolvimento e da solidariedade política.'
Havia apreensão sobre as estatísticas do comércio do Brasil com a
África. Apesar do esforço da política externa independente na promo
ção do comércio atlântico, a balança comercial com aquele continente
era desprezível quando comparada ao-total dabalança conVercitib- do
Brasil, õ pais exftòrlâVâ Céfdü seu'total para o continente
africano, e dele importava menos de 1%. Em 1964, as exportações to
tais tinham sido em torno de 25 milhões de dólares contra 4 milhões
em importados da África.3'’
O objetivo precípuo da missão comercial proposta pela Divisão da
África era jlistaméiitê reverter a situação insignificante da presença
brasileira nas economias dos Estados recém-independentes da África.
Daí a criação, ainda em 1964, de grupo de estudos voltado para a pre
paração da missão. Trabalhos previamente realizados, no período da
política externa independente, foram considerados e os dados reorga
nizados. Havia a percepção no seio daquele grupo de diplomatas de
que era possível a ampliação dos intercâmbios com a Nigéria, Senegal,
Libéria, Camarões e Gana.
A Divisão da África realizou o levantamento inicial da possível
pauta de exportações para a África. Seriam, além dos produtos indus-
\J \ J tj© ^
A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO ATLÂNTICO E A POLÍTICA AFRICANA 1 13
<l . r tA
R
44
Idcm, p. 126.
1 16 O LUGAR DA ÁFRICA
'C&- :SZ I«
C o m u n i d a d e luso-brasileira ou afro-luso-brasileira?
53 Ver artigos de Amilcar Alencastre na sua coluna do Correio (Ia Manliã, fevereiro de
1965, bem como James Brewer, op. cit., p. 27.
54 James Brewer, op. cit., p. 27.
120 O LUGAR DA ÁFRICA
tica externa. Eram anos difíceis para a sociedade como um todo e para
as manifestações de posições contrárias ao regime político instalado
com o golpe de 1964. Sobressaíram-se, no caso da África, o enfoque
oferecido pela revista Realidade e a coragem da crítica do ex-
embaixador.
O mesmo se diria da redução das discussões sobre a política exte
rior do Brasil no Congresso Nacional. Depois de toda a efervescência
discursiva e dos debates acalorados do início da década, o silêncio im
perou no Congresso Nacional. A leitura das fontes parlamentares
mostra a falta de estímulo para o acompanhamento dos assuntos tnter-
nacionais do país, mormente daqueles temas que tanto se associavam
às iniciativas desenvolvidas, antes, pela poh4icaj5xteoíãÁndep^
As poucas vozes que sé ouviram no Congresso foram a favor das
novas inclinações políticas do governo Castello Branco. O deputado
Padre Nobre, da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), o partido do
poder, defendeu a política de desconfiança do governo em relação às
independências africanas e reafirmou sua convicção de que a presença
brasileira na África deveria-ser pela via portuguesa. Elogiando a II
Conferência da Comunidade Cultural Portuguesa, organizada pelo
Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal em agosto de
1967, o deputado chegou a dizer que tais iniciativas vinham fortalecer
“os desenvolvimentos da Comunidade Luso-Brasiíeira”.'’9
A mais contundente defesa no Congresso Nacional da Comunida
de Luso-Brasileira, nos moldes pensados por Castello Branco e seu
grupo de geopolíticos, foi apresentada pelo deputado Ivan Luz, cinco
meses depois do golpe de 1964. O deputado governista disse que, com
relação ao tema de Portugal e suas “províncias ultramarinas”, o Brasil
retornava, depois do lamentável “período de distorções” do governo
João Goulart, ao seu ponto exato. E disse ainda que a nova política
de Castello resgatava o respeito às tradições históricas que uniam ò
Brasil àquele “glorioso país”. Tais tradições, para o ilustre deputado,
tinham sido abandonadas por Jânio Quadros e João Goulart.
E evidente que essas declarações refletiram não somente a atitude
pessoal do deputado Luz e de seu grupo político em relação à política 5960
O l^ c A /X \ x
Cs c £ &
° A. - X ; C-£~^
- o & ^ V s c tç ^
1 r > —)'\2 ^ v -—^~x C ^-^í^l-A ^/^-íX )
J p &—zf^7&—iTt>^
QUARTO CAPÍTULO
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA
(1967-1979)
Q, \ ©-
TrVi>-Ê><xTroq>_ _ \i
geopolítico para a região atlântica e o início de longo ciclo de inflexão
para o continente africano marcaram a atuação do segundo presidente
da chamada “Revolução de 1964”.
Costa e Silva tomou-se presidente sem o apoio de Castello Branco
e de parte do alto oficialato da Escola Superior de Guerra. A mudança
da faixa presidencial foi apontada na época como um golpe dentro do
golpe. QjKmj-pre&klenie identfikaya-se com a linha-dura nacionalista
dos_ofiçiais_jj a Escola Superior de Aperfeiçoamento de~~Qficiai;P
(ESAO), Esses oficiais combinavam as demandas de maior centraliza
ção política e repressão interna com fortes rrftiras no mnHHn Hp
desnacionalização” empreendido pelo governo Castello Branco.
Costa e Silva apresentou-se como a~o~pção viável para ã~rnãtmténcÍ5~
do Estado autoritário e dos investimentos internacionais, mas~dè~nrn?T
111aneIEL menos liberal e mais voltada para a proteção das “aspirnçfipE_
nacionais pelo desenvolvimento”.^ ^
A diplomacia da prosperidade”, como foi cunhada a política ex
terior do segundo governo militar, reorientou-se para os temas da eco
nomia, do desenvolvimento, e particulamente para o crescimento
industrial induzido e organizado pelo Estado. Essa opção, que tinha
__ sua matriz na Era Vargas, implicava a redefinição~do alinhamento-
cpiasc automático aos Estados Unidos - defendido no governo Castello
Branco a crítica à ordem internacional marcada pela hegemonia de
dois blocos hegemônicos e, principalmente, a flexibilização diplomáti-
ca e a busca de novos parceiros internacionais. Em outras palavras, a
diplomacia"aa prosperidade deu ao Esiacfo~ãutoritário objetivos de
\ Política exterior muito semelhantes aos da política externa indèpêrõ
dente do início dos anos 1960.3 . —
O Itamaiaty tomou-se condutor dos objetivos da diplomacia da
ptosperidade. O ministério, com o endosso da área militar instalada no
Palácio do Planalto, iniciou ofensiva discursiva e prática contra o sta-
'o ) y S h -p y O * * '
Os anos dourados da política africana do Brasil (1967 a 1979) re
presentaram um capítulo espetacular na reinserção internacional do
Brasil no mundo confuso do final da década de 1960 e toda a década
de 1970. A_di mensão atlântica.da_polÍLÍca-externa hrnsileir.a-.teve. cinco
características que ora^erão-gnalisadas.
Inicialmente, ela (viabilizou) o projeto do nacional-desenvolvimen-
tismo (expansao capitalista e modernização econômica organizada,
pelo Estado) quando aquiesceu à agressiva estratégia internacional
para os países fronteiriços do Atlântico. Em segundo lugar, a política
africana do Brasil foi alimentada pela busca de novos mercados e su
primento de petróleo africano.
A terceira característica foi provocada pelo redirecionamento das
percepções geopolíticas do primeiro governo depois do golpe de 1964.
Tratou-se de manter a influência brasileira no Atlântico por meios
econômicos e por uma política pacífica, sem a interferência direta de
poderes externos e sem os pactos de segurança coletivos - precioso
compêndio ao Atlântico Norte. 'v J
Em quarto lugar, a política africana reiterou algumas das ilusões
confeccionadas pelo discurso çulturalista que havia acompanhado a
política externa independente no início dos anos 1960. Novos usos e
sentidos foram atribuídos à matriz discursiva fundada pelos ideólogos
e atores protagonistas no relacionamento com a África em períodos
anteriores. Essa é uma intrigante continuidade da política africana do
Brasil ao longo de todas essas décadas.
Finalmente, a nova política africana colocou uma pedra sobre a
comunidade afro-íuso-bfasileira. O Brasil tratou de construir laços pre
ferenciais com as nações que se independizavam de Portugal, sem os
embaraços tradicionais dos princípios de amizade e dos tratados vincu-
Jatórios entre as duas políticas exteriores. Novas parcerias eram cons
truídas com Angola, em especial, e que dispensavam a intermediação
portuguesa. O reconhecimento precoce da independência angolana, em
1975, foi momento dramático das novas definições brasileiras para a
região austral do continente africano.
c\ q T \ a í / \ ^
mudança de governo em 1967. A mudança foi postulada pelo chance
ler Magalhães Pinto em discurso sobre a discriminação racial na Áfri-
ca do Sul e no mundo. Em março de 1968r73êcTãnmt~õ ministro que o
problema da discriminação era. incompreensívef para a sociedade
brasileira e que o seu governo defendia todos os esforços que fossem
necessários à luta contra discriminação racial na África.5
A ruptura do discurso era clara. O presidente Castello Branco e seu
chancelerjamais.se expressaram dessa forma acerca, dos assuntos-afrir
canos. Mas a prática não mudaria com a mesma intensidade do discur
so. As ações, resultantes das nascentes percepções do novo lugan_da_
África, seriam gradualmente implementadas. No período Costa e Sil
va, o Brasil ainda votou, ao lado de Portugal e da África do Sul, contra
resoluções das Nações Unidas que condenavam todo tipo de colonia
lismo. Esse fato, ocorrido em novembro de 1968, acompanhou a ratifi
cação dos acordos de cooperação com Portugal e o voto favorável a
Portugal na Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos de Teerã.
No mesmo período. Costa e Silva presenciou a crescente impor
tância da África 11a estrutura administrativa do Ministério das Rela
ções Exteriores. Em outubro de 1967, a Divisão da África, que se
vinculava à Subsecretaria-Geral para Europa Oriental, foi desvincula
da desta e incluída numa recém-criada subsecretária dedicada à África
e ao Oriente Médio.6 O posto de subsecretário, criado em 19 de outu
bro de 1967, teria a função de “seguir a evolução política do continen
te africano tanto na esfera doméstica quanto na internacional”, nos
termos do Relatório de 1967.78
Mas foi no período Garraslazu Médici (outubro de 1969 a março
de 1974) que as modificações da política africana se tornaram mais
sentidas. O terceiro presidente do ciclo militar testemunhou e fomen
tou transformações substanciais 11a estrutura do Estado e na vida eco
nômica do Brasil. Recrudesceu-se o poder em mãos da alta burocracia
do governo e das empresas estatais.s O nacionalismo autoritário, repre-
lismo: uma análise comparada , cm Carlos Estcvam Majlins, cd., Estado e capitalismo
no Brasil. São Paulo, Hucilcc, 1977, pp. 5-54; Eli D. Ccrqucira e Renato R. Boschi,
Elite industrial e Estado: uma análise da ideologia do empresariado nacional nos anos
70” em Carlos Estevam Martins, Estado.... op. cit., pp. 167-190; Thomas J. Trebat,
Brazifs Slate-O m ied Enterprises. Cambridge, Cambridgc University Press, 1983. Ver
também J. M. Chaccl, Pamela S. Falk e David. Flcishcr (cds.), Brazifs Economic and
Political Fature. Bouldcr/Londres, Wcstvicw Press, 1988, parte I ‘The Brazilian 'Mira-
clc' and Brazifs Forcign Debt”, pp. 9 - 96.
Essa inversão de conceitos já se iniciara no |rcríbdo do presidente Costa e Silva, mas
adquiriu maior vigor no período do presidente Médici. Para uma visão geral desse tema
ver Gláucio Soares, Sociedade e política no Brasil. São Paulo, Difel, 1973; Allrcd Ste-
pan (cd.), Anlhrorílarian Brazil: Origins, Politics and Fature. New Havcn/Londres,
Yalc University Press, 1973; Thomas Skidmorc, The Politics oj Military Rale in Brazil,
1964 - 85. Nova York/Oxlord, Oxford University Press, 1988; Allrcd Stepan (ed.),
Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
VValdcr de Góes, O Brasil do general Geisel. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978,
p. 162.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 131
11 Andrew Hurrell, Brazil and llw Third World New Direclions in BmziUan Foreign Pol-
icy, dissertação dc mestrado. Oxford, Universidade de Oxford, 1982, p. 20.
132 O LUGAR DA ÁFRICA
ò ^
Não foi por acaso que o embaixador Araújo Castrg.- o último mi
nistro das Relações Exteriores do período da política externa indepen
dente e conhecido como grande formulador das vinculações da
diplomacia com o desenvolvimento nacional —foi indicado embaixa
dor brasileiro junto às Nações Unidas em 1968 e junto ao governo de
Washington em 1971. Defensor do pragmatismo e de uma diplomacia
agressora, insistia Araújo Castro para a oportunidade que o Brasil ti
nha de encontrar o seu lugar próprio e elevado no mundo que se cons
truía.12134 O estudioso e também ex-chanceler Celso Lafer “qualificou
aqueles anos como os mais importantes na redefinição estratégica da
inserção-internacional do Brasil depois de Vargas.1'
Gibson Barboza, ministro das Relações Exteriores do governo
Médici, criticou as relações congeladas do sistema mundial e as difi
culdades da geração de desenvolvimento econômico na década de
1960. Afirmou que aquela década tinha sido plena de fracassos eco
nômicos e débil na estratégia para o desenvolvimento. A “década do.
paradoxo”, para utilizar suas palavras, tinha produzido mais pobreza
que riqueza no contexto internacional.M
O chanceler do terceiro governo militar chegou, em discurso con
tundente, a eleger as três falácias que haviam mitificado as relações
entre as nações naqueles tempos. A primeira era a do subdesenvolvi
mento como um fato isolado, destino ou acidente histórico. A segunda
era a visão paternalista segundo a qual os países pobres podiam se
desenvolver por meio de relações especiais com alguns países ditos
desenvolvidos. A terceira era a idéia de que o desenvolvimento era
um processo que poderia ser postergado.15
O discurso de Gibson Barboza era o oposto de Juracy Magalhães e
tinha uma função. Concordando com o estudioso Amado Cervo, o dis
curso inflamado do Itamaraty na década de 1970 era o instrumento
GÁ?
retórico para abertura de novos espaços para o Brasil no contexto in
ternacional.16
O pragmatismo, que só seria formulado conceitualmente no quarto
governo militar - Geisel tornou-se instrumento precípuo para a ação
externa do Brasil. Esses movimentos políticos e retóricos levaram, de
fato, qjraí^ a ocupar espaço no grupo dos 77. A construção dessa di
mensão terceiromundista, na evolução da~décadaÁtonK)Lr-se elemento
significativo na estratégia brasileira de abrir espaço para manobras no
interior do sistema mundial. Mas essa não era uma opção exclusiva. O
Brasil participava, igualmente, dos diálogos Norte-Sul, das discussões
de entendimento Leste-Oeste e da cooperação Sul-Sul. Eram duas as
dimensões de um único esforço: reforçar o desenvolvimento nacional
e, por meio deste, ganhar novos espaços autônomos para atuar com
maior liberdade no sistema internacional.
O pragmatismo brasileiro não significou qualquer crítica à ordem
capitalista. G que queria o país era alterar sua posição na hierarquia dõ
sistema. A chamada “renegociação dos termos da dependência—fõFaT"
chave para a compreensão dos eslorços dos governos militares dos
anos 1970. A ideologia do “Brasil Grande” veio embalar imaginaria-
mente esses esforços.17
O lugar da África para a política externa do Brasil foi, portanto, o .
de uma área de virtual interesse econômico e estratégico. O retorno à
África foi talvez um dos capítulos mais marcantes da política exterior
do Brasil na década de 1970. Os novos movimentos tornaram o Atlân-
cg x x ■
Amado L. Ccrvo, Duas tendências da política exterior do Brasil desde os anos trinta”,
V Encontro de Historiadores Latino-Americanos e do Caribe, São Paulo, 22 a 26 de
outubro de 1990, pp. 12-13 (separata). Ver também Josc Flávio Sombra Saraiva, ”0
Brasil e a ordem internacional”, Humanidades, 32, 1992, pp. 137-141.
Moniz Bandeira, op.cit., p. 195; Carlos E. Martins, op.cit., p. 89. Sobre as necessidades
do Estado autoritário dc um projeto dc desenvolvimento que ampliassse os níveis de
hegemonia interno ver Martin T.Kalzman, ‘Translatin BraziTs Economic Potentiãl into
International Influencc , cm VVayne Selcher (cd.), Brazil in lhe International Ssystem;
The R is e o f a Middle Power. Boulder, Westvicw Press, 1981, pp. 99-122; Geraldo Les-
bat Cavagnari Filho, “Autonomia militar c construção da potência” cm Eliézer Rizzo de
Oliveira et aL, As Forças Armadas no Brasil. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1987.
Picss, 1981, pp. 99-122; Geraldo Lcsbat Cavagnari Filho, “Autonomia militar e cons
trução da potência em Eliézer Rizzo de Oliveira et al., A s Forças Armadas no Brasil.
Rio de Janeiro, Espaço c Tempo, 1987.
134 O LUGAR DA ÁFRICA
Abdias do Nascimento, O negro revoltado. Rio dc Janeiro, Nova Fronteira, 1982, pp.
14-15; Anani Dzidzicnyoo e Michacl Tumcr, op. cit., p. 208.
Anani Dzidzienyo, ‘T he World...”, op. cit., p. 301. Ver também Anani Dzidzienyo,
“Brazifs vicw o f África”, West África, pan I, 13 dc novembro dc 1972, pp. 1.532-
1.533; Idem, “Brazifs ..., op. cit., pane II, 20 dc novembro dc 1972, pp. 1.556-1.557;
Edouard Balby, “La Pcnctralion du Brésil cn Alíique, Afllnités Culturcllcs, Necessités
Économiqucs", Le Monde Diplonmliqne, novembro, 1980, pp. 12-13.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 1 39
Não havia consenso sobre essas definições estratégicas para o co is*
mércio brasileiro na época. Inicialmente, o poderoso ministro da Fa-
f zenda do governo Médici, Delfim Netto, não parecia muito favorável à
abertura comercial com áreas tão frágeis para o comércio como a Áfri-
ca negra. A área dc natural cooperação comercial na África, para Del-
' fim Netto. deveria ser a África do Sul, a antiga parceira.
Para o ministro Gibson Barboza a solução da expansão comercial
do Brasil seria a inclusão gradativa dos países da África negra, sem
negar a importância estratégica das relações com a África do Sul. Uma
opção não significaria a exclusão da outra, No fundo, a questão comercial
com a África só expressava parte do choque entre o oçidentalismo de
Delfim Netto e as visões menos ideologizadas da diplomacia representa
da por Gibson Barboza. O presidente Médici precisou intervir para resol
ver a contenda, como será analisado na seguinte parte deste capítulo.
A vitória das percepções do ecumenismo comercial sobre o oci-
dentalismo foi obtida pelo presidente Geisel com sua diplomacia
pragmática. As fronteiras ideológicas passaram a ter cada vez menor
peso na inserção internacional, e as distâncias geográficas com países
socialistas foram encurtadas, exceto para o caso de Cuba. A flexibili-
dade diplomática e a ruptura ideológica foram os aspectos mais mar-
cantes da diplomacia de então.’3 Daí eia ter sido uma alavanca para o
comércio externo brasileiro. Embora isso não fosse absolutamente
novo, mas o era pelo caráter mercantil que a atividade diplomática
brasileira adquirira em muitas partes do mundo. Foi justamente esse o
caso da África. \ J)
A mensagem de Geisel ao Congresso Nacional na abertura do ano
legislativo de 1975_foi muito objetiva acerca das novas funções da di
plomacia. Para ele, em um mundo marcado pelo dinamismo e contra
dições de toda ordem, a diplomacia deveria ser “pragmática e
responsável”, universal e “ecumênica”.34 (\
c J-C p jb - C-<r-
O conceito dc ruptura ideológica na política externa de Geisel foi pVopostojíor Nilda B.
gfc-ll
Anglarill c Mercedes Guadalupe, “A política externa brasileira para a America Latina e a
África”, Estudos Afro-Asiáticos, 6 -7, 1982, p. 228. Ver também a discussão acerca da
“política não-idcológica” e a “flexibilidade diplomática” cm Andrcw Hurrcll, The cjuest
forA utonom y ..., op. cit., pp. 336 -337, 357; Idcni, Brazil and the Tliird W orld..., op.
cit., pp. 101-1 12.
Presidente Ernesto Geisel, “Mensagem presidencial de instalação da Oitava Legislatura
em Primeiro de Março de 1975", Resenha de Política Exterior do Brasil, 4, 1977, p. 7.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 141
(Of ^vr\, j [
O pragmatismo ecumênicojjueJevou o Brasil à África'foi o mes
mo qlle o levou ao Japão, àL^ropã^Priental j^aoU riente PróximójTÀ
inflexãó para a África não foiTassurT uma estratégia isolada e de prio-
ridade absoluta. Ao contrário, a inclusão da África fez parte do pacote
da “renegociação da dependência” do Brasil perante a economia
mundial, especialmente perante os Estados Unidos. Õ Brasil estava
determinado a não depender de um só ou de uma única fonte de fi
nanciamento e mercado. Era esse o centro do projeto da modernização
industrial conservadora e concentradora que se levava a cabo desde a
Era Vargas e que chegava, agora, ao seu ápice, sem as pressões da so
ciedade civil, que foi silenciada pela intransigência do governo.35
A margem de autonomia na busca de mercados e investimentos ar
refeceu o investimento norte-americano no país quando comparado ao
europeu e ao japonês.36 No início da década de 1960, cerõTde 50% do
total do capital investido no Brasil era originário dos Estados Unidos.
Em 1975, tais investimentos representavam somente 32%. Ó ~Brasil
havia ampliado suas fontes de financiamento na Comunidade Européia
e no Japão, que já alcançavam juntos cerca de 50% do total das transa
ções financeiras, substituindo os Estados Unidos.37
A expansão do comércio com a África, o Oriente Próximo e a
América Latina foi a mais importante mudança ocorrida nas relações
econômicas externas do Brasil no final da década de 1960 e início da
de 1970. As exportações brasileiras para o Terceiro Mundo cresceram
de cerca de 12% em 1967 para cerca de 25% no final da década de
1970 e início da de 1980. Em 1981, o Brasil chegou a vender 51,7%
dos seus produtos manufaturados (em torno de seis bilhões de dólares)
para o Terceiro Mundo.38
Carlos Estevam Martins, A evolução .... op. cit., p. 92. Ver também Fernando H en
rique Cardoso, “Desenvolvimento assoeiado-dependente c teoria dem ocrática” em
Alfrcd Stcpan (ed.). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e T erra, 1988,
pp. 457- 458.
36 Antonio Josc Barbosa, “Outros espaços”, em Amado L. Ccrvo, O desafio ..., op. cit.,
pp. 333-351; Lcón Bicbcr, “Brasil c Europa: um relacionamento flutuante c sem es
tratégia” cm Amado L. Ccrvo, O desafio ..., op. cit., pp. 209-261.
37 João Luiz Ribeiro Fragoso, “As reformulações na política externa brasileira nos anos
70”, Estudos Afro-Asidlicos. 5, 1981, p. 43.
38 Eul-Soo Pang c Laura Jarnagin, "La democracia brasilcna c la deuda externa”, Contex
tos, 26, 1984, p. 7.
142 OLUGAK DA AFRICA
■ "h
\ < À è j L c u £ M & cU k ?
' Q r t 4 ^ ú ú Y ( y D 'nfry n - l w /
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFF^ICA^ . ( ' ;145 -
I ^ c ^ r ^ r a e 1'
0 resultado desses movimentos foi o estabelecimento de uma série
de acordos bilaterais de comércio e a instalação das primeiras compa-
nhias brasileiras na África negra. A contrapartida africana foi a ampli-
ação das suas representações diplomáticas e das niissões-comerclais,ao
Brasil para melhor conhecerem o modelo de desenvolvimento brasilei
ro e explorar as potencialidades. Cerca de quinze embaixadas afriça-
nas estavam em funcionamento em Brasília, enquanto o Brasil
mantinha seis embaixadores acreditados em 16 países.41
O Brasil, como informado em publicação do Ilamaraty de 1972,
procurava estabelecer estratégia de cooperação para a África pensando
nas demandas do “mercado de 130 milhões de pessoas”.4" Durante a
visita de Gibson Barboza, o chanceler deixara claro que o rapproche-
ment brasileiro à África era pautado primordialmente pelas vantagens
econômicas mútuas.414243A importante revista West África analisou a visi
ta^ de Barboza e as perspectivas comerciais que se abriam como uma
prova de maturidade de ambas as partes.44
O interesse africano na aproximação brasileira foi demonstrado ao
longo do ano 1973 por diferentes manifestações. No início do ano, o
ministro das Relações Exteriores do Zaire, Ngusa Bond, viajou ao
Brasil para retribuir a visita de Gibson Barboza no ano anterior. Em
fevereiro, o ministro do Comércio da Nigéria viajou ao Brasil por duas
semanas para acertar a presença brasileira em projetos de desenvolvi
mento em Lagos. Em novembro, o ministro das Relações Exteriores da
Costa do Marfim, Arsene Usher Assouan, visitou o Brasil, cuja viagem
teve grande divulgação na imprensa. Ele celebrou com Gibson Barbo
za a ratificação dos acordos comerciais assinados quando da visita de
H
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 145
53 Essa questão foi examinada por Jacques d ’Adcsky, “La question dess Dcvises et du
Fmancemcnt dans les Relations Economiqucs Brésil-Afrique”, Primeiro Seminário In
ternacional Brasil-África, CEAA, Conjunto Universitário Cândido Mendes, Rio de Ja
neiro, 4 a 7 de outubro, 1981; Idcm, “Intercâmbio comercial Brasil-África (1958-1997):
problemas e perspectivas”, Esnulos Afm-Asiáticos, 3, 1980, pp. 5 - 33.
54 “Brazil in África: partnersliip or dcpcndcnce?”, West África, 6 a 12 dc fevereiro de
1989, p. 117.
55
O Globo, 19 dc maio dc 1977.
148 O LUGAR DA ÁFRICA
“Gibson propõe a Arikpo comercio mais intenso entre Brasil c Nigéria”, Jornal do
Brasil, 24 dc janeiro dc 1974.
Ciédilo na África (editorial). Jornal da Brasil, 26 de janeiro de 1974; “Diplo
macia. Agora, a Á frica”, IsloÉ, 4 dc dezembro dc 1974, p. 25.
150 O LUGAR DA ÁFRICA
63 Helga HolTman, “Towards África? Brazil and lhe Soulh-Soulli Tradc” cm Jcrker
Carlsson, op. cit., p. 66.
64 “Nigcria quer Terceiro Mundo independente", O Globo, 26 de maio de 1977; “Nigéria
quer investimentos brasileiros”, Folho de S. Paulo, 26 de maio de 1977; “Garba garante
bons negócios na Nigcria”, O Estado de S. Paulo, 26 de maio dc 1977.
65 “C ountcriradc wiih Nigcria”, West AJrica, 6 a 12 dc fevereiro, 1989, p. 176. Ver
também Joy Ogw, “Nigcria and Brazil..., op. cit., pp. 102-127; Tom Forest, op. cit.,
pp. 17-20.
152 O LUGAR DA ÁFRICA
66 Relatório, 1972, 1974. 197X1979; Resenha de política exterior cio Brasil, 1974, 1977,
l979'
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 153
,jí. .\
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 155
Ian Campbell, 'T h e Nigerian Military: lhe transition lo civilian inlc" em Amold Hughes
(cd.), Towards ilw Trird Nigerian Republic, occasional papers 1. Universidade de Bir-
mingham, Centre o f Wesi African Studies, 1990, p. 28.
Livio levela segredos da indústria bélica”, “Setor é dominado por Itamaraty e mili
tares”, Jornal do Brasil, 9 de junho de 1991, p. 14.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 159
eu) ^ 2
sas de couro, etc. As incompatibilidades das visões de ambosjosjrafses
sobre o projeto nuclear brasileiro levaram o último a assinar o Acordo
Nuclear com Alemanha em 25 de junho de 1975. Simultaneamente,
com base na política de auto-suficiência militar e na exportação de ar
mas iniciada em 1974, o Brasil denunciou o Acordo Militar com os
Estados Unidos em 1977.'“ [ C| Z k^cW (\
Auto-afirmava-se, assim, a política externa brasileira. A questão da
descolonização da África portuguesa seria também contemplada à luz '
desse esforço de busca de autonomia relativa no contexto internacional
e da perda gradativa da importância dos Estados Unidos nas relações
econômicas do país. Em 1972, ã Alemanha já era o segundo maior in
vestidor no Brasil. Em 1973, conforme já foi dito, 50%ydo capital ex-
temo investido no Brasil originava-se da Europa Ocidental e do
Japão.85
Em certo sentido, as decisões que seriam tomadas pelo Brasil para
a questão da África portuguesa permitiríam mostrar à África e à alian
ça afro-árabe que o país não era um “brinquedo” nas mãos dos interes-
sesmorte^americanos na África. O Brasil procuraria mostrar que tinha
política própria. Esse seria o sentido do dia 1 1 de novembro de 1975,
quando quase simultaneamente à declaração de independência unilate
ral do governo do MPLA em Angola o Brasil era o primeiro país oci-
dental a reconhecer p u pyp. governo. Perdia sentido a conceituação do
Brasil como país “subimperialista” a serviço da grande potência oci-
dental 86
p
^ 6 -/
87
Discurso do premier Marcelo Caetano nas Nações Unidas, apud Gerald Bender, An
gola: mito y realidaclde su colonizíicióu. México, Siglo XXI, 1980, p. 34.
88
Família atlântica”, Jornal do Brasil, 1 de novembro de 1973.
89
Diplomacia não só amotal, mas desastrada , O Estado de S. Paulo, 14 dc novembro de
1975; “Quem determina nossa política externa?”, O Estado de S. Paulo, 20 de dezem
bro de 1975.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 1 63
K P l
Brasil e Angola: relação privilegiada r ^
j4
A Revolução dos Cravos não significou a paz em Angola. Muito
ao contrário, o cenário construído com o 25 de abril deÇ l97jjtrouxe
incertezas para a delicada vida política daquele país. O crescimento do
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) era fato notório
nos primeiros anos da década de 1970. Agostinho Neto, seu líder, re
cebeu ajuda militar e apoio financeiro da União Soviética, mas tinha
pela frente a tarefa de compor as diferentes tendências dentro do seu
movimento. A Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), lide
rada por Holden Roberto, recebia ajuda norte-americana e do Zaire.
Angola vivia, assim, o ambiente da Guerra Fria.
96
Idem, ibidem.
166
V í* A
O LUGAR DA ÁFRICA
Jj
Mas o caso angolano era uma questão internacional com repercus
sões na própria relação política entre as grandes potências. O interesse
dos Estados Uni^os-em Angola ficou claro na autorização do paga
mento de(ÜS$~3D0 mif)ao FNLA, em 22 de janeiro de 1975." Em
março, a União Soviética mandou um grande número de armas para o
PLA,Vem Luanda.*9100 O conflito tomava-se global e se incluía na
equação das relações Lestr^Oeste:------ ------
' Rõsl^stãdõTunidc^a_crise~ãhgolana tornou-se matéria de relevo.
Henry Kissinger, então secretário de Estado ,~coorde noif Its posições
americanas na questão. Em meados de 1975, na ânsia de derrotar a
possibilidade de governo comunista em Angola, toi aprovado valor de
ÜSÜT4Õ milhões para equipar a FNLÃ e a Unitã. O problema enfrenta
do pela administração Ford (1974-1977) era o fato que qualquer polí
tica de intervenção direta não teria sustentação depois da retirada do
Vietnã.)A diplomacia teve que ser conduzida sempre de-forma secreta-
e os fundos de apoio aos.grupos.de. direitajinham muita dificuldade de
i(Vser)i p ro va do e 1o Congresso. I0I_
A guerra secreta encabeçada pelos Estados Unidos em Angola, que
se intensificou no segundo semestre de 1975, tinha o objetivo de_se_
opor à cooperação do governo que instalara em Luanda, sob a direção
de Agostinho Neto, e à UniãcTSõVieticaTA tensão agravou-se quando o
Frontline. Londres, Zcd Press, 1983, part 1, pp. 9- 62. O papel de Portugal na África
depois do 25 de abril pode ser visio em Ruth First, “Southern África After Spinola”,
Ufahamu, 3, 1974, pp. 88 -108; Gerald Bcnder, “Portugal and Her Colonies Join the
Twentieth Century: Causes and Inilial Implicalions of lhe Military Coup”, Ufahamu, 3,
1974, pp. 121-163; Eduardo dc Souza Ferreira, “Portugal and Her Former African
Colonies: Prospects for a Neo-Colonial Rclationship”, Ufahamu, 3, 1975, pp. 159 -170.
99 Garrick Utley, “Globalism or Regionalism? United States Policy Towards Southern
África”, em Robert Jasler (cd.), Saulhem África: Regional Security Probiems and
Prospects. Aldershot, Gower/Intemational Inslitute for Strategic Sludies, 1985, p. 24.
Boa avaliação sobre o envolvimento dos Estados Unidos em Angola no final de 1975
foi preparada pelo coordenador da ação da CIA na região, John Stockwell, In Seatch o f
Enemies: A CIA Story. Londres, Andre Deutsch, 1979. Ver também René Lemarchand,
‘The CIA in África? How Central? How Intelligent?’, The Journal o f M odem African
Sludies, 3, 1976, pp. 401- 426.
100 O envolvimento da União Soviética em Angola pode ser visto em Arthur Jay Klinghof-
fer, TheAngolan War, a Study in Soviet Policy in the Third World. Boulder, Westview,
1980.
101 Garrick Utley, op. cit., p. 25.
168 O LLUGAR
U U O A K DA
U A ÁFRICA
A IK IU A
( y ^ % ^ 6 •'A (b>c^
tores do governo compreenderem as redefinições das relações do
Brasil com Angola. Era o início de uma relação privilegiada que per
siste até os dias atuais.
No governo Médici, o Itamaraty possuiu maior autonomia no inte
rior do Estado autoritário que nos dois governos anteriores. Apesar das
características fechadas do regime, a Presidência da República e o
Conselho de Segurança Nacional não foram os únicos formuladores de
política externa. Em primeiro lugar, o governo Médici tinha um estilo
de administração descentralizada, inclusive nas matérias de política
externa. Em segundo lugar, um diplomata de carreira. Gibson Barboza.
foi apontado para o Ministério das Relacões-Exteriores. Ele já tinha
sido secretário-gerál do ministério no período Costa e Siiva e era um
árduo defensor da “Diplomacia da Prosperidade” e de uma política
exterior sem fronteiras ideológicas. Considerado um nacionalista,
Gibson Barboza encarnaria, ainda que com certas hesitações, a própria
ruptura do tradicional alinhamento com Portugal no caso das colônias
africanas.104
A confiança de Gibson Barboza na idéia de que a diplomacia esta
va a serviço do desenvolvimento, e que o Brasil deveria ter liberdade
de tomar iniciativas próprias no caso da África, foi apresentada em sua
notável conferência à Escola Superior de Guerra em 23 de outubro de
1970. Ao afirmar que o Itamaraty necessitava renovar seus métodos
para o inundo dos novos mercados, Gibson Barboza insistiu que novos
caminhos implicavam redifinições de afianças tradicionais e compro
missos anteriormente estabelecidos.105 Essa era uma lição que a di
plomacia levaria adiante na questão de Angola e da África portuguesa
como um todo.
104 Sobre as visões políticas do cx-chancelcr, ver seu livro dc memórias lançado no início da
presente década. Ver também o texto dc Giíy Martinicrc, “La Politique Africaine du
Brcsil (1970-1976)", P ro b lin ie s cTAinériqtte Latine, 4474, 1978, pp. 7- 64. Sobre a
substituição gradual, no período dc Gibson Barboza, das visões pró-Portugal por per
cepções próprias do interesse brasileiro cm Angola ver o excelente artigo de Wayne
Selcher, “Brazilian Relalions with Portugucsc África in lhe Contcxl of the Elusive
'Luso-Brazilian Community'", Jo u rn a l o f lu ie n m iio n a l Studies a n d W o rld A Jfa irs , I,
1976, p. 32.
105 Gibson Barboza, “Conferência do ministro Mário Gibson Barboza, pronunciada na
Escola Superior dc Guerra, cm 17 dc julho dc 1970", Docum entos de P o lítica Exte rn a ,
4, 1969/1970, p. 169.
170 O LUGAR DA ÁFRICA
~ > G i b j ^ r \ Tb
____ y
Gibson Barboza voltou da África declarando o ano de 1972 o
“Ano da África”, seguindo os avanços da campanha anticolonial em
preendida pelas Nações Unidas naquele ano. £alvoxaias-exc.eç5fcs, as^
manifestações foram calorosas ao ministro que havia “redescoberto” a
África. O Congresso Nacional, ainda que limitada em.suas nrerrOgãGH
vas pelo sistema político fechado, manifestou-se sobre a viagem de
Gibson Barboza. O deputado Geraldo Guedes (ARENA) referiu-se à
viagem como uma “vitória diplomática”,10910enquanto o congressista
negro Adalberto Camargo (MDB) discursou sobre os benefícios mú
tuos que a viagem trazia para o Brasil e para a Álrica."
.Outro congressita, Cláudio Leite, do MDB, achou que a melhor
forma de elogiar a visita de Gibson Barboza era citando os comentári
os do pai da teoria lusotropicalista. Gilberto Freyre havia declarado ao
Diário de Pernambuco que com a visita do ministro o Brasil “reconquis
tava o tempo perdido”.11112
O principal mérito da viagem de Gibson Barboza foi o de ter forta
lecido as percepções que o Itamaraty vinha defendendo desde a Mis
bB são Comerciai à África dê 1965^ Os diplomatas que acompjmharam
Gibson Barboza na viagem de 1972, entre eles o então ministro André
Mesquita e os secretários Rubens Ricúpero e Alberto da Costa e Silva,
voltaram ao Brasil convencidos de que uma maior presença do país na
África era preciso, mesmo em detrimento da mudança das posições
brasileiras no caso da Ãfricã~po11uguesa-e-da-qtiesrãa^alTgõlana) em.
especial. Um testemunho daquele momento, o hoje embaixador Alber-
to da Costa e Silva, delineou muito bem o espírito daquele ano em sua
excelente descrição da missão de 1972.
Mas havia dificuldades na implementação de uma política africana
que rompesse com Portugal no caso de Angola. A primeira advinha da
109 Diário do Congresso Nac onal. Câmara dos Deputados, 1972, sessão de 27 dc novem-
bro, p. 5.327.
110 Diário do Congresso Nac onal. Câmara dos Deputados, 1972, sessão de 12 de dezem-
bro, p. 5.660.
111 Diário do Congresso Noa onal. Câmara dos Deputados, 1972, sessão de 30 dc novem-
bro de 1972, p. 5.618.
112 Alberto da Costa e Silva, O vício da África. Lisboa, Sá da Costa, 1989. Ver também
seu artigo “Um domingo no reino de Dangomc”, ADB-Bolelini da Associação dos
Diplomatas Brasileiros, 19, 1995, pp. 10- 13.
n fU X ' f"J U
113 A existência dessa tensão entre Gibson Barboza c Delfim Netto foi confirmada pelo
então ministro da Educação Jarbas Passarinho cm entrevista à revista Playboy, 4 de abril
de 1989, p. 48 c seguintes.
114 Jornal do Brasil, 20 de fevereiro de 1972. Para a compreensão das visões de Delfim
Netto sobre o comercio com a África c sua defesa da cooperação com a África do Sul,
que vinha desde a década de 1950, ver D. Netto, “Esperança c realidade sobre a concor
rência africana”. Revista dos Mercados, 98, 1959, pp. 5- 8.
t
-'Á •"> ^
de demissão se persistisse a querela em tomo do tema africano.1161789A
decisão pelo caminho próprio brasileiro em Angola já estava tomada.
O próprio governo Médici começaria a desenvolver uma política de
convencimento junto a Portugal para que este mudasse sua acepção
sobre o caso de Angola. O Brasil mediava, o que foi aceito por vários
"A '1
países africanos, como o Quênia, no final de 1973.'17
Marcello Caetano não gostou da proposição brasileira de media
ção, que já era de eqüidistância quando comparada às posições tradi
cionais de alinhamento do Brasil a Portugal. No mesmo mês de
dezembro de 1973, o primeiro-ministro português afirmou que tam
bém se olerecia como mediador entre o governo brasileiro c a guerri
lha de esquerda que se instalara no Brasil."8 A troca de insultos já
^
configurava o incidente diplomático e a inclinação brasileira para o
apoio às independências da África portuguesa.
Foi o governo Geiscl, entretanto, que recebeu os louros da inflexão
^
brasileira para Angola. O ministro Azeredo da Silveira, também di
plomata de carreira, tinha servido, na juventude, ao lado de Araújo
Castro. Defendia a ampliação de espaços para a política externa do ^ " A
Brasil no Terceiro Mundo e o término de qualquer restrição ideológica
na aproximação brasileira às colônias portuguesas."9
130 “Angola e África”, Jornal cio Brasil (editorial), 3 dc março de 1975. Ver também o
impressionante relato de Ovídio de Andrade Melo, “O Brasil e o reconhecimento de
Angola" (separata sem data).
131 “Angola c África..., op. ci/.
132 Esse foi o caso da empresa Pão de Açúcar, que manteve suas lojas trabalhando em
Luanda durante toda a guerra. O governo brasileiro deu cerca dc US$5 milhões para
ajudá-la a manter Angola abastecida. Ver “Itamaraty. Afinal, qual o problema com a
China c Angola?", IsioÉ, 26 dc outubro dc 1977, pp. 8 - 9 .
133 IsioÉ, 5 dc junho de 1985, p. 30.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 177
140 Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, 1975, sessão de 11 de novem
bro de 1975, p. 10.369.
141 Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Dcpuiados, 1975, sessão de 24 de oulubro
de 1975, p. 9.397.
142 Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, 1976, sessão de 6 de abril de
1976, pp. 2.079-2.080.
143 Idem, ibidem.
144 “Mexicanização da diplomacia”, O Estado de S. Paulo, 12 de novembro de 1975.
145 Idem, ibidem.
180 O LUGAR DA ÁFRICA
, -A „ . „ n
— J- X?-
-deJjeiseJj.e que naquele momento ocupava a chefia do Serviço Nacio
nal de Informação (SNI). A cooperação dos militares a favor da desi-
deologização da política exterior foi descrita como uma espécie de
“aliança tácita” com o alto escalão do Itamaraty, representado por Sil-
I veira.148
Com o reconhecimento do governo do MPLA em Angola, o Brasil
desafiou a política dos Estados Unidos para a África Austral. O secre
tário de Estado Henry Kissinger criticou, publicamente, o reconheci
mento brasileiro da independência angolana, nos termos em que ela foi
encaminhada.149 Na verdade, o reconhecimento da independência an
golana também operou como um sinal para os Estados Unidos no jogo
de força que vinculava esta questão ao projeto nuclear brasileiro, ao
desenvolvimento da indústria bélica e à própria busca de autonomia
energética via construção de grandes hidroelétricas. Procurava o Brasil
desenvolver ceitos níveis de autonomia nas relações internacionais, e
para tal eram necessários sinais diplomáticos desse esforço. A questão
angolana garantiu muitos refletores para a diplomacia brasileira.
Na África, o reconhecimento brasileiro também gerou repercus
sões. A Comissão de Conciliação, da Organizaçao da Unidade Africa
na, havia recomendado para Angola um governo de unidade nacional
formado pelos três grandes movimentos de libertação.150 Mesmo as
políticas externas mais progressistas, como a de Murtala Muhammed,
Moniz Bandeira, op. cit., p. 256. Moniz Bandeira, oportunamente, define o relaciona
mento entie os militares c o Itamaraty de "aliança tácita". Mas igualmcnlc reconhece a
existência de uma diplomacia militar paralela” que apoiara os golpes militares de direita
na Bolívia (1971), Uruguai (1971-1973) c Chile (1973). Ver Moniz Bandeira, op. cit.,
p. 199. Pode-se reconhecer que essa mesma "diplomacia militar paralela" esteve pre
sente cm Angola quando alguns militares brasileiros prestavam apoio à FNLA de
Holdcn Roberto, dentro da operação coordenada pela CIA. Ver Ovídio de Andrade
Melo, op. cit., pp. 69 - 70.
O Itamaiaty c o mundo. O reconhecimento da China, a aproximação da África, o
acordo nuclear e as pressões de Jimmy C ancr”, IsioÉ, 21 de fevereiro de 1979, pp. 85-
87; Moniz Bandeira, Brasil-Estados Unidos..., op. cit., p. 228. A estratégia secreta dos
Estados Unidos dc apoio à Unila c à FNLA, bem como de desestabilização do governo
do MPLA, pode ser vista cm Garrick Utlcy, op. cit., p. 24 c seguintes. Ver também
John Stockwell, op. cit. e United States Government, Foreign Reiations o f the United
States. Washington, Government Priming Office, 1976.
150 Chuks llloegbunam, “OAU Special. Evolving African Poticy”, West África, 27 de maio
- 2 de junho, 1991, p. 845.
182 O LUGAR DA ÁFRICA
Joseph Garba, op. cit., pp. 21-22. Ver tambcni A. O. Sotunmbi, Nigéria Recognilion o f
the MPLA Govenuuent o j Angola — A Case Slnily in Decision-making anil implemen-
tation. Lagos, NIIA, Monoghraph Series 9, 1981; A. Bolaji Akinyemi (ed.), Nigéria
and lhe World Readings in Nigéria Foreign Policy. Ibadan/Oxford, NIIA, 1978, p. ix;
Timothy M. Shaw e Olajidc Aluko, Nigerian Foreign Policy. Allemalive Perceplions
and Projections. Londres, Macmillan, 1983; e Joseph Wayas, Nigéria's Leadership
Role in África. Londres, Macmillan, 1979, pp. 48 - 80.
15' J. F. Marroni de Abreu, op. cit., p. 75 -76.
OS ANOS DOURADOS DA POLÍTICA AFRICANA 183
A
QUINTO CAPITULO
A ÁFRICA E O BRASIL NA PAX ATLÂNTICA
(1979-1990)
^ rg é r ^ A
Os novos contextos no Brasil, na África e no sistema internacional,
do final da década de 1970 e durante toda a década de 1980, impuse
ram limites às relações entre as duas costas atlânticas. A euforia da
política africana do Brasil dos anos dourados foi substituída por rela
ções mais cautelosas nos anos 1980.
As dificuldades econômicas em ambos os lados, particularmente
geradas pelas crises das dívidas externas, retraíram consideravelmente
as prospecções anteriormente desenvolvidas pelo Brasil na África. O
aumento das taxas de juros do dólar, que saíram de 3% a 4% em 1973
para 22% e 23% no início dos anos 1980, arrefeceram os sonhos de
potência que vinham sendo construídos no Brasil e liquidaram os an
seios de autonomia econômica do continente africano.
A vulnerabilidade da economia brasileira e o caráter perverso da
dívida externa mostraram o paradoxo da estratégia desenvolvimentista
do Brasil.1 Arquitetada para aumentar a autonomia do Brasil no siste-
____________
i
Pcter Evans, “Staic, local and mullinational capital in Brazil: prospccts for thc stability
o f thc 'triple alliancc' in thc cighlics” cm Dianc Tussic (ed.), Lalin America in llie World
~V ^ ^ "N ^ ^ "V ~v-""v - - V - " V ^ V ^ - -S ^ ~S ; ~ Y ~ > "A
V
- C -C-C-C c c t t U w Sw' Qv' N- k- k»* k- \^y V V^ 'w- v^ (
186 O LUGAR DA ÁFRICA
(Vn<s~uDn
c tw l ~r\\ O' y C/\S^Ca^ i yvfi-y-sAO
joéLb
ma internacional, a lógica do crescimento peía via do endividamento
aumentara a própria dependência internacional do Brasil. O relevante
comércio externo do Brasil, que ajudara a diversificar a ação interna
cional do país, teve seus créditos debitados na conta do balanço de
pagamentos. Os credores internacionais exigiam maior saldo na balan
ça comercial do Brasil justamente para o pagamento da dívida. E, si
multaneamente, esses mesmos credores estavam abarrotando o
mercado mundial com seus próprios produtos.2 O cenário internacio
nal sepultava as ambições desenvolvimentistas do Brasil e tomaria sua
política externa mais modesta em seus objetivos.
As condições econômicas severas criadas na década de 1980 co
incidiram com o endurecimento político do maior credor brasileiro, os
Estados Unidos.3 O retorno a certas condições já quase esquecidas da
dependência brasileira em relação à grande potência ocidental con
fundiam-se com a recuperação da hegemonia norte-americana no Oci
dente. As políticas agressivas de mercado, o uso político das dívidas
externas e o renascimento do conceito da cruzada contra o comunismo
foram os eixos da administração de Ronald Reagan nos anos 1980.
O Brasil e a África sentiríam as consequências do endurecimento
americano. (•.V,\ '\\ f\J \ j
O colapso da estratégia brasileira de desenvolvimento, e particu^
larmente do III Plano de Desenvolvimento Nacional (1980-1986), foi
confirmado já em 1982, com a crise da dívida. Pelo novo plano, toda a
política econômica subordinava-se ao pagamento das taxas de interes-
Economy: New Perspectives. Aldershot, Gowcr, 1983, pp. 139-168; Peter Evans,
“State, capilal and lhe transformation of dcpcndcncc, lhe Brazilian Computer case”’
World Developinent, vol. 14, nB 7, 1986; Bolívar Lamounier e Alkimar R. Moura!
"Economic Policy and Polilical Opcning in Brazil” cm J. Haillyn e S. A. Morley, Latin
American Polilical Econamy. Financial Crisis and Polilical Chance. Boulder
Westview, 1986, pp. 165-196.
Para a discussão dos problemas criados pelo aumento das laxas de juros ver Robert
Devün, Debl and Crisis in Latin America: lhe Supply Side o f lhe Stoiy. Princeton Uni
versidade de Princeton, 1989; Howard Handclman e Werner Baer, Paving lhe Cosls o f
Austerily in Latin America. Boulder, Weslvicw, 1989; FMI, World Economic Outlook,
1987, FMI, Externai Debt, Ssaving and Growlli in Latin America. Buenos Aires Insti
tuto Torquato di Telia, 1987.
Andrew Hurrcll, The Quesl fo r Aiuonomy: The Evolution o f Brazil's Role in lhe Inter
national System. 1964-/985, tese de doutorado. Oxford, Universidade de Oxford
1986, p. 276.
A ÁFRICA E O BRASIL NA PAX ATLÂNTICA 187
4 Thomas Skidmore, The Polilics o f lhe M ililw y Ride i>\ Bmzil, 1964-1985. Oxford,
Universidade de Oxford, 1988, p. 236.
5 “O Brasil está parando. O aluai eslado da economia revela que o país chegou ao hm
de um ciclo de crescimento” . Exame (número especial), 11 de novembro de 1987,
pp. 22-30.
6 Newsweek, 7 de novembro de 1988, p. 32. . „
7 No caso africano ver Douglas Rimmcr, “Growlh versus Transformailon Revisited ,
África,i AJfairs, 354, 1990, pp. 119 -124; Douglas Rimmcr, “Externai Dcbt and Struc-
tural Adjustment in Tropical África", África,, AJfairs, 355, 1990, pp. 283-291. Ver
também Luc-Joel Grcgoire, “L ‘Afrique et les Perspectives Nouyellcs de Resolut.on du
Problème de la Dctle”, TravaiLX el Documents, 24, Centre d’Elude D'Afnque None,
1989. Sobre os problemas criados para os países cm desenvolvimento ver John Strem-
lau, ‘T h e Foreign Policies of Devcloping Counirics in lhe 1980s”, em J. Stremlau (ed.),
The Foreign Policx Priorities o fT h ird World States. Bouldcr, Wcstview, 1982, pp. 1-
18; Robcil A. Moiliner, The Third World Coalilion in International Polilics. Boulder,
Westview, 1984, pp. 44 - 48.
188
’ >n- -£ - c l ^ ^ r v W C ^ /.'>AW'f\
A AFRICA E O BRASIL NA /VLY ATLANTIC A
^ . O v m Oo
Netto e o setor econômico do governo Figueiredo optaram pela eònti-
nuação do tratamento “técnico yda dívida externa. No final da década,
o país pagaria alto preço pelas desastrosas negociações das dívidas..
r externa c interna. Os elevados níveis inflacionários, que chegaram a
cerca de 85% mensais no final do governo Samey, haviam destruído a
capacidade de reprodução do modelo do íTãcr ÃJésenvoIvi-
mentjsmo,. i CJr\ T E ü \C J ~ ,
Apesar dessas dificuldades, os laços construídos^ com a África na"
década anterior não foram afrouxados. Em alguns casos, houve até-a-
expansão da cooperação tanto na área econômica quanto na política.
Os dados indicam que no governo Figueiredo o comércio Brasil-África
atingiu seu nível mais alto na História, ainda como resultado das polí
ticas desenvolvidas nos anos dourados^ As exportações chegaram a
representar quase 7% do total das exportações brasileiras no período.
No governo Samey, o comércio começou a declinar, voltando para.ní
veis entre 3,5% e 4% do total das exportações brasileiras para todo o
mundo. I '1 V ct>• LÊ5"
Na verdade, a continuação da cooperação comercial com a África
Ilera até estimulada pelo sistema financeiro internacional. A manuten
ção da balança comercial superavitária por parte do Brasil era impor
tante para dar conta dos délicits da balança comercial. Assim, a África
retornou ao mesmo lugar de antes, sem a relevância absoluta que a cri
se do petróleo havia gerado na década anterior.
Foi esse o contexto da expansão do comércio com o continente
africano na primeira metade da década de 1980. A movimentação eco
nômica foi acompanhada por intensos intercâmbios políticos através
do Atlântico. O fato marcante da continuidade da política africana foi
a primeira visita de um presidente brasileiro, e mesmo sul-am ericano/
ao continente africano. O general Figueiredo cumpriu grande périplo
entre 14 e 21 de novembro de 1983.* *9 Era o coroamento do esforço de
toda a década anterior.
\ 4 W . 4 -r\Sj o ' iy
flexibilização anteriormente desenvolvida._A segunda era a necessida
de de redefinição dos objetivos concretos do Brasil no sistema inter
nacional. A última seria a avaliação realista das possibilidades de ação,
cada vez mais reduzidas no conjunto da crise da dívida externa.14
O ministro Saraiva Guerreiro percebia essas motivações que trazi
am fortes implicações e limites para a continuação do enfoque conti
nental da política africana do Brasil. As diretrizes da política exterior
do período foram apresentadas, na sua conferência aos oficiais da Es
cola Superior de Guerra, em tomo de três grandes princípios: o univer
salismo, a dignidade nacional e a habilidade da convivência. Para ele.
o impacto criado por um cenário internacional cada vez mais fluido e
complexo exigia o universalismo e o sentido das oportunidades.15 Pn>
fessava o ministro o mesmo escopo de discurso da década de 1970,
com adaptações necessárias às dificuldades do momento.
No caso africano, insistia o chanceler Saraiva Guerreiro que o
Brasil não buscava na África “nenhum interesse específico”, muito
menos a “ambição de mercados”. Mas isso era retórica diplomática. É
evidente que o universalismo representava a continuação do ecume
nismo do governo anterior e era um instrumento para alimentar a pro
jeção do Brasil no sistema internacional, simultaneamente, no
Primeiro e no Terceiro Mundo. Ao mesmo tempo, o universalismo éra
uma fórmula feliz no relacionamento das novas condições do sistema
internacional com as realidades domésticas, especialmente o processo
de democratização em curso e as desigualdades sociais existentes.
Em outras palavras, o universalismo do início da primeira metade
da década de 1980, que deu contínua relevância ao relacionamento do
Brasil com o continente africano, era a versão, em tempos de vulne
rabilidade, ao ecumenismo pragmático mais eufórico dos anos 1970.
Outra readaptação conceituai aos novos tempos foi a substituição da
noção do Brasil Grande pela noção de “dignidade nacional”, que
permitia ao Brasil apresentar-se com a imagem confiável do interesse
nacional sem as ambições de uma potência.*13
1 96 O LUGAR DA ÁFRICA
34
Guy Martiriicrc, “La Politiquc Africainc du Brcsil, 1970-1976”, Problèmes d'Amérique
Laline, 4.474, 1978, pp. 7- 64.
202 O LUGAR DA ÁFRICA
48 Apud Joseph Wayas, op. cit., p. 67. Paia uma visão das percepções argentinas acerca
do Atlântico ver Edwards Milensky, Argentina‘s Foreign Policies. Bouldcr, Wcstview,
1978; Elizabcih Fcrrics c Jennic Lincoln, Dynamics o f Latiu American Foreign Pol
icies: Challengesforthe I9dfís. Bouldcr, Wcstview, 1985. Ver também os livros recen
temente publicados na Argentina: Carlos Escude, Realismo periférico. Fundamentos
para Ia Ntteva Política Exterior Argentina. Buenos Aires, Editorial Planeta Argentina,
1992; Guillcrmo Miguel Figari, Pasado, presente y futuro de Ia política exterior argen
tina. Buenos Aires, Biblos, 1993; Josc Paradiso, Debates y trayectoria de Ia política
exterior argentina. Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, 1993.
49 Para detalhes acerca da complexidade de interesses dos países ocidentais na região do
Atlântico, ao sul da linha do Equador, bem como a questão da presença soviética na
região e a resposta da OTAN, ver: Andrew Hurrell, “Nato and the South Atlantic: A
Case-Study in the Coniplexilics of Out-of-arca Operaiions” cm Christopher Coker, Tlte
United States, Western Europe and Mililary Intervenlion Overseas. Londres, Macmil-
lan, 1987, pp. 61-84. Ver também Christopher Coker, “The Western Alliance and
África”, African Affairs, 324, 1982, pp. 324-328.
rr\
208 O LUGAR DA ÁFRICA
30 Andrew Huirell, ‘T h e polilics o f .... op. cit., p. 182. O levantamento acerca das diferen
tes posições dos vários países envolvidos na proposta Otas pode ser visto neste artigo.
31 Ver uma boa apreciação do pensamento dos diplomatas sobre o assunto no memóire do
diplomata F. J. Manoni de Abreu, “L'Évolution de Ia Politique Alricainc du Brcsil”.
Paris, Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonnc), capítulo final.
32 "Saraiva Guerreiro faz conferência na Câmara de Comércio Afro-Brasileira”, Rcscnlia
de Política Exterior do Brasil. 32, 1982, p. 50.
A ÁFRICA E O BRASIL NA PAX ATLÂNTICA 209
c1 — • •
57 Amílcar Alcncastre, America Lalina, África e o Ailânlico Sul. Rio dc Janeiro, Paralelo,
1980, p. 12.
r1 58 “Brasil condena aparllieicl c fecha consulado no Cabo”, Jornal do Brasil, 23 de novem
bro de 1977.
59 A evolução das posições nortc-amcricanas para a África Auslral e a resistência à idéia
y brasileira podem ser vistas cm Garrick Ulley, "Globalism or Rcgionalism? United States
Policy Towards Soulhcrn África” cm Robert Jaster (cd.), Soalham África: Regional
Securily Problems anil Regional Prospects. Aldcrshol, Gowcr/The Instituto for Strate-
/ gic Sludies, 1985. Sobre as ações da OTAN na região ver Douglas T. Sluart, “África as
an Out-of-Area Problem for NATO" cm Chrislophcr Cokcr (ed.), The United States,
r Western Europe and Mililary Intervention Overseas. Londres, Macmillan, 1987, pp.
85-114.
r 60 Carlos Conde, “Cooperação ou coincidência?", Jornal do Brasil, l9 de novembro de
r 1980, p. 11; “Endcrs debate Atlântico Sul com Guerreiro e destaca lado político”, O
Globo, 5 de julho de 1981; Newton Carlos, "EUA querem o pacto do Atlântico Sul”,
c Correio Braziliense, 24 de maio de 1981; “EUA estimulam a criação de pacto no
c Atlântico Sul”, Folha de S. Paulo, 24 de maio dc 1981; "Pentágono se opõe à zona de
paz no Atlântico Sul”, Jornal do Brasil, 26 dc outubro dc 1986.
c 1 “EUA estimulam a criação de pacto no Atlântico Sul", Folha de S. Paulo, 24 de maio
de 1981.
ci
r
§P 1
gfí'
1/ 62
Moniz Bandeira, op. cit., p. 259.
63 Joseph Wayas, op. cit., p. 79. Ver as memórias do chanceler nigeriano Joseph Garba,
Diplomalic SoUliering. Nigerian Foreign Folicy, 1975-1979. Ibadan, Spectrum, 1987,
* 1• pp. 93-110. Ver também o livro de A.B. Akinyemi, S.O. Agbi, A.O. Olubano, Nigéria
Since Independence: Tlie First Twenty-ftve Years. International Rclations (vol. X),
Ibadan, Panei on History since Indepcndcncc-Heincmann, 1989, pp. 180-188, 240-250.
212 O LUGAR DA AFRICA
(r X v O ^ W oto Ü
Saraiva GueiTeiro também teve o cuidado de manter os setores
militares mais interessados na questão ao seu lado. Em seus discursos
junto aos oficiais da Escola Superior de Guerra entre 1979 e 1984, o
chanceler procurou sublinhar a necessidade de o Brasil garantir a polí
tica africana anteriormente desenvolvida por meio da manutenção do
Atlântico livre da corrida armamentista. Ele mantinha as mesmas per
cepções de Azeredo da Silveira sobre a questão do Atlântico, de quem
tinha sido primeiro colaborador, ao ser escolhido secretário-geral do
Ministério das Relações Exteriores na década de 1970.
Ao mesmo tempo, Saraiva GueiTeiro utilizou-se do debate, já refe
rido, proporcionado pela transição política do regime autoritário para a
democracia. A política externa vinha sendo o ponto de unanimidade
entre as forças oposicionistas, e isso fortalecia as percepções da políti
ca atlântica que o Itamaraty vinha conduzindo.
Foi este, portanto, o contexto da luta diplomática do Brasil nas Na
ções Unidas, ao longo de toda a primeira parte da década de 1980
para criar aliados a proposta da Zona de Paz e Coopeiaçao do Atlânti
co Sul. Apesar da oposição da Aírica do Sul e dos boicotes dos Esta
dos Unidos, o Brasil saiu vitorioso, justamente no meio do processo de
transição do governo Figueiredo para o de José Sarney. ’
Na XLI Sessão da Assembléia-Geral das Nações Unidas, em JM 5,
o Brasil encaminhou a proposta, depois de longa concertação com os
países africanos e latino-americanos. No ano seguinte, em 27 de outu
bro, a Resolução das Nações Unidas de número 41/11 foi aprovada
com 124 votos a favor, oito abstenções (Bélgica, França, Itália, Japão,
Luxemburgo, Holanda, Portugal e Alemanha) e um voto contiario, dos
Estados Unidos.65 Instaurava-se a pox atlanlica graças à vitoriosa
ofensiva diplomática brasileiro-alricana.
~ v o o o ~o .~o
f A ÁFRICA E O BRASIL NA PAX ATLÂNTICA
70
Hoje a ZPCAS possui 25 membros, com a entrada da Namíbia inde
pendente, abrigando um total de 400 milhões de habitantes no seu
■
grande espaço atlântico. c
A Resolução de 27 de outubro de 1986 estabeleceu que todos os
países ribeirinhos teriam ‘responsabilidades especiais” na manutenção r
das armas convencionais e nucleares fora do Atlântico. A desmilitari c
zação do Atlântico foi o golpe mortal contra os geopolíticos brasileiros c
que ainda viviam dos sonhos do governo de Castello Branco.66 O Ita- 1 c
maraty tinha vencido a batalha em momento crucial das relações inter
nacionais americanas, onde o endurecimento norte-americano implicava,
Ch' r
cada vez mais, a retomada de sua hegemonia no continente. r
Vale abordar, entretanto, que o sucesso do Itamaraty na sua ofen r
siva diplomática não loi uma vitória contra os países que originalmen
te rascunharam o Pacto de Segurança do Atlântico Sul ou a Otas. A
£ r
V
73 Ver Josc Maria Nunes Pereira, “O apanheUl c as relações Brasil-África do Sul”, Estu
dos Afro-Asiáticos, 14, 1987, p. 45; Idcm, “África do Sul: a questão do üfmnheid e as
relações com o Brasil", V Congresso Internacional da Associação Latino-americana de
Estudos Afro-Asiáticos (ALADAA). Buenos Aires, Universidade dc Buenos Aires, 7 a
11 de setembro de 1987. Ver Fernando Augusto dc Albuquerque Mourão, “A política
externa brasileira e a Europa/África: que convergências”, Seminário A Europa e o Brasil
no Limiar do Ano 2000, Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, Lisboa, 3 a
5 de novembro de 1988. Ver também Nações Unidas, Sanctions Against South África,
Nova York, UN, 1988.
74 Discurso do chanceler Celso Amorim na abertura da 111 Reunião dc Estados-Membros
da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, no Auditório do Itamaraty, Brasília, 21
de setembro de 1994 (anotações pessoais do autor).
----------------------- ------------------------------------------------------------------ ---------- ---------
220 O LUGAR DA ÁFRICA
-
suficientes para enfrentar a profundidade dos problemas econômicos,
— — —
políticos e sociais que o continente vem enfrentando na primeira me
tade da década de 1990.'"
Os sonhos cooperativos da época das independências, que ainda
perduraram até os anos 1970, cederam lugar ao “afro-pessimismo” dos
anos 1990. Basil Davidson define o novo tempo africano como o dos
“horizontes perdidos”.13 Nessas novas condições o continente africano
nos anos 1990 ver Robcrt Rotberg, ‘The Clinton Adminislration and África”, Current
A POLÍTICA AFRICANA DOS ANOS 1 9 9 0 : A OPÇÃO SELETIVA 221
History, vol. 92, n9 574, pp. 193-198; c Basil Davidson, ‘T he Land o f Lost Horizons”,
The Guardian Wecklv, I I de julho de 1993, p. 25. Ver também Paul Collicr, “Africa's
Externai Economic Rclations, 1960-1990" em Douglas Rimmer (ed.), África 30 Years
On. Londres, The Royal African Society, 1991, pp. 155-168. O livro dc síntese de
Philippc Hugon c também muito interessante para a discussão do afro-pessimismo:
Philippc Hugon, UEconomie de lAfrique. Paris, La Découvertc, 1993. Ver ainda o ar
tigo de Fernando Augusto Albuquerque Mourão, “África: fatores internos e externos da
crise”, Revista USP, 18, 1994, pp. 60-69.
14 Sobre o conceito dc “entropia" internacional ver os recentes artigos de Richard Falk, “In
Scarch of a New World M odcf', C urm il History, vol. 92, n9 573, 1993, pp. 145-149;
Gaddis Smith, “What Role for America?", Current llistoiy, vol. 92, n9 573, 1993, pp.
150-154. Ver também Richard Rosecrancc, “A New Coneert o f Powers", Dialogue,
101, 1993, pp. 2- 8; Joscph S. Nye, Jr., “What New World Ordcr?”, Foreigu Affairs.
Primavera 1992, pp. 83-96. Ver ainda o livro organizado por Paulo Vizcntini, A grande
crise; a nova des(ordem) internacional dos anos 80 e 90. Pctrópolis, Vozes, 1992.
15 “As prioridades da política externa”, O Globo, primeiro caderno, 24 dc outubro de
1993, apud Ministério das Relações Exteriores, Política Externa eni Tempos de M u
dança. A gestão do ministro Fernando Henrique Cardoso no llamaraty. MRE, Funda
ção Alexandre dc Gusmão, 1994, p. 273. Ver também a interessante entrevista do ex-
chcfc do Departamento da África do llamaraty nos anos dourados da |X)lítica africana.
Na entrevista, halo Zappa critica a perda dc importância da África para a política ex-
tema do Brasil; “Entrevista: ítalo Zappa. Não somos mascates”. Veja, 3 dc março de
1993, pp. 7-9. E ver ainda “Entrevista/Cclso Amorim. Democratização também é
política externa". Correio Hrazilien.se, 21 de novembro de 1993, p. 30.
r
222 O LUGAR DA ÁFRICA
r jí
r,\ ■U
i.j
I' ■ o desenvolvimento no Brasil estava perdida. Os relatórios anuais de 1992
f ; do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da Comissão Econô
mica para a América Latina e Caribe (CEPAL) informavam aos formula-
f , dores de política exterior do Brasil os dados da tragédia: o PIB de toda a
(P* : América Latina, sem a inclusão do Brasil, aumentou 4,3% em 1992, mas
diminuiu para 2,4% quando o Brasil foi incluído nas estatísticas.
Além disso,_o^gvemo do presidente Collor de Mello empreendeu
f ;í. uma movimentação internacional para o Brasil em tomo da moderni
dade liberal cuja referência eram os tigres asiáticos. Daí o vigor do
chamado discurso neoliberal”, de extrema ressonância em parte das
C r
elites do país, que partia da premissa que havia uma ordem internacio
jf nal estabelecida, com regras econômicas e políticas precisas na direção
ir da acumulação flexível do capital e na total interdependência dos mer
cados. A modernidade obtusa, e nunca definida, deveria sêr alcançada
¥ a qualquer custo, mesmo com o custo da desidentificação da Nação.16
£ No centro das redefinições propostas pelo presidente que tomou
f assento piesidencial em março de 1990 estava o reforço dos laços com
L • o Pi inteiro Mundo. Argumentando que as disputas entre o Brasil e os
f
Estados Unidos eram um capítulo encerrado” do relacionamento en
f tre os dois países, o segundo presidente civil depois do período militar
^ ■ prometeu recolocar o pais nos trilhos do desenvolvimento e da moderni
dade capitalista por meio do relacionamento preferencial com as econo
mias ocidentais avançadas. O discurso expressava a doce ilusão do libe
ralismo associado do governo Dutra e o desconhecimento da complexi
dade de um período de transição nas relações internacionais. Para o mun
do moderno que se desejava para o Brasil, a África tinha lugar diminuto.
'"f
O governo do presidente Itantar Franco veio, em certo sentido, re
> conduzir o país ao seu caminho próprio de desenvolvimento e restabe
lecei peicepções externas mais adequadas ao Brasil no contexto
■r internacional dos anos 1990. Houve avanços no que se refere à própria
leitura das incertezas do mundo pós-Guerra Fria. E houve, com o go
t verno Itamar Franco, a superação dos equívocos entrincheirados no
c discurso que prometia elevar o país a uma condição de desenvolvimen
c to comparável ao do Primeiro Mundo. De forma mais realista e coeren
te com a tradição profissional da diplomacia brasTíeiTa, as elites-
c
c José Flávio Sombra Saraiva, “O Brasil e a ordem internacional”. Humanidades vol 9
n5 2, 1994, pp. 137-141.
c
c
A POLÍTICA AFRICANA DOS.ANOS 1 9 9 0 : A OPÇÃO SELETIVA^ 223
( r\)£ rV A to ^ ^
cr
A POLÍTICA AFRICANA DOS ANOS 1 9 9 0 : A OPÇÃO SELETIVA 229 cr.
ç
A Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa não é movida por k.
sentimentalismos. Sua criação corresponde a uma tendência da atual íT
conjuntura internacional, com o fim da bipolaridade, que abriu espa
ço para novas iniciativas de aproximação entre países com afinida rr
des, ora derivados de interesses econômicos, ora fundamentados em ((
valores políticos ou culturais.*31 f
KI . . r VLc4> <r
INovamente a retórica otimista do atual presidente não parece cor
responder à prática. A “concertação” política proposta para a CPLP
r
terá que enfrentar nos próximos anos, além das dificuldades inerentes cr,
à fragilidade econômica dos países africanos, a incerteza dos processos cr
políticos desses mesmos países no que se refere à m ns m m - ^ n rnm ini^
democrático. Foi exatamente sobre o equilíbrio dessas duas dimensões
cr
que o Mercosul adquiriu consistência institucional e vida própria. rr
Os problemas decorrentes da permanência de certos códigõsjiolí- C
ticos herdados do colonialismo português na África podem dificultar a rr
consecução dos objetivos da CPLP. A discreta retirada angolana, que
inviabilizou em parte a reunião de cúpula que se realizaria em Lisboa <c
em novembro de 1994, mostra que as relações das elites portuguesas c
ainda não sao satisfatórias com suas ex-colônias africanas. Ao Brasil, c
por sua vez, não interessa embarcar novamente nas naus portuguesas
f
que condicionaram, durante tanto tempo, uma-política tímida em rela
ção aos processos de descolonização em Angola, Moçambique, Cabo c
Veide, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. f
De qualquer forma, a comunidade lusófona, acompanhando as ex
f
periências das comunidade anglófonas e francófonas no mundo, é uma
iniciativa alvissareira que poderá trazer ânimo à própria tendência em tf
baixa que é a política africana do Brasil nos anos 1990. Em fevereiro c
de 1994, realizou-se em Brasília a Primeira Reunião de Ministros das
c
Relações Exteriores e dos Negócios Estrangeiros dos Países da Língua
c
Mourão, “A Comunidade de Países de Língua Portuguesa: a base linguística e a base c
material ; William Gonçalves, “Comunidade de língua portuguesa: democracia e inte
gração", XII Conferência Internacional de Lisboa, Instituto de Estudos Estratégicos e r
Internacionais, Fundação Gulbcnkian, Lisboa, 12 a 14 de dezembro de 1994 Ver tam r
31
bém Adelino T ones (coord.), Portugal-PALOP. As relações econômicas e financeiras
Lisboa, Escher, 1991. ç
Fernando Henrique Cardoso, “O Brasil c a lusofonia”, Jornal do Brasil, 25 de abril de
r
1993, apud Ministério das Relações Exteriores, Política externa em tempos de mu
dança, op. cit., p. 262. r
c.
230 O LUGAR DA ÁFRICA
36 Fernando Henrique Cardoso, "A África e o Brasil”, op. cit., p. 255 (parte do texto foi
sublinhado por este autor).
234 O LUGAR DA ÁFRICA
passos que terão que ser dados caso o Brasil ainda deseje se apresentar
na África como o campeão da “democracia racial”.
Chamou também a atenção dos africanos o pouco que se sabia no
Brasil sobre o seu mundo contemporâneo. O país, e mesmo sua diplo
macia, cultuava, e se satisfazia com, as imagens de Nina Rodrigues e
de Gilberto Freyre acerca da África. Em alguns casos, foi preciso re
correr a Portugal para fazer a ponte entre o Brasil e a África, como o
fizera o presidente Castello Branco.
No fundo, o discurso engendrou e reproduziu toda a ambivalência
com que o legado africano foi tratado na História do Brasil. Os produ
tores desse discurso omitiram da “história comum” entre africanos e
brasileiros fatores essenciais para a compreensão mútua: a escravidão,
o racismo cordial (para utilizar a expressão do suplemento comentado
da Folha de S. Paulo) e a condição social e econômica dos descenden
tes de africanos no Brasil contemporâneo.
A discreta crítica de diplomatas e intelectuais africanos começou a
ruir a precária solidez do discurso culturalista na década def1980* Uma
das primeira críticas foi realizada no contexto do diálogo Nigéria -
Brasil, organizado pelo Instituto Nigeriano de Relações Internacionais
(NIIA) e a Universidade de São Paulo, entre 29 de julho e l fi de agosto
de 1980, na cidade de São Paulo. Talvez facilitado pelo ambiente uni
versitário, o relatório, depois publicado pelo NIIA, verdadeiro think-
tank da diplomacia nigeriana, fez duras críticas aos disfarces mercan-
tilistas do Brasil trajando indumentárias culturalistas na Nigéria.3738
O relatório do NIIA insistiu que o Brasil deveria ter preocupações
mais sólidas na Nigéria, como a de criação de uma verdadeira parceria
entre os dois países. O diretor do NIIA, Bolaji Akinyemi, depois minis
tro das Relações Exteriores da Nigéria, e presente ao diálogo, endos-
sou a critica.’ A mais contundente, entretanto, foi aquela que definiu
a percepção brasileira da Nigéria,, e da África em geral, como “vaga”.
Segundo o documento, a diplomacia brasileira demonstrava “clara falta
39 N1IA, Nigeríctn- Bmzilian .... op. cit., pp. 7- 8. Ver lambem interessante texto de Val-
demir Zamparoni, “Os estudos africanos no Brasil: Veredas”, apresentado no colóquio
Construção e Ensino da História de África. Lisboa, Gulbcnkian, 4 a 10 de junho de
1994 (separata).
40 Ver seus principais artigos: Joy Ogwu, “Nigéria and Bra7.il: A Model for the Emerging
South-South Relations?” cm Jerkcr Carlsson (cd.), Soiilli-Soulh Relations in ci Clumg-
ing World Order. Uppsala, Scandinavian Instilutc of African Sludics, 1982; Joy Ogwy,
“Cooperação Sul-Sul: problemas, possibilidades e perspectivas de uma relação emer
gente”, Estudos Afro-Asiáticos. 11, 1985. Também tive a oportunidade de participar,
como comentarista, de sua conferência ‘T he Relations bclwecn Bra7.il and Nigéria: the
limits o f imerdependencc". Centre for Contemporary Bra/ilian Sludics, Instilutc of Lalin
American Sludics, Universidade de Londres, Londres, 8 dc junho de 1990.
236 O LUGAR DA ÁFRICA
------------»----------------------------------------
47 “Racismo do Itamaraty veta..., op. cit., p. 73.
48 “Le gouvemment brcsilien refuse de cautionner le Troisieme Congrès des Cullures
Noites”, Le Monde, 17 de dezembro de 1981, p. 42.
49 Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, sessão de 29 de maio de 1981,
pp. 4.668 - 4.670.
50 “Racisfho no Itamaraty veta..., op. cit., p. 76.
A POLÍTICA AFRICANA DOS ANOS 1 9 9 0 : A OPÇÃO SELETIVA 239
Não será novidade a razão por que não há bastantes diplomatas ne
gros, como tampouco existem suficientes bispos, parlamentares, jui
zes, banqueiros, jornalistas e ... professores da UnB. As limitações
existentes não nascem no Itamaraty, na revista Veja, ou mesmo na
Universidade de Brasília, mas sim na sociedade brasileira.51
Cj0- Ov
CONCLUSÃO 243
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Fontes primárias
^ ^ ^ O
1. Fontes diplomáticas e outras fontes políticas
^ O
Ministério das Relações Exteriores, Gestão do ministro Lcifer na Pasta
das Relações Exteriores. Rio de Janeiro, DIN, 1961.
Ministério das Relações Exteriores, Instituto Brasileiro de Estudos Afro-
m
Asiáticos (1BEAA), Boletim Informativo. Rio de Janeiro, EBEAA,
1962.
Ministério das Relações Exteriores, Política externa da revolução brasi
^ ^
leira. Rio de Janeiro, MRE/DIN, 1968.
Ministério das Relações Exteriores, Textos e declarações sobre política
externa (primeiro aniversário da Revolução de 31 de março de
1964). Rio de Janeiro, MRE. De abril de 1964 até abril de 1965.
^
Ministério das Relações Exteriores, Documentos de política externa. Rio
de Janeiro e Brasília, MRE. De março de 1967 até dezembro de
1973.
1 ^ n
y
r1
i
r
FONTES E BIBLIOGRAFIA 247
3. Jornais
Período de 1946-1960:
Correio da Manhã (Rio de Janeiro)
O Estado de S. Paulo (São Paulo)
Diário Popular (São Paulo)
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro)
Período de 1961-1985:
Correio Brasiliense (Brasília)
Jornal de Brasília (Brasília)
Diário de Brasília (Brasília)
O Correio do Planalto (Brasília)
O Globo (Rio de Janeiro)
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro)
O Estado de S. Paulo (São Paulo)
Folha de S. Paulo (São Paulo)
Gazeta Mercantil (São Paulo)
Jornal da Tarde (São Paulo)
Tribuna da Imprensa (São Paulo)
Movimento (São Paulo)
248 O LUGAR DA ÁFRICA
4. Revistas
7. Fontes econômicas
AKINYEMI, A.B. (ed.). Ibadan Nigéria and the World. Readings in Niger-
ian Foreign Policy. Ibadan/Oxford, NUA, 1978.
A l e n c a r , F. (et ai.). História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro,
Ao Livro Técnico, 1961.
ALENCASTRE, A . Osxvaldo Aranha, o mundo afro-asiático e a paz. Rio
de Janeiro. Serviço de Documentação do MTPS, 1961.
. O Brasil, a África e o futuro. Rio de janeiro, Laemmert
1980.
--------------- . América Latina, África e o Atlântico Sul. Rio de Janeiro,
Paralelo, 1980.
A l m e i d a , P.R. de. História do colonialismo português em África. Lis
boa, Estampa, 1979.
ALM EIDA P r a d o , J. F. de. O Brasil e o colonialismo europeu. São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1956.
AM ADO, R. Portugal ou Ia fin de 1'ultracolonialisme. Paris, Maspero
1963. ’
ANDRADE, M. e O LIVER, M. A guerra em Angola: estudo socioeconômi-
co. Lisboa, Seara Nova, 1963.
A r c h e r , M. Brasil. Fronteira da África. São Paulo, Felman-Rego, 1963.
ATKINS, G.P. Latin America in the Internacional Polilical System. Nova
York, Free Pres.s, 1977.
A z e v e d o , T. de. Democracia racial: ideologia e realidade. Petrópolis,
Vozes, 1975.
BACHA, C.S. A dependência nas relações internacionais: uma introdu
ção ci experiência brasileira. Rio de Janeiro, IUPRJ, 1971.
BAER, W. The Biazilicin Economy: Its Growth and Development. Nova
York, Prager, 1983.
BAMBIRRA, V. El Capitalismo Dependiente Latinoamericano. México
SigloXXI, 1982.
B a n d e i r a , L.A.M. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Dois sécu
los de história. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1973.
--------------- . O governo João Goulart. As lutas sociais no Brasil, 1961-
1964. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.
. O eixo Argentina-Brasil: o processo de integração da
América Latina. Brasília, Universidade de Brasília, 1987.
. Bi cisil-Estados Unidos: a rivalidade emergente (1950-
1988). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1989.
FONTES E BIBLIOGRAFIA 251
ç
254 O LUGAR DA ÁFRICA
DEGLER, C.N. Neither Black Nor White. Slavery and Race Relations in
Brazil and lhe United States. Nova York, Macmillan, 1971.
DEVLIN, R. Debt and Crisis in Latiu America: The Supply Side o f the
Story. Princeton, Princeton University, 1989.
D lA S, G.S. Os portugueses em Angola. Lisboa, Agência Geral das Colô
nias, 1959.
DOW BOR, L. A formação do capitalismo dependente no Brasil. Lisboa,
Prelo Editora, 1977.
DRE1FUSS, R. 1964: a conquista do Estado, ação política, poder e golpe
de Estado. Petrópolis, Vozes, 1981.
DUFFY, J. Portugal in África. Londres, Penguin Books, 1962.
ESCUDÉ, C . Realismo periférico. Fundamentos para la Nueva Política
Exterior Argentina. Buenos Aires, Planeta Argentina, 1992.
F e r n a n d e s , F. The Negro in Brazilian Society. Nova York/Londres,
Columbia University Press, 1969.
F e r r e i r a , E. DE S. África Austral. O passado e o futuro. Lisboa, Seara
Nova, 1977.
F e r r e i r a , O. O fim do poder civil. São Paulo, Convívio, 1966.
FERRIES, E. e LINCOLN, J. Dynamics o f Latin American Foreign Change-
llenges fo r the 1980s. Boulder, Westvievv, 1985.
F G A R I, G.M. Pasado, presente y futuro de Ia política exterior argentina.
Buenos Aires, Biblos, 1993.
FLYNN, P. Brazil: a Political Analysis. Londres/Boulder, Westview Press
1978.
FOUCAULT, M. El orden dei discurso. Barcelona, Turqueta, 1980.
FRANCO, J. L. Comercio clandestino de escravos. Havana, Editorial de
Ciências Sociales, 1980.
F r e i t a s , C. George Canning e o Brasil. São Paulo, Nacional, 1958.
FREYRE, G. O mundo que o português criou. Rio de Janeiro, José Olyni-
pio, 1940.
--------------- . Brazil: an interpretation. Nova York, Alfred Knopt, 1945.
. Um brasileiro em terras portuguesas. Rio de Janeiro, José
Olyinpio, 1953.
. Uma política transnacional de cultura para o Brasil de
hoje. Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1960.
Furtado, C. Formação econômica do Brasil. São Paulo, Nacional
1971.
FONTES E BIBLIOGRAFIA 255
RlMER, D. (e<±). África 30 Years On. Londres, The Royal African Socie-
ty, 1991.
RODRIGUES, J. H. Aspirações nacionais. Interpretação histórico - políti
ca. São Paulo, Fulgor, 1962.
RODRIGUES, J. H. Interesse nacional e política externa. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1966.
--------------- . Brasil e África. Outro horizonte. Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1982. lâ ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1961.
RODRIGUES, R.N. O s a f r ic a n o s n o B ra sil. Brasília, Universidade de
Brasília, 1982.
ROETT, R. (ed.). Brazil in the Seventies. Washington, American Interprise
Institute for Public Policy Research, 1976.
----------------. Brazil- Politics in a Patrimonial Society. Nova York, Prae-
ger, 1984.
ROUQUIÉ, A. L'État Militaire en Amérique Latine. Paris, Seuil, 1982.
SALAZAR, A. DE O. Sobre o Tratado Luso-Brasileiro de Amizade e Con
sulta. Lisboa, Secretariado Nacional de Informação, 1954.
SAN TIAGO Dantas, J.C. Política externa independente. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1962.
SANTIAGO, T. D e s c o lo n iz a ç ã o . São Paulo, Franscisco Alves, 1977.
SANTOS, J. L. O q u e é c u ltu r a . São Paulo, Brasiliense, 1986.
SARAIVA, J.F.S. Formação da África contemporânea. São Paulo, Atual,
1987.
SARAIVA Guerreiro, R. Lembranças de um empregado do Itamaraty.
São Paulo, Siciliano, 1992.
SCHILLING, P. El Expansionsimo Brasileno. Buenos Aires, El Cid, 1976.
SCHWARZ, R. Um mestre na periferia do capitalismo, Machado de Assis.
São Paulo, Duas Cidades, 1990.
SCHWARTZ, S.B. Sugar Plantations in the Formation o f Brazilian Socie
ty. Bahia, 1550-1835. Cambridge, Cambridge University Press,
1985.
SCHNEIDER, R.M. The Political System o f Brazil. Emergence o f a 'Mo-
dernizing' Authoritarism Regime, 1964-1970. Nova York, Londres,
Columbia University Press, 1971.
----------------. Brazil. Foreign Policy o f a Future World Povver Boulder,
- -------
WESSON, R. The United States and Brazil• Nova York, Praeger, 1981.
WOLFERS, M. e BERGEROL, J. Angola in the Frontline. Londres, Zed
Press, 1983.
YOUNG, J. Brazil: Emerging Workl Power. Flórida, Robeit Krieger,
1982.
Dissertações e teses
Trabalhos não-publicados