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e conhecimento
em platão
Estudo Sobre a Correção
dos Nomes no Crátilo
Paulo Pinheiro*
• Análise da relação proposta por Platão entre linguagem e conhecimento a
partir da leitura do Crátilo, diálogo pertencente à primeira fase dos escritos
de Platão, período em que o autor estava muito próximo a Sócrates. O
diálogo é, portanto, inconclusivo e extremamente refutativo. Platão nos
apresenta a refutação das duas hipóteses vigentes em sua época sobre a
função e a formação das palavras ou dos nomes: (a) os nomes são forma-
dos em função de uma convenção, e (b) os nomes se formam em função
de uma natureza que, por assim dizer, orientaria o trabalho daquele que
tem por função dar nomes às coisas. A investida platônica deverá mudar
inteiramente o eixo desta discussão, capacitando a linguagem à tarefa do
conhecimento. Presume-se, portanto, neste artigo, a existência de uma
teoria da linguagem em Platão.
> Filosofia - Teoria da Linguagem - História do Pensamento Antigo - Retórica Antiga
- Platão e Sofistas
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para cada ente . A resposta articulada por Platão a estas duas vertentes
implicou na reavaliação das hipóteses até então admitidas pelas escolas
sofísticas e pelos pensadores vinculados à tradição física pré-socrática.
De fato, a questão da correção dos nomes em Platão não se limita
ao exclusivamente lingüístico. O que está em jogo é o projeto de sua
filosofia como um todo. O que nos permitiria afirmar que, a partir
de uma discussão sobre a função dos nomes (ou das palavras) e do
lógos, Platão irá remeter o seu leitor a problemas lógicos - como a
questão do verdadeiro e do falso - e ontológicos - como o problema
do ser e do não-ser. Podemos admitir que essa remissão ao onto-lógico,
uma vez referida ao conhecimento, constituirá o núcleo genuinamente
platônico de uma análise da linguagem e da comunicação.
A reflexão platônica sobre o conhecimento e a conseqüente
indagação a respeito do fundamento - ou do objeto - da atividade
cognoscível viabilizam um verdadeiro redimensionamento no sentido
dos nomes e das frases (lógoi). Se antes a linguagem e, de uma forma
específica, o ato de nomear se referiam direta ou indiretamente ao
objeto empírico (prágma) - a exceção começou a se estabelecer nas
escolas eleáticas e pitagóricas -, com Platão os nomes passam a se
referir, ainda que imperfeitamente, à própria substância (ousía), que
tenderá a se desdobrar numa espécie de paradigma para a consti-
tuição dos nomes. Em sua reflexão, o nome (a palavra que designa um
objeto) deverá ser tomado como a imagem que traz em seu interior
a possibilidade de representar, ainda que falivelmente, uma ousía.
Esta questão é bastante polêmica. Postular qualquer relação entre
nomes, lógos e ousía constitui uma difícil tarefa da filosofia proposta
por Platão. Sabemos que em sua reflexão os nomes e as sentenças
ocupam os patamares mais baixos de uma hierarquia que visa o
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conhecimento absoluto das formas . Esse tipo de tratamento levou
alguns intérpretes a tomar Platão como um pensador pouco preo-
cupado com os problemas da linguagem, ou ao menos como um
filósofo interessado em efetivar a passagem do domínio lingüístico
para o universo noético (inteligível). Na verdade, as relações entre
lógos e noûs nunca se tornaram inteiramente explícitas em Platão.
O fato é que ele estabelece diferenças entre esses dois domínios,
a aderir a nenhuma dessas teses. É certo que olha com maior atenção
a tese exposta por Crátilo, mas faz isto apenas enquanto articula os
argumentos necessários à refutação do convencionalismo, ou seja,
que o ato de nomear algo se constitui apenas em função de uma
convenção. O que ele realmente procura é uma nova opção, uma
nova hipótese, que resultará num modelo de diferenciação entre uma
estrutura formal, correspondendo às essências, e uma outra estrutura
mais instável, corespondendo aos objetos que nos são apresentados
pela via dos sentidos. A princípio os nomes e os lógoi estão referi-
dos a esses objetos empíricos, mas em função da problematização
da noção de phýsis, Platão irá remeter o seu leitor a uma reflexão
sobre essa ‘natureza verdadeira e realmente existente’. Em suma, o
problema lingüístico em Platão só se torna relevante quando damos
início à reflexão sobre o sentido de eîdos e ousía.
Mas antes de contar com sua hipótese mais autêntica, ou seja,
a Teoria das Idéias, e portanto antes de aprimorar o seu critério de
fundamento para a atividade cognoscível, Platão teve que lançar
mão de uma convertida teoria de mímesis, que lhe permitiu relacionar
o nome ao objeto representado. Na parte final do Crátilo, o nome
será apresentado como aquilo que deve imitar a essência de um
objeto por meio de sílabas e letras (mimeisthai... tén ousían grammasi te
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kaí syllabais) . Afinal, que tipo de relação pode existir entre o nome
e a ousía que lhe serve de modelo? Platão nos fala de uma relação
mimética, mas aquilo que é representado no nome só pode realmente
ser esclarecido após uma reflexão sobre o sentido de ousía. Devemos
saber se se trata de uma aparência, de uma natureza constitutiva,
de uma forma, de um tipo, de uma espécie ou mesmo de uma idéia
metafísica. A discussão sobre a correção dos nomes indica o período
em que Platão estava prestes a expor o tipo de relação viável entre
as diversas partes de um todo que se orienta segundo o princípio da
sua maior inteligibilidade. Platão estava prestes a separar o existencial
do essencial; sua orthótes torna-se cúmplice desta passagem. Sabe-
mos que no Crátilo Sócrates insistirá na distinção entre os nomes e
as coisas nomeadas, e que, em 430a, Crátilo concordará, ao menos
por alguns instantes, que o nome é uma coisa distinta daquilo que