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O RESGATE DA FILOSOFIA

1. ARISTÓTELES E A FELICIDADE

1.1 Qual é o sen�do da vida segundo os an�gos?

Eles se orientavam segundo o princípio cosmológico. Na concepção grega de


um mundo hierarquizado, onde cada um, segundo o grau de excelência, tem
seu lugar determinado, ser arrancado desse “lugar natural” é um sofrimento e
uma injus�ça, assim como o retorno a ele é um bem, ligado à restauração da
harmonia do Cosmo.

O princípio cosmológico surge com a Odisseia, de Homero. O obje�vo da vida


de Ulisses é ir do caos em direção à harmonia do cosmo: “da guerra de Troia,
do exílio” à “paz, à própria casa”. Ele recusa a imortalidade e a juventude
eterna prome�das pela bela Calipso para poder “voltar para casa”, preferindo
“uma vida mortal exitosa” a “uma existência imortal emprestada, imprópria e,
portanto, um fracasso e um erro”.

1.2 Aristóteles e a felicidade

Todos se dirigem a um bem (= fim, télos):


- Bens rela�vos: etapa para conquistar outra coisa;
- Bem úl�mo: eudaimonia (= felicidade).

A discordância está no conteúdo da felicidade:


- Prazeres do corpo? Não, pois até os animais sentem prazer;
- Honra? Não, pois ela depende dos outros e a felicidade é algo que deve de-
pender apenas de você;
- Riqueza material? Não, pois ela é um meio (bem rela�vo) para outros fins.

Felicidade não é uma emoção, mas uma forma de viver plenamente:


- Hoje a convertemos em uma obsessão doen�a e isso nos leva a frustrações;
- A vida que vale a pena não é quando tudo dá certo e eu tenho somente
prazer (esse é um projeto ingênuo de felicidade);
- A vida vale a pena quando você disser: “eu não trocaria de lugar com nin-
guém”.
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Felicidade é cul�var a areté (= virtude: capacidade, destreza, força). Ex.:


- olho = enxergar
- violão = música
- faca = cortar
- você = ?

Três almas (funções, princípios vitais):

Há 3 �pos de vida (vida do prazer, da virtude e contempla�va). A felicidade é


alcançada através de um equilíbrio entre as virtudes intelectuais (sabedoria
teórica) e é�cas (sabedoria prá�ca).

A alegoria da prudência (1560), de Ticiano


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Aristóteles entende que um menino não pode se tornar filósofo (embora


possa ser um bom matemá�co ou �sico) porque a Filosofia (como sabedoria
prá�ca) não é uma abstração, mas diz respeito às decisões concretas da vida.
Por isso, os jovens devem prestar atenção aos ensinamentos dos adultos e
buscar sempre a prá�ca da prudência, com o intuito de aprender a agir corre-
tamente, o que significa fazer boas escolhas.

As seis lições de Aristóteles para alcançar a felicidade que você precisa conhe-
cer são:
- 1°) Pra�que as virtudes: pelo exercício da virtude, educamos nossos ins�ntos
e nos tornamos senhores de nossas próprias energias;
- 2°) Tenha amigos verdadeiros: existe a amizade baseada na u�lidade ou inte-
resse, a amizade baseada no prazer e a amizade baseada na virtude e essa é a
única amizade verdadeira;
- 3°) Busque ter boa saúde: a saúde é condição da felicidade. Sem saúde, a feli-
cidade nos foge;
- 4°) Seja autossuficiente: o sábio precisa de bens materiais, mas só os indis-
pensáveis para viver, pois o excesso de bens corrompe a mente;
- 5°) Viva numa sociedade justa: essa condição é absolutamente necessária
para que sejamos felizes;
- 6°) Medite filosoficamente: esse é o supremo nível da felicidade, pois nele
contemplamos as verdades imutáveis.

2. TOMÁS DE AQUINO E DEUS

2.1 Qual é o sen�do da vida segundo os medievais?

Eles se orientavam segundo o princípio teológico. Esse princípio é familiar ao


público dos países de tradição cristã, uma vez que está no cerne da mensagem
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de Jesus Cristo: a ideia de que as condições da vida boa repousam na harmo-


nia com os mandamentos divinos.

Se Ulisses, da Odisseia, de Homero procurava sua salvação sem a ajuda dos


deuses e com frequência contra a vontade deles, as três grandes correntes do
monoteísmo (Islamismo, Cris�anismo e Judaísmo) nos propõem uma salva-
ção, não mais sem Deus, mas com Ele.

2.2 Tomás de Aquino e Deus

As provas da existência de Deus são:


- 1°) primeiro motor (Deus não é movido por nada e move tudo);
- 2°) causa eficiente (Deus é a causa de todas as causas);
- 3°) ser necessário (Deus é a explicação da existência con�ngente);
- 4°) graus de perfeição (Deus é a fonte de todas as perfeições);
- 5°) finalidade do ser (Deus é a causa final que confere propósito e significado
a tudo o que existe).

A lei visa ao bem comum. Tomás fala de quatro leis:


- A lei eterna é o plano racional de Deus, a ordem do universo inteiro, pela qual
a sabedoria divina dirige todas as coisas para seu fim. É o plano da Providência
conhecido unicamente de Deus e de poucos eleitos.
- Há uma parte dessa lei eterna chamada lei natural da qual, como natureza
racional, o ser humano é par�cipe. Essa lei a�nge tanto aos seres humanos
(razão e liberdade) quanto aos animais (ins�nto).
- Estreitamente ligada à lei natural, Tomás considera a lei humana. Trata-se da
lei jurídica, do direito posi�vo.
- Há também uma lei sobrenatural: trata-se da lei divina, isto é, a lei revelada
(An�go e ao Novo Testamentos).

Fé e razão, teologia e filosofia:


- teologia visa verdades necessárias à salvação;
- filosofia visa verdades naturais;
- as duas provém da mesma fonte: Deus. Não há contradição: ambas visam
verdades e provém da mesma fonte.
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Por que precisamos crer?


- porque o conhecimento das verdades naturais é muito trabalhoso devido sua
profundeza e caráter abstrato;
- porque na juventude, o intelecto não se encontra suficientemente desenvol-
vido;
- porque a demonstração das verdades naturais pressupõe muitos conheci-
mentos que só adquirimos paula�namente;
- porque a luta pela existência e o cuidado com as coisas externas absorvem a
maior parte da energia humana;
- por isso, a fé é ú�l. Para a maioria das pessoas não é possível se dedicar aos
estudos; basta, crer. Hoje, a maioria tem fé (e não conhecimento) na ciência.

3. KANT E AS ESCOLHAS

3.1 Qual é o sen�do da vida segundo os modernos?

Eles se orientavam segundo o princípio humanista. Há, a par�r do Renasci-


mento, uma subs�tuição do paradigma “Deus” para o “ser humano”. O ser
humano é diferente de todas as demais criaturas por causa daquilo que o
torna "ser humano": sua liberdade, sua autonomia.

A vida boa será definida pela par�cipação na história humana. A ideia é que o
ser humano estaria de alguma maneira “salvo”, que sua vida estaria por assim
dizer “jus�ficada” quando ele coloca sua pedra no edi�cio do progresso
humano.

3.2 Kant e as escolhas

Todo ser humano tem dignidade? Alguns tem “mais dignidade” que outros?
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- E se a pessoa do desvio for uma criança e os demais são idosos de 100 anos?
- E se a pessoa do desvio for o seu filho e os demais são filhos de outros pais?
- E se você �vesse que escolher alguém para atropelar entre uma idosa, um
doente, um empresário e um ladrão? Qual seria “o mal menor”?

E se você �vesse que jogar uma pessoa na frente do bonde para salvar as
demais?

4. NIETZSCHE E O SOFRIMENTO

4.1 Qual é o sen�do da vida segundo os contemporâneos?

Eles se orientavam segundo o princípio da desconstrução. Esse período inicia-


-se com Schopenhauer e vai se expandir com Nietzsche e Heidegger: é a época
da desconstrução, da suspeita radical em relação a todas as ilusões meta�sicas
ou religiosas.

Desconstrói-se a ideia de um Cosmo que exibe ordem harmoniosa e divina, tal


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como a de Deus todo-poderoso (é a famosa “morte de Deus” de que fala Niet-


zsche). No mesmo sen�do, os discípulos franceses de Nietzsche, Foucault prin-
cipalmente, anunciam a “morte do Homem” (crise do princípio humanista).

Mataram a meta�sica. E agora? Nietzsche diz que a vida é boa sob duas condi-
ções: 1°) que seja intensa e livre, sem ilusões; 2°) e harmonizando dentro de
nós as forças vitais. Como diz Spinoza, na intensificação das forças vitais reside
a alegria e na sua diminuição, a tristeza. A alegria é a�ngida quando aceitamos
o eterno retorno: desejar reviver indefinidamente os episódios da existência
que �vemos.

4.2 Nietzsche e o sofrimento

No intervalo entre o fracasso inicial e o sucesso subsequente há sofrimento,


dor, ansiedade, frustação etc. Nietzsche defende a importância do sofrimento
como uma etapa da conquista. Disse Nietzsche: “o que não nos mata nos forta-
lece”. E Freud: “Agradeço à vida por nada ter sido fácil para mim”.

Três histórias que inspiraram Nietzsche:


- Rafael Sanzio não adquiriu espontaneamente o domínio de seu talento; tor-
nou-se grande porque soube reagir com inteligência a um sen�mento de infe-
rioridade que, para os pobres de espírito, seria uma fonte de desespero;
- Desis�mos prematuramente dos desafios que poderiam ter sido vencidos.
Somos levados a pensar que os Ensaios brotaram da mente de Montaigne
como num passe de mágica. Deveríamos, em vez disso, considerar o esforço
de 20 anos e de inúmeras revisões que os Ensaios exigiram.
- Alguns esboços de peças medíocres marcaram o início da carreira literária de
Stendhal. Foram necessárias várias décadas de trabalho árduo antes que sur-
gissem suas obras-primas, como O vermelho e o negro.
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Nietzsche disse que devemos encarar as dificuldades como se fossemos jardi-


neiros. Por suas raízes, uma planta pode parecer feia, mas aquele que a conhe-
ce e acredita em seu potencial pode fazê-la florescer e fru�ficar. Assim é com
a vida: em uma fase de raiz, surgem emoções e situações di�ceis, que podem
resultar, depois de um cul�vo cuidadoso, em grandes êxitos e alegrias.

Mas muitos de nós deixam de reconhecer o quanto devemos a essas “semen-


tes de dificuldades”. Eliminar toda raiz nega�va significaria simultaneamente
sufocar os elementos posi�vos. Nem tudo que nos faz sen�r melhor é bom
para nós. Nem tudo que magoa é ruim.

As metáforas “Zaratustra enxerga ao meio-dia” e “ver do alto da montanha”,


de Nietzsche se referem a uma perspec�va ampla e profunda da vida, que per-
mite ao indivíduo enxergar a sua existência de uma forma mais clara e livre de
ilusões.

- “Zaratustra enxerga ao meio-dia” representa o estado mental de clareza e ilu-


minação que permite ver a realidade de forma ní�da, sem as limitações das
crenças preconcebidas. O meio-dia é o momento em que o sol está a pino, sem
sombra, sou eu e eu mesmo; não tem nada na frente, nem atrás, nada a se
esperar, a reclamar.
- Já “ver do alto da montanha” representa a perspec�va ampla e profunda da
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vida, que permite enxergar a existência de uma forma mais elevada, de longe.
- O “meio-dia” é a arte de amar o agora; e “no alto da montanha”, as coisas pa-
recem muito menos problemá�cas do que de perto.

Por que Nietzsche se considera TÃO SÁBIO? Em Ecce homo, ele diz:
-“EU DOMO URSOS”: a sua vida era cheia de limitações e ele tem que sempre
domá-las e não ter autopiedade ou ser vi�mista;
- “SEMPRE EXTRAIO BONS SONS DOS INSTRUMENTOS”: Nietzsche é um
músico da vida; podem dar qualquer instrumento para ele, que ele irá conse-
guir fazer uma boa música, ou seja, ele fará uma boa “música” diante de qual-
quer situação que ele não pode alterar;
- “A FORTUNA DE MINHA EXISTÊNCIA, SUA SINGULARIDADE TALVEZ, ESTÁ EM
SUA FATALIDADE”: quando ele esteve doente é que ele começou a saborear as
boas e pequenas coisas da vida, como frutas, especialmente uvas e passeios
nas montanhas onde o ar era bom para a sua saúde frágil;
- “Transmutar todo FOI em um ASSIM O QUIS”. O ser humano reconhece suas
dificuldades e transcende a elas, busca meios para se curar e u�liza as situa-
ções desagradáveis em seu favor. Assim, torna-se mais forte e disposto, ao
invés de se sen�r pequeno e frágil. O amor fa� não é uma resiliência ou aceita-
ção, nem uma humildade diante dos acontecimentos, mas uma postura afir-
ma�va diante das coisas que nos acontecem.

Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bor-


nheim da versão inglesa de W. D. Ross In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cul-
tural, 1973.
FERRY, Luc. Do amor: uma filosofia para o século XXI. Rio de Janeiro: Bertand
Brasil, 2017.
KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução Paulo Quintela.
Lisboa: Edições 70, 2005.
NIETZSCHE. Crepúsculo dos ídolos, ou Como se filosofa com o martelo. Trad. de
Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia de Bolso, 2017.
NIETZSCHE. Ecce homo: como alguém se torna o que é. Tradução, notas e pos-
fácio Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia de Bolso, 2008.
TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. Trad. de Alexandre Corrêa. Org. de Roví-
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lio Costa e Luis Alberto De Boni. 2. ed. Porto Alegre: EST, Sulina; Caxias do Sul:
Educs, 1980.

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