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CARLOS HENRIQUE PEREIRA DE SOUZA - carlospps@hotmail.com.br - CPF: 055.419.151-20


Introdução
O interesse pelo estudo da Teologia tem despertado muitas pessoas
a uma verdadeira cognição de Deus, do homem e do mundo. A verdadeira
natureza e o papel da teologia, tanto mais que isso nos consentirá
descobrir quais as funções e as tarefas da parte da teologia que mais nos
interessa a Antropologia Teológica.
A Antropologia Teológica tem a ver com o esforço do homem para
compreender a fé e aquilo que precisa crê, o intellectus fidei, é problema do
homem, da sua faculdade de pensar e de compreender. E, a teologia sendo
o esforço em relação à fé, não pode se desenvolver paralelamente à
própria fé; é uma forma intensiva de realizar o próprio ato de fé, que não
exige somente o fato de crer, mas também a inteligência da fé, e isso
porque a fé abrange o homem todo, inteiro.
No campo da experiência humana tudo se transforma, e sobre a
transformação antropológica na teologia, constata-se que vem se
prolongando por muitos séculos. O interesse é abrangente nas seguintes
esferas: política, ciência e filosofia. Bem mais tarde, penetrou também no
terreno da moral e da religião.
Nesse sentido a Antropologia Teológica tem o objetivo de empenhar
todas as faculdades humanas, e, portanto, necessariamente, o espírito, o
poder de interrogar e de pensar.
A reflexão sobre o homem, que é a Antropologia Teológica, trata da
doutrina do homem quanto a sua origem e sua natureza, atividade,
deveres e destino. É deste modo, porque ele é a realidade mais profunda
e mais complexa que conhecemos no âmbito do universo natural.
O homem é um ser multidimensional e não pode ser visto apenas sob
um ou outro ângulo, como se uma angulação fosse expressão total de seu
conteúdo. O homem apresenta dimensões somáticas, psíquicas, racionais,
individuais, sociais, econômica, política, sapiencial, erótica, estética,
histórica, técnica, ética. Estas são faces complementares e não
excludentes.
Diante da multi-dimensionalidade que envolve a estrutura do homem
há que evitar o reducionismo antropológico, hipertrofiando uma dimensão
e atrofiando as demais. No caso de uma redução, no âmbito somático, ou
psíquico, ou econômico, ou religioso, não se pode refletir sobre sua

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constituição e natureza. E para tratar desse ser com precisão, há de se
excluir quaisquer hipertrofias.
O homem só será suficientemente compreendido se as diversas
dimensões antropológicas forem vistas com espírito conjuntivo e não
disjuntivo, se forem contempladas com olhar de simultaneidade que
mantenha a multi-dimensionalidade humana.
O ponto de partida para a compreensão do homem é a revelação
divina, pois Deus é o seu criador. Mas, é preciso entender que existe uma
interdisciplinaridade nessa dimensão. Isso quer dizer que as ciências que
estudam o homem são tremendamente importantes ao lado da revelação.

1. Teorias acerca da natureza do ser humano


Segmentos religiosos e filosóficos oferecem várias respostas sobre a
natureza do ser humano. Todas caem em duas categorias: ou o ser
pessoal, o homem, tem uma origem pessoal ou tem uma origem
impessoal.

Religiões e filosofias que tratam da impessoalidade do homem


O kardecismo
O kardecismo afirma que as almas das pessoas não criadas no
momento da concepção, mas já existem antes de chegarem a este mundo.
A divindade criou as almas, mas é possível também que estas sempre
tivessem existido, uma vez que a atividade criativa da divindade é eterna.
Os espíritos existem de modo hierarquizado, de acordo com o ser que
depende do estado de pureza que cada espírito alcançou ou alcança. As
distinções que existem se manifestam neste mundo, uma vez que a
situação de cada pessoa é determinada por seu carma. Assim, cada vida é
apenas uma, numa série de reencarnações, cujo propósito é sofrer e
expiar o mal de vidas anteriores, bem como se purificar cada vez mais na
busca da perfeição. Nessa busca todos os espíritos são capazes, uma vez
que o homem possui livre-arbítrio e uma natureza essencialmente boa.
Portanto, são capazes de vencer desafios e chegar à perfeição, embora se
requeira uma série de reencarnações, em muitos mundos. Isso significa
que a vida do espírito na pele do ser humano é apenas uma fase do
processo neste mundo.

O naturalismo filosófico

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O naturalismo que nega a existência de qualquer realidade espiritual,
afirma que o ser humano é apenas matéria. Vários estudos de eruditos
têm proposto a idéia de que o homem é produto do acaso, num universo
sem Deus. Para Demócrito, filósofo grego, o homem tanto no que
concerne à alma quanto ao corpo, é apenas uma combinação de átomos,
reunidos por acaso, que se separam depois da morte. Assim, o ser humano
não continua a sua existência após a morte.
Além de Demócrito, segue uma relação de alguns outros naturalistas:

Charles Darwin – Deu nova vida à teoria de que os homens evoluíram


naturalmente dos animais.
Sigmund Freud – Construiu uma psicologia fundamentada na noção da
evolução. O comportamento humano vem dos instintos mais básicos e
mais ligados à natureza animal: sexo e violência.
Herbert Spencer – Fez uma sociologia semelhante. Asseverou que a
sociedade deve seguir a lei da evolução, que leva à sobrevivência dos
mais aptos, justificando a exploração das pessoas mais fracas.
F. B. Skinner – Disse que o homem é apenas o resultado das influências
do seu ambiente. Negou a capacidade do ser humano superar essas
influências, dizendo que não existe livre-arbítrio na natureza humana.
Bertrand Russel – Acreditava que a vida num universo impessoal não
tinha sentido daí disse que devemos construir a vida com base na
filosofia do desespero.
Jean Paul Sartre – Disse que o homem tem de criar seu próprio
significado neste mundo absurdo.
Karl Marx – O marxismo reduziu a natureza humana ao resultado dos
embates de forças econômicas e sociais, ao dizer especificamente que
o modo de produção econômica é o que determina a consciência do
homem. Segundo Marx, na sociedade capitalista, o proletariado é
alienado de seu trabalho, pois não detém a propriedade dos meios de
produção, mas é obrigado a vender a sua mão-de-obra à burguesia.
Além disso, o proletariado é vítima de uma consciência falsa, que o
engana, ao aceitar ser explorado por uma burguesia rica, proprietária
dos meios de produção. E é justamente a religião, uma das ferramentas
burguesas que ajudam na opressão dos trabalhadores – o “ópio do
povo”, aquilo que permite sua passividade diante dessa exploração. A
solução do problema do homem poderia ser apressada através da
revolução, que derrubaria o sistema capitalista, eliminaria a religião e
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iniciaria o Estado comunista, um Estado forte, detentor de todos os
meios de produção.

O Panteísmo
Propõe que o homem é resultado de um processo espiritual, mas,
ainda assim, impessoal. Os panteístas normalmente aceitam a teoria da
evolução biológica, e dizem que os homens estão relacionados aos
animais, espiritual e biologicamente. As religiões panteístas normalmente
têm em comum a idéia de que o ser humano que se originou do Uno
impessoal, está fazendo uma grande viagem, para voltar ao Uno através
da evolução. O hinduísmo e o budismo recomendam processos de
meditação e disciplinas espirituais para alcançar o alvo de fugir do corpo
físico, que é considerado mau. Os sistemas comuns à maioria dos sistemas
panteístas são: a divinização do ser humano, a negação do pecado original,
a idéia de que o corpo é mau e também a noção da reencarnação.

O islamismo
O islamismo ensina que a raça humana foi criada por Alá, mas visto
que Alá é completamente transcendente, a noção de uma criação à
imagem de Deus está ausente. Alá não pode compartilhar seus atributos
com as criaturas. Adão, o primeiro homem, foi criado do pó da terra. Alá
criou a mulher do mesmo ser do homem, para seu conforto. A mulher deve
ser valorizada, e o homem, sendo superior a ela, de protegê-la. Ao homem
é permitido ter até quatro esposas. Ele tem autoridade sobre elas e até o
direito de lhes aplicar castigo físico, no caso de desobediência obstinada.

O mormonismo
Joseph Smith levou a doutrina na imagem de Deus no ser humano a
um literal extremismo. Ele afirmou que Deus teria um corpo de carne e
osso e, assim, a imagem de Deus na humanidade também incluiria seu
corpo físico. Por outro lado, Deus não criou o homem do nada. Ele
começou como uma inteligência que existia eternamente, não como uma
entidade pessoal, mas como uma entidade potencial. O processo por meio
do qual as inteligências se tornaram deuses é um mistério, mas todas as
pessoas, segundo o mormonismo, nasceram como almas durante uma
vida anterior. Através das relações sexuais com suas muitas mulheres, a
divindade mórmon gerou filhos espíritos. E para que os espíritos se
tornassem deuses, eles precisavam ter corpos físicos. Por isso, a divindade
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organizou na terra a raça humana, Assim, um espírito se encarna num
corpo físico, cada vez que nasce um bebê na terra. O tipo de nascimento
depende do valor do espírito em sua existência anterior. Durante a
rebelião de Satanás no céu, alguns espíritos lutaram ao lado de Deus,
outros ao lado do diabo, e outros ficaram neutros. Os mais valentes
nascem como pessoas brancas, na terra. Os neutros, como pessoas
negras. Os que lutaram ao lado do diabo se tornaram demônios.

Na história da Igreja
Seguem diferentes posições que teólogos cristãos ofereceram sobre a
constituição e natureza da imagem de Deus no homem.

Irineu de Lion, Séc. II – Foi provavelmente o primeiro teólogo da Igreja a


estudar a questão da Imagem de Deus. Em primeiro lugar ele faz uma
distinção entre “imagem” e “semelhança”. Ele entendeu que a
semelhança que o homem tinha com Deus foi perdida na queda,
enquanto a imagem de Deus permaneceu. Por “imagem de Deus”,
Irineu queria indicar que Adão era um ser dotado de razão e livre-
arbítrio; com o segundo conceito “semelhança por meio do Espírito”,
pretendia indicar que o homem antes da queda desfrutava de uma
dádiva sobrenatural pela ação do Espírito Santo. Por causa da fraqueza
e da inexperiência de Adão. O processo foi interrompido quase no
início; ele foi uma presa fácil diante das artimanhas de Satanás e acabou
por desobedecer a Deus. Desta forma, perdeu a semelhança divina, que
seria a “veste recebida pelo Espírito de Santidade”, e permaneceu com
algum grau da imagem, caindo nas garras do diabo. Por isso, o homem
caído precisa da obra de Jesus Cristo, para que a semelhança perdida
na queda seja restaurada.

Agostinho, bispo de Hipona, Séc. V – Ele oferece uma breve definição


sobre o que seria a imagem de Deus no homem. Por imagem, uma
primeira expressão quer dizer, a alma racional do homem, isto é, ao
corpo do homem pelo sopro de Deus ou, se prefere expressão mais
adequada, pela inspiração de Deus. Uma segunda expressão refere-se
ao corpo tal qual foi formado por Deus a partir do pó, ao qual se deu a
alma para dele fazer um corpo animado, isto é, um homem dotado de
alma vivente. Com a queda, a imagem de Deus no homem se torna uma
imagem “disforme e sem brilho”. Ao pecar, o homem perdeu a justiça e
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a santidade da verdade. Alguma parcela da razão permaneceu após a
queda. O lampejo da razão, de certo nodo, em virtude da qual ele foi
feito à semelhança de Deus, não se extinguiu completamente. O
homem pode recuperá-la ao renovar-se e reformar-se. Por isso os
homens conservam alguma dignidade após a queda. A alma foi criada
imortal, e embora morta pelo pecado que a priva de certa vida, isto é,
da vida do Espírito Santo, com a qual não pode viver na sabedoria e na
beatitude, conserva, todavia, a sua vida própria, miserável embora,
porque foi criada imortal. Mas somente pela conversão a Cristo, a
imagem de Deus pode experimentar uma renovação.

Tomás de Aquino, Séc. XIII – Ainda que admitisse alguma distinção entre
imagem e semelhança, como ensinada por Irineu, ele afirmou que estas
duas expressões são sinônimas: “Embora não seja inconveniente que
algo, segundo uma designação, seja chamada imagem, e segundo
outra, seja denominado semelhança”. No estado original do homem,
antes da queda, este foi originalmente criado com um dom da graça
sobrenatural, para capacitá-lo a controlar suas “forças inferiores”. E a
submissão da razão a Deus, assim como a submissão de suas “forças
inferiores” à razão, e a submissão do corpo à alma, eram um “ato de
graça”. A imagem de Deus está situada no intelecto humano, pois
somente as criaturas dotadas de inteligência são, falando
propriamente, à imagem de Deus. Por isto, esta imagem se encontra na
mente humana, enquanto nas outras partes pode-se encontrar por
modo de vestígio. É por isso que para Tomás de Aquino, o intelecto é a
mais divina das qualidades do homem. Ele argumenta que, num certo
sentido, todo ser humano carrega a imagem de Deus. Todavia, a
imagem de Deus nos não-cristãos se encontra “quase obscurecida”, “a
ponto de quase não existir”. Se mesmo antes da queda o homem
necessitava da graça, muito mais após a entrada do pecado na criação.

João Calvino, Séc. XVI – Reagiu contra a concepção medieval do homem,


buscando contrapor uma perspectiva bíblica sobre a constituição do
homem. A sua reflexão se encaminha para a base de que a imagem de
Deus situa-se na alma do homem, embora esta se manifeste no corpo.
Em Adão havia uma integridade de que foi dotado pelo Criador, quando
possuído do reto entendimento. Ele tinha as afeições ajustadas à razão,
todos os seus sentidos afinados em reta disposição e, mercê de tão
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exímios dotes, verdadeiramente refletia a excelência de seu Artífice.
Assim a imagem de Deus é a capacidade moral e espiritual do homem.

Martinho Lutero, Séc. XVI – Diferentemente de Calvino, Martinho Lutero


entendia que as capacidades morais e espirituais do homem foram
perdidas com a queda.

Confissão Belga, Séc. XVI, Art. 14 – Ofereceu um resumo sucinto da


posição reformada:
A CRIAÇÃO DO HOMEM, SUA QUEDA E SUA INCAPACIDADE DE FAZER
O BEM

Cremos que Deus criou o homem do pó da terra, e o fez e formou


conforme sua imagem e semelhança: bom, justo e santo, capaz de
concordar, em tudo, com a vontade de Deus. Mas, quando o homem
estava naquela posição excelente, ele não a valorizou e não a
reconheceu. Dando ouvidos às palavras do diabo, submeteu-se por
livre vontade ao pecado e assim à morte e à maldição. Pois transgrediu
o mandamento da vida, que tinha recebido e, pelo pecado, separou-se
de Deus, que era sua verdadeira vida. Assim ele corrompeu toda a sua
natureza e mereceu a morte corporal e espiritual.
Tornando-se ímpio, perverso e corrupto em todas as suas práticas, ele
perdeu todos os dons excelentes, que tinha recebido de Deus. Nada
lhe sobrou destes dons, senão pequenos traços, que são suficientes
para deixar o homem sem desculpa. Pois toda a luz em nós se tornou
em trevas como nos ensina a Escritura: "A luz resplandece nas trevas,
e as trevas não prevaleceram contra ela" (João 1:5). Aqui o apóstolo
João chama os homens "trevas". Por isso, rejeitamos todo o ensino
contrário, sobre o livre arbítrio do homem, porque o homem somente
é escravo do pecado e "não pode receber coisa alguma se do céu não
lhe for dada" (João 3:27). Pois quem se gloriará de fazer alguma coisa
boa pela própria força, se Cristo diz: "Ninguém pode vir a mim se o Pai
que me enviou não o trouxer" (João 6:44)? Quem falará sobre sua
própria vontade sabendo que "o pendor da carne é inimizade contra
Deus" (Romanos 8:7)? Quem ousará vangloriar-se sobre seu próprio
conhecimento, reconhecendo que "o homem natural não aceita as
coisas do Espírito de Deus" (1Coríntios 2:14)? Em resumo: quem
apresentará um pensamento sequer, admitindo que não somos
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"capazes de pensar alguma coisa como se partisse de nós", mas que
"a nossa suficiência vem de Deus" (2Coríntios 3:5)?
Por isso, devemos insistir nesta palavra do apóstolo: "Deus é quem
efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua vontade"
(Filipenses 2:13). Pois, somente o entendimento ou a vontade que
Cristo opera no homem, está em conformidade com o entendimento
e vontade de Deus, como Ele ensina: "Sem mim nada podeis fazer"
(João 15:5).

Catecismo de Heidelberg, Séc. XVI, resposta 6 – Nesta mesma época, da


Confissão Belga, refletindo as palavras empregadas em Efésios 4.24 3 e
Colossenses 3.9-10 (justiça, santidade e conhecimento), o Catecismo de
Heidelberg, em sua resposta 6, assim definiu a imagem de Deus: “Deus
criou o homem bom à sua imagem, isto é, em verdadeira justiça e
santidade, para conhecer corretamente a Deus seu Criador, amá-Lo de
todo o coração e viver com Ele em eterna felicidade, para louvá-Lo e
glorificá-Lo”.

Cânones de Dort, Séc. XVII, III.1 – “1. No princípio o homem foi criado à
imagem de Deus. Foi adornado em seu entendimento com o verdadeiro
e salutar conhecimento de Deus e de todas as coisas espirituais. Sua
vontade e seu coração eram retos, todos os seus afetos puros; portanto,
era o homem completamente santo. Mas, desviando-se de Deus sob
instigação do diabo e pela sua própria livre vontade, ele se privou destes
dons excelentes. Em lugar disso trouxe sobre si cegueira, trevas
terríveis, leviano e perverso juízo em seu entendimento; malícia,
rebeldia e dureza em sua vontade e seu coração; também impureza em
todos os seus afetos.”

Confissão de Fé de Westminster, Séc. XVII, IV.2 – “II. Depois de haver feito


as outras criaturas, Deus criou o homem, macho e fêmea, com almas
racionais e imortais, e dotou-as de inteligência, retidão e perfeita
santidade, segundo a sua própria imagem, tendo a lei de Deus escrita
em seus corações, e o poder de cumpri-la, mas com a possibilidade de
transgredi-la, sendo deixados à liberdade da sua própria vontade, que
era mutável. Além dessa escrita em seus corações, receberam o
preceito de não comerem da árvore da ciência do bem e do mal;

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enquanto obedeceram a este preceito, foram felizes em sua comunhão
com Deus e tiveram domínio sobre as criaturas. Gen. 1:27 e 2:7; Sal. 8:5;
Ecl. 12:7; Mat. 10:28; Rom. 2:14, 15; Col. 3:10; Gen. 3:6.”
Arminianismo, Séc. XVII – Os teólogos arminianos, a partir do Séc. XVII, de
modo geral, concordam com os reformados sobre a imagem de Deus,
a não ser na questão da liberdade da vontade. Os arminianos entendem
que ainda permanece, por causa da graça preveniente, algum tipo de
liberdade residual no ser humano, no sentido de uma capacidade de
agir sem qualquer predeterminação, seja ela divina ou natural, o que
seria um aspecto essencial da imagem de Deus no homem.

Teólogos reformados, Séc. XIX – Definiram a imagem de Deus em termos


de imagem espiritual (incluindo a imortalidade), raciocínio (incluindo a
vontade, os sentimentos e a inteligência), imagem moral (ou seja, a
justiça original que Adão recebeu), domínio sobre os animais e a criação
e o reflexo desta imagem no corpo (o que quer dizer, em outras
palavras, que o corpo funciona para permitir a alma agir e expressar-se
no mundo).

Diante de várias posturas acerca da imagem de Deus no homem é


fundamental entender que o homem, segundo o relato da revelação, é
imagem de Deus no coração da criação. E Deus concedeu a ele o poder de
dominar. Desta forma, se dá no coração da criação um processo: o jogo de
uma ação dramática e de uma intriga possível, onde a criação se encontra
em acabamento. Esse drama se passa através do homem. Por mais que as
coisas tenham vindo de Deus, o homem não se inscreve nessa realidade
de uma forma positiva, mas de modo negativo, envolvendo-se num drama
que chama a um relevo. Destarte, o mundo das coisas criadas em sua
positividade e seu ser foi profundamente subvertido no interior da criação
de Deus. E essa criação aguarda um gesto de oferenda, na liberdade do
homem e para a glória de Deus e de seus filhos (Romanos 8,18ss.).
O motivo do homem, imagem de Deus, não implica em explicação
alguma direta da natureza desta semelhança divina; seu centro de
gravidade se acha antes na definição do fim para o qual ela foi comunicada
ao homem. A dificuldade para nós está no fato de que o texto considera a
simples declaração desta semelhança com Deus como suficiente e
explícita. Podemos dizer a tal respeito duas coisas: as palavras tzélém,
“imagem, estátua, objeto esculpido” e demût, “semelhança, equivalência”-
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sendo que a segunda interpreta a primeira, salientando a noção de
correspondência e de semelhança – referem-se ao homem todo, não
exclusivamente à sua natureza espiritual, mas também, e principalmente,
à glória de seu aspecto corporal, ao hâdâr (“ornamento”, “superioridade”,
“majestade”) e ao kâvôd com que Deus o declarou (Sl 8.6). Ez 28.12 fala
ainda mais claramente da “beleza perfeita” do primeiro homem. Como
imagem de Deus, o homem está colocado bem acima de todas as criaturas,
mas a sua própria dignidade de pessoa lhe impõe também um limite
superior.

2. A transformação antropológica na teologia


Na história do pensamento ocidental registraram-se duas grandes
transições: a do cosmo para Deus e a de Deus para o homem.
A primeira mudança realizou-se quando o cristianismo suplantou a
visão grega da realidade. Enquanto esta se baseava no cosmo e incluía o
homem nessa perspectiva e nela interpretava qualquer acontecimento
histórico, o cristianismo colocava Deus no lugar do cosmo. Assim, na visão
cristã tudo se refere a Deus: ele dá força e significado a todas as coisas; é
dele que o homem tira sua origem primeira; é nele que fixa o olhar como
seu último fim.
A segunda grande mudança ocorreu na época moderna em
conseqüência da secularização e do ateísmo: repentinamente Deus
desaparece de cena e cede o lugar ao homem.
A primeira transformação costuma-se chamar de teocêntrica, a
segunda de antropocêntrica ou antropológica. Tanto uma como a outra
precisaram de muito tempo para se realizar plenamente, isto é, por vários
séculos. O primeiro impulso para o teocentrismo efetuou-se no primeiro
século da era cristã, mas é somente no Século XIII que sua plena atuação
manifestou-se; o primeiro impulso para o antropocentrismo deu-se no
Século XV, mas a sua plena atuação ocorreu apenas no Século XX.
A transformação antropológica é, portanto, um acontecimento que
vem se prolongando por vários séculos, interessando inicialmente às
esferas da política, ciência e filosofia; somente mais tarde penetrou
também no terreno da moral e da religião.

Origens
Quanto às origens, o início da transformação antropológica remonta
ao Renascimento. Naquele período o espírito humano abriu-se a um novo
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modo de viver e agir, em violento contraste com o precedente: enquanto
para o primeiro, o centro de todo interesse era Deus, agora o centro é o
homem. Na Idade Média a vida do espírito era orientada para o mundo
sobrenatural. A existência humana era preparação para aquele além, onde
o destino de cada um se realizava, e isto pela virtude sobrenatural da graça
de Deus. A natureza só era digna de interesse como espelho onde se
refletia e se revelava de algum modo a misteriosa e transcendente
realidade de Deus, na qual tem seu princípio e fim. A Igreja, como
depositária da verdade, era indispensável intermediária entre a terra e o
céu. Ela tinha o poder de atar e desatar; cabia-lhe o dever de formar as
almas e ordenar todas as esferas da atividade humana, individual e
socialmente.

O mundo moderno
O mundo moderno possui características exatamente opostas: não
mais teocentrismo nem autoritarismo eclesiástico, mas autonomia do
mundo da cultura em relação a todos os fins transcendentes; livre
explicação da atividade que o constitui; supremacia da evidência racional
na busca da verdade; consciência do absoluto valor da pessoa humana e
afirmação de seu poder soberano sobre o mundo. A cultura realiza-se
gradualmente. A vida e a natureza valem por si mesmas. O homem sente
que sua missão e seu destino é a posse cada vez mais plena deste mundo.
A infinita ampliação do universo só estimula a insaciável ambição de
conhecimento e poder, através da qual o eu se constitui e se enriquece, e
a vida social articula-se cada vez mais firme e variadamente.

A Filosofia
A filosofia é, ao mesmo tempo, testemunha fiel e artífice principal da
transição do teocentrismo. Aquela, a partir de 1500 (Séc. XVI) abandona a
posição cosmocêntrica dos gregos e a teocêntrica dos autores cristãos e
encaminha-se para o antropocentrismo, que segundo a nova posição, o
homem constitui o ponto de partida para o desenvolvimento da pesquisa
filosófica e em torno do qual esta se mantém continuamente polarizada. A
investigação crítica que, segundo Descartes, é o verdadeiro ponto de
partida do reto filosofar, tem por objeto o homem. Na sua Ethica, outro
não é o propósito de Spinoza senão estabelecer científica e
geometricamente a finalidade da vida humana e os meios de alcançá-la.

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Hume (no Treatise on Human Nature) quer oferecer um quadro definitivo
do homem como indivíduo e como ser social.
Mas é somente com Kant que a transformação antropológica da
filosofia atinge seu momento conclusivo. Para o autor da Crítica da Razão
Pura, o homem não é mais simplesmente o ponto de partida, mas também
o ponto de chegada da reflexão filosófica. Esta gira em torno do homem,
do começo ao fim e em todas as suas partes.
Na Lógica, querendo determinar o lugar devido à antropologia no
âmbito das disciplinas filosóficas, Kant distingue quatro perguntas
fundamentais: “O campo da filosofia pode ser resumido nas seguintes
perguntas: 1. Que posso saber? 2. Que devo fazer? 3. Que devo esperar? 4.
Que é o homem?”.
A primeira pergunta refere-se à metafísica, a segunda à moral, a
terceira à religião, a quarta à antropologia. No entanto, o próprio Kant
observa que as três primeiras podem reduzir-se à última pergunta: No
fundo, poder-se-ia reduzir tudo isso à antropologia, porque as primeiras
três perguntas referem-se à última.
A posição central e totalisante da antropologia no seio da filosofia, já
conhecida por Kant, torna-se o traço característico do pensamento
contemporâneo: Feuerbach, Marx, Comte e Nietzche (Séc. XIX), Freud,
Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty, Lévi-Strasuss, etc. (Séc. XX). Estes
reduzem a filosofia à antropologia.

A Teologia
A última disciplina envolvida na transformação antropológica foi a
teologia. Enquanto no passado foi sempre sustentado que, ao menos
nesse estudo, o ponto de partida devesse ser Deus, sua Palavra e as
afirmações dos Padres e dos Concílios, apareceram numerosos teólogos
começaram a afirmar que a estrutura formal da pesquisa teológica não
pode ser diferente da das outras ciências; logo, mesmo em teologia é
necessário partir do homem.
Diante de tudo isso, é preciso atentar para a inevitabilidade da
colocação antropológica. Hoje não se pode mais evitar o posicionamento
antropológico da teologia, assim como na filosofia, depois de Descartes,
não se pode mais evitar a posição crítica. Descartes, ao demonstrar que
uma coisa é o pensamento e outra coisa é o ser, e que o ser se atinge
através do pensar, provou a prioridade do problema crítico em relação ao
problema metafísico: com efeito, se não se verifica a atitude do
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pensamento a reconhecer a realidade, qualquer solução do problema do
ser é precária.
Algo semelhante acontece também na teologia. O teólogo deu-se
conta de que qualquer interpretação da Palavra de Deus, inclusive a dos
autores sacros, implica numa pré-compreensão (do homem e do mundo);
que os elementos constitutivos de tal pré-compreensão são distintos dos
elementos constitutivos da Palavra de Deus; que, segundo a pré-
compreensão que se assume para exprimir a Palavra de Deus, esta se
configura de diversos modos; e, enfim, que muitas das dificuldades hoje
encontradas pela Palavra de Deus (a mensagem cristã) decorrem da pré-
compreensão na qual é expressa. Assim, o problema dos prolegômenos
antropológicos da teologia adquiriu hoje clareza e importância bem
maiores do que no passado.

Clareza e compreensão hoje


É preciso ficar bem claro que a questão do homem é fundamental para
a teologia em si, e não somente para a teologia contemporânea ou apenas
a teologia de caráter antropocêntrico. Isto por duas razões. Em primeiro
lugar porque a teologia estuda a história da salvação, salvação essa que
diz respeito ao homem e que, portanto, não se pode compreender se não
se conhece este último. Em segundo lugar porque o destinatário da
teologia, ou seja, da interpretação da Palavra de Deus, dada pelo teólogo
no próprio tempo, é sempre o homem.
A quem, todavia, deverá dirigir-se o teólogo para encontrar as
respostas às interrogações sobre o homem? Como deve ser o homem, a
fim de que se lhe possa falar? Quem é o homem do nosso tempo, qual sua
mentalidade, suas características? Não há dúvida de que a resposta
definitiva à primeira pergunta não pode ser obtida senão do próprio Deus:
é ele que indica ao homem como deve ser a fim de entrar em diálogo
consigo mesmo. Mas para a segunda pergunta (para determinar quem é o
homem do nosso tempo) e, em parte, também para a primeira, a revelação
não é suficiente; é preciso recorrer às ciências humanas, sobretudo à
filosofia.
O teólogo deve, portanto, antes de tudo, colocar-se no lugar do
antropólogo e perguntar-se: à luz da ciência e da filosofia, quem é o
homem? Que pode dizer o homem de si mesmo? Quais as características
mais marcantes? Quais as verdades fundamentais em relação ao seu
próprio ser?
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3. Uma análise do homem (anqrwpos) segundo a visão bíblico-
teológico-sistemática

Que é o Ser Humano? Como compreendê-lo nas nossas reflexões e


indagações? O maior problema que se evidencia hoje, bem como em todas
as épocas é a dificuldade que o homem tem para conhecer a si mesmo. É
necessário entender o uso da palavra homem para referir-se à raça
humana.
O termo antropologia é formado de duas palavras gregas: antrwpos
– homem e logos – tratado ou estudo. Significa o estudo ou a doutrina do
homem, do ser humano.
Antropologia é um termo que aponta para um modo de ser
subdividindo o seu campo de estudo da seguinte maneira:

Antropologia Antropologia

Científica Filosófica
Antropologia

Antropologia

Teológica

Antropologia Científica: estuda o homem como um organismo


biológico e como um ser cultural;

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Antropologia Filosófica: estuda o conhecimento filosófico do homem.
A filosofia estuda o homem, procurando perscrutar mais fundo do que
aquilo que é dito pela ciência;
Antropologia Teológica: é o estudo proposto.
Antes de entrarmos no estudo da Antropologia Teológica
propriamente dito, faz-se necessário verificar a análise de Battista
MONDIN, sobre as características e aspirações do homem moderno,
porque o teólogo precisa assumir responsabilidades em relação à Palavra
de Deus e sua mensagem, no mundo em que está vivendo.
A tarefa fundamental da Teologia é estabelecer uma clara sintonia
entre a mensagem da salvação, de um lado, e as instâncias, a mentalidade,
a visão das coisas, a linguagem, os problemas humanos de determinado
momento histórico e de um dado ambiente cultural, de outro. “A finalidade
de toda pregação, assim como de toda a teologia, é aproximar o Evangelho
do mundo moderno”, onde sempre volta a situar-se. Já no Século I, quando
o Evangelho fazia sua entrada no mundo, a missão dos apóstolos foi
pregar o Evangelho, que era um corpo estranho para o homem daquele
tempo – escândalo e loucura (1 Co 1.23) – e de tal modo que este
conseguisse compreendê-lo. Mas, cada século o mundo se transforma e,
ademais, as missões trazem constantemente para o cristianismo novos
territórios de culturas diversas, o problema permanece sempre aberto.
Cada época deve, portanto, formular de novo a profissão de fé, e a teologia
entrar em confronto com o mundo particular ao qual se dirige.”
Vejamos um resumo destas características do homem moderno:

1. Mutabilidade. O homem moderno é instável e mutável. Tudo isso,


porque a sociedade ocidental, durante os últimos trezentos anos,
foi arrastada por um furacão de mutações.
2. Antidogmatismo. Há a hostilidade contra qualquer forma de
verdades, princípios, normas absolutas. O homem moderno é
antitradicional, a partir do Iluminismo, tornou-se cada vez mais
rebelde a aceitar qualquer afirmação ou verdade.
3. Liberdade. O homem moderno considera-se essencialmente livre:
liberdade é o seu próprio ser.
4. Secularização. De um lado a secularização admite não fazer Deus
intervir na explicação do universo e nos acontecimentos que dizem
respeito ao mundo e ao homem; de outro lado, procura dirigir o
próprio empenho e preocupações decididamente para o mundo,
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para o século, para as realidades terrestres, cuja beleza, grandeza
e valor o homem já aprendeu a apreciar. O homem moderno sente-
se maduro, adulto. Aprendeu a fazer tudo por si, a governar-se
sozinho, a resolver os problemas sem recorrer a um ser superior.
5. Pragmatismo. O homem moderno tornou-se prático: é conduzido
para a ação. O que o atrai e absorve completamente é o fazer,
produzir, trabalhar. Não encontra mais tempo para pensar,
meditar, contemplar, e, sobretudo, isso não mais o interessa.
6. Historicidade. O homem moderno é histórico: tem muito vivo o
sentido da história. Para ele a realidade está em contínuo
movimento e nunca tem nada de definitivo e estável, nada de
duradouro além de certo limite, limite este que tende a encurtar
cada vez mais. Essa característica é um privilégio, mas talvez, um
fardo.
7. Antimetafisicismo. Ao homem moderno só interessam os
resultados: é realista e pragmático.
8. Utopia. Seguro de si, possuidor de técnicas cada vez mais perfeitas,
desfruta tanto de modo sempre mais eficaz dos recursos da
natureza e capaz de controlar a marcha da história, o homem de
hoje faz grandes e ambiciosos projetos para o futuro; propõe metas
altíssimas, onde não haverá mais miséria, nem injustiça, nem
ignorância; nem doenças, nem discriminações, nem privilégios;
mas onde será construída uma sociedade perfeita que tornará
todos plenamente felizes.
9. Socialização. Todos hoje lutam e empenham seus esforços por
uma solidariedade. A socialização tem assumido nos últimos anos
porções cada vez mais vastas: de nacional tornou-se primeiro
internacional, depois intercontinental e assume agora dimensões
planetárias.
10. Anonímia e massificação. A socialização conduz muitas vezes
à massificação e à anonímia. Ao mesmo tempo em que há uma
socialização, por outro lado o indivíduo some na massa.
11. Desorientação. O homem moderno é desorientado e inseguro:
perdeu qualquer princípio seguro de orientação e não mais
consegue achar parâmetros válidos para fundamentar seus
próprios julgamentos. Destarte, o homem moderno está em crise
profunda. Ele não sabe onde está o bem e onde está o mal, nem
em que critério confiar.
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12. Alienação e opressão. O homem moderno, não obstante a
tanto progresso, encontra-se mais do que nunca sob o peso
enorme e insuportável de uma capa opressiva: é oprimido muitas
vezes pelas necessidades mais elementares: pela fome, sede,
miséria; é oprimido e obcecado pelo sexo, transformando em
índole que o tiraniza cada vez mais; é oprimido por uma série
infinita de necessidades supérfluas que se lhe afiguram
indispensáveis através de uma propaganda astuciosa.
13. Contestação. Neste estado de opressão, o homem de hoje,
mais do que nunca, tem consciência da necessidade de libertação.
Daí a contestação maciça da sociedade atual em todos os seus
aspectos e estruturas. Daí também, as inúmeras propostas de
reforma e de revolução.
14. Perversão e frustração. O homem moderno tornou-se escravo
dos próprios instintos: egoísmo, prazer, inveja, sensualidade,
mentira, avidez, fraude. Recorre a qualquer meio para satisfazer
suas múltiplas paixões.

Portanto, é o homem, inteiro, que exerce a função de sujeito


hermenêutico da Palavra de Deus, daí a necessidade da Antropologia
Teológica. Esta verdade mostra a importância e a necessidade, para o
teólogo, de elaborar uma antropologia que não se limite a elucidar
fenomenologicamente alguns fragmentos do ser humano, mas lhe explore
de maneira equilibrada.

4. A semântica da Antropologia Teológica


A Antropologia Teológica é a via por excelência para o entendimento
da origem e da constituição do homem, em face da própria Teologia
encontrar a sua base na Sagrada Escritura.
Antropologia Teológica é a doutrina do homem, mormente no que
tange a Deus, à sua origem, à sua natureza presente, atividade, deveres e
destino. A Teologia tem seu ensino centrado na afirmativa de que o
homem foi criado para relacionar-se com Deus, para participar de seus
propósitos, e finalmente, para compartilhar da sua natureza divina (2
Pedro 1.4), tal como originalmente foi criado por Deus. Desenvolve-se
unicamente o que a Bíblia diz a respeito do homem e da relação em que
ele está e deve estar com Deus. Assim, a Antropologia Teológica só

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reconhece a Escritura como a sua fonte, e examina os ensinamentos da
experiência humana à luz da Palavra de Deus.
O próprio homem desfigurou essa imagem, e a redenção tem por
finalidade restaurá-la por meio do homem espiritual, uma realização das
dimensões espirituais. Isto tem de acontecer em função do problema do
sentido do homem que é mais escaldante hoje do que nunca. De fato, de
onde provêm tantas profanações à própria vida, tantas agressões à vida
do próximo, tantas injustiças, violências, vícios, maldades, senão do fato de
ter o homem perdido atualmente o sentido de sua própria existência? O
cristão sabe, graças à Palavra de Deus, com segurança o sentido do
homem. Mas será possível também para quem não tem fé em Cristo – em
outras palavras, será possível apenas com os recursos da razão humana –
obter conhecimentos seguros sobre o sentido do homem?
A Antropologia Teológica considera o homem um ser
transcendental, ou pelo menos está destinado a sê-lo. É preciso entender
o sentido metafísico do homem. Há uma experiência singular no que tange
ao homem que é sua autotranscendência, que é o movimento pelo qual
ele se supera. Mas, o que isso significa? É preciso entender que a nossa
vontade nunca se satisfaz com o que conseguiu e adquiriu.
Pergunta-se: para onde se dirige a autotranscendência do homem?
Aqui já são as perguntas levantadas pela Filosofia, segundo MONDIN.
Há três posições para se tentar responder a estas perguntas
levantadas pela Filosofia:

1. A interpretação egocêntrica. O maior propagandista do sentido


egocêntrico da autotranscendência é, sem dúvida, o autor de
“Assim falou Zaratustra”, F. Nietzsche. Ele sustentava que a vida
em geral e a vida humana em particular é um esforço constante
de superação de si mesma. O homem deve ser superado, e, para
realizar-se plenamente a si mesmo, o homem deve romper todos
os grilhões da metafísica, da moral e da religião; em particular,
deve eliminar qualquer idéia de Deus.
2. A interpretação filantrópica. Recusa todo dado sensível e
inteligível, para pôr em destaque a ação, a criação contínua do
homem pelo homem. Desse modo, abre-se para o homem um
horizonte infinito que o define enquanto homem; o homem não é
apenas aquilo que é, mas é também o que não é; tudo aquilo que
ainda lhe falta. O futuro é o que mais impressiona. Exclui ao
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mesmo tempo a transcendência de baixo e a transcendência do
alto (a de um Bem absoluto, de um Deus e de uma revelação).
3. A interpretação teocêntrica. Significa um desfecho no Absoluto,
revelando o caráter requintamente espiritual do ser humano, e
mostrando, além disso, que seu último olhar só pode ser para o
próprio Deus, pois só nele se realiza o completo transcender de
todos os confins espacial-temporais. Isso porque a interrogação
sobre Deus encontra-se, pois, dentro do horizonte do homem.
Sendo assim, o sentido último da autotranscendência, e
conseqüentemente o sentido último do homem, situa-se fora do
próprio homem e se encontra em Deus, antes é o próprio Deus.

O homem é denominado COROA DA CRIAÇÃO. Qual o sentido desta


expressão, segundo a Teologia? O homem não é somente a cora da
criação, mas também é objeto de um especial cuidado de Deus. A
revelação de Deus na Escritura é uma revelação dada não somente ao
homem, mas na qual o homem é de interesse vital.

5. A doutrina da humanidade na visão bíblico-teológica


A perspectiva cristã da humanidade é que somos criaturas de Deus,
feitos à imagem de Deus. Isso quer dizer que a humanidade não se
originou de um processo evolutivo aleatório, mas de um ato consciente e
proposital de Deus.
Os homens também possuem uma dimensão eterna, porque foram
criados por Deus que é eterno. Destarte, sendo parte da criação física e do
reino animal, têm as mesmas necessidades que os outros membros
desses grupos.
O relato bíblico da criação do homem tem suas implicações na
teologia. A Teologia não pergunta apenas como os homens vieram a existir
na face da terra, mas qual o propósito que está por trás de sua presença
neste mundo. Deus, segundo a Sagrada Escritura, é sábio, poderoso e
bom, assim, criou a raça humana para amá-lo e servi-lo, e para desfrutar
de um relacionamento com ele. Os relatos são: Gênesis 1.26-27 e 2.7.
Segundo a grande contribuição de Alfonso Garcia RUBIO para a
teologia, apresenta Deus como o Criador e o ser humano como criatura de
decisão e de resposta, segundo a visão veterotestamentária.
GARCIA RUBIO ao examinar o Antigo Testamento, buscou descobrir o
significado da criação de Deus, nos fazendo refletir e nos conduzindo ao
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entendimento do ser humano como criatura de decisão e resposta à
proposta de salvação divina.
Ele desenvolve toda a sua argumentação abordando a fé do povo de
Israel sob três aspectos: o encontro com o Deus salvador; o encontro com
Deus criador; e o ser humano, resposta da criação ao Deus Criador.
De início, quanto à abordagem do capítulo 3 de sua obra, afirma que
“A justaposição entre Deus criador e Deus salvador, não se justifica
biblicamente”, e faz esta afirmação baseada na perspectiva da tradição
hermenêutica "proclamativa". Nela, a ação criadora de Deus deve ser
entendida no contexto e a serviço da fé no Deus salvador, que se revelou
como libertador nos acontecimentos do êxodo e na história toda de Israel.
O autor ressalta que esta perspectiva salvífica é necessária para a
correta compreensão dos enunciados do Javista, do Deutero-Isaías ou do
escrito Sacerdotal sobre a criação do mundo e do ser humano. Salienta
ainda que esta é a densa e profunda mensagem do Antigo Testamento
sobre o Deus criador e salvador, e do ser humano criado à Sua imagem e
semelhança.
Conforme a narrativa veterotestamentária, os homens, todos eles,
homens e mulheres, encontram-se numa situação negativa de não-
salvação.
Mas, o Deus de Israel revela-se como salvador, propõe ao homem o
caminho de saída, interpelando-o, dando-lhe ao mesmo tempo a
capacidade concreta de segui-lo, encaminhando-o, assim, para a situação
positiva de salvação. E tudo isto gratuitamente. Logo, o homem é chamado
a se decidir e a responder afirmativamente. Por isso, o autor afirma que o
homem é, antes de tudo, um ser de decisão e de resposta. A decisão e a
resposta positivas do homem consistem, em síntese, na aceitação e na
obediência à vontade de Deus, atitude que deve comportar sempre o
compromisso ético pela justiça e pelo amor efetivo, bem como a realização
adequada do culto a Yahweh.
Assim, o mesmo Deus que intervém em certos acontecimentos da
história de indivíduos e do povo de Israel para manifestar o seu desígnio
salvífico, cria o mundo e o homem. Para a tradição hermenêutica
"proclamativa", é no contexto desta proposta salvífica de Deus e da
necessidade de decisão-resposta do homem que se pode descobrir o
significado da criação. A criação constitui o início das intervenções
salvíficas de Deus. O homem é uma criatura (que recebe) e responsável (que
responde).
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Mas, chama-se a atenção para o fato de que o homem pode também
tentar esquivar-se a dar uma resposta. Pode não assumir a sua primeira e
mais fundamental vocação: ser humano; e assim omite-se em relação à
própria responsabilidade sobre o mundo e sobre a história humana, de tal
forma que na sua arrogância, iludido pela vontade ilimitada de poder, o
homem não aceita os próprios limites e desfigura o sentido do mundo,
dominando os outros, levando o seu semelhante a viver uma vida
miserável, infra-humana, no nível quase animal, de perdição, numa
situação de não-salvação.
Mais uma vez ressalta-se que a resposta, positiva ou negativa, é dada
pelo homem em cada detalhe de sua vida, nas decisões tomadas no hoje
da sua existência e não na fuga para um mundo e tempo meta-histórico,
ou seja, além ou fora da sua própria trajetória de vida.
E sobre o ser humano, os relatos dos escritos Javista e Sacerdotal da
criação afirmam que é um ser radicalmente aberto, um ser de relações, ou
seja, relação com Deus vivida na abertura confiante e na resposta
obediente à Sua vontade.
As comunidades cristãs, no seu nível de vivência-reflexão da fé,
precisam urgentemente, desenvolver um verdadeiro círculo
hermenêutico, onde aquele que tem a responsabilidade pastoral-eclesial
é chamado a realizar o novo círculo hermenêutico junto com as
comunidades de empobrecidos e marginalizados. Isso tem de acontecer,
apesar de existir neste agente, muito da mentalidade moderna, mesmo
quando a critica duramente. E é, portanto, natural que na leitura dos textos
bíblicos sobre a fé em Deus criador e sobre o homem, criado de maneira
tão especial por Deus, ele tenha inquietudes e preocupações que nem
sempre coincidem com as de outras comunidades.
Destarte, GARCIA RUBIO pode relacionar resumidamente o que os
relatos Javista e Sacerdotal da criação afirmam sobre o ser humano. O que
segue é apenas uma síntese desses relatos de modo objetivo:

• O seu ser e o seu existir dependem totalmente do Criador, pois, o


homem é criatura, como os demais seres do mundo.
• A liberdade humana está totalmente fundamentada na
dependência em relação ao Deus criador. A relação com Deus é
dialogal, não existindo competição entre Deus e o ser humano. A
relação com Deus criador é vivida no contexto da relação gratuita
da eleição, relação salvífica de interpelação e resposta.
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• O homem é como os outros seres vivos, é algo terrestre, da
natureza do pó da terra. Não é um castigo o fato de ser terrestre,
de ser corporeidade, mas pertence mesmo à sua própria
peculiaridade natural de ser humano.
• Mas o homem recebe de Deus um rûah com características
pessoais. O homem é criado à imagem e semelhança de Deus. É um
ser com responsabilidade e consciência, chamado a viver uma
existência dialógica. E chamado a ser co-criador e administrador
responsável do mundo.
• Tanto o homem quanto a mulher, ambos, são criados à imagem de
Deus. Ambos são administradores da criação. A humanidade toda
é chamada a desenvolver sua responsabilidade sobre o mundo.
A mulher é da mesma natureza do homem. Ambos são chamados
a viver a reciprocidade mútua. O matrimônio forma parte do
desígnio criador divino.
• O homem deve crescer como homem, realizando a sua vocação de
imagem de Deus. O fatalismo, a passividade, a alienação, a fuga da
responsabilidade em relação ao mundo e à sociedade não
encontram justificativa alguma na perspectiva bíblica da criação do
homem.
• O homem é bom, pois é criatura de um Deus bom, criado à imagem
dele. Dignidade da imagem que é o homem.
• De maneira ainda mais concreta, pode ser percebida a relevância
destas afirmações, se procurarmos utilizá-las como ajuda ao
discernimento eclesial em relação às situações de marginalização e
de exclusão experimentadas por uma parte considerável do nosso
povo. Assim, o caminho da libertação integral que vem sendo
trilhado por tantas e tantas comunidades eclesiais populares, em
meio a grandes dificuldades, encontra na teologia da criação, em
conexão com a fé em Deus salvador, uma profunda fundamentação
e uma riquíssima fonte de inspiração.
• O ser humano na qualidade de imagem de Deus que cria, mas
também repousa, caracteriza-se não só pelo trabalho, mas
igualmente pelo descanso e pela celebração da criação como dom
de Deus.

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Portanto, quando o homem responde positivamente à interpelação de
Deus criador-salvador, fica unificada a sua responsabilidade em relação ao
mundo da natureza e a sua responsabilidade pela própria humanização.
É que este enfoque, na opinião de GARCIA RUBIO, é extremamente
necessário, e atual, dada a situação miserável e passiva da grande maioria
do povo brasileiro e latino-americano que foi sempre marginalizada e
desprezada pela pequena minoria dominante e para um povo que vive em
condições infra-humanas de vida, impedido de desenvolver a riqueza do
que significa ser humano, de poder decidir-se e também, de poder
responder concretamente em relação a si próprio, em relação a Deus, em
relação aos outros seres humanos e em relação ao mundo da natureza,
não podendo, portanto, assumir as suas relações que constituem o ser
humano criado à imagem de Deus.
Deve-se reconhecer que GARCIA RUBIO é muito competente ao
estruturar toda a sua interpretação da tradição mais antiga dos textos
bíblicos do Antigo Testamento, de uma maneira lógica e consistente,
fazendo com que estas diversas versões escritas:

Javista (J) ... Apesar de toda a sua pluralidade, se


interligassem de maneira contínua e
Eloísta (E) racional, permitindo que uma
Deuteronomista (D)
justificasse e/ou complementasse a
outra, formando uma unidade, um
Sacerdotal (P = Priesterschift) todo coerente e com mensagem
atualizada para nossa realidade
latino-americana.
Os argumentos são bastante convincentes para uma compreensão da
antropologia teológica, desde a abordagem do primeiro aspecto, “A Fé de
Israel: o encontro com o Deus salvador”, afirmado e enfatizando que o
Antigo Testamento está interessado na relação de Deus com o homem
concreto, situado historicamente, e do homem referido a Deus, na sua
relação com Ele e que devemos reconhecer uma intenção e preocupação
decididamente teocêntricas, nisso, sendo que para o homem moderno,
esta constatação do teocentrismo bíblico pode resultar bastante
incômoda, o que é inteiramente verdade.
Ao tratar do êxodo como experiência fundante de Israel, podem-se
demonstrar dois importantes exemplos desses elementos interpretativos:
o valor imenso da fé plantada no coração do povo de Israel, de maneira a
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interpretar todos os elementos e os fatos de sua vida e de sua história
sempre centrados no Deus que intervém e salva o seu povo.
O primeiro exemplo disto está na ampliação ao conjunto de Israel do
que muito provavelmente aconteceu apenas a um grupo relativamente
pequeno liderado por Moisés e que ao chegar à Palestina já encontraram
outros israelitas que já ocupavam a terra antes de sua chegada. Sendo que
todas as famílias e tribos israelitas que foram aderindo ao culto de Yahweh,
receberam também o dom da salvação e assim se constituíram todos, o
“povo de Deus”.
O segundo exemplo versa sobre o tema da “aliança” onde os israelitas
que seguiram Moisés, saídos do Egito, assumiram um compromisso com
Yahweh, e passaram a considerar-se clã ou povo dele, e assim,
interpretado teologicamente pela tradição Deuteronomista como aliança
entre Yahweh e o povo de Israel, Deus, de maneira soberana e gratuita,
resolve escolher Israel para ser seu povo, compromete-se com Ele, e esta
aliança compromete seriamente a Israel.
As abordagens e argumentos de GARCIA RUBIO são muito
interessantes e consistentes, quando discorre sobre cada um dos relatos
interpretados. Ele tece uma grande rede de relações e ligações entre um
fato e outro, e entre o relato de uma e outra tradição, bem como
interpretando seus vínculos de maneira extremamente coerente. Assim, o
autor interpreta e constrói uma visão teológica clara de escritos que se
apóiam, se justificam e se completam, proporcionando uma legítima
reflexão teológico-antropológica.

Na versão Javista Foi mediante Israel que a salvação


chegou para todos os povos.
Primeiramente aos que habitavam a terra de Canaã e finalmente a todos
os povos da terra, só que esta bênção e esta salvação, convém não
esquecer, exigem obediência e fé em relação a Yahweh.

que segundo o autor, é a versão negativa


Na versão Eloísta
de Israel em relação à história da salvação,
fala-se da pecaminosidade do homem, da rebeldia e da infidelidade de
Israel, da aliança que devia ser uma fonte de salvação para Israel, e se
transforma, por culpa sua, em motivo para o juízo de Deus.

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As difíceis circunstâncias políticas e religiosas em que viveu o Eloísta
explicam a história da salvação-perdição de Israel, e a constatação
reiterada da sua desobediência e infidelidade, limitando grandemente o
horizonte de compreensão da história da salvação.

o autor nos mostra a


Na versão Deuteronomista
interpelação da eleição e da
aliança, onde a forte penetração dos cultos cananeus na religião de Israel
e depois o influxo dos cultos assírios, quase sufocaram a fé javista, levando
os profetas e os redatores da tradição Deuteronomista a apontarem a
infidelidade a Yahweh como causa do desastre em que se precipita Israel.
GARCIA RUBIO avança em sua análise e diz que com o exílio, chegou o
tempo do cumprimento do julgamento e das ameaças. E deixa esta
pergunta: Por que Yahweh abandonou seu povo? E ele mesmo afirma que os
escritos deuteronomísticos respondem que não foi Yahweh quem deixou
de lado Israel, mas, ao contrário, este se afastava do compromisso
assumido com Ele. E ainda, que o julgamento de Deus nada tem de
precipitado, pelo contrário, o Deuteronomista chama a atenção para a
paciência de Deus em relação às transgressões dos líderes (juízes, reis...) e
do próprio povo.
Assim, a eleição-aliança ressalta nitidamente o tremendo significado
destruidor da infidelidade. E aqui cabe a pergunta: Será que não é possível
dar um novo rumo à caminhada de Israel? Esta resposta segundo GARCIA
RUBIO, podemos encontrá-la na versão do
onde o futuro está aberto e onde este
Escrito Sacerdotal
escrito datado aproximadamente do Séc. V
a.C., afirma precisamente que o objetivo
principal desta reflexão teológica é infundir coragem, confiança e
esperança nos exilados, onde o Deus salvador pode abrir um novo futuro
de realização das suas promessas e da sua aliança. Mas para isto, é
indispensável que os israelitas se abram à fé no Deus da promessa e da
aliança, vivendo a obediência à lei de Deus e praticando o culto verdadeiro.
Assim, o autor acaba por concluir que tanto a tradição mais antiga de
Israel como as diferentes versões teológicas da mesma, coincidem na
afirmação fundamental: Deus se revelou salvador nos acontecimentos da
vida dos indivíduos e do povo de Israel, mas de tal maneira que o
fechamento e a resposta negativa deste podem frustrar o propósito

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salvífico de Yahweh, em cada um dos casos particulares. Yahweh, todavia,
é sempre e soberanamente para recompor suas resoluções salvíficas.
E com esse raciocínio, o autor faz a transição para a abordagem da
interpretação profética da história da salvação afirmando que as antigas
tradições israelitas são também atualizadas e interpretadas pelos grandes
profetas individuais. Assim, a experiência de Deus vivida pelos profetas e
sua mensagem, afirma que Deus é o único e exclusivo salvador do homem
e fora da comunhão com ele, o homem se ilude com pseudo-salvações e
se encaminha para o desastre. Pois a salvação, resultante da união com a
vontade de Deus, não é algo imposto. O “sim” da fé e da obediência do
homem e a sua decisão são indispensáveis para a concretização da
salvação. E este é dado nos compromissos e nas situações do dia-a-dia.
Fica mais uma vez, a pergunta do autor: “Será que Israel como povo está
pronunciando este “sim”? Será que o julgamento e o castigo são inevitáveis?”.
Aborda-se a resposta agradecida do Israel fiel, mostrando-nos que
seria falso concluir da exposição anterior que Israel respondera sempre
negativamente à proposta salvífica de Yahweh. Houve, sem dúvida,
respostas positivas de indivíduos e grupos que seguiram o caminho da fé
e da confiança em Yahweh percorrido por Abraão e outros grandes
ancestrais.
Os salmos apresentam um material privilegiado para o estudo da
resposta do Israel fiel. E pergunta: Como não confiar num Deus que já fez
tantas maravilhas para auxiliar o povo da sua eleição? Ele continua fiel às
suas promessas nas circunstâncias do tempo em que orava o salmista.
E assim, Garcia Rubio analisando e expondo sobre cada aspecto da
literatura bíblica, sob o enfoque da criação/salvação, o homem como
criatura de decisão e resposta, nos dá toda uma visão panorâmica de todo
os escritos do Antigo Testamento, contemplando desde o Pentateuco, os
livros Sapienciais, os Proféticos, e os Históricos discorrendo sobre a
sabedoria, síntese do projeto salvífico de Yahweh; sobre a escatologia e
apocalíptica, onde mostra a tensão entre plenitude futura de salvação e
a situação miserável atual. Assim sucessivamente até chegar ao sábado
como conclusão-coroamento da criação do mundo e do ser humano (Gn
2.2-3), onde o escrito Sacerdotal vê a criação em função do sábado e não
o contrário.
Utilizando-se de Jürgen MOLTMANN, Rubio afirma que o mundo não é
apenas natureza, mas criação de Deus. E como tal deveria ser aceita e
celebrada, uma vez que Deus não só cria como também repousa. E assim,
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o sábado leva-nos a superar a perspectiva unilateral do mero “fazer”. O
Sábado deve ser tratado como coroamento da criação e como revelação
de Deus que repousa na sua criação apontando para a realidade da
salvação-redenção e, em última análise, para a “nova criação”.

6. O significado teológico da criação do homem


1. O fato de os homens terem sido criados significa que eles não têm
existência independente.
2. A humanidade faz parte da criação e significa que deve haver
harmonia entre o homem e o restante das criaturas.
3. A humanidade, no entanto, ocupa um lugar singular na criação. Os
animais irracionais foram criados cada um segundo as suas
espécies, mas o homem à imagem e semelhança de Deus.
4. Há um vínculo comum entre todos os seres humanos.
5. Há limitações definidas sobre a humanidade. Os homens são
criaturas, não Deus. São sujeitos a erros e o conhecimento será
sempre incompleto.
6. A limitação não é inerentemente má. A finitude pode nos conduzir
ao pecado, caso deixemos de aceitar nossas limitações, não vivendo
de acordo com elas.
7. O ser humano é algo maravilhoso, porque é a única criatura criada
à imagem de Deus. Somos um produto expressamente desejado
por Deus. O fato de ser assim é porque Deus nos criou. O autor da
vida é o mais importante, por isso devemos toda a honra e glória ao
criador. Verificar o Salmo 100.

7. A doutrina da “Imago Dei” segundo a visão teológico-sistemática


O verdadeiro homem não é o que encontramos na sociedade. O
verdadeiro homem é o ser que surgiu das mãos de Deus, intocado pelo
pecado. Segundo a Teologia os únicos exemplares surgidos da mão de
Deus foram Adão e Eva antes da queda. É sem dúvidas que Jesus é desta
forma, intocável pelo pecado.
Todos os outros seres humanos são deformados, distorcidos,
corrompidos da humanidade (Romanos 3.23).
Uma expressão vital usada na descrição da forma original do ser
humano é que Deus fez o homem conforme a sua imagem e semelhança.
É por isso que o homicídio é proibido na Bíblia, pelo fato de a raça humana
ter sido criada à imagem de Deus.
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Entendendo o significado de “Imago Dei”
A doutrina da imago Dei, ou seja, da semelhança do homem com Deus,
é o tema fundamental da antropologia cristã e lhe abrange todos os
aspectos, de modo que se poderia, a partir da mesma, desenvolver uma
doutrina completa do homem.
Como entender o significado de IMAGO DEI?
Há três maneiras de entender a natureza da imagem, como
veremos a seguir:

1. A concepção substantiva – considera que a imagem de Deus é


um aspecto de nossa constituição física ou corporal. Os mórmons
são os seguidores mais destacados desta posição, de que a
imagem de Deus é física.

2. A concepção relacional – concebe a imagem de Deus como a


vivência de um relacionamento; quando o ser humano entra em
determinado relacionamento. O relacionamento dos homens
entre si constitui a imagem de Deus, o que é refletido no
relacionamento dos homens entre si.
3. A concepção funcional – a imagem consiste em algo que fazemos.
Em Gênesis 1.26 é imediatamente seguido por uma ação que foi
dada ao ser humano. Essa perspectiva tem dado espaço para uma
forte ênfase no que às vezes, em círculos reformados, é chamado
de “mandato cultural”.

Conclusões a respeito da natureza da imagem:


1. A imagem de Deus é universal em toda a raça humana.
2. A imagem de Deus não se perdeu em conseqüência do pecado.
3. Não há indicação de que a imagem esteja presente em maior grau
numa pessoa que em outra.
4. A imagem não está relacionada com nenhuma variável. Significa
que não foi condicionada por nenhuma relação.
5. A imagem é algo localizado na própria natureza dos homens, na
maneira pela qual são formados. Diz respeito ao que somos e não
ao que temos ou fazemos.
6. A imagem consiste nas aptidões da personalidade que fazem com
que cada ser humano seja como Deus, capaz de interagir com
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outras pessoas, pensar e refletir, e possuir livre arbítrio. A criação
divina tinha propósitos definidos. Os homens deviam conhecer,
amar e obedecer a Deus. Deviam viver em harmonia com os
outros, como é explicitado no exemplo da vida e obra de Jesus de
Nazaré, através de quem experimentamos não só o ensino, mas a
sua presença atuante na vida de comunhão com Deus.

8. A Natureza constitucional do homem


O que é a humanidade? Somos um todo unitário ou somos formados
por dois ou mais componentes?

Concepções sobre a constituição do ser humano:

1. Tricotomismo – ensina que o homem é composto de três


elementos: 1) o corpo físico; 2) a alma, que é o elemento
psicológico, das relações sociais; 3) o espírito, que permite aos
homens perceberem questões espirituais e reagirem a estímulos
espirituais. O tricotomismo tornou-se particularmente difundido
entre os pais alexandrinos dos primeiros séculos da Igreja.
2. Dicotomismo – os homens são compostos de dois elementos: um
aspecto material, o corpo; e um componente imaterial, a alma ou
espírito. Para este ensino, alma e espírito são a mesma coisa.
3. Monismo – em contraste com os ensinos anteriores, ensina que o
homem é indivisível. É uma unidade radical. A Bíblia não vê o
homem um ser dividido, mas simplesmente como PESSOA. Na
concepção veterotestamentária, o ser humano é uma unidade
psicofísica, carne vivificada pela alma. A idéia hebraica de
personalidade é um corpo vivente, e não uma alma encarnada.

Implicações do ser humano como unidade:


1. Cada homem deve ser tratado como uma unidade.
2. Os homens são seres complexos.
3. Os diferentes aspectos da natureza humana devem ser atendidos
e respeitados. O evangelho é um apelo à pessoa inteira.
4. Progresso ou a maturidade religiosa não consiste em subjugar
uma ou outra parte da natureza humana. Depravação total
significa que o pecado infecta tudo o que o ser humano é, não
apenas o corpo, ou a mente, ou as emoções.
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5. A natureza humana não é incompatível com o ensino bíblico de
uma existência pessoal consciente entre a morte e a ressurreição.

Que é o homem? É um ser que pensa, fala, age, sente, recebe


orientação, guarda o ensino e transmite o que aprende.
Deus criou o homem sem pecado, mas este se rebelou contra o seu
criador.
É preciso trabalhar o aspecto humano, no sentido de aconselhá-lo,
orientá-lo, a fim de que volte para o Criador.
A importância da Sagrada Escritura deve ser enfatizada, pois ela é o
guia para trazer de volta o homem ao Deus vivo.

Condições para o aconselhamento do homem:


1. Identificação com as pessoas;
2. Saber compreender as pessoas;
3. Abrir canais de comunicação;
4. Aceitar as pessoas como elas são;
5. Ter percepção na nossa realidade e a do outro.

Características de uma relação de ajuda:


1. Ser merecedor de confiança;
2. Ser suficientemente expressivo;
3. Ter uma atitude positiva para com o outro;
4. Ser forte como pessoa para ser independente do outro;
5. Não fazer acepção de pessoas;
6. Evitar o julgamento;
7. Ver a pessoa como uma pessoa em processo de transformação.
Conclusão
Através deste trabalho se pode observar a importância do estudo da
ciência teológica, em sua primeira parte. Essa importante e profunda
ciência trata mesmo de Deus e de suas relações com a obra da criação. O
seu objetivo é preparar a pessoa para reconhecer que o ser humano e toda
a criação é obra de um Deus sábio e amoroso. Sendo assim, Deus deixou-
nos a sua Palavra escrita, a fim de que possamos observá-la, pois nela está
contido tudo o que precisamos saber para vivermos uma existência
saudável.
A Teologia é ciência; é conhecimento certo e seguro. Há um
pressuposto fundamental que marca a vida de quem estuda essa Ciência:
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a fé. A fé tem a ver com todos os ramos da Ciência, principalmente a
Teologia. E, para se aceitar a Revelação Inspirada de Deus faz-se necessário
perceber a Iluminação do Espírito Santo, aplicando no mais íntimo do ser
humano a mensagem da Revelação. A Revelação escriturada encontra-se
tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.
A segundo parte do trabalho abordou do estudo do homem à luz da
Palavra de Deus: a Antropologia Teológica. A doutrina da humanidade à
luz da Revelação faz que sobressaia o verdadeiro sentido e finalidade da
existência humana. O homem foi criado por Deus, conforme à sua imagem
e semelhança. Embora tenha ocorrido o pecado, a imagem de Deus não
foi aniquilada nele, mas ofuscada. Assim, todo ser humano tem dentro de
si o senso da Divindade. O homem é responsável por seu pecado e não
Deus. Assim, deve voltar-se para o Criador, em arrependimento, e na força
do Espírito Santo, aceitar o sacrifício vicário de Jesus Cristo. Esse sacrifício
visa à integração do homem todo, bem como a própria criação.

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