• A Antropologia Filosófica é a subárea da Filosofia que trata da natureza mais fundamental dos seres humanos. Ela subdivide essa questão em outros temas, como: identidade, pessoalidade, livre-arbítrio e determinismo, constituição humana, natureza humana, psique, mente, dentre outros. • A natureza humana é o conjunto de características que os seres humanos têm independentemente da influência cultural. Já a condição humana diz respeito às circunstâncias ou contextos que influenciam a nossa maneira de ser e agir. • O estudo contemporâneo nessa área de conhecimento apoia-se em múltiplos ramos da ciência atual, como: neurociência, genética, sociobiologia, economia e psicologia, sobretudo a psicologia evolutiva. Podemos distinguir pelo menos três maneiras de compreender a natureza humana.
1. Na primeira, as teorias sobre a natureza humana são entendidas como tentativas de
descrever qual é a natureza dos seres humanos em uma acepção ampla. É nesse sentido que podemos considerar se os seres humanos são apenas animais (abordagem naturalista), criados por uma entidade divina com uma dimensão espiritual (abordagem espiritualista) ou animais que possuem algumas propriedades que não podem ser reduzidas a entidades físicas (abordagem antirreducionista). • Outra maneira de entender a natureza humana é entendê-la como um conjunto de propensões ou disposições comportamentais que são traços universais em todas as culturas. Isso é o que as pessoas geralmente têm em mente quando dizem que uma ação “é típica da natureza humana”. Elas são maneiras de agir e inclinações que tendem a ser compartilhadas por toda a humanidade. • Uma terceira maneira de compreender a natureza humana é considerá-la individual por dizer respeito a disposições e talentos individuais inatos, que variam de indivíduo para indivíduo. Nesse sentido, diferentes indivíduos têm diferentes naturezas individuais que refletem as suas aptidões predominantes. • Este tipo de concepção é exemplificado pelo mito dos metais do livro III da República de Platão. Segundo o mito, todos nasceram da terra e cada indivíduo tem um tipo de metal misturado na sua alma. Os mais apropriados para governar têm ouro em sua alma, ao passo que quem é mais adequado para ser auxiliar tem prata, seguidos daqueles que têm vocação para serem produtores por terem bronze ou ferro em sua alma. • Na obra Ideia para uma história comum da humanidade, o filósofo alemão Kant, (1704-1804) inaugura oficialmente os estudos da Antropologia Filosófica, ao questionar: 1.O que eu posso conhecer? 2.O que eu devo fazer? 3.O que eu posso esperar? 4.O que é ser humano? • A concepção kantiano sobre o ser humano rejeita a ideia do homem como um mero objeto. O ser humano, segundo ele, é um sujeito ativo, racional e com liberdade de vontade, por isso deve ser compreendido subjetivamente. POSTURAS DE ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA MAIS SISTEMATIZADAS NO MUNDO OCIDENTAL • Monismo imaterial: George Berkeley (1685-1753) considera que há somente uma realidade espiritual, e nela o homem está inserido. • Monismo material: o ser humano é mais um animal, ainda que culturalmente complexo, com a emergência da consciência como variável de processos biológicos sem haver uma alma ou espírito imaterial. Proposta por Marx (1818-1883), Nietzsche (1844-1900), Darwin (1809- 1882), Freud (1856- 1939) entre outros. • Dualismo corpo-mente: o ser humano possui um corpo material e uma alma racional radicalmente separadas. A humanidade, em sua essência, reside na alma (a substância pensante), enquanto o corpo é sua substância extensa e substituível por recomposição. Proposta por Platão, (428-347 a. C.) Agostinho de Hipona, (354-430 d. C.) Descartes (1596-1650) e Nicolas Malebranche (1638-1715). • Realismo hilemorfista: há somente uma substância inseparável para o ser o humano vivente, porém sob dois princípios intrínsecos: a matéria primária é potencial mas assume forma substancial atual. Para a tradição aristotélico- tomista, no geral, esses são os significados para os termos corpo e alma. O aspecto imaterial do ser humano depende do material para adquirir o conhecimento e viver nesse mundo. Proposta por Aristóteles (384-322 a. C.), Duns Scotus (1266-1308), Avicebron (XIII) e Tomás de Aquino (1225- 1274). • Trialismo: distinção entre três fundamentos do ser humano: corpo, alma e espírito. Enquanto o ser humano compartilha a matéria e a vida com os animais, a consciência seria um terceiro elemento único. Por vezes, o termo alma refere-se à vida e espírito à consciência, mas há pensadores que usam esses termos de modo invertido. É uma concepção eminentemente cristã, derivada de uma leitura literal de Paulo que disse: “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo“. 1 Tessalonicenses (5:23). • Proposta defendida por Irineu (130-202), Melito de Sardes (100-180), Justino Mártir (100- 185), Orígenes (185-235), Lutero (1483-1546), Kierkegaard, (1813-1855) e teólogos luteranos do século XIX. • Transcendentalismo: postula um espírito universal compartilhado por cada ser humano em particular. O aspecto subjetivo do ser humano o separa radicalmente dos objetos. Proposta por Kant, Husserl (1859-1938) entre outros. • Existencialismo: a existência precede a essência. O ser humano existe no mundo e com suas escolhas se define como ser ou essência. Proposta por Heidegger (1889- 1976), Sartre (1905-1980) e Gabriel Marcel (1889-1973). • Estruturalismo e antropologia simbólica: a realidade humana reside em plano simbólico, boa parte inconsciente. O sentido do ser humano é relacional, moldado pelas estruturas sociais, relações de poder e teias de símbolos. Proposta por Cassirer (1874-1945), Jung (1875-1961), Lévi-Strauss (1908-2009), Geertz (1926- 2006)e Michel Foucault (1926-1984). CONCEPÇÃO DO HOMEM CONFORME PERÍODOS DA HISTÓRIA
A Antiguidade centrava-se em torno do cosmos e encarava o ser humano em conexão
com ela. Na Idade Média era membro de uma ordem emanada de Deus. Na Idade Moderna o humano firma-se sobre si mesmo, mas predominantemente como “sujeito” ou razão, sujeito transcendental ou razão panteisticamente absoluta. E no pensamento contemporâneo o humano tomou consciência da inanidade de tais construções e verificou haver perdido tudo, incluindo a própria personalidade e que, principalmente, depois de haver sacrificado a vida do conceito abstrato ilusório, se encontrava agora perante o nada. • O ser humano é a criatura que está em constante busca de si mesmo, um ser que em todos os momentos da sua existência deve examinar e escrutinar as condições de sua existência, isso é seu dever fundamental. Essa estranha mistura de ser e não-ser, o humano, a mais prodigiosa criatura da natureza, necessita encontrar o sentido da sua existência, sua essência. Usando um conceito de Heidegger (1889-1976), deve encontrar sua autenticidade, caso contrário viverá como um barco à vela que segue para onde os ventos o levam, que nem sempre é a direção mais segura. Tal é a necessidade humana de identidade frente aos perigos e desafios da existência. • Outra questão importante diz respeito ao futuro da natureza humana. Os transhumanistas defendem que poderemos no futuro modificar e aprimorar a natureza humana com o uso da tecnologia. Argumentam que devemos ser otimistas diante da criação de um novo animal tecnológico, pois isso nos permitiria superar as limitações intrínsecas da nossa natureza. • Os bioconservadores, por outro lado, consideram essa possibilidade de reinvenção despropositada e perigosa. O desenvolvimento tecnológico da nossa constituição biológica representaria na realidade a destruição da natureza humana e não o seu aprimoramento. REFERENCIAS