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Três histórias que inspiraram Nietzsche: 1°) Rafael Sanzio não adquiriu espon-
taneamente o domínio de seu talento; tornou-se grande porque soube reagir
com inteligência a um sen�mento de inferioridade que, para os pobres de
espírito, seria uma fonte de desespero. Desis�mos prematuramente dos desa-
fios que poderiam ter sido vencidos; 2°) Somos levados a pensar que os En-
saios brotaram da mente de Montaigne como num passe de mágica. Devería-
mos, em vez disso, considerar o esforço de 20 anos e de inúmeras revisões que
os Ensaios exigiram; 3°) Alguns esboços de peças medíocres marcaram o início
da carreira literária de Stendhal. Foram necessárias várias décadas de trabalho
árduo antes que surgissem suas obras-primas, como O vermelho e o negro.
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EXPERIÊNCIA HUMANA E SENTIDO DA VIDA
Os nossos momentos mais di�ceis são portas abertas em direção a algo que
precisávamos conhecer. A dor e o possível sofrimento serão para nós uma
escola que nos permi�rá entender mais profundamente o significado de ser
um ser humano.
Se você usar essas duas metáforas de Nietzsche, sua vida vai mudar: as metá-
foras “Zaratustra enxerga ao meio-dia” e “ver do alto da montanha” de Nietzs-
che se referem a uma perspec�va ampla e profunda da vida, que permite ao
indivíduo enxergar a sua existência de uma forma mais clara e livre de ilusões.
“Zaratustra enxerga ao meio-dia” representa o estado mental de clareza e ilu-
minação que permite ver a realidade de forma ní�da, sem as limitações das
crenças preconcebidas. O meio-dia é o momento em que o sol está a pino, sem
sombra, sou eu e eu mesmo; não tem nada na frente, nem atrás, nada a se
esperar, a reclamar. Já “ver do alto da montanha” representa a perspec�va
ampla e profunda da vida, que permite enxergar a existência de uma forma
mais elevada, de longe. O “meio-dia” é a arte de amar o agora; e “no alto da
montanha”, as coisas parecem muito menos problemá�cas do que de perto.
(cap. “Além do bem e do mal”, de Ecce homo).
O que significa ser sábio? Em Ecce homo, Nietzsche diz: 1°) “Eu domo ursos”: a
sua vida era cheia de limitações e ele tem que sempre domá-las e não ter au-
topiedade ou ser vi�mista; 2°) “Sempre extraio bons sons dos instrumentos”:
Nietzsche é um músico da vida; podem dar qualquer instrumento para ele,
que ele irá conseguir fazer uma boa música, ou seja, ele fará uma boa
“música” diante de qualquer situação que ele não pode alterar; 3°) “A fortuna
de minha existência, sua singularidade talvez, está em sua fatalidade”: quando
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EXPERIÊNCIA HUMANA E SENTIDO DA VIDA
ele esteve doente é que ele começou a saborear as boas e pequenas coisas da
vida, como frutas, especialmente uvas e passeios nas montanhas onde o ar era
bom para a sua saúde frágil; 4°) “Transmutar todo foi em um assim o quis”: o
ser humano reconhece suas dificuldades e transcende a elas, busca meios
para se curar e u�liza as situações desagradáveis em seu favor. Assim, torna-se
mais forte e disposto, ao invés de se sen�r pequeno e frágil. O amor fa� não é
uma resiliência ou aceitação, nem uma humildade diante dos acontecimentos,
mas uma postura afirma�va diante das coisas que nos acontecem.
Ex-Sistere: colocar-se ou elevar-se (no sen�do de ficar de pé). O prefixo “ex” diz
respeito ao que está fora. Heidegger entende por exis�r uma postura do Eu
que olha para si mesmo e se pergunta desde fora, para então elevar-se. Por-
tanto, exis�r não é uma condição natural, mas é um tomar consciência de si.
Exis�r, como algo que não está obje�vamente dado, mas que implica consci-
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Perguntar pelo Ser é exis�r e, portanto, filosofar: ele retoma a ontologia, mas
sem meta�sica (conteúdos pré-determinados). Ele rompe com os an�gos/me-
dievais (ser) e modernos (sujeito/subje�vidade). Em sua fenomenologia da
existência, ele chega ao conceito de ser-aí (em alemão Dasein: neologismo
que nasce da junção de “Da” + “Sein”).
O Ser não é obje�vável nem definível; por isso, ele exige constante abertura
sob a forma de pergunta. Quando conseguimos dizer o que algo é, não expres-
samos o Ser, mas o ente (o tornamos ente, o tornamos coisa: o ente é a forma
substan�vada do verbo “ser”; é todo ser que conseguimos definir; seu adje�vo
é ôn�co): definimos o papel, o quadro, a chuva ou sabemos dis�nguir as esta-
ções do ano (entes – coisas e suas manifestações). Porém, nós humanos,
somos capazes de exis�r: exis�r depende da consciência e de um modo de
olhar a si mesmo como quem olha de fora; exis�r não é um ato obje�vo; a exis-
tência não se dá como ente: ela não é coisa ou manifestação da coisa; o ser
humano, assim como as pedras, as árvores ou a lua, é um ente, porém, dife-
rente de todos os outros entes, é capaz de olhar sobre si como se fosse de fora.
Quando o ser humano pergunta sobre outra coisa que não ele mesmo, ele a
define como ente, mas quando pergunta sobre si mesmo, já não pergunta pelo
ente, mas pergunta pelo ser; portanto, o ser humano é o único ente que
também é ser. Mas o ser é sempre indefinível; é o ser que atribui sen�do; o
ente recebe o sen�do que lhe é dado; por isso, a pergunta pelo ser é a pergun-
ta pelo ser do ente, pelo sen�do da coisa. Quando o ser humano pergunta pelo
seu próprio Ser, pelo seu próprio sen�do, então ele existe. E exis�r é possibili-
dade, é abertura, é indeterminação. Aqui está o “aí” do Ser-aí. O ser humano
é o “lugar” a par�r do qual se abre a possibilidade, para um ente, de compre-
ender o que é ser.
sempre pensado como aquilo que é contrário ao ser (pois o ser, inspirado no
ser dos entes que são as coisas, é aquilo que não muda, sempre permanece
igual e idên�co a si próprio), agora, a par�r da reflexão de Ser e Tempo, era
possível visualizar o tempo como a condição sem a qual não existe o ser, desde
que este seja entendido a par�r do ser do ente que se pergunta sobre o ser,
isto é, a par�r do ser do homem, o Ser-aí. Só no tempo é que o Ser-aí pode se
projetar, só no tempo é que pode se enfrentar com o mundo em busca de seu
projeto projetado, só no tempo, e na consciência do tempo e certeza da
morte, é que pode reencontrar o sen�do de seu Ser-aí para além de toda
ilusão ou esquecimento. O tempo deixa de ser o temido inimigo do ser e passa
a ser – de agora em diante – seu aliado necessário.
É no mundo (ser no mundo e com os outros) que o ser humano realiza o seu
ser: a pessoa deve projetar-se na direção de potencialidades do futuro; toda a
sua vida torna-se um constante projetar-se, rumo a possíveis realizações, um
lançar-se para a frente; é no caminho que se dá o sen�do de exis�r: diante das
potencialidades, ele descobre aquilo que é e, finalmente, descobre o Ser.
Nunca um animal perguntou se a sua vida tem sen�do. Por outro lado, é exata-
mente a indagação sobre o sen�do da vida que demostra o específico daquilo
que é o ser humano. Conforme Frankl, “o homem é um ser em constante
busca de sen�do”. À medida que o descobre, ele se torna feliz, à medida,
porém, que não o encontra, começa “o sofrimento por causa de uma vida sem
sen�do”. O ser humano até pode negar que tal sen�do exista. No entanto, essa
negação e a subsequente perda de sen�do da sua própria vida jogam o ser
humano num vácuo existencial. Subs�tuir a busca pelo sen�do pelas promes-
sas do prazer aproximará o ser humano desse vazio.
Quem vive está sujeito a frustrações, e quem é capaz de suportar a dor de tais
frustrações cria as possibilidades para viver. Mas, nesta caminhada da vida,
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EXPERIÊNCIA HUMANA E SENTIDO DA VIDA
A fábula dos três operários (da obra 7 maneiras de ser feliz, de L. Ferry) relata
que um carro precisou parar na estrada por causa de uma obra: 1) Um operá-
rio está quebrando pedras com uma pesada marreta, o semblante transfigura-
do pelo esforço e pela fadiga. “O que o senhor está fazendo?” o motorista o
interroga. “Preparando argamassa”, responde o operário, “com chuva ou com
vento, um trabalho de burro de carga!” (sem sen�do); 2) O sujeito do carro
retoma o trajeto e topa com um segundo canteiro de obras, idên�co ao pri-
meiro. Também ali, um homem tritura pedras, só que parece mais sereno. À
mesma pergunta, a resposta é diferente: “Sim, este o�cio é penoso, é verdade,
mas pelo menos permite trabalhar ao ar livre e alimentar a família, o que não
é tão ruim assim!” (sen�do externo); 3) Nosso condutor parte de novo e en-
contra um terceiro canteiro. Mesmo trabalho, mesma marreta pesada. Mas,
desta vez, o homem exibe uma expressão bea�fica, a face iluminada. Intriga-
do, o motorista repete a pergunta: ” O que o senhor está fazendo? Parece
muito feliz!” “Eu?”, responde o infa�gável operário. “Estou construindo uma
catedral. Isso me esgota, mas me enche de alegria!” (sen�do interno).
assim, o tempo passou e o homem envelheceu cada vez mais. Mas muitas pes-
soas se tornaram felizes por causa de sua ajuda. Os anos passaram e, finalmen-
te, o homem chegou ao fim da sua vida. À beira da morte, quase já sem condi-
ção de se mexer e sem possibilidade de enxergar, ele perguntou ao chefe da
estação: “Esperei a vida toda por aquele único trem que traria até mim o sen�-
do da minha vida, mas ele nunca chegou. Será que um dia ainda chegará?” O
chefe da estação se baixou para ele e, vendo que o homem estava para morrer,
levantou a voz e gritou na orelha: “Aqui não passará mais trem nenhum,
porque esta estação só foi feita para você. Todos os trens que pararam aqui, e
as centenas de passageiros que saíram neste lugar, eram des�nados somente
a você. Foi neles que se realizou o sen�do da sua vida. Agora que você morre,
vou lá fechar a estação”.