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ANOTAÇÕES SOBRE O “CONSCIÊNCIA SEM

FRONTEIRAS “

CAPÍTULO 1
William James, o primeiro psicólogo da América, enfatizou
inúmeras vezes que “nossa
consciência normal de vigília é apenas um tipo especial de
consciência, ao passo que, separadas dela pelo mais fino crivo,
existem formas potenciais de consciência completamente
diferentes”. É como se nossa consciência cotidiana fosse apenas
uma ilha insignificante, cercada porum vasto oceano de
consciência insuspeita e inexplorada cujas ondas batem
continuamente sobre a barreira de recifes de nossa consciência
normal, até que, espontaneamente, elas rompem a barreira,
invadindo nossa percepção insular com um conhecimento deum
domínio enorme, largamente inexplorado, mas intensamente
real, da consciência de um novo mundo.

No entanto, como o indivíduo se identifica com apenas alguns


aspectos da sua psique (a persona), o restante dela é de fato
então sentido como sendo “não-eu”, um território estranho,
alienígena, assustador. O indivíduo remapeia sua alma de modo
a negar e a tentar excluir de sua consciência os aspectos
indesejados dele mesmo (a esses aspectos indesejados
chamamos “sombra”).

“Transpessoal” significa a ocorrência no indivíduo de algum tipo


de processo que, de certo modo, vai alémdo indivíduo. O
exemplo mais simples disso é a percepção extra-sen-sorial, ou
PES. Os parapsicólogos reconhecem várias formas de PES:
telepatia, clarividência, precognição, retrocognição. Podemos
também incluir as experiências extracorporais, as experiências
de um eu ou testemunha transpessoal, as experiências extremas,
e assim por diante. O que todos esses eventos têm em comum é
uma expansão do limite eu/não-eu além do limite orgânico da
pele. Embora as experiências transpessoais sejam de algum
modo semelhantes à consciência da unidade, as duas não devem
ser confundidas. Na consciência da unidade, a identidade da
pessoa é como o Todo, com absolutamente tudo. Nas
experiências transpessoais, a identidade da pessoa não chega a
se expandir até o Todo, mas expande-se ou pelo menos estende-
se para além do limite cutâneodo organismo. A pessoa não se
identifica com o Todo, mas sua identidade também não é
limitada unicamente ao organismo. Não importa o que se pense
das experiências transpessoais (mais tarde, discutiremos muitas
delas em maiores de talhes); as evidências de que pelo menos
algumas formas realmente existem são esmagadoras. Assim,
podemos certamente concluir que esses fenômenos
representam ainda uma outra classe de linhas de limitação do
eu.

O ponto central dessa discussão dos limites eu/não-eu é que não


existe apenas um, mas muitos níveis de identidade disponíveis
para um indivíduo. Esses níveis de identidade não são postulados
teóricos, mas realidades observáveis podemos testá-las em nós e
por nós.

FIGURA 1

Na base do espectro,22a pessoa sente que está unida com o


universo, que o seu verdadeiro eu não é apenas o seu
organismo, mas toda a criação. No nível seguinte (ou “subindo”
no espectro), o indivíduo não sente que está unido ao Todo, mas
apenas ao seu organismo como um todo. Seu sentido de
identidade mudou e reduziu-se do universo como um todo para
uma faceta do universo, a saber, o seu próprio organismo. No
próximo nível, sua auto-identidade reduz-se mais uma vez, e o
indivíduo identifica-se principalmente com a sua mente ou ego,
que é apenas uma faceta do seu organismo total. E no nível final
do espectro, ele pode reduzir sua identidade a uma faceta da sua
mente, alienando e reprimindo a “sombra”, ou os aspectos
indesejáveis de sua psique. Ele se identifica com apenas uma
parte de sua psique, uma parte a que chamamos persona.
Assim, passamos do universo para uma faceta do universo
chamada “o organismo”; do organismo para uma faceta do
organismo chamada “o ego”; do ego para uma faceta do ego
chamada “a persona” —são estas algumas das faixas mais
importantes do espectro da consciência. A cada nível sucessivo
do espectro, mais e mais aspectos do universo parecem ser
exteriores ao “eu” da pessoa. Assim, no nível do organismo como
um todo, o meio ambiente aparece fora do limite do eu,
estranho, externo, não-eu. Mas no nível da persona, tanto o
meio ambiente quanto o corpo e certos aspectos da própria
psique do indivíduo parecem externos, estranhos, não-eu.

O fato de que níveis diferentes do espectro possuem


características, sintomas e potenciais próprios nos leva a um dos
pontos mais interessantes desta análise.

  
 
FIGURA 2

O crescimento significa fundamentalmente um alargamento ou


expansão dos horizontes da pessoa, um crescimento de seus
limites, exteriormente em perspectiva e interiormente em
profundidade. É essa a exata definição do processo de
“descer”no espectro (ou “subir”, dependendo do ângulo que se
prefira). Usarei neste livro o termo “descer” apenas porque
ajusta-se melhor à concepção gráfica da Fig. 1. Quando uma
pessoa desce um nível no espectro, ela de fato rema-peia sua
alma a fim de expandir seu território. O crescimento é
redistribuição, rezoneamento, remapeamento; é um
reconhecimento e um posterior tomar posse de níveis cada vez
mais profundos e mais abrangentes do próprio ser.

CAPÍTULO 2

Thoreau disse que a natureza nunca pede perdão; e


aparentemente, isso se dá porque a natureza não conhece os
opostos de certo e errado, e assim não reconhece o que os seres
humanos imaginam ser erros.... Podem até existir ursos espertos
e ursos bobos, mas isso não parece afetá-los muito.
Simplesmente não se encontram complexos de inferioridade nos
ursos.

O fato peculiar acerca de um limite é que, por mais complexo e


rarefeito que seja, ele de fato define apenas um interior e um
exterior Podemos, por exemplo, traçar a mais simples das linhas
limítrofes, um círculo, e verificar que apresenta um interior e um
exterior.fora. Mas note se que os opostos “dentro versus fora”
não existiam em si mesmos até traçarmos o limite do círculo. É a
própria linha limítrofe, em outras palavras, que cria um par de
opostos. Em resumo, traçar limites é produzir opostos.
Começamos a ver assim que a razão pela qual vivemos num
mundo de opostos é precisamente porque a vida como a
conhecemos é um processo de traçar limites.
.... E o mundo de opostos é um mundo de Conflitos.

... as palavras são uma espada de dois fios, e que o que vive pela
espada perece também pela espada.

.... toda linha limítrofe é também uma linha de batalha em


potencial, de modo que o simples fato de traçar um limite é um
preparar-se para o conflito —mais especificamente, para a
guerra dos opostos, a luta angustiante da vida contra a morte, do
prazer contra a dor, do bem contra o mal. O que Adão aprendeu
—e aprendeu tarde demais —é que “onde traçar a
linha?”significa na verdade “onde terá lugar a batalha”.

O fato é que sempre tendemos a tratar o limite como real,


manipulando depois os opostos criados pelo limite. Nunca
parecemos questionar a existência do próprio limite Devido ao
fato de acreditarmos que o limite é real, imaginamos firmemente
que os opostos são irreconciliáveis, separados, para sempre
apartados. “O leste é o leste, o oeste é o oeste e nunca os dois se
encontrarão.”Deus e Satã, a vida e a morte; o amor e o ódio, o
eu e o outro —são todos tão diferentes, dizemos, como o dia e a
noite.

O Paraíso passou, significar, não uma transcendência de todos os


opostos mas o local onde todas as metades positivas dos pares
de opostos estão acumuladas, enquanto o inferno é o local onde
estio agrupadas todas as metades negativas: dor, sofrimento,
tormento, ansiedade, doença.
Esse objetivo de isolar os opostos e depois se fixar nas metades
positivas, ou buscá-las, parece ser uma característica distintiva
da civilização ocidental progressista —sua religião, sua medicina,
sua indústria. Afinal, o progresso é apenas o progresso em
direção ao positivo e para longe do negativo. No entanto, apesar
dos óbvios confortos da medicina e da agricultura, não há a
menor evidência de que, depois de séculos de ênfase nos
positivos e de tentativas de eliminar os negativos, a humanidade
seja mais feliz, mais satisfeita, ou que esteja mais em paz consigo
mesma.

Os opostos podem ser, de fato, tão diferentes como o dia e a


noite, mas o aspecto essencial é que, sem a noite, não seríamos
nem mesmo capazes de reconhecer algo chamado dia. Destruir o
negativo é, ao mesmo tempo, destruir todas as possibilidades de
desfrutar o positivo.

A raiz de todo o problema é nossa tendência de considerar os


opostos como irreconciliáveis, como completamente separados
e divorciados uns dos outros.

..... todos os opostos compartilham uma identidade implícita Isto


é, não importa quão vivas possam nos parecer diferenças entre
eles; os opostos permanecem completamente inseparáveis e
mutuamente interdependentes, e isso pela simples razão que
um não poderia existir sem o outro Sob essa perspectiva, não há
obviamente nenhum interior sem exterior, nenhum alto sem
baixo, nenhum prazer sem dor, nenhuma vida sem morte.

.... esses antigos “opostos” são agora considerados como dois


aspectos da mesma realidade.

O que chamamos “sujeito” e “objeto” são, como comprar e


vender, apenas dois modos diferentes de abordar um único
processo. E já que o mesmo é valido para o tempo e o espaço,
não podemos mais falar de um objeto localizado no espaço ou
que acontece no tempo, mas somente de uma ocorrência
espaço-temporal. A física moderna, em resumo, afirma que a
realidade só pode ser considerada uma união de opostos.

..... todos os opostos —são aspectos inseparáveis de uma


atividade subjacente.
Ao tentar separar os opostos e fixar aqueles que julgamos
positivos, tais como o prazer sem a dor, a vida sem a morte, o
bem sem o mal, estamos na verdade perseguindo fantasmas sem
a menor realidade.

..... já que nossos objetivos não são elevados mas sim ilusórios,
nossos problemas não são difíceis, mas sim absurdos.

Convém lembrar que são os próprios limites que criam a


existência aparente de opostos separados. Falando às claras,
dizer que “a realidade essencial é uma unidade de opostos” é
dizer que na realidade essencial não há limites. Em lugar algum.

..... uma linha qualquer, como por exemplo a linha litorânea,


não representa apenas uma separação entre terra e água, como
supomos normalmente.

... as assim chamadas “linhas divisórias” também representam,


de modo preciso, os locais onde a terra e a água se tocam. Isto é,
as linhas juntam e unemtanto quanto dividem e separam; em
outras palavras, não são limites! Há uma enorme diferença entre
uma linha e um limite, como veremos logo mais.
Portanto, a questão é que as linhas unem os opostos do mesmo
modo que os separam. E essa é exatamente a essência e a
função de todas as verdadeiras linhas e superfícies da natureza.
Elas explicitamente demarcam os opostos ao mesmo tempo em
que implicitamente os unem. Tracemos, por exemplo, a linha
que representa uma figura côncava.... note de imediato que com
a mesma linha também criei uma figura convexa. Isso é o que o
sábio taoísta Lao Tzu queria dizer quando afirmou que todos os
opostos surgem simultânea e mutuamente.

Como o côncavo é o convexo nesse exemplo, eles chegam à


existência juntos.
Além disso, não podemos dizer que a linha separao côncavo do
convexo, porque há somente uma linha, que é totalmente
partilhada por ambos. A linha, longe de separar o côncavo do
convexo, torna absolutamente impossível a existência de um
sem o outro. Devido a essa linha única, não importa como
desenhemos um côncavo, desenhamos também um convexo,
porque o contorno interno do côncavo éo contorno externo do
convexo. Assim, jamais encontraremos um côncavo sem um
convexo, pois estes, como todos os opostos, estão destinados a
abraçar-se intimamente para sempre.

Não há problemas em traçar linhas, contanto que não as


confundamos com limites.
Pode-se distinguir o prazer da dor; é impossível separar o prazer
da dor.

.... vivemos num mundo de mapas e palavras como se fosse o


mundo real.... tornamo-nos totalmente perdidos num mundo de
mapas e limites puramente fantasiosos. E esses limites ilusórios,
com os opostos que criam, tornaram-se para nós ardentes
batalhas.

Assim, talvez possamos entender por que, em todas as


tradições místicas do mundo inteiro, uma pessoa que vê
além da ilusão dos opostos é chamada “liberta”.

Estando ela “livre dos pares” de opostos, está livre, nesta vida,
dos problemas e conflitos fundamentalmente absurdos
envolvidos na guerra de opostos. Não manipula mais os opostos
jogando um contra o outro na sua busca da paz, mas, em vez
disso, transcende a ambos. Não coloca o bem contra o mal, mas
posta-se além do bem e do mal. Não se agarra à vida contra a
morte, mas é um centro de consciência que transcende a ambas.
A questão não é separar os opostos e empreender um
“progresso positivo”, mas sim unificar e harmonizar os opostos,
tanto positivos como negativos, através da descoberta de uma
base que transcende e abrange os dois. E essa base, como
veremos logo mais, é a própria consciência da unidade.

Aquele que não detesta nem suplica; Pois aquele que é livre dos
pares, É facilmente livre do conflito. Estar “livre dos pares” é, em
termos ocidentais, a descoberta do Reino dos Céus na terra,
embora os evangelistas populares tenham-no esquecido.

.... Jesus lhes disse: Quando fizerdes de dois, um, e quando


fizerdes do interior o exterior, e do exterior o interior, e do acima
o abaixo, e quando tomardes o macho e a fêmea um só, então
entrareis no Reino.

“As condições da existência não são de caráter mutuamente


exclusivo; em essência, as coisas não são duas mas uma.”
Lankavatara Sutra

... a realidade suprema é uma união... a realidade está livre de


todo tipo de limite. A realidade é não-dual; ou seja, ela é sem
limites.

CAPÍTULO 3

.... os físicos clássicos.... desenvolveram leis governando


coisas separadas, apenas para descobrir que coisas separadas
não existem.
Os limites, em vez de se configurarem como um produto da
realidade, presentes ali para todos sentirem, tocarem e
medirem, foram afinal vistos como um produto do modo como
mapeamos e organizamos a realidade.

Isso não quer dizer que o mundo real seja um mero


produto de nossas imaginações (idealismo subjetivo), mas
apenas que os nossos limites o são

Por alguma estranha razão, cada objeto e evento no


universo parecia estar interconectado com todos os outros
objetos e eventos.

“não há limites entre cada coisa e evento no universo”.

A profunda doutrina budista do Vazio, afirma ser a realidade


desprovida de pensamentos e de coisas.

Assim como o prazer é relacionado à dor, o bem ao mal e a


vida à morte, todas as coisas são “relacionadas àquilo que não
são”.

O fato de que podemos concentrar-nos e prestar atenção


“numa coisa separada” de cada vez pode fazer parecer que a
própria realidade é composta de uma porção dessas “coisas
separadas”, enquanto que na verdade todas essas coisas são
apenas produtos colaterais de nossos próprios limites, que se
sobrepõem campo da nossa consciência. Se a única ferramenta
que temos é um martelo, então tudo começa a parecer um
prego. Mas a questão é que nunca realmente vemos limites,
apenas os fabricamos. Não percebemos coisas separadas, nós as
inventamos. O problema começa assim que essas invenções são
confundidas com a própria realidade, pois então o mundo real
aparece como uma ocorrência fragmentada e desconjuntada, e
uma onda primordial de alienação invade a própria consciência.
O mundo contém todos os tipos de traços, superfícies e
linhas, mas tudo isso está entrelaçado num campo sem
emendas..

Observemos isso sob o seguinte prisma: sua mão é com


certeza diferente de sua cabeça, e sua cabeça é diferente de seus
pés, e seus pés são diferentes de suas orelhas. Mas não temos
dificuldade alguma em reconhecer que são todos membros de
um só corpo e que, da mesma maneira, seu corpo único se
exprime em todas as suas diversas partes. Todos em um, e um
em todos. De modo semelhante, no território sem limites, todas
as coisas e eventos são também membros de um só corpo, o
Dharmakaya, o corpo místico de Cristo, o campo universal de
Brahman, o padrão orgânico do Tao. Qualquer físico nos dirá que
todos os objetos do cosmos são apenas formas diversas de uma
única Energia —e o fato de chamarmos essa Energia de
“Brahman”, “Tao”, “Deus”ou apenas “Energia” não parece
importante para esta discussão.

Os limites entre opostos, bem como os limites entre coisas


e eventos, configuram-se em última

Revelar a realidade sem limites é, portanto,revelar todos os


conflitos como sendo ilusórios. Essa compreensão final é
chamada nirvana, moksha, desprendimento, libertação,
iluminação, satori —livre dos pares, livre da visão fascinante da
separação, livre das cadeias de limites ilusórios da pessoa. E com
essa compreensão, estamos agora prontos para examinar essa
consciência sem limites, chamada comumente “consciência da
unidade”.
CAPÍTULO 4

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