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António de Castro Caeiro. A „vida“ (das Leben), o „ser“ (einai). Algumas determinações.

Antropologia filosófica 22-23.

I. A vida, viver, o ser da vida, metafísica da vida.

1. NF-1888,14[82] — Nachgelassene Fragmente Frühjahr 1888.


„A vida enquanto a forma mais conhecida que há para nós de ser é uma vontade específica de
acumulação de força (das Leben als die uns bekannteste Form des Seins ist spezifisch ein
Wille zur Accumulation der Kraft).

2. NF-1887.9[63] — Fragmentos póstumos, outono de 1887.


"Ser" como uma generalização do termo "vida" (respirar) "ser animado" "querer, estar em
acção", "tornar-se". O oposto é: "ser inanimado", "não vir a ser, não se tornar"; "não estar em
vias de querer". Assim: o “ser” não se opõe ao inexistente, nem ao aparente, nem mesmo ao
morto (porque só o que pode viver pode estar morto). A “alma”, o “eu” é posto como proto
facto originário; e posto em geral em todo o lado onde um devir pode vir a ter lugar. („Sein“
als Verallgemeinerung des Begriffs „Leben“ (athmen) „beseelt sein“ „wollen, wirken“
„werden“ Gegensatz ist: „unbeseelt sein“, „ nicht -werdend“; „ nicht -wollend“. Also: es wird
dem „Seienden“ nicht das Nicht-seiende, nicht das Scheinbare, auch nicht das Todte
entgegengesetzt (denn todtsein kann nur etwas, das auch leben kann) Die „Seele“, das „Ich“
als Urthatsache gesetzt; und überall hineingelegt, wo es ein Werden giebt. GA 6.1. 67.

3. ΞΕ. Ἱκανὸν ἔθεμεν ὅρον που τῶν ὄντων, ὅταν τῳ παρῇ


ἡ τοῦ πάσχειν ἢ δρᾶν καὶ πρὸς τὸ σμικρότατον δύναμις; (5)
ΘΕΑΙ. Ναί.
ΞΕ. Πρὸς δὴ ταῦτα τόδε λέγουσιν, ὅτι γενέσει μὲν
μέτεστι τοῦ πάσχειν καὶ ποιεῖν δυνάμεως, πρὸς δὲ οὐσίαν
τούτων οὐδετέρου τὴν δύναμιν ἁρμόττειν φασίν. Pl. Sophista 248c4-9

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S. Fixamos como definição dos entes a potência segundo a qual quando está presente num
ente, este ente admite um mínimo possível de sofrer a acção de um agente ou de agir
enquanto tal?
T. Sim
S.: Em acréscimo a isto diz-se o seguinte: que a geração faz parte da potência de agir ou de
sofrer a acção, e a respeito da ousia nenhum poder se adequa, é o que dizem.

II. Arte (Kunst), tekhnê, ser capaz, ter a capacidade, perceber de, ser entendido em (können).

1. A arte é a forma mais transparente e conhecida da vontade de poder (1. Die Kunst ist die
durchsichtigste und bekannteste Gestalt des Willens zur Macht).

2. A arte deve ser entendida do ponto de vista do artista.


[olhar daí para os instintos básicos do poder, da natureza, etc.! Também de religião e moral]
[…] Podemos acrescentar: a sociedade e o indivíduo, o conhecimento, a ciência, a filosofia:
essas formas de ser são de certa forma correspondências ao ser artista, à criação artística e ao
ser criado. Os entes restantes que não são especificamente produzidos pelo artista têm o
mesmo tipo de ser daquele criado pelo artista, a obra de arte.

3. Obviamente, o conceito de arte e obra de arte estende-se para incluir tudo o que pode ser
produzido e tudo o que é essencialmente produzido. Em certa medida, isso também
corresponde à linguagem usada até o limiar do século XIX. Até então, arte significa qualquer
tipo de capacidade de produzir. O artesão, o estadista, o educador são artistas emergentes. A
natureza também é “artista”. 68

4. Segundo o conceito alargado do artista, a arte é o acontecimento básico de todos os seres; o


ser é, na medida em que se autocria, criado. 69

4. A arte é, por excelência, o contra-movimento do niilismo (=Deus está morto). 71

5. O artístico é a criação e a configuração.

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6. O artista-filósofo é artista na medida em que configura o ente como um todo, ou seja,
primeiramente aí onde o ente como um todo se revela, no ser humano.

7. „A arte vale mais que a verdade. (Die Kunst ist mehr wert als die Wahrheit).“

III.
“O artista-filósofo é artista, na medida em que molda o ente no seu todo, ou seja, em primeiro
lugar, onde o ente no seu todo se revela, no ser humano. (Der Künstler-Philosoph ist Künstler,
indem er am Seienden im Ganzen gestaltet, d.h. zunächst dort, worin das Seiende im Ganzen
sich offenbart, am Menschen)“

IV. Abertura ao futuro. Possibilidade. Antecipação.

1. “O nous está sempre à saída de todo e qualquer ser que visa a preservação e custódia do
que adquiriu, está presente em toda a forma como lidamos com o que adquirimos e detemos
de forma compreensiva, para preservar o futuro, dirigida e orientada para a preservação (Er
ist immer an den Ausgängen, für Seisnverwahrungen, allen Umgang mit verstehende,
bewahrende und ausrichtende [Seinsverwahrung])” NB 404. A citação seguinte da Política,
permite esclarecer claramente o que Heidegger pretende: νοῦς τῆς ὀρέξεως [Pol. 1254b5]. Na
formulação, o genitivo pode ser interpretado como genitivo objectivo, orexis é o
complemento do noein. Mas pode ser também um genitivo subjectivo. A orexis é o sujeito da
acção noética. Heidegger muitas vezes acentua a possibilidade de o genitivo ser objectivo e
subjectivo.

2. Compreender é estar numa tensão orectica e desejar é uma tensão compreensiva. É


sabido que Aristóteles pensa que o nous não leva à acção, é um acontecimento limite, teórico,
não prático nem pragmático, mas a interpretação de Heidegger procura mostrar o a priori, a
relação entre orexis e nous como anterior à orexis absoluta e potencialmente cega e
anterior ao nous, à phronêsis eterna mas sem possibilidade vital ou existencial. Todo o
nous humano é desiderativo e todo o desejo humano é compreensivo. O que deixa várias
possibilidades. Uma possibilidade é inteiramente negativa: não desejar nada e não
compreender nada. A outra é positiva desejar tudo e compreender tudo. Mas as combinações
fazem ver a perplexidade da vida. Desejamos coisas e pessoas que não compreendemos
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enquanto tais ou não compreendemos porque são objectos dos nossos desejos. Por outro lado,
compreendemos que não devemos desejar certas coisas e pretendemos neutralizar o desejo
nefasto de certas substâncias ou pessoas. Ainda assim, é possível a respeito da perversão e da
excelência, da possibilidade de se ser mau ou bom, de se comportar e portar mal ou bem, uma
compreensão que diz sim e que diz não.

3. “ἐφ’ ἡμῖν δὴ καὶ ἡ ἀρετή, ὁμοίως δὲ καὶ ἡ κακία. ἐν οἷς γὰρ ἐφ’ ἡμῖν τὸ πράττειν, καὶ τὸ μὴ
πράττειν, καὶ ἐν οἷς τὸ μή, καὶ τὸ ναί· ὥστ’ εἰ τὸ πράττειν καλὸν ὂν ἐφ’ ἡμῖν ἐστί, καὶ τὸ μὴ
πράττειν ἐφ’ ἡμῖν ἔσται αἰσχρὸν ὄν, καὶ εἰ τὸ μὴ πράττειν καλὸν ὂν ἐφ’ ἡμῖν, καὶ τὸ πράττειν
αἰσχρὸν ὂν ἐφ’ ἡμῖν. (Na verdade, a excelência diz-nos respeito e encontra-se sob o nosso
poder, não menos do que a perversão. Isto é, as situações nas quais está no nosso poder agir
são as mesmas em que podemos não agir. Porque, quando está no nosso poder dizer não
também está no nosso poder dizer sim. De tal sorte assim é que se estiver no nosso poder o
agir bem, também estará o não agir vergonhosamente. Inversamente, se estiver no nosso
poder não agir bem, também está no nosso poder agir vergonhosamente.) Arist. EN 1113b6-
11”

4.
A articulação fundamental do nous permite a dissociação do plano de aplicação que é clássica
mas não interpretada existencialmente: O nous põe perante e mantém à frente (hält vor) a
consequência em geral daquilo em vista do qual e com vista ao qual (das Woraufhin
überhaupt) da mudança mutante da vida de acordo com a suas duas grandes direcções: sophia
e phronêsis! O nous é o primeiro modo de apropriação e preservação, isto é, a circun-specção
sempre já no, pelo, a partir e em direcção ao ser. Modo de preservação e conservação,
cumprimentos e execuções de apropriação, cronometrizações, contagem do tempo,
temporalizações, mudanças, mutações (Er hält vor das mögliche Woraufhin überhaupt der
Lebensbewegtheit nach seinen zwei Grundrichtungen: σοφία – φρόνησις! Er ist die erste
Aneignungs- und Verwahrungseweise, d.h. Umsicht ist schon am Sein: Σοφία – φρόνησις
Verwahrungsweise, Aneignungsvollzüge, Zeitigungen, Bewegtheiten!). 404: sobre a tradução
talvez se possa dizer mais qualquer coisa na discussão.

5.
O humano é um dos princípios a par da quadrupla raiz da causalidade. A consequência altera
a compreensão teórica, cognitiva, produtora, criativa, ética, moral, política, prática das
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diversas aitiai e arkhai. O humano é to aition. Ou seja, a estrutura relacional entre o humano e
o mundo, mas também entre o humano a sua psykhê, o seu sôma, e na verdade a sua zôê,
existe na dependência exclusiva do humano. A interpretação do que á a praxis por exemplo
em Aristóteles pode ser a aretê da praxis, mas porque a magnanimidade é uma condição nec
plus ultra que não pode ser alcançada pelo esforço, pela rotina e pela prática. Em Kant, por
exemplo, pode ser o cumprimento do imperativo categórico, a transformação do humano num
fim em si mesmo ou antes, a compreensão e acção conforme de cada outro como um fim em
si mesmo e não como um ponto de aplicação da minha existência. O humano como aition não
é to zôon logon ekhon é Dasein é o fundamento, princípio, mesmo sem fundamento e de
princípio incompreensível a lidar com a facticidade da orexis. Isto está bem presente na
identificação da causa da guerra do Peloponeso para Tucídides: a pleonexia: a ambição e a
ganância: querer ter mais do que se tem, querer ter mais do que os outros, querer ter tudo e
querer que o outro não tenha nada ou só o que deixarmos. A interpretação da orexis e da
tensão anoréctica depende da importância das coisas para nós, na verdade, para mim. Ou
numa outra formulação, é a compreensão de mim como si exclusivo que filtra conteúdos, faz
a selecção positiva do que é para mim e a negativa do que não é para mim. O de mim é
originário e dá-me uma compreensão da compreensão. A própria compreensão formal tem de
se virar para si, tenho de virar a compreensão para mim, uma compreensão privada,
subjectiva, de mim para mim. Não é nenhuma reflexão. O nous é o nous da minha vida. Não
no sentido em que há um si isolado num horizonte ínfimo a par do mundo, da galáxia, do
universo, um tempo de esperança de vida ínfimo relativamente ao tempo todo da eternidade.
O si está relacionado com tudo, como cada um dos outros possíveis e imaginários, população
mundial desde que há mundo e habitou a terra, com os recursos humanos. Todas as relações
de cada ser humano com cada um dos outros, com cada actividade, com o seu mundo pessoal,
a sua vida, etc., etc.. A relação de cada humano com o seu passado, com o seu presente, com
o seu futuro, tal como Aristóteles o propõe: Cada ser humano tem uma relação com o
possível, o que pode ser e o que pode não ser ou o que não pode ser, o que tem de ser, etc.,
etc.. antevisto e previsto ou o que acontece assim sem querer a coisa, espontaneamente,
automáticamente, imprevisivelmente.

6.
δυνατὰ δὲ ἃ δι’ ἡμῶν γένοιτ’ ἄν· τὰ γὰρ διὰ
τῶν φίλων δι’ ἡμῶν πως ἐστίν· ἡ γὰρ ἀρχὴ ἐν ἡμῖν. ζη-
τεῖται δ’ ὁτὲ μὲν τὰ ὄργανα ὁτὲ δ’ ἡ χρεία αὐτῶν·
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ὁμοίως δὲ καὶ ἐν τοῖς λοιποῖς ὁτὲ μὲν δι’ οὗ ὁτὲ δὲ πῶς (30)
ἢ διὰ τίνος. ἔοικε δή, καθάπερ εἴρηται, ἄνθρωπος εἶναι
ἀρχὴ τῶν πράξεων· ἡ δὲ βουλὴ περὶ τῶν αὑτῷ πρακτῶν, @1
αἱ δὲ πράξεις ἄλλων ἕνεκα.
Possíveis são aquelas coisas que podem ser feitas por nós e através de nós.; As coisas que são
feitas pelos nossos amigos são, de algum modo, feitas por nós, porque o princípio da ação
está em nós, ponto em certas ocasiões, é preciso procurar os instrumentos para uma
determinada ação, noutras, qual é a sua utilidade. De modo semelhante também a respeito de
outras circunstâncias, como a respeito de quando acontece, de que modo acontece e por que
motivo acontece. Parece, por conseguinte, tal como foi dito, ser o humano o princípio das
ações. Por outro lado, parece, também, que a deliberação tem como objeto as ações
suscetíveis de serem praticadas por si próprio. As ações, finalmente, têm vista outros fins para
lá de si próprias. Assim, o fim não poderá nunca ser objeto de deliberação. Apenas o são os
meios em vista da sua obtenção. EN1112b27-33

7.
1139ª33-1139b9: διὸ οὔτ’ ἄνευ νοῦ καὶ διανοίας οὔτ’ ἄνευ ἠθικῆς ἐστὶν ἕξεως ἡ προαίρεσις·
εὐπραξία γὰρ καὶ τὸ ἐναντίον ἐν πράξει ἄνευ διανοίας καὶ ἤθους οὐκ ἔστιν. διάνοια δ’ αὐτὴ
οὐθὲν κινεῖ, ἀλλ’ ἡ ἕνεκά του καὶ πρακτική· αὕτη γὰρ καὶ τῆς ποιητικῆς ἄρχει· ἕνεκα γάρ του
ποιεῖ πᾶς ὁ ποιῶν, καὶ οὐ τέλος ἁπλῶς (ἀλλὰ πρός τι καὶ τινός) τὸ ποιητόν, ἀλλὰ τὸ πρακτόν·
ἡ γὰρ εὐπραξία τέλος, ἡ δ’ ὄρεξις τούτου. διὸ ἢ ὀρεκτικὸς νοῦς ἡ προαίρεσις ἢ ὄρεξις
διανοητική, καὶ ἡ τοιαύτη ἀρχὴ ἄνθρωπος. οὐκ ἔστι δὲ προαιρετὸν οὐδὲν γεγονός, οἷον
οὐδεὶς προαιρεῖται Ἴλιον πεπορθηκέναι· οὐδὲ γὰρ βουλεύεται περὶ τοῦ γεγονότος ἀλλὰ περὶ
τοῦ ἐσομένου καὶ ἐνδεχομένου, τὸ δὲ γεγονὸς οὐκ ἐνδέχεται μὴ γενέσθαι. (O princípio da
ação é a decisão, isto é, enquanto a origem do princípio da mudança, não enquanto a
finalidade em vista. Por outro lado, o princípio da decisão é a intenção e um cálculo dirigido
para um objetivo final. Por esta razão, não há decisão sem o poder de compreensão, nem sem
processo compreensivo, nem finalmente sem a disposição do caráter. Na verdade, agir bem e
o seu contrário, não existem na ação sem o pensamento teórico, nem sem a disposição ética.
O próprio pensamento, só por si, não põe nada em movimento, apenas quando se dirige para
um determinado fim numa determinada ação. É assim também que actua o pensamento
produtor, porquanto o produtor de algo tem um determinado fim em vista, o produzir como
tal não é nenhum fim em si mesmo, mas algo relativo a algo e formador de algo. Por outro
lado, já o agir, e, na verdade, o agir bem, é um fim em si mesmo, e a intenção é o princípio da
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mudança específica que vai na sua direção. Por isso, a decisão é uma compreensão
intencional ou uma intenção compreensiva. Neste sentido, o princípio da ação é o humano.
Nada do que já aconteceu poderá, contudo, ser ainda objeto da decisão. Ninguém pode ainda
decidir se Tróia terá sido destruída. Assim, ninguém delibera acerca do que já aconteceu, mas
sobre o futuro e o que é possível. Ora, já não é possível que o que sucedeu não tenha
sucedido. Por esse motivo, diz Agatão corretamente, apenas disto, até um Deus está privado:
desfazer o que tiver sido feito.

8.
A facticidade: ninguém decide o passado, mas talvez o sentido do passado (Protágoras,
Píndaro).

“ὁ δὲ μετὰ λόγου ἐπιχειρῶν κολάζειν οὐ τοῦ παρεληλυθότος ἕνεκα ἀδικήματος τιμωρεῖται—


οὐ γὰρ ἂν τό γε πραχθὲν ἀγένητον θείη—ἀλλὰ τοῦ μέλλοντος χάριν, ἵνα μὴ αὖθις ἀδικήσῃ
μήτε αὐτὸς οὗτος μήτε ἄλλος ὁ τοῦτον ἰδὼν κολασθέντα. (Quem, porém, tenta corrigir
alguém com sentido, não o castiga por causa da injustiça cometida por essa pessoa no
passado — pois com efeito o que quer que tenha sido feito terá de ser compreendido como
insusceptível de não ter vindo a acontecer — mas como todo o castigo tem de ser aplicado
em função do futuro, para que o perpetrador de uma injustiça passada não volte uma vez mais
a cometer uma injustiça nem ele nem quem o vir a ser castigado.) Pl. Prot. 324b1-5”

9.
τῶν δὲ πεπραγμένων/ ἐν δίκᾳ τε καὶ παρὰ δίκαν ἀποίητον οὐδ’ ἄν/ Χρόνος ὁ πάντων πατὴρ/
δύναιτο θέμεν ἔργων τέλος· (O que aconteceu,/ conforme à justiça ou desprovido dela, não
pode ser desfeito./ Pois, nem sequer Crono, pai de todas as coisas,/ será capaz de pôr um fim
aos seus efeitos.
P. O 2, 15-17

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