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ÉTICA A NICÔMACO, DE ARISTÓTELES

25 de September de 2015

Ética a Nicômaco é a principal obra de ética de Aristóteles. Nela se expõe sua concepção
teleológica e eudaimonista de racionalidade prática, sua concepção da virtude como
mediania e suas considerações acerca do papel do hábito e da prudência na Ética. É
considerada a mais amadurecida e representativa do pensamento aristotélico.
O título da obra advém do nome de seu filho, e também discípulo, Nicômaco. Supõe-se
que a obra resulte das “ anotações de aula” deste e publicadas pelos discípulos de
Aristóteles depois da morte prematura, em combate, de Nicômaco.

Aristóteles inicia suas aulas sobre ética, conforme as anotações de seu filho, discutindo
as idéias de seu mestre Platão. E, embora vá diferir deste em muitos pontos – passando
de um idealismo para um realismo, se assim se pode falar, – a idéia fundamental de
Aristóteles é, tanto quanto para Platão, o Bem Supremo. E esse bem supremo é ainda e
sempre a felicidade.
No Livro II da Ética a Nicômacos, há um trecho que expressa, de maneira exímia, o
intuito, o propósito, o objeto e o sujeito do estudo da ética: Estou falando da excelência
moral, pois é esta que se relaciona com as emoções e ações, e nestas há excesso, falta e meio
termo. Por exemplo, pode-se sentir medo, confiança, desejos, cólera, piedade, e, de um modo
geral, prazer e sofrimento, demais ou muito pouco, e, em ambos os casos, isto não é bom:
mas experimentar estes sentimentos no momento certo, em relação aos objetos certos e às
pessoas certas, e de maneira certa, é o meio termo e o melhor, e isto é característico da
excelência. Há também, da mesma forma, excesso, falta e meio termo em relação às ações.
Ora, a excelência moral se relaciona com as emoções e as ações, nas quais o excesso é uma
forma de erro, tanto quanto a falta, enquanto o meio termo é louvado como um acerto; ser
louvado e estar certo são características da excelência moral. A excelência moral, portanto,
é algo como eqüidistância, pois, como já vimos, seu alvo é o meio termo. Ademais é possível
errar de várias maneiras, ao passo que só é possível acertar de uma maneira (também por
esta razão é fácil errar e difícil acertar – fácil errar o alvo, e difícil acertar nele); também é
por isto que o excesso e a falta são características da deficiência moral, e o meio termo é
uma característica da excelência moral, pois a bondade é uma só, mas a maldade é múltipla.
Aristóteles aprofunda os ensinamentos que retirou de Platão (República), e elabora sua
teoria ética a partir das estruturas morais vigentes na comunidade grega do século V
a.C. De um modo geral, pode-se dizer que a sua teoria apresenta o procedimento do
homem prudente como um valor, cuja opinião dos homens mais velhos, a experiência
da vida e os costumes da cidade são condições objetivas para se filosofar politicamente.
Diferentemente de Platão, Aristóteles humanizou o fim último, ou seja, o fim último foi
afirmado no plano terreno. Por isso, o ético em Aristóteles é entendido a partir
do ethos (do costume), da maneira concreta de viver vigente na sociedade. É exatamente
o ethos que funciona como elo entre as esferas jurídica e política. As ordens jurídica e
política pressupõem o ethos.
A obra de Aristóteles é sistemática. E orientada ao fim último, o Bem Supremo,
identificada com a felicidade, ou eudemonia, em grego. É por isso que inicia a sua
argumentação negando o postulado platônico, muito embora tal investigação se torne
penosa pelo fato de as Formas terem sido introduzidas na filosofia por um amigo. Mas,
o fato de Aristóteles ter dedicado à amizade dois livros, o VIII e o IX, indica bem o grau
de relacionamento que ele tinha com Platão. Porém, “ talvez pareça melhor, e de fato
seria até uma obrigação, especialmente para um filósofo, sacrificar até suas relações
pessoais mais estreitas em defesa da verdade” . E a defesa da verdade o leva a concluir
que “ O bem, portanto, não é uma generalidade correspondente a uma forma única” .
Isto porque o bem deve ser algo atingível pelo homem, através de sua atividade, e não
um “ bem em si” , ideal e inatingível.

Aristóteles, fiel ao método científico, estabelece uma espécie de classificação de bens, e


uma hierarquia na sua realização, tomando como critério o fim visado. Já que há mais
de uma finalidade: o fim da medicina é a saúde, da estratégia, a vitória, e assim por
diante, devemos prosseguir do bem que é desejável por causa de outra coisa ao bem
que sempre é desejável em si:

Parece que a felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como este bem supremo, pois
a escolhemos sempre por si mesma, e nunca por causa de algo mais; mas as honrarias, o
prazer, a inteligência e todas as outras formas de excelência, embora as escolhamos por si
mesmas (escolhê-lasiamos ainda que nada resultasse delas), escolhemo-las por causa da
felicidade, pensando que através delas seremos felizes. Ao contrário, ninguém escolhe a
felicidade por causa das várias formas de excelência, nem, de um modo geral, por qualquer
coisa além dela mesma.
E a felicidade não como uma forma abstrata, ideal, mas “ a felicidade como uma forma
de viver bem e conduzir-se bem” .

Porém, ainda que assim o seja, parece que a forma de vida tem profundas implicações
na compreensão e realização do que seja “ viver bem” e “ conduzir-se bem” , em relação
ao bem supremo. Por isso Aristóteles, ao mesmo tempo em que discute as
características da felicidade, como algo que deve ser escolhida por si mesma, questiona
a vida prática dos homens, especialmente dos mais vulgares, que parecem “ identificar
o bem, ou a felicidade, com o prazer”. E, então, identifica três tipos principais de vida:

– A vida agradável, cujos representantes visam sobretudo “ aproveitar a vida” ,


assemelhando-se “ totalmente aos escravos, preferindo uma vida comparável à dos
animais” ;

– A vida política, cujo exame dos tipos principais “ demonstra que as pessoas mais
qualificadas e atuantes identificam a felicidade com as honrarias” , “ com vistas ao
reconhecimento de seus méritos” ;

– A vida contemplativa, que visa unicamente a verdade e a perfeição, ou o Bem Supremo


por si mesmo, conforme Aristóteles desenvolve ao longo de toda obra.

Desta realidade advém a necessidade de investigação ética e da elaboração de normas


morais. Além do que antecipa três modos de consciência, que por si só demandaria um
estudo aprofundado e riquíssimo. De qualquer forma, a partir destas constatações,
Aristóteles começa a refletir sobre as questões éticas. É útil adiantar que Aristóteles
começa com exemplo práticos da vida cotidiana, sobre eles reflete e a eles retorna. Tal
procedimento identifica o trabalho ético bem como o objeto de seu estudo. Logo, o
objeto da ética é o “ comportamento prático-moral” . Assim, o que faz Aristóteles ao
referir-se continuamente a exemplos da vida prática, é ética, ou dito de outro modo,
ciência da moral, visto que reflete sobre o comportamento moral visando, não
estabelecer normas, mas indicar o caminho da “ escolha correta” , em relação ao bem
supremo.

Por este motivo, logo em seguida inicia a reflexão sobre a areté, termo grego traduzido
por “virtude” ou ‘excelência moral”, e que, segundo ele, se diferencia em duas espécies:
a excelência intelectual (sophia), das quais são exemplos a sabedoria, a inteligência, o
discernimento; e a excelência moral (phrônesis), das quais são exemplos a liberdade e a
moderação. Na Ética a Nicômaco Aristóteles se ocupa primordialmente, como é óbvio,
da excelência moral, acentuando cada vez mais o papel central da phrônesis, traduzido
como “discernimento” (e em algumas outras traduções como “prudência”).
A reflexão aristotélica quanto à ética compreende duas categorias de virtudes: as
virtudes morais, fundamentadas na vontade, e as virtudes intelectuais, baseadas na
razão. Como exemplo de virtudes morais, temos: a coragem, a generosidade, a
magnificência, a doçura, a amizade e a justiça. As virtudes intelectuais ou dianoéticas
são: a sabedoria, a temperança, a inteligência e a verdade. Uma ação pode ser
considerada como justa quando realiza o equilíbrio das virtudes morais e quando
alcança as virtudes intelectuais. O objetivo da ação moral é a justiça, assim como, a
verdade é o objetivo da ação intelectual. Em sentido lato, a justiça configura o exercício
de todas as virtudes, observando-se a instância da alteridade. Em sentido estrito,
encontra-se como uma virtude ética que implica o princípio da igualdade. Tendo por
base tal premissa, Aristóteles inicia sua ética a partir da realidade social de sua época.
O ponto central torna-se o conceito de atividade; atividade no sentido de que o homem
deve realizar ao máximo suas disposições naturais (aptidões). O homem deve buscar
esse aperfeiçoamento para com isso alcançar a felicidade. Esse pensador assinala que
o cultivo da inteligência é o bem supremo, o summum bonum, logo sua concepção ética
é denominada de ética das virtudes ou ética eudemônica, isso porque enfatiza a busca
pelo bem viver e pela felicidade, no sentido estrito de pleno desenvolvimento das
disposições naturais. O homem deve desenvolver suas aptidões para alcançar o seu fim
(télos), sua perfeição, por isso que eudemonia e télos estão intrinsecamente ligados,
formando uma ética imanente da felicidade terrena, portanto política.
O conceito de eudemonia vincula-se ao conceito de justiça apresentado por Platão
na República, que também compreende a noção de justiça como uma virtude que
precisa ser praticada constantemente e não pode ser tomada como aquisição contínua,
mas como um exercício político, assim expresso no livro II, capítulo 6, da Ética a
Nicômaco. Aristóteles apresenta o sentido do conceito de virtude como hábito, ou seja,
algo que existe em potência mas que precisa ser desenvolvido. A natureza oferece as
condições de possibilidades para que o homem possa desenvolver suas aptidões
conforme sua essência racional, nesse caso a justiça como um valor ético se desvela em
nossos atos, logo “ toda virtude e toda técnica nascem e se desenvolvem pelo exercício.
Observa-se que a prática da virtude não se confunde com um mero saber técnico, não
basta a conformidade, exige-se a consciência do ato virtuoso. O homem considerado
justo deve agir por força de sua vontade racional. Na Ética a Nicômaco, Aristóteles
enumera três condições para que um ato seja virtuoso, a saber: primeiro, o homem
deve ter consciência da justiça de seu ato; segundo, a vontade deve agir motivada pela
própria ação; terceiro, deve-se agir com inabalável certeza da justeza do ato. As virtudes
são disposições ou hábitos adquiridos ao longo da vida e se fundamentam na idéia de
que o homem deve sempre realizar o melhor de si. A virtude será uma espécie de meio
termo, termo médio entre os extremos, evitando, assim por dizer, o excesso e a
deficiência, uma vez que a justiça é uma virtude que só pode ser praticada em relação
ao outro e de modo consciente. O objeto da justiça é realizar a felicidade na pólis, o seu
oposto, a injustiça, poderá ocorrer por falta ou por excesso.
Aristóteles distingue duas classes de justiça: a universal e a particular. A justiça universal
significa a justiça em sentido amplo que pode ser definida como conformidade ao
nomos (norma jurídica, costume, convenção social, tradição). Esta norma constituinte
do nomos é dirigida a todos. A ação deve corresponder a um tipo de justo que é o justo
legal. O membro da pólis se relaciona com todos os demais, ainda que virtualmente, e
compartilha com todos os efeitos de sua atitude ou omissão. A justiça universal ressalta
a importância da legalidade como um dos aspectos que fundamenta a coesão social. A
comunidade existe virtualmente na pessoa de cada membro. O homem virtuoso é
aquele em que, segundo seu agir, o elemento essencial passa pela observância do
princípio neminem laedere (não prejudique a ninguém).
A justiça particular significa em sentido estrito o hábito de realizar a igualdade. Este tipo
de justiça refere-se ao outro no sentido de uma relação direta entre partes, típica da
experiência citadina. Esse tipo de justiça vincula-se com a justiça universal, pois o
transgressor da justiça particular se compromete também diante do nomos. O justo
particular apresenta-se em duas formas distintas: o justo particular distributivo que
assinala a justiça distributiva e o justo particular corretivo que apresenta a justiça
corretiva. A idéia de justiça distributiva surge no sentido de igualdade na devida
proporção. Essa modalidade de justiça regula as ações da sociedade política com seus
membros e tem por objeto a justa distribuição dos bens públicos: honras, riquezas,
encargos sociais e obrigações. Essa prática também se fundamenta na igualdade que
não se confunde com uma igualdade matemática e rígida, mas geométrica ou
proporcional que observa o dever de dar a cada um o que lhe é devido; observa os dotes
naturais do cidadão, sua dignidade, o nível de suas funções, sua formação e posição na
hierarquia organizacional da polis. O princípio de igualdade que figura neste tipo de
justiça exige uma desigualdade de tratamento, pois sendo diferentes segundo o mérito,
os benefícios a serem atribuídos também devem ser diferentes.

A outra modalidade de justiça particular é a justiça corretiva ou sinalagmática, que se


divide em comutativa e judicial. Trata-se de um tipo de justiça que regula as relações
entre cidadãos e utiliza o critério do justo meio aritmético ou igualdade.

Para Aristóteles, a excelência moral não é emoção ou faculdade, mas disposição da alma
– exatamente uma disposição para escolher o meio termo.

Por meio termo Aristóteles quer “ significar aquilo que é eqüidistante em relação a cada
um dos extremos, e que é o único e o mesmo em relação a todos os homens” . É a
escolha justa, correta, feita com discernimento e encaminhada pela prudência.
Portanto, ela não pode ser uma emoção, porque a regula; não pode ser uma faculdade,
porque, ao mesmo tempo que dela se vale para regular a emoção, no “ espaço” que vai
do prazer ao sofrimento1, a atrai para a ação, para orientar a atividade. É por possuir
essa disposição que “ um mestre em qualquer arte evita o excesso e a falta, buscando e
preferindo o meio termo – o meio termo não em relação ao próprio objeto, mas em
relação a nós” . Não é por outro motivo que “ se afirma com freqüência que nada se
pode acrescentar ou tirar às boas obras de arte” . O meio termo (mesotês) é, assim, o
caminho ético para a excelência, para o “ mestre na arte da vida” . Caminhar para ele
requer, de um lado, o reconhecimento de que a felicidade não se confunde com o prazer
e o sofrimento, visto que “ é por causa do prazer que praticamos más ações, e é por
causa do sofrimento que deixamos de praticar ações nobiliantes” ; de outro lado, a
construção progressiva de uma consciência moral constituída, por assim dizer, pelos
“ meios termos” ou excelências morais, operada pelo discernimento e regulada pela
reta razão.
Ao longo da sua obra podem ser “ pinçadados” os “ meios termos” mais investigados
por Aristóteles, e que se situam entre os “ vícios por deficiência” e os “ vícios por
excesso” :

É por incorporar tais conceitos e tais virtudes em sua concepção de felicidade que esta
só é atingida em Aristóteles depois de um logo itinerário, calcado no esforço e na prática
constante. Para ser justo, diz-nos ele, o homem precisa da prática reiterada de atos
justos, e assim também para ser moderado… visto que “ sem os praticar ninguém teria
sequer remotamente a possibilidade de tornar-se bom” . Logo é na ação que se forja o
homem de excelência moral. Mas não em uma ação desordenada e irrefletida,
desvinculada dos procedimentos mais nobiliantes do ser humano: A origem da ação
(sua causa eficiente, e não final) é a escolha, e a origem da escolha está no desejo e no
raciocínio dirigido a algum fim. É por isto que a escolha não pode existir sem a razão e
o pensamento ou sem uma disposição moral, pois as boas e as más ações não podem
existir sem uma combinação de pensamento e caráter. Há, pois, já em Aristóteles íntimo
relacionamento entre escolha-desejo-razão-ação-caráter. O esforço ético não é no
aperfeiçoamento e ampliação do razão, em seu sentido “ puro” ou teórico (esta é função
da sophia), mas no “ agir bem” para “ viver bem” . Para tanto, o aperfeiçoamento e
ampliação do caráter é importante. Porque o caráter é, se assim é possível falar, o
“ sujeito” , o “ executivo” do desejo, que em última análise, no campo prático-moral, jaz
na base da escolha e da ação.
Ora, mas por “ melhor que seja o caráter” , este não transforma o “ desejo de aproveitar
a vida” em “ desejo de reconhecimento” , nem este no “ desejo de contemplação” . Ele
“ apenas” torna moral tal desejo, dentro de cada âmbito. É o domínio da razão, no seu
sentido “ máximo” , de vida contemplativa, que pode operar tais transformações.
Portanto, em Aristóteles é impossível separar, a não ser didaticamente, as duas
excelências: a intelectual e a moral. Por isso a acentuada relação entre a Ética e a
Metafísica.
Na Ética a Nicômaco outro tópico acentuado, portanto, é o da emoção, tão em moda
hoje em dia: “ Por emoções quero significar os desejos, a cólera, o medo, a temeridade,
a inveja, a alegria, a amizade, o saudade, o ciúme, a emulação, a piedade, e de um modo
geral os sentimentos acompanhados de prazer ou sofrimento” . Logo, Aristóteles
associa emoção ao prazer ou sofrimento no sentido salientado atrás em que, ou
praticamos más ações ou deixamos de praticar nobres ações. Obviamente que
Aristóteles, ao dar tal sentido ao prazer refere-se, por assim dizer, à compreensão vulgar
do prazer, associada à primeira espécie de vida. É principalmente a tal noção de prazer
que deve-se usar da “ reta razão” , bem como, certamente, a toda espécie de vício. Isto
porque a reta razão opera sobretudo através do discernimento.
A reta razão é a razão orientada aos aspectos práticos da vida, é a razão orientada a
algum fim, e não um fim em si mesma, como é a vida contemplativa. “ …a excelência
moral não é apenas a disposição consentânea com a reta razão; ela é a disposição em
que está presente a reta razão, e o discernimento é a reta razão relativa à conduta” .
Logo, é preciso ter uma disposição prática na vida para que o discernimento se
manifeste. Se a vida contemplativa é a virtude mais elevada ela, por não levar a nenhum
fim, não produz discernimento.
Até o capítulo 5 do Livro I, Aristóteles trata então da felicidade de maneira subjetiva,
terminando o capítulo com um aperfeiçoamento, seu método típico, dos pontos de vista
do senso comum. Colocando à prova sua definição e comparando-a com as noções
aceitas sobre a ventura humana ele conclui que prazer e gozo são apenas estados
agradáveis para a alma. São elementos do bem-estar, da felicidade, mas não constituem
a sua essência e não devem se tornar o objetivo principal da vida. Rejeita também a
noção de que uma vida devotada a ganhar dinheiro produzirá por si mesma a felicidade:
“ a vida dedicada a ganhar dinheiro é vivida sob compulsão” . A prosperidade razoável é
um pressuposto da ventura, mas a riqueza não pode ser o bem supremo por ser
essencialmente um meio de chegar a outros bens. Tampouco pode a honra ser o bem
supremo por ser um bem exterior proporcionado pelo reconhecimento de outras
pessoas, enquanto a felicidade deve vir de dentro da personalidade de quem o tem, é
uma felicidade que se encontra na alma e não nos bens exteriores ou do corpo. Ele
deixa, porém, a discussão sobre a vida contemplativa para o livro X.
A partir do capítulo 6, com a discussão que começa sobre o bem, Aristóteles diferencia
seu conceito de bem do conceito platônico pois, enquanto Platão trabalha com o bem
em si, com a idéia de bem separada de nosso mundo, ele diz que existem tantos bens
como ações e artes, trazendo o bem para a imanência, como atividade do homem. É
nesse momento que vejo Aristóteles novamente metafísico, pai do conceito de essência,
atribuindo todas as coisas a uma causa final. Neste sentido a felicidade aparece como o
fim visado em cada atividade humana, como se a eudaimonia consistisse no
cumprimento perfeito de nossa natureza, natureza entendida como essência e,
felicidade, como “ algo final e auto-suficiente” . A felicidade é um estado do homem em
que a sua natureza e aspirações essenciais se realizam plenamente conforme seus fins.
Aristóteles pergunta então se há algum poder ou função restritos apenas aos seres
humanos, e que sirva para distinguir o gênero humano do reino animal. Ele encontra
essa característica distintiva na capacidade de raciocinar do homem, que aparece tanto
em sua resposta à razão como no exercício da razão:
Resta, então, a atividade vital do elemento racional do homem; uma parte deste é dotada de
razão no sentido de ser obediente a ela, e a outra no sentido de possuir a razão de pensar.
Sendo o elemento racional ativo peculiar ao homem, ele serve para definir sua própria
função, que é viver ativamente conforme a razão. O homem bom, portanto, é aquele
que exerce com sucesso suas funções se realizando, elevando sua vida até a mais alta
excelência de que é capaz, vivendo bem e feliz: “ o bem para o homem vem a ser o
exercício ativo das faculdades da alma de conformidade com a excelência” . A definição
é complementada logo a seguir com a adição da frase “ deve estender-se por toda a
vida” para reforçar a afirmação de que um momento de felicidade não constitui a bem-
aventurança (felicidade), assim como uma andorinha só não faz o verão.
Tendo realizado, como diz Aristóteles, esse esboço sobre o bem, ele parte em seguida
para uma discussão sobre a natureza das excelências ou virtudes humanas – de acordo
com as quais a atividade humana deve se realizar – com o objetivo de fundamentar
melhor sua ética. Até este ponto podemos dizer que a atividade é a verdadeira essência
da felicidade. É a felicidade em ato, não em potência. A virtude deve se mostrar nas
ações “ da mesma forma que nos jogos Olímpicos os coroados não são os homens mais
fortes e belos, e sim os que competem (alguns destes serão vitoriosos), quem age
conquista, e justamente, as coisas boas da vida” .
No final do livro I estão definidas as duas espécies de excelência ou virtude que existem
para Aristóteles: as intelectuais (por exemplo a sabedoria, a inteligência e o
discernimento) e as morais (por exemplo a liberalidade e a moderação). Ele considerava
as virtudes morais como disposições ou atitudes para a ação, adquiridas mediante o
exercício e aperfeiçoadas pela prática. Daí a importância do hábito no desenvolvimento
desta excelência: as pessoas não nascem boas, mas nascem com a capacidade de
tornarem-se boas se desenvolverem as disposições apropriadas mediante a prática
reiterada de boas ações. Já a excelência intelectual é um componente ainda mais
importante do bem viver do que a excelência moral. Para Aristóteles é necessário ter
prudência, ou sabedoria prática, para apreciar corretamente os fatores em qualquer
situação em que é necessária a ação moral. Ela que nos capacita a selecionar os meios
certos para atingir nossos objetivos desejados pois trata de situações e problemas
concretos que requerem deliberação. À semelhança das virtudes morais, é uma
disposição para fazer boas escolhas podendo ser melhorada e fortalecida pela prática,
estando completamente na parte racional da alma.
Ainda na Ética a Nicômaco, livro III, Capítulo 02, Aristóteles apresenta uma reflexão sobre
a escolha. Segundo o filosófo, ela parece ser algo voluntário, porém não é pela
involuntariedade que o estagirita a define. A escolha não é comum à irracionalidade;
segundo o autor ela se faz contrária ao apetite e não se relacionando com o agradável
e o doloroso. Ela não visa as coisas impossíveis, relaciona-se com os meios e não com
os fins e não se identifica com a opinião. Para Aristóteles, a escolha somente pode ser
caracterizada a partir do binômio bondade-maldade.
Como já citado, Aristóteles dedica dois livros à amizade (VIII e IX). Três seriam as razões:
a philia é estruturalmente intrínseca à virtude e à felicidade; Sócrates e Platão já haviam
analisado filosoficamente tal tema; e o fato da sociedade grega dava à amizade uma
importância capital, diferente das sociedades modernas.
Três são as coisas que o homem ama, segundo Aristóteles, logo, três são as formas de
amizade: pelo útil, prazer e bem. Os homens que amam em busca do útil, buscam um
bem imediato, riquezas ou honras. Ama-se, não em vista do fim em si mesmo, mas
como meio de adquirir vantagens. A forma em função do prazer é semelhante à forma
de se amar pelo útil. Busca-se o prazer recíproco. A amizade é estável enquanto persistir
este elo prazeroso. Estas duas espécies de amizade são acidentais. Quando uma das
partes cessa de ser agradável ou útil, a outra deixa de amá-la. Na terceira forma, pelo
bem, ama-se o outro por aquilo que ele é. Ama-se pela bondade. É a verdadeira forma
de amizade e só é possível entre os amigos bom,s com senso de justiça e equidade. Esta
forma de amizade não é muito freqüente. Ela exige tempo, familiaridade, um habitus,
digna entre os amigos bons e virtuosos. E a phrónesis auxilia na escolha de amigos
recíprocos.
Para Aristóteles o amigo é um outro eu, possibilidade de autoconhecimento.
Conhecemo-nos olhando para o outro. Devido a nossa finitude, procuramos atingir à
perfeição moral no espelhamento do outro. É um momento essencial da vida feliz e
implica reconhecimento, bondade e reciprocidade, atingindo a expansão social do eu.
Assim, a amizade também é um bem supremo, um valor que nos conduz à eudaimonia
– vivência da plenitude humana, mediada com amigos bons e vida contemplativa.
No livro X da Ética a Nicômacos vemos o conceito de prazer e sua relação com as
excelências do homem.
O cerne da teoria aristotélica é o de que o prazer não é algo a que possamos aspirar por
ele mesmo, que são, muito mais, as respectivas atividades, aquilo a que aspiramos, e
que o gozo é algo que então se acrescenta, mostrando que o que fazemos de bom grado
decorre sem impedimento, não havendo oposição alguma entre virtude e felicidade.
Para aquele que a pratica por ela mesma, também, e precisamente, a atividade virtuosa
é uma atividade realizada com gozo. É dessa maneira que uma pessoa pode saber se
esteve presente a disposição virtuosa em uma ação, pela quantidade de prazer ou
desgosto que acompanha a ação. Se a pessoa não gosta de ser generosa, ou acha difícil
ser comedida, não adquiriu a virtude, embora possa ter praticado uma ação virtuosa.
Se, ao contrário, a pessoa se alegra com a prática da virtude em questão, então adquiriu
aquela excelência especial. O prazer, nesse sentido, é a prova de um hábito formado.
Nos capítulos 3 e 4 do livro X, Aristóteles desenvolve algumas indicações interessantes
sobre o caráter do prazer em relação ao equilíbrio e ao abandonar-se aos afetos
daquele que não vive equilibradamente. Não apenas com referência aos prazeres
corporais, mas também quanto aos sentimentos em todos os domínios da vida. Para
ele o ser humano tem uma certa consciência do tempo:
Mas a forma do prazer é perfeita a cada momento. É claro, então que o prazer e o movimento
diferem entre si, e que o prazer deve ser uma das coisas que são um todo e perfeitas. Esta
conclusão também pode ser corroborada pelo fato de o movimento ocupar necessariamente
um lapso de tempo, enquanto um sentimento de prazer não ocupa, pois cada momento de
prazer é um todo perfeito.
O prazer nessa parte da ética lembra o conceito de tempo como duração que Bergson
irá desenvolver muitos séculos depois. Esse prazer faz parte de um tempo “ psicológico”
que só pode ser satisfeito por uma felicidade que tenha uma certa constância e que não
seja experimentado, como o prazer corporal, no instante e pelo contraste com a dor ou
com a ausência de prazer.
Fonte: Texto parcial – Revista Diálogo Educacional – PUCPR

Fonte: https://www.passeiweb.com/etica_a_nicomaco/

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