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EXCERTOS - LIVROS I e II
Admite-se geralmente que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e
toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o
bem é aquilo a que todas as coisas tendem. Mas observa-se entre os fins uma certa
diferença: alguns são atividades, outros são produtos distintos das atividades que os
produzem. Onde existem fins distintos das ações, são eles por natureza mais excelentes
do que estas. Ora, como são muitas as ações, artes e ciências, muitos são também os seus
fins: o fim da arte médica é a saúde, o da construção naval é um navio, o da estratégia é a
vitória e o da economia é a riqueza. Mas quando tais artes se subordinam a uma única
faculdade — assim como a selaria e as outras artes que se ocupam com os aprestos dos
cavalos se incluem na arte da equitação, e esta, juntamente com todas as ações militares,
na estratégia, há outras artes que também se incluem em terceiras — , em todas elas os
fins das artes fundamentais devem ser preferidos a todos os fins subordinados, porque
estes últimos são procurados a bem dos primeiros.
Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e
tudo o mais é desejado no interesse desse fim; e se é verdade que nem toda coisa
desejamos com vistas em outra (porque, então, o processo se repetiria ao infinito, e inútil
e vão seria o nosso desejar), evidentemente tal fim será o bem, ou antes, o sumo bem. Mas
não terá o seu conhecimento, porventura, grande influência sobre a nossa vida?
Semelhantes a arqueiros que têm um alvo certo para a sua pontaria, não alcançaremos
mais facilmente aquilo que nos cumpre alcançar? Se assim é, esforcemo-nos por
determinar, ainda que em linhas gerais apenas, o que seja o sumo bem […].
Uma vez que a presente investigação não visa ao conhecimento teórico como as
outras — porque não investigamos para saber o que é a virtude, mas a fim de nos
tomarmos bons, do contrário o nosso estudo seria inútil só — devemos examinar agora a
natureza dos atos, isto é, como devemos praticá-los; pois que, como dissemos, eles
determinam a natureza dos estados de caráter que daí surgem. […] Comecemos, pois, por
frisar que está na natureza dessas coisas o serem destruídas pela falta e pelo excesso,
como se observa no referente à força e à saúde (pois, a fim de obter alguma luz sobre
coisas imperceptíveis, devemos recorrer à evidência das coisas sensíveis). Tanto a
deficiência como o excesso de is exercício destroem a força; e, da mesma forma, o
alimento ou a bebida que ultrapassem determinados limites, tanto para mais como para
menos, destroem a saúde ao passo que, sendo tomados nas devidas proporções, a
produzem, aumentam e preservam. O mesmo acontece com a temperança, a coragem e
as outras virtudes, pois o homem que a tudo teme e de tudo foge, não fazendo frente a
nada, toma-se um covarde, e o homem que não teme absolutamente nada, mas vai ao
encontro de todos os perigos, torna-se temerário; e, analogamente, o que se entrega a
todos os prazeres e não se abstém de nenhum toma-se intemperante, enquanto o que
evita todos os prazeres, como fazem os rústicos, se torna de certo modo insensível.
Não basta, contudo, definir a virtude como uma disposição de caráter; cumpre
dizer que espécie de disposição é ela. Observemos, pois, que toda virtude ou excelência
não só coloca em boa condição a coisa de que é a excelência como também faz com que a
função dessa coisa seja bem desempenhada. Por exemplo, a excelência do olho torna
bons tanto o olho como a sua função, pois é graças à excelência do olho que vemos bem.
Analogamente, a excelência de um cavalo tanto o tom a bom em si mesmo como bom na
corrida, em carregar o seu cavaleiro e em aguardar de pé firme o ataque do inimigo.
Portanto, se isto vale para todos os casos, a virtude do homem também será a disposição
de caráter que o tom a bom e que o faz desempenhar bem a sua função. Como isso vem a
suceder, já o explicamos atrás, mas a seguinte consideração da natureza específica da
virtude lançará nova luz sobre o assunto. Em tudo que é contínuo e divisível pode-se
tomar mais, menos ou uma quantidade igual, e isso quer em termos da própria coisa, quer
relativamente a nós; e o igual é um meio-termo entre o excesso e a falta. Por meio-termo
no objeto entendo aquilo que é equidistante de ambos os extremos, e que é um só e o
mesmo para todos os homens; e por meio-termo relativamente a nós, o que não é nem
demasiado nem demasiadamente pouco — e este não é um só e o mesmo para todos. Por
exemplo, se dez é demais e dois é pouco, seis é o meio-termo, considerado em função do
objeto, porque excede e é excedido por uma quantidade igual; esse número é
intermediário de acordo com uma proporção aritmética. Mas o meio-termo relativamente
a nós não deve ser considerado assim: se dez libras é demais para uma determinada
pessoa comer e duas libras é demasiadamente pouco, não se segue daí que o treinador
prescreverá seis libras; porque isso também é, talvez, demasiado para a pessoa que deve
comê-lo, ou demasiadamente pouco — demasiadamente pouco para Milo e demasiado
para o atleta principiante. O mesmo se aplica à corrida e à luta. Assim, um mestre em
qualquer arte evita o excesso e a falta, buscando o meio-termo e escolhendo-o — o meio-
termo não no objeto, mas relativamente a nós.
A virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consiste numa
mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio racional
próprio do homem dotado de sabedoria prática.