Há assim duas ideias aparentemente opostas que tornaram o pensamento
de Rousseau influente como uma teoria da alienação: por um lado, o
desenvolvimento do ideal moderno de autenticidade como um acordo não perturbado com “si” e com a própria “natureza”; e, por outro lado, a idéia da liberdade social, conforme expressa na formulação de Rousseau da principal tarefa do Contrato Social. Se, no Segundo Discurso, Rousseau descreve vividamente o caráter alienado do que são, neste contexto, os efeitos exclusivamente negativos da socialização, ele também estabelece, no Contrato Social, o ideal normativo de uma forma de socialização não alienada no mundo.
Sem querer negar as tensões internas ao trabalho de Rousseau, a conexão
entre os dois aspectos pode ser explicada assim: o fosso entre o ser-si autêntico e a sociedade, que Rousseau articulou tão eloqüentemente, dá origem, de acordo com seus próprios pressupostos, a uma aporia que pode ser resolvida apenas estabelecendo-se uma condição em que os indivíduos vivam dentro das instituições sociais que podem experimentar como suas. Por um lado, o humano alienado descrito por Rousseau perde-se na medida em que estabelece relações com os outros: o humano natural “vive dentro de si mesmo; o homem sociável sempre fora de si mesmo”. Por outro lado, o ser humano só pode recuperar-se através da sociedade. Uma vez que a restauração da autarquia do estado da natureza rousseauniano – e com ela uma liberdade que exige independência e desapego dos outros – vem a um “preço muito alto” (o preço de perder as qualidades especificamente humanas, tais como a razão e a reflexividade), então a solução para o problema da alienação não pode residir na dissolução dos laços sociais, mas apenas na sua transformação. A dependência mútua dos indivíduos socializados, experimentados como alienantes, deve ser reconfigurada de acordo com a ideia, estabelecida no Contrato Social, de uma associação na qual cada indivíduo aliena todos os seus direitos à sociedade e assim se torna “tão livre como antes”. O que antes era heteronomia alienante torna- se sujeição à “própria lei”. 5. Alienação significa – um tema dominante já no tempo de Goethe – a As origens do conceito de alienação perda do “homem total” [ganzen Menschen], que, através da divisão do trabalho e da especialização, conduz à fragmentação e ao estreitamento das Não o conceito, mas sim a coisa, encontra-se descrita nos atividades e, a partir de então, atrofia o potencial humano e as suas escritos de Rousseau, que contêm todas as idéias-chave das quais o possibilidades de expressão. Nada mais do que uma “engrenagem da discurso da alienação é composto até hoje. Rousseau começa seu máquina”, é o trabalhador alienado desindividualizado [entindividualisiert], “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens ” (1755) com uma imagem impressionante: mera parte funcional no interior de eventos que não são para ele nem administráveis nem controláveis. “Como a estátua de Glauco, que o tempo, o mar e as intempéries tinham desfigurado de tal modo que se 6. Como “alienadas” se deixam descrever finalmente as relações em que as assemelhava mais a um animal feroz do que a um deus, a alma humana, alterada no seio da sociedade por milhares de instituições se apresentam como onipotentes ou como restrições causas sempre renovadas, pela aquisição de uma multidão de “sistêmicas” sem qualquer margem de manobra para a ação: a alienação ou conhecimentos e de erros, pelas mudanças que se dão na a reificação [Verdinglichung] significam então a ereção de uma constituição dos corpos e pelo choque contínuo das paixões, autoindependência das relações [Verselbständigung von Verhältnissen] por assim dizer mudou de aparência a ponto de tornar-se contra aqueles mesmos que as constituíram. O “casamento sem vida” [tote quase irreconhecível.” Ehe] é, nesse sentido, tanto um fenômeno da alienação quanto o estado de A desfiguração de que Rousseau fala aqui é a deformação dos seres certos conselhos administrativos autônomos [Selbstverwaltungsgremien] humanos pela sociedade: com a sua natureza dividida, alienada de democráticos; [o mesmo vale para] a perda de margem de manobra da ação suas próprias necessidades, sujeita aos ditames conformistas da contrária às condições econômicas de conjunto, bem como [para] a “gaiola sociedade, no seu desejo de reconhecimento [Geltungsdrang] e sua de ferro” da burocracia do Estado de bem-estar. vaidade [Eitelkeit] dependente das opiniões dos outros, o homem social é uma pessoa artificial e desfigurada. A dependência mútua dos seres humanos civilizados, que, através do contato social, produz 7. Mas o “absurdo” também pode ser contado como um membro da família necessidades sem limites, bem como a orientação em função dos da alienação. As figuras literárias de Franz Kafka, de Samuel Beckett ou de outros, leva simultaneamente , de acordo com Rousseau, à dominação Albert Camus são apenas os representantes mais proeminentes de e à perda de liberdade [Unfreiheit], à perda de autenticidade e à experiências da mais completa desconexão e perda de sentido. (auto-) alienação – em outras palavras, ela leva a uma condição posta diretamente contra a autonomia e autenticidade do estado da natureza, concebida como condição de autarquia. “Um estranho no mundo que ele próprio criou”: o conceito e o 2. “Alienadas” são as relações que não existem por sua própria causa, fenômeno da alienação assim como as atividades com as quais não se pode “identificar”. O trabalhador que pensa apenas em parar o tempo, o acadêmico que Rahel Jaeggi (Universidade Humboldt de Berlim) publica unicamente com vistas ao citation index, o médico que não pode esquecer por um momento da tabela de valores – todos eles estão O conceito de “alienação” refere-se a todo um conjunto de alienados do que fazem. E alguém que cultiva uma amizade apenas motivos interligados. Alienação significa indiferença e divisão interna, porque serve a seus próprios interesses tem uma relação alienada com o mas também impotência e relação inadequada, com respeito a si mesmo e seu parceiro. a um mundo experimentado como indiferente e estranho. A alienação é a incapacidade de estabelecer uma relação com outros seres humanos, com 3. O discurso da alienação caracteriza, além disso, a desvinculação as coisas, com as instituições sociais e, portanto, também – sendo a [Herauslösung] dos enlaçamentos sociais. Nesse sentido, alguém pode se intuição fundamental do tema da alienação – a si mesmo. Um mundo “alienar” do parceiro de vida ou da família, do local de origem ou de uma alienado se apresenta aos indivíduos como sem sentido e sem significado, comunidade ou de um meio cultural. Mais especificamente, falamos de como rígido e empobrecido, como um mundo que não é “o seu”, ou seja, alienação quando alguém não pode se identificar – conceber como “seu” um mundo em que não se está “em casa” e sobre o qual não se tem – as instituições sociais ou políticas nas quais ele vive. Isolamento social influência. O sujeito alienado torna-se um estranho para si próprio; já ou privatização individualista também podem ser considerados como não se experimenta como um “sujeito ativamente efetivo”, mas sim como sintomas de alienação. Ligeiramente romantizada, a alienação é por um “objeto passivo” que está à mercê de forças que ele não conhece. vezes entendida como um sinônimo de “desenraizamento” Pode-se falar de alienação “onde quer que os indivíduos não se [Entwurzelung] e “apatricidade” [Heimatlosigkeit], que, no repertório reencontram em suas próprias ações” ou onde quer que não possamos ser dos críticos culturais conservadores, remontam à confusão ou ao “Senhor sobre o aquilo que nós mesmos somos”. O alienado é “um anonimato das relações de vida modernas, ou à “artificialidade” de sua estranho no mundo que ele próprio fez”. mediação midiática.
1. Em conformidade com o uso linguístico, é “alienado” de si mesmo 4. A despersonalização [Entpersönlichung] e a reificação
aquele que não se comporta “de modo próprio” [eigentlich], mas sim [Versachlichung] das relações inter-humanas e das relações com o “artificialmente” [künstlich] e “de modo não genuíno” [unecht], ou mundo, contam como alienadas na medida em que essas relações não são aquele que é guiado por desejos que, em um aspecto determinado, não mais imediatas, mas sim mediadas (por exemplo, através do dinheiro), na são “os seus próprios” [die eigenen], ou não são experimentados medida em que não são “concretas”, mas “abstratas”, na medida em que enquanto tais. Já de acordo com o diagnóstico crítico de Rousseau, trata- não são inalienáveis [unveräußerlich], mas intercambiáveis. A se então de alguém que vive “na opinião dos outros” em vez de “em si mercantilização ou “comodificação” de áreas ou bens que antes não mesmo”. De acordo com isso, os papéis comportamentais e o tinham a forma de mercado é, a este respeito, um exemplo do fenômeno conformismo social contam, por exemplo, como alienados ou da alienação. A afirmação de que a sociedade burguesa, “dominada pelo inautênticos; mas pertencem também ao campo dos diagnósticos da equivalente”, destrói a singularidade das coisas e dos seres humanos, sua alienação os discursos de crítica ao consumismo que versam sobre as particularidade e sua insubstituibilidade, é um diagnóstico de crítica da “falsas necessidades”. alienação que se encontra mesmo além dos limites do marxismo.