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Inicialmente agradeço o convite do Sr. Dr.

Pedro Jeferson Miranda e a atenção


do Prof. Dr Lúcio Lobo. Espero hoje contribuir de alguma forma para este evento da
Confraria. Nesta conferência trataremos, nos apoiando em Santo Tomás e sua escola,
sobre a causa final; qual sua natureza, propriedade e divisões. Além disso,
argumentaremos em favor de sua existência na natureza, e de sua universalidade, ou
seja, que em toda causa eficiente há uma causa final que a antecede. E, por fim,
demonstraremos a necessidade da existência de um Ordenador Supremo. Acreditamos
que pode-se concluir após esta exposição a extrema importância da causa final para o
estudo da ciência ou filosofia natural, mas que atualmente é quase totalmente esquecida.

Henri-Dominique Gardeil dirá que no aristotelismo a causa pode ser reduzida a


duas significações: a causa é um princípio de ser e, em segundo lugar, no plano do
conhecimento, um princípio de explicação. João de Santo Tomás, também citado por
Gardeil, em seu livro “La naturaliza y las causa”, digo em espanhol pois consultei a
partir da tradução de Juan Cruz Cruz, após se referir às diversas definições do Doutor
Angélico para a noção de causa em geral, concluirá uma plena definição de causa a
partir delas:

Causa é o princípio de algo a modo de influxo ou derivação, da qual


propriamente se há seguido algo com dependência em seu ser.
NÃO LEIA: “Causa es el princpio de algo a modo de influjo o derivación, de la que
propriamente se ha seguido algo com dependência en su ser”

Devemos reduzir, como todos nós sabemos, todos os tipos possíveis de causas
em quatro: causa material, formal, eficiente e final. Seguindo as definições dada no
comentário à Física do Doutor diremos que:

A causa material é "aquilo do qual algo se torna e permanece na coisa tornada"


A formal é a "espécie e o exemplo" é “através dela que sabemos de cada coisa o
que ela é.”
A eficiente é "aquilo que é princípio de movimento ou de repouso"

Por fim, temos a causa final que “é dito causa na medida em que é um fim”. Isso
fica claro quando nos perguntamos o porquê de alguém andar e obtemos “Para que goze
de boa saúde” como resposta. Ou seja, a causa final é aquilo que responde o propter
quid. Revelando assim a significação da causa final como princípio de explicação.

Quanto a causa final como princípio de ser, Henri Collin no seu Manual de
Filosofia Tomista nos dará a seguinte definição: Fim é aquilo com o qual alguma coisa,
ser ou ação, finaliza. A causa final então se entende como aquilo ao qual algo busca
realizar ou possuir. Como a saúde através da alimentação, ou um barco que procura o
porto, assim como o objetivo de sentar que temos ao comprarmos uma cadeira.

Uma importante propriedade da causa final, e a única que trataremos aqui, é o


fato de possuir razão de bondade. Santo Tomás nos dá o caminho para estabelecer essa
propriedade na Suma Contra os Gentios, onde diz: “Foi mostrado que todo agente age
por causa de um fim, porque qualquer agente tende a algo determinado. E isso a que o
agente tende determinadamente, é necessário que lhe seja conveniente, pois não tenderia
a ele, senão por lhe ser conveniente. Mas o que é conveniente a alguém, é o bem para
ele. Portanto, todo agente age por causa do bem”. Ora, se o fim pode ser almejado como
bem, então ele possui razão de bem.

Desta propriedade podemos compreender de que maneira a finalidade causa as


demais causas. A causa final, nas palavras de Henri Collin, “apresentada pelo
entendimento à vontade como um bem, como algo que o convém, lhe comunica o
desejo de si, a atrai e a move a obrar, a fazer-se causa eficiente”. Assim compreendemos
de que maneira a finalidade gera causalidade.

Agora iremos expor as divisões, sem esgotar todas as possíveis, tanto do


bem quanto do fim baseando-nos no livro El Realismo del Principio de Finalidad do
Frei Garrigou-Lagrange.

Divisão do fim:

Quanto a divisão do fim, Garrigou-Lagrange nos dirá: “Como o fim é o porquê


do obrar do agente, podemos dividir os fins, já pelo objeto e o modo segundo o qual
atrai o agente, já pelo sujeito, quer dizer, pela intenção do agente”.
O fim considerado objetivamente segundo a atração que exerce se distingue em
finis cuius gratia: o fim pelo que se obra ou o bem desejado. E o finis cui: o sujeito ao
qual desejamos um bem.
Já o fim considerado subjetivamente segundo a intenção do agente, divide-se em
finis operis: o que a atividade da causa eficiente tende a realizar por sua mesma
natureza; e o finis operantis: a intenção que move a causa eficiente inteligente a
executar tal ação. Tal divisão retirei do manual de Henri Collin.

Divisão do bem:

Quanto a divisão do bem, segundo Garrigou-Lagrange, e aqui irei citá-lo


indiretamente, temos que considerar que há o bem materialmente e o formalmente
considerado. O materialmente considerado, em relação com o ente em que se encontra,
se divide segundo a categoria do ente: por exemplo, boa substância, boa quantidade, boa
qualidade, boa ação, etc. Vemos aqui que o bem é análogo ao ser, e que o encontramos
proporcionalmente em todas as categorias que domina; e assim se lhe chama uma
propriedade transcendental do ente.
O bem formalmente considerado, pode ser tomado como perfeição que se
distingue em: bonum simpliciter e bonum secundum quid; segundo o bem possui uma
bondade pura e simplesmente ou desde um ponto de vista.
“Como apetecível, o bem pode ser apetecível por si mesmo, independentemente
de toda deleitação ou utilidade subsequentes, o chamado bem honesto, e a ação
determinada por ele é digna de honra e louvor, por exemplo: dizer a verdade e não
mentir ainda que nos custe a vida. Pelo contrário, um bem pode não ser apetecível em
si, senão por razão do deleite que podemos encontrar nele (bem deleitável) ou por razão
da utilidade (bem útil), como um remédio amargo”.
Aqui concluímos a divisão da causa final na ordem do bem e na ordem do fim.

A reciprocidade entre as causas e a primazia da causa final:

Passemos então a um assunto de extrema importância, a reciprocidade entre as


causas e a primazia da causa final.
Santo Tomás em seu De Principiis Naturae, afirma que é possível que
encontremos em uma mesma coisa, relativamente ao mesmo objeto, causa e efeito sob
relações diferentes. Aqui o Doutor expressa a existência de uma reciprocidade entre as
causas: “A caminhada é causa da saúde a título de eficiente, e, inversamente, a saúde é
causa da caminhada, a título de fim. Paralelamente o corpo é matéria da alma, e a alma,
forma do corpo. Com efeito, a eficiente é dita causa relativamente ao fim, pois o fim
não existe em ato senão pela operação do agente. Mas o fim é dito causa da eficiente,
pelo fato de que esta não age senão em vista de um fim”.
Podemos usar o clássico exemplo da estátua: o bronze é a causa material, seu
formato a causa formal, a causa eficiente o escultor, e a causa final a meta que o
escultor intencionou antes de realizar a obra. O bronze só pode ser causa material da
estátua com o seu formato dado pela causa formal, e a causa formal não pode ser causa
da estátua sem aquilo no qual informará seu formato. Do mesmo modo, a matéria e a
forma não podem ser causas, senão graças à causa eficiente, esta, determinada pelo
FIM. Assim nos diz Santo Tomás no Comentário à Metafísica: Ainda que para algumas
coisas a final seja a última em relação ao ser, em relação à causalidade ela é sempre
primeira. Assim, ela é dita “causa das causas”, porque é causa da causalidade eficiente.
Isso é exemplificado no caso de um carpinteiro que deseja construir uma mesa. Para que
a mesa seja construída por um carpinteiro, é preciso antes que ele conceba a ideia de
fazer ela, seu formato e o material necessário, para poder, assim, construí-la.
Observa sobre esse ponto Pe Calderón: Si bien se piensa, el fin no sólo es causa
de la causalidade del eficiente, sino que es causa de la causalidade de todas las causas,
como disse la continución de la última cita: “El fin es causa de la causalidade del
eficiente. Por que hace que el eficiente sea eficiente; e igualmente hace que que la
matéria sea matéria y que la forma sea forma, pues la matéria no recibe la forma
sino por el fin y la forma no perfeccional a matéria sino por el fin. De allí que se diga
que el fin es causa de las causas, causa causarum, porque es causa de la causalidade
em todas las causas (De principiis naturae, c.4)
Portanto, quando um artista produz uma mesa ou uma cadeira, ou alguém toma
um caminho, é em vista do fim, da intenção que todas as demais causa se harmonizam,
assim a mesa terá tal e tal material e formato para que convenientemente sirva para
suspender alimentos e objetos de tal povo que senta desta ou daquela maneira. Assim
também um viajante pegará tal meio de transporte e não outro, está quantidade de
recursos e não outra, devido ao termo do percurso que se intenciona.
Universalidade e realismo da causa final:

Mas a causalidade da finalidade e sua primazia é universal? Ou seja, não apenas


nos entes racionais que intencionam o fim, mas inclusive nos entes naturais que agem
movidos pela natureza, também agem segundo o princípio de finalidade? Parece-nos
evidente que no mundo há uma ordem física. As leis físicas, o extinto dos animais e o
processo de reprodução e nutrição dos vegetais evidenciam isso. Mas para responder
isso de maneira mais profunda, sem recorrer ao senso comum, trago alguns
comentaristas tomistas que trataram da questão: Raeymaeker no seu livro Filosofia do
Ser, mostra-nos como toda causa eficiente é determinada pela causa final: Se a ação é
determinada, o efeito o será igualmente. Isso significa que a ação é ordenada para um
termo determinado, ou melhor, que é determinada em si mesma devido à sua
orientação para um termo determinado. Este termo é, pois a razão da ação: dá-lhe um
sentido, porque a especifica ao lhe imprimir uma direção. [...] Para recusar tal
conclusão, precisar-se-ia declarar que a causa é independente de seu fim. Mas, nesse
caso, uma operação eficiente comportaria qualquer efeito, o que equivale a dizer que
ela seria indeterminada, ou, em outros termos, que ela não seria. Segue-se, portanto,
que a finalidade, ou seja, a influência do gim sobre a operação, é um elemento
essencial da causalidade: quidquid agit, agit propter finem”.
Diz Garrigou-Lagrange, em seu livro “El realismo de principio de finalidade”,
ao comentar se o princípio de finalidade é evidente diz: “Se os agentes naturais não
estiveram naturalmente inclinados por tendência espontânea a produzir isto e não
aquilo, não produziriam nada determinado”. Depois mostra-nos como esse princípio
pode ser demonstrado por absurdo: “toda ação é essencialmente intencional, ao menos
em sentido lato de tendência e inclinação natural. De outra forma: toda ação tende por
sua mesma natureza a um fim, consciente ou inconscientemente; sem o que ela não
sairia nunca da indeterminação; careceria de direção, de sentido; o mesmo seria
atração que repulsão, assimilação que desassimilação, visão que audição, etc.”.
Como pode, então, haver entes naturais que não operam segundo a razão? O
Doutor Angélico nos ajudará a responder a questão. Na I-IIae da Suma Teólogica no
artigo 2 da questão sobre O Último Fim do Homem, Tomás de Aquino questiona-se se
agir em vista do fim é próprio da natureza racional, onde responde: “Para que [o
agente] produza um efeito determinado, é necessário que esteja determinado a algo
certo que tenha a razão de fim. Esta determinação, como na natureza racional faz-se
pelo apetite racional, que se chama vontade; nas outras faz-se pela inclinação natural
que se chama apetite natural”.
Qual o fundamento desse apetite? A forma do ente. Álvaro Calderón mostra-nos
muito bem isso: A matéria deseja ser, como todas as coisas, mas só pode receber o ser
por meio da forma, por isso tende a ela. Como a matéria é pura indeterminação, pura
potência, não pode apetecer uma forma mais do que outra. Por isso, para a matéria
tornar-se sujeito de uma forma, é preciso que seja determinada por outro. Quem faz isso
é o agente, mas qual o fundamento do apetite do agente para o agir? A forma, aquela
que torna o agente um agente. A forma não se conforma com dar o ser a aquele que é
em si o agente, senão que seja comunicar o ser enquanto possa, e por isso tende à ação.
A forma é o fim da matéria, é também o princípio do agente que move ela.
Apesar disto, temos que reconhecer com Octávio Derisi e toda a Escola, que a
causa final só pode agir mediante a intervenção da inteligência. Daremos indiretamente
sua explicação no livro “Los fundamentos metafísicos del orden moral”: A causa final
é verdadeiramente causa enquanto determina realmente a causa eficiente. No entanto,
ela só pode determinar se possuir algum modo de realidade. Mas o fim começa a existir
graças à ação da causa eficiente por ele determinada, ou quando já existe não atua como
fim desde de sua existência física, mas atua apenas enquanto presente e atuando “ut
possidendus” na causa eficiente, movendo-a sem existir em si ou independente dela.
Isso só pode ocorrer mediante e no ato da inteligência, como objeto conhecido que
dirige a atividade eficiente a sua realização. Ora, como há entes que não possuem
inteligência, é necessário que estes sejam dirigidos por aqueles que a possuem, como o
arqueiro direciona a flecha, no exemplo do Doutor das Escolas.
Agora, é possível que muitas inteligências ordenem os diversos seres? Frei
Garrigou-Lagrange no seu livro “Deus, sua existência”, mostrará que todos os ente
ordenam-se a um fim comum, além disso todas elas são relacionadas com o inteligível,
ao ser, mas não seriam o ser. Em cada uma delas haveria uma multiplicidade ordenada,
a da potência de conhecer e a do objeto. Temos, pois, que recomentarmos até uma
inteligência suprema idêntica ao ser, ao qual tenha ordenado ao ser todas as
inteligências inferiores. Temos que reconhecer, então, que há uma Inteligência
Suprema, que chamamos de Deus.
Aqui encerro minha conferência acreditando ter dado a natureza, propriedade,
divisão, necessidade, primazia e consequências da causa final. O cume e ápice é a
necessidade de haver uma Inteligência Suprema, caso haja a finalidade.

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