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FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES

PREFÁCIO
 Para justificar a necessidade de uma “metafísica dos costumes”, Kant inicia o
Prefácio afirmando que é necessário identificar-se qual o princípio que nos
permite diferenciar as diferentes ciências entre si (a Física, a Lógica e a Ética).
 Por conseguinte, chega à conclusão de que os conhecimentos racionais podem
ser divididos em formais (a Lógica), os quais se ocupam apenas da forma do
pensamento, e materiais, quando se preocupam com objetos determinados e as
leis que os regem, as quais podem ser leis da natureza (de que se ocupará a
Física) ou da liberdade (que estudará a Ética).
 Prosseguindo com a divisão, Kant encontra que o aspecto empírico cria uma
outra divisão, desta vez em cada um dos conhecimentos materiais (e não no
formal, haja vista que a Lógica não possui parte empírica), pois em tais
conhecimentos pode haver uma investigação baseada na experiência (Física e
Ética têm suas repercussões no mundo dos fenômenos); além desta, haverá uma
investigação exclusivamente racional, pois alicerçada em conceitos a priori, que
necessariamente existirão para as duas ciências. E dessa descoberta dessas duas
formas de investigação, segue-se que uma Filosofia pode ser pura (na qual, além
da Lógica, inclui-se a Metafísica (dos conhecimentos materiais)) ou empírica.
 Assim, tanto a Física como a Ética têm suas metafísicas e a desta Kant chama
Metafísica dos Costumes (ou apenas Moral).
 Kant, então, tendo lançado a ideia de que a Ética possui uma parte empírica
(Antropologia prática) e uma parte racional (Metafísica dos Costumes), passa ao
argumento de que é preciso estudar cada uma delas em separado, de modo que
uma metafísica dos costumes não possua nada de empírico e vice-versa, tão
diversos que são os âmbitos empírico e racional.
 Nesse sentido, afirma ser o objeto da obra a Filosofia moral (a mencionada
metafísica dos costumes); desse modo, para que se chegue até ela, é preciso dela
apartar toda a parte empírica. Nesse sentido, justifica sua escolha pelo fato de
que, se uma lei deve valer moralmente, deve ter necessidade absoluta e, desse
modo, é preciso se encontrar apenas racionalmente tal necessidade, e não com
base em exemplos da experiência; uma metafísica dos costumes é, assim,
necessária tanto por um motivo de ordem especulativa (para que se possa
conhecer a fonte dos princípios práticos) quanto para que se possa agir
moralmente de fato, uma vez que os costumes estão sujeitos a se corromperem
quando não possuem uma base racional.
 A esse respeito, Kant acrescenta que não basta para alguém agir em
conformidade com a lei moral, mas deve-se agir por causa de tal lei, e a única
forma de isso ocorrer é quando se tem o conhecimento dos princípios da lei
moral.
 Kant prossegue nessa toada afirmando que a inovação do seu pensamento
consiste sobretudo em que ele leva em conta somente os conceitos a priori para
construir sua doutrina moral e não, por exemplo, um apanhado das
características que compõem os modos de agir dos seres humanos.
 Desse modo, para construir seu sistema moral, sua Metafísica dos Costumes,
Kant escreve tal Fundamentação, que constitui uma crítica da razão pura prática,
a qual deve formar uma união com a crítica da razão especulativa; no entanto,
ela é apenas uma introdução, não é a crítica da razão prática propriamente dita
ainda.
 Acima de tudo, porém, a obra consiste numa busca pelo princípio supremo da
moralidade, cujo método será o de se partir analiticamente do conhecimento
comum até a determinação de tal princípio e, em seguida, inversamente, do
exame do princípio até o conhecimento comum, em que está sua aplicação.
PRIMEIRA SEÇÃO
 Kant inicia sua descrição da passagem da moral vulgar para a moral filosófica
indicando a boa vontade como a única coisa inteiramente boa no mundo; todas
as ações humanas, para serem consideradas boas, devem ser realizadas com uma
boa motivação; todas as virtudes humanas, se não dirigidas pela boa vontade,
podem tornar-se más e prejudiciais; mesmo os produtos da fortuna, sem a boa
vontade, acabam tendendo à soberba; há até qualidades que favorecem a boa
vontade, como a temperança e a calma reflexão, mas nunca podem ser
consideradas de maneira absoluta boas, pois, sem a boa vontade, podem também
tornar-se extremamente más (§§ 1º e 2º).
 Disso se segue que a boa vontade é boa em si mesma, ou seja, um fim em si
mesma; não é boa por aquilo que promove, ou seja, por sua utilidade (que nada
pode acrescentar a algo que é totalmente bom); isso não significa que alguém
não deva empregar todas as suas forças para concretizar a boa vontade, mas se, a
despeito de o fazer, não conseguir realizá-la, o bem da sua intenção não é
diminuído (§ 3º).
 Dos §§ 4º a 6º, Kant lidará com o problema da razão e do instinto natural e sua
relação com a consecução da felicidade. Kant reconhece, então, que a faculdade
da razão não é o melhor meio para a aquisição da felicidade: uma vida baseada
nos instintos alcança melhor esse fim; desse modo, seria a razão um elemento
anômalo na constituição do ser humano? Como a natureza não pode ter
cometido tal erro, é preciso se descobrir qual é a finalidade da razão: a produção
da boa vontade. Sendo tal a sua finalidade, que é sempre superior à própria
felicidade (e esta, assim, não é a razão da existência humana, mas a busca da boa
vontade ocupa esse papel), não está mal colocada, mas é essencial.
 Kant, então, argumenta que uma boa vontade depende da noção de dever,
conceito que contém o de boa vontade, pois, para que esta se realize (dissociada
de um interesse ulterior), é preciso que alguém haja em virtude de uma lei
prática, que sua motivação não seja outra senão a observância dessa lei (e não
uma motivação altruísta, por exemplo).
Kant procura analisar, então, quando alguém age por dever e não somente
conforme ao dever1. Pois é sempre preciso não ter nenhuma outra motivação
1
Importante o fato de que ele não procede a uma conceituação do dever: como afirma o tradutor, talvez
tenha sido uma supressão de uma passagem do manuscrito original.
para o agir que não a observância de uma lei prática: ou seja, agir por dever é
agir a partir de um princípio de ação e não almejando-se o efeito da ação. O ato
de ser caridoso, o de se conservar a própria vida e o de amar o próximo e a
própria felicidade, todos devem ser realizados por dever e não por qualquer
outra motivação2 (§§ 8º a 12º).
Disso se segue, como já adiantado, que o agir por dever é um princípio de ação;
portanto, o valor moral desse modo de agir está a priori e não a posteriori,
quando a motivação seria o propósito a ser alcançado por meio da ação (§13º).
Por fim, no que concerne ao modo de agir por dever, Kant argumenta que este é
sempre realizado por respeito à lei. Pois, se a ação é desprendida de toda
inclinação externa, o que resta é somente a lei (objetivamente) e o respeito a ela
(subjetivamente). E, por ser o homem dotado de razão, somente se pode
encontrar o valor moral de uma ação no respeito à lei (que advém da razão) e
não nos efeitos do ato, pois estes podem ser alcançados sem o uso desta.
Mas, então, qual seria essa lei? Tal lei deve se apresentar da seguinte forma:
deve ser tal que possa se tornar universal; ou seja, devo agir de modo que a
minha máxima se torne uma lei universal. Portanto, a necessidade da ação por
respeito à lei prática é o que constitui o dever (§§ 14º a 18º).
(Esse grande bloco sobre o que constitui o modo de agir por dever vai do §
7º ao § 18º).
 Desse modo, sendo o propósito de Kant explicitar a passagem do conhecimento
moral da razão vulgar para o conhecimento filosófico prático e tendo ele
durante várias passagens da Seção afirmado que o modo de agir segundo a boa
vontade ou por dever ou por respeito à lei é claro à razão vulgar, tentará, nesse
último bloco, demonstrar por que, então, o conhecimento filosófico passa a ser
necessário. Seu argumento é basicamente o seguinte: tal razão vulgar é
facilmente seduzida, pelos impulsos humanos, a se desviar da moral. Dessa
forma, o caminho natural da razão vulgar é ir até o conhecimento filosófico.
SEGUNDA SEÇÃO
 Não se podem encontrar provas seguras de que alguém tenha agido em uma
situação conforme o dever e não segundo intenções egoísticas, ou seja, não há
como descobrir-se a intenção do ato de alguém; na verdade, até mesmo
conhecer-se totalmente a intenção de si mesmo é difícil.
 Porém, não é porque nunca tenha havido alguém que se guiou apenas pelo dever
para agir que não devamos ainda assim buscar orientarmo-nos pela máxima
moral, pois esta é um princípio racional, que não depende de dados empíricos,
mas que os precede.

2
Apesar de tais atos deverem ser estimulados, não possuem valor moral, ou seja, a moral escapa à
utilidade. Isso significa também que, mesmo que um indivíduo pratique uma boa ação sem estar inclinado
de fato a fazê-lo, mas o faz por dever, sua atitude é moral, sua vontade é boa; dessa forma, a boa vontade
não é simplesmente o fazer por boa intenção, mas o fazer por consciência do dever.

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