Você está na página 1de 7

Sobre as Causas

Por Francisco Tourinho

Curso “O Calvinismo Explicado”

Matéria: Metafísica Reformada Clássica.

“Causa é aquilo que argumenta seu efeito pela força causal. Causalidade é aquele influxo
que a causa implica para a existência do causado. Em latim, é chamada de ratio producendi
confervandi et effectum, isto é, razão para a produção e preservação do efeito”.1

Efeito: produto da ação causal, por conseguinte é produto do princípio.

Princípio: aquilo do qual uma coisa procede.

Do ponto de vista da matéria, o estudo da causa pertence à filosofia da natureza, mas


do ponto de vista do Ser, ou seja, em sua razão formal, pertence à metafísica. Como a existência
não se reduz somente à matéria, não há necessidade de uma causa estar ligada à matéria, mas
também ao que é imaterial. O “devenir” físico é alvo do estudo da cosmologia e psicologia.
Devenir é um termo francês que significa mudança.

É o fato universal, ou a crença evidente de que as coisas estão sempre mudando que
estabelece a composição do Ser em potência e ato e, por consequência a noção de causalidade.

Potência: uma capacidade real em um sujeito real, como a água que tem a capacidade
de congelar e evaporar.

Ato: é a perfeição da potência, quando uma água é fria passa a esquentar ao receber o
calor do fogo, então adquiriu perfeição passando da potência para o ato. Quando estava fria,
estava em potência, quando esquentou, passou para o ato. Agora é quente em ato. Todo ser é
limitado naturalmente pela sua potência.

Toda mudança é um movimento. Tudo que se move é movido por outro, pois nenhum
Ser pode estar simultaneamente, no mesmo aspecto, em potência e ato, disso se conclui que
nada passa da potência para o ato, senão por outro ser em ato, que é a causa do seu
movimento (“porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos,” At 17.28).

Sobre as causas temos 6 princípios:

1 - A causa é anterior ao causado em natureza, conhecimento e dignidade.

a) Natureza: por causa da relação de dependência. Toda ação supõe o Ser. Em relação à
essência, a causa e o causado são simultâneos, ou seja, não há anterioridade da causa
em relação ao causado. Se dois objetos forem igualmente eternos, ainda assim pode

1
ALSTED; Johannes. Compendium logicae harmonicae.
haver um causado e o causador, pois é necessário apenas uma dependência de natureza.
Aqui, devemos considerar um duplo modo de ver: a causa em exercício atual e a causa
em potência, mas não em exercício. A primeira é simultânea ao efeito, mas a segunda
pode preceder o efeito.
b) Conhecimento: porque pela causa se conhece o efeito, mas se pelo efeito se conhece a
causa, dizemos que esse conhecimento é confuso, pois não é claro como quando se
conhece algo pela sua causa.
c) Dignidade: porque o causado sempre recebe o que a causa concede, isso torna a causa
mais nobre que o causado.

2 – Nada pode ser sua própria causa.

Somente aquilo que tem uma razão adequada em si mesmo para existir, não precisa de
causa, mas o que não tem uma razão adequada em si mesmo para existir, precisa de causa. Isso
pode ser visto por um duplo ângulo:

2.1 – Tudo que é finito é composto em potência e ato, portanto é necessariamente contingente.
Sendo contingente não pode existir por si mesmo, pois sua essência não coincide com sua
existência, logo, não sendo infinito, é dependente, portanto, não existe.

2.2 - A razão da existência do universo é a glória de Deus (“Os céus declaram a glória de Deus e
o firmamento anuncia a obra das suas mãos.” Sl 19.1), portanto, não há razão em si mesmo para
existir, mas em Deus, que é a causa do Universo.

Corolário: do nada, nada vem.

3 - Nenhuma causa pode dar ao efeito algo que não tenha formalmente ou eminente e
virtualmente, ou seja, o efeito preexiste na causa.

O efeito preexiste na causa formalmente porque o não Ser não pode produzir Ser.
Eminentemente porque a causa possui, virtualmente, toda perfeição do efeito. Virtualmente
porque o efeito não existe em ato na causa, mas somente em potência.

Então, podemos dizer que o fogo aquece porque formalmente, isto é, essencialmente e
subjetivamente, é quente. O fogo aquece porque eminente ou virtualmente possui, de forma
mais perfeita, o calor.

4 – Para que haja um efeito são necessários a suficiência e o ato. Após a causa suficiente estar
presente em ato, o causado é presumido.

5 - A causa também é causada pelo causado.

a) Este princípio é válido somente em causas essenciais, isto é, naquelas subordinadas por
natureza: por exemplo, o avô é a causa do pai, e o pai do filho, ou ainda, a causa do filho
é o neto do pai. No entanto, não é válido em causas acidentais ou subordinadas
acidentalmente. Deus não é a causa do pecado, embora seja a causa do homem, pois o
homem peca por causa de sua maldade, não somente porque é homem.
Importante ressaltar que não é possível que uma causa seja ativa e passiva
simultaneamente, mas que ativa enquanto age e é passiva somente enquanto sofre uma
reação, sucessivamente, não simultaneamente.

Aqui surge a grande questão: se a causa também causada pelo causado, então como Deus
não é causado pela sua criação? Resposta: diz o filósofo: “o primeiro motor move como o
objeto do amor atrai o amante”. Assim como aquele que é amado atrai aquele que ama sem
ser movido por ele, assim Deus atrai a todos sem ser movido.

Causa subordinada por natureza ou per si: depende essencialmente quanto a sua
atividade causal e quanto sua existência, como as criaturas dependem de Deus para Ser e Existir
(Atos 17.28). A essa subordinação chamamos de subordinação quanto ao Ser. Na ordem
predicamental, as causas instrumentais podem ser subordinadas somente no tocante à sua
atividade causal.

6 – Não há progressão infinita.

As causas podem ser: eficiente, formal, material e final.

A causa eficiente está para a final, assim como a causa material está para a formal.

As causas podem ser internas e externas.

A causa é externa (extrínsecas) quando está fora da essência do causado, são as causas
eficiente e a final.

A causa é interna (intrínsecas) quando está na essência do causado, são as causas


formal e material.

CAUSA FINAL

A causa final é quando o fim (finalidade, objetivo) é a causa da ação. A causa final é a
causa pela qual algo é limitado, ou seja, o fim para o qual é dirigida ou determinada por uma
causa superior. É a intenção da mudança.

1 - A causa final pode ser essencial ou acidental.

1.1 – A causa final perfeita, ou o fim perfeito, é aquela pela qual algo é limitado pela sua
própria natureza.
1.2 - O fim imperfeito é quando algo é limitado para além de sua natureza. O bem é
limitado pela sua própria natureza, mas o pecado é limitado por algo além de sua
natureza, pois por meio dele Deus pode retirar cosias boas que, obviamente, não
pertence à sua natureza.

O fim é o primeiro na intenção e o último na execução, pois o fim é a primeira causa de


todas, portanto, deve preceder a todas as outras causas, daí a regra: a Causa Suprema e o Fim
Supremo são uma e a mesma coisa, de fato, Deus sendo a causa suprema, também é o fim de
todas as coisas, por isso o fim é sempre antecedente. Esse é o ensino da Escritura quando diz:
“O Senhor fez todas as coisas para si, para os seus próprios fins, e até o ímpio para o dia do mal.”
Pv 16.4. O ímpio também é criado com um fim, portanto o pecado não pode ser visto como um
óbice em relação ao Fim Supremo.

Quem quer o fim, também quer o meio, logo o que está destinado ao fim, também está
destinado aos meios, porém isso só é válido para o que é bom e perfeito, nunca para o que é
acidental ou confuso, pois o fim concilia a amabilidade, a ordem e a medida com os Meios. Deus
não quer o pecado pela sua própria natureza quando permite sua existência e o usa como meio,
mas o quer para um fim que excede a natureza desse pecado. Do mesmo modo é um absurdo
metafísico que Deus queira algo antecedentemente sem atingir o fim consequentemente, pois
isso significa que o fim não coincidiu com a primeira vontade, tampouco os meios foram
adequados, conciliados e ordenados a esse fim.

Há quem diga que Deus pode agir quando a condição ou ocasião for posta.

Condição: é o que permite a causa produzir seu efeito.

A condição pode ser positiva ou negativa.

Positiva: quando serve como instrumento ou como meio, como, por exemplo o homem
caído é a condição para que ele possa ser salvo.

Negativa: quando afasta obstáculos.

Ocasião: é uma circunstância acidental que cria condições favoráveis à ação.

Nem a condição, nem a ocasião pode ser confundida com a causa, porque efeito algum
depende da condição ou ocasião.

Aquilo para o qual algo é, é mais importante. Assim, se alguém é um ser inteligente,
Deus é mais inteligente. E se um pai ama um mestre por causa do filho, ama mais o filho.

Todo fim é bom, mas nem todos são realmente bons, mas podem ser aparentemente
bons.

CAUSA EFICIENTE

Causa Eficiente é a causa pela qual o efeito é produzido, ela confere o existir em ato, é o
princípio extrínseco da mudança. Enquanto a causa final é a intenção da mudança, a causa
eficiente é o que produz a mudança.

1 – A causa eficiente pode ser procriadora, conservadora ou corruptora.

1.1 – Causa procriadora (causa procrians): é aquela que produz Ser.

a) Pode ser imanente ou transmutativa (transitiva). Transmutativa é quando se produz um


efeito em algo distinto do agente. Imanente é quando tem por termo a própria perfeição
do agente. Por exemplo, quando Deus emite seus decretos, temos uma ação imanente,
e quando o mundo é transformado por esses decretos, temos uma ação de
transmutação.
b) Pode ser unívoca ou equívoca (ou análogas). É unívoca quando produz algo semelhante
a si mesma em nome e forma, como os pais gerando filhos. É equívoca quando produz
um efeito diferente dela em nome e forma, como Deus, o Criador.
Como a criação é análoga ao criador, ou seja, semelhante somente sob certo aspecto, se
quisermos conhecer uma causa equívoca ou análoga através de seus efeitos, é
necessário que se conheça por analogia.

1.2 – Causa conservadora (causa conservans): é aquela que preserva o efeito. Deus é causa
procriadora e conservadora do universo. Uma temperatura abaixo de zero é o que mantém a
água congelada.

1.3 – Causa corruptora (causa corrumpens): é aquela que corrompe, como a heresia corrompe a
Igreja.

2 - A causa eficiente pode ser principal ou menos principal.

Principal é aquela pela qual o efeito é produzido primariamente, pois age sempre por
sua própria forma. Ela pode ser solitária ou sociável.

Solitária produz a coisa sem a ajuda de outros, também é chamada de causa total.
Quando tratamos de concorrência divina dizemos que Deus e o homem são causas totais de seus
efeitos, cada um em sua própria ordem.

Sociável é a que precisa da ajuda de outros, também é chamada de causa parcial. Nos
concursus providenciais simultâneos, como os molinistas e arminianos, as causas são parciais,
como dois homens que remam lado a lado em um barco ou quando os soldados se juntam para
atacar de forma coordenada. Toda ação coordenada deve estar unida por um agente distinto
superior, pois duas causas independentes não se coordenariam, per si, para a produção de um
mesmo efeito. Isso nos leva a concluir que um concurso simultâneo é impossível na ordem
transcendental, ou seja, entre Deus e a criatura, pois se se exige uma coordenação superior, o
que poderia ser superior a Deus?

Menos principal é a que faz referência ao principal. Em outras palavras, é intermediária,


subordinada e subalterna. Por exemplo, as riquezas devem ser desejadas como um fim
subordinado, e, portanto, sob o raciocínio dos meios, não sob o raciocínio do fim supremo. No
entanto, este fim não é removido do fim principal. Também é chamada de causa instrumental,
pois age somente enquanto é movida por outra. Calvino diz que a fé é uma causa instrumental
da salvação (Institutas 3.15.17).

3 – A causa eficiente pode ser por si mesma ou por acidente.

3.1 - Por si mesma é aquela que age com base em sua própria capacidade. Também
chamada de causa eficiente essencial.

3.1.1 – A causa eficiente por si mesma pode ser necessária, livre ou contingente.
3.1.2 – A Causa eficiente necessária, também chamada de Causa Eficiente Natural, é
aquela que a ação sempre produz um efeito fixo de acordo com sua própria natureza. Por
exemplo, o fogo sempre queima, os objetos são sempre atraídos ao chão.

3.1.3 – A Causa livre ou voluntária é aquela que age por deliberação. Por exemplo, o
homem/anjo/demônio raciocina, delibera e escolhe. Pode-se dizer que essa causa também é
contingentemente voluntária.

3.1.4 – A causa eficiente contingente é aquela que o efeito é contingente, como os jogos
da loteria. A causa eficiente contingente pode ser chamada de Causa Eficiente Mista quando o
efeito é produzido tanto pelas leis da natureza como pela deliberação humana, como um
arremesso de uma pedra em um determinado alvo. Mas se o evento for fortuito temos uma
causa eficiente acidental contingente, como se um machado de um homem que estava cortando
uma árvore, viesse a sair de seu cabo, e atingir, e matar outro homem a quem ele nunca viu.

3.2 - Por acidente é aquela que age com base em uma capacidade externa. Isso inclui
causas acidentais, como imprudência, compulsão e eventos fortuitos.

4 - A causa eficiente pode ser primária ou secundária.

4.1 - Primária é aquela que não é de forma alguma secundária, não recebe, mas concede
o movimento. É a causa suprema do qual nada é secundário. Em termos absolutos, a única causa
primária é Deus, mas em termos relativos, as criaturas podem ser causas primárias e
secundárias, como o fogo que esquenta uma água e um machado que corta uma árvore movido
por um lenhador.

4.2 - Secundária é aquela que depende da primária, portanto, só pode ser chamada de
primária em algum sentido. É dividida em dois tipos:

4.2.1 – Causa Secundária Remota está mais distante do efeito. Por exemplo, o
movimento do céu é a causa remota do movimento dos animais, enquanto a alma sensitiva é a
causa próxima.

4.2.2 - Causa Secundária Próxima está mais próxima do efeito. Por exemplo, a causa
eficiente da visão é a luz.

5 – A causa eficiente pode ser física ou moral.

5.1 – A causa física é a que age por influxo físico, não sensível ou material, mas
metafísico. Esse influxo é real e faz passar da potência para o ato.

5.2 – A causa moral se opõe à física por ser uma mera atração, mas não realiza o trânsito
da potência para o ato, como se fosse um conselho dado a um amigo. Por isso é chamada de
causa eficiente de modo impróprio.
CAUSA MATERIAL

Matéria é aquilo de que algo é feito. A matéria e a forma são partes essenciais de
qualquer coisa, por isso podemos dizer que a causa material é aquela que entra na essência da
causa.

1 – A matéria pode ser sensível ou inteligível.

1.1 - Materia sensibilis: é aquilo de que algo sensível é feito. Ela tem duas condições: ser
nada e ser tudo. É nada daquilo que vemos, mas é indiferente a todas essas coisas.

1.2 - Materia intelligibilis: é aquilo de que algo incorpóreo é feito. É a matéria de todas
as entidades abstratas, exceto Deus, como os anjos, a alma racional, conceitos abstratos e coisas
matemáticas.

CONTINUA...

Você também pode gostar