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TRABALHO DE TEORIAS DA JUSTIÇA

ARTHUR BASTOS

LIVRO I:

 “O bem é aquilo a que todas as coisas forma que se pode considerá-las como
tendem. Mas observa-se entre os fins existindo por convenção apenas, e não
uma certa diferença: alguns são por natureza. E em torno dos bens há uma
atividades, outros são produtos distintos flutuação semelhante, pelo fato de serem
das atividades que os produzem. Onde prejudiciais a muitos: houve, por
existem fins distintos das ações, são eles exemplo, quem perecesse devido à sua
por natureza mais excelentes do que riqueza, e outros por causa da sua
estas” coragem.”
 “Se, pois, para as coisas que fazemos  “O homem que foi instruído a respeito de
existe um fim que desejamos por ele um assunto é bom juiz nesse assunto, e o
mesmo e tudo o mais é desejado no homem que recebeu instrução sobre
interesse desse fim; e se é verdade que todas as coisas é bom juiz em geral.”
nem toda coisa desejamos com vistas em  “Todo conhecimento e todo trabalho visa
outra (porque, então, o processo se a algum bem, quais afirmamos ser os
repetiria ao infinito, e inútil e vão seria o objetivos da ciência política e qual é o
nosso desejar), evidentemente tal fim mais alto de todos os bens que se podem
será o bem, ou antes, o sumo bem.” alcançar pela ação.”
 “Esforcemo-nos por determinar, ainda  “Há uma diferença entre os argumentos
que em linhas gerais apenas, o que seja que procedem dos primeiros princípios e
ele e de qual das ciências ou faculdades os que se voltam para eles. O próprio
constitui o objeto.” Platão havia levantado esta questão,
 “Nossa discussão será adequada se tiver perguntando, como costumava fazer:
tanta clareza quanto comporta o assunto, "nosso caminho parte dos primeiros
pois não se deve exigir a precisão em princípios ou se dirige para eles?" há aí
todos os raciocínios por igual, assim uma diferença, como há, num estádio,
como não se deve buscá-la nos produtos entre a reta que vai dos juízes ao ponto de
de todas as artes mecânicas.” retorno e o caminho de volta”
 “As ações belas e justas, que a ciência  “A julgar pela vida que os homens levam
política investiga, admitem grande em geral, a maioria deles, e os homens de
variedade e flutuações de opinião, de tipo mais vulgar, parecem (não sem um
certo fundamento) identificar o bem ou a  “Seria melhor, talvez, considerar o bem
felicidade com o prazer, e por isso amam universal e discutir a fundo o que se
a vida dos gozos. Pode-se dizer, com entende por isso, embora tal investigação
efeito, que existem três tipos principais nos seja dificultada pela amizade que nos
de vida: a que acabamos de mencionar, a une àqueles que introduziram as formas.”
vida política e a contemplativa.”  “A palavra "bem" tem tantos sentidos
 “Grande maioria dos homens se mostram quantos "ser” (...) O bem não pode ser
em tudo iguais a escravos, preferindo algo único e universalmente presente,
uma vida bestial, mas encontram certa pois se assim fosse não poderia ser
justificação para pensar assim no fato de predicado em todas as categorias, mas
muitas pessoas altamente colocadas somente numa.”
partilharem os gostos de sardanapalo (rei  “Não haverá nada de bom em si mesmo
mítico da assíria)” senão a idéia do bem? Nesse caso, a
 “Pessoas de grande refinamento e índole forma se esvaziará de todo sentido. Mas,
ativa identificam a felicidade com a se as coisas que indicamos também são
honra; pois a honra é, em suma, a boas em si mesmas, o conceito do bem
finalidade da vida política. No entanto, terá de ser idêntico em todas elas, assim
afigura-se demasiado superficial para ser como o da brancura é idêntico na neve e
aquela que buscamos, visto que depende no alvaiade. Mas quanto à honra, à
mais de quem a confere que de quem a sabedoria e ao prazer, no que se refere à
recebe, enquanto o bem nos parece ser sua bondade, os conceitos são diversos e
algo próprio de um homem e que distintos. O bem, por conseguinte, não é
dificilmente lhe poderia ser arrebatado.” uma espécie de elemento comum que
 “Os homens buscam a honra para corresponda a uma só idéia.”
convencerem-se a si mesmos de que são  “Se existe uma finalidade para tudo que
bons.” fazemos, essa será o bem realizável
 “Poder-se-ia mesmo supor que a virtude, mediante a ação; e, se há mais de uma,
e não a honra, é a finalidade da vida serão os bens realizáveis através dela”.
política.”  “Os fins são vários e nós escolhemos
 “Quanto à vida consagrada ao ganho, é alguns dentre eles (como a riqueza, as
uma vida forçada, e a riqueza não é flautas9 e os instrumentos em geral),
evidentemente o bem que procuramos: é segue-se que nem todos os fins são
algo de útil, nada mais, e ambicionado no absolutos; mas o sumo bem é claramente
interesse de outra coisa.” algo de absoluto.”
 “Considerado sob o ângulo da praticamente a felicidade como uma
autossuficiência, o raciocínio parece espécie de boa vida e boa ação.”
chegar ao mesmo resultado, porque o  “Sua própria vida é aprazível por si
bem absoluto é considerado como mesma. Com efeito, o prazer é um estado
autossuficiente.” da alma, e para cada homem é agradável
 “Por ora definimos a autossuficiência aquilo que ele ama
como sendo aquilo que, em si mesmo,  Ora, na maioria dos homens os prazeres
torna a vida desejável e carente de nada. estão em conflito uns com os outros
E como tal entendemos a felicidade, porque não são aprazíveis por natureza,
considerando-a, além disso, a mais mas os amantes do que é nobre se
desejável de todas as coisas, sem contá-la comprazem em coisas que têm aquela
como um bem entre outros.” qualidade; tal é o caso dos atos virtuosos,
 “Ora, dos primeiros princípios que não apenas são aprazíveis a esses
descobrimos alguns pela indução, outros homens, mas em si mesmos e por sua
pela percepção, outros como que por própria natureza”
hábito, e outros ainda de diferentes  “Ações virtuosas devem ser aprazíveis
maneiras. Mas a cada conjunto de em si mesmas. Mas são, além disso, boas
princípios devemos investigar da maneira e nobres, e possuem no mais alto grau
natural e esforçar-nos para expressá-los cada um destes atributos, porquanto o
com precisão, pois que eles têm grande homem bom sabe aquilatá-los bem.”
influência sobre o que se segue.”  “A felicidade necessita igualmente dos
 “Os bens têm sido divididos em três bens exteriores; pois é impossível, ou
classes, e alguns foram descritos como pelo menos não é fácil, realizar atos
exteriores, outros como relativos à alma nobres sem os devidos meios. Em muitas
ou ao corpo. Nós outros consideramos ações utilizamos como instrumentos os
como mais propriamente e amigos, a riqueza e o poder político; e há
verdadeiramente bens os que se coisas cuja ausência empana a felicidade,
relacionam com a alma, e como tais como a nobreza de nascimento, uma boa
classificamos as ações e atividades descendência, a beleza.”
psíquicas.”  “O homem feliz parece necessitar
 “Outra crença que se harmoniza com a também dessa espécie de prosperidade; e
nossa concepção é a de que o homem por essa razão alguns identificam a
feliz vive bem e age bem; pois definimos felicidade com a boa fortuna, embora
outros a identifiquem com a virtude.”
 “O atributo em apreço pertencerá, pois, ações nobres, mas os encômios se
ao homem feliz, que o será durante a vida dirigem aos atos, quer do corpo, quer da
inteira; porque sempre, ou de preferência alma. No entanto, talvez a sutileza nestes
a qualquer outra coisa, estará empenhado assuntos seja mais própria dos que
na ação ou na contemplação virtuosa, e fizeram um estudo dos encômios; para
suportará as vicissitudes da vida com a nós, o que se disse acima deixa bastante
maior nobreza e decoro, se é claro que a felicidade pertence ao número
"verdadeiramente bom" e "honesto acima das coisas estimadas e perfeitas.”
de toda censura".”  “O elemento irracional é persuadido pela
 “Pequenos incidentes felizes ou infelizes razão, também estão a indicá-lo os
não pesam muito na balança, mas uma conselhos que se costuma dar, assim
multidão de grandes acontecimentos, se como todas as censuras e exortações. E,
nos forem favoráveis, tornará nossa vida se convém afirmar que também esse
mais venturosa e, se se voltarem contra elemento possui um princípio racional, o
nós, poderão esmagar e mutilar a que possui tal princípio (como também o
felicidade, pois que, além de serem que carece dele) será de dupla natureza:
acompanhados de dor, impedem muitas uma parte possuindo-o em si mesma e no
atividades.” sentido rigoroso do termo, e a outra com
 “O louvor é apropriado à virtude, pois a tendência de obedecer-lhe como um
graças a ela os homens tendem a praticar filho obedece ao pai.

LIVRO II:

 “Sendo, pois, de duas espécies a virtude, ultrapassem determinados limites, tanto


intelectual e moral, a primeira, por via de para mais como para menos, destroem a
regra, gera-se. e cresce graças ao ensino saúde ao passo que, sendo tomados nas
— por isso requer experiência e tempo; devidas proporções, a produzem,
enquanto a virtude moral é adquirida em aumentam e preservam.”
resultado do hábito, donde ter-se formado  “A temperança e a coragem, pois, são
o seu nome por uma pequena destruídas pelo excesso e pela falta, e
modificação da palavra (hábito).” preservadas pela mediania.”
 “Tanto a deficiência como o excesso de  “A excelência moral, relaciona-se com
exercício destroem a força; e, da mesma prazeres e dores; é por causa do prazer
forma, o alimento ou a bebida que que praticamos más ações, e por causa da
dor que nos abstemos de ações nobres. essa prática, ninguém teria sequer a
Por isso deveríamos ser educados de uma possibilidade de tornar-se bom.”
determinada maneira desde a nossa  “Ora, nem as virtudes nem os vícios são
juventude, como diz Platão, a fim de nos paixões, porque ninguém nos chama bons
deleitarmos e de sofrermos com as coisas ou maus devido às nossas paixões, e sim
que nos devem causar deleite ou devido às nossas virtudes ou vícios.”
sofrimento, pois essa é a educação certa.”  “Além disso, com respeito às paixões se
 “Se as virtudes dizem respeito a ações e diz que somos movidos, mas com
paixões, e cada ação e cada paixão é respeito às virtudes e aos vícios não se diz
acompanhada de prazer ou de dor, que somos movidos, e sim que temos tal
também por este motivo a virtude se ou tal disposição.”
relacionará com prazeres e dores.”  “Por estas mesmas razões, também não
 “Para usarmos a frase de Heráclito, é são faculdades, porquanto ninguém nos
mais difícil lutar contra o prazer do que chama bons ou maus, nem nos louva ou
contra a dor, mas tanto a virtude como a censura pela simples capacidade de sentir
arte se orientam para o mais difícil, que as paixões. Acresce que possuímos as
até torna melhores as coisas boas. Essa é faculdades por natureza, mas não nos
também a razão por que tanto a virtude tornamos bons ou maus por natureza. Por
como a ciência política giram sempre em conseguinte, se as virtudes não são
torno de prazeres e dores, de vez que o paixões nem faculdades, só resta uma
homem que lhes der bom uso será bom e alternativa: a de que sejam disposições de
o que lhes der mau uso será mau.” caráter.”
 “Por conseguinte, as ações são chamadas  “A virtude diz respeito às paixões e ações
justas e temperantes quando são tais em que o excesso é uma forma de erro,
como as que praticaria o homem justo ou assim como a carência, ao passo que o
temperante; mas não é temperante o meio-termo é uma forma de acerto digna
homem que as pratica, e sim o que as de louvor; e acertar e ser louvada são
pratica tal como o fazem os justos e características da virtude. Em conclusão,
temperantes. É acertado, pois, dizer que a virtude é uma espécie de mediania, já
pela prática de atos justos se gera o que, como vimos, ela põe a sua mira no
homem justo, e pela prática de atos meio-termo.”
temperantes, o homem temperante; sem  “Por isso, o primeiro é fácil e o segundo
difícil — fácil errar a mira, difícil atingir
o alvo. Pelas mesmas razões, o excesso e por lidar com pequenas quantias, também
a falta são característicos do vício, e a se verifica aqui, pois há uma disposição
mediania da virtude: Pois os homens são que tem alguns pontos em comum com o
bons de um modo só, e maus de muitos justo orgulho, mas ocupa-se com
modos.” pequenas honras, enquanto a este só
 “A virtude é, pois, uma disposição de interessam as grandes.”
caráter relacionada com a escolha e  “No que toca à verdade, o intermediário
consistente numa mediania, isto é, a é a pessoa verídica e ao meio-termo
mediania relativa a nós, a qual é podemos chamar veracidade, enquanto a
determinada por um princípio racional simulação que exagera é a jactância e a
próprio do homem dotado de sabedoria pessoa que se caracteriza por esse hábito
prática. E é um meio-termo entre dois é jactanciosa; e a que subestima é a falsa
vícios, um por excesso e outro por falta; modéstia, a que corresponde a pessoa
pois que, enquanto os vícios ou vão muito falsamente modesta.”
longe ou ficam aquém do que é  “Quanto à aprazibilidade no proporcionar
conveniente no tocante às ações e divertimento, a pessoa intermediária é
paixões, a virtude encontra e escolhe o espirituosa e ao meio-termo chamamos
meio-termo. E assim, no que toca à sua espírito; o excesso é a chocarrice, e a
substância e à definição que lhe pessoa caracterizada por ele, um
estabelece a essência, a virtude é uma chocarreiro, enquanto a pessoa que
mediania; com referência ao sumo bem e mostra deficiência é uma espécie de
ao mais justo, é, porém, um extremo.” rústico e a sua disposição é a
 “No que se refere a dar e receber dinheiro rusticidade.”
o meio-termo é a liberalidade; o excesso  “O homem que sabe agradar a todos da
e a deficiência, respectivamente, maneira devida é amável, e o meio-termo
prodigalidade e avareza.” é a amabilidade, enquanto o que excede
 “Com respeito à honra e à desonra, o os limites é uma pessoa obsequiosa se
meio-termo é o justo orgulho, o excesso não tem nenhum propósito determinado,
é conhecido como uma espécie de um lisonjeiro se visa ao seu interesse
"vaidade oca" e a deficiência como uma próprio, e o homem que peca por
humildade indébita; e a mesma relação deficiência e se mostra sempre
que apontamos entre a liberalidade e a desagradável é uma pessoa mal-
magnificência, da qual a primeira difere humorada e rixenta.”
 “A justa indignação é um meio-termo excesso e o outro, deficiência, e isso
entre a inveja e o despeito, e estas porque a sua natureza é visar à mediania
disposições se referem à dor e ao prazer nas paixões e nos atos.”
que nos inspiram a boa ou má fortuna de  “Em todas as coisas o meio-termo é
nossos semelhantes.” digno de ser louvado, mas que às vezes
 “Está, pois, suficientemente esclarecido devemos inclinar-nos para o excesso e
que a virtude moral é um meio-termo, e outras vezes para a deficiência.
em que sentido devemos entender esta Efetivamente, essa é a maneira mais fácil
expressão; e que é um meio-termo entre de atingir o meio-termo e o que é certo.”
dois vícios, um dos quais envolve

LIVRO III:

 “Visto que a virtude se relaciona com tais ações; e aquelas coisas cujo princípio
paixões e ações, e é às paixões e ações motor está em nós, em nós está
voluntárias que se dispensa louvor e igualmente o fazê-las ou não as fazer.”
censura, enquanto as involuntárias  “Que espécie de ações se devem, pois,
merecem perdão e às vezes piedade, é chamar forçadas? Respondemos que,
talvez necessário a quem estuda a sem ressalvas de qualquer espécie, as
natureza da virtude distinguir o ações são forçadas quando a causa se
voluntário do involuntário.” encontra nas circunstâncias exteriores e o
 “São, pois, consideradas involuntárias agente em nada contribui.”
aquelas coisas que ocorrem sob  “Quanto às coisas que em si mesmas são
compulsão ou por ignorância; e é involuntárias, mas, no momento atual e
compulsório ou forçado aquilo cujo devido às vantagens que trazem consigo,
princípio motor se encontra fora de nós e merecem preferência, e cujo princípio
para o qual em nada contribui a pessoa motor se encontra no agente, essas são,
que age e que sente a paixão” como dissemos, involuntárias em si
 “Ambos esses termos, "voluntário" e mesmas, porém, no momento atual e em
"involuntário", devem, portanto ser troca dessas vantagens, voluntárias.”
usados com referência ao momento da  “Se alguém afirmasse que as coisas
ação. Ora, o homem age voluntariamente, nobres e agradáveis têm um poder
pois nele se encontra o princípio que compulsório porque nos constrangem de
move as partes apropriadas do corpo em fora, para ele todos os atos seriam
compulsórios e forçados, pois tudo que  “Como tudo o que se faz constrangido ou
fazemos tem essa motivação. E os que por ignorância é involuntário, o
agem forçados e contra a sua vontade, voluntário parece ser aquilo cujo
agem com dor, mas os que praticam atos princípio motor se encontra no próprio
por sua satisfação própria ou pelo que agente que tenha conhecimento das
aqueles têm de nobre fazem-no com circunstâncias particulares do ato. É de
prazer. É absurdo responsabilizar as presumir que os atos praticados sob o
circunstâncias exteriores e não a si impulso da cólera ou do apetite não
mesmo, julgando-se facilmente arrastado mereçam a qualificação de
por tais atrativos, e declarar-se involuntários.”
responsável pelos atos nobres enquanto  “O involuntário é considerado doloroso,
se lança a culpa dos atos vis sobre os mas o que está de acordo com o apetite é
objetos agradáveis.’ agradável.”
 “O compulsório parece, pois, ser aquilo  “A escolha, pois, parece ser voluntária,
cujo princípio motor se encontra do lado mas não se identifica com o voluntário. O
de fora, para nada contribuindo quem é segundo conceito tem muito mais
forçado.” extensão. Com efeito, tanto as crianças
 “Tudo o que se faz por ignorância é não- como os animais inferiores participam da
voluntário, e só o que produz dor e ação voluntária, porém não da escolha; e,
arrependimento é involuntário. Com embora chamemos voluntários os atos
efeito, o homem que fez alguma coisa praticados sob o impulso do momento,
devido à ignorância e não se aflige em não dizemos que foram escolhidos.”
absoluto com o seu ato não agiu  “Ainda mais: há contrariedade entre
voluntariamente, visto que não sabia o apetite e escolha, mas entre apetite e
que fazia; mas tampouco agiu apetite, não. E ainda: o apetite relaciona-
involuntariamente, já que isso não lhe se com o agradável e o doloroso; a
causa dor alguma.” escolha, nem com um, nem com o outro.”
 “Das pessoas que agem por ignorância,  “A escolha não pode visar a coisas
as que se arrependem são consideradas impossíveis, e quem declarasse escolhê-
agentes involuntários, e as que não se las passaria por tolo e ridículo; mas pode-
arrependem podem ser chamadas agentes se desejar o impossível — a imortalidade,
não-voluntários.” por exemplo. E o desejo pode relacionar-
se com coisas em que nenhum efeito
teriam os nossos esforços pessoais,  “Depende de nós praticar atos nobres ou
como, por exemplo, que determinado vis, e se é isso que se entende por ser bom
ator ou atleta vença uma competição; mas ou mau, então depende de nós sermos
ninguém escolhe tais coisas, e sim virtuosos ou viciosos.”
aquelas que julga poderem realizar-se  “Os vícios da alma são voluntários, senão
graças aos seus esforços.” que também os do corpo o são para
 “O desejo relaciona-se com o fim e a alguns homens, aos quais censuramos por
escolha com os meios.” isso mesmo: ao passo que ninguém
 “Acresce que a escolha é louvada pelo censura os que são feios por natureza,
fato de relacionar-se com o objeto censuramos os que o são por falta de
conveniente, e não de relacionar-se exercício e de cuidado.”
convenientemente com ele, ao passo que  “As ações e as disposições de caráter não
a opinião é louvada quando tem uma são voluntárias do mesmo modo, porque
relação verdadeira com o seu objeto.” de princípio a fim somos senhores de
 “O homem é um princípio motor de nossos atos se conhecemos as
ações; ora, a deliberação gira em torno de circunstâncias; mas, embora controlemos
coisas a serem feitas pelo próprio agente, o despontar de nossas disposições de
e as ações têm em vista outra coisa que caráter, o desenvolvimento gradual não é
não elas mesmas. Com efeito, o fim não óbvio, como não o é também na doença;
pode ser objeto de deliberação, mas no entanto, como estava em nosso poder
apenas o meio.” agir ou não agir de tal maneira, as
 “A escolha é um desejo deliberado de disposições são voluntárias.”
coisas que estão ao nosso alcance;  “Ora, o fim de toda atividade é a
porque, após decidir em resultado de uma conformidade com a correspondente
deliberação, desejamos de acordo com o disposição de caráter.”
que deliberamos.”  “O excesso em relação aos prazeres é
 “Sendo, pois, o fim aquilo que intemperança, e é culpável.”
desejamos, e o meio aquilo acerca do  “O homem temperante leva esse nome
qual deliberamos e que escolhemos, as porque não sofre com a ausência do que
ações relativas ao meio devem concordar é agradável nem com o fato de abster-se
com a escolha e ser voluntárias. Ora, o  “O intemperante, pois, almeja todas as
exercício da virtude diz respeito aos coisas agradáveis ou as que mais o são, e
meios.” é levado pelo seu apetite a escolhê-las a
qualquer custo; por isso sofre não apenas  “Portanto, os apetites devem ser poucos e
quando não as consegue, mas também moderados, e não se oporem de modo
quando simplesmente anseia por elas algum ao princípio racional — e isso é o
(pois o apetite é doloroso).” que -chamamos obediência e disciplina.”
 “A intemperança assemelha-se mais a  “Em conclusão: no homem temperante o
uma disposição voluntária do que a elemento apetitivo deve harmonizar-se
covardia, pois a primeira é atuada pelo com o princípio racional, pois o que
prazer e a segunda pela dor; ora, a um nós ambos têm em mira é o nobre, e o homem
procuramos e à outra evitamos; acresce temperante apetece as coisas que deve, da
ainda que a dor transtorna e destrói a maneira e na ocasião devidas; e isso é o
natureza da pessoa que a sente, ao passo que prescreve o princípio racional.”
que o prazer não tem tais efeitos. Logo, a
intemperança é mais voluntária.”

LIVRO IV:

 “Ora, dar e gastar parece ser o uso da têm experiência da necessidade; e, em


riqueza, ao passo que adquirir e segundo, todos os homens têm mais amor
conservar é antes a sua posse. Por isso é ao que eles próprios produziram, como os
mais próprio do homem liberal dar às pais e os poetas. Não é fácil a um homem
pessoas que convém do que adquirir das liberal ser rico, pois não é inclinado nem
fontes que convém e não das indébitas. a tomar nem a conservar, mas a dar, e não
Com efeito” estima a riqueza por si mesma, e sim
como instrumento de sua liberalidade.”
 “Os que dão também são chamados
liberais, mas os que se abstêm de tomar  “É liberal aquele que gasta de acordo
não são louvados pela liberalidade e sim com as suas posses, e com os objetos que
pela justiça, enquanto os que tomam convém; e quem excede a medida é
dificilmente são louvados. E os liberais pródigo. Por isso não chamamos os
são quase que os mais louvados de todos déspotas de pródigos: no caso deles não
os caracteres virtuosos, porquanto são nos parece fácil dar e gastar além de suas
úteis; e isso por causa de suas dádivas.” posses.”

 “São considerados mais liberais os que  “Sendo, pois, a liberalidade um meio-


não fizeram a sua fortuna, mas herdaram- termo no tocante ao dar e ao tomar
na. Porque, em primeiro lugar, esses não riquezas, o homem liberal dará c gastará
as quantias que convém com os objetos virtudes. Mais ainda: ele o fará com
que convém, tanto nas coisas pequenas prazer e com largueza, visto que os
como nas grandes, e isso com prazer; e cálculos precisos são próprios dos
também tomará as quantias que convém avarentos.”
das fontes que convém.”  “A magnificência é um atributo dos
 “Ora, a prodigalidade excede no dar e gastos que chamamos honrosos, como os
no não receber, mostrando-se deficiente que se relacionam com os deuses —
no receber, enquanto a avareza se mostra ofertas votivas, construções, sacrifícios.”
deficiente no dar e excede no receber,  “Um homem pobre não pode ser
salvo em pequenas coisas.” magnificente, visto não ter os meios de
 “É natural que a avareza seja definida gastar apropriadamente grandes quantias;
como o contrário da liberalidade pois não e quem tenta fazê-lo é um tolo, porquanto
só é ela um maior mal do que a gasta além do que se pode esperar dele e
prodigalidade, mas os homens erram do que é apropriado; ora, a despesa justa
mais amiúde nesse sentido do que no da é que é virtuosa.”
prodigalidade.”  “O homem mesquinho, por outro lado,
 “Não se estende, porém, como a fica aquém da medida em tudo, e depois
liberalidade, a todas as ações que têm que de gastar as maiores quantias estraga a
ver com a riqueza, mas apenas às que beleza do resultado por uma bagatela; e
envolvem gasto; e nestas, ultrapassa a em tudo que faz hesita, estuda a maneira
liberalidade em escala.” de gastar menos, lamenta até o pouco que
 “O homem magnificente assemelha-se despende e julga estar fazendo tudo em
a um artista, pois percebe o que é maior escala do que devia.”
apropriado e sabe gastar grandes quantias  “Ora, diz-se que é magnânimo o
com bom gosto. (...) Ora, os gastos do homem que com razão se considera digno
homem magnificente são vultosos e de grandes coisas; pois aquele que se
apropriados. Por conseguinte, tais serão arroga uma dignidade a que não faz jus é
também os seus resultados; e assim, um tolo, e nenhum homem virtuoso é tolo
haverá um grande dispêndio em perfeita ou ridículo.”
consonância com o seu resultado.”  “Com efeito, aquele que de pouco é
 “O homem magnificente, além disso, merecedor e assim se considera é
gastará dinheiro tendo em mira a honra, temperante e não magnânimo; a
pois essa finalidade é comum a todas as magnanimidade implica grandeza do
mesmo modo que a beleza implica uma  “O magnânimo não se expõe a perigos
boa estatura, e as pessoas pequenas insignificantes, nem tem amor ao perigo,
podem ser bonitas e bem proporcionadas, pois estima poucas coisas; mas enfrentará
porém não belas. Por outro lado, o que se os grandes perigos, e nesses casos não
julga digno de grandes coisas sem possuir poupará a sua vida, sabendo que há
tais qualidades é vaidoso, se bem que condições em que não vale a pena viver.”
nem todos os que se consideram mais
 “É também característico do homem
merecedores do que realmente são
magnânimo não pedir nada ou quase
possam ser chamados de vaidosos”
nada, mas prestar auxílio de bom grado e
 “O homem que se considera menos adotar uma atitude digna em face das
merecedor do que realmente é, é pessoas que desfrutam de alta posição e
indevidamente humilde, quer os seus são favorecidas pela fortuna, enquanto se
méritos sejam grandes ou moderados, mostram despretensiosos para com os de
quer sejam pequenos, mas suas classe mediana.”
pretensões ainda menores.”
 “Os vaidosos, por outro lado, são tolos
 “O magnânimo, portanto, é um que ignoram a si mesmos, e isso de modo
extremo com respeito à grandeza de suas manifesto. Porquanto, sem serem dignos
pretensões, mas um meio-termo no que de tais coisas, aventuram-se a honrosos
tange à justeza das mesmas; porque se empreendimentos que não tardam a
arroga o que corresponde aos seus denunciá-los pelo que são.”
méritos, enquanto os outros excedem ou
 “Louva-se o homem que se encoleriza
ficam aquém da medida.”
justificadamente com coisas ou pessoas
 “A magnanimidade parece, pois, ser e, além disso, como deve, na devida
uma espécie de coroa das virtudes, ocasião e durante o tempo devido. Esse
porquanto as torna maiores e não é será, pois, o homem calmo, já que a
encontrada sem elas. Por isso é difícil ser calma é louvada. Um tal homem tende a
verdadeiramente magnânimo, pois sem não se deixar perturbar nem guiar pela
possuir um caráter bom e nobre não se paixão, mas a irar-se da maneira, com as
pode sê-lo.” coisas e durante o tempo que a regra
 “Mas, em verdade, só merece ser prescreve.”
honrado o homem bom; aquele, porém,  “Ora, os irascíveis encolerizam-se
que goza de ambas as vantagens é depressa, com pessoas e coisas indébitas
considerado mais merecedor de honra.” e mais do que convém, mas sua cólera
não tarda a passar, e isso é o que há de  “O homem jactancioso, pois, é
melhor em tais pessoas. São assim considerado como afeito a arrogar-se
porque não refreiam a sua ira, mas a coisas que trazem glória, quando não as
natureza ardente as leva a revidar logo, possui, ou arrogar-se mais do que possui;
feito o quê, dissipa-se a cólera.” e o homem falsamente modesto, pelo
 “As pessoas birrentas são difíceis de contrário, a negar ou a amesquinhar o que
apaziguar e conservam por mais tempo a possui, enquanto o que observa o meio-
sua cólera, porque a refreiam. Cessa, termo não exagera nem subestima e é
porém, quando revidam, pois a vingança veraz tanto em seu modo de viver como
as alivia da cólera, substituindo-lhes a em suas palavras, declarando o que
dor pelo prazer.” possui, porém não mais nem menos.”

 “Chamamos mal-humorados os que se  “E a falsidade é em si mesma vil e


encolerizam com o que não devem, mais culpável; e a verdade, nobre e digna de
do que devem e por mais tempo, e não louvor. Portanto, o homem veraz é mais
podem ser apaziguados enquanto não se um exemplo daqueles que, conservando-
vingam ou castigam.” se no meio-termo, merecem louvor; e

 “Nas reuniões de homens, na vida ambas as formas de homem inverídico


social e no intercâmbio de palavras e são censuráveis, mas particularmente o
atos, alguns são considerados jactancioso.”
obsequiosos, isto é, aqueles que para  “As pessoas falsamente modestas, que
serem agradáveis louvam todas as coisas subestimam os seus méritos, parecem
e jamais se opõem a quem quer que seja mais simpáticas porque se pensa que não
julgando que é seu dever "não magoar as falam com a mira no proveito, mas para
pessoas que encontram"; enquanto os fugir à ostentação; e também aqui as
que, pelo contrário, se opõem a tudo e qualidades que negam possuir, como
não têm o menor escrúpulo de magoar fazia Sócrates, são aquelas que trazem
são chamados grosseiros e altercadores.” boa reputação.”

LIVRO V:

 “Vemos que todos os homens a fazer o que é justo, que as faz agir

entendem por justiça aquela disposição justamente e desejar o que é justo; e do

de caráter que torna as pessoas propensas mesmo modo, por injustiça se entende a
disposição que as leva a agir injustamente  “Donde se segue que a conjunção do
e a desejar o que é injusto.” termo A com C e de B com D é o que é
 “Mas o homem sem lei, assim como o justo na distribuição; e esta espécie do
ganancioso e ímprobo, são considerados justo é intermediária, e o injusto é o que
injustos, de forma que tanto o respeitador viola a proporção; porque o proporcional
da lei como o honesto serão é intermediário, e o justo é proporcional.”
evidentemente justos. O justo é, portanto,  “O que é o justo: o proporcional; e o
o respeitador da lei e o probo, e o injusto injusto é o que viola a proporção. Desse
é o homem sem lei e ímprobo.” modo, um dos termos torna-se grande
 “A justiça é muitas vezes considerada demais e o outro demasiado pequeno,
a maior das virtudes, e "nem Vésper, nem como realmente acontece na prática;
a estrela-d’alva64" são tão admiráveis; e porque o homem que age injustamente
proverbialmente, "na justiça estão tem excesso e o que é injustamente
compreendidas todas as virtudes". E ela é tratado tem demasiado pouco do que é
a virtude completa no pleno sentido do bom. No caso do mal verifica-se o
termo, por ser o exercício atual da virtude inverso, pois o menor mal é considerado
completa. É completa porque aquele que um bem em comparação com o mal
a possui pode exercer sua virtude não só maior, visto que o primeiro é escolhido
sobre si mesmo, mas também sobre o seu de preferência ao segundo, e o que é
próximo, já que muitos homens são digno de escolha 1 bom, e de duas coisas
capazes de exercer virtude em seus a mais digna de escolha é um bem
assuntos privados, porém não em suas maior.”
relações com os outros.”  “Com efeito, a justiça que distribui
 “Por essa mesma razão se diz que posses comuns está sempre de acordo
somente a justiça, entre todas as virtudes, com a proporção mencionada acima (e
é o "bem de um outro", visto que se mesmo quando se trata de distribuir os
relaciona com o nosso próximo!” fundos comuns de uma sociedade, ela se

 “O pior dos homens é aquele que fará segundo a mesma razão que guardam

exerce a sua maldade tanto para consigo entre si os fundos empregados no negócio

mesmo como para com os seus amigos, e pelos diferentes sócios); e a injustiça

o melhor não é o que exerce a sua virtude contrária a esta espécie de injustiça é a

para consigo mesmo, mas para com um que viola a proporção.”

outro; pois que difícil tarefa é essa.”


 “Porquanto não faz diferença que um  “Haverá, pois, reciprocidade quando
homem bom tenha defraudado um os termos forem igualados de modo que,
homem mau ou vice versa, nem se foi um assim como o agricultor está para o
homem bom ou mau que cometeu sapateiro, a quantidade de produtos do
adultério; a lei considera apenas o caráter sapateiro esteja para a de produtos de
distintivo do delito e trata as partes como agricultor pela qual é trocada.”
iguais, se uma comete e a outra sofre  “Temos, pois, definido o justo e o
injustiça, se uma é autora e a outra é injusto. Após distingui-los assim um do
vítima do delito. Portanto, sendo esta outro, é evidente que a ação justa é
espécie de injustiça uma desigualdade, o intermediária entre o agir injustamente e
juiz procura igualá-la.” o ser vítima de injustiça; pois um deles é
 “Ora, o juiz restabelece a igualdade. E ter demais e o outro é ter demasiado
como se houvesse uma linha dividida em pouco.”
partes desiguais e ele retira a diferença  “A justiça existe apenas entre homens
pela qual o segmento excede a metade cujas relações mútuas são governadas
para acrescentá-la menor. E quando o pela lei; e a lei existe para os homens
todo foi igualmente dividido, os litigantes entre os quais há injustiça, pois a justiça
dizem que receberam "o que lhes legal é a discriminação do justo e do
pertence" — isto é, receberam o que é injusto.”
igual.”
 “Da justiça política, uma parte é
 “Logo, o justo é intermediário entre natural e outra parte legal: natural, aquela
uma espécie de ganho e uma espécie de que tem a mesma força onde quer que
perda, a saber, os que são involuntários. seja e não existe em razão de pensarem os
Consiste em ter uma quantidade igual homens deste ou daquele modo; legal, a
antes e depois da transação.” que de início é indiferente, mas deixa de
 “Ora, "reciprocidade" não se enquadra sê-lo depois que foi estabelecida: por
nem na justiça distributiva, nem na exemplo, que o resgate de um prisioneiro
corretiva, e no entanto, querem que a seja de uma mina, ou que deve ser
justiça do próprio Radamanto signifique sacrificado um bode e não duas ovelhas,
isso: Se um homem sofrer o que fez, a e também todas as leis promulgadas para
devida justiça, será feita” casos particulares, como a que mandava
oferecer sacrifícios em honra de
Brásidas, e as prescrições dos decretos.”
 “As coisas justas e legítimas, cada uma podem ter uma parte excessiva ou

se relaciona como o universal para com excessivamente pequena delas; porque a

os seus casos particulares; pois as coisas alguns seres (como aos deuses,

praticadas são muitas, mas dessas cada presumivelmente) não é possível ter uma

uma é uma só, visto • que é universal.” parte excessiva de tais coisas, e a outros,
isto é, os incuravelmente maus, nem a
 “E o caráter voluntário ou involuntário
mais mínima parte seria benéfica, mas
do ato que determina se ele é justo ou
todos os bens dessa espécie são nocivos,
injusto, pois, quando é voluntário, é
enquanto para outros são benéficos
censurado, e pela mesma razão se torna
dentro de certos limites. Donde se
um ato de injustiça; de forma que existem
conclui que a justiça é algo
coisas que são injustas, sem que no
essencialmente humano.”
entanto sejam atos de injustiça, se não
estiver presente também a  “Metaforicamente e em virtude de

voluntariedade.” uma certa analogia, há uma justiça não


entre um homem e ele mesmo, mas entre
 “Do mesmo modo, um homem é justo
certas partes suas. Não se trata, no
quando age justamente por escolha; mas
entanto, de uma justiça de qualquer
age justamente se sua ação é apenas
espécie, mas daquela que prevalece entre
voluntária.”
amo e escravo ou entre marido e mulher.
 “Os atos justos ocorrem entre pessoas
que participam de coisas boas em si e

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