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R. P. CHAIGNON, S. J.

MEDITACÕES SACERDOTAIS
ou

D PADRE SAHJIPl&ADD PELA DBA�ÕD


VERSÃO PORTUGUESA
PELO PADRE
FRANCISCO LUÍS DE SEABRA

2.ª edição inteiramente refundida

VOLUME li


PÔR TO
Edições do APOSTOLADO DA IMPRENSA
Travessa de Cerva)hose, 56

1934
IMPRIMI POTEST.
2 8 J a n. 1 9 l 4.
Paulus Durão, S. J.'
Praep. Prov. Lusit.

P O D E I M P·R I M IR - SE.
Pôrlo, 4 de fevereiro de 1934.
t A. A., Bispo do Pôr/o.

Todos os dlr�itci11' ,eeservados


> •

Tipografia • Minerva • - Famalicão

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SECÇÃO SEGUNDA

A santificação do padre em seus progressos


e na sua consumação; ou verdades que se referem
às três últimas semanas dos Exerciclos
de Santo Inácio

PREÂMBULO

Associando os seus ministros à magnífica obra


da redenção, e elevando-os a uma incompreensível
dignidade, pela missão e pelos poderes que lhes dá,
Jesus Cristo impõe-lhes grandes obrigações. Medi­
támos até aqui a primeira e a mais indispensável, que
consiste em uma inocência de vida lão completa,
quanto o compo�a a fragilidade humana. l Como
poderiam êles rep'\sentar o Santo dos Santos e ser
os seus zelosos cooperadores para a salvação do
mundo, se não estivessem livres dos laços do vício
por uma grande pureza, e se não se abstivessem até
de tudo quanto tem a aparência do mal, para não
escandalizarem aqueles, a quem devem edificar com
a pregação da divina palavra, e com o �m ,e,xem­
plo? A êste ponto deviam conduzir-nos as fl'letlita­
ções precedentes, que tinham por fim destruir em nós
o pecado com os seus efeitos e as suas causas. Fe-
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8 Ml!DITAÇÕES SACERDOTAIS

liz estado o de um coração puro I tem o privi1égio


de ver a Deus (1); goza já alguma coisa da celeste
felicidade. Todavia chegados a êste ponto, resta-nos
ainda um campo a percorrer, antes de alcançar a
perfeição que nos é própria. Evitar o mal não é se-.
não a santidade negali va; ela não basta ao cristão ;
<1. como bastaria a um sacerdote?
O homem de Deus só é perfeito, quando está pre­
parado para lôda a obra boa: UI perfeclus sit homo
Dei ef ad omne opus honum insfruclus (2). A justi­
ça, que é o seu vestido, deve resplandecer nêle de
tõda a for.ma: Sacerdotes fui induemlur jusfifiam (3).
Eluceaf in eis folius forma jusliliae (4). S. Paulo não
se limita a exigir que êl� seji, irrepreensível; quer
que seja. adornado (5). Mas é. quais são êsses ador­
nos do sacerdócio católic.0? é. Oual é essd justiça,
qual é essa perfeição que se exige de nós? A Igreja
no-lo declara pelo seus doutores: Ornenl clerici ani­
mas suas ornamenfis_ dignlssimis . decore pudici­
fiae, splendore jusfifiae, candore piefcJfis (6). é. E onde
tomarão êles êsse grave e santo adôrno, que convém
à sua sublime dignidade? S. Cirilo no-lo ensina:
Formam Chrisfi sumife vestem, ui hahlfus ef forma
illius undique fu/geaf ef repraesenfelur in vobis.
S. Gregório de Nazianzo exprime o mesmo pensa­
mento, com .uma precisão que lhe dá ainda mais
energia: Chrislus magna sacerdofum funica (7).
Assim revestir-nos de Jesus Cristo, cobrir-nos
com o manto real de suas virtudes, mostrar ao mundo
o Verbo feito carne, o homem modêlo, na pessoa
·de seus ministros'; e pa·ra sermos realmente o que
parecemos, adoplar os seus juízos, os seus costu­
mes, a sua vida, numa palavra, imitar o nosso di-
,
(1) Malth. V. 8. - ( 2 1 li Tim. III, 17 - (3) Ps. CXXXI, 9.
-('1) Ponlií. - ( 5) 1 Tim. III, 2. -(º) S. Clem. -(7) Ora!. IV.

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PREAMBl'JLO 9

vino reparador e transformar-nos nêle, segundo a me­


dida das graças que nos concede: eis o ·que sustenta
dignamenle a honra do carácter sacerdotal, o que
faz os padres· segundó o coração de Deus, segundo
os desejos da Igreja e a necessidade dos povos.
Tai será daqui em deante o objeçlo das nossas re­
flexões, orações e resoluções. Nesta segunda secção,
ouviremos, o Filho de Deus repetir-nos incessante­
mente o que disse à seus· discípulos, mas sobretudo
aos homens apostólicos: Tu me sequere (1). Em Je­
sus, modêlo universal, modêlo infalível, modêlo indis­
pensável, concentraremos lodos os pensamentos do
nosso espírito, lodos ,os afedos do nosso coração.
Segui-lo-emos passo a passo, como a guia fiel, desde
a sua vinda ao meio dos homens pelo mistério da
Incarnação, até à sua gloriosa Ascensão. Por tôda
a parle e em lôda a oc�ião êle nos dirá com os
seus exemplos, autêntica ��licação dos seus discur­
sos, o que espera do nosso amor e zêlo em servi-lo.
As virtudes do sacerdote e do pastor de .almas virão
aqui oferecer-se sucessivamente à nossa meditação.
Hã para nós na terra, assim como houve para o
Salvador, uma vida oculta, ·uma vida pública, uma
vida sofredora; e, se fôrmos fiéis, haverá no céu
também, assim para nós como para êle, uma vida
eternamente gloriosa. A primeira diz respeito à -nossa
santificação, e prepara as bênçãos reservadas ao·
nosso apostolado. Nela traspassamos para nós,
quanto nos é possível, a mesma vida de Jesus Cristo.
A segunda ocupa-se na santificação do próximo, e
aplica-se a comunicar às almas a vida divina que be­
bemos na sua ,fonle adorável. A terceira fecunda os
nossos trabalhos para glória de Deus e salvação de
nossos rirmãos ; porque é com os nossos sofrimen-

( 1) Joan. XXI, 22.

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40 MBDITAÇÕRS 8ACEROOTAIR

tos, que procuramos mais eficazmente uma e outra.


A quarta será a recompensa dos nossos esforços
generosos e constantes.
Meditando nos trinta anos de vida oculta de Je­
sus Cristo, exercitar-nos-emos em fazer-nos santos.
Nos três anos da sua vida pública êle nos ensinará
a sublime arte de santificar o próximo ; então apren­
deremos na sua escola o verdadeiro zêlo, as quali­
dades que deve ler, os ministérios que deve exercer.
Na sua Paixão nos mostrará por que preço se obteem
os triunfos apostólicos. Finalmente, na sua vida res­
suscitada nos oferecerá o penhor da glória que nos
espera e o modêlo dessa união íntima com Deus,
que é já uma como antecipação da vida celeste.
A primeira secção apresentava o povo de Deus
saindo do E.giplo e quebrando penosamente as suas
cadeias; a segunda no-lo mostrará viajando no de­
serto, guiado por uma nuvem luminosa, e depois es­
tabelecendo-se felizmente na terra prometida. Porém,
como nos seria impossível dar um só passo nas pi­
sadas do Salvador, se não tivéssemos, ao menos em
cerlo grau, o espírito de fé e o espírito de sacrifício,
que são o fundamento de tõda a sólida perfeição, fa.
remos dêles o objeclo de algumas meditações preli­
minares.
E.is pois a ordem e o plano desta segunda secção,
dividida em seis parágrafos:
1 .º O espírito de fé e o espírito de sacrifício,
disposições necessárias para seguir a Jesus Cristo.
2. 0 Jesus Cristo, o grande exemplar dos esco­
lhidos e principalmente dos sacerdotes, convida-nos a
segui-lo no caminho da santidade; razões que nos
obrigam a imitá-lo, e prática desta imitação.
3." Virtudes especiais, cujos exemplos nos dá o
Salvador no� mistérios· da sua incarnação, do seu nas­
cimento, e durante os trinta anos da sua vida oculta.
4. 0 Jesus ersina-nos a procurar, a glória de

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PRKAMBULO H

Deus e a salvação do próximo com os exemplos de


sua vida pública.,
5.0 A vida sofredora de Jesus Cristo ampara­
-nos e anima-nos no meio dos trabalhos do ministé­
rio apostólico.
6. 0 finalmente, Jesus ressuscitado é o penhor
do glória que nos está reservada, se lhe fõrmos fiéis,
e o modêlo dessa íntima. união com Deus, que jã
nos faz participBr da vida do céu.

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§ J.º

Duas disposiçiies essenciais para seguir a


Jesus erlsto no caminho da santidade :
espírito de fé, e espírito de sacrifício.

MEDITAÇÃO

O espírito de fé

1. Em que consiste.
li. De que modo nos salva.
Ili. De que modo nos faz aptos para salvar os nossos. irmãos.

1. Em que consiste o verdadeiro espírito de fé.


- O espírito de fé consiste numa convicção tão pro­
funda das verdades da religião, que aquele que pos­
sui êste espírito, está sempre mais ou menos sob a
impre�são das verdades sobrenaturais; êsle senli­
mento acompanha-o por tôda a parte, anima-o em
todos os ados da sua vida, assim como a alma
anima o corpo em todos os seus movimentos. E' o
que o Apóstolo chama viver da fé, e o que constitui
a verdadeira justiça: Jusfus aufem meus ex Gde
11ivif (1).
No homem justo, a fé não se manifesta sõmen{e

(1) Hebr. X, '::,a.


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ESPÍRITO DK FÉ t3
por alguns aclos passageiros, ou mesmo freqüentes ;
consagra lôda a. sua vida; faz circular o espírito de
Jesus Cristo em todos os seus pensamentos, pala­
vras e afeclos, assim como a alma faz circular o
sangue, em li>das as veias; apodera-se de lodo o seu
�êr, peneira-o, transforma-o, sobrenaturaliza-o. Se
nos deixamos dirigir por êsle espírito divino, torna­
mo-nos filhos de Deus:. Ouicumque spiritu Dei
agunfur ii sunf lilii Dei (1). A palavra agunfur é di­
gna de nota: o homem de fé,- o homem justo, o filho
de Deus, tem por princípio de acção o Espírito
Santo, que é o espírito de Jesus Cristo. Não é já
êle que vive, é Jesus Cristo que vive nêle. Se vive
nêle, pensa nêle, fala nêle, opera nêle. Oue digni­
dade, que merecimento, que perfeição no homem de
fé I Separada do espírito que a vivifica e a faz ope­
rar, a fé é u.\n corpo sem alma, é uma fé morta; o
apóstolo Santiago repele-o três vezes no mesmo ca­
pítulo (2).
Viller da fé, é pois olhar os objeclos naturais ou
sobrenaturais, segundo o co!1hecimenlo que Deus
lem dêles, e que êle nos dá pela revelação; é apreciar
tôdas as coisas segundo êsle conhecimento divino.
Assim, é considerar as honras e os opróbrios, a
pobreza e as riquezas, numa palavra, lôdas as coi­
sas terrenas, não ã luz da nossa fraca razão, nem
â luz das faIsas máximas do mundo, mas sim da
verdade infalível, que as faz julgar ,como Deus as
julga. Concluamos daqui, que, se a fé· é comum, o
espírito de fé, ou a fé viva, é muito rara. Se eu não
crêsse, nada, faria para minha salvação; mas se ti­
vesse o espírito de fé, é. faria eu Ião pouco? Se nao
tivesse fé, nunca subiria ao allar; mas se tivesse fé
viva, é. permaheceria tão frio no meio destas cl\amas?

(1) Rom. VIII, 14. - l 2J Jac. li, 17, 20, 26.

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H MEDITAÇÕES 8ACBRDOTA1tl

li. De que modo nos salva o espírifo de fé. -


Quando Jesus Cristo promete a salvação àquele
que crêr e fõr baptizado (1), não fala _de uma sim­
ples adesão do espírito às verdades que nos ensina,
e ainda menos da vã admiração de uma doutrina
celeste, que une a fé expressa em palavras, à aposta­
sia das obras ; mas fala ünicamenle, como explica
S. Paulo, dessa fé viva, que opera pela caridade (2).
E' ela que nos salva pela intluência que exerce sôbre
os nossos pensamentos, afecfos e obras: comunica
a verdade qos nossos pensamentos, a santidade aos
nossos afeclos, o merecimento aos nossos aclos ainda
aos menos importantes em si mesmos.
1.0 S. Pedro compara a fé a uma tocha, que
alumia em um lugar tenebroso, até que o dia se
aclare: Lucerna lucenfi in caliginoso loco, donec dies
elucescaf (3). .Quando o grande dia da eternidade
aparecer, absorverá a luz da fé na sua luz mais ruti­
lante: até então estamos nas trevas. l Ouem não las­
timaria a um homem que andasse sem luz durante a
noite por um caminho orlado de precipícios? Umas
vezes, tomando sombras por sêres reais, leme, quan­
do nada _lem a temer; outras vezes·, avançando com
afoiteza, cai em um abismo no momento em que julga
pôr .o pé em lugar seguro: triste imagem de um
grande número de cristãos, e talvez de sacerdotes,
com a sua fé quási inútil, porque é sem vida. Ela
espalha uma luz pálida e incerta no caminho que
seguem; que grande cegueira, e quantas quedas I Êles
chamam bom ao que é mau; alegram-se, quando
deveriabi chorar. Oh I quão diversamente sucede
com aquele que tem sempre na mão o facho da fé, e
se guia pela sua luz I Está livre de todo o êrro em
matéria de salvação. Aprecia as coisas segundo o

(1) M11rc. XVI, 16. - (2} G11l. V, 6. - 1 3) 11 Petr. 1, 19.

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ESPÍRITO DB FÉ 15
que valem, vê-as como são, porque as vê à luz, e
para assim dizer, pelos olhos de Deus: ln lumine
luo videbimus lumen (1).
2.0 Além disto, como é a inteligência que dá
ao coração os seus afectos: lgnoli nu/la cupido, se
os meus conhecimentos, unidos aos de Deus, partici­
pam da sua infinita verdade, os meus sentimentos,
que veem da mesma fonte que os seus, participam da
sua infinita santidade. Estimo o que êle estima, e
quanto êle o estima; despre.zo o que êle despreza,
amo o que êle ama. Amor e aversão, te!llor e dese­
jos, tudo em mim está numa perfeita ordem. E' assim
que a fé purifica o coração (2) e o sanlifica, ao mes­
mo passo que preserva o espírito de todo o êrro íu­
neslo. Ela descobre-me que as criaturas nada são,
e desafeiçôo-me delas; mostra-me que Deus é ludo,
uno-me a êsse sumo bem, e aqui está a minha salva­
ção. Posso dizer com David. no sentido mais verda­
deiro, que iluminando-me, o Senhor me salva: Do­
minus illuminalio mea ef salus mea (3).
3.0 A influência da fé nas nossas obras não con­
tribui menos eficazmente para a nossa eterna felici­
dade, pelo merecimento que• ela comunica a lôdas,
grandes e pequenas. A acção é o produto dos pen­
samentos e afectos; lira, com pouca diferença, Iode o
seu valor, do princípio donde dimana: Si radix sancfa,
ef rami (4).
S. Paulo faz admiràvelmenle sobressair a dife­
rença de dois cristãos, um dos quais é guiado pela
fé em tôda a sua vida, e o outro segue só os movi­
mentos da natureza. O fundamento das suas obras
é o mesmo, visto serem cristãos; é Jesus Cristo (5).

(1) Ps. XXXV, 10. - (2) fide purificims corda eorum.


Acl. XV, 9. -- (ª1 Ps. XXVI, 1. - (4 ) Rom. XI, 16.
(5 ) fundamen!um nliud nemo potes! ponere, prae!er id quod
posi{urn esl, quod est Chrislus Jesus. I Cor. Ili, 11.

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MEDITAÇÕES 8.ACERDOTAlll

li. De que modo nos salva o espírifo de fé. -


Quando Jesus Cristo promete a salvação àquele
q1.1e crêr e fõr baplizado (1), não fala _de uma sim­
ples adesão do espírito às verdades que nos ensina,
e ainda menos da vã admiração de 11ma doutrina
celeste, que une a fé expressa em palavras, ã aposta­
sia das obras; mas fala unicamente, como explica
S. Paulo, dessa fé viva, que opera pela caridade {2).
E' ela que nos salva pela influência que exerce sôbre
os nossos pensamentos, afeclos e obras: comunica
a verdade �os nossos pensamentos, a santidade aos
nossos afedos, o merecimento aos nossos aclos ainda
aos menos imporlanles em si mesmos.
1. 0 S. Pedro compara a fé a uma tocha, que
alumia em um lugar tenebroso, alé que o dia se
aclare: Lucerna lucenfi in caliginoso loco, donec dies
elucescaf (3) .. Quando o grande dia da eternidade
aparecer, absorverá a luz da fé na sua luz mais ruti­
lante: alé então estamos nas trevas. é. Ouem não las­
timaria a um homem que andasse sem luz durante a
noite por um caminho orlado de precipícios? Umas
vezes, tomando sombras por sêres reais, leme, quan­
do nada .!em a temer; outras vezes, avançando com
afoiteza, cai em um abismo no momento em que julga
pôr .o pé em lugar seguro: triste imagem de µm
grande número de cristãos, e talvez de sacerdotes,
com a sua fé quási inútil, porque é sem vida. Ela
espalha uma luz pálido e incerta no caminho que
seguem; que grande cegueira, e quantas quedas I Êles
chamam bom ao que é mau; alegram-se, quando
deveriahl chorar. Oh! quão diversamente sucede
com aquele que tem sempre na mão o facho da fé, e
se guia pela sua luz I Está livre de todo o êrro em
matéria de salvação. Aprecia as coisas segundo o

(1) Marc. XVI, 16. - (2) Gal. V, 6. -- t 3) 11 Petr. 1, 19.

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ESPÍRITO DE FÉ 15
que valem, vê-as como são, porque as vê à luz, e
para assim dizer, pelos olhos de Deus: ln lumine
fuo videbimus lumen (1).
2.0 Além disto, como é a inteligência que dá
ao coração os seus aíeclos: lgnofi nu/la cupido, se
os meus conhecimentos, unidos aos de Deus, parlici­
pam da sua infinita verdade, os meus sentimentos,
que veem da mesma fonte que os seus, participam da
sua infinita santidade. Estimo o que êle estima, e
quanto êle o estima; despre.zo o que êle despreza,
amo o que êle ama. Amor e aversão, temor e dese­
jos, ludo em mim está numa perfeita ordem. E' assim
que a fé purifica o coração (2) e o santifica, ao mes­
mo passo que preserva o espírito de lodo o êrro fu.
neslo. Ela descobre-me que as criaturas nada são,
e desafeiçôo-me delas; mostra-me que Deus é ludo,
uno-me a êsse sumo bem, e aqui está a minha salva­
ção. Posso dizer com David.. no sentido mais verda­
deiro, que iluminando-me, o Senhor me salva: Do­
minus illuminalio mea e/ salus mea (3 ).
3. 0 A influência da fé nas nossas obras não con­
tribui menos eficazmente para a nossa eterna felici­
dade, pelo merecimento que- ela comunica a lôdas,
grandes e pequenas. A acção é o produto dos pen­
samentos e afeclos; lira, com pouca diferença, Iode o
seu valor, do princípio donde dimana: Si radix saneia,
e/ rami (4).
S. Paulo faz admiràvelmenle sobressair a dife­
rença de dois cristãos, um dos quais é guiado pela
fé em lôda a sua· vida, e o outro segue só os movi­
mentos da natureza. O fundamento das suas obras
é o mesmo, visto serem cristãos; é Jesus Cristo (5).

(1) Ps. XXXV, to. - (2) Fide puriflcans corda eorum.


AcL XV, 9. -- (ªI Ps. XXVI, 1. - (4) Rom. XI, 16,
( 5 ) Fundamenlum nliud nemo polesl ponere, praefer id quod
posil11111 esl, quod esl Chrislus Jesus. 1 Cor. Ili, 11.

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t6 .MEDITAÇÕKS SACl!RDOTAIS

Mas emquanfo o homem de fé edifica sõbre êsle fun­


damento divino com ricos materiais, oiro, prata e
pedras preciosas; b outro apenas emprega na cbns­
lrução do seu frágil edifici'o, madeira, feno e palha.
Oue magnífica recompensa espei:a ao primeiro I Oue
dolorosa decepção eslá reservada ao segundo f (l)
A justiça de Deus, como um fogo devorador, expe­
rimenlará estas obras Ião diversas. A.s da fé e da
caridade brilharão como oiro que passou pelo ca­
dinho; mas é.que restará das que só tiveram por
motivo a naluí:eza e a vaidade? Um desprezível pó.
Tudo é merilório na vida do justo, precisamente
porque vive da fé. Se ora, é por espírito de fé ; se
conversa, lê e escreve, é por espírito de fé; se dá
alimento ao corpo, algum descanso ao seu trabalho,
é sempre por espírito deJé. Tódos os acontecimen­
tos da . vida, a doença, a saúde, o desprêzo, o lou­
vor: tudo é dirigido por êle para o têrmo da fé; e·t
assim que aumenta incessantemente o tesoiro dos
seus merecimentos; tôdas as suas obras são obras
de salvação.

III. Como ·o espírit� de fé nos forna1 aptos


para salvar os nossos irmãos. - E' o espírito de
Jesus Cristo, é a verdade de Deus em nós. :..J Como
verdade, mostra-nos a dignidade das almas, o valor
infinito do sangue divino que foi derramado para sua
salvação, a· excelência da glória de Deus, que pro­
curamos, salvando-as: e por isso inflama o nosso zêlo
e torna-nos capazes de todos os selcrifícios. - Como
espírito de Jesus Cristo em nós, o espírito de fé torna
fecundas lõdas as funções do nosso ministério; dá às

(1) Si quis aufem superaedificaf super fundameiífum hoc,


aurum, argenfum, lapides preliosos, lign11, foenum, slipulam ...
uniuscujusque opus quale sif, ignis probabif. lbid.

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ESPÍRITO DE FÉ 17
nossas palavras, no púlpito, no confessionário, à ca­
beceira dos doentes, a fôrça que move os corações, a
unção que os penelTa. A voz daquele que não pas­
sava dum infante pelo _talento, torna-se e_loqüenle (1), e
opera milagres de graça, porque é a voz do mesmo
Senhor: Vox Domini in virlule, vox .Domini in mt1gni­
Gcenlia. Ela quebra os cedros, abale a sciência or­
gulhosa, faz cair ao pé da cruz os pecadores con­
tritos e humilhados: Vai Domini confringenfis ce­
dros; comove e vivifica as -almas mortas que há
muito tempo, se assemelhavam ao estéril deserto: Vox
Domini concufienfis deserfum (2). Bastaria um só
homem, animado dêste espírito, para converter e sal­
var um povo inteiro: Suflicif unus homo lidei zelo
succensus, fofum corrigere populum (3).
N_o fim da meditação, pedirei perdão a Deus do
dano que causei· à sua glória, deixando deminuir
em mim essa fé viva, que constituiu a felicidade e o
merecimento dos primeiros anos do meu saéerdócio.
Suplicar-lhe-ei, que me faça voltar àquele ditoso
tempo ; e para _cooperar com sua graça, procurarei
ouvir com mais atenção, seguir com mais docilidade
os conselhos da Íé, que são as- inspirações do mesmo
Espírito Santo.

Resumo da Meditação

1. l Em que consiste o espírito de fé? Em uma


convicção Ião profunda das verdades da religião,
que elas se apoderam de lodo o nosso sêr, pene­
tram-no, animam-no, e é o que S. Paulo chama viver
da fé, e o qúe conslilui a verdadeira justiça.. - Viver
da fé é portanto considerar as coisas, naturais e so-

(l ) Lingu11s inf11nlium facil diserfas. Sap. X, 21. - (2) Ps.


XXVIII, ·4, 5, 8. - (8) S. Joan. Chrysosl. Horn. 1. 11d pop.

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18 MEDITAÇÕES SACEl\DOTAIS

brenaturais, segundo o .conhecimento que Deus nos


dá pela revelação, e regular lôda a nossa vida por
êste conhecimento. E' julgar o louvor e o desprêzo,
o prazer e a dôr, como Deus o julga. Se a fé, é co­
mum e vulgar, ah! 'quanto é raro o espírito de fé 1

II. De que modo o espírito de fé nos santifica


e no" salva. - Comunica a verdade aos nossos pen­
samentos, a santidade aos nossos afeclos, o mereci­
mento aos nossos ados menos importantes, em si
mesmos. 1.0 Verdade aos nossos pensamentos. A fé
é uma tocha para nos alumiar no meio das trevas
desfa vida. Se só despede alguma luz pálida e in­
certa, e. a que ilusões não estaremos expostos? Mas
se nos guiamos pela luz de uma fé viva, estamos li­
vres de todo o êrro; vçmos as coisas à luz, e para
assim dizer, pelos olhos do mesmo Deus. 2. 0 Santi­
dade aos nossos afedos. Se vejo as coisas como
Deus a� vê, estimo o que êle estima, amo o que êle
ama. A fé descobre-me que as criaturas nada são,
e desafeiçôo-me delas; mostra-me que Deus é tudo,
e uno-me a êsle bem supremo. Posso dizer que,
lJlumilJndo-me, o Senhor tne slJ!ve1 (1). 3. 0 _ Méreci­
mento a tôdos as nossas obras. A acção �1 o pro­
duto do pensamento e do afecto; recebe quasi todo
o seu valor do princípio donde dimana. Se lJ rlJiz é
SlJnfB, os rlJmos sê-lo-ão também. Tudo é meritório
na vida do justo, precisamente porque vive da fé.

III. De que. modo o espírito de fé nos forna


apfos para salvar os nossos irmãos. - Por ser o
espírito de Jesus Cristo, e a verdade de Oeus em
nós. - Como verdade, mostra-nos a dignidade das
almas, o valor infinito do sangue derramado pela sua

(1) Ps. XXVI, 26.

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ESPÍRifo .,DE FÉ t9

salvação, e inflama o nosso zêlo. - Como espírito


de- Jesus em nós, fecunda tôdas as nossas funções.
- E' o mesmo Salvador que fala e opera em nós.
Daí tantos milagres operados pelo ministério dos ho­
mens apostólicos.

131

II MEDITAÇÃO
O espírito de fé. - Seu poder

1. Sõbre o coração de Deus.


. II. Sõbre o coração do homem.

Um padre, que mede a sua fraqueza pelas difi­


culdades que deve vencer para salvar-se e �alvar os
seus irmãos, desanima inevilàvelmente; mas toma
ânimo e tem esperança, quando considera a fôrça
que pode tirar da sua fé: Portes in .ide (1). Com
efeito, e. haverá obstáculo de que não triunfe um ho­
mem, que pode tudo sôbre Deus e sôbre si me-smo?
Sôbre Deus, para obter dêle todos os auxílios que
deseja ; sôbre si mesmo, para se resolver a fazer to­
dos os sacrifícios que pede a graça. Tal é a prodi­
giosa eficácia do espírito de fé: dá-nos esta dupla
omnipotência. _..,

I. Poder do espírito de fé sôhre o coração de


Deus. - O Salvador prometeu-nos formalmente que
nada se recusaria jàmàis à oração animada de uma

(1) I Pefr. V, 9.

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20 MEDITAÇÕEÍ SACERDOTAIS

fé viva. Oiçamos, adoremos aquele que fala, e crea­


mos: Ouaecumque pefierilis in orafione credenfes,
ac;cipiefis (1). - Omnia quaecumque orantes pefifis,
credile quia accipiefis, ef evenienf vobis (2) • • • Os
que ouviam eslas palavras, acabavam de ser para
elas preparados com outras ainda mais admiráveis:
•Tende a fé digna de Deus, lhes disse o Salvador,
depois dos milagres realizados deante dêles: Habete
lidem Dei, isto é, uma fé plena e perfeita, tal como
a merece Deus, quando fala : Amen dico vobis, quia
quicumque dixerif huic monfi: Tollere, ef miffere in
mare • . . . E' pedir um grande milagre; e para mo
conceder, é. que se exige de mim_? Uma .só coisa:
que não hesite no meu coração, mas tenha fé : Et
non haesifaverif iq corde suo, sed crediderif. • Por
isso vos digo, acrescenloa o Filho de Deus, tõdas as
coisas que pedirdes, orando, crêde que as haveis de
receber, e que assim vos sucederão: Propferea dico
vobis: Omnia quaecumque orantes pefifis, credite
quia accipiefis, ef evenienf vobis• (3).
Comparemos êste oráculo, tão pouco meditado,
com o do apóstolo Santiago: • Se algum de vós ne­
cessila da sabedoria, que faz ler gôslo das cqisas ce­
lestes, ao mesmo lempo que as faz conhecer: iSi quis
vesfrum indigef sapienfia, peça-a a Deus, sem temer
que lha recuse; porque ela é um bem, que êle dá li­
beralmente, e desejaria dá-la a todos: Postulei a·
Deo, qui dai omnibus amuenfer, ef non improperaf,
ef dabifur ei; mas peça-a com fé, sem hesitar: Pos­
tulei aufem in .ide, nihil haesifans; porque aquele que
duvida, ê semelhante à onda do mar, que é agitada
e levada de uma parte para outra pela violência do
vento; e nesle caso não alcançareis do Senhor coisa

{') Matlh. XXI, 22. - (2) Marc. XI, 24. - (3) Marc. XI,
23, 24.

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ESPÍRITO l>E FÉ 21
alguma: Oui enim haesilãl, similfs esl 0uclui maris,
qui a vento movefur ef circumfertur; non ergo aesfi­
mef homo ille quod accipiat aliquid a Domino• (1).
Notemos êste argumento: a vossa oração é feita çom
uma fé vacilante, logo é vã.
Grande é a liberalidade de Deus a favor daqueles
que o invocam; o seu maior empenho é conceder­
-nos os seus dons; prometeu tudo à oração; e to�
da.via I quantas orações quási inúteis 1 . . . triste pro­
blema, que já não é prol;,lemã: l cumprimos nós a
condição de que depende o bom éxito das nossas
petições? l Somos homens de fé, credenfes?
Ensinamos as diferentes qualidades, que deve
reünir a oração, para se elevar até Deus e fazer ao
seu coração uma amável violência: respeito, humil­
dade, atenção, fervor, perseverança; mas lôdas es­
tas qualidades resumem-se evidentemente na palavra
do apóstolo Santiago, in Gde, e na do Salvador, cre­
di!e. Com efeito, se crêmos na presença, na santidade,
na infinita grandeza do Senhor, a quem dirigimos as
nossas súplicas; se crêmos no nosso nada deante dêle,
na nossa indignidade como pecedores, já não será
necessário dizer-nos: Quando· orardes, prostrai-vos,
humilhai-vos; pois o respeito exterior do nosso corpo
será a expressão fiel da profundo devoção do nosso
coraç·ão. Tenhamos fé, não digo já nas incompreén­
síveis perfeições _desse Deus imenso, que nos permite
falar-lhe, mas na suma importância dos negócios que
traiamos com êle, e o nosso espírito, ainda que seja
leviano, se compenetrará, se cativará de objedos tão
graves e sérios. A nossa oração já não será uma
insignificante homenagem dos nossos lábios, sai'rá do
nosso coração, como a chama da fornalha. l Será
possível pedir fria e tibiamente bens como êstes: Ah

(1) Jac. 1, 5, 7.

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ii M E D ITAÇÕBS SACERDOTAIS
_ ______ _ _ _
aelerna damnafione nos eripi, ef in elecforum fuo;um
jubeas grege numerari?... Creamos nas promessas
da infalível verdade; convençamo-nos firmemente de
que Jesus Crislo não pronunciou vãs palavras,
quando disse : Pedi e recebereis; buscai e achareis;
bafei e abrir-se-vos-á; e, por mais que a nossa cons­
tância seja posta à prova, -não cessaremos de orar, e
alcançaremos, com uma santa insistência, o que pa­
recia seria recusado a súplicas menos perseverantes.
Oh I quão verdnde é, que é a fé que ora: Fides
oral (1), e dá à oração aquela fôrça, a que o mesmo
Deus não resiste 1
Os milagres que o Salvador praticou, são disso
uma prova real. E' sempre à fé dos que supli­
cam, que êle os concede, e quer que o saibam;
l não repetiu êle muitas .-vezes: Fides tua fe salvum
fecif? E' a fé que êle anima e admira: Videns Je­
sus lidem illorum, dixil paralyfico: ConGde, fifi ( 2).
O mulier, magna esf .ides fua! (3) Audiems Jesus
mirafus esf . .. Non inveni fanfam .idem in Israel ( 4).
E' de lerem pouca fé, que êle argúi os seµs discípu­
los: Ouid fimidi eslis, modicae Gdei? (5) E' segundo
a fé que se tem, que êle concede os seus be,nefícios :
Secundum Gdem vesfram Gal vobis (6). - Si9II credi­
disfi Gal fibi (7). Um pai aflito queixa-se ao Senhor
de que o demónio lhe maltratava o filho, e implora a
sua piedade: Si quid potes, adjuva nos, miserfus
nos/ri (8). l Oual é a resposta? •Pregunlas-me se
posso alguma coisa, e eu pregunlo-le se podes crer;
o meu poder irá até onde fõr a lua fé; por.que tudo
é possível àquele que crê: Si pofes credere, omnia
possibilia sunf credenfi • (9).

(1) · S. Aug: - (2) Mal!h. IX, 2. - (3) ld. XV, 28. -


(4) Id. Vl11, 10. - (5) lbid., 26. - (6) Id. IX, 29. - (7 ) ld.
V111, 1.3. - ( 8) Marc. IX, 21. - (9) lbid., 22.

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ESPÍRITO DE FÉ

II. Poder do espírilo de fé sôhre o coração


do homem. - O dom da fé viva e os seus tesoiros
de graça ser-nos-iam inúteis, se não lhes correspon­
dêssemos fielmente. Mas é. como obter de nós esta
indispensável fidelidade, visto que é de nós que ela de­
pende? Será ainda pela fé viva. Ela influi na nossa
vontade com tanta energia, que nos eleva acima de
nós mesmos, e nos faz de. alguma sorte transpor os
limites do possível. Daí a sentença de Tertuliano:
Fides Chrisfitmorum .ides impossibilium. Com efeito,
l que coisa mais atraente que os motivos que ela nos
apresenta? Umas vezes detém-nos pelo temor; é.e
não são as suas ameaças bastante terríveis para re­
primir as nossas paixões? Deus inimigo, Deus vin­
gador, uma morte de réprobo, um inferno eterno! ...
é. Como não ficar peneirado de temor? E para evitar
uma sorte tão horrorosa, é. como não achar suaves
as tribulações da virtude, as àusteridades da penitên­
cia? Haec quam dulcia medifanfi Dammas I (1) Ou­
tras vezes é pela esperança, que a fé nos ensina; é. e
que se pode acrescentar à certeza, ou à magnificên­
cia de suas promessas ? Foi Deus que as fêz. Tor­
rentes de delícias, um reino de glória, uma felicidade
que não deixa nada a desejar, nada a temer 1 ...
A êste pensamento o coração inflama-se; esque­
cem-se os trabalhos do caminho, para só atender ao
feliz têrmo: Si labor ferrei, merces invitei (2). Su­
cede o mesmo com os outros generosos sentimentos
que a fé nos inspira.
Por isso, nas vitórias alcançadas pelos Santos do
Antigo Testamento, S. Paulo só louva a sua firme e
viva fé : Fide Abel. . . .ide Enoch . . . Gde Noe ...
.ide qui vocafur Abraham obedivif ! . . . Per .idem
vicerunf regna, operafi sunf jus/iliam!. exfin-

(1) S. Bern. - (2) S. Aug.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

xerunf impefum ignis lapida ti sunf, s ecf i


1

sunf ... (1).


j E que prodígios de coragem operados pela fé
do mesmo S. Paulo! ·E desde esses comêços da
Igreja até nós, que sublimes virtudes, que heróicos
sacrifícios produzidos pela fé ! E a história dos após­
tolos, dos mártires, das virgens, de todos os Santos,
não é outra coisa senão a história da fraqueza, ven­
cedora do poder, pela fôrça que se lira da fé. E' a
fé viva que !em amparado tantos padres nas circun­
stâncias difíceis, em que um passo errado os lançava
no abismo; ela é que tem resolvido tantos outros a
quebrar os laços da carne e do sangue, para correr
com tôda a liberdade ã conquista das almas .. Numa
palavra, todos os grandes sacrifícios, tôda a abnega­
ção, que atribuímos a -essa ardente caridade, que
pode lutar com a morte, a essa firme esperança que
nada pode perturbar, devemos atribuí-los ã fé, prin­
cípio da esperança e do amor.
Cesse eu pois, ó meu Deus, de alegar a minha
fragilidade para desculpar a minha cobardia. Tenho
na minha fé, se souber servir-me dela, o meio 'de
vencer o inferno e de me vencer a mim �esmo; por
da, tenho todo o poder sôbre o vçisso coração e
sôbre o meu; por ela, a-pesar das minhas inumerá­
veis misérias, posso alcançar a perfeição a que me
chamais, e até a preciosa corôa que reservais aos
vossos bons sacerdotes._,

Resumo da Meditação

I. A fé tem todo o poder sôbre o coração de


Deus. - O Salvador prometeu que nada seria recu­
sado jàmais ã oração animada de uma fé viva.

(1) Hebr., XI.

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ESPÍRITO DE FÉ.

Tôdas as coisas que pedirdes orando com fé, haveis


de consegui-las. A palavra do apóstolo Santiago não
é menos formal: Se algum necessifar de sabedoria,
peça-lJ a Deus, mas com fé, sem hesifaçâo alguma.
- Tôdas as qualidades da boa oração, respeito ! hu­
mildade, atenção, fervor, perseverança não são senão
os efeitos da fé viva. E' ela que lhe dá fôrça, a que
o mesmo Deus se dignoll ceder. Os milagres ope­
rados pelo Salvador são disso a prova palpável, é
sempre à fé dos que oram, que êle os concede, e
quer que o saibam ; é não repetiu êle muitas vezes;
a fulJ fé te sl1lvou?

II. O espírito de fé fem todo o poder sôbre o


coração do homem. - A sua acção sôbre a nossa
vontade é tão veemente, que nos eleva acima de nós
mesmos. é Oue coisa mais sedutora que os motivos,
que êle nos apresenta, quer lenda a deter-nos pelo
temor, ou a animar-nos pela esperança? - Por isso,
nas grandes coisas operadas pelos Santos da anliga
Lei, S. Paulo só louva a fé viva. é E que não tem
ela feilo desde S. Paulo até nós? Todos os admirá­
veis sacrifícios que alribuímo·s a êsse amor que riva­
liza em fôrça com a morte, a essa esperança que
nada pode confundir, devemos atribuí-los sobretudo. â
fé, princípio da esperança e do amor. Senhor, lJU­
menfoi a nossa fé.

Is:

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16 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

III MEDITAÇÃO
Três grandes obstáculos ao espírito de fé
1. A folia de reUexão.
II. O espírilo do mur.do,
Ili. As inclinações naturais.

1. A falta de reflexão. - Diz-nos S. Paulo, que


. a fé . é no justo o que a alma é no homem ; ela é a
sua vida, a vida da sua inteligência, pela verdade
{:Om que a esclarece; a vida do seu coração, pelos
.sentimenlos de justiça e santidade, que lhe infunde; a
vida de suas obra.s, que torna meritórias da glória
derna. Mas para que_. produza êstes efeitos, é
necessário, que adue sôbre o espírito, sôbre o co­
ração, e sôbre as obras. Ora a falta de reflexão en­
fraquece muito, ou destrói inteiramente esta acção.
Um doutor da Igreja diz que a fé é um conheci­
mento abreviado de tudo o que há de mais urgente:
Compendiosa rerum quae urgenf cognifio .,,, Nada
mais urgente do que ir ao céu, evitar o inferno, sal­
var a alma . . . é. Oue coisa mais sublime do que um
Deus amando os homens até ao ponto de incarnar,
viver e morrer por êles? 1 Deus nossa vítima, permi­
tindo-nos, e ordenando-nos que o ofereçamos em sa­
crifício, comamos a sua carne e bebamos o seu san­
-gue I O' mistérios sagrados, é. ainda não tendes
bastantes chamas para derreter o gêlo dos nossos
-corações, e abrasar-nos no divino amor?
Sim, é necessário que se pense nisto. é. Oue im­
pressão podem causar no meu coração estas verdades,
-omnipotentes por si mesmas, se elas não estiverem
presentes ao meu espírito? Na Sagrada Escritura, a
fé é comparada ora a um escudo, ora a uma espada;
.-0 escudo só protege a quem se cobre com êle; e

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ESPÍRITO DE FÉ 'f.7

querendo que uma espada seja útil para repelir o


inimigo, é preciso tirá-la da baínha. Não é o hábito
da fé, é a sua prática e exercício que constitui o seu
merecimento e a sua fôrça. Ora, o que determina a
fé a manifestar-se pelos ados, é ordinàriamente a re­
flexão. Todo o cristão crê na eternidade: mas só o
cristão refledido pregunta a si próprio s�riamente e
com freqüência: Ouid hoc ad aefernifafem?
Compreendo agora cºomo a mesma palavra de
Deus, que era para os Santos cheia de vida e eficá­
cia: Vivus esf sermo Dei ef efficax (1), é pará mim
quási letra morta: os Santos meditavam-na continua­
mente, e eu nunca medito nela; eram homens con­
templativos e de oração; e eu distraio-me com os
objedos exteriores. Deixo a fé no meu espírito,
como uma coisa sem consequencia. Considero de
tempos a tempos os sublimes objedos, que ela me
apresenta, mas superficialmente, à maneira do homem
leviano, que se vê de passagem no espelho e esquece
logo o que viu.

II. O espírito do mundo. - Nós que estamos


encarregados de lhe fazer implacável guerra, sofre­
mos também a sua influência. A razão e o bem-estar
material são os dois ídolos na nossa época; há ra­
cionalismo e moleza até na piedade dos nossos tem­
pos. Se não cuidamos em fugir a cada instante das
máximas do mundo para as de Jesus Cristo, adopta­
remos os pensamentos, e até a linguagem do século,
a respeito das riquezas e da pobreza, do louvor e
do desprêzo, da prosperidade ou da adversidade.
e, Julgais que é pouco comum ouvir um padre falar
com estima dessas frivolidades por que se apaixonam
os mundanos, lastimar os que o mundo lastima, elo-

(1) Jac. 1, 24.

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28 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

giar os que éle elogia, numa palavra, exprimir-se,


como se erêsse mais na felicidade do mundo, do que
na do Evàngelho?
Se se desafeiçoam dos falsos bens, é muitas ve­
zes por filosofia, mais do que por espírito de fé.
Seria porém necessário, diz o P. Judde, que depois
de trinla razões, tôdas de ponderação, os comovesse
mais, esta só palavra, •disse-o Jesus Cristo, fê-lo
Jesus Cristo•, do que tôdas essas razões juntas.
A palavra dos pitagóricos, disse-o o mestre, não era
entre êles senão a expressão de uma idolatria insen­
sata, pois não há homem que não se engane; mas
aplicada a Jesus Cristo, ela deve ser um primeiro
princípio, um axioma sagrado para lodo o cristão.
Passarão o céu e a terra, mas a verdade do Senhor
permanecerá elernamenle.. ('). Estejamos porlanlo
alentos à palavra do Mestre, e regulemo-nos pelas
suas lições. Ele o disse: O que 'é grande, honroso
deante dos homens, é muitas vezes pequeno, abomi­
nável deanle de Deus. Ele o disse: Ai de vós, os
que tendes tôdas as comodidades da vida p,resenle 1
bemavenlurados os que choram ! Ele o dissJI: O que
não se nega a si mesmo, não pode ser rnetÍ discípulo,
etc. A minha razão diz-me talvez que êsles oráculos
devem ser explicados, suavizados, modificados; que
ela não compreende como se pode achar a paz na
guerra, a glória nos opróbrios, as delícias nos sofri­
rnenlos. Mas eu só escuto o meu Mestre. Êle o disse,
e não o leria dilo, se isso não fôsse verdade, e se
êle mesmo não compreendesse como é verdade. Dêste
modo, o verdadeiro discípulo de Jesus fecha os seus
olhos, para vêr bem, e renuncia'-à prudência da car­
ne, para seguir a do espírito; torna-se insensato para

(1) Verifas· Domini manei in 11e(ernum. Ps. CXVI, 2. -


Coelum e! ferra lransibunl, verba aufem mea non preeleribunf.
Maflh. XXIV, 35.

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ESPÍRITO DE FÉ

ser sábio, porque a sabedoria dêsle mundo, é, loucura


deanle de Deus ( 1).

III. As inclinações naturais. - Elas combatem


o espírito de fé, assim como o espírito de fé as com­
bate a elas. Não é de admirar que uma natureza vi­
ciada estremeça ã vista do seu sacrifício, que se pre­
para. A nalureza bem sente que tudo eslá perdido
para ela, se as verdades da fé são ouvidas e tomadas
por norma de proceder. Será necessário privar-se
dos prazeres que ela ama, morrer para o mundo e
para si mesmo, mortificar o corpo; Durus esf hic
sermo. Só o pensamento de que é necessário cruci­
ficar a sua própria carne com os seus vítios e con­
cupiscências, para ser discípulo de Jesus Cristo (2),
perturba-a; e quando se !rala de reduzir ã prática
estas verdades, acha-se escuro, diz S. Francisco Xa­
vier, o que tinha parecido claro e evidente no fervor
da oração. Ouási se não compreende já a necessi­
dade de se vencer a si mesmo, quando chega a hora
do combale. O amor próprio inventa mil pretextos,
para adiar ao menos os sacrifícios que lhe metem
mêdo.
l Oue faz o homem inferior, o homem livre, senhor
de si, que governa as suas acções, e não se deixa
governar por elas? (3) Em tõda a ocasião, consulta
a sua fé, e pregunla-lhe o que ela ensina: Excufiaf
unusquisque cor suum, ef videaf quod ibi fenef
lides (4). E' por aí que se deve começar; porque, se

(1) Si quis vide!ur iq!er vos sapiens esse in hoc saeculo, s!ul­
!us fiai, ui si! sapiens. Sapienfia enim hujus. mundi· sful!ifia esf apud
Deum. 1 Cor. III, 18, 19. •
(2) Oui sunf Chrisfi, carnem suam crucifixerunf cum vifiis ef
concupiscenfiis. Gal. V, 24.
(ª) Sis dominus adionum fuarum ef redor, non servus. lmit.
I. Ili, e. XXXVIII. - (4) S. Aug.

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30 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

se deixa antecipar a natureza, no que é habilíssima, ela


complica as questões mais simples, atrai a si, lis-on•
jeando-as, as potências da alma; e quando depois a
fé quer intervir com autoridade,· achando já o enten­
dimento prevenido, a vontade vencida ou abalada,
dificilmente consegue recobrar o seu império. Oh 1
quanto importa vigiar sôbte o nosso coração, e sôbre
as suas primeiras impressões, para dirigir todos os
seus movimentos pela luz da fé ! Üuão úlil é fazer
preceder lôdas as nossas resoluções; lôdas as nossas
obras, de uma palavrn de verdade, de um oráculo
divino, segundo o conselho que o Espírito Santo
nos dá : Ante omnia opera verbum verax praece­
dal lei (1)

Resumo d a Meditação
.

1. A falta de reflexão. - A nossa fé não pode.


dar a verdade ao espírito, a santidade ao coração,
o merecimento às obras, se não aclua realmente sô­
bre o nosso espírilo, sôbre o nosso coração e sôbre
as nossas obras. Ora, a falta de reflexã�fraquece
extremamente esta acção, ou paraliza-a. Por mais
poderosas que sejam, as verdades da religiãb não
nos impressionam senão emquanlo nos estão pre­
sentes. Todo o cristão crê na eternidade; mas só o
cristão .reflectido pregunla a si próprio : i Oue é is/o
com relação à eternidade? Eis a razão por que a
mesma palavra de Deus, que foi tão eficaz para os
Sanlos, é para nós Ião estéril; êles aprofundavam-na,
e nós não a meditamos.

II. O espírito do mundo. - Sofremos a su.a


influência, mtiilas vezes s� o sabermos. Partici-

(1) Eccli. XXXVII, 2J.

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ESPÍRITO DE FÉ 31

painos mais ou menos dos pensamentos do século


sõbre as riquezas e a pobreza, a doença e a saúde;
falamos com estima das frivolidades, por que se­
apaixonam os mundanos . . . Saibamos apelar inces­
santemente das máximas do mundo para as de Jesus
Cristo. Êle disse: Ai dos ricos! bemavenfurados
os que choram. Passarão o céu e a ferra; mas a
palavra do Senhor, que é a mesma verdade, perma­
nece eternamente.

III. As inclinações naturais. � Elas combatem


o espírito de fé, assim como o espírito de fé as com­
bale a elas. A natureza freme, pensando na mortifica­
ção, que a fé lhe impõe. Comecemos em lõda a oca­
sião por consultar a nossa fé e pregunlar-lhe o que
nos ensina. Oh ! quanto imporia que vigiemos sõbre·
o nosso coração, sõbre as suas primeiras impressões,
para dirigir lodos os seus movimentos pela luz das­
verdades eternas !

t\ IV MEDITAÇÃO
O espírito
· de sacrificio. - Sua necessidade,
no sacerdote

[. Razões !iradas da sua própria sanlificação.


li. Razões !iradas de seu minisfério e de suas funções.

A vida cristã e sacerdotal, em seu desenvolvi­


mento e sua perfeição, não é senão a sujeição da­
natureza à graça; e a prontidão, a generosidade­
com que fazemos a Deus êsse grande número de sa­
crifícios particulares das n_dssas luzes, inclin�ões,
repugnâncias, é o que ch�amos espírito de sacrifi-

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IIIEDITAÇÕES SACERDOTAIS

cio. êle deve achar-se em todos os cristãos, os


quais, diz S. Pedro, leem um sacerdócio a exercer,
sacrifícios espirituais a oferecer ( 1 ); mas razões espe­
-eiais exigem que os padres sejam dêles abundante­
mente providos.

1. Razões tiradas da sua própria sanliGca­


ção. - Um padre que não tem o espírito de sa­
-crifício, e em grau elevado, nunca poderá aprovei­
tar-se como deve, das graças que lhe são dadas,
nem emendar-se dos seus defeitos, nem adquirir as
virtudes sólidas, e a grande santidade que Deus
exige dêle.
1. 0 Sem espírito de sacrifício, longe de aprovei­
tar as graças que recebo, faço delas ·um deplorável
abuso. A alma fiel diz a Deus no piedoso livro da
lmiflJ.çâo de Cristo: Opus esl grnlia fulJ. el mlJ.gnlJ.
grnfia, ui vinclJ.fur nlJ.lurlJ., lJ.d ma/um semper prona (2).
Esta graça, que a ninguém é recusada, é dada aà
padre em abundância. Mas para quê? principal­
mente, ui vinclJ.fur nafurlJ.; e eu ordinàriamente só
posso fazer desta divina graça o uso pará que me
é concedida, elevando-me por seu meio,; a�a de
mim mesmo, e vencendo a natureza, sempre irlllinada
ao mal: Ad ma/um semper pronlJ.. Entre Deus e a
alma, que êle quer santificar, faz-se como que uma
contínua troca de graças oferecidas e de sacrifícios
pedidos. E' um do ui des de lodos os instantes.
1 Quantas vezes me sinto avisado inferiormente do que
eu devia fazer ou evitar I Oue alraclivos ! Oue lu­
zes I A graça fala; mas a nalureza fala também.
Para obedecer à graça, seria preciso que eu me vio­
lentasse; nada mais cómodo, ao contrário, do que.
ceder às inclinações naturais. Retirai-vos, Senhor,

tl' t�
(if Lib. Ili, e. LV. - � 1 Petr. II, 5.

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ESPÍRITO DE SACRIFÍCIO 33
oferecei a outros os dons do vosso amor; ser-me-ia
muito custoso fazer valer êste talento.
Daí o pouco fruto que tenho tirado das leituras
que fiz, das exortações que eu ouvi, das boas ins­
pirações que recebi no ::eminário, nos meus retiros,
em milhares de ocasiões. Deveria refleclir, entrar
em mim, orar, lranspôr afoilamenle a distância que
separa a espêcul�ção da p�ática. Consenti em ver a
verdadé, não tive ânimo para a seguir. Oh! que
graças perdidas na vida de- um padre imorlificado, e
que responsabilidade toma sôbre si!
2. 0 Sem espírito de sacrifício, não se corrigem
os defeitos: Unum esf, quod muitos a profecfu ef
fervenfi emendafione refrahif, horror di.iculfafis, seu
labor cer(aminis (1); e em outro lugar: Nisi tibi
vim feceris, vifiuril non superabis. A luta, que é
sempre custosa, é muito mais penosa, sendo nós
mesmos o inimigo qui lemos de combater.
Eu era sincero, quando, locado por Deus, em
cerios dias de graça e de fervor, formava o plano
de uma nova vida, e me decidia a reformar em mim
o que inquietava a minha consciência. é..Üuem pa­
ralizow meus bons desejos e malogrou os meus san­
tos pr.clos? Horror dif.iculfafis, labor cerfaminis.
Os meus defeitos desagradam-me, envergonho-me da
oposição que 1:eem com a dignidade do meu carácter'
sacerdotal; sinto que põem. em perigo a minha salva­
ção e Q resull11�0 dos meus trabalhos l mas seria
necessário vigiar a minha imaginação, aplicar o espí­
rito, resistir às incli'naçõe_s, sujeitar-me· a uma reg�a,
vencer-me a mim próprio. Tudo isto me parece
difícil, e atemoriza-me, horroriza-me a dificuldade.
Assim, a minha vida passa, e os meus defeitos ficam;
e ameaçam descer comigo à. sepultura, e acompa-

(1) lmif. 1. 1, e. XXV.

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MEDITAÇÕES SACEI\DOTA IS

-nhar-me ao tremendo tribunal divino. Porquê? por­


que em vez de os reprimir com fôrça, só tenho tido
para com êles criminosas condescendências. Üúão
tranqüila estaria hoje a minha alma, quão dôce seria
a minha esperança, quão fáceis e alegres seriam as
minhas comunicações com Deus, se cada ano, desde
a minha ordenação sacerdotal, eu houvesse intrepi­
damente empreendido e realizado a reforma de um
só dos meus defeitos 1
3. 0 Sem espírito de sacrifício, não há sólidas
virtudes, não há verdadeira santidade. A virtude não
saiu connosco do seio das nossas mães; nascemos
com propensões, que lhe são inteiramente oposla.s e
o seu primeiro exercício é vencê-las. Tenho um gé­
nio altivo, independente, dominador, e é necessário
que eu obedeça; sou irascível, violento, e é necessá­
rio �iver em paz com pessoas, cujos defeitos, con­
trários aos meus, são para miin uma tentação inces­
sante . . . Por conseguinte eis-me sempre eni lula
comigo mesmo.
Não é sem razão, que se emprega a mesmal pala­
vra virlus, para exprimir a idéia da virtude e da
fôrça. A virtude é a fôrça da alma, aplicada .,eo bem.
A virtude começa onde começa o sacrifício. O me­
recimento está ligado aos esforços. Desconfiemos
de lôda a virtude muito fácil, Susfine, absfine: a sa­
bedoria pagã não conhece nada mais perfeito; na lei
evangélica a perfeição é o amor: Plenifudo legis esf
dilecfio (1), mas o amor que se dedica, que se sacri­
fica, que se mede pela sua extensão e dificuldade:
Si di/igifis me-, mandata mea servafe (2). Se algum
quer vir após de mim, diz o Salvador, e dar-me uma
prova do seu amor, abnegue-se a si mesmo, tome a
sua cruz e siga-me (3).

(1) Rom. XIII, tu. - (2) Joan. XIV, 15. - (3) M111th.
XVI, 24.

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----------35
ESPÍRITO DE SACRIFÍCIO

A abnegação é pois a pedra de toque da verda­


deira virtude. Tôda a piedadé, tôda a pretensa san­
tidade, sem espírito de fé, é um edifício sem alicerce.
Alguns são humildes até à primeira humilhação, pa..
cientes emquanto não sofrem al�uma contradição �
dôr. Isto não tem nada do que consfilui a justiça
cristã, e com maior razão a perfeição sacerdotal.
e. E.m que consiste esta perfeição? Oiçamos a
S. Bernardo: lndefessu_m pro_ficiendi sfudium, jugis
conalus ad perfeclionem, perfecfio vocalur (1). e. Como
conservar o zêlo infa-ligável, ·que aspira sempre a fa.
zer novos progressos; :como ter as potências da
alma continuamente aplicadas a tornar.nos cada vez
melhores: Jugis c.onalus ad perfecfionem, se não se
resiste fortemente ,!i natureza, sempre amiga do des­
canso e do seu bem-estar? Por conseguinte cumpre
dizer da santidade, assim como do reino dos céus
que é a sua recompensa: Regnum coelorum vim pa­
fifur, ef violenli rapiunf illud (2). Mas há outras ra­
zões, que nos tornam o espírito de sacrifício rigoro­
samente obrigatório.

II. Razões tiradas do ministério sacerdotal e


das sua's funções. - O mundo só foi salvo pelo sa­
crifício; a redenção é o Hom�m-Deus sacrificado
para salvação dos homens. Como o nosso ministé­
rio é a continuação do de Jesus Cristo, aplicamos
aos homens os frutos da redenção, pelos mesmos
meios que a efeduaram. Sacrificando-nos nós mes­
mos, cumprimos o que falta ao grande sacrifício de
Jesus Cristo: Adimpleo ea quae desuni passionum
Chrisfi (3). Jesus não padeceu senão em Jerusalém,
no seu corpo natural ; e visto que lodo o seu po«j(,r:
de Salvador está na cruz, convém, que êle sofra pór

(1) Episl. CCLL-(2) Matth. XI, 21. - (3) Coloss. 1, 24.

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36 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

todo o mundo na pessoa dos seus ministros, que são


os principais membros do seu corpo místico, a-fim
de fazer participar todo o mundo dos benefícios da
sua Paixão e morle.
A vida do bom padre, como a do Homem-Deus,
não é senijo um martírio prolongado. O seu zêlo da
glória do Senhor, ofendido por tantos pecados, o
amor a seus irmãos, que se perdem à sua vista e em
tão grande número, é para êle um contínuo motivo
de tristeza e de dõr: Tristifia mihi magna est, el
confinuus do/or cordi meo ( 1). Nullam requiem ha­
buil caro nosfra; sed-omnem fribu/afionem passi su­
mus: foris pugnae, infus fimores (2). <'. Como trator
com lanlos génios diferentes, com tantos ânimos mal
disposlos ; como fazer-se ludo para lodos, por ga­
nhar a lodos para Jesus Cristo, sem praticar conti­
nuamente a abnegação? Oual é das nossas funções,
a que não exige homens desprendidos de tudo, crucifi­
cados para o mundo, mortos para si mesmos? E' na
muita paciência, nas tribulações, nas necessi�ades,
nas angústias, que devemos, diz S. Paulo, mo trar­
-nos ministros de Deus (3).
Ah! Senhor, se para usar dignamente dêste nome
glorioso, é necessário . viver com abnegação, reco­
nheço, com vergo.n�a minha, que ô não lenho mere­
cido alé hoje. Dor isso, não pregunlo já por que
razão a vossa graça lem sido tão lrislemenle estéril
em mim; por que razão estou sempre desprovido de
sólidas virtudes, cheio de imperfeições, e por que ra­
zão é que os meus lrabalhos não leem sido lãa aben­
ç-oados por vós. Não lenho lido o espírito de sacrifí­
cio. O' Jesus, eu vou alimentar-me no altar com
êsse vosso corpo adorável, que sofreu por mim lãa
cruéis dõres; vou beber o cális que lãa santamente

� • ./ '1

(1} Rom. IX, 2. - (2) li Cor. VII, 5. - (3) ld. VJ1 4.

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ESPÍRITO DE SACRIFÍCIO 37
embriagou os 11ossos bons ministros, os v.ossos gene­
rosos mártires, e lhes fêz achar delícias até nos tor­
mentos e na morte ; vinde, abrasai-me como a êles
com o fogo do vosso amor. Ouem vos ama, neces­
sita de sofrer e de se sacrificar por vós.

Resumo da meditação

1. Razões tiradas da nossa própria santifica­


ção. - Sem êste espírito de sacrifício abusarei das
graças que recebo. Entre Deus e uma alma que êle
quer santificar, faz-se uma contínua troca de graças
oferecidas e de sacrifícios pedidos. Para correspon­
der a estas graças, seria necessário violentar-nos ; e
achamos mais cómodo ceder às nossas inclinações.
Oh I que graças perdidas na vida de um padre imor­
lificado; e que conta dará de si 1 - Não me corrigi­
rei de nenhum dos meus defeitos, se não me venço:
Nisi iihi vim feceris, vifium non superahis. A luta é
sempre custosa, mormente quando nós mesmos so­
mos o 'inimigo, que é necessário vencer. Assim, a
minha vida passa e os meus defeitos ficam. Êles des­
cerão comigo à sepultura e me acompanharão ao
tribunal divino, porque em vez de os reprimir, só tive
para com êles criminosas condescendências. -Nunca
alcançarei a virtude sólida, a santidade, a salvação.
� virtude é a fôrça da alma aplicada ao bem : co­
meça onde começa o sacrifício. Confiemos pouco
nas virtudes fáceis. Tôda a pretendida santidade, sem
o espírito de sacrifício, é um edifício sem alicerce.
Deve-se dizer da justiça cristã e sacerdotal, como do
reino dos céus, que não se obtém senão vencendo­
-nos a nós mesmos.

li. Razões tiradas do sagrado ministério e das


suas funções. - O mundo só foi salvo pelo sacri­
fício. Nós cumprimos, sacrificando-noii, o que falta

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38 .!IBDITAÇÕl!:S SACBRDOTAIS

ao grande sacrifício de Jesus Cristo. A vida do bom


padre, como a do Homem-Deus, não é senão um
martírio prolongado.

V MEDITAÇÃO
O espírito de sacrifício. - Sua extensão

1. Abnegação contínua.
li. Abnegação universal.

•Senhor, é. quantas vezes me resignarei, e em que


coisas deverei renunciar •à minha própria vonta­
de•? ( 1 ) A pregunta que faz aqui a alma fiel, tem
um duplo objedo: quando hei de praticar o espírito
de sacrifício, e em que hei de praticá-lo. Jesus Cristo
responde: • Sempre e a tôda a hora, assim nas coi­
sas pequenas como nas grandes; nada exce_plu°' (11).
A abnegação deve pois ser contínua e universal. \

I. Abn�gação contínua. - Ouando se diz que


devemos estar sempre e a fôda a hora dispostos a
sacrificar à vontade divina os nossos pensamentos e
afedos, as nossas repugnâncias e inclinações, não
se faz mais que mencionar uma das conseqüências
imediatas do grande princípio do fim do homem, e
do supremo domínio de Deus sôbre tôdas as criatu­
ras. Sendo sempre dêle, devo ser sempre para êle,
e servi-lo. Ora, eu só sirvo a Deus verdadeiramente,
sacrificando a minha vontade à sua. Tai é a obriga-

(i) Ouotíes me resignabo, e! in quibus me relinquam? lmif.


de Crislo: 1. lll, 37.
(1) Semper e( omni hora; sicu! in parvo, sic e! in magno ;
níhil eKcipio. lmif. l. Ili, e. 37.

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ESPÍRITO DE 8AC11IFÍCIO· 39

ção do homem; eis agora a do cristão, e com mais


razão a do padre: DicehBf aufem ad omnes: Si
quis vulf posf me venire, Bhnegel semelipsum, el !ollaf
crucem suBm quotidie, ef sequafur me (•). Assim
como estou obrigado a seguir a Jesus Cristo para se-r
seu discípulo, e a segui-lo mais de perto na qualidade
de seu ministro, também estou obrigado a abneg�r-me
a mim próprio, e a tomar a minha cruz cada dia.
A cruz é o altar do sacrifício ; abnegar-me a mim
mesmo, é sacrificar-me ; é necessário que eu esteja
sempre no eslado de vílima. A minha natureza é
sempre arrastada ao mal pela tríplice concupiscên­
cia; por conseguinte é indispensável que eu a ·vigie,
a reprima, a sacrifique sempre, semper ef omni hora.
Só posso ir pdra Deus, vencendo a corrente das
minhas más inclinações; se deixo de resistir à cor­
rente, da arrebata-me. Com efeito, se me examino a
mim mesmo, descubro que a lõda a hora tenho algum
impulso de soberba, que procuro o que lisonjeia os
meus sentidos, que sou dominado de alguma cobiça
ou aíeição às coisas terrenas. Sem uma contínua vi­
gilância, sem contínuos esforços e sacrifícios, serei
talvez de tempos a tempos. governado pela graça,
mas habitualmente serei arrastado pela natureza;
lerei muitas vezes uma vida de instinto, algumas ve­
zes uma vida de razão, quási nunca a vida de fé, que
é � única verdadeiramente cristã; darei a Deus alguns
instantes e às minhas tendências naturais quási todos
os meus dias. é. Não é isto o que eu_ tenho deplorado
nas milthas meditações precedentes? O' ·meu Deus,
que perdas lenho lido I l e a quem devo eu imputá-las
senão à minha pouca energia em me vencer a mim
próprio? l Ouantos momentos de ligeira tribulação

(1) Luc. IX, 22.

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MEDITAÇÕES
--------- SACERDOTAIS

podia eu trocar por um tesoiro imenso de glória


eterna? (')

II. Abnegação universal. - Grandes e pequenas


coisas, interiores e exteriores, tudo deve ser sujeito à
lei do amor divino por uma inteira conformidade
com a vontade do Senhor : Sicut in parvo, sic. e/ in
magno ... .- in omnihus /e nudafum inveniri volo (2).
Não é uma parle do homem, é o homem todo inteiro,
os sel.1'! pensamentos, as su.as acções, os seus sofri­
mentos, o que o espírito de sacrifício deve (irar do
domínio da natureza, para o fazer passar para o da
graça.
Deve começar pelos pensamentos. Compreende­
mos muito pouco a importância dêsle conselho do
Sábio : Fifi mi, affende ad sapienfiam meam .. , ui
custodias cogifafiones (11 ). Vigiar sõbre os nossos
pensamentos, é ir â fonte do mal para o evitar, do
bem para o praticar. O mal passà fãcilmenle do eJS·
pírilo ao coração. Os pensamentos ruíns nao-são os
únicos, que prejudicam a pureza da nossa alma; de­
vemos purificar-nos também í:los pensamentos vãos e
estranhos, que ocupam inutilmente uma parle consi­
derável da nossa vida e nos tornam culpados de um
grande número de omissões: Munda quoque cor
meum ah omnibus vanis, perversis e! alienis cogila­
fionibus. Se quero saber ludo o que tenho de sacri­
ficar, para me conter na esfera dos bons pensamentos,
basta-me ouvir o Apóstolo na sua epístola aos fili­
penses: Ouaecumque sunf vera, quaecumque pudi­
ca, quaecumque justa .. . , quaecumque sancla, quae­
cumque amabilia ... , haec cogifafe (4). Oh I que
ridículas quimeras, que ilusões, que êrros leem tomado

(1) li Cor. IV, 17. - (2) /mil. 1. 3, e. 37. -- (3) Prov.


V,, 1, 2. - (4) Philip. IV, 8.

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ESPÍRITO DE -SACRIFÍGIO

o lugar da verdade no meu espírito: quãecumque


rerã ! Posso fazer a mesma reflexão com relação
aos outros objedos que S. Paulo quer que ocupem
-Js meus pensamentos : haec cogifafe.
As nossas acções são o resultado dos nossos
pensamentos; o espírito de sacrifício aplica-se a lã­
das : as más repele-as ; as boas procura aperfeiçoá­
-las, aperfeiçoando principalmente a intenção, que é
o seu 'móbil. E não despreza as mais comuns, as
mais indiferentes em si, as .que dizem respeito ao
cuidado do corpo, às conveniências sociais, ele.;
priva-as do seu carácter terrestre, para as elevar
pela fé à 1'.'lasse das obras sobrenaturais e meri­
tórias.
finalmente o sofrimenfo não é menos próprio do
homem decaido, do que o pensamento e a acção, e exi­
ge ainda mais o es·pírito de sacrifício. Êle faz-no-lo su­
portar, estimar e amar; e por estes três graus, alcan­
ça a sua mais bela vitória sõbre uma natureza sempre
inimiga do que a incomoda. - Para estimar os sofri­
mentos, basta-me considerar que o Homem-Deus os
escolheu como meio de destruir o pecado e salvar o
mundo; recordar-me, que êles veem de Deus, e con­
duzem a Deus. Eu aqui só tenho de sacrificar as
minhas· preocupações. Ao contrário, para os supor­
tar, lenho de sacrificar as reyoltas do meu coração.
Posso, com o meu divino modêlo, pedir algumas ve­
zes que se afaste o cális amargoso; mas devo sem­
pre, como êle, resignar-me ã vontade de meu Pai.
- A perfeição consiste em amar os sofrimentos, e
tudo o· que os acompanha: a pobreza, a humilhação,
o desprêzo, o abandõno da parte das criaturas.
l Ouem consumará um sacrifício .tão completo e difí­
cil? Só a caridade, armada com tõdas tis suas cha­
mas, será capaz disso. E' ela que exclama pela
bõca de S. Paulo: Quis nos separahif a .charifafe
Chrisli? frihulalio, pn angustia? an fames? an nu-

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

ditas? an periculum? an persecufio? an gladius? ( 1)


- Placeo mihi in in,Grmifafihus meis, in confumeliis,
in necessilafihus, in persecufionibus, in angusfiis pro
Chrisfo (2).
Nunca o vosso Apóstolo, ó meu Deus, feria se­
melhantes sentimentos, se a vossa graça lhos não in­
fundisse: Grafill Dei sum id quod sum (3). Vós ides
brevemente, na celebração dos vossos santos misté­
rios, dar-vos a mim com tôdas as vossas graçàs. Su­
plico-vos, que me não recuseis a fortaleza, a magna­
nimidade, o amor generoso, de que necessito, para
renunciar à minha vontade em fôdas as coisas e sem­
pre, e para viver deanfe de vós em estado de perpé­
tuo sacrifício, com o Cordeiro sempre vivo e sempre
sacrificado à glória do vosso nome.
Resoluções. Aceitar lôdas as disposições dà Pro­
vidência, tôdas as lribúlações que lhe aprouver en­
viar-me, e uni-las às de Jesus Cristo. Prever as
ocasiões, que eu poderia ler hoje mesmo de praticar
o espírito de sacrifício. __
Resumo da Meditação

I. Abnegação contínua. - Sendo sempre de


Deus, devo ser sempre para êle e sempre servi-lo.
Ora, eu só o sirvo realmente pelo sacrifício da minha
vontade à sua. A minha natureza é sempre levada·
ao mal pefa tríplice concupiscência; por conseguinte
devo sempre reprimi-la. Se deixo de resistir à cor­
rente, ela arrebata-me. Sem uma contínua vigilância
e contínuos sacrifícios, lerei muitas vezes uma vida
de instinto, algumas vezes uma vida de razão, quiisi
nunca a vida de fé, que é a vida do justo.

( 1) Rom. VIII, 35. - (2) II Cor. XII, 10. - (3) I Cor.


XV, 10.

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ESPÍRITO DE IIACRIFÍCfO

II. Abnegação universal. - • Em 'tôdas as coi­


sas exijo de vós uma inteira conformidade com a
vontade do Senhor• . Não é uma parle do homem,
é lodo o homem, os seus pensamentos, as suas
acções, os seus sofrimentos, o que o espírito de sa­
crifício deve tirar do domínio da natureza, para o
sujei lar ao domínio da. graça. - Vigiar sôbre os
nossos pensamentos é ir à fonte do mal para o evi­
tar, e do bem para o prali'car. - O espírito de sacrifí­
cio aplica-se a lôdas as acções: as más repele-as; as
boas aperfeiçôa-as, principalmente pela intenção; as
indiferentes eleva-as pela fé à classe das obras sobre­
naturais e -meritórias. - O sofrimento exige ainda
mais o espírito de sacrifício. Fã-lo estimar, suportar,
amar. Para o estimar, basta-me considerar a esco­
lha que dêle fêz o Homem-Deus, para destruir o pe­
cado e salvar o mundo. Para o suportar, lenho de
sacrificar as revoltas do l]leu coração. Posso pedir
o afastamento do cális, com tanto que me resigne.
A perfeição é amá-lo; mas é. quem poderá consumar
êsle sacrifício? A caridade armada com lôdas as
suas chamas. Ela me fará dizer com S. Paulo :
Sinto . complacência nas mio.has enfermidades, ·nas
afrontas, nas necessidades, nas angústias por Jesus
Cristo.
131

VI MEDITAÇÃO
O espírito de sacrifício. - As fontes onde
se recebe
1. Consideraçiio dos seus felizes efeilos.
li. Exemplo de Jesus Crislo e dos Sanlos.

Depois da graça e da oração, primeira fonte de


lôda a virtude cristã, nada contribui mais para nos

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�EDITAÇÕES SACERDOTAIS

peneirarmos do espírito de sacrifício, do que a con­


sideração dos felize� efeitos que produz, junta aos
exemplos que dêle nos deram Jésus Crislo e os
Santos.

I. felizes efeitos que produz o espírito de sa�


crifício. - Purifica a alma e desprende-a de lôdas
as vaidades e afeições carnais ou demasiadamente hu­
manas, que deslustram a sua beleza. Estabelece uma
comunicação íntima entre uma alma santificada e Je­
sus Cristo, que vê nela a sua perfeita imagem. Sub­
stitui em nós a vontade, a vida de Deus à nossa
própria vontade, à nossa própria vida. Pondo-nos
sob a direcção do Espírito Santo, transforma-nos em
verdadeiros filhos de Deus, segundo a palavra de
S. Paulo: Ouicumque spirifu Dei agunfur, ii sunt
lilii Dei. faz-nos amon'ioar inapreciáveis tesoiros de
merecimentos pela continua prática das mais ·excelen-
"
tes virtudes, a abnegação e a caridade.
E' ao espírito de sacrifício, assim como �pí­
rito de fé, que é o seu princípio, que· se devem atri­
buir, em lodos os t�mpos, as virtudes heróicas, os
prodígios de abnegação, que admiramos nos grandes
servos de Deus. • O' Senhor, dai à vossa Igreja
muitas almas imoladas pela graça, e a beleza dos
primeiros séculos reaparecerá, a fé se reanimará no
cornção de vossos filhos, os ermos serão povoados
de Santos, o vosso santuário será cheio de ministros
fiéis, a estrada da perdição menos freqüentada, e o
sangue de Jesus Cristo menos profanado• (1).
Mas entre os 'excelentes frutos desta generosa
abnegação, há um que nós meditamos muito pouco:
é a paz abundante e a felicidade presente, que por
ela se obtém, até no meio das penalidades desta triste

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ESPÍRITO DE SAf'.RIFÍCIO

vida. Oue o espírito de sacrifício conduza ao céu,


crêmo.Jo fàcilmente; o sacrifício da própria vida é a
caridade mais perfeita: Majorem hac dilecfionem
nemo habel, ui animam suam ponaf (L). l E não é
dar a vida por Deus, morrer por amor de Deus, re•
nunciar, para lhe agradar, a lôdas as inclinações na•
furais, e estar sempre deante dêle em estado de víli•
ma? Ouantos crêem sinceramente que urna alma
fervorosa acha nêste sacrifício contínuo um ceu ante•
cipadd, urna paz e alegria, que sobrepuja todçi o en•
fendimento, e que a nossa felicidade cá na terra seja
precisamente em proporção da nossa coragem em �acri•
ficar.nos por Deus? E contudo é uma verdade que não
só resulta de todo o ensino evangélico, mas também
se prova invencivelmente pela razão e pela experiência.
Com efeito, lcomo não compreender, de um lado,
que a santa abnegação, reprimindo as nossas más
inclinações, tira a causa ordinária das nossas dõres
e perturbações {2); e do outro, que pondo.nos sob o
domínio da graça, e unindo-nos a Deus, que é o
sumo bem e a ordem por excelência, nos faz perse•
verar numa paz inalterável.? Si in via Dei ambulasses.
habitasses ufique in pace ·sempiterna (3). l Não é
evidente que esta generosidade nos põe nas.condições
mais fa"\ioráveis para que o Senhor nos encha das
suas bênçãos_? Os mártires são disto uma prova
convincente. O seu sacrifício elevou-se até ao mais
alto grau do heroísmo ; por isso, diz Santo Agosli•
nho, enlregam•se a grandes transportes de alegria à
vista de seus algozes; e exclamam emquanto os ator­
mentam e queimam : Nunquam Iam jucunde epu/afi
sumus. Deus enchia-os das suas consolações.

(1) Joan. XV, 13.


l 2) Unde bella el lifes in vobis? Nonne hinc? ex concupis­
cenliis, quae mílilanl in membris vesfrís ? Jac, IV, 1.
lª) Boruch Ili, 13.

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!\IEDITAÇÕES SACERDOTAIS

II. O exemplo de Jesus Cristo e dos Santos


excita em nós o espírito de sacrifício. - O Salva­
dor nunca buscou a sua própria salisfoção, mas uni­
camente o que era do agrado de seu Pai: Chrisfus
non sibi placuit ( 4). - Ouae placila sunt ei facio
semper (2). Sal;,emos que êle levou o espírito de sa­
crifício, bem como a obediência, até à morte, e à
morte de cruz; e é neste exemplo que S. Paulo nos
convida a procurar a energia, de que necessitamos
para nos vencermos a nós mesmos.
Na opinião do grande Apóstolo, a vida cristã, e
com maior razão a vida sacerdotal, é um combale,
uma corrida ; combate penoso, corrida laboriosa :
• Corramos pois pela paciência, nos brada êle: Per
patienfiam curramus ad proposifum nobis cerfamen (3);
e para ler esta paciência.. inabalável, não deixemos de
pôr os olhos em Jesus Cristo, autor e consumador
da nossa fé: Aspicienfes in aucforem lidei ef con:
summaforem Jesum. Êle podia escolher os gôzos-d-a
vida mais feliz, e preferiu a Cruz, sem lhe meterem
mêdo as dôres e ignomínias inseparáveis dêsle horrí­
vel suplicio: Oui, proposilo sibi gaudio, susfinuif
crucem, confusione contempla. Fêz esta escôlha por
amor de nós, para nos preservar com o seu exemplo,
do veneno que traz consigo uma vida de honras e
comodidades. Refledi com atenção no que sofreu o
filho de Deus, entregue a pecadores, armados contra
êle de todo o ódio do inferno: Recogita/e eum, qui
falem sustinuif a peccaforibus ... confradicfionem. Se
considerardes os seus sofrimentos como a medida de
seu amor para convosco, e se os comparardes aos
vossos, nunca desfalecereis em vosso ânimo: Ut ne
fafigemini, animis vesfris deficientes. Emfim é certo
que ainda não derramastes uma gôta do vosso san-

(1) Rom. XV, 3. -(2) Joan. Vlll, 29. - (3) Hebr. XII, 1.

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ESPÍRITO DE SACRIFÍCIO 47
gue na lula contra o pecado; e Jesus para o destruir,
derramou todo o seu sangue: Nondum enim usque
ad sanguinem reslifisfis, adversus peccafum repu­
gnantes, ( 1 ).
E.is o que levou os mártires e lodos os Santos o
praticar tão fielmente a sciência do sacrifício. A pró­
pria abnegação era uma necessidade para aqueles
perfeitos imitadores de Jesus Cristo. Não lhes bas­
tava aceitar reconhecidos as cruzes que a Providên­
cia lhes preparJva; buscavam ainda outras e nunco
tinham- bastantes. - Inácio de Loiola é metido num
cárcere em Salamanca, e tratado como um malfeitor ;
algemam-lhe os pés e as mãos. Todavia a alegria
transparece-lhe no rosto; nunca homem algum pare­
ceu mais contente com a sua sorte. Veem de lôdas
as partes contemplar esta serenidade e ar de felicidade,
de que ficam pasmados ao chegarem ao pé dêle, e
ao deixarem-no exclamam: • Vi a Paulo em ferros• .
Os seus amigos dão-lhe pêsames; êle sõ quer felici­
tações. • Saiba Salamanca, que não !em !antas alge­
mas, quantas eu quero trazer por amor de Jesus
Cristo• . Xavier queixa-se, mas de quê? Do excesso
da sua alegria, da insuficiêne:ia das suas provações:
Basta, Senhor, basta! Ainda mais, ainda mais tra­
balhos, contradições, privações, abandôno de criatu­
ras! - Santa Terêsa, separada de Jesus, desfaz-se
em pranto: • Senhor, se tendes resolvido prolongar
o meu deslêrro ; se quereis, que espere com paciêncio
a morte que eu desejo, permiti que eu sofra por vós
em lodo o tempo que não viver convoscq. A voss&
cruz me consolará da ausência; ou vós mesmo, ou &
vossa cruz; ou morrer, ou renascer continuamente
para sofrer de novo: A ui pali, aul mori • . Ouando
Deus pregunla a S. João da Cruz, que recompens6

(1) Hebr. XII, 4.

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48 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

deseja, êle não responde com o Doutor Angélico:


Nenhuma outra senão vós, ó meu Deus ! nem mesmo
com Santa Terêsa : Ou sofrer, ou morrer; só· quer
sofrimentos e desprêzo: Pati ef confemni pro fe.
Todos êstes Santos eram homens como nós; o
que êles·- puderam naquele que era a sua fortaleza,
podemos nós, como êles. Oremos, refliclamos; mas
exercitemo-nos também, seguindo o conselho que
S. Francisco Xavier dava lanlas vezes e praticava lãa
perfeitamente: Vince fe ipsum. O soldado adestra-se
combatendo. Comecemos por vencer-nos a nós mes­
mos nas coisas fáceis; pequenas vitória� nos prepa­
rarão para outras maiores: ldeoque ef nos-:fonlãm
habenfes imposifom nubem fesfium, deponentes om­
ne pondus ef circumsfans nos peccafum, per pafien­
liam curramus ad prop9silum nobis cerlamen ( 1).

Resumo da Meditação

1. felizes efeitos, que produz o espirita de


----
sacrifício. - Purifica a alma e desprende-a das vai­
dades e das afeições carnais ou demasiadamente hu­
·manas, que deslustram a sua beleza. Estabelece uma
comunicação íntima entre ela e Jesus Cristo. Faz­
-nos amontoar inapreciáveis riquezas. E' ao espírito
de sacrifício, assim como ao espírilo de fé, que, é o
seu princípio, que devemos atribuir as virtudes he­
róicas t' os prodígios de abnegação que admiramos
nos grandes Santos. E' a êle, principalmente, que ele­
vemos a paz e a alegria, que são um céu antecipado
no meio das penalidades desta vida. 1.. Crês tu, alma
minha, que a nossa felicidade cá na terra seja em
proporção da nossa coragem em nos sacrificarmos
por Deus? E' uma verdade que resulta de lodo

(1) Hebr. X,Il, t.

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ESPÍRITO DE SACRIFÍGIO

o ensino evangélico, sempre confirmado pela expe•


riência.

II. O exemplo de Jesus Cristo e dos Santos


excifa em nós o espírito de sacrifício. - O Salva­
dor nunca· buscou a sua própria satisfação. Levou'
o espírito de sacrifício até à morte de cruz. E' neste
exemplo que o grande Apóstolo nos convida a pro­
curar a energia de que necessitamos para nos ven­
cermos a nós mesmos. E.' também êste exemplo, o
que fêz que os Santos praticassem a sciência do sa­
crifício. Êles não se conJentavam com aceitar reco­
nhecidos as cruzes que a Providência lhes enviava:
buscavam outras; nunca tinham bastantes. Lembre­
mo-nos de Sanlo Inácio na prisão de Salamanca, de
S. Francisco· Xavier nas suas ilhas incultas, de Santa
Teresa, de S. João da Cruz. Tudo o que puderam
os Santos, podemos nós, como êles. Oremos, refli­
cta·mos, exercitemo-nos.

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Jesus <!rlsto, exemplar dos escolhidos e par­
ticularmente dos sacerdotes, convida-nos a
segui-lo no caminho da verdadeira santi­
dade. - Razões que nos obrigam a imitá-lo.
Prática desta imitação.

VII MEDITAÇÃO

O reino de Jesus Cristo. - Parábola -


1. Je5us, nosso rei, convida-nos a segui-lo.
li. Tudo nos incífa a enfregar-nos a êle e II segui-lo.

P1mrnmo PRELÚDIO. Imaginai ver as sinagogas,


as aldeias, as cidades da Judéia, que Jesus Cristo
percorria, pregando o Evangelho.
SEGUNDO P.HELÚDIO. Fazei-me .a graça, Senhor,
de obedecer à vossa voz, e de cumprir sem reserva,
e sem demora, a vossa vontade.

I. Jesus, nosso rei, convida"nos a segui"lo. -


Suponde que o céu em sua bondade deu à terra um
monarca, superior a tudo o que o espírito humano
pode imaginar de mais perfeito. .Êle junta a lodos
os tílulos de legitimidade e aos direitos mais incon­
testáveis, tôdas as qualidades que exigem respeito e
admiração, inspiram confiança e amor. Êste rei com­
pleto, que não sabe conceber senão nobres desígnios,
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REINO DE CRISTO 51

e não tem outra ambição senão a felicidade de seus


súbditos, convida-nos a segui-lo em uma expedição
guerreira que empreende. Nunca uma guerra foi mais
justa, nem mais santa e vantajosa, até para os povos
cuja conquista se trata de fazer.
Eis as condições que êle propõe aos que se lhe
quiserem unir, porque não violentará ninguém. Vê­
-lo-ão constantemente à frente, participando de lôdas
as fadigas, de lodos os pe'rigos, alimentado, alojado,
vestido como o último dos seus soldados; nenhum
dêles fará ou sofrerá coisa alguma, que êle não le­
nha feito e sofrido prime-iro. O sucesso da emprêsa
está seguro; nenhuma acção ficará sem recompensa;
e os despojos da vitória, que serão imensos, serão
repartidos entre os vencedores segundo a coragem
de que tiverem dado prova nos combales. é. A êste
chamamento que responderão os seus súbditos, por
pouco briosos que sejam? i Oue generosa emulação
lhes ferverá nas almas! E se houvesse alguns tão
covardes, que preferissem tim indigno descanso a
esta gloriosa emprêsa, é. não seriam por lodos vota­
dos ao desprêzo?
Jesus Cristo é êsse grande, êsse amável rei, Fi­
lho de Deus, Criador e Redentor do género huma­
no; vem à terra fazer guerra ao pecado, primeira de
lôdas as revoltas, que perturbou o reino de seu Pai e
o seu. Vem restabelecer o império da graça sôbre a
natureza; e para subjugar os seus inimigos, não em­
pregará outras armas senão as dos seus benefícios.
Cheio de graça e de verdade, possui em grau infi­
nito lôdas as perfeições da divindade e da humani­
dade. Falando pois a todos os que pelo baptismo
se tornaram seus súbditos, e pela confirmação seus
soldados, diz-lhes : • A minha vontade, de tõdas as
vontades a mais vantajosa aos homens, é atraí-los a
mim, para que participem da minha vida e felicidade.
Meu Pai constituiu-me rei sôbre o santo monte, e

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52 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

deu-me !ôdas as nações em herança (1); quero en­


trar na posse do meu domínio, e reinar eu s·ó sôbre
os espíritos e corações, submeter os homens à minh_a
lei para os salvar, e vencedor pacifico, conduzir à
glória eterna aqueles, �ujas cadeias eu tiver que­
brado. Todo aquele que participar dos meus traba­
lhos nesta guerra, participará também do meu 1riunfo;
· a recompensa será proporcionada à generosidade dos
esforços•.
E nós, sacerdotes de Cris!o, é. que .respondere­
mos ao nosso amável e divino rei? é. Oúe o seguire­
mos? E' muito pouco. é. Não farão os seus minis­
tros por êle, mais do que os seus simples discípu­
los? é. Não o seguiremos de mais perlo ? Nós somos
os primeiros soldados da sua milícia; é. não queremos
nós dis!inguir-nos pelo.. nosso zêlo em servi-lo, assim
como êle nos distingue com as suas graças particu­
lares? Sim, travaremos mais rudes combales COJTI _a
soberba, com a sensualidade, com a estima do rQUn­
do; faremos a Jesus a mais generosa e completa
aferia de nós _mesmos.

II. Tudo nos incita a dar-nos in{eiramen!e ao


Salvador e a segui-lo. - Peneiremo-nos dêstes mo­
tivos: a dignidade, os direitos daquele que recorre
ao nosso zêlo, a emprêsa para que somos convida­
dos a concorrer, e as condições que nos são irri­
poslas.
I .º é. Ouem é que nos chama? E' Jesus Cristo,
o rei imorfol de todos os séculos (2). - Aquele que
não julgou que fôsse nê/e uma usurpdçâo o ser igual
d Deus (ª). - O resplendor dô glôria, nd figura da
sud subsfcincid (4) • .-A cdbeça de todos os principd-

(1) Ps. 11, 6, 8. -(2) 1 Tim. 1, 17. - ( 3) Philip. II, 6.


- (4) Hebr. 1, 3.

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53
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REINO DE CRISTO

dos (1). - Nê/e estão encerrados lodos os tesoiros


da sabedoria e da sciência (2). - Nê/e habifo fôda a
plenitude da divindade corporalmente (3). - Todo o
poder lhe foi dado no céu e na ferra ( 4 ). - Ao seu
nome dobra-se lodo o joelho (5) - Oh ! que
grande glória há em seguir ao Senhor: Gloria ma­
gna esf sequi Dominam I (6)
Àlém disto, Jesus tem. sôbre nós os direitos mais
sagrados. - Direito das suas perfeições infinitas. Se
não -lhe pertencemos, pertenceremos às paixões, à
soberba, à inveja. Só podemos escolher um dêsles
dois jugos; é. qual é mais honroso e mais suave? -
Direito de criação. Tudo o que lemos, ludo o que
somos, êle no-lo deu e no-lo conserva; pertencemos­
-lhe mais do que o filho pertence a seu pai. - Di­
reito de conquista e de aquisição (7). fêz-nos pas­
sar das cadeias de Satanás para a ditosa liberdade '·
dos filhos de Deus. Uma coisa é nossa, se a pa�a­
mos com o nosso dinheiro;' é mais nossa, se nos
custou penosos trabalhos; é ainda mais nossa, se a
compramos com o preço do nosso sangue. Pois bem,
i_não fomos nós comprados com o preço da Paixão
e morte de Jesus Cristo? Empfi enim esfis prefio
magno (8). - Direito de doação e herança; o Padre
Eterno nos deu seu filho, constituindo-o seu herdeiro
universal : Consfifuif haeredem universorum (9). -
Direito de eleição e de livre submissão da nossa
parle; visto que nós mesmos o escolhemos para
nosso rei no baplismo, e depois, quando tantas ve­
zes, à face do céu e da terra, renovámos o jura­
mento de lhe pertencer inteiramente e sempre. Estes
são os laços que nos unem a Jesus Cristo.

(1) Coloss.11, 10. -(�) lbid. 3.-(3) lbid. 9. -(4) Matth.


XX.VIII, 18. - (5) Philip. 11, 10. - (6) Eccli. XXlll, 38. -
(') 1 Pefr. li, 9. - (8) I Cor. VI, 20. - (9) Hebr. I, 2.

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llEDITAÇÕES SACEl\DOTA IS

2. 0 é. À. que somos chamados? À emprêsa mais


nobre e mais santa, que é possível imaginar. Iudo
nela é grande. - Os inimigos que temos de comba­
ter: o demónio, o mundo, as paixões, o nosso pró­
prio coração. -As armas que havemos de empre­
gar: a fé, a oração, a humildade, a paciência, tôdas
as virtudes do cristão e do apóstolo. - Os compa­
nheiros de combate: tõdas as almas generosas que
o cristianismo exalçou, engrandeceu, e de alguma sorte
divinizou, os Santos de tôdas as condições. -A ca­
beça � o Filho de Deus em pessoa combatendo em
nós por sua graça, e que, já vencedor em tantos es­
colhidos, quer ainda ser vencedor em cada um de
nós, e servir-se de nós para conquistar o coração
dos nossos irmãos. -Finalmente, o alvo da emprêsa:
é gloriGcar a Deus e salvar os homens, destruindo o
êrro e o vício, para Grmar a verdade e a virtude.
é. Pode-se imaginar coisa mais excelente?
3. 0 Ouanto às condições que nos são propos­
tas, ei-11:ls em duas palavras: participar cá na terra
dos trabalhos de Jesus Cristo, para participar depois
do seu triunfo. Comparemos os sacrifícios que nos
pede, com os que êle impôs a si mesmo. Só para
êle foi a cruz sem alivio; para os seus discípulos
Géis e para os seus bons ministros, ela é um con­
fôrfo: Superabundo gaudio in omni lribulatione nos­
fra (1). Comparemos os trabalhos e a duração do
combate com os gozos e a eternidade do triunfo.
Consagremo-nos pois inteiramente ao serviço do
Salvador, e digamos-lhe: • Eis-me aqui, ó rei supre­
mo e senhor de tôdas as coisas; por mais indigno
que eu seja de aparecer na vossa presença e de vos
pertencer, conGado todavia na vossa graça e no
vosso auxílio, dou-me a vós sem reserva. O que

(1) 11 Cor. VII, 4.

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REINO DE CRISTO 55

sou, o que possuo, submeto.o, enlrego•o inteiramente


à vossa santíssima vontade. Protesto perante a vossa
infinita bondade, e !orno por testemunha a bemaven•
lurada Virgem, vossa Mãe, com lôda a côrle ceies•
!ial, que o meu desejo, a ·minha firme resolução, é
seguir•vos Ião de perto, quanto me fôr possível, des•
prendido de todos os bens da !erra, e, se quiserdes,
realmente pobre; participando dos vossos opróbrios,
vivendo e morrendo no pôsto, em que o interêsse da
vossa glória e a vossa santa vontade me tiverem co•
locado• (1). Esta aferia de vós mesmo será uma
boa preparação para a missa. Renovai•a na vossa
acção de graças.

Resumo da Meditação

1. Jesus Cristo, nosso rei, convida-nos a se­


gui-lo. - Um monarca, superior a ludo o que se
pode imaginar de mais perfeito, juntando aos direitos
mais incontestáveis lôdas as qualidades que excitam
admiração, inspiram confiança e amor, convida os
seus súbditos a segui.lo em uma guerra justa e santa,
infinitamente vantajosa, até àqueles que se !rala de
conquistar. Êle estará constantemente à frente de
seus soldados, e será alimentado, alojado, vestido,
como o último dentre êles. O bom éxito é seguro, e
os frutos da vitória, que serão imensos, serão repar•
lidos pelos vencedores, segundo o merecimento de
cada um dêles. Êsle grande, êste amável rei, é Je.
sus Cristo ... Veio à ferra combater o pecado, a
primeira de lôdas as revoltas; salvar os· pecadores
e submetê-los a Deus . O' padres, êle colocou-vos
em lugar de honra na sua sagrada milícia; é. não que­
rereis vós seguir as suas pisadas?

(1) Livro dos Exercícios de S. Inácio.

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56 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

II. Tudo nos incita a dar-nos inteiramente a


Jesus Cristo para o seguir: a sua dignidãde, os
seus direitos, o glorioso fim para que pede o nosso
concurso, as condições que nos impõe. - O nosso
capitão é o Rei imorfal dos séculos, o resplendor da
glória de Deus ... , ao seu nome dobra-se todo o
joelho. - Tem sôbre nós os direitos m1:1is sagrados:
direito de suas perfeições, direito de criação, direito
de conquista e de aquisição, direito. de herança e
eleição. - Chama-nos à emprêsa mais nobre que é
possível imaginar; ludo nela é grande: inimigos, ar­
mas, companheiros, chefe; ela tem por fim glorificar
a Deus e salvar o mundo. - Eis as condições: par­
ticipar cá na terra dos trabalhos de Jesus Cristo,
para participar depois do seu triunfo. Consagremo­
-nos inleiramenle ao seu serviço.

VIII MEDITAÇÃO
O reino de Jesus Cristo na alma fiel
1. A idéia que devo formar dêsle reino.
li. Ouanlo devo desejar que êle se estabeleça em mim.

O sacerdote tem sempre um duplo fim a alcan­


çar, a suá própria santificação e a do próximo.
Neste momento é pa� si que busca o reino de
Deus e a sua ;usfiça (1).

(1) Malth. VI, :n.

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REINO DE CRISTO fí7

I. l Oual é êsse reino de Jesus Cristo em


mim? - • E' o filho de Deus sempre e em tudo go­
vernando o meu coração e espírito, a língua, tôdas
as acções, tôda a ordem e plano da minha vida• (1).
O meu coração é, num sentido verdadeiro, o lrôno
de Jesus Cristo. Tudo em mim recebe com submis­
são as ordens dêsse grande rei; tudo é pôslo ao
seu serviço, para ser emp�egado por êle em glorifi­
car a seu Pai; porque é para isto que êle fêz a
aquisição de lodo o meu sêr.
Êss.e reino de Jesus Cristo consiste em me go­
vernar de tal sorle pelo seu espírilo, que êle seja a
norma de todos os meus juízos, de lodos os meus
afedos e propósitos; em seguir em tudo as luzes e
inspirações da sua graça; e, com o santo uso que
faço delas, em adoptar tôdas as virtudes que nps
ensinou, e cujo exemplo nos deu. E' verdade que eu­
nunca serei dispensado de dizer com S. Paulo: Sinto
nos meus membros uma lei que repugna à lei çlo
meu espírito, e que me 'faz cativo na lei do pe­
cado (2) ; mas é necessário que possa acrescentar
como êle: •Tenho ouIra lei dentro de mim, a lei do
espírito de Jesus, que reina s·õbre os meus apetites
desregrados, os reprime e os subjuga; de sorte que
não sou eu já o que vivo, mas é Jesus Cristo que
vive em mim (9). E' necessário que as suas virtudes
substituam os meus vícios; a sua humildade a minha
soberba ; a sua pobreza ó meu apêgo aos bens ter­
renos; a sua paciência a minha ira. E' necessário
que êle disponha à sua vontade do meu tempo e das
minhas fôrças, dos meus gostos e desgostos, sem
que jàmais a sua vontade encontre na minha alguma

'(1) P. Marlel. Caracf. do Cristão.


(2) Rom. VII, .:n. - (3) Gal. II, 20.

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58 MEDITAÇÕRS SACERDOTAIS

resistência. Somente então Jesus reinará em mim e


sôbre mim como senhor absoluto. l Tem sucedido
assim até êste dia? Oh I quantos obstáculos pus ao
exercício desta santa e benéfica realeza !

II. Quanto devo desejar o reino de Jesus


Cristo em mim. - Ouando procuro compreender a
necessidade de me submeter ao poder supremo de
Jesus, torna-se para mim evidente que não posso
reinar com êle na sua glória, senão emquanlo êle'
reinar em mim por sua graça. Se não é meu rei pela
misericórdia que perdõa e salva, sê-lo-á pela tre­
menda justiça que condena e arruína. Mas eu só
encaro neste momento os encantos dêsse rei amável,
e a felicidade dos seus súbditos. Amável em seu
poder, feliz nas suas leis, glorioso na dignidade a que
me eleva, suave no seu govêrno: tal é o reino do
meu Salvador, que eu muitas vezes lenho repelido,
e que eu devia reclamar com loclbs os meus votos:
'Specie fua et puk:hri!udme lua, intende, prospere
procede, ef regna (1).
I .º Reino amável em seu poder; porque torna
leve um jugo, que as paixões humanas olharão sem­
pre como pesado. l Oue coisa mais impossível, se­
gundo os pensamentos do mundo, que estabelecer
uma ordem de coisas segundo a qual o homem, que
se ama tanto a si mesmo, que as mais das vezes só
se ama a si, se armará contra si próprio e fará uma
contínua guerra aos seus sentidos, às suas mais
veementes inclinações? O poder de Jesus Cristo
chega até aí. Chega ainda mais longe: atrai o homem
a êsle jugo; faz-lho amar, e até preferir aos trônos.
Oue o homem, para depender em tudo do seu Deus,

(1) Ps. XLIV, 5.

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IIEINO DE CRISTO 59
se combala a si mesmo em ludo; que, para ter êsle
jugo, sacrifique o que o mundo pode oferecer de
mais sedutor, é. não será prodígio dêste reino tão
amável quanto poderoso e absoluto?
2. 0 Reino feliz nas suas leis. Venile ôd me
omnes qui lahorôfis. . . é.• Quereis possuir a felici­
dade? Vinde a mim, nos diz Jesus; tomai sôbre vós
o meu jugo, praticai o meu Eyangelho; eis o resumo:
Negai-vos a vós mesmos, tomai a vossa cruz cada
dia, e segui-me•. Para achar gôslo nas lágrimas,
nas calúnias e afro.nlas do mundo, numa palavra, na
cruz, é necessário seguir a Jesus Cristo, obedecer
às suas leis, viver segundo as suas máximas. O mi­
lagre de sentir doçura na amargura, prazer no sofri­
mento, só é prometido com esta condição; mas tam­
bém desafia-se quem quer que seja, a que tenha cum­
prido esta condição, e não lenha achado a verdadeira
felicidade. Vós afirmais-me, ó meu Deus, e os vossos
maiores servos alesfam-me que o experimentaram;
é. porque recusarei eu imitá-los?
5. 0 Reino glorioso na dignidade a que me eleva.
Jesus é o único de quem se pode dizer que os seus
servos são reis e mais que reis. Com efeito, é. há
algum monarca, por poderoso que se suponha, que
não seja escravo ou de alguma paixão ou de algum
interêsse, escravo das ocasiões, ou dos aconteci­
menlos, escravo alé dos seus súbditos, de quem de­
pende de mil maneiras ? Mas submeta-se êsle rei es­
cravo, ainda que senhor, inleiramenle a Jesus Cristo,
viva sõmente segundo as máximas do Evangelho,
e ei-lo superior a tudo e a .si mesmo ; ei-lo mais que
rei, amigo de Deus, filho de Deus, coherdeiro de
Jesus Cristo. Nada o governa, nada o dirige senão
Deus, que êle vê, que êle ouve, e a quem obedece
em tôdas as coisas. Desde então pode dizer com
S. Paulo: Tudo me é permitido, môs eu de ninguém

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60 .MEDITAÇÕl,;S SACERDOTAIS

me lôço escrôVO (1). Ama a Deus, não tem outra


vontade _senão a de Deus ; por conseguinte, pode
fozer ludo o que quer : Ama, et lôc quod vis. Oue
glória I é onde achar mais nobre independência do
que na submissão ao meu grande e divino rei?
4." Reino cheio de suavidade no seu governo.
Não ê em vão que se chama a Jesus Rex pôcilicus,
rex mônsuetus, princeps pacis. f.le diz aos ventos :
Côlôi-vos; ao mar : acalma-te; e os ventos ·calam-se,
e as tempestades acalmam-se; é como não daria ele
a tranqüilidade e a paz aos corações, em que ha­
bita?· O mesmo mundo admira as felizes transfor­
mações, que tornam diíerenles aos homens que a
graça locou, converteu e fêz verdadeiros cristãos.
Espanta-se de os vêr Ião pacientes, sendo antes Ião
irasciveis, tão alegres, sendo antes tão tristes. E.' por­
que se submeteram ao suave jugo de Jesus Cristo.
Por muito tempo, ó meu Salvador, ousei dizer-vos,
com a minha vida pecadora, que não vos queria para
meu rei : Nolumus hunc reg_nôre super nos. Ah 1
agora, e durante os dias que me restam para viver,
não quero outro senão a vós. Renovo esta proméssa·
lantes vezes esquecida ; e quando em breve vos pos­
suir pelo sacramento do vosso amor, dir-vos-ei ainda
com mais gôsto: O' Jesus, reinai sôbre mim, reinai
sôbre Ó meu espírito e coração, sôbre os me�s pen­
samentos e afeclos; concedei-me, ó meu senhor, ó
meu rei, a graça de na vida e na morte, vos ser sempre
submisso, estar sempre convosco, pela prática da
vossa lei e imitação das vossas virtudes: Vivif Do­
minus meus rex, quoniam in quocumque loco fueris,
Domine mihi rex, sive in morte, sive in vilô, ibi eril
servus luus (2).

(1) Omnin mihi licenl, sed ego sub nullius redigar poleslale.
I Cor. VI, 12. - (2) li Reg. XV, 2.3.

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:lrnINO DE CRISTO 61

Resumo da Med_itação

I. Idéia que devo formar do reino de Jesus


Cristo em mim. - Consiste em me governar de !ai
sorte pelo Evangelho, que as suas máximas sejam a
norma de tôda a minha vida, em seguir em tudo as
luzes e inspirações da graça; em imitar tão bem a vida
de Jesus, que as suas virtlldes substituam os meus
vícios, a sua. humildade a minha soberba, ele. E' ne­
cessário que êle disponha à sua .vontade do meu
tempo e das minhas fôrças, sem que a sua vontade
ache em mim a menor resistência. Oh I que obstá­
culos tenho pôsto, até êste dia, ao exercício desta
benéfica realeza 1

II. Ouanlo devo desejar o reino de Jesus


Cristo em mim. - . Amável em seu poder, feliz em
suas leis, glorioso na dignidade a que me eleva, suave
no seu govêrno, lt1l é o reino tão desejável, que eu
tenho tido a loucu�a de repelir. - O poder de Jesus
Cristo chega até a fazer aceitar um jugo, que as
paixões acham insuportável; chega ainda mais longe :
fã-lo amar e preferir aos lrônos e às corôas. - Reino
feliz nas suas leis. O milagre da doçura na amar­
gura, do prazer nos desgôslos, só é permitido com a
condição de que se obedecerá às leis e aos exemplos
de Jesus Cristo; mas nunca se cumpriu esta condi­
ção sem achar a verdadeira felicidade. - Reino glo­
rioso na dignidade a que me eleva. Jesus é o único,
de quem se pode dizer que os seus servos são reis.
Êles amam a Deus, não leem outra vontade senão
a de Deus; podem pois fazer ludo o que querem. -
Reino cheio de doçura no seu govêrno. Jesus é o
rei pacífico; é. como não levaria êle a tranqüilidade e
a paz aos corações em que habita? O' Jesus, reinai
sôbre mim, sõbre o meu espírilG e coração. Conce-

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

dei-me a graça de que na vida e na morte, eu . vos


seja sempre submisso, pela prátiêa da vossa lei e imi­
tação das vossas virtudes.

131

IX MEDITAÇÃO
Imitação de Jesus Cristo. - Sua necessidade
1. Sou a ela obrigado como crisliio.
li. Ainda sou mais obrigado como podre.

Jesus Cristo não é rei, diz Santo Agostinho,


para impôr tributos aos seus súbditos, para os armar
de ferro e conduzi-los a çonquistas temporais; mas é
rei para dirigir as a_lmas, guiá-las no caminho de
Deus e assegurar-lhes a salvação, levando-as ao reino
.dos céus pela fé, pela esperança, e pelo amor (1).
O nosso primeiro dever é servi-lo, imitando-o. Esta
imitação encerra todo o espírito do cristianismo e do
sacerdócio.
PRIMEIRO PRELÚDIO. Imaginai ver a Nosso Se­
nhor, quando, tendo lavado os pés dos seus apósto­
los, lhes diz: • Dei-vos o exemplo, para que, como
eu fiz, assim façais vós também. (2).
SEGUNDO PHELÚDIO. O' Jesus, fazei-me com­
preender, amar e cumprir fielmente a obrigação de
seguir as vossas pisadas: Trahe me posl le; curre­
mus in odorem unguenforum luorum (ª).

(1) Non rex Israel Chrisfus 11d exigendum lribulum, vel exer­
cifum ferro 11rm11ndum, hoslesque visibililer debellandos; sed rex
esf Israel, quod mentes reg11!, quod in 11elernum consul11t, quod in
regnum coelorum credenfes, sper11n(es, 11m11n(esque perduc11I. Tr11d.
V. in Jo11n
(2) Jo11n. XII, 15. __._ (�) C11nf. 1, 3.

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IMITAÇÃO DE r.RISTO 63
1. Obrigação de imitar a Jesus Cristo, indis­
pensável ao cristão. - Tornar o Evangelho por
norma de proceder, e a Jesus Cristo por modêlo,
eis em duas palavras··a significação do belo nome de
cristão. Só merece lê-lo, diz S. Cipriano, aquele que
adopla, quanto pode, os sentimentos, os costumes, a
vida de Jesus Cristo: Chrisfianus nemo dicifur recfe,
nisi qui Crisfo morihus, , quod valeaf, · coaequafur.
Segundo S. Basílio, a imHação de Jesus Cristo é a
mesma definição do cristianismo : defini/ia chris/ia­
nismi esf imita/ia Chrisfi. Eu não posso ser cristão,
diz S. Malaquias, se não imito a Jesus Cristo : Sine
causa sum chrisfianus, si Chrisfum non sequor.
No baptismo renunciamos ao demónio e às suas
obras, ao mundo, às suas máximas e pompas, para
estarmos desprendidos de qualquer laço, e unir-nos
ao Salvador por uma perfeita imitação. Estamos re­
vestidos de Jesus Cristo : Ouicumque in Chrislo
hapfizafi esfis, Chrisfum induisfis (1). Se estamos
reveslidos de Jesus Cristo, diz S. Bernardo, êle deve
aparecer em nós; por conseguinte mostremos .em
obras a sua caridade, a sua mansidão, a sua paciên­
cia, tôdas as suas virtudes. O grande Apóstolo quer
que representemos Ião perfeitamente lodos eis traços
dêsle divino modêlo, que a sua vida possa ser r�co­
nhecida nos nossos corpos : UI ef vila Jesu manifes­
fefur in corporihus nos/ris (2).
Oiçamos o mesmo Jesus: • Vós chamais-me
vosso Senhor e vosso Mestre; fazeis bem, porque
o sou; logo, se eu, vosso Senhor e Mestre, vos la­
vei os pés, deveis fazer outro tanto uns aos ou­
tros •. Compenetremo-nos desta razão: • Dei-vos o
exemplo, para que, como eu fiz, assim façais vós
também. E' discípulo dos outros mestres o que os

( 1) Gal. Ili, 27. - ( 2 ) li Cor. IV, 10.

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IIIEDITAÇÕES SACERDOTAIS

ouve; é meu discípulo o que me imita. O discípulo


aprende do seu mestre ; aprendei portanto de mim,
discife fJ me; mas o quê? não tanto as verdades
expressas por palavras, como as manifestadas pelo
exemplo; não tanto o que digo como o que pratico ; a
vida que tenho, é o grande ensino que dou : Discife
d me quia milis sum •. Assemelhar-se a Jesus Cris­
to, vir a ser o que êle é, imitando-o, tal é a sciência do
cristianismo; mas neste caso é. onde estão os cristãos?

II. Obrigação de imilar a Jesus Cristo, mais


esfrida para os padres. - Resulta esta obrigação de
lodos os nossos títulos, de tôdas as nossas funções.
1. 0 Os nossos lílulos. Mencionemos alguns:
ministro, embaixador, vigário de Jesus Cristo, pastor
das almas ..., o padre é a figura do divino Salvador
e a expressão da sua. fci'rma : Sacerdos Chri�fi. figurfJ
expressaque forma (1).
Os reis da terra impõem aos seus ministros obri­
gações numerosas; o Rei do céu impõe só uma aos
seu.s, mas abrange tôdas as outras, isto é, segui-lo,
imitá-lo nas suas virtudes, nos seus trabalhos e sofri­
mentos pela glória de Deus e salvação dos homens:
Oui mihi ministral, me sequfJfur (2). -- Sane minisfer
Domini · Dominum imifelur, quifJ ipse fJif: Oui · mihi
ministral, ele. (3). - Como embaixador do Filho de
Deus, eu devo inspirar aos povos uma grande estima
da sua infinita grandeza; devo fazer-lhes conhecer a
sua santidade, a sua misericórdia. Devo representá-lo,
mostrá-lo ao mundo ; e se o não faço, arrisco ao
mesmo tempo a sua honra e o resultado da minha
divina missão. Ora, eu só posso representar Jesus
Cristo, imitando-o. - Como seu vigário, de�o subs-

( 1) S. Cyril., De adora{. in spir. e{ verif., L. III.


(2)· Joan. XII, 26 - (8) S. Bern., De consid., L. III.

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IMITAÇÃO DE CRISTO 65
tituí-lo: Vicarius Chrisfi, vicem Chrisfi gerere de­
hei (1). Mas em quê ? é. E' sõmenfe no exercício de
sua autoridade? E' ..fambém e principalmente na fiel
imitação das suas virtudes; ln similifudinis ejus re­
praesenfàfione (2). Seria necessário que se pudesse
dizer, vendo-me e ouvindo-me: Assim vivia, assim fa­
lava, assim procedia Jesus. Nonne sicul conversafus
esf, ef vos vicarii ejus dehefis conversari? (3) - Fi­
nalmente, como bom paslo'r, eu devo ser o modêlo
do meu rebanho: rorma facli gregis (4); e só posso
sê-lo, sendo Jesus Cristo o meu modêlo. Devo ir à
frente das minhas ovelhas: Anfe eas vadil (5). Des­
graçado de mim, se, seguindo-me, elas não seguem
ao Filho de Deus 1
Receando, por assim dizer, que os simples fiéis,
viessem a perder de vista as suas pegadas, o Salva­
dor pôs de permeio os seus ministros, que encarre­
gou de transmitir a lodos os seus exemplos, e isto era
o que levava S. Paulo a dizer: /mi/afores mei esfofe
sicuf ef ego Chrisfi (6). • O principal estudo do bom
pastor, diz S. Boaventura, é tornar semelhantes a
Jesus Cristo aqueles que o céu pôs sob a sua direc­
ção; mas, como os homens compreendem mais dificil­
mente o que ouvem do que o que vêem, os padres, com
a sua santa vida, devem moslrar�lhes uma forma visí­
vel do pastor dos pastores, e dizer-lhes: Se desejais
conhecer a vida de Jesus Crisfo para a imifar, con­
siderai-a na minha: Si formam Chrisfi desideralis
ad imifandum agnoscere, in meis hanc moribus con�
sidera/e •.
2. 0 A$ nossas funções. Nenhuma há, que Je­
sus Crisfo não exerça em nós e por nós. No púl-

(1) 5. Bonav. - (2) Idem, Tracf. de sex a/is .Seraph., e. VI.


S. Bern. Ad pastor in synod. - ('J
- (3 ) I Pelr. V, 21 3. -
(5
) Joan., X, 4._ - (6) I Cor. IV, 16.

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66 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

pilo, eu sou a sua bôca; quem me ouve a mim, ou­


ve-o a êle; é êle que exorta por mim : Deo exhor­
lanfe per nos. No confessionário é êle que perdfüt
os pecados ou os retém, êle que baptiza nas fontes
sagradas: Pefrus baplizel, hic esf qui baplizal; Pau­
/qs baplizef, hic esf qui baplizaf (1). No altar, êle
sacrifica-se por meio de mim, das minhas mãos e dei
minha voz: lpse esl qui sancli.ical e/ immulal (2).
E esta união inefável, esta espécie de identidade. que
me dão as minhas funções, com Jesus Cristo, e. não
exigem que eu entre inteiramente em lodos os seus
desígnios, que adople todos os seus sentimentos; e
que haja entre êle e mim um só e o mesmo espírito,
um só e o mesmo coração, uma só e a mesma vida?
O' Jesus, tôdas as, luzes que me dais, confun­
dem-me; oxalá ao men_os esta confusão me venha a
ser salutar, e repare o dano que tenho causado à
vossa glória! Ouando comparo a vossa vidci com a
minha, o menosprêzo que fizestes de todos os bens
da terra com o ardor insensato que eu empreguei em
buscá-los, a vossa fome de opróbrios com a minha
ãnsia apaixonada da estima dos homens, eu pregunto
a mim mesmo, onde está a minha religião, em quê e
como poderíeis reconhecer em mim a vossa imagem.
e. Oue rei se não julgaria com direito de se irar contra
o indigno embaixador, que o representasse em uma
côrte eslranjeira, como eu vos tenho representado no
meio do vosso povo? e. Não se diria, que lenho igno­
rado até êste dia um dos primeiros deveres do padre
e do cristão? Ai I sucedeu com êsle dever o mesmo
que com tantos outros; não pensava nêle I Conce­
dei-me a graça, ·ó meu Deus, não só de não mais o
esquecer, mas também de o cumprir lão perfeita­
mente, quanto o permite a minha fraqueza; e visto

(1) S. Aug. - (2) S. Chrys.

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IMITAÇÃO DE CRISTO 67
que o admirável efeito do sacramento do vosso amor
é transformar-nos em vós, suplico-vos, que façais que
ao entrardes na minha al!lla, lodos os meus vícios
desapareçam, para ceder o lugar às vossas virtudes,
a-fim de que eu possa doràvante, sem me envergo­
nhar, lembrar-me desta •sublime qualificação do pa­
dre : Sacerdos alfer Chrisfus.

Resumo dá Meditação

I. Obrigação de imitar a Jesus Cristo, indis­


pensável ao cris.ão. - Segundo S. Basílio t a imita­
ção de Jesus Cristo é a mesma definição do cristia­
nismo. · Somos discípulos dos outros mestres, ouvin­
do-os; Jesus declara, que ninguém é' seu discípulo
senão imitando-o. • Aprendei de mim, não tanto verda­
des expressas por palavras, quanto manifestadas pelo
exemplo. A vida que eu tenho, é o grande ensino que
cu dou.

li. Obrigação de imitar a Jesus Cristo, mais


esfrida ainda para os padres. - Ela resulta de to­
dos os nossos títulos e funções. 1. 0 Os nossos títu­
los: ministros, embaixadores, vigários de Jesus Cris­
to, pastores das ,almas. - Ministro: Si quis mihi mi­
nistral, me sequafur, -O embaixador do Filho de
Deus deve representá-lo, mostrá-lo ao mundo. -O seu
vigário, deve substituí-lo, principalmente na imitação
das suas virtudes. - O pastor deve ser forma gregis.
'.'Jão posso dizer, imifalores mei esfole, senão quando
posso acrescentar: Sicul el ego Chrisfi. 2. 0 As
nossas funções. Tôdas elas supõem entre Jesus
Cristo e nós, o mesmo espírito, o mesmo coração,
a mesma vida.

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68 MEDITAÇÕl!:S SACERDOTAIS

X MEDITAÇÃO

A imitação de Jesus Cristo. - Sua necessidade


(Continuação)

1. Sem el11 não podemos s11lv11r-nos.


II, Sem el11 não podemos s11lv11r os nossos irmãos.

1. lmifação de Jesu� Crisfo, indispensável à


nossa salvação. - E.' a conseqüência rigorosa da
medi!ação precedente. é. Salvar-nos-emos, porventura,
se não cumprirmos as obrigações essenciais do sa­
cerdócio, nem as do c�Jstianismo? Vimos que imitar
a Jesus Cristo é o primeiro dever do cristão e do
sacerdote. Mas, porque é de exlrêma importância,
que a nossa alma, se não é bastante sensível a mo­
tivos mais nobres, seja levada ao menos a seguir o
Salvador pelo maior de lodos os motivos, a necessi­
dade, oiçamos e compreendamos a S. Paulo: Ouos
praescivif, e{ praedestinavif conformes fieri imaginis
Filii sui (1). Ouer dizer, segundo a maior parle dos
intérpretes: Os que Deus conheceu na sua presciên­
cia que deveriam ·ser do número dos escolhidos, pre­
destinou-os para serem conformes a seu Filho pela
imitação das suas virtudes. Segundo a doutrina do
mesmo apóstolo, Jesus Cristo é o primogénito, o
chefe 'dos escolhidos (2). Por conseguinte não sere­
mos admitidos no reino eterno, senão quando formos
irmãos e membros de Jesus Cristo; _ mas é. reconhe­
cer-nos-á êle por seus irmãos, se por nossos senti­
mentos e costumes nós não tivermos com êle seme-

(1) Rom. VIII, 29. - (2) Rom. VIII, 29. - Eph. I, 22.

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.IMITAÇÃO DE CRISTO 69
lhança alguma? e. Seremos nós seus membros vivos,
se não formos animados do seu espírito, se não vi­
vermos da sua vida?
Acrescentemos que, como a predestinação para a
glória é o efeito de uma ternura particular, que leva
Deus a escolher-nos com preferência, a causa desta
sua predilecção paternal, é a imagem de seu Filho
amado, que êle vê impressa em nós_ por sua graça e
pelo concurso da nossa fidelidade. O único objedo
das complacências do Pai é seu Filho. A mesma ra­
zão que êle !em de se amar infinitamente a si mesmo,
por causa das suas infinitas perfeições, faz-lhe amar
infinitamente o seu Verbo, que é a sua imagem con­
substancial. t.le esgota, por ossim dizer, o seu amor,
amando-o, de sorte que não pode amar senão a êle
ou com respeito a êle. Só lhe somos agradáveis em
Jesus Cristo: Grofi.icavil nos in dileclo .Filio suo (1).
E' por êle que nos predestinou para sermos seus fi.
lhos adoplivos: Praedesfinavif nos in adoplionem
Gliorum per Jesum Chrisfum (2). E' nêle que nos
abençôa com tôdas as bênçãos espirituais, abundantes
de bens do céu: Benedixif nos in omni benedicfione
spirifuali in caelesfibus in Chrisfo (3). Se vê em nós
uma grande semelhança,com seu Filho, ama-nos muito
e prodigaliza-nos os seus favores ; se vê pequena se­
melhança, ama-nos pouco ; se não vê nenhuma, não
temos direito ao seu amor; se vê em nós uma com­
pleta dissemelhança, somos-lhe aborrecidos, e con­
dena-nos.
Êsle deve ser o motivo da minha ansiedade, ou
da minha segurança, visto que é igualmente impossí­
vel que eu seja salvo sem me assemelhar a Jesus
Cristo, ao menos em certo grau, e que eu deixe de
me salvar, sendo semelhante a êle. Os outros moli-

(1) Eph. 1, 6. - (�) lbid. - (3) Eph. 1, :;.

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70 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS
--------------- ··----·-·- - - - ---
vos em que fundo a esperança da mínha eterna feli­
cidade, consolando-me, não me tiram tôda a inquieta­
ção; mas a minha semelhança com Jesus· Cristo é
ao mesmo tempo a causa mais eficaz, o penhor mais
certo, o indício mais infalíveJ da minha predestinação.

II. Imitação de Jesus Cristo indispensável


àquele que quer concorrer para a salvação do
próximo. - Fazer renascer o homem para a vida da
graça, e prepará-lo santificando-o para a vida da gló­
ria, é a obra própria do Redentor; os padres só
concorrem para ela como instrumentos. O espírito
de vida que produz a salvação, está em Jesus Cristo
como em sua fonte. Só êle recebeu de seu Pai a
missão de alumiar lodos os povos, de salvar tôdas
as gentes da terra : Dedi te in fucem genlium ui sis
salus mea usque ad exfremum lerrae (1). Ainda que
se digne associar-nos a esta nobre missão, não deixa
de ser o único Jesus, o único Salvador; mas nós
vimos a ser salvadores com êle, segundo participa­
mos do seu espírito e da sua vida.
é. Porque foram os apóstolos e os homens apos­
tólicos de lodos os tempos tão poderosos para a
santificação das almas? é. Porque deram ao cêu tan­
tos escolhidos? Só porque eram cheios de Jesus
Cristo. Os seus projeclos, os seus trabalhos, as
suas conversações, tudo respirava o espírito de Jesus
Cristo ; as suas vistas, as suas palavras, o seu porte,
as faculdades da sua alma, os sentidos do seu corpo,
tudo nêles era penetrado do espírito de Jesus Cristo.
Ouvindo-os, ou sàmente vendo-os, sentia-se qµe uma
secreta virtude saía- da sua pessoa, como da do Sal­
vador, e que ela sarava as enfermidades espirituais :
Virfus de illo exiba!, el sanabal omnes. Pode dizer-

(') Ps. XLIX, 6.

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IMITAÇÃO DE CRISTO 7{
-se dêles tudo o que lêmos na história de Santa Ca­
tarina de Sena, viva imagem de Jesus crucificado:
Nemo ad eam accessif, quin melior abieril. E' neces­
sário que a santidade do Iiilho de Deus• esteja em
mim, para que eu possa imprimi-la nos outros. Quanto
mais me assemelhar a êle, tanto mais capaz serei de
infundir nas almas a sua divina semelhança.
E' portanto para bem _da minha salvação e da do
próximo, que eu devo procurar imitar a Jesus Cristo.
Quero salvar-me, quero concorrer paro a salvação de
meus irmãos : eis aqui o meio, que me é dado pelo
mesmo Salvador: Veni, sequere me. - Refleclir sô­
bre o nosso proceder. - Ter pesar do pass'ado. •­
Formar uma nova resolução: Magisfer, sequar te
quocumque ieris (4). - lgifur, sicuf porfavimus imagi­
nem ferreni, portemus ef imaginem coelesfis (2).

Resumo da Meditação

I. Imitação de Jesus Cristo indispensável à


nossa salvação. - Acabo de o meditar: é. Salvar­
-me-ei sem cumprir as obrigações essenciais do sa­
cerdócio e do cristianismo ?- Jesus Cristo é o pri­
mogénito dos escolhidos e o seu chefe. é. Reconhe­
cer-nos-á êle por seus membros e seus irmãos, se não
somos animados do seu espírito ? A predestinação·
para a glória supõe a predestinação para a imitação
do Salvador. E' portanto sôbre êste ponto que eu
devo perh1rbar-me ou tranqüilizar-me.

II. Imitação de Jesus Cristo indispensável


àquele,, que quer concorrer para a salvação do
próximo. - Jesus Cristo é. o único Salvador; nós,
padres, salvamos com êle, segundo participamos do

(1) Math. VIII, 19. - (2,, I Cor. V, 49.

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7':! .MEDITAÇÕES SACERDOTAi$

seu espírito e da sua vida. E' necessário que a san­


tidade do Filho de Deus esteja em mim, para que eu
possa comunicá-là aos oufros. Ouanto mais me asse­
melhar a .êle, tanto mais capaz serei de imprimir nas
almas a sua divina semelhança.

XI MEDITAÇÃO

A imitação de Jesus Cristo. -Suas_ vantagens

I. Tira fõdas as nossas incertezas.


II. Forliílca fôdas .as nossas fraquezas.
lll. Suaviza fôdas as nossas penas.

I. A imitação de Jesus Cristo tira as nossas


dúvidas e incertezas. - Dara não nos enganarmos
na apreciação de um objeclo, que a obscuridade não·
deixa distinguir, aproximamo-lo da luz; do mesmo
modo, para determinar o valor de um ado humano,
basta que o comparemos com os exemplos do Salva­
dor; é. não é êle a luz, que alumia lodo o homem
que vem a êste mundo? (l) é. Não é êle a mesma­
2
verdade? ( ) • S_enhor, eu estou nas trevas, diz o
profeta rei ; ignoro onde devo poisar o pé para não
tropeçar; mas o vosso Verbo, como uma, tocha res­
plandecente, guia-me com sua perene luz: Lucerna pe­
dibus meis Verbum fuum • (9). r.sle facho, diz S. Boa­
ventura, é uma luz dentro dum vaso de ferra. O vaso
é a santa humanidade de Jesus; a luz que nêle bri­
lha, é a sua divindade; a vida presente é o caminho

(') Joan. I, 2. - (2) ld. XIV, 6. - (3) Ps. CXVIII, 105.

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IMITAÇÃO DE CRISTO 73
que percorremos, as nossas ignorâncias são as trevas
que o cobrem ( f ). Estamos tão expostos a tomar as
aparências como realidades, tão propensos a vêr de­
baixo de um aspecto favorável o que agrada às nos­
sas paixões 1. . . é. Como nos preservaremos de todo o
êrro? Seguindo a Jesus Cristo, que nos precede e
alumia com o celeste farol das suas virtudes. Nin­
guém se transvia, quando t�m por guia a sabedoria
infinita : Oui sequifur me non fJmbu!fJf in fenebris.
Se sigo a luz da graça, que está em Jesus Cristo, e
que ressalta dos seus exemplos, alcançarei segura­
mente a luz da glória e da vida eterna : Sed hfJbe­
hil lumen vifoe (2).
Assim como para convencer o meu espírito' e re­
duzi-lo à obediência da fé, nada é mais eficaz do que
esla máxima : Unigenifus Filius, qui esf in sinu Pa­
fris, ipse enfJrrfJvif (3 ); assim também, para minha
direcção II norma de proceder, nada deve ler !anta
fôrça sôbre a minha vontade, como esla palavra do
mesmo filho de Deus: Exemplum dedi vohis, uf
quemfJdmodum ego feci. . , ifo el vos ffJciafis (4 ).
Preciosa segurança I Eu ignoro muitas vezes que
parlido tomar, ou inquieto-me por causa do que to­
mei. é. Há um caminho que parece direito, e que,
a-pesar de lôdas as aparências, me pode conduzir à
morte? (5) Sossega alma minha ; nunca seguirás êsse
funesto Cdminho; pelo contrário, seguirás o melhor
de todos os caminhos; emquanto seguiyes as pisadas
do teu Salvador. A minha vida· /:ierá santa e perfeita
no mesmo grau em que fôr conforme ao modêlo de
!ôda a santidade, de lôda a perfeição.

(1) Lucerna esf lumen in fesla: lumeri in vase esl divinilas;


vila es! via ; fenebrae sunl ignoranfiae.
(2) Joan. Vlll, 12. - ( 3 ) ld. I, 18. - (4) ld. Xlll, 15.
(5) Esl via quae videfur homini reda, ef novíssima ejus ducunf
ad morfem, Prov. XVI, 25.

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MKDITAÇÕES SACERDOTAIS

II. . A imitação de Jesus Cristo fortifica fôdas


as minhas fraquezas. - Se, para evitar o mal e fa­
zer o bem, necessitamos de luz, mais vezes ainda ne­
cessitamos de energia e vigor. A imitação do Ho­
mem-Deus é uma fonte abundante dessa fôrça, quer
pelo mesmo exemplo que nos é proposto, quer pela
graça que acompanha êste exemplo.
t. 0 Para ser induzido a fazer alguma nobre
acção, basta presenceá-la. A um soldado não lhe
falta coragem, quando combate ao lado de um va­
len(e capitão. Gedeão, querendo excitar o ardor dos
seus guerreiros, não fêz !11ais que dar-lhes o exemplo.
•Fazei o que me virdes fazer, lhes diz; entrarei no
campo dos inimigos; segui-me• (1); e a Sagrada Es­
critura acrescenta que êle foi seguido por lodos.
Simão Macabeu nota que as suas tropas estão re­
ceosas de passar uma torrente, que as separa do ini­
migo; passa-a primeiro, e logo todos passaram atrás
dêle: Ef fransfrefavif primus, ef viderunf eum viri, ef
fransierunf posf eum ("). é. Haverá algum cristão, por
fraco ql!e o suponham, que, considerando como o
Salvador viveu na pobreza, como sacrificou a sua
honra e a sua vida para salvação das nossas almas,
não se sinta animado de uma santa emulação, ou ao
menos não condene a sua cobardia? Além disto um
poderoso auxilio acompanha êsle exemplo divino.
2. 0 Jesus Cristo é um modêlo vivo e vivificante.
Ao passo que faz brilhar aos nossos olhos a luz das
suas obras, e nos incita a imitá-lo com os seus belos
exemplos, dá-nos a fôrça para isso com a sua graça.
l:.Ie é homem, diz S. Bernardo, e come tal, revestido
das minhas fraquezas, para que eu possa vêr nêle os
combales que lenho a sustentar ou a travar; mas ê
também Deus omnipotente para me socorrer e me

(1) Judie. VII, 17. - (2) 1 Mach. XVI, 6.

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IMITAÇÃO DE CRISTO i5

tornar vitoriosonos meus combates: Exemplum


sumo ah homine, auxilium a pofenfe. Trilhemos pois
afoitamente as veredas, que êle se dignou traçar-nos,
e não temamos desfalecer: êle é o amparo dos· que
o seguem. OuarJto mais perto estivermos do princí­
pio da nossa fôrça, mais fortes seremos: Ouis po­
tes! laborore sequens Jesum, cum ipse dica/: Venile
ad me, omnes qui lahoralis? Si semper sequimur,
nunquom deficiemus; dai enim vires sequenfihus se.
/taque quo propior virfufi fueris, eo forfior eris ( i).
Ouando S. Venceslau, rei de Boémia, ia descal­
ço, por uma noite de rigoroso inverno, visitar o San­
tíssimo Sacramento, nos diversos santuários da sua
capital, o que o acompanhava, queixou-se do e:'!{ces­
sivo frio que sentia. • Põe os teus pés sôbre os ves­
tígios dos meus, lhe disse o piedoso monarca. Deus
permitirá talvez, que fiques aliviado•. Apenas o ofi­
cial obedeceu, logo um suave calor, saído do gêlo
calcado pelos pés do santo rei, se comunicou a todo
o seu corpo, e não pensou mais em queixar-se: viva
imagem do que acontece às almas generosas e con­
fiantes, que vão após o Salvador I Este bom mestre
quis esgotar o cális de todos os sofrimentos, e nêle
só nos deixou algumas gôlas de amargura. Os es­
pinhos do caminho rasgaram-lhe os pés; para nós
estão quási desarmados. Ouando eu, procurando imi­
tá-lo, faço o que nêste mundo lhe agrada, obrigo-o
de alguma sorte a socorrer-me, e, com a sua graça
posso tudo. Assim, COf:11 o seu exemplo, êle é a for­
taleza dos mártires, a paciência e a santificação de
todos os Santos.

III. A imitação de•Jesus Crisfo suaviza fôdas


as nossas penas. --Nós nunca estamos sós na tri-

(1 ) S. Ambr. L. 3, ep. 25.

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76 MEJ?ITAÇÕES SACERDOTAIS

bulação, e podemos dizer � respeito do Filho de


Deus o que êle mesmo diz a respeito do seu fiel
imitador: Cum ipso sum in lribulél!ione. :Êle quis
passar porº tõdas as provações, a-fim de suavizar as
nossas. Escolheu para si a existência mais humi­
lhada, mais atribulada, para que não houvesse jàmais
na nosso vida momento tão penoso, situeção tão do­
lorosa, de que êle n&o pudesse dizer: Exemplum
dedi vobis . . . O que sofreis, sofri-o eu antes de vós,
sofri-o mais que vós, sofri-o por vós. Sois pobres?
E' a condição que eu escolhi e preferi às outras.
é, Atacam a vossa honra? é. E respeitaram porven!ura
a minha? Lembrai-vos do meu silêncio no meio das
calú�ias e ignomínias; vêde o vosso Deus · coberto
da vestidura branca no pátio de. Herodes; contem­
plai-o na Cruz. é. Os vossos amigos abandonam-vos,
o mesmo céu parece desamparar-vos? Primeiro sofri
eu lodos êsses martírios do coração. Misturai as
vossas lágrimas com as minhas; não serão já tão
amargas. Um fardo levado por dois é menos pesado.
O discípulo não é mais que o seu mestre. <'. Quere­
ríeis ser um membro delicado debaixo de uma cabeça
coroada de espinhos•? Esta reflexão, se peneira na
alma, mitiga lõdas as dõres, e faz achar a alegria
nos sofrimentos.
Portanto a imitação de Jesus Cristo é a verda­
deira piedade, de que fala S. Paulo: ela é útil• para
ludo (1), acrescentando as consolações do presente à
esperança certa de uma felicidade eterna. é. Como
pude eu desprezar até êste dia uma prática tão essen­
cial, lão suave, e lão eficaz para alcançar a san­
tidade mais perfeita ? Visto permitirdes, Senhor, que
eu entre neste caminlio, o "'único que leva segura-

(1) Pielas ad omnia ufilis es!, prom1ss1onem habens vitae


qu11e nunc esf, ef futurae. 1 Tim. IV, 8.

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IMITAÇÃO DE CRISTO 77
mente a vós, nossa verdadeira vida, com o auxílio
da vossa graça, proponho flunca mais me desviar
dêle. Ouero seguir o meu Salvador tão · de .perlo
quanlo puder; feliz, se na minha morte a minha con,
sciência me der êste testemunho, ao menos com rela­
ção ao pequeno número de dias que me restam :
Vesfigia ejus secufus esf pes meus; _viam ejus cusfo­
divi, el non declinavi ex ea (1).

Resumo da Meditação

1. A imitação de Jusus Cristo tira fõdas as


nossas dúvidas. - Para determinar o valor de um
ado humano, basta compará-lo com os exemplos do
Salvador. Uma acção é mais ou menos perfeita, se­
gundo é mais ou menos conforme ao modêlo de tôda
a perfeição. Ninguém se extravia, quando tem por
guia a sabedoria infinita. Preciosa segurança I E.u
andarei pelo mais seguro e melhor dos caminhos, se­
guindo as pisadas do filho de Deus.

II. - A imitação de Jesus Cristo fortifica as


nossas fraquezas, com o belo exemplo que nos é
dado, e pela graça que acompanha êsle exemplo. -
Vendo praticar uma nobre acção, ficamos cheios de
ardor. l Oue soldado se senle sem coragem, quando
combate ao lado de um valente capitão? - Ao mesmo
tempo que Jesus nos incita a imitá-lo com soberanos
exemplos, dá-nos a fôrça para isso com a sua graça.
Desde que, esforçando-me por imitá-lo, faço o que
lhe é mais agradáveli obrigo-o de alguma sorte a vir
em meu auxilio.

(1) Job XXIII, 11.

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78 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

III. A imitação de Jesus Cristo suaviza tôdas


as nossas penas. - Nunca estamos sós na tribula­
ção. O Senhor escolheu para si a existêr1'Cia mais
atribulada, para que nunca houvesse na nossa vida
situação tão penosa, gue êle não tivesse direito de
dizer-nos: • O que vós sofreis, sofri-o eu antes de
vós, por vós, ll!ais do que vós. Misturai os vossas
lágrimas com as minhas, e não as achareis amar­
gas . . . Uma cruz levada por dois é menos pesada.
- e. Quereríeis ser. um membro delicado debaixo de
uma cabeça coroada de espinhos•?

XII .MÊDITAÇÃO

A imitação de Jesus Cristo. - Suas vantagens


(Continuação)

1. S11nfific11 lôd11s 11:i nossas 11cções e 11perfeiçõ11 lôd11s 11s noss11s


virtudes.
II. Re11liz11 lodos os desígnios de Deus II nosso respeilo.

1. A imitação de Jesus Crisfo santifica tôdas


as nossas acções e aperfeiçôa tôdas as nossas
virtudes. - 1.0 Entendemos aqui por acções as. dife­
rentes operações da alma, quer sejam exteriores quer
interiores. e. Donde tiram elas principalmente a sua
santidade e merecimento? Do fim que lemos em
vista, e do princípio que aclua em nós, quando as
praticamos. Mas em primeiro lugar, e. que posso eu
propõr-me, que não seja bom e perfeito, se me ponho
a copiar em mim o modêlo completo de tôda a bon-

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IMITAÇÃO DE CRISTO 79

dade e perfeição ? Se eu l"{le unir às intenções de


Jesus Cristo, apropriando-as, como deve fazer o seu
imitador, não as poderia ler melhores. é. Oue bus­
cava êle em tôdas as coisas, senão a glória e a maior
glória de Deus pela santificação e salvação das
almas? Oh I que tesoiro de tnerecime.nlos poria logo
nas minhas mãos o hábito de repelir com fé, em
tôdas as minhas acções, o que digo no princípio do
ofício divino: Domine, in unione il/ius divinae infen­
lionis I Eu uno-me, Senhor Jesus, ãs intenções tão
puras e fervorosas, que vos animavam, quando ofere­
cíeis a vosso Pai o tribulo dos vossos louvores,
quando conversáveis com os homens, e em lôdas as
vossas ocupações, em todos os vossos sofrimentos,
no mesmo cuidado que tínheis do vosso corpo., Eu
não quero ler em tôdas as coisas outros intuitos di­
ferentes dos vossos.
Àlém disso, quando procuro imitar o Salvador,
procedo como cristão; porque é isto precisamente o
que conslilui a vida cristã, que não é outra senão a
vida de Jesus Cristo em nós. O espírito de Jesus
Cristo leve dois corpos a vivificar : o que êle tomou
no seio da bemaventurada Virgem Maria, e aquele
cuja aquisição fêz, remindo-nos com a sua morte :
o seu corpo natural, e o seu corpo místico, ou a
Igreja. f.ste divino espírito foi no Salvador o prin­
cípio de duas vidas : uma que terminou na Cruz,
outra que continua em ,;iós. Não podendo já sofrer
nem merecer na sua própria pessoa, quer glorificar
a seu Pai até à consumação dos séculos pelas acções
santas e pelos sofrimentos dos seus membros.
A vida do cristão não é pois, na verdade, senão
uma continuação da vida de Jesus Cristo. Eu con­
tinuo à sua oração, quando oro; a su.a vida laboriosa,
quando trabalho ; a sua vida sofredora, quando sofro;
é portanto o mesmo Salvador que pensa, fala, traba­
lha e sofre e.m mim, quando obedeço ao movimento

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80 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

e à inspiração do seu espírito: Vivif in me Chrisfus.


5. Caetano explica assim esta palavra do grande
_Apóstolo : Acfiones vi/ales meae, infe/ligere, cogifare,
amare, de/ecfari, frisfari, cupere, operari, jam non
sunf meae, jam non procedunf a me; sed sunf Chrisfi
in me, sed procedunf a Chrislo in me. Jesus está
em ,mim, como seu Pai eslava nêle; opera em mim,
com alguma proporção, como a sua divindade ope­
rava na sua humanidade (1).
l Oue excelência, que valor não daria êsle adorá­
vel princípio às nosS/15 acçõ,es mais comuns, se euª
lhe permitisse usar livremente do meu entendimento,
da minha memória, da minha vontade e dos meus
sentidos, numa palavra, dirigir a minha vida? Ainda
que o instrumento fõsse mais imperfeito, só produzi­
ria obras-primas, se não opusesse resistência ao artí­
fice divino que o emprega. l Pode porventura qual­
quer acção que Deus ajuda a fazer, não ser de um
merecimento infinito?
2. 0 O que sucede com as nossas acções, sucede
igualmente com as nossas virtudes. Se fôrem molda­
das de alguma sorte pelas do· Filho de Deus, se toma­
rem tôdas as suas formas, se o espírito de Jesus
é a alma delas, nada deixarão a desejar. S. Gregório
Nazianzeno quer que a santidade sacerdotal se asse­
melhe ao oiro puro, que passa repelidas vezes pelo
cadinho, e que, olhado por lodos os lados, voltado
em lodos os sentidos, não deixa ver nenhum defeito
que anuncie a menor liga. Alcançaremos êste grau
de perfeição, por mais elevado que seja, se, 131'0·
curando imitar o Salvador e apropriar-nos das suas
virtudes, nos tornarmos fiéis imagens dele.

(1) Ego in eis, e! lu in me... Joan. XVII, 23. - Pa!er


usqú'e modo operalur, e! ego operor. Joan. V, 17.

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IMITAÇÃO DE CRISTO 81

II. A imitação de Jesus Cristo realiza todos


os desígnios de Deus a nosso respeito. - Sublime
destino o do homem I Deus quer que ,lenhamos com
êle três semelhanças: de natureza, Creavil Deus ho­
minem .ad imaginem suam ( 1); de santidade, Esfole
misericordes . .. , esfole perfecfi, sicul ef Paler vesler
coeleslis perfeclus esl (2); de felicidade, Cum appa­
rueril, símiles ei erimus (3). Destas três semelhanças,
Deus dá-nos totalmente a "primeira e a úllima; e nós
concorremos com a sua graça para formar a se­
gunda: Si similis Deo fieri cupis, videndo eum siculi
esf, da operam ui ei similis fias, videndo eum sicufi
pro /e facfus est; ac ifa per imifafionem sacrae hu­
manilalis, ãd simili!udinem venies summae divinila­
lis (4).
O Verbo- feito carne veio mostrar-nos na sua
pessoa como Deus opera e vive, para que transfira­
mos para nós essa acção e vida; donde resulla, num
sentido verdadeiro, que a imitação de Jesus Crislo é
a de'ificação do homem. Se alguém, diz S. Clemente
de Alexandria, se põe sob a direcção de um lavrador,
e pede para ser instruído por êle, tornar-se-á lavra­
dor .como êle; se se dirige a- um Jnilitar, a um nego­
ciante, a um filósofo, a um orador, cada um dêstes
mestres lhe ensinará a ser o que êle mesmo é ; se se
faz discípulo do Salvador, virá a ser semelhante ao
Salvador, vivendo e conversando com os homens.
Tai é o fim de tôdas as graças que recebemos; todo
o trabalho do Espírito Santo tende a formar Jesus
Cristo em nós: Donec formefur Chrisfus in vobis (5 ).
Isto quanto ao simples cristão; mas o Senhor tem
ainda maiores desígnios a respeito dos seus minis­
tros. O padre é outro Deus, diz S. Gregório de

(1) Gen. I, 27. - (2) Mal!h. V, 48. - (3) I Joan. 111, 2.


-(1) S. Bern. - (5)' Gal. IV; 19.

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82 MEDITAÇÕES SAC::EI\DOTAIS

Nazianzo, e a sua missão é transformar em Deus os


outros homens: Deum exisfenfem, ef Deos ef.icién­
fem; de"ificamos os nossos irmãos, fazendo-os parti­
cipar do espírito e da vida de Deus, que está em
Jesus Crislo. Se nós mesmos possuírmos êsle espí­
rito e esta vida mais abundante, estaremos mais aptos
para os comunicar. Eis aqui por que êsle bom Mes­
tre deseja tanto ler em nós perfeitos imitadores. Ao
convite geral, que fizera a lodos os seus discípulos,
acrescenta. um particular para nós, e lorna-o mais
instante pelo generoso motivo da salvação de nossos
irmãos: Venife posf me, ef faciam vos. Reri pfscafo­
res hominum (1). Os nossos bons resultados nesta
pesca espiritual dependerão da nossa fidelidade em
segui-lo. Aquele que permanece em mim e no qual
eu permaneço, êsse dá muito -fruto (2); ora, o que
nos une ao Salvador da maneira mais ínfima, o que
foz da nossa vida e da sua, uma só e mesma vida, é
a nossa aplicação a imitá-lo.
Recapitulemos as diferentes considerações que
lemos feito sôbre a imitação de Jesus Cristo. Ela é
para nós uma necessidade de meio. Somos a ela ri•
gorosamenle obrigados como cristãos, pois encerra
todo o espírito do cristianismo; ainda mais obriga­
dos como padres, pois lodos os nossos títulos, tô­
das as nossas funções no-la impõem como um dever
indispensável. Sem da não podemos alcançar o fe­
liz têrmo da salvação, nem conduzir para êle as al­
mas; ao contrário, com ela é-nos fácil conseguir êsle
duplo fim. Verdade para o nosso entendimento, fôrça
para a nossa vontade, consolação nas nossas penas,
tôdas as nossas acções santificadas, lôdas as nossas
virtudes elevadas à mais sublime perfeição, lodos os
desígnios de Deus a nosso respeito plenamente reali-

(1) M11Uh. IV, 19.- (2) Jo1111. XV, 5.

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IMITAÇÃO DE CRISTO 83
zados: eis o que acharemos nesta prática tão essen­
cial e salutar.
O' Jesus, em que ilusão tenho vivido até ao pre•
sente sôbre êste ponto capital! Reconheço com ver­
gonha minha, que nunca lhe liguei a suma importân­
cia que merece. Eu prometia ensinar a religião, e
esquecia que ela consiste lôda na vossa imitação 1
Oueria salvar as almas sem pensar sequer em indu­
zi-las a seguir as pisadas daquele que veio do céu
abrir-nos o Cé!minho da salvação. Eu fazia-me passar
por guia, e eu mesmo não seguia, ou só seguia de
longe aquele que é o caminho, a verdade e a vida!
é. Oue outro fim todavia, adorável Salvador, vos propú­
nheis vós, alimentando-me lodos os dias com a vossa
mesma carne, senão transformar-me em vós, tornar•
-vos visível no vosso representante e oferecer em mim,
à imitação de lodos, a paciência, a mansidão, tõdas
as virlud.es de que fostes tão perfeito modêlo? Oh 1
quão mal tenho auxiliado os desígnios da vossa ar­
dente caridade I Mas estou arrependido; aplicar-me-ei
de novo à fiel imitação dos vossos exemplos, e para
me transformar em vós, entrego-me ao vosso espírito.
Vinde, ó Jesus, vivei em mim, para realizar em mim,
e por mim, ríos meus irmãos, lodos os intuitos mise­
ricordiosos do vosso amor. O Jesu, vivens in Ma­
ria, veni ef vive in famulis fuis. •

Resumo da Meditação

I. A imifação de Jesuff Cristo santi6ca tôdas


as nossas acções e aperfeiçôa lôdas as noslW:)s vir­
tudes. - Se me uno às intenções de Jesus Cristo,
apropriando-es, como deve fazer o seu imitador,
nunca as poderei ter melhores. é. Oue buscava êle em
tõdas as coisas senão a glória e a maior glória de
Deus? Quando me aplico a imitar Jesus Cristo, faço
minha a sua mesma vida. O mesmo espírito, que

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I\IEDITAÇÕRS SACERDOTAIS

·animava as suas acções, anima as minhas. Êle mes­


mo pensa, fala, opera e padece em mim. l Oue ex­
celência, que valor, que perfeição não daria êste
principio adorável às minhas acções mais comuns, se
lhe permitisse usar livremenfe de tõdas as minhas fa­
culdades e dirigir a minha vida? - Sucede com as
minhas virtudes o ·mesmo que com as minhas àcções.
Sejam elas moldadas pelas de Nosso Senhor; seja o
seu espírito a alma delas, e nada deixarão a desejar.

II. A imitação de Jesus Cristo realiza todos


os desígnios de Deus a nosso respeito. - Deus quer
que tenhamos com êle lrê"s semelhanças: de natu­
reza, de santidade e de felicidade. Dá-nos a primeira
e a última; a nossa cooperação com a sua graça
forma em nós a segunda.-· O Verbo incarnado veio
tornar-nos visível a acção e a vida de Deus, para
que pudéssemos· imitá-las. Para operar em nós esla
f�liz semelhança é que são as diferentes graças que
recebemos; todo o trabalho do Espírito Santo nas
nossas almas só tem por fim formar nelas Jesus
Cristo. Vinde, ó meu Deus, vivei em mim, para
cumprir em mim todos os intuitos misericordiosos
do vosso amor.

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IMITAÇÃO DE CIIISTO 85

XIII MEDITAÇÂO
A imitação de Jesus Cristo. - Abnegação
que exige

1.
.
E" necessário renunciar a ludo para seguir. a Jesus Crisfo.
li. Renunciando a ludo, não �e perde nada.·
Ili. Renunciando a ludo, ganha-se_ ludo.

I. E' necessário renunciar a fudo para se­


guir a Jesus Cristo. - Esta condição é claramente
imposta pelo Salvador a todo aquele que se lhe
quer entregar como discípulo: Dicebaf aufem ad
omnes: Si quis vulf posf me venire, abnegef seine­
fipsum, ef follélf crucem suam quofidie, ef sequélfur
me (1). - Si quis venil ad me, ef non odil palrem
suum, ef mafrem, ef uxorem, ef lilios, ef frafres, ef
sorores, éldhuc aufem ef animam suéJm, non pofesf
meus esse discipulus (2). - Oui non renunfiaf omni­
bus quae possidef, non pofesf meus esse discipulus (3).
E' necessário estar livre de todo o estôrvo, aliviado
de lodo o pêso, para seguir um guia, que vai a pas­
sos de gigante: E�ulfavif sicuf gigéJs éld currendam
viam, nec currenfem sequi pofesf onerafus (4). Qual­
quer apêgo é uma cadeia e um pêso; retém-nos ou
demora-nos. Mas, atente-se nisto ; o desapêgo deve
ser completo, e só o é, quando nos abnegamos a
nós mesmos : N"n reliquif omnia qui refinuil sei­
psum; imo vera nihi/- prodesf sine seipso caefera
reliquisse (").

(1) Luc. IX, 23. - (2) ld. XIV, 26. - (3) Luc. XIV, :n.
- (4) S. Bern. Dedam. c.. [. - (5J S. Pelr. D11m. Serm. in
ksl. S. Bern.

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86 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Tai é a verdadeira idéia da abnegação evangé­


lica. Dar a Deus o que eu possuo, é um sacrifício
sem valor aos seus olhos, se não lhe ajuntar o de
mim mesmo; é a minha vida, é o meu coraçâo o que
êle pede. E.is a razão por que Jesus Cristo estabe­
lece a abnegação por base de tôda a sua divina mo­
ral, e quer que ao abandôno do pai, da mãe, de tô­
das as coisas se acrescente o da nossa vida: Adhuc
aulem e/ animam suam. E' porque efedivamente to­
dos julgam possuir sempre, o que sempre teem na
vontade, o que leem no coração� e a que estão liga­
dos pela afeição.
Sim, meu Deus, quando me consagrei a vós, pa­
rece-me que renunciei a tudo o que possuía; é mas
renunciei eu a mim mesmo? Se o fiz nêsse feliz
tempo, em que a vossa gra.ça falava ao meu coração
com tanta fôrça, é não é verdade que recobrei depois
uma parle da minha renúncia ? é Não influíram em
mim o amor desregrado de mim mesmo, e o apêgo
à minha própria vontade? No grande dia, em que
relribu'ireis a cada um segundo as suas obras, é ou­
sarei apresentar-me a vós com aqueles santos padres,
que vos dirão: Ecce nos reliquimus omnia, ef seculi
sumus fe? (i) E todavia, quão fácil me deveria ser
esta abnegação, quando considero o que tenho a
perder ou a ganhar, renunciando a tudo para vos
seguir!

II. Renunciando a ludo, não se perde nada. -


Com efeito, é que são tõdas as coisas, que posso
possuir cá na terra, se creio o que o Espírito da ver­
dade me diz a êste respeito nos nossos livros santos?
São mentira, vaidade, nada. Porquê? porque o meu
coração olhará sempre como nada o que não salis-

(1) M111th. XIX, 22.

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JIIIITAÇÃO DE CRIRTO 87
faz os seus desejos, antes os irrita e !orna insaciá­
veis. Ainda que eu possuísse o mundo inteiro, pre­
guntaria a mim mesmo: Já lenho ludo? Preocupado
unicaméitle do que me falia, esqueço o que possuo e
não lhe ligo quãsi nenhuma importância. Ainda mais.
l A que se reduz tudo o que posso deixar por Deus,
riquezas, pal'entes, honras e prazeres, se lenho isto
na devida conta? Se oiç<? a um moribundo, êle en­
sina-me que tudo o que passa, é nada. Se consulto
a S. Paulo, êle reseonde-me: Hoc ilaque dico, fra­
lres: Tempus brev� esl. Reliquum esl, ui qui haben/
uxores, /amquam non habenfes sinf ... : ef qui emunl,
/amquam non possidenfes; ef qui ufunlar hoc mundo,
famquam non u/anlur. E notemos a razão que dá
para inspirar êsle desapêgo universal: Praeferif enim
figura hujus mundi (1). Como se dissesse: l Oue é
o prazer, que são os gozos do mundo? l Oue é o
mesmo mundo? uma sombra, um verdadeiro nada.
Se ao menos esta sombra fõsse permanente ! . . . Mas
é uma sombra que passa, um nada que desaparece.
Portanto é evidente que renunciando a tudo, eu não
perco nada.

III. Renunciando a tudo p�ra seguir a Jesus


Cristo, ganha-se tudo. - Complemento magnifico da
minha felicidade, recompensa inteira e superabundante
do sacrifício que faço, quebrando lodos os laços
para seguir livremente ao meu Salvador! Pedro tinha
preguntado a seu Mestre em nome de todos os após­
tolos e dos seus imitadores na abnegação evangélica :
Ecce nos reliquimus omnia, ef secufi sumus fe; quid
ergo eri/ nobis? (2) Meditemos, alma minha, sabo­
reemos a resposta que lhe é dada: Amen dico vobis,
quod vos qui secufi esfis me ... , sedehifis super se-

(1) I Cor. VII, 29, 30. - (2J Mallh. XIX, 27.

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88 MEDITAÇÕES SACERDO'ltts

des duodecim, judicanfes. . . E f - omnis qui reliquerif


domum, vel frafres, auf sorores . .. , propfer nomen
meum, cenfuplum accipief, ef vifam aefernum possi­
debil (1). O cêntuplo neste mundo, e a glória eterna
no outro I é. Há mais alguma coisa que desejar? Eu
ganho tudo, ainda mesmo nesta vida, privando-me de
tudo. Ouem-nada tem e nada quer, nada o perturba.
Os nossos desejos são os nossos tiranos; reprimi­
mo-los, tirando-lhes o que os excita. O fogo apa­
ga-se por falta de combuslívelj as paixões extin­
guem-se ou enfraquecem-se, quando as privam dos
objedos que as sustentam.
Remontemos ao princípio. Ouando renuncio a
tudo voluntàriamente, já não sou agitado de milhares
de reflexões e de cuidados importunas, não sou ator­
menh1do de desejos tumulluosos, de receios, de re­
morsos. Neste feliz estado o espírito e o coração
acham-se numa paz perfeita; é. e não é a paz per­
feita o maior bem? é. Não é ela mais que o cêntuplo
de tudo o que deixei para seguir o meu divino rei?
E todavia, dignais-vos ajuntar-lhe. ó meu Deus, a
promessa da vida eterna, querendo vós mesmo ser a
recompensa do sacrifício que vos faço 1
Eu ganho pois tudo, Senhor, renunciando a ludo
para vos amar e possuir só a vós ; oh I quão ver­
dade é, que escolhi a melhor parle I Vós cumpris as
vossas prome�sas; compele-me a mim cum):>rir as
minhas. O' pão dos anjos, vinde enfastiar-me cada
vez mais de tõdas as coisas terrenas. Vinde enfas­
tiar-me de mim mesmo; vinde unir-me ao meu--Sal­
vador e ao meu Deus, pelos laços de uma caridade
sempre mais forte e mais ardente. Transfige, dulcis­
sime Domine Jesu, medullas ef víscera animae meae
suavíssimo ác saluberrimo amoris fui vulnere . . Da

(1) Mallh. XIX, 27.

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.. ITAÇÃO DE CRISTO 89
ul emima mea fe esuriaf, panem angfÍorum . . . fe
semper sitiai fanfem sapienfiae ef scienfiae, fanfem
aeferni luminis, forrenfem volupfafis, uberfafem do­
mus Dei ( 1).

Resumo da Meditação

I. E' necessário renunciar a fudo para seguir


a Jesus Cristo. � Condição indispensável: O que
não dá de mão a tudo o que possui, não pode ser
discípulo do Salvador. Toda o apêgo é uma cadeia:
é necessário es_tar livre, para seguir um guia, que só
caminha a passos largos. Jesus exige que à renúncia
do pai, da mãe e de tôdas as coisas se ajun.le a re­
núncia da nossa própria vontade. E' a minha vida,
é o meu coração o que êle pede. Ouão fácil me de­
veria ser esta abnegação, .quando considero o que
tenho a perder, ou a ganhar, renunciando a ludo por
Deus!

II. Não se perde nada, renunciando a tudo


para seguir a Jesus Cristo. --' Com efeito, é que são
fôdas as coisas que posso· possuir cá na terra?
Mentira, vaidade, nada. Se oiço a um moribundo,
ensina-i;ne que ludo o que p1:1ssa, é nada. Se con­
sulto a S. Paulo, responde-me que a figura dêsfe
mundo passa. E' uma figura, por conseguinte uma
sombra; ao menos éé esta somora permanente? Não,
logo se desvanece. E' portanto evidente ·que eu não
perco nada, separando-me de ludo.

III. Ganha-se tudo, renunciando a tudo para


seguir a Jesus Cristo. - Pedro consul!a o filho de
Deus a respeito da recompensa reservada aos que

(1 ) 5. Bonav.

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90 MEDITAÇÕES SACERDOTllS

renunciaram a ludo para o seguir. O' alma minha,


medita e saboreia a resposta que lhe é dada : Em
verdade vos aGrmo que lodo o que deixar por amor
de mim a casa, ou os irmãos, ou as irmãs, ou o pai,
ou a mãe, ou a mulher, ou os G/hos, ou as fazendas,
receberá cento por um, e possuirá a vida eterna.
Além de um tão grande bem, l há mais alguma coisa
que desejar? Deus cumprirá as suas promessas;
compete-me a mim cuITiirir as minhas.

XIV MEDITAÇÃO
Prática da imitação de Jesus Cristo.;
consegue-se :
1. Pelo profundo conhecimento de liio perleilo modêlo.
II. Pelo 11mor 110 S11lvndor, que é o frulo dêsle conhecimento.
Ili. Pela freqüenle comperaçiio da cópia com o modêlo.

I. Conhecer a Jesus Cristo, primeiro meio de


conseguir imitá-lo. -S. Paulo exorta vivamente to­
dos os cristãos a considerar, a estudar o após/o/o e
o pbntíGce da nossa fé, o Homem-Deus, dado aos
homens não só para pagar o seu resgate, mas tam­
bém para ser como o livro vivo, onde se instruam a
respeito da sua celeste vocação (1). Tenhamos c-om­
pa1xao daquêles que ainda não aprenderam a Je­
sus (2); leem nos olhos uma venda, que lhes encobre

(1) Fralres s11ncli 1 vocalionis coeleslis p11rlicipes, considerale


apos!olum el ponlificem confessionis noslrae Jesum. Hebr. III, 1.
(2) Eph. IV, 20.

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'J,MITAÇÃO DE CRISTO 91

os seus belos exemplos, � não podem imitá-lo. Mas


nós, que lemos a felicidade de o conhecer, continua
o grande Apóstolo, contemplamos nêle a glória do
Senhor, que nos é revelada na sua vida perfeita.
Transformamo-nos nessa imagem; passamos de cla­
ridade em claridade, de virtude em virtude, seguindo
os movimentos do Espírito dtvino que nos ·anim1;1:
Nos vero omnes, reve/afa facie, gloriam Domini spe­
culanfes, in eamdem imaginem fransformamur a cla­
rifafe in clarifafem, fanquam•a Domini Spirifu ( 1).
Jesus Crislo é o divino modélo, figurado por
aquele que foi moslrado a Moisés no monle Sinai ;
conforme a êste modêlo deve ser conslruído o verda­
deiro labernáculo do Senhor, a alma crislã: lnspi­
ce, ef fac secundum exemplar quod iibi in monte
monstra/um esf (9). Não se trala aqui de o olhar
superficialmente; é necessário considerá-lo com aten­
ção, estudá-lo com cuidado, considera/e, para adqui­
rir um exaclo conhecimento dêle, e poder imitá-lo.
Tal é prõpriamenle a sciência do crislão, a única de
que se gloriava S. Paulo, e que pedia a Deus para
os seus discípulos. Chamava-lhe a sciência d6 cari­
dade de Jesus Cristo, que excede lodo o enfendi­
menfó (3). E' também a única sciência que desejava
Santo Agostinho, e que buscava nos seus livros:
quaerens Jesum in libris.
Oh I que digno objeclo dos nossos esludos I l Oue
sabemos nós, ignorando a Jesus Cristo ? l:.le é o
princípio e o fim, o alfa e o ómega (4 ). - Dê/e, e
por êle e nê/e existem fôdas as coisa�· ( 5). Porém
quão pouco conhecido é, até daqueles que leem a
nobre missão de o manifeslar ao mundo ! Ouanlos
padres, que passam por fervor,osos, merecem a ex-

(1) 11 Cor. Ili, 18. - (2) Exod. XXV, 40. - (3) Eph. III, 19.
(4) Apoc. XXI, 6. - (5) Rom. XI, 36.

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92 M lllTAÇÕES SACERDOTAIS
_ ______ _':

probração que êste bom M�slre fazia aos seus discí­


pulos na véspera da sua Paixão : • Tanto fempore
vobiscum sum, ef non cognovisfis me? (1) Hã muito
tempo que estou comvôsco pelas relações mais ínti­
mas e freqüentes; a minha cruz está nas vossas
mãos, o meu Evangelho nos vossos lábios, eu mesmo
estou a·nte os vossos �lhos, locais e distribuís o meu
corpo; êle é a vossa comida quotidiana, e o meu
sangue a vossa bebida; e com tudo isto sou como
um desconhecido para vos I Ah I se me conhecêsseis,
quão diferente seria o vosso coração do que é • !
Evitemos esta queixa de Jesus Cristo, lendo
assiduamente o seu Evangelho e a bela explica­
ção que dêle deram os Apóstolos em suas· Epísto­
las. Entremos, pela prática da meditação, em sua
doutrina e seus mistérios : __ Summum igifur sfudium
nosfrum sif in vifa Jesu medifari (2). S. Boaventura
dá-nos o mesmo conselho: Hoc sif sapienfia tua ef
medifafio tua, semper aliquíd de ipso cogifare. S. fran­
cisco Xavier compulsava cada mês nas suas medita­
ções o resumo da vida do Salvador, tal como está
no livro dos ex�rcícios de Santo Inácio; excelente
meio de formar uma idéia clara e luminosa de uma
pessoa, dos seus sentimentos e das suas acções, de
imprimir em nós uma imagem dêle, que no-lo torne,
para assim dizer, sempre presente. Ouanlo mais o
conhecermos, mais o amaremos.

II. Amar a Jesus Cristo, segundo meio de


conseguir imitá-lo. - E' impossível conhecer os en­
cantos do Homem-Deus, sem nos unirmos a êle do
coração, e é impossível 'amá-lo sem procurarmos ser
conformes à sua imagem; porque o amor é essen­
cialmente imitador. Tudo nos agrada naquele a quem

(1) Joan. XIV, 9. - (8) lmif. 1. 1, cap. 1.

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IMITAÇÃO DE CRISTO 93

amamos; adop!amos os seus gostos, os seus pensa­


mentos, as suas maneiras, muitas vezes sem o adver­
tirmos. Assemelhamo-nos com o amigo, a ponto de
fazermos dêle um outro eu: Amicus alter ego.
Três espécies de amor para com Jesus Cristo
nos levam a imitá-lo por motivos diferentes: amor de
estima, amor de afeição, ou de ternura, amor de in·
ferêsse. - e Buscamos o no.sso bem na nossa afeição
ao Salvador? As precedentes meditações ensinaram­
-nos quão vantajoso nos é imitá-lo. - Se o nosso
amor para com êle vem da alta estima que fazemos
da sua excelência infinita, a tendência para a eleva­
ção, que nos é tão natural, excita-nos a seguir aquele
que possui tôda a perfeição, e que é a mesma gran­
deza: Gloria magna esf sequi Do/ninum (1). - final­
mente o amor de ternura inclina-nos a unir-nos às
pessoas que são objeclo dela; ora, não há verda­
deira Únião sem semelhança de costumes, sem comu­
nhão de pensamentos e sentimentos. Demais disto,
quando amamos ternamente, temos necessidade de o
provar, e a imitação é de tôdos as provas de amor a
mais cerla. Eu posso duvidar da aíeição que qual­
quer me tem, emquanto se limita a falar-me dela; mas,
se para me agradar, renuncia às suas inclinações mais
queridas; se se despoja de alguma sorte da sua pró­
pria vida, para tomar a minha, devo crêr na sinceri­
dade da sua dedicação.

Ili. Comparar muitas vezes a nossa vida com


a do Salvador, terceiro meio de conseguir imitá-lo.
- Ouando um pintor quer copiar um quadro, dirige
sucessiva·mente a vista do modêlo para a cópia, da
cópia para o modêlo, e conforme exige a semelhança
que quer formar, acrescenta, corta, modifica; faça-

(1) Ecdi. XXIII, 38.

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94 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

mos o mesmo. l Oueremos imitar a Jesus Cristo?


fixemos nêle os olhos da nossa alma, e depois fixe­
mo-los em nós; transfiramos para a nossa vida as
virtudes que admiramos na sua; destruamos em nós
tudo o que é oposto ao divino rnodêlo. Esta prática
deve ser familiar a quem quer merecer o belo nome
de representante do Filho de Deus.
l Como tenho eu procedido a respeito desta imi­
tação tão excelente e tão indispensável? Serei jul­
gado segundo ela ; segundo ela devo examinar-me a
mim mesmo desde já. O cardeal de Bérulle dizia
que para formar uma idéia do Filho de Deus con­
versando com os homens, lhe bastava considerar a
S. Francisco de Sales, cujo exterior inculcava tanta
santidade, que vendo-o, julgava ver a Jesus Cristo.
t Consegui eu esta perfeição? l Poderão dizer que
a minha modéstia recorda a modéstia do Salvador,
e que o imito?
Mas é principalmente o seu interior, o que eu
devo imitar. l Ouais eram os seus sentimentos relati­
vamente às humilhações, aos sofrimentos, à pobreza,
e quais são os meus? l Oue pensava êle àcêrca das
riquezas, dos prazeres, das honras, e que penso eu a
êste respeito? l Será possível achar em mim a sua
profunda piedade, o seu zêlo da glória de Deus e da
salvação das almas? Ai I Senhor, eu assemelho-me
tanto a vós, como a noite ao dia I Triste reflexão 1
mas longe de abater o meu ânimo, quero, que ela o
excite e inflame. Ouanlo menos progressos lenho
feito nêsle caminho, fora do qual não pode haver sal­
vação, tanto mais de_vo apressar-me em fazê-los.
Ouero pois, com, S. Vicente de Paulo, fazer a mim
mesmo muitas vezes esta pregunla: Ouid nunc Chris­
fus? l Oue faria agor,a Jesus Cristo, que diria, que
pensaria, se estivesse no meu lugar? l Oue pen.sou
êle, que disse, que fêz, emquanlo viveu .entre nós?
Vós ordenais-me, ó meu Deus, que vos imprima,

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IMITAÇÃO DE CRISTO 95

como um sêlo divino, sôbre o meu coração e sôbre o


meu braço; obras e sentimentos, quereis que tudo
esteja marcado em mim com o sinete da vossa ima­
gem, porque nada pode !:!nlrar no céu, nem dar-me
direito a isso, senão o que tem êste carácter sa­
grado : Pone me ui signaculum super cor luum ...
super hrachium fuum (1). Vós dizeis-me ao mesmo
tempo, que tudo cede ao alJlor, como à morte: For­
fis esf ui mors dilecfio (2). O' Jesus, conhecer-vos é
amar-vos; e é principalmente na partjcipação do pão
celeste que abris os olhos dos vossos discípulos :
Cognoverunf eum in fracfione panis (3). Vinde pois;
revelai-vos ao meu coração ; fazei acluar nêle o po­
der da vossa graça: Adhaeream fihi inseparabilifer,
adorem fe infafigabilifer, serviam fibi perseveranfer,
quaeram te fidelifer, inveniam fe felicifer, possideam
fe aefernalifer (4).

Resumo da Meditação

1. Conhecer a Jesus Cristo, primeiro meio de


conseguir imitá-lo. -Jesus é o ·modêlo adorável, que
Moisés viu no monte Sinai; é conforme êste modêlo
divino, que deve ser construído o verdadeiro ,taber­
náculo do Senhor, à alma cristã e sacerdotal. l Oue
sabemos nós, se ignorattios a Jesus Cristo? E toda­
via ( quão pouco conhecido é, até daqueles que rece­
beram a nobre missão de o manifestar ao mundo 1
Hil. fanfo fempo que esfou convosco, e não me conhe­
ceis ! Oh I l Ouem me dará a sciência da caridade
de Jesus Cristo, que excede lodo o entendimento?
Ouanlo mais eu o conhecer, tanto mais o amarei.

(lJ Ciml. VIII, 6. - (2) Canl. VIII, 6. - (3J Luc. XXIV,


35. - ( 4) S. A,nselm. Med. f, arl. 6.

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96 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

li. Amar a Jesus Cristo, segundo meio de


conseguir imil6-lo. - O amor é essencialmente imi­
tador. Assemelhamo-nos ao nosso amigo, a ponto de
ser um com êle : Amicus alter ego. - O amor une;
ora, não há união perfeita sem conformidade de sen­
timentos. Além disto, quando há amor, quer manifes­
tar-se em obras. Renunciar às nossas inclinações, à
nossa própria vida, para adop!ar as inclinações e a
vida de ou Iro, l não é porventura a maior prova de
afeição, que se lhe pode dar?

III. Comparar muitas vezes a nossa vida com


a do_Salvador, terceiro meio de conseguir imitá-lo.
- Quando um pintor quer copiar um quadro,- dirige
sucessivamente a vista para o modêlo e para a có­
pia; e depois ·apaga, acrescenta, segundo pede a se­
melhança que quer formar. l Como lenho eu proce­
dido relativamente a esta imitação_ tão excelente e in­
dispensável? Serei julgado segundo ela; é segundo
ela, que devo examinar-me a mim mesmo. Fazer
muitas vezes esta pregunla a mim mesmo: l Oue fa.
ria Jesus Cristo em meu lugar? l Oue fêz êle, se se
encontrou nas circunstâncias em que eu me encontro?

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Virtudes especiais de que o Salvador nos dá
exemplo nos mistérios da sua lncarnaçã�
do seu nascimento, da sua Infância, e du­
rante os trinta anos dá sua vida oculta.

XV MEDITAÇÃO
A Incarnação do Verbo. - Contemplação

1. Contemplar as pessoas.
li. Ouvir 11s palavras.
III. Considerar as acções.

PRIMEIRO PRELÚDIO, Recordai-vos das circun­


stâncias dêsle mistério. - A San líssima Trindade,
vendo correr lodos os homens para a sua perdição
eterna, compadece-se da sua desgraça,. e decreta a
redenção do género humano. E' chegada a plenitude
dos tempos ; Deus envia o arcanjo S. Gabriel a anun­
ciar a Maria, que vai ser Mãe de seu Filho por obra
do Espírito Santo. Ela consente, e o Verbo incarna.
SEGUNDO PHELÚDIO, Representai-vos de um lado
a vasta extensão do universo, h'abilado por tantos
povos difercmles, que leem tão grande necessidade de
um Salvador; do outro, na pequena cidade de Na­
zarelh, a humilde habitação de Maria.
TEUCElRO PHELÚDIO. Pedi um profundo conhe­
cimento do mistério de um Deus incarnado, para ser
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98 MEDITAÇÕF.8 SACERDOTAIS

vosso libertador e vosso guia, e a graça de o amar


com ardor, a-fim de vos resolverdes a imitá-lo.

1. Contemplar as pessoas. - 1.0 No momento


em que vai efeduar-se o mistério da Incarnação,
é. quais são todos êsses homens, de que a ferra está
coberta? Oue diversidade de costumes, de idiomas,
de estados I Uns em paz, outros em guerra... r.stes
choram, e porquê?. . . Aqueles, enlrcgam0 se a risos
imoderados, é. e qual é o motivo dêles? Ah! que fri­
volidade muitas vezes nessas lágrimas, quási sempre
nêsses risos 1 . . . Uns ricos, outros pobres . . . Êstes
livres, aqueles escravos'. . . Uns que entram na vida,
outros que saem dela. Ai I quási tôdas estas criatu­
ras formadas à imagem de Deus, chamadas a parti­
cipar da sua felicidade, só. são acordes num ponto:
esquecem a sua celeste origem e o seu sublime des­
tino; perdem-se miseràvelmenle 1
2.0 Olhai para a Santíssima Trindade, que contem­
pla êsle especláculo com grande compaixão, vendo to­
dos êsses homens culpados, más desgraçados, cair a
cada ins.lanle feridos pela morte.. . e no inferno.
Deus também vos está vendo nessa mullidão extra­
viada . . . Ah I é. e que parle lereis na obra de mise­
ricórdia, que se prepara?
3.0 Ponde depois os olhos nessa Virgem bema­
venlurada, pÚra, a única imaculada no meio da de­
pravação universal... Como é modesta e recolhida 1
Feliz disposição para os divinos favores 1 - Vêde
como o anjo a saúda com tanta veneração. é. E' esta
a vossa devoção interior e exterior, quando vos apro­
ximais de Deus? t.le merece de cerlo infinitamente
mais respeito que a mais santa de lõdas as criaturas.
- Considerando estas diversas pessoas, entregai o
vosso coração aos afedos que esta simples vista nêle
fará nascer. O' extrema bondade de Deus 1 . ..
O' profunda miséria humana 1 . . . O' poder da pu-

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O MISTÉIIIO DA INCAIINAÇÃO 99
reza ! . .. O' humildade do anjo, excedida pela humil­
dade de Maria 1

H. Ouvir as palavras. - 1. 0 Na ferra, pala­


vras inúteis, obscenas, ímpias; pragas, imprecações,
blasfêmias, canções impuras ou sacrílegas em honra
do demónio 1 • . • Ou não oiço pronunciar o vosso
amável nome, ó meu Deus, ou. é ultrajado por aque­
les que o pronunciam; e do vosso, ó Jesus� ninguém
conhece ainda nem o seu poder nem a sua doçura 1
2.
0
No céu palavras de reconciliação e de paz:
Salvemos o homem, que criámos. Meu Pai, eis-me
aqui; os holocaustos, que vos leem sido oferecidos
olé ao presente, não podiam ser-vos agradáveis.
Eu revisto-me de um corpo, e ofereço-me em sacri­
fício; venho fazer a vossa vontade santa: Hosliam
el oblalionem noluisli; corpus aufem aplasli mihi ...
Tunc dixi: Ecce venio; in capile libri scripfum esf de
me: 'Ut faciam, Deus, volanfalem laam (1).
J.0 Na casa de Nazarelh: Ave, grafia plena,
Dominas' fecam. E o anjo, continuando a folar à tí­
mida Virgem, Uanqüiliza-a dizendo-lhe que ela achou
graça deanle do Senhor; com efeito, lque coisa mais
tranqüilizadora? l Oue podemos temer, quando le­
mos por nós o amor do Todo-Poderoso? O Anjo
anuncia-lhe as grandezas daquele, de quem ela será
Mãe: Hic erif magnas, el filias allissimi vocabitur . ..
Maria humilha-se ainda mais. . . Oiçamos a pregunla
que ela foz, para pôr a salvo o tesoiro da sua vir­
gindade ... , e depois a sua humilde 'aquiescência à
vontade do Senhor: Ecce ancilla Domini, fiai mihi
secundam verbam faam. Não se diz uma palavra
neste mistério, que não lenha o seu fruto ,espiritual
para nós.

(1) Hebr. X, 5, 7.

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{00 MEDITAÇÕES SACERDOTAi�

III. Considerar as acções. - 1. 0 Na terra,


lque fazem os homens? Vêde as �uas fúteis ou cri­
minosas ocupações, o culto abominável que dão aos
ídolos, os dissolutos espedáculos e divertimentos, as
suas intrigas para se suplantarem e perderem uns aõs
outros; com que furor se entregam ãs suas paixões,
como desfiguram em si a imagem da Divindade e se
precipitam no abismo eterno I Dilafovif infernus. ani­
mam suam, ef aperuif os suum absque ullo ter­
mino (1).
2.º No céu, que terna emulação de caridade
para connosco entre as ltês adoráveis pessoas da San­
tíssima Trindade I Deus Padre dá-nos seu filho; o
filho entrega-se a si mesmo, e aniqüila-se unindo-se
à natureza humana; o Espírito Santo forma a união
de misericórdia e amor!
3. 0 Em Nazareth, o anjo cumpre religiosamente
a m1ssao que lhe foi confiada ; longe de invejar a
glória de Maria e a felicidade da humanidade, ale­
gra-se de uma e outra. A Virgem Santa entrega-se
à contemplação do mistério, que em seu seio acaba
de se efeduar, e dá graças por isso ab Senhor.
Oue exemplos propostos à minha imitação ! -
Ouando o género humano estava submerso na noite
de todos os êrros, no lodaçal de lodos os crimes,
Deus envia-lhe seu Filho unigénito, para o fazer voltar
à verdade e à virtude, para o salvar; é assim que êle
nos ama : Sic Deus dilexif mundum, ui Filium suum
unigenifum darei (2). l Não lerei eu jàmais senão vãs
palavras, estéreis sentimentos a oferecer-lhe em troca
de um amor tão generoso? - O Filho consente em
ocultar tôdas as suas grandezas, em tomar a natu­

-
reza de servo : Oui cum in forma Dei esse! . .. , se­
mefipsum exinanivif formam servi accipiens (3). Oue

(1) lsoi. V, 14. - (2) Joan. 111, 16. - (3) 'Philip. 11, 6, 7.

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O MISTÉRIO DA INCARNAÇÃO tol
humildade! Oue zêlo dos nossos interêsses ! -Maria
turbada do falar do anjo, só aceita o dom da mater­
nidade divina, depois de ter sido tranqüilizada sôbre
a conservação da sua virgindade? Oue pureza I que
fé sublime ! que obediência à vontade do céu: Fiaf
mihi secundum verbum fuum !
Colóquit11 com as três· pessoas divinas. Como
preparação para a missa, podereis dizer:
1 .º Ao Verbo incarnado: Ave, dulcis Jesu, qui
propfer me dignafus es e regalibus sedibus ef melli­
Duo carde Pafris in hanc miseriarum vai/em descen­
dere , a/que in Virginis Mariae castíssimo ulero de
Spirifu saneio concipi, incarnari, homoque Geri. Elige,
quaeso, cor meum in quo habiles, hoc exorna, hoc
banis spirilualibus repie , hoc lofum posside. Utinam
ego /e in illud humililafe profunda invitem, ardenfique
charifale recipiam, ef receplum teneam ! Utinam va­
lidis amoris vinculis libi adsfringar, uf nunquam rece­
dere, nunquam mente averti a te valeam! (1)
2.0 A 'bemaventurada Virgem Maria: Ave Ma­
ria, per quam nos purissimam Chrisfi carnem parfi­
cipamus, ad !remendam admodum mensam accedere
audentes. Ave, Maria, per. quam nos verum ef im­
morlalem panem gusfamus (2). - Ave grafia plena,
quae sola inter mulieres benedicfa, ad dominicae In­
carna_fionis mysterium elecfa, ef a Spirifu saneio prae­
parafa, unigenilum Dei Filium casfissimis visceribus
fuis concepisfi, ac mundo peperisti salva/orem. O
Virgo puríssima, intercede pro me sordido peccalore,
ef impetra mihi a Deo scelerum meorum veniam, .i­
dem vivam, spem Grmam, charifafem perfeclam, ui
Dominum meum Jesum, Filium fuum magnum, in hoc
sacriGcio decenfer oHeram, carde puro suscipiam, ef
exopfafum inde hauriam fruclum. Amen (3).

(1) Ludov. Blos. Endologia ad Jesum. - (2) S. Joan. Da­


rr,asc. -(3) Scuf. Gd. feria 4 hebd. 3 Adv.

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!02 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Resumo da _Meditação

I. Contemplar as pessoas. - Os homens de


q.uç a terra eslá éoherla. Oue diversidade nos seus
costumes, na sua linguagem, na sua situação I Ouási
lodos esquecem o seu fim e se perdem miseràvelmen­
te. -A Santíssima Trindade, que considera êste espec­
láculo com irande compaixão. é. Quais são os seus
pensamentos· a meu respeito?-A virgem bemdila, a
única ima<!ulada na depravação universal. Admirai o
seu recolhimento, a sua vida escondida em Deus.
Vêde o anjo que a saúda. E de cada uma destas
considerações tirai algum frulo.

li. Ouvir as palavras, - Na terra, que ouvi­


mos? - No céu, palavras de paz. - Na casa de Na­
zareth, palavras do anjo, pregunta de Maria para pôr
em segurança o tesoiro da su,a virgindade, e depois
a sua humilde aquiescência à vontade de Deus:
Faça-se em mim segundo a fua palavra.

III. Considerar as acções. -Na terra, que fa­


zem os homens? Coisas fúteis ou criminosas. - No
céu : Deus Padre dá seu Filho, o Verbo elerno entre­
ga-se a si mesmo, o Espírito 5anlo forma a união da
humanidade e da divindade. Tôda a Sanlíssima Trin­
dade trabalha na nossa salvação. - Em Nazareth. o
anjo cumpre a sua missão, e Maria, que foz? Co­
lóquio com as três pessoas divinas, e com a Virgem
Mãe.
A,

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HUMILDADE DE CRl$TO

XVI MEDITAÇÃO
Jesus Cristo, modêlo da perfeita humildade

1. Desde o primeiro ins(anle do suo incerneçiio.


li. Ourante !ôdo a sua vida.

Observação

S. Bernardo distingue entre a verdade e a virtude


da humildade. A primeira mostra-nos o nosso nado
e a nossa profunda abjecção, a segunda faz-nos amar
esta mesma abjecção, e consentir de bom grado em
não sermos nada para que Deus seja tudo. A ver­
dade ·abate-nos _e aterra-nos; a virtude eleva-nos e
anima-nos. Uma esclarece-nos, a outra inflama-nos:
Esf humilifas quam n0his pari! verifas, ef non hahef
calarem; ef esf humilifas quam carilas formal ef in­
Dammaf. O conhecimento de nós mesmos é apenas
uma preparação para a humildade pràpriamenle dita,
ou quando muilo a humildade do espírito; não é uma
virtude cristã: até aí ainda chega a filosofia. Mas a
humildade que é o fruto da fé, a que Jesus Cristo
quer ensinar-nos, e que S. Gregório chama magisfra
omnium maferque virfutum (1), a verdadeira humildade
reside no coração, cujos afeclos regula: Discife d me
quia mifis sum ef humilis carde. - Ela leva-nos a des­
prezar-nos sinceramente a nós mesmos, como di�os
de desprêzo, e a amar a nossa abjecção par�so­
bressair mais a grandeza de Deus. E' êste o seir:'J>ri­
meiro grau. - O segundo consisle em desejarmos
que lodo o mundo entre nos mesmos senlimenlos a

(1) Lib. mor. e. XVII.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

nosso respeito, e nos julgue como nos julgamos a


nós mesmos. - Pelo terceiro, que é o mais perfeito,
alegramo-nos de que todos os homens se hajam para
connosco, segundo o desprêzo que lhes inspiramos.
Aquele que atinge êsle grau, não se limita a sofrei:
com paciência os opróbrios; recebe-os com alegria,
busca-os com o ardor que os mundanos empregam
em bu�car as dislinções e honras. Não é porque as
humilhações sejam amáveis em si; · mas tornam-nos
semelhantes' ao filho de Deus aniqüilado por causa
de nós, ao mesmo tempo que nos dão o meio de lhe
mostrar o nosso amor e de merecer o seu.

I. Jesus, modêlo perfeito de humildade na sua


Incarnação. - E' a sua vontade e o seu Coração,
quem tudo, dderminou neste mistério: lmproperium
expecfavif cor meum. Pará' apreciar êste prodígio de
humildade, podemos notar como que cinco degraus,
pelos quais o filho de Deus, desde a sua entrada no
mundo, desce até �s últimas profundezas da humilha­
ção : Homo flJclus esf. . . Formam servi lJccipiens . ..
Verbum clJro fl1clum esf. . . ln similifudinem clJrnis
pecclJfi. . . Exinl1nivif semefipsum. . . é Ouem sondará
êsles abismos?
Um Deus feito homem I Deum de Deo, lumen
de lumine, Deum verum de Deo vero.. . Consubslan­
filJ!em Pafri; per quem omnia facflJ sunf ! E êste
Deus Ião grande, êste princípio adorável de tôda a
grandeza, é que vem a ser dêle? Homo flJclus esf !
Não é Deus feito anjo; a humilhação seria já infinita;
desce até à natureza humana! Padres, dobrai o
joelho, e inclinai· o vosso espírito assim como o
vosso corpo, para o submeter à crença· dêste misté­
rio. De Deus ao homem, daquele que diz : Ego
sum qui sum, àquele que deve dizer: Subslanfiâ
melJ fanqulJm nihilum. . . é quem poderá medir a ·dis­
tância?

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HUMILDADE DE CRISTO l05
Mas o homem fanfo é homem em um frôno, como
nas úllimas classes da sociedade. é. Escolheu o Filho
de Deus para sua condição, uma daquelas. a que
pertence a autoridade, à qual, ao menos as riquezas
dão uma espécie de independência? Não ; êle prefe­
riu a mais baixa, a mais sujeita, a mais pobre :
Formam servi accipiens.
O Verbo feito Cõrne I Eis o que acaba de me
confundir. Com S. João, ·eu elevo-me até ao seio da
divindade: ln principio era! Verbum, ef Verbum era(
apud Deum, ef Deus eraf Verbum . . . Omnia per
ipsum fac/a sunf. Oue majestade ! . . . Oue poder !
Oue esplendor! Mas em breve tôda esta glória se
desvaneceu: êsse Verbo-Deus, por quem lôdas estas
coisas foram feitas, ei-lo feito carne l Verbum caro
fac/um esf. Se · ao menos só tivesse lo.mado uma
alma humana, imagem de Deus, espírito como Deus,
imortal como Deus 1 . . . Mas êle toma também a
nossa carne. Contrai com ela uma união Ião íntima,
que, para a exprimir, é necessário dizer: O Verbo
se fez carne/ E toma esta carne, não tal como a
lerá ao saír do seu sepulcro, impassível, invulnerável ;
nem tal como foi dada· ao primeiro homem, em !ôda
a fôrça da idade viril : toma-a fraca, delicada, sujeita
às fraquezas da infãncia, !is doenças, à m.prle.
é.Serão suficientes estas humilhações? Ainda não:
ln simililudinem carnis peccafi. Depois do pecado,
nada hã mais abjeclo que a sua semelhança ; o Filho
de Deus toma-a, não podendo tomar o mesmo peca­
do. Na sua circuncisão, no seu baplismo, mas prin­
cipalmente na sua Paixão, parece menos pecador
que o mesmo pecado : Eum, qui non noveraf pecca­
fum, pro nobis peccalum fecif (1). Não pode descer
mais ; e para dar a idéia do seu abatimento, só falta
a palavra de 5. Paulo: Exinanivif semelipsum.

(1) li Cor. V, 21.

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I06 llEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Na realidade, um Deus oculto no seio de uma


mãe, e depois, um Deus menino que não pode ler-se
em pé, um Deus padecente e agonizante, um Deus pri­
vado de ludo, que mele compaixão e se assemelha aos
pecadores!. . e.E' ainda um Deus? e. Não é um Deus
aniqüilado? Exinanivil semelipsum. Eis o comêço
do meu divino Rei, na guerra que êle faz à soberba:
a continuação corresponde ao comêço.

II. Jesus, modêlo perfeito de humildade du­


rante fôda a sua vida. - Cada um dos mislérios
que efec!ua, cada um dos estados por que passa, e
que são lodos da sua escolha, é uma prova do seu
amor à abjecção. Nasce em um presépio. Rece­
bendo a circuncisão, recebe a marca dos pecadores.
Foge para o Egipto, êle lodo-poderoso, deante de um
homem fraco I Passa quási !ôda a sua vida em casa
de um artífice, nos trabalhos de um penoso oÍício, e
só come o pão com o suor do seu rosto. A sua
inclinação para as humilhações nunca o deixa. .Se al­
guém julga lisonjeá-lo chamando-lhe bom mestre, êle
responde-lhe friamente: Só Deus é bom ( 1). Faz mi­
lagres? - Proíbe que falem dêles. Ouerem aclamá­
-lo rei? - Fo�e. Transfigura-se no Thabor ?- Impõe
,,$ilêncio à� testemunhas da sua glória, ainda depois
da sua Ressurreição. O desejo que !em de se humi­
lhar, e que vai sempre crescendo, já não conhece li­
mites na sua Paixão. E' então que êle se mostra li­
teralmente tal como o tinham anunciado os profetas :
Um varão de dôres, humilhado e ferido por Deus, o
último dos homens, menos um homem do que um bi­
chinho que se calca aos pés. Tinha fome de opró­
brios, e é saciado dêles: Safurabi!ur opprobriis (2).
Eu prometi ao Senhor segui-lo a qualquer parle

(1) Mollh. XIX, 17. - (2) Thren. III, 30.

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-r
HUMILDADE DE CRISTO i07

que fôsse: Mé1gisfer, sequéJr fe quocumque ieris. Sei


agora aonde êle vai ; corre a passos de gigante no
caminho dos abatimentos. Não só não quer a estima
dos homens, mas busca o seu desprêzo, e busca-o
com ardor. Pois bem, alma minha, que farás tu ?
é. podes hesitar um só instante? Receias enganar-te
regulando os �eus juízos pe-los da sabedoria incriada?
Se adoras êsse Deus aniqüj(ado, deves achar amável
ludo o que êle amou. Olha as humilhações com os
seus olhos, vê-as segundo a sua infalível verdade.
No aliar, vai aprender quanto elas são dignas do teu
amor: AméJ nesciri ef pro nihilo repulari. - lnfole­
réJbilis impuden{ia esf, ubi sese exinanivif Mé1jeslas,
vermiculus inllefur e/ infumescéJf (1).

Resumo da Meditação

1. Jesus, modêlo perfeito de humildade na


sua incarnação. - é. Até que ponlo desce êle? -
Faz-se homem, não anjo: a humilhação seria já infi­
nita. De Deus ao homem, é. quem poderá medir a
distância? - Faz-se carne. Sem se contentar com
revestir-se da nossa alma, une-se de tal sorte â nossa
carne e às suas enfermidades, que, para exprimir esta
união, é necessário dizer que êle se fêz céJrne. Desce
ainda mais abaixo : depois do pecado, nada é mais
abjeclo que a sua semelhança ; êle loma-a. Agora
para dar a idéia do seu abatimento, �ó resta a póla­
vra de S. Paulo: Aniqüilou-se.

li.. Jesus, modêlo perfeito de humildade du­


rante lôda a sua vida. - Cada uma das situações
em que se acha, é uma prova do seu amor à abjec­
ção. Nascimento, circuncisão, fugida para o Egipto,

(1) 5. Bern. Serm. de Na/iv. Dom.

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108 !IIEDTTAÇÕES SACERI>OTAIS

trinta anos passados na obscuridade e nos trabalhos


de tim vil ofício mecânico. Vê-se sempre nêle a mes­
ma inclinação para as humilhações ; assim na sua
vida pública como na sua vida oculta; e na sua Pai­
xão o deseja que tem de se humilhar não conhecerá
limites. O' alma minha, visto que adoras êsse Deus
aniqüilado, deves achar amável tudo o que êle ama.

181

XVII MEDITAÇÃO
A humildade. -- Sua excelência
1. Em si mesma.
II. Em seus frutos.

I. Nada mais excelente que a humilêlade con­


siderada em si mesma: é a verdade, é a justiça, e
de alguma sorte tôda a religião do cristão.
1. 0 Nunca será de mais aprofundar a palavra de
Santa Teresa: • A humildade é a verdade•, não já
verdade especulativa, mas verdade que passa da in­
teligência que esclarece, para o coração, cujos afec­
fos dirige e santifica. À luz desta verdade, o homem
descobre que Deus é tudo, e que as criaturas e o
próprio homem são nada; e 'por êste conhecimento
regula a sua estima e o seu desprêzo, o seu ódio e
o seu amor.
O anjo pecou por sobe;ba, porque não permane­
!=eu na verdade: ln verilafe non sfelil (1); dominou-o
a mentira: Cum loquifur mendacium, ex propriis lo-

(1) Joan. VIII, 44.

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A HUMILDADE too
quifur, quia mendax esl ( 1). Reine a verdade em vós,
diz S. Bernardo; deixai-a governar os vossos pensa­
mentos e mostrar-vos as coisas tais como i;ão, e a
vaidade nunca entrará nêles: Non esl quo infref va­
nifas, ubi regndf verifas. Infelizmente nós fugimos da
verdade, porque nos humilha, se bem que humi­
lhando-nos, é que ela nos salva.
O' preciosas humilhações, que eu lemo e deveria
desejar I Oue bom sois pa'ra mim, Senhor, quando
vos tlignais dar-me mais do que as que ouso pedir­
-vos! Bonum mihi quia humiliasfi me (2). Sim, en­
tende bem o que lhe convém aquele que escolhe êste
caminho: Viam veri!dfis elegi (3). - Elegi abjecfus
esse (4). Um bom padre dizia: •fmquanto eu fõr
cheio de misérias, não deixarei de exclamar: Felizes
misérias, cujo sentimento me leva a envergonhar-me
perante Deus, e a humilhar-me perante os homens!
Se me sois necessárias, não vos quereria trocar pe­
los merecimentos e virtudes dos outros. Prefiro ser
tal como convém que eu seja p"ara ser humilde. Re­
mincio a tõdas as graças que me privassem desta
vantagem, e para não a perder, consinto em ser pri­
vado do mais• (5).
2. 0 A humildade é a justiça. O homem humilde
dá a cada um o que lhe pertence: Cui honorem, ho­
norem (6). F.oi êle que compreendeu êsle oráculo:
Non gloriefur sapiens in Sdpienfia sua, ef non glorie­
fur forfis in• forfitudine· sua . .. , sed in hoc gloriefur:
scire ef nosse me (7). Se obteve algum sucesso, e
praticou algum bem, atribui-o àquele que dâ a von­
tade e o poder. Ouanlo a êle, só fêz o que devia
fazer, le fê-lo porventura bem? Servi inufi/es sumus;

(1) Joan. VIII, 44. - (2) Ps. CXVIII, 7L- (3) lbid. 30.
- (4) Ps. LXXXIII, 11. -(5) P. de 111 Colombiere. - (6) Rom.
XIII, 7. - ( 7) Jerem. IX, 23, 24.

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HO MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

quod debuimus lacere, fecimus.-Non nohis, Domine,


non iobis: sed nomini luo da gloriam. Sabe, àlém
disto, o que lhe é devido por tantas faltas que co­
meteu, e que comete ainda lodos os dias; sabe de
quantos crimes seria capaz, se a mão do Senhor o
não amparasse. Daí o mau conceito que forma de
si, ainda que fôsse admirado pelos homens; e eis
aqui o padre que, por sua justiça, agradou a Deus:
Ecce sacerdos . . . qui in diebus suis placuif Deo et
invenfus esf jusfus. •
3. 0
A humildade ç,
por assim dizer, tôda a reli­
gião do cristão: Si quaeris quod si! primum in reli­
gione ef diseiplina Chrisfi, respondeo: Primum esf
humiliflls; quid secundum? humilifas; quid ferfium?
humilifas (1). - fofo ef vera chrislianae sapienfiae
.disciplina in vera ac volunfilrio humilifofe consisti! (2 ).
As outras virtudes só parecem ser diferentes formas
de humildade; a oração é o abatimento do homem,
que reconhece a sua profunda miséria e a infinita
grandeza daquele a quem adora e roga, esperando
tudo de Deus, nada de si mesmo; a fé é a hurtril�
dade da razão, que renuncia aos seus próprios pen­
samentos e se inclina ante os pensamentos de Deus
e a autoridade da sua Igreja; a ob,ediência é a hu­
mildade da vontade, que se submete a uma vontade
alheia; a castidade é a humildade da carne, que ela
sujeita ao espírito; a mortificação exterior é. a humil­
dade dos sentidos; a penitência é a humildade de
tôdas as paixõe�, que ela sacrifica.

li. Nada mais excelente que a humildade em


seus frutos: a graça, a paz, a glória presen!e e a
eterna.

(1) S. Augusl.. Episl. LVI. - (2) Idem, Serm. VIII, de


Epiph.

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A HUMII,DADE Hl

1 .0 A graça. Os vossos pecados formaram uma


nuvem entre vós e o Senhor;· l quereis que a vosso
oração penetre essa nuvem, e agrade ao Altíssimo?
é. quereis que ela seja atendi.da? humilhai-vos: Orafio
humilianfis se nubes penefrabif. . . ef non discedef
donec Altissimus· aspiciaf (1). - Respexif orafionem
humilium (2). - Humilium . . . semper fibi placuif de­
precafio (3). Assim como o íman atrai o ferro, assim
a humildade alrai a graça: Ve/uf magnes affrahil
ferrum, sic humililas grafiam ad se ·trahif (4). Se a
graça é uma fonte de ,água viva, que corre para a
vida eterna, a humildade é o 'vaso de que nos servi­
mos para dela beber; e assim como o vaso só se
enche quando se inclina para a fonte, assim também
a alma só se enche de Deus, inclinando-se para o
seu nada: Sicuf de fonte terreno non polesl quis bi­
bere, nisi voluerif se inclinare, ifa de vivo fonte
Chrisfi, Spirilus Sancfi Duvio, nemo aquam vivam
haurire poferif, nisi humili!er se inclinare voluerif (5).
2.0 A paz, outro fruto da humildade. - A paz
com Deus. l Ofendeste-lo? A humildade t1branda-o;
porque esta virtude, na opinião dos Santos Padres,
tem o privilégio de tudo reparar. Aplaca a ira do
Senhor, por maior que ela seja, e substitui a nossa
inocência perante êle: não pode recusar-lhe o nosso
perdão : Cor confrifum ef humilialum, Deus, non
despicies (6). Filho do homem, l não viste Acab
humilhado deanle de mim? Como se humilhou por
minha causa, emquanto êle viver, não lhe mandarei o
castigo com que o ameacei (7). - A paz com o pró­
ximo. E.mquanlo a soberba irrita e desune, a humil­
dade, filha da caridade, suaviza e une os corações.

(1) Eccli. XXXV, 21. - (2) Ps. CI, 18. - ( 3) Judilh


IX,16. - ( 4) S. Bern. - (5) Ca:sar Arelal. Horn. 34. -
() Ps. L, 19. - (7) Ill Reg. XXI, 29.

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H2 MBDITAÇÕES 8ACBRDOTAl8

l Como não feremos .:imor a um homem, que se es­


quece de si, para só pensar nos outros, e que só dis­
puta para ter o último lugar? - A paz comigo
mesmo. • Aprendei de mim, que sou manso e humilde
de coração ; sêde-o também, e achareis o descanso
de vossas almas • . A paz é a tranqüilidade, que re,
suita da ordem ; ora, nada hã mais ordenado que
uma alma humilde: estimação, desprêzo, temor, de­
sejos, tudo ali está em ordem; ela não conhece as
perturbações excitadas pela soberba.
3. ° Finalmente a humildade produz a glória.
Ouanto à eternidade, é indubitável ; a fé ensina-o
formalmente: Populum humilem salvum fades (t). -
Humiles spirilu salvabi( (2 ). - Beafi pauperes spirifu,
quoniam ipsorum esf regnum coelorum ( 3 ). - Sim,
quem se humilha, será exaltado: Oui se humilial
exalfabifur: do abismo do seu nada alé ao trono da
glória imortal. Mas l crêmos nós firmemente que,
desde a vida presente, a nossa exaltação se mede
pela nossa humildade, e que ·humilhar-nos perante
Deus, é efeclivamente elevar-nos na mesma propor­
ção? Façamos dois raciocínios bem simples.
A glória do homem é cumprir o seu fim. Êste
fim é muito nobre, visto que o homem só existe para
�lorificar a Deus, e que a glória de Deus é de uma
dignidade e excelência infinita. Segue-se daqui, que
o homem mais verdadeiramente grande é aquele que
sabe glorificar a Deus da maneira mais perfeita: ora,
é evidente que a humildade, ou a humilhação volun­
tàriamente aceite por amor de Deus, é o melhor modo
de lhe dar glória, visto que o Verbo incarnado, a
sabedoria incriada, escolheu êste meio com preferên­
cia a todos os outros: Proposilo sibi gaudio, susli­
nuil crucem, confusione contempla (4).

(1) Ps. XVII, 28. - (2·) ld. XXXIII, 19. - ( 8) Motlh. V, :3.
(') Hebr. XII, 2.

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A HUMILDADE. H3

O homem é mais ou menos grande, segundo se


parece mais ou menos com Jesus Cristo, que é tôda
a glória da humanidade, e- no qual, diz S. Paulo, a
plenitude da divindade habilà corporalmente. Ora,
como o amor da abjecção foi o carácter próprio do
Verbo íeito carne, nenhum homem lhe é mais seme­
lhante do que aquele que, imitando-o, abraça a es­
tultícia da cruz.
Voltemos pois para êsle lado, a inclinação que
temos para a elevação, e tôdas as nossas aspirações
à grandeza. Tirai ddí o assunto do vosso colóquio
com Jesus Cristo, quando tiverdes descido do aliar.
• Creélfor universi hujus mundi, in sinu vilissimae
creafurae, Dei Filius, Dominus dominanfium, in pecfore
servi sui élbjecfissimi ! Ouid hoc ? Nescio prae éldmi­
rafione quid dicam, auf quid cogitem, Ergone safis
non era/ amori fuo, henignissime Jesu, le jam semel
humiliafum, servi formam accepisse, vel pofius formam
vermis ef non hominis, quia nunc denuo apud me, in-"
limum terrae vermiculum, diverfere dignafus es? Ouare
paferis, o Fifi Dei, uf Iam foefidus peccalor Sancfum
sanclorum circumferaf in corde squalido ? Sed haec
esf pafienfia lua ef humilifas tua, Domine . En ego
pulvis ef cinis, humi/ifer adoro te Deum humilem.
• Maximas simul, qpas possum, grafias élgo fihi
pro humillima lua obedienfia, qua non solum Pafri
luo, sed ef mihi sacerdofi fuo indigníssimo paruisfi,
dum mox ad volunfafem ef vocem meam ingens illud
Transsubsfanfiafionis miraculum pafrélbas, ef ahsque
mora te praesenlem in ara sisfebas . . Venisfi in
hunc mundum, hum,IJime Jesu, non uf principafum
saecularem acciperes ... , non ui omnium populo-
rum captares plausum ... , sed uf perdifum recupe-
rares genus humanum, uf insfrueres nos verbo, infor­
mares exemplo, mandares lavacro, roborares auxilio,
redimeres in crucis palibulo, ef pélsceres sacro corpore
ef sanguine fuo ! O carilas I O miranda humililas ! ...

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MEDIT,�ÇÕES SACEI\DOTAIS

O Verbum caro facfum, fo/Je a nobis omnem super­


biam, ne animis unquam eH'eramur, nec ulla in re
gloriemur, preterquam in te ...; et si quid boni ha­
bere videamur, id non · ex nobis ipsis, sed a te solo,
bonorum omnium fonte, descendere agnocentes, non
nobis, Domine, non nobis, sed nomini fuo demus glo-
riam et honorem• (1).

Resumo da Meditação

1. Nada mais excelente que a humildade, con­


siderada em si mesma. - 1. 0 E' a verdade, não
já verdade especulaliv�, mas verdade que passa da
inteligência que esclarece, para o coração cujos
afedos dirige. Reine em mim a verdade, e não en­
trará em mim a vaidade. .. Ouão bom sois para mim,
Senhor, quando me dais mais humilhações do que eu
desejava 1-2. 0 E' a justiça. A cada um o que lhe
�erlence: a honra a quem a merece. <'. Oue me é
devido, ó meu Deus, por tantos pecados, que lenho
comelido? Se fiz algum bem, <'. é a mim ou é a vós
que devo atribui-lo? -3. 0 E' tôda a religião do dis­
cípulo de Jesus. E' a sua humildade que adora e
ora, reconhecendo a grandeza de Deus e o seu gró­
prio nada, esperando ludo só de Deus: é a sua hu­
mildade que crê, humilhando a sua razão; a sua hu­
mildade que obedece, sujeitando a sua vontade.

II. Nada mais excelente que a humildade con­


siderada nos seus frutos: a graça, a paz, a gló­
ria. -A graça. A ofação do que se humilha, pene­
tra- os. céus, nada resiste à sua eficácia. Assim como
o íman atrai o ferro, assim também a humildade atrai
a graça. - A paz. Com Deus.; aplaca-o, qualquer

(1) Seul. Gd.

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A HUMILDADE H5
que seja a sua ira. Com o próximo; l como não
amará aquele que se esquece de si, para só pensar
nos outros? Comigo mesmo ; a alma humilde não
conhece as perturbações da soberba. - A glória
eterna - e até a presente. O homem mais verdadeira­
mente grande é aquele que alcança melhor o seu
6m, que é glorificar a Deus. Ora, o Filho de Deus,
tendo descido do céu para dar glória a seu Pai, pre­
feriu a humilhação a qualquer outro meio. Demais
disto, é não é Jesus Cristo a glória da nossa huma­
nidade? é E haverá melhor maneira de sermos seme­
lhantes a êle, do que amando a abjecção? Voltemos
para aqui a inclinação que lemos para a grandeza.


XVIII MEDITAÇÃO

A humildade é indispensável ao homem


apostólico

I. P11r11 promover II glória de Deus.


li. P11r11 lr11b11lh11r ufilmenfe na s11lv11çiio do próximo.
Ili. P11r11 11ssegur11r II sua própria salv11ç1io.

I. A humildade é indispênsável ao sacerdote,


para promover a glória de Deus. - Com eíeito,
nós não. podemos alcançar êste primeiro e sublime
fim do sacerdócio, sem ter três coisas, que só a hu­
mildade nos pode dar: um ardente zêlo desta divina
glória, uma grand� docilidade aos movimentos do
Espírito Santo, que quer por nós consegui-la, e uma

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H6 MEDITAÇÕl!S SACERDOTAIS

grande fidelidade em referir a Deus lôda a. honra


das suas obras.
Antes de tudo, é necessário, que zelemos os in­
terêsses de Deus, que desejell)os ardentemente vê-lo
conhecido, amado, servido, isto é, glorificado. Ora,
só entramos nesta disposição com uma verdadeira
humildade. O zêlo é o efeito do amor. Um homem
cheio de amor próprio é sempre vazio do amor di­
vino. l E' ao soberbo que se concede a mais pre­
ciosa de tõdas as graças, a do amor de, Deus? Hu­
milibus dai graliam. l E' a êle que o Senhor revela
os seus segredos, que descobre a excelência infinila
do seu sêr? Confileor libi, Paler, quia abscondisli
haec a sapienlibus .. . , el revelasfi ea parvulis (1). -
Humili homini se inclinai . .. , humili sua secreta re­
velai (2).
A docilidade à direcção do Espírito Santo não
nos é menos necessária, visto. ser dela que depende
tôda a eficácia do nosso zêlo. Trata-se de reparar,
de restaurar a nobre imagem de Deus nas almas,
porque tal é principalmente a glória que ele deseja.
O padre é na mão de Jesus Cristo o que o pincel é
na do pintor, Se é humilde, cede às inspirações do
Espírito Santo, e em nada estorva a sua acção; mas
se é vaidoso e presunçoso, é um instrumento difícil
de manejar. Jesus não dispõe dêle nem como quer,
nem para fazer dêle o que quer; encontra nêle in­
tuitos pessoais, que se opõem aos seus próprios
intuitos.
Há ainda outra razão, que leva Deus a escolher
os humildes para o cumprimento dos seus desígnios,
e é que êles lhe atribuem fielmente a honra de todo
o bem que fazem. Depois de acções brilhantes, no
meio dos sucessos mais admiráveis, êles reconhecem

(1) M11tth. XI, 25. - (2) lmif. I. 2, e. 2.

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A HUMILDADE H7

o seu nada, e dizem com tôda a sinceridade: Foi a


destra do Senhor que fêz brilhar o seu poder: Dex­
fera Domini fecif virfufem (1). Pelo contrário o so­
berbo nunca se põe inteiramente de lado; pretende
ao menos participar com Deus da glória das suas
obras.
Não, meu Deus, só o vosso poder é grande, e
só vós sois honrado pelos humildes ; Magna pofen­
lia Dei solius, ef ah humilibus honorafur (2), l Oue
poder se pode comparar com o que exerceis pelos
vosso!! ministros? Ouanto mais êle nos eleva, mais
devemos humilhor-nos: Ouanfo magnus es, humilia fe
in omnibus (3). Ensinais-nos que nada podemos faz_er
sem vós: Sine me nihil pofesfis facere; e o vosso
apóstolo acrescenta: Nem mesmo ter um bom pen­
samento. Tôdo a nossa capacidade vem de vós, que
nos fazeis idóneos pora cumprir os nossos diversos
ministérios (4). Comprozeis-vos em escolher o que o
mundo tem de mais fraco, paro combater o que há
de mais forte; o que não é, pora destruir o que é;
a eslullícia da Cruz, para confundir a sabedoria or­
gulhosa; semelhantes meios fazem melhor sobressair
o vosso poder e suprema independência. Tôda a
glória enlão vos é atribuída, assim como tôda a gló­
ria vos é devida.

II. A humildade indispensável ao padre, para


trabalhar iitilmente na salvação do - próximo. -
Obrigados a fazer-nos tudo para lodos para os ga­
nhar todos porà Jesus Cristo, só a humildade, com
as suas maneiras suaves e modestas, nos abre por
tõdas as parles livre acesso às almas. Ela dissipa
as prevenções, e dispõe a ama� a lei divina, indu-

(1) Ps. CXVII, 16. - (2) Eccli. III, 21. - (3) lbid. 20.
- (4 ) li Cor. Ili, 51 6.

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H8 MEDIT., ÇÕES SACERDOTAIS

zindo a amar aquele que a anuncia. Acrescente­


mos, que um padre que não é humilde, só se entre­
gará com repugnância a certas funções, tanto mais
úteis às almas e abençoadas· pelo céu, quanto menos
impor!anles aos olhos dos homens: a iuslrução e a
confissão das crianças, a visita dos enfermos, o cui­
dado dos pobres.
Emfim, lembremo-nos incessantemente de que a
santificação e a salvação estão em Jesus Cristo, e
não podem vir senão dele. Quanto mais cheios for­
mos do espírito do Salvador, mais capazes seremos
de santificar e salvar. Ora, nós sabemos em quem
habita este espírito, esta virtude de Jesus Cristo:
Gloriabor in infirmifafibus meis, ui inhabilef in me
virfus Chrisli ( 1). Jesus junta-se ao seu humilde mi­
nistro, e fecunda os seus Jrabalhos. Pode-se dizer
que o mesmo atraclivo que o fêz descer ao seio de
Maria,. para ali começa1t a obra da nossa redenção,
o faz descer ainda ao coração dos bons padres, para
continuar no meio deles êste mistério da sua infinita
misericórdia: Ouia respexil humi/ifafem.
Nenhum pregador anunciou o Evangelho com
tanto fruto como S. Paulo; l quem poderia contar as
almas arran·cadas ao inferno por êste só apóstolo?
Mas é. c:omo é que Deus fêz dêle o salvador de tantos
povos? Santo Agostinho responde: Dando-lhe uma
�ofunda humildade: Prosfravif Chrisfus una vice
'Saulum, erexif Pau/um; prosfravif .superbum, erexif
humilem; prosfrafus esf persecufor, erecfus esf prae­
dicafor (2). O zêlo de S. Bernardo produzia, efeitos
tanto mais felizes, quanto mais cheio de humildade
era: Ouo humilior, eo ufilior fuil populo Dei, in
omni docfrina salulari (3). S. Francisco Xavier pre-

(1) li XII, 9. - (2) Serm. 4 de femp. - (3) Godeírid.


In Vila S. Bern. I. .3, e• .3.

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A HU!IIILDADÉ Wl

parava a conversão das lndias, pedindo esmola de


poria em poria, servindo os pobres e os doentes nos
'hospi lais.
Meu Deus, quão própria é esta consideração
para me comover I Vós pusestes nas minhas mãos a
salvação de algumas almas, talvez de um grande nú­
mero. Tendes tenção de as converter, de as salvar
por meu ministério; mas eu devo recear que não
me tomeis para inslrumenlb da vossa graça, se des­
cobris em mim alguma soberba secreta. Ou serei
humilde, ou nunca serei da linhagem dêsses homens,
pelos quais veio a salvação a Israel ( 1).

III. A humildade indispensável ao padre para


!'e salvar. - Diz-se que o padre lem uma grande ne­
cessidade desta virtude, para se preservar dos peri­
gos que o ameaçam: perigos que lhe resultam da
sua sublime vocação, dos fa-vores que Deus lhe libe­
raliza, e dos assaltos que o demónio lhe dá.
1. � Ninguém, sob o ponto de vista da fé, está
colocado tão alio como o representante de Jesus
Cristo, e o dispenseiro dos seus mil'térios; ninguém
deve temer mais que êle o cair: Sublimis gradus,
sed eo amplius periculosa ruína (2). - Gaudebo de
ascensu, sed fimeho de lapsu (3). O piedoso e sábio
Taulero chega a dizer, que a incomparável Virgem
Maria tinha mais motivo de se humilhar do que Ma­
àalena a pecadora; e dá como razão, que a Mãe de
Deus, nada sendo por si mesma, se via em uma ele­
vação mu_ilo mais desproporcionada com o seu nada.
Nada há que possa sustentar o edifício tão elevado da
dignidade sacerdolàl, se não é o fundamento sólido
�e uma profunda humildade.
2.0 A minha dependência de Deus mede-se pe-

(1) I Mach. V, Ó2, - C1 1 S. Bern. - {3J S. 1-lier.

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{20 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

los dons que dêle recebi e recebo conlinuamente.


Darei conta dos talentos, que me são confiados;
é. E. qual é a conseqüência? Serei julgado com mais
rigor que os simples fiéis: Tanto ergo esse humílior . ..
quisque debef ex munere, quanto se ob/igafiorem esse
conspicif in reddenda rafione; cum enim augenfur
dona, rafiones efiam crescunl donorum ( 1).
30
. finalmente, como o padre está encarregado
de defendt?r a causa de Deus, tem contra si tõdas as
potestades do inferno. Os demónios, que êle não
cessa de combater, combatem-no igualmente; e para
o perder, empregam com preferência o meio que os
perdeu a êles: procuram inspinir-lhe a vã compla­
cência, a estima da sua própria excelência, e tiram
partido de ludo para o tentar : dos testemunhos de
respeito que são devidos (lo seu caráder, das sagra­
das funções que exerce e que o expõem à censura
pública, que o constituem doutor dos fiéis e juiz das
consc1encias . . No meio de tantos perigos, é. onde
está a segurança do padre? Na sua humildade:
Cusfodiens parvulos Dominus: humiliafus sum, ef li­
hernvif me (2). 2. Humililas lufissimus est omnium vir­
lufum thesaurus (3 ). - Humilifafem dilige, ef nunquam
diaholi laqueis capieris ( 4 ).
Se eu amo a Deus, se amo ao meu próximo, se
lenho algum amor a mim mesmo e algum desejo da
minha salvação eterna, é necessário a lodo o custo
que, imitando a Jesus, eu adquira a santa humildade.
Ouero pois sondar o abismo das minhas misérias,
até que nêle ache esta pérola preciosa. Ah I quanto
devo confundir-me principalmente quando es!Qu, como
neste momento, para subir ao altar l é. Oue sou eu,
ó meu Deus, � q1g1! � 9 rninislério para que me pre•

(1) S. Greg. Homil. 9 in Evtmg. - ( 2) Ps. CXIV, 6. -


3
( } �, 1}11si1, = (4) S. Eph. De rec/a vivendi ral.

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A HUMILDADE t2t
paro? Ouid cogilabo melius et saluhrius, nisi mei­
psum fofalifer humilümdo coram te? . . . Ecce tu
Sancfus sancforum ef ego sordes peccalorum. Ecce
tu inclinas te ad me, qui non sum dignus ad fe respi­
cere (1). O que vos peço para mim, Senhor, pe­
ço-vo-lo para lodos os padres, que vão hoje oferecer­
º {remendo sacrifício: Miserere, miserere, Domine,_
da misericordiam luam poscenlibus; da grafiam indi­
genlihus,. ef fac nos foles exislere, ui simus digni gra-­
fia lua perfrui, et ad vifam proficiamus aefernam (2)_

Resumo da Meditação

I. A humildade indispensável ao padre, para


promover a glória de Deus.--:- Não se realiza êsle
primeiro fim do sacerdócio senão com uma grande
abnegação e um grande amor para com Deus : dois
frutos preciosos da humildade. - Para glorificar a
Deus, é necessário ser na mão de Jesus Cristo o
que o pincel é na mão do pintor; pra, uma tal do­
cilidade não se compadece com a soberba. - Deus
escolhe o que é fraco e o que crê na sua fraqueza,
para confundir o que é forte, ou julga sê-lo.

II. A humildade necessária ao p,dre, para tra­


balhar iililmenfe na salvação do próximo. - Nós
devemos fazer-nos tudo para todos; só a humildade,
com as suas boas maneiras, nos abre os corações.
O mesmo atraclivo que fêz descer Jesus ao seio de
Maria, para começar a salvação do mundo, fá-lo des­
cer ao coração dos seus ministros, para continuar
êsle mistério de misericórdia: Ouia respexif humili�
falem.

( 1 ) Ímif. I. 4, e. 9. - (2) /mil. 1. 4, e. 2.

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MKDITAÇÕES SACERDOTAIS

Ili. A humildade é precisa ao padre, para se


salvar.-Só o fundamento de uma humildade perfeita,
pode suslenlar o edifício Ião elevado da dignidade
sacerdotal. - TBnfo esse humilior quisque debel ex
munere, quBnlo se Bhliga/iorem esse conspicil in red­
denda rafione. - finalmente tôda a sorte de perigos
cercam o padre; não hã segurança para êle senão
na humildade: Cusfodiens parvulos Dominus; hu­
miliafus sum, ef liheravif me.

XIX MEDITAÇÃO
Repetição das três precedentes

Desprezar-se a si próprio, pelo conhecimen(o do


próprio nada; receber com paciência e até com ale­
gria o desprêzo• que se merece, por qmor da justiça
e da verdade, é ser hu\11ilde. Conservar-se na mesma
disposição, quando, em um sublime ministério, se
obleem bons resultados, louvores e admirações, é hu­
mildade própria dos homens apos(ólicos.
I. Nada mais verdadeiramente g rande.
II. Nada mais indispensiivcl.
Ili. Nada mais vanlajoso.
IV_ Nada mais juslo e razoávc:l.

1. Nada mais verdadeiramen(e grande que a


humildade. - Ela dá-me a sciência mais elevada ( 1),

(1) Haec esl allissima e! ulilissima leclio, sui ip!ij,!JS. 1·ern co-
,gnilio el despedia. /mil. l. 1, e. 2. '. '

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A HUMILDADE

e ,·erdadeira e feliz liberdade dos filhos de Deus ( 1).


Haverá homem mais ignorante que aquele que não
se conhece a si mesmo, e mais escravo que aquele
que lem apêgo à vã estima das criaturas? - A hu­
mildade dá-me uma admirável semelhança com Jesus
Cristo, que S. Paulo pinta com um só traço; Se­
mefipsum eximmivil. Se pois me comprazo neste es­
tado de aniqüilamento, de que êle fêz escolha, tenho
os sentimentos do meu Salvador, torno-me como que
outro Cristo. Lúcifer dissera: •Subirei, elevarei o
meu lrôno acima dos astros, e serei semelhante ao
Altíssimo• ; e foi precipitado no fundo do inferno.
Pelo que me respeita, humilhar-me-ei, escolherei a
abjecção e, desprezando-me cada vez mais, serei
mais semelhante ao Deus aniqüilado .por meu amor:
E._/egi abjecfus esse (2). Vilior liam plus quam faclus
sum (3). Participando dos seus opróbrios, participa­
rei da sua glória. Como a humildade é a escada,
pela qual Deus desceu até ao nosso nada, é por ela
também, que o nosso nada se eleva alé Deus. Sem
esta virtude, nem teremos o Deus feito homem, nem
o homem feito Deus.

II. Nada mais indispensável que a humildade,


principalmente para o padre. - Sem humildade, eu
sou pelo· menos um padre inútil. l Oue posso eu
fazer pela glória de Deus, pela salvação d0 próximo,
por mim mesmo ? e. E' de mim que o Senhor se
servirá para cumprir os desígnios da sua misericórdia
a respeito das almas ? Tirar-lhe-ia a glória disso.
Converter, santificar, salvar é uma obra essencial­
mente sobren1atural e divina ; o homem por si só nada

11) Si verilõs le liberaveril, vere liber eris, el non c11rebis de


,t1nis hominum verbis. /mil. 1. 3, e. 4.
e) Ps. LXXXIII, 1 1. - (3J li Reg. VI, 22.

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:\IEDITAÇÕES SACERDOUIS

pode fazer: Jesus executa-a pelos seus fiéis ministros,


dando-lhes os auxílios da sua graça; ma:;: a graça é
para os humildes, e longe de ajudar os soberbos, re­
siste-lhes.
Sem humildade, eu sou u·m padre desgraçado,
perpetuamente em guerra com a minha consciência e
a minha fé, atormentado de remorsos, pronunciando
a minha condenação nas verdades que anuncio, nos
conselhos que- dou. Oue espedáculo apresento ao
céu e à terra I é. Posso eu não me envergonhar disto?
Um padre vaidoso, amigo da glória humana, ávido
de louvóres, desejando os primeiros lugares, delicado
em pontos de honra, lisongeando os grandes, despre­
zando os pequenos I é. E' êste um representante de
Deus feito homem, feito carne, feito servo, de Deus
aniqüilado?
Sem humildade, eu sou um padre perdido. Tudo
se converte em escolhos, tudo me arrasta à desgraça
eterna. Os bons sucessos incham-me, os reveses
desanimam-me, a regularidade da minha vi.da incu­
te-me uma funesta segurança; as minhas virtudes
aparentes são vícios ; gaba-se o meu iêlo, e mendigo
o louvor humano. Até os favores celestes me são
perigosos : o dom das lágrimas, o da profecia, ele.
seriam para a minha alma o veneno mais mortal. l Oue
é pois um padre sem h1,1mildade? E' um cego, que
se encarrega de guiar outros cegos. Aon�e os leva ?
Aonde vai com êles ? E' um homem, que não é, para
_assim dizer, nem cristão, nem padre, visto faltar-lhe a
virtude mais essencial ao cristianismo, a mais indis-
pensável ao sacerdócio.

Ili. Nada mais vantajoso que a humildade. :__


Ela obtém-me tôdas as sólidas vantagens que devo
desejar, seja p�mim mesmo, seja para aqueles
cuja sQlvação me é confiada.
1. 0 E primeiro que tudo, tratando-se de mim

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A HUMILDADE

próprio, 1'unca meditarei em demasia est�s palavras


do piedoso autor da lmift1çâo: Humilem Deus pro­
legif ef libert1f; hurpilem di/igif ef conso!t1fur; humili
homini se inclint1f; humili !t1rgilur grt1tit1m mt1gnt1m,
ef post ejus depressionem levt1/ t1d glorit1m. Humili
sut1 secrela reve!t1f, e/ t1d se dulci/er lrt1hil ef in­
vitai (1). A humildade é verçadeira sabedoria, que
traz consigo lodos os ben.s : · Venerunf mihi omnia
hona parifer cum illt1 (2). - Como cristão, como pa­
dre, estou sempre em um campo de batalha; à di­
reita, à esquerda, no trabalho e no descanso, quan­
tos inimigos me cercam ! e os mais temíveis estão em
mim mesmo; mas se Deus me defende, se me pro­
tege, i. que tenho eu a temer? l Não pode êle li­
vrar-me de lodo o perigo, e arrancar-me, se êle qui­
ser, das portas do inferno? Êle assim o hã de querer,
se eu fôr humilde : Humilem Deus profegif ef libert1f.
- Não possu·irei talvez a estima, nem a afeição dos
homens ! l E que perderei com isso ? Serei amado
de Deu� 1 l não é o maior de todos os ganhos?
Ser amado de Deus I ser o objedo particular da sua
ternura ! Apóstolos, mártires, Santos Padres, esco­
lhidos de tôdas as condições, l que não fizestes e
sacrificastes para alcançar esta felicidade? A humil­
dade ma dará: Humilem Deus diligif. - l Recearei as
aflições, e a dôr mais penosa para o coração de um
bom padre, a de ver que com os meus esforços
não consigo salvar as· almas? Deus me consolará.
O tempo da abundância sucederá ao da esterilidade;
e ainda quando eu nunca tivesse a alegria de trazer
ao aprisco as ovelhas desgarradas, teria uma outra,
mais sólida, a de ter feito a vonta.de de meu Pai
celestial ; ouvi-lo-ei dizer-me que toma em considera­
ção os meus desejos, que vê correr as minhas lágri-

(1) /mi{. I,_2, e. 2. - (2) Sap. VII, 11.

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! '! Ü MEDT I AÇÕES SACERDOTAIS
_ _ ______ _ _ _

mas, que rqe ama ! Oh ! que dôce consolação ! Hu­


milem consolalur. - Mas eu ofendi o Senhor, afas­
tei-o de mim com a minha soberba, cai no abismo
do pecado ! Pois bem, que terna imagem ! se• eu me
humilho, Deus inclina-se, acomoda-se à minha misé­
ria, abaixa-se para me levantar : Humili homini se
inclina{. Isto levou Santo Agostinho a dizer, que a
humildade no mal, agrada mais a Deus que a soberba
no bem (1). - é. Oue me falta pois, se sou humilde?
a graça? Deus prodigaliza-ma: Humili largifur gra­
fiam magnam. A glória ? Ela segue de perto a hu­
milhação: Posf ejus depressionem leva{ ad gloriam.
é A sciência que esclarece, a caridade que inflama?
Deus convida-me a unir-me a êle, atrai-me a si doce­
mente, revelando-me alguma coisa das suas perfei­
ções. O' preciosa humildade I eis as riquezas que
tu me trazes : Humili secreta revela!, ef ad se d11lci­
fer tràhit ef invita!.
2. 0 Acharei também nesta virtude a fonte das
bênçãos, qüe fecundam o ministério sacerdotl'II.
• Aquele que crê em mim, êsse fará também os obras
que eu faço, e fará outras ainda maiores • (2). Não
é o homem que, com um só discurso, transforma
milhares de pessoas, com a sua sombra sara tõda a
sorte de enfermidades, como fêz Pedro, .tornado tão
humilde depois da sua conversão. Deus confia talen­
tos maiores ao ecónomo fiel, que não defraudar os
seus interêsses. Mas se alguém se compraz nos seus
bons sucessos; se ousa dizer ou pensar: Fui eu que
converti êsfe pecador, santifiquei êsfe justo, não es­
pere uma administração mais importante. é. Admira­
mo-nos dos prodígios feitos por um Vicente Ferrer,

( i ) Plus Deo placel humilitas in malis foclis quam superbia


in bonis. Homil. de Public. ei Pharis.
(2) Joan. XIV, 12.

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A HUI\IILDADE !27

um Francisco Xavier, um Vicente de Paulo e outros


homens apostólico�? Eram humildes, eram os amigos
de Deus, os depositários fiéis do seu poder. é. Podem
as pl'bm'essas de Jesus Cristo ser enganadoras ?
Amen, amen dico vobis: Oui credif in me, opern
quae ego facio ef ipse facief, ef majora horum
facief (1).

IV. Nada mais justo e razoável que a humil•


dade. - Tornamos aqui esta virtude no que ela tem
de mais difícil, mas também de mais excelente; con­
sideramos a humildade na grandeza, o mais baixo
conceito de nós mesmos na mais sublime devoção.
E' por humildade que Jesus Cristo atribui a seu Pai
lódqs as obras admiráveis que faz : A me ipso facio
nihtJ· (2). - Pafer in me manens, ipse facif opera.
E' por humildade que Maria se reconhece a escrava
do Senhor, quando se torna sua Mãe, e se humilha
à proporção que Deus a eleva. E' por humildade
que S. Pedro e S. João, acabando de fazer um
grande milagre, dizem aos judeus atónitos : é.« Por­
que vos admirais, como se por nossa virtude ou
poder, tivéssemos feito andar êste homem? E' o
Deus dos nossos pais, que glorificou a seu filho
Jesus• (3)•• finalmente, é por humildade que todos
os obreiros evangélicos, que nos legaram os mais
belos exemplos, depois de inumeráveis conversões e
trabalhos imensos, se julgavam sinceramente servos
inúteis.
Nada é mais justo que esta disposição. Assim
como em Jesus Cristo a humanidade nada podia de
sobrenatural senão pela sua união com a divindade,
assim também os homens apostólicos nada podem

(1) Joon. XIV, 12. - ( 8) ld. VIII, 28. - (ª) Ac!. Ili,
12, 13.

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1.28 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

·senão pela sua união com o Filho de Deus. • Eu sou


-a videira, vós sois as vides ; como as vides não po-
-dem de si mesmas dar fruto senão permanecendo na
videira, assim vós não o podereis dar, se nSo perma­
necerdes em mim• (1). Assim, t1 justiça e a razão
-querem que eu conclua com S. Paulo, e que diga a
mim mesmo : Ubi esl ergo gloriatio lua? (2 ) Ouid
habes quod non accepisti? Si aulem accepisfi, quod
_gloriaris, quasi no� acceperis? (3 ) Não, o que plan­
ta, e o que rega, não são coisa alguma ; Deus é que
dá o crescimento a tudo (4). A vós pois, rei imortal
-dos séculos, Deus invisível, e a vós só honra e gló­
ria por lodos os séculos dos séculos : Regi saeculo­
rum immorlB/i e/ invisibili, soli Deo, honor ef gloria
in saecula saeculorum. Amen ( 5).

Resumo da Meditação

I. Nada mais verdadeiramente grande que a


humildade. - Ela dá-nos a sciência mais útil e mais
rara, o conhecimento de nós mesmos. Faz de nós
fiéis imagens de Jesus Cristo. Como a humildade é
a escada, pela qual desceu Deus até ao nosso nada,
assim por ela o nosso nada eleva-se até Deus. E' a
ela que devemos um Deus feito homem,•e o homem
feito Deus.

II. Nada mais indispensável que a humildade.


- Sem ela eu sou pelo menos um padre inútil. l Oue
posso eu fazer pela glória de Deus, pela salvação do
próximo e pela minha? - Sem humildade eu sou um
padre desgraçado, sempre em guerra com a minha

(1) Jo11n. XV, 4. - (') Rom. Ili, 27. - (3) 1 Cor. IV, 7.
(4) lbid. Ili, 7. - t ) I Tim. I 17.
5

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A PUREZA {29
consc1encia e a minha fé. - Sem ela sou um padre
perdido. Tudo se converte em çscolhos, ludo me
arrasta à desgraça clefha.

III. Nada mais vantajoso que � humildade. -


O' alma minha, medita estas palavras: • Deus pro­
tege o humilde e salva-o; ama o humilde e consola-o;
inclina-se ·para o humilde � prodigaliza-lhe as suas
graças. Depois do obalimento, eleva-o à glória, re­
\·ela-lhe os ·seus segredos; convida-o e atrai-o doce­
mente para si• .

IV. Nada mais justo e racional que a humil•


dade. - Assim como em Jesus Cristo a humanidade
santa nada podia senão em ·virtude da sua união com
a divindade, assi1t1 também o homem, qualquer que
êle seja, nada pode senão pela sua união cbm Jesus
Cristo. Ao rei imortal dos séculos, a Deus só, a
honra e glória, agora e por lodo o sempre.

IS!

XX MEDITAÇÃO
o Verbo incarnado ensina-nos a estimar e a
amar a pureza virginat ·

1. Amor de Jesus Crisfo à virgindade.


li. Motivos que nos incil11m 11 11má-la.

1. l Oual é o amor de Jesus Cristo ã virgin•


dade ? - Três palavras de S. Boaventura podem
dar-nos uma idéia dêle : Chrislus virgo, virginis lilius,

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mo MEDITAÇÕl!:S SACERDOTAIS

v,rgmum sponsus ('). Jesus Cristo virgem, filho de


uma virgem, espôs,o das virgens.
1. ° Chrisfus virgo. UI1tndo-se à nossa natureza,
o Filho de De.us adornou-a em sua pessoa de uma
pureza incomparável. A sua bemaventurada alma,
desde o primeiro momento da sua conceição, exer­
cendo um poder absoluto sôbre um corpo, que devia
ser o instrumento de tantas operações admiráveis, só
lhe deixou das nossas fraquezas os sofrimentos• e a
morte. As virgens formam-se segundo êsle modêlo,
tirando, para assim dizer, a carne à mesma. carne,
paro não viver senão de uma vida espiritual. Mas
emquanto as virgens só o são, violentando as suas
inclinações, a pureza virginal do Salvador não lhe é
menos natural do que a brancura o é à açucena.
As virgens não são puras senão �rn certo grau : só
êle é puro em um grau infinito de perfeição. As vir­
gens não podem elevar-se .pelas suas próprias fôrças
a êste estado sublime, só êle se elevou a êlc por sua
própria virtude, trazendo em si o princípio da sua
pureza. Nêle não é um privilégio, mas o atribulo
necessário da união hipostálica ; é o adôrno de ull)
corpo deificado, e mais puro que lodos os espíritos.
Ora, se êle ama em si esta virtude, ama-a em fodos
os que dêle se aproximam, e ela deve sír tanto mais
perfeita, quanto mais perto estivermos dêle.
2.° Chrisfus virginis 6/ius. S. Leão chama a
Jesus Cristo o filho da virgindade (2); e Santo Am­
brósio diz-nos que Jesus nusceu de uma maneira in­
teiramente virginal, na eternidade, e no tempo. O seio
em que foi eternamente concebido, é a divindade de
seu Pai, e aquele em que foi formado na plenitude
dos tempos, é a virgindade de sua Mãe (3). Maria

(1) Lib. 2. De profecf. relig. e. 53. - (2) Chrislus virgini­


lelis esl Glius. Serm. 1. in Epiph. - (ª) Serm. 28.

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A PUREZA 131

quer recusar a maternidade divina, se não pode con­


ciliar-se com o volo que Íêz de permanecer sempre
\;rgem, e é isto precisamente o que fêz recair sôbre
da a escolha de Deus. Para mostrar a eslimação
que faz desta virtude, decretou eternamente que não
bastaria que sua Mãe fôsse santa, imaculada na sua
conceição e em toda a sua vida ; mas que ãlém disto
seria virgem. E' por esta· g)oriosa qualidade que ela
será distinguida : de geração em geração a chamarão
a Virgem, a Santíssima Virgem, a Virgem das vir­
gens. A sua virgindade é, para assim dizer, o en­
canto que fêz descer o filho de Deus ao seu seio :
Virginifafe placuif (1). Por isso ela mereceu tanto a
sua incomparável dignidade, quanto podia ser mere­
cida : Tanfae exfifit purifafis, ui mafer Domini esse
mererefur (2). Porque ela � virgem em seu corpo, em
sua alma, e virgem por profissão, por isso o anjo
\·em saüdá-la cheia de graça, e lhe anuncia os gran­
des desígnios de Deus a respeito dela ( 8).
3. ° Chrisfus virginurn sponsus. Jesus não se
tornou sõmenle o rei das virgens, fundando na terra
êsle estado de perfeição, desconhecido antes do
Evangelhp; tornou-se também ó seu espôso, e mos­
tra-o bem pelos favores que lhes reserva. As virgens
leem um direito particular de dizer com a Espõsa dos
Cantares : Dilecfus meus mihi, ef ego illi (4). Elas
são mais para Jesus Cristo, do que os outros justos,
e Jesus Cristo é mais para elas. Tendo deixado tudo
para o seguir, lendo-se separado do que elas mais
prezavam no mundo, para se unirem a êle só, por
êsle afastamento das criaturas, alcançaram um género

(1) S. Bern. - (2) S. Hier. Episf. ad Eusfoch.


( 3) Missus esl 11ngelus 11d Virginem: Virginem carne, virgi­
�cm mente, virginem professione. S. Bern. Horn. 1 super Missus esf.
('J C11nt, 11, t6.

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i32 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS.

de beleza, que delicia o coração do Esposo celestial.


Escuta, ó .ilha do príncipe, e inclina o teu ouvido:
esquece-te da casa de leu pai; renuncia a afectos,
mesmo lícitos, e o rei cobiçará a lua beleza (1).
e. Ouem, depois de Maria, foi mais amado de
Jesus Cristo do que S. José, e participou mais das
suas graças? Era virgem, e guarda da virgindade de
Maria. Entre os dpóstolos, que foram todos honra­
dos com a predilecção do Salvador, hã um que me­
receu ser chamado e que foi efeclivamente amigo seu
por excelência; é aquele, que se lorn9u mais perfeito
na pureza (2). Se S. João na última Ceia, ousa,
com tôda a confiança que dá a amizade, reclinar a sua
cabeça no peito de Jesus; se o interroga, quando o
mesmo Pedro não ousa: Í{llar; se os segredos do fu.
furo lhe são revelados, todos êstes favores são a re­
compensa da sua virgindode: Virgo permansif et ideo
plus amafur a Domino (3). E' por isso também que
Jesus ao morrer lhe legou a sua divina Mãe: Ma­
.trem virginem virgini commendavif (4); como se a
perda de um filho que era Deus, se pudesse algu ma
vez ser compensada, o fôsse só pela adopção de um
filho que era virgem.
O espôso das virgens distinguiu sempre com os
seus favores aqueles em quem esta virtude foi mais
perfeita. S. Bernardo, Santo António de Lisboa,
S. Luís de Gonzaga, Santo Eslanislau tinham uma
vida angélica. Mas as prerrogativas desta virtude ce­
leste não se limitam à vida presente. O discípulo
amado ensina-nos, que de lodos os Santos só serão

(1) Audi, filia, el vide, e! inclina aurem !uam •.. , oblivisce­


re •.• domum patris !ui, el concupiscel rex decorem !uum. Ps. XLIV,
1 t, 12.
(") Diligeba! eum Jesus, quoniam specialis prneroga!iva cas­
fila!is ampliori dilec!ione fecera! dignum. Ofllc. S. Joan. apost.
(3) S. Hier. lib. t. contra Jovin. - ( 4) lbid.

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A PUREZA t::13
escolhidos para formar o cortejo do Cordeiro aque­
les, em cuja fronte brilhar a auréola das virgens .
Segui-lo-ão para onde quer que êle vá, e cantarão
um cântico, que só aos que forem virgens será dado.
cantar (1). Haverá para êles gôzos distintos dos de
todos os outros predestinados: Gaudia a caeferó­
rum .omnium gaudiorum sorte disfincfa ... , gaudia
propria virginum Chrisfi (2). O' ditosos padres, dai
graças a Deus por vos ler chamado a tão santa e
tão feliz profissão.

II. Motivos que nos incitam a amar a pureza


virginal. - Acabamos de meditar o que faz mais im­
pressão nos bons padres, a predilecção de Jesus
Cristo por esta virtu4e; mas como ela deve ser em
nós perfeitíssima, convém reünir, em breve síntese,
as principais considerações, que a recomendam ao
nosso amor.
I. 0 Sua excelência. A virgindade não pode ser
compreendida senão pelas almas generosas : Non
omnes capiunf verbum isfud (3). Eis a razão por que
ela não foi revelada à infância do mundo. Só um
Homem-Deus podia estabelecê•la na terra, e estabe­
leceu-a como conselho e não como preceito; ·era
muito elevada, diz S. Bernardo, para ser ordenada:
Non jussa, sed admonifa, quia nimis excelsa.
2. 0 A sua beleza. Ela é, na ordem espiritual e
moral, o que são na 'ordem material o esmalte das
flôres, a verdura dos prados, o brilho do oiro e do
diamante; ou, para melhor dizer, entre as coisas cá
da terra nenhuma lhe pode ser comparada: Omnis
ponderatio non esf digna confinenfis animae (4). -
O quam pulchra esf casta generafio c:um clarifafe ! (5)

(1) Apoc. XIV, 3, 4. - (2) S. Aug. I. de Virginif. -


(3) Mellh. XIX, 11. - \4 ) Ecdi. XXVI, 20. - (5) Sep. IV, 1.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Oh ! quão formosa é esta virtude da pureza I quando


ela está presente, é amada; quando se relira, sente-se
a sua falta; e coroada para sempre, triunfa: Ef in
perpefuum carona/a friumphaf (1).
3. 0 .E.la é na terra uma imagem e um ensaio
da vida celeste (2). Feliz estado o do homem vir­
gem ! exclama S. Bernardo. êle goza antecipada­
mente dos privilégios da ressurreição; vive no sé­
culo, sem participar do contágio do século; iguala
os anjos em dignidade e nobreza (3). Santo Ambró­
sio diz-lhe: Não vos admireis, se os anjos combalem
por vós ; porque vós mesmos combateis sob a ban­
deira dos anjos, combatendo sob a da virgindade; a
castidade faz os anjos. Os anjos vivem sem carne,
os que são virgens triunfam na carne {4).
4. 0 A pureza virginal ·faz pois mais do que igua­
lar-nos aos espíritos celestes; dá-nos sôbre êles uma
espécie de proeminência. Não é para admirar que
êles sejam castos. Não são como nós compostos de
carne e de sangue, sujeitos às tentações da concu­
piscência; não necessitam de comer nem de beber;
são inacessíveis a tôdas as seduções, que assaltam
os nossos sentidos (5). E' mais belo adquirir a gló­
ria dos anjos à fôrça de vitórias, como fazem os que
são virgens, do que possui-la sem que nada haja
,custado, como fazem os anjos. Não há senão felici­
dade em ser anjo; há uma admirável virtude em .ser
virgem; o que é para um, privilégio de natureza, é
para o outro, o fruto dos maiores esfôrços: Angeli­
cam gloriam acquirere majus esf quam habere. Esse
angelum felicifafis esf, virginem esse virfufis; virgini­
fas enim hoc obfinet viribus, quod angelus habef ex
natura (6).

(1) lbid. 2. - (2) 5. Bern. Episf. XLII. - (8) lbid. -


(4) S. Ambr. de Virginib. - (5) S. Joan. Chrys. - (º) S. Pe!r.
Chrysol.

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A PUREZA t3i'i
5. 0 Esla virtude faz-nos estar próximos a Deus:
lncorruplio facif esse proximum Deo ( 1) ; retrata em
nós a imagem da sua incorrutibilidade (2). Para
achar o -seu primeiro princípio e o seu tipo mais
perfeito, é necessário remontar a Deus, à fonle da
santidade; l não admiramos nós em Deus uma vir­
gindade infinitamente fecunda, e uma fecundidade infi­
nitamente virgem ? Isto levou S. Gregório de Na­
zianzo a dizer : Prima virgo Trias est.
6.0 Ela concilia-nos o respeito e a veneração,
que tanlo contribuem para o bom sucesso dos traba­
lhos apostólicos. E' principalmente pela pureza vir­
ginal, que o bom odor da nossa vida delicia a es­
pôsa santa do Salvador: Sil odor vitae ves/rae de­
lecfamenium Ecclesiae Chrisfi (3). Quando o mundo
viu o clero calólico valar-se a uma virlude lão difí­
cil, para estar mais em estado de suavizar as suas
penas e de remediar os seus males, não pôde recu­
sar-lhe a sua admiração, e a doulrina da salvação
enlrou nos espíritos mediante a estima de que eram
objeclo aqueles que a anunciavam.
7. 0 Daí esse concêrlo de elogios dados pelos
Santos Doulores à pureza virginal. ê.les chamam-lhe
• a llôr da religião, a riqueza da Igreja, a honra da
natureza humana, o carácter que consagra a mais
ilustre porção do rebanho de Jesus Cristo. Com
ela a consciência está em paz, o espírito é esclqre­
cido, a serenidade brilha no rosto, a alegria está na
alma, a morte é tranqüila, a bemaventurança está
segura. O' virgindade, as tuas riquezas são imen­
sas, a corôa imortal pertence-te; l e não és lu mes­
ma uma brilhante corôa? Vir�indadc;, templo de
Deus, santuário do Espírito Sanlo, pérola preciosa,
conhecida de um pequeno número, achada por um

(1) Sap. VI, 20. - (2J S. B11sil. - (3) Ponlif.

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{36 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

número ainda mais pequeno I O' conlinênciÍ, vida


dos anjos, diadema de glória na fronte dos escolhi­
dos ! . . . Feliz aquele que le possui, feliz aquele que,
para te conservar, se impõe os sacrifícios que tu
pedes; porque depois que lhe tiveres custado alguns
trabalhos, achará em ti uma fonte perene de delícias!
Assim falam S. Atanásio, S. Cipriano, S. Efrém,
S. Bernardo e S. Lourenço Jusliniano.
Vós ides subir ao altar I Ah I se em lugar do
vosso coração, pudésseis lá levar o de Maria SS.
concebida sem pecado ! Mas, visto que Jesus Cristo
é a pureza das virgens, Jesu purifas virginum, visto
que o seu sangue, que ides receber, contém o ger­
mem · íecundo da pureza virginal (1), suplicai-lhe que
vos purifique pela virtude dêsse divino sangue, e que
torne para sempre inallerável a vossa caslidade.

Resumo da Meditação

I. Amor de Jesus Cristo à virgindade. - Três


palavras de S. Boaventura nos dão a idéia dêle.
Ouis ser virgem, filho de uma virgem, espôso das
virgens. - Jesus Cristo virgem. Unindo-se à nossa
natureza, adornou-a de uma pureza incomparável ...
Os que são virgens, só o são, violentando as suas
inclinações; a pureza virginal foi natural ao Salvador,
como a brancura à açucena. - Jesus Cristo filho de
uma virgem. S. Leão chama-lhe filho da virgind,ade;
é por causa dela, que Maria foi escolhida para ser
sua Mãe. -Jesus Cristo espôso das virgens. Reser­
va-lhes os seus mais preciosos favores. Tendo dei­
xado tudo pará o seguir, as virgens, com êste desa­
pêgo, encantaram o -se1,1 coração. e. Oual não foi a
ternura para com S. José, S. João, S. Bernardo,

(1) Vinum germinons virgines. Zach. IX, 17.

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A PUREZA !37

Santo António de Lisboa?.. . A virgindade terá no


céu a sua auréola particular.

II. Motivos de amar a pureza virginal.-A sua


excelência; só um Homem-Deus podia estabelecê-la
na terra. - A sua beleza; ela ê na ordem espirilual,
o que são, na ordem material, o esmalte das flôres,
a verdttra dos prados, o brilho do oiro e do dia­
mante. - Ela é cá na terra um ensaio da vida celeste,
torna o homem semelhante aos anjós. - Dá-nos até
sôbre êles uma espécie de preeminência. - E.leva-nos
alé Deus, retraia em nós a imagem da sua incorru­
libilidade. Daí êsse concêrto de elogios dados pelos
Santos .Doutores à pureza virginal. Jesu puriftJs vir•
ginum, miserere nobis.

1:::1

XXI MEDITAÇÃO

A castidade sacerdotal. - Vínculos sagrados


que a ela nos prendem

1. A promessa. solene feil11 por ocasião d11 orden11çiio.


li. Os títulos que nos siio conferidos.
111. As funções de que somos encarregados.

I. A promessa solene feita por ocasião da


vossa ordenação. - Lembrai-vos do momento em
que prometestes ao Senhor ler perpetuamente a vida
das virgens. Quanto vos comoveu esta cerimónia t
Encaminháveis-vos para o altar não já sàmente com
o hábito clerical, como nas cerimónias precedentes,

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138 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

mas revestido da alva, símbolo da inocência; e�a a


vestidura dos anjos no sepulcro de Jesus ressusci­
tado: ln a/bis angeli. Estáveis em pé ante o trono
do Cordeiro: Sianfes ante fhronum in conspecfu
ejus. Os ornamentos sagrados, que tínheis sôbre o
vosso braço, eram como outros tantos penhores,
emblemas das vitórias, que havíeis já alcançado sô­
bre o mundo e sôbre vós mesmo: Ef palmae in ma­
nibus eorum. Não foi já uma alocução paternal que
vos dirigiu o venerável sagrante; foi uma condição
formal, a que êle impôs: • Estais ainda livres, vos
disse êle: Hacfenus liberi esfis; mas se dais um
passo, não podereis voltar para o mundo, ficareis
para sempre em um estado de absoluta continência.
Reflecli pois nisto, cogita/e; e se perseverais nêsse
santo propósito, em nome do Senhor, aproximai-vos!
Si in sancfo proposifo perseverare placef, in nomine
Domini huc accedife. ! A condição é, aceite, o passo
é dado, o limiar do santuário é transposto, o sim
eterno é pronunciado. No mesmo instante lodos os
escolhidos caem sôbre o pavimento, como vítimas
que receberam o golpe morlal. Efeclivamenle êles
estão mortos para os desejos da carne; já não per­
tencem ao mundo dos sentidos; se vivem ainda, é de
uma vida escondida com Jesus Cristo em Deus (1).
é.Houve nunca promessa mais sole'he? Vós fizes­
te-la depois de madura reflexão, na casa de Deus, à
face do altar. Reclificaste-la locando os vasos sa­
grados, e o livro dos Santos Evangelhos; selaste-la
com o sangue de Jesus Cristo pela divina comunhão.
é. Oue vos resta fazer senão cumprir tôdas as cláu­
sulas dêste contrato celeste? Vota mea Domino
reddam C).

/1) Coloss. III, 3. - (2) Ih. CXV, 14.

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A PUREZA !39
II. Os fílulos que nos são conferidos. - Como
clérigos, nós somos a herança do Senhor, o qual se
digna ser a nossa herança: Chrisfi esfis, nempe de
sorte Domini: ef ipse Dominus sors, pars scilicef
vestra (1). Mas seremos nós a herança de Jesus
Cristo, se 'o nosso coração está reparfido? -- Como
padres, nós somos os anjos do Senhor dos exércitos:
Angelus Domini exercifuur,, esf (2). Deus quer anjos
para o govérno de sua Igreja, -que é o seu reino ter­
restre, assim como os tem para o seu reino do céu ;
por conseguinte é-nos indispensável a virtude angé­
lica: Neque huhenf, neque nubenfur: sed erunt sicuf
angeli. Cada um de nós, diz S. Bernardo, é o pai e
a mãe de Jesus Cristo: Pafer Chrisfi generando,
mafer Chrisfi pariendo; damos-lhe lodos os dias um
nascimento novo; ora, nós sabemos quanta pureza
virginal há no duplo nascimento do Salvador, tem­
poral e eterno; por conseguinte ser-nos-ia necessário
uma castidade, que se asseme_lhasse à de Maria e,
se fõsse possível, à do mesmo Deus.
Somos os seus vigários, os seus embaixadores,
os seus representantes; é. defenderemos nós a honra
dêstes belos títulos, principalmente do último, se a
.nossa virtude, debaixo dêste aspecto, não lança um
resplendor, que nos recomende à veneração dos
povos? Tales decef Dominum habere ministros,
qui ... confinenfia casfifafis splendea1ílf (3). Sem uma
inocência de costumes reconhecida por todos, repre­
sentaremos nós aquele, que pôde dizer aos inimigos
mais obstinados : Ouis ex vobis arguef me de pec­
cafo? Por maior que fõsse a sua sanha contra êle,
nunca ousaram manifestar uma suspeita sôbre a sua
perfeita ' pureza. Se êles vêem, que deixa aproxi-

(1) Concil. Medial. IV.-(2i Malach. II, 7. -(3) S. Aug.


Serm. CCXLIX de Temp.

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HO MEDITAÇÕES SACERDOTAi�

mar-se dêle pessoas de má vida, só concluem dai,


que as não conhece, e por conseguinte, que não é
Deus; antes querem duvidar da sua divindade do que
da sua pureza. O' padres meus, é. seríeis vós as ima­
gens de Cristo, se a vossa caálidade não fôsse reco­
nhecida por lodos?

III.1.,.As funções que devemos exercer impõem­


-nos também uma grande pureza. O mais sublime
dos nossos ministérios é o que exercemos ao altar.
A Igreja envia o padre ao altar: UI offeraf dona ef
sacriGcia pro pecca.fis (1). Mas é.quais são os dons,
qual é o sacrifício, que somos encarregados de ofe­
recer? é. Oual é a vítima que apresentamos a Deus?
Hosfiam pura.m, hosfiam sa.ncfam, hos'tia.m imma.cula.­
fa.m. Os sacerdotes do AnHgo '(estamento imolavam
toiros e novilhos, punham no altar do Senhor pães
materiais, e para exercerem esta função, era-lhes
proibida lôda a comunicação carnal durante o seu
serviço no lef\lpto; <'. qual deve pois ser a pureza da­
quele, que tem nas suas mãos, e oferece a Deus uma
hóstia tão santa como o mesmo Deus, uma vítima
que é Deus? /1/ius solius esf offerre' sacri.icium, qui
indesinenfi ef perpetua.e se devoverif ca.sfifa.fi (2). -
Si Redempfor nosler la.nfopere di/exif Doridi pudoris
inlegrila.fem, ui non modo de virgimrli ulero na.scere­
fur, sed elia.m a. nulrifio virgine fra.cfa.relur, ef hoc
cum a.dhuc parvulus va.giref in cunis, a. quibus nunc,
obsecro, Ira.da.ri vull corpus suum, cum ja.m immen­
sus regna.f in ca.elis? (3)
Àlém do sacrifício do corpo e sangue de Jesus
Cristo, nós oferecemos a Deus o de nossos Jábios ;
a nossa oração deve subir ao seu trôno como um

(l) Hebr. V, t. - (2) Ori11. Horn. XXII[. in libr. Num. -


(3) S. Pelr. D11m. Opusc. XVII. De caelib. sacerd.

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A PUREZA

incenso de agradável odor para o reconciliar_ com os


homens delinqüenles, pois la! é o fim dês.les dois
sacrifícios. Ora, o segundo exige de nós quási lanla
pureza como o primeiro, porque se S. Paulo induz
os crislãos a absler-se algumas vezes do que lhes é
permitido, a-fim de ·se aplicarem mais livremente à
oração (1), dá-nos bem a entender o poder q�e a
castidade comunica à oração, e quão perfeitamente
devem guardá-la aqueles que, estando encarregados
da oração pública, estão encarregados por isso mes­
mo, como medianeiros, de afastar lodos os flagelos,
de atrair sôbre a terra tôdas as bênçãos: Oui in
carne sunf, Deo placere non possunf (2).
A pregação da palavra divina e a administração
dos sacramenlos impõe-nos a mesma obrigação. O
grande Apóstolo di,zia aos Corínlios: Per Evange­
lium ego vos genui (3); e a Filemon: Obsecro fe pro
meo Filio quem genui in vinculis-, Onesimo (4). Nós
estamos ccansfituídos minislros .dessa geração miste­
rbsa, que dá a Deus os filhos da nova aliança; e
Bossuet, comparando •esla divina fecundidade do sa­
cerdote com a de Maria, assevera que uma e outra
exigem uma pureza de lodo ·angélica (5). Acrescen­
temos que· a carne fala mal a linguagem do espírito,
e que o espíritl> de Deus não costuma eleger um ho­
mem carnal par"ã seu inlérprete e instrumenlo. Pelo
que respeita aos sacramenlos que administramos, lra­
lar de coisas lãa puras com mãos que o não são, é
profanar o que a religião lem de mais venerável:
Tradunf aliis quod confaminaverunf (6). l Oue dire­
mos em particular ·do sanlo tribunal? l E' possível
que algum padre o ocupe ulilmente para os oulros e

(1) UI vacelis or111ioni. I Cor. VII, 5. - (2) Rom. VIII, 8.


(3) I Cor. IV, 15. - (64) Ad Philem. 1, 10. - (�) Serm, para a
festa da Visitação. - ( ) Ter!. 1. De do/. e. VII.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

sem per,igo para si, quando não tem uma verdadeira


castidade?
Portanto o meu voto, os meus títulos, as minhas
funções; o que prometi, o que sou, o que faço, tudo
e
me obriga a rivalizar em pureza com os anjos. Te­
nho-o feito até agora, ó meu Deus? Se o meu corpo
e
tem sido casto, tem-o sido sempre o meu espírito e
coração, tão perfeitamente como esperáveis de mim?
Como preparação para a missa, pedi a Maria SS.
que vos obtenha o perdão de tudo o que pôde em­
baciar em vós o brilho dessa flôr, a mais bela sem
contradição, mas também a mais delicada de tôdas
as que compõem a vossa coroa sacerdotal. Renovai
o vosso sagrado voto na presença da augustíssima
Virgem, suplicando-lhe que vos obtenha a graça de
o cumprir sempre fielmente.

Resumo da .Meditação

Vínculos sagrados que nos prendem à castidade


sacerdotal:

I. A promessa solene feita por ocas1ao da


e
nossa ordenação. - Oue emoção nos causou a ce­
rimónia da nossa consagração a uma pureza virgi­
nal? A condição foi imposta e foi aceite; o sim
eterno foi pronunciado. e Houve em tempo algum
promessa mais sagrada, mais refleclida? Por último
foi selada com o sangue de Jesus Cristo pela divina
comunhão: Vota mea Domino reddam.

II. Os títulos que nos são conferidos.-Como


sacerdotes, nós somos os anjos do Senhor dos exér­
citos. Deus quer anjos para o govêrno da sua Igreja,
assim como para o seu reino do céu. - Somos os
embaixadores, os representantes de Jesus Cristo;
eseríamos nós imagens suas, se a nossa castidade

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A PUREZA

não estivesse livre de tôda a suspeita? Quis ex vo­


his arguef me de peccafo?

Ili. As funções que temos a exercer. - l Oual


é o ministério que exercemos ao allar e a vílima que
ali oferecemos? /1/ius solius esf o/ferre sacrificium, qui
indesinenfi ef perpefuae se devoverif casfifofi. - O
sacrifício de louvores, a oração público, exige de nós
quási tanta pureza como a de Cristo. - Bossuel.
comparando a divina fecundidade do sacerdote, que
dá a Deus filhos espirituais, com a de Maria, afirma
que uma e outra requerem urna pureza de lodo angé­
lica. - l Oue diremos dos sacramentos' que adminis­
tramos, e em particular, do da Penitência ?

131

XXII MEDITAÇÃO
As três guardas da castidade sacerdotal

I. A humildade.
li. A vigilância.
Ili. A generosidade.

PRIMEIRO PRELÚDIO. Imaginai ver a S. Timóteo


oprimido de enfermidades, extenuado de penitências.
sobrecarregado de trabalhos apostólicos; e admirai­
-vos de ouvir S. Paulo fazer-lhe três vezes esta re­
comendação, de que êle parecia não necessitar: Te­
ipsum casfum cusfodi (1).

(1) 1 Tim. V, 22.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

St:GUNDO PRELÚDIO. Pedi ao· Espírifo Santo


que vos ensine a conservar inlaclo um lesoiro lão
precioso; e como é a êle que o deveis, suplicai-lhe
que vos defenda do pérfido inimigo, que busca rou­
bar-vo-lo : Hosfem repelias longius.

I. A humildade, primeira guarda da castidade


sacerdotal. é. Não é quási sempre a femeridade com
que alguns se expõem ao perigo, a causa das que­
das que deshonram o santuário? Oh I quão perto
está do. abismo aquele que tão pouco se conhece,
que confia em si! A castidade, diz S. francisco de
Sales, é uma virtude tímida e delicada; uma palavra,
um olhar assusfa-a : Beafus homo qui semper esf
pavidus (1). O maior perigo nesta matéria é não
acreditar no perigo. Nem a gravidade do carácter,
nem os progressos que se fazem na perfeição, nem
a idade avançada podem dar uma completa segu­
cança. Somos padres sem deixarmos de ser homens;
a unção do sacerdócio não extinguiu o fogo profano,
que circula nas nossas veias, e não lemos a ês!e res­
peito outros privilégios senão o de sermos mais len­
tados: somos levados com mais violência para o que
é mais rigorosamente pro'ibido.
Portanto é necessário temer : Nec in praelerifa
casfilafe confidas, nos diz S. Jerónimo: Nec sanclior
Davide, nec Samsone forfior, nec Salomone potes
esse sapienfior. Um instante fatal e a mais desprezí­
vel tentação podem, fazer do coração de um padre e
do mais santo dos padres, um coração de réprobo.
A fraqueza natural é tão grande, o demónio tão
astuto, o contágio tão universal, as ocasiões tão nu­
merosas, que, se não hã precauções até ao excesso,
se pode haver excesso nesta matéria, ainda que um

(1) Prov. XXVIII, 14.

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A PUREZA

padre seja um Santo, será brevemente um padre per­


dido, um anjo caído. Pesemos as palavras de S. Je­
rónimo·: Plurimi sancfissimi viri ceciderunf hoc vifio
propfer suam securifalem. As de Santo Agostinho
são ainda mais notáveis : Crede mihi, episcopus
sum, verifafem loquor in Chrislo, non menfior: ce­
dros Libani et gregum ariefes . . . corruisse vidi, de
qqorum casu non magis praesumeham, _quam Gre­
gorii Nazianzeni auf Ambrosii.
Não se confie sequer numa idade avançada; a
velhice não resguarda de todo o perigo. l Erom no­
,·os os juízes infamés, que procuravam abalar a vir­
tude de Susana? E Salomão, é. quando deixou per­
verter o seu coração? Cum. esse/ senex, deprava/um
est cor ejus per mulieres (1).
Feliz o padre que está sempre a êste respeito cheio
de susto: ln hac parle expedi! plus bene fimere, quam
ma/e lidere {2). Aqui a confiança degenera fàcilmenle
em presunção; Deus dá a sua graça aos humildes,
e resiste aos soberbos (3). S. Fulgêncio diz que, se a
.,-irgindade é a humildade da carne, também a humil­
dade é a virgindade do coração. Nas relações mais
indispensáveis com o mundo, .nos usos mais autori­
zados, nas mais santas funções do ministério sagra­
do, por tôda a parle estão armados laços à pureza
dos _padres. Se preguntarmos como Santo Anião:
i. Ouem poderá escapar a lanlos perigos ? responder­
-nos-ão como a êle: Sola humililas secura fransire
po/es/. l Ouereis ser casto? diz Santo Ambrósio, sêde
humilde; l quereis ser castíssimo ? sêde humilíssimo.

II. A vigilância, - E' uma conseqüência da hu­


milde desconfiança de nós mesmos, e do conhecimento
dos perigos a que estamos expostos. Um homem

(1) Ili Reg. XI, 4. -(2) S. Cypr. - (3) I Pelr. V, 5.

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:14,6 MEDITAÇÕF.S SACERDOTAIS

prudente, obrigado a seguir um caminho resvaladio,


orlado de precipícios, não avança às cegas ; repara
onde põe o pé (1). Nós trazemos o tesoiro da casti­
dade em vasos frágeis e, por outro· lado, a tirar-nos
êsse tesoiro aplica-se de um modo especial, um ini­
migo pérfido e cruel, que porfia em perder-nos. Uma
surpreza, uma falta de atenção pode lançar-nos no
fundo do abismo. Convencido de que a continência
é o fruto da graça (2), o bom padre pede-a ; mas além
disto, torna-se digno dela, quanto pode, obedecendo
ao divino preceito da vigilância, tantas vezes repetido
no Evangelho. l Não é notável que em um só capí­
3
tulo ( ) se encontre até cinco vezes? Uma cilada
descoberta perde o seu perigo. A vigilância é a alâm­
pada acêsa que o servo prudente tem na mão, para
alumiar os seu,s passos e ..reconhecer as insídias do
1mm1go. Vigiando sôbre si e sôbre as impressões
que recebe dos objedos exteriores, evita as tentações,
deminui a sua violência pela prontidão com que as
combate. Sabe que se extingue mais fàcilmente uma
faísca do que um incêndio, e que a maior parle das
grandes quedas leem tido pequenos prin.:ípios.
O bom padre estende a tudo a sua vigilância,
visto não haver quási nada, que não possa vir a ser
uma ocasião perigosa. Vigia principalmente sôbre
uma imaginação, cujos extravias são Ião funestos à
inocência. Se os olhos da alma não vigiam bem,
para vêr de longe as imagens perigosas que se apre­
sentam, e lhes fechar a entra_da, poderão fazer grandes
estragos. Vigia sôbre o seu coração, para reprimir a
tempo afeições demasiadamente naturais, (amiza'cles
demasiadamente sensíveis, apêgos demasiadamente

(1) Considera! gressus suas. Prov, XIV, 15.


(2) UI scivi quoniam ali!er non passem esse con!inens j nisi
Deus dei. . • Sap. VIII, 21.
(3) Marc. IX, 13, 23, 331 35, 37.

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A PUREZA U,7
humanos. Vigia sôbre todos os seus sentidos exte­
riores e liga uma alta importância à modéstia dos
olhos: Pepigi foedus cum oculis meis, uf ne cogita­
rem quidem de virgine (1 ). - Visum sequifur cogilafio,
cogifafionem delecfafio, delecfafionem consensus (2).
Vigia sôbre o seu zêlo e sôbre os sentimentos
que êle lhe inspira, para que não suceda que, fendo
começado pelo espírito, acl(lhe pela carne (3). Mas
vigia com particular cuidado sôbre as suas relações
com as pessoas, cuja idade e cujo sexo poriam em
perigo a sua virtude ou reputação: Fugiendae in pri­
mis cum mulierihus collocufiones .. . ; afque efiam uhi
nos necessilas adegerif, ah ipsis non secus afque ah
igne cavendum esf adeo uf quam ocissime, nu/la mo­
ra, ah isfis nos exfricemus (4).

III. A generosidade. - Nenhuma virtude exige


tanla, como a castidade virginal. E' necessário lravar
contínuos combates com um inimigo, que nunca nos
deixa, porque faz parle de nós mesmos. 1 Quantas
vezes nos não achamos na necessidade de cortar �
mão, arrancar o ôlho / (") Ouaniàs vezes o conselho
dado pelo autor da lmifação, se torna um preceito:
Suhfrahere se violenfer ah eo ad quod natura vifiose
inclinafur! (6) Há laços que um homem prudente não
desata, quebra-os. Há vitórias que só se podem al­
cançar, fugindo: Apprehende fugam, si vis ohfinere
vicforil1m (7).
é. Oue não fizeram os Santos para conservar a
sua ca�tidade? é. Oue não sofreram e sacrificaram
para não deixar embaciar o brilho dela? Oh I que
lágrimas custou a Santo Agostinho, que vigílias a

(1) Job. XXXI, 1. - (2) S. Aug. - (3) Gol. 111, .3. -


(4 ) S. Bosil. - (") Mollh. V, 29, .30, - (6) L I, e. 25. -
(1) S. Aug. Serm. 250 de lemp.

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H8 MEDITAÇÕES SACERDOTAIR

S. Jerónimo e jejuns a S. Hilarião, que macerações


a muitos outros servos de Deus, que penitências a
todos 1 Quantos, para a salvar, deram a sua vida
juntando a palma do martírio à da virgindade 1 A for­
taleza que ela exige, parece, debaixo de um aspecto,
exceder a dos mártires; o combate dêstes últimos é
violento, mas não dura; o das pessoas virgens dura
tõda a vida.
Glorifiquemos e tenhamos· a Deus em nosso
corpo (1); façamos dêste corpo uma hóstia viva,
santa, agradável ao Senhor, para que lha possa­
mos oferecer unida ao sacrifício dos nossos altares.
Obsecro vos .. . ui exhibedfis corpord vesfrd hosfidm
vivenfem, Sdncfam, Deo pÍdcenfem ( 2 ). é. E onde esta­
ria a mortificação de Jesus Cristo, se êle não estivesse
naqueles que se alimentam todos os dias de Jesus
crucificado? Mas sobretudo oremos: Ure igne
sancfi Spirilus renes nosfros ef cor nos/rum, Do­
mine, ui fibi casto corpore serviamus ef mundo corde
pÍdCedmUS (3).

Resumo da Meditação

I. A- humildade, primeira defesa da castidade


sacerdotal. Oh! quão perto está o homem de cair
no abismo, quando confia em si ! Bedfus homo qui
semper esf pavidus. Nem a gravidade do carácler
nem os progressos feitos na perfeição, nem a idade
avançada podem dar uma completa segurança. Plu­
rimi sancfissimi viri ceciderunf hoc vifio propler suam
sei:urilafem. E' necessário ponderar cada uma destas
palavras. - Sola humilifas secura fransire pofesf.

( 1) Glori6cale el porle(e Deum incorpore veslro. 1 Cor. VI, 20.


( 2) Rom. XII, 1. - (3) Liturg.

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A POBREZA U9

II. A vigilância. - E' um efeilo da humilde


desconfiança de nós mesmos. Trazemos um pre­
cioso tesoiro em vasos frágeis; uma surpreza, uma
falta de atenção pode perder tudo; uma cilada des­
coberta é sem perigo. A vigilância é a alâmpada
com que o homem prudente alumia todos os seus
passos. êle vigia principalmente sôbre a sua imagi­
nação, sôbre o seu coração, sôbre todos os sentidos
exteriores. Vigia alé sôbre o seu zêlo, mas, com
um especial cuidado, sôbre as suas relações com as
pessoas cuja idade e sexo exporia a perigo a sua
virtude ou a sua reputação.

Ili. A generosidade. - Hã laços que um padre


prudente não desfaz, quebra-os; assim como há vitó­
rias que se não akançan, senão fugindo. l Oue não
fizeram os Santos para conservar Ião rico tesoiro?
Lembremo-nos de S. Bento, de Santo Agostinho, de
S. Jerónimo.

XXIII MEDITAÇÃO
Nascimento de Jesus Cristo. - Sua pobreza

O Verbo incarnado é Salvador desde o primeiro


instante da sua ·conceição; começa exteriormente a
exercer as suas funções no seu nascimento, prati­
cando a mais perfeita pobreza.

1. , O'ual é a pobreza de Jesus ao nascer?


li. l Como concorre ela para nos salvar?

PRIMEIRO PRELÚDIO. lmeginai ver o presep10,


em que o filho de Deus vem ao mundo ; conside-

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150 M E D ITAÇÕES SACKRDOTAIS
___ ___ _ _ _
_

rai-o em lôdas as suas partes. é. Oue achais nêle ?


Oue lhe falta ? é. Não deixará nada a desejar, nem
quanto ao úlil e agradável, nem ainda quanto ao ne­
cessário?
SEGUNDO PUELÚoto. Dai-me um profundo co­
nhecimento, ó meu Deus, das disposições interiores
de vosso Filho ao nascer; dai-me o seu perfeito
desapêgo de todos os bens terrenos.

1. Pobreza de Jesus Cristo no mistério do


seu nascimento. - E' extrema; é acompanhada de
sofrimentos e humilhações; é livre e inteiramente vo­
luntária.
1.0 Pobreza extrema. Transporto-me pelo pen­
samento ao lugar dêsle _nascirnenlo, esperado há tan­
tos séculos. e. Ouem não julgaria que o filho do Al­
tíssimo nascesse no primeiro palácio do universo,
seria vestido de púrpura, e que o oiro brilharia no
seu berço?. Oue descubro porém ? Oue indigên­
cia! Nenhuns móveis, nenhuma casa, nem fogo co�­
tra os rigores de uma estação invernosa I Emquanto
os mais pobres leem um ledo que os abrigue, êle só
tem uma gruta, e está exposto a lôdas as injúrias do
tempo. Pobres mantilhas para o cobrir, uma mange­
doira e palha para lhe servirem de berço, e dois ani­
mais para o aquecer com o seu hálito. E' nêste
estado que o Senhor do mundo entra no mundo,
quando vem salvá-lo.
E' verdade que êsle estado de Jesus em Belém é
passageiro; êle não estará sempre lá, mas será sem­
pre pobre; e como na incarnação, êle abraça a hu­
mildade para não a deixar jàmais; no seu nascimento
foma a pobreza j:,ara sua companheira inseparável.
Segui-lo-á ao Egiplo, a Nazareth, no decurso de suas
pregações, por lôda a parle, sempre. l:.le dirá ª?s
trinta anos o que poderia dizer no primeiro dia de
sua vida: • As rapôsas teem suas covas, as aves do

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A POBREZA t:H
céu leem seus ninhos; mas o , filho do Homem não
tem onde reclinar a cabeça• (1). No Calvário não
lerá sequer andrajos por vestido, rtem um copo de água
para apagar a sêde. Pauper in nafivifafe, pauperior
in vila, pauperrimus in cruce (2).
2. 0 A pobreza do meu Salvador é acompanhada
de sofrimentos e humilhações. De sofrimentos: que
privações, que sacrifícios ela lhe impõe I A primeira
idéia que se faz de um homem pobre, é a de um ho­
mem que sofre; a indigência sem necessidade, seria
uma contradição formal. O mesmo se deve dizer
das humilhações; elas são como a sorte obrigada
dos pobres que um mundo cego despreza, julgando
sõmente pelas aparências. Jesus carece de tudo, e
ninguém o lastima nem sequer pensa em tal; logo que
o olham como filho de um artífice, não se admiram
que esteja na miséria; é a sua condição.
3. 0 Estfl pobreza é inteiramente voluntária. O
menino que eu adoro nos braços dessa mãe indi­
gente, é aquele que fêz tôdas as coisas: Per quem
omnia fada sunt. Se êle quisesse, a terra poria aos
seus pés tõdas as suas riquezas; bastar-lhe-ia uma
palavra para criar novos mundos; por conseguinte
ludo aqui é da sua escolha. Se a família real de
David, na qual êle devia nascer, linha perdido o seu
esplendor, e já .não possuía as suas antigas riquezas;
se o tempo do seu nascimento coincide com uma via­
gem de sua Mãe; se nas estalagens de Belém recu­
sam admitir a seus pais, por não haver lui:iar para
êles ... , tôdas estas circunstâncias estão determina­
das nos decretos eternos, e em virtude da sua predi­
lecção pela pobreza.
O homem não conhecia o valor desta virtude, diz
S. Bernardo; mas o filho de Deus, que a conhecia

'--
(1) Luc. IX, .58. - (2) S. Bern. De Pasfor. e. 2.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

e prezava, desceu ã ferra, escolheu-a para si, para


que o seu exemplo nos ensinasse a estimá-la e
amá-la: Nesciebaf homo prefium ejus; hanc ilaque
Dei Filius concupiscens, descendi/, uf eam eligaf sihi,
ef nobis quoque sua aesfimafione facial prefiosam (1).
l Oue viu êle de delicioso nesta pobreza que os ho­
mens não podem sofrer, e temem como um flagelo?
Evidentemente ou Jesus Cristo se engan!1, ou o
mundo está em êrro (2). Já entrevemos:

II. Como a pobreza de Jesus ao nascer con­


corre para nos salvar. - O anjo, que apareceu aos
pastores de Belém, convidando-os a alegrarem-se,
dá-lhes esta razão: •Nasceu-vos hoje um Salvador,
e êste é o sinal que vo-lo fará conhecer: Achareis
um menino envôlto em panos e pôslo em uma man­
gedoira • (3). Estranha maneira de anunciar um Sal­
vador I E' porém verdade: êsles panos, êste triste
retiro, êste presépio, e se assim podemos exprimir­
-nos, todo êste luxo de pobreza é que nos salva.
A paixão pelas riquezas, que traz consigo tôdas as
paixões, que gera todos os crimes, frutos da soberba
e da sensualidade, era a doença mortal que se tra­
tava de curar no género humano; era necessário in­
clinar-nos para êsse desapêgo dos bens passageiros
e terrestres, que dispõem os corações para o amor
dos bens eternos; ensinar-nos a confiar só em Deus,
a ludo esperar da nossa fidelidade em servi-lo. Mas
para isto, e.bastaria dizer-nos: •Desgraçados os ri­
cos, bemaventurados o� pobres• ? l T el'íamos nós
saboreado esta doutrina, se não a víssemos confir­
mada com o exemplo de um Homem�Deus, mais per­
suasivo que todos os discursos?

(1) Homil. I. in Vig. Na!. Dom, - (2) S. Bern. Serm. 3.


in Naliv. Dom. - (3) Luc. 11, 12,

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A PODREZA

Por oulro ledo, é. não se pode resistir a um Sal­


vador que nos diz: • Se houvesse na pobreza o mal
que julgais ver nela, ou nas riquezas o bem que bus­
cais, é.não leria eu vislo um e outro? Eu não posso
amar senão o que é bom, nem aborrecer senão o
que é mau. é. Será o vosso juízo mais infalível que o
meu? As riquezas eram para mim sem perigo ; tê­
-las-ia possuído sem me afeiçoar a elas; não me le­
riam distraído um só instante, nem impedido de me
ocupar inteiramente nas coisas de meu Pai: mas
vi-as cheias de perigos para vós. E é para vos des­
viar delas, que as expulsei para longe de mim, profe­
rindo terríveis anátemas contra aqueles que as amam
e as buscam desordenadamente; e por isso prometi
a verdadeira felicidade à pobreza voluntária, ao desa­
pégo de lodos os bens frívolos. Comparai o que eu
lenho dilo com o que lenho feito, e os meus exem­
plos explicar-vc,s-ão os meus ensinamentos• .
é. Tenho eu os senlimenlos, lenho eu os afedos
de Jesus Cristo a respeito da pobreza e das rique­
zas? Eu não ignoro que êle não será meu Salvador
senão ernquanto tiver sido o meu rnodêlo. Ah! Se­
nhor, se em razão da elevada santidade a que cha­
mais os vossos ministros, dissésseis a todos, corno
ao mancebo do Evangelho: •é.Quereis ser perfeitos?
ide, vendei tudo o que possuís, distribui-o aos po­
bres, e segui-me•, êles não deveriam hesitar, muito
felizes por adquirir po� êste preço a perfeição de um
estado, que exige tanta perfeição; mas vós não lhes
impondes semelhante sacrifício. Não lhes ordenais
que se privem realmente de tôdas as coisas que pos­
suem, mas sàmente que as não amem, e estejam dis­
postos a sofrer todos os incómodos e humilhações da
indigência, se permitirdes que a ela sejam reduzidos.
Qualquer que seja a pobreza dêles, ó meu Deus,
nunca se assemelhará à vossa; e será sempre des­
proporcionada à infinita recompensa que prometeis

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J54 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

aos pobres bemavenlurados, que deixaram ludo para


vos seguir: Beafi pauperes spirifu, quoniam ipsorum
esl regnum caelorum.

Resumo da Meditação

I. Pobreza de Jesus Cristo no mistério do


seu nascimento. - 1. 0 E.' extrema: Para o abrigar,
uma gruta; pobres panos para o cobrir; uma mangec
doira por berço. E' neste estado que o Senhor do
mundo entra no mundo, quando vem salvá-lo !...
A pobreza será a sua fiel companheira no E.gipto,
em Nazareth, no decurso de suas pregações, e prin­
cipalmente no Calvário. ·2. 0 E.' acompanhada de so­
frimentos e humilhações. Jesus é pobre, não tem o
necessário, e ninguém o lastima, julg�m que edão
dispensados para com ele de quêlquer atenção.
3. 0 E' inteiramente voluntária. Bastar-lhe-ia dizer
uma palavra, para que a terra pusesse aos seus pés
tôdas as suas riquezas. é. Oue viu êle nesta pobreza,
que o mundo teme? Ou Jesus Cristo se engana, ou
o mundo está em êrro.

li. Como a pobreza de Jesus ao nascer con"


corre para nos salvar. - e Nasceu-vos hoje um Sal­
vador, e êste é o sinal que vo-lo fará conhecer•.
Sim, o que nos salva são êsses pobres panos, êsse
presépio. A paixão das riquezas, que traz consi•go
tôdas as paixões, era a doença mortal, que se tra­
tava de curar em nós. Para isto é. bastaria dizer-nos:
• Ai I dos ricos• ? Era-nos necessário o exemplo
de um Homem-Deus; oh ! que poderoso é êste exem­
plo sôbre o coração do homem que medita I é. Tenho
eu os sentimentos e afeclos do Salvador a respeito
da pobreza? Beafi pauperes spirifu, quoniam ipsorúm
esf regnum caelorum.

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A POBREZA f53

XXIV MEDITAÇÃO
O padre, entrando no estado eclesiástico,
pela tonsura, faz profissão de pobreza

1. A Igreja exige de nós esla profissão,


li. Em que circunstâncias a exige.
Ili. Ela quer que nunca a percamos de vis(a.
1

PmMEmO PllELÚDIO. Lembrai-vos daquela ceri­


mónia que vos abriu as portas do �antuário. Em­
quanto o venerando bispo dava um corte nos vossos
cabelos, pronunciáveis o versículo do psalmo X V
Dominus pars,. ele.
SEGUNDO PI<ELÚDIO. Pedi a graça de bem com­
preender esta santa cerimónia, e de professor fiel­
mente a pobreza que ela encerra.

I. Desde a nossa entrada no estado eclesiás"


fico, a Igreja obriga"nos a professar a pobreza. -
O estado eclesiástico, em que se entrou pela tonsura,
não exige de-certo a pobreza real e efectiva a que se
obriga o religioso; mas exige um inteiro desapêgo
dos bens da terra. Sem esta pobreza, não serei dis­
cípulo do Salvador, é. como poderei eu ser seu mi­
nistro? Oui f!0n renunliaf omnihus quae possidef,
non pofesf meus esse discipulus (1). Oaando a Igreja
me admitiu a trocar a ignomínia do hábito secular (2)
pela gloriosa vestidura de Jesus Cristo, ela quis ou­
vir•me declarar que tomava o Senhor para parte da
minha herança : Dominus pars haeredifalis meae e/
calicis mei. Os Santos Doutores viram sempre nisto

(1) Luc. XIV, 33. - (2) Ponlif.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

uma solene profissão de pobreza : Opor/e! ui qui


Deum haereditale possidenl, absque ui/o impedi­
mento saeculi Deo servire sludeanl, el pauperes spi­
rilu esse confendanf, ui congrue illud Psalmisfae dicere
possinl: Dominus pars haeredilalis meae (1). Com
efeito, três coisas se encerram nesta protestação:
1. 0 Tomei o Senhor para ser todo o meu bem,
a minha única herança. Não o escolhi para ser só
uma porção da minha herança; nunca a Igreja me
teria admitido com esta condição. Prometi conten­
tar-me com Deus; e realmente é. não é muito avaro e
cobiçoso aquele a quem tão grande bem não basta?
Se Deus me pertence, é. que pode faltar-me? Eis por
que, quando fiz esta profissão pública nas mãos do
bispo, me foi dito por meio do belo cântico de Da­
vid: Domini esf ferra el pleniludo ejus; é. não era o
mesmo que dizer-me: tendes razão para confiar em
Deus e para vos contentar com a porção que vos
cabe, pois o Senhor, que é essa magnífica porção, é o
dono absoluto do universo? Ouid ultra quaeril, cui
omnia suus condilor fit ;, aul quid ei sufficit cui ipse
non sufficil? (2) -Nonne possidefis omnia, si habelis
eum qui omnia habel? (3) Dizendo: Dominus pars,
ele., prometi unir-me a Deus só, ficando estranho a
tudo o mais. Na dislribu'ição de seus bens, Deus
põe de um lado as riquezas da terra, e as dá aos
seculares : Terram dedif filiis hominum; pelo que res­
peita ao padre, ah! .quanto melhor é a sua parle 1
Deus diz-lhe: Ego pars ef haéredi/ás lua in media
liliorum Israel (4).
2.º Obriguei-me por isso mesmo, a não ter afei­
ção aos bens da (erra ; porque o pobre de Deus, diz

(1) 5. lsid. Hisp. 1. 2, de divin. oflic. e. 1. - (2) 5. Prosp.,


De vil. confempl. - \ 3) Petr. Bles., Serm. 42. - (4) Num.
XVIII, 20.

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A POBREZA

Santo Agostinho, não é aquele que é indigente aos


olhos dos homens, mas aquele que o é em seu cora­
ção: Pauper siquidem Dei in animo esf, non in sae­
culo. A Igreja não nos separa das criaturas e dos
cuidados da vida, senão para que nos empreguemos
unicamente no serviço do Senhor. Ela quer que se­
jamos homens de outro mundo, homens de outra ge­
ração, ocupados continuamente em buscar a Deus, e
'em glorificá-lo: Haec es'f generafio quaerenlium
eum ( 1 ).
3. 0 A conseqüência necessária dêste desapêgo
é que eu não devo nem buscar os bens da terra, que
não lenho, nem deixar com repugnância os que pos­
suo, _quando o serviço do Senhor o pede, nem lamen­
tar a perda dos que já não tenho. Tai foi a promessa
que fiz, entrando no estado eclesiástico; quantos pa­
dres , parecem nãp ter medido a extensão desta pro­
messa, nem ler cànservado a lembrança dela !

li. l Em que circunstancia& fizemos e'sfa profis­


são de pobreza? - 1.0 A Igreja quis que ela fõsse
a condição da nossa entrada no santuário. Quando
aspirávamos a esta honra, ela disse-nos nestes ou nou­
tros têrmos: • O serviço do altar não pode conci­
liar-se _com o amor das coisas_ Jerrenas ; escolhei
portanto: consinto em admitir-vos no número de
meus mii:iistros; mas é necessário, que consinláis em
separar-vos de tudo, ao menos pelo pensamento, Pê!ra
só possuirdes o Senhor• . Nps aceitámos esta con­
dição, pronunciámos �m voz alta esta fórmula sa­
grada: Dominus pars haeredifafis meae. Guarde­
mo-nos de esquecer o ado de renúncia, que fizemos
nessa ocasião: Non excidal a /e quomodo . .. , re­
nunciasfi ignominiae laicali . .. , alligafus es verhis
oris fui (2).

(1) Ps. XXIII, 6. - (!) Pe!r. Bles.

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158 MEDITAÇÕES SACEIIDOTAIS

2.0 Esta promessa deve parecer-nos ainda mais


obrigatória, porque foi recíproca. Se nos obrigámos
para com a Igreja, ela obrigou-se para connosco.
Prometeu-nos que sempre gozaríamos dos seus di­
reitos, de suas imunidades, de seus privilégios: Filii
Célrissimi, animBdverfere dehelis quod, hodie de foro
EcclesiBe ÍtJcfi estis ef privilegid clericaliB sorlifi es­
lis (1). Não é portanto uma protestação puramente
gratuita da nossa parle; é um contraio oneroso feito
entre a Igreja e nós ; obriga igualmente dos dois lados.
3'. 0 finalmente nós fizemos esta promessa à face
do altar, nas mãos do bispo, que a recebeu em nome
de Jesu� Cristo, com cerimónias tão santas, que ela
revestiu o carácter das coisas sagradas; de sorte que
nos é impossível faltar a ela, sem faltar por isso
mesmo à fidelidade-, à justiç_,, e à religião.

III. A Igreja quer que nunca percamos de �isfa


esfa promessa. - Ela no-la recorda incessantemente
com o nome que nes •dá, com o hábito e a corôa,
que manda usemos.
1 . 0 O nome de clérigo, segundo a interpretação
de S. Jerónimo e da mesma Igreja, significa que o
Senhor nos escolheu, e- que nós escolhemos o Senhor:
que êle é lodo nosso e que nós somos inteiramente
dêle; e nem uma coisa nem outra é verdade, senão
emquanto o nosso coração está livre de tõda a afei­
ção aos bens terrenos. Por pouco que eu ame as
riquezas, o meu coração está repartido, não sou já
inteiramente de Deus, e nã�ereço já que Deus seja
todo meu (2). •, ;,

(1) Ponlií.
(2) Clericus inlerprefefur primum voc11bum suum, ef nominis
definilione prol11l11, nilalur esse quod dicilur. S. Hier. Episf•. 2. ad
Nepal. Non 11liud qu11er11I clericus, nisi ui Domini h11eredi111lem

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A POBREZA 159

2.0 O hábito talar, que a Igreja nos manda fra­


zer, é um símbolo de morte. Por êsle hábito, tão
diferente do dos· seculares, professamos que renun­
ciámos aos costumes do século e à.sua cobiça; que
não queremos já viver da sua vida; que não conhe­
cemos já, que não amamos já senão a Deus, e que
somos com relação aos bens terrenos, o que é um
defunto na sua sepultura.
3. 0 Sucede o mesmo· com a tonsura, ou corôa
clerical, que devemos renovar de tempos a tempos :
Rasio capilis esf femporalium omnium deposifio (1).
Caput radere signiGcaf cogifafiones terrenas ef su­
perllúas a mente resecare. . . Sicuf pili non sunf
pars corporis . .. , sic hona femporalia non. sunf no­
bis natura/ia, sed superllua (2). Esta corôa ensina ao
padre, que êle deve dominar-se,- elevar-se acima de
todos os bens do mundo, e ser tão sensível às perdas,
que possam· sobrevir-lhe na ordem temporal, como o
é ao corte dos seu's cabelos.
O' meu Deus, é. lenho-me eu sempre mostrado
exaclo em cumprir Ião santas promessas ? Elas rece­
beram uma nova consagração, cada vez que, desde a
minha entrada no santuário, .dei nêle alguns passos,
exerci alguma função. é. Posso eu receber-vos com
fanfa freqüência no altar, sem me desprender de lodos
os bens dêsle mundo e dar-me todo a vós ? Vinde
de novo, oh! vinde, bem supremo, único bem que eu
desejo ; · e se, mediante a luz que me infundirdes, des­
cobrir no meu coração o menor apêgo às coisas da
terra, imedialamenle vo-lo sacrificarei.

posside11!, quem elegi! e! 11 quo eledus esl; hoc enim in gr11eco no­
men clerici son11f... Oui 11liud qu11erit qu11m Dominum, nec II Do­
mino eâl elec!us, nec ipse elegi! Dominum. Pontif. Rom. Bibliolh.
aposl. Forma cleri. l P., p. 34.
(1) S. Hier. - (') S. Aug.

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mo IIEDITAÇÕES SACEIIDOTAIS

Resumo da Meditação

1. Desde a minha enfrada no estado eclesiásM


tico fiz profissão de pobreza, prometendo que o
Senhor seria a porção da minha herança : Dominus
pars, ele. Três coisas estavam contidas nesta pro­
messa. - Eu tomava a Deus para ser lodo o meu
bem, e não para ser só uma parle da minha herança.
Ouid ultra quaerit cui omnia suus condifor fil?
- Obrigava-me com isto a não ler apêgo aos bens da
terra. - Não devo portanto nem buscar os que não
lenho, nem deixar com repugnância os que lenho,
nem lam_entar a perda dos que já não lenho.

II. Circunstâncias q :u e acompanharam esta


profissão. - 1. 0 A Igreja quis que ela fõsse uma
condição da minha entrada no santuário. Anuí à
condição; é portanto uma obrigação que contrai.
2. 0 Esta obrigação foi recíproca. Se me obriguei
para com à Igreja, ela obrigou-sé para comigo: prome­
teu-me que eu gozaria dos seus direitos, imunidades
e priyilégios. 3.° Contraí esta obrigação nas mãos
do bispo, que a recebeu em nome de Jesus Cristo.
Não posso faltar a ela, sem faltar à fidelidade,- à jus­
tiça e à religião.

III. Precauções que toma a Igreja para que eu


não possa esquecer esta profissão. - t. 0 O meu
nome de clérigo, que ela me dá, recorda-ma inces­
santemente. 2.0 O hábito talar, que ela me obriga a
trazer, é um símbolo de morle, e por conseguinte de
desapêgo total das coisas do mundo. 3. 0 Sucede o
mesmo com a tonsura,- que devo renovar de tempos a
tempos: Rasio capilis esf femporalium omnium de­
posilio.

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A POBREZA 161

XXV MEDITAÇÃO

O espírito de pobreza, rico tesoiro


do bom padre

I. O que ali acha para si.


II. O que ali acha para o seu minislério.

I. O espírito de pobreza, fonte de verdadeira.


felicidade para o bom pa.dre. - Um Deus Salvador,
que quis nascer e viver na mais extrema indigência,
tinha o direito de começar as suas pregações com
esla palavra, que tausou admiração ao mundo a pri­
meira vez que a ouviu : Beali pauperes spirilu. l Mas
qual é essa felicidade ? E' uma felicidade que diz
respeito à vida temporal, à vida espirihial, à vida
eterna.

t Felicidade da vida temporal. E' a isenção
de milhares de males inseparáveis do amor dos bens
terrenos, e a tranqüilidade que acompanha o ,espírito
de pobreza.
l Oue se vê no mundo por causa das riquezas ?
Sólicilude contínua, desejos irrequietos, projedos in­
findos; pesares amargbs, se o negócio não é bem su­
cedido; acerbos desgostos, se se experimenta, alguma
deminu'ição nos bens-, e muitas vezes desesperação
depois de uma ruína lotai.
S. Lourenço Justiniano descreve em três palavras
os tormentos da cobiça : lbi dolor, ibi labor, ibi pa­
.vor ('). l E será tolerável esta situação, principal­
mente para um homem do santuário, que 'precisa, mais

( l) Tracl. X de paupert. c. 1.

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• IIIEDITAÇÕES SACERDOTAIS

do que qualquer outro, de ser lodo seu, para se dar


lodo a Deus e às suas tão importantes íunções? (1)
Mas quão feliz é o padre que, apreciando como
de·ve a porção que lhe toca, nada busca fora da sua
herança I l:.sse goza da mais dôce paz : comete tudo ao
cuidado da Providência; é qual menino, que dorme
no seio de sua Mãe. Não desejando nada, não pre­
cisa de nada, não se ocupa senão em amar e servir
ao Senhor, a cujos cuidados se entregou: Omnem
solliciludinem veslram projicienles in eum, quomam
ipsi cura esf de vobis (2). Os que não conhecem o
segrêdo da sua felicidade, julgam-no triste, e êle eslá
alegre ; lastimam-no pela sua pobreza, e Deus ser­
ve-se dêle para enriquecer os outros-; parece não
possuir nada, e possui todos os bens verdadeiros (3).
l E eu a quem quero asseinelhar-me? l Aos munda­
nos insensatos, ou anles aos sábios do Evangelho?
Eu já vejo claramente de que lado se encontra o ver­
dadeira felicidade, até mesmo temporal.
2.° Felicidade da vida espiritual. Consiste em
uma abundante participação dos favores do Espírito
Santo, na facilidade e suavidade das comunicações
com Deus. Oh I quanto riie custa ver-me sempre dis­
traído, sempre frio na oração, na celebração dos
santos mistérios 1 . . . E quantas vezes invejei a sorte
dêsses sacerdotes recolhidos, a quem nada perturba
nas suas conversações com 'o céu I l Ouando me

(1) Eis qui milifanf Deo fugiend11e sunf ex fofo corde divifi11e,
quas, qui habere volunl, sine labore non quaerunf, sine difficullale
non inveniunl, sine cura non servanf, sine 11nxi11 deleclafione nori
possidenl, sine dolore non perdunf. S. Prosp. De vif. acf. ef con­
fempl. sacerd. lib. 2, e. D.
(e) 1 Pelr. V, 7.
(3) Ou11si fris(es, semper aufem gaudenfes; sicuf egerifes,
mullos aufem locuplefanles; lanquam nihil habenfes, e! omnia possi­
denles. li Cor. VI, to.

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A POBREZA l63

será dado gostar de Deus e das coisas de Deus'? Só


quando eu não tiver apêgo às coisas terrenas. O es­
pírito de pobreza, destruindo o que alimenta a so­
berba e a- sensualidade, destrói a causa de todos os
nossos vícios, e dispõe a nossa alma para tôdas as
virtudes, para todos os dons celestes.
O coração do homem nunca está sem desejo ;
aspira ao céu, quando já _não tem apêgo à terra. Re­
nunciando aos grosseiros gozos que dão os bens
materiais, vai mais alto à busca de outros. Tem fome
e sêde dos bens sobrenaturais, e dêles será íarlo ( 1 ).
O Senhor não espera mesmo que êle os peça; ouviu
a disposição do seu coração ; o seu desejo é a sua
petição: Desiderium pauperum exaudivil Dominas:
praeparalionem cordis eorum audivif auris tua (2).
Tai é a afeição de Deus aos verdadeiros pobres:
dá-se a êles, em troca de terem deixado tudo por êle.
E.is o que prometeu aos apóstolos, e a todos os pa­
dres imitadores da sua pobreza evangélica : Cen­
fuplum accipief (3). l E. qual é êste cêntuplo, pregunta
S. Bernardo, senão a adopção de filhos, a liberdade
de espírito, as delícias da, caridade, a glória de uma
boa consciência, o reino de ·Deus em nós, que não
consiste em beber e comer, mas é a mesma justiça,
a paz e alegria . do Espírito Santo'? (4) O Santo
Doutor acrescenta: Annon cenfuplum habef omnium,
qui impletur Spirifu Sancfo, qui Chrisfum habef in
pecfore? Assim, eu serei unido a Deus, gostarei de

(1) Be11!i qui esuriunf e( si6unf justifiam, quoniam ipsi safura­


bun(ur. Mafth. V, 6. - lste pauper cl11m11vi� e( Dominus exaudivif
eum. Ps. XX.XVIII, 7.
(2) Ps. X, 17. - (3) Mallh. XIX, 29.
(4) Hoc centuplum adoptio Sliorum, libertas ef primitiae spiri­
tus, deliciae charilafis, gloria conscienliae, regnum Dei, quod inira
nos est, non ufique esca vel pofus, sed juslitia ef pax, ef gaudium ia
Spiritu Saneio. Serm. super • Ecce nos reliquimus .•• • .

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.MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Deus, possu"irei a Deus desde a vida presenle, se me'


desafeiçoar de ludo o que não é Deus. Oh I de que
santas delícias me privo· por causa das afeições ler­
renas de que me deixo preocupar I Praeoccupafum
desideriis saecularibus animum delectafio saneia
declinai: nec misceri poferunf vera vanis, aeferna
caducis, ui parifer sapias quae super coe/os sunf ef
quae super ferram (1). - Projice sarcinam saeculi:
nudus ef levis ad coe/um evolaf: alas virlufum fuarum
auri deprimunf onera (2).
3. ° Felicidade da vida eterna : Ouoniam ipso­
rum esf regnum coelorum. Os intérpretes leem no­
tado a maneira como se exprime aqui o Salvador.
Dissera êle, falando das outras bemavenluranças :
Os que choram, serão consolados, os que leem fome
serão fartos, ele. Falando d� pobreza espiritual, não
diz que os que a abraçam, lerão o reino dos céus,
mas leem-no já, possuem-no por antecipação, não
lhes pode ser disputado. felizes pobre_s I exclama
Santo Agostinho; êles compram o céu à custa da
sua mesma pobreza: Felicitas magna chrisfianorum,
quibus dafum esl uf pauperfafem facianf prefium coe­

Vis
lorum. Non fibi displiceaf pauperfas lua; nihil ea.
pofesf dilius inveniri. nosse quam locuples si/?'
Coe/um emil (3). De sorte que, se eu quiser, p!)r al­
guns miseráveis bens de que me desafeiçoar, possu"i­
rei eternamente um reino, onde ludo abunda, glória,
delícias, riquezas. O' meu Deus, que fraca seria a
minha fé, se eu hesitasse em fazer esta troca!

II. O espírito de pobreza, fonte de bênçãos


para os trabalhos do bom sacerdote. -No nosso
século calculista e ávido, quando a multidão busca

(1) S. Bern. Serm. VI. de Ascens. - (2) S. Hier. Episf. ad


Exuper. - (3) Serm. XXXVIII de Verb. aposf.

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A POBREZA 165

lemeràriamenle as riquezas, e quási não conhece já


outra moral senão a dos inlerêsses materiais, sõ­
mente um grande desinlerêsse, bem notório, entre os
membros do clero, poderá remediar êsse mal, e do­
minar essa vil tendência. Ouanto mais apaixonados
são os homens pelo oiro, mais admiram aos que leem
a fôrça de- o desprezar. Isto é o que acredita o minis­
tério sacerdotal, o que lhe dá essa nobre indepen­
dência, que lhe permite combater o vício onde quer
que êle se ache, sem poupar os grandes nem os pe­
quenos.
Oue poderoso é um padre, quando pode dizer,
como S. Basílio, aos que o ameaçam : • Se me ti­
rardes o pouco que possuo, os pobres sentirão tnais
a �ua falta do que eu; se me mandardes para o exí­
lio, não. me expulsareis do domínio de Deus, porque
tôda a terra é dêle, e a minha pátria é tão extensa
como 0 seu domínio• . Isto nos concilia grande es­
tima e afeição dos povos: nenhum espedáculo os
corno�e tanto como o de um padre, que juntamente
com os seus cuidados, os seus desvelos, a sua saúde,
chega a sacrificar tudo o que tem. Não podem dei­
xar de amar uma religião e um sacerdócio, que so­
correm tanto aos desgraçados. S. Paulo olhava o
desinlerêsse como uma das principais causas do su­
cesso do seu apostolado (1). S. Bernardo aplica ao
bom sdcerdote esta palavra do Filho de Deus: Si
êxallatus fuero a ferra, omnia fraham ad me ipsum.
Ouando um párroco é superior à cobiça terrestre,
atrai a si todos os corações. Os seus parroquianos,
considerando-o como um homem, que só quer a feli­
cidade dêles, e que não tem outra ambição senão

(1) Argenfum ef aurum, auf veslem nullius concupivi, sicuf


ipsi scilis. Act. XX, 33. - Cum essem apud vos ef egerem, nulli
onerosus fui. li Cor, XI, 9.

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i66 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

salvar as suas almas, acabam quási sempre por ce­


der aos doces alradivos do seu zêlo.
Renovai a fórmula da vossa primeira consagração
ao serviço do altar: ,Dominus pars; ou dizei a Deus
com um padre tão piedoso como sábio: Tu, Domine,
es pelagus bonorum omnium unicusque animae meae
thesaurus. Excufe a me pondus omnium ferrenorum
desideriorum, ui igne amoris fui solius ardeam. Tu
solus me af.icias, solus laefi.ices. . . Posside mentem
meam, o summum ef incommufabile bonum I posside
eam, uf ipsa possideaf fe (1).

Resumo da Meditação

1. O espírito de pobr.eza, fonte de verdadeira


felicidade para o bom sacerdote. - 1.° Felici­
dade- temporal: isenção de inúmeros males, que traz
consigo o amor dos bens terrenos : lbi dolor, ibi la­
bor, ibi pavor. Doce paz do que comete tudo ao
cuidado da Providência. Não desejando nada, não
°
necessita de nada. 2. Felicidade espiritual: abun­
dante participação dos favores do Espírito Santo.
Deus dá-se aos que deixaram ludo por êle, precioso
dom, infinitamente mais vaJioso que o cêntuplo 1
3. ° Felicidade eterna: Ouoniam ipsorum esf regnum
coelorum. '

II. O espírito de pobreza, fonte de bênçãos


para os trabalhos do bom padre. - Ouanlo mais
apaixonados são os homens pelo oiro, mais admiram
aos que leem a fôrça de o desprezar; isto é o qlle dá
mais crédito ao ministério sacerdotal. S. Paulo olha-

(1) Corn. 11 L11pid. in M11tlh. e. V.

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A MORTIFICAÇÃO t6i
va o seu desinterêsse corno uma das principais cau­
sas do feliz sucesso do seu apostolado: Si exalfofus
fuero l1 ferra, omnia fraham ad me ipsum.

131

XXVI M�DITAÇÃO
Circuncisão de Jesus Cristo. - A mortificação

1. Oue idéia se deve fazer da morlillcação exlerior.


li. A quem diz respeilo II morlilicação exterior.

Em todos os seus mistérios, o Salvador combate


e ensina-nos a combater a tríplice concupiscência,
que dá tantos escravos ao demónio, tantas vítimas
ao inferno. Opõe à soberba e ao amor das riquezas
o amor da abjecção e da pobreza, como se vê par­
ticularmente em sua Incarnação e seu Nascimento;
opõe ao desejo desordenado dos prazeres sensuais,
o amor dos sofrimentos, como no-lo mostra no mis­
tério da sua Circuncisão. Nada o obrigava a esta
lei, e não se pode duvidar que, sujeitando-se a ela, a
sua primeira intenção não fôsse de sofrer. O seu
martírio voluntário começou no seio de Maria; ter­
minará na Cruz, e em tôda a ocasião nos oferecerá
o modêlo da mais perfeita mortificação.
Esta virtude regula ao mesIT1_0 tempo os desejos
éla alma e o uso dos serfüdos. Chama-se mortifica­
ção inferior por causa do poder que exerce sôbre a
alma, e tem o nome de mortificação exterior, quando
se aplica aos sentidos. Não trataremos aqui senão
da última, que se divide em negafivt1, quando se limita
a recusar ao corpo qualquer gôzo, e em positiva,
quando lhe faz experimentar algum sofrimento. Fa-

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i68 MEDITAÇÕES SACE);IDOTAIS

çamos uma justa idéia da mortificação exterior, con°


tida em prudentes limites, e compreenderemos a
quem obriga, o que se deve pensar de um cristão,
e com mais razão de um padre, que se exime de
a praticar, ou que até sem a condenar positivamente,
fala dela com pouca estima.

I. l Que idéia se deve fazer da mortificação


exterior, contida em justos limites? - Tal mortifica­
ção consiste em combater a natureza, sem a destruir;
em respeitar os seus direitos, sem lisonjear as suas
inclinações. A natureza é um inimigo ao mesmo
tempo necessário e perigoso. E' -nos igualmente proY­
bido conceder-lhe a paz, e dar-lhe a morte. Por
conseguinte a discrição é aqui um deve,r ainda mais
do que em qualquer outra.. virtude; porque, quando
nos dizem que a perfeita mortificação deve causar a
morte à natureza, querem dizer, que ela deve domá­
-la, e pô-la com respeito à graça, quási na mesma
dependência em que está u_m corpo morto com rela­
ção aos que dêle dispõem livremente. Demais disto,
bem longe de o homem mortificado dever viver sem
sentimento, pelo contrário, do sentimento subjugado
pela mortificação, é que deve tirar o seu mérito pe­
rante Deus. A sabedoria deve pois mostrar-se aqui,
reformando pela mortificação o que a liberdade, ex­
traviada pela paixão, corrompeu na mesma natureza
que é obra de Deus.
Posso pois, e devo ouvir· a natureza no que ela
exige e busca parei sua conservação, com tanto que
refira o que lhe dou, não à sua própria satisfaçã�,
mas só à vontade do Senhor. Com isto, ó meu
De_us, sempre em guerra comigo mesmo, ferei um
mérito igual, quer seja em combater, quer seja em
poupar e conservar o meu mais perigoso inimigo,
que sou eu mesmo. Vós dar-me-eis sempre a recom­
pensa quando por vós me mortificar, e quando por

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A MORTIFICAÇÃO 169
vós deixar de me mortificar. Tudo é virlude, fazen­
do-se o que Deus quer e porque êle o quer.

II. l Quais são os que esfão obrigados à mor­


tificação exterior? - Contida nos justos limites, de
que acabamos de falar, esta virtude é evidentemente
obrigatória para todo o cristão, mas a ninguém obriga
tanto como ao sacerdote.
'!. º Nós só entrámos na família de Jesus Cristo
pelo baplismo, obrigando-nos a seguir o Evange­
lho; e. e não tende tôda a sua doutrina a firmar o
domínio do espírito sôbre a carne? :Êsle grande prin­
cípio é repelido muitas vezes nas epístolas de S. Pau­
lo: Oui sunf Chrisli, carnem 'suam crucifixerunf cum
vifiis ef concupiscenfiis (1). - Si secundum carnem
vixerifis, moriemini; si aufem spirilu facfa carnis
morlificaverifis, vive/is (2). - Morfificafe ergo membra
veslra (3). Demais disto, nós promeh;mos imitar o
Salvador, nosso modêlo indispensável ; e. e não foi
êle sempre um Homem-Deus dado à penitência, con­
sagrando em sua pessoa os santos exercícios da
mortificação exterior? No oilavo dia depois do nas­
cimento, vejo-o oferecer ao Pai as primícias do seu
sangue; vê-lo-ei na Paixão entregai" a face adorável
às bofetadas e aos· escarros, a cabeça aos espinhos,
o corpo a todos os 'maus tratos. A sua vida tôda
inteira foi uma longa e dolorosa imolação.
Animados do mesmo espírito que o seu divino
chefe, os Santos aplicaram-se a buscar sofrimentos;
e a mortificação foi comum a lodos. Os que tinham
tido a vida mais pura, eram os mais solícitos em se
morlificarem; lembrai-vos das austeridades do pre­
cursor de Jesus Cristo, de Santa Catarina de Sena,
de S. Luís Gonzaga e de milhares de outros. e. Con-

(1) Gal. V, 24. - (2) Rom. VIII, 33. -(3) Coloss. 111, 5.

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i70 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

denar-se-á o que a Igreja honrou com os seus elo­


gios, o que o Salvador tão altamei:ite autorizou com
o seu exemplo ?
E' cerlo que a mortificação exterior satisfaz pelos
pecados; e. e não temos nós alguns que expiar?
E' certo que ela conserva a carne sujeita ao espírito,
e reprime as suas revoltas; e. e lemos nós inimigo
mais importuno e perigoso ? E' certo que ela atrai
graças de preservação ; é. e não precisamos nós delas
a todo o momento? E' ela que dispõe a receber a
luz celeste e a gostar as delícias da piedade; é ela
que obtém a fé viva, o gôsto de Deus e das coisas
de Deus; e dêsses dons estamos nós desprovidos,
nem hã bens que devamos desejar mais vivamente.
2. 0 A êsles motivos, que incitam o cristão a
abraçar a mortificação exterior, acrescem outros, que
a tornam ainda mais obrigatória para o sacerdote.
Todas os dias Jesus Cristo se sacrifica por seu mi­
nistério; e. e 'não é necessário que êle mesmo se sacri­
fique todos os dias com Jesus Cristo e pelo serviço
de Jesus Cristo? Ainda mesmo que um padre nunca
tivesse pecado, é. não é êle juntamente com o Salva­
dor, um penitente público, encarregado de aplacar a
ira de Deus por tantos pecadores endurecidos, que só
parecem ler a peito provocá-la? Completando assim
o que falta aos sofrimentos do Filho de Deus (1), o
sacerdote fecundará o seu ministério.
Se bem se meditar nisto, notar-se-á que lodos os
homens, de que Deus se serviu para operar a salva­
ção dos povos de uma maneira brilhante, levaram o
espírit1;1 de mortificação alé piedosos excessos, que
devem pelo menos confundir-nos, se não julgarmos
dever imitá-los. e. Como preparavam S. Domingos,

(1) Adimpleo e11 qu11e desuni p11ssionum Chrisli, in carne


me11. · Coloss. I, 24.

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A MORTIFICAÇÃO l7l

S. Vicente ferrer, S. francisco Xavier, S. Afonso


de Ligório e muitos outros, o êxito dos seus traba­
lhos apostólicos? faziam mais penitências do que as
requeridas: As suas austeridades encerravam uma
oração, que comovia o coração de Deus, e o decidia
a compadecer-s� dos pobres pecaáores; era uma ins­
trução e um exemplo, que influíam eficazmente nos
mesmos pecadores.
Só lenho pois, ó meu ºDeus, uma coisa a fazer :
regular pela prudência e pelo conselho, a prática
desta virtude cuja importância e necessidade reco­
nheço I Conservai-me no constante uso da mortifica­
ção, ao mesmo tempo que mé ensinardes Q seu pru­
dente uso ; com um e outro, derramareis sõbre mim
e sõbre os meus trabalhos abundantes bênçãos.

Resumo da Meditação

I. l Que idéia devo fazer da mortificação exte­


rior, contida em justos limites ?-Consiste em com­
bater a natureza sem a destruir, em respeitar os seus
direitos, sem lisonje.ar as suas inclinações. - E'-me
igualmente pro'ibido dar-lhe a ·paz, e a roorte. Posso,
devo mesmo atender à natureza, no que ela exige
para a sua conservação, com lanto que refira o que
lhe dou; não à própria satisfação, mas só à vontade
do Senhor. Mereço a mesma recompensa, quando
por_ Deus me mortifico, e quando por Deus deixo' de
me mortificar. Tudo é virtude, quando se faz o que
Deus quer, e se faz por Deus.

II. l Quais são os que estão obrigados à mor­


tificação exterior? - Obriga todos os cristãos, mas
mais estreitamente o sacerdote. Ninguém se faz cris­
tão, senão prometendo seguir o Evangelho; e tôda a
doutrina evangélica tende a firmar o domínio do es­
pírito sôbre a carne. A imitação d·e Jesus Cristo é

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MEDITAÇÕES SACERDOTATS

essencial ao cristianismo, e tôda a vida de Jesus


Cristo não foi senão uma contínua mortificação.
Assim o compreenderam todos os Sánlos: a necessi­
dade de padecer foi e-orno um senlimenló comum a
todos. Basta conhecer os efeitos da mortificação ex­
terior, para compreender que ninguém pode eximir-se
dela. - E' ainda mais necessária ao padre, que deve
imitar a Jesus Crislo mais perfeilamenle, ser com êle
penitenle público, para concorrer para a obra da re­
_denção, e comp)elar na sua carne o que falta à Pai­
xão do Salvador.

!SI

XXVII MEOITAÇÃO
Apresentação de Jesus Cristo no templo.
- Generosidade nos sacrifícios que Deus
nos exige

I. Sacrifícios que Jesus inspira a Maria.


li. Sacrifícios que Jesus impõe II si próprio.

PRIMEIIW PHELÚoro. Ver o templo de Jerusa­


lém; Maria no veslíbulo, cumprindo a lei da Purifi­
cação, depois de joelhos ante o altar, oferecendo seu
Filho e resgatando-o; Jesus dirigindo ludo, e ofere­
cendo,se a si mesmo pelas mãos de sua Mãe.
SEGUNDO PRELÚDIO. Esclarecei-me, Senhor, sô­
bre as perfeitas disposições com que se cumprem
coisas tão comuns na aparência : fazei que eu parti­
cipe da grandeza de alma e da generosidade, de que
encontro tão belos exemplos nos mislérios que vou
meditar.

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SACRIFÍCIOS l73
1. Sacrifícios q'ue Jesus inspira a Marià. -
Maria linha mais amor à sua virgindade que à honra
infinila de ser Mãe de um Deus, corno o prova a
pregunta ao anjo embaixador, mas não tinha apêgo
à glória 'de parecer virgem. Sacrifica volunlàriarnenle
essa glória, preferindo-lhe a de imitar Jesus na humi­
lhação. Ei-la pois confundida com as mulheres de
Israel; ela, que era mais pura que o sol, espera à
porta do templo a ocasiao de se purificar com as
outras mães; é porque lern um grande exemplo ante
os olhos: o Deus três vezes santo aniqüilado até to­
rnar a semelhança do pecado I é. Como recusaria ela
a humilha<tão de uma impureza legal, que não con­
traíu? Esfo inter mulieres fanquam una earum; nam
ef Pilius fuus sic esf in numero peccaforum ( 1).
Mas êste sacrifício é o menor dos que Maria faz
neste mistério. Sacrifica o seu Filho; e nesta vítima
tão prezada do seu coração, sacrifica mais que no
sacrifício de si mesma. Maria não ignora que, ofere­
cendo-o a Deus para expiar as iniqüidades do mundo,
o sujeita aos opróbrios e à morte. As profecias eram­
-lhe conhecidas; tinha lido nelas de antemão a histó­
ria circunstanciada dos sofrimentos do Messias.
E depois; ouve Simeão anunciar que êste Salvador
de todos às homens, infelizmente, não os salvará a
todos; que até em Israel, muitos não quererão apro­
veitar-se da sua abundante redenção; que longe de
atrair a 'si todos os corações com os seus divinos
encantos, será alvo de contradição; será despre­
zado, perseguido, morto por um povo a quem ama
ternamente. • E será esta, acrescenta o santo ancião
falando a Maria, urna espada que lraspassará a vossa
alma•! Ela submete-se a ludo, aceita tudo, e repele
com um dos seus ilustres antepassados: e.Vós o que-

(l) .$. Bern. Serm. 3. De Puri/Jc.

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174, MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

reis, Senhor? o meu coração está preparado: Para­


/um cor meum, Deus, para/um cor meum (1). Ela
diz já o que seu Filho dirá mais tarde : Non mea
volunlas, sed lua fiai (2). Eu digo-o também algumas
vezes, ó meu Deus: mas quando não permitis que o
cális se afaste de mim, quando é necessário ef�di­
vamente, que eu o beba, ah I quão fraca é a minha
vontade 1 . . . Jesus, nascido para sofrer e salvar os
homens sofrendo, apresenta a sua cruz a todos os
seus; é aos amigos mais caros que exige maiores
sacrifícios; e eu queixo-me, quando me associo aos
seus amigos predileclos.

II. Sacrifícios que Jesus Cristo se impõe a si


mesmo. -Compreendamos o mistério que se efeclua,
e entremos no coração do (ilho de Deus. Se êle se
fêz apresentar a seu Pai, não é para realizar, como
os outros meninos, uma simples cerimónia. Sabe,
qtJe na sua qualidade de Redentor, oferecer-se a
Deus é entregar-se à sua justiça, oferecer-se a uma
morte, em que o excesso do sofrimento irá unido
ao excesso da afronta. Ouve o que Simeão diz a
Maria, e as suas luzes excedem infinitamente as do
profeta; vê tôdas ,as circunstâncias da sua Paixão e
morte, e aceita-as. Desde o primeiro momento da
sua entrada no mundo, fizera a seu Pai a oblação
de todo o seu sêr: Holocaufomala pro peccafo non
fibi placuerunf: /une dixi: Ecce venio (11); e agora
renova-a solenemente no mistério da sua apresenta­
ção. Do templo o seu coração vôa ao Calvário;
corre por assim dizer, ao encontro da sua imolação.
é. E' isto o que eu faço? A Jesus nada o pôde deter,
quando se tratou de me salvar; e a mim tudo me
detém, quando se trata de eu o servir! A ardente

(1) Ps. XLVI, 8. -(2) Luc. XXII, 43. -(3) Hebr. X, 9, 7.

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SACRIFÍCIOS 175

caridade de que a sua alma está cheia, e a ausência


dêsse fogo sagrado na minha, explica a sua genero­
sida�e e a minha covardia.
Estranho contraste! vós nenhuma necessidade
fendes de mim, Senhor, e dais-me ludo; eu não
posso passar sem vós um só instante, e �ão quero
conceder-vos coisa alguma I As lágrimas da vossa
infância, os trabalhos da vossa mocidade, as perse­
guições da vossa vida pública, os sofrimentos e opró­
brios da vossa morte, ludo é por mim ! que digo?
foi Ião prodigioso o vosso amor por êsle ingrato,
que vos sujeitastes em seu favor a uma espécie de
paixão perpétua, quando, insliluindo o mistério de
vossos altares, e constituindo-me seu ministro, pre­
vistes por quantas tribulações vos seria necessário
passar, quantos ultrajes ímpios e alentados sacrílegos
leríeis que sofrer antes de chegar até mim; o vosso
amor venceu a horrível repugnância, que vos causava
esta espécie de morte prolongada através dos sécu­
los! i E. eu rélrocedo ante um sacrifício que só dura
um instante, que não tem talvez outra realidade senão
a que lhe atribui a minha imaginação! fizestes-vos
minha vítima,- e eu recuso ser. a -vossa 1... Ah I Se­
nhor, l e não deixais de me amar, ainda que eu me
não resolvo .a amar-vos bastante, para sofrer ao
menos com paciência as privações e penas, que os
vossos fiéis servos leem tantas vezes buscado com
ardor?
Unir-me intimamente à oblação tão, plena e per­
feita, que Jesus faz de si mesmo todos os dias a seu
Pai, pelas mãos de seus ministros. - Pedir, pelos in­
finitos merecimentos dêste sacrifício, que o meu, isto
é, o que vou fazer-lhe de lodo o meu sêr no sagrado
altar, seja realmente como êle deseja. Não, Senhor,
nada vos será já recusado. Maria e José, sêde tes­
temunhas e fiadores da minha promessa. -Prepa­
rar-me a superar generosamente as primeiras repu-

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{76 MEDITAÇÕES SACERDOTAlll

gnâncias que sentir no cumprimento' dos meus de­


veres.
Resumo da Meditação

I. Sacrifícios que Jesus inspira a Maria. -


Ela sacr�ca a glória de parecer virgem, à glória ae
imitar a Jesus na humilhação. Vê ao Deus três vezes
santo, aniqüilado até tomar a semelhança do pecado;
l como recusaria ela a humilhação de uma impureza
legal, que não conlraíu? - Sacrifica o seu filho ;
l podia ela ignorar que, oferecendo-o a Deus para
reparar a sua glória, o oferecia aos opróbrios e à
morte? Conhecia as profecias: compreendeu a dura
palavra : Será alvo de contradição; e esloulra : E
será esfa umll espadll que frBspassBrá a vossa alma.
Submete-se a ludo. E eu queixo-me, quando o mesmo
Salvador, dando-me alguma pequena parle nos seus
sofrimentos, me associa aos seus maiores amigos 1

II. Sacrifícios que Jesus impõe a si própri�.


� Sabe que na sua qualidade de Redentor, ofere­
cer-se a Deus é pôr-se nas mãos da sua justiça, e
entregar-se à mais horrível morte.· Mede lôda a ex­
tensão do seu sacrifício, e aceita-,;>. Nada o pôde
deter, quando se lriilou de me salvar; e a mim ludo
me detém, quando se trata de o servir. O' Jesus 1
vós fizestes-vos minha vítima, e eu recuso ser a vossa 1
Ouero ao menos sofrer com paciência o que os vos­
sos fiéis servos desejam com ardor.

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FIDELIDAllE Á LEI li7

XXVIII MEDITAÇÃO
Apresentação de Jesus no tempto.-Fidelidade
em cumprir tôdas as disposições da lei

I. Por pouco imporlan(es que se julgu�m.


li. Por pouco obriga(órias que pareçam.

l. Observar tôdas as leis do Senhor, por pouco


importantes que se julguem (1). - Maria, José e Je­
sus que os inspira, sujeitam-se a tôdas as cerimónias
prescritas, e esta obediência é como o espírito parti­
cular dêste mistério. O tempo, o modo, tôdas as cir­
cunstâncias, tanto as que respeitam à purificação de
Maria, como as que se referem à apresootação e ao
resgate do Menino-Deus, nada é omitido, nada é mu­
dado, ludo é feito segundo a lei: Secundum legem
Moysi. - Sicuf scripfum esf in lege Domini. - Se­
cundum quod dictum esf in lege Domini. - Uf perfe­
cerunf omniéJ secundum legem Domini (2). Durante
tôda a sua vida mortal, Jesus mostrará a roes.ma
-exaclidão em executar os mandados de seu Pai. Se
êle se dirige cada ano ao templo com seus pais, se
<:orne o cordeiro pascal, é sempre no tempo e do
modo que Deus o dispõe por Moisés. Observa a lei
pontual e exaclamente (3). Faz o que êle ensina� pra­
ticando as coisas grandes sem desprezar as peque­
nas (4). Oh! quantos motivos que me induz�m a imi­
tar êsle proceder 1

(1) fala.mos aqui das leis em geral; na seguinte medilaçiio


fralaremos dos rilos sagr11dos.
(2) Luc. li, 22 sq.-(3) M11Uh. V, 18,-(4) ld. XXIII, 23.

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i'78 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

t. 0 Nada é pequeno, quando Deus o ordena.


Esta consideração, Deus o quer, deve tornar tudo
grande na minha estimação: o que feria desprezado,
já sou levado a respeitá-lo. O esplendor da autori­
dade faz desaparecer a meus olhos qualquer pretexto
de independência. •
2. 0 é, Como não achar grande, importante e
digno de lôd� a minha atenção o que agrada a Deus,
o que multiplica os meus direitos às celes!iais recom­
pensas, e me faz adeanlar na perfeição? Tais são as
observâncias comuns. Deus considera menos a acção
do que o princípio dela ; menos a mão do que o co­
ração. Quando, olhando só à sua vontade, a cumpro
exaclamenle e com grande desejo de lhe agradar,
aumenlo o tesoiro dos meus merecimentos. Àlém de
ler a Deus conlenle, é, s.erá coisa de .pouca monta
um novo �rau de graça no tempo, .e de glória na eler�
nidade? Oa San los formam-se, não com obras ex­
traordinárias, mas com a sua exaclidão em fazer bem
o que Deus quer.
3. 0 Ainda que houvesse coisas pequenas entre
as que me são ordenadas, engrandecê-las-ia pelo fer­
vor com que as praticasse. Uma alma generosa,
ob�ervando com cuidado as menores leis, parece di­
zer a Deus: Falai, Senhor, e vereis como estou dis­
1
posto a fazer por vós tanto o mais dificil, como 'o
mais fácil ; eu só vejo em lôdas as coisas o vosso
agrado.
4. 0 A ocasião de faze� coisas '8randes é rara ;
a de fazer coisas pequenas é. contínua; e precisamente
esta conlí!1ua vigilância e exaclidão supõem um grande
espírito de sacrifício, uma fôrça de alma pouco vul­
gar. Tado o mundo é capaz de um esfôrço passa­
geiro; mas durante tôda a vida, desde m<?nhã até à
noite, sujeitar-se, sem nunca se desmentir, a uma
longa série de peqúenos sacrifícios : modéstia, vigi­
lância sôbre si mes!Do, pontualidade em seguir um

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FIDELIDADE Á LEI 179
regulamento ... �lo pede uma coragem heróica:
Minimum quidem minimum esf, sed in minimis Gde­
lem esse, maximum. Dêmos um exemplo : o santo
uso do exame particular parece ser uma bagatela, e
nenhum sacerdote haverá que o não haja praticado
algumas vezes, ao menos emquanto eslava no semi­
nário e depois dos retiros; é. haverá, porém, muitos
que o pratiquem constaqtemente?
5. 0 As coj�as pequenas são a guarda das gran­
des. As leves infidelidades preparam as quedas.
é. Ouem poderá contradizer o oráculo do Espírito
Santo: Oui spernif modica, pe,ulalim decidet? ( 1)
O _exercício dos ministérios sagrados fornece-nos
uma prova disto todos os dias. é. Não a achamos
em nós mesm�s? Se preguntarmos de boa fé à nossa
alma tíbia, quási endurecida, porque é que cai nêsse
estado, a resposta não se fará esperar: Oui in mo­
dico iniquus esf e/ in majori iniquus esf (9). Pelo
contrário, nunêa se ouviu dizer que um padre, que
cumpre .os menores preceitos, não· cumpra os seus
deveres essenciais : Oui Gdelis esf in minimo, ef in
majori Gdelis esf (3).
6. 0 finalmente, nunca 'ninguém é pequeno, se-
1guindo as pisadas de um Deus. Jesus Cristo leve
boas razões para fazer o que fêz; imitá-lo é para
mim uma boa razão, sem que lenha necessidade de
examinar as suas. Depois dêle, e por amor dêle,
quero obedecer a todos os preceitos, que me são
dados, por pouco importantes que me pareçam.
Ouero também :

II. Observá-los, por pouco obrigatórios que


me pareçam. - O divino parto de Maria tinha con­
sagrado a sua pureza, muito longe de a macular;

(1) Eccli. XIX, t. - (1) Lué:. XVI, to. - (3) Luc. XVI, ta.

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t.80 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

por conseguinte não eslava sujeita à lei da purifica­


ção; Jesus Crislo eslava-o ainda menos à da circun�
cisão e a lôdas as cerimónias da apresentação. O de­
sejo de seu Pai foi para o Salvador o único preceito;
e quanto a Maria, a sua lei suprema era imitar a
Jesus. Não há interpretação, não _há desculpa, nãG.
há dispensa; a letra manda, o Filho e a Mãe obede­
cem. e. Oue seria de nós, se Jesus Cristo se tivesse
limitado, a nosso respeito, ao que �ra obrigado a
fazer ? e. Oue nos devia êle em rigor? Agora mesmo
e. que seria de nós, se no� não concedesse senão as
graças que nos deve? e. Não lenho eu a recear que
se limite a dar-me socorros comuns, se vê que ponho
restrições à obediência? E' mil vezes m1=lhor estreitar
os vínculos que me prendem a êle, do que afrouxá­
-los. Aquele que só quer obedecer quando lhe orde­
nam, quando o ameaçam, é escravo ; e o escravo não
merece ser tratado com a bondade e liberalidade
que se usa para com o filho. Se a lei deixa algum�
coisa à minha liberdade, alegro-me com isso ; o meu
coração poderá manifestar-se mais. Deus observa-me;
está satisfeito de me vêr cumprir fielmente o meu de­
ver, quando só a êle lenho por testemunha; isto bas­
ta-me. Desejava a ocasião de lhe mostrar o meu
amor; ei-la, quero aproveitá-la.
I
Ah I Senhor, e. não vos servirei nunca por vós
mesmo e puramente por vós? E' verdade que os
meus inlerêsses não podem ser separados dos vossos,
e faço sempre pela minha felicidade o que faço pela
vossa glória; porque tenho tudo a esperar de um Pai,
que só busca razões para me fazer bem, e que .me
l-em feito tanto até êsle dia, a-pesar das razões que
tinha para me castigar. Mas visto amardes tão gra­
tuitamente uma crislura misuável, que só merece o
vosso desprêzo, um pecador ingrato que só leIT) di­
reito à vossa vindida, é muito justo que eu me es­
queça de mim para vos agradar.

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FIDELIDADE Á LEI l8t
Determinar em que circunstâncias particulares
darei hoje a Deus esta prova do meu amor. - De­
signar certos momentos no dia, em que eu examme
os pequenos sacrifícios qIJ,.e tiver feito.

Resumo da Meditação

I. Observar todos os preceitos da divina lei,


por pouco importantes que pareçam. - Jesus, Ma­
ria, José sujeitavam-se a ludo o que é prescrito; e esta
obediência é como que o espírito particular dêste mis­
tério. Nada é omitido, nada é mudado, tudo é feito
segundo a lei. Jesus mostrará sempre a mesma pon­
tualidade em fazer a vontade de seu Pai. - Nada é
pequeno, logo que Deus o ordena. - l Como não
considerar imporlante ludo o que agrada a Deus, tudo
o que favorece os meus progressos na perfeição, e
mulliplica os meus direitos às recompensas celestes?
- Tornam-se gràndes as pequenas coisas pelo fervor
com que se prafi<;am. - A ocasião das grandes coi­
sas é rara, a das pequenas é contínua, e esta conli­
nu"idade de vigilância e de sacrifícios exige uma fôrça
de alma pouco vulgar- As pequenas virtudes são a
guarda das grandes, assim como as leves infidelida­
des preparam as quedas. - Finalmente, ninguém é
pequeno, seguindo as pisàdas de um Deus.

li. Observar todos os preceitos da lei, por


pouco obrigatórios que pareçam. - Maria não es­
tava sujeita à lei da purificação; Jesus esft1va-o ainda
menos à circuncisão e à apresentação. Só o desejo
de seu Pai serviu de preceito ao Salvador; e quanto
a Maria, a sua lei era imitar a seu Filho. l Oue se­
ria de nós, se Jesus Cristo só tivesse feito por nós o
que era obrigado a fazer? Senhor, l não vos servi­
rei eu jàmais por vós mesmo e unicamente por vós?

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:182 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

XXIX MEDITAÇÃO
Apresentação de Jesus no templo. - Proceder
do bom sacerdote no que se refere às rubricas
e cerimónias litúrgicas
I. Respeita-os.
II. Observa-as.
III. Explica-as.

1. O bom sacerdote respeita as cerimomas


eclesiásticas; e funde-se nêste argumento invencí­
vel : não se pode respeitar demasiado o que é grande
na estimação do mesmo Deus. foi o Senhor quem
ditou pela sue própria bôq1 as cerimónias do antigo
culto. é. Ouem se recorda sem admiração das minu­
dências, a que se dignou descer, das palavras de que
se serviu prescrevendo ésses numerosos ritos, que se­
ríamos tentados a julgar insigni6cai'ltes, se não tives­
sem em seu favor a autoridade de sua infinita sabe­
doria? • Ouve, ó Israel, sou eu, é o teu Senhor e
leu Deus que te fala• . E depois de ter assim provo­
cado a atenção de seu povo, repele muitas vezes,
que não são conselhos que êle dá, mas leis que im­
põe. • Não te esqueças, q nação privilegiada, d�
que a tua exadidão nesta matéria será recompensada
com abundantes bênçãos, assim como a lua negligên­
cia te atrairia horríveis maldições• (1).

(1) Audi, Israel, creremonias et judicia qure ego loquor hodie


in ouribus veslris. Cusfodi prreceplo, el creremonios olque judicio,
quos ego mondo libi. ·Observo, el cove nequondo oblivi,scaris Do­
mini Dei fui, e! negligas creremonias quas ego pro:cipio tibi. Cus­
fodí creremonios ... , ui bene si! tibi. Ouod si audire nolueris vo­
cem Domil'li Dei fui, ut custodias creremonias quos ego prrecipio
tibi, venien( super te omnes moledidiones islre, moledidus eris in ci-
vi(a{e, elc. 8eut. V, t, 1 t.

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CERIMONIAS \LITÚRGICAS 183

Nadab e Abiú, Oza e alguns outros faltam às


cerimónias, em pontos que parecem pouco importán­
tes, e em ocasiões: que pareciam dever desculpá-los,
e todavia são feridos de morte de urna maneira tão
terrível, que fica todo o Israel consternado. Deus é
sempre o mesmo: Ego Dominus, ef non mufor (1).
j Oue motivo de temor para certos padres, que tratam
as cerimónias com leviandade, e não cuidam sequer
em estudá-las I l·Eram as da antiga lei tão respeitá­
veis como as nossas? l Referiam-se elas a mistérios
tão sagrados ?
A Igreja considera as cerimónias como coisa
fT\Uito grave, pois emprega em prescrevê-las, as luzes
infalíveis e a suprema autoridade que ela recebeu do
Senhor. Na administraçãq dos sacr-amentos, no au­
gusto sacrifício, na oração pública e em tudo o que
pertence ao culto divino, nada deixa ficar ao arbítrio;
regula tudo com uma solicitude, que bem mostra que
na sua mente êsses preceitos merecem grande res­
peito. Reflita-se no sagrado Concílio de Tren�o :
Si quis . dixerif recepfos ef approbafos Ecclesiae ca­
lholicae rifus, in soltmni sacramenforum adminisfra­
fione adhiberi consuefos, auf confemni, auf sine pec­
cafo a minis/ris pro libilu omilfi, auf in novos alias
per quemcumque Ecclesia rumpasforem mufari p�se,
anafhema si/ (2).
O anátema, ou a excomunhão é a maior pena,
que a Igreja inflige; l e contra. quem a· profere ?
Não contra aqueles que mudam, desprezam ou omi­
tem a seu talante os ritos que ela recebeu ou apro­
vou, mas contra os que dizem sõmente que cada
pastor pode mudá-los, ou que se podem desprezar ou
omitir sem pecado. Se ella traia com tanto rigor os
que dizem que isto se pode fazer, l poupará ela os

(1) Mal. III, 6. - (2) Cone. Trid. Sess. VII. Can. XIII.

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184, MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

que o fazem? Objeda-se que é apenas ·uma pequena


cerimónia e que é incómoda; é.que grande mal pode
haver em omiti-la, com tanto que não haja nisso des­
prêzo. Deplorável cegueira! Desprezar as cerimó­
nias é um grande mal, omiti-las é outro ainda maior,
que o Concílio distingue do primeiro. Analematizado
seja todo aquele, que diz que se podem desprezar;
mas anatematizado seja também lodo aquele que diz
que se podem omitir ou mudar.

II. Como devemos observar as rubricas e as


cerimónias. - é. Oual é o homem, pregunta o Sábio,
que será repulado· perfeitamente justo deante do Se­
nhor? E.', responde êle, o que não se contenta com
fazer o bem, mas que o faz com tõda a perfeição
possível (1). Com relação aos sagrados ritos, a prá­
tica reduz-se a duas coisas··: pontualidade e devoção.
t. 0 A pontualidade consiste em observar · lôdas
as cerimónias no tempo devido e como são prescri­
tas. Não omitamos nenhuma, visto que são tõdas or­
den�das; é. que direito lemos nós de dividir a nossa
obediência? Mereçamos o elogio que S. Jerónimo'
fêz de Nepociano: ln omnes caeremonias pia sollici­
fudo deposita non minus, non majus negligebat ofG­
ciu{fl (2). Observemos ta111bém o tempo e o modo,
que não são menos ordenados que as mesmas ceri­
mónias. Se por precipitação ou excessiva lenlidão,
elas não estão já em harmonia cbm as palavras a
que se referem, nada significam, falta-se ao fim para
que a Igreja as instituíra. Façamo-las quando e como
são prescritas, não fazendo a inclinação média,
por exemplo, quando deve ser profunda, ou profunda
quando deve ser média.
2,0 Mas o que dá. vida a estas formas corpo-

(1) Sap. VI, 11. - (2) Ad Heliod.

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CERIMÓNIAS LITÚRGICAS 18:i
rais, é a devoção. Se''livermos cuidado em animar
pela fé estas práticas exteriores, adoraremos a Deus
em espírito e em verdade; agradar-lhe-emos, diz
S. Cipriano, pelos movimentes do corpo, pela infle­
xão da voz, sendo ludo em nós regulado pel_lil obe­
diência e pelo amor: Placendum esf divinis oculis
habilu corporis el modo voeis (1). E' necessário pois
peneirar o sentido das cerimónias, para que elas se­
jam apenas a expressão· dos nossos sentimentos.
Para isto convém entendê-las bem, tanto mais que
elas fazem parle do ensinb que devemos dar ao povo.

III. Ouanfo importa explicar as cerimónias


cristãs. - Instituindo-as, a Igreja propôs-se, depois
pa honra de seu adorável Espôso, a utilidade de
seus ministros e de todos os fiéis. Os ritos sagrados
são para o padre uma exortação contínua à profunda
devoção e ao fervor que exigem dêle as suas subli­
mes funções; e é. que preciosas vantagens não tirariam
também dêles os leigos, se fõssem iniciados no _co­
nhecimento da nossa admirável liturgia? Achariam
ali os nossos dôgmas pintados, simbolizados, postos
ao alcance de tõdas as inteligências. Tudo fala na
Igreja, diz Bossuet, e ludo fala ao coração para o
mover, assim como ao espírito para o esclarecer.
é. Oue coisa mais interessante, por exemplo, que à
significação das cerimónias do baptismo? é. Não
se instru"iriam os' fiéis sôbre tõda a religião, se lhes
falassem sôbre os ritos do divino sacrifício, qu·e é
o seu centro, em uma série de práticas sôbre um
fãa belo assunto? Quando os 'fiéis contemplam o
especláculo de um ofído sagrado bem feito, a gravi­
dade, a atenção, a devoção de um padre ao altar;
quando consideram, nas grandes festividades, a ordem

(1) De oro!. Dom.

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{86 MEDITAl,iÕES SACERDOTAIS

majestosa, os ornamentos de relativa magnificência,


o clero que se prostra cheio de respeito deante do
Senhor, por pouco instruídos que estejam, é impos­
sível que não se elevem das imagens visíveis às invi­
síveiS\ realidades. é. Oue seria pois, se compreendes­
sem ludo o que vêem?
O Concílio de Trento obriga os párrocos a ex­
plicar a liturgia (1). é. E' esta obrigação sempre cum­
prida com a obediência que a Igreja espera. de seus
ministros? Se por falta de instrução, os leigos .não
entendem as nossas cerimónias, é. quem pode , estra­
nhar êsse enfado que sentem no meio das nossas
pqmpas réligiosas ainda as mais importantes?
é.Tenho eu tido para com as rubricas e cerimó­
nias o respeito que é devido à divina at1toridade,
donde dimanam, e aos fin!;! que Deus se propôs, ins­
tituindo-as? é.Tenho dado provas dês te respeito com
a minha aplicação a estudá-las, a minha exaclidão,
em observá-las, o meu zêlo em explicá-las? é. Ser­
vi-me delas, para alimentar a minha piedade, e pt1rt1
inflamar o coraçiio dos fiéis com o fogo da devo­
çiio? (2) 1 Oue vergonha, se eu igno'rasse o que devo
ensinar! Proponho reparar a minha negligência, apa­
ziguar. justos remorsos, e, usar melhor de um meio
tão útil à glória de Deus, à minha santificação e à
salvação de meus irmãos,

Resumo da Meditação

L O bom pa�re respeita as cerimónias ecle�


siásticas. - Não se pode respeitar demasiado o que
é grande na estima de Deus. Foi êle mesmo quem

(1) Sess. XXII, can. 3,


(2) Bula do Papa Six!o V, fundando em Roma um lríbunal
encarregado de vigiar pela pure;,a e observância dos ritos,

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SUBMISSÃO Á PROVIDÊNCIA i87
dilou as çerimónias do anligo culto. é. Com que ri­
gor não puniu êle as menores faltas nesta matéria?
-A Igreja considera as .cerimónias como coisa de
muita gravidade; faça-se idéia disto por um <los seus
decretos: Si quis dixerit. . . O anátema é a maior
pena que ela inflige ; é. aqui contra quem se profere?

II. Como devemos observar as rubricas. -


Pontual e devotamente. __:_ Observá-las tôdas no
tempo exigido e como são prescritas. - Más o que
anima o culto exterior, é a devoção. E' pois neces­
sário en,trar no sentido das cerimónias, e por conse­
guinte conhecer bem a sua significação.

III. Ouanfo imporia explicar as cerimónias. -


Os padres acham nelas uma exortação conlínua à de­
voção profunda e ao fervor que exigem tão santas
funções; os fiéis ali acham os nossos dogmas repre­
sentados, postos ao alcance de lodos. O concílio de
Trento obriga os párrocos a explicar a liturgia.
é.Tenho eu usado, como devia, de um meio Ião útil
à glória de Deus, à minha santificação e à salvação
de meus irmãos?
1:::1

XXX MEDITA<;ÃO
Fugida para o Egipto. -. Belo modêlo
de submissão á Providência
). Na parlida.
li. Na estada no Egip!o.
lll. Na volta a Nazareth.

Ainda que o Salvador não parece praticar obra


alguma nos mistérios da sua divina infãncia, e tudo se

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188 MEDITAÇÕES SACEIIDOTAIS

atribui a José como chefe da Sagrada Família, é


"todavia verdade que Jesus o instruía interiormente
no que tinha a fazer e o dirigia em ludo.

1. Partida da sagrada família para o Egiplo.


- Ouando os nossos superiores, dispondo de .nós,
como a isso são obrigados pelos deveres do seu
cargo, nos fazem mudar de situação e passar de um
lugar para outro, desejamos da sua parle atenções;
pois Deus parece não ter nenhuma para com seu
Filho. O anjo do Senhor aparece em sonhos a José,
e diz-lhe : • Levanta-te, e toma o Menino e sua Mãe,
e foge para o E.giplo, e 6ca lá, até que eu te avise• ( 1 ).
Nunca ordem alguma pareceu mais estranha nem
de mais difícil execução. Tratava-se de deixar uma
pátria, onde José, na sua indigência, podia achar
alguns socorros junto dos seus parentes; de ir para
o E.giRto, país cuja língua não sabia, de que eslava
separado por imensos desertos, para o meio dum
povo idólatra, inimigo dos Judeus; e essa longa via­
gem, era necessário fazê-la de inverno, por caminhos
desconhecidos, cortados- por torrentes, em que não
havia segurança para os viandantes. A Mãe era tão
delicada ! . . . O Menino tão fraco 1 • • • Era preciso
partir no meio da noite, imediatamente, sem poder
prover-se das coisas nece_ssária!I para uma tal viagem.
1 Ouantas circunstâncias nesta ordem pareciam
contradizer as luzes da razão I é. Para que ir tão
longe e partir Ião precipitadamente? é. Não linha a
suprema Sabedoria outro meio de põr em segurança
a vida de um Menino tão privilegiado? é. Não era
expô-lo aos maiores perigos, empreender tão longa
jornada naquela estação, e em tão completa penúria?
Supondo que fôsse necessário fugir, é. porquê para o

(1) Mallh. 11, 13.

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SUBMISSÃO Á PROVIDÊNCIA 189

Egipto e não para o país dos Magos? e. E por que


razão não se deu a ordem mais c;do, ao menos na
véspera? . . . Milhares de objecções se apresentavam
ao espírito para combater uma determinação tão
absurda na aparência; José não diz palavra; não se
demora um só instante. Mondam-lhe que parla, e
parle logo. Depois verá a justificação da suã submis­
são à Providência. Emqu�nlo a sagrada Familia se
esquece de si, paro só atender á vontade de Deus,
pensa nela, provê a ludo e a viagem efedua-se.
Oh I como êsle exemplo confunde os meus cui­
dados, as minhas queixas talvez, quando os meus
superiores me dão um destino, que contraria os meus
gostos I e. não saberei eu que Deus quer experimentar
a minha fé; que eslão ligadas grandes graças a esta
prova; e que de lõdas as situações do mundo, a me­
lhor para mim é a que Deus me Órdena? Os cami­
nhos do Senhor a nosso respeito são coisa sagrada ;
nada temamos tanto como sair dêles. Desgraçado
do sacerdote, que só quer receber missão de si pró­
prio I A bênção do céu não o visitará. Mas e. como
é consolador poder dizer consigo: Fiz o que o Se­
nhor me ordenou; lenho direito de contar com o
que me prometeu? Dominus regi( me, ef nihil mihi
deerif: in loco p8SC!Ji,8e ibi me colloc8vif. . . Et si
8rrfbulavero in medi� umbrne. mortis, non fimebo
mala, quoniam tu mecum es (1). Vamos aonde quer
que Deus nos chame; fiquemos lá até que nos avise.

II. 'Estada da sagrada Família no Egipfo. - O


anjo dissera a José : Esto ibi usque dum dicam
fibi (2). Esperará com paciência e não pedirá uma
só vez para voltar á sua pátria. Poderá sofrer, en­
fastiar-se, achar incómoda a sua estada nêsle país,

(1) Ps. XXII, 1. - (2J Matlh. li, 13.

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mo MEDITAÇÕES, SACERDOTAIS

e muito longo o lempo que nêle passa: não lhe ocor­


rerá deixá-lo. S� veio ali para obedecer a Deus, . só
dali saYrá para lhe agradar. Com efeito; ficou lá
sele anos, entregue sempre aos cuidados da Provi­
dência e sempre contente. 1 Oue admirável e que rara
é esla fidelidade I Resignamo-nos primeiramente, fa­
zemos sacrifícios sem repugnância; mas depois, en­
fastiamo-nos, inquietamo-nos, já não vemos a Deus e
a sua vontade santíssima.
A necessidade de mu·dança atormenta algumas
vezes a sacerdotes excelentes, que não desconfiam
duma tentação tão perigosa: lmaginafio locorum et
mulafio mui/os fefellil (1): Imagina-se sempre que se
estará melhor onde se não está. Exageram-se os in­
convenientes da situação presente, de que constante­
mente' o espírito está pr-::oê:upado; e não se· querem
prevêr os daquela que se deseja. Grande ilusão 1
l Onde achar nêsle mundo rosas sem espinhos? Por
uma cruz, de que os homens se livram, l não acarre­
tam muitas vezes sôbr� si outras ainda mais pesa­
d/;ls? Oui melius sei/ pafi, majorem fenebif pacem (2).
Demos por amparo à. nossa perseverança o que tor­
nou tão inabalável a de S. José. Êle linha consigo
a Jesus e Maria (3). Deus está em tôda' a parle; o
sacerdote tem em tôda a parti. uma igreja, onde Je­
sus Cristo reside, em tôda a,arte um crucifixo, e
exercícios de piedade ; pode oferecer todos os dias
o adorável sacrifício, a lodo o instante recorrer 'a
Maria. Oh! que remédio contra o enfado I que fon­
tes de paz e de felicidade !
O homem julga que justifica a sua inconstância,
dizendo que, se deseja sair de cerla situação, é
porque nela comete falias, porque ali não fem tempo
para orar; porque ali sofre iniifilmenfe, não fazendo

(1) /mil. 1. 1, e. 9. - (2) !d. 1.11, e. 3.- (3.J M11Uh. li, 13.

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SUBMIS:,ÃO Á PROVIDÊNCIA rnt
bem algum. Um padre refledido vê fàcilmente quão
frívolos são êstes pretextos. - Faltas I é. mas onde se
não cometem ? é. e onde se éometerão menos do que
onde estamos seguros de lei: a graça, que vai sempre
unida à obediência e paciência? - Dêmos à oração
o mais tempo que pudermos, aproveitando-o com cui­
dado; Deus não pode querer mais. Sacrifiquemos à
sua glória, se fõr preciso, as nossas dõces comuni­
cações com êle; nada peri:leremos com isso; serve-se
bem a êste grande Rei, deixando-o para o servir. -
Mas sofro inrJlilmenfe, porque não faço bem algum I
é. Ouem vo-lo disse? Atribuem-se à estada do Salva­
dor no Egipto as graças que mais tarde povoaram
de Santos êsses vastos êrmos; Deus talvez vos pu­
sesse nessa parrõquia para merecer com os vossos
.sofrimentos e a vossa fervorosa oração, as bênçãos
que se propõe derramar sõbre ela num tempo que só
êle conhece. é. Não ides vós ali converter uma alma,
de que Deus se servirá para santificar um grande
número de outras ? é. Não fazia Jesus Cristo nenhum
bem, quando não fazia senão sofrer e morrer pela
salvação do mundo? Ainda mesmo que tõda a van­
tagem da vossa posição se· limitasse a cruzes, é. é
coisa pouca expiar os vossos pecados, ter cá na
terra o vosso purgaw_rio, dar a Deus a prova mais
certa de amor? •

III. Yolta da sagrada família â Nazareth. -­


• Sendo morto Herodes, o anjo do Senhor apareceu
em sonhos a José np Egipto, dizendo: Levanta-te, e
toma o Menino e sua Mãe, e vai para a l!erra de l&­
rael . . . José levantando-se, tomou o Menino e sua
Mãe, e veio para a terra de Israel, a morar na ci­
dade de Nazareth (1).

(1) Mallh. II, 19, 23.

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19! MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Sempre a mesma prontidão em obedecer, sem­


pre a mesma submissão à Providência. José deixa o
Egipto, volta à terra de Israel, logo que. sabe que é
a vontade de Deus. Mas, como se lhe não designe
o lugar em que · há de fixar a sua morada, esc::ilhe
Nazareth, onde presume que criará o Menino mais
fàcilmente e estará menos exposto a perdê-lo. Nas
coisas qoe são deixadas à nossa disposição, quando
os superiores não falam, consultemos a fé e a ra­
zão esclarecida pela fé, riunca a vivacidade natural,
ainda menos a paixão. i Em que emprêgo e de que
modo servirei melhor a Nosso Senhor e estarei menos
em perigo de o perder? Dirijamo-nos unicamente
por êste princípio. Interpretar assim a vontade de
Deus, quando êle não ordena, é ainda obedecer
a Deus.
Busquemos o reino de Deus e a sua justiça, o
resto nos será dado por acréscimo; vir-nos-á talvez
além das nossas esperanças, e donde menos o espe­
rávamos. Mas para ter direito· de confiar assim na
Providência, é necessário entregar-nos inteiramente
aos seus cuidados, em tôdas as ocasiões, e por todo
o tempo que lhe aprouver.
Colóquio com Jesus, Maria e José. Àh ! quão
pouco os tenho imitado até Wc dia na prática de
uma virtude tão salutar e tão ave 1- Humilhar-me-ei
por isso deante dêles, mas sem perturbação, com
simp"licidade e pesar, com a firme vontade de proce­
der melhor; pedir-lhes-ei que abençôem a resolução
que êles me inspiram.

Resumo da Meditação

I. Parlida da sagrada família para o Egipto.


• O anjo do Senhor apareceu em sonhos a Jqsé,
e disse-lhe: Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe, e
foge para o Egipto, onde ficarás, até que eu te avise>.

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SUBMISSÃO Á PROVIDÊNCIA 193

Nunca ordem alguma pareceu de tão difícil execução


nem mesmo tão desarrazoada. E José não diz uma
só palavra, e não se demora um só instante. Os ca-.
minhos do Senhor a nosso respeito são coisa sagra­
da; nada temamos tanto, como sair dêles:

II. Estada da sagrada família no Egipfo. -


Jos� e�pera com paciência. Só veio a êste país es­
tranjeiro· para obedecer a Deus ; não sa'irá de lá
senão para lhe agradar. A necessidade de mudança
atormenta algumas vezes a bons sacerdotes; é uma
tentação. Por uma cruz de que nos desembaraçamos,
impômo-nos talvez f!lUilas outras e mais pesadas.
é. Hã coisa mais desejável que expiar os nossos pe­
cados, ter cá na terra o nosso purgatório e dar a
Deus prova certa do nosso amor, que é a que êle
pede?

III. Volta da sagrada família para Nazarefh.


- • Sendo morto Herodes, o anjo do Senhor apare­
ceu em sonhos a José, dizendo: Leva'nta-te, foma o
Menino e sua Mãe, e vai para a terra. de Israel•.
Sempre a mesma prontidão em obedecer, sempre a
mesma confiança· na Providência . . . Busquemos o
reino de Deus e a Sitl justiça, o resto nunca nos fal­
tará. Colóquio comWesus, Maria e José. Ah! quão
pouco os tenho imitado até êste dia na prática de
uma virtude tão salutar e tão suave !

Para reünir aqui todos os deveres do bom sa­


cerdote para com a Providência, acrescentaremos
duas meditações a êste respeito. Na 'primeira ve­
remos como êle a honra; na segunda, como afaz
honrar e se mostra digno instrumento dela.
131

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i04 MEDITAÇÕES SACERD O A_ _IS
_ _T _______

XXXI MEDITAÇÃO
O bom sacerdote honra a Providência
I. Reconhece-a em fôdas as coisas.
li. Submele-se II ela.
III. Confia nela.

I. O bom sacerdote reconhece em tôdas as


coisas a Providência. - Ainda que saibamos. pela
fé, que nada escapa aos vigilantes cuidados de Deus,
que governa o mundo, como um pai governa sua fa­
mília (1), quási nunca vemos a Providência senão nos
grandes acontecimentos da nossa vida; o homem in­
terior descobre-a e adora-a nas menores circunstân­
cias. Santo Inácio via-a �uma florinha colocada na
sua passagem, para lhe recrear a vista e embele­
zar o lugar do seu deslêrro; e ficava comovido a
ponto de chorar. S. Francisco de Sales e S. Vicente
de Paulo viam-na no pobre enfêrmo e no importuno,
que vinham distraí-los no meio das ocupações mais
graves, para solicitar a sua caridade e experimentar
a sua paciência. Tudo está sujeito ao domínio da
Providência; até o passarinho..9ue morre: Unus ex
illis non cadef super ferram si• Palre vesfro (2); até
os lírios do campo: Considera/e /ilia agri quomodo
crescunf (3); até os cabelos da nossa cabeça: Capil­
ÍlJIS de capife vesfro non perihif (4). é. Para quê fixar­
-me nas causas secundárias e imediatas, que são as
criaturas de que Deus se serve, em lugar de me ele­
var sempre e em tudo até à primeira causa, que é o
mesmo Deus? Sicuf Domino placuif, ifa faclum

(1} Tua autem, Pa!er, Providenlia gubernat. Sap. XIV,3.


( 2) Mallh. X, 29. - (3) ld. VI, 28. - (4) Luc. XXI, 18.

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O SACERDOTE E A PROVIDÊNCIA 193

esf (1). - Manus Domini fefigif me ( ). Fôsles vós,


2

Senhor, que ludo regulastes; ludo o que acontece, é


o efeito da vossa vontade, que ordena, ou que per­
mite; e a primeira homenagem que devo ã vossa
Providência, é um11 homenagem de fé; a segunda é
uma homenagem de submissão�

II. O bom sacerdote submete-se inteiramente


às disposições da Providência. - Ouando o amo
fala e ordena, compete ao servo obedecer. Ouando
Deus manifesta a sua vontade, compete aos homens
submeter-se a ela; porque de todos os amos,'o maior
é o Senhor: Dominus esf. Senhor de .direito, por­
que pode, sem que tenhamos motivo para queixar-nos,
mandar o que quer; senhor de fado, porque exe­
cuta realmente tudo o que quer, independentemente
de nós· e das nossas queixas ; daí duas razões para
mim, de me submeter voluntária e cristãmente às dis­
posições da Providência: a jus/iça; êle tem direito
de regular tudo segundo as suas vistas e não se­
gundo as minhas; a necessidade: i. não é melhor
obedecer de boa mente, e com isto merecer o seu
agrado, do- que perdê-lo, empregando, para lhe resis­
tir, criminosos e inúteis esforços? Deus tem os seus
desígnios; e, como °À formou sem mim, saberá cum­
pri-los sem mim, e a-tft!sar dos meus protestos. l Ouer
êle que me suceda êste contratempo? Consinta eu, ou
não consinta, não dei"xarei de o sofrer. Em último
resultado, será feita a sua vontade, e não a minha :
Consilium meum sfabil, ef amnis volunfas mea fiel (3).
l Oue lucrou Faraó com o seu endurecimento?
i, lmpediu êle que o Senhor libertasse o :Seu povo�
quando quis e da maneira que quis? l Oue fôrça
pode prevalecer contra o Tado-Poderoso? Oh I quão"

.!)
(1) Job. 1, 21. - (2J ld. XIX, 21. - ( 3) Is. XLVI, 10.

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196 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

prudente é aquele, que sabe fazer da necessidade


virtude, e que suaviza, santificando-as com a resigna­
ção, às penas que, com revoltas, só exasperaria I Nonne
i
Deo subjecfa erif anima mea? ( ) O' alma minha,
l não serás tu submissa ao teu Deus? não beberás
êste cális ? Não olhes o que êle contém, mas unica-:
mente aquele que o �presenta. E' um amo; usa do
seu direito. E' um Deus; l ousarias tu medir luas
fôrças com as suas ? Mas àlém disto, é um pai, con­
fia na sua bondade : Ca/icem quem dedi! mihi Pafer,
non hiham illum ? (2)

III. O bom sacerdote confia inteiramente nas


disposições da Providência. - Se ninguém é excluído
dos cuidados paternais do Senhor: Cura• esl iNi de
omnibus (3), contudo tem ..atehções particulares com
aqueles que se entregam a êle, e com maior razão
com os seus ministros, que deixaram tudo .para o
seguirA4). S. Marcos, narrando o milagre da mul­
tiplicação dos pães, faz-nos observar, em três pala­
vras, três poderosos motivos de confiarmos inteira­
mente no Senhor a quem servimos. - A sua Provi­
dência vigia sõbre nós ; conhece as nossas necessi­
dades, e penso. em socorrer-nos prirru:iro que nós pen­
semos em pedir-lho : Vidif fY[ham mulfam (6). -
Compadece-se de nós; sente "5 nossos males mais
vivamente do que nós os sentimos: Miserlus es{
super eos. .,-- O seu poder é igual à sua bondade;
um pão milagroso multiplica-se nas suas mãos, e
todos são saciados: Ef manducaverunf omnes, ef
safurafi sunl? (6)
· Amável Providência I Se tal é a vossa so)jcitude
'r
pelos nossos corpos, l que não fareis vós pelas nossas
,
'(l) Ps. LXI, 2. - (2) Joan. XVIll, 11. - (3) Sap. VI, 8.
- (1) Luc. XXII, 35, 36. - (.5) Marc. VI, 34. - ( 6) lbid. 24.

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O SACERDOTE E A PROVIDÊNCIA 197
almas? i Oue feliz eu seria, ó meu Deus, se me dei­
xasse dirigir pela minha fé I Esta ensina-me que
nada vos detém na execução dos vossos desígnios:
nada, nem mesmo a vontade do homem, pois ne­
nhum há tão rebelde, que não 'possais submetê-lo à
vossa lei, sem ofender, a sua liberdade. Ensina-me
que a vossa sabedor:-ia infinita dispõe tõdas as coisas
com admirável fortaleza .e suavidade (1); que sabe
tirar o bem do mal, e converter os obstáculos em
meios. O patriarca José nunca esteve tão perto do
trôno como quando o prenderam. Ensina-me final­
mente que me amais com muita vantagem sõbre o
que eu posso amar-me; que considerais os meus sofri­
nirntos e as minhas necessidades com os olhos de
um pai (2); que não há mãe que tenha para seu filho
os carinhos que vós tendes para comigo (3). Entra,
ó alma minha, em verdades' tão consoladoras; acha­
rás nelas o teu repoiso: Converfere anima mea, in
requiem luam (•). - ln pace in idipsum dormiam ef
requiescam (5). - Dominus regi/ me, ef nihil mihi
deerif ( 6).-Efiamsi occiderif me, in ipso sperabo (7).
Vq,u, ó meu Deus, subir ao altar; posso subir a
éle lodos os dias; l como é possível que ache difícil o
confiar na vossa Providência? Ouando me dais
vosso Filho, .l que iodeis vós recusar-me? Miffe
curas inanes, o sacerdos, e/ omnem spem afque fidu­
ciam in Palre fuo coelesfi repone, qui Jibi quofidie
Filium suum unigenifum dai in alfaris sacramento (8).
Não, ó meu Deus, vós não deixais de olhar com
olhos propícios, para aqueles que leem recebido de
vós tão grande favor e tão convincente prova do vosso
amor, a não ser que a sua in�ratidão vos obrigue.

(') Sap. VIII, 1. - (2) Mallh. VI, 8. - (3) Is. XLIX, 15;
LXVI, 12, 13. - (') Ps. CXIV, 7.-("l Ps. IV, 9. - (6/ ld.
XXII, 1.- ( 7) Job XIII, 15.-(8) Scul. lid. pari. IX, med. 1,•

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!98 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Non desinis propilius infueri quos fo/ihus auxiliis


concesseris adjuvari (1).

Resumo da 1\1.editação

I. Devo reconhecer em 'tôdas as coisas a Pro­


vidência. - O homem interior descobre-ç1 nas meno­
res coisas. Com efeito, ludo está suj�ita · ao domínio
de Deus, até o passarinh_o que morre, alé os lírios que
no campo crescem, alé os cabelos que caem da minha
cabeça. Sim, meu Deus, vós ludo tendes disposto
e regulado. A primeira homenagem que devo à vossa
Providência, é uma homenagem de fé; a segunda, uma
-homenagem de obediência.

II. Devo submeter-me inteiramente às disposi­


ções da Providência. - Ouando o amo fala, o servo
deve obedecer. O maior de lodos os amos é o Se­
nhor: é amo de direito, e amo de fado; a justiça e
a necessidade exigem que eu me submeta. e. Oue lu­
crou Faraó com o seu endurecimento? e. Oue forta­
leza pode prevalecer contra o Toda-Poderoso?.

III. Eu devo confiar lofalmenfe nas disposições


da Providência. - Deus tem atenções particulares
com os que se entregam a êle. i Oue feliz eu seria, ó
meu Deus, se me deixass� sempre dirigir pela minha
fé I Ela ensina-me que nada detém o vosso poder;
que nada escapa à vossa sabedoria; que sabe tirar
o bem do mal; e finalmente que me amais muito
mais do que eu posso amar-me. Compenetra-te, ó
alma minha, destas verdades tão consoladoras.

( 1) Miss. Posfcomm.

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O SA!:ERDOTI! E A PROVIDÊNCIA {9!1

XXXII MEDITAÇÃO
Dois outros deveres do bom padre
para com a Providência

1. fã-la honrar.
li. Moslra-se digrto inslrumenfo dela.

1. O bom padre faz honrar a Providência. -::-­


Consolida a crença nela, induz a que pensem nela, e
procura excitar, desenvolver nos corações os senti­
mentos que esta crença inspira.
Nos séculos de fé viva, os homens viam por tôda
a parte a acção de Deus; nos nossos tempos de le­
viandade e orgulhoso racionalismo, não a vêem em
nenhuma parle. Uns não crêem nesla Providência
paternal, sempre ocupada connosco e com o cuidado
de nos fazer felizes; oulros não pensam nela : quási
todos vivem a seu respeito como se ela fôsse indife­
rente .oos nossos interêsses, alheia a ludo o que nos
diz respeito. Nas altas regiões da sociedade, con­
fia-se nos desenvolvimentos da indústria, nos pro­
gressos da sciência e da civilização; julga-se que
se pode passar sem Deus no govêrno das coisas
dêste mundo. Nas classes inferiores, o operário, o
pai de família fia-se só na fôrça de seus braços, na
sua habilidade, nas suas especulações, para se pre­
servar da indigência ou para sair dela.
Daí as inquietações pagãs a respeito do futuro:
Ouid manducabimus, auf quid bibemus, auf quo ope­
riemur? Haec enim omnia genfes inquirunl (1). Daí
o santo dia do Senhor, profanado pelo trabalho, e

(1 J Ma!th. VI, 31, 32.

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ioo l\lEDITAÇÕES SACERDOTAIS

muilas oulras desordens, que não poderemos comba­


ler sem lêrmos reavivado a fé na divina Providência,
reslabelecido nas almas a convicção desla verdade
capital: que o nosso único inlerêsse é ler a Deus por
nós; que nada pode prejudicar os que êle prolege;
·que ludo concorre para a felicidade dos que o amam,
alé a sanha de seus inimigos; é. não é à raiva dos
tiranos que os mártires deveram as suas palmas e
coroas? (1)
Oh! quão necessário é insislir sôbre êsle ponlo,
e,vollar a êle muitas vezes, nas inslruções que se dão
ac:is fiéis I E são muito numerosos nos nossos dias
êsses fugitivos da Providência, como lhes chama o
Espírito Sanlo : fugifivi perpefuae Pravidenfiae (2).
Perdem-se miseràvelmenle, porque, em lugar de con­
fiarem no poder, na sabedor.ia e bondade de um Deus,
seu Criador e seu Pai, só se fiam em si mesmos:
Haec dicif Dominus: Maledicfus homo qui confidil
in homine ef a Domino recedil cor efus (9).

II. O bom sacerdote mostra-se digno instru­


mento da Providência. - Jesus Crislo quis que os
seus mesmos apóstolos distribuíssem os pães mila­
gro_sos, que linha multiplicado no deserto. Em todos
os lempos, os padres foram os dispenseiros das gra­
ças e benefícios divinos: São os ministros ordinários
da Providência; e, ainda que a sua missão lenha por
primeiro objedo a salvação das almas, que devem
alimenlar com o pão da palavra, renovar e forlificar

(1) Inquirentes Dominum non minuenfur omni bano. Ps.


XXXIII, 11. - Diligen!ibus Deum omnia cooperanlur in. bonum.
Rom. VIII, 28. - Nos chrisfi1111i de nulla re vel evenfu sollicili su­
mus; sed in Dei Providenlia plane conquiescimus, scienfes nos illi
curae esse, e! ab eo per omnia dirigi, ui cuncfa nobis cedanl in' bo­
num. S. Clem.
(2) Sap. X VII, 2 . - (3) Jerem. XLVII, 5.
_

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O SACERDOTE E A PROVIDÊNCIA 201

pelos sacramentos: leem também grandes deveres a


cumprir para com os que sofrem na ordem temporal.
O cuidado dos pobres pertence-lhes de uma maneire
tão especial, que a tradição lhes chama provisores
pauperum (1). As epístolas de S. Paulo provam a
sua afeição aos pobres; vê-se ali que se lembra sem­
pre dêles, como S. Pedro, Santiago e S. João lho
haviam recomendado : Tanfum uf pauperum memores
essemus; quod e/iam sollicilus fui hoc ipsum fa­
cere (2). Era tão sensível às suas. necessidades, que
ordenava que fizessem para êles coledas em tôdas as
igrejas; e para spcorrer os de Jerusalém, a sua ca­
ridade induzia-o a fazer uma longa viagem.
T ai é o espírito do clero católico. Esta compai­
xão para com os desgraçados passou do coração de
Jesus Cristo para o coração de todos os seus bons
ministros. Lembremo-nos de S. João o Esmoler, de
S. Paulino, de S. Vicente de Paulo, de S. Carlos
Borromeu. Todo aquele que receb !!u a consagração
sacerdotal, e principalmente o car�o de pastor, havia
de ouvir esta palavra a ecoar no fundo do coração�
Tibi derelicfus esf pauper, orphano tu eris adjufor (3).
E' a vós que ó µ.obre está confiado; sereis o pro­
ledor do órfão. Pertence-vos ajudá-los e pedir que
os socorram. E' esta uma das vossas glórias: Glo­
ria sacerdofum esf pauperum inopiae providere (4).
Oizei �os ricos com Santo' Agostinho: Ouia ad
eorum necessifofem explendam idonei nón sumus, ad
vos legafi ipsorum sumus (5). Nada honra tanto o
nosso ministério como essa terna e generosa afeição
aos pobres; nada lhe concilia mais a estima e a con­
fiança que ·preparam o. seu bom sucesso; só a sus-

(1) S. Jus!. Apol. 2. - (2) G11l. li, 10.


(3) Ps. X, 14. - (4) S. Hier. Ep. ad Nepal. - ( )
5
Senn.
LVIII, in verb. Dom.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

peila do defeito conlrário, o condenaria a uma com­


pleta esterilidade.
Não vos conlenteis com fazer esmola; fazei-a se­
gundo as duas regras prescritas pelo grande Após­
tolo : Oui fribuil, in simplicilafe . .. ; qui miserefur,
in hilarilafe (•). A simplicidade exige que expulseis
lodo o motivo puramenle humano, todo o intuito de
inlerêsse próprio ou de vaidade, não buscando senão
a glória do Senhor e o alívio de vosso irmão. A ale­
gria que acompanha a esmola, aumenta o seu preço
deante de Deus: Non ex frisfifia, auf ex necessifofe;
hilarem enim da/orem diligif Deus (2).
é. Oual lem sido o meu proceder alé êste dia, a
respeito daqueles, nos quais a fé me faz ver os mem­
bros padecentes de Jesus Cristo, e o mesmo Jesus
Crislo? é. Tem sido t1 minha casa para êles um asilo
sempre aberto? é. Fiz a resenha dos indigenles da
minha parróquia? é.Tenho-os consolado nas suas
penas, visitado nas suas doenças, instruído na sua
ignorância, a exemplo do Salvador, que nos declara
que foi para êles principalmenle que seu Pai o en­
viou? Evangelizare pauperibus misif me (3 ). j Oue
deshonra para o sacerdócio, quando um padre se
deixa vencer por leigos na afeição e compaixão para
.com os desgraçados I Sacerdos . .. , viso i/lo, prae­
ferivif; similifer ef levifo. . . Samarifonus aufem vi­
.dens eum, misericordia mofus esf (4).
O' Jesus, eu julgava que amava os pobres, e re­
conheço que a minha caridade para com êles lem
sido fria e frouxa. Todos os dias, o vosso adorável
Coração se une ao meu ; é. quando me dareis grande
piedade para com os que sofrem, da qual lôdas as
vossas obras eram cheias, e que as vossas palávras

(1) Rom. XII, 6. - (•) li Cor. IX, 7. - (3) Luc. IV, 16.
-(4) Id. X, 31,32, 33.

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O SACERDOTE E A PROVIDÊNCIA '!03
expr1m1am : M1sereor super furbam? Dai-ma hoje,
eu vos suplico: não quero já sõmente honrar e fazer
honrar a vossa Providência; quero também, quanto
me fõr possível, auxiliá-la, e ser o seu instrumento.
Quero ser do número daqueles a quem direis no úl­
timo dia: Hospes eram, ef collegisfis me, nudus ef
cooperuisfis me. . . Ouandiu fecisfis uni ex his frafri­
bus meis minimis, mihi feci�fis (1).

Resumo da Meditação

1. O bom padre foz honrar a Providência. -


Consolida a crença nela, induz a que pensem nela, e
procura desenvolver nos corações os sentimentos que
ela inspira. Uns crêem nela, outros nem dela se lem­
bram; quási lodos vivem a seu respeito, como se ela
fôsse estranha ao que nos interessa. Daí tanias de­
sordens.

II. O bom sacerdote mostra-se .digno insfru•


menlo da Providência. - Em todos os tempos, os
padres foram os dispenseiros das graças e benefícios
divinos. O cuidado dos pobres, dos órfãos, etc.
pertence-lhes de uma maneira tão especial, que a
tradição lhes chama provisores pauperum. Todo
aquele que recebeu a consagração sacerdotal, e prin­
cipalmente o cargo de pastor, havia de ouvir esta
palavra soar-lhe no f�ndo do coração: Tibi dere­
licius est pauper: orphano fu eris adjufor.

(') Malfh. XXV, :35.

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MÉDITAÇÕES SACERDOTAIS

XXXIII MEDITAÇÃO
Jesus na idade de doze anos separa-se de
seus pais. - Façamos a Deus o sacrifício de
nossas afeições mais Jegitimas e caras.
O preceito do amor dos filhos para com seus
pais é, segundo obsc;rva 5. Paulo, o prime.iro a que
está ligada uma recompensa: Primum in promis­
-sione (1). Nada mais louvávelf nada mais sanfo que
êste amor, com fanfo que seja subordinado àquele
que devemos a Deus; porque, diz energicamente
S. Bernardo: Si impium esf confemnere mafrem,
conlemnere famen propfer Chrisfum piissim11m esf l2).
Ora, se nós devemos estar. dispostos a quebrar laços
sagrados ao primeiro sinal da vontade do Senhor,
quanto mais o devemos estar, quando se trata de
lôda a afeição menos legítima I Sejamos dóceis à
voz da graça, quando nos exci,fa a sacrificar a Deus
o amor de nossos pais e tôdas as nossas afeições
naturais; e_is aqui três poderosos motivos:

I. O exemplo de Jesus Cristo.


li. As recompensas que podemos esperar de semelhonle sacrifício.
Ili. Os cosligos que devemos temer, se o recusarmos o Deus.

1. O exemplo de Jesus Cris\o. - A piedade


filial do Salvador elevou-se, assim como tôdas as
suas outras virtudes, a um grau 'infinito de perfeição.
Se Terluliano pôde dizer que nunca pai algum o foi
tanto como Deus, pode-se dizer que nunc� filho al­
gum o foi tanlo como Jesus. Êle sabia as mortais
angústias que a sua ausência causaria à sua terna

(1) Eph. VI, 2. - (') Episl. 104.

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SACRIFÍCIO DAS AFEIÇÕES

Mãe; e todavia subtrai-se à sua vigilância. l Como


se sujeitou êle a impôr-lhe semelhante sacrifício?
Queria· talvez prepará-la de longe para as acerbas
tribulações que a esperavam no Calvário, para o
amargo cális que beberia até às fezes. Queria cer­
tamente, com esta viva aflição, enriquecê-la de novos
méritos e aperfeiçoar as suas virludFs ; mas queria
também consolar as almas interiores a quem se oculta
de tempos a tempos, e que até parece desamparar,
mostrando-lhes, com o exemplo de sua própria Mãe,
que essas provações não são um sinal de seu des­
contentamento, mas o efeilô de seu amor. Queria
principalmente ensinar aos seus ministros, que á obe­
diência a Deus e o zêlo da sua glória devem achá-los
sempre dispostos a sacrificar o que leem de mais pre­
zado no mundo. Os pais, de que Jesus se separava,
não podiam ser mais dignos da sua afeição, e êle
amava-os ternamente; contudo, apena� conheceu a
vontade de seu Pai celestial, renuncia às alegrias tão
puras da casa de Nazàreth; sobrepõe-se ao desgôsto
que lhe causa a angústia que vai ocasionar; aban•
dona a José e Maria sem se despedir, sem lhes di­
zer quanto tempo estarão privados da sua presença,
deixando-os na mais dolorosa incerteza. Não vê se­
não a vpntade de seu Pai; a natureza é sacrificada.
1 Que lição para certos sacerdotes, enervados por
afeições demasiadamente humanas ! Jesus Cristo, para
cuidar unicamente da sua missão, sacrifica a tran•
qüilidade do seu retiro, o prazer tão legítimo de ali
fazer a felicidade de José e de Maria ; 1 e eu lison­
jear-me-ei de conti�uar esta missão, no meio dos delei­
,
tes da família I Não, não é ali que se forma a virtude
varonil de um apóstolo: Non invenilur in' ferra sua­
vifer vivenfium (1). Quando Deus fala, l devo eu ou-

(i) �ob. XXVIII, D.

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206 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

vir a carne e o sangue? E' um nobre emprêgo o de


pescador de homens; mas para o exercer com fruto,
é preciso deixar tudo : barco, rêdes, pais: /Ili aufem
s{élfim relicfis refibus ef palre, secufi sunf eum (1).

li. A esperança das recompensas ligada a


êsfe sacrifício. - Já medilei numa promessa que
deve bastar à mais vasta e santa ambição: Omnis
qui reliquerif domum vel fratres, auf sorores, auf pa­
lrem, auf mafrem ... propler nomen meum, cenfuplum
accipiet ef vifam aelernam possidebif (2). Mas es­
queço por momentos esta vida eterna,. em que nos
está ·reservada tanta ifelicidade. Na vida presente,
1 que paz para a alma, que consolação nêste pensa­
mento: fiz a Deus um sacrifício que lhe havia de
agradar, porque me custou muito caro; só o seu
amor me pôde tornar capaz disso I Ah ! Senhor, é
pois verdade, que eu vos amo ; provei-o. fostes vós,
ó meu Deus, que me sustentastes nêste combate;
esta vitória é um novo fruto de vosso amor para
comigo; mas se me amáveis, quando me concedes­
tes esta graça, 1 quanto devia crescer o vosso amor
para comigo, pelo bom uso que fiz dela 1
Não há já doràvante obstáculos às comunicações
íntimas do bom padre com o seu Deus; o muro de
separação caíu. Oiçamos a Jesus Cristo : « Aquele
que conhece a minha vontade e a guarda, êsse é o
que me ama, e eu o amarei também, e me manifesta­
rei a êle. Viremos a êle, meu Pai e eu, e faremos
nêle morada» (3 ). Oue favor inapreciável I que feli-

(1) Mallh. IV, 22. - (2) Mallh. XIX, 29.


(3) Oui habet mandata mea e( servo! ea, ille esl qui diligit
me .•. ; el ego dilig11m eum, el m11nifesl11bo ei me ipsum. • . Et P11-
ler meus diliget eum, e! 11d eum veniemus, el m11nsionem 11pud eum
Íllciemus. Joim. XIV, 21 1 23.

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SACRIFÍCIO DAS AFEIÇÕES i07
cidade a daqueles que o Salvador inscreve no nú­
mero de seus amigos verdadeiros I ê.les conhecem-no,
contemplam-no já por antecipação: Manifesfabo ei
me ipsum. Mora Deus nêles I Mansionem apud eum
facieinus ! e. Não é isto um comêço da bemaventu­
rança? São o objedo de uma Providência especial;
o Tado-Poderoso guarda-os, como a menina dos
olhos ( 1 ); as contradições que sofrem, as tentações
que os assaltam, até as faltas que cometem por fra­
gilidade, ludo concorre para o seu bem (2). e.Lem­
bra-se alguém da história dos Santos, sem se lem­
brar dos combates de generosidade enlre Deus e os
seus fiéis servos? Abraão consente em imolar o seu
filho, que amava ternamente, e em quem depositava
as mais dôces esperanças; era ali que Deus o espe­
rava: • Dor mim mesmo juro, diz o Senhor: já que
fizeste esta acção, e não perdoaste a teu filho único
por amor de mim, eu te abençoarei• �3).
Sacerdote que meditas, é talvez aí também que o
supremo Senhor te espera; quando lhe liveres sacri­
ficado êsse objedo que divide o teu coração, já nada
impedirá a efusão de suas graças. Conceder-te-á o
dom da oração, o discernimento dos espíritos, a pru­
dência na direcção das almas, uma grande facilidade
em praticar tôdas as virtudes do teu santo estado;
porque é assim que êle costuma tratar os que se dão
a êle sem reserva. 1 De que bens me tenho privado
por não renunciar a vãos prazeres I Oh 1 meu Deus,
1 que cegueira tem sido a minha 1 Não permitais que
eu nela recaia. Ouebro de uma vez para sempre,

(1) Deufer. XXXII, 10:


(2) Oiligenlibus Deum, omnia cooperanfur in bonum. Rom.
VIII, 28. - Efiam peccata. S. Aug.
3
( ) Per memelipsum juravi, dicif Dominus: quia fecisti hanc
rem, ef non pepercisfi filio tuo unigenifo_ propfer me, benedicam tibi.
Gen. XXII, 16, 11.

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ios MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

todos os laços que me prendiam às criaturas; só


quero unir-me ,a vós: Mihi adhaerere Deo honum
es/ (i ). Sereis doràvanle o Deus do meu coração e
a minha porção, meu Deus, para sempre, Deus cordis
roei ef pars mea Deus in aelernum (2). Qualquer ou­
tra afeição é ao menos inútil; e quão funesta muitas
vezes! ...

III. O temor dos castigos, a que se expõem


os que recusam fazer · êsle sacrifício . ..:._ A nossa li­
beralidade para com Deus provoca a sua; êle só nos
pede, para nos dar. Mas ao revés, a nossa ingratidão
ofende a sua infinita bondade, e pode converter em
desígrlios de vingança os desígnios de sua misericór­
dia. Bale à porta de nossos corações, e aí se con•
serva algumas vezes muito tempo; mas se continua­
mos a não lhe dar entrada, retira-se. Deseja que vós,
que êle escolhe.u para seu ministro, o ameis di:: lodo
o coração. Pede-vos, que vos despojeis dessas afei­
ções demasiado humanas, indignas de uma alma des­
tinada a grandes coisas. Ouê I é. Não o quereis ou­
vir, e resistis sempre aos seus desejos? Tende cui­
dado, que, depois de vos ler falado iniililmenfe, não
se cale: Deus meus, ne sileas a me I Se não temeis
conlrislá-lo, temei ao menos excitar a sua ira. Pode
permitir que sejais exposto a alguma perigosa len•
fação; é. e qµe será de vós, não vos protegendo já
senão com graças comuns? Deixar-vos-á cair em
uma tibieza inveterada; dêsse sôno à morte, ai I que
fácil é a passagem I Não julgueis pelo menos, que se
servirá de vós para operar a salvação de vossos
irmãos; é necessária mais união entre o instrumento
e o artífice, do que há entre vós e o Senhor. Tre­
mei e temei a sorte do servo inútil: lnufilem servum

(1) Ps. LXXII, 28. - (2) lbid. 26.

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SACRIFÍCIO DAS AFEIÇÕES

ejicife in fenebras exteriores; illic erif Hefus et sfri­


dor denfium ( 1).
Eu creio, ó meu Deus, que aborreceis os holo­
caustos que veem de rapinas (2) ; - que quem ama
o pai e mãe ele. mais do que a vós, não é digno de
vós (3); - que ninguém pode servir a dois senhores,
obedecer à carne e à graça ; creio que o que não
ajunfél convosco, espalha, desperdiça ( 4). Ah! Senhor,
i que terror me infondem !o'dos êsles divinos oráculos 1
l Oue seria de mim se, na hora da morte, quando
comparecer no vosso tribunal, me mostrardes uma
longa série de graças e favores, que leriam sido a re­
compensa da minha coragem, e que eu perdi por
minha cobardia? Mas eu não difiro mais, ó meu
Deus, um sacrifício que já diferi demasiado. Pro­
meto ififar-vo.s no desapêgo univ�rsal; quero que me
seja dado dizer com mais confiança: Tuus sum ego;
porque hoje, quando me der a vós, na missa, não
farei já restrição. Sereis todo meu; l e é muito que
eu seja lodo vosso?

Resumo da Meditação

1. O exemplo de Jesus Crisfo induz"nos a


fazer a Deus o sacrifício das nossas mais caras
afeições. - Nunca filho algum amou seus pais com
mais ternura. Nunc,a houve pais mais dignos da
afeição de um filho. Jesus sabia que cruéis angús­
tias lhes causaria a sua ausência; separou-se dêles
todavia, logo que conheceu a vontade de Deus, sem
lhes dizer quanto tempo estariam privados da sua
presença, e sem se despedir. Só vê a vontade de seu
Pai celeslial: a natureza é sacrificada. Ouando Deus
fala, l posso eu ouvir a natureza?

(1) Mallh. XXV, 30. - (2) Is. LXI, 8. - (8) Mallh. X, 37.
- (4) Jd. XII, 30.
0

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'UO IIIEDITAÇÕRS SACERDOTAIS

II. O que podemos esperar de um fal sacri•


fício. - Esquêçamos o século futuro, em que nos
está reservada tanta felicidade. Já na vida presente
l que paz e consolação não infunde êsle pensamento:
fiz a Deus um sacrifício, que havia 'de agradar-lhe,
porque me custou muito caro? Ah I Senhor, l estou
eu certo de que vos amo? - Nada de obstáculos às
comunicações desta alma com o seu Deus·: • O que
faz a minha vontade, êsse me tem amor. Viremos,
meu Pai e eu, e faremos nêle morada ... » Oh I morada
de Deus em nós I não é ela um céu antecipado?

III. O que devemos femer, se recusarmos fazer


êsfe sacrifício. - A nossa liberalid.õde parf!_ com
Deus provoca a sua; êle só nos pede, põra nos dar;
mas também a nossa ingratidão pode converter em
desígnios de vingança os desígnios de sua misericór­
dia. l Oue será de mim, Senhor, quando aparecer
no vosso tribunal, se me puserdes ante os olhos
umll longa série de grBças e favores, que teriam sido
a recompensa da minha coragem, e que eu perdi por
minha cobardia? O' meu Deus, vós quereis ser lodo
meu ; l é muito que eu seja todo vosso?

XXXIV MEDITAÇÃO
Jesus perdido e achado. - Contemplação
!. Confemplar as pessoas.
li. Ouvir as palavras.
Ili. Considerar as acções,

PRIMEIRO PRELÚDIO. Recordai o mistério. •José


e Maria iam lodos os anos a J"erusalém no dià da
Páscoa; e quando Jesus leve doze anos, subindo êles

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JESUS PERDIDO E ACHADO

a Jerusaléqi , segundo o costume do dia da festa, e


acabados os dias que ela durava, quando voltaram
para casa, ficou o Menino Je�us na cidade, sem
que seus pais o advertissem . . . Buscaram-no e.m
vão entre os parentes e conhecidos . . . Só três dias
depois o acharam no templo, assentado no meio
dos doutores, ouvindo-os e fazendo-lhes preguntas.
Ouando o viram, admiraram-se; e sua Mãe lhe disse:
Pilho, porque /e houveste assim connosco? sabe que
leu pai e eu te andávamos buscando cheios de aOi­
ção. E êle lhes respondeu : Para que me buscáveis?
não sabíeis que importa ocupar-me nas coisas que
são do serviço de meu Pai. ? ( 1)
SEGUNDO PRELÚDIO. Imaginai os caminhos que
conduzem a Jerusalém, o grande número de pessoas
que vão à festa, ou que de lá voltam, as ruas da ci­
dade, o templo.
TERCEIRO PRELÚDIO. Pedi a Deus a graça de
penetrardes bem o espírito dêste mistério, e de imitar
o Menino Jesus nas virtudes que nêle pratica.

I. Contemplar as pessoas • ......,. Maria e José.•


i Oue profunda aflição transluz em todo o seu exte­
rior! Perderam a Jesus I Onde está êle? e. Cairia
em poder de um novo Herodes? Mas depois, 1 que
alegria, quando o avistam! - O Menino Jesus no
templo. Ainda que sinta vivamente a dôr que causa
a seus pais, que tranqüilo está I Oue modéstia, gra­
vidade e bondade 1 - Os doutores que o cercam, es­
tão atentos às suas preguntas e respostas; admira­
dos, parecem preguntar uns aos outros que hão de
pensar a respeito dêsle menino. Cada uma destas
personagens vos dá uma lição.

(1) Luc. 11, 41-49.

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212 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

II. Ouvir as palavras. - Maria e José voltam


a Jerusalém, preguntando por Jesus � todos os que
encontram no camilfho e nas ruas da cidade. Triste
re..sposla que lhes dão: ninguém o viu. Oue gemidos
lhes saem do coração! Oue orações dirigem a Deus,
ao próprio Jesus I Oue indiferentes se mostram a
todos os vãos discursos que ouvem, e em que se não
trata de Jesus 1- finalmente, chegando ao templo,
acham-no! José só exprime a sua alegria com lágri­
mas ; mas as palavras de Maria mostram bem a sua
ternura, e o tormento a que foi submetido o seu co­
ração de Mãe!
Fifi; oh I que agradável lhe é pronunciar esta pa­
r
lavra, agora que a sua vista se fixa em Jesus filho
de Deus e meu, Filho unigénilo do Pai que tendes no
céu, e da Mãe que vos dignastes ler na terra, o mais
amável, e o mais amado dos 'filhos! Ouid fecisti no­
bis sic? E.' uma queixa, mas só exprime amor para
com aquele a quem é dirigida; Ecce pater fuus ·ef
ego; José merece bem participar da alegria de Ma­
ria, co'mo participou da sua aflição; êle tem a Jesus
•ª afeição de um1 pai, assim como ela a de uma terna
mãe: Dolentes quaerebamus te,_ Não lemos senão a
vós no mundo; estávamos apenas ocupados em
'buscar-vos; e não sabíamos que leria sido feito de
vósl
Ouvi principalmente, e meditai com atenção a
resposta do Salvador; parece dura, mas é muito sá­
bia: Ouid esf quod -me quaerebafis? A ternura quei­
xou-se na Mãe; o zêlo vai falar no Filho. Aprendei,
meu bom padre, que, estando encarregado dos inle­
rêsses de Deus nêsle mundo, deveis ficar indiferente
às coisas da terra consideradas em si mesmas, e
ocupar-vos'unicamenle nas do céu. Um apóstolo, em­
quanto apóstolo, iião !em pátria nem parentes;. lôda
a terra é a sua morada, lodos os homens- são seus
irmãos;· só Deus é seu pai e seu tudo. ln his quae

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JESUS PERDIDO E ACHADO 213

Pafris mei sunf oporfef me esse... Importa, oportef:


é a minha profissão : cada qual tem a sua. Eu podia
nãQ a ter; mas, tendo-me consagrado a Deus nesta
profissão, não me é permitido já faltar ao meu dever;
me esse, enérgica expressão I Importa, que eu me
ocupe nas coisas de meu Pai, que me entregue a elas
com tôdas as minhas fôrças.

III. Considerar as acções. - Jesus fica em Je­


rusalém, sem seus pais o advertirem. Ah ! que pe­
noso lhe é afligi-los I Mas a glóríà di: Deus deve ser
preferida a tudo. E' necessário que êle dê esta im­
portante lição aos herdeiros do seu sacerdócio, e que
lhes ensine com o seu exemplo a obrigação de sacri­
ficar ludo ao dever. Seus mesmos santos pais tirarão
grande proveito desta prova. Mas, durante êsfes !rês
dias, que será dêle? é Ouem alimentará êsfe Menino?
é Ouem lhe dará um abrigo de noite? Contemplai o
vosso Deus mendigando o seu pão de porta em
porta, pedindo um asilo, que talvez lhe é recusado ;
ou antes fende esperança como êle ; se vos empre­
gardes sem reserva no serviço de vosso Pai celestial,
êle cuidará de vós.
Mária e José buscam seu filho com exfrêma afli­
ção ; mas a sua dôr em n�da altera a sua pacífica
submissão à vontade 90 céu. Adoram o que não
compreendem ; e esperam; e porque buscam cheios
·de confiança e perseverança, acham a-final com
indizível alegria, o tesoiro cuja perda lhes tinha cau­
sado fanfas lágrimas. Acham a Jesus no templo. Je­
sus lembra-lhes que seu Pai celestial é o primeiro a
quem se deve obediência; segue-os porém, e volta
com êles para Nazarefh. Em tudo isto, quantas lu­
zes e quantos exemplos oferecidos à nossa imitação !
Colóquio com Jesus, Maria e José. Adorai a
Jesus Cristo·, Verbo eterno, que se revestiu da nossa
carne, para nos ensinar a verdadeira santidade.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Apresenta-nos o modêlo dela desde a sua Incarna­


ção, e agora começa a ensinar-no-la <:om admiráveis
palavras. Pedi-lhe a graça de imitar o seu zêlo, da
glória de Deus, o seu espírito de sacrifício, a sua hu­
mildade, a sua pobreza. Tornai parle na dôr, e de­
pois na alegria de Maria e de José; Jesus perdido,
que motivo de aflição ! Jesus achado, que honra 1
Vêde nêles lodos os caracteres do verdadeiro amor.
Como êles, buscai ao Senhor no recolhimento do
templo e na oração; tereis como êles a felicidade de
o achar. Mas não esqueçais que deveis ocupar-vos
sempre nas coisas do serviço de vosso Pai celestial:
ln his quae Pafris mei sunt oporfet me esse.

Resumo da Meditação

I. Contemplar as pessoas. - Maria e José.


Oue profunda aflição ! Perderam a Jesus 1 . . . mas
que alegria, quando o acham ! - O menino Jesus no
templo. Oue tranqüilidade I Oue celestial modéstia 1
Os doutores; como êles estão alentos às suas pre­
gunfas e respostas ! De ludo isto {irai algum fruto.

II. Ouvir as palavras.- De Maria: Filho, i para


que procedeste assim connôsco? {eu pai e eu te an­
dávamos buscando cheios de allição. _Nós só lemos
a vós no mundo, e não sabíamos que linha sido
feito de vós. - De Jesus: i Porque me buscáveis?
i não sabíeis que imporia ocupar-me nas coisas que
são do serviço de meu Pai? O' meu Deus, l quando
compreenderei eu, que é nisto que devo ocupar-me
sempre e inteiramente?

III. Considerar as acções, - Jesus fica em Je­


rusalém, sem que seus pais o advirtam. Ah I quanto
lhe custa afligi-los! ·mas a glória de seu Pai celestial
exige-o. - Ourante êsses três dias, é. que é feito de

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JESUS EM NAZARETH 'U5

Jesus? Se me ocupo nas coisas de Deus, êle se


ocupará nas minhas.-Maria e José buscam seu Filho
com profunda aflição; mas esperam, e acham com
indizível alegria o tesoiro que tinha� perdido. E' no
retiro do templo que se acha a Deus, depois de o ter
perdido no meio da agitação e tumulto do mundo.

XXXV MEDITAÇÃO
Jesus em Nazareth. - Contemplação

1. Confemplar 11s pe550115,


II. Ouvir 115 p11l11vr115.
Ili. Con5ider11r 115 11cçõe5.

PRIMEIRO PHELÚDIO, • Jesus, tendo sido achado


no jemplo por Maria e José, desceu com êles, e veio
a Nazarelh, e estava sujeito à obediência dêles; e sua
Mãe conservava tôdas estas. coisas no seu coraç�o.
E Jesus. crescia em sabedoria e em idade, e em graça
deante de Deus e dos homens• (1).
SEGUNDO PRELÚDIO, Pedi uma graça conforme
ao mistério e às vossas necessidades, por exemplo, o
amor da vida interior e oculla, o espírito de obediên­
cia e de oração.

1. Contemplar as pessoas. - Os homens, que


havia então na terra; vêde-os indo, vindo, numa agi­
tação contínua, cada um dominado pela sua paixão,
e principalmente pela soberba. Na classe elevada,

(1) Luc. II, 51, 52.

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216 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

vêde os grandes, os ricos e os sábios orgulhosos ..


Todos ambicionam subir e engrandecer-se. Todos
procuram moslrar-se e alrair a alenção. Nas classes
inferiores, vêde ds operários e os homens do povo,
invejosos, desconlenles, não podendo sujeilar-se à sua
condição inferior. Deplorai esta cegueira 'universal,
não tomeis parte nela. - Na sagrada família de Naza­
relh, que tranqüilo eslá tudo I Maria entregando-se
aos cuidados da sua pobre casa. José trabalhando
em uma obscura oficina. Jesus parlicipando das ocu­
pações de seus pais, anlecipando-se a cumprir os
desejos deles, e moslrando o contenlamento que ex­
perimenla em lhes eslar submisso. Oue divina graça
se espelha em seu rosto I Oue suavidade respiram
lôdas as suas feições de menino, de adolescente, de
jóvem I Oue dignidade em ..seu porle I Oue dôce gra­
vidade, .que celestial modéstia em lodo o seu exle­
rior 1-No céu, os anjos consideram êsle especláculo
num prolongado êxlase; Deus Padre olha e vê com
soberana complocência o seu filho amado, que se
humilha para reparar a glória de seu Pai! e. Oue,eis
também agradar a Deus e alegrar o céu? Imilai a
Je;ius, Maria e José, nessa vida oculta e lôda entre­
gue aos cuidados da Providência.

II. Ouvir as palavras. - São ré/réis. Só a ne­


cessidade e a caridade inlerrompem de tempos a lem­
pos o silêncio no interior desta Família, cuja conver­
sação é no céu; são moderéldéls, e respiram f1, paz,
que reina nas almas. Nenhum cldmor se ouve: Non
contendei, neque clélmélbif (1). - São reguléldéls pela
humildade, dóçura, zêlo da glória de Deus e da sal­
vação das almas. - São sélnféls e perfeifas, como os
sentimentos que as produzem. S. José fala pouco;

(1) M11flh. XII, 19.

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JESUS EM NAZARETH 217

Maria ainda menos, e o Menino-Deus só quando o


exigem a glória de seu Pai, os interês�es de Maria
e de José. Nêste santuário, o mais venerável do
mundo, co,.nversa-se raras vezes com os homens, mas
conlinuamente com Deus. Recolhei-vos dentro em
vós, e ouvi estas palavràs celestes, que deliciam os
anjos. E.' nessa, escola, meu bom padre, que deveis
aprender a divina arte de orar.

III. Considerar as acções. - O Filho de Deus


sujeitou-se ao trabalho por amor de nós : na sua in­
fância, logo que pode fazer alguma cois�, ajuda sua
Mãe nos cuidados domésticos, e serve-lhe de criado 1
Quando as fôrças mais desenvolvidas lho permjtirem,
tomará parte com José no humilde e penoso ofício
de carpinteiro: ln laboribus a juvenfuie mea. Tam­
bém êle come o seu pão com o suor do seu rosto.
i Ouanto não realça, enobrece e consola com o seu
trabalho, a difícil condição dos trabalhadores I é. Ouem
ousaria desprezar o que é honrado por um Homem­
-Deus? Com que celestial candura obedece, não só
na sua. infância, mas na idade de homem feito 1 ..
Com que paciência suporia os caprichos, a altivez, o
desdém dos estranhos, que lhe dão ordens, lhe falam
sem atenções, como a um' mercenário, e o traiam em
tôda a ocasião como a um homem da ínfima classe,
que deve julgar-se feliz, quando alguém se digna ser­
vir-se de seus braços e comprar-lhe as obras para
o ajudar a viver I Admirai a caridade de Jesus em
lôdas as suas relações com o próximo, o fervor na
oração, a perfeição que emprega nas acções mais
ordinárias. Maria e José com os ol.hos fitos nêle,
meditam com inefáveis delícias iõdas as circunstân­
cias dêsle mistério: Mafer ejus conservabaf omniét
verba haec in corde suo (1).
(1) Luc, II, 51.

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218 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Colóquio com as três pessoas da sagrada famí­


lia. Adorai a Jesus Cristo no humilde exercício das
suas virtudes ocultas; dai-lhe graças por se ler
dignado fazer-se em· ludo vosso modêlo; alcançai,
com vossos ardentes desejos e vossa fé, que êle vos
encha do seu espírito, que vos dê parle na sua vida
interior, que vos ensine a não buscar senão a Deus.
Recorrei à poderosa intercessão de Maria e José;
êles nada teem tanto a peito como vêr-vos imitar as
virtudes, que êles mesmos imitaram no Verbo huma­
nado, e praticaram em Nazareth: Pafer. Ave.

Resumo da Meditação

i. Contemplar as pessoas. - Os homens que


existiam então na terra. ..E.' uma agitação universal;
cada um está dominado pela sua paixão: classe ele­
vada, classe média, classe do povo. - Na sagrada
família de Nazare!h, vêde a tranqüilidade e a paz,
fruto da verdadeira virtude. - No céu os anjos, e
Deus Padre que olha com complacência para a sa­
grada família. Imitai a Jesus, Maria e José. nessa
vida oculta e interior.

li. Ouvir as palavras. -São raras, moderadas,


reguladas. São tõdas santas, como os sentimentos
que exprimem. Recolhei-vos dentro em vós; é nesta
escola que deveis aprender a arfe divina e de orar, os
preciosos segredos da vida interior.

Considerar as acções. - O trabalho a que se


sujeitou o Senhor do universo. l:le ajuda sua Mãe
nos cuidados domésticos; exerce com José um
obscuro e penoso ofício. Come o pão com o suor
do seu rosto. l Ouem ousaria desprezar aquilo que
honra o Homem-Deus? - A sua obediência, a sua
paciência, a sua humildade ... - A sua caridade em

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JESUS EM NAZARETH

tôdas as relações com o próximo. Oue excelente


objeclo de meditação 1 - Colóquio com as três pes­
soas da sagrada família.

131

XXXVI M�DITAÇÃO
O mistério da vida oculta de Jesus Cristo
em Nazareth

[. Cura-nos.
II. Consol11-nos.
,1il

PRIMEIRO PRELÚDIO, Imaginai ver a humilde


casa de Nazarelh, os seus pobres aposentos, a ofi­
cina de S. José, o pequeno quarto de Jesus, ele.
SEGUNDO PRELÚDIO. Pedi a Deus a graça de
compreender êste mistério, o amor dessa vida obscu­
ra, que o orgulho humano acha insuportável, e que a
sabedoria eterna honrou com· a sua escolha.

1. O mistério da vida oculta de Jesus Cristo


cura as nossas almas de uma das mais perigosas
doenças. - Ambicionar a estima e afeição das cria­
turas, buscar distinguir-se por seus talentos, seus em­
pregos, pelo bem que se faz ou que se julga fazer, é
uma inclinação nascida da soberba, e tão comum,
que é, por assim dizer, inerente ao coração do ho­
mem. l Há algum conselho menos estimado que êste :
Ama nesciri ef pro nihilo repufari? l Há alguma alma,
por mais virtuosa que seja, que não sinta, ao menos
algumas vezes, não sei que desejo de distinguir-se, e
a quem não custe uma obscuridade completa e pro­
longada? Para combater eficazmente lão funesta len-

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220 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

lação, meditai o especláculo oferecido à vossa fé,


na santa casa de Nazarelh.
Um Homem-Deus, a Sabedoria incriada, que
possui em grau infinito todos os segredos da sciên­
cia, o co,:ihecimenlo de tôdas as línguas, uma elo­
qüência divina; que junta à suavidade mais encanta­
dora uma habilidade incomparável para dirigir os
espíritos e ganhar os corações; numa palavra, Jesus,
o Senhor dos senhores, em quem estão encerrados
todos os tesoiros da natureza e da graça; êle, que
só veio a êste mundo para dissipar o êrro, destruir
o vício, santificar e salvar o gênero humano, o Re­
dentor esperado havia tantos séculos, - oh ! mistério
incomp�eensível 1 - está enke os homens, e os ho­
mens nem suspeitam quem êle seja I Longe de atrai­
-los a si, l'ãzendo irradiar, perante os olhos dêles
alguns dos seus encantos divinos, parece esconder­
-se-lhes_ levando no meio dêles não só a vida mais
vulgar, mas, a julgar pelo exterior, a mais insignifi­
cante, a mais inúlil, a mais indigna de sua pessoa e
de seus augustos destinos 1. . . Vive em uma po­
voação desconhecida, e·m uma oficina, ganhando o
sustento, fruto do seu trabalho, como o último dos
ar_líllces ! Sim, êsle Deus, que criou o mundo, e é
Senhor do universo, emprega-se nos trabalhos da
condição mais obscura I Oh I céu, oh I terrà I l Era
assim que deviam decorrer os dias em que fundáveis
tantas esperanças?
Ouê ! o Filho de Deus, que podia fazer-se ouvir
com admiração no templo de Jerusalém, ensinar a
sciência aos ;;ábios, .e aos monarcas a arte de gover­
nar os povos; o Reparador prometido ao mundo, a
quem seria fácil percorrer as províncias e os reinos,
para promover a glória de seu Pai e a felicidade dos
homens, instruindo os ignorantes, sarando os enfêr­
mos, convertendo os pecadores, conserva-se retirado
em uma profunda solidão, empregando o seu tempo,

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JESUS EM NAZARETH 2'.H
as suas fôrças, · a sua omnipotência, em quê ? Nem
são algumas semanas, alguns meses : é quási lõda a
sua vida; e passa-a envolto nestas lrevas l Esta ljção
era-nos necessária; e é bem apta para curar a nossa
soberba 1
Custa-nos muito vêr-nos no úllimo lugar, sem
emprêgo, ou em algum de pouca importância, não
sermos _nada, principalmente se· fõmos e se nos jul­
gamos ainda capazes de· ser alguma coisa. ê.ste
esquecimento, êsle desprêzo, esta sepultura antes da
morte, ludo isto nos parece insuportável . . . Mas
é que responderemos ao exemplo do Filho de Deus,
q11e quis viver mais oculto, mais esquecido que nós,
e mais ·tempo ? é Dizeis que as necessidades da Igreja
são grandes, e que poderíeis fazer bem? - Oue bem
se não poderia fazer durante os trinta anos que Jesus
morou em Nazat�lh; e que bem não leria feito, se o'
empreendesse? Dizeis: é Para que me deu Deus
êstes talentos, se não quer que eu me sirva dêles ?­
Em primeiro lugar, fazei a mesma pregunla com rela­
ção a Jesus Cristo; mas àlém dislo, compreendei
esta resposta: Deus deu-vos os talentos, para vos
servirdes dêles no tempo e da ·maneira que lhe aprou­
ver; deu-vo-los, para que lhos sacrifiqueis. é E' per­
dido o incenso que se consome deante dêle e para
sua glória? t Pode ·ser empregado mais ulilmenle?
Não, não oculta os seus talentos aquele que, não fa­
zendo nada 1 faz .o que Deus quer.
O' filhos dos homens 1 vinde agora com as vossas
balanças enganadoras (l), e os vossos falsos juízos,
vinde gloriar-vos da estima das criaturas, e dar-me
os vossos funeslos conselhos: Manifesta. te ipsum
mundo (2). Para extinguir em mim algum desejo se­
melhanle, não preciso senão considerar o que se

(1) Ps.. LXI, 10. - (2) Joan. VII, 4.

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m MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

passa em Nazareth: l Ouem é êste menino, êste jovem,


que a augustíssima Trindade ali contempla, que os
anjos ali adoram ? l Ouem é aquele artífice, com que
cuidado procura passar despercebido, quanto tempo
permanece nesta vida oculta ? O' Sabedoria infinita,
as trevas em que vos envolveis, são para mim uma
viva luz. Os vossos exemplos descobrem-me a vai­
dade das coisas dêste mundo, ensinam-me a não bus­
car senão a Deus, a não desejar senão a sua estima
e o ·seu amor.

II. O mistério da vida oculta de Jesus Cristo


é para nós uma fonte de consolações. - Àrraigue­
mos em nós uma verdade incontestável. Durante
êsses trinta anos de existência exteriormente tão vul­
gar, e até, na aparência, tão inútil,.. a vida de Jesus
era tal, que se não pode·· imaginar outra mais per­
feita, mais importante para o universo, mais útil para
o mundo. Os seus dias, que pareciam vazios, não
podiam ser mais cheios de obras e obras mais exce­
lentes. Bem longe de eslarem ocultos, os seus talen­
tos eram empregados da maneira mais gloriosa para
o céu e mais vantajosa para a terra. De sorte que
se, por impossível, êle saísse antes de tempo desta
profunda obscuridade, que eslava na ordem dos de­
creios eternos; se, em lugar de permanecer desco­
nhecido, até dos habitantes da povoação em que
vivia, fizesse ressoar por Jerusalém e pór todo o
mundo a fama de seu nome; se o vissem ressuscitar
os mortos, converter os p@vos: não só teria vivido
imperfeitamente, mas parecendo fazer maravilhas, nada
teria feito, ou o que tivesse feito, mereceria ser tido
em pouco; porquê? Porque não teria feito a vontade
de seu Pai.
Ah I Senhor, é pois verdade que a minha perfei­
ção, a minha grandeza, a minha felicidade não con­
sistem em granjear a consideração das cri<1luras, mas

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JESUS EM NAZARRTB

unicamente em vos provar o meu amor e em merecer


o vosso, fazendo a vossa vontade I Jesus era-vos Ião
agradável no exercício de seu humilde ofício em Na­
zareth como na sua imolação no Calvário. E eu
também• posso agradar-vos na ocupação mais despre­
zada dos homens, quando ela me é assinada pela
vossa Providêneia, tanto como nos ministérios mais
honrosos. Êste pensamento consola-me. é. Oue me
imporiam a saúde, os grandes lalenlos, os trabalhos
da pregação, a direcção das almas, o govêrno das
parróquias, se posso igualmente glorificar· a Deus,
agradar-lhe, em um estado de enfermidade, com la­
lenlos medíocres, e empregando os meus dias só em
acções ordinárias? A vontade de Deus regulou ludo,
determinou tudo na vida do meu Salvador, assim
como lhe deu tido o mérito; quero pois_ que ela
seja em lõdas as coisas e sempre o meu único mó­
bil. Quereria antes, Senhor, ser um bichinho da
terra, se o desejásseis, do que um seralim contra a
vossa vontade; preferiria o martírio do descanso, su­
portado para vos agradar, ao martírio do sangue
contra a vossa vontade.
Colóquio com Jesus, Maria e José, para me
possuir dos seus sentimentos a respeito da vida
oculta : Mor/ui esfis, ef vila vesfra esf abscondifa
cum Chrisfo in Deo (1). Dentro de uns momentos
sereis tão favorecido como a santa casa de Nazareth,
possuindo como ela o Senhor do universo. Encer­
rai-vos com êle no santuário do vosso coração, e su­
plicai-lhe que vos afeiçôe à vida interior. O Jesu
vivens in Maria.

(1) Coloss. Ili, 3.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Resumo da Meditação

1. O mistério da vida oculta de Jesus Cristo


cura-nos de uma das mais perigosas doenças : de
ambicionar a estima e a afeição das criaturas. é. Ha­
verá muitas almas que apreciem êste conselho: <!Gos­
tai de ser ignorado e tido em pouco? Contemplemos
a Jesus em Nazarelh. Um Homem-Deus, a Sabedo­
ria incriada, vindo ao mundo para o salvar, tem no
mundo a vida mais comum, mais indigna, na aparên­
cia, de seus grandes destinos. Simples artífice, vive
do trabalho de suas mãos. Permanece, não algumas
semanas, mas trinta anos nesta obscuridade. O' Je­
sus I as vossas trevas são para mim uma viva luz ...
O' vaidade de tõdas as soisas I Meu Deus, e meu
tudo I W

II. O mistério da vida oculta de Jesus Cristo


é para nós uma fonte de consolações. - Incontes­
tável verdade : durante êsses trinta anos, a vida de
Jesus era tal, que não se pode imaginar uma mais
honrosa, mais perfeita, mais santamente ocupada,
mais útil ii glória de Deus e ii felicidade do mundo.
Não hã nada tão grande, tão bom e perfeito como
fazer a vontade de Deus. Sim, meu Deus e Senhor,
no exercício de seu humilde oficio em Nazareth, Je­
sus era�vos tão agradável como na sua imolação no
Calvário. é. Oue me importam a saúde, os talentos,
as ocupações brilhantes, se vos posso igualmente
glorificar na doença, sem talentos, e com as acções
ordinárias? Antes quererei ser um bichinho da terra,
se o desejardes, do que um seràfim contra a vossa
vontade.

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OBEDIENr.lA DE .IF.SIJS

XXXVII MEDITAÇÃO
jesus em Nazareth. - Sua !)bediência:
Et eraf subdifus illis ( 1)

Por ésle processo de narrar em !rês palavras quási


tôda uma vida que foi uma série de maravilhas, e de
calar tõdas as virtudes praticadas pelo Salvador por
espaço de trinta anos, para só falar da ,sua submissão
a Maria e a José, o Espírito Santo mostra-nos bem
claramente, que quer inspirar-nos uma especial estima
da virtude da obediência, mustrando que resume em
si só, por assime dizer, tõdas as virludes e tõda a
santidade do Homem-Deus proposta à nossa imita­
ção. Estudemo-la portanto no nosso grande modêlo,
e consideremos ;

I. Ouanfo Jesus Crisfo amou a obediência.


li. Como a praticou.

PHI;\IEITiO PHELÜDIO. Imaginemos ver o Salva­


dor em Nazareth, recebendo as ordens de Maria e de
José, conformando-se à vontade déles com a mais per­
feita exaclidão, porque via nela a autoridade de Deus
seu Dai.
SEGmmo PRELt;DIO. Roguemos-lhe que nos faça
compreender, amar e praticar uma virtude, que lhe
foi Ião cara : Jesu obedienfissime, miserere nobis.

I. Grande amor de Jesus Crisfo à obediência.


- Avaliá-lo-emos pelo que se dignou ensinar-nos:

(1) Luc. 11, 15.

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MEDITAÇÕES SACERDOT.� IS

oiçamo-lo. David, interpretado por S. Paulo, atribui-lhe


estas palavras, quando entra no mundo para o sal­
var: • O' meu Pai, os holocaustos que le eram ofe­
recidos até ao presente, não podiam agradar-te: não
eram di�nos de. li Mas formaste-me um corpo,
!ornaste-me capaz de le honrar com a minha obe­
diência. Então eu disse: Eis aqui venho, para fazer,
ó Deus, a tua vonade. ( 1).
Depois da sua conversação com a Samaritana,
vendo aos seus discípulos inquietos, por êle não ler
comido há muito tempo (2), fala-lhes de um alimento
que êles não conheciam, e qut:' nunca lhe falta: é a
obediência à vontade de seu Pai. Ela repara e sus­
tenta as suas fôrças; Jesus vive de obediência: Meus
cibus esf, uf faciam volunfalem ejus qui misil me (3).
Declara-nos que só désce.u do céu. para obedecer; a
sua missão é salvar o mundo com a obediência, assim
como Adão o perdeu com a desobediência : Descendi
de caelo, non ui faciam volunfo#em meam, sed volun­
falem ejus qui misif me (4). Afirma que não é di­
zendo: • Senhor, Senhor• , que se merecerá o ser
admitido no reino eterno, mas submetendo-se à vori­
lade de seu Pai. Apresenta-nos esla virtude como a
pedra de toque da verdadeira santidade, como o meio
mais seguro de lhe agradar, como o penhor de lodos
os bens. i Desejamos entrar na vida eterna? guar­
demos os mandamentos. i Desejamos ser amados de
seu Pai e dêle? obedeçamos fielmente. Oueremos,
que nos lenha a mesma afeição, o mesmo amor que
se fôssemos seu irmão, sua irmã, sua mãe? ele pro­
mete lodos êsles favores à nossa obediência C'). i Po-

(1) Ps. XXXIX, 7; Iiebr. X, 5.


( 2 ) Roga bani eum discipuli, dicenles: Rabbi, manduca. Joan.
IV, 31.
(ª) Mallh. VII, 21. - (1) Joan. VI, 38. - (5) Mallh.
XII, 50.

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ODEDIÊ1'CIA DE JESUS

deria dizer-nos melhor alé que ponto preza esta vir­


!ude? Toda via os seus exemplos leem ainda mais
fôrça do que as suas palavras, para nos convencer.

II. l Como praticou Jesus Cristo a ohediên�


eia? - A sua vida no meio dos homens não foi mais
que um contínuo exercício dela. Obedeceu sempre a
seu Pai; durante trinta anos, a Maria e a José; na
sua Paixão, aos seus juízes iníquos e aos seus mes­
mos algozes. E agora obedece aos seus ministros.
1. 0 A sua obediência c omeça com a sua vida.
lngrediens mundum (1). Desde então tomou a von­
tade de seu Pai por norma única e invariável da sua.
Submeteu-se às leis da natureza, para ficar nove
meses no seio de sua Mãe: às ordens da Providên­
cia, para poder no meio dos incómodos de uma
viagem, nascer no presépio de Belém. S ubmeteu-se
à circuncisão, à apresentação no templo, ao exílio no
Egiplo, às fraquezas, à dependência da infância, a
uma vida obscura e inútil na aparência. Tudo isto,
porque era a vontade de seu Pai.
Só apareceu em público, só manifestou a sua sa­
bedoria com palavras, o seu poder com milagres, a
sua bondade com benefícios inumeráveis, no tempo e
segundo a medida que determinava a· vontade de seu
Pai. Até ali resiste aos que o incitam a mostrar-se
ao mundo, respondendo que a sua hora não é che­
gada. Limita o seu ardente zêlo à Judéia, porque
seu Pai não o enviou senão às ovelhas desgarradas
da casa de Israel (2}.
Obedeceu alé à morte, e até à morle de ,M-UZ ( 3 ),
preferindo perder a vida, diz S. Bernardo, '.Pperder
a obediência (1 ). Se pede por um instante, que o

(1) Hebr. X, 5. - (2) Ma!lh. XV, 24. - / á) Philipp. li. s.


( •) Perdidil vilam, ne perderei obedienliam. 5. Bern. Epist.
12_. ad Henric. Senon.

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228 �IEOITAÇÕES SAr:El\llOTAIS

cális amargo se afaste, sem que seja obrigado a be­


bê-lo, aceita-o todavia para obedecer a seu Pai, e
para nos ensinar que repugnâncias vencidas, longe
de deminuírem o valor de um sacrifício, pelo conlrá­
"rio o aumentam, e palenleiam mais o nosso zêlo da
glória do Senhor. A obediência que havia regulado
as acções da sua vida, .regula a hora e as circun­
stâncias da sua morte. Antes de exalar o úllimo
suspiro, olha para os divinos oráculos, manifestações
da vontade de seu Pai; e. há algum, que não cum­
prisse ? Não, nenhum; a sua missão está pois finda,
ludo está consumado : Consummdfum esf. Ef, in­
clinl1fo cl1piie, frl1didif spirifum (1).
2.º A obediência que Jesus presta a Maria e a
José, durante os lrinla anos da sua vida oculta, é
ainda, sob outro aspecto, mais admirável. Obedecer é
reconhecer-se inferior, é preferir ,1 vontade de oulro
à sua. - e. Ouem é aquele que em Nazarelh se deixa
governar, como um menino incapaz de se governar
por si mesmo? E' o Verbo eterno, a razão supre­
ma, o que dã aos sábios a sabedoria que possuem.
E' o Senhor de lôdas as coisas, a quem ludo deve
obediência. - e. A quem obedece êle? A duas cria­
turas, de um mérito extraordinário, sem dúvida algu­
ma, adornadas dos dons mais preciosos, mas cujas
luzes comparadas às suas, são menos que uma scen­
lelha comparada com o sol. - e. Cômo, e em que
obedece? Com que prontidão, com que alegria se
conforma com a vontade de seus pais, quaisquer que
sejam as coisas que lhe ordenem, prevenindo alé os
seus desejos, e isto não só na infância, mas quando
chega ã idade viril ! Com quê ar de conlenlamenlo
os serve êle, por meio do qual reinam os reis! el

(') Joan. XIX 30. - (2) Pcov. VIII, 15.

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OBEDIÊNCIA DE JESUS

Vê-se que é o seu coração que obedece, e que faz


por amor tudo o que faz.
3.° Finalmente, Jesus obedece até a homens
perversos e a grandes pecadores. Submete-se ao
edito de Augusto, que obrigava Maria a fazer a via�
gem de Nazarelh a Belém, e não acha um�zão
para se dispensar disso, no orgulho que inspirou êsse
edito, porque êle remonta a Deus, de quem dimana
todo o poder. Submete-s·e à sentença de Pilatos, por
mais injusta que seja: reconhece nêle a autoridade
do príncipe, a-pesar do sacrílego abuso que faz dela.
Obedece aos seus algozes : não vê em lodos os seus
inimigos senão os executores da justiça de seu Pai,
que o entregou às suas mãos ; e não quer que o
ignorem : Non haberes pofesfafem adversum me
ullam, nisi fibi daium esse! desuper ( 1). Mas é que
necef.sidade lenho eu de recordar a sua vida mortal ?
Agora mesmo que reina no céu, é não obedece êle
ainda.? e a quem? O' alma minha, é podes tu con­
templar êsle modêlo sem amar a obediência ?

Resumo da Meditação

1. Quanto Jesus Cristo amou a ohediência. -


Desde a sua entrada no mundo, oferece-se a seu Pai
para o honrar com a sua submi�::.ão. • Vós me destes
um corpo, e então eu disse: Eis aqui venho, para
fazer a vossa santa vontade . . . Esta lei está gravada
no íntimo do meu coração• . - Fala aos seus após­
tolos de um alimento que êles não conheciam, e que
nunca lhe falia; é a obediência à vontade de seu Pai.
Afirma que só desceu do céu para obedecer. Apre­
senta esta virtude como a pedra de loque da verda­
deira santidade", cpmo o penhor certo da nossa en-

(1) Joon. XIX, 11.

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\!30 MEDITAÇÕES SACERnQT�IS

lrada na vida eterna. Se a pratico, êle me amará,


como se eu fõsse seu irmão, sua irmã, sua mãe ;
lodos os .seus favores serão para mim.

li. Como Jesus Cristo praticou a obediência,-'


Tôdq a sua existência sôbre a terra nãe foi mais que
um exercício contínuo desta virtude. Obedeceu sem­
pre a seu Pai; durante trinta anos, a Maria e a José ;
na sua Paixão, aos seus juízes m1quos e aos seus
algozes. - Submeteu-se às leis da natureza, para
ficar nove meses no seio de sua Mãe; às ordens da
Providência, para nascer enlre os embaraços de uma
viagem. Submeteu-se à circuncisão, à apresentação
no templo, ao exílio . . . Pregação, milagres, circun­
stâncias de tempo, de lugares, ludo é determinado
pela vontade de seu Pai... Obedece até à morte de
cruz. -- A sua obediência a Maria e a José parece
ainda mais admirável. Obedecer é confessar a sua
inferioridade ! . . . l Ouem é aquele que se deixa go­
vernar como um menino? A quem obedece?
como obedece? - Obedece a homens perversos.
Submete-se ao edito de Augusto, à sentença de Pi­
latos, aos seus mesmos algozes, em quem não vê
senão os executores da justiça de seu Pai. - Obe­
dece ainda no mistério adorável dos nossos aliares.
O' alma minha, l podes tu contemplar êste modêlo
sem amar a obediência?

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OBEDIÊNCIA DE JF.SLS 231

XXXVIII MEDITAÇÃO
Razões especiais que teem os sacerdotes
para imitar a obediência de Jesus Cristo
1. O seu zêlo da glória de Deus.
II. O seu amor para CGm a Igreja.
III. A obrigação contraída na mesma ordenação.

1. O zêlo da glória de Deus deve exci(ar o


bom padre a imitar a obediência de Jesus Cristo.
- A prova de que esta virtude é um excelente meio de
·dar glória ao Senhor, temo-la na escolha que fêz dela
a suprema Sabedoria, quando incarnou para reparar
essa divina glória, ultrajada pela revolta do pecado.
Um Homem-Deus obedecendo até � morte de cruz;
j que expiação da 9esobediência do homem ! i Oue gló­
ria para Deus, ter um Deus por servo I é. E que posso
eu fazer, que lhe seja mais honroso, do que unir a
minha submissão à de seu próprio Filho?
Ofereço-lhe àlém disto, c-om esta obediência, o
que lenho de melhor, o que mais prezo. Se, para
lhe agradar, renuncio às riquezas, às honras, aos
gozos lícitos. ao meu descanso, à minha saúde, sa­
crifico-lhe o que é meu, pois Deus se dignou dar-mo;
mas a minha vontade, que lhe sacrifico pela obediên­
cia, é o meu coração, é a minha liberdade ; é. há coisa
no mundo, a que eu tenha lanlo apêgo? Ofereço-lhe
o que êle mais deseja, ou o -que deseja unicamente,
o que. se digna pedir-me da maneira mais terna :
Praebe, /ili mi, cor iuum mihi. Nos outros sacrifícios
que faço à sua· glória, dou-lhe o que já lhe pertence
de pleno direil'o,. ô que me tirará, quando e como
quiser; porém, quando lhe obedeço, dou-lhe o que é
mais parlicularmenle meu, a única coisa que êle pa-

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232 l!EDITAÇÕE!t SACERDOTAIS

rece ler subtraído ao seu domínio, para a deixar à


minha disposição: Sola volunfos hominis, diz Gui­
lherme de Paris, dominium Dei reddif ambiguum.
E' de tôdas as honras a mais lisonjeira para um Deus,
que quer reinar sôbre o homem, não lanlo como so­
berano, quanto como pai. E' êsle também aquele
reino interior da graça, que Jesus Cristo veio fundar
na terra, e que o sacerdócio deve esforçar-se por con­
solidar e estender. O nosso ministério não tem outro
fim senão submeter os homens à lei do Senhor. Oh 1
quanto deve prezar a obediência aquele que está. en­
carregado, pelo seu estado, de dar glória a Deus 1

II. O inferêsse da Igreja, segunda razão para


o bom padre "imitar a obediência de Jesus Cristo.
- O Espírito Santo compara a Igreja a um exér­
cito. Ambos tiram a sua·· fôrça e beleza, da exacla
disciplina, que une entre si as diversas parles de que
se compõem. Na Igreja, assim con:io no exército, só
há um corpo, e membros que se coordenam. A par­
róquia é a reünião de fiéis sob um só párroco ; a
diocese é a reünião de muitas parróquias sob um só
bispo; a Igreja é a reünião de tôdas as dioceses sob
um Bispo universal, o Papa, vigário de Jesus Cristo.
Emquanto a ordem hierárquica é fielmente obser­
vada e a subordinação bem guardada ; emquanlo o
chefe supremo. Jesus Cristo, governa à sua vontade,
por meio do Sumo Pontífice, os bispos que ês\e no­
meou, e por meio dêles, todos os chefes secundários
e todos os que receberam algum mando para exercer,
finalmente todos os soldados da sagrada milícia: êste
exército espiritual, sempre pronto a combater, é terrí­
vel para o inferno: Terribilis uf casfrorum acies or­
dinafa (1). O respeito à autoridade! é o poderoso
§
(1) Canl. VI, 3.

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OBEDIENCIA DE JESUS

móbil que a Igreja recebeu do Salvador, e o segrêdo


de lodos os seus triunfos. Ora, t como não devere­
mos assustar-nos, vendo aié que ponto enfraquece de
dia para dia êste respeito, que é a fôrça e a vida
de tôda a sociedade? Uma febre de independência
corrói as entranhas do corpo social; o homem da
nossa época não quer depender senão de si. O' sa­
cerdotes, médicos das almas, e. curá-las-eis vós desla
funesta doença, se não fordes dela, isentos? e. Reali­
zareis os desígni_os da Igreja, pela salvação de seus
filhos, trazendo-os à obediência, se não mostrardes
cGm as vossas acções e palavras, que sois homens
perfeitos nesta virtude, ou, segundo a expressão de
S. Pedro, filhos obedientes? ( 1) Demais disto, estais
ligados por uma santa promessa; não podeis já dis­
pôr de vós : Alligalus es verbis oris fui (2).

Ili. A obrigação contraída na ordenação, ter­


ceiro motivo para o bom padre imitar a obediência
de Jesus Cristo. - Tôda a promessa obriga, princi­
palmente· quando é revestida de circunslàncias, que
mostram naquele que a fêz, um exame mais maduro,
uma. determinação refleclida.
TransporlemÓ-nos ao belo dia da nossa ordena­
ção. Na nossa alma já estava impresso o carácter
indelével; podia-se dizer a •cada um de nós: Tu es
sacerdos in aefernum. Pela primeira vezJ unidos ao
bispo ordenan!t:, tínhamos feito baixar o filho de
Deus ao aliar; acabávamos de comer a sua carne e
de beber o seu sangue; nunca estivéramos mais re­
colhidos, entregues a pensamentos ,mais sérios. O bis­
po, revestido de todos os ornamentos da sua digni­
dade, sentado no seu trono, como um soberano, a
quem os súbditos vãô prestar juramento, lama as

(1) Filii obedienli11e. I Pefr. I, 14. - (2 ) Pefr. Bles.

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AIEDITAÇÕ!,;S SACERDOTAIS

nossas mãos nas suas, e faz-nos esta pregunta: Pro­


miflis mihi ef successoribus meis reverenfiam ef obe­
dienfiam? A resposta foi tão clara corno a pregunta :
Promilfo: Promessa geral, absoluta, sem restrição ou
reserva . . . é. Haverá algum padre que, ao pronunciar
esta palavra, julgasse que poderia escolher, e aceitar
ou não aceitar certo cargo, certo género de ·mi­
nistério, ou então que lhe seria permitido censurar
a administração episcopal? é. Haverá um só que não
compreendesse que, t1 partir dêsse momento, a obe­
diência e o respeito para com o bispo e os que o
representassem, eram para êle um dever de justiça e
de religião?
Afastai da vossa Igreja, ó meu Deus, êsses espíri­
tos descontentes e rebeldes, que ou·sarn discutir, cri­
ticar os preceitos e aclos de uma autoridade que
nunca poderão respeitar ·em demasia; que, desGgu­
rando o seu lílulo de pastores, abusando do direito
que leem de mandar numa porção do rebanho, se dis­
pensam de obedecer ao pastor de t�do o rebanho.
Não, de-certo; êsses não refleclem no escândalo que
dão, no dano que causam à Igreja, quando rompem
assim esta bela unidade 'que, ligando · o seu bispo ao
Papa, devia ligá-los também a êles ao seu prelado
pelos vinculos mais sagrados. Meditem no que disse
S. Cipriano: Scire debes episcopum esse in Ecclesia
ef Ecclesiam in episcopo, ef, si quis cum episcopo
non sif, no� esse in Ecclesia.
Ah I Senhor, é. como podem alguns padres achar
difícil a obediência, depois do exemplo que desta vir­
tude lhes dais to,dos os dias, no sagrado aliar?
Nunca resistis à sua vontade, para vir do céu às suas
mãos, para passar das suas mãos para o seu próprio
coração e para o dos fiéis. Êles dispõem de vós,
digamos assim, corno um amo dispõe do seu servo,
um dono dos seus bens. é. E. recusariam submeter-se
a vós, ó meu Deus, e apresentariam dificuldades em

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om:n111:-.r.1A 1,E JF.SLS

se deixarem dirigir pela vossa infinita sabedoria, na


pessoa daquele que encarregastes de os conduzir?
é. Onde estão porém os que, depois de muitos anos já
passados no serviço dos vossos altares, vos dizem
com tanta sinceridade como S. Paulo, no primeiro
instante da sua conversão: Senhor, que quereis que
eu Íãça? Ai! é. não serão o maior número êsses
cegos, a quem a sua miséria e a vossa compaixão,
segundo o pensBmento de· S. BernBrdo, vos obriga­
riam a pregunlar o que êles mesmos querem que
vós lhes façais? Heu ! plures habemus evangelici
illius caeci, quam novi Aposfo/i imita/ores . .. ; sic
profecfo, sic multorum hodie pusillanimi/as el perver­
sifas ex.igif, ui ah eis quaeri oporleal: Ouid vis uf
faciam tibi? ef non ipsi quaeranf: Domine, quid me
vis facere ? (1)

Resumo da Meditação

1. O zêlo da glória de Deus txcifa o bom


padre a imitar a obediência de Jesus Cristo. -
A Sabedoria incriada escolheu a obediéncia para
reparar a divinB glória, ofendida pela revolta do pe­
cado. Um Homem-Deus· obediente até à morte de
cruz: 1 que expiação da desobediência do· homem 1 -
Com esta virtude eu ofereço a Deus o que tenho de
melhor, a única coisa que eu posso materialmente re­
cusar-lhe. r.le recebe de mim a homenagêm mais li­
sonjeira para um Deus, que quer reinar não tanto
como soberano, quanto como pai.

II. O inferêsse da Igreja, segundo motivo para


o bom padre ser obediente. - O respeito à autori­
dade, é o poderoso móbil que o Salvador pôs nas

(1) S. Bern. Sefm. 1. in conver3, S. Paul.

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)IEDITAÇÕES SACERDOTAIS

mãos da sua Igreja. E' êsle o segrêdo de todos os


seus triunfos, e o que o torna terrível ao inferno.
t Como não nos assustaremos, considerando até que
ponto êste respeito tem enfraquecido nos nossos dias?

III. A obrigação contraída, terceiro motivo


para o bom padre ser obediente. - Tõda a pro­
messa obriga, principalmente quando é revestida de
uma forma sagrada, e feita com madura reflexão.
Transportai-vos ao dia da vossa ordenação. Promif­
fis?. . . Promillo. Pregunta precisa, resposta clara,
promessa absoluta, sem restrição : Obediência e
respeito; prometi uma e outra coisa.

181

XXXIX MEDITAÇÃO
Preciosos frutos que o bom padre tira
da sua obediência

1. A paz da alma.
II. A própria santificação.
Ili. O zêlo eficaz.

I. A obedtência, fonte de paz. - O bispo teve


o cuidado de me afiançar tão grande bem, na ceri­
mónia da minha ordenação. Apenas recebeu a minha
resposta, Promiffo, à pregunta que fizera : Promiflis
obedienfiam?. . . inclinou-se para mim e deu-me o
ósculo de paz, dizendo-me: Pax Domini sif semper
fecum. Era o mesmo que dizer-me : • Aprendei de
que maneira pretendo usar da minha autoridade para
convosco. Se cumprirdes a vossa promessa, nada
obstará a que reil)e a união mais íntima entre vós e

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FRUTOS DA ODEDI�CIA 23i

o vosso bispo. Não só serei para vós um amigo e


um pai ; mas Deus, que dá a �raça aos humildes, e
a paz aos homens de boa vontade, vos encherá de
seus favores, porque não há coração mais humilde
que o coração perfeitamente submisso, não há von­
tade melhor que a que se une à divina vontade, res
conhecida na do superior• .
i Oue tranqüilidade infunde ao sacerdote obediente
êste pensamento : Eu est�u onde Deus me quer, faço
o que êle quer ! Foi êle mesmo que escolheu para
mim o emprêgo que me é confiado, e escolheu-o para
bem, não só da sua glória, mas da minha felicidadé.
Êsle emprêgo que eu exerço é o que lhe agrada ;
êste e não outro, é o campo que êle quer que eu cul­
tive. Eu assusto-me à vista dos obstáculos que se
apresentam, e principalmente da minha incapacidaqe;
mas i. não pode o Senhor vencer lôdas· as dificulda­
des? Conclusão: êle pede-me o trabalho, e não o
bom sucesso. Logo que obedeço, Deus encarrega-se
de ludo; visto que executo as suas ordens, devo
confiar nêle.
i Oue molivo de turbação, pelo contrário, para
aquele que reconhece que é obra sua, e não de Deus,
a resolução tomada a seu respeito ! e. Ouer-me Deus
no lugar que ocupo? Eu é que forcejei por alcan­
çá-lo; e. que posso eu fazer nêle, se me falta a mis­
são divina? E lê-la-ei, se eu fõr um intruso? Pre­
servemo-nos dêste lormento, e conservemos a dôce
paz, que acompanha a .submissão à· vontade de Deus.

II. A obediência, grande meio de santificação.


- Três coisas .concorrem principalmente para formar
e aperfeiçoar os Santos: os seus costumes simples,
as virtudes que praticam, as graças que recebem.
O homem de fé sente-se abrasado em amor para com
a obediência, quando a encara debaixo dêsles três
aspectos.

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m:nJTAÇÕES SACERDOTAIS

Em primeiro lugar, êle ama a obediência no


mesmo grau que ama a pureza da sua alma ; porque
o espírito de submissão destrói a causa primária de
todo o pecado e vjcio, isto é, a própria vontade.
Ninguém peca nem é vicioso, senão porque não quer
o que Deus quer. S. Bernardo dizia : • Tirai a von­
tade própria, e já não haverá inferno•. E diz em
outra parte: • Oh I quem me dera cem superiores em
lugar de um só! Não veria nisso um incómodo, mas
um socôrro•. Sucede com os superiores o mesmo
que com a clausura religiosa; a sua autoridade não
ê uma prisão que nos cativa, mas um antemural que
nos protege. Há mais segurança em obedecer que
em mandar; era uma das máximas de S. Fra_ncisco
Xavier (1). Peca-se muitas vezes, exercendo a aulori­
dqde; nunca, obedecendo-lhe em atenção a Deus.
No tribunal do supremo Juiz, não haverá desculpa
que valha tanto como esta: Senhor, vós dissestes-me
que estáveis na pessoa de meus superiores, e que
ouvindo-os, era a vós que eu ouvia; temi desagra­
dar-vos com a menor resistência a seus desejos.
S. João Clímaco chama à obediência: lmmedia/a ad
Deum excusafio (2).
Em segundo lugar, o espírito de submissão, en­
cadeando a soberba, dispondo a alma para a humil­
dade, prepara-a para tôdas as virtudes. A obediên­
cia . é a mãe e a guarda delas: Mafer ef custos
omnium virfufum (3). - Obedienfia soJa virfus esf,
quae vfrfules caeferas menti inseri/, inserfasque cus­
lodif (4). Ela resume-as e encerra-as tôdas; porque
conduz ao Salvador pelo caminho mais direito: ln
obedienfia summa virfufum clausa esf: nam simplici

(1) Longe lulius esse regi quam regere, parere qu11m imperare,
(2) Grad. 1. De obed. e. 1. - (5) ,?. Aug. 1. 1 4. De civil,
Dei. -(4) S. Greg. 1. 35. Mor. e. 10.

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FRUTOS DA OBEDIÊNCIA 23!1
1
gressu hominem ducif ad Chrisfum (1). E' a sua per-
feição : é dela, como da caridade, que recebem lodo
o seu mérito. é Oue valor leriam os meus jejuns, se
só tivesse em vista satisfazer a minha vontade? (2)
i. A própria caridade não se confunde com a obe­
diência? Si di/igilis me, manda/a mea serva/e (3). -
Obedienfia virfus esl consummafél ... : e/iam ipsa cha­
rifas, si contra hanc quidquam diligere moliatur
nec vera esse charifas judicafur (4).
finalmente, a razão por que a obediência é um
meio tão eficaz de santificação, é porque exerce
uma espécie de império sôbre o Todo-Poderoso, e
obtém dêle tudo o que pede: Cifius exauditur una
obedienfis orafio, quam decem millia confempforis (5).
A liberalidade do homem obediente provoca a vossa,
ó me� Deus! ele dá-vos o que mais preza; é que
poderíeis vós recusar-lhe? Se fazeis a· vontade dos
que vos temem (6), équanto mais a dos que vos
amam? Assim, só com o exemplo de óbediência que
me dais, abris-me um caminho seguro e fácil para
uma eminente perfeição. Ah I quão pouco vos lenho
segui-do por êsse caminho, visto ser ainda Ião imper­
feito! Concluamos com Santo Agostinho, que nada
há tão vantajoso à alma como o obedecer: Nihil
Iam expedi! animae, quam obedire (7).

III. A obediência fecunda os trabalhos do zêlo


apostólico. - O filho de Deus salvou o 'mundo pra­
ticando esta virtude; êle deve-lhe o seu nome de Je­
sus, o mais belÕ, o mais admirável de lodos os no­
mes: Humiliavif semefipsum, factus obediens usque

(1) S. Hier.
ln reg. mon. - 1 2 ) Is. LVIII, 3. -<3) Joan.
De ohed. cleric. e. 1.- (5) S. Aug.
XIV, 15. - ('J Phil. 11bb.
De oper. monach. - ('l) Volunl11{em iimenlium se faciel. Ps.
CXLIV, 19. - (1) ln Ps. LXX, cone. 2.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

ad morfem . . . Propfer quod ef Deus exalfavif illum,


ef donavil il/i nomen, quod esf super omne no­
men ( 1). E' também com a nossa obediência, que
merecemos a honra de cooperar para a salvação de
nossos irmãos. Com efeito, por ela recebemos o
movimento do mesmo Deus, agente principal .na obra
da santificação das almas. Somos inslrumenlos dó­
ceis nas suas mãos. Dá-nos o seu espírito, e nós
comunicamo-lo.
t Queremos uma prova e uma imagem das pên­
çãos reservadas à obediência dos homens apostóli­
cos? Os discípulos tinham-se entregado tôda a noite
a uma pesca infrutuosa; Jesus não eslava com êles,
e êles não haviam seguido no seu trabalho mais que
a sua própria vontade. Mas logo que a continuam
em nome e por ordem do Salvador, que mudt1 nça !
que lanço Ião feliz! Praecepfor, per lotam noclem
laborantes, nihil cepimus; in verbo aufem fuo laxabo
rele. Ef cum hoc fecissenf, concluserunf piscium mul­
fitudinem copiosam (2). Eis o que muitas vezes ex­
plica os bons sucessos de certos padres, inferiores a
outros pelo seu talento; Deus recompensa a sua hu­
milde submissão. Dá-lhes um glorioso poder sôbre
os espíritos das trevas, que se perderam pela sua so­
berba e desobediência: Dum volunfaiem suam aliis
subjiciunf, ipsi lapsis per inobedienfiam angelis do­
minanfur (3); e para êles verifica-se de mil :nodos
a palavra ·do Espírito Sanlo: Vir obediens loquefur
vicforiam (4). - Vinci/ enim mundum, diabo/um, ef
.,,
seipsum (").
Como preparação para a missa, reúno no pensa­
mento tantos ·motivos, que me induzem à obediência,
e renovo em vosso obséquio, ó meu Deus, o sacrifí-

(1) Philip. 11, 8, 9. - (2) Luc. V, 6.- (3) S. Greg. in


I Reg. e. 1. -(") Prov. XXI, 28. - (5) Pelr. Bles. Episl. 157.

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FRUTOS DA ÔBEDIÊNCIA

cio de minha própria vontade. 1ubmelo-a à vossa,


que eu reconheço na de lodos os meus superiores.
Não; eu não sou insensível ao prazer de buscar a
vossa glória, de:! consolar a vossa Igreja, de salvar
os meus irmãos, de pôr em segurança os meus inte­
rêsses mais sagrados. Estou ligado àlém di�lo por
uma obrigação de justiça, pois prometi obediência
no momento mais solene .da minha vida. Uno, Se­
nhor, a minha submissão à de vosso Verbo incar­
nado, objeclo de tôdas as vossas complacências;
quaisquer que sejam as minhas súplicas, ouvi-as sem­
pre no sentido da que êle vos fêz no jardim das Oli­
veiras: Verumfamen non sicuf ego volo, sed sicµf
tu (1). Adoplo, cómo expressão de lodos os meus
valos, a palavra que vos dirigia muitas vezes ·um
santo patriarca (2): Fac mecum sicul seis d vis, seio
enim quod amafor sis.

Resumo da Meditação

1. A obediência, fonte de. paz. - Ouando a


prometi t1a minha ordenação, foi-me dado o ósculo
de paz. i Oue tranqüilidade ·me infunde êsle pensa­
mento: Eu estou onde Deus quer. faço o que êle me
ordena I Pelo contrário, que objeclo de turbação
para aquele, que se pôs por si mesmo na situação
em que se acha ! é. Oue posso eu fazer no lugar que
ocupo, se não lenho a graça da missão de Deus?
l E posso eu lê"la, se eu �esmo re�lamei êsle lugar?

II. A obediência, grande· meio de santificação.


- 1. 0 O' espirita de submissão destrói a causa pri­
mária de lodo o pecado, H vontade própria. Peca-se
muilas yezes, exercendo a autoridade; nunca, obe-

(lJ Mollh. XXVI, 19. - (2) 5. Inácio de Loiola.

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MEDITAÇÕES SACEIIDOTAIS

decendo com os olhos em Deus. 2. 0 O espírito de


submissão encadeia a soberba, e com a humildade
prepara a alma para tôdas as v-irtudes ; a obediência
é a mãe e a guarda delas. 3. 0 Exerce uma espécie
de poder sôbre Deus, obtendo dêle ludo o que pede :
Citius exaudifur una obedieniis orafio, quam decem
mil/ia confempforis.

III. A obediência fecunda os trabalhos do z.êlo.


- O filho de Deus salvou o mundo com esta vir­
tude; deve-lhe o seu nome de Jesus. A pesca é in­
frutuosa, quando se faz pela vontade do homem ;
torna-se abundante, quando o Salvador a ordena :
Vir obediens loquelur vicforiam. - Vinci/ mundum,
diabo/um, ef seipsum.

XL MEDITAÇÃO
Qual deve ser a obediência dos sacerdotes
para se assemelhar à de Jesus Cristo

1. Religiosa e IHial em seu motivo.


li. Drdnla e santa em sua execução.
Ili. Universal em seu objec!o.

1. Obediência religiosa e filial. - Nunca mo­


tivo puramente humano influiu no Coração de Jesus,
quando obedecia a pobres criaturas. Jesus só viu
nelas a autoridade de Deus, a quem tôda a vontade
deve submeter-se: Non .haberes pofeslafem advers'!m
me ullam, nisi fibi dafum esse/ desuper ( 1 ). - Scri-

(1) Joan. XIX, 11.

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FRUTOS DA OBEDIÊNCIA i43
pfum esf . . . uf lacerem volunfafem fuam ... ; Deus
meus, volui (1). Mas êsse Deus, ao qual obedece
unicamente, é um Pai ternamente amado; e é para
lh_e provar o seu amor, que faz sempre o que é do
seu agrado: /ta, Pafer, quoniam sic fuif placifum
ante fe (2). - Ut cognoscaf mundus quia di/igo Pa­
lrem, ef sicuf mandatum dedif mihi Pafer, sic faciQ:
surgife, eamus hinc (3).
Demos êste duplo caráder à nossa obediência.
Seja ela religiosa e filial em seu motivo. Só Deus
tem direito de exigi-la. Não degrademos a nossa
vontade, até pô-la ao serviço do homem : Non ...
quasi hominihus placenfes, sed ui servi Chrisfi, Fa­
cienles volunlafem Dei ex animo (4). Se vemos a
Deus no nosso superior, qualquer que éle seja, rece­
beremos as· suas ordens com respeito: Cum fimote
ef !remore (5). Nunca sairá da nossa bôca uma pa­
lavra de queixa, de murmuração, de censura; e longe
de parecer . desaprovar o uso que êle faz do seµ po­
der, esforçar-nos-emos sempre por justificá-lo, ao
menos com a máxima geral ; que, estando o superior
mais alto, eslá mais no caso de julgar o que é van­
tajoso ou prejudicial ao corpo, de que êle é cabeça,
e cujo govêrno lhe pertence (6).
Mas ao respeito juntemos a ·confiança fili·al, ins­
pirada pelo amor. O bispo é o pai do nosso sacer­
dócio: Reverendissime pafer, postulai saneia mafer
Ecclesia . .. ; tal foi a primeira palavra dirigida ao
bispo na .ceremónia da minha ordenação. O ósculo
de paz, que êle me deu, quando eu lhe prometi obe­
diênci'a, dizia-me claramente: • Sêde para mim um
filho, e serei para vós um pai; o meu amor dar-vos-á
ordens, o vosso obedeça-me• . Oh I quantas coisas

(1) Ps. LXXXIX, 8, 9. - ( 2) M11flh. XI, 26. -<3) JOIRl..


XIV, 31. - (4) Eph. VI, 6. - ('') lbid. 5. - 1 6) Acf. XX, 216.

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MEDITAÇÕl!:S SACERDOTAIS

nestas duas palavras: o bispo é pai, o padre é filho 1


Oiçamos os San los Doulores: -Esfo subjecfus pon­
fifici fuo, ef quasi animoe pareafem suscipe ( 1). -
Praeposifum fimeas ui dominum, diligas ui pare_n­
fem (2). - Omnes sequimini episcopum, ui Chrislus
Palrem (3). - Episcopus, ui membris suis, utalur cle­
ricis, ef maxime minisfris, quisunf 6/ii (4).

II.. Obediência pronta e santa na sua execu­


ção. - Nós não lêmos que Jesus Cristo disculisse
uma só vez a sua submissão; mas o zêlo com que
cumpri'a a vontade de seu Pt1i, tudo o que está es­
crito o a lesta. e. Como começou êle a sua carreira?
Exultavif ui gigas ad currendam viam (5). E quando
se traia de a terminar com os mais horríveis tormen­
tos, quando vai a Jerusalém para os sofrer, apressa
tanto o passe, que os seus apóstolos se espantam :
Et praecedebaf illos Jesus, et sfupebanf, ef sequen­
ies fimebanf (6).
Se pela fé reconhecemos a Deus na pessoa dos
superiores, obedecer-lhes-emas com prontidão e ale­
gria, e nos absteremos de· tirar ao nosso sacrifício o
que lhe dá quási todo o mérito deanle de Deus:
Hilarem enim daforem diligif Deus. · Uma obediência
que eu difiro quanto tempo me é possível, e à qual
só me sujeito depois de ter esgotado tô.das as obser­
vações; uma o·bediência, que mais é arrancadà do
que prestada livremente, é uma flôr murcha; não tem
já nem o aroma nem a frescura; l como ousarei apre-
sentá-la a Deus? (7)
- --
- ------
(1) S. Hier. Ad Nep. - (2) lbid. - (ª) S. lgnfff. Mar!.
- (�) 5. Ambr., lib. 2. OHlc , e. 27. - (5 ) Ps. XVIII, 6. -
6
( ) Marc. XIX, 32.
(') Non plocel Deo morosa el discep!olriK obedienfio, quae
quidem cum praecipialur, quaeri tcur, q�are, quamobrem praecipia­
lur. S. Aug. De civil Dei. - Divino infonanle praeceplo, obedien­
dum esl, non dispulandum. lbid. LXVI, e. XXXII,

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PRUTOS DA OBF.DIÊNCIA . 24:.S
Tornemos por modêlos os querubins da visão de
Ezequiel. Além de terem seis asas, para significarem
com que presteza executavam as ordens que lhes
eram dadas, tinham também quatro rostos, que olha­
vam para as quatro parles do mundo, e voavam, não
para onde queriam, mas para onde o espírito do
Senhor os impelia. Demais' disto, estavam em pé e
agitavam as asas, como para tomar o vôo, achando­
-se sempre dispostos a dei•xar, alé o céu, se preciso
fôsse, para obedecer a Deus. Ditoso o sacerdote
que tem esta simplicidade 6 prontidão na obediência
que presta ao seu bispo, vigário de Jesus Cristo,
pois mete-cerá que o Salvador diga dêle um dia, apre­
sentando-o a seu Pai: ln lJUdifu auris obedivif mihi (1).

III. Óbediência universal em seu objecfo. -


Abrange lodos os tempos, todos os lugares, lodo a
género de ocupações, e só exclui o que ::eria evi­
dente pecado; a obrigação, que contraímos à face
do altar, não admite outra restrição (2). Ainda que
fôsse necessário sacrificar lodos os nossos gostos,
expôr mesmo a nossa saúde, não esqueçamos, que o
nosso divino Rei obedece .por 11ós até à morte.
De-certo é-nos permitido esclarecer a autoridade com
observações respeitosas; mas, quando se decidiu que
deveremos cultivar êste ou aquele campo, ocupar êsle
ou aqude lugar, que fazer? Submeter-nos e partir.
Santo Agostinho dizia: ' O vosso perfeito servo, ó

(1) Ps. XVII, 45. 0

(2) lpsum quem pro Deo habemus fanquam Deum, in his


quae aperte non sunf contra Deum, audire debemus. S. Bern.
De praecepf. ef disp. e. IX - Presbyleri et diaconi sine volunlate
episcopi nihil lacianl; is elenim esl cujus fidei populu\l Domini cre­
dilus esf, e! a quo pro animabus refio exigafur. Can. aposl. 38. -
Sine episcopo nemo quidquam facial eorum quae ad Ecclesiam
spedanl. S. lgnal. Mar!.

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MIWITAÇÕES SACERDOTAIS

meu Deus, é aquele que não procura que lhe orde­


neis o que êle deseja, mas se aplica a querer o que
lhe ordenais.
é. Será muilo exigir que um bispo ache no seu
clero, para as diversas necessidades da sua diocese,
o zêlo e a submissão que os superiores seculares
acham sempre em seus subordinados? é. Há no exér­
cito uma situação difícil, uma missão perigosa, ante
a qual retroceda não já o oficial, mas ainda o simples
soldado ? Ao �enor sinal de mando, afrontam êles
a morte, e esta obediênda heróica é tão ordinária,
que já quási se não admira. Oual é o seu móbil ?
O dever, a fidelidade, a honra ... Et il/i quidem, ui
corruplibilem coronam accipianl, nos aufem incor­
rupfam ( t ).
é. Poderá um sacerdote pusilânime fazer esta com­
paração sem se confundir?
O' Jesus, eu quero desde já modelar a minha
obediência pela vossa. Vós me alumiastes; dou-vos
infindas graças. Ouando sentir em mim alguma
repugnãncia em obedecer, imaginarei que me dizeis:
Ouid magnum, si fu, qui pulvis es ef nihil, propter
Deum te homini subdis, quando ego, Omnipotens ef
A/tissimus, qui cuncfa creavi ex nihilo, me homini
propfer te humilifer subjeci? (2) Recearia perder a
vossa amizáde e graça, se me afastasse de vós, des­
viando-me de uma virtude, que vós prezastes mais
que a vida: Oui se sublraliere nilitur ah obedienfia,
ipse se subtrahit a grafia (3).

Resumo da Meditação

I. Obediência religiosa e filial em seu mo•


tivo. - T ai foi a de Jesus Cristo, submetendo-se a

,(1) 1 Cor. IX, 25. - (2) /mil. 1. 3, e. 3. - (3) lbid.

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FRUTOS DA OBEDIÊNCIA

pobres criaturas; êle nunca viu nelas senão a au­


toridade de um Deus que e.dorava, e de urn Pai a
quem amava. Dêmos êste duplo carácter à nossa obe­
diência. Seja ela o fruto da nossa fé. ·se conside­
ramos só a Deus nos nossos superiores, receberemos
sempre as suas ordens com respeito; executá-las­
-emas com uma confiança filial, amando a Deus na­
queles que o representam.

II. Obediên•cja pronta e simples na execução.


- Logo que descobrimos o supremo Senhor naque­
les que nos dão ordens, obedecer-lhes-emas com
prontidão e alegria. Uma obediência que me arran­
cam, mais do que eu a concedo, ê uma flôr murcha.
feliz o padre, -que merecer que o Salvador diga dêle
um dia, apresentando-o a seu Pai: Este obedeceu­
-me, logo que ouviu a minha voz.

III. Obediência universal em seu objeclo. -


Deve abranger as minhas acções,a minha vontade, o
meu juízo, lodos os meus instantes, e só excluir o
que seria evidente pecado. A verdadeira obediência
não restringe o que lhe ê ordenado, abstém-se de
oferecer hóstias mutiladas, e não acaba a letra come­
çada. E' cega, e é na sua cegueira que faz, consistir
a sua sabedoria. Estende-se a todo o superior,
quaisquer que sejam os seus defeitos. O bom padre
quer ser até ao fim, como um menino nas mãos da
obediência.

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MEDITAÇÕES �ACF.ll_D_TO _A_IS
_______

XLI MEDITAÇÃO
.
Progressos do bom padre na perfeição : Jesus
aufem proGciebal ... coram Deo el hominibus (1)

I. O bom padre cresce em graça deanle de Deus.


li. O bom padre cresce sempre. em graça deanle
dos homens.

I. Progressos contínuos do bom padre na san­


tidade interior. - êste progresso só era aparente na
pessoa de Jesus Cristo, pois desde o primeiro ins­
tante da sua incarnação, possuía lodos os tesoiros
da sciência, da sabedoria e de uma infinita santidade,
mas deve ser real nos seus· ministros. Nós não rece­
bemos a plenitude dos dons celestiais com a imposi­
ção das mãos; a santificação em nós é a obrà de
tôda a vida. A lei do progresso espiritual que per­
tence a todos os cristãos : Estofe perfecfi sicul ef
Pafer vesfer coeleslis perfectus esl, pertence ainda
mai!j,..aOs padres que aos simples fiéis. Deus de-cerlo
não exige o impossível; mas, se nos mos Ira a suõ
própria perfeição como o alvo a que devemos tender,
e o úniéo têrmo em que nos serã perlnitido parar,
é. não é ensinar-nos que em matéria de santificação
nunca devemos dizer •basta,, mas aspirar sempre õ
alguma. coisa melhor? kmulamini charismafll me­
/iora .I;). - Ouae quidem reiro sunf obliviscens, ad
ea verÕ quae sunl priora exfendens me ipsum (8).
Em uma vocação como a nossa, não fender in­
cessantemente a uma mais alta perfeição, é um ver­
dadeiro defeito: Praefecli vel Anlisfifis vifium esse

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P H OGRESSC, NA PERFEIÇÃO
_______ _ _

exisfimef, nOvas subinde virfofum accessiones non


facere ( t ). Aquela fome e sêde de justiça que, se­
gundo a promessa do Salvador, devem ser 'saciadas
com uma eterna felicidade, supõem um ardente de­
sejo de ser sempre mais perfeito, e contínuos esforços
para o vir a ser. Estejamos certos de que retroce­
demos, logo que não qujsermos avançar: No//e pro­
ficere, no'nnisi deficere esf ( 2). Se a santidade do
justo deve ser sempre progressiva: Jusforum semifa,
quasi lux splendens, procedi! ef cresci/ usque ad
perfeclam diem (3), é. exigir-se-á menos daquele que é
o guia e o modêlo dos justos?
Ouê? ó meu Deus! tantas-graças que me prodiga­
lizais, e das quais uma só, a comunhão quotidiana,
encerra um poder de santificação infinito, socorros
Ião numerosos e lão divinos, é. nãó leriam outro resul­
tado senão tornar-me eslacionârio no caminho da vir­
tude? é. Não deve cada novo beneficio que eu recebo
de vosso amor, aumentar o meu reconhecimento?
é.Não deve cada visita que vos faço, dando-vos a mim_
no vosso s.acramenlo, deminuir as minhas imperfei­
ções, aumentar em mim a vossa vida, imprimir na
minha alma algum novo traço êle semelhança con­
vosco, apagando cada vez mais a imagem do Adão
terrestre?
Todavia, ai I como lenho eu procedido! é. Porven­
tura os meus progressos nos caminhos de Deus,
desde qae êle me colocou no número de seus minis­
tros, leem sido semelhantes, segundo a comparação
do Espírito Santo, aos do sol, que se ergue e cresce
sempre em luz e calor, alé que chegue ao zenile?
Se consulto as minhas recordaçõe_s, e se comparo o
presente com o passado, é. não serei obrigado a re-

(1) S. Greg. Naz. Orat. 1. - l2) S. Bern. Episf. CCLIV.


- (3) Prov,. IV, 18.

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llEDITAÇÕES SACERDOTAIS

conhecer, que tenho hoje menos inocência, menos


piedade, menos fervor, menos zêlo da glória de Deus
e salvação de meus irmãos', do que linha nos primei­
ros tempos do meu sacerdócio? O' alma minha, não
serei eu essa vinha ingrata, de que o Senhor se
queixa, porque ela não' correspondeu aos seus cui­
dados, nem às suas esperanças ? Expec/avif ui face­
rei uvas, el fecil labruscas ( 1).

li. Progressos do bom padre na santidade


exterior. - À proporção que crescia em idade,
Jesus manifestava a perfeição que eslava nêle; a sua
santidade lransluzia cada vez mais no seu roslo, nos
seus gestos, nas suas palavras e em lôdas as suas
acções. Fazia continuamente os mais excelentes ac!os
de modéstia, de prúdência,, de humildade, de religião
para com Deus, de caridade- para com os homens.
E nisto é que os bons padres se esforçam por imi­
tá-lo. Crescem em edificação deante dos homens, à
medida que crescem em virtudes deante de Deus.
A santidade interior é o princípio da exterior; a se­
gunda é um eíeifo da primeira, e ambas leem entre
si uma ligação tão estreita, que não pode existir
uma sem a outra, assim como o odor sem o per­
fume, e o perfume sem o odor.
Entrai sêriamente em vós mesmo, e recebei com
reconhecimento as luzes que o Espírito Santo vos
dá. São-vos muito úleis, porque, esclarecendo-vos,
humilham-vos e confundem-vos. e. Oue verdadeiros
progressos tendes vós feito nas virtudes mais pró­
prias do bom padre, que contribuem tão poderosa­
mente para a edificação do próximo: a paciência e a
mansidão? S. Gregório exprim� assim êste desejo: UI
quísquis sacerdoli jungifur, aefernae vitae sapore

(1 / Is. V, 2.

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PROGRESSO NA PERFEIÇÃO

condiafur ( 1 ). l E' verdade que comunicastes êste


gôslo da vida eterna a quem se aproximou de vós?
Ah I Senhor, se eu tivesse sido animado do vosso
espírito, quantas almas leria eu podido induzir a se­
guir-vos, atraídas pelo suave odor de vossas virtudes!
Para vos preparardes para a missa, reconhe�ei
aos pés de Jesus Cristo a vossa profunda indigni­
dade, vendo-vos sempre Ião pouco ,.adcantado na per­
feição sacerdotal. é._ Oue obstáculos pusestes aos
desígnios de sua misericórdia a vosso respeito?
l Como o constrangestes a conservar fechado para
vós o tesoiro do seu Coração, quando êle vinha vi­
sitar-vos, precisamente para vos trazer as suas rique­
zas? Pedi-lhe perdão, e disponde-vos a aproveitar-vos
melhor da missa que ides dizer. N, vossa acção de
graças, suplicai a êsse amigo generoso, que vos
ponha em estado de o glorificar para o futuro, cres­
cendo continuamente em graça e santidade deanle
dêle e deante dos homens: Sic luceaf lux veslra
coram hominibus, ui videanf opera vesfra hona, e/
glorilicenf Palrem veslrum qui in coe/is esf (2).

Resumo da .l\teditação

I. Progressos confinuos do bom padre' na


santidade inferior. - A -lei que Jesus Cristo impõe
a lodos: Esfole perfecfi, sicul e/ Pafer vesfer coe­
lesfis perfeclus esf, diz respeito aos padres, muito
mais que aos simples fiéis. - Em uma vocação c:>mo
a nossa, não aspirar incessantemente a uma mais é'lta
virtude, é um defeito v'erdadeiro; se a santidade do
justo deve ser sempre progressiva, Jusforum semi/a ...
procedi! ef cresci!, l exigir-se-á menos daquele, que é
o guia e o modêlo dos justos? Ouê? tantas graças

(1) Homil. XVII. in Evang. - (�) Mallh V, 16.

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MF.DITAÇÕF.S SACF.RDOTAIS

que me prodigalizais, Senhor, <'. não teriam outro re­


sullado senão tornar-me estacionário? <'. Como lenho
eu procedido a êste respeito?

II. Progressos do bom padre na santidade


exterior. Jesus Cristo manifestava progressiva­
mente o tesoiro de santidade que eslava nêle; a seu
exemplo, o bom padre cresce continuamente em edi­
ficação deante dos homens. A santidade exterior é
um efeito da interior; é o odor do perfume. Sic lu­
ceaf lux vesfra coram hominibus, ui videanf opera
vesfra hona, ef glorilicenf Palrem véstrum qui in coe­
/is est.

XLII MÊDITAÇÃO
fazer cada coisa com tôda ,a perfeição
possível, grande meio de progredir
ràpidamente na santidade

1. Como pralicou o Salvador esta mãxima.


li. Razões que devem induzir-no� a pralicã-la.

I. Jesus Cristo dava a cada uma das suas


acções tôda a perfeição de que era susceplível. -
Só dêle se pode dizer com tôda a verdade e em
lodos os instantes de sua vida, quando trabalhava
com as suas mãos na oficina de S. José, assim
como quando fazia brilhar o seu poder e a sua
caridade com benefícios milagrosos: Bene omnia fe­
cif. Magnífico elogio que, em três palavras, presta a
mais completa homenagem ã sua santidade, â sua
sabedoria, ã sua bondade.

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-
______�53
PROt;BESSO l'iA l'_EB_F_E_IÇ-'---A_O
_

r.le fêz ludo com infinita santidade, inlerior e ex­


terior; nunca a sombra de um defeito se insinuou em
uma só das suas acções, consideradas em sua sub­
stância ou no seu modo. A lodo o instante, e qual­
quer que fõsse a sua ocupação, era digno na terra,
assim como no céu, do cântico dos anjos: Sanclus,
sancfus, sancfus.
Fêz ludo com infinita sabedoria, em uma ordem
admirável, conformando-s� sempre, ta·nto nas coisas
pequenas como nas grandes, com a vontade de seu
Pai, com os deveres de seu estado; em menino, f a­
lava, procedia com a perfçiçâo que convém à infân�
eia; da mesma maneira nas outras idades. Acomo­
dava-se igualmente a· tõdas as circunstâncias, fazendo
cada coisa quando e como era preciso fazê-la. Nunca
o viram trabalhar no tempo consagrado à oração,
nem dar à oração o que era destinado ao trabalho.
Fêz tudo com infinita bondade, referindo ludo à
glória de Deus e à nossa felicidade. Sabia que,
mulliplicando os ados de adoração, de obediência,
de humildade, ele:., reparava mais amplamente a di­
vina glória ultrajada pelo pecado, aumentava o te­
soiro de merecimentos e de· graças, preparava aos
homens, � facilitava-lhes mais a salvação. Daí essa
contínua aplicação a fazer bem o que fazia.
Oh I quão ,ràpidamenle progrediríamos na virlude,
seguindo fielmente êsles princípios: afastar de lôdas
as nossas acções, ainda mesmo as mais ordinárias,
tõda a imperfeição -de que lemos consciência, e fa­
zê-las o melhor possível; regular o coração, regu·lar
as acções, o interior e o exterior, pelo grande preceito
do amor de Deus e do próximo,; vêr a santidade
onde ela está, isto é, na nossa união com Deus, cum­
prindo a sua vontade Qª posição em que nos colo­
cou, em luga_r de correr. atrás de uma perfeição ima­
ginária, buscando-a fora do. caminho que lhe aprouve
traçar-nos.

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�rníllTAÇfü:s SACEIIOOTA1S

Em cada uma das minhas acções, se ela é bem


feila, torno a Deus mais favorável, aumento em mim
a caridade, fortifico as minhas boas inclinações, en­
fraqueço as más, adquiro uma nova graça e uma
- maior facilidade para as boas obras: os bons hábi­
tos formam-se e arraigam-se com o exercício. Se o
mal chama o mal, o hem chama o bem; e assim as
pequenas virtudes condu7.em às grandes, os aclos
mais comuns aos aclos mais heróicos. Mas, se eu
não tenho a prl'sença de espírito, nem ó domínio de
mim mesmo, que me permite ser o senhor e direclor
das minhas acções e não. o seu escravo ( 1 ), nem te­
nho a fôrça de vontade, fruto da fé viva, sem a qual
o que faço de melhor, é cheio de defeitos: é porque
me admirarei de estar sempre Ião distante de vós, ó
meu Deus, avançando para a sepullura, sem avançar
no vosso amor?

II. Razões que nos induzem a fazer as nosM


sas acções o mais perfeitamente que pudermos: -
1. 0 A vontade de Deus, a sua grandeza, o seu su­
premo domínio. - Sua vontade: Haec esf vo!un!tJs
Dei, sancliGcalio vesfra (2). Ora, nós já ponderámos
que a nossa santificação e salvação dependem das
nossas obras; as boas Deus as recompensará eter­
namente nos seus escolhidos; e as más êle as punirá
elernamenle nos réprobos. ê.le quer que imitemos o
seµ modo de operar, quanto pudermos, pois se nos
propõe como modêlo: Esfole perfecli,. sicuf ef Paf(!r
vesler coeleslis perfec/11s esf: ora, o modo de operar
que lhe é próprio, é fozer tudo com a maior perfei-

(1) fili, ed isfud diligenfer lendere debes, ui in omni loco ef


ecfione •.. sis inlimus liber el fui ipsius polens, e( sint omnie sub
fe, el tu non sub eis; ui sis dominus eclionum luerum el redor, non
servus. lmif. 1. 3, e 38.
(�J I Thess. IV, 3.

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PROGRESSO NA P�:RFEIÇÃO

ção: Esf mos Dei, quod omnia opera sua in summo


bene facif (1). Eis por que nos manda buscar a
máxima perfeição em tôdas as nossas obras, .o que
supõe a aplicação em fazê-las bem: ln omnibus ope­
ribus fuis praecellens esfo (2). - Sua infinita grandeza
exige-o. Deshonra-se um amo pelo pouco cuidado,
pouco .zêlo que se emprega em servi-lo; e Deus de­
clara-nos que é maldito o que faz a sua obra com
negligência (3). - Acrescentemos que, -como o domí­
nio de Deus sõbre nós é universal, tõdas as nossas
acções lhe pertencem, tanto as mais comuns como
as mais consideráveis; tôdas são homenagens da
nossa piedade, e como fala a Igreja, ofrendas da
nossa servidão; por conseguinte devem ser dignas
dêle, e dar-lhe tõda a glória que lhe é devida.
0
2. O nosso amor para com Jesus Cristo. Nada
lhe é mais agradcivel que· vér-nos ocupados em fazer
santamente e com lôda a perfeição as nossas acções
mais comuns. Com isto, assemelhamo-nos a êle, vi­
vemos da sua vida, entramos no seu desejo mais ar­
dente, que é glorificar seu Pai com as nossas acções,
COIT)O êle mesmo o glorificou com as suas. Êle quer
que os membros, assim como a ·cabeça, sejam inteira­
mente consagrados e· aplicados a esta divina glória;
e por isso é que nos dá ·a sua graça, e opera em
nós e connosco. Se a minha acção é mal feita, se
nela se insinuou algum defeito, Jesus Cristo n_ão tirou
da sua graça lodo o, fruto que desejava, nem da mi­
nha cooperação lodo o gôzo que esperava.
3. 0 A excelência e o preço de uma acção bem
feita. A ordem sobrenatural e eterna excede incom•
paràvelmente ludo o que não sai da esfera da natu­
reza e do tempo. O menor tido de virtude cristã,

(1) S. Thom. Opusc. de mor. divin. - (2) Eccli. XXXlll, 2:;.


- (3/ Jerem. XLVIII, 1 O.

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MEJllTAÇfü:s SACERDOTAIS

feito por uma alma justa, só o nome de Jesus pro­


nunciado devotamente, o sinal da cruz feito com
�lenç�o. menos ainda. um passo, um olhar, anima­
dos de um bom motivo: lodos êstes a'clos. tão peque­
nos em si, sublimados pela fé e pela graça, que são
o seu principio, agradam mais a Deus, dão-lhé mais
glória que lõdas as acções puramente naturais das
crialuras passadas, presentes e fuluras. - E nós,
é. que vantagem não tiraremos, na vida futura, dessõ
acção santa, que só durou um instante? S. Paulo
no-lo ensina: Aefernum gloriae pondus (1). S. Ber­
nardo diz que as nossas obras são sementes da eler­
nidad· e: Semina aeler'nilafis (2). Assim como a árvore
e o frulo eslão encerrados nd semente, õssim em
cada boa obra está encerrada a glória elern11, ou
um aumento dessa glória... O' meu Deus, é. quem po­
de amar-vos, quem pode amar a si mesmo, e não
estremecer de alegria a êste pensamento: Dor esta
boa acção que vou fazer, ver-vos-ei mais claramente,
amar-vos-ei miiis ardentemente, possuir-vos-ei mais
deliciosamente por lõda a eternidade? ..
Bemdifo sejais, Senhor, po� terdes pôsto Ião perto
de mim a minha santificação e salvação. Não, a mi­
nha cobardia não tem desculpa. Se eu ousasse des­
culpar-me ainda, com a dificuldade de alcançar a per­
feição que esperais de mim, leríeis direito de me di­
zer que essa perfeição está na minha mão (3), por­
que, para a alcançar, não preciso de mudar de ocu­
pação; basta-me fazer bem o que faço. As acções
a que a ligastes, enchem lodos os meus dias; ·são
inseparáveis da minha condição de homem, de padre
e de pastor. Em todo o estado de coisas, é necessá­
rio que eu ore, que ofereça o santo sacrifício, que

( 1 ) II Cor.(, 17.-(2) Serm, XV, od cler.-(3) Deu!.


XX, 11, 14.

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-PERFEIÇÃO NAS OBRAS

exerça as minhas diferentes funções: é necessário que


eu !rale com o próximo, que estude, que descanse,
que me alimente para reparar as minhas fôrças, ele.
Vislo ser preciso que eu faça estas acções, é. que ce­
gueira seria a minha, Senhor, se em lugar de vo-las
tornar agradáveis, aplicando-me a fazê-las bem, e em
vez de depositar em cada uma delas um germem de
imortalidade fevz, a minha tibieza: as condenasse a
uma completa esterilidade 'para vós e para mim, pri­
vando-vos a vós da glória e a mim da felicidade, que
deviam ser o seu fruto?
Daqui � alguns inslanles, vou celebrar os san­
tos misl,érios, executar uma acção de uma nobreza e
santidade infinita; i mas quantos adas pêquenos na
aparência, movimentos de mãos, inc:linações de ca­
beça, atitude, olhar, palavras, s� encerram nesta su­
blime 'acção! . . . E se, quando eu descer do altar,
os anjos, que ali vão contemplar-me, pudessem dizer
de mim : Fêz bem tôdas as coisas: Bene omni8 fecif,
i que preciosos seriam deante de vós, ó meu Deus,
os minutos ali passadbs, e que glorioso rasto deixa­
riam na minha vida!

Resumo da Meditação

1. Jesus Cristo punha em cada uma das suas


acções tôda a perfeição possível. - Só dêle se pode
dizer com tõda a verdade: Bene om_ni8 fecif, Íêz bem
lôdas as coisas. - Com uma infinila s8n!id8de, sem
sombra de imperfeição. - Com uma infinita s8bedo­
ri8, c.onformando-se sempre com' os desígnios de seu
estado presente. - Com infinita bondade, referindo
tudo à maior glória de Deus e ao nosso maior bem.
Oue progressos se não fariam, seguindo êstes princí­
pios: regular o coração, regular as acções, o interior
e o exterior, pelo grande preceito do amor de Deus
VOL. 11-FI. 17

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258 MElllTAÇÕES SACERDOTAIS

e do próximo; vêr a san�idade, onde ela está: na


posição que a Providência nos assinou!

II. Razões que nos induzem a fazer fôdas as


nossas acções o mais perfeitamente que pudermos.
- A vonlade de Deus: E.le quer que sejamos santos,
e a nossa santificação depende das nossas obras. -
A sua iilfinila grandeza. Deshonra-se um amo com
o pouco cuidado e zêlo que se emprega em servi-lo.
O nosso amor para com Jesus Cristo. Nada lhe
agrada tanto como vêr-nos aplicados a fazer bem as
nossas acções mais comuns. Com isto assemelhamo­
-nos a êle, e vivemos da .sua vida. - A excelência
de uma acção bem feita e os grandes frutos que re­
colhemos dela: Um pêso eterno de glória. Bem dito
sejais, Senhor, por me lerdes tornado Ião fácil a per­
feição que esperais de mim.

XLIII MEDITAÇÃO
Primeira causa, após a graça, da santidade
das. nos�as acções: a boa intenção
que as dirige

I. Su11 poderos11' elicãci11 p11r11 s11n!ilic11r as nossas acções.


II. Ou11lid11des que deve ler.

1. Poderosa e6cãcia da boa intenção para a


santificação das obras. - Pela sábia direcção que
lhes dá, ela lira-as do domínio da natureza, para as
introduzir no domínio da grdça e na ordem sobr�na­
lural. Exerce a sua feliz influência sõbre as más, sô­
bre as boas, sôbre as indiferentes. Afasta as más :

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llECTA INTENÇÃO

Non faciamus mala, uf· venianf hona (1). - Ea quae


constai esse peccafa ..., nu/la velul hona infenlione
[adenda sunf (2). Torna melhores as que eram boas;
ora, é. quantas obras hã, não só boas, mas excelen­
tes por si mesmas na vida de um padre, cujas ocu­
pações tôdas se referem ao serviço de Deus e à sal­
vação do próximo, oração, estudo, ministério, ele.?
é. E que perda não sofra, se me ptivo do fruto de
tais obras pela minha negligência em me propôr nelas
um bom' fim? é. Como seria condenável deante de
Deus, se me propusesse fins maus, por exemplo, só
a estima das criaturas? Sem boa intenção, o que em
si seria excelente, as cerimónias sagradas, a prega­
ção, o cuidado das almas, ele., não seria senão vai­
dade ou crime; porém com reda intenção, o que há
de mais comum, torna-se divino.
é. Oue vale a oferta de um sim.pies copo de água?
E todavia se a faço, tendo em vista a Deus, e para
lhe agrodar, êle aceitará esta oferta, e a louvará, e a
recompensará magnificamente (3). A intenção, diz
Santo Agostinho, é o olhar da alma; é a boa inten­
ção, que faz a boa obra (4). O navio vai para onde
o dirige o leme, e a obra var para o fini que tem em
vista, quem a faz. O ôlho simples de que fala Jesus
Cristo, e que é a luz do corpo, é a boa intenção,
que faz que tôdas as nossas acções sejam preciosas
aos olhos do Senhor (5 ).

(11 Rom. III, 8. - ( 2 ) S. Aug. Contra mendacium.


3
( ) Viduam, cum viderel Dominus, non de palrimonio sed de
animo opus ejus examinons; el considerens non quantum, sed ex
quanto dedissef, dixil: Vidua isla plus omnibus mi,il in dona Dei.
S. Cyr. Tract. de operib. ef eleem.
1 4) Bonum opus inlenlio facit. Non valâe 11llendas quid homo
facial, sed quid, cum facil, aspicial; que l11cerlos oplimae guberna­
tionis dirigat. Praef. in ps. XX.VI.
e) Mallh. VI, 22.

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MEDITAÇÕRS SACERDOT,o\lS

Eis a razão por que S. Paulo nos faz esta viva


admoestação: Omne, quodcumque facilis, in verbo
auf in opere, omnia in nomine Domini Jesu Chrisli (1).
Notemos estas palavras. O Apóstolo convida-nos a
realçar, a santificar tudo com a intenção, omne; e
cada coisa em parlicular, quodcumque, não excepluan­
do nada, nem uma acção, hem uma palavra: ln verbo
aul ln opére. Em outro lugar, êle desce alé às acções
mais vulgares e que nos são comuns com os animais:
Sive manduca/is, sive hihilis . .. , omnia in gloriam
Dei facife (2). Ora, se a intenção pode espiritualizar,
e sobrenaturalizar coisas Ião materiais como o comer
e o beber, se daí pode tirar glória de Deus, e obter­
-nos outros tantos tilulos à sua liberalidade, e que
poder de santificação não exerce sôbre Ião numero­
sas e eminentes acções, qm� enchem o dia do padre e
do pastor? Admirável efeito da intenção animada
pela fé ! Não só dá grande preço ao bem que faze­
mos, mas acrescenta ao tesoiro de nossos mereci­
mentos o mesmo bem que não fazemos, quando o
desejamos.
Oh l que bom Senhor vós sois, ó meu Deus!
O mundo ingrato não sabe, ou não quer recompen­
sar o que por êle se faz, e vós, Senhor, lendes co­
rôas para a simples vonlade de vos servir! Atendeis
aos gemidos e suspiros de vossos fiéis servos, de
vossos ministros fervorosos; dignai-vos levar-lhes em
conta lôdas as ofensas que queriam evitar-vos, lodos
os corações que desejariam ganhar-vos, por mais es­
téril e infrutuoso que seja o seu ministério (3).

II. Qualidades que deve ler a boa inlenção.­


Rec!idão, pureza, perseverança.

(1) I Coloss. Ili, 17. - (2) I Cor. X. 31.


( 3) Domine, anle le omne desiderium meum, et gemifus meus
a fe non esf abscondifus. Ps. XXXVII, 10.

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RECTA INTENÇÃO 26i

1. 0 A intenção é recfo, quando a alma tem em


vista a Deus, que, sendo o princípio de lôdas as
coisas, deve ser o seu fim. Ouando um padre, nas
suas funções e em lodo o seu proceder, busca a Deus
e a sua glória, cumprindo a -sua vontade, segue o ca­
minho direito; pode dizer com tôda a verdade:
Ambulavif pes meus iler, reclum ( 1 ); e acrescentar
com o Salvador: Vado ad Palrem, vado ad eum
qui misif me. Sigamos o· conselho que nos dá um
santo padre, explicando esta palavra de Jesus Cristo
aos seus apóstolos : Miflife in dexferam navigii rele,
el inveniefis (2): • Lançai a rêde de vossas intenções
para a parte da graça, e não da natureza. Guardai­
-vos de proceder nos vossos empregos, nos vossos
negócios, nas vossas visitas, ele., unicamente por
inclinação natural. Dai à graça a direcção tôda da
vossa vida: - Para a parte do céu, e não dct terra.
Nunca prevaleça o interêsse temporal sôbre o espiri­
tual. Governai-vos em tudo pelas máximas eternas.
Vivei como um- homem do céu, que só toca nas
coisas da terra por necessidade. - Para a parle da
cruz, e não dos prazeres sensuais, nem mesmo das
consolações interiores; a cruz é a herança dos esco­
lhidos. - finalmente- para a parle de Deus, e não
das criaturas; não procureis agradar aos homens ;
nada façais por mero respeilo humano. Bu�cai a
Deus, a salvação das almas, o vosso adeanlamenfo
na perfe-ição ; buscai a glória de Jesus Cristo ; é
nisso que achareis a plenitude de todos os bens: Ef
invenielis. Mas se lançais a rêde para a parle dos
bens perecedoiros da honra do mundo, dos gozos
naturais, não achareis nada, pois l que se pode achar
no puro nada? (3)
2. 0 Intenção pura. Buscam a Deus, é verdade,

(1) Eccli. LI, 20. - \2) Joan. XXI, 6. - í 3) P. Nouel.

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262 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

nos projeclos de zêlo, nas obras de caridade, nos


exercícios religiosos ; mas i quão raro é que se não
busquem a si l?róprios mais ou menos I l Onde está o
padre que, elevando-se para Deus, nunca mais cuida
de seus próprios inlerêsses? A vista simples é a pu­
reza de intenção. Assim como a vista nunca se fixa
senão em um só objeclo, assim também a nossa alma
não deveria fixar-se senão só no bem verdadeiro e
essencial, que é Deus.
A inlenção seria pura, se o coração fõsse puro;
porque o coração dirige a intenção, assim como a
intenção dirige a acção. Por conseguinle é do meu
coração que eu devo desconfiar nos meus desígnios
e nos princípios que me dirigem nas obras. Purificai
os cornções, vós os que sois de ânimo refolhado { 1 ),
isto é, dividido por intenções diversas, das quais uinas
vão referidas ao céu e outras à ferra. Não se pode
servir a dois senhores. Como o vosso coração só
foi feito para Deus, tôda a afeição que não se refere
a Deus, desluz a beleza da vossa alma; o oiro puro
da perfeita caridade nunca poderia suportar esta liga.
A intenção reda lem por divisa: Tudo por Deus;
e a intenção pu.ra: Tudo só para Deus.
3.0 Intenção per�everanle. Na obra corôa-se
sõmente o fim. l De que nos serviria começar pelo
espírito, se acabássemos pela carne? Reflitamos
2
antes ·das qbras, e preceda-nos sempre a luz da fé ( ),
para refefir tudo a Deus; mas vigiemos igualmente,
quando estivermos dispostos a operar, para não per­
der de vista o fim que no_s propusemos. Temos bons
impulsos, falta-nos a constãncia. Deus poderia mui­
tas vezes dizer-nos, como S. Paulo aos Gálatas:
•Currehalis hene, quis vos impedivif? Começastes

( 1) Purifica(e corda, dupliqes animo. Jac. IV, 8. - (1) Eccli.


XXXVII, 20.

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RECTA INTENÇÃO

bem o que vos inspirei para minha glória; porque


não continuastes? Acção santa, motivo ainda mais
santo, era ao princípio; mas depois, não lenho nada,
quási nada a louvar, diz o Senhor, porque, se bem a
acção continua boa em si, contudo eu sou lançado ao
esquecimento, e não é já por causa de mim, ou ao
menos não é já unicamente por causa de mim que
ela é feita•.
Reflitamos, e façamos um sério exame sôbre êste
ponto, que é da mais alta importância. Se tirássemos
às nossas pretendidas boas obras, ludo o que só
leve por princípio a aclividade natural, o costume;
sé delas tirássemos emfim o que se desmentiu nas
nossas intenções e careceu de perseverança, que nos
restaria? <1. Oue merecimentos poderíamos apresentar
a Deus, se hoje mesmo nos pedisse contas de tôdas
as nossas obras?
Formar com cuidado as vossas intenções, purifi­
cá-las cada vez mais, renová-las muitas vezes, seja a
vossa resolução e o objeclo das vossas fervorosas
orações, depois de receberdes a Jesus Cristo na
sagrada comunhão. Para vos dispordes a isso, uni
as vossas intenções às suas, buscai sõmenle a sua
vontade, assim como êle em ludo só buscou a de
seu Pai;· é êste o azeite, diz Santo Agostinho, que
deveis levar ao altar, para que, a exemplo das vir·
gens prudentes, a vossa alâmpada esleía sempre
acesa: ldeo non deficiunf !tJmptJdes, quitJ inferiori
1
oleo vegefeinfur; id esf infenfione bontJe conscienfitJe,
qua cortJm Deo fif in ejus gloritJm, quidquid coram
hominibus in banis operibus fucei (1).

( 1) Epis!. CXL.

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MEDITAÇÕES SACERDúTAIS

Resumo da Meditação

I. Poderosa eficácia da boa intenção para


santificar as nossas obras. -Til'a-as do domínio da
natureza, para as pôr sob o domínio da graça. Des­
via as más, torna melhores as que eram boas. A in­
tenção é o olhar da alma; é a boa intenção que faz
a boa acção. Não só dá grande valor ao bem que
fazemos, mas até acrescenta ao tesoiro dos nossos
merecimentos o bem que não fazemos, mos quere­
ríamos fazer.

II. Qualidades que deve ter a boa intenção.­


Hã-de ser recfa; sê-lo-á, se a nossa alma olha a
Deus, dizendo com o Salvador: Vou par<1 meu Pai;
cada uma das minhas aêções me aproxima dêle,
Lancemos a rêde das nossas intenções para o lado
da graça e não da natureza ; para o lado do céu e
não• da terra: não nos guie em nada o interêsse tem­
poral ; para o lado da cruz e não dos gôzos sen­
suais ou espirituais; para o lado de Deus e não das
criaturas, nunca do respeito humano. - Seja pure,.
Busquemos a Deus, e busquemos só a êle. A inten­
ção reda tem por divisá: Tudo para Deus, e a
intenção pura: Tudo só para Deus! - Seja perse­
verante: o fim coroa a obra; comecemos, continue­
mos e acabemos s1 por Deus. -- Reflexão, e exame
sério. Resolução : Confilebor (1).

(1) Ps. CXVIII.

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§ 4.º
Vor meio dos ex:emplos da sua vida pública,
Jesus '2rlsto forma-nos e prepara-nos para
procurar e promover a glória de Deus e a
sal.vação das almas.

XLIV MEDITAÇÃO
As duas bandeiras. - Convite à vida
apostólica

PRll\fEIRO PRELÚDIO, Ver duàs vastas planícies.


Numa, ao pé de Babilónia, Lúcifer reúne todos os
maus, sobretudo os que podem ajudá-lo ,nos seus
planos de morle; na outra, ao pé de Jerusalém,
Cristo chama para junlo de si os justos, e seus
cooperadores na obra de salvação que o trouxe à
terra: alcançar para os homens a vida elerna.
SEGUNDO PRELÚDIO, Pedir a graça de ver as
ciladas, e fruslrar os esforços de Lúcifer; e de
conhecer e coadjuvar o zêlo do Filho de Deus;

1. 0
Bandeira de Lúcifer. - 1. Imaginai ve; o
caudilho dos réprobos nas vaslas planícies de Babi­
lónia, sõbre um trõno de fogo, }odeado de chamas
e de fumo. Infunde pavor só com suas hediondas
feições e olhar lerrível.
Penetrai o sentido destas figuras. As vasfos pla­
nícies significam o caminho largo dos pecadores.
Babilónia, cidade de confusão, dá idéia da desor­
dem das consciências culpadas. O frôno de fogo
simboliza a soberba e as paixões que devoram • as
almas. O fumo é imagem da cegueira do pecador e
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266 MEOITAÇÕES SACERDOTAIS

da vaidade de seus gozos. As feições hediondas· e


o olhar terrível de Lúcifer dizem a fealdade do pe­
cado ·e a acção do demónio nas almas, a qual_ se
mostra pela turbação, agitação e tristeza, e não sei
que secreto horror.
2. 0 Vêde o estandarte de Lúcifer. Lêde as três
palavras, que indicam as armas de que êle se serve
e • os meios que usa para perder os homens: .Rique­
zas, honras, prazeres. Vêde os inumeráveis- sequazes
e auxiliares do horrendo chefe, que são: os anjos
maus, expulsos com êle do céu, porque o seguiram
na sua revolta, espíritos degenerados, para quem o
mal· é uma segunda natureza, e todos os homens que
são escravos das paixões e do pecado. Vêde so­
bretudo como formam um corpo distinto no exército
de Satanás os autores e propagadores de doutrinas
ímpias e imorais, e lodos os escandalosos que se
ocupam em matar as almas. é. Oual é o fim desta
horrível assembléia? é. Oue pretende o inimigo de
Deus e dos homens ? Enganar o género humano,
levando-o a ofender ao seu Criador, e depois à per­
dição eterna•
.3. 0 Ouvi a Lúcifer. Excita o furor de seus se­
quazes, e enviando-os por lodo o mundo, não quer que
deixem província, cidade, aldeia, palácio, choupana,
onde não entre a sua acção infernal; nem consente
que poupem estado, idade ou pessoa alguma.
Ensina-lhes a arte da perdição : • Riquezas, hon­
ras, prazeres! Lançai sem descanso êstes três engo­
das às três paixões do coração humano. Enganai;
mostrai o caminho semeado de flores, e ocultai o
abismo a que êle conduz• .
Vêde a incrível prontidão com que os minis­
tros de Satanás cumprem as suas ordens; a grande
aclividade que empregam nesta infernal missão ; a per­
fídia com que armam ciladas, e a constância e
raiva com que teimam em perder as almas I Não

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DOAS BANDEIRAS 267
há nada de que êles se não sirvam para realizar os
seus funesto� desígnios: livros, pinturas, cantos, ele.
Contemplai, finalmente, o grande e lamentável éxilo
de Lúcifer. Recorre a tôdas as paixões; tôdas as
paixões lhe respondem. é. Não se pode dizer com
verdade: Ecce mundus fofus pasf eum abiif? ( 1 )
i. Onde estão os que resistem sempre à concupiscên­
cia da Célrne, à concupiscência das alhos, à soberba
da vida? (2) e. Quantos, depois de se deixarem sedu­
zir, aumentam o número de seduclores? Por isso, o
inferno se enche ; quantas vitimas lá caem a cada
instante! e por tôda a eternidade 1 . . . é. Ficareis in­
sensível a êste horroroso especláculo?

II. Bandeira de Jesus Cristo. - 1.0 Imaginai


uma planície aprazível, perto de Jerusalém; e ali, não
sôbre um trôno, mas no meio de seus súbditos, como
um pai no meio de seus filhos, o verdadeiro chefe e
soberano de todos os homens, Jesus Cristo Nosso
Senhor. Vendo-o, sentimo-nos atraídos para êle, pelo
seu formoso rosto, seu olhar meigo e bondoso.
Convém, como no primeiro ponto, que meditemos.
o sentido oculto destas figuras. E.sta planície apra­
zível é o caminho dos justos, escabroso na aparên­
cia, mas na realidade cheio de consolações. Jeru­
salém, cidade dos Santos, visão de paz, é o símbolo
de uma consciência pura, tranqüila. Nosso Senhor
está sem lrôno, confundido com os seus súbditos,
para exprimir a humildade e simplicidade de seu ca­
rácter ... Moslre,se sob um aspecto formosa, tal
como o tinham predito os profetas: Speciosus forma
prae filiis haminum (ª ), infundindo satisfação e prazer
no coração dos que lhe falam: 'Jm habel amarilu-

(l) Joan. XII, 19. - (2) 1 Joan. li, 16. - (3) Ps. XLIV, 3.

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2fi8 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

dinem conversafio illius. .. , sed laefifiam ef gau­


dium ( 1). E' a imagem da beleza da virtude e das
operações do bom espírito nas almas; inspira a con­
fiança, a alegria, a verdadeira fdicidade.
2.° Considerai o estandarte de salvação, que
Jesus Cristo opõe ao de Lúcifer; lereis nêle: Po­
breza, humilhação, sofrimento; eis o espírito da sa­
grada milícia; é por êste meio que os homens serão
salvos. Admirai a augusta assembléia reünida em
redor do divino Rei: todos os verdadeiros discípulos
do Homem-Deus, os Santos de todos os tempos, os
apóstolos, e lodos os que são chamados ao sublime
ministério de salvar almas. Aqui nem um só escravo
dêsses vícios que deshcnram a humanidade; ao con­
trário, tôdas as virtudes levadas até ao heroísmo.
Mas é que desígnio se pro.pôs Jesus, convocando os
seus cooperadores e amigos? O mais nobre, o mais
generoso que se pode imaginar: empreende conduzir
todos os homens ao fim para que são criados, e com
isto alcançar-lhes ao mesmo tempo a felicidade da
vida p�esente e a da vida futura.
3.0 Ouvi-o enviando os seus apóstolos e minis­
tros a comba ler os desígnios de Lúcifer, e a realizar
os seus: • lgnem veni miflere, ef quid volo nisi uf
accendafur? - Ego veni uf vifam habeanf. - Filias
hominis venif quaerere e! salvam lacere quod perieraf.
Eunles in mundum universum, praedicafe Evangelium
omni creafurae . .. ; docentes eos servare omnia quae­
cumque mandavi vobis. - Sicuf misif me Pafer, ef
ego miffo vos. - Ecce ego vobiscum sum omnibus
die�us u�que ad consummali�em 1aeculi. Ide, conti­
nuai a minha obra de redençao., Se me tendes amor,
salvai ás . almas, que me são caras; mas vós não as
salvareis senão induzindo-as ao desapêgo das rique-

(') Sap. VIII, 16.

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-------- - -D,UAS BANDEIRAS
--------------�69
zas, dos prazeres e das honras, se.não impondo-lhes
o àmor da pobreza, dos sofrimentos e do des­
prêzo •.
4." Vêde os apóstolos e os herdeiros de seu
zêlo em lodos os lempos; com que ardor empreen­
dem, com que perseverança prosseguem a obra de
misericórdia que lhes foi confiada I Recordai-vos das
fadigas, das perseguições 1 dos sacrifícios que o
seu ministério lhes custou, e igualmente de quantas
vitórias alcançaram sôbre o inferno. Ouanlas almas
lhes deverão o ler escapado ao suplício eterno, e no
céu lhes agradecerão depois de Deus a sua suprema
felicidade I Vós combateis debaixo do mesmo estan­
darte, tendes os mesmos mol�vos de zêlo de tantos
sacerdotes santos que, desde há dezanove séculos,
leem mostrado a sua coragem nesta guerra sagrada,
e se 'teem dedicado aos trabalhos apostólicos; é. mere­
ceis vós que êles vos conheçam por seu companheiro
de armas? Ah I se Jesus Cristo não tivesse achado
nos outros seus ministros uma cooperação mais efi­
caz do que tem sido a nossa até ao presente, é. a
que estreitos limites estaria reduzido o seu reino?
Se Lúcifer só tivesse visto padres como nós a opór-se
aos seus desígnios e disputar-lhe as almas, .é. onde es­
tariam os escolhidos? Envergonhemo-nos, e humilhe­
mo-nos de ler feilo Ião pouca honra ao nosso divino
chefe, e secundado Ião mal os seus desígnios.
Revesti-vos de novo dos senlimenlos de um após­
tolo; nada é mais capaz de os reanimar em vós do
que a fervorosa participação do sacramento de nos­
sos allares. Depois da comunhão, ouvi a Deus Sal­
vador dizer-vos como a Pedro: Diligis me? pasce
oves met1s. Depois de termos recebido a sua carne
adorável e bebido o seu sangue divino, devemos as$e­
melhar-nos a leões que respiram fogo; convém que
a divina caridade de Jesus Cristo nos mova e infla­
me, e que façamos tremer 'ó inferno: Tanquam leones

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<J_ 7_0_____ _M E lllTAÇÕES SACERDOTAIS
_ � _ __

ignem spiranfes, ·ah ilfo mensa recedamus, facfi dia­


bo/o ferrihiles (1).

Resumo da Meditação

1. Bandeira de Lúcifer. - Figuremo-nos que ve­


mos Satanás nas vastas planícies de Babilónia, sôbre
um trôno de fogo, causando pavor com a sua he­
diondez e o seu olhar terrível. - Consideremos o seu
estandarte, em que lêmos: Riquezas, prazeres, hon­
ras. - Oue multidão se apinha em redor dêste hor­
rendo chefe I Maus anjos, transformados em demó­
nios,._homens escandalosos. - é. Para-'que os convocou
êle? - l Oue lhes di,r para excitar o seu furor?
é. Como lhes ensina a _arte de perder as almas?
l Como executam êles as suas ordens? Com que
fruto? Todo o mundo o segue, o inferno enche-se.
é.Pode êste especláculo deixar-nos indiferentes?

li. Bandeira de Jesus Cristo. - Representemos


o Salvador em· uma planície aprazível, pei-to de Jeru­
salêm. Não está sôbre um trôno; é urri pai no meio
de seus filhos. O seu formoso rôslo e meígo olhar
atraem. - é. Oue lêmos na sua bandeira? Pobreza,
humilhações, sofrimentos .... E' por êste meio que os
homens serão �alvos. l Ouais são os que chama
para o seu lado? - é. Oue espera do seu zêlo? Ide,
percorrei o mundo. Salvai, esclarecendo, assim como
Satanás perde, enganando. 1 Com que ardor os_ ho­
mens apostólicos se dedicam à sua santa missao !
1 Oue vjlórias alcançam sôbre o inferno I E vós, que
combateis debaixo do mesmo estandarte, é. que tendes
feito até ao presente? Oue fazeis?

(1) S. Chrys., Hom., LXI �d pop. Anlioch.

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DUAS BA NDElnAS 271

XLV MEDITAÇÃO
Desenvolvimento e aplicação da parábola
das duas bandeiras

1. Excila o nosso ardor em comba(er por Jesus Cris(o e em ga­


nhar-lhe ,ilmas.
li. Ensina-nos como c oadjuvaremos eficazmen(e os seus desígnios.
_

L Nesfa t1arãbola ludo deve excitar o nosso


zêlo da salvação das almas: o ódio que lhes tem
Lúcifer, e os esforços que êle e os seus fazem por
perdê-las: o amor que Jesus Cristo lhes tem, e o
que faz para salvá-las; a excelência desta vida apos­
lólica, e os grandes bens que se !iram dela.
1." Bem sabemos nós porque Lúcifer é o irre­
conciliável inimigo das almas. Esmagado debaixo da
mão do Toda-Poderoso, e não podendo vingar-se
nêle, vê em nós a sua imagem, e cheio de inveja
de.scarrega sôbre nós o seu furor. e. Como nos per­
doaria êle os benefícios com que Deus nos previne,
a glória que nos destina, e a alegria que lhe causa a
nossa salvação? E' a Deus que êle odeia no ho­
mem. Daí tantas e Ião pérfidas astúcias, tantos e Ião
violentos esforços, para n<JS arrastar na sua revolta
e desgraça. A Sagrada Escritura representa-o ora
como uma astuta serpente, ora como um leão rugi­
dor que anda em volta da prêsa que cobiça. Daí
também os auxiliadores que busca entre os homens;
todos os pecadores escandalosos são seus sequazes.
i Em que funes lo zêlo os abrasa! Ai! e. porque en­
contra êle algumas vezes em seus escravos mais do­
cilidade e energia, do que Jesus Cristo em seus mi­
nistros? e.A quantas vigílias e privações/laboriosas

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MEDITAÇÕES SAC�DOTAIS

se sujeileun todos os dias os ap6slolos de Satanás?


l Não há alguns qu@ arruínam a. 'Sua saúde, abreviam
os seus dias com o excessivo trabalho, para propa­
gar em tôdas as idades, em lôdas as condições, o
enfraquecimento ou a extinção da fé, a corrução do
vício, e a morte do pecado? l Vêem-se descansar,
contentar-se com o mal que fizeram? l Dizem êles
jàmais: Basta, basla de vítimas lançadas no lugar
dos tormentos, basta de corações a quem tirámos lo­
dos os bens, a virlude, a paz, tudo, até a esperança?
Não; nada satisfaz a sua raiva, nada apura a sua pa­
ciência, nada detém o seu sacrílego ardor.
l Oue estragos fazem no rebanho de Jesus Cris­
to? l Oue vem a ser da inocência? l Onde estão
os corações puros? Nas parróquias, nas famílias,
l quem poderá contar a multidão dos que perecem?
Sabemos o que é o inferno; medilámo-lo. l Ficare­
mos impassíveis testemunhas da desgraça de nossos
irmãos? Oh I vergonha do sacerdócio! Cadit asina,
ef esf qui sublevei eam ; perif anima, ef nemo esf qui
repulei (1). E se em lugar de uma alma, são milha­
res de almas 1 . . l Não faremos coisa nenhuma para
salvar ao lllenos algumas?
, 2. 0 Essas almas são muito caras a Jesus Cristo;
glorificar a Deus com a felicidade delas, tal é o fim
de lodos os mistérios da vida do Salvador. Exem­
plos, doulrina, milagres, sofrimentos, a sua vida e a
sua morte, ludo consagrou à salvação das almas.
Vêde-o fatigado, sentado à borda do poço de Ja­
cob; que faz ali? Espera uma alma, que vai· sal­
var Vêde a sua cruz, divina balança que marca
tão exaclamente o preço das almas, visto valerem o
que lhe custaram. Ouvi-o queixar-se da inutilidade
do seu sangue : é. não seríeis vós em parte a causa

(') S. Bern,, De cc n ;., 1. IV, e. VI.

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273
-----------
DUU BANDEIRAS

disso? • Ouae ufililas in sanguine meo •? é. Ouem se


aproveita de tôda:s as minhas dôres e de lodos os
meus sacrifícios? e. foi pois em vão, que consumi as
minhas fôrças? (1) • Vivi na pobreza, nas vigílias e
lágrimas; morri nos opróbrios e tormentos mais cruéis;
ludo isto para remir as almas: e elas perdem-se!
Com um pouco de zêlo, poderíeis salvar um grande
número delas, e preferis o vosso descanso 1 . . . Eu
mesmo vos livrei ·do infern·o, inspirando a outros o
pensamento e a vontade de vos estender uma mão
bemfazeja. Ah! áo menos por gratidão ajudai os
vossos irmãos, condoei-vos de seus perigos; deixai
de ser insensível à desgraça dos que eu amo. Sal­
vai, salvai almas, ou não continueis a chamar-me
vosso Senhor e Mestre; jii vos não conheço> .
Estes ardentes desejos de Jesus Cristo foram
sempre compreendidos pelos bons sacerdotes. Os
apóslolos, apenas recebida a sua missão, reparlem
entre si o universo, e percorrem-no como outros tan­
tos conquisladores. A caridade de Jesus Cristo os
estimula; é um fogo, que não podem conter: Cari­
/as Chrisfi urgef nos. Mostrar-se-ão seus fiéis minis­
tros: ln mui/a pafienfia, in fribulafionibus, in necessi­
fafibus, in angusfiis, in plagis, in carceribus, in sedi­
fionibus, in laboribus, in vigiliis, in jejuniis. . . per
gloriam ef ignobilifafem, per infamiam ef bonam fa­
mam (2). Pcir tôda a parle pregam a doutrina da
salvação, al't"ancam ao inferno inumeráveis vílimas e
multiplicam o número .los escolhidos. O seu zêlo
tem sido imitado em todos'os tempos.
.3.0 é. Oual é � excelência e utilidade desta vida
apostólica? • Não se pode, diz S. Carlos Borrorneu,
imaginar coisa mais sublime na terra, do que ser
'
(1) Ego dixi: ln vacuum laboravi: sine causa el vane forlilu­
dinem meam consumpsi. Is. XLIX, 4.
(2J II Cor. VI, 4.

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274 MRDITAÇÕES SACERDOTAIS

cooperador de Deus na grande obra da redenção.


Visto que os padres exercem as mesmas funções que
Jesus Cristo, trabalhando na salvação das almas, é
indubitável que nada há mais agradável a Deus,
nem mais glorioso para o homem•. S. Dionísio ·vai
ainda mais longe: Divinorum o'mnium divinissimum
est cooperari Deo in salufem animarum (1).
Ouanto à utilidade do zêlo sacerdotal, ela diz
respeito ao mundo inteiro, que lhe deve todos os be­
nefícios do Cristianismo; diz respeito às almas, que
são objeclo dêsse zêlo; e para avaliar os serviços
que dêle recebem, basta pensar no céu que lhes dá,
e no inferno de que as preserva. Diz respeito ao
próprio sacerdote. forme-se idéia dos frutos que êle
lira de seus trabalhos, com esta simples reflexão:
Se o que dá um copo de água ao pobre, não fica
sem r_ecompensa, l que não deve esperar o pastor ze­
loso que, com a pregação do Evangelho, tiver gerado
as almas para Jesus Cristo, e com a administração
dos sacramentos as tiver santificado com o seu san­
gue? Se alguém tem direito à corôa dos escolhidos,
por haver visitado os encarcerados, dado de comer
aos que tinham fome, vestido os que estavam nus,
e.que lugar distinto ocuparã·o no reino celeste os que
tiverem livrado almas imortais do cativeiro do demó­
nio, as tiverem revestido do rico adôrno da graça,
alimentado com o pão ela divina palavra, e com o
mesmo corpo de Jesus Cristo? Ouando um bom
padre aprofunda n_estas •·considerações, senle-se
eleclrizado e abrasado em um sanlo desejo de sàlvar
almas, e já n,1,1 1Jrocura senão, conhecer os meios
de o conseguir.

II. Como poderemos nós ga�har muitas almas


para Deus. - A parábola no-lo ensina. E.ng�nar é
-------
(1) De coefest. hier., e. V.

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DUAS BANDEIBAS

a arma de Satanás: êle é o príncipe das trevas.


Esclarecer é a arma do Salvador: êle é a luz do
mundo. Ide, diz êle a seus ministros, fazei brilhar
deante de todos os olhos o farol da verdade. . De­
senganai ·os homens ãcêrca do falso brilho dos bens
presentes; mostrai-lhes o nada das grandezas que
êles ambicionam, dos gozos materiais que desejam;
fazei-lhes temer as riquezas, ps prazeres, as honras;
como outros -tantos venenos que matam as almas;
induzi-os a tomar por modêlo um Homem-Deus po­
bre, humilhado, sofredor; porque é êste o seguro ca­
minho que leva à vida eterna. Mas, Senhor, l qual
a maneira de nos fazermos ouvir, a maneira de per­
suadir, se expusermos esta doutrina celeste no meio
de um mundo, onde tudo é oposto? A maneira é
praticar ó que ensinnrdes; é, a meu exemplo, fazer­
des vós sempre mais do que exigirdes ,dos outros.
Assim, desapêgo das riquezas, dos prazeres e das
honras não basta; eu fui muito ãlém: amor da po­
breza, dos sofrimentos e do desprêzo, aversão ao
mundo e às suas máximas: é nisto principalmente,
que � teem imitado os homens apostólicos; é o in­
falível meio de produzir grandes frutos nas almas.
Revistamo-nos pois do espírito da sagrada milícia
do Salvador; usemos das armas, que nos meteu nas
mãos: o amor da pobreza, dos sofrimentos e do
desprêzo. Só um combale legítimo pode dar-nos di­
reito à coroa: Oui cerfaf in agone, non coronalur,
nisi legitime cerfaverif (1).

Resumo da Meditação

I. A parábola das duas bandeiras . excita o


nosso zêlo da salvação das almas, por !rês moti­
vos. 1. 0 O ódio que lhes tem Lúcifer. Não po-

(1) li Tim. II, 5.

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.MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

dendo vingar-se de Deus, vinga-se do homem. E.' a


Deus que êle odeia em nós. é. Oue não faz êle para
nos perder? 2. 0 O amor de Jesus para com a_s al­
mas. Para elas é que êle é Jesus ou Salvador.
Olhemos para a sua cruz; oiçamo-lo queixando-se­
-nos da inutilidade dos seus soÍrimenlos, e ex­
primindo-nos os ardentes desejos do seu Cora­
ção; os bons padres, leem-nos sempre compreen­
0
dido. 3. A excelência da vida àposlólica: Divi­
norum omnium divinissimum esf cooperari Deo in SlJ·
lufem animarum: a utilidade dela, com relação ao
sacerdote e com relação ao mundo inteiro.

II. A parábola das duas bandeiras ensina"nos


como poderemos ganhar muitas almas para Deus.
- Enganar é a arma de Satanás; esclarecer é a
arma do Salvador; desenganemos os homens, escla­
reçamo-los com a palavra e com o exemplo.

131

XLVI MEDITAÇÃO
Repetição das duas precedentes, e resumo
dos motivos do zêlo da salvação das almas.
- Reduzem-se a três pontos

1. Molivo de glória.
II. Motivo de caridade.
Ili. Motivo do próprio inferêsse.

1. Motivo de glória. - Para o compreender,


cumpre considerar a quem nos associa o zêlo sacer­
dotal, e para que obra nos faz concorrer.
1. 0 O zêlo foi o distintivo de todos os grandes,

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DUAS BANDEIRAS 277
homens, que tiveram na terra uma missão a cumprir.
�o mundo antigo um Moisés oferece-se a Deus como
vítima, para obter o perdão de seu povo: Auf dimifl�
eis hanc noxam, auf si non facis, dele me de libro
fuo, quem scripsisfi (1). No novo, S. Paulo exprime
com os seus sentimentos os de seus companheiros no
apostolado, quarido exclama: Quis inGrmafur, ef ego
non inGrmor? 01.!is scandaliwfur, ef ego non uror? (2)
- Ego Bufem libenfissime· impendam ef superimpen­
dar ipse pro animabus vesfris ( 3). Acha-se êste mesmo
ardente zêlo, esta mesma necessidade de dar a vida
pelas almas, não só nessa longa série de santos pon­
tífices, sucessores dos apóstolos, mas também em
todos os bons sacerdotes, com quem repartiram os
cuidados do cargo pastoral. S. Domingos, S. fran­
cisco de Assis, S. V1cenle Fem:r, S. Vicente de
Paulo, Santo António de Lisboa, Santo Inácio de
Loiola, S. francisco Xavier, ele. ; que zêlo nos recor­
dam! Nos nossos dias ainda, e entre nós, quantos
exemplos capazes de inflamar o nosso ardor I é. Não
� hã até brilhantes, que nos são dados por leigos?
O zêlo associa-me portanto a tudo o que tem havido
de mais honroso entre os homens; que digo? asso­
cia-me aos anjos: Omnes sunf adminisfraforii spiri­
fus, in minislerium missi propler eos qui haeredifo­
fem capie_nf saiu/is (4). - Associa-me a Deus: Dei
enim sumus adjufores ( 5). - Zelu� Dei vila esf ( 6 ).
2. 0
Mas l qual é essa obra, para a qual o Todo­
-Poderoso se digna pedir o nosso concurso ? Ouanto
ao Pai, é o grande e eterno objeclo do seu pensa­
mento : Façamos o homem li nossa imagem e seme­
lhança: façamo-lo para a santidade e felicidade.
Ouanlo ao Filho, é o têrmo a que dirige lodos os

(1) Exod. LXXXII, .31, .32. - (2) 11 Cor. XI, 29. - (3) lbid.
XII, 15. - (•) Hebr. 1, 14. - (5) I Cor. 111, 9. - (6) S. Ambr.

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278 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

trabalhos de sua vida, todos os sofrimentos de sua


morte. Ouanto ao Espírito , Santo, é o centro de
tôdas as suas operações na Igreja, até à consumação
dos séculos. O' meus bons padres, aquele que criou
o mundo sem v.ós, não que'r salvá-lo sem vós. Jesus
entregou-vos o infinito tesoiro de suas graças e de
seus merecimentos, encarregando-vos de derramar as
suas riquezas sôbre as almas. O Espírito Santo es­
colheu-vos para serdes os seus instrumentos ; é por
vós que êle quer santificar os homens, e conduzi-los
a uma suprema felicidade. Oue sublime ministério 1
• Ignoro, diz Ricardo de S. Vítor, que haja alguém
cá na terra que possa receber maior favor do que
ser chamado a mudar homens perversos em homens
bons, e escravos de Satanás em filhos de Deus.
Dirão que é mais belo ressuscitar mortos I Mas, quê?
l Será mais excelente dar vida a um corpo que há de
morrer de novo, do q1.1e ressuscitar uma alma que
há de· viver eternamente. ? (1)

II. Motivo de caridade. - A caridade, raíaea


das virtudes, diz respeito a Deus e ao próximo.
t .º Caridade para com Deus. Deús ama tão
terna e tão excessivamente as almas I Domine, qui
amas animas ff). - Propfer nimiam carifotem suam
qua dilexil nos (3). Presépio, Calvário, Altar, vós no-lo
dizeis energicamente. Por isso, qualquer que seja a
prova que possamos dar-lhe do nosso amor, nenhuma
lhe agrada tanto como o nosso ,zêlo da salvação das
almas. • Simon Joannis, diligis me plus his? E pre­
gunto-vo-ló segunda e terceira vez•. Jesus não igno­
rava os sentimentos de Pedro, quando o afligia, pa­
recendo assim pô-los em dúvida; era o mesmo que

(1) Lib. 1. De praepar. in Cant., e. IV. - (2) Sap. XI, 21.


- (3) Eph. 11, 4.

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DUAS BANDEIRAS 279
dizer-lhe: Sei que me tens amor, Pedro; mas pre­
cisas de dar a mim e a ti uma prova incontestável
disso; que farás? chorarás o teu p�cado ? dormirás
no chão? O' meu apóstolo, conhece melhor o meu
Coração : cuiqa dos meus cordeiros e das minhas
ovelhas, e tranqüiliza-te; não podes dar-me um penhor
mais certo do teu amor. E' o que levou S. Cirilo a
dizer: Ex hoc loco {Jgnoscunf lidei ,m{Jgisfri, non
éJliler se summo P{Js/ori gr{J/os fore, qu{Jm si omni
sfudio C{Jveanf uf rafion{J/es oves curentur. S. Lou­
renço Justiniano: Nihil Iam Deo gr{Jfum {JCcepfum­
que esf, qu{Jm pro viribus oper{Jm d{Jre ut homines
redd{Jn/ur meliores. S. Gregório Magno : Nullum
omnipofenfi Deo tale esf S{JCriíicium, qu{J/e esf zelus
{JflÍm{Jrum. llle {Jpud Deum in {Jmore m{Jgis dives esf,
qui {Jd ejus {Jmorem plurimos fr{Jhif; S. João Crisós­
tomo : Nihil {Jdeo decl{Jr{Jf quis sif lide/is {Jffl{Jns
Chrisfi, qu{Jm si fr{J/runi cur{Jm {Jg{Jf, proque illorum
s{J/ufe ger{J/ sollicifudinem. Hoc m{Jximum {Jmici/i{Je
erg{J Chrislum {Jrgumenfum.
2.° Caridade para com o próximo. A compai­
xão· é o seu primeiro efeito; le a que seríamos nós
sensíveis, se o não fôssemos. à triste sorte de tantos
dtsgraçados, que passam a vida no pecado e no so­
frimento, ignorando o que mais importa conhecer, ou
usando das suas luzes só para agravar a· sua culpa
e desgFaça ? Aonde vão êsses cegos? l Para onde
correm êsses loucos ? l A' borda de que abismo
dormem lodos êsses. pecadores? Ainda que se sacri­
ficasse a vida para salvar essas almas, não se faria
mais do qbe cumprir a obrigação do bom pastor:
Bonus pl1sfor l1nimlJm sulJm dl1f pro ovibus (1). Mas
l de que se trataria as mais das vezes? De um
pouco de paciência para instruir, de um pouco de

(1) JOAn. X, ]l.

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i80 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

humildade para esquecer uma m1una, de um saüdá­


vel aviso, de uma viva exortação, de uma palavra
dila a pro'pósilo, de um serviço prestado. Ai ! isto é
pedir muito àquele que deixou que o seu zêlo e ca­
ridade se extinguissem no seu coração ; êste tal verá
friamente perecer os seus irmãos, pelos quais morreu
-Cristo : Peribif inGrmus in fuél scienfia frlifer, propler
quem Christu.s morluus esf (1).

III. Motivo de nosso próprio inferêsse. - Deus


põe deante de nós a água e o fogo, a vida e a
morte, a salvação e a condenação I pertence-nos a
escolha. Sem zêlo, estamos perdidos: o inferno dos
maus sacerdotes será a nossa horrível morada I Com
efeilo, sem zêlo, não lemos amor de Deus e do próximo :
Oui non zelai, non ama( (2); e aquele que não ama,
já está morto: Oui non diligif, manei in morte (3).
Mas se somos verdadeiramente zelosos, não há bên­
çãos durante a vida, consolações na morte, glória na
eternidade, que não lenhamos direito a esperar.
1. 0 Exercer a misericórdia ê estar seguro de
obtê-la : Beali misericordes, quoniam ipsi misericor­
diam consequenlur (4). Eu exerço-a pelo meu zêlo
sacerdotal no que ela tem de mais excelente ; porque,
quanto a alma se avantaja ao corpo, o cêu à terra,
os bens e males eternos aos bens e males temporais,
tanto a caridade que se dedica a salvar as almas, é
superior à que só tem por objeclo o alívio dos sofri­
mentos transitórios. As promessas feitas à esmola
aplicam-se ao zêlo, e com maior razão: . A mor/e li­
beral, purgai peccala, facil invenire mflericordiam,
resislif peccalis ( 5 ). Oue consoladora é esta palavra 1
A voz das minhas iniqüidades levanta-se contra mim;

(1) I Cor. VIII, 1 t. - (2) S. Aug. - (3) I Joan. IV, 14.


-(4) Mallh. V, 7.-(5 1 Tob. J:(.11, 9; Eccli.111, 15.

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DUAS BANDEIRAS 28t

mas é abafada pela voz do meu zêlo, que fala e ora


por mim. Oh I que bom meio de apaziguar as inquie­
tações, que me causa a lêmbrança das minhas faltas !
Cllriflls operil muliifudinem peccllforum (1). O zêlo
desonera-me para. com a justiça do Senhor, e torna
ao mesmo Deus meu devedor, com o rico tesoiro que
ponho nas suas mãos. e. Hã vida mais abundante em
merecimentos, mais cheia de boas obras, que a que
se passa nos trabalhos de zelo?
2.º Por isso, quão. agradável é morrer, depois
de uma vida de apóstolo e de pastor zeloso : Euntes
ihllnl ef llehllnf miffenfes semina sua; venienfes aufem
venienf cum exulfafione, por/antes manípulos suos (2).
E' dêsse bom padre que se deve dizer que, ao mor­
rer, se senta num descanso opulento: Sedehif ... ,
in requie opulenta (8). O zêlo da salvação das almas
é um dos caracteres mais certos de nossa predestina­
ção. S. Paulo, falando dos que o ajudaram nos seus
trabalhos evangélicos, afirma que os seus nomes
estão no livro da vida (4 ); e êle mesmo, l em que
fundava as suas esperanças, para o grande dia em
que receberá cada um ·segundo as suas obras? Nas
conqui!:ltas que tinha feito para Jesus Cristo : Oulle
esf enim nosfra spes ..., quae corona gloriae? Nonne
vos anf,e Dominum nosfrum Jesum Chrisfum esfis in
advenfu ejus? ( 5 )
3. 0 Mas para êsse padre zeloso, l não haverá
no céu senão uma corôa? S. Gregório responde :
Tot coronlls sihi muliiplicaf, quof Deo animas lucrifa­
cif (6). Êl_t acrescentará à sua própria felicidade a
de tôdas allalmas para cuja salvação contribuiu. Será
grande no reino dos céus: Oui feceril e/ docuerif,

(1) 1 Pelr. IV, 8. -(2) Ps. CXXV, 6. - �3) Is. XX.XII, 18.
- (4) Philip. IV,:;, - (�) I Thess. II, 19. - ( ) Past. Ili.

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i82 ---------
MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

hic magnus vocabilur in regno coelorum (1). Com­


parai o resplendor das estrêlas com as luzes fugazes
do firmamento, e tereis uma idéia da gloriosa distin­
ção reservada aos bons padres por tôda a eternidade:
Oui docfi fuerinl, fulgebunY quasi splendor firma­
menfi; el qui ad jusfifiam ·erudiunf mui/os, quasi
sfellae in perpetuas aefernila(es (2). Amemos a Deus,
amemos ao próximo, amemo-nos discretamente a nós
mesmos ; e nunca retrocederemos deante de um sa­
crifício, quando se tratar da salvação das almas.
Ide ao altar beber o zêlo na sua verdadeira fonte.
E' do Coração de Jesus que partem as faíscas do
fogo sagrado, que abrasam os homens apostqlicos.
Oferecei-vos ao, Pastor dos pastores para correr em
busca das ovelhas desgarradas : Ecce ego, miffe me.
Durante a vossa acção d� graças, se vos recolherdes
dentro em vós, ouvireis o Salvador pedir-vos a vossa
cooperação para o cumprimento dos desígnios de sua
misericórdia : lgnem veni milfere in ferram, ef quid
valo nisi uf accendafur? Dai-vos a êle, e estai pronto
a aproveitar, quando se apresentarem, tôdas as oca­
siões de cooperar com êle para a salvação <;las almas.

Resumo da Meditaç�o
,
1. Motivo de glória. - é. A que nos associa o
nosso amor para com as almas? Ao que tem havido
de mais honroso entre os homens; aos anjos, ao
mesmo Deus, cujos cooperadores nds �namos. -,­
e. Para que sublime obra nos faz concoiilr? A sal­
vação do homem é o grande objeclo �dos pensamen-'
tos de Deus Padre, dos sofrimentos de Deus filho,
de tõdas as operações do Espírito Santo.

(1) Mallh. V, 19. - (1) Dan, XII, 3,

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BAPTISMO OE J. CRISTO 283
II. Motivo de caridade. - Para com Deus, que
tanto ama as almas l . . . Oualquer que seja o teste­
munho de zêlo, que possamos dar-lhe, nenhum lhe
agrada tanto como o nosso zêlo da salvação das
almas. - Di/igis me? PfJsce fJgnos, pdsce oves mefJs.
- Para com o próximo. e. Como amá-lo, e permane­
cer insensível à desgraça -de tantas almas, para as
quais se pode alcançar a suma felicidade?

Ili. Motivo de nosso próprio interêsse. - Não


há celestes bênçâos durante a vida, consolações na
morte, glória durante a elernidaqe, que não 'possamos
esperar do nosso zêlo da salvação das almas.

181

XLVII MEDITAÇÃO
Baptismo de Jesus Cristo. - Contemplação
I. Confempl11r 11s pessoas.
li. Ouvir 11s p11l11vr11s.
Ili. Considerar 11s acções.

PRI.l\IEIIW PRELÚDIO. O Filho de Deus vai sair


do seu retiro e entrar na sua vida pública. Deixa
Nazareth, para ir confundir-se com os pecadores, que
recebem o baplismo de S. João. O precursor recusa
por humildade baplizar a Jesus; consente nisso de­
pois, por obediência. Terminada a cerimónia, o
Espírito ;,ato desce visivelmente sõbre o Salvador,
e Deus Padre proclama-o seu Filho.
SEGUNDO PHELÚDIO. Imaginai ver as margens
do Jordão, e a grande afluência de povo, que vem
receber o baptismo de penitência, atraído e movido
pela pregação e pelos ,exemplos de S. João Ba­
ptiste.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

TERCEIRO PRELÚDIO. Pedi a graça de compreen­


der êste mistério, de gostar e praticar as verdades,
que êle encerra, e que respeitam especialmente aos
obreiros evangélicos.

I. Contemplar as pessoas. - Em Nazarelh, a


Santíssima Virgem que se aflige e se alegra ao mes­
mo tempo com a partida de seu Filho. Não lerá a
presença dêle ; mas a obra da redenção efecluar-se-á,
a glória de Deus será alcançada, os homens serão
salvos. e Ouando saberei eu abafar a voz da natu­
reza, logo que a da religião e da caridade se faz
ouvir? - Nas margens do Jordão, considerai a multi­
dão de povo vindo de lôda a Judéia, para vêr e para
ouvir as instruções do santo precursor. Os espíritos
estão admirados, os cora,ções comovidos. De lôdas
as parles se pede o baplismo. Oh ! admirável poder
da santidade do precursor! Contemplai a S, João
Baplista: a palidez do seu rosto, o seu ar profun­
damente penetrado das verdades que ensina, o seu
trajo e a sua vida vos explicarão o fruto da sua pre­
gação. Contemplai a Jesus Cristo, adorai-o, admi­
rai-vos de vêr o Santo dos Santos misturado com a
multidão de pecadores. Pregunlai-lhe de que pecados
vem fazer penitência; procurai arrepender-vos dos
vossós. - No céu lodos os anjos estão pasmados,
contemplando a humildade e caridade de seu divino
Rei; Deus Padre está alento, e se prepara para lou­
var seu Filho, segundo a medida das humilhações
que sofre para lhe agradar.

li. Ouvir as palavras. - Eis as que S. Boaven­


tura põe na bôca do Salvador, quando êle se des­
pede de sua Mãe: • E' tempo de ir, de glorificar e
dar a conhecer a meu Pai; é tempo de me mosl�ar ao
mundo e operar a salvação das almas, para a qual
meu Pai me enviou à terra. Confortai-vos porlanlo,

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BAPTISMO DE J. CRISTO 285
minha boa Mãe, porque cedo voltarei• (1). - Pene­
trai no coração de João Baplista, e compreendei os
seus sentimentos, quando reconhecendo a Jesus Cris­
to, lhe diz cheio de respeito: Ego a te debeo bapfi­
zari, ef tu venis ad me I (2) Compreendei principal­
mente a resposta que lhe é dada : • Sine modo, sic
enim decef nos implere omnem jusfifiam. Visto sabe­
res quem eu sou, deixa: não te oponhas aos meus
desígnios; porque não é chegado o tempo de mani­
festar a minha glória, mas sim o de me humilhar:
Sine modo. Convém que nós cumpramos tôda a jus­
tiça, nos: eu recebendo, e tu dando-me o baplismo;
nos, nós que instruímos os outros, importa que em
tudo lhes dêmos o exemplo• (3). Humilhemo-nos.
A perfeição da humildade é a perfeição da justiça;
o homem humilde respeita todos os direitos; dá a
Deus a honra, e guarda para si a abjecção. - Pres­
tai lôda a vossa atenção à voz que vem do céu:
Hic esf Filius meus di/ecfus, in quo mihi complacui.
Filho de Deus, objedo eterno das complacências de
Deus! Tôdas as grandezas de Jesus Cristo, tôdas
as suas perfeições estão contidas nestas duas pala­
vras; é quando lhe dareis vós o que lhe deveis por
êste duplo tilulo?

III. Considerar as acções. - Jesus entra logo


no caminho, que lhe abre a vontade do céu. Despe­
de-se de Maria, cuja resignação não resiste à dôr, e
segundo S. Boaventura, dobrando o joelho, o Mestre
da humildade pede a bênção de sua Mãe. Caminha
só, porque· não tem ainda discípulos. Acompanhai-o
com o pensamento. 1, Não é êle o Rei dos reis ?
i Onde está a sua comitiva? l Não é êle que tem
por servos em seu reino milhares de anjos? Sim ;

(1) Med. vil. Chrisf. - (2) Mafth. III, 14. - (3) Corn.
a Lap.

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286 MEOITAÇÕES SACERDOTAIS

mas o seu reino não é dêste mundo. Ele tomou a


forma de servo, e não a de monarca. O' filhos dos
homens, é. porque preferis sempre a vi:iidade à ver­
dade, o que é casual e incerto, ao que é duradoiro e
seguro, o tempo à eternidade?
,Jesus chega às margens do Jordão. Ouer ser
baptizado por S. João, que a princípio se recusa a
isso. Ouê?' é. inclinar-se-ia a cabeça de um Deus
debaixo da mão de um mortal? A elevação é penosa
aos humildes, lanto, e mais do que a humilhação é
penosa aos soberbos ; com a diferença, que aqueles
estão contentes com a sua confusão, porque ela é
virtude; e êstes estão perturbados, porque nêles é
paixão. A obediência termina êste combate de hus
mildade: Jesus manda, e S. João não resiste. Hã al­
gumas vezes mais virlud_e em receber uma honra,
que em buscar um desprêzo; há quem diga mal de
si, mas senliria que o acreditassem.
Jesus entra na água do rio. 1 Oue novo prodígio
de humilhação I Até aqui viveu como um homem
nulo, desprezado; hoje quer passar por um pecador;
porque era para os pecadores, que João pregava a
penitência; eram pecadores os que êle baplizava 1
Vendo a Jesus neste estado, é. quem o leria tomado
pdo Salvador do mundo? é. Ouem teria suspeitado
que era o Criador do universo, o Deus de tôda a
majestade, de tôda a santidade? é. Não tjnha êle a
recear que, devendo brevemente anunciar o Evange­
lho da salvação, o desprezassem como um pecador?
Esta consideração não o detém_.
Ouem se humilhd será exd!fodo: o c(-u decla­
ra-se. Glorifica a êsse humilde penitente, emquanto
êle ora (1). Deus, reconhecendo-o por seu filho, pro­
clama que, longe de ser um pecador, é o objedo de
tôdas as suas complacências. O Espírito Santo d_esce

(1) Jesu baptizalo e! orante, aperfum es! coelum. Luc. Ili, 21.

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BAPTISMO Ili': J. CRISTO 287
sôbre êle em forma de pomba. Ei-lo agora recomen­
dado não só à atenção, mas também à adoração dos
homens; o bom êxito da sua p.rêgação é preparado
por sua humildade.
O' meu _bom padre , é, sabeis como deveis dispôr­
-vos a cumprir as vossas fu·nções ? Humilhai-vos,
confundi-vos como um pecador; lavai as vossas me­
nores faltas nas lágrimas de vosso arrependimento.
O céu se abrirá, o Espírito de Deus vos encherá de
seus don�, e preparará os corações para se aprovei�
tarem do vosso zêlo.
Antes de subir ao aliar, dizei a Jesus Cristo,
com os mesmos sentimentos que João Baptisla:
• Ego éJ fe debeo hé1pliZélri, ef fu venis éld me! Ser­
-me-ia necessária tanta inocência para !ralar devida­
mente d� Ião tremendos mistérios 1. . . Só vós, ó
meu Deus, 'lle podeis !ornar digno disso; mas , que
digo? é, pode sê-lo uma criatura? Ah I Senhor, em­
bora a minha pureza igualasse a de João Baptisla,
embora eu tivesse a santidade dos anjos e da sua
Raínha, deveria ainda admirar-me da infinita condes­
cendência com que vos dignais vir a mim : Tu. .
ad mel é, Ouem sóis vós, Senhor, e quem sou eu•?
Ide contudo com muita confiança; mas depois da
missa, vendo um Deus descido até ao abismo do
vosso nada, suplicai-lhe .que destrua em vós tôda a
soberba , e adorne a vossa alma de tôda a justiça,
dando-vos uma perfeita humildade!
Super bonifélfe fuél e! magnél misericordiél fuél,
Domine, confisus, élccedo éleger éld 5a!vélforem, esu­
riens ef sifiens éld fanfem viféle, egenus· éld Regem
coeli, servus éld Dominum. . . Confiteor vi/ifél(em
meélm, élgnosco fuélm honifélfem ... ; ef grélfiéls élgo
propfer nimiélm carifélfem ( 1).

(1) /mil. lib. IV, e. 11.

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MEDITAÇÕES SAC:ERDOTAIS

Resumo da Meditação

I. ConfeRJplar as pessoas. - Em Nazareth,


Maria que se aflige e se alegra ao mesmo tempo,
pela partida de seu Filho. - Na:; margens do Jordão,
a multidão de povo que vem de tôda a Judéia, João
Baplista com o rosto macilento, Jesus Cristo confun­
dido com os pecadores. - No céu, todos os anjos
admirados, Deus Padre que vai glorificar_ a Jesus.

li. Ouvir as palavras. - As do Salvador des­


pedindo-se de sua Mãe e consolando-a. - As de
João Baptista : Ego a te debeo bapfizari, ef tu venis
ad me! - As de Jesus Cristo. Sirie modo, sic enim
decef nos implere omneTQ jusfifiam. - As do Padre
Eterno : Hic esf lilius meus dilecfus, in quo mihi
complacui.

Ili. Considerar as acções. - Jesus entra no


caminho, que lhe abre a vontade de seu Pai. Des­
pede-se de sua Mãe, caminha só, para o Jordão,
aonde chega, e quer ser baptizado por S. João, que
primeiramente se recusa a isso por humildade, e se
sujeita por'obediência. O Salvador do mundo entra
na água do rio; que prodígio de humilhação I O que
se humilha, seril exaltado. Deus glorifica a êste hu­
milde penitente, emquanto êle ora. Ei-lo recomen­
dado pelo céu, não só à atenção, mas também à
adoração da lerra.

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J, CRISTO NO DESEllTO 'il89

XLVIII • M�DITAÇÃO
Jesus Cristo no deserto. - Amor do retiro

1. Grandes exemplos no-lo recomendam.


II. Poderosas razões no-lo persuadem.

I. qrandes exemplos nos incitam ao amor do


refiro: o do Salvador e o de seus mais fiéis ministros.
1 .º Exemplo dt" Jesus Cristo. Como o primeiro
e principal objeclo da sua missão, era instruir os ho­
mens, parece que devia quanto antes mostrar-se e
conversar• com êles. Passa porém na obscuridade
trinta anos de sua vida, e não fendo já senão três
anos que dar ao ml!ndo, para o tirar dos seus erros
pelo ministério da prêgação, antes de o empreender,
retira-se ainda quarenta dias ao deserto. Oue retiro!
Oue" silênci_o I Ou� oração, que penitência! E' assim
que êle se prepara para tratar com os homens, não
tratando senão com seu Pai. D1..1rante os seus maiores
trabalhos evangélicos, vê-lo-ão muitas vezes retirar-se
aos montes para aí estar só com Deus e fazer mais
livremente a sua oração: Ascendi! in montem solus
orare ('). - fugif ileram in montem ipse solus ( ). -
2

é. Tinha o mundo para êle algum perigo? Nenhum;


mas havia nêle perigos terríveis para nós. O reco­
lhimento do espírito era-lhe tão fácil nas ruas de Je­
rusalém, como ·na. solidão de Nazareth, e· a acção
mais conlínua não podia alterar ó repoiso da sua
contemplação; não era pois por causa de si mesmo
que buscava o retiro, visto que nenhuma necessidade

(1) Mallh. XIV, 23. - (2) Joan. VI, 15.

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290 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

linha dêle: era para inspirar aos seus .ministros o


amor ao recolhimento, prevendo que lhes seria indis­
pensável. Êsle ensinamento foi compreendido por
lodos os Santos Padres.
2.º Com efeito, vemos, que êstes se entregaram
por dever aos trabalhos exteriores do apostolado, e
por inclinação à vida retirada e aos exercícios espiri­
tuais. S. Bernardo queixa-se de ser arrancado muitas
vezes à sua prezada soledade. Comquanlo só tivesse
traio com os homens para inlerêsse de Jesus Cristo,
afirma que se afastava de Deus quási tanto como da
sua cela e de sua vida silenciosa. Santo Agostinho,
quando não era ainda senão simples sacerdote,
suplica ao seu bispo, que o deixe em retiro dois
meses; necessita de k>do êsle tempo, diz êle, para
confortar a sua alma e preparar-se para ser útil aos
outros, sem que êle se peréa. Santo Ambrósio fazia
cada ano um ou dois retiros; o último foi de um
mês inteiro. No retiro e nas casas de recolhimento,
em que se encerravam em ce_[las épocas, S. Gregório
em Nazianzo, Santo Eusébio em VerceiT, S. Basílio
em Cesaréia, S. Martinho em Tours, S. Carlos em
Milão, 5. Gregório Magno em Roma, 5. Domingos,
S. Francisco de" Assis, S. Vicente Ferrer, S. Fran­
cisco Xavier, S. Francisco de Régis, ele., falando só
com Deus, aprenderam a falar tão dignamente de
Deus e da::; coisas divinas como sabemos. Ora após­
tolos, ora solitários, vinham no retiro fortalecer a
.alma ; saíam dêle abrasados em um fogo divino, para
fazer novas conquistas para Jesus Cristo. Eis os
nossos modelos; é. imitamo-los nós quanto podemos?

II. Poderosos motivos nos persuadem o amor


do retiro. - Podem-se reduzir a êstes dois principais:
Sua necessidade e sua utilidade.
Necessidade. Preguntar se um podre deve amar
e buscar o refiro, é pregunlar se deve ser um bom

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.J. CRJgTO NO DESERTú

padre, � se, lendo o caráder do sacerdócio, deve ler


o seu espírito. Com efeito, o sacerdote é essencial­
mente um homem sepdrado e consagradb : Separdvi
vos a caeferis populis, vi esse/is mei ( 1 ). E' um ho­
mem retirado, um homem à-parte, que deve gemer
entre o vestíbulo e o al(ar, e só aparecer no mundo
para lhe levar as inspirações do retiro; das suas co­
municações com o Senhor. No dia da sua ordena­
ção, divorciou-se do mund'o, e recebeu um carácter,
que o dedica, e o aplica inteiramente a Deus e ao
seu culto.. Como o carácter é indelével, o divórcio é
eterno, Se bem que o seu perfeito desapego do
mundo pode e deve conciliar-se com a sua habitação
ordinária no m.eio do mundo, é não lhe impõe por­
venturn o dever de ter nêle: quanto possível, uma
vida retirada, e de sair dêle algumas vezes, a exemplo
de Jesus Cristo e de todos os que com êle trabalha­
ram mais utilmenle na santificação do mundo?
Sem falar das doenças espirituais, ca�sadas pelo
mesmo exercício dos ministérios, quando são indis­
cretamente prolongados: dissipação do espírito e do
coração, e por conseguinte, cegueira e tibieza, doen­
ças cuja cura é quási impossível, se se não afasta,
ao menos por alguns dias, da atmosfera viciada em
que a alma respirou o ar corrulo: hã uma sciência,
uma pureza, uma perfeição de virtude, ordenadas ao
sacerdote, e que êsle nunca adquirirá, senão fazendo
de tempos a tempos os santos exercícios do retiro
espiritual.
1. 0 Trala-se aqui dessa sciência que edifica e
não ensoberbece, que excita a vontade e esclarece o
entendimento, que é o fruto da graça, muito mais que
do trabalho; dessa sciência, que a Sagrada Escritura
chama a sciência de Deus. Mas é onde se aprende

(1) Levil. XX, 26.

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,292 Mf:DlTAÇÕES SACKRDOTAIS

esta sciência indispensável? S. Basílio responde:


Na solidão, que êle chama: Coelesfis docfrinae
sebo/a, divinarum arfium disciplina. 1/lic Deus esf
fofum quod discifur (1). Há cegos, que _Jesus não
cura senão tirando-os para um lugar afostado:
Apprehensa mtmu caeci, eduxif eum extra vicum (2).
Hã ilusões que só se dissipam à luz das verdades
eternas, meditadas no retiro.
2. 0 Se é necessária essa sciência para nos es­
clarecer, não o é menos para nos consolidar nessa
eminente pureza de coração, que exigem. as nossas
funções sagradas. Nós exerce9,0s o admirável .poder
de fazer nascer espiritualmente nas almas, e de apre­
sentar realmente no altar ci mesmo Filho de Deus,
que Maria deu ao rrfundo no tempo, e que o Pai
celestial gera desde tôda .a eternidade; um tal minis­
tério requereria a pureza de Maria, e, se possível
fôsse, a do mesmo Deus. Esta reflexão fêz tremer
lodos os Santos Padres ; e é por isso ·que êles sus­
piravam pelo retiro: Quis dabif mihi pennas sicuf
columbae, ef volabo ef requiescam? Ecce elongavi
fugiens, ef matisi in solifudine (3).
Nós estamos· no mundo para combater os seus
vícios, e êle consegue comunicar-no-los; emquanto
nos esforçamos em purificá-lo, êle mancha-nos. Se
não saímos dêle algumas vezes, ser-nos-á quási im­
possível reparar o mal que nos fêz. é. Como curar
chagas que ignoramós? Não é RO campo de ·batalha
e no calor da refrega que o solpado sente a dõr, e
conhece a gravidade das suas feridas.
Oh I quantos padres há, cuja salvação corre o
maior perigo, porque não fazem, em freqüentes reti­
ros, um sério exame das graças que receberam, dos

(1) De laud. erem. - t2) Marc:. VIII, 23. - (3) Ps.


LIV, 7, 8.

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J. CRISTO NO DESERTO 203
ministérios que exerceram, do uso que fizeram de
um tempo tão precioso! Quantos, a quem os anjos
do santuário poderiam re9etir as palavras de Isaías ;
Recedi/e, recedi/e: exile inde, polfufum no/ife fon­
gere . .. , mundamini qui ferfis VtJStJ Domini (1). Re­
tirai-vos, saí daí, não foqueis em coisa manchada;
não loqueis, antes de vos purificardes, o que há de
mais sanlo e sagraelo. N&o são já sàmente os vasos
do Senhor; é o mesmo Senhor que trazeis nas vos­
sas mãos, sôbre a vossa língua, no vosso coração 1
Ide purificar-vos na solidão; ela é a mãe da com:
punção, o banho dat almas, a morte dos vícios; é
uma fornálha onde o oiro da caridade perde tõda a
liga impura: ln qutJ 'dissolulé'J animtJe ru/:Jigo consu­
mifur, et sctJbies pecctJforum é'JC scoritJe deponun­
lur (2).
.3. 0 E' também num bom retiro, e lá sàmente,
que nos decidimos deveras a seguir uma vida santa e
perfeita, que é para nós de estricla obrigação. l Será
enlre o ruído das criaturas e o cuidado dos negó­
cios, que Deus fala ao coração essa linguagem pene­
trante, que deixa impréssões duradoiras? E se falas­
se, seria ouvido? Se esclarêcesse, l estaria a alma
disposta a seguir a luz? DuCtJm eam in solitudi­
nem, ef loqutJr tJd cor ejus (9). l Será no meio do
mundo que eu devo ter ese_erança de receber essas
graças abundantes e eficazes, que lransíormam um pa­
dre pecador, ou imperfeito, em um padre virtuoso,
sendo que, para me favorecer com elas, Deus me
cferece o grande meio do retiro, dignando-se cha­
mar-me para êle pela voz de meus superiores e pela
da minha consciência? Venife ... in deserfum locum,
e/ requiescif; pusillum (4).

(1) Is. LI[, 11. - (2) S. Basil. De laud. erem.


(3) Os. li, 14. - (4) More. VI, 31.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Utilidade. Quanto aos pr�ciosos frutos que pro­


duz um bom retiro,' já indicámos alguns; para os
junlar todos, seria mister considerá-los debaixo do
duplo aspeclo da nossa santificação e do nosso mi­
nistério. Podem resumir-se dêste ·modo: Reanimar
em nós a graça da nossa vocação, se ela afrouxasse;
ressuscitá-la, se estivess� morta; obrigar o Senhor
a apagar todos os nossos pecados,·e a perdoar-nos
tudo o que devíamos à sua justiça; contrair com êle
a união mais íntima, e dar à nossa alma um impulso
generoso, que a faça adeanlar nos caminhos da per­
feição sacerdqtal; tornar-nos diQnos cooperadores de
Jesus Cristo na obra da redenção, e instrumentos
da sua misericórdia para a felicidade eterna dos nos­
sos irmãos. Eis de que bens se priva aquele que
despreza a sanla prática do reliro espiritual.
Resoluções: 1." Todos os anos, farei com aten­
ção, de um ou de outro modo, os exercícios do re­
tiro (1).
2.° Consagrar fielmente um dia de cada mês a
uma espécie de pequeno retiro e de preparação para
a morte ( t ).
3. 0 Terei uma vida habitualmente retirada, quan­
to mo permitirem os deveres do meu cargo, não me
ausentando sem ·necessidade: Maximi sancforum hu­
mana consorfia, ubi poferanf, vitabanf; el Deo in se­
creto vívere eligebanf (3 ).

(1) Vêde, no fim do volume, um 11pêndice sôb i:_e os reliros


eclesiiislicos e uma colecção de 11ssun(os p11r11 !rês retiros de seis
di11s.
(2) Enconfr11reis o seu mélodo no llm dêsle volume.
(") /mil. 1. 1. c. XX.

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J. CRISTO NO DESERTO 295

Resumo da Meditação

I. Grandes exemplos nos incitam ao amor do


retiro: o do Salvador e dos seus ministros mais
Íléis. - Jesus Cristo passa os primeiros trinta anos
de sua vida na mais profunda obscuridade; ensaia a
sua vida pública com quarenta dias de retiro; e no
decurso de suas pregaçóes, retira-se muitas vezes
para os montes, a-fim de aí estar só por só com
Deus. O mundo não tinha para êle perigo algum;
mas Jesus queria inspirar-nos o amor do retiro. -To­
dos os Santos Padres compreenderam êste ensino:
S. Bernardo, Santo Agostinho, S. Ambrósio, etc.,
sucessivamente apóstolos e solitários: eis os nossos
modêlos.

II. Poderosos motivos nos induzem ao amor


do retiro. - Sua necessidade: O padre é essencial­
mente um homem separado, que não deve aparecer
no mundo senão para lá levar as inspirações do re­
tiro. i Ouantas doenças espirituais, cujo remédio
requer um afastamento do mundo mais ou menos
prolongado! A prática do retiro ê-nos indispensável
para nos esclarecer e nos firmar na eminente pureza,
que exigem as nossas funções. -- Sua utilidade: Rea­
nimar em nós o. espírito de nossa vocação, sàlisfater
à justiça do Senhor, dar à nossa .alma um impulso
generoso para a perfeição, tornar-nos capazes de
{:Ooperar eficazmente para a salvação dos nossos ir­
mãos: tais são os ben; inapreciáveis que nos alGança
o retiro espiritual.

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':!96 MElllTAÇÕt:S SACERllOTAIS

XLIX MEDITAÇÃO
Vocação áos Apóstolos
1. A que sãp chamados.
li. Como são chamados.
Ili. Como respondem ã sua vocação.

PmM.E.IHO PHELÚoro. Lembrai_-vos do que se re­


fere no capílulo VI de S. Lucas. Depois de pas.,sar
a noite em oração, o- Salvador reúne os seus discí­
pulos, escolhe doze de enire êles, a quem dá o nome
de apóstolos.
SEGUNDO PHELÚOIO. Pedi a Deus que se digne
fazer-vos conhecer a excelência desta vocação, a
parte que tendes nela, e a graça de cumprir fielmente
todos os seus deveres.

I. Oue fim se propõe Jesus Cristo chamando


os apóstolos. - 1. 0 Ouer fazer dêles discípulos es­
colhidos, e dispensar-lhes cuidados mais assíduos,
por causa dos -grandes desígnios que tem a respeito
dêles. Ouer que sejam as testemunhas ordinárias da
sua vida íntima e dos seus milagres; que o acompa­
nhem pelas cidades e aldeias, aonde vai levar a boa
nova da salvação. À instrução em público ajuntará
para êles a instrução particular; e etnquanto falar
aos outros por parábolas, fará conhecer mais clara­
mente aos seus apóstolos os mistérios do reino de
Deus C). Numa palavra, serão os seus amigos, e
como que os confidentes de todos os seus pensa­
mentos.
2. 0 E.scolh'e-os, em número de doze sõmente,
para serem os seus colaboradores na grande emi:irêsõ

(1) Vobis dalum esl nesse mys(erium regni Dei. Luc. VIII, ló.

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VOCAÇÃO DOS APÓSTOLOS �97
da redenção: o seu destino é serem empregados em
converter o mundo. Serão pela graça de Cristo os
doutores d_as gentes, os mestres do género humano,
os príncipes da sua Igreja, os s_eus embaixadores
junto dos povos. l E' possível imaginar uma escolha
mais honrosa e que mostre mais amor? Nimis hono­
ri.icélli sunl élmici fui, Deus ( t ). O' Senhor, só a vós
compele tirar o pobre da sua baixeza, para o elevar
à mais sublime dignidade, e realizar os maiores pro­
dígios com os mais fracos instrumentos I Bem se vê
que quereis só para vós tôda a glória de vossas
obras, para que nenhum homem possa re'ivindicar a
sua parte :· Ouae sfu!la sunf mundi elegif Deus, ui
confundélf for/ia; ef ignobilia mundi ef confemplibilia
elegif Deus, ef eél quae non sunl, uf ea quae sunl
desfrueref :' ui non gloriefur omnis caro in conspecfu
ejus (2 ). O' meu Deus, fazei que os vossos ministros
compreendam bem isto.
Todo o sacerdote participa da graça e dos privi­
légios desta admirável vocação. Gloriemo-nos de ser
os apóstolos de Jesus Cristo, assim como disso se
gloriaram os que primeiro tiveram Ião belo nome, e
não esqueçamos aquilo a que êle nos obriga. Um
apóstolo já não deve conhecer a carne e o sangue;
só deve ouvir a voz de Jesus Cristo, para ir onde
quer que o enviem (3). Um apóstolo deve estar cru­
cificado para o mundo, e o mundo deve estar cruci­
ficado para êle (4 ); não deve viver para si, mas deve
viver e morrer para o Senhor (5). Oh I quanto zêlo

(1)' Ps, CXXXVIII, 17.-(2) I Cor. I, 27, 29.-(8) Gal.


1, 1.5, 16.
(4) Mihi mundus crucifixus esf, ego mundo. Gal. VI, 14.
Tenho horror 110 mundo, como 110 cadáver de um crucillcado, e
sou para o mundo o objecfo de igual horror.
5
( ) Nemo nos!rum sibi vivif, e! nemo sibi mori!ur, sive enim
vivimus, Domino vivimus; sive morimur, Domino morimur. Rom.
XIV, 7, 8.

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298 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

deve ter dos interêsses de Deus, quanta caridade


para com o próximo ! Oh I quão puros devem ser os
seus costumes e elevados os seus sentimentos I Re­
conhecei-vos indigno de tão bela vocação {1-), mostrai­
-vos agradecido; e quando vos' achardes culpado de
alguma fraqueza, ou estiverdes quási a sucumbir a
alguma lenlaçijo, pregunlai a vós mesmo: l Pensa­
riam, falariam assim Pedro, Paulo, André, João?

II. Como e quando são chamados os apósto­


los. - A forma desta vocação é diversa, segundo os
desejos e o carácter de cada um dêles. A uns o
Salvador diz simplesmente: Vinde após mim: a ou­
tros promete uma recompensa conforme às inclina­
ções de sua primeira profissão : Eu vos farei pesca­
dores de homens. Ora s.e contenta de convidar, ora
manda, como quando diz a Mateus: Segue-me,: assim
mostra ao mesmo tempo a fortaleza e a suavidade da
sua graça. Compreendamos o alcance desta úllima
palavra: Sequere me. Vós a dirigis ainda, ó meu
Deus, aos que chamais a continuar a obra dos após­
tolos, e a ajudar-vos no nobre trabalho da santifica­
ção de vossos escolhidos. Sim, segui-me, lhes dizeis
vós; imitai, estudai a minha vida, e antes de pregar
ao mundo um Deus humilde, um Deus crucificado,
imitai-o. Segui-me, procedendo pelos. mesmos princí­
pios e para o mesmo fim que eu, buscando, como eu,
sõmenle a glória de meu Pai, com uma perfeita sub­
missão a lodos os seus desejos. - Isto é o que me
tendes dilo cem vezes, ó meu Salvador; l e é o que
eu tenho feito?
Antes de escolher os seus apóstolos, Jesus tinha
passado a noite em oração ; a esla oração deveram
êles as graças abundantes, que fecundaram os seus

-
(1) S. Chrys. Homil. 1. in episl. ad Rom.

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VOCAÇÃO DOS APÓSTOLOS 299
trabalhos e os ampararam no meio de suas prova­
ções. A Igreja inteira eslava então 'presente no pen­
samento do filho de Deus; nos seus apóstolos via
todos os seus ministros. Orando por êles, orava por
cada um de nós, e obtinha-nos, como a êles, todos
os auxílios de que precisaríamos no ministério que
nos destinava. Tenhamos confiança ; se nada pode­
mos por nós mesmos, podemos tudo em Jesus Cristo.
Nunca êle chama a um estado, sem dar a aptidão
que êsse estado requer : ldoneos nos fecif ministros
novi fesfamenli (1). Esta graça é um rico talento; o
ponto essencial é fazê-lo render.

Ili. Oual foi a fidelidade dos apóstolos em


cumprir· a sua vocação. - foi pronta, plena, intré­
pida e perseverante. Jesus fala, e imediatamente Ma­
teus deixa o seu lelónio, assim como os outros. a sua
profissão mais modesta ; os sacrifícios são feitos logo
que são pedidos; a obediência .não se faz esperar, e
é inteira: barcos, rêdes, parentes, esperanças, pro­
jeclos de futuro, ludo é abandonado sem a menor
reserva. Põem-se à disposição do Salvador, ofere­
cendo-se intrépidamente para a execução de seus de­
sígnios. Os que entre éles caem por fragilidade, le­
vantam-se ; e a sua queda, tornando-os mais humil­
des, firmá-los-á em uma fidelidade mais constante.
Depois do Pentecostes, dispersam-se para piegar o
Evangelho, e dão ao seu Mestre o testemunho de
seu sangue juntamente com o de sua palavra.
Toda;ia um dos doze, escolhido por Jesus Cristo
como os outros, torna-se traidor, e morre na sua im­
penitência! Oue motivo de terror I A vocação não
lhe faltou; mas faltou êle à sua vocação I Senhor
Deus ! entre os sacerdotes que hoje são vossos após-

(1) li Cor. 111, 6.

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:mo MEDITAÇÕRII SACERDOTAIS

tolos e anunciam o vosso Evangelho, é lereis vós visto,


não digo muitos, mas um só que vos venha a atraiçoar
algum dia? l e não serei eu êsse traidor?· Numquid
ego sum, Domine? O' Jesus, preservai-me de tão
grande crime I Se eu deixei extinguir no meu cora­
ção o foi;to sagrado que recebi pela imposição das
mãos, reacendei-o pela vossa graça. Se eu que de­
via conduzir e guardar o rebanho, sou uma ovelha
desgarrada, buscai, eu vos su_plico, buscai o vosso
indigno servo (1). Se perdi a minha primeira voca­
ção, chamai-me de novo. Vou agora ao altar ofere­
cer-me em sacrifício, para fazer e sofrer tudo o que
vos aprouvet. Só lenho um pesar, é o ler àuxiliado
Ião mal os desígnios de vossa misericórdia; o meu
único desejo é reparar êsse deploráíiel passado, e ser
doràvanle vosso apóstolo. com lôda a verdade, como
pede um nome Ião belo: Omnes stJncfi élposfoli,
ornfe . . . RegintJ tJposfolorum, ortJ pro nobis.

Resumo da Meditação

1. Oue fim se propõe Jesus Cristo, chamando


os seus apóstolos. - Ouer fazer dêles discípulos
escolhidos, mais instruídos e mais santos, porque
deve empregá-los em instruir e santificar o mundo. -
E.les serão os príncipes da sua Igreja, os •seus em­
baixadores perante os povos. - l Pode-se imaginar
uma escolha mais honrosa? - Todo o padre parti­
cipa da graça e dos privilégios desta vocação su­
blime.

II. Como são chamados os apóstolos . ....:.. A for­


ma desta vocação é diversa, segundo as disposições

'(l) Ps. CXVIII, 176.

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MINISTÉRIO APOSTÓLICO 301
e o carácter de cada um dêles. Vinde 8pÓs mim, se­
gui-me; isto é, Senhor, o que dissestes a todos e a
mim mesmo, o que me dizeis ainda �dos os dias. -
Antes de escolher os seus apóstolos, Jesus passara
a noite em oração '. A Igreja inteira eslava presente
no seu pensamento. Orando por lodos os seus mi­
nistros, orava por ·nós; lenhamos confiança: pode­
mos tudo naquele que é a 1_1ossa fortaleza.

III. Oual foi a &delidade dos apóstolos à sua


vocação.� Foi pron/8, plena, infrépid8 e perseve­
rante. Todavia um dêles tornou-se · um traidor e
morreu na sua impenitência; que motivo de terror 1
Omnes s8ncfi 8posfoli, or8fe . .. : Regin8 8posfolo­
rum, or8 pro nobis.

L MEDITAÇÃO

Tudo deve vir de Deus no ministério apostólico:


a vocação, a missão, e o bom éxito: Ego
elegi vos, el posui vos, ui e8fls, ef frucfum a!Fe­

1.
..
r8tis (1).

E' Deus que escolhe os seus ministros: Ego elegi vos.


li. E' Deus que os
envia e determino o suo missiio: UI ealis.
Ili. 'E' Deus que faz frulillcor os seus lrobalhos: Et fruclum aRe­
ralis.

1. Só Deus pode chamar ao ministério apos­


tólico. - Para compreender que o direito de chamar

(1) Joan. XV, 16.

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302 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

ao sacerdócio pertence só .a Deus, basta formar


idéia dos privilégios e deveres anexos a esta que é a
primeira de tõdas as vocações. Com efeito, l de que
se trata ? de exercer, segundo a expressão de 5. Dio­
nísio, o mais divino de lodos os divinos rninislérios;
de ser a luz do mundo, para dissipar os êrros com
o facho da verdade; o sal da ferra, para combater
a corrução do vício; o defensor da fé, o sustentá­
culo da religião, o oráculo dos grandes e pequenos,
dos . sábios e dos ignorantes. Trata-se de derribar o
império do mal, de firmar o do· bem, de arrancar e
plantar, de destruir e edificar; de obstar como um
muro de bronze e uma coluna de ferro, às iniqüida­
des do mundo, ao furor do inferno; de converter os
pecadores, de sustentar, de aperfeiçoar os justos ...
e dêsle modo anunciar o Evangelho, ·as suas pro­
messas e ameaças, com uma eficácia que só Deus
pode dar aos trabalhos dos seus m1nislros. . . Numa
palavra, !rala-se de ser o homem da destra do Se­
nhor, e o vigário de Jesus Cristo para a santificação
das almas.
l Não demonstra êsle simples retraio do homem
apostólico, a necessidade de uma vocação divina?
Mas o que a demonstra ainda melhor, é o exemplo do
Salvador. Êle tinha de-certo, e em grau incompará­
vel, tõdas as qualidades que exige o sacerdócio.
l Oue é necessário para ser o mais perfeito dos sa­
cerdotes? Inocência de costumes? êle era a própria
pureza. Amplos conhecimentos? todos os tesoiros
da sciência estavam nêle. Um grande poder? êle
era omnip•ofente. Um zêlo ardente? Zelus domus fuae
comedi! me. lgnem veni miflere in ferram. Uma
intenção pura? Non quaero gloriam meam, sed ejus
qui misif me Pafris.
Todavia, com tõdas estas vantagens, Cristo. não
se julga autorizado a assumir por si mesmo a digni­
dade sacerdotal; e espera que seu Pai lha confira :

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MINISTÉRIO APOSTÓLICO 303

Chrisfus non _semefipsum clarificavif ui Ponlifex fie­


ref ( 1).
é. E' crível que haja homens tão temerários, que
usurpem esta glória, que forcem a entrada da casa
de Deus, e se constituam seus ministros, sem êle o
querer? S. Bernardo não sabia como qualificar esta
audácia: Ouid isfud femerifalis, exclama êle, imo quia
insaniae esf? Ubi fimor Dei? Ubi mor/is memo­
ria? Ubi gehennae melus ef lerribilis exp·ectafio ju­
dicii? (2) Prouvera a Deus que, ainda mesmo hoje,
êsle enorme alentado fõsse mais raro I Menos escân­
dalos afligiriam a . espõsa de Jesus Cristo. é. Oue
fazer então, se houve a desgraça de seguir a voz da
carne e do sangue, e não a da vocação divina, quando
se tomou uma decisão Ião grave 'j> Santo Agostinho
responde: Si non es vocafus, fac ui voceris. A mi­
sericórdia do Senhor, que não tem limites, pode abso­
lutamente reclificar a falta de vocação; o que em
nada prejudica a verdade desta palavra: DifGcile
esf uf bono peraganfur exifu quae maio sunf inchoafa
principio (3).
Parece-me, ó meu Deus, que sôbre êste ponto, eu
lenho motivo para estar tranqüilo: só lenho que vos
agradecl'r. Antes de entrar numa profissão Ião hon­
rosa e perigosa, orei, consultei, busquei de boa fé
conhecer o l'stado que me havíeis destinado, e quando
as porias de vosso santuário se abriram deante de
mim, julguei que podia dizer: Ecce ego, quia vocasfi
me. Mas esta vocação geral não basta.

II. Só Deus deve designar a cada um de seus


ministros o seu emprêgo particular. - Nem lodos
leem a mesma aptidão, por isso não podem ler todos
o mesmo destino. Uns, diz S. Paulo, rec;eberam o

(1) Hebr. V, 5. -_(2) Declam. VI, 5. - (3) S. Leo.

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MEDITAt:;õES SACERDO_T_A_IS_______

dom da sciência, outros o da sabedoria; ês!es o dom


da pal_avrn, aqueles o dom de interpretar as Escritu­
ras. Os minislérios são diferentes, assim como as
operações do Espírito Santo. Eis a.. razão por que
um é chamado a ser doutor, outro pastor, êste após­
tolo, aquele direclor. E.' o me!;mo Deus que dispõe
assim dos seus ministros, para o aumento e santifica­
ção da sua Igreja ( 1 ). A lodos os obreiros é dilo:
/te vos in vineam meam; mas deve cada um entre­
gar-se tto trabalho particular que lhe é assinado pelo
Senhor. Feliz o que faz bem o que lhe é mandado,
o que é fiel em cumprir sua mis.são: fiel quanto ao
tempo, quanto aos lugares, quanto às circunstâncias!
l Para que dizer: há tantos anos, que trabalho como
coadjutor; l não estarei em estado de governar por
0

mim mesmo uma parróqµia? Em meu lugar, Jesus


diria: Nondum venil hora mea. l Para que_ dizer:
l ficarei sempre neste pôslo inferior? Se Deus quer
que eu passe a minha vida, abandonado neste campo,
l não passou Jesus Cristo, a sua no país, aonde seu
Pai o enviara? O zêlo da salvação das almas devo­
rava-o, desejava espalhar o fogo sagrado por lôda a
terra; e todavia não sai da Judéia; e dá esta razão:
Non sum rilissus, nisi ad oves quéle perierunl domus
israel (').
Um sacerdote que só tem a Deus em vista, diz-lhe
à sua entrada no sacerdócio: Senhor, l que ministé­
rio me confiais? l onde quereis que eu comece, onde
quereis que eu prossiga, onde quereis que eu con­
clua.? Oualquer que seja a porção da vossa vinha,
que vos agrade assinar aos meus trabalhos, quero
fecundá-la com os meus suores� consagro-lhe a minha
afeição, a minha saúde, a minha' vida tôda inteira.
finalmen�e, aceitemos a nossa missão com lôdas as

(1) I Cor. XII, 28; Eph. IV, 1 t. - (2) M111!h. XV, 24.

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IIIINISTÉRIO APOSTÓLICO

suas circunslâncias. Há ministérios que leem aos


olhos dos homens, vantagens e consolações ; há ou­
tros que só oferecem fadigas, perseguições, sofrimen­
tos. Portemo-nos em lodos com generosa abnegação.
Estejamos prontos, como Jesus Cristo. a subir assim
ao Calvário como ao Tabor, quando fôr essa a von­
tade de nosso Pai celestial; por êste preço podere­
mos contar com abundante� bênçãos.

III. Só Deus faz frutificar os trabalhos de seus


ministros. - Esta verdade nunca se repete demasia­
da_:; vezes nas nossas meditações, sendo Ião necessá­
rio como é, que nos peneiremos dela. e. Oue somos,
que podemos por nós mesmos ? Cinza e pó, sar­
menlo inútil, lenho sêco (1); na ordem da natureza
incapazes de levantar os olhos, de mover o braço
sem o ,concurso divino, e. como poderíamos nós, na
ordem da graça, operar a ressurreição dos mortos,
criar homens novos? Não seríamos só insensatos,
mas culpados, se disséssemos no nosso coração : fui
eu, foram os meus talentos, as minhas traças, os
meus esforços, que converteram os pecadores, reani­
maram os líbios (2 ). Queremos bons sucessos?
oblê-los-emos, se os esperarmos unicamente da gra­
ça, sem desprezar todavia a cooperação que Deus
exige; e serão de ordinário tanto maiores, quanto
menos louvores nos atraírem, e se tiverem procedido
das contradíções, à sombra da crcz.
Sim, meu Deus� nós podemos anunciar o vosso
Evangelho, levantar a voz no púlpito, e dirigir as
almas no confessionário: Nos loquimur foris; mas
só vós, Senhor, podeis dar a inteligência e o gôsto

(1) Ecce ego lignum 11ridum. Is. LVi, 3.


(i) Ne diceres in carde luo: Forliludo me11 el robur manus
me11e h11ec mihi omni11 pr11eslilerunl. Deul. VIII, 17.

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306 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

das verdades que publicamos; só vós podeis vencer


as vontades rebeldes, mover, edificar: lpse infellecfum
aperil, ipse Iene/, ipse movei, ipse aedi.ic{Jf ( 1 ). l Oual
de vossos ministros produzirá mais fruto nas almas,
e será maior em salvar aos vossos escolhidos: Ma­
ximus in saiu/em elecforum? (2) Vós dissestes, Se­
nhor, que é aquele que permanece em vós e aquele
em que vós permaneceis: Oui manei in me. ef ego in
eo, hic feri frucfum mui/um, quio sine me nihil pofesfis
lacere (3).
RESOLUÇuES: 1.0 Recorrer a Deus com muita
fé, nas maiores dificuldades do sagrado ministé­
rio; êle se dignou chamar-.vos, êle vos envia; defen­
deis a sua causa : Nolile fimere . .. : non esf enim
vesfra pugna, sed Dei (4 ).
2.º Conservar-vos sempre estreitamente unido a
Deus como o instrumento à mão que dêle se serve;
da vossa docilidade às inspirações do Espírito Santo,
depende o resultado de vossos trabalhos.
3. 0 Referir a Deus a glória de todo o bem, que
pudestes fazer, sem nada reservardes; é provável que
tivésseis feito ainda mais, se deixásseis operar mais
livremente a graça: Non nobis, Domine, non nobis;
sed nomini fuo da gloriam.

Resumo da Meditação

I. Só Deus pode chamar ao ministério apos­


tólico. - l De que se trata? Dê exercer o mais di­
vino dos empregos; de ser a luz do mundo . .. ; o sal
da ferra . .. : de ser o homem da destra de Deus,
para a santificação do próximo. O mesmo Jesus teve
de ser chamado: Chrisfus non semelipsum clariG-

(1) S. Aug -( 2) Ecli. XLIV, 2. - ( 3) Joan. XV, 5. -


- (4J li Poral. XX, 15.

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APOSTOLADO DO EXEMPLO 307
cavif ui Ponfifex Gerei. e: Pode um homem ser Ião
temerário, que usurpe esta glória?

II. Só Deus deve designar a cada um de seus


ministros o seu emprêgo particular. - Os ministé­
rios são diferentes, assirri como as· operações do Es­
pírito Santo. A todos os obreiros é dito : fie el vos
in vineam rneam; mas ó Senhor designa a cada um o
seu trabalho. Jesus Cristo limita o exercício de seu
zêlo ã Judéia, porque tal é a vontade de seu Pai.

III. Só Deus faz frutilicar os trabalhos de seus


ministros. - Ai! de nó's, se dissermos no nosso co­
ração: Fui eu, foram os meus talentos, as minhas
traças, que converteram os pecadores 1.. . Se que­
remos grandes frutos, esperemo-los unicamente da
gfoça, sem desprezar a cooperação que Deus espera
de nós: Nos loquimur foris; ipse infelleclum aperil,
ipse Iene!, ipse movei, ipse aedifical. - Oui manei
in me el eqo in eo, hic feri frucfum mui/um.

LI MEDITAÇÃO
Apostolado do exemplo, considerado no
sacerdote e pastor de almas

I. Sua necessidade.
li. Seu poder.
/

1, Necessidade do bom exemplo em um sacer­


dote. - Como a obrigação de edificar o próximo se
confunde com a de amá-lo, não é privativa do sacer­
dócio; mas é mais gràve em um sacerdote, que deve

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308 l\lEDITAÇÕES SACERDOTAIS

amá-lo com mais perfeição. E' ao sacerdote e ao


pastor que é dilo: • Fazei-vos exemplares do rebanho:
Forma facfi gregis (1). Transmiti aos vossos irmãos
os exemplos que recebestes de Jesus Cristo, para que
êles se lhe assemelhem regulando-se por vós •. Assim
o compreendia S. Paulo, quando recomendava aos
seus discípulos que fôssem seus imitadores, do mesmo
modo que êle o era do Filho de Deus (�); e induzia
Tito e Timóteo e lodos os pastores das almas na
pessoa dêles, a cumprir o dever que êle cumpria,
edificando : Exemplum esfo fidelium ( 3 ). ln omnibus
feipsum praebe exemplum bonorum operum (4).
O exemplo, o exemplo, eis o que a Igreja nos
repetiu em todos os degraus que nos fêz percorrer,
desde o sopé alé ao cume do santo monte do sacer­
dócio. Conferindo-nos a ordem de ostiário, decla­
rou-nos que não se !ralaria sàmenle de abrir ao povo
a casa de Deus com chaves mdleriais, mas de abrir
a Deus e de fechar e.o demónio o coração dos fiéis,
com as nossas palavras e os nossos exemplos. Ao
leilor diz: • Ouando exercerdes a vossa função,
estareis em um lugar elevado, e esta postura de vosso
corpo vos ensinará que deveis apresentar a lodos o
modêlo de uma vida celeste: Ouafenus cuncfis ...
coelesfis vifae formam pr'bebeafis •. O círio que traz
o acólito é um símbolo, cuja significação vai cumprir,
espalhando em tôrno de si a luz do bom exemplo.
Ao diácono é imposto o cuidado de defender e
sustentar a Igreja, mas como? Ornafu sancfo, prae­
dicafu divino, exemplo perfecfo. E' necessário que
se leia nas suaii obras o Evangelho 'que anuncia:
UI quibus Evangelium ore annunfialis, vivis operibus
exponalis, Com que energia é esta obrigação signi-

(') I Pefr. V, ). - (2) I Cor. IV, 16. - (ª) I Tim. IV, 12.
(1) Til. 11, 7.

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APo�·rouno DO EXEMPLO 309
ficada ao presbítero ! Oaer-se que o bom odor da
sua vida seja um perfume, que embalsame e alegre a
espôsa de Jesus Cristo; que a sua pureza reconhe­
cida, seja a censura dos maus costumes; que faça
resplandecer aos olhos dos fiéis a forma de tôda a
justiça; que pratique o que ensina; qu� mostre em si
lôdas as virtudes (4). Esta obrigação de edificar não
se cumpre de-certo, só pelo facto de não dar escân­
dalo algum; i não devastàr um campo, é cultivá-lo?
Nós não seremos a luz do mundo, não combateremos
eficazmenle as suas ilusões e trevas, senão ajuntando
a pregação do bom exemplo à da palavra : Vos
es/is lux mundi. . . Sic luceaf lux vesfra coram ho­
minibus, ui videanl opera vesfra hona, el glorilicent
Palrem vesfrum qui in coe/is esl (2 ). Nenhum padre
ignora a necessidade do bom exemplo ; mas quão
poucas vezes se avalia a sua extensão ! Para ser
visto de longe, e para falar allo, não é preciso descer
ao nível de lodos, e abaixo de alguns.

li. Eficácia do bom exemplo. - E' provada


pela autoridade, razão, e experiência.
1. 0 Ainda que Jesus Cristo, a palavra eterna
do Eterno Padre, possuía o talento de persuadir,
nu\n grau infinito de perfoição, pareceu contar com
os seus exemplos, muito mais do que com as suas
palavras, para a santificação dos homens. E' sem­
pre a imitá-lo que êle nos convida : Exemplum dedi
vobis, ui quemadmodum ego feci, ifa el vos facialis.
- Discite a me quia mifis sum.
Acabo de meditar com que solicitude a Igreja
procura não ter senão ministros edificantes; e eis a
razão que ela dá: • Não há nada que instrua e
mova mais eficazmente os homens à piedade, que o
.

(1) Ponlif. - (2) Mallh. V, 14, 16.

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3l0 MEDITAf,iÕES SACERDOTAIS

bom exemplo e a boa vida dos que se consagraram ao


serviço do Senhor; porque, vendo-os colocados em
uma ordem superior às coisas do século, todos gos­
tam de fixar nêles a sua vista, como em um espelho,
e recebem dêles o exemplo do que devem imitar.
E' por isso que os eclesiásticos, chamados a ter o
Senhor por herança, devem regular por tal brma a
sua vida· e proceder, que em seu vestuário, em suas
maneiras, em suas palavras, e em tudo o mais, nada
deixem vêr que não seja sério, grave, modesto, nada
que não anuncie uma grande devoção. (1).
S. João Crisóstomo põe a eficácia do exemplo
acima da dos milagres, e atribui a conversão do
mundo não tanto aos prodígios operados pelos após­
tolos, como à edificação de suas virtudes: Mundum
converferunf, non propfer lfliracu!t1 q11t1e fecerunf,
sed quit1 in ipsis verus ert1f glorit1e pecunit1eque con­
fempfus. O mesmo Santo Doutor diz em outra
parle: Bont1 exemplt1 voces edunl omni fubt1 cll1rio­
res; e 5. Gregório: !llt1 vox t1udilorem penelrt1f,
qut1m dicenfis vifo commendt1f; e 5. Bernardo: Vt1-
lidior operis quam oris vox; vox verbi sonaf, vox
exempli font1/. Esta máxima será sempre verdadeira:
Longum iler per praecepfo, breve per exempla.
2.º Com efeito o exemplo aclua igualmente �­
bre o espírito e o coração: esclarece o primeiro,
move e atrai o segundo. Acreditall!os mais nos nos­
sos olhos do que nos nossos ouvidos (2). O que
fica obscuro nas palavras, aclara-o o exemplo. A fala
é a voz da virtude, o exemplo é a mesma virtude em
pessoa e ao natural. • Ouando empreendemos, diz
S. Paulo, fazer-vos abraçar a lei de Jesus Cristo,
não recorremos aos artifícios da eloqüência mun-

(1) Cone. Trid.. Sess. XXII, de Reforro. e. 1.


(2) Plus credilur oculis quam auribus. Seneca.

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APOSTOLAno DO EXF.MPLO 3H

dana : Non in persuasihilibus humanae sapienfiae


verbis; empregamos um meio mais seguro, mostran­
do-vos nas ,nossas acções a santidade do espírito e
da virtude que está em ·nós: Sed in osfensione Spi­
rifus ef virfufis. ( 1 ). Poderoso sõbre o entendimento
que êle e�clarece, o exemplo não o é menos sôbre a
vontade, para vencer a sua resistência.
Foi a última impressão que levou a .graça ao co­
ração de Agostinho muito tempo r_ebelde. P1:1receu-lhe
vêr a santidade que se lhe apresentava com um sem­
blante majestoso; e mostrando-lhe um grande número
de virgens que a acompanhavam, parecia dizer-lhe,
em tom de exprobração,: Tu non póferis quod isfi ef
isfoe? é Oue responder a êsle argumento? O que
podem os meus semelhantes, é quem me impede de o
poder eu_? O seu exemplo é até para mim, sob um
aspecto, mais concludente que o de Jesus Cristo.
Como êste Deus S�vador é infinitamente santo por
natureza, não achava em si os cbstáculos ao bem,
qu_e achamos em nós. Aqui pelo contrário, o mo­
<lêlo que rne é oferecido, está revestido de tõdas as
minhas enfermidades. O exemplo é de tôdas as prê­
gaçõ-es a mais fácil de compreender, a mais\direcfa:
a palavra é relativa à a�ção, o exell)plo é a mesma
acção; a mais urgente: à lição êle junta a anima­
ção; a mais contínua: eu não posso falar sempre,
mas posso· sempre edificar: Perpefuum quoddam
praedicandi genus (2).
3. 0 A experiência sôbre êste ponto nadé' deixa
a desejar. Abramos o Evangelho, consultemos a his­
tória, consulfemo-nos a nós mesmos. é Como expli­
car os admiráveis frutos da pregação de João Ba­
ptista? Tõda Jerusalém sai de seus muros para ir

(1) I, Cor. II, 4. - (2) Cone. Tr_id.

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312 MEDITAÇÕES SACERDOTAl8

ouvi-lo e receber o seu baptismo. Como meio de


persuasão, <'. faz êle longos discursos? Opera mila­
gres? Os escritores sagrados não o dizem. é. Poupa
a delicadeza de seus ouvintes? Longe disso; êle
combate vivamente as suas paixões: Progenies vipe­
réirum, quis os/endi! vobis fugere é/ venluréi iréi? Mas
é preciso meditar o que precede: JoéJnnes habebaf
vesfimenlum pe pi/is camelorum ... , escéi aufem ejus
eraf locusfae ef mel silvestre. Vestido pobre, vida
sóbria e mortificada, vida de 'retiro e de oração. Êle
faz mais sacrifícios do que exige: eis lodo o segrêdo
da salutar influência que êle exerce. Refere,se de
S. Francisco de Borja, que os que não entendiam a
língua em que êle pregava, não se comoviam menos
nos seus sermões; e quando lhes preguntavam a
causa disso, respondiam: • E' porque temos deante
dos olhos o que se vê raras vezes, um grande do
mundo tornado um grande sanl«'•.
Avaliemos a impressão do bom exemplo nos ou­
tros, pela que faz em nós. Ouando encontramos um
colega ºcheio de espírito sacerdotal, piedoso, zeloso,
obediente só à sua consciência . . . o seu procedi­
mento é, para nós uma poderosa exortação. Não é
tudo: lendo a vida dos Santos, sentimos ardente de­
sejo de os imitar; ora, se virtudes narradas e por
assim dizer, pintadas, nos estimulam dêste modo, <'. que
não deve fazer o especláculo vivo dessas mesmas vir­
tudes, praticadas por homens que não leem mais
meios de santificação, nem menos fraqueza do que
nós? Feliz pois o rebanho confiado aos cuidados de
um pastor exemplar I Ainda que êsse pastor seja
inferior a outros pelo talento, lerá sõbre êles a única
superioridade que deve ambicionar um bom padre, e
será mais úHI. Se não reprime sempre a desordem,
suscilli remorsos; se não traz ao aprisco as ovelhas
desgarradas, prepara a sua volta. . . i Oue belo é,
exclama Santo Ambrósio, não precisar sen�o de ser

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APOSTOLADO DO EXEMPLO 313

visto, para ser útil! Ouam pulchrum uf videaris ef


prosis!
O' Jesus, vinde estabelecer em mim a vossa vida
pelo sacramento do vosso amor. Se é o vosso espí•
rito que me anima, imitarei os vossos exemplos;
vendo-me, vêr-vos-ão ; e a acção tão suave e tão
forte que vós exercíeis sôbre as inteligências e os
corqções· durante a vossa vida mortal, exercê-la-ei eu
lamÕém para vossa glória, e salvação de meus ir­
mãos.
Resumo da Meditação

1. Necessidade do bom exemplo em um sa­


cerdote. - E' ao sacerdole e ao pastor que se diz:
Sêde o exemplar do rebanho. S. Paulo convidava
os fiéis à imilá-lo, como êle imilava a Jesus Cristo.
Fazia esta recomendação a todos os seus colabora­
dores: Exemplum esfo Gdelium. A Igreja lembrou-nos
êste grande dever em cada uma das ordens que rece­
bemos. Não seremos a luz do mundo, senão juntando
a edificação do bom exemplo à pregação da divina
palavra: Sic luceaf lux vesfra coram hominibus, ui
videanf opera vesfra hona.

li. Eficácia do bom exemplo, provada pela au­


loridade, razão e experiência. - Autoridade de Jesus
Cristo: é sempre a imitá-lo que êle nos chama:
Exemplum dedi vobis . Discife a me quia mifis sum.
Autoridade da Igreja: Concílio de Trenlo, Santos
Doutores. - Com efeito o exemplo aclua igualmente
sôbre o espírito para o esclarecer, e sôbre o coração
para o mover. O que podem os meus semelhantes,
e. quem me impede que eu o possa? é. Oue responder
a êste argumento? - A experiência sôbre êsle ponto
nada deixa a desejat. é. Como explicar os bons éxi­
los de João Baptisla? Com o seu exemplo : êle faz

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

mais sacrifícios do que exige. A leitura da vida dos


Santos causa-nos as mais saüdáveis impressões; e
todavia só são virtudes narradas, e por assim dizer,
pintadas. Feliz o rebanho confiado aos cuidados de
um pastor exemplar!

13!

LII MEDITAÇÃO
Primeira qualidade do zêlo sacerdotal:
a actividade

1. E' essencial ao verdadeiro zêlo.


li. Por que acfos se deve manifestar.

I. A acfividade é essencial ao zêlo sacerdotal.


- Sucede com o verdadeiro zêlo o mesmo que su­
cede com a caridade, que é o seu princípio: onde
quer que está, opera; a acção é a sua vida. Conten­
tar-me com gemer à vista do mal, quando Deus exige
que eu o combala; desanimar, quando deveria buscar
e empregar lodos os meios que inspira um ardente de­
sejo de granjear a glória de Deus e a salvação das
almas, é faltar ao meu ministério e tomar sõbre mim
a mais tremenda responsabilidade: Sélnguinem ejus
de méJnu luéJ ·requiréJm (1). A inacção dos padres,
acarretaria a ruína da religião, assim como o sono
do pastor a perdição do rebanho : Cum dormirenf
homines.
Êste zêlo, que Deus infunde no coração dos bons
sacerdotes, a necessidade de b fazer amar, e de pro­
pagar a .felicidade, propagando o seu amor, é-nos re-

( 1) Ezech. 111, 18.

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ZÊLO AÇTIVO

presentado na Sagrada Escritura debaixo da imagem


do fogo: Surrexif EliéJS. . . quélsi ignis, ef verbum
ipsius quélsi félcu!él élrdebélf ( 1 ). :__ Oui félcis... , mi-.
nislros fuos ignem urenfem (2). Jeremias diz de si :
Factus esf in carde meo quélsi ignis .exélesluélns ( 3 );
e S. Paulo: Quis scélndéllizélfur, ef ego non uror?
Acha-se a mesma figura nos santos doutores e intér­
pretes: lgnescélf zelus fuus, diz S. Bernardo, e em
outra parle: Zelum fuum · in.iélmmef Célrifos. Gui­
lherme de Paris define o zêlo: Ffélmma fervenfissimél
de ipsél fornace Spirifus Sélncfi. O coração do após­
tolo é a fornalha do Espírito Santo, donde saem,
como outras tantas faíscas- e chamas, essas palavras
animadas, essas exortações veementes, essas ternas
exprobraçõe�, êsses rogos, essas ameaças dirigidas
aos pecadores, a tempo e fora de tempo, mas sempre
com discernimento ( 4 ). �
O fogo não conhece descanso. Sucede o mesmo
com o zêlo; ainda que sempre tranqüilo, está sempre
em movimento; recorre a lodos os meios para alcan­
çar o seu fim. Se remonto até à sua primeira fonte,
o Coração de Deus ( 5 ), é onde acharei um tal desejo
de.comunicar a felicidade, um desejo tão fecundo em
obras, e em grandes obras? • Louvai ao Senhor,
exclama o profeta· Isaías, dai a -conhecer entre os
povos os seus desígnios • (6 ). Com efeito, 1 que zêlo
di-vino, o que inventou a incarnação, o sacerdócio, a
cruz, o aliar! foi o zêlo mais ardente o que fêz des­
cer o Verbo eterno à terra. lgnem veni miflere in
ferrélm, e{ quid valo nisi uf éJCCendélfur? Nós sabe­
mos como êle cumpriu a sua missão: prega de dia,
e pre�a - de noite. Come com os fariseus, hospeda-se

(1) Eccli. XLVIII, 1. - (2l Ps. CIII, 4. - (ª1 !d. XX, 9.


- (4) li Tim. IV, 2. - (_5) Zelus vi(a Dei. S. Ambr. -(ª) Is.
XII, 4.

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3Hi MEDITAÇÕF:S SACERDOTAIS

em casa de Zaqueu, recebe em segrêdo os que não


ousam falar com êle em público, aproveita-se de ludo
para instruir e mover. O' meu bom padre, não o ou­
vis? êle quer associar-vos ao seu zêlo da salvação
das almas: Exi cito·: saí já, percorrei os caminhos e
os campos, e trazei-me os pobres, os aleijados, os
cegos, os coxos, e forçai-os a entrar (1). Jesus esti­
mula-vos com o exemplo do pastor, que corre atrás
da sua ovelha desgarrada; com o exemplo da mulher
que esquadrinha lôda a sua casa, para achar a
dracma que perdera.
Tai foi o zêlo de todos os homens apostólicos.
Longe de afrouxarem em um vil descanso, indignam-se,
lembrando-se que serão igualados pelo ;z:êlo infernal
que nada omite, nada poupa, para estender os seus
estragos. e. A que sacrifícios se não sujeitaram, que
piedosas traças não 'empregaram, para superar os
obstáculos e vencer a obstinação dos pecadores?
e. E eu que lenho feito? Na hora da morte, e. po­
derei com S. Paulo tomar por testemunhas lodos
aqueles que me foram confiados, de que, se se per­
derem, não serei responsável da sua desgraça, por
não ,er desprezado meio algum de os salvar: anun­
ci1mdo-lhes o reino de Deus, publice ef'per dom�s,
dando conselhos a cada um deles com incessante so­
licitude, empregando as lágrimas, quando não basta­
vam as súplicas? Nocle ef die non cessovi, cum
lacrymis monens unumquemque vesfrum. . . Ouapro­
pfer confesfor vos hodierna die, quia mundus sum a
sanguine omnium (2). e. Não sou eu um dêsses pas­
tores indolentes, que julgam ler cumprido tôda a jus­
_liça recebendo o que vem, sem ir buscar o que não
vem? Oue seria do mundo, ó meu Salvador, se ti­
vésseis esperado que êle viesse a vós? i Oue seria

(1) Luc. XIV, 2. -(2) Act. XX, 31, 26.

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ZÊLO ACTIVO :.H 7
de mim, se não me tivésseis prevenido com a vossa
graça?

li. Como e por que ados se manifesla a adi­


vidade do zêlo sacerdotal. - S. Gregório aplica ao
pastor esta passagem dos Provérbios: Fifi mi, si
spoponderis pro amico luo; delixisli apud éxlraneum
manum fuam, et illaqueafus es verbis oris fui (1).
Cada alma confiada aos meus cuidados é ésse amigo,
por quem eu respondia; e êsle é o conselho que me
dá o Espírito Santo : Fac ergo quod dico, fifi mi, el
femefipsum libera. Mas e. como livrar-me dêsle encar­
go? Discurre, fesfina, suscita amicum fuum (2).
E' necessário discorrer de uma para outra parte,
apressar-me para -despertar essas almas entregues ao
sono, para excitar nelas a fome e a sêde d.a justiça.
Por conseguinte devo fazer-me ludo para todos, sem
me poupar a trabalhos.
J •0 Nada escapa à acliva caridade do bom pa­
dre: evitar ou combater os vícios, fazer nascer ou
formar virtudes, consolidar os bons costumes, destruir
os abusos. Depois de estudar as disposições de seu
povo, êle examina por que via conciliará melhor os
ânimos dos que pret�nde ganhar para Deus. Uma
igreja bem adorn1;1da, ofícios bem feitos, instruções
interessantes, serviços prestados, maneiras afáveis,
testemunhos de afeclo dados em tôda a ocasião, não
tardarão a dissipar as prevenções e a aproximar do
pastor as ovelhas que dêle se tinham afastado. Sem
exagerar as dificuldades, êle pregunta a si próprio
que proveito poderia tirar de pregações e cerimónias
extraordinárias: retiro, dia de oração, associações,
confrarias, devoções.
Excita e propaga o apostolado mútuo. To�o

(1) Prov. VI, t, 2. - (2) Prov. VI, 3.

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318 MEDITAÇÕE� SACERDOTAIS

aquele que estima e gosta da religião, sente a neces­


sidade de a fazer gostar a outros; a Samaritana, já
convertida, esforça-se por converter a sua nação.
O bom padre procura ler por auxiliares lodos os que
submeteu ao suave jugo do Salvador. No púlpito,
no confessionário, na catequese, em lôda a ocasião,
aplica-se a inspirar o zêlo. -,
2. 0 Assim como se presta a ludo, assim se presta
a lodos: aos pequenos e grandes, aos ·pobres e ricos,
aos enfermos e aos que leem �aúde; vélhos e novos,
justos e pec'adores, sábios e ignorantes, lodos gozam
a saüdável influência do seu zêlo. Êle diz com
S. Paulo: 5Dpieniibus e/ insipienfibus debilor sum (1).
Ouer que lhe seja dado acrescenlt1r com o mesmo
apóstolo: Omnibus omniD facfus 'sum, uf omnes fD­
cerem sDlvos (2).
Mas se a caridade tem regra, o zêlo também a
lem. Onde vejo mais miséria, mais perigo, ai devo
compadecer.-me mais. E' natural, que em matéria de
bem, eu prefira o maior ao menor; que deseje mais
vivamente uma conversão, que me promete frutos
mais abundantes. é Tenho eu seguido sempre estas
regras? é Não há no meu rebanho algumas ovelhas
preferidas, que leem absorvido lodos os meus cui­
dados, com prejuízo das minhas obrigações para
com as outras? Se lenho preferido algumas pessocis,
quais foram? é Compreendi, por exemplo, que mais
de metade dos meus trabalhos e da minha vida per­
tence aos homens; que oc.upar-me especialmente na
santificação dos homens, é uma necessidade urgente
para a nossa época, e um grande dever para o clero?
Oue desordem, se a primeira parle da humanidade
fõsse de alguma sorte sacrificada à segunda !
, Aqui reflecli ainda na vossa maneira de proceder.

(1) Rom. 1, 14. - l8) I Cor. IX, 22.

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ZÊLo' ACTl\'0- 319

O zêlo sem aclividade, ê fogo sem calor; é um fan­


tasma de zêlo; é. que deveis pensar do vosso? é. lem
êle tido esta primeira e indispensável qualidade? Hu­
milhai-vos sempre, sem jamais desanimardes; e pedi
a Deus na vossa acção de graças depois da missa,
que vos ii!brase com êsse divino fogo, que se tem ma­
nifestado por tantas e tão belas obras em todos os
homens apostólicos: ///o nos igne, quaesumus, Do­
mine, Spirilus sanc/1,1s inllammef, quem Dominus nos­
ler Jesus Chrisfus misil in ferram, ef voluif vehe­
menfer occendi (1).

Resumo da Meditação

I. A acfividade é essencial ao zêlo sacerdotal.


- Sucede com o zêlo o mesmo que com a caridade,
que é o seu princípio: onde está, opera. A Sagrada
Escritura no-lo representa sob a imagem do fogo, o
mais aclivo de todos os elementos; êle não conhece
descanso. Oue ardente zêlo em Jesus Cristo I Prega
de dia, e ora de noite; come com os farisf'us; apro­
veita-se de ludt> para instruir e mover. Estimula-nos
com parábolas. Esta mesma santa aclividade vejo eu
em todos os homens apostólicos. Mas é. não serei do
número dêsses pastores indolentes, que se cc,ntentam
com receber o que vem, sem ir buscar o que não
vem?

II. Por que acfos se manifesta a actividade do


zélo sacerdotal. - O sacerdote· verdadeiramente ze­
loso faz:se tudo para todos. - Nada escapa à sua
acliva caridade; vícios a· evitar-ou a combater, virtu­
des a formar; ig�eja bem adornada, ofícios bem fei­
tos, instruções interessantes, serviços prestados; ce-

(1) Missa feriae sexlae qualuor lemp. Penlecosl.

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320 MEDITAÇÕES SACEI\DOTAIS

rimónias, associações, ele., não despreza meio algum.


Sabe comunicar o seu zelo, e tira grande proveito
do apostolado múluo. - Faz-se tudo para todos:
quer que lhe· seja possível dizer como S. Paulo:
Omnibus omnia facfus sum, ui omnes facerem salvos.
Se o seu zelo é imparcial, é regulado: compadece-se
mais, onde vê mais miséria.

LIII MEDITAÇÃO
Segunda qualidade do zêlo sacerdotal,
a mansidão ; consideremo-la primeiro
em Jesus Cristo
1. Em seu ensino.
II. Em seus exemplos.

PRIMEIRO PHELÚoro. Vede a Jesus Cristo, com


a alma tranqüila, o rosto sereno; anunciando a sua
doulrina sôbre a mansidão; ou considerai-o no meio
de seus-inimigos, exposto a todos os maus tratamen­
tos, e opondo só a sua paciência à sanha dêles.
S1<.:GUNDO PRELÚDIO. Pedi-lhe, que vos faça co­
nhecer, estimar, amar e praticar uma virtude, que lhe
foi sempre tão cara: Jesu mifis ef humilis corde,
miserere nobis.

I. De que modo Jesus Cristo nos ensinou a


mansidão, - Nenhum ponto da nova lei é recomen­
dado com mais freqüência e energia pelo divino le­
gislador, quer aos simples fiéis, quer principalmente
aos que devem guiá-los nos caminhos da salvação.
1.º No sermão da Montanha, o Salvador põe

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ZÊLO E MANSIDÃO

na primeira classe das bemavenfuranças a humildade:


Beafi pôuperes spirifu, e na segunda a mansidão,
que é a sua companheira inseparável: Beafi miles.
Proclama por filhos de Deus os que são mansos e
pacíficos. Se reforma as antigas prescrições, é para
lhes infundir mais mansidão: • Foi-vos dito: Ama­
reis ao vosso próximo e aborrecereis o vosso ini­
migo; e eu digo-vos: Amai _aos vossos inimigos; fa­
zei bem aos que vos leem ódio . . . Perdoai, não só
sele vezes, mas alé setenta vezes sete; guardai-vos
sempre de pagar injúria com injúria; e se alguém
vos ferir na face direita, aconselho-vos que lhe ofe­
reçais também a outra. l Ouerem tirar-vos a vossa
capa? Crêde-me, não queirais impedir que levem
também a túnica, para evitar altercações, que pode�
riarn prejudicar a mansidão• .
Meditemos principalmente o que está escrito no
capítulo XI de S. Mateus. O Salvador acabava de
nos revelar as suas grandezas e de se mostrar, de
alguma sorte, em lodo o esplendor da sua divindade:
Omnid mihi !radifo sunf a Palre meo, ele. Tem
pressa de se aproximar de nós e dizer-nos da maneira
mais terna : • Vinde a mim lodos os que sofreis e
vos achais sobrecarregados, e eu vos aliviarei; to­
mai sôbre vós o meu jugo, e aprendei de mim que
sou manso, e achareis descanso para as vossas al­
mas: Discife i1 me quia mifis sum. Não vos digo:
Vinde a mim, porque sou o supremo Senhor; digo­
vos: Vinde a mim, porque me compadeci de vossas
misérias, até descer ao meio de vós, até me revestir
da vossa. carne, e me encarregar de satisfazer por
vossos pecados, para vos reconciliar com meu Dai,
e vos trazer a sciência da salvação; em resumo:
Aprendei de mim, que sou manso e humilde de co­
ração•.
Tai é o espírito de Jesus Cristo. Ouem não
tem mansidão, não é seu discípulo, não é cristão;

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32'! MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

mas esta virtude é muito mais necessária ainda aos


seus ministros.
2. 0 O mesmo nos explica o Salvador por
S. Paulo que exclui do santuário os vícios contrá­
rios á mansidão : Non iracundum ... , non percusso­
rem (1). Aquele que tem a honra de ser servo de
Deus, e com maior razão o seu representante, não
deve ser allercador, mas sim 'manso para com todos:
Servum Domini non aportei lifigare, sed mansuelum
esse ad omnes (2). - Tu aufem, o homo Dei .. . ,
secfare . .. , mansuefudinem · (3).
Explica-nos ainda o mesmo com o caso de San­
tiago e S. João, que êle linha enviado a Samaria
para lhe preparar pousada. Voltam dali, anuncian­
do-lhe que os habitantes daquela cidade não queriam
recebê-lo : Non receperunf eum (4), e exclamam in­
dignados: e. Quereis, Senhor, que digamos que desça.
fogo do céu que os consuma: Domine, vis, dicimus
ui ignis descenda! de coe/o el- consumai illos? (5)
Jesus responde-lhes com sossêgo: Eu não vim para
perder os pecadores, e não é essa a missão que vos
dou. Perdê-los-ia empregando êsse rigor, emquanto
que a minha bondade pode salvá-los. Vou enviar-vos
ao meio dos homens, onde estareis como no meio de
lôbos; sêde eF1tre êles mansos como cordeiros, e
simples como pombas. E' pela mansidão, fruto da
caridade, que sereis reconhecidos do mundo e de
mim por meus discípulos e apóstolos. Alguns hã, que
virão dizer-me no último dia: • Senhor, não lemos
nós profetizado, expulsado os demónios, e feito gran­
des coisas em vosso nome? E. eu lhes responderei:
• Não vos conheço. Retirai-vos de mim, obreiros de
iniqüidade; e. como quereríeis vós representar-me sem

(1) Til. 1, 7. - (2) 11 Tim. 11, 24. - (8) I Tim. VI, 11. -
4 Luc. IX, 53. - (") lbid.
()

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ZÊLO E l!ANSIDÃO

ler a primeira virtude, que proponho em mim,· à 1m1-


tação de meus d.scípulos: Discife a me quia mifis
sum• ? Às lições do Mestre veem juntar-se os
exemplos.

li. Com que perfeição Jesus Crislo praticou a


mansidão. - Os proíefas, que tinham traçado de
anlemiiío o -carácter do Messias, não o tinham de­
signado ao mundo nem pelos lesoiros da sciência de
que era cheio, nem pela grandeza e multidão de seus
milagres, mas principalmente pela sua mansidão:
• filha de Sião, eis o leu Rei que vem a li cheio de
doçura (t). E' um manso cordeiro, que se deixa levar
ao altar, onde vai correr o seu sangue (2). Nunca
lerá contendas nem clamará; não quebrará a cana já
pisada, nem apagará a torcida, que ainda fumega• (3).
Nós sabemos_ quanto a realidade excedeu as figu­
ras. O Salvador era tão brando na sua infância, que
s6 a sua presença dissipava os enfadas. Só era co­
nhecido pela sua doçura, e davam-lhe êste nome:
Eamus ad suavifafem, ui hilares Gamus (4 ). Durante
a sua vida pública, i com que paciência suportava os
defeitos, a rusticidade de seus ·discípulos, quási todos
sem educação, não se cansando de lhes explicar o
que. lhes custava a. compreender; a importunação
dessa multidão de 'povo, que o seguia · por tõda a
parte e o apertavam ( 5), sem lhe dar um momento de
descanso I Ouviram-no queixar-se? é. Viram já mais a
menor alteração nas feições do seu rosto? l Oue não
leve êle que sofrer da parle dos íariseus, que lhe ar­
maram tantas ciladas, lhe propuseram tantas questões
capciosas ? Ouando êles só atacaram a sua pessoa,

(1) MaUh. XXI, 5. -- ( 2) Jerem. XI, 19. - (3 ) ·Mo!lh. XII,


19, 20. - (1) Lohner. Biblioih. --C) Et comprimebant eum.
M11rc. V, 24.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

tratou-os com a maior moderação, e logo que o


obrigaram a del:imascarar-lhes a hipocrisia para impe­
dir a sedução, 1 com que cuidado poupou a sua au­
toridade, ao mesmo .tempo que condenava com vigor
o abuso, que faziam dela!
Oue condescendência para com as almas desgar­
radas I Aqui, a sua indulgência foi Ião longe, que a
malignidade se valeu disso contra êle: acusaram-no
de ser o amigo dos pecadores. l Procurou êle justi­
ficar-se desta acusação? Pelo contrário; declarou,
que os pecadores eram o primeiro e essencial objeclo
da sua missão (1). Foi esta inalterável doçura, que
converteu a Samaritana, comoveu Zacheu, ganhou
Maria Madalena, fêz chorar o apóstolo que o negára.
Mas lque diremos da sua doçura durante a sua
Paixão? Com relação aos seus discípulos, que no
hôrlo das Oliveiras se comovem Ião pouco com a
sua profunda aíliçãó : lnvenif eos dormienfes . .. Non
poluis/is una hora vigilare mecum? Com relação a
Judas: Amice, ad quid venisfi? Juda, osculo filium
hominis fradis? Com relação aos seus algôzes:
Pater, dimifle il/is; non enim sciunf quid faciunf.
Cada um dêsles rasgos pode ser aprofundado na
meditação.
é. Oue responderá a êsle duplo ensinamento · do
preceito e do exemplo, um padre iracundo, impaciente,
pouco afável, insofrido, altivo ? é. Oue há de comum
entre o seu espírito e o espírito de Jesus? Em que
se assemelha êle ao seu modêlo ? E todavia : Ego
sum via, verifas e/ vila. Se não seguis êste caminho,
aonde ides? Fora desta verdade, onde estais? Se­
parado desta vida, que funesta morte I Ah I quantas
faltas tendes cometido contra a mansidão !
Pedi perdão ao Cordeiro de Deus, de lerdes par-

(1) Non veni voc11re justos, sed pecc11lores. Mallh. IX, 15.

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ZÊLO E MANSIDÃO

licipado tão pouco do seu espírilo alé ao presente,


se bem que tendes recebido cada dia o seu corpo
adorável. Ide para êle, atraído pelo terno convite
que vos faz, assim como aos desgraçados da Judéia:
Venife ad me, omnes ... Oh! que suave êle será sôbre
o altar, nas vossas mãos, no vosso coração! Depois
de o lerdes recebido e adorado, ficai silencioso, e o
mais longo tempo que puderdes, sob o encanto desta
inefável doçura, que o tcirna presente no meio de
vós. Suplicai-lhe que serene tôdas as agitações da
_vossa alma; que firme em vós essa paz, que sobre­
puja todo o entendimento, e com a qual é tão fácil
ser manso, bom e paciente. Sê-lo-íeis sempre, diz
S. João Crisóstomo, se pensásseis sempre na man­
sidão de Jesus Cristo : Recordare mansuefudinis
Chrisfi, ef sfafim mansuefus eris ef clemens (1).

Resumo da Meditação

I. De que modo Jesus Cristo nos ensinou a


mansidão. - 1. 0 No seu sermão do Monte, põe na
primeira classe das bemavenluranças a humildade, e
na segunda a mansidão, que é dela inseparável.
Nenhum ponto da lei é recomendado mais veze� e
com mais energia : Discife a me quia mifis sum. Só
é seu discípuló o que possui esta virtude. 2. 0 Mas
é principalmente aos seus ministros, que impõe a
obris;iação de serem mansos. Explica-nos isto por
S. Paulo, que exclui do santuário os vícios opostos
à mansidão. Declara-o por si mesmo. é. Oue res­
ponde êle a Santiago e a S. João, quando querem
induzi-lo a um ado de rigor? lncrepavif illos, dicens:
Nescifis cujus spirifus esfis.

(1J liomil. de mansuefud.

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326 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

II. Com que perfeição praticou Jesus Cristo a


mansidão. - Os profetas tinham-no anunciado ao
mundo como um rei cheio de doçura, como um cor­
deiro, que se deixa imolar sem se queixar. Era f§o
manso em sua infância, que só a suá prest;nça dissi-.
pava os enfados ! Em sua vida públi'ca, 1 que paciên­
cia para com os seus discípulos e as gentes que o
apertavam! 1 Oue dôce indulgência para com as almas
desgarradas! Êle quer ser chamado o amigo dos
pecadores, primeiro objecto de sua missão. é Oue
diremos da sua mansidão durante a sua Paixão, para.
com Judas, e para com os seus algôzes? Oh ! quão
manso é sôbre o altar, à mesa sagrada, nos nossos
corações 1

LIV MEDITAÇÃO
A mansi�ão, considerada no sacerdote.
Sua necessidade

1. E' indispensável para o seu ministério.


II. E' indispensável para si mesmo.

I. O ministério sacerdotal exige uma grande


·mansidão. -Obrigados a concorrer para a salvação
de nossos irmãos por lodos os meios de que dispo­
mos, não esqueçamos que a maior parte dêsses
meios tiram da mansidão tôda a eficácia que leem.
Para alrair para Deus os corações, é preciso pos­
suí-los, e é a mansidão que no-los dá ; o que levou
Santo Ambrósio a dizer: Nihil fam ufile quam diligi.
A religião não se impõe, persuade-se. Não se ordena
a convé'rsão; obtém-se pela paciência; consegue-se
por meio da insinuação. • O ministério é sem fruto,

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MANSIDÃO Nú SACERDOTE 327
quando é sem confiança; e é sempre sem confiança,
quando o génio do ministro é áspero, altivo (1). Ne­
nhum homem, diz S. Vicente de Paulo, quer ser re­
preendido com acrimónia; .a paixão não corrige a
pa1xao. O coração do homem, segundo observa
Bossuet, não se governa tanto pela fôrça como se
ganha pela doçura. Na direcção das almas, a fôrça
nada tem a submeter, porque se trata de trazer para
Deus vífimas voluntárias, de lhe formar filhos e não
escravos. • A mansidão traz consigo três outras vir­
tudes, que são absolutamente necessárias na direcção
espiritual: a paciência para sofrer, a compaixão para
compadecer, a indulgência para curar• (2).
No púlpito sagrado, se o pastor, em lugar de
falar como um pai : Converlimini, fi[;; rever/entes (3).
Converfimini, el quare moriemini, domus Israel (4),
só fala com a aspereza de um amo descontente : se
à severidade de uma moral já penosa para as pai­
xões, junta a severidade das palavras, as exprobra­
ções amargas: é. que poderá esperar da pregação?
Indispõe o auditório contra si e contra o Evangelho.
Afasia da religião aqueles que era necessário aproxi­
mar dela; em lugar de comover, endurece os ânimos.'
No santo tribunal, se é arrebatado e impaciente; se
em lugar de induzir os pecadores, como um outro
Ambrósio, a chorar os seus pecados, chorando-os
primeiro, os· traia secamente, e lhes fala com frieza;
que acontece? O pe-nilenle perturba-se, reirai-se, a
sua vontade nascente desaparece, e talvez um temor
sacrílego prenda as líl'lgu·as, que a confiança ia desa­
tar; pelo menos os penitentes desgostam-se de um sa­
-cramento, que a mansidão e bondade do ministro os
faria procurar com alegria. Se nas relações exterio-

(1) Massilon. - (2) Bossuef. Paneg. de S. Franc. de Sal.


3.• p11rf. - (3 ) Jerem. III, 14. - ('1j Ezech. XXXIII, 11.

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328 ---------
MKDITAÇÕES SACERDOTAIS

res com as suas ovelhas, êle se entrega à vivacidade,


aos ímpetos do seu génio, aos arrebatamentos; não
se reconhece já nêle o representante do Deus de paz,
mas só se vê um home!TI como qualquer outro, su­
jeito às mesmas fraquezas, desprovido das virtudes
que prega, manchado dos vícios que fulmina; e então
l que bem poderá fazer? Ainda que fôsse um anjo
pela pureza, um anacoreta pela vida austera, bastaria
êste defeito para inutilizar o seu ministério.
S. Bernardo linha experimentado por si mesmo
os inconvenientes da severidade no exercício do zêlo,
e as vantagens da brandura. Instruí-vos, juízes da
terra, dizia aos padres do seu tempo; sabei que sois
as mães élos que vos são confiados, e não os amos;
procurai antes ser amados do que temidos. Se a se­
veridade vos parece algumas vezes necessária, seja
esta paternal e nunca tirânica. Mostrando-vos pais
nas vossas correcções, mostrai-vos mães pela doçura
que as acompeinha ( 1 ). Para consigo um rigor mo­
derado é permitido; mas só é dado tios homens man­
sos e pacientes ser bem sucedidos nas relações com
os outros. l A experiência nunca mo ensinou? Ai t
,triste experiência, quando se adquire à cus.la das
almas!

li. O sacerdote esf.íi obrigado para consigo


mesmo a ser manso. - Exigem-no a sua dignidade,
a sua sanlificação, a sua felicidade.
A sua di�nidade. Diz-se de um homem iracundo.
que está fora de si; é quási o mesmo que dizer, que
não é já um homem ; com efeito, não o domina já a.
razão. i Ouc deshonra para aquele que é chamado o
homem de Deus 1 Tudo nêle devt' anunciar o silêncio
das paixões e a serenidade da sua alma: a sua Gsio-

(1) S. Bern. Serm. XXIII, in Canl.

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MANSIDÃO !'!O SACERDOTE 329

nomia, os seus gestos, as suas palavras. . Palavras


de paz são as únicas que conveem ao ministro recon­
ciliador. Em todos os tempos, o padre foi olhado
como o homem manso por eicelência. Enódio dizia
ao imperador Teodósio: Exhibes robore principem,
mansuefudine sacerdofem.
A sua santificação. Sem esta virtude e a paz
que ela infunde, não estaremos dispostos nem a rece­
ber as visitas do Espírito Santo: l\Jon in commofione
Dominus: nem a aproveitar as suas graças : ainda
que nos falasse, não poderíamos ouvi-lo; nem a cum­
prir as nossas obrigações quotidianas: a impaciência
expulsa do coração a sabedoria e tranqüilidade ne­
cessárias para aconselhar, a unção para exortar, a
atenção para orar, a vigilância para ser circunspecto.
Basta uma irritação não reprimida para acarretar
um'a dessas tempestades, que perturbam a alma, e
lhe causam estragos algumas vezes irreparáveis.
A sua felicidade. é.Há paixão que cause mais des­
gostos que a ira? 1 Oue remorsos, que vergonha, que
pesar, em seguida a essas violências, a êsses arreba­
tamentos, que contrastam de uma maneira tão re­
pugnante com a dignidade sacerdotal I Um sacerdote
sem mansidão é um homem que está em guerra com
Deus, com o seu próximo, consigo mesmo.
Concluamos que é ao mesmo lçmpo berif.·cul­
pado e bem desgraçado o sacerdote indócil à grande
lição de seu divino Mestre: Discile a me- quia milis
sum ef humilis carde. êle nâo é manso e humilde
de coração; logo não tem o espírito do Cristianismo:
é. como poderá ler o espírito do sacerdócio? O edi­
fício de suas virtudes carece de base, o seu ministério
é estéril; nem· pode concorrer para a salvação do
próximo, nem salvar-se.
Adorável Jesus, é. como tenho eu podido unir-me
tantas vezes ao vosso Coração, que é a própria
mansidão, sem me corrigir daquelas impaciências e

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330 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

arrebatamentos, tão indecorosos naquele que tem a


honra de ser cá na terra o vosso representante? Eu
não ousaria aproximar-me de vós hoje, se não ouvisse
a vossa mesma mansidão, que me convida ainda a
buscar em vós uma tranqüilidade, que só em vós
posso achar. Sim, meu Deus, só vós podeis impôr
silêncio às perturbações da minha alma, e tornar o
meu coração semelhante ao vosso. FiducidÍifer ibo
ad fe, Domine, qujd mi/is es ef humilis corde. Bone
Jesu, dufer a me cor lapideum ef impoenifens, cor
superbum ef immife. Da mihi cor cdrneum, cor mi/e
ac humile, quod cordi IIIo si/ simile (1).

Resumo da Meditação

1. O minisfério sacerdotal exige uma grande


mansidão. - Para atrair corações a Deus, é preciso
possuí-los, e é a mansidão que no-los dá. Nihi/ fom
afile qudm diligi. A mansidão dá-nos três virtudes
necessárias à din:cção das almas: a paciência para
suportar, a compaixão para compadecer, a indulgência
para curar. Se no púlpito sagrado, no santo tribu­
nal, nas suas relações exteriores, um padre se entrega
aos arrebatamentos; não se vê já nêle o representante
do Deus de paz: só êste defeito paraliza o seu minis­
tério. A experiência tem-mo talvez ensinado, assim
como a S. Bernardo·.

II. O padre por si mesmo eslá obrigado a ser


manso. - Exige-o a sua dignidade: um homem fora
de si, quási já não é um homem. - A sua santifica­
ção : sem a paz, fruto da mansidão, êle não está dis­
posto nem a receber as visitas do Espírito Santo, nem
a cumprir as suas obrigações. Não lem sabedoria

(1 l Seul fid. ,Hebd. XII, posl. Pen!.

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INFLUÊNCIA DA MANSIDÃO

para aconselhar, nem unção para exortar, nem aten­


ção para orar. - A sua felicidade: é. hã. paixão mais
fecunda em desgosfos do ·que a ita?

131

LV MEDITAÇÃO
A mansidão sacerdotal: influência
que ela nos dá

I. Sôbre o nosso próprio coração.


li. Sôbre o coração de nossos irmãos.
Ili. Sõbre o coração de Deus.

I. A mansidão torna-nos senhores do nosso


próprio coração. - Se o primeiro dever de um ho­
mem que se respeita, é dominar-se, é também a pri­
meira condição· para ser feliz. A felicidade não é de
alguma sorte senão uma mesma coisa com a paz.
Mas é. que virtude exerce sôbre ·a nossa alma bastante
poder, para expulsar dela a perturbação, e conser­
vá-la numa tranqüilidade inalterável? E' a mansidão.
Aquele, em quem ela reina, reprime Íàcilmente as suas
paixões; primeiramente Jl>Orque observa sem custo os
seus diversos movimentos, vendo sempre em si o que
s�nte; depois porque dirige contra elas, para as ven­
cer, quando é preciso, tôdas as fôrças que a razão,
a fé e a oração põe ao seu alcance.
é. A indignação quer apoderar-se dele ao ver u111a
coisa contrária à boa ordem? - Contém-na em jus­
tos limites, e impede que degenere em acrimónia.
é. O seu iêlo inflama-se deante de urna ofensa feita a
Deus? Modera esse zelo, aliás Ião louvável, para
que não se torne em arrebatamerito, e não aumente o

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332 MEDITAl)ÕES SACERDOTAIS

mal, em lugar de o remediar. é Sente nascer em si


um movimento menos reclo e mais violenlo, por oca­
sião �e uma injúria, que lhe fazem? Aqui, não se
traia já de moderar, nem de regular; abafo imediala­
menle essa faísca de vingança. Proíbe à sua 'bôca
que pronuncie uma palavra ofensiva, e ao seu rosto
que moslre o menor sinal de irritação. Não é porém
insensível; a injúria feriu-o; mas, por dever, contém-se:
cala-se, ou fala com sossêgo, quando a nalureza que­
reria que se irasse. é Não é êsle um belo triunfo al­
cançado pela mémsidão ? Sob uma aparência de
fraqueza, que fôrça, que energia nesla virtude!
Ela submete o homem lodo inteiro; reina sôbre o
exlerior, e desce alé ao íntimo da alma, para ali re­
primir os impulsos de um zêlo demasiadamente impe­
tuoso, da indignação, ou do ressentimento. S. João
Clímaco definiu-a: Um estado imutável do espírilo,
que persiste sempre o mesmo na honra e no desprêzo,
no sofrimento e no prazer. Compara o homem manso
a um rochedo que, estando sobranceiro ao mar, desfaz
fôdas as ondas que nêle veem bater, sem jámais ser
abalado. Poucas virtudes nos parecerão mais herói­
cas, principalmente se considerarmos que o seu exer­
cício é contínuo. Mas em retôrno, 1 que feliz influên­
cia nos dá sôbre nós mesmos e sôbre todos aqueles
com quem temos algumas relações!

II. A mansidão torna-nos senhores do coração


de nossos irmãos. - Ainda que alguém procure, ao
princípio, defender-se da atracção dela, quási sempre
acaba por se lhe render. Ela doma os animais mais
bravos; é como não triunfaria do coração do homem?
é Podemos recusar por muito tempo a nossa afeição
àquele que só se vinga com benefícios, que só responde
às injúrias com palavras afectuosas e favores, que se
abstém até de· sustentar a verdade com demasiado
calor, para não ofender a caridade? Tôda a gente

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INFLUÊNCIA DA MANSIDÃO 3:J3
quer estar abaixo daquele que se põe abaixo de
todos os outros; querem antes sofrer que contristá-lo.
Emquanto a severidade, como um vento glacial, con:
frange os corações; a mansidão, como um sol vi­
vificante, abre-os, anima-os e fecunda-os. Se não
converte sempre, prepara· as conversões, fazendo
amar o que não se teve ainda a coragem de praticar.
Dissipa as prevenções, vence as repugnâncias; or­
dena pedindo, corrige confurando ; torna paternal a
autoridade, torna agradável a -obediência: Non dura
ihi necessita/e servifur, uhi diligilur quod juhetur (1).
A ovelha ouve de boa vontade a voz do pastor a
quem ama.
Oh! que influência tem a mansidão no púlpito, no
confessionãrio, ao pé dos doentes! Hã poucas almas
tão duras, que ela não as enterneça, poucas von­
tades tão rebeldes, que não as dobre. Por isso, para
submeter o mundo ao Evangelho, não pediam os pro­
fetas um leão, mas um cordeiro: Emille agnum, Do­
mine, dominaforem ferrae (2). Eis a dominação sõbre
os corações e a conquista das almas atribuídas à in­
fluência da mansidão. Com efeito, Jesus mostrou-se
aos homens, ocullando os esplendores da sua glória
sob o véu da mais terna benignidade: Apparuif he­
nignifas ef humanilas Salvaloris nos/ri Dei,- disse­
-lhes: • Vinde a mim todos os que andais em traba­
lhos ; o meu jugo é suave e o meu pêso leve• 1 E o
género humano, confiado nesta palavra de amor,
lançou-se nos braços de seu Salvador.
Os bons sucessos dos hom'ens apostólicos foram
sempre à medida da sua mansidão. S. Paulo linha
aprendido no terceiro céu a arte de dirigir as almas;
e como se houve? Roga, insta: Per modesliam ef
mansuefudinem Chrisli. l De que têrmos se serve, fa-

(1) S. Leo. - (2) Is. XVI, t.

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MEDITAÇÕES SACER,DOTAIS

lando aos fiéis? Chama-os seus irmãos, seus filh:os,


seus amados, sua alegria, sua corôa. Oue coisa mais
terna que o que diz aos coríntLos I Os nosfrum pafef
ãd vos, o Córinfhii, cor nosfrum dilalafum esf. Non
angusfiamini in nobis (1). Uma tão bela caridade ex­
plica melhor que os seus milagres, o irresistível as­
cendente que exercia sôbre os corações. Tem suce­
dido o mesmo em todos os tempos. Foi pela beni­
gnidade que S. Ambrósio fêz a conquista de Santo
Agostinho: Eum amare coepi, non fanquam docforem
veri, sed fanquam hominem henignum in me ( 2). As
mais eloqüentes pregações nunca trouxeram ao gré­
mio da Igreja tantos herejes, como as dôces conver­
sações de S. Francisco de Sales. Se foi a caridade
que remiu o mundo na pessoa de Jesus Cristo, é a
mansidão que na pessoa de seus ministros apliéa aos
homens os frutos da redenção; vêde pois nesta vir­
tude um prodígio de influência, que excede lodos os
outros.

III. A mansidão torna-nos senhores do CoraM


ção do mesmo Deus. - Não há bem senão em
Deus; fora de si, êle não pode amar senão o que se
lhe assemelha; mas onde quer que vê algumas das
suas feições, não pode recusar o seu amor; ora,
nada há, diz S. João Crisóstomo, que tanto asseme­
lhe o homem d Deus, como q perfeita tranqüilidáde
de uma alma que se domina, e que por isso participa
de alguma sorte da sua imutabilidade. Nihi/ adeo
vicinum Deo conformemque facif, quam is/a virfus ,(9).
Nos nossos livros sagrados, Deus faz-se chamar
o Deus clemente, o príncipe da paz. E' suave, bom,
manso, e de muita misericórdia para todos os que o

(1) li Cor. VI. 11. - (2) 5. Aug. Confess. - (3) Homil.


XIX, in epis(. ad Rom.

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!�FLUÊNCIA DA IIIANSIDÃO 335
invocam: Tu, Domine, sua vis e/ mi/is, ef mullae mi­
sericordt'ae omnibus invocanlibus ( 1). - O quam bo­
nus e/ suavis esf, Domine, spirilus fuus in omni­
bus (2). ê.le mesmo diz que o seu espírito é mais
dôce que o mel: Spirifus meus super mel dulcis (3).
e. Como não amaria os que o imitam, e os não ado­
piaria por seus filhos? Beafi paci.ici, quoniam G/ii
Dei vocabunfur. As almas pacíficas oferecem-lhe a
viva imagem de Jesus Crislo, esplendor da sua gló­
ria; e. como não seriam elas o objeclo de sua predi­
lecção? Ragüel comove-se a ponto de chorar, quando,
abraçando o jovem Tobias, reconhece nêle as feições
de seu antigo e virtuoso amigo ; muito mais se co­
move Deus, quando descobre em nós a doçura de
seu filho. Esta consideração tem tôda a influência
sôbre o seu coração. 'David foi manso para com
Saúl ; bastou isto para que êle esperasse que o Se­
nhor nada lhe recusaria: Memento, Domine, David,
ef omnis mansuefudinis ejus (4 ).
Com efeito, parece que Deus, que não deixa vir­
tude alguma sem recompensa, a tem especial para
a mansidão. Vê-a êle em nós? Enchamo-nos de
esperança; as nossas orações- agradar-lhe-ão, e aten­
dê;Jas-á : Mansueforum semper libi placuif deprecafio;
êle nos dará a sua graça: Mansuelis dabif grafiam;
êle nos ensinará os seus caminhos: Docebit mifes
vias suas (5); êle nos conduzirá em justiça : Dirige/
mansuelos in judicio (6 ). finalmente êle rematará os
seus favores para connosco, salvando-nos e elevan-,
do-nos à glória eterna: Exal!abil mansuelos in saiu­
tem (1). 1-Üue motivo de alegria para os bons padres,

(�) Ps. LXXXV, 5. - (2) Sop. XII, 1. - (3) Eccli. XXIV,


27. - t•) Ps. CXXXI, t. - (5) ld. XXIV, 9. - (6) lbid. -
(1) Ps. CXLIX, 5.

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336 M�;OITAÇÕES SACERDOTAIS

que aprenderam de Jesus a sciência prática da man­


sidão I Audianl mansuefi, ef laefe[lfur ( 1 ).

Resumo da Meditação

1. A mansidão torna-nos senhores do nosso


coração. - Aquele em quem ela reina, governa Íà­
cilmenle tôdas as suas paixões: contém a sua in­
dignação, ainda quando é justa; modera o seu zêlo,
abafa a vingança, quando não é ainda senão uma
faísca. A mansidão submete o homem lodo inteiro;
oh I quão forte é sob uma aparência de fraqueza !

II. A mansidão torna-nos senhores do cora­


ção de nossos irmãos. - t Podemos nós recusar a
nossa afeição àquele que não se vinga senão com
benefícios ? Emquanlo a severidade só fecha o co­
ração, a mansidão abre-o; se ela não converte sem­
pre, prepara as conversões. Dor isso, para submeter
o mundo ao Evangelho, era necessário o Cordeiro:
Emiffe agnum domina/orem ferrae. Os bons éxitos
dos homens apostólicos são sempre proporcionados ã
sua mansidão: S. Paulo, S. Ambrósio, S. Francisco
de Sales deveram-lhe os seus mais belos triunfos.

Ili. A m@nsidão torna-nos senhores do cora­


ção do mesm� Deus. - Deus não ama fora de si,
se�ão o que se lhe assemelha; e nada há que asse­
melhe tanto o homem à divindade como a mansidão:
Tu Domine, suavis el mi/is, ef mulfae misericordiae.
As almas dotadas de mansidão oferecem-lhe a viva
imagem de Jesus Cristo, esplendor da sua glória.
Daí tantas promessas aos mansos : Mansuelorum

(1) ld. XXXIII, 3.

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ZÊLO PRUDENTE 337

semper fihi plocuil deprecafio. - Monsuefis dabil


grafiam. - Docebi! miles vias suas. - Dirigef man­
suefos in judicio. -- Exalfohif mansuefos in saiu/em.

LVI MEDITAÇÃO
Terceira qualidade do zêlo sacerdotal,
a prudência: as suas características são

I. Indulgencia sem fraqueza.


II. Exactidão sem rigidez.
lll. Firmeza sem perlin6cia.

PRIMEIRO PRELÚDIO. Considerai a Jesus Cristo


em suas relações com o próximo, praticando lôdas
as virtudes com tanta perfeição, que nunca uma pre­
judicava a outra; era o efeito de sua infinita pru­
dência.
SEGUNDO PRELÚDIO. Pedi-lhe a graça de vos
conservar, a seu exemplo, no exercício do vosso mi­
nistério, e111 um meio têrmo lão justo, que não se
possa dizer jài;nais, que tendes os defeitos de vossas
virtudes.

I., O zêlo prudenle é ii\dulgenfe, sem ser fraco.


- Os fariseus pregunlam ao Salvador porque é que
os seus discípulos não jejuam como os de João Ba­
ptisla (1). Jesus responde: •é.Podem os amigos do
espôso estar tristes? é. Convém que jejuem emquanto
está com êles o espôso? Esperai; há tempo para

(1) Marc. 11, 18.

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::138 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

tudo. Assim como existem verdades que eu não en­


sino ainda aos meus discípulos, porque são incapa­
zes de as compreender, há também santas práticas,
que não é ainda tempo de lhes impôr. Não se pres­
creve ao que começa, o que só se exige do que já
fêz progressos. Um bom mestre acomoda-se à fra­
queza do carácter que quer formar, assim como se,
amolda às inteligências, que quer esclarecer•. Jesus
toma porlanto a defesa de seus discípulos. contra o
zêlo hipócrita que os ataca, não censurando o jejum,
mas declarando que é necessário nas melhores coisas
observar as leis da prudência. Não os dispensa da
penitência; pelo contrário: o espôso lhes será tirado,
e então não só jejuarão, mas terão uma vida austera
e mortificada. Contenta-se com dizer que convém
que se acomode cada um ao seu estado presente.
Assim, em ludo se manifesta a bondade e sabe·
daria de Jesus Cristo: primeiro atrai com a sua in­
dulgência, depois purifica, aperfeiçôa, e aproveita a
ocasião de praticar virtudes mais generosas. 1 Oue
grande lição dá aos seus ministros! Ouer que se
acomodem à fraqueza de seus irmãos, mas sem · a li­
sonjear; que se compadeçam da ignorância, sem au­
torizar os seus desvarios; que concedam cerlos alí­
vios, sem favorecer a moleza; que juntem a doçura à
fortaleza; que moderem a justiça com a misericórdia,
a severidade com a demência. A virtude é difícil,
convém primeiro fazê-la amar. Mas a quem a ama,
é necessário dar ocasiâo de merecer, exercendo-a.
t Todas os vossos ministros, Senhor, seguem êste
caminho de sábia discrição? Oh ! quão raro é não
ser rígido reformando, ou fraco suportando 1

li. O zêlo prudente é exacfo sem ser rígido.


- Alguns padres, de uma política lôda humana, em
lugar de corrigir os costumes com as regras, sujeÍlam
as regras à exigência dos costumes mais corrompidos;

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ZÊLO PRUDENTE 339

sacrificam os princípios, cuja aplicação deixam para


outros tempos. Daí essa moral fácil, essa indulgên­
cia mortal, que alarga falsamente o caminho do céu,
a despeito dos oráculos do Evangelho, adormece
cruelmente os pecadores, e os conduz a uma tran­
qüila impenitência! • . . E' deplorável o sistema de
comprar· a paz, mesmo à custa dos deveres mais sa­
grados. « Unido às regras da moral, assim como aos
dogmas da fé, o bom padre não sabe transigir com a
relaxação nem com o êrro • ( 1 ). Mas, por ser exado,
não é rigorista. Abstém-se de exigir muito, de exigir
sem exame, sem distinção dos caracteres, das· idades,
do estado, das disposições.
E'· o que nos ensina o divino Mestre, com a dupla.
comparação do pano novo, que se emprega em re­
mendar um vestido velho, e do vinho novo, que se
deita em odres velhos. Para ser muito sábio, fazem­
-se algumas vezes loucuras, ou ao menos imprudên­
cias. Tirar sem consideração, o penso de uma ferida,
é correr o risco de aumentar o mal, talvez torná-lo
incurável. i Ouantas almas, mais que meio Conver­
tidas, leem recaído no pecado, pelo rigor intempestivo
de .um diredor inflexível a respeito de obrigações du­
vidosas I Se certas práticas de penitência são em si
muito úteis, t quer isto dizer que sejam sempre con­
venientes a pecadores mais arredios, e que não leem
ainda senão um leve comêço da vida cristã ? Sendo
fracos em virtude, ganha-se pouco, e muitas vezes
corre-se o risco de perder ludo, querendo sujeitá-los
a uma virtude perfeita. Pede-se muito, e não se
obtém nada. Querendo ser exado, cai-se na rigidez.
Esforcemo-nos por alcançar aquela prudência
pela qual se distinguem as condições, as circunstân­
cias e as fõrças de cada um, sem levar muito longe

(1) Palavras de Mgr. de Che,·erus.

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3i0 MEDl1'-AÇÕES SACERDOTAIS

as exigêncías. é. Oue seria necessário para me pre­


servar de um grande número de imprudências? Estu­
dar melhor o carácter de Jesus Cristo e seguir me­
nos o meu.

III. O zêlo prudenle é firme sem pertinácia.­


A fôrça e a energia são· por cerlo necessárias ao
zêlo sacerdotal, que não ê senão a caridade em
acção: For/is ui mors dileclio, dura sicul infernus
aemulafio. Ninguém é menos próprio para a vida
apostólica do que êsses pusilânimes, que só sabem
ceder, ainda quando a resistência é o mais santo dos
deveres, e cujo único apostolado é o do mêdo e do
.silêncio : Noli quaerere Reri judex, nisi valeas virfule
irrumpere iniquifafes (1). - Ne formides a facie
eorum . . . Ego quippe dedi te. . . in civifalem muni­
fom (2). - Dedi fadem tuam valenfiorem faciebus
eorum, ef fronfem fuam duriorem frontibus eorum.
UI adamanfem el ui si/icem dedi faciem fuam (8).
Hã certos casos, em que o padre deve dizer: Mori
possum, lacere non possum (4).
Mas também é. que mais funesta coisa do que êsse
vigor enérgico, se não é dirigido pelo espírito de sa­
bedoria? Nenhuma heresia há, que não seja filha da
pertinácia; e, na direcção das almas, que males não
acarreta? Um pastor que, fiando-se demasiado na
pureza de seus intuitos, s� obstina em fazer que tudo
lhe obedeça, e lama por máxima invariável não re­
troceder jámais, provoca muitos conflitos, que às vezes
acabam por sair em violências. Perde pelo menos a
afeição das pessoas, e prepara para si obstáculos,
que o obrigarão a abandonar o seu· pôsto, ou a
vêr-se na impossibilidade de ali fazer bem algum.

(1) Eccli. VII, 6. - (2) Jerem. 1, 17, 18. - ( 3) Ezech.


111, 8, 9. - 1 4 ) 5. Hier.

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ZÊLO PRUDENTE

E' prudente retrotedt-r, quando se foi muito longe.


Vale mais ceder um instante à tormenta, para a deixar
passar, do que ser engulido por ela.
Esta é a· importante lição que me dá aqui a sa­
bedoria : Não prestar muita atenção às minhas idéias,
nem muita às dos outros; saber moitas vezes regular
umas e outras pelas máximas e pelo exemplo de
Jesus Cristo. Mas para isto, Senhor, necessito da
vossa luz, dêsse lado segu·ro e reclo, que só o vosso
espírito pode dar-me: Recla sapere, dêsse justo dis­
cernimento, que me dirija em tôdas· as acções da
minha vida e no exercício do sagrado ministério.
Necessito de participar dessa divina sabedoria, fonte
de tôda a verdade, perfeição de tôda a virtude;
dai-ma, ó meu Deus; seja ela sempre o meu conselho
e guia no zêlo que deve animar-me, quando se trata
dos inlerêsses da vossa glória, da salvação das almas,
e da ·minha própria santificação: Dd mihi sedium
iudrum dssisfricem sapienfiam . .., uf mecum sif ef

n
mecum laborei, ui scidm quid dcceplum sif dpud
/e
Resumo da Meditação

I. O zêlo prudente é indulgente sem ser fraco.


- Estudemos o nosso modêlo. Os fariseus pregun­
tam a Jesus Cristo, porque é que os seus discípulos
não jejuam como os de João Bapfü,la. Há tempo
para ludo; os discípulos do Salvador jejuarão; mas
é necessário que nos acomodemos ao estado pre­
sente. Um mestre prudente, nos ensinamentos que
dá, e nas obrigações que impõe, acomoda-se à fra­
queza dos que êle instrui e dispõe para a virtude.
Todo o bom padre deve pois acomodar-se à fraqueza

(1) Sop. IX, 4, to.

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34.2 �IEDITAÇÕES SACEIIDOTAIS

de seus irmãos, mas sem a lisonjear. A virtude é


difícil; convém primeiramente fazê-la amar; mas a
quem a ama, é necessário dar ocasião de a exercer.

II. O zêlo prudente é exacfo sem ser rígido.


-Apegado às regras da moral, assim como aos
dogmas da fé, o bom padre não transige mais com a
relaxação do q�e com o êrro; mas se é exado, con­
serva-se afastado do rigorismo. E' o que nos ensina
Jesus Cristo com a ê:lupla comparação do pano novo
e do vinho novo. Exige-se muito, e talvez não se
obtém nada.

III. O zêlo prudente é firme sem pertinácia.­


Ninguém é menos próprio para a vida. apostólica do
que êsses pusilânimes, que só sabem ceder, ainda
quando a resistência é um dever. Há certos casos
em que o padre deve dizer.: Mori possum, facere
non possum. Mas também nada mais funesto que
um vigor enérgico, que não é dirigido pela prudência.
A pertinácia fêz tôdas as heresias. E' prudente retro­
ceder, quando se foi muito longe: Da mihi sedium
fuarum assisfricem sapienfiam.

IS!

LVII MEDITAÇÃO
Aliança da simplicidade e da prudência
no homem apostólico

1. Sêdc simples n11 voss11 prudênci11.


li. Sêde prudentes n11 voss11 simplicid11de.

Depois de ter dilo a seus apóstolos, que os en­


viava como ovelhas ao meio de lôbos, o Salvador

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SIMPLICIDADE E PRUDÊNCIA 343
acrescenta logo cómo conseqüência : Esfole ergo
prudentes sicuf serpentes, ef simplices sicuf colum­
bae (1). Não lhes recomenda somente a prudência,
nem sõmenle .a simplicidade; recomenda-lhes igual­
mente estas duas virtudes completadas uma com a
outra. A sua união é que forma um dos caracteres
mais distintivos do homem verdadeiramente apos­
tólico.

I. O homem apostólico deve ser simples na


sua prudência. - Tem-se a convicção disto, quando
se fêz uma justa idéia da simplicidade evangélica e
dos vícios que lhe são opostos. A simplicidade é,
por assim dizer, a sinceridade da inocência e a can­
dura da humildade. Segundo S. João Climaco, é
um hábito da olma, que repele tôda a dobrez, tôda a
corrução do espírito e do coração; porque há uma
simplicidade para o espírito e. outra para o coração.
O espírito simples em matéria de devoção, não tem
senão um pensamento, só Deus é o seu objedo.
O coração simples não tem senão um desejo, que é
o cumprimento da vontade divina. E.' essa, intenção
pura, êsse oculus simplex, que olha só .a Deus. Com
estas duas simplicidades, e sõmente. com elas, al­
cançaremos a união, têrmo da caridàde : UI sinf
consumméJli in-unum. A dobrez é a sciência dos de­
mónios que, lendo perdido a verdade, perdendo a
humildade, se esforçam por tirá-la aos homens, en­
�anando-os: Serpens decepil me. A hipocrisia per­
tence à dobrez, a rectidão é o apanágio da simplici­
dade. A alma simples é inimiga de tôda a simulação,
de lodo o subterfúgio; é Ião sincera nas suas acções,
como isenta de embuste nas suas palavras; o dis­
farce e o artifício são-lhe desconhecidos. E' esta a

tlJ Mallh. X, 16.

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3M .MEDITAÇÕl!!S SACEIIDOTAIS

virtude que Jesus Cristo exigia de seus apóstolos,


quando, pondo no meio dêles um menino, declarava
que, se não se corrigissem até se fazerem como me­
ninos, não entrariam no reino dos céus.
O sacerdote, herdeiro do espírito e das obriga­
ções dos apóstolos, çleve pois ser Ião eminente em
simplicidade como em' humildade, em inocência, e em
semelhança com Deus; porque nada há mais simples
que o ser de De'us. Êle só tem desde lõda a eterni­
dade um pensamento, um amor; diz tudo com uma
palavra : é o seu Verbo. Esta palavra não é senão
verdade. Ego sum verifas. Se pois o sacerdote
deve ser a imagem de Deus em um mais alto grau
de perfeição que os fiéis, deve também ser mais sim­
ples: Simples na sua fé, na sua confiança, no seu
amor, nas suas relações com o próximo, evitando
ludo o que cheira a simulação e a astúcia. Deus
compraz-se em abençoar os corações t1ssim dispos-_
tos: Guam bonus Israel Deus his qui reclo sunf
corde (1). - Generafio reclorum benedicelur . .. Exor­
fum esf in fenebris lumen reclis ( 2). - Habifabunf
recli cum vullu fuo (3). -Seio, Deus meus, quod
probes corda, e/ ;implicifafem diligas ( 4). - Spirilus
sanclus disciplinae effugief íicfum (5). - Simu}afores
ef callidi provocanf iram Dei (6). -Abominafio Do­
mini esf omnis illusor, ef cum simplicibus sermocina­
fio ejus (7}. - é. Oue foram ·os apóstolos e os márti­
res, senão homens cheios de uma sublime sabedoria,
de um valor heróico, sem deixarem de ser simples
como meninos? é. Oue admiramos mais em S. Vi­
cente de Paulo, em S. Francisco de Sales, e em tan­
tos outros que honraram o sacerdócio, senão uma

(1) Ps. LXXII, t. -(2) ld. CXI, 2, 4. - (31 ld. CXXXIX,


14. - ( 4)I Par. XXIX, 17. - (5) Sap. 1, 5. - (6) Job. XXXVI,
Prov. III, 32.
13. - ( 1 )

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SIMPLICIDADE E PRUDÊNCIA 3t5
prudência cele_ste, acompanhada da mais encantadora
simplicidade?

II. O ho.rnem apostólico deve ser prudente na


sua simplicidade. - Um sacerdote bom, mormente
se é novo e de génio ardente, precata-se dos ímpetos
de um zêlo inconsiderado. Dotado ·de uma piedade
fervorosa, animado das m_ais santas intenções, infla­
ma-se Íàcilmente à vista das desordens que presen­
ceia. Ai I l deveremos incriminá-lo da sua inocência?
O exercício do sagrado ministério não o iniciou
ainda nos tristes mistérios da perversidade humana.
A caridade de Jesus Cristo estimula-o; êle tem fome
e sêde da salvação das .almas; l como não se assus­
taria de uma imoralidade, de uma impiedade sempre
crescente? O amor do bem é o ódio do mal. Im­
pacienta-se do pouco fruto de seus esforços; a in­
dignação perturba-o, e rompe em exprobrações.
A sua veemente aclividade vai de encontra aos pre­
conceitos, em exaltação e revolta; sem o advertir,
substitui a adividade da paixão ao zêlo da fé.
O verdadeiro zêlo, o que o Espírito Santo inspira e
regula ao mesmo' tempo, considera' antes "de agir, e
só procede com prudente lentidão.
A humilde e prudente simplicidade aplica-se a vi­
giar os seu's próprios ados, a descobrir as ciladas,
que poderiam ari;nar-lhe; estuda os -homens e as cir­
cunstãncias; combina os seus planos. Oh I quão ne­
cessário é que, em um obreiro evangélico, a prudên­
cia seja. a vista do coração I E' ela que modera o
seu ardor, o esclarece e lhe indica o caminho; pre­
side aos projeclos, dila as palavras, dirige as acções ...
S. Bernardo chama-a moderafrix ef auriga virfu­
lum ( 1 ). Sem ela, a virtude mais útil ao mundo; o

(1) Serm. XLIX. in Canf.

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34fi MEDlTAÇÕRS SACERDOTAIS

zêlo, não só perde a sua eficácia, mas ainda se !orna


um vício, e algumas vezes dos mais perniciosos:
Tal/e hémc, e/ virfus vilium es/; Zelus sine scienfia
plerumque perniciósus esl (1).
Muitas vezes tem bastado uma imprudência para
embaraçar conversões, para agitar e escandalizar
uma parróquia; para arriscar todo o futuro de um
sacerdote, em quem a Igreja fundava justas esperan­
ças. Oh! que corfsolação sentimos no meio dos tra­
balhos inseparáveis do ministério sacerdotal, quando
podemos dar êste testemunho a nós próprios: Eu
nada fiz levianamente; amadureci os meus projectos
com a reflexão, consullei; se o resullado não corres­
pondeu aos meus desejos, não deixei por isso de
cumprir a vontade do Senhor: Scienlia sancforum
prudenlia (2). - Dux indigens prudenlia, muitos op­
primel (3 ).
E' pois sábio e feliz ao mesmo tempo o pastor
das almas, que une a prudência da serpente à sim­
plicidade da pomba. União rara, ainda que necessá­
ria. Vê-la-íeis em mim, Senhor, se eu regulasse a mi­
nha vida pela de vossos santos padres, e principal­
mente pela voss11: Ailus gradus pruderiliae esf ordi­
nare vifam secundum exempla sancforum, allissimus
ordinare secundum exemplum Chrisfi (4 ). Aceitai, e
abençoai como fruto da vossa graça, o ardente de­
sejo que disso tenho, e a resolução que tomo.

Resumo da Meditação

1. O homem apostólico deve ser simples na


sua prudência. - Para vos conven�erdes disto, basta
que tenhais uma justa idéia da simplicidade cristã e

( 1) lbid. -(2) Prov. IX, 10. - ( 3) ld. XXVIII, 16. -


(4) _ S. Boav.

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ZÊLO CONSTANTE

dos vícios que lhe são opostos. - O espírito simples


só tem um pensamento, Deus é o seu objeclo; o
coração simples só tem um desejo, fazer a divina
vontade. A esta virtude opõe-se a dobrez e a hipo­
crisia. A alma simples é inimiga de tôda a simulação.
Jesus mostra a imagem dela nêsse menino, que pro­
põe como modêlo aos apóstolos e a lodos os sacer­
dotes, herdeiros de suas obrigações. Simplicidade
na fé, na confiança, nas relações com o próximo.
Deus compraz-se em. abençoá-la: Ouam bonus Israel
Deus his qui recfo sunl corde ! - Genera/io reclorum
benedicefur.

li. O homem apostólico deve ser prudente na


sua simplicidade. - E' necessário precatar-nos dos
ímpetos de um zêlo imoderado. Consideremos antes
de agir. Convém que, em um sacerdote, a prudência
seja a vista do coração. Sem esta virtude o zêlo
!orna-se um vício, e algumas vezes dos mais funestos:
Scienlia sancforum prudenlia.

131

LVIII MEDITAÇAO
Quarta qualidade do zêlo sacerdotal,
a constância

1. As conlradições não devem abalê-lo.


II. Devem pelo conlrãrio firmá-lo.

1. As contradições não devem abalar a cons­


tância do zêlo: - Abandonar a obra de Deus, renun­
ciar a uma emprêsa, que entra evidentemente nos

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3\8 IIIEDITAÇÕES. SACERDOTAIS

desígnios da Providência, ou trabalhar nela com


menos ardor, porque oferece grandes dificuldades, ê
desconhecer a natureza do verdadeiro zêlo: Patiens
esf .. . , omnia speraf, omnia suslinef; eis a sua cons­
tância. Entrando na milícia sagrada, o bom sacerdote
previu combales porfiados, em que a vitória só seria
concedida à perseverança dos esforços. Se o Homem­
-Deus, a-pesar da sua prudência infinita e da sua
mansidão, não pôde cumprir a sua missão sem ser
alvo das contradições (1), tcomo é que nós, tão limi­
tados nas nossas luzes e virtudes, seríamos delas
isentos?
Dara ser perseguido, diz S. Paulo, basta querer
viver na piedade, conformemente aos ensinamentos e
exemplos do Salvador ('); por conseguinte i. a que
resistências devem sujeitar-se aqueles que não só leem
esta vida santa, mas também se aplicam a propagá-la,
e desejariam induzir todos os homens a abraçá-la?
Combalem o inferno; as potestades do inferno não
podem deixar de se desencadear contra êles.
Sucede o mesmo com o mundo. O sacerdote. é
por seu estado o inimigo declarado de todos os erros
e de lodos os vícios déle, e o apóstolo nato e o de­
fensor de· lôdas as verdades, de lôdas as virtudes que
o mundo repele: tcomo estranhar que o mundo se
levante contra o sacerdote? As mesmtis ·pessoas· de
·bem sofrem doenças espirituais, que nós não podemos
curar as mais das vezes senão empregando remédios
dolorosos. As nossas mãos vão contra lodos, as mãos
de lodos vão contra nós ( ª ). Por isso o Filho de
Deus tem o cuidado de prevenir disso os seus minis­
tros : • Vós haveis de ler aflições no mundo, lhes diz

(1) Luc. li, 34. - (2) li Tim. Ili, 12.


(�) Manus ejus contra omnes, et manus omnium contra eum.
Gen. XVI, 12.

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ZÊLO CONSTANTE

êle : ln mundo pressuram habehifis (1). O irmão en­


tregará seu irmão; os vossos amigos e parentes se
voltarão contra vós; os piedosos desejos de vosso
zêlo serão combatidos por aqµeles mesmos que deviam
coadjuvá-los; sereis odiados de lodos por causa de
mim . . . Todavia tende confiança, eu venci o mundo.
Não perdereis um só cabelo da vossa cabeça, e pos­
su"ireis as vossas almas na paciência » .
Nós sabemos que oposições se leem levantado em
lodos os tempos contra os dignos obreiros do Evan­
gelho. Contavam com elas, por isso não lhes . causa­
ram admiração nem abalo. S. francisco de Sales na
conversão do Chablais, S. francisco Xavier na das
lndias e do Japão, os apóstolos na do universo,
l deixaram-se assustar pelos obstáculos ? l Oue seria
do mundo, se os .padr.es bons tivessem abandonado
as suas santas emprésas, pelas dificuldades que nelas
encon Irassem ?
A Igreja lutou durante lrês séculos, e nadou no
sangue de seus mártires, para ler direito de existir na
!erra ; e nós, homens_ de pouca fé, desanimamos à
primeira provação! Oueremos colhêr anles de ler
semeado I Pretendemos conseguir de-repente a con­
versão de uma parróquia, que só pode ser o resul­
tado de longos e penosos trabalhos 1 . . . O verda­
deiro zêlo é tão invencível como a morte (2). Espera
o · momento favorável da graça, ao passo que o
apressa com as suas orações e lágrime:s. Cem vezes
repelido, volla cem vezes com a mesma esperança:
Omnia speraf, omnia susfinet.

li. Longe de abalarem a nossa constância nos


trabalhos do zêlo, as contradições devem firmá-lo:
a razão disto é simples; é porque elas são um penhor

(1) Joan, XVI, :n. - ( 2) forlis ui mors, dileclio. Canl.


VIII, 6.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

de bom éxilo. As obras de Deus não prosperam


senão à sombra da cruz ; é. quereis que dêem frutos
abundantes ? Regai-as com os vossos suores, com as
vossas lágrimas, com o .vosso sangue.
Jesus Cristo foi a prova disto: tinha pregado
com uma eloqüência tõda divina; a sua vida lãa per­
feita e os seus milagres eram uma outra pregação
ainda mais eloqüente. i. Ouem possuíu jàmais como
êle a arte de esclarec·er, de mover e de ganhar as
almas? E todavia, depois de três anos de persegui­
ções e de trabalhos contínuos, i. que recolheu do seu
zêlo? Tinha atraído a si um pequeno número de
discípulos; e ajnda assim, é.quantos o abandonaram
depois de" o terem seguido algum tempo? Nas pro­
ximidades da morte, querendo consolar os que lhe
eram fiéis, promete-lhes que <1s coisas mudarão de
face, porque vai empregar um meio de conversão
mais eficaz que lodos os outros, (extraordinário
meio 1): é que vai morrer nos opróbrios, como um
malfeitor, é que vai ser crucificado!.. . •Ouando fõr
levantado da terra, tõdas as coisas atra'irei a mim
mesmo» (1). E com efeito, apenas sofre esta su­
prema contradição ('1), todo o universo se comove,
todos os povos ouvem e recebem o seu Evangelho;
foi a sua morte que gerou os escolhidos. Se o grão
de trigo não tivesse caído na terra; mmca produziria
lãa bela seara ( 3).
Pode-se dizer oulro tanto, com ·proporção, a res­
peito dos apóstolos e de seu:s companheiros no mi­
nistério .evangélico: o mundo os aborrecerá, mas
cor;iverter-se-á. Ouanto mais perseguições lhes fizer

(1) Si exallalus fuero · a (erra, omnia lraham ad meipsum.


Joan. XII, J2.
(2) Oui !alem susllnuil a pecca!oribus adversum semefipsum
confradicfionem, Hebr. XII, 3.
(ª) Joan. XII, 24, 25.

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ZÊLO CONSTANTE 35:l

sofrer, mais multiplicará os seus triunfos, e alargará


as suas conquistas. Reflede-se pouco em que Deus
quer ter p1;1ra si só, tõda a glória das suas obras:
UI non gloriefur omnis caro in conspecfu ejus (i).
Se fôsseis bem sucedido, sem dificuldades e esforços,
seríeis tentado a atribuir os triunfos aos vossos ta­
lentos, às vossas sábias indústras; não veríeis nisso
Ião claramente a acção divina; mas quando os obs­
táculos, que nenhum pode'r humano podia superar,
veem, por assim dizer, ajudar a execução dos vossos
desígnios; quando o bem surge do próprio seio das
contradições; .quando, no momento em que tudo pa­
recia perdido, ludo se salva, sois obrigado a excla­
mar com reconhecimento: A Domino facfum esf
isiud: esf mirabile in oculis nosfris. Digifus Dei esf
hic.
Desconfiai de tõda a boa obra que não é con­
trariada; se o inimigo do bem não a estorva, é uma
prova de que lhf' causa poucos receios. Esperai, e
sêde firme na vossa esperança, quando todo o inferno
brama. i Oue consolação poder, à custa de algumas
penas suportadas com paciência, estender o reino de
Deus, fazer amar a Jesus Cristo, salvar irmãos, que
vos agradecerão eternamente a sua felicidade! Um
!ai resultado nunca se paga muito caro: Non fer­
refur pugnae periculo, qui vicforiae laefofur frium­
pho (2). Animai-vos, fortificai-vos, nos combates de
vosso zêlo, com as belas palavras de S. Cipriano,
para sustentar à seu clero em uma furiosa persegui­
ção : Ecce agon sublimis ef magnus ! O quanta di­
gnitôs gloriae, quanta felicitas, praesenfi Deo con­
gredi ef Chrisfo duce coronôri ! A.rmemur, viri lrô­
fres: prôelianfes nos specfaf Deus, speclant angeli
ejus, specfaf et Chrisfus.

(1) I Cor. 1, 29. - (2) Ludovic. Blos.

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35i MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Resumo da Meditação

1. As contradições não devem abalar a cons­


tância do zêlo. - Entrando na milícia sagrada, de­
víamos prevêr combales porfiosos. A vitória e a co­
rôa não são prometidas senão à perseverança dos
esforços. Se Jesus Cristo foi alvo de tôda a sorte
de contradições, l podemos nós julgar que seremos
delas isentos? Os sacerdotes leem por fim combater
os projedos do inferno; l será de estranhar que o
inferno se desencadeie contra êles? Ê.les fazem uma
guerra implacável ao mundo, às paixões e falsas vir­
tudes; a sua mão é contra todos, a mão de lodos é
contra êles. Jã sabemos quantos obstáculos os obrei­
ros evangélicos leem lido que vencer em lodos os
tempos.

II. Longe de abalar a constância do zêlo, as


contradições devem firmá-lo. - São elas um penhor
de vitória, porque são o cunho âas obras de Deus,
que só prosperam à sombra da cruz. O_ Salvador
mais se fêz admirar com as suas pregações e mila­
gres, que não co10 as conversões; mas, com a sua
Paixão e morte atraiu tudo a si. Sucede o mesmo
com os apóstolos e seus companheiros no 11Jinislério
sacerdotal. Desconfiemos de tôda a obra/boa que
não é C'.ontrariada.

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CONTRA O DESALENTO 353

LIX MEDITAÇÃO
O desalento, grande obstáculo à constância
do zêlo: seus efeitos, suas causas,
seus pretextos
1. Nos efeitos, é funesfo.
II. N11s c11us11s, é muilas vezes condenável.
Ili. Nos prefedos, é sempre injuslillcado.

I. funestos efeitos do desalento. - Se os enca­


rássemos com relação a nós, ser-nos-ia fácil reconhe­
cer o obstáculo que põe à nossa santificação essa
pusilanimidade, êsse desfalecimento moral, que deses­
pera de ludo e do mesmo Deus. O desalento lira o
gôs\o da oração: faz-se sem vontade o que se faz
sem esperança. Tira-lhe a eficácia; porque é a con­
fiança, fruto da fé, o que o Senhor espera : Videns
Jesus .idem illorum, dixil paralylico: conGde, fifi (1).
Lança a alma em um estado de tristeza, de languidez
e d� cegueira, que a prepara para lôdas as quedas.
Mas nós só consideramos aqui os efeitos do desa­
lento com relação ao �êlo.
O desalento enfraquece a influência do zêlo.
Com êle, não há já vigor sacerdotal, resoluções enêr­
gicas. Habitua a não sei que falsa resignação, que
imputa, por assim dizer, a Deus desgraças que se
deveriam evitar. Um sacerdote desalentado nada
empreende, ou se faz algumas tentativas, é com tão
pouco fervor, que nenhuma esperaIJça tem de bom
éxito. Semelhante a um homem· embrutecido, que
fica imóvel à vista da sua casa a arder, contempla

(1) Mallh. IX, 2.

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MEDITAÇÕES SACER_DO_T_A_IS
_______

com indiíerença o deplorável estado de sua parró­


quia, e conserva-se inerte, na presença de tantas al­
mas de quem é pai, e que êle vê precipitarem-se no
inferno. Persuadido de que nada pode fazer, porque
tem muito a fazer, reirai-se, e deixa perder os que a
todo o custo deveria salvar. Não pondo já o pastor
resistência aoJuror dos lõbos, é. que será do rebanho?
Não encontrando a torrente um dique, é. até onde não
estenderá os seus estragos?

II. O desalen(o considerado em suas causas, é


muitas vezes condenável. :_ Pode vir de uma exces­
siva timidez, ou fraqueza de carácter, que não de­
pende inteiramente do homem. Algumas vezes tam­
bém, não é mais que uma tentação perígosa, com
que o inimigo das almas procura perder os que leem
a seu cargo salvá-las, não ignorando que lôda a for­
taleza dêles está na esperança : ln spe erif for/iludo
vesfra (1). Mas, vindo só ao desalento que nos torna
culpados, podemos assinar-lhe três causas: a soberba,
a ingratidão e a moleza.
1. 0 O desalento parece-se com a humildade, e
nada lhe é mais contrário. Se eu só buscasse a gló­
ria de Deus nos meus trabalhos, estaria tranquil�
qualquer que fôsse o resultado : mas, porque busco
também nêles a minha, perturbo-me, desanimo, quando
o resullado não corresponde aos meus desejos ; e a
tristeza, a que me entrego, prova menos o meu zêlo
dos interêsses do Senhor, que o enfado de vêr arris­
cada a minha co_nsideração. Aquele que se deixa
abater, vendo que não foi bem sucedido, é um ho­
mem que se fiaya em si, nos. seus meios, nas suas
sábias indústrias. ·A graAdeza de �nimo nos_ bons pa­
dres mede-se pelo baixo conceito que formam de si.

(1) Is. XXX, 15.

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éONTRA O DESALENTO 355
Nãq descobrindo em si senão pecado, incapacidade,
profunda miséria, absleem-se de se firmar numa cana
Ião frágil. E.' necessário desesperar de si, diz Fene­
lon, para esperar ludo de Deus. lÜnde encontrar
emprêsas mais elevadas, e uma esperança mais firme
que a do humilde Vicente de Paulo?
2.0 Uma segunda fonte do desaleplo é a ingra­
tidão. Há pe_ssoas, pnra _quem o reconhecimento é
um pêso de que se �li viam de boa vontade. Os -is­
raelitas são muitas vezes argüidos de que, achan­
do-se em alguma necessidade urgente, em lugar de
recorrerem a Deus, desanimam e murmuram, esque­
cendo com que-milagres Deus tinha já manifestado o
seu poder e bondade para com êles (1), ou se nisso
pensam, é sem sombra de gratidão: • E.' verdade
que feriu a pedra, e jorraram águas para malar a
sêde a seu povo; é. mas poderá dar-lhe pão no de-_
serio? Ouoniélm percussif pefrélm el lluxerunf élquéle ...
Numquid el pélnem polerif d11re • ? (2) Como se uma
coisà lhe fõsse mais difícil que a outra! Como se o
bem, que êle nos fêz, não fõsse o penhor do que
ainda quer fazer-nos 1
Nós só vamos as dificuldàdes presentes. Se as
comparamos com aquelas que a Providência nos fêz
vencer, somos com� frios calcúlislas que, não fendo
pago senão com ingratidão os benefícios já recebidos,
temem contrair novas dívidas, que não seriam melhor
satisfeitas. Conservemos nos nossos corações a lem­
brança dos favores que Deus nos liberalizou, que
nos liberaliza ainda todos os dias, e com todos os
homens de fé viva, esperaremos contra lôda a espe-

(1) Obli(i sunf beneíaclorum ejus, e! mirabilium ejus quae


oslendif eis. Ps. LXXVII, 11. - ObJifi sunl Deum, qui s11lv11vil eos,
qui fecif magnalia in Aegyplo, mirabilia in (erra Cham, ferribilia in
mari Rubro. Ps. CV, 21, 22.
( 2 J Ps. LXXVII, 20.

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MEDITAÇÕES 8ACERDOTÀl9

rança. Uma só missa que o Senhor me permite


dizer, e. não me demonstra com infinita evidência que
posso esperar ludo de seu amor?
3.0 finalmente, o desalento não é senão um véu
com que desejamos cobrir a nossa preguiça e fraqueza.
O exercício de tôdas as virtudes está cercado de
obstáculos: Virfus in arduo; a mesma virtude não é
virtude senão pela lula que exige; mas, entre tôdas,
a esperança distingue-se pela sua adividade e cora­
gem. E' a esperança que infunde a santa 1rndácia,
faz nascer os projedos arrojados, os generosos sa­
crifícios, as grandes emprêsas. Uma alma pusilânime
prefere jazer na moleza: repele umá confiança que
exigiria trabalho, esforços, sacrifícios ; que exporia
a contradições, a desgostos. Acha mais cómodo
dizer: E' impossível; i. que quer que lhe faça? do que
experimentar e pôr mãos à obra. Envolve-se na capa
da indolência, e propõe evitar o que há de incómodo
na prática do dever: mas com êste princípio, onde
chega?

III. O desalento é sempre injustificado nos


seus pretextos. - Os bons padres são os Macabeus
da nova lei; o Espírito Santo faz a pintura dêles em
duas palavras: Praeliabanfur praelium Israel cum
laefifia ( 1). Deus quer a peleja, praeliahanfur; mas
quer também a alegria que nasce da confiança, cum
laelifia; o desalento nunca é fundado em razão; mas
desculpa-se com pretextos:
Tenho um povo irreligioso, depravado, ímpio,
ignorante, inimigo da verdade! -Ah ! como é digno
de láslima I que compaixão vos deve inspirar I Como?
o que deveria inflamar o vosso zêlo, resfria-o e ex­
tingue-o? e.Para que sois o sal da terra e a luz do

(1) I M11ch. Ili, 2.

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CONTRA O D�SALENTO 357

mundo, senão para combater a corrução e a igno­


rância?
Emprego lodos os meus esforços, e nada consigo 1
- Os trabalhos infrutuosos na vida presente não fi­
carão sem recompensa na vida futura. S. Paulo disse:
Abundanlius omnibus illis laboravi; não diz : Plus
omnibus frucliGcavi; observa S. Bernardo. Unusquis­
que propriam mercedem accipief, secundum suum la�
borem (1). - Reddidil jusiis mercedem laborum (2).
Não se fala senão do trabalho. Plantar, regar, cul­
tivar, eis o que vos diz respeito; o acréscimo, o fruto,
o bom éxilo pertence a Deus. Ditoso trabalho, cujo
salário está seguro, qualquer que seja o resultado !
é. Ouai é àlém disto o padre que pode dizer: Nada
consigo? Ouê? l Nem mesmo impedir uma ofensa
ao Senhor? l Nem mesmo causar remorsos e prepa•
rar conversões? l Nem mesmo expiar as vossas pró­
prias culpas com a caridade e a paciência?
Não lenho o que seria necessário para o cargo
que exerço, sou incapaz de desem'penhá-lo 1 - Novo
motivo de confiança. Deus impôs-vos êsse cargo, e
foi a voss·a fraqueza que motivou a escolha: lnfirma
mundi elegi! Deus, ui confunda! for/ia. O Senhor
quer levar convosco êsse fardo, e fazer resplandecer
em vós o seu poder, para que tõda a glória lhe seja
atribuída: Ut non gloriefur omnis caro .in conspecfu
ejus ( ª).
E' impossível converter homens tão desgarrados,
seria necessário um milagre! - Impossível, sim, a
vós; mas a Deus tudo é fácil. é. Estreitou-se ou re­
traiu-se o seu braço? é. Deminuíu o seu amor para
com as almas? é. Há coisa mais freqüente que os mi­
lagres de sua graça na conversão dos pecadores?

(1) I Cor. III, 8. - (2) Sop. X, 17. - (�) I Cor. 1, 29.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

l E' em vós, ou é nêle que ·confiais? Polens esl Deus


de lapidihus is/is suscilare filias Abrahae (4).
Há já muito tempo, que emprego todos os meus
rsforços nesta parróquia, sem nenhuma consolação f
- Esperai ainda mais. Não vos pertence assinar ·a
Deus o tempo da sua acção. Há lerren·os frios, em
q·ue as melhores sementes não germinam senão lenta­
mente. Talvez loqueis o lêrmo de vossas fadigas, e
a alegria de uma santa fecundidade vos compensem
brevemente de tantos anos de uma triste esterilidade.
Ainda quando outros devessem colhêr deanle dos
homens os frutos de vosso zêlo, deanle de Deus os
merecimentos seriam para vós.
Mas se eu não desisto do inlenlo, sucumbirei ao
pêso dos meus trabalhos, e aos esforços dos meus
.contradilores 1- Oue invejável seria ·a vossa -sorte 1
Uma tal derrota seria para vós .o mais belo triunfo :
Sacerdos Dei Evangelium tenens et Chrisfi praecepfa
cusfodiens, occidi pofest, non potes{ vinci (2).
Ide ao aliar Merecer-vos ao Salvador e prome­
tei-lhe uma constância inabalável. Quando se tiver
dado 'a vós na sagrada comunhão, ouvi ó que vos
diz: Fifi, accepisfi Spirifum sane/um ad rohur: ne sis
igifur pusillanimis. Conforfare, et noli fimere; esfo
forfis in hei/o, et pugna virililer. . . Etiam'si folus mun­
dus contra te armarefur, ne paveas repenlino terrore:
ego qui vici mundum lecum sum fanquam bel/ator
fortis: idcirco cadent, e/ infirmi. erunt {ª).

Resumo da Meditação

1, funestos efeitos do desalento, considerado


com relação ao zêlo.- Enfraquece a sua influência.

(1) Matth. 111, 9. - ( 2) S. Cypr. lib. 1, Episf. /li, ad Cornel.


- (3) Memori11le vil. s11cerd. e. LXIV.

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CONTRA O DESALENTO 359
Com êle não há já vigor sacerdotal, energia, reso­
luções. Julgam alguns que não hã nada a fazer,
porque há muilo a fazer, e deixam perder as almas!
O pastor já não opõe resistência ao furor dos lôbos;
l que será do rebanho?

II. O desalento é muitas vezes condenável nas


suas causas. - Soherh{J. Buscáveis a vossa própria
�lória; não fôsles bem sucedido, desanimastes. Con­
fiáveis mais em vós do que em Deus, não estáveis
convencido do vosso nada. E' necessário desesperar
de vós, para esperar ludo de Deus. ---:- Ingratidão.
Se eu pensasse nos favores que Deus me liberalizou
e me liberaliza ainda lodos os dias, esperaria contra
tôda a esperança. - Pusilanimid{Jde. Acha-se mais
fácil dizer: é impossível, que experimentar, e pôr mãos
.à obra. Prefere-se jazer na moleza ou inacção, em vez
de fazer esforços.

III. O dei-ialento é sempre injúsfificado nos


seus pretextos. - O meu povo é mau; é o que deve
inflamar o vosso zêlo. - Trabalho inutilmente; corno
o sabeis ? é Mede Deus a recompensa pelo bom éxilo?
- E impossível converter homens ião perversos.
Impossível a vós, sim; mas a Deus tudo é fácil. -
Não lenho o que seria • necess6rio para êsfe cargo;
novo motivo de confiança: ln.irma mundi elegi/ Deus.
- Há muito tempo que espero, em vão, o fruto de
meus trabalhos; esperai ainda. Não vos compele,
assinar a Deus o tempo de sua graça. - Se não de­
sislo do infenlo, sucumbirei; quão invejável seria a
vossa sorte !

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360 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

LX MEDITAÇÃO
O zê1o em acção na conversão da Samaritana

1. Seu trabalho.
li. Seu fruto,

I. O trabalho do zêlo na conversão da Sama­


ritana. - Achamos nõ proceder do Salvador para
com esta mulher, tôdas as qualidades do verdadeiro
zêlo, que foram o objeclo das meditações preceden­
tes. Aparecem nela principalmente três coisas notá­
veis: a aclividade industriosa, a discrição, a condes­
cendência.
I. 0 Jesus deixa um país, e vai para outro (1).
Passa de uma conquista a outra conquista. Vós di­
zeis que ainda há quatro meses a/é d ceifa; mas eu
digo-vos que B ceifa já chegou (2); é sempre, tempo
de ceifar para um digno obreiro do Evangelho, por­
que há sempre que colhêr. i Quantas almas só espe­
ram os nossos trabalhos e cuidados pllra saírem do
vício ou progredirem na virtude I Era necessário, diz
S. João, que Jesus passasse por Samaria. Sim, ó
meu Jesus, era necessário: a caridade guiava os vos­
sos passos; esperava-vos lá uma alma que eslava
predestinada para vos ganhar- outras; a sua salvação
era uma necessidade para t
vosso coração: Opor­
febaf eum lransire per StJmariam (3). Bom pastor,
vós não poupais as vossas fadigas para trazer ao
aprisco a ovelha desgarrada: Jesus ergo faligatus ex

(1) Reliquil Judaeam, el abiil ilerum in Galilaeam. Joan. IV,:},


l2) lbid., 35. - \3) Joan. JV, 4.

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CONVERSÃO DA SAMARITANA 361

ifinere sedebeJ!. Era quási a hora sexta (1); a melade


do dia tinha passado; não havia tempo a perder.
Oh I quão aclivo, empreendedor, económico do seu
tempo é um sacerdote, que conhece o preço das al­
mas! consagra-o todo à salvação de seus irmãos.
é. Aonde não iria, que não faria para ajudar um só a
salvar-se? Busca, faz nascer, aproveita as ocasiões
favoráveis. Onde qualquer oulro não veria senão um
encontro fortuito, êle descobre um desígnio misericor­
dioso da Providência. Mas, se a caridade inflama o
seu zêlo, a prudência dirige-o.
2. u Tudo é dirigido com admirável sabedoria na
conversão da Samaritana. Dara não estorvar a con­
fiança desta pecadora, que não se atreveria a expôr
as suas dúvidas, fazer as suas preguntas, e principal­
mente confessar as suas desordens na presença dos
discípulos, faz que êstes estejam ausentes: a ocasião
é bem escolhida; e quando voltarem, Jesus nãc dei-.
xará de lhes fazer compreender o fim elevado de
uma entrevista, em que cumpre a vontade de seu
Pai, trabalhando na salvação desta alma. • Vós ro­
gais-me que eu côma, lhes diz éle; ah I para comer
lenho um manjar que vós não conheceis! Ego cibum
habeo mcmducéJre quem vos nescifis • . A sua co­
mida, a sua vida, é fazer viver as almas da vida de
Deus.
A sêde que sofre, fornece-lhe uma ocasião de
ganhar essa pessoa pela confiança que lhe mostra;
pede-lhe de beber, a-pesar da profunda antipalia que
separava os judeus e os samaritanos: Da mihi bi­
bere. - Ouomodo fu, JudeJeus cum s1s, bibere a me
poseis, quae sum mulier SeJmarilanéJ? Com que santa
indústria, em lugar de tlisculir com ela sôbre as cau­
sas da desunião que havia enlre os dois povos, a

(1) lbid. 6.

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3(j2 MEDITAÇÕF:8 SACERDOTAIS

desvia, lhe chama a atenção para outra parle, es­


timula a sua curiosidade e começa a manifestar-se­
-lhe: • Se tu conhecesses o dom de Deus, e quem é
o que te diz: Dá-me de beber, tu certamente lhe pe­
d:rias, e êle te daria a li da água viva, cem vezes
mais excelente que aquela em que pensas • . Expli­
ca-lhe as propriedades desta água maravilhosa, que
apaga a sêde para sempre, e que brota para a �ida
eterna. Êsle dom de Deus é o Espírito San lo; esta
água viva são as suas graças vivificantes. Jesus é
a sua fonle perene; pode dá-la às almas, para as pu­
rificar e' refrigerar. A fidelidade à graça conduz ao
céu; e. como poderiam ler sêde, pregunla San lo
Agostinho, aqueles de quem está escrito: lnebria­
bunfur ah uber/afe domus luae, ef torrente volup/afis
_fuae pofélbis eos? (1) Mas se esta água é o dom de
Deus, e se Jesus . a dá, Jesus é Deus. Assim, gra­
dualmente, com uma linguagem simples e tirada das
circunstâncias. o Salvador eleva essa alma ao conhe­
cimento da sua -divindade e dps mistérios mais su­
blimes. i Oue modêlo de prudência e de discrição na
direcção das almas! Mas é também modêlo da mais
terna doçura.
3. 0 Jesus Cristo não ignorava que esta mulher
vivia na desordem: mas primeiramente não mostra
que o sabe, ou entes fala como se o não soubesse:
Voca. virum fuum. Por atenção cheia de condescen­
dência, dá o nome de marido ao cúmplice de sua
devassidão. Dir-se-ia que receia falar-lhe de seu cri­
me; contenta-se• com dispô-la a reconhecê-lo e a con­
fessá-lo, primeiro passo para a verdadeira penitência.
e. Quereis converter uma alma desgarrada? Empre­
gai os meios· brandos; são ordinàriamenle os mais
eficazes. S_abei acomodar-vos ao carácter do peca-

(1) Ps. XXXV, 9.

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CO!il'VERSÃO JlA SAMARITANA

dor, às suas disposições, e ainda, até certo ponto,


às suas paixões. Tralando-se brandamente ao liber­
tino, !em-se algumas vezes conseguido desfruir a li­
bertinagem, contra a qual um zêlo rígido nada obte:
ria; se irritais o ferido, êle oculta a sua ferida; se
poupais o ferido e a ferida, dais-lhe a cura: Vifiél
menlium sicul el corporum mollifer lracfanda (1).

li. Fruto do zélo na conversão da Samaritana.


- As primeiras palavras de Jesus Cristo tinham pre­
venido a pecadora em seu favor; ela escuta-o com
atenção, crê nêle, e não o olhando já senão como
seu Deus e' como seu Messias libertador, torna-se
de-repente. penitente, cristã e apóstola. Adora a Je­
sus, ama-o, e porque o amor não permanece ocioso,
no mesmo instant� reliquil hydriam, livra-se de qual­
quer outro ·cuidado e, ansiando dá-lo a conhecer,
corre à cidade, anuncia por tõda a parle o encontro
que acaba de ter. Aquela que alé ali fõra escrava
de suas paixões, atha-se mudada num instante; não
pensa já no que linha vindo Jazer ao pôço de Jacob,
e traia unicamente dé comunicar aos outros a graça
que recebeu: • Vinde, lhes diz; e vêde o homem, que
me disse tudo o que eu linha feito; e.será êste por­
ventura Cristo? Numquid ipse esf- Chrislus»? Ela
não du-Yida : mas adapta-se à fraqueza daqueles a
quem fala, assim como Jesus Cristo fêz com ela.
Poderia contentar-se com dizer: • Vinde vêr um
grande profeta•; e para acredilá-lo melhor perante
êles, não tem pejo de declarar que lhe descobriu
todo o mal que ela fêz. Uma alma abrasada no
amor divino não é já sensível à estima das criaturas;
entrega-se inteiramente ao fogo celeste que a inflama.
Os samaritanos veem ter com o Salvador, uns

(1) Séneca.

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36\ �IEDITAÇÕES SACERDOTAIS

dispostos, outros já conver!idos por esta mulher:


Exierunl ergo de civilafe e/ veniebant ad eum . ..
Multi crediderunl in eum... propfer verbum mulie­
fis. .. , el multo plures . .. propfer sermonem ejus ( 1 ).
Admiremos aqui a poderosa eficácia do apostolado
mútuo e das vantagens que pode tirar dêle o verda­
deiro zêlo.
O' Senhor, fazei-me compreender bem esta pala­
vra : Si scires donum Dei, el quis esl qui dicil lihi:
Da mihi bihere. Vós a dirigis ao pecador; quando
lhe inspirais o bom pensamento que o convida a en­
trar em si, a reconciliar-se convôsco: • Lego, se co­
nheceras o dom de Deus, a graça que le ofereço, o
preço da inocência, a paz que a acompanha, os bens
elernos que se lhe seguem! Si scires.l... Se qui­
sesses ao menos conhecer o autor desta graça, que é
Deus, princípio do leu ser, as recompensas que dá
aos que o servem, os castigos que reserva aos seus
inimigos, a sua infinita misericórdia, o desejo que tem
de te encher dos seus benefícios: Si scires ... , ef
quis esf qui dicif fihi: Da mihi bibere, buscarias com
empenho o que rejeitas agora com desprêzo. Só falia
à lua felicidade buscá-lo onde êle está.
Vós dizeis com freqüência aos vossos ministros,
ó meu Deus, e principalmente aos vossos ministros
recolhidos, esta misteriosa palavra: Si scires... •Se
soubesses a alegria que me causas, quando procuras
agradar-me, quando te vejo preocupado em ganhar-me
almas• 1 Amável Salvador, vó;;; dizeis-ma neste mo­
mento, em que me disp9nho a exercer a mais divina
de tôdas as minhas funções: •Se tu conheceras 1
Si scires ! ... • Dir-ma-eis de um modo ainda mais
terno, quando, depois da missa, estiverdes em mim,
como um amigo em casa de seu amigo: Si scires ! ...

(') Joan. IV, 30, 39.

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CONVERSÃO DA SAMARITANA 365
ef quis esf I. . . Se souberas quem eu sou, e que dom
te trago, dando-me a til . . . Se conheceras o meu
amor e os meus desígnios misericordiosos, na visita
que te faço•! ...
Sabedoria eterna, esclarecei-me, purificai o meu
coração com as l'uzes de uma fé viva: fide purifi­
cans corda: e quando habitardes na minha alma, di­
gnai-vos difundir nela novas luzes, para que eu co­
nheça i:ada vez mais, e aprecie devidamente um dom,
que não é outro senão vós mesmo. Não, ó meu
Deus e Senhor, eu não conservarei mais a verdade
cativa; manifestar-vos-ei aos meus irmãos, ensiná­
-los-ei 13. amar-vos, a servir-vos, e a comunicar tam­
bém a outros o dom de vosso amor. Oxalá a mi­
nha oração vos seja Ião agradável como foi a de
Salomão, pedindo-vos a sabedoria, e me respondais
como a, êle: Ecce feci fihi secundum sermones fuos,
ef dedi lihi cor sapiens ef infelligens! (1)

Resumo da Meditação

I. O trabalho do zêlo na conversão da Sama­


ritana. - 1.
0
Actividade indusfriosa. O sacerdote
zeloso não conhece folga nem descanso. O bom
pastor não se poupa a fadigas: Oporlehaf eum fran­
sire per Samariam. Busca, faz nascer, aproveita as
ocasiões favoráveis. 2." Discrição. Tudo é dirigido
com admirável sabedoria na conversão da Samari­
tana. A sêde que sofre o Salvador, fornece-lhe ensejo'
de ganhar a confiança desta alma. Eleva-a gradual­
mente ao conhecimento de sua divindade. 3.0 Do­
çura. Conhece, e parece não conhecer as desordens
dela, e com isto indu-la a confessar-lhas: Vifia men­
fium sicuf ef corpotum mol/ifer fracfanda.

(1) III Reg. VIII, 12.

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366 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

li. Bom éxifo do zêlo na conversão da Sama­


ritana. - As primeiras palavras do Salvador tinham­
-lhe ganho a confiança da pecadora, que de-repente
se torna penitente, cristã e apóstola .. Adora .a Jesus
Cristo e arde em desejos de fazê-lo adorar. Si scires
donum Dei!. . . Palavra profunda I Deus dirige-a aos
pecadores; dirige-a também muitas vezes aos seus
ministros, principalmente depoi:5 que desceram do
aliar.

LXI MEDITAÇÃO
A pregação. - Ministério totalmente divino

1. Em seu princípio.
li. Em seu llm.
Ili. Em sua eficácia.

1. O ministério da pregação é fofalmenle di­


vino em seu princípio. - Recebêrno-lo de Deus,
exercemo-lo em seu nome, o mesmo Deus o exerce
em nós e por nós.
S. Paulo, e�crevendo aos primeir�s cristãos, fa­
zia-os remontar até à adorável fonte das instruções
que lhes dava : • Não vos iludais; eu não vos pre­
•guei o meu Evangelho, mas o Evangelho de Deus:
Evangelium Dei evangelizavi vobis (1). Em oulro lu­
gar, felicila-Qs por lerem ouvido os seus ensinamentos,
corno sendo os do mesmo Deus, pois efectivamente
foi Deus que os inslruíu pela bõca de seu ministro (2).
r Glorioso privilégio de todo o",pregador católico!

( 1) II Cor. XI, 7. - ( 2) Thess li, t 3.

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A PIÍÉGAÇÃO 367

Apresenta-se êle aos homens da parle de Deus: o


que vem dizer-lhes em nome dês!e supremo Senhor,
não é invenção da sua própria inteligência, nem de
algum génio superior, cujos pensamentos• adopla; é a
palavra de Deus.
Assim como aos apóstolos, o Salvador disse-nos:
• Ide, pregai o meu Evangelho a lôda a crialura: quem
vos ouve, a mim ouve•. Podemos pois repelir àque­
les a q_uein somos f'nviados; Qualquer que seja a sua
dignidade e condição, o que os profetas linham
tantas vezes na bôca: Audile verbum Domini. Au­
dite verhum Regis magni. Audite, principes. Audite,
domus Jacob ... , reges Juda. Haec dicif Dominus
exerciluum. A maior glória de um orador profano é
falar em nome e defender os inlerêsses de seu prín­
cipe, de sua pátria; o orador sagrado é o intérprete
da divindade. Daí os belos títulos de homem de
Deus, de embaixador de Jesus Cristo, de anjo de
paz, que nos são dados pela Sagrada Escritura e
pela tradição.
• Nós lemos negócios no céu, diz Bossuel, ou
antes só lemos negócios no céu; Jesus Cristo não
se dedigna de ser lá o nosso .agente. De seu lado,
Deus tem negócios entre· os homens: tem almas a
salvar, escolhidos a ajuntar por lôda a terra . . Tem
também seus agentes; são os seus ministros: Pro
Chrisfo legafione fungímur, lanquam Deo exhorlanle
per nos• ( 1 ).
Deus fêz a paz com o mundo. e confiou-nos êsse
tratado de paz; compele-nos publicá-lo, exortar os
povos a observar as suas condições: Posuit in nobis
verbum reconcilia.lionis (2). Daí as magníficas expres­
sões, as figuras arrojadas com que -os doutores· da
Igreja leem realçado o ofício dos pregadores. O seu

.( 1) II Cor. V, 20. - (2) lbid. 19.

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368 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

peito, segundo S. Gregório, é como o tabernáculo


de nosso divino Rei que vai pelo mundo à conquista
das almas: Dum cafenis vincfus Romam peleref
Paulus mundum occupãfurus, lafens in ejus pecfore,
quasi sub fenforio ibaf Deus ('). São êles os arau­
tos e precursores de Jesus Cristo, a voz que clama:
Preparai os caminhos do Senhor: Praedicalores
sunf venluri Domini praecones. . . (2). S. Bernardo
chama-lhes: Palres Chcisfi generando, mafres Chrisli
pariendo. Se geram a Jesus Cristo nas almas, comu­
nicando-lhes a fé, geram também as almas, introdu­
zindo-as no seu corpo místico, que é a Igreja : Per
Evangelium ego vos genui. Ah I quanto respeito é
devido a 1 êste sublime ministério! t Tenho-o eu hon­
rado em; rnim com os elevados sentimentos e a emi­
nente santidade que êle supõe? t Tenho sempre
feito que Deus fale em mim de uma maneira digna
de Deus?

II. O ministério da pregação é fofalmenfe di�


vino em seu fim; como vem de Deus, só a Deus
conduz. Unir-nos pela obediência e pelo amor àquele
que é nosso primeiro princípio e nosso último fim,
eis o nosso dever, a nossa glória e felicidade. Deus
só procura durante a vida presente aproximar-nos de
si, se nos afastamos dêle ofendendo-o, ou tornar a
nossa união com êle mais estreita, se já o amamos.
Neste intuito, serve-se principalmente de sua palavra,
que foz chegar aos homens pelos seus embaixadores;
porque Deus tem para com os homens admiráveis
atenções (3 ) ; traia com êles, por õssim· dizer, de po­
tência a potência, e acomoda-se às suas disposições.
l Oue vê êle na terra? Amigos certos, arnigo_s duvi-

(1) Mor. lib. XXVII. - (2) Mor. lib. XXVII. - (3) Sap.
XII, 18.

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A PRÉGAÇÃO. 369
dosas e vacilan{es, inimigos declarados ; em oulros
têrmos: justos, líbios e pecadores. Todas precisam
da divina embaixada; esta é enviada a todos.
,1\ palavra de. Deus é indispensável aos justos para
progredirem na justiça, e para não decaírem dela.
Dara progredirem; porque o homem cresce na vida
cristã por meio da mesma palavra que o fêz nascer
para essa vida (1). O coração dêste fiel é cheio de
bons desejos, as suas mãos ocupam-se em obras
santas-; são flôres que alegram o céu, são alé exce­
lentes frutos; mas não tardariam a murchar e a cor­
romper-se, se a divina palavra, comparada na Sagrada
Escritura a um benéfico orvalho, estiv�sse muito
tempo sem cair na sua alma.
A pregação é muito mais necessária ainda aos
líbios e pecadores. - Aos primeiros faz ouvir ternas
queixas ou lerríveis ameaças : Haheo adver..s.um /e
quod charifalem fuam primam reliquisli. Memor eslo
unde excideris. Ouia fepidus es, incipiam /e evomere
ex ore meo. Desperta de seu sôno as almas apálicas,
evita um completo rompimento com Deus, e restitui-as
ao seu fervoroso amor. - Mas e. quem se não admi­
raria de vêr um Deus Ião grande, enviar embaixado­
res até aos seus inimigos declarados? e. Tem o
Tado-Poderoso alguma coisa a temer dêsses bichi­
nhos da terra, rebelados contra ele? Todavia o
Senhor não se contenta com esperá-los; abaixa-se
atê a oferecer-lhes a paz; pede-lhes que não lhe
apurem a paciência, e que aceitem o seu trôno junta­
mente com a suà amizade!
Assim, de tôdas as maneiras a pregação atrai, di­
rige e une os homens a Deus; por conseguinte é di­
vina em seu fim. Com ela, vós, sacerdotes, acalmais
as tempestades das paixões, ou excitais as con-

(1) 11 Cor. IV, 15.

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:no MEDITÁÇõES SACERDOTAIS

sc1encias culpadas, a uma saudável perturbação de


remorsos: com ela ensinais a 1,1erdade, confundis o
êrro, combateis o vício, çonsolidais a virl�de, fazeis
reinar a paz de Deus, e o Deus da paz nos corações!
1 Oue belo é o vosso ministério, obreiros evangélicos!
Ouam speciosi pedes evange/izanlium pacem, evange­
lizanfium hona! 1 1 ) Ah I quão bem merece a vossa
estima e o vosso zêlo !

III. O ministério da pregação é folalmenfe di­


vino em sua eficácia. - Uma alegoria de· exlrema
simplicidade é, na bôca de Nalon, uma sela infla­
mada, que lraspassa o coração de David e o !orna
o modêlo dos penitentes. Nínive é salva por um
aviso do profeta Jonas. Esdras ·não começou ainda
a interpretar a lei divina, só leu algumas. palavras
dela, e já lodo o povo cai de joelhos, adora a Deus
com arrependimento e lágrimas. Sõmenle se ouvem
soluços, e é necessário que os levitas moderem êstés
lrtji�ortes de sensibilidade, que abafam a voz do
sà'iitô sacerdote. Plebaf omnis populus, cum audiref
verba legis . . Levifae aufem silenlium faciebanl in
omni populo, dicenfes: Tãcele .. , ef nolile do­
fere (2). Pela prêgação dos apóstolos, o E.spkilo
Santo deu ao mundo como que uma segunda cria­
ção, e renovou a face da· terra (3). 'é. Oue foi neces­
sário a êstes homens sem sciência para conquistar o
universo à cruz, às humilhações, ã abnegação, numa
palavra, à penosa lei do Evangelho? Nenhumas ou­
tras armas senão a palavra de Deus.
Mais tarde, foi impossível não reconhecer o seu
poder divino na pregação de S. Vicente Ferrer, de
Santo António de Lisboa, de 5. Francisco Xavier,

(1) Rom. X, 15. - (2) li Esd, VIII, 9 11. - (3) Ps.


CIII, :;o,

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A PRÉGAÇÃO 37!

de S. Pedro Claver, e de S. Francisco de Sates. l Não


se vê ainda lodos os dias, o homem Ião cheio de
amor próprio, Ião confiado em si, tornar-se, pela vir­
tude d�sla santa palavra, 15uperior a si, aos seus sen­
tidos para os mortificar, às suas paixões para as do­
mar, aos seus inlerêsses temporais para os abando­
nar, ao mtindà para o desprezar? A doutrina que
anunciamos, é sempre a mesma, sempre como a des­
creve S. Paulo: Vivus esf sermo Dei ef efGcélx, ef
penelrabilior omni gléldio ancipifi, ef perfingens usque
éld divisionem animae ac spirilus, compélgum quoque
ac medullarum, ef discrefor cogifafionum et infentio­
num cordis (1). l Até onde não peneira ela? l Ouem
dirá os laços que rompe, as felizes separações e san­
tas uniões que opera? Não há pastor de almas que
não tenJ,ta visto com seus olhos o cumprimento desta
promessa do Salvador : Ecce vobiscum sum . . . Oui
vos oudif me audif. Non vos esfis qui loquimini, sed
Spirifus, Péllris vesfri qui loquilur in vobis.
O' padre, instrumento de Deus, promulgador e
intérprete da sua lei, coml?reendei a excelência do
vosso ministério. l Como o tendes exercido até êsle
dia? l Ouais leem sido os seus frutos? l Não sois
vós obrigados a confessar que a palavra de Deus
não tem sido na vossa. bõca orvalho que fecunda,
fogo que alumia, . ao mfsino tempo que purifica e
aquenta? Procurai a causa de uma ineficácia que
lhe não é natural. Talvez acheis que ela é, da parte
de Deus e com relação a vós, uma dás provas a
que êle sujeita muitas vezes os seus mais fiéis minis­
tros, e ·então a vossa dôr não será sem consolação;
mas se a consciência vos acusa de não fazer o bem
que poderíeis fazer com a pregação, temei a conta
que dareis de tão precioso talento. O Salvador, que

(1) Hebr. IV, 12.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

ides receber no altar, vos ensinará, se lho pedirdes,


a manejar essa espada espiritual, e a !ornar-vos um
obreiro evangéHto, tal como o exige S. Paulo: Ope­
rorium inconfu$ibilem, recfe fracfanlem verhum veri­
lalis (1).
Resumo da Meditação

1. O ministério da pregação é totalmente di­


vino em seu princípio. - Recebemo-lo de Deus:
Evongelium Dei evongelizavi vobis. Glorioso privilé­
gio do pregador católico; o que êle vem dizer aos
homens não é de invenção humana, é a palavra de
Deus. -O Salvador disse-lhe: Ouem vos ouve, a
mim ouve. Daí o titulo de embaixador �e Deus, que
lhe é dado. - Êle exerce o seu ministério em nome
de Deus, o mesmo Deus o exerce nêle e por êle.

li. O ministério da pregação é totalmente di­


vino em seu fim. - Como vem de Deus, só a Deus
conduz. Justos, líbios e pecadores, todos preci­
sam dêle. A palavra de Deus conserva e faz pro­
gredir os jus los; desperla os líbios, evita um com­
pleto rompimento com Deus, e reconcilia com êle os
seus inimigos declarados. Obreiros evangélicos, 1 que
belo é o vosso ministério !

Ili. O.. ministério da pregação é totalmente di­


vino em sua eficácia. - Prodígios da graça leem
sempre manifestado a acção de Dell'S na sua palavra.
Natan, Jonas, Esdras, nos tempos an'tigos; ós Após­
tolos, S. Vicente f errer, S. Francisco Xavier, S. fran­
cisco de Sales e muitos outros depois de Jesus Cristo,
mostraram o poder desta divina palavra. ··E agora

(1) II Tim. 11, t 5.

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A PRÉGAÇÃO 373
nada perdeu da sua eficácia. O' pBdre, instrumento
de Deus, promulgador da sua lei, e. tendes compreen­
dido a excelência do vosso ministério? e. Como o ten­
des exercido ?
1:::1

LXII MEÇ)ITAÇÃO
A obrigação de pregar

1. é. Coi:npreendi eu a sua gravidade?


li. l Medi a sua exfensiio?

1. A obrigação de pregar é a principal obri­


gação do sacerdote, considerado como pastor. -
S. Tomás chama a êste dever: Principalissimum offi.
cium. Com efeito, se é pela fé e invocação do nome
do Senhor, que somos salvos (1), a fé e a oração di­
manam da pregação, como os arroios da fonte; por­
que, pregunta S. Paulo: Ouomodo invocabunl in
quem non crediderunf? A ui quomodo credent ei quem
non audierunf? Ouomodo aufem audienf sine prae­
dicanfe? Ergo Gdes ex audi!u, audifus aufem per ver­
bum Chrisfi (2).
1. 0 Obrigação de direito divino. Em tôdas as
id1:1des do mundo, Deus lev.e os seus embaixado­
res perante os homens. Hoje fala-lhes pelos seus
ministros, assim como lhes falava outrora pelos
seus profetas; a mesma obrigàção é imposta a uns
e outros, e debaixo das mesmas penas: Clama, ne

(1) Oui credif in me, habef vifam aelernam. Joan. VI, 47. -
Omnis quicumque invocaverif nomen Domini, salvus erif. Acl. 11, 21.
(2) Rom. X, 14, 17.

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MEDITAç_ÕES SACERDOTAIS

cesses: quasi tuba exalta vocem fuam ( 1 ). - Ad om­


nia quae milfam fe, ibis; ef ·universa quaecumque
mandavero fibi, loqueris ( 2 ). Si, me dicenfe ad im­
pium, impie, morfe morieris, non fueris locufus . .. ,
ipse impius in iniquitafe sua moriefur; SBnguinem
aufem ejus de manu tua requiram ( 8).
Jesus Cristo dá aos seus ministros a missão que
recebeu de seu Pai, e declara que esta missão é
anunciar o Evangelho: Sicul misil me Pater, et ego
miffo vos ( 4 ). Evangelizare pauperibus misil me (5 ).
Eamus in proximos vicos et civifafes, ui et ibi prae­
dicem; ad hoc enim veni ( r. ). Pouco antes de s·ubir
ao <:éu, promulga de novo essa grande lei da prega­
ção; e i em que ocasião, com que elevadas e magní­
ficas expressões! E' a última palavra que vai dizer
aos que encarrega de continuar a sua obra. Apósto­
los, sacerdotes, e. podereis vós jamais esquecê-la ?
• Foi-me dado todo o poder no céu e na terra : o
universo pertence-me a lílulo de herança. Já adquiri
o céu pelos meus trabalhos e sofrimentos; falta-me
conquistar a terra, e conto convosco para a submeter
à minha lei ; ide pois, ensinai lodos os povos ; pregai
o meu Evangelho a tôda a criatura•.
Os apóstolos compreenderam esla obrigação:
/Ili aulem profecli praedicaverunf ubique (1). Ouerem
impedi-los de a cumprir; proíbem-lhes que pregúem,
e ameaçam-nos ; êles não fazem caso da proibição,
nem das ameaças : Imporia obedecer mais a Deus
do que aos homens (5). S. Paulo não pode tolerar
que louvem o seu zélo em anunciar•o Evangelho; é
uma necessidade a que se sujeita : Necessitas enim
mihi incumbif; pronuncia contra si uma espécie de

(1) Is. LVIII, t. - (2) Jer. 1, 7. - (3) Ezech. XXXIH, ô.


- (·�) Joan. XX, 21. - (f') Luc. IV, 18. -(n) Marc. 1, 38. -
( 7 ) Marc. XVI, 20. - (8) Acf. V, 29

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A PRÉGAÇÃO

anátema, se jamais desprezar um dever tão sagrado :


Voe mihi, si non evongelizavero ! Em suas epistolas
a Timóteo e a Tito, que são como que o manual da
vida apostólica e pastoral, l qual é o ponlo sôbre
que insiste mais? a pregação. Conjura-os, e com
êles todos os pastores das almas, pelo que há de
mais santo e tremendo: a presença de Deus e de
Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos,
pelo seu advento e seu reino eterno ... , que preguem
a divina palavra, que a preguem a tempo e fora de
tempo, empregando· lodos os meios de persuasão,
que inspira uma ardente caridade: doutrina, rogos,
repreensão, admoestação, paçiência inalterável: Tes­
lilicor coram Deo ef Jesu Chrisfo, qui judicofurus
esf vivos . ef morfuos; per advenfum ejus ef regnum
ejus, praedica- verbum, insta opporfune, importune;
ãrgue, obsecra, increpa in omni polienfia e/ doclri­
na ( 1 ). Falando dêste texto, Santo Agostinho exclama:
Quis sub fanfa fesfilicalione segnis esse audeaf?
2.0 Obrigação de direito eclesiástico. Um dos
cãnones atribuídos aos apóstolos, manda que, se um
sacerdote que tem cura de almas, as deixa carecer
do pão da palavra de Deus, seja privado do pão eu­
carístico; e se persevera no seu silêncio, seja deposto
do seu cargo (2). A história da Igreja atesta que a
prêgação foi sempre o grande objeclo de sua solici­
tude: fala dela incessantemente nos decretos de seus
concílios. O de Trenlo resume em si lôda a· tradição;
meditemos as suas palavras: Sfaluif ac decrevil
saneia synodus ... , ui quicumque parochiales, vel
alias curam animaram habenfes ecclesias . .. obfinenf ,
per se, vel alioS idoneos, si legilime impedili fuerinf,
diebus sal/em dominicis ef fesfis solemn,bus, plebes

( 1 ) II Jim. IV, 1, 2. - (2) Ouod si in socordi11 perseverei,


-0epon11lur.

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:lill MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

sibi commissas pro sua ef earum capacifafe pdscanf


salufaribus verbis; docendo qufJe scire omnihus ne­
cessarium esf fJd saiu/em ( 1). O concílio vai ainda
mais longe. Ouer que os bispos recorram às censu­
ras contra êsses pastores mudos, que o Espírito Santo
chama canes mufi, non valenles /afrare (2).
3. 0 Obrigação de direito naturel. Non occides.
l Oue diferença há entre o pastor negligente, que não
pre"ge, e o pestor escendeloso que mele -es elmes?
A mesma exaclamenle que entre a mãe desnaturada
que, recusando o leite ao filho, o deixa morrer, e a
mãe cruel que o sufoca no �eu seio. Dor isso. a
Igreja introduziu esta máxima em seu .direito: Ta­
cendo pastor occidil. - Non furfum mcies. é. Com
que direito recusarei eu conduzir aos pastios o reba­
nho que me veste com a sua lã, e me alimenta com
a sua substância? Faltaria à probidade não pregan­
do, como o professor de sciências e de belas-letras,
que se calasse na sua cadeira; com esta diferença;
que a minha folia excederia tanto a sua em gravi­
dade, quanto as verdades religiosas excedem em im­
portância aos conhecimentos scienlíficos e literários.
l Como ousarei receber uma côngrua, que só me é
assinada para ser pastor, se eu recusar ser pastor?
Pastor a pascendo.
Pregar, catequizar, instruir é pois o meu primeiro
dever; ainda que fõsse necessário sacrificar-lhe obras
aliás excélenles, os Apóstolos me ensinariam a antepôr
a pregação alé ao cuidado dos pobres; um dever é
de justiça, o outro de caridade! .Nôn esf áequum
nos derelinquere verbum Dei, ef minisfrare mensis (3).
é. Não lenho eu nesta parle idéias a reformar, peca­
dos a chorar?

('J Sess. V, e. 2. - (2) Is. LVI, 10. - (3) Acl. VI, 2.

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A PIIÉGAÇÃO 377
II. Extensão desfa obrigação. - Não, por certo,
ela não se cumpre com qualquer pregação. Exige
zêlo, aplicação, sacrifícios. Um concílio de Paris,
depois de referir estas palavras, que já-citámos: 5,�
me dicenfe ad impium.: . non fueris loculus, ipse mo­
rielur ... , sanguinem aulem ejus de manu · lua requi­
ram, diz esl' outras, bem capazes de perturbar a falsa
paz de certos pastores: �cce quale periculum prae­
dicaloribus, nisi sírenu.e ulililerque praedicaverinl I
Não basta pois pregar; não evitarei o perigo, que
me indiçani, senão pregando sfrenue ufiliferque; ora,
thá alguma fôrça, alguma ardente caridade, alguma
utilidade real, nessas exortações improvisadas e frou­
xas, em que a frieza e a indiferença não se mos­
tram menos. no que fala do que nos ouvintes? Deve­
dor a tôdas as almas que me confiou, devo variar o
assunto e a forma das minhas instruções, segundo as
diversas necessidades: dar leite aos meninos, pão aos
homens feitos; não desprezar nenhuma classe, ne­
nhuma condição, nenhuma pessoa; engenhoso em
achar d meio de instruir por outros, os que a minha
voz não pode alcançar, ou em trazer' a conversas
particulares, os que não veem ·às pregações públicas:
Publice e/ per domos.
Oh I quantos de meus irmãos se perdem, porque
nunca aprenderam, ou porque esqueceram as verda­
des necessárias à salvação I iDesgraçado de mim, se
na minha parróquia, um velho, um _enfermo, fôsse por
minha culpa, privado dos sacramentos, por não kr
feito o que eslava em meu poder para o dispôr a re­
cebê-los, dando-lhe os conhecimentos indispensáveis 1
Responderei por isso perante Deus, alma por alma,
sangue por sangue: Sanguinem au/em ejus de manu
lua requiram. Devo fazer-me ludo para lodos, custe
o que custar, para que no meu aprisco não haja uma
só ovelha, um só cordeiro, que fique estranho à minha
solicitude paternal.

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3i8 IIIEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Pesemos maduramente estas palavras de S. Gre­


gório: Ad messem mullom operarii pauci sunf, quod
sine gravi maerore /aqui non possumús; nam efsi
sunf qui hona audianf, desuni qui dicanf. f.cce mun­
dus sacerdotibus plenus esf, sed fl1men in messe Dei
rarus valde reperifur operafor: quia officium quidem
sacerdolole suscepimus, ·sed opus offic,i non imple­
mus . . . Relinquunf Deum hi qui nobis commissi sunl,
ef focemus; in pravis aclibu.s jacenf, ef correpfionis
manum non fe,:,dimus; quolidie per mulfl1s nequilias
pereunf, el eos ad infernum fendere .neg/igenfer vide­
mus (1).
�esumo da Meditação

I. Obrigação de pregar, principal obrigação


do pastor. - t. 0 De direito divino: Deus hoje fala
aos homens pelos seus ministros, como outrora pelos
seus profetas. Jesus dá-lhes a missão que rece­
beu de seu Pai, e declara-lhes que esta missão é
pregar. Os apóstolos compreenderam esla obriga­
ção. S. Paulo pronuncia contra si uma espécie de
anátema, se faltar a êste dever: Vae mihi, si non
evangelizavero., Lembra incessantemente uma obriga­
ção tão sagrada a Tito, a Timóteo e a todos os pas­
tores das almas. 2.0 De direito eclesiástico: Acha­
-se esta prescrição consignada nos cânones atribuídos
aos Apóstolos. O concilio de Trento insiste forte­
mente sôbre êste ponto. .3. 0 De direito natural:
Non occides. Tacendo pastor occidif. - Non furlum
facies. Faltar a éste dever é pecar 'c«:>ntra a justiça.

li. Extensão desta obrigação. - Não se cum­


pre com qualquer pregação. E' necessário pregar
sfrenue ufiliferque; variar o assunto e a forma das

(1) ln Evang. 1. 1, hom. XVII.

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:mi
0

A PRÉ'1AÇ'ÃO

instruções, segundo a necessidade dos povos ; dar


leite aos meninos, pão aos homens feitos, pregar a
todos: Publice ef per domos.

1:::1

LXIII MEDIJAÇÃO
A boa pregação

1. Jesus Cristo ensina-nos o que devemos pregar.


li. Jesus Cristo moslra-nos como del'emos pregar.

1. Jesus, Cristo ensina-nos o que devemos


pregar. - Um embaixador conforma-se com as ins­
truções que recebeu; trata dos negócios de que foi
encarregado. A missão do sacerdote é anunciar o
Evangelho: Praedicafe Evangelium . .. Doce/e omnes
gentes . .. ; docentes eos servare omnia quaecumque
mandavi vobis. Todo o pr-égador deve dizer de Jesus
que o envia, o que Jesus dizia de seu Pai: Ouae
audivi ah eo, haec loquor in mundo (1). - Mea
docirina non esf mea, sed ejus qui misif me (2 ). Sal­
var os homens é o 6m, que se propõs o Filho de
Deus, instituindo o ministério da divina palavra; por
conseguinte a pregação tem por assunto todo o co­
nhecimento necessário ou útil à salvação dos homens.
Primeiro o que . é de ·necessidade, quer de meio,
quer de preceito: Docendo ea quae scire omnibus
necessarium esf lJd saiu/em ( ª ). Vós, meu padre,
l não estareis iludido a respeito das verdadeiras ne­
cessidades dos que vos ouvem? Num tempo, em que
a ins.lrução religiosa eslava mais propagada que nos

(1) Joan. VIII, 26. - ( 2 ) lbid. Vil, 16. - (3) Cone. Trid.

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380 MEDITAÇÕES SACÊBDOTAIS.

nossos dias, um célebre escritor dizia: • Os que


leem alguma experiência das funções eclesiásticas e
algum zêlo da salvação das almas, vêt>m, com má­
gua, a ignorância da maior parte dos cristãos. Não
são sômenle ns pessoas do povo e os operários, são
as pessoas do mundo, aliás polidas e ilustradas,
muitas vezes até lileralos, que leem pouco conheci­
mento dos nossos mistérios e das regras da moral• ( 1 ).
Pregar sem instruir, é iludir o preceito em lugar de
o cumprir; ensinar coisas sublimes a ouvintes que
não sabem as mais elementares, é dar alimentos qu�
lisonjeiam sem proveito, em lugar daqueles que são
indispensáveis para viver.
e. Oue devemos pois prêgar, se quisermos que o
Salvador nos reconheça por seus instrumentos? -
O dogma. E' êle o fundamento da moral. Sem êle,
esla é desprovida de autoridade; baseada nêle, assume
uma respeitável e santa majestade. Deus prescreve-a,
a eternidade sanciona-a, Jesus Cristo consagra-a
com os seus exemplos, e os seus mistérios persua­
dem-na melhor que lodos os argumentos. - A moral.
Visto que a salvação só se obtém pelas obras, o
bom prêgador refere todo o seu ministério à reforma
dos costumes, segundo esta disposição do concílio
de Trento: Docendo... vi/ia quae eos declinare,
virfules quas seclari opor/tal, uf poenam aelernam
evadere, coeleslem gloriam consequi valeanf. - Os
nov1ss1mos. Bourdaloue não é o único orador sa­
grado que, no seu leito de morte, sentiu não ter ex­
posto mais vezes essas verdades dreias de fôrça, que
fazem tanta impressão na alma. J:_râ ali que os ho­
mens apostólicos iam buscar aqueles oráculos que as
populações comovidas ouviam com tão grande fruto.
- O conjunto da religião, em um plano melódico e

(1) fleury.

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A PRÉGAÇÃO 38.l
seguido, quanlo possível. O Crislianismo não é esla
ou aquela verdade isolada; é um corpo magnífico de
doutrina, em que tudo admiràvelmenle se encadeia.
Mas sobrelud9 preguemos a Jesus Cristo, e a
Jesus Cristo crucificado: Nos tÍufem praedicamus
Chrisfum cruci.ixum ( 1). façâmo-lo conhecer ao
mundo, tal como o anunciaram os profetas, tal como
êle se revelou por sua doutrina , por suas virtudes e
seus milagres; eis o que · se espera de nós, e não
dissertações filosóficas, ensino humt1.no, discursos meio
profanos. é Seria isto cumprir a missão do pregador?
Só se pode cumprir, preg1:mdo o Evangelho: Praedi­
cafe Evangelium.

li. Jesus Cristo moslra�nos com o seu exem"


pio como devemos pregar.-O zêlo, a paciência, a
brandura, a prudência distingue-se em tôdas as suas
pregações; porque o espírito de Deus o anima e o
dirige em tudo. êle tomara como ditas de si estas
palavras proféticas de Isaías: Spirifus Domini super
me: propfer quod . . . evangelizare oauperibus misil
me (2). E o escritor sagrado tem cuidado de dizer
que, se Jesus vai de um sílio- para o outro, a-fim de
levar ali a luz do Evangelho, não faz mais do que
seguir nisto o impulso do Espírito : Regressus esf in
virlufe Spiritus in Galilaeam e). E' êsle Espírito
quem o faz entrar nas sinagogas, percorrer as aldeias
e cidades, para ali propagar o fogo sagrado que
veio trazer do céu, e no qual quisera que lôda a !erra
se abrasasse: Ef eraf praedicans in synagogis eorum.
/ter faciebal per civilafes ef castella, praedicans ef
evangelizans regnum Dei. Eamus in proximos vicos,
ui ef ibi praedicem. E' êste mesmo Espíritó, quem
dá . tanta eficácia ao� seus discursos, que os seus

(1 ) I Cor. I, 23. - (2) Luc. IV, 18. - \ 3) lbid. 14.

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:182 WWITAÇÕES SACERDOTAIS

mesmos inimigos são obrigados a confessar que nunca


homem algum falou dessa ,maneira. Prega a-pesar
das contradições que lhe levantam; e ainda que prevê
muitas vezes que o seu zêlo não obterá o bom resul-
tado que tem direÍlo a esperar.
Nada cansa a sua paciência. Sem se queixar da
gente que, atropelando-o, acudia para o ouvir: Cum
furbae irruerenl in eum, ut audirenl verbum Dei ( 1 ),
e o impedia quási de respirar: E! comprimeban/
eum (2), contenta-se com entrar em uma barquinha
que o afasia um ·pouco da praia, e dali continua a
sua instrução. - i Com que prudência se acomoda aos
génios, às. disposições, . às necessidades dos que o
ouvem! t Fala aos dou!ores da lei? Emprega argu­
mentos mais fortes, porque são capazes de enten­
dê-los; aperla�os com a Sagrada Escritura: Scrula­
mini Scripfuras. Mas, quando fala ao povo, nada
mais simples que a sua palavra. São mii_ximas con­
cisas e fáceis de reler, comparações familiares, tira­
das de objeclos que lodos tinham ante os olhos: a
vinha, a semente, a figueira, as ovelhas, as flõres do
campo, ele. Fala sempre conforme a capacidade dos
ouvintes: Proul poleranf audire (3). Tai foi o mé­
todo de Jesus Cristo, dos Apóstolos, e de todos os
santos pregadores; t tem sido o meu?
Na preparação para a missa e na acção de gra­
ças, pedi a Nosso Srnhor que esleja sempre con­
vôsco, no vosso coração e nos vossos lábios, quando
anunciais o seu Evangelho, para que a virtude de
seu divino Espírito se faça sentir• aos- ouvintes em
cada ama de vossas palavras, e exerçais digna e
ulilmenle tão importante ministério: pominus sif in
carde meo ef in labiis meis, uf digne ef compefenfer
annunfiem Evangelium. Amen.

(1) Luc. V, 1. - (2) M11rc. V, 24, - (3) M111!h. IV, 33.

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0 PRÉGADOR

Resumo da Meditação

I. Jesus Cristo ensina-nos o que devemos


pregar. -A missão do padre é anunciar o EvanJ:!e­
lho: Praedicafe Evangelium. Salvar os homens foi
o fim que se propôs o filho de Deus instituindo o
minislério da pregação, Ensinar o que é de necessi­
dade; oh! quantos o ignoram! - Ensinar o dogma,
fundamenlo da moral. - O que se deve fazer, o que
se deve evitar. - Os novíssimos. - O conjunto da
religião. - Mas principalmente Jesus Cristo e Jesus
Cristo crucificado.

II. Jesus Cristo mosfra-1os como devemos


pregar. - O zêlo, a paciência, a prudência, resplan­
decem em lôdas as suas prei;iações, porque o espí­
rito de Deus o anima e o dirige sempre. - Nada es­
gota a sua paciência. - Com ,que prudencia se aco­
moda aos génios, às disposições, às necessidades :
Proul poleranf audire. - j Com que cuidado se põe
ao alcance dos que o ouvem !

IZI

LXIV MEDITAÇÃO
O pregador deve ser homem de oração
e meditação. Esta verdade demonstra-se
1. Pela Sagrada Escri(ura e pela Tradição
II. Pelo sen(imenfo e prá(ica d.e (odos ,os bons prêgadores.
Ili. Pela mesma na(ureza da prêgação..

I. A Sagrada Escritura e a Tradição. -


t. 0 Os antigos profetas não falavam aos homens,

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MEDITAÇÕKS SACERDOTAIS

senão depois de consultarem a Deus sôbre o que


tinham que dizer: Audies de ote meo verbum, diz o
Se�hor a Ezequiel, e/ annunliabis eis ex me ( 1). Os
Apóstolos, instruídos por Jesus Crisro, uniam a ora­
ção à pregação, como coisas inseparáveis; mas de
tal modo, que davam o primeiro lugar à oração,
como à fonte donde deve sair a pregação útil: Nos
vero orafioni el minisferio verbi instantes erimus (2).
S. Páulo tomava a Deus por testemunha de que não
cessava de rogar por aqueles a cuja salvação a Pro­
vidência o havia destinado: Tesfis mihi est Deus . .. ,
quod sine inlermissione memoriam vesfri facio sem­
per in orafionibus meis (3 ). Roga aos fiéis, que jun­
tem as suas orações às dêle, para que a sua prega­
ção dê fruto: Uf d.Jur mihi sermo in operalione oris
mei, cum Rdulia nofum facere mysferium Evangelii (4).
- Orantes . .. pro nobis, uf Deus aperit1f nobis os­
fium sermonis ad loquendum myslerium Chrisfi . .. ,
uf manifestem illud ila ui oporfef me loqui ( 5). -
- fralres, ora/e pro nobis, ui sermo Dei curral ef
clari.icelur (6}. l Oue pregador ousaria persuadir-se
que a oração lhe é menos necessária que ao Após­
tolo, arrebatado ao terceiro céu e instruído imedi.aia­
mente pelo mesmo Deus?
2.0 Os Doulores da Igreja insistem neste ponto.
S. Gregório diz, falando do pregador: Prius aurem
cordis aperial voci Crea/oris, ef posfmodum os sui
corporis aperiaf auribus plebis (7 ). S. Tomás ensina
que lõda 11 boa pregação deriva da plenilude da con­
templação: Ex pleniludine confemplaUonis praedica­
fio derivalur (8 ). Piedosas orações; diz Santo Agos­
tinho, são mais necessárias ao ministro da divina pa-

(ll Ezech.. IU, 17. - (2) Acl. VI, 4. -( 9) Rom.. l, 9. -


(4 ) Eph. VI, 19. - (5 1 Coloss. IV, 3, 4. - (6) 11 Thess. 111, t.
- l 7) ln Ezech. 1, 1. Homil. 1. - (8) .2. 2. 11rf. 6.

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O PRÉGADOR 385

lavra, que lodos os- recursos da arle oralória: Pie/ale


magis orafionum, quam oralorum facul/afe indiget.
Antes de exercer perante os povos o ofício de dou­
lor, lenha grande cuidado em exercer peranle Deus
o de suplicanle; Si! orafor anfequam dicfor. Au­
menle o fervor da· sua oração, à medida que .se avi­
zinhar a oc.tisião de falar, para que o seu discurso
só seja urna expansão dos sanlos afeclos hauridos
na rnedil_ação: Priusquaui' exeraf proferenfem lin­
guam, ad Deum levei animam sifienfem, ui erucfet
quod biberif, vel quod impleverif fundai, e esla é a
razão que nos dá dêste preceito: Quis novif, diz êle,
quid ad praesens (empus dicere expedia!, nisi qtJi
corda omnium novif? ef quis facif ui quod oporfef,
ef quemadmodum opor/e!, dicafur a nobis, nisi in cu­
jus mç1nu sunf ef nos ef sermones? (1) fazei, ó meu
Deus, que esta verdade penetre o coração dos vos­
sos minislros, encha a alma dos que leem a honra de
anunciar a vossa palavra, e vê-la-emos ainda fazer
prodígios pela glória de vosso nome e sanlillcação
de vosso povo.

•11. C> sentimento e a prática dos verdadeiros


pregadores teem, sempre confirmado esta doutrina.
- • O primeiro conselho que lenho a da-r-.vos para
que exerçais com fruto o minislério da palavra, é que
oreis bem; o segundo é que oreis bem; o terceiro, o
quarto, o quinto e o décimo é que oreis bem• ·(2 ). -
• Os ministros de· Jesus Cristo, diz, Bossuet, leem
dois principais encargos: falar a Deus pela oração;
falar aos povos pela pregação do Evf\ngelho.- Vós,
sacerdotes, que ,:;ois os anjos do Deus dos exércitos,
vós deveis incessanlemenle subir e descer, corno os
anjos, que viu Jacob no deserto. Subis da terra ao

(1) S. Aug. 1. IV. de Doclrina Chrisfi. - (2, P. Lejeune.

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386 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

céu, quando unis o vosso espíf'ilo a Deus pela


oração; desceis do céu à terra, quando trazeis aos
homens as suas ordens e a sua palavra. Subi pois,
descei incessantemente, isto é, orai e pregai: falai a
Deus, falai aos homens, ide primeiramente receber, e
em seguida vinde difundir as luzes; ide beber. na
fonte; depois vinde regar a terra e fazer. germinar o
fruto da vida. Não me t1dmiro que êste fiel servo de
Deus (o P. Bourgoing) pregasse tão santamente os
mistérios de Jesus Cristo, que tinha meditado tão
profundamente. O' Deus vivo e eterno, ( que zêlo,
que unção, qu� doçura, que fôrça •I (1).
' Todos os homens de Deus,. aos quais foi dado
fazer grandes coisas pela pregação, leem proclamado
unãnimemente, que a oração é a verdadeira mola da
eloquência cristã; e o que êles ensjnavam, pratica­
vam-no fielmente. Era depois de passarem horas e
algumas vezes noites inleirns a orar, que os viam su­
bir ao púlpito. Por isso, • a palavra evangélica ·saía
das suas bôcas viva, penetrante, animada, cheia, de
espírito e de fogo. Os seus sermões não eram tanto
o fruto de um longo estudo, como de um celeste Íér­
vor, de uma rápida e repentina ilustração• (2). En­
chiam-se da graça que lhes dava ,a oração para se
comoverem e comoverem aos outros. As suas comu­
nicações íntimas com Deus eram a verdadeira causa
de seus bons éxifos. Pregunlarei agora, por que ra­
zão a mesma palavra, que era nas suas mãos uma
espada de dois gumes, e o instrumento de tantas vi­
tórias alcançadas sôbre o inferno, nãe é nas minhas
senão ·uma espada embotada e incápaz de fazer nas
almas saüdáveis feridas. l Oue é urµ pregador sem

(1) Oração fúnebre do P. Bourgoing. - (!) Bossuel. Ibi­


dem.

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O PRÉGADOR 387
espírito de oração? ks somms, aul cymbalum fin­
niens (1).

III. A mesma natureza da pregação exige o es­


pírito de oração. - Já vimos o grande Apóstolo ex­
pôr os motivos que o obrigavam a orar e a pedir
orações pelo bom éxito da sua pregação: a oração
prepara os caminhos à pal�vra de Deus. Destrói os
obstáculos.. que a impediriam de se propagar: UI ser­
mo Dei curral. Dá-lhe aquele poder que opera os mi­
lagres da graça: el clariGcelur. E' necessário que
Deus abra os lábios e inspire confiança aos que es­
tão encarregados de pregar a palavra divina, que os
ensine a anunciá-la de uma maneira eficaz: Ut defur
sermo in operalione oris mei cum íiducia nofum lacere
mysletium Evangelii . .. , ifa ui oporlef me loqui. Só
êle conhece as disposições, as necessidades dos ou­
vintes, e por conseguinte a palavra, que há-de ser
para êles uma palavra de salvação. E' necessário
que êle a ponha nos lábios de seu miriistro; mas é
necessário também, que abra o entendimento e o co­
ração (2) dos que devem ouvi-la; que os incline a
submeter-se-lhe, porque desgraçadamente nem todos
obedecem ao Evangelho (3).
A pregação é uma obra de zêlo, de abnegação,
de amor de Deus e do próximo ; é. e não é na medi­
tação que êsle amor se incendeia? ln medilafione
mea exardescef ignis ('). Ao sair de uma boa medi­
tação, eu compreendo a importãncia do ministério da
divina palavra, sinto um ardente desejo de salvar as
almas, cujo valor infinito me foi revelado pelas lágri­
mas e pelo sangue de Jesus Cristo. Só penso em
fazer um discurso útil, em lugar de me extenuar em

(1) I Cor. XIII, 1. - (2) Act. XVI, 14. - (3) Rom. X, 16.
- \� ! . Ps. �XXVIII, 4.

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388 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

busca de pensamentos sublimes ou de ornatos frívo­


los; e assim estou preservado dessas inquietações do
amor próprio, que rios tiram mefade ele nossas fôrças.
Demais disto, l qual é o fim da pregação? tE'
sõmente convencer os espíritos? E' principalmente
mover os corações. Uma vez ganho o coração, a
vontade cede, as cadeias quebram-se, os sacrifícios
fazem-se e a virtude triunfa. E' necessário pois mo­
ver o coração, inflamá-lo, atraí-lo ;· é necessário exci­
tar as paixões nobres, assustar as con&ciências cul­
padas, causar-lhes impressões profundas, que as de­
cidam a agir: Frustra persuadefur verum esse quod
dicilur, · frustra placef modus quo dicilur, si non ifa
dicilur, uf agafur (1). Ora, para falar ao cor'ação, é
necessário que as palavras saiam do coração; o meio
de ""tomover, é comover-se: Oui non ardei, non in­
'cendit (2). Mas se um padre está profundamente pe­
netrado das verdades que anuncia, a sua voz, o seu
gesto, o seu rosto, a unção das suas palavras cau­
sam �os ouvintes as impressões que êle sente.
Nada comove ·tanto como o aspecto e a voz de
um home(JI comovido; e é nas conversações com
Deus, que nos enchemos dessas chamas celestes, que
dão tanta vida à pregação.
Senhor, derramando com abundância o espírito
de graça e de oração (3) sôbre os que. vós enviais à
conquista das almas, vós os fazeis instrumentos da
vossa grande misericórdia pela prêgação do Evange­
lho; vós só concedeis aos homeos de oração que.
anunciem digna e utilmente a vossa santa lei. Bus­
cando unicamente a vossa glória, êles recebem as
suas inspirações só de vós; falais pela sua. bôca,
santificais pelo seu ministério. R�cebem na vossa

(1) S. Aug. 1. IV de Doclrina Chris/i. - (2) S. Greg. -


(3) Zach. XII, to.

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O PRÉGADOR :.J89
verdade a luz .que alumia os cegos, e no vosso amor
o sôpro de vida que ressuscita os mortos. O' meu
Deus, dai-me o ·espírifo de oração. Fazei que eu es­
time e pratique com fervor um exercício tão necessá­
rio ao que deve ser um ,Santo e ensi,nar a santidade.
Formai em mim o hábito de orar antes da pregação,
durante ela e depois dela, para estar sempre unido a
vós;· erilão os corações se.rão de novo, criados; e a
vossa pa)ayra poderosa, que vós mesmos anunciareis
pela minha bôca, cedo ou tarde renovará a face do
campo . espiritual que me confiastes: Emilfe Spirilum
ftium, ef creabunfur, e/ renovabis. faciem ferrae.

Resumo da Meditação

I. A Sagrada Escrifura e a Tradição. - Os


profetas e os apóstolos uniam a oração e a prega­
ção como coisas insepa"ráveis. Os ,doutores da Igreja
S. Gregório, S. éfomás, Santo Agostinho, etc., antes
de exercer perante os povos o ofício de doutor, ti­
nham cuidado de exercer perante Deus o de supli­
cante: Quis novif quid ad praesens fempus dicere
expedia!, nisi qui corda omnium novif?

II. O sentimento e a prática dos verda�eiros


pregadores leem sempre confirmado esta doutrina.
-O P. Lejeune, Bossuet; etc., lodos os homens
apostólicos leem proclamado que a contemplação é
a verdadeira mola da pregação. E.n(:hiam-se da gra­
ça que dá a oração, para se santificarem a si e aos
seus ouvintes. l Oue vem a ser uma pregação sem es­
pírito de contemplação? .JE.s sonans, cymbalum fin­
niens.

III. A .mesma natureza da -pregação exige o


espírito de oração. -A oração prepara os caminhos
à palavra de Deus. Destrói os obstáculos que a im-

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390 MEDITAÇÕES SACJi,RDOTAIS

pediriam de se propagar. Deus conhece as disposi­


ções e necessidades dos ouvintes, e por conseguinte
a palavra que convém dirigir-lhes; à sua bênção é
que ela deverá o seu bom resultado. A pregação é
uma obra de zêlo, e é na meditação que o zêlo se
abrasa. O meio de comover é comover-se.

LXV �EDITAÇÃO
Preparação para o ministério
da divina palavra

1. Ouel é II suo imporliincin e necessidede.


li. Em que consiste esso prep11r11çiio.

I. E' necessário que o padre se prepare para


a pregação. - Êsle ministério fundou a Igreja e êle a
conserva. E' êle o principio de lôda a vida sobrena­
tural e cristã que há no homém, e por conseguinte
é êle principalmente, que realiza os d�is maiores
bens, que se podem desejar: a glória de Deus e
a salvação do género humano. Pregunlar se devo
preparar-me para um ministério desta importância, é
pregunlar se me é permitido lentar ao Senhor, faltar
ao respeito à sua palavra, e arriscar os inlerêsses
imensos da grande missão que me confiou.
Com efeito, se subo ao púlpito sem me preparar,
fora dos casos de verdadeira necessidade, que dão
um direito particular à assistência do céu e à indul­
gência dos ouvintes, é. poderei esperar que Deus faça
um milagre, para animar a minha presunção ou re­
compensar a minha negligência? l Confiarei que ins­
truirá, comoverá e converterá com um discurso que,

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O PRÉGADOR 39l
de ordinário, nada tem do que é capaz de produzir
êsses bons efeitos, nem ordem, nem solidez, nem un­
ção? é. e não é isto tentar a Deus? Corro o risco de
me encontrar em um érnbaràço, que me será impossí­
vel dissimulàr, de cair em repetições fastidiosas, de me
perder em digressões infindas, de proferir expres­
sões inconsideradas, de falar sem dignidade. é. Não é
cometer urna irreverência para com a palavra sa­
grada, à qual é d1:vido tanto respeito? Avillo o meu
ministério no espírito dos que me ouvem, e daqueles
a quem comunicarem as suas impressões. Crio nas
almas um desgôsto do .pão da divina palavra tão ne­
Cfssário à sua viê:la, e afasto-as da religião. - é. E não
é isto deshonrar ao Senhor, de quem sou o embaixa­
dor, e arriscar o bom resultado da minha embai­
xada?
Dlsprezando a preparação, eu fa)laria às condi­
ções mais indispensáveis da pregação boa e útil.
Teria falia de exaclidão: saindo da verdade por
excesso ou por defeito, dizendo muito ou não dizendo
bastante. Os mais hábeis não acham sempre a ex­
pressão própria que a verdade requer. é. Ouantas pa­
lavras temerárias e pouco teológicas em certas expli­
cações inconsideradas em que se cai contra vontade?
Mas então é. merecerei f'U êste elogio: Magisfer, viam
Dei in verifafe doces? é.Poder-se-á dizer que a minha
doutrina é sã e irrepreensível: Verbum sanum, irre­
preensibile? (1)
Teria falia de precisão: porque é mister lraba­
lho, para cariar do discurso tudo o que, não se diri­
gindo ao fim proposto, obscurecesse a verdade, em
lugar de a aclarar. Não é fácil ser conciso, quando
se não domina o assunto.
Terio falla de inferêsse. Os conceitos fecundos,

(1) Til. 11, 8.

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392 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

as imagens vivas, as comparações naturais, a boa


ordem, a dição pura e ornada, sem sair da simplici­
dade: tudo isto bem poucos o poderão .improvisar.
Daí tantas exortações enfadonhas, e portanto inúleis.
Daí esta observação bem fundada : Oue · uma prega­
ção que nada custou a preRarar, custa muito a ouvir.
Devo pois preparar-me, escolher a ocasião, dispôr os
meios; a mesma lei, que me obriga a pregar, obri�
ga-me a pregar de um modo conveniente e com utili­
dade.

II. l Em que consiste p5incipalmente a prepa­


ração para o ministério da divina palavra? - Estu­
dar com atenção o assunto ·de que devemos tratar, e
pôr-ncs em estado de merecermos ser instrumenlos
da divina misericórdia.
l .º Pôsto que a acção de Deus seja in1lepen­
denle da nossa, pois muitas vezes santifica as almas
por meios. que nos são desconhecidos, êle quer toda­
via que os seus minislros empreguem os que a sua
Providência estabeleceu para servirem de canal à sua
graça. Se lhe aprouve salvar aos 'que crêssem nêle­
pela estullícia da pregação : Placuil Deo per sfulfi­
fiam praedicafionis salvos facere , credenfes ( 1), não
deixa por isso de querer que a nossa pregação seja
sábia e prudente; que seja preparada com estudo e
trabalho. Ainda mesmo nos primeiros tempos da
Igreja, quando quási lodos os pregadores eram ho­
mens de milagres, S. Paulo exigia que Timóteo cui­
dasse em se instruir e em instruir os outros: Affende
/ectioni, exhorfafioni ef docfrinae.
Êle mesmo necessita de tornar a vêr os seus li­
vros, e pede ao seu discípulo, que lhos traga· ( 2 ).
E' preciso pois estudar o assunto. O que conhece

(1), I Cor.!, 21.-(2) I Tim. IV, 13.

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O. PRÉGADOR 393

bem a matéria, o que aprofundou e comparou


as diversas parles, sa êsse a �omina e dispõe dela­
como quer; .levanta o. seu estilo, abaixa-o, estende ou
restringe a exposição, segundo a necessidade dos
seus ouvintes. Devemos buscar as melhores coisas
para dizer, e o melnor modo de as dizer; mas, alé_m
disto:
0
2. Devemos merecér, quanto possível, ser os
instrumentos da graça. Jesus Cristo vai falar pela
nossa bôca; e. que lemos nós a• fazer, senão unir-nos
a êle, entregar-nos ao seu espírilo, para que' cumpra
por meio de nós, em favor de .nossos irmãos, os de­
sígnios da sua misericórdia? Para isto, conforme­
mo-nos com as suas adoráveis intenções: renunciando
a lodo o inluifo, a lôcjas as considerações do am_or
próprio, visto que lhe agrada um coração puro, apa­
guemos com um ado de contrição, as faltas que te­
mos come1ido. No sagrado altar, antes de lêr o
texto do Evangelho, roguemos ao Senhor que purifi­
que os nossos lábios, como purificou os do profeta
Isaías: Oui labia lsaiae prophefae calculo mundasfi
ignifo; e é muito útil fazer com fervor a mesma sú­
plica, antes de começar a prêgação. S. francisco 'de
Sales deseja que se faça a confissão dos pecados e
se diga missa: • Custa a crêr, diz êle, depois de
S. João Crisóstomo, quão temível é aos demónios a
bõca dç · pregador -que recebeu a Jesus Cristo; tem
mais afoiteza, mais zelo e mai_s luz. (1).
Disce per oralionem: invoca me, ef venief in te
Spirilus sapienfiae. Disce per sludium: scrufare
Scripfuras, ibi invenies jacu/a ... lmple ergo cor fuum
eloquiís meis, ui ex abundanfil1 cordis os loqulJlur . ..
Cum cafhedrlJm lJscensurus es, cogita me esse prl1e­
senfem: me Verbum .lJefernum, voce fulJ ufi lJd

(1) Carla ao arcebispo de Bourges.

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395. Ml!DITAÇÕl!S SACl!BDOTAIS

séJ/véJndéls éJniméJs. Sis quasi unum mecum esses,


cum spirifu meo, cum chéJrilafe meéJ, cum pofesfafe
meéJ (1).

Resumo da Meditação

1. E' necessário que o padre se prepare para


a pregação.- Pregunlar se esta preparação é ne­
cessária, é preguntar se é permitido tentar a Deus,
faltar ao respeito à sua p�lavra e inutilizar um minis­
tério, em que se funda tôda a religião. - Sem prepa­
ração, arrisco-me a ter falta de exadidão, de preci­
são e de interêsse. A mesma lei que me obriga a
pregar, obriga-me a pregar de um modo conveniente
e com utilidade.

II: Em que consiste esla preparação. - Estu­


dar o assunto e pôr-me em estado de merecer ser
o instrumento da misericórdia divina. - Uma prega­
ção que não é preparada pelo estudo e trabalho, é
uma pregação imprudente. S. Paulo quer que Ti­
móteo cuide em se instruir e em instruir· os ou­
tro-s. - Devo merecer, quanto possível, ser o instru­
mento da graça. Mas para isto é preciso que eu me
una ao Salvador, entregando-me ao seu espírito:
Disce per ornfionem : invocéJ me, ef venief in te Spi­
rifus Sélpienfiae. . . lmple cor fuum eloquiis divinis,
u( ex élbundéJnliéJ cordis os loquafur.

(1) Memor. vil. sacerd., cap. LIII.

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VAIDADE NOS SERMÕES 395

LXVI MEDITAÇÃO
Vaidade na pregação

1. Ouiio pecaminosa é.
li. Ou11nlo devemos evilá-111.

I. Pregar com intuitos de vaidade, é grande


desordem, de que devemos fugir. - E' ofender a
Deus em um ministério que tinha por objecto a sua
glória; é ofender o próximo, e prejudicar-se a si
próprio.
1. 0 E' ofender a Deus. O pregador é o embai­
xador de Jesus Cristo, enviado para submeter à sua
obediência, almas que tinham sacudido o seu jugo e
recusavam servi-lo. Mas, l que foz êle, se ouve as
inspirações da vanglória e cede ao desejo de ser lou­
vado? Rebela-se contra o seu supremo Senhor.
Suplanta-o de alguma sorte, e quer !ornar-lhe o lugar
na estima das criaturas. Semelhante a Judas que,
no exercício de seu apostolado, se propunha um sór­
dido lucro, êle 'tem em vista o inlerêsse não menos
vil do seu orgulho. Mais desejoso de adquirir reno­
me, que de ganhar almas para Jesus Cristo, profana
a santidade do púlpito, fazendo do lrôno .do Evan­
gelho a sede da sua vaidade, o pedestal da sua am­
bição. « Avilla a sua dignidade, diz Bossuet, até
servir-se do ministério de instruir, para satisfazer o
seu desejo de agradar; não se envergonha de com­
prar palavr.as de lisonja com a palavra da verdade;
louvores, vãos alimentos de um espírito leviano, com­
prados com o alimento sólido e substancial que Deus
preparou aos seus filhos: que indignidade I tE'. assim
que fala Jesus Cristo por nossa bôca • ?
l Não é adulterar a divina palavra, empregii-la,

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;J9G MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

não para granjear a Deus filhos espirituais, mas para


buscar admiradores e lisonjeiros de si mesmos?
Adulleranles verb1:1m Dei {1). - Adulterare verbum
Dei esf, ex eo non spirifuales fruclus quaerere, sed
adulterinos fruclus laudis h 'il'1anae (2). S. Jerónimo
diz de semelhante pregador: Notnen Dei despicif,
panem polluif docfrinéJrum, el in ipsum Deum jacil
conlumelit1s (3).
2.0 E' ofender o próximo. Imaginai um pai que
acudiu a salvar os seus filhos de algum grande pe­
rigo. é. Oue se diria, se, menos preocupado do livra.
menta dêles, que do conceilo que os espectadores
formam das suas maneiras hábeis, êle se consolasse
com a. inutilidade de seus esforços, com tanto que
louvassem a .sua destreza? 1, Oue brado de indigna­
ção ·se levantaria contra esta fria· crueldade? Tal é
todavia o proceder inqualificável do pregador vai­
doso. Pai de seu povo, �nviado para arrancar os
seus filhos ao horror de um suplício eterno, não
pensa tanto em livrá-lcs desta terrível desgraça como
em vangloriar-se dos seus talentos. é. Onde está a
caridade, onde está a compaixão?, é. Oue alimento
há para as almas, nos discursos em que ludo é pre­
par'ado para servir de pábulo à soberba?.
A única pregação útil é a que o Senhor abençôa;
ora o Senhor enche de maldição os sbberbos: Adim­
plebifur malediclis (4 ). Logo que um pregador pre­
fere a estima dos homens à de Deus, não busca nem
no seu assunto, nem na maneira de o expôr, o que
seria capaz de instruir e comover,- mas sim o que o
fará sobressair. é. Não· será compreendido do povo?
Oue lhe importa? Non ilias appefif erudire, sed se
osfendere: nec inluefui' quam jusfi qui audiunf lianf,

(1) li Cor. IV, 2. - (2) S. Greg. Mor. I XVI. - (3) ln


Malach. proph. e. I. - (4) Eccli. X,. 15,

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VAIDADE NOS SEllMÕES 397

sed ipse quam doclus, cum audifur, appareaf (1).


5. Isidoro resume dêsle modo as qualidades de urna
boa pregação : Sermo debef esse purus, simplex,
aperfus, plenus gravilafis e/ honesfafis, plenus suavi­
tatis e/ graliae (2). O pregador vaidoso subordina lã­
das estas regras ao fim que se propõe: ser, admirado.
Longe de edificar, destrói. A sua vaidade transpira
de lôda·s as parles; escandaliza, e dá ocasião a que
se duvide se êle dá importáncia ao que prega.
3.0 E.' prejudicar-se a si próprio. Segundo a
Sagrada Escrih,ira e os SanJos Padres, os pregado­
res são os semeadores da eter:n.idade: Safores aefer­
nifafis. Inspirando o lernot, de Deus, e acendendo o
desejo dos bens celestes, depositam nos corações os
germes da felicidade eterna, e pela excelente caridade
que praticam, preparam para ,si a mais esplêndida
messe; mas se, em lugar de se deixarem guiar pelos
intuitos de fé, buscam a glória humana, e. que rec�­
lhem êles de tôdas as suas fadigas? Se ao menos
só houvesse nisso um trabalho inútil e merecimentos
perdiqos ! . . . Mas há um terrível perigo para a sal­
vação: Praedicafor qui sibi plausum quaerif, non
conversionem populi .. . damnabifur; tum quia prae­
dicalionis of!icio ad laudem, non Dei, sed suam, abu­
sus esf ,: fum quia vanam gloriam sibi finem ultimum
praeGxil; tum quia saiu/em foi animaram sibi credi­
tam impedivil e/ everlif ( 3 ). Concluamos pois com
S. Lourenço Justiniano: Odibilis plane Deo res ex
sermonibus sacris vu/garem famam appelere, Chris­
to.qiJe negletlo, in affeclibus morlalium se velle impri­
mere. Ta/is ... adu/fer esl, sui condiloris raptor glo­
riae, ef animae suae crudelissimus inferempfor (4).

( 1 ) S. Greg. Mor. 1. XXXV. - (2) Offic. 1. 11, cap. Ili. -


(3) •Comei. a Lap. in Luc. e. VI. - (4J De insfil. e! regim.
Praelof. é. VII.

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398 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Oh ! que remorsos há de ter semelhante pregador,


quando se aproximar. o juízo 1

II. Como devemos combater a vaidade na


pregação.-!.º Primeiro que tudo convençamo-nos
de que esta tentação é sedutora, e de que os sacerdo­
tes mais santos a ela estiveram expostos. Jesus Cristo
assusta-se por causa dos seus discípulos, quando vê
que muito alegres lhe referem os bons resultados de
seus primeiros trabalhos (1). S. Gregório Magno diz
de si mesmo no último capítulo do tratado de Moral :
• Se perscruto o meu coração a respeito da intenção
que me levou a compõr êste livro, vejo que me de­
terminei a fazê-lo com o fim de agradar a Deus ; mas
reconheço ao mesmo tempo que se ajuntam 11lgumas
vezes a esta primeira intenção, outras menos -puras e
um certo desejo de glória humana, que se apodera do
meu espírito, como um ladrão, que se arremessa de
súbito sõbre o viandante, no meio do seu caminho•.
Oh ! quão raro é que uma pessoa se esconda a si
mesma, para que só apareça Jesus Cristo no s�u mi­
nistro, o sacerdote no homem, o apóstolo no pre­
gador 1
2." Meditemos os conselhos de S. Francisco Xa­
vier ao padre Barzeu: • Como oiço de tõdas ,as par­
tes elogiar as vossas pregações, receio que à fôrça
de agradar a tôda a gente, deixeis de desagradar a
vós mesmo. Nada vos pertence no vosso ministério,
senão as faltas que nêle cometeis. Crêde que, se
Deus dá aos vossos discursos fôrça e luz, ainda que
disso sejais indigno, é um favor concedido, não aos
vossos merecimentos, mas às orações da Igreja e à
piedade do povo. Não· esqueçais, que dareis a Deus
uma rigorosa conta dêsse dom, que vos foi confiado

( 1) Luc. X, fr, 18.

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VAIDADE NOS SERMÕES 399

para proveito dos outros . . . Comparai o fruto de


vqssas pregações com o fruto muito mais abundante,
que resultaria delas, se não obstásseis com as vossas
culpas aos desígnios da divina bondade. Lembrai-vos
de tantos pregadores que, depois de ferem pregado
aos outros, se condenaram, só porque lhes faltava a
h1.1mildade; pregavam com eloqüência e admiràvel­
menfe, e foram lançados nas chamas eternas, porque
atribuíram a si uma glória que era só devida a
Deus•.
0
3. O pregador deve portanto vigiar continua­
mente sôbre si, renovar muitas vezes a intenção, para
não fazer um gesto, dizer uma frase, uma palavra, com
que lenda a distinguir-se é a provocar a admiração.
Longe de buscar elogios, envergonhai-vos dos que
vos dão, porque é muitas vezes uma .prova de que
faltastes ao fim da pregação, que é a emenda dos
ouvintes. Se estivessem verdadeiramente comovidos
e convertidos, pensariam em outra coisa, que não na
beleza dos vossos discursos : Lacrymae audienfium
plausus sinf fui (1).
S. Paulo não rect>ava que o desmentissem, quando
escrevia aos Coríntios: Non .nos praedicamus, sed
Jesum Chrisfum. O meu modo de falar no púlpito
l autoriza-me a dizer isto mesmo? é. Não fiz nunca
nascer êste pensamento no espírito dos que me ou­
viam: • Eis um padre que não !em abnegação de si
próprio; não, não é unicamente a glória de Deus e
a nossa salvação, o que êle busca•?
Daqui a alguns instantes, ó alma minha, seremos
o tabernáculo de Jesus. Ouando os anjos cantarem
em redor de nós: Exulta, ef lauda, hahifafio Sion,
quia magnus in mediõ fui Sancfus israel, oiçamos
esse Deus Ião grande e tão bom, fazer-nos esta pa-

(1) 5. Hier. ad Nep.

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400 MEDITAÇÕES SACER_DO_T_A_IS
_______

terna! exortação: Non in persuasibilibus humanae


sapienfiae verbis, sed in virfufe Dei, praedica, .i)i.
Non sermones prurienfes auribus, sed corda pene­
Irantes edidi ego, dum inter homines versarer; abQega
fe ipsum, fifi, ef sequere me. Ouaere gloriam meam,
quaere proximi salufem; nihil dicas quod ad hos fines
non tendal (1).

Resumo da Meditação

1. Pregar com intuitos de vaidade, é grande


desordem e devemos fugir disso. -E' ofender a
Deus em uma função que só tem por objeclo a sua
�lória, é ofender o próximo e prejudicar-se a si. -
Suplantar a Deus e tomar o seu lugar na estima das
criaturas, comprar palavras de lisonja com a palavra
da verdade . . . l Oue coisa mais indigna ? E' o que
5. Jerónimo chama: Nomen Dei despicere, panem
polluere docfrinarum, ef in ipsum Deum facere confu­
melias. -Ser pai de seu povo .e cuidar menos em
salvar os filhos do que em revêr-se nos seus talen­
tos: l onde está a simples compaixão? Semelhante
pregador não procura irístruir nem comover; longe
de edificar, destrói. Os ouvintes preguntam a si pró­
prios se êle dá alguma importância ao tjue diz. -
l Oue recolhe êle do seu trabalho? Oui sibi plausum
quderif. . . ddmnahilur . .. , /um quia Vdnl1m gloril1m
sibi finem ullimum praefixif: tum quia saiu/em foi
animarum sibi credilám- impedivif ef everlil.

II. Como se deve combater esta tentação. -


Temendo-d. Os maiores Santos estão expostos a ela.
Jesus Cristo teme que venha sõbre os seus ,apósto­
los: Videbl1m Safélnl1m sicuf fu/gur de coe/o cl1den-

( 1) Memorial vil. sacerd., e. Lili.

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PESCAIIOR DE HOMENS

tem ( 1). Oh ! quão raro é que um pregador se es­


conda a_ si mesmo, para só se ocupar da glória de
Deus! Meditar os sábios conselhos de S. Francisco
Xavier a êste respeito. Vigiar continuamente sôbre
si, renovar muitas vezes a intenção. Pôr-se em estado
de dizer com S. Paulo : Non nos prdedicdmus, sed
Jesum Chrislum.

LXVII MEDITAÇÃO

O pregador, pescador de homens: Ex hoc jam


homines eris cdpiens (2)

1. As, duas pescas milagrosos do Evangelho são II imagem da


pregação.
li. O que assegura o bom éxilo da pesca espiri[ual, ou da pre­
gação.
Ili. O que faz o bom padre depois de uma pesca abundante, ou
de uma feliz pregação.

I. A pregação é uma pesca espirilual. - Deus


linha prometido envia( ao mundo um grande número
de pescadores, que pescariam almas: Ecce ego mil­
Iam piscafores mui/os, dicil Dominus, el piscabunfur
eos (3). -Esta promessa cumpriu-se, � cumpre-se ainda
todos os dias na pessoa dos pregadores da palavra
de Deus. Diz-se a lodo o sacerdote· chamado ao mi­
nistério apostólico : Ex hoc jam homines eris capiens.
Os homens, diz S. Gregório de Nazianzo, nadam
nas águas amargas, no meio das ondas agitadas e

(1) Luc. X, lô. - (2) Luc. V, 10. - ( 3) Jerem. XVI, 16.

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402 MEDITAÇÕES SAOEIIDOTAIS

das praceias desta triste vida ( 1). Sem caridade, sem


concórdia, devoram-se uns aos outros (2). E� ali que
os vai apanhar, para sua felicidade, a rêde da divina
palavra. O pescador não, pode saber que peixes
apanhará, nem o pregador que pessoas, entre as que
o ouvem, se aproveitarão do seu zêlo (3).
Jesus Cristo, querendo excilar a fé e a esperança
de seus mmistros, fêz pelas mãos de seus apóstolos
duas pescas milagrosas: · uma quási na ocasião da
vocação dêles, a outra depois da sua ressurreição.
Esta úllima levou vantagem à primeira; naquela a
rêde foi deitada para a parle direita e para .a es­
querda; nesta só o foi para a parle direita : Miffife
in dexferam navigii rele (4). Na primeira rompe-se· ll
rêde; o que não aconteceu na segunda, por maior
que fõsse a multidão e o tamanho dos peixes. Em
uma há mistura de bons e de maus peixes, sem
número determinado; na outra, a rêde só contém
5
peixes escolhidos, e o seu número está fixaélo ( ).
Estas duas pescas, diz Santo Agostinho, são a figura
da Igreja em seus dois diferentes estados, tal como é
agora e tal corno será depois da ressurreição geral (6).
A primeira representa a Igreja militante, comparada

( 1) Homines nafanfes in mobilibus rebus, ef amaris hujus vi­


tae procellis. Oral. XXXI.
(2 J Mare in figura dicilur s11eculum hoc , • , , ubi homines cu­
pidifatibus perversis ef pravis sunf velul pisces se invicem devoran­
tes. S. Aug., Enarr. in Ps. LXIV.
(3) Sicul qui relia jacfat in aquam, nescil quos plsces com­
prehensurus si!; sic ef dador, quando divini sermonis relia super
populum jacfaf, nescil qui sinf accessuri aa Deum. Aucl. oper. im­
perf. in Maflh. Horn. VII.
(4) Joan. XXI, 6.
. (51 Plénum magnis piscibus cenlum quinquaginfa tribus. Joan.
XXI, 11.
(º) Sicut hac signiGcafa esl Ecclesia, qualis in fine saeculi fu­
tura sif; ila alia piscalione signiflcafa esf qualifer nunc esl, T racf.
CXXII, in Joan,

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PESCADOR DE HOMF.NS

pelo Salvador sagenae missae in mare, ef ex omni ge­


1
nere piscium congreganfi ( ). Os scismas -e as here­
sias dilaceram o seu coração maternal ; ela contém
justos e pecadores, escolhidos e réprobos. Na se­
gunda, deve-se vêr a Igreja triunfante, ou os predes­
tinados, que no fim dos -tempos serão conduzidos à
eterna bem11venlurança.
O ministério sacerdotal é o inslrurnenlo destas
duas pescas. O padre é diamado a tirar os homens
dêsse abismo de êrros e de vícios, em que estão
imersos, corno os peixes na água, para os levar a vi­
\·er para Deus no tempo, e a participar da felicidade
dêle na eternidade. Assim corno o mesmo Salvador
juntou os peixes naquele ponto do mar, onde os
apóstolos haviam dC! deitar a sua rêde, e lhos meteu,
por assim dizer, nas mãos, assim todos os dias con­
duz os ouvintes ao pé do púlpito sagrado, e os dis­
põe a aprovei lar-se da divina' palavra. e Como lenho
eu exercido até ao presente tão admirável ministério?
e.Tenho lrazido com as minhas pregações muitas al­
mas à fé, à graça; para as preparar para a glória
eterna?

II. O que assegura o bom resultado da pesca


apostólica. - E' fazê-la em pleno dia, alumiado por
uma fé viva, sustentado pela confiança, animado de
um espírito de conéórdia e de caridade.
1. 0 e Por que razão tantos pregadores, chegando
ao tribunal de Deus, serão obrigados· a reconhecer
que nenhurn fruto tiraram dos seus esforços? E' por­
que em lugar de trabalhar em pleno dia, rec;:ebendo
as suas inspirações da fé, exerceram a sua função
celeste com intuitos terrenos : pondo o homem no lu­
gar de Deus, e buscando-se a si: Tola nocfe labo-

(1) Mallh. XIII, 14.

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�llmITA ÇÕES SACERDOTAIS

ranfes nihi/ cepimus. Jesus Cristo não eslava ali : Ilia


nocle nihil prendiderunf; de manhã, mane twfem
facto, quando Jesus está de.ante de nós, sfelif Jesus
in lilfore; quando nos deixamos dirigir pela sua di­
vina lei, e não pelas falsas luzes da prudência da
carne, as coisas mudam de face.
2. 0 A convite de Jesus, Pedro não faz objecção
alguma, e consente em deitar a rêde : Praecep/or,
per lotam noclem laborantes nihil cepimus; in verbo
aufem fuo laxlJbo rele. S. Boaventura explica assim
estas palavras: O nosso trabalho foi baldado durante
a noite, porque tínhamos confiança na nossa própria
indústria; mas agora não sucederá o mesmo, porque
é em vós, Mestre, que confiamos e não em nós ( 1).
e. Foi a sua confiança iludida? Et cum fecissent, con­
cluserunf piscium mul!itudinem copioslJm. e. Oueremos
comover a Deus, e obter tudo da sua bondade?
Tenhamos fé nas suas promessas, e trabalhemos.
Ouanlo detesta a presunção, filha da soberba, tanto
gosta de vêr em nós a humildade, mãe da confiança.
Oh I que fôrça não tem um sacerdote, quando, apre­
senfondo-�e a um povo, lhe pode dizer com a afoi­
teza de Moisés, falando aos filhos de Israel: Oui esf,
misif me lJd vos! (2). Esta firme esperança é um dos
dons que mais resplandecem nos primeiros prêgado­
res do Evangelho: Repleti sunf omnes Spirilu San­
eio, ef loquebanfur verbum Dei cum liducia (3). Êles
tinham-na pedido ao Senhor: DlJ servis fuis cum
omni liducia loqui verbum _fuum (4). Por isso os co­
rações mais duros não podiam resistir à virtude do
Espírito Santo que falava néles: Non poferani resis­
fere Sdpienfiae ei Spirifui, qui loquehalur (5).

(1) lnduslri11 propri11 confisi l11boranles nihil cepimus:


11ulem, non in meis, sed in luis viribus conlldo. S. Bonav.
(li) Exod. Ili, 14. - (3) Acl. IV, :;1. - (4) lbid. 29.
(5) Acl. VI, 12.

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PESCADOR DE HOMENS

3. 0 Mas o que por fim atrai as bênçãos do céu


sõbre os obreiros evangélicos, é a concórdie e cari­
dade que reinam entre êles: Et emnueriml sociis, qui
eranl in alia niwi, ui venirenl ef adjuvarenf eos. Ef
venerunl, ef impleverunf ambas naviculas (1). Basta um
sinal para fazer acudir os companheiros de Pedro;
êles participam da alegria dêles e não lhe leem in­
veja. e Ouando veremos nós os ministros do Senhor,
confundindo lodos os seus inlerêsses com os de seu
.Mestre, olhar com os mesmos olhos os bons éxilos
de seus irmãos e os seus próprios? O' meu Deus,
,;Ós glorificais os bons sacerdotes, que se esquecem
de si para vos dar adoradores. E' isto precisamente
o que desespera a inveja e a desencadeia contra êles:
porque são bem sucedidos e estimados, perseguem.
nos. À custa da vossa glória, obscurecem o bom
nome dos vossos mais santos ministros que a promo­
vem. Enchei de caridade os nossos corações, e de­
sejHremos que lodos profetizem connosco e melhor
do que nós.

Ili. O que deve fazer o pescador apostólico,


quando aprouve ao céu abençoar os seus traba­
lhos. - Admirar a obra de Deus, humilhar-se, unir-se
cada vez mais a Jesus Cristo.
À· vista de Ião admirável resultado, e conside­
rando estas duas barcas carregadas de tantos peixes,
que pouco faltava para irem ao fundo (2), Pedro e os
seus companheiros ficam espantados: Stupor circum­
dederaf eum, ef omnes qui cum illo eranf. Os efeilos
da pregação são algumas vezes ainda mais admirá­
veis; e quando um padre zeloso é o instrumento dês­
tes prodígios; quando vê homens inteiramente reno­
vados e transformados pela virtude da palavra di-

(1) Luc. V, 7. - (2) lia ui pene mergerenfur. Luc. V, 7.

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4Q(j l\lEDITAÇÕF.S SACERDOTAIS

vina, que êle anunciou, adorá o poder e a bondade


de Deus, e a Deus atribui a honra dêsses prodígios.
Ouanlo maior é o prodígio, tanto mais se humi­
lha. O conhecimento íntimo que !em do seu nada,
junto com a lembrança das suas culpas, faz-lhe sentir
vivamente, quão indigno é de que Deus o empregue
em tão grandes coisas. Pedro cai de joelhos aos
pés do Salvador, e exclama: Exi l1 me, quilJ homo
pecclJfor sum, Domine: mas repelir assim o Filho de
Deus, é atraí-lo: agrada-lhe tanto a humildade ! Cer/e
se humiliando non expelleblJ!, sed l1flrl1hehl1f (1).
Humilhemo-nos também sob o pêso dos divinos
favores, e com os apóstolos, tiremos dêles um outro
fruto muito excelente : sejam êles um novo vínculo
que nos una a tão bom Senhor, e um motivo que
aumente o nosso zêlo em servi-lo: Et suhductis ad
ferram navihus, reliclis omnibus, seculi sunl eum (2).

Resumo da Meditação

1. A pregação é uma pesca espiritual - Diz-se


a todo o sacerdote, chamado ao ministério apostó­
lico: Ex hoc jlJm homines eris céJpiens. As duas pes­
cas milagrosas dos apóstolos figuram a Igreja em
seus dois estados, militante e triunfante. O sacerdó­
cio · é, pela pregação, o instrumento destas duas pes­
cas. é. Como tenho eu exercido êste admirável mi­
nistério? é.Tenho trazido à fé, e preparado para a
glória eterna um grande número de almas pela ma-
neira como anunciei a divina palavra?

II. O
que a11segura o bom éxifo da pesca dos
apóstolos.- E' a fé viva e a confiança que anima os
pescadores, é a caridade que os une. - A noite fa-

(1) S. Bonav. - (2) Luc. V, 11.

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ESTUDAB A S, ESCBITUBA

rnrece a pesca dos peixes; a das almas não é bem


sucedida senão à luz da fé: Tola nocfe !dbordnfes
nihil cepimus; Jesus Cristo não estava ali. Mdne
aulem fdcfo, slefif Jesus in. liffore. - é. Queremos nós
comover a Deus, e obter tudo da sua bondade?
Conllemos nas suas promessas, e depois trabalhe­
mos: Dd servis fuis cum omni Gducia /oqui verbum
fuum. - A concórdia e a caridade que reinam entre
os obreiros evangélicos, contribuem muito para o
bom éxilo dêles. Desejemos que lodos profetizem
connosco e melhor do que nós,

III. O que deve fazer o pescador apostólico nos


seu� bons éxitos. - Admirar a obra de Deus, hu­
milhar-se, unir-se mais e mais a Jesus Cristo. Pedro
e os que o acompanhavam, ficam espantados. O após­
tolo humilha-se tanto mais, quanto mais brilhantes são
os seus triunfos: Exi d me, quid homo peccafor sum.
-Sejam os ·favores divinos para nós, assim como
para os apóstolos, um novo vínculo, que nos una a
tão bom Senhor: Relicfis omnibus secufi sunf eum.

IS!

LXVIII MEDITAÇÃO
A pregação ·exige de nós o estudo e o amor
da Sagrada Escritura

1. Aprendamo-lo da Igreja.
IL. Aprendamo-lo das obrigações do pregador.

I. A Igreja induz-nos a estudar os nossos


livros santos. - E' pelo ministério da pregação que
ela cumpre a missão divina que lhe foi confiada:

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4-08 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Doce/e omnes gentes ( 1). Mas l qual é a sc1encia


que ela nos encarrega de ensinar aos povos (doce/e),
senão a sciência de Deus, de seus mistérios, de
seus mandamentos? l E onde a acharemos nós s�não
nos livros em que está depositada?
A Igreja quer que bebamos nesta fonte as águas
salutares da doutrina, para regar com elas as al­
mas e fazer-lhes dar frutos de uma verdadeira san­
tidade. Eis a razão por que ordena que nos inspi­
rem cedo o amor da Sagrada Escritura, e que, desde
o princípio da nossa educação secerdotal, nos iniciem
neste estudo, que domina todos os estudos eclesiásti­
cos. Uma das primeiras ordens que a Igreja confere,
tem por encargo ler o sagrado texto na presença dos
fiéis, e na úllima que nos conferiu. uma das graças
que solicitou para nós, foi està : Ut in lege Domini
die ac nocfe meditantes, quod legerinl credanf, quod
crediderinf doceanl. E' também o que nos recomenda
com instância nos seus concílios, nos escritos, e com
o_ exemplo dos seus doutores.
O concílio de Colónia diz, falando dos sacerdo­
tes e dqs pastores : Nunquam a manihus eorum liher
legis, hoc esf Bihlia, deponafur. O quarto concílio
de Milão deseja que êles empreguem em estudar a
Sagrada E�critura, lodo o tempo que lhes permitem
os trabalhos indispensáveis do ministério; que- não
deixem passar um só dia sem ler algumas das suas
páginas, e ponham nesta santa ocupação tôda a dili­
gência de que. são capazes: Ouotidie ex sacris hi­
h/iis legife. Sacrarum litlerarum s!udia diligenfer­
coli!e.
Os Santos Padres e intérpretes falam do mesmo
modo : Necesse esf, uf qui ad officium praedicalionis
excuhanf, a sacrae /ecfionis sfudio non recedaitl (2).

(') Mollh. XXVIII, 19. - (2) S. Greg. Past. e. XI.

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ESTUDAR A S. ESCRITURA

Vaca lecfioni divinae, in medilalione Scripfurarum;


habefo in divinis /ecfionibus frequenfiam ( 1). - Divi­
nas Scripfuras saepius lege, imo nunq11am de mani­
bus fuis sacra /ecfio deponafur; disce quod doceas.
Sinf divinae Scriplurae semper in manibus fuis, ef
jugifer in mente volvanfur. Tenenli codicem somnus
obrepaf, ef cadenfem faciem pagina sancfB susci­
piaf (2 ). - Semper sis, quoad pofes, in exercifio,
Scriplurarum . .. ; Bhduc replico: Semper sis in exer­
cilio Scriplurarum (3).
Nós sabemos alé onde os Doutores sagrados
levaram êsle amor da Sagrada Escritura. S. Ber­
nardo, à fôrça de a ler, linha-ti assimilado de tal
modo, que não só a substância da sua doutrina, mas
também o seu pensamento. a sua expressão, a sua
frase, tudo ê da Sagrada Escritura. Tornemos pois
para nós o que o anjo do Apocalipse disse a S. João:
Accipe librum, ef devora illum; e o Senhor a Eze­
quiel: Comede volumen islud, ef vadens loquere ad
filias Israel ( 4 ). Devoremos êsse divino livro, digi­
ramo-lo pela meditação. para que, depois de nós
lermos saciado dêle, estejamos em estado de alimen­
tar com êle os fiéis. e.Temos nós sôbre êste ponto
participado dos intuitos da Igreja?

II. O estudo da Sagrada Escritura é a conse­


qüência necessária das obrigações do pregador. -
e. Oual é o seu ofício? e. Ouais são os fins do minis­
tério que exerce ?
Embaixador de Deus perante os homens, êle deve
receber do mesmo Deus a palavra, que é encarre­
gado de lhes levar; enviado do céu, d�ve falar a lin-

(l) S. lsid. Hisp. De confempfu saec. - (2) 5. Hier. ln di­


rersis epist. - ( ª ) Pefr. Bles. De episc. e. li. - ("1) Ezech.
111, 1.

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MO MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

guagem do céu. Ora, é, onde aprenderemos nós esta


palavra de Deus, esta linguagem do céu, senão na
Sagrada Escrilura? Se ela não constitui a substân­
cia dos nossos discursos, é, lemos nós direito de dizer
com os profetas: Os Domini loculum est: Haec
dicif Dominus; e com S. Paulo: ln me loquilur
Chrisfus?
O mesmo apóstolo descobre-nos na Escritura di­
vinamente inspirada quàtro propriedades, que corres­
pondem aos quatro fins da pregação : ensinar as ver­
dades da fé: Omnis scripfura d[yinifus inspira/a ulilis
esf ad docendum; refutar os êrros contrários a essas
verdades santas: Ad arguendum; combater e refor­
mar os maus costumes: Ad corripiendum; dirigir as
almas em lodos os caminhos da justiça e da santi­
dade: Ád erudiendum in omni jusfifid. Só o conhe­
dmento da Sagrada Escritura nos pode pôr em es­
tâdo de cumprir lõdas estas obrigações do mini5lério
evangélico.
Nós lemos quási sempre ou \'erdades austeras a
estabelecer, ou vícios a censurar ; é um comba,te con­
tínuo entre nós e o auditório. Para vencer tantos
obstáculos, nãg bastam os argumentos humanos; é
necessário 6 .:,pêso de uma autoridade, que atraia e
subjugue. Um homem não tem direito de se impôr a
outro homem. Só Deus domina os espíritos e os
corações. A fôrça da sua palavra, tal como a acha­
mos nos nossos,.)ivros sagrados, faz-se sentir até aos
que são mais âlheios às idéias religiosas; confiemos
na 1ua virtude é não em nós.
Bossuet r('.p�senfa-nos Jesus Crislo como um
divino conquistador que, pelo ministério sacerdotal,
quer reinar sôbre os corações; • mas, êsses corações
estão fortificados conlra êle, e para os submeter e. que
é necessário empreender? E' necessário derribar as
fortificações dos· maus hábitos, destruir os conselhos
de uma malícia inveterada, derribar lôda a altura que

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ESTUDAR A S. E�CRITURA

um orgulho indómito e obstinado levanta contra a


sciência de Deus (1). é Oue fareis vós, fracos argu­
mentadores? é Dfrribareis essas fortificações, lan­
çando-lhes ílôres? é Julgais que essa soberba altura
ca"irá ao som das vossas palavras?· Para vencer
tantas resistências, são necessárias armas poderosas.
E' necessário que a palavra de Deus saia da nossa
bôca, viva, penetrante e animada. Para que os nossos
discursos lenham fôrça, é· necessário que estejamos
cheios da doutrina celeste, que estejamos saciados
da substância do Cristianismo• .
Santo Agostinho afirma que sobressa"iremos mais
ou menos na pregação, segundo fôrmos mais ou me­
nos versados na sciência da Sagrada Escritura: St1-
pienfer quis dicif fanfo magis, vel minus, quanto in
Scripfuris sancfis magis minusve profecif. Estudan­
do-a, aprenderemos a falar essa bela linguagem da
piedade, do zêlo, da unção, que derrama alternada­
mente sôbre o estilo imagens patéticas, majestosas ou
terríveis (2). E' ali que acharemos rasgos, compara­
ções , que interessarão vivamente os ouvintes; é ali
que aprenderemos o modo de compungir, a enérgica
e apostólica eloqüência que arranca as almas às ti­
rânicas paixões, ou as faz progredir ràpidamenle na
sólida virtude.
Vós, pastor de almas, qualquer que seja ó estado de
saúde ou de doença em que esteja o vosso rebanho,
conduzi-o às planícies da Sagrada Escritura, e ali
achará paslios mais convenientes às suas necessidades:
Et pascua invenief e).
Mas, pregunta S. Bern�rdo:
Ouomodo in pascua divinorum eloquiorum educef gre­
ges dominicos pastor idiota? (�) Tornai a resolução

(11 Consilio destruentes, et omnem olliludinem extollenlem se


11dversus scienliom Dei. II Cor. X, 4.
( 2 ) C11rd. M11ury.-(3) Jo11n. XVI, 9.-(4) Serm. LXXVI,
i11 Canf.

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!\IIWITAÇÕES SACERDOTAIS

de vos entregardes mais seriamente ao estudo dos


nossos livros santos : e para vos preparardes para .a
missa, lembrai-vos que a palavra fie Deus e a Euca­
ristia são necessárias à vida da vossa alma, e ao
exercício do vosso ministério. A Bíblia e o altar são
duas mesas colocadas pelo Salvador na sua igreja (1);
são dois banquetes, a que um bom sacerdote se di­
rige com fome. Em um, come o pão dos anjos, o ado­
rável Corpo de Jesus; no outro, alimenta-se com a
verdade. O primeiro dá-lhe o vigor sacerdotal que
exigem as suas funções; o segundo, esclarecendo-o,
fá-lo penetrar até àlém do véu, em que está o Santo
dos Santos. Meu Deus, fazei que eu saboreie com
gôsto o maná eucarístico e o da Sagrada Escritura.
Abrasai-me num tal amor da meditação da vossa lei,
que ela seja daqui em deante a minha mais dôce
ocupação e as minhas delícias : Sinl caslâe deliciae
meae 5cripfurae fuae; nec [a/lar in eis, nec Ídlldm
ex eis (2).
Resumo da 1\\editação

I. A Igreja quer que nos entreguemos ao es­


tudo da Sagrada Escritura. - Uma das primeiras
ordens que ela confere, tem o encargo de lêr o Sa­
grado texto. Aos padres exige o amor dos livros
santos: Ut in lege Domini die de nocfe medilãn­
fes, quod legerinf credanl, quod crediderinf docednf.
O quarto concílio de Milão, o de Colónia, e outros,
recomendam êste estudo com instância\ Sucede o
mesmo a respeito dos Santos Padres da Igreja e dos
escritores sagrados.

II. O es(udo dos nossos ilvros santos é a con­


seqüência necessária das obrigações do pregador.
- l Oual é o seu ofício? é. quais são os fins do seu

(1) /mil. 1. IV, e. XI. - (2) 5. Aug. Conf. 1. XI, e. 2.

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ADMINISTRAR OS SACRAMENTOS 41a

ministério? Embaixador de Deus perante os komens,


deve receber de Deus a palavra que lhes transmite
em seu nome. é. Onde está ela senão na Sagrada Es­
critura? A Escritura tem quatro propriedades, qué
correspondem aos quatro fins 'da pregação: Utilis esf
ad docendum, ad arguendum, ad corripiendum, 'ad
erudiendum in omni jusfifia. Sobressa"iremos mais,ou
menos na pregação, segundo fõrmos · mais ou menos
versados na sciência da Sagrada Escritura.

LXIX MEDITAÇÃO
A administração dos sacramentos

Sic nos exisfimel ho'mo ui ministros Chrisli, ef


dispensa/ores mysferiorum Dei; hic jam quaerifur
inter dispensa/ores, ui Gdelis quis invenia/ur ( 1).

I. Quanto devemos estimar êsle ministério.


II. Oue devemos fozer para bem o desempenhar.

I. Excelência e dignidade desta função. - Re­


cordemo-nos do que são os sacramentos: Nihil san­
clius, nihil ufilius nihilque excellenfius auf magis divi­
num (2). A sua origem é celeste, a instituição é di­
vina, os efeitos são dons eternos, milagres da graça.
Fecham o inferno, abrem o céu; reslitu�m a vida aos
modos, e a amizade de Deus aos que a tinham per­
dido; dão, aumentam, ou fazem recobrar a justiça,
que nos assegura direitos ó glória eterna: Per quae

(1)° I Cor. IV, 1, 2. - (2 ) Ri!. Rom.

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1! 1" 1 � IE D ITAÇÕES SACERDOTAIS
_ _ _ ______ _ _ _

omnis 1,1era jusfifia vel incipif, vel coépfa augelur, vel


amissa reparalur ( 1 ). Custaram a Jesus Cristo lodo
o seu sangue, cujos mereçimentos infinitos conteem e
aplicam, porque dimanam, diz Santo Agostinho, do
seu lado aberto, ou antes do seu Coração: De
Chrisli /afere mananfia (2). O mesmo Santo Doutor
não ousa decidir, se a acção que justifica o homem
pelos sacramentos, é ou não alguma coisa Ião grande,
ou maior que a da criação: Jadice! qui pofesf ufrum
majus si! justos creare, quam ímpios jusfillcare (3).
Como quer que seja, acrescenta êle, se de uma e ou­
tra parle é necessário o mesmo poder, a justificação
e.21:ige certamente mais misericórdia: Cerle si aequalis
ulrumque polenfiae, hoc majoris esf misericordiae (4).
A vós, sacerdote, 1 que honra vos não fez Deus
constituindo-vos dispenseiro dos seus mistérios! Ava­
liai-a por esta reflexão. Se um príncipe entregasse a
chave de seus tesoiros a um de seus cortesãos; se
lhe desse o poder de abrir ou de fechar as prisões
em lodo o seu reino, ou mesmo o _direito de vida e
de morte sôbre os seus súbditos, i: que se pensaria a
respeito dêste favor? Todavia êle nada leria de co.m­
parável com o que recebestes de Deus. Rei imortal
dos séculos, entregou-vos os tesoiros da sua graça,
as chaves do seu reino, e vós usais dêsles imensos
poderes, quando administrais os sacramentos. Ah !
quão bem mereceis nesses felizes momentos, que o
céu e a terra vos contemplem: Specfoculum facti
sumus mundo, ef ange/is, ef hominibus ! 1 Oue glória
para Deus, que alegria para os anjos, que vantagens
para os homens e para vós, se cumpris santamente a
nobre tarefa que vos é- imposta !
Mas j que desordem, que escândalo, se a vossa

(1) Cone. Trid. sess. VII in Prooem. - (2) De ciyil. Dei


1. XV. - (3) Triicl. LXXII. in Joan. - ('1) lbid.

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ADMINISTRAR OS SACRAMENTOS

fé amortecida, e o hábito de proceder sem reflexão,


deshonrassem esta função celeste, e a igualassem
às acções materiais I Meditemos estas palavras de
S. Paulo: Hic jBm quBerilur inter dispensBfores, ui
.idelis quis inveniBfur. Não é sõmente durante a vida
presente, que se exige dos dispenseiros que sejBm
Réis; é principalmente no dia de Juízo, e na presença
do supremo Juiz, que será feito um rigoroso exame
da sua fidelidade em exercer tão importante função.
i. Estaríamos nós dispostos a passar por tal exame
neste momento?

li. Oue devemos fazer para exercer bem esfa


função. - Sem falar da doutrina dos sacramentos,
que um pastor deve saber, conhecendo exactamenle
a sua natureza, os seus efeitos, as disposições que
requere!Tl, a significação das cerimónias que os acom­
panham; sem falar também do cuidado que deve ter
em instruir as suas ovelhas, pode-se dizer que êsle
ministério nos obriga a uma tríplice fidelidade: para
com Deus, para com a Igreja, e para !=ºm o próximo:
Ut .ide/is quis inveniBfur.
Devemos respeitar a Deus _nos seus dons, corres­
ponder à sua confiança com o nosso zêlo em gran­
jear a sua glória. Por conseguinte é para nós uma
rigorosa obrigação vigiar pela hohra dos sacramen­
Jos, preparando com cuidado os fiéis a recebê-los, e
procurando evitar que os profanem. i E que aten­
tado, se o próprio ministro os profanasse I se tocasse
mistérios tão santos com mãos impurt1s I Ouanfum
scelus sacrB mysferiB pollufo ore con.icere, vel in foe­
dBs mBnus sumere, confrecfBre, afque aliis porriger_e e.f
minisfrare I ( 1) Os teólogos ensinam que aquele que,
pelo dever de seu cargo, administra os sacramentos,

(1) Calechism. Cone. Trid.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

se eslá em eslado de pecado mortal, comete tantos


novos pecados, quantos sacramentos distinlos confere.
O sdcerdote piedoso purifica-se das suas faltas com
um ado de contrição, antes de desempenhar esta
função, ao mesmo tempo que dirige a Deus alguma
oração fervorosa, para merecer ser digno instrumento
da sua graça.

Com relação à Igreja e ao próximo, devemos ser


fiéis em observar tudo o que se exige não só para
assegurar a validade dos sacramentos, mas para ex­
citar a fé, a piedade e a religião dos povos. O quinto
concílio de Milão ordena aos padres: UI sanclissima
sacramenla . . . non solum pure, saneie, religioseque
ipsi fracfenf; verum efiam rifus ac caeremonias fe­
neanf a/que adhibeanf, quae in i/lis adminisfrandis
sanclae Ecclesiae instituto a/que usu comprobafae
sunf. As cerimónias, que são Ião próprias para ele­
var as almas às coisas celestes, e para comover os
corações, é. porventura produzirão fruto algum, sendo
feitas com precipitação, sem modéstia, sem gravidade?
Nada era mais edificante, dizem os historiadores de
S. Carlos Borromeu, que a maneira como êle admi­
nistrava os sacramentos. Recolhia-se dentro em si
e meditava um instante antes de começar, e durante
o exercício de seu ministério, os seus olhos, as suas
mãos, todos os seus movimentos, todos os gestos do.
seu corpo, estavam em perfeita harmonia com as
grandes coisas que executava. O povo gostava tanto
de o ver exercer as suas funções, que passaria na
igreja dias inteiros; parecia enfeitiçado pela piedade
do santo Cardeal {'). Vide, igifur, o sacerdos, minis­
ferium fuum, uf illud honorifices, auf saltem ne illud

(1) Populum integres fere dies variis íuncfionum sacrarum


exercilafionibus inlenlum suaviter in ecclesia re(inebaf.

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ADMINISTRAR OS SACRAMENTOS 417
dedecore ameias; -vide, ne similis fias aquae hapfis­
mali, uf sapienfer monef D. Gregorius, quae peccafa
bapfizaforum di/uens, ilias ad coe/este regnum miflif,
ef ipsa posfea in cloacam descendi/ (1 ).
Examinai qual tem sido o vosso proceder com
relação à administração dos sacramentos. l Tende-la
olhado como uma das principais funções do vosso
estado? Podendo a cada instante ser-vos necessário
cumpri-la, é. cuidastes em ter a pureza de consciência
que ela exige? l Não começais vós precipitadamente,
e sem nenhuma preparação, uma ocupação tão san­
ta? é. Guardais reli�iosamente tôdas as prescrições
da Igreja? l Oue edificação dais aos circunstantes?
Reconhecei humildemente perante Deus, que tendes
cometido nesta matéria numerosas faltas, e fazei to­
dos os esforços para merecer doràvante ser corilado
no número dos fiéis dispenseiros dos mistérios de
Deus.
Resumo da Meditação

1. Excelência e dignidade desta função. - Re­


cordemo-nos do que são os sacramentos: Nihil stm­
cfius, nihil ufilius, nibil excellenfius auf magis divi­
num. A sua origem é celeste, a sua instilu'ição é di­
vina, os seus efeitos são milagres da graça. Santo
Agostinho não ousa decidir se a acção que just-ifica
o homem pelos sacramentos é ou não alguma coisa
tão grande como a da criação. A vós, sacerdote,
l que honra vos faz Deus, consliluindo-vos dispenseiro
dos seus mistérios !

li. l Oue exige de nós esta função? - Uma


tríplice fidelidade. - Com relação a Deus, respeitá-lo

( 1 ) Abelly, .Sacerd. chrisf. cop. VIII.

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it8 MEDITAÇÕ&S SACERDOTAi�

nos seus dons. Devemos vigiar pela honra dos sa­


cramentos, não os administrar senão com santas dis·
pos1çoes: Oui- :sancli non sunf, saneia fracfare non
dehenf: preparar com cuidado os fiéis para os rece­
ber. - Com relação à Igreja e ao prqximo: nada
,desprezar, não só para assegurar a validade dos sa­
cramenfos, mas também para excitar a fé, a piedade
e a religião dos povos. Um concílio ordena aos pa­
dres: Uf sancfissima sacramenta ... non solum pure,
sancfe, religioseque ipsi fracfenf: verum e/iam rifus
ac caeremonias leneanf afque adhibeanf. . . Nada
era mais edificante que vêr a S. Carlos Borromeu de­
sempenhãr estas celestes funções.

!SI

LXX MEDITAÇÃO
O ministério da confissão: afeição
e repugnância que inspira
1

1. O sacerdote fervoroso entrega-se a êle com zêlo.


li. O sacerdote líbio subtrai-se a êle.

I. :rodos os motivos de zêlo se juntam para


afeiçoar o sacerdote fervoroso ao ministério da
confissão. - O amor de Deus e da- Igreja, o amor
do próximo, e o amor de si mesmo.
t .º t Oue fazeis vós, quando usais, segundo as
regras, do augusto poder de desatar ou perdoar pe•
cados? Realizais os sublimes desígnios do Senhor
na reparação de uma das suas mais belas obras, a
alma humana ; derribais o muro de separação, que o
impedia de se unir a essa crit1tura Ião ternam'enle
amada; aniqüilais o pecado, que ofendera lõdas as

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O CONFESSOR

suas infinitas perfeições; i e quantas novas ofensas


lhe evilais, combafendo as causas que o produzem 1
Satisfazeis os desejos de Jesus Crislo, que por vós
recolhe o mais dôce fruto de sua paixão e morle; in­
troduzis o ,Espírito Santo em templos, onde gostava
de estar, preparais para os anjos e para os escolhi­
dos, companheiros da sua eterna felicidade. i Oue
glória para Deus I j Oue jú_bilo e que triunfo para os
que o amam! Dico vobis, quod ifa gaudium erif in
coe/o super uno peccafore poenifenfiam {Jgenfe, quam
super nonaginfa novem jusfis qui non intíigenf poeni­
fenfia ,(1). 1 Oue consolação para a Igreja! Ela cho­
rava a morle de seus filhos, e vós restituís-lhos cheios
de vida.
2.0 E' também por esta · função que mereceis
principalmente o glorioso lílulo de salvador de vossos
irmãos, pois exercendo-a, concorreis {Ilais direda e
mais imediatamente para a sua salvação. Ouando
vos entregais à maior parle das outras ocupações do
vosso ministério, sermão, catequese, etc., só dispondes
os pecadores para a vida da graça. •Se o pregador
converte as almas, dizia o P. Eudes, o confessor sal­
va-as. Aquele manifesta aos ·homens a vontade do
Senhor, êste fii-la cumprir; o primeiro indica remé­
dios eficazes para curar as enfermidades espirituais,
o segundo aplica-os aos enfermos e cura-os. O mais
feliz éxilo do pregador, folando em geral, é prepa­
rar o do confessor. S. Afonso de Ligório dizia:
• O pregador semeia, o confessor recolhe; o padre
que não ama o confessionário, não ama· as almas».
3. 0 À parle êsles imensos proveitos, ainda quan­
do o sacerdote fervoroso só consultasse os de sua
propria santifica&ão, entregar-se-ia com ardor ao mi­
nistério da confissão. Ali exercemos a misericórdia

(1) Luc. XV, 7.

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&.'lO MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

no que ela tem de mais excelente; por conseguinte


estamos seguros de a alcançar (1). é. Como não der­
ramará Deus sõbre nós .:is suas graças, quando nos
vê ocupados na obra de_ sua predilecção: sacrifican­
do, para lhe agradar, não só o nosso descanso e as
nossas inclinações, mas muitas vezes a nossa saúde?
é. Como não atenderá às orações que lhe dirigem
por nós, as almas reconciliadas e os seus anjos da
guarda?
Mas àlém disto, é.não é êsle ministério um contí­
nuo exercício das mais excelentes virtudes? e'. Ouan­
tos ados de paciência, de humildade, de abnega­
ção, podem aumentar o tesoiro de nossos merecimen­
tos, em uma ou duas horas passadas no confessioná­
rio? A obrigação que lemos de nos acomodar a lõ­
das as necessidades dos que se apresentam, de co­
mover corações insensíveis, de afervorar corações lí­
bios, de sustentar e instruir numa vida devota almas
privilegiadas ; as lições de vigilância, de temor de
Deus, de caridade, que nos dão algumas vezes os
nossos penitentes; as admiráveis operações da graça,
de que somos testemunhas e instrumentos: j que au­
xílios para promover os nossos progressos na santi­
dade sacerdotal l Um padre fervoroso acha pois
neste ministério, ludo o que excita mais vivamente a
sua estima.

II. O padre tíbio sublrai"se ao ministério da


con&ssãp.-r.le parece preocupado da sua salvação,
mas está ainda mais preocupado do seu descanso.
O que êle leme não são tanto os perigos dêsle mi­
nistério, quanto os dissabores que o acoQ1panham.
Retrocede deante dos sacriÍicios que. êle impõe.

(1) Be11li misericordes, quoni11m ipsi misericordi11m consequen­


fur. M11llh. V, 7.

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O CONFESSOR

E' verdade que êsle ministério tem seus perigos,


e são até mais graves do que parecem crê-lo certos
padres imprudentes, que nêles se lançam sem prepa­
ração, e sem precaução; mas Jesus Cristo previu
êsles perigos. l Porventura envia-nos sós e sem
meios de defêsa a um campo de batalha, onde pele­
jamos por êle? Acreditemos na sua sabedoria, no
seu poder e amor. As tentações do confessionário,
assim como tôdas as oulràs, se quisermos, longe de
nos serem funestas, redundarão em nosso proveito
espiritual: Fidelis Deus esl, qui non paliefur vos
fenfori supra id quod pofesfis, sed facief e/iam cum
fenfofione provenfum (1). Hã graças de estado, dize-­
mos nós lodos os dias; é. seria privado delas o estado
mais necessário ao mundo ? Onde está o perigo, aí
está o meio de o vencer, quando por Deus e pela
sua glória, a êle nos expomos.
Estranha ilusão I Temem perder-se em uma ocu­
pação, que não é senão o exercício da caridade mais
heróica; e não vêem grande perigo para a sua sal­
vação numa vida relaxada e quási inútil, numa espé­
cie de indiferença pela salvação das almas, remidas
com o preço do sangue de Jesus Cristo I A verda­
deira causa de tanta repugnância para o confessio­
nário, é que não leem a coragem de se vencerem a
si próprios. Seria necessário que se instruíssem, sa­
crificassem os seus gostos, e passassem trabalhos :
e êles amam as suas comodidades. Assim como a
abnegação é o dislinlívo da verdadeira santidade,
assim também. a assidu"idade no oonfessionário, é
como que a pedra de loque do verdadeiro zêlo no
sacerdote e no pastor de almas.
O' meu Deus, aumentai êste zêlo nos vossos mi­
nistros, aumentando a sua fé I Esclarecei-os a res-

( 1) I Cor. X, D.

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MEDITAÇÕES SAGliBDOTAIS

peito do infinito valor do talento, que lhes confiastes,


dizendo-lhes: Accipife Spirifum Semclum: quorum
remiserifis peccafa, remiffunlur eis. Fazei-lhes com­
preender quão grande é a sua responsabilidade,
quando deixam infrutuoso nas suas mãos um poder,
do qual vós esperais a vossa mais preciosa glória, a
Igreja a sua consolação, as almas a sua salvação;
penetrai-os de uma santa compaixão para com tantos
pobres pecadores , que vão perecer, e que êles pode­
riam salvar com um pouco de paciência e de zêlo no
santo tribunal. Mostrai-lhes de que paternais cuida­
dos cercais o bom padre que, por amor de vós, se
entrega a um ministério tão penoso, mortificando a
natureza; fazei-lhe,s enlrevêr a riquíssima corôa -que
lhe reservais na . bemaventurança.
Ao preparar-vos para a missa, e na acção de
graças. oferecei a Jesus Cristo sacrifício por sacri­
fício. êle sacrifica-se por vós, sacrificai-vos por êle,
aceitando para bem da sua glória os dissabores, os
sofrimentos, todos os trabalhos ligados ao ministério
da reconciliação.

Resumo da Meditação

I. Todos os motivos do z,êlo se juntam para


afeiçoar o sacerdote fervoroso ao ministério dá con..
fissão: 1.0 O amor de Deus e da Igreja. No santo
tribunal eu ajudo o Senhor a reparàr uma das suas
mais belas obras; aniqüilo o pecado, o grande ini­
migo de sua glória. Satisfaço os desejos de Jesus
Cristo, utilizando a sua morte. Faço entrar o Espí­
rito Santq em santuários, onde gostava de estar.
1 Oue consolação para a Igreja I Restituo-lhe cheios
de vida, aqueles cuja morte ela chorava. 2. 0 O amor
do próximo. Em nenhuma outra parle trabalho mais
imediatamente na salvação de meus irmãc;s. O mais

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O BC.Ili COl'ffESSOR

feliz éxito do pregador é preparar o do confessor.


3. 0 O amor da minha própria santificação. E' ali
principalmente que exerçc a misericórdia; portanto
estou certo de-alcançá-la. E' ali que lenho a ocasião
e o dever de praticar as mais excelentes virtudes.

li. E' a tibieza o que ordinuiamenfe afasta


dêsle laborioso minisfériq. - Tem êle de-certo peri­
gos; mas o Salvador previu-os, e dá-nos meios efi­
cazes para os evitar. Acreditemos na sua sabedoria,
no seu poder e amor. Hã gral,:as de estado; l seria
privado delas o mais necessário de lodos os estados?
A verdadeira causa de tanta repugnância para o con­
fessionário é a falia de coragem para se vencer a si
próprio.

LXXI MEDITAÇÃO
Bondade de pai, primeira qualidade
do confessor

1. Com ela previne,


li. Anima,
Ili. Suporia.

1. Bondade preventiva. - Representando por


tôda a parle a Jesus, que quis ser tido por amigo dos
pecadores, o sacerdote é no confess1oniirio, da ma­
neira mais perfeita, o ministro da sua misericórdia,
ou, segundo a expressão de S. Ambrósio, o vigário
de seu amor. E' ali 'que êle reg�nera as almas para
a vida da graça, e que sente por elas, de alguma sorte,

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

as dôres de parlo (1). Se é fiel ao espírito de sua


vocação, forma-se nêle o coração paternal, com tõda
a sua enérgica ternura; merece o nome de pai que
lhe dão os penitentes.
Vai ao encontro dos pecadores, convida-os a
converter-se, e aplana-lhes •as dificuldades. l Bastará
ficar sentado à torta do aprisco, para a abrir à ove­
lha fugitiva, logo que se apresente? O bom pastor
não faz assim : mas vai, e busca-a até encontrá-la.
Vodif od iliam quoe perierol, donec inveniol eam (2).
Quando o pai avista o filho pródigo, tão amado, fica
movido de compaixão: Misericordio mofus esf; eis
o coração paternal. Outro poderia dizer: Se êste
jóvem é desgraçado, isso é o que êle mereceu. l E' o
arrependimento, ou a necessidade quem o traz? Um
pai não discorre assim. Por mais culpado que seja
o seu filho, esquece as suas faltas, à vista .da sua
desgraça. Oh I não, não espera que chegue; corre
ao seu encontro, accurrens!
feliz o sacerdote que alrai à confissão pela sua
doçura I feliz o rebanho que o céu lhe confiou 1
Como a freqüência dos sacramentos é o indicio,
quási certo, do bom ou mau estado de uma parró­
quia, pode-se prevêr o que virá a ser a sua, pelo
decurso do tempo. f.azer estimar, fazer amar a con­
fissão, e facilitar a sua prática, é sem dúvida ne­
nhuma, um dos melhores meios de salvar as almas.
Tõda a gente queria confessar-se a S-. francisco de
Sales. Ainda depois de ser elevado ao episcopado,
passava dias inteiros e parle das noites a ouvir os
penitentes, que lhe chegavam de lodos os lados.
l Ouanlos pecadores, que ocultam os seus remorsos

( 1) filioli mei, quos ilerum porlurio, donec formelur Chrislus


in vobis. Gal. IV, 19.
(9) Luc. XV, 4.

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O BOM COJSl'ESSOR

sob a aparência de uma falsa paz, não correriam o


confiar-vos as suas culpas, se esperassem achar em
vós a bondade e a afeição de um pai? Se não sa­
beis atraí-los, ao menos estai prontos a acolhê-los,
logo que se apresentem. l Chamam-vos ao confessio­
nário? ide imediatamente, porque não conheceis os
segredos de Deus. Não deixeis pa5'ar o tempo da
graça; l voltar? essa alma _outra vez?

II. Bondade animadora, desde o princ1p10. O
princípio da confissão costuma ser penoso, principal­
mente' aos que recorrem raras vezes ao nosso minis­
tério, ou que são incitados pela sua consciência, a re­
parar um criminoso abuso dos sacramentos. Não
agravemos um jugo já pesado, e levemos em conta
ao penilenle os combales interiores, a que teve de
entregar-se, antes de dar um passo que cusla tanto à
natureza, e muilo mais à soberba. Os confessores
cujo recebimento é frio, cujas primeiras palavras são
desabridas ou pouco afáveis, e que, em lugar de
pouparem a delicadeza dos pecadores, começam por
feri-los ou desanimá-los, são na Igreja um terrível fla­
gelo. Por amor de Deus, não apaguemos esta pre­
ciosa faísca do fogo sagrado, que a graça lançou em
um coração; e auxiliemos o desenvolvimento de um
arrependimento nascente. Eis a ocasião favoráve!,
que será, se a aproveitarmos, a ocasião de se salvar
essa alma. A afabilidade, a indulgência, um acolhi­
mento afecluoso, quando se apresenta um penilenle,
causam-lhe quási sempre uma impressão decisiva.
Cativado por estas atenções, e agradàvelmenle sur­
preendido da facilidade que lhe dão, tranqüiliza-se, e
sente-se fortemente atraído para um Deus, cuja bon­
dade admira na de seu ministro.
· j Ouantos profanadores, que iam continuar os seus
sacrilégios, talvez alé à morle, leem sido convertidos,
logo no princípio da sua confissão, por uma palavra

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4'.Ui MEDITAÇÕES SACER_D O TA I S
_ _ _ _ _______

de animação, que o Espírito Santo punha, para êles,


nos lábios de um prudente e piedoso confessor! Co­
meçai por aí o vosso ministério d,e paz, principal­
mente quando o penitente não vos é inteiramente co­
nhecido. Felicitai-e;> pela resolução que toma de pôr
em ordem os negócios da sua consciência: é Ião
curta a vida, tão incerta a hora da morte! . . . Con­
vencei-o de que nada é mais honroso que trabalhar,
como êle faz neste momento, em deslruir o pecado ;
é a obra, para a qual um Deus desceu à terra. Fa­
lai-lhe da alegria que se experimenta, quando se re­
cobrou a amizade do Senhor; dizei-lhe que não é
difícil fazer uma boa confissão ; que se não inquiete:
porque o ajud�reis a lembrar-se das suás culpas, que
serão perdoadas. Deus dignou-se esperá-lo, inspi­
rar-lhe o pensamento, dar-lhe a vontade de voltar
para êle; se_o tratou com tanta misericórdia, quando
êle era esquecido e ofendido, e.com que amor o olha
agora, que o vê resolvido a servi-lo?. . . Estas pala­
vras paternais inspirarão confiança e sinceridade.

III. Bondade paciente e perseverante. - E.m


nenhuma parle se v·erifica melhor do que no santo
tribunal a palavra de S. Paulo: Carilas pafiens
est (1). Se se tratasse sàmente de ouvir declarações,
de apreciar disposições, de pronunciar uma sentença,
não haveria neste ministério nem mais dificuldades,
nem mais merecimentos que ni;i maior parle dos ou­
tros. Mas muitas vezes é necessário obter essas de­
clarações, e alé arrancá-las; é necessário fazei; nas­
cer essas disposições. i Oue de5gõstos, que contra­
dições não é preciso sofrer 1
Aqueles que a Providência- nos envia, não são
ainda talvez penilenles a absolver, mas ignorantes a

(1) I. Cor. XIII, 4.

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O BOM r.ONFESSOR

instruir, pecadores a converter. São também, algu­


mas vezes almas timoratas, perturbadas, incapazes de
se explicarem. é. Oue paciência nos não é necessária
para suportar tantas enfermi�des espirituais, e su­
portá-las até ao fim? i Oue abnegação e poder sôbre
nós mesmos nos são necessários para impedir que o
nosso zêlo se inflame fora de tempo, para conservar
o sossêgo, quando !obrigamos abismos de deprava­
ção, e aquele que se acusa·, parece pouco impressio­
nado pelo que dizl ... Uma interrução, uma repreen­
são antecipada ou inconsiderada, um simples sinal
de espanto, podem acarretar as mais graves conse­
qüências.
A assidu"idade no confessionário é uma contínua
abnegação e, segur;ido S. Francisco de Sales, pode-se
comparar ao martírio. Esta heróica paciência só
pode ler uma origem, a caridade; amar a Deus,
amar as almas, amá-las como pai, e desejar viva­
mente a sua eterna felicidade, eis o que é indispensá­
vel para exercer ulilmenle o ministério da confissão.
Reflecli sôbre o vosso proceder. - Fazei um ado
de contrição - Tornai as vossas resoluções.

Resumo da Meditação

1. Bondade preventiva. - é. Basta ficar sentado


à poria do aprisco, para a abrir à ovelha fugitiva,.
quando se apresentar? O bom. pastor· não o julga
assim. Vai êle a buscá-la. O pai corre ao encon­
tro do filho pródigo. Fazer estimar, fazer amar a
confissão, atrair a ela o penitente, é um grande meio
de salvar as almas. Quando vos chamarem ao con­
fessionário, ide imediatamente·; não deixeis passar o
tempo da graça.

li. Bondade animadora desde o princípio, o qual


costuma ser mais penoso. A afabilidade,. um acolhi-

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

mento afectuoso, quando o penitente -se apresenta,


causam-lhe muitas vezes uma impressão decisiva.
Palavras paternais inspiram confiança e sinceridade.
São felizes os efeitos que produz aqui a brandura, e
funestos os que produz a severidade, ou sõmente a
frieza.

III. Bondade paciente e perseverante. - é. A


que desgôstos, a que contradições não deve sujei­
tar-se um confessor? Não se traia sõmente de ouvir
declarações, de apreciar disposições; é necessário
fozer noscer estas, e obter aquelas. Oh! que paciên­
cia é precisa para suportar tantas enfermidades espi­
rituais, e suportá-las até ao fim!

IS!

LXXII MEDITAÇÃO
Justiça de juiz, segu!Jda qualidade.
do confessor
º
1. E juiz em nome de Deus.
II. A sua justiça deve ser imparcial.
III. Deve ser esclarrcida.

1. O confessor é juiz, e exerce a justiça do


mesmo Deus.-Sublime e verdadt!ira idéia do minis­
tério da confissão! S. Cipriano chama-lhe éJnficipé!.lum
Chrisfi judicium. Jesus Cristo, na pessoa de seu mi­
nistro, pronuncia agora por antecipação uma sen­
tença, que confirmará, quando a alma aparecer deante
dêle na hora da morte. E' como se o santo Doutor
dissesse : Hã dois juízos a que o homem delinqüente
tem de sujeitar-se: um presente, e ao qual preside a

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CONFESSOR E Jl.:IZ 429

mais terna misericórdia; outro futuro, em que tudo


será pesado na balança de uma rigorosa eqüidade.
Mas só depende do pecador declinar o tremendo
tribunal da justiça, chegando-se com fé ao tribunal da
misericórdia. S. Jerónimo, falando dos padres, diz
no mesmo sentido: Judicium anfe judicium: e S. Ber­
nardo quer ser apresentado a Deus no úllimo dia da
vida, judicafus, non judicandus. Tudo o que tiver
sido perdoado no juízo a· que se houver sujeitado
durante a vida, será subtraído ao juízo que se seguir
à morte; o Senhor não julgará duas vezes a mesma
causa: Non judicabil Dominus bis in idipsum (t)_
S. João Crisóstomo chega a dizer: Formam judi­
candi a ferra sumi! coelum ! Considerando êste
poder, que não foi dado aos anjos, nem mesmo à
Rainha dos anjos, Santo Hilário exclama: O beafus
coeli janifor . .. , cujus terrestre ;udicium praejudicafa
sit aucforifas in coe/o, uf quae in ferris auf ligafa sinf,
auf solufa, sfafufi ejusdem conditionem obfineanf in
coe/o! De sorte que o juízo da terra é uma autori­
dade reconhecida no céu; o que foi estatuído no tri­
bunal da Igreja, é estatuído no tribunal de Deus. De
uma e outra parle, é uma só e mesma sentença. Tai
é a honra, mas também a responsabilidade ligada ao
ofício de confessor: Videte quid faciafis; non enim
hominis exercefis judicium, sed Domini, ef quodcum­
que judicaverilis, in vos redundabif (2).
Oh I que atenção, zêlo e vigilância empregaria um
padre no exercício do santo tribunal, se antes de nêle
entrar, dissesse consigo: Vou pronunciar sentenças
de vida ou de morte, não já quanto ao tempo, mas
quanto à eternidade. Vou exercer de ante-mão a
justiça de Jesus Cristo : Anficipafum Chrisfi judi­
cium. Não devo já ser um homem nêsse momento :

(1) Serm. li in Circumc. Dom. - (2) II Parai. XIX, 6.

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4-30 MEDITAÇÕES SACER_DO_T_A_lS
______
_

só à Deus pertence perdoar 'os pecados. E' neces­


sário que Jesus esteja em mim, que fale e purifique
as consc1encias. Mas visto que o represento como
juiz, e qual deve ser a minha justiça, a minha fideli­
dade em julgar segundo a lei e as regras que são
prescritas 1

li. Justiça do coníessor, justiça imparcial. -


Em Deus não há acepção de pessoas, também não
deve havê-la nos seus ministros : Non esf apud Deum
nosfrum iniquifas, nec personarum acceplio (1). O bom
padre não vê em todos os seus penitentes senão almas
a salvar; a do pobre não !em a seus olhos menos
preço que a do rico.
Se um confessor se mostra sucessivamente exi­
gente até· à dureza, condescendente até à fraqueza,
segundo o réu veste sêdas ou burel; se reserva para
os grandes o acolhimento afável, não tendo· para a
classe inferior senão uma fria indiferença e palavras
ásperas; se tem sempre tempo para uns, e nunca para
os _outros, e onde estará a imparcialidade e a justiça?
l E' assim que vós, sacerdote, representais o Salva­
dor? Nas funções divinas, as considerações huma�
nas, as distinções de classe e de fortuna .desapare­
cem; a igualdade é a lei evangélica. As preferências,
se as houvesse, deveriam ser para a mãe de família,
para o criado ou operário, que só podem entregar-se
pouco tempo aos aclos religiosos; deveriam ser para
os indigentes, os enfermos e as pessoas que mais
necessitam do nosso mini:;tério.
· • Às pessoas de qualidade, dizia S. Francisco
de Sales, nunca faltarão confessores; os pobres, os
enfermos, essa porç,ão abandonada do rebanho de
Jesus Cristo, deve ser a minha herança• . Descon-

(1) lbid, 7.

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CONFESSOR E JUIZ 4-31

fiemos lambém de cerlas consolações, que nos fariam


passar muito tempo na direcção de algumas almas,
com detrimento dos cuidados que devemos a outras,
e regulemo-nos por esla máxima de S. Paulo: Sa­
pientibus e! insipienfibus debifor sum (1).

IIL Justiça do confessor, justiça esclarecida:


- A Igreja fechou, em lodos os lempos, a entrada
do santuário à ignorância,· e fêz dela uma irregulari­
dade canónica (2 ). <'. Oue deploráveis conseqüências
não leria ela no roinislério da confissão? Se um cego
guia a outro cego, aonde vão ambos? Bento" XIV
incluía a fatia de sciência moral dos confessores no
número das maiores cttlamidades da Igreja: Inter
majores Eccfesiae calomifafes, eam esse, quod con­
fessarii morali lheologia parum imbuti essenl el ea
quae contra Dei legem a fidelibus perpelranlur parum
dignoscerenf (ª). S. Afonso de Ligório deveria assus­
tar a mais de um padre, quando diz: Afirmo in sfafu
damnafionis esse eum confessarium, qui sine suffl­
cienfi scienfia ad confessiones suscfpiendas se ex­
ponif (4). E dêsle princípio inconleslável, l que con­
seqüência lira êle? A necessidade do estudo para
lodo e qualquer confessor: Nullus confessarius in­
f�rmilfere debef fheologiae �ora/is sfudium; não só
para aprender o que nunca soube, mas para recor­
dar o que aprendeu : Ouia ex foi diversis ef dispa­
ribus quae ad hanc scienfiam perlinenf, mu/fa,
quamvis !ecfa, femporis progressu decedunf a mente.
Se quero, sem sobrecarregar a minha consciência,
dirigir a dos outros, não basta qlÍe eu saiba exacla-

1
( ) R.om. 1, 14.
1 2 1 Nullus ad s11cr11 veni11( indoch1s: aliler ordin11furis e! or­
din11ndis imminef Dei et Ecclesi11e ejus vindict11. Cone. Tolef. VIII.
(ª J lnsl. XXXII. - (•) Pr11xis coníess.

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MEDITAÇÕES .SACERDOTAIS

mente até onde chegam os meus poderes, e onde


acabam : Scienfia pofesfafis; é necessário que eu pos­
sua a sciência do direito : Scienfia juris; i e qual não
é a sua extensão! Devo ter uma idéia clara e pre­
cisa do que é ordenado ou proibido pela lei, cujas
infracções vão ser dedaradas no meu tribunal. E' ne­
·cessário que eu saiba distinguir o que a ofende gra­
vemente e levemente, não confundir pecado mortal
com venial, conselho com preceito. 1 Oue desordem,
se eu falseasse as consciências, na mesma função que
deve .reformá-las! E' necessário que um confessor
esteja sempre pronto a tirar as dúvidas, a resolver
questões difíceis. Precisa de conhecimentos sólidos,
e por conseguinte de se dedicar durante tôda a sua
vida ao estudo da teol9gia ; porque os conhecimentos
que se não alimentam, obscurecem-se e perdem-se.
Renovai a resolução de destinar, cada dia, ao
menos uns instantes ao estudo da moral, e de cumpri-la
fielmente. A-pesar dêste cuidado, tereis ainda de de­
plorar muitas faltas, porque neste ponto os mais há­
beis enganam-se; mas tereis direito de contar com
a indulgência do Senhor, e de lhe dizer com con­
fiança: lgnoranfias meas ne memineris. Aproximai­
-vos de Jesus Cristo como do foco da divina luz,
como do princípio de tôda a virtude, de tôda a sciên­
cia. E para vos preparardes para a missa, refledi
sôbre estas belas palavras de S. Bernardo: Origo
fonfium ef Duminum mare esf, virfufum ef scienfiarum
Dominus Jesus Chrisfus. . . Ouidquid sapienfiae,
quidquid fe virfufis habere conlidis, Dei virlufi ac
Dei sapienfiae deputa Chrisfo ( 1).

(1) Serm, XIII, in Canf.

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CONFESSOR E JUIZ 433

Resumo da ·Meditação

I. O confessor é juiz, e exerce a justiça de


Deus. - 1 Sublime idéia do ministério da confissão 1
S. Cipriano chama-lhe f1nficipdfum Chrisfi judicium.
S. Jerónimo diz dos confessores: JudiclJnf lJnle ju­
dicium. Desta sorte, o que foi estatuído no tribunal
da Igreja, é estaluído no tribunal de Deus, é uma só
e a mesma sentença. 1 Oue glória para o sacerdote 1
Mas que responsabilidade ! i Oue obrigação de ser
justo e de julgar segundo as regras que lhe são
prescritas 1

II. Justiça do confessor, justiça imparcial.­


Não há acepção de pessoas para com Deus, não
deve havê-la para com os �eus ministros. O bom
padre não vê em lodos os seus penitentes senão al­
mas a salvar; a do pobre não tem a seus olhos me­
nos preço que a do rico. As preferências, se as
houvesse, deviam ser para os indigentes, os enfer­
mos, e os que mais necessitam do nosso ministério.

III. Justiça do confessor, justiça esclarecida.


- Se um cego conduz a um cego, l aonde vão um
e outro? Bento XIV inclui a falia de sciência moral
dos confessores no número das grandes calamidades
da Igreja. S. Afonso de Ligório declara em formais
lêrmos, que nenhum confessor deve, sob pretexto al­
gum, interromper o esludo da teologia moral: Nullus
conlesslJrius infermiffere debef theologilJe morlJlis sfu­
dium.

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MEDITAÇÕES' SACERDOTAIS

LXXIII MEDITAÇÃO
Prudência e piedade, outras qualidades
indispensáveis no ministro
da reconciliação

I. Prudência do confessor.
li. Piedade do confessor.

1. Prudência do confessor. - O tribunal da


penitência é rodeado de escolhos tanto mais temíveis,
quanto mais ignorados são. Pai e juiz, o sacerdote
reconciliador é também médico das almas. Deve
estudar a natureza e gravidade do mal, escolher os
remédios, aplicá-los: três coisas que exigem extrema
prudência.
O primeiro perigo para o confessor está na ne­
cessidade de conhecer as enfe-rmidades espirituais ;
mas ao lado dêste perigo há outro não menos temí­
vel, e é que, querendo aprofundar as chagas, não
venha a causar ao doente e ao médico um prejuízo
talvez irreparável. e'. Oue habilidade, que circuns­
pecção não é precisa, quando se trata de penetrar
nos abismos do coração do homem? Hã mistérios
de iniqüidade, a cuja revelação não convém Ólhar-se
senão com certa medida. i Oue desgraça, se, com pre­
guntas inconsideradas, contrárias à santidade do sa­
cramento e à dignidade do sacerdote, se obstasse à
conversão dos pecadores, muitas vezes tão prontos a
escandalizar-se, quanto ousados foram em dar o es­
cândalo 1 1 Oue pãbulo . para os libertinos e calunia­
dores do sacerdócio I Regra rigorosa: nas preguntas
sôbre o sexto mandamento, ficar antes àquém do que
ir àlém do ne'cessário; •anles faltar à integridade da

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CONFESSOR PIEDOSO E PRUDENTE

confissão do que à prudência• ( 1). l Tenho eu cui­


dado em formar segundo êste princípio, a minha
consciência e a dos meus penitentes? Se tenho mo­
tivo para crêr que a graça e o meu acolhimento ca­
ridoso puseram essa pessoa na disposição de se con­
fessar bem, devo estar tranqüilo; lerei cumprido o
meu dever, buscando conhecer aproximadamente a na­
tureza, o número dos pec.ados, e as circunstâncias
que mudam a sua espécie.
Tendo-se estudado a doença, quanto a discrição
o permilia, que partido tomar? Oue lratamenlo
adaptar ? O da firmeza ? O da condescendência?
O confessor prudente combina uma com outra. Como
a Samaritana do Evangelho, mistura o azeite e o vinho,
e compõe assim o bálsamo, que sara as feridas : UI
more perili mediei, simililer infunda! vinum ef oleum
vulneribus sauciafi (2 ). Sabe que os melhores remé­
dios nem sempre são os que em si são mais eficazes,
mas os que a fraqueza do doente pode suportar.
Igualmente afastado dos extremos, examina quando e
a quem deve dar, recusar, diferir a absolvição: para
não absolver os que são incapazes de receber os
frutos de um tal benefício. Mas ao mesmo tempo
abstém-se de imitar os <;1ue, depois de reconhecerem
que leem a tratar com uma alma carregada de crimes,
declaram logo que não podem reconciliá-la com Deus,
recusando o seu ministério precisamente aos que de­
vem ser o seu primeiro objeclo ( 3); pois, se em al­
guma coisa, é nisto que se deve guardar o mais pru-

(1) Mgr. Goussel. -(2) Cone. Loler. IV.


(3) Ouae quidel(I nemo non videril quam longe 11b eorum
r111ione dislenl, qui, ui grovius oliquod audiunf peccafum, aul aliquem
sen(iunf mulliplici peccaforum genere infeclum, slalim pronuncianl se
non posse 11bsolvere; iis nempe ipsis mederi recusanl, quibus m11-
1ime cur11ndis 11b eo sunf consfifufi qui 11if: Non esl opus v11lenlibus
medicus, sed male habenfibus. Leo XII, Encycl. 1826.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS
________

dente meio lêrmo, para que nem uma excessiva facili­


dade adormeça os pecadores, nem uma excessiva se­
veridade os desgoste da confissão e os desanime (4).
Achado o tratamento que deve seguir-se, é neces­
sário fazê-lo aceitar: induzir o penitente a apreciar a
aplicação dos verdadeiros princípios, resolvê-lo a su­
jeitar-se a êles, o que é muitas vezes o mesmo que
convertê-lo, e esta é a obra-prima de uma prudência
consumada e de uma piedade fervorosa.

II. Piedade do confessor. -O primeiro concílio


de Milão menciona esta qualidade antes de lôdas as
outras (2). A piedade, êsse amor, terno para com
Deus e compassivo para com o próximo, êsse ardente
zêlo da glória do Senhor, cujos inlerésses defende­
mos, e da salvação das almas, que êle deseja com
tanta ânsia; a piedade, êsse sentimento de fé, essa
unção do Espírito Sanlo, útil para ludo, rica em pro­
messas, quanto ao presente e quanto ao futuro: i quão
necessária é ao confessor! e Como dissipar o alraclivo
das paixões, quebrar o gêlo dos corações, se Deus
nos não comunica a luz e a fortaleza do seu Espírito?
e E a quem ordinãriamenle comunica êle êsles dons,
senão aos sacerdotes piedosos, que estão unidos a
êle pela oração, pela pureza de intenção, e pelo con­
tínuo desejo de lhe agradar? E' a piedade que atrai
a confiança, anima a timidez, desperta os remorsos,
inspira essas enérgicas expressões que chegam ao
coração, porque saem do coração. E' a piedade que
suaviza os desgostos ligados a êsle laborioso minis­
tério. Ela dá essas entranhas de misericórdia, êsse

( 1 ) lbid.
(2 ) ln confessariis probandis hanc ra!ionem habeanl episcopi,
ui pii, bene morali, docli, prudenfes, palienles, de animorllm salule
sollicili, el fideles cuslodes sinl eorum quae in confessione audiunfur.
Par!. li. Til. VI.

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CONFESSOR PIEDOSO E PRUDENTE

poder da doçura, êsse ascendenle da verdadeira ca­


ridade, a que cedem os pecadores mais obstinados ..
i Oue fará no confessionário o sacerdote frio ou de
uma frouxa piedade? No confessionário é que os
bons padres dirigem e convertem; o lugar é Ião pró­
prio para uma coisa como para a outra ; e assim
i que responsabilidade pesa sôbre o confessor!
Meditemos as palavras de Leão XII na sua En­
cíclica para q jubileu de· 1826: Sisfunf se quidem
mulfi sacrnmenfi ·poenilenfiae minisfris prorsus impa­
rafi, sed persaepe fomen hujusmodi, 11f ex imparalis
parali Geri possinf, si modo sacerdos, víscera indufus
misericordiae Chrisfi Jesu, qui non vocare justos, sed
peccatores, sciaf sfudiose, pafienfer ef mansuete cnm
ipsis agere. Eis pois muifos pecadores que se apre­
sentam, não só pouco dispostos a receber a graça
do sacramenlo, mas muito afastados da preparação
que ela exige; e todavia podem muifas vezes ser
postos em estado de nêle se reconciliarem com Deus,
com tanto que o sacerdole revestido das enfranhas
da misericórdia de Jesus Cristo, saiba usar para
com êles de zê/o, de paciência e de mansidão. Tai é
o espírito do Salvador; é. é assim o que me animo?
Se ignoro na prática êste modo de proceder para
com os pecadore:;:;, s!udiose, palienfer ef mansuefe,
não eslou melhor disposto a conferit-lhes os sacra­
mentos, do que êles o estão a receber os seus frutos:
Ouod si praesfare praelermiftaf, profecto non magis
ipse dicendus esl paralus ad audiendum, quam cae­
/effi ad conlifendum accedere. Oh I quantos confes­
sores são visados neste oráculo do Vigário de Jesus
Crislo ! t Não serei eu dêste número? Eu tranqüili­
zo-me, dizrndo comigo que não eslava em meu
poder absolver pecadores mal dispostos; e esquecia
que o Senhor confiava em mim, na minha caridade,
na minha prudência, na minha piedade, para fazer
dêles verdadeiros penitentes 1

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438 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Antes de subir ao aliar, consultai a vossa con­


sciência, e pedi perdão a Jesus Cristo, de terdes
cumprido tão mal os desígnios da sua misericórdia
no m·inislério da reconciliação.

Resumo da Meditação

1. Prudência do confessor. - Na qualidade de


médico, o sacerdote reconciliador deve estudar a
natureza do mal, escolher os remédios e aplicá-los.
- Oue prudência não é necessária, quando se trata
de peneirar nos abismos do coração humano ! Regra
rigorosa: nas preguntas sõbre o sexto mandamento,
ficar antes àquem do que ir àlém do que é necessário.
Na escolha dos remédios, o bom confessor combina
a firmeza com a condescendência; foz uma prudente
mistura do azeile e do vinho, e compõe assim o bál­
samo, qu_e cura as feridas, conservando-se a uma
igual distância da frouxidão que adormece os peca­
dores, e do rigor que os desanima.
'
li. Piedade do confessor. - A piedade, êsse
amor .terno para com Deus e compassivo para com
o próximo ... , essá unção, fruto do Espírito Sanlo,
oh I quão necessária é ao confessor I E.la ganha e
atrai a confiança; anima a timidez; e inspira palavras
cheias de fogo, que chegam ao coração, porque
saem do coração. l Oue pode fazer no confessioná­
rio um sé)cerdote frio ou de umà piedade frouxa?
Meditemos nas palavras de Leão · XII, e receefhos
achar nelas a nossa c;ondenação.

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PRÁTICA DO CONFESS!ONÁRIO 4.39

LXXIV MEDITAÇÃO

Prática do ministério da confissão.


- O que faz o sacerdote fervoroso:

1. Antes de enfror no confessionário.


......
li. Emqu1m!o lá �e demora.
Ili. Quando sai dêle.

'I,

I. Anles de entrar no confessionário, o sacer­


dote fervoroso, pôslo que lenha já a mais alfa idéia
do ministério que ali vai exercer, desperta llinda a
sua fé sôbre a excelência dêle.
Oue vai fazer? Deus parecia ler reservado para
si o privilégio de dar a graça e a �lória: Grafiam
ef gloriam dabif Dominus; e eis que o seu ministro
é associado a tão grande honra. e. Em que estado es­
tão as almas, que a divina misericórdia lhe envia?
l Em que estado poderá esperar que e�lejam breve­
mente, se é digno instrumento de. Jesus Cristo na
obra da sua salvação? Os_ que êle vê em redor do
confessionário, recordam-lhe a multidão de enfermos
que jaziam ao pé da piscina de Jerusalém: Jacebaf
mulfiludo magna languenlium (1). Vai trabalhar na
felicidade de seus irmãos, muito mais utilmenle que o
anjo que, movendo a água da piscina, curava as en­
fermidades corpóreas. Não permitirá que um só dês­
ses pecadores, por mais inveleradas que sejam as
suas chagas, lenham motivo para proferir 'a queixa
do paralítico de trinta e oito anos: • Hominem non
habeo; não tenho o homem que pediam as minhas
profundas misérias• . A-fim de ter para com lodos

(1) Joan. V, 3.

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MEDITAÇÕl':S SACERDOT.HS

entranhas de pai, reveste-se da caridade de• Jesus


Cristo. j Oue glória vai dar a Deus! 1 Oue júbilo aos
anjos, proledores dessas almas, e a Maria sua
Mãe 1 . . . Não se faz esperar. Longe de temer a fa.
diga desta ocupação, deseja-a, e compara-a à do se­
gador que nunca está mais contente do que quando
está mais atarefado.
Ah ! que comiseração, que mansidão, que paciên­
cia lhe será necessária! ... Faz delas uma abundante
provisão, preguntando a si mesmo a quem vai subs­
tituir. A exemplo de seu Meltre, toma sôbre si lô­
das as enfermidades de seu povo; quanto mais de­
pravação há nessas almas, tanto mais piedade haverá
na sua. Tranqüiliza-se, une-se ao Coração de Jesus
e oferece-lhe ludo o que vai fazer e padecer pela sua
glória.
Sabe muilo bem de que tentações é cercado ó
santo tribunal : repugnância, desgôsto, curjosidade,
excessiva justiça, ou demasiada condescendência, su­
gestões impuras. t Deixar-se-á expulsar da sua mo­
rada o inimigo forte e armado, sem procurar ao me­
nos ferir ou desnortear ao vencedor? Mas êste deve
manter-se a postos para o combate: J1:1.cula minus
feriunf quae praevidenfur (1).

II. Duranfe o exercício do ministério da con­


fissão, o sacerdote fervoroso conserva-se, quanto lhe
é possível, senhor de si, em estado de imolação, sa­
I
crificando-se aos inlerêsses de Jesus Cristo e de
seus irmãos. Dara se manter à altura da sua missão
e exercer sempre dignamente um ministério tão santo;
nunca deixa afastar muito êste pensamento, o mais
firme apoio da sua constância: • Deus vê-me, Deus
ouve-me, Deus julga-me; o que faço em segrêdo,

(1) S. Greg, Homil. XXXV. in Evang.

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PRÁTICA DO r.ONFESSLO�.Í.RIO

será palenteado um dia a todo o universo•. <'. Sente


porventura o pêso da natureza, que procura arras­
tá-lo? Reanima a sua alma, renova a intenção, aviva
o fervor. <'. Descobre a chegada do espírito das tre­
vas? Redobra a vigilância, e socorre-se das chagas
de Jesus agonizante: Non inveni fom ef.icax reme­
dium, quam vulnera Chris/i ,· in il!is dormio securus,
ef requiesco infrepidus (t). i. Encontra uma dificul­
dade imprevista, ·um pecador que resiste, um cego
que repele a luz-? Recorre àquele, que pode subme­
ter, quando quer, as vontades mais rebeldes: • Aju­
dai-me, Senhor, ajudai-me. Eu faço a vossa obra,
mas não posso fazê-la sem vós• .
Conhece o uso dessas aspirações do coração,
das breves e fervorosas orações, denominadas jacu­
latórias, porque são como que selas inflamadas, que
chegam até Deus, quando a fé as inspira e a con-
6ança as sustenta. Ao mesmo tempo que .anima com
bondade; faz preguntas com prudência, ouve com im­
passibilidade, e estuda as disposições do penitente
para, lhe aplicar os seus cuidados. Segue com aten­
ção e caridade, e auxilia do melhor modo que pode
a acção da graça, examinando -O que ela pede a cada
um naquele momento; e, como ela, deseja conduzir
as almas até ao grau de virtude a que Deus as cha­
ma sem pretender levá-las mais ãlém.
1 Oue grande é a sua alegria, quando vê. pecado­
res, há muito tempo obstinados, ceder por fim aos
convites do Espírito Santo ! 1 Ouão feliz se considera,
quando restitui êsses filhos pródigos a seu Pai! Se
nada consegue de um coração endurecido, aflige-se
por cerlo; mas a mesma aflição lhe é de proveito.
Não, ao menos não perdeu o tempo; o que se sofre
por causa de Deus, não fica perdido. Se êsse peca-

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MEDITAÇÕES SACEBDOTAIS

dor não é absolvido, ao menos não é repelido. Ou­


viu verdades úteis, e lembrar-se-á do caridoso aco­
lhimento que recebeu. Orai, pois, e tende esperança
de que a graça terminará mais tarde o que agora
principiou. Estai certo de que recebereis, com a re­
compensa prometida aos vossos esforços, a que é de­
vida a uma dolorosa prova recebida com resignação.

III. Depois de sair do cónfessionário, o sa­


cerdoté piedoso medita por algum ·lempo; e assim
cómo· antes de nêle entrar, linha pregunlado a si pró­
prio o que ia lá fazer, assim também agora pre�unta
o que fêz. A experiência, que é de Ião grande preço
na direcção das almas, só se pode adquirir bem pela
reflexão sôbre as circunsli'incias, em que nos achá­
mos, e sôbre_ o proceder que livemo�.
E' · pois muito imporlanle, principalmente nos co­
mêços do ministério, e quando estivemos muito tempo
no confessionário, que façamos a nós mesmos algumilS
destas preguntas: é. Como acolhi, ajudei, suportei os
penitentes? é. Oue impressão causou certa palavr.a que
disse, certa pregunla que fiz? é. Por que motivos me
resolvi a dar, a diferir, a recusar a absotvição? �
me vi na necessidade de contristar um penitente, re­
conheceu êle que eu me- afligia com isso mais que
êle? é. Fui bastante afável,· caridoso, compassivo?
é. Foi o Espírito Santo quem exortou por minha liôca?
é. Nada tiveram de demasiado humano as minhas pa­
lavras? ...
Considerando na função sagrada que ex�rceu, o
bom confessor dá graças a Deus, pede-lhe perdão
das faltas que cometeu, e propõcr evitá-las para o fo..
furo. Ora pelas almas, cuja sàlvação se Johe tornou
ainda 111ais cara, em virtude dos vínculos de carida­
de, que o ligam a elas. Se negócios urgentes o ·im­
pedem de fazer então êste exame, fá-lo-á no fim do
dia, e limitar-se-á por emquanlo a recitar a oração

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_PRÁTICA no CONFESSIONARIO

da Igreja: Acliones noslras, quaesumus, Domine,


aspirando praeveni ef adjuvando prosequere: uf cun­
c:la noslra orafio ef opera/ia a (e semper incipiaf, ef
per te coepfa Gniafur. Per Chrislum.

R�sumo da Meditação

I. Antes de entrar no confessionário. - Des­


pertar a fé sôbre a excelência do ministério que vai
exercer. l E.m que estado se acham todos êsses en­
fermos, que védes em redor da piscina sagrada?
i Oue esperam 'êles da vossa caridade? Podeis ser­
-lhes mais útil que o anjo que, movendo a água, sa­
rava as enfermidades corporais. Ah I quanta paciên­
cia e mansidão vos será necessária 1... Fazei delas
uma abundante provisão. Tranqüilizai-vos, unindo­
-vos ao Coração de Jesus, e oferecendo-lhe ludo o
que ·ides fazer e sofrer pela sua glória. Tornai tam­
bém as vossas precauções contra as tentações que
vos. esperam.

II. Durante o exercício do ministério da conM


fissão. - Conservai-vos constantemente senhor de
vós mesmo, lembrando-vos muitas vezes da presença
de Deus. A aproximação da· tentação, recorrei ao
remédio de que se servia com tanto proveito Santo
Agostinho: Non inveni Iam efficax remedium, quam
vulnera Chrisfi. ln illis dormia secui:us, ef requiesco
inlrepidus. Estudai as disposições do penitente, para
lhe aplicar os voi;;sos cuidados ; mas principalmente
não desanimeis jàmais; a recompensa é indepen�ente
do bom éxilo.

III. Depois de sair do con&ssionário, o sacer­


dote piedoso reflede1 e examina o que fêz. Dregunla a
si mesmo : é Como acolhi, ajudei, suportei os peniten­
tes? é Oue decisões dei, e por que motivo? Nota as

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

faltas que cometeu, propõe evitá-!as para o futuro.


Humilha-se perante Deus, dá-lhe graças, e encomen­
da-lhe as almas, em cuja salvação acaba de traba­
lhar.

LXXV MEDITAÇÃO
Motivos para o sacerdote zeloso se dedicar
à santificação da mocidade
'
1. Os desejos de Jesus Crisfo e o exemplo dos moiores Sanfos.
li. Os da lgrejo e do sociedode em gero!.

PRIMEIRO PHELÚDIO. Transporkmo-nos à santa


casa de Nazarelh, e vendo os cuidados que a Vir­
gem Santíssima tem com o seu divino filho, mova­
mo-nos a formar os corações juvenis segundo o mo­
dêlo do Menino Jesus, crescendo etn idade e em sa­
bedoria deante de Deus e deante dos homens.
SEGUNDO PI!ELÚDIO. Supliquemos, pela inter­
cessão de Maria, a graça de compreender bem e de
cumprir santamente o importante ministério da educa­
ção cristã, por meio dos nossos conselhos aos pais
e ao mestres, e por nós mesmos.

1. Os desejos de Jesus Cristo e o exemplo


dos maiores Santos. - Os reis da terra leem os
seus favoritos, e o rei do céu também !em os seus:
são as almas inocentes. Êle quis que a sua predi.­
lecção pela mocidade fôsse consignada no Evange­
lho, e em termos muito ternos. De tõdas as partes
acodem a êle, para ouvir os seus oráculos e receber
os seus benefícios. Nessa multidão de admiradores
e de suplicantes, muitas mães desejariam aproximar-se

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SANTIFICAR A .JUVEN1'UD•;

dêle ·para lhe rogar que abençoasse os seus filhos.


São a princípio repelidas; mas bem de-pressa I que
grande é a sua alegria, ouvindo o Salvador juslificar
o que um zêlo -pouco esclarecido tachava de indiscri­
ção! Pastores de ,todos os tempos, compreendei os
desejos de Jesus Cristo. Vêde como olha com bon­
dade para essas cri&iturinhas; a sua inocência como­
ve-o: • Deixai, diz êle, d�ixai vir a mim êsses pe­
queninos; não os afasteis; é a êles, e a quem se lhes
assemelha, que pertence o reino dos céus• . No
mesmo instante, deixam-nos passar; êles adeantam-se,
ei-los nos braços de Jesus! ...
Ditosos meninos, se conhecessem a sua íelicida­
de ! . . . Ditoso eu mesmo, se conhecesse o favor que
me faz Jesus Cristo, encarregando-me de lhe pre­
parar servos fiéis, com a educação da juventude;
se eu soubesse quão sublime e proveitoso é êste
obscuro apostolado, e quão fácil me é, exercendo-o,
obter a afeição do meu supremo Senhor e Juiz! Eu
julgo ouvi-lo dizer-me, como ao príncipe dos seus
apóstolos: • Se me tens amor, cuida dos meus cor­
deiros. Esses meni_nos são meus; criei-os pelo meu
poder, conservo-os pela minha Providência, destino­
-lhes o meu corpo para comida, e o meu reino como
herança. Procura preservá-los do vício; desenvolve
nêles os germes de virtude, que nêles depositei; aju­
dar-me-ás assim a saivá-los. Dá-me êsle testemunho
do leu amor• . O' alma minha, e que responderás a
Jesus? e Não satisfarás os seus desejos? e E a fe­
licidade de lhe agradar, não te fará esquecer o que
tem de penoso o ministério que te confia?
F•i isto o que inspirou tanto zêlo da santificação
da mocidade aos maiores Santos e aos maiores gé­
nios do Cristianismo. S. Jerónimo na sua velhice,
linha-se retirado para Belém., a-fim de aí contemplar
mais fàcilmente os mistérios da infância de Jesus
Cristo. Emquanto ali vinham dos países longínquos

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MG MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

consultá-lo e admirar a sua penitência, escrevia êle a,


uma senhora romana: • Mandai-me os vossos meni­
nos; folgarei dti balbuciar com êles os elementos da
Íé•. S. Gregório com uma saúde sempre débil, e
sobrecarregado do governo da Igreja universal, acha­
va tempo e fôrças para catequizar a juventude ro­
mana. Santo Agoslinho, S. Vicente Ferrer, S. Car­
los Borromeu, S. Francisco de Sales, Gerson, Belar­
mino, ele., julgavam que não podiam empregar me­
lhor os seus talentos, nem passar a sua vida mais
utilmenle do que trabalhando na santificação da in­
fância. Gerson dizia: • E.' honroso educar o filho
de um monarca, herdeiro presuntivo da corôa; mas
a criança, que eu formo na virtude, é não é porven­
tura filha de Deus, herdeira do reino celeste•?
E. S. Francisco .de Sales: • Crêde-me: os anjos das
crianças leem particular afeição àqueles que as edu­
cam no temor de Deus, e lhes inspiram a santa
devoção•.

II. Os desejos da Igreja e da sociedade em


geral. - Educar crislãmente a mocidade, é ir à fonte
do bem, é atacar o mal na sua raiz e preparar gera­
ções melhores. Assim como de Abraão saíu um
povo inteiro de crentes, assim também algumas vezes
de um jóvem bem educado sairá uma nação inteira
de justos. Se os que foram ertcarregados de dirigir
para Deus as primeiras inclinações de um Francisco
de Sales, de um Francisco Xavier, de um Vicente de
Paulo, faltando à sua missão, deixassem que o hálito
do vício manchasse a sua inocência, pervertesse a
sua índole, até torná-los incapazes de cumpri[ os
seus grandes e benéficos destinos, é de que beneTicios
não leriam privado a Igreja e lôda a humanidade?
i Oue virtudes, que generosos sacrifícios, que obras
já coroadas no céu, foram o fruto\ da santidade
dessas almas escolhidas I é E. não foi a sua mesma

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SANTIFICAR A JUVENTUDE

santidade em grande parle o fnilo da boa educa­


ção?
Não se diga : , • Eu só lenho que educar crianças
de humilde condi�ão, que nunca exercerá� sôbre o
próximo uma influência úfil senão denlro de estreitos
limites•. Ninguém. o sabe: é. eram V_icenle de Paulo
e milhares de outros, de ilustre condição? Deus es­
colhe à sua vontade os instrumentos da sua miseri­
córdia. Vê talvez no pequeno rebanho que vos cerca,
almas que êle empregará em instruir e santificar uma
multidão de oultas almas. Mas embora tivésseis a
certeza de que nenhuma dessas crianças se distin­
guirá do vulgo, não poderíeis ainda avaliar até onde
se estenderá, o bem que lhes fazeis. Os bons princí­
pios, os piedosos hábitos, que vos deverão, transmi­
ti-los-ão a seus próprios filhos, os quais os transmi­
tirão por seu turno; e eis as santas tradições que se
consolidam, as virtudes cristãs que se perpetuam.
Serão séculos a colhêr o que tiverdes 'semeado. Um
sábio (1) escrevia: • Sempre acredilei que se refor­
maria o género humano, reformando-se a educação•.
Nada é mais verdaddr-0. Todo o futuro da Igreja e
da sociedade está na educação·: crenças, sentimentos,
costumes, o bem e o mal, tudo dela sai. E' por ela,
que um povo é o que é : a educação dirige-q ou
transvia-o ; é a vida ou a morte dos Estados e das
famílias. Se os hom�ns influentes quisessem com­
preender de que calamidades preservam os povos,
que serviços prestam à sociedade o clero e as con­
gregações religiosas, com o seu zêlo da educação
cristã: bem longe de estorvar a sua acção, a coadju­
variam com lodos os seus esforços. Não contemos
com o reconhecimento do mundo, mas contemos com
o de Deus.

(1) Leibni(z.

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448 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Dar graças ao Senhor por""me ler chamado para


tão santo apostolado. - Deplorar a pouca estimação
que dêle fiz. - Resolução de o exercer doràvante
com a maior perfeição que _me fõr possível.

Resumo da Meditação

1. Os desejos de Jesus Cristo e o exemplo


dos maiores santos. - O Filho de Deus quis que a
sua predilecção pelos meninos fõsse consignada no
Evangelho e em têrrnos terníssimos. Ah! que fácil me
é, com os cuidados que dispenso à ·infância, alcançar
a afeição do meu Senhor e Juiz! Eu oiço-o dizer-me:
� Se tu me tens amor, cuida não só das minhas
ovelhas, mas também dos meus cordeiros•. é. Porque
é que S. Jerónimo, S. Gregório Magno, Santo Agos­
tinho, S. Francisco de Sales, estimavam tanto o mi­
nistério que. exerciam com as crianças? Porque ama­
vam a Jesus Cristo.

li. º" desejos da Igreja e da sociedade. -


Assim como só de Abraão saiu um povo de crentes,
assim também de um só menino bem educado e,,de
sair urna nação de justos. Deus escolhe à von1ade
os instrumentos da sua misericórdia. Vê talvez nessa
criança um apóstolo futuro; e embora se não dis­
tinga. do vulgo, transmitirá a outros, que o transmiti­
rão por seu turno, o bem que lhe tiverdes feito; e os
séculos colherão o que houverdes semeado. Todo o
futuro da Igreja e da sociedade, estâ na educação:
crenças, ·sentirnen!os, costumes, o bem e o mal, tudo
dela sai. Dai graças a D�us por vos ter chamado a
êste glorioso e tão útil apostolado.

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SANTIFICAR A JUVKNTUDE

LXXVI MEDITAÇÃO
Outros motivos para o sacerdote zeloso se
dedicar à santificação da mocidade

(. O in!erêsse particular que se deve ligar ã infiin.:ia.


li. Os proveifos que firam da ,educoçiio crislii os educadores.

Os mesmos prelúdios que na meditação prece­


dente.

I. Nenhuma idade, sob o ponto de vista da fé,


merece tanto inlerêsse como a infância. - Merece-o
principalmente por três motivos: pela sua inocência,
pelos seus perigos, e pelo bem que é fãcil fazer, edu­
cando·-a.
1.º é. Há nada mais inocente que as crianças,
que foram purificadas da mácula original pelo baplis­
mo, e pão leem ainda o discernimento necessário
para cometer pecados aduais de grande gravidade?
E' delas que o Salvador disse: Deliciae meae esse
cum liliis hominum. Se algumas há de uma corru­
ção precoce, ao menos o vício não se arraigou ainda
nelas; não lhes tirou essa candura que abre a alma
às impressões salutares. Se o Espírito Santo foi já
constrangido a deixar santuários, onde se comprazia
de habitar, não está longe: está à porta e bate (1).
Oh! que bela ocupução a de conservar a inocência
aos filhos de Deus, ou aos que a perderam1 fazê-los
reparar logo esta desgraça 1
2.º E' de ordinário na infância, que se decide
da sorte eterna. A educação é um molde, em que o

(1) Ecce slo ad osfium el pulso, Apoc. 111, 20,

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450 .MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

homem recebe as suas formas intelectuais, morais e


religiosas. Cada um será na velhice, diz a Sagrada
Escritura, o que a educação o tiver feito na adoles­
cência (1). Se o veneno do vício lhe vem manchar o
coração em uma idade ainda tenra, é para temer que
lhe penetre até à medula dos ossos, que o inficione,
e desça com êle à sepultura. Juventude culpada, se
somos constrangidos a condenar-te, l poderemos dei­
xar de te lastimar? Tudo é cilada, tudo é sedu­
ção para esta idad�: o mundo que encanta, e cuja
perfídia está então mui longe de se suspeitar; o
demónio que, para assegurar os últimos instantes da
vida, quer ler os primeiros; amigos depravados,
exemplos contagiosos ! . . . Para resistir a tantos
assaltos, seria necessário ler temor de Deus, ódio ao
pecado, e profundamente gravadas na alma as máxi­
mas da religião. l Oue será do jovem, da donzela
que _uma educação cristã não preparou para· êstes
combates? l Oue recursos ficarão ainda para o
futuro àquele que não conheceu nunca a felicidade,
a virtude, as esperanças da vida futura, ,os bens e
os males da eternidade?
Pelo contrário ditoso aquele que, desde a sua in­
fância, tem levado o jugo da piedade 1 (2) Será, se­
gundo a expressão do Espírito Santo, como uma ár­
vore plantada junto à corrente das águas. Não lhe
faltarão flôres na . primavera, nem frutos no outono :
a inocência embelezará a sua mocidade, e em uma
idade mais avançada, será fecundo em sólidas virtu­
des. Ainda que tivesse a desgraça de se perverter,
pode-se esperar que se converterá: a boa educação

(1 ) Adolescens juxfa viam suam, eliam cum senueril, non re­


cedei ah e11. Prov. XXII, 6.
(2) Bonum esl viro cum porlaveril jugum ah adolescenlia sua.
Thren. Ili, 27.

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SANTIFICAR A JUVENTUDE 6.51
preparou-lhe um poderoso meio de conversão: a
graça do remorso:
3. 0 Não se deve desesperar da salvação de
pessoa alguma; mas I que dificuldades a vencer para
converter certos pecadores I Pelo contrário, uma
criança não opõe ao zêlo senão um só obstáculo, a
leviandade: o que é preciso para com êle, é paciên­
cia. A sua alma é uma t.erra nova, que só espera
cultura para produzir cento por um; é uma planta
flexível, que loma a forma que se lhe dá. O cora­
ção, isento de afeições criminosas, é suscepfivel das
melhores tendências. Uma criança crê na autoridade;
adopla com confiança, a fé e os sentimentos dos que
se aproximam dela I Oh I quão fácil é enternecê-la,
falando-lhe de um Deus que se fêz menino, e morreu
por nós; despertar o lemor do Senhor, a compaixão
para com os que padecem, a gratidão e o amor para
com De1,1s. São almas predispostas já pelo baplismo
para lôd.as as virtudes cristãs I Consultai os pasto­
res zelosos, e lodos vos dirão que nenhum dos seus
ministérios os consola lanlo, como o que exercem
com a juventude. Além disto os seus frutos são in­
comparàvelmente maiores.
Ainda que todos os meus esforços para conver­
ter um velho, alé enlão indócil à voz da sua con•
sciência, fôssem bem sucedidos, não impedirão que a
sua larga vida lenha decorrido vaziá de merecimen­
tos para o céu, e que lenha sido uma revolta perma•
nente côntra Deus. Mas, é. lrata-se de uma criança?
O meu zêlo santificará lodos os seus dias. Preparo
todo o bem que ela fará, e participo de lôdas as
suas boas obras.

II. Nenhum outro ministério é mais proveitoso


para os que o exercem, do que a educação da ju..
venfude. - Numerosos merecimentos, graças abun­
dantes para santificar a vossa vida e suavizar a vossa

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

morte. O' apósfolos da infância, ( que bela é a sorte


que Deus vos destinou 1
Numerosos merecimentos. Deve ser por zêlo,
isto é, por amor de Deus e do próximo, que se deve
educar a mocidade; a caridade, é a alma desta vo­
cação, sobrenaturaliza fu�o o que nela se faz e se
padece. A instrução que se dá, ainda mesmo enca­
rada pelo lado humano, e no que pode ter de pro­
fano, não é sem merecimento perante Deus. e. Con­
fiar-nos-iam crianças, e leríamos nós ocasião de lhes
ensinar a sciência da salvação e de as dispôr- para
as virtudes que formam os Santos, se não adquiris­
sem também na nossa escola êsses conhecimentos
secundários, que o mundo prefere a ludo, em sua
cegueira? Somos obrigados a começar pela terra,
para as conduzir ao céu; mas o céu e a eterna feli­
cidade dessas queridas almas, é o supremo fim dos
nossos esforços, e é isto precisamente que caracte­
riza a educação cristã. Demais, esta vida não é, por
assim dizer, senão uma morte prolongada pela abne­
gação e sujeição que exige. Assim, de um lado mor­
tificação contínua; do outro, exercício contínuo de
caridade; é. que mais é necessário para adquirir em
poucos dias numerosos direitos ao reino eterno?
Abundantes graças. Deus proporciona ordinària­
mente os dons que nos concede, ã comunicação que
quer façamos dêles : o seu amor para com as crian­
ças que nos confia, é a medida das suas liberalida­
des a nosso respeito ; não só porque nos enriquece
para elas, mas também porque elas mesmas, se sou­
bermos servir-nos do seu valimento, serão para nós
poderosos intercessores. Deus não resiste à ora­
ção da infância. e Basta uma alma pura deante da
suprema Majestade, para ser melhor ouvida que os
nossos grilos mais penetrantes• (1). é. Ouem n;ie im-

(1) S11nfü1go de Nísibe.

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SANTIFICAR A JUVE�TUDE

pede de fazer rôgar por mim os meus inocentes e jo­


vens ouvintes, quando os catequizo? S. francisco
de Sales pedia incessantemente as pequeninas, mas
peneirantes orações dos filhos da senhora de Chan­
tal. S. Filipe de Néri chamava aos meninos os seus
ajudantes de campo na conversão dos pecadores.
Gerson dizia aos numerosos meninos que instruía
com tanta paciência, que êles com as suas orações
lhe abririam a porta do pai-aízo.
Eis aqui uma fonte fecunda de bênçãos para a
vida e para a morte, reservadas aos que se dedi­
cam à santificação da mocidade. Ainda mesmo que
aqueles, a quem dispensais os vossos cuidados, vos
esquecessem na terra, as crianças que levastes à pá­
tria celeste vos não esqueceriam ; e quando chegar
para vós a hora da suprema luta, em que os auxílios
divinos vos serão Ião necessários, l com que solici­
tude e eficácia rogarão pelo seu insigne bemfeitor?
Julgareis ouvir o joyem Tobias, ao voltar da sua
longa e perii;iosa viagem, esforçando-se por fazer
que o pai tome parte no reconhecimento que deve ao
seu guia celeste. • Êle levou-me, diz, e trouxe-me a
salvo. Livrou-me de um monstro que me ia tragar.
Meu pai, que lhe podemos nós dar, que iguale tais
benefícios? (') O menos que podemos fazer, é ofe­
recer-lhe mefade de ludo o que trouxemos». Bela
imagem do que fazem os bemavenlurados, quando
v"êem aquele sacerdote, tão amigo dêles na infância,
e que está a ponto de acabar a sua carreira mortal 1
•Eis, Senhor, que vai aparecer deanle de vós aquele
que dirigiu os nossos primeiros passos. Depois de
vós, é a êle que devemos a nossa felicidade. Condu­
ziu-nos e amparou-nos na vereda tão escorregadia
da mocidade ; esforçou-se por nos ensiriar a conhe-

(1) Ouid i!!: ad haec poferimus dignum dare? Tob. XII, 3, 4.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

cer-vos e amar-vos. Um horrendo monstro, o pe­


cado, ia tragar-nos, mas livrou-nos dêle ! O' E.terno
Padre, dai-lhe uma glória e felicidade proporcionada
aos imensos serviços que nos prestou •. Esta súplica
será atendida no seu sentido mais amplo. Deus
fará pelos salvadores da mocidade mais do que To­
bias pedia para Rafael : êle mesmo será a sua ma­
gnífica recompensa.
l T ertho eu compreendido alé ao presenle lodo o
bem que posso fazer, exercendo o meu humilde mi­
nistério para com as crianças? l Tenho tido para
com elas a bondade que abre os corações, e os
prepara para o amor de Deus, pelo amor do seu mi­
nistro, a palavra que corrige os defeitos com uma
brandura perseverante? l Tenho difundido nas mi­
nhas instruções e exortações, fafando-lhes, o calor e a
vida que interessam, e esclarecendo, causam impres­
sões duradoiras? l Tenho ·procurado principalmente
inspirar-lhes um vivo horror ao pecado, um terno amor
para com Jesus Cristo, falando-lhes com unção dos
sei.Is sublimes mislêrios? l Tenho ligado às suas cón­
fissões lõda a importância que merecem? E. quando
julguei que tinham cometido algum pecado grave,
l empreguei todos os meios para as dispôr logo ao
benefício da absolvição?
Dara vos preparardes para a missa, ouvi humil­
demente as queixas que Jesus Cristo pode ler mo­
tivo para fazer-vos sôbre êste ponto essencial das
vossas obrigações, e prometei-lhe auxiliar melhor o
seu zêlo da santificação da mocidade: O piissime
Jesu, quis ultra posf te verecundahilur esse humilis
ad parvulos? Quis fumescens ef elafus de sua vel
magnitudine, vel scienfia parvifafem deinceps parvu­
lotum, ignoranfiam, vel imbecillifafem audehif asper­
nari, quando fu, qui es Deus benediclus in saecu!t,,
in quo sunf omnes lhesauri sapienfiae ef scienfiae
Dei abscondili, usque ad casfissimos pervulorum

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SANTIFICAR A JUVENTUDE

ãmplexus heaitJ hrachia mansuefus inclinas a/que cir­


cumligas? (1)

Resumo da Meditação

I. Nenhuma idade, sob o ponto de vista da fé,


merece fanfo inferêsse corno a infância: por sua
inocência, por seus perigos, e pelo bem que é fácil
fazer, educando-a. -é. Üuê· cois11 mais pura em geral,
que o coração de um menino? Se o vício Íêz algu­
mas feridas na sua alma, não são ainda profundas.­
- E' na infância ordinàriameille que se decide da
sorle eterna. - Tudo é cilada e sedução para esta
idade sem desconfiança. é. Como escapará uma
criançfl mal educada, aos perigos que a ameaçam?
Pelo contrário, feliz aquela que cedo começa a levar
o suave jugo da virtude! - A alma de uma criança
é uma terra nova, que só espera a cultura para pro­
duzir cenlo por um. Se eu converto um pecador
avançado em idad�, não obsto a que a sua vida
passada tenha sid,p uma revolla. permanente contra
Deus; se educo bem um menino, o meu zêlo santifi­
cará lodos os seus dias, e participarei de lôdas as
suas boas obras.

II. Nenhum oufro ministério é mais proveitoso


àquele que o exerce. - Acha nêle numerosos mere­
cimentos: a caridade sobremilu.raliza ludo o que faz;
a sua vida é uma contínua prática de abnegação e
de morlil1caçãq.. Acha nêle abundantes graças, liga­
das às orações e à inocência das crianças. Daí uma
morte cheia de esperança e de félicidade.

(1) Gerson. Tracf. de parvulis. Consid. VI.

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45fi .MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

LXXVII MEDITAÇÃO
• O bom pastor prefere a tudo o cuidado
dos enfermos

1. Porque êles são o mais ferno objedo da caridade sacerdo!11I.


li. Porque a sua negligência para com êles, leria as mais deplo­
ráveis conseqüências.
Ili. Porque o seu zêlo recebe junto dêles os frutos mais con­
soladores.

1. A assistência aos enfermos considerada em


seu objecfo. - é. Ouem são aqueles que se trata de
socorrer, e que cuidados se lhes devem dispensar?
t. 0 Vós que deveis ser o imitador da caridade
de Jesus Cristo, assim corno sois o seu· ministro,
lembrai-vos do qui; tendes visto mais de urna vez: um
enfêrrno abatido, aflito, cheio de .dôres, a quem talvez
tudo falta ao mesmo tempo, mivs principalmente o
mais necessário de lodos os bens, a paz da alma, a
tranqüilidade da consciência. As dôres que sofre, as
que receia, talvez a indiferença e o esquecimento da­
queles que lhe devem mais amor, tudo o lança em
uma profunda tristeza. Nada o distrai dos desgôslos
e dl'ls sombrias reflexões que o assaltam. Numa si­
tuação tão aflitiva, ah I que rico tesoiro é_ um amigo 1 (1)
Merecei vós êste nome, com relação a um desgra­
çado, que tem tantos direilos ao vqsso mais terno
in!erêsse.
E' um dos membros dd vossa família espiritual, é

,.
vosso filho; é digno de l?�os os cuidados, de todos
.,.

(1) Àmico fideli nulla esl comp11r111io... Oui invenit illum,


invenif thesaurum. Eccli. VI, 14, 15.

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CUIDADO DOS ENFERMOS Mí7
os esforços do vosso zêlo, visto que tornando-vos
seu pastor, vos obrigastes a sacrificar ludo para o
salvar.
Vós dizeis: •E' uma ovelha rebelde, um dêsses
homens escandalosos, que só conhecem a religiãó
para a escarnecer, as suas leis para as çalcar aos
pés•. Oh! então, se a sua fé se desperta; quais não
devem ser os seus remorsos, os seus receios, as suas
angústias, à aproximação cio tremendo juízo a que
vai ser sujeito! - • Não, é um ímpio muito endure­
cido; não sente essas saüdáveis perturbações; está
tranqüilo, e parece não se importar com a sua sorte
eterna• 1 - Sendo assim, a vossa compaixão não
deve ler limites . Só vós podeis achat na vossa alma
paternal, e na graça do vosso ministério, recursos
proporcionados a tão extremo mal; ide imediatamente
prostrar-vos deante do tabernáculo, orai na presença
do Salvador, pedi-lhe que acenda em vos o fogo sa­
grado que êle veio trazer à terra, e. depois correi em
socôrro da vossa ov•lha, que o· demónio quer arre­
batar-vos. Nunca Pf)dereis exercer a vossa caridade
mais ulilmente.
2.0 $e de (ôdas as graças, a mais preciosa é a
de uma santa morte, porque corôa lôdas as outras,
imprimindo nas nossas virtudes o sêlo da imutabili­
dade; se além disto a hora mais crítica da nossa vida
é aquela em que a mesma vida vai extinguir-se, visto
que depende dela a eternidade, e que, nesta prova
decisiva, o demónio redobra de astúcia e sanha: é
evidente que náf, se pode exercer maior caridade
para com o próximo, do que ajudando-o a bem
morrer. Dentro de poucos dias, talvez dentro de
meia hora, essa alma saia do reino da misericórdia
para o da justiça; o tempo de adquirir merecimentos
acabará para ela; mas nos curtos instantes que lhe
restam, oh ! quanto pode perder ou alcançar para a
eternidade I Confortada pelas vossas exortações e

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458 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

pelos sacramentos, ela santificará os seus sofrimen­


tos, ela se purificará dqs menores culpas, e satisfará
à justiça de Deus, e vencerá as tentações; ai! basla
uma, para lhe arrebatar a sua corôa! · Se ela está em
estado de pecado mortal, trata-se de a tirar dêsse
abismo. Em lodo o caso, traia-se de a preservar da
maior das desgraças, e de lhe assegurar uma supre­
ma felicidade. Trofa-se da sua salvação! O bom
pastor sente-se comovido, inflamado de zêlo, quando
considera de um lado que os seus queridos doentes
teem extrema necessidade da sua assistência, e do
outro que o bem que vai fazer-lhes, assegurado pela
mesma morte, nada lerá já a temer da inconstância
dêles, nem dos artifícios do espírito das trevas.

li. Deploráveis conseqüências que a negligên­


cia acarretaria. - Não sucede com uma falta vossa,
de que um moribundo ê vílima, o mesmo que com a
maior parte das outras que podeis cometer no sa­
grado ministério. é. Faltastes nêle a certa <llbrigação?
O mal é remediável; mas se a. vossa negligência ê
causa de que um enfêrmo saia dêste mundo em es­
tado de pecado mortal, é uma desgraça absoluta­
mente irreparável, e que desgraça! e da vossa· parle,
que crime 1 Deixastes passar o momento favorável,
que a bondade divina tinha reservado a essa alma
para se salvar, e êsse momento não voltará mais;
ela está julgada, e a sentença é sem apelação.
Se o cadáver do pobre, estendido no chão, clama
vingança contra o homicida avare[\lo, que lhe recu­
sou pão, 1 que terrível acusação êssc desgraçado ré­
probo fará contra vós no tribunal de Deus 1 •Ai!
Senhor, aquele que vós tínheis destinado a ser a luz
do cego, o guia do viajante desgarrado, o pastor a
quem havíeis confiado o cuidado da minha salvação,
desamparou-me, quando os seus socorros mé eram
mais indispensáveis! Êle devia esclarecer a minha

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CUIDADO DOS ENFERMOS

ignorância, fortificar a minha fraqueza, ajudar-me a


receber a. morte· como justo castigo dos m_eus peca­
dos. Ah I se êle tivesse vindo falar-me como amigo
e pai, se me tivesse referido as riquezas da vossa mi­
sericórdia para com os maiores pecadores, eu teria
cedido a tão ternos atraclivos. Mas . . . quando os
meus inimigos me perseguiam de todos os lados, êle
cruelmente me abandonou I Vós derramastes por mim
todo o vosso sangue, e êle recusou fazer um pequeno
sacrifício para vos conservar uma alma que tanto vos
custou• 1 i Oue amargo é êste pensamento: tenho
motivo para crêr que um dos mel.Is parroquianos está
agora no inferno, e fui eu, seu pastor e pai, que nêle
o precipitei I Tot occidimus, quof ad mor/em ire
quofidie fepidi ef negligentes videmus ! (1)

III. O · verdadeiro zêlo deve eaperar· tudo dos


cuidados dispensados aos enfermos e moribundos.
- êste ministério é uma fonte de'consolações para o
bom pastor, quer por causa das circunstâncias em
que o exerce, quer em razão dos prodígios da graça,
de que muitas vdes é acompanhado.
Ouando há saúde, é fácil esquecer a Deus e as
verdades eternas. Os negócios, as diversões, o bulí­
cio do mundo, tudo afasta ou enfraquece os pensa­
mentos da fé. Sucede tudo o contrário nas doen­
ças. Um homem fechado no quarto, retido n_o seu
leito de sofrimentos, donde receia não sair senão
para entrar na sepultura, torna-se mais acessível à
graça. As ilusõ�s dissipam-se; vê as coisas como
elas são. A ineficácia dos meios humanos, para o
proteger contra a morte, fá-lo lembrar do autor do
seu sêr, reanima as suas esperanças. Quantos enfer­
mos, a quem se aplicam estas palavras: Trihulafio-

(1) S. Greg.

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i60 MEDITAÇÕES SACEllDOTAIS

nem ef do/orem inveni, ef nomen Domini invo­


cavi ! ( 1 ) • Eu vivia como se estivesse sem Deus,
nenhuma idéia linha de seu domínio univ�rsal e da
minha dependência. Mas chegou a tribulação. Vendo
evaporar-se deante de mim o fantasma de !ôdas as
coisas da !erra, compreendendo por fim que confiar
nas criaturas, é confiar no nada: pensei em Deus,
comecei a temer a sua justiça, a esperar na sua bon­
dade, e chamei-o em socorro da minha miséria: Et
nomen Domini invocavi • .
A imagem da morte, que se apresenta com fre­
qüência ao espírito do enfêrmo, convida-o a pôr
em ordem a sua consciência. Vinde, bom pastor, o
doente está disposto a ouvir-vos. O seu desamparo,
a experiência que tem da vaidade das coisas da ferra,
o resfriamento das paixões, a mesma doença que o
torna mais sensível aos fesfmunhos de afeiçãó que
lhe dais, 1 que circunstâncias tão favoráveis aos desí­
gnios do vosso zêlo 1
Àlém dislo, o ministério junto dos enfermos,
agrada exlremamenle ao Coração compassivo de Je­
sus Cristo, que se compraz em manifestar nêle a sua
misericórdia. Ao Deus criador e redentor custa-lhe
perder para sempre a obra das s�as mãos e o preço
do seu sangue. Ouanlo resiste ao soberbo, tanto se
sente inclinado à indulgência para com aquele que vê
humilhado; é. não é a morte a maior humilhação do
homem? Daí as felizes conjunturas que Deus faz
nascer. Daí principalmente, a ardente caridade que
Deus acende no coração de um bom padre,, envian­
do-o à cabeceira dêsse moribundo. Conhecemos al­
guns dêsses fervorosos pastores, que viram morrer
como predestinados lodos aqueles, a quem assisti­
ram em seus últimos instantes. 1 Ouanlas conversões

(1) Ps. CXIV, .:;, 4.

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CUIDADO DOS ENPERMOS 461

admiráveis, obtidas na morte, deante do cadafalso,


por S. Bernardo, por S. francisc9 de Sales e tantos
outros! "Haveria, diz fénelon, uma horrível presun­
ção em contar com os milagres da gra,ça ; mas aquele
que nos proíbe esperá-los temeràriamente, compraz-se
algumas vezes em fazê-los• . O milagre dos pecado­
res salvos na morte é quotidiano na Igreja (1).
Entrai· em vós, vêde o que faltou neste ponto ao
vosso zêlo. Ides receber no ·aliar o médico adorável
que visitou, consolou e sarou a tantos enfermos; su­
plicai-lhe que sare ou preserve a vossa alma de um
estado de tibieza incompatível com o ministério pas­
toral, principalmente quando é exercido para com
ovelhas moribundas. Basta-lhe uma palavra para opê­
rar uma cura lão vantajosa para o pastor e para o
rebanho! Êle dirá essa palavra, se lha pedirdes com
fé viva: Dic verbo, ef sélnélbi!ur élnimél meél.

Resumo da Meditação

I. A assistência aos enfermos considerada em


seu objecto. - e. Ouem são aqueles que se trata de
socorrer, e que cuidados se lhes devem dispensar?
- i Triste situação. a de um enfêrmo, a quem tudo
pode faltar ao mesmo tempo, mas principalmente a
paz da alma 1 1 Ouanto padece, quanto reçeia 1
E' vosso filho I Vós dizeis: E' um grande pecador;
é um ímpio. Iguale a vossa compaixão a sua des­
graça. e. Podereis não vos comover, se pensardes de
um lado na extrema necessidade que tem do vosso
zêlo, e do outro no serviço imenso que podereis
prestar-lhe? Trata-se da sua salvação.

(1) M. Boyer. Serm. sôbre a visita dos enfermos.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

II. Deploráveis conseqüências que acarretaria


neste ponto a negligência. - Se a vossa frouxidão
fôsse a causa· de que um enfêrmo saísse dêsfe mundo
em estado de. pecado mortal, seria uma desgraça
absolutamente irreparável; e que desgraça ! i Oue
terrível acusação essa alma condenada faria no tri­
bunal de Deus, contra vós que devíeis ser o seu sal­
vador I To! occidimus, quof ad morfem ire fepidi ef
negligentes videmus. •

III. O verdadeiro zêlo deve esperar ludo dos


cuidados. caridosos dispensados aos enfermos e
moribundos. - Quando hi: saúde, é facil esquêcer a
E>eus; o doente é mais acessível à graça. A sole­
dade em que o enfêrmo se acha, a experiência que
tem da vaidade das coisas da terra, ludo favorece o
zêlo do bom pastor. - O nosso ministério para com
os doentes agrada ao Coração de Jesus Crislo, que
se compraz em fazer resplandecer nêle a sua miseri­
córdia.

IZI

LXXVIII MEDITAÇÃO

Grandes vantagens que tira o bom pastor


da súa caridade para com os enfermos
I

1. Para si e sua própria sanlificação.


li. Para honra e bom éxifo do seu minis1ério.

1. Grandes van(agens que o bom pastor tira


para si, dos cuidados que dispensa aos enfermos.
- Acha ali ocasião de fazer mais úteis reflexões, de

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CUIDADO DOS ENFERMOS 4,63

praticar as virtudes mais sacerdotais, de merecer as


mais preciosas recompensas.
1.0 Úleis reflexões a fazer. Nós pregamos aos
fiéis na cadeira · da verdade ; êles pregam-nos nas
suas doenças, no seu leito de dôr. Pode-se dizer de
cada moribundo o que Tertuliano dizia dos primei­
ros fiéis : vê-los é ouvi-los. Dum videlur, audifur.
Enfro em um rico apos�nto, e oiço o estertor da
morte. Ouem é êsse infeliz•? Hã alguns• dias, era
um feliz do século. Esplêndida fortuna, consideração,
gôzo de tudo o que o mundo ama, é. que faltava à
sua felicidade? Ai I as delícias passadas tornam-lhe
mais sensíveis as dôres presentes. Do fastígio da
prosperidade humana, vai descer a uma sepultur�
fonte de reflexões sôbre a vaidade dos bens dêsle
mundo. Eis um homem que os possuiu ; que lhe
resta? Côrro para junto de outro enfêrmo; é novo.
A sua perfeita saúde e vigorosa conslitui"ção prome­
tiam-lhe uma larga carreira. Vai morrer.. Conso­
me-o uma febre violenta; complicam-se várias doen­
ças; a sciência é impoten1e; expira . . Fonte de
reflexões sôbre a fragilidade da vida e a incerteza da
hora da morte. Assim das outras situações diversas,
que encontro neste instrutivo ministério. Algumas
vezes a justiça de Deus espanta-me com exemplos
de terror; outras a sua Providência enternece-me
com rasgos de inefável misericórdia, ou edifica-me
com heróicas resignações. 1 Oue bom é meditar à ca­
beceira dos doentes e dos moribundos 1
2. 0 Virtudes a praticar. Sem falar da mais ex­
celente, a caridade, que se exerce f'ntão no mais co­
movedor dos seus teatros, ali, vós, ó sacerdote, prati­
cais a fé viva, que descobre o Filho de Deus sob
o véu das nossas enfermidades. E' a êle 1que servis
em seus membros padecentes. Procedendo por êste
motivo, tudo é puro nos intuitos que vos dirigem;
desviais o que nêles haveria de demasiado humano.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Não é a amizade, nem o decoro, nem o interêsse; o


amor de Deus é a alma de tõda a vossa solici­
tude. Vós praticais a humildade, a mansidão, a pa­
ciência, a mortificação. A exemplo do Salvador,
que era ainda mais solícito em visitar os pequenos
que os grandes, os pobrés que os ricos, o servo do
centurião que a filha do príncipe da sinagoga: vós
ides à choupana, assim como ao palácio. Podeis di­
zer com S. Paulo : ·Omnium me servum feci ...
Faclus sum inlirmis inlirmus, ui in.irmos lucriface­
rem (1). Não ignorando que na doença o homem é
mais impressionável, e que tem direito a mais com­
paixão, nunca o vosso zêlo lerá maneiras mais afáveis,
ftunca as vossas palavras serão mais atenciosas e
mais ternas. Suportareis o que tem de penoso um
ministério que repugna muitas vezes à natureza.
3. 0 Graças e merecimentos ligados ao cuidado
dos enfermos. Alcançais abundantes graças pelo re�
conhecimento das almas que introduzistes no reino
eterno, e que não esquecerão o que vos devem.
� Recusará Deus deixá-las· pagar a dívida.de gratidão,
pedindo por vós ? E' necessário estar no céu para
apreciar tais serviços. - l Oue dizer do tesoiro de
merecimentos que ajuntais, por meio de um ministé­
rio tão agradável a Deus? Se é meritório lançar as
sementes da virtude em corações juvenis, l não o será
assegurar os seus frutos para a eternidade, com a
santificação dos últimos instantes ? Se cada uma das
obras de misericórdia corporal e espiritual, conside­
rada separadamente, é de tão grande preço aos
olhos· do Senhor, l que pensaremos a respeito de um
ministério que as encerra tõdas, e as faz praticar de
uma maneira tâo excelente?
Vós sacerdotes, sêde os anjos consoladores dos

(1) I Cor. IX, 19, 22.

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CUIDADC, DOS ENFERMOS 4füi

vossos doentes. Também vós necessifareis um dia


da assistência que hoje vos pedem para êles. Se
vos demorais em levar-lhes socorros em uma neces­
sidade tão urgente, temei que Jesus- Cristo, ofendido
com essa negligência, permita que morrais privado
dos sacramentos ; ou ao menos que, usando para
convôsco da estreifa medida que, tiverdes usado
para com os vossos irmi\os, vos entregue então a
algum padre tão frio e tão frouxo como 'vós. Pelo
conlrãrio, 1 ditoso o pastor compassivo, que se sacri­
ficou pelas suas ovelhas moribundas I Nos seus últi­
mos instantes, a bênção daquele que ia perecer, e
a quem salvou, virá sôbre êle: Benediclio periluri
super me veniebal (1). Vós, Senhor, revolvereis, com
o cuidado de uma mãe, a cama em que repoisa o
seu corpo enfêrmo: Universum sfralum ejus versasli
in in.irmifale ejus (2). Colocar-vos-eis ao lado dêsse
anjo, que veio da vossa parle ampará-lo na sua ago­
nia; poreis nos lábios do seu piedoso direclor, pala­
vras fervorosas, conselhos apropriados -às suas ne­
cessidades. E quando êle aparecer deante de vós, ao
sair dêste mundo, com que alegria lhe direis: • Tive
fome, � deste-me de comer. Estava enfêrmo e visi­
taste-me. Não busques outra razão do terno acolhi­
mento que te faço, ·e do trôno que te dou•. Bealus
qui inlelligil super egenum e/ pauperem; in die ma/a
liberabil eum Dominus (3 )•.

II. Grandes vantagens, que um pastor de almas


tira da sua caridade para com os enfermos, para
laonrar o seu ministério e preparar a sua eficácia.
- Hã poucas transgressões dos deveres do sacerdó­
cio, que escandalizem tanto os povos, como o crime do
sacerdote que desampara os seus doentes, deixando-os

(1) Job XXIX, 13. - (') Ps. LX, 4. - (3) Jd. XL, 2,

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4,6fi , MEDITAÇÕES SACERDOTAIS_· ______

desapiedadamenle sem ninguém que lhes assista na


morte. Se vos acham em falta a êsle respeito, a
vossa reputação eslá perdida. Ainda que tivésseis
lôdas' as outras qualidades, não as leriam em consi­
deração; um .só moribundo abandonado cobre-vos
de infâmia aos olhos de Deus e dos homens.
Pelo contrário, nada concilia ao ministério pasto­
ral mais consideração, estima e confiança, que os
palernais cuidados e o generoso zêlo, que põe· um
padre ao serviço dos moribundos. E' o que admiram
os homens menos cristãos, e muitas vezes alé os _in­
crédulos; é o que lhes demonstra a divindade da
nossa fé, melhor do que lodos os argumentos. Nada
vêem que não seja ordinário" nas nossas outras fun­
ções, que êles não compreendem; mas a nossa assi­
duidade junto dos enfermos, a prontidão em socorrê­
-los, de dia e de noite, qualquer que seja o rigor da
estação, a distância dos lugares, a pobreza da casa,
a baixeza da condição, sem outro inlerêsse que o da
sua felicidade, à qual sacrificamos gostos, repoiso,
saúde, a mesma vida: isso é o que os espanta, os
comove vivamente, e o que mais de uma vez tem
preparado felizes conversões.
Mas, se a vossa caridade exerce exteriormente
tão feliz influência, e. quanto mais não. edifica, no inte­
rior de uma família .enlutada, a quem trazeis (ão pre­
ciosas consolações? Oh I não, êsses filhos que viram
expirar nos vossos braços, não só resignados, mas
cheios de esperança e felizes, os pais que ·lhes eram
caros, nunca esquecerão o que fizestes por suavizar
a amarga separação. Ganhais assim a afeição dos
vossos parroquianos: ·e o valimento que adquiris
para com êles, aumenta a eficácia do vosso ministé­
rio. Crê-se de bom grado na palavra daquele, que
Ião bem representa ao Deus de quem prega. Natural­
mente o homem é dócil à voz de um pastor a quem
ama e de quem sabe que· é amado: Non te pigeaf

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COIOAOO DOS ENFERMOS 467
visilare inGrmum; ex his enim in dileclione lirma­
beris ( 1).
Senhor Jesus, dai ao vosso povo muitos guias
caridosos, compassivos. Fazei, que lodos os fiéis pos­
sam dizer do seu pastor, com alguma proporção, o
que dizemos de vós, sacerdote eterno. Vere languores
nosfros ipse fulif, ef do/ores nosfros ipse porfavif ( 2).
Concedei à vossa grei guardas tanto mais vigilantes,
quanto maior fôr o perigo; enviai' à vossa vinha
obreiros tanto mais diligentes e infatigáveis, quanto
mais úteis forem os seus trabalhos à vossa glória,
mais necessários às almas, mais honrosos à religião,
mais meritórios para êles mesmos.

Resumo da Meditação

1. Grandes vantagens que tira para si o padre


zeloso em socorrer os enfermos. - Acha nisso oca­
sião de fazer as mais úteis reflexões, de praticar as
virtudes mais sacerdotais, de merecer as mais pre­
ciosas recompensas. - Reflexões sôbre o nada dos
bens terrenos ; sôbre a fragilidade da vida . . . Oue
bom é meditar à cabeceira dos móribundos 1 - Não
é a amizade puramente humana, nem o decoro, nem o
inlerêsse; a caridade é que é a alma de tôda a sua
solicitude. Pratica de contínuo a paciência, a m'ansi­
dão, a mortificação. Pode dizer com S. Paulo:
Omnium me servum feéi.. . Faclus •sum inlirmis in­
Grmus, ui in.irmos lucrifacerem. -1 Oue graças obtém
pelo reconhecimento das almas que introduz no céu 1
i Oue merecimentos para êsle anjo consolador dos
seus irm_ãos I Benediclio perifuri super me veniebaf.

(1) Eccli. VII, 39. - (2) Is. LIII, 4.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

II. Grandes vantagens da caridade para com


os enfermos, para a honra e eficácia do minislé�
rio sacerdotal. - Se um padre se mostra negligente
nesta parle dos seus deveres, lem a sua reputação
perdida; ao revés, nada nos concilia tanto a consi­
deração como o nosso zêlo em cuidar dos enfermos.
l E que diremos da feliz influência que exerce em
uma família por êle consolada, da edificação que dá
a uma parróquia? Crê-se de boa vontade na palavra
daquele que representa Ião bem ao Deus de quem
prega.
131

LXXIX MEDITAÇÃO
A prática do zêlo para com os enfermos
1. Visifã-los com desvelo.
li. Adminislr11r-lhes sem demor11 os s11cr11menfos.
Ili. Assistir-lhes 11ind11 depois de lhos 11dminislr11r.

1. Visitas aos enfermos. •- Como o sacerdote


zeloso as prepara, como as faz.
t. 0 Se os pastores de almas cumprissem fiel­
mente esta recomendação do Espírito Santo : Dili­
genfer l:Jgnosce vulfum pecoris fui (1); se aparecessem
mais vezes no meio das familias, como anjos de paz; se
cuidassem em instruir os seus parroquianos sôbre a
necessidade e importância de santificar as doenças, e
de receber a tempo os socorros· que a Igreja oferece
enlãq aos seus filhos ; se lhes falassem a propósito
dos deveres que leem de cumprir nessas circunstân­
cias uns para com os outros, não teriam a dôr de
ser chamados muito tarde para junl<;> dos enfermos,

{ 1) Prov. XXVII, 23.

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CUIOADO DOS ENFERMOS 469
ou de ser acolhidos por êles com essa pedurbação
e desconfiança que o nosso ministério consolador
nunca deveria inspirar. Ouando a parróquia é
religiosa, as considerações tiradas da fé, despertam
bastante a atenção dos parentes e amigos sõbre êsle
ponto, e dão-se pressa em avisar; mas se a parró­
quia é desleixada, o bom pastor emprega os motivos
de honra e de humanidade; porque a todo o custo
quer saber quando e onde a sua presença é necessá­
ria às suas ovelhas. Ouer que os seus parroquianos
se convençam de que êle tem para com todos um
coração de pai; de que Deus lhe impõe a obrigação
de sacrificar tudo pela sua felicidade, e que está re­
solvido a cumprir essa obrigação; de que, muito
longe de o contrariar, chamando-o, a qualquer hora
que seja, sentiria que se atendesse mais ao seu re­
poiso, à sua saúde, do que à salvação e consolação
dos seus caros enfermos I Se um receio infundado
lhe ocasionou uma caminhada inútil, abstém-se de se
mostrar descontente. l De que se queixaria êle? Fi­
zeram-lhe acrescentar uma bela flõr à sua corôa; os
anjos contaram-lhe os passos, Deus viu a sua cari­
dade.
2. 0 Visitas a tempo. Uma demora, um instante
perdido, é talvez o céu e á salvação perdida para
uma pobre alma. 1 Quantas vezes uma ausência de
puro recreio, uma conversação, uma partida de jôgo
tem causado esta terrível desgraça I Nada detém,
nada retarda ao sacerdote zeloso, quando se trata de
levar o bálsamo ao ferido, o perdão ao culpado, Deus
ao moribundo. - Visitas em que tudo seja repas­
sado de caridade e prudência. Chegai-vos aos en­
fermos com um exterior grave e compadecido, tão
afastado da tristeza que aumentaria a sua inquieta­
ção, como da alegria que lhes faria crêr que sois in­
sensível às suas penas. Procurai primeiramente ga­
nhar a sua confiança, mostrando a sincera afeição

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

que lhes tendes, oferecendo-lhes os vossos serviços,


se julgais que podeis obsequiá-los em alguma coisa;
mas depois falai-lhes, com a unção da paz, que dá à
alma a reconciliação com Deus, e da, feliz influência
que ela pode exercer sôbre a saúde do corpo. As
vossas palavras palernais e as provas efeclivas do
vosso zêlo comovê-los-ão tanto mais, quanto êles tal­
vez menos o esperassem, por saberem q1:1ão pouco
tinham correspondido à vossa dedicação.

II. A administração dos últimos sacramentos.


- O bom pastor dispõe as suas ovelhas para os re­
ceber desde o princípio do mal, se apresenta sinto­
mas perigosos. E' durante o combate que são pre­
cisas as armas, e durante a doença os remédios.
Depois já não é tempo. Ouando as fôrças estão
exaustas, os sentidos entorpecidos, e as faculdades
quási extintas, c1, como se há de conseguir esclarecer
o lenebróso caos de uma consciência em desordem?
é. Estareis tranqüilo a respeito da salvação de um pe­
cador envelhecido no crime, se lhe não dais· o re­
médio senão no estado de cadáver? Usai de circuns­
pecção, não de fraqueza. l Oue dizer de um padre
que não tem a coragem de falar como padre?
Mais de um enfermo, que passava por irreligioso, se
tem penosamente espantado, quando, na visita que
lhe fêz o seu párroco, se !ralou de tudo, menos da
sua alma. Proponde e começai a con6ssão o mais
cedo que puderdes; a que ides ouvir, deverá •talvez
suprir ou reparar muitas outras.
A arte de assistir aos enfermos é um dom ina•
preciável. Supõe muita caridade, uma grande pru­
dência, para escolher os meios e as ocasiões favorá­
veis; uma rara discrição para dizer tudo o que é
necessário e nada mais. Exige piedade, muita unção,
para inspirar confiança, para consolar, comover, con­
verter, emfim para conseguir que um homem faça,

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CUIDADO DOS ENFERMOS 4-il
muitas vezes em algumas horas o que deveria ler
sido trabalho de tôda a vida. O bom padre toma
sôbre si lodo o ·encargo de reconciliar com Deus um
pecador, que não está quási em .estado de se con­
fessar sem que o ajudem, Tira-lhe .o embaraço de
examinar. as suas culpas. Tranqüiliza-o a respeito do
perdão das que esquecesse, mau grado seu, facililan.
do-lhe .. o cumprimento de. um dever, cujas dificulda,
des o espírito ,das trevas lhe havia exagerado. 1 Com
que energia e doçura o exorta ao arrependimento,
tirando os seus motivos de contrição principalmente
dos sofrimentos do Salvador! Fala-lhe com fervor
da paciência, com que êste b�m Senhor o ouviu, do
acolhimento que recebe o filho pródigo na sua volta,
do júbilo que dá ao céu uma sincera conversão.
Conserva-lhe a esperan.ça, lembrando-lhe as satisfa­
ções infinitas de Jesus Cristo, que êle pode fazer
suas. Oh ! que poderosas palavr�s um padre fervo­
roso tira do seu coração, mostrando e descrevendo
o crucifixo a um moribundo 1
À graça do perdão faz suçeder a da sagrada co­
munhão. Apresentando o Senhor na Eucaristia, como
o verdadeiro médico dos nossos corpos e das nossas
almas; Morhos omnes .depellit ... aegrolos curai ( 1),
faz nascer e excita o desejo de receber ê�le augusto
sacramento: leem-se operado lanlas curas evidente­
mente pela recepção do sagrado viático 1.. . S. Gre­
gório de Nazianzo refere a de seu pai. Mas se vos
parece inútil ou perigoso conservar ao vosso enfêrmo
uma esperança de cura, dizei.ll)e que Deus quer
dar-se a êle como Salvador, antes de se mostrar
como juiz; c',nã'o fr isto oferecer-lhe uma sentença de
salvação?
E' lambem importantíssimo fazer conhecer e apre-

(1) S. Cyrill. Alex. in Joan. 1. IV.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

ciar os efeitos da Extrema-Unção: GrtJ!ia esf Spiri­


fus StJncfi, diz o concílio de Trento, cujus une fio de­
licftJ, si quae sinf adhuc expianda, ac peccafi reli­
quills absfergil; ef aegrofi animam alleviaf ef conGr­
maf, magntJm in eo divinae misericordiae .iduciam
excitando: qua in.irmus sublevafus, ef morbi incom­
modo ac labores levius ferf ef fenfofionibus daemo­
nis, calcaneo insidianfis, facilius resisfif; ef sanita/em
corpus inlerdum, ubi salufi animae expedierif, conse­
quifur (l), 1 De que bens são privados na morte mui­
tíssimos cristãos, ou pela própria ignorância ou pela
culpável negligência dos seus pastores 1

III. Assistência aos enfermos·nos seus úllimos


instantes. - E' sempre extremamente útil e muitas
vezes necessária. Um bom padre não julga ler cum­
prido tôda a sua tarefa com a administração dos sa­
cramentos. O demónio não se afasta do leito dêste
moribundo ; e sabendo que resta pouco tempo para
o lentar, enfurece-se : Descendi{ diabo/as ..., habens
irtJm magnam, sciens quod modicum fempus habef (2).
A vós, pastor zeloso, anime-vos a caridade de Jesus
Cristo ! estai ao lado dessa alma para a defender.
Não a deixeis, se possível fôr, sem que lhe lenhais
aberto a entrada da Igreja triunfante. Imitai para
com ela a constância do seu anjo da guarda. Estu­
dai as suas disposições; vêde de que lado lhe veem
os assaltos do inimigo, para a socorrer com o vosso
zêlo, opondo a esperança ao desespêro, a confiança
aos receios excessivos, o temor saüdável à presun­
ção. Sobretudo, falai da infinita misericórdia de
Deus aos grandes pecadores; é incrível a astúcia e
a perfídia com que o inimigo da salvação, na hora da
morte, procura tirar-lhes a esperança. Acabais de

(1) S":ss. XIV, e. II. - (2) Apoc. XII, 22.

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CUIDADO DOS ENFERMOS 473
ouvir ·como a Igreja atribui esta graça ao sacramento
da Extrema-Unção: Magnam divinae misericordiae
Gduciam excitando.
Nós temos à mão colecções ,de aspirações e de
pequenas orações, adaptadas às nécessidades dos
moribundos; desgraçadamente são quási estéreis na
bôca de um sacerdote sem piedade. São selas de
fogo; mas perdem o seu calor, passando por um
coração gelado.
O Memorial da vida sacerdotal resume ôplima­
mente os deveres do pastor de almas para com os
seus doentes, depois de ferem recebido os últimos
sacramentos: Sacro minislerio implefo, aegrum san­
díssimo Slicramenlo refecfum ef uncfione leva/um ne
derelinquas. · - filium Deo parfurivisfi: 'lilium htmc,
quasi bianda mafer, nufrire satage; jamque praepa­
ralum magis ac magis justifica ef sancfilica. - ln
inlirmitafe plus laboral diabolus sciens quia modicum
fempus habef. - lgifur aegrolum frequenfer visita, uf
illum contra insidias inimici robores, in grafia Dei
confirmes, in doloribus juves, in anxiefatibus conso­
leris, ef passim e/iam adhuc absolvas. - Sancfae
Gdei, spei, charifafis, e! conlr-ifionis acfus suggere:
desideria aelernae beafifudinis inspira. - Subjecfio­
nem divinae voluntafi commenda, ad pafienfiam hor­
fare; Chrisfi Domini crucem saepius porrige. - Dei
Ma/ris Sanclorumque su!Fragia pro ipso poslula;
sacras indulgenfias, si pofesfas fibi sif, applica ( 1).
Depois da missa, fazei esta oração a Jesus Cristo :
Bane Jesu, qui languentibtis olim misericordifer opi­
fu/afus es,. inOamma ef me ef consacerdofes meos
simili charifafis ardore; ne gravemur a/Oicfis iliam
ferre opem, quam laudabis ef remunerabis in die ju­
dicii (2).

(1) C. LVIII. - (S) Seul. fid. liebd: Ili, posl Epiph.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

, Resumo da Meditação

1. Visilar os �nfermos com diligência. - E' pre­


ciso preparar essas visitas, e como ? Preparam-se,
obedecendo a esta recomendação do Espírito Santo:
Diligenfer Bgnosce vullum pecoris fui; instruindo os
fiéis sôbre os deveres que leem a cumprir, nestas
ocasiões, uns para com os outros. - Ouanto às
mesmas visitas, sejam a tempo: um instante perdido
é talvez o céu perdido para uma pobre alma. -
Sejam caridosas e prudentes. Moslré todo o exle­
rior compaixão, porém não tristeza nem alegria ex­
temporânea.

II. Administração dos sacramentos. - O sa­


cerdote zeloso dispõe os fiéis p·ara os receber d�sde
o princípio da doença, quando parece grave. E' ne­
cessário circunspecção, não fraqueza. E' durante o
combate que se precisam armas. A arte de assistir
aos enfermos é um dom precioso. Supõe muila. ca­
ridade, uma rara discrição, para dizer ludo o que é
necessário e nada mais. Exige muita unção, para
ganhar a confiança, para consolar. A' graça do per­
dão deve-se fazer suceder a da comunhão, apresen­
tando o Salvador na Eucarislia como o verdadeiro
médico do corpo e da alma. Deve empregar esfor­
ços para fazer apreciar os efeitos da Extrema-Unção
e inspirar o desejo de a receber.

III. Assistência aos enfermos nos seus últimos


instantes. - E' sempre extremamente útil e muitas
vezes necessária. O demónio não se afasta ; vós,
como bom pastor, estai ao lado dessa alma para a
defender.

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§ 5.º
A vida dolorosa de Jesu• erlsto ampara•nos e
anlma•oos. no melo das trlbulaçiies do sa­
grado ministério.

Os exemplos de Nosso Senhor,. nos seus prime_i­


ros ·mistérios e na• vida oculta, fendiam a incutir-nos
a verdadei"rn santidade; os da sua vida pública de­
vem inspirar-nos -zêlo da salvação das almas, e ensi­
nar-nos a sublime arfe de concorrer para a sua san­
tificação. As ·meditações -que vamos fazer sôbre a
sua vida sofredora dirigir-nos-ão igualmente a êstes
dois fins, que o bom sacerdote n_unca separa. Fir­
mar-nos-ão _nas resoluções já tomadas, mostrando-nos
a crôz como o lucro dos escolhidos, e o amparo dos
homens apostólicos. Mas para tirar delas um grande
fruto, cumpre não perder de vista duas considerações:
a primeira de S. Bernardo, a segunda de S. Tomás.
1 .ª A Paixão de Jesus Cristo não é sõmente um
fado, que se realizou . há mais de dezóilo séculos; é
um facto sempre contemporâneo, sempre presente.
Jesus Cristo, diz o Apóstolo, rião pertence a uma
época, tnas a todos os tempos:· era ontem, é hoje, e
o mesmo será por lodos os séculos (1). Os seus
mistérios nunca perdem a novidade. S. João pôde
dizer que ó divino Cordeiro foi imolado desde o prin•

(1) Jesus Chrislus heri, e! hodie, ipse e! in s11ecul11. Hebr.


XIII, 18.
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476 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

cípio do mundo (1); l porque não diríamos nós que


o é ainda agora, e que o será emquanto existir o
mundo? Segundo a bela observação de S. Bernardo.
o que não cessa de nos renovar pela sua virtude
divina, é sempre novo, e o que derrama continuamente
sôbre nós torrentes de luz e de graça, não passa e
não envelhece; tal é 'precisamente a Paixão de Jesus
Cristo. Está-nos sempre presente na aplicação que
dela nos é feita pelo augusto sacrifício e pelos sacra­
mentos. Aproximemos pois de nós essas scenas do­
lorosas; imaginemos que as presenciamos. Constde­
remos o sangue adorável do Salvador, ainda que�te,
as suas chagas ainda recentes; os espinhos, or, .cra-
··
vos, como se os tivéssemos ante os olhos.
2.ª Não esqueçamos também que o mesmo Re­
dentor, que padeceu por lodos os homens em geral.
padeceu por cada um de nós em particular. Um be­
nefício concedido a uma mullidão de homens, só faz
ordináriamente uma multidão de ingratos, e ·parece
que o que obriga a lôda a gente, não obriga a _nin­
guém. Tiremos êsle imenso benefício da sua genera­
lidade, para o tornarmos pessoal. Na realidad�f l há
um só entre nós, a quem o Filho de Deus nij-o qui­
sesse aplicar os merecimentos da sua morte, com
tanta abundância como se a tivesse sofrido por um
só? Oiçamos S. To más: Ouid inferes! si Chrisfus
aliis praesfifif, cum quae fibi sunf praeslifa, lfa integra
sinl e/ perfecfa, quasi nu/li alii ex his ali#id fuerif
praesfifum? Ef ideo ... quod omnibus esf ímpensum,
unusquisque debel sibi adscribere (2). l Porque não
direi eu a mim mesmo com S. Paulo, e embebido
naquele mesmo vivo sentimento : Amou-me e entre­
gou-se a si mesmo por mim? Di/exif me ef fradidil
semefipsum pro me (3). E' por mim que êle derrama

(1) Oui occisus est'ab origine mundi. Apoc. XIII, 8.


• ( 2) Pari. 111, q. 1 , ar!. Ili. - ( ª) Gal. II, 20.

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O MISTÉRIO DA CRUZ 4,77

:a�tas lágrimas e tanto sangue, por mim que expira


na ignomínia e nos tormentos. No meio dos seus so­
frimentos, lendo no futuro, Jesus via-me, e oferecia-se
rm sacrifício a seu Pai por mim, como se eu tivesse
º
sido. b único a remir• .
Unindo êsles dois métodos, não há bons efeitos
que eu não possa esperar da meditação dos sofri­
mentos de Jesus Cristo.

1:::1

LXXX MEDITAÇÃO
O mistério da cruz, considerado com relação
ao zêlo sacerdotal ( 1)

1. O mislêrio da cruz excifa o zêlo.


li. Esclarece-o.
III. Consola-o.

,.
I."A meditação dos sofrimentos de Jesus
Cristo excita o zêlo sacerdotal. - Tratando-se de
defender a honra de Deus, fá-lo-emos com tanto mais
ardor, '.quanto mais alta idéia tivermos das suas per­
feiçõesi...ora, em nenhuma parle eslas adoráveis per­
feições �esplandecem tanto como no mistério da
Paixão. ; 1 Oue grande;a, que majestade naquele que
não pôde ser honrado dignamente senão pelas humi­
lhações do Calvário 1 1 Oue sabedoria, que poder,
que justiça, que terna comiseração para com o ho-

(1) No úllimo volume, na fesfa da lnvençiio da Sanfa Cruz,


êsfe mistério é considerado com relação II nós e ã nossa sanlilica­
çiio pessoal.

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4ei8 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

mem I Quando se pensa na dignidade e santidade da


vítima, sôbre a qual descarregam tão terríveis golpes,
l como não exclamar tremendo: Pai jusfo, o mundo
não vos reconhece? ( 1 ) Mas ao mesmo tempo, ique
inexhaurível tesoiro de caridade 1- Um Deus ofendido
põe-se no lugar da indigna criatura que o ofendeu!
repara por nós, a ofensa que recebeu de nós, e o
seu sangue v_em a ser o nosso resgate I O' incom­
preensível misericórdia! A Cruz é a mais perfeita
manifestação dos atributos divinos.
l Trala-se de combater o pecado? Estudemqs no
Calvário os seus horríveis efeitos: a morte âe Jesus
Cristo causada, renovada, inutilizada pelo pecado 1 (2)
O sacerdote que sondou êstes abismos, não se admira
já do que fizeram os Santos, e do que desejariam
fazer, para evitar a· Deus a injúria, aos homens o
crime e a desgraça de um só pecado.
Quanto às almas a salvar, é nas chagas de Jesus
agonizante, que se aprende a conhecer o seu preço;
elas valem o que custaram. Teem-se visto piedosos
leigos, quando se falava na sua presença, de uma
alma caída em algum pecado mortal, voltar-se para
o seu crucifixo e chorar amargamente. Ouviram-nos
dizer com profundos suspiros: t • Está perdida· pois
essa pobre alma, por quem o meu Salvador morreu, I
E então, -incapazes de suportar êste pensamento,
ajoelhavam e oravam pela conversão dêssF peca­
dor {3). Em lugar de uma alma, ó padre, figurai-vos
êsse número incalculãvel de ppbres almas, que o pe­
cado separou de Deus; e depois recordando a longa
série de opróbrios e tormentos, que Jesus Cristo
sofreu, contai -os seus 'passos nas ruas de Jerusalém
e no caminho do Calvário, as suas lágrimas, os seus

(1) P11fer jusfe, mundus non !e cognovif. Jo11n. XVII, 25.


(2) Bourd11loue. - (:') A B. 011r11 de Monfefolco.

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O MISTERIO DA CRUZ

gemidos, tôdas as gôtas do seu sa·ngue; vêde os es­


pinhos, os cravos que o dilaceram, as salivas que
mancham o seu rosto; senti com as dõres de seu
corpo,,as angústias de seu Coração. Dizei convosco:
lodos êstes sofrimentos são perdidos para Jesus
Cristo com· relação a essas almas, se não se salvam.
Não receberão dêles nenhum bem por tôda a eterni­
dade; serão até incomparàvelmenle mais atormenta­
das do que seriam, se o Filho de Deus nunca hou­
vesse incarnado por amor delas.
Unindo-vos a esta incompreensível aflição do
Càração de Jesus, ouvi-o dizer-vos por úm de seus
profetas: Videfe si esf dolor sicuf dolor meus; e
por outro: ln vacuum laboravi. • Vivi na pobreza,
morro no desprêzo e nos tormentos mais cruéis; tudo
isto para sa_lvar essas almas, e não as salvarei! para
destruir a sentença proferida contra elas pela justiça
de meu Pai, e serão ainda mais severamente conde-.
nadas I Almas desventuradas, para saber quanto eu
sofro, seria necessário saber quanto vos amo. Morrer
sem vos salvar, derramar o meu sangue por vós,
com a horrível previsão de que pelo abuso que dêle
fareis, êle clamará vingança contra vós ... isto torna
o meu sofrimento mais intolerável; é 'essa a porção
de meu cális, que eu queria afastar de mim: Transeaf
a me calix isfe,. Vós, padre, trabalhai; sacrificai-vos
pela salvação das almas, e consolareis a agonia do
Salvador, melhor do que o anjo que veio confortá-lo.

II. A meditação dos sofrimentos de Jesus


Cristo esclarece o zêlo sacerdotal, ensinando-nos
donde deve tirar principalmente a sua eflcácia. Nós
obstinamo-nos em julgar que o que firma o reino de
Deus na terra, é o dom da palavra, a hábil direcção
das almas, os milagres. Oue êrro I Jesus possuía
lodos êstes meios em um grau infinito de perfeição;
linha-os empregado durante três anos com um zêlo

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480 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

infatigável; e que conseguiu? é. Ouantos discípulos,


e que discípulos linha êle juntado em redor de si?
Mas padece, morre: e imediatamente ludo muda de
face. Pregado na Cruz, atrai tudo a si; a voz de
seu sangue, o brado das suas dôres comovem o uni­
verso; o· mundo é renovado I E! renovabis faciem
lerrae. Importava que Cristo padecesse: Oporfuif
pafi Chrisfum. Se o grão de trigo não tivesse caído
na terra para aí morrer, nunca a Igreja teria feito
essa grande colheita de almas santas, que continuará
até ao fim dos séculos.
Ministrd de Jesus, não vos iludais: só sereis sal­
vador nas mesmas condições. E' necessário, que
sejais também homem de dôres. As vossas tribula­
ções e humilhações cont.ribu'irão mais para a conver­
são dos pecadores e para a perseverança dos justos,
do que lodos os dons naturais e até os milagres.
A experiência tem sempre mostrado que os frutos do
apostolado são proporcionados aos sofrimentos do
apóstolo.
Paulo é um vaso de eleição, que levará o nome
do Senhor deante das gentes e dos reis: Vas ele­
cfionis esf mihi isfe, ui porfef nomen meum coram
genfibus ef regibus (1). Mas porquê? Jesus Cristo
vai dizer-no-lo: Ego enim osfendam illi quanta opor­
feaf eum pro nomine meo pafi (2). A palavra enim,
dizem os. intérpretes, mostra a causa da escolha que
Deus fêz dêste apóstolo: • Eu não o destinei a Ião
numerosas vitórias sõbre o inferno, senão porque o
vi disposto a padecer muito pela glória de meu
nome (3). Com efeito, S. Lucas apresenta-no-lo, • in­
dicando a ordem de suas viagens pelos vestígios do
sangue que derrama, e pelos povos que converte;
porque junta sempre uma coisa à outra, de sorte que se

(1) Ad. IX, 15. - \2) lbid. 16. -(3) Cornel. 8 LBpid.

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O MISTÉRIO DA CRUZ

lhe podem aplicar estas belas palavras de Terlulia�o:


As suas feridas fazem as suas conquistas. Mal re­
cebe uma ferida, logo a cobre com uma corôa; se
derrama o seu sangue, adquire novas palmas; alcança
mais. vitórias do que violências sofre: Carona pre­
mi! vulnera, palma sanguinem obscura!, plus vicfo­
riarum esf, q,uam injuriarum; (1).
Sucede o mesmo com lodos os obreiros evangé­
licos. Lêmos no ofício de· S. João Crisóstomo: ln
exilio -chrysostomus incredibile esl et quanta mala
perpessus si! ef quam muitos ad Jesu Chrisli fidem
converlerif. No de S. Francisco Régis : Vix cre­
dibi/e esl quof probra ludibriaque perluleril. Esta é a
causa; vêde agora os efeitos: lnnumerabiles homi­
nes auf calviniana lue infeclos, aul perdilis moribus
corruptos, ad cafholicam fidem e/ ad Chrisfianam
piela/em traduxif. Nada germina senão no sofri­
mento; é à sombra da Cruz, é debaixo de um orva­
lho de lágrimas e de sangue, que crescem as obras
de Deus. Para,salvar as almas, ainda mais que para
se salvar a si, é necessár�o sofrer muito; a redenção
humana é baseada no sofrimento. l Como podem
pois os sacerdotes ler vontade- de abandonar as suas
santas emprêsas, por causa das confoadições e tribu­
lações que as acompanham? Communic;anles Chrisli
passionibus gtwdele (2).

Ili. A meditação dos sofrimentos de Jesus


Cristo consola o nosso zêlo: ordinãriamenle tor­
nando-o mais fecundo em frutos de graças e de sal­
vação; ou, se esta alegria nos é recusada, compen­
sando-a abundtlntemenle.
1 .º' Parece que Deus deve assistir parlicular­
mente nos seus trabalhos àquele que se conforma

(1) - Bossuef.....:.. (2) 1 Pefr. IV, D.

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4,82 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

com a sua vontade, meditando um mistério, que é


especial objedo das divinas complacências. O Se­
nhor inspira a êsse bom padre os projedos que ten­
ciona abençoar, e o que há de fazer para que seja
bem sucedido. Reúne e põe-lhe, por assim dizer,
debaixo da mão, os elementos que deve empregar, os
instrumentos de que deve servir-se. Emfim dispõe as
almas a aproveitar-se do seu ministério.
Demais, fala-se daquilo de que mais se gosta; se
vos comprazeis em pensar nos sofrimentos do Salva­
dor, falareis dêles de boa vontade e com unção.
Ora, a palavra da Cruz, diz S. Paulo que é uma
esfullícia para os que se perdem, mas a virlude ·de
Deus para os que se salvam (1). Influi poderosamente
nos espíritos e nos corações. Reprime as paixões mais
violentas, põe em fugida, segundo a expressão de
Ürígenes, todo o exército do pecado e da carne:
Est fanfa vis crucis, ui, si anfe oculos ponafur . .. ,
nulla concupiscenfia, nu/la libido, nullus furor, nu/la
superare possif invidia; sed continuo ad ejus prae­
senliam, fofus ille peccali ef carnis fugalur exerci­
fus (2). Falando dos sofrimentos de Jesus Cristo,
um padre piedoso comove com mais segurança os
corações endurecidos; a Paixão do Filho de Deus,
diz S. Bernardo, continua sempré a comover a terra,
a quebrar os rochedos: Quis Iam irreligiosus, qui_
non compungafur? Quis Iam insolens, ui non humi­
liefur?. . Nempe ades! Passio Domini usque hodie
ferram movens, pefras scindens ( 3).
2. 0 Se porém não vêdes o fruto dos vossos es­
forços, se não tendes sequer a esperança de que ou­
tros colherão o que semeastes, e que fazer neste caso
tão penoso para o coração de um padre fervoroso?

(1) I Cor. i, 18. - (2) ln cap. VI. Joan. - (3J Serm. IV.
Hebd. sacr.

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O MISTÉRIO DA CRUZ

Recorrer ainda ãs chagas de Jesus Cristo. Nihil


adeo grave, diz S. Gregório, quod non aequanimifer·
iolerefur, si Chrisfi passio ad memoriam revocefur.
<.. Ignorais vós, padre aflito, que quanto menos con­
solações houver para vós no tempo, mais glória e
delícias haverá na eternidade?! Vós bebeis no cális
amargo de Jesus Cristo: participais da sua grande
aflição no horto das Oliveiras e na Cruz; êle trata­
-vos como sempre tratou os seus mais caros amigos,
faz de vós a sua imagem na vida. e na morte ; é pe­
queno favor? e. E' pouca coisa ter, na vossa mesma
aflição, o sinal mais certo de vossa predestinação?
E/ecfos Dei cernimus ef pia agere, ef crude/ia pafi (1).
RESOLUÇÃO. Escolhei o crucifixo para vosso li­
vro. Se alguma vez sentirdes afrouxar o fervor na
vossa santificatão, o zêlo da salvação das almas, o
amor para com as cruzes, reanimai-vos na devoção
aos sofrimentos de Jesus Cristo. Pedi-a principal­
mente ao seu Coração, quando estiverdes unido a êle
pelo augusto sacramento.

Resumo da Meditação

I. A medifação dos sofrimentos de Jesus


Cristo excita o zêlo sacerdotal, quer se aplique a
promover a glória de Deus, quer procure combater o
pecado, quer lenha por fim geral a salvação das al­
mas. - O mistéri0 da Cruz dá-nos a mais alta idéia
da glória de Deus. j Oue grande é aquele que não
pode ser bastante honrado, senão pelas humilhações
do Calvário 1 - Estudemos ao pé da Cruz os terrí­
veis efeitos do pecado : a morte de um Homem-Deus
causada, renovada, in"utilizada pelo pecado 1-A Cruz

(1) S. Greg.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

ensina-nos o preço das almas, visto que valem o que


custaram. O l1niml1, fonli vales! Oiçamos a queixa
de Jesus agonizante: Ergo in VlJGuum lahorlJvi.

H. A meditàção dos sofrimentos de -Jesus


Cristo esclarece o nosso zêlo : ensina-nos donde
êle lira principalmente a sua eficácia. Durante três
anos de pregações, de milagi:es e de benefícios, o
Salvador havia apenas alcançado alguns discípulos l
Padece, morre, e atrai tudo a si, e o mundo é reno­
vado I Opor/ui/ pati Chrislum. E' necessário ql\e o
padre para salvar as alma5, seja também um homem
de dõres. Lembremo-nos de S. Paulo, S. João Cri­
sóstomo, S. Francisco de Régis. A redenção humana
é baseada no sofrimento.

Ili. A meditação dos sofrimentos de Jesus


Cristo consola o nosso zêlo. - Ordinàriamente ela
!orna-o fecundo. Deus abençôa principalmente o sa­
cerdote assíduo em meditar a cruz. Fala-se de boa
vontade daquilo de que mais se gosta; ora, a palavra
da cruz, diz 5. Paulo, é a virtude de Deus para
aqueles que se salvam. A Paixão de Jesus Cristo
continua sempre a comover a terra, a fender as pe­
dras. Ainda que os nossos trabalhos fõssem estéreis
para os nossos irmãos, rião o seriam para nós.

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JESUS NO JARDIM DAS OLIVEIRAS !t,85

LXXXI MEDITAÇÃO
Jesus Cristo no horto das Oliveiras
1. Devemos condoer-nos das suas aíliçõeA.
II. �O que devemos fazer nas nossas próprias aflições.

I. Devemos condoer-nos das aflições de Jesus


Cristo. - São extremas e causadas por nós.
t .º Aflições extremas. é. Oue mudança houve
de-repente no interior do Homem-Deus, sempre tão
tranqüilo, tão superior aos acontecimentos? Suspen­
den�o a impressão de fdicidade, que resulta necessã­
riamenle para êle da visão beatífica, e fazendo um
milagre para padecer, entrega-se a uma tristeza mor�
tal ; tudo parece perturbado nessa gr.ande alma, e
pela primeira ve·z Jesus queixa-se. Busca a solidão
e foge dela ; volta para junto de seus discípulos, e
deixa-os; por tôda a parle o acompanha o abati­
mento. Desejaria desafogar com um amigo, e os
seus apóstolos entregues ao sôno não lhe dizem uma
palavra. Dai santo, é vosso filho amado, é pela
vossa glória que êle padece; não o consolareis?
Fala-vos, e vós não lhe respondeis! chama-vos, e pa­
receis surdo à sua voz I Só, sem amparo, nas Ire•
vas, êle não sabe, de alguma sorte, para onde diri�r
o seu pensamento. Céu, terra, inferno, passado, pre­
sente, futuro: só descobre por lôda a parle motivos
de aflição. Não se pode suster; cai com o rôslo
em terra, geme, treme de pavor, êle que tanto dese­
java o dia em que pudesse sacrificar-se por nós I Um
suor de sangue corre de todo o seu corpo, peneira
os seus veslidos, e rega a terra. Ei�lo prostrado, pá­
lido, exhaus!o, quási sem movimento e sem vida.
Mas é. é aquele que eu vejo tão aflito, um desco-

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MEDITAÇÕES SACEI\Í>OTAIS

nhecido, um estranho para mim? O' Jesus, ó meu


Mestre, o mais amável dos filhos dos homens, l serei
eu sem compaixão para com as vossas penas?
l Quando me tirareis êste coração de pedra que nada
pode enternecer? l Ouando me dareis um coração
compassivo? Sacerdotes santos que já estais no céu,
e tantas vezes misturastes as vossas lágrimas com as
lágrimas· e o sangue de Jesus Cristo, pedi para mim
a compaixão para com Jesus. Ai I os seus sofri­
mentos devem-me afligir tanto mais, quanto é certo
que fui eu que os causei.
2. 0 Se pregunlo ao Salvador, que é que assim
o angustia, responde-me pelo seu profeta : Torrentes
iniquifofis conlurhaverunf me (1). Se Íaço esta pre­
gunta a seu Pai, êle me dará a mesma r�sposta, e
me dirá que o feriu por causa das maldades do seu
povo : Propfer scelus populi mei percussi eum (2 ).
No jardim das Oliveiras, Jesus, penilrnte universal,
vê tõdas as iniqüidades do mundo, os pecados de
todos os séculos, de todos os estados, de tõdas as
condições: os dos padres' e dos leigos, os pe_cados
de tõdas as idades, de todos os lugares, de tõdas as
paixões: soberba, ira, luxúria, avareza, ele. Nenhum
excesso, nenhuma circunstância, nenhum grau de cor­
rução e de perversidade,. nada esc·apa . às suas luzes
infinitas. Ah ! se S. Pedro chorou tanto o seu pe­
cado, comovido por um olhar de Jesus padecente ;
se alguns Santos não puderam suportar a vida, ao
lembrarem-se de suas culpas, porque tinham entre­
visto as divinas perfeições que o pecado ofende, lque
diremos daquele que sendo Deus, pode medir fl sua
infinita grandeza, conhecer quanto respeito, quanta
obediência, quanto amor merece, e por conseguinte
quão iníqua é a rebelião, a ingratidão dos pecado-

(1) Ps. XVII, .5. - (2) Is. LIII, _8.

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JESUS NO JARDIM DAS OLIVEIRAS 487
res? Jesus vê, rião só deanle de si, mas sôbre si e
à sua conta, lodos os crimes, tôdas as iniqüidades do
género humano : Posuif Dominus in eo iniquifafem
omnium_ nos/rum; porque· tal é a cláusula do con­
cêrlo eterno de Deus com seu filho: que êle não será
nosso Redentor, senão quando 'lôdas as nossas má­
culas se lhe !ornarem pessoais, e quando suportar a
vergonha e a pena de lodos os nossos pecados, como
se êle mesmo os houvesse cometido. E.' necessário
que Jesus sinta no seu Coração e em lodo o seu sêr,
o qu� deveriam sentir lodos os pec11dores, se a san­
tidade de Deus lhes fôsse manifestada, e se fôssem
obrigados a satisfazer por si mesmos à sua justiça.
Vós tínheis-me presente então, ó meu Salvador;
entre tantos outros pecados distinguistes os meus; 1 e
quanto vos feriam o Coração, pois cometendo-os,
abusava de mais graças, ofendendo-vos eu, que linha
mais razões de vos amar! Vós chorastes as minhas
inumeráveis infidelidades, lodos êsses pecados cuja
lembrança não cessa de me perseguir: Peccafum
meum contra me esf semper; é. não é justo que eu
mesmo os chore? Sim, ó meu Redentor, eu os de­
testo corri lôda a fôrça da minha alma. Uno à vossa
dõr todos os sentimentos de arrependimento de que
me peneirais. Prefiro-os aos prazeres do século;
prefiro-os até a lõdas as consolações que poderiam
suavizá-los; e compreendo, vendo-vos curvado ao
pêso dos meus pecados, que nada me convém tanto,
como um coração contrito e humilhado.

II. l Que devemos fazer nas nossas aflições, e


onde devemos buscar o seu remédio ?-Jesus Cristo
no-lo ensina no horto das Oliveiras: vigiar, confiar
pouco nos homens, orar, entregar-nos a Deus.
1. 0 • Como de ordinário, no tempo da aflição, a
natureza sofredora nos leva, mau grado nosso, a
buscar alívio, é para temer que os nossos desgostos

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488 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

nos façam romper em palavras ou ·àcções repreensí­


veis. Oh I quão conveniente é então vigiar sôbre
lodos os movimentos da alma I E' a primeira lição
que nos dá aqui o Salvador: Vigilafe, susfinefe.
Vigiar sôbre o nosso génio para reprimir os seus
ímpetos, para não nos perturbarmos, ou para mode­
rar a nossa perturbação; sôbre a nossa língua para
se calar, ou para louvar e bemdizer ao Senhor; sô­
bre o nosso coração, para não lhe permitir uma
aversão, um ressentimento, ainda mesmo leve; sôbre
a nossa
1
razão e sôbre a nossa fé, para reconhecer
na adversidade uma graça e um benefício divino.
2.0 Jesus deiica, o maior número dos seus discí­
pulos à entrada do horto; é.de que lhe serve confiar
a tantas pessoas as suas dôres e penas? Depois de
alguns instantes de sálisfação que experimentamos
em nos lastimar e em ser lastimados, caímos em nós,
e a dôr renasce;.' aumenta até. pelos remorsos da
consciência, mais ou menos ferida nestas efusões.
1 Ouão vantajoso nos seria sofrer em silêncio l Uma
cruz, que se sabe conservar secreta, ou de que só se
fala a Deus no fervor da oração, é a fonte de muitas
graças.
Podemos todavia abrir-nos com um amigo ; mas
é preciso escolhê-lo; é preciso que seja amigo de
Deus ainda mais que nosso. Os três apóstolos,
que o Salvador tomou consigo, eram discípulos esco­
lhidos, e contudo pouco o consolaram. Quando vai
de novo ler com êles, acha-os dormindo : eis como
são os homens e o que de�emos esperar dêles.
O nosso coração não depende senão de Deus ; só
Deus pode' tranqüilizá-lo.
J. 0 Jesus dirige-se a seu Pai. Vamos para
Deus ; não nos queixemos senão a êle; não espere­
mos a paz senão dêle. Jesus ora. Mas como? -
Oração humilde: está prostrado em terra: Procidif
in faciem suam orans. 1 Oue respeito, que humilhação

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JESUS NO JAIIDIM DAS OLIVEIIIAS

da ·sua humanidade deanle da majestade divina! -


Oração afecfuosa; Pafer mi, Ahha, Pafer ! Deus é
meu Pai, pôslo que me envie trabalhos; ama-me ter­
namente, pôsto que me fira; se mesmo então a sua
bondade para comigo não tem limites, porque os
porei eu à minha confiança? Ainda que fôsse pre­
ciso enviar do céu legiões de anjos para me livrar ou
me defender ( 1 ), fará tudq por mim, se eu esperar
!udb dêle. - Oração perseveranfe: o Salvador ora
até !rês vezes : Orllvif ferfio, eumdem sermonem di­
cens ,- ora até ao momento, em que o veem prender.
Eu não me cansarei de orar, visto que Deus se não
cansa de me ouvir. - Oração dicllz: porque se o
Padre Eterno não afasia o cális que apresenta a seu
filho, manda-lhe um anjo para o conforlar. Depois
desta visita celeste, Jesus parece outro; 1 com que in­
trepidez se entrega a seus inimigos: Surgi/e, eamus !
Sofrerá os mais horríveis tormentos sem se queixar,
pedirá perdão para qs seus a,lgozes; é graç,a infini­
tamente maior do que ser livre da morte. Se a minha
oração é bem feita, nunca é inútil; obtenho o que
peço, ou bens ainda maiores.
4.° Entregar-nos aos cuidados da Providência.
•Pai meu, faça-se a vossa vontade e não a minha;
Non mell volunflls, sed lua liat •. 1 Oue belo senti­
mento, e que digno é do filho de Deus I Nada
mais próprio do Homem-Deus, do que tanta repugnãn­
cia em sofrer, junta com tanta resignação no sofri­
mento. Se Jesus tivesse mostrado menos dificuldade
em se submeter, diríamos: Não posso imitá-lo. Assim
podemos gemer, desafogar ·com Deus; mas resigne­
mo-nos. falemos- a Deus dos nossos sofrimentos,
mas deixemos-lhe o cuidado do nosso destino. Sim,
ó meu Deus, vós sereis o meu amparo, a minha con-

(') MaUh. XXVI, 53.

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490 MEDITAÇÕES SACEIIDOTAIS

solação, o meu pai e amigo, se eu souber reconhe­


cer que amais aqueles a quem enviais aflições, e
tanto mais, quanto mais os afligis. Com efeito, vós
os separais assim das criaturas; para que se unam
unicamente a vós. 1 felizes aflições, em que descubro
mais amor do que severidade da parte de Deus!

Resumo da l\1editação

1. Devemos condoer-nos das aflições de Jesus


Crisfo. - São extremas e causadas por nós.
1. 0 Aflições ex fremas. Permite que uma mortal
tristeza se apodere do seu Coração. Tudo parece
perturbado na sua grande alma. Não acha conso­
lação junto de seus discípulos nem junto de seu Pai.
Cai exhauslo, quási moribundo; o sangue corre de
lodos os seus membros. Ouem é êsle aflito? i. E' um
desconhecido para mim? O' Jesus, i. ficarei eu sem
compaixão para com as vossas dôres? Devo con­
doer-me delas tanto mais, quanto é certo que são cau­
sadas em parle por mim.
2.º No jardim das Oliveiras Jesus vê todos os
pecados do mundo. Nenhuma circunstância, nenhum
grau de perversidade escapa às suas infinitas luzes.
Alguns Santos não puderam suportar a vida, ao lem­
brarem-se das suas culpas, porque tinham entrevisto
algumas das divinas perfeições ofendidas pelo pecado.
Oh 1 que tormento para Jesus, a mesma santidade,
ser obrigado não só a vêr tôdas as iniqüidades pas­
sadas, presentes e futuras, mas também a ser encar­
regado de as expiar, como se as tivesse cometido!
O' Jesus, o que vós chorastes por mim, i. não é justo
que eu o chore?

II. O que devemos fazer nas nossas próprias


aflições. - Vigiar sõbre o nosso génio, para reprimir
os seus ímpetos; sôbre o nosso coração, para não

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JESUS PRÊSO 491
lhe permitir um ressentimento; sõbre a nossa fé, para
reconhecer um benefício divino nas maiores adversi­
dades. - Podemos abrir-nos com um amigo, mas um
amigo escolhido, e confiar muito pouco nas conso­
lações humanas. - Dirijamo-nos a Deus, e não es­
peremos a paz senão dêle só. - Imitemos a Jesus
Cristo na sua oração: ela é humilde, é confiante, é
perseveranle. Confiemos . na bondade do Senhor.

LXXXII MEDITAÇÃO
Jesus Cristo entrega-se aos seus inimigos. -
Contemplação

(. Conlemplar as pessoas.
li. Ouvir as palavras.
Ili. Considerar as acções.

PRIMEilW PRELÚDIO. Recordai a narrativa dos


Evangelistas: a chegada da coorte conduzida por
Judas; a pregunta do Salvador: A quem buscdis?
o efeito desta palavra: Eu sou; Pedro que puxa da
espada ; Jesus que sara a ferida feita ao servo do
Pontífice; o que diz ao seu apóstolo, a seus inimi­
gos, antes de se entregar ao furor que os domina;
poder que lhes dá e como usam dele.
SEGUNDO PRELÚDIO. Imaginai d entrada do horto.
E' noite; só à luz dos archotes é que se disl-inguem
os objedos. Colocai-vos num lugar, donde possais
presenciar tudo o que vai efectuar-se. ·
TERCEIRO PHELÚDIO. Pedir a Jesus Cristo que
me faça peneirar no seu divino Coração, para estu­
dar as suas disposições a meu respeito, no momento

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Mrn!TAÇÕl':S SACERDOTAIS

em que se entrega por mim à raiva de s�us inimigos;


pedir-lhe a graça de tirar proveito espiritual de ludo
o que vou vêr e ouvir.

I. Contemplar as pessoas. - Jesus Cristo,


cheio de ardor e de coragem, acaba de orar e de se
resignar: duas grandes fontes da fortaleza cristã.
O seu Coração arde em desejos de morrer por nós.
A bondade, a paciência, uma serenidade celeste ma­
nifeslom-s·e n0 seu semblante. Os apóstolos; que
tímidos parecem! Estão atrás. Inquietam-se, indi­
gnam-se, quando vêem aparecer Judas. - Considerai
êste traidor. j Oue ar hipócrita e afeclado I Através
de um exterior de respeito e amizade, descobre-se o
seu pérfido intento. Aprendei dêle álé onde podem
arrastar o abuso das graças e a negligência em com­
bater cedo uma paixão desregrada. - Vêde em redor
de Judas os satélites armados de espadas e de vara­
paus. Teem o olhar espantado, esperam ordens.
De que vil alentado vão ser dóceis instrumentos 1
j Oue luzes, que meios de salvação vai ainda forne­
cer-lhes a misericórdia do· Salvador 1 1 De que endu­
recimento é capaz o coração humano !

II.· Ouvir as palavras. - Meditemos as do Sal­


vador· a Pedro, e aos homens que vão pôr sõbre êle
mãos sacrílegas.
1. 0 Mele a lua espada na bainha. Jesus não
nos permite que nos defendamos senão com armas
de que os nossos inimigos não querem servir-se contra
nós: a mansidão, a paciência, a caridade, a oração.
A estas armas promete a vitória. E' com elas que' a
Igreja se fundou, e se conservará até ao fim dos sé­
culos. Se empregamos outras, nem a Igreja nos re­
conhece por se1,1s ministros, nem o Salvad \)r por
seus representantes. Queremos vencer-nos ? Meta­
mos a nossa espada na baínha; refreemos a língua, re-

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H:SUS PRÊSO

primamos o desejo demasiado ardente de sustentar os'


nossos direitos, de fazer triunfar a nossa causa; su­
foquemos os ressentimentos; e se a nossa espada já
fêz alguma ferida, apressemo-nos em curá-la, repa­
rando com ,.a nossa submissão e os nossos serviços,
o dano que causámos - i Acaso cuidas fu, que eu
não posso rogar a meu Pai, e que êle me não man­
dará logo mais de doze legiões de anjos? O vosso
amor para connosco, Senh'or Jesus, detém o socôrro
que poderíeis receber de vosso Pai e de vós mesmo,
dos anjos e dos homens, do céu e da terra : quoniam
omnia serviunf tibi, -iComo se poderão nêsse caso
cumprir as Escrifuras?
• O' Pedro, tu enches-te de ira, porque veem
carregar-me de algêmas, como �e eu fôsse um grande
criminoso;. mas o que te parece deslustrar a minha
inocente vida e a minha gloriosa morte, é exacla­
menle o que as realça, Semelhante ignomí_nia, anun­
ciada pelos profetas, torna-se uma prova da minha
divindade. Porque vou ser pôsfo no número dos
malfeitores ( 1), por isso mesmo todos os povos me
adorarão como a única esperança dos pecadores • ,
Deus eterno, quão lastimável- é aquele que não cum­
pre as Escrituras, padecendo neste mundo com Jesus 1
Cumpri-las-á, padecendo no outro com Satanás, -
i Não hei de beber o cá/is que o Pai me deu?
O' Jesus, eu !orno para mim essa resposta, e aplico-a
a tôdas as minhas contradições, a lodos os meus so­
frimentos: essa sujeição que me é penosa, essa po­
breza, essa afronta, é o cális que devo beber; a isso
me vejo movido por numerosos motivos; é Deus, é
meu Pai que mo apresenta.; o meu Sal_vador bebeu-o
primeiro, e depois dêle lodos os apóstolos, todos os

(1) Cum sceler11fis repufafus esl, Is. Lili, 12.

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494 MEDITAÇPES SACERDOTAIS

bons sacerdotes, todos os escolhidos. Saborearei


principalmente esta palavra: Dedif mihi Pafer.
2. 0 Vós .viestes armados de espadas e de va­
rapaus parn me prender, como se eu fôra um la­
drão . . . 1 Ouantas murmurações insolentes são confun­
didas com êste oráculo I Ouvem-me dizer algumas ve­
zes: r!. Mas por quem me tomam? Oue fiz eu?
Trafam-me, como se eu fôsse um malvado! Ah! se
eu fôsse um verdadeiro discípulo de Jes1,1s, é. quei­
xar-me-ia de me assemelhar a êle? Aceitarei as pro­
vações, ludo o que leem de penoso e de humilhante,
e alegrar-me-ei de me vêr tratado como o meu Se­
nhor e Mestre. - Todos os dias eslava entre vós, e
não me prendestes. . Era dizer-lhes para os obrigar
a entrar em si: • Atendei à multidão dos vossos
maus desígnio1t contra mim, emquanto eu quis sub­
trair-me a êles; e'. quantas vezes os vistes malogra­
dos, ainda que eu estivesse no meio de vós sem de­
fêsa? Lembrai-vos do que se passou nestes últimos
dias: i com que aclamações me recebestes, com que
assiduidade me viestes ouvir! Se queríeis castigar-me
pelo bem que vos fazia, e'. porque não me prendíeis
no templo• ? - Mas esfa é a vossa hora e o poder
das trevas. A vossa hora I e'. Então o homem tem a
sua hora? Sim, e Deus a sua eternidade! . . . j Hora
fatal, em que o Senhor na sua ira entregará o mau
aos seus perversos desejos I i funesto poder o que
exercemos para ofender a Deus, e auxiliar os pro­
jeclos do inferno I i Terríveis trevas as que obstam a
que o pecador veja o precipício em que se lança!

III. Considerar as acções. - Jesus adeanta-se


todo ansioso de morrer por nós, e vai entregar-se
nas mãos dos seus algozes. - Detém-os para lhes
dar tempo de refledir. Pregun!a-lhes a quem bus­
cam, ainda que o não ignora, para que, tendo oca­
sião de pronunciar o seu nome, a que se liga a me-

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JESUS PRÊSO 6.95

mória de tantas virtudes e benefícios, achem nêle


como um raio de luz, que lhes mostre a enormidade
do seu crime. - Todos caem por terra, quando éle
responde: Sou eu. i Oue poder, e ao mesmo tempo
que misericórdia I i Como Judas devia ficar admirado!
é. E como não se converteu, vendo-se fulminado, êle e
a sua coorte, com uma só palavra; que não exprimia
exprobrações nem ameaças? 1 Como se alegrariam
os apóstolos, quando viràm os seus inimigos pros­
trados, e com que facilidade o seu Mestre os tinha
lançado por terra I Fraca imagem do que sentirão os
justos e os pecadores, quando no dia de juízo, o
próprio Salvador disser aos primeiros: Eu sou aquele
que vós amastes, servistes, preferistes a tudo ; aos
segundos: Eu sou aquele que desprezastes, perse­
guistes, crucificasles! - Mas Jesus «1rdena que dei­
xem os seus discípulos em liberdade, e é obedecido.
Todo o furor dos homens e dos demónios não pode
prejudicar os que Jesus Cristo protege. 1 Oue bom
é confiar nêle! Ouando parece esquecido de si, não
se esquece de nós. - Finalmente, depois da cura mi­
lagrosa de Malco, e das observações tão caridosas
que fêz aos seus inimigos, remove o obstáculo invisí­
vel que os detinha, e êles consumam, com uma ce­
gueira e sanha extremas, o atentado de que não pu­
deram desviá-los tantos prodígios da mais terna bon­
dade.
Aqui imaginai com que fúria êsses cruéis lôbos
se precipitam sôbre o Cordeiro tão manso; com que
violência apertam sem dó as cordas com que o amar­
ram; maltratam-no, arrastam-no, empurram-no, fazem­
-lhe sofrer ludo o que pode inventar uma raiva muito
ler;npo contida e que se satisfaz à vontade. i Quantas
vezes o lançam por terra; com que deshumanidade
o lralam, quando cai, dando-lhe pancadas, e bradan­
do-lhe que se levante! O' Jesus, 1 que prelúdio para
o que ides padecer por mim I é Oue farei eu para

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49!i MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

aliviar o pêso das vossas cadeias, para compensar as


afrontas de que eu fui causa? Ah! ao menos regule
doràvante êsse amor que vos entrega aos vossos ini­
migos, todos os. movimentos do meu coração; ensi­
ne-me êle a sofrer com alegria tudo o que tiver a so­
frer por vós.

Resumo da Meditação

I. Contemplar as pessoas. -Jesus Cristo. êle


acaba de orar e de se resignar; são as duas fontes
da fortaleza cristã. - Os apóstolos, tímidos, inquie­
tos. Dormiam, emquanto Jesus orava. - Judas. Oue
ar hipócrita! O' abuso das graças, 1 aonde podes
conduzir-nos 1 -:- Satélites, homeris armados. é. Oue
veem êles fazer.? Comparai os seus sentimentos com
os da sua vílim&.

II. Ouvir as palavras. -De Jesus a Pedro:


Mete a lua espada na bainha. As nossas armas são
a paciência e a oração. 1.Cuidas fu que eu não posso
rogar a meu Pai?. • . E' o meu amor para convõsco
quem me conduz à morte. -Ouê ! 1. Eu IJâO hei de
beber o cá/is que meu Pai me deu?- De Jesus a
seus inimigos: Vós viestes armados de espadas e de
varapaus para me prender, ele. Todos os dias es­
lava entre vós no templo.. . Mas esta é a vossa
hora e o poder das trevas. Sim, o pecador !em a
sua hora, e Deus tem a sua eternidade! Horríveis
trevas, que obstam a que o pecador veja o abismo
em que se lança 1

III. Considerar as pessoas. - Jesus vai ao en­


contro dos seus inimigos, impaciente de morrer por
nós. Detém-os, para lhes dàr tempo de reflectir.
Lança-os por terra com uma só palavra, para lhes
mostrar Q seu poder. Ordena-lhes qu,e deixem os

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JESUS· PRÊSO 497

seus discípulos em liberdade. Cura o servo do Pon­


tífice, que Pedro feriu. 1 Ouão endurecido devia es­
tar, para resistir a tantas graças I Vêde com que
raiva se arremessam sôbre Jesus, e imaginai os indi­
gnos tratos que lhe fozem sofrer.

IS!

LXXXIII MEDITAÇÃO

Jesus Cristo, entregando-se aos seus inimigos

1- faz por nós o sacrifício da sua liberdade.


II. Pede-nos o sacrifício d11 nos�11.

1. Jesus sacrifica-nos a sua liberdade, volun­


tária e inteiramente, e para sempre.
Sacrifício voluntário. O Salvador linha já tido o
cuidado de nos ensinar que ninguém podia tirar-lhe
a vida, que êle era senhor de a deixar e retomar,
quando quisesse. O seu espontâneo sacriÍício realça
infinitamente o seu merecimento aos olhos de seu
Pai, e deve comover os nossos corações ( i ). êle tem
a peito convencer-nos de uma verdade muito própria
para excitar o nosso reconhecimento; quer que sai­
bamos bem, que todos os seus sofrimentos são üni­
camenle o efeito do seu amor para connosco.
Antes de· aparecerem os seus inimigos, êle anun­
cia a sua chegada, vai-lhes ao encontro, impede que
os seus discípulos se oponham aos desígnios dêles,

(1) Propfere11 me diligif Pa!er, qui11 ego pano animam me11m,


ui ilerum sumam eam. Nemo tollif eam II me, sed ego pano e11m a
me ipso. Joan. X, 17, ·J8.

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498 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

cura milagrosamente uma ferida feila num primeiro


momento de indignação. é. Oue necessidade tem Je­
sus de que se puxe da espada, para repelir a fôrça
com a fôrça? Se êle quisesse, todo o céu se arma­
ria para o defender. é. Oue necessidade tem de so­
côrro· alhei�, êle que lança por terra a ímpia coorte
com uma palavra? é. Ter-se-ia ela levantado, se Je­
sus não se tivesse �ignado permitir-lho? i Com que
poder· domina os acontecimentos 1 1 Com que sossêgo
os dirige, mantendo imóveis em tôrno de si os solda­
c!os, a-pesar do furor que os anima, obrigando-os a
ouvir tudo o que se digna dizer-lhes, e a deixar livres
os que o acompanham I Se pois perde á sua liber­
dade, é porque livremente consente em perdê-la. Não
são os satélites que o prendem, é o seu coração que
o entrega.
é. Oue faria eu por um amigo que se deixasse
carregar de cadeias em meu lugar? é. Oue exigiria eu
daquele, cujo lugar eu tivesse tomado para o livrar
das suas cadeias? O' amor, 1 que Fôrça é a vossa,
visto que sabeis reduzir o Todo-Poderoso ao cati­
veiro I Submetei-me também ao vosso poder; subju­
gai-me, cativai-me de t�I sorte, que nada me separe
jàmais de 'Jesus cativo por meu amor.
2. 0 Sacrifício inteiro, e que incluía todos os que
êle havia de fazer durante a sua Paixão; porque en­
tregando-se aos seus inimigos, pre'via que abusariam
do poder que lhes dava. Via-se de ante-mão encar­
cerado, entregue à insolência dos soldados e servos.
servindo de escárneo a uma vil populaça, prêso à
coluno, nadando em seu sangue, morrendo na Cruz.
Sacrificando a sua liberdade, sacrificava a sua honra
com a sua vida, Aceitava os ultrajes de que seria
coberto nas ruas de Jerusalém, por onde ia passar
tantas vezes, sempre rodeado de guardas, semp�
amarrado como um malfeitor, arrastado da casa d�
Anás à de Caifás, e dali ao tribunal de Pilatos, e ao

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JESUS' PRÊSO

palácio de Herodes. Todos os lormentos que o es•


peram, tôdt1s as afrontas que v4i sofrer, não podem
impedi-lo de obedecer à voz de seu Pai e ao desejo
ardente que tem de nos salvar.
Oh I cativeiro doloroso e humilhante para o Filho
de Deu,, fonte de glória _e de consolação para os
seus discípulos! i O' vínculos sagrados, amáveis ca­
deias, que alegrias infundireis aos apóstolos e aos
homens apostólicos, quando se virem perseguidos,
prêsos, por terem pregado o Evangelho e defendido
os interêsses de Jesus I S. Paulo não separa êstes
dois títulos: P8ulo 8pósfolo de Jesus Cristo, e
P8ulo prisiÓneiro de Jesus Cristo; o segundo pare­
·ce-lhe tão honroso como o primeiro., Gloria-se dêle;
é uma recomendação para com os fiéis : E assim vos
rogo eu, prisioneiro do .Senhor (1). S. Francisco Xa­
vier não pode conter a alegria,_ quando pensa que, ao
entrar na China, pôderá ser prêso e morrer pelo seu
Salvador.
3. 0 Sacrifício dura�"iro. Jesus não reiama a
liberdade que nos sacrificou. O seu amor para con­
nosco tornou-o escravo dos seus cruéis inimigos;
conservá-lo-á sujeito a êles, alé que cesse de viver.
Longe de se subtrair aos seus ultrajes e furor, dei­
xa-se despojar dos seus vestidos, flag" elar, coroar de
espinhos, pregar numa cruz. Apresenta as mãos e os
pés aos cravos que hão-de fraspassá-los, e consuma
o seu sacrifício,· obedecendo até 4 morte. O' meu
Deus, concedei-me a graça de compreender que o
único meio de progredir na santidade, e de ser
nas vossas mãos o instrumento da vossa misericór­
dia para salvação das almas, é deixar-me dirigir em
tudo pelo vosso espírito: Ecce alligafus ego spirifu,

(1) Eph. IV, t.

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500 MEDITAÇÕF.S SACERDOTAIS

vado in Jerusalem (1); é conservar-me numa hu­


milde e santa sujeição, e sacrificar-vos a minha liber­
dade, assim corria vós me sacrificastes a vossa.

li. Jesus Cristo pede-nos o sacrifício da nossa


liberdade. - O sacerdóci_o não é senão uma nobre
servidão. Ninguém pertence menos a si, do que o
sacerdote. Êle pertence à Igreja, às àlmas, a tôdas
as almas, mormente às que Deus lhe confiou; per­
tence aos pecadores para os converter, aos justos
para os dirigir. Deve a lodos o seu tempo, o� seus
cuidados, a sua paciência, a sua vida; todos teem
direito a exigir os seus serviços na ordem da salva­
ção. E' o servo dos servos de Jesus Cristo 1
Todo o cristão sacrifica a soa liberdade ao Sal­
vador, unindo-se a êle pelo baptismo; mas o sacer­
dote une-se muito mais, dando-se a Jesus para ser seu
ministro. E quando, cumprindo seus deveres, se deixa
guiar pelo belo motivo da caridade, não lendo em
vista, no que faz e no que sofre, senão agradar ao
Senhor a quem ama, então o sacerdote é verdadeira­
mente e da maneira mais 'excelente, o prisioneiro de
Jesus Cristo. Não vai já aonde quer; é o espírito de
Deus que o conduz; Cum esses junior, cingebas te,
ef ambulabas ubi volebas: cum aufem senueris .. . ,
desde o dia em que vos consagrastes ao Senhor,
alius te cinge!, ef ducef quo tu non vis (2).
Vós pedis-me, ó Jesus, o sacrifício da minha li­
berdade, e quereis que êste sacrifício seja como o
vosso, voluntário, inteiro, que não se desminta jàmais;
apresentais-me as vossas cadeias, para que as le.ve
juntamente convôsco: o amor que me tendes, supera
tôdas as minhas repugnâncias. Sempre depender,
nunca ser senhor de mim, i que penoso é à natureza!

(1) Act. XX, 22. - (2) Joon. XXI, 18.

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JESUS PRÊSO 501
1 Mas suportar esta sujeição convôsco e por vós,
1 quão grato é ao coração que vos ama I Dando-me
cadeias, é. de que funestas cadeias me livrais ? Se eu
não Íôsse vosso escravo, eu seria escravo das minhas
paixões. Bemdi!o sejais, ó meu Deus I quebrastes as
minhas cadeias, quero trazer as vossas. Pertenço­
-vos, e vos pertencerei sempre. Concedei esla graça,
dai esta alegria ao vosso servo: Leelifica animam
servi fui, quoniam ad fe, Domine, animam meam le­
vavi (1).
Resumo da Meditação

I. Jesus faz por nós o sacrifício da sua liber­


dade. - Sacrifício voluntário. O Salvador provou-o
bem ; não são os judeus que se assenhoreiam da sua
pessoa: êle mesmo é que se entrega. - Sacrifício
inteiro. Incluía todos os oulros que devia consumar
na sua Paixão. Sacrificando a liberdade, sacrificava
a honra e a vida; aceitava todos os ultrajes e tor­
mentos que previa. O' vínculos sagrados, ó amáveis
cadeias, 1 que alegria causareis aos seus discípulos,
quandó forem perseguidos 1 ... - Sacrifício duradoiro.
- O Salvador não retoma a liberdade que nos sacri­
ficou. Concedei-me, ó meu Deus, que eu me deixe
sempre dirigir pelo vosso espírito, e me conserve sem­
pre numa humilde dependência.

II. Jesus Cristo pede-nos o mesmo sacrifício.


- O sacerdote não pertence a si; pertence menos a
si, do que o simplés cri5lão. Deve tudo a Deus e às
almas: o seu tempo, a sua vida, o uso de tôdas as
suas faculdades, e, quando em ludo o que fi:iz 9u
sofre, só pretende obedecer ao Senhor a quem ama:

(1) Ps. LXXXV, 4.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS.

é, da maneira mais ex<."elente, o prisioneiro de Jesus


Crislo. Meu Deus, vós dais-me cadeias; mas Ide que
funestas cadeias me livrais I Se eu não fôsse vosso
escravo, seria escravo das minhas paixões. Vós
quebrastes as minhas cadeias, quero trazer as vossas 1

ll:!!

LXXXIV MEDITAÇÃO
Jesus Cristo faz-nos o sacrifício
da sua reputação

Amor dci reputação, desejo de ser estimado dos


homens, fonte de desgoslos, de inquietações e de
pecados : é o sacrifício que se faz em último lugar.
Não desejaríamos desflgradar a Deus, mas desejamos
ainda a�radar ao mundo. Só o exemplo de Jesus
na sua Paixão, pode corrigir-nos desta funesta ten­
dência.

I. l Ou11I é II repul11çiio que Jesus nos sacrific11 ?•


li. l Ou11I II exlensiio dêsle sacrifício?
Ili. l Com que lr11nqüilidade nos foz êsle sacrifício?

PRIMEIRO PRELÚDIO. Recordai-vos das calúnias


e dos opróbrios, com que procuraram desacreditar o
Filho de Deus; do seu silêncio,. e da sua paciência,
quando tudo parecia impôr-lhe o dever de falar e de
se defender.
SEGUNDO PRELÚDIO. Extingui em mim, ó meu
Salvador, lodo o amor desordenado da reputação;
ensinai-me a não dar mais aprêço à estima do mundo
do que vós destes; fazei-me ambicionar como vós a
honra dos seus desprezos.

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JESUS DESPREZADO 503

I. Oual é a reputação que o Salvador nos


sacrifica. - Nunca a houve mais brilhante, mais
divul�ac:la, mais justamente adquirida; nenhuma cuja
conservação fôsse mais fácil, e ao parecer, mais ne­
cessária.
J •0 Reputação brilhante. l Oue não se tinh_a
dilo a respeito da glória· de Jesl!ls ? l Oue não se
tinha admirado nêle? Oue sabedoria I Na idade de
doze anos causava espanto aos mestres da sciência.
é Quantas vezes depois tinha confundido a sobeiba
dos doutores da lei? Oue poder I O mar e os ven­
tos, o céu e a terra, a saúde e a doença, a vida e a
morte haviam obedecido à .sua voz. 1 Oue perspicácia,
. que luzes I Tinha mostrado muitas vezes, que conhe­
cia os pensamentos mais recônditos, que lia nos co­
rações I Senhor, eu bem vejo que sois um profeta.
- Vinde vêr um homem que me disse tudo o que
eu Gz ( 1). Oue inocência! que santidade I Oua/ de
vós me argüir[J de pecado? E inimigos, tais como
os fariseus, só lhe tinham respondido e lançadó em
rosto que visitava os pecadores e comia com êles.
E' a éle que se dirigem, para ser o árbitro das pen­
dências. Declaram altamente que êle ensina o cami­
nho de Deus em tôda a verdade. Reconhecem-no
pelo Messias, ou ao menos por um profeta enviado
do Senhor: Hosanna G/io David: Benediclus qui
venif in nomine Domini (2).
2. 0 Reputação mais divulgada. é. Onde não era
êle conhecido, estimado e venérado? Em Jerusalém,
onde o tinham visto fazer andar o paralítico de trinta
e oito anos, curar subitamente o cego de nascença ...
Na Judéia, em cujas aldeias, cidades, estradas, res­
soavam os louvores do seu nome . .. Na Galiléia,
onde êle tinha ressuscitado o filho da viúva de Naím,

(1) Joan. IV, 29. - (2) Mallh. XXI, 9.

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50i MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

acalmado tempestades, feito pescas milagrosas. Na


Samaria, onde, depois de terem crido nêle, pelo dito
de uma mulher, diziam em seguida : e Agora crêmos
nêle, porque o vimos e ouvimos•. Nas províncias
de Tiro e Sidónia; donde os aflitos vinham buscar
junto dêle (1) o remédio para os seus males, e se
retiravam sãos.
3. 0 Reputação, de tôdas a mais justamente
adquirida; porque estava fundada numa vida cheia
de virtudes e de milagres, em obras inauditas alé
então, nos oráculos dos profetas, cujo exado cum­
primento viam nêle, em prodígios numerosos e claros,
como mortos ressuscitados à vista e às portas de
Jerusalém, em benefícios de que davam testemunho
aqueles mesmos que os tinham recebido. Um dizia:
Eu era cego, e êle restituiu-me a vista; outro : Meu
filho era morto, e ressuscitou-o; êsle: Eu andava no
mar, e salvou-me do naufrágio; aquele : Eu comi
do pão que êle multiplicou no deserto.
4.0 Reputação que lhe era fácil conservar, e
que tinha, ao parecer, as mais sólidas razões para a
não deixar perder. Se abrisse a bôca para se defen­
der, q�ando o governador romano a isso o convi­
dava (2), e. leria êle tido necessidade da sua divina
eloqüência, para confundir os seus inimigos e voltar
contra êles a indignação pública? Os depo'imentos
destroem-se uns aos outros; a falsidade das acusa­
ções era de uma evidência capaz de impressionar
lodos os ânimos, se o Senhor quisesse fazê-la notar;
a má fé e a inveja dos acusadores denunciava-se; Pi­
latos eslava ,convencido da inocência de Jesus; He-

(1) Luc. VI, 17.


(2) Pilalus. . . inlerrogavil eum, dicens: Non respondes
quidquam? More-. XV, 4.

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JESUS DESPREZADO 505
rodes era-lhe favorável; e o povo tornaria fàcilmente
a ler-lhe a afeição que sempre lhe tivera.
Parecia àlérn- disto, que Jesus não podia dispen­
sar-se de destruir a má impressão que odiosas impu­
tações tinham causado. é, Não seria o seu silêncio
tomado por uma confissão? é. E que seria da sua
doutrina celeste, da sua divina missão, da sua obra
de regeneração começada, se morresse coberto de
infâmia? Não, nunca tantas circunstâncias· se reüni­
ram para obrigar um homem a justificar-se; e toda­
via Jesus cala-se! Era necessário êste remédio para
a cegueira, que nos impede reconhecer o pouco valor
das criaturas, dos seus vitupérios e louvores. Depois
dêsle exemplo, ó meu Deus, é, não compreenderei eu
afinal, que sois o único Senhor cuja estima devo de­
sejar e cujo vitupério devo temer?

II. Como nos sacrifica o Salvador a sua re"


pufação, - Da maneira mais completa, mais univer­
sal, mais capaz de o desacreditar irremediàvelmenle,
se tivesse sido possível.
1. 0 A sua difamação é completa. é, Oue lhe
resta do seu glorioso e tão justo renome? é, Oue é
feito da sua sabedoria? Parece não ter uma palavra
a dizer para sua defêsa ; olham-no como um insen­
sato. é, Oue é feito do seu poder? Parece sem fõrça
nas suas cadeias; dir-se-ia que nada pode contra os
seus inimigos. é, Oue é feito da sua virtude, da sua
santidade? Condenam-no como um embusteiro, como
um blasfemo, como um homem carregado de todos
os crimés, tão odioso ao céu como à terra.
2. 0 Perde a sua reputação por lõda a parte ; a
sua difamação é ainda mais extensa do que fôra a
sua glória. E' em Jerusalém que é condenado,
arrastado ao suplício como um grande malfeitor, e
no tempo pascal, na festa mais solene do ano, na
presença de uma inumerável multidão, composta de

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506 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

povos diversos; lodo o mundo é, d� alguma sorte,


testemunha dos seus opróbrios, do triunfo dos seus
inimigos, e da sua morle ignominiosa.
°
3. Finalmente, a difamação de Jesus é reves­
tida das circunstâncias mais afrontosas. Se só tivesse
contra si os escribas e fariseus, a sua reputação
pouco teria sofrido: a inveja dêles era manifesta; mas
é condenado em todos os tribunais : no tribunal dos
doutores· da lei, que decidem que a sua doutrina é
ímpia e bl.asfema ; no tribunal do sumo pontífice e
dos sacerdotes, que o declaram inimigo do templo e
da religião; no lrib1,mal de um rei, que sentenceia que
a sua aparente sabedoria é uma loucura, e finalmente
110 tribunal do magistrado romano. Por isso mesmo
que êsle tinha procurado algumas vezes absolvê-lo,
podia-se crêr que não era sem razão que afinal se
conformava com a opinião geral. E.' condenado no
tribunal de lodo o povo, que parecia arrependido de
lhe ler dado aplausos, e se mostrava mais emperihado e
mais unânime em pedir a sua morte, do que o fõra em
lhe conceder um triunfo; e em certo modo até no tri­
bunal dos seus discípulos que, traíndo-o, abando­
nando-o, pareciam convir em que o achavam culpado,
ao menos de alguns delitos que lhe eram imputados.
<. Como é possível, ó meu Salvador, que eu deseje
ser estimado de, u·m mundo, que tanto vos tem des­
prezado, e cujo desprêzo só buscastes ? O' meu
Deus, humilhai a minha soberba ; com tanto que eu
vos agrade, consinto em desagradar ao mundo: Si
hominibus placerem, Chrisfi servus non essem.

Ili. Com que tranqüilidade Jesus Cristo nos


faz o sacrifício da sua repufaçãó. - Ouando se
pensa no que êle é, nas adorações que merece, e nos
ultrajes que sofre, causa admiração não vêr lôdas as
criaturas armarem-se para vingar a sua honra ; 'dese­
jar-se-ia ao menos que, antes de morrer, êle mesmo

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JESUS DESPREZAno 507
manifestasse a sua inocência à face do universo. Não,
êle perdôa e cala-se; pode tudo, e nada faz ; tor­
nou-se semelhante a um mudo, não abre a bôca,
como se nada tivesse que replicar, a-pesar dos fortes
motivos que pareciam impôr-lhe a -obrigação de se
defender. O' silêncio admirável, 1 quão vivamente nos
repreendes das nossas queixas, quando é ofendida a
nossa reputação ! l E' ela porventura mais necessá­
ria, tão extensa, tão bem· fundada, tão indignamente
atacada, como o foi a do filho de Deus? Oue é
pois o _que tanto nos assusta? Uma palavra passa­
geira, um dilo cuja lembrança logo se apagará;
quando muito, um pouco menos de consideração pe­
rante um pequeno número de pessoas. Ouê I por
tão pouca coisa perder o sossêgo da alma, tornar-se
incapaz de orar 1. . . Uma grande reputação é sem­
pre um grande fardo, e muitas vezes um grande
perigo.
O' Senhor, eu me farl!i mais .vil do que me lenho
feito, e serei humilde aos meus ólhos {1). Conce­
dei-me que eu goste de ser desconhecido do mun­
do (2), e tido por nada; porque escolhi estar abatido
na casa do meu Deus (3 ). -.Ponde, Senhor, guarda
a minha hôca, e nos meus llibios uma poria que os
feche, para que o meu coração não busque escu­
sas ( 4 ). Como tantos Santos, e 'l vossa imitação,
guardarei silêncio, quando permitirdes que eu seja
alvo das calúnias e injúrias.
Preparando-vos para a missa e na acção de gr<1-
ças, oferecei a Jesus sacrifício por sacrifício. Ro­
gai-lhe que disponha, como quiser, de vós e da vossa
reputação, para sua glória, para. vossa santificação,
e para salvação das almas.

(l) li Reg. VI, 22. - (2) /mil. I. III, e. XV.


(3) Ps. LXXXIII, 11.--,- (4 J !d. CXL, 3, 4.

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508 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Resumo da Meditação

1. Oual é a reputação que Jesus Crisfo nos


sacrifica .. - �eputação brilhante. l Oue não se ha­
via admirado nêle? 1 Oue sabedoria na idade de doze
anos e no seu proceder para com os seus persegui­
dores! Oue poder I Oue perspicácia I Oue inocente
vida ! - Reputação universalmente divulgada: em
Jerusalém, na Judéia, na Galiléia, na Samaria, nas
províncias de Tiro e de Sidónia. - Reputação tão
justamente adquirida: era fundada em uma vida cheia
de santidade e de milagres, em benefícios que eram
ateslados pelos que os tinham recebido. -Reputação
que lhe era fácil conservar, e cuja conservação
era pedida pelas mais fortes razões. O' meu Deus,
eu compreendo afinal, que sois o único Senhor
cuja estima devo desejar, e cuja censura devo te-
mer.

li. Como noi. sacrifica o Salvador a sua


reputação. - Perde-a em ludo. l Oue é feito da sua
sabedoria . . . do seu poder . . . da sua virtude? ...
Perde-a por tôda a parte. A sua difamação é ainda
maior do que o fôra o seu renome. Toda o mundo
é, de alguma sorte, testemunha dos seus opróbrios.
- Esta difamação é revestida das circunstâncias
mais afrontosas. E' condenado em lodos os tribu­
nais: dos ·doutores da lei, dos pontífices, de Herodes,
de Pilatos, de lodo o povo,, e até, em cerlo modo,
dos próprios discípulos.

Ili. Com que tranqüilidade Jesus nos faz êste


sacrifício. - Ouando se pensa no que êle é, causa
admiração não vêr tôdas as criaturas armar-se para
o vingar. 01:'sejar-se-ia ao menos que antes de mor­
rer, Jesus fizesse resplandecer a sua inocência. Per-

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JESUS EM CASA DE CAIFÁS 509
dôa e cala-se. Oh I silêncio adorável 1 1 quão vivamente
nos repreende das nossas murmuraçôes e queixas,
quando a nossa honra é ofendida 1

LXXXV MEDITAÇÃO
Jesus Cristo em casa de Caifás.
- Contemplação

I. Contemplar as pessoas.
li. Ouvir as palavras.
Ili. Considerar as acçõ'es.

PRIMEIRO PRELÚDIO, Jesus é interrogado pelo


sumo sacerdote ; quando responde, recebe uma bofe­
tada. Interrogado de novo, e intimado em nome de
Deus vivo, para dizer se é verdadeiramente seu
filho, afirma e declara que os que o julgam agora,
serão um dia julgados por êle. O pontífice rasga as
vesliduras. Todos concluem que é reu de morte, .e
o entregam à insolência dos servos, durante o resto
da noite.
SEGUNDO P�ELÚDIO. Imaginai a sala do conse­
lho, onde todos os príncipes dos sacerdotes, um
grande número de escribas e de fariseus, estão reüni­
dos; e colocai-vos em um lugar, de onde possais vêr
e ouvir tudo.
TERCECHO PRELÚDIO, Pedi perdão a Jesus Cris­
to, de tôdas ·as afrontas que sofreu por vós na sua
Paixão, e principalmente durante a horrível noite que
passou em casa de Caifás. Rogai-lhe depois, que
incline o vosso �oração para o amor do desprêzo,
ou ao menos que vos faça suportar com paciência,

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5t0 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

por amor dêle, aquilo mesmo que ·buscou com ardor


por amor de vós.

I. Conte,mplar as pessoas. - Os juízes, os ho­


mens da lei, presentt's no tribunal, que está intei­
ramente cheio. - O sumo pontífice, magnificamente
vestido, está sentado na sua cadeira, cuidando em
fazer respeitar a sua dignidade. O seu rosto e todos
os seus gestos mostram ora impaciência, ora hipo­
crisia, e sempre soberba. - Os príncipes dos sa­
cerdotes, os escribas, lodos os empregados da jus­
tiça ocupam os seus lugares, e parecem -satisfeitos.
Manifesta-se na assembléia uma corrente de ale­
gria, um ar de cruel conlenlamenlo, quando é in­
troduzido o divino. réu, carregado de cadeias e ro­
deado de guardas. Vêde a Jesus, o Santo por exce­
lência e a própria santidade, conduzido ao banco dos
réus. E' amarrado fortemente e com lôdas as pre­
cauções de costume, quando se trata de um grande
criminoso, que se fêz temer por muito tempo. Parece
porém manso como um cordeiro; o seu aspecto res­
pira a mais nobre modéstia, e lôdas as suas feições
a mais perfeita tranqüilidade. Hã também na sala
c.riados e soldados, que o olham com insolente, cu­
riosidade; há falsas testemunhas, que estudam o pa­
pel infame da acusação perjura. - Debaixo destas
diferentes fisionomias, .descobri almas carregadas de
crimes, agitadas pelas paixões mais violentas e por
lodo o ódio do inferno. 1 Oue contraste com a alma
de· Jesus Cristo, Ião pura, Ião tranqüila, tão cheia
de amor para connosco 1

II e III. Ouvir as palavras e considerar as


acções. - O sumo Sdcerdole Ídz pregunfas d Jesus,
d respeito dos seus discipulos, e dd sud doulr:ind.
Havia três anos que ensinava publicamente; , os seus
juízes tinham bus�ado muitas vezes surpreendê-lo,

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JESUS EM CASA DE CAIFÁS 5H

propondo-lhe questões capciosas. Tinha-se sempre


admirado a sua doutrina, nunca havia sido censu­
rada. Jesus responde que falou em público, que
nada disse em segrêdo; que convém fazer pregunfas
àqueles que o ouviram . . . A própria sabedoria não
podia exprimir-se mais judiciosamente. Por isso a
sua resposta fica sem réplica; mas um dos beleguins,
para agradar aos juízes, ultrajando o réu que êles
querem perder, dá-lhe uma· bofetada, e pretende dar­
-lhe uma lição: e. Assim é que lu respondes àO pontí-
fice?
Eis pois deshonrada com uma bofetada, esta face
adorável, cuja vista fará a elerna felicidade dos San­
tos! Quando se pensa que é o Toda-Poderoso, o
Rei dos reis, o supremo Juiz dos vivos e dos mor­
tos, que recebe está afronta, e de quem, e em que
lugar, e porquê ... , e. quem é que não pregunta a si
mesmo, como é que a mão sacrílega que o feriu,
não se secou imediatamente, como é que êste mise­
rável não foi punido logo? O' Jesus, vós· sofreis tão
indigno tratamento, para expiar a nossa soberba,
para suspender as nossas queixas, quando nos ofen­
dem a honra ; para que os vossos ministros, imitan­
do-vos, sejam insensíveis aos ultrajes, e continuem
com as suas humilhações, a obra de salvação, que vós
começastes com as vossas; e tê-lo-íeis sofrido em si­
lêncio, se não fôsse acompanhado de uma repreen­
são, que em vossa sabedoria entendestes repelir.
Se falei m,al, dá testemunho do mal; mas se
falei hem, porque me feres? Jesus devia esta res­
posta à sua justificação; a suspeita de que êle tivesse
falado imprudentemente, não devia permanecer no
ânimo dos seus juízes, nem na história da sua Pai­
xão. Devia-a à nossa instrução; era necessário en­
sinar-nos que uma resposta branda e comedida não
deminui o mérito da paciência; que devemos sempre
respe.itar a autoridade, e mostrar que a respeitamos.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Devia-a à confusão dos seus inimigos, fazendo sem­


pre contrastar a sua inocência, caridade e mansidão
com a injustiça, ira e violência dos que o julgavam.
Apresentam-se algumas testemunhas falsas, e os
seus depoimentos não concordam. E o sumo sacer­
dote, levantando-se impaciente no meio do conselho,
pregunla a Jesus: i Não respondes nada ao que ês­
fes atestam contra li? Mas êle calou, e nada res­
pondeu. 1 Oue eloqüente, que heróico é êsle silêncio 1
Custar-vos-á a vida, Senhor, se não falais, e vós ca­
lais I Mas brevemente custar-vos-á também a vida o
falardes, e nada poderá resolver-vos a reler cativa a
verdade. E' porque em fôdas as coisas só consultais
o vosso zêlo da glória de vosso Pai, e o vosso amor
para connosco. é.Para que vos justificaríeis neste
momento, visto que expiais as nossas falsas justifica­
ções e os verdadeiros crimes que nós lemos come­
tido? Sabeis ãlém disto que vos será feita justiça.
Ah I que pouco me inquietaria de ser condenado pe­
los homens, se corn;iderasse que as injustiças dêles,
sofridas com paciência, serão para mim, no vosso
tribunal, uma fonte de glória e felicidade 1
O sumo sacerdote diz-lhe então: Eu te mando,
por Deus vivo, que nos digas se tu -és Cristo, ?ilho
de Deus hemdito (1). O' alma minha, atende; ouve
com respeito a resposta do Rei dos mártires, que
deu testemunho à sua divindade, e selou o seu teste­
munho com o seu sangue: Tu o dissesfe: eu o sou;
mas eu vos declaro que vereis daqui a pouco êsfe
frasmo ?ilho do Homem que vos fala, sentado à des­
me do Deus todo-poderoso, e vir sôbre as nuvens
do céu. 1 Oue nobre afoiteza, que maj�stade nes­
tas palavras! Convém aprofundá-las na meditação:
e Visto que empregais o augusto nome de meu Pai,

(1) Ma!!h. XXVI, 63; M11rc. XIV, 61.

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JESUS EM CASA DE CAIFÁS 513

para me obrigar a romper o silêncio, falarei, e direi


mais do que desejaríeis ouvir. Calei-me como um
cordeiro, falarei com o rugido do leão. Uma destas
qualidades não exclui a outra. Não confundais as
duas vindas do Messias. Os profetas, que predisse­
ram as humilhações da primeira, predisseram também
a glória da segunda. Vós triunfais neste momento;
mas esperai : virá dia, em que vereis êste mesmo Fi­
lho do Homem que vós julgais, sentado à mão direita
de seu Pai, e vindo sôbre as nuvens a julgar todos
os homens•.
O' Jesus, eu vos adoro por verdadeiro Filho
de Deus vivo, meu Salvador e Senhor. Recebei a
homenagem de um coração que vos pertence; mas
ai I que tão caro vos custou I é. Oual será para 'VÓS a
conseqüência de urna declaração, que deveria fazer
tremer êsses juízes ímpios e sacrílegos? - Apenas é
pronunciada, logo Caifás rasga as suas vestiduras, e
exclama : Blasfemou; i que necessidade lemos já de
lesfemunhas? Eis acabais de ouvir agora uma blas­
fêmia : que vos parece? Responderam todos : E réu
de morte. Sim, Jesus merece a morte, porque tomoo
sôbre si a dívida dos pecadores. Morrerá para me
livrar da morte eterna; é. e posso eu não viver para
êle?
Os juízes retiram-se. Não há já na sala senão o
nosso Salvador, rodeado de soldados e de criados
que o olham com --ar insultante, e se preparam para
lhe fazer milhares de afrontas.
Pode-se imaginar um rei feito prisioneiro, que um
tirano entregasse ao furor da mais vil populaça, com
esta única recomendação : Não lhe /ireis a vida; re­
servo-lhe um grande suplicio. Jesps Cristo foi tratado
como o seria êste desventurado príncipe. A casa de
Caifás, diz S. João Crisóstomo, era uma espécie de
inferno ; cada um dos que a habitavam era um algoz:
cada algoz um demónio em figura humana . . . Entoo

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

cospem-lhe no rôslo . .. , e os que o f�nham· prêso,


fazem escárneo dê/e, ferindo-o: e fendo-lhe vendado
os olhos, dão-lhe no rôslo, dizendo: Adivinha quem
é que te deu . . . E diziam outras muitas afrontas,
blasfemando contra êle (1). Satélites e servos exci­
tam-se mutuamente. Há entre êles uma emulação sa­
tânica, sàbre quem lhe dirigirá mais insultos e escár­
neos, e quem se mostrará mais insolente e cruel.
A sua paciência irrita-os, a sua mansidão redobra­
-lhes a raiva. E isto só findará, quando a noite
aeabar.
E vós, sacerdotes l que fareis, para mostrardes a
Jesus quanto vos comove ludo o que êle sofre?
Adorai-o, amai-o, imitai-o; e não desprezeis meio
algum de lhe granjear fôdas as honras que merece.
Respeitai e fazei respeitar êsse Deus Salvador, no
seu nome, nas suas imagens, mas principalmente no
seu adorável sacramento. Jesus está perto de vós
sob os véus eucarísticos. Ah I quão\ ultrajado é,
mesmo ali I Tendes no labernácu!o da vossa igreja
êsse divino Coração, que tanto amou os homens, e
cuja ternura e caridade para connôsco são as mes­
mas que durante a vida mortal. Hoje como então,
pede que o amemos e imitemos. Se o nosso zêlo em
defender os seus interêsses nos atrai perseguições e
desprezos, l que glória poderíamos nós preferir às
humilhações, depois que êle mesmo preferiu por nós
tantos ultrajes, à glória que lhe era devida?

Resumo da Meditação

1. Contemplar as pessoas. - Aqueles 1u1zes e


jurisconsultos que .vieram ao tribunal. - O sumo
sacerdote, a sua arrogância, o seu ar satisfeito. -

(1) Mallh. XXVI, 67; Luc. XXII, 63.

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JESUS EM CASA DE CAIFÁS 515
Os príncipes dos sacerdotes, os escribas, etc. Uma
cruel alegria se manifesta em todos os rostos. -
Jesus, Filho de Deus, no banco dos réus, carregado
de cadeias. Tudo nêle respira mansidão e inocência.

Il. e III. Ouvir as palavras e considerar as


acções. - O pontífice faz-lhe pregun_tas a respeito
dos seus discípulos e da sua doutrina. Resposta
cheia de sabed9ria, recompensada com uma bofetada.
é. Ouem é aquele, que recebe esta afronta? Onde a
recebe? De quem? Porquê? E a mão sacrílega não
seca logo ! . . • Se Ídlei md/, dá testemunho do md!
que eu disse. Jesus devia esta resposta à sua justi­
ficação, à nossa instrução e à confusão dos seus
inimigos. As acusações multiplicam-se, Jesus cala-se.
Só romperá o silencio para glória de seu Pai, quando
o intimarem, em nome de Deus vivo, que declare
se é seu filho: • Sim, eu o sou, e vereis êste Filho
do Homem descer do céu para ju!gdr o mundo• . -
CaiÍãs rasga as suas vestiduras: Blasfemou, é réu
de morte . .. , e todos os circunstantes aprovam esta
sentença. é. Oue farás tu, alma minha, para mostrar
a Jesus quanto te comove o· que êle sofre por ti, e
quão arrependida estás de lhe ler causado tantos.
opróbrios?

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516 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

LXXXVI. MEDITAÇÃO
Jesus Cristo no palácio de Herodes.
- Contemplação

1. Confempl11r 11s pesso11s.


li. Ouvir 11s p11l11vr11s.
Ili. Consider11r 11s 11cções.

PRIMEIRO PRELÚDIO. e Herodes, quando viu a


Jesus, folgou muito, porque de longg tempo linha
desejo de o vêr, por ter ouvido dizer dêle muitas
coisas, e esperava vêr-lhe fazer algum milagre. Féz-lhe
pois muitas pregunlas. Mas Jesus a nenhuma deu
resposta. E os príncipes dos sacérdotes e os escri­
bas ali presentes acusavam-no com grande instân­
cia. Herodes porém com os do seu exército des­
prezou-o: e fêz escárneo dêle, e lendo-o mandado
revestir de uma vestidura branca, o tornou a enviar
a Pilatos• (t).
SEGUNDO PHELÚDIO. Imaginai vêr as ruas de
Jerusalém, depois o palácio de Herodes, a sala onde
é introduzido o Salvador; tudo é sumptuoso nesta
côrte ; ali reinam o luxo e a moleza.
TERCEmo PRELÚDIO, Roguemos a Deus que
nos descubra a estullícia da sabedoria humana, nos
encha de desprêzo para com o mundo e o que o
mundo estima; e que pelo contrário nos faça amar e
buscar o que Jesus ama e busca.

I. Contemplar as pessoas. - Herodes no lrôno,


cercado dos cortesãos. E' um príncipe astucioso,
artificioso, cheio de vaidade, flutuando entre a incre-

(1 ) Luc. XXXIII, 8.

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JESUS NO PAL•.\CIO DE HERODES 5i7

dulidade e a relii;iião. A alegria transluz-lhe no rosto,


à chegada de Jesus Cristo. Desejava vê-lo, não
para se instruir na escola daquele que muitos toma­
vam já pelo Messias, mas parn experimentar o seu
poder e sabedoria. Espera que a sua curiosidade
será satisfeila; a sua soberba já o está, pois tem
nas mãos o destino dêsse Jesus Ião nomeado em
Israel. - Em tôrno do rei, essa multidão de oficiais,
de guardas, de servos e cortesãos, sábios mundanos,
espíritos levianos e complacentes, sempre prontos a
lisonjear as paixões de seu amo, não lendo, como
êle, outra religião senão a diversão e o gôzo. - Ao
pé do Salvador, os homens que o trouxeram prêso,
os príncipes dos sacerdotes e os escribas, que veem
sustentar a acusação; lodos êles parecem temer o
resultado de um novo exame deante de um juiz, que
é favorável ao réu, e que, conhecendo as profecias,
poderia deixar-se convencer, se Je,sus se desse ao
trabalho de se justificar. - Contemplai principalmente
o adorável prêso, que não recusa ir a nenhum tribu­
nal, que quer ser humilhado e condenado em lôda a
parte, para consolação dos seus discípulos, para com
os quais o mundo não será -mais justo do que o foi
para com êle. i 1:.m que estado êle aparece no meio
desta côrte ! Está ainda carregado de cadeias. As
suas feições anunciam fadigas e sofrimentos, não
perturbação nem inquietação. - Por cima do que os
vossos olhos descobrem, considerai, a Deus Padre e
a todos os anjos, atentos a um especláculo que inte­
ressa o céu e a ferra. Não deixeis perder coisa al­
guma do que se vai passar.

II. e ÜI. Ouvir as palavras e considerar as


pessoas. - Herodes faz pois a Jesus muitas pre­
guntas: lnferrogabaf eum multis sermonibus (1). ln-

(1) Luc. XXIII, 9.

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5t8 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

terroga-o a respeito da sua pessoa, da sua missão, da


sua doutrina, dos seus milagres, manifestando o de­
sejo de presenciar algum prodígio. Ouer sondá-lo,
para dar uma sentença que honre a sua suposta sa­
bedoria. -AI ipse nihil illi respondebaf. Ouanlo
menos Jesus respondia, mais Herodes insistia nas
preguntas, para o obrigar a explicar-se. Tudo foi
inútil; Jesus nem sequer lhe diz a razão por que re­
cusava responder-lhe; limitou-se a punir com o silên­
cio aquela orgulhosa presunção. Contemplai a divina
sabedoria incriada, como está na presençl'l da sabe­
doria humana, a condená-la e confundi-la.
A mansidão e a tranqüilidade de Jesus no meio
de tantos ultrajes, a sua nobre indiferença para com
ludo o que os homens mais prezam, como a vida e
a honra, eram grandes milagres ; é. não era necessário
ser mais que homem, para desprezar com tanto sos­
sêgo o que apaixona os outros homens? ·Herodes
não peneira êsle mistério. Ouanlo mais se empenha
em considerar a Jesus Cristo segundo· as suas loucas
idéias, tanto menos compreende, e mais se envolve
em trevas: Perdam sapienfiam sapienfium ( 1 ). Ê.ste
silêncio divino não é para êle senão insensatez, a pa­
ciência é insensibilidade, a inacção é fraqueza e im­
potência. Declara que Jesus é um insensato. Des­
preza-o, e fá-lo desprezar: Sprevif illum Herodes cum
exercifu suo, ef i/Jusif indulum veste alba.
é. Ouem poderia dizer quantos insultos e escár­
neos exprimem estas duas palavras: Sprevif, illusif;
quanto inventou o orgulho irritado do príncipe, para
se vingar de não ler podido obter um milagre, nem
mesmo uma palavra, e quão excelente acha a idéia
da vestidura branca, que vai deshonrar a Jesus deanle
de sua côrte e de todo Ó povo ? O Salvador permite

(1) I Cor. 1, 19_.

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JESUS NO PALÁCIO DE HERODES 5i9

que lhe vistam esta vestidura ignominiosa, para nos


animar a sofrer tudo por êle, e nos ensinar a despre­
zar os desprezos do mun<lo. Cum exercifu suo. Na
presença desta numerosa côrte, fizera Herodes as
suas preguntas capciosas, deixadas sem resposta; a
esperança dos seus cortesãos fôra baldada, bem como
a sua. Ouando o viram escarnecer de Jesus, deram­
-se pressa em seguir o seu exemplo. - Et remisif ad
Pila/um. . . e. Oue se passa no espírito do povo, que
espera fora do palácio o resultado dêste negócio,
quando vê reaparecer a Jesus nb estado humilhante
em que ó texto sagrado o representa: lndufum veste
a/ha? l Poderão aquéles mesmos, que lhe conservam
eslima, impedir que lhes escape um movimento de
desprêzo? Além di�to, essa vestidura diz melhor que
todos os argumentos, o que pensam de Jesus o prín­
cipe e os grandes do reino. • Vêde o vosso Deus
nêsse trajeclo do palácio de Herodes ao pretório.
Caminha com os olhos baixos, o rosto coberto de
confusão ; ouve o"s gritos, as injúrias, os sarcasmos,
e talvez recebe a lama e as imundícies, que lhe arre­
messam• ( 1).
Adorai a Jesus com os anjos, nf!S profundas hu­
milhações com que encobre a sua divindade. O' Sal­
vador, ó luz do mundo, vós abris-me os olhos; com­
preendo que para ser sábio deante -qe Deus, conv.ém
ser repulado louco por um mundo insensato. Eu bus­
cava a sabedoria, e dizia: Onde está ela? (2) Não,
ela não está na terra dos que vivem em delícias (ª);
o mundo sensual não pode conhecê-la. Também não
está na sciência orgulhosa (4 ). Está escondida de-

( 1) S. Bonov. e. LXXVI. Med. Pass.


( 2) Sapienlia ubi invenitur? Job. XXVIII, 12.
3
( ) Non invenifur in ferro suavifer vivenlium. lbid.
4
( ) C,,mfifeor tibi, Paler ... , quod abscondisfi haec a sapien­
tibus e! prudenlibus, e! revelasfi ea parvulis. Luc. X, 21.

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520 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

baixo dessa vestidura ignominiosa ; lá me esconderei


eu; estudarei as vossas lições, verdade infinita, e direi:
Bemaventurados aqueles a quem o mundo despreza.
RESOLUÇÃO. Combater em tudo as máximas da
sabedoria humana. Seguir o inverso do que pensa o
mundo a respeito da honra e do desprêzo. Auf mun­
dus erra!, auf Chrislus fallifur (1).

Resumo da Meditação

I. Contemplar as pessoas. - Herodes no seu


lrôno. Desejava vêr a Jesus, não para. se instruir na
sua escola, mas para experimentar a sua sabedoria e
o seu poder. - Em redor do rei uma multidão de
oficiais, de cortesãos. - Ao pé de Jesus nem um só
amigo, mas guardas e acusadores. - Contemplai
principalmente o adorável Salvador, que quer ser hu­
milhado e condenado em lôda a parle. As suas
afeições anunciam sofrimento, não perturbação. -
Por cima dos objedos que ferem os vossos sentidos,
vêde a Deus e todos os anj·os alentos a um especlá­
culo, que interessa o céu e a lerra.

II. e III. Ouvir as palavras e considerar as


acções. - Herodes faz a Jesus muitas preguntas.
Ouer sondá-lo. J./1.as Jesus cala-se. A sabedoria di­
vina está na presença da sabedoria humana, que Je­
sus condena e confunde com o seu silêncio. Hero­
des senlenceia que Jesus é um louco, e entrega-o à
irrisão pública. Torna-o a enviar a Pilatos. Vêde o
vosso Deus: caminha com os olhos baixos, a con­
fusão no rosto. Adorai-o nas profundas humilhações
em que oculta a sua divindade. - Combater em tudo
a sabedoria do mundo.

(1) S. Bern.

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Jl!SUS NO TRIBUNAL DE Pll,ATC,S 52{

LXXXVII MEDITAÇÃO
Jesus Cristo no tribunal de Pilatos é pôsto
em paralelo com Barrabás. - Contemplação

I. Conlemplar as pessoas.
II. Ouvir as palavras.
III. Considerar as acções.

PRIMEIRO PRELÚDIO, • Pilatos, tendo chamado os


príncipes dos sacerdotes, os magistrados e o povo,
disse-lhes: Vós apresentastes-me êste homem como
perturbador do povo ; mas, fazendó-lhe eu pregunlns
deante de vós, não achei nêle culpa alguma ,daquelas
de que o acusais. Nem Herodes lhe achou culpa.
E' costume entre vós que, pela festa da Páscoa, eu
vos solte um criminoso; é. qual quereis vós que vos
solte? é. Barrabás, ou Jesus que se chama Cristo?
lodos gritaram a uma voz, dizendo: Morra êsse;
e solta-nos a Barrabás. Pilatos falou-lhes de novo, e
disse-lhes: Dois é. que hei de fazer de Jesus que se
chama Cristo? E êles tornaram a. grilar, dizendo:
Crucifica-o, crucifica-o. (1).
SEGUNDO PRELÚDIO. Representai na imagina­
ção o pretório; e de fora, um largo pálio, em que o
povo está reünido.
TERCEIRO PRELÚDIO. Rogai a Jesus Cristo que
vos dê um íntimo conhecimenlo do seu divino Cora­
ção, e principalmente que vos faça estimar e amar
cada vez mais as abjecções.

I. Contemplar as pessoas. - Pilatos, ora no


seu tribunal, ora no interior do prelório, ora indo

(1) Luc. XXIII, 13; Mallh. XXVII, 17.

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MEDITAÇÕ!a:S SACERDOTAIS

fora para falar ao povo. Parece inquieto, preocu­


pado, indeciso . . . Julgar-se-ia lêr no seu rosto que
o seu coração é teatro de um terrível combale. Oh!
que cruel tirano é o respeito humano ! Os acusado­
res de Jesus Cristo, príncipes dos sacerdotes, escri­
bas, fariseus, leem o ar sombrio e ameaçador. For­
mam evidentemente algum negro projeclo; o seu ódio
é refleclido. - O povo; a curiosidade, a ociosidade,
o desejo de vêr alguma -coisa extraordinária, tinham:no
retinido em grande número. A mobilidade dos seus
pensamentos transparece-lhes nos olhos-. . • Prevê-se
que êle acreditará sem exame tudo o que lhe disse­
rem, e que receberá tôdas as impressões que lhe qui­
serem impôr: funesta disposição, que vai arrastá-lo
ao maioi; de lodos os crimes e a horríveis- desgraças.
- Barrabás, no fundo do seu cárcere, esperando a
morte que mereceu com os seus crimes... 1 Oue mal­
vadez exprime o seu rosto l I Como ludo é repelenle
neste homem ! Mas prestai a vossa atenção princi­
palmente a Jesus; e considerai-o mais com o cora­
ção do que r.:om os olhos. Sempre a mesma paciên­
cia, a mesma humildade e modéstia, o mesmo sos­
sêgo; sempre o ardente desejo de padecer por nós,
e de nos vêr aproveitar dos seus sofrimentos, e se­
guir os seus exemplos.

II. e Ill. Ouvir as palavras e considerar as


acções. - é. Oue vai dizer, que vai fazer Pilatos?' Já
tinha cometido uma falia enorme, enviando Jesus
Cristo a Herodes por uma indigna fraquezi,; feliz­
mente pode ainda reparar tudo; basta-lhe dizer uma
palavra, para salvar aquele cuja inocência Herodes,
assim como êle, reconhecem : • Vós apresentastes-me
êsle homem como perturbador do povo; e fazendo­
-lhe eu pregunlas deante de vós, _não achei neste ho­
mem culpa alguma daquelas de que o acusais. ' Nem
Herodes lha achou, porque' vos remeti a êle, e nada

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JRSUS NO TRIDUNAL DE PILATOS 523
se lhe tem provado, que mereça a morte. Vós afir­
mais que começou pela Galiléia a perturbar o povo;
l quem o pode saber melhor que Herodes? Dizeis
que faz o mesmo até na Judéia e em Jerusalém;
lquem o pode saber melhor do que eu? Oponho a
sentença do rei à que me pedis; quereis que eu con­
dene à morte um homem que êle não condena a pena
alguma. E' verdade que escarneceu dêle; mas é. não
vêdes vós que nislo mesm·o escarneceu também de
vós, pois os supostos crimes de estado, em que tanto
falais, .lhe pareciam quando muito uma loucura sem
conseqüência? Portanlo sohá-lo-ei, depois de o cas­
tigar: Emendafum ergo illum dim_i/fam. ( 1).
Oh! que estranha conclusão ! Ouem podia espe­
rá-la I Üuê I declarai-lo inocente: reconheceis como
falsas as acusações feitas contra êle, é. e por causa
disto, castigai-lo? Corripiam ergo illum (2). Parece
que deve ser o contrário, e que quereis dizer: vou
castigar os acusadores, e libertar ao acusadq. Não,
tõdas as vossas considerações serão para ·aqueles
cuja perversidade interiormente detestais, todo o vosso
rigor para aquele cuja virtude não podeis deixar
de admirar! O' Jesus, vós quereis ser a consolação
e o modêlo dos vossos discípulos oprimidos, e prin­
cipalmente dos vossos ministros, a quem o ódio e a
calúnia perseguirão sempre com violência.
Esta primeira concessão anima os inimigos do
Salvador, descobrindo-lhes mais e mais a fraqueza
do juiz. O cobarde pretor imagina outro expediente.
• E' costume que pela festa da Páscoa eu vos solte
um criminoso; é. qual quereis vós que eu vos solte?
é. Barrabás, ou Jesus que se chama Cristo •? Ouanto
roeis 0°diosa é a comparação, melhor entra nos seus
intentos: • Ouem vullis vohis de duohus dimilli?

(1) Luc. XXIII, 16. - (2) lbid. 22.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

i Oual dos dois, de duobus ! . . . Escolhei: soltarei


aquele que preferirdes; o outro sofrerá o úllimo su­
plício; mas reflecli primeiramente, consultai a justiça
e os vossos interêsses • .
Emquanlo espera a resposta, sua mulher manda­
-lhe dizer: • Não te embaraces com a causa dêsse
justo, porque hoje em sonhos foi muito o que padeci
por seu respeito• . O' meu Deus, que esforços em­
pregados pela vossa graça, para impedir que um pe­
cador caia no precipício! Mas, quando o homem
começa a cegar-se voluntàriamente, quem o deterá?
Correu um surdo murmúrio pelo povo; Satanãs,
pela bôca dos escribas e fariseus, segredou ao povo;
e ouve-se bradar: Morra êsse, e solta-nos a Barra­
bás! Não são vozes tímidas que se ouvem, são gri­
los tumultuosos, é furor. Não· são vozes isoladas, é
todo o povo j a unanimidade é completa: Exclamavif
simul universt1 turba, dicens: Tolle hunc, ef dimiffe
nobis Bart1bbam. 1 Oue energia nesta expressão de
ódio 1 • Fazei morrer a êsse, fo/Je hunc•. Não. se
dignam nomeá-lo. Fazei-o morrer; não nos obrigueis
a vê-lo mais tempo; morra! O' Salvador, é quais
eram então os vo�sos sentimentos a respeito dêste
povo ingrato, a quem tínheis tido lanto amor? Sen­
timentos de compaixão, de ardente caridade; os mes­
mos que incutistes aos vossos mártires, quando se
viram, como vós e por causa de vós, feitos objeclo
do furor público; os mesmos que inspirais ainda aos
vossos bons ministros, quando, expondo-se pela vossa
glória ao ódio do mundo, ouvem as paixões huma­
nas bramir contra êles.
Pilatos fica espantado e aflito, e insiste: Pois
i que quereis que eu façt1 ao rei dos judeus? - Cru­
cifica-o, crucifica-o. - Mt1s i que mal fêz êle? Ah 1
antes, é que bem não fez êle? Vós, sacerdotes, não
confieis na vossa inocência no tribunal dos ho'mens;
não confieis sequer nos serviços que lhes tiverdes

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JESUS NO TRIBUNAL DE PILATOS 525
prestado. Não espereis nada cá na terra, do seu re­
conhecimento; mas não vos impeça a sua ingratidão
de vos sacrificardes pela sua salvação. A lõdas as
representações de Pilatos só é dada uma resposta:
Crucifica-o, crucifica-o! Eis pois alcançado êsse fim
tão desejado pelos inimigos do Salvador, tão clara­
mente anunciado pelos profetas, tantas vezes predito
por êle mesmo. Por mais esforços que Pilatos em­
pregue para o evitar, está decretado no céu e na
!erra, que se realizará. Mas se Jesus deve ser cru­
cificado, é. que deverá suceder ao seu discípulo e re­
presentante? Oui sunf Chrisfi, carnem suam cruciíi­
xerunf cum viliis ef concupiscenfiis (1). Sem isto,
é. como se assemelhará ao seu modêlo?
Compele-me pois pronunciar contra mim mesmo
esta palavra de salvação: Crucifigafur. é. O meu
corpo queixa-se, foge do trabalho, pede descanso?
Seja cr.uci.icado. é. A minha carne revolta-se, a con­
cupiscência quer arrastar-me, os vícios insurgem-se e
querem dominar? Seja crucificado tudo isto. é. Vem­
-me um senlimento de soberba, de antipalia, de vin­
gança? Seja crucificado.
Pilatos lava as mãos, dizendo: Sou inocente do
sNJgue dêsfe justo; lá vos avinde (2). Cobarde pre­
tor, é. que uso fazes tu de um poder que te é dado
para castigar o crime e proteger a inocência? é. Bas­
tará reconhecê-la, quando o leu dever é defendê-la?­
E respondendo todo o povo, disse: O seu sangue
caia sôhre nós e sôhre nossos filhos. . . Oue frenesi 1
Um juiz pagão treme, quando se trata de condenar a
Jesus; e os judeus, adoradores do verd.adeiro Deus,
para conseguir esta injusta condenação, tomam sõbre
si a responsabilidade, apresentam as suas cabeças
aos golpes da justiça de Deus, obrigam-se pelos seus
descendentes 1

(1) Gal. V, 24. - (2) MoUh. XXVII, 24.

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526 MKDITAÇÕES SACERDOTAIS

Colóquio com Jesus Crislo. Oh I que penoso lhe


é o vêr lanla sanha nos seus inimigos, •tanto ódio
para com êle, nêsse povo que êle lanlo tem amado!
O que o aflige ainda mais, é a perdição de Pilatos,
e a sentença de reprovação, que os judeus pronun­
ciam contra si mesmos. Compadecei-vos da sua dôr,
mostrai-lhe o vosso reconhecimento. Pedi que o seu
sangue caia em abundantes bênçãos sôbre vós e sô­
bre tôdas as almas que vos são confiadas; que êle
caia sôbre os corações mais duros, para os enterne­
cer, sôbre os mais manchados, para os purificar, sô­
_bre lodos, para os salvar.

Resumo da Meditação

1. Contemplar as pessoas. - Pilatos, ora no


seu tribunal, ora apresentando-se ao povo para lhe
falar, parece inquieto, indeciso. Está entregue aos
tormentos do respeito humano. - Os acusadores de
Jesus Cristo: leem todos um ar sombrio. - O povo:
a mobilidade dos seus pensamentos manifesta-se ·na
de suas vistas. - Barrabás no fundo do seu cárcere­
- Mas prestai principalmente a vossa atenção ao
Salvador. Sempre a mesma serenidade e modéstia,
o mesmo desejo de padecer por nós.

II. e III. Ouvir as palavras e considerar as


acções. - é Oue vai dizer, que vai fazer Pilatos? Êle
pode ainda reparar tudo. Toma primeiramente a de­
fêsa de Jesus. Fêz-lhe preguntf:ls na presença do
povo, e não ·o achou culpado de algum crime. Nem
Herodes o inculpou. Vai pois mandá-lo castigar, e
depois soltá-lo. E.slranha conclusão I Castigá-lo, por­
que é inocente! . . . Tôdas as considerações são para
a perversidade, lodos os rigores ,para a virtude reco­
nhecida e afirmada. Assim é o mundo para com Je­
sus e seus discípulos. - Pilatos imagina outro expe-

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JESUS AÇOITADO 527

dien{e: i. Oual quereis que eu vos solte? Barrabás


ou Jesus? Ouve-se um brado universal: Morra êsse,
e solta-nos a Barrabás!. . . Pilatos está aflito, e in­
siste: Pois i que quereis vós que eu félça ao rei dos
judeus? - Crucifica-o, crucifica-o'. - Mas ,!. que mBI
féz êle? A tõdas as observações do governador, só
é dada uma resposta: CrucilicB-o. Pilatos lava as
mãos, e o povo toma sôbre si a responsabilidade do
sangue divino, que vai ser derramado. - Colóquio
com Jesus, que sente tão vivamente a injustiça que
lhe é feita. Suplicai-lhe que o sangue recaia sôbre
vós em abundantes bênçãos.

IS!

LXXXVIII MEDITAÇÃO
Jesus Cristo atado à coluna. -Aplicação
dos sentidos

1. Aplicaçiio da visfa.
li. Aplicaçiio dç, ouvido.
Ili. Aplicaçiio do olfodo.
IV. Aplicaçiio do gôsfo.
V. Aplicaçiio do fado.

PRUIElRO PHELÚDIO. • Pilàtos tomou então a


Jesus, e o mandou açoitar• (1).
SEGUNDO Pll'.EL úo10. Imaginai a Mia destinada
a estas cruéis execuções; a coluna, a que Jesus vat
ser atado; tudo está preparado para um suplício tão
vergonhoso como cruel.

(1) Joan. XIX, 1.

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528 MEDITAÇÕES SACER_DO_ T_A_ IS
_______

TERCEIRO PRELÚDIO. E' agora, ó meu Salva­


dor, que, esquecendo tudo, e esquecendo-me de mim
mesmo, só devo ter sentimentos de uma terna com­
paixão e de um vivo reconhecimento, Fazei que as
vossas dôres me comovam, como a vós vos comove­
ram as minhas misérias. Inspirai-me o temor dessa
justiça, que exigiu uma tão rigorosa satisfação do
Cordeiro imaculado; mas principalmente ensinai-me
quanto é justo que me resigne a ser castigado nesta
vida pela mão de vosso Pai, tendo eu merecido tor­
mentos eternos.

1. Aplicação da vista. - Vêde tudo o que se


passa antes desta dolorosa flagelação, durante ela, e
depois dela. - Reparai nessa multidão de genle, que
circula e se agita em redor da sala : que esperam?
Nos roslos manifesta-se uma cruel curiosidade. -
Contemplai a Jesus nas mãos dos algozes. Com
que doçura lhes obedece, quando lhe ordenam que
dispa os seus vestidos I Ah! quão penoso é àquele
que é a mesma pureza, o ser exposto aos olhos e
a,os insolentes sarcasmos de uma populaça licenciosa!
- Vêde êsses algozes desapiedados, que alam o
adorável padecente à coluna. Todas os seus movi­
mentos respiram brutalidade e não sei que infernal
furor. Vêde as varas que leem na mão, e os azorra­
gues armados de pontas agudas. A horrível execu­
ção começa. Oue chuveiro de golpes cai sôbre o
corpo do Filho de Deus I Vêde a sua carne virginal
que vôa em pedaços, o sangue que corre em borbo­
lões; o chão, os algozes estão já manchados dêle;
todo o corpo divino é uma chaga, os golpes não
caem dentro em pouco senão sôbre chagas; e os
verdugos ferem· sempre cdm reduplicada crueldade 1
Exhauslos de fôrças, largam as suas varas e d�scan­
sam; outros os substituem e ferem com mais violên­
cia. Finalmente, um dêles, lembrando-se de que a ví-

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JESUS AÇOITADO

tima eslá" reservada para outro suplicio, e temendo


que expire anles, corta as cordas que a prendiam à
coluna, e Jesus cai por terra banhado no seu san­
gue! ...
Fazei aqui uma longa pausa, e meditai. Se não
eslais compadecido, ao menos confundi-vos, e ar­
güí-vos, diz S. Boaventura, de lerdes um coração de
pedra (t). Vf-de depois q vosso Redentor com o
corpo todo pisado, arrastando-se pelo chão tingido
do seu sangue; busca as suas vestiduras para as
vestir. Ei-lo tal como os profelas o tinham anunciado:
• o opróbrio dos homens, mais semelhante a um bi­
chinho da terra que a um homem. Desde a planta
do pé até ao alto da cabeça, não há nêle nada que
não padeça, e esta chaga lotai não é ligada, nem
suavizada por algum remédio I Nós o vimos; nada
lhe restava da sua formosura. Eslava presente aos
nossos olhos; e preguntávamos onde estava I Bus­
cávamos o nosso Deus, e não achávamos senão um
homem de dôres, um homem que a mão do Senhor
tinha ferido; porque foi ferido pelas nossas iniqüida­
des, quebrantado pelos nossos crimes• 1 Sim, meu
Deus, pelos nossos crimes I é ·posso eu pensar nisto,
sem me enternecer? Mas é que farei eu por. aquele
que tanto tem padecido por mim? é Oue farei para
expiar os pecados que lhe causaram tantos sofri­
mentos?

li. Ouvido. - Ouvi o ruído dos golpes, as pa­


lavras dos algozes, que se excitam a ferir com mais
fôrça, para apurar•ª paciência do mansíssimo Cor­
deiro, os grilos do povo, que aplaude. é De quem
fala essa multidão de gente, que odeia àquele que
antes aclt1mara com tanto entu�iasmo?. . • Oue pa-

(i) S. Bonav. e. LXXVI. Medif. Pass.

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530 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

lavras injuriosas! que sarcasmos I que insultos 1 ...


Mas Jesus que diz? Guarda silêncio: Ofereceu-se
ao sacrifício, e não abre a sua bôca (1). Só o seu
coração é que fala: • Ego in llagella parafus sum (2).
Tornei o lugar dos pecadores. Meu Pai, feri, não me
poupei�; mas poupai os homens, E vós, ó homens,
filhos· da minha dôr, amai-me e não me torneis a ofen­
der• . O' Jesus, é. como poderemos não vos ouvir?
é. Como é possível ofender-vos ainda? Tudo o que vejo
e oiço, faz-me deleslar o pecado, e amar-vos. - Mas
na sala do ·pretório, depois da flagelação, há outra
coisa que ouvir, é a voz do sangue de Jesus Cristo;
porque êsse sangue divino fala, ou antes clama: Vox
sanguinis clamai. é. Clama vingança, como o sangue
de Abel? Não, clama misericórdia I pede a Deus o
perdão dos pecadores;' pede aos pecadores que se
arrependam; e a vós, sacerdote seu, pede-vos re­
signação, e zêlo da glória de Deus e da salvação
das almas.

III. Olfaclo. - Sucede com o sangue de. Jesus


Cristo o mesmo que com o seu' nome e com tôdas
as virtudes, de que nos ficou por modêlo: é um pre­
cioso bálsamo, que se derrama nas almas, e produz
o celeste amor: 0/eum elFusum. . . ldeo adolescen­
ª
tulae dilexerunl te ( ). Respirai êsses saüdáveis per­
fumes que vão brevemente espalhar-se por tôda a
terra, para ,a purificar, e que já se elevam até ao céu
pata o aplacar. Dizei a Jesus, como a espôsa dos
Cantares:• Trahe me posf te; curremus in odorem
unguenlorum fuorum. E' para o Jlerfume dêsles bál­
samos, ijUe correram com .lanlo ardor êsses intrépi­
dos mártires, êsses sacerdotes magnânimos, êsse� pe-

( 1) Oblalus esl, •• el non 11perui! os suum, Is. Lili, 7.


(2 ) Ps. XXXVII, 18. - (3) C11nl. I, 2.

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JESUS AÇOITADO 531
nilentes, essas virgens puras, que se queixavam de
não padecer bastante.

IV. Gôsfo,-1 Oue amargura acha o Salvador


no pensamento de que é objeclo de aversão para
aqueles que êle ama tão ternamente 1 . . . Mas I que
doçura há na sua caridade, na sua paciência e re­
signação! Saboreai a sati_sfação que lhe causam a
glória de seu Pai que êle repara, a salvação dos ho­
mens, que êle opera, as graças que nos alcança, as
desgraças de que nos preserva, os bens infinitos que
nos· obtém. Saboreai as delícias do santo a�or, que
adoça o que é amargo: Omne amarum dulce ac sa­
pidum ef!icif (1).

V. Tado. - Ohl que t11imenlo acha çiqui uma


piedade terna e respeitosa 1 1 Oue objeclos dignos de
se tocarem com veneração! Os instrumentos do su­
plício estão ainda ali: as varas meio quebradas e tin­
gidas de sangue; as cordas que alarall! o Salvador;'
a coluna agora tão venerável. é.Deixaremos nós no
chão êsses sagrados pedaços da carne de um Deus,
que aqueles cegos calcaram aos pés? é. Ouem não
se inclinará devotamente, para aproximar os seus lá­
bios dêsse sangue derramado por nós? é. Ouem rrão
quererá misturar com êle as suas lágrimas? Reco­
lhei êsse sangue redentor, oferecei-o a Deus pelos
vossos pecados, aplicai-o às enfermidades da vossa
alma; é um remédio universal, que nos preparou a
infinita misericórdia: Livore ejus sanati sufnus. Vós ,
padre, bebeis êste sangue divino lodos os dias ao
._
altar; se vós mesmo lhe não pondes obstáculo, o
cális em que o tomais, será para vós o cális da sal­
vação eterna: Calicem saiu/is perpefua"e.

(1) /mit. lib. III, e. V.

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532 MEDITAÇÕES SACEIIDOTAIS

Colóquio com Jesus flagelado; terminai-o com a


oração: Anima Christi.

Resumo da Meditação

1. Vista. - Vêde tudo o que se passa antes da


flagelação, durante ela, e depois dela. - Essa multi­
dão de gente, que se agita. - Jesus nas mãos dos
algozes; que doçura 1 - Êsses algozes desapiedados,
que alam a adorável vítima à coluna, e a flagelam
com furor. Vêde a carne divina, que vôa em peda­
ços, o sangue que corre, todo êsse corpo adorável,
que não é mais que uma chaga I Sendo cortadas
as cordas que o alavam, Jesus cai por terra banhado
em seu sangue! Ei-lo tal como o tinham contemplado
os profetas, menos semelhante a um homem do que
a um bichinho da (erra I Foi ferido pelas nossas ini­
qüidades, quebrantado pelos nossos crimes.

II. Ouvido. - Ouvi o ruído dos golpes, os gri­


los dos algozes, que se animam uns aos Õulros, os
grilos dos espectadores que aplaudem. é. Oue diz
êsse povo, ao qual os fariseus converteram todos os
sentimentos em aversão àquele que o mesmo povo
tanto tinha admirado? e E Jesus que diz?, Só o seu
coração é que fala: • Feri, Pai meu, feri ao ·vosso
Filho; mas poupai os homens : Ego in llagella para­
fus sum•. Ouvi também a voz do sangue divino;
porque fala mais alio que o sangue de Abel ; e que
pede êle ?· ,

III. Olfado. - O sangue de' Jesus, assim como


o seu nome, é um precioso bálsamo, que se derrama
nas almas. ·Respirai êsse fragrante perfume que vai
espalhar-se por tôda a terra para a purificar.

IV. '6ôsto. -1 Oue amargura o Salvador acha

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JESUS CRUCIFICADO 533
no pensamento de que é objedo de aversão para os
que êle ama Ião lemamente I Mas I que doçura há na
sua ,caridade, na sua resignação l Saboreai a satis­
fação que lhe causam a glória de seu Pai e a sal­
vação das almas.

V. Tado.-Apalpar os ins'trumenlos do suplício,


os varas meio quebradas,. a coluna, o lageado co­
berto de 'sangue. Recolhei êsse sangue precioso.
E.' um remédio universal, que nos preparou o médico
das nossas almas.

131

LXXXIX MEDITAÇÃO
jesus Cristo na Cruz. - Contemplação

1. Con!emplor as pessoas.
li. Ouvir as p11l11vr11s.
Ili. Consideror as 11cções.

PRIMEIRO PRELÚDIO. • Crucificaram-no, e com


êle ou!ros dois, um de uma parle, e ou!ro da outra,
e Jesus no meio. ( 1).
SEGUNDO PRELÚDIO, Vêde o Calvário, onde
estão preparados os ins!rumen!os do suplício, e de­
pois a Jesus Cristo pregado na Cruz.
TERCEIRO PRELÚDIO. O' Jesus, vílíma de amor,
uni-me ao vosso sacrifício, verdadeiro holocausto em
que ludo é consumido no fogo da caridade mais
ardente, e infundi-me os vossos senlimen!os.

( 1) Joan. XIX, 18.

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• MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

1. Contemplar as pessoas. - Essa inumerável


mullidão de esfranjeiros e de habitantes de Jerusalém,
reünidos no monte Calvário. l Oue sentimento ali os
levou? A alguns, a compaixão; ao maior número, a
curiosidade; a um número ainda maior, o ódio, ou
não sei que prazer brutal de presenciar um especlá­
culo de sangue. - Os algozes, com a raiva no· cora­
ção e o furor n<?S olhos, estão irritados, v_endo-se
vencidos pela paciência da sua vílima. Yêde os fo­
riseus, os príncipes dos sacerdotes, cuja vingança
deve afinal estar satisfeita, pois mancharam para
sempre a memória de Jesus, pelo menos assim o jul­
gam, conseguindo que morra da maneira mais cruel
e mais infamante. Não podem conter a alegria.
ReparaL nos dois malfeitores, associados ao suplício
do Filho de Deus, para o tornarem ainda mais .afron­
toso. Um dêles j quanto não vai fazer brilhar a glória
de Jesus 1- Contemplai as piedosas mulheres que
choram. A Santíssima Virgem, imersa em u·m oceano
de dôres, sentindo tão vivamente lodos os sofrimen­
tos de seu Filho. S. João que a acompanha, e toma
parle na sua aflição. - Mas o que deve atrair lôda
a v,ossa atenção, absorver lôdas as potências da
vossa alma, é Jesus Cristo, nas mãos dos seus algo­
zes, e depois suspenso na Cruz, onde consuma, com
o seu doloroso sacrifício, a obra da nossa redenção.
Oh I que instruções devemos colhêr; e que santas
impressões devemos receber aqui.

li. Ouvir as palavras. - l Oue diz êsse povo,


pelo meio do qual Jesus passou fazendo bem? Tu,
que destróis o f,emplo de Deus, e · o reedificas em
frês dias, salva-te a fi mesmo; se és Filho de Deus,
desce da cruz. - l Oue dizem os anciãos do povo,
os príncipes dos sacerdotes, os escrib�s e os fari,seus?
Ele salvou a outros, e a si mesmo não se pôde sal­
VlJr: se é Rei de Israel, desça agora da Cruz, e cre-

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JESUS CRUCIFICADO 535
remos nele ; confiou em Deus : livre-o agora, se é seu
élmigo; porque êle disse : Eu sou o Filho de Deus.
-- l Que dizem os malfeitores crucificados com Je­
sus? Um dêles blasfema: Se és Cristo, salva-te a
li mesmo e a nós; o oulro repreende-o, confessa a
divindade do Salvador, e invoca-o: e! Nem tu lemes
éJ Deus, eslãndo no mesmo suplício ? E nós sofre­
mo-lo muito justamente, porque recebemos o castigo
que merecem as nossas obras: mas êsfe nenhum mal
fez. Senhor, lembrai-vos de mim, quando entrardes
no vosso reino. - Ouvi os soluços de Maria e das
santas- mulheres, a ,sua secreta conversação com o
Coração de Jesus. - Meditai principalmente nas sete
palavras <le Cristo n,a Cruz. A seu Pai: Meu Pai,
perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem: ao
bom ladrão : Hoje mesmo esfarils comigo no Pa­
raíso; á Maria e a S. João: Mulher, eis aí leu
filho; discípulo, eis aí lua Mãe. - Deus meu, Deus
meu, porque me desamparaste? - Tenho sêde. -
Tudo está consumado. -,- Meu Pai, nas luas mãos
encomendo o meu espírifo. - Ouvi também o que
vos diz o adorável p·adecente, e enlregai-vos sem re­
serva às inspirações da sua graça.

III. Considerar as acções. � Depois de se fe­


rem certificado de que tudo estava pronto, os algozes
voltam a Jesus, arrancam-lhe com violência as vesti­
<luras, unidas ao seu corpo, e renovam de alguma
sorte o tormento da sua flagelação. O Cordeiro de
Deus estende-se sôbre o altar do sacrifício. Apre­
senta a mão ao algoz; l que fará êste dessa mão di­
vina, instrumento de tantos benefícios? Torna-a com
aspereza, aplica-lhe um enorme prego I Bate golpes
re'ilerados . . . Quantos nervos ofendidos.! Quantas
ve1as rasgadas 1 10ue estremecimento de dôr em todo
o corpo, a cad_a uma destas pancadas 1 . . . Depois
prega a outra mão, e por fim os pés. . . Sempre

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

novas dôres e a mesma pac1encia . . • Levantam a


Cruz, cujos movimentos dilaceram um corpo que só
eslá apoiado sôbre feridas. . • Deixam-na cair com
todo o pêso na cova preparada para a receber ...
Oue horrível abalo I Ei-lo pois suspenso entre o céu
e a tçrra, êsse medianeiro único entre Deus e os ho­
mens ( 1 ), sacrificador e sacrifício, sacerdote e vítima
ao mesmo tempo 1
E' aqui que devemos contemplar lôdas as perfei­
tas virtudes, de que Jesus Cristo nos deu exemplo
na sua Incarnação e em tôda a sua vida. Perfeita
humildade: é. pode o aniqüilamento ser mais profundo?
Êle morre saciado de opróbrios; sabemos que fome
tinha dêles. - Perfeita pobreza: morre na mais com­
pleta penúria; não tem um pano para se cobrir, nem
um copo de água para mitigar a sêde. - Perfeita
generosidade: sacrifica-nos tudo, a sua liberdade, as
suas consolações íntimas, a .sua reputação, a sua
honra; o seu corpo, cujos sentidos leem todos o seu
suplício; a sua alma, cujas faculdades leem tõdas a
sua dôr.
Terminai, fazendo a vós mesmo as três pregun,
tas, que conviria fazer muitas vezes, quando se me­
dita na Paixão:. é. Ouem é aquele que sofre? Se
fõsse possível que o ignorásseis, a perturbação da
natureza vo-lo ensinaria. Oue sofre? O vos omnes
qui lrtmsifis per viam, aflendile, ef vide/e si esf dolor,
sicuf dolor meus. . . é. Por amor de quem sofre?
Por mim; para me livrar do inferno, para me alcan­
çar o céu. é. Oue tenho eu feito até ao presente, que
lenho padecido, que quero fazer e padecer doràvante
por aquele que tanto me amou?
Colóquio com Jesus na Cruz. - Suplicar-lhe que
atraia a si o vosso coração, segundo a sua pro-

(1) I Tim. II, 5.

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JESUS CRUCIFICADO 537

messa, e que vos infunda os sentimentos do Após­


tolo, quando exclamava : Dilexif me, ef !radidif se­
mefipsum pro me. - Pedir-lhe o seu santo amor, .o
horror ao pecado, o zêlo da salvação das almas, a
fôrça de abraçar os sofrimentos, de vos unirdes com
êle à Cruz, e de não descerdes dela, como êle, senão
depois de lerdes entregado a vossa alma nas mãos
do vosso' Pai celestial.
Recitai pausadamente a ort1ção: Anima Chrisfi.

Resumo da Meditação

1. Con(emplar as pessoas. - Essa multidão de


gente reünida no Calvário. é. De que sentimentos está
ela animada? - Os algozes; estão irritados por se
verem vencidos pela paciência da sua vítima. - Os
fariseus, os príncipes dos sacerdotes, não conleem já
a sua cruel alegria. - Os dois malfeitores. - As
santas mulheres ... Maria e S. João. - Jesus Cristo
na Cruz, onde consuma a obra da nossa reden­
ção.

li. Ouvir as palavras. - Do povo, pelo meio


do qual Jesus passou fazendo bem. - Dos escribas
e fariseus. - Do mau e do bom ladrão. Ouvi os so­
luços de Maria e das santas mulheres. Mas prestai
particular atenção às sele úllimas palavras do Sal­
vador.

III. Considerar as acções. - Os algozes ar­


rancom a Jesus, com violência, os vestidos que já
estavam pegados ao seu corpo. Cravam-lhe enormes
pregos nos pés, nas mãos. . . Levantam a Cruz, e
deixam-na cair com todo o seu pêso na cova do ro­
chedo. E.' aqui que convém contemplar lõdas as vir­
tudes de Jesus, pralicadas com suma perfeição : hu-

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538 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

mildade, pobreza, generosidade no sacrifício, e excla­


mar com S. Paulo: Amou-me, e entregou-se a si
mesmo por mim I • ..

XC MEDITAÇÃO
Os grandes sofrime11tos do homem apostólico
são inevitáveis; deve prevê-lo

I. Porque eslã colocado na primeira classe


, · dos discípulos de Je-
sus Crislo.
II. Porque é seu cooperador na obra da redenção.
I

I. O sacerdote deve contar com grandes so­


frimentos, porque esfá colocado na primeira classe
dos discípulos do Salvador. - A mais indispensável
condição a cumprir, para ser admitido até na última
classe dos discípulos de Jesus, é negar-se a si mes­
mo, tomar' a sua cruz e segui-lo. Eis o que êle exige
tanto do principiante, como do que já fêz progressos:
Dicebaf ad omnes: Si quis vulf posf me venire,
élbnegef semelipsum, ef fo!laf cruc-em suam quofidie,
ef sequafur me ( 1). Negar-se a si mesmo, é morrer
para si mesmo. Morre-se sem sofrer? Tomar a cruz,
é tomar a humildade e a dôr; esta cruz é quotidiana,
quofidie. Seguir, imitar a Jesus Cristo, é violentar
as inclinações da natureza; pois é. em que- quer êle
ser principalmente imitado, senão na sua paiiência e
resignação? E.' no Calvário e no Tabor que Jesus
se nos apresenta como modêlo. A vocação para os

(1) Luc. IX, 23.

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CRUZ DO HOMEM APOSTÓLICO 539
sofrimentos é comum a lodos os que abraçaram o
Evangelho: ln hoc vocafi esfis: Ouia Chrisfus pas­
sus esf pro nohis, vobis relinquens exemplum, uf se­
quamini vesfigia ·ejus ( 1 ). Cr1,1cificar a sua carne com
os seus vícios e concupiscências é o carácter que
distingue os verdadeiros discípulos de Jesus: Oui
sunf Chrisli car.nem suam cruciGxerunf cum vifiis ef
concupiscenliis ( i ).
S. Paulo insiste nesla verdade fundamental:
quanto mais custa a ouvir, mais se empenha em no-la
inculcar. Acabava de ser lentado com cruéis tribu­
lações. Anlioquia, lcónio, Ustra, lodos os lugares
que percorrera, tinham sido leatro de seus sofrimen­
tos, e tem o cuidado de advertir' que êsle destino
não Ih� é pessoal, mas que lodos os que quiserem
viver na piedade, segundo as máximas e os exemplos
do Salvador, deverão padecer pérseguição: Omnes
qui pie volunf vivere in Chrisfo Jesu, persecufionem
pafienfur (3). Dentro, fora, da parte do mundo e das
potestades infernais, encontrarão em lodo o lugar
contradição, tribulação, aflição e trabalho.
Mas se a cruz é inevitável a lodo o discípulo de
Jesus, por isso mesmo que o ·deve seguir, aquele que
é chamado a segui-lo de mais perto, e a ir após êle
nos· caminhos da· perfeição, deve contar com cruzes
mais p.esadas. t Fizeram-se alguns, progressos? mais
uma razão para padecer mais. Nunca o inimigo das
almas, diz S. João Crisóstomo, emprega contra nós
tanto furor, como quando descobre mais conformi­
dade entre a nossa vida e a sagrada doutrina do
Evangelho. E' enlão que êle pede para nos joeirar,
como se joeira o trigo. Ouanlo mais tesoiros vê nas
nossas mãos, mais deseja privar-nos dêles. Daí essas
tentações multiplicadas, importunas, encarniçadas, que

(1) I Pefr. li, 21. - (2) Gol. V, 24. - (S) li Tim. Ili, 12.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

fazem achar a vida amarga, e fazem soltar queixas


aos mais corajosos: Supra modum gravafi sumus su­
pra virfufem, ita ui faederef nos efiam vivere (1).
j Oue tormento para um homem 'interior, quando passa
de-repente da luz para a escuridade mais profunda 1
j Oue martírio, quando a esta privação de lodo o sen­
timento de devoção, vem ajuntar-se uma imaginação
perturbada por milhares de fantasmas, uma ,vontade
despedaçeida pelos desejos mais contrários. de modo
que fica a alma reduzida a exclamar: Deus meu,
porque me desamparastes?/. . . Entre as pessoas, a
respeito das quais a Providência tem desígnios par­
ticulares de perfeição, há muito poucas, que não pas­
sem por êstes dolorosos estados; eu devo contar
com isso, por me encontrar na primeira classe dos
discípulos do Salvador. E não é ludo.

li. O sacerdote deve conlar com maiores lri­


bulaçôes, porque é cooperador de Jesus Cristo. -
O sofrimento é o estado normal do homem apostó­
lico. A razão disso está na sua união mais perfeita
com a vítima do Calvário, nos ministérios que exerce,
nos títulos que tem, e no concurso que presta à obra
da redenção.
1. 0 Os membros participam da condição da
cabeça; ora os sacerdotes são os membros nobres
do corpo de Jesus Cristo: Pars membrorum Chrish
prima (2) ; e Ião unidos, que êle está nêles, assim
como seu Pai está nêle: Ego in eis ef tu in me C);
e continua, por meio dêles, a sua obra de reparação
e salvação, esclarecendo as inteligências, dirigindo as
vontades, purificando os corações. Ninguém como o
sacerdote, se deve assemelhar ao Homem-Deus cru-

(1) II Cor. 1, 8. - (2) S. Greg. Moral. e. XVI.


(ª) Joan. XVII, 23.

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CRUZ DO HOMEM APOSTÓLICO 541
cificado, nem participar tanto do cális dos seus sofri­
mentos: Si me persecufi sunf, ef vos persequenfur.
Escolheu-nos para o acompanharmos cá na terra nas
suas provações: Vos esfis qui permfJnsislis mecum
in fen(fJfionibus meis (1). Estaremos um dia onde êle
está agora: Volo ul ubi sum ego, el illi sinf mecum:
uf videanf clarifafem meam; mas para conseguir esta
felicidade, convém que estejamos agora, onde êle
esteve durante a sua vidà mortal, in fenffJfionibus.
Se pois esta vida do Redentor, principiada em um
presépio e terminada em uma cruz, não foi mais que
uma série de humilhações e sofrimentos, tal deve ser
a nossa. Além disto, e. não é isto o que nos indicam
as nossas ocupações e os nossos títulos?
2. 0 Apóstolos da verdade que o mundo com­
bale, defensores da virtude tjue o mundo persegue,
inimigos declarados de lodos os vícios que reinam no
mundo, a nossa mão é contra todos, e a mão de lo­
dos é contra nós (2). • Far-se-ia uma longa história,
disse um escritor, se se recolhesse tudo o que tive­
ram que sofrer em todos os tempos os que empreen­
deram introduzir no mundo esta estranjeira, que se
chama VerdfJde • . Se isto é certo com relação à
verdade em geral, e. quanto mais o será a respeito
desta verdade mortificante, que humilha tôda a so­
berba, condena tôda a moleza, e não desculpa ne­
nhuma das más propensões? O sagrado ministério
não é senão uma luta permanente contra o mundo,
seus êrros e crimes, e exige que eu esteja sempre
preparado para o sofrimento.
Sucede o mesmo com os meus títulos. Eu sou
pdi · das almas: a minha família é numerosa; mas
entre os meus filhos espirituais, 1 quantos qie afligem
pela sua indocilidade, sua obstinação em se perderem,

(1) Luc. XXII, 28. -(2) Gen. XVI, 12.

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MEDITAÇÕES SACEIIDOTAIS

a-pesar do ardente desejo que .tenho de os salvar!


Sou pastor, quero muito ao meu rebanho: mas neste
reb�nho, quantas ovelhas doentes I é necessário sa­
rá-las; quantas ovelhas novas I é necessário instruí-las;
quantas ovelhas desgarradas I é necessário buscá-las,
trazê-las ao aprisco. Soú agricultor, a minha parró­
quia é um campo, é uma vinha. Ai ! até êste dia,
e. que fruto tem produzido? Nunca triunfarei desta
triste esterilidade senão com paciência, com a minha
resignação, com os meus suores e lágrimas abun­
dantes. Sou médico, e como tal estou continuamente
em contado com as inumeráveis enfermidades do
espírito e do coração. e. Poderei eu ler uma compai­
xão proporcionada à grandeza destas misérias, se
nunca as senti? O mesmo Jesus Crislo, ainda que
era Deus, não leria podido, de alguma sorte, salvar­
-nos, se não conhecesse por experiência o que é a
dôr: Debuif per omnia fralribus similari, ui miseri­
cors fieref ( 1 ). Pela mesma razão, toma os seus mi­
nistros entre os homens, ex hominibus as,sumplus,
para que achem nas suas próprias fraquezas o mo­
tivo e a regra de uma condescendência caridosa, de
que êles são os primeiros a necessitar: Oui condo­
lere possif iis qui ignoranf e/ erranf, quoniam ef ipse
circumdalus esf infirmilafe (2). Inteiramente estranhos
ao comb-ate da carne contra o espírito, e.seriam êles
capazes de dirigir, amparar, consolar as almas su­
jeitas às tentações mais terríveis e humilhantes?
3. 0 finalmente eu devo concorrer para a magní­
fica obra da redenção; ora, só o faço eficazmente
com os meus sofrimentos. O mundo não pode ser
salvo senão pela Cr.uz, e a de Jesus Cristo não
basfa. E.st,a verdade repete-se muitas vezes nas minhas
meditações: Nada germina sénao à sombra d11 Cruz.

(1) Hebr. II, 11. - (2) Hebr. V, 2.

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CRUZ DO HOMEM APOSTÓLICO

Jesus Crislo pensava nos seus minislros, como em


si, quando dizia: Amen, amen dica vobis: Nisi
granum frumenfi çadens in (erram morfll4)m Eueril,
ipsum solum manef; si aulem morfuum fueril, multum
fruclum afferl (1).
Um piedoso e sábio comenlador, depois de ter
feilo notar que S. Paulo foi chamado a um imenso
aposlolado e cheio de sofrimentos: Vas elecfionis esf
mihi isfe,. uf por/e{ nomen ·meum coram genlibus ef
regibus .. .; osfendam enim illi quanfa oporfeaf eum
pro nomine meo pafi, acrescenta imediatamente esta
reflexão : Unde liquef Pau/um aliosque e!ecfos Dei
servos magis a Deo eligi ef desfinari ad multa pro eo
pafienda, quam agenda ; servilus enim Dei, aeque ac
aposfolatus, magis consisti{ in multa passione, quam
operafione. Forfia agere Romanum esf, for/ia p<ifi
Chris/ianum esf, imo aposfolicum (2 ).
E.is pois o que me é demonstrado. Se para ser
um bom sacerdote, preciso de aclividade e trabalho,
preciso �inda mais de paciência. Devo trabalhar
muito; mas principalmente devo padecer muito. Eu
conto com isso, Senhor; vós mo. predissestes: Haveis
de ter aflições no mundo: ln- mundo pressuram ha­
hebi!is (3). Mas esta especlaliva não me assusta,
porque me tranqüilizais, dizendo-me: ConGdele, ego.
vici -mundum ('). Sim, meu Salvador, vós vencestes
o mundo, a sua sensualidade e soberba. Vencestes
o sofrimento e a morte ; a vitória que alcançastes em
vós mesmo, alcançá-la-eis em mim. é. Não me revestis
vós lodos os dias, da fortaleza dos mãrlires, ou antes
da vossa própri·a fortaleza, dando-me o vosso corpo
a comer, e o vosso sangue a beber? Oh ! se eu
soubesse usar dignamente dês te divino alimento, 1 de

(1) Joan. XII, 24.-(2) Corn. a Lap. ln aposf. e. IX, V. 16.


(3 ) Joan. XVI, .D. - (4) lbid.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

que paciência, ide que magnanimidade seria eu capaz!


ln ilia longa morte (Laurentius), in illis formenfis quia
bene manducaveraf ef bene bihera{, fanquam ilia
carne saginalus ef illo calice ebrius, formenfa non
sensif (1).
Resumo da Meditação
I. O sacerdote deve contar com grandes so­
frimentos, porque está colocado na primeira classe
dos discípulos do Salvador. - Ninguém pode ser
admitido, ainda mesmo na última classe, senão com
a condição de se negar a si mesmo, de !ornar a sua
Cruz, e de o seguir. A vocação aos sofrimentos é
comum a lodos os que abraçaram o Evangelho.
Como o padre está colocado na primeira classe dos
discípulos de ·um mestre crucificado, deve segui-lo de
mais perto. - Ouanto mais o demónio nos vê pro­
gredir na perfeição, tanto mais odeia a nossa felici­
dade; daí essas tentações mulliplicadas, que !ornam
a vida amarga, e arrancam lastimosas queixas até a
um S. Paulo.

li. O sacerdote deve contar com grandes so­


frimentos, porque é o ministro e cooperador de
Jesus Cristo. - A razão disto está na sua união
mais perfeita com a vítima do Calvário, nos ofícios
que exerce: combate os êrros e os vícios; tôdas as
paixões se desencadeiam contra êle. Mas àlém disto,
êle concorre para a redenção humana; ora, a huma­
nidade só é salva pela Cruz: Nisi granum frumenti
cadens in ferram morfuum fuerif, ipsum so!um manef.
Nosso Senhor diz-nos como aos apóstolos: ln
mundo pressuram habebilis. Mas acrescenta: Con­
lidite,- ego vici mundum.

(1) S. Aug. Troei. XXVII in Joan. n. 12.

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XCI MEDITAÇÃO
Os grandes sofrimentos do homem apostólico;
o bom sacerdote ama-os

1. Como II prov11 mais consol11dor11 do amor de Deus par11 com


êle.
li. Como II prov11 mais certa que ·poderã dar II Deus do seu 11m6r.

I. O bom sacerdofe ama o,s sofrimenfos como


a prova mais segura do amor de Deus para com
êle. - é. Ouais são, sob o ponto de visfa da fé,
essas aflições , êsses sofrimentos, que Deus permite
ou manda, ·quer sejam só a privação e a ausência do
que nos agrada, quer consistam na pres.ença do que
nos mortifica? São graças, graças de predilecção,
graças de predestinação. Oh I que triste é, que a
sciência da cruz seja tão rara, até entre os que leem
o encargo de a ensinar aos povos 1
1 .º O sofrimento é uma graça. O Salvador faz
dela uma das bemaventuranças evangélicas: Beelli
qui lugenl. Beali qui perseculionem pa_fiunlur. Bea'fi
esfis é:um · maledixerinl vobis, el perseculi vos fue­
rinl. . . Gaudele ef exulldte, quoniam merces veslréJ
copiosa esl in coe/is ( 1). é. E' possível não receber
como um benefício o que nos conduz à verdadeira
felicidade, e nos alcança as felicitações do mesmo
Filho de Deus? é. De que nos regozijaremos nós mais
justamente, do que de uma graça que nos dá direitos
às mais abundanfes recompensas do céu.? S. Paulo
parece pôr na mesma linha a graça de crêr e a de
padecer: Vobis dona/um esf pro Chrislo, non solum
ui in eum creda/is, sed e/iam ui pro illo pé1/Íélmini �2).

(1) M11llh. V. - (2) Philip. 1, 29.

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�DITAÇÕES SACERDOTAIS

Um Padre do deserlo -deu esta resposta a um man­


cebo, que pedia lhe obtivesse de Deus a saúde: • Vós
pedis que vos !irem o que vos é- necessário; porque
se sois de oiro, o fogo da tribulação vos purificará:
se sois de ferro, limpará a vossa, ferrugem. A afli­
ção de que vos queixais, é a vara de um pai, e não
a espada de um perseguidor•. Com efeilo, l que
seriamos nós sem a aflição? e. Onde estariam os nos­
sos merecimentos? l Onde estariam as nossas vir­
tudes?
Graça de conversão; esquecemos a Deus na
prosperidade; vollamos para êle, quando nos fere:
Cum occideref eos, reverfehanfur (1). Graça de per­
feição; é o sofrimento que nos purifica e nos torna
dignos de Deus (2), desafeiçoando-nos de ludo e de
nós mesmos. Só êle ordinàriamente nos faz com­
preender bem esla grande lição que nos dá o Senhor:
Vide/e quod ego sim solus (3). Não, não há outro
àlém de mim, a quem se deva temer, servir e amar.
Vós confiais nos vossos amigos; a vossa posição
agrada-vos ; pretendeis nela descansar. Quebrarei
todos êsses laços. l Prezais a vossa honra? Per­
mitirei que ela seja manchada. e. Quereis gozos fora
de mim? Pobre alma, e. que achareis em o nada?
Farei c-air, um após outro, em tõrno de vós, lodos
êsses apoios humanos. Farei ainda mais: desejoso
de possuir inteiramente um coração que não pertence
senão a mim, separar-vos-ei de vós mesmo. Enter­
rando o cutelo da circumcisão até às raízes do Hmor
próprio, ainda o mais santo na aparência, tirar-vos-ei
essas luzes, êsses atradivos, essas consolações ín­
timas, objedo das vossas complacências. Quando, re­
duzido à agonia, me disserdes: Deus meu, Deus meu,

(1) Ps. LXXVII, 34, - (2) Deu!. XXXII, 39.


3 Deus lenlBvil eos, ef invenil illos · dignos se. SBp, III, 5.
()

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CRU3 DO HOMEM APOSTÓLICO 547

porque me desamparastes? será então, que vos lan­


çareis no meu seio com uma confiança inteiramente
filial : Pai meu, nas vossas mãos encome�do a minha
a/ma.
2.0 O sofrimento é uma graça de predilecção.
i., Oue herança preparou Deus neste mundo à santa
humanidade de seu filho? A pobreza, a humilhação,
a morte mais cruel e ignominiosa. Jesus envia os
seus ministros, assim como seu Pai o enviou. Tinha­
-lhes dito : Jam non dicam vos servos . .., vos aufem
dixi amicos. Mas é. por que sinal reconhecerão êles,
que os ama com particular afeição ? Ei-lo : Si me
persecufi sunf, ef vos persequenfur. Amen dico vo­
bis, quia plorabitis ef Debitis vos, mun·dus aufem
gaudebif. lnjicienf vobis manus suas ef persequen­
fur, fradenfes in synagogas ..., frahenfes ad reges ef
praesides propfer nomen meum. .. Trademini a pa­
renfihus et frafrihus .. . ef erifis odio omnibus propfer
nomen meum... Venif hora, uf omnis qui inferficif
vos, arhifrefur obsequium se praesfare Deo (1).
Os apóstolos souberam apreciar esta prova do
amor de Jesus para com êles. Ouando saem espan­
cados e ultrajados da assembléia dos judeus, mani­
festam a sua alegria: /bani gaudentes a conspectu
concilii, quoniam digni habiti sunt pro nomine Jesu
confumeliam pafi ( 2). Os _sagrados oráculos abundam
sôbre êsle ponlo, e não podem ser mais categóricos:
Omnes qui placuerunf Deo, per multas lribu/afiones
fransierunf (ª). - Ouoniam accepfus eras Deo, · ne­
cesse fuil uf fenfafio probaref !e (4). - Ouem diligif
Dominus, casfigaf (5 ). • E' certíssimo, diz Santa Te­
resa, que Qeus conduz os que ama ternamente, por
difíceis e laboriosos caminhos, e que quanto mais

(') Joan. XV, 16. - ( 2) Ac!. V, 41. - (3) Judith VIII, 13.
('1) Tob. XII, 13. - (5) Hebr. XII, 6.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

cara lhe é uma alma, mais tribulações e sofrimentos


lhe envia•� S. Lourenço Justiniano exprime absolu­
tamente .o mesmo pensamento: Ouo quis arcfius
amafur, eo quoque durius in praesenfi .iagellafur.
l Por que cegueira quere(!IOS nós acreditar, que
Deus nos desampara, quando efeclivamente nos mostra
a sua predilecção? S. João Crisóstomo prefere a
graça do sofrimento ao poder de fazer milagres; a
razão que êle dá ê evidente: Operando milagres, sou
devedor a Deus; padecendo, torno Deus meu deve­
dor. E acrescenta: Profecfo vincfum esse propler
Chrisfum esf major grafia, quam sedere supra duo­
decim sedes, quam esse aposto/um, quam esse doclo­
rem, quam esse evangelislâm ( 1 ). - Si quis me apud
superas collocaref cum Angelis, auf cum Paulo· vindo,
eligerem carcerem ef vincula; nihil enim esf me/ius
quam pafi propfer Chrisfum. Non Íâm heafum exis­
timo Pau/um, quod rapfus si! in ferlium coe/um, quam
eum censeo heafum propfer vincula. Mihi esl opfa­
bilius pafi cum Chrislo, quam honorari pro Chrisfo.
Haec esl grafia quae omnia supera( (2). Um santo
religioso, vendo-se livre de tôdas as suas tentações e
tribulações, eslava inconsolável, e dizia a Deus sus­
pirando : Ergone indignus sum, Domine, ui paliar
pro fel •
3. 0
O sofrimento é uma graça de predestinação.
Oiçamos ainda os Santos Doutores: Conjectura esf,
cum fe Deus immensis persecufionihus corripif. te in
elei::lorum suorum numerum desfinasse (3). - Flagelli
erudifio cum pafienfia indubium prae'desfinafionis
agnoscifur esse praesagium (4 ). - Elecfos Dei cerni­
mus ef pia agere ef crude/ia pafi. Trih1Jlafio esl pa­
bulum eleclorum (5).

( 1) Horn. VIII, in Episf. ad Eph. - (2) lbid. - (ª) 'S. Aug.


Epist. ad Alip. - (4) S. Laur. Jus!. de Casfo Connub. e. XIX.
(5) S. Greg.

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CRUZ no HOM�:M APOS'rÓLICO

Êste princípio é fundado na justiça de Deus, que


não deixa nenh1,1m mal sem castigo, e nenhum bem sem
recompensa; por conseguinte pune ou reqompensa na
outra vida o que não pune ou não recompensa na vkla
presente. Se eu estou sempre na pr.Qsperidade, devo
tremer não seja talvez essa vã felicidade o salário
das minhas virtudes. Se Deus me poupa agora,
a-pesár de lanlos pecados que tenho comelido, l não
serão êles expiados nos lórmenlos eternos? Sucede
o contrário com o justo lentado : o tempo expia as
suas faltas, a eternidade coroará as suas virtudes.
Direi pois co� Tobias, no meio das minhas tribula­
ções : Benedico te, Domine Deus, quia tu casfigasfi
me, ef tu salvasti me ( 1). A minha aflição é a minha
salvação.

II. O bom sacerdote ama os sofrimenlos,


como a provo mais certa que pode dar a Deus, do
seu amor. - A Sagrada Escritura compara ordi�à­
riamente a caridade ao oiro e os sofrimentos à for­
nalha : T�nquam aurum in fornace (2). Assim como
no fogo se prova o oiro, assim també111 é na aflição
que se distingue o verdadeiro. amor, do falso. Apre­
sentar-se-ão muitos deante de Deus para serem !ra­
lados como seus amigos, mas êle só receberá aqueles,
cuja caridade tiver passado pelo crisol das aflições:
ln igne probafur aurum ef argenfum, homines vero
receplibiles in camino humiliationis ( 8).
Não avaliamos bem o nosso amor para com Deus
senão pelas obras que prodllz ;, mas entre as minhas
obras, l quais são as produzidas verdadeiramente
pelo amor para com Deus? Não, não são as que
lisonjeiam a natureza ; essas poderia eu praticá-las
por amor de mim. mesmo. Para não ter receio de me

(1 ) Tcb. XI, 17. -(2) Sap. Ili, 6. - ("J Eccli. li, 5.

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550 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

enganar nesta prova, é necessano que encontre um


bem, que repugne às inclinações do meu amor pró­
prio, como�é o bem que a fé me descobre nos sofri­
m�ntos; se os aceito, atraído só pelo desejo de agra­
dar a Deus, de..vo crer que o amo. Job provava o
seu amor para com Deus, não, quando abria os
seus palácios para nêles receber os peregrinos, mas
quando aceitava as grandes tentações que Deus lhe
enviava. S. Paulo diz que os verdadeiros amigos
de Deus se parecem com essas árvores, que leem
profundas raízes: ln charifafe radicali. Ora , nós
não podemos saber se as nossas almas estão bem
arreigadas em Jesus Cristo, senão quando-somos sa­
cudidos pelos ventos da aflição. Abraão tinha dado
a Deus muitas provas de sua fidelidade; todavia só
no momento em que consentiu, para lhe agradar, em
imolar o seu querido Isaac, é que o Senhor se mos-
trou· satisfeito com o seu amor. •
Se do vosso lado, ó meu Deus, a cruz é um dos
mais ricos presentes que podeis fazer à vossa cria­
tura ; do lado desta, a aceitação de tôdas as cruzes
que lhe envio1is, é o sacrifício mais agradável e per­
feito que pode oferecer-vos. Eu desejo, ó ·meu Sal­
vador, que a minha vida não seja mais que um co­
mércio recíproco de amor entre vós e a minha alma.
Dar-me-eis cruzes, e abraçá-las-ei com tôda a alegria
de que me tornardes ca�ez. Se não sou digno de
padecf'r o martírio do sangue, vós me concedereis o
da abnegação. O' Jesus! ó cruz! ó amor! Sois
daqui em deante tôdc1 a minha herança.

Resumo· da Meditação

I. O sacerdote piedoso ama os sofrimentos,


como prova certa do amor de Deus para com êle.
- é. Oue são êles sob o ponto de vista da fé?
1 .0 Graças. O Salvador inclui-as no número das

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CRUZ DO HOMEM APOSTÓLICO 551
bemavenlurnnças. S. Paulo parece igualar a graça
de padecer à de crêr. - Graça de conversão: volta­
mos para Deus, quando nos fere. Graça de perfei­
ção: o sofrimento instrui-nos, purifica-nos, separa-nos
de ludo, para nos unir só a Deus. 2. Graça de
0

predilecção. A todos os que tiveram a felicidade de


ãgradãr a Deus, foi-lhes forçoso padecer gumdes
tribulações. - Porque éreis tJgradável a Deus, pro­
vou-vos a ãlliçâo. S. Jo'ão Crisóstomo prefere a
graça de padecer, ao poder de fazer milagres.
3. 0 Graças de predestinação. A justiça de Deus
não pode deixar o mal sem castigo, nem o bem sem
recompensa. Prosperidades temporais são a recom­
pensa das virtudes vãs, que praticam os maus; o in­
ferno será o castigo dos seus crimes. Dá-se o con­
trário com relação aos juslos: o tempo expia as suas
fal,las, a eternidade coroará as suas virtudes.

II. O sacerdote piedoso ama os sofrimentos,


como prova certa de seu amor para com Deus. -
Assim como o fogo depura o oiro, a aflição faz dis­
cernir o falso do verdadeiro amor . . . Ainda que
Abraão tivesse dado a Deus muitas provas de sua
fidelidade, só no momento em que consentiu no mais
doloroso sacrificio, é que o Senhor se mostrou satis­
feito, quia fecisti hanc rem . . . O' Jesus I ó cruz! ó
amor! eis doràvante tôda a minha herança.

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§ 6.º

Vida gloriosa de Jesu11 ressuscitado, penhor da


felicidade reservada ao ·bom sacerdote, mo•
dêlo da vida apostólica e da união com Deus,
que é a coroa da verdadeira santidade.

A tarefa que nos resta cumprir é cheia de suavi­


dade. Israel lendo saído do E�iplo e do seu duro
cativeiro, atravessou o deserto, guiado pela nuvem
luminosa; vai ser introduzido na ditosa !erra onde
mana leite e mel. A nossa alma quebrou as suas ca­
deias para seguir a Jesus Cristo, guiada pela luz dos
seus exemplos; segundo êste modêlo, exercitou-se na
vida cristã e apostólica.· Não lhe falia senão contrair
com êsse divino Rei uma eterna aliança, cujos víncu­
los deve formar o amor. E' por esla razão que lô­
das as nossas meditações daqui em deanle lerão por
fim unir-nos a· Deus ainda mais intimamente pela di­
vina caridade. Introduzi-nos, Senhor, nessa terra da
Promissão, e não permitais que saiamos dela algum
dia.

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RESSURREIÇÃO DE J. CIIISTO

XCII MEDITAÇÃO
Ressurreição de Jesus Cristo
1. Feliz mudança que produz em Jesus.
li. Feliz.mudança que nos promete a nós.

I. feliz estado de Jesus ressuscitado. -A ale­


gria. sucede à tristeza, o triunfo ao combate. O Sal­
vador na sua Paixão havia sacrificado ludo, perdido
ludo, por amor de nós. Bens. da fortuna: na Cruz
não linha um pano para se cobrir, um copo de
água para apagar a sêde. Bens da reputação e da
honra: nunca homem algum foi mais difamado, nem
mais oprimido de ultrajes. Bens da saúde e da vida:
tinha morrido em um cruel suplício e horríveis tormen­
tos. Mas ressuscita, e tudo muda: recobra com van­
tagem o que perdera. Carecia de ludo, e agora tudo
lhe pertence: Ele é o Senhor de tôda a ferra ( 1).
Era o opróbrio dos homens e a abjecção da plebe (2);
agora é coroado de glória e de honra (3). Não era
mais que fraqueza, triste ludibrio de seus inimigos;
é agora a virtude de Deus ( 4 ), o Deus poderoso na
batalha ( 5 ). Saíu vencedor dessa guerra, em que nos
linha convidado a segui-lo; o inferno com as suas
porias de bronze e os seus ferrolhos de ferro não
pôde resistir-lhe ( 6 ). Tendo sido o mais formoso dos
filhos dos homens, tornara-se como um leproso, como
um homem ferido pela mão do Senhor; mas agoca o
seu rosto é mais rutilante que o sol; nada iguala a
formosura do seu corpo. Êsse corpo divino resplan-

(1) Mich. IV, 13. - (2/ ld. XXI, 7. - ( 3) Hebr. li, 7.


(4) J Cor. I,
24. - ('') Ps.XXIII, 8. - (") Jd. CVI, 16.

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MEDITAÇÕKS SACERDOTAIS

dece agora, e resplandecerá eternamente, adornado


dos dotes gloriosos, que serão o apanágio de lodos
os corpos dos bemaven!urados. Emfim, a morte ne­
nhum poder terá já sôbre_ êle; foi vencida no seu
aparente triunfo: Ressurrecfionis gloria, diz S. Leão,
sepelivif morienfis injuriam: ruplis vinculis mortis,
inllrmifas in virlulem, mor/afifas in aelernilalem, con­
lumelia fransivif in gloriam; sicul fenebrae ejus, ila
ef lumen ejus. Jesus acha póis na sua ressurreição
ludo o que tinha sacrificado, e mais ainda: acha mais
consolações íntimas, mais amigos, mais reputação,
mais honra, e um corpo mais perfeito que o primeiro.
Regozijemo-nos com sua felicidade, e dêmos-lhe
o parabém pela vitória. O' vencedor da morte, eis­
-vos saído do sepulcro, para vos exaltar sôbre os
céus, e fazer brilhar a vossa glória por lôda a terra:
Exallare super coe/os, Deus, el in omnem ferram
gloria lua (1). Regozijemo-nos também de o haver
escolhido para nosso chefe, e de nos lermos alistado
debaixo da sua bandeira. Ah! que bem fizemos
em unir-nos a êle I Persistamos na resolução de o
seguir e imitar o mais perfeitamente que pudermos,
tanto mais que o seu triunfo é para nós o penhor de
um triunfo semelhante.

li. feliz estado que nos promete a ressurrei­


ção de Jesus Cristo. - O sacerdócio põe-nos na
primeira classe dos discípulos do Salvador, e consti­
tui-nos seus ministros; duas razões que nos obrigam
a segui-lo de mais perto pelo caminho das humilha­
ções e tribulações, que nos asseguram uma parte
mais abundante nas alegrias e glória do seu triunfo.
Como colocados na primeira classe de seus discípulos,
somos os membros nobres do seu corpo místico, os

(1) Ps. LVI, 6.

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RESSURREIÇÃO DE J. CRISTO

olhos para o alumiar, o coração para o animar. Ps


membros seguem a condição da cabeça. Como seus
ministros, devemos estar onde êle estiver: Ubi sum
ego, illic ef minisler meus erif (1); sempre perto
dêle; cá na terra nas maiores tribulações; depois da
ressurreição, na mais brilhante glória.
Oiçamos a S. Paulo, e meditemos: E' uma ver­
dade inconfeslável que, se morremos com Jesus
Cristo, viveremos lambém com êle ; que, se partici­
parmos das suas fenfações, participaremos do seu
reino; que, se sofrermos com êle, seremos glorifica­
dos com êle. Reforml1rá o nosso corpo, agora Ião
ab;;:lido, pl1rl1 o ft1zer conforme ao seu corpo glo­
rioso. Não poderíamos d1:! vidar sem crime, porque é
Deus que no-lo afirma. Ele cumprirá as suas pro­
messas, se observarmos as condições que impõs.
Ei-las: padecer, morrer com Jesus, ser tentados com
êle. Por êste preço, viveremos infalivelmente, reina­
remos, seremos coroados com êle. Numa palavra,
se nê/e somos incorporados por uma mor/e seme­
lhante, nê/e seremos incorporados por uma seme­
lhante ressurreição. e. Pode haver promessa mais
cerla ou mais consoladora?
A nossa felicidade será em proporção do zêlo
que tivermos empregado em imitar o Salvador. Es­
tai certos, diz-nos ainda o grande Apóstolo, que as­
sim como fõrdes seus companheiros nas allições,
assim o sereis também na consolação (2). Jesus pro­
meteu-no-lo na meditação do seu Reino. Ouando
nos convidou a segui-lo, declarou-nos que cada um
participaria dos frutos da vitória, segundo tivesse
conlribuído para ela com os seus trabalhos e sofri­
mentos.
Ouero pois alegrar-me do favor que Jesus me

(1) Joan. XII, 25. - (2) li Cor. 1, 7.

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556 MEDI'J'AÇÕES SACERDOTAIS

concede, quando me chama a acompanhá-lo nos


opróbrios e na cruz. Ouanlo mais desprezado eu
fôr, mais exallado serei na glória. As minhas rique­
zas futuras serão proporcionadas à minha pobreza
presente. Ouanto mais beber durante a vida no cális
da dôr, mais gozatei eternamente as delícias celestes.
Comparemos a duração do descanso e da alegria à
do trabalho e da tristeza. Jesus Cristo só esteve
trinta e três anos na terra, quinze ou dezasseis horas
nos tormentos da Paixão. Ressuscitou ... mas para
sempre. Hã mais de mil e oitocentos anos, que está
gozando do fruto da vitória. Nós nada fazemos por
Deus e pelas almas, que não deva ser-nos retribuído
em cento por um. Oh! quão própria é esta espe­
rança para nos confortar! i Quanto deve inflamar a
nossa coragem, e fazer-nos abraçar com ardor sofri­
mentos passageiros, penhor certo de uma felicidade
lãa constante e invejável 1

Resumo da 1\1editação

1. feliz estado de Jesus Cristo ressuscitado.


- O Salvador havia eacrificado tudo por amor de
nós: bens da fortuna, da honra, da vida; ressuscita,
e recobra com vantagem tudo o que tinha perdido.
Agora tudo lhe pertence ; está coroado de glória.
E' o Senhor poderoso na batalha. i Oue resplendor,
que feliz impassibilidade para o seu corpo ! 1 que ale­
gria para a sua alma! Tornemos parte no seu triunfo,
e felicitemo-nos de nos ler alistado sob a sua ban­
deira. Persistamos na resolução de seguir as suas
pisadas.

II. feliz estado que nos promete a ressurrei­


ção de Jesus Cristo. - Meditemos S. Paulo: Se
morrermos com êle, viveremos com êle .. . Compa­
nheiros de seus combales, sê-lo-êmos de seu triunfo.

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JESUS RESSUSCITADO

Êle cumprirá as suas promessas, se cumprirmos as


condições que nos impõs. A nossa felicidade cor­
responderá à nossa fidelidade. As minhas riquezas
futuras serão proporcionadas à l'Ilinha pobreza pre­
sente; as minhas delicias na pátria, aos meus sofri­
mentos no destêrro.

XCIII MEDITAÇÃO
Vida de Jesus ressuscitado, modêlo da vida
apostólica

1. Jesus Cristo ressusci!ado ensina-nos a ur:ir a acção ã confem­


plação.
II. Jesus Cris(o ressusci!ado ensina-nos a conhecer e a receber as
suas visi!as e comunicações.

I. Jesus ressuscitado ensina-nos a unir a acção


à contemplação. - Não é possível ter mais diligên­
cia que a que êle emprega, quer em ir aonde o cha:
ma a salvação das suas ovelhas dispersas, quer em
voltar para Deus, qua'ndo a sua presença não é já
necessária aos discípulos.
1. 0 E em primeiro lugar, i com que aclividade o
vemos nós buscar, consolar e instruir os seus queri­
dos discípulos I Em um mesmo dia, mostra-se ao pé
do sepulcro, no caminho de Em,aús, no cenáculp
de Jerusalém! Nenhum obstáculo o detém. Tem
corpo, como se o não tivesse. Vive e fala de uma
maneira de todo celeste: Apparens eis, et loquens
de regno Dei (t). Eis o modêlo do homem apostá-

(1) Act. I, 3.

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558 !IIEDITAÇÕES SACERDOTAIS

lico: Só pensa em fundar e consolidar o reino de


Deus. Onde quer que o chame o seu zêlo, ali vôa;
nada lhe parece difícil, quando se trata da salvação
ainda que seja de uma só alma, ou de evitar uma
ofensa de Deus. Nunca fêz tanto bem, que não queira
fazer mais. Esquece o seu descanso, a sua saúde, e
é necessário que outros nela pensem em lugar dêle;
mas Deus provê a isso. Quanto menos cuida em
conservar as suas fôrças, mais se ocupa nisso a Pro­
vidência. Êle só pensa em Deus e na salvação do
próximo para glória de Deus; contudo não quer que
a acção prejudique a contemplação.
2. 0 O Salvador ressuscitado não é menos pronto
em voltar para seu Pai, do que em atender aos ho­
mens. Só faz aparições curtas, exigidas pela neces­
sidade; vê-se que a sua inclinação o chama a outra
parle; aonde? Para Deus, para a solidão, onde é
mais fácil achar a Deus. O mesmo sucede com o
sacerdote que está bem penetrado do que lhe é con­
veniente no seu estado. Só se conse.rva no meio dos
homens, e em contacto com os homens, emquanto o
exige o seu ministério; pode-se-lhe aplicar esta pa­
lavra de Jesus Cristo: Exivi a Palre, ef vem m
mundum; iferum relinquo mundum, ef vado ad Pa­
lrem (1).
O Espírito Santo compara-nos a nuvens, que le­
vam a chuva e a fecundidade a diversas regiões, e a
pombas que voam para o lugar do seu repoiso (2).
As nuvens tiram a sua origem do mar e dos rios, e
depois de um giro mais ou menos largo, para lá vol­
tam. As pombas saem dos pombais, e depois de
andarem vagueando, tornam é! entrar nêles. Este pro­
ceder do Salvador fêz-se notar durante tôda a sua
vida, mas principalmente depois da sua ressurreição.

(1) Joan. XVI, 28. - \ 2) Is. LX, 8,

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JESUS RESSUSCITADO 559

O bom sacerdote imita-o. Emprega ainda mais dili­


gência em entri:lr para o recolhimento do que em
sair. Os interêsses do próximo tiram-no da sua soli­
dão; os seus próprios interesses lá o tornam a levar,
pois na verdade f!S suas voltas freqüentes para Deus,
nos santos exercícios da vida interior, não são menos
úteis ao próximo do que a si mesmo.

II. Jesus ressuscitado ensina-nos a conhecer


e a receber as suas comunicações íntimas. - Como
a nossa perfeita união com Deus, por Jesus Cristo, é
a nossa perfeita santidade; o Salvador facilita-a com
visitas secretas, nas quais se comunica às nossas
almas, e as abrasa com o seu ornar. E' de suma im­
portância que conheçamos a natureza, o lempo e os
efeitos dessas visitas interiores, para nos aproveitar­
mos e nos tornarmos dignos delas. Acharemos a
imagem destas visitas nas aparições de Jesus ressus­
citado. Consideremos a quem, como e porque
aparece.
1.° Foi a alm.as simples, devotadas, e aflitas
por causa dêle, que o Salvador se mostrou, depois
da sua ressurreição; os que não estavam a princípio
nestas disposições, não tard,aram a participar delas.
i Oue simplicidade, que ardente devoção a de Maria
Madalena e das outras mulheres, que tiveram a feli­
cidade de ser as primeiras a vê-lo ! 1 Oue tristeza a
dos seus discípulos, que vão a Emaús! Só falam do
objedo da sua dôr: Oui sunl hi sermones quos
conferlis dd invicem dmbulanles, ef .eslis tristes? . ..
De Jesu Nazareno (1).
Feliz a alma que ouve ao Senhor dentro em si, e
que recebe de seus lábios palavras de consolação! (2)
j Felizes os ouvidos fecha�os à voz das criaturas, e

(l) Luc. XXIV, 17, 19. - (2) /mil. 1. Ili, cap. 1.

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560 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

abertos à das inspirações divinas 1 (1) E' uma grande


arte saber assim atrair Jesus, conversar com êle e
detê-lo (2); mas lodo o segrêdo dessa arte .divina é
êste·: Sêde humilde e pacífico, e Jesus será convosco:
sêde devoto e tranqüilo e Jesus permanecerá con­
vosco (3 ). Há poucas almas favorecidas com estas
comunicações divinas, porque há poucas que lenham
a coragem de renunciar inteiramente às coisas cria­
das e perecedoiras (4). Encontram-se bastantes que
desejam a conlemplação; inas não se entregtim aos
exercícios que para ela díspõem. O grande obstá­
culo é a falta de mortificação ( 5). Retende na me­
mória esta sentença curta, màs muito significativa:
Abandonai tudo, e achareis tudo ( 6 ). De-certo ne­
nhum homem pode merecer êsle dom precioso, mas
Deus é tão bom, que o concede ordinàriamenle 'aos
nossos generosos e constantes esforços.
2. 0 Jesus aparece . algumas vezes em l:ua figura­
própria e natural; r·econhece-se o seu rosto, a sua
voz, as suas maneiras; vêem-se alé as cicatrizes das
suas divinas chagas. Outras vezes mostra-se na fi­
gura de um viajante, de um hortelão; mas logo se
manifesta: um gesto, uma acção que parece invo­
luntária, dá a conhecer que é êle. Uma pal11Vrà que
pronuncia, e que penetra o coração, faz prorromper
em transportes de amor e de alegria, que só éle
pode causar: Dicif ei Jesus: Maria! Conversa ilia
dicif ei: Rabboni ! Se · a sua presença não é sem­
pre tão dara, pode porém conhecer-se por dois efei­
tos: J •0 As suas v1sitas não assustam; tranqüili­
zam. 2. 0 Ainda que breves, deixam a alma em paz
e consolada. E' inteiramente o contrário a respeito

(1) ld. 1. 11, cap. VIII.- (2) lbid.


(ªI ld. 1. 111, c11p XXXI. - �4 ) lbid. - (5) lbid.
l6J lbid., cap. XX.XII.

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JESUS RESSUSCITADO 561
do espírito maligno, que só inspira negros pen­
samentos, sentimentos de perturbação e de abati­
mento.
feliz momento, quando Deus chama de-repente
da tristeza para a alegria 1 ( 1 ) Mas I quão raro é, e
quão de-pressa passa I e Nasce no coração, diz
S. Bernardo, um júbilo melífluo, que ninguém conh�ce
senão aquele que o sente; e o que sente, conhece-o
apenas porque logo que o· sente, desaparece •. Que­
reríamos deler ao Salvador assim re�onhecido; oh 1
quanto nos custa ouvi-lo dizer-nos: • Não me to­
queis, não vos aproximeis de mim; não estais ainda
onde convém estar, para gozar inteiramente da minha
presença•! (2) Se Deus concede aos nossos desejos
algumas destas consoladoras visitas, não esqueçamos
esta advertência: Potes cito fugare Jesum ef gra/iam
ejus perdere, si volueris ad ex/eriora deçlinare (ª ).
3.0
Mas l que fim se propunha o Salvador, apa­
recendo aos seus discípulos ? firmar a sua fé, prepa­
rar as suas almas para novas ptovações, animá-los a
empreender grandes trabalhos para sua glória. São,
ainda frutos, que produzem essas visitas interiores
de que falamos. S. Tomé: que linha duvidado mais
que ninguém, foi um dos que mais assinalaram a sua
fé. Muitas vezes também, Deus mostra-se aos que
tenciona experimentar depois; arma os seus soldados
para o combate·; � luz prepara para as trevas. Esta
sucessão dos soírimen!os à tslegria nota-se na vida
dos maiores Santos, e é-nos necessária. Consola­
ções muito prolongadas enfraquecem-nos a virtude ;
se Deus se escondesse muito tempo, desanimaríamos.

(1) lmit. 1. li, cap. VIII.


(�) Noli me tangere; nondum enim ,,ascendi od Palrem.
Joan. XX, 17.
(3 J lmit. 1. 11, cap. VIII.

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5112 llEDITAÇÕES SAr.EIIDOTAIS

finalmente, qua-nd1"' se manifesta aos homens apostó­


licos, é quási sempre para os excitar a fazer grandes
coisas e a suportar grandes trabalhos pela glória de
seu nome. Tai foi o efeito das aparições com que
foram favorecidos os primeiros pregadores do Evan­
gelho. Mereceríamos não ler parle nelas, se não
estivéssemos sempre prontos a deixar a Deus por
Deus.
Julguemo-nos indignos destas graças, que admira­
mos nos Santos; porém não façamos nada que possa
obrigar a Deus a privar-nos delas. Se no-las con­
cede, estimemos sempre mais o autor dos dons que
os mesmos dons, e não vejamos nestes favores senão
novos motivos e novos meios de promover a sua
maior glória.

Resumo da Meditação

I. Jesus ressuscitado ensina-nos a unir a acção


à. contemplação.- iCom que diligência Jesus procura.
consola e instrui os seus discípulos! em um mesmo dia.
mostra-se em três lugares diferentes. Tem um corpo.
como se o não tivesse; ·vive de uma maneira tôda
celeste. Assim faz o bom sacerdote; nada o detém.
está em tôda a parte. Esquece-se de si, para só se
lembrar de Deus- e das almas. Jesus ressuscitado
não é menos diligente em voltai; para seu Dai, de
que em atender aos homens. f a,çamos o mesmo:
sejam as nossas aparições no meio dcs homens, c:ur­
las e exigidas pela necessidade. O Espírito Sanlc
compara-nos a nu-.:ens e a pombas. Tirem-nos da
solidão os interêsses do próxiíno ; tragam-nos de novo
para ela os nossos.

II Jesus ressuscitado ensina-nos a conhec:e.r


0
e a receber as 'suas comunicações. - 1. E' a ar
mas simples, devotadas e aflitas por causa dêle, que

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JESUS SOBE AO céu 503
o Salvador se mostra, Recordemo-nos da Madalena
e dos discípulos de Emaús. Poucas almas são favo­
recidas com visitas e comunicações interiores, porque
são poucas as que se retiram das coisas perecedoiras.
2. 0 Jesus aparece ora na sua própria figura, ora na
de outros, mas faz-se sempre reconhecer. As suas
visitas tranqüilizam e consolam. 3. 0 O fim dessas
visitas é firmar III fé e prepa_rar para novas provações.
Ouando êle visita os homens apostólicos, é ordinà­
riamenle para os excitar a fazer grandes coisas e a
padecer pela glória de seu nome.

XCIV MEDITAÇÃO
Ascensão de Jesus Cristo - Contemplação

1. Confemplar. as. pessoas.


li. Ouvir as palavras.
111. Considerar os acções.

PHDIEIRO PREi.úoro. •Jesus levou os seus dis­


cípulos a Betânia, e Jevantando as mãos, abençoou
a todos. E aconteceu, que depois de os abençoar,
se separou dêles, e à sua vista se foi elevando, e o
recebeu uma nuvem que o ocultou d seus olhos• (1).
SEGUNDO PJU<.:LÚDIO.· Vêde o monle das Olivei­
ras, e neslé' monte um grande número de discípulos.
T.1mc1mw PHELÚoro. Roguemos a Jesus Cristo,

( 1) Luc. XXIV, 50, 51; Acl. 1, 9

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MEDI'fAÇÕES SACERDOTAIS

que eleve os nossos corações, e nos inspire um ·ar­


dente d�sejo de o vêr um dia na sua glória.

1. Cónfemplar as pessoas. - Reparemos nos


numerosos discípulos, divididos entre a alegria de
vêr a Jesus, e o temor de o perder. Alguns dllvida­
vam ainda; mas a maior parle estavam inteiramente
convencidos da ressurreição. i Com que ar de con­
tentamento, com que amor êsles últimos olham para
o seu bom Mestre; como estão atentos às suas pa­
lavras, a lodos os seus movimentos 1 . . . Considere­
mo-lo nós mesmos: que afabilidade I que majestade!
1 que resplandecente é o seu rosto, q!,le brilhantes as
suas chagas I Todo o seu exterior exprime a mais
terna benevolência. Contemplemos também êsses
dois anjos com vestiduras brancas, que veem tirar os
apóstolos do seu éxtase, e dar-lhes uma instrução de
que devemos aproveitar-nos, assim como êles. final­
mente, vejamos os apóstolos descendo do monte
cheios de júbilo, e indo' dispôr-se para receber o
Espírito Santo.

li. Ouvir as palavras. - Jesus faz as suas úl­


timas recomendações a seus apóstolos. Abre um
vasto campo aos trabalhos de seu zêlo, antes de lhes
pôr ante os olhos uma imagem da glória, que será a
recompensa dêles. Nunca as suas palavras revela­
ram melhor, que êle era o -Senhor do universo:
Foi-me dado lodo o poder no céu e na ferra. Ide,
pois; pregai o Evangelho a lôda a crialura; ensinai
fôdas as genles, hapfizando-as em nome do Padre e
do Filho e do Espírito Santo; ensinando-as a obser­
var fôdas as coisas que vos lenho mandado. Esta
· missão seria superior às vossas fôrças, se eu não pro­
�idenciasse a isso; àléi:n de que vos enviarei ,o meu
Espírito e êle vos comunicará uma virtude a que os
vossos inimii::ios não poderão resistir, estai certos de

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JESUS SOBE AO CÉU 565
que eu mesmo, ainda que suba ao céu, eslou convosco,
falando pela vossa bôca, operando pelo vosso minis­
lério, e islo a/é à consumação dos séculos•.
Eu mesmo eslava presenle no pensamenlo do
Salvador, com essa inumerável mullidão de obreiros
aposlólicos, que êle havia de chamar no decurso dos
tempos a conlinuar a missão dos apóstolos. Era
lambém a mim que êle animava daquele modo.
é. Oue lenho pois a temer? é. Não tem êle cumprido
a sua promessa desde há mais de mil e oitocentos
anos? Não lem justificado a confiança de sua Igreja
e de todos os bons sacerdotes?
Oiçamos os. dois anjos, que veem arrancar os
discípulos de seu delicioso êxtase: • Varões galileus,
.
é que esfBis a olhar para o céu? O tempo de lã
subir e de participar da felicidade de vosso Mestre
não chegou ainda; ide merecê-lo com os vossos tra­
balhos e com o sacrifício das mais santas delícias•.
Um apóstolo é um homem de acção; não pode fazer
da contemplação o seu estado permanente. 1 Oue
perda para o mundo, se aqueles a quem falavam os
enviados celestes, tivessem ficado nêsse monte, onde se
achavam tão bem, ainda depois que tinham deixado
de vêr ali a Jesus I Oremos, mas trabalhemos; tra­
balhemos, mas conservando sempre o pensamento de
Deus e o espírito de oração. Se os nossos corações
estiverem habitualmente levantados para o céu, a
nossa acção será mais fervorosa e úlil.

III. Considerar as acções. � Jesus levanta as


mãos e abençôa os seus discípulos. l Oue impressão
sentem eles nos seus corações neste momento? Ao
mesmo tempo que os abençôa, vai-se elevando, ele­
vando . . . Et ferebafur in coe/um. . . Oue especlá­
culo ! i que surprêsa até para os que o tinham visto
caminhar sôbre as águas e operar tantos prodígios 1
Jesus está com os seus apóstolos, fala-lhes, e em-

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566 MEDITAÇÕES SACEllllOTAIS

quanlo êles o ouvem com admiração, vêem-no ele­


var-se. S.obe ao céu, donde linha descido; vai para
onde êles não podem ir agora, mas aonde o seguirão
um dia.
Et nubes suscepil eum ah oculis eorum. Jesus
.desaparece; o espedáculo acabou para a ferra, co­
meça para o céu. Os anjos, os arcanjos, tôdas as
potestades celestes veem ao encontro do seu Rei, ce­
lebrando o seu triunfo. Todos os justos falecidos
desde o princípio do mundo, e os que ressuscitaram
com o Salvador, se reúnem em redor dêle e formam­
-lhe o cortejo. Abri-vos, porias eternais. E.is aqui o
Rei da glória com a sua côrle; é o Senhor forte e
poderoso nas batalhas; é o Cordeiro de Deus imo­
lado; é Jesus, o libertador de seu povo, o Redentor
do género humano . . . êle vai sentar-se à mão direita
de seu Pai e lomar posse de seu reino, por amor
dêle e de todos ·os que quiserem colhêr os frutos da
sua redenção. Os anjos redobram os seus concertos,
e os Santos que Jesus introduz consigo na glória,
entram na alegria de. seu Senhor. Desde êsse mo­
mento, o céu está aberto; mas para sermos nêle
admitidos, devemos seguir o caminho que Jesus nos
traçou: é estreito e espinhoso; olhemos ao lêrmo.
Tunc reversi sunf Jerosolymam a monte qui vo­
cafur O/iveli (1). O escritor sagrado não omite a cir­
cunstância do lugar. 1 Oue recordações desperta êsle
monte das Oliveiras I Ao pé dêste monte é que os
apóstolos tinham visto o seu Mestre pálido, trémulo,
em uma agonia mortal; e depois, prêso, amarrado,
levado como um criminoso. Não temamos as humi­
lhações, nem os sofrimentos; é daí que se deve partir
para chegar ao· �éu. Os discípulos voltam � Jeru­
salém com grande júbilo: Regressi sunf. . . cum

(1) Àcf. [, 12.

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JESUS SOBE AO CÉU 567

gaudio magno (1). O que viram e ouviram reavivou­


-lhes a fé, animou-lhes a esperança, inflamou-lhes o
amor. Tornemos parle na felicidade dêles. E' o nosso
e o seu Mestre, que subiu ao céµ, não só por amor
dêles, mas também por amor de nós; trabalhemos pois
como êles em fazê-lo conhecer e em ganhar-lhe cora­
ções. OuiéJ Chrisfi Ascensio noslréJ proveclio esl, e/
quo processif gloria Cé1pilis, eo spes vocéJfur ef cor­
poris; dignis, dileclissimi, exullemus géJudiis, ef pil1
gréJIÍéJrum éJclione !l1efemur. Hodie enim non ,solum
paréJdisi possessores flrml1li sumus, sed elíéJm coelo­
rum in Chrisfo superna penelrl1vimus: amplioréJ
éldeplis per ineffahilem Chrisli gréJfiam, quélm per
diaholi amisernmus invidil1m (2).
Colóquio cóm Jesus Crislo, que recebe a recom­
pensa de seus trabalhos e sofrimentos na ascensão
glorioso. Ado'remo-lo com os anjos e lodos os que
foram admitidos a contemplar a sua" glória neste dia.
Roguemos-lhe que nos abençôe, como abençoou os
apóstolos, quando dêles se separou, e que essa bên­
ção nos seja, corno foi para êles, o penhor da eterna
felicidade, prometida aos seus zelosos e fiéis minis­
tros. O' Jesus, desprendei�me de ludo o que é
terreno; alraí a vós lôdas as minhas afeições; fazei
que todos os meus desejos, ·lodos os meus suspiros
se1am por vós e pela bemaventurada pátria, onde
viveis e reinais por lodos os séculos dos séculos.

Resumo da Meditação

I. Contemplar as pessoas. - 'fodos êsses dis­


cípulos divididos enlre a alegria de vêr a Jesus e o
lemor de o perder. -Jesus Cristo. i Oue bondade,
que majestade 1 1 Como o seu rosto está radiante, e

(1) Luc. XXIV, 52. - (2/ S. Leo. De Ase. Dom. Serm. 1.

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568 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

todo o seu exterior benévolo 1 . . . O,s dois anjos com


vestiduras brancas. - Os discípulos descendo do
monte cheios de júbilo, e indo preparar-se para re­
ceber o Espírito Santo.

II. Ouvir as palavras. - Últimas recomenda­


ções de Jesus Cristo aos apóstolos : Foi-me dddo
todo o poder no céu e nd {errd . . . Ide pois por lodo
o mundo; ensindi, hBptizdi: esforei convosco dlé à
consumdçâo dos séculos. - Oiçamos os dois anjos :
Vdrões gdlileus, i que esfois d olhdr pdrd o céu? . ..
i Oue perda para o mundo, se aqueles a quem os
anjos falavam, iivessem ficado nêsse monte 1 .. . Sa­
crifiquemos as mais santas delícias à glória de Deus
e à salvação de nossos irmãos.

III. Considerar as acções. - Jesus levanta as


mãos, e abençôa os discípulos, eleva-se ... , sobe ao
céu donde tinha descido ... e vem uma nuvem ocul­
tá-lo aos olhos dos discípulos. O especlãculo está
findo para a terra, começa para o céu. Jesus vai
sentar-se à destra de seu Dai, no meio das aclama­
ções de lodos os coros dos anjos e dos Santos que
êle introduz consigo na glória. Então êles vol!drdm
pard Jerusalém, descendo do monte dds Oliveiras . ..
foi au pé dêste monte, que viram o seu Mestre pá­
lido, agonizante, e depois carregado de cadeias ...
E' do sofrimento que se deve partir, para chegar ao
eterno gôzo.

181

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O BOM SACERDOTE NO CÉU 569

XC\Y MEDITAÇÃO
O bom sacerdote no céu'
1. Não !em jíi mel 11lgum que sofrer.
li. Não tem jíi bem algum que desej11r.
Ili. Não tem jíi mudança alguma que temer.

1. ·No céu não hã nenhum mal que sofrer. -


E' verdade q�e para lã entrar, o bom sacerdote, se­
guindo a Jesus Crislo, teve que passar uma vida
atribulada: Per mui/as frihu/afiones oportef nos in­
frare in regnum Dei (1). Mas afinal, chegou ao têrmo
das provações. Pode-se-lhe dizer agora: Non accedef
ad fe ma/um. No céu não hã sofrimentos, nem do cor­
po, nem do coração, nem da alma. Oh ! de que pêso,
vós, sacerdote fervoroso, sereis aliviado! -Sofrimen­
tos do corpo: são tão numerosos cá na terra, con­
somem a nossa vida de tantas maneiras, que ela em
vez de ser vida, mais é uma conlínut1 morte. Ouaedam
prolixifas mor/is (2). - Sofrimentos do coração: afli­
ções, lédios, desgostos amargos, ocultos algumas
vezes de.baixo de uma aparência de prosperidade que
causa invejas. Mal uma chaga é fechada, logo se
abrem outras. - Sofrimentos da alma: tentações im­
portunas, instigações para o mal, impoténcia para o
bem, angústias que leem obrigado mais de um bom
sacerdote a dizer com o adorável Crucificado: Deus
meus, Deus meus, uf quid dereliquisfi me? Oh 1
como é verdade, que o nosso estado presente nos
não oferece senão vaidade e aflição de espírito:
Universa vanifas ef afDicfio spirifus ! Mas aquele

(1) Acf. XIV, 21. - (2) S. Greg. Homii. XCVII, in Eveng.

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570 MEDITAÇÕES SACER_DO_T_A_IS_______

que está sentado no lrôno, disse: • Vou tornar novas


tôdas as coisas. Não haverá mais' morte nem haverá
mais chôro, nem mais gemidos, nem mais dôr, por­
que as pr_imeiras coiséls são pélSSéldéls• (1). A nossa
vida decorre nas lágrimas; mas vêde qual é a mão
que vai brevemente enxugá-las e e.slancar-lhes a fonte:
é a mão do mesmo Deus (2). Consolai-vos, à espera
dessa bemi:ivenlurada Jerusalém, onde todos os vossos
males serão passados, e passados para sempre.
No seio da ,glória, Jesus conserva as suas cha­
gas; agradável recordação! Lourenço e os outros
mártires recordam-se dos seus lorinenlo�, o sacerdote
santo pensa na triste porção do campo da Igreja, que
cultivou penosamente; ,a lembrança do que padeceu
é uma parle da sua recompensa (3). Assim como um
homem resfüuído à liberdade, se recorda com alegria
das tristezas da prisão, e o nauta restituído ao pôrlo,
dos perigos que correu; assim também no céu, não
nos restará de l'odqs os nossos males, senão uma
recordação chéia de encantos, e de lodos os nossos
combales só ficará uma mais dôce segurança.

li. No céu não há nenhum bem que desejar.


- O céu é a saciedade de lodos os desejos; o ho­
mem todo inteiro, espiritual e corporal, acha lá a
mais completa felicidade. Êsse mesmo corpo, hoje
de todo material, tão sensível à dôr, êsse corpo de
pecado, cujos grosseiros apetites é necessário que
reprimamos, �ujeitando-o · à lei da mortificação, então,
feito conforme ao corpo glorioso de Jesus Cristo,
terá o resplendor do sol, o agilidade dos· ventos, a
subtileza e impassibilidade dos onjos.. Mas a grande
parte das delícias do céu será para a alma, porque a
ela prõpriamente pertencem os merecimentos.

(1) Apoc. XXI, 5. - (2) lbid. 4. - (3) Ps. LXXXIX, 15.

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O BOM SACERDOTE NO CÉU 571
t. 0 <'. De que júbilo será cheia a· alma do sacer-
dote santo, quando a sua memória lhe traçar a ima­
gem das graças que soube uti.lizar, das tentações
que venceu, das virtudes que praticou? i Quanto gos­
tará de se transportai- ao meio dessas crianças, dês­
ses ignorantes, que instruiu com tanta paciência, a�
pé dêsses enfermos que visitou ! .. ; Os trabalhos,
as humilhações, as contradições terão passado 1 •••
O' santas aflições, ó gloriosos des.prezos, ó felizes
sofrimentos! Sem vós, estava eu perdido. Vós me
puri'ficastes, me desafeiçoastes do mundo e de mim
mesmo. Salvastes-me. <'. Onde estaria. eu, se tivesse
sucumbido a ·certa tentação, resistido a certa inspira­
ção da graça?
2. 0 O seu enlendimenfo verá a Deus, não como
por espelho e em enigmas, mas face a face. Conhe­
cê-lo-�, como também dê/e é conhecido ( 1 ). Criados
para a verdade, quando a entrevemos na terra, faz.
-nos estremecer de alegria. Lembremo-nos da felici­
dade de um Arquimedes, de um Newlori, de um
S. Temás, depois de alguma descoberta scienlíficà;
lembremo-nos prindpalmenle dos êxtases dos Santos.
Oh! se um ténue raio de verdade, passado através
de tantas �uvens, pode causar tão dôces transportes,
num tempo em que a alma está sepultada na matéria,
<'. que será, quando estando livre da ilusão dos senti­
dos, fõr introduzida na eterna luz, e contemplar a
Deus como êle é, sicufi esf (2), em todo o resplendor
das suas infinitas perfeições? Então, abrangendo de
um relance lodos os desígnios do Senhor, e com­
preendendo tôda a extensão de seu amor para com o
homem, peneiraremos êsses profundos, mistérios, que
são agora o • objeclo da nossa fé. Iremos de admi­
ração em admiração, de êxtase em êxtase; e a1 cada.

(1) 1 Cor. XIII, 12, - (2) Joan. Ili, 2.

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572 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

instante, novos conhecimentos nos trarão novo acrés­


cimo de felicidade.
Então, diz Santo Agóstinho, louvaremos a Deus,
laudabimus: e porquê? por ser êle quem é: por essa
sabedoria mais profunda que os abismos, por essa
justiça mais alia que os montes, por essa bondade
mais extensa que a terra e os céus, por tôdas essas
perfeições inefáveis, resumidas, por assim dizer, na
sua infinita santidade: Sancfus, sanclus, sancfus . ..
Louvá-lo-emos por tudo: por nos ler feito homens,
cristãos, sacerdotes, mas principalmente por nos ler
feito santos, e cm particular pelas humilhações e trí­
bulac;ões que nos preparou. Veremos então quanta
ternura havia para connosco nos castigos que êsse
bom Pai nos dava. Tudo, até as nossas misérias, as
nossas fraquezas, as nossas tentações, e ainda, alé
certo ponto, os nossos pecados, que serão boa
prova da sua paciência e bondade a nosso respeito,
tudo nos será, motivo de o louvar, de o bemdizer por
todos os séculos dos séculos. Mas e. que são lodos
êstes gôzos do espírito, se os comparamos com os
do coração? Amabimus .
.3. 0 A vontade possuirá a Deus com um amor
de gôzo; e em Deus possuirá todo o bem. O amor
é a vida e a felicidade do .coração, tanto mais ditoso
amando, quanto mais perfeito é e mais perfeitamente
possui o objeclo que ama. e. Ouem nos dirá como se
ama no céu? Um peuco de amor de Deus no nosso
vale de lágrimas causa já tanta felicidade! . . . e. Oue
sentia S. Francisco Xavier, quando exclamava: Bas­
ta, Senhor, basta? Oh ! não, não é assim que se
ama no céu I Não é assim que seremos amados.
Deus dá-se todo inteiro ao seu servo fiel. Aplica a
fazê-lo feliz tôdas as suas infinitas perfeições. • En­
tra na minha alegria, lhe diz, já que a minha alegria
não poderia entrar em ti; participa da minha felici­
dade; não ponhas limites aos teus desejos, porque

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O BOM SACERDOTE NO CÉU 573

eu não os ponho 1;1os meus benefícios. Abisma-te na


minha imensidade, perde-te venturosamente no meu
sêr, e vive da minha vida. Sempre saciado e sempre
faminto, deseja e possui, possui e deseja sempre•
é. Oue não gozará essa alma nesse oceano de delí­
cias? Oue emoções! Oue contínuos transportes 1
1 Como o seu reconhecimento se manifestará nos mais
harmoniosos e fervorosos eânticos 1

III. No céu já não há mudanças que temer. -


Os prazeres na terra duram pouco: as fortunas mais
bem consolidadas desabam ; só há felicidade cons­
tante na pálria celeste. O reino de Jesus Cristo não
terá fim (1), e o trõno dos seus escolhidos é tão ina­
balável como o seu : Deus prometeu-o: Jusfi aufem
'
in perpefuum vivenf (2).
Os prazeres do céu são eternos. Oh I que dõce
pensamento,! Já não padeço, e nunca mais padece­
rei; sou feliz, e sê-lo-ei eternamente. Vós amais-me,
Senhor, e eu amo-vos; amar-me-eis, e amar-vos-ei
sempre! Sou vosso, vós sois meu, e nada doràvante
allerará a nossa união. Estou certo disto, cerlus
sum: nem a vida, nem a morte, nem o que há de
mais elevado, ne·m o que há de mais profundo, nem
as coisas presentes, nem as coisas futuras,. nada me
tirará a minha felicidade, nem poderá sequer demi­
nuí-la. 1 O' dia belíssimo da eternidade, dia serêno,
·que a noite jàmais escurece, e que a suma verdade
ª
alumia sempre I e quando raiarás para mim? ( ) Ah!
nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jàmais
veio ao pensamento do homem a felicidade que Deus
tem preparada para aqueles que o amam 1 (4)
Mas, se assim é, nada há que eu não deva sa-

,
( 1) EI regni ej us non eril llnis, Luc. 1, 33.-(2) Sop. V, lõ•
(3) lmit. l. 111, e, XLVII. - (-1) 1 Cor. li, 9.

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5i!i, MEDITAÇÕES
--------- SACERDOTAIS
/
crificar para alcançar êsles bens infinilos, elernos.
Eu oiço o Salvador que me diz: • Meu filho, não te
deixes abater pelos trabalhos que empreendeste por
amor de mim, mas sê constante, e console·m-.te as mi­
nhas ·promessas. Os males presentes não durarão
sempre, nem muito. tempo; espera um pouco, vê-los-ãs
em breve terminados. faz bem o que fizeres, sê na
minha vinha um obreiro incansável; eu mesmo serei
a tua recompensa. Escreve, lê, canta, geme, guarda
silêncio, ora, suporta com paciência as adversidades;
a glória eterna merece ser comprad,;i com semelhan­
tes combales, e com maiores ainda. Oh I se visses a
glória de que os ,meus Santos são coroados ! ...
Gozam agora de uma alegria pura, de • uma segu­
rança inalterável, de um descanso eterno. (1).

Resumo da Meditação

I. Nenhum mal que padecer. - Nem quanto ao


corpo, nem quanto ao .coração, nem quanto ,à alma.
- Padecimentos do corpo_,;._ a vida não é 0ulra cois.J
senão uma morfe contínua,·_ Padecimentos do cora­
ção; tanto mais penosos, quanto ocultos muitas ve-­
zes sob belas aparências. - Dadecimenlos da. alma,
que leem_ arrancado esta queixa a mais de um imita­
dor de Jesus Cristo: Meu· Deus, meu Deus, porque
me desBmparBsfe?. . . e. Ouando chegará o dia, em
que poderemos dizer que lodos os nossos males esfão
passados, e passados para sempre?

II. Nenku� bem que desej;r.--;- O céu é a sa­


ciedade de todos ·os desejos: o' homem inteiro, cor­
pora{ e espiritual, ali acha a mais completa beatitude.
i Oue admirável transformação para o corpo! Mas

(1) /mil. 1. Ili, e. XLVII.

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JESUS AMIGO DO SAO:RDOTE 575
principalmente I que delícias para a alma 1 - e. Oue
lembranças nos despertará a memória? O' sanlas
aflições 1 -ó cruz! Sem vós eu eslava perdido. - Fe­
licidade do enlendimenfo, esclarecido finalmente com
a ·luz da verdade. Entraremos de admiração. em
a_dmirac;ão. Bemdiremos particularmente a 'Deus por
essas provações, de que somos tanlas vezes tentados
a queixar-nos. - A vontade possu"irá a Deus, e em
Deus possu"irá todo o bem:

Ili. Nenhuma mudança que temer. - O reino


de Jesus Cristo e de seus servos nunca findará.
O' dia belíssimo da eternidade, e. quando raiarás para
mim? Não, os olhos não viram nem os ouvidos. ou­
viram, nem jàmais veio ao pensamento do homem a
felicidade que Deu� lem preparado para aqueles que
o· amam.
131

XCVI MEDITÀÇÃO
Jesus amigo do sacerdote

1. Como cumpre o :Salvador para connosco as leis da amizade.


II. Como de,·errios cumpri-las para com êle.

t Üue home� não se. julgaria feliz, se ousasse


persuadir-se de que· o filho de Deus é verdadeira­
mente seu amigo, •e de que êle mesmo é um daqueles,
a quem o Salvador ºna véspera da sua· m'orle dizia:
Jam non dicam vos servos., . : vos aulem dixi a mi­
cos? ( 1) · Tal é contudo o privilégior do meu santo e

(1) Joan. XV, 1.5.

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570 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

sublimç estado. O' celeste vocação I O' felicidade


do sacerdócio I Eu sou o amigo de Jesus I e.Não é
êsle título extremamente glorioso e consolador?

1. Jesus cumpre para com os sacerdotes as


leis da mais perfeita amizade. - Não hã senão um
sacerdócio: o de Jesus Cristo, o dos apóstolos:
e o nosso é essencialmente o mesmo. Êste sacerdó­
cio único, foi para. os apóstolos, e é para nós a base
dessa divina amizade. Com efeito, foi depois de ter
consagrado os seus prii:neiros ministros, que o Filho
de Deus lhes disse: • Já vos não chamarei servos ...
mas dar-vos-ei o nome de amigos• . As mesmas pa­
lavras nos foram dilas na nossa ordenação, e repeli­
das no fundo do coração por Jesus Cristo, depois
de o recebermos (1). Comparemo-las com as do
Sã�io: Amicus fidelis, prolecfio for/is: qui aufem
invenif illum, invenif thesaurum. Amico fideli nu/la
esf comparafio. Amicus fidelis, medicamenfum vitae
ef immorfa/itafis (2). - Beafus qui invenif amicum
verum (3 ).
1. 0 A amizade é confiante. David entrega a sua
sorte nas mãos de Jónalas; Jesus confia sua Mãe a
S. João. Confiamos tanto num nosso amigo, como
em nós mesmos. Comunicamos-lhe todos os nossos
pensamentos e inlerêsses; pomo-nos inteiramente à sua
disposição'. O que fêz o Salvador pelos seus após­
tolos, é. não o faz ainda por nós? Êles são admiti­
dos ao conhecimento de tudo o que Jesus ouviu de
seu Pai ( 4 ); nada lhes oculta; dá-lhes a conhecer as

(1) Logo depois da comunhão, o bispo, que represenl11 Jesus


Crislo, diz esl11 11nlífon11: Jam nôn dicam vos, ele.
(2) Eccli. VI, 14, 16 . ...:... (3 ) Jd. XXV, 12.
(4 ) Servus nescil quid fociat dominus ejus. Vos 11ulem dixi
amicos, qui11 omni11 qu11ecumque 11udivi II Palre meo, nota feci vo­
bis. Joan. XV, 15,

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JESUS AMIGO nc, SAGF.Rd'oTE 577
verdades c:jue aos outros só ensina por parábolas ( 1);
entrega-se-lhes inteiramente. é. E Jesus lerá me11os
confiança em nós? Confia-nos o cuidado de co­
municar os seus mistérios (2 ), de aplicar os seus me­
recimentos, de proteger a sua honra, de utiliz:ar o
seu sangue, de defender e consolar a sua Igreja, de
instruir, de regenerar, de salvar as almas, que ama
tão ternamente. Êle mesmo se confia ao nosso amor,
encarregando-nos da consagração e guarda do seu
divino corpo, de o fazer conhecer e adorar. é. Há de
ser visi'tado, ou abandonado no seu sanluário? hon­
rado ou insullado? O nosso zêlo .o decidirá. Üir­
-se-ia, Senhor, que nos julgdis incapazes de uma infi­
delidade para con'vosco.
2. 0 A amizade é generosd. Nenhum sacrifício
lhe é custoso. é. Oue não fêz e sacrificou Jesus du­
rante a sua vida, e principolmenle na sua morte para
manifestar a sua amizade para com os homens?
Visto que os sacerdotes leem a melhor par\e nos
seus merecimentos, e são os primeiros nos seus fa­
vores, Jesus fêz e padeceu parlicularmerile por causa
dêles o que fêz e padeceu por causa de lodos. Mas
àlém disto, dar-lhes o poder de o oferecer em sacri­
fício lodos os dias, sujeitar-se a tôdas as conseqüên­
cias previstas dêsle inefável mistério, é. não era por­
ventura entregar-se a humilhações e -opróbrios, que
seriam para o seu Coração um perpétuo martírio?
Eis aqui o amigo que se esquece de si, para só pensar
nos seus amigos.
3. 0 A amizade é pródigl1; tudo é comum enlre
os qlle ela une. O meu amigo é oulro eu: Amicus
l1ller égo; não perco o que lhe dou. é. Oue é que

(1) Vobis da!um .es! nosse mys!�rium regni Dei, cae!eris au-
lem in parabolis. Luc, VIII, 10.
(2) Dispensa!ores mys!eriorum Dei. I Cor. IV, 1.
VOL. II - fl. 37

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MllDITAÇÕES SACERDOTAIS
----------
Jesus não dá aos seus amigos? Omnill quae hab11il.
nobis dedif: dedif regnum suum, dedit ef seipsum ( 1).
Se nascens dedil socium; convescens in edulium, se
moriens in pretium, se regnllns dai in praemium (2).
Confiando-nos a administração da sua casa, é. não
nos entregou Jesus a chave dos tesoiros, convidan­
do-nos a recorrer a êles livremente, para nós e para
os nossos irmãos?
Pelando a seu Dai dizia: Mea omnia lua sunl,
ef fuél mea sunf (ª ). i Oue terna comunicação entre
Jesus Cristo e os seus ministros! - Comunicação de
bens e de males, de combales e de vitórias, de ultra­
jes e de honras da parle dos povos; os mesmos ami­
gos, os mesmos inimigos ; os qut! são por êle são
por nós; os que nos perseguem, perseguiram-no a
êle primeiro: Si me perseculi sunf, ef vos persequen­
fur ( 4 ). - Comunicação de projedos e de intuitos: a
sua missão é a nossa: Sicuf misif me Pafer, ef ego
miffo vos ( 5 ). - Comunicação de meios: prêgar, con­
solar, buscar es ovelhas desgarradas. . . O que fêz
o Salvador, fazêmo-lo nós. Oferecendo-se em sacrifí­
cio, salvou o mundp; a seu exemplo, os apóstolos e
os bons sacerdotes nunca se lisonjearam de concor­
rer eficazmente para a salvação das almas, senão
unindo os seus sofrimentos aos do Filho de Deus. -
Fin-almente comunhão de destin·os: neste mundo, Je­
sus Cristo e os padres leem os mesmos gostos e os
mesmos desgostos; no úllimo dia, julgaremos com
êle as nações; na eternidade, seremos admitidos à
sua mêsa, e nos sentaremos no seu trôno (6). Ouer
que os seus amigos estejam sempre com êle : agora

(1) S. Bon11v. - (2 ) Lilurg. - (3) Joan. XVII, 10,


4 ld. XV, 20. - ( 5) ld. XX, 21.
( )
( 6) Ego dispono vobis, sicul disposuif mihi Pafer meus re­
gnum; ui edafis ef bibafis super mensam meam in regno meo, et
sedealis super thronum, judicantes. Luc. XXII, 29, 30.

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JESUS AMIGO DO SACERDOTE 579
nas provações, mais tarde na glória do seu reino.
i E' pois verdade que sou o amigo de Jesus! O mira
divinae bonifolis dignalio! Servi digni non sumus, ef
amici vocamur. Ouanfo dignilas esf hominum, esse
amic_os Dei! ( 1)

li. Os sacerdofes devem dar a Jesus Cristo


as mesmas provas de amizade que dêle recebem.
- Mudando de objeclo, a àmizade não muda de na­
tureza. Se é verdadeira em nós, será como em Jesus
Cristo, confiante, dedicada, comunicativa.
1. 0 E' extraordinário que não ousemos entregar­
-nos inteiramente ao Salvador, amigo Ião fiel, quando
êle se dignou entregar-se a nós, a-pesar de todos os
motivos que lhe temos dado para desconfiar de nós.
No mesmo discurso em que declarava aos seus mi­
nistros, que os incluía no número dos seus amigos,
fazia-lhes olhar esta sagrada amizade como o motivo
que levaria seu Pai a conceder-lhes ludo o que lhe
pedissem em seu nome ( I!). Afirmava-lhes àlém disto
que, se permanecessem nê/e, permaneceria nêles (3 ).
Deus alenâe em nós aos amigos de seu Filho, e êste
amigo todo-poderoso está sempre connosco. 1 Ouão
próprios são êsles pensamentos para nos incutir uma
confiança inabalável, quaisquer que sejam os perigos,
os desgg�los, as contradições, que nos esperam 1
Amicus Ddelis, proleclio forfis. l Oue podem as ami­
zades humanas, ainda as mais sinceras? Mas j como
é agradável descansar na amizade de um Deus!
S. Paulo sente complacência nas suas enfermidades;
gloria-se de ser fraco; porquê? A amizade de Jesus
o sustenta, e é principalmente na sua fraqueza que
o experimenta; e então é que reclama a sua pode-

(1) S. Greg. - (2) Joim. XIV, t.:3, XV, 7, 16.


3
( J lhid. X V, 4, .5,

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580 MF.DITAÇÕES SACERDOTA lS

rosa eficácia ( 1). Depois. de ler lanlas vezes confes­


sado o seu nada, gloria-se de poder ludo, não por si,
mas pelo amigo divino que constitui a sua fôrça:
Omnia possum in eo qui me confortai. é. Oue é pois
o desalento em um sacerdote? é. E lenho eu com­
preendido quão criminoso é? E' uma espécie de
blasfêmia contra o divino Coração de Jesus; porque
é dizer equivalentemente, que a sua amizade é impo­
tente, as suas promessas vãs e ilusórias. l Pode-se­
-lhe fazer urna ferida, que lhe seja mais sensível?
2. 0 Amizade dedicada. Era a mesma· dedicação
que falava pela bôca de S. Paulo, quando excla­
mava: • O amor de Jesus Cristo nos constrange:
faremos amar o Salvador que nós amamos; moslrar­
•nos-êmos seus fiéis ministros, defenderemos os seus
interêsses: ln multa pafienfia, in lribulafionihus, in
necessifatibus, in tmgusliis, in plagis, in carteribus,
in sedilionibus, in laboribus, in vigiliis, in jejuniis . .. ,
per gloriam ef ignobilitafem, per infamiam ef banam
famam (2). S. Francisco Xavier indignava-se, quando
pensava que a dedicação sacerdotal se linha deixãdo
antecipar pela cobiça, e que os ministros de Deus,
para ganhar almas para Jesus Cristo, não hãviam
ousado afrontar perigos, que os negociantes tinham
afrontado para ganhar dinheiro. .
3. 0 Amizade comunicativa. O bom sacerdote é
santamente melindroso a respeito de tudo o que loca
aos interêsses de Jesus Cristo. Aflige-se vivamente de
tudo o que ofende o seu adorável amigo, e ale�ra-se
de tudo o que contribui para a glória dêle. Gosta
de lhe confiar as suas penas, as suas alegrias, de o
consultar, de lhe comunicar as suas intenções, de lhe
falar das suas esperanças e dos seus receios; gosta
de se consolar ao pé dêle nos seus revezes, de lhe

(1) li Cor. XII, 9, 10. - (2) li Cor. VI, 4.

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JESUS AMIGO DO SACERDOTE 58f.

atribuir os seus bons resultados. O' deliciosas efusões,


ó familiaridade celeste, que nos permite ler consigo o
Rei do universo I i Oue felicidade, que puras delícias,
que paz para -os que escolhe por amigos, e que se
esforçam por juslificar Ião belo lí!ulo ! Nimis hono­
rificdli sunl amici fui, Deus ( 1).
O' Jesus, eu vou subir ao altar; é ali, que vós
me dais a mais terna prova de uma amizade que tão
pouco mereço. é. Viu-se jài-nais um amigo oferecer-se
ao seu amigo, para ser o seu alimento, dar-lhe o seu
corpo a comer e o seu sangue a beber, para se unir
a êle mais estreitamente? Vinde, Senhor, o mais no­
bre, o mais generoso, o meis perfeito de lodos os
amigos! Visto quererdes que eu seja um convosco,
e que a nossa amizade se assemelhe à que vos une
a vosso Pai, dai ao meu coração lôdas as inclina­
ções, lodos os afeclos do vosso. Fazei que eu seja
para vós, meu Deus, o que vos dignais ser para mim,
indigno pecador: um amigo confiante, dedicado aos
vossos inlerêsses, vivendo mais para vós do que para
mim. Assegurai-,vos também da minha constância,
para que a nossa união começada cá na terra, seja
consumada na eterna glória :· Ego clarifafem quam
dedisli mihi dedi eis, uf sinl unum, sicuf ef nos unum
sumus. Ego in eis, el tu in me, ui sinf consummafi
in unum (2).
Terminai, dizendo: Suscipe, ele.

Resumo da Meditação

1. Jesus cumpre com relação aos sacerdotes


as leis da mais perfeita amizade.;-- 1. A amizade
0

é confiante; um amigo conta com o seu amigo como


consigo mesmo; enlrega-lhe lodos os seus inlerêsses.

(1) Ps. CXXXVIII, 17. - (2) Joan. XVII, 22, 23.

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382 MEDITAÇÕES 8ACEIIDOTAIS

Tai é a amizade de Jesus com os seus minisltos.


2. 0 A amizade é generosa; nenhum sacrifício lhe
custa. é. Oue não fêz Jesus Cristo, que não faz
ainda, a que sofrimentos não se sujeilóu, em proveito
de seus discípulos, e principalmente de seus minis­
tros? 3. 0 A amizade é pródiga. Tudo é comum enlre
os que ela une. Amicus fl!fer ego. é. Não é ludo comum
entre Jesus e nós? Omnifl qufle hflbuif, nohis dedil;
dedif regnum suum, dedit ef seipsum.

II. Os sâcerdotes devem dar a Jesus Cristo


as mesmas provas de amizade que dêle recebem.
- Mudando de objeclo, a amizade não muda de
natureza. Custa a crêr que não ousemos confiar em
um Deus, amigo Ião fiel, quando êle se digna confiar
em nós. - é. Ouando se assemelhará a nossa dedica­
ção ao zêlo da sua glória, à dedicação da sua ami­
zade para connosco? é. Ouando nos mostraremos
seus ministros fiéis, in muÍffl pafienfia, in fribulflfio­
nihus? Amizade comunicativa. O bom padre gosta
de' confiar a Jesus os seus desgoslo,s, as suas al!é!­
grias. O' deliciosas efusões I Nimis 'Ítonorilicafi sunf
flmici fui, Deus.

XCVII MEDITAÇÃO
A Eucaristia, vínculo de amor entre
Jesus Cristo e seus ministros
1. Àmnr que Jesus mostra aos padres na Euc11risli11.
II. Provas de ºamor, que espera dêles nesle mislério.

PRIMEIRO PRELÚDIO. Vêde o Salvador np Ce­


náculo, consagrando os seus primeiros ministros e
inslituindo a Eucaristia.

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O SACERDOTE E A EUCARISTIA 583

SEGU�oo PHELÚDIO. Impetrai uma fé viva neste


mistério, que faz a glória e felicidade do sacerdócio,
e um amor terno para com Jesus Cristo presente;
oferecendo-se em sacrifício e dando-se debaixo de
aparências tão humildes.

I. Amor que Jesus Crisfo mostra aos sacer­


dotes na Eucaristia. - O concilio de Trento chama
a êsle mistério: EH"usio divifiarum amoris Chrisfi; e
S. João Crisóstomo: Omnis thesaurus benelicenliae
Dei . .. , myslerium faciens uf ferra nobis coe/um sil.
Tudo nêle confirma a ardente caridade do Salvador
para com os homens, mas principalmente para com
os padres. fixemos a nossa atenção sôbre três
objectos, que os nossos olhos vêem continuamente
nas nossas igrejas: o labernticulo, onde reside; o
a/lar, onde se oferece em sacrifício; a sagrada mesa,
onde se dá. Oue larga parle tem o padre nos bene­
fícios que recordam êstes três monumentos dfl cari­
dade de Jesus Cristo 1
1. 0 Reside no tabernáculo: Ecce fabernaculum
Dei cum hominibus, el habilélvif cum eis l 1). Não é
já num pais remoto, nem num lugar único que êle
reside; é ao pé de nós, em lodos os templos da
Igreja católica; a sua casa é no meio das nossas.
Não quer que na sua inumerável família haja um só
sofrimento, cujo alívio e remédio se não possa vir
buscar a cada inst�nte junto dêle. Oh! como é real­
mente o nosso Emmanuel, Deus connosco! Desde
há mais de mil e oitocentos anos, a Eucaristia é na
Igreja, mundo espiritual, o que o sol é no mundo
físico: alumia, aquece, fecunda. 1 Ouantas ilusões não
tem já dissipado êste divino sol ( 1 Oue virtudes não
tem feito germinar nas almas I i Oue nobres dedica-

(') Apoc. XXI, :;.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

ções não tem inspirado I Nós somos, debaixo de um


aspecto, mais favorecidos que os que viram o. Filho
de Deus durante a sua vida mortal. Êles possuíam-no
no estado de fraqueza; e nós no estado de glória.
Só eslava no meio dêles por intervalos, deixando
uma povoação para ir a outra; mas a nós, nunca
nos deixa; gozamos da sua presença quantas vezes
queremos.-
Isto pelo que respeila a todos os fiéis; mas com
relação aos sacerdoles é. qual é neste ponto o seu fe­
liz e glorioso privilégio? São os depositários e guar­
das dêsse tesoiro. Oue digo ? Dão-no ao mundo;
se não houvesse na lerra um sacerdócio católico, não
haveria nela Eucaristia. O' padres, é. seria necessário
também dizer-vos: Medius vesfrum s/efif quem vos
nescilis?
2.0 Oferece-se em sarrifício no aliar.. é. E qual
é êste sacrifício? -é. Oual é o seu valor? é. Oual é o
seu ministro ? · Eminet inter omniéi, quéie in sacris
héihenfur mysleriis ef éiclionihus, misséJe séJcrilicium,
ef rei dignifafe, ef sacerdolis. préiesféinliéi, ef frucfus
excellenfia ( 1 ). - Nul!us -profecia VéJÍe/ humano expli­
care eloquio quam focupfes frucfus, quanfave ex ejus
ohlafione spiriluéiÍiB exuberanf donéJ. ReconciÍiéifur
quippe peccéilor Deo; juslus éiulem juslificalur éidhuc,
laefilicéinlur angeli, cumulanlur merita, facinora remif­
lunlur, éiugenlur virlules, resecéinlur viliéi, diaholi ma­
chinéimenf(J superanfur, SéJnanfur aegri, erigunlur lapsi,
debiles refocillanfur . .. , defuncli fideles liheranfur ( 2 ).
Em parle nenhuma o sacerdote dá a Deus tanta gló­
ria e recebe dêle tantos favores. Se eu soubesse
a extensão do meu p�der no altar, ê. deixaria eu um
só di.a de usar dêle para honra de Deus, consolação

(1) Cone. Aqui! anno 1596


(�) S. Laur. Jus!. Serm. de Euch.

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O SACERDOTE E A EUC:ARISTIA

da Igreja, minha santificação pessoal e salvação de


lodo o mundo? Pro nosfra ef fofius mundi saiu/e.
3.0 Dá-se na sagrada mêsa: Oui mcnducaf medm
carnem ef bibit meum sanguinem, in me manef el ego
in illo (1). • Tomai e comei, diz êle a cada um de
nós, é o meu corpo, é a minha alma, é a minha di­
vindade;--- e ludo o que eu tenho, tudo o que eu sou,
tomai-o, que eu vo-lo dou. Alimentai-vos com. a mi­
nha substância, incorporai:vos com o vosso Salvo­
dor; sêde ou Iro eu•. Oh 1 ·quão superiores aos nos­
sos, são os pensamentos de Jesus Cristo I i Oue
grande é o seu Coração! 1 Oue vastos são os seus
desígnios! i Oue preciosos e magnificos os seus
dons 1 •••
Pelo mistério da Incarnação, o filho de Deus li�
nha-se dado à humanidade em geral: aqui, é a cada
um dos homens que êle se digna dar-se. Une-se a
cada um de nós pessoalmente, e com que união! ...
l:le mesmo a compara à do Pai e do filho. que não
leem senão umo só e a mesma natureza na Sanlíssima
Trindade: • Sicuf misif me vi vens Pafer, el ego vivo
propfer Palrem; ef qui manducai me, ef ipse vivei
propfer me (2). Assim como .o Pai que é vivo, me
enviou, e eu vivo pelo Pai, assim o que me come a
mim, êsse mesmo viverá por mim•. é Oual é essa vida
que recebemos de Jesus, quando comungamos, senão
uma vida divina, vida pelo aaréscimo e desenvolvi­
mento da graça, que tem por lêrmo a vida da gló­
ria? O sfupor indicibilis chari/afis ! Ouis non con­
fremis�af? Quis non cum exullafione -mitefur? (3)
Vós, padre, com êsle tesoiro, que rico sois!
Com as delícias dêsle banquete, 1 quão bem podeis
passar sem os gôzos da !erra! Sois o primeiro con­
vidado à mêsa de Jesus, fazeis as honras dela: Cujus

(1) Joan. VI, 57. - (ll) lbid. 55. - C) S. Lour. Jus!.

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58G MEDITAÇÕRS SACERDOTAIS

officium commilfi voluif solis presbyferis, quibus sic


congruif, uf sumanf ef denf caeferis (1). E esta felici­
dt1de, que os embaraços do século tornam raríssima
para a maior parle dos fiéis, só depende de mim lê-la
lodos os dias I Mas i que obrigações daí me adveem !

II. Provas de amor, que Jesus espera de nós


na Eucaristia: Pralicar fielmente, propagar com zêlo,
conservar e aumentar a devoção para com êste ado­
rável mistério.
t .º Praticá-la: visitar assiduamente a Nosso Se­
nhor, no tabernáculo, oferecê-lo no aHar, recebê-lo
na sagrada mêsa com um fervor sempre novo.
Em qualquer lugar em que estiver o corpo, aí se
hão de ajun!Br IBmbém as águias (2). O corpo por
excelência, o mais belo e mais perfeito de lodos os
corpos, aquele que em tão grande pàrle pagou as
custas da nossa redenção, está nos nossos templos,
para ali receber as nossas adorações; por isso, tô­
das as almas elevadas, todos os bons cristãos, lodos
os bons padres, que leem a vista de águia, o olhar
penetrante da fé viva, sentem-se atraídos para a santa
Eucaristia. E' nê!es um instinto sagrado, semelhante
ao que chama incessantemente o pardal e a rô'la ao
lugar do seu repoiso (3). Seria estranho que o Filho
de Deus achasse as suas delícias em estar no meio
de nós, e que nenhum fervor tivéssemos em buscar a
sua presença. Vós, ao menos, padre, seu ministro e
seu amigo, ide visitá-lo em vosso nome e em nome
do vosso povo; vós principalmente, que tendes des­
�ostos, dirigi-vos ao grande consolador. S. Filipe de
Néri. S. Carlos Borromeu, S. Francisco de Borja,
S. Francisco Xavier, teriam desejado passar a sua
vida deanle do tabernáculo.

(lJ Hymn. - \2) Malth. XXIV, 28. - e) Ps. LXX.Xlll, 4.

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O SACERDOTE E A EUCARISTIA

Seja sempre a celebração do· augusto 'sacriÍício o


primeiro objedo dos vossos pensamentos. Esta fun­
ção é a principal do sacerdócio, a �rande esperança
da Igreja. Os anjos acham sempre novo êste es­
pedáculo do Cordeiro sempre vivo e sempre imo­
lado (1). Se pudessem dizer de vós o que os fiéis
diziam de S. Vicente de Paulo: Oh I como êsle pa­
dre diz bem a missa! diriam que sois um grande
Santo e um Santo muito ü"til ao mundo.
Longe de enfraquecer o vosso zêlo, alimente-o a
participação quotidiana do corpo e sangue de Jesus
Cristo; porque as vossas comunhões multiplican­
do-se, multiplicam os direitos de Deus ao vosso re­
conhecimento.
• Por meio do San líssimo Sar.:ramenlo, Jesus
Cristo quer encher os sacerdotes, do seu espírito e
da sua graça, e converter as almas por êles. F.' o
que me faz desfalecer e cair em languidez, Ião vivos
e veementes são os desejos que lenho de vêr o
Sanlíssimo Sacramento reverenciado pelos sacerdo­
tes• (2). - • O' meu Deus, oculto debaixo dos véus
misteriosos das espécies sacramentais I i Com que boa
vontade derramaria o meu sangue para vos fazer co­
nhecer de fanlos infiéis e herejes que vos desconhe­
cem, de tantos mundanos que vos desprezam, de
tantas almas líbias que não sabem amar-vos, de tan­
tos ministros dos vossos aliares, que não se santifi­
cam no sacrifício, que oferecem tantas vezes! (3)
Mas não basta que um padre pratique esta devoção;
deve também :
2. 0 Propagá-la e conservá-la. A Eucaristia é um
tesoiro escondido; é. que utilidade !irarão dela os
fiéis, se não cuidarmos em lhes descobrir as suas ri-

(1) Apoc. V, 6. - (2) M. Olier. Vêde sua vida, ed. de 1841,


t. 1, pág. 400. - lª) P. Berthier. Explic. do Ps. XXII.

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588 MEDITAÇÕf:S SACERDOTAIS

quezas? Gostemos de falar com freqüência de tão


belo assunto nas nossas exhorlações. Há parróquias,
onde de tarde se vêem ii: à igreja um certo número
de piedosos adoradores; de manhã, um maior nú­
mero ainda cerca o altar durante a missa; a sagrada
mêsa é freqüentada nos dias festivos e nos domin­
gos, e algumas vezes durante a semana; e tudo mos­
tra que os que cumprem êsles aclos religiosos, co­
nhecem a sua importância. felizes parróquias ! Apre­
cia-se nelas o dom celeste, participa-se abundante­
mente dos merecimentos do mais excelente de lodos
os sacrifícios, come-se o pão dos escolhidos ( 1), reina
lá a piedade, Mt'ls é a quem são devidos, depois de
Deus, os frutos dt salvação que ali se colhem, senão
a êsse bom padre, que compreendeu e faz compreen­
der ao seu povo a significação dêstes três principais
ornamentos dos nossos santuários: o tabernáculo, G>
altar, é! sagrada mêsa?

Resumo da Meditação

1. Amor que Jesus Cristo mostra aos sacer­


dotes na sagrada Eucaristia. -1. 0 Habita no taber­
náculo: Ecce laberntJculum Dei cum hominibus, onde
oferece a lodos e conlinuamenle as consolações da
sua presença, os socorros do seu poder. Os 'padres
são os guardas dêsle magnífico tesoiro. Dão-no ao
mundo; se não há sacerdotes, não haverá Eucaristia.
2.0 Oferece-se em sacrifício no altar. é Oual é êsse
sacrifício? é Oual é o seu valor? é Tem o padre
a primeira e melhor parle nos seus benefícios?
.3. 0 Dá-se na sagrada mêsa: •Tornai e comei, nos
diz o Salvador, islo é o meu corpo, a minha alma,

(1) Zach. IX, 17.

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CONFIANÇA EM DEUS /í8!l

e minh1;1 divindade». O sfupor indicihilis chdrifa­


fis ! . . . Com as delicias dêste banquete, c',será difícil
desprezar todos os vãos prazeres da terra?

II. Provas de amor, que Jesus espera de seus


ministros na Eucaristia. - Praticar fielmente, pro­
pagar com zêlo a devoção a êste adorável mistério.
1. 0 A prática exige três coisas: V1sitar com assidu'i•
dade a Jesus Cristo· no tabernáculo, oferecê-lo com
piedade no aliar, recebê-lo com amor na sagrada
mêsa. - Em qudlquer lugdr em que estiver o corpo,
dÍ se hão de ãjunfar fom,bém as águids. Con­
templando êsle mistério com o olhar peneirante da fé
viva, ide muitas vezes visHar, em vosso nome e em
nome de vosso povo, o Deus dos nossos santuários.
- Seja a celebração do augusto sacrifício sempre o
primeiro objeclo dos vossos pensamentos; e as• vossas
comunhões, mulliplicando-se, aumentem o vosso re­
conhecimento. 2. 0 Dara propagar esta devoção, é
necessário falar dela com freqüência no púlpito e no
confessionário.

XCVIII MEDITAÇÃO
Fundamentos da confiança cristã e sacerdotal

Em qualquer situação que possamos estar, quais­


quer que sejam os nossos perigos .e desgostos, a
nossa confiança em Deus assenta sempre em dois
fundamentos inabaláveis: as suas promessas, e a
nossa mesma confiança; nós só somos tímidos,· como
o Salvador o lançava em rosto ao� seus discípulos,

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5!)0 MEDITAÇÕES SACRRDOTAIS

porque temos pouca fé : Ouare fimidi esfis, modicae


lldei? (1)

1. Deus prometeu não. r�cusar n11d11 à con611m;11.


li. Ainda que o não prometesse, 11 noss11 confi11nç11
ludo obleri11 dêle.

I. Deus prometeu formalmente conceder tudo


à confiança. - Por mais rara que seja a boa fê
entre os homens, nós olhamos como seguro o cum­
primento de uma promessa, que é garantida por um
homem de bem, consignada em um escrito; princi­
palmente quando êle confirmou a sua palavra e a
sua escritura · com juramento e garantias de grande
preço. e. Ouem acreditaria que o Senhor se dignou
obrigar-se para connosco de lodos estes modos?
Nós possuímos a sua palavra : Pedi e recebereis;
batei e abrir-se-vos-iJ . . . Tôdas as coisas que pedir­
des com fé, ·haveis de consegui-las. Tudo é possível
ao que crê. Na linguagem da Sagrada Escritura,
esperar e crêr é muitas vezes uma e a mesma coisa.
E' sempre à fé e à esperança que o Salvador atende;
.e tem o cuidado de o dizer. Declara até que, sem
esperar as nossas petições, vigia sôbre as nossas
necessidades, para as socorrer com a afeição de um
pai, e que, sem sua permissão, não ca'irá um cabelo
da nossa cabeça.
Estes testemunhos são claros; e. e que fé lhes
prestamos? Parece que supomos que saíram de ou­
tra bôca, e não da que nos revelou tantos mistérios
incompreensíveis a respeito dos quais não ousaríamos
ter a menor dúvida. Abraão crê na palavra de Deus,
e é por isso que êle espera contra tôda a esperança.
i Oue probabilidade havia de que Isaac, imolado,

( 1) M11flh. VII, 26.

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CONFIANÇA lm DEUS :iot
viesse a ser o pai de uma numerosa posteridade,
como Deus o linha prometido? E nós cremo-lo; pois
é. que probabilidade haverá de que Deus falte à sua
promessa? é. Será necessário ressuscitar um morto?
Ainda que fõsse · necessário ressuscitar mil, destruir o
mundo, criar outro. Só há um milagre impossível a
Deus, é o de não cumprir a sua palavra.
E para mais, nós possuímos esta palavra escrita;
lêmo-la nêsses livros divinos, pelos quais seremos jul­
gados. O' Sagrados Evangelhos, é. poderíeis vós ser
apresentados contra nós no tremendo tribunal, se, ao
mesmo tempo que aleslâsseis as nossas desobediên­
cias aos vossos preceitos, aleslásseis a infidelidade
do Senhor às suas promessas? Sim, ó meu Deus,
para que sejais tido por justo e verdadeiro nas vossas
palavras, é necessário que me concedais tudo o que
eu vos peço com confiança, e ainda ludo o que tenho
direito a esperar da vossa divina bondade, sem que eu
pense em vo-lo pedir. Possuo uma cédula da vossa
mão, que me responde por ludo o que me prome­
testes. Por conseguinte nada tenho a temer. Toda1,1ia
o Salvador tranqüiliza-me ainda.
Nós possuímos a sua palavra confirmada com um
juramento. • Em verdade, em verdade vos digo:
tudo o que pedirdes a meu Pai em meu nome, êle
vo•lo concederá. Alé ao presente vós nada tendes
pedido em meu nome, islo é, com essa firme espe­
rança que deve inspirar-vos a minha promessa e me­
diação. Juro por mim mesmo, eterna verdade, por
mim que aborreço a mentira e castigo o perjúrio, que
tomarei cuidado de vós, se tiverdes confiança em
mim• . O' homens, 1 que felizes sois vós, em favor de
quem um Deus se obriga com juramento; mas I que
miseráveis sois, se uma tal condescendência não basta
para vos tranqüilizar 1 ( 1)

(') Ter!.

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METJITAÇÕES SACERDOT�IS

Acrescentemos que, se há homens que retiram a


sua palavra, renegam a sua assinatura, quebrantam o
seu juramento, não. há homens, c.uja inconstância ou
perfídia se deva temer, quando deram valiosas garan­
tias; ou se deram a si mesmos por garanlia de suas
promessas. Isto é o que vos dignastes 'fazer, ó meu
Deus, para obter a nossa confiança.
As liberalidades do Senhor, diz Santo Agostinho,
leem êsle duplo carácter, que são um benefício, e um
penhor de novos benefícios (1). Dar-me-á, por isso
mesmo que já me deu. r.le ameaçava exterminar
Israel que murmurava; e para o aplacar, Moisés lem­
bra-lhe os prodígios de bondade que praticou em seu
favor. Isto era lembrar-lhe os crimes do povo ingrato,
e justificar a sua ira, em lugar de o aplacar; apla­
cou-o todavia: Deus perdoou. Cusla a um bom pai
perder o mais dôce frulo de ludo o que fêz pela feli­
cidade de seus filhos. A mim perturba-me a lem­
brança de tantas graças que recebi; mas ao contrá­
rio, isto deveria consolar-me. Ouan!o mais lágrimas e
sangue Jesus Cristo derramou para minha santifica­
ção, tanto mais a peito tem o bom éxilo de uma em­
prêsa, pela qual se impôs tão grandes sacrifícios.
Acrescentemos ainda, que não são sõmenfe os be­
nefícios de que o seu amor me tem cumulado, os que
me garantem novos benefícios que espero dêle; mas é
êle mesmo, que quer ser o pen'1,or dos grandes bens
que me destina ; porque êle é meu: seu Pai deu-mo,
êle próprio se deu e se dá ainda quantas vezes quero.
Oferecendo-o a seu Pai, faço valer os meus direitos
à-posse de seu reino. Posso dizer: • O Senhor me
serviu de refúgio, e o meu Deus é o socorro da mi­
nha esperança • (2): 1 Oue sossêgo deveria causar-

(1) Beneficia e! pignora.


l 2'> faclus esl mihi Dominus in reíugium, el Deus meus in
adjuforium spei meae. Ps. XCIII, 22.

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CONFIANÇA EM DEUS !'i!)3

-nos uma promessa divina tão sõlidamente garantida 1


Mas isto não é ludo.

II. Ainda que Deus o não prometesse, a nossa


confiança o poria na necessidade de nos socorrer
e salvar. Porquê?� Porque esta confiança honra-o,
e êle deshonrar-se-i1:1� se deixasse.de lhe corresponder.
A nossa confiança honra a Deus, e dá-lhe uma
glória que êl� preza, uma glória que êle deseja e nos
pede: e Invoca-me no dia da tribulação: livrar-te-ei,
e honrar-me-ás• ( 1). E' a maior honra que pode re­
ceber de nós. Com efeilo, a nossa confiança glori•
fica lôdas as suas infinitas perfeições: a verdade da
sua palavra, a fidelidade às suas promessas, a sabe•
doria que lhe faz conhecer as nossas necessidades e
os meios de nos socorrer, o poder infinito que vence
lôdas as dificuldades, mas principalmente a misericór•
dia, a ternura inesgotável, pela persuasão em que es•
tamos de que nos ama sempre, ainda que lenhamos
merecido a sua ira. E' a honra mais digna dêle,
pois a confiança é, prõpriamente falando, a homena­
gem do coração; daí vem a ambição que leem todos
os homens, de granjear a confiança de seus seme•
lhanles.
finalmente, Deus deshonrar-se-ia, se permitisse
que fôssemos enganados na nossa confiança, visto
que. então seria verdade que a bondade divina, em
lugar de ser superior, seria inferior ao que pensamos
a respeito dela. E' esta a razão por que os Santos
Doutores ensinam que a nossa esperança é a medida
das graças que recebemos. S. Tomás diz que ela é
todo o principio da impetração das graças, assim
como a caridade é o principio do merecimento: assim

(1) Invoca me in die (ribulalionis: eruam (e e! honorilicabis


me. Ps. XLIX, 15.

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5_9_4______M_F._DI_TAÇÕES SACERDOTAIS

como merecemos na proporção em que amamos, tam­


bém obtemos na proporção que esperamos.
No que diz respeito à bondade, julguemos ao
menos do coração de Deus pelo nosso. Se olharía­
mos como indigno de ter o nome de homem, àquele
que recusasse socorrer o seu semelhante que recorre
a êle com confiança, principalmente quando lhe é fá­
cil prestar-lhe o serviço desejado, e quando êsse ser­
viço é importante; <'. como poderia Deus, a própria
bondade, repelir um seu filho que se lhe lança nos bra­
ços, quando se trata de o preservar da suma desgra­
qa, e quando para o salvar lhe basta querer? Ah!
que diferente idéia êle nos dá da sua inclinação para
fazer bem, quando diz: Porque esperou em mim,
livrá-lo-ei; porque conheceu o meu nome, salviJ­
.fo-ei.
O' Jesus, 1 quão mal conhece o vosso nome aquele
que não ousa esperar ludo d,e vós 1 1 Ouão de-pressa
um padre seria consolado, se nos momentos de per­
turbação, em que ê assaltado de pensamentos desa­
nimadores, olhando para vós, e recorrendo à chaga
do vosso Coração, vos ouvisse dizer a Maria que
intercede por êle: •Tenho muitas razões, minha
Mãe, para ir em socorro dessa alma aflita: rogais-me
por ela que tudo deixou para me seguir, e me custou
tanto I Mas afora qualquer outro motivo, ela espe­
rou em mim, e isto basta. A minha honra exige. que
eu justifique a sua confiança; livrá-111-ei e farei
a sua felicidade: Ouoniam in me speravil, liberaho
eum • (1). Tranqüilizem-se embora outros em uma
vida inocente e cheia de obras santas; quanto a
mim, Senhor, eu só confio nas vossas promessas e
na minha esperança em vós; nela me firmastes sin-

(1) Ps. XC, 14.

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CONFIANÇA EM DEUS 595
gularmente pelas reflexões que deante de vós acabo
de fazer; quero dormir em paz e repoisar em vós (1).

Resumo da Meditação

I. Deus prometeu formalmente conceder tudo


à nossa confiança. - t . 0 Nós temo's por garantia a
sua palavra. E' a palavra. de um Deus: Pedi e re­
cebereis. Êle declara até, que sem esperar as nossas
petições, vigia sõbre as nossas necessidades, para as
socorrer com a afeição de um pai. Estes oráculos
são claros; l que fé lhes prestamos? 2. 0 Nós lemos
por garantia a sua palavra escrita. O' Sagrados Evan­
gelhos, l podíeis vós ser apresentados c'onlra mim no
!remendo tribunal, se atestando as minhas transgres­
sões da lei divina, atestásseis ao mesmo tempo a in­
fidelidade de Deus às suas promessas? 3. 0 Temas
por garantia essa divina palavra confirmada com ju­
ramento. 1 Oue felicidade a nossa, ter por nós o ju­
ramento de um Deus 1 1 Oue miséria a nossa, se não
crêmos em um Deus, quando se obriga por jura•
mento 1 4. ° Finalmente, temos por garantia penhores
infinifamenfe preciosos. São os benefícios que já te­
mos recebido de Deus, é o mesmo Deus, Jesus
Cristo, Filho de Deus, que se deu a nós como pe­
nhor da suprema felicidade que nos destina.

II. Ainda que Deus nenhuma promessa nos


fizesse, só a nossa confiança o obrigaria a nada
nos recusar. - 1 . 0 Esperando tudo de Deus, da­
mos-lhe uma glória, que êle preza e nos pede: « In­
voca-me no dia da tribulação: livrar-te-ei, e honrar­
me-ás • . A confiança é a homenagem mais apreciada,

(1) ln pace in idipsum dormi11m ef requiescam; quoni11m fu


Domine, sil1'gul11riler in spe consfifuisfi me. Ps. IV, 9.

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596 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

a homenagem do coração; daí êsse desejo que leem


todos os homens de granjear a confiança. 2. 0 Deus
deshonrar se-ia, se permitisse que fôssemos iludidos
nã nossa confiança. Em matéria de bondade, julgue­
mos ao menos do seu coração, pelo nosso. e. Seria
homem aquele que recusasse socorrer a outro homem
que a êle recorreu com tôda a confiança, princi­
palmente se se tratasse de seu filho, e se lhe fôsse
facílimo socorrê-lo eficazmente? Meditemos nesta pa­
lavra: Porque esperou em mim, livrá-lo-ei; e repila­
mos com júbilo: Eu espero em vós, Senhor; logo
nunca serei confundido.

IS!

XCIX MEDITAÇÃO
Alegria espiritual

Nada_ faz mais honra ao jugo de Jesus Cristo,


que a serenidade no rosto dos que o levam. Os pa­
dres devem dar aos fiéis o exemplo da santa alegria,
que a Igreja desejaria vêr sempre no coração de
seus filhos. Até nos tempos que ela consagra à pe­
nitência, interrompe os seus gemidos para nos convi­
dar à alegria (1).

1. i.Üue é 11 11legria espirifu11l, e que idéia devemos fozer del11?


li. Como Deus deseja que a possu11mos sempre.
Ili. Como é ú!il e necessária ã nossa sanfificação.

1. Verdadeira idéia da alegria . espiritual. -


S. Paulo dá-no-la na sua epístola aos filipenses:

(1) No infróifo da missa do ferceiro domingo do Advenfo, e


do quarfo d11 Ou11resma, 11s primeiras polavrns que el11 faz ouvir, são
estas: • Alegrai-vos, vivei sempre alegres no Senhor: Laelare,
gaudele•.

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ALEGRIA ESPIRITUAL 597

Meus irmãos, alegrai-vos, alegrai-vos incessantemente


no Senhor; outra vez o digo, alegrai-vos·. A vossa
modéstia seja reconhecida de todos os homens: o
Senhor está perto. Não vos enfrisleça coisa alguma;
mas com muita oração e rogos e- com acções de gra­
ças sejam manifesfos as vossas petições deante de
Deus (1). Neste texto lemos os caracteres e motivos
de uma alegria verdadeira�enle cristã. E' em Deus
que ela se funda: in Domino; por isso é constante e
inalterável. A alegria que provém das paixões salis­
feilas, passa como uma torrente que seca logo, e só
deixa após si um lõdo impuro. A que provém das
criaturas, ainda que seja inocente, é ao menos vã, su­
perficial e passageira, como os bens que a causam.
A alegria espiritual é a única que enche o coração
e que pode durar sempre, porque dimana da fonte:
Semper., E' modesta, e nada tem de comum com as
alegrias loucas e turbulentas dos mundanos; o Após­
tolo dá como razão, que ela é fundada na nossa fé
na presença de Deus, Dominus prope esf, no seu
poderi na sua bondade, e na fidelidade às suas pro­
messas, donde nasce em nós o sentimento da con­
fiança. é. Ouem poderia inquie"lar-nos? Deus está em
tõda a parle, vê tudo, pode tudo, e quer sempre a
nossa felicidade. Os seus tesoiros são nossos; en­
tregou-nos a chave dêles: é a oração (2); e deseja
que usemos dela. Animada pela lembrança dos be­
nefícios já reeebidos, a oração obtém tudo: Cum
grafiarum acfione petifiones veslrae innolescanl apud
Deum. A alegria espirilual é em nós um dom do
Espírito Santo, e um comêço de participação da ale­
gria do mesmo Deus: Infra in gaudium Domini fui.
Na terra, a alegria cai gôta a gõla na alma dos es-

(1) Philip. IV, 4-6 ..


( 2) Oralio jusfi clavis esf coeli. S. Aug.

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598 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

colhidos; no céu são dela inundados, corno de urna


torrente.
l Oue é pois alegrar-me no Senhor? E' buscar
nêle e no seu �erviço tôdas as minhas satisfações.
Alegro-me em Deus, quando me alegro no cumpri­
mento da sua vontade, quando me felicilo de ser o
servo de tão bom senhor, o filho de tão terno Pai.
Quando me alegro do amor que me tem, das provas
que dêle me dá, dos bens que espero dêle. Mas ale­
gro-me em Deus da maneira mais perfeita, quando
contemplo com júbilo as suas infinitas perfeições, a
sua absoluta independência, a sua suma felicidade,
que todos os a.lentados dos maus corações não po­
dem perturbar nem alterar; a minha alegria é então
o amor do filho, que se compraz em olhar para seu
pai, e se sente feliz da sua felicidade.

II. Como a nossa alegria espiritual é agradá­


vel a Deus. - Criou-nos à sua imagem, e quer que
nos assemelhemos a êle, quanto disso fõrmos capa­
zes. Desfiguramos essa imagem divina com a nossa
tristeza; porque Deus é a alegria, assim como é a
caridade. l Em que página dos nossos livros santos
se não encontram, ou para os pecadores vivas soli­
citações a converterem-se, ou para os justos convites
a alegrarem-se? A nossa alegria é tão agradável a
Deus, quando êle é o objedo dela, que é: um meio
seguro de conse�uir dêle tudo o que desejamos (1).
A alegria é o fruto da graça (2) ; dom do Espí­
rito Santo é o vosso bem, padre fiel; ning11ém pode
contestar-vos a sua posse. Buscais o Senhor, quereis
ser todo dêle, é o bastante; tendes direito a alegrar-

(1) Delech1re in Domino, ef dabi! libi peliliones cordis fui.


Ps. XXXVI, 4.
(2) Frudus Spiri!us es! gaudium. Gal. V, 22.

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ALEGRIA ESPIRITUAL 599
-vos. Ouvi-o, quando vos exorta tantas vezes aos
júbilos, aos transportes de alegria (1). Oh I quão
dignamente o louvais, só porque vos achais feliz de
o servir I E' principalmente a vós que cumpre dizer,
que De�s vos cobre com as suas ttsas (2),' como uma
galinha cobre os seus pinlaínhos; quê? é. ficaríeis
triste onde o profeta se alegrava? ( 3 )
Não digais que, se a alegria é preceituada, o temor
o é também. Não, os vossos receios, os vossos aba­
timentos, não são o temor que Deus ordena. l:.ste
não gela o coração, pois ao contrário é necessário
estar alegre, para possuir êste temor salutar: é David
que no-lo ensina: Alegra-se o meu coração para que
lema o vosso nome ( 4). Os Santos temem desagra­
dar t1 Deus, porque olham o seu beneplácito como o
maior de todos os bens, e o seu desagrado como o
maior de lodos os males. O seu temor lem o seu
princ1p10 no amor. • O temor do Senhor, diz o
Sábio, é um motivo de alegria, e uma corôa de re­
gozijo: deleitará o coração dos justos, ·e depois de
os ler preservado do pecado, lhes dará a paz e a
salvação• (5). é.fazeis uma oferenda ao Senhor?
Não a façais com tristeza, nem como por fôrça;
porque êle ama aquele que dá com alegria ( 6 ). é.Entrais
no seu templo para orar? Entre lá a -alegria con­
vosco, e não a expulseis contra a vontade de Deus,
que vos quer alegrar na sua casa (7 ).

Ili. Como a alegria é útil e necessária à nossa


santificação. - Meditemos · bem nestas palavras :

(1) -L11e!elur cor qu11erenlium Dominum. Ps. CIV, 3.


(2) ln velamenlo 11l11rum luarum exull11bo. Ps. LXII, 8.
3
( ) Ps. XXXI, 11; XXXII, 1. - l') ld. LXXXV, 11.
5
( ) Eccli. 1, 11.
(6) Hil11rem enim d11lorem dilig:f Deus. li Cor. IX, 7.
(7) Laelificabo eos in domo oralionis, Is, LXI, 7,

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600 MEDlTAÇÕES SACERDOTAIS

O júbilo do coração é a vida do homem, e um te­


soiro inexhaurivel de santidade (1). A alegria espiri­
tual, assim comÓ a verdadeira piedade de que é in­
separável, é portanto útil para tudo: tem promessas
para a vida presente e para a vida futura. Nós só a
encaramos aqui debaixo dêste último aspecto.
Se a tristeza mala as almas (2), e acarreta a des­
graça elerna de um grande número, a alegria espiri­
tual salva-as. Ela é um baluarle que protege a ino­
cência, e um poderoso meio de reparar a sua perda.
Se sois lentado, e a tristeza se apodera do vosso
coração, eis-vos nas trevas, perdeis as vossas fôrças,
sois vencido. As vossas armas seriam a oração, a
confiança em Deus, a modificação; mas a oração
desgosta-vos, a confiança em Deus desampara-vos, a
mortificação torna-se-vos impraticável. Se ao contrá­
rio tendes a alegria da esperança, Deus vos livrará;
prometeu-o ; ainda que não tivesse outra razão para
vos socorrer contra o demónio, que não é vosso ini­
migo senão porque é inimigo de Deus, só a vossa
esperança o obrigaria a isso. Caístes ? Venha a es­
perança do perdão tranqüilizar a vossa alma, contur­
bada pela primeira impressão da queda, e traga-vos de
novo para Deus. Dando-vos a alegria, dar-vos-á a
salvação . (3). é.Trata-se do cumprimento dos vossos
deveres? Nada o facilitará tanto, como a santa ale­
gria. Convém dizer dela o que é tão verdade a res­
peito do -amor santo: • Nada lhe pesa, nada lhe
custa; - lenta mais do que pode; nunca pretexta
impossibilidades; e por causa disto mesmo, pode
4
tudo• ( ). A tristeza enerva o ânimo; a menor difi-

(1) Jucundifas cordis haec esl vila hominis ef thesaurus sine


deíecfione sanc!ifalis. Eccli. XXX, -23.
(2) Eccli. XXX, 25.
(=') Redde mihi laefi!iam salufaris !ui. Ps. L, 14.
( °' ) Sine delecfafione anima nunquam potes! esse; nam au!
infimis delec!a!ur au! summis. L. XVIII.. Mor. cap. XVIII.

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ALEGRIA ESPIRITUAL 60t
culdade abale-o. Faz que o nosso traio seja penoso,
desconlenle dos outros e de nós mesmos. Arrasta
para dois precipícios inteiramente opostos: a deses­
peração, ou o amor desordenado dos gozos crimino­
sos; os melancólicos são mais inclinados aos delei­
tes, precisamente porque estão abismados na dôr.
Concluamos que a alegria não só é útil, mas neces­
sária. O coração do home_m, diz S. Gregório, não
pode eslar sem gôzo; se o não llchll em cimll, bus­
Cll·O em hllixo. A tristeza é certamente um grande
obstáculo à salvação, .visto que a Igreja pede com a
mesma instância, que sejllmos livres dt1 tristeza pre­
sente e gozemos dt1 t1legria efernt1 (1).
Senhor, se eu vos amo, lerei a alegria e uma ale­
gria inalterável; mas se lenho a alegria espiritual,
amar-vos-ei; a alegria dilata o coração e abre-o às
suaves impressões do amor. O' meu Deus I dai-me
o vosso amor, dai-me a �legria, que vem do vosso
amor; nada poderá separar-me de vós, nem pertur­
bar a minha felicidade.

Resumo da .Meditação

I. Verdadeira idéia da alegria espiritual. -


Dá-no-la S. Paulo: Meus irmãos, t1legrai-vos, ale­
grt1i-vos incesst1nfemenfe no Senhor; oufrt1 vez o
digo, t1legrai-vos. A vosst1 modésfit1 sejt1 conhecida
de todos os homens: o Senhor está per/o. A santa
alegria tem a sua fonle em Deus: in Domino, fonte
inexhaurível e que mana sempre: semper. E' modesla
e cheia de afoiteza, porque o Senhor está perto: Do­
minus prope esf. E' na sua presença que me ale­
gro; daí a minha modéstia e confiança. Alegro-me
no Senhor, quando me alegro do amor que êle me

(1) A praesenli liberari lrisfi!ia e! aelerne perfrui laefilia.

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602 MWITAÇÕES SACERDOTAIS

fem; quando ponho a minha alegria em fazer a sua


vontade, quando me sinto feliz da sua felicidade.

li. Como a nossa alegria espiritual é agradá­


vel a Deus. - Criou-nos à sua imagem; nós desfi­
guramos esta imagem com a nossa tristeza; porque
Deus é a alegria, assim como é a Cdridade. A ale­
gria no Senhor é o amor mais puro. E' tão agradá­
vel a Deus, que é um meio seguro de obter dêle o
que queremos : Delecfare in Domino.

lll. Como a alegria espi�ifual é úlil e necessá­


ria à nossa sanlificação. - O Espírito Santo disse:
O júbilo do coração é a vida do homem e um tesoiro
inexhaurível de santidade. Se a tristeza se apodera
do vosso coração, eis-vos nas trevas, perdeis as vos­
sas fôrças, estais vencido. O coração do homem
necessita de gôzo; se o não acha na virtude, bus­
ca-o na desordem. A alegria dilata o coração, e o
prepllra para as dôces impressões do santo amor.
A Igreja pede com a mesma inslància, que sejamos
livres da tristeza presente e gozemos da alegria
eterna.
131

C MEDITAÇÃO
Conformidade com a vontade de Deus

1. Nada mais justo do que só querer o que Deus quer.


II. Nada mais excelente nem mais agradável a Deus.
Ili. Nada mais honroso para nós.

Deus é o nosso centro, assim como é o nosso


primeiro princípio e o nosso último fim. Descansar
nesse centro de lodo o bem, unir-nos a Deus, tal

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CONFORMIDADE COM O QUERER DE DEUS 603

deve ser o fim supremo de lodos os nossos desejos,


e é para êste fim que nos temos esforçado por ten­
der em tôdas as nossas meditações. O pecado é o
grande obstáculo a esta união: princ1p1amos por
fazer-lhe guerra; Cristo é o vínculo desta união:
temos procurado transformar-nos nêle por uma fiel
imitação; o amor de Deus consuma cá na terra esta
união, emquanto lhe não dá a sua úllima perfeição no
céu: eis a razão por que todos os nossos pensamen­
tos, n�stes últimos dias, não leem por objecto se­
não a vida celeste, que nós preludiamos pela divina
caridade. Mas amar a Deus, como podemos, como
devemos amá-lo na terra, é dispôr-nos a amá-lo como
queremos amá-lo no céu, é conformar-nos inteira­
mente com a sua divina vontade: e. que faltará pois .á
nossa alma, quando o tivermos enriquecido desta
virlude, que é o complemento e a coroa de tôdas as
virtudes?

I. Conformar inteiramente a minha vonfede


com a de Deus . . . l que coisa mais justa ? - A or­
dem e a razão exi�em que o Senhor manifeste a sua
vontade, e que o servo a execute; que a verdade seja
preferida à mentira, a sabedoria à loucura; que o
que é perfeito e imutável na sua perfeição, regule o
que é vicioso, ou só é momentaneamente. bom. Ora,
se comparo as duas vontades, que trato de unir uma
com a outra, a de Deus e a minha, que acharei?
A vontade de Deus é a do Senhor, a minha é a
do servo; a êle compete mandar, a mim compete
obedecer, Ouando o sumo sacerdote Heli ouviu Sa­
muel anunciar-lhe os terríveis castigos que ia rece·
ber por causa da sua culpável fraqueza, limitou-se
a dizer: Dominus esf, quod bonum esf in oculis _suis
facial (1). Bela resposta, de que me devo servir para

(1) I Reg. III, 18.

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604 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

abafar as queixas, evitar ou vencer a resistência da


minha vontade, quando fôr lentada a rebelar-se.
A vontade de Deus é infinitamente esclarecida:
uma suprema sabedoria a dirige em tôdas as coisas;
a minha está envôlta em trevas: é quem poderia con­
tar os seus desvarios? Ela é continuamente o ludí­
b_rio de algum êrro. Deve suceder com a minha
vontade em maléria de obediência, o mesmo que com
o meu entendimento em matéria de fé. Dara me
submeter a Deus que me falta, renuncio aos meus
raciocínios humanos, e confio-me às suas luzes. é Não
tenho eu as mesmas razões de me sujeitar à sua von­
tade infinitamente sábia para me dirigir, e à sua in­
falível verdade para me esclarecer?
finalmente, a vontade de Deus é a própria recli­
dão e santidade. Sempre perfeita, nunca muda.
A minha é inclinada ao mal, desregrada, inconstante:
Sfef ergo regula, diz Santo Agostinho, ef quod pra­
vum esf ad regulttm corrigafur (l). Oue acontece
porém? Em lugar de seguir a vontade de Deus, eu
quereria que Deus seguisse a minha; isto é, não
querendo que êle �e santifique, quisera depravá-lo;
que desordem! Haec esf hominibus magna e( usifafa
perversifas, ui cum debeanf ipsi vivere secundam vo­
lunfafem Dei, ipsi Deum velinf vivere secundam vo­
lunfafem_ suam; ef cum ipsi nolinf corrigi, illum velint
depravari (2 ).

II. Conformar inteiramente a minha vontade


com a de Deus ... 'l que coisa mais excelente e
mais agradável a Deus? - Deus operou• na terra
duas uniões, cuja maravilha excede tudo o que o
nosso espírito pode compreender: a união da natu­
reza humana com a divina, na pessoa do Verbo in-

(1) ln Ps. XXXI. - (2) Jd. XLV.

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CONl'ORMIDADE COI\I O QUEIIEII DE DEUS 605

carnado, adoramo-la em Jesus Cristo; a união de


uma maternidade. infinitamente fecunda com uma vir­
gindade inalterável, e honramo-la em Maria. • Depois
destas duas uniões incomparáveis, diz' o P. Nouet,
nenhuma conheço mais excelente que a da nossa von­
tade com a vontade divina. Não há coisa alguma no
mundo, que mais• agrade a Deus, e que nos torne
mais semelhantes a seu filho,.
O mesmo escritor acrescenta: • Assim como o
Homem-Deus é por isso mesmo infinitamente pode­
roso, bom, sábio e santo; assim também a sua von­
tade humana, lendo passado para a divina, se torna
tôda sanla, porque é unida à própria santidade;
omnipotenle, porque é unida à omnipolência de Deus;
tôda perfeita, porque é unida à suma perfeição•.
l Como não se comprazeria Deus em uma alma iden­
tificada com êle, e em que êle se contempla?
Parece que queria mostrar-nos a alegria que lhe
causa êste sacrifício da nossa vontade à sua, quando
disse: Achei a Délvid, filho de Jessé, homem segundo
o meu cornr;ão, e a razão da minha predilecção para
com êle, é que ê/e félrá tôdéls as minhas vontades (1).
Achou ê�se homem, como o seu coração o desejava,
logo buscava-o? Sim, mas primeiro inutilmente;
afinal achou-o, está satisfeito; convém que fale dêle,
e que se felicite.
E' certo que essa abnegação filial de uma alma
que se entrega inteiramente a Deus, para que dis­
ponha dela como quiser, é um magnífico triunfo da
graça sôbre a vontade humana, sem n,enhum prejuízo
da sua liberdadej triunfo muito mais lisonjeiro para
aquele que o alcança, porque o vencido quer sê-lo, e
se julga infinitamente obrigado para com o seu vence­
dor. O' meu Dl'us, alcançai êsse triunfo sôbre mim :

(1) Acl. XIII, 22.

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606 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Ecce me lo/um omnesque sortes meas in manihus fuis


plene e! fiducia/ifer repano: quod fihi placilum fuerif,
hoc deinceps fiai ( 1).

III. Conformar infeiramenfe a minha vontade


com a de Deus . . . l que coisa mais honrosa ? -
Com isto, livrando-me de qualquer outra sujeição,
para só depender daquele, cujos servos ,são outros
lanlos reis, elevo-me até à vida dos anjos, alé à vida
de Jesus Cristo, que é a vida do mesmo Deus.
1. 0 Se renuncio à minha própria vontade, para
abraçar inteiramente a de Deus, não há já entre mim
e os anjos, senão uma mesma regra de proceder,
uma mesma vida. • Bemdigam ao Senhor todos os
seus anjos, poderosos em virtude, e execulores da
sua palavra, para obedecer às suas ordens. Bemdizei
ao Senhor, ó virtudes do céu, vós, ministros seus, que
fazeis a sua vontade• (2).
Os anjos leem um só móbil, a vontade divina;
Deus o quer, tal é a lei, a que todos obedecem.
Deus o quer, e êsse príncipe do céu vai governar
um povo ou proteger um menino. Encarrega-se de
Ião boa vontade de ser o guarda de um. pecador,
como de um Santo. êsse pecador não lhe agradecerá
os ·seus serviços, e fá-lo-á testemunha forçada de
milhares de abominações. Mas visto que Deus o
quer, o anjo dispensar-lhe-á os seus cuidados com a
afeição da mais terna mãe para com seu filho único.
e. Não é belo ler a mesma ocupação que êsses espí­
ritos bemaventurados, e imitar a sua vida? Todavia

(1) Memor. vil. sacerd. e. X VIII.


(2) Benedicile Domino, omnes Angeli ejus: polenles virfule,
focienles verbum illius, 11d 11udiend11m vocem sermonum ejus; Be­
nedicile Dominei, omnes virlufes ejus, minislri ejus, qui focifis vo­
lunllllem ejus. Ps. Cll, 20,, 21.

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CONFORMIDADE COM O QUERER DE DEUS 607

a minha conformidade com a vontade divina eleva-me


ainda mais alto.
2.º Dá-me uma admirável semelhança, um ine­
fável parentesco com o Rei dos anjos. Jesus Cristo
só desceu à terra e nela viveu e morreu, para se cdn­
formar com a vontade de seu Pai. Não veio de si
mesmo; enviou-o seu Pai: Misif me vivens Pafer ( 1).
A vontade de seu Pai determinou ludo: o tempo, o
lugar, a duração da sua missão no meio dos homens;
dirigiu lodos os seus passos, ditou tôdas as suas pa­
lavras, ordenou todos os seus milagres... Ouae
placifa sunf ei facio semper (2) ; fixou o género e
tôdas as circunstâncias da sua morte: Non haberes
pofesfafem Bdversum me ul!Bm, nisi fibi dBium esse{
desuper (ª). Antes de expirar, parece tornar conselho
consigo mesmo: é. Cumpri eu bem a vontade de
meu Pai? Sim, tudo esfil consumBdo. Não ne­
cessito já desta vida mortal : Ef inclinBfo cBpife, frB­
didit spirifum (4 ). E' portanto principalmente com
esta virtude, que eu me torno perfeito imitador do
filho de Deus e sua viva imagem. Ainda mais:
praticando-a, entro na sua família, torno-me seu
irmão; ama-me de alguma sorte como sua própria
mãe; porque foi êle mesmo que pronunciou êste orá­
culo: Todo Bquele que fizer a vontade de meu Pai
que esfil nos céus: êsse é meu irmão, e minha irmã,
e minha mãe (5). Como se dissesse: Maria só leve
o primeiro lugar no meu coração, porque foi a mais
perfeita das criaturas em sua conformidade com a
vontade do Senhor.
Querendo o que Deus quer, como êle o quer, por-

( 1)JoBn. VI, 56. - (2) ld. VIII, 29. - (8) ld. XIX, 11.
(4 ) lbid. 30.
(&) Ouicumque fecerif volunfo(em PBlris mei, qui in coelis es(,
ipse meus frB(er, e! soror, ef mBler esf. MBHh. XII, 50,

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608 MEDITAÇÕES SACER_DO_T_A_IS_______

que êle o quer, tenho o mesmo alimento que o Sal­


vador: Meus cihus esf, ui Íl1cil1m volunláfem ejus qui
misil me (1). O que o faz.ia viver, faz-me viver a mim;
sou como que um outro Jesus Cristo, um Deus feito
homem, conversando com os homens: Oui pélref
Deo, efficitur, éld magisfri imaginem, Deus in carne
conversélns (2).
Assim, emquanlo o Verbo eterno, para se confor­
mar com a vontade de seu Pai na obra da nossa re­
denção, teve que descer alé aos últimos limites do
abatimento, nós ao contrário, praticando a mesma
conformidade, elevamo-nos acima de tôda a criatura;
subimos, diz S. Boaventura, até ao c�u da adorável
Trindade, para nos unirmos a Deus, tomand0 a sua
vontade por norma da nossa: Ascendi! éld coe/um
Trinifafis, ei per conformilé1fem volunfalis inhaeren­
do (3). Assim, com isto participamos de dois atribu­
butos divinos, que parecia que a nossa fragilidade
nunca poderia alcançar: a infalibilidade e a impeca­
bilidade; porque, quando eu faço a vontade do Se­
nhor e obedeço à direcção de sua suma sabedoria,
posso enganar-me? Ouando procedo conforme com
a santidade infinita, posso pecar?
e. Tendes apreciado devidamente tão, excelente vir­
tude? e. Oue tendes feito até ao presente para a con­
seguir? e. Oue fareis daqui em deante?

Resumo da Meditação

I. Conformar inteiramente a minha vontade


com a de Deus.. . l que coisa mais jusfa? - A
vontade de Deus é a do Senhor, a minha é a do
servo. A ele compete mandar, a mim obedecer. - A

(1) Joan. IV, 34. e... (2) Clem. Alex. VII. Sfrom.
(3) Serm. in I. Dom. Adv.

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CONFúBMIDADE COM O QUEBEB DE DEUS 609

vontade de Deus é infinitamente esclarecida, a minha


é sujeita a mil êrros. A de Deus é a mesma recti­
dão e santidade, nunca muda; a minha é depravada,
inconstante, capaz de todo o mal. Oh! quão justo é
que eu me deixe dirigir pela vontade de Deus, subme­
tendo-lhe a minha!

II. Conformar inteiramente a minha vontade


com a de Deus . . . l que · coisa mais excelente? -
Depois da união da natureza humana com a divina,
que adoramos em Jesus Cristo, e da união da ma­
ternidade com a virgindade, que honramos em Maria,
nenhuma há mais admirável que a da nossa vontade
com a do Senhor. Parece que êle queria mostrar-nos
quanto ela lhe é agradável, quando disse: Achei a
David, .ilho de Jessé, homem segundo o meu coração,
e que fará fôdas as minhas vontades. Esta abnega­
ção filial, que nos entrega inteiramente nas mãos de
Deus, é a mais bela vitória da graça sôbre a nossa
von,tade, sem ofender o nosso livre arbítrio.

III. Conformar inteiramente a minha vontade


com a de Deus·. . . l que coisa mais honrosa? -
Com esta virtude: 1. 0 Elevo-me à classe dos anjos;
não há já entre êles e mim senão uma mesma regra,
um mesmo princípio de acção, uma mesma vida.
2. 0 Adquiro uma admirável semelhança, uma espécie
de parentesco com Jesus Cristo, o Rei dos anjos.
ê.le desceu à terra, nela viveu e morreu, só para fa.
zer a vontade de seu Pai. Com esta virtude, não
lenho outro alimento senão o que tem Jesus Cristo.
Entro na sua família, torno-me seu irmão, sua irmã,
sua mãe. Elevo-me até Deus, tomando a sua von­
tade por norma da minha; participo da sua infalibi­
lidade, da sua impecabilidade.

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6f0 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

CI MEDITAÇÃO
Conformidade com a vontade de Deus.
- O que nela acha a nossa alma

[. A sanlidade mais perfeila.


li. A mais complela felicidode.

I. Conformar a nossa vontade com a de Deus


é a santidade mais perfei(a. - Já o ponderámos.
A divina vontade é a mesma santidade e a regra de
lôda a santidade; serei pois lanlo mais sanlo, quanto
mais conforme fôr a esta regra. é. Pode-se imaginar
uma vida mais perfeita que a de Jesus Crislo? Ora
é inconleslável, que a minha conformidade com a
vontade de s·eu Pai foi a alma -({e• tôda a sua vida:
ln his quae Pafris mei sunf, oporfef me esse (1). Se
pois a medida da nossa semelhança com êsse adorá­
vel modêlo de ludo o que é perfeito, é a medida da
nossa perfeição, adeantar-nos-êmos ha verdadeira per­
.feição, em proporção dos nossos progressos nesla
mesma conformidade.
Praticar esta virtude, é praticá-las lôdas, e pelo
mais excelente motivo.
t . 0 Em primeiro lugar, querendo sempre o que
Deus quer, pratico lôdas as virtudes: - A fé, pela
qual vejo a Deus em todos os acontecimentos, grandes
e pequenos; a Deus que preside a tudo, governa ludo,
e dirige ludo com um poder a que nada eslorva, uma
sabedoria a que nada engana, uma bondade a que
nada iguala. -A confiança, pois me entrego aos cui-

(1) Luc, II, 49.

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VANTAGENS DA CONFORMIDADE 6H

dados do seu amor, lançando-me em seu seio, como


um filho se lança nos braços de seu peii; - a morti­
ficação, a paciência, a humildade, pois me submeto
aos golpes da sua justiça, e bemdizendo-o em lodos
os tempos, recebo da sua mão tanto as tribulações
como as consolações. - Sucede o mesmo com as
outras virtudes. Pratico-as, e pelo motivo mais exce­
lente, isto é, o amor, e o amor mais puro.
2. 0 A conformidade com a vontade divina não é
na realidade senão o amor,. em que consiste tôda a
santidade, tôda a perfeição : Plenitudo legis esf di­
lecfio ( 1). Com efeito, é. qual é êsse amor que Deus
espera de nós, e quem no-lo ensinará melhor que
êle? Aquele ·que tem os meus mtmdamenfos e que
os guarda, êsse é o que me tem amor ( ). Aqui a
2

razão concor.da com a fé. é. Não se diz lodos os


dias que dois corações estão unidos, que se amam
mutuamente com u.ma amizade perfeita, quando que­
,rem ou não querem as mesmas coisas? Eadem velle
eadem nolle ea demum Grma amicifia est (3). - Oue­
rer o que Deus quer, é -amá-lo como êle se ama, é
querer-lhe todo o ºbem que êle quer a si, e do modo
que êle quer; é dizer-lhe: i Oue tenho eu no céu e
sôhre a ferra senão a vós, Deus do meu coração, e
minha porção para sempre? (4)
S. Paulo compreendeu tão bem, logo na ocasião
da sua conversão, quanto é perfeita a prática desta
virtude, que a sua primeira palavra foi um ado de
plena resignação na vontade divina: Senhor, i que
5
quereis que eu faça? ( ) Não diz: • Meu Deus, já
que vos dignastes descer até mim, e revelar-vos àquele

(1 J Rom. Xlll, 10.


(2) Oui habet m11nd11f11 mea ef serva! ea, ille est qui diligit
me. Joan. XIV, 21.
4
(3) S. Hier. Episf. ad Demet. - ( ) Ps. LXXII, 25.
(5 ) Acl. IX!'6.

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61':! MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

que menos o merecia, quero ser o vosso apóstolo,


quero ser máf·tir, quero mostrar com os meus suores
e sangue, o reconhecimento de que me sinto pene­
trado para com uma bondade tão lerna, quero sepul­
tar-me em um deserto, para ali chorar os meus _cri­
mes•. Nada disso, mas sõmenle: Domine, quid me
vis lacere? Falai, ó meu Deus, mandai; é que quereis
que eu faça? E.is-me nas vossas mãos, como o barro
na mão do oleiro; fazei de mim o que quiserdes.
O verbum breve, sed plenum, sed vivum, sed ef.icax,
sed dignum omni accepfione! ( 1 ) i Oue agradável é
achar a santidade que Deus exige de mim, em uma
só virtude que eu possa ·praticar a cada instante, e
que enche a alma de uma suavidade celeste 1

II. Conformar em ludo a nossa .vontade com


a de Deus, é a felicidade mais completa. - Ser
feliz em tõda a acepção da palavra, é, de um lado,
ser litre de lodo o mal, e do outro, possuir tudo o
que se deseja, d� maneira que se deseja. Mas l que
homem na terra pode conseguir tanta felicidade?
Aquele que pratica períeilamenle a virlude que eslou
meditando.
Por mais numerosos que sejam os nossos males
neste vale de lágrimas, podem referir-se a duas clas­
ses: uns, na ordem moral e sobrenalural, são o pe­
cado, com ludo o que o prepara e se lhe segue; ou­
tros, aos quais a nossa cegueira dá mais gravidade
do que leem, dizem respeito à natureza: são as
doenças, as separações dolorosas, as perseguições, a
perda das riquezas, da honra, ele. l Estamos suficien­
temente persuadidos de que a conformidade com a
vontade divina pode pôr-nos ao abrigo de lodos êsles
males?

(1) S. Bern. Serm. 1. de Conv. S. Pauli.

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VANTAGENS DA CONFORMIDADE 613

No que se refere ao mal moral ou ao pecado, a


coisa é evidente: não se peca senão querendo o que
Deus não quer, ou não querendo o que êle quer.
O pecado é uma indigna preferência dada à vontade
do homem sôbre a de Deus.
Ouanto aos males da segunda classe, só são
verdadeiramente males pela sua oposição à nossa
vontade; porque um sofrimento que eu amo, µm tra­
balho, uma tribulação que me agrada, uma fadiga
que busco, uma cruz que desejo, não são um mal
para mim, antes teria por uma desgraça o ser dêles
privado: Passus es aliquid mali? diz S. João Cri­
sóstomo: Si velis, non esf ma/um; grafias age, ef
mufafur ma/um in bonum. Eis pois a primeira con­
dição da felicidade realiz!'lda pelo homem que não
quer absolutamente senão o que Deus quer. Refu­
giando-se no seio da Providência pôs-se em um lugar
muito alto; assim não lhe chega nenhum mal : Alfissi­
mum posuisfi refugium fuum, non accedef ad fe ma­
/um (1). Daí essa tranqüilidade inrelterável, essa paz
profunda, que sobrepuja todo o entendimento, essa
saciedade de todos os desejos, que é a segunda con­
dição da felicidade, ou antes,· segundo Santo Agos­
tinho, é a mesma felicidade: Pelicifos desideriorum
quies.
O que constitui o reino de Deus, diz S. Paulo,
isto é, a felicidade dos Santos neste mundo, não é a
comida nem a bebida, mas a jus/iça, a paz, o gôzo
do Espírilo San/o (11). Eis a herança antecipada dos
filhos de Deus na terra; e chamamos-lhe beatitude,
por causa da semelhança que nos dá com os bema­
venturados. Um dos seus privilégios é que, possuindo
a Deus, possuímos nêle lodo o bem, não lemos a
desejar nem a temer mudança alguma. Sucede o

(1) Ps. XC, 9, to. -(2) Rom, XIV, 17.

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6U, MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

mesmo, com alguma proporção, com a alma que


atingiu a perfeição desta conformidade. Logo que ela
colocou a sua felicidade na vontade divina, tornou-a
imutável, como a do mesmo Deus. Não só ntio a
enfrisfecerii coisa alguma, aconteça o que lhe acon­
tecer (1), mas também tudo sucede conforme os seus
desejos. Firmada na vontade do Senhor, essa alma
está sempre alegre na esper.ança : Spe gaudenles (2).
No meio das mais violentas tempestades, sentada
sôbre êsse rochedo inabalável, ela ri-se do furor das
ondas, e arrosta com tôdas, as potestades do inferno.
• O' meu Deus, quando eu estiver perfeitamente unido
a vós, quando tudo o que há em mim tiver convosco
uma ligação de amor e de graça, não terei já tribu­
lação nem dôr; então a minha vida será cheia de
gôzo, porque eu mesrtío serei cheio de vós• (3).
Finalmente, o que completa a felicidade do padre,
é concorrer eficazmente para a de seus irmãcs. Ora
é êsle um dos ·efeitos dessa santa conformidade. Ela
une-nos intimamen.fe ao Salvador; o mesmo espírito
que o animava a êle, nos anima a nós: dirige-nos a
mesma regra, alimenta-nos o mesmo pão. Jesus fala,
trabalha, padece e salva em nós ; temos ludo o que
é necessário para cumprir os seus desígnios na san­
tificação das ai.mas; Oui manei in me, ef ego in eo,
hic feri frucfum mui/um (4 ).
O pon!o essencial é aqui, como em tôda a parle,
reavivar a nossa fé. Ouando, vendo as coisas como
ela no-las mostra, caminharmos guiados pela sua luz,
diremos a Deus de lodo o nosso coração: Adveniaf
regnum fuum; e ao mesmo tempo nos en!regaremos
a êle, para que reine em nós e sôbre nós. Diremos

(i) Non conlris(abi( jus!um quidquid ei accideri(. Prov. XII, 21.


(2) Rom. XII, 12. - (3) S. Aug. Conf. 1. x, e, XVIII.
( 4/ Joan. XV, .5.

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VANTAGENS DA CONFORMIDADE 6t5

também: Seja feita a vossa vontade, assim na ferra


como no téu, porque estaremos resolvidos inteira­
mente a fazê-la em tudo o que depende de nós, e
dispostos a que Deus a faça em tudo o que não de­
pende de nós; •de tal sorte que êle reine em nós,
diz Bossuet, como reina no céu sôbre os espíritos
bemavenlurados, que, q,uando Deus opera, não sa­
bem dizer senão Amen, isto é, assim seja, ou cantar
Aleluia, isto é, louvado seja Deus, por tudo o que
faz•·
À reflexão e à oração juntemos freqüentes aclos
desta virtude. Nos acontecimentos adversos, ou sõ­
menle quando nos aconlecer alguma coisa de inespe­
rado, habituemo-nos a refugiar-nos logo na adorável
vontade do Senhor, e a repelir com Jesus Cristo :
lia Pater, quoniam sic fui/ placifum ante fe (1).

Resumo da Meditação

I. Conformar em tudo a minha vontade com a


de Deus, é a santidade mais perfeita. - Querendo
sempre o que Deu_s quer, e\l pratico tôdas as virtu­
des: a fé, a confiança, a mortificação, ele., e pelo
motivo mais excelente; porque esta conformidade não
é na realidade senão a caridade: Se me amais, guar­
dai os meus mandamentos (2). - Querer o que Deus
quer, é amá-lo como êle se ama, como quer que o
amemos. S. Paulo compreendeu-o desde o primeiro
instante da sua conversão: Senhor, i que quereis que
eu faça? i Que agradável é achar tôda a perfeição
em uma só virtude, e tão fácil de praticar!

II. Conformar em tudo a· minha ,zonfade com


a de Deus, é a felicidade mais completa. - Com

(1) Motfh. XI, 26. - (2J Joon. XIV, 15.

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616 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

esta virtude, livro-me de todo o mal, e tenho lodo o


bem que desejo. - Não hã já mal moral� não há já
pecado, ,pois o pecado não é senão a .dposição à
vontade divina. Não hã mal na ordem natural; por­
que um sofrimenlo que eu amo, que me agrada, que
eu desejo, longe de ser um mal para mim, é um bem.
Refugiando-me na vontade _de Deus, evito lodos os
verdadeiros ,males. - Dai elsa paz, essa saciedade
de todos os desejos, que é a segunda condição da
felicidade, ou antes a mesma felicidade. Logo que eu
pus a minha felicidade na vontade de Deu:,, tornei-a
imutável, de alguma sorte, como a do mesmo Deus.
• O' meu Deus, quando estiver _perfeitamente ·unido a
vós, não terei já tribulação nem dõr ; então. a minha
vida será cheia de gôzo, porque eu mesmo serei
cheio de vós• (1).

181

CII MEDITAÇÃO
O amor de Deus. - Seus motivos

J. Deus desej11 que o 11memos.


li. Merece que o 11memos.
III. Deus 11m11-nos.

Deus deseja que o amemos. - A prova disto


está em tõda a parte. - Em tõdas as criaturas, que
êle tirou do nada e· conserva, só para nos mostrar
nelas alguns raios da sua perfeição, da sua .sabedo­
ria, alguns i:asgos do seu poder, da .sua bondade, e
provocar assim o nosso amor. - Na missão de Jesus

(1) S. Aug.

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AMOR DE DEUS 6l.7

Cristo, que só veio à !erra para lhe lrazer o fogo da


divina caritlade; tem um só desejo, e é que ,êsse fogo
se ateie em lodos os corações: lgnem veni miflere
in ferram, ef quid vofo nisi ui accendafur? ( 1)- Em
lôda a lei ; eis o seu primeiro, o seu maior manda­
mento: Diliges Dominum Deum fuum ex fofo corde
fuo, e/ ex fofa anima lua, ef ex omnibus viribus fuis,
e! ex ·omni men/e lua ('). E' nesle primeiro manda­
menlo e no segundo, que· lhe é semelhante, que se
resumem lodos os outros preceilos, quer nos proí­
bam estar inquietos a respeilo do futuro, quer nos
ordenem o desapêgo, o desprêzo do mundo e de nós
mesmos; lodos leem por fim preparar os caminhos
para a divina caridade: Finis aulem praecepli esf
chari/as (3). - Nas diferentes virtudes que se exigem
de nós; tôdas são meios de alcançarmos a perfeita
caridade ou de a conservarmos: Ouid Dominus
Deus fuus pefil a fe, ·nisi uf fimeas. ef diligas eum ...
in fofo corde luo? (4) O mesmo temor que Deus
exige, é o que conduz ao amor: Oui lime/is Domi­
num, diligi/e illum e). A fé, a t'Sperança, bem como
!ôdas as mais virtudes, precedem ou acompanham a
caridade, que é a sua rainha: Major aufem horum
charifas. As outras são transitórias, o amor divino
estende-se à eternidade: Charilas nunquam excidif.
- Em lôdas as graças que recebemos; o Coração
de Deus é a sua fonte: só se derramam sôbre nós
para nos encher do seu amor. Se nos ilumina e nos
comove, se faz nascer em nós !an!os senlimenlos di­
versos, é sempre para que o amemos; o espírito de
graça não entra nos nossos corações senão para
nêles difundir o espírito de caridade: Charilas Dei
diffusa esf in cordibus nos/ris per Spirifum sane/um,

( 1) Luc. XII, 49. - (2) Luc. X, 27. - (3) I Tim. 1, 5.


(') Deul. X, 12. - (3) Eccli. 11, 10.

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618 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

qui dalus esf 'nobis (1). - Em lodo o Cristianismo,


onde ludo apregoa, onde tudo inspira o divino amor;
os seus dogmas, os seus mistérios, o seu culto, são
l1ções e motivos de amor; o seu sacrifício é o imor­
tal monumento de um amor sem limites ; o mais au­
gusto dos seus sacramentos é denominado o sacra­
mento de amor; as suas co�oas são as recompensas
do santo amor. - Nos bens infinitos, destinados
àqueles que cumprem êsle grande dever, e nos terrí­
veis castigos reservados aos que recusam submeter­
-se-lhe. O' meu Deus, exclamava Santo Agostinho,
o vosso excessivo rigor contra os ingratos que não
querem amar-vos, mostra-me bem o vosso excessivo
amor para comigo. Era muito que me permilísseis
amar-vos. Mas é.como é que a vossa bondade chega
a impor-nos um preceito de vos amar, a ponto de
me ameaçar com as maiores desgraças, se vos não
amar, como se o não amar-vos não fôsse já a maior
das desgraças•?
Mas se Deus deseja vivamente o amor de lodos
os homens, 1 quanto mais deseja o amor dos sacer­
dotes, de quem se_ quer servir para lhe atrair lodos os
corações! é. Comunicarão êles o seu amor, se o não
leem ? Oui non arde(, non incendif (2). Por isso é. com
que cuidado os dispõe a amá-lo e a não amar senão
a êle? Desde a sua juventude, retira-os para a som­
bra dos seus aliares, separa-os do mundo e de lodos
os objedos que leriam parle nas suas afeições.
é. E que ou Ira coisa é a educação dos clérigos senão
a aprendizagem dos grandes sacrifícios que exige a
caridade sacerdotal?

II. Deus merece que o amemos. - O coração


do homem não vive senão de amor ; e assim como

(1) Rom. V, 5. - t2) S. Greg.

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AMOR DE DEUS 619

Deus o criou para si só, fê-lo tão grande, que só


Deus pode enchê-lo. E.' necessário o sumo bem a
êsse coração sempre inquieto e em torturas, alé que
repoise. no centro de lôda a períeição. e. E. que ne­
cessidade de amar não seria satisfeita com os infinitos
encantos q\le a fé nos descobre em Deus? Quis ui
Deus? e. Ouem pode assemelhar-se a Deus em gran­
deza, em· poder, em sabedoria, em bondade? Sanlo
Agostinho, ajudado dos nossos livros sagrados e da
sua imaginação tão fecunda, tendo traçado o mais
belo quadro das perfeições divinas, acabou por ex­
clamar: • Oh I e. e que é tudo isto, ó meu Deus, meu
amor e minha glória? Não, não é isto o que sois;
não fazemos senão balbuciar, quando queremos falar
de vós: Nihil dicif qui de ie dicif; e daí êsle brado
de amor saído do coração de Agostinho, e tantas
vezes repelido depois: i. Porque vos não conheci eu
mais cêdo, formosura sempre antiga e sempre nova?
i Porque vos não amei eu mais cêdo • ?
O' meu Deus, eu devo fazer a, mim mesmo uma
censura muito mais amarga ainda. S. Agostinho
amou-vos, desde o dia em que principiou a conhe­
cer-vos; e. quanto mais ·culpado é aquele que, não
podendo desculpar a sua ignorância, viveu tanto
tempo sem vos amar? Eu vi a verdade quási ao
mesmo tempo que a luz do dia; desde a minha in­
fância, dignastes-vos manifestar-vos a mim, corno o
único objeclo digno de lôdas as minhas afeições.
Todavia, ai I e. que fiz eu do meu coração? e. Em que
empreguei alé êste dia a sua extrema sensibilidade?
Sim, meu Deus, muito tarde comecei a amar-vos:
Sero fe amavi. Muito tarde para a vossa glória ;
e. que ofensas vos teria evitado o meu amor, da mi­
nha parle, e da parle de tantas almas, que eu devia
desviar do desprêzo da vossa lei? Muito tarde para
a minha inocência; 1 quão puro seria o meu coração,
se nunca tivesse amado senão a vós! Muito tarde

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6'1.0 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

para a minha felicidade; 1 de que desgostos, de que


remorsos me teria preservado, se houvésseis sido
sempre o único objeclo do meu amor! M·as, por
efeito da vossa misericórdia, será ao menos ainda
bastante cêdo para a minha salvação, se perdoan­
do-me, como espero, lodo o tempo que vivi sem vos
amar, me concederdes a graça de vos amar agora, e
de crescer incessanlemente em vosso santo amor.

Ili. Deus ama-nos. - E' aind1;1 ê5te o mais forte


de todos os motivos. Deus ama-me. Oue expressiva
aliança I Deus no céu, eu na terra I Deus, abismo
de perfeição e de felicidade; eu abismo de sofrimen­
tos e de misérias I Deus, aquele que é; eu nada; e
êsles dois ,extremos, não só aproximados, mas 1.1nidos
pelo amor, e que amor I Da parle de Deus, o mais
terno, o mais antecipado, o mais generoso, o mais
constante.
1. Amor terno. A natureza nenhum conhece,
0

que seja. Ião terno como o das mães; o coração ma­


ternal é o símbolo da ternura. Deus emprega esta
comparação para nos dar alguma idéia do amor que
nos tem; mas adverte-nos, que a realidade está muito
acima da figura : Numquid oblivisci potes! mulier in­
fanfem suum? Et si illa oblifa fuerif, ego famen non
obliviscar fui ( 1 ). Uma mãe dá o peito ao filho, con­
sola-o, afaga-o; e é isto o que Deus faz por nós : Ad
ubera porfobimini. . . Ouomodo si cui mafer blan­
dialur, ifa ego consolabor vos (2).
2. 0
Amor antecipado. é. Esperou Deus o meu
coração, para me dar o seu? é. Oue seria de mim,
se êle me hão tivesse amado primeiro? Nos ergo
diligamus Deum, quoniam Deus prior dilexif nos (8 ).

/1) Is. XLVI, 15.-(2) ld. LXII, 12, 13.


(3) 1. Joan. IV, 19..

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AMOR DE DEUS tl'H
Amava-me, não só quando eu o não amava, mas
também quando era incapaz de amá-lo, porque não
existia ainda ; o amor que êle me tem, não é menos
eterno que o que tem a si mesmo : Ín charifate per­
petua dilexi /e. E., o que deveria ainda comover-me
mais, éle amava-me, quando, ofendendo-o, eu o pro­
vocava a aborrecer-me; e. não era êle que ainda en­
tão me conservava a vida, me oferecia o perdão, a
amizade, o céu?
3. 0 Amor generoso. Manifesta-se pelos sacrifí­
cios e benefícios. e. E' com palavras que Deus me
ama? Presépio, Calvário, \\ltar, quão eloqüentemente
me lembrais a generosidade do Coração de Deus
para comigo I Se recordo tudo o que Deus tem feito
em meu favor, na ordem da natureza e da graça,
todos os bens que dêle tenho recebido, e que são
pflra mim um penhor dos que me promete; se, aos
benefícios, de que eu reparlo com os meus irmãos,
acrescento os favores que me são pessoais, e. não
ouvirei em mim, em redor de mim, no céu e na terra,
milhares de vozes que me bradam que devo amar um
Deus tão bom, e provar-lhe o meu amor com saa;i­
fícios, intenções puras e boas obras ?
4.0 Amor constante. De igual a igual, o cora­
ção mais amoroso irrita-se, ou ao menos resfria,
quando só encontra indiferença naquele a quem ama
ardentemente; e. quem pois não admiraria a paciência
de um Deus cem vezes c;!esprezado, insultado pela
sua indigna criatura, e continuando sempre a amá-la?
e. Oue não lenho eu feito, Senhor, para vos obrigar
a aborrecer-me? A minha vida não tem sido senão
um encadeamento de promessas e infidelidades; hoje,
reconciliando-me convosco, para vos trair àmanhã,
sem que a minha constância em ofender-vos tenha
podido vencer, alé êste dia, a vossa constância em
amar-me.
Patece-me, ó meu Deus, que me dirigis neste

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622 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

mamente a pregunta, que tanto perturbou o coração


de Pedro: Simon Joannis, diligis me plus his? (1)
e.Amas-me emfim, ó criatura tão amada, e Ião privile­
giada de teu Deus? é. Ouc farei Senhor? Guardar
silêncio, é confessar que, a-pesar de tantas razões
para vos amar, depois de tantos benefícios que me
tendes prodigalizado, sou ainda desprovido do vosso
amor. Se respondo que vos amo, é. não se levantará
a minha consciência contra mim, pondo-me anle os
olhos uma vida cheia de tibieza e de pecado? Eu
vos darei, ó meu Deus, a resposta do vosso após­
tolo: Tu seis quia amo fe. Vós conheceis-me melhor
do que eu nie conheço, sabeis os seniimentos que tne
infundistes pela vossa graça, e os santos desejos que
me inspira, porlanlo sabeis que vos amo: Tu seis.
Eu não digo que o tendes sabido alé ao presente ;
porque, ai de mim I i. em que leríeis podido reconhe­
cer o meu amor, quando não promovia a vossa gló­
ria, não vos ganhava corações, não me vencia a -mim
mesmo?... Mas agora vós sabeis que vos amo;
sabei-lo pelo pesar que sinto de ler vivido tanto
teuipo sem vos amar, ao menos com o amor forte
e generoso que convém aos vossos ministros; sabei-lo
pela resolução em que estou de não ler outro móbil
em tõdas as minhas acções senão o vosso santo
amor. f.ste fogo sagrado não é ainda em mim senão
uma faísca; tornai-o um incêndio; amar-vos e fazer
que vos amem, é tôda a glória e consolação que
ambiciono. Suscipe, ele.

Resumo da Meditação

1. Deus deseja que o amemos. - A prova


disto está: Em lôdas as criaturas. Na missão de

(1) Joan. XXI, 15.

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AMOR DE DEUS 623
Jesus Cristo. Na lei, cujos mandamentos, desde o
primeiro, tendem todos a êste fim. Ntis diferentes
virtudes, que somos obrigados a praticar. Em (õdas
as graças que recebemos. No Cristianismo inteiro.
Nos bens infinitos destinados àqueles que cumprem
esta grande obrigação, e nos horríveis castigos reser­
vados aos que recusam cumpri-la.

II. Deus merece que o amemos. - O nosso


coração é feito para. amar, e só Deus pode satisfazer
a necessidade que sentimos de amar. é. Ouem pois
é amável como Deus? é. Oue podemos nós desejar,
que não achemos nêle, se possui tõdas as perfeições
em grau infinito? 1 • Não vos ter eu conhecido mais
cedo, formosura sempre antiga e sempre nova 1 1 Não
vos ter eu amado mais cedo • I Sim, meu Deus,
muito tarde comecei a amar-vos; muito tarde para a
vossa glória, para a minha inocência, para a minha
felicidade.

III. Deus ama-nos. - E' de lodos os motivos o


mais poderoso. Deus tudo, eu nada I e êstes dois
extremos, não só aproximados, mas também unidos
pelo amor! é. E qual é o amor de Deus para co­
migo ? O mt1is Jerno. Excede o de uma terna mãe.
Amor antecipado. é. Esperou �le o meu coração para
me dar o seu? r.le amava-me, quando eu não existia
ainda, quando eu o ofendia 1 • • • Amor generoso,
manifestado pelos sacrifícios e benefícios. Amor
consfanfe. Até ao presente a minha constância em
ofendê-lo não· pôde vencer a sua constância em
amar-me. Oiço a Deus que me diz: é Amas-me tu
em.im, criatura Ião amada?

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PRÁTICA DO RETIRO MENSAL

O bom padre conhece bem a doçura do maná


de que a alma se alimenta no deserto, sente muito
vivamente a imporlância.. do retiro, e por isso volta a
êle tôdas as vezes que lhe é possível. Se lhe con­
sagra cada ano uma semana inteira, toma as suas
providências para lhe consagrar um dia cada mês; e
aind·a quando não possa nesse dia retirar-se absolu­
tamente dos nes;iócios, procurará passá-lo em tão
grande recolhimento, entregar-se com tanto cuidado
aos seus piedosos exercícios, que se ache no fim
dêle renovado e confirmado em tôdas as resoluções
do retiro anual.
Os métodos puhlicados nestes últimos tempos,
para facilitar esta e¾celente prática, assemelham-se
muito; apresentaremos, quanto à substância,, o do
P. Lehen, S. J , no livro: O caminho da paz inferior,
modificando-o apenas, para lhe darmos uma feição
especial, acomodada aos membros do clero. Oividi­
-lo-êmos em dois parágrafos : O que se deve fazer
na véspera, e o que se deve fazer no dia do retiro
mensal.

§ t . 0 - Na véspera do dia de retiro

Escolhe-se no mês um dià, em que prevemos que


estaremos mais livres, menos ocupados, menos dis­
traídos.
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626 MEDITAÇÕES SACEIIDOTAIS

Na véspera à tarde, depois de ter rezado com


fervor o Veni Creafor, e invocado o auxílio da San­
tíssima Virgem, do seu Santo proteclor, do Anjo da
Guarda, e dos Santos da sua maior devoção, farã
cada um iitilmenle a meditação seguinte.

Meditação preparat9rla para o retiro mensal

PRIMEIRO PRELÚDIO. Recordai-vos da cura do


cego de Jericó. Cai de joelhos aos pés de Jesus,
que lhe diz: i Oue queres fu que eu fe faça?- O
cego respondeu : Mestre, que _eu lenha vista. -En­
tão lhe disse o Salvador: Vai, éJ fuél fé /e sarou ( 1).
Ouvi a Jesus Cristo fazendo-vos a mesma pregunta,
e respondei-lhe como o cego: Senhor, fozei que eu
lenha vista. Mostrai-me claramente neste retiro o
que vos desagrada em mim e o que esperais de mim.
SEGUNDO Pl!ELÚDIO. Infundi-me, ó meu Deus.
as disposições em que quereis que eu esteja, para
cumprir todos os desígnios de vossa misericórdia no
dia de graças, para que vos dignastes preparar-me.

1. Disposição de santo desejo. -1 Feliz Jeru­


salém, se tivesse reconhecido o preço da visita que
lhe fazia o Senhor, neste dia que êle se dignava con­
ceder�lhe ainda, e chamar dia seu: ln hélc die tua! (2)
i Feliz tu mesma, alma minha, se aprecias o dom de
Deus 1 1 que perdas pode reparar, de que tesoiros
pode enriquecer-te o santo emprêgo dêsle dia de re­
colhimento I e.Tenho eu ao menos o desejo de me
conhecer? e. Não tenho eu algum receio de deixar
penetrar na minha consciência uma luz importuna e
acusadora? Se lenho êste desejo, devo examinar em
que estado se acha a obra da minha santificação;

(1) Marc. X, 51 1 52. - \2) tuc. XIX, 42.

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RETIBO MENSAL 6:!7

i. tenho-me eu adeantado no caminho para o céu?


i, tenho eu recuado para o inferno? Devo pedir con­
tas a mim mesmo, do fruto que tirei dos sacramentos
recebidos, dos ministérios exercidos, de tõdas as
graças que me ÍOrilm oferecidas. i. Oue vitórias tenho
alcançado sôbre mim, sôbre o demónio ? <'. Oue preo­
cupações me causaria o anúncio Jmedialo do juízo
de Deus, se me fõsse necessário sujeitar-me a êle
agora?

li. Disposição de confiança. - Deus apresen­


ta-se a mim com a sua infinita misericórdia. Se eu
estivesse só com os meus pecados e defeitos, de-certo
deveria desanimar; mas com Deus posso ludo. A sua
graça é mais forte que tôdas as potestades do in­
ferno. Ela está pronta a derramar-se sôbre mim com
abundância; basta-me impetrá-la. Deus ama-me sem­
pre, quaisquer que sejam as minhas infidelidades ;
prova-mo o convite que êle me faz 'para vir repoisar
junto dêle, no silêncio do retiro. Oiço-o dizer-me:
Vem para a soledade, e eu fe falarei ao coração.
O' alma minha, chama-te Jesus; diz-te ainda, como
aos primeiros companheiros dos seus trabalhos: Ve­
nile seorsum in deserlum locum e/ requiescile pusil­
lum (1). Oue bondade! 1 que motivo de confiança!
sim, a-pesar das censuras Ião graves que lenho
a fazer a mim mesmo, posso, devo, quero esperar
tudo.

III. Disposição de generosidade. - Deus será


para mim neste retiro o que eu fõr para êle : ln qua
mensura mensi f11erifis, remefielur vobis (2). - Oui
parce seminal, parce ef melei; ef qui seminal in be-

(1) Marc. IV, 24. - t2) II Cor. IX, 6.

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628 MEDITAÇÕES SACER_U_OT_A_I_S _______

nediclionibus, de benediclionibus ef mele! (1). Se me


entrego e rendo à graça de Jesus Cristo, atra'irei sô­
bre mim as bênçãos do seu -amor. Ouero pois entre­
gar-me ao meu Salvador, como S. Paulo desde o
primeiro momento da sua r.:onverião: Domine, quid
me vis lacere? (2) Ouero dizer-lhe com Samuel: Lo­
quere, Domine, "uia audil servus fuus (3), e com o
sanlo rei David: Parafum cor meum, Deus, parafum
cor meum (�).
Terminai a meditação, como a começastes, com
esta oração: • Senhor, fazei que eu veja: o que sou,
o que devia ser, o que posso vir a ser, se correspon­
der neste momento à ·vossa graça ; fazei que eu veja
os meus pecados, os meus defeitos, e as vossas mi­
sericórdias ainda maiores que as minhas misérias• !
Ou, se preferis, fazei vossa a oração do rei-pro­
feta : lnfellecfum da· mihi, ef vivam ( 5 ). O' meu Deus,
dai-me a inteligência do meu nada deanle da vossa
infinita grandeza, a inteligência dos meus deveres e
dos motivos que me incitam a cumpri-los fielmente;
então viverei dessa fé que faz os justos; a minha
vida será digna de vós e da grande missão que me
confiastes; conduzir-me-á à vida feliz e eterna : ef
vivam. - Pafer, Ave.
Antes de vos deitardes, preparai a meditação do
dia seguinte, e tomai por assunto uma das grandes
verdades da salvação, podereis escolher no terceiro
ou quarto parágrafo da primeira secção.
0
§ 2. - No dia do retiro

1. 0 De manhã, quando acordardes, dizei para


vós mesmos: Estou em refiro; Oferecei a Deus o

(1) More. VI, 31. - (2l Acl. IX, 6. - (3) I Reg. Ili, 10.
4 Ps. LVI, 8. - ( 5) Ps. CXVIII, 144.
( )

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RETIRO MENSAL 6:!9

vosso dia, e pedi-lhe a graça de o passar santamente.


A oração de Prima: Domine, Deus omnipofens, qui
dd principium hujus diei nos pervenire fecisfi, etc.,
seria aqui muito a propósito.
2.0 fazei com o maior cuidado a meditação
preparada na véspera, consagrando-lhe três quartos
de hora ou mesmo uma hora, se puderdes; e fazei-a
segundo tôdas as regras do mélodo indicado no co­
mêço do primei�o volume.
3. 0 Dizei missa, como se estivésseis certo de
que a celebráveis pela última vez, e de que esta co­
munhão vos servia· de viático. Se tiverdes algum
pêso na consciência, confessai-vos na, véspera, ou
de manhã antes de oferecer o divino sacrifício. Du­
rante a acção de graça�, falai a Jesus trista, do
vosso retiro, pedindo-lhe, com o perc:lào dos vossos
pecados, os socorros de que necessitais para vos
corrigirdes dos vossos defeitos, crescer em santidade
sacerdotal, e passar bem o mês seguinte. Será ês!e
o óbjeclo de lodos os colóquios com o Senhor, du­
ranle êsse dia.
4. 0 Ouando chegar a hora de rezar o Ofício
Divino, rezai-o com novo espírito, como nos primei­
ros dias, que seguiram à ordenação do sub-diaconado.
i Com que fervor cumprireis então eslà obrigação, e
quão suave vos parecerá !
5.0 fazei com o mesmo espírito de renovação,
não só os outros exercícios de piedade: a leitura es­
piritual, a visila do Santíssimo Sacramento, ele., mas
também tôdas as acções do dia, ainda as mais co-
muns. •
6. Pouco depois do meio dia, entregai-vos por
0

espaço de meia hora a uma séria consideração, a um


exame sôbre o estado presente da vossa alma; seria
úlil que tomásseis uma sucinta nota do seu resulta­
do, para o poderdes comparar com o dos retiros;­
que precederam ou que se seguirem.

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630 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

7. 0 Perto da noite, fozei o exercício da prepa­


ção para a morte, e terminai êsse santo dia com
algum cântico de acção de graças, Te. Deum .- Ma­
gnificai; Benedic, anima mea, Domino.

Considerações sôbre o estado presente


da minha alma

Depois de ter implorado as luzes do Espírito


Santo, examinarei na presença de Deus corno de­
sempenho as minhas acções mais importantes, quais
as minhas disposi.ções com relação a Deus, ao pró­
ximo e aos principais deveres do meu estado.

1. Regulamento para o dia, e práticas de pie­


dade. - é.Tenho eu um regulamento de vida, e obser­
vo-o fielmente? Nada é mais recomendado por lo­
dos aqueles que se leem especialmente ocupado na
santificação dos sacerdotes. Aquele que se sujeita a
um regulamento, cumpre as suas obrigações com
mais facilidade, com mais perfeição, com mais mere­
cimento e constância. Sem regulamento, perde-se·
tempo, leva-se a vida tõda · à mercê do capricho. -
é. Depois de me levantar da cama, faço logo a minha
meditação? t Dou a êste exercício fundamental da
vida espiritual todo o aprêço que lhe é devido? -
i. Como faço as outras práticas de piedade: a leilura,
os exames de consciência, a visita ao Sanlissimo Sa­
cramento, ele. ?-A santa missa. l Como me preparo
eu para ela? é.Tenho-a dito sempre com uma con­
sciência pu•ra, com profunda devoção, com modéstia,
sem precipitação, observando exadamente as rubri­
cas?. . . l Guardei silêncio na sacristia, vestindo ou
despindo os ornamentos sagrados? é. Como cumpri
eu o grande dever da acção de graças depois da
missa? - O Oficio Divino. l Lembrei-me eu de que
o rezava em· nome e pelas necessidades da Igreja

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RETIRO MRNSAL 631
universal? To!ius EcclesifJe os e/ persona (1). Dis­
se-o, fJilenfe, reverenler, devofe?-As minhfJs con­
fissões.' é. Teem elas sido freqüentes, precedidas de
uma boa preparação, ncompanhadas de sincero arre­
pendimento, seguidas de alguma emenda?

II. Disposições habituais com respeito a Deus.


- e. Tenbo eu zêlo da sua glória? e.Tenho-me afli­
gido das ofensas, que êle recebe? Tenho para com
êle o temor filial, a delicada consciência, que faz tre­
mer o bom padre só à sombra do pecado? é. Não
cometi eu muitas faltas, sob prelexto de que só eram
veniais?- é. Não perdi eu de todo, o hábito de andar
na presença de Deus? é. Oual é a minha submissão
à sua adorável providência, o meu reconhecimento
pelos seus benefícios, o meu cuidado em lhe agra­
dar? . . . é. Busco a Deus nas minhas acções? l São
as minhas intenções sempre puras e muitas vezes re­
novadas? - é. Oual é o meu amor para com Nosso
Senhor Jesus Cristo, a minha devoção para com o
augusto sacramento dos nossos aliares, para com a
Santíssima Virgem, S. José, meu Santo prolector,
meu Anjo da Guarda?

Ili. Disposições com relação ao prox1mo. -


Devo aos meus superiores respeito e obediência ;
é. nada tenho de que argüir-me neste ponto, quer nos
meus, adas, quer nas minhas palavras ou sentimen­
tos? Na minha maneira de proceder, e. não houve
nada que desse ocasião a crêr que eu linha esque­
cido a minha sagrada e solene promessa? Promilfis
mihi el successoribus meis reveren/ifJm el obedien­
liam? Promilio. - Devo aos m,eus colegas a estima,

(1) S. Bern.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

a benevolência, a afeição mais cordial_ Devo favore­


cer com tôdas as minhas fôrças a união dos cora­
ções, tão desejável entre os membros do clero.
é. Nada disse, nada fiz, que lhe fôsse contrário?
é.Tenho repelido para longe de mim essa baixa in­
veja, que se aflige do bom éxito de outrem? é. Não
tenho criticado ou julgado lemeràriamente a vida dos
meus colegas, ou descoberto os seus defeitos, quando
a caridade me obrigava a ocultá-los?
Devo ao meu próximo, qualquer que êle seja, o
amor, a tolerância, o perdão. é. Não disse eu mel
dêle, não o caluniei, não desejei vingar-me? - Devo
às a/mas que o céu me confiou, zêlo, sacrifícios, pa­
ciência, mansidão inalterável . . . é.Tenho eu traba­
lhado incansàvelmente na salvação do meu povo?
é.Tenho rogado por êle com lodo o fervor que de­
via inspirar-me o desejo da sua felicidade? Neste-·
ponto dev.o percorrer os. ministérios da vida pastoral,
sermões, confissões, catequeses, as diferentes classes
dos meus parroquianos, meninos, mancebos, vélhos,
enfermos, justos, pecadores. .é. fiz-me eu tudo para
todos, por ganhar a todos para Jesus Cristo?

IV. Cuidado da minha própria santificação. -


t Trabalho eu seriamente no meu adeantamento espi­
ritual ? Beafi qui esuriunf ef siliunf jus/iliam! Sem
êste desejo de perfeição, sem êsle indefessum proG­
ciendi sfudium, êste jugis conafus ad perfectionem,
de que fala S. Bernardo, a relaxação é inevilável,
l e até onde não pode ela chegar?- e'. Oue progres­
sos lenho eu feito nas virtudes cristãs e sacerdotais?
e. E' a minha fé simples, viva, acliva? A minha espe­
rança t é firme e humilde,
' sem desalento nem presun-
ção? é. Oual o meu amor para com Deus? e'. Não
há no meu coração alguma afeição que o divida?
O interêsse, a ambição, as amizades muito humanas
produzem sempre êste desgraçado efeito.

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RETIRO MENSAL

l Como lenho eu praticado a virtude da religião?


Ela é por excelên'cia a virtude dos sacerdotes : é. Con­
serva-se a minha igreja, a minha sacristia em conve­
niente asseio? é. Atestam os vasos sagrados, os pa­
ramentos, ludo o que serve ao culto, o meu profundo
respeito pata com as coisas santas? é. Oual é a mi­
nha gravidade, a minha modéstia, o meu recolhimento
de espírito no exercício das minhas funções, princi­
palmenfe no altar, e na administração dos sacramen­
tos? l Ouais as minhas disposições com relação à
abnegação, ao espírito de sacrifício, ao amor dos
sofrimentos?
t!. Sou casto de espírito, de coração e de corpo ?
é. Tenho sempre sido santamente' meticuloso nesta
matéria? é. Oual tem sido a minha vigilância sôbre a·
minha imaginação, sôbre o meu coração, sôbre os
meus sentidos? As minhas relações com as pessoas
do sexo feminino é. leem sido sempre necessárias, ou
ao menos úteis, e acompanhadas de prudente re­
serva? Nas minhas leituras, nas minhas conversa­
ções, em tôdas as ocasiões, é. não tenho eu· cedido a
uma perigosa curiosidade?
é. Tenho economizado bem o tempo? i E' tão
precioso o tempo de um padre ! Cada minuto vale a
eternidade; é. que não daria um condenado para o
obter? - O estudo é para mim um dever de con­
sciência; l como lenho eu cumprido êsle dever? -
Com ausências dispensãvéis é. não me lenho exposto
a deixar morrer enfermos sem sacramentos? é. Tenho
observado religiosamente a lei da residência?·

V. As minhas obrigações particulares, como


párroco, coadjutor, capelão, esquecem-se IT)Uitas ve­
zes, para só cuidar nos deveres· gerais. Elas exigem
sacrifícios, exaclidão, constância, para superar os
obstáculos e os desgostos, que levam a abandonar
tudo, ou a não fazer as coisas senão com negligência,

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

que Deus amaldiçôa: Malediclus qui facif opus Dei


negligenfer.
Tendo reconhecido as faltas que cometi: humi­
lhar-me-ei perante o Senhor ; a sua misericórdia e o
meu arrependimento as apagarão. Depois de ter re­
novado as minhas resoluções, e previsto as ocasiões
que me exporiam à recaída,. porei em Deus tõda a
minha esperança, e prosseguirei a minha carreira
com ardor, sem me deixar abater, vendo a minha mi­
sêria, por mais profunda que seja.

Preparação para a morte

Ajoelhado deanle do vosso crucifixo, imaginai


que é chegada a vossa última hora, e que o vosso
Anjo da Guarda vem dizer-vos, como outrora o pro­
fela a Ezequias : O leu Jempo é Gndo; põe em or­
dem os teus neQócios: vais morrer.
Primeira re-flexão. Oue é morrer? A mor!e é
uma passagem desta vida para a felicidade ou des­
graça eterna. E' o fim do tempo e de tôdas as coi­
sas temporais: é a entrada na eternidade feliz ou
desgraçada.
Morrerei, isto é, deixarei tudo, sem excepção :
parentes, amigos, família. . . Direi um eterno adeus
a lôdas as coisas da ferra. Deixarei a minha casa,
os meus móveis, tudo o que me pertence. Deixarei
tudo. l Há alguns objeclos que eu mais aprecie?
Deixá-los-ei como tudo o mais. 1 Oue loucura, afei­
çoar-me ao que pass.a tão de-pressa 1 1 Oue trabalhos
se passam, para preparar pesares!
Morrerei, isto é, o meu corpo será separado da
minha alma, e então a sua presença !ornar-se-á im­
portuna e penosa, atê aos que mais me tiverem
amado. Enterrá-lo-ão, para que seja pasto dos ver­
mes. Em lugar de lisonjear tanto a minha carne,
que não fardará a ser podridão, i quão prudente se·

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PREPARAÇÃO PARA A MORTE

ria empregar a minha saúde, consumir as minhas


fôrças, trabalhando pela glória de Deus e salvação
das almas! ... - Quando estiver na sepultura, tpen­
sarão muito em mim os homens? Oh I quão de­
-pressa são esquecidos os mortos! Oh! quão insi­
gnificante é a estima das criaturas 1
Morrerei, isto é, entrarei na casa da minha eter­
nidade ( 1 ). O tempo, o mundo, tõdas as coisas do
tempo e do mundo terão desaparecido como um fan­
tasma, e só a eternidade subsistirá I O' terrível mo­
mento I i Aparecer no tribunal de Deus, só, na sua
presença, ser interrogado a respeito de tôda a minha
vida por aquele Juiz infinitamente sábio, justo, e ini­
migo do pecado, e então sem misericórdia I t Ir apren­
der dêle, se o céu do bom padre, ou o inferno do
mau, me cai'rá em sorte por tôda a eternidade 1 ..•
Segunda 'reflexão. r!. Quando e como morrerei?
l Ouanto tempo tenho ainda de vida? Não sei: mor­
re-se em tôda a idade. l Terei tempo de me prepa­
rar para a morte? Não sei-; sei sõmente que muitas
pessoas, até depois de uma longa doença, morrem
quando menos esperam. Receberei eu os últimos
sacramentos, ou morrerei sem. confissão? Não sei;
posso perder a fala de-repente. Demais, quando uma
pessoa está doente, de que é capaz? 1 Oue loucura
contar com êstes últimos momentos, tratando-se da
eternidade 1
Terceira reflexão. r!. Estou eu pronto para mor­
rer? e. Ouais as minhas disposições presentes? l Es­
tou pronto para deixar tudo? l Estou eu pronto
principalmente para comparecer no tribunal de Deus,
e dar-lhe tonta de todos os benefícios que tenho re­
cebido da sua bondade, de todos os ministérios que
éle me confiou? tEstá a minha consciência tran-

(1) 1bit homo in domum 11e[ernil11lis suae. Ecdes. XII, 5.

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636 l!EDITA"ÕES SACERDOTAIS

qüila? é. Não ·há nada que me inquiete nas minhas


confissões, no cumprimento dos deveres do meu es­
tado? 1 Oue imprudência viver num estado, em que
não quereria morrer !
.Depois de vos terdes demorado o mais tempo
que puderdes nestes pensamentos, e de haver tomado
as resoluções que êles vos inspirarem, recilai com
devoção as duas orações seguintes, tendo na mão o
vosso crucifixo.
!SI

ACTO DE RESIGNAÇÃO PARA A MORTE


que deveis fazer no dia do retiro mensal,
antes de vos deitardes na cama

Soberano Senhor da vida e da morle; ó Deus,


que, por um decreto imutável e para castigar o pe­
cado, decidistes que todos os homens hão de morrer,
aqui me tendes prostrado humildemente na vossa pre­
sença, resignado a sujeitar-me a esta vossa justa lei.
Deploro na amargura na minha alma, lodos os pe­
cados que tenho cometido. Pecador rebelde, tenho
merecido mil· vezes a morle; aceito-a em expiação
dêles: aceito-a por obediência à vossa adorável von­
tade; aceito-a em união com a morte de meu Salva­
dor. Morra eu pois, ó meu Deus, quando, onde, e
como vos aprouver ordená-lo. Ouero aprov�itar o
lempo, que a vossa misericórdia se digna ainda con- -
ceder-me, para me desapegar dêste mundo, onde não
tenho já senão alguns instantes de viqa,_'para romper
lodos os laços, que me prendem a esta terra de
exílio, e para preparar a minha alma para os vossos
!remendos juízos. ç.nlrego-me sem reserva nas mã?s
de vossa Providência sempre paternal. Seja feita a
vossa vontade em ludo e sempre. Assim seja.

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PRF.PARAÇÃO PARA A MORTE

ORAÇÃO
para implorar a graça de uma boa morte

Prostrado dean!e do !rôno de vossa adorável


Majestade, venho suplicar-vos, ó meu Deus, a última
e mais importante 'de tôdas as graças, a graça de
uma boa morte I Oualquei- que seja o mau uso, que
eu tenha feito da vida que me destes, concedei-me a
graça de a acabar, morrendo no vosso amor.
·•
Morra eu como os santos patriarcas, deixando
sem repugnância êsle vale de lágrimas, para ir gozar
do eterno descanso na minha verdadeira pá!rii:i !
Morra eu como o bemaven!urado S. José, nos
braços de Jesus e de Maria, repetindo êstes dôces
nomes, que eu espero bemdizer durante tôda a eter­
nidade 1
Morra eu como a Santíssima Virgem, abrasado
no amor mais puro, ardendo em desejos de me unir
ao único objedo de tôdas as minhas afeições !
Morra eu como Jesus na Cruz, cheio do mais
vi_vo ódio ao pecado, de amor ao meu Pai celestial,
e de resignação no' meio dos sofrimentos !
Pai santo, entrego a minha alma nas vossas
mãos; tende misericórdia de mim.
Jesus, que morrestes por meu amor, concedei-me
a graça de morrer no vosso amor,
Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por mim, pe­
cador, agora e na hora da minha morte.
Anjo do céu, fiel guarda da minha alma, e vós,
Santos que Deus me deu por protedores, não me
desampareis na hora da minha morte.
S. José, alcançai-me o maior, o mais precioso de
todos os favores, o de morrer a morte dos juslos,
Assim seja.
Moriafur anima mea mor/e jusforum,

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.'dEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Conselhos e práticas concernentes à preparação


para a morte
0
1. Disposiçiio do femporãl. Há eclesiásticos,
cujos negócios estão a êste respeito em deplorável
estado. Oue fonte de perturbação para êsles últimos
momentos, em que a tranqüilidade é Ião necessária 1
é. E a que se não expõem, se forem surpreendidos
pela morte? Mais de uma vez grandes quantias de
dinheiro, fornecidas pela piedade dos fiéis para con­
correr para uma boa obra, leem passado para as
mãos dos herdeiros, porque se não tomaram as mais
simples precauções para evitar esta desgraça. Um
padre não deve deixar para muito tarde o seu fesfa­
menfo; Santo Agostinho recomenda-lho nestes lermos:
Fac fesfamenfum fuum, dum sanus es, dum fuus es;
in inGrmilafe posilus, hlandiliis ef minis duc�ris quo
tu non .vis. E.' verdade que êste Santo não seguiu o
conselho que dava, mas foi porque na hora da morte
nada possuía de que pudesse dispôr. Muitos outros
Santos se puseram nesta ditosa impossibilidade.
• Os nossos bispos deveriam, se não ordenar, ao
menos acopselhar, a todos os membros do seu clero,
que façam testamento, e não deixem à família senão
os seus bens móveis e imóveis recebidos em patri­
mónio; o resto, depois da sua morte, deveri'a reverter
para os pobres, para a fábrica da igreja, para o se­
minário diocesano, para a propagação da fé, para
piedosos estabelecimentos. (1).
2." Assistência de um amigo e de um direcfor
ilustrado. Se tendes um verdadeiro amigo, um santo
e sábio direclor, dai mutuamente um ao outro inteira
liberdade para avisar sem demora nem rodeios,

(1 ) Dieulin, Le Bon Curé.

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PREPARAÇÃO PARA A MORTK, 639

quando souber da doença perigosa do seu colega, e


para o vir vêr, e não o deixar senão depois de lhe
ter fechado os olhos. Não receeis afastar de vós as
pessoas inúteis, para dar livre acesso àquele que
possui a vossa confiança, e Deus encarrega de exer­
cer junto de vós o oficio de anjo consolador. Êle
desfará as vossas dúvidas, dissipará a vossa inquie­
tação, e vos animará. far-vos-á entrar, ou vos con­
servará em disposições conformes ao vosso estado,
e principalmente não vos lisonjeará, quando se tratar
de vos informar do perigo mais ou menos próximo.
3. 0 Socorros que se podem tirar de alguns sinais
exteriores de devoção, cruciflxo, água benta, ele.
S. Carlos, na sua última doença, mandou colocar ao
pé da sua cama um quadro da agonia e da sepul­
tura de Nosso Senhor. Os bons padres, moribundos,
querem ter ante os olhos a imagem de Jesus cruci­
ficado; refugiam-se nas chagas do Salvador, unin­
do-se a êle como vítima. Tornando e mandando que
deitem água benta, pensam naquele que lhes purificou
a alma em seu sangue, e que pode ainda purificar a
vítima que lhe vai ser oferecida em sacrifício. E' prin­
cipalmente da Santíssima Virgem, de S. José e de
vosso Anjo da Guarda, que deveis enlão esperar
uma assistência especial, mormente. se durante a
vossa vida professastes honrá-los. Tende cuidado,
para que ao aproximar-se a morte, os vossos olhares
encontrem muitas vezes as suas imagens.
A vista do escapulário, das sagradas relíquias,
do círio bento, símbolo do amor com que se deve ir
ao encontro do espôso celestial, lodos êsles objeclos
podem contribuir para fortalecer a vossa confiança.
4. 0 A recepção dos sacramenlos. Obrigado a
dar exemplo em ludo, um padre deve pedir cedo os
últimos sacramentos, e não esperar que lhos pro­
ponham. Oh! que tranqüilidade pode dar à vossa
alma uma boa confissão! A que ides fazer, como

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

preparação para a morte, deverá reparar tôdas as


imperfeições, que houvesse nas precedentes; empregai
pois nisso uma vontade tão perfeita de agradar a
Deus, que, depois de receberdes a absolvição, possais
apresentar-vos cheio de esperança deante daquele
que julga as próprias justiças. Examinai as vossas
faltas à luz da eternidade, lavai-as nas lágrimas de
um sinceró arrependimento, expiai-as nas chamas da
divina caridade.
E.is-vos já preparado para o Sagrado Viático,
preparai-vos ainda mais. Oh I que feliz momento, se
nada houver em vós que obste aos misericordiosos
desígnios de Jesus Cristo I Dizer, se é possível, al­
gumas palavras edificantes aos circunstantes, .fazer
um ado· de reparação ào Filho de Oeus no Santíssi­
mo Sacramento, pedir perdão a quem tivesse ofen­
dido, renovar as prome_ssas do baptismo e as da
admissão
i
no estado t'clesiáslico, são práticas lão edi­
f cantes como úteis ao pastor de almas moribundo.
Reanimai a vossa fé, recebendo a Extrema-Unção :
Orafio lidei salvabif inlirmum, ef alleviabif eum Do­
minas: ef si in peccafis sif, remiffenfur ei (1). A- morte
entrou na minha alma, ó meu Deus, peJa imortifica­
ção dos meus sentidos; entre nela de novo a _vida
pelos merecimentos do vosso sangue. O óleo santo
na minha ordenação linha-me habilitado para vos
oferecer o mais augusto de lodos os sacrifícios, dis­
ponha-me êle agora para vos fazer o sacrifício da
minha vida, mude a mil)ha -fraqueza em fortaleza, o
meu temor em confiança, o meu abatimento em cora­
gem, e o horror que a natureza tem à morte, em ar­
dente desejo de morrer, para se unir a vós tão per­
feitamente, que já não fi,que exposto à desgraça de
vos perder.

(1) Jac. V, 15.

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PREPARAÇÃO PARA A MORTE (i4-l
5. 0 Tentações a vencer na aproxi'mação da
mor/e. O implacávd inimigo do género humano e o
inimigo particular dos padres que durante a sua vida
puseram tantos obstáculos aos seus cruéis desígnios,
reserva-lhes para a morte os mais terríveis combates.
E.' um anjo que se declara contra um homem, um
espírito imortal contra um homem moribundo. Ouando
o corpo eslá debilitado, a alma perde muitas vezes
uma parle do seu vigor. E' pois da maior impor­
tância estar premunido contra êstes últimos e temí­
veis assaltos. - Tenlação de presunção. Ouanlo
mais um padre tem servido a Igreja e o próximo,
quanto mais tem padecido e edificado, tanto mais
também o demónio o incila a confiar na sua própria
justiça. E' tentado a considerar os elogios que lhe
dão, como prova certa de sua suposta virtude. Hu­
milhe-se, pois, profundamente, e diga com o santo
Job: Vere seio quod non juslilicelur'homo composi­
fus Deo: si voluerif con/endere cum eo, non poleril
respondere ei unum pro mil/e (1).
Tentação de desesperaçãp; ela é parlicularmenlc
para temer nos que, como os padres, leem graI)des
obrigações a cumprir, e receberam graças mais
abundantes, favores mais extraordinários. O espírito
das trevas lembra-lhes uma e outra coisa; pinta-lhes
as suas faltas com as côres mais vivas, e algumas
vezes as mais exageradas: esforça-se por lhes per­
suadir que não poderão escapar à ira de um Deus.
tão santo, por lerem abusado dos seus benefícios.
Um eclesiástico que tiver muitas vezes pregado a
confiança, e meditado muitas vezes sôbre os moliv.os
que no-la devem inspirar, que tiver feito uma colec­
ção dos textos da Sagrada Escritura, e principal­
mente dos Salmos, Ião consoladores nesta matéria,

(lj Job. IX, 22.

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

vencerá Íàcilmente na hora da morle esta terrível


tentação; dirá de si para si com S. Bernardo: ///e
solum dif.idal qui lanlum peccare potes/ quantum
Deus bonus esf. Peccavi peccalum grande, furbalur
conscienlia, sed non perfurbabilur, quoniam vulnerum
Domini recordabor (l).
Bossuel, a respeito da morte. -Fazei um último
acfo de esperança e de amor. Os meus sentidos
extinguem-se, a minha vida esvai-se; em breve passa­
rão por onde eu eslava: eis o seu quarto, dirão, eis
o seu leito; e não rrie encontrarão lã. 1 Como isto é
triste 1. Sim, seria muito triste, se eu não' tivesse es­
perança. Mas se ludo cai em redor de mim, vou
para onde está ludo. Deus poderoso, Deus eterno,
Deus feliz, alegro-me do vosso poder, da vossa eter­
nidade, da vossa felicidade. é. Ouando vos verei eu,
ó luz, ó bem, ó fonte do bem, ó bem único, ó lodo
o bem, ó tôda a perfeição, ó única· perfeição; ó vós
que sois o sêr por excelência, que sois ludo, em
quem eu estarei, que estareis em mim, que sereis
tudo a todos, com quem eu serei um só espírito?
é. Ouando vos verei eu, ó princípio que não tendes
princípio? é. Ouando verei eu sair do vosso seio o
vosso Filho, q1.1e vos é igual? é. Ouando verei eu o
vosso Santo Espírito proceder da vossa união, termi­
nar a ,vossa 'fecundidade? Cala-te, alma minha, não
fales mais; é. para que balbuciar ainda, quando te vai
falar a mesma verdade?
· Dize, adeus a Igreja mililanle, e saüdai a lgreia
friunfanle. • Regozijo-me de ouvir dizer que irei para
a casa do Senhor. Estou à lua poria, ó Jerusalém 1
eis-me em pé, os meus pés movem-se, todo o meu corpo
se lança para os teus átrios; eu para lá côrro, para
lá vôo, para lá vou já, lrans'porlado pela melhor parle

(1) Serm. VI. in Canf.

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EM HONRA DE S, JOSÉ

do meu sêr. Meus novos irmãos, ou a�tes, meus an­


tigos concidadãos, meus antigos irmãos, eu vos
saúdo; brevemente vos abraçarei. Adeus, meus ir­
mãos mortais, adeus I Igreja católica, vós trouxes­
tes-me no vosso seio, e alimentastes-me com o vo·sso
leite, acabai de me purificar com os vossos sacrifí­
cios. Mas, ó Santa Igreja, eu não me despeço de
vós. Vou vêr os profetas e os apóstolos, vossos fun­
damentos; os mártires, vóssas vitimas; as virgens,
vossa flôr; os confessores, vosso ornamento;· os An­
jos e os Santos, vossos intercessores. Sinto-me mor­
rer; fechai-me os olhos, envolvei-me nesta mortalha,
enterrai-me . Jesus, ,Maria, José, recebei a minha
alma•.

UNIÃO DE ORAÇÕES
em honra de S. José

A devoç�o a S. José é indubitàvelmente uma


das mais sólidas e proveitosas, que pode pra.licar o
padre e o cristão. Nós vêmos nêle ao mesmo tempo
o pai adoplivo do Salvador, o casto espõso de Maria,
o chefe da sagrada família. foi o primeiro que, com
Maria, contemplou o rosto do Verbo Incarnado, e
passou o resto da sua vida na medilação e imitação
de seus divinos abatimentos; foi êle que, oferecendo
a Deus as primeiras gôlas do sangue de Jesus, lhe
deu êste belo nome; êle juntamente com Maria, foi
o apóstolo do Salvador para· com os pastores e Ma­
gos, primícias da Igreja dos judeus, e da dos gentios;
foi êle que o preservou do furor de Herodes, e o ali-

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

menlou no Egiplo. Depois de ler sido dolorosamente


provado pela ausência do adorável Menino durante
três dias, teve o prazer de o achar no templo para
não se tornar a separar dêle. finalmente êle coroou
esta santa vida com a mais ditosa de tôdas as mor­
tes, expirando nos braços de Jesus e de Maria.
Pelas suas incom'paráveis prerrogativas, S. José é
ao mesmo tempo o proleclor dos padres, cujas mãos
tocam lodos os dias o corpo do mesmo Salvador, que
êle tantas vezes trouxe nos seus braços; dos prega­
dores que anunciam a sua palavra; dos religiosos e
das almas interiores, que passam a sua vida na me­
ditação dos seus mistérios; dos artífices e de todos
os que se entregam às obras exteriores; dos virgens,
dos esposos, dos pais, dos superiores e .dos chefes
de família; de tôdas as almas tentadas por aflições
ou perseguições; finalmente é o proleclor e advogado
especial• da boa morte.
Não há pois graça que não possamos pedir por
êle, com a plena confiança de sermos atendidos.
• O Altíssimo, diz Santa Teresa, dá graça aos ou­
tros Santos, .sõmente para nos socorrerem em certas
necessidades ; mas sei por experiência, que o poder
de S. José se estende a tudo. Nosso Senhor quer
dar-nos a entender com isto, que, asS\ffi como lhe
foi submisso nesta terra do exílio, porque reconhecia
nêle a autoridade de um pai adqplivo e de um di­
redor, assim também se compraz ainda em fazer-lhe
a vontade no céu, atendendo a lôdas as suas peti­
ções•.
Esta grande San la acrescenta: • Conhecendo por
uma longa experiência o extraordinário valimento de
S. José deanle de Deus, desejara persuadir todo o
mundo a que o honre com um culto parlicular. Até
agora, lenho sempre visto as pessoas que leem para
com êle uma devoção verdadeira e confirmada pe'las
obras, fazer progressos na virtude; porque êste ce-

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EM HONRA DE S. JOSÉ 6i5
lesle proleclor favorece de uma maneira notável o
adeanlamenlo espiritual das almas que se lhe enco­
mendam. Já desde muilos anos lhe peço, no dia da
sua fesla, um favor 'parlicular, e seiiipr.e tenho visto
salisfeitos os meus desejos. Peço pelo amor de
Deus àqueles que não me acredilarem, que o expe­
rimenlem; verão por experiência quanto é vantajoso
encomendar-se a êste glorio�o palriarca, e honrá-lo
com um culto particular. As pessoas contemplativas
principalmente, deveriam sempre amá-lo com filial ter­
nura. Não compreendo como se pode pensar na
Raínha dos Anjos, e em tôdas as tribulações que ela
padeceu durante a infância de Jesus, sem dar graças
a S. José pela perfeita dedicação, com que veio em
socorro de ambos. Se não achardes quem vos ensine
a meditar, escolhei êste grande Santo para mestre, e
não receeis extraviar-vos sob sua direcção•.
Todos os bons sacerdotes "são convidados a
unir-se e a formar uma santa liga, fazendo entrar nela
as pessoas piedosas que dirigem, para alcançarem as
seguintes graças por intercessão de S. José:
0
1. • Para êles mesmos: Um ardente amor a
Nosso Senhor e sua santa Mãe. - O dom de con­
templação, e a sciência prática da vida interior.
A graça de uma boa morte.
2. 0 A conservação ou a renovação do espírito
cristão nas famílias; as graças que são necessárias
aos pais para preservar os seus filhos dos hábitos
de moleza e de independência, que opõem ao espírito
do Cristianismo um obstáculo cada vez mais insu­
perável.
3. 0 Oue Deus suscite para salvação da nossa
pátria e do mundo� um grande número de homens
apostólicos, poderosos em obras e palavras, como
os que. enviou à sua Igreja nas épocas mais remotas
da sua existência.
Para alcançar estas graças, devem rezar�se todos

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MEDITAÇÕ�;s SACERDOTAIS

os dias as seguintes aspirações, a cada uma das


quais estão anexos cem dias de indulgência :

Jesus, Maria e José, eu vos dOu o meu coração e a


minha alma.
Jesus, Maria e José, assisti-me na última agonia.
Jesus, Maria e José, expire em paz entre vós a mi­
nha alma.

1. Será conveniente que honrem, segundo a sua


devoção, as sele dôres e os sele gôzos de S. José.
São: 1. 0 A penosa perplexidade que experimentou,
quando se julgou obrigado a separar-se de Maria, e
o júbilo que sentiu, quando lhe foi revelado o misté­
rio da maternidade divina. 2.0 A dôr de vêr sua di­
vina espôsa reduzida a dar à luz em um presépio, e
o gôzo que l)ie causou o nascimento do Salvador.
.3. 0 A dôr de vêr correr o sangue do divino Menino
na circuncisão, e o gôzo que leve, dando-lhe o nome
de Jesus. 4. 0 A felicidade de o apresentar no tem­
plo para glória de Deus e salvação do mundo, e a
aflitiva profeda de Simeão. 5. 0 As angústias da fu.
gida para o Egiplo, e a alegria de salvar ao Salvador.
6. 0 A volta do Egipto, e o receio de novas persegui­
ções da parle do filho de Herodes. 7. 0 A dôr que
sentiu pela ausência de Jesus, e a sua alegria achan­
do-o no templo.
II. Ave, Joseph. • Eu vos saúdo, José, cheio
de graças; Jesus e Maria estão convosco; bemdilo
sois entre lodos os homens; e bemdilo é Jesus, fruto
de vossa santa espôsa. S. José, pai adoplivo de Je•
sus, castíssimo espôso da bemavenlurada Virgem
Maria Mãe de Deus, rogai por 'nó9, pobres pecado­
res, agora e na hora da nossa, -m·orle. Assim seja., ,
Ili. Memorare de S. José. j • Oue consolação
eu sinto, ó meu terno e poderoso protector, em ouvir
a vossa fiel serva, Sanla Teresa, afirmar que nunca
recorreu a vós em vão; que obteve sempre ludo o

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EM HONRA DE S. JOSÉ 6i7
que pediu por intercessão vossa; que lodos os que
leem para convosco uma verdadeira devoção, e re­
clamam o vosso socorro com grande confiança, são
sempre atendidos, e fazem rápidos progressos na vir­
tude I Animado de igual confiança, a vós recorro,
digno espõso da Virgem das virgens, de vós me
velho, e ainda que pecador, ouso aparecer deante
de vós a pedir auxílio. Não me rejeiteis as minhas
humildes orações, mas ouvi-as favoràvelmente, e in­
tercedei por mim junto daquele que quis ser chamado
vosso filho, e que sempre vos honrou como seu pai• .
IV. Esforçar-vos-eis por celebrar com tõda a
devoção possível, a festa de S. José, a 19 de Março;
a do seu Patrocínio, na quarla-feira após o segundo
domingo depois de Páscoa; e a de seus desposórios
com a bemaventurada Virgem Maria, a 23 de Ja­
neiro. Preparar-vos-eis para estas festas com uma
novena, ou ao menos com um tríduo de exercícios
de piedade; venerareis a sua imagem, que poreis em
um _lugar honroso; pronunciareis com devoção o seu
nome, que juntareis aos santos nomes de Jesus e de
Maria; confiar-lhe-eis os interêsses que estiverem a
vosso cargo, e recorrereis a êle nas dificuldades.
V. O uso de consagrar a S. José o mês de
Março tem-se propagado em França e por tôda a par­
te, e produz grandes frutos. Os pastores de almas,
que forem zelosos em praticar e propagar a devoção
a 5. José, podem estar cerlàs de que alcançurão por
mediação dêle abundantes bênçãos sõbre os seus tra­
balhos. Não esqueçamos que o augusto espõso de
Maria foi proclamado patrono da Igreja universal,
a 8 de Dezembro de 1870: novo e poderoso motivo
para o honrar, e invocá-lo com muita cónfiança.

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6MI MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

ORAÇÃO
para pedir a protecção de S. José

O' glorioso S. José, guarda fiel de Jesus e de


Maria, eu vqs confio ludo o que possuó e ludo o
que sou. Por ,vossa profunda humildade, doçura
inalterável, paciência invencível', e por aquela perfeita
docilidade, que vos féz imitar tão fielmente lõdas as­
virtudes de Jesus, fortificai-me nas minhas penas;
sêde meu conselho e minha fortaleza, alumiai-me nas
minhas trevas, amparai-me nas minhas tentações, con­
solai-me nas tribulações da vida, e principalmente na
minha última agonia. Defendei-me nêsse terrível mo­
mento, e alcançai-me a graça de expirar em paz,
como vós, sôbre o Coração de Jesus e nos braços
de I Maria, cheio da mais terna confiaqça. Assim
seja.

ORAÇÕES
que se costumam rezar depois da Meditação

O Jesu, vivens in Maria, veni, et vive in famulis


fuis, in spiritu sanclilalis luae, in pleniludine virlulis
tuae, in perfeclione viarum luarum, in verilale virlu­
tum tuarum, ih communione myste�iorum luorum :

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ORAÇÕES NO FIM DA MEDITAÇÃO

dominare omni adversae po!eslati in Spirilu lua, ad


gloriam Palris. Amen.

II

Anima Chrisli, sanlifica me.


Corpus Chrisli, salva me.
Sanguis Chrisli, inebria me.
Agua laleris Chrisli, lava me.
Dassio Chrisli, conforta me.
O bane Jesu, exaudi me:
Intra lua vulnera absconde me.
Ne permitias me scparari a te.
Ah hoste maligno defende me.
ln hora mortis meae, voca me.
El jube me venire ad le,
Ul cum sanclis luís laudem le,
ln saecula saeculorum. Amen.

i'II
Suscipe, Domine, universam meam liberlalem.
Accipe memoriam, inlelleclum, alque volunlalem
omnem. Ouidquid habeo, vel possideo, mihi largilus
es: id libi fo1lum restituo, ac luae prorsus voluntali
subjicio.. Amarem lui solum cum gralia lua mihi clo­
nes, et clives sum salis, nec aliud quidquam ultra

posco.

Pm no 2. 0 \'OLm.rn

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ÍNDICE

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ÍNDICE

• SECÇÃO SEGUNDA

A santificação do Padre em seus progressos


e na sua consumação; ou verdades que se
referem às três últimas semanas Cios
Exercícios de Santo Inácio

Preâmbulo 7

§ 1.º

Duas disposições esseocia� para seieuir a Jesus Crisfo


no caminho dB- santidade: espirifo de fé, e espírito
de sacrifício

I MEDITAÇÃO - O espírito defé.


1. Em que consis(e .o verdadeiro espírilo de fé 13
11. De que modo nós salva o espírilo ele fé • • • 14
Ili. Como o espíri(o de fé nos !orna aplos para salvar
os nossos irmãos 16
II l\fEo. - O espírifo de fé. - Seu poder.
1. Poder do espírilo de fé sôbre o coração de Deus. 19
li. Poder do espírilo de fé sôbre o coração do homem. 23
Jll MED. - Três ,grandes obsMculos ao _espírito de fé.
1. A folia de reflexão. • 26
11. • O espíri(o do mundo • 27
Ili. As inclinações nalurais. 29
IV Mim. - O espírito de sacrifício. - Sua nec�ssidade
no sacerdote • • • • • 31
1. Razões tiradas da sua própria sanlillcoçiio • 32
11. Rozões iiradas do minislério sacerdo!al e das suas
funções ; 35
V MED. - O espírito• de sacrifício - Sua extensão.
1. Abnegação conlínua "· 311
li. · Abnegação universal 40
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65t MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Pág.
VI MED. - O espírito de sacrifício. - As fanfes onde se
recebe , • • • • • • • • • 43
1. felizes efeitos que produz d espírito de sacrifício, 44
li. O exemplo de J. Cristo e dcs Santos excita em
nós o espírito de sacrifício 46

Jesus Cristo, exemplar dos escolhidos e particularmente·


dos sacerdotes, convida-nos a segui-lo no caminho
da verdadeira santidade. - Razões que nos obrigam
a imil6-lo. P�6fica desta imilaçio.

Vll MED. - O reino de Jesus Cristo. - Parábola.


1. Jesus, nosso Rei, convida-nos a segui-lo • • , 50
li. Tudo nos incila a d11r-nos inleiramen(e 110 S11lvador
e 11�p��. �
VIII MED. - O reino de Jesus Cristo na 11lma Gel • 56
1. Oual é êsse reino de Jesus Cristo em mim • • 57
li. Ouanlo devo desejar o reino "de Jesus Cris(o em
mim • ' 58
IX :MEn. - Imitação de Jesus Cristo. - Sua necessidade. 62
1. Obrigação de imi111r II Jesus Crislo, indispensável
110 cristão • • • • • • • • • • 63
li. Obrig11ção de imil11r II J. Crislo, mais eslricla par11
os padres. 64
X MED. - A imifação de Jesus Cristo. - Sua necessida-
de (Continuação).
1. lmilaçiio de J. Cristo, indispensável ã nossa s11l-
vaçiio. • • , • • • • • , , • 68
li. lmil11ção de J. Cristo, indispensável àquele que
quer concorrer par11 a s11lv11ção do próximo , 70
XI Me:o. - A imitação de J. Cristo. - Suas vanlagens.
1. Tir11 11s nossas dúvidas e incer!ezas • • • • 72
li. Fortific11 -tõdas as nossas fraquezas . 74
Ili. Suavizts lôdas 11s nossas penas 75
XII MED. - A imitação de J.Cristo. - Suas vantagens.
· (Con.'inuação).
1. Sanlillca tôdas as nossas acções, e aperfeiçoa fô-
dos as nossos virtudes , • • • • • 78
li.. Realiza lodos 'os desígnios de Deus II nosso res-
peilo, 81

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ÍNDICE 635

XII[ Mrrn. -A imilação de J. Cristo. -Abnegação que


exige.
1. E', necessário renunciar II ludo, pi.ra seguir II Je-
sus Cristo • •. • • • • • 85
li. ·Renunciando o ludo, não se perde nada • • • 86
Ili. Renunciando II fudo, para seguir II J. Cristo, ga-
nha-se fudo • 87
XIV l\frm. - Prática da imitação de Jesus Cristo.
1. Conhecer II J. Cristo, primeiro meio de conseguir
imitá-lo • • • • ·• • • • • • • 90
li. ���r o J, Crislo, segundo meio de. conseguir
1m1!11-lo • • • • • • • • • • • • 92
Ili. Comparar muitas vezes II nossa vida com II do
Salvador, terceiro meio de conseguir imitá-lo • 93

§ 3.º
Virtudes especiais de que o Salvador nos dli uemplo nos
mislérios da suq Incai'naçiio, do seu nascimento, da sua
infilnda-, e durante os trinla anos da sua vida oculta,

XV MED. - A incarnação do Verbo. - Contemplação 97


1. Contemplar as pessoas. 98
li. Ouvir as palavras • • 99
Ili. Considerar BS acções • JOO
XVI MED. - Jesus· Cristo, modêlo da perfeila humildade. )03
1. Jesus, modêlo perfeito de humildade nti sua incar-
nação. . • • . • . . • . • . J04
li. Jesus, modêlo de humildade em tõda II sua vid11 • 106
XVII ·MED. - A humildade. - Sua excelência.
1. Nada mais excelente que a humild11de, considerada
em si mesmo. • • • • • • 108
li. Nada mais excelente que II humildade em seus l'ru!os. 1 JO
XVIU Mim. - A humildade é indispensável ao homem
apostólico.
1. E' indispensável 110 sacerdote, para promover 11
glória de Deus • • • • , • • • • 115
li. E' indispensável 110 sacerdote, para trabalhar ulil-
menle na s11lv11çiio do próximo • • • • 117
Ili. E' indispen$ável 110 sacerdote, para se salvar. 119
XIX MED. - Repefição das !rês precedentes.
1. Nada mais ,verdadeiramente grande que a humil�
dade 122

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056 MBDITAÇÕRS SACERDOTAIS

Pág,
li. N11d11 m11is indispensável que II humild11de, princi-
p11lmenle p11r11 o s11cerdole , • • 123
Ili. N11d11 mais v11nl11joso que II humildade. , , 124
IV. N11d11 mais justo e r11zoiivel que II humilcl11de, ,, 127
XX MED. - O Verbo incarnado ensina-nos a estimar e
amar a pureza virginal.
1. Ou11l é o amor de J. Ctisto â virgindade • • 129
li. Motivos que nos incitam II amar II puteza virginal. 135
XX[ MED. - A castidade sacerdotal. - Vínculos sagra-
, dos que II ela nos prendem:
1. À promessa solene, feit11 por ocasião da nossa or-
denação • • • • • • 137
li. Os lilulos que nos são conferidos, 13Q
JII. As funções que devemos exercer , 140
XXII Ml!D. - As três guardas da castidade 143
I. A humildade 144
li. A vigiliinc:i11, , 145
Ili. A generosidade. 147
XXIH Mim. - Nascimento de Jesus ,Cristo. - Sua po-
breza • • • • • • ·• • • • 149
•I. Pobreza de J. Cristo no mistério do seu nasci-
menfo • • • • , • • , • • • 150
li. Como II pobreza de Jesus, 110 nascer, concorre·
para nos salvar • • ,, 152
XXIV Ml!:D. - O sacerdote, entrando no estado eclesilis-
. fico, pela tonsura, faz profissão de pobreza.
!. Desde II nossa enlr11da no estado eclesiiistico, a
Igreja obriga-nos II professar pobreza • , • 155
li. Em que circunslânci11s fizemos esta profissão de
pobreza, • , • • • , • 157
111. A Igreja quer que nunca percamos de vista esl11
promessa 158
X.XV Mim. - O espírito de pobreza, rico tesoiro do bom'
sacerdote.
I: O espírito de P.obrez11, fonte de verd11deir� felici-
dade p11r11 o bom sacerdote, • • • • • 161
li. O espírilo de pobreza, rico tesoiro do bom sa-
cerdote . . • • , • • • • . : , 164
XXVI MED. - Circuncisão de Jesus Cristo. - A morti-
ficação • • • • • • • • • 167
1. Oue idéia se deve fazer d11 morlific11çiio exterior,
contida em jusfosiímites, • • • .. • • 168

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ÍNOICE

li. Quais siio os que estão obrigados à morlific11çiio


exterior • 169
XX V li MED. - Apresentação de J. Cristo no templo. -
Generosidade nos sacrifícios que Deus
nos exige . • 172
1. Sacrifícios que Jesus inspira II M11ri11. 173
li. Sacriíicios que Jesus se impõe II si mesmo • 175
XXVII l ;Mt:0. - Apresentação de Jesus no templo. - Fi-
delidade em cumprir fôdas as disposições
da lt?i,,
1. Observar tôd11s 11s leis do Senhor, ·por pouco im-
porl11nles que p11reç11m : • • • 177
li. Observá-los, por pouco obrigofôri11s qu� p11reç11m, 179
XXIX MED. - Apresentação de Jesus no templo. -Pro-
ceder do bom sacerdote no que se refere
às rubricas e cerimónias litúrgicas.
!. O bom s11cerdote respeit11 as cerimônias eclesiíis-
fic11s . • • 182
li. Como devemos observar as rubricas e as ceri-
mónias • • • • • • • • • 164
Ili. Quanto imporia explicar 11s cerimônias cristãs. 185
XXX MED. - Fugida para o Egipto. - Belo modêlo de
, submissão·à Providência • • • 187
). P11rlid11 da Sagrada f11míli11 p11r11 o Egipto 188
li. E_.,fod11 da Sagrada família no Egiplo, 189
Ili, Voll11 à11 Sagroda Família II Nazareth. 191
XXXI MED, - O bom sacerdote' ho11ra' a Providência •
1. O bom s11cerdotf' reconhece em tôdas as coisas 11
Providênci11 • • • 194
li. O bom s11cerdote submete-se inteiramente às dis-
posições da Providência . , • • • 195
Ili. O bom sacerdote confia inleir11menle nas disposi­
ções da Providência. 196
XXXII MED. - Dois outros deveres do bom sacerdote
para com a Providência.
1. O bom padre faz honrar II Providência 199
li. O bom padre mostra-se digno inslrumento da Pro­
vidência • 200
XXXIII MED. - Jesus n11 idade de dôze anos separa-se
_de seus pais. - Façamos a Deus o sacri­
fício . das nossas afeições mais legífimas e
caras, - Motivos:

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658 MEDITAÇÕES ·SACERDOTAIS

Pág.
). O exemplo de J esus Cristo • , 204
li. A esperanç11 das recompen5lls, ligada a êsle sa-
criíício , • • • 206
111. O lemor dos c11sligos II que se expõem os que re­
cus11m fazer ês!e s11crifício • 208
XXXIV MKn. -Jesus perdido e achado. - Con(emplação 210
1. Conlempl11r 11s pesso11s. 211
li. Ouvir as p11l11vr11s • • 212
Ili. Conlempl11r 11s acções • 213
XXXV M1;:i,. :...._ Jesus em Nazarelh. - Contemplação.
1. Conlemplar 11s pessoas. 215
li. Ouvir as p11l11vr11s • • 216
Ili. Consider11r 11s 11cções • 217
XXXVI Mim. - O mistério da vida oculta de-J. Crisfo
em Naz11relh.
). Cura as noss11s 11lm11s de. uma das mais perigqsas
doenç11s • • • • • • • • 219
li. E' p11r11 nós uma fonte de consolações. 222
XXXVII MEo. - Jesus em Nazarelh. - Sua obediên­
cia : EI er11I subdi(us illis.
). Grande amor de J. Cristo à obediência 225
li. Como praticou Jt'sus II obediênci11. 227
XXXVIII Mw. - Razões especiais que leem os sacer­
dotes para imitar a obediência de J. Cristo.
1. O zêlo da glóri11 de Deus deve exci(ar o bom pa­
dre II imitar II obediência de Cristo. 231
li. O inlerêsse da lgrej11, segunda r11ziio • • • • 232
Ili. A obrigaçiio conlraída na ordenaçiio, terceira raziio 233
XXXIX Mim. - Preciosos frutos que o bom padre lira
da obediência.
1. A obeJiência ,é fonte de p11z • • • • • 236
li. A obediência é grande meio de s11nliRcaçiio • • 237
Ili. A obediência fecunda os trabalhos do zêlo 11pos-
lólico. 239
XL M1w. - Oual deve ser a obediência dos sacerdotes,
para se assemelhar à de Jesus Cristo.
1. Obediência religiosa e filial • • • • • 242
li. Obediênci11 pron(11 e san!11 na sua exécuçiio • 244
Ili. Obediênci11 universal ·em seu ob1eclo • 245
XLI MEo. - Progressos do bom padre na perfeição. Je­
sus 11utem pro6cit'bal .•• cor11m Deo et hominibus
1. Progressos con!ínuos no s11nlid11de interior 248
li. Progressos na s11_nlidade exterior 250
�f!
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ÍNDICE 659
Pág.
XLII MED. - Fazer cada coisa com fôda a perfeição pos­
sível, grande meio de progredir ràpida­
menfe na santidade.
1. Jesus dava II c11d11 uma das suas acções lôd11 11
perfeição de que era susceplível. • • • • 252
li. Razões que nos induzem II fazer 11s nossas acções
o mais perfeitamente que pudermos. • • • 254
XLIII MED. - Primeira causa, após a qraça, da santida-
de das nossas ·acções: a boa intenção
que as dirige.
1. Poderosa ' eGcécia da boa intenção .para II santi6-
cação das obras. • • • • • 2.58
li. Qualidades que deve ter II boa intenção • 260

§ 4.º
Por meio dos exemplos da sua vida p6blic110 Jesus Crislo
forma-nos e prepara,nos para procurar e promover
11 glória de Deus e a salvaçi� das almas.

XLIV MEIJ. -As. duas bandeiras. - Convite à vida apos--


. fálica.
1. Bandeira de Lúcifer • 265
li. Bandeira de Jesus Cristo 267
XLV MED. - Desenvolvimento e aplicação da parábola
das duas bandeiras.
1. Nesta parébola tudo deve excitar o nosso zêlo da
, salvação das almas • • • • • • • • 271
li. Como podemos nós ganhar muitas almas para Deus' 274
XLV l MEU. - Repelição das duas precedentes, e resu-.
mo dos molivos do zê/o da salvação das
almas. Reduzem-se a frês:
1. Motivo de glória • 276
li. Motivo de caridade. • • • 278
Ili. Motivo do nosso próprio inferêsse. 280
XLVII MED. - Baplismo de Jesus Cristo. - Contem-
plação • • • 283
1. Conlemplar ns pessoas. 284
li. Ouvir as palavra.; • • 284
Ili. Considerar as acções • 285
XLVIII Mim. - Jesus Cristo no deserto. - Amor do
retiro.
1. Grandes exemplos nos incifa[!I ao amor do reliro. · 289

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

li. Poderosos motivos nos persuodem o ornar do


'retiro. 290
XLIX
. M1rn. - Vocação rios Apóstolos,
]. Que fim se propõe J'. Cristo, chamando· os 11pós-
,olos. • • • • • _. • ' � · • · 296
li. Como e quando são chamados o� 11póslolos • • 298
lll. Qual foi II fidelidade dos apóstolos em cumprir 11
su11 vocação . •- 299
L MED • .:... Tudo deve vir de Deus no ministério apos(ó­
lico: a vocação, a missão, e o bom éxifo.
Ego elegi vos, el posui vos, ui eolis, et
fruclum afferalis.
1. Só Deus pode chamar 110 ministério apos(ólico • 301
li. Só Deus deve designar a cada um de seus minis­
tros o seu emprêgo particular • • • , 303
Ili. Só Deus faz frutificar os"trabalhos· ' de seus mi-
nistros · 305
LI M ED. - Apostolado do exemplo, considerado ·no sace;­
dote e no pastor de almas
1. Neçessidade do bom exemplo em um sacerdote , ,;í07
li. Eficácia do bom exemplo 309
LII MEo. - Primeira qualidade do z�lo _sacerdotal: a
aclividade.
1. A adividade é essencial 110 zêlo sacerdotal • • 314
li. Como e por que aclos se manifesta a 11clivid11de
do zêlo s11cerdotal • 317
Llll MED. - Segunda qualidade do zê/o sacerdotal, a
mansidão. Consideremo-la primeiro em
J. Cristo, ·
1. De que modo J. Cristo nos ensinou a mansidão • 320
li. Com que perfeição J. Cristo parlicou a mansidão. 325
LI V MED. -A mansidão, considerada no sacerdote. Sua
necessidade.
1. O ministério sacerdotal exige uma grande mansidão 326
li. O sacerdote esfã obrigado para com1-igo mesmo a
ser manso 328
LV MED. - A mansidão sacerdotal:
· influência que ela
nos dá. '·
1. À m11nsidão torna-nos senhores do nosso próprio
coração • • • • • • • • • • 331'
li. Torna-nos senhores do coração de nossos irmãos 3?>2
IH. Torna-nos senhores do coração ·do mesmo Deus , 334

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ÍNDICE 661
Pág.
LVI Mim. - Terceira qualidade do zê/o s11cerdol11I: 11
prudência ; su11s c11r11c{eríslic11s.
1. O zêlo pruden(e é indulgente, sem ser fraco :337
li. O zêlo prudente, é ex11do, sem ser rí�ido • 338
lll. O zêlo pruden(e é firme, sem perliniicia 340
LVII MED. - Aliança da simplicidàde e da prudência no
homem apostólico • • • • 342
1. O homem apostólico peve ser simples n11 sua
prudência • • • • • • • 343
li. O �ornem aposlólic.o deve ser prudente na sua
simplicidade • 345
LVIII MED. - Guaria qualidade do zê/o sacerdotal, 11
constância.
1. As contradições não devem 11b11l11r II constância do
zêlo • • • • • • • • 347
li. Longe de 11b11l11rem 11. noss11 constãnci11 nos tr11b11,
lhos do zêlo, 11s contradições devem firmii-lo • 349
LIX ME[J. - O
desalento, grande obstáculo à consfància
do zê/o: seus efeitos, causas e prelexfos.
1. Funes(os efeitos do desalento • • • . •· 353
li. O desalento, considerado em suas causas, é muit11s
vezes condenável. • . • • • 3 54
lll. O desalento é sempre injuslific11do nos seus pre-
textos. 356
LX MED. - O zê/o em acção na conversão da S11m11rif11n11.
1. O trabalho dó zêlo n11 conversão d11 S11marit11n11. 360
li. Fruto do zêlo n11 conversão d11 S11m11rif11n11 363
LXI MED. - A pregação. -Ministério tolalmenlé divino.
1.
E' totalmente divino em seu princípio 366
li. E' totalmente divino em se'l fim • 368
111. E' tolalmcn(e divino em sua eOciicia 370
LX!I Mt!n. - A obrigação de pregar.
1. E' 11 principal obrigação do sacerdote, considerado·
como pastor 373
li. Extensão desta obrigbção . 377
LXHI MED. - A boa pregação.
1.
Jesus Cristo ensina-nos o que devemos pregar • 379
li.
Jesus Cristo mos(r11-nos com o seu exemplo, como
devemos pregar 381
LXIV Meo. � O pregador deve ser.homem de oração e
meditação. Esta verdade demonstra-a:
]. A Sagrado Escri(ura e 11 (radiçiio. 38:}

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66! MEDITAÇÕES SACEI\DOTAIS

Pág.
li. O senlimenlo e II prática dos verdadeiros pre-
gadores • • • • 385
Ili.- A mesma n11lurez11 da pregação 587
LXV MED. - Preparaç�o para o ministério da divina
palavra.
1. E' necessário que o sacerdote se prepare para
a pregação • • • • 390
li. Em que consiste principalmente II preparação. 392
LXVI Mim. - Vaidade na pregação.
1. -Prêg11r com inluilos de vaidade, é grande desor-
dem, de que devemos fugir •, , • • , 395
li. Como devemos combater a vaidade na pregação • 398
LXVII MED. - O pregador, pescador de homens. Ex hoc
j11m homines eris c11piens.
1. A pregação é uma pesca espirilu11l • • • 401-
li. O que 11ssegur11 o bom resultado da pesca 11pos-
lólic11 • • • • • • • 403
Ili. O que deve fazer o pe�c11dor 11poslólico, quando
aprouve 110 céu abençoar os seus lr11b11lhos 405
LXVIII 1\-IEo. - A pregfJção exige de nós o estudo e o
amor da Sagrada Escritura.
1. A Igreja induz-nos II eslud11r os nossos livros s11nfos 407
li. O estudo da S11gr11d11 Escrilur11 é II conseqüência
necessária das obrigações do pregador 409
LXIX M!!D. - A administração dos sacramentos. Sic nos
existimet homo ui minislros Chrisli, el dis­
pensalores mysferiorum Dei; hic j11m qu11e­
rifur inler dispens11lores, ui fidelis quis
inveniaíur.
1. Excelência e dignidade desta função • • • • 413
li. Oue de·vemos fozer p11r11 exercer bem esta função 415
LXX MED. - O.ministério da confissão; afeição e re­
pugnância que inspira.
]. Todos os motivos de zêlo se junfám para 11íeiço11r
o sacerdole fervoroso 110 minislério da con-
fissão. • • • • • 418
li. O padre fibio sublr11i-se 110 min.istério da confissão 420
L:lLXI MED. -- Bondade de pai, primeira qualidade do
confessor.
1. Bondade preventiva 423
li. Bondade animadora • 425
Ili. Bond11de paciente e perseveranle 426

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ÍNDICE 663
Pág.
LXXII MED. - Justiça de juiz, segunda qualidade do
confessor.
1. O confessor é juiz, e eKerce a justiça do mesmo
Deus • • • • • • 428
li. Jusliça do confessor, jusliça imp11rci11l 430
Ili. Jusliç11 do confessor, jusliç11 escl11recida 431
LXXII[ MED. -- Prudência e piedade, .;utras qualidades
_ indispensáveis .no ministro da reconciliação.
1. Prudênci11 do confessor • 434
li. Pied11de do confessor . '. 436
LXXIV MED, - Prática do ministério da confissão. O que
faz o sacerdote fervoroso.
1. Antes de enfrar no confessionário • 4:'.19
li. Duranle o exercício do minislério da confissão 440
lll. Depois de s11ír do confessionário • 442
LXXV Mim. -- Motivos para o sacerdote zeloso se dedicar
à santificação da mocidade • • 444
1. Os desejos de J. Cristo e o eK<!mplo dos maiores ·
Santos.
li. Os desejos d11 lgrej11 e' da sociedade em geral 446
LXX V[ l\h:u. - Outros motivos para o sacerdote zeloso
se dedicar à santificação da mocidade.
[. Nenhumil idade; sob o ponto de vista da fé, mere­
ce tanto interêsse como II infância 449
li. Nenhum oulro ministério é. m11is proveitoso p11ra os
que _o eKercem, do que II educ11çiio da juvenlude. 451
LXXVII Mim. - O bom pastor prefere a tudo o cuidado
dos enfermos.

.
1. · A assislênci11 aos enfermos, consider11d11 em seu
objeclo • • • • • • • • 456
li. Deploráveis conseqüências que II negligência acar-
relario. • • • • • . • • • • • 458
lll. O verd11deiro zêlo deve esperar ludo dos cuidados
dispensados aos enfermos e moribundos 459
LXX VIII MED. - Grandes vantagens que lira o bom pas­
tor, da sua caridade para com os enfermos.
1. Para si e su11 própria scnlilicaçiio. 462
li. Para honrar o seu ministério e preparar II sua
eficácia • 465
LXX[X MED.-A prática do zêlo para com os enfermos.
1. Visitas aos enfermos • 468

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MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Pág.
li. A administração dos últimos sacramen!os. • • 470
Ili. Assis!ência aos enfermos nos seus úllimos mo-
men!os • 472

§ 5.º
A vida dolorosa de Jesus Cristo ampara-nos e anima-
•nos no m.iio das tribulações do sagrado ministério . 475

LXXX MED. - O mistério da cruz, considerado com re-


lação ao zé/o sacerdotal.
1. A medifação dos _sofrimentos de J. Cristo, excita
o zêlo sacerdo!al • 477
li. Esclarece o zélo sacerdotal 479
Ili. Consola o nosso zelo • 481
LXXXI ME!>. - Jesus Cristo no jardim das O/iveir�s. ·
1. Devemos condoer-nos das aflições de Jesus.Cristo. 485
.11, Oue devemos fazer nas nossas aUições, e onde
· devemos buscar o seu remédio 487
LXXXII MED. - Jesus Cristo entrega-se aos se�s inimi-
gos. - Contemplação • 491
1. Co.ntemplar as pessoas 492
li. Ouvir /lS palavras • 492
Ili. Considerar as acções • 494
LXXXIII 1\1:Eo. - Jesus Cristo, entregando-se aos seus
inimigos
1. Sacrifica-nos a sua liberdade . • 497
li. Pede-nos o sacrifício da nossa liberdade , . • 500
LXXXIV MED. -· Jesus Cristo faz-nos o sacrifício· da
sua reputação • • • 502
1. Oual é a repulaçiio que o Salvador nos sacrifica . 50'.>
li. Como nos sacrifica o Salvador a sua reputação • 505
Ili. Com que tranqüilidade J. Cristo nos faz o sacri-
fício da sua repulação • 506
LXXXV MED. - Jesus Cristo em cas(I de Caifás. -
Contemplação • -509
1. Ccnlemplar as pessoas • • • • 510
li. e Ili. Ouvir as palav�as e considerar as acções 51 O
LXXXVI MED. - Jesus Cristo na palácio de Herodes.­
Canfe111j,lação.
1. Contemplar as pessoas • • • •� 516
li. e Ili. Ouvir as palavras e considerar as acções • 517

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Í:'<DICE 66.'i

LXXX VII MED. - Jesus Cristo no fribunal de Pilatos


é pôsto em paralelo com Barrabás. -
Contemplação.
1. Conlemplar as pessoas • • 521
li. e Ili. Ouvir as palavras e eonsiderar as acções 522
LXXXVIII Mim. - Jesus Cristo atado à coluna.-Apli-
caçiio dos sentidos 527
1. Aplicação da vista • 528
li. Aplicaçãq do ouvido 529
Ili. Aplicação do olfaclo 530
IV. Aplicação do gôslo 531
V. Aplicação do fado . 531

LXXXIX Mim. - Jesus Crislo na Cruz. - Contemplação . 533


1. Conlemplar as pessoas . • • • . • • 534
li. Ouvir as palavras . 534
Ili. Considerar as acções , . 535

XJ..: l\1Eo: - Os grandes sofrimenlos do homem apostólico


siio inevitáveis,• deve prevê-los.
1. O sacerdote deve contar com grandes sofrimen­
tos, porque esfli colocado na primeira classe
dos discípulos de Cristo. • 538
li. O socerdofe deve contar com maiores tribulações,
porque é cooperádor de J. Cristo • 540
XCI MED. - Os grandes sofrimentos do homem apostó-
lico; o bom sacerdote ama-os.
1. O bom sacerdote ama os soírimenfos como II pro-
vo mais segura do amqr de Deus para com êle. 545
11. O bom sacerdole ama os sofrimentos, como II pro-
va mais cerfa que pode dar II Deus, do seu amor. 549

§ 6.º
Vida gloriosa de Jesus re11&uscitado, penbor{ia felicidade
reservada ao bom sacerdote, modêlo da vida apostólica
e da união com Deus, que é a corôa da verdadeira
· · santidade.

XCII MED. - Ressurreição de Jesus Cristo.


1. feliz es(ado de Jesus ressuscitado. ·55:}
li. feliz estado que nos promete II ressurreição de
J. Cristo. 554

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666 MEDITAÇÕES SACERDOTAIS

Pág.
XCIII MED, - Vida de Jesus ressus,cilado, modêlo da
vida apostólica.
1. Jesus ressuscitado ensina-nos II unir II acção à
conlemplação. • • • • • 557
li. Jesus ressuscitado ensina-nos a conhecer e a rece-
ber as suas comunicações ínlim11s , 559

XCIV MED. -Ascensão de J. Cristo. - Contemplação, 563


1. Contemplar as pessoas. 564
li. Ouvir 11s palavras • 564
Ili. Considerar as acções • 565
XCV Mim. - O bom sacerdote no céu.
1. No céu não há nenhum mal a sofrer 569
li. Não há nenhum bem a desejar. 570
Ili. Não há mudan ças a temer.
,
573
XCVI MED. - Jesus amigo do sacerdote. 575
1. Jesus cumpre para com os s11cerdoles as leis da
mais períeil'11 amizade • • • • • • 576
li. Os sacerdo{es' devem dar a Jesus Cristo as mes-
mas provas de amizade, que dêle recebem • 579

XCVII MED. - A Eucaristia, vinculo, de amor entre Je-


sus -Cristo e seus ministros. • • • • • 582
1. Amor que J. Cristo mostra aos sacerdoles na Eu-
caristia • • • • • • • • • • · • 5':13
li. Provas de amor que Jesus espera de nós n11 Eu-
caristia • 5�

XCVIJI MED. - Fundamentos da confiança cristã e sa-


cerdotal • • • • • • • • • • .5l\9
1. Deus promete formalmente conceder ludo à con-
fiança. • • • • • • , • 590
li. Ainda que Deus o não prometesse, a nossa con-
fiança o poria na necessidade de nos socorrer
e salvar . 593

XCIX MED. - Alegria espiritual.


1. Verdadeira idéia da alegria espirilual • • • 596
li. Como a nossa alegria espiritual é agradável II Dews. 598
Ili. Como esta alegria é úlil e necessãri11 à nossa san-
lificaçiio • 599

e· MED. - Conformidade com a vontade de Deus. • • 602


1. Conformar inleiramenle II minha vontade com a de
Deus, l que coisa mais justa? • 603

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ÍNDICE 667

li. l Oue coisa mais excelen!e e m11is agrádável 11


��? • • 004
Ili. l Oue coisa m11is honrosa? 606

CI MED. - Conformidade com a vontade de Deus. - O


que nela acha a nossa alma.
1. Conformar a nossa vontade com a de Deus é a
santidade m11is perfeita , • • • • 610
li. Conformar em tudo a no11sa vontade com a de
Deus, é a felicidade mais completa. 612

CII MED. - O amor de Deus. - Seus mofivos.


1. Deus deseja que o amemos 616
li. Deus merece que o amemos 618
111. Deus ama-nos • 620

Prática do retiro mensal � 625

Na véspera do dia de refiro. 625

Meditação preparat6ria.
1. Disposição de santo desejo 626
li. Disposição de confiança • 627
UI. Disposição de generosidade 627

No dia· do refiro. 628

Considerações sôbre o estado presenle da minha alma.


1. Regulamento para o dia, e práticas de piedade • 630
11. Disposições habituais com respeilo a Deus 631
111. Disposições com relação ao próximo • 631
VI. Cuidado da minha própria sanfific11ção 632
V. As minhas obrigações parficulares. 633

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