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INTRODuCAO

ENTRE Vôos DE AGuia E Passos DE ELEFANTE:


CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO NA ATIALIDADE

Maria Cecelia de Souza Minayo

A pergunta éa devoção do pensamento.


Heidegger

Ciencia se faz com teoria e método. Teoria é uma cspécic de grade ou


de jancla através da qual o cientista olha para a realidade que investiga.
Isto quer dizer que ninguém consegue investigar um problema olhando-o
diretamente, como se houvesse possibilidade de compreendê-lo e explicá-lo
em si mesmo. A compreensão da realidade ésempre mediada: por teorias,
por crenças, por representaçöcs. Uma teoria é, pois, uma construção
científica, por meio da qual o pesquisador se aproxima de um objeto, mesno
que depois a refute e construa outra que considere mais adequada para
compreender ou cxplicar o assunto que investiga. As teorias sobre
determinado assunto se apresentam como correntes de pensamento, sendo
que, em cada tempo histórico, algumas têm predomínio sobre outras.
Geralmentc, o estudioso começa scu trabalho com algumas
perguntas. E também com algumas idéias mais ou menos preconcebidas
(hipóteses); analisa os pontos de vista, as teses, as indagaçõces c as proposiçõcs
de seus pares sobre o assunto (a teoria), e ele próprio vai construir caminhos
de aproximação do tema. E cstes caminhos de aproximação sempre são
estradas por onde passam as linhas teóricas e as abordagens da realidade,
scja pela experimentação, scja pela observação: são os métodos. Não é

possível fazer ciência sem método.

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CAMINHos Do PENSAMENTo

Mas existe uma outra questão central para quem discute a prática
científica: ninguém pode desconhecer que ela se insere no mundo de seu
tempo. Vários filósofos e sociólogos da ciência debatem, também, em que
medida esse "o terceiro mundo", termo como qual Popper (1973) se rcfere
à comunidade científica, tem uma lógica própria ou é influenciado pelos
influxos da realidade social. Ë um dcbate cujos parceiros foram denominados
internalistas' e 'externalistas, dependendo da ênfase que dão aos fatores
do mundo próprio do campo cientifico ou da realidade sociopolítica e
cultural, na configuração dos problemas e no avanço do conhecimento.
Nesta introdução, tratarei brevemente de conceituar 'metodologia',
o tema central deste livro. E deter-me-ei mais demoradamente na
configuração das intensas mudanças no campo cientifico, neste período
histórico que muitos denominam 'pós-moderno' (em contraposição ao
período de predomínio do modelo da industrialização). A meu ver, as
transformações socioeconômicas e culturais estão influenciando
decisivamente tanto os processos internos quanto as condições de
possibilidades e de desenvolvimento da ciência. Faço essa incursão na medida
em que os textos aqui publicados tratam, por opção, de questões
metodológicas no sentido 'internalista' do termo. E considero que seria
importante, pelo menos como introdução, que propiciássemos ao leitor a

aproximação de algumas questõcs contextuais.

SoBRE METODOLOGIA

Que sentido tem escrever um livro sobre metodologia? Seria


procedente discutir este assunto fora do contexto das teorias? Tal éo sentido
geral das perguntas que atravessam o conteúdo deste volume. Começo
dizendo que o próprio conceito de metodologia, foco da discussão, já é, em
si, um assunto controverso. Há quem o iguale a métodos e técnicas, como
no caso da maioria dos manuais e textos americanos, produzidos para a
formação de pesquisadores. Há quem o coloque no campo da cpistemologia,
separando-o da operacionalizaç o, como faz a maioria dos intelectuais

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Introdução

franceses que trabalham as teorias das ciências. Há quem separe teoriae


método, como o grande cientista americano Thomas Merton (1969), e há
os que consideram estes dois termos inseparáveis, devendo ser tratados de
forma integrada c apropriada quando se escolhe um tema, um objeto ou
um problema de investigação (Denzin, 1973). Portanto, discutir metodologia
é entrar em um debate de idéias, opções e práticas. Buscarei tomar posição.
Em O Desafio do Conhecimento (1993), livro com o qual tentei
contribuir para superar as posturas, muitíssimo freqiüentes, de tratar
separadamente 'questöes cpistemológicas' e 'instrumentos operacionais',
apresentci o que considero o conceito de metodologia, entendendo-o de
forma abrangente e concomitante:

como a discussão epistemológica sobre o 'caminho do pensamento' que


o tema ou o objeto de investigação requer;
como a apresentação adequada cjustificada dos 'métodos, das técnicas c
dos instrumentos opcrativos' que devam ser utilizados para as buscas
relativas às indagaçõcs da investigação;
e como o que denominei "'criatividade do pesquisador", ou seja, a sua
marca pessoal e especifica na forma de articular teoria, métodos, achados
experimentais, observacionais, ou qualquer outro tipo específico de
indagação científica.

Em primeiro lugar, a discussão metodológica cstá, a meu ver (em


uma posição contrária a Merton) sempre ligada à teoria, e em si exige uma
reflexão teórica, na medida em que constitui, segundo Habermas (1987),
um caminho do pensamento, visão à qual cu ajuntaria a idia de "prática
teórica pensada" tal como cxpressa por Bourdicu em Esquisse d'une Théorie
de la Pratique (1972). Isto quer dizer, trocando em miúdos, que é diferente
pensar a metodologia de uma pesquisa de inspiração funcionalista, ou
marxista, ou fenomenológica. E diferente pensar a metodologia de uma
pesquisa unidisciplinar ortodoxa ou, ao invés, a de uma investigação de
caráter interdisciplinar, por exemplo.
Por outro lado, a metodologia se cxpressa nos métodos, nos
cxperimentos, nos surveys, nas histórias de vida ec em todas as modalidades

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CAMINHOs Do PENSAMENTO

de abordagem, buscando se adequar à realidade, de tal forma que o


processo científico e seus resultados possam se tornar públicos, ser
debatidos e também testados por outros investigadores. Quando o
pesquisador se move da teoria que fundamenta sua investigação para a
seleção de métodos, cle passa a trabalhar na atividade de pesquisa
propriamente dita, na qual será levado a delincar as técnicas e todos os
outros instrumentos operacionais que possam contribuir para a
construção e a validação do conhecimento.
O que denomino 'eriatividade do pesquisador' é algo dificil de
definir, pois entramos no campo da cxperiência. Eu diria que uso esse
termo no mesmo sentido com que Wright Mills (1972, 1974) c Denzin
(1973) usam 'imaginação' e outros autores empregam intuição'. Eu
diria que aqui entramos no campo da subjetividadc, pois, como grande
número de estudiosos (Weber, 1965; Gadamer, 1999; Habermas, 1987;
Gunnar Myrdal, 1969; Granger, 1967; Gurvitch, 1967; e Denzin, 1973,
entre outros), não acredito cm ciência neutra. Por conseguinte, considero
que todo processo de construção teórica é ao mesmo tempo uma dialética
de subjetivação c de objetivação. Essa 'criatividade do pesquisador
correspondc a sua cxperiência rcflexiva, a sua capacidade pessoal de
análise e de síntese teórica, a sua memória intelectual, a seu nível de
comprometimento com o objeto e a sua capacidade de cxposição lógica.
Esse conjunto de clementos difcrencia os resultados das investigações,
ainda quando vários pesquisadores trabalhasscm, objetivamente, com
os mesmos objetos e as mesmas indagações. Ora, estou falando de
pesquisadores como nós, de inteligência média, que se exercitam em
seus respectivos campos de conhecimento: com os gênios, não é preciso
que nos preocupemos, pois esses atravessam todo o estabelecido e
projctam, cm poucas linhas, novos insights, que em um primeiro
momento podem chocar, mas em seguida modificam os paradigmas de
seus campos cicntíficos.

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Introdução

INFLUËNCIA DOS FATORES ExTERNOS


NO CAMPO CIENTÍFICO
Feitas as consideraçõcs sobre metodologia, volto-me para a análise
dos fatores cxternos' que influcnciam, no momento presente, os rumos
do conhecimento científico, entendendo quca ciência cstá condicionada pelas
relações que cla estabelece comn totalidade social. Esse lado 'externo' é
movido pelas mudanças nos processos produtivos e de trabalho em todos
os setores, mudanças particularmente provocadas, atualmente, pela
chamada revolução da microeletrônica e de todo o complexo informacional-
comunicacional. E muito ingênuo pensar que, em uma época de tão
aceleradas mudanças, o mundo universitário e das instituições de pesquisa
poderia permanecer intocado. Mas o que está acontecendo é mais paradoxal:
a mudança fundamental accleradora do desenvolvimento em nossos dias é
exatamente o campo da ciência e da tecnologia, cuja dinâmica movimenta
o surgimento das inovaçðes nos mercados de capital, trabalho, bens e
serviços. Por sua vez, esse mercado de alguma forma globalizado ou
intensamente internacionalizado e interdependente cxige readequações nas
formas de fazer ciência, tanto nos processos metodológicos, portanto
internos à produção eientifica, como nas situações e condiçies de trabalho
que dizem respeito ao perfil dos investigadores e das instituições, às formas
de organizar, de financiar, de fazer c de avaliar pesquisa.
Essas transformações se intensificaram nas duas últimas décadas do
século XX. A introdução de novas tecnologias, matérias-primas e formas
de organização da produção não só remodelaram as bases materiais da
sociedade como redefiniram as relações entre a economia, o Estado e a
sociedade. A principal repereussão no campo da ciência se dá na forma
como seus avanços ocorrem, não mais por meio de incrementos graduais
em uma disciplina cicntifica dada, mas, quase sempre c cada vez mais, por
mcio da solução de problemas complexos que atravessam várias disciplinas
Essas mudanças mobilizam todos os elementos das forças produtivas e das
relações de produção do campo cientifico: os investigadores com seus
requisitos especiais de formação e condições de trabalho; os novos

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CAMINHOs DO PENSAMENTO

instrumentos toórico-mctodológicos que devem ser incorporados; cas unidades


fisicas e singulares que são as unidades de investigação (Pellegrini, 2000).
Uma expressão da capacidade de adaptação do setor e que aparece como
tendência dos grupos e instituições mais dinâmicos é a nova modalidade
'do trabalho em redc' c em cooperação diversificada, juntando, freqüücn-
tementc, instituições como universidades, institutos de pesquisa, grupos
de consultorias e empresas, que passam a se organizar ao redor de um
campus (real e virtual) e estabelecem relações entre si de acordo com seus
interesses em projetos específicos
Nesse ambiente, denominado por alguns "sistema de produção de
conhecimento socialmente distribuído" (Pellegrini, 2000), a universidade e
os centros de pesquisa tradicionais passam a ser questionados e desafiados
em seu descmpenho, sendo chamados a evoluir de uma situação de
instituição fechada sobre si mesma e sobre sua própria produtividade, para
se transformarem num núcleo irradiador de relações na construção do
conhecimento. Novas tecnologias de informação e comunicação tornam
viável uma organização de trabalho mais ágil no tempo e no espaço,
assegurando a fluidez das relaçõces entre os participantes dos projetos,
geralmente coordenados por um grupo sob a liderança de pesquisadores
muito experientes. Cria-se assim uma modalidade nova de 'universidade,
no sentido literal do termo, que funciona em um misto de pluralidade de
pessoas, de locais, c de realidades virtuais. ra, isto significa romper as
barrciras de departamentos c disciplinas, e também coloca cm xcque as idéias
de carreiras tradicionais regulares e de estabilidade no cmprego, interferindo
nas relações de trabalho.
Em todas as épocas históricas, a sociologia da ciência evidencia,
algumas disciplinas lideram os processos de mudança. Atualmente, duas
árcas estão dando a direção das transformações pós-modernas: a chamada
'nova biologia', principalmente os projetos em torno da genética; e todo o
campo das ciências da computaç o, que se constituem na cstrada larga por
onde passa a maioria das possibilidades de inovaçõcs. Para designar as novas
formas de fazer ciência nestas árecas foi cunhado o epíteto big science', cujas
principais características são: um conhecimento construído de maneira

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Introdução

coordenada e cooperativa envolvendo grande número de pesquisadores e


de centros de pesquisa; um processo liderado por algum centro, universidade
ou empresa, cm torno dos quais se congrega um número adequado de
pesquisadores selecionados e diferenciados; a base do projeto e sua
coordenação são formadas por um ou alguns pesquisadores, que podem
estar em qualquer cstado do país ou em qualquer parte do mundo, sediadas
em qualquer universidade ou instituto que ofereça apoio ou suporte para
isto, podendo e devendo também incluir grupos emergentes.
As novas modalidades do proccsso de trabalho investigativo
costumam inovar também, socializando tarcfas, descentralizando atividades
de coordenação c responsabilizando todos os que aceitam participar dos
processos. Aprodução na modalidadc da big secience tem metas bem definidas
para todos os envolvidos c previsão de prazos para aprescntação de
resultados. A comunicação virtual entre a pessoas é intensa e perene. Os
produtos são cooperativos c scus créditos, socialmente distribuídos, cmbora
de forma hierarquizada por mérito. Um dos recentes artigos sobre o
scqüenciamento do Genoma na Science é assinado por mais de 120
pesquisadores.
Do ponto de vista 'interno' da produção do conhecimento, a amplia-
ção das possibilidades trazidas pelo modelo da big science em primeiro lugar
dissolvc, na prática, a antiga dicotomia cntre ciência básica c ciência aplicada,
pois cada vez mais as tendências c estratégias do setor são de articulação
dos processos de investigação, de desenvolvimento tecnológico e de produção.
A disjuntiva cntre ciência para comprecnder ou explicar e ciência para
explicar está sendo substituída pelo conceito integrado de 'pesquisa estra-
tégica' (Pellegrini, 2000), que segundo Bulmer (1978) significa a execução de
investigaçõcs que juntam a descoberta de conceitos básicos, mas cstão
destinadas a aplicações em formulação de politicas públicas ou de processos
de desenvolvimento. Em segundo lugar, relativiza-se o papel do Estado
como único agente financiador em diálogo exclusivo com a comunidade
cientifica. Cada vez mais, parceiros tanto do mundo empresarial como da
sociedade civil são chamados a se colocarem ao lado do Estado no
financiamento, na discussão das propostas e na aplicação dos resultados.

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CAMINHOs Do PENSAMENTO

Assim, a ciência é assumida como atividade quc intervém na dinâmica


social, devendo ter suas prioridades definidas de forma coletiva e pública.
Em terceiro lugar, o sentido da formulação de prioridades volta à pauta.
tema das 'prioridades em pesquisa' foi sempre um tabu no âmbito da ciência
tradicional, como se as instituiçõcs cientificas cxistissem acima e
independentemente da sociedade. A nova forma de fazer ciência cvidencia
que os cientistas não apenas devem formular prioridades, mas estar abertos
a um conjunto de atores, em espaços que facilitem a formação de consensos.
Mas também há qucstöcs para a cconomia interna do campo de
investigação, refletindo-se em opções metodológicas desafiadoras impostas

pelas transformações, especificamente na área da saúde:


Aabertura para modelos de investigação por problemas, que rompem a
lógica unidisciplinar c adotam as possibilidades 'transdisciplinares ou
interdisciplinares', entendidas aqui como o trânsito por campos de
conhecimentos distintos. Esta abertura tem como condição para sua
efetividadea possibilidade de cooperação c diálogo com investigadores de
árcas distintas, desde a coneepção da pesquisa.
A construção de um 'pensamento complexo', quc atua pela busca de
interaçõese interconcxões entre todo c partes c, ao mcsmo tempo, pela
recusa das simplificações abstratas.
Aabertura para o trabalhocoletivo, tratando a 'pluralidade' de pensamento
ede experiências como clementos de enriquecimento do grupo.
Por fim, a 'articulação dos conhecimentos gerados com as práticas'
voltadas para as necessidades concretas da população (Pellegrini, Almcida
Filho& Trostle, 1998).

Porém, não podemos omitir que muitos novos problemas se


apresentam na dinâmica do campo cientifico. O primeiroc mais grave são as
investidas das cmpresas privadas, que se multiplicam na atualidade, visando
à'mercantilização' das atividades de pesquisa sobre temas cujas descobertas
são potencialmente muito lucrativas. Os padrões de competitividade entre
os países passam a se basear no domínio de novas tecnologias, levando a
que os resultados das investigações sejam privatizados já desde a concepção

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Introdução

da pesquisa, sobretudo por meio de contratos fechados, por exemplo, entre


universidade e empresa. Essa dinâmica do mercado, potencializada pelos
mecanismos internacionais de proteção à propricdade intelectual, acaba por
monopolizar o conhecimento e dificultar as possibilidades de sua transferência
com vistas ao bem comum. Estamos assistindo hojc, talvez scm termos
consciência da gravidade da situação, ao estabelecimento de csquemas de
aliança entre países e empresas para o acesso às inovações e a constituição
de megamercados, cuja lógica é a busca de recuperar, rapidamente, os
investimentos feitos em produtos e processos que de um lado são, tempo-
rariamente, lucrativos, c de outro rapidamente se tornam obsoletos.
Em conseqüência, os processos de investimento privado e estatal dos
países desenvolvidos, comparados com os escassos investimentos dos países
subdesenvolvidos, estão favorecendo o aumento das desigualdades cientificas
e tecnológicas. Mas as conscqüências são muito mais amplas, refletindo-
se no plano das relações capital versus trabalho e das políticas sociais. Castells
(1909) Icmbra quc houve uma formidávcl acecleração do descnvolvimento,
provocada pela liberação das forças produtivas geradas pelas novas
tecnologias, e, ao mesmo tempo, a consolidação da pobreza extrema.
Neste momento histórico em que ciência e tecnologia so as maiores
fontes de agregação de valores, foi preciso que, em uma conferência mundial
em Budapeste, cm 1999, a lInescocoConselho Internacional para a Ciência
reunissem cientistas do mundo inteiro e estabelecessem alguns parâmetros
éticos para atuação do setor, sob o lema 'Ciência parao Século XXI: um
novo compromisso'. A principal constatação dessa conferência é a de que o
futuro da humanidade dependerá cada vez mais de que a produção, a
distribuiço c a utilização do conhecimento científico scjam cqüitativas
Portanto, seria importantee urgente que se fizessem investimentos neste
sentido nos países subdesenvolvidos. Nas conclusões deste evento, algumas
afirmaçõcs se tornaram consensuais: a ciÃncia deve cstar a serviço de toda
a humanidade; a ciência deve contribuir para o conhecimento mais profundo
da natureza e da sociedade; a ciência deve contribuir para a qualidade de
vida e para criar um ambiente saudável para as gerações presentes e futuras
(LUnesco & ICSU, 1999).

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CAMINHos Do PENSAMENTOo

Mas muitas das dificuldades do campo cientiífico atualmente se devem


às resistências às mudanças concretas, por parte das instituições e dos
pesquisadores, sobretudo nos países subdesenvolvidos. Este medo de se colocar
em dia, por temor ao desconhecido, por convicção, conservadorismo ou
comodismo, está presente também nas instituições mais tradicionais, com
padröes muito rígidos de organização da produção do saber, construídos nas
práticas unidisciplinares. Elas tendem a olhar as mudanças como um modismo,
como uma onda do livre mercado', desconhecendo o que freqüentemente
está em jogo: as dificuldades culturais e mentais do aggiornamento. Por
exemplo: em lugar de uma busca de organização em função da 'missão' de
gerar conhecimentos, atualmente, em nosso país, muitas universidades e
centros de pesquisa se perdem na gestão do excesso de corpos colegiados,
de comissões, de consultas e de eleições internas. Isto Ihes traz, como
conscqüêneia, não uma capacidade de resposta aos desafios atuais da ciência
e teenologia, mas uma cxagerada politização de qualquer decisão,
burocratização dos processos e reprodução dos interesses corporativos. IDiante
do medo de dar os passos para as mudanças necessárias, predomina nessas
instituições o 'instinto de autopreservação' travestido de democracia.
São apenas pinceladas o que quis apresentar ao leitor que nos
acompanhará nas páginas deste volume. Sobre mudanças, já dizia Saint
Exupéry em Terra dos Homens que "toda palavra nova parecerá amarga, pois
nunca se viu metamorfose alegre". Terminando, eu resumiria que há duas
idéias principais aqui tratadas. A primeira: fazer pesquisa constitui um
processo de trabalho complexo que envolve teoria, método, operacionalização
e eriatividade. É este nível de atuação metódica e universal, permitindo a
comparação de processos e de resultados, que tornou a ciência a forma de
conhecimento mais legitimada na sociedade moderna. A segunda é que ser
pesquisador é também estar integrado no mundo: não existe conhecimento
científico acima ou fora da realidade. Não existe 'uma metodologia' interna
que possa eximir o investigador dos significados atuais, para o bem e para o
mal, do conceito de 'sociedade do conhecimento'. Grupos, instituições e
pessoas, cstamos sob um desafio: ou miramos c experimentamos vÙos de
águias, ou nos contentamos com passos de elefante.

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Introdução

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