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Universidade de Brasília
PPGAV/UnB
Disciplina: Metodologias de pesquisa em arte e educação
Professora: Tatiana Fernandez

Métodos inspirados na natureza para pesquisa científica em arte,


comunicação e design - uma reflexão.

Alessandra Campos Tótoli

Resumo

O presente trabalho propõe o delineamento de uma filosofia que seja capaz de fundamentar a
construção da metodologia para a investigação acadêmica em arte, comunicação e design sob
a perspectiva do pensamento sistêmico através de uma orientação ecológica. Para amparar
essa proposição, evocamos, como inspiração, as metodologias baseadas em arte com destaque
para A/r/tografia e a própria organização sistêmica da ecologia.

Palavras-chaves​​: Metodologias qualitativas - Metodologias de pesquisa baseadas em arte


- Metodologias baseadas em ecologia.

Introdução

No contexto geral de hiper fragmentação dos conhecimentos a que estamos submetidos em


que tanto já foi pesquisado, pressuposto, analisado e refutado, acumulam-se pilhas e pilhas de
papéis, incontáveis bytes de informação, horas e horas de vídeos e áudios captados. Tudo isso
crescendo num ritmo acelerado e sem descanso.
Inevitavelmente, cada pesquisa científica focaliza e/ou atinge não mais que fragmentos de
uma realidade crescente em complexidade.
Embora, desde pelo menos, a antiguidade clássica, tenha-se registro de investigadores em
busca de teorias unificadoras, o que observamos prevalecer atualmente é justamente a

Brasília, dezembro de 2018


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colossal variedade de teorias hiper especializadas que abrangem de modo exaustivo detalhes
da vida.
Diante desse cenário, faz-se urgente que se invista energia intelectual na criação de
mecanismos de organização e otimização dessa produção a fim de que se proporcione um
melhor aproveitamento dos estudos científicos no sentido de beneficiar o conjunto das
sociedades humanas numa utópica harmonia com a natureza. Esse pensamento está amparado
por uma visão sistêmica da vida, como desenvolvem Fritjof Capra e Pier Luigi Luisi:

“O grande choque que golpeou a ciência do século XX foi a constatação de que os


sistemas vivos não podem ser compreendidos por meio de análise. As propriedades
das partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem ser compreendidas no
âmbito de um contexto maior. Desse modo, a relação entre as partes e o todo foi
invertida. Na abordagem sistêmica, as propriedades das partes só podem ser
compreendidas a partir da organização do todo. Em conformidade com isso o
pensamento sistêmico não se concentra em blocos de construção básicos, mas, em
vez disso, em princípios de organização básicos. O pensamento sistêmico é
‘conceitual’, em que significa o oposto do pensamento analítico. Análise significa
separar as partes e considerar uma delas separadamente para entendê-la; o
pensamento sistêmico significa colocá-la no contexto de uma totalidade maior”
(CAPRA e LUISI, p 96)

Consideramos que as pesquisas em arte, comunicação e design são tem o potencial de


desempenhar um papel importante na construção das subjetividades humanas, e por isso,
devem ser planejadas e executadas com afeto e rigor.
Esse artigo propõe contribuir com tal proposta a partir de reflexões sobre a possibilidade de
uma metodologia para a pesquisa em arte, comunicação e design que, sendo inspirada nas
complexas formas de estruturação e organização da natureza, sob a perspectiva do
pensamento sistêmico, possa contribuir para o encontro de soluções humanas urgentes em
benefício do bem comum.
Para a construção da reflexão proposta, usamos como inspiração a pesquisa a/r/tográfica, que
no âmbito das metodologias qualitativas baseadas em arte, faz uma abordagem de prática de
pesquisa que considera o investigador no papel triplo de artista/pesquisador/professor e
propõe uma forma de fazer pesquisa se que se deixa atravessar pela poética na perspectiva de
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abranger facetas da realidade não captáveis pelas linguagens nas formas em que estamos
habituados no contexto usual da pesquisa acadêmica.
Considera-se, na teoria a/r/tográfica, que as novas configurações da vida demandam novas
formas de investigação e consequentemente novos métodos de pesquisa. Segundo Irene
Tourinho:

“A ideia de encontrar um “bom” método (...) cerceia a atitude investigativa, pois


admite, a priori, que existe o ‘método ideal’ para conduzir uma investigação. Usar
apenas um método, além de ser uma limitação, contraria a natureza exploratória do
trabalho de pesquisa e de docência. Novamente, pensar o método como ​a priori ​da
pesquisa ou como a “aplicação” de normas certeiras para atingir um fim
pré-determinado enfatiza o controle e a previsão, dimensões que abortam
possibilidades de questionamentos, redirecionamentos e enfrentamentos que podem
ser produtivos para a realização do trabalho.” (TOURINHO, p 67)

Em consonância ao pensamento de Tourinho, não espera-se propor a possibilidade de uma


escolha de método de trabalho que preceda a própria investigação, mas sim de imaginar uma
filosofia geral para possibilitar a escolha de uma metodologia que permita a investigação
comprometida em refletir as complexidades das subjetividades e ambiente em seus diversos
níveis de interação.
Assim, pretendemos, no presente texto, delinear, senão, e não há tamanha pretensão, uma
fórmula ou caminho propriamente ditos, mas uma filosofia de pensamento metodológico,
para a pesquisa em arte, comunicação e design, que possa guiar a jornada de investigação
científica no sentido da construção de um pensamento emancipatório que potencialmente
guie a ação fruto do conhecimento na direção de um utópico bem comum capaz de abarcar as
complexas relações que estabelecem entre humanidade e natureza.

Inspira

Expira

Segue
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1 ​Arte, comunicação e design no mundo contemporâneo

1.1 Um olhar transdisciplinar

Segundo Félix Guattari, podemos agrupar os instrumentos de dominação a que as sociedades


se submetem atualmente em quatro regimes semióticos: as semiótica econômicas, as
semióticas jurídicas, as semióticas técnico-científicas e as semióticas de subjetivação. Assim,
consideramos que a reflexão acerca dos métodos de pesquisa em arte, comunicação e design
se faz essencial no sentido de atender a demanda de trabalhar com a construção de semióticas
subjetivas emancipatórias, que carreguem consigo a potência necessária para confrontar todos
os tipos de silenciamentos e dominações sobre a vida.
Arte, comunicação e design são disciplinas que se coincidem, atravessam e sobrepõem em
diversos aspectos nos âmbitos de seus estudos e práticas, de modo que conhecimentos de
cada uma delas costuma ter o potencial de aprimorar o pensamento e prática das outras duas.
Teoria das cores, proporções, equilíbrio, harmonia e perspectiva são temas relevantes a
análise e prática das três áreas. Muita teoria sobre diversos fatores influenciadores já se
acumula nas bibliografias sobre esses e diversos outros elementos, e no entanto, inúmeros
detalhes operacionais escapam a sistematização de profissionais e pesquisadores dessas áreas,
extrapolando para outras disciplinas como por exemplo a psicologia, que analisa fenômenos
relativos à percepção da cor de maneira rigorosa (PEDROSA, 2009).
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Tal fato apenas corrobora a necessidade de uma visão transdisciplinar, não somente de arte,
comunicação e design, mas também em contiguidade com as outras disciplinas que
atravessem a investigação sob a perspectiva sistêmica.

1.2 Naturalidades e artificialidades

Vamos considerar como natural tudo que existe sem a influência dos humanos, enquanto
artifícios sejam, necessariamente, criações humanas. Ora, vivemos tal estado de hibridização,
no momento contemporâneo, que se torna cada vez mais difícil fazer essa distinção. A
tecnologia já nos permite manipulação tão refinada da natureza a ponto de sermos capazes de
reproduzir tecidos humanos incrivelmente semelhantes aos reais. Mesmo assim, e até por
isso, a tomada de consciência de tal contexto híbrido é fundamental para amparar uma
filosofia das investigações acadêmicas em arte, comunicação e design que possa contribuir
com a construção de um conhecimento científico voltado para a prática no sentido de
harmonizar as relações homem-natureza em toda sua complexidade nas relações
natural-artificial.
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A figura anterior ilustra um artifício elucidativo da suma importância que as árvores tem
dentro do ecossistema planetário ao induzir a metáfora visual com um pulmão, órgão vital do
corpo humano que permite a filtragem do ar no processo da respiração. De modo análogo, as
árvores são, em contexto macro, os pulmões do planeta, ao proporcionarem a filtragem do ar
planetário.

2 Ciência e natureza: confluências

Não se sabe, e quiçá um dia se saberá, o porque. Mas de fato, desde que o ser humano e a
natureza coexistem, possivelmente um modo rudimentar de ciência já existiria também. Isso
porque a investigação tem sido, desde que se sabe, a forma pela qual chegamos a adquirir
conhecimento sobre o mundo, sobretudo para aumentar nossas chances de sobrevivência a
situações hostis. O gráfico abaixo propõe uma possível visualização de como se deu, ao longo
do tempo, a relação de sobreposição entre o natural e o alcance das invenções humanas.

Entretanto, as metodologias e costumes da ciência não se desenrolaram de forma linear nem


contínua.
Primeiro, porque nenhuma investigação científica acontece sem a mediação de um
sujeito-pesquisador. Paralelamente, porque nenhuma subjetividade se desenvolve fora de
conexão com inúmeras variáveis de seu ambiente. Ora, sabemos que ainda há muito o que se
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desvendar no âmbito da formação da subjetividade humana. Sendo assim, como poderíamos


aceitar a ideia de uma mente pura e cristalina, que pudesse de fato criar uma ciência “ideal”?
Não! Todo fazer científico é fruto de uma coexistência de inúmeros fatores transdisciplinares,
que se influenciam, dialeticamente, por e com a história local, economia, política, condições
meteorológicas, afetivas, etc. A importância dada aos produtos científicos, especialmente nas
áreas de arte, comunicação e design, deve mais residir em prospectar a utilidade de
determinado estudo do que se indagar se fora projetado e executado de forma “certa” ou
“errada”, ou mais, “bonita” ou “feia”. Na ausência da capacidade de controlar e predizer a
totalidade dos fatores influentes, soa mais sensato admitir o fator descontrole e formular
estratégias e táticas para manter um estado de alerta que forjar um controle absoluto, ainda
que para isso se tenha que criar artificialmente condições e estados ideais, impossíveis na
própria natureza.
Deve-se então, a título de sugestão, perguntar, para que fazer?
Muito se critica, nas ciências humanas, a reprodução de ideais. Ora, se esquece que nas
ciências ditas naturais, são criadas, a título de experimentos, condições ideais, utópicas,
falsas, inexistentes espontaneamente na natureza que as contém?
Assumimos que natureza e ciência são inseparáveis na nossa experiência humana. Mas ao
falar de natureza, do que, exatamente, estamos falando?
Basicamente de tudo que existe independentemente do ser humano. Poderíamos sequer estar
aqui mas a natureza estaria, e inclui tudo que estaria.
Desde os primórdios das filosofias ocidentais e orientais, há uma preocupação em achar
pontos coincidentes entre filosofia e ciência, arte e espiritualidade, religião e racionalismo,
masculino e feminino, e outros tantos pares opostos que coexistem graças a seus
antagonismos. Céu e inferno, realidade e sonho. Tanto os pitagóricos quanto os chineses, com
seu milenar Yin Yang estavam a par desse grande mistério das oposições e paradoxos.
(LIVIO, 2010)
Ora, as linguagens de que dispomos, não exprimem facilmente a complexidade a que nos
expomos. Em linguagem, arte, comunicação e design, nada é definível por números inteiros.
Quiçá existam complexas teorias matemáticas, como as teorias do caos ou fractais para
explicar fenômenos mais complexos das intersubjetividade humanas, por ora, nada do que se
faz presente nessas palavras avança além da do plano especulativo.
E, bem, a ciência nos ensina o não apego a proposições assumidamente especulativas.
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3 Por uma metodologia acadêmica de arte, comunicação e design baseada


em ecologia

Por se tratar de pesquisas no campo das subjetividades, é comum que as investigações em


arte, comunicação e design, assim como outras disciplinas das áreas de humanidades, adotem
métodos de pesquisa qualitativos, os quais podem se configurar nos mais diversos percursos e
estratégias de pesquisa. No entanto, há, no caminho investigativo, uma decisão que precede a
escolha de tal metodologia: a definição do objeto da pesquisa. Somente a partir de uma
pergunta ou hipótese, será adequado partir para decisões e escolhas metodológicas do projeto
de pesquisa. Deve-se levar em conta que a escolha da metodologia exercerá influência
profunda no caminho para o qual a sua pesquisa o levará, por isso, há de se pensar não
somente nos objetos, mas também nos objetivos de nossas pesquisas. Segundo Capra e Luisi,
podemos definir ecologia como:

“A ecologia, do grego ​oikos (​ ‘lar’, isto é ‘espaço e unidade domésticos’), é o estudo


do ‘Lar Terrestre’. Mais precisamente, é o estudo científico das relações entre os
membros do Lar Terrestre - plantas, animais e microorganismos - e seu ambiente
natural, vivo e não vivo. A unidade ecológica básica é o ecossistema, definido como
uma comunidade de diferentes espécies em uma determinada área, interagindo com
seu ambiente não vivo, ou abiótico (ar, minerais, água, luz solar, etc.) e com seu
ambiente vivo, ou biótico (isto é, com outros membros da comunidade). O
ecossistema, então, consiste em uma comunidade biótico e seu ambiente físico”
(CAPRA e LUISI, p 422)

Defendemos, então, o amparo filosófico em metodologias que considerem a complexidade


das relações ecológicas, num caminho inverso ao que gerou a hiper-individualização na
organização social em nos inserimos hoje.

3.1 Metodologias de pesquisa baseadas em arte: a/r/tografia

Artistas frequentemente utilizam, em seus projetos de criação, métodos de criação inusitados.


Caminhadas longas, observação da natureza, privação de sono, visões, imitação de outros
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artistas, são algumas das estratégias utilizadas para o artista chegar a sua criação poética,
dada como uma potência de atravessamento dos limites impostos pela linguagem científica
atual.
Em contrapartida, pesquisadores das áreas de humanas em geral, se vêem frequentemente
limitados por metodologias de pesquisa que, ainda que qualitativas, restringem a linguagem
escrita o alcance de sua captação investigativa.
Diante desse contexto, foram criadas as metodologias de pesquisa baseadas em arte, que
incluem a pesquisa de imagens, corporeidades e outros sentidos explorados na produção
artística que escapam ao bojo das metodologias de pesquisa convencionais.
Entretanto, o contexto das pesquisas educacionais, trouxe uma nova perspectiva aos
pesquisadores, que culminou na criação da a/r/tografia, uma metodologia de pesquisa
educacional baseada em arte que leva em conta o papel do artista-pesquisador-professor, e
permite o atravessamento de aberturas poéticas e práticas pedagógicas na definição das
metodologias de pesquisa.

3.2 Metodologias de pesquisa baseadas na natureza, uma proposta


filosófica.

Ora, consideremos que assim como é útil para o estudo das artes e do design, também é para
o funcionamento de uma sociedade em geral o conceito de harmonia. O exercício de
observação da natureza pode nos ajudar a desvendar um pouco melhor essa ideia: na
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natureza, espécies de insetos, animais, plantas e outros seres coexistem num ambiente
diversificado no qual harmonia e desarmonia convivem e se alternam, num contexto normal,
vivendo em equilíbrio. Claro, há de se lembrar que diversos fatores supostamente aleatórios
interferem eventualmente, causando grandes desequilíbrios ecológicos. Não espera-se adotar,
pois, com base na organização da natureza, uma ciência perfeitamente equilibrada, mas sim,
de traçar parâmetros que possam guiar tal movimento dinâmico harmônico entre sociedades e
natureza no complexo contexto da vida.
Para abarcar tamanha complexidade dentro do contexto da investigação, propomos uma
escolha metodológica baseada em ecologia como possibilidade filosófica de construção de
um conhecimento que possa interagir com as complexas formas de organização na qual
somos inseridos, sob a perspectiva do pensamento sistêmico. A próxima figura propõe de que
forma tal filosofia metodológica se relacionaria com o conjunto de metodologias existentes
na atualidade.

Considerações finais

Em suma, o maior desafio a que nos apresentamos, enquanto sujeitos pesquisadores


conscientes, é o da responsabilidade com nossas pesquisas e seus desdobramentos. A
proposta em que se ampara esse artigo, se trata de traçar um caminho capaz de permear os
entrelugares do que é dito ecológico para gerar ecos que possam ressoar de volta para o
mundo inspirador na forma de indicações de novos caminhos para a atuação emancipadora
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sobre as subjetividades, ou, preferencialmente, a provocação de tais subjetividades rumo a


sua própria libertação em harmonia com um contexto maior.

Referências bibliográficas

DELEUZE, Gilles. ​Imanência: uma vida.... In: Educação & Realidade. PortoAlegre,
Faculdade de Educação(UFRGS),V. 27,n.o2,julho-dezembro,2002c(nestedossiê).Traduçãode
Tomaz Tadeu.
FOUCAULT, M., 1985. ​História da Sexualidade I - A vontade de saber​​. Rio de Janeiro:
Editora Graal.
GUATTARI, Félix. ​As três ecologias​​ / Félix Guattari; tradução Maria Cristina F.
Bittencourt. Campinas, SP: Papirus, 1990.
DIAS, Belidson; IRWIN, Rita (Orgs.) ​Pesquisa Educacional Baseada em Arte:
a/r/tografia​​. Santa Maria: Edufsm, 2013.
PEDROSA, Israel.​ Da cor a cor inexistente. ​Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2010.
LÍVIO, Mario. Deus é matemático? ​/ Mario Livio; tradução Jesus de Paula Assis. Rio de
Janeiro: Record, 2010.
CAPRA, Fritjof; LUISI, Píer Luigi. ​A Visão Sistêmica da Vida - Uma concepção unificada
e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas​​. São Paulo: Cultrix, 2014.

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