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Recebido em 24 de fevereiro de 2015 / Aprovado em 25 de maio de 2015.

Editor Científico: Dr. Geysler Rogis Flor Bertolini


Processo de Avaliação: Double Blind Review
E-ISSN: 2359-5876

E
https://doi.org/10.5935/2359-5876.20150008

NSAIO (IN) SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL:


UNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS

Aline Dario Silveira


Doutoranda em Administração, do Programa de Doutorado em Administração da Universidade Positivo, Mestre
em Engenharia de Produção e docente do curso de Administração da Universidade do Oeste do Paraná
(Unioeste), campus Cascavel, Brasil
aline@dariosilveira.com

A sustentabilidade ambiental pode Torna-se, portanto, relevante


ser entendida como a capacidade de um refletir sobre os aspectos ontológicos e
sistema ecológico de manter-se em epistemológicos fundantes da crise
condições favoráveis para a manifestação ecológica e ambiental, sem, no entanto,
da vida de forma perene. Cientistas pretender exaurir todas as possibilidades de
asseveram que atualmente a reflexão sobre a temática. Parte-se do
sustentabilidade do sistema ecológico pressuposto de que a racionalidade
terráqueo inspira cuidado, pois esta econômica e sua visão acerca da natureza e
fragilidade configura-se como uma crise de do mundo, apoiada no paradigma científico
dimensões1ecológica, ambiental, social e vigente, é uma das principais causadoras
política. Ecológica pela destruição da base desta crise ecoambiental, geradora de
de recursos naturais, ambiental pela insustentabilidade.
saturação da capacidade de recuperação do Uma ideia basilar sobre o mundo e a
meio ambiente, social porque as causas e natureza é a concepção do mundo natural
suas consequências afetam, em maior ou como coisa. Esta concepção tem respaldo
menor grau, a todas as pessoas e povos, e é na dualidade do pensamento cartesiano ao
política porque relacionada aos sistemas dicotomizar mente e corpo. O “Penso, logo
políticos e institucionais que detém o poder existo”2de Descartes enfatiza a identidade
de distribuição e uso dos recursos naturais. do ser na mente, no pensamento racional e
Neste ensaio, a discussão será limitada ao não com seu organismo total (corpóreo),
aspecto ecoambiental desta crise. desloca o ser do seu logos material, ou seja,
a mente racional existe independente

1 2
BARBIERI, E. Desenvolver ou preservar o DESCARTES, R. Discurso do Método. São
ambiente. São Paulo: Cidade Nova, 1996. Paulo: Martin Claret, 2000, p. 14.

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do local em que se encontra no mundo. É a da reflexão, proveniente do processamento


supremacia da mente (razão) sobre a das sensações pela mente, da percepção do
matéria porque afirma que a razão é a que se observou, dando significado ao
única fonte de conhecimento válido. Essa observado. Desta forma, a visão ontológica
divisão levou à concepção do universo do mundo predominante é realista, ou seja,
como sendo um sistema mecânico, externa ao indivíduo, existindo coisas reais
consistindo em objetos separados, os independente da consciência, sendo a
quais, por sua vez, foram reduzidos aos epistemologia objetiva, na qual o elemento
seus componentes materiais fundamentais decisivo na relação de conhecimento é o
cujas propriedades e interações objeto que se coloca diante da consciência
determinariam todos os fenômenos do sujeito como algo pronto, algo dado;
materiais3. concebe corpo e mente unos e não
Essa visão mecanicista e distintos como em Descartes.
reducionista serviu como fundamento Para os empiristas, o método
lógico para o tratamento do meio ambiente indutivo experimental intenta desvendar as
natural como se ele fosse formado de leis naturais. Para Bacon5, a ciência é a
peças separadas a serem exploradas pelo “imagem da realidade”, cuja “meta é a de
ser humano de acordo com seus interesses. dotar a vida humana de novos inventos e
Nesse sentido, desenha-se a visão recursos”. Decorre daí o entendimento de
antropocêntrica do mundo:(1) na qual o ser que a ciência e tecnologia são vistas como
humano é fonte de todo valor e medida de mecanismo de dominação da natureza com
todas as coisas; (2) o ser humano não é o objetivo de acessar conhecimento útil e
considerado como integrante da natureza, aplicável, cuja expansão é marcada pela
sendo visto como superior a ela; (3) para a inovação constante, a fim de produzir
qual a natureza torna-se objeto de condições de bemestar para a humanidade.
manipulação humana submetida aos As correntes epistemológicas,
interesses econômicos e produtivos, não racionalista e empirista, compartilham a
possuindo valor intrínseco, mas apenas de mesma visão sobre o mundo natural como
uso. coisa, como objeto a ser conhecido,
Essa visão instrumentalizada da desvendado, dominado e apropriado,
natureza é compartilhada pelo Empirismo. utilizando para isso o conhecimento
Para os empiristas a possibilidade de científico e tecnológico. Ambas são a
conhecimento deriva exclusivamente da favor de criar conhecimento científico
experiência4,isto é, da observação de especializado, dividindo a ciência por
objetos externos e das operações internas objeto de estudo sob a alegação de obter
da mente. A primeira deriva da sensação maior profundidade nos estudos científicos
obtida com os órgãos dos sentidos (visão, e celeridade na melhoria das condições de
audição, olfato, tato e paladar) e a segunda vida humana, de forma que esta visão
reducionista e fragmentada da realidade e
3
SILVEIRA, A. D. Avaliação de ações do mundo, embora tenha alcançado
de empreendimentos ecoturísticos avanços consideráveis, acarretou uma
considerando a integração das
consequente perda de perspectiva da
dimensões conceituais do
ecodesenvolvimento e do ecoturismo.
5
2003. 237 f. Dissertação (Mestrado em BACON, F. NovumOrganum ou Verdadeiras
Engenharia da Produção) – Programa Indicações Acerca da Interpretação da Natureza.
de Engenharia da Produção, UFSC, Seção CXX e LXXXI. [Versão eletrônica].
Florianópolis. 2003, p. 30. Tradução e notas: José Aluysio Reis de Andrade.
4
LOCKE, J. Ensaio acerca do entendimento Disponível em:
humano. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. <http://br.egroups.com/group/acropolis>. Acesso
Coleção Os Pensadores. p. 23-77. em: 30 out. 2013.
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complexidade das interações e conexões objeto sem valor intrínseco, ou seja, é vista
inerentes ao mundo natural e humano. Este e utilizada como matéria prima, estoque de
paradigma simplificador “separa o que está recursos disponíveis e reservatório de
ligado (disjunção), ou unifica o que é energia. O valor de troca da natureza passa
diverso (redução)”6. a ser predominante.
Historicamente, o desenvolvimento O capitalismo expande-se de tal
das ciências como campo de conhecimento forma que delineia a ordem social
independente da filosofia demarca, emergente da modernidade7. O sistema
juntamente com o capitalismo e econômico capitalista cumpre sua missão
transformações sociais expressivas, a era produtiva por meio das organizações, em
moderna ocidental. Para Giddens7, “a especial naquelas de base industrial.
modernidade [...] é multidimensional no O industrialismo é um sistema no
âmbito das instituições”. As dimensões qual a indústria é considerada superior a
institucionais da modernidade outras formas de atividade humana;
apresentadas pelo autor são o capitalismo, emerge do capitalismo, e “se torna o eixo
a vigilância (principalmente representado principal da interação dos seres humanos
pelo Estado-Nação), o poder militar e o com a natureza em condições de
industrialismo. Para manter-nos dentro do modernidade”7. O industrialismo apresenta
escopo deste ensaio, interessa deter nossa produção em escala, facilitada pela ciência
atenção nas instituições Capitalismo e aplicada e tecnologia, divisão do trabalho
Industrialismo. especializada e complexa, impactando
O capitalismo é um sistema tanto aspectos mercadológicos quanto
econômico no qual os meios de produção e processos sociais.Neste ensaio entende-se
distribuição são de propriedade privada, o industrialismo como um termo que
visando fins lucrativos e a acumulação de abarca as organizações, especialmente as
capital; pressupõe um ambiente de com fins lucrativos. O industrialismo
mercado competitivo que tende a se sendo uma as dimensões da modernidade
expandir e se tornar globalizante. Concebe encontra sustentação epistemológica no
tradicionalmente como fatores de produção Funcionalismo, respaldo ideológico no
a terra (compreendendo todos os recursos Pragmatismo e no Materialismo Histórico,
naturais), o trabalho e o capital. Seu modus um dos seus críticos.
operandi fundamenta-se na racionalidade O Funcionalismo10 é uma teoria do
instrumental8, que se caracteriza pelo conhecimento embasada em uma ontologia
cálculo de quais meios utilizar para externo-realista e em uma epistemologia
alcançar um fim prático, ou seja, eficiência objetiva. Seu objetivo é explicar as
do meios e eficácia dos resultados. Na características da sociedade a partir das
modernidade, essa racionalidade passa a funções exercidas pelas instituiçõese as
demarcar “o modo específico de lidar com consequências delas provenientes. Procura
a natureza”9, pois a considera como coisa, explicar como as sociedades mantêm a
estabilidade e coesão interna necessária
para assegurar a sua existência ao longo do
6 tempo. Adota, então, uma visão sistêmica
MORIN, E. Introdução ao pensamento
complexo. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011, p.59 no qual o todo é maior que a soma das
7
GIDDENS, A. As consequências da partes. Estas apresentam um
modernidade. São Paulo: Unesp, 1991, p.21-22 e
p.71-72.
8
LEFF, E. Epistemologia Ambiental. São Paulo: Herbert Marcuse.Sci. stud. [online]. 2009, vol.7,
Cortez, 2001, p. 122. n.1, pp. 135-158; p.146. ISSN 1678-3166
9 10
PISANI, Marilia Mello.Algumas considerações DURKHEIM, E. As regras do método
sobre ciência e política no pensamento de sociológico. 15 ed. São Paulo: Nacional, 1995.
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comportamento sistêmico ao levando à alienação do trabalhador e à


desempenharem suas funções em vistas a reificação das atividades humanas
contribuir com a estabilidade e consideradas como mercadorias pelo
manutenção do sistema inteiro, sendo que modelo econômico capitalista.
qualquer alteração em uma função implica Diferentemente do Funcionalismo,
em consequentes alterações nas demais Dewey12 considera que “o pragmatismo e
funções do sistema. A conectividade e o experimentalismo instrumental colocam
interdependência das partes são inerentes em proeminência a importância do
ao comportamento sistêmico, entretanto o indivíduo. É ele quem é detentor do
que se sobressai é a prioridade do todo pensamento criativo, o autor da ação e de
sobre as partes. Nesse sentido, é uma sua aplicação”. Essa ideia abre espaço para
teoria totalizante, na qual o indivíduo some o livre-arbítrio, para a possibilidade de
para dar lugar ao coletivo. escolha, da ação em busca de um
O Funcionalismo tem sido um resultado.
paradigma dominante nos estudos O Pragmatismo tem como premissa
organizacionais e na gestão das a razão prática na qual as ideias são
organizações, pois as organizações são instrumentos da ação, somente tendo
consideradas um fato social (objeto de utilidade quando produzem efeitos
estudo desta corrente epistemológica), práticos. Três elementos se destacam na
tendo concretude, sendo um subsistema do filosofia pragmática: a crença, a ação e o
sistema social, contribuindo com sua resultado.
função produtiva, inserida em um A crença em alguma coisa é a base
ambiente que a influencia e é por ela para orientar nossa vontade e moldar nossa
influenciado em diferentes graus de acordo ação.Todo mundo age em conformidade
com seu contexto de ação, isto é, sua ação com aquilo que acredita, dessa forma, a
é mais determinada pelo ambiente do que crença pode ser entendida como hábito que
por sua própria visão. De acordo com o determina o comportamento. A crença
aumento da complexidade, a organização é nada tem de metafísico; é vista como
subdividida em partes especializadas para resultado da experiência, entendida como
desempenharem funções diversas que uma construção histórico-social, que tem
contribuem com os objetivos caráter dinâmico pela ação da reflexão,
organizacionais. Nesse sentido, pode-se processo no qual há a revisão de fatos e
dizer que o Funcionalismo explica o ideias anteriores relacionando-as com os
mecanismo de ação das organizações. Há resultados obtidos de uma ação realizada.
um imperativo prático, em busca de ordem A ação deve ser sustentada pela
e resultado, ou seja, eficiência e eficácia. inteligência e reflexão e é
Esta avaliação é essencialmente predominantemente instrumentalizada, ou
quantitativa. As pessoas são vistas como seja, se preocupa em estabelecer as
exercendo papéis (específicos ou amplos), melhores relações entre o meio e o fim.
cujo poder (e teor) de decisão sempre está Para o Pragmatismo, a ação é a
submetida ao interesse organizacional; é a intermediária entre a crença e o resultado,
conduta funcional, “racionalmente considerado verdadeiro porque útil. A ação
adaptada a um fim independentemente da é, de fato, instrumentalizada, é pensada:
intenção ou consciência do agente”11, que ação deve ser tomada para que um
resultado útil/eficaz seja obtido? Como
11
FERNANDES, V. A racionalização da vida como
12
processo histórico: crítica à racionalidade DEWEY, John. O desenvolvimento do
econômica e ao industrialismo. Cad. EBAPE.BR pragmatismo americano.Sci. stud. [online]. 2007,
[online]. Set.2008,v.9, n.3, p.17. vol.5, n.2, pp. 227-243, p. 241. ISSN 1678-3166.
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deve ser feito? Esse tipo de raciocínio teleológico da ação humana; (iii) a
encontra ressonância no conceito da consideração de que não há dicotomia
racionalidade instrumental, comentado entre homem e a natureza, visto que em
anteriormente. Embora tenham papel seu arcabouço estabelece que o homem faz
importante a crença e o resultado no parte da natureza.
Pragmatismo, é a ação que operacionaliza A ontologia apresentada pelo
a ideia e permite alcançar a utilidade, materialismo histórico difere das demais
exaltando a perícia técnica que escolhe os concepções porque não estabelece a
meios, julgados os mais adequados pela diferenciação clássica entre sujeito e
experiência, para alcançar os fins. objeto na relação do conhecimento.
O ato de refletir induz ao Concebe o ser social13 como condição
questionamento e a dúvida o que leva ao ontológica do ser humano, admitindo que
ato de pesquisa para obter esclarecimento e este procede da vida orgânica, e esta por
compreensão. Nesse sentido, pode-se dizer sua vez é originada pela matéria
que é uma ideia de base evolucionária, que inorgânica. A transição entre uma esfera e
admite a dinamicidade do ser humano e do outra é expressa por um salto ontológico
conhecimento. Este, por estar sempre qualitativamente diferente. Vincula-se
aberto à avaliação e mudança diante de dessa forma o homem e a natureza como
novos fatos, e aquele porque o ato de tendo a mesma origem, mesma base
reflexão também leva aos questionamentos material, porém, somente com o trabalho o
sobre as crenças e alterações nos padrões ser humano torna-se um ser social. Daí o
de conduta. Pode-se dizer, então, que o entendimento de que o trabalho é a
Pragmatismo enfatiza também as categoria fundante do ser social, porque é
consequências particulares de uma crença, pelo trabalho que o ser humano ativa seu
que são avaliadas pelos seus resultados. potencial criativo e age intencionalmente,
Nessa tríade crença-ação-resultado, expressando o caráter teleológico de sua
considera-se que o resultado pretendido ação, diferentemente do da natureza que é
orienta também a ação. Esta ideia se dirigida pela causalidade espontânea14. A
constitui em um princípio pragmático: natureza é autossuficiente, já o ser humano
procurar pelas últimas coisas, as precisa da natureza para prover seu
consequências, os fatos. O resultado, para sustento e condições materiais de vida, e
os pragmáticos, tem que ser útil, ser eficaz enquanto transforma a natureza promove
para ter validade. Nesse sentido, destaca-se sua própria transformação. Porém,
o caráter teleológico do Pragmatismo. O permanece o sentido de ligação entre
resultado que se espera obter com a ação homem-natureza: “A relação estabelecida
está em aberto, pode ser construtivo ou entre o homem e a natureza é social, pois
destrutivo, para o bem ou para o mal, mas reflete as ações humanas”15.
o fato é que o futuro pode ser delineado a
partir de uma ação no presente, surgindo 13
DUAYER, M.; Medeiros, J. L. A ontologia
um contexto favorável para o exercício do crítica de Lukács: para uma ética objetivamente
livre-arbítrio. fundada. EcoCri, 2008. XI Jornada de Economia
Evidentemente o Pragmatismo não Crítica. Bilbao, Espanha, 27 a 29 de março.
14
. TERTULIAN, N. Uma apresentação à
se limita as ideias acima. É uma corrente Ontologia do ser Social, deLukács. Disponível
de pensamento bastante ampla que aborda em:
vários aspectos filosóficos e científicos, http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores
entretanto, para nos deter no escopo deste /Tertulian,%20Nicolas/Tertulian%20-
ensaio são três as ideias principais a serem %20uma%20apresentacao%20a%20ontologia%20d
e%20lukacs.pdf.
retidas: (i) a natureza instrumental da 15
LARA, R. Considerações sobre a ontologia
intervenção humana; (ii) o caráter histórico-materialista. Max e o Marxismo 2011:
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O materialismo histórico ao adotar A maneira pela qual atua ao longo


uma perspectiva histórica de análise do tempo, apresenta ser um modelo de
aborda as transformações sociais e depleção dos recursos naturais e, no
econômicas tendo como foco os meios de âmbito organizacional, um modelo de
produção. Sua análise conduz a uma crítica externalização de custos e internalização
do poder dominante, caracteriza as de lucros. Como o interesse capitalista é a
relações entre as classes sociais e indica expansão globalizada, a concorrência se
condições para quebrar a hegemonia do torna cada vez mais marcante, acentuando
sistema dominante de produção. também o nível de consumo de produtos e
O sistema capitalista dominante é serviços justificados como de atendimento
visto como detentor dos meios de de necessidades, o que de fato é mais
produção (capital, terra, trabalho e criação de desejos do que propriamente
tecnologia) e controlador dos modos de necessidades, marcada pela inovação de
troca (comércio), que pelo seu poder produtos, muitas vezes projetados com
econômico e intelectual consegue domínio obsolescência programada a fim de manter
político e influencia ideologicamente a a circularidade do processo de consumo e,
sociedade civil, tornando seu discurso portanto, da própria manutenção do
como verdade universal. O fator sistema capitalista. Nesse sentido, pode-se
econômico é apontado como delineador apontar um aspecto autofágico desse
das relações sociais. Como crítico desse sistema, pois utiliza de maneira irracional
sistema, Marx já apontava16 para os uma de suas próprias bases: o fator terra,
problemas de poluição e degradação nos referente aos recursos naturais, tanto os
centros urbanos, matérias primas e renováveis quanto os não renováveis. Estes
resíduos desperdiçados pelo processo por serem esgotáveis induz a procura de
produtivo, exaustão da terra e uso materiais substitutos, tarefa delegada à
intensivo dos recursos naturais, entre ciência e tecnologia. Aos renováveis
outros. estende-se o argumento de que a ciência e
a tecnologia poderão também encontrar
À guisa de conclusão soluções instrumentais para resolver o
A classe burguesa é a classe problema.
dominante no sistema capitalista. Este se Entretanto há pelo menos dois
apropria de ideias essenciais do pontos que são importantes destacar: (i) a
Pragmatismo como fundamento para a Lei da Entropia17; (ii) e a consideração de
conduta nas relações econômicas e sociais: que os tempos biológicos são diferentes
é a afirmação do indivíduo capaz de dos tempos históricos. Estes dois conceitos
visualizar o futuro, de estabelecer estão, de certa forma, relacionados.
objetivos e elaborar um plano de ação A entropia pode ser entendida
intencionalmente calculado quanto aos como o grau de desorganização de um
melhores meios de alcançar os fins pré- sistema, sendo este grau representando
estabelecidos. Para seu intento utiliza o uma mudança qualitativa e não
capital como valor de troca para obtenção quantitativa no sistema. Talvez a definição
dos recursos necessários: recursos naturais, mais conhecida da lei da entropia seja “o
trabalho, ciência e tecnologia. calor só pode ser passado por si mesmo do
corpo mais quente para o mais frio, nunca

teoria e prática. Universidade Federal Fluminense:


Niterói, RJ, 28/11/2011 a 01/12/2011.
16 17
COGGIOLA,O.Ecologia e TIEZZI, E. Tempos históricos, tempos
Marxismo.Motrivivência, Ano XVI, nº 22, p. 39- biológicos: a Terra ou a morte: problemas da nova
46 Jun./2004. ecologia. São Paulo: Nobel, 1988.
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em sentido inverso”18. Para os organismos antrópicos sobre a natureza.


vivos a entropia representa a própria O ritmo da exploração capitalista
degradação e por isso busca assimilar da natureza não permite a recomposição
fontes de energia/matéria com baixa dos sistemas ecológicos, o que denuncia o
entropia mais fácil de ser assimilada do desequilíbrio ecoambiental. A
que as fontes com alta entropia (algo grau instabilidade como fenômeno na natureza
de desordem). Economicamente significa não é exclusivamente de origem humana.
que os processos de produção direcionam- Catástrofes naturais, alterações climáticas
se para apropriação de fontes de e outros eventos são fatores de
energia/matéria de baixa entropia como instabilidade para os ecossistemas. Porém,
entradas (inputs) desse processo cujas a ação antrópica impacta negativamente o
saídas (outputs) são resíduos sem valor, de meio ambiente, intensificando os efeitos
alto grau entrópico. Algumas dessa instabilidade, atrapalhando os
consequências dessa lei podem ser tempos biológicos. Muitas dessas ações
apontadas como a poluição térmica gerada são desencadeadas pelas organizações por
pela intensiva ação humana que não pode meio de suas atividades produtivas, seja na
ser revertida em resfriamento, a reciclagem agricultura, pecuária, indústria, transporte,
de resíduos pode demandar mais recursos entre outras, originando ou agravando
de baixa entropia do que seria esperado, processos de degradação ambiental,
assim como a produção de alguns produtos exaustão dos recursos naturais, poluição,
como proteínas (pecuária e avicultura, por geração de resíduos, afetando não somente
exemplo) consomem mais baixa entropia o meio natural como o construído.
no próprio processo do que aquela Alguns danos já causados a
apresentada no resultado (produto final). ecossistemas específicos são praticamente
Essas consequências têm implicações não irreversíveis. Muitos outros têm a
somente ambiental, mas econômicas, possibilidade de recuperação. Entretanto,
especialmente quanto à viabilidade dos não se deve esquecer que o tempo
custos. biológico é o tempo predominante para a
Os tempos históricos são os tempos recuperação dos ecossistemas.
produzidos pela humanidade por meio de O fato é que a sustentabilidade
sua ação cultural, política, econômica, ambiental tem sido discutida nos meios
tecnológica e produtiva; têm o seu próprio científicos e acadêmicos, ganhando
ritmo, acentuado pela celeridade em projeção social e alcançando também as
contraposição ao tempo biológico, este organizações, principalmente nas últimas
caracterizado pela cronologia da vida – quatro décadas. A discussão repousa, entre
tempo de nascimento, crescimento, outros aspectos, na alteração do modelo de
maturamento e morte daquilo que é vivo. externalizador para o de internalizador de
A diacronia e não a sincronia é o que custos, ou seja, desenvolver ações para que
difere os tempos históricos dos biológicos. os processos organizacionais, não somente
Logo, só pelo ritmo intensivo de produção os produtivos, sejam mais eficientes,
e consequente uso de recursos naturais eficazes e efetivos para que a sociedade e o
pelo ser humano fica claro que o meio meio ambiente não sejam repositórios da
ambiente em toda a sua complexidade não incompetência organizacional.
têm a seu dispor tempo suficiente para A questão que se levanta é a
regenerar-se, para recompor-se dos efeitos possibilidade das iniciativas
organizacionais, no âmbito de sua ação
18 atualmente em curso, serem suficientes
GEORGESCU-ROEGEN, N. O decrescimento:
entropia, ecologia, economia. São Paulo: Senac São para promover uma solução em prol da
Paulo: 2012, p. 81. sustentabilidade do meio ambiente natural
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e construído. Em vistas de mitigar os É uma crise que questiona sua


impactos negativos do meio ambiente própria origem, que procura desvelar suas
social e natural, ações organizacionais em causas fundantes e questionar se essas
direção à internalização da variável causas também podem se revelar como
ambiental abrangem sistemas de fonte de sua resolução; é também buscar
gerenciamento ambiental que podem uma nova visão de mundo, uma alternativa
incluir desde a concepção do produto pelo que rompa com o modelo de produção
seu ciclo de vida (do berço ao túmulo), social vigente, uma nova racionalidade
adequação do processo produtivo para ambiental fundada “em uma ontologia e
emissão zero, o que inclui a gestão de em uma ética opostas a todo princípio de
resíduos e poluentes (resíduos sólidos, homogeneidade do mundo e de unidade de
emanações aéreas e efluentes líquidos), conhecimento, de um pensamento
assim como o uso de ecotécnicas ou globalizador e totalizador”19, que procure
tecnologias não poluidoras, reutilização, reestabelecer a ligação ser humano-
reaproveitamento ou reprocessamento, natureza em bases mais equilibradas com
aquisição de matéria primas e materiais vistas à promoção da continuidade da vida
substitutos, embalagem e formas de por meio da sustentabilidade ecoambiental.
consumo. Enfim, há uma gama de Os fundamentos ontológicos e
alternativas possíveis de serem adotadas epistemológicos da sustentabilidade e
pela organização quanto ao modelo de insustentabilidade repousam na visão de
gestão ambiental. Embora iniciativas mundo que temos enquanto indivíduos e
voluntárias realmente sejam coletividade; na forma pela qual
implementadas em algumas organizações, interpretamos o papel do ser humano e da
pode-se considerar que ainda são sociedade no mundo; e como
inexpressivas em relação à totalidade das desenvolvemos e aplicamos nosso
organizações. conhecimento ‘do’ e ‘sobre’ o mundo.
Narrativas organizacionais, por Para o ‘bem ou para o mal’ a
meio de Relatórios Ambientais e outros responsabilidade é nossa, enquanto
instrumentos de comunicação têm indivíduos e sociedade.
afirmado os benefícios econômicos e
monetários obtidos com uma gestão mais
racional dos recursos naturais,
investimentos em pesquisa e
desenvolvimento têm mostrado resultados
positivos na criação de alternativas
ecológicas, como materiais e substâncias
substitutas com indicação de desempenho
superior aos originais, além de adaptar os
conhecimentos biológicos à resolução de
problemas ambientais e desenvolvimento
de ecotécnicas. Todas essas iniciativas em
prol da sustentabilidade no sentido de
procurar o equilíbrio dinâmico perdido,
mitigar os danos causados e promover
condições de perenidade que permita a
continuidade da vida, inclusive a humana,
por gerações e gerações, talvez sejam 19
LEFF, E. Aventuras da epistemologia
insuficientes diante da crise da razão que ambiental: da articulação das ciências ao diálogo
se apresenta como crise ambiental. dos saberes. São Paulo: Cortez, 2012, p.121.
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