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Os conceitos de ambiente, meio ambiente e

natureza no contexto da temática ambiental:


definindo significados

The concepts of environment, environment and nature


in the context of environmental issue: defining meanings
Recibido: 2 de octubre de 2012 ● Aprobado: 9 de diciembre de 2013

Job Antonio Garcia Ribeiro*


Osmar Cavassan**
RESUMO
Apresentamos alguns esclarecimentos que nos possibilitam identificar dife-
renças entre as expressões natureza, ambiente e meio ambiente. Não se trata de
um estudo epistemológico, mas sim de reflexões sobre a que se referem essas
expressões e as implicações para a temática ambiental e, consequentemente
para o Ensino de Ciências. A natureza foi compreendida como um complexo
de entidades reais, as quais são passíveis de pensamento através da percepção.
Essa mesma entidade ao ser representada por uma mente, passa a constituir o
que denominamos de ambiente. Este, por sua vez, caracteriza-se não somente
pela soma dos meios ambientes das espécies conhecidas, mas por ser uma
abstração humana. Ao considerarmos a singularidade de cada espécie e orga-
nismo que nesse ambiente se insere, passamos a denominar de meio ambiente
os elementos que podem ser percebidos e sobre as quais determinado ser pode
atuar. Assim, buscamos elaborar um conceito de meio ambiente mais amplo,
que não se restrinja à espécie humana.

Palavras-chave: Ambiente operacional, representação da natureza, mundo perce-


bido, educação ambiental.

1 Doutorando do programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, UNESP (Bauru, Brasil). Correio ele-
trônico: job_ribeiro2005@yahoo.com.br
2 Ph.D. Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, UNESP (Bauru, Brasil). Correio eletrônico:
cavassan@fc.unesp.br

GÓNDOLA, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias, ISSN: 2346-4712


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Volumen 8, número 2, julio-diciembre del 2013 p. 61-76
[62] Garcia | Cavassan

ABSTRACT
We present some clarifications that enable us to identify differences between
the expressions nature, the environment and environment. This is not an epis-
temological approach, but rather reflections on these expressions refer and the
implications for environmental issues and hence to Science Teaching. The na-
ture was understood as a complex of real entities, which are capable to be thin-
king through perception. This same entity when is represented by a mind, be-
come what we call the environment. This expression, in turn, is characterized
not only by adding the environments species that are known, but to be a human
abstraction. When we consider the uniqueness of each species and organism,
which in this environment is inserted, we call environment, this is, the elements
that can be seen and on which the organism can act. Thus, we seek to develop a
concept broader of environment, which is not restricted to the human species.

Keywords: Operational environment, representation of nature, perceived world,


environmental education.

Introdução
Nas últimas décadas observamos uma grande não se esgotem” e para que “possamos des-
preocupação com as questões denominadas envolver uma sociedade sustentável”.
ambientais e ecológicas. A discussão dessa
No entanto, ao mesmo tempo em que a preo-
temática tem crescido consideravelmente,
cupação ambiental se torna mais frequente e
tanto nos meios de comunicação em massa
que os debates passam a integrar maior nú-
quanto em revistas e periódicos especializa-
mero de pessoas, culturas e opiniões, temos
dos. Em grande parte dos casos, percebemos
também apropriações diversas de conceitos
um discurso consensual a todas essas esferas,
e, por vezes, uma homogeneização de signi-
ou seja, o de que o ambiente, o meio ambien-
ficados.
te ou a natureza é uma entidade com a qual a
humanidade se relaciona, na qual está inseri- Se os espaços de discussões em torno das te-
da e que deve ser preservada para que as futu- máticas ambientais e ecológicas estão sendo
ras gerações mantenham condições saudáveis ampliados, o uso apropriado de terminologias
de sobrevivência. como ambiente, meio ambiente e natureza,
não tem sido discutido na mesma proporção.
Assim, temos presente nos discursos de am-
bientalistas, conservacionistas, educadores, Há na “linguagem ambiental” (Coimbra,
ecólogos e outros grupos ligados à questão, 2002) ou “campo ambiental” (Carvalho,
o seguinte slogan: “cuidar do ambiente/meio 2008), uma tendência à homogeneização de
ambiente/natureza e dos recursos para que significados conceituais que são cada vez

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mais apropriados pelo senso comum, bem entanto, julgamos que estas já sejam suficien-
como uma diversidade de interpretações tes para darmos início aos nossos argumentos.
vazias de significados coerentes (Thomaz,
2001; Dulley, 2004; Fernandez, 2010). a) Ao conjunto de tudo que existe, damos o
nome de natureza, ambiente ou meio ambien-
Deste modo, defendemos a ideia de que para te? b) A natureza é uma entidade real ou ela
aqueles que se dedicam a estudar as questões existe somente porque pensamos sobre ela?
ambientais e ecológicas, assim como seus c) Se o homem não existisse, a natureza exis-
fundamentos conceituais, o rigor na utili- tiria? d) Conhecemos todos os elementos da
zação das expressões ambiente, meio am- natureza? e) O meio ambiente pode ser defini-
biente e natureza e, consequentemente, de do somente utilizando-se critérios espaciais?
seus significados é (ou ao menos deveria ser), f) Poderia a expressão ambiente ser aplicada
aspecto fundamental. com o mesmo sentido a todos os seres vivos,
os quais apresentam características fisiológi-
Portanto, buscando fomentar um debate so- cas distintas e particulares? g) O conceito de
bre as polissemias que envolvem as já citadas meio ambiente é específico para cada orga-
expressões, intentaremos neste recorte arbi- nismo? h) Um organismo interage com todos
trário discutir aspectos teóricos que possibi- os elementos do ambiente? i) A natureza pode
litem apontar diferenças significativas entre ser destruída pelo homem?
essas terminologias.
Natureza: entidade real passível
Não adotaremos nesse trabalho uma abor-
dagem epistemológica ou etimológica dos
de ser pensada/representada
conceitos, tal como fizemos em Ribeiro e A priori o vocábulo natureza nos remete a
Cavassan (2012), tampouco temos a preten- uma infinidade de significados. Dentre as
são de que nossas argumentações se cons- definições que podemos ter estão: (I) princí-
tituam em palavra final, mas que ao menos pio de vida; causa eficiente e final; princípio
possam promover reflexões e discussões no vital. (II) Substância ou essência necessária;
âmbito do Ensino de Ciências, em especial da conjunto das propriedades que definem algo.
Educação Ambiental. (III) Características particulares que distin-
guem um indivíduo; temperamento, idiossin-
Questões que nos conduziram à crasia. (IV) Universo, conjunto ou totalidade
problemática das coisas naturais; o conjunto de tudo que
existe. (V) Conjunto de seres que não o ho-
Primeiramente apresentamos alguns ques- mem. (VI) Sistema de regras, ordem ou lei
tionamentos para iniciar (e incitar) possíveis natural, cujas origens podem estar nas mãos
discussões. Estas indagações nos direciona- do Criador. (VII) Tudo o que é inato, instinti-
ram a pensar sobre os conceitos de ambiente, vo, espontâneo em um ser; opõem-se àquilo
meio ambiente e natureza, e também nas apro- que é adquirido pela experiência individual
priações que deles fazemos. É evidente que po- ou social. (VIII) Aquilo a que estamos acos-
deríamos apontar muitas outras perguntas, no tumados, os objetos e acontecimentos tais

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como habitualmente se apresentam; opõe- características intrinsecamente humanas fos-


se ao que é sobrenatural (Lalande, 1999; sem transpostas para a natureza.
Abbagnano, 2003). Além dessas conceituali-
zações temos outras mais. Já a concepção de natureza presente na
Renascença, entre os séculos XVI e XVII,
Para Lenoble (2002), por exemplo, a natureza caracterizava-se pela negação de que esta
que o homem conhece é sempre pensada, não entidade era dotada de inteligência e vida. A
sendo necessariamente um objeto real, mas natureza era incapaz de ordenar os seus pró-
sim uma criação humana e, portanto, uma prios movimentos de uma maneira racional,
abstração. Nessa acepção, o conceito de natu- tal como defendiam os gregos; não possuía
reza pode variar conforme os grupos sociais intencionalidade ou movimentos próprios e,
de diferentes lugares e épocas, ou seja, passa assim, não era comparável a um organismo,
a ser elaborado a partir das relações sociais mas a uma máquina. Essa visão se baseava na
construídas espaço-temporalmente. ideia cristã de um Deus criador e onipotente,
bem como na experiência humana da cons-
Gonçalves (2005) também defende essa pers-
trução de máquinas (Collingwood, 1978).
pectiva de que toda sociedade cria, elabora e
institui uma determinada ideia do que seja a A concepção moderna, por sua vez, apoiou-se
natureza. Para ele, a natureza se caracteriza nas teorias evolucionistas as quais possibili-
por ser historicamente construída na medida taram entender a natureza como submetida
em que as relações socioculturais se desenvol-
a um estado constante de mudança. Embora
vem e, portanto, seu significado não é natural.
houvesse elementos mecânicos na natureza,
Outro exemplo que segue esse mesmo pen- esta não mais poderia ser considerada uma
samento é o trabalho de Collingwood (1978), máquina; isto porque, uma máquina é essen-
que discute as diferentes concepções de na- cialmente um produto pronto, um sistema fe-
tureza por meio de uma abordagem histórica. chado e, portanto não se modificaria ao longo
Segundo o autor, a história do pensamento eu- do tempo (Collingwood, 1978).
ropeu, por exemplo, caracterizou-se por três pe-
O que queremos evidenciar é que indepen-
ríodos de acordo com a ideia de natureza pre-
dentemente da concepção de natureza ado-
dominante: uma visão Grega, uma concepção
tada, todas essas visões apresentadas (Co-
Renascentista e uma visão Moderna. Vejamos.
llingwood, 1978; Lenoble, 2002; Gonçalves,
Na primeira, a natureza é entendida como 2005), bem como outras trabalhadas por Mer-
uma força que ordena o mundo, dotada de leau-Ponty (2000), Carvalho (2008), Thomas
alma e mente própria, isto é, possuidora (2010), e aquelas presentes no que Vargas
de uma vitalidade e de uma racionalidade. (2005) denomina de geografia construtivista,
Assim, o denominado espírito estudado por partem do princípio de que a natureza é uma
Sócrates, Platão e Aristóteles, pré-existiria na abstração e o que se pensa sobre ela é influen-
natureza. Esta visão possuía como analogia ciado pelo contexto sócio-histórico. Daí os
o próprio ser humano, permitindo com que diferentes significados existentes.

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Acreditamos que o que varia de uma conce- natureza é diferente da percepção sensível da
pção para outra é, na verdade, como a nature- natureza” (Whitehead, 1993, p. 8).
za é representada, isto é, o que se pensa sobre
a sua composição, a sua origem ou a sua fina- Nessa última abordagem, ainda existiria duas
lidade. Não está em discussão um significado formas de pensamento. A primeira delas é
exato de natureza ou uma abordagem semân- quando se pensa sobre a natureza, denomina-
da de pensamento homogêneo, que está pre-
tica, mas como as diferentes sociedades pas-
sente principalmente nas Ciências Naturais e
saram a interpretá-la e, consequentemente,
que exclui qualquer referência a valores mo-
passaram a se relacionar com ela, ou seja,
rais ou estéticos. Já a segunda forma de pen-
como os grupos sociais pensaram e maneja-
samento denomina-se heterogêneo e possui a
ram suas relações com a natureza (Carvalho,
Filosofia como representante; caracteriza-se
2008), portanto uma abordagem de aspecto
por pensar sobre o que se pensa da nature-
significativo, que diz respeito ao sentido dado
za (Whitehead, 1993); seria assim uma me-
a essa expressão.
talinguagem, um processo metacognitivo. E
No entanto, Whitehead (1993) apresenta que é nessa segunda perspectiva que julgamos
a natureza além de ser interpretação/repre- estarem inseridas as obras de Colingwood
sentação é também realidade. Este filósofo (1978), Merleau-Ponty (2000), Lenoble
britânico discorre a respeito da existência de (2002), Gonçalves (2005), Carvalho (2008) e
Thomas (2010).
dois significados para essa terminologia: no
primeiro, a natureza pode referir-se a um com-
Há, portanto, uma realidade “oferecida” ao
plexo de entidades existentes que são perce- conhecimento, ou seja, uma natureza como
bidas por meio da apreensão sensível e que entidade, como causa da percepção (natureza
são passíveis de expressão no pensamento. No causal), e há também uma realidade apreen-
segundo, pode ser entendida como algo me- dida, fruto do pensamento, isto é, uma natu-
ramente abstrato fruto do pensamento; assim, reza pensada cuja origem está na reação da
o conceito de natureza seria aplicado àquilo a mente à natureza causal. Esta natureza abs-
que estamos cônscios através da percepção. trata é mais ampla e permite acréscimos de
qualidades secundárias que estão relaciona-
Na primeira perspectiva a natureza é entendi-
das ao modo pelo qual o pensamento age so-
da como aquilo que se observa pela percepção
bre a natureza (Whitehead, 1993). E, assim,
através dos sentidos, o que implica dizer que
adquire dinamicidade e caráter temporal, sen-
ela independe do pensamento, ou seja, a na-
do sempre nova a cada percepção (Merleau-
tureza existe em si mesma e é factível de ser
Ponty, 2000).
percebida. Entretanto, a percepção nunca está
vazia (Merleau-Ponty, 2000) e, assim, ao to- Tomando Whitehead (1993) como referen-
marmos a segunda definição como referência, cial, podemos dizer que a natureza ora pode
a natureza pode ser compreendida como algo ser entendia como um relato daquilo que o
pensado e, portanto, como uma construção pensamento conhece (mente  natureza), ora
humana. Desse modo, “o pensamento sobre a como um relato da ação da própria natureza

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sobre a mente (natureza  mente). Assim, Essas colocações corroboram com as ideias
essa expressão adquire dois significados, sen- de Uexküll (1951) e Dulley (2004), que tam-
do aplicada tanto para aquilo que tem uma bém apontaram diferenças entre as expres-
existência e é percebido (realismo) quanto sões ambiente, meio ambiente e natureza.
para aquilo que é pensado (representação).
Para nós, esse é um dos motivos pelo qual Elementos do ambiente formam o
surgem inúmeras confusões conceituais, ou meio ambiente
seja, uma mesma expressão é utilizada para
Segundo Abbagnano (2003), a expressão am-
referir-se a duas abordagens distintas.
biente refere-se a um complexo de relações
Acreditamos ser necessário utilizar diferen- entre o mundo natural e o ser vivo, que influi
tes terminologias para esses dois significados na vida e no comportamento desse mesmo
(natureza real ou causal e natureza repre- ser. Logo, o uso dessa expressão deve levar
em conta as características de cada reino,
sentada ou pensada). Desse modo, iremos
assim como, os componentes e relações que
considerar que a natureza existe independen-
constituem o espaço no qual um organismo
temente de se pensar sobre ela (imagine, por
vive, isso porque a dependência dos seres em
exemplo, a Terra sem humanos; a natureza
relação às características do ambiente varia
existiria em si mesma, continuaria seu curso
de uma espécie para outra.
normalmente). Quando, no entanto, elabora-
mos qualquer raciocínio sobre ela, ou seja, Em nível taxonômico as relações entre os
quando esta entidade passa a ser representada animais não humanos e seu ambiente são di-
por uma mente, passamos a falar de ambien- ferentes das relações existentes entre os vege-
te, não mais de natureza. Assim, argumenta- tais e seu ambiente. Os animais móveis, por
mos que o conceito de natureza se refere ao exemplo, podem procurar o seu alimento, seu
objeto mundo natural e a expressão ambiente abrigo, fugir de seus predadores ou terem mais
à interpretação/representação desse objeto. opções que os vegetais (teoricamente) para en-
contrar membros da sua própria espécie e pro-
Retomando e respondendo as primeiras ques- ceder à reprodução (Branco e Rocha, 1980).
tões temos: ao conjunto de tudo que existe,
Os organismos que se locomovem possuem
damos o nome de natureza. Esta é uma enti-
uma ampla margem de controle sobre o es-
dade real que também pode ser pensada/repre-
paço em que optam por viver, pois podem se
sentada. Quando assim o é, passamos a deno-
deslocar de um local desfavorável e buscar
miná-la de ambiente. Não conhecemos todos outro, mais favorável. No entanto, os orga-
os elementos da natureza e somente aquilo nismos sésseis não possuem tal “liberdade”,
que conhecemos e que, portanto, podemos pois necessitam viver nas condições em que
representar compõe o ambiente. Consequen- se encontram. Esses organismos são expos-
temente, se o homem não existisse, a natureza tos a forças de seleção natural de uma forma
continuaria a existir, mas o ambiente não, pois particularmente intensa e, assim, o ambiente
não mais existiria natureza representada. para um ser fixo adquire significado distin-

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to do ambiente para um organismo móvel duos determinam os aspectos do mundo ex-


(Branco y Rocha, 1980; Begon, Townsend y terior que para eles são relevantes, em função
Harper, 2007). de peculiaridades de sua morfologia e meta-
bolismo, construindo ativamente seu arredor
O que pretendemos evidenciar por meio dessa ou mundo externo.
abordagem (predominantemente ecológica1)
é que a expressão ambiente não pode con- Ideia semelhante é expressa por Mason e
templar todas as particularidades existentes Langenheim (1957) ao argumentarem que não
de cada ser vivo. Um organismo “A” intera- são todos os elementos do ambiente com os
ge com determinados elementos do ambiente quais um organismo interage. Existem fenô-
que não necessariamente são os mesmos com menos não ambientais e fenômenos ambien-
os quais um organismo “B” interage. Mesmo tais. Estes últimos referem-se a todas as clas-
pertencentes ao ambiente, cada um possui seu ses de fenômenos que tem ou podem ter uma
ambiente particular ou mais especificamente, relação operacional com qualquer organismo.
seu meio ambiente.
Utilizando os conceitos de ambiente opera-
Um meio ambiente é, nesse sentido, algo que cional e ambiente potencial os autores fa-
envolve ou cerca um indivíduo em particular, zem duas considerações importantes: (1) que
“é a penumbra das condições externas que
existem fenômenos que são imediatos e ope-
para ele são relevantes em face das interações
racionalmente diretos e significativos para
efetivas que mantêm com aqueles aspectos
um organismo, e que compõe seu ambiente
do mundo exterior” (Lewontin, 2002, p. 54),
particular; e que (2) existem também fenô-
ou seja, varia de acordo com o que é relevan-
menos que não são imediatamente utilizados,
te para uma espécie ou organismo.
mas que estão em condição futura de serem
Na relação entre organismo e ambiente, os empregados operacionalmente.
seres selecionam quais elementos do mun-
Para se evitar uma interpretação polissêmica
do exterior devem estar presentes para a
da expressão ambiente (environment), Mason
constituição dos seus meios ambientes e
e Langenheim (1957) utilizam os adjetivos
quais relações entre esses componentes são
operacional e potencial, para se referirem,
relevantes para os mesmos. Um meio am-
biente não somente é caracterizado por respectivamente, aos fenômenos que entram
meio da distribuição geográfica e temporal efetivamente em relação com um organismo
das espécies, mas principalmente como um particular e aos fenômenos que são capazes
espaço definido pelas atividades dos próprios de entrar em reação com esse organismo, mas
seres (Lewontin, 2002)2. Assim, os indiví- que ainda não foram chamados a fazer. Para
nós, essas expressões constituem o meio am-
1 Para uma abordagem geográfica dos conceitos de biente e o ambiente.
ambiente, meio ambiente e natureza, conferir Vilà
Valentí (1984), Vargas (2005) e Rehbein (2010).
Dessa forma, Mason e Langenheim (1957)
2 Embora na obra traduzida de Lewontin (2002) en-
contramos a expressão “ambiente”, acreditamos que
buscam dar ao conceito de ambiente opera-
o mais adequado seria utilizar “meio ambiente”. cional um caráter não somente espacial, mas

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também temporal e direcional. Uma vez que Essa expressão marca a diferença entre
as demandas ambientais de um organismo o mundo tal como existe em si e o mundo
variam ao longo de sua ontogenia é impor- enquanto mundo deste ou daquele ser vivo.
tante trazer o conceito de tempo para definir Trata-se de um aspecto do mundo ao qual o
seu ambiente particular ou meio ambiente. organismo se dirige, que existe para o com-
Assim, o tempo de vida de um organismo é portamento de um animal; é o meio ambiente
o tempo de duração de seu ambiente opera- de comportamento, que se opõe àquele geo-
cional, ou seja, durante o tempo em que um gráfico (Merleau-Ponty, 2000).
organismo está vivendo podemos falar dos
fenômenos que incidem significativamente Umwelt corresponderia ao mundo circundan-
sobre ele, no entanto, quando o organismo te, ao entorno, ao mundo associado, ou como
morre essa relação cessa. Temos aqui a res- acreditamos à expressão meio ambiente.
posta à questão colocada no início desse tra- Como consequência das propriedades dos ór-
balho: o meio ambiente não pode ser definido gãos dos sentidos, do metabolismo, do siste-
fazendo-se uso somente de critérios espaciais. ma nervoso e da própria forma do organismo,
Como ponderam Levins e Lewontin (1985), haveria uma justaposição espacial e temporal
devido às particularidades das espécies e dos de diferentes elementos do mundo que pro-
organismos, esse conceito é altamente hete- duziriam, assim, um entorno ou mundo ex-
rogêneo em termos de tempo e espaço. terno relevante para o organismo (Lewontin,
2002; Levis y Lewontin, 1985). Esse mundo
Portanto, o ambiente operacional, ou como su-
exterior seria “destilado” pelo animal que
gerimos, o meio ambiente, é um conceito que
por meio dos dados sensoriais obtidos po-
está direcionado ao organismo, a um indiví-
deria responder-lhe com determinadas ações
duo em particular. Essa ideia, também encon-
(Merleau-Ponty, 2000).
trada na noção de umwelt de Uexküll (1951),
nos permite afirmar que a expressão ambiente
Nesse sentido, compreender a relação en-
não pode ser aplicada com o mesmo sentido a
tre organismo e ambiente é reconhecer os
todos os seres vivos, os quais apresentam ca-
signos que a espécie é capaz de perceber, é
racterísticas morfofisiológicas distintas.
relacioná-los com suas ações, é definir seu
Foi na década de 1920 que Jacob Johann círculo funcional (Heredia, 2011) e, portanto,
von Uexküll (1864-1944) popularizou a ex- seu ambiente operacional. O meio ambiente
pressão umwelt, utilizando-a no sentido de corresponde à relação específica que os se-
relevant environmental, ou seja, aquele am- res constroem e mantêm com o mundo. Um
biente percebido por determinado organismo. animal, por exemplo, só percebe o que “deve
Umwelt (um, à volta e welt, mundo) corres- perceber”, leva em conta seus signos e ignora
ponderia ao ambiente comportamental que é o resto. Isso ocorre devido a seus diferentes
próprio de uma dada espécie e que é construí- receptores e efetores, também denominados
do por um conjunto de estímulos dotados de de órgãos perceptivos e operacionais, respec-
valores e significados (Klopfer, 1969). tivamente (Heredia, 2011).

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Cada animal posee determinados órganos ferentes possibilidades de comportamentos,


para recibir los efectos del mundo exterior, isto é, de ações e percepções.
que son llamados receptores u órganos de
los sentidos. La estructura de los recepto- Essa ideia da existência de um ambiente
res decide cuáles efectos del mundo exte- particular (meio ambiente), distinto de um
rior ejercen un estímulo sobre el animal ambiente total (ambiente) é também desta-
y cuáles no. La suma de estos estímulos cada por Josef Pieper no trabalho de Tuan,
forma un mundo circundante del animal. Y. (1965). Na tentativa de diferenciar dois
Cada animal vive en un mundo especial- conceitos, ambiente (environment) e mundo
mente dispuesto para el, que concierta com
(world), o autor cita os trabalhos de Pieper
su espécie de estructura y solo es capaz
no qual este aponta que haveria diferença
de presentarle los problemas adecuados.
entre os “mundos” que cercam cada indiví-
(Uexküll, 1951, pp. 36-37)
duo. Fazendo uso da expressão world como
Assim, a biologia de um organismo determi- sinônimo de “campo de relações” o filósofo
na o seu meio efetivo e estabelece a maneira discorre que apenas uma entidade capaz de se
pela qual os sinais externos são incorpora- relacionar, isto é, somente os seres vivos pos-
dos. Os elementos externos do mundo físico suem um “mundo”. Uma rocha, por exemplo,
e biótico (e também social, no caso da espé- não possui um campo de relações, ou seja,
cie humana) passariam por um “filtro trans- não atua sobre o ambiente físico, embora
formador” criado pela biologia específica ocupe um lugar e componha a natureza.
de cada indivíduo, de cada espécie, e é jus-
Nesse sentido, uma planta possui um mun-
tamente o resultado dessa transformação que
do sobre o qual age mais limitado do que
atinge o organismo e se torna relevante para
um animal que se locomove. Consequente-
ele (Lewontin, 2002). “Cada sujeito tece suas
mente, o mundo humano, por assim dizer,
relações como os fios de uma teia de aran-
é mais representativo que o mundo dos de-
ha com certas características das coisas e os
mais animais, uma vez que o Homo sapiens
entrelaça para fazer uma rede que mantém
possui uma gama maior de interações (Tuan,
sua existência” (Uexküll, 1965, p. 29 apud
1965). Assim, se o termo “mundo” de Pieper
Merleau-Ponty, 2000, p. 285).
for substituído por “meio ambiente”, teremos
Além do termo umwelt, Uexküll distingue também uma distinção conceitual clara entre
outras duas expressões: umgebung e welt. as expressões ambiente e meio ambiente.
A primeira referindo-se ao horizonte visual
e entorno físico que caracteriza a percepção Natureza, ambiente e meio
humana (portanto, no nosso entendimento ambiente: distinguindo
sinônimo de ambiente) e welt ao universo significados
científico, ao mundo objetivo, à realidade
absoluta (Canguilhem, 2001; Heredia, 2011), Para Dulley (2004), é a partir do conheci-
ou seja, à natureza. Ambiente se diferenciaria mento da natureza que o homem constrói seu
de meio ambiente (umwelt) pelo fato de que meio ambiente. O meio ambiente ou meio
condições exteriores idênticas acarretam di- ambiente humano, na realidade, refere-se ao

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[70] Garcia | Cavassan

conhecimento que o homem acumulou e pos- ponderia à natureza conhecida, modificada em


sui da própria espécie e de suas inter-relações. relação aos interesses do seu sistema social,
No entanto, a humanidade não apenas passou sobre o qual age e do qual recebe influência.
a conhecer a si própria, como também as in-
terrelações das demais espécies, ou seja, o Temos, portanto, ao agregarmos a essas co-
meio ambiente de cada uma delas. Para todo locações os argumentos já apresentados, a
esse conjunto de “meios ambientes” (meio existência de uma natureza causal (natureza
ambiente humano, meio ambiente vegetal real ou welt), compreendendo o mundo vivo
etc.) o autor utiliza a terminologia ambiente. e o não vivo que engloba todas as espécies,
incluindo o homem. Este, por sua vez, dis-
Apoiando-se em Art (1998), Dulley (2004) põe da capacidade de pensar e entender a na-
conceitua ambiente como o conjunto de con- tureza, assim a transforma em ambiente, ou
dições que envolvem e sustentam os seres seja, em uma natureza conhecida (natureza
vivos na biosfera como um todo ou em parte pensada), cujos elementos nela contidos são
desta, abrangendo elementos do clima, solo, selecionados e podem ou não fazer parte de
água e os organismos. Meio ambiente, por seu mundo particular (meio ambiente). Além
sua vez, é concebido como a soma total das do meio ambiente humano, há os “meios am-
condições externas circundantes no interior bientes” (umwelten) das demais espécies, que
das quais um organismo ou um objeto existe. não são constituídos exatamente pelos mes-
mos elementos da natureza que compõem o
“[...] poder-se-ia dizer que ambiente seria,
meio ambiente do homem. A esse conjunto
portanto, a natureza conhecida pelo sistema
social humano (composto pelo meio ambien- dos meios ambientes de todas as espécies
te humano e o meio ambiente específico das conhecidas pelo homem Dulley (2004) deno-
demais espécies conhecidas)”, afirma o autor mina de ambiente.
(ibid., p. 20). Nessa perspectiva a natureza
O que diferencia nossa concepção de meio
pode ser definida, tal como conceitua White-
ambiente daquela utilizada por Dulley (2004)
head (1993), como uma entidade passível de
é que para ele esta entidade só existe porque o
ser pensada e estaria, assim, constantemente
homem é capaz de pensar sobre ela. Para nós,
sendo transformada em ambiente, em deco-
os meios ambientes das demais espécies exis-
rrência do constante aumento do conheci-
tiriam, independentemente de nossa raciona-
mento do homem sobre ela.
lidade, uma vez que as relações operacionais
O ambiente de Dulley (2004) associa-se a dos organismos continuariam a existir. Em
todas as espécies, enquanto que meio am- suma, para Dulley (2004), o ambiente e os
biente estaria ligado sempre a uma espécie meios ambientes só teriam existência com a
em particular, àquilo que esta considera rele- presença humana, já para nós a ausência do
vante (Lewontin, 2002), ao termo umwelt de Homo sapiens implicaria na ausência de uma
Uexküll, ou à expressão ambiente operacional entidade pensada, ou seja, do ambiente, e na
de Mason e Langenheim (1957). No caso da inexistência do meio ambiente humano, os
espécie humana, seu meio ambiente corres- demais meios continuariam existindo.

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[71]

Observemos então as duas concepções de Entidade real factível de ser perce-


natureza apontadas por Whitehead (1993) – bida. Trata-se de uma realidade ofe-
recida ao conhecimento e passível
natureza real e natureza pensada. A sugestão
de pensamento, mas que dele inde-
Natureza
é que tais expressões sejam entendidas como pende. Constituída por elementos
natureza e ambiente, respectivamente. A pri- que podem não estar diretamente e
imediatamente em reação com um
meira trata-se de uma entidade, cuja existên- organismo.
cia independe do homem, ou seja, existe sem Refere-se à natureza pensada ou
que necessariamente se pense sobre ela e que representada pela mente humana,
isto é, à realidade apreendida, àqui-
Uexküll denomina de welt, constituída tanto lo a que estamos cônscios através
de elementos não ambientais quanto de fenô- da percepção. Pode ser entendido
como o que da natureza é conheci-
menos ambientais, como diriam Mason, H. e
do pelo sistema social, o que está no
Langenheim (1957). horizonte perceptível humano. Uma
construção humana historicamente
construída. Faz alusão ao conjunto
Já a segunda (ambiente), se refere ao entendi-
Ambiente dos meios ambientes conhecidos
mento da natureza, ao que se pensa sobre ela pelo homem e é constituído de
(homo ou heterogeneamente); leva em consi- fenômenos que podemos represen-
tar e que são capazes de entrar em
deração a limitação dos sentidos e do aparato reação com um organismo, mas que
cognitivo humano e, assim, corresponde ao ainda não foram chamados a fazer.
Inclui aqueles fenômenos que não
que da natureza se pode perceber. Equivale à são imediatamente utilizados, mas
expressão umgebung (horizonte visual e en- que estão em condição de serem
empregados operacionalmente pelo
torno caracterizado pela percepção humana) organismo.
também utilizada pelo etólogo alemão e com-
Diz respeito aos elementos que en-
põe o que Mason, H. e Langenheim (1957) volvem ou cercam uma espécie ou
denominam de ambiente potencial, ou seja, indivíduo em particular, que são re-
levantes para o mesmo e que entram
os fenômenos que julgamos serem capazes em interação efetiva. É caracteriza-
de entrar em reação com um organismo, mas do por ser um espaço definido pelas
atividades do próprio ser; determi-
que ainda não foram chamados a fazer. nado em função de peculiaridades
morfofisiológicas e ontogenéticas,
Todavia, como cada organismo possui apa- sendo uma propriedade inerente
Meio
aos seres vivos. Refere-se, por-
ratos perceptivos e de ação diferentes, me- Ambiente
tanto, aos fenômenos que entram
canismos morfofisiológicos distintos e onto- efetivamente em relação com um
organismo particular, que são ime-
genia específica, cada um constrói seu meio diatos, operacionalmente diretos e
ambiente (umwelt) ou ambiente operacional. significativos. Sinônimos: mundo
externo, mundo relevante, ambiente
Conceito este definido e ordenado espaço e
operacional, ambiente percebido,
temporalmente pelo organismo. umwelt, mundo circundante, mun-
do associado, ambiente comporta-
mental e campo de relações.
Como uma forma de síntese dessas ideias
apresentamos o quadro a seguir (figura 1)
com nossas definições conceituais que se Figura 1. Quadro síntese das definições conceituais de

apoiam na literatura já citada. natureza, ambiente e meio ambiente

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[72] Garcia | Cavassan

Em um exemplo adaptado de Lewontin lidade, é o conceito de ambiente que adquire


(2002) é possível distinguirmos as termino- essa configuração.
logias propostas: em determinado jardim, na
qual se encontram árvores, gramíneas e pe- A natureza existe em si mesma ao passo
dras espalhadas pelo chão, pode-se dizer que que o ambiente refere-se aos elementos que
um ramo seco da grama faz parte do meio am- pensamos compô-la, que nossa capacidade
biente (umwelt ou ambiente operacional) de humana alcança e representa e é, portanto,
uma ave “X” que utiliza esse elemento para constantemente ressignificado. Dentre todos
construir o seu ninho (em um momento re- os elementos que se acredita compor o am-
produtivo de seu ciclo de vida) e que, portan- biente e que se localizam num dado instante
to, a percebe como relevante. Já as pedras ali em determinado espaço geográfico, somente
existentes, embora façam parte do ambiente aqueles que são percebidos pelas capacidades
potencial (ambiente ou umgebung), podem perceptivas e sobre os quais cada organismo
não ser utilizadas naquele momento por esse age e opera podem ser considerados integran-
indivíduo. Contudo, essas mesmas pedras fa- tes do ambiente individual, ou seja, do meio
zem parte do meio ambiente (umwelt ou am- ambiente, do umwelt ou do ambiente opera-
biente operacional) de um pássaro “Z” que as cional.
utiliza para abrir caracóis e comê-los. Estes
Logo, no contexto das sociedades humanas
mesmos gastrópodes podem ser indiferentes
compreendemos o meio ambiente não como
para a ave X e compor os elementos denomi-
a soma de tudo que existe, mas como um
nados de não ambientais.
lugar determinado ou percebido, onde os
Entretanto os elementos que compõem o am- elementos naturais e sociais estão em re-
biente acima exemplificado só puderam ser lações dinâmicas e em interação. Essas re-
observados ou pensados por uma mente, por lações implicam processos de criação cul-
uma consciência e, nesse sentido, o ambiente tural e tecnológica e processos históricos e
é determinado ou definido como a natureza sociais de transformação do meio natural e
conhecida pelo homem. A noção de ambien- construído (Reigota, 1998, p.14).
te é, portanto, resultante do pensamento e do
conhecimento humano, isto é, do seu trabalho O meio ambiente humano é determinado tem-
intelectual (simbólico) e físico sobre a natu- poralmente e percebido em função de repre-
reza (Dulley, 2004). sentações particulares; está em relação dinâ-
mica no sentido de que é permanentemente
Assim, partimos do pressuposto de que a na- construído e, portanto, estabelecido e carac-
tureza não é meramente uma abstração, tal terizado por diferentes culturas em espaços
qual defendem Collingwood (1978), Lenoble específicos (Reigota, 1998, 2009) e também
(2002) e Gonçalves (2005), mas sim o que de acordo com a ontogenia da espécie huma-
se pensa dela, ou seja, o ambiente sim é uma na. Essa entidade é compreendida como um
representação. Ao contrário do que nos diz espaço relacional no qual o indivíduo está in-
Gonçalves (2005), de que o conceito de natu- serido e age sobre todo um sistema social, po-
reza não seria natural, sugerimos que, na rea- lítico e econômico, pois é capaz de percebê-

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lo. Assim, construímos nosso próprio mundo mejam a preservação do meio ambiente.
externo, nosso umwelt, nosso meio ambiente Ora, o que se quer dizer por essa expressão?
subsidiados por processos sígnicos (percep- Estamos contemplando as diferentes necessi-
tivos), ou seja, pelas atividades receptoras e dades morfofisiológicas de cada organismo
efetoras que caracterizam a nossa espécie. ou buscamos somente resguardar o meio am-
biente humano? Estamos preocupados com
Portanto, o conhecimento sobre a nature- a preservação dos ambientes operacionais
za, baseia-se na apreensão dos processos e das demais espécies ou com a manutenção
elementos existentes e que podem ser ob- daqueles fenômenos com os quais a espécie
servados. Consequentemente, elaboramos humana interage e dos quais depende?
esquemas mentais que estão intimamente
relacionados com as experiências individuais Evitamos também apoiar certos discursos ra-
de cada um. Cada ser humano está cercado dicais de que a sociedade acabará com a na-
por um mundo “adequado” ou acomodado tureza. Na verdade, os sistemas sociais pro-
(Uexküll, 1951), que se refere ao mundo cir- dutivos humanos podem interferir no meio
cundante, ao meio ambiente. ambiente de outros organismos, como tam-
bém podem tornar o meio ambiente humano
impróprio para nossa sobrevivência levando
Considerações finais à exclusão do Homo sapiens da natureza.
Todavia isso não implica dizer que, concomi-
Diante do objetivo proposto, acreditamos que tantemente, a natureza deixaria de existir.
foi possível apontar diferenças significativas
entre as terminologias ambiente, meio am- Outro ponto relevante é que, ao distinguirmos
biente e natureza, assim como responder às os significados dessas expressões, podemos
questões inicialmente levantadas. No entan- ter mais clareza sobre quais são os objetos de
to, estamos cientes de que esta investigação estudo das diferentes áreas do conhecimento.
está longe de ser finalizada. Fizemos apenas As Ciências Ambientais, por exemplo, utili-
um recorte subsidiados por alguns referen- zam um pensamento homogêneo da natureza,
ciais teóricos (principalmente da Ecologia). ou seja, buscam interpretá-la e elaboram re-
presentações do ambiente, investigando todo
Cabe agora questionarmos, tal como fazem e qualquer meio ambiente, ao passo que, a
Mason e Langenheim (1957) em suas con- Educação Ambiental faz uso de uma meta-
clusões: que diferença tudo isso faz? Mais es- linguagem, de um pensamento predominan-
pecificamente, que implicações essas discus- temente heterogêneo, ou seja, pensa sobre o
sões conceituais podem ter? Seguem algumas que se pensa sobre a natureza, além de focar
respostas. seus estudos no meio ambiente humano.

Primeiramente podemos destacar que a dis- Superar a ideia de que o ambiente deve in-
tinção terminológica apresentada permite cluir obrigatoriamente as questões econômi-
questionar, por exemplo, os objetivos das cas, políticas e sociais é outra contribuição
políticas ambientais, quando as mesmas al- deste trabalho. Se estivermos nos referindo

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[74] Garcia | Cavassan

ao meio ambiente humano, esses elementos tiva requer uma abordagem mais detalhada,
fazem sentido, assim como é pertinente defi- que não caberia nessas páginas.
ni-lo como “um campo de interações entre a
cultura, a sociedade e a base física e bioló- Buscamos também transcender a ideia de que
gica” (Carvalho, 2008, p. 37). Contudo esse todos os fenômenos são essenciais para um
mesmo significado não pode ser aplicado aos organismo. Assim, ao eliminarmos os fatores
demais seres. As particularidades de cada or- indiretos e os “corpos estranhos”, removemos
ganismo devem ser levadas em consideração. muito da frustrante complexidade do ambien-
Assim, defendemos que o meio ambiente te e passamos a nos limitar aos fatores dire-
humano deva ser considerado em suas múl- tos, os quais podem ser confirmados empiri-
tiplas dimensões (econômicas, sociais, políti- camente (Mason y Langenheim, 1957). Essa
cas etc.), mas essa singularidade não cabe aos definição é justificável uma vez que os fenô-
demais meios ambientes. menos que afetam diretamente os organismos
são os objetos primários de interesse em qual-
Ao considerarmos o meio ambiente como sen- quer análise ambiental (Spomer, 1973).
do constituído de elementos que envolvem ou
cercam uma espécie ou indivíduo em particu- E, por fim, este trabalho permite afirmar que
lar, que são relevantes para o mesmo e que en- a natureza não é apenas fruto da mente, mas
tram em interação efetiva, esse conceito passa possui um caráter dual, sendo tanto uma en-
a ser geral e abrangente, contemplando as par- tidade passível de pensamento quanto uma
ticularidades de cada organismo e não se res- entidade real. Consequentemente, pode-se
tringindo unicamente ao Homo sapiens. Tem assumir que o ambiente estudado pelos cien-
como elemento central o próprio organismo. tistas por meio da observação e experiência,
por se tratar de uma natureza pensada, é na
Entretanto, cabe ressaltar que não estamos realidade um mundo antropocêntrico, uma
desconsiderando a complexidade humana, vez que consiste em processos naturais que
ao contrário, entendemos que nossa particu- estão dentro dos limites da observação/perce-
laridade se dá por um fato fundamental: o pção humana (Collingwood, 1978).
homem, ao contrário dos demais seres, não
se comporta somente como espécie, mas sim
como indivíduo. Para Branco (1999), nas es- Referências
pécies não humanas os indivíduos são incapa-
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