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All content following this page was uploaded by Isabel Orestes Silveira on 26 January 2021.
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Isabel Orestes Silveira
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Glaucia Davino
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Pelópidas Cypriano de Oliveira
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Ensino, flexibilização e resiliência: reflexões sobre docência
em tempos de pandemia Rebento, São Paulo, n. 13, p. 164-192, jul - dez 2020
Resumo |
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em tempos de pandemia Rebento, São Paulo, n. 13, p. 164-192, jul - dez 2020
Abstract |
The purpose of this article, the result of the dialogue of three university
professors who teach classes aimed at the universe of visual
arts and digital media, is to propose a reflection on the
complex reality that surrounds the current moment. That is,
when taking into account the phenomenon of world crisis
caused by the Coronavirus, it is clear that the teaching-
learning context demanded a new teaching modality, the
remote one; which destabilized the ways of acting and
provided a rethink about the didactics that would be used
in virtual environments for higher education students.
The methodological approaches is of a qualitative nature,
because it is interesting to highlight the work He who says
yes/He who says no (1929/30), by Bertolt Brecht. Through
the interpretation of the play, two actions were possible: an
analysis related to teaching, and another practical authorial
action that resulted in a visual verb experiment, done through
digital media, by the technological manipulation of the
algorithms. There is a dialogue with theater and education,
considering some assumptions of Dewey (1979), Nóvoa
(1992), Libâneo (1994) among others. The theoretical
argument welcomed the students’ listening, from answers
collected in the second semester, through the digital Forum.
Koudela (1984) is also employed, to consider Brecht’s
didactic pieces and the educational process. The reframing
of the didactic message of the original piece allows a new
conception of the original text, reinterpreted through a
visual product, which can be read and appreciated.
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em tempos de pandemia Rebento, São Paulo, n. 13, p. 164-192, jul - dez 2020
Introdução
O mundo tem vivenciado as incertezas da pandemia vigente, pois
a fácil contaminação pelo Coronavírus (Sars-Cov-2) aproxima a todos,
sem distinção, da realidade do sofrimento, da iminência da morte e da
perda de entes queridos (entre um número significativo de pessoas que
deixarão de viver, em todo o globo terrestre). A consciência das ações
necessárias para a sobrevivência foi despertada e, apesar de resistências
quanto às medidas de distanciamento social, tem havido mobilizações
para que a adaptação ocorra, desde o âmbito mais íntimo, dentro dos
lares, às grandes ações das ciências. Nesse conjunto global, a vulnerabili-
dade dos menos desfavorecidos acentua-se, e o bem-social é substituído
pelos interesses políticos.
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sim e Aquele que diz não”, porém com certa “liberdade poética”, a fim
de verificar como este atualiza-se, no estabelecimento de relações entre
a peça didática e a práxis pedagógica atual. Em um segundo momento,
aceitar-se o desafio proposto para esse número da Revista Rebento, de
registrar e discutir “[...] os impasses do presente momento na História
da humanidade”. Portanto, nos apontamentos finais do artigo, o leitor
encontrará um modo diferente de reler Brecht. Trata-se de inserir a peça
em programas digitais e, por meio de algoritmos, que os devolvem em
novo formato, possibilitar ao leitor ver/ler o texto original, tornar-se um
produto que resulta em um texto de estética digital, verbo visual.
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ferramentas disponíveis na internet para as aulas remotas. Professor e
aluno aprendiam e ensinavam. No que diz respeito ao âmbito acadêmico,
tornou-se imanente essa antiga formulação sobre o aprendizado huma-
no: quem ensina quem?
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jogos de aprendizagem. As peças didáticas de Brecht, em especial, pos-
sibilitam o pensamento crítico reflexivo, objetivando a transformação
social (Koudela, 1984) e, embora a peça Aquele que diz sim, aquele que diz
não tenha sido escrita num contexto histórico específico, a reflexão que
se propõe aqui compreende que a obra atualiza-se nos dias de hoje, revelando
as relações entre os professores-pesquisadores e seus alunos, diante da realidade
atual do ensino virtual.
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a doença e na cidade para além das montanhas moram alguns grandes
médicos. O Professor vai despedir-se do Menino e sua Mãe, antes de par-
tir em busca de remédios e instruções. O filho, então, se propõe a seguir
junto, para salvar a mãe doente.
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Assim como faz a Mãe, algumas vezes, nossas afirmações também ex-
pressam estar de acordo, mas um acordo em estado de anestesia. Essa falta de
criticidade pode ser causada pelo choque emocional, diante de uma situação
extrema, como na epidemia mencionada no texto (na primeira versão). Já na
segunda versão de Brecht, a causa (crônica) dessa “insensibilidade” é a endemia
de estarmos de acordo, sem refletirmos sensivelmente.
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costume lançar ao precipício o corpo ainda vivo daquele que não conse-
guisse acompanhar a viagem. Voltar para a aldeia e desistir da viagem
seria humilhante; e humilhante, também, levar o mais fraco de volta. Por
isso, o dizer “sim” prevalece. O Menino é assassinado, em nome da cultu-
ra local e de suas normas.
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sobre o jogo entre nossos pensamentos e sentimentos. Aqui, nos foca-
mos, por associação e empatia, no universo acadêmico no presente con-
texto de alteração intensa das nossas certezas; o que provoca questio-
namentos sobre nossas posturas: diante da pandemia, o que estamos
fazendo? O que estamos sentindo? O que estamos pensando? Como estar
de acordo? O que se aprende e o que se ensina? Quem aprende e quem
ensina quem?
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Resiliência e reflexões sobre docência
O que é possível aprender com essa peça teatral?
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A pandemia confere à realidade uma liberdade caótica, e
qualquer tentativa de a aprisionar analiticamente está condena-
da ao fracasso, dado que a realidade vai sempre adiante do que
pensamos ou sentimos sobre ela. Teorizar ou escrever sobre ela
é pôr as nossas categorias e a nossa linguagem à beira do abismo
(SANTOS, 2020, p. 13).
Várias foram as respostas dos alunos. Mas, sendo curto este espa-
ço, cabe compartilhar apenas algumas delas, compreendendo os senti-
mentos dos atores envolvidos, assim como suas tomadas de decisão. Em
algumas vozes, observa-se o desânimo, ao passo que em outras, maior ânimo.
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Algumas expressam, ainda, a esperança renovada .
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Meu maior aprendizado foi e continua sendo olhar
para dentro de mim mesma. Durante a rotina que estamos
acostumados, acabamos deixando de lado o modo como
cuidamos da nossa alimentação, corpo e mente, muitas ve-
zes vivendo um modo automático. Esse período nos deu a
oportunidade de repensar com carinho como tratamos nós
mesmos, e o resto do mundo (Participante 3, 2020, s/p.).
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No início foi dolorido, deixar de uma hora pra outra o
abraço e a proximidade. O medo chegou muitas vezes a tomar
conta, medo de nunca voltar a rotina, medo de perder alguém
da família e principalmente de ter que lidar com uma nova re-
alidade... mas com os meses isso foi passando; entendi que de
fato precisamos olhar por uma nova perspectiva e isso abre
também uma oportunidade de ser mais empático e humano,
coisas que antes eram muito superficiais. Essa fase não me en-
sinou só sobre os cuidados com a saúde emocional ou física,
mas com o tanto que me importo com o outro e principalmente
com o modo que demonstro afeto. (Participante 6, 2020, s/p.).
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ambos aprendem e ensinam. Assim resume Paulo Freire:
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tacionais Digitais; áreas onde se inserem a Educação/Pedagogia e as
Tecnologias Digitais (KENNEDY, 2017; HIRSCH et al., 2012).
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mento com as mídias digitais .
6. Voyant Tools é uma ferramenta digital, open source, de análise de textos online,
criado no Canadá pelos professores Stéfan Sinclair (da área de Humanidades Digitais,
na McGill University) e Geoffrey Rockwell (da University of Alberta e do Kule Institute
for Advanced Study).
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O processo seguiu a seguinte trajetória: (1) partimos da matéria-
-prima, o texto Aquele que diz Sim/ Aquele que diz Não; (2) alicerçados nos
procedimentos das Humanidades Digitais, selecionamos ferramentas do
Voyant; (3) o texto é submetido na plataforma online; (4) delas, subtra-
em-se automaticamente dados, a partir de filtros que escolhemos – ex-
pressões visuais; (5) esses dados imagéticos são apropriados e (6) ofe-
recemos as leituras abaixo.
Figura 1. Escritura Expandida Cirrus - Aquele que diz SIM. Arquivo do autor.
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É interessante que na Figura 2, embora os protagonistas conti-
nuem ocupando destaque, as palavras “costume” e “acordo” (temas can-
dentes na segunda versão da peça) ganham maior relevância do que na
Figura 1.
Figura 2. Escritura Expandida Cirrus - Aquele que diz NÃO. Arquivo do autor.
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Figura 3. Escritura Expandida Link - Aquele que diz SIM. Arquivo do autor.
Figura 4. Escritura Expandida Link - Aquele que diz NÃO. Arquivo do autor.
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Figura 5. Escritura Expandida Nós - Aquele que diz SIM. Arquivo do autor.
Figura 6. Escritura Expandida Nós - Aquele que diz NÃO. Arquivo do autor.
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Os resultados do experimento das Figuras 5 e 6 evidenciam uma
visualidade abstrata, em curvas que se expandem partindo de um ponto
central. Na livre interpretação das imagens (lembrando que este é um
outro modo de ler o texto de Brecht, e lembrando ainda o contexto da
realidade pandêmica que vivenciamos), pode-se considerar que embora
nossas escolhas possam desejar a redução das complexidades pela op-
ção do sim ou do não, o que se percebe é que, verdadeiramente, a reali-
dade é imprecisa, incerta, movediça e complexa.
Figura 7. Escritura Expandida Diagrama de Fluxo - Aquele que diz SIM. Arquivo
do autor.
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Figura 8. Escritura Expandida Diagrama de Fluxo - Aquele que diz NÃO. Arquivo
do autor.
Considerações finais
Hoje, a tecnologia digital tem sido uma ferramenta que perpassa
nossas atividades. Não há empresa, governo, instituição e até indivíduo
que abdique da rápida captura e da organização da grande quantidade
de dados para a tomada de decisão que as ferramentas digitais propi-
ciam. É só olharmos para as estatísticas da própria pandemia: quase em
tempo real, os dados atualizam-se. “Dizer sim” e “dizer não” deixou de
ser unicamente decisão das pessoas; a máquina, com algoritmos preci-
sos, poderá decidir quando iniciar ou interromper um processo. Quais
seriam os algoritmos capazes de ressignificar, quebrando, confrontado e
rompendo regras vigentes, que fazem parte de nossa história?
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virtual) vírus Covid-19 fosse menos devastador, o sistema escolar de en-
sino também fez e continua a fazer sua parte. Ainda que nessa redoma de
proteção contemporânea, o sistema escolar de ensino foi vital para que a
sociedade se mantivesse ativa.
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quela sociedade, hoje também faz-se necessário questionar os discursos
plenos de certeza, ou as visões de mundo em que se percebe a pretensão
de controle. Embora nossas escolhas possam desejar a redução das com-
plexidades, pela opção do sim ou do não, vê-se que, verdadeiramente, a
realidade é imprecisa, incerta, movediça e complexa.
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Referências
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completo - v. 3. Trad. Luiz Antônio Martinez Corrêa e Marshall Netherland. São
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G1. Brasil passa de 180 mil mortes pela Covid-19; 19 estados e o DF estão com
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coronavirus-no-brasil-em-11-de-dezembro-segundo-consorcio-de-veiculos-de-
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HIRSCH, Bretht et. al (eds.). Digital Pedagogy. Practice, principles and politics.
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v. 11, n. 3, 2017. Disponível em: http://www.digitalhumanities.org/dhq/
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LANE, Richard. The big humanities. London/ New York: Routledge, Taylor &
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SCHÄFER, Mirko Tobias; Van Es, Karis (eds.). The Datafied Society. Studying
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