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O ENSINO DE SOCIOLOGIA EM TEMPOS PANDÊMICOS: REALIDADE

COTIDIANA VERSUS O IDEAL PROPOSTO PELO CURRÍCULO DE


PERNAMBUCO
RIBEIRO, Maria Eduarda 1
SOUZA, Elvis2

Resumo
A partir de 2020 o impacto da COVID-19 se tornou global, consequentemente, houve o
fechamento de muitas instituições e seus serviços passaram a ser ofertados remotamente. A
escola como instituição já vinha trabalhando com a modalidade do EAD, mas não voltada para
a educação básica. Dessa maneira, não apenas os alunos, mas também seus familiares,
precisaram se adaptar à nova situação, assim como os professores e as próprias instituições de
ensino. A Sociologia enquanto disciplina do Ensino Médio foi tão afetada quanto outras áreas
do conhecimento. Embora a Sociologia com seu caráter questionador tenha possibilitado uma
reflexão sobre os impactos da pandemia na sociedade, a falta de recursos e a perda da noção do
limite entre o público e o privado trouxe para a realidade do ensino da disciplina novas
problemáticas. Sendo assim, exporemos as problemáticas do ensino da Sociologia no período
pandêmico, tendo como ponto de partida a realidade cotidiana e aquilo que é proposto pelo
Currículo de Pernambuco.

Palavras-chave: Ensino de sociologia. Educação básica. Ensino à distância.

INTRODUÇÃO

O período que ficou marcado como a maior pandemia do século 21 trouxe implicações
sanitárias para todos os âmbitos da vida em sociedade. Com isso, se fez necessário um
distanciamento social forçado, visto as emergências sanitárias de combate a COVID-19. Dessa
maneira, foi preciso uma readaptação ao modelo de vida social de maneira generalizada.
O campo da Educação de maneira generalizada sofreu grandes mudanças no tangente a
sua realidade cotidiana. Uma série de desigualdades que já se faziam presentes no período pré-
pandemia acabaram por serem acentuadas, bem como houve o surgimento de novas
problemáticas, principalmente no que se diz respeito ao ensino à distância, sendo essa “uma
primeira dificuldade, relacionada não aos conteúdos, mas à cultura escolar, de mediar a
educação à distância” (PALUDO, p. 47).

1
Universidade Federal de Pernambuco, Recife/PE, mariaeduarda.lira@ufpe.br
2
Universidade Federal de Pernambuco, Recife/PE, elvis.souza@ufpe.br
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A Sociologia enquanto disciplina na educação básica sempre sofreu com forte


intermitência, precisando assumir um caráter de afirmação como colocado por Bernard Lahire
“a Sociologia é uma ciência comumente forçada a passar tanto tempo a explicar e a justificar
seus procedimentos e sua existência quanto a entregar resultados de suas análises” (LAHIRE,
p. 47). Isto posto, todas essas problemáticas históricas de caráter de afirmação existencial
envolvendo a disciplina se fizeram ainda mais acentuadas durante o período pandêmico.
As competências e expectativas colocadas sobre a Sociologia enquanto disciplina do
Ensino Médio, propostas pelo Currículo de Pernambuco, não fazem parte do cotidiano do
ensino e aprendizagem. As condições que no período pré-reforma já se faziam precárias, com a
disciplina tendo um curto espaço de hora-aula durante os três anos do Ensino Médio, sendo
uma hora-aula dedicada ao ensino de Sociologia para cada ano. Após a reforma tanto o espaço,
dentro do Ensino Médio, como o tempo de aula, foi reduzido a um único ano, o segundo ano,
com apenas duas horas-aula semanais. Tendo como atenuante uma proposta de abordagem, do
Currículo de Pernambuco, de uma vasta gama de conteúdo. Isso aliado ao fato de que a
disciplina na maioria das vezes é ministrada por docentes não formados no curso de Ciências
Sociais. Isto posto as noções iniciais propostas pelo próprio currículo que tem como base as
relações sociais entre os indivíduos

Desse modo, o primeiro contato do estudante do Ensino Médio, com a


perspectiva sociológica de análise do mundo e dos fenômenos que ocorrem
em seu dia a dia, constitui-se como contribuição para reflexão crítica de todos,
independente da profissão a ser escolhida no futuro e a despeito de se
considerar que essa ciência ofereça elementos que auxilie o/a jovem em suas
escolhas e projetos de sociedade e de vida (PERNAMBUCO, p. 295).
tende a se esvair.
Ainda de acordo com o Currículo de Pernambuco, após a reforma, a Sociologia passou
a ter como atribuição 12 habilidades das 32 do campo das Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas. Em termos de conteúdo a disciplina também é responsável por todo campo teórico
das Ciências Sociais, com isso abarcando as perspectivas teóricas da Antropologia e da Ciência
Política, fazendo dos objetivos citados acima ainda mais extensos e não mensuráveis.
Por fim, todas as problemáticas expostas se tornaram ainda mais complicadas durante o
período pandêmico visto que “tudo que é novo causa um sentimento de ‘estranho’”, (PASINI;
CARVALHO; ALMEIDA, 2020). E é nesse lugar de estranhamento, do ensino de Sociologia
dentro do contexto pandêmico, alocado no ensino à distância, que as dificuldades já existentes
se tornaram ainda mais profundas.
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DESENVOLVIMENTO

Antes do período pandêmico a docência de maneira generalizada sofria com diversos


problemas como, por exemplo, problemas estruturais no ambiente escolar, classes lotadas,
baixos salários e excesso de contratos temporários. Além disso “evidentemente, há um outro
fator somado à diversidade cultural dos estudantes que recai na exigência ao trabalho dos
professores: a competição com as tecnologias” (PALUDO, p. 46). Ou seja, a questão
tecnológica já se colocava como um fator de difícil tratamento mesmo antes da pandemia,
porém no período pandêmico isso se acentuou.
Durante a pandemia todos os questionamentos relacionados à docência tiveram como
centro de debate o ensino à distância. Se no período pré-pandêmico as escolas olhavam para o
uso de tecnologias em sala de aula de maneira negativa – quanto a isso vale ressaltar

Evidente que as escolas não tomam essa atitude por serem rígidas ou
intransigentes, mas o fazem impossibilidade de – considerando as condições
de acesso, formação docente, entre outras – revolucionar as formas de ensino
(PALUDO, p. 47).

– no período de pandemia se viram obrigadas a fazer amplo uso das ferramentas tecnológicas
como ferramentas de emprego didático.
A partir disso, surgiram diversos problemas, sendo um dos mais comuns conseguir
captar os alunos para que eles abrissem suas câmeras e, com isso, passassem a interagir
efetivamente. Para que assim pudessem empregar, por exemplo, um dos exercícios sociológicas
proposto pelo Currículo de Pernambuco “analisar que as relações sociais estabelecidas como
naturais (naturalizadas) não nasceram com o indivíduo, pelo contrário, foram construídas
socialmente no contexto em que se vive” (PERNAMBUCO, p. 295-296). Porém, tais esforços,
antes já dificultosos, tornaram-se ainda mais complicados durante pandemia, especialmente
porque
A formação dos professores dificilmente contempla a demanda EAD, não
existindo uma familiarização com as plataformas digitais, o que implica na
impossibilidade de aplicação de métodos usuais de avaliação e de ministrar
aulas (PALUDO, p. 48).

Vale ressaltar que essa deficiência atinge todos os docentes do ensino básico e não apenas os
professores de Sociologia. Além de que todas essas dinâmicas dentro do campo de ensino à
distância podem ser vistas como um lugar de “fronteira”, como destacado a seguir “a fronteira
é composta de valores e costumes de um lugar como os do outro, ou seja, é no lugar fronteiriço
que ocorrem os encontros com o estranho” (PASINI; CARVALHO; ALMEIDA, 2020). Em
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outros palavras, dentro das dinâmicas das aulas à distância passaram a se fazer presentes uma
série de costumes jamais vistos nas dinâmicas das aulas presenciais entre docente e discente. O
que trouxe graves implicações que, de certa forma, quebravam a lógica proposta pelo Currículo
de Pernambuco que é fazer com que os estudantes pensem de maneira crítica ao tentar analisar
as diversas dinâmicas da sociedade. Quanto a isso é preciso levar em consideração também o
fato de que muitos dos jovens ainda não tem uma consciência crítica formada, logo “a ideia,
segundo a qual ensinar reflexividade e recuo até mesmo na formação moral e cultural da
criança, constituiria uma operação psicologicamente desestabilizadora é, no fundo, a
manifestação de um profundo etnocentrismo” (LAHIRE, p. 55). Ademais, olhar para essas
questões dentro das dinâmicas do ensino à distância se tornou uma tarefa ainda mais difícil.
Ainda, de acordo com, o Currículo de Pernambuco o objetivo da Sociologia no Ensino
Médio é
O entendimento sobre a finalidade do ensino da Sociologia vai além do
objetivo de aprendizagem, intenta preparar para a cidadania. A intenção é
ultrapassar essa dimensão discursiva e avançar para sua materialização,
visando à formação humana e integral do ser ao desenvolver o pensamento
crítico-reflexivo do/a estudante” (PERNAMBUCO, p. 295).

Portanto, compreende-se o ensino de Sociologia não baseada exclusivamente em conceitos ou


teorias desconexas com a realidade social dos alunos, mas a partir da apresentação das
metodologias nas Ciências Sociais, suas ferramentas ao longo da história e como se apropriar
das mesmas, para visualizar, questionar e compreender a realidade em que se encontra.
Contudo, não por meio de uma perspectiva individual, mas por meio de um diálogo sobre a
compreensão de diversas realidades. Para isso o distanciamento e desnaturalização é necessário
para uma reflexão crítica. E quanto a isso, ainda de acordo com o Currículo de Pernambuco a

Sociologia oferece instrumentos teóricos e metodológicos de investigação e


pesquisa, necessários para a desnaturalização e o estranhamento de
concepções que justificam um único modo de ser – de uma sociedade, classe,
grupo social, comunidade, identidade cultural, política – como único modelo
hegemônico/dominante possível (PERNAMBUCO, p. 295).

E a partir dessa pretensão se faz presente um conflito constante sobre a permanência da


Sociologia como disciplina do Ensino Básico.
Assim como colocado anteriormente a Sociologia está em um lugar que permeia a
interdisciplinaridade, pois os assuntos tratados não são uma exclusividade da disciplina. Com
isso, poderia haver um recorte do amplo conteúdo abordado com outras áreas do conhecimento.
Dessa forma, realizando um esvaziamento para a diminuição de toda a carga posta sobre a
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Sociologia. E dentro do contexto pandêmico todas essas dificuldades ganharam novos


contornos, pois o professor(a) – não apenas de Sociologia, mas todos os docentes – passou a ter
que lhe dar com uma série de males durante a quarentena “o estresse, ansiedade e outras
questões psicológicas, agravadas, é claro, pela perda da capacidade de discernir o que é o espaço
privado e o que é o espaço profissional” (PALUDO, p. 50). Com isso, durante a pandemia as
problemáticas do ensino de Sociologia no Ensino Médio já não eram somente as problemáticas
de outrora, mas todo o contexto envolvendo a realidade dos professores – e alunos – dentro
desse contexto.

CONCLUSÃO

Se toda a realidade do ensino de Sociologia no Ensino Médio antes da pandemia já podia


ser vista cheia de adversidades, durante a pandemia, dentro do cenário da educação à distância
as condições ficaram ainda piores. Dessa forma, a Sociologia acabou mais do que nunca
perdendo suas noções históricas mais básicas, que é criar uma lógica contra as naturalizações
impostas pelos tecidos da história e buscar quebrar com as dinâmicas arraigadas de um caráter
etnocentrista que traz consigo uma noção de diminuição das camadas desfavorecidas.
As dinâmicas do ensino de Sociologia na educação básica durante a pandemia vão além
das questões do ensino da disciplina em si, permeia todo um cenário desfavorável a realidade
do ambiente em que os docentes – também discentes – se encontraram durante o tortuoso
período. Vem à tona também o choque de valores e costumes e as dinâmicas nunca vistas no
cenário presencial que surgiram a partir disso. Por fim, pensar o ensino de Sociologia durante
a pandemia extrapola as noções básicas interacionais da sala de aula, com isso nasce o pensar
de uma específica condição em que os atores principais das dinâmicas do ensino e da
aprendizagem se encontraram dentro de um determinado período da história da humanidade.
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REFERÊNCIAS

LAHIRE, Bernard. Viver e interpretar o mundo social: para que serve o ensino de Sociologia.
Revista de Ciências Sociais: RCS, v. 45, n. 1, p. 45-61, 2014.

PALUDO, Elias Festa. Os desafios da docência em tempos de pandemia. Em Tese, v. 17, n. 2,


p. 44-53, 2020.

PASINI, Carlos Giovani Delevati; CARVALHO, Elvino de: ALMEIDA Lucy Hellen Coutinho.
A educação híbrida em tempos pandêmicos: algumas considerações. Observatório
Socioeconômico Da Covid-19 (Ose), v. 9, 2020.

PERNAMBUCO (Estado). Secretária de Educação e Esportes do Estado de Pernambuco.


Currículo de Pernambuco: ensino médio. Pernambuco, 2021.

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