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Narciso Telles
Professor do Curso de Teatro e do Programa de
Pós-Graduação em Artes da Universidade
Federal de Uberlândia – UFU. Pesquisador do CNPq.
Resumo: O presente texto aborda aspectos vocais na cena teatral contemporânea sob a perspectiva do tra-
balho com os viewpoints. A pesquisa se deu a partir de experiência e estudo dos parâmetros básicos do som
(como frequência, timbre e intensidade) na ação vocal a partir dos espetáculos ‘Canoeiros da Alma’ e ‘Elas
num tempo irrompido’.
Palavras-chave: viewpoints; ação vocal; teatro contemporâneo.
Abstract: This text focuses on the vocal aspects of contemporary theatrical scene from the perspective of the
viewpoints work. The research took place from experiencing and studying the basic parameters of sound
(such as frequency, intensity and timbre) on the vocal action of the spectacles ‘Canoeiros da Alma and ‘Elas
num tempo irrompido’.
Keywords: viewpoints; vocal action; contemporary theatre.
N
os anos de 1970, um movimento e História), sua própria maneira de estruturar
inovador no contexto da dança a improvisação da dança, a partir desses
emergiu em Nova Iorque instigando princípios, no tempo e no espaço.
e mobilizando muita gente, desde estudantes Anne Bogart, professora associada
universitários a professores, coreógrafos, da Columbia University, conheceu Mary em
diretores, artistas em geral. A rejeição pela 1979, quando cursaram a faculdade juntas.
dança virtuosa e “dotada da psicologia e do Apropriou-se da estrutura organizada por esta
drama convencional” (NUNES, 2008), levou e a aprimorou em sua prática como diretora de
esses artistas a buscarem novos meios de teatro, juntamente com Tina Landau – também
construir sua própria arte. Foi nesse contexto professora e diretora norte-americana. Em
que Mary Overlie, dançarina e coreógrafa 1992, Bogart e Tadashi Suzuki, fundaram
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Interações entre Corpo e Voz no Espaço
ísica e concreta à qual me re iro só é do som, por si, capaz de produzir imagens,
verdadeiramente teatral na medida
em que os pensamentos que expressa sentidos, sensações, impressões.
escapam à linguagem articulada (AR- No entanto, a investigação não se
TAUD, 1993, p. 32).
restringe à exploração desse “som puro”,
o tem como princípio fundamental para o
Artaud não despreza o uso da palavra
entendimento e domínio do instrumento voz
pelo teatro, mas desmisti ica o texto como
pelo ator, mas aborda também como a palavra
fundamental para a realização deste
pode ser explorada nesse contexto sonoro,
fenômeno. O que ele faz aqui é defender a
“independentemente de seu sentido concreto”,
especi icidade cênica: uma linguagem que
como reforça Artaud:
impacte o público, que lhe toque de forma
não racional, não intelectual, mas sensível. [...] Sei muito bem que também as
palavras têm possibilidades de sono-
Uma comunicação que se dá através do corpo, rização, modos diversos de se proje-
da ação ísica e vocal (ainda que por [in] tarem no espaço, que chamamos de
entonações. E, aliás, haveria muito a
ação e silêncio, pois se tratam também de dizer sobre o valor concreto da ento-
nação no teatro, sobre a faculdade que
possibilidades ísico-vocais) do atuador, que
têm as palavras de criar, também elas,
não depende de ser decodi icada em palavras. uma música segundo o modo como são
pronunciadas, independentemente de
A cena, como “lugar ísico e concreto”, seu sentido concreto, e que pode até ir
possui elementos su icientes que falam por si. contra esse sentido – de criar sob a lin-
guagem uma corrente subterrânea de
Um desses elementos é o som. Pode compor impressões, de correspondências, de
o quadro cênico a sonoridade corporal (como analogias; (...) (1993, p. 31-32).
possibilidades sonoras da voz, portanto, não o da palavra, pode ser utilizado: para
serão aprofundados aqui outros tipos de gerar contraste, tensão, ironia, a partir do
procedimentos para essa investigação pela como uma situação de reforço ou ilustração,
vocal desvinculado da palavra, da linguagem Como a voz pode ser explorada num
articulada, pois partem dessa idéia de processo de criação? O que pode servir de
exploração do som puro. Ondas sonoras, estímulo na pesquisa vocal do ator? Também a
quando captadas pelo ouvido, são conduzidas voz pode ser um estímulo para o ato criativo?
até o cérebro e interpretadas por ele. Isso faz O trabalho vocal exerce alguma in luência
sobre o trabalho ísico? E o trabalho ísico
sobre o vocal? São algumas das perguntas que
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Interações entre Corpo e Voz no Espaço
narración oral, movimiento, danza, canto Como material de referência para
– em suma, a través de aquellos actos que análise utilizamos os espetáculos Canoeiros da
se consideran com um saber e ímero y no Alma e Elas Num Tempo Irrompido, resultados
reproducible” (TAYLOR, 2003, p. 3). cênicos dos ateliês de criação do Coletivo
O material coletado/vivenciado Teatro da Margem.
na pesquisa, ou seja, o repertório de Nos ateliês trabalhamos as relações
procedimentos adquiridos pela vivência entre escuta/diálogo/percepção dos atores, do
atorial nos ateliês de criação, possibilita espaço buscando ampliar as possibilidades de
ao pesquisador, após estar imerso nesse relação e criação de cenas e/ou movimentos
processo, que se distancie e re lita sobre sua com as informações contidas no ambiente
prática e, simultaneamente, sobre seu objeto. com a presença do aluno e as relações que este
Do processo de coleta e seleção do estabelece em jogo.
material produzido nos ateliês de criação, Os procedimentos de trabalho a partir
passou por um processo de “selección, do espaço, da repetição, da criação de ações
memorización o internalización, y ísicas por meio de um circuito individual e/
transmisión” (TAYLOR, 2003, p. 4). A mediação ou coletivo proporciona ao aluno, pela via
do material adquirido na pesquisa prática da prática, a aquisição de conhecimento
é feita pelo pesquisador, quando este traz de elementos contidos na arte teatral para
à consciência as vivências psico ísicas, que que posteriormente passe ao trabalho de
acontecem apenas no momento presente, composição. Segundo Tina Landau (1996, p
em que este se encontra envolvido no fazer/ 26.) “a composição é a prática de selecionar e
ensinar/aprender. combinar componentes da linguagem teatral
em um trabalho de criação de cenas, um
Canoeiros da Alma & Elas num tempo método para revelar nossos pensamentos e
irrompido sentimentos sobre o material que estamos
trabalhando para a criação de cenas curtas”.
Os princípios vocais abordados por Anne Buscamos no roteiro de dramaturgia
Bogart na prática dos viewpoints são: Timbre, ‘Canoeiros da Alma’, de Luiz Carlos Leite a
Altura e Dinâmica (parâmetros básicos do fonte de trabalho para nossa montagem.
som), Aceleração/Desaceleração, Silêncio Segundo Bogart a fonte de trabalho constitui-
(intrínseco à existência sonora), e os mesmos se de uma série de atividades realizadas no
princípios de Tempo (Resposta Cinestésica, início do processo de criação (BOGART, 1995).
Andamento, Duração e Repetição) e Espaço O roteiro tinha como temática a vida diária
(Relação Espacial, Forma, Gesto e Arquitetura) dos moradores ribeirinhos e sua relação com
abordados pelos viewpoints ísicos, com o rio. Decidimos então, fazer uma imersão
exceção do espacial Topogra ia. nas cidades de Araçuaí e Itinga, localizadas
mas colocá-las sobre uma nova perspectiva de sonora. Dinâmica está relacionada ao volume
dos princípios abordados por Anne. Logo, a fracas, medianas). Na Figura 2 temos grá icos
análise dos aspectos vocais referentes a esses de intensidade: o grá ico ‘A’ representa
espetáculos se dará sobre o resultado cênico e intensidade forte; o grá ico ‘B’ intensidade
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Interações entre Corpo e Voz no Espaço
disse John Cage, segundo Bogart (2005),
“que um som é tão alto quanto o silêncio”.
Não deve ser empregado com banalidade,
tampouco rompido por razão ín ima. Sobre
a essencialidade do Silêncio para a produção
sonora, bem nos fala Wisnik:
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Interações entre Corpo e Voz no Espaço
som. Arquitetura envolve texturas, alturas, Neste espetáculo pudemos observar
comprimentos, larguras, distâncias, cantos, um constante jogo com esses princípios vocais.
paredes, chão, objetos, tudo o que compõem e Em uma das cenas, a das “Narrativas”, uma
está disposto no espaço, inclusive o vazio. Mais atriz encerra sua história com um afogamento,
adiante, podem-se acrescentar, a esse trabalho que só termina após um, relativamente longo,
de experimentação, formas de soar a voz a período de Silêncio, em que se instaura um
partir de estímulos que a Arquitetura desperta clima suspenso. Esta suspensão é quebrada
no indivíduo e não só perceber como os sons com cautela, pelos outros oito atores que
disseminam-se no determinado ambiente. chamam por “Ana”, a afogada. Esses chamados
A exploração desses princípios pode ganham coloridos diferentes com ajuda de
se dar a partir da escolha de um som e, então, objetos (balde, bacias, chão, para onde o “Ana”
experimentá-lo passando por todos os pontos é projetado), intervalos menores entre um
de atenção aqui abordados, ou de uma palavra chamado e outro, Intensidades mais fortes,
(que pode ser ilógica, sem nexo, composta outras mais fracas, Durações longas e curtas (e
por sílabas sonoras inarticuladas entre si, alternadas entre o começo e o im da palavra),
bem como uma reconhecível, pertencente há os diferentes Timbres de um ator para outro
algum idioma), ou ainda de falas inteiras. O (que nesse momento trabalham com seu
interessante é observar e perceber como cada registro timbrístico “normal”, cotidiano).
um desses elementos pode alterar sentidos, Intimações, repressões, apelos, chamadas
situações, características de personagem suaves pela presença/aparecimento de “Ana”
(como o registro vocal ou um comportamento começam a ser identi icados. A única palavra
especí ico) a partir de um mesmo subsídio (o presente nesse momento é “Ana” e por meio
som ou a palavra ou a frase escolhida). da Repetição, associada aos princípios citados
O início da pesquisa vocal é ainda agora, a cena ganhou uma sonoridade
importantíssimo para a apropriação desses plural. Para tentar (sem êxito) ilustrar o
princípios pelo ator e para que ele perceba, instante: “Ana. Ana. Anaaa”, “Ana?”, “Ana!”,
desvinculado de sentidos linguísticos ou “Aaaaaana.”, “Aaaanaaaa”.
psicológicos que a palavra possa acarretar Tão logo o chamado se torna presente
logo de entrada, o que de sensações, imagens, é interrompido pela chamada da “Feira”
ambientes, impressões as sonoridades da – “Ana. Ana. BANAANAAA.” – cena em que
voz podem gerar. De modo que, ao dominar os nove atores falam simultaneamente do
os elementos, o ator possa, com con iança e começo ao im, ofertando seus produtos
liberdade, “brincar” com as palavras e jogar ou serviços ao público e entre si. “Banana”
com seus sentidos e não-sentidos, ampliando surge do meio dos “Ana’s” com um ímpeto
as possibilidades de cena. de Intensidade, de forma que o volume forte
conduz a cena imediatamente para outro
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Interações entre Corpo e Voz no Espaço
dores, saudades de morar ou não na beira do O segundo espetáculo do Coletivo, Elas
rio. É, talvez, o instante em que mais se fala no Num Tempo Irrompido também pode auxiliar
espetáculo e também um dos momentos de na exempli icação de alguns vps de voz.
abertura para os atores, de frescor, onde eles A variação de Timbre teve participação
podem interagir livremente, relacionando- especial nesse trabalho. Durante uma cena
se com as narrativas em execução. Para não em que é citado o poema Tempo, de Viviane
atrapalhar a narrativa do parceiro, já que o Mosé, uma das atrizes passa por uma fase de
intuito é acrescentar ao trabalho e não destruí- envelhecimento e depois rejuvenescimento.
lo, as interações geralmente acontecem como No momento de sua fala, ela se encontra em
respostas ísicas ou vocais sutis, no entanto “estado de velhice”, de modo que a postura
pontuais. corporal se altera, logo, também o Timbre
Uma das “Narrativas” é a de uma (a coloração do som, possibilitada pelos
velha benzedeira, interpretada por uma atriz ressonadores ísicos) – este combinado com
bem jovem. É o que chamamos no Coletivo do intencionalidade e o que a postura oferece
momento de respiro do espetáculo. Há uma –, a Altura da voz é mais baixa (som grave),
tranqüilidade em suas falas, característica a Intensidade tem que permanecer audível
de pessoas de mais vivência, mais idade e, (quando a voz grave é trabalhada é preciso ter
nesse contexto, ribeirinhas. As nuances que um cuidado com o volume, para que ele não
a atriz confere aos detalhes signi icativos ique fraco, se não for a intenção). As falas são
garante uma sonoridade que acalma, mas marcadas pela respiração – como um Gesto
não deixa dormir, prende o foco de atenção, a Vocal da velhice, além dos sons carregados
curiosidade, o interesse, desperta olhares para do expirar e inspirar, as palavras soam em
o mistério que fora ambientado, o de como Formas chanfradas, quase silábicas e precisam
“ouvir a natureza e achar pedras (preciosas) da ajuda do ar da expiração para conduzi-las
só de olhar”. Chama de volta a atenção para a até o mundo que as aguarda. O Andamento
história com picos de Intensidade, trabalha é lento até que se inicie o rejuvenescimento,
com um registro tímbrico diferente do seu então as falas ganham uma pequena dinâmica
cotidiano, para oferecer o registro vocal da de Aceleração, em pequenos trechos,
velha sábia, um som que parece sair detrás caracterizando descoberta/surpresa/espanto.
do céu do palato mole (no interior da boca). No começo, os intervalos de Silêncio entre
Prolonga a Duração de algumas imagens falas e respirações e também no meio de
através da extensão e de um Andamento mais algumas frases exprimem a di iculdade de um
lento na pronúncia de determinadas palavras corpo, já gasto, em se expressar e algumas
ou expressões, como os nomes das tais pedras vezes a indignação pelo tempo que passa e
preciosas. carrega sua forma juvenil. No decorrer da
transição do estado de velhice para o estado de
juventude as pausas conotam mais surpresa, leves, para o in inito, pelo buraco feito no chão
dotada de contentamento, do que di iculdade com a voz da menina-moça.
de fala ou desafeto.
Em uma das cenas de “Devaneio”, outra
atriz brinca com os fraseados, as cadeiras
dançantes em sua volta (conduzidas pelas
outras três atrizes), os níveis/planos (alto,
médio e baixo), e sua amiga imaginária, que
ela rememora. Compartilha com o público
sua lembrança, enquanto presenti ica em
suas falas a criança de mais ou menos seis
anos que um dia fora. As palavras são luidas,
redondas, macias como se a própria menina
Imagem n. 1: Espetáculo Elas Num Tempo Irrompido
gravitasse suavemente, como se o ar a - Na foto: Observa-se cena do espetáculo Elas num
conduzisse. Às vezes acentua, pontua palavras tempo irrompido, do Coletivo Teatro da Margem.
Direção Camila Tiago. Em cena as atrizes: Marcella
enfatizando-as, tornando suas imagens mais Prado Priscilla Bello, Nádia Higa e Marina Ferreira
incisivas e como se fosse de novo a criança, (2009). Local: Teatro Rondon Pacheco, Uberlândia.
Foto: Luana Magrela.
certa de seu lugar, de sua brincadeira, de seu
desejo. Ela é capaz de se reportar à infância
e nos apresentar esse mundo através de sua Em processos de criação as sonoridades
ação, ísico-vocal. E como termina? Com um vocais podem ser exploradas juntamente às
jogo Arquitetônico. A moça se lança no chão explorações ísicas, de modo que, ao inal,
enquanto diz “Vivi aquela amizade mágica Ação Física e Ação Vocal não se apresentem
e cada vez que a recordo, mais ela se aviva desconectadas. A voz é uma produção
e mais ela cresce (...)” como se estivesse corporal, precisa da anatomia e da isiologia
se aproximando de um fundo buraco, com corpórea para existir e funcionar. Mas se os
uma Aceleração sutil na fala e um gradual princípios de Ação Vocal forem trabalhados
aumento na Intensidade, também sutil, até a parte, por exemplo, num trabalho textual
“cavar” de fato o buraco no chão e se despedir de mesa, quando o ator entrar em cena
de todos que a assistem para seguir com a lidará com o aspecto Físico, em movimento,
amiga, e então diz, com a face entre as mãos e possivelmente não estará preparado para
fechadas em concha e apoiadas no chão: “(...) uni icar suas ações ( ísicas e vocais) no
no MEU MUNDOOOOOOOOOOOOOOOO”, mesmo fazer. Além do que, o repertório e as
concretizando com a voz o salto no ori ício descobertas ísicas do ator só têm a contribuir
misterioso. O toque inal é, para mim, como se com sua pesquisa vocal, e vice-versa. Eles
a amiga imaginária e a menina escorregassem podem oferecer estímulos para atos criativos
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Interações entre Corpo e Voz no Espaço
um ao outro. As alterações ísicas (anatômicas, como ao vocal. E ele complementa que “a voz
isiológicas, de comportamento, postura etc.) está sempre nos ensinando sobre nós mesmos,
interferem diretamente, como percebemos a nossos hábitos sociais e biológicos, nossos
pouco, na produção sonora (nos Timbres, na comportamentos éticos e políticos, en im,
respiração, nas Formas da pronúncia e outros). sobre nossas vidas” (2007, p. 13).
A voz pode despertar sensações, memórias, O teatro pós-dramático, “redescobre a
imagens que sirvam de material para a voz por meio dos dispositivos eletrônicos e
pesquisa de Ações Físicas. corporais” (LEHMANN, 2007: 258), rompendo
Os estímulos para a pesquisa vocal do com a falta de autonomia por parte da
ator não se limitam aos estímulos ísicos, semiótica auditiva, limitada ao signi icado do
pelo contrário, esses são apenas uma texto. Assim,
possibilidade. As diversas sonoridades, não
[...] reduzida ao transporte do
só vocais, podem acionar esse instrumento
sentido, a palavra é despojada
atorial sonoro. Desejos, receios, memórias, de sua possibilidade de circuns-
texturas, ambientes, objetos, um in inito crever um horizonte sonoro
que só pode ser construído no
de possibilidades se abre ao pesquisador
teatro. [...] Ao fazer da presença
da voz. Se o princípio de Relação estiver da voz a base de uma semiótica
presente e ativo na pessoa, em sua conduta, auditiva, ele [o teatro pós-dra-
mático] a separa do signi icado,
então ela estará aberta e pronta para iniciar
compreende a criação de sig-
sua experimentação. Basta que se permita nos como gesticulação da voz,
afetar-se por tudo o que a cerca e a integra. escuta o eco nas abóbadas dos
suntuosos templos literários.
Se permitirá afetar e não só afetar-se.
Trata-se aqui de uma audioa-
Assim, as sonoridades vocais de cada pessoa nálise do inconsciente teatral
terão especi icidades de acordo com suas por trás das palavras, o grito do
corpo; por trás dos sujeitos, os
características psico ísicas.
signi icantes vocais em que eles
A voz, quando entendida como corpo,
se apóiam. (LEHMANN, 2007, p.
ou seja, como um processo da ação das 258)
diferentes esferas da organicidade (as-
pectos musculares, ossatura, sentidos,
afetividade, memória, etc.), adquiri Lehmann defende a voz (não só ela)
uma propriedade que reconhece a como potência capaz de gerar ambientes
complexidade e as sutilezas particula-
res de sua criação. (ALEIXO, 2009) sonoros, signos, a partir da gesticulação
(gestos), num contraponto entre a fala
Pela experiência que realizamos percebo articulada (a reprodução da palavra
que não há como ignorar a memória corporal engessada em seu signi icado) e a ação vocal.
do atuador – o histórico de vida inscrito no Esta consegue atingir onde as palavras não
corpo –, tanto em relação ao trabalho ísico, alcançam: o que está “por trás dos sujeitos”, e
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Interações entre Corpo e Voz no Espaço
na construção de seu saber e apreende o ato experiência e o saber de experiência”. In:
criador como uma trajetória de experiências. Revista Brasileira de Educação. n. 19. São Paulo,
p. 20 – 28, jan/fev/mar/abr,2002.
“Alterar a vocalidade pode alterar o
LANDAU, Tina. “Source-work, the viewpoints
signi icado e o impacto.”
and composition: what arte they?” In: DIXON,
Anne Bogart
M. Smith & JOEL, A. Smith (org). Anne Bogart:
viewpoints. New York: Methuen Drama, 1996.
Artigo recebido em 31 de março de 2011. p. 13 – 30.
Aprovado em 15 de abril de 2011.
LEHMANN, Hans-Thies. Texto, voz, sujeito. In: O
teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify,
Referências Bibliográϐicas 2007. p. 253-262.
BARBA, Eugênio & SAVARESE, Nicola. A Arte NUNES, Sandra Meyer. “Viewpoints e Suzuki:
Secreta do Ator: dicionário de antropologia pontos de vista sobre percepção e ação no
teatral. São Paulo: Hucitec/ UNICAMP, 1997. treinamento do ator.” In: ANDRADE, Milton
de; BELTRAME, Valmor Nini (orgs.). Poéticas
BOGART, Anne & LANDAU, Tina. The viewpoints Teatrais: territórios de passagem. Florianópolis:
book. New York: Theatre Communications Design Editora / FAPESC, 2008.
Group, 2005.
SALLES, Cecília de Almeida. Gesto Inacabado.
BONDÍA, Jorge Larrosa. “Ensaios eróticos
Processo de criação artística. São Paulo:
– Experiência e paixão”. In: Linguagem e
Annablume/FAPESP, 1998.
Educação depois de Babel. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004. p. 151-165.
Figuras 1 e 2
Fonte: http://marcelomelloweb.kinghost.net/
mmsonorizacaoap2.htm. Acesso em: