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Wehbi, professor, encenador e reconhecido pela qualidade de suas obras teatrais, nos
deixou muito cedo, aos 43 em 1986, com o Brasil querendo se reconstruir; mais um vice que
chegava ao poder: um civil no cargo depois de 21 anos com generais e marechais querendo
mandar na nação como tropa.
Foi um agitador cultural em sua cidade natal, se tornou um acadêmico cuja pesquisa
esteve sempre relacionada com um teatro questionador, de impacto social, saindo do espaço
“sagrado” do palco para estimular a arte em locais onde ela não chegava, se utilizando de
dramaturgia engajada.
Na maioria de seus textos publicados apresenta enredos entre duas personagens, algo
que hoje, frente a questões práticas a respeito da produção cultural, é um elemento facilitador do
ponto de vista financeiro. E, no caso específico deste projeto de montagem de Os Palhaços, com
equipe pequena, móvel e moldável, se encaixa perfeitamente em um orçamento pequeno.
Por mais que se queira enriquecer com detalhes o espaço cênico delimitado num camarim
de um circo decadente, é na presença e força dramática encarnada pelos atores em cena que
este cenário se tornará ou não verossímil, ou até real. Os elementos estão ali para mostrar
decadência e limitações financeiras. Os atores são a possibilidade de enriquecer aquele espaço.
Por essa razão Os Palhaços é o sonho de qualquer ator ou atriz que procura mostrar sua
capacidade de trabalho, que busca o desafio, mas não apenas do ponto de vista do seu
treinamento profissional, mas por aquilo que se desvela à medida que a trama se desenrola.
Mesmo tendo como ponto de partida a literatura dramática, a presença de um velho
palhaço, provoca a necessidade de um jogo cênico corporal que dê veracidade no contexto
realista em que se encontram as personagens. Também não podemos desprezar a fisicalidade
presente no vendedor de sapatos, repetindo ações monótonas ao mesmo tempo em que sonha
alto dentro da sua caixinha, pequena como muitos dos pés que ajuda a calçar.
Mais uma vez a Prof.ª Dilma de Melo Silva nos ilumina nessa questão ao dizer que:
É sobre esse confronto entre uma visão de mundo concêntrica, a priori previsível, plana,
platônica e reprimida, com outra realidade, igualmente dura, muitas vezes contingenciada,
beirando a pobreza, porém livre e itinerante, repleta de improvisos e imprevistos no seu cotidiano
e de artistas, sob a admiração e o aplauso do público, com a riqueza estando em si e naquilo que
transmite se pela sua arte.
Neste terreno fértil para os atores, concentraremos nossos esforços para relacioná-lo com
o momento político e social no país onde o que mais ouvimos é polarização e falta de escolhas
num determinismo e condução midiática que alimenta nosso medo e incertezas.
Buscaremos também pelo embate das duas realidades sociais que parecem ser tão
dicotômicas, trazer à pauta o respeito e reconhecimento ao trabalho realizado pela classe
artística, evidenciado ao proporcionar entretenimento e conhecimento, na vasta maioria das vezes
de graça, durante do biênio do vazio do isolamento!
Esse tema precisa ser trazido para a discussão dentro de um momento em que há uma
agenda clara de silenciamento e desmerecimento sobre nosso trabalho.
O veto total às duas medidas aprovadas no Congresso que garantiriam políticas públicas
abrangentes e horizontais via a continuidade da Lei Aldir Blanc e pela Lei Paulo Gustavo, nos
colocam, como sempre à mercê de verbas orçamentárias votadas a cada ano, em insegurança e
improviso, como temos vivido quase que nossa vida profissional inteira, mas não perdemos a
busca de garantias e reconhecimento, especialmente após o que pudemos mostrar como
autoafirmação pelo trabalho durante os piores momentos da pandemia de covid-19.
O resgate de um texto que teve montagens icônicas na cidade de São Paulo, de antemão
já nos desafia a uma abordagem que mergulhe nas rubricas detalhadas de Wehbi, buscando
prescrutar suas nuances; que resgate um universo circense completamente oposto ao imaginário
glamoroso alimentado pela mídia; que corporifique nas personagens a realidade cultural e social
de cada um; e por último, mas não menos importante, que valorize a arte como questionadora e
mediadora das cruezas e conflitos da realidade sociocultural vivida no Brasil nestes tempos
obscuros.