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TECNOLOGIA SOCIAL E DIFUSÃO DO CONHECIMENTO

MARIA INÊS CORRÊA MARQUES


Professora titular da Universidade Federal da Bahia MARIA INÊS CORRÊA MARQUES O livro Tecnologia social e difusão do
(UFBA), Departamento de Educação da Faculdade conhecimento: epistemologias multirreferenciais,
de Educação (Faced), vice-coordenadora do
GILBERTO PEREIRA FERNANDES redes e inovação reúne investigações
Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar Organizadores desenvolvidas junto ao Programa de Doutorado
em Difusão do Conhecimento (DMMDC). Graduada em Difusão do Conhecimento, uma rede
em História pela Universidade Federal do Espírito multi, inter e transdisciplinar em ação. O tema
Santo (UFES). Mestrado e doutorado pela UFBA, em tecnologia social é abordado em diversos
ensino de História e História da Educação Superior, capítulos que descrevem ações desenvolvidas
respectivamente. Coordena o subprojeto História em pesquisas aplicadas, as quais tem por
do Programa Residência Pedagógica, vinculado finalidade apresentar uma técnica, um produto,
à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal um método, ou um processo. Os resultados
de Nível Superior (Capes) e UFBA; desenvolve apontam soluções para algum tipo de problema
projeto de intervenção pedagógica na formação de social, atendendo às demandas das comunidades
A obra aborda a tecnologia social e a difusão
professores de História, pela pesquisa-formação, socioeducativas e otimizando a execução das
do conhecimento, apresentando elementos
em escolas públicas estaduais de Salvador. É atividades comunitárias com baixo custo, com
multiformes de uma sociedade mais
pesquisadora, líder do grupo de pesquisa Rede estratégias de fácil aplicabilidade e com impacto
Cooperativa de Pesquisa e Intervenção em (In)
formação, Currículo e Trabalho (REDEPECT).
participativa e democrática nas atividades
cotidianas e ações humanitárias. O tema tem
despertado grande interesse entre professores,
TECNOLOGIA social comprovado. A primeira parte do livro
nomeada “Conhecimento e epistemologias

SOCIAL E
sociocognitivas” engloba trabalhos que tratam
pesquisadores, gestores públicos e participantes
do conhecimento no que tange às reflexões
GILBERTO PEREIRA FERNANDES de movimentos sociais. O contexto dessa
epistemológicas emergentes na sociedade
Doutorando em Difusão do Conhecimento pelo
Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar
produção acadêmica traduz compreensão
de compreensões aparentes nas tessituras DIFUSÃO DO contemporânea e os aspectos sociocognitivos
e da complexidade. A segunda parte apresenta
dialógicas das sociedades conectadas em
em Difusão do Conhecimento (DMMDC) da
Universidade Federal da Bahia (UFBA); mestre em
Educação de Jovens e Adultos pela Universidade do
redes digitais. Nesse percurso, vislumbram-
se percepções de uma sociedade mais justa,
CONHECIMENTO experiências didático pedagógicas envolvendo
“Intermediação tecnológica em rede” e agrega
investigações que abordam as tecnologias
Estado da Bahia (UNEB); especialista em Educação igualitária e ambientalmente sustentável. As EPISTEMOLOGIAS digitais na sociedade em rede com viés analítico
de Jovens e Adultos pelo Instituto Federal de políticas cognitivas – da ciência e tecnologia e do
e aplicação dos recursos multimídia. A terceira
Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA); ensino – são apontadas como elo articulador da MULTIRREFERENCIAIS,

Gilberto Pereira Fernandes


Maria Inês Corrêa Marques
parte, “Tecnologia social e inovação”, agrupa
especialista em Docência do Ensino Superior pela atividade de trabalhadores que intentam sair da REDES E INOVAÇÃO investigações implicadas, marcadas pela
Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA); informalidade para a economia solidária e das
multiplicidade operativa e criadora de novos
comunidades cognitivas interagindo em redes

Organizadores
especialista em Literatura Brasileira (Salgado agenciamentos das tecnologias sociais para
de Oliveira); graduado em Letras Vernáculas robustas de comunicação.
promover inovação nos diversos campos da
pela UNEB e Língua Inglesa pela Universidade atuação humana.
Estadual de Santa Cruz (UESC). Professor, escritor
e poeta. Designer didático, extensionista na área de
formação de professores para a EJA e o ensino de
línguas (UNEB) para o qual desenvolve produção de
design didático pedagógico e metodologias ativas
ISBN 978-65-5630-128-0
para o ensino e aprendizagem multirreferencial;
coordenador do grupo de estudos e pesquisa:
Sujeitos e subjetividades on-line. 9 786556 301280

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TECNOLOGIA SOCIAL
E DIFUSÃO DO
CONHECIMENTO
EPISTEMOLOGIAS MULTIRREFERENCIAIS,
REDES E INOVAÇÃO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Reitor
João Carlos Salles Pires da Silva

Vice-reitor
Paulo Cesar Miguez de Oliveira

Assessor do reitor
Paulo Costa Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Diretora
Flávia Goulart Mota Garcia Rosa

Conselho Editorial
Alberto Brum Novaes
Angelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Niño El-Hani
Cleise Furtado Mendes
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
Maria do Carmo Soares de Freitas
Maria Vidal de Negreiros Camargo

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Maria Inês Corrêa Marques
Gilberto Pereira Fernandes
Organizadores

TECNOLOGIA SOCIAL
E DIFUSÃO DO
CONHECIMENTO
EPISTEMOLOGIAS MULTIRREFERENCIAIS,
REDES E INOVAÇÃO

Salvador
EDUFBA
2020

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2020, autores.
Direitos para esta edição cedidos à Edufba.
Feito o Depósito Legal.

Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

Capa e projeto gráfico


Rodrigo Oyarzabal Schlabitz

Título da obra usada na capa


Pindorama (Técnica de pintura: acrílica sob tela), de Juçara Freire

Revisão
Cristovão Mascarenhas

Normalização
Bianca Rodrigues de Oliveira

Sistema Universitário de Bibliotecas – SIBI/UFBA

T255 Tecnologia social e difusão do conhecimento: epistemologias


multirreferenciais, redes e inovação / Maria Inês Corrêa Marques,
Gilberto Pereira Fernandes (organizadores). - Salvador: Edufba, 2020.
428 p.

ISBN: 978-65-5630-128-0

1. Tecnologia – aspectos sociais. 2. Conhecimento e aprendizagem.


3. Abordagem interdisciplinar do conhecimento. I. Marques, Maria
Inês Corrêa. II. Fernandes, Gilberto Pereira. III. Título: epistemologias
multirreferenciais, redes e inovação.

CDU: 004:304.2+001.9

Elaborada por Geovana Soares Lira CRB-5: BA-001975/O

Editora afiliada à

Editora da UFBA
Rua Barão de Jeremoabo, s/n – Campus de Ondina
40170-115 – Salvador – Bahia | Tel.: +55 71 3283-6164
www.edufba.ufba.br | edufba@ufba.br

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AGRADECIMENTOS

Aos docentes e discentes do Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar


em Difusão do Conhecimento (DMMDC) (em rede) locado na Universidade
Federal da Bahia (UFBA), por confiarem a nós seus artigos para este livro.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
pelas bolsas concedidas aos doutorandos(as) do programa, e pelo incentivo à
pesquisa.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) pelas bol-
sas concedidas aos doutorandos(as) do programa e pelo incentivo à pesquisa.
Aos grupos de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Direito
Constitucional (PPGDC).
Ao grupo de pesquisa Rede Cooperativa de Pesquisa e Intervenção em (In)for-
mação, Currículo e Trabalho (REDPECT) da UFBA pelas incessantes contribuições.

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SUMÁRIO

15 APRESENTAÇÃO

I PARTE
CONHECIMENTO E EPISTEMOLOGIAS SOCIOCOGNITIVAS

CAPÍTULO 1
27 O SABER E O CONHECIMENTO NAS SOCIEDADES
SOCIOCOGNITIVAS
GILBERTO PEREIRA FERNANDES
MARIA INÊS CORRÊA MARQUES
MAURÍCIO VIEIRA KRITZ

CAPÍTULO 2
43 COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA: ontem e hoje
SÔNIA CHAGAS VIEIRA
MARIA INÊS CORRÊA MARQUES

CAPÍTULO 3
61 A ESTRUTURA DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS E
A RELAÇÃO MENTE-CÉREBRO
JÉSSICA PLÁCIDO SILVA
JOSÉ GARCIA VIVAS MIRANDA

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CAPÍTULO 4
73 ANÁLISE COGNITIVA: ensaio para uma crítica
ao modelo cartesiano
MOISÉS DOS SANTOS VIANA
KATHIA MARISE BORGES SALES

CAPÍTULO 5
93 REFLEXÕES SOBRE A EPISTEMOLOGIA DA COMPLEXIDADE
DE EDGAR MORIN: um diálogo entre as ciências exatas e
as ciências sociais
ÉRICA CORREIA DA SILVA
ROBERTO LEON PONCZEK
JOSENI FRANÇA OLIVEIRA LIMA
GUSTAVO BITTENCOURT MACHADO

CAPÍTULO 6
105 EPISTEMOLOGIA DO CORPO COGNITIVO
GEDALVA NERES DA PAZ
LELIANA SANTOS DE SOUZA

CAPÍTULO 7
115 PRODUÇÃO CRIATIVA: pensamento e técnica
LUCIANA MACIEL BOEIRA
ROBERTO LEON PONCZEK
DANTE AUGUSTO GALEFFI

CAPÍTULO 8
129 DA CRIATIVIDADE COMO FUNDAMENTO DA
CAPOEIRA ANGOLA: uma reflexão afroreferenciada
FRANCINEIDE MARQUES DA CONCEIÇÃO SANTOS
ROSÂNGELA JANJA COSTA ARAÚJO

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CAPÍTULO 9
141 DISTINTAS EPISTEMOLOGIAS PARA
AS TECNOLOGIAS SOCIAIS
JUÇARA FREIRE DOS SANTOS
GUSTAVO BITTENCOURT MACHADO

II PARTE
INTERMEDIAÇÃO TECNOLÓGICA EM REDE

CAPÍTULO 10
157 TEORIA DAS REDES SOCIAIS COMO FERRAMENTA PARA
MAPEAMENTO DE RELAÇÕES ENTRE OS DOCENTES
COAUTORES DE ATIVIDADES DE EXTENSÃO DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
ANTÔNIO CARLOS DOS SANTOS SOUZA
JAQUELINE ALEXSANDRA AZEVEDO FERREIRA
ROMILSON LOPES SAMPAIO

CAPÍTULO 11
173 A COMPETÊNCIA INFORMACIONAL DO EDUCADOR PARA
APRENDIZAGEM DIGITAL MÓVEL MULTIRREFERENCIADA
ENEIDA SANTANA
TEREZA KELLY GOMES CARNEIRO
ROBERTO LUIZ SOUZA MONTEIRO

CAPÍTULO 12
185 O ENSINO COM INTERMEDIAÇÃO TECNOLOGICA
E A ZONA DE DESENVOLVIMENTO IMEDIATO:
bases epistemológicas
LETÍCIA MACHADO DOS SANTOS
MARIA DE FÁTIMA HANAQUE CAMPOS
MARCUS TÚLIO DE FREITAS PINHEIRO

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CAPÍTULO 13
201 METODOLOGIAS COLABORATIVAS: a multirrefencialidade
como elemento fundante para participação dialógica
dos coletivos envolvidos na produção e difusão do
conhecimento em ambientes virtuais de aprendizagem
ANA CRISTINA DE MENDONÇA SANTOS
MARINEUZA MATOS DOS ANJO
MARIA TERESA RIBEIRO PÊSSOA

CAPÍTULO 14
213 DIÁLOGO EPISTEMOLÓGICO SOBRE EDUCAÇÃO E
COMUNICAÇÃO: virtualidade e os princípios de um portal
educomunicativo socioconstrutivista
ALFREDO EURICO RODRIGUES MATTA
AMILTON ALVES DE SOUZA
ANTONIO AMORIM

CAPÍTULO 15
225 ATIVISMO DIGITAL E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA:
a juventude em cena
HÉLIO SOUZA DE CRISTO
JOSÉ WELLINGTON MARINHO DE ARAGÃO
HUGO SABA

CAPÍTULO 16
241 DEMOCRACIA SIM. PARTICIPAÇÃO? TALVEZ: uma análise do
processo de participação no Comitê da Bacia Hidrográfica
do Rio São Francisco
FRANKLIN CARLOS CRUZ DA SILVA
JOSÉ WELLINGTON MARINHO DE ARAGÃO
MARIA VALESCA DAMÁSIO DE CARVALHO SILVA

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III PARTE
TECNOLOGIA SOCIAL E INOVAÇÃO

CAPÍTULO 17
265 TECNOLOGIAS SOCIAIS PREMIADAS PELA FUNDAÇÃO DO
BANCO DO BRASIL: uma abordagem com redes complexas
AELSON SILVA DE ALMEIDA
NILVO LUIZ CASSOL
PATRÍCIA SOUZA LEAL PINHEIRO

CAPÍTULO 18
271 CONTRIBUIÇÃO DAS PANCs NA SEGURANÇA ALIMENTAR:
aspectos nutricionais
CLÍCIA MARIA DE JESUS BENEVIDES
ADILA DE JESUS SILVA SANTOS
LUCIENE SILVA DOS SANTOS LIMA
BRUNA ALMEIDA TRINDADE

CAPÍTULO 19
285 TECNOLOGIA SOCIAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA
AGRICULTURA URBANA E PERIURBANA: linhas gerais para
elaboração de uma proposta
AELSON SILVA DE ALMEIDA
ANTONIO CARLOS DOS SANTOS SOUZA
VÍVIAN LIBÓRIO DE ALMEIDA

CAPÍTULO 20
295 FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR E GESTÃO
SOCIAL DO CONHECIMENTO: as estratégias da Associação
Agropastoril Quilombola Rio das Rãs
ALDINEIA MARQUES RODRIGUES
IVNA HERBENIA DA SILVA SOUZA
ANA MARIA FERREIRA MENEZES

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CAPÍTULO 21
321 PROMOÇÃO DA SAÚDE E DA SUSTENTABILIDADE COM A
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIAS SOCIAIS PARA GRUPOS
VULNERÁVEIS NO MUNICÍPIO DE BIRITINGA (BA)
CLÍCIA MARIA DE JESUS BENEVIDES
MARIANGELA VIEIRA LOPES
SIMONE DE SOUZA MONTES
ANTÔNIO CARLOS DOS SANTOS SOUZA

CAPÍTULO 22
339 AS PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES
DE SAÚDE À LUZ DA GESTÃO E DA DIFUSÃO DO
CONHECIMENTO
SIMONE DE SOUZA MONTES
STELLA RENATHE TOLENTINO SILVA SOUZA
MARIA RAIDALVA NERY BARRETO

CAPÍTULO 23
353 PRESSUPOSTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA REDE
COLABORATIVA EM EDUCAÇÃO EM SAÚDE: olhares sobre
o Programa Saúde na Escola
MARCOS VINÍCIUS CASTRO SOUZA
MARCUS VINÍCIUS SACRAMENTO FRANÇA

CAPÍTULO 24
371 APRENDIZAGEM COLABORATIVA A PARTIR DE UMA
FERRAMENTA DE JOGOS EMPRESARIAIS: um estudo
de caso na disciplina Simulação Empresarial
JOÃO PAULO DOS SANTOS SIMPLÍCIO
MARIA INÊS CORRÊA MARQUES

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CAPÍTULO 25
385 DESENVOLVIMENTO DE UMA PERSPECTIVA DE EDUCAÇÃO
BASEADA NO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA
EUDES MATA VIDAL
FRANCISCA DE PAULA DA SILVA SANTOS
ALFREDO EURICO RODRIGUES MATTA

395 SOBRE OS(AS) AUTORES(AS)

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APRESENTAÇÃO

O livro Tecnologia social e difusão do conhecimento: epistemologias mul-


tirreferenciais, redes e inovação reúne investigações desenvolvidas junto ao
Programa de Doutorado em Difusão do Conhecimento, uma rede multi, inter
e transdisciplinar em ação, envolvendo doutorandos e seus orientadores. O li-
vro foi organizado em três partes compreendendo o espectro investigativo das
três linhas de pesquisa que estruturam o doutorado: Linha 1 – Construção do
conhecimento: cognição, linguagens e informação; Linha 2 – Difusão do conhe-
cimento: informação, comunicação e gestão; Linha 3 – Cultura e conhecimento:
transversalidade, interseccionalidade e (in)formação. A primeira parte nomeada
“Conhecimento e epistemologias sociocognitivas” engloba trabalhos que tra-
tam do conhecimento no que tange às reflexões epistemológicas emergentes
na sociedade contemporânea e os aspectos sociocognitivos e da complexida-
de. A segunda parte apresenta experiências didático-pedagógicas envolvendo
“Intermediação tecnológica em rede” e agrega investigações que abordam as
tecnologias digitais na sociedade em rede com viés analítico e aplicação dos
recursos multimídia. A terceira parte, “Tecnologia social e inovação”, agrupa
investigações implicadas, marcadas pela multiplicidade operativa e criadora
de novos agenciamentos das tecnologias sociais para promover inovação nos
diversos campos da atuação humana.
No capítulo 1, “O saber e o conhecimento nas comunidades sociocognitivas”,
apresentamos uma reflexão sobre os paradigmas ontológico, epistemológico e
metodológico, que constituem o saber e o conhecimento nas comunidades
sociocognitivas contemporâneas. Inicialmente, discutimos sobre a relação entre

15

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a universidade e as demais comunidades que constroem e difundem saberes e
conhecimentos, fazemos uma pequena distinção entre saber e conhecimento,
elencando os aspectos dicotômicos sobre como essas categorias são pensadas
na contemporaneidade para então discutirmos o paradigma sociocognitivo que
vem sendo adotado nas diferentes áreas do conhecimento, especialmente nas
abordagens paradigmáticas da práxis educacional, segundo a visão de partici-
pantes de uma pesquisa de cunho netnográfico com educadores de diversas
áreas do conhecimento.
No capítulo 2, “Comunicação científica: ontem e hoje”, conhecemos um pou-
co sobre os primórdios da comunicação científica, partindo do entendimento
de que ela é central para a pesquisa e desenvolvimento da ciência no mundo.
Analisamos as funções da comunicação na ciência e as atividades de cientistas
para sua efetivação. Apontamos a comunicação científica como promotora de
intercâmbio de informações entre pares ou em diferentes contextos de difusão
e canais de comunicação, desvelando os canais formais e informais da comu-
nicação científica eletrônica. Abordamos a comunicação científica no Brasil,
o processo de transferência da informação e do desenvolvimento das tecnolo-
gias da informação e comunicação viabilizando a comunicação eletrônica, com
maior intensidade. Uma revisão bibliográfica com multiplicidade de olhares.
No capítulo 3, “A estrutura das revoluções científicas e a relação mente-cé-
rebro”, há um dialogismo sobre as contribuições de Thomas Kuhn que com-
preende que o desenvolvimento da ciência não acontece por acúmulo, e sim por
mudança paradigmática. Nesse sentido, um novo paradigma se torna elegível
para ocupar o lugar do paradigma dominante à medida em que aquele supre
e responde às anomalias deste. Evidenciamos que, em todas as esferas científi-
cas, há um paradigma dominante e muitas outras teorias em fase pré-paradig-
mática. Há um diálogo entre essa articulação de Thomas Kuhn e o Problema
Mente-Cérebro tomando como base a abordagem materialista que pretende
explicar tal problema a partir da matéria. Apresentamos algumas anomalias
nessa abordagem, bem como explicamos como o paradigma pós-materialista –
ou espiritualista – tem lutado para se estabelecer como ciência normal no que
tange à explicação mente-cérebro.
No capítulo 4, “Análise cognitiva: ensaio para uma crítica ao modelo car-
tesiano”, há uma reflexão acerca das relações entre as categorias de saber e de
difusão do conhecimento. Uma pesquisa documental que traz contribuição

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para a construção e consolidação do campo da Análise Cognitiva (AnCo). Para
tanto, fez-se uma análise de cinco artigos que utilizam o termo “análise cogni-
tiva” em seu corpo textual. Esses artigos foram retirados de diferentes bases de
pesquisas – Scopus, Sage, Science Direct – e analisados por uma abordagem em
que se aplicou a metodologia da AnCo, previamente definida com as seguintes
categorias: área, pertinência, objetivo, foco, aspectos relevantes, autor, teoria,
epistemologia e metodologia. Assim, há uma crítica ao modelo epistêmico car-
tesiano a partir do processo de construção do campo da AnCo e da formação
de analistas cognitivos.
No capítulo 5, “Reflexões sobre a epistemologia da complexidade de Edgar
Morin: um diálogo entre as ciências exatas e as ciências sociais”, os autores dia-
logam com Edgar Morin sobre a epistemologia da complexidade e os princípios
que a sustentam trazendo sua crítica a algumas radicalidades da ciência clássi-
ca no que tange à chamada inteligência simplificadora e reducionista. Morin
nos convida a refletir sobre a complexidade da natureza e suas interações que
possibilitaram o nascimento da ecologia e resgataram o olhar de multirrefe-
rencialidade tão necessário às ciências. Para tanto, os autores apresentam e
interpretam os sete princípios dessa epistemologia buscando aproximar seus
conceitos sob as perspectivas das ciências sociais e das ciências exatas, conside-
rando-as complementares ao observar o ser humano e o meio no qual ele está
inserido. Dessa aproximação resultaram duas aplicações relevantes para quem
busca compreender e desenvolver teorias complexas, a saber: a inter-relação
sociedade/indivíduo na essência de sua identidade e a transdisciplinaridade
como ação atitudinal de superação da disciplinaridade visando “estar entre” e
“além de”. Por fim, os princípios da complexidade são reafirmados e colocados
como o cerne das novas construções de conhecimento.
No capítulo 6, “Epistemologia do corpo cognitivo”, argumentamos acerca
das implicações dos lugares do saber na construção desse célebre conceito. No
corpo, estão registradas as demandas que se originam nas histórias de vida, na
ancestralidade e na memória. Expomos a partir dessa ideia perspectivas pós-es-
truturalistas que possibilitam pensar o corpo cognitivo epistêmico. O corpo que
é próprio, percebido no mundo por suas experiências e vivências. A consciência
corporal possibilita o conhecimento de si mesmo e nos torna indivíduos mais
autônomos e libertos de estruturas axiológicas.

Apresentação 17

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No capítulo 7, “Produção criativa: pensamento e técnica”, apresentamos
a diferença entre produção criativa artística e a produção criativa para fins
comerciais; demonstramos que o produto criativo também pode ser resul-
tado de um labor caracterizado por um método específico e bem definido.
Nos concentramos na produção criativa da área da comunicação, especifica-
mente na publicidade e propaganda. Um tratado sob a baliza dos aspectos do
levantamento bibliográfico, para entender o pensamento de autores como:
Dante Galeffi, Fayga Ostrower, Newton Cesar, Antonio Collaro, Gomes Filho e
Richard Hollis. Com base neles, concluímos que criatividade está muito além
da inspiração, a criatividade é atenção, observação, é percepção. Criatividade
é resultado de uma necessidade, da articulação dos “experimentos mentais”
através da imaginação criativa.
No capítulo 8, “Da criatividade como fundamento da Capoeira Angola: uma
reflexão afrorreferenciada”, apresentamos a ginga, situando-a na tradição da
Capoeira Angola, como um sistema complexo de representação que se autoenun-
cia no jogo e, por seus métodos, didáticas, epistemes e fundamentos, consegue
de forma polilógica e multirreferenciada preservar uma epistemologia afror-
referenciada na filosofia de Mestre Pastinha (1889-1981). Analisamos os modos
angoleiros, pertinentes a uma cultura forjada na diáspora africana no Brasil, abri-
gando os sentidos das suas existências em comunidades tradicionais, de caráter
iniciático e que podem dialogar com conceitos de Hanna Arendt. Percorremos
as memórias das autoras como fonte de indagações/respostas/conhecimento
para reconhecer que existe uma cosmovisão afro-bantu-identitária, uma epis-
temologia da ginga, que considera o diálogo como imprescindível às vivências.
No capítulo 9, “Distintas epistemologias para as tecnologias sociais”, en-
fatizamos que a produção de tecnologias sociais estabelece distintas dimen-
sões de saberes e práticas o que incorre em diferentes epistemologias do fazer.
Estabelecemos uma relação com o projeto de pesquisa da autora Juçara Freire dos
Santos, intitulado “Tecnologia social como dispositivo de emancipação, gestão
e difusão do conhecimento: saberes e práticas colaborativas das comunidades
da Costa dos Coqueiros”, o qual busca uma epistemologia que se adeque aos
elementos constitutivos da investigação, de modo a identificar e desenvolver a
epistemologia ou epistemologias que coadunam com o campo do conhecimen-
to relacionado às tecnologias sociais.

18 Tecnologia social e difusão do conhecimento

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O capítulo 10, “Teoria das Redes Sociais como ferramenta para mapeamento
de relações entre os docentes coautores de atividades de extensão da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)”, se estrutura com objetivo de estudar o
fluxo de coparticipações estabelecidas entre os coordenadores ou colaboradores
das atividades de extensão direcionadas à Matemática desenvolvidas na esfera
da UFRB. Através da conexão profissional entre os docentes envolvidos em ati-
vidades de interesses em comum para essa área de conhecimento, com auxílio
do software PAJEK e por meio das características estruturais da rede criada para
análise do banco de dados fornecidos pela Pró-Reitoria de Extensão (Proext), foi
possível identificar e compreender como os docentes comunicam os seus tra-
balhos nos mesmos centros de ensino e, principalmente, em centros diferentes.
No capítulo 11, “A competência informacional do educador para aprendiza-
gem digital móvel multirreferenciada”, há uma reflexão quanto as competências
informacionais, com as quais o educador contemporâneo precisa dialogar para
reconhecer as expertises da aprendizagem no campo digital, especialmente no
cenário das plataformas móveis. Estabelecemos o processo cognitivo e tático
que cada educador precisa vivenciar para galgar o desenvolvimento da com-
petência informacional através de uma abordagem multirreferenciada. Nesse
sentido, apresentamos os critérios de análise e os aplicativos móveis que foram
produzidos ou que podem ser adaptados para o uso do educador em sua jor-
nada pelo cenário digital móvel da aprendizagem.
No capítulo 12, “O Ensino com Intermediação Tecnológica (EIT) e a Zona
de Desenvolvimento Imediato (ZDI): bases epistemológicas”, defendemos que
a proposta de educação básica mediada por tecnologia no estado da Bahia, im-
plantada para atender aos estudantes do ensino médio da zona rural, vem es-
timulando a construção do conhecimento mediante o trabalho investigativo e
colaborativo. A questão da pesquisa prima por identificar que(ais) a(s) base(s)
epistemológica(s) que permeiam a concepção do EIT e suas contribuições junto
à ZDI no processo de construção do conhecimento dos estudantes? Para isso,
objetiva-se proporcionar uma reflexão acerca das bases epistemológicas do EIT
e a ZDI no processo cognitivo dos estudantes. Metodologicamente, adotou-se
a pesquisa bibliográfica e documental junto ao Programa Ensino Médio com
Intermediação Tecnológica (EMITec). Detectou-se que esse programa tem por
base epistemológica o sociointeracionismo de Vygotsky (2001), evidenciando

Apresentação 19

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a educação como prática social que interfere na sociedade, contribuindo para
sua transformação.
O capítulo 13, “Metodologias colaborativas: a multirrefencialidade como
elemento fundante para participação dialógica dos coletivos envolvidos na
produção e difusão do conhecimento em Ambientes Virtuais de Aprendizagem
(AVA)”, é um recorte de pesquisa de doutoramento em que nos debruçamos
sobre as possibilidades de difusão do conhecimento em AVA, considerando a
epistemologia multirreferencial como elemento fundante para consolidação
de processos de participação e colaboração. Como uma das contribuições do
estudo, apresentamos, ainda, uma proposta metodológica para difusão do
conhecimento em um AVA editado para atender aos objetivos da pesquisa e
formação dos coletivos.
O capítulo 14, “Diálogo epistemológico sobre educação e comunicação, vir-
tualidade e os princípios de um portal educomunicativo socioconstrutivista”,
é um breve recorte de uma pesquisa matriz sobre a temática central – educo-
municação, inovação e práticas de difusão do conhecimento: saberes, fazeres e
interfaces na Academia Baiana de Educação –, constituindo-se num processo de
difusão do conhecimento em educação voltado para a construção de interfaces
das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). É fundante perceber que,
historicamente, as interfaces de difusão dos conhecimentos inovadores, que são
produzidos na Bahia, não têm dado conta dessa tarefa primordial de divulgar
as produções científicas de teses, dissertações, artigos, livros etc.
No capítulo 15, “Ativismo digital e participação política: a juventude em
cena”, abordamos como pode ocorrer o processo de participação política juve-
nil nas redes sociais digitais, com argumentos em contrário à ideia de que se dá
num vazio histórico e cultural. Pela atuação dos jovens na redes sociais, vemos
o quão importante e necessário é pensar a participação política como elemento
de livre escolha e decisão dos jovens, a partir dos seus processos de socialização
política, a fim de que possam compreender e posicionar-se perante as desigual-
dades sociais e políticas, de modo que tomem consciência e se envolvam ativa-
mente na construção de estratégias e ações cuja finalidade seja problematizar
a realidade e promover transformações sociais, políticas, culturais, econômicas
e ideológicas.
No capítulo 16, “Democracia sim. Participação? Talvez. Uma análise do pro-
cesso de participação no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

20 Tecnologia social e difusão do conhecimento

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(CBHSF)”, apresentamos dados investigativos sobre como se dá o processo de
participação no CBHSF. Por meio de análise de reunião plenária, buscou-se veri-
ficar indícios que possibilitem demonstrar, preliminarmente, o(s) significado(s)
da participação dos usuários das águas, da sociedade civil e das comunidades
tradicionais nas discussões sobre a gestão das águas do Rio São Francisco.
No capítulo 17, “Tecnologias sociais premiadas pela Fundação do Banco do
Brasil (FBB): uma abordagem com redes complexas”, trazemos o conceito e as
principais características das tecnologias sociais premiadas pela FBB, no intui-
to da difusão e valorização dessas iniciativas. O trabalho objetivou aferir quais
as principais características que foram contempladas pela fundação de 2001 a
2015 quando da premiação. A metodologia utilizada foi de redes complexas
com dois conjuntos de vértices; no primeiro, as características ideais; e no se-
gundo, as tecnologias que foram premiadas. A partir dos dados obtidos, temos
a caracterização das seguintes tecnologias: resolução de problemas sociais – tec-
nologias sociais, que corresponde a 45 graus de entrada; ação educativa – TE; e
a participação da comunidade ou beneficiários – TP.
No capítulo 18, “Contribuição das PANCs na segurança alimentar: aspectos
nutricionais”, abordamos sobre a utilização das plantas, em particular as Plantas
Alimentícias Não Convencionais (PANCs) como alternativa de subsistência para
comunidades rurais, contribuindo com a economia local, além de fazer parte da
cultura, identidade e práticas agrícolas em muitas regiões do planeta. O estudo
mostra a importância de desenvolver produtos inovadores de panificação sem
glúten à base farinha de leguminosas germinadas, avaliar a aceitação sensorial
desses produtos, assim como avaliar o valor nutricional do feijão andu antes e
após a germinação e dos produtos elaborados. Concluímos que as farinhas de
leguminosas germinadas associadas a outras farinhas sem glúten como a farinha
de arroz, podem produzir diversos produtos de panificação com boa aceitabili-
dade e de melhor valor nutricional destinados a todo público, em especial aos
portadores da doença celíaca, contribuindo com a segurança alimentar.
No capítulo 19, “Tecnologia social para o desenvolvimento da agricultura
urbana e periurbana: linhas gerais para elaboração de uma proposta”, fornece-
mos às instituições públicas nos municípios, em linhas gerais, um conjunto de
referências para a elaboração e implantação de projetos visando ao aumento
da oferta e melhoria da qualidade dos alimentos de famílias vulnerabilizadas
pela pobreza, por meio da utilização de tecnologia social para a implantação

Apresentação 21

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 21 13/05/2021 11:42


de cultivos e/ou criação de pequenos animais em espaços urbanos e periur-
banos, contribuindo para a promoção da segurança alimentar e nutricional e
para a geração de ocupação e renda. Para tanto, traçou-se um percurso teórico e
metodológico capaz de apontar pistas e orientações aos interessados no assun-
to. Espera-se que esse material seja o ponto de partida para intervenções mais
qualificadas e capazes de gerar melhoria nas condições e qualidade de vida da
população excluída e sedenta de políticas públicas.
No capítulo 20, “Fortalecimento da agricultura familiar e gestão social do
conhecimento: as estratégias da Associação Agropastoril Quilombola Rio das
Rãs”, buscamos identificar de que forma essa associação desenvolve a gestão
estratégica da agricultura familiar local. Uma pesquisa de abordagem qualita-
tiva, com a utilização da pesquisa-ação sendo adotados, ainda, procedimentos
de coletas de dados com aplicação de questionários estruturados e entrevistas
semiestruturadas na associação, em sua área de atuação, com uma amostra dos
sócios e com toda a diretoria; para tratamento e exposição dos dados, foi utili-
zada a triangulação de dados, gráficos e tabelas. O levantamento bibliográfico
possibilitou conhecer estratégias utilizadas por outras associações que mostram
ser possível trabalhar e fortalecer a agricultura de forma associada.
No capítulo 21, “Promoção da saúde e da sustentabilidade com a transferência
de tecnologias sociais para grupos vulneráveis no município de Biritinga (BA)”,
afirmamos que as comunidades quilombolas e crianças de escolas públicas ge-
ralmente estão à margem de políticas e ações sociais voltadas para sustentabili-
dade e segurança alimentar. Buscamos contribuir para o desenvolvimento social
e sustentável de escolas públicas municipais e de uma comunidade quilombola
localizada no município de Biritinga (BA) por meio da transferência de tecno-
logia social. Inicialmente, foram realizadas visitas ao município de Biritinga,
para contato com as Secretarias Municipais da Ação Social, da Agricultura e
da Educação. Depois, foi elaborado um plano de ação voltado à realização de
rodas de conversas com as “merendeiras” de escolas públicas municipais e in-
tegrantes das associações dos produtores rurais da comunidade quilombola.
A seguir, foram realizadas oficinas práticas para a transferência das tecnologias.
A execução desse projeto possibilitou gerar impactos em diferentes campos
como o científico, tecnológico, econômico e social, além de despertar o olhar
para o desenvolvimento sustentável do público-alvo, em especial da comuni-
dade quilombola em situação de vulnerabilidade social.

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No capítulo 22, “As Práticas Integrativas e Complementares de Saúde (PICs)
à luz da gestão e da difusão do conhecimento”, se discute as PICS sob a ótica da
gestão e da difusão do conhecimento. A abordagem é teórica-reflexiva apresen-
tando pontos em que a gestão e a difusão do conhecimento podem alavancar as
PICS e a sua política, na superação de desafios como política pública de saúde
como práxis natural complementar de cuidado e atenção à saúde. Discutimos
também a educação popular em saúde como uma das ferramentas de difusão
das PICS e apresentamos experiências exitosas das PICS no Brasil.
No capítulo 23, “Pressupostos para a construção de uma rede colaborativa
em educação em saúde: olhares sobre o programa saúde na escola”, refletimos
sobre educação em saúde, a partir de uma análise sobre o Programa Saúde na
Escola (PSE), apresentando pressupostos para a construção de uma rede cola-
borativa em educação em saúde. Abordamos a necessidade de construir uma
rede colaborativa em educação em saúde, visando o rompimento da concepção
de ensino e aprendizagem bancários. Assim, optamos pela realização de uma
pesquisa exploratória e bibliográfica, com abordagem qualitativa, possibilitan-
do contato direto com estudos e demais produções acadêmicas que versavam
sobre a temática central pesquisada. Ademais, são evidenciadas diferenças con-
ceituais entre educação em saúde, educação e saúde e educação na saúde com
uma abordagem histórica sobre a educação em saúde no Brasil, bem como so-
bre a implantação do Programa Saúde da Família (PSF) na atenção primária à
saúde e o PSE. A educação em saúde é descrita como uma articulação relevante
para fomentar o processo de emancipação dos sujeitos escolares na busca de
mudanças no estilo de vida e melhoria em sua qualidade. Por fim, os resultados
e as considerações finais apontam que não se pode desconsiderar a dimensão e
o caráter complexo da articulação intersetorial para educação em saúde.
No capítulo 24, “Aprendizagem colaborativa a partir de uma ferramenta de
jogos empresariais: um estudo de caso na disciplina Simulação Empresarial”,
buscamos identificar as percepções de aprendizagem colaborativa a partir da
interação realizada numa ferramenta de simulação de mercado adotada na
disciplina de Simulação Empresarial em três turmas de um bacharelado em
Administração de uma universidade privada. A partir da hipótese de que apren-
dizagem colaborativa proporcionada pelo simulador se reflete na aprendizagem
individual de seus participantes, o presente estudo de caso caracteriza-se como

Apresentação 23

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 23 13/05/2021 11:42


uma pesquisa de natureza aplicada, realizada por meio de um experimento con-
trolado, no qual os discentes receberam orientações acerca do simulador e do
mercado hipotético. Destacamos como contribuição o impacto da simulação de
mercado no processo de ensino e aprendizagem uma vez que os discentes res-
gataram competências técnicas adquiridas em outras disciplinas para elaborar
estratégias nos períodos simulados.
O capítulo 25, “Desenvolvimento de uma perspectiva de educação basea-
da no turismo de base comunitária”, traz algumas reflexões acerca de ações
que estão sendo desenvolvidas em escolas municipais da regional do Cabula,
tendo em vista a efetividade de uma proposta educacional que usa a aborda-
gem metodológica Design Based Research (DBR)/Pesquisa-Aplicação aliada
ao Turismo de Base Comunitária, articulado ao ensino de História e Geografia.
Alguns elementos de reflexão, tais quais a relação da comunidade com conhe-
cimento local, os conteúdos articulados à história do próprio bairro, ainda não
apresentam elementos conclusivos, uma vez que a pesquisa segue em curso,
mas sobretudo já constitui um elemento potencial de difusão sobre a docência
em periferias da cidade de Salvador (BA), considerando a comunidade como
produtora de conteúdos históricos potencialmente importantes para a difusão
do conhecimento de sua cultura e patrimônio socioeducacional para a forma-
ção crítica da comunidade escolar.
Esperamos que a leitura desses artigos oriundos de pesquisas científicas
em andamento e outras já concluídas, sirvam aos leitores e pesquisadores que
buscam a construção de novos conhecimentos, agregando-os de forma signi-
ficativa aos seus saberes e anseios, trazendo um novo olhar sobre a difusão do
conhecimento e a inovação proposta através das tecnologias sociais.

O coletivo de autores e autoras


Salvador, Bahia, dezembro de 2020.

24 Tecnologia social e difusão do conhecimento

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I PARTE

CONHECIMENTO E
EPISTEMOLOGIAS SOCIOCOGNITIVAS

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CAPÍTULO 1

O SABER E O CONHECIMENTO NAS


COMUNIDADES SOCIOCOGNITIVAS

GILBERTO PEREIRA FERNANDES


MARIA INÊS CORRÊA MARQUES
MAURÍCIO VIEIRA KRITZ

INTRODUÇÃO
A construção e a difusão social do conhecimento e do saber na sociedade con-
temporânea pela universidade e pelas comunidades socioculturais vêm se trans-
formando desde o advento das redes multimídia. Neste capítulo, preferimos
adotar o termo “comunidade sociocognitiva” no lugar de “socioculturais”, uma
vez que estamos trabalhando com elementos que ultrapassam a análise das
práticas socioculturais. Em nosso argumento, o sujeito – aquele que pesquisa,
analisa e apresenta resultados – no ímpeto de conhecer, amplia sua perspectiva
individual para os contextos socioculturais, um traço fundamental do paradig-
ma da abordagem sociocognitiva.
Ao adotarmos a perspectiva sociocognitiva no tratamento temático da infor-
mação e do conhecimento, estamos reconhecendo que os saberes da experiência

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merecem ser difundidos. O não reconhecimento dos saberes é justificado pela
crítica ao modelo sociocognitivo cujo “ponto básico das análises é que o proces-
so de conhecimento individual é socialmente condicionado e, nesse sentido, é
preciso ter um estudo do contexto sociocultural do processo de informação”.
(FUJITA; RUBI, 2007, p. 403) Contudo, há um esforço sendo feito pelos defen-
sores da análise sociocognitiva para mostrar a importância de conhecer a parte
que em algum traço é representativa do todo.
Quando afirmamos que a perspectiva sociocognitiva amplia a perspectiva in-
dividual para contextos socioculturais, estamos reconhecendo que as atividades
desenvolvidas pela universidade, ainda que partam de perspectivas individuais,
estão diretamente relacionadas ao coletivo. As práticas derivadas do tripé uni-
versitário – ensino, pesquisa e extensão – vêm permitindo maior interlocução
com as comunidades sociocognitivas, as quais têm contribuído massivamente
no desenvolvimento de inúmeras pesquisas e projetos no sentido de fortalecer
o ensino e a aprendizagem em espaços multirreferenciais, que assim podem ser
caracterizados, se pautados na investigação, na interlocução, na interação e na
troca entre conhecimentos científicos e os saberes sociais.
Os processos de construção, difusão e gestão do conhecimento e do saber,
na universidade e na comunidade sociocognitiva, a qual definimos como a
comunidade composta por aqueles que participam do meio acadêmico atuan-
do em atividades de ensino, pesquisa e extensão, têm características próprias
e bem definidas. Essas comunidades atuam nas mais variadas comunidades
socioculturais, integrando vários níveis de investigação para o alcance de efi-
cazes sistemas de representação e recuperação da informação, desinformação,
conhecimentos e saberes.
As comunidades sociocognitivas, em suas pesquisas, vêm (re)significado os
processos comunicativos e agregando novos elementos à relação sujeito-processo-
-objeto do conhecimento como um caminho de via dupla na sistematização
de conhecimentos e saberes individuais e coletivos. Sabemos que é um dos pa-
péis da universidade promover um diálogo epistêmico transdisciplinar com
dinâmica não linear baseado nos três pilares metodológicos estabelecidos no
2º Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, realizado em Locarno, em
1997, a saber: “a complexidade”, “os diferentes níveis de realidade” e “a lógica
do terceiro incluído”, esta consiste no cruzamento de diferentes perspectivas,

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 28 13/05/2021 11:42


em que um sistema coerente e aberto, é construído, permitindo uma melhor
compreensão dos fenômenos científicos e não científicos. (SOMMERMAN, 2006)
A forte atuação das comunidades sociocognitivas na universidade vem via-
bilizando o debate sobre a construção dos conhecimentos e saberes na contem-
poraneidade. Uma temática emergente no campo do pensamento complexo,
permitindo questionar os modelos absolutistas e os métodos acadêmicos de
sistematização do conhecimento que se reverberam nos saberes e práticas da
instituição universidade. Frisamos que os processos de construção e difusão so-
cial do conhecimento funcionam como elo entre a universidade e as sociedades
humanas e, por isso mesmo, não se faz pesquisa sobre o sujeito humano, sem
contrapor subjetividades, identidades e representações sociais.
A produção acadêmica nas diversas áreas do conhecimento traz refletida
em seus textos a presença de um crescente diálogo entre a universidade e as
comunidades socioculturais, e, por isso mesmo, tem nos convidado a repensar
a formação ofertada aos sujeitos, nos diferentes campos formativos, os quais
enfrentam o grande desafio de compreender como o processo educativo pode
contribuir para a construção do conhecimento adequando-a às exigências dos
novos tempos. Dentre essas exigências, está a necessidade de inovação. A todo
instante somos convocados a renovar as práticas educativas para tentar acom-
panhar o modo como as coisas vêm se modificando no mundo. Tudo acontece
de modo cada vez mais intenso devido ao crescimento e ao desenvolvimento
de um arsenal tecnológico que modifica diariamente o modo como vivemos.
O conhecimento e saber da experiência se confundem nos dias atuais tornan-
do cada vez mais complexo definir o que é conhecimento, informação e saber,
uma discussão polêmica que circunda o meio acadêmico e fora dele, exigindo
um esforço constante para discernir o que representa informação ou conheci-
mento para o sujeito. O sujeito é o ser humano no mundo, “um ser social [e] um
ser singular [que] encontra a questão do saber como necessidade de aprender
e como presença no mundo de objetos, de pessoas e de lugares portadores de
saber”. (CHARLOT, 2000, p. 33) Assim, o caminho que leva da informação ao
conhecimento é um processo relacional humano.
O conhecimento se constrói quando se acessa o grau mais alto da informa-
ção, processando-a, comparando-a, ativando o pensamento criativo; ter acesso
à informação ou realizar uma operação tecnológica em que se tem contato com

O saber e o conhecimento nas comunidades sociocognitivas 29

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 29 13/05/2021 11:42


informações, por exemplo, não necessariamente implicará em construção de
conhecimento:

Quando você diferencia informação de conhecimento é muito importante


ressaltar que informação pode ser encontrada numa variedade de objetos
inanimados, desde um livro até um disquete de computador, enquanto o
conhecimento só é encontrado nos seres humanos. [...] Somente os seres
humanos são capazes de aplicar desta forma a informação através de seu
cérebro ou de suas habilidosas mãos. A informação torna-se inútil sem o
conhecimento do ser humano para aplicá-la produtivamente. Um livro
que não é lido não tem valor para ninguém. (CRAWFORD, 1994, p. 21)

A noção de aplicabilidade da informação e o processo de construção do


conhecimento geralmente vêm acompanhados do argumento de que essas são
conquistas humanas em consonância com o desenvolvimento da autonomia do
sujeito, a qual se constrói quando esse sujeito o acessa uma dada informação e
decide aprofundar os conhecimentos que já possui sobre determinado tema.
A internet é apontada por alguns como a maior rede difusora de conhecimento
que já existiu, um excesso de confiança em seu potencial tem levado os mais
extremistas a decretar, antecipadamente, o fim da escola presencial para criar
redes autônomas.
A ideia de redes autônomas parece interessante, contudo, falar em desmon-
te do sistema educacional ou de seu modo de funcionamento, e o questiona-
mento dos seus métodos de ensino-aprendizagem, sem apresentar alternativas,
parece ser um caminho arriscado. Afirmar que a escola é ineficaz, como afirma
Perelman (1992), ao propor a substituição da escola por novos mecanismos de
aprendizagem, utilizando a tecnologia de redes de computadores, configurando
assim, totalmente o modelo educacional vigente, parece desafiador, mas será
que é a solução? Preocupados com a desvalorização do processo de escolariza-
ção e com argumentos de que a escola não consegue mais dar conta do seu pa-
pel formativo e inovador, temos buscado entender como os educadores lidam
com isso e como compreendem o seu papel enquanto educadores na sociedade
contemporânea em que é supervalorizada a produção midiática.
O presente estudo está pautado numa ação metodológica de pesquisa de
campo, desenvolvida com professores e professoras da educação básica em pro-
cesso de formação continuada em projeto de extensão universitária, integrantes

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 30 13/05/2021 11:42


do grupo de estudo e pesquisa: Sujeitos e subjetividades on-line. O grupo conta
com 11 professores e professoras da educação básica do município de Eunápolis
(BA) que se reúnem mensalmente para realizar discussões e produzir conteúdo
digital sobre temas distintos que chamam a atenção dos sujeitos educativos em
constante atuação na rede mundial de computadores. Nesse grupo, buscamos
compreender o estudo e o desenvolvimento teórico/prático e de práxis político
pedagógica sobre a construção e difusão do conhecimento e do saber de forma
discursiva e dialógica.
O grupo de estudos vem buscando produzir designs didático pedagógicos
inovadores para serem utilizados por meio de metodologias ativas em salas de
aula híbridas, ou seja, salas que existem presencialmente e virtualmente por
meio da plataforma Moodle e com uso de aplicativos e softwares educacionais.
Na experiência formativa no curso de extensão, inicialmente nos debruçamos
sobre algumas questões pontuais, que guiaram e precederam o trabalho de pro-
dução dos designs supracitados, os quais enfrentam o desafio de serem cons-
tantemente atualizados.
Neste capítulo, resgatamos algumas questões abordadas pelo referido gru-
po, as quais funcionam como elemento de análise do tema que estamos explo-
rando. Nesse ínterim, apresentamos os questionamentos que foram pondera-
dos a seguir: qual o lugar da epistemologia no mundo? O que é saber? O que
é conhecimento? Qual o repertório de conhecimento e saber da humanidade?
Os conhecimentos são pontos de chegada ou de partida? As epistemologias do
conhecimento são sensíveis ao reconhecimento dos saberes experiências dos
sujeitos cognitivos? Quais percepções humanas são capturadas nos resultados
científicos que a universidade produz e como ela seleciona seus objetos de es-
tudo? O conhecimento deve ser concebido de que forma?
Essas questões contribuíram bastante para nortear as práticas desenvolvidas
pelo grupo e de certo modo aparecem aqui como eixo integrador das discussões
pleiteadas. Longe de apresentar respostas concretas, serviram aos professores
e professoras em diversos momentos de estudo e trouxemos aqui por acreditar
que podem servir como ponderações importantes para compreender a atua-
ção das comunidades sociocognitivas na universidade, iluminando o caminho
da teorização e práxis pedagógica desenvolvidas por ela. À medida que essas
práxis aprimoram a discussão sobre as vivências no seio da sociedade contem-
porânea, vemos aclarar o papel da universidade, enquanto instituição que tem

O saber e o conhecimento nas comunidades sociocognitivas 31

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 31 13/05/2021 11:42


buscado reconhecer o potencial produtor de conhecimento pelas comunidades
sociocognitivas.

A DICOTOMIA ENTRE SABER E CONHECIMENTO


Vivemos em uma sociedade que supervaloriza o nível de informação e conheci-
mento produzido diariamente, embora, a difusão do conhecimento nem sempre
ocorra de forma a estar acessível a todos, e ainda, o que é produzido nem sem-
pre contempla os saberes populares que fazem parte do contexto planetário.
O que vemos, em contrapartida, é o uso intensivo das tecnologias digitais com
uma forte tendência em pautar a política e a economia aos interesses restritos
de grupos sociais que usam o conhecimento como fonte de poder e legitima-
ção de suas crenças e ideologias, furtando o direito de todos ao conhecimento
por falta de difusão.
Conhecimento sem difusão, gestão ou compartilhamento e acesso, se torna
estanque, funcionando como um instrumento de legitimação de poder pela
centralidade no cientificismo e/ou no saber social não dialético. A universidade
é sem dúvida uma grande produtora e difusora de conhecimento. Ao longo do
tempo, ela tem exercido esse papel e se colocado como fonte inesgotável para
apresentar ao mundo os resultados do que produz pelo cunho científico. Há uma
tendência crescente no meio acadêmico, em ver a universidade como mediadora
e conciliadora da produção científica sem desprezar a sapiência produzida pelo
senso comum, com um número cada vez maior de pesquisas preocupadas em
construir “pontes cognitivas” entre as comunidades sociocognitivas que estão
inseridas na universidade e aquelas que, apesar de não estarem inseridas, con-
tribuem, admitindo ser investigadas e analisadas em sua atividade cotidiana.
A difusão social do conhecimento das diferentes ciências produzidas pelas
comunidades sociocognitivas deveria estar presente nos diversos e divergentes
contextos, representando a luta pela sobrevivência ao homem, no modo como
este se apropria do saber para construir conhecimentos e de como o homem re-
inventa o conhecimento quando se depara com uma situação nova. Nessa pers-
pectiva, Laville e Dionne (1999) defendem que a construção de conhecimento
sempre esteve associada ao saber e que este não desaparece, vindo a coexistir
com o método científico.

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Os autores supracitados apresentam o saber “espontâneo”, elaborado a par-
tir da experiência de observação pelo homem; a “intuição”, um modo de saber
construído quando a compreensão do que se observa vem à mente e gera ex-
plicações livres para representar os acontecimentos da vida; a “tradição”, mo-
vida pela crença e a experiência dos povos; e a “autoridade”, representada pelo
Estado, pela religião e pela cultura, se encarregando de transmitir aos sujeitos
valores éticos e estéticos que de algum modo buscam dar sentido à origem das
coisas e à própria vida humana. Tais argumentos evidenciam que há uma es-
treita relação entre saber e conhecimento.
Se acreditamos que há uma relação entre saber e conhecimento, jamais ve-
remos o saber como oponente da ciência ou do conhecimento, e sim, podendo
ser constituinte da ciência e do conhecimento. Contudo, sem estar preso à ciên-
cia, embora possa servir como fundamento sobre o qual ela emerge, ou melhor,
de onde o conhecimento científico emerge e se institui como ciência. “Existem
saberes que são independentes das ciências (que não são nem seu esboço his-
tórico nem seu reverso vivido), [pois], o saber não é a soma de conhecimentos”.
(FOUCAULT, 1987, p. 307)
Etnologicamente, segundo o dicionário Houaiss (2001), o verbete “conheci-
mento” deriva da forma latina cognōsco, ĕre – “ter notícia ou noção sobre algo”;
cuja origem está no grego antigo gignōskein “conhecer, julgar”. Segundo Castello
e Mársico (2007, p. 119, grifos dos autores), “outra raiz associada em grego ao
conhecimento é math- que dá lugar ao substantivo máthos (conhecimento),
assim como máthe e máthesis (fato de aprender) e máthema (o que é ensinado)”.
O verbo “saber” deriva da forma latina sapĭo, ĕre, que significa “ter sabor, sabo-
rear, discernir pelo paladar ou pelo olfato”. O antepositivo “sab” deriva da raiz
indoeuropeia sap – que, por sua vez, entrou na composição das palavras “sabor”,
“perceber”, “sábio”, “sabido”, “desenxabido”, “insípido”, entre outras.
A seguir, apresentamos um quadro com resposta de 4 dos 11 sujeitos que
participam do grupo de estudos: Sujeitos e subjetividades on-line, sobre a con-
cepção de saber e de conhecimento. Perguntamos de forma objetiva por meio
de questionário on-line do Google Forms, recomendando que dissessem o que
lhes vinha à mente quando se estabelece uma relação ou distinção entre saber e
conhecimento. As respostas estão identificadas pela sigla Sso+número ordinal,
caracterizando assim, membro do grupo + número aleatoriamente atribuído
a ele(a).

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 33 13/05/2021 11:42


Quadro 1 – Relação x distinção entre os conceitos de saber e conhecimento

Saber Conhecimento
É como vemos as coisas. (Sso 3) É saber o que é a coisa e sua função. (Sso 3)
Saber vai além de simplesmente conhecer; sendo É saber fazer as coisas, entender o seu
traduzido por aprender. (Sso 5) funcionamento, o porquê. (Sso 5)
Aparece na superfície em momentos de dificuldade Ter conhecimento é ter noção, experiência e
ou dúvida, em conflitos sobre as respostas e ideia sobre o mundo que nos cerca. (Sso 7)
aprendizados ao longo da vida. (Sso 7)
É autêntico e aparece em qualquer atividade É o resultado do que a ciência descobriu
desenvolvida pelo homem na interação com o outro sobre a natureza, a cultura, a vida e está
e as demandas do ambiente em que vive. (Sso 4) disponível para que seja propagado. (Sso 4)
Fonte: elaborado pelos autores.

Analisando as respostas desses membros do grupo, fica claro que eles con-
cordaram que há distinção entre os termos “saber” e “conhecimento”, contudo,
sem haver uma relação sinonímica entre os conceitos, ainda que se mostrem
interdependentes em alguns aspectos. Uns colocam o saber a priori do conhe-
cimento, estabelecendo uma relação de dependência entre eles, outros, porém,
os desvinculam, classificando como conhecimento, apenas aquilo que é valida-
do pela ciência.
Para os sujeitos (Sso3) e (Sso5), o saber está relacionado ao campo sensorial, a
visão que temos do mundo; já para (Sso4), é efetivo quando gera um aprendiza-
do ao longo do tempo, conquistado a partir da experiência de vida; para (Sso7),
surge quando buscamos respostas para as coisas, quando buscamos entender
os acontecimentos da vida à nossa volta. Para (Sso4), o saber aparece de forma
despretensiosa, sendo acionado cotidianamente quando interagimos, com o
outro e com o ambiente em que vivemos.
O conhecimento foi apontado pelos sujeitos (Sso3) como uma função prá-
tica de aplicação de saberes da vida e sobre ela. É o próprio questionamento
e a busca de respostas para entender como o universo funciona, pensa (Sso5).
O conhecimento é fazer uso das aprendizagens conquistadas ao longo da vida, é
mais a fundo, afirma (Sso7). É o resultado, a apuração que se conquista por meio
da investigação científica para dar sentido à própria vida, à cultura humana e
compreender os ecossistemas naturais e artificiais, aponta (Sso4). A partir das
respostas obtidas sobre a dicotomia saber x conhecimento, fizemos algumas
inferências e elaboramos o seguinte mapa textual que sintetiza a compreensão
dos sujeitos sobre a relação distintiva entre os temas discutidos:

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Figura 1 – Síntese dos autores sobre a compreensão dos sujeitos investigados

Fonte: elaborada pelos autores.

Um breve olhar sobre esse mapa textual deixa evidente que esses sujeitos
reconhecem o saber como uma particularidade humana de identificar elemen-
tos novos no mundo que os cerca e aprender sobre ele na sua interação com o
ambiente em que vive, atua e observa. Em contrapartida, o conhecimento é visto
com um sentido prático, elaborado, definido e de algum modo, validado pela
ciência, para além dos aspectos sinestésicos e da própria metafísica aristotélica.
No mapa, vemos explicitada a noção de saber atrelada ao modo como vemos
as coisas no mundo e interagimos com elas, sugerindo uma certa autonomia do
sujeito para atribuir significados, sem que necessariamente precise estar ligado
ou restrito ao que afirma a ciência. Pela visão desses entrevistados, o saber é no
fundo uma criação interna, influenciada diretamente por fatores externos ao
sujeito, sendo necessário a interação com o ambiente e com o outro.
Nos surpreendemos com a visão de Sso4, para quem o conhecimento é uma
construção externa, e o sujeito é que se apropria dele. Em contrapartida, as co-
munidades sociocognitivas, em seu trabalho de pesquisa na universidade, têm se
esforçado para apresentar uma epistemologia do conhecimento com uma com-
preensão estruturada que transcende a experiência sensível, uma compreensão
capaz de fornecer um fundamento às ciências por meio da investigação cons-
ciente e responsável, que respeite a natureza primacial das coisas, do ser e das
realidades supra sensíveis e os princípios gerais das coisas.

O saber e o conhecimento nas comunidades sociocognitivas 35

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 35 13/05/2021 11:42


Em se falando de princípios, estamos abrindo um leque para que o saber e o
conhecimento caminhem juntos. Tomemos como exemplo as sociedades mais
antigas que buscavam transmitir o saber como um princípio necessário para a
sobrevivência humana a partir das inquietações geradas pelo compartilhamen-
to de saberes. Com esse foco se originaram muitas linhas de pesquisa preocu-
padas em produzir conhecimentos sem desprezar os saberes. À medida que
fomos avançando na história da humanidade, o saber científico se consolidou,
criando a necessidade de uma “prova da verdade” como forma de validação do
conhecimento, assim, os modos de transmissão e difusão do conhecimento se
condicionam à necessidade de prévia validação pela ciência.
A ciência nem sempre abraçou o saber racional da intuição, do senso comum
e da tradição. O seu foco em difundir “verdades” sempre exigiu uma construção
metodologicamente bem elaborada, para “merecer” propagação. O surgimento
de sociedades em rede de comunicação por suportes digitais tem permitido que
comunidades sociocognitivas produzam e difundam saberes e conhecimentos.
As tecnologias digitais são vistas como propulsoras e potencializadoras do co-
nhecimento, permitindo maior acesso e conexão com o arcabouço científico-
-teórico, que neste tempo, está sendo revisitado e apresentado a um contingen-
te maior de pessoas no planeta. Se de fato as pessoas estão construindo novos
conhecimentos porque estão tendo acesso e contam com instrumentos de co-
nectividade, ainda não sabemos, esse é um tema que cabe maior investigação.

O PARADIGMA SOCIOCOGNITVO
A universidade pública tem se mostrado cada vez mais aberta ao diálogo com
distintas comunidades cognitivas. Em sua função de pesquisa, tem se proposto
a romper com os paradigmas existentes, levando em consideração três aspectos:
o “ontológico”, que diz respeito à natureza da realidade; o “epistemológico” que
trata da natureza do conhecimento e da relação entre investigador e o objeto
de investigação; e o “metodológico” que diz respeito ao modo pelo qual o pes-
quisador obtém conhecimento. (DO PRADO, 2017)
As mudanças paradigmáticas surgem quando passamos a enxergar novas
perspectivas na forma como vemos as coisas e conforme as descobertas feitas a
partir das investigações científicas e nas próprias demandas sociais. Ao longo

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da história, os paradigmas se mostraram como o caminho lógico que guiava os
diferentes níveis do conhecimento científico e do saber, modificando a forma
como percebemos a realidade, como interpretamos a natureza dos vínculos
estabelecidos entre o saber e o conhecimento, convergindo para aquisição de
conhecimento científico.
Na contemporaneidade, temos assistido a novas perspectivas adotadas pe-
las ciências cognitivas ao buscar distinguir, por exemplo, o que é saber e o que
é conhecimento, que ora são colocados como uma construção individual, ora
como um processo coletivo, dependendo do paradigma adotado. O paradigma
sociocognitivo entende que o processo de conhecimento individual é social-
mente condicionado, ou seja, por mais que o sujeito construa individualmente
o conhecimento, ele sofre interferências do meio em que vive. Com essa visão, a
abordagem sociocognitiva amplia a perspectiva individual para contextos socio-
culturais quando se refere à aprendizagem e ao desenvolvimento humano, vendo
o fenômeno da cognição humana como um processo efetuado interativamente.
Ao falarmos em sociocognição, geralmente estamos abordando uma teoria
da mente humana que considera a sua interação de interdependência com o
meio em que o homem vive. Pela ótica sociocognitiva, a mente humana elabora
e padroniza universos de experiência enquanto interage com o ambiente ex-
terno, um modelo necessário que funciona como requisito fundamental para
o desenvolvimento da inteligência e a aquisição de novos conhecimentos com
base em outros já existentes. (ÁLLAN; SOUZA, 2009)
Tomasello (1999) questionou a hipótese de que as habilidades sociocogni-
tivas humanas sejam produtos diretos da evolução biológica.

Do ponto de vista filogenético, Tomasello (1999/2003a) propôs que


a cognição humana teria se desenvolvido a partir de um conjunto de
habilidades socio-cognitivas primatas relacionadas à atribuição de
intencionalidade a co-específicos denominadas compreensão da ação
intencional). Essas habilidades teriam possibilitado à espécie humana
uma maior flexibilidade comportamental e criatividade na resolução de
problemas (e.g., previsão, controle e alteração de eventos), e favorecido
certas formas de aprendizagem cultural e de sociogênese (i.e., transfor-
mações nas estruturas sociais) que estariam diretamente relacionadas
ao mecanismo de transmissão cultural caracteristicamente humana.
(ÁLLAN; SOUZA, 2009, p. 162)

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Pelo excerto, compreendemos que tanto os aspectos biológicos quanto os
culturais são determinantes da cognição humana e contribuem para a diferen-
ciação das habilidades cognitivas e sociocognitivas. As habilidades sociocogni-
tivas humanas estariam relacionadas diretamente à evolução cultural humana,
a qual funciona como um gatilho para que sejam desenvolvidas aprendizagens
em distintos contextos. A herança genética, associada às experiências de convi-
vência e interação humana nos distintos espaços de convivência geram a ação
intencional, repetindo comportamentos historicamente difundidos, modelando
assim a dinâmica da evolução cultural que acompanha a evolução biológica,
transformando as habilidades cognitivas humanas.
Para compreender o que são as habilidades cognitivas humanas, é impor-
tante entender que a cognição se refere às condições oferecidas para a obtenção
de conhecimento e a capacidade cognitiva é a aptidão do sujeito de interpre-
tar os estímulos do ambiente circundante e de si mesmo para tomar decisões
acerca do próprio comportamento, o que influencia na forma como se apren-
de. A inteligência, a memória e o pensamento permitem que as aprendizagens
aconteçam, assim como o meio, que ao disparar mudanças, provoca no homem
a necessidade de reconhecer e se adequar a elas; tal processo termina gerando
novas aprendizagens, isso se reconhecermos que “cada ser vivo é, em cada ins-
tante, o resultado do caminho de mudança estrutural que o mesmo seguiu a
partir de sua estrutura inicial, como consequência de suas interações no meio
no qual teve que viver”. (MATURANA, 1998, p. 67)
No campo da psicologia, o paradigma sociocognitivo ganha força nos anos
1970 como uma abordagem conceitual genérica e pautada na cognição social a
qual é traduzida pelo modo como as pessoas se percebem, e, também aos outros,
explicando, prevendo e orientando o comportamento social. Com a difusão
das tecnologias digitais, há uma elevação no nível de processamento da infor-
mação e difusão das mesmas por novos meios comunicacionais, bem como a
maior integração das sociedades em redes comunicativas, expondo as estrutu-
ras e os processos cognitivos subjacentes, à percepção e ao comportamento so-
cial, agindo como se a análise e a compreensão destes conseguisse dar conta de
compreender a própria sociedade. (FISKE; TAYLOR, 2008)
Graumann (1986) já criticava os modelos de processamento de informação
centrados na cognição social afirmando que os estudos sobre os processos cog-
nitivos, desprovidos do seu conteúdo e do seu contexto, apuraram na verdade

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os constrangimentos emocionais, motivacionais, corporais e os efeitos situacio-
nais na cognição e do comportamento humano, uma vez que a cognição social
tem como unidade de análise o indivíduo que percebe, incentivando assim
“individualização do social” e a “dissocialização do indivíduo”, resultando num
paradoxo de oposição entre o esforço de integração na cognição social situada
na natureza das abordagens das neurociências.
O paradigma sociocognitivo busca preencher lacunas e contribuir na cons-
trução de novos conhecimentos, tendo o sujeito como ponto central para cons-
truir a informação de forma coletiva e interacionista. Nesse caminho, observa-se
as diversas possibilidades de domínio e interpretação pela perspectiva do sujei-
to, promovendo autonomia na apreensão e apropriação de informação. Assim,
o processo de construção do conhecimento caminha na constituição de fun-
damentos e domínios discursivos das comunidades sociocognitivas e na her-
menêutica da informação, criando novas percepções, ao desenvolver estudos
teóricos, epistemológicos e empíricos.
Adeptos ou não do paradigma sociocognitivo, vemos ser constantemente
disseminado nas pesquisas sociais, estudos pautados na individualização do
social, em que é apresentado como conhecimento, o que foi cientificado por
meio de métodos que geraram resultados de estudos de concepções individuais
sobre como cada pesquisador concebe o conhecimento científico e o distingue
dos saberes que aparecem nos entremeios da pesquisa. Tal postura é alvo das
principais críticas apontadas à cognição social em sua visão mais tradicional,
ao perpetuar a divisão ontológica cartesiana entre sujeito e objeto assentada em
concepções individualistas do conhecimento.

CONCLUSÃO
Diversas pesquisas de cunho social apontam que a universidade precisa rever
sua postura metodológica marcadamente baseada na tradição, intuição e auto-
ridade. A atuação divergente das comunidades sociocognitivas no seio da uni-
versidade vem questionando o fato de esta ser apontada como o principal lugar
para construção e transmissão de saberes, conhecimentos legítimos e confiáveis
para serem difundidos socialmente. Há sempre a dúvida se a universidade con-
tinua a perpetuar as trajetórias tradicionais, pesquisando a interdependência

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entre o ser e o objeto, preservando as metodologias, as ferramentas conceituais
e os mesmos objetivos.
Ser e objeto são duas categorias que, de certo modo, movem a pesquisa
científica por estabelecerem uma relação sobre como funcionam as coisas e o
cerne de tudo. Para entender essa relação, o questionamento funciona como
uma ótima ferramenta. Na introdução, foram apresentados alguns questiona-
mentos, os quais estão longe de terem sido respondidos aqui em sua completu-
de. Inicialmente, nos perguntamos sobre o lugar da epistemologia no mundo
uma vez que nas últimas décadas, a epistemologia passou por um processo de
crítica e de transformação, e se transferiu a soberania epistêmica para o “social”,
reacendendo o debate ontológico e as implicações políticas do conhecimento,
descortinando a epistemologia como projeto filosófico.
A mudança de paradigma descrita anteriormente permitiu desenvolver um
novo tipo de pesquisa, voltada para compreender o social por aquelas ciências
sociais que buscam atrelar a construção do conhecimento ao saber na medida
em que inter-relacionam a caracterização dos diferentes saberes aos modos de
conhecer e estabeleceram novas condições para sua validação. Essa mudança
permitiu explorar a vastidão do repertório de conhecimento e saber da huma-
nidade, o qual se mostra imensurável, apesar dos esforços por explorar, catalo-
gar, patentear, digitalizar e difundir com intuito de que esteja sempre acessível.
Ao contrário do que se possa pensar, a abordagem cognitiva dos fenômenos
sociais não os reduz a uma racionalidade fria e descontextualizada, uma vez que
os conhecimentos não são vistos nem como pontos de chegada ou de partida,
mas se encontram entremeados na simbiose entre homem-natureza-máquina,
cabendo aos sujeitos construir processos intelectuais de pensamento, julgamen-
to e recordação para dar sentido ao que se constrói nessa simbiose.
Os processos intelectuais de pensamento da epistemologia pedagógica
contemporânea estão fundamentados na noção de que se deve ensinar os alu-
nos e alunas a pensar criticamente, a ir além das interpretações literárias e dos
modos fragmentados de raciocínio. (BOCHNIAK, 1992) Uma epistemologia do
conhecimento sensível ao reconhecimento dos saberes experienciais dos sujei-
tos cognitivos associa o aprender não apenas ao compreender, mas também a
ter acima de tudo a capacidade e competência de problematizar dialeticamente
saberes e conhecimentos.

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À medida em que se acentua a natureza social do processamento de informa-
ção, do saber e do conhecimento, reconhece-se a relevância individual e coletiva
dos estados afetivos, motivacionais, naturais e artificiais que movem o planeta
atualmente, bem como as variáveis contextuais que influenciam a forma como
percebemos, sentimos e agimos sobre o mundo.
Neste capítulo, argumentamos por diversas vezes que as percepções humanas
capturadas nos resultados científicos que a universidade tem produzido, bem
como a forma como ela seleciona seus objetos de estudo nas distintas áreas do
conhecimento, terminam por se caracterizar como uma abordagem de pesqui-
sa pautada no modelo sociocognitivo tal qual as neurociências entendem. “As
neurociências descrevem todas as ligações do fenômeno perceptivo, uma vez
que o sistema nervoso se estende por todos os órgãos vitais, agindo como ele-
mento mediador do organismo em sua interação com o meio ambiente e com
a consciência do próprio corpo”. (BALDISSIN, 2014, p. 14)
Ao trabalhar com a percepção da interação com o meio ambiente, a universi-
dade vem tentando reconciliar e/ou integrar os saberes individuais, situacionais
e sociais para compreender o coletivo, isso por acreditar que eles possibilitam
em caráter simultâneo e eventual a coexistência de uma forma dialética com o
conhecimento científico difundido, gerando uma compreensão mais reflexiva e
dinâmica da experiência humana de conhecer. Para tanto, o conhecimento deve
ser concebido a partir de abordagem pluralista do funcionamento cognitivo me-
diante a presença de fortes argumentos que a justifiquem. Em nosso entender, a
complexidade e flexibilidade da cognição humana constituem tais argumentos.

REFERÊNCIAS
ÁLLAN, S.; SOUZA, C. B. A. O modelo de Tomasello sobre a evolução cognitivo-
linguística humana. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, DF, v. 25, n. 2, p. 161-168,
2009.
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CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre:
Artmed, 2000.

O saber e o conhecimento nas comunidades sociocognitivas 41

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 41 13/05/2021 11:42


CASTELLO, L. A.; MÁRSICO, C. T. Oculto nas palavras: dicionário etimológico para
ensinar e aprender. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
CRAWFORD, R. Na era do capital humano. Gouveia. São Paulo: Atlas, 1994.
DO PRADO, F. L. Metodologia de projetos. São Paulo: Saraiva, 2017.
FISKE, S. T.; TAYLOR, S. E. Social cognition: from brains to culture. New York:
McGraw-Hill, 2008.
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
FUJITA, M. S. L.; RUBI, M. P. Protocolo verbal como metodologia sociocognitiva
para coleta de dados e recurso pedagógico em sala de aula. In: MACHADO, L. M.;
MAIA, G. Z. A.; LABEGALINI, A. C. F. B. (org.). Pesquisa em educação: passo a passo.
Marília: Ed. M3T, 2007. p. 143-154.
GRAUMANN, C. F. The individualization of the social and the desocialization of the
individual: Floyd H. Allport’s contribution to social psychology. In: GRAUMANN,
C. G.; MOSCOVICI, S. (ed.). Changing conceptions of crowd mind and behavior. Nova
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HOUAISS, A. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. Versão 1.0. São Paulo:
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LAVILLE, C.; DIONNE, J. A construção do saber. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
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GARCÍA, J. L. (org.). Da biologia à psicologia. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas,
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PERELMAN, L. J. School’s Out: hyperlearning, the new technology and the end of
education. New York: William Marrow and Co, 1992.
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CAPÍTULO 2

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA:
ontem e hoje

SÔNIA CHAGAS VIEIRA


MARIA INÊS CORRÊA MARQUES

INTRODUÇÃO
Nos primórdios, os sacerdotes e os xamãs explicavam a causa dos fenômenos
da natureza à magia e ao sobrenatural; o relâmpago e o trovão, por exemplo,
foram interpretados pelos sacerdotes como manifestação dos deuses. Já para os
artesãos, predominava o método da tentativa e erro, não se preocupando com
o porquê dos fenômenos sobrenaturais. Foram eles que criaram armas para a
caça, cestos de palha para guardar e carregar sementes. (RONAN, 2001) Com a
inauguração da agricultura, novos desafios foram gerados, criando-se a neces-
sidade de desenvolver uma linguagem própria que fosse entendida por todos
e que facilitasse a contagem e o cálculo, surge, então, a matemática.
A popularização da matemática e a experimentação – metodologia utilizada
pelo técnico-artesão na construção das máquinas – foram consideradas os dois
principais pilares da ciência moderna. (GUERRA, 1998) Com o passar dos tem-
pos, essa visão do homem foi se transformando. Muitos filósofos começaram a

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 43 13/05/2021 11:42


refletir sobre as possibilidades de produção de conhecimento baseado na expe-
rimentação, dentre eles: Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650)
e Galileu Galilei (154--1642).
Com a revolução galileana, no século XVII, surge o conhecimento científico.
Para Guerra e outros pesquisadores (1998), as antigas formas de conhecer não
respondiam mais os questionamentos da sociedade do século XVII e Galileu bus-
cou resolver essas questões, propondo respostas não fundamentadas em Deus e
sim na experimentação e na matemática. Dessa nova maneira de conhecer, sur-
ge a ciência moderna. Foram as obras dos gregos que mais contribuíram com a
comunicação científica escrita, tendo sido Aristóteles o principal expoente na
sociedade europeia dos séculos XVI e XVII. Isso porque o pensamento dele era
tido como um dogma entre os intelectuais. (GUERRA, 1998)
Com a invenção da imprensa – uma das principais causas da Revolução
Científica,1 ocorrida no século XV – grupos científicos começaram a trabalhar
fora do âmbito acadêmico, formando as primeiras sociedades científicas. Dentre
as primeiras a serem reconhecidas estão a Royal Society de Londres (1622), a
Academia dei Lincei (1600-1630) em Roma, a Academia del Cimento (1651-
1657) em Florença. Foi aí que nasceu a necessidade de se comunicar e difundir
as contribuições da nova ciência. No Brasil, segundo Domingues (2001, p. 83),
as associações científicas surgiram no século XVIII, “[...] quando o governo, na
época da ilustração portuguesa,2 estendeu ao além-mar as reformas políticas
que empreendia”. A Academia Científica do Rio de Janeiro, criada em 1772, teve
duração efêmera sendo fechada em 1779.
Começaram então a aparecer as cartas manuscritas tendo se consolidado
como sistema de comunicação chamada de “República das Letras”.3 (BOMFÁ,
2003) Com o crescimento e o desenvolvimento das sociedades cientificas, as

1 Além da imprensa, o renascimento cultural, a reforma religiosa e o hermetismo foram também con-
siderados as causas da Revolução Científica.
2 Movimento científico, filosófico e literário desencadeado no final do século XVII, que começou a
questionar o provincianismo cultural e político do império na tentativa de superar a defasagem da
sociedade lusa em relação ao restante da Europa. (FALCON, 1993)
3 A Respublica Litterarum ou das letras é um dos fenomenos culturais mais importantes da história da
Europa. Constituido por uma comunidade de pessoas cuja regra principal era a livre difusão das ideias.
Desenvolveu-se principalmente nos países do Centro da Europa, entre meados do século XVI e XVIII;
em termos culturais, entre o humanismo renascentista e o iluminismo. (CRISTÓVÃO, 2005) Segundo
Burke (2003, p. 58), também chamada “Comunidade do Saber [para denominar] [...] a comunidade
internacional dos estudiosos”.

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cartas passaram a ser impressas, dando origem às primeiras revistas científicas.
(MEADOWS, 1999; PINHEIRO, 2006; STUMPF, 1998) Desde a sua origem, o seu
objetivo era difundir os conhecimentos científicos e compartilhar com seus pa-
res os resultados alcançados das suas pesquisas.
Meadows (1999, p. 7) afirma que “A comunicação se situa no próprio cora-
ção da ciência”. Para esse autor, isso significa que o ato de comunicar é tão im-
portante quanto a própria pesquisa e que esta só poderá ser reconhecida como
legítima, quando for comunicada e aceita pelos pares.
Historicamente, os primeiros estudos da comunicação da ciência surgiram
nos Estados Unidos, nos anos 1940, em consequência do crescimento desorde-
nado da literatura científica. Tais estudos tiveram como precursores autores
como Menzel (1966), Merton (1973), Price (1976), Garvey (1979), Ziman (1979)
e Meadows (1999) “[...] considerados clássicos no âmbito da temática [...]”.
(TARGINO, 1998, p. 62)
A expressão “comunicação científica” foi cunhada, na década de 1940, pelo
físico e historiador da ciência John Desmond Bernal. (CHRISTOVÃO; BRAGA,
1997) No entanto, o estabelecimento dos pilares da comunicação científica sur-
giu com Garvey (1979), que entende a comunicação científica como a troca de
informações entre os cientistas, incluindo todo o processo da produção, disse-
minação e uso da informação, até o momento em que os resultados são refe-
rendados como parte do conhecimento científico. O conjunto das publicações
resultante da comunicação científica é denominado de “literatura científica”.
As funções da comunicação na ciência sistematizadas por Menzel (1958 apud
TARGINO, 1998, p. 46, grifo do autor) até hoje são conservadas o que demonstra
que a comunicação científica se torna imprescindível para o desenvolvimento
da ciência e das atividades dos cientistas, são elas:

• Fornecer respostas a perguntas específicas;


• Concorrer para a atualização profissional do cientista no campo espe-
cífico de sua atuação;
• Estimular a descoberta e a compreensão de novos campos de interesse;
• Divulgar as tendências de área emergentes, fornecendo aos cientistas
idéia (sic) relevância de seu trabalho;
• Testar a confiabilidade de novos conhecimentos, diante da possibili-
dade de testemunhas e verificações;

Comunicação científica 45

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• Redirecionar ou ampliar o rol de interesse dos cientistas;
• Fornecer feedback para aperfeiçoamento da produção do pesquisador.

Nesse sentido, a comunicação científica é entendida como a promoção de


intercâmbio de informações entre membros de determinada comunidade, a qual
divulga os resultados de pesquisas efetivadas de acordo com regras definidas e
controladas pelo contexto em que está inserida. (BARBALHO, 2005)
Em outros termos, a produção científica de uma comunidade é expressa
através de publicações e são, portanto, compromissos imanentes dos pesquisa-
dores disseminarem o conhecimento científico para a mensuração da ciência e
realimentar o processo de comunicação científica.
A pesquisa exploratória em questão referendou o processo metodológico
pelo viés da pesquisa bibliográfica, pois os diálogos dos autores nacionais e
internacionais sobre o percurso da comunicação científica apresentam como
resultados que notadamente, nas últimas décadas, o desenvolvimento das tec-
nologias de informação e comunicação é utilizado como elemento fundamental
para a reflexão sobre as transformações na produção dos conhecimentos cien-
tíficos e da difusão das tecnologias digitais na vida acadêmica, criando novas e
diferentes formas de fazer ciência.

COMUNICAÇÃO FORMAL E INFORMAL


Até o surgimento das tecnologias da informação e seu emprego na produção do
conhecimento, a comunicação científica teve dois espaços temporais e midiá-
ticos: o formal e o informal. (RUSSEL, 2006) As duas formas mais importantes
para se comunicar os resultados das pesquisas científicas são a fala e a escrita.
(MEADWOS, 1999)
Na literatura sobre comunicação científica, é habitual se encontrar dois tipos
complementares de comunicação. A comunicação informal utiliza os canais in-
formais que compreendem trabalhos de pesquisa em andamento, alguns tipos
de comunicações apresentadas em congressos, já a comunicação formal se uti-
liza de canais formais, a exemplo dos periódicos e dos livros. (MUELLER, 2000)
Do ponto de vista de Le Coadic (2004), os processos de comunicação se dis-
tinguem em processo escrito (formal) e processo oral (informal). Para esse au-
tor, tais processos distinguem-se entre si, principalmente, quanto à audiência,

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armazenamento, atualidade e autenticidade da informação, orientação, redun-
dância e interatividade.

Quadro 1 – Diferenças entre os elementos informais e formais da comunicação científica

ELEMENTOS INFORMAIS ELEMENTOS FORMAIS


Privada (audiência restrita) Pública (audiência potencial importante)
Informação em geral não armazenada, Informação armazenada de forma permanente,
irrecuperável recuperável
Informação recente Informação relativamente velha
Informação não comprovada Informação comprovada
Direção do fluxo escolhida pelo produtor Disseminação uniforme
Redundância às vezes muito importante Redundância moderada
Interação indireta Ausência de interação direta
Fonte: adaptado de Le Coadic (2004, p. 34).

Para Russell (2006, p. 13, tradução nossa), a comunicação informal,

[...] ocorreu entre os membros dos colégios invisíveis. [...] o caráter de


informalidade deu-lhe os meios utilizados [...]. [Já uma comunicação
formal foi realizada] [...] através dos documentos impressos é conse-
quência de um escopo mais amplo atingindo todos que poderiam arcar
com os custos de aquisição das publicações [...].4

Recebiam esta denominação para diferenciar dos colégios universitários


oficiais. Os membros dos colégios invisíveis foram os grandes responsáveis
pela criação das sociedades científicas de acordo com Stumpf (1998). A autora
menciona ainda que a comunicação informal antecedia ao processo formal a
exemplo das discussões dos resultados das pesquisas que haviam sido reali-
zadas entre os colegas antes do envio do artigo a uma revista para aceitação e
disseminação formal. Apresentamos as características sintetizadas por Russel
(2006) dos dois espaços.

4 Texto original: “[...] se daba entre los miembros de los colégios invisibles. [...] El caráter de informali-
dad le otorgaban los médios utilizados [...]. [Já a comunicação formal era realizada] [...] a través de los
documentos impressos es consecuencia de um âmbito más amplio alcanzando a toda persona que
pudo pagar el costo de adquirir publicaciones [...]”.

Comunicação científica 47

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Quadro 2 – Características dos espaços informal e formal da comunicação científica

INFORMAL FORMAL
Privada, oculta. Pública, transparente.
Efêmera, sem estrutura definida. Essência permanente, altamente estruturada.
Imediata, ocasional e espontânea. Periódica, programada e demorada.

Fonte: adaptado de Russell (2006).

Meadows (1999) traça paralelos entre a comunicação formal e informal, en-


focando alguns aspectos mais característicos de um ou de outro tipo. Com base
em Meadows (1999), Targino (1998, p. 67) apresenta as principais distinções en-
tre os canais formais e informais (Quadro 3), evidenciando as (des)vantagens
de cada uma delas nos aspectos de acessibilidade e uso. Para Meadows (1999,
p. 7), a “[...] comunicação informal é em geral efêmera, sendo posta à disposi-
ção apenas de um público limitado”. Dessa forma, considera que a maior parte
da informação falada bem como as cartas pessoais são, portanto, consideradas
comunicação informal. Por outro lado, o autor menciona que a comunicação
formal “[...] encontra-se disponível por longos períodos para um público mais
amplo”. (MEADOWS, 1999, p. 7) Dentre os instrumentos formais de comunica-
ção cientifica, destacam-se os periódicos, livros, teses, dissertações, relatórios
técnicos, revisões de literatura e anais de reuniões científicas.

Quadro 3 – Distinções entre os canais informais e formais de comunicação científica

CANAIS INFORMAIS CANAIS FORMAIS


Público restrito Público potencialmente grande
Informação não armazenada e não recuperável Informação armazenada e recuperável
Informação recente Informação relativamente antiga
Direção e fluxo selecionados pelo produtor Direção e fluxo selecionados pelo usuário
Redundância, às vezes, significativa Redundância moderada
Sem avaliação prévia Avaliação prévia
Feedback significativo para o autor Feedback irrisório para o autor
Fonte: adaptado de Targino (1998, p. 67).

Para Russel (2006, p. 14), a característica de maior importância e que deu à


comunicação seu caráter de formalidade foi a validação pela comunidade cientí-
fica especializada. Através dos meios impressos, pode-se dizer que a informação

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transmitida se converte em conhecimento ou, pelo menos produz as “sementes
de um novo conhecimento”. Esse assunto foi tema de discussão na Conferência
Ibero-americana de Publicações Eletrônicas no Contexto da Comunicação
Científica, realizada em Brasília, em 2006, com o artigo “Revisão pelos pares:
do tradicional ao inovador”, de autoria da professora Ida Regina C. Stumpf.
Nesse trabalho, a autora discute a importância de sistema de avaliação pelos
pares para a ciência. Conclui dizendo “[...] que a tecnologia atual está permitin-
do uma avaliação mais aberta porque o anonimato dos avaliadores não é mais
desejável”. (STUMPF, 2006, p. 47) Por sua vez, Mueller (2006, p. 33) assegura que

O sistema de avaliação sempre foi alvo de muitas críticas e até hoje não
faltam propostas de mudança. No entanto, nunca houve uma proposta
que fosse considerada melhor do que o atual sistema. A ‘verdade cientí-
fica’ é produto de consenso, permanentemente sujeita a retificação. [...]
Apesar de estar longe de um modelo ideal, o atual sistema de avaliação
prévia dos artigos é julgado absolutamente necessário como garantia
da qualidade e confiabilidade dos textos publicados.

A comunicação eletrônica, através da plataforma Web, tem mudado as for-


mas de comunicação entre cientistas. As fronteiras dos espaços que previamen-
te ocupavam a comunicação formal e informal estão diminuindo progressiva-
mente de maneira que se observa clara aproximação entre elas. Isso desafia a
existência de novas formas de comunicação que podemos chamar de híbridos
– combinam certas características que anteriormente se associavam com uma
ou outra forma de comunicação.

COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA
A Revolução das Tecnologias da Informação, segundo Manuel Castells (2000,
v. 1, p. 50), é um “[...] evento histórico da mesma importância da Revolução
Industrial do século XVIII, introduzindo um padrão de descontinuidade nas
bases materiais da economia, sociedade e cultura”.
Para Simeão e Miranda (2003), a Revolução Industrial foi responsável, de
certa forma, pela revolução informacional. As duas revoluções industriais:
tanto a desencadeada no final do século XVIII, que teve como marco central a

Comunicação científica 49

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invenção da máquina a vapor, quanto a da segunda metade do século XIX pela
invenção da energia elétrica,

[...] têm em comum a aceleração sem antecedentes históricos, o fato de


atuar no processo central de todos os processos (a energia, no caso das Re-
voluções Industriais, e a informação, no caso da Revolução das Tecnologias
da Informação), a difusão por todo sistema econômico e a penetração em
todo tecido social. Somente a segunda Revolução Industrial e a Revolução
das Tecnologias da Informação, no entanto, têm em comum o fato de se
basear em conhecimentos científicos. E somente a primeira Revolução
Industrial e a Revolução das Tecnologias da Informação têm em comum
o fato de gerar descontinuidades profundas nos mais variados setores da
vida em sociedade. (NICOLACI-DA-COSTA, 2002, p. 194)

No artigo “Mudança estrutural no fluxo do conhecimento: a comunicação


eletrônica” (1998, p. 124) Barreto, expressa as transformações da “[...] cultura
eletrônica ainda estão se delineando”. Para esse autor, a comunicação na esfera
pública formou-se a partir dos seguintes estágios:

• a comunicação oral das culturas tribais;


• a comunicação escrita da cultura tipográfica; e
• a comunicação cibernética da cultura eletrônica.

Ainda segundo ele, na comunicação oral representada pelas culturas tribais, o


fluxo da informação ocorria no momento da transmissão da mensagem, ou seja,
no tempo e no espaço. Para Simeão e Miranda, a cultura oral – auditiva e falante
– proveniente da origem tribal da humanidade determinou também as formas
primárias de construção e controle do conhecimento de forma gradativa e lenta
na medida que foram disseminados os primeiros códigos e registros comprovados
através das mudanças sociais, técnicas e orgânicas. “A cultura auditiva vivia em
um mundo fechado de ressonância tribal e com o sentido auditivo da vida. Do
ouvido sensível dependia a harmonia de todos os membros do grupo. O que um
sabia todos sabiam no mundo de espaços acústicos, simultâneos, do indivíduo
emocional, mítico e ritualista”. (BARRETO, 1999, p. 2) Já na cultura escrita, o espaço
visual é uma extensão do olho, uniforme, sequencial, contínuo e as atividades de
armazenamento e registro obedecem a essa temporalidade que deverá ser alterada
à medida em que os suportes e formatos possibilitarem novas práticas de leitura.

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[...] o homem passou a raciocinar de uma maneira linear, seqüencial,
categorizando e classificando a informação. Esta passagem da cultura
tribal para a cultura escrita/tipográfica foi uma transformação para o
indivíduo e para a sociedade tão profunda como vem sendo a passagem
da cultura escrita para a cultura eletrônica que ora presenciamos. O
desenvolvimento e a vivência da cultura escrita/tipográfica influíram
na revolução industrial e no nacionalismo radical, fatos relevantes
da história da humanidade. [...] a chegada da sociedade eletrônica de
informação modificou novamente a delimitação de tempo e espaço da
informação. Os instrumentos da tecnologia da informação forneceram
infra-estrutura para as alterações, sem retorno, das relações da informa-
ção com os seus usuários. (BARRETO, 1999, p. 2)

A Figura 1 e o Quadro 4 ilustram bem essas várias fases da comunicação da


informação. No seu artigo, Barreto (1998, p. 124) compara alguns aspectos da
comunicação oral com a comunicação eletrônica assinalando que muitas vezes
a comunicação eletrônica pode assumir “[...] uma intencionalidade tribal na pu-
blicidade dos fatos e das ideias”.

Figura 1 – Diferentes fases da comunicação da informação

Fonte: adaptada de Masuda (1980 apud BARRETO, 1998, p. 124).

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Quadro 4 – A estrutura da comunicação do conhecimento

TIPO DE COMUNICAÇÃO
Característica Oral Escrita Tipográfica Eletrônica
Fundamental Linguagem Escrita alfabética, texto Interação homem-
linear máquina
Tempo de Transferência Imediato Interação com o texto Tempo real=imediato
Espaço de Transferência Convivência auditiva Geográfico Redes integrantes
Armazenamento Memória do emissor Memórias físicas Memórias
construídas magnéticas
Relação de Audiência Um para vários Um para muitos Muitos para muitos
Estrutura da Interativa com Alfabética, sequencial, Hipertextual, com
Informação o emissor, uma um tipo de linguagem diferentes tipos de
linguagem linguagem
Interação com o Receptor Conversacional Gestual Visual, sequencial, linear Interativa
Conectividade (Acesso) Unidirecionado Unidirecionado Multidirecionado
Fonte: adaptado de Barreto (1998, p. 124).

Na Figura 2, o fluxo tradicional da informação pelo documento escrito é


traduzido por Aldo Barreto (1998, p. 125) como “rituais de ocultamento” no que
se refere ao processamento da informação para armazenamento e recuperação.

Figura 2 – Fluxo tradicional de informação

Fonte: adaptada de Barreto (1998, p. 125).

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Para esse autor, a comunicação eletrônica “[...] altera fundamentalmente o flu-
xo de informação e conhecimento [...]” (BARRETO, 1998, p. 125-126), (Figura 3),
influindo nos seguintes aspectos apresentando algumas características que apa-
recem a seguir:

Figura 3 – Fluxo da informação multiorientado

Fonte: adaptada de Barreto (1998, p. 125).

• Interação do receptor com a informação – o receptor da informação


deixa a sua posição de distanciamento em relação ao fluxo de infor-
mação e passa a participar de sua fluidez como se estivesse em seu in-
terior. Sua interação com a informação é direta, conversacional e sem
intermediários;
• Tempo de interação – o receptor conectado on-line desenha a sua pró-
pria interação com o fluxo de informação em tempo real, isto é, com
uma velocidade que reduz o tempo de contato a zero. Essa velocidade
de acesso e uso o coloca em nova dimensão para o julgamento de valor
da informação. O receptor passa a ser o árbitro da relevância;
• Estrutura da mensagem – num mesmo documento, o receptor tem
a chance de elaborar a informação em diversas linguagens, integran-
do texto, imagem e som. Não está atrelado a uma estrutura linear de
informação, que passa a ser associativa, em condições de hipertexto.
Cada receptor interage com o texto da mensagem circularmente, e cria

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o seu próprio documento com a intencionalidade de uma percepção
orientada por sua decisão;
• Facilidade de ir e vir – a dimensão de seu espaço de comunicação é
ampliada por uma conexão em rede. O receptor percorre diferentes
memórias ou estoques de informação nos momentos distintos.

Nesse contexto, a comunicação científica ampliou seus espaços com a ado-


ção das tecnologias de comunicação eletrônica por parte dos pesquisadores,
permitindo maior velocidade e flexibilidade na possibilidade de acesso e no
uso da informação. As mudanças na estrutura dos sistemas de comunicação
científica são mais evolucionárias que revolucionárias, e defende de duas coisas
relativamente claras: a transição, diante do aparecimento das novas estruturas
de comunicação; e a vinculação ao progresso e a difusão das tecnologias de in-
formação e comunicação. (RUSSEL, 2001)

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL


Foram os padres jesuítas que desenvolveram as primeiras ações conceituadas
como bases científicas realizadas no Brasil. Entre 1556 e 1595, foram publicados:
O diálogo sobre a conversão dos pagões, de Pe. Cardim, As cartas de Nóbrega
e Arte de gramática da língua mais falada na costa do Brasil, do Pe. José de
Anchieta. (BAIARDI, 2002)
Entretanto, foi durante a ocupação holandesa no Nordeste, no governo do
Conde Maurício de Nassau, que se inaugurou no Brasil colonial uma época
de atividades científicas com maior qualidade, quantidade e organização do
trabalho científico. A publicação da História Naturalis Brasiliae, em 1648, foi
considerada “[...] uma obra capital pela riqueza de dados e de observações, e a
mais notável publicada sobre a medicina, a flora e a fauna do país, nos tempos
coloniais”. (AZEVEDO, 1958, p. 133)
No entanto, “[...] os empreendimentos científicos dos holandeses não ge-
raram maior interesse no Brasil em razão da tendência lusitana de valorizar a
educação com maior relevo às humanidades latinas”. (BAIARDI, 2002, p. 114)
Ainda assim, durante o reinado de D. João VI, merecem destaque algumas
manifestações científicas: a elaboração das cartas com os limites do Brasil e a
[...] identificação de fronteiras [...], redefinindo limites mais racionais e menos

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sujeitos a contestações da parte da Coroa Espanhola [...]”. (BAIARDI, 2002, p. 115)
De acordo com Anísio Teixeira (1989), a Universidade de Coimbra foi a “primeira
universidade” que acolhia os filhos da elite portuguesa que nasciam nas colônias,
visando desenvolver uma homogeneidade cultural em relação à Colônia. Para
Schwartzman (1977, p. 2),

Os portugueses não trouxeram para o Brasil a Universidade, mas as


escolas profissionais. As escolas de medicina, as academias militares, e,
pouco depois, os cursos jurídicos, não tinham por objetivo desenvolver
o conhecimento, pensar livremente sobre a natureza e a sociedade, mas,
tão e simplesmente, formar quadros bem treinados para as necessidades
do corpo, da defesa do Estado e da propriedade, e da própria organi-
zação e desenvolvimento da máquina administrativa governamental.

As primeiras tentativas de criação de universidades no Brasil não tiveram


êxito tanto por parte de Portugal, como reflexo da sua política colonizadora,
como também por parte de alguns brasileiros que não julgavam viável a cria-
ção de uma instituição desse gênero no país. (AZEVEDO, 1958; FÁVERO, 1977)
A primeira instituição de ensino superior criada no Brasil foi a Faculdade
de Medicina da Bahia, no final do Império. De início, Escola de Cirurgia, criada
pela Carta Régia de 18 de fevereiro de 1808. Em dezembro de 1815, passa a cha-
mar-se Academia Médico-Cirúrgica e, finalmente, com o Decreto de 3 de outu-
bro de 1832, recebe o nome de Faculdade de Medicina da Bahia.5 (AZEVEDO,
1958; FÁVERO, 1977)
Monteiro (1999, p. 113-114) identifica dois períodos distintos na evolução de
instituições científicas: de criação e de consolidação.

O primeiro período, de 1880 a 1900, caracterizou-se por uma ênfase na


atividade geológica e geográfica, com a criação de comissões de geografia
e de geologia. Tais comissões tinham como principal finalidade a busca
de alternativas econômicas para a exploração de minerais e vegetais.
Isto, porém, tinha como precondição um maior conhecimento do meio
ambiente, estudando suas potencialidades. Um outro marco importante

5 A Universidade da Bahia foi criada com o Decreto-Lei nº 9.155, de 8 de abril de 1946, sendo instalada
em 2 de julho do mesmo ano. Em 1968, com a reforma universitária passa a chamar-se Universidade
Federal da Bahia (UFBA).

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foi a criação de institutos voltados para a aplicação na área biomédica,
como o Instituto Bacteriológico de São Paulo em 1893, o Butantã em
1899 e Manguinhos em 1900.

O segundo período,

[...] aproximadamente entre os anos de 1915 e 1930, pode ser caracte-


rizado como de consolidação e de fortalecimento de alguns órgãos e
áreas de pesquisa voltados, em sua maioria, para a ciência ou pesquisa
aplicada, de caráter prático e emergente. Observou-se o esvaziamento e
declínio de outros órgãos, seja pela troca de seus idealizadores e líderes,
como também pela falta de interesse da sociedade e do governo, por
não conseguir vislumbrar resultados imediatos, de curto prazo, para
algumas dessas atividades. (MONTEIRO, 1999, p. 105)

Entre as décadas de 1920 e 1930, graças ao esforço de intelectuais esclare-


cidos, as primeiras iniciativas universitárias ganham fôlego. Em 1920, surge a
Universidade do Rio de Janeiro, em 1927, a reunião das quatro escolas de nível
superior existentes em Belo Horizonte permitiu a criação da Universidade de
Minas Gerais e, em 1928, a Universidade do Rio Grande do Sul.
No entanto, a consolidação das pesquisas no início do século XX aconteceu
fora do sistema universitário nacional. De maneira geral, as iniciativas cientí-
ficas dependeram de pesquisadores estrangeiros e/ou brasileiros formados no
exterior, a maioria na Europa. (MONTEIRO, 1999)

CONCLUSÃO
O primeiro estudo a ocupar-se de maneira mais ampla da difusão da ciência
foi o artigo de autoria de George Basalla, historiador norte-americano, intitu-
lado The spread of Western Science, publicado em 1967. (DANTES, 2001) Tal
estudo promoveu avanços “[...] sobre os mecanismos de difusão científica e a
implantação de atividades científicas nos diferentes contextos nacionais [...]”.
(DANTES, 2001, p. 15)
No Brasil, o livro de Fernando Azevedo, As ciências no Brasil, publicado em
1950, representa o estudo de maior alcance do ponto de vista sociológico, uma
vez que buscava entender o desenvolvimento das áreas científicas no Brasil.

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(DANTES, 2001) No entanto, segundo essa mesma autora (DANTES, 2001),
considera-se como marco histórico das ciências no Brasil o livro da historiado-
ra inglesa Nancy Stepan, Beginnings of Brazilian Science, datado de 1975, no
qual analisa a partir da história do Instituto Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, o
desempenho das instituições científicas, dos cientistas e do Estado brasileiro,
bem como se formou a ciência experimental no país.
Além dos autores anteriormente citados, no final da década de 1970, surgi-
ram algumas obras de autores brasileiros que muito contribuíram para as dis-
cussões sobre a ciência, tecnologia e desenvolvimento nacional. Dentre elas es-
tão: a Formação da comunidade científica no Brasil, de Simon Schwartzmann,
publicada em 1979, e a História das ciências no Brasil, publicada entre 1979 a
1981, composta de três volumes, de autoria de Mário Guimarães Ferri e Shozo
Motoyama.
Notadamente, nas últimas décadas, o desenvolvimento das tecnologias de
informação e comunicação é utilizado como elemento fundamental para a re-
flexão sobre as transformações na produção dos conhecimentos científicos e da
difusão das tecnologias digitais na vida acadêmica, criando diferentes formas
de fazer ciência.

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CAPÍTULO 3

A ESTRUTURA DAS REVOLUÇÕES


CIENTÍFICAS E A RELAÇÃO
MENTE-CÉREBRO

JÉSSICA PLÁCIDO SILVA


JOSÉ GARCIA VIVAS MIRANDA

INTRODUÇÃO
O livro A estrutura das revoluções científicas, escrito por Thomas S. Kuhn e
lançado em 1962, baseia-se na compreensão de que o avanço da ciência não
acontece por acumulação de informações, descobertas e conceitos. O acúmulo
não acontece, ou é muito difícil, porque uma nova teoria incidiria diretamente
nos estudos que já foram realizados e finalizados com sucesso, o que exigiria
uma alteração de tais estudos. Como os cientistas raramente estão dispostos a
realizar tal alteração, é mais acessível rotular as novas ideias como erros, mitos
ou superstições. (KUHN, 1989)
Os cientistas que associam às ideias dominantes de um determinado pe-
ríodo histórico precisam de crenças arbitrárias para que suas pesquisas sejam
realizadas. Essas crenças normalmente envolvem respostas para as perguntas:

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quais são as entidades fundamentais que compõem o universo? Como intera-
gem essas entidades umas com as outras e com os sentidos? As buscas dessas
respostas, antes de serem conceitos arbitrários, foram construídas por uma
série de pesquisadores e teóricos, sendo raramente empreendidas por uma
única pessoa.
Foram com essas observações que Thomas Kuhn pôde cunhar A estrutura
das revoluções científicas, sendo essa estrutura um processo cíclico e em cons-
tante mudança: fase pré-paradigmática ciência normal, crise, revolução, nova
ciência normal, nova crise, nova revolução. (CHIBENI; MOREIRA-ALMEIDA,
2007)
Essas fases podem ser percebidas sobre diversas áreas do conhecimento ao
longo do tempo. Não é diferente quando o assunto é a relação mente-cérebro.
Estudos sobre a relação mente-cérebro visam responder às questões como: a
mente existe? Como ela foi criada? Ela sobrevive ao cérebro ou é dependente
dele? Essas perguntas apresentam algumas respostas possíveis, sendo que cada
resposta se encontra em uma fase diferente no que se refere à estrutura das
revoluções científicas. Então, o objetivo deste capítulo é discutir a relação
mente-cérebro a partir da epistemologia de Thomas Kuhn.

CIÊNCIA NORMAL
A fase da ciência normal deve-se ao triunfo de uma das escolas pré-paradig-
máticas que concorriam para se tornarem paradigmas. Para triunfar, a teoria
pré-paradigmática precisa ser mais eficaz do que as outras em explicar um mon-
tante de fenômenos e, por isso, parecer melhor que suas competidoras, embora
não seja capaz de explicar todos os fatos com que for confrontada. (KUHN, 1989)
Assim que uma teoria for aceita como “paradigma” pela comunidade cientí-
fica, ela torna-se a chamada “ciência normal”, sendo os dois termos tidos como
sinônimos. Na ciência normal, os pesquisadores não se preocupam em cunhar
e justificar termos, nem iniciar seus trabalhos com explicações sobre os princí-
pios necessários para construção do trabalho.
Segundo Kuhn (1989), essa tarefa fica a cargo dos manuais. Sendo assim, o
trabalho dos cientistas trata-se de descobrir novos caminhos para chegar a resul-
tados já conhecidos, de concentrar-se em aspectos mais sutis que não puderam

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ser explicados anteriormente ou de “tirar ambiguidades do paradigma e tor-
ná-lo mais preciso”. (KUHN, 1989, p. 55) Essa atividade é como um trabalho de
limpeza árduo e fascinante, e é vital para o estabelecimento do paradigma. Esse
é o tipo de pesquisa da ciência normal.
Os pesquisadores da ciência normal seguem um “conjunto de regras e padrões
para prática científica” (KUHN, 1989, p. 30), que é devido a um compromisso
com esse paradigma. Um cientista não pode simplesmente abandonar um pa-
radigma, pois caso isso ocorra, ele abandonará a ciência que o define. Portanto,
quando um pesquisador escolhe um paradigma, ele seleciona também quais
tipos de problemas ele irá estudar, sendo que tais problemas precisam apresen-
tar uma solução possível. O mundo passa a ser compreendido dentro daquela
teoria e o cientista ocupa-se em ampliar a precisão e o alcance dela.
Frequentemente, a ciência normal não enxerga fenômenos que ultrapas-
sem as limitações do paradigma, o que impede que esses fenômenos sejam in-
corporados à teoria dominante. Nem tampouco os cientistas têm interesse em
criar teorias. Nessa fase, a pesquisa é destinada a articular fenômenos e teorias
já conhecidos. (KUHN, 1989)

RELAÇÃO MENTE-CÉREBRO E A CIÊNCIA NORMAL


No que se refere à relação mente-cérebro, a neurociência apresenta uma concep-
ção dominante que é uma concepção materialista ou fisicalista, em que a mente
não existe ou é um produto do cérebro, um epifenômeno deste. (MOREIRA-
ALMEIDA, 2013a) Nessa tese fisicalista, estudar o cérebro, as reações físico-quí-
micas e seus processos neurais iriam, inevitavelmente, chegar à conclusão do
que é a mente ou a experiência consciente. (ARAÚJO, 2013) Os principais ex-
poentes dessa área são Dennet, Churchland, Nagel, McGinn, Popper e Eccles,
Sellars, Stapp e Swinburne, citados por Chalmers (2002).
Patrícia Churchland (1997) apresenta em seu artigo que as funções psicoló-
gicas, como, aprendizado, memória, planejamento, percepção, sono e sonho,
atenção e consciência são capacidades do cérebro humano. Ela acrescenta que
a via para compreensão desse mecanismo é o reducionismo dos processos psi-
cológicos aos neurobiológicos, de modo que os macroníveis – processos psi-
cológicos – sejam explicados em termos de microníveis – processos neurais.

A estrutura das revoluções científicas e a relação mente-cérebro 63

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 63 13/05/2021 11:42


Churchland (1997) assume uma possibilidade do fenômeno de emergência da
mente através das redes neurais e enfatiza a importância de estudar os micro-
níveis (processos neurais). A autora, ainda, reconhece a dificuldade em chegar
a conclusões de como o cérebro produz a mente, mas afirma sua certeza nessa
hipótese, acrescentando que não é impossível chegar a essa resposta, embora
afirme não saber quanto tempo terá de esperar.
Saulo Araújo (2013) comenta o quanto esse pensamento reducionista in-
fluencia a ciência atual, de modo que o número de publicações acadêmicas
em neurociências cresceu vertiginosamente, principalmente com a adição de
novas tecnologias de neuroimagem. Nas universidades e fora delas, existem
muitos grupos de estudos destinados a estudar processos neurais. O autor re-
corda como o período de 1990 a 1999 foi denominado “década do cérebro” nos
Estados Unidos, sendo tal entusiasmo motivado pela crença de que estudar os
processos neurais ofereceria resposta para grandes problemas da consciência
humana. Além disso, os diversos manuais de neurociência tratam invariavel-
mente sobre a neuroanatomia funcional, que afirma que para todos os processos
psicológicos há uma área correlata causal no cérebro.
Assim sendo, é possível afirmar que a ciência normal da relação mente-cérebro
repousa em ideias como a de Patrícia Churchland (1997), uma ideia eminen-
temente materialista e reducionista. Outras explicações, como o dualismo de
Platão e Descartes e o monismo espiritual são descartadas veementemente e
ainda são atribuídas ao senso comum ou ao domínio religioso.
Pesquisadores que adotaram essas concepções ou dedicaram suas vidas a
estudar estados alterados de consciência, como hipnose e mediunidade, foram
amplamente negligenciados pela pesquisa e prática em psiquiatria. (ALMEIDA;
LOTUFO NETO, 2003) Muitos estudos nessa área realizados por pesquisadores
proeminentes – William James, Frederic Myers, Allan Kardec, William Crookes,
Camille Flammarion, Gabriel Delane, Pierre Janet, Carl G. Jung, Ian Stevenson,
Theodore Flournoy, Johann K. F. Zoellner, Oliver Lodge, Alexander Aksakof,
Alfred Russell Wallace, William McDougall, entre outros – são desconhecidos
pela maioria dos acadêmicos da atualidade, embora tenham sido vitais para
construção de conceitos importantes para psicologia, como, o inconsciente.
(MOREIRA-ALMEIDA, 2013b)

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 64 13/05/2021 11:42


A CRISE PARADIGMÁTICA
Não raro, surgem novos fenômenos a partir do uso de técnicas, regras e proce-
dimentos típicos da ciência normal, esses fenômenos são chamados por Kuhn
de anomalias. Quando a anomalia aparece uma ou poucas vezes, ela não é con-
siderada um problema. Em outros casos, os defensores do paradigma elaboram
articulações e modificações ah hoc para eliminar os conflitos. Nas situações em
que elas são muitas e persistentes – o que significa que não é possível encontrar
adequações das anomalias ao paradigma –, normalmente atribui-se a incompe-
tência ao cientista, não à teoria.
Para que a anomalia gere uma crise, é preciso muito mais do que apenas uma
anomalia, pois a comunidade científica não estará tão disposta a abandonar
toda a teoria em que se baseou em seus anos de pesquisa. “Em muitos casos, os
cientistas estão dispostos a esperar” (KUHN, 1989, p. 102) ou a trabalhar muito
para adequar essa anomalia ao paradigma vigente.
Para Kuhn (1989), não tem uma resposta geral sobre o tipo de anomalia que
levará a uma crise, mas, normalmente, envolve uma questão muito difícil de ser
respondida pela ciência normal, bem como uma quantidade grande de cientistas
eminentes dedicando-se a debruçar-se sobre as questões da anomalia. Em algumas
situações, a resolução da anomalia passa a ser o objeto de estudo de cientistas.
Outro fator relevante para levar a uma crise é o número de anomalias exis-
tentes, o que seguirá a consciência da anomalia por parte da comunidade cien-
tífica. Essa consciência trata-se do “reconhecimento de que de alguma maneira
a natureza violou as expectativas paradigmáticas que governam a ciência nor-
mal”. (KUHN, 1989, p. 78) A consciência é requisito fundamental para todas as
mudanças de teoria aceitáveis.
A crise, período de insegurança profissional, é pré-condição para o surgimento
de novas teorias. Segundo Kuhn (1989), as crises podem terminar de três maneiras:

• A ciência normal revela-se capaz de tratar do problema que provoca


a crise;
• O problema resiste até mesmo a novas abordagens aparentemente ra-
dicais (os cientistas chegam à conclusão de que não são capazes de
responder à questão no momento e delegam à geração futura essa re-
solução);
• A emergência de um novo paradigma, com a necessidade de batalhar
por sua aceitação.

A estrutura das revoluções científicas e a relação mente-cérebro 65

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 65 13/05/2021 11:42


Normalmente, a emergência de novos paradigmas segue essas três caracte-
rísticas: (1) “a consciência prévia da anomalia, (2) o reconhecimento – gradual
e simultâneo – tanto no plano conceitual como no plano observacional e (3) a
mudança das categorias e procedimentos paradigmáticos”. (KUHN, 1989, p. 89)
A transição de paradigma ocorrerá quando houver um novo paradigma ca-
paz de substituir o anterior, portanto, a transição não é um processo cumulativo
de articulação entre os paradigmas. O novo paradigma exige uma reconstrução
de conceitos, termos e de métodos e aplicações: um novo conjunto de regras.
Assim sendo, a ciência não será mais a mesma.
Thomas Kuhn (1989) revela que a transição será encampada por cientistas
jovens ou que estão iniciando seus estudos sobre as questões de determinado
paradigma. Isso ocorre porque esses jovens cientistas estarão pouco comprome-
tidos com o conjunto de regras da ciência normal e por isso têm mais probabi-
lidade de mudar para outras regras.

A RELAÇÃO MENTE-CÉREBRO E A CRISE PARADIGMÁTICA


Pesquisadores dualistas ou monistas espiritualistas são incansáveis e, mesmo
não incorporados à ciência normal, continuaram seus estudos sobre a relação
mente-cérebro. Atualmente, com o avanço da neurociência e de seus equipa-
mentos, esses tipos de estudo ganharam um novo contorno, já que “favorecem
investigações sobre os correlatos neurais de experiências complexas, uma vez
que a dinâmica cerebral pode ser observada in vivo durante situações contro-
ladas”. (PERES; NEWBERG, 2013, p. 227)
Em 2012, foi realizado um estudo que pretendia investigar a natureza neu-
rofisiológica da mediunidade dissociativa em psicografia medida por altera-
ções no fluxo sanguíneo cerebral utilizando a tomografia computadorizada
com emissão de fóton único. (PERES et al., 2012) Psicografia é um tipo de me-
diunidade definida pela “experiência de escrever o que o espírito comunica”.
(PERES; NEWBERG, 2013, p. 227) O principal objetivo do estudo era “deter-
minar se esse tipo de estado de transe dissociativo se relaciona com alterações
específicas na atividade cerebral que sejam distintas das verificadas quando
se escreve normalmente, isto é, fora de um estado de transe dissociativo”.
(PERES et al., 2012, p. 2)

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 66 13/05/2021 11:42


A hipótese nula do estudo era que as áreas envolvidas em processos cogni-
tivos quando se escreve conscientemente, tais como raciocínio, criatividade e
planejamento de conteúdo, deveriam mostrar ativação semelhante durante o
transe mediúnico. Essa hipótese não foi confirmada, sugerindo que essas áreas
cerebrais não são tão ativadas durante o transe, apesar dos textos escritos em
transe apresentarem uma maior complexidade textual. (PERES et al., 2012)
Esse estudo representou um grande avanço em pesquisas desse gênero rela-
cionando experiências anômalas e neuroimagem e inspirou trabalhos, como o
de Mainiere e demais autores (2017), Delorme e demais autores (2013) e Bastos
Júnior e demais autores (2016). Todos os quatro estudos citados apresentavam
resultados anômalos, mesmo que utilizando todos os métodos e procedimentos
requeridos pela ciência normal.
Além de pesquisas com mediunidade, o Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e
Saúde (Nupes) do Brasil, localizado na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
em Minas Gerais, já promoveu dois Simpósios Internacionais Mente-Cérebro nos
anos de 2016 e 2017 e dois Congressos Internacionais de Espiritualidade e Saúde
em 2018 e 2019. O número de congressistas foi crescente a cada evento, atingin-
do 700 participantes no ano de 2019. Em todos os eventos, a discussão versava
principalmente sobre a importância de muitos pesquisadores debruçarem-se
sobre fenômenos anômalos envolvendo a relação mente-cérebro. O Nupes está
atualmente desenvolvendo dois censos nacionais sobre experiências de quase-
-morte e casos sugestivos de reencarnação, em parceria com a Universidade da
Virgínia, nos Estados Unidos.
Tudo o que foi dito sobre a relação mente-cérebro e a crise paradigmática
leva a uma busca por um novo paradigma para responder a essa questão, mas
nem todos os autores pensam dessa forma. Churchland (1997) não se preocupa
em delegar essas respostas às gerações futuras, pois sabe o quão difícil pode ser
para solucionar o problema e Nagel (1974 apud CHALMERS, 2002) assume que
tal problema jamais será resolvido. Apesar dessas afirmações, ambos os autores
seguem sendo materialistas.

A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA
A revolução científica advém da crise paradigmática. O que interessa para ser
revolucionária, é se ela assim parece para as pessoas que são afetadas por ela.

A estrutura das revoluções científicas e a relação mente-cérebro 67

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 67 13/05/2021 11:42


O critério máximo para a escolha de um paradigma é se a própria comunidade
científica que se debruça sobre o fenômeno consentiu que ela fosse escolhida.
A nova teoria precisa ser divergente da sua predecessora nos aspectos que
possibilitam a resolução das anomalias. Portanto, as abrangências das novas
teorias serão proporcionais à extensão da anomalia que a pronunciou. (KUHN,
1989) O antigo e o novo paradigmas são irreconciliáveis.
Assim sendo, o novo paradigma exige uma nova definição de ciência e uma
mudança profunda dos critérios que determinam a legitimidade, tanto os pro-
blemas científicos, como das soluções propostas para tais problemas. A depen-
der, os problemas antigos podem ser incorporados à nova teoria, mas podem
ser classificados como a-científicos.
Kuhn (1989, p. 146) afirma que “quando o paradigma muda, o mundo tam-
bém muda, pois, a percepção de mundo que o cientista tem de seu meio am-
biente precisa ser reeducada”. Os cientistas relatam que “vendas caem dos olhos
[...] ou uma ‘iluminação repentina’ que ‘inunda’ um quebra-cabeça que antes
era obscuro, possibilitando que seus componentes sejam vistos de uma nova
maneira”. (KUHN, 1989, p. 158)

A RELAÇÃO MENTE-CÉREBRO E A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA


Um manifesto por uma ciência pós-materialista foi escrito e assinado por di-
versos autores de diferentes categorias: medicina, psicologia, neurologia, psi-
quiatria. (BEAUREGARD et al., 2014) O que basicamente o manifesto apresen-
ta é a discussão de que a ciência se tornou sinônimo de materialismo – ciência
normal –, mas que isso pode causar prejuízos aos avanços científicos. O texto
cita diversas pesquisas em que atividades mentais influenciam e modificam o
cérebro e o corpo, como: experiências de quase-morte, efeitos de psicoterapia,
efeito placebo, mediunidade, forte crença em algo, entre outros. Estudos desse
tipo suportam a hipótese que a mente pode estar separada do cérebro.
O manifesto sugere que chegou o momento de nos despirmos da concepção
materialista de mundo – que não tem oferecido respostas consistentes para o
problema mente-cérebro – e abracemos o paradigma pós-materialista – revolu-
ção paradigmática. Segundo os autores, o paradigma pós-materialista apresenta
os seguintes princípios:

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• A mente representa um aspecto da realidade tão importante quando
o mundo físico. A mente é fundamental no universo e não pode ser
derivada da matéria ou reduzida a algo mais básico;
• Há uma profunda interconexão entre a mente e o mundo físico;
• A mente pode influenciar estados do mundo físico e operar de forma
não local, ou seja, não está restrita a um espaço – como o cérebro ou o
corpo – ou a um tempo – como o presente. Assim sendo, será muito di-
fícil realizar experimentos isolados, controlados ou cegos para avaliar
intenções, emoções e outros processos mentais;
• A mente é aparentemente ilimitada e pode se unir a uma mente una,
que inclui todas as mentes individuais;
• Experiências de quase-morte sugerem que o cérebro é um transceptor
da atividade mental, ou seja, a mente é capaz de trabalhar através do
cérebro, mas não é produzida por ele. Tais estudos, corroborados com
outros de mediunidade, sugerem que a mente sobrevive à morte física
e que existem outros níveis de realidade não físicos;
• Cientistas não devem temer os estudos sobre espiritualidade e expe-
riências espirituais, pois estes fazem parte da experiência humana.

É muito importante ressaltar que o paradigma pós-materialista não rejeita


pesquisas empíricas e reconhece o valor das descobertas científicas até o mo-
mento, mas procura ampliar a compreensão humana sobre a natureza e propõe
a redescoberta da importância da mente e do espírito como parte do tecido do
universo. Inclusive, o pós-materialismo inclui a matéria como um elemento
básico do universo.
O novo paradigma procura expandir a capacidade humana de compreender
melhor as maravilhas da natureza e, no processo, redescobrir a importância da
mente e do espírito como parte central do universo. Tal como dito por Kuhn, a
revolução paradigmática oferece uma nova visão de mundo. Os autores afirmam
que o pós-materialismo irá alterar fundamentalmente a visão que temos de nós
mesmos, do outro e da natureza como um todo, gerando uma profunda conexão
entre os seres e o desenvolvimento de valores como compaixão, respeito e paz.
O desenvolvimento de valores não são ideias novas, mas foram esqueci-
das por 400 anos, embora mantidas em tradições religiosas e contemplativas.
A revolução científica para o pós-materialismo pode transformar a evolução da
civilização humana, podendo ser mais impactante do que a transição do geo-
centrismo para o heliocentrismo. (BEAUREGARD et al., 2014)

A estrutura das revoluções científicas e a relação mente-cérebro 69

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 69 13/05/2021 11:42


CONCLUSÃO
Conforme apresentado ao longo do trabalho, as respostas para o problema da
relação mente-cérebro puderam ser analisadas através das fases da revolução
científica, conforme apresentado por Thomas Kuh (1989). Em suma:
Ciência normal – materialismo: o cérebro cria a mente ou a mente é igual
ao cérebro. A neurociência se baseia nessa concepção para construção dos ma-
nuais de neuroanatomia, neuropsicologia, entre outros.
Crise paradigmática – diversos fenômenos anômalos verificados por pesqui-
sas que utilizam os mesmos instrumentos da ciência normal apresentam resul-
tados que contrastam com a resposta materialista. Há também uma crescente
quantidade de pesquisadores dedicando suas carreiras acadêmicas a estudar
esses fenômenos.
Fase pré-paradigmática é possível revolução científica – o paradigma pós-ma-
terialista apresentado por diversos autores proeminentes nas áreas de psicolo-
gia, psiquiatria, neurociências e outros sugere outra concepção para o problema
mente-cérebro. Segundo os autores, a mente é não local, influencia o cérebro,
mas é independente dele e sobrevive a ele.
Certamente, a trajetória será longa e será preciso batalhar bastante para que
o paradigma pós-materialista triunfe. É uma jornada de muitos, em que cada
pesquisador fará sua parte para contribuição dessa mudança. O que nos move
é a crença de que essa mudança é vital e urgente para uma outra concepção so-
bre a natureza e o mundo, o que gerará uma profunda transformação na forma
em que vivemos e nos relacionamos.

REFERÊNCIAIS
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estados alterados de consciência e experiências anômalas. Archives of Clinical
Psychiatry, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 21-28, 2003.
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70 Jéssica Plácido Silva | José Garcia Vivas Miranda

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A estrutura das revoluções científicas e a relação mente-cérebro 71

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 71 13/05/2021 11:42


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CAPÍTULO 4

ANÁLISE COGNITIVA:
ensaio para uma crítica ao
modelo cartesiano

MOISÉS DOS SANTOS VIANA


KATHIA MARISE BORGES SALES

INTRODUÇÃO
Na atual conjuntura de produção de conhecimento, vive-se numa crise para-
digmática do modelo que marca a concepção de racionalidade. Esse modelo de
500 anos de avanços das ciências modernas em que sua relação com o mundo-
-humano aponta para uma centralidade de concepções reducionistas, sujeito-
-objeto, em um universo complexo, ofuscando elementos de complexidades e
quase desconhecido na perspectiva científica cartesiana. As reduções cartesia-
nas nos trazem algumas certezas obtusas: saber cada vez mais de cada vez me-
nos, implicando daí em processos sistemáticos-racionalizantes, reducionistas-
-centralizantes e, por sua vez, o conhecimento é instrumentalizado como força
política e econômica, silenciadora de processos comunitários, de relações sociais
cognitivas, apagamentos de perspectivas e colonialismos mentais.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 73 13/05/2021 11:42


A crise atual que passa o paradigma de pensamento ocidental denunciado
é uma crise permanente que muda de direção à medida em que avançamos
nos processos e tentativas de busca e investigações sobre a realidade. Quando
observamos os modelos escolares, criação, desenvolvimento e transmissão de
saberes, nos damos conta de uma estrutura modelar cognitiva centrada em
modelos específicos, datados e geopoliticamente marcados no eurocentrismo
cartesiano que busca o entendimento dos recortes: “[...] segundo o qual não se
pode entender nenhuma porção do mundo, a menos que a vejamos no con-
texto do universo como um todo. Em consequência, a única realidade é o todo”.
(RUSSELL, 2001, p. 363)
O pensamento cartesiano tenta sintetizar essa descoberta na célebre frase:
“penso, logo existo”, resume a capacidade do ser humano de, em sua existência,
poder reconhecer-se em seu âmago racional e autoconsciente. De acordo com
Russell (2001, p. 281), essa filosofia deixou marcas consideráveis no pensamento
ocidental: “[...] influenciou a filosofia européia desde então, tanto no campo ra-
cionalista como no espírito”. O pensamento cartesiano prosseguiu influencian-
do o materialismo dos séculos XVIII e XIX, apresentando uma visão de mundo
físico e biológico. (REALE; ANTISERI, 1990)
No contexto apresentado, com a ampliação dos processos científicos e so-
ciais, surgem as primeiras reações ao dogmatismo científico e o desejo de am-
pliar a noção de certo, verdadeiro e válido. Daí, nasce o processo de classificar
o conhecimento laico e corriqueiro, bem como o que necessita de um consenso
social estabilizado, aplicável em um processo social de divulgação. Nessa at-
mosfera, reconhecemos os tipos de conhecimentos possíveis que vai formando
a Análise Cognitiva (AnCo). “O conhecimento pode ter tipologias denominadas
organização social do conhecimento, a qual se refere à organização do cotidia-
no”. (RODRIGUES; CERVANTES, 2015, p. 157)

ANÁLISE COGNITIVA
Em AnCo, o conceito de razão tenta sair das marcações cognitivas cartesianas e
toma uma proporção para desenvolvimento de novas referências epistemológicas,
multirreferenciadas, polilógicas, sistêmicas, difusivas. “E pode ser denominada

74 Moisés dos Santos Viana | Kathia Marise Borges Sales

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 74 13/05/2021 11:42


conhecimento em ação, que é a necessidade de consenso social, registrado e so-
cializado para gerar novo conhecimento”. (RODRIGUES; CERVANTES, 2015, p.
157) Daí, a perspectiva da AnCo como elemento de crítica que possa ser usada
na abordagem de conhecer a realidade.
A preocupação com as inserções sociais e diálogos com outras matrizes
sociais fazem surgir as abordagens possíveis da AnCo que, por sua vez, é uma
atividade e uma concepção de conhecimento relacionado com a complexida-
de que o mundo se encerra em que se pode aplicar na vida e nas sociedades
humanas no processo de descrição da realidade ou na sua construção:

Terminamos por pensar que a análise cognitiva não pode ser vista a
não ser como um campo complexo, que se constitui e se organiza, pelo
menos, a partir de uma pluralidade de elementos de outras áreas e, que,
na interação, vão estabelecendo possibilidades dessa configuração.
(FRÓES BURNHAM, [19--] apud RIOS, 2012, p. 182)

A partir do conceito de AnCo, partimos para a construção de uma análi-


se de cinco artigos, sorteados a partir de uma abordagem analítica, possibili-
tando utilizar a metodologia da AnCo no processo de construção do campo
e formação de analistas cognitivos formado no processo de análise. No pri-
meiro momento da AnCo, buscou-se investigar, nos últimos anos (2018-2019),
a incidência do termo “análise cognitiva” na Plataforma dos Periódicos da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), na-
quilo que chamamos de base de origem sobre AnCo nesta preliminar, houve
um processo de busca e preenchimento por parte dos discentes matriculados
no componente curricular.
Desse modo, procurou-se construir uma série de mapas conceituais, desta-
cando os elementos observados nos cinco artigos analisados e previamente de-
finidos como: área, pertinência, objetivo, foco, aspectos relevantes, autor, teoria,
epistemologia e metodologia. Feito isso, há um breve confronto com o que foi
apresentado e construído sobre esses artigos: a fundamentação e perspectiva
cartesiana. Como nesses artigos aparece o pensamento cartesiano? E como a
AnCo pode se consolidar na sua localização e atualização de uma concepção
de sujeito e objeto?

Análise cognitiva 75

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Figura 1 – Cinco artigos analisados. Descrição material-temporal que se organiza na AnCo

Fonte: elaborada pelos autores.

Os questionamentos elencados foram fundamentais para definir os elementos


que buscamos analisar nos artigos selecionados. Antes da análise, fizemos uma
breve apresentação da ideia de sujeitos de pesquisa, do objeto de pesquisa, das
relações basilares da concepção de conhecimento cartesiano com conhecimento
contemporâneo atual utilizado nos artigos analisados. Apontamos algumas pers-
pectivas: a) esses artigos são baseados na concepção do modelo de subjetividade
cartesiana – sujeito x objeto – e um mundo possível de ser descrito, analisado
e reduzido, mesmo que em alguns casos os artigos fogem do script do paradig-
ma cartesiano; b) a forma como usamos para apresentar a AnCo dos artigos é
visual em mapas conceituais elaborados por nós, em um processo de tentativa
de criticar os fundamentos cartesianos presos a estatísticas puras.
Em nossa visão, é importante buscar um modelo que permita uma AnCo com
a perspectiva, mesmo tímida, de usar mapas: “Desse modo, há os mapas concei-
tuais que procuram refletir a organização conceitual de alguma área do conhe-
cimento, indicando a relação entre os conceitos”. (RODRIGUES; CERVANTES,
2015, p. 166) Tratar o conceito, conceber cada artigo como um conceito a ser
mapeado é uma ação criativa para tentar contribuir na formação da área.
No contexto do ápice da modernidade, com o avanço das epistemologias
questionadoras, podemos dizer que as coisas perdem a ordem já estabelecida
e assumem um caráter dinâmico, porque tudo é questionável. Nas ciências
modernas, temos crises filosóficas e sociais. Dessa relação da dúvida que gera

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 76 13/05/2021 11:42


conhecimento e com o paradoxo das certezas modernas, podemos propor a
AnCo como elemento que vai além das restrições institucionais que não são
direcionadas ao modelo sistemático das ciências cartesianas, mas se tornam
difusos nas perspectivas de conhecimentos orientados em comunidades, em
sociabilidades e em contextos diversos.

Antes de apresentar a concepção de AnCo que se propõe no momento,


considera-se inadiável a discussão de uma das questões pouco tratadas
na literatura analisada: a possibilidade de socialização do conhecimento
entre comunidades diversas, que constroem, organizam e difundem o
conheci- mento orientadas por sistemas de estruturação diferenciados,
que desenvolvem léxicos, sintaxes, semânticas, técnicas e tecnologias
próprias. (FRÓES BURNHAM, 2012, p. 42)

Assim, para pensar a AnCo, pode-se partir do pressuposto que para cada
processo de desenvolvimento epistemológico há uma concepção do ser huma-
no presente, desejamos saber de como essas concepções aparecem naquilo que
chamamos “análise cognitiva”. Como ele sustenta a ação de compressão dos es-
tudos recentes, a partir da base construída nas pesquisas realizadas no compo-
nente curricular – Análise Cognitiva I (AnCo), no Doutorado Multi-institucional
e Multidisciplinar de Difusão do Conhecimento (DMMDC) da Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Ora, marcar o campo significa restabelecer elemen-
tos teóricos-metodológicos que avançam paulatinamente dentro de disputas
políticas e escolhas.

Esses elementos foram fundamentais para marcar a instituição do campo


da AnCo, primordialmente como uma possibilidade teórico-metodo-
lógica de trabalho com o conhecimento, em especial buscando socia-
lizar opiniões e significações pouco conhecidas sobre as relações entre
democracia e ideologia, tomadas no cenário das emergentes disputas
políticas e, consequentemente, das controvérsias estabelecidas entre
os diferentes blocos de concentração de poder. (FRÓES BURNHAM,
2012, p. 31)

Um exercício para desenvolvimento do campo de pesquisa, que passe por


uma ação multirreferencial, entendendo que “[...] a multirreferencialidade pode
ser entendida como uma pluralidade de olhares dirigidos a uma realidade e

Análise cognitiva 77

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 77 13/05/2021 11:42


uma pluralidade de linguagens para traduzir esta mesma realidade e os olhares
dirigidos a ela”. (FAGUNDES; FRÓES BURNHAM, 2001, p. 49) Assim, sob um
olhar da complexidade, em uma perspectiva de construção criativa, podemos
apontar que o desenvolvido e apropriado entendimento como análise, cogni-
ção e desenvolvimento de processos de AnCo vão além de um procedimento
metodológico, ele avança pela teoria e as epistemologias, configurando-se como
elemento avançando na epistemologia da complexidade.

E, no fundo, no fundo, sentimos que ainda falta compreender que análise


cognitiva não são essas ‘coisas’ fragmentadas: técnicas, ou métodos ou
parcelas de teoria. E este parece ser o nosso grande desafio: compreender
que análise cognitiva, nos dá, a partir desses fragmentos, um lastro para
construir um campo complexo [fundamentado]. (FRÓES BURNHAM,
[19--] apud RIOS, 2012, p. 181)

Teoria, metodologia e epistemologia desdobram-se em um fundamento


capaz de criticar os elementos do reducionismo. Esse campo complexo e de-
safiador avança para dimensões ainda mais nebulosas e filosóficas, destacan-
do: “[...] com as dimensões ontológica e axiológica do trabalho com o conhe-
cimento. A gente já intuía isso, até no nome do grupo. A questão ontológica
do trabalho com o conhecimento é pouco tratada. E a gente precisa saber o
que é este ser [...]”. (FRÓES BURNHAM, [19--] apud RIOS, 2012, p. 181) Assim,
pensar toda essa ação é observar uma série de categorias que vai se consoli-
dando nas pesquisas realizadas com a análise e formação do campo que aqui
estamos construindo, um

Campo complexo de trabalho com/sobre o conhecimento e seus imbri-


cados processos de construção, organização, acervo, socialização, que
inclui dimensões entretecidas de caráter teórico, epistemológico, meto-
dológico, ontológico, axiológico, ético, estético, afetivo e autopoiético
e que visa o entendimento de diferentes sistemas de estruturação do
conhecimento e suas respectivas linguagens, arquiteturas conceituais,
tecnologias e atividades específicas, com o propósito de tornar essas
especificidades em lastros de compreensão mais ampla deste mesmo
conhecimento, com o compromisso de traduzi-lo, (re)construí-lo e

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 78 13/05/2021 11:42


difundi-lo segundo perspectivas abertas ao diálogo e à interação entre
comunidades vinculadas a esses diferentes sistemas, de modo a tornar
conhecimento público todo aquele de caráter privado que é produzido
por uma dessas comunidades, mas que é também de interesse comum
a outros grupos/comunidades/formações sociais mais amplas. (FRÓES
BURNHAM, 2012, p. 53)

No primeiro momento na AnCo, buscou-se investigar nos último anos


(2018-2019), a incidência do termo “análise cognitiva” na Plataforma dos
Periódicos da Capes, naquilo que chamamos de base de origem sobre análi-
se cognitiva nesta preliminar, houve um processo de busca e preenchimento
por parte dos discentes matriculados no componente curricular: levantamos
o número total de artigos e teses do Repositório UFBA identificados nas bases
da Capes e quantos já foram incorporados a nossa base referencial; identifi-
camos o estado atual da arte para prosseguir em uma análise dos artigos – o
preenchimento relativo à base Capes com a qual trabalhamos; toda a alimen-
tação da nossa base referencial como um processo colaborativo de desenvol-
vimento da AnCo.

Quadro 1 – ∑ dos artigos e teses com o termo “análise cognitiva”

WEB OF SCIENCE
BASE SAGE SCOPUS REDALYC Repositório/UFBA Total
SCIENCE DIRECT

Quantidade 27 85 75 79 08 10

Ano/ 2018/22 2018/68 2018/52 2018/62 2018/08 2018/01 2018/213


Quantidade 2019/05 2019/17 2019/23 2019/17 2019/- 2019/01 2019/63
Grupos A B C D E F 276
Analistas
Fonte: elaborado pelos autores.

Após desenvolvimento de alimentação da base referência AnCo, fez-se um


sorteio aleatório dos artigos e teses, permanecendo, para análise neste traba-
lho, cinco artigos que podem ser encontrados nas bases de pesquisa do Portal
de Periódicos da Capes com acesso permitido à UFBA, por onde acessamos às
pesquisas.

Análise cognitiva 79

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Quadro 2 – Artigos com os descritivos “cognitive analysis” e “análise cognitiva”

Base
Artigo no periódico Ano DOI
Periódicos
http://dx.doi-org.ez10.
Sistemas de informação em saúde: o desafio periodicos.capes.gov.
2018 Scopus
cognitivo br/10.1186/s12911-018-
0584-z
O uso do humor pelos vendedores e seu impacto http://10.1177/2051570718
no desempenho: o papel da fase de exploração e o 2018 Sage 757905
tipo de humor
https://journals.sagepub.
Replicação, registro e criatividade científica 2019 Sage com/doi/pdf/10.1177/17456
9161773942
Um estudo comparativo em instalações integradas Science https://doi.org/10.1016/j.
por computador para projetar sistemas de 2019 Direct rcim.2018.03.009
manufatura centrados no ser humano
Diagnóstico cognitivo difuso para o desempenho Science https://doi.
2019
do examinador de modelagem Direct org/10.1145/3168361
Fonte: elaborado pelos autores.

Assim, a AnCo aparece como elemento a se estabelecer em uma perspectiva


de verificação em que podemos caracterizar o domínio dos fenômenos do co-
nhecimento em um “Complexo Cognitivo” (GARCÍA, 2002), se opondo assim
ao reducionismo cartesiano. Há assim, as possibilidades de interagir com os co-
nhecimentos, destacando espaço de produção, sistemas e paradigmas, contexto
histórico, uma descrição material em que se organizam os conceitos que formam
um sistema cognitivo e por isso passível de ser descrito na AnCo. A partir disso,
podemos criar um mecanismo para analisar as perspectivas de um instrumento
cognitivo que se aproxima como algo superior e transcendente ou um conheci-
mento interior. “É possível, todavia, que muitos estudos desenvolvidos em uma
ou mais das disciplinas/áreas que têm o conhecimento e/ou a cognição como ob-
jeto, possam estar inseridos neste campo, sem, contudo, aí se reconhecerem, por
falta de um estatuto explícito que o legitime”. (FRÓES BURNHAM, 2012, p. 60)
Assim, podemos tomar esse fenômeno analisável como aquilo que pode ser
caracterizado, tentando escapar das armadilhas em que os modelos reducionistas
podem acarretar como “objeto de análise” que é exigido até hoje nos projetos de
pesquisa, inclusive nos programas que se autodenominam multidisciplinar. Daí
a problemática de apresentar uma análise que escapa, mas ao mesmo tempo se
expressa de uma forma constante e variável ao mesmo tempo. Conhecimento
aqui como processo cognitivo, como elemento, diferente do termo “análise”,

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 80 13/05/2021 11:42


o que pode ser constatado no exame dos cinco artigos. Todavia, não é concei-
tuado em forma de AnCo, muito menos posto como métodos de apreensão da
realidade e/ou seu desenvolvimento. Assim, a aparição da AnCo beira a um
termo instável, sem a devida fundamentação, ligada ao paradigma cartesiano
de fazer científico, por sua vez instrumentalizado. Portanto, sugere para uma
dialética do conhecimento, a partir da apresentação da AnCo, em uma relação
direta entre os aspectos cognitivos e os artigos, a organização do conceito de
AnCo, os demais conceitos apresentados nos cinco artigos.
Desse modo, o sentido da AnCo como conceito dissonante do modelo car-
tesiano se afasta da ideia posta nos cinco artigos, predominante como podemos
perceber. Ao sistematizar nos mapas conceituais, podemos inferir o significado de
cada síntese, o que instrumentalmente significa o uso dos mapas conceituais. Isso
consegue sintetizar visualmente as ideias que estão sendo exploradas na AnCo,
destacando elementos científicos e agentes envolvidos com esses elementos.

Para organizar e representar o conhecimento, porque auxilia a compreensão,


análise, visualização de forma lógica e representa a estrutura e o processo
cognitivo, visto que salienta hierarquias de assuntos, facilita visualmente
as relações entre conceitos, estrutura de documentos e representa os
domínios de conhecimento. (RODRIGUES; CERVANTES, 2015, p. 166)

Figura 2 – AnCo como procedimento metodológico

Fonte: elaborada pelos autores.

Análise cognitiva 81

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 81 13/05/2021 11:42


O que buscamos com a AnCo neste trabalho foi apresentar um mapa con-
ceitual, aplicando na AnCo esse procedimento metodológico para melhor
evidenciar o que foi desenvolvido, pois cada mapa pode sintetizar elemen-
tos cognitivos apresentando um desenho de algo mais abstrato, neste caso,
a ideia de cada AnCo (I, II, III, IV, V). “Também corresponde à forma postu-
lada, através da qual se representam, organizam e armazenam estes conhe-
cimentos nas estruturas cognitivas humanas”. (TAVARES, 2007, p. 73) Assim,
neste caso, seguimos o modelo do mapa conceitual Tipo Aranha (TAVARES,
2007), no qual se estabeleceu a perspectiva de se ter um roteiro: a) um con-
ceito central que gera o mapa em que há uma unidade de onde se irradia os
conceitos circundantes; b) conceitos circundantes que afetam o centro e es-
tão separados do centro, não há uma hierarquização pressuposta, mas uma
correlação estrutural o que permite uma “integração entre as informações”.
(TAVARES, 2007, p. 75)
Portanto, o que trazemos é uma apresentação do artigo em forma de concei-
to em um desenho claro e objetivo, esquematizado em um mapa e que é fruto
de um extrato da AnCo. A utilização de uma forma de apresentação visual e
objetiva agrega mais uma perspectiva que soma às possibilidades de desenvol-
vimento dessa prática dentro das pesquisas na área.

ANCO I - SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE:


O DESAFIO COGNITIVO
O que tema é um confronte entre a perspectiva racional de consciência
racionalizante, onde se basta o conhecimento abstrato mediado pelos dispo-
sitivos e uma concepção na qual o modo da atividade médica compreende o
agente da medicina como alguém capaz de desenvolver perspectivas de AnCo
na operacionalização de atividades médicas. Observa-se que a ação de fundo
racionalizante tende a predominar e a gerar erros nos diagnósticos, dado que
os agentes humanos da medicina avaliam, baseados em uma “experiência-a-
ção” que se traduz em processo de vivências e não meros processos de conhe-
cimentos de manuais. A ação dos dispositivos, que se pressupõe um domínio
técnico-informático, parece inviabilizar e induzir ao erro, tudo porque a base
antropocêntrica do sujeito consciente inviabiliza o “design cognitivo” que se
adapta ao profissional da saúde.

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Figura 3 – Anco I – Sistemas de informação em saúde: o desafio cognitivo

Fonte: elaborada pelos autores.

ANCO II – O USO DO HUMOR PELOS VENDEDORES E


SEU IMPACTO NO DESEMPENHO: O PAPEL DA FASE
DE EXPLORAÇÃO E O TIPO DE HUMOR
O artigo faz uma apresentação de como o humor como um afeto humano
pode ser manipulado pelas dimensões da comunicação e da psicologia. O efeito
do uso do humor nas relações de compra e venda, faz com que se entenda o ser
humano como um objeto de manipulação no processo capitalista de produção.
A antropologia que sustenta essa visão é justamente a perspectiva de que tudo
pode ser medido e manipulado em dados e percentagens.
Cria-se um modelo a partir desse conhecimento e se aplica em um interes-
se de compra e venda, mercado e fonte de negócio. Nessa perspectiva, a ação
científica aliada a uma ideologia capitalista proporciona uma ação de manipu-
lação intensa, cada vez mais arbitrária, trazendo uma tendência de construção

Análise cognitiva 83

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 83 13/05/2021 11:42


do conhecimento como mercadoria para uso do poder econômico. Essa questão
ressalta o valor instrumental do conhecimento e como esse valor fica cada vez
mais à disposição de grandes instituições e gestado.

Figura 4 – AnCo II - O uso do humor pelos vendedores e seu impacto no desempenho:


o papel da fase de exploração e o tipo de humor

Fonte: elaborada pelos autores.

O que se observa como uma dimensão humana é organizada para desen-


volver um tipo de venda, com o objetivo do lucro e não de um processo de so-
ciabilidades. O que se destaca, além desse objetivo, é como isso está ligada ao
processo epistemológico-teórico-metodológico. Eles se ligam aos demais artigos
destacando ações-pensamentos bem indicativos de uma formação reducionista
de um fenômeno, o humor.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 84 13/05/2021 11:42


ANCO III - REPLICAÇÃO, REGISTRO E CRIATIVIDADE
CIENTÍFICA

Figura 5 – AnCo III - Replicação, Registro e Criatividade Científica

Fonte: elaborada pelos autores.

O que podemos analisar a partir da AnCo e a base conceitual antropológica


cartesiana é como os processos científicos criam uma série de ações burocráticas
que avançam para uma perspectiva operacional muito mais que uma ação cria-
tiva intersubjetiva. Por outro lado, há uma tentativa de criticar as ações táticas
que podem salvaguardar os abusos dentro de um conhecimento tão invasivo
nas mentes e psicológicos de pessoas. A questão das burocracias, as tentativas de
novas descobertas e a criatividade no processo científico podem apontar desafios
endógenos no campo da psicologia e sua instigação de atualizar empiricamente
as teorias e os métodos de pesquisa. O desafio vai além das relações epistêmica
e metodológica, passa pela composição ética do fazer ciência.

Análise cognitiva 85

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 85 13/05/2021 11:42


ANCO IV – UM ESTUDO COMPARATIVO EM INSTALAÇÕES
INTEGRADAS POR COMPUTADOR PARA PROJETAR SISTEMAS
DE MANUFATURA CENTRADOS NO SER HUMANO
A principal característica desse artigo é a busca para resolução de um proble-
ma de trabalho, ou seja, uma atividade real de produção, a partir de um proces-
so racional de resolução que são pertinentes nas engenharias de manufaturas,
criar mecanismos salutares de desenvolvimento de protocolos para segurança
e saúde do trabalho, permite uma retomada de valores que vão além de uma
objetivação das relações de trabalhadores.
A racionalização instrumentalizada para fins de lucro é tomada como pano
de fundo para se rever os papéis das relações homem-máquina. Os artefatos, seus
usos, as relações de exploração nas relações sociais, levando em conta uma série
de condições de produção de mercadorias, as manufaturas. No mais das vezes, o
que se tem são associações em que os processos relacionais humanos-artefatos
são organizados, dessorando-se em diversos conflitos, dentre eles, a construção
de valores que vão além dos valores cartesianos de separação sujeito-objeto.

Figura 6- AnCo IV - Um estudo comparativo em instalações integradas por computador


para projetar sistemas de manufatura centrados no ser humano

Fonte: elaborada pelos autores.

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ANCO V – DIAGNÓSTICO COGNITIVO DIFUSO PARA O
DESEMPENHO DO EXAMINADOR DE MODELAGEM
O modelo de pesquisa tenta uma superação educacional de compreender
as respostas às questões que trabalham com a lógica formal de certo e errado.
Só que, em uma ação da lógica FUZZY, apontam para uma nova modelagem
cognitiva para poder se realizar uma outra perspectiva de certo ou errado
para uma metragem. A lógica FUZZY foge da dicotomia de falso e verdadei-
ro superando a racionalidade cartesiana. Essa perspectiva deixa de dialogar
com outras formas de saberes e inteligências, atrapalhando os processos de
ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, e considerando as diversas organizações sejam elas do


espaço público ou privado, percebe-se uma forma de segregação cogni-
tiva quando as estratégias de gestão dão conta de aspectos totalmente
relacionados ao mundo organizacional ou ao ambiente acadêmico,
deixando de dialogar com costumes, crenças e valores intrínsecos à vida
nas comunidades. (DE OLIVEIRA; MARQUES, 2018, p. 6)

A formalidade da lógica nas avaliações proporciona uma dicotomia entre


as relações dos agentes no mundo, uma separação que estigmatiza e até blo-
queia boa parte dos processos de aprendizagem. A tentativa de buscar novas
lógicas de compreensão da realidade é ao nosso ver uma tentativa de desen-
volvimento de um conhecimento com base no paradigma da complexidade
em que a AnCo se sustenta.
No entanto, essa perspectiva preserva a base moderna da separação su-
jeito x objeto. Nessa ação de classificar entre subjetivo e objetivo, deve-se
apontar mudança de compreensão do real. A proposta avançada de AnCo e
seu diagnóstico cognitivo destacam uma ação ausente nos agentes envolvi-
dos no processo de pesquisa, levando a uma nova abordagem dos fenôme-
nos estudados.

Análise cognitiva 87

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Figura 7 – Diagnóstico cognitivo difuso para o desempenho do examinador de modelagem

Fonte: elaborada pelos autores.

CONCLUSÃO
Entre os aspectos do conhecimento em uma cultura que determinam os pro-
cessos do conhecimento, a partir desses elementos estabelecidos, destacam-se
as concepções antropológicas-filosóficas que sustentam a epistemologia. Aqui,
vale salientar outras formas de compressão do conhecimento que não são da-
das como importantes, mas desinteressantes, às vezes, marginalizadas dentro
do sistema científico. Desse modo, a sensibilidade, o visual, a arte, os aspectos
dos afetos, podendo ou não sendo normatizado, passam a ter uma nova acep-
ção de valores no campo dos conhecimentos científicos.

[…] a produção sobre este campo vem ocorrendo de modo disperso, em


diferentes áreas do conhecimento, por diferentes grupos de pesquisa ao
redor do mundo, como trabalhos acadêmicos relativamente simples –
enfocando cada qual um aspecto ou nível específico – mostrando relação
com necessidades específicas dessas áreas / disciplinas. Podemos dizer
que ainda necessita de organização como campo do conhecimento
(e isto é o que estamos procurando contribuir para se conseguir), se

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considerarmos que são necessárias interrelações entre elementos que
produzem uma unidade complexa, tornando-se componentes de um
todo. No nosso caso, a instituição de redes de pesquisadores que se
dedicassem à construção do campo, a partir da fragmentação existente,
reconhecimento de suas lacunas e interfaces e propondo alternativas
de superação dessas lacunas e maior enredamento da produção. Esta
construção está em processo, anarquicamente, concretizando-se através
de iniciativas parcelares, ‘bottom-up’, típicas desses fenômenos. (FRÓES
BURNHAM, [19--] apud RIOS, 2012, p. 190)

Figura 8 – AnCo se apresenta em uma perspectiva nova de ver o


conhecimento expresso na produção científica

Fonte: elaborada pelos autores.

A AnCo se apresenta em uma perspectiva nova de ver o conhecimento ex-


presso na produção científica, por sua vez, nas formas redirecionadas para ele-
mentos cognitivos, dos agentes das comunidades científicas, ao mesmo tempo
que critica a forma como estes escritos são apresentados. A AnCo, como novo
campo do conhecimento, parece emergir no horizonte e proporcionar novos
caminhos a saber:

• O diálogo entre conhecimento estabelecidos, cânones epistemológi-


cos e teóricos com as finalidades políticas e sociais;
• A indicação de contextos de produção, horizontes das condições de
produção e interesses corporativos, disciplinares e metodológicos;

Análise cognitiva 89

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• O destaque dos agentes responsáveis pelas perspectivas, suas interre-
lações, o desenvolvimento de novas visões e paradigmas, admitindo o
diálogo, proporcionando e estimulando a colaboração;

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ZILLES, U. Filosofia da religião. São Paulo: Paulus, 2002.

Análise cognitiva 91

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CAPÍTULO 5

REFLEXÕES SOBRE A EPISTEMOLOGIA


DA COMPLEXIDADE DE EDGAR MORIN:
um diálogo entre as ciências exatas
e as ciências sociais

ÉRICA CORREIA DA SILVA


ROBERTO LEON PONCZEK
JOSENI FRANÇA OLIVEIRA LIMA
GUSTAVO BITTENCOURT MACHADO

INTRODUÇÃO
A epistemologia da complexidade é um ramo da filosofia da ciência inaugurado
na década de 1970 por alguns teóricos, dentre eles, Edgar Morin – antropólogo,
sociólogo e filósofo francês – hoje citado como um dos principais pensadores
contemporâneos desse campo. De forma sintética, podemos caracterizar seu
pensamento complexo em uma crítica ao reducionismo da ciência ocidental,
prezando o conhecimento do sistema – a interação do todo com as partes e
vice-versa –, a circularidade do conhecimento, o vencimento da especialização e
pelo desafio de lidar com a incerteza, lançando então princípios complementa-
res e interdependentes que servirão de guia para uma reforma do pensamento.

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O capítulo apresenta inicialmente uma crítica à ciência clássica no que tan-
ge à sua base simplificadora sustentada pelo verificável e pelo quantificável e
pela conjunção de seus pilares da ordem, da redução, da separação e da lógica
dedutiva. A busca pelo menor elemento levou a ciência ao impasse do confron-
to com a complexidade. Um dos aspectos interessantes de Morin (1999) está
em sua capacidade de fundamentar sua teoria com diversas áreas, praticando
assim seu pensamento complexo, rodeado de facetas interdisciplinares e mul-
tirreferenciais. Daremos destaque a suas inferências voltadas para as ciências
exatas, mostrando sua contribuição para uma maior aproximação desta com
as ciências sociais.
Em seguida, são explicados os princípios reconhecidos por Morin (1999)
como norteadores da inteligibilidade complexa. Esses princípios já foram tema
de vários materiais produzidos e palestras, citados em livros e originalmente
organizados em 13 pontos, mas que posteriormente, por serem complementares
e interdependentes, foram apresentados como sete princípios.
Complementando o capítulo, são abordadas aplicações práticas da comple-
xidade desde o âmbito social, através da busca de identidade da sociedade atual
até o âmbito educacional, com a perspectiva transdisciplinar dos conhecimentos
a serem construídos e difundidos, culminando na discussão sobre as interações
que produzem um todo organizado que retroatua sobre os indivíduos.

METODOLOGIA
O presente capítulo apresenta como base metodológica uma pesquisa de nature-
za qualitativa na modalidade pesquisa documental. A respeito de sua natureza
entende-se que “é o que se aplica ao estudo da história, das relações, das repre-
sentações, das crenças, das percepções e das opiniões, produto das interpreta-
ções que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos
e a si mesmos, sentem e pensam”. (MINAYO, 2010, p. 57) Nesse sentido, uma
pesquisa com essa perspectiva, como nos aponta Godoy (1995), a compreensão
de dado fenômeno pode ser melhor compreendida devido à sua análise inte-
gradora e mais, a pesquisa qualitativa não possui uma estrutura rigidamente
estruturada, nos possibilitando o exercício da imaginação e da criatividade
em torno de novos enfoques. Em relação à modalidade documental, definida

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como “o exame de materiais de natureza diversa, que ainda não receberam um
tratamento analítico, ou que podem ser reexaminados, buscando-se novas e/
ou interpretações complementares”. (GODOY, 1995, p. 21) O referido capítulo
interpreta a epistemologia da complexidade de Morin a partir de seus escritos
datados em 1999 e 2000 e dedica essa análise a pesquisadores que buscam, as-
sim como os autores, defender uma construção de conhecimento dialógica, ou
seja, una e múltipla, como nos norteia a complexidade.

A INTELIGÊNCIA SIMPLIFICADORA – CRÍTICA À


CIÊNCIA CLÁSSICA
Ao descrever a ciência clássica, Morin (2000) apresenta como uma de suas bases a
inteligência simplificadora, de ação muito eficaz e que se sustenta pela conjunção
de quatro princípios ou pilares: o princípio da ordem; o princípio da redução;
o princípio da separação; e o caráter absoluto da lógica dedutivo-identitária.
O pilar da ordem postula que o universo é regido por leis imperativas e
absolutas. O segundo estabelece que para resolver um problema é necessário
dividi-lo. O terceiro pilar está fundamentado na ideia de que o conhecimento
dos elementos de base é fundamental, enquanto seus conjuntos e diversidade
se constituem em conhecimento secundário. O quarto está identificado com
a razão e assegura a validade formal das teorias e raciocínios. (MORIN, 2000)
A inteligência simplificadora é sustentada pelo quantificável e verificável
e, através do isolamento dos objetos para estudo, como pudemos observar no
estudo da termodinâmica – definida por Andrade e Pinho (2002) como área da
física, de caráter empírico, na qual a observação experimental de sistemas físi-
cos resultou posteriormente em leis. Mesmo desenvolvendo inúmeras vitórias,
essa inteligência, contudo, ignora os efeitos desse método, uma vez que, a sim-
plificação pode levar à manipulação e desprezar pontos que não participam do
projeto de dominação.
No início do século XX, revoluções fizeram a ciência clássica ceder em al-
guns pontos, como também citam alguns estudiosos ao dizerem que nascem no
âmbito da física a Teoria da Relatividade e da Mecânica Quântica abrindo ho-
rizontes no que se refere respectivamente aos sistemas físicos que se deslocam
com velocidades próximas à da luz e aos fenômenos microscópicos, mostrando

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uma mecânica diferente da proposta por Isaac Newton, mesmo esta tendo seu
lugar de aplicação até os tempos atuais. Porém, ainda há resistências por parte
de pesquisadores quanto à busca para ir além do método clássico, no sentido
de compreender as limitações destas e a emergência de estudos probabilísticos,
imprevisíveis e complexos.
Nesse contexto, Khun (2013), ao trazer a consciência da anomalia – algo
novo que não deveria acontecer, para a qual se procuram explicações –, for-
talece a necessidade da quebra do paradigma e a criação de novos métodos
de pesquisa. Uma crise confronta a ordem, a disjunção, a redução e a lógica,
sacudidos pela desordem, pela não separabilidade, não redutibilidade e in-
certeza lógica. Nesse momento, quando a infalibilidade lógica parecia estar
totalmente sedimentada, a incerteza e a contradição irromperam na física e
na matemática, reinos predominantemente lógicos. Brechas apareceram nos
princípios rígidos da ciência verificável, como podemos ver com Abe, Scalzitti
e Silva Filho (2001, p. 12):

Como a Matemática constitui prolongamento natural da teoria dos


conjuntos, segue-se que há patentemente Matemáticas alternativas em
relação à Matemática Clássica [...] porém, esses resultados modificam
profundamente a maneira de se ver as teorias físicas, pois, como é
sabido, teorias físicas têm, em sua maioria, bases em certas estruturas
conjuntistas. Advém, então, a indagação: qual a teoria dos conjuntos que
melhor retrata as teorias físicas? Além disso, qual é o significado físico
quando uma mesma teoria física é considerada em teorias de conjuntos
distintas? Todas essas questões estão sendo pesquisadas intensamente.
Tal situação se mostra absolutamente nova, pois, o investigador que
vai aplicar a Lógica possui em mãos agora, Matemáticas alternativas,
situação está muito distinta de um passado recente. Aliás, Matemática
que era una até então, cederá fatalmente à diversidade.

Em suma, a ciência clássica que fez crítica aos padrões anteriores de uma
ciência amparada pelo absolutismo da religião, em diferentes situações, tende
a um radicalismo, porém científico. Esse sinuoso declínio também tem se mos-
trado na perspectiva das pesquisas quantitativas, na qual o tratamento estatís-
tico não tem sido suficiente para mensurar interações, devido ao fenômeno ser
agora interpretado de forma complexa.

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DESCREVENDO A COMPLEXIDADE
O pensamento complexo de Edgar Morin (1999, p. 2) visa abrir caminhos para
melhor compreensão dos problemas humanos. Afirma assim que “deveríamos,
portanto, ser animados por um princípio de pensamento que nos permitisse
ligar as coisas que nos parecem separadas umas em relação às outras”. Nesse
sentido, lança princípios, complementares e interdependentes, que guiam sua
proposta de pensamento, os quais discorreremos a seguir:
Princípio sistêmico: oposto ao reducionismo entende que o todo pode ser
maior ou menor que a soma das partes. Nesse princípio, Morin (1999, p. 15) cita
umas das características principais de sistemas complexos, a emergência, ao di-
zer que “do átomo à estrela, da bactéria ao homem e à sociedade, a organização
do todo produz qualidades ou propriedades novas em relação às partes consi-
deradas isoladamente: as emergências”. É válido pontuar que essa abordagem
se faz presente nos trabalhos de outros pensadores da complexidade, de áreas
diferentes da dele, como Ilya Prigogine. Descreve também que o conhecimento
é como um movimento circular ininterrupto. O movimento de buscar conhecer
tem início, mas não tem fim, o que leva ao princípio da auto-organização con-
duzindo a níveis de emergência, como no caso da relação sociedade/indivíduo.
As interações entre indivíduos produzem o todo, produzem a sociedade e a
cultura que completa a humanidade que a constrói. As interações na sociedade
produzem o indivíduo num movimento cíclico de auto-organização, indivíduos
precisam da sociedade e a sociedade precisa dos indivíduos. Morin (1999) diz
que o princípio da redução adotado pela ciência clássica chegou aos limites da
elementaridade. Nesse sentido, fazendo uma ponte entre a relação sociedade/
indivíduo, podemos ressaltar a relação natureza/indivíduo no que tange a suas
interações no campo da física através das evoluções ocorridas para além da física
clássica, como por exemplo, na física moderna com as produções referentes ao
Modelo Padrão – Robusta, teoria que identifica partículas elementares e suas
interações. Aqui, cabe pontuar

[...] que não é uma teoria acabada, nem definitiva. Ao contrário é, como
todas as demais teorias científicas, uma verdade provisória, no sentido
de que, seguramente, será modificada, completada, extrapolada, a fim
de explicar melhor o que se propõe e, em algum momento, dará lugar a

Reflexões sobre a epistemologia da complexidade de Edgar Morin 97

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outras teorias que, de alguma forma, nela estarão apoiadas. (MOREIRA,
2009, p. 9)

Complementando, Morin reflete que o limite que distingue dois objetos é


o mesmo que aproxima, ou seja, a fronteira entre o que é percebido é a mesma
fronteira do que não é percebido.

• Princípio hologramático: complementa o princípio anterior afirman-


do que não somente a parte está no todo, mas vice-versa. Esse inte-
ressante título remete ao princípio físico do holograma – projeção
tridimensional – que consiste no registro da captação não só da inten-
sidade da luz como também das saliências e vales de ondas, explicado
por Morin (1999, p. 15) como projeção em que “cada ponto contém
a quase totalidade da informação do objeto representado”. Pode ser
compreendido como um princípio de singularidade. As singularida-
des devem combinar com a explicação universal e não serem rejeita-
das. Importante combinar o reconhecimento do singular com a expli-
cação universal.
• Princípio do anel retroativo: opõe-se à linearidade causal, permitindo
o conhecimento de processos de autorregulação. Desse modo, Morin
(1999, p. 16) diz que “causa age sobre o efeito, e este sobre a causa,
como no sistema de aquecimento no qual o termostato regula a situa-
ção da caldeira”. Percebe-se aqui novamente referências da física para
fundamentar seu pensamento, evidenciando o funcionamento de um
termostato que por sua vez é um controlador de temperatura baseado
nos princípios clássicos: dilatação e contração de moléculas. Morin
(1999, p. 16) reflete então que “esse mecanismo de regulação permite
a autonomia do sistema”.
• Princípio do anel recursivo: traz a autoprodução e auto-organização.
Os produtos e os efeitos são produtores e causadores do que os pro-
duz. Esse princípio se contrapõe a noção de “ser” eliminada pela for-
malização e quantificação adotadas pela ciência clássica. Essa atitude
reducionista pode em determinadas situações trazer lacunas para esse
processo de produção pois, somos seres submetidos às flutuações do
meio exterior, submetidos efetivamente à iminência ao mesmo tempo
totalmente certa e totalmente incerta da morte. (MORIN, 2000) O ser
só existe a partir da auto-organização. A vida se faz ao viver. As ciên-
cias humanas, ao desejarem fundar sua cientificidade, encontraram al-
gumas dessas lacunas em relação à concepção da existência do sujeito,
sua autonomia e responsabilidade, por exemplo.
• Princípio da auto-eco-organização: relaciona-se com a autonomia e
a dependência evidenciando processos cíclicos. O conhecimento da
astronomia e da física demonstra que o universo físico continua a se

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formar, está em expansão. O segundo princípio da termodinâmica
inseriu uma espécie de adulteração. Alguns fenômenos parecem ser
estacionários como a vida. A vida é um corte no tempo e suas estru-
turas são ao mesmo tempo fixas e móveis. Toma-se como exemplo as
mudanças numa cidade que sempre irão acontecer, porque ao longo
do tempo ela pode expandir-se por conta do aumento da população
migrações, negócios ou contrair-se, a exemplo de localidades que sur-
giram em função de meios de transporte hoje não mais utilizados. Es-
sas mudanças podem acontecer de forma natural ou induzida.
• Princípio dialógico: defende que devemos conceber uma dialógica or-
dem/desordem/organização pois ela está em constante ação nos mun-
dos físico, biológico e humano. A complexidade está presente quan-
do há dialógica, ou seja, um diálogo permanente e múltiplos olhares.
(GALEFFI, 2017) Ao olhar de um observador, o que pode parecer de-
sordem, na verdade, pode ser apenas uma aparência devido ao recor-
te que estamos dando. Existe ordem na aparente desordem. Existem
formas que se auto-organizam, pois nem mesmo sabemos se há uma
desordem. Quanto mais existe complexidade, mais fatores deverão
ser considerados, o que em um dado momento pode não ser mais re-
duzidos a leis, embora não possam ser desprezadas. Exemplificando
essas premissas, tem-se na viagem do homem à Lua o sucesso desse
projeto devido a leis e cálculos sobre tempo, espaço e movimentos dos
corpos celestes. Contudo no caso da realidade social e econômica, os
fenômenos são muito complexos e de difícil predição. A determinação
de leis exige pensamento simplificador e, no caso da sociedade, não é
possível olhar apenas o fenômeno ou o indivíduo, desconsiderando
toda a conjuntura ao redor. Morin (2000) observa que entre ordem
e desordem não existe antagonismo e sim complementaridade.
Remetendo a esse novo entendimento da ciência, temos o famoso
exemplo da física, como nos aponta Filho Ribeiro (2002) quanto às
propriedades de um objeto quântico que se constituem complementa-
res no que tange a seu comportamento, a saber: a dualidade onda-par-
tícula ressaltando assim que a incerteza e a indefinição são intrínsecas
ao mundo quântico, e não apenas o resultado da percepção incom-
pleta que temos dele. Em suma, Morin (2000) ressalta que a ordem
tolera parte da desordem e colabora com a desordem. Quanto maior
a complexidade, maior a aparente desordem, que leva à identificação
de padrões segundo o olhar e a mente do observador, buscando criar
organização.
• Princípio da reintrodução: afirma que todo conhecimento é uma re-
construção/tradução por um espírito/cérebro numa certa cultura e
num determinado tempo, ou seja, é a reintrodução do conhecimento
em todo conhecimento e da restauração do sujeito na problemática
cognitiva central.

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Khun (2013) demonstra que uma teoria científica se desmorona em algum
momento. Em consonância, Morin (2000, p. 61) diz que “o trabalho do pen-
samento quando ele é criador consiste em fazer saltos, transgressões lógicas”.
De acordo com ele, na epistemologia da complexidade, não existe um trono,
existem instâncias que permitem acessar o conhecimento, sendo que cada
uma delas é necessária e se complementam. Nela, há pluralidade de instân-
cias, onde cada uma comporta seu princípio de incerteza. A complexidade se
reconhece por inúmeros aspectos que a tornam especial: incerteza, regressão
do conhecimento humano, extrapolação da lógica clássica, compreensão do
universal e do singular – o um e o múltiplo –, da dialógica ordem/desordem
e da auto-organização.

APLICAÇÕES SOBRE A COMPLEXIDADE


Visto que a complexidade é o cerne da natureza e reconhecer seus caminhos
rizomáticos, como fundamenta a filosofia contemporânea, é necessário e emer-
gente, serão aprensentadas aplicações práticas da complexidade desde o âmbito
social, através da busca de identidade da sociedade atual até o âmbito educacio-
nal, com a perspectiva transdisciplinar dos conhecimentos a serem construídos
e difundidos.

IDENTIDADE
Refletindo sobre o coletivo, Habermas (1984) considera que as sociedades
complexas no mundo globalizado não são capazes de produzir identidade através
da consciência dos membros de seu sistema. A identidade da sociedade mundial
só pode ter lugar no plano da integração do sistema e não mais no plano da in-
tegração social. Os indivíduos pertencem ao ambiente que circunda seu social.
Segundo Morin (2000), uma sociedade é produzida pelas interações entre
indivíduos, mas essas interações produzem um todo organizado que retroatua
sobre os indivíduos, para os coproduzir em sua qualidade de indivíduos hu-
manos, o que eles não seriam se não dispusessem da educação, da linguagem
e da cultura. Assim, para se conhecer e se transformar, o ser humano depende
da variedade de condições que a realidade lhe oferece e do estoque de ideias
existentes para que faça, de maneira autônoma, as suas escolhas.

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Existe uma grande dificuldade de pensar identidade para sociedades com-
plexas. Essas dificuldades não devem nos induzir a abandonar o modelo de
identidade do eu e identidade do grupo. A nova identidade da sociedade com-
plexa tem memória crítica da tradição e deve ser orientada para o futuro pela
filosofia, ciência, tecnologia e pelas artes. O aumento da complexidade faz com
que a sociedade não tenha problemas objetivos nem claramente definidos, so-
lucionáveis no que se refere à conservação da existência. (HABERMAS, 1984)
Morin (2000) declara que a primeira complexidade do sistema é associar em
si mesmo as ideias de unidade e de multiplicidade que, em princípio, repelem-se
e se excluem. Como não se pode reduzir o todo às partes, nem as partes ao todo
– nem o um ao múltiplo, nem o múltiplo ao um –, Morin (2000) concebe tais
noções de modo complementar, ou seja, de modo que uma organização ativa
produz os elementos e efeitos que são necessários à sua própria geração ou exis-
tência, processo circular pelo qual o produto ou o efeito último se torna elemen-
to primeiro e a causa primeira, podendo dar um salto a mais e se tornar espiral.

TRANSDISCIPLINARIDADE
O movimento científico dos estudos sobre a complexidade envolve, de forma
sintética, questões com consequências de ordem filosófica e tecnológica. Nesse
sentido, é notório seu caráter interdisciplinar, no que tange à conectividade entre
as disciplinas e suas áreas e seu viés transdisciplinar, através da atitude de “estar
entre” e “ir além de” sendo constituída uma sólida base em diferentes áreas como
na filosofia, matemática, nas ciências naturais, pedagogia, economia, meteorolo-
gia, nas ciências da computação e informação, na educação e em tantas outras.
Morin (2000), ao discorrer sobre a história da ciência, sinaliza as rupturas
entre as fronteiras disciplinares, das incursões de uma disciplina em problemas
de outras e da constituição dessa rede de saberes que se atravessam e de forma
robusta se estabelecem gerando assim teorias complexas. Ao entender a trans-
disciplinaridade como uma corrente de pensamento aberta que “não busca o
domínio de várias disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atra-
vessa e as ultrapassa” (NICOLESCU, 1999, p. 161), é perceptível que a natureza
da complexidade em sua essência e construção é transdisciplinar.
Uma aplicação necessária e pertinente a essa temática emerge no âmbito
educacional e será apresentada de forma sucinta neste capítulo, delimitando-se

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na problematização e ações em busca de um ensino significativo. É válido res-
saltar que vislumbrar um ensino significativo perpassa compreendê-lo de forma
complexa, desde suas mais ínfimas nuâncias. Assim, discutir a complexidade,
pelo seu viés transdisciplinar, na educação, significa uma busca por um “fazer-
-aprender a pensar, aprender a ver, aprender a ser-com, aprender a fazer, apren-
der a ser-sendo”. (GALEFFI; SOARES, 2015, p. 1)
Para tanto, como problematização, incorre a discussão sobre o predomínio
de uma racionalidade fechada nos processos de ensino/aprendizagem que acar-
retam outras práticas não favoráveis ao que defendemos como uma educação
significativa, tais como a disciplinarização dos processos de construção de conhe-
cimento e o tecnicismo. Nesse sentido, como ações, defende-se “uma construção
epistêmica para além da ciência regular vigente, a construção de uma ciência
transdisciplinar capaz de conjugar todas as formas de saber produzidas e culti-
vadas pelos seres humanos em todos os tempos e lugares”. (GALEFFI; SOARES,
2015, p. 3) Essa construção epistêmica envolve superar a tríade aquisição-assimi-
lação-memorização dos conhecimentos técnico-científicos recorrentes nos cur-
rículos escolares e buscar a inclusão de uma nova dinâmica, voltada sobretudo
para os afetos/perceptos humanos, a multirreferencialidade e para a autonomia.

CONCLUSÃO
No início do século XX, algumas revoluções aconteceram. A ciência, ao investi-
gar e buscar conhecer o menor componente, a partícula, a unidade mais simples,
chegou ao não simples, reconheceu o complexo. Percebe-se um movimento na
ciência moderna que busca a retomada da reflexão frente aos grandes proble-
mas de ordem tecnológica e filosófica. O cientista precisa ter competência para
falar dessas questões e resolvê-las, mas agora com novos enfoques. Ele precisa
considerar a complexidade da vida, desde sua origem à sua dinâmica relação
com a sociedade e o ambiente. Não é possível obter respostas sem considerar o
objeto de estudo como integrante de um sistema que é complexo.
O pensamento complexo, como nos descreve Edgar Morin, em sua episte-
mologia, não se reduz nem às ciências exatas nem às ciências humanas, mas
permite a comunicação entre elas, servindo-lhes de ponte. No decorrer do sé-
culo XX, através desse movimento de reconhecimento das não linearidades,

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de fenômenos não determinísticos e da incerteza, alguns cientistas das mais
diversas áreas transgrediram expectativas arraigadas, levando à evidência de
que o projeto da ciência precisa ser refeito.
Os princípios do pensamento e da inteligência da complexidade eviden-
ciados por Edgar Morin nos convidam, como investigadores, a refletir e a ter
um novo olhar sobre nossas pesquisas. Morin propõe uma abertura e uma ar-
ticulação entre as múltiplas áreas do conhecimento, com objetivo de entender
a complexidade da vida humana, desde sua compreensão como parte da natu-
reza até seus processos sociais, seja como um indivíduo seja como sociedade.
Sua epistemologia da complexidade também incita a transdisciplinaridade, o
que provoca uma nova forma de produzir conhecimentos, devido à superação
da disciplinarização, não a negando já que a mesma faz parte do processo, e à
condução das transversalidades.
Concluímos que Edgar Morin propõe uma ciência com consciência, ou seja,
uma ciência com conhecimento, na qual o cientista e difusor do conhecimen-
to esteja ciente do que está sendo realizado. O cientista (sujeito) precisa estar
(cons)ciente do que está produzindo. O que ele produz tem propósito. Ele é, ao
mesmo tempo, sujeito e objeto, pois integra uma sociedade.

REFERÊNCIAS
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Reflexões sobre a epistemologia da complexidade de Edgar Morin 103

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CAPÍTULO 6

EPISTEMOLOGIA DO CORPO COGNITIVO

GEDALVA NERES DA PAZ


LELIANA SOUZA

INTRODUÇÃO
As reflexões a respeito do pensamento sobre a poética corporal, a percepção, os
movimentos, as performances artísticas, corpo-próprio, e o que significa cada
corpo são perquisições constantes para quem estuda a epistemologia do corpo.
Reflexões como: qual é o lugar do corpo nos espaços de convivência e saberes
– escolas, universidades, faculdades, família, enfim na sociedade como todo?
Como o corpo é incluído? Quais as temáticas voltadas para o corpo individual?
O que se ensina para e com o corpo? Esses e tantas outros questionamentos que
precisamos discutir para entender como o corpo se constitui nos espaços de sa-
beres fundantes para a construção da episteme do corpo cognitivo.
O filósofo Merleau-Ponty (1999) apresenta a epistemologia do corpo sina-
lizando os processos corporais, a linguagem do corpo como caminho para o
conhecimento, para a cultura ligada à vivência, ao mundo e às coisas, mas nun-
ca fechada em si mesmo. Perceber o corpo é tudo que está à sua volta, é parte

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integrante da experiência e da vivência de cada indivíduo no lugar de existên-
cia, de devir.
As questões em torno do corpo epistêmico, do corpo cognitivo, atravessam
a história antiga e contemporânea, nas mais diversas culturas. São vicissitudes
que ajudam a pensar sobre e com o corpo. Para entender e reconhecê-lo, através
das múltiplas ciências, da cognição, tomando como ponto de partida a própria
significação do corpo revelada pelo indivíduo que nele habita. Para acontecer
essa revelação, é fundamental o registro do sentimento, da emoção, da ances-
tralidade, da memória e das narrativas de vida dos corpos dos indivíduos, pois
o corpo é o lugar da origem das coisas, da desestruturação da lógica posta e da
repetição.
A memória e o pensamento registrados no corpo devem provocar sensações
afetivas, sentimentos de alegria, tristeza ou frustação que podem ser expressos
pelo construto das emoções, que passam pela consciência e se manifestam por
meio de movimentos e linguagem, que possivelmente tornam os momentos da
vida mais perceptivos para a sua totalidade interior, produzindo no indivíduo
um sentimento novo de ser ele mesmo.
Nessa perspectiva, o corpo todo é próprio, é corpo de conhecimento, lem-
branças e memórias que tem lugar no mundo, espaço, continuidade de ideias
e linguagem numa relação com o outro e consigo mesmo.
O corpo pós-estrutural é corpo polissêmico, de compreensão polilógica de
sentidos, multifacetados, de curso antissimétrico, que busca transformações,
mudanças e questiona a axiologia e ontologia do que está posto historicamente
para os corpos. Longe de enquadramentos ou padrões estabelecidos dogmáti-
cos, estrutural, racional ou positivista.

A PREMISSA FILOSÓFICA CORPO-MENTE


Pensar o corpo numa perspectiva pós-estruturalista é considerar a verdade tra-
zida por cada indivíduo dentro da sua singularidade, construção simbólica de
sentir e ser afetado na relação com os outros e com mundo. Assim “[...] surge
um corpo-mente, um corpo que fala sem necessitar de palavras, um pensamen-
to corporizado ou incorporado. No entanto, para que essa corporalidade surja

106 Gedalva Neres da Paz | Leliana Souza

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 106 13/05/2021 11:42


parece que não deixa de ser preciso que o pensamento e as palavras estejam lá
numa primeira instância”. (MADEIRA, 2018, p. 99)
Essa premissa filosófica recusa os princípios tradicionais da verdade, da razão
e propõe desconstrução de verdades únicas, propondo a inclusão de realidades
múltiplas, subjetivas e corporificadas. Verdade encarnada, possível e desejada.
Pensar o corpo humano, de vidas que se entrelaçam com outras vidas, do
outro, no mundo e se comunicar com diferentes, semelhantes não mais subal-
ternos, submissos e docilizados, é considerar o devir de corpos livres, cognitivos,
artísticos que repensam e reconstroem sua atuação na vida permanentemente.
É corpo encarnado, incerto e inacabado.
O interesse pelo objeto de pesquisa o corpo cognitivo dos seres humanos
vivos e atuantes na contemporaneidade com facetas diversas, antagônicas e
multirrefenciais se deu em contato com vários grupos de formação – professo-
res, alunos, clientes etc. –, no qual foi percebido a dicotomia entre as pessoas,
seus sentimentos e emoções, a exclusão da expressão corporal. Sem contar com
a ausência de entendimento dos processos individuais, ficando evidente os blo-
queios de ir a diante, anulação de si, sabotagem ou postergação para fazer algo
novo, ou mesmo realizar atividade criativas e produtivas.
Nessa busca de conhecer que corpo é esse, se faz necessário, estabelecer rela-
ções entre o corpo físico-emocional e cognitivo, refletir sobre a história de vida
sob a ótica da subjetividade, do devir, para perceber quais movimentos podem
ser identificados a partir do contato consciente com o próprio corpo e quais os
conhecimentos que este traz, para a desconstrução ou construção de paradig-
mas que estruturam o atuar no mundo. Dessa forma,

Às vezes me ocorre perceber todo o meu corpo, ou parte dele, numa


geografia que pouco tem que ver com as representações anatômicas co-
dificadas, que são apenas um nível de realidade, mas não toda realidade
conhecível. Esse treinamento é preciso, pois, progressivamente, meu
corpo – este eu -matéria – torna-se, graças à consciência da consciência,
um ‘eu somato-psíquico’, que é uma fonte de informações significativas,
tanto sobre minha história presente como sobre minha história passada
(espécie de memória celular e/ou dos tecidos), dando-me acesso a zonas
de minha história de ser humano que a reflexão intelectual não pode
favorecer. (JOSSO; BOIS; HUMPICH, 2008, p. 30-31)

Epistemologia do corpo cognitivo 107

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Ter o mapeamento da biografia cognitiva do corpo torna essa relação mais
objetiva para apreensão e compreensão do conhecimento nele encontrado.
A fim de transmutar de uma realidade preestabelecida para outra de sua esco-
lha mais consciente e significativa.

Assim como o registro memorial que possivelmente é percebido nas


performances e nas execuções de trabalhos materializados na poética
do corpo. [...] como um espaço de poder coletivo, uma criação sócio-his-
tórica de muitos comprometidos com a socialização do conhecimento
e a superação da segregação socio-cognitiva. (FROES, 2012, p. 53)

Esse conhecimento é formado coletivamente, através das metanarrativas, da


escuta de cada história pautada no que é mais relevante para cada um, assim
dará lastro para consciência de vários conteúdos antes não tratados, porém ar-
mazenados nos corpos. O corpo,

[...] portanto, é já uma metafísica, uma lógica, uma moral e uma ética.
Lembrar do que é o corpo é re-viver o que já fomos, não mais da ma-
neira do mesmo, mas da forma do inusitado e do insólito, pois o corpo
é sempre uma mutação que permanece o mesmo e que desaparece, ao
descobrir-se o Mesmo. O corpo é uma alteridade por definição, pois ele
escapa da armadilha da identidade recalcada para se abrir à aventura
do contato e da transformação. (OLIVEIRA, 2007, p. 11)

O discurso sobre o corpo é estruturado por meio da linguagem ou metáforas


simbólicas que expressem os sentimentos, advindos do corpo. A arteterapia faci-
lita a entrada no psiquismo humano por infinitas possibilidades da arte. (JUNG,
2011) A arte oportuniza às pessoas sair da caricatura, da imagem idealizada de
si mesma para compreender a própria realidade.
Ainda segundo Jung (2011), a arte poética revela traço da vivência íntima
e pessoal do indivíduo que se submete ao processo criativo. A criação artística
está entrelaçada com a vida no momento em que o corpo é submetido a uma
vivência. Este coloca para fora sutilezas implícitas ou explicitas da maneira de
ser, do jeito de conviver e se relacionar com o outro, a despeito do tema e da
condução proposta.

108 Gedalva Neres da Paz | Leliana Souza

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Essa expressão revela conteúdos, muitas vezes inconscientes, que a pessoa
não tem domínio e nem conhecimento do evento e do sentimento registrado
em seu íntimo. A arte revela na experiência criativa, desvela e anuncia possivel-
mente conteúdo que o indivíduo normalmente não faria contato se não fosse por
meio da linguagem artística, pois lhes é possibilitado criar e descobrir algo novo.
Sendo assim, o ser humano se permite e sustenta uma ação, um olhar mais
integrado e consciente voltado para sua beleza interna que está representada
tanto na materialização física dos resultados dos trabalhos propostos, como
na realização simbólica e criativa da arteterapia, dos movimentos e expressões
corporais, que gera sensações, ideias, criatividade e descobertas até mesmo a
solução de problemas.
Para Urrutigaray (2003), dar existência real aos sentimentos e desejos, re-
fazer imagens concedidas por determinada situação muitas vezes negativas
oportuniza ao indivíduo estabelecer nova relação com suas fantasias, ideações,
passando de um estado de espírito por atuação transformadora e esclarecedora
dos próprios atos. Descobrindo valores muitas vezes escondidos.

[...] a arte tem o poder de ampliar nossas capacidades para além dos
limites originalmente impostos pela natureza. A arte compensa al-
gumas de nossas fraquezas inatas, nesse caso mais mentais do que
físicas, fraquezas que podemos chamar de fragilidades psicológicas.
[...] a arte é um meio terapêutico que pode ajudar a guiar, incenti-
var e consolar o espectador, permitindo-lhes evoluir. (BOTTON,
ARMSTRONG, 2014, p. 5)

Assim, a arte atua terapeuticamente na liberação das emoções transforman-


do conteúdos subjetivos, factivos em realidade expressiva que são remetidas
a questões de possibilidade e constatação de fatos por meio de performance,
movimentos, criatividade: inteligência, emoção e imaginação produtiva. Arte
é um instrumento de fundamental relevância para conduzir os seres humanos
ao conhecimento voltado para as particularidades mais intrínseca e consciente
de quem é você no mundo.
O pensamento voltado para o corpo está na linguagem, assim como a lin-
guagem corporal está no pensamento. A expressão, a memória e a linguagem
corporal representam o pensamento de cada sujeito,

Epistemologia do corpo cognitivo 109

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As palavras receberam a tarefa de ‘representar o pensamento’. Mas re-
presentar não quer dizer aqui traduzir, dar uma versão visível, fabricar
um duplo material que possa, na vertente externa do corpo, reproduzir
o pensamento em sua exatidão. Representar deve-se entender no senti-
do estrito: a linguagem representa o pensamento como o pensamento
representa a si mesmo. (FOUCAULT, 2007, p. 110)

O olhar sobre e para o corpo toma a dimensão da consciência corporal, o


sentir desse espaço sagrado e profano que já não mais cabe a cisão entre corpo
e mente, linguagem e pensamento, poética e expressão. O corpo contemporâ-
neo grita a expressão de si mesmo, conectado com a profundidade humana.
Corpo dos seres humanos vivos e atuantes com facetas diversas, anta-
gônicas e multirrefenciais, com conhecimentos vivenciados conscientes ou
inconscientes para transmutar de uma realidade preestabelecida para outra
de sua escolha mais consciente, pensamento que se expressa em linguagem
gestos e artes.
A arte, uma das linguagens que os seres humanos possuem para expressar
os sentimentos e emoções, é um instrumento de fundamental importância para
levar as pessoas ao conhecimento voltado para a parte mais intrínseca e cons-
ciente de quem são elas no mundo. (BOTTON; ARMSTRONG, 2014)
A relação entre pensamento e linguagem se dá igualmente quando é
possível a expressão dos sentimentos. Conectar-se com o corpo físico-emocional
através das narrativas de vida na perspectiva da subjetividade torna factível esta
ligação entre o objeto e o corpo, o pensamento e a linguagem que se dão simul-
taneamente. O corpo expressa a fala, a fala e o pensamento são inseparáveis.
Os corpos se relacionam a partir da epistemologia da arte, performance,
movimento e do processo criativo nos diversos aspectos temporal/territorial/
histórico, social e cultural, fatores que são de suma importância para se manter
viva a memória do corpo como matriz artística na contemporaneidade e forta-
lecer a identidade pessoal, autoestima e a intersubjetividade.

Ouse comunicar a partir da vitalidade e sabedoria do corpo através de


criações baseadas na ação e dança e também através da escrita. Que
nascem da experimentação vital, apoiada na necessária investigação
teórica, onde enfim falamos sobre as ligações fundamentais e naturais

110 Gedalva Neres da Paz | Leliana Souza

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existentes entre o instinto e o intelecto, entre o sensível e o científico.1
(BARNSLEY, 2008, p. 8, tradução nossa)

Essas dimensões podem ser identificadas a partir do contato consciente com


o próprio corpo e o contato polissêmico com outros corpos que resulta na verda-
de para cada pessoa, cada corpo que se permite a viver a experiência cognitiva/
corporal. O corpo é a matriz cognitiva em si mesmo, porque o corpo é cogni-
ção e em sua singularidade plural traz sua verdade na memória corporal. Para
Foucault, o conhecimento é possível quando a verdade aparece e é constituída
pelo sujeito da história, ele afirma: “[...] procurei encarar essa mesma questão
das relações sujeito/verdade sob uma outra forma: não a do discurso em que
se poderia dizer a verdade sobre o sujeito, mas a do discurso de verdade que o
sujeito é capaz de dizer sobre si mesmo [...]”. (FOUCAULT, 2011, p. 5)
Nesse sentido, arte é um instrumento de fundamental relevância para con-
duzir os seres humanos ao conhecimento voltado para as particularidades mais
internas e conscientes de quem é você no mundo, “[...] que toma como funda-
mento a multirreferencialidade e a complexidade, a partir da pluralidade de
lógicas (polilogicidade), de dimensões (pluridimensionalidade), bem como de
significados (polissemia)”. (FROES, 2012, p. 51)

CONCLUSÃO
A construção de processo criativo à luz da análise cognitiva irá revelar senti-
mentos armazenados em nossa mente de forma consciente ou inconsciente
transformado assim em criação e imagem concreta. O aporte na arte e na per-
formance corporal são pressupostos para alcançar o corpo cognitivo epistêmico,
entendendo que os corpos se constroem juntos nas trocas e no lugar de susten-
tação entre o eu e o outro. Esse dueto de espelho do outro com suas próprias
experiencias é lugar de aceitação, de pistas, de caminhos para sua redenção e
reconhecimento de si no mundo.

1 Texto original: “Atreverse a comunicar desde la vitalidad y la sabiduría del cuerpo através de creaciones
basadas en la acción y en la danza y también com escritos. Que nazcan de la experimentación vital,
apoyados en la necesaria investigación teórica, donde hablemos finalmente acerca delas conexiones
fundamentales y naturales existentes entre el instinto y el intelecto, entre lo sensible y lo científico”.

Epistemologia do corpo cognitivo 111

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Assim, gradualmente, ocorre a alquimia da arte, ressignificando
identidades estigmatizadas e marginalizadas, compondo constelação
somático-performativas cristalizadas que se perpetuam no espaço tempo.
Estar em sintonia somática tem mostrado caminhos sensíveis de lidar
consigo mesmo, [...] compartilhar experiências e contribuir para uma
abertura poética e participativa numa contemporaneidade realmente
diferente. (FERNANDES, 2018, p. 95)

Portanto, Corpos libertos das estruturas preconizadas, corpos pós-estruturais,


que dizem de si mesmo, descontruindo a razão, a verdade do outro imposta.
Corpos cognitivos epistêmicos que se encontram com a própria fala, pensamen-
to e sentimento. Corpo encorajado de ser o que verdadeiramente é.

REFERÊNCIAS
ARNHEIM, R. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo:
Pioneira, 2002.
BARNSLEY, J. El cuerpo como territorio de la rebeldia. 2. ed. rev. e ampl. [S. l.: s. n.],
[2008]. Ediciones del 5º aniversário de UNEARTE 2008-2013 Gaceta Oficial
n. 362.860 del 28/07/2008. Decreto 6050.
BOTTON, A.; ARMSTRONG, J. Arte como terapia. Rio de janeiro: Intrínseca, 2014.
BURNHAM, T. F. (org.). Análise cognitiva e espaços multireferenciais de
aprendizagem: currículo, educação à distância e gestão/difusão do conhecimento.
Salvador: Edufba, 2012.
FERNADES, C. Autista ou artista?. Abertura participativa e poéticas da diferença na
pesquisa somático-performativa. Corpos Diferenciados em Performance. São Paulo:
Fonte Editorial, 2018.
FOUCAULT, M. A coragem da verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
FOUCOULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas.
9. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
GALEFFI, D. A. Didática filosófica mínima. Salvador: Quarteto, 2009.
GALEFFI, D. A. Epistemologia do educar transdisciplinar. [Salvador]: UFBA, 2009.
JOSSO, M.-C.; BOIS, D.; HUMPICH, M. Sujeito sensível e renovação do eu. As
contribuições da Fasciaterapia e da Somato-psicopedagogia. São Paulo: Paulus, 2008.
JUNG, C. G. O espírito na arte e na ciência. Petrópolis: Vozes, 2011.

112 Gedalva Neres da Paz | Leliana Souza

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 112 13/05/2021 11:42


LOWEN, A. Bioenergética. São Paulo: Summus, 1982.
MADEIRA, C. Corpo pensado. Corpos diferenciados em performance. São Paulo:
Fonte Editorial, 2018.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
OLIVEIRA, E. D. Filosofia da ancestralidade: corpo e mito na filosofia da educação
brasileira. Curitiba: Ed. Popular, 2007.
OLIVEIRA, F. H. M.; SALLES, N. Corpos diferenciados em performance. São Paulo:
Fonte Editorial, 2018.
URRUTIGARAY, M. C. A. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens.
Rio de Janeiro: Wak, 2003.

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CAPÍTULO 7

PRODUÇÃO CRIATIVA:
pensamento e técnica

LUCIANA MACIEL BOEIRA


ROBERTO LEON PONCZEK
DANTE AUGUSTO GALEFFI

APRESENTANDO O FAZER CRIATIVO


Quando o tema de abordagem de algum tratado é a produção criativa, frequen-
temente emergem da memória do leitor imagens de peças criadas por profis-
sionais atuantes no campo das belas artes. Imagina-se obras de arte como pin-
turas, esculturas, poesias ou músicas entre tantas outras peças produzidas por
pessoas que possuem o dom da criatividade, os artistas profissionais. Também
com o perfil notadamente criativo, temos os artistas comerciais,1 porém os seus

1 O designer gráfico, como profissão, só passou a existir a partir de meados do século XX. Até então,
os anunciantes e seus agentes utilizavam os serviços oferecidos pelos “artistas comerciais”. Esses
especialistas eram “visualizadores” (artistas de layout), tipógrafos que faziam o projeto detalhado da
chamada e do texto e davam instruções para a composição. Eram ilustradores de todos os tipos, que
produziam qualquer coisa, desde diagramas mecânicos até desenhos de moda; retocadores; letristas e
outros que finalizavam os designs para a reprodução. Muitos artistas comerciais, tais como os designers
de pôsteres, reuniam várias habilidades. (HOLLIS, 2001)

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produtos atendem a propósitos outros, diferentes da expressão individual artís-
tica e estética, como, por exemplo, os designers gráficos e de produtos, designers
de moda, publicitários e arquitetos.
Cientes da recorrente perspectiva de que a criatividade é um dom para pou-
cos e que estes estão relacionados ao campo das artes, apresentaremos primei-
ramente o nosso entendimento sobre a habilidade criativa: esta é uma capaci-
dade intelectual de todos os seres humanos, ou seja, o produto criativo pode
ser idealizado e materializado independente da formação ou área de atuação
profissional de quem o executa. Assim como Dante Gallefi, Macedo e Barbosa
(2014), Fayga Ostrower (2010) também dizem que a criatividade é um potencial
inerente ao homem. Porém, para desenvolver esse potencial, é necessária uma
inquietação, uma motivação, um objetivo a ser alcançado ou um problema para
ser resolvido.
Tal como um motor, que para funcionar é necessário o combustível, para im-
pulsionar o fazer criativo é necessário um objetivo a se alcançar. Dada a partida,
as engrenagens começam a girar simultaneamente, combinando sensibilidade e
percepção. Aquecido o motor do pensamento, o sujeito realiza diversos “experi-
mentos mentais” – expressão citada por Albert Einstein ao explicar suas ideias
– através da sua imaginação. Em pleno funcionamento e aquecido pela busca de
uma solução, o motor criativo aciona também o raciocínio lógico, a memória,
os conhecimentos técnicos e específicos, além do senso crítico. Aquele produto
imaginado durante os “experimentos mentais” necessita ser materializado, as-
sim, durante esta operação, serão destacadas as possíveis soluções idealizadas,
as quais serão submetidas a testes práticos, e aquela que melhor atenda ao ob-
jetivo determinado se tornará o produto final, um produto criativo.
Ser criativo está além da criação do novo, é também apropriar-se das formas
dos objetos ou de ações postas e transformá-las em algo diferente do anterior, é
criar um estado novo do apropriado, é o próprio criado. (GALEFFI; MACEDO;
BARBOSA, 2014) Doravante, assim como dançar, mesmo que inicialmente se-
jam passos com pouca coordenação motora e rítmica, a criatividade produti-
va, ou seja, objetivada, é uma habilidade que depende inicialmente do estado
intelecto-motor do sujeito para se desenvolver ao longo do tempo, a partir de
métodos, prática, estudos, exercícios, disciplina e dedicação.
O produto artístico é a materialização da expressão sensível, imaginação e
criatividade do fazer arte por um espírito criador. Sob essa forma, a criatividade

116 Luciana Maciel Boeira | Roberto Leon Ponczek | Dante Augusto Galeffi

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produtiva é, há séculos, uma das mais conhecidas e, podemos afirmar a gênese
da comum relação com o campo das belas artes. Além disso, por lançar mão de
habilidades específicas e especializadas, a exemplo da pintura e da escultura, o
fazer artístico também remete à desenvoltura técnica. Uma característica reve-
lada na própria etimologia da palavra “arte”,2 que vem do latim ars, e significa
saber fazer, habilidade natural ou adquirida, capacidade de fazer alguma coisa,
técnica, conhecimento técnico, destreza e talento.
Grifamos a palavra “talento” porque, ainda nos remetendo à gênese da re-
lação entre a obra de arte e o produto criativo, encontramos uma possível raiz
desse entendimento. No entanto, quando um cientista descobre uma fórmula
de um medicamento que poderá levar a cura de uma grave doença, é da criati-
vidade que ele lança mão durante seus experimentos. Quando um engenheiro
encontra a solução de um cálculo para a construção de uma complexa estrutu-
ra, além dos conhecimentos específicos da área, é a capacidade criativa que o
auxilia na elaboração de novos caminhos para alcançar o seu objetivo.
Então, com base nos exemplos citados, podemos então afastar o estereótipo
de que apenas o artista pode ser um sujeito criativo ou que para ser criativo é
necessário ter talento. O criativo é uma pessoa que usa o seu motor intelectual
na busca de alternativas para soluções ou inovações de objetos ou ações. Porém,
sabemos que algumas pessoas são mais hábeis do que outras, o que independe
de formação educacional. Criatividade é uma habilidade que se desenvolve, para
que isso ocorra, é necessária uma motivação. Assim, podemos dizer que, para
tornar-se artista, é necessário ter talento e aptidão, mas, para tornar-se criativo,
é necessário ter em si um desejo, uma necessidade qualquer.
Assim, à luz dessa perspectiva, refletiremos sobre a produção criativa gerada
através de uma dinâmica estimulada por um objetivo, desejo ou necessidade
qualquer imperativa. O criar é norteado pela experiência, pelos saberes tácitos
ou conhecimento científico, bem como pela pesquisa e olhar atento ao fazer diá-
rio. O entendimento de que, durante o criar, o sujeito se serve da sensibilidade
e intuição, deixando a imaginação trabalhar livremente. Ele pesquisa, compara,
elabora e experimenta, combina, desfaz, reelabora, experimenta novamente,
não dá certo e começa tudo de novo – o criar é um trabalho árduo, exige muito

2 Ver: Dicionário etimológico: https://www.dicionarioetimologico.com.br/arte/.

Produção criativa 117

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além de um dom, é um fazer inteligente, lógico, racional, é cumprir objetivos,
atender necessidades.
Além do entendimento de que criatividade está intrínseca ao ser humano,
apresentaremos uma descrição sobre o labor de profissionais de agências publi-
citárias no sentido de demonstrar que existe uma metodologia do fazer criativo,
uma sistematização de fases do criar que inicia na definição do objetivo, passa
pela pesquisa e elaboração intelecto-criativa e vai até a materialização do pro-
duto final. Assim, através desse exemplo, levaremos ao leitor à compreensão de
que a criatividade é uma habilidade pronta para ser desenvolvida.
Escolhemos o labor publicitário porque nesse setor a principal fonte de pro-
dução é a criatividade, um capital intelectual que transforma ideias em soluções
de divulgação de produtos e serviços. Conjuntamente, destacamos autores que
tratam especificadamente sobre a criatividade, como Dante Galeffi, Macedo e
Barbosa (2014) e Fayga Ostrower (2010), além de Newton Cesar (2016), Antonio
Collaro (2005), Gomes Filho (2006) e Richard Hollis (2001), importantes nomes
que estudaram sobre a criação publicitária e o design gráfico. Assim, na próxima
seção, faremos uma relação direta entre a prática da experiência profissional
com o pensar teórico científico dos citados autores.

A TÉCNICA DA PRODUÇÃO CRIATIVA E PENSAMENTO


O fluxo da produção criativa em agências publicitárias começa com o atendi-
mento ao cliente quando são apresentadas demandas de planejamento de comu-
nicação por período ou de campanhas pontuais, tais como: lançamento de um
produto, criação de uma marca, renovação de estoque, aquecimento de vendas,
mudança de endereço, entre outras. No primeiro momento, o cliente – o contra-
tante – em contato direto com o atendimento – diretor de conta, planejamento –,3
apresenta os objetivos da campanha a ser criada. O que ocorre é uma espécie
de entrevista, em que são coletadas informações que nortearão a construção do
trabalho, como, por exemplo, comportamento do produto no mercado, perfil

3 “Aquele sujeito que, teoricamente, comanda uma equipe que entende o cliente, sabe tudo sobre ele
e, na maioria dos casos, torna-se o próprio cliente dentro da agência [...] pelo seu conhecimento, dis-
cute com o atendimento, com a criação, com a mídia e, é claro, com o cliente, e define a estratégia e o
caminho da comunicação. O que fazer, como fazer, quanto gastar, etc.” (CESAR, 2006, p. 31)

118 Luciana Maciel Boeira | Roberto Leon Ponczek | Dante Augusto Galeffi

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 118 13/05/2021 11:42


do consumidor, período de veiculação, investimento e resultados esperados.
Tais informações, no vocabulário publicitário, são denominadas por briefing.
Na agência, o atendimento apresenta os pontos fundamentais do briefing
durante uma reunião para toda a equipe – integrantes do planejamento, criação,
mídia e produção – para que estes fiquem cientes sobre os objetivos do trabalho
que deverão executar. Vale ressaltar que, em algumas agências, essa reunião não
ocorre com a presença de todos; nesses casos, o briefing é passado para o diretor
de criação, que transmite para o seu pessoal. Porém, independente se ocorre em
conjunto ou especificamente no departamento de criação, a apresentação do
briefing é fundamental, pois ali serão esclarecidas as seguintes perguntas: quem
é o cliente? O que ele pretende? O que ele vende? Qual problema enfrenta? Qual
é a verba? Quais são as peças?4 Qual o público?. (CESAR, 2006)
Durante essa reunião, inicia-se a “chuva ou tempestade de ideias”, também
chamada de brainstorm. “Redatores e Diretores de Arte, vários, reúnem-se para
discutir um trabalho. Palpites daqui, dali, controvérsias, mas a ideia acaba apa-
recendo e, segundo alguns, o departamento fica mais produtivo”. (CESAR, 2006,
p. 37) Nessa primeira fase, elabora-se o ponto de partida da criação da campa-
nha, ou seja, determina-se o conceito da linha de comunicação publicitária.
Conceito de criação é o tema central da campanha, a linha criativa definida em
função dos objetivos do cliente e do seu público-alvo. Durante o brainstorm,
são definidas as peças que deverão ser elaboradas e produzidas, bem como o
período de veiculação, conforme o limite orçamentário de investimento.
Notadamente, esse é o instante que se inicia a produção criativa, que é a
fase inicial de um método do fazer publicitário. O conjunto de informações
apresentadas pelo briefing e discutidas durante o brainstorm se transforma no
combustível propulsor do motor criativo da equipe, o qual produz o conceito
da campanha. A partir deste, serão delimitadas a identidade visual5 e os estilos
textuais, ou seja, é dada a unidade comunicativa da campanha. Não se trata da
elaboração dos leiautes e textos, mas do desenho do caminho simbólico por
onde todos os elementos que irão compor a mensagem deverão passar.

4 Peças publicitárias são os produtos a serem criados, produzidos e veiculados: gráficas, como, por
exemplo, os outdoors, cartazes, folders e banners, vídeos, áudios etc.
5 Identidade visual: conjunto de elementos visuais – cores, imagens, tipologia, símbolos – que compõem
a representação de uma empresa, produto ou serviço. Exemplos: logomarca, cartões de visita, papel
timbrado, envelope, sinalização, fardamento, decoração interna etc.

Produção criativa 119

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Por exemplo, se o cliente é uma rede de agências bancárias e o produto a
divulgar é a poupança, o conceito criativo pode ser “poupe no banco ‘x’ e relaxe
no verão”. Como regra, a identidade visual das peças, ou seja, elementos visuais
que compõem as mensagens como cores, tipologia das letras e símbolos terão
identidade (associação) com a marca do banco. Se a marca tem as cores azul e
laranja, estas deverão predominar nas peças. Se o conceito da campanha é “re-
laxe no verão”, os demais elementos, como imagens, por exemplo, certamente
deverão ser fotografias de pessoas curtindo um belo dia de sol na praia. Assim,
a elaboração do conceito de campanhas parte da associação entre produto e o
objetivo da mensagem publicitária como princípio construtivo.
Sendo assim, entendemos por imagem simbólica a significação do conjun-
to de elementos que compõem as configurações materiais do conceito criativo
dos produtos publicitários. Esta é uma ferramenta imperativa para a constru-
ção de mensagens publicitárias eficientes. Vejamos como Gomes Filho (2006,
p. 107) explica:

Genericamente, pode-se afirmar que a imagem simbólica do produto


é construída pela incorporação do estilo de vida e por certos valores
culturais de pessoas e grupos sociais, conectando-se também determi-
nadas características sensíveis e emocionais do usuário-consumidor.
Do ponto de vista da teoria da comunicação do produto, relaciona-se
diretamente contextos sociais e fatores econômicos, políticos e espiri-
tuais, que caracterizam uma determinada sociedade numa determinada
época, em termo de tradição, classes sociais diferenciadas em prestígio
e poder, estágio de desenvolvimento tecnológico entre outros.

Em vista disto, vale ressaltar que a descrição completa sobre público-alvo é


de suma importância. Informações tais como idade, sexo, local de residência,
grau de escolaridade e classe social, devem estar contidas no briefing, ou seja,
antes da elaboração do conceito da campanha, é necessário o entendimento so-
bre quais os tipos de mensagens deverão ser elaboradas para que de fato sejam
compreendidas pelo público receptor.
A associação e a coerência são o resultado imediato do uso da imagem sim-
bólica no fazer do produto publicitário. Norteada pelos objetivos do cliente e
comportamento do seu público, a equipe de publicitários, durante o brainstorm,
parte do princípio lógico do resultado. Com o caminho definido e os porquês

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 120 13/05/2021 11:42


respondidos, a criação é mais segura e certa. (CESAR, 2006) O conceito das men-
sagens publicitárias, para ser eficiente junto ao seu consumidor, precisa estar
claro e objetivo. Para isso ocorrer, o conjunto de elementos de linguagem que
configuram a peça deve estar inteiramente relacionadas e coerentes com o pro-
duto. Em outras palavras, as mensagens são construídas no sentido de induzir
interpretações definidas.
Estabelecido o conceito da campanha durante o brainstorm, a equipe de
criação inicia o seu trabalho e, lembrando que o fazer criativo no meio publici-
tário segue um método, vejamos agora o que diz o autor sobre a próxima fase,
a pesquisa:

Busque referências [...] encontre defeitos, benefícios, diferenciais. Olhe


revistas, livros, ilustrações, fotos, internet. Tudo que estiver ao seu al-
cance ajudará na ideia. Jamais fique estático, esperando a ideia cair do
céu. Pode demorar uma, duas, talvez várias horas, mas as ideias surgirão.
Não descarte nenhuma delas. Podem parecer, a princípio idiotas. Tudo
bem, faz parte da criação ser ridículo na maioria dos casos. Tome cuida-
do em selecionar a ideia que mais lhe agrada, mas que seja pertinente.
Nunca esqueça as mínimas coisas que você sabe sobre o cliente e, com
o anúncio na cabeça, questione-se sobre a unidade da ideia, informação
e público. Se tudo lhe parecer correto, é hora de desenvolver a ideia.
(CESAR, 2006, p. 40-41)

Nessa busca por referências, está incluído tudo o que foi feito sobre o pro-
duto, por exemplo, no caso do pirulito, a equipe de criação pesquisa o segmento
de doces específicos sem adição de açúcar: como foi abordado em outras peças
publicitárias, cores usadas, textos, imagens simbólicas que remetem ao produ-
to. Trata-se de uma investigação norteada pelo conceito criativo e seus objeti-
vos, mas procuram encontrar relações também em todos os espaços possíveis:
o que há de novo nos veículos de comunicação, a moda em vigência, a novela
de sucesso, a música mais tocada, os memes mais compartilhados nas redes so-
ciais e até a notícia mais polêmica dos jornais factuais. Durante a pesquisa, vale
tudo, desde assistir vídeos relacionados com o produto ou não, até um passeio
no parque. É o momento da procura pela conexão, associação e coerência entre
produto, imagens simbólicas e objetivos.

Produção criativa 121

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 121 13/05/2021 11:42


Nessa fase do fazer criativo, o labor exige liberdade, concentração e racio-
nalidade ao mesmo tempo: liberdade para deixar a imaginação fluir em seus
experimentos; concentração para a sensibilidade e percepção que estão sintoni-
zadas no conceito da campanha e busca de possíveis conexões entre o produto e
elementos simbólicos que estão presentes na rotina diária; e racionalidade para
que ocorra um trabalho de pensamento específico na associação e coerência
entre as ideias imaginadas, objetivos, mensagem e público-alvo. Embora exista
um prazo limitado para a equipe de criação trabalhar, a fase de pesquisa tam-
bém é o período de incubação:

É a fase de internalização das ideias. Quando elas estão disponíveis e


descansando na mente, todos os elementos essenciais à solução do pro-
blema estão prontos para que uma descoberta criativa possa vir à tona.
Envolve assimilação e o processamento das informações no interior da
mente. Deve-se ficar tranquilo e relaxado, não pensar no problema. É
quando o inconsciente trabalha convertendo as informações coletadas
em novos conceitos em busca da solução do problema. (GOMES FILHO,
2006, p. 236)

Em acordo com o autor, essa fase precisa de tempo hábil para o processamen-
to das informações e, na prática, é fundamental para a movimentação e aqueci-
mento das engrenagens do motor criativo. As peças publicitárias criadas serão
o resultado concreto do pensamento específico (OSTROWER, 2010), porém,
enquanto os profissionais estão neste labor, o que ocorre é o colher e incubar
informações, combinar elementos e imagens simbólicas, formular hipóteses,
testar possibilidades e viabilidades, ou seja, fazer os “experimentos mentais”
(Einstein). Esse trabalho intelectual é o que definimos por imaginação criativa:

Nas múltiplas formas em que o homem age e onde penetra seu pen-
samento, nas artes, nas ciências, na tecnologia, ou no cotidiano, em
todos os comportamentos produtivos e atuantes do homem, verifica-se
a origem comum dos processos criativos numa só sensibilidade. São
análogos os princípios ordenadores que regem o fazer e o pensar; na
avaliação de resultados (em qualquer área) partimos de noções similares
de desenvolvimento e de equilíbrio. Embora os conceitos dinâmicos
possam ser análogos, o fazer concreto apresenta particularidades distin-
tas. Diferencia-se pelas propostas materiais a serem elaboradas em cada

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campo de trabalho, de acordo com o caráter da matéria. Diferencia-se,
pois, segundo a materialidade em questão. Cada materialidade abrange,
de início, certas possibilidades de ação e outras tantas impossibilidades.
Se as vemos como limitadoras para o curso criador, devem ser reconhe-
cidas também como orientadoras, pois dentro das delimitações, através
delas, é que surgem sugestões para se prosseguir um trabalho e mesmo
para se ampliá-lo em direções novas. De fato, só na medida em que o
homem admita e respeite os determinantes da matéria com que lida
como essência de um ser, poderá o seu espírito criar asas e levantar voo,
indagar o desconhecido. (OSTROWER, 2010, p. 31, grifos da autora)

Então, a autora se refere à imaginação criativa dizendo:

Formulamos aqui a ideia de a imaginação criativa vincular-se à especi-


ficidade da matéria, de ser uma ‘imaginação específica’ em cada campo
de trabalho. Haveria uma imaginação artística, uma imaginação cien-
tífica, tecnológica, artesanal, e assim por diante. Referida a atividade,
a imaginação ocorreria em formas específicas porque adequadas ao
caráter da matéria, nas ordenações que compreende a mente humana.
A imaginação criativa levantaria hipóteses sobre certas configurações
viáveis a determinada materialidade. Assim, o imaginar seria um pen-
sar específico sobre um fazer concreto. Um carpinteiro, ao lidar com a
madeira, pensa em termos de trabalhos a serem executados em madeira.
(OSTROWER, 2010, p. 32)

Durante as pesquisas, o profissional de criação faz anotações, rabiscos e ras-


cunhos, a partir de onde se concretizam as peças. Dizemos que é também da
relação entre a imaginação criativa e o papel – ou computador – que nascem as
ideias dos leiautes, storyboards – desenhos de quadro a quadro do roteiro de
um filme – e áudios das peças publicitárias.
A técnica da produção criativa revela que enquanto o criador faz seus ex-
perimentos mentais e rascunha algumas possibilidades, sua percepção está
sintonizada no conceito da campanha e trabalha num pensamento específico
na busca por conexões simbólicas, acionando aquela engrenagem que está no
centro, no coração do seu motor criativo – a intuição.
Para Ostrower (2010, p. 56), “a intuição está na base dos processos de cria-
ção”, pois, através deste importante modo cognitivo, o criador capta novos

Produção criativa 123

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relacionamentos e elabora possíveis significados. É a capacidade de perceber a
coerência nos espaços do cotidiano e formular sobre essas situações ou concre-
tudes que sejam novamente coerentes.

Do mesmo modo que a percepção, a intuição é um processo dinâmico


e ativo, uma participação atuante do meio ambiente. E um sair-de-si
e um captar, uma busca de conteúdos significativos. Os processos de
perceber e intuir são processos afins, tanto assim que não só o intuir
está ligado ao perceber, como o próprio perceber talvez não seja senão
um contínuo intuir. (OSTROWER, 2010, p. 66)

A autora define esta capacidade por visão intuitiva – ou insight. Na mesma


linha de pensamento, Galeffi, Macedo e Barbosa (2014) explicam que a intuição
é a capacidade de percepção do espírito criador captar num instante, no ar, uma
nova conexão, uma nova ideia, uma nova configuração. Gomes Filho (2006) diz
que a inspiração é a descoberta criativa, o desenvolver da solução. Assim, por-
tanto, podemos também nomear de inspiração a complexa movimentação da
imaginação criativa.
A nossa visão sobre a inspiração é diferente daquela visão poética tida por
alguns quando dizem que a inspiração surge de repente, do nada. Como dis-
semos anteriormente, o labor criativo exige concentração, isto é, se não há um
pensamento específico, um olhar direcionado, a percepção não captará novas
conexões e coerências. O que ocorre é uma construção, um fazer, um labor, uma
busca, uma descoberta, é o próprio ato de acender a lâmpada e essa luz é gerada
pelo movimento do motor criativo.
Ao fazer uma analogia entre produção criativa e o funcionamento de um
motor, não estamos tratando o fazer criativo, a despeito dos valores emotivos
e o inconsciente do sujeito criador. Pelo contrário, em nossa concepção, estes
também fazem parte do conjunto de engrenagens do motor criativo.

Assim como o próprio viver, o criar é um processo existencial. Não


abrange apenas pensamentos nem apenas emoções. Nossa experiência
e nossa capacidade de configurar formas e de discernir símbolos e sig-
nificados se originam nas regiões mais fundas de nosso mundo interior,
do sensório e da afetividade, onde a emoção permeia os pensamentos ao
mesmo tempo que o intelecto estrutura as emoções. São níveis contínuos

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e integrantes em que fluem as divisas entre consciente e inconsciente
e onde desde cedo em nossa vida se formulam os modos da própria
percepção. São níveis intuitivos do nosso ser. (OSTROWER, 2010, p. 56)

Embora tenha uma perspectiva de cunho técnico sobre o fazer criativo,


encontramos nos destaques de Domenico De Masi (2000) citado por Gomes
Filho (2006, p. 234) explicações que consagram a visão de Dante Galeffi e Fayga
Ostrower sobre a criatividade:

[...] a criatividade é um momento de síntese entre o consciente e o in-


consciente (entre o nível primário... e o secundário, lógico e consciente)
e a síntese entre a esfera racional e a esfera emotiva – entendendo-se
por esfera racional e conjunto de nossos conhecimentos e habilidades,
e por esfera emotiva o conjunto das nossas opiniões, comportamentos e
emoções e sentimentos). Na minha opinião, a criatividade brota dessas
duas sínteses.

Portanto, não se trata de simples fantasia, nem de simples concretude:


trata-se de uma síntese entre estas duas habilidades. Ou seja, voltando
ao esquema, uma síntese entre as áreas 2 e 3. A criatividade para mim
não é só ter ideias, mas saber realizá-las: é unir fantasia e concretude. A
criatividade consiste em um processo mental e prático, ainda bastante
misterioso, graças ao qual uma só pessoa ou grupo, depois de ter pen-
sado algumas ideias novas e fantasiosas, consegue também realizá-las
concretamente.

Portanto, entendemos que o sujeito criador parte da pesquisa para a imagi-


nação, passa pelo pensamento racional e encontra a linha de chegada, que é a
concretude criativa. Nesse caminho do fazer criativo, o sujeito lança e experi-
menta possibilidades no papel – ou computador – e, a partir daí, das soluções
que atendem aos objetivos da campanha, começa a materializar as peças pu-
blicitárias. Nascem os textos, os leiautes, as formas e seus significados, o objeto
concreto em si, idealizado inicialmente sob a perspectiva do conceito criativo.
Não há uma demarcação específica entre a fase de pesquisa e o início da
materialização das ideias. Mesmo obedecendo um método específico, cada
profissional de criação publicitária tem um modo próprio do fazer criati-
vo. Independente das formas individuais, o que vale ressaltar é que a fase da

Produção criativa 125

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concretude lança mão também de outros pressupostos, além dos objetivos da
campanha: o principal deles é a unidade comunicativa. De acordo com o que
apresentamos anteriormente, o conceito criativo, primeiramente definido no
brainstorm, é quem baliza a significação dos elementos construtivos, ou seja,
as imagens, cores, símbolos, tipologia e estilo textual, que devem compor as pe-
ças. Assim, obedecendo conceitos e atendendo a regras de composição visual e
textual, a equipe de criação – geralmente uma dupla, o diretor de arte ou design
gráfico e o redator – elabora as peças.
Além da unidade comunicativa, existe uma outra regra que é fundamental
para a construção das mensagens das campanhas publicitárias: “quando se cria
um anúncio, tudo precisa estar funcionando como uma engrenagem. Sem uma
das partes, não vai funcionar. Pense sempre num todo. Texto precisa completar
imagem; imagem completar texto”. (CESAR, 2009, p. 39) Essa regra é fundamen-
tal para a elaboração das peças publicitárias. Como explicamos anteriormente,
no sentido de atender aos objetivos do cliente e ser eficientes na comunicação
junto ao seu público, as mensagens precisam ser claras e objetivas. Assim, por-
tanto, o uso da associação e complementação entre imagem e texto se torna
uma ferramenta imprescindível para a indução da interpretação da imagem
simbólica das campanhas.
Poderíamos explanar sobre as demais teorias que regem a elaboração técnica
dos produtos publicitários, como a Gestalt,6 por exemplo. Porém, o objetivo do
nosso trabalho foi demonstrar a metodologia do fazer criativo – dos produtos –
no setor da publicidade. Explicamos desde a solicitação do serviço pelo cliente
até o momento que a equipe de criação entra na fase de composição técnica das
peças, ou seja, dos produtos criativos: os leiautes das peças gráficas, dos textos,
dos roteiros, storyboards dos vídeos etc.
Enquanto a criação elabora as peças e finaliza a prévia da campanha para a
avaliação e autorização de produção pelo cliente, a equipe da mídia define os
veículos e período de propagação da campanha. A equipe de produção também
interage em tempo integral com a criação, pois além de um prazo de execução
limitado, após a autorização do cliente e em alguns casos, é necessária a sele-
ção de modelos ou atores, a reserva de horários com estúdios de gravação de

6 Sugestão de leitura ver: Gomes Filho (2009).

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áudio ou vídeo, a preparação de local que servirá como cenário, contratação de
profissionais, locação de equipamentos e definição do período de impressão e
instalação de peças gráficas. Sendo assim, no sentido da sistematização de tem-
po hábil de produção, é importante que as duas equipes estejam alinhadas e
sincronizadas. Ressaltamos que é a equipe de produção quem executa a mate-
rialização do produto publicitário.
Apresentados os leiautes e roteiros para o cliente, ou seja, a prévia do que
será a campanha solicitada, e, uma vez aprovada, a equipe de produção entra
em ação. Finalizadas todas as peças, chega a hora das equipes de planejamento
e mídia gerenciar a campanha nas ruas durante a veiculação.

CONCLUSÕES: A CONSAGRAÇÃO DO MÉTODO


Durante a apresentação da metodologia do labor publicitário no fazer de seus
produtos, que são resultado da habilidade do ato criador, colocamo-nos em
desafio sobre as considerações finais deste trabalho. Semelhante ao método
descrito, durante a pesquisa para a elaboração deste tratado, movimentando as
engrenagens do nosso motor criativo, livres para experimentar combinações
teóricas e concentrados neste pensamento específico, conseguimos acender a
nossa resposta: a luz de todo o labor do criar está em permitir que a percepção
e a intuição trabalhem na captação das soluções das necessidades impostas ao
sujeito criador.
Usando a própria experiência como exemplo, tínhamos como objetivo apre-
sentar nesta seção uma reflexão final sobre o método do fazer criativo no setor
da publicidade. Pois através deste pretenderíamos demonstrar que a criatividade
é uma habilidade pronta para se desenvolver nos sujeitos e, para que isso ocorra,
é necessário um estímulo, problema a solucionar ou uma dada motivação. A
nossa motivação estava na reflexão final, este era o nosso pensamento especí-
fico, o combustível que acionou o nosso motor criativo. Isso mesmo, criativo,
como mencionamos anteriormente: a criatividade está presente em todos os
setores produtivos e este trabalho, um artigo científico, é um produto criativo.
Permitimos, então, que a nossa imaginação criativa fizesse livremente seus
experimentos. Combinamos os pensamentos dos autores pesquisados e permi-
timos a fluidez do tempo da pesquisa nos iluminar com suas respostas. Com a

Produção criativa 127

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 127 13/05/2021 11:42


percepção atenta, captamos no ar através da intuição, a solução para a constru-
ção das nossas considerações finais: percepção e intuição são as engrenagens
centrais do motor criativo, elas se conectam e fazem girar todas as outras, a ra-
cionalidade, a lógica e o conhecimento técnico. Intuitivamente, percebemos
que, para estimular e desenvolver a habilidade criativa dos sujeitos, é necessário
demonstrá-los que este potencial está na capacidade de focar a atenção na busca
para a solução do problema ou objetivo; é pesquisar sobre o assunto e também
olhar por todos os outros lados; é abrir as portas da percepção, pois a resposta
pode estar em qualquer lugar.

REFERÊNCIAS
CESAR, N. Direção de arte em propaganda. Brasília, DF: Ed. SENAC, 2006.
COLLARO, A. C. Produção visual e gráfica. São Paulo: Summus, 2005.
GALEFFI, D. A.; MACEDO, R. S.; BARBOSA, J. G. Criação e devir em formação:
mais-vida na educação. Salvador: Edufba, 2014.
GOMES FILHO, J. Design do objeto: bases conceituais. São Paulo: Escrituras, 2006.
GOMES FILHO, J. Gestalt do objeto: sistema visual da forma. 9. ed. São Paulo:
Escrituras, 2009.
HOLLIS, R. Design gráfico: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação. 25. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.

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CAPÍTULO 8

DA CRIATIVIDADE COMO FUNDAMENTO


DA CAPOEIRA ANGOLA: uma reflexão
afrorreferenciada

FRANCINEIDE MARQUES DA CONCEIÇÃO SANTOS


ROSÂNGELA JANJA COSTA ARAÚJO

INTRODUÇÃO
A ginga, na tradição da Capoeira Angola, pode ser considerada como um sistema
complexo de criações, representações que se auto enunciam no jogo da Capoeira
Angola e, por seus métodos, didáticas, epistemes e fundamentos, conseguem de
forma polilógica, polissêmica, polifônica e multirreferenciada preservar uma
atitude epistêmica afrorreferenciada; uma epistemologia da ginga, como pensa
a Mestra Janja, Rosângela Janja Costa Araújo (2017). Acompanhando a filosofia
de Mestre Pastinha, creio na Capoeira Angola como uma arte e que há, a um só
tempo, uma “ciência da capoeira”. (MESTRE PASTINHA, [19--] apud DECANIO
FILHO, 1997, p. 59)1

1 O livro organizado por Ângelo Decânio Filho é resultado de uma sistematização de Manuscritos, de Mestre
Pastinha, Vicente Ferreira Pastinha, conforme explica a página 7 do livro Herança de Pastinha (1997).

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Analiso, pois, os modos angoleiros, pertinentes a uma cultura forjada por comu-
nidades afro-brasileiras que se auto-reconhecem “Angola” com as transversalidades,
interseccionalidades, historicidades, as subjetividades e singularidades que per-
meiam as identidades construídas na forçada travessia atlântica da diáspora africana.
É possível observarmos, desde nós, que a filosofia pastiniana e as pessoas
que se abrigam nesse esteio formativo buscam dar às suas existências, um “lugar
da cultura”, um “local da cultura” e, a partir dos movimentos do próprio corpo,
dar continuidade à capoeira angola propagando valores que que consideram
importantes a quem chega e ressignificando tudo quanto consideram passíveis
de abandono e/ou transformação.
Aqui, adoto como conceito de tradição o de Hannah Arendt “o elo entre gera-
ções” (ALMEIDA, 2016, p. 121), “o fio que nos guiou com segurança através dos vastos
domínios do passado” (ARENDT, 1990 apud ALMEIDA, 2009, p. 92), reservando-
-me para aprofundar minhas reflexões sobre esse conceito em escritas vindouras.
Percorro memórias como fonte de indagações, respostas, conhecimento para
reconhecer que existe uma cosmovisão afro-bantu-identitária que considera o
diálogo como imprescindível à criação de um mundo melhor. Alcanço dizer que
existem fundamentos na capoeira angola que são alicerces de uma perspectiva
do viver e do deixar viver que preza a dignidade humana como corolária da
liberdade. Nesse sentido, considero que há, na ginga, a preservação da sua exis-
tência como um que fazer político, transformador, criativo e imprescindível à
continuidade da Capoeira Angola como uma cultura.
Adoto uma perspectiva da metodologia auto etnográfica para pensar, a partir
do/com/desde o meu corpo de mulher negra, “metade caatinga, metade man-
gue”, para dizer que a Capoeira Angola é uma filosofia afrorreferenciada e que
considero a ginga como uma atitude epistêmica acompanhando o pensamento
de Rosângela Janja Costa Araújo e as suas reflexões sobre uma epistemologia da
ginga, e considero possíveis diálogos poli/translógicos, multi/transreferenciais
para compreender os fundamentos filosóficos da Capoeira Angola e as trans-
disciplinares multilógicas da filosofia pastiniana.

A PRESERVAÇÃO DA TRADIÇÃO NA CAPOEIRA DE ANGOLA


Há, na Capoeira Angola, uma tradição sendo preservada por pessoas que aces-
sam, acessaram esse conhecimento afrorreferenciado, angoleiro que se identifica

130 Francineide Marques da Conceição Santos | Rosângela Janja Costa Araújo

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como vindo de Angola. Há um compromisso, uma manifestação de responsa-
bilidade da geração que vira passado, dos ancestrais e da ancestralidade com
quem chega.
Há na Capoeira Angola um sentido de que seja dada continuidade à cultura
considerando-se de avanços e recuos; pausas e movimentos; equilíbrios e de-
sequilíbrios com alinhamentos e interrupções que compõem a ginga demons-
trando desde a sua própria trajetória no “jogo de Angola” uma compreensão
que extrapola o explicável, pois não se circunscreve como uma prática corporal,
unicamente física, mas, também, metafísica, como um modo de estar no mun-
do dizível e no indizível.
Assim, nessa tradição, a cada geração, passa-se a acolher a missão de levar
adiante, às pessoas mais novas, tudo quanto se quer preservar (ARENDT, 1990
apud ALMEIDA, 2009) e, de igual maneira, aquilo que se quer abandonar para
que a Capoeira Angola nasça, floresça, frutifique, feneça e renasça em seu devir,
eterno ir e vir como parte do universo.
O espírito, a alma está envolvida, entrelaçada com o corpo e constrói lado
a lado, em uma relação de crescente espiral com o corpo, matéria presentação
do ser, penso conseguir ilustrar a imagem do DNA, das partículas que infinita-
mente se conversam em diálogo de informações inter, intra, multi e transpla-
netárias, pelo que afirmo dizer que a ginga, considerada fragmento da história
de um grupo humano “que vem de Angola”, como se autodenomina, é além de
polilógica, na perspectiva trazida por Dante Galeffi (2017), a polilógica como
teoriação do sentido próprio e apropriado paradoxal é o campo de força do
exercício da diferença e da heterogênese criadora incontornáveis e nos parece
ser, também, translógica porque cria, a partir da pluralidade lógica, as lógicas
pelas quais passeia e se constitui, por si mesma, como se fossem gingas pensa-
mentos que examinam as realidades visíveis, audíveis, perceptíveis, olfativas
e, também os seus opostos e contrapostos no campo do invisível, do indizível,
daquilo que não se consegue expressar com as palavras.
As diferentes formas, texturas, cores, visadas aguçam os corpos-capoeiras,
corpos-narrativas das experiências do cotidiano imediato e do devir que se in-
tercruzam como chamadas fenomenológicas, experiências que combinam ele-
mentos do “mundão”, daquilo que se está fora do corpo com aquilo que está
dentro de si, imerso nas emoções, sensações, percepções e imaginações que ha-
bitam cada uma subjetividade. A pessoa que ginga, enquanto ginga, é Nzinga.

Da criatividade como fundamento da Capoeira Angola 131

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 131 13/05/2021 11:42


É componente de um reino, o reino de Matamba. Matamba donde decerto vem
samba. Samba é vadiação, feriado, música, dança, alegria, distração, pausas do
trabalho, descanso e desfrute. Samba para capoeirista angoleira é vida. Assim
como o berimbau. O dobrão, a música da bateria. Atabaque, caxixi, pandeiro,
agogô. Ah, e o reco-reco que tanto amo, também.
No samba, também se ginga com outra musicalidade. A ginga acompanha
“quem vem de Angola” como um traço de identidade, no futebol, também há gin-
ga. Drible, movimento que encanta o olhar, que prende a atenção de quem vê, há
um ensinamento bem antigo que diz que “bom capoeira se conhece é pela ginga”.
Capoeirista que vem de “Angola” é bamba. Bamba que ao ver um jogo sabe
logo quem é angola e quem não é. Percebe-se pela cortesia e pela falta da corte-
sia. “Angola” que é “Angola”, assume-se Angola. A sua praxi, a sua ação que lhe
decorre de um pensamento treinado a filosofar, a pensar, a se movimentar de
forma “livre como o vento” não comporta opressões de quaisquer espécies. Nem
a ela servir como protagonista de opressões, tampouco admiti-las.
É da alma criativa ser livre. É do corpo livre ser criativo. Alma e corpo, espí-
rito- matéria que vivencia as suas vontades, as suas escolhas. A interferência que
subjuga, direciona, limita, usurpa, destrói, subalterniza vontades sob quaisquer
pretextos são as práticas de violência.
A violência é predadora e por não ser criativa se alimenta da pessoa, do
espírito criativo. A violência mesma que cerceia direitos, subalterniza vonta-
des, danifica e elimina corpos sendo uma manifestação da estupidez humana.
A violência é ação-omissão, comportamento vil que subtrai o ngunzo. Capoeira
é jogar ngunzo para cima, jogar a energia para que a espiral que movimenta o
mundo continue em sua viagem cósmica. Para Capoeira Angola, o canto puxa
a energia para dentro e fora em movimento contínuo e descontínuo, a ginga,
que alimenta a criação de si como fonte primacial da existência.
Na roda, precisa-se cantar, tocar, jogar, assistir, vivenciar, sendo por isso mes-
mo, a capoeira angola um conhecimento iniciático, que se vai aprendendo aos
tempos, aos poucos, a cada dia.
A música, a ritualidade que se evoca ao puxar um canto é momento de
reorganização, parar para ouvir a ladainha2 significa pausa para escutar tempo

2 Ladainha é o canto primeiro para se iniciar a roda de Capoeira Angola.

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e espaço. É a hora de rezar para que o jogo seja bom, para que não ocorram des-
respeitos, coisa ruim. É momento de se pedir bom jogo, que seja vadiação, que
seja respeito, troca, diálogo, alegria e que o “jogo seja bonito” jogo mais bonito
será tanto quanto mais criativo for, sem ferir nada, nem ninguém.
A violência é a antibeleza. A feiura horrenda que assusta, paralisa, subju-
ga corpos e vontades. Capoeiristas angoleiras gostam é de coisas bonitas, uma
beca vistosa, um sorriso no rosto – mesmo vestindo roupas das mais simples –,
prezam por elegância e conforto como manifestação de uma possibilidade de
coexistência salutar, construtiva, criativa, holística desde uma perspectiva ecos-
sistêmica em que se considera o bem-estar, o bem-viver de si, do ambiente e das
coletividades animais humanas e não humanas como recomendação do sagrado.
O que enxerga a cosmovisão afro-bantu-referenciada da capoeira angola, a
meu ver, é a beleza de se portar no mundo com dignidade. A violência não é
bem-vinda porque fere a dignidade humana, valor que é inegociável como a
justiça de Roxi, de Ogum, divindades africanas que não toleram as injustiças as
trapaças porque todas as formas de violência são, de per si, anti criativas, deso-
ladoras, destrutivas.
Com isso, não se pense que estou aqui a dizer que capoeirista, que a pessoa
que se identifica como angoleira seja a virtuosidade em pessoa. Não, pois é da
condição humana as vaidades, as enganações. O que estou a dizer é que a pes-
soa que escolhe caminhar pelos passos deixados pela ancestralidade, procura no
seu percurso existencial dignificar o seu passado, antepassados e antepassadas,
a sua ancestralidade como referências a territórios de liberdade.
Elege o respeito como paradigma inegociável. A liberdade é noção que se
entende apenas quando se faz acompanhar da dignidade, do apreço à vida hu-
mana, não humana, à vida de tudo o que existe na terra e o respeito a tudo o
que parece não ter vida.
A jornada, a caminhada humana, a se pensar pela filosofia pastiniana não se
distancia do pensamento de quem enxerga a humanidade como um valor com-
posto pela ética que aprecia a existência de si e das outras pessoas e não pessoas.
O respeito é largo, é praticado como presença do ser-sendo no mundo não
se propõe a agir de forma não pensada. Ser capoeirista que comunga com a fi-
losofia pastiniana implica se abster da prática de atos que possam vilipendiar
pessoas, grupos, comunidades e as coisas todas do mundo.

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Capoeirista que se identifica “de Angola” aprende para se defender, mas
não para atacar. Age com a tranquilidade de quem acessa conhecimentos que
lhes permite atacar, mas é livre para escolher não ofender, não danificar outros
corpos, pois se sabe um corpo no mundo que compartilha não apenas a esfera
terrestre, mas todo o universo.
Enquanto, prática de defesa, luta, a par de ser espaço de ludicidade e va-
diação, a capoeira angola-filosofia propõe a calma, a serenidade: “Para um ca-
poeirista quanto mais calma ainda melhor”. (MESTRE PASTINHA, [19--] apud
DECANIO FILHO, 1997, p. 59) Não age deliberadamente para causar danos a
outrem. Aprende que a espera é situar-se no tempo e espaço e sintonizar-se com
a fluidez do cosmos para ouvir o melhor momento para agir o contratempo
que desfaz as armadilhas, os ataques, derruba a Casa Grande, desmonta traição.
Há, portanto, uma sincronização entre “aprender” e “ensinar”, pois tudo o
que se ensina se aprende e tudo o que se aprende se pode ensinar e desaprender
e não mais ensinar. O cotidiano é uma escola, um nzo, um espaço de aprendiza-
gem e “desaprendizagem” que não se finda porque é devir criativo que se faz e
refaz; se transforma em matéria e não matéria, que não se esgota em uma mo-
delagem pré-pensada, pré-construída, pré-fabricada, pois é pulsante, faz parte
da natureza criativa do universo.
Assim, sendo esse corpo conectado consigo com seu espírito partícula do
universo, opera, pelos sentidos, por todo o corpo, infinitas possibilidades de
experimentação das múltiplas lógicas consideradas nas diferentes esferas, nas
distintas contextualizações que, ao reverso de se sentir permanência nele se
sabe volátil, passageiro.
A filosofia pastiniana dá meios para pensar não apenas “lições”, mas, tam-
bém, a responsabilidade de pensar/repensar, fazer/refazer/desfazer e transfor-
mar os movimentos corporais dentro da pequena e da grande roda como um
fundamento, alicerce, um chão pra pisar que situa a cosmovisão, a interpretação
e crítica da realidade: que situa a ação como instrumento para a inserção na es-
fera política, coletiva de maneira orquestrada com os sons que movem o corpo,
de forma antenada com a energia de “passos que vêm de longe”.
Pensar desde dentro de si, de dentro do mundo imediato e do mundo de
fora, do “mundão”, é perceber-se arte, conhecimento, ciência, narrativa de si e
universo composto por tantas substâncias, elementos e compostos que dele não
se pode saber tudo.

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Nesse sentido, considero que a ginga, a ação de gingar é o ser-sendo, ato-ser
criativo, liberdade de existência, de respeito ao “corpo no mundo” que possibi-
lita conhecer como um movimento processual que compõe o ser capoeirista e
lhe avoca para dar continuidade a uma comunidade que gesta e difunde a filo-
sofia pastiniana como uma proposta do pensamento político-social-filosófico
que foi legado pelo Mestre Pastinha como uma “herança” que se transforma
continuadamente, já que a tradição aqui concebida não comporta rigidez, nem
cristalização que lhe paralise o ser-ato criador, cambiante.
Mestre Pastinha, digo, pensou e difundiu a ginga como experimentação do
corpo-narrativa no mundo e essa perspectiva vem sendo difundida quando os
fundamentos da Capoeira Angola são experimentados pelo corpo que se perce-
be fundação, arquitetura que se estrutura feito matéria em ginga com o espírito
em momentos singulares interseccionalizado com os movimentos coletivos e
cósmicos.
Nesse sentido, imagino que ocorre uma coisa absolutamente inédita no
mundo quando se ginga, uma novidade no sentido pensado por Hannah Arendt
(1990 apud ALMEIDA, 2009, p. 94), daquilo que inaugura um momento único,
singular, ontológico, intrínseco à liberdade humana.
Gingar é pensar, julgar passar-se por crivos éticos, estéticos, políticos, meto-
dológicos, epistemológicos e esse percurso que é a ginga reúne um sistema de
representação, uma linguagem e uma “metalinguagem” (ARAÚJO, 2017), uma
agência, uma ação intencional, refletida e consignada em regras que podem
ser cambiadas ao longo dos caminhos que são conhecidos e, também, os des-
conhecidos que tomam por paradigmas a amorosidade, o sorriso, o movimen-
to e o respeito à liberdade como tentativas, propostas de mediação para uma
coexistência livre.
Uma “novidade”, um “milagre” no sentido arendtiano ocorre no corpo-ginga,
do movimento, nasce o respeito à vontade de cada qual, assim como o respeito
ao fato de que há regras que permeiam as relações intersubjetivas que se cons-
tituem como diálogos aqui pensados como os momentos em que as vaidades
e os sentimentos comezinhos de desprezo a outras pessoas são transformados
em aproximações, escutas e falas porque ginga é transformar-se, saber-se possi-
bilidades de novas formas, novas leituras de si e do mundo.
Ouvir e falar; falar e escutar; reflexão e autorreflexão… movimento conti-
nuado que possibilita a revisão, reconstrução, refazimento de perspectivas e de

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situar-se como ser coletivo e individualmente que se auto-organiza. Perceber
que a cada pergunta existe uma ou mais respostas e que todas as pessoas são
capazes de responder e perguntar, vez que nada pode ser transformado nos lu-
gares em que a criatividade é banida, nos locais onde há exclusão social, injus-
tiça social, epistêmica.
Acompanhamos, pois, a filosofia pastiniana que pensa o conhecer como uma
faculdade autônoma que necessita, inexoravelmente de “autonomia”, pois é a au-
tonomia, a liberdade da “Vida do Espírito” que torna, a humanidade, uma fonte
criadora em consonância com a natureza, de forma ecossistêmica, complexa e
desafiadora. Nesse sentido, aproximo-me da filosofia contemporânea de tradição
cética, porque penso que ela pode, também, explicar a necessária existência de
princípios que fundam a criação: há, inevitavelmente, que haver justiça, liberda-
de, autonomia, a preservação de direitos e o respeito à diversidade humana como
noções imprescindíveis a uma vida cognitiva, criativa. Não deve haver locais de-
terminados, nem fixas as maneiras de pensar, pois as experiências de pensamento
seriam cerceadas na sua gênese criativa. As experiências de pensar imprescindem
de formações transdisciplinares que considerem o corpo-história-criação.
O saber livre para escolher a pertença de liberdade que não aceita que lhe
pronunciem o mundo, mas que se enunciam, que emergem de per si em expe-
riências únicas e constitutivas da pluralidade humana.
Consideramos que a ginga é uma tradição: “A tradição é uma forma de se
relacionar com esse legado e a autoridade reside nas experiências fundantes de
nosso mundo – das quais resultam valores e princípios comuns (ARENDT, 1990
apud ALMEIDA, 2016, p. 120), uma atitude epistêmica que também pode ser
uma teorização (GALEFFI, 2017), uma práxi (ARAÚJO, 2004), uma epistemolo-
gia, um modo de conhecer e educar.
Compreendo que circunstâncias, movimentos, evidências, escrutínios do
olhar, do vivenciar, as percepções levam a experimentar os demais sentidos
de forma concomitante; que o campo do corporal está em intercâmbio com o
campo mental e espiritual, constituindo-se na pessoa, totalidade inesgotável de
ser. Percebo a capoeira angola como força, energia, ngunzo3 que atua no campo

3 Ngunzo, palavra do kikongo, idioma africano do tronco linguístico bantu frequente na região dos
territórios do Reino do Congo, Congo Democrático e Angola. Para saber mais consultar Ieda Castro,
Wanderson Nascimento.

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espiritual. Quando consigo circular pelos eixos do meu corpo de forma “livre
como o vento”, faço emergir em mim, de mim, por mim, as “faculdades do es-
pírito” entrelaçadas à minha “própria e apropriada” corporalidade.
O corpo transcende em energia espiralizada, tal qual a estrutura dos genes,
dos DNAS. Que, para mim, representa fractalmente a estrutura da energia que
circula no universo. Nesse sentido, aqui já me adiantando em um resultado da
minha pesquisa, compreendo que a vastidão do nosso ser, conectasse à vasti-
dão do universo pelas forças, as energias os ngunzos que transitam pelo cosmos.
Sim, falo em cosmos.
O nosso sistema de representação contempla uma compreensão fenomenoló-
gica que aceita os sentidos como processadores de energia, símbolos e intuições
que possibilitam aprender, interagir com a ambiência, o contexto integrado ao
ecossistema do cosmos. Cosmos esses que são formados pelas tantas e tantas ga-
láxias das quais se tem notícia e a vastidão infinita da qual nada ainda se sabe.
Portanto, a ginga compõe e é composta por toda a natureza; humanas e não
humanas; visíveis, não visíveis; materiais, imateriais; a força motriz, os fios con-
dutores, as neuroconexões, os efeitos dos contatos sinápticos por onde se lançam
à vastidão sem fim. Ser capoeira, construir-se ontologicamente, no sentido de
“ser-sendo”, conhecer-conhecendo, aprender-aprendendo; o pensar-gingando,
o gingar- pensando, é totalidade-singularidade, é pausa-movimento.
A dinâmica molecular, micromolecular, as nanopartículas, concebendo-se
aquelas infinitamente pequenas, mesmo aquelas às quais ainda não se conhece,
que se propagam no universo representam e, penso, possam ser representadas
pelo movimento da ginga.
Compreendo que ao me reconhecer angoleira, mulher capoeirista que “veio
de Angola”, filha de Ndandalunda, da Rainha dos Lundas, o meu ser ocupa um
ente crivado por identidades que abrigo na trajetória terrestre. É assim, cren-
do-me filha de nkici, de orisà, de caboco, pessoa interseccionalizada, que me
insiro no mundo acadêmico como uma pesquisadora afrorreferencializada que
pensa desde as minhas experiências, a partir de/com o meu corpo-narrativa,
corpo-história; considero-me corpo-ação-pensamento constituído por múltiplas
encruzilhadas, por uma ginga que é caminho, estrada.
Nessa esteira, converso com as teorias da complexidade, da inter/multi/trans-
disciplinaridade porque acompanho o pensamento de Audre Lorde (1977) e sei
da necessária coragem epistêmica para que possamos afastar os genocídios, os

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epistemicídios e “desmantelarmos a Casa Grande”, derrubar os muros, as linhas
abissais que determinam as assimetrias, as desigualdades de todas as ordens
nas esferas pública e privada que foram impostas juntamente com o projeto de
colonialidade como estratégia estruturante de dominação de corpos e almas,
assim, por eles pensadas: separadamente como se fosse possível à humanidade
fragmentar-se.
Ginga é libertação, liberdade é busca incessante como diz o Mestre
Pastinha ([19--] apud DECANIO, 1997, p. 66, grifo do autor): “É verdade, se
fracaçar a capoeira, é o fracasso dos capoeiristas, mais não morreu, porque
não morrerá, ela vive em todos seres, quer humanos <quer> espiritual”, é
a busca ad infinitum, é responsabilidade de quem fala por si como corpo-
-ciência e, por isso, adotei uma perspectiva da metodologia autoetnográfica
para pensar, a partir do/com/desde o meu corpo de mulher negra, “metade
caatinga, metade mangue” constituída por minha linguagem, meu corpo-
-narrativa entrelaçada em espiral que me escreve/inscreve no mundo; que
é ação e transformação.
Com esta escrita enfocando a Capoeira Angola como uma filosofia afrorre-
ferenciada, conceito que firmo como necessário à expressão do meu pensamen-
to, considerando que a afrorreferencialidade transcende a sua referencialidade
neste ou naquele centro, mas é uma ginga, um pensamento-ser imprevisível.

CONCLUSÃO
Aqui, neste trabalho, imprime-se uma escrita de uma mulher feminista angoleira
que transita entre comunidades, territórios, entre nações cartografando as suas
experiências na memória, no corpo. Para mim, capoeirista, o corpo, enquanto
ginga, fala, conhece, brinca, julga e desfruta de um mundo a ser continuada-
mente criativo, vivo, dinâmico, em movimento.
Defendo a ideia de que que há, sim, por parte de qualquer pesquisa cientí-
fica “um dever de investigar”. A curiosidade humana não tem fim, como não
tem fim o pensar, pois ela faz parte da condição humana, que tem, para mim,
uma natureza de criatividade e a criatividade como natureza impulsionadora
do existir atendendo-se à responsabilidade de agir virtuosamente.

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Compreendo que a Capoeira Angola, pelo que fala Mestre Pastinha em suas
diversas manifestações de pensamento, quer seja nos seus manuscritos, dese-
nhos, entrevistas; o seu jogo, a sua ginga, a sua existência, a sua passagem pelas
rodas da vida, possui sintonia com as memórias de um pensamento negro que
vem sendo guardado, composto, recomposto por gerações.
Alcanço dizer que existem fundamentos na Capoeira Angola que alicerçam
uma perspectiva do viver e do deixar viver, que preza a dignidade humana como
corolária da liberdade. Nesse sentido, considero que há, na ginga, a preservação
da sua existência como um que-fazer político, transformador, temática à qual
voltarei ulteriormente em estudos mais aprofundados.
Nessa esteira, penso a filosofia pastiniana como uma translógica que trans-
cende as lógicas com as quais tem/teve contato para criar de per si, as suas pró-
prias lógicas como resultante dos diversos vetores que a compõe e que transitam
em sistemas complexos de auto-organização.
Considero, acompanhando o pensamento de Rosângela Janja Costa Araújo
(2018), que podemos compreender a epistemologia da ginga como uma metalin-
guagem, que articula em si também o seu contrário, a sua negação constituindo
a Capoeira Angola como um dos seus centros criativos.
Compreendo a Capoeira Angola como um círculo que se intersecciona com
outros círculos e se prolonga no desconhecido feito espiral, trajetória históri-
ca de uma tradição que se repete, se replica, se cria e recria e se ressignifica em
movimentos elípticos, feito o mundo terrestre que bamboleia no universo, em
equilíbrio e desequilíbrio criativo e transformador de onde se estruturam os
fundamentos filosóficos do pensamento pastiniano como ele mesmo nos disse:
“Vamos adiante: Esta é minha sueca, o que tenho em meu corpo, é minha arte”.
(PASTINHA, [19--] apud DECÂNIO, 1997, p. 13)

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, V. S. O amor-mundi e a educação: reflexões sobre o pensamento de
Hannah Arendt. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2009.
ALMEIDA, V. S. Uma leitura do ensaio “A crise na educação” de Hannah Arendt.
Revista do centro de pesquisa e formação, São Paulo, p. 144-125, 2016. Disponível em:

Da criatividade como fundamento da Capoeira Angola 139

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https://www.sescsp.org.br/files/artigo/16e8ab19-76e2-4e6f-84e1-483118a6c9b7.pdf.
Acesso em: 20 out. 2019.
ARAÚJO, R. C. Ginga: uma epistemologia feminista. In: SEMINÁRIO
INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO, 11.; WOMEN’S WORLDS CONGRESS, 13.,
2017, Florianópolis. Anais Eletrônicos [...]. Florianópolis: [s. n.], 2017.
ARAÚJO, R. C. Iê, viva meu Mestre: a Capoeira Angola da ‘escola pastiniana’
como práxis educativa. 2004. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de
Pós-Graduação, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
DECANIO FILHO, Â. A herança de Pastinha. 2. ed. [S. l.: s .n.], 1997. (Coleção São
Salomão).
FRÓES BURNHAM, T. Análise cognitiva, um campo multirreferencial do
conhecimento? aproximações iniciais para sua construção. In: BURNHAM, T. F.
(org.). Análise cognitiva e espaços multirreferenciais de aprendizagem: currículo,
educação à distância e gestão/difusão do conhecimento. Salvador: Edufba, 2012.
p. 19-48.
GALEFFI, D. A. A arte como território de resistência: uma perspectiva polilógica.
Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales, [s. l.], v. 3, p. 22-25, 2017.
Disponível em: https://iberoamericasocial.com/arte-territorio-resistencia-uma-
perspectiva-polilogica. Acesso em: 30 out. 2019.
LORDE, A. A Transformação do silêncio em linguagem e ação. Comunicação de
Audre Lorde no painel “Lésbicas e literatura” da Associação de Línguas Modernas
em 1977. Portal Geledés, São Paulo, 28 mar. 2015. Disponível em: https://www.
geledes.org.br/a-transformacao-do-silenci. Acesso em: 10 out. 2019.

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CAPÍTULO 9

DISTINTAS EPISTEMOLOGIAS PARA


AS TECNOLOGIAS SOCIAIS

JUÇARA FREIRE DOS SANTOS


GUSTAVO BITTENCOURT MACHADO

INTRODUÇÃO
No presente capítulo, buscamos estabelecer uma relação do projeto da pesqui-
sa “Tecnologia social como dispositivo de emancipação, gestão e difusão do
conhecimento: saberes e práticas colaborativas das comunidades da Costa dos
Coqueiros”, com uma epistemologia que seja adequada aos elementos consti-
tutivos da investigação científica. Epistemologia, conceituada por Araújo (2012,
p. 8), vista como filosofia da ciência, é “[...] o estudo crítico dos princípios, das
hipóteses e da produção de conhecimento das diversas ciências, enfocando sua
estrutura cognitiva, valor e objetividade do saber científico, suas características,
suas delimitações, bem como os processos metodológicos de cada área”.
Nesse campo de estudo, segundo Araújo (2012), investiga-se a composição
de determinados saberes, e particularmente o saber científico, como também
as relações que se configuram com saberes distintos, formas de conhecimento,

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bem como os critérios de atuação das diversas ciências, as mudanças culturais
e deliberações institucionais sujeitas a transformar modelos de saber que a
sociedade valida e usa. É próprio da epistemologia a não imposição de regras
metodológicas, mas a análise da construção do conhecimento científico, em
diferentes perspectivas lógicas, sociológicas, políticas, éticas, ampliando para
a interdisciplinaridade.
O objeto de estudo dessa pesquisa é o Banco Comunitário Abrantes Solidário,
uma tecnologia social que age como dispositivo de emancipação das comuni-
dades no enfrentamento das suas vulnerabilidades econômico-sociais. Em seus
processos de subjetivações, os sujeitos participantes dessa organização socioe-
conômica remetem à construção de novas possibilidades. No momento, o ban-
co reúne várias iniciativas que servem de aproximação e comunicação com as
comunidades, a exemplo da participação na feira semanal de Vila de Abrantes,
onde há interação entre feirantes prestadores de serviços, moradores consu-
midores locais e articuladores gestores do banco, constituindo vias de relação
de troca; rodas de conversa em comunidades vizinhas; visitas mobilizadoras a
municípios que integram a Costa dos Coqueiros para a construção do conheci-
mento por meio de aprendizagem colaborativa sobre redes locais de economia
solidária, que simbolizam seus processos de difusão.
O projeto do Banco Comunitário Abrantes Solidário resulta das iniciativas
comunitárias. Desde 2006, as lideranças comunitárias perceberam a neces-
sidade de uma organização que “unisse o potencial”. Assim surgiu o Fórum
Sustentável da Costa dos Coqueiros – que se tornou protagonista e unificador
das organizações comunitárias da região. Quase dez anos depois, o banco reali-
za-se, criado e gerido pela própria comunidade sob a orientação da Incubadora
Tecnológica de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimento Territorial
(ITES) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Com efeito, enquanto prática de finanças solidárias, os bancos comunitários
são definidos por França Filho e Santana (2013) como apoio às economias popu-
lares de territórios com baixo índice de desenvolvimento humano. Encontram-
se em estruturas de dinâmicas associativas locais, apoiando-se em ferramentas
que geram e ampliam a renda no território, articulando-se em eixos centrais de
ações em seu processo de intervenção: fundo de crédito solidário, moeda social
circulante local, feira de produtos locais e capacitação em economia solidária.
Mas o que pode produzir além de apoio?

142 Juçara Freire dos Santos | Gustavo Bittencourt Machado

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Pesquisar o fenômeno dos bancos comunitários é, também, perceber os
processos de emancipação, os caminhos outros que a sociedade busca diante
da barbárie com que se depara no dia a dia, produzida pelo que chamamos de
capitalismo. Considerando o quadro exposto, passamos a indagar em nossas
rodas de conversa a potência do Banco Comunitário como tecnologia social:
o que mesmo pode produzir, fortalecer a comercialização local, aumentar a ri-
queza da comunidade, gerar trabalho e renda? Que novas culturas de relação,
gestão, poderão fazê-lo imprescindível?
A produção do banco é o principal fluxo desse projeto de pesquisa, tanto
porque sua efetivação configura-se como um esforço conjunto de construções
colaborativas das iniciativas comunitárias, públicas e investimento social pri-
vado na produção dessa tecnologia social, como também pelo que fomenta,
irradia, com seu potencial educativo.
Para abordar as tecnologias sociais como dispositivo de emancipação, cremos
que devemos buscar teorias “abertas” que “admitam” a inserção não apenas do
novo como inovação, mas do novo como acontecimento. Vivemos a debater-
-nos com teorias que separam coisas, definem lados, objetivam o ser como ser
das dualidades, embora o próprio tecimento da vida nos diga que o que teoriza
nossos percursos é uma teoria de infinitas multiplicidades, um tecido de com-
plexidade sempre em emergência.
Diante da fluidez do objeto tecnologias sociais – arte do ser em comunidade,
arte dos grupos em rede, arte do senso comum e do conhecimento das ciências –,
a reflexão sobre seu poder como dispositivo nos parece mais apropriado dentro
da epistemologia da complexidade. Mas o que é a complexidade? Morin respon-
de essa questão em seu livro Introdução ao pensamento complexo (2007, p. 13,
grifo do autor) como um tecimento, um fazer em rede, um entender múltiplo:

A um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é


tecido junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas:
ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento,
a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações,
interações, retroações, determinações, acasos que constituem nosso
mundo fenomênico. Mas então a complexidade se apresenta com os
traços inquietantes do emaranhado, do inextricável, da desordem, da
ambiguidade, da incerteza.

Distintas epistemologias para as tecnologias sociais 143

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A COMPLEXIDADE COMO ASAS DA IMAGINAÇÃO
Com base na construção do conhecimento a partir de uma análise da relação
pensamento x linguagem, a produção desse campo de pesquisa tem uma asso-
ciação com a epistemologia da complexidade. Identificamos no pensamento
de Edgar Morin, na relação de igualdade pensamento-linguagem, insere-se no
mapa de cognição humana como pós-estruturalista. Para Morin (2010, p. 29),
“[...] o estruturalismo, a cibernética, a teoria dos sistemas operam cada um à sua
maneira, avanços como uma teoria da organização, e esta começa a permitir-nos
entrever, mais além, a teoria da auto-organização, necessária para conceber os
seres vivos”.
Essa pesquisa nos diz que devemos abrir mão das teorias de “arrumação”
perfeita, “linearidades” retas, “sequências” premeditadas... embora haja um
desejo quase incontornável de perfeição, separabilidade – nos contextos dos
desejos, muitas paisagens e diferentes tonalidades deparam-se com o eu “car-
tesiano”. Por caminhos mais invisíveis que visíveis, é que tentamos apresentar
neste texto um referencial com o ser da complexidade, da multirreferenciali-
dade, das polilógicas.
Ao explicar o princípio da complexidade, Morin (2010) refere-se ao princí-
pio da simplificação (separação/redução). Requer a necessidade de distinção e
de análise como precedente, não só, mas também de constituir a comunicação
entre o que é distinguido: o objeto e o ambiente, o observado e o observador.
Persiste em não sacrificar o todo à parte, a parte ao todo, porém de manter a
concepção de organização, com base em Pascal ([191-]) citado por Morin (2010,
p. 30), “é impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, como é impossível
conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes”.
Esclarece a ideia do pensamento simples como bastante segmentado e dire-
to, diferentemente do pensamento complexo, que se apresenta como profundo
e interligado. Para o autor, o pensamento simples não essencialmente mostra-se
como verdadeiro tendo em vista o processo de simplificação e a tentativa de se
apropriar da realidade. Ao passo que o pensamento complexo sustenta-se na
ordem, clareza e exatidão no conhecimento, ou seja, se aproxima da realidade.
(MORIN, 2007)
Faz-se necessário abrir e desenvolver de forma ampla diálogos entre ordem
e desordem e organização, para conceber nas especificidades de seus níveis os

144 Juçara Freire dos Santos | Gustavo Bittencourt Machado

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fenômenos físicos, biológicos e humanos, como também a visão poliocular ou
poliscópica, cujas dimensões físicas, biológicas, espirituais, culturais, sociológi-
cas, históricas daquilo que é humano deixem de ser incomunicáveis. Segundo
Morin (2010), a explicação pela ciência clássica tendenciava reduzir o conhecível
ao manipulável. Já nos dias atuais, busca-se a utilização de um conhecimento
que seja receptivo à reflexão, à meditação, à discussão, à incorporação por todos,
considerando cada um com o seu saber, sua experiência de vida.
Reportando-se aos princípios ocultos da redução-disjunção utilizados na in-
vestigação da ciência clássica para explicar que se identificam com aqueles que
nos causam cegueira diante da natureza tanto social como política da ciência,
ao mesmo tempo à natureza física, biológica, cultural, social, histórica de tudo
o que é humano, Morin (2010) parte para a responsabilização desses princípios
na formação e manutenção da ampla disjunção natureza-cultura, objeto-sujei-
to. É a partir deles a visão de aparências ingênuas na realidade complexa nos
nossos seres, vidas e universo.
Propondo a comunicação entre a esfera dos objetos e dos sujeitos na con-
cepção desses objetivos, Morin (2010) debate pela construção da relação entre
ciências naturais e ciências humanas, sem restringir umas às outras. Sendo as-
sim o humano não se reduz ao biofísico, tampouco a ciência biofísica se reduz
às suas condições antropossociais1 de elaboração.
Levantando a questão sobre o problema de uma política da investigação
que não deve coibir o crescimento dos meios colocados à disposição das ciên-
cias, recomenda Morin (2010) não uma alternativa, mas um complemento, que
a política da investigação possa auxiliar as ciências a promoverem as transfor-
mações-metamorfoses na estrutura de pensamento demandado pelo seu próprio
desenvolvimento. Portanto um pensamento que encara a complexidade do real
e que ao mesmo tempo comporte à ciência refletir sobre si própria.
A problemática da complexidade é vista por Morin (2010) numa condição
marginal numa concepção do pensamento científico, epistemológico e filosó-
fico. Ao reportar-se aos debates da epistemologia anglo-saxônica entre Popper,
Kuhn, Lakatos, Feyeraband, Hanson, Holton etc., constata que esses filósofos

1 Que diz respeito à antropossociologia. Estudo de grupos sociais humanos com aplicação de elementos
antropológicos. Doutrina segundo a qual os fenômenos sociológicos têm base predominantemente
antropológica.

Distintas epistemologias para as tecnologias sociais 145

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 145 13/05/2021 11:42


abordam a racionalidade, da cientificidade, da não cientificidade, e não discu-
tem a complexidade, que, por sua vez, deixa de ser tratado por seus discípulos
franceses, que logo concluem que a complexidade não existe, já que não foi tra-
tada por seus mestres. Mas refere-se a uma exceção ao citar Gaston Bachelard,
que, ao analisar a complexidade, atesta-a como um problema fundamental, haja
vista não existir na natureza nada simples, apenas o simplificado. Ainda assim
a ideia não foi desenvolvida, sendo mantida como uma ideia isolada.
Para Morin (2010), o surgimento da complexidade ocorre numa linha mar-
ginal entre a engineering e a ciência, na cibernética e na teoria dos sistemas.
Destaca-se inicialmente no texto de Warren Weaver, que denominava o século
XIX como o século da complexidade desorganizada. Já Morin (2010), o inter-
preta como alusão ao segundo princípio da termodinâmica, cabendo ao século
XX como o da complexidade organizada. Utiliza-se de uma ilustração simbóli-
ca, uma tapeçaria contemporânea, que reúne fios de linho, de seda, de algodão
e de lã numa diversidade de cores. Desvendar essa tapeçaria seria necessário
para conhecer as leis e os princípios relacionados a cada um desses tipos de fio.
Portanto, a soma dos conhecimentos sobre cada um dos diferentes tipos de
fio que compõem a tapeçaria é insuficiente para conhecer esta nova realidade
que é o tecido, isto é, as qualidades e propriedades próprias desta textura; sen-
do assim, torna-se incapaz de nos auxiliar a conhecer sua forma e configuração.
Com base na ilustração, Morin (2007) apresenta etapas da compreensão da com-
plexidade: o todo é mais que a soma das partes, pois existe a interação com o
contexto e a reação dessa interação; em contrapartida, em algumas situações, o
todo é menor que a soma das partes, quando cada uma das partes não consegue
atuar com seu pleno potencial.
Assim, esse projeto de pesquisa tem sua “preferencial” na complexidade.
Como afirma Morin (2007, p. 102): “Estou em busca de uma possibilidade de
pensar através da complicação (ou seja, as infinitas inter-retroações), através das
incertezas e através das contradições” – e suas “vias” no caos e na multiplicidade,
misturas de ordem, desordem, tais que, como pesquisadora, sou sujeito-objeto da
pesquisa, pois que nela e além dela me constituo e sou constituída, pois aberta
ao meu ambiente. Como imagem do pensamento dessa referência teórica, afir-
mamos que a teoria será na pesquisa como um dispositivo de tecimento, uma
“estética” do olhar, um jeito de ser, de seguir, de estar junto.

146 Juçara Freire dos Santos | Gustavo Bittencourt Machado

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 146 13/05/2021 11:42


Morin e Le Moigne (2000) afirmam que a atitude mais significativa do pen-
samento contemporâneo é justamente “reformar o modo de pensar” – e este
não tem sentido se não se reformarem os modos de agir –, indo além dos pila-
res do pensamento clássico baseado na ordem, na separabilidade e na razão.
Não basta produzir um reflexo de algo como uma captação. Mas morar junto,
sangrar junto, como jeito mesmo de pesquisar. Por isso, avaliamos que a teoria
da complexidade terá uma força de ação com sua estética de buscar conexões,
relações, contradições. E também a superação como pesquisadora.

PRÁXIS – PRÁTICA COMPARTILHADA ENTRE OS SUJEITOS


Adotando a sistematização sobre a construção do conhecimento, a produção
desse campo de pesquisa também tem uma associação com a epistemologia da
práxis compartilhada. Sendo assim, uma identificação com o pensamento de
Paulo Freire, inserindo-se no mapa de cognição humana como socioconstru-
tivista. São características dessa epistemologia: a verdade ser construída pela
prática compartilhada entre os sujeitos; a verdade é dinâmica e contextualiza-
da; o conhecimento é construído por mediação em práxis compartilhada, por
sujeitos engajados numa vivência comum; a linguagem é elemento mediador
de práxis diversas.
Em sua obra Educação como prática da liberdade (1967), Freire traz uma
análise de sua experiência em momento crítico, que foi interrompida pelo re-
gime militar, tempo de exceção, tempo da ditadura. Refere-se a uma prática da
educação que permitisse ao homem uma discussão corajosa de sua problemá-
tica e a sua inserção nessa problemática. Numa educação que o alertasse aos
perigos de seu tempo e, assim, consciente, adquirisse força e coragem de lutar
para que não sofresse as agruras e a perdição do próprio “eu”, reprimido as
prescrições alheias. Numa educação que estimule o diálogo constante com o
outro e o predisponha a frequentes revisões, que possa realizar a análise crítica
de seus achados, numa certa rebeldia no sentido mais humano da expressão e
que o aproximasse de métodos e processos científicos.
Dessa forma, não existe na teoria dialógica da ação um sujeito que domi-
na pela conquista e um objeto dominado. Para Freire (2005), há, sim, sujeitos
que se encontram para a pronúncia do mundo, no sentido da transformação.

Distintas epistemologias para as tecnologias sociais 147

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 147 13/05/2021 11:42


Nessas “práxis”, constato a identificação do campo de estudo com as ações do
banco comunitário em seu território. Uma prática já construída com os sujeitos
no alicerce dessa base dos saberes compartilhados.

A TECNOLOGIA SOCIAL COMO DISPOSITIVO


DE EMANCIPAÇÃO
Creio que os movimentos de emancipação com a tecnologia social, de produção
e difusão de conhecimento exigem de nós também vieses novos para produzir,
acompanhar seus processos, entrar nas suas linhas de visibilidade, enunciação,
força, subjetividade e produzir um movimento de percepção e autopercepção,
fazer e sentir, ser e agir. Isso me parece também uma questão ética, pois quando
“engessamos” a visão, os procedimentos, as relações, caímos num potencial do
ser autoritário, da representação, da idealização do objeto.
A valorização da tecnologia social e mesmo das metodologias para desen-
volvimento das comunidades é abordada nas políticas públicas, nos meios
acadêmicos e em instituições não governamentais como dispositivo visando
à inclusão, transformação social. Como pesquisadora nas redes comunitárias
da Costa dos Coqueiros, deparo-me com essa potência ou vontade de potência
desse instrumental e pergunto-me qual mesmo a efetividade dessas tecnologias
e sua “encarnação” nas concretudes da vida de comunidades cujos saberes e
práticas são hegemonizados pelos conhecimentos do senso comum. Em outras
palavras: como a tecnologia social pode aliar esses saberes “comunitários” para
desenvolvimento de estratégias de sobrevivência com a gestão e a difusão de
outros conhecimentos?
Esse tema aponta sua relevância para uma agenda nacional, com impacto
nas políticas sociais e na articulação de uma rede de tecnologia social – que,
como salientam Dagnino, Brandão e Novaes (2004), tem hoje um grande poten-
cial de viabilização com iniciativas como a de bancos comunitários, que vem
sendo articulada por meio da Rede de Tecnologia Social (RTS), com adoção de
políticas públicas tratando da relação Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS) que
se adaptam à nossa realidade e aos anseios da sociedade.
Para Dagnino (2014), as tecnologias sociais vêm expandindo-se muito ra-
pidamente pelo Brasil para a inclusão social, têm um enfoque interdisciplinar,

148 Juçara Freire dos Santos | Gustavo Bittencourt Machado

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contribuem na elaboração de políticas e são delimitadas no campo dos Estudos
Sociais da Ciência e da Tecnologia (ESCT). O autor traz uma questão: por que é
necessário conceber tecnologia social? Em sua resposta, a tecnologia convencio-
nal, a tecnologia utilizada pela empresa privada, não é adequada para a inclusão
social. Refere-se a alguns aspectos na tecnologia convencional, que contribuem
com os propósitos de maximização do lucro privado, assim limitando a eficácia
para a inclusão social.
Argumenta Dagnino (2014), é que as instituições públicas relacionadas à
geração de conhecimento científico e tecnológico – universidades, centros de
pesquisa etc. – ainda não se mostraram capacitadas para o desenvolvimento de
uma tecnologia que viabilize a inclusão social, para que impulsionem os em-
preendimentos autogestionários e tornem-se autossustentáveis. Conforme o
autor, é necessária a sensibilização de organizações localizadas no Estado para
um processo de reflexão. Para Dagnino (2014), se o empreendimento autogestio-
nário não for competitivo – ou não tiver sustentabilidade – em relação ao gran-
de capital, não vai conseguir constituir uma alternativa econômica, nem chegar
a ser uma alternativa real de inclusão social para a população marginalizada.
Em Morin (2010), o autor apercebe-se em questionamento se de fato no
universo já não se tem uma epistemologia tecnologizada sem se dar conta, já
que se trata a tecnologia de um objeto abstrato. Observando do ponto de vista
epistemológico, atenta o autor ser impossível o isolamento da noção de tecno-
logia ou techné, diante de uma relação que vai da ciência à técnica, da técnica
à indústria, da indústria à sociedade, da sociedade à ciência etc. Ele observa
que a técnica surge como um momento em circuito, em que a ciência produz
a técnica, que produz a indústria, que produz a sociedade industrial. Trata-se
de um circuito onde há um retorno e os termos retroagem sobre o precedente.
O autor depara-se com o primeiro problema, que é evitar isolar o termo techné.
Não isolando a tecnologia, unir-se-á o termo em macroconceito, que se reagru-
pará em constelação a outros conceitos interdependentes. Sendo assim, não se
separa o conceito a “tecnologia” do conceito “ciência” do conceito “indústria”,
pois trata-se de conceito circular. O autor refere-se ao problema da civilização
ocidental, que se encontra exatamente na condição de a sociedade evoluir e se
transformar no circuito. Observa o autor que o termo “técnica” polariza algo, e,
sendo assim, passa-se a ideia de manipulação. Mas de onde vem a manipulação?

Distintas epistemologias para as tecnologias sociais 149

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 149 13/05/2021 11:42


Resulta da ciência ocidental o desenvolvimento da ciência experimental,
que, para suas experiências, desenvolveu poderes de manipulação precisos, téc-
nicas de verificação. A ciência inicia com o processo de manipular para verificar.
Embora o circuito de manipular-verificar, o universo social provoca inversão
de finalidade, ou seja, cada vez mais verifica para manipular. Nesse processo, o
cientista também manipula objetos, energia, animais, bactérias pelo ideal ab-
soluto do puro conhecimento e, assim, alimenta o circuito sócio-histórico em
que a experimentação serve à manipulação. Até época recente, o domínio da
natureza identificava-se como o desabrochar do humano. Nos últimos decênios,
passa-se o desenvolvimento da técnica a processos de emancipação, mas ocor-
rendo novos processos de manipulação do homem pelo homem ou indivíduos
humanos por entidades sociais. (MORIN, 2010)
Em outro nível, dá-se a infiltração da técnica na epistemologia da socieda-
de e da civilização de nossos dias. É apontada por Morin (2010) a lógica das
máquinas artificiais aplicadas cada vez mais à vida e à sociedade, exatamente
onde justamente convive a origem de nova manipulação. Os esquemas tecno-
lógicos inserem-se não somente no trabalho manual, ou máquina artificial,
mas também nas concepções de sociedade, vida e homem. A tecnologia resul-
tou no suporte epistemológico de simplificação e manipulação generalizadas
inconscientes que são tomadas por racionalidade. “Assim a tecnologização da
epistemologia é a inserção do complexo de manipulação/simplificação/racio-
nalização no âmago de todo pensamento relativo à sociedade e ao homem”.
(MORIN, 2010, p. 112)

CAMINHOS PARA TRANSCENDER A LÓGICA MERCANTIL


As experiências dos grupos produtivos revelam caminhos para transcender a
lógica mercantil e sinalizam desafios em articular a dimensão social, política e
econômica na construção de uma alternativa de desenvolvimento onde a justiça
social seja um contraponto à lógica da desigualdade social. No entanto, verifico
que os problemas e limitações identificados nos grupos produtivos, e, conse-
quentemente em suas comunidades, decorrem de situações de grande comple-
xidade, como observei nas pesquisas de avaliação: incidência de aproximação
dos grupos entre si, aderência e integração limitadas.

150 Juçara Freire dos Santos | Gustavo Bittencourt Machado

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 150 13/05/2021 11:42


Compreendemos que não é fácil vencer as fronteiras que os limitam e sepa-
ram, entre os distintos municípios que compõem a Costa dos Coqueiros.2 Essa é
uma das razões da necessidade de um trabalho integrado entre os grupos, para
que, juntos, em rede, busquem vencer os desafios e construam iniciativas soli-
dárias de relações socioeconômicas e sociopolíticas e os fortaleçam enquanto
rede. Que papel um banco social pode exercer também no aspecto da integração?
As finanças solidárias são expressões da sociedade de auto-organização co-
letiva, utilizadas por pessoas e grupos organizados de um determinado territó-
rio ou comunidade. Conforme França Filho (2010 apud FRANÇA FILHO, 2013),
procedem de forma própria com o objetivo de fazer a gestão dos seus recursos
econômicos, tendo por base os princípios de solidariedade e confiança mútua.
“Os bancos comunitários são associativos e de propriedade das comunidades
de determinados municípios, também são responsáveis por sua gestão, voltados
para a geração de renda que promova a economia solidária”. (SINGER, 2013, p. 1)
Conforme Singer (2013), há 103 bancos comunitários no país que “irão se
multiplicar”. O sistema de produção agrícola dos assentamentos do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por meio da agricultura campone-
sa familiar – que produz alimentos livres de agrotóxicos –, e a experiência de
67 empresas do país, recuperadas da falência e assumidas por trabalhadores de
forma autogestionária, são apontados como experiências concretas de funcio-
namento exitoso da economia solidária. (SINGER, 2013)
Singer (2013) explica que se enquadram no ramo da economia solidária
atividades organizadas sob a forma de autogestão – forma que procura a valo-
rização da ação humana conjunta. A economia solidária nasceu como resposta
ao capitalismo industrial, que se firmou como modo de produção hegemônico
depois da Revolução Industrial do século XVIII, e implica a reversão da lógica
capitalista de exploração da mão de obra e dos recursos naturais.
A constituição de um Banco de Desenvolvimento Comunitário requer mui-
to mais que o aporte de recursos. Torna-se indispensável à sua criação a mobi-
lização endógena do território. Como explica França Filho (2013), deve existir
o querer da comunidade, e, a partir desse desejo, inicia-se a implantação do
banco. Para isso, alguns procedimentos devem estar em andamento, tais como:

2 Lauro de Freitas, Camaçari, Mata de São João, Entre Rios, Esplanada, Conde e Jandaíra.

Distintas epistemologias para as tecnologias sociais 151

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 151 13/05/2021 11:42


capital financeiro para o fundo de crédito; recurso financeiro para pagamento
das despesas operacionais do banco; organização comunitária – associação, fó-
rum, conselho etc. – para assumir a gestão do banco; pessoas capacitadas para
as funções de agente de crédito; assessoramento para assimilação da tecnologia
pela comunidade.

(IN)CONCLUSÃO
No processo de construção do artigo, busquei os autores que contribuíram com a
minha fundamentação, tomando por base o problema da pesquisa. Identifiquei
os autores a partir da sistematização sobre a construção do conhecimento.
Edgard Morin (2007), numa epistemologia pós-estruturalista, apresenta va-
liosa contribuição sobre a complexidade, o caos organizador. Reformar o pen-
samento faz-se necessário para um paradigma em que a ordem, a desordem e a
organização constituem-se como diretrizes dialogicamente inerentes, embora
mantendo-se antagônicas. E assim também na ideia e na concepção da identi-
dade complexa do caos, bem como no desafio da complexidade que preserva
a incapacidade de definir e de determinar. Enfim, transformar o conhecimen-
to da complexidade em pensamento da complexidade. Avalio que a teoria da
complexidade contribuirá na minha pesquisa como uma potência de ação na
busca de conexões, relações, contradições.
Paulo Freire a partir de uma epistemologia socioconstrutivista, alinha-se à
práxis compartilhada por sujeitos engajados em vivências comuns. Na teoria
dialógica da ação, a colaboração, faz com que os sujeitos dialógicos se aperce-
bam da realidade mediatizada que problematiza os desafios. A resposta aos
desafios já se configura como ação dos sujeitos dialógicos para transformá-la.
Problematizar é uma análise crítica sobre a realidade-problema. Sendo assim,
exercerá importante instrumento de análise às indagações da pesquisa.
Sobre a tecnologia social, parto dos movimentos de emancipação na inten-
ção de produzir, acompanhar seus processos, força, subjetividade e produzir
um movimento de percepção e autopercepção. Uma tentativa pela tecnologia
social e sua metodologia para o desenvolvimento das comunidades, adotada nas
políticas públicas, nos meios acadêmicos e em instituições não governamentais
como dispositivo visando à inclusão e à transformação social. Diante da potência

152 Juçara Freire dos Santos | Gustavo Bittencourt Machado

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desse instrumental, indago sobre sua efetividade nas concretudes da vida de
comunidades. Também o que problematizamos da tecnologia social realizada
com o ativismo do Fórum Sustentável da Costa dos Coqueiros.
Como vemos, numa lógica de economia solidária, as finanças de proximi-
dade validam a concepção de uma outra economia com a tendência de seguir
numa ordem de produção, reprodução e preservação da vida de um dado
contexto territorial, desdobrando-se em reprodução das condições materiais
de existência e desenvolvendo meios para a realização de propósitos huma-
nos, socioculturais, políticos, ambientais, sem tornar-se um fim em si mesmo,
como procede numa lógica de mercado, compreendendo as formas de lidar
com o econômico, mesmo que seja relacionado ao Estado, ao mercado ou à
própria sociedade.
Sobre a lógica mercantil e a busca da transcendência, refiro-me às experiên-
cias com os grupos produtivos que sinalizam desafios em articular a dimensão
social, política e econômica na construção de uma alternativa de desenvolvi-
mento em que a justiça social seja um contraponto à lógica da desigualdade
social. A opção por finanças solidárias advém de uma experiência anterior com
Fundos Rotativos Solidários, legitimando-os à experiência atual com o Banco
Comunitário. Busco nos autores referenciados a contribuição na conceituação
desse tema.
O processo de construção foi rico pelas leituras e o aprendizado na disci-
plina, que tem fortes e relevantes conteúdos, e nos certificou do quanto impor-
tante é nosso estudo. A multidisciplinaridade do curso nos permite acessar um
conjunto de saberes. Somam-se a essa questão a produção do conhecimento,
a difusão do conhecimento, a cultura do conhecimento. Avalio ainda tratar-se
de uma (in)conclusão haja vista a necessidade de maturar as ideias para uma
reavaliação do pesquisado.

REFERÊNCIAS
ANTROPOSSOCIOLOGIA. In: AULETE Digital. [S. l.: s. n.], 2016. Disponível em:
http://www.aulete.com.br/antropossociologia. Acesso em: 29 nov. 2020.
ARAÚJO, I. L. Curso de teoria do conhecimento e epistemologia. Barueri: Minha
Editora, 2012.

Distintas epistemologias para as tecnologias sociais 153

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 153 13/05/2021 11:42


BRANDÃO, F. C.; DAGNINO, R.; NOVAES, H. T. Sobre o marco analítico-conceitual
da tecnologia social. In: SEIDL, D.; CABRAL, S. S. Tecnologia social: uma estratégia
para o desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil, 2004. p. 15-64.
DAGNINO, R. Tecnologia social: contribuições conceituais e metodológicas.
Campina Grande: EdUEPB, 2014.
FRANÇA FILHO, G. C.; SANTANA, C. A. Bancos Comunitários de Desenvolvimento
enquanto prática e dinâmica institucional. In: BANCOS Comunitários de
Desenvolvimento (BCDs) como expressão de finanças solidárias: por uma outra
abordagem da inclusão financeira. Fortaleza: Arte Visual, 2013. p. 50-77.
FRANÇA FILHO, G. C.; SANTANA, C. A.; SANTANA JUNIOR, G. Economia
solidária e desenvolvimento local: uma contribuição para redefinição da noção de
sustentabilidade a partir da análise de três casos na Bahia. [S. l.: s. n.], [20--].
FREIRE, P. Educação como prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Editora, 1967.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 38. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
MORIN, E. Ciência com consciência. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2007.
MORIN, E.; LE MOIGNE, J.-L. A inteligência da complexidade. São Paulo: Petrópolis,
2000.
SANTOS, J. F. Avaliação dos resultados do Projeto Desperta Litoral: analisando
as contribuições ao desenvolvimento local sustentável – solidário na Costa dos
Coqueiros, Litoral Norte da Bahia, no período de 2011 a 2013. 2013. Dissertação
(Mestrado Interdisciplinar e Profissional em Desenvolvimento e Gestão Social) –
Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013. Disponível
em: https://labor.ufba.br/dissertacoes/dissertacoes/avaliacao-dos-resultados-do-
projeto-desperta-litoral-analisando-as-contribuicoes-ao-desenvolvimento-local-
sustentável. Acesso em: 7 fev. 2017.
SINGER, P. Falta de crédito desafia a economia solidária. Entrevista cedida
a Júlia Rabahie. Rede Brasil Atual, São Paulo, 29 abr. 2013. Disponível em:
http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2013/04/paul-singer-desafios-da-
economiasolidaria-sao-permanentes. Acesso em: 27 dez. 2013.

154 Juçara Freire dos Santos | Gustavo Bittencourt Machado

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 154 13/05/2021 11:42


II PARTE

INTERMEDIAÇÃO
TECNOLÓGICA EM REDE

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 156 13/05/2021 11:42
CAPÍTULO 10

TEORIA DAS REDES SOCIAIS COMO


FERRAMENTA PARA MAPEAMENTO
DE RELAÇÕES ENTRE OS DOCENTES
COAUTORES DE ATIVIDADES DE
EXTENSÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL
DO RECÔNCAVO DA BAHIA

ANTONIO CARLOS DOS SANTOS SOUZA


JAQUELINE ALEXSANDRA AZEVEDO FERREIRA
ROMILSON LOPES SAMPAIO

INTRODUÇÃO
Com sede e foro na cidade de Cruz das Almas e Centros de ensino instalados
nos municípios de Santo Amaro, Amargosa, Cachoeira, Santo Antônio de Jesus
e Feira de Santana, a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), cria-
da pela Lei nº 11.151 de 29 de julho de 2005 por desmembramento da Escola
de Agronomia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) é constituída em um

157

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 157 13/05/2021 11:42


modelo multicampi, tem como um dos principais objetivos explorar o poten-
cial socioambiental de cada espaço do Recôncavo Baiano.
As atividades de extensão desenvolvidas no âmbito da UFRB visão promo-
ver a integração entre a universidade e a sociedade na troca de experiências,
permitindo aos egressos uma formação profissional com responsabilidade so-
cial, e oportunizar o docente a divulgar suas linhas de pesquisa e adquirir con-
tribuições que permitam ampliar as possibilidades de legitimar socialmente
sua produção acadêmica, elevando a UFRB ao patamar de universidade cidadã,
voltada para os reais problemas da sociedade contemporânea.
Quando se trata da área de conhecimento Matemática, essa preocupação
se estende, uma vez que divulgar pesquisas direcionadas a essa ciência tem
provocado grande desestímulo à maioria dos ouvintes, ora pelas limitações
em suas habilidades para compreender conceitos dessa área, ora pela apli-
cação da Matemática de forma descontextualizada, distante da realidade vi-
venciada pelos alunos. Tais aplicações podem ser apreciadas de forma mais
prazerosa através do caráter interdisciplinar das atividades de extensão, vis-
to que as atividades de extensão envolvendo saberes matemáticos podem
englobar experiências de popularização desta ciência e realizar atividades
que favoreçam a construção de caminhos que possam contribuir no enfren-
tamento de problemas e questões sociais. Uma forte conexão profissional
entre os envolvidos em atividades de interesses em comum para essa área de
conhecimento facilita significativamente a fluidez das informações dentro
da rede de coordenadores e colaboradores que geralmente elaboram, divul-
gam ou executam a extensão.
Este capítulo se estrutura com objetivo de estudar o fluxo de coparticipações
estabelecidas entre os coordenadores ou colaboradores das atividades de exten-
são direcionadas à Matemática desenvolvidas na esfera da Universidade Federal
do Recôncavo da Bahia (UFRB), a fim de identificar os docentes mais proemi-
nentes nessa rede de relações, traçando os contatos entre docentes de mesmos
centros ou de centros distintos, impulsionando estratégias para a melhoria na
circulação de informações referentes às atividades de extensão desenvolvidas
em toda a esfera da ação universitária. Para isso, a intensidade das conexões es-
tabelecidas por esses docentes também foi analisada, através dos conceitos de
“análise de redes sociais científicas”.

158 Antonio Carlos dos Santos Souza | Jaqueline A. Azevedo Ferreira | Romilson Lopes Sampaio

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 158 13/05/2021 11:42


FUNDAMENTAÇÃO/TEÓRICA METODOLOGIA
Muitas aplicações estão sendo desenvolvidas baseadas em análise de redes
sociais científicas. Atualmente, Sampaio e Souza desenvolvem, no IFBA, o
projeto de pesquisa intitulado “Análise de redes sociais aplicada à produção
científica dos professores dos programas de pós-graduação stricto sensu do
IFBA”, em que, com o apoio das ferramentas do Pajek, analisam a produção
científica dos docentes/pesquisadores dos Programas de Pós-Graduação stricto
senso do IFBA. Sampaio e Souza buscam traçar o perfil da rede de colabora-
ções científica dos pesquisadores dos programas, calcular a métrica da área
de Análise de Redes Sociais para inferir características das redes de colabo-
rações mencionadas e analisar a produtividade dos pesquisadores de acordo
com suas publicações e orientações.
Anjos e demais autores, em “A análise de redes sociais como ferramenta para
o mapeamento de relações entre atores sociais de um projeto de extensão uni-
versitária” (2015), apresentam o resultado de uma investigação feita por meio
da análise de redes sociais a fim de compreender como as relações entre os su-
jeitos envolvidos direta e/ou indiretamente em um projeto de extensão em uma
universidade paranaense foram estabelecidas.
Em “O papel dos docentes em programas de pós-graduação: uma aborda-
gem baseada em redes”(2015), Andrade e demais autores caracterizam as redes
de Programas de Pós-Graduação (PPG) usando a distribuição do tamanho dos
componentes e analisam a colaboração entre os docentes dos programas a partir
das redes de coautoria, distinguindo-os de outros participantes. Os resultados
mostram que os pesquisadores tendem a se agrupar, formando um núcleo; con-
sequentemente, a colaboração científica aumenta ao longo dos anos.
Em “Um sistema para análise de redes de pesquisa baseado na Plataforma
Lattes” (2012), Farias, Vargas e Borges descrevem um sistema que extrai a pro-
dução científica de um conjunto de pesquisadores a partir dos seus currículos
Lattes, analisa os dados extraídos em busca de referências bibliográficas repli-
cadas e gera uma visualização gráfica das redes de colaboração entre os pesqui-
sadores. A análise das redes de colaboração permite entender melhor como se
comportam as interações entre esses pesquisadores.
Com objetivo de promover diálogos sobre concepções de redes e mapear
as teses do Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do

Teoria das redes sociais como ferramenta para mapeamento de relações entre... 159

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 159 13/05/2021 11:42


Conhecimento (DMMDC), o I Seminário de Modelagem de Redes do DMMDC
contou com a apresentação do trabalho “Investigando a Rede de Matriculados no
Curso de Administração da UNEB, utilizando a Ferramenta de Análise de Redes
Sociais Gephi”, em que Cardoso e Viana utilizaram as ferramentas de Teoria de
Redes para investigar a origem dos discentes ingressantes nos cursos presen-
ciais de graduação em Administração na Universidade do Estado da Bahia em
2016. O trabalho analisa o atendimento às demandas deste curso nas diferentes
regiões do estado da Bahia, identificando – a partir das redes sociais formadas
com o apoio da ferramenta Gephi – se as cidades de origem dos discentes estão
relacionadas aos campus da UNEB geograficamente mais próximos.
Especificamente para a área da Matemática, por iniciativa do Instituto de
Matemática Pura e Aplicada (IMPA), ocorreu no Brasil o Biênio da Matemática
2017-2018, com a proposta de colocar em evidência no país as dificuldades da
divulgação de temas relacionados à área e evidenciar as discussões sobre esta
ciência, subsidiando grandes projetos de extensão espalhados pelas universi-
dades do país. O Biênio da Matemática 2017- 2018 gerou um sólido movimen-
to que desmistificou e popularizou a disciplina em todo o território nacional
durante esses dois anos. Nesse sentido, o Centro de Ciência e Tecnologia em
Energia e Sustentabilidade (CETENS), da UFRB, e a Universidade Estadual de
Feira de Santana (UEFS) integraram ações no território de identidade Portal do
Sertão, com a finalidade de realizarem o Biênio da Matemática Carloman Carlos
Borges 2017-2018, em homenagem ao professor Carloman como um dos fun-
dadores da UEFS e grande colaborador com a difusão da Matemática em Feira
de Santana e região.
Em “Uso do software Pajek e aplicação detalhada da teoria de grafos em
mapeamentos das relações entre os docentes coautores de projetos de exten-
são da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia” (2020), Ferreira, Souza e
Sampaio utilizaram o software Pajek para traçar redes que identificassem a di-
nâmica de todas as atividades de extensão relacionadas à área da Matemática
desenvolvidas junto à comunidade acadêmica em todos os Centros de Ensino
da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Neste capítulo, utilizaremos os
conceitos de estrutura de grafos e algoritmo de Dijkstra sobre as investigações
realizadas por Ferreira, Souza e Sampaio (2020) para traçar estratégias que per-
mitam ampliar o campo de relações em coparticipação entre alguns docentes
com os mais proeminentes na rede.

160 Antonio Carlos dos Santos Souza | Jaqueline A. Azevedo Ferreira | Romilson Lopes Sampaio

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 160 13/05/2021 11:42


Segundo Pereira e Câmara (2008, p. 79):

A teoria dos grafos é essencial para resolução de problemas, desde os


mais simples aos elaborados. São problemas que justificam atenção,
devido ao fato de aparecerem diversas aplicações e serem considerados
difícil solução. Grafos são uma inesgotável fonte de problemas com
enunciado simples, mas que escondem, muitas vezes, uma sofisticada
estrutura matemática.

Realizar estudo de redes sociais através dos conceitos da teoria dos grafos,
e originou-se em 1735, quando Euler propôs uma solução para o problema das
pontes de Königsberg. Na cidade de Königsberg (atual Kaliningrado), antiga
capital da Prússia Oriental, o rio Pregel circunda uma ilha e separa a cidade em
quatro zonas que, no século XVII, estavam ligadas por sete pontes. “Por muito
tempo os habitantes daquela cidade se perguntavam se era possível cruzar as
sete pontes numa caminhada contínua sem passar duas vezes por qualquer uma
delas”. (PEREIRA; CÂMARA, 2008, p. 68) Envolvendo conceitos do que veio a
ser a teoria dos grafos (séc. XVII), Euler descobriu que o problema não passava
de uma especulação matemática e que tal cruzamento não era possível.
A fim de fundamentar nosso objeto de estudo, utilizaremos alguns concei-
tos relevantes em Teoria dos Grafos:
Definição 1: “Um grafo G (V, E) é uma estrutura matemática constituída pelos
conjuntos V finito e não vazio de n vértices, e E, de m arestas, que são pares não
ordenados de elementos de V. (PEREIRA; CÂMARA, 2008, p. 68, grifos dos autores)
Seja, por exemplo, o grafo G (V, E) dado pelos conjuntos V = {p; p é a pessoa}
e A = {(v, w); v trabalha com w}. A operação (v, w) é uma relação de simetria,
isto é, v trabalha com w se, e somente se, w trabalha com v.
Definição 2:

A Centralidade por Grau mede o nível de comunicação de um vértice,


verificando o seu prestígio na rede. Quanto mais caminhos alternativos
ele tiver para satisfazer as necessidades de informação, menos depen-
dente de outros indivíduos ele será. Nesse caso, poderá ter acesso a mais
recursos disponibilizados pela rede. (ANJOS et al., 2015, p. 6)

Considerando essa medida de centralidade, os vértices mais centrais de uma


rede são aqueles com mais conexões com os outros. Para calcular a centralidade

Teoria das redes sociais como ferramenta para mapeamento de relações entre... 161

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 161 13/05/2021 11:42


por grau de um vértice, basta considerar a quantidade de ligações diretas deste
vértice a outros na rede.

(1)

em que o índice representa o número de identificação do vértice trabalhado, e

Definição 3: “Caminho é um passeio que não contém nós repetidos”.


(PEREIRA; CÂMARA, 2008, p. 69) O tamanho de um caminho é o número de
arestas presentes no caminho.
Definição 4: “Geodésica é o caminho mais curto entre dois vértices”. (HIGGINS;
RIBEIRO, 2018, p. 13)
Definição 5: “Distância Geodésica é o tamanho do caminho mais curto entre
dois vértices. Será utilizada a notação DG j (i) para representar a distância geodé-
sica do vértice j ao vértice i. Quando não há caminho entre dois vértices, falamos
de uma distância infinita ou indeterminada”. (HIGGINS; RIBEIRO, 2018, p. 104)
Definição 6: “A Centralidade por Proximidade indica o quanto a informação
é confiável. É medida por meio da distância que um ator tem para com todos
os outros da rede. Quanto menor a distância, maior a proximidade, ou seja, a
confiabilidade da informação”. (ANJOS et al., 2015, p. 6)
Considerando essa medida de centralidade, o vértice mais central da rede é
aquele que está no centro das coisas, podendo rapidamente interagir com todos.
A centralidade por proximidade pode ser calculada pelo inverso da soma
das distâncias geodésicas de um vértice para cada outro vértice presente na rede.

(2)

Definição 7: “A Centralidade por Intermediação identifica os responsáveis


pelo controle e pela mediação da informação na rede. Quanto mais pessoas de-
penderem de um vértice para fazer conexões com outras pessoas, maior será o
poder conferido a esse vértice”. (ANJOS et al., 2015, p. 6)
Considerando essa medida de centralidade, o vértice mais central da rede é
aquele que mais estiver entre o menor caminho que conecta cada par de vértices.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 162 13/05/2021 11:42


(3)

Defina-se por gjk a quantidade de geodésicas do vértice j ao vértice k. Defina-


se por gjk (i) a quantidade de geodésicas do vértice j ao vértice k, passando pelo
vértice i. A conta capta a proporção total de geodésicas entre os vértices j e k
que passam por pelo vértice i.
Quando tratamos de grafos ponderados (considerando o peso de suas ares-
tas), o problema de encontrar o caminho mais curto “Shortest path problem”
entre dois vértices, consiste em encontrar o melhor caminho entre dois vértices
em termos de custo operacional. Assim, resolver este problema pode significar
determinar o caminho entre dois vértices com o custo mínimo, ou com o menor
tempo de viagem ou com a máxima capacidade. As aplicações do problema do
caminho mais curto estão relacionadas com a otimização de certas atividades
como, por exemplo: o tráfego de estradas, linhas de transmissão elétrica, cone-
xão de redes, problemas de programação de rota crítica PERT, planejamento de
movimentos de um robô e outras mais complexas como no campo de biologia
molecular.
O algoritmo de Dijkstra data do ano de 1956, tendo sua primeira publica-
ção em 1959. Foi criado por um matemático computacional holandês, Edsger
Dijkstra e trouxe uma solução que vários procuravam, a solução para o problema
do caminho mais curto num grafo. Este algoritmo é muito útil para minimizar
custos em várias áreas como por exemplo, na implementação de redes.
Num dado vértice no grafo, o algoritmo localiza o caminho com a menor custo
entre esse vértice e todos os outros vértices, recorrendo ao peso/custo da aresta.
Este sistema, pode também ser usado para encontrar custos de caminhos mais
curtos a partir de um dado vértice origem para um vértice de destino parando
o algoritmo uma vez que o caminho mais curto para o vértice destino tiver sido
determinado. Abaixo, definimos os passos realizados pelo algoritmo Dijkstra.

ALGORITMO DIJKSTRA
Seja G (V, E) um grafo orientado e s um vértice de G:
1. Atribuir valor zero à estimativa do custo mínimo do vértice s (a raiz da
busca) e infinito às restantes estimativas;

Teoria das redes sociais como ferramenta para mapeamento de relações entre... 163

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 163 13/05/2021 11:42


2. Atribuir um valor qualquer aos precedentes (o precedente de um vértice
t é o vértice que precede t no caminho de custo mínimo de s para t);
3. Enquanto houver vértice aberto, faça:

• Seja k um vértice ainda aberto cuja estimativa seja a menor dentre


todos os vértices abertos;
• Feche o vértice k;
• Para todo vértice j ainda aberto que seja sucessor de k, faça:
• Some a estimativa do vértice k com o custo do arco que une k a j;
• Caso esta soma seja melhor que a estimativa anterior para o vértice j,
substituir e anotar k como precedente de j. (CARVALHO, 2008, p. 5)

Em “Uso do software Pajek e aplicação detalhada da teoria de grafos em ma-


peamentos das relações entre os docentes coautores de projetos de extensão da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia” (2020), Ferreira, Souza e Sampaio
utilizaram dados extraídos das listas públicas disponibilizadas pela Proext.
De acordo com a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoal (Progep), a UFRB possui, em
seu banco de servidores efetivos, um quadro com 878 docentes; dentre estes: 45
são docentes de alguma das áreas de conhecimento relacionadas à Matemática
na esfera da UFRB. Com posse de todos os registros das atividades de extensão
cadastradas na UFRB, selecionamos cuidadosamente – através dos temas e resu-
mos das submissões – aqueles com enfoque direto na área da Matemática, tota-
lizando 52 projetos de extensão, inicialmente sob coordenação de 25 docentes.
Com o software Pajek, construímos uma rede bipartido para esboçar primeira-
mente o grafo da rede que relaciona os coordenadores ou colaboradores com as
atividades desenvolvidas por eles. Nesse caso, a rede foi composta por 95 vér-
tices que representaram 52 projetos de extensão e 43 docentes coordenadores
ou colaboradores envolvidos. Em seguida, esboçamos a rede que relaciona a
coautoria estabelecida através dessas atividades desenvolvidas. Nesse segundo
caso, os 43 vértices representam os coordenadores ou colaboradores que desen-
volveram alguma atividade em coautoria, e as arestas estabelecidas apenas nos
casos em que dois docentes trabalharam no mesmo projeto de extensão. A fim
de preservar os nomes dos docentes envolvidos, considerando a quantidade de
dados disponíveis, e para evitar poluição visual na construção das redes, os 43
atores listados foram representados com os símbolos P1, P2, ..., P43.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 164 13/05/2021 11:42


Para a aplicação do nosso objeto de estudo, será considerada a rede represen-
tada pelo grafo , dado por é docente e
é projeto de extensão} e ; coordena ou colabora na execução
do(s) projeto(s) de extensão }. Com auxílio da ferramenta Pajek, no primeiro
momento, foi traçada a rede que relaciona os coordenadores ou colaboradores
com suas atividades de extensão desenvolvidas. Inseriu-se um atributo categó-
rico importante para a análise da dinâmica das relações: foram criadas parti-
ções para classificar por cores todos os docentes lotados em um mesmo centro
de ensino da UFRB e para identificar os vértices que representam atividades de
extensão extraídas do banco de dados.
A Figura 1 foi obtida através da análise da centralidade por grau de envol-
vimento em atividades de extensão voltadas para a Matemática. A quantidade
de conexões (grau) que o vértice – coordenador ou atividade extensionista –
estabelece é representada por figuras geométricas com áreas proporcionais à
proeminência de conexões na rede. Com o auxílio das ferramentas do Pajek,
foi possível observar que o docente P11 é o mais envolvido nas atividades exten-
sionistas de foco em Matemática da UFRB. Além disso, foi possível identificar
quais atividades de extensão são de interesse comum entre os docentes listados
neste banco de dados. É possível notar que o Projeto de extensão I Simpósio de
Física e Matemática da UFRB envolve a maior quantidade de docentes entre
todos os demais listados. Considerando seu caráter interdisciplinar, este pro-
jeto envolve diversos docentes das áreas de matemática e física do Centro de
Ciências Exatas e Tecnológicas.

Teoria das redes sociais como ferramenta para mapeamento de relações entre... 165

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 165 13/05/2021 11:42


Figura 1 – Centralidade por grau de rede de relações entre
coordenadores e atividades de extensão

Legenda:
Centro de Ciências e Tecnologia em Energia e Sustentabilidade (Cetens)
Centro de Formação de Professores (CFP)
Centro de Ciências da Saúde (CCS)

Centro de Ciências Agrárias Ambientais e Biológicas (CCAAB)

Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (Cecult)


Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas (Cetec)
Atividades de extensão diretamente relacionadas à Matemática

Fonte: elaborada pelos autores.

Em “Uso do Software Pajek e Aplicação Detalhada da Teoria de Grafos em


Mapeamentos das Relações entre os Docentes Coautores de Projetos de Extensão
da UFRB” (2020), foram detalhadamente construídas redes capazes de relacio-
nar a dinâmica de interações entre estes coordenadores dos projetos. Para tanto,
foi considerada a rede representada pelo grafo , onde é
coordenador ou colaborador} e; ; desenvolve projeto(s) de ex-
tensão com Pi}. Foi possível observar que, apesar da forte dinâmica de relações
de coautoria entre os docentes da UFRB, as relações entre centros distintos não
são predominantes. Além disso, é fácil ver que os Centros de Ensino CETEC e

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 166 13/05/2021 11:42


CETENS são aqueles que mais desenvolvem atividades de extensão direcionadas
à Matemática em caráter de colaboração, possivelmente por objetivarem a busca
da formação de indivíduos críticos com bases sólidas em ciências exatas. Além
disso, foi possível identificar que o docente, apesar de lotado no Centro CECULT,
desenvolve suas atividades em colaboração com os docentes do Centro CETENS,
permitindo uma possível conexão entre o CETENS e o CECULT. Por outro lado,
a rede obtida é capaz de mostrar que os demais Centros produzem atividades de
forma individual. Nenhum dos docentes lotados nos demais Centros de Ensino
desenvolve atividade que possam ligá-lo aos grupos fortemente conectados, isto
é, que possam criar elos de conexão entre os demais Centros. Isso dificulta signi-
ficativamente a fluidez das notícias referentes ao desenvolvimento dos eventos
voltados à Matemática nas instalações do CCAAB, CFP e CCS.
Além disso, foi extraída a medida de centralidade por grau da rede das
partições representadas por centros de ensino das coautorias em atividades de
extensão. Notou-se que a ordem de proeminência docente em produção não
segue a mesma ordem de proeminência docente nas relações profissionais den-
tro das atividades de extensão listadas. Essa medida de centralidade permiti-
rá avaliar o quão bem conectado um coordenador está como os outros dentro
das atividades de extensão universitárias. Nas arestas dessa rede, foi indicada a
quantidade de atividades de extensão voltadas à Matemática que cada docente
desenvolveu junto a outro. No contexto de teoria de redes sociais, chamamos
essas relações de “pesos” e denotaremos por w (Pi , Pj).
Utilizando esse recurso oferecido pelo software Pajek, foi possível perce-
ber que o grau não foi calculado considerando a quantidade de docentes com
que cada docente trabalhou, mas a quantidade de relações estabelecidas entre
eles. Seguindo esse critério de centralidade (weighted degree), o coordenador
com maior centralidade foi o docente P11, Além disso, foi traçada a
rede de centralidade por proximidade. Seguindo este critério de centralidade,
utilizando as equações (1) e (2), foi possível perceber que o coordenador mais
central foi o docente P11. Detalhes dessa construção podem ser observados em
Ferreira, Souza e Sampaio (2020, p. 10).
Por fim, foi traçada a rede de centralidade por intermediação. Essa medida
de centralidade nos permitirá identificar quais os coordenadores têm uma loca-
lização mais estratégica para a realização de atividades de extensão relacionadas
à Matemática dentro da UFRB. Esses coordenadores servirão como ponte para a

Teoria das redes sociais como ferramenta para mapeamento de relações entre... 167

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 167 13/05/2021 11:42


comunicação com outros. Esse tipo de centralidade é mais difícil de captar por
simples inspeção visual. Entretanto, uma forma técnica para discernir o poder
de intermediação consiste em identificar quantas geodésicas passam por um de-
terminado vértice. O esboço do grafo desta rede permite verificar que os vértices
com centralidade por intermediação nula são exatamente os pontos i, de modo
que os menores caminhos (geodésicas) encontrados para ligar o vértice j ao vér-
tice k não passam por , isto é, Gjk (i) = 0, confirmando (3), .
Note-se que, apesar da grande criação de clusters dentro dos centros de ensino,
existe um docente, P19, capaz de intermediar as relações profissionais entre os
Centros. Grau de centralidade por intermediação A retirada
desse docente da rede provoca total desconexão nas atividades de extensão da
área da Matemática entre o CETEC e o CETENS. Em contato com o coordenador
mais central, P11, as informações referentes ao desenvolvimento das atividades
podem fluir com mais rapidez e alcançar toda a rede.
A fim de ampliar os contatos científicos de forma mais estratégicas entre
docentes de mesmo campus ou de campus distintos, impulsionando a melho-
ria no fluxo de parcerias na realização das atividades de extensão desenvolvi-
das no âmbito da UFRB, podemos pensar, por exemplo, em alternativas que
oportunizem ampliar o número de produções em coparticipação entre atores
que se relacionam de forma mais discreta em termos de produções acadêmicas.
Podemos buscar caminhos mais curtos que conectem esses docentes que bus-
cam ampliar suas relações de interesses em mesmas linhas de pesquisas na área
da Matemática. Para tanto, podemos buscar caminhos que minimizem os pesos
extraídos via software Pajek, já que estes pesos representam quantidade de ativi-
dades de extensão das mais diversas linhas de pesquisa, da área da Matemática,
vinculadas a quaisquer dois determinados pesquisadores.
Neste sentido, como todos os pesos dos vértices são não negativos, aplica-
mos o algoritmo de Dijkstra para encontrar o caminho que necessita de maior
atenção em termos de produção entre um docente representado pelo vértice
arbitrário Pj, passando por outros docentes, até chegar ao vértice que repre-
senta maior produtividade em termos de atividade de extensão. O algoritmo
mantém a distância rotulada d(Pj) para cada vértice Pi, e é o limite superior do
caminho mais curto até o vértice Pi. O algoritmo dividirá os vértices em dois
grupos: rotulados permanentemente e rotulados temporariamente. A distância
rotulada dos vértices permanentes representará a menor distância de um dado

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 168 13/05/2021 11:42


vértice até um outro vértice. No caso dos vértices temporários, esta distância
representa o limite superior da distância do caminho mais curto até o vértice.
O algoritmo examinará todos os vértices sem incluir o vértice fixado e rotulará
permanentemente os vértices em ordem das distâncias ao vértice dado. Inicia-
se o algoritmo com d(Pi) = 0 e para todo Pi ≠Pj. Em cada iteração, o rótulo do
vértice Pj é o menor caminho desde o vértice Pi ao longo de um caminho que
contém outros vértices intermediários. O algoritmo escolhe o vértice Pj com o
mínimo peso rotulado temporário para fazê-lo permanente e visitar os outros
vértices, ou seja, examina as arestas de Pi e atualizar os pesos rotulados dos vér-
tices adjacentes. O algoritmo de Dijkstra finaliza quando não existirem vértices
com caminho mais curto do vértice Pj para o vértice Pi.
Para fins didáticos, neste capítulo, utilizamos pesos extraídos na rede obtida
por Ferreira, Souza e Sampaio (2020) e propomos a aplicação do algoritmo de
Dijkstra numa instância do grafo desta rede para conectar por caminho mais
curto, em termos de linhas de pesquisas (menor peso) o docente representado
pelo vértice P41 até o docente representado pelo vértice P11 mais proeminente
em termos de centralidade por grau.

w(P41, P5) = 1, w(P5, P11) = 1, w(P41, P3) = 1, w(P3, P11) = 7, w(P41, P16) = 2,
w(P16, P11) = 4, w(P41, P19) = 1, e w(P19, P11) = 1.

Aplicando o algoritmo de Dijkstra no grafo supracitado, atribuindo o valor


zero à estimativa do custo mínimo do vértice P41 (a raiz da busca) e infinito às
restantes estimativas. Em seguida, rotulamos o peso em seus vértices adjacen-
tes P3, P5, P16, P19 e escolhemos dentre eles o vértice cuja estimativa seja a menor
(neste caso são iguais: w(P41, P5) = w(P41, P3) = w(P41, P19) = 1). Agora, somamos
a estimativa do vértice P5 com o custo do vértice que une P5 a P11 e somamos a
estimativa do vértice P25 com o custo do vértice que une P25 a P11. Por fim, esco-
lhemos a melhor estimativa:

w(P41, P11) = min {w(P41, P5) + w(P5, P11) = 2; w(P41, P3) + w(P3, P11) = 8;
w(P41, P19) + w(P19, P11) = 2}

Essa construção nos permite concluir que o vértice P41 impulsiona a melho-
ria no fluxo de parcerias na realização das atividades de extensão desenvolvi-
das no âmbito da UFRB, se forem estabelecidas atividades em coparticipação

Teoria das redes sociais como ferramenta para mapeamento de relações entre... 169

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 169 13/05/2021 11:42


com os docentes P5 e P19. Em especial, o contato com P19 permitiria vínculo com
o CETENS, já que P19 admite maior centralidade por intermediação.
Sem utilizar estruturas de dados especiais, é preciso determinar o próximo
vértice a ser examinado, utilizando uma busca em lista linear, pois o algoritmo
deve percorrer todos os vértices do conjunto, no pior caso, consumindo O(n)
comparações. Atualizar os rótulos dos vértices que se ligam ao vértice corren-
temente examinado pode envolver a atualização de ordem O(n). Assim, uma
implementação simples do o algoritmo de Dijkstra tem complexidade O(n2).

CONCLUSÃO
A partir dos conceitos de teoria dos grafos como estrutura de dados, da utili-
zação do software Pajek e do banco de dados fornecidos pela Pró Reitoria de
Extensão da UFRB pudemos identificar e compreender como os docentes da
área Matemática desta universidade comunicam os seus projetos de extensão
considerando a multicampia universitária. Identificando os vértices mais cen-
trais dentro da execução das atividades de extensão dentro da UFRB, facilita-
mos estratégias de contatos entre docentes das áreas da Matemática, de modo a
melhorar a circulação das informações referentes às atividades desenvolvidas.
Evidenciando os pesos das arestas no grafo e calculando as medidas de cen-
tralidade, foi possível modelar a instância do problema de caminho mais curto
entre docentes proeminente em centralidade por grau, e aplicar o algoritmo
de Dijkstra como instrumento capaz de indicar quais caminhos necessitam de
maiores atenções em termos de atualizações de produções, permitindo que os
docentes façam escolha que ampliem seus contatos e oportunizem docentes in-
termediadores de estabelecerem mais relações de coparticipação com docentes
mais proeminentes na rede.
Como agenda de pesquisa, sugere-se observar e construir redes sociais cien-
tíficas para relacionar coautores coordenadores de atividades de extensão rela-
cionadas à Matemática nas esferas das Universidades e Instituições Federais de
Ensino Superior da Bahia, a fim de balizar, de forma contínua, as Pró-Reitorias
de Extensão das Universidades e Institutos Federais de Ensino Superior da Bahia
quanto a situações que favoreçam o envolvimento mais efetivo entre membros de
comunidades acadêmicas diferentes e da comunidade externa no âmbito regional.

170 Antonio Carlos dos Santos Souza | Jaqueline A. Azevedo Ferreira | Romilson Lopes Sampaio

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 171 13/05/2021 11:42


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172 Antonio Carlos dos Santos Souza | Jaqueline A. Azevedo Ferreira | Romilson Lopes Sampaio

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CAPÍTULO 11

A COMPETÊNCIA INFORMACIONAL
DO EDUCADOR PARA APRENDIZAGEM
DIGITAL MÓVEL MULTIRREFERENCIADA

ENEIDA SANTANA
TEREZA KELLY GOMES CARNEIRO
ROBERTO LUIZ SOUZA MONTEIRO

INTRODUÇÃO
Entre bits, Big Data e likes o educador se encontra submerso por um turbi-
lhão de terminologias desconhecidas que invadem o seu espaço de atuação, e
apresentam continuamente a necessidade de sua presença de forma definitiva
na era digital. Em uma sociedade em rede, como a contemporânea, a infor-
mação é a base de todo o processo de construção e difusão do conhecimento,
os fundamentos de Piere Levy acerca da inteligência coletiva, impulsionada
pela cibercultura, garante que toda informação disseminada em rede promove
dinamismo em cenários conectados, colaborativos, acessíveis, e por que não,
disponíveis na palma da mão.
O objetivo desta discussão é promover a reflexão quanto às competências
informacionais, com as quais o educador contemporâneo precisa abarcar para

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dialogar com as expertises da aprendizagem, no campo da aprendizagem digi-
tal, especialmente no cenário das plataformas móveis, selecionadas a partir de
uma abordagem multirreferenciada.
A aprendizagem móvel ou mobile learning, como é mundialmente difun-
dida, deixou de exercer referências apenas aos filmes de ficção científica, ou a
um futuro distante, e passou a fazer parte do dia a dia da maior parte da popu-
lação conectada do planeta. A popularização dos telemóveis, destacando entre
os mais utilizados: o tablet – computador portátil –, smartwatch e smartphones
– relógios e telefones inteligentes –, consoles de games, Assistente Pessoal Digital
(PDA) ou Palmtop e os leitores de livros eletrônicos, promoveu o desenvolvimen-
to de plataformas móveis capazes de interligar o acesso contínuo à informação
produzida a todo momento, seja essa informação, política, social, cultural ou
científica ela chegará ao indivíduo conectado através de poucos cliques, e por
diversas vezes sem a necessidade de uma mediação e/ou aprofundamento es-
pecializado para o assunto.
Nessa perspectiva, é pertinente questionar o quanto o educador está apto
para dialogar com tamanha multirreferencialidade informacional, no seu pro-
cesso contínuo de formação e na sua prática diária, tendo em vista que, como
afirmam Campello e Abreu (2005, p. 179), o indivíduo “deve ser competente em
informação e dominar as habilidades necessárias para realizar o processo de
pesquisa adequadamente”. Destacamos, por esse motivo, neste estudo, a com-
petência informacional como o fio condutor para atenuar qualquer distância,
ainda existente, entre o educador e a era digital.

A COMPETÊNCIA INFORMACIONAL E A APRENDIZAGEM


Assumindo por competência a definição apresentada em 1973 por McClelland
no paper Testing for Competence rather than Intelligence como descreve Mirabile
(1997), para McClelland, a competência é uma característica aplicada a uma
pessoa que desempenha com aprimoramento uma tarefa ou em determinada
situação. O autor ainda apresenta em sua discussão, a diferença entre aptidões,
habilidade e conhecimento; no entanto, afirma a necessidade do trio para o de-
senvolvimento da competência. Sendo aptidão o talento natural do indivíduo,
o qual pode vir a ser aprimorado; a habilidade, a demonstração de um talento

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particular na prática; e conhecimento, sendo o que as pessoas precisam saber
para desempenhar uma tarefa.
No campo da informação, o conceito adotado para esta discussão corrobora
com o apresentado por Dudziak (2003, p. 28), em que o autor define a compe-
tência em informação como o processo “[...] contínuo de internalização de fun-
damentos conceituais, atitudinais e de habilidades necessárias à compreensão e
interação permanente com o universo informacional e sua dinâmica, de modo
a proporcionar um aprendizado ao longo da vida”.
Podemos relacionar os conceitos apresentados ao contínuo e emergente cenário
da aprendizagem digital móvel, todavia que o documento Information Literacy: a
Position Paper on Information Problem Solving – AASL, publicado em 2001, citado
por Campello (2003, p. 33), aponta que “a competência informacional prepara o
indivíduo para tirar vantagem das oportunidades inerentes à sociedade da infor-
mação globalizada”. Por tanto, o educador enquanto sujeito, social, mediador e
cocriador de conhecimento, é impulsionado a interagir com as vantagens digitais
presentes na sociedade, aprimorando e desenvolvendo competências.
No que congrega a competência informacional na era digital, destacamos
a emergência de organizar, recuperar e usar corretamente as informações e os
dispositivos de acesso às informações. Para tanto, é preciso compreender o de-
senvolvimento de competência informacional como um percurso do educador.
Elencamos as competências que compõem esse percurso, como apresentado na
Figura 1, estabelecendo o processo cognitivo e tático que cada educador precisa
vivenciar para galgar o desenvolvimento da competência informacional:

Figura 1 – Percurso de desenvolvimento da competência informacional para o educador

Fonte: elaborada pelos autores.

A competência informacional do educador para aprendizagem digital móvel multirreferenciada 175

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O letramento digital principia o processo em busca da competência infor-
macional em uma era digital, considerando que ser letrado digitalmente é ser
capaz de ultrapassar as questões técnicas do manuseio com as plataformas ele-
trônicas e digital, como afirma Carmo (2003), é possuir “habilidades para cons-
truir sentido a partir de textos multimodais, isto é, textos que mesclam palavras,
elementos pictóricos e sonoros numa mesma superfície. Inclui também a capa-
cidade para localizar, filtrar e avaliar criticamente informações disponibilizadas
eletronicamente”. Compreender o que cada plataforma digital pode oferecer
possibilidades de acesso à informação com variações de conteúdo, símbolos,
modos de visualização de dados e navegação sem sentir-se desconfortável com
todas essas possibilidades, percebesse que o primeiro ganho de competência
informacional foi alcançado.
Seguindo de um diálogo mais fluido, após o letramento digital, apresenta-se
as linguagens, tendo como linguagem no aspecto de competência informacional,
a compreensão do internetês, o dialeto próprio do ciberespaço é construído e
reconstruído por muitas mãos e possuem transformações geotemporais, o que
um dia foi a expressão “compartilhando”, hoje é “ctp”, assim como o beijo (bj),
beleza (blz), estamos juntos (tmj). É preciso observar que em um espaço rechea-
do de variações terminológicas, abreviações de palavras, frases ou até conceitos,
o educador precisa exercer uma ação de decodificação para compreensão da
informação disponível. O vocabulário internetês, pode ao primeiro impacto
parecer um desafio para o educador, mas ele também pode ser um cenário para
o desenvolvimento de uma nova competência informacional: a criatividade.
Jovens influenciadores do ciberespaço promovem iniciativas de promoção
do desenvolvimento da criatividade, enquanto competência de diferenciação,
inclusive para o mercado de trabalho. Murilo Gun, criador da Escola On-line da
Criatividade, enfatiza que a criatividade deve ser utilizada a favor da humanida-
de em aspectos cotidianos como a resolução de problemas, Gun destaca em seu
e-book 9 Dicas de como ser mais criativo (2019, p. 9) que “muitas vezes, as pessoas
não estão resolvendo o problema de maneira criativa, pois estão resolvendo o
problema errado. Consideramos isso o pensamento lateral cognitivo. É dar um
passo ao lado e questionar: ‘Será que eu estou resolvendo o problema certo?’”.
É possível estabelecer a transposição do pensamento do autor para o
desenvolvimento da competência informacional, tendo em vista que o proble-
ma certo pode ser a informação certa. Nessa perspectiva, podemos aludir que,

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um educador deseja recuperar informações para montar a sua aula de química,
sobre o componente “Tributil Estranhos” o termo usual do composto químico
nos estudos científicos é “TBT”, no entanto, se o educador realiza buscas em
redes sociais tradicionais, como o Twitter, o Facebook etc, o termo “TBT” será
recuperado como Throwback Thursday, digitalmente popularizado como #tbt
= quinta-feira da saudade.
Imerso nessa confusão de termos, o educador precisa exercer a prática da
criatividade, não apenas para buscar fontes informacionais mais precisas, mas
para estabelecer um elo entre os contextos, como por exemplo, realizar uma
revisão sobre o TBT (Tributilestanhos) em uma TBT (quinta-feira da saudade).
As possibilidades são diversas. Nessa perspectiva, a criatividade e a linguagem
afinam a estratégia de busca, outra competência do processo. Os algoritmos de
busca foram os primeiros recursos a compor a vida digital de muitos educado-
res, ter acesso à informação de forma rápida e acessível, poupava horas de idas
e voltas às bibliotecas e livrarias. No entanto, na maioria das vezes, essas horas
poupadas são gastas em frente às plataformas digitais em busca da informação
que se almeja. Entre hiperlinks, vídeos, áudios, textos e games, por diversas ve-
zes, o educador acaba sua pesquisa sem o que busca recuperar. Três fatores são
fundamentais para sanar essa frustração informacional: atenção às distrações
digitais; facilitadores de busca em sites populares; e busca em bases de dados
personalizadas.
As distrações digitais são consideradas as principais usurpadoras de tempo
e produtividade, o pesquisador Clifford Nass, da Universidade de Stanford, con-
duziu diversos estudos em que pessoas realizam várias atividades cognitivas ao
mesmo tempo, os resultados dos estudos apontam que as pessoas estão passando
de uma tarefa para a outra muito rápido, não trabalhando simultaneamente, e
prejudicando assim a atenção devida para cada tarefa. Ou seja, o educador pode
começar com uma simples busca no Google e quatro horas após perceber que
realizou 20 postagens no Twitter, sem nenhuma recuperação de informação.
Um ponto que pode potencializar a sua busca, e com isso liberar tempo para
um passeio furtivo no ciberespaço, é aderir ao uso de facilitadores de busca em
sites populares de recuperação de dados. Os facilitadores são símbolos, scripts
ou sites especializados para realizar pesquisas avançadas e sites de buscas. Um
exemplo simples é realizar buscas incluindo filtros de recuperação, exemplo:
realize uma pesquisa no Google, digitando em seu campo de busca = “revolução

A competência informacional do educador para aprendizagem digital móvel multirreferenciada 177

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 177 13/05/2021 11:42


russa” + *ppt; observe o que está dizendo para o buscador é: “Quero recuperar
apenas páginas em que o termo revolução esteja associado, diretamente ou na
mesma linha de texto, ao termo russa, mas não quero tudo não, quero apenas as
páginas que disponibilizam arquivos criados em Microsoft PowerPoint (slide)”.
Outro ponto já conhecido dos educadores que também são pesquisadores
são as bases de dados personalizadas. Nesses espaços, a informação muitas ve-
zes pode ser recuperada por temáticas, anos, títulos ou até por outras bases de
armazenamento. São exemplos de bases especializadas: o Portal de Periódico
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); o
Domínio Público; o Banco de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT).
Após compreender onde recuperar a informação desejada, é também uma
competência fundamental para o educador prever a organização dessa infor-
mação, ou seja, como essa avalanche informacional será organizada no seu dia
a dia. Muitos educadores apaixonados pelo ciberespaço, desenvolvem Big Datas
– grandes bancos de dados – particulares com suas produções e utilizam esse
espaço para compartilhar informações recuperadas em rede. No entanto, a or-
ganização pode ser aplicada a um cenário mais simples, com a adesão de ferra-
mentas de gerenciamento informacional, que podem ser utilizadas em drives
virtuais (nuvens) ou físicos. Além da organização da informação recuperada, é
preciso estar atento ao uso, cocriação e compartilhamento da informação. Em
especial, as informações disponibilizadas pelo educador no ciberespaço, com
tudo, entram em voga as premissas da responsabilidade social do educador
frente à competência informacional.
A responsabilidade social do indivíduo sobre a informação é palco de discus-
são em diversas áreas do conhecimento, entre elas, a ciência comunicacionais,
cognitivas e do direito, visto que o sujeito enquanto ou ser social, precisa atentar-
-se para a difusão de informações com divergências, imparcialidades e fraudes de
suas fontes de informação. O educador, por sua vez, ao recuperar, compartilhar
ou cocriar frente a uma informação, deve averiguar a existência e uma possível
informação falsa (fake news). A responsabilidade social, segundo Fialho (2009),
está representada por padrões ligados ao uso da informação e à cidadania.
Um educador socialmente responsável em relação à informação compreende
que o acesso justo é pressuposto básico para o funcionamento da democracia.
Mesmo que o padrão de busca da informação circule por uma diversidade de

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pontos de vista, abordagens e culturas multidiversificadas, é preciso mesmo a
tentativa de chegarem a uma compreensão racional do que está posto enquan-
to informação. Elevando princípios e práticas que refletem padrões elevados e
éticos de acesso, respeitam os princípios da dignidade humana, liberdade inte-
lectual e dos direitos autorais.
Tendo em vista que no campo da aprendizagem móvel, o educador não
apenas constrói, como também encontra oportunidade e recursos para o de-
senvolvimento da prática da competência informacional. Para destacar essas
alternativas, neste estudo, apresentamos aplicativos móveis que foram produ-
zidos ou que podem ser adaptados para o uso do educador em sua jornada pelo
cenário digital. Alguns pontos foram de amplo posicionamento para a escolha
dos aplicativos móveis (apps), são eles: a capacidade tecnológica da plataforma
móvel (smartphones, tablets); a praticidade de uso e a conexão entre os recur-
sos, no entanto, analisar os apps através de uma abordagem multirrefenciada é
a garantia da aproximação da práxis do educador, com de fato, a realidade de
aprendizagem do educando.
O processo traçado pode ser apreciado na Figura 2, direcionado pelo ques-
tionamento das múltiplas fontes de identificação do apps, avaliando a fluidez
do conteúdo com a linguagem e as possibilidades de hiperlinks referenciais.
Apropriados dessas etapas, o educando e o educador conseguem desenvolver
ações autônomas de aprendizagem e manuseio da plataforma, por fim, a capa-
cidade de construção do conhecimento, que consolida a aprendizagem e pos-
sibilita a difusão.

Figura 2 – Processo multirreferencial da aprendizagem móvel digital

Fonte: elaborada pelos autores.

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Diante das considerações técnicas e multiferrenciais, optou-se por categorizar
os aplicativos em três grandes grupos que representam as premissas ocupacio-
nais da competência informacional, são eles: a) organização; b) recuperação; e
c) uso da informação. Atribuindo critérios para análise, escolha e classificação
dos apps, descritos no Quadro 1:

Quadro 1 – Critérios da análise multirreferencial dos


recursos apps na aprendizagem digital móvel

Aspectos Organização Recuperação Uso da informação


Multirreferenciais
Questionamento A estrutura do problema Fontes fornecidas pela Atender ao objetivo e ao
apresentado. plataforma. tempo disponível.
Conteúdo e/ou Objetivo claro e Variedade de suportes: Articulação entre a
Discurso contextualizado. imagem, texto, gráfico, semântica, estética,
som etc. lógica e ética.
Autonomia Arquitetura Interatividade e opções Capacidade de
informacional que de filtragem. dialogicidade.
garanta a Experiência do
Usuário (UX).
Construção do Compartilhamento, Exportação de dados Produção, colaboração
Conhecimento mapeamento e e informações para e disseminação do
exploração da manipulações externas conhecimento, entre
informação. e colaborações em rede. pares e comunidades.
Fonte: elaborado pelos autores.

A partir da definição dos critérios, os seguintes aplicativos foram seleciona-


dos e classificados nos grandes grupos.

• Para organizar a informação:

Trello: é um aplicativo para gerenciamento de projetos na palma da mão,


totalmente gratuito, com suporte para plataformas móveis desenvolvidas em
Android, iOS, Windows, além de permitir o acesso através do Kindle (livro ele-
trônico). Através do Trello, é possível gerenciar as informações de atividades
individuais, coletivas ou de projetos de equipes. Sua estrutura é muito visual e
de fácil navegação, possibilitando a centralização da informação e o comparti-
lhamento dela com outros membros.
Pomodoro Timer Lite: a técnica pomodoro foi desenvolvida na década de
1980 e prioriza o gerenciamento de tempo. O aplicativo auxilia o educador na

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organização da informação, foca na produtividade diária e contribui no impacto
das distrações digitais durante o processo de recuperação da informação. Com
um design minimalista, é uma ferramenta gratuita e apta para plataformas mó-
veis com sistemas operacionais Android e iOS.
RSS Reader: é um recurso de gerenciamento de conteúdo em espaços di-
gitais, o educador pode agregar as fontes de informação que mais utiliza em
um único aplicativo de acesso. Notícias organizadas em tempo real. Páginas
nas quais o educador realiza os maiores acessos, todos podem ser organizados
através do RSS Reader.
Google Drive ou One Drive: os drives virtuais são espaços de armazena-
mento de arquivos que podem ser utilizados a qualquer tempo, suas funcio-
nalidades podem ser acessadas on-line e off-line. Através dos drives virtuais, o
educador poderá organizar seus arquivos pessoais, arquivos de aula, criar um
banco de recursos de aprendizagem virtuais, ou gerenciar documentos produ-
zidos diretamente nas nuvens.

• Para recuperar a informação:

YouTube Edu: uma parceria do Google com a Fundação Lemann, é uma


plataforma exclusiva de vídeos educacionais. A estratégia de busca pode ser de-
finida pela área do conhecimento, tempo de transmissão do vídeo ou playlists.
O aplicativo permite a criação de sinalização sonora e visual sobre a notificação
de um novo vídeo sobre a temática de interesse do educador.
ResearchGate: rede social especializada para pesquisadores, o espaço virtual
é dedicado em compartilhar as publicações científicas de milhares de pesqui-
sadores ao redor do mundo. Através das buscas, é possível não apenas conhe-
cer as novas publicações sobre as temáticas, mas também identificar a rede de
coautorias no campo da produção do conhecimento.
Google Scholar (Google Acadêmico): ferramenta de pesquisa do Google
que permite localizar literatura acadêmica – trabalhos, relatórios, artigos – em
periódicos científicos ou outras fontes especializadas. O aplicativo oportuniza
a associação das informações recuperadas ao seu perfil Google, possibilitando
a criação de um gerenciamento sobre o que foi lido, agendado para leitura ou
excluído.

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• Para usar a informação:

Google Classroom (Sala de aula): um espaço virtual criado por educado-


res e estudantes para ampliar a comunicação extraclasse, faz parte do projeto
Google Apps for Education. Possibilita o ciclo de diálogo, criação e compartilha-
mento de informação de modo colaborativo, o aplicativo interage com outras
funcionalidades do Google, como drive, aplicativos de criação – texto, planilhas,
apresentação, fluxogramas, pdf, formulários, gráficos –, e-mail, vídeos e agenda.
Edmodo (Sala de aula virtual): é uma plataforma desenvolvida para a práti-
ca do educador, com a estrutura de microblogs, o aplicativo possibilita a criação
de grupos, gerenciamento de projetos educacionais, atribuir atividades avalia-
tivas etc. O grande destaque da plataforma é sua capacidade de interação com
as aplicações do Google Apps for Education e Microsoft Office.
GoConqr Móvel: uma plataforma desenvolvida para potencializar a aprendi-
zagem, o público-alvo são educadores e estudantes, que buscam um espaço com
ferramentas de construção de conhecimento através de quizz, mapas mentais,
notas, cartões de lembretes e slides. O educador, ao utilizar o GoConqr móvel,
poderá estabelecer uma rede entre os diversos estudantes que interagem em
suas salas de aula.

CONCLUSÃO
No cenário da aprendizagem contextualizada através de uma abordagem mul-
tirreferenciada em tempos digitais móveis, é fundamental o olhar do educador
para dilemas do aprimoramento informacional, tendo em vista que a urgência
em lidar com os diversos e contínuos avanços tecnológicos é real. A competên-
cia informacional deixa de ser uma opção e passa a caracterizar parte da for-
mação do educador.
Os aspectos técnicos que permeiam as plataformas digitais móveis no campo
da aprendizagem precisam ser dialogados entre os pares e os desenvolvedores
computacionais, garantindo assim ações de colaboração para aperfeiçoamento
do processo de construção do conhecimento entre educadores e educandos.
Os aplicativos aqui analisados através dos critérios de multirreferencialida-
de expõem possibilidades iniciais para a práxis do educador. A iniciativa deste

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estudo estima a continuidade do mapeamento e/ou criação de plataformas digi-
tais móveis, capazes de atender ao real cenário contemporâneo da aprendizagem.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 184 13/05/2021 11:42


CAPÍTULO 12

O ENSINO COM INTERMEDIAÇÃO


TECNOLÓGICA E A ZONA DE
DESENVOLVIMENTO IMEDIATO:
bases epistemológicas

LETÍCIA MACHADO DOS SANTOS


MARIA DE FÁTIMA HANAQUE CAMPOS
MARCUS TÚLIO DE FREITAS PINHEIRO

INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da temática Ensino com Intermediação Tecnológica (EIT)
e a Zona de Desenvolvimento Imediato (ZDI) constitui-se de relevância acadê-
mica e de impacto para o contexto social e científico, uma vez que a educação
exerce um papel fundamental nas relações humanas, e é dentro desse contexto
social que o indivíduo se desenvolve pessoal e profissionalmente. A educação,
mediada por recursos tecnológicos, é uma das formas de contribuição para essa
formação.
Para Santos (2008, p. 69-70), a expansão dessa modalidade educativa deve-se
ao desenvolvimento de um currículo com aulas mais dinâmicas, utilizando

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adequadamente os recursos tecnológicos, fazendo com que “[...] o aluno deixe
de ser o receptor de informações para tornar-se o responsável pela construção
de seu conhecimento, usando o computador”. Nesse sentido, a modalidade de
educação mediada por recursos digitais na educação básica tem sido crescente
nos últimos anos, já fazendo parte das políticas públicas voltadas para educa-
ção em estados, a exemplo do Piauí, Rondônia, Amazonas, e Bahia que será o
lócus da pesquisa de campo deste capítulo. Os estados do Espírito Santo, Goiás
e Pará estão em vias de implementar a tecnologia para atendimento de suas zo-
nas rurais de difícil acesso.
Ao detectar resultados efetivos através da utilização da mediação tecnológi-
ca, com construção do conhecimento através de um trabalho colaborativo e de
integração de vários grupos e comunidades virtuais, optou-se pelo conceito de
Vygotsky (2001) sobre a ZDI para tentar explicar como ocorre essa aprendizagem,
uma vez que segundo o mesmo o desenvolvimento do indivíduo ocorre mais em
colaboração do que na forma individual, caracterizando o ambiente externo em
que esses alunos vivem diariamente para ocorrer o processo de aprendizagem.
Dessa forma, este capítulo objetiva proporcionar uma reflexão acerca das
bases epistemológicas do EIT e a ZDI no processo cognitivo dos estudantes, e
que tem como problema de pesquisa: que(ais) a(s) base(s) epistemológica(s)
que permeia a concepção do EIT e suas possibilidades junto a ZDI no processo
cognitivo dos estudantes?
Metodologicamente, adotou-se a pesquisa bibliográfica com o seguinte aporte
teórico: Vygotsky (2001), Radike (2005), Santos (2008), Lévy (2010) entre outros,
e a pesquisa documental junto ao Programa Ensino Médio com Intermediação
Tecnológica (EMITec) da Secretaria de Educação da Bahia (SEC-BA). A neces-
sidade da realização de uma pesquisa bibliográfica sobre o tema em questão
torna-se necessária “[...] para se saber em que estado se encontra atualmente o
problema, que trabalhos já foram realizados a respeito e quais são as opiniões
reinantes sobre o assunto”. (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 83)
A base epistemológica desenvolvida pelo EMITec é sociointeracionista, ou
teoria histórico-cultural de Vygotsky (2001) que considera que a linguagem
categoriza o homem como um ser cultural, afirmando que as funções mentais
superiores, especificamente, humanas têm origem social. Filosoficamente, a
pedagogia histórico-crítica embasa-se no materialismo histórico-dialético, pre-
conizado por Marx (1968).

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O texto encontra-se estruturado em três seções. A primeira seção apresenta
a introdução, evidenciando os objetivos e a metodologia utilizada. A segunda
seção apresenta a proposta desenvolvida pelo estado da Bahia para o ensino mé-
dio em locais de difícil acesso da zona rural – o EIT. A terceira seção apresenta
a base epistemológica do EIT e sua relação com a ZDI, proposta por Vygotsky
como possível explicação de como ocorre o processo cognitivo nos estudantes
atendidos através da mediação tecnológica. E, por fim, as considerações finais.

UM PASSEIO PELO EIT


O EIT ou mediação tecnológica caracteriza-se como uma modalidade educativa
voltada para a educação básica, com aulas ministradas de forma síncrona, dia-
riamente, de modo semelhante a uma escola presencial, fazendo uso das Novas
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (NTDIC), podendo ser ca-
racterizado como um ensino híbrido, uma vez que os estudantes possuem um
cronograma de aulas que ocorre diariamente, com aulas disciplinares, seguindo o
mesmo modelo de currículo do ensino médio convencional, com 200 dias letivos,
que são características que não fazem parte da Educação a Distância (EAD). Porém,
para sua ocorrência, há a necessidade dos recursos tecnológicos próprios da EAD:

[...] Dessa forma, essa solução tecnológica permite que, em diferentes


espaços, estudantes e professores interajam em tempo real, com aulas
ao vivo diariamente, construindo conhecimentos e elucidando dúvidas
em cada um dos componentes curriculares que compõem o currículo
do ensino médio [...]. (BARRETO FILHO; SANTOS, 2015, p. 21)

O conceito de mediação tecnológica, é complementado pela Secretária Estadual


de Educação de Rondônia, Fatima Gavioli, em entrevista ao site do governo de
Rondônia, em que afirma que “A mediação tecnológica é uma ferramenta faci-
litadora ao ensino. [...] aparato tecnológico que favoreça o enriquecimento didá-
tico e melhore a relação ensino/aprendizado em sala de aula”. (SÉRGIO, 2016)
A proposta pedagógica de EIT vem promovendo modificações na forma de
ensinar e aprender, sintonizada com um mundo globalizado que rompeu com as
dimensões de tempo e espaço, fazendo uso da contextualização e das ferramentas
tecnológicas em que o agente a ser transformado é o estudante, e a atuação docen-
te deve ser transformadora, conforme preconizam Santos e Radike (2005, p. 328):

O Ensino com Intermediação Tecnológica e a Zona de Desenvolvimento Imediato 187

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Na perspectiva transformadora de uso do computador na educação, a
atuação do docente não se limita a fornecer informações aos alunos.
Cabe a ele assumir a mediação das interações docentes-alunos-compu-
tador, de modo que o aluno possa construir o seu conhecimento em
um ambiente desafiador, em que o computador auxilie, promovendo
o desenvolvimento da autonomia, da criatividade e da auto-estima do
aluno.

O aluno deixa de ser o receptor de informações para tornar-se o responsável


pela construção de seu conhecimento, usando as ferramentas tecnológicas para
buscar, selecionar, inter-relacionar informações significativas na exploração,
reflexão, representação e depuração de suas próprias ideias, segundo seu estilo
de pensamento. (SANTOS; RADIKE, 2005)
Assim, com o avanço tecnológico, no século XXI, o uso de recursos tecno-
lógicos na educação ganhou maior condição de qualidade graças às inúmeras
possibilidades de instrumentos, estratégias de aprendizagem e facilidade de
acesso aos mecanismos que fazem com que o ensino e aprendizagem seja leva-
do aos locais mais distantes. Essa forma de educar permite suprir a necessidade
de grande parte da população que reside em regiões distantes e têm dificulda-
de de acesso à educação convencional. O avanço tecnológico coloca a educação
diante de novos desafios:

[...] trata-se de um novo fazer pedagógico, fundamentado em um pa-


radigma educacional emergente, o qual coloca uma nova maneira de
pensar a educação. Esses novos caminhos revelam uma ruptura com
as práticas tradicionais e avançam em direção a uma ação pedagógica
interdisciplinar voltada para a aprendizagem do(a) aluno(a) – sujeito
envolvido no processo não somente com o seu potencial cognitivo, mas
com todos os fatores que fazem parte do ser unitário, ou seja, também
os fatores afetivos e sociais. (SANTOS; RADIKE, 2005, p. 328)

O EIT consiste em uma prática que permite, de forma presencial e virtual,


o equilíbrio entre as necessidades e habilidades individuais e grupais. Nessa
perspectiva, é possível avançar rapidamente, trocar experiências, esclarecer
dúvidas e inferir resultados. É nessa modalidade educacional que o EMITec
encontra-se inserido.

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O Programa Emitec teve sua criação e regulamentação através das Portarias
SEC n° 424/2011; n° 1.131/2011; e n°1.787/2016, é pioneiro na região nordeste
do país, a qual amarga as piores colocações do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB), o EMITec encontra-se em consonância com os prin-
cípios das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM),
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), Orientações
Curriculares Estaduais para o Ensino Médio, e o documento Princípios e eixos
da educação na Bahia (2007), além da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) nº 9.394/96.

Figura 1 – Modelo tecnológico do EIT

Fonte: adaptada de Bahia (2019).

Nessa perspectiva, o EMITec propõe garantir aos sujeitos o direito à educação


no lugar onde moram, respeitando os saberes acumulados, e a cultura local. Para
tanto, os conteúdos são veiculados por meio de uma plataforma de telecomu-
nicações, com uso de solução tecnológica desenvolvida para o programa, que
inclui possibilidades de videoconferência e acesso simultâneo à comunicação
interativa entre usuários empregando Internet Protocol (IP), por satélite Very
Small Aperture Terminal (VSAT), conforme Figura 1.
Importante considerar que o desenvolvimento das tecnologias digitais e a
profusão das redes interativas têm colocado as pessoas diante de um caminho
sem volta: já não somos como antes. As práticas, atitudes, modos de pensamento
e valores estão, cada vez mais, sendo condicionados pelo novo espaço de comu-
nicação que surge da interconexão mundial dos computadores: o ciberespaço.
(LÉVY, 2010)

O Ensino com Intermediação Tecnológica e a Zona de Desenvolvimento Imediato 189

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 189 13/05/2021 11:42


BASE EPISTEMOLÓGICA DO EIT E A ZDI
Para que a prática educativa com mediação tecnológica possa ser vivenciada tan-
to pelo educador quanto pelo educando, torna-se necessário um conhecimento
maior dos resultados do uso da intermediação tecnológica no processo cogniti-
vo desses estudantes. Ao professor, cabe o papel de ser mediador das interações
docente-aluno-computador, de modo que o aluno possa tornar-se responsável
pela construção de seu conhecimento, usando os processos tecnológicos, pro-
movendo sua autonomia, criatividade e autoestima. (SANTOS; OLIVEIRA, 2011)
O entendimento de que o computador e a internet são instrumentos cultu-
rais capazes de proporcionar aprendizagem aproxima-nos da teoria de Vygotsky
(1987), ainda que os meios de comunicação mencionados não fizessem parte
do imaginário humano no período em que ele viveu. Para Vygotsky (1987), no
processo de aprendizagem, aquele que aprende e aquele que ensina participam
de uma relação interligada, em que a mediação não se dá necessariamente pelo
outro corpóreo, mas pode incluir signos, símbolos culturais e objetos. Newman
e Holzman (2002, p. 45) reforçam essa compreensão ao argumentar:

A partir de 1994 descobriu-se a qualidade das aplicações dos computadores


como ferramentas cognitivas, e desde então obtivemos resultados admiráveis
de motivação e aprendizagem dos estudantes, em todo tipo de conteúdo,
e para qualquer ciclo de ensino, série ou faixa etária de estudantes.

Vygotsky (1987) afirma que não se pode compreender a construção do


conhecimento com a exclusão completa das circunstâncias sociais que envol-
vem o homem. Nesse caso, entendemos que essas circunstâncias, na contempo-
raneidade, estão relacionadas ao uso dos recursos tecnológicos e à sua relação
com a realidade em que vive o ser humano. É interessante observar que, nos
estudos de Vygotsky (1987), o ser humano não é apenas um ser biológico, mas,
sobretudo, um ser social que interage com o seu meio.
Essa interação com o seu meio faz-se principalmente através da contextua-
lização, que deve ser adequadamente mediada pelo professor e trabalhada por
grupos de colaboração que possibilitará que os estudantes ativem o processo
cognitivo e percebam a real necessidade dos temas trabalhados e, mais além, reor-
ganizem as formas de utilizar essas ferramentas de acordo com as necessidades
que poderão ser trabalhadas nos desafios que posteriormente serão propostos.

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(REGO, 2008) Ainda segundo Rego (2008, p. 55), ao realizar uma contextuali-
zação, o mediador não deve perder de vista que: “[...] o desenvolvimento está
intimamente relacionado ao contexto sócio-cultural em que a pessoa se insere e
se processa de forma dinâmica (e dialética) através de rupturas e desequilíbrios
provocadores de continuas reorganizações por parte do indivíduo”.
Ainda segundo Rego (2008), essa característica de ensinar se contrapõe à prática
do ensino tradicional público que se caracteriza por apresentar uma abordagem
expositiva baseada em apenas dois elementos: o transmissor, que é o detentor do
saber; e o receptor, o que “absorve” as informações de forma passiva e memorística,
mesmo com a existência de experiências transformadoras no ensino presencial pú-
blico. O ensino promovido através da intermediação tecnológica faz uso do conheci-
mento científico de forma que estimula a ZDI, acelerando o processo cognitivo dos
estudantes, conforme preconiza Vygotsky (1987), corroborando com o que Lopes
(2005, p. 28) considera como uma atuação mais dinâmica centrada na formação de:

[...] um estudante ativo, construtor do seu próprio conhecimento, vi-


sando ‘Tormar a inteligência mais que mobiliar a memória’. [...]. Assim
sendo, [...] ao invés de ‘converter os estudantes em meros receptores
conformistas’, deve privilegiar as ações do sujeito como as relações que
este pode criar à medida que interage com o seu meio.

Assim, epistemologicamente, pretende-se responder aos seguintes proble-


mas advindos na tese de doutorado que são: que(ais) o(s) impacto(s) promovi-
dos pelo uso do EIT e seus impactos junto à ZDI no processo cognitivo dos es-
tudantes do 3º ano do ensino médio da zona rural no âmbito do Território de
Identidade Velho Chico? E de que forma o Programa EMITec tem colaborado
no melhoramento dos Índices de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)
no estado da Bahia e no Brasil?
Epistemologicamente, o processo cognitivo será explicado, tendo como base
o construtivismo sociointeracionista, representado por Vygotsky (2001), em que
a construção do conhecimento ocorre entre o sujeito, o objeto e o meio social.
Na contemporaneidade, diante de uma educação mediada por recursos tecno-
lógicos, estabeleceu-se o construtivismo comunal, representado por Holmes e
demais autores (2001), caracterizado como uma rede de construção do conhe-
cimento colaborativa e coletivamente, mas que todos os envolvidos usufruem
dos benefícios desse conhecimento, conforme Figura 2.

O Ensino com Intermediação Tecnológica e a Zona de Desenvolvimento Imediato 191

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Figura 2 – Mapa conceitual da base epistemológica do EIT

Fonte: elaborada pelos autores.

A construção do conhecimento realizada com base epistemológica no cons-


trutivismo, em que ocorre uma interação entre o sujeito, o objeto e o meio social,
fazendo uso, atualmente, dos recursos tecnológicos se contrapõe ao processo
de “mobiliar” a memória, de forma tradicional, em que, segundo Lopes (2005),
existem pelo menos quatro pontos que atuam para a realização desse tipo de
educação memorística e passiva: o detentor, o receptor, a informação e o co-
nhecimento. De acordo com Matta (2001), tais elementos tentam disciplinar as
ações de sala de aula, “controlando” as atuações dos sujeitos e ordenando-os em
espaços, hierarquicamente, definidos.
Ainda segundo Matta (2001, p. 24), a educação tradicional, considerada por
ele como um antigo paradigma ainda se sustenta e:

[...] o controle é uma característica essencial do antigo paradigma, pois


havia medo de que os homens deixassem de fazer exatamente o que
estava prescrito e codificado no conhecimento impresso. Um homem
deveria fazer aquilo que lhe mandassem. O pré-ordenamento de tarefas,
que deveria caminhar dos gerentes aos funcionários, é o elemento mais
importante da administração moderna e industrial. Naquele paradigma,
a eficiência é identificada como objetivo programado, depois atingido,
e a relação existente com o tempo de realização. Não há, portanto, ne-

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nhum espaço para criatividade, flexibilidade, capacidade de resolução
de problemas ou autonomia das decisões. O estudante aprende a viver
em ‘controle’.

Percebe-se que nesse tipo de processo educativo tudo estava previamente


programado e a eficiência de tais ações poderiam ser medidas pelo tempo de
sua realização, de acordo com Matta (2001). Essa forma de pensar é corrobo-
rada por Vygotsky (2001, p. 151-152) ao afirmar que “[...] quando definimos os
conceitos acabados, muito amiúde não operamos tanto com o pensamento da
criança quanto com uma reprodução de conhecimentos prontos, de definições
prontas e assimiladas”.
É importante perceber que dentro de um determinado contexto em que
o estudante esteja inserido, podendo ser ele da área urbana ou rural, pode-se
trabalhar conceitos, procedimentos e atitudes de forma significativa, inde-
pendente da área do conhecimento, atribuindo-lhe um sentido próprio e,
posteriormente, associá-lo às demandas oriundas de seu cotidiano, fazen-
do-o perceber as mudanças advindas de sua utilização. Tal processo é o que,
segundo os pressupostos vigotskianos, pode-se denominar “vivência”. Esse é
um importante conceito definido por Vygotsky no livro Construção do pensa-
mento e linguagem (2001), essa vivência terá fundamental importância para o
engajamento necessário à internalização de conceitos, ocorrendo a construção
da aprendizagem através das etapas denominadas de conceitos espontâneos
e conceitos científicos.
Para isso, torna-se necessário, segundo Vygotsky (2001, p. 174), estabelecer
os conceitos inferiores ou espontâneos como parte do processo de aprendiza-
gem para que possa ocorrer a evolução desses para os conceitos superiores ou
científicos. O cientista ressalta que: “[...] essa evolução requer apropriação da
linguagem, principal instrumento para a construção dos conceitos superiores,
e requer uma relação com características entre o signo e as estruturas intelec-
tuais e que não transcorre por via associativa, mas por via funcional, como um
meio prático”.
Dessa forma, o ensino e aprendizagem de conceitos, procedimentos e ati-
tudes no ensino médio devem propor técnicas em que o estudante atue como
um sujeito ativo e um bom usuário de estratégias que lhes permitam construir
significados, fazer inferências e interpretações, possibilitando instituir uma

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ligação entre as novas informações com os conhecimentos prévios de um de-
terminado tema a ser estudado.
Diante de um ensino que assume a concepção de ensino tradicional, con-
forme exposto anteriormente, dificilmente o aluno será levado a um estímulo
necessário para a compreensão efetiva de novos conceitos. O estímulo necessário
e aqui considerado é o que a psicologia social1 chama de motivação.
Para discorrer sobre tais mudanças no processo educacional e a possibili-
dade de colocá-las em prática, a análise da teoria de Vygotsky (2001), em suas
pesquisas sobre o desenvolvimento e aprendizagem, linguagem e pensamento,
estabelecendo a ZDI como um elemento de conexão entre desenvolvimento e
aprendizagem torna-se imprescindível para se compreender como ocorre o pro-
cesso cognitivo atualmente, fazendo uso de artefatos tecnológicos.
O conceito de ZDI proporcionou e proporciona a utilização desse compo-
nente para compreender e desenvolver recursos que possibilitem uma efetiva
ampliação das habilidades conceituais, procedimentais e atitudinais dos estu-
dantes. Uma das principais formas que permite esclarecer como atravessar tal
caminho é ter indicativos e sinalizações que possibilitem, dentro de determinada
circunstância, estimular uma ZDI e, a partir desse ponto, perceber a evolução
cognitiva do indivíduo. (VYGOTSKY, 2001)
Na perspectiva de Vygotsky (2001), é preciso considerar a relação entre de-
senvolvimento e aprendizagem e proporcionar a construção da ZDI nas ações.
O supramencionado avalia como muito importante a afinidade entre praticar
uma ação em colaboração e involuntariamente, mesmo sabendo que o desen-
volvimento ocorre mais em colaboração do que na forma individual, conforme
se encontra destacado abaixo:

A distância entre aquilo que ela é capaz de fazer de forma autônoma


(nível de desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em colaboração
com os outros elementos do seu grupo social (nível de desenvolvimento
potencial) caracteriza aquilo que Vygotsky chamou de ‘Zona de desen-

1 Operario e Fiske (1999) revisaram o campo da cognição social, enfatizando o modelo mais atualizado
de investigação nesse campo surgido a partir de sua articulação com a motivação, no qual investiga
a influência dos motivos e objetivos nos processos mentais e no comportamento social. Os autores
destacam que o foco nos processos mentais internos e nas variáveis motivacionais tem influenciado a
pesquisa em psicologia social, tornando-se a componente central no estudo do comportamento social
humano. (SOUZA, 2005)

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volvimento potencial ou proximal’ (ZDP). Nesse sentido, [...] é visto de
forma prospectiva, pois a Zona de desenvolvimento proximal define
aquelas funções que ainda não amadureceram, que estão presentes em
estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de brotos
ou flores do desenvolvimento, ao invés de frutos do desenvolvimento.
(REGO, 2008, p. 73)

Segundo Vygotsky (1984 apud REGO, 2008, p. 74), “[...] aquilo que é Zona
de Desenvolvimento Imediato hoje será nível de desenvolvimento real amanhã
– ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será ca-
paz de fazer sozinha amanhã [...]”. Observa-se, que é através da linguagem que
é possível conceber o homem não apenas como um ser biológico, mas, sobre-
tudo, como um ser social em interação com o seu meio, característica principal
sociointeracionista. Vygotsky (2001) considera, ainda, na sua teoria histórico-cul-
tural, que a linguagem categoriza o homem como um ser cultural, pois afirma
que as funções mentais superiores especificamente humanas têm origem social.
É a linguagem que estabelece a diferença entre o homem e os outros animais,
pois esse instrumento coloca o ser humano como um ser social que se envolve
e se transforma constantemente com o outro e a partir do outro, afetando dire-
tamente as suas ações. (VYGOTSKY, 2001)
Em Vygotsky (2001), o sujeito é um ser ativo na sua relação com o mundo,
com o objeto, reconstruindo no seu pensamento, o mundo. Sendo que o co-
nhecimento é um fazer e um atuar do homem. (REGO, 1995) Dessa forma, para
Vygotsky (2001) o sujeito é um ser eminentemente social, na linha do pensa-
mento marxista, e o conhecimento como um produto social.
Nesse sentido, de um sujeito ativo, em constante (inter)relação com seu meio
social, realizando trocas colaborativas em redes de construção do conhecimento,
é que surge a teoria do construtivismo comunal, na qual os indivíduos on-line
não só colaboram com a construção do conhecimento, mas usufruem dos be-
nefícios desses saberes, através da interação, contribuindo também na aprendi-
zagem de outros, desenvolvendo assim a coletividade. (LISBÔA; BOTTENTUIT
JÚNIOR; COUTINHO, 2010)
O construtivismo comunal é uma ampliação do conceito de construtivismo
social, de Vygotsky (2001) em que a aprendizagem ultrapassa a esfera individual
e passa a conjugar o desenvolvimento coletivo através dos variados ambientes

O Ensino com Intermediação Tecnológica e a Zona de Desenvolvimento Imediato 195

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virtuais, nos quais as pessoas contribuem para as diferentes formas de produção
de significados, seja através de publicação ou republicação de acordo com seus
interesses, ou através de outros conhecimentos que somados aos ali existentes,
podem contribuir para aprendizagem de outras pessoas que são as comunida-
des aprendentes. (HOLMES et al., 2001 apud LISBÔA: BOTTENTUIT JÚNIOR;
COUTINHO, 2010)

CONCLUSÃO
No estado da Bahia, o EMITec, atende a estudantes do ensino médio que mo-
ram em localidades de difícil acesso da zona rural, comunidades quilombolas,
agricultores familiares, ribeirinhos e indígenas, estando implantado em 26
dos 27 Territórios de Identidade, fazendo uso de recursos tecnológicos como
videoconferência, que permite a articulação de aspectos metodológicos, peda-
gógicos e tecnológicos que faculta a inserção dos assistidos por essa estratégia
na dinâmica mundial.
A ZDI torna-se um elemento de conexão entre desenvolvimento e apren-
dizagem. O conceito de ZDI proporcionou e proporciona a utilização desse
componente para compreender e desenvolver recursos que possibilitem uma
efetiva ampliação das habilidades conceituais, procedimentais e atitudinais
dos estudantes. Uma das principais formas que permite esclarecer como atra-
vessar tal caminho é ter indicativos e sinalizações que possibilitem, dentro de
determinada circunstância, estimular uma ZDI e, a partir desse ponto, perce-
ber a evolução cognitiva do indivíduo. (VYGOTSKY, 2001) O EMITec é o lócus
da pesquisa deste estudo, e propõe garantir aos sujeitos dessa pesquisa, ou seja,
aos estudantes do ensino médio público do estado da Bahia, o direito à educa-
ção no lugar onde moram, respeitando os saberes acumulados e a cultura local.
Em relação à base epistemológica que responde à questão da pesquisa,
identificamos que a proposta pedagógica é sociointeracionista, ou teoria
histórico-cultural de Vygotsky (2001) em que considera, que o conhecimento
é construído em ambientes naturais de interação social, estruturados cultural-
mente. Essa teoria é, ainda, fundamentada na pedagogia histórico-crítica de
Saviani (2007) em que evidencia a educação como prática social que interfere na
sociedade, contribuindo para sua transformação. Filosoficamente, a pedagogia

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histórico-crítica embasa-se no materialismo histórico-dialético, preconizado por
Marx (1968) em que a construção do sujeito parte da prática social em contra-
posição à contemplação da realidade.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 197 13/05/2021 11:42


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198 Letícia Machado dos Santos | Maria de Fátima Hanaque Campos | Marcus Túlio de Freitas Pinheiro

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SOUZA, L. C. G. O ensino da psicologia social e suas representações. O saber em
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O Ensino com Intermediação Tecnológica e a Zona de Desenvolvimento Imediato 199

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 200 13/05/2021 11:42
CAPÍTULO 13

METODOLOGIAS COLABORATIVAS:
a multirrefencialidade como elemento
fundante para participação dialógica
dos coletivos envolvidos na produção
e difusão do conhecimento em
Ambientes Virtuais de Aprendizagem

ANA CRISTINA DE MENDONÇA SANTOS


MARINEUZA MATOS DOS ANJO
MARIA TERESA RIBEIRO PÊSSOA

INTRODUÇÃO
Esta produção científica tem como objetivo socializar um recorte da pesqui-
sa de doutoramento realizada na Universidade Federal da Bahia (UFBA), no
Programa de Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do
Conhecimento (DMMDC), e o diálogo aqui apresentado tem como eixo central
as metodologias colaborativas a partir de duas referências distintas: o papel do
sujeito na construção do conhecimento e a produção dialógica e participativa de

201

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processos de difusão do conhecimento em Ambientes Virtuais de Aprendizagens
(AVA) a partir da concepção multirreferencial.
Outrossim, foi tecido a partir do estudo de referenciais que se entrelaçam
numa interlocução de saberes sobre metodologias colaborativas, fundamenta-
das a partir dos eixos da concepção multirreferencial do conhecimento defini-
dos por Ardoino (1998), a saber: leitura plural dos objetos; diferentes ângulos;
sistemas de referencias distintos e não redutíveis uns aos outros (heterogêneos).
O objetivo deste estudo foi investigar os processos de difusão do conheci-
mento mediados pelas ferramentas tecnológicas nos AVAs de duas instituições
que atuam com a modalidade de Educação a Distância (EAD), buscando identi-
ficar a existência de elementos da epistemologia multirreferencial nas práticas
desenvolvidas nesses espaços.
A opção metodológica de pesquisa foi a abordagem qualitativa, buscando
compreender o fenômeno investigado em seus próprios termos, respeitando o
contexto e as individualidades dos sujeitos envolvidos, para tanto, realizamos como
técnicas de coleta de dados, entrevistas, observações no AVA e análise dos relató-
rios e orientações de atividades contidas nos ambientes virtuais investigados. Para
analisar os dados encontrados, utilizamos a análise de conteúdo de Bardin (2006).
Como resultados, a análise dos dados encontrados reforça a compreensão
da complementariedade entre papel dos sujeitos individuais e coletivos para a
consolidação de processos de produção e difusão do conhecimento no AVA a
partir de metodologias ativas que fomentem a colaboração e subjetivação dos
sujeitos envolvidos em processos de produção e difusão de conhecimento. A
seguir, faremos uma pequena contextualização da concepção multirreferencial;
apresentaremos recortes dos dados das pesquisas e algumas reflexões finais.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS: CONCEPÇÃO


MULTIRREFERENCIAL
Barbosa (1998) concebe a multirreferencialidade como um modo de ver o mun-
do no qual nos inserimos, um modo de compreender a ciência; o conhecimento;
o outro; nossa atuação no social; e conosco mesmos. Ressalta, nesse processo, o
papel do conhecimento para a auto-organização do fenômeno em processo de
conhecimento e da atuação do sujeito na construção da realidade. Esse processo

202 Ana Cristina de Mendonça Santos | Marineuza Matos dos Anjo | Maria Teresa Ribeiro Pêssoa

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 202 13/05/2021 11:42


atrela-se a conhecimentos anteriores assim como na potência do sujeito de in-
tervir. Para Ardoino (1998), uma compreensão multirreferencial dos fenômenos
exige: uma leitura plural dos objetos; a partir de diferentes ângulos; em função
de sistemas de referencias distintos e não redutíveis uns aos outros (heterogê-
neos); e os conceitos que fundamentam essa epistemologia: implicação, altera-
ção, autorização e negatricidade corroboram com a teoria da complexidade, ao
defender um estado de inacabamento e realização humana sempre como práxis,
como movimento e busca constante que incluem diferentes pontos de vistas.

A multirreferencialidade, podemos afirmar, é uma epistemologia mun-


dana, do inacabamento, da impureza e da realização enquanto práxis,
que fala sobre nossa tragédia perene, produzida pela incompletude
ineliminável que nos configura, identifica-nos e, ao mesmo tempo,
angustia-nos e nos afasta. (MACEDO, 2012, p. 15)

Ainda para Ardoino (1998), percussor da epistemologia da multirreferenciali-


dade, sua compreensão está condicionada a debates que pluralizem, impliquem,
alterem e autorizem no processo do pensamento, na mobilização do pensamento
fazendo-se. Abre caminhos, portanto, para o diálogo entre diferentes pontos de
vistas, que se complementam, sem reduzir um ao outro, e supõem a quebra das
fronteiras disciplinares, da monorracionalidade e bipolaridade do conhecimento.
Macedo (2012) defende que essa experiência com o inacabamento e a ambi-
valência dos fatos e fenômenos é inerente a qualquer experiência com o saber,
e que o conhecimento está sempre em movimento, em diálogo continuo com
o tempo, espaço e sujeitos, transformando e transformando-se, durante todo o
processo de forma contínua.

Ressalta a necessidade dos sujeitos humanos de conquistar por eles


mesmos, a capacidade de se autorizar, de se fazer autor dele próprio,
no sentido de se reconhecer na origem do seu devir, implicado, sem
autonomias, a ligação social, a independência, a relação comunitaria-
mente mediada. (MACEDO, 2012, p. 41)

O conceito de implicação para Ardoino (1998) está ligado com a ideia de


autorização, a capacidade de autorizar-se, de fazer de si mesmo, ao menos um
coautor do conhecimento construído socialmente. Dessa forma, o autor coloca a

Metodologias colaborativas 203

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questão do sujeito que se faz ao fazer-se e transforma-se ao agir sobre o mundo,
uma questão, portanto, eminentemente política, de ação e relação sobre e com
o mundo. Essa ação assim estabelecida, pelo diálogo e interação com o outros,
assume o caráter heterogêneo da relação, em que os limites são produzidos nos
meandros da própria existência. Define no dizer de Galeffi (2011) o ser-sendo, o
caráter dinâmico e cíclico da existência humana.
Defendemos neste estudo que a metodologia colaborativa dialoga com a
epistemologia multirreferencial, pois tem como princípio essencial pensar estra-
tégias metodológicas de ação conjunta entre os sujeitos envolvidos, professores
e estudantes, e mais ainda, os estudantes com eles mesmos, a partir de suas vi-
vências e troca de experiências, respeitando o processo histórico e as subjetivi-
dades e individualidades dos sujeitos. Estão atreladas às metodologias ativas que
possuem como princípio teórico significativo: a autonomia, algo explícito nos
estudos do educador Paulo Freire, que defende diálogos e interação constante
entre os estudantes e professores a partir de etapas que contemplem trabalhos
individuais e coletivos, e, portanto, colaborativos.
Outrossim, as metodologias colaborativas têm como pressupostos promo-
ver interações comunicacionais significativas que enfocam a aprendizagem ba-
seada na participação, no diálogo, na troca e na cooperação, trazendo à tona as
subjetividades e inteligências coletivas, importantes no processo de produção e
difusão do conhecimento, na perspectiva colaborativa e multirreferencial. Nessa
perspectiva, pensar em práticas de difusão e produção do conhecimento em
AVAs implica projetar tais espaços de forma a favorecer que os sujeitos tenham
autonomia e participem como coautores de todo o processo, o que requer um
olhar cuidadoso às experiências que vêm sendo consolidadas nesses ambientes,
como estratégias de refletir tais trajetórias e contribuir para seu avanço.

METODOLOGIAS COLABORATIVAS DE DIFUSÃO


DO CONHECIMENTO EM AVA – UMA ABORDAGEM
MULTIRREFERENCIAL: CONTEXTO DA PESQUISA
O estudo aqui apresentado representa um recorte de tese de doutorado ope-
racionalizada no DMMDC da UFBA, intitulada Difusão do conhecimento em
Ambiente Virtual de Aprendizagem: construção de uma proposta metodológica

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de abordagem multirreferencial, que teve como objetivos identificar os proces-
sos de difusão do conhecimento mediados pelas ferramentas tecnológicas nos
AVAs de dois ambientes: da Oferta semipresencial da graduação da Universidade
do Estado da Bahia (UNEB) e dos Massive Open Online Course (MOOCs), uma
modalidade de cursos livres, operacionalizados em três universidades portu-
guesas, com vistas a elaborar uma proposta de metodologia multirreferencial
de difusão de conhecimento para AVAs. Optamos por esses lócus pela atuação
como professora da Oferta Semipresencial da UNEB e pela experiência viven-
ciada com os MOOCs durante a realização do estágio doutoral sanduíche em
Portugal em 2017.
Para identificar os processos de difusão do conhecimento mediados pelas
ferramentas tecnológicas nos AVAs, realizamos uma análise da metodologia de
difusão dos AVAS investigados a partir das categorias conceituais definidas na
pesquisa, a partir dos estudos de Morin (2002); Ardoino (1998); Barbosa (1998);
Santos (2016) e Silva (2012): “diálogo” e “reflexão”. Na categoria “diálogo”, opta-
mos pelos indicadores: leituras plurais; diversos ângulos; sistemas de referencias
distintos; e, na categoria “reflexão”, os indicadores do ensino on-line: autonomia
e cocriação e colaboração.
Acreditamos que a prática educativa dentro da perspectiva multirreferencial
se fundamenta na participação e requer metodologias colaborativas de diálogo
e reflexão, e, nesse sentido, consideramos que, para que o AVA possa favorecer
práticas educativas que promovam a difusão do conhecimento produzido, é ne-
cessário desenvolver práticas reflexivas e dialógicas no seu interior. Práticas de
“[...] reflexão teórico-prática permanente que se faz num triplo diálogo: consigo
mesmo, com os outros que construíram conhecimentos que não são referência,
e com a situação vivenciada”. (ALARCÃO, 2004, p. 45)
Autores como Dewey (1979) e Alarcão (2004) defendem que a função da re-
flexão “[...] é criar uma nova si atuação em que a dificuldade se ache resolvida,
a confusão esclarecida, a perturbação aliviada, a questão proposta resolvida”.
(DEWEY, 1979, p. 105) Consequentemente, a função do pensamento reflexivo é
“transformar uma situação de obscuridade, dúvida, conflito, distúrbio de algum
gênero, numa situação clara, coerente, assentada, harmônica”. (DEWEY, 1979,
p. 105-106) Aqui se encontra “o valor epistemológico da prática e revaloriza o
conhecimento que brota da prática inteligente e refletida” (ALARCÃO, 2004, p.

Metodologias colaborativas 205

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 205 13/05/2021 11:42


17), possibilitando respostas para questões que se apresentam através da criação
e valorização de novos conhecimentos produzidos coletivamente.
De acordo com Schön (2000), as práticas reflexivas envolvem três conceitos
distintos que mobilizam: a reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e a reflexão
sobre a reflexão na ação. Os dois primeiros tipos, de acordo com o autor, são
essencialmente reativos, separando-os apenas o momento em que têm lugar, o
primeiro ocorrendo durante a prática, e o segundo depois do acontecimento,
quando este é revisto fora do seu cenário. A reflexão sobre a reflexão na ação
é aquela que ajuda o sujeito a progredir no seu desenvolvimento e a construir
a sua forma pessoal de conhecer. Trata-se de olhar retrospectivamente para a
ação e refletir sobre o momento da reflexão na ação, isto é, sobre o que aconte-
ceu, o que observou que significado atribuiu, e que outros significados podem
atribuir ao que aconteceu.
Para alcançar uma prática reflexiva, são necessários mecanismos de comuni-
cação e diálogo no interior das práticas educativas, e, outrossim, consideramos
que o diálogo e o incentivo à participação são elementos fundamentais. Desse
modo, Freire (1997) afirma ser indispensável que os educadores que idealizam
uma concepção reflexiva e dialógica de educação, e questionam a inquietação,
a opressão e a desigualdade como fatores de desumanização e reivindicam a li-
berdade e o protagonismo do sujeito, reconhecendo sua capacidade de criação,
de recriação e de transformação da natureza material e social.
Na perspectiva reflexiva e dialógica, a prática educativa tem a função de
produzir sentidos, permitindo que cada indivíduo construa seu pensamento e
ação por meio da reflexão da própria experiência. Ao propor uma prática que
permita ao educando fazer uma leitura crítica do mundo, em que todos os sig-
nificados possam ser descobertos e entendidos, Freire (2001, p. 58) destaca a
virtude de saber ouvir a partir da linguagem específica de cada grupo:

[...] a chave para o diálogo crítico é ouvir e conversar, sendo uma das
virtudes do educador democrático, para isso é preciso saber como ouvir,
ou seja, saber como ouvir uma criança negra com a linguagem específica
dele ou dela como a sintaxe especifica dele ou dela, saber como ouvir
o camponês negro analfabeto, saber como ouvir um aluno rico, saber
como ouvir os assim chamados representantes de minorias que são
basicamente oprimidas. Se não aprendermos como ouvir essas vozes,
na verdade não aprendemos realmente como falar.

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A ideia da ação dialógica, na qual o diálogo é o processo básico para a apren-
dizagem e a transformação da realidade, não tem um formato metodológico
específico; consiste na construção de uma atitude de diálogo, que fomenta a
curiosidade epistemológica e a recriação da cultura. (FREIRE, 1997) Para Freire
(1997), a necessidade de diálogo faz parte da natureza humana; é um fator cen-
tral na vida das pessoas na medida em que nos criamos e recriamos, por meio
dele. Para promover nos estudantes uma aprendizagem libertadora, criadora
de cultura e crítica em relação ao mundo, os educadores têm que proporcionar
um ambiente de diálogo, no qual se propõem perguntas e se buscam respostas
a partir da interação entre as pessoas e com o mundo. (FREIRE, 1997) Nesse sen-
tido, o diálogo é um processo interativo mediado pela linguagem e, para ser de
fato dialógico precisa acontecer de maneira horizontal. Para o referido autor, o
diálogo é condição para a construção de conhecimento, convida a uma postu-
ra crítica e envolve uma preocupação em conhecer o pensamento de cada ator
que participa da situação interativa.
As categorias “diálogo” e “reflexão” estão em consonância com os pressu-
postos epistemológicos multirreferencias defendidos neste estudo, tendo como
referência os estudos de Morin (2002), Barbosa (2012), Ardoino (1998) dentre
outros, nos quais a construção do conhecimento não é um ato neutro, mas atre-
lado às concepções prévias e experiências individuais e coletivas de cada grupo,
ou seja, o conhecimento é socialmente construído e está implicado com a natu-
reza subjetiva do tempo, espaço e sujeitos que o constroem.
Assim, definimos como indicadores da categoria “diálogo” numa perspec-
tiva multirreferencial: leituras plurais; diferentes ângulos; e sistemas de refe-
renciais distintos.

• “Uma leitura plural supõe quebra das fronteiras disciplinares, quebra


da monorracionalidade na compreensão, análise, explicação, articula-
ção, construção do objeto” (BORBA, 1998, p. 13);
• Através de diferentes ângulos, oportunizamos uma pluralidade de
olhares e de linguagens, reconhecidos como necessários à compreen-
são da complexidade e dos questionamentos (ARDOINO, 1998);
• E os sistemas de referenciais distintos, não redutíveis uns aos outros,
por isso, heterogêneos, que permitem perspectivas múltiplas de refle-
tir sobre os conceitos e fenômenos considerando a complementarie-
dade de ideias e das ciências.

Metodologias colaborativas 207

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 207 13/05/2021 11:42


“Para a categoria reflexão, entendida como a possibilidade de que a própria
atividade do sujeito se torne objeto, a explicitação de si como objeto e a possibi-
lidade de questionamento de si mesmo”. (BURHMAN, 1993, p. 51) Indicadores:
autonomia, coautoria e colaboração.

• Autonomia, de acordo com Freire (1997), é uma construção cultural,


que depende da relação do homem com os outros e destes com o co-
nhecimento, e, nesse processo, a convivência com o outro, é fundamen-
tal. Para Freire (1997), a autonomia liberta o ser humano das cadeias do
determinismo neoliberal, reconhecendo que a história é um tempo de
possibilidades, e, que para aprender a pensar com autonomia e saber,
faz-se necessário realizar uma leitura de mundo baseada na compreen-
são e entendimento das inter-relações entre os homens, entre eles, a
natureza, as coisas, o saber, a transcendência. Logo, a autonomia, en-
quanto confiança em si, como sujeito da história e responsável por suas
decisões, torna-se uma categoria conceitual fundamental no processo
educativo progressista, que tem a liberdade como utopia. A difusão de
conhecimentos no AVA prescinde desse empoderamento dos sujeitos,
que no exercício de autonomia, constrói, reconstrói e difunde saberes.
• Coautoria. Para Santos (2016), uma participação com coautoria no AVA
requer troca, participação, compartilhamento, intervenção, (co)criação
e colaboração potencializados pelos dispositivos conectados às redes di-
gitais, a partir do princípio do polo de emissão liberado. Dentro de uma
perspectiva comunicacional todos-todos, tanto professores quanto estu-
dantes são emissores e receptores de conhecimentos, e dessa forma, são
coautores do processo de difusão do conhecimento, que se auto-rgani-
zam de forma rizomática, heterárquica e aberta, possibilitando conver-
sas e narrativas para além do espaço on-line. As interações e negociações
dos participantes no AVA são construídas conforme as relações são es-
tabelecidas: por meio de textos síncronos (chat) ou assíncronos (mensa-
gem), videoconferência ou recursos específicos da própria plataforma.
• Colaboração. Segundo Nogueira (2006), a colaboração ocorre em es-
paços compartilhados de convivência que dão suporte à construção, à
inserção e à troca de informações pelos participantes visando à cons-
trução social do conhecimento. A autora defende essa convivência
partilhada do saber coletivo, dessa forma, compreendemos como uma
categoria essencial ao processo de difusão de conhecimentos. Os ter-
mos “colaboração” e “cooperação”, apesar, de serem empregados como
sinônimos, não são conceitos similares, mas sim correlatos que podem
indicar uma interação positiva entre diferentes e divergentes atores
sociais. Cooperação é um conceito que reflete aspectos individuais,
uma forma de agir, já a colaboração é fruto de interação entre indiví-
duos, que buscam um objetivo em comum, um sentido de fazer junto,
de trabalhar em conjunto com interação.

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De posse dessas bases conceituais, dialogamos com os professores, pesqui-
sadores e estudantes da Oferta semipresencial da UNEB e dos MOOCs das três
universidades portuguesas, para compor uma metodologia multirreferencial e
colaborativa. A partir dos dados coletados nas observações e entrevistas, iden-
tificamos que os AVAs, tanto da Oferta semipresencial quanto dos MOOCs, são
espaços de comunicação e interação, cujas ferramentas podem potencializar
processos de difusão numa perspectiva colaborativa e multirreferencial. Tais
processos foram percebidos, no layout dos ambientes; nos tutoriais de orien-
tações; ferramentas de interação a exemplo dos fóruns de debate, chat, blogs e
comunidades de aprendizagens e práticas de difusão nas atividades; diálogos
nos fóruns e chats; oficinas de leitura; relatórios de atividades; questionários,
envio de tarefas, dentre outras.
Os dados da investigação expressam, que na amostra investigada, no AVA,
tanto da Oferta semipresencial quanto dos MOOCs, possuem estruturas metodo-
lógicas de difusão do conhecimento adequadas ao paradigma multirreferencial,
entretanto os MOOCs apresentaram mais conformidade com as características
definidas na metodologia de difusão do conhecimento multirreferencial propos-
ta por nós neste estudo, pois identificamos todas as categorias e indicadores da
nossa metodologia nos ambientes dos MOOCs, que organizaram a metodologia
de difusão, pautada em intervenções que garantam a participação, iteração e
autonomia dos estudantes; e a Oferta semipresencial apresentou parcialmente
os indicadores previstos por apenas dois dos seis ambientes investigados. E mes-
mo nos dois ambientes que identificamos reflexão e diálogo entre professores
e estudantes, não encontramos os indicadores de leituras plurais e sistemas de
referenciais distintos, revelando uma carência de debates sobre a complexida-
de do conhecimento que não se constrói sob a ótica da monorracionalidade, e
que é necessário quebrar as fronteiras dos conhecimento que reduz o conhe-
cimento, abrindo as possibilidades para as diferentes culturas, pluralidades de
experiências e complementariedade dos saberes.
A metodologia proposta por nós, a partir da observação dos ambientes
investigados, considerando suas conquistas e lacunas, apresenta as seguintes
características: design do ambiente do curso de fácil acessibilidade; planeja-
mento e cronogramas pré-definidos em diálogo com os estudantes; atividades
diversificadas e sequenciadas organizadas em tópicos quinzenais; materiais de
estudo adequados ao ensino on-line; atenção aos enunciados das atividades

Metodologias colaborativas 209

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com propostas desafiadoras; foco na participação e colaboração entre os estu-
dantes; organização que mobilize autorregulação; criação de comunidades de
aprendizagem a partir de situações problemas; diversidade de tecnologias para
atender o perfil dos usuários; avaliação com a participação dos estudantes e
acompanhamento ao processo por professores estudantes.
A seguir, a Figura 1 ilustra as etapas da metodologia construída:

Figura 1 – Metodologia multirreferencial em AVA

Fonte: adaptada de Santos (2018, p. 194).

Esse, portanto, é o desafio posto, para fomentar lações mediadas nos ambien-
tes virtuais, proporcionar um espaço virtual rico em aprendizagem autônoma,
colaborativa, afetiva, interativa, com metodologia e atividades diversificadas.
Ou seja, a questão fundamental, portanto, visualizada no estudo está na nova
lógica de difundir conhecimento com o uso da tecnologia em ambientes vir-
tuais, redefinindo o papel do professor, dando o foco na centralidade do estu-
dante e no respeito às subjetividades e heterogeneidades dos grupos, a partir de
procedimentos metodológicos que busquem: projetar e registrar as atividades;
fundamentar as atividades em problemas reais do cotidiano dos estudantes;
dar visibilidade aos processos de difusão produzidos; mapear os progressos;
apontar e refletir as dificuldades; utilizar a diversidade de linguagens; favore-
cer a coautoria; favorecer a publicação e divulgação de narrativas diferentes;
combinar ambientes mais formais com os informais criando comunidades de

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aprendizagens (redes sociais, wikis, blogs); favorecer acompanhamento e ava-
liação do processo com a participação dos estudantes.
Entendemos, dessa forma, que o uso de metodologias colaborativas pode
contribuir de forma significativa para a difusão de conhecimentos em ambien-
tes virtuais ao permitir a constituição de comunidades de aprendizagens, que
fundamentadas em princípios de colaboração, diálogo, feedback entre os pares
e participação ativa de todos no processo, promova processos de produção e
difusão de conhecimento entre todos os participantes, para tanto, algumas con-
dições são essenciais e exigem planejamento e acompanhamento.

CONCLUSÃO
A pesquisa realizada na Oferta semipresencial da UNEB e nos MOOCS confir-
ma o potencial do AVA em promover processos de difusão do conhecimento,
quando este uso se atrela a concepções epistemológicas comprometidas com o
desenvolvimento dos sujeitos, dessa forma, o AVA e suas ferramentas comuni-
cacionais são meios, estando condicionado às praticas dos docentes que ope-
racionalizam seu funcionamento e requerendo uma série de condições para
sua efetividade, tais como: design interativo; material adequado; metodologias
ativas e problematizadoras; acompanhamento e, principalmente, formação e
mediação docente. A modalidade semipresencial e os MOOCs são experiências
recentes no cenário educacional, o que demanda pesquisas e investigações que
colaborem com seu processo de consolidação no interior das Instituições de
Ensino Superior (IES).

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SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a
aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000.

212 Ana Cristina de Mendonça Santos | Marineuza Matos dos Anjo | Maria Teresa Ribeiro Pêssoa

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 212 13/05/2021 11:42


CAPÍTULO 14

DIÁLOGO EPISTEMOLÓGICO SOBRE


EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO:
virtualidade e os princípios de
um portal educomunicativo
socioconstrutivista

ALFREDO EURICO RODRIGUES MATTA


AMILTON ALVES DE SOUZA
ANTONIO AMORIM

SABERES INTRODUTÓRIOS
Este texto refere-se a uma pesquisa matriz sobre a temática central “Educomunicação,
inovação e práticas de difusão do conhecimento: saberes, fazeres e interfaces
na Academia Baiana de Educação”, constituindo-se num processo de difusão
do conhecimento em educação voltado para a construção de interfaces das
Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). É fundante perceber que,
historicamente, as interfaces de difusão dos conhecimentos inovadores, que são
produzidos na Bahia, não têm dado conta dessa tarefa primordial de divulgar
as produções científicas de teses, dissertações, artigos, livros etc.

213

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 213 13/05/2021 11:42


A investigação trata-se de um projeto aplicado de produção e difusão do
conhecimento de grande relevância acadêmica e científica, pois é um produto
que conta com a parceria de grupos de pesquisa da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB), como: Gestão, Organização, Tecnologia e Políticas Públicas em
Educação (GP-GEPE) e Sociedade em Rede e Pluriculturalidade: aplicações plu-
riculturais e plurilinguísticas da tecnologia digital e em rede, que são envolvidos
e interessados em criar um portal educomunicativo que possibilite a difusão do
conhecimento de forma socioconstrutivista.
O texto compõe o projeto de pesquisa aplicada com a educomunicação, a
fim de contribuir com a difusão do conhecimento, com enfoque na área edu-
cacional, que contemple saberes experienciais inovadores, que interagem in-
terfaces de informação e comunicação, não só de quem acessa, mas de quem
produz e difunde saberes.
A temática a ser discutida no referido texto trata da problemática das inter-
faces das TICs, em atinência ao atual processo, na busca de os espaços de difusão
das nossas pesquisas e seus resultados, que terá a educomunicação da Academia
Baiana de Educação (ABE) como possibilidade de analisar a atual situação e
propor interfaces, e que poderão contribuir com as produções inovadoras de
nossos saberes. Logo, trata-se de uma temática complexa e ampla, requerendo a
sua delimitação. Por isso, neste estudo aplicado, pretendem-se pesquisar a edu-
comunicação, inovação, e práticas de difusão do conhecimento e interfaces das
TICs como elementares na difusão dos saberes.
A pesquisa aplicada com a educomunicação pode contribuir, ainda, para a
revelação de interfaces da TIC, que poderão promover mais acesso e difusão de
práticas educativas inovadoras, contemplando as diferentes formas de acessar o
conhecimento e os saberes experienciais no campo teórico-prático propondo,
dessa forma, a construção epistemológica de interfaces comunicativas com re-
lações horizontais entre os sujeitos interlocutores, construção colaborativa na
produção e difusão das comunicações.
Desse modo, a fim de contribuir com a trajetória desta escrita, propo-
mos os seguintes objetivos: caracterizar a educomunicação, epistemologica-
mente, por meio de interfaces comunicativas na construção colaborativa na
produção e difusão das comunicações; e, destacar os principais princípios
fundantes na difusão do conhecimento de práticas educativas inovadoras
no estado da Bahia.

214 Alfredo Eurico Rodrigues Matta | Amilton Alves de Souza | Antonio Amorim

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 214 13/05/2021 11:42


O próximo tópico não terá a tarefa de fazer uma revisão de literatura ou
a construção de uma teoria, mas constituiremos os princípios que nortearam
pesquisas outras. Os princípios serão entendidos como a trajetória teórica da
pesquisa, a fim de nos alimentarmos de elementos fundantes para emergimos
adiante na modelagem/ciclos de pesquisa que trabalham com a metodologia
pesquisa-aplicação como trajetória de pesquisa.

PORTAL EDUCOMUNICATIVO: DIÁLOGOS


EPISTEMOLÓGICOS EM EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO
Vale ressaltar sobre a importância das mais diversas teorias e autores que dia-
logam com as categorias que fundamentarão nossos princípios, mas não des-
caracterizamos como menos ou mais importantes, os que são citados no texto;
nos é sabido sobre sua relevância, porém, fizemos algumas opções de diálogo
de acordo com o que demandou o campo a partir de seu contexto.
Não se pode pensar na difusão do conhecimento desassociada da lógica do
desenvolvimento da atividade científica. Pois, essa é uma lógica indispensá-
vel no acesso, produção e difusão da informação científica, isso porque para a
educomunicação se torna sine qua non uma relação imbricada entre difusão do
conhecimento e o desenvolvimento da atividade científica.
Nesse caso, pensamos que em uma educação escolar, precisa-se dar conta de
uma ação educadora que promova as incertezas, a convivência, a significação das
coisas e dos sujeitos, uma valorização, experimentação da cultura e de seus bens
culturais como possibilidade de um fazer educativo que dialogue e possibilite
aos sujeitos experenciarem a si, o outro e o seu contexto de forma significativa.
Podemos, então, inferir com a discussão ressaltando que a educação é cons-
tituída de experiências sociais, culturais e históricas construída entre os sujeitos
e a sociedade. Souza (2016, p. 53) salienta que “[...] a educação não só carrega
sentido, mas ela deve ser o próprio sentido que expressa o desvelamento dos
indivíduos como sujeitos ativos, históricos, sociais e culturais”. Isso porque, a
educação é o princípio, e como princípio é o próprio processo de construção
do indivíduo na sua experiência criativa de ser/fazer sujeito, e é político. Não é
possível tolerar que não entendamos que a educação é uma ação do ato de afir-
mação política; logo, o ato de educar só é possível na relação/mediação/diálogo
entre os sujeitos com o seu eu e o outro.

Diálogo epistemológico sobre educação e comunicação 215

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 215 13/05/2021 11:42


A comunicação carrega, como sentido, princípios culturais, podendo ser
percebida e tratada como atividade; desse modo, o autor Maigret (2010, p. 17)
salienta que “[...] a comunicação é vista como atividade normativa, ética e po-
lítica, como relação dinâmica entre poder, cultura e escolha democrática”. Ou
seja, carrega, como necessidade central, a demanda de uma estrutura pautada
nas três dimensões apontadas por Maigret nessa citação.
A comunicação que pode também ser compreendida como experiências in-
terativas das ações do ser humano. Uma reflexão semântica da palavra comuni-
cação que deriva do latim communicare, historicamente, seu significado esteve
associado a “participar” que se atrelou a ideia de transmissão, muito vincula-
do à perspectiva da difusão de técnica somente. Definir a comunicação nessa
perspectiva é por demais hegemônicas e além fomentar o que está no campo do
senso comum. Tem uso específico para a verificação dos pontos de audiência,
Maigret (2010, p. 44) afirma que:

O termo designa, portanto, hoje em dia, ao mesmo tempo um ideal ou


uma utopia (participar da mesma linguagem da razão e/ou fazer parte
de uma mesma comunidade) e todas as dimensões do ato funcional
da troca: o objeto ou o conteúdo trocado (fazer uma comunicação), as
técnicas empregadas (os meios de comunicação como o escrito, o oral,
etc.), e as organizações econômicas que desenvolvem e gerem essas
técnicas sob forma de meios de comunicação nacionais ou locais (a
sociedade Disney é considerada como uma ‘empresa de comunicação’).

O autor nos possibilita entender que a empregabilidade do termo “comuni-


cação”, na perspectiva da técnica, poderá ser usada nos mais diversos campos do
conhecimento, em que quase tudo pode ser compreendido tecnicamente como
comunicação, a exemplo da música, teatro, associativismo, movimentos sociais,
sentimentos etc. Essa compreensão é válida nessa perspectiva, mas não pode
ser determinista; nesse sentido, buscamos romper com esse idealismo sofístico,
pois a nossa compreensão de comunicação dialoga com as ciências sociais, que
constrói o termo, a própria comunicação nunca é possibilidade da relação/inte-
ração, tendo a ação humana, o próprio sujeito e seu contexto, como elementos
fundantes da relação/interação.
Para Vygotsky (1987), a linguagem é compreendida como instrumento com-
plexo, na expressão da comunicação, na relação social. Logo, sem linguagem, o

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 216 13/05/2021 11:42


sujeito não é social, histórico e cultural. Desse modo, o autor nos possibilita en-
tender que a primeira função da linguagem é a comunicação. Essa função da lin-
guagem requer um imbricamento direto com o pensamento. Um dos sentidos e
significados fundantes da comunicação é a possibilidade da interação social, além
de organizar o pensamento. Martino-Barbero (2013, p. 14) corrobora com essa ideia
de Vygotsky ao apontar que: “Os limites da teoria da comunicação se estendem dos
estudos sobre a linguagem às fronteiras da teoria social e seu objeto é igualmente
grande”. De certa maneira, o ponto comum é a preocupação de vários autores em
pensar a realidade a partir das relações de comunicação ou, mais ainda, como as
relações de comunicação podem se articular com as relações sociais.
O que permite dizer, conforme a afirmativa do autor citado, que a comunica-
ção através da linguagem possibilita garantir a manutenção de um sistema, por
meio, da transmissão do conhecimento, rompendo com qualquer ideia frágil e
falsa de que a comunicação é a mesma coisa que troca de informação. Martino-
-Barbero (2013), ao se aprofundar nos estudos de Habermas (1984), afirma que
todo fazer comunicativo requer está inserido em um contexto social, além da
vontade do sujeito e da racionalidade. E vai além, inferindo que a ação comu-
nicativa é o fazer e inferir sobre a própria ação modificando as ações no intuito
de haver entendimento, nas mais diversas escalas da compreensão humana.
A comunicação não pode ser entendida, senão, pela experiência do fazer
dialógico, na relação do que buscam os sujeitos nesse encontro. Levando esses
mesmos sujeitos a construir, por meios da relação, a interação social e, através
de seus canais, transitarem a mensagem. Isso só é possível por meio do contex-
to que desvela os sentidos e significados desse fazer comunicativo, pois “[...] a
educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de
saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação
dos significados”. (FREIRE, 1975, p. 69) Ou seja, são, a educação e a comunica-
ção, interfaces na construção de um novo campo epistemológico denominado
de educomunicação, difusora na produção e difusão de saberes.

EDUCOMUNICAÇÃO, CRIATIVIDADE E AS INTERFACES DO


DIALOGISMO EM REDE
A educomunicação é compreendida como “nova ciência” que é, na verdade,
resultado de um entrelaçamento, tanto do campo da educação, quanto da

Diálogo epistemológico sobre educação e comunicação 217

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comunicação, a partir do fazer experienciado de forma significativa no âmbi-
to prático. (SOARES, 2002) O autor nos permite entender a educomunicação
como conjunto de ações que possibilitam o fortalecimento dos ecossistemas
comunicativos.
Desse modo, não há como não tender esse processo como uma contribuição
dos meios tecnológicos, na difusão do conhecimento por meio de espaços de
produção de saberes educativos inovadores.
A educomunicação, dentro dessa perspectiva, pode possibilitar acesso ao
exercício de práticas que promovam a cidadania, por sequência a comunica-
ção. Segundo Freire (1993), a concepção de educação precisa ser experienciada
com práticas que promovam a liberdade e a emancipação dos sujeitos. Nesse
sentido, rompe com a lógica da transferência de conhecimento e fomenta as
possibilidades de produção do conhecimento.
Essa experiência de educação e comunicação rompe com os modelos de
educação que promovem o pensamento lógico e a transmissão de conteúdo,
na comunicação da mesma forma, pois há estímulo ao pensamento fragmen-
tado e da cultura aleatória. Não podemos abrir mão de uma epistemologia
educomunicativa que possibilite ser experienciada em suas dimensões da
natureza, cultura e da política, possibilitando outras experiências dos mais
diversos contextos sociais construindo uma nova forma de pensar e ressigni-
ficar a educação e a comunicação.
Retomando a compreensão dos sentidos e significados acerca da educação e
comunicação, é salutar entender que “[...] a comunicação não é eficaz se não inclui
também interações de colaboração e transação entre uns e outros”. (CANCLINI,
2005, p. 60) É importante reafirmar que não há ingenuidade, mas colaborando
com o autor que, se a comunicação se dá pelo menos em dois princípios bases,
interação e colaboração, logo o seu fazer só se constitui por meio de processos
libertadores, dialógicos e experienciados consigo e outro.
Não há uma sequência determinista de que o emissor manda a mensagem
e o receptor só a recebe; nos princípios bases que defendemos aqui, essa fase
da comunicação não tem espaço. Fazer-se no ato comunicativo com princípios
educativos, requer dos sujeitos papéis que expressem o diálogo como um dos
princípios norteadores, a fim de experimentar outro saber que reúne dois ei-
xos: educação e comunicação, ou seja, a educomunicação, junção instituída dos
dois eixos. Vale salientar que essa fusão é um “[...] fenômeno cultural emergente.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 218 13/05/2021 11:42


É, na verdade, a reflexão acadêmica, metodologicamente conduzida [...]” como
ressalta Soares (2000, p. 27). A educomunicação é uma epistemologia reconhe-
cida e legitimada, não só pela academia, mas por uma boa parte dos educadores
e dos comunicadores, que contribuem nessa nova epistemologia com os seus
saberes e interfaces. É importante apresentar qual é a nossa compreensão sobre
saberes e interfaces, é o que faremos a seguir.
Os saberes são conceituados como um coletivo de experiências constituí-
das socialmente, e são construídos, a partir da valorização das experiências, dos
conhecimentos acumulados na relação dos sujeitos com o seu contexto. Estaremos
sempre nos distanciando do conhecimento conservador, dominante, centrali-
zador e verticalizado. Desse modo, a construção do saber se dará sempre por
meio das relações, experiências e conhecimento do mundo no qual está inserido,
sempre através das experiências sociais e individuais que vai emponderando,
amadurecendo e ressignificando o sujeito.
As práticas de difusão do conhecimento do fazer educomunicativo deman-
dam de reflexões iniciais sobre os sentidos atribuídos a educação, comunicação
e educomunicação neste texto, a partir dos autores que nos ajudaram a tecer as
ideias e conceitos, possibilitaram-nos a compreender que outros desafios pre-
cisarão ser ressignificados no aprofundamento teórico dos conceitos de: lin-
guagem; cultura; dimensões da política, cultura e natureza. O aprofundamento
precisa dialogar com outras demandas: a complexidade da construção, elabora-
ção, compreensão, diversidade, vivência, edição, reflexão, conscientização do
campo da educomunicação.

VIRTUALIDADE E OS PRINCÍPIOS DE UM PORTAL


EDUCOMUNICATIVO SOCIOCONSTRUTIVISTA
É importante reafirmar que não faremos um resgate histórico e nem uma dis-
puta conceitual acerca das tecnologias digitais, virtualidade etc.; mas, a partir
do nosso contexto da pesquisa, iremos dialogar com a virtualidade e os seus
princípios à construção de um “Portal educomunicativo socioconstrutivista”.
No contexto da contemporaneidade, pensar no fazer prático da virtualidade,
na constituição da vida em sociedade, é compreender que “[...] leva ao paroxismo
algumas das mais poderosas promessas da modernidade, incluindo a suposição

Diálogo epistemológico sobre educação e comunicação 219

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 219 13/05/2021 11:42


de uma comunidade global diversificada”. (RIBEIRO, 1997, p. 11) Desse modo,
está posto que virtualidade possibilita diálogo com as mais diversas práticas so-
ciais e indivíduos, tendo o tempo e o espaço como ambientes das mais diversas
possibilidades da manutenção dessa virtualidade.
Mesmo não tendo como um dos teóricos importantes para o campo de nossa
pesquisa e não dialogar com uma boa parte de sua epistemologia, resolvemos
tomar de empréstimo o conceito sobre virtual de Lévy (1996), por se aproximar
do que acreditamos ser a definição de virtualidade, mesmo compreendendo
que seu conceito necessita ser ressignificado.
É importante afirmar que não concebemos o virtual como imaginário, ir-
real, ilusório. O virtual é, antes de tudo, o real, simbólico, um espaço instituído
em um tempo dinâmico, experienciado na relação entre o homem e as tecno-
logias. Para Pierre Lévy (1996, p.15, grifos do autor), “[...] a palavra virtual vem
do latim virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência. Na filosofia
escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato”.
O termo “virtual” expressa um espaço vivenciado e que “não se opõe ao real,
mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser dife-
rentes”. (LÉVY, 1996, p. 15) Logo, o mesmo autor nos possibilita ressignificar seu
conceito a partir de uma prática real e potencial, instituída através da interface e
mediação entre homem e tecnologia. Nessa lógica, um portal educomunicativo
deve constituir uma virtualidade colaborativa real e potencial, a fim de pautar-
-se por meio da interface entre acadêmicos e usuários, usuários e acadêmicos.
Conceberam-se a virtualidade como real e potencial; assim, Castells (1999)
nos apresenta a virtualidade numa perspectiva real, inclusive da cultura, que,
por consequência, é formada por práticas de comunicação das mídias digitais,
que visibilizam a diversidade. O autor reafirma o virtual como prático, já o real
é o que existe dessa prática, ou seja, o fato.
O Portal educomunicativo precisa estruturar sua virtualidade, no intuito
de levar os seus navegadores às práticas colaborativas e socioconstrutivista, na
construção e difusão dos saberes educativos, bem como o diálogo entre os ges-
tores e usuários, caixa de diálogos colaborativos, chat, construção de conheci-
mento e difusão, pois:

A relação dos seres humanos com o conhecimento do mundo ao seu


redor se transforma completamente quando é intermediada pelas mídias

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 220 13/05/2021 11:42


digitais. As percepções, os relacionamentos e a própria atividade mental
operam a partir de uma contínua intersecção com o digital. Por conta
disso, nossos ‘pensamentos, assim como nosso relacionamento com
a realidade e com outros seres humanos, são ao menos parcialmente,
adaptados à lógica das mídias digitais’. (MARTINO, 2014, p. 40)

O autor contribui para o entendimento de que a chave da relação humana,


com a virtualidade, está no ambiente cognitivo pautado pela relação humana
e com o conhecimento intermediado pelas mídias digitais. Howard Rheingold,
no início da década de 1990, foi um dos pioneiros a tratar da virtualidade atre-
lada às práticas de compartilhamentos por meio de sua obra A comunidade
virtual. Numa perspectiva de interação e colaboração, a virtualidade, na visão
de Rheingold (1994), tem que ser compartilhada estabelecendo laços humanos
por meio de redes de diálogos estabelecidos na relação de tempo e espaços na
construção de conhecimento e difusão de conhecimento e informação. Nesse
sentido, propomos mostrar na Figura 1 os princípios da virtualidade que deve-
rão compor um portal educomunicativo:

Figura 1 – Princípio da virtualidade no Portal educomunicativo

Fonte: elaborada pelos autores.

Diálogo epistemológico sobre educação e comunicação 221

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 221 13/05/2021 11:42


Os princípios, ao longo de uma modelagem do portal, poderão ser ampliados
de acordo com a demanda e validação dos seus interlocutores, logo não são fins
em si mesmo, mas começo. Os quatro princípios iniciais devem possibilitar um
portal que circule, produza e difunde informações e conhecimento por meio
de uma comunicação mediada por computador, tendo os seus interlocutores
protagonistas dessa prática, a partir de espaços/módulos de debate, troca de
informações, mediação, intervenção etc.
Denominaremos o designer do portal de codesigner, pelo seu caráter co-
laborativo de construção, portanto, nos reportaremos ao longo do texto de
codesigner. O codesigner possibilitará um compartilhamento do portal numa
lógica mais real/potencial, a partir de processos educomunicativos a exemplo
do tempo, espaço, exploração, aprendizado, interação, acessibilidade, usabili-
dade, por meio de princípios socioconstrutivistas do design numa articulação
de sentido e significado para os seus interlocutores numa construção criativa/
colaborativa reconhecendo a construção, participação e colaboração dos pro-
cessos comunicativos.
É evidente que a construção do codesigner está pautada na situacionalidade
em que o contexto foi desenhado, logo seu engajamento no portal está intrin-
secamente inserido a partir de uma perspectiva de um fazer pragmático. Deste
modo, é fundamental pensarmos em um espaço que possibilite um contexto
não só tecnológico e educativo, mas político, cultural e sustentável.

CONCLUSÃO
Lembramos que esta exposição é adjacente de uma pesquisa maior que traba-
lha com a educomunicação, inovação e práticas de difusão do conhecimento:
saberes, fazeres e interfaces na ABE, desse modo, ela não está conclusa e nem
acabada, mas em processo, ou seja, em movimento de construção. Logo, cons-
tituindo-se num processo de difusão do conhecimento em educação, voltado
para a construção de interfaces das TICs.
Os objetivos propostos para este texto foram: caracterizar a educomunica-
ção, epistemologicamente, por meio de interfaces comunicativas na construção
colaborativa na produção e difusão das comunicações; e destacar os princi-
pais princípios fundantes na difusão do conhecimento de práticas educativas

222 Alfredo Eurico Rodrigues Matta | Amilton Alves de Souza | Antonio Amorim

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 222 13/05/2021 11:42


inovadoras no estado da Bahia. Salientamos que tais objetivos foram alcança-
dos, pois as narrativas construídas, até aqui, deram conta de evidenciar as nossas
compreensões acerca da temática e seus princípios.
Não tivemos a tarefa de fazer uma revisão de literatura ou a construção de
uma teoria, mas apresentamos os princípios que nortearam pesquisas outras.
Os princípios são entendidos como a trajetória teórica da pesquisa, a fim de ali-
mentarmos de elementos fundantes para emergimos adiante na modelagem/
ciclos de pesquisa que trabalham com a metodologia pesquisa-aplicação como
trajetória de pesquisa. A educomunicação poderá ter algumas interfaces tecno-
lógicas dentre elas um portal educomunicativo que propõe contribuir com a
ciência social, no fomento da pesquisa e da reflexão crítica no âmbito dos dois
aspectos fundantes para o projeto de pesquisa: educação e a comunicação.

REFERÊNCIAS
CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos. 5. ed. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2005.
CASTELLS, M. A sociedade em rede. 9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FREIRE, P. Educação e mudança. São Paulo. Paz e Terra, 1975.
FREIRE, P. Educação e mudança. 12. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1993.
HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública: investigações squanto a uma
categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
HABERMAS, J. Teoria de la accion comunicativa. Madrid: Taurus, 1987. v. 1.
LÉVY, P. O que é virtual? São Paulo: Ed.34, 1996.
MAIGRET, E. Sociologia da comunicação e das mídias. São Paulo: Ed. SENAC, 2010.
MARTIN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia.
2. ed. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2003.
MARTINO, L. M. S. Teorias das mídias digitais. Linguagens, ambientes e redes.
Petrópolis: Vozes, 2014.
RIBEIRO, G. L. A condição da transnacionalidade. Brasília, DF: EdUnB, 1997.
(Série Antropologia, n. 223).
RHEINGOLD, H. A comunidade virtual. Lisboa, PT: Ed. Gradiva, 1994.
SOARES, I. O. Gestão comunicativa e educação: caminhos da educomunicação.
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Diálogo epistemológico sobre educação e comunicação 223

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 223 13/05/2021 11:42


SOARES, I. O. Educomunicação, um campo de mediações. Comunicação &
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SOUZA, A. A. Círculos de diálogos e práticas de letramentos com as TIC: saberes,
Fazeres e Interfaces na EJA. 2016. Dissertação (Mestrado Profissional de Jovens e
Adultos, Educação) – Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2016. Disponível
em: http://www.uneb.br/mpeja. Acesso em: 16 ago. 2017.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

224 Alfredo Eurico Rodrigues Matta | Amilton Alves de Souza | Antonio Amorim

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 224 13/05/2021 11:42


CAPÍTULO 15

ATIVISMO DIGITAL E PARTICIPAÇÃO


POLÍTICA: a juventude em cena

HÉLIO SOUZA DE CRISTO


JOSÉ WELLINGTON MARINHO DE ARAGÃO
HUGO SABA

INTRODUÇÃO
Os últimos anos, especialmente no cenário político, têm se caracterizado pela
fertilidade de novas práticas de mobilização coletiva, participação política e
ativismo. Nesse cenário, as novas Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs) por meio das mídias digitais têm reconfigurado as relações sociais, polí-
ticas, culturais, assim como os movimentos sociais, uma vez que as plataformas
on-line vêm assumindo importante papel de engajamento e militância, espe-
cialmente como instrumentos de participação pública e caráter sociopolítico de
construção, gestão e compartilhamento de informações e conhecimentos nas
diferentes sociedades. (QUEIROZ, 2017)
Numa época de conflitos sociais e crise econômica que o Brasil tem vivencia-
do, as tecnologias de informação e comunicação, como as mídias digitais, têm-se
tornado de grande importância para a difusão e fortalecimento de reivindicações,

225

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 225 13/05/2021 11:42


e organização de movimentos em rede através do ativismo digital, assim como
alvo de preocupação em virtude do impacto causado pela disseminação das
fake news. (D’ANCONA, 2018)
As práticas on-line de ativismo têm sido – em sua grande maioria e não ex-
clusivamente – alavancadas pela juventude como formas de protestos e visibi-
lidade aos seus descontentamentos, em especial no campo político brasileiro,
a exemplo da forte atuação da juventude brasileira em 2015 e 2016 através de
manifestações e ocupação de ruas, escolas, universidades e repartições públi-
cas protestando contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 241/55
e a Medida Provisória do Ensino Médio nº 746, bem como pelos direitos e con-
quistas que jovens, assim como os da sua época, foram às ruas lutar e – há pou-
co menos de três anos – se viam na iminência de ações retrógradas propostas
“de cima para baixo” pelo governo Temer,1 que atingiam ameaçavam o direito
à democracia, o exercício da cidadania e a participação cidadã.
Enquanto instrumentos estratégicos de participação política e mobilização
coletiva, as mídias digitais se constituem como espaços de construção de dis-
cursos e articulação de práticas que corroboram tanto para transformação so-
cial dos jovens como causam modificações na maneira com que se aproximam
e passam a visualizar o universo sociopolítico pela ótica de sujeitos sociais, e
não apenas pela lente de telespectadores sociais.
Dessa maneira, ao colocar em pauta os diálogos existentes entre juventude,
ativismo digital e participação política, o presente texto de abordagem quali-
tativa subsidiada por revisão de literatura (MINAYO, 2013), tem como objetivo
discutir o impacto mobilizador das mídias digitais como estratégia de partici-
pação política juvenil na contemporaneidade; além disso, a partir do levanta-
mento bibliográfico realizado em periódicos e plataformas on-line, coloca-se
em evidência a importância e necessidade de produções científico-acadêmicas
sobre juventude, ativismo digital e participação política. A concepção de juven-
tude assumida neste texto parte do seu caráter cultural e plural, partindo do
pressuposto que “ser jovem não é tanto um destino, mas escolha de transformar
e dirigir a existência”. (CARRANO, 2013, p. 99) Desse modo, entende-se que a

1 Michel Temer toma posse da presidência em 31 de agosto de 2016 após a presidente eleita Dilma Rous-
seff do Partido dos Trabalhadores (PT) ser afastada do cargo por um impeachment, numa ação política
apontada como golpe parlamentar articulado, sobretudo, pelo Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB) do qual emerge Temer enquanto vice-presidente de Dilma Rousseff.

226 Hélio Souza de Cristo | José Wellington Marinho de Aragão | Hugo Saba

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 226 13/05/2021 11:42


discussão sobre juventude na contemporaneidade perpassa pela compreensão
que esta é um fenômeno cultural, histórico-social e político.

JUVENTUDE, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA,


MOVIMENTOS SOCIAIS E ATIVISMO DIGITAL
Apesar de juventude ser um tema que, de acordo com Novaes (2006) e Castro
(2011), vem assumindo certa relevância nas pesquisas acadêmicas produzidas no
Brasil nos últimos anos, houve surpresa à época do levantamento bibliográfico
realizado em abril de 2019 no que diz respeito às poucas produções acadêmi-
cas que discutem juventude, participação política, movimentos sociais e ativis-
mo digital – ou ativismo on-line e ciberativismo –, especialmente no acervo da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e do
Scientific Electronic Library Online (SciELO), considerando as produções dos
últimos dez anos.
Desse modo, tendo em vista a inexistência ampla de referências e publicações
sobre o campo juventude, participação política, ativismo digital e movimentos
sociais, o maior desafio que este texto propõe é refletir em que medida estudos
sobre esta abordagem podem contribuir e avançar nas discussões, debates e
pesquisas que articulam a temática juventude e ativismo digital, considerando
os termos “participação política” e “movimentos sociais” como pontos-chave
para se pensar acerca dessa relação na contemporaneidade.
Nessa perspectiva, visando o levantamento de pesquisas acadêmicas sobre
juventude, participação política, ativismo digital e movimentos sociais, foram
consultadas as seguintes bases de pesquisa: SciELO; Portal da ANPEd;2 banco
de dissertações e teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes). A partir dos descritores “ciberativismo”, “ativismo digital”,
“ciberativismo e juventude”, “ativismo digital e juventude”, “ativismo digital
e movimentos sociais”, “ativismo digital e participação política”, “juventude e
participação política”, foram encontrados 95 trabalhos em português, 1.606 em
língua inglesa e 198 em língua espanhola, conforme quadros abaixo, sendo que

2 O mapeamento bibliográfico foi realizado nos seguintes Grupos de Trabalho (GT): GT03 - Movimentos
sociais, sujeitos e processos educativos; GT14 - Sociologia da Educação e GT16 - Educação e Comuni-
cação.

Ativismo digital e participação política 227

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 227 13/05/2021 11:42


o total diz respeito aos trabalhos cujos descritores apareceram no títulos e/ou
resumos dos trabalhos, o que significa que em sua totalidade não tratam espe-
cificamente das discussões acerca de juventude, participação política, ativismo
digital e movimentos sociais.

Quadro 1 – Resultado de busca por temas em bases de pesquisa

TRABALHOS PUBLICADOS EM LÍNGUA PORTUGUESA


DESCRITORES SciELO Capes ANPEd
ciberativismo 04 14 0
ativismo Digital 03 06 0
ciberativismo AND juventude 0 04 0
ativismo digital AND juventude 0 01 0
ativismo digital AND movimentos sociais 0 01 0
ativismo digital AND participação política 0 01 0
participação política AND juventude 0 61 0
TOTAL 07 88 0
Fonte: elaborado pelos autores.

Quadro 2 – Resultado de busca por temas em bases de pesquisa

TRABALHOS PUBLICADOS EM LÍNGUA INGLESA


DESCRITORES SciELO Capes ANPEd
Cyberactivism 02 306 0
digital activism 04 406 0
e-activism 208 35 0
cyberactivism / digital activism / e-activism AND youth 10 294 0
cyberactivism / digital activism / e-activism AND social 27 176 0
movements
cyberactivism / digital activism / e-activism AND 40 99 0
political participation
TOTAL 290 1316 0
Fonte: elaborado pelos autores.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 228 13/05/2021 11:42


Quadro 3 – Resultado de busca por temas em bases de pesquisa

TRABALHOS PUBLICADOS EM LÍNGUA ESPANHOLA


DESCRITORES SciELO Capes ANPEd
Ciberactivismo 06 101 0
activismo digital 13 31 0
ciberactivismo AND juventude 0 15 0
activismo digital AND juventude 0 02 0
activismo digital AND movimientos sociales 03 19 0
activismo digital AND participación política 02 06 0
TOTAL 24 174 0
Fonte: elaborado pelos autores.

Importante destacar que, ao utilizar os descritores nas bases de pesquisas


citadas, foram encontrados alguns trabalhos acadêmicos que se aproximavam
da temática abordada neste texto, dentre eles, destacam-se: “O ativismo digi-
tal e sua contribuição para a descentralização política” (2018), de Deslandes;
“Participação social, juventudes e redes sociais virtuais: rotas transitadas, rotas
possíveis”, de Fundora (2018); “Imaginários urbanos, coletivos sociotécnicos e
vigilância cívica: a vida social em rede e os novos espaços da moralidade”, de
Arruda (2018); “Ativismo digital em Portugal: um estudo exploratório”, Campos,
Pereira e Simões (2016); “A biopolítica do corpo feminino em estratégias con-
temporâneas de ativismo digital”, de Silva (2016); “Socialização política e inter-
net na construção de uma cultura política juvenil no sul do Brasil”, de Baquero,
Baquero e Morais (2016); “As fontes de informação digitais sobre política: es-
tudo exploratório com jovens adultos portugueses”, de Sebastião e Lourenço
(2016); “O ‘Animal Eletrônico’: dilemas do ciberativismo verde”, de Marzochi
(2015); “Redes sociais e juventude rural: apropriações de propostas de comuni-
cação para o desenvolvimento em redes globalizadas”, de Lima e Santos (2012);
“Participação política e juventude: do mal-estar à responsabilização frente ao
destino comum”, de Castro (2008).
Os trabalhos e obras encontrados contribuem, significativamente, para as
reflexões e aprofundamento de estudos sobre juventude, participação política,
ativismo digital e movimentos sociais, concebendo juventude enquanto fenô-
meno singular e plural, que não se limita às definições de faixa etária, mas se
relaciona com questões sociais, políticas, culturais, ideológicas, econômicas,
temporais e geracionais.

Ativismo digital e participação política 229

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 229 13/05/2021 11:42


Portanto, os autores – com os quais dialogamos neste texto – contribuem
para pensar os novos arranjos de atuação e participação política dos jovens ati-
vistas no seio dos movimentos sociais por meio do uso das mídias digitais como
novas estratégias de ativismo na contemporaneidade, bem como o referido
trabalho se apresenta como um pontapé à construção e ampliação dos olhares
acerca dos estudos, debates e pesquisas pertinentes à relação entre juventude,
participação política, ativismo digital e movimentos sociais, especialmente no
cenário científico-acadêmico brasileiro.

A JUVENTUDE E SUA ATUAÇÃO POLÍTICA


A participação da juventude no cenário político não apresenta uma convergência
epistemológica. A construção do conhecimento acerca do tema vai da partici-
pação importante do jovem ativista como idealizador à colocação dos mesmos
na condição de baderneiros, desordeiros e desocupados.

É diagnosticado em diversas pesquisas sobre juventude no Brasil, que


o interesse e a participação dos jovens na vida pública não se esvaziou
[...] ainda que os contextos sociais e econômicos estejam cada vez mais
cedo encurralando jovens para o precário mercado de trabalho, toman-
do o tempo livre para agrupações; ainda que a mídia comercial tenda
a manipular as muitas formas de resistência num disfarçado teatro de
felicidade obtida simplesmente pelo consumo de apetrechos, os jovens
vêm se mostrando bastante adaptáveis e adaptadores dessas condições.
Ou seja, novas são as motivações objetivas que inibem o processo de
participação juvenil, porém, muitas são as adaptações e mutações, en-
gendradas pelos jovens, que favorecem os processos de participação.
(CASTRO; ABRAMOVAY, 2009, p. 39)

Castro e Abramovay (2009) ressaltam que os jovens ativistas de movimentos


sociais lutam, também, pela superação e rejeição do estigma de sujeitos politi-
camente alienados, ingênuos, apaixonados, inconstantes e incapazes.
Ao afirmar a interlocução entre juventude e vida pública, suscitam-se algu-
mas interrogações que merecem atenção sobre a ideia de participação política
juvenil na contemporaneidade, tais como:

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 230 13/05/2021 11:42


Que motivações balizam a participação política de jovens nos movi-
mentos sociais na atualidade?
Quais as estratégias de participação política adotadas pelos jovens
desta geração?
Quais pautas e agendas os jovens ativistas defendem? São estes os novos
romancistas contemporâneos?
De que lugar os jovens ativistas falam, produzem e difundem seus
discursos e práticas de militância?
O que os jovens ativistas entendem por participação política? Quais os
efeitos sociopolíticos de suas ações?

Longe de uma definição conceitual, que não caberia nessas poucas páginas,
essas interrogações reforçam o caráter político e estratégico da participação e
ativismo dos jovens no engajamento em movimentos sociais na contemporanei-
dade. Refletir sobre a participação política dos jovens ativistas pertencentes a
grupos, coletivos, organizações e movimentos sociais articulada às novas estra-
tégias de ativismo na contemporaneidade não é uma tarefa que se dá no vazio
histórico-social nem no campo da imparcialidade, despretensão ou neutralidade.
Por isso, dada a sua polissemia, é preciso compreender o que significa “parti-
cipação política juvenil” no processo de construção de sociedades mais democrá-
ticas, igualitárias e libertadoras, principalmente no contexto histórico brasileiro
em que a tão sonhada e recente democracia encontra-se em risco, dando sinais
que não vai bem, em estado de vertigem e colapsando entre os posicionamentos
– por vezes – extremistas de grupos políticos partidários de esquerda e direita.
Almeida (2008) diz que, quando o assunto é participação política juvenil, a
história mostra a criação de uma falácia que remete ao pensamento que jovem
não gosta de política ou que política não é assunto para jovem e, ainda, que
juventude e política são elementos que não se combinam, cujo pensamento –
por vezes – serve de reforço à tentativa de afastamento da juventude à efetiva
participação política ou, ainda, à descredibilidade que é dada aos jovens e às
pautas juvenis nos espaços e processos de tomadas de decisão política.
Essa afirmativa, para o autor, sinaliza duas questões: primeiro, trata-se de um
grande equívoco intencional, uma vez que o processo histórico de formação e
intensificação dos movimentos sociais nas mais diversas instâncias das socieda-
des – principalmente no Brasil – é fortemente caracterizado pela participação

Ativismo digital e participação política 231

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 231 13/05/2021 11:42


política da juventude. É proveniente dessa participação ativa a grande maioria
das conquistas brasileiras de cunho social, cultural, econômico e político, es-
pecialmente a partir da década de 1960, período em que – para Gohn (2014,
p. 13) – os jovens:

[...] criaram identidades político-culturais, no sentido de pautarem novos


temas de gênero, etnia, ser estudante, ser jovem, ser mulher etc. Eles
queriam ser ouvidos. Não queriam ser mais conduzidos pelo passado,
pela tradição, pelos velhos, pelos ‘tempos mortos’. Dentre as formas
de comunicação na época, destacaram-se o uso dos muros de Paris, as
frases e cartazes emblemáticos do movimento e o uso da televisão com
o meio de divulgação de fatos sociais importantes.

A segunda questão sinalizada por Almeida (2008) diz respeito ao fato que a
ideia de “participação política” não está estritamente vinculada à “política par-
tidária”. E, desse modo, é preciso maximizar o sentido de participação política
associada à efetiva atuação, tomada de decisões e proposições de estratégias,
onde a política é compreendida enquanto processo formativo dos sujeitos e
campo de interesses, lutas, conflitos, transformação, conhecimento da realida-
de e capacidade de intervir nela, que dá sentido e significado ao ativismo dos
jovens no seio dos movimentos sociais.
É muito recorrente política e juventude aparecerem como assuntos disso-
nantes em grande parte da frequente literatura sobre jovens. Quanto a esse ínte-
rim, Castro (2009) pontua que o processo de socialização e participação política
juvenil não deve ser minimizado à ideia de preparação para a vida adulta como
se o jovem fosse um sujeito do eterno vir a ser. A crença nessa perspectiva acer-
ca da condição juvenil reforça o alijamento dos jovens quanto aos seus direitos
e deveres políticos, cuja característica ainda é forte nas sociedades modernas.
O fato é que o jovem não é um sujeito à parte da sociedade. Ele é a sociedade
e, embora ele construa e seja história, ainda há uma descrença compartilhada
na sociedade quanto à capacidade de ação política da juventude. No entanto,
essa descrença faz parte do próprio desânimo que as pessoas têm apresentado
com a política, o que acaba refletindo também nos sentimentos e percepções
de muitos jovens sobre política.
Na mesma perspectiva de Castro (2009), Brenner (2014, p. 32) afirma que
“as pesquisas sobre juventude no Brasil ainda são pouco frequentes no que diz

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 232 13/05/2021 11:42


respeito à interface dos jovens com a política, seja em relação à transmissão de
valores políticos, seja em relação aos engajamentos de jovens nas mais variadas
modalidades de militância”.
A participação política pressupõe um tácito conhecimento por parte dos
jovens quanto às agendas pelas quais militam, requer um ativismo imbricado
na e para a reflexão e ação. A ação pela ação – sem consciência –, assim como a
reflexão sem a ação, constituem apenas verbalismo, palavreria e blá-blá-blá, já
que não há compromisso com a transformação social. (FREIRE, 2011) Por isso,
é importante lembrar que denunciar é diferente de participar. Denúncias des-
vinculadas da reflexão e ação se tornam discursos vazios e não operacionalizam
o verdadeiro sentido da participação política: conhecer para intervir; intervir
para transformar.
Para além da visão construída de arruaceiros, desocupados, “idiotas úteis”3
e “não tem nada na cabeça”4 que recai sobre os ativistas em suas diferentes mo-
dalidades de militância e faixas etárias, o ativismo juvenil dentro e fora dos mo-
vimentos sociais, grupos, coletivos e organizações se constitui como ato político
porque, sobretudo, está envolto por uma carga de intencionalidades, denúncias
sociais, lutas, conflitos, jogos de interesses, disputas e expressão de pontos de
vistas, que podem revelar choques e embates com as estruturas tradicionais de
pensamento e práticas políticas reveladoras de conflitos intergeracionais.
De acordo com Tommasi (2007), apesar da descrença de muitos jovens em
relação à política institucionalizada e partidária. Ainda há uma geração de jo-
vens que concebe política como espaço legítimo de luta e atuação dos sujeitos
enquanto seres sociais, culturais e políticos que visam a garantia dos seus di-
reitos – que jamais podem ser confundidos como favores sociais, culturais ou
políticos – e a construção de uma sociedade alicerçada nos princípios da demo-
cracia e cidadania, pois,

3 Expressão utilizada pelo presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, ao se referir aos jovens-estudantes
e professores que foram às ruas e mídias sociais protestar contra os cortes de verbas para a Educação e
contra a Reforma da Previdência no dia 15 de maio de 2019, período em que o presidente Jair Bolsonaro
estava em Dallas, no estado norte-americano do Texas.
4 Expressão utilizada pelo presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, ao se referir aos jovens-estudantes
e professores que foram às ruas e mídias sociais protestar contra os cortes de verbas para a educação e
contra a Reforma da Previdência no dia 15 de maio de 2019, período em que o presidente Jair Bolsonaro
estava em Dallas, no estado norte-americano do Texas.

Ativismo digital e participação política 233

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 233 13/05/2021 11:42


[...] é de suma importância a participação dos jovens na vida pública
de sua cidade, do seu país. Afinal, como membro de uma sociedade,
ele tem responsabilidade sobre os rumos que ela vai tomar. Porém isso
não é responsabilidade apenas dos jovens, mas de todos. Por vezes,
pretende-se lançar nos ombros da juventude toda a responsabilidade
pela mudança social. E há também uma crença de que, por se tratar de
jovem, a ação política que dele vem será sempre boa. Há jovens polí-
ticos no Congresso que defendem as mesmas posições conservadoras
de seus pais, de seus avós [...]. Ao tratar do tema da participação, não
podemos ignorar o seu conteúdo ideológico. Ou seja, não basta que
o jovem participe apenas, mas como se dará esta participação e qual
formação tem este jovem são questões fundamentais. O jovem não
é naturalmente revolucionário. Dependendo do processo formativo
que teve, pode ou não ter uma atitude revolucionária. (ALMEIDA,
2008, p. 2)

Nessa perspectiva, na transição da vida privada para a vida pública, o pro-


cesso de participação política juvenil se estrutura e vai se consolidando em suas
relações de socialização e sociabilidades na vida pública e coletiva, nas quais a
família, a escola, a igreja, as crenças religiosas, os grupos de amigos, a universi-
dade, os movimentos sociais, grupos, coletivos, mídias digitais, redes sociais e
organizações assumem grande relevância como agências de socialização e for-
mação política juvenil.
São nesses espaços – ou em boa parte deles – que os jovens começam a man-
ter seus primeiros contatos de engajamento por esta ou por aquela causa, que
aprendem a gostar mais ou menos de política, que se interessam ou não por esta
ou aquela causa social e, assim, vão construindo seus repertórios e itinerários
enquanto sujeitos sociais e políticos, ainda que não estejam necessariamente im-
buídos em alguma causa ou movimento social, grupos, coletivos e organizações.

O JOVEM, A SOCIEDADE E AS PRÁTICAS DE PARTICIPAÇÃO


POLÍTICA
O processo de participação política juvenil não se dá num vazio histórico e cul-
tural. É preciso pensar a participação política como elemento de livre escolha
e decisão dos jovens, a partir dos seus processos de socialização política, a fim

234 Hélio Souza de Cristo | José Wellington Marinho de Aragão | Hugo Saba

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 234 13/05/2021 11:42


de que possam compreender e posicionarem-se perante as desigualdades so-
ciais e políticas, de modo que tomem consciência e envolvam-se ativamente na
construção de estratégias e ações cuja finalidade seja problematizar a realidade
e promover transformações sociais, políticas, culturais, econômicas e ideológi-
cas. Desse modo, Castro (2008, p. 253) chamou a atenção:

[...] a participação política dos jovens não se faz no vazio cultural e his-
tórico, mas em sociedades reais que carregam as marcas singulares de
sua história e as dificuldades específicas de seu presente. No contexto
das desigualdades sociais da sociedade brasileira, compreender como
e porque os jovens brasileiros participam da construção e da decisão
societárias põe em questão a forma como cada um reconhece-se como
integrante desse conjunto tão desigual e como se vê implicado nos seus
destinos. Assim, a participação política não pode desvincular-se das
condições subjetivantes que darão forma ao sentimento de pertenci-
mento à coletividade por parte de jovens e de crianças e de como essa
coletividade é representada por eles.

A fala da autora coloca em questão que a participação política dos jovens


tem um caráter de prática cidadã e democrática que transpõe a inserção espaço-
-temporal e o pertencimento físico a determinadas organizações, instituições,
grupos, movimentos ou coletivos sociais. Ou seja, falar de participação política
juvenil na contemporaneidade perpassa, primeiramente, pela compreensão
que o jovem do século XXI não é o mesmo jovem dos séculos XIX e XX, uma
vez que os contextos e conflitos são outros, os instrumentos de politização já
não são os mesmos, os processos de socialização que forjam as subjetividades
e identidades sofreram modificações ao longo do tempo e dinamismo de cada
sociedade, o que consequentemente requer dos jovens outras posturas e olhares
no enfrentamento dos desafios e anseios sociais.
A participação política juvenil está atrelada aos moldes de configuração e
desenvolvimento científico-tecnológico das sociedades, em vista disso, as causas
de lutas, reivindicações, protestos e manifestações dos jovens do século XXI não
se dão na mesma plataforma social, política, ideológica e cultural dos séculos
XIX e XX, embora algumas causas sejam resquícios dos séculos e sociedades
anteriores. Diante desse cenário, Queiroz (2017, p. 2) afirma que:

Ativismo digital e participação política 235

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 235 13/05/2021 11:42


[...] um novo elemento marca as ações dos movimentos sociais na
contemporaneidade: o uso da Internet e das redes sociais para a con-
vocação de ativistas, divulgação de manifestações e acompanhamento
em tempo real do que acontece nas ruas. Essa nova estratégia de ação é
denominada de ciberativismo, levando ao empoderamento de grupos
de ativistas ao ampliar o alcance das reivindicações assumidas como
direitos coletivos.

O momento histórico-social que as sociedades têm experienciado, princi-


palmente a brasileira, se configura por novas formas estruturais de participação
política e estratégias de ativismo denominadas como ciberativismo, que – nas
palavras de Gohn (2012, 2014) – refere-se às estratégias de ativismo via internet,
também denominadas de ativismo on-line ou ativismo digital, cujo principal
objetivo é realizar divulgação de causas, reivindicações e organizar mobiliza-
ções, utilizando as mídias digitais e redes sociais como recursos de expressão
participativa, democrática e cidadã dos sujeitos.
Analisando os estudos desenvolvidos por Novaes em 2006, podemos per-
ceber que os jovens ativistas da contemporaneidade possuem um arquétipo de
elementos e instrumentos tecnológicos que viabilizam maior proporção de es-
tratégias políticas e difusão de suas práticas desde os movimentos de rua à sis-
tematização de mobilizações por meio das novas TICs, especialmente as mídias
digitais e redes sociais, que facilitam a comunicação e gestão das informações,
bem como impulsionam novas relações da juventude com as questões sociais,
políticas, culturais e econômicas, se levadas em comparação com as juventudes
das sociedades antecessoras ao século XXI.
Comparando os subsídios tecnológicos de informação e comunicação exis-
tentes há mais de dez anos em relação aos da contemporaneidade, é possível per-
ceber através da fala de Novaes (2006) que as novas TICs já vinham sendo vistas
como artefatos potenciais para as estratégias de participação política, principal-
mente entre os jovens. Do seu ponto de vista, Novaes (2006, p. 119-120) afirmou:

[...] a condição juvenil – como etapa da vida que se situa entre a proteção
socialmente exigida para a infância e a emancipação esperada na vida
adulta – tem suas especificidades. Isso porque a experiência geracional é
inédita, já que a juventude é vivenciada em diferentes contextos históricos,
e a história não se repete. Dessa forma, para pensar a condição juvenil

236 Hélio Souza de Cristo | José Wellington Marinho de Aragão | Hugo Saba

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 236 13/05/2021 11:42


contemporânea, devemos que considerar a rapidez e as características
das mudanças no mundo de hoje. Por um lado, houve uma ampliação
das agências socializadoras da juventude que extrapolam o âmbito da
família e da escola, implicam o aumento do espaço de influência dos
meios de comunicação e a presença da Internet. A inovação tecnológica
tem aproximado jovens de mundos diferentes. [...] embora sejam muitos
os que não têm computador em casa, os computadores de associações,
centros comunitários e ONGs são usados pelos jovens.

Nesse sentido, as estratégias e práticas de participação política dos jovens


ativistas da contemporaneidade não estão limitadas aos espaços físicos das or-
ganizações, coletivos, movimentos e grupos sociais. As mídias digitais e as re-
des sociais – como o Facebook, Instagram, WhatsApp e Twitter – têm assumin-
do também a condição de agências de socialização política tanto para quem
produz as informações quanto para quem as acessam e, portanto, amplificam
exponencialmente a expansão, disseminação, diálogo e interlocução com ou-
tros atores sociais que, por vezes, estão geograficamente distantes, mas as fer-
ramentas das mídias digitais e redes sociais acabam funcionando – estrategica-
mente – como instrumentos de aproximação, a serviço não apenas de troca e
compartilhamento de ideias e informações, como também de organização de
mobilizações e protestos.

CONCLUSÃO
O ativismo digital como nova estratégia de participação política representa a ex-
pressão dos novos paradigmas dos movimentos sociais na contemporaneidade
frente à estrutura de funcionamento e atuação dos movimentos sociais das déca-
das passadas. Diante dos novos desafios postos aos movimentos sociais advindos
do ativismo digital, Harvey e demais autores (2012) acreditam na positividade
dos movimentos e protestos sociais impulsionados pelo fluxo de comunicação
proveniente da internet, especialmente através das redes sociais, e – ao mesmo
tempo – pontuam que o ativismo digital não pode subestimar ou pormenorizar
a importância dos movimentos sociais em outros espaços públicos, como nas
manifestações de ruas, protestos em praças e parques.

Ativismo digital e participação política 237

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 237 13/05/2021 11:42


Dessa maneira, “as potencialidades da internet e das mídias digitais podem
ser encaradas de forma crítica, considerando que a sua utilização não é necessa-
riamente geradora de mais participação”. (CAMPOS; PEREIRA; SIMÕES, 2016,
p. 29) Isso significa dizer que a produção, gestão e difusão de informações e
conhecimentos via ativismo digital devem estar implicadas com a capacidade
dos sujeitos refletirem, interpretarem, analisarem e pensarem criticamente,
de forma que não se baseiem em pensamentos rasos, na espetacularização de
informações aligeiradas, na apropriação das fake news como verdades sem a
devida pesquisa das fontes de informação e busca da veracidade ou ainda não
consigam perceber que o mundo virtual também é real à medida que tem a
potencialidade de forjar ideias, identidades, pensamentos, posicionamentos
políticos e práticas sociais.

REFERÊNCIAS
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238 Hélio Souza de Cristo | José Wellington Marinho de Aragão | Hugo Saba

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Ativismo digital e participação política 239

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 239 13/05/2021 11:42


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240 Hélio Souza de Cristo | José Wellington Marinho de Aragão | Hugo Saba

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 240 13/05/2021 11:42


CAPÍTULO 16

DEMOCRACIA SIM. PARTICIPAÇÃO?


TALVEZ: uma análise do processo
de participação no Comitê da Bacia
Hidrográfica do Rio São Francisco
(CBHSF)

FRANKLIN CARLOS CRUZ DA SILVA


JOSÉ WELLINGTON MARINHO DE ARAGÃO
MARIA VALESCA DAMÁSIO DE CARVALHO SILVA

INTRODUÇÃO
O discurso que fundamenta a institucionalização da nova forma de regulação
das águas sugere estarmos diante de um processo “evolutivo”, em que passamos
de uma situação na qual os problemas ambientais sequer estavam colocados
ou formulados, para uma postura mais razoável, na qual o Estado assume uma
postura de comando e controle dos usos das águas e, finalmente, para um con-
texto mais complexo, no qual novos atores entram em cena e mecanismos de
coordenação político-institucionais e de mercado (ao lado do estado) passam a

241

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 241 13/05/2021 11:42


compor um novo cenário de regulação. É nesse contexto que se insere o caso da
Bacia do Rio São Francisco e a transposição das suas águas no Nordeste do país.
Este capítulo tem o propósito de investigar como se dá o processo de parti-
cipação no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), neste
caminho busca, por meio de análise de reunião plenária, verificar indícios que
possibilitem demonstrar, preliminarmente, o(s) significado(s) da participação
dos usuários das águas, da sociedade civil e das comunidades tradicionais nas
discussões sobre a gestão das águas do Rio São Francisco no contexto do CBHSF.
O comitê CBHSF é um órgão colegiado, integrado pelo poder público, socie-
dade civil e empresas usuárias de água, que tem por finalidade realizar a gestão
descentralizada e participativa dos recursos hídricos da bacia, na perspectiva
de proteger os seus mananciais e contribuir para o seu desenvolvimento sus-
tentável. Para tanto, o governo federal lhe conferiu atribuições normativas,
deliberativas e consultivas. (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO
FRANCISCO, 2017)
A análise que se propõe deverá contribuir com a reflexão teórica sobre os
desafios colocados pelo processo de discussão sobre a gestão das águas do Rio
São Francisco no âmbito do Comitê, enfocando particularmente a inserção dos
usuários das águas, sociedade civil e comunidades tradicionais, no âmbito do
CBHSF no atual padrão regulatório das águas. Este trabalho destaca a dimen-
são política da gestão das águas, situando-a no contexto dos principais projetos
políticos que são a tônica do cenário político nacional, qual seja o neoliberal e
democratizante.
É fora de dúvida que a situação de crise ambiental pode ser verificada em
diversas bacias hidrográficas no mundo e no Brasil. Uma delas é a do rio São
Francisco, que abrange territórios de seis estados da Federação, o Distrito Federal
e 503 municípios brasileiros. Com uma localização estratégica, a Bacia do Rio
São Francisco abrange 639.219 km² de área de drenagem – 7,5% do país apre-
senta uma vazão média de 2.850 m³/s, correspondendo a 2% do total do país.

A PROPOSTA LEGAL DE GESTÃO PARTICIPATIVA


A Diretoria Colegiada da Agência Nacional das Águas na apresentação do
Relatório de Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil 2017 destacou que:

242 Franklin C. Cruz da Silva | José W. Marinho de Aragão | Maria V. Damásio de Carvalho Silva

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 242 13/05/2021 11:42


O Brasil é um dos países que possuem a maior disponibilidade de água
doce do mundo. Isso traz um aparente conforto, porém os recursos
hídricos estão distribuídos de forma desigual no território, espacial e
temporalmente. Esses fatores, somados aos usos da água pelas diferentes
atividades econômicas nas bacias hidrográficas brasileiras e os problemas
de qualidade de água, geram áreas de conflito. (A QUANTIDADE..., 2017)

Apesar da confortável disponibilidade hídrica brasileira, a concentração


da população em conglomerados urbanos, alguns dos quais já se caracterizan-
do como megacidades, vem ocasionando pressões crescentes sobre os recursos
hídricos. Por um longo período, a cultura de “gastos e desperdícios” tornou-se
um comportamento inadequadamente comum no país. É a Lei das Águas que
institui uma nova Política Nacional de Recursos Hídricos, política que já se ma-
terializa no âmbito do novo marco gerencial caracterizado pela proposta política
de construção de um estado enxuto e ágil, ou seja, pelo modelo neoliberal. Na
Lei das Águas, destaca-se o instrumento de política de gestão descentralizada
e participativa.
O conceito de gestão descentralizada orienta o lócus da decisão e, segundo
tal princípio, sempre que houver possibilidade de se decidirem os problemas
localmente, não se deve levá-los ao nível nacional ou estadual. Em outras pala-
vras, o princípio sugere manter-se o lócus das decisões o mais próximo do cida-
dão e no menor nível hierárquico possível. Por outro lado, o conceito de gestão
participativa está relacionado com a participação dos agentes locais e interes-
sados influindo na tomada de decisões sobre investimentos e outras formas de
intervenção na bacia hidrográfica.
Um novo paradigma acerca da gestão das águas estava posto. A Lei das Águas
traz dentro do seu arcabouço institucional os comitês e as agências de bacia.
Instâncias que congregam vários agentes, várias concepções de sociedade e de
estado, enfim, vários projetos políticos, aqui entendidos, como afirma Dagnino
(2004), como “aquilo que orienta aquela ação”. Em tese, a criação do Parlamento
das Águas deveria viabilizar a congregação e articulação dos diversos atores
interessados na busca de construção de consensos e de compartilhamento de
ações. Contudo, o que tem se observado nas experiências em curso no país é
que esse parlamento que deveria ser uma instância democrática de elaboração

Democracia sim. Participação? Talvez 243

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 243 13/05/2021 11:42


da política das águas tem se caracterizado como uma instância implementadora
de políticas definidas em níveis hierárquicos superiores.
Nesse contexto, uma das características mais marcantes da Lei das Águas,
que muda o padrão de gestão das águas no país, é a incorporação dos usuários
no processo de gestão, rompendo assim com o modelo vertical e setorializado de
gestão das águas, o que vem abrir uma possibilidade mais democrática de acesso
a esse recurso. Diante dessa síntese da problemática sobre a democratização do
acesso às águas transpostas, a análise que se pretende fazer deverá contribuir
com a reflexão teórica sobre os desafios colocados pelo processo de transposi-
ção das águas do Rio São Francisco no que diz respeito à democratização do
acesso das suas águas à população em geral. Esse trabalho pretende destacar a
dimensão política da gestão das águas situando-a no contexto dos principais
projetos políticos que são a tônica do cenário político e nacional, quais sejam o
projeto com viés neoliberal e o democratizante.
Esse projeto de pesquisa, ao reportar-se à efetiva democratização de acesso
às águas da bacia do Rio São Francisco, trata, portanto, de um tema de extrema
relevância teórica e com várias possibilidades de desdobramento. O quadro que
está posto retrata a necessidade de estudar a gestão hídrica, buscando analisar
o(s) significado(s) da participação dos usuários das águas, da sociedade civil e
das comunidades tradicionais no processo de gestão de política pública do setor
de recursos hídricos no âmbito do espaço do Comitê de Bacias Hidrográficas
brasileiras e com destaque, no CBHSF.
Partimos do pressuposto de que a participação dos usuários das águas, da
sociedade civil e das comunidades tradicionais nas discussões sobre o proces-
so de gestão das águas do Rio São Francisco no contexto do CBHSF avança no
sentido da descentralização da gestão das águas, mas não aprofunda a democra-
tização da gestão, de acordo com o paradigma democratizante e participativo.

REFLEXÕES SOBRE A DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO DAS


ÁGUAS
Qualificar a “democratização” do acesso às águas transpostas da Bacia do Rio
São Francisco no processo de gestão das águas requer uma reflexão sobre o sig-
nificado que a “democratização” adquire no âmbito dos paradigmas neoliberal

244 Franklin C. Cruz da Silva | José W. Marinho de Aragão | Maria V. Damásio de Carvalho Silva

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 244 13/05/2021 11:42


(hegemônico) e democratizante (contra-hegemônico). Parte-se aqui do pressu-
posto de que a democratização no processo de gestão da res publica pode adqui-
rir múltiplos significados nos projetos políticos os mais distintos, dos modelos
de gestão qualificados como neoliberais até os democratizantes, passando por
modelos “mistos”. Nesse novo e complexo cenário, não há quem não defenda a
descentralização e democratização, passando esses termos quase que a se equi-
valerem. Como então distinguir, qualificar o que venha a ser a “democratização
no acesso à água?”.
Como coadjuvante ao significado de democratização está o conceito de par-
ticipação. Poder-se-ia afirmar que a participação é única, que o seu sentido e
significado não se transveste, que independe do projeto político no qual se in-
sere? Considera-se que, a exemplo da ideia das afirmações de Evelina Dagnino
(2004), o sentido e significado da participação na gestão pública depende da
natureza do projeto político na qual se encontra inserida. E mais, a que conceito
de democracia a gestão pública se reporta? Como compreender seu significado
diante da existência de projetos políticos distintos?
Entende-se por projeto político, de acordo com a formulação gramsciana,
como o conjunto de crenças, interesses, concepções de mundo e representações
que orientam a ação política dos indivíduos e grupos ou classes sociais. Como
fórmula de forma clara, Dagnino (2004), por projeto político, entendemos “aqui-
lo que orienta aquela ação”. Segundo Hirsch (1997), no contexto de participa-
ção popular, o estado passa a ser qualificado como um agente articulador dos
distintos interesses em jogo. Dito de outra forma, as principais transformações
que ora se presencia se dão a partir de uma certa privatização da política ou
transferência de atribuições tradicionalmente exclusivas do estado para outros
atores políticos. Nesse novo contexto de mudança, tornam-se mais complexas as
formas de dominação e de gestão, particularmente dos bens qualificados como
de interesses coletivos, entre os quais a água se inclui.
Para compreendermos o objeto de estudo, qualificamos o Estado, como o
faz Joachim Hirsch (1997), como o centro da regulação, como lócus de cristali-
zação de relações sociais antagônicas, campo no qual as relações de classes se
materializam institucionalmente. Esse tipo de formulação aproxima-se da con-
cepção marxista de Estado, ou seja, como dominação de classe. Ao nos aproxi-
mar conceitualmente da concepção de Estado de Gramsci, Hirsch complementa
sua abordagem: “O Estado é o complexo das atividades práticas e teóricas com

Democracia sim. Participação? Talvez 245

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 245 13/05/2021 11:42


o qual a classe dominante não somente justifica e mantém a dominação como
procura conquistar o consentimento ativo daqueles sobre os quais ela governa”.
(GRAMSCI, 1971, p. 244 apud CARNOY, 1994, p. 1994)
É nesse complexo que “democratizar” passa a fazer parte dos mais varia-
dos discursos políticos, dos mais liberais aos mais radicais. Praticamente não
há um discurso da “não participação” e de “falta de democratização” – muito
pelo contrário –, nesse novo cenário do Estado “misto” onde há uma verdadei-
ra polarização de forças e projetos políticos diluídos em um cenário opaco, os
significados atribuídos a conceitos como participação e democratização pratica-
mente se confundem. Entretanto, o que significa concretamente “democratizar”
o acesso a determinado bem que tem ganhado outros contornos como a água?
É relevante destacar que a bandeira levantada pelos projetos políticos de
cunho democratizante tem como pré-requisito uma participação de qualidade
diferente, que a participação não é um fim em si mesmo, que ela é estratégica
na construção de uma democracia efetiva. Desse modo, o convite à participação
feito pelo Estado – neoliberal e burocrático – à sociedade civil e aos usuários,
tem um significado instrumental, contribuindo assim para a construção de um
arremedo de democracia.
Para Coutinho (2008, p. 6), não há democracia efetiva onde existe excessiva
desigualdade material entre os cidadãos. E acrescenta que:

A democracia - se entendermos no sentido forte da palavra, isto é, no


sentido da igualdade, da participação coletiva de todos na apropriação
dos bens coletivamente criados - tem também uma dimensão social e
econômica. Não há efetiva igualdade política se não há igualdade subs-
tantiva, a qual passa necessariamente pela esfera econômica.

Marilena Chauí (1997, p. 141) chama a atenção para os limites que perpassam
a noção de democracia no contexto do projeto político neoliberal: “A democra-
cia modelada sobre o mercado e sobre a desigualdade sócio-econômica é uma
farsa bem sucedida, visto que os mecanismos por ela acionados destinam-se
apenas a conservar a impossibilidade da democracia”.
É preciso estar atento para o fato de que no atual contexto os paradigmas
de participação de inspiração neoliberal e democratizante, de certa forma, se

246 Franklin C. Cruz da Silva | José W. Marinho de Aragão | Maria V. Damásio de Carvalho Silva

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 246 13/05/2021 11:42


confundem – o que coloca ou acirra o dilema entre propostas de construção
democráticas mais radicais ou substantivas e outras de cunho mais formais.
Assim, para saber qual o significado da participação, é preciso estar ciente
de que há uma disputa política entre projetos distintos. Nesse sentido, é preciso
muita cautela ao delinear o significado da participação, pois, segundo Dagnino
(2004, p. 97):

Nessa disputa, onde os deslizamentos semânticos, os deslocamentos


de sentido, são as armas principais, o terreno da prática política se
constitui num terreno minado, onde qualquer passo em falso nos leva
ao campo adversário. Aí a perversidade e o dilema que ela (a disputa)
coloca, instaurando uma tensão que atravessa hoje a dinâmica do avanço
democrático no Brasil.

Tal dilema coloca no primeiro plano do debate a necessidade de democrati-


zar a democracia, ou seja, estabelecer uma conexão mais profunda entre parti-
cipação e representação. O fato é que hoje vivenciamos a constituição de fóruns
participativos e ditos democráticos em contextos políticos cuja hegemonia tem
sido determinada na sua grande maioria por uma concepção elitista de demo-
cracia, semelhante às formulações teóricas de Friedrich Hayec e Robert Dahl,
nas quais concepções de coletividade não são privilegiadas.

METODOLOGIA
Com base no conceito-chave e conceitos estruturantes construídos, e no refe-
rencial teórico adotado, optar-se-á como estratégia desta pesquisa a constru-
ção de um trabalho empírico que qualifique o(s) significado(s) da participação
dos usuários das águas, da sociedade civil e das comunidades tradicionais nas
discussões sobre o processo de transposição das águas do Rio São Francisco no
contexto do CBHSF, enfocando particularmente a inserção e o seu significado
dessas duas categorias nos mencionados organismos da bacia no atual padrão
regulatório das águas sob a ótica de difusão do conhecimento. Verificaremos
enfim se a participação desses agentes significa ou não a democratização da
gestão das águas nessa bacia.

Democracia sim. Participação? Talvez 247

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 247 13/05/2021 11:42


O recurso metodológico a ser adotado nesta pesquisa é a construção de um
estudo de caso, com base na análise da estrutura do CBHSF e na investigação
da ata da XXXIII Plenária Ordinária realizada nos dias 7 e 8 de dezembro de
2017 em Paulo Afonso (BA), em que buscaremos identificar indícios que carac-
terizem falhas na construção de um gestão participativa e compartilhada, iden-
tificando e analisando a multiplicidade de dimensões que envolvem a atuação
dos usuários das águas e da sociedade civil, categorias integrantes do binômio a
ser investigado. Nas palavras de Martins (2008, p. 10): “Mediante um mergulho
profundo e exaustivo em um objeto delimitado, o Estudo de Caso possibilita
a penetração em uma realidade social, não conseguida plenamente por um le-
vantamento amostral e avaliação exclusivamente quantitativa”.
O estudo de caso é o método que mais se adequa a situações em que o in-
vestigador tem pouco controle sobre os eventos e quando se enfoca um fenô-
meno contemporâneo dentro do contexto da vida real. (YIN, 1989) Definindo
o estudo de caso como método, adotaremos o seguinte percurso metodológico
para este trabalho investigativo: depois de análise da ata, realizamos a tabula-
ção, análise e interpretação dos dados coletados, bem como a incorporação no
trabalho; os dados levantados foram confrontados com as teorias existentes e
com as reflexões formuladas; na análise da ata, fizemos a avaliação do discurso
dos atores, a fim de identificar indícios que caracterizassem fraquezas no pro-
cesso de participação efetiva dos participantes do CBHSF.
No Quadro 1, temos um resumo dos principais pontos que demonstram
discursos indicando fraquezas redutoras do processo de gestão participativa
na XXXIII Plenária Ordinária do CBHSF. Concretamente, a análise da ata de
reunião realizada indica serem os usuários privados e públicos os entes que
pautaram o debate na plenária sob análise. Nessas atas, identificamos posicio-
namentos que indicam indícios de fraqueza no processo de participação, tais
como a aprovação ad referendum do plenário, o que pode indicar uma ausência
de discussão sobre as decisões, sendo elas tomadas em outras instâncias, con-
forme demonstramos no Quadro 1, remetendo-se à linha 83 da ata da XXXIII
Plenária Ordinária.
A propósito, é importante informar que no nosso quadro temos referência à
linha das atas que inicia a fala do participante da plenária. Dessa forma, sempre
apontaremos a linha indicativa da ata nas falas analisadas.

248 Franklin C. Cruz da Silva | José W. Marinho de Aragão | Maria V. Damásio de Carvalho Silva

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 248 13/05/2021 11:42


Quadro 1 – Análise da ata da XXXIII Plenária Ordinária do CBHSF

Função no
Linha Pontos fracos na gestão participativa Segmento Ponto-chave
CBHSF

Informa sobre o novo contrato de gestão entre Comitê, Agência


ORGANIZAÇÕES NÃO Aprovado ad referendum do
83 Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e Agência 83 Peixe Vivo, Presidente
GOVERNAMENTAIS plenário.
aprovado ad referendum do plenário.

Informa que foram aprovadas as novas regras de operação dos

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 249


ORGANIZAÇÕES NÃO Informação de aprovação em
89 reservatórios do rio São Francisco, sobretudo para os reservatórios de Presidente
GOVERNAMENTAIS outra instância.
Três Marias (MG) e Sobradinho (BA).

ORGANIZAÇÕES NÃO Baixa frequência dos


94 Faz crítica a baixa frequência de reuniões deste conselho. Presidente
GOVERNAMENTAIS participantes.
Diz que em breve será assinado um termo de cooperação com a
Informação que será assinado,
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) para ORGANIZAÇÕES NÃO
95 Presidente mas não houve demonstração de
que, junto ao Comitê, ela possa auxiliar no alcance das metas do Plano GOVERNAMENTAIS
discussão conjunta.
de Recursos Hídricos da Bacia do Rio São Francisco.
Destaca a importância de se discutir as intervenções que vêm sendo
realizadas na bacia, pois, tem-se visto diversos conflitos por água, Não participa do
Sinalização de fraqueza da voz das
105 ocasionando desequilíbrios ecossistêmicos, nos quais as comunidades comitê (Ministério NA
comunidades e povos tradicionais.
e povos tradicionais têm sido os maiores afetados por tais conflitos, Público)
configurando assim um quadro de injustiça ambiental.
Destaca, ainda, que além de se pensar num contexto de revitalização
é preciso que medidas restritivas sejam adotadas para diminuir os
Não participa do
impactos que diversos empreendimentos estão causando, muitas Sinalização de fraqueza da voz das
110 comitê (Ministério NA
vezes de forma autorizada e que cada estado continue firmando o comunidades e povos tradicionais.
Público)
compromisso com o pacto das águas, fazendo com que o Rio São
Francisco receba cada vez mais uma água de qualidade.

E que cada estado continue firmando o compromisso com o pacto Não participa do
Sinal de descompromisso do
112 das águas, fazendo com que o Rio São Francisco receba cada vez mais comitê (Ministério NA
estado com o CBHSF.
uma água de qualidade. Público)

Democracia sim. Participação? Talvez


249

13/05/2021 11:42
250
Função no
Linha Pontos fracos na gestão participativa Segmento Ponto-chave
CBHSF

Destaca que foi concluída a elaboração de três planos de bacias e


PODER PÚBLICO Sinais de não participação dos
119 que o sistema de monitoramento dessas bacias está passando por Conselheiro
ESTADUAL demais membros.
modernização.

Informa que terá que se ausentar para participar da reunião do


PODER PÚBLICO Sinal de descompromisso do
123 Conselho Estadual de Recursos Hídricos da Bahia, mas que está à Conselheiro
ESTADUAL estado com o CBHSF.
disposição do Comitê para qualquer parceria necessária.

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 250


Afirma que é necessária uma maior participação do Executivo nas
PODER PÚBLICO Sinal de descompromisso do
127 reuniões do CBHSF para que se consiga efetivar realmente o que está NA
MUNICIPAL Estado com o CBHSF.
sendo proposto.

Ressalta que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH


Velhas) é o comitê afluente mais avançado na gestão de recursos
hídricos. Informa que, durante a mesa, reiterou o interesse do CBHSF ORGANIZAÇÕES NÃO Sinais de ausência de difusão do
165 Presidente
em estreitar as relações com o CBH Velhas, mesmo porque ambos são GOVERNAMENTAIS conhecimento.
geridos pela mesma entidade delegatária e até então nunca fizeram
uma reunião conjunta ou dialogaram entre si.

Ressalta que os recursos não são propriedade do Estado e nem dos


ORGANIZAÇÕES NÃO Sinais de gestão dos recursos
169 tesouros estaduais e que, após o pagamento pelos usuários de água, Presidente
GOVERNAMENTAIS centralizada.
os recursos devem voltar para a bacia o mais rápido possível.

Explica que a Deliberação que “Aprova ad referendum do Plenário


o Sexto Termo Aditivo ao Contrato de Gestão nº 014/ANA/2010
celebrado entre a Agência Nacional de Águas - ANA e a Associação
Executiva de Apoio à Gestão de Bacias Hidrográficas Peixe Vivo - AGB
Peixe Vivo” precisou ser aprovada ad referendum devido aos prazos PESCA, TURISMO E Indícios de aprovação sem
223 Conselheiro
que deveriam ser cumpridos, já que a Deliberação teria que tramitar LAZER discussão pela plenária.
na ANA, na Procuradoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente
(MMA) e receber a assinatura do ministro do Meio Ambiente. Caso a

Franklin C. Cruz da Silva | José W. Marinho de Aragão | Maria V. Damásio de Carvalho Silva
deliberação fosse posta para aprovação em plenária, haveria o risco de
o Comitê ficar sem recursos financeiros para o ano de 2018.

13/05/2021 11:42
Função no
Linha Pontos fracos na gestão participativa Segmento Ponto-chave
CBHSF

Na sequência, em apresentações das Câmaras Consultivas Regionais


(CCRs), a coordenadora da CCR Alto São Francisco, Sílvia Freedman,
faz um balanço das atividades da CCR. Alerta para a situação na qual
se encontra o Rio São Francisco na região do Alto, sobretudo em
Pirapora (MG), onde o rio vem apresentando níveis críticos ano após
ano. Alerta também para a redução da vazão entre os reservatórios de

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 251


CONSÓRCIOS,
Três Marias e Sobradinho, o que tem ocasionado impactos ambientais,
ASSOCIAÇÕES
sociais e econômicos para os municípios, para a população e para Indícios de gestão das águas
232 INTERMUNICIPAIS Conselheiro
a cadeia produtiva. Na sequência, informa sobre a necessidade prejudicada.
OU ASSOCIAÇÕES DE
de se reverter a situação dos cursos d’água que antigamente se
USUÁRIOS
encontravam perenes e hoje em dia se apresentam intermitentes,
por meio da continuidade dos projetos que receberam investimentos
na região do Alto. Finaliza criticando as propostas de expansão de
perímetros irrigados, criação de PCHs e expansão de irrigação nas
outras regiões da bacia, pois, não há água suficiente para a demanda
atual do Alto São Francisco.

Complementa explicando aos presentes que o principal problema


entre os reservatórios de Três Marias e Sobradinho é a questão
do processo de assoreamento neste trecho. Informa que tem sido
Indícios de ausência de gestão
242 feito um grande esforço para que o Projeto Jaíba continue sendo HIDROELETRICIDADE Conselheiro
participativa efetiva.
abastecido e cobra uma gestão participativa entre Comitê, Companhia
de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba
(Codevasf) e governos para tratar da questão do desassoreamento.

Esta fala que em 2015 teve ciência de um abaixo assinado com


cinco mil assinaturas questionando a redução de vazão da água da
bacia hidrográfica do Rio Corrente, e atribuindo esta redução às Não participa do
Indícios de gestão das águas
327 grandes captações de água feitas pelo agronegócio na região, com comitê (Ministério NA
prejudicada.
isso denunciaram a existência de um empreendimento na Fazenda Público)
Sudotex, o que tem deixado diversas comunidades tradicionais sem
acesso à água.

Democracia sim. Participação? Talvez


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252
Função no
Linha Pontos fracos na gestão participativa Segmento Ponto-chave
CBHSF

O CBH Corrente deliberou que o Instituto do Meio Ambiente e


Recursos Hídricos (Inema) não poderia emitir novas outorgas sem
antes elaborar o plano de recursos hídricos da bacia, além de rever as
outorgas já concedidas de modo a identificar a compatibilidade com Não participa do
Sinal de descompromisso do
332 o ecossistema e com os outros usos. Tal deliberação não foi acatada comitê (Ministério NA
estado com o CBHSF.
pelo estado da Bahia. O Ministério Público recomendou ao Inema, Público)
para que este acatasse as recomendações do Comitê e fizesse um

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 252


levantamento das outorgas, sendo que o Inema se comprometeu,
mas também não cumpriu.

Outra recomendação do Ministério Público foi expedida para


suspensão de outorgas de algumas fazendas, mas também não
Não participa do
foi acatado. A população se manifestou quebrando tubulações Sinal de descompromisso do
337 comitê (Ministério NA
das fazendas, tocando fogo em trator, dentre outros atos. Foram Estado com o CBHSF.
Público)
chamados de terroristas, e como reação, dez mil pessoas foram para
as ruas em protesto.

Informa que o Ministério Público conseguiu manter uma liminar de


suspensão da outorga da Fazenda Nova até a construção do Plano
de recursos hídricos da Bacia do Rio Corrente. Também houve uma
proposta de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com previsão
Não participa do Indícios de necessidade de
de suspensão de novas outorgas até a elaboração do plano da bacia,
341 comitê (Ministério NA aprimoramento da gestão
apoio ao Comitê da Bacia do rio Corrente, revisão das outorgas com
Público) compartilhada e participativa.
base nas últimas vazões e monitoramento dos rios. Diz que o governo
da Bahia criou um grupo de trabalho para avaliar tais medidas. Informa
que se comprometeu a ser mediadora deste conflito e pede apoio do
CBHSF para participação neste diálogo.

Fonte: elaborado pelos autores com base na ata da XXXIII Plenária Ordinária do CBHSF.

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Na linha 89 da ata, indica-se que foram aprovadas as novas regras de opera-
ção, as quais aconteceram em outra instância e, na linha 223, demonstra-se que
houve aprovação do TAC de Gestão nº 014/ANA/2010 ad referendum devido
à necessidade de agilização de prazos. Esses fatos indicam que não houve dis-
cussão pela plenária.
Na linha 94, podemos verificar uma crítica à baixa frequência de reuniões
do CBHSF, o que enseja questionamentos sobre as características do processo
participativo, tais como: o processo de participação no CBHSF é substantivo?
As diversas vozes são ouvidas e têm poder de decisão? Existem diferenças nas
forças deliberativas dos participantes? As comunidades tradicionais têm força
para decidir de forma equitativa?
É importante lembrar que entre os participantes, conforme o Comitê da Bacia
Hidrográfica do Rio São Francisco (2017), os usuários somam 38,7% do total de
membros, o poder público – federal, estadual e municipal – representa 32,2%,
a sociedade civil detém 25,8% e as comunidades tradicionais 3,3%.
Normalmente, o que pode acontecer nesse processo é uma alocação assimé-
trica de recursos materiais e imateriais entre os atores, o que significa que alguns
são mais fortes e mais centrais do que outros. Entretanto, como a participação
é voluntária e a saída sempre permanece como uma possibilidade, e como os
atores dependem uns dos outros para “fazer as coisas”, ninguém pode coman-
dar ou forçar qualquer outra pessoa da maneira possível dentro de um sistema
de regra hierárquica. (SØRENSEN; TORFING, 2005)
Mais uma vez na linha 119, há uma sinalização de ausência de participação
efetiva dos membros do CBHSF, quando se destaca que foi concluída a elabo-
ração de três planos de bacias. Aparentemente, não se apresenta elemento de
discussão nesse processo. A linha 95 reforça essa ideia quando informa que um
termo de cooperação com a Sudene será assinado, mas não há uma demonstra-
ção de discussão conjunta do Comitê, manifestado no seguinte discurso: “Diz
que em breve será assinado um termo de cooperação com a Sudene para que,
junto ao Comitê, ela possa auxiliar no alcance das metas do Plano de Recursos
Hídricos da Bacia do Rio São Francisco”. CBHSF (2017)
Há também evidência de fraqueza da voz das comunidades e povos tradi-
cionais, quando o Ministério Público da Bahia (MP-BA) – linha 105 – destaca
a importância de se discutir as intervenções que vêm sendo realizadas na ba-
cia, pois, tem-se visto diversos conflitos por água, ocasionando desequilíbrios

Democracia sim. Participação? Talvez 253

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 253 13/05/2021 11:42


ecossistêmicos, nos quais as comunidades e povos tradicionais têm sido os
maiores afetados por tais conflitos, configurando assim um quadro de injusti-
ça ambiental.
Nesse bojo, é importante ressaltar que o discurso do MB-BA anuncia que
há um desequilíbrio de forças, tendo em vista que pode se traduzir numa rela-
ção de domínio de classes, na qual se fundamenta numa superestrutura criada
para enquadrar a estrutura de gestão das águas que não está atendendo às reais
necessidades das comunidades e povos tradicionais.
O MP-BA destaca (linha 110), ainda, que além de se pensar num contexto de
revitalização, é preciso que medidas restritivas sejam adotadas para diminuir
os impactos que diversos empreendimentos estão causando, muitas vezes de
forma autorizada e que cada estado continue firmando o compromisso com
o pacto das águas, fazendo com que o Rio São Francisco receba cada vez mais
uma água de qualidade.
Nessa intervenção do MP-BA, percebe-se que há uma alocação assimétrica
de recursos materiais e imateriais entre os atores, o que significa que alguns são
mais fortes e mais centrais do que outros. Além disso, verifica-se que as nego-
ciações ocorrem num quadro relativamente institucionalizado e os impactos
ocasionados, mesmo que prejudiciais aos povos e comunidades tradicionais,
são aprovados pela estrutura de gestão das águas vigente.
Na linha 327, evidenciam-se bem os impactos prejudiciais de uma gestão
que não se promova efetivamente democrática, ao se afirmar que em 2015 já se
havia ciência de um abaixo assinado com cinco mil assinaturas questionando a
redução de vazão da água da Bacia Hidrográfica do Rio Corrente, e atribuindo
essa redução às grandes captações de água feitas pelo agronegócio na região, com
isso, denunciava-se a existência de um empreendimento na Fazenda Sudotex, o
que tem deixado diversas comunidades tradicionais sem acesso à água.
Nesse sentido, segundo Silva e Silva (2009), a participação não pode ser uma
possibilidade aberta apenas a alguns privilegiados, deve ser uma oportunidade
efetiva, acessível a todas as pessoas, assumindo inclusive formas diversas como a
participação na vida da família, da rua, do bairro, da cidade, do país, da empresa,
da escola, da universidade, das associações civis, culturais, políticas e econômicas.
Nesse caminho, ao se pensar a gestão das águas e as deliberações no CBHSF,
vale lembrar que as decisões são tomadas dentro de uma regulação estabeleci-
da por uma superestrutura que é a representação de um projeto político cujas

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fundamentações não se traduzem numa igualdade material da sociedade bra-
sileira, tendo em vista que as discrepâncias sociais no país são muito grandes,
impedindo uma participação efetiva, o que se reflete no entorno da Bacia
Hidrográfica do Rio São Francisco.
Caubet (2004, p. 118) pondera que, “se os representantes de uma minoria
estão presentes nas deliberações, isso não significa que eles participam. Eles po-
dem estar perdendo todas as votações, democraticamente”. Estão condenados
a coonestar sempre as decisões tomadas pelas pessoas majoritárias no recinto.
Na linha 112, identificamos que o MP-BA chama atenção do estado que con-
tinue firmando o compromisso com o pacto das águas, fazendo com que o Rio
São Francisco receba cada vez mais uma água de qualidade. Isso depois de in-
formar sobre os impactos prejudiciais causados, muitas vezes de forma autori-
zada. Aqui se elabora alguns vestígios de que o estado precisa se comprometer
com o processo de gestão das águas.
Na linha 123, vemos de forma mais elucidativa que o estado precisa estar
presente efetivamente no CBHSF, quando um conselheiro do CBHSF precisa se
ausentar para um outro compromisso, colocando-se à disposição do Comitê para
qualquer parceria necessária, quando deveria estar presente nas discussões para
deliberações do CBHSF, caracterizando assim uma participação mais efetiva.
Reforça-se essa realidade na linha 127, no momento que o representante
dum ente governamental afirma que é necessária uma maior participação do
Executivo nas reuniões do CBHSF para que se consiga efetivar realmente o que
está sendo proposto.
Na estrutura desenhada para o CBHSF, indica-se que há um processo de gestão
democrática das águas pelos usuários das águas, sociedade civil, comunidades
tradicionais e entes estatais. Entretanto, isso só se concretiza com a participação
efetiva dos atores envolvidos e da comunidade afetada pela Bacia do Rio São
Francisco, a fim de que o processo promova o desenvolvimento efetivo das po-
pulações que necessitam de suas águas para produção de vida e prosperidade.
Nas linhas 332 e 337, novamente, o MP-BA se pronuncia e manifesta mais
alguns sinais de descompromissos do Estado com o CBHSF, informando que
o CBH Corrente (linha 332) deliberou que o Inema não poderia emitir novas
outorgas sem antes elaborar o plano de recursos hídricos da bacia, além de re-
ver as outorgas já concedidas de modo a identificar a compatibilidade com o
ecossistema e com os outros usos. Tal deliberação não foi acatada pelo estado

Democracia sim. Participação? Talvez 255

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 255 13/05/2021 11:42


da Bahia. O MP recomendou ao Inema, para que este aceitasse as recomenda-
ções do Comitê e fizesse um levantamento das outorgas, sendo que o Inema se
comprometeu, mas também não cumpriu.
Na linha 337, observamos que outra recomendação do MP foi expedida
para suspensão de outorgas de algumas fazendas, mas também não foi acata-
da. Como resultado, o MP-BA informou que a população se manifestou que-
brando tubulações das fazendas, tocando fogo em trator, dentre outros atos.
Foram chamados de terroristas, e como reação, dez mil pessoas foram para as
ruas em protesto.
Percebe-se que esse desfecho demonstra que a gestão participativa não vem
atendendo aos anseios da sociedade. Podemos verificar alguns sinais de deficiên-
cias no processo democrático de gestão. Assim, é possível que isso esteja trazendo
resultados desfavoráveis para o desenvolvimento da Bacia do Rio São Francisco.
Ao observar a linha 341, verificamos que o Ministério Público conseguiu
manter uma liminar de suspensão da outorga da Fazenda Nova até a construção
do Plano de recursos hídricos da Bacia do Rio Corrente. Também houve uma
proposta de TAC com previsão de suspensão de novas outorgas até a elabora-
ção do plano da bacia, apoio ao Comitê da Bacia do Rio Corrente, revisão das
outorgas com base nas últimas vazões e monitoramento dos rios. Diz que o go-
verno da Bahia criou um grupo de trabalho para avaliar tais medidas. Informa
que se comprometeu a ser mediadora desse conflito e pede apoio do CBHSF
para participação neste diálogo.
É provável que o diálogo dentro do CBHSF não esteja acontecendo a conten-
to para a bacia, tendo em vista que medidas jurídicas tenham sido necessárias
para ajustamento dos problemas relatados pelo MP-BA. Essas são evidências da
necessidade de aprimoramento da gestão compartilhada e participativa.
No entendimento que o processo de participação democrática envolve di-
fusão do conhecimento, verifica-se uma falha neste sentido, ao se ressaltar que
o CBH Velhas (linha 165) é o comitê afluente mais avançado na gestão de re-
cursos hídricos, que mesmo já tendo sido reiterado o interesse do CBHSF em
estreitar as relações com o CBH Velhas, mesmo porque ambos são geridos pela
mesma entidade delegatária, até então nunca fizeram uma reunião conjunta
ou dialogaram entre si.
Na linha 169, ressalta que os recursos não são propriedade do Estado e nem dos
tesouros estaduais e que, após o pagamento pelos usuários de água, os recursos

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 256 13/05/2021 11:42


devem voltar para a bacia o mais rápido possível. Assim, observa-se que uma
centralização na gestão dos recursos financeiros da bacia, o que pode prejudi-
car a gestão democrática das águas da Bacia do Rio São Francisco, retirando a
independência e autonomia necessárias para aplicação do seu desenvolvimento.
O processo de gestão democrático se propõe a trazer resultados benéficos
para toda rede social envolvida na Bacia do Rio São Francisco, quando a intera-
ção não acontece a contento, é notório que problemas passam a emergir e cha-
mar a atenção. Assim, podemos asseverar isso com o alerta da linha 232 para
situação na qual se encontra o Rio São Francisco na região do Alto, sobretudo
em Pirapora (MG), onde o rio vem apresentando níveis críticos ano após ano.
Alerta também para a redução da vazão entre os reservatórios de Três Marias e
Sobradinho, o que tem ocasionado impactos ambientais, sociais e econômicos
para os municípios, para a população e para a cadeia produtiva.
Na sequência, o conselheiro informa sobre a necessidade de se reverter a
situação dos cursos d’água que antigamente se encontravam perenes e hoje em
dia se apresentam intermitentes, por meio da continuidade dos projetos que
receberam investimentos na região do Alto. Além de finalizar, criticando as
propostas de expansão de perímetros irrigados, criação de PCHs e expansão
de irrigação nas outras regiões da bacia, pois, não há água suficiente para a de-
manda atual do Alto São Francisco.
Na linha 242, as evidências corroboram com a ideia de ausência de uma
gestão participativa efetiva, pois o conselheiro informa que tem sido feito um
grande esforço para que o Projeto Jaíba continue sendo abastecido e cobra uma
gestão participativa entre Comitê, Codevasf e governos para tratar da questão
do desassoreamento. Depois de explicar que o problema entre os reservatórios
de Três Marias e Sobradinho é a questão do processo de assoreamento num de-
terminado trecho do Rio São Francisco.
Como nos ensina Chauí (1997), a democracia modelada sobre o mercado e
sobre a desigualdade socioeconômica é uma farsa bem-sucedida, visto que os
mecanismos por ela acionados destinam-se apenas a conservar a impossibilida-
de da democracia. Assim, podemos entender tantas dificuldades no processo
participativo em determinadas instituições.
Nesse sentido, é possível notar que a rede de governança do CBHSF convive
num ambiente complexo, onde as forças materiais dos participantes não po-
dem ser esquecidas, requerendo garantias, a fim de que o processo democrático

Democracia sim. Participação? Talvez 257

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 257 13/05/2021 11:42


aconteça efetivamente. Nesse sentido, segundo Dagnino (2002), nos anos 1990,
houve uma aposta de ação conjunta entre sociedade civil e estado para aprofun-
dar o conceito de democracia em um contexto em que o princípio da participa-
ção da sociedade se tornou central como característica distinta de um projeto
político contra-hegemônico. Isso porque, o sentido e significado da participação
na gestão pública dependem da natureza do projeto político na qual se encontra
inserida. Entendemos aqui por projeto político, de acordo com a formulação
gramsciana, o conjunto de crenças, interesses, concepções de mundo e represen-
tações que orientam a ação política dos indivíduos e grupos ou classes sociais.
A participação em todos os níveis, sem exclusão prévia de nenhum grupo
social, sem limitações que restrinjam o direito e o dever de cada pessoa tomar
parte e se responsabilizar pelo que acontece no planeta é condição essencial
para o alcance de um desenvolvimento legítimo, ou seja, pautado em valores,
crenças e culturas, prescindindo o conceito exclusivo de “econômico”.

CONCLUSÃO
Preliminarmente, para obtenção de dados, partimos para a pesquisa documen-
tal e bibliográfica: a pesquisa documental visou atender às questões de ordem
genérica e delimitação do campo de pesquisa, tais como: uma caracterização
das condições socioeconômicas e ambientais da bacia, como o Comitê se estru-
tura, quais os participantes do processo de execução e tomada de decisão no
âmbito do Comitê etc. Já a pesquisa bibliográfica teve como objetivo atualizar
os conhecimentos pertinentes ao objeto da pesquisa através da revisão biblio-
gráfica acerca do estado da arte. A qualificação do referido processo de partici-
pação implicou em situá-lo no contexto político regional e nacional e no âmbito
dos distintos paradigmas que configuram a relação complexa que existe entre
participação e democratização no atual contexto da problemática das águas
no Brasil, a fim de entender a complexidade das relações entre agentes como o
Estado, sociedade e natureza no atual contexto de globalização.
De acordo com Dagnino (2004), hoje, no Brasil, há uma confluência perversa
entre um projeto político democratizante, participativo, e o projeto neoliberal,
que marcaria atualmente o cenário da luta pelo aprofundamento da demo-
cracia na sociedade brasileira. E mais, segundo ela, o processo de construção

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 258 13/05/2021 11:42


democrática que ora vivenciamos é um dilema cujas raízes estão na existência
dessa confluência perversa entre esses dois processos políticos distintos. Para
Dagnino (2002, p. 289), “essa confluência perversa faz com que a participação
da sociedade civil se dê hoje em um terreno minado, onde o que está em jogo
é o avanço ou o recuo de cada um desses projetos”.
Conforme destacamos em nosso referencial teórico, a bandeira levantada
pelos projetos políticos de cunho democratizante tem como pré-requisito uma
participação de qualidade diferente, que a participação não é um fim em si
mesmo, que ela é estratégica na construção de uma democracia efetiva. Desse
modo, o convite à participação feito pelo Estado – neoliberal e burocrático – à
sociedade civil e aos usuários tem um significado instrumental, contribuindo
assim para a construção de um arremedo de democracia.
Dessa forma, ao analisar a ata da XXXIII Plenária Ordinária do CBHSF, iden-
tificamos diversos indícios de fraqueza na substancialidade da participação dos
atores envolvidos, tais como: aprovações ad referendum do plenário e em outras
instâncias trazidas para plenária apenas para informação; baixa frequência dos
participantes; sinalizações de fraqueza da voz das comunidades e povos tradicio-
nais; de pouco compromisso do Estado com o CBHSF; dificuldades na difusão do
conhecimento; centralização de recursos prejudicando a autonomia do Comitê.
As discussões entre os atores envolvidos para as aprovações em reuniões
plenárias democráticas são essenciais numa rede de governança democrática,
a fim de que o objetivo da gestão não seja prejudicado. Conforme alguns dis-
cursos da ata sob estudo, percebemos situações contraproducentes à Bacia do
Rio São Francisco, indicando a necessidade de aprimoramento da gestão com-
partilhada e participativa.

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Democracia sim. Participação? Talvez 259

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 259 13/05/2021 11:42


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regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei
nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro
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III PARTE

TECNOLOGIAS SOCIAIS
E INOVAÇÃO

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CAPÍTULO 17

TECNOLOGIAS SOCIAIS PREMIADAS


PELA FUNDAÇÃO DO BANCO DO BRASIL:
uma abordagem com redes complexas

AELSON SILVA DE ALMEIDA


NILVO LUIZ CASSOL
PATRÍCIA SOUZA LEAL PINHEIRO

INTRODUÇÃO
A tecnologia possui termo amplo, sendo associada aos processos e às ferramen-
tas mais recentes do mercado. A tecnologia é aliada na transformação da socie-
dade quando é empregada para este fim e a Tecnologia Social (TS) descreve as
experiências tecnológicas realizadas em interação com a comunidade e que
buscam soluções para os problemas sociais, bem como o desenvolvimento e a
inclusão social.
A TS é um tema recente no Brasil, ganhou notoriedade na primeira déca-
da deste século, no qual o diálogo entre os saberes populares e acadêmicos se
tornam imprescindíveis, pois o conhecimento existente precisa ser valoriza-
do e reconhecido. O debate sobre TS ressalta a área do fazer e a atuação das

265

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 265 13/05/2021 11:42


instituições aproximando os problemas sociais por meio da construção de so-
luções. Compreende-se tecnologia social como “um conjunto de técnicas, me-
todologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a
população e apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social
e melhoria nas condições de vida”. (INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL
2010, p. 13)
O conceito remete, primeiramente, ao entendimento da tecnologia como
não restrita apenas ao conjunto dos artefatos tecnológicos, mas inclui também
as metodologias e as técnicas, prima pelo envolvimento da população na cons-
trução ou na adaptação da tecnologia e estabelece o critério da apropriação, que
significa tomar para si, apoderando-se e replicando a realidade a ser transfor-
mada. Por último, objetiva a mudança social e a melhoria da vida das pessoas.
Promove educação, cidadania, inclusão, acessibilidade, participação e cultura.
A TS precisa também ser entendida em seu contexto e não isoladamente, ser
produzida na interação e com a participação dos interessados, além da acessibi-
lidade econômica. Refletindo, dessa forma, aspectos estruturais, conjunturais,
metodológicos e cognitivos. Entretanto, o que se percebe, quando da divulgação
de uma tecnologia como TS, é uma certa confusão no que se refere aos requisitos
necessários para ser considerada como tal. Isso quer dizer que não existe exata-
mente um consenso entre as instituições que financiam, estudam, promovem
ou se beneficiam das TS. Pode se apontar como exemplo de instituições o poder
público, a academia, as Organizações Não Governamentais (ONGs), iniciativa
privada e organizações da sociedade civil. (DAGNINO, 2010)
A Fundação Banco do Brasil (FBB), vinculada a uma instituição do Estado,
a partir de 2001, iniciou um processo de sistematização dessas tecnologias e
experiências de TS dispersas em todo o Brasil. Para tanto, em sua página na in-
ternet, destinou formulário específico para que as diversas iniciativas fossem
sistematizadas, compondo o que foi denominado de Banco de Tecnologias
Sociais da FBB. Além disso, instituiu um prêmio, objetivando a valorização e
difusão dessas iniciativas.
Concomitantemente, o Instituto de Tecnologia Social (ITS), uma ONG que
estabeleceu um marco referencial para o que se convencionou chamar TS, defi-
niu um conjunto de características, requisitos necessários para a tecnologia ser
considerada como uma TS.

266 Aelson Silva de Almeida | Nilvo Luiz Cassol | Patrícia Souza Leal Pinheiro

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Procuramos investigar se existe uma relação direta entre a premiação de
uma tecnologia e as características de uma TS “ideal”. Buscou-se responder tam-
bém às questões: existe uma relação direta entre a premiação da TS pela FBB e
as características estabelecidas pelo ITS? Qual a característica da TS que se des-
tacou? E quais as TS premiadas pela FBB que reúnem a maior quantidade de
características de uma TS “ideal”?
Este trabalho teve por objetivo aferir se as tecnologias contempladas pela
FBB nos anos de 2001 a 2015, como TS, privilegiaram as principais caracterís-
ticas consideradas requisitos primordiais de uma TS. Mais especificamente,
objetivou-se identificar a principal característica considerada no ato da avalia-
ção da FBB referente à TS e verificar quais as tecnologias que reúnem o número
máximo dessas características.
Diante do exposto, justifica-se pertinente perceber como as instituições
identificam as tecnologias e a valorização ou não de suas características cons-
titutivas, especialmente visando à uniformização de critérios de seleção para
apoio com recursos públicos.

METODOLOGIA
As redes complexas podem abranger diversas áreas do conhecimento, utiliza-se
na matemática, biologia, economia, sociologia, entre outras, refere-se, portanto,
à estrutura topográfica composta por um conjunto de vértices (nós) que se in-
terligam por meio de arestas. Redes complexas refere-se a um grafo que exibe
uma estrutura topográfica não trivial, formado por um conjunto de vértices (nós)
que se interligam por meio de arestas. (BARABÁSI, 2003) Usa-se o grafo para es-
tudar as relações entre grupos, instituições, entre outros, no qual esses diversos
aspectos do mundo real podem ser representados por meio de redes complexas.
Os grafos são usados para representar graficamente as interações existentes
de uma rede, podendo ser direcional, quando não recíproca entre os nós, ou
multidirecional quando é recíproca. Para Santos (2011, p. 2), “Grafos costumam
ser representados visualmente da seguinte forma: cada vértice é indicado por
um ponto e cada aresta é indicada por uma linha conectando dois pontos”.
Nesse caso, em particular, utilizou-se o método de redes complexas, estas,
com o Grafo Bipartido, pois têm-se dois conjuntos de vértices, em que estes,

Tecnologias sociais premiadas pela Fundação do Banco do Brasil 267

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 267 13/05/2021 11:42


nunca irão ser ligadas ao mesmo conjunto. No primeiro conjunto, foram enu-
meradas as características da TS considerada “ideal”, de acordo com o ITS, e, no
segundo, fez-se o levantamento das 51 tecnologias premiadas desde 2001 até
2015 (Bianual), disponibilizadas em um banco de TS na página oficial da FBB
na internet. Para cada tecnologia escolhida, inseriu-se, a partir do texto sistema-
tizado, as características contidas na referida tecnologia.

RESULTADOS
Considerando as características da TS, por um lado, e as tecnologias premiadas
a cada dois anos pela FBB no período de 2001 a 2015, por outro, e aplicando
a metodologia de rede complexa com grafo bipartido – ou seja, seus vértices
podem ser divididos em dois conjuntos disjuntos U e V, no qual toda aresta
conecta com uma vértice –, pode-se observar, inicialmente, o reconhecimento
das características presentes, em termos quantitativos, nas respectivas tecno-
logias, mas também as tecnologias em relação à quantidade de características
contempladas. No contexto da teoria de redes complexas, ressaltamos que uma
rede corresponde a um grafo, este sendo representado por um conjunto de nós
ligados por arestas, apresentando assim relações.

Figura 1 – Características das TS premiadas pela FBB, 2001 a 2015

Fonte: elaborada pelos autores através do software Gephi.

268 Aelson Silva de Almeida | Nilvo Luiz Cassol | Patrícia Souza Leal Pinheiro

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 268 13/05/2021 11:42


De acordo com a Figura 1, e observando os nós da segunda coluna, correspon-
dentes às características de uma TS “ideal”, percebe-se uma valorização significa-
tiva da característica “Resolução de problemas sociais –TS”, que corresponde a 45
graus de entrada, seguida pelas duas outras, “Ação educativa – TE” e “Participação
da comunidade ou beneficiários – TP”. Inversamente, as menos referenciadas
pelas tecnologias são “Promove o diálogo de saberes – TD”, “Acessibilidade – TC”
e “Inovação – TI”. Medianamente, encontram-se a característica “Preocupação
ambiental – TA”. Chama a atenção o fato de uma tecnologia não se enquadrar
em qualquer das características evidenciadas.
O que se pode dizer sobre a presença ou não das características nas tecnolo-
gias premiadas, de forma conjectural, é que a característica de maior relevância,
“TS”, imprime um apelo, aceito por todos os que, de certa forma, estão envolvi-
dos com algum projeto de TS. Representa, portanto, os hubs da rede complexa.
Ou seja, a resolução de problemas sociais é o ponto de partida para que a TS
seja considerada como tal.
Ressalta-se aqui uma questão instigante. Primeiro que existe, pelo menos,
uma tecnologia premiada como TS, mas que não contempla nenhuma das ca-
racterísticas mencionadas. Talvez isso justifica-se no fato de os critérios para a
premiação não estarem explícitos objetivamente, e sim no âmbito de conheci-
mento e valores dos avaliadores.

CONCLUSÃO
Buscamos neste artigo aprimorar o conceito e as principais características das
TS premiadas pela FBB, no intuito da difusão e valorização dessas iniciativas.
O trabalho objetivou aferir as principais características que foram contem-
pladas pela FBB de 2001 a 2015 quando da premiação. A metodologia utilizada
foi de redes complexas com dois conjuntos de vértices: no primeiro, as caracte-
rísticas ideais; e o segundo, as tecnologias que foram premiadas.
A partir do gráfico podemos perceber valorização significativa da caracterís-
tica Resolução de Problemas Sociais – TS, que corresponde a 45 graus de entrada,
seguida pelas duas outras, Ação Educativa – TE e Participação da Comunidade
ou Beneficiários – TP. É pertinente destacar a ausência de objetividade nas es-
colhas das tecnologias premiadas.

Tecnologias sociais premiadas pela Fundação do Banco do Brasil 269

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 269 13/05/2021 11:42


Observou-se que inexiste uma relação direta entre as características apon-
tadas pelo ITS como requisito para ser considerada uma TS e a premiação pela
FBB. Outro fator é que não há clareza nos critérios de avaliação das tecnologias,
evidenciando assim uma ausência de objetividade e predominância de subjeti-
vidade nas escolhas das tecnologias premiadas.
Contudo, o estudo não evidenciou uma discrepância significativa na pre-
miação das tecnologias, mas demonstrou um certo equilíbrio no atendimento
às características pelas TS correspondentes.
No plano acadêmico, pode se constituir em referência no processo de cons-
trução de conhecimentos no que se refere à TS e rede complexa, evitando redu-
cionismos e polissemias o que pode dificultar o entendimento sobre essas tec-
nologias. Entretanto, chama-se a atenção para a necessidade de complementar
este estudo para aprofundar o entendimento sobre a complexidade, o que não se
conseguiu preliminarmente. Sugere-se, dessa forma, a construção complementar
de uma rede semântica dos títulos das tecnologias e verificar as interseções entre
as tecnologias em relação ao atendimento das características requisitos da TS.

REFERÊNCIAS
BARABÁSI, A. L. Linked: how everything is connected to everything else and what
it means for business, science and everyday life. London: Plume, 2003.
DAGNINO, R. (org.). Tecnologia social: ferramenta para construir outra sociedade. 2.
ed. Campinas: Komedi, 2010.
INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL. Para entender a tecnologia social: uma
viagem pelo Brasil. São Paulo: ITS, 2010.
SANTOS, L. B. L. Introdução as redes complexas. COS, Rio de Janeiro, p. 303-358,
2011.

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CAPÍTULO 18

CONTRIBUIÇÃO DAS PANCs


NA SEGURANÇA ALIMENTAR:
aspectos nutricionais

CLÍCIA MARIA DE JESUS BENEVIDES


ADILA DE JESUS SILVA SANTOS
LUCIENE SILVA DOS SANTOS LIMA
BRUNA ALMEIDA TRINDADE

INTRODUÇÃO
As hortaliças são plantas alimentícias de grande importância, podendo forne-
cer vitaminas, fibras, carboidratos, minerais, proteínas, assim como compostos
bioativos. (BRASIL, 2010) Nesse sentido, as Plantas Alimentícias Não Convencionais
(PANCs) são plantas que possuem amplo potencial alimentício por serem fontes
de diversos nutrientes. São denominadas PANCs as espécies vegetais presentes
em determinadas localidades ou regiões, mas que aos poucos foram esquecidas
e desvalorizadas devido às mudanças socioculturais com a migração de jovens
do campo para a área urbana, conduzindo à quebra na cadeia de transmissão
de saberes; ao uso exagerado de alimentos industrializados, convergindo para

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 271 13/05/2021 11:42


uma dieta rica em gorduras e açúcares e reduzida em carboidratos complexos
e fibras (DIAS et al., 2005); a urbanização de diversas regiões com redução de
áreas para quintais e hortas caseiras; a prática de cultura extensiva que leva mui-
tas vezes à monocultura, dentre outros.
As PANCs possuem influência na alimentação de populações de determina-
das localidades, sendo cultivadas, principalmente, por agricultores familiares e,
são amplamente utilizadas para compor pratos típicos dessas regiões. (BRASIL,
2010; 2015) Entretanto, muitas dessas plantas, embora disponíveis a baixo custo,
ainda são desconhecidas e subutilizadas por uma parcela significativa da popu-
lação. (KINUPP, 2007; LUIZZA et al., 2013) Esse potencial ainda desconhecido
exige a realização de mais pesquisas, principalmente, com relação ao potencial
alimentício dessas plantas. (BRASIL, 2010)
Devido à importância nutricional das leguminosas, as quais representam
uma das principais fontes de carboidratos complexos, proteína, fibra alimentar,
vitaminas e minerais na dieta, possuindo menor custo, o Programa Mundial de
Alimentos e outras iniciativas sobre segurança alimentar incluem as legumi-
nosas como elementos fundamentais da cesta básica de produtos alimentícios.
(BRASIL, 2014)
Nesse contexto, com a necessidade de conscientizar a sociedade sobre a po-
tencial importância do papel das leguminosas na promoção da saúde, nutrição,
bem como na segurança alimentar e sustentabilidade ambiental, a Organização
das Nações Unidas (ONU), por meio do Decreto nº 68/231, declarou o ano de
2016 como Ano Internacional das Leguminosas, o que serviria de oportunida-
de para o incentivo de melhor utilização das proteínas derivadas das legumi-
nosas, para o fomento à produção mundial, assim como criar mais consciência
pública acerca dos benefícios nutricionais das leguminosas e de promover a
agricultura sustentável.
Algumas leguminosas pouco conhecidas e consumidas como o feijão andu
(Cajanus cajan) também são consideradas PANCs e apresentam propriedades
terapêuticas e valor nutritivo reconhecido. O feijão andu tem sua origem no
continente africano e foi introduzido no Brasil, provavelmente, pela rota dos
escravos, tornando-se largamente distribuído. Essa espécie de feijão apresenta
na sua composição um elevado teor proteico, semelhante a outras legumino-
sas, e sais minerais como cálcio, ferro, magnésio e fósforo. (AZEVEDO et al.,
2007) No Brasil, em especial nas regiões Norte e Nordeste, a espécie tem sido

272 Clícia Maria de J. Benevides | Adila de J. S. Santos | Luciene S. dos Santos Lima | Bruna A. Trindade

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 272 13/05/2021 11:42


cultivada essencialmente para o consumo de grãos, preferencialmente verdes,
como fonte de vitaminas, minerais e proteínas e suas diferentes partes são bas-
tante utilizadas na medicina popular. (FUJITA et al., 2004) Entretanto, poucas
são as localidades que mantêm essa tradição.
As proteínas das leguminosas não são de alto valor biológico, pois não
possuem todos os aminoácidos essenciais. Para suprir a deficiência de alguns
aminoácidos nas leguminosas, há necessidade de complementar a dieta com
cereais, como o arroz e o milho. O hábito brasileiro de consumir a combinação
de feijão com arroz favorece, nutricionalmente, o equilíbrio de aminoácidos.
O tema “dietas crudívoras” vem ganhando adeptos nos últimos anos e sua
dieta é composta, exclusivamente, de alimentos crus, grãos germinados, semen-
tes e frutos secos. (COUCEIRO et al., 2008; GIMENO, 2002)
A germinação de sementes para consumo humano é uma prática milenar
no Oriente e, atualmente, observa-se a expansão do consumo desse tipo de ali-
mento no Ocidente, a exemplo dos grãos do mungo-verde para a produção de
brotos de feijão (moyashi). (VIEIRA; NISHIHARA, 1992) Durante a germinação,
determinadas mudanças podem ocorrer, como o aumento do valor nutricional
e aumento da biodisponibilidade de minerais e vitaminas, redução dos fatores
antinutricionais (inibidores proteolíticos, fitatos, oxalatos, taninos). (BARCELOS;
VILAS BOAS; LIMA, 2002; BAU; VILLAUME; MÉJEAN, 2000; SANGRONIS;
MACHADO, 2007)
De uma maneira geral, essas leguminosas são consumidas cozidas, com
poucas variações de preparo para consumo. Assim, a investigação do processa-
mento de alimentos inovadores à base de leguminosas germinadas associadas
a outros alimentos, como o arroz, por exemplo, poderá complementar o teor
nutricional desses alimentos, agregando valor a essas leguminosas, obtendo-se
alternativas mais saudáveis, estimular a agricultura familiar, gerar emprego e
renda, dentre outros.
Novos produtos alimentícios, à base de leguminosas germinadas, ganharam
repercussão na indústria de alimentos, que além de trazer benefícios nutricio-
nais para os consumidores, podem contribuir para agregar valor a esses grãos e
contribuir com a segurança alimentar.
Com o objetivo de promover a saúde e a alimentação saudável com o uso de
PANCs, este estudo desenvolveu produtos inovadores de panificação à base de
farinha mista (farinha de andu germinado e farinha de arroz); como, também,

Contribuição das PANCs na segurança alimentar 273

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 273 13/05/2021 11:42


avaliou a aceitação sensorial desses produtos, o valor nutricional do feijão andu
antes e após a germinação, e dos produtos elaborados.

METODOLOGIA
As leguminosas foram adquiridas diretamente do produtor da agricultura fa-
miliar no município Sapeaçu (BA). Essas sementes foram encaminhadas para
o Laboratório de Análises Químicas do Departamento de Ciências da Vida
II (DCVII) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) para serem proces-
sadas (higienizadas, germinadas, desidratadas e transformadas em farinha).
A germinação foi realizada de acordo a metodologia de Berni e Canniatti-
Brazaca (2011). Posteriormente, as sementes germinadas foram submetidas
à desidratação na estufa de ar forçado (mod TE-392/2), a 55oC/7h, seguida
da trituração em moinho (mod TE-650) até obtenção de farinha com fina
granulometria.
Os demais ingredientes – farinha de arroz integral, fermento biológico, ovo,
maionese, carne seca, dentre outros – foram adquiridos no mercado de Salvador
(BA). Foi elaborado o pão padrão com farinha de trigo em substituição à Farinha
Mista (FM), assim como o pão com FM sabor alho e carne seca.
Uma vez que a combinação de leguminosas e cereais – feijão e arroz – resulta
numa proteína vegetal mais completa, no que se refere à composição de ami-
noácidos essenciais, foi utilizado a proporção 2:1 de farinha de andu germinado
e farinha de arroz, conforme recomendação do Ministério da Saúde. (BRASIL,
2014) Foram realizados vários testes na elaboração de pães com a FM à base de
farinha de andu germinado e farinha de arroz e o mais aceito entre a equipe foi
o que se acrescentou a carne seca e alho na sua formulação.
Desse modo, os pães foram submetidos à análise sensorial no Laboratório
de Análise Sensorial do DCVII da UNEB, por meio de testes afetivos em que
os provadores não treinados foram recrutados entre estudantes, funcionários
e professores da UNEB. Estes receberam as amostras de cada produto elabora-
do e foram orientados a dar a sua nota de aceitação em relação aos atributos
aparência, cor, aroma, sabor, textura e qualidade global utilizando uma escala
hedônica estruturada de nove pontos. (MEILGAARD; CIVILLE; CARR, 2007)
Para a realização da análise sensorial, esse projeto foi previamente submetido

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 274 13/05/2021 11:42


ao Comitê de Ética, em que foi aprovado sob no de Protocolo de Certificado de
Apresentação de Apreciação Ética (CAAE): 44307415.0.0000.0057.
A composição centesimal – umidade, lipídios totais, fibras totais, proteínas
totais, cinzas e carboidratos totais – foi realizada no feijão andu antes e após a
germinação e no pão que obteve maior nota na avaliação sensorial, em tripli-
cata, no Laboratório de Bromatologia do DCVII da UNEB, segundo as normas
analíticas do Instituto Adolfo Lutz (2005), exceto os carboidratos totais que fo-
ram verificados através de diferença.
Os resultados dos testes sensoriais aplicados e das avaliações químicas foram
submetidos à Análise de Variância (Anova) e ao teste de comparação de média
(teste de Tukey - p<0,05).

RESULTADOS E DISCUSSÕES
A Tabela 1 apresenta a composição centesimal da farinha de trigo e do feijão
andu antes e após a germinação e farinha de trigo.

Tabela 1 – Composição centesimal da farinha de trigo e do


feijão andu antes e após a germinação e (FT) (Base seca)

PROTEÍNAS (%) LIPÍDIOS (%) CINZAS (%) CHO (%) FIBRAS (%)
FT(Taco) 11,26 1,61 0,92 86,32 2,64
AS 24,64a+0,27 0,70a+0,11 4,57ª+0,01 70,09ª+0,24 23,69+0,56
FAG 25,77b+0,83 1,65b+0,29 4,32ª+0,09 68,25b+0,86 28,82+1,20

AS: Andu Semente; FAG: Farinha de Andu Germinado; CHO: Carboidratos; FT (Taco): Farinha de Trigo da
Tabela Brasileira de Composição dos Alimentos.
Fonte: elaborada pelo autores, com dados próprios e da Tabela TACO.

A composição centesimal dos alimentos apresenta os teores dos macronu-


trientes importantes – proteínas, fibras, lipídios, carboidratos e cinzas – para a
alimentação. Conhecer esses aspectos é de grande de interesse para a segurança
alimentar e para a indústria, de forma que esta possa escolher o melhor proces-
samento que promova menor perda nutricional dos alimentos ou melhora do
seu enriquecimento.
Os resultados encontrados na tabela mostraram que houve um aumento sig-
nificativo (p<0,05) nos teores de proteínas, lipídios e fibras e uma redução nos

Contribuição das PANCs na segurança alimentar 275

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 275 13/05/2021 11:42


teores de carboidratos, enquanto que não ocorreu uma variação significativa
(P<0,05) para os teores de cinzas quando se compara o feijão andu semente e
farinha de andu germinado.
Ao comparar os dados da farinha de andu germinado com a farinha de tri-
go branca (TACO), foram observados valores bem superiores (base seca) para
os teores (%) de proteínas, cinzas e fibras. Por outro lado, os valores para car-
boidratos foram inferiores, e os de lipídios, similares. Verificou-se, portanto,
um ganho considerável quanto à qualidade nutricional da farinha de andu
germinado em relação à farinha de trigo branca. Isso sugere que a substituição
parcial ou total da farinha de trigo refinada por farinhas de andu germinado
nas formulações alimentícias irá contribuir para a segurança alimentar, assim
como estimular a agricultura familiar, resgate de hábitos alimentares, emprego
e renda, dentre outros.
Não houve alteração no teor de cinzas (minerais) no feijão andu semente
e após a germinação (farinha). Van Dokkum e demais autores (1982) citam o
aumento do teor de minerais nas leguminosas analisadas após a germinação,
sugerindo-se que a degradação dos fitatos, por exemplo, durante a germinação
aumenta a disponibilidade de minerais como o cobre, ferro, magnésio, manga-
nês e zinco, antes complexados com os fitatos.
A farinha de andu germinado apresentou um teor (%) de proteína de
25,77±0,04. De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 269
de 22 de setembro de 2005, referindo-se às recomendações técnicas de Ingestão
Diária Recomendada (IDR) de proteínas, vitaminas e minerais (BRASIL, 2005),
a estimativa diária da quantidade de proteínas recomendada para crianças de
quatro a seis anos é de 19 g/dia e de 50g/dia para adultos. Isso significa que cada
100g de farinha de andu germinado pode fornecer 46% das necessidades diá-
rias de proteína para adultos e 100% para crianças. Assim, essa farinha tem um
excelente potencial como componente proteico a ser utilizado em formulações
de produtos de panificação como pães e bolos.
Houve diferença significativa entre os teores de lipídios das sementes in
natura e da farinha de andu germinado. Segundo Lorenz (1980), à medida que
o amido do grão vai sendo degradado, durante a germinação, ocorre síntese de
lipídios.

276 Clícia Maria de J. Benevides | Adila de J. S. Santos | Luciene S. dos Santos Lima | Bruna A. Trindade

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 276 13/05/2021 11:42


Foi observada uma redução nos teores de carboidratos totais, quando com-
parado à semente e à farinha do andu germinado. Possivelmente, esses dados
estejam relacionados com a degradação do amido em açúcares, os quais são
utilizados para respiração do grão durante a germinação, bem como na sínte-
se de outras moléculas necessárias ao desenvolvimento da planta. (MOURA
et al., 2011)

A FAG apresentou alto teor de fibras (28,82%), pois de acordo com a


RDC nº54 que dispõe sobre o regulamento técnico sobre informação
nutricional complementar, os alimentos fontes de fibras são aqueles
com pelo menos 3g de fibras em 100g ou 100mL de produto final ou
mesmo, pelo menos 2,5g de fibras por porção do produto. Os alimentos
que apresentam a expressão ‘alto teores’ de fibras no rótulo, por sua
vez, devem apresentar um mínimo de 6g de fibras por 100g ou 100mL
de produto pronto, ou ainda 5g de fibras por porção deste. (AGÊNCIA
NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2012, p. 13)

As características nutricionais do feijão andu, antes e após ser germinado,


demostram o potencial dessa leguminosa como uma PANC que poderá con-
tribuir para a segurança alimentar. O tema da segurança alimentar é rico em
multiplicidades de enfoques, sendo que um deles trata do reconhecimento da
importância das PANCs na alimentação humana.
A falta da cultura da popularização desses conhecimentos, muitas vezes,
regionalizados, dificulta a divulgação do potencial nutricional dessas espécies
que não fazem parte do nosso cotidiano. Relatos de povos tradicionais qui-
lombolas e indígenas, transmitem a importância de que muitos desses vege-
tais, práticos de uso, representam para a sobrevivência dessas comunidades.
Nesse contexto, faz-se necessária uma escuta atenta a essas narrativas, aliada
ao aprofundamento realizado pela ciência. Essas ações são importantíssimas
para o resgate dessas culturas, assim como para a divulgação do uso de PANCs
no hábito alimentar da população, contribuindo, dessa forma, para a seguran-
ça alimentar de um país.
Na Tabela 2, estão apresentados os resultados do teste de aceitação dos pães
à base de farinha de andu germinado e farinha de arroz integral adicionados
de alho e carne seca.

Contribuição das PANCs na segurança alimentar 277

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 277 13/05/2021 11:42


Tabela 2-Teste de aceitação dos pães à base de farinha de andu germinado e farinha de
arroz integral adicionados de alho e carne seca

Amostra Sabor Textura Cor Odor Qualidade Global Índice de Aceitabilidade (%)

Alho 6,81ª 7,17ª 7,08ª 7,14ª 7,14ª 79,33ª


Carne 7,03b 6,97ª 7,07ª 7,29ª 7,11ª 79,00ª
seca
Fonte: elaborada pelos autores.

Para a análise sensorial, foi utilizada a escala hedônica estruturada de nove


pontos, na qual o provador foi orientado a avaliar e dar a sua nota variando de
1 a 9, correspondente a: gostei extremamente (9); gostei muito (8); gostei mo-
deradamente (7); gostei ligeiramente (6); indiferente (5); desgostei ligeiramen-
te (4); desgostei moderadamente (3); desgostei muito (2); e desgostei extrema-
mente (1). (MEILGAARD; CIVILLE; CARR, 2007) Segundo Teixeira Meinert e
Barbetta (1987), para que um produto seja considerado aceito nas suas proprie-
dades sensoriais, é importante que alcance o índice mínimo de aceitabilidade
de 70% da amostra.
Os pães adicionados de alho e carne seca elaborados com FM de feijão andu
germinado e arroz integral não diferiram estatisticamente entre si (p<0,05), po-
rém, nos atributos sabor e odor, em que os valores numéricos foram superiores,
assim como os comentários registrados nas fichas de avaliação, o pão destacado
pelos provadores foi o pão adicionado de carne seca, o qual foi encaminhado
para as análises da composição centesimal (Tabela 3).
O índice de aceitabilidade dos pães não diferiu significativamente (p>0,05),
conforme Tabela 2, sendo considerado satisfatório, uma vez que atingiu o índice
maior que 70%. (TEIXEIRA; MEINERT; BARBETTA, 1987) Breshears e Crowe
(2013) elaboraram pães à base de farinha de araruta e da farinha montina, também
consideradas PANCs, e demonstraram, através de testes sensoriais, que não hou-
ve diferença significativa na aceitação desses produtos e dos produtos controle.
Frota e demais autores (2010) citam que os produtos de panificação utilizan-
do farinha de feijão caupi tiveram aceitação satisfatória, da mesma forma que
os produtos do presente estudo.
O consumo das PANCs pode ser uma estratégia para manter a diversifica-
ção alimentar. Se realizada de maneira sustentável, pode ser considerada uma
forma de utilização com baixo impacto na agrobiodiversidade, associada à

278 Clícia Maria de J. Benevides | Adila de J. S. Santos | Luciene S. dos Santos Lima | Bruna A. Trindade

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 278 13/05/2021 11:42


conservação ambiental. (KINUPP; BARROS, 2007) A conservação da diversi-
dade de espécies vegetais alimentícias é peça-chave para o abastecimento de
alimentos, especialmente para populações de baixa renda. Ainda, o cultivo
dessas espécies pode maximizar a produção de alimentos em quantidade e
em qualidade, pelo seu grau de adaptação a ambientes diversos e rusticidade.
(PRESCOTT-ALLEN, 2001)
Na Tabela 3, está apresentada a composição centesimal do pão de carne seca
elaborado com farinha mista (farinha de andu germinado e farinha de arroz).

Tabela 3 – Composição centesimal do pão de carne seca elaborado


com farinha de andu germinado e farinha de arroz (base úmida)

Amostra Umidade (%) Proteínas (%) Lipídios(%) Cinzas (%) CHO (%) Fibras (%)

Pão Padrão 40,87ª±0,82 8,30a±0,59 9,60a±1,07 1,94a±0,04 36,03a±1,27 3,96±0,41

Pão FM 46,50b±0,30 8,76b±0,23 12,44b±1,10 2,67b±0,02 6,13a±1,16 5,95±1,35


Fonte: elaborada pelos autores.

Com relação aos teores de proteínas, o pão elaborado com FM apresentou


teores superiores (p<0,05) quando comparado ao pão padrão. Salienta-se que
o pão elaborado à base da FM apresenta uma proteína de melhor qualidade,
uma vez que a combinação de farinha de andu germinado e farinha de arroz
completa a deficiência de aminoácidos essenciais presentes nesses dois tipos
de farinhas. (CARVALHO et al., 2013) O pão elaborado à base de FM apresentou
teor (%) médio de proteína de 8,76±0,23. De acordo com a Resolução RDC nº
269, de 22 de setembro de 2005, a estimativa diária da quantidade de proteínas
recomendada para crianças de quatro a seis anos é 19 g/dia e 50g dia para adul-
tos. Isso significa que cada 100 g de pão elaborado à base de FM podem fornecer
46,10% das necessidades diárias de proteína para as crianças e 17,52% para os
adultos. Desse modo, considera-se que esses produtos possuem um potencial
como componente proteico na dieta de crianças e adultos.
Ahmed e Campbell (2012) elaboraram pães enriquecendo a farinha de tri-
go com farinha de feijão caupi e os teores de proteínas variaram de 6,1 a 9,9%.
Ramezani Movahhed e Rajaei (2013) e Okoye e Obi (2017) citam que a utiliza-
ção da farinha de leguminosas em preparações alimentícias tende a aumentar
o teor proteico do produto.

Contribuição das PANCs na segurança alimentar 279

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 279 13/05/2021 11:42


O teor de lipídios totais do pão com FM foi maior (p<0,05) quando com-
parado com o pão padrão (Tabela 3). Possivelmente, os teores de lipídios da fa-
rinha de andu germinado (Tabela 2) tenham contribuído para esse aumento.
Frota e demais autores (2010) citam que os lipídios presentes nas leguminosas
possuem maior quantidade de ácidos graxos insaturados, os quais são benéfi-
cos para a saúde humana.
Comparando os teores de cinzas (minerais) entre os dois pães, observou-se
que os pães à base de FM apresentam uma quantidade maior de minerais. Pereira
e demais autores (2013) também encontraram, em pão elaborados com farinha
de leguminosa, valores de minerais superiores ao produto controle.
Os pães à base de FM podem ser considerados alimentos fonte de fibras
(5,95%), visto que a RDC nº 54, de 12 de novembro de 2012, cita que os alimen-
tos fontes de fibras são aqueles que possuem pelo menos 3 gramas de fibras em
100 gramas ou 100 mililitros de produto final e ou pelo menos 2,5g destas por
porção do produto. Os alimentos que apresentam a expressão “alto teor” de fi-
bras no rótulo, por sua vez, devem apresentar um mínimo de 6 gramas destas
por 100 gramas ou 100 mililitros de produto pronto ou 5 gramas de fibras por
porção deste. (AGÊNCI NACIONAL DE VILGILÂNCIA SANITÁRIA, 2012)
O aumento de opções na diversificação alimentar, principalmente fazen-
do uso de PANCs, como algumas variedades de feijões, possibilita a criação de
variados cardápios, favorecendo a segurança nutricional, além de representar
grande potencial econômico para empreendimentos na agricultura familiar
gerando emprego e renda.

CONCLUSÃO
Conclui-se que PANCs, a exemplo do feijão andu, podem ser transformadas em
outros subprodutos como as farinhas e serem utilizadas na elaboração de di-
versos produtos alimentícios. A diversificação das opções de uso de PANCs em
produtos de boa aceitabilidade e valor nutritivo contribuirá para a segurança
alimentar da população, além de resgatar a cultura e identidade das comunida-
des de agricultura familiar, gerando emprego e renda. Os pães elaborados nesta
pesquisa com FM – farinha de feijão andu germinado e farinha de arroz – apre-
sentaram boa aceitabilidade sensorial (superior a 70%) por parte dos provadores,

280 Clícia Maria de J. Benevides | Adila de J. S. Santos | Luciene S. dos Santos Lima | Bruna A. Trindade

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 280 13/05/2021 11:42


além de demonstrar melhor valor nutricional que os produtos elaborados com
farinha de trigo (padrão).

REFERÊNCIAS
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Contribuição das PANCs na segurança alimentar 283

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 283 13/05/2021 11:42


Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 284 13/05/2021 11:42
CAPÍTULO 19

TECNOLOGIA SOCIAL PARA O


DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA
URBANA E PERIURBANA: linhas gerais
para elaboração de uma proposta

AELSON SILVA DE ALMEIDA


ANTONIO CARLOS DOS SANTOS SOUZA
VÍVIAN LIBÓRIO DE ALMEIDA

INTRODUÇÃO
Uma prática comum nos perímetros urbanos e periurbanos é o cultivo de horta-
liças, plantas medicinais ou fruteiras, no chão ou suspenso, e, em alguns casos,
criação de animais de pequeno porte para produção. Parte significativa da po-
pulação residente nas cidades aproveitam pequenas áreas de quintais e terrenos
baldios para o desenvolvimento de atividades agrícolas, contudo, os municípios
ainda não têm efetiva noção do tamanho e importância do que existe. Em sua
grande maioria, também não promovem ações no sentido de potencializar essas
iniciativas, tampouco proporcionar o surgimento de novas práticas.

285

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 285 13/05/2021 11:42


Entretanto, não se pode deixar de observar e constatar a existência de inicia-
tivas locais, predominantemente de governos municipais em apoiar programas
e projetos de incentivo à Agricultura Urbana e Periurbana (AUP) como uma das
alternativas para incentivar e fortalecer os sistemas locais de segurança alimen-
tar e nutricional, a exemplo do Projeto de Hortas Comunitárias Urbanas de Sete
Lagoas, em Minas Gerais (EMATER, 2003) e do Projeto Quintal Vivo da Prefeitura
de Belém do Pará. (MODESTO JÚNIOR; SILVA; ANDRADE, 2016) Esses siste-
mas locais são constituídos por organizações do poder público, instaladas nos
municípios, responsáveis por promover o acesso das pessoas em situação de
vulnerabilidade à alimentação adequada, e possibilitar a Segurança Alimentar
e Nutricional (SAN) dessas populações em situação de vulnerabilidade.
Não se pode deixar de levar em consideração, sobremaneira, para esses
sistemas, a existência dos fluxos e percursos dos alimentos. Quais os cami-
nhos percorridos, desde a produção, passando pela comercialização con-
sumo e, finalizando no pós-consumo, ou seja, na destinação dos resíduos e
seu reaproveitamento. Requer, da mesma forma, estar atento ao acesso, mas
também aos fatores que limitam esse acesso. (OBSERVATÓRIO LITORAL
SUSTENTÁVEL, 2016)
O que se observa, em termos de resultados, é que a AUP difundida nos mu-
nicípios brasileiros confirmam a tese de que ações coordenadas dessa natureza
têm contribuído prioritariamente para o autoconsumo de alimentos mais sau-
dáveis em quantidade e qualidade, o que melhora a alimentação da popula-
ção e, consequentemente, contribui para a promoção da SAN. Ademais, a AUP
possibilita o aproveitamento mais adequado dos espaços ociosos e promovem
geração de trabalho e renda, melhora a paisagem da cidade, protege o meio
ambiente e tantos outros benefícios observados em pesquisas sobre o assunto.
O tipo de agricultura praticada nas cidades varia conforme a disponibilidade
de terrenos (área), propósito da atividade, espécies cultivadas ou criação de pe-
quenos animais. Independentemente do tipo de terreno ou de espécies cultiva-
das, há uma necessidade imperiosa de que as escolhas tecnológicas obedeçam a
critérios compatíveis com o contexto das cidades (WANDSCHEER; MEDEIROS,
2012), mas também levem em consideração as demandas específicas dos “novos”
agricultores familiares e o apelo da sustentabilidade.
A tecnologia, dessa forma requerida, para a devida contribuição social, eco-
nômica e ambiental da AUP, é a tecnologia social, vista como alternativa para a

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 286 13/05/2021 11:42


inclusão e inserção de populações em situação de vulnerabilidade ocasionada
pela pobreza. Essas tecnologias são oriundas das experiências dos sujeitos envol-
vidos ou disponibilizadas externamente com as devidas adaptações. De acordo
com o Instituto de Tecnologia Social (ITS) (2004), o fundamental é que sejam
apropriadas pela população e que, verdadeiramente provoque as transforma-
ções requeridas pelas comunidades, especialmente na resolução dos problemas
sociais, no caso em particular, que promova a segurança alimentar, a geração
de ocupação e renda.
Portanto, as propostas de incentivo e organização da AUP nos municípios
precisam garantir aos familiares, tecnologias sociais para o aproveitamento ade-
quado do espaço, desenvolvimento das potencialidades locais, aproveitamento
de insumos orgânicos, proteção ao meio ambiente e promoção da segurança
alimentar e nutricional.
Cabe ressaltar que parte significativa dos municípios brasileiros ainda não se
deu conta do potencial que existe no desenvolvimento da AUP e na organização
dos Sistemas Locais de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Objetivando
fornecer elementos teóricos e um percurso metodológico para as instituições
públicas nos municípios, este capítulo apresenta, em linhas gerais, um conjun-
to de referências para a elaboração e implantação de projetos para aumentar a
oferta e melhorar a qualidade dos alimentos de famílias vulnerabilizadas pela
pobreza nos municípios, por meio da utilização de tecnologia social para a im-
plantação de cultivos e/ou criação de pequenos animais em espaços urbanos e
periurbanos, visando à promoção da segurança alimentar e nutricional e à ge-
ração de ocupação e renda.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA
O modelo de desenvolvimento urbano-industrial implantado no Brasil, so-
bretudo a partir dos anos 1960, provocou mudanças estruturais no campo e
na cidade. No campo, sob o padrão tecnológico modernizante da revolução
verde e consolidação do capitalismo, ocorreu a expulsão de um contingente
nunca antes visto de camponeses e trabalhadores rurais. Essa população de
excluídos concentrou-se, então, nos grandes centros urbanos, mas também
nas pequenas cidades nas imediações das propriedades rurais.

Tecnologia social para o desenvolvimento da agricultura urbana e periurbana 287

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 287 13/05/2021 11:42


É do conhecimento comum os problemas urbanos ocasionados pelo incha-
mento das cidades, constituídas sem planejamento e preparação para receber
tamanho público. Falta de ocupação, escassez de renda e insegurança alimen-
tar são algumas das consequências de um modelo perverso e excludente que
assolaram e assolam, até o presente, significativa parte da população residente
nessas cidades. A AUP surge como uma alternativa viável para o incremento
de alimentos em quantidade e qualidade dessas famílias, mas também como
alternativa, muitas vezes, de garantir trabalho e renda. Dados da Organização
das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) revelam que 15%
da produção mundial de alimentos advêm desse segmento produtivo. Em al-
guns países, a exemplo de Cuba, a agricultura praticada nas cidades foi adotada
desde muito tempo como política pública. (CASTELLÓN, 2016)
A segunda Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional,
em 2004, segundo o Observatório Litoral Sustentável (2016, p. 3), estabelece o
conceito de SAN como:

O direito ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em


quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades
essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde,
que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e
ambientalmente sustentáveis.

O que se observa, portanto, é que não basta produzir, mas garantir o acesso das
pessoas ao alimento, primando pela qualidade nutricional. Ademais, o conceito
leva em consideração dimensões que requerem escolhas tecnológicas compatí-
veis com esses requisitos necessários para a promoção da SAN. Diferentemente
do padrão tecnológico da revolução verde, as opções tecnológicas devem primar
pela referência à agroecologia enquanto base científica para a prática agrícola.
A agroecologia, conforme Altiere (2012), leva em consideração os elementos
físicos, químicos e biológicos, mas não perde de vista as dimensões antropoló-
gicas, sociológicas, econômicas, ambientais e políticas da agricultura. Seja no
campo ou na cidade, a agricultura deve preservar a vida e garantir o equilíbrio
dinâmico e a sustentabilidade dos sistemas.
Ademais, significa construir soluções tecnológicas de dentro para fora.
(HERRERA, 2010) Isso não anula as possibilidades de trazer algo novo, mas que
seja adaptado às condições locais. Na verdade, reforça a tese de que as soluções

288 Aelson Silva de Almeida | Antonio Carlos dos Santos Souza | Vívian Libório de Almeida

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 288 13/05/2021 11:42


tecnológicas devem se dispor dos recursos locais com materialização dos be-
nefícios para os sujeitos em questão. Essa tecnologia, portanto, é a tecnologia
social, que se contrapõe à tecnologia convencional e aponta para soluções dos
vários problemas sociais sem perder de vista aspectos essenciais da vida huma-
na, do trabalho solidário, da inclusão social e de proteção ao meio ambiente.
(DAGNINO, 2010)
A proposta de incentivar a implantação da prática da agricultura urbana e
periurbana com a utilização de tecnologia social, para além da promoção da SAN,
deve contribuir para a promoção do protagonismo das pessoas envolvidas. Como
ressalta Feenberg (2010), a tecnologia não é apenas uma ferramenta, ela molda
estilos de vida e suas escolhas devem ter controles mais democráticos. Isso quer
dizer que quaisquer ações desenvolvidas precisam, necessariamente, valorizar
a participação dos sujeitos em questão. (THIOLLENT, 1998) Considerando esse
princípio metodológico, alguns requisitos são indispensáveis para o desenvol-
vimento do trabalho coletivo.
Primeiro, que a equipe responsável pela elaboração e execução do projeto ne-
cessita ser multidisciplinar, considerando a complexidade da atividade. As ações
coordenadas construirão junto com as famílias selecionadas um conjunto de ativi-
dades visando à melhoria da qualidade alimentar e à geração de trabalho e renda.
Segundo Carneiro e Maluf (2003), a preservação e legitimação das identida-
des sociais estimulam a promoção da integração social e o melhoramento das
condições de vida nas comunidades. Assim, na identificação e sensibilização
dos participantes, deve-se considerar a proximidade geográfica dos envolvidos
ou das categorias sociais, quando for o caso. Pois compreende-se que o proces-
so de tomada de decisão, quando possuir uma base na coletividade, deve ser
resultado de acordos em reuniões específicas.
Os espaços de encontro e discussões devem ter um caráter formativo, no
qual os participantes serão incentivados a expressar suas possíveis contribui-
ções, assim como os aspectos desafiadores. Essa ação coletiva, partindo da prá-
tica cotidiana, possibilita a identificação, a compreensão e o desvelamento de
situações que podem se apresentar enquanto temas, para a construção de um
saber com diversos olhares oriundos das várias dimensões do conhecimento,
desdobrando-se num referencial teórico-prático-teórico que provoque a elabo-
ração e a reelaboração de conceitos significativos para o grupo.

Tecnologia social para o desenvolvimento da agricultura urbana e periurbana 289

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 289 13/05/2021 11:42


Os processos formativos se concretizarão através das atividades de ensino
e aprendizagem, sedimentadas em práticas de pesquisa, nas vivências e nos
conhecimentos culturalmente elaborados pela humanidade, de maneira que
estas se interligarão e se complementarão para uma melhor compreensão e
apreensão da realidade.
Para criar uma situação de corresponsabilidade e preparação democrática,
as capacitações serão feitas a partir da realidade concreta dos envolvidos e da
máxima “aprender fazendo”. Nesse aspecto, as oficinas de formação terão o in-
tuito de formar a partir de atividades práticas e aplicadas que estimulem o uso
das tecnologias sociais como matriz estratégica para o desenvolvimento agrícola
nessas regiões urbana e periurbanas.
Além das ações coletivas, deverão se realizar visitas de acompanhamento
individual respaldadas no diálogo permanente entre os saberes popular e aca-
dêmico. Pois a partir da problematização do próprio conhecimento e a aproxi-
mação com a realidade concreta e na qual se gera e sobre a qual incide, os indi-
víduos envolvidos no processo educativo conseguem se reconhecer e atuar no
mundo para melhor compreendê-lo, explicá-lo e transformá-lo. (FREIRE, 2002)
O grupo envolvido precisa ter interesse em participar do projeto e contribuir
na sua elaboração. Ao reconhecer os desafios do cotidiano, que impactam nos
anseios e decisões individuais, positiva ou negativamente, em algumas situa-
ções será necessária a adoção de ferramentas motivacionais. Segundo Robins
(2004), a participação ativa no desenvolvimento da atividade promoverá troca
de experiências e um ambiente de confiança mais harmonioso e saudável, e as-
sim otimizando o tempo nas soluções do problema.
De acordo com a realidade vivenciada, considerando os aspectos objetivos –
recursos materiais disponíveis, condições ambientais, aspectos edafoclimáticos
dentre outros – e os subjetivos – sociais, culturais, ambientais, educacionais...
– emergem aspectos desafiadores que essa construção não dá conta. Assim, na
execução da proposta, deve estimular a prática investigativa que desenvolva
um “diálogo inteligente com a realidade, tornando-a como processo e atitude,
e como integrante do cotidiano”. (DEMO, 1999, p. 36-37) Pois, o projeto será de-
senvolvido mediante uma integração constante entre a elucidação participati-
va dos problemas encontrados e da procura da resolução, evidenciando uma
constante integração entre extensão e pesquisa.

290 Aelson Silva de Almeida | Antonio Carlos dos Santos Souza | Vívian Libório de Almeida

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 290 13/05/2021 11:42


No desenvolvimento de práticas agrícolas sustentáveis e na reaplicabilida-
de das tecnologias sociais, alguns eixos precisam ser explorados nos processos
formativos. Esses eixos, devido à relevância em todo processo, precisam ser de-
senvolvidos em atividades específicas, mas também considerar a necessidade
de algum nível de abordagem durante toda execução. Nesse sentido, abordar a
temática da SAN, associativismo e cooperativismo, tecnologia social e agroeco-
logia, enquanto uma matriz tecnológica menos degradante e mais sustentável.
Considerando uma abordagem operacional, propõe-se no desenvolvimento
da proposta de implantação da agricultura urbana e periurbana com a adoção
de tecnologias sociais, algumas etapas, à saber:

• 1ª etapa – Diagnóstico: Identificação do perfil dos participantes/famí-


lias que serão incorporadas ao projeto. Levantamento de informações
sobre a agricultura existente no município e potencial de expansão.
• 2ª etapa – Oficinas de formação: Nesses espaços formativos, serão
abordados conteúdos relevantes para o desenvolvimento da propos-
ta, como: agricultura orgânica, segurança alimentar, associativismo,
tecnologia social e outras temáticas consideradas oportunas como or-
ganização social, participação, sentimento pertencimento de grupo,
planejamento, manejo sustentável, aproveitamento de alimentos e
higiene visando preparar o grupo para a implantação das hortas e/ou
outras produções agrícolas. Nessa etapa, as oficinas de associativismo
e cooperativismo ressaltam a importância de despertar um processo
de construção coletiva e estimular para a criação de um grupo com o
objetivo de escoar o excedente da produção estimulando a geração de
trabalho e renda e a troca solidária principalmente para as pessoas em
condição de vulnerabilidade econômica e social.
• 3ª etapa – Implantação da produção agrícola: Para tal, deverá ser con-
siderado alguns elementos, como: aptidão dos participantes; planeja-
mento produtivo; área de produção; insumos; tratos culturais, manejo
fitossanitário dentre outros.
• 4ª etapa – Divulgação e troca de saberes: O objetivo dessa etapa é
sistematizar a metodologia desenvolvida, produzir cartilhas sobre as
temáticas: segurança alimentar e tecnologia social para a produção de
hortas urbanas. Também se destaca a importância de estimular a pro-
moção de espaços de socialização de conhecimento com convidados
que desenvolvam pesquisas e/ou que desenvolvem ações de extensão
na área e sensibilização com apresentação dos resultados, para os ca-
sos que se têm perspectiva de novas propostas para que seja possível a
troca de saberes e o estímulo à constituição de parcerias.

Tecnologia social para o desenvolvimento da agricultura urbana e periurbana 291

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 291 13/05/2021 11:42


CONCLUSÃO
Estudos apontam que os investimentos em AUP sejam financeiros e humanos,
e os desdobramentos advindos dessa ação fazem crer nos inúmeros possíveis
resultados a serem esperados/alcançados quando se pretende aproveitar o po-
tencial dessas atividades nas cidades visando à promoção da SAN e geração de
trabalho e renda. Dentre esses benefícios, podem ser citados: a melhoria e diver-
sificação da alimentação em quantidade e qualidade; a promoção de ambiente
mais saudável nas cidades; integração e início da formação de grupos solidários;
integração com outras políticas públicas e potencialização destas.
O esforço aqui representado nessa proposta pretendeu despertar os municí-
pios e as instituições locais, a exemplo das diversas secretarias de governo, uni-
versidades, instituições de pesquisa e extensão, escolas básicas, Organizações
Não Governamentais (ONGs) e outras para a necessidade de organização e im-
portância dos Sistemas Locais de Segurança Alimentar e Nutricional. Em outras
palavras, sensibilizar o poder público para o apoio às iniciativas de promoção
da agricultura urbana.
Espera-se que essas referências teóricas e metodológicas sejam o ponto de
partida ou material instrutivo para a elaboração de propostas de intervenção
capazes de gerar melhoria nas condições e qualidade de vida da população ex-
cluída e sedenta de políticas públicas.

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Tecnologia social para o desenvolvimento da agricultura urbana e periurbana 293

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 293 13/05/2021 11:42


Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 294 13/05/2021 11:42
CAPÍTULO 20

FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA
FAMILIAR E GESTÃO SOCIAL DO
CONHECIMENTO: as estratégias da
Associação Agropastoril Quilombola
Rio das Rãs

ALDINEIA MARQUES RODRIGUES


IVNA HERBÊNIA SILVA SOUZA
ANA MARIA FERREIRA MENEZES

INTRODUÇÃO
Este trabalho é fruto das indagações e inquietações das autoras com o tema da
agricultura familiar e seu fortalecimento. Foi realizada uma pesquisa anterior
sobre o estudo das organizações da agricultura familiar, e assim, me veio a luz
para desenvolver este projeto, trazer a temática da gestão estratégica para o for-
talecimento da agricultura familiar, através das associações.
Os que conhecem as comunidades quilombolas sabem que em sua maioria
tem como base econômica a produção agropecuária familiar e, muitas vezes,

295

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 295 13/05/2021 11:42


os agricultores da comunidade não utilizam a associação local, que geralmente
possuem, como meio de fortalecer a agricultura familiar. Muitas monografias,
dissertações e teses mostram que os agricultores nem sempre tem conhecimen-
to da importância da associação para desenvolver a agricultura, eles só tinham
uma visão que a mesma estava ali para resolver problemas de cunho burocrático,
relacionados à terra, documentos, projetos sociais, e assim por diante.
Sabe-se dos problemas enfrentados pelos agricultores familiares em todo
o país, da grande disparidade deles com o agronegócio. Isso porque os peque-
nos produtores não têm o mesmo acesso às tecnologias, ao crédito, às grandes
áreas de terras. Essas diferenças tornam a agricultura familiar bastante vulne-
rável, necessitando de políticas públicas que fomentem o seu desenvolvimento
e uma melhor organização dos agricultores. Sendo que a forma mais comum
de se organizar é por meio de associações, por ser mais fácil a criação e a ma-
nutenção das mesmas.
Uma vez organizados, os agricultores conseguem alavancar a produção, ten-
do acesso a crédito, à assistência técnica, a meios de comercialização. Mas, para
isso, é necessário utilizar estratégias de sobrevivência frente ao capital, devido
às suas especificidades, ou seja, é preciso planejar estrategicamente junto com
a associação a melhor forma de trabalhar e desenvolver as atividades.
É exatamente nesse sentido que entra o objeto de estudo desta pesquisa,
uma vez que foi identificado, na pesquisa anterior da monografia, que os agri-
cultores não utilizam a associação por falta de conhecimento, que a produção
é individual, de baixa escala, não acessam políticas públicas disponíveis para a
agricultura familiar e não dispõem de assistência técnica.
Para as organizações, o planejamento estratégico permite realizar uma
análise do ambiente externo, definir estratégias e projetar os cenários futuros,
possibilitando planejar o crescimento e a sustentabilidade organizacional. As
decisões estratégicas modificam a forma de atuação da empresa como um todo,
que passa a rever diversos processos, mantendo alguns, aperfeiçoando outros
ou alterando por completo os que necessitam.
A gestão estratégica das organizações busca definir um método eficaz de uti-
lização dos recursos disponíveis visando atingir um posicionamento cobiçado,
procurando alinhar as estratégias com o ambiente e as mudanças que ocorrem
no espaço organizacional. Dessa forma, não só as empresas que visam o lucro

296 Aldineia Marques Rodrigues | Ivna Herbênia Silva Souza | Ana Maria Ferreira Menezes

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 296 13/05/2021 11:42


devem buscar uma gestão estratégica dos seus recursos, mas todas as formas de
organizações, inclusive as associações.
A importância de se estudar a gestão da agricultura familiar se justifica pela
contribuição que a mesma apresenta no meio rural brasileiro, principalmente
na produção de alimentos e geração de renda. Diante da importância da mes-
ma, observamos que temos ainda um vasto campo para ser pesquisado, pois
são escassos os estudos sobre a gestão da produção agropecuária familiar, que
enxerga essa atividade como uma produção rentável, capaz de desenvolver as
comunidades e gerar lucro para as famílias.
O estudo foi realizado na Associação Agropastoril Quilombola Rio das Rãs,
com sede no Quilombo Rio das Rãs, situado a cerca de 60 quilômetros da sede
do município de Bom Jesus da Lapa (BA). A coleta de dados foi feita através de
entrevistas com todos os membros da diretoria da associação, e uma pesquisa
por meio de questionário com uma amostra dos sócios.
Dessa forma, foi possível identificar: como a associação está estruturada;
como é o seu funcionamento; quais os seus objetivos; quais ações foram reali-
zadas desde a sua fundação com foco no desenvolvimento da agricultura fami-
liar; e quais as estratégias utilizadas pela associação para a gestão da agricultura
familiar, visando a permanência do agricultor no campo de forma sustentável,
superando as barreiras impostas pelo capitalismo.

AGRICULTURA FAMILIAR
A agricultura familiar está presente desde a origem dos primeiros agrupamentos
humanos. Entretanto, este termo só passou a ser utilizado no meio acadêmico
a partir da década de 1990, uma vez que até esse período essa categoria era de-
nominada de “pequeno produtor”, “produtor de subsistência” ou “produtor de
baixa renda”. Segundo Schneider (1999 apud CHALITA, 2004, p. 38), “o tema
da agricultura familiar só toma forma na academia como objeto de investigação
específico a partir de meados dos anos 1990, uma vez que os estudos anteriores
se centravam ora na produção camponesa, ora na pequena produção”.
O desenvolvimento da agricultura familiar no Brasil está ligado, principal-
mente, à possibilidade de o agricultor conseguir aumentar a produtividade,
ter acesso a canais de comercialização e a financiamentos que possam permitir

Fortalecimento da agricultura familiar e gestão social do conhecimento 297

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 297 13/05/2021 11:42


investimentos na propriedade. A Lei n° 11.326, de 24 de julho de 2006, criada
no intuito de estabelecer as diretrizes para a formulação da Política Nacional
da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, no seu artigo
3º considera

[...] agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica


atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes
requisitos: I – não detenha, a qualquer titulo, área maior do que 4 (quatro)
módulos fiscais; II – utilize predominantemente mão de obra da própria
família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreen-
dimento; III – tenha percentual mínimo da renda familiar originada de
atividades econômicas do seu estabelecimento, ou empreendimento na
forma definida pelo Poder Executivo; IV – dirige seu empreendimento
ou estabelecimento com sua família. (BRASIL. 2006, p. 1)

Existem várias críticas sobre como o governo se comportou durante toda a


história do Brasil, em relação à agricultura familiar. Dessa forma, Rambo Tarsitano
e Laforga (2016, p. 95) enfatizam que:

[...] deve-se levar em conta, porém, que o mesmo Estado que atualmente
delimita a agricultura familiar em busca de inseri-la no mercado foi o que
no passado a renegava e atualmente apenas a considera parcialmente,
pois ainda não é possível concordar que a agricultura familiar passa a
ser prioridade do Estado, embora esta seja uma categoria social que
ganhou significativa expressividade nos últimos anos.

Altafin (2007, p. 19) argumenta que “o universo da agricultura familiar exi-


be grande capacidade produtiva, contribuindo de forma efetiva para o abaste-
cimento do país, mesmo com o pouco acesso à terra, ao crédito e às inovações
tecnológicas”.
No entanto, observamos que nem sempre a agricultura familiar é vista des-
sa forma, pois muitas são as dificuldades encontradas pelos produtores e que
há uma desigualdade dependendo da região onde esses agricultores estão inse-
ridos. Nessa perspectiva, Souza Filho e Batalha (2005, p. 14) argumentam que:

[...] a diferenciação dos agricultores familiares está associada à pró-


pria formação dos grupos ao longo da história, á heranças culturais

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 298 13/05/2021 11:42


variadas, á experiências profissional e de vida particulares, ao acesso
e à disponibilidade diferenciada de um conjunto de fatores, entre os
quais, os recursos naturais, o capital humano e o capital social, e assim
por diante. [...]

Os dados do Censo Agropecuário 2006 mostram que foram registrados mais


de 4 milhões e 360 mil estabelecimentos da agricultura familiar no Brasil, o que
representa 84,4% dos estabelecimentos rurais brasileiros. Quanto à mão de obra
empregada nessas unidades, de acordo com o Censo, há 12,3 milhões de pessoas
trabalhando na agricultura familiar, o que corresponde a 74,4% do pessoal ocu-
pado no total dos estabelecimentos agropecuários.1 (IBGE, 2006)
A agricultura familiar é importante no meio rural, pois tem como base o tra-
balho dos membros da família no processo produtivo, além de manter valores e
saberes tradicionais na forma de produção e na preservação do meio ambiente.
Entretanto, a falta de organização produtiva prejudica, muitas vezes, o fortale-
cimento e o desenvolvimento da mesma. Por esse motivo, a pesquisa trata das
associações como fortalecimento para esse setor tão importante da economia
regional e nacional.

ASSOCIATIVISMO RURAL: UMA ANÁLISE HISTÓRICA,


CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E DEFINIÇÕES
O associativismo é constituído por duas ou mais pessoas que se unem em prol
de um objetivo de interesse mútuo, com a finalidade de conseguir a partir de
uma ação coletiva o bem do grupo. Sobre o surgimento do associativismo,
Souza (2016, p. 14) afirma que: “surgiu nos primórdios da humanidade quando
o homem sentiu a necessidade de viver em grupos pela sobrevivência [...] para
defender o grupo”. Após a Revolução Industrial, o associativismo ganhou for-
ça, deixando de ser formado apenas por grupos de interesses compartilhados e
passou a ser utilizado como ferramenta de grandes conquistas.
No Brasil, o associativismo passou a ser incentivado após a promulgação
da Constituição Federal Brasileira, no artigo 5°, inciso XVIII, que permitiu a

1 Foi realizado censo agropecuário em 2017, no entanto, os dados ainda são preliminares. Por isso, não
foram utilizados nesta pesquisa.

Fortalecimento da agricultura familiar e gestão social do conhecimento 299

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 299 13/05/2021 11:42


constituição de qualquer forma de associação e/ou cooperativas, sendo estas
independentes de autorizações do Estado para eventual funcionamento. Mas
somente através da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro), no capítulo II,
artigos 53-61, passaram a ser regularizadas. Nesses artigos, são determinados a
base legal para constituição das associações, os direitos, deveres e obrigações
que seus associados devem ter.
Segundo Veiga e Rech (2001), o associativismo deve ser baseado nos seguin-
tes princípios: o da adesão voluntária e livre; gestão democrática; participação
econômica; autonomia e independência; educação, formação e informação;
interação e interesse pela comunidade. Esses princípios são norteadores para
qualquer organização associativa.
Conforme descrito na constituição, as associações são entidades de direito
privado composta por duas ou mais pessoas, seu patrimônio é composto por
taxas pagas pelos integrantes e utilizado para o desenvolvimento e manuten-
ção das atividades da associação, e que beneficie a todos os associados. Além do
ganho no que tange aos interesses coletivos, a associação também desempenha
um papel importante no desenvolvimento das habilidades individuais de seus
associados e diretoria, pois permite que sejam trocados experiências e aprendi-
zagens. Uma associação possui um caráter coletivo, por isso suas ações devem
ser desenvolvidas por pessoas com objetivos claros, pois se tornando sócio terá
a responsabilidade para com todos envolvidos. Tanto o trabalho quanto os be-
nefícios devem ser distribuídos entre os associados.
Existem vários tipos de associações, como de produtores rurais, institutos,
clubes, mulheres camponesas, estudantes, pais e mestres, entre outras. De acordo
com Violin (2006, p. 188), “elas poderão ter finalidade altruísta, como as associa-
ções beneficentes; egoísta, como clube esportivo; ou econômica não lucrativa
como as de socorro mútuo”. O que as difere uma das outras são as particulari-
dades e características, porém se assemelham em relação ao objetivo maior de
defender os interesses daquele determinado grupo. Como afirma Sebrae (2009,
p. 19), “O termo associação agrega uma série de modelos de organização (asso-
ciações, institutos, clubes etc.) que possuem objetivos e finalidades diferentes
entre si, mas que se unem nessa nomenclatura por possuírem características
básicas semelhantes”.
Como citado na cartilha, a associação, independente do tipo, é responsá-
vel por atividades de educação, formação e informação para com seus sócios.

300 Aldineia Marques Rodrigues | Ivna Herbênia Silva Souza | Ana Maria Ferreira Menezes

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 300 13/05/2021 11:42


Essa responsabilidade contribui para o alcance dos objetivos em comum, com
o desenvolvimento e efetivação das ações, como, por exemplo, o apoio técnico
ao desenvolvimento da produção agrícola, o incentivo à comercialização dos
produtos gerados pelos sócios, a preservação da cultura local, no desenvolvi-
mento de projetos com os jovens e crianças.
Os autores Dias e Souza (2014) explicam que o surgimento das associações e
cooperativas não foram pensadas com o objetivo de substituir o sistema capita-
lista, mas como alternativas que pudessem incluir pessoas excluídas do mercado
de trabalho, utilizando da cooperação e da gestão social progressista. Ou seja,
o associativismo, apesar de não ter sido pensado para substituição das práticas
capitalistas, se apresenta como uma alternativa democrática para transformar
o uso dos meios de produção de forma equilibrada.

ASSOCIAÇÃO RURAL E A GESTÃO ESTRATÉGICA APLICADA


ÀS ORGANIZAÇÕES
O associativismo é o meio existente e necessário para que uma comunidade seja
notada e reconhecida social, política, financeira e economicamente.

O associativismo rural é realizado desde os primórdios da sociedade


mesmo sendo de forma indireta, quando as tribos se organizavam
para construir, produzir e se proteger de outras tribos rivais, assim foi
evoluindo o pensamento acerca do mesmo e sua importância para a
sobrevivência da sociedade rural possibilitando o desenvolvimento dos
que o praticava. (SOUZA, 2016, p. 16)

Hespanhol (2005) acrescenta que as associações de produtores rurais podem


ser definidas como sociedades civis, que não possuem finalidade lucrativa, na
qual desempenham através de suas atividades funções tanto de representação
política na localidade, quanto a instâncias de poderes como governos munici-
pal, estadual e federal.
Compreende-se assim que a associação de produtores rurais tem como fi-
nalidade o auxílio e a representação daquele grupo na sociedade, com o obje-
tivo de defender seus interesses. Nesse sentindo, “[...] a organização associativa
se constitui como uma das principais estratégias para o desenvolvimento das

Fortalecimento da agricultura familiar e gestão social do conhecimento 301

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 301 13/05/2021 11:42


atividades produtivas em pequenas propriedades de produção familiar, sobre-
tudo, pela superação das barreiras impostas pelo capital comercial e industrial”.
(OLIVEIRA, 2010, p. 23)
É importante ressaltar que os produtores rurais sempre encontraram difi-
culdades no escoamento da produção, porém viram o associativismo como o
impulso que precisavam para comercializar seus produtos de maneira leal, com
a chance de competir no mercado com os grandes produtores.

Do ponto de vista econômico, as dificuldades inerentes ao próprio de-


senvolvimento das atividades agropecuárias, tais como o acesso à terra,
ao crédito rural e a assistência técnica, além de problemas na comercia-
lização, na infraestrutura disponível (silos, estradas pavimentadas ou
em boas condições de tráfego), entre outros, levou os produtores rurais
a se organizarem de forma coletiva. (HESPANHOL, 2005, p. 2)

Com a organização coletiva e formação de grupos, torna-se mais fácil a


obtenção de apoio dos órgãos governamentais para alcançar os objetivos, tais
como o acesso a políticas públicas, maior retorno financeiro pelo trabalho, além
da troca de experiências e a utilização de uma estrutura comum que possibilita a
exploração de cada potencial, assim, afirma o autor Boaventura de Souza Santos
apud Violin (2006) que a articulação de associações que defendem grupos mar-
ginalizados é fundamental para a organização de políticas eficazes e criação de
novas alternativas de comércio livre e justo, como também ao acesso à tecnologia.
O termo “estratégia” teve seus primórdios nos cenários de guerra, quando
os militares perceberam que precisavam pensar antes de agir, então aí começou
se usar essa expressão e seu conceito foi sofrendo modificações ao longo dos
séculos, ganhando novas interpretações.
Segundo Chiavenato e Sapiro (2009, p. 4), “As organizações utilizaram du-
rante décadas o processo estratégico para alcançar várias finalidades, e ele foi
sofrendo alterações e sofisticações gradativas com o passar do tempo, conforme
a evolução do planejamento estratégico”. Percebe-se aí o quanto esse processo
não surgiu agora, e que várias organizações já o utilizavam para administrar
seus negócios.
Oliveira (2007) define planejamento estratégico como uma metodologia
administrativa com intuito de definir o caminho a ser seguindo pela empresa,
visando assim, uma melhor interação com os fatores externos não controlados

302 Aldineia Marques Rodrigues | Ivna Herbênia Silva Souza | Ana Maria Ferreira Menezes

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 302 13/05/2021 11:42


por ela. Na mesma linha de pensamento, Chiavenato e Sapiro (2009, p. 30) de-
finem planejamento estratégico como “um processo de formulação e execução
de estratégias organizacionais para buscar a inserção da organização e de sua
missão no ambiente onde ela atua”. É através do planejamento que a empresa
consegue saber aonde quer chegar, como e o que fazer para alcançar o objetivo
estipulado, mas, para isso é necessário planejar e executar a estratégia de forma
eficaz para atingir o sucesso.
A gestão estratégica surge então como o aperfeiçoamento do planejamento
estratégico, ou melhor, vem como um processo de avaliação do planejamento
definido pela organização. O processo estratégico da empresa precisa ser bem
estabelecido para posteriormente ser colocado em prática, pois “por melhor
que seja formulada, se a execução da estratégia não for cuidadosamente imple-
mentada não será bem-sucedida. E o plano estratégico vai acabar no fundo da
gaveta”. (CHIAVENATO; SAPIRO, 2009, p. 30)
Uma associação deve ser gerida de forma eficiente para que tenha êxito nos
seus objetivos e no alcance dos resultados. Na administração desse tipo de or-
ganização, são necessários acima de tudo a honestidade, a confiança, transpa-
rência e o envolvimento de todos os associados nas atividades da associação. O
gestor precisa mostrar aos membros a importância da existência da associação
e apresentar os seus resultados para conquistar a confiança dos associados. Uma
associação rural não se difere de uma organização privada no que diz respeito
à necessidade de gestão, planejamento, objetivos, metas e recursos, sejam eles
humanos, financeiros, tecnológicos, entre outros. Uma gestão eficaz proporciona
a associação, o controle de todas as atividades que são e que devem ser desem-
penhadas pela organização. (DRUCKER, 1999 apud SANTOS, 2012)
O planejamento, organização, direção e controle são o fluxo necessário para
uma administração eficiente e eficaz de todos os recursos de uma organização.
Não sendo, portanto, diferente para as organizações associativas, como afirma
Normanha Filho (2013, p. 216), “na gestão administrativa das organizações do
terceiro setor aplicam-se as funções da administração: planejamento, organiza-
ção, direção e, avaliação/controle, que independem do tamanho da organização”.
Estudos como o de Miranda (1998) apontam que para o associativismo rural
é necessário que se crie um modelo de administração apropriada à realidade
local, adaptando as ferramentas ao ambiente em que a associação está inserida,
facilitando a sua utilização e fazendo com que seu uso traga resultados. Ainda

Fortalecimento da agricultura familiar e gestão social do conhecimento 303

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 303 13/05/2021 11:42


nesse contexto, Rodrigues (2004) relata que a literatura está orientada para ca-
pacitar as organizações do terceiro setor com base nas ferramentas empresariais,
envolvendo os princípios de administração: gestão financeira, planejamento
estratégico, orçamento etc., e que ainda são poucos os trabalhos que discutem
sobre as diferenças do uso dessas ferramentas nas organizações do terceiro se-
tor, e como apropriá-las.
A participação e o comportamento dos associados poderão favorecer ou
dificultar o desenvolvimento da associação e, por se tratar de uma organização
coletiva, cada integrante deverá assumir responsabilidades que contribuam para
o funcionamento e desenvolvimento da associação a qual pertence.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO UTILIZADO NA PESQUISA


Para realização desta pesquisa, foram utilizados métodos, técnicas e procedi-
mentos de coletas de dados, que melhor se adequam aos objetivos e questiona-
mentos da investigação, bem como aos que melhor se encaixem com a realidade
da área em estudo e os sujeitos envolvidos.
O estudo apresenta uma abordagem qualitativa onde o pesquisador pro-
cura compreender a realidade estudada de acordo com o ponto de vista dos
participantes que compõem o estudo, fazendo sua interpretação após a análise
dessa realidade. Esteban (2010, p. 129) enfatiza que “nos estudos qualitativos,
o próprio pesquisador se constitui no instrumento principal que, por meio da
interação com a realidade, coleta dados sobre ela”.
Utilizou-se também a abordagem quantitativa no intuito de conseguir dados
da população estudada, pois essa abordagem, segundo Fonseca (2002, p. 20),
“recorre à linguagem matemática para descrever as causas de um fenômeno,
as relações entre variáveis, etc.”. Assim, a pesquisa tem uma abordagem quali-
-quantitativa, sendo possível recolher uma quantidade maior de informações da
associação e dos seus associados. “A utilização conjunta da pesquisa qualitativa
e quantitativa permite recolher mais informações do que se poderia conseguir
isoladamente”. (FONSECA, 2002, p. 20)
A pesquisa é classificada como exploratória e descritiva, isso porque descre-
ve a Associação Agropastoril Quilombola Rio das Rãs. Tendo também a neces-
sidade de explorar suas atividades, sua história, sua forma de gestão. Segundo

304 Aldineia Marques Rodrigues | Ivna Herbênia Silva Souza | Ana Maria Ferreira Menezes

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 304 13/05/2021 11:42


Gil (2007), a pesquisa exploratória objetiva proporcionar maior familiaridade
como o problema, com vistas a torná-lo mais explicito. Já a pesquisa descritiva
exige do investigador uma série de informações sobre o que deseja pesquisar.
Esse tipo de estudo pretende descrever os fatos e fenômenos de determinada
realidade. (TRIVIÑOS, 1987)
O universo da pesquisa são todos os sócios e diretoria da Associação Agropastoril
Quilombola Rio das Rãs, com sede no Quilombo Rio das Rãs, situado a cerca de
60 quilômetros da sede do município de Bom Jesus da Lapa (BA). Para melhor
coleta e tratamento dos dados, foi constituída uma amostra dos sócios de forma
não probabilística. Gil (2010, p. 90) define amostra como um “subconjunto do
universo ou da população, por meio do qual se estabelecem ou se estimam as
características desse universo ou população”.
Para realizar a pesquisa, os procedimentos metodológicos utilizados para co-
leta de dados foram entrevistas semiestruturadas e questionários estruturados. Os
questionários foram aplicados com uma amostra não probabilística dos sócios,
pois há uma grande quantidade de associados, ficando trabalhoso o tratamento
dos dados. A entrevista semiestruturada foi feita com a diretoria da associação.
A coleta dos dados foi feita de forma direta pela pesquisadora, na qual os
questionários foram impressos, tendo apenas perguntas fechadas. Foram entre-
gues a cada sócio de forma individual para o preenchimento, quando necessá-
rio houve auxílio da pesquisadora para fazer a leitura e compreensão das per-
guntas, pois, por se tratar de associação rural, alguns sócios são analfabetos ou
apresentaram dificuldade de interpretação. A entrevista feita com a diretoria da
associação teve a captação das falas gravadas e posteriormente transcritas pela
própria pesquisadora para um melhor rigor na coleta dos dados.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
A pesquisa foi realizada com 20 moradores da comunidade, sendo estes, oito
componentes da diretoria e 12 associados. Os associados foram escolhidos a par-
tir da ata, utilizando o critério de acessibilidade e frequência nas reuniões. Dos
componentes da diretoria, estavam presentes o atual presidente, o vice-presi-
dente, o primeiro tesoureiro, a secretária, dois representantes do conselho fiscal
e o presidente da gestão anterior. Participaram da pesquisa sete mulheres e 13

Fortalecimento da agricultura familiar e gestão social do conhecimento 305

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 305 13/05/2021 11:42


homens, com faixa etária de idade entre 18 e 69 anos, o nível de escolaridade
varia entre ensino fundamental completo e ensino médio completo.
De acordo com o relato dos entrevistados, a Associação Agropastoril Quilombola
Rio das Rãs surgiu em 1994 a partir da união das pessoas residentes na localida-
de, com o objetivo de lutarem pela posse da terra em que viviam. A criação da
primeira ideia de associação estava relacionada à união dos moradores, confor-
me as falas do vice-presidente, e também presidente fundador da associação,

E aí chega um momento que teve, uma uma preocupação do fazendeiro


pra tirar que naquele tempo chamava o posseiro, tirar os posseiros de um
lugar para outro e aí a gente se organizou de tirar ‘cuma’ (sic), porque
tem uma casa e naquele tempo era tudo mais difícil [...] e aí a gente foi
andando, foi se agrupando né... aí a gente é, se criou o líder [...] E aí a
gente já tinha criado uma comissão organizadora da qual eu participava,
e outras pessoas, a gente criou uma comissão, depois dessa comissão aí
a gente criou uma associação, a gente criou uma associação chamada
Associação de Morador [...] E aí a gente continuou, até chegou a esse
problema ne, que nós tivemos 17 anos de conflitos e, chegou à conclusão
que a gente chegou a vencer, foi desapropriado pelo Incra, então a ne-
cessidade começou daí, a associação começou daí, que a gente primeiro
se organizou, depois da organização, criou uma comissão organizativa,
depois da comissão, criou a associação. (Entrevista- 03/03/2019)

Conforme é descrito na Cartilha Senar (2011, p. 31), “para que uma associa-
ção exista formalmente é necessário que um pequeno grupo de pessoas assuma
as primeiras providências”. E foi exatamente o que aconteceu com a associação
pesquisada. A motivação de um grupo de pessoas em criar uma associação acon-
tece a partir da percepção dos diversos benefícios que só poderão ser alcançados
através da cooperação.
Dessa forma, pode-se observar que os participantes se sentem motivados
a participar da associação por várias razões, mas o desejo de contribuir com a
comunidade se destaca. Quando perguntados a respeito de quanto tempo es-
tão associados, a maioria dos participantes apontaram serem associados desde
a constituição da associação, o que permite deduzir que eles acreditaram na
criação da associação para o desenvolvimento da comunidade desde o início.
Após a fundação da associação, vários benefícios foram conquistados propor-
cionando o desenvolvimento da comunidade. Conforme relato dos participantes,

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entre as principais conquistas estão: a titulação da terra; a construção das casas
através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra); acesso
a água por meio da perfuração de poços artesianos; instalação da energia elétri-
ca; construção de escolas; posto de saúde; entre outros. Como descrito nas falas
dos integrantes da atual diretoria,

Assim, ‘pra’ (sic) mim, é é sim, a primeira conquista que foi no meu tempo
foi a terra né, porque terra, a titulação, regularização, delimitação da
terra foi a principal chave. Em segundo, também vem esse posto de ‘saúdo’
(sic) [...] depois veio a energia, a água também porque aqui, a gente, na
verdade naquele tempo, a gente bebia a água de cacimba, tomava ‘banhe’
(sic) na cacimba, e aí ‘vei’ (sic) a água ‘pra’ (sic) comunidade [...] uma das
marcante foi a energia [...]. (Entrevista, Vice-presidente – 03/03/2019)

[...] um dos benefícios também, bem marcante também na comunidade... de


grande serventia, foi a questão das caixas captadoras de água de chuva,
porque assim, a gente tinha um grande problema aqui com a questão de
água potável, que aqui tinha o abastecimento pelos pipa [...]. (Entrevista,
Presidente – 03/03/2019)

[...] bastante avanço ‘tamém’ (sic) que teve aqui pra gente, foi a ‘questã’
(sic) do gado né, que ‘poca’ (sic) gente tinha gado né, e hoje a maior, todo
todo mundo que recebeu foi, associado recebeu o gado né, hoje ne todo
mundo que tem né, mas recebeu, todo mundo recebeu o gado, um grande
avanço ‘tamém’ (sic) né, que todo mundo teve a possibilidade de ter um
gado. (Entrevista, Tesoureiro – 03/03/2019)

Além das conquistas apresentadas pelos componentes da diretoria, os as-


sociados apontaram também o apoio na produção agrícola, a distribuição de
cestas básicas, a construção da quadra poliesportiva com o apoio de vereadores
e o atendimento médico no posto de saúde. Na Cartilha Senar, é apresentado
que os associados através da sua organização têm a capacidade de proporcionar
transformações para a comunidade tanto sociais, quanto políticas e econômicas,

A atuação da associação na representação de seus associados, por meio


da participação e do exercício da cidadania, os transforma em atores
políticos tirando-os da condição de pedintes sociais. As transformações
econômicas podem ser experimentadas através do aumento da renda,

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da capacidade de adquirir insumos, máquinas, equipamentos, con-
tratar assistência técnica, reformar instalações, reformar a residência,
comprar eletrodomésticos, veículos que enfim, permitem a melhoria
das condições de vida. (SENAR, 2011, p. 12)

Assim, a partir das falas dos gestores citadas anteriormente e da correlação


com a Cartilha Senar, percebe-se que a associação desde os seus primórdios já
participava da agricultura familiar, fortalecendo a pecuária existente, atividade
produtiva muito importante nas comunidades até hoje, e que é base da econo-
mia local, como visto nas falas durante a pesquisa.
A presença da pecuária em Rio das Rãs, principalmente da bovinocultura, se
explica devido essa atividade ser muito presente e de alta relevância no semiá-
rido brasileiro. É uma atividade que se adapta bem ao bioma, embora necessite
de muitos recursos naturais para o seu desenvolvimento.

Para sobreviver como unidade produtiva vinculada à terra, a maioria


dos estabelecimentos agrícolas familiares do Semiárido desenvolveu
estratégias e arranjos em relação ao uso da terra. Entre elas merece
destaque a especialização produtiva na forma da bovinocultura
extensiva [...] a bovinocultura no Semiárido baseia-se no pastoreio
extensivo da caatinga, com complementação de concentrados, obtidos
no comércio local de venda de insumos agropecuários. (BAIARDI,
2014, p. 133)

Quando perguntados sobre a agricultura familiar local, 85% dos associados


pesquisados disseram que a produção é baixa. Gerando rendimento bruto anual
abaixo de 5 mil reais. Imagina-se que esse valor seja bem maior, pois os associa-
dos não dispõem de conhecimento técnico para fazer esse cálculo, e também
porque os mesmos consideram como agricultura familiar apenas as colheitas
agrícolas, não incluindo os rendimentos com a pecuária de corte muito forte
na comunidade.
Os associados declararam que a associação não participa da produção fami-
liar local, que somente contribui quando é procurada para dar alguma declara-
ção de vínculo com a terra. É provável que a associação não participe da forma
que eles gostariam, mas veremos adiante algumas contribuições importantes
da associação que fortaleceram a agricultura local.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 308 13/05/2021 11:42


Nos depoimentos dos membros da associação, quando questionados sobre
a situação atual da agricultura e pecuária na comunidade, observa-se que a mes-
ma atua sobre essa área na comunidade.

[...]é as roças aqui estão muito ‘divagar’, com esse tempo seco aí (sic),
que você conhece muito bem, o povo fica ‘disanimando’ ‘pra’ ‘prantar’,
a associação não pode fazer muita coisa. Mas temos procurado ajuda,
entendeu, pra ver se traz um técnico ‘pra cá’, é difícil, mas ‘tamos ten-
tando’ [...]. (Entrevista, Vice-presidente – 03/03/2019)

[...] E também assim. (sic) a gente procura ajudar o povo de ‘manera’,


entendeu, mas eles não ajudam a gente. Ganhamos um trator, que ajuda
muito o povo, mas é uma ‘brigaiada’ para usar esse trator que ‘Deus me
livre’ [...]. (Entrevista, Presidente – 03/03/2019)

Observa-se, nas falas dos gestores da associação, um certo problema de re-


lacionamento entre a associação e os associados. Esse fato é percebido quando
o entrevistado é perguntado se sente confiança nos membros da associação,
70% dos associados responderam não sentirem confiança, 20% não souberam
responder. Durante as conversas informais com os associados, que também em-
basou esta pesquisa, os associados dizem sentir mais confiança na atual gestão
da associação, do que em gestões anteriores. Nos depoimentos, observa-se que
mesmo com as melhorias conquistadas para a comunidade, os diretores enfren-
taram e enfrentam desafios na gestão da associação, tais como: a cooperação/
participação dos associados, favorecimento próprio, atitudes oportunistas e
interferência de agentes externos na política.

[...] tem muita gente ée que eles ‘intedeu’ (sic) que a associação é impor-
tante na hora da necessidade maior, entendeu, hoje em dia quando
fala ‘runião’ (sic), todo mundo quando não assina a ata, ele não sai da
‘runião’(sic) [...]. (Entrevista, Tesoureiro – 03/03/2019)

[...] quando começa a entrar recurso aí começa a pessoa dizer que tá


havendo alguma algum ‘fraudo’ (sic), não tá crescendo porque a pessoa é
analfabeta não se desenvolve aí, tem outras pessoas que a gente considera
oportunista mesmo, vai vendo que tem por onde desenvolver, encosta pra
poder ir tirando, ‘disviando’ (sic) a cabeça do pessoal [...]. (Entrevista,
Vice-presidente – 03/03/2019)

Fortalecimento da agricultura familiar e gestão social do conhecimento 309

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[...] a política aqui ‘depremeiro’ (sic) era todo mundo chegava aqui,
queria mandar na política, todo mundo de fora queria mandar [...].
(Entrevista, Conselho Fiscal – 03/03/2019)

Esses fatores interferem negativamente na gestão da organização associati-


va, no seu sucesso e desempenho. Esse desempenho dependerá da participação
efetiva dos associados, pois Santos (2012, p. 54) aponta que “o envolvimento das
pessoas é fundamental para que as organizações do Terceiro Setor consigam de-
senvolver uma gestão eficiente, bem como monitorar desempenho, construir
indicadores e avaliar resultados”.
Além desses desafios, os gestores pontuaram também como principais di-
ficuldades que enfrentam para realizar a gestão o perfil individualista dos as-
sociados, a falta de uma sede própria, bem como o não cumprimento dos pa-
gamentos das mensalidades. Na visão dos associados, conforme apresentado
na Figura abaixo, as dificuldades estão relacionadas à falta de equipamentos,
recursos escassos, participação dos sócios, entre outros.

Figura 1 – Dificuldades enfrentadas

Fonte: elaborada pelos autores.

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De acordo com Miranda (1998, p. 142), “Entende-se o processo de gestão
como a organização das funções administrativas dentro da Associação para que
ela atue prestando os serviços que se propõe a oferecer”. Além disso, o processo
de gestão possibilita uma administração voltada para os resultados com foco na
agilidade na tomada de decisões.
Sendo assim, os desafios e dificuldades apresentadas poderiam ser minimi-
zadas se caso fossem adotadas estratégias de gestão, se os componentes da di-
retoria passassem por capacitações e acompanhamento, possuíssem uma sede
própria e utilizassem ferramentas administrativas que gerassem informações a
serem utilizadas como base para tomada de decisões. Na concepção de Santos
(2012, p. 75), “As estratégias são absolutamente importantes nas organizações
sem fins lucrativos. Quando bem formuladas, elas podem transformar o que se
quer fazer em algo realizável”.
Outros fatores apontados pelos associados e pelos gestores que afetam ne-
gativamente na gestão da associação foram: a não efetivação do pagamento da
contribuição mensal pelos associados, baixa frequência de participações das
reuniões e no apoio aos trabalhos desenvolvidos.
A Figura 2 demonstra um grande índice de participação dos associados nas
reuniões, porém, nas duas formas de abordagem, tanto na entrevista como nos
questionários, foi observado a reclamação em relação a não frequência dos
sócios nas reuniões.

Figura 2 – Participação em reuniões

Fonte: elaborada pelos autores.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 311 13/05/2021 11:42


Quando questionados a respeito da participação nas reuniões, 67% respon-
deram que frequentam sempre ou quase sempre as reuniões da associação, e
33% pontuaram que participam algumas vezes, e não tiveram respostas para
os indicadores nunca ou quase nunca, o que demonstra a grande presença dos
associados nas atividades deliberativas da associação.
Apesar de todas as dificuldades apresentadas a partir da pesquisa, a Associação
Agropastoril Quilombola Rio da Rãs conseguiu uma grande evolução desde a
fundação até os dias atuais. Porém, no decorrer do tempo, com a troca de dire-
torias e o desinteresse dos integrantes da associação não se percebeu avanços,
como, por exemplo, no uso de ferramentas de controle, de gerenciamento dos
recursos financeiros e no cadastro e acompanhamento da vida dos integrantes
na associação.
É necessário que haja uma melhoria contínua na gestão dessas organizações,
honestidade, transparência, responsabilidade e compromisso dos gestores e as-
sociados, que resulte em confiança, credibilidade e alcance dos resultados. Dessa
forma, Pereira (2013, p. 30) afirma que através desses elementos,

[...] as organizações podem desenvolver competências essenciais para que


possam conduzir sua operação e gestão com mais transparência, para
produzirem serviços com alto padrão de qualidade, gerando resultados
efetivos, que sejam passíveis de avaliação por qualquer indivíduo da
sociedade civil e com maior grau de profissionalização.

O desenvolvimento de parcerias para a produção agrícola citada pelos ges-


tores é uma responsabilidade da associação enquanto organização representa-
tiva, podendo intermediar os associados na compra de insumos, equipamentos,
operações comerciais, com garantia de maior poder de negociação. (SENAR,
2011) Essa melhoria já está sendo vista pelo atual presidente da associação, que
afirma está buscando apoio dos órgãos públicos para desenvolvimento da pro-
dução, como pontua na fala:

‘[...] na minha gestão, já tenho uma proposta de ter acompanhamento


técnico na comunidade’, e para a comercialização destes produtos ‘precisa
de um espaço, um dia semanal lá, pra gente colocar nossa feira, vamos
vender o quê? Todo o produto que a gente tá produzindo aqui, então aí

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precisa chegar a este ponto, e às vezes a gente perde um pouco porque
pensar alto, antes de dar o primeiro passo’.

Diante de todos os dados obtidos a partir da pesquisa, é possível observar


que a Associação Agropastoril Quilombola Rio das Rãs necessita desenvolver
técnicas para melhor gerir e contribuir com a produção agropecuária local.
Batalha (2001, p. 4) argumenta que:

A utilização de ferramentas gerenciais aplicadas tanto à gestão de redes


de agricultores como às propriedades coloca-se como condição para os
agricultores familiares explorarem novas oportunidades que se abririam
a partir da formação das redes e da aplicação de tecnologias e práticas
que requerem um nível de gestão da produção mais sofisticado.

Dessa forma, a associação apresentaria um plano de melhoramento da ati-


vidade econômica da comunidade, organizaria os meios de produção, trans-
porte e comercialização que já é um sonho dos gestores. Para isso, tem-se a ne-
cessidade de que todos os integrantes da associação sejam capacitados, como é
demostrado na Cartilha do Sebrae (2009, p. 9), “as associações devem propor-
cionar educação e formação aos sócios, dirigentes eleitos e administradores, de
modo a contribuir efetivamente para o seu desenvolvimento”. Como também
comunicá-los sobre todas as atividades e decisões da associação, que segundo
Marchiori ([199-] apud BAPTISTA, 2013, p. 150), “é por meio da comunicação
que uma organização recebe, oferece, canaliza informação e constrói conheci-
mento, tomando decisões mais acertadas”.
Uma vez organizados, os produtores têm a possibilidade de aumentar o po-
der de barganha frente a fornecedores de insumos ou clientes. Em outros, tam-
bém se trata de alcançar escalas de produção que permitam o acesso a canais
de distribuição nos quais os agricultores familiares isolados não poderiam par-
ticipar. Foi observado durante a pesquisa e muito relatado pelos entrevistados
o impasse da comercialização, devido às péssimas condições de acesso à sede
do município. A BA-160, que dá acesso a Bom Jesus da Lapa, encontra-se sem
pavimentação. Isso é um fator crucial para o fortalecimento da economia local
em geral. Sobre isso, Batalha (2001, p. 10) relata que: “[...] o desenvolvimento de
instrumentos de gestão para a agricultura familiar não pode, portanto, ignorar
as condições de infra-estrutura atual, a disponibilidade de energia, a situação

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das estradas vicinais, a disponibilidade de assistência técnica para equipamen-
tos e assim por diante”.
A associação, por meio de sua diretoria, demonstrou que tem conhecimento
da sua importância no tocante ao fortalecimento da agricultura familiar e no
fortalecimento da economia em geral. Percebe-se a falta de instrumentos e co-
nhecimentos técnicos para que isso se torne uma realidade. Durante a pesqui-
sa, identificamos dois técnicos agrícolas que são filhos da comunidade e estão
começando a trabalhar no território, o que trouxe esperança e alegria para os
agricultores.

CONCLUSÃO
As estratégias de gestão das associações são baseadas na gestão participativa e
autogestão. Analisar essas estratégias contribui para compreensão do que tem
sido construído na prática comparado com os manuais sobre gestão. O desen-
volvimento do presente estudo teve como objetivo analisar como tem sido cons-
truída e materializada a gestão da Associação Rural Agropastoril Quilombola
Rio das Rãs, os desafios enfrentados para geri-la, e as características comporta-
mentais dos associados que favorecem ou dificultam no seu desenvolvimento.
A partir da pesquisa, foi possível identificar que essa associação realiza
uma gestão democrática participativa, em que os associados têm voz nas de-
cisões e estas são tomadas em conjunto. Porém, a associação enfrentou e vem
enfrentando diversos desafios, dentre eles: a falta de uma sede própria; a falta
de equipamentos; falta de capacitação dos gestores e dos associados; o não pa-
gamento da taxa de contribuição; a falta de participação efetiva nas reuniões;
individualismo; favorecimento próprio; entre outros. Esses desafios tornam-se
empecilhos no desenvolvimento da associação.
Foram identificadas nos associados características que favorecem o desenvol-
vimento da associação como: comparecer às reuniões, ouvir os outros, realizar
parcerias com outras entidades, participação consciente e defesa na decisão da
maioria, ainda que haja divergências. E as que dificultam foram: não expor suas
ideias durante as discussões, não debater sobre opiniões dos demais associados,
reclamar do que foi deliberado pelo grupo, recusar assumir tarefas e obriga-
ções em prol da coletividade, contribuir somente em benefício próprio, falta

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de planejamento, desconfiança e desrespeito às decisões estabelecidas no esta-
tuto, atuação isolada e esperar por políticas governamentais e assistencialistas.
Já no modo de gerir da associação, não foram identificadas formas de planeja-
mento das ações, uso de ferramentas de controle e realização efetiva de prestações
de contas. Os membros da diretoria não tiveram capacitação voltada para área
da gestão, apenas o acompanhamento de Organizações Não Governamentais
(ONGs) e movimentos sociais para a formalização da associação. Observa-se
que, apesar de ter 24 anos de existência, ainda existem dificuldades na gestão,
em entender o andamento dos processos associativistas, na organização da as-
sociação, nos documentos e na administração dos recursos.
Foi possível identificar que a associação, logo após a fundação, conseguiu
alcançar grandes benefícios e materiais de trabalho, na época, havia uma maior
participação dos associados, porém com o passar dos anos, entrou em um mo-
mento de decadência, no qual perderam a credibilidade dos sócios, o acompa-
nhamento de órgãos governamentais e captação de recursos, devido à falta de
comprometimento de alguns gestores. Atualmente, buscam superar os desafios
do passado e as dificuldades do presente por meio de nova forma de gerir.
Levando em consideração todos esses aspectos, foram apresentadas como
sugestões para a associação: a realização de parcerias com instituições de ensino
e órgãos governamentais para realização de capacitações e treinamentos vol-
tados para a gestão da associação; construção da sede própria e também o uso
de ferramentas e funções administrativas como: Planejamento, Organização,
Direção e Controle (PODC); livro-caixa; livro de matrícula; inventário dos
bens; relatório de gestão da diretoria; controle de pagamento de contas e rece-
bimento de recursos; ficha de controle de uso e/ou prestação de serviços dos
equipamentos da associação; controle de compras e estoque; livro de registro
de notas fiscais, definir visão, missão, valores e objetivos; e ajustar as atas de re-
uniões, de posse e de presença, de acordo com o que explica o Manual Gestão
de Associações da Sede do Estado de Minas Gerais e a Cartilha a como criar e
administrar associações de produtores rurais pelo Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Foi possível identificar com a pesquisa que a aplicação de ferramentas ad-
ministrativas voltadas a associações poderia permitir aos agricultores familiares
atender condições essenciais para ter acesso a canais importantes de distribui-
ção de produtos alimentares. Além disso, o desenvolvimento da capacidade de

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gestão coloca-se como condição para reduzir ou anular vantagens competitivas
adquiridas por outros grupos em áreas tradicionais dos agricultores familiares.
Dessa forma, considera-se que os objetivos foram alcançados, tendo em vista que
foram identificados os desafios da associação e as características dos associados,
as dificuldades que os agricultores familiares enfrentam por não estarem asso-
ciados e as ferramentas específicas para gestão foram apontadas como sugestão.
Como desafios para a construção do presente estudo, destaca-se a limitação
de pesquisas que remete à gestão de associações e poucas teorias desenvolvidas
com foco específico nessa área. Sendo assim, esta pesquisa abre perspectivas de
estudo na área de desenvolvimento de organizações coletivas, no que tange à
gestão, captação de recursos e geração de renda. Com as constatações da pes-
quisa, é recomendável a realização de um curso na associação voltado à gestão,
com foco em planejamento das atividades, controle financeiro e captação e ad-
ministração dos recursos.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 318 13/05/2021 11:42


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Fortalecimento da agricultura familiar e gestão social do conhecimento 319

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 319 13/05/2021 11:42


Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 320 13/05/2021 11:42
CAPÍTULO 21

PROMOÇÃO DA SAÚDE E DA
SUSTENTABILIDADE COM A
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIAS
SOCIAIS PARA GRUPOS VULNERÁVEIS
NO MUNICÍPIO DE BIRITINGA (BA)

CLÍCIA MARIA DE JESUS BENEVIDES


MARIANGELA VIEIRA LOPES
SIMONE DE SOUZA MONTES
ANTÔNIO CARLOS DOS SANTOS SOUZA

INTRODUÇÃO
A sustentabilidade social caracteriza-se pela busca da melhoria da qualidade de
vida da população e equidade na distribuição de renda. De acordo com Martins
e demais autores (2019), o conceito de sustentabilidade remete ao conceito de
tecnologias sociais, entendendo-a como saberes populares e científicos aplica-
dos com a finalidade de buscar soluções para problemas sociais, como reduzir
a fome, enfrentados no cotidiano e, assim, promover a emancipação social.

321

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 321 13/05/2021 11:42


Este estudo tem duas vertentes, uma educacional e outra produtiva, vol-
tadas para as tecnologias sociais e a sustentabilidade, sendo que tais vertentes
envolvem grupos vulneráveis como os alunos do ensino fundamental de esco-
las públicas municipais e comunidades quilombolas. Pautada na concepção da
educação como um campo de desenvolvimento individual e coletivo e, sendo
um dos compromissos da academia, a interligação do meio científico e a comu-
nidade, considerou-se as atividades de educação como uma forma de melhoria
da qualidade de vida e autonomia coletiva na promoção do desenvolvimento
sustentável e geração de renda nas comunidades (DAGNINO, 2012; FREIRE,
1967), inclusive as quilombolas.
Nesse contexto, a segurança alimentar permeia como um alicerce do desen-
volvimento socioeconômico, uma vez que se baseia nas condições de vida e de
nutrição adequadas, considerando as suas múltiplas dimensões. O problema da
fome e da insegurança alimentar tem uma dimensão global e acomete bilhões
de pessoas no mundo. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO) em parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE) têm promovido ações no Brasil e no mundo dentro do
projeto de Fortalecimento a Programas Sustentáveis de Alimentação Escolar
como Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional. A partir da realidade
de cada país, os gestores devem aplicar os novos conhecimentos e práticas no
desenvolvimento e aprimoramento da política pública de segurança alimentar
de seus países.
No âmbito do Programa Brasil Quilombola, no que se refere às políti-
cas universais de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) estabeleceu metas de aten-
dimento aos quilombolas no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e no
Programa Cisternas. A partir do Cadastro Único, é possível identificar as famílias
quilombolas que devem ser incluídas nos programas sociais do governo fede-
ral. O Programa Brasil Quilombola foi lançado em 12 de março de 2004, com o
objetivo de consolidar o marco da política de Estado para as áreas quilombo-
las. Com o seu desdobramento, foi instituída a Agenda Social Quilombola por
meio do Decreto nº 6261/2007 (BRASIL, 2007), que agrupa as ações voltadas às
comunidades em várias áreas como o acesso à terra, infraestrutura e qualidade
de vida, inclusão produtiva e desenvolvimento local, direitos e cidadania.

322 Clícia Maria de Jesus Benevides | Mariangela Vieira Lopes | Simone de Souza Montes | Antônio
Carlos dos Santos Souza

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 322 13/05/2021 11:42


Diante desses pressupostos, buscou-se responder à seguinte inquietação:
como a transferência de tecnologias sociais pode contribuir para melhorar a
segurança alimentar de comunidades vulneráveis? Nesse sentido, este capítulo
relatou a experiência da implantação de tecnologias sociais em comunidades
vulneráveis objetivando promover potencialidades individuais e comunitárias,
por meio da promoção da saúde e desenvolvimento sustentável.

REFERENCIAL TEÓRICO
Nesta seção, foi realizado um levantamento bibliográfico e conceitual sobre se-
gurança alimentar e promoção da saúde; tecnologias sociais, sustentabilidade
e comunidades quilombolas para contextualizar, relacionar e orientar as ativi-
dades realizadas no desenvolvimento das atividades nas escolas municipais e
comunidade quilombola Vila Nova de Biritinga (BA).

SEGURANÇA ALIMENTAR E PROMOÇÃO DA SAÚDE


O acesso à alimentação adequada é um direito humano básico que foi rea-
firmado na Declaração Universal sobre a Erradicação da Fome e Desnutrição
em 1974, na qual se salientava “que todo homem, mulher, criança tem o direito
inalienável de estar livre da fome e da desnutrição para que possa se desenvol-
ver integralmente e manter suas faculdades físicas e mentais”. (ORGANIZAÇÃO
PAN-AMERICANA DA SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1974)
No Brasil, a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) reposicionou a
questão alimentar e nutricional na agenda das políticas públicas do setor saúde
(RECINE; VASCONCELLOS, 2011), enfatizando a importância de práticas ali-
mentares e estilos de vida saudáveis como um componente fundamental para
a promoção da saúde já nos primeiros anos de vida. (BRASIL, 2008)
Nesse contexto, a questão da segurança alimentar está associada à proble-
mática da fome, a qual sempre esteve presente ao longo da história brasileira.
Apesar de Josué de Castro ter abordado essa temática desde a década de 1940,
apenas em 1986 a segurança alimentar surgiu como uma proposta política no
combate à fome. Na Cúpula Mundial da Alimentação (1996), em Roma, a FAO
começou a tratar o tema SAN como direito humano e, depois de cinco anos,

Promoção da saúde e da sustentabilidade com a transferência de tecnologias... 323

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 323 13/05/2021 11:42


uma nova cúpula Mundial da Alimentação reconhece e implanta esse direito
atribuindo à obrigatoriedade do Estado. (SILVA; MIRA, 2016)
Em 1991, foi divulgada no Brasil a proposta de uma Política Nacional de
Segurança Alimentar e, em 1993, esta proposta foi aceita como fundamentação,
entre outras, para a instalação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar
(Consea), além de contribuir com a questão agroalimentar – política agrária de
produção agrícola e política agroindustrial – e ações de combate à fome, estímulos
a práticas alimentares saudáveis, a garantia de acesso a alimentos seguros e em
condições adequadas ao aproveitamento. (MALUF; MENEZES; VALENTE, 1995)
As questões referentes à alimentação e nutrição estão sendo tratadas há
décadas sob a perspectiva de SAN. No Brasil, o MDS vem buscando pelo de-
senvolvimento e fixação de políticas de SAN relacionadas ao conjunto de pro-
cedimentos baseados no antigo Programa Fome Zero. Para tal objetivo, foram
integrados quatro eixos: ampliação ao acesso à alimentação; fortalecimento da
agricultura familiar; promoção de processos de geração de renda e articulação;
mobilização e controle social. (BRASIL, 2006b)
A agricultura familiar apresenta grande importância no Brasil na produção
de alimentos para cerca de 70% da população brasileira, e ainda contribui para
a segurança alimentar e nutricional, em especial para os povos tradicionais. Na
realidade, a agricultura familiar é uma atividade que sempre contribuiu para
a sustentabilidade das comunidades remanescentes quilombolas, valorizando
suas tradições culturais, constituídas a gerações. A agricultura familiar é repre-
sentante da vida que brota a partir da terra, com símbolos e significados, fazen-
do parte do cotidiano dos indivíduos, além de contribuir com as condições so-
cioeconômicas e com uma diversidade de alimentos destinados à subsistência
de comunidades. (SILVA; MIRA, 2016)
Quando se pensa em promoção da alimentação adequada e saudável, de-
ve-se também ampliar e expandir as diferentes estratégias de abordagem da
alimentação adequada e saudável no ambiente escolar, em articulação com o
Programa Saúde na Escola (PSE), especialmente pela valorização desse tema em
ações transversais da educação básica brasileira, fortalecendo, por exemplo, a
Portaria do Ministério da Saúde (MS) e do Ministério da Educação (MEC) nº
1010/2006. As políticas de Promoção da Alimentação Saudável (PAS) reconhe-
cem a escola como espaço privilegiado por sua contribuição para a conquista
da autonomia e a adoção de hábitos saudáveis. (CAMOZZI et al., 2015) Assim,

324 Clícia Maria de Jesus Benevides | Mariangela Vieira Lopes | Simone de Souza Montes | Antônio
Carlos dos Santos Souza

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 324 13/05/2021 11:42


a escola é considerada como um espaço de promoção da saúde, pelo papel des-
tacado na formação cidadã, no estímulo à autonomia, no exercício de direitos
e deveres, no controle das condições de saúde e qualidade de vida, bem como
na obtenção de comportamentos e atitudes saudáveis. (BRASIL, 2016a)

TECNOLOGIAS SOCIAIS E SUSTENTABILIDADE


As tecnologias sociais são importantes ferramentas desenvolvidas a partir do
conhecimento popular e de problemas locais, construídas junto à população,
baseadas na sua cultura, criatividade e na disponibilidade de recursos da locali-
dade. Pautadas nos princípios da economia solidária, as tecnologias sociais são
ferramentas e/ou iniciativas de baixo custo com alto potencial para resolução
de problemas socioeconômicos locais, e de certo modo, apresentando um con-
texto de sustentabilidade.
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável,
mais conhecida como Rio+20, trouxe como debate a economia verde no con-
texto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza. O conceito
de sustentabilidade remete ao conceito de tecnologias sociais, entendendo-a
como saberes populares aplicados com a finalidade de buscar soluções para
problemas sociais enfrentados no cotidiano e promover emancipação social.
(MARTINS et al., 2019)
A definição de tecnologia social ainda apresenta divergências dentro do estu-
do do próprio tema. Entretanto, a proposta apresentada por Jesus e Costa (2013)
afirma que a tecnologia social defende o desenvolvimento e a utilização de tec-
nologias para a inclusão social, de modo que todas as pessoas devem estar envol-
vidas, em um constante processo da ação e reflexão, enfatizando a perspectiva
do grupo social, respeitando sua realidade histórica, econômica, social e cultural.
Segundo a Constituição Federal (1988), a saúde é um direito de todos e dever
do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redu-
ção do risco de doença e de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Diante do exposto,
constata-se que a participação popular é importantíssima nesse processo, bem
como a utilização do conhecimento local. Compreender o conhecimento local
deve levar o pesquisador a extrair seus conteúdos principais para relacioná-los

Promoção da saúde e da sustentabilidade com a transferência de tecnologias... 325

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 325 13/05/2021 11:42


com conhecimentos científicos, de modo que surjam novas abordagens para
contribuir na resolução de velhos problemas.

COMUNIDADES QUILOMBOLAS
Segundo o Decreto nº 4887/2003, comunidades quilombolas são grupos étnico-
-raciais segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria
dotada de relações territoriais específicas com presunção de ancestralidade
negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. Por força des-
se Decreto, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é a
autarquia competente na esfera federal pela titulação dos territórios quilom-
bolas. (INCRA, 2019) As terras ocupadas por remanescentes das comunidades
dos quilombos são aquelas utilizadas para a garantia de sua reprodução física,
social, econômica e cultural. Como parte de uma reparação histórica, a política
de regularização fundiária de Territórios Quilombolas é de suma importância
para a dignidade e garantia da continuidade desses grupos étnicos.
Segundo o Instituto Nacional do Semiárido (INSA), no Brasil, em 2014,
existiam cerca de 3.500 comunidades quilombolas. Destas, pouco mais de 2
mil eram reconhecidas oficialmente, e somente 60 delas conquistaram a posse
da terra, sendo que metade das comunidades quilombolas está localizada na
região Nordeste.
A realidade desses grupos étnicos, hoje, ainda carece de informações sis-
tematizadas que possam subsidiar políticas públicas que propiciem melhores
condições de vida à população remanescente. As comunidades quilombolas
localizam-se em 24 estados da federação, sendo a maior parte nos estados do
Maranhão, Bahia, Pará, Minas Gerais e Pernambuco. (BRASIL, 2003)
Atualmente, mesmo com o fim da escravidão, os negros continuam a lutar,
principalmente por condições favoráveis à sobrevivência, pois muitos herda-
ram a marginalização e a pobreza. Diversas comunidades quilombolas no Brasil
vivem à margem da sociedade, excluídas, sem acesso às políticas públicas, a in-
visibilidade continua impregnada nesses grupos sociais de forma persistente.
(SILVA; MIRA, 2016)
Para Duque e demais autores (2019), no Brasil, quilombo é um conceito que
foi sendo modificado ao longo da perspectiva sociopolítica, econômica, cultural

326 Clícia Maria de Jesus Benevides | Mariangela Vieira Lopes | Simone de Souza Montes | Antônio
Carlos dos Santos Souza

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 326 13/05/2021 11:42


e no despertar das ações afirmativas dos governos recentes. Todavia, há uma
memória de luta, de resistência e, principalmente, há uma necessidade incontes-
tável de proteger os lugares de memória, de tradição e de preservação de vivên-
cias, enquanto descendentes de escravos negros presentes da história do Brasil.
De modo geral, os territórios de comunidades remanescentes de quilombos
originaram-se de diferentes situações, tais como: doações de terras realizadas
a partir da desagregação da lavoura de monoculturas, como cana-de-açúcar e
algodão; compra de terras, terras que foram conquistadas por meio da presta-
ção de serviços, inclusive de guerra, e áreas ocupadas por negros que fugiam da
escravidão. (CABRAL et al., 2013)
A certificação das comunidades quilombolas é o primeiro passo para a re-
gularização fundiária e para o reconhecimento da identidade da comunidade
enquanto remanescente de quilombo. A emissão do certificado é de responsa-
bilidade da Fundação Cultural Palmares (FCP) através da Portaria nº 98, de 26
de novembro de 2007, vinculada ao Ministério da Cultura, que tem como atri-
buição legal realizar e articular ações de proteção, preservação e promoção do
patrimônio cultural das comunidades remanescentes de quilombos, bem como
das comunidades tradicionais de terreiros. Essa legislação prevê o reconheci-
mento de quilombos através da autodeclaração coletiva do grupo.
Em 21 de junho de 2010, a comunidade de Vila Nova, localizada no município
de Biritinga (BA), foi certificada como Remanescentes de Quilombo pela FCP.
Os remanescentes de quilombo estão organizados pela Associação Comunitária
Vila Nova. (MOVIMENTO DE ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA, 2010) No Brasil,
existem centenas de processos de solicitação de regularização quilombola.
Por fim, para os quilombolas, as ações em busca de direitos sociais são utiliza-
das por meio de mecanismos da cultura como alimentação, memória e histórias
que marcaram e marcam a trajetória desses grupos. A continuidade e proteção
dessas memórias são essenciais para encaminhar positivamente as demandas
juntos aos poderes públicos.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A atividade desenvolvida foi caracterizada como pesquisa-ação. De acordo com
Severino (2007), a pesquisa-ação é aquela que tem a intenção de modificar a

Promoção da saúde e da sustentabilidade com a transferência de tecnologias... 327

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 327 13/05/2021 11:42


realidade estudada, além de realizar um levantamento diagnóstico e análise
da situação. Esta narrativa apresentou os anseios enfrentados pela comunidade
quilombola, na alimentação escolar do município e na contribuição em melho-
rar a qualidade do cardápio ofertado aos alunos com a obtenção de produtos
da agricultura familiar quilombola. Para instrumentalizar este trabalho, foram
propostas experiências de intervenção junto ao público-alvo. Para isso, fez-se
necessário apropriar-se de fontes dos temas abordados por meio da pesquisa
bibliográfica.
Este projeto é de caráter exploratório e descritivo, desenvolvido em três eta-
pas, que ocorrem em momentos distintos e nas quais foram utilizadas metodo-
logias específicas. Na 1ª etapa, foram realizadas visitas técnicas antes do início
das atividades do projeto com a função de informar os objetivos do trabalho à
Secretaria de Ação Social e de Educação do município de Biritinga (BA) e fazer
um diagnóstico da segurança alimentar nessa região. Na 2ª etapa, ocorreu o pri-
meiro contato com as merendeiras da Escola Municipal Eujácio Simões (Figura 1)
e com a Associação de Produtores e Processadores de Mandioca da Comunidade
Quilombola das Vilas Unidas (Figura 2), do município de Biritinga. Nesse mo-
mento, também foi esclarecida a finalidade do projeto e definido o cronograma
de trabalho referente às atividades a serem desenvolvidas.

Figura 1 – Escola Municipal Eujácio

Fonte: acervo dos autores (2019).

328 Clícia Maria de Jesus Benevides | Mariangela Vieira Lopes | Simone de Souza Montes | Antônio
Carlos dos Santos Souza

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 328 13/05/2021 11:42


Figura 2 – Casa de Farinha da Comunidade Quilombola das Vilas Unidas

Fonte: acervo dos autores (2019).

Na 3ª etapa, foram realizadas várias visitas para a execução das atividades,


tais como: oficina sobre Boas Práticas de Fabricação (BPF) e segurança alimen-
tar, tendo como público-alvo, os funcionários da alimentação escolar e os in-
tegrantes das associações dos produtores rurais e processadores de mandioca;
oficinas práticas para a transferência de tecnologias de elaboração de doces e
geleias de frutos regionais (caju, cagaita, mangaba); de elaboração de beijus
com adição dessas geleias; e de palestras realizadas nas escolas municipais da
região, com as oficinas executadas na cozinha da escola e nas casas de farinha
dos produtores na zona rural.
Todas as etapas foram realizadas por meio de visitas e diálogo entre os gru-
pos de pesquisa e a comunidade, buscando sempre o esclarecimento e a parti-
cipação ativa comunitária em todo o trabalho.
As atividades que culminaram na elaboração deste material se relacionam
a um projeto multidisciplinar, intitulado “Fortificação de alimentos regionais
destinados à merenda escolar”.1

1 Aprovado no edital Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Edital


MCT/CNPq nº 019/2010 Tema 2 – Cadeia produtiva de alimentos/agregação de valor nutricional aos
alimentos tradicionais na sua biodiversidade para ampliação de mercados e geração de novas opor-
tunidades, cuja instituição proponente foi o Departamento Ciências da Vida (DCV) da Universidade
do Estado da Bahia (UNEB).

Promoção da saúde e da sustentabilidade com a transferência de tecnologias... 329

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 329 13/05/2021 11:42


Este projeto envolveu a participação de oito mulheres que trabalhavam na
alimentação escolar da Escola Municipal Eujácio Simões localizada no municí-
pio de Biritinga (BA) na faixa etária entre 30 e 37 anos, e 18 indivíduos na faixa
etária entre 20 e 48 anos, de ambos os sexos, que faziam parte da comunidade
quilombola das Vilas Unidas.
Como este projeto visou desenvolver alternativas para contribuir com a se-
gurança alimentar das escolas municipais e da comunidade quilombola Vilas
Unidas de Biritinga através do uso de tecnologias sociais, foram intensificados
estudos com o aproveitamento integral de alimentos que são subutilizados
como o pedúnculo de caju (Anacardium occidentale) e a cagaita (Stenocalyx
dysentericus), regionalmente, utilizados na alimentação animal.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O questionamento levantado neste trabalho “como a transferência de tecnologias
sociais pode contribuir para melhorar a segurança alimentar de comunidades
vulneráveis?” nos levou a desenvolver um trabalho de extensão de pesquisa-ação,
baseado no caráter exploratório e descritivo envolvendo três etapas.
Na 1ª etapa, durante as visitas técnicas realizadas no município de Biritinga
(BA), nos reunimos com representantes das Secretarias da Ação Social e da
Educação, e obtivemos informações das ações de políticas públicas desenvolvi-
das no município no que se refere à merenda escolar (cardápio, aquisição dos
produtos alimentícios); a existência de comunidades quilombolas na região;
como viviam essas comunidades (trabalho e renda, alimentação, saúde, sanea-
mento básico, dentre outros). Nesse momento, foram obtidos dados que nos
deram suporte para a elaboração de um diagnóstico da segurança alimentar
envolvendo o público em estudo (alunos de escolas públicas do ensino funda-
mental e as comunidades quilombolas).
Segundo Camozzi e demais autores (2015), as atividades promotoras da
alimentação saudável na escola estão restritas à abordagem de conteúdo espe-
cífico pelos professores e modificações feitas no cardápio visando aumentar
a aceitação das preparações. Os autores sugerem mudanças na formação des-
ses atores, tornando-os ativos na PAS – políticas de promoção da alimentação
saudável – no espaço escolar. Nesse contexto, o Programa Nacional de Alimentação

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Carlos dos Santos Souza

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Escolar (PNAE), além de proporcionar assistência alimentar suplementar aos
escolares, promove a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo
de ensino-aprendizagem, estimulando, dessa forma, o envolvimento da comu-
nidade escolar nesse processo. (BRASIL, 2013)
Bezerra (2009), em seu estudo sobre significados da alimentação escolar,
identificou entre professores e gestores, a concepção de que, para os alunos
carentes, a alimentação escolar era fator motivador da frequência e da melho-
ria da aprendizagem. Por outro lado, a alimentação escolar não deve atender
apenas ao viés nutritivo, mas também atender aos hábitos saudáveis regionais,
mantendo a cultura local e satisfazendo as preferências alimentares dos alunos.
Na 2ª etapa, ocorreu uma mesa redonda com integrantes da Associação de
Produtores e Processadores de Mandioca na Comunidade Quilombola das Vilas
Unidas. Foi relatado que as estruturas física e organizacional não eram satisfa-
tórias, apesar do esforço das secretarias municipais envolvidas, para o proces-
samento da mandioca e obtenção de seus derivados como a farinha, a goma e
o beiju. O sistema para uso da casa de farinha funcionava de forma rotativa,
no qual havia uma escala em que diferentes grupos poderiam utilizar o espa-
ço em dias específicos para o processamento da mandioca. Outra dificuldade
apresentada era a intervenção dos “atravessadores” na compra dos produtos
processados, subestimado o preço de venda, ocasionando perdas econômicas
para os produtores.
Foi observado nessas visitas o descarte de alguns frutos como o caju e a ca-
gaita, que não eram valorizados e, consequentemente, pouco consumidos pela
comunidade, sendo normalmente, jogados no meio ambiente ou destinados à
alimentação animal. Salienta-se que esses frutos apresentam valor nutricional
reconhecido e que poderiam contribuir na segurança alimentar dessa popula-
ção. Diante dessa realidade, foi sugerido a elaboração de doces e geleias para
serem inseridos na alimentação escolar. E para agregar mais valor aos deriva-
dos da mandioca, foram elaborados beijus com geleias de caju e cagaita. Dessa
forma, sugere-se que maiores incentivos e melhores condições de trabalho aos
participantes das Associações de Produtores de Mandioca da Comunidade
Quilombola da região, possam promover importante transformação na alimen-
tação escolar, ao permitir que alimentos saudáveis regionais, produzidos dire-
tamente pela agricultura familiar, possam ser consumidos diariamente pelos
alunos das escolas municipais.

Promoção da saúde e da sustentabilidade com a transferência de tecnologias... 331

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 331 13/05/2021 11:42


Na 3ª etapa, foram realizadas três visitas à Escola Eujácio Simões e comuni-
dade quilombola do município de Biritinga, cuja finalidade foi realizar oficinas
sobre BPF e segurança alimentar. O público-alvo para as oficinas foram as fun-
cionárias da alimentação escolar e integrantes das associações dos produtores
rurais e processadores de mandioca; as oficinas de transferência de tecnologias
foram: elaboração de doces e geleias de frutos regionais como o caju (Figura 3),
a cagaita e a mangaba e elaboração de beijus adicionados de tais geleias (Figura 4).
As palestras foram realizadas na Escola Municipal Eujácio Simões e as oficinas,
na cozinha da escola e na casa de farinha da associação dos produtores de man-
dioca. Foi observada uma grande adesão e aceitação dessas atividades a partir
dos relatos dos participantes.

Figura 3 – Pré-preparo do caju para elaboração de doce/geleia

Fonte: acervo dos autores (2019).

Figura 4 – Elaboração de beiju com adição de geleia

Fonte: acervo dos autores (2019).

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Carlos dos Santos Souza

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Considerando que a promoção da saúde engloba ações voltadas para a
qualidade de vida, a utilização de tecnologias sociais pode favorecer essa pro-
moção, pois estimula o potencial dos participantes e permite a diversificação
da fonte de renda e o desenvolvimento sustentável, podendo assegurar saúde
e manutenção da vida.
Segundo a Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa ligada ao MS do
Brasil, estima-se que em todo país haja 214 mil famílias quilombolas com cerca
de 1,17 milhão de pessoas, das quais 78% são beneficiárias do Programa Bolsa
Família (PBF) e 75,6% destas estão em situação de extrema pobreza. (BRASIL,
2012) Esses dados socioeconômicos apontam a vulnerabilidade social a qual
estas comunidades estão imersas, bem como a necessidade de avançar na im-
plementação de políticas públicas e outras ferramentas que contribuam para o
alcance dos seus direitos, principalmente aqueles referentes à saúde e educação,
visando reduzir as iniquidades sociais.
Por fim, a avaliação e utilização de programas governamentais no que se re-
fere à segurança alimentar, sustentabilidade, comunidades tradicionais e tecno-
logias sociais, podem se configurar em um importante instrumento de controle,
participação e responsabilidade sociais, auxiliando na geração de informações
oportunas e adequadas ao entendimento dos diferentes contextos locais e ex-
periência de atores sociais.

CONCLUSÕES
Diante do exposto, conclui-se que o estudo mostrou um cenário de desafios,
fragilidades, limitações físicas, estruturais e de políticas públicas junto às co-
munidades quilombolas. Nesse sentido, a incorporação de perspectivas dos
diferentes atores pode constituir uma importante ferramenta para a operacio-
nalização de ações que possam contribuir para a segurança alimentar e susten-
tabilidade dessa população.
A utilização de programas, de forma ampliada e efetiva, com redução das
exigências excessivamente burocráticas pelos governos, nas três esferas, por
meio de leis, decretos, portarias entre outros, pode se configurar em importantes
instrumentos de controle, participação e responsabilização social, auxiliando
na geração de emprego e renda de forma sustentável nos diferentes contextos

Promoção da saúde e da sustentabilidade com a transferência de tecnologias... 333

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 333 13/05/2021 11:42


locais, em sua totalidade, considerando os aspectos culturais, ancestralidade e
vivência dos partícipes sociais. Ademais, é justificável a inclusão da comunidade
remanescente de quilombo através de transferência de tecnologias sociais no
mercado local, fortalecendo e valorizando a cultura e o desenvolvimento local.
Salientamos que o estudo possui limitações intrínsecas à abordagem me-
todológica, entre as quais um número reduzido de sujeitos – escolas públicas
municipais e comunidades quilombolas –, restringindo-se a generalizações ou
inferências de seus resultados. As conclusões devem ser consideradas no con-
texto dessas limitações.

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Carlos dos Santos Souza

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 334 13/05/2021 11:42


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CAPÍTULO 22

AS PRÁTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES DE SAÚDE À
LUZ DA GESTÃO E DA DIFUSÃO
DO CONHECIMENTO

SIMONE DE SOUZA MONTES


STELLA RENATHE TOLENTINO SILVA SOUZA
MARIA RAIDALVA NERY BARRETO

INTRODUÇÃO
A saúde é um dos fatores determinantes para a boa qualidade de vida da
pessoa. Falar em saúde é falar do ser humano na sua totalidade e universa-
lidade. O acesso às ações de saúde, à rede hospitalar, exames e outros itens,
nem sempre quer dizer que se tem boa saúde, todavia, são ferramentas
fundamentais para o monitoramento e prevenção de doenças. Contudo, o
conceito de saúde, de acordo com a World Health Organization (WHO),1

1 Organização Mundial da Saúde (OMS). Ver: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_con-


tent&view=article&id=5263:opas-oms-apoia-governos-no-objetivo-de-fortalecer-e-promover-a-sau-
de-mental-da-populacao&Itemid=839#:~:text=A%20constitui%C3%A7%C3%A3o%20da%20Orga-
niza%C3%A7%C3%A3o%20Mundial,de%20transtornos%20mentais%20ou%20defici%C3%AAncias

339

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 339 13/05/2021 11:42


(2013) teoricamente perfeito, é também utópico: “Saúde é o completo bem-
-estar físico, psíquico, social e mental e não somente ausência de afecções e
enfermidades”.
Nesse sentido, a saúde deve ser um bem individual e coletivo, pois a di-
mensão social é o que retrata a condição de se ter cidadania, em uma socieda-
de civil e organizada. Na visão de Colombo (2012), essa sociedade ainda não
conseguiu eliminar a hegemonia de um ser sobre o outro e nem as distorções
do capitalismo social. Por outro lado, o socialismo também não conseguiu
impulsionar a emancipação humana, pois falhou nas investidas e só fez au-
mentar os abismos sociais.
É importante compreender: como ter boa saúde, em contextos sociais doen-
tes? Sem contar que saúde também implica em acesso à educação, à moradia,
ao lazer, respeito à crença, à etnia, à ideologia política, ao gênero e poder aqui-
sitivo. Partindo da realidade brasileira, Andrade e demais autores (2018) apon-
tam que o gasto per capita do Brasil com a saúde é baixo, quando comparado
ao de países de renda mais elevada e está no mesmo patamar do observado nos
países sul-americanos.
Desse modo, as práticas integrativas ou naturais são elementos importan-
tes para atender às diversas dimensões da saúde e suas relações com o homem
contemporâneo, sua realidade, fundamentando-se na utilização de técnicas mi-
lenares e naturais no sentido da melhoria da saúde. Tais práticas seriam aque-
las que as pessoas utilizam, de acordo com o ensinamento e conhecimento de
seus ancestrais.
No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), as Práticas Integrativas e
Complementares de Saúde (PICS) envolvem a medicina ayurvédica, medicina
tradicional chinesa, medicina antroposófica, apiterapia, aromaterapia, bioener-
gética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição
de mãos, ozonioterapia, terapia de florais, homeopatia, plantas medicinais/
fitoterapia, arteterapia, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia,
naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia co-
munitária integrativa, termalismo social/crenoterapia e yoga. Nessa reflexão,
a gestão e a difusão do conhecimento são elementos fundamentais para que a
política pública se consolide, revertendo os desafios encontrados em ricas ex-
periências de atenção à saúde.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 340 13/05/2021 11:42


PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES DE SAÚDE E
A GESTÃO DO CONHECIMENTO
De acordo com Freire (1987, p. 33), “o conhecimento emerge apenas através da
invenção e da reinvenção, através da inquietante, impaciente, contínua e espe-
rançosa investigação que os seres humanos buscam no mundo, com o mundo
e uns com os outros”. A partir da reflexão de Paulo Freire, percebe-se que a ges-
tão do conhecimento é um dos elementos principais para alavancar políticas
públicas para inclusão e reparação social.
Uma série de contextos e dimensões está interligada a uma rede sistema-
tizada de saberes e de práticas alicerçadas na construção, gestão e difusão do
conhecimento. O que se analisa nessa questão é que existe um processo dinâ-
mico, constante, criativo e laborado na práxi diária uns com os outros, ou seja,
através da prática colaborativa.
Na perspectiva das PICS e da gestão do conhecimento, as questões para a
sua interlocução são complexas, e envolve saberes e subjetividade dos atores
na condição da doença, na saúde e no processo saúde-doença. Nesse sentido, a
gestão do conhecimento tem um grande desafio aliada às PICS: o fortalecimento
enquanto políticas públicas de saúde. Sendo assim, a difusão do conhecimento
acerca das PICS deve estar articulada com a gestão desse conhecimento de modo
a valorar o conhecimento do usuário, integrando-o ao do profissional de saúde.
Os conhecimentos sobre as PICS promovem uma experiência pessoal e co-
letiva pré-moldando um elo entre o saber do paciente e o conhecimento téc-
nico da saúde. Desse modo, integra-se à discussão a concepção do conceito de
saber: “Saber é a movimentação dos conhecimentos, no contexto da ação, rein-
ventando-os, recriando-os e traduzindo-os, de acordo com as circunstâncias da
situação”. (RIBEIRO; MENEZES; CAMPOS, 2016)
O contexto da ação se revela na própria práxis da atuação de todos os atores
dentro do SUS no que se refere às PICS. Esse “reinventar”, “recriar” e “traduzir”
coadunam-se perfeitamente com o que as PICS promovem: um novo olhar e uma
nova abordagem no cuidado e na atenção à saúde, incorporando-se às práticas
médicas convencionais, através da gestão do conhecimento.
Dentro dessa vertente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propõe que
as PICS sejam difundidas em todos os meios científicos e populares ao passo
que considera fundamental a gestão do conhecimento, orientando aos países

As Práticas Integrativas e Complementares de saúde à luz da gestão e da ... 341

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 341 13/05/2021 11:42


a implantação e a implementação dessas práticas, considerando a gestão do
conhecimento no fomento à pesquisa e ao seu desenvolvimento, na aplicação
de políticas de informação e de saúde, com os devidos regulamentos técnicos
e no fortalecimento da educação, qualificação e treinamento de profissionais.
A divulgação e difusão da informação e comunicação e o compartilhamen-
to de informações sobre políticas ocorrem pelas regulamentações, perfis de
serviço e dados de pesquisas, principalmente as informações para os usuários
do SUS; na integração, segurança e qualidade de suas metodologias; na ava-
liação das estratégias e critérios para sua efetiva integração nos cuidados de
saúde nacionais e primários; e, na avaliação de sua eficácia. (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2013)
Conforme Ribeiro, Menezes e Campos (2016, p. 166), a gestão do conhecimento
refere-se: “[...] ao planejamento e controle das ações (políticas, mecanismos, ferramen-
tas, estratégias e outros) que governam o fluxo do conhecimento em sua vertente
explícita – e para isso englobam práticas da gestão da informação – e sua vertente
tácita”. Nesse viés, para que a gestão do conhecimento das PICS seja implementa-
da, é essencial incentivar novas abordagens, novos mecanismos e novas estratégias
com a finalidade de arraigar essas práticas no seio dos serviços de saúde do SUS.
Batista (2004 apud RIBEIRO; MENEZES; CAMPOS, 2016, p. 168) enfoca que:

A Gestão do Conhecimento nas organizações públicas com objetivos


diferenciados para se buscar efetividade da ação pública. As organiza-
ções públicas devem gerir o conhecimento para [...] preparar cidadãos,
organizações ou outros setores sociais para atuarem como parceiros do
Estado na elaboração e na implementação de políticas públicas.

A adoção da gestão do conhecimento neste cenário é fundamental para fomen-


tar e fortalecer as PICS no cenário nacional, assim como a difusão de sua impor-
tância e conhecimento no acompanhamento do processo de saúde e de doença.

AS PICS E A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO POPULAR


EM SAÚDE DO SUS (PNEPS-SUS)
“A Educação, qualquer que seja ela, é sempre uma teoria do conhecimento posta
em prática” (FREIRE, 1987, p. 33), pois a educação sempre foi um dos pilares da

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transformação de realidades diversas de uma nação. Nesse sentido, a proposta
das PICS vai muito além da prevenção e da promoção da saúde em si. São ele-
mentos que ao lado da educação em saúde visam agregar ao sujeito condições
que o estimule às práticas de saúde de forma consciente, na verdade, o sujeito
consciente de si, de sua história e principalmente, autor da melhoria dos pro-
cessos de sua saúde.
Assim, a educação popular em saúde é acionada como impulsionadora das
práxis de saúde nas populações usuárias do SUS. Nesse processo de fortaleci-
mento à implementação das PICS, a Política Nacional de Educação Popular em
Saúde (PNEPS) do SUS é um marco necessário. Dessa perspectiva, Brasil (2012,
p. 217) discorre:

Com a PNEPS reafirmamos os princípios do SUS e o compromisso com


a garantia do direito à saúde mediante à implementação de políticas
que contribuam para a melhoria da qualidade de vida e diminuição
das desigualdades sociais, alicerçadas na ampliação da democracia
participativa no setor saúde [...] A Educação Popular é compreendida
como perspectiva teórica orientada para a prática educativa e o trabalho
social emancipatórios, intencionalmente direcionada à promoção da
autonomia das pessoas, à formação da consciência crítica, à cidadania
participativa e à superação das desigualdades sociais. A cultura popular
é valorizada pelo respeito às iniciativas, ideias, sentimentos e interesses
de todas as pessoas, bem como na inclusão de tais elementos como fios
condutores do processo de construção do trabalho e da formação.

Essa afirmação reflete o pensamento de Freire (1987) que relaciona a educa-


ção popular com as conquistas e melhorias de seus contextos a partir da práxi
vivenciada e da tomada de consciência crítica, deixando a consciência ingênua
para ser autor de sua própria vida, numa educação libertadora e democrática.
Freire ainda ressalta a necessidade de uma educação de práxis – ação/reflexão/a-
ção – emancipatória e de autonomia para que esta contribua para o estado de
libertação e de transformação do sujeito.
Consoante a essa realidade, a educação popular em saúde é um processo que
pode desempenhar melhorias na saúde do povo, numa condução de liberdade
de suas escolhas, seus caminhos e sua história de vida; no entanto, é um processo
que não se realiza sozinho. Nele, verifica-se a necessidade do engajamento das

As Práticas Integrativas e Complementares de saúde à luz da gestão e da ... 343

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 343 13/05/2021 11:42


comunidades, dos profissionais de saúde e de seus órgãos de classe e dos pode-
res públicos. Ainda, é fundamental agregar a responsabilidade de implantação
e de implementação das PICS e da PNEPS às três esferas dos governos, além de
sua fiscalização e a garantia do controle social; e desenvolver planejamentos e
metas que promovam a efetividade das ações, conclamando o envolvimento de
todos os atores – profissionais de saúde, gestores de saúde e sociedade – para a
realização e fortalecimento das práticas de saúde, reduzindo agravos no proces-
so de saúde-doença. Assim, a educação popular em saúde deverá:

Enfatizar não o processo de transmissão de conhecimento, mas a am-


pliação dos espaços de interação cultural e negociação entre os diversos
atores envolvidos em determinado problema social para a construção
compartilhada do conhecimento e da organização política, necessárias
à sua superação. (BRASIL, 2007, p. 12)

Essa afirmativa parece direcionar a educação para o sentido de dinamizar e


fomentar a difusão do conhecimento. Ribeiro Menezes e Campos (2016) ressal-
tam que os conceitos de difusão e conhecimento, ainda que muito discutidos,
não há um consenso definido. Dessa forma, sistematizam a seguinte concepção
para conhecimento: “Conhecimento é a apropriação cognitiva de determinado
objeto, incluindo a capacidade de explicá-lo, mas não implicando no desenvol-
vimento de habilidades”. (RIBEIRO; MENEZES; CAMPOS, 2016, p. 159)
Essa apropriação pode acontecer inclusive em espaços de educação e de co-
laboração mútuas, aplicadas, consequentemente, para transformações de reali-
dades. Assim Setzer coaduna (2001, v. 10, p. 15):

Conhecimento é uma abstração interior, pessoal, de alguma coisa que foi


experimentada por alguém. [...] não pode ser descrito inteiramente, de
outro modo seria apenas dado ou informação [...] não depende apenas
de uma interpretação pessoal, [...] requer uma vivência do objeto do
conhecimento. A informação foi associada à semântica. Conhecimento
está associado com pragmática, isto é, relaciona-se com alguma coisa
existente no ‘mundo real’ do qual se tem uma experiência direta.

Ou seja, o conhecimento interage com o que necessita ser melhorado, e pre-


cisa ser entendido, assimilado e aplicado. Assim, a difusão, segundo Pasquali

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(1978 apud MASSARANI, 1998, p. 18, grifo nosso), é: “[...] o envio de mensagens
elaboradas em códigos ou linguagens universalmente compreensíveis para a
totalidade das pessoas”. Desse modo, a difusão do conhecimento das PICS é
universal, em que todos assimilam, compreendem e são capazes de alavancar
melhorias na qualidade de vida e de saúde, utilizando saberes e conhecimentos
no sentido mais amplo que essas práticas podem propor.

A POLÍTICA NACIONAL DAS PRÁTICAS INTEGRATIVAS E


COMPLEMENTARES DE SAÚDE NO SUS E A GESTÃO DO
CONHECIMENTO: EXPERIÊNCIAS EXITOSAS E DESAFIOS
ATUAIS
As PICS são um conjunto de terapêuticas que utilizam recursos centrados em
conhecimentos da medicina tradicional, compreendendo um recurso adicional
aos tratamentos médicos convencionais. Desse modo, não podem ser conside-
radas como métodos substitutivos, mas sim complementares, sendo indicados
por profissionais capacitados e conforme as necessidades individuais e holísti-
cas de cada usuário.
Brasil (2006) ressalta que a legitimação e a institucionalização de práticas
naturais na atenção à saúde iniciaram-se a partir dos anos 1980, inclusive de-
pois da criação do SUS. Em 1985, o Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (Inamps), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e o Instituto Hahnemaniano do Brasil firma-
ram um convênio visando à institucionalização da homeopatia.
Outras ações foram realizadas no sentido da formalização das PICS até o
ano de 2005, sempre no nível de recomendação nas Conferências nacionais e
estaduais de saúde. Contudo, somente em fevereiro de 2006, o texto da Política
Nacional das Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS foi aprova-
do e publicado na Portaria nº 971 de 3 de maio de 2006, do Ministério da Saúde
(MS). Um passo relevante para o Brasil, uma vez que o aumento da participação
popular e a descentralização dos serviços de saúde fizeram com que estados e
municípios conquistassem maior autonomia para definir suas políticas e ações
em saúde, aproveitando melhor a mais recente política pública de saúde. Dessa

As Práticas Integrativas e Complementares de saúde à luz da gestão e da ... 345

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forma, a PNPIC é consolidada em 2006, sendo um grande avanço para o Brasil
que começou a atender às diretrizes da OMS:

A Organização Mundial da Saúde (OMS) vem estimulando o uso da


Medicina Tradicional e Medicina Complementar/Alternativa (MT/
MCA) nos sistemas de saúde de forma integrada às técnicas modernas
da medicina ocidental e que em seu documento - Estratégia da OMS
sobre Medicina Tradicional 2002-2005, preconiza o desenvolvimento
de políticas observando os requisitos de segurança, eficácia, qualidade,
uso racional e acesso. (BRASIL, 2006, p. 4)

Desde a aprovação da PNPIC no SUS, em 2006, houve um crescente no nú-


mero de PICS disponíveis à população, de cinco práticas para, atualmente, 29.
Esse fato, aliado às limitações do modelo biomédico, à priorização das técnicas
intervencionistas e da medicalização pela medicina moderna, favoreceram as
mudanças no conceito de saúde e de doença e a valorização das ações de pro-
moção e prevenção da saúde, influenciando significativamente na procura e
uso desses recursos no tratamento e prevenção de patologias crônicas como o
diabetes e o câncer.
Em 2004, as PICS estavam disponíveis em 232 municípios brasileiros, distri-
buídos em 26 estados, sendo 19 capitais. Em 2008, estavam presentes em 4.050
cidades. (BRASIL, 2006, 2008) Consoante a essa realidade, a recomendação das
PICS pelos profissionais e sua utilização, de forma individual e coletiva no SUS,
têm sido crescentes.
No período de 2017 a 2018, no país, houve um aumento de 46% na pro-
cura e utilização de práticas em saúde consideradas não convencionais pelo
sistema biomédico vigente como a yoga e o tai chi chuan, totalizando 315 mil
atendimentos no sistema público de saúde, sendo a média de atendimento nos
anos anteriores de 216 mil. Ainda foram registrados aumentos nas sessões de
auriculoterapia, de 157 mil para 355 mil (126%) e, de maneira geral, no número
de participantes nas atividades, de 4,9 milhões para 6,67 milhões (36%), nesse
mesmo período. (CRESCE..., 2019)
Além disso, no ano de 2018, também houve um aumento de 13% no número
de serviços públicos em saúde que disponibilizaram as práticas, passando de
22.164 em 2017 para 25.197, no referido ano. (CRESCE..., 2019) A indicação desses
recursos, no âmbito do SUS ocorre tanto no nível da atenção básica, principal

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porta de entrada do sistema público de saúde, quanto nos níveis de média e de
alta complexidade nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e instituições hospita-
lares e centros especializados, respectivamente.
Embora alguns autores relatem que a implantação das PICS nos serviços de
saúde tem sido um processo lento e gradual, dificultado pela inexistência de
registros necessários ao seu acompanhamento e avaliação, e a sua oferta não
ser de caráter obrigatório pelos municípios brasileiros, em muitas situações, os
resultados são exitosos no país.
Além disso, esses resultados são reflexos do envolvimento de profissionais
e usuários na implantação, desenvolvimento e participação nas práticas dispo-
nibilizadas nos serviços de saúde, nos quais são integrantes. E, por outro lado,
esses recursos terapêuticos têm se demonstrado eficazes na promoção da saúde
individual e coletiva, com efeitos práticos, por exemplo, na redução das sintoma-
tologias dos quadros crônicos e nos efeitos colaterais dos tratamentos médicos
convencionais e na melhoria da qualidade de vida dos adeptos.
Esse olhar diferenciado sobre o processo saúde-doença, na construção de
novos itinerários terapêuticos e racionalidades médicas pelos profissionais de
saúde, se manifesta no país muito antes ao incentivo de ampliação da oferta
das PICS nos serviços públicos de saúde pelos municípios brasileiros, dado pela
promulgação da PNPIC.
Em 1994, foi implantado, em Belo Horizonte, o Programa de Homeopatia,
Acupuntura e Medicina Antroposófica (Prhoama), tornando-se referência de ins-
titucionalização das práticas integrativas e complementares de saúde no Brasil.
E, em 2007, com o auxílio do Instituto Mineiro de Tai Chi e Cultura Oriental,
incorporou a prática do lian gong na atenção básica do município. Tais ações
promoveram melhorias na qualidade de vida dos usuários do SUS, como o con-
trole de doenças como o diabetes, a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e a
depressão. (BELO HORIZONTE, 2006; BRASIL, 2008)
Assim como em Minas Gerais, em São Paulo, na cidade de Suzano, a práti-
ca do lian gong já foi realizada com mais de 2.200 pessoas, de forma coletiva,
distribuídas em 32 grupos. Os resultados demonstrados foram satisfatórios
no controle da HAS e da depressão, o que levou a uma redução de prescrições
medicamentosas para o tratamento dessas patologias, com relatos dos partici-
pantes de melhorias no humor e na qualidade da alimentação. (BRASIL, 2008)

As Práticas Integrativas e Complementares de saúde à luz da gestão e da ... 347

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Na cidade Campinas (SP), por sua vez, muitas terapias integrativas e com-
plementares foram incorporadas no município ao longo dos anos, em resposta
às demandas produzidas ao trabalho colaborativo dos profissionais envolvidos
e da disponibilidade e interesse da gestão. São elas: homeopatia e fitoterapia
(1989), com a criação do Ambulatório Municipal de Homeopatia; tai chi chuan,
ginástica harmônica, yoga, atualização terapêutica, ginástica postural, lian gong
e osteopatia, áreas incorporadas no Programa Corpo em Movimento (2001);
acupuntura (2003), início do Projeto de Implantação da Medicina Tradicional
Chinesa na Rede Municipal de Saúde. (BRASIL, 2008)
No Amapá, em 2004, foi inaugurado o Centro de Referência em Tratamento
Natural do Amapá (CRTN), se configurando como referência para a região Norte
na assistência especializada em terapias naturais. O centro disponibiliza práticas
como a fitoterapia, homeopatia e acupuntura aos seus usuários. (BRASIL, 2008)
Diferentemente das experiências em PICS realizadas até o momento no
Brasil, focadas em ações de prevenção e promoção da saúde de maneira geral,
em 2005, no Acre, foram introduzidas as práticas da acupuntura, massagem e
fitoterapia na área de saúde da mulher, no acompanhamento durante o período
do climatério. Os resultados obtidos compreenderam melhoras em sintomas tí-
picos desse período como cefaleia, dores musculares e nos membros inferiores,
ansiedade, insônia e sensações de calor. (BRASIL, 2008)
Também, no tratamento de doenças como transtorno de humor e depres-
são, de acordo com as experiências em outras localidades do país. Apesar dos
bons resultados, após um ano do início das atividades, foram mantidas apenas
as práticas da massagem e fitoterapia para o público em geral.
Em Santa Catarina, na cidade de Itajaí, foi introduzida em 2006 a prática
milenar do do-in, terapia da medicina tradicional chinesa. Foram obtidos resul-
tados no tratamento de doenças agudas e crônicas, em especial as de origem
muscular e articulares, com ênfase na melhoria da qualidade de vida dos pacien-
tes com fibromialgia, mediante a melhoria dos sintomas e a redução no uso de
medicamentos, principalmente analgésicos e anti-inflamatórios. O município
ainda disponibiliza a prática da homeopatia aos usuários do SUS. (BRASIL, 2008)
No Ceará, pioneiro na Terapia Comunitária (TC), prática integrativa presen-
te hoje nos 27 estados brasileiros, em 2008, Fortaleza já dispunha de 30 polos
de formação em agentes de saúde nessa prática e, consequentemente, realizou
treinamento para 11.500 profissionais. (BRASIL, 2008) Essa prática tem como

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 348 13/05/2021 11:42


benefícios, o fortalecimento do vínculo profissional-usuário, das práticas de au-
tocuidado e do processo de corresponsabilização do usuário com a sua saúde.
Em Vitória (ES), no ano de 2017, 1.200 profissionais já tinham sido capacita-
dos e sensibilizados em PICS. Com a implementação da fitoterapia no municí-
pio, foram atendidos cerca de 25 mil usuários, da acupuntura e da homeopatia,
em média 6 mil e 4 mil atendimentos, respectivamente.
Na Bahia, as PICS estão disponibilizadas em 228 municípios, inclusive
Salvador, para o tratamento de doenças crônicas como a depressão e a HAS. As
práticas disponíveis para os usuários da atenção básica na Bahia são a acupun-
tura, a massagem, a medicina tradicional chinesa, o yoga, a biodança e o reiki.
(BRASIL, 2018)
Em 2015, foi implantado, em Salvador (BA), o Ambulatório de PICS, no
Ambulatório Magalhães Netto, do Hospital Universitário Professor Edgard Santos
(Hupes), centro especializado em diabetes e outras endocrinopatias. O serviço
conta com uma equipe multiprofissional composta por médico, enfermeiro, psi-
cólogo, técnicos de enfermagem e voluntários; o atendimento é realizado pelo
SUS, semanalmente, e direcionado aos usuários previamente matriculados e com
indicação clínica, onde são disponibilizadas as práticas de reflexologia podal e
reiki. (DACAL; SILVA, 2018) Na Bahia, a discussão da criação da Política Estadual
de Práticas Integrativas e Complementares de Saúde (Pepics-BA) foi instituída
em 2016, com a Comissão Interinstitucional de Implementação da PEPICS-BA
no SUS, através da Portaria SES nº 521/2016 (SECRETARIA DO ESTADO DA
BAHIA, 2018), posteriormente, publicada no Diário Oficial do Estado da Bahia
em 20 de junho de 2019, através da Resolução nº 113/2019.
Contudo, os desafios a serem superados perpassam desde a falta de financia-
mento até o não conhecimento da PNPICS por parte dos gestores, profissionais
e usuários do SUS. Ischkanian e Pelicioni (2012) elencam diversas situações que
devem ser tratadas com ênfase junto aos municípios, estados e a União, e que são
entraves para a implementação da PNPICS, para a gestão e a difusão do conheci-
mento, como: o seu financiamento está atrelado à constituição de uma Política
no nível das três esferas de governo, mas como não é uma obrigatoriedade, não
há um comprometimento para a sua implantação; a capacitação profissional em
PICS, pois a maioria dos profissionais não tem formação específica nessa área,
o que demanda aquisição de recursos financeiros e tempo disponíveis para as
capacitações, inclusive, presenciais; a resistência dos profissionais que insistem

As Práticas Integrativas e Complementares de saúde à luz da gestão e da ... 349

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no modelo hospitalocêntrico de cuidado da doença como única referência em
suas práxis em detrimento de novos modelos que priorizam a prevenção, pela
falta de conhecimentos sobre a PNPICS.

CONCLUSÃO
As PICS têm trazido inúmeros benefícios na melhoria das condições de saúde
e vida dos seus adeptos – usuários, profissionais e gestores –, com reflexos sig-
nificativos nas práticas em saúde vivenciadas no SUS. Trata-se de tratamentos
baseados na medicina tradicional, apoiados em uma visão holística do cuidado,
com vistas ao equilíbrio e a harmonia do organismo – mente e corpo.
Dessa forma, atua de forma complementar ao tratamento convencional de-
vendo, portanto, serem utilizadas em conjunto a medicina ocidental, no lócus
da assistência médica, nos serviços dos diferentes níveis de atenção em saúde.
Além disso, serem seus conhecimentos valorizados e a comunicação entre os
diferentes serviços e seus praticantes aprimorada.
O Brasil, nesse contexto, tem se destacado no cenário internacional como
referência na área de práticas integrativas e complementares, especialmente no
campo da atenção básica, sob a perspectiva da valorização de tecnologias diver-
sas nas ações de prevenção e promoção à saúde.
Desse modo, as experiências brasileiras, referenciadas nos relatórios da OMS,
aliadas às crescentes ofertas e demandas pelas PICS, relatadas neste capítulo,
reafirmam o potencial dessas práticas no cuidado da saúde da população e na
melhoria da saúde pública brasileira. Permanecem, no entanto, desafios a serem
superados como uma melhor ampliação do acesso em todo o território nacional,
do financiamento na esfera tripartite e as mudanças pertinentes na legislação,
bem como a melhoria dos mecanismos da sua gestão e difusão do conhecimento.

REFERÊNCIAS
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CAPÍTULO 23

PRESSUPOSTOS PARA A CONSTRUÇÃO


DE UMA REDE COLABORATIVA EM
EDUCAÇÃO EM SAÚDE: olhares sobre
o Programa Saúde na Escola

MARCOS VINÍCIUS CASTRO SOUZA


MARCUS VINÍCIUS SACRAMENTO FRANÇA

INTRODUÇÃO
A educação em saúde passou por diversas mudanças em sua concepção desde
o século XX até os dias atuais, perpassando por um modelo totalmente auto-
ritário e bancário até chegar à abordagem atual, na qual há interação entre os
indivíduos envolvidos, buscando troca de experiências, aprendizado e reflexão
a respeito de suas condições de vida, capacitando-os para decidir quais os hábi-
tos mais saudáveis para seu bem-estar. (BRASIL, 2006)
A partir da década de 1980, a educação em saúde tornou-se mais efetiva no
Brasil, como é observado nas Escolas Promotoras de Saúde (EPS), fortalecendo
o papel social da escola na promoção de hábitos saudáveis; e também por meio

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da educação popular em saúde, movimento de valorização do conhecimento
popular. Em 1988, a Constituição Federal garantiu a educação e a saúde como
direitos fundamentais aos cidadãos. Nesse contexto, surge o Sistema Único de
Saúde (SUS), propondo acesso universal à saúde e abordagem integral e multi-
disciplinar do ser humano, valorizando a sua autonomia e sua individualidade.
O Programa Saúde na Escola (PSE), instituído por intermédio do Decreto nº
6.286, de 5 de dezembro de 2007, busca inovar as práticas de educação em saú-
de no SUS, proporcionando formação integral de crianças, adolescentes, jovens
e adultos na educação básica, abrangendo promoção de saúde e prevenção de
agravos. Trata-se de uma ação intersetorial, orquestrada pelos Ministérios da
Educação e da Saúde.
O PSE engloba ações compartilhadas pelos campos da educação e saúde,
envolvendo, no âmbito do SUS, as equipes de saúde da família e saúde bucal,
ambas componentes da atenção primária à saúde ou básica. Nesse programa,
os profissionais estão mais próximos da comunidade e abordam o processo saú-
de-doença de forma holística, considerando os diversos determinantes sociais
desse processo, além dos fatores biomédicos.
Dentre os objetivos do PSE, destacam-se: promoção de saúde e cultura de
paz; articulação de ações do sistema público de saúde e redes de educação bá-
sica, incluindo professores, estudantes e família; formação integral dos educan-
dos; combate a vulnerabilidades em saúde, com potencial de comprometimento
do desempenho escolar; fortalecimento do trabalho em equipe entre a saúde e
os educadores; e participação da comunidade em políticas públicas de saúde e
educação. (BRASIL, 2017)
É importante destacar que o planejamento do PSE deve levar em considera-
ção os contextos escolar, socioeconômico e ambiental, os diagnósticos de saúde
da comunidade e capacidade das equipes – escolares e de saúde – para execução
dos projetos. As ações do PSE apresentam caráter longitudinal e permanente,
sendo necessárias avaliações constantes de intervenções e impactos nas con-
dições de saúde. O registro das ações é realizado no sistema de informação da
atenção básica e o monitoramento e avaliação, por equipes interministeriais da
saúde e educação.
Diante do exposto, o presente texto objetiva refletir sobre educação em saúde,
a partir de uma análise sobre o PSE, apresentando pressupostos para a constru-
ção de uma rede colaborativa em educação em saúde. Para tanto, optou-se pela

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realização de pesquisa exploratória e bibliográfica, com abordagem qualitati-
va. Pois, segundo Gil (2008), estudos exploratórios podem ser compreendidos
como pesquisas bibliográficas, já que são desenvolvidos por meio da utilização
de materiais preexistentes, tais como: livros e artigos científicos disponibiliza-
dos tanto no formato impresso como virtual.
Este trabalho estrutura-se em quatro partes: na primeira, são apresentadas
as diferenças conceituais entre educação em saúde, educação e saúde e, educa-
ção na saúde; a segunda parte traz uma abordagem histórica sobre a educação
em saúde, evidenciando o conceito de EPS; o terceiro segmento aborda cami-
nhos para a compreensão do significado da Atenção Primária à Saúde (APS), a
partir do Programa Saúde da Família (PSF) e PSE; e, por fim, a quarta parte dis-
cute educação em saúde como articulação necessária para fomentar o processo
de emancipação dos sujeitos escolares, bem como sua relevância na discussão
sobre a necessidade de mudanças no estilo de vida, agir saudável e prevenção
de doenças. O texto se encerra com a apresentação de resultados e as conside-
rações finais.

EDUCAÇÃO EM SAÚDE: DIVERGÊNCIAS CONCEITUAIS


Devido à semelhança ortográfica entre os termos, há frequente confusão no uso
dessas expressões no campo da saúde coletiva e no ambiente escolar. A “educação
em saúde” está voltada para a comunidade, enquanto a “educação na saúde” se
relaciona à atualização para profissionais da área de saúde. Educação em saúde
é uma prática social que estimula os indivíduos à reflexão de suas condições de
vida, da família e da comunidade e na construção de enfrentamento coletivo.
O Ministério da Saúde (MS) define educação em saúde como práticas que
contribuem para autonomia das pessoas nos seus cuidados e debates com os
profissionais e gestores a fim de alcançar uma atenção à saúde de acordo com
suas necessidades. (BRASIL, 2006) Para tais práticas, são necessários múltiplos
atores, dentre eles, os profissionais de saúde e educação, os gestores e a comu-
nidade. Diálogo e valorização de crenças, conhecimentos e cultura popular são
imprescindíveis para a concretização desse processo educativo.
O termo “educação em saúde” vem sendo utilizado no Brasil desde o início
do século XX, porém em sentido bem mais restrito. Inicialmente, eram medidas

Pressupostos para a construção de uma rede colaborativa em educação em saúde 355

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puramente informativas para prevenir doenças e disseminar “hábitos higiêni-
cos”. Exemplo disso é o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), com políticas
autoritárias voltadas para os estratos mais humildes da sociedade, que eram
vistos como incapazes de promover sua própria saúde. (VASCONCELOS, 2001)
A medicina científica do século XX contribuiu para afastar o médico das ações
educativas, restringindo sua atuação ao tratamento de doenças e “domesticação”
de pessoas para seguirem normas e condutas. Sendo as ações educativas, trans-
formadoras de comportamento, restritas aos professores. Por isso, conforme
corroboram Alves e Aerts (2011), os profissionais de saúde, centrados em diag-
nósticos precisos, tratamento de patologias e correção de hábitos inadequados,
tiveram poucas oportunidades de reflexão sobre suas ações em saúde.
Falkenberg e demais autores (2014) consideram que a confusão existente
ainda hoje entre os termos educação e saúde e educação em saúde – utilizados
por muitos como sinônimos – surge desse período, no qual a saúde e a educação
trabalhavam paralelo e isoladamente para o bem-estar do indivíduo. O termo
“educação e saúde”, equivocadamente utilizado ainda hoje como sinônimo de
“educação em saúde”, pode ter se originado dessa prática, indicando um para-
lelismo entre as duas áreas, com separação explícita dos seus instrumentos de
trabalho: a educação ocupando-se dos métodos pedagógicos para transformar
comportamentos e a saúde, dos conhecimentos científicos capazes de intervir
sobre as doenças.
Os termos “educação e saúde” e “educação para a saúde” ainda são utilizados
erroneamente na contemporaneidade. Ambos remetem a concepção de educação
bancária, discutida por Freire (1987), na qual os profissionais são detentores do
saber e cumprem a função de transferi-lo para os educandos. Já o termo “edu-
cação na saúde”, conforme discutido anteriormente, envolve conhecimento na
formação de profissionais da área.

EDUCAÇÃO EM SAÚDE: EVOLUÇÃO HISTÓRICA


No Brasil, a educação em saúde é inicialmente percebida, de maneira bem frá-
gil, no SESP, em 1942, criado a partir de acordo entre o governo brasileiro e es-
tadunidense, voltado para população da região amazônica e Vale do Rio Doce,
áreas de borracha e minérios, respectivamente. O objetivo desse serviço foi,

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inicialmente, oferecer assistência médica à população. Em seguida, expandiu-se
para ações preventivas, focando na medicina sanitária e promovendo o acesso
de populações mais distantes aos serviços de profissionais de saúde, a saber:
médicos, enfermeiros e visitadora sanitária. (CAMPOS, 2008)
O SESP buscou abordar a saúde em comunidades escolares, alcançando
além dos alunos, os pais e a sociedade. Cursos de capacitação foram ofereci-
dos a professores primários a fim de estabelecer meios teóricos para educação
sanitária de comunidades escolares. Dentre as dificuldades encontradas nesse
serviço, Bastos e Silva (1953) destacam baixa adesão da população, irregulari-
dade na frequência escolar devido ao trabalho infantil e dificuldade de acesso,
precariedade na formação do corpo docente e instalações insalubres.
O modelo sespiano constituía estratégia de educação em saúde autoritária,
que considerava a população passiva e incapaz, baseando-se em imposições de
campanhas sanitárias – a maioria com caráter informativo – definindo hábitos
corretos e padrão de higiene. (FALKENBERG et al., 2014) Para o SESP, o ensino
de hábitos higiênicos ficaria a cargo dos professores, que além das atividades
educativas, deveriam realizar revistas diárias dos hábitos e asseio. Além disso,
esse modelo reforça a importância de educar os pais, buscando diminuir hábi-
tos anti-higiênicos nos lares.
Em pleno século XX, com a intensa urbanização e surgimento de epide-
mias – de varíola, febre amarela, tuberculose, dentre outras – surge a “educa-
ção sanitária”. O grande exemplo foi a campanha de vacinação compulsória
de Oswaldo Cruz. Percebe-se um modelo no qual o Estado “moraliza” a grande
massa da população e os homens são levados ao ajustamento ao mundo, como
afirma Reis e demais autores (2013). A relação entre os educadores e educan-
dos é paternalista e assimétrica (FREIRE, 1987) e os últimos são culpados pelas
suas doenças. (ALVES, 2004) Percebe-se, nessa abordagem, que os determinan-
tes sociais de saúde não eram considerados, o que constituía uma grande falha,
já que as condições sociais, ambientais, de infraestrutura e educação são muito
relevantes no processo de adoecimento. Obviamente, uma família que não so-
fre privação alimentar terá menor risco de desnutrição, sistema imunológico
mais competente e menor risco de adoecimento por doenças infectocontagiosas
como tuberculose, por exemplo.
Durante o regime militar, as ações envolvendo educação em saúde se restrin-
giram ao controle sobre os sujeitos e a prevenção perdeu espaço para a medicina

Pressupostos para a construção de uma rede colaborativa em educação em saúde 357

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curativa. Contraditoriamente, o Estado impulsionou a mobilização da sociedade
civil por um novo projeto de saúde nas décadas de 1970 e 1980. (ALVES, 2004)
Esse processo aconteceu em consonância com a concepção freiriana sobre a
participação popular no processo educativo.
A educação popular em saúde surge nesse contexto, fruto da insatisfação
de alguns profissionais de saúde com as práticas tradicionais. Através da in-
serção em serviços de assistência a classes populares, havia aproximação entre
tais profissionais e a população, buscando compreender as concepções sobre
bem-estar, cuidado, adoecimento e cura. Assim, estabelecia-se uma relação dia-
lógica entre o conhecimento científico e popular para construção do saber em
saúde, a fim de reorientar as práticas e ampliar o enfrentamento de problemas
de saúde. (VASCONCELOS, 2001)
Na década de 1980, também surgem as EPS no Brasil. As escolas tornaram-se
ambientes de formação de cidadãos autônomos e aptos para atuarem nas con-
dições de saúde individuais e do meio que os cerca. Assim, o ambiente escolar
assume importante papel na educação da população, principalmente a escola
primária, a qual lida com crianças, que apresentam de grande plasticidade ce-
rebral, quando comparadas aos adultos.
Alguns anos após, fruto do movimento da Reforma Sanitária e da Constituição
Federal de 1988, surge o SUS. Aqui, a prioridade da assistência à saúde se con-
centra na atenção básica, composta por ações de promoção, prevenção de agra-
vos, diagnóstico, cura e reabilitação. Cabendo aos profissionais a competência
cultural e linguística, ou seja, compreender as necessidades e peculiaridades
dos indivíduos e grupos populacionais, adaptando suas práticas para responder
resolutivamente às demandas daqueles pacientes. Trata-se da priorização da
educação em saúde no cotidiano dos profissionais, seja em atendimentos indi-
viduais ou atividades coletivas. Dentre essas atividades, destaca-se o PSE, como
interface entre os setores da educação e da saúde para comunidade.

ESCOLAS PROMOTORAS DE SAÚDE


A escola é o meio social de interação entre educadores e educandos para cons-
trução do saber. Este deve levar em consideração aspectos ambientais, culturais,
econômicos, sociais, dentre outros, presentes na sociedade. Assim, é recomendável

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 358 13/05/2021 11:42


a introdução de estratégias de ensino e aprendizagem mais eficazes que abordem
aspectos da atualidade criticamente e que incluam os educandos e a comuni-
dade como atores nesse processo. (MAIA; SCHEILBEL, 2009)
A escola, enquanto socializadora, construtora e transformadora do saber,
assume papel crucial na formação de cidadãos com competência para promo-
ver e manter hábitos saudáveis. Partindo desse pressuposto, a Organização
Pan-Americana de Saúde (OPAS) passou a fomentar as EPS. Assim, o espaço se
configura como lócus de convivência social e solidariedade, compartilhamento
de saberes, discussão, reflexão e transformação da realidade. (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DE SAÚDE, 1998)
As EPS criaram espaços acolhedores de diálogo entre educadores, pais,
educandos, comunidade, demais membros institucionais escolares e da área
da saúde. No Brasil, as EPS junto a mudanças democráticas e na assistência à
saúde, na década de 1980, contribuíram para o fortalecimento do papel social
da escola na educação em saúde. Práticas educativas em saúde foram incorpo-
radas no cotidiano didático-pedagógico por meio da inclusão de temas trans-
versais: temas como ética e cidadania, meio ambiente, saúde e sexualidade
foram incluídos nos currículos escolares; escolas passaram a ser vistas pelos
governos como espaço para ações de promoção de saúde; a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (LDB) reforçou o papel das instituições de educação bá-
sica nesse aspecto; produção de inúmeras matérias para escola a respeito de
temas em saúde. (BRASIL, 2007)
A discussão de temas em saúde por EPS valoriza os conhecimentos prévios
dos atores do processo de ensino e aprendizagem. Sendo assim, a construção
dos saberes envolve a incorporação de novas ideias a estruturas já construídas
(assimilação) ou reconstrução/readaptação de objetos novos a esquemas pre-
viamente construídos (acomodação). (WADSWORTH, 1996)

ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E PROGRAMAS SAÚDE DA


FAMÍLIA E NA ESCOLA
O conceito de APS foi definido enquanto meta até o ano de 2000 pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) na Declaração de Alma-Ata, em 1978. De acordo com
esse documento, a APS constitui o primeiro nível de contato do usuário com o

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sistema nacional de saúde. Através desses serviços, a assistência à saúde é leva-
da o mais próximo possível da comunidade, ou seja, garantindo acompanha-
mento longitudinal das famílias, em todas as fases da vida. (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DE SAÚDE, 1978) Um exemplo de atenção primária no Brasil são os
“postos de saúde”, que funcionam dentro das comunidades e cujos profissionais
são responsáveis pelo acompanhamento de famílias definidas pelo município,
de acordo com o território.
Essa declaração mostrou a necessidade da criação de sistemas de saúde
universais, integrais e com participação da comunidade (participação social).
Contrapondo-se ao modelo hospitalocêntrico, centrado na doença e em hos-
pitais, processos curativos e na figura do profissional médico. Para Bárbara
Starfield (2002), são princípios da APS: o primeiro contato com o usuário; a
longitudinalidade no acompanhamento de famílias; a integralidade no atendi-
mento; coordenação dos cuidados em saúde; centralização na família; e orien-
tação comunitária.
No aspecto da educação em saúde, devido a maior relevância dos dois últi-
mos princípios, cabe aprofundar-se. O educando altera o meio e é influenciado
pelo mesmo, estabelecendo relações com vários grupos na sociedade, dentre
eles, destaca-se a família. As relações entre o educando e os membros da famí-
lia podem refletir no processo saúde-doença e no desempenho desse sujeito na
vida e no ambiente escolar. A orientação para comunidade refere-se à relevância
de aspectos sociais, econômicos, ambientais e da comunidade no adoecimento.
(REICHERT et al., 2016)
Nesse contexto, surge no Brasil, dentro do SUS, o Programa de Saúde da
Família, como principal estratégia para implantação da atenção primária. Nesse
programa, cada equipe de saúde da família é responsável por determinada região
da comunidade (microárea), com número definido de indivíduos, estabelecendo
vínculo com as famílias, escolas da área e outras instituições, como igrejas, ter-
reiros de candomblé etc. Cada equipe é constituída por médico generalista ou
especialista em saúde da família, enfermeiro, técnico de enfermagem e agentes
comunitários. A equipe de saúde bucal pode ser acrescentada ao rol de profis-
sionais da equipe multidisciplinar. (BRASIL, 2012)
As equipes abordam a família e seus ciclos, levando-os em consideração nos
processos de adoecimento, compreendendo que os diferentes tipos de famílias
e os aspectos culturais, socioeconômicos e ambientais que contribuem para o

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bem-estar global de cada indivíduo. Já a orientação comunitária, trata-se da
participação social no processo de tomada de decisão quanto a sua situação de
saúde, bem como análise de necessidades específicas de cada população a fim
de intervir em suas realidades. (STARFIELD, 2002) Aqui, a educação em saúde
fortalece tais intervenções através da troca de experiências, valorização dos sa-
beres populares, ações de promoção e prevenção, dentre outras.

O PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA


A articulação entre a escola e a equipe de saúde da família é imprescindível
para execução do PSE, buscando melhorias das condições de vida da popula-
ção. Assim, a promoção de saúde e prevenção de agravos para professores, fun-
cionários, educandos e famílias devem partir de experiências e conhecimentos
individuais, interpretação de realidades e empoderamento da comunidade a
fim de assumir posturas mais saudáveis. (BRASIL, 2015)

As práticas em Educação em Saúde devem considerar os diversos con-


textos com o objetivo de realizar construções compartilhadas de saberes
sustentado pelas histórias individuais e coletivas, com papéis sociais
distintos – professores, educandos, merendeiras, porteiros, pais, mães,
avós, entre outros sujeitos –, produzindo aprendizagens significativas e
ratificando uma ética inclusiva. Desse modo, dimensionando a partici-
pação ativa de diversos interlocutores/sujeitos em práticas cotidianas, é
possível vislumbrar uma escola que forma cidadãos críticos e informados
com habilidades para agir em defesa da vida e de sua qualidade, e que
devem ser compreendidos pelas equipes de Atenção Básica em suas
estratégias de cuidado. (BRASIL, 2015, p. 7)

Em documento direcionado a gestores do PSE, o Ministério da Educação,


em conjunto com o MS, definem como diretrizes (BRASIL, 2015):

• Descentralização e respeito à autonomia federativa, sendo permitido


às unidades federativas planejamento e execução das atividades, res-
peitando as características regionais;
• Territorialidade: considerar determinantes de saúde, características
culturais, socioeconômicas, ambientais do território a fim de promo-
ver ações educativas;

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• Interdisciplinaridade e intersetorialidade, proporcionando troca de
saberes e experiências entre profissionais da saúde e educação. Esses
pontos são importantes para integralidade à saúde de crianças e ado-
lescentes;
• Integralidade na saúde e educação, integrantes de uma formação am-
pla para a cidadania e plenitude dos direitos humanos, permitindo
estratégias de fortalecimento de vulnerabilidades na saúde com reper-
cussão no desempenho escolar;
• Cuidado longitudinal e acompanhamento compartilhado entre as
equipes de saúde e de educação durante o desenvolvimento dos edu-
candos;
• Controle social através da articulação de saberes, a participação de
toda comunidade na construção e controle social das políticas públi-
cas da saúde e educação.

Para tanto, a gestão no PSE no âmbito federal é composta por equipes do


Ministério da Educação e da Saúde, os quais compõem o Grupo de Trabalho
Intersetorial Federal (GTI-F), cujas funções são: garantir reuniões da Comissão
Intersetorial de Educação e Saúde na Escola (Ciese) – para acompanhamento das
ações estaduais e municipais no programa; definir prioridades e metas; apoiar
os gestores estaduais e municipais; subsidiar planejamento de ações. (BRASIL,
2015, 2018)
Os GTIs estaduais e municipais são compostos por membros das Secretarias
de Saúde e Educação, além de participação popular: sociedade civil, represen-
tantes de jovens, transportes, Organizações Não-Governamentais (ONGs), den-
tre outras representações. (BRASIL, 2015) Cabe aos Estados apoiar os gestores
municipais, indicar membros representantes estaduais para o GTI municipal,
monitorar e avaliar o programa, educação permanente dos profissionais. Dos
municípios, é responsabilidade propiciar articulação entre as equipes de saú-
de e educação, planejar e executar o PSE, estimular a incorporação de temas
abordados no PSE no projeto político pedagógico institucional, acompanhar a
execução e geração de dados. (BRASIL, 2015, 2018)
Em relação à avaliação das condições de saúde, o PSE propõe a articulação
entre as equipes da educação e saúde, bem como protagonismo dos educandos,
emponderando-se enquanto agentes no processo educacional e atitudes saudá-
veis. As condições de saúde desses sujeitos são avaliadas por profissionais de
ambas as áreas. Tais situações sempre devem ser acompanhadas de atividades

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de educação em saúde, visando a assimilação de informações e promoção do
autocuidado. Dentre as ações de avaliação, pode-se citar: avaliação oftalmoló-
gica, do crescimento e desenvolvimento, saúde bucal e verificação de situação
vacinal. (BRASIL, 2015)
Imprescindível que sejam criadas estratégias para estimular a busca da uni-
dade de saúde pela família não só em situações de agravos, mas principalmente
para ações de promoção e preventivas, tais como: vacinação, grupos educativos,
consultas de puericultura – crescimento e desenvolvimento das crianças –, pla-
nejamento familiar – orientações quanto ao planejamento reprodutivo e méto-
dos de contracepção e prevenção de infecções sexualmente transmissíveis – e
consultas clínicas de rotina. Dentre essas estratégias, o Caderno do gestor do PSE
(2015) traz a programação de visitas educativas às unidades de saúde e inclusão
de temas relacionados no projeto pedagógico institucional da escola.
O conceito de promoção à saúde foi abordado na Conferência Internacional
sobre Promoção à Saúde, em Ottawa, como “processo de capacitação da comu-
nidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo
maior participação no controle desse processo”, (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL
DE SAÚDE, 1986, p. 1) em 1986. Essas ações buscam diminuir desigualdades em
saúde e garantir recursos para que as comunidades exerçam seus potenciais em
saúde. Tal exercício apenas é possível por intermédio da habilitação dos sujei-
tos para conhecerem suas condições determinantes no processo de bem-estar
global. A responsabilidade por essa promoção deve ser compartilhada entre
os vários setores da sociedade: instituições educacionais, saúde, ONGs, Estado,
comunidade, famílias e indivíduos.
A educação em saúde apoia o desenvolvimento social abrindo um leque
de possibilidades para que a população atue no controle sobre as condições do
meio ambiente e suas condições de bem-estar. Assim, a escola e as instituições
de saúde seguem, juntamente a comunidade, em sinergismo pelo “cuidado de
cada um consigo mesmo e com os outros, pela capacidade de tomar decisões
e de ter controle sobre as circunstâncias da própria vida, e pela luta para que a
sociedade ofereça condições que permitam a obtenção da saúde por todos os
seus membros”. (BRASIL, 2002, p. 25)
O processo de prevenção direciona-se a evitar o surgimento ou progressão
de doenças conhecidas, reduzindo prevalência e incidência desses agravos.
Os objetivos principais de tais ações são o controle da transmissão de doenças

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 363 13/05/2021 11:42


infecciosas e reduzir complicações patológicas. (CZERESNIA; FREITAS, 2003)
Sendo assim, destacam-se ações de combate a vetores de doenças como dengue,
esquistossomose, dentre outras; higiene para prevenção de transmissão de ver-
minoses; uso de preservativos para evitar infecções sexualmente transmissíveis,
imunizações, alimentação saudável para evitar progressão de doenças já insta-
ladas, campanhas de conscientização sobre a importância do uso do cinto de
segurança e riscos de direção sob embriaguez. Segundo Leavell e Clarck (1976),
a prevenção exige uma ação antecipada, levando em consideração a evolução
natural dos agravos, a fim de evitá-los.
Os temas em promoção e prevenção em saúde definidos como prioritá-
rios pelos Ministérios da Educação e Saúde são: segurança alimentar e da
alimentação saudável; cultura de paz e direitos humanos; saúde mental na
escola; prevenção de acidentes e diversos tipos de violência; ações para for-
tificação alimentar de crianças; preservação do meio ambiente e desenvolvi-
mento sustentável; estímulo à atividade física, de lazer e práticas corporais
nas escolas; direito sexual e reprodutivo; prevenção de Infecções Sexualmente
Transmissíveis (ISTs), Aids; e formação de jovens multiplicadores para atua-
rem nesses setores; raças, etnias, gêneros e diversidades sexuais; álcool e ou-
tras drogas. Vale ressaltar que esses temas são discutidos com os educandos
de acordo com as faixas etárias.
O processo de capacitação das equipes atuantes no PSE, tanto na educação
quanto da saúde é de competência das três esferas: federal, estadual e munici-
pal. A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) orquestra
articulações necessárias para educação e formação continuada de profissionais
do SUS, tratando-se, assim, de uma política de educação na saúde. A produção
de conhecimento baseia-se também nas vivências, realidades e problemas en-
frentados pela população, bem como em suas interpretações acerca dos mes-
mos. A educação permanente baseia-se na aprendizagem significativa, com a
construção de conhecimentos novos por meio do diálogo com conteúdos pré-
vios. (BRASIL, 2010)
No âmbito da formação em saúde, destaca-se também o conceito de EPS,
conforme já abordado, que buscam nutrir condições de bem-estar nos ambien-
tes escolares, de maneira integral e integrada. As ações de formação do PSE são
divididas em quatro estratégias principais, de acordo com o Caderno do gestor
do PSE (2015):

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• Formação permanente de GTI;
• Formação de jovens protagonistas para o PSE por meio da metodolo-
gia de educação dos pares;
• Formação de profissionais da educação e da saúde nos temas relativos
ao PSE;
• Cursos de Educação a Distância (EAD) para profissionais.

EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UMA ARTICULAÇÃO NECESSÁRIA


O Caderno do Gestor do PSE (2015) impõe a construção dialógica de uma rede
colaborativa entre a educação e a saúde, visando um melhor acolhimento, aten-
dimento e acompanhamento dos educandos que são atendidas pela educação
básica pública. Essa articulação não é fácil, porém, necessária. Pois, compreen-
de-se que pode proporcionar aos sujeitos atendidos pela escola, um maior en-
tendimento sobre a relevância do cuidado e do desenvolvimento de ações coti-
dianas que contribuam com a prevenção de doenças, bem como com o processo
de melhoria da qualidade e condições de vida dos sujeitos.
É nessa perspectiva que a educação em saúde potencializa o papel da esco-
la como espaço de formação e emancipação dos sujeitos. Pois, contribui com a
construção e difusão social do conhecimento, visando à realização e promoção
de atividades educacionais em saúde, cujo objetivo central está atrelado a aqui-
sição da autonomia na identificação das necessidades e no desenvolvimento
de mudanças atitudinais, comportamentais e sociais. Tais práticas objetivam
estilos de vida cada vez mais saudáveis e alinhados com a proposta de promo-
ção do bem-estar.
A interface educação e saúde compreende que o processo de aprendizagem
dos sujeitos baseia-se nas especificidades do contexto sócio-histórico-cultural em
que estão inseridos, numa relação que promova a problematização da realidade.
Integrar educação em saúde é promover a saúde por meio do desenvolvi-
mento de variadas estratégias pedagógicas no cotidiano institucional da escola.
Para isso, é imprescindível estabelecer parceria entre educador, educandos, pro-
fissionais de saúde e demais membros da comunidade, pois, é por intermédio
dessa parceria que todos poderão participar ativamente do processo de trans-
formação socioeducacional dos sujeitos, assim como encontrar alternativas
mais apropriadas e mais saudáveis de existência. Tal possibilidade passa a ser

Pressupostos para a construção de uma rede colaborativa em educação em saúde 365

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 365 13/05/2021 11:42


assegurada a partir do rompimento com a concepção de ensino e aprendiza-
gem bancários, em que o educador estabelece uma relação hierarquizada com
os educandos, bem como é considerado detentor do conhecimento e todo o
processo centra-se em sua figura.
A construção de uma escola promotora de saúde e qualidade de vida não se
apresenta como tarefa simples, considerando as dificuldades encontradas nesse
processo, como: choque entre as agendas dos profissionais da escola e profis-
sionais de saúde; ausência de formação em serviço adequada aos professores;
excesso de responsabilidade e demandas outras que acabam por burocratizar
a função docente; ausência e/ou dificuldade no envolvimento dos pais nas pro-
postas desenvolvidas pela escola; discrepância entre a realidade vivenciada na
escola e as propostas estruturadas pela equipe de saúde, dentre outras. Esses
são alguns dos fatores que corroboram para dificultar a construção de uma rede
colaborativa entre educação e saúde, conforme apontado por Gomes (2009).
A pedagogia libertadora de Freire (2001) contribui com o rompimento da
educação em saúde numa perspectiva bancária, pois propõe um trabalho pos-
sível de fomentar nos sujeitos atendidos pela escola a reflexão crítica sobre o
mundo que o cerca, o desenvolvimento da autonomia e um processo de eman-
cipação. Assim sendo, a pedagogia libertadora parte do processo de problema-
tização da realidade do educando, estimulando-o a perceber e ler o mundo de
modo crítico e reflexivo.
Esse método de ensino e aprendizagem atrela-se a uma relação dialógica en-
tre educador e educando, que se apresentam como sujeitos aprendentes, numa
relação horizontalizada e mediada pelo diálogo e pela construção coletiva e
colaborativa do conhecimento. Isto é, na medida em que privilegia o diálogo,
o método ocasiona um processo comunicativo crítico e reflexivo entre os ato-
res do processo escolar, já que tanto o educador como os educandos ensinam e
aprendem nesse âmbito, ou seja, “o educador não é o que apenas educa, mas o
que, enquanto educa, é educado”. (FREIRE, 1987, p. 39)
É por meio de um trabalho pedagógico, dialógico e colaborativo que as ações
voltadas para a conscientização dos sujeitos sobre a necessidade da aquisição
de hábitos saudáveis ocorrem, numa proposta problematizadora da realidade.
A esse respeito, Libâneo (1983) estabelece que o processo de aprendizagem es-
colar não se dissocia da realidade concreta dos educandos, desenvolvendo-se
por intermédio da aproximação crítica e reflexiva do seu contexto.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 366 13/05/2021 11:42


Por conseguinte, torna-se relevante compreender e valorizar os saberes que
os educandos trazem do contexto sócio-histórico-cultural, no qual estão inseri-
dos. Nesse cenário, o Caderno do Gestor do PSE (2015, p. 8) evidencia que

Nas escolas, o trabalho de promoção da saúde com os estudantes, e


também com professores e funcionários, precisa ter como ponto de
partida ‘o que eles sabem’ e ‘o que eles podem fazer’. É preciso desen-
volver, em cada um a capacidade de interpretar o cotidiano e atuar de
modo a incorporar atitudes e/ou comportamentos adequados para a
melhoria da qualidade de vida.

Atrelar educação e saúde é pensar num processo de ensino e aprendizagem


capaz de estimular nos educandos o pensamento crítico e reflexivo sobre a saúde
e a necessidade do desenvolvimento de hábitos saudáveis e atitudes que contri-
buam com a aquisição de uma melhoria na qualidade de vida. Assim, compreen-
de-se a importância de um trabalho educativo que possibilite a integração entre
escola e unidade de saúde da família, visando a formação para a cidadania, com
participação ativa na sociedade. Uma estratégia para a promoção da educação
em saúde é o desenvolvimento dos círculos de cultura, compreendidos por Freire
(2001) como uma proposta pedagógica libertadora e democrática, que propõe
um processo de ensino e aprendizagem com caráter transversal e, portanto, sem
fragmentações e impulsionador da tomada de consciência e posicionamento
ante a realidade concreta em que estão inseridos os sujeitos.

CONCLUSÃO
No presente texto, buscou-se refletir sobre educação em saúde, a partir de uma
análise sobre o PSE. Assim, verificou-se que não se pode abordar a referida te-
mática sem compreender sua dimensão e caráter complexo, pois, representa um
desafio para os profissionais das duas áreas envolvidas, considerando a dimensão
do trabalho que precisa ser implementado, bem como da necessidade do desen-
volvimento e/ou fortalecimento de uma rede colaborativa em educação e saúde.
A educação em saúde é uma ferramenta promotora de saúde e qualidade
de vida para os sujeitos. Entretanto, as dificuldades encontradas para efetivação
da rede colaborativa entre escola e unidade de saúde têm se constituído como

Pressupostos para a construção de uma rede colaborativa em educação em saúde 367

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 367 13/05/2021 11:42


fator preponderante para a realização de práticas desconectadas da pedagogia
libertadora proposta por Freire (2001).
A falta de diálogo entre as equipes – da saúde e educação – e planejamento
são fatores que também dificultam a plena execução do PSE. É importante lan-
çar mão de estratégias para aproximar os temas das diversas realidades dos estu-
dantes, levando em consideração a faixa etária, as condições socioeconômicas e
aspectos culturais. Assim, pode-se estabelecer a comunicação efetiva, dialógica,
troca de experiências e ressignificação de conceitos e práticas.
O acompanhamento longitudinal, conforme preconiza o SUS, seria importante
também no PSE. Infelizmente intervenções pontuais são corriqueiras, restritas
apenas a alguns dias no ano, no período destinado ao PSE. A longitudinalidade
dessas ações permitiria acompanhar a evolução da comunidade escolar, inter-
venções adequadas, criação de vínculo tanto com os educandos quanto com os
profissionais da escola, reforçando a intersetorialidade e multidisciplinariedade.
Por fim, deve-se entender que o processo de adoecimento sofre influência
dos determinantes sociais de saúde, assim, é necessário evitar a culpabilização
do sujeito e comunidade sobre a precariedade e miserabilidade de sua existên-
cia, pois práticas como essas incorrem em assistência precária à saúde e difi-
culdade de diálogo na educação em saúde. As atividades propostas precisam
estar atreladas ao contexto sócio-histórico-cultural em que os sujeitos apren-
dentes estão inseridos, pois o pensar e o agir em saúde são influenciados por
experiências e crenças de um determinado grupo, e ainda assim, variam de um
indivíduo para o outro.

REFERÊNCIAS
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368 Marcos Vinícius Castro Souza | Marcus Vinícius Sacramento França

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 368 13/05/2021 11:42


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Pressupostos para a construção de uma rede colaborativa em educação em saúde 369

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 369 13/05/2021 11:42


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370 Marcos Vinícius Castro Souza | Marcus Vinícius Sacramento França

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 370 13/05/2021 11:42


CAPÍTULO 24

APRENDIZAGEM COLABORATIVA A
PARTIR DE UMA FERRAMENTA DE
JOGOS EMPRESARIAIS: um estudo
de caso da disciplina Simulação
Empresarial

JOÃO PAULO DOS SANTOS SIMPLÍCIO


MARIA INÊS CORRÊA MARQUES

INTRODUÇÃO
É notório que devido à complexidade de atuação profissional num mercado
cada vez mais exigente e que anseia por um perfil mais completo, universidades
têm buscado revisar seus componentes curriculares de tal forma que possam
contemplar não apenas competências essencialmente técnicas, mas também
competências transversais, desenvolvidas durante a formação acadêmica. Ao
mencionar competências transversais, Ceitil (2010) as diferencia de competên-
cias específicas declarando que as primeiras dizem respeito àquelas que não são
contextuais e que são transferíveis a diferentes contextos, enquanto as específi-
cas são associadas a uma determinada função, profissão ou emprego.

371

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 371 13/05/2021 11:42


No âmbito da educação superior, segundo Brasil (2005), o curso de gradua-
ção em Administração deve possibilitar a formação profissional que revele al-
gumas competências e habilidades. Uma delas diz respeito ao reconhecimento
e definição de problemas, bem como o equacionamento de soluções de forma
estratégica, introduzindo modificações no processo produtivo, atuando preven-
tivamente, além de transferir e generalizar conhecimentos e exercer, em dife-
rentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão.
Com o intuito de desenvolver não apenas essa, mas outras competências no
meio acadêmico, buscamos pesquisar metodologias que promovam uma apren-
dizagem mais ativa, a exemplo, da aprendizagem colaborativa que estimula: o
pensamento crítico; o desenvolvimento de capacidades de interação, negociação
de informações e resolução de problemas; o desenvolvimento da capacidade de
autorregulação do processo de ensino-aprendizagem. (TORRES; IRALA, 2004)
Uma das características da aprendizagem colaborativa é o entendimento de
que o conhecimento é construído socialmente, na interação entre os indivíduos
envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, e não pela transferência de
conhecimento do docente para o discente. Assim acontece na prática de jogos
empresariais, que segundo Silva, Oliveira e Motta (2013) permitem que os discen-
tes busquem e manipulem informações de acordo com suas percepções diante
da problemática exposta, assumindo o papel ativo no processo de ensino e a
responsabilidade pela construção do seu próprio conhecimento.
Dessa forma, o objetivo desta pesquisa foi investigar a hipótese, através de
um estudo de que a aprendizagem individual se dá a partir da aprendizagem
coletiva proporcionada por um ambiente de simulação de mercado no com-
ponente curricular Jogos Empresariais do curso superior de Administração de
uma universidade privada. As seções subsequentes irão abordar os conceitos
de aprendizagem colaborativa e jogos empresariais, base teórica para o estudo
de caso. Em seguida, serão apresentados os procedimentos metodológicos e a
análise de dados do referido estudo de caso, objeto desta pesquisa.

APRENDIZAGEM COLABORATIVA
A aprendizagem colaborativa fomenta a aprendizagem na medida em que ela é
considerada uma metodologia, na qual, por meio do trabalho em grupo e pela

372 João Paulo dos Santos Simplício | Maria Inês Corrêa Marques

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 372 13/05/2021 11:42


troca de conhecimento entre as pessoas envolvidas no processo, aprendem jun-
tas. (BERNARSKI; ZYCH, 2008) Segundo Mattews e demais autores (1995 apud
BERNASKI; ZYCH, 2008), a aprendizagem colaborativa proporciona um apren-
dizado ativo, de forma que o torna mais efetivo do que receber a informação
passivamente. Também é correto afirmar que a participação dos discentes em
grupos ajuda-os no desenvolvimento de habilidades de pensamento elaboradas,
e aumenta as habilidades individuais para o uso do conhecimento.
Dillenbourg (1999 apud TORRES; IRALA, 2004), de uma maneira simplifi-
cada, explica que a aprendizagem colaborativa acontece quando duas ou mais
pessoas aprendem ou tentam aprender algo juntas, de forma que esta prática
pode ser presencial ou virtual, síncrona ou assíncrona, esforço totalmente em
conjunto ou com divisão de tarefas.
Sabe-se ainda que ao adotar a aprendizagem colaborativa, diversas vivências
são proporcionadas combinando dinâmicas e resultados de aprendizagens di-
ferentes em contextos específicos. Torres e Irala (2004) ressaltam que o docente
deve criar situações de aprendizagem em que possam ocorrer trocas significati-
vas entre os discentes e entre eles e o docente. Na prática, os autores enumeram
que os principais objetivos da aprendizagem colaborativa são: a) a modificação
do papel do docente que passa ser visto como facilitador; b) o desenvolvimento
de habilidades de metacognição; c) ampliação da colaboração na aprendizagem,
na qual os discentes ensinam uns aos outros mutuamente.
Posto isso, Mattews e demais autores (1995 apud BERNASKI; ZYCH, 2008)
destacam como principais características da aprendizagem colaborativa, que
serão investigadas neste estudo: a definição de papéis negociada e definida
pelos próprios membros do grupo; os conflitos no grupo são resolvidos pelos
próprios membros; as tarefas são divididas de acordo com a expertise de cada
membro; há uma preocupação com a aprendizagem individual de cada membro;
a liderança é partilhada; é perceptível uma responsabilidade mútua partilhada;
a equipe acompanha a sua própria produtividade.
Assim, é possível afirmar que através das discussões em grupo e pela expe-
rimentação entre os seus membros, a aprendizagem se torna mais significativa.
Para tanto, a escolha da metodologia a ser utilizada deve ser um fator a ser con-
siderado no processo de aprendizagem colaborativa. Para esta pesquisa, duas
metodologias a partir daquelas apresentadas por Torrres e Irala (2004) se des-
tacam: Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) e Aprendizagem Baseada

Aprendizagem colaborativa a partir de uma ferramenta de jogos empresariais 373

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 373 13/05/2021 11:42


em Projetos (ABP), tendo em vista que o objeto deste estudo possui alguma si-
milaridade com as duas metodologias.
A primeira metodologia contribui com a rede de inteligência coletiva que é
criada a partir das trocas de informação através de mensagens entre os discen-
tes e destes com o docente. Enquanto a segunda evidencia as novas formas de
aprender em grupo a partir da discussão gerada em torno do problema inicial
que lhe é apresentado.

JOGOS EMPRESARIAIS E AMBIENTE DE SIMULAÇÃO


A partir da década de 1970, jogos empresariais passaram a ser utilizados em
instituições brasileiras devido à sua dinamicidade e hoje faz parte de um com-
ponente curricular na maioria das faculdades de Administração. Os jogos em-
presariais é um método dinâmico que permite aos participantes vivências de
gestão na medida em que eles constroem, a partir do cenário proposto, estra-
tégias para tomada de decisão. A partir das situações ou problemas expostos,
os discentes poderão criar estratégias que serão testadas através das simula-
ções dos jogos, podendo ocorrer em ambientes informatizados ou não. (SILVA;
OLIVEIRA; MOTTA; 2013)
O feedback numa metodologia de simulação empresarial é imprescindível
na medida em que o docente, na figura de facilitador, poderá apontar a relação
de causa-efeito a partir dos resultados das decisões tomadas. Com isso, o proces-
so de ensino e aprendizagem em gestão se torna proveitoso, pois permite que
os discentes desenvolvam a capacidade de observar as consequências de suas
decisões e a possibilidade de se aprender com os erros.
Segundo Silva, Oliveira e Motta (2013), através de um simulador empresa-
rial informatizado, é possível gerar relatórios que apresentem uma evolução
percebida pelos próprios participantes na medida em que eles revisam as de-
cisões para uma nova aplicação da mesma estratégia impactando na sua visão
de longo prazo. Uma ferramenta de simulação empresarial poderá evidenciar
alguns benefícios dos jogos empresariais, como, por exemplo, aproximar o
participante da realidade empírica da área que irá atuar e despertar no apren-
diz uma visão sistêmica ao identificar os componentes curriculares integrados
nas decisões tomadas.

374 João Paulo dos Santos Simplício | Maria Inês Corrêa Marques

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 374 13/05/2021 11:42


Costa e Pastana (2015) relatam que existem diversas empresas e universidades
especializas em desenvolver simuladores que retratam a realidade de mercado
no qual estamos inseridos no Brasil. A ideia é simular o ambiente empresarial,
colocando os participantes em situações similares às que os executivos enfrentam
no cotidiano, de forma que o algoritmo por trás das simulações busque testar
a combinação de decisões tomadas entre os membros das equipes e o impacto
delas nos seus concorrentes. A situação apresentada no jogo permite que os par-
ticipantes analisem e apliquem conceitos e conhecimentos concebidos outrora
para resolver o problema em questão.
No Simulare (2019), ambiente de simulação empresarial objeto de estu-
do desta pesquisa, o docente realiza o cadastro prévio dos discentes que são
divididos em empresas que concorrem entre si num mercado específico e
estabelece uma comunicação por troca de mensagens através da ferramenta,
além da orientação presencial, evidentemente. Através do ambiente de simu-
lação, o docente poderá também definir o número de rodadas de decisões.
A cada nova rodada, as equipes tomam decisões relacionadas ao preço do
produto/serviço, ao investimento em propaganda, prazos de recebimentos
e pagamentos, bem como às compras de insumos e máquinas, contratação e
demissão de pessoal, empréstimos, dentre outras. Todas as decisões são to-
madas de acordo com as análises das regras do jogo, das notícias publicadas
no portal de notícias da ferramenta, dos relatórios contábeis e gerenciais com
gráficos emitidos pelo simulador e das políticas e metas da empresa simulada.
(SIMULARE, 2019)
Diante das situações e informações expostas a cada rodada, os participantes
compartilham seus pontos de vista e, após um debate acerca das suas vivências,
aprendem uns com os outros, convergindo na definição das decisões elencadas
para o período. Dessa forma, ao revisitar os conceitos iniciais abordados aqui,
podemos inferir que a aprendizagem colaborativa acontece na dinâmica de
jogos empresariais.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O método utilizado na pesquisa possui uma abordagem quali-quantitativa
de natureza aplicada quanto aos objetivos, pois foi realizada por meio de um

Aprendizagem colaborativa a partir de uma ferramenta de jogos empresariais 375

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 375 13/05/2021 11:42


experimento controlado, no qual os discentes receberam orientações acerca
do simulador e do mercado hipotético. No que diz respeito à pesquisa de cam-
po, optou-se pelo método do estudo de caso, que, segundo Gil (1996), trata-se
de um estudo profundo de um ou poucos objetivos que permita uma pesqui-
sa mais apurada pelo pesquisador. O estudo de caso foi realizado no primeiro
semestre de 2019 nas turmas do sétimo período do curso de bacharelado em
Administração de uma instituição privada localizada em Salvador (BA), cujo ob-
jeto se concentrou em investigar a aprendizagem colaborativa através de uma
ferramenta de simulação empresarial.
Na busca pelo feedback dos participantes sobre a disciplina de uma forma
sistêmica, adotamos como técnica de coleta de dados um questionário on-line
respondido durante os meses de maio a julho de 2019, através da ferramenta
on-line Survey Monkey, formado por dez questões, sendo oito objetivas e duas
subjetivas. Outra técnica propiciada pelo estudo de caso foi a observação dire-
ta, uma vez que foi possível identificar as trocas de experiências entre os parti-
cipantes e suas opiniões sobre a aprendizagem adquirida durante as rodadas e
nas tentativas de identificar as estratégias estabelecidas entre os concorrentes.
Pode-se dizer que a observação foi realizada durante dos períodos bem defini-
dos: o período de testes para que os discentes se acostumassem com a ferramen-
ta e o período considerado como avaliação pontuada através dos dez períodos
simulados.
No que diz respeito à análise documental, os documentos analisados fo-
ram as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do curso de graduação em
Administração, bacharelado (2005), a estrutura do Plano de ensino da discipli-
na Simulação Empresarial (2019) aplicado nas três turmas do Bacharelado e o
Manual dos diretores do ambiente de Simulação Empresarial, cujo objetivo foi
estabelecer uma interseção entre as características da aprendizagem colabora-
tiva e competências trabalhadas durante o processo de ensino e aprendizagem
na referida disciplina.
Também foi realizada uma pesquisa bibliográfica acerca dos conceitos de
aprendizagem colaborativa e jogos empresariais que serviram de embasamento
teórico capaz de apoiar a interpretação e análise dos dados coletados.
Nesse contexto, a investigação teve três propósitos: avaliar a ferramenta
como ambiente de aprendizagem; avaliar o processo de aprendizagem coletiva

376 João Paulo dos Santos Simplício | Maria Inês Corrêa Marques

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 376 13/05/2021 11:42


e individual; e identificar os componentes curriculares da formação do admi-
nistrador nas simulações dos períodos.

RESULTADOS
Nosso ponto de partida para a análise dos dados obtidos através da aplicação
do questionário on-line consistiu em agrupar as respostas em três blocos. Do
total de 115 discentes, somando-se as três turmas de Simulação Empresarial, o
quantitativo de respondentes foi de 76, equivalente a 66,08%.
Classificamos o primeiro bloco como o conjunto de perguntas relacionadas
à disciplina Simulação Empresarial em si, explorando não apenas a sua carga
horária, mas também o manuseio da ferramenta de simulação. Ao questionar
sobre a carga horária presencial da disciplina que corresponde a 50 minutos
de aula, a maioria optou entre “insuficiente, mas atende ao principal objetivo
da disciplina” e “satisfatória”, com 46,05% e 39,47%, respectivamente. Dando
continuidade, perguntamos como os discentes avaliariam o processo de apren-
dizagem a partir do simulador utilizado na disciplina e 75% dos respondentes
apontaram de ser fácil o processo, pois conseguiram assimilar o conhecimento
adquirido ao longo do curso com as situações propostas. No entanto, é válido
observar que a maior parte da disciplina acontece de forma virtual, proporcio-
nada pelo simulador.
A maioria também, 77,63% dos respondentes, disse ter sido relevante o pe-
ríodo de testes no simulador utilizado, pois a prática fornecia outras variáveis
não previstas no Manual dos diretores do ambiente de Simulação Empresarial.
No segundo bloco, concentramos os questionamentos relacionados à
aprendizagem individual a partir das análises e discussões realizadas em
grupo acerca das situações e/ou problemas apresentados pelo ambiente de
simulação. Apesar de 36,84% dos respondentes apontarem que a interação
entre os membros da equipe foi fundamental para a aprendizagem indivi-
dual, conforme a Figura 1, observamos que não há uma concentração numa
única alternativa. Isso nos permite ratificar que a aprendizagem individual é
própria e depende do quanto o aprendiz consegue se envolver com o grupo,
e nos possibilita apontar que o indivíduo em si contribui ou não para a apren-
dizagem colaborativa.

Aprendizagem colaborativa a partir de uma ferramenta de jogos empresariais 377

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 377 13/05/2021 11:42


Figura 1 – Autoavaliação da aprendizagem a partir das análises e discussões em grupo

Fonte: elaborada pelos autores, através do software Survey Monkey (2019).1

Com o objetivo de estudar de forma mais aprofundada, algumas respostas


das questões subjetivas foram levadas em consideração. Ao solicitar que o res-
pondente comentasse sobre sua experiência acerca da ferramenta adotada na
disciplina e de que forma ela contribuiu ou não para a sua aprendizagem, sele-
cionamos as seguintes respostas:

Apesar da disciplina ter uma carga horária pequena, foi possível com-
preender o que a disciplina quis passar através do jogo. Com o simulare,
consegui compreender como de fato a empresa funciona na prática,
como são realizadas as estratégias utilizadas para a tomada de decisão.
(Respondente 75)

Foi uma experiência muito interessante, apesar da nossa equipe ficar


em último lugar, deu para notar a importância e os desafios gerido pelo
jogo até chegar ao objetivo final que é o lucro. Um dos fatores muito
importante também é que mostra que temos que está atento ao mercado
diariamente e acompanhar o mercado que estamos inseridos de perto,
e que são muito importantes as decisões a serem tomadas, onde mostra
que uma decisão tomada pode impactar tanto positivamente ou nega-
tivamente levando o negócio a falência ou ao sucesso. (Respondente 69)

1 Ver: https://www.surveymonkey.com.

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Tivemos também opiniões divergentes, apesar de a maioria ter comentado
que a ferramenta facilitou a aprendizagem, a exemplo:

Não me familiarizei muito com o Simulare. Ainda não identifiquei o


motivo pois a situação do jogo é interessante. Quanto ao aprendiza-
do, o professor expôs os assuntos de forma eficiente. As aulas teóricas
foram mais proveitosas para mim que as aulas práticas do Simulare.
(Respondente 41)

Na medida em que as práticas eram observadas, bem como os diálogos sobre


quais estratégias a serem utilizadas naquele cenário proposto, ficava evidenciado
um ciclo de aprendizagem vivencial proporcionado por jogos empresariais que
ia se aprimorando a partir do momento que se aprendia com os erros e quan-
do os aprendizes ensinavam uns aos outros, desde a interpretação do cenário
simulado até a análise dos resultados de cada período.
No que diz respeito à identificação de algumas práticas de colaboração du-
rante a disciplina, obtivemos os seguintes percentuais através de uma questão
de múltiplas respostas: 64,47% consideraram que os conflitos no grupo são
resolvidos pelos próprios membros e a equipe acompanhava sua própria pro-
dutividade; 61,84% dos respondentes também escolheram a opção que dizia
que a liderança foi partilhada; 59,21% sinalizaram que a definição de papéis
foi negociada e definida pelos próprios membros do grupo; 51,32% responde-
ram que foi possível perceber uma responsabilidade mútua partilhada; 50%
declaram que as tarefas foram divididas com a expertise de cada membro; e
48,68% apontaram que houve uma preocupação com a aprendizagem indivi-
dual de cada membro.
Ainda sobre a colaboração em grupo como um impacto para a aprendizagem
individual, solicitamos que os respondentes comentassem sobre sua experiência
nesse quesito, obtendo diversas opiniões acerca dessa dinâmica:

A dinâmica proposta pelo docente fez com o que os componentes esti-


vessem engajados durante o processo da atividade proposta em sala.
Desse modo, a dinâmica em grupo me proporcionou mais interação
com a turma além de promover mais conhecimento sobre a disciplina.
(Respondente 75)

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As reuniões em grupo foram fundamentais para compartilhar
conhecimentos e tirar dúvidas, pois nem sempre tínhamos certeza
daquilo que estávamos aplicando para confirmar nossa decisão.
(Respondente 42)

Possibilita formas interessantes de se trabalhar em grupo, principal-


mente pelo fato de que há diversas áreas da empresa e cada um ter
a responsabilidade por uma determinada área. Isso permite discutir
ideias e estratégias como uma empresa do mundo real. Sendo assim,
creio que o simulador atende ao que é proposto de maneira satisfatória.
(Respondente 33)

Bom, apesar de uma ótima ferramenta, metade do grupo não contribuiu


em nada, não dava opiniões, não tomava decisões, apenas concorda-
va. Dessa forma, a outra metade da equipe ficou sobrecarregada [...].
Portanto, acredito que seria necessária alguma forma de avaliar essa
participação individual. (Respondente 20)

Houveram pessoas que não se empenharam em aprender e compartilhar


experiências com o simulare (infelizmente), mas minha experiência
foi ótima com aqueles que se empenharam, apesar de alguns atritos,
o jogo proporcionou uma troca de experiências bem enriquecedora.
(Respondente 12)

A partir das respostas e das ações observadas, ainda que houvesse alguns
casos pontuais de não colaboração em grupo, a maioria demonstrou que as
discussões tecidas entre os membros da equipe fomentaram a aprendizagem
individual de cada componente.
No terceiro e último bloco, foi possível perceber não apenas através do
questionário, mas também da observação direta que os discentes conseguiram
identificar outros componentes curriculares do curso, conforme Figura 2, na
página seguinte. Para esse questionamento, cada respondente poderia indicar
mais de uma opção.
A partir desse resultado, ao realizar uma análise documental, identificamos
uma convergência entre o manual dos diretores – papéis definidos no ambiente
de simulação, e os componentes apontados pelos respondentes.

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Figura 2 – Componentes curriculares identificados durante o processo de aprendizagem

Fonte: elaborada pelos autores, através do software Survey Monkey (2019).

CONCLUSÃO
Foram coletados dados a partir de um feedback de estudantes do bacharelado
em Administração de uma instituição privada de ensino superior, dos quais obte-
mos informações referentes à contribuição da disciplina Simulação Empresarial
no âmbito da aprendizagem colaborativa através de uma ferramenta tecnoló-
gica que simulasse uma realidade de mercado. Embora tenha sido identificado
que para alguns discentes a dinâmica de grupo e a utilização do simulador não
contribuíram para sua aprendizagem individual, a maioria apontou como uma
experiência enriquecedora.
Ao investigar como se dá a aprendizagem individual a partir da aprendiza-
gem coletiva proporcionada pelo referido ambiente, ficou evidenciado a com-
provação da hipótese, pois a principal contribuição da aprendizagem colabora-
tiva é a sinergia criada entre indivíduos que pensam diferente, a vivência desse
processo e a construção de um produto que somente pode ser alcançado com
a contribuição de todos os participantes, que se configuram como aprendizes.

Aprendizagem colaborativa a partir de uma ferramenta de jogos empresariais 381

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Algumas observações acerca da insuficiência da carga horária presencial da
disciplina foram levantadas. No entanto, torna-se necessário ressaltar que a di-
nâmica do ambiente de simulação extrapola o debate presencial, uma vez que
a ferramenta proporciona um diálogo entre os discentes dos grupos e desses
com o docente, de forma virtual.
Conclui-se que ao aproximar o discente de uma realidade simulada, pró-
xima àquela que será vivenciada após a conclusão da faculdade, o mesmo não
apenas resgata, mas também desenvolve as competências apontadas pelas
diretrizes curriculares presentes em outras disciplinas, além disso, na medida
em que se toma decisões acerca do ambiente corporativo, muitas são baseadas
em aprendizagem coletiva a partir das discussões acerca do cenário que lhe é
apresentado.
Sugere-se que o estudo sirva de base para identificar a possibilidade de apli-
cação de jogos empresariais em outras disciplinas promovendo ainda práticas
de colaboração em equipe.

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382 João Paulo dos Santos Simplício | Maria Inês Corrêa Marques

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 382 13/05/2021 11:42


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Aprendizagem colaborativa a partir de uma ferramenta de jogos empresariais 383

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 383 13/05/2021 11:42


Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 384 13/05/2021 11:42
CAPÍTULO 25

DESENVOLVIMENTO DE UMA
PERSPECTIVA DE EDUCAÇÃO BASEADA
NO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA

EUDES MATA VIDAL


FRANCISCA DE PAULA DA SILVA SANTOS
ALFREDO EURICO RODRIGUES MATTA

INTRODUÇÃO
Baseado no estudo realizado no ano de 2019 o presente capítulo tem como fina-
lidade refletir sobre as primeiras ações referentes à proposta de pesquisa baseada
em uma proposta didática baseada no ensino de História e Geografia implicado
com a experiência prática da comunidade do antigo quilombo do Cabula para
a mobilização do TBC nas unidades municipais localizadas na região.
O Cabula é um território marcado por uma grande migração da população
de afrodescendentes ao longo dos séculos XVIII e XIX. Estas migrações ocor-
reram em razão da fuga de mulheres e homens negros e mestiços, contra o sis-
tema escravagista senhorial, que dominava a sociedade à época. Como forma
de resistência produziram um quilombo nas redondezas, que por sua vez seria
destruído pelas forças de opressão senhorial. (MARTINS, 2018)

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Entretanto, alguns remanescentes do antigo quilombo que conseguiram
resistir, acabaram construindo junto com a elite que também migrou para a
região do Cabula, uma espécie de comunidade rural, formada por chácaras
e sítios, dentro da urbanidade de Salvador oitocentista. Decerto, que tempos
depois, os moradores e trabalhadores das antigas propriedades rurais, tiveram
que se adaptar aos processos de modernização da cidade, que aconteciam de
forma efervescente principalmente em meados do século XX sobre o território
do Cabula. (NICOLIN, 2014)
As mudanças empreendidas ao longo da cidade, trariam impactos profundos
sobre a população daquele território. Assim sendo, as populações das antigas
chácaras e casebres daquela região, seriam mais uma vez segregadas para regiões
ainda mais distantes do centro urbano, uma vez que o Cabula é considerado a
região “miolo” da cidade, e dentro do próprio bairro, os afrodescendentes ocupa-
riam regiões com menor infraestrutura no interior da região. (MARTINS, 2018)
Contudo, essas mesmas populações segregadas, também seriam responsáveis
por construir um perfil sociocultural e uma paisagem local singular, próprias
das práticas culturais produzidas pela amálgama dos povos de origem diversas
do continente africano, europeu e também dos descendentes dos povos indí-
genas locais. (NICOLIN, 2014)
Nesse sentido, estes saberes impregnados nas práticas culturais dos 17 bair-
ros que representam o Cabula, segundo os moradores locais, nos provocou a
pensar como o conjunto cultural reproduzido por décadas na região, poderiam
ser articulados junto aos processos escolares produzidos pelas escolas munici-
pais do Cabula.
Sendo assim, chegamos ao entendimento que o modo tradicional de ensi-
nar história e geografia, componentes pelo qual o estudo local e do meio po-
deriam ser produzidos, não estaria apresentando um impacto esperado na for-
mação implicada com o estudo local e sua relação com os conteúdos escolares.
Acreditamos que as perspectivas de aprendizagens dos componentes curricu-
lares citados, muitas vezes não dialogam com aspectos reais do vivido e do ex-
perimentado por esses alunos que têm relação direta com as próprias histórias
e de suas famílias.
Em vista do exposto, buscaremos discutir no presente texto, alguns ele-
mentos didáticos que possam contribuir para um saber implicado com o saber
comunitário. Além disso, acreditamos que podemos encontrar elementos nos

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materiais didáticos que promovam uma articulação entre os conteúdos escola-
res, tais quais a migração e ocupação dos povos étnico-raciais, dando destaque
para a população afro-ameríndia, assim como os desafios que marcam a segre-
gação socioespacial e o empobrecimento da população local, a relação de tudo
isso com as reminiscências do antigo Quilombo do Cabula, que é nosso foco.
(MARTINS, 2018)
Neste capítulo, também pretendemos trazer algumas reflexões acerca do
contato do pesquisador junto a comunidade das escolas municipais do Cabula,
visando a implementação do projeto para a construção didática baseada no en-
sino de história e geografia para a aplicação do turismo de base comunitária.
Trabalhamos com a perspectiva do design cognitivo de base socioconstrutivista
para produção de sequências didáticas capazes de sistematizar as proposições
de aula que são desenvolvidas a partir de princípios e estudos de contexto sobre
a história e a cultura do Cabula e entorno.

ASPECTOS METODOLÓGICOS E A PESQUISA APLICAÇÃO


Tomamos como base epistemológica e educacional a perspectiva socioconstru-
tivista, por entendermos que a mesma se aproxima aos ideais teórico-metodo-
lógicos referente à valorização da pluralidade sociocultural e do conhecimento
de saberes e fazeres comunitários, enquanto conteúdos que deverão compor e
construir processos de ensino e aprendizagem articuladores das perspectivas,
que reúnam os conteúdos escolares e experiências cotidianas dos estudantes
em suas comunidades, no caso, o Cabula e seu entorno. O socioconstrutivismo
é uma teoria sobre o conhecimento humano, que compreende a educação como
uma ação de internalização e criação/recriação do mundo objetivo/subjetivo
coletivamente.
O pensador Lev Semenovtch Vygotsky, com a sua equipe de pesquisadores,
compreendeu que para além de um momento maturacional, ou de fixas etapas
para o desenvolvimento acontecer, o conhecimento humano é uma atividade
de natureza biológica, mas principalmente sociocultural. Nesse sentido, fica
evidente a importância em debruçar nossa reflexão para compreender algumas
das matrizes dos pressupostos da Teoria da Psicologia Histórico-Cultural, que
traz para os estudos do comportamento a compreensão marxista dialética da
história e seus processos de transformação do pensamento humano.

Desenvolvimento de uma perspectiva de educação baseada no turismo de base comunitária 387

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 387 13/05/2021 11:42


O processo de cognição humana perpassa por aspectos que abrangem a
relação com o mundo externo, ou seja, histórico, social e cultural e, por conse-
quência, sua difusão, bem como os processos de internalização e autoconstru-
ção dialógica com outros pares da convivência psicossocial. Nesse sentido, a
cognição encaminha-se pela interação entre o sujeito que constrói conhecimen-
to, o ambiente histórico e cultural em que está inserido, e que terá uma forte
determinação nesse processo de autoconstrução, a relação com seus pares de
aprendizado e compartilhamento de experiências em seu processo de desen-
volvimento mental. (VYGOTSKY, 1984, 1997)
É importante considerar a relevância de um contexto ativo e significativo
e contextualizado de aprendizagem, no qual o estudante interage e medeia
com seus pares que atuam sobre o conhecimento compartilhado e difundido,
construindo em conjunto a partir de suas referências de contexto, que atenda a
uma diversidade de situações de experimentação e sentido. Portanto, o ato de
ensino é, sobretudo, uma ação de mediação, pois deve trazer como princípio a
capacidade de intermediar e intervir no processo, na relação entre os sujeitos
que aprendem e seu universo externo.
A intenção social da educação socioconstrutivista seria promover uma so-
ciedade mais emancipada e transformada pelo entendimento das dimensões
e singularidades responsáveis por criar um sentido humanizador, na medida
em que a educação, enquanto síntese do conhecimento coletivo atemporal, reú-
ne potencialmente processos de mediação e desenvolvimento cultural em seu
conhecimento de mundo para um sentido cada vez mais amplo. (VYGOTSKY,
1984, 1997)
Em Gasparin (2012), encontramos alguns elementos base, que julgamos
coadunar com os estudos baseados na pesquisa aplicada, que é o método his-
tórico materialista dialético aplicado aos processos educacionais. Segundo esse
método, a construção do conhecimento tem como foco a prática social, pro-
blematização dessa mesma prática. Portanto, buscamos estabelecer junto aos
discentes a relação entre o conteúdo de sua vida cotidiana, necessidades, pro-
blemas e interesses, tendo em vista a realidade objetiva, enquanto tomada de
consciência que deve motivar o educador a relacionar os conteúdos escolares
aos interesses dos alunos.
Decerto que, quando se trata dos conteúdos escolares, muitas vezes, os mes-
mos são apresentados de forma distanciada do mundo prático, e é, portanto,

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necessário contextualizá-los dentro dos componentes curriculares, fazendo assim
com que esse conhecimento se torne de fato pertencente, considerando a rela-
ção com a totalidade social no qual esse aluno precisa aprender. Nesse sentido,
os estudos de Vygotsky (1984, 1997) sobre estágio e o nível de desenvolvimen-
to e suas zonas de interação e mediação ajudam a entender que os educandos
chegam na escola com suas experiências.
De acordo com Gasparin (2015), entendemos que a aprendizagem escolar
precisa articular aquisição e a necessidade de compreensão das bases do conhe-
cimento científico, conhecimento espontâneo, isto é, a experiência concreta e
objetiva, vivenciada na prática social tanto de professores, quanto de alunos em
seu cotidiano dentro e fora da escola.
Quanto ao aspecto metodológico, adotamos como base deste estudo,
Design-Based Research (DBR) em sua versão brasileira denominada de Pesquisa-
Aplicação (PA), que é um tipo de pesquisa, que ao ser aplicada à educação deve
gerar uma intervenção importante na comunidade a qual o estudo está inseri-
do, uma vez que ação é resultante de um estudo sistematizado e coletivamente
legitimado pela comunidade que estabelece um processo colaborativo com a
pesquisa. (PLOMP et al., 2018)
A DBR, ou PA tem como finalidade identificar e analisar os problemas
encontrados pelo pesquisador e a comunidade de colaboração que está in-
serida neste estudo. As soluções desenvolvidas pela PA acontecem por meio
de um modelo protótipo a ser aplicado no contexto em que o trabalho está
implicado. Nesse sentido, a solução prototípica surge com o desenvolvimento
de alguns passos, dentre eles está o levantamento de estudos oriundos do
conhecimento de especialistas acadêmicos na temática em articulação com
os saberes comunitários, enquanto parte importante para alimentar tanto o
design, fase de levantamento dos princípios do modelo que será desenvolvi-
do como protótipo.
O Turismo de Base Comunitária (TBC) que preconizamos é uma ação ca-
talisadora de processos organizativos de cunho coletivo, forjado em torno da
valorização de saberes e fazeres comunitários. Esta dimensão é totalmente ali-
mentada pela experiência comunitária, ou seja, dos moradores que adotam o
TBC como projeto de atuação em seu próprio meio.
Ao tratar da relação entre o TBC e processos educacionais, principalmente
mediados por unidades escolares, apontamos para as possibilidades de encontro

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 389 13/05/2021 11:42


entre a dimensão multirreferencial, própria desta ação, e a experiência inter-
disciplinar de tratamento de conteúdo, tanto por professoras quanto por estu-
dantes. Sendo assim, discutiremos a seguir, como projetamos em nosso design
didático, essa articulação para a experiência escolar.

REFLEXÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DO


PROCEDIMENTO DE SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS PARA
UMA EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DE TURISMO
DE BASE COMUNITÁRIA
Os estudos teóricos e os saberes comunitários servem para produzir conhecimen-
to para a construção de contexto, que, no nosso caso, refere-se aos estudos sobre
o processo histórico, a cultura e a educação no Cabula, desde seu processo como
quilombo até os dias atuais. Doravante, as fases que se referem tanto ao design,
quanto à modelagem do protótipo, se apoiam no contexto, enquanto espaço
no qual a discussão sobre os princípios teóricos e metodológicos se articulam
a partir dos ciclos iterativos de formação, desenvolvimento e principalmente
avaliação do protótipo e seus princípios, que ao ser avaliado pela comunidade
implicada na pesquisa, será legitimada ou receberá recomendações para mu-
danças com fins em seu aprimoramento.
Os estudos sobre educação e socioconstrutivismo, TBC e aprendizagens
sobre história e geografia para os anos iniciais de ensino, são alguns dos
pressupostos que serão basilares para compor as reflexões sistemáticas res-
ponsáveis pelo aprimoramento dos princípios educacionais que deverão
ser aplicados em ciclos de revisão do projetado e aplicado na comunidade
de colaboração.
Por sua vez, a escolha pela referida abordagem metodológica foi justificada
pela afinidade com pressupostos epistemológicos, pensamento crítico e com-
plexo, difusão do conhecimento e multirreferencialidade, além do engajamento
educacional e políticos que subsidiam este estudo, uma vez que o campo polí-
tico se desenvolve pelo compromisso e engajamento social com a transforma-
ção das realidades sócio educacionais pautadas em princípios que advêm de
discussões com a comunidade escolar e entorno, contextualização da pesquisa
e valorização dos elementos socioculturais locais.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 390 13/05/2021 11:42


Compreendemos que o instrumento adequado a ser utilizado para ajudar
na reflexão sobre a aplicação deste estudo foram “os diários de pesquisas”, bem
como as sequências didáticas, enquanto elementos de registro e autoformação
do pesquisador, enquanto indicativo de sua ação como parte da pesquisa, de
modo a contribuir para uma autocrítica e reflexão sobre a trajetória de constru-
ção da relação com a comunidade engajada e colaborativa do processo didático.
A partir de nossa experiência inicial de contato com algumas turmas das
unidades municipais do Cabula, percebemos ser importante iniciarmos as ati-
vidades didáticas, dialogando com a comunidade escolar e seu entorno, para
extrair elementos, que possam nos ajudar entender a linha de discussão sócio-
-histórica e geográfica, na qual os alunos estão inseridos.
Nesse sentido, observamos que a perspectiva do processo teórico-metodoló-
gico deve ser a realidade prática do aluno, como elemento de reflexão e aplica-
ção dos conteúdos escolares. Julgamos que faz sentido esse procedimento, uma
vez que o materialismo histórico defende a ideia que a transformação social é
resultado da conscientização dos sujeitos acerca da situação de transformação
no mundo e de sua história.
Por conseguinte, fomos percebendo a importância de verificarmos anteci-
padamente, junto aos estudantes, quais ideias eles possuíam de suas experiên-
cias e impressões acerca da própria comunidade e sua relação com os conteú-
dos escolares.
Assim, parece que fica mais fácil de alcançarmos a percepção das zonas de
desenvolvimento que os estudantes já possuem, visando entender os níveis de
desenvolvimento educacional e social da turma.
Para tanto, o trabalho com rodas de conversa foi necessário para estabelecer
o diálogo e a escuta dos estudantes da comunidade na qual a escola está inserida
e por isso foi fundamental possibilitar uma prática em que o companheirismo
e construção de redes de confiança e possibilidade, fluírem para além de um
aspecto autoritário e violento como parte da ação pedagógica. Conforme diz
Paulo Freire (1997), é o educador que se faz educando na medida em que apren-
de e se coloca na posição de aprendente junto aos seus alunos.
Nesse sentido, a colaboração e a participação dos alunos permitiram a ex-
pressão de seu nível de desenvolvimento atual, trabalhado para ampliação da
totalidade do mundo em suas multidimensões partindo do seu contexto práti-
co que é a sua própria comunidade em sua história e culturas ativas, sobretudo

Desenvolvimento de uma perspectiva de educação baseada no turismo de base comunitária 391

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resgatando a sua ancestralidade. A observação e análise dos níveis de desenvol-
vimento permitiram a seleção de procedimentos e estratégias de aprendizagem
mais adequadas para que o conhecimento comunitário possa fluir e, de forma
mediada, estabelecer uma conexão com os conteúdos escolares. (GASPARIN, 2012)
Neste caso, preconizamos como elemento mediador e articulador, a prática
social inicial é sempre a contextualização do conteúdo. É contextualizando o
assunto a ser desenvolvido em sala de aula, que o aluno percebe a relação com
sua vida prática. (GASPARIN, 2012)
Nesse sentido, a partir da participação do estudante no momento da aula,
fica evidenciado o momento no qual o aluno se encontra, ou seja, sua zona de
desenvolvimento atual e como devem ser utilizadas as estratégias e procedimen-
tos para ampliar e alcançar os objetivos e habilidades escolares.
O encaminhamento das atividades junto aos estudantes teve início com
a apresentação dos objetivos e explicitação de alguns conteúdos a serem tra-
balhados no programa elaborado na pesquisa e implicados com a história e o
contexto do Antigo Quilombo do Cabula. Na prática, o anúncio dos conteúdos
realiza-se quando se informa aos alunos quais tópicos e subtópicos serão abor-
dados nas próximas aulas. É a listagem dos temas a serem desenvolvidos com
seus respectivos objetivos. Esse procedimento auxilia os educandos a assumirem
o encaminhamento do processo pedagógico. (GASPARIN, 2012)
É a partir do que os alunos já sabem sobre aquele tema e estimulados pela
mediação dos docentes, que eles devem ser desafiados a mostrar aquilo que já
sabem sobre o conteúdo, articulado pela vivência escolar. Assim sendo, estudar
o meio é proporcionar aos alunos uma investigação pautada para suas próprias
realidades de forma a dar significado e importância no aproveitamento.
É nesse sentido que a base do nosso estudo deve propor contato complexo
com o vivenciado e observação, pela estação da natureza e da cultura na busca
de um esquecimento e domínio do conhecimento sobre a sua própria realidade
interpretada pelos conhecimentos científicos. Para tanto, precisa-se pensar em
propostas que trabalham com a utilização de uma didática mais apropriada para
o estudo do contexto, a partir de observações de campo, interligados ao deba-
te a discussão sobre algum tema ou temática que envolve aquela comunidade;
além de trazer dados a ser compreendido sobre um determinado fenômeno e
organização do conhecimento extraescolar.

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Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 392 13/05/2021 11:42


É importante considerar leituras de documentos sobre a realidade dos con-
textos, como jornais, folhetos, revistas, que expressem o lugar do vivo/viven-
ciado, tais como imagens, áudios ou audiovisuais que possam trazer elementos
a serem utilizados para compreender as relações construídas ao longo da his-
tória e da memória das comunidades na qual os alunos estão inseridos. Outro
aspecto, entendendo que a base da nossa proposta tem uma articulação com
a posição do TBC, que é levar os alunos a compreender que em suas comuni-
dades, nas ruas, praças, no bairro como todo, existem potenciais de visitações
que precisam ser explorados e que muitas vezes não passam percebidos pelas
próprias comunidades e seus moradores.

CONCLUSÃO
Finalizamos com uma projeção em demonstrar como as sequências didáticas
podem permitir aos alunos um olhar sensível para os temas abordados, promo-
vendo construção de roteiros, identificação e mapeamento de potenciais espaços
de visitação, valorização da gastronomia local e espaços naturais. Levar os alunos
a ter um contato direto e diferenciado com a realidade cotidiana. Dessa forma, o
professor e alunos, na relação pedagógica, também possuem níveis diferenciados
de compreensão da mesma prática social. Em princípio, o docente situa-se em
relação à realidade de maneira mais clara e mais sintética que os alunos.
Por sua vez, o estudante também tem uma compreensão de mundo, embora
não tão sistematizada e complexa quanto a dos professores e professoras que os
orientam. Contudo, isso não é impedimento para que suas observações e aná-
lises não encontrem espaço e momento para serem difundidas e valorizadas,
quando necessário. Os estudantes também são sujeitos históricos, que atuam
no tempo e em espaços determinados, tal como a rua, o bairro e a cidade em
que vivem. Mediante a isso, o TBC pode ser um elemento provocador, aliado
ao ensino de história e geografia para os anos iniciais, capaz de aliar uma pers-
pectiva de ação na escola.
Entendemos que na construção das sequências didáticas, uma vez que
utilizamos o método dialético de construção do conhecimento escolar, utili-
zaremos além da contextualidade, que parte da reflexão sobre a prática social
numa perspectiva de compreensão das multidimensões da totalidade das suas

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próprias experiências, o aspecto da problematização do conhecimento. É impor-
tante considerar que algumas habilidades educacionais deverão ser promovidas
durante o processo de pesquisa e investigação como observação, classificação,
comparação e discriminação de informações importantes e aquelas que não são
pertinentes aos objetivos do que se quer propor e investigar.
Acreditamos que a partir desta dimensão didática seja possível implicar os
alunos ao exercício de processos, tais quais investigações, entrevistas, diários de
bordo etc., pelos quais as crianças deverão ser submetidas ao longo do seu pro-
cesso didático, ou seja, das aulas propriamente ditas, de modo interdisciplinar
em situações em que possam levantar questões que envolve o estudo do meio
para com isso compreender o passado da localidade para entender as dinâmicas
do presente e propor transformações para o futuro.

REFERÊNCIAS
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
GASPARIN, J. L. Uma didática para aprendizagem histórico-crítica. [S. l.]: Autores
associados, 2012.
MARTINS, L. C. A. História pública do Quilombo Cabula: representações de
resistência em museu virtual 3D aplicada a mobilização do turismo de base
comunitária. 2017. Tese (Doutorado em Difusão Social do Conhecimento) –
Pós-Graduação Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento,
Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.
NICOLIN, J. S. Ecos que entoam uma mata africano-brasileira. Salvador: Edufba,
2014.
PLOMP, T.; NIEVEEN, N.; NONATO, E. (org.). Pesquisa-aplicação em educação: uma
introdução. São Paulo: Artesanato Educacional, 2018. v. 1.
SILVA, F. P. S. Turismo de base comunitária e cooperativismo: da arte e ensino no
Cabula entorno. Salvador: EdUNEB, 2013.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Cortez, 1984.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Cortez, 1977.

394 Eudes Mata Vidal | Francisca de Paula da Silva Santos | Alfredo Eurico Rodrigues Matta

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SOBRE OS(AS) AUTORES(AS)

AELSON SILVA DE ALMEIDA


Possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),
mestrado em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e,
atualmente, está cursando o Doutorado Multidisciplinar e Multi-institucional
em Difusão do Conhecimento (DMMDC) na Faculdade de Educação da UFBA.
É professor adjunto do Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas
da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Foi pró-reitor de ex-
tensão universitária da UFRB e analista em ciência e tecnologia da Secretaria
de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social do Ministério da Ciência e
Tecnologia. Atua principalmente nos seguintes temas: ciência, tecnologia e
sociedade com ênfase em tecnologias sociais, sociologia rural, extensão rural
e agricultura familiar.
E-mail: asa.aelson@gmail.com

ALDINEIA MARQUES RODRIGUES


Possui graduação em Administração pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Tem experiência na área de crédito rural e serviços financeiros. Assistente de
coordenação rural no programa Agroamigo do Banco do Nordeste.
E-mail: aldineia_markes@hotmail.com

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ALFREDO EURICO RODRIGUES MATTA
Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq); graduação em Processamento de Dados pela Universidade Salvador.
Graduado em História pela Universidade Católica do Salvador (UCSal), mestrado
em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutorado em Educação
pela UFBA e Université Laval (Canadá). Pós-doutorado na Universidade do Porto
em Educação a Distância e Comunidades de Aprendizagem Internacionais em
Língua Portuguesa, apoiado pelo CNPq. Coordenador de projetos de pesquisa
financiados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),
Ministério da Educação (MEC), Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT),
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb).
E-mail: alfredo@matta.pro.br

ANA CRISTINA DE MENDONÇA SANTOS


Pedagoga pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Administração
Pública pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e especialista em
Aplicações Pedagógicas do Computador pela Universidade Católica do Salvador
(UCSal); mestre em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento
Regional pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutora em Difusão
do Conhecimento pelo Doutorado Multidisciplinar e Multi-institucional em
Difusão do Conhecimento (DMMDC) da UFBA; estágio doutoral sanduíche
na Universidade de Coimbra-Portugal. Bolsista pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb). Pesquisadora líder do Grupo de Estudos
em Tecnologias Educacionais e Linguagem (Getel). Professora adjunta da UNEB.
E-mail: cris_mendonca@hotmail.com

ANA MARIA FERREIRA MENEZES


Graduação em Economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestrado
em Economia e doutorado em Administração Pública ambos pela UFBA, com
estágio de pesquisa – bolsa sanduíche da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) no Instituto Superior de Economia e Gestão
(ISEG) da Universidade Técnica de Lisboa (UTL). Atualmente, é professora ple-
na da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), coordenadora do curso de
Especialização em Gestão Pública Municipal, na modalidade a distância (bolsista
Capes) e professora permanente do Doutorado Multi-institucional, Multidisciplinar

396 Sobre os(as) autores(as)

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em Difusão do Conhecimento (DMMDC). Tem experiência na área de adminis-
tração, com ênfase em administração pública, atuando principalmente nos se-
guintes temas: administração pública, políticas públicas, avaliação de políticas
públicas, desenvolvimento econômico sustentável, finanças públicas, relações
intergovernamentais, descentralização e gestão do conhecimento.
E-mail: anamenezes@uneb.br

ANTONIO AMORIM
Pedagogo pela Faculdade Nove de Julho e graduação em Formação Especial em
Mecânica pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Mestre em Educação
(Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e
doutorado em Psicologia pela Universidade de Barcelona - Espanha (2003).
Realizou o pós-doutorado em Difusão do Conhecimento pelo Doutorado Inter-
istitucional e Multidisciplinar da Universidade Federal da Bahia (UFBA). É líder
do grupo de pesquisa Gestão, Organização, Tecnologia e Políticas Públicas em
Educação com registro no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq). É presidente da Rede Internacional de Pesquisa em
Educação (BRASILUEJA), que congrega mais de 20 grupos de pesquisa sediados
no Brasil e na Europa. Atualmente, é professor titular pleno da Universidade do
Estado da Bahia (UNEB), atuando no ensino de graduação e de pós-graduação
da universidade.
E-mail: antonioamorim52@gmail.com

ANTONIO CARLOS DOS SANTOS SOUZA


Doutor em Ciências da Computação, Mestre em Modelagem Computacional,
Bacharel em Informática e Técnico em Instrumentação Industrial. Atualmente,
é docente efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
(IFBA), Campus Salvador no Curso Superior de Análise e Desenvolvimento de
Sistemas, e professor permanente do Programa de Doutorado Multi-institucional
e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC). Pesquisador do
Laboratório de Desenvolvimento de Software (Labrasoft) do IFBA. Bolsista da
Empresa Brasileira de Inovação Industrial (EMBRAPII) no Polo de Inovação de
Salvador.
E-mail: acsantossouza@gmail.com

Sobre os(as) autores(as) 397

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ADILA DE JESUS SILVA SANTOS
Nutricionista residente em Nutrição Clínica pela Universidade do Estado da
Bahia (UNEB). Participou do projeto de iniciação científica: Estudo das carac-
terísticas físico-químicas de leguminosas germinadas e elaboração de produtos
alimentícios inovadores sem glúten.
E-mail: adyla_ssantos@hotmail.com

AMILTON ALVES DE SOUZA


Doutorando do Programa de Pós-Graduação Multi-institucional e Multidisciplinar
em Difusão do Conhecimento. Mestre em Educação de Jovens e Adultos.
Atua como tutor/professor externo no curso de Licenciatura em Pedagogia e
Complementação Pedagógica, oferecido pelo Centro Universitário Leonardo
Da Vinci (Uniasselvi). Coordenador pedagógico da rede de ensino do estado da
Bahia. Tem experiência nas áreas de letramentos, coordenação pedagógica, edu-
cação de jovens e adultos, tutoria e Educação a Distância (EAD).
E-mail: amiltonalvess@hotmail.com

BRUNA ALMEIDA TRINDADE


Graduanda em Nutrição pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Participou
do projeto de iniciação científica: Estudo das características físico-químicas de
leguminosas germinadas e elaboração de produtos alimentícios inovadores sem
glúten. Foi monitora de ensino da disciplina Gestão em Serviços de Alimentação I.
Atualmente, é diretora de comunicação da Liga Acadêmica de Nutrição Esportiva
e Estética (Lanese) da UNEB e membro do Grupo de Pesquisa em Alimentos e
Nutrição (GPAN).
E-mail: buatri@hotmail.com

CLÍCIA MARIA DE JESUS BENEVIDES


Pós-doutorado em Química Analítica pela Universidade do Porto (UP) em Portugal;
doutora em Química Analítica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA);
mestre em Nutrição pela UFBA; especialista em Controle de Qualidade dos ali-
mentos pela UFBA; especialista em Metodologia do Ensino pela Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS); graduada em Engenharia dos Alimentos pela
Universidade Federal de Viçosa (UFV). Professora plena da área de Tecnologia de

398 Sobre os(as) autores(as)

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Alimentos da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Coordenadora do curso
de especialização em Gestão em Saúde-EAD da UNEB. Docente permanente do
Programa de Pós-Graduação no Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar
em Difusão do Conhecimento (DMMDC) e do Programa de Pós-Graduação de
Ciências Farmacêuticas (PPGFARMA) da UNEB.
E-mail: cbenevides@uneb.br

DANTE AUGUSTO GALEFFI


Possui graduação em Arquitetura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),
frequentou o curso de especialização na Universidade de Roma em Restauração
de Monumentos, mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA e doutora-
do em Educação pela UFBA. Atualmente, é professor titular da UFBA, lotado no
Departamento de Educação II da Faculdade de Educação. Tem experiência na
área de filosofia, com ênfase em filosofia da educação, atuando principalmente
nos seguintes temas: ensino de filosofia, filosofia da educação, epistemologia
do educar, fenomenologia, hermenêutica, linguagem, educação transdiscipli-
nar, estética e ética. É professor permanente do Doutorado Multi-institucional e
Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC) da UFBA. É líder do
grupo de pesquisa Epistemologia do Educar e Práxis Pedagógica. Desenvolve,
atualmente, pesquisas de epistemologia da complexidade, transdisciplinaridade,
epistemologia do educar transdisciplinar, ética e estética, mística e espiritua-
lidade, além da Teoria-Ação Polilógica, uma epistemologia da complexidade
própria e apropriada.
E-mail: dgaleffi@uol.com.br

ENEIDA SANTANA
Doutoranda pelo Programa de Doutoramento Multi-institucional e Multidisciplinar
em Difusão do Conhecimento. Mestrado em Ciência da Informação pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialização em Educação a Distância:
tecnologias Educacionais pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR) e graduação
em Biblioteconomia e Documentação pela UFBA. Atualmente, é bibliotecária do
Instituto Federal da Bahia (IFBA), pesquisadora da formação docente, tecnologias
educacionais e práticas extensionistas e coordenadora de extensão no IFBA em
Camaçari Certificada nível 2 - Google For Education. É membro do Grupo de
Pesquisa Tecnologias Aplicadas à Educação e Saúde. Atua como colaboradora

Sobre os(as) autores(as) 399

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 399 13/05/2021 11:42


no grupo de pesquisa Fuxicos e Boatos do Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai/Cimatec), na área de redes sociais e afinidades.
E-mail: eneida@ifba.edu.br

ÉRICA CORREIA DA SILVA


Doutoranda em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA), mestre em Ensino de Física pela Universidade Federal do Vale do São
Francisco (Univasf ). Possui licenciatura em Matemática pela Universidade do
Estado da Bahia (UNEB). Tem experiência na área de ciências exatas e da terra,
lecionando a disciplina Física e na área da educação especial, através do desen-
volvimento de metodologias com materiais manipuláveis para o ensino de Física
direcionadas para alunos com deficiência visual. Atua também como corretora
de provas da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas.
E-mail: erica.correiasilva@gmail.com

EUDES MATA VIDAL


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Mestre em Educação e Contemporaneidade pela UNEB, doutorando do Programa
de Doutorado Multi-institucional Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento
(DMMDC) da UFBA. Tem experiência na área de educação, atuando princi-
palmente nos seguintes temas: conteúdos digitais, história local, religiosidade,
Canudos e antropologia.
E-mail: eudesmata@gmail.com

FRANCINEIDE MARQUES DA CONCEIÇÃO SANTOS


Doutoranda no Programa de Doutorado Multi-institucional Multidisciplinar
em Difusão do Conhecimento (DMMDC), doutorado em Geração e Difusão do
Conhecimento da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade do Estado
da Bahia (UNEB). Mestre em Educação pelo Programa de Educação, Culturas e
Identidades da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Fundação
Joaquim Nabuco (Fundaj); pesquisadora do grupo de Estudos e Pesquisas Audre
Lorde. Desenvolve atividades de pesquisa em epistemologia, filosofia africana,
relações raciais, gênero, capoeira angola, política, direitos humanos. Investiga

400 Sobre os(as) autores(as)

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 400 13/05/2021 11:42


movimentos sociais, participação política, feminismos negros e processos cogniti-
vos. Integrante da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(Anped). Registrada na Ordem de Advogados do Brasil (OAB). Especializada em
Processos civis e trabalhistas; em Recursos aos Tribunais Superiores: Supremo
Tribunal Federal (STF), Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Superior
do Trabalho (TST).
E-mail: francineidemarques@gmail.com

FRANCISCA DE PAULA DA SILVA SANTOS


Pós-doutoramento em Educação pela Universidade de Coimbra, Portugal; dou-
toramento em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com vivên-
cias na Nova Zelândia; mestrado em Administração. Permanece atuando como
professora e pesquisadora da graduação em Turismo e Hotelaria dos programas
de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC), Doutorado
Multidisciplinar e Multi-institucional em Difusão do Conhecimento (DMMDC)
e Mestrado em Educação de Jovens e Adultos (MPEJA), pela Universidade do
Estado da Bahia (UNEB); líder do grupo multidisciplinar Sociedade Solidária,
Educação, Espaço e Turismo (SSEETU).
E-mail: fcapaula@gmail.com

FRANKLIN CARLOS CRUZ DA SILVA


Doutorando em Difusão do Conhecimento, Multi-institucional (UFBA, UNEB,
UEFS, CEFET-BA, FVC e LNCC), mestre em Contabilidade pela UFBA, especialis-
ta em Gestão Pública Municipal pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e
bacharel em Ciências Contábeis pela UNEB. É contador pleno da Petrobras e pro-
fessor na Faculdade de Ciências Contábeis (FCC) da UFBA. Atuou como auditor
interno da Agência de Fomento do Estado da Bahia S/A (Desenbahia) e externo
pela Deloitte. Foi Conselheiro Fiscal da Associação de Pais e Amigos Excepcionais
(APAE), avaliador do Congresso de Iniciação Científica em Contabilidade da
Universidade de São Paulo (USP), avaliador da Revista de Contabilidade da UFBA
e da Revista Eletrônica do Alto Vale do Itajaí (REAVI).
E-mail: franklin.ufba@gmail.com

Sobre os(as) autores(as) 401

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 401 13/05/2021 11:42


GEDALVA NERES DA PAZ
Doutoranda em Difusão do conhecimento, analista cognitiva pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA), membro do Centro de Pesquisa em Educação e
Desenvolvimento Regional (CPEDR) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Mestrado em Desenho, Cultura e Interatividade pela Universidade Estadual de
Feira de Santana (UEFS). Especialista em Psicopedagogia Junguiana pelo Instituto
Junguiano da Bahia (IJBA). Especialista em Gestão e Metodologia do Ensino
pela UEFS. Formação em Análise Corporal Bioenergética pelo Centro de Análise
Bioenergética e Terapias Integradas. Graduada em Pedagogia com habilitação
em Supervisão Escolar pela Faculdade de Educação da Bahia. Atualmente, é pro-
fessora exercendo a função de coordenadora pedagógica – realiza formação de
professores com enfoque em autoconhecimento com base na Análise da Terapia
Corporal Bioenergética. Atua na Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Lazer,
desenvolve trabalho com grupos de movimento e performance corporal – psi-
coterapeuta, espaço terapêutico, poeta. Tem experiência na área de educação,
formação de professores e psicoterapia.
E-mail: gedapaz@gmail.com

GILBERTO PEREIRA FERNANDES


Doutorando em Difusão do Conhecimento pelo Doutorado Multi-institucional
Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC) da Universidade Federal
da Bahia (UFBA), mestre em Educação de Jovens e Adultos pela Universidade do
Estado da Bahia (UNEB), especialista em Educação de Jovens e Adultos (EJA) pelo
Instituto Federal da Bahia (IFBA), especialista em Docência do Ensino Superior
pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), especialista em Literatura
Brasileira (Salgado de Oliveira), graduado em Letras Vernáculas pela UNEB e
em Língua Inglesa pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Professor,
designer didático, extensionista na área de formação de professores para a EJA
e o ensino de línguas na UNEB. Desenvolvedor de produção de design didáti-
co pedagógico e metodologias ativas para o ensino e aprendizagem multirrefe-
rencial; coordenador do grupo de estudos e pesquisa: Sujeitos e subjetividades
on-line e do Fórum de EJA da Costa do Descobrimento, pesquisador, escritor,
poeta, pregador da paz.
E-mail: bragilgil@gmail.com

402 Sobre os(as) autores(as)

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 402 13/05/2021 11:42


GUSTAVO BITTENCOURT MACHADO
Doutor em Agricultura Comparada pelo Institut des Sciences et Industries du
Vivant et de l’Environnement - AgroParisTech, França. Doutor em Geografia,
Planejamento Territorial e Gestão Ambiental pela Universidade de Barcelona,
Espanha. Pós-doutorado pelo Programa de Doutorado Multi-institucional e
Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC) da Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento
Regional pela Universidade de Barcelona, Espanha. Professor e líder do grupo
de pesquisa Agricultura Comparada e Agricultura Familiar da UFBA.
E-mail: gubimac@yahoo.com.br

HÉLIO SOUZA DE CRISTO


Doutorando em Difusão do Conhecimento pelo Programa de Doutorado
Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC)
da Universidade Federal da Bahia (UFBA) na linha de pesquisa Difusão do
Conhecimento: informação, comunicação e gestão. Mestre em Educação pela
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), especialista em Produção de
Mídias para a Educação On-line pela Faculdade de Educação (Faced) da UFBA,
especialista em Metodologia do Ensino na Educação Superior pelo Centro
Universitário Internacional (Uninter). Graduado em Pedagogia pela Universidade
do Estado da Bahia (UNEB). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado da Bahia (Fapesb). Possui experiência em gestão escolar e docência na
educação básica e no ensino superior. Professor da rede municipal de Cairu (BA)
e coordenador pedagógico da rede estadual de educação da Bahia. Atua, prin-
cipalmente, nos seguintes temas: educação, formação de professor, tecnologias
da informação e comunicação, ciberativismo e juventudes.
E-mail: helio-87@hotmail.com

HUGO SABA
Doutorado em Difusão do Conhecimento na Universidade Federal da Bahia
(UFBA), mestrado em Modelagem Computacional pela Fundação Visconde de
Cairu (FVC), especialização em Computação Científica pela FVC e graduação
em Processamento de Dados pela Faculdade Rui Barbosa, professor efetivo da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Tem experiência na área de Ciência
da Computação, atuando principalmente nos seguintes temas: modelagem

Sobre os(as) autores(as) 403

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 403 13/05/2021 11:42


computacional, tecnologias sociais, robótica educacional, gestão de projetos e di-
fusão do conhecimento. No âmbito profissional, coordena projetos de pesquisa e
desenvolvimento, junto a Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs). Coordenador
da Câmara de Computação na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia
(Fapesb). Na pós-graduação, é coordenador do Doutorado Multi-institucional e
Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC), professor permanen-
te no Programa Modelagem Computacional e Tecnologia Industrial (MCTI), e
professor colaborador no Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e
Transferência de Tecnologia para a Inovação (PROFNIT).
E-mail: hugosaba@gmail.com

IVNA HERBENIA DA SILVA SOUZA


Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Multi-institucional e Multidisciplinar
em Difusão do Conhecimento (DMMDC) da Universidade Federal da Bahia
(UFBA), mestrado em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do
Estado da Bahia (UNEB), pós-graduação em Docência do Ensino Superior e
Gestão de Pessoas pela Faculdade da Cidade do Salvador (FCS). MBA Profissional
em Gestão Pública e Responsabilidade Fiscal pela Escola Superior Aberta do
Brasil (ESAB). Graduada em Administração pela UNEB. Tem experiência na
área de administração, com ênfase em gestão de pessoas e administração pú-
blica, atuando junto à Fundação de Administração e Pesquisa Econômico-
Social (Fapes) durante cinco anos como coordenadora de convênios com a
Prefeitura de Salvador. Atualmente, é professora do Ensino Básico, Técnico e
Tecnológico (EBTT) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Baiano (IF-Baiano).
E-mail: herbeniasouza@gmail.com

JAQUELINE ALEXSANDRA AZEVEDO FERREIRA


Mestrado em Matemática pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), gradua-
ção em Licenciatura em Matemática pela Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS). Atualmente, é aluna do Doutorado em Ciência da Computação
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Trabalhou como
docente da área da matemática na educação básica (2008-2010), trabalhou
como docente do ensino superior na Universidade Jorge Amado (Unijorge).
Atualmente, é professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

404 Sobre os(as) autores(as)

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 404 13/05/2021 11:42


Foi Coordenadora do colegiado e Presidente do Núcleo Docente Estruturante
do curso de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFRB, membro do Conselho
Acadêmico (Conac) da UFRB. Foi vice-coordenadora do Colegiado do curso de
Bacharelado Interdisciplinar em Energia e Sustentabilidade da UFRB, e coordena-
dora de projetos de extensão: Seminários de Matemática do CETEC (SemCETEC)
e Biênio da Matemática Carloman Carlos Borges.
E-mail: jaqueline_azevedo@ufrb.edu.br

JÉSSICA PLÁCIDO SILVA


Mestre em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade na Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Psicóloga formada pela UFBA. Doutoranda no Doutorado
Multidisciplinar e Multi-institucional em Difusão do Conhecimento (DMMDC) na
UFBA. Pós-graduada em Psicoterapia Analítica Clínica no Instituto Junguiano da
Bahia (IJBA). Professora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP)
nos cursos de Psicologia e Medicina.
E-mail: jelplacido@hotmail.com

JOÃO PAULO DOS SANTOS SIMPLÍCIO


Doutorando em Difusão do Conhecimento pelo Programa de Pós-Graduação
Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC)
da Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre em Administração pela UFBA.
Possui especialização em Sistemas da Informação com ênfase em banco de da-
dos pela Faculdade Ruy Barbosa. Bacharel em Informática pela Universidade
Católica do Salvador (UCSal). É analista de sistemas da Prefeitura Municipal de
Lauro de Freitas. Foi coordenador do Núcleo de Práticas em Empreendedorismo
da Unijorge. Membro Consultivo do Programa Comunidade Empreende (PCE) /
Parque Social 2018. Tem experiência em organização e métodos, empreendedo-
rismo, jogos empresariais, Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), planejamento
estratégico, sistemas de informações gerenciais, estudos organizacionais como
cultura organizacional, aprendizagem organizacional, gestão de projetos, gestão
de indicadores e gestão do conhecimento.
E-mail: jsimplicio@gmail.com

Sobre os(as) autores(as) 405

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 405 13/05/2021 11:42


JOSÉ GARCIA VIVAS MIRANDA
Possui graduação em Física pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
mestrado em Física pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutorado
em Ciências Ambientais pela Universidad de La Coruña. Atuou como pesqui-
sador em regime de pós-doutoramento em duas ocasiões na universidade de
La coruña - Espanha e uma vez na Universidade de Harvard – Estados Unidos.
Atualmente, é professor da UFBA. Tem experiência na área de sistemas com-
plexos, com ênfase em modelos computacionais, atuando principalmente nos
seguintes temas: fractais, redes complexas, modelos computacionais, neuro-
ciência e biomecânica.
E-mail: vivasm@gmail.com

JOSÉ WELLINGTON MARINHO DE ARAGÃO


Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre
em Ciências Sociais pela UFBA, especialista em Projetos e Metodologia de
Desenvolvimento Urbano pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal,
licenciado em Ciências Sociais pela UFBA. Professor do Programa de Doutorado
Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC)
da UFBA.
E-mail: jwellingtonaragao@gmail.com

JOSENI FRANÇA OLIVEIRA LIMA


Doutoranda no Programa de Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em
Difusão do Conhecimento (DMMDC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Mestre em Alimentos, Nutrição e Saúde pela UFBA, bacharel em Nutrição pela
Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e arquitetura pela UFBA. Integrante
dos grupos de pesquisa Segurança Alimentar e Comércio Informal de Alimentos
(SACIA) e Agricultura Comparada e Agricultura Familiar - UFBA e . Nutricionista
da Clínica Nat, consultora da revista Vida e Saúde, e pesquisadora na área de
antropologia da alimentação. Atuou como professora de Nutrição na UNEB e
no Centro Universitário Estácio da Bahia (Estácio-FIB).
E-mail:joseninutri@gmail.com

406 Sobre os(as) autores(as)

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 406 13/05/2021 11:42


JUÇARA FREIRE DOS SANTOS
Aluna do Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do
Conhecimento (DMMDC) da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), mestra em Desenvolvimento e Gestão Social pelo
Programa de Desenvolvimento e Gestão Social (PDGS) da Escola de Administração
da UFBA; Graduação em Serviço Social pela Universidade Católica do Salvador
(UCSal), especialização em Gestão do Desenvolvimento e Responsabilidade Social
pela Escola de Administração da UFBA, especialização em Planejamento pela
UCSal; atualização em Direito Constitucional da Criança e do Adolescente pela
Fundação Faculdade de Direito da Bahia; atualização em Educação Ambiental
EAD pelo Instituto de Biologia da UFBA. Membro dos grupos de pesquisa
Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Ações Integradas no Semiárido (NIEAIS) e
Agricultura Comparada e Agricultura Familiar, ambos da UFBA.
E-mail: jucarafsantos@yahoo.com.br

KATHIA MARISE BORGES SALES


Graduada em Pedagogia pela Universidade Católica do Salvador (UCSal), mes-
tre em Mídia e Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e doutora (2013) em Difusão do Conhecimento pelo Programa de Pós-
Graduação em Difusão do Conhecimento (PPGDC) da Universidade Federal da
Bahia (UFBA). Professora titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB),
com vínculo efetivo desde fevereiro de 1996, tendo já desempenhado variadas
atividades de ensino, pesquisa e extensão, bem como de gestão universitária nesta
universidade, incluindo a de coordenadora institucional da Universidade Aberta
do Brasil (UAB) e de Pró-Reitora de Ensino de Graduação (de fevereiro de 2015 a
fevereiro de 2018). Professora permanente do Mestrado Profissional em Gestão
e Tecnologias Aplicadas à Educação (Gestec) da UNEB, desde fevereiro de 2014.
Professora colaboradora do PPGDC da UFBA, vinculada à Linha Construção do
conhecimento: cognição, linguagens e informação.
E-mail: kmarise2@gmail.com

LUCIANA MACIEL BOEIRA


Doutora em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Mestre em Desenho Cultura e Interatividade pela Universidade Estadual

Sobre os(as) autores(as) 407

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 407 13/05/2021 11:42


de Feira de Santana (UEFS). Graduada em Desenho Industrial com Habilitação
em Programação Visual pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Professora
assistente do Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Federal
do Recôncavo da Bahia (UFRB).
E-mail: luciana.boeira@gmail.com

LUCIENE SILVA DOS SANTOS LIMA


Discente do curso de bacharelado em Nutrição na Universidade do Estado da
Bahia (UNEB). Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA), especialista em Coordenação Pedagógica pela Universidade Salvador
(Unifacs). Experiência: formação profissional, formação continuada de professo-
res. Educação em Saúde, mais voltado para a Nutrição Social e para a Tecnologia
de Alimentos. Participou de Projeto de Iniciação Científica: Estudo das caracte-
rísticas físico-químicas de leguminosas germinadas e elaboração de produtos
alimentícios inovadores sem glúten.
E-mail: lucienesilva.nutricao@gmail.com

LELIANA SANTOS SOUZA


Professora adjunta da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Criou o Centro
de Pesquisa em Educação e Desenvolvimento Regional (CPEDR) da UNEB.
Membro do Recherches Esthétiques & Théoretiques sur les images Nouvelles
et Anciennes (Retina-Internacional); integra o quadro docente do Doutorado
Multi-institucional e Multirreferencial em Difusão do Conhecimento (DMMDC),
ministrando o componente Análise Cognitiva desenvolvendo a pesquisa para
o estado da arte no campo multirreferencial da Análise Cognitiva, e também
do Mestrado em Educação de Jovens e Adultos (MPEJA). É graduada em licen-
ciatura em Ciências pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduada em
Pedagogia pela Faculdade de Educação da Bahia. Mestre em Educação pela
UFBA. Doutora em Ciências da Educação pela Université Vincennes Saint-
Denis Paris 8 - França.
E-mail: sousaleliana@hotmail.com

408 Sobre os(as) autores(as)

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 408 13/05/2021 11:42


LETÍCIA MACHADO DOS SANTOS
Doutoranda em Difusão do Conhecimento pela Universidade do Estado da
Bahia (UNEB), mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade
Social pela Fundação Visconde de Cairu (FVC), especialista em Metodologia do
Ensino Superior pela Faculdade Olga Mettig (FACOM); especialista em Gestão
de Instituição do Ensino Superior pela Faculdade de Tecnologias e Ciências
(FTC); graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Professora da educação básica e ensino superior. Atualmente, é dire-
tora do Centro Estadual de Referência de Ensino Médio com Intermediação
Tecnológica da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, docente do curso de
Pedagogia da União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime); docente dos
cursos de especialização e mestrado da Consultoria, Pós-Graduação e Projetos
Educacionais (Padma) e Faculdade Hélio Rocha. Tem experiência na área de
educação, com ênfase em ensino-aprendizagem, atuando principalmente nos
seguintes temas: ensino/aprendizagem, Educação a Distância (EAD), compe-
tências/habilidades, didática, estratégias de ensino e aprendizagem, formação
docente e avaliação.
E-mail: lmachado.ead@gmail.com

MARIA INÊS CORRÊA MARQUES


Professora titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), do Departamento
de Educação da Faculdade de Educação (Faced), vice-coordenadora do
Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento
(DMMDC). Graduada em História pela Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES). Mestrado e doutorado pela UFBA, em ensino de História e História
da Educação Superior, respectivamente. Coordena o subprojeto História do
Programa Residência Pedagógica da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) e UFBA, desenvolve projeto de intervenção
pedagógica na formação de professores de História, pela pesquisa-formação, em
escolas públicas estaduais de Salvador. É pesquisadora, líder do grupo de pes-
quisa Rede Cooperativa de Pesquisa e Intervenção em (In)formação, Currículo
e Trabalho (REDEPECT).
E-mail: br3imarques@yahoo.com.br

Sobre os(as) autores(as) 409

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 409 13/05/2021 11:42


MARIA DE FÁTIMA HANAQUE CAMPOS
Doutora em História da Arte pela Universidade do Porto (UP). Graduada em
Artes Plásticas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestrado em História
da Arte pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é professora titular
B da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e atua no curso de licenciatura
em História. Tem experiência na área de história da arte e atua nos seguintes
temas: iconografia, artistas baianos nos séculos XIX e XX, artistas viajantes no
Brasil. Integra como professora colaboradora do Doutorado Multi-institucional
de Difusão do Conhecimento (DMMDC).
E-mail: fatimahanaque@hotmail.com

MARCUS TÚLIO DE FREITAS PINHEIRO


Possui graduação em Física pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especia-
lização em Educação e Tecnologia da informação pela Universidade do Estado da
Bahia (UNEB), mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), doutor em Ciência da Educação na Linha Currículo
e informação na Faculdade de Educação (Faced) da UFBA. Professor adjunto
da UNEB. Professor credenciado no Programa de Pós-Graduação do Mestrado
Profissional em Tecnologias Aplicadas à Educação (Gestec) da UNEB. Parecerista
do International Journal of Knowledge Engineering and Management (IJKEM),
associado à Associação Nacional de Pesquisadores em Educação (Anped).
E-mail: mtuliop@gmail.com

MARIA TERESA RIBEIRO PESSÔA


Professora associada da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da
Universidade de Coimbra. Tem desenvolvido trabalho como docente nas áreas
da formação de professores e da utilização pedagógica das tecnologias e lecio-
nado, a nível nacional e internacional, em mestrados e doutoramentos nessas
mesmas áreas. Lecionou diversos temas – formação narrativa de professores,
tecnologia educativa, teoria da educação, conceção e produção de materiais
educacionais, teorias e modelos de formação professores, inovação pedagógi-
ca – em várias universidades portuguesas – Lisboa, Porto, Braga, Coimbra –, em
universidades brasileiras – Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro –,
e em Espanha – Universidad Autónoma de Madrid, Universidad de Granada,
Universidad de Málaga Universidad de Salamanca – e Universidade Karlova de

410 Sobre os(as) autores(as)

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 410 13/05/2021 11:42


Praga. Coordenou projetos luso-espanhóis na área de formação de professores
assim como integrou projeto luso-brasileiro no âmbito da pedagogia universi-
tária. Atualmente, participa em projetos nacionais e internacionais nas áreas do
cyberbullying, da avaliação da “escola 2.0”, da aprendizagem ao longo da vida e
da avaliação da formação de professores.
E-mail: tpessoa@fpce.uc.p

MARIANGELA VIEIRA LOPES SILVA


Doutora em Química Analítica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre
em Nutrição pela UFBA; especialista em controle em qualidade dos alimentos pela
UFBA; graduada em Farmácia pela UFBA. Professora titular da área de Tecnologia
de Alimentos na Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Coordenadora do
Grupo de Pesquisa em Alimentos e Nutrição (GPAN), pesquisadora.
E-mail: mlopes@uneb.br

MARINEUZA MATOS DOS ANJOS


Professora assistente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Bióloga,
doutora pelo Programa de Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em
Difusão do Conhecimento (DMMDC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA
estágio doutoral sanduíche na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
da Universidade de Coimbra, Portugal Mestre em Produção Aquática pela UFBA,
especialização em Filosofia Contemporânea pela Faculdade São Bento da Bahia
(FSBA), aperfeiçoamento em Atividade de pesquisa no Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Graduação em Ciências
Biológicas pela UFBA.
E-mail: marineuzaanjos0@gmail.com

MARIA RAIDALVA NERY BARRETO


Doutora em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da
Bahia (UNEB), com estágio doutoral pela Universidade de São Paulo (USP), mes-
tre em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional
pela UNEB, mestre em Ciência da Educação pela Universidade Lusófona de
Humanidade e Tecnologia, graduada em Pedagogia pela UNEB, licenciatura
curta em Técnicas Comerciais pela UNEB, especialista em Políticas Públicas.

Sobre os(as) autores(as) 411

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 411 13/05/2021 11:42


É docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia
(IFBA) e do Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do
Conhecimento (DMMDC).
E-mail: raibarreto@gmail.com

MARIA VALESCA DAMÁSIO DE CARVALHO SILVA


Graduação em Ciências Contábeis Universidade do Estado da Bahia (UNEB), gra-
duação em Economia pela Universidade Católica do Salvador (UCSal), especia-
lização em Metodologia do Ensino Superior (Olga Mettig), mestre em Economia
pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutora em Administração pela
UFBA. Professora adjunta na Faculdade de Ciências Contábeis (FCC) da UFBA,
da graduação e mestrado em Contabilidade e em Administração. Chefe do
Departamento da Faculdade de Ciências Contábeis da UFBA. Foi Membro de
Conselhos Superiores da UFBA: Conselho Acadêmico de Pesquisa e Extensão
(Capex), Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) e Curadores.
E-mail: mvalesca.ufba@gmail.com

MARCOS VINICIUS CASTRO SOUZA


Doutorando em Difusão do Conhecimento pelo Programa de Doutorado
Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC)
da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do grupo de pesquisa Rede
Cooperativa de Pesquisa e Intervenção em (In)Formação, Currículo e Trabalho
(REDEPECT) da UFBA. Coordenador pedagógico da rede municipal de ensino
de Salvador (BA). Membro do grupo de pesquisa Gestão, Trabalho e Educação
(Lavoro), da UNEB.
E-mail: vinicastro2@hotmail.com

MARCUS VINÍCIUS SACRAMENTO FRANÇA


Médico pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em Atenção
Básica à Saúde pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Mestrando em
Saúde Coletiva pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Mepisco),
da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Atua como médico no Programa
Saúde da Família em Salvador (BA).
E-mail: marcus90franca@gmail.com

412 Sobre os(as) autores(as)

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 412 13/05/2021 11:42


MAURÍCIO VIEIRA KRITZ
Graduado em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(1972), com ênfase em Física Matemática e Informática, Mestrado em Matemática
pela Associação Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (1975), com
ênfase em Estatística, e Doutorado em Matemática pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (1980), com ênfase em Matemática e Modelagem Computacional. É
pesquisador associado do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC)
desde outubro de 1980, editor do Journal of Universal Computer Science (Online)
(0948-6968), membro titular do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Arthur
Sá Earp, representante do grupo de Áreas Alagáveis no Comitê Científico da Rede
GEOMA e Honorary Senior Research Fellow in Evolution & Genomic Sciences,
da School of Biological Sciences, Faculty of Biology, Medicine and Health da
Universidade de Manchester. Tem experiência nas áreas de Matemática, Matemática
Computacional, Modelagem Matemática e Computacional, Epistemologia das
Ciências, com ênfase em Fundamentos de Matemática Biológica.
E-mail: mkritz@icloud.com

MOISÉS DOS SANTOS VIANA


Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Difusão do Conhecimento
(PPGDC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Docente na Universidade
do Estado da Bahia (UNEB), campus XIV, Conceição do Coité, no curso de
Comunicação Social - Rádio e TV. Mestre em Cultura e Turismo pela Universidade
Estadual de Santa Cruz (UESC). Membro dos grupos de pesquisa: Agricultura
Comprada e Agricultura Familiar; e Formação, Experiência e Linguagem (FEL).
E-mail: mviana@ufba.br

NILVO LUIZ CASSOL


Graduado em Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque SC, especialização
em Metodologia de Ensino Superior pela Faculdade de Ciências e Letras Plínio
Augusto do Amaral, mestrado em Master of Science Stricto Sensu em Ciência da
Educação pela Universidade Internacional de Lisboa, diploma Revalidado pela
Universidade Federal do Piauí (UFPI), Doutorado em Difusão do Conhecimento
pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor assistente da Universidade
do Estado da Bahia (UNEB).
E-mail: ncassol@uneb.br

Sobre os(as) autores(as) 413

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 413 13/05/2021 11:42


PATRÍCIA SOUZA LEAL PINHEIRO
Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB) e graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Especialização em Gestão Educacional e Planejamento pela UESB, especialização
em Língua, Linguística e Literatura pela Faculdade de Ciências da Bahia e espe-
cialização em Atendimento Educacional Especializado (AEE) pela Universidade
Federal do Ceará (UFC). Mestre em Educação Científica e Formação de Professores
pela UESB. Doutora em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA). Professora municipal do AEE na cidade de Maracás (BA) e pesqui-
sadora do Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental e Formação de Professores
(Gpea-FP) – UESB e do grupo Rede de Pesquisa em Conhecimento e Tecnologias
(Redpect) da Universidade Federal da Bahia.
E-mail: patylealpinheiro@hotmail.com

ROBERTO LEON PONCZEK


Possui graduação e mestrado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-RJ) e doutorado em Educação pela Universidade Federal
da Bahia (UFBA). Completou seu pós-doutorado em Sistemas Complexos no
Programa de Pós-Graduação em Modelagem Computacional e Tecnologia
Industrial (PPG-MCTI). É professor permanente no Doutorado Multidisciplinar e
Multi-institucional em Difusão do Conhecimento (DMMDC), sediado da Faculdade
de Educação (Faced) da UFBA. É também pesquisador da filosofia de Spinoza
sendo membro do Grupo Filosofia do século XVII da Associação Nacional de
Pós-Graduação em Filosofia (Anpof ), procurando estabelecer os paralelos entre
essa filosofia e a física de Einstein, tema esse desenvolvido com cuidado no livro
Deus ou seja a natureza: Spinoza e os novos paradigmas da Física, publicado em
2009 pela Editora da UFBA (Edufba) e disponível também on-line na base de
livros Scientific Electronic Library Online (SciELO).
E-mail: roberto.ponczek@gmail.com

ROBERTO LUIZ SOUZA MONTEIRO


Pós-doutor em Modelagem Computacional e Tecnologia Industrial pelo Centro
Universitário do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai/Cimatec).
Doutor em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Mestre em Modelagem Computacional pela Fundação Visconde de Cairu (FVC),

414 Sobre os(as) autores(as)

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 414 13/05/2021 11:42


bacharelado em Sistemas de Informação pela Universidade Estácio de Sá e li-
cenciatura em Administração pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Atualmente, é professor da UNEB e do Centro Universitário do Senai-Cimatec.
E-mail: robertolsmonteiro@gmail.com

ROSÂNGELA JANJA COSTA ARAÚJO


Professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH) da Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Graduada em História pela UFBA, possui mestrado e doutorado em
Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado em Ciências
Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É líder
do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher
(NEIM) da UFBA e pesquisadora do A Cor da Bahia – Programa de Pesquisa
e Formação em Relações Raciais, Cultura e Identidade Negra na Bahia, da
UFBA. Tem trabalhos na interface dos estudos sobre gênero, raça, cultura e
desenvolvimento. Também desenvolve pesquisas sobre ações afirmativas em
educação e cultura afro-brasileira com foco nos estudos sobre capoeira, cultura
e religiões de matrizes africanas. Professora permanente do Programa de Pós-
Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo
(PPGNEIM) e do Doutorado Multidisciplinar e Multi-institucional em Difusão
do Conhecimento (DMMDC) da UFBA. Mestre de Capoeira Angola, é co-fun-
dadora e coordenadora do Instituto Nzinga e Estudos da Capoeira Angola e
Tradições Educativas Banto no Brasil/INCAB.
E-mail: janja.araujo@uol.com.br

ROMILSON LOPES SAMPAIO


Doutor em Educação: Currículo, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), Mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB), Especialista
em Análise de Sistemas e Métodos pela Fundação Visconde de Cairu (FVC)
e Bacharel em Informática pela Universidade Católica do Salvador (UCSal).
Atualmente, é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
da Bahia (IFBA) e do Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão
do Conhecimento (DMMDC). Pesquisa os seguintes temas: informática aplicada
à educação, análise de redes sociais, jogos digitais, educação e tecnologias em
ambientes não formais – museus, centros de ciências.
E-mail: romilson@ifba.edu.br

Sobre os(as) autores(as) 415

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 415 13/05/2021 11:42


SIMONE DE SOUZA MONTES
Doutoranda em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA); mestre em Ciências de Alimentos pela UFBA; especialista em Planejamento
e Prática do Ensino Superior (UNIBAN); especialista em Design Instrucional pelo
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) de São Paulo, especialis-
ta em Alimentos Funcionais e Nutrigenômica: implicações práticas na nutrição
clínica e esportiva pela Estácio de São Paulo. Graduada em licenciatura e bacha-
relado em Nutrição. Docente da educação básica e ensino técnico profissionali-
zante em Nutrição no Centro Estadual de Educação Profissional Anísio Teixeira,
coordenadora de Nutrição do Núcleo de Saúde Anísio Teixeira, empreendedora,
articuladora de projetos sobre Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs)
e ações sustentáveis em nutrição e saúde.
E-mail: montes.simone@gmail.com

SÔNIA CHAGAS VIEIRA


Doutoranda em Difusão do Conhecimento do Doutorado Multi-institucional
e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC) da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), mestre em Ciência da Informação pela UFBA, espe-
cialista em Inteligência Competitiva pela UFBA. Bibliotecária e documentalista
da Faculdade de Educação (Faced) da UFBA. Tem experiência na área de ciên-
cia da informação, com ênfase em processos de disseminação da informação,
atuando principalmente nos seguintes temas: bibliotecas universitárias, ciên-
cia da informação, tecnologias de informação e de comunicação, publicações
e normalização.
E-mail: svieria@ufba.br

STELLA RENATHE TOLENTINO SILVA SOUZA


Enfermeira e bacharel em Saúde pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),
especialista em Saúde Coletiva com ênfase em Posto de Saúde da Família.
Aperfeiçoamento em Projetos Educacionais: elaboração, aplicação e avaliação e
em educação especial e inclusiva. Atua como enfermeira docente para os cursos
Técnico em Enfermagem, Análises Clínicas e Farmácia do Centro Estadual de
Educação Profissional Anísio Teixeira (CEEPAT). Também, como orientadora do
Estágio Curricular, supervisionando os estagiários e preceptores de enfermagem,
e na articulação do curso técnico em enfermagem do CEEPAT, auxiliando na

416 Sobre os(as) autores(as)

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 416 13/05/2021 11:42


organização de ações pedagógicas e atividades curriculares para os educandos e
estagiários. Coordenadora de enfermagem do Núcleo de Saúde Anísio Teixeira.
E-mail: stellarenathe@hotmail.com

TEREZA KELLY GOMES CARNEIRO


Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Alagoas
(UFAL), graduação em Pedagogia pela Faculdade Batista Brasileira, mestrado
em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFAL e doutorado em Difusão do
Conhecimento pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro de câma-
ra técnica multidisciplinar da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Alagoas (Fapeal). Professora de Pedagogia do Instituto Federal da Bahia (IFBA).
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica
no polo IFBA.
E-mail: terezakelly1@gmail.com

VÍVIAN LIBÓRIO DE ALMEIDA


Engenheira Agrônoma pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
(UFRB), mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade
Federal de Sergipe (UFS), possui especialização lato sensu em Gestão Ambiental
pela Faculdade de Ciência e Tecnologia Albert Einstein e em Gestão Pública e
Sociedade pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Coordenou o Projeto de
Educação Profissional para Jovens e Adultos do Campo (Proeja) com Pedagogia
da Alternância, executado por meio de uma parceria entre a Superintendência de
Educação Profissional e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar
no Estado da Bahia (Fetraf ). Atualmente, é coordenadora técnica da Fetraf da
Bahia, possuindo experiência na área de agroecologia, meio ambiente, desen-
volvimento rural, políticas públicas e educação.
E-mail: vivianpinto@gmail.com

Sobre os(as) autores(as) 417

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 417 13/05/2021 11:42


Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 418 13/05/2021 11:42
ÍNDICE

A
Abordagem 27, 37, 38, 40, 41, 75, 87, 97, 115, 154, 159, 171, 174, 179,
182, 183, 191, 202, 205, 211, 212, 226, 227, 245, 265, 291,
304, 311, 324, 330, 334, 341, 353, 354, 355, 357, 375, 390
Ação 30, 37, 38, 76, 77, 78, 82, 83, 85, 87, 95, 99, 109, 110, 123,
127, 132, 134, 135, 137, 138, 140, 147, 151, 152, 158, 176,
188, 194, 204, 206, 207, 215, 216, 217, 226, 232, 233, 234,
243, 245, 258, 269, 289, 291, 293, 299, 317, 325, 327, 328,
330, 341, 342, 343, 354, 364, 387, 388, 389, 390, 391, 393,
399
Agricultura 43, 151, 260, 272, 273, 274, 276, 280, 281, 286, 288, 289,
291, 292, 293, 295, 296, 297, 298, 299, 308, 309, 313, 314,
315, 316, 317, 318, 319, 322, 324, 328, 331, 336, 395, 403,
406, 407, 413, 418
Análise cognitiva 75, 77, 79, 80, 90, 91, 111, 112, 140
Aprendizagem 28, 30, 37, 42, 87, 90, 102, 112, 134, 140, 142, 174, 175,
179, 180, 181, 182, 183, 186, 188, 190, 193, 194, 195, 196,
198, 201, 204, 207, 210, 212, 289, 318, 331, 359, 364, 365,
366, 367, 372, 373, 374, 375, 376, 377, 378, 379, 380, 381,
382, 383, 387, 388, 389, 392, 394, 396, 400, 402, 405, 409,
411, 415, 416
Aquisição 37, 47, 102, 322, 330, 349, 365, 366, 367, 389
Associação 120, 121, 122, 126, 140, 144, 147, 152, 181, 227, 250, 295,
296, 297, 300, 301, 303, 304, 305, 306, 307, 308, 309, 311,
312, 313, 314, 315, 316, 317, 318, 319, 327, 328, 331, 332,
370, 401, 410, 413, 414
Ativismo digital 226, 227, 228, 229, 230, 236, 237, 238, 239, 240
Autonomia 30, 35, 39, 98, 102, 136, 180, 188, 190, 193, 204, 205, 208,
209, 212, 257, 259, 300, 322, 324, 325, 343, 345, 354, 355,
361, 365, 366, 394
Autoria 9, 56, 57, 198

419

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 419 13/05/2021 11:42


B
Base comunitária 387, 389, 390, 394
Brasil 44, 54, 55, 56, 57, 58, 60, 67, 148, 154, 160, 183, 191, 212,
225, 227, 229, 230, 231, 232, 233, 238, 242, 243, 247, 258,
259, 260, 261, 265, 266, 270, 272, 281, 287, 293, 297, 298,
299, 318, 322, 323, 324, 326, 327, 333, 334, 335, 336, 340,
343, 345, 346, 347, 348, 350, 353, 355, 356, 358, 359, 360,
370, 372, 375, 397, 401, 404, 407, 410, 415

C
Cérebro 30, 62, 63, 64, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 99
Ciberativismo 227, 228, 229, 236, 239, 240, 403
Cidadania 178, 218, 226, 233, 260, 266, 307, 322, 340, 343, 359, 362,
367
Ciência 33, 34, 35, 36, 43, 44, 45, 46, 49, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62,
63, 64, 65, 66, 67, 68, 70, 71, 85, 90, 91, 93, 94, 95, 96, 97,
98, 99, 101, 102, 103, 112, 129, 134, 138, 141, 145, 146,
148, 149, 150, 154, 158, 160, 178, 183, 202, 212, 217, 223,
238, 239, 240, 251, 254, 277, 281, 282, 351, 368, 369, 370,
395, 396, 397, 399, 403, 404, 410, 411, 412, 414, 416, 417
Cognição 37, 38, 39, 41, 78, 80, 106, 111, 144, 147, 194, 352, 388, 407
Colaboração 90, 152, 159, 167, 180, 182, 186, 190, 194, 202, 205, 208,
210, 211, 218, 221, 222, 344, 373, 379, 380, 382, 389, 390,
391
Complexidade 28, 41, 67, 75, 78, 87, 93, 94, 95, 97, 99, 100, 101, 102, 103,
104, 111, 137, 143, 144, 145, 146, 147, 150, 152, 154, 170,
203, 207, 209, 212, 219, 258, 270, 289, 347, 371, 372, 383,
399
Comunicação 36, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 57, 58, 59, 60,
83, 102, 118, 119, 120, 121, 126, 140, 142, 144, 145, 161,
168, 171, 182, 187, 189, 190, 206, 209, 213, 214, 216, 217,
218, 219, 220, 222, 223, 224, 225, 227, 229, 232, 236, 237,
239, 293, 313, 342, 350, 368, 375, 398, 403, 413, 417
Comunidade 27, 28, 44, 46, 48, 57, 60, 62, 65, 68, 135, 142, 143, 151, 152,
160, 170, 216, 220, 221, 223, 255, 265, 269, 296, 300, 301,
305, 306, 307, 308, 309, 312, 313, 314, 322, 323, 327, 328,
329, 330, 331, 332, 334, 336, 354, 355, 358, 359, 360, 361,
362, 363, 365, 368, 370, 385, 386, 387, 389, 390, 391, 392,
405

420

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 420 13/05/2021 11:42


Conhecimento 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 44,
45, 46, 49, 50, 52, 53, 55, 57, 58, 59, 60, 62, 73, 74, 75, 76,
77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 87, 88, 89, 90, 91, 93, 95,
97, 98, 99, 100, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110,
111, 112, 117, 118, 128, 130, 132, 134, 140, 141, 142, 143,
144, 145, 147, 148, 149, 150, 152, 153, 158, 160, 164, 173,
174, 175, 178, 179, 180, 181, 182, 186, 188, 190, 191, 192,
193, 195, 196, 201, 202, 203, 204, 205, 207, 208, 209, 210,
211, 212, 213, 214, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 222,
230, 232, 233, 247, 250, 256, 259, 265, 267, 269, 288, 289,
290, 291, 296, 308, 313, 314, 325, 340, 341, 342, 344, 345,
349, 350, 352, 354, 356, 358, 364, 365, 366, 372, 373, 377,
379, 383, 387, 388, 389, 390, 392, 393, 394, 395, 396, 397,
398, 399, 400, 401, 402, 403, 404, 405, 406, 407, 408, 409,
410, 411, 412, 413, 414, 415, 416, 417
Convivência 38, 52, 105, 208, 215, 238, 359, 388
Corpo 41, 55, 68, 69, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 130,
131, 132, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 229, 240, 348, 350,
357
Criatividade 37, 67, 80, 85, 94, 109, 115, 116, 117, 118, 125, 127, 128,
136, 138, 176, 177, 188, 190, 193, 240, 325
Cultura 33, 34, 42, 49, 50, 51, 57, 58, 88, 97, 99, 100, 105, 130, 131,
145, 153, 166, 183, 189, 196, 207, 215, 216, 218, 219, 220,
223, 229, 238, 240, 243, 260, 266, 272, 277, 280, 301, 317,
325, 327, 331, 334, 343, 347, 354, 355, 364, 367, 387, 390,
392, 402, 405, 407, 409, 413, 415

D
Desenvolvimento 28, 29, 30, 31, 37, 44, 45, 46, 51, 55, 56, 57, 59, 69, 74, 77,
78, 79, 81, 82, 86, 87, 90, 120, 122, 142, 145, 148, 149, 150,
151, 152, 153, 154, 167, 168, 174, 175, 176, 179, 185, 186,
188, 189, 191, 194, 195, 196, 198, 206, 211, 215, 229, 235,
239, 242, 249, 251, 255, 256, 257, 258, 265, 277, 281, 285,
287, 289, 290, 291, 296, 297, 299, 300, 301, 302, 304, 306,
308, 312, 313, 314, 315, 316, 317, 318, 322, 323, 324, 325,
329, 333, 334, 335, 342, 344, 346, 347, 352, 362, 363, 364,
365, 366, 367, 369, 372, 373, 382, 387, 388, 389, 390, 391,
392, 396, 397, 400, 402, 403, 404, 406, 407, 408, 409, 411,
415, 417, 418
Diálogo 28, 29, 36, 42, 54, 89, 90, 93, 99, 130, 131, 133, 147, 176,
182, 201, 203, 204, 205, 206, 207, 209, 211, 215, 217, 218,
220, 237, 252, 256, 265, 269, 290, 329, 355, 359, 364, 366,
368, 382, 391

421

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Didática 112, 212, 370, 385, 387, 392, 394, 409
Diferenças 47, 240, 253, 296, 304, 355
Difusão 27, 28, 29, 31, 32, 36, 38, 44, 46, 50, 54, 56, 57, 77, 112, 140,
141, 142, 148, 153, 159, 160, 173, 178, 179, 201, 202, 204,
205, 208, 209, 210, 211, 212, 213, 214, 215, 216, 217, 218,
219, 220, 221, 222, 225, 236, 238, 247, 250, 256, 259, 266,
269, 340, 341, 342, 344, 345, 349, 350, 352, 365, 388, 390,
394, 395, 396, 397, 398, 399, 400, 401, 402, 403, 404, 405,
406, 407, 408, 409, 410, 411, 412, 413, 414, 415, 416, 417
Direitos humanos 362, 364, 401
Discurso 90, 108, 111, 180, 241, 246, 248, 253, 254, 260

E
Economia solidária 142, 151, 153, 154, 317, 325, 335
Educação 30, 31, 42, 54, 57, 90, 91, 100, 101, 102, 103, 112, 128, 139,
140, 147, 154, 183, 185, 186, 187, 188, 189, 191, 192, 196,
197, 198, 199, 202, 206, 211, 212, 213, 214, 215, 217, 218,
219, 222, 223, 224, 227, 233, 238, 239, 240, 260, 266, 300,
313, 317, 322, 324, 328, 330, 331, 333, 334, 335, 336, 340,
342, 343, 344, 351, 352, 353, 354, 355, 356, 357, 358, 359,
360, 361, 362, 363, 364, 365, 366, 367, 368, 369, 370, 372,
382, 387, 388, 389, 390, 394, 395, 396, 397, 398, 399, 400,
401, 402, 403, 404, 406, 407, 408, 409, 410, 411, 412, 414,
415, 416, 417, 418
Educador 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 190, 204,
206, 365, 366, 388, 391
Epistemologia 31, 35, 40, 62, 75, 78, 88, 93, 95, 100, 102, 103, 105, 110,
112, 129, 130, 136, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 147,
149, 150, 152, 153, 183, 198, 202, 203, 204, 218, 219, 220,
399, 401, 413
Escola 30, 55, 134, 140, 154, 157, 171, 176, 183, 187, 198, 211,
234, 237, 238, 254, 261, 318, 324, 325, 328, 329, 330, 332,
334, 335, 353, 354, 358, 359, 361, 362, 363, 364, 365, 366,
367, 368, 369, 389, 391, 393, 404, 405, 407, 411
Estratégia 118, 138, 154, 177, 181, 196, 226, 237, 247, 278, 302, 303,
322, 346, 357, 360, 367, 368, 369, 374
Experiência 27, 29, 31, 33, 34, 35, 37, 41, 59, 63, 66, 69, 82, 90, 106, 108,
111, 117, 118, 124, 127, 145, 147, 151, 153, 180, 203, 205,
206, 215, 217, 218, 236, 323, 333, 341, 344, 352, 378, 379,
380, 381, 385, 389, 390, 391, 395, 397, 398, 399, 400, 402,
403, 404, 405, 406, 408, 409, 410, 413, 416, 418

422

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F
Ferramentas 40, 142, 159, 160, 165, 178, 182, 187, 188, 190, 202, 205,
209, 211, 237, 265, 290, 303, 304, 311, 312, 313, 315, 316,
325, 333, 339, 342
Filosofia 57, 71, 74, 91, 93, 100, 101, 112, 129, 130, 133, 134, 135,
136, 138, 139, 141, 183, 220, 293, 399, 401, 411, 413, 414,
415
Formação 29, 30, 57, 60, 75, 76, 78, 84, 107, 116, 117, 128, 139, 145,
158, 166, 167, 174, 182, 183, 185, 191, 198, 199, 211, 212,
231, 234, 290, 291, 292, 298, 300, 302, 313, 325, 330, 343,
348, 349, 354, 356, 357, 358, 359, 362, 364, 365, 366, 367,
371, 372, 377, 382, 386, 390, 394, 397, 399, 402, 403, 408,
409, 410, 411, 412, 413, 414, 415

G
Gestão 28, 32, 90, 112, 140, 141, 142, 143, 148, 151, 152, 154, 164,
214, 223, 225, 236, 238, 242, 243, 244, 245, 247, 248, 249,
250, 251, 252, 253, 254, 255, 256, 257, 258, 259, 261, 295,
296, 297, 300, 301, 303, 304, 305, 309, 310, 311, 312, 313,
314, 315, 316, 317, 318, 319, 333, 335, 340, 341, 342, 348,
349, 350, 351, 352, 362, 374, 382, 396, 397, 398, 399, 401,
402, 403, 404, 405, 407, 409, 411, 412, 414, 417
Globalização 258
Grafos 160, 161, 163, 164, 166, 170, 171, 267

H
Hortaliças 271, 281, 282, 285
Humano 29, 30, 37, 39, 42, 63, 73, 74, 77, 80, 83, 86, 99, 100, 107,
108, 109, 118, 131, 142, 145, 147, 150, 190, 194, 195, 198,
208, 216, 273, 299, 323, 334, 337, 339, 354, 387, 409

I
Identidade 58, 94, 100, 101, 108, 110, 119, 120, 132, 152, 160, 191,
196, 280, 317, 327, 336, 415
Informação 27, 28, 29, 30, 32, 38, 39, 41, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52,
53, 54, 57, 58, 59, 60, 80, 83, 91, 98, 101, 121, 161, 162,
171, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183,

423

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187, 192, 197, 213, 214, 215, 217, 221, 225, 229, 236, 238,
240, 249, 259, 277, 281, 300, 313, 342, 344, 351, 354, 373,
374, 399, 403, 405, 407, 410, 415, 416, 417
Instrumentos 36, 48, 51, 70, 188, 190, 225, 226, 235, 236, 237, 313, 314,
333, 356
Integração 38, 39, 82, 100, 150, 151, 158, 186, 212, 261, 289, 290, 292,
342, 367
Inteligência 37, 38, 95, 103, 104, 109, 154, 173, 183, 191, 370, 374, 416
Interação 28, 34, 35, 37, 38, 41, 47, 52, 53, 93, 142, 146, 175, 182, 190,
192, 195, 196, 204, 207, 208, 209, 216, 217, 218, 221, 222,
257, 265, 266, 300, 302, 304, 344, 353, 358, 372, 377, 379,
388, 389
Interatividade 47, 180, 402, 407
Interdisciplinar 101, 148, 154, 158, 165, 172, 188, 390, 394, 405, 407
Interfaces 89, 213, 214, 217, 219, 222, 223, 224
Intermediação 155, 162, 167, 168, 170, 185, 186, 190, 191, 197, 198, 409
Internet 30, 121, 189, 190, 229, 236, 237, 238, 266, 268

J
Jogos 233, 372, 374, 375, 376, 379, 382, 405, 416
Juventudes 229, 236, 239, 240, 403

L
Linguagem 43, 52, 60, 100, 105, 106, 108, 109, 110, 121, 135, 138, 140,
144, 147, 176, 177, 179, 186, 193, 194, 195, 199, 206, 207,
216, 217, 219, 224, 304, 394, 396, 399, 413

M
Memória 38, 52, 63, 101, 106, 107, 109, 110, 111, 115, 116, 138, 191,
192, 327, 336, 393
Mente 33, 37, 62, 63, 64, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 99, 106, 110, 111,
122, 123, 350, 394
Metodologias colaborativas 201, 202, 204, 205, 211

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Métodos 29, 30, 39, 66, 67, 81, 85, 96, 116, 129, 147, 282, 304, 317,
345, 356, 363, 370, 405, 416
Mídias 212, 220, 221, 223, 225, 226, 230, 233, 234, 236, 237, 238,
403
Modelagem 80, 87, 88, 134, 160, 172, 215, 222, 223, 390, 397, 403, 404,
413, 414, 415
Modelo 28, 30, 37, 41, 49, 73, 76, 77, 81, 82, 83, 87, 97, 101, 104,
158, 187, 189, 194, 243, 244, 287, 288, 303, 346, 350, 353,
357, 360, 368, 369, 389
Mudanças 36, 38, 50, 54, 59, 65, 99, 106, 142, 193, 194, 237, 271, 273,
287, 296, 330, 346, 350, 353, 355, 359, 365, 386, 390
Multirreferencialidade 77, 90, 102, 111, 144, 174, 182, 202, 203, 211, 212, 390

N
Neurociência 63, 64, 66, 70, 406
Nutrição 272, 281, 282, 283, 322, 323, 324, 336, 398, 399, 406, 408,
411, 416

O
Ontológico 36, 40, 135

P
Paradigma 27, 37, 38, 39, 40, 59, 62, 63, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 74, 76,
81, 87, 96, 133, 152, 188, 192, 209, 243, 244
Participação política 225, 226, 227, 228, 229, 230, 231, 232, 233, 234, 235, 236,
237, 238, 239, 240, 401
Participação popular 245, 325, 345, 358, 362
Pensamento 29, 38, 40, 44, 64, 74, 75, 91, 93, 94, 97, 98, 99, 100, 101,
102, 103, 104, 105, 106, 109, 110, 112, 115, 116, 122, 123,
124, 125, 127, 130, 132, 133, 135, 136, 137, 138, 139, 143,
144, 145, 146, 147, 150, 152, 154, 176, 188, 189, 193, 194,
195, 199, 203, 205, 206, 207, 212, 217, 218, 224, 231, 233,
301, 303, 343, 367, 372, 373, 387, 390, 394
Pesquisa 27, 28, 29, 30, 31, 35, 36, 39, 40, 41, 42, 45, 46, 56, 59, 60,
63, 64, 65, 67, 71, 76, 77, 79, 80, 85, 87, 88, 94, 96, 104, 107,

425

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112, 117, 118, 121, 122, 125, 127, 137, 138, 139, 141, 142,
143, 144, 146, 147, 149, 152, 158, 159, 168, 170, 171, 174,
177, 181, 186, 194, 196, 197, 198, 199, 201, 202, 205, 211,
213, 214, 215, 219, 220, 222, 223, 227, 228, 238, 239, 240,
244, 247, 248, 258, 280, 289, 290, 292, 293, 295, 296, 297,
299, 304, 305, 308, 309, 312, 313, 314, 315, 316, 317, 319,
327, 328, 329, 330, 342, 355, 370, 372, 373, 375, 376, 382,
385, 388, 389, 390, 391, 392, 394, 396, 397, 398, 399, 400,
401, 402, 403, 404, 406, 407, 408, 409, 411, 412, 413, 414,
415, 416, 417
Planejamentos 344
Plataformas 174, 176, 177, 180, 181, 182, 183, 225, 226
Político 31, 44, 130, 135, 139, 197, 215, 222, 225, 226, 227, 230,
231, 232, 233, 241, 242, 244, 245, 246, 254, 258, 362, 390
Portal 140, 160, 171, 178, 198, 213, 214, 219, 220, 221, 222, 223,
227, 259, 336, 351, 375
Práticas integrativas 340, 347, 350, 351

R
Realidade 28, 36, 37, 69, 74, 75, 77, 78, 81, 87, 99, 100, 107, 108, 109,
110, 134, 144, 145, 146, 148, 152, 158, 179, 190, 197, 203,
207, 217, 221, 232, 235, 248, 255, 266, 290, 303, 304, 305,
314, 316, 319, 322, 324, 325, 326, 328, 331, 335, 340, 343,
346, 351, 359, 365, 366, 367, 374, 375, 381, 382, 388, 391,
392, 393
Redes 27, 30, 38, 52, 59, 64, 89, 91, 121, 142, 148, 158, 159, 160,
161, 163, 164, 166, 167, 170, 171, 172, 177, 189, 195, 198,
208, 211, 221, 223, 229, 234, 236, 237, 239, 265, 267, 268,
269, 270, 313, 335, 354, 383, 391, 400, 406, 416
Resultados 27, 31, 32, 39, 41, 45, 46, 47, 56, 62, 67, 70, 96, 109, 119,
122, 154, 159, 177, 186, 188, 190, 202, 214, 256, 257, 275,
277, 286, 291, 292, 303, 310, 311, 312, 334, 347, 348, 355,
373, 374, 379

S
Saber 27, 28, 29, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 40, 41, 42, 44, 64, 73,
77, 78, 89, 99, 102, 117, 125, 134, 135, 136, 141, 142, 145,
175, 186, 191, 199, 202, 203, 206, 208, 217, 218, 219, 247,
289, 291, 303, 341, 356, 357, 358, 359, 386

426

Tecnologia social e difusao do conhecimento-miolo.indb 426 13/05/2021 11:42


Saúde 67, 80, 82, 83, 86, 104, 166, 171, 239, 272, 273, 274, 280,
281, 282, 288, 307, 323, 324, 325, 330, 333, 335, 336, 339,
340, 341, 342, 343, 344, 345, 346, 347, 348, 349, 350, 351,
353, 354, 355, 356, 357, 358, 359, 360, 361, 362, 363, 364,
365, 366, 367, 368, 369, 370, 399, 400, 405, 406, 408, 412,
413, 416, 417
Segurança alimentar 272, 273, 275, 276, 277, 280, 286, 287, 291, 322, 323, 324,
328, 329, 330, 331, 332, 333, 336, 364
Simulação 371, 372, 374, 375, 376, 377, 380, 381, 382
Sistema 29, 30, 41, 44, 49, 50, 56, 59, 80, 88, 93, 98, 100, 101, 102,
128, 129, 135, 137, 151, 159, 163, 171, 217, 250, 253, 260,
301, 331, 334, 335, 340, 346, 347, 350, 351, 354, 357, 360,
385
Sociedade 27, 30, 31, 32, 38, 44, 49, 50, 51, 55, 56, 58, 94, 97, 99, 100,
101, 102, 103, 105, 120, 142, 143, 148, 149, 150, 151, 153,
158, 172, 173, 175, 196, 197, 214, 215, 216, 219, 223, 232,
233, 234, 235, 238, 242, 243, 244, 246, 247, 248, 253, 255,
256, 258, 259, 260, 261, 265, 266, 270, 272, 292, 293, 301,
312, 326, 340, 344, 351, 356, 357, 358, 360, 362, 363, 367,
385, 388, 395, 401, 418
Sociocognitivo 28, 37, 38, 39, 41
Socioconstrutivismo 387, 390
Socioeconômico 322, 354
Software 160, 164, 166, 167, 168, 170, 171, 268, 378, 381, 397
Sujeito 27, 28, 29, 30, 35, 37, 38, 39, 73, 75, 76, 82, 86, 87, 98, 99,
103, 109, 111, 112, 116, 117, 118, 124, 125, 127, 145, 146,
147, 175, 178, 188, 191, 192, 193, 195, 197, 201, 203, 204,
206, 208, 215, 216, 217, 219, 232, 343, 351, 360, 368, 388

T
Tecnologia social 141, 142, 143, 148, 149, 152, 153, 154, 266, 270, 286, 287,
288, 289, 291, 292, 293, 325, 335
Teoria 37, 41, 57, 59, 61, 62, 63, 65, 68, 75, 78, 90, 94, 95, 96, 97,
100, 120, 143, 144, 146, 147, 152, 153, 160, 161, 164, 166,
167, 170, 171, 186, 190, 194, 195, 196, 203, 215, 217, 223,
239, 240, 260, 268, 293, 317, 342, 383, 387, 399, 410
Transdisciplinar 28, 94, 100, 101, 102, 103, 112, 212, 399
Transformação 40, 51, 70, 108, 113, 130, 138, 140, 147, 148, 152, 196, 206,
207, 226, 232, 233, 265, 331, 343, 359, 365, 387, 390, 391

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Turismo 387, 389, 390, 394, 401, 413

U
Universidade 55, 56, 58, 59, 60, 67, 77, 139, 140, 142, 154, 157, 158, 160,
164, 171, 172, 177, 183, 198, 201, 205, 212, 214, 224, 261,
274, 317, 318, 319, 329, 345, 351, 394, 395, 396, 397, 398,
399, 400, 401, 402, 403, 404, 405, 406, 407, 408, 409, 410,
411, 412, 413, 414, 415, 416, 417, 418
Urbanização 272, 357

V
Valorização 148, 151, 206, 215, 219, 266, 267, 269, 293, 324, 346, 350,
354, 355, 361, 387, 389, 390, 393
Virtual 181, 182, 188, 204, 210, 212, 220, 221, 223, 238, 355, 373,
377, 382, 394

Z
Zona de desenvolvimento 194, 195, 392

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Este livro foi composto na EDUFBA no formato 18x25 cm.
As fontes usadas foram a Ashburry e Branding.
Sua impressão do miolo foi feita na EDUFBA.
A capa e o acabamento foram feitos na Gráfica 3.
O papel é Alcalino 75 g/m².
300 exemplares.

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TECNOLOGIA SOCIAL E DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
MARIA INÊS CORRÊA MARQUES
Professora titular da Universidade Federal da Bahia MARIA INÊS CORRÊA MARQUES O livro Tecnologia social e difusão do
(UFBA), Departamento de Educação da Faculdade conhecimento: epistemologias multirreferenciais,
de Educação (Faced), vice-coordenadora do
GILBERTO PEREIRA FERNANDES redes e inovação reúne investigações
Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar Organizadores desenvolvidas junto ao Programa de Doutorado
em Difusão do Conhecimento (DMMDC). Graduada em Difusão do Conhecimento, uma rede
em História pela Universidade Federal do Espírito multi, inter e transdisciplinar em ação. O tema
Santo (UFES). Mestrado e doutorado pela UFBA, em tecnologia social é abordado em diversos
ensino de História e História da Educação Superior, capítulos que descrevem ações desenvolvidas
respectivamente. Coordena o subprojeto História em pesquisas aplicadas, as quais tem por
do Programa Residência Pedagógica, vinculado finalidade apresentar uma técnica, um produto,
à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal um método, ou um processo. Os resultados
de Nível Superior (Capes) e UFBA; desenvolve apontam soluções para algum tipo de problema
projeto de intervenção pedagógica na formação de social, atendendo às demandas das comunidades
A obra aborda a tecnologia social e a difusão
professores de História, pela pesquisa-formação, socioeducativas e otimizando a execução das
do conhecimento, apresentando elementos
em escolas públicas estaduais de Salvador. É atividades comunitárias com baixo custo, com
multiformes de uma sociedade mais
pesquisadora, líder do grupo de pesquisa Rede estratégias de fácil aplicabilidade e com impacto
Cooperativa de Pesquisa e Intervenção em (In)
formação, Currículo e Trabalho (REDEPECT).
participativa e democrática nas atividades
cotidianas e ações humanitárias. O tema tem
despertado grande interesse entre professores,
TECNOLOGIA social comprovado. A primeira parte do livro
nomeada “Conhecimento e epistemologias

SOCIAL E
sociocognitivas” engloba trabalhos que tratam
pesquisadores, gestores públicos e participantes
do conhecimento no que tange às reflexões
GILBERTO PEREIRA FERNANDES de movimentos sociais. O contexto dessa
epistemológicas emergentes na sociedade
Doutorando em Difusão do Conhecimento pelo
Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar
produção acadêmica traduz compreensão
de compreensões aparentes nas tessituras DIFUSÃO DO contemporânea e os aspectos sociocognitivos
e da complexidade. A segunda parte apresenta
dialógicas das sociedades conectadas em
em Difusão do Conhecimento (DMMDC) da
Universidade Federal da Bahia (UFBA); mestre em
Educação de Jovens e Adultos pela Universidade do
redes digitais. Nesse percurso, vislumbram-
se percepções de uma sociedade mais justa,
CONHECIMENTO experiências didático pedagógicas envolvendo
“Intermediação tecnológica em rede” e agrega
investigações que abordam as tecnologias
Estado da Bahia (UNEB); especialista em Educação igualitária e ambientalmente sustentável. As EPISTEMOLOGIAS digitais na sociedade em rede com viés analítico
de Jovens e Adultos pelo Instituto Federal de políticas cognitivas – da ciência e tecnologia e do
e aplicação dos recursos multimídia. A terceira
Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA); ensino – são apontadas como elo articulador da MULTIRREFERENCIAIS,

Gilberto Pereira Fernandes


Maria Inês Corrêa Marques
parte, “Tecnologia social e inovação”, agrupa
especialista em Docência do Ensino Superior pela atividade de trabalhadores que intentam sair da REDES E INOVAÇÃO investigações implicadas, marcadas pela
Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA); informalidade para a economia solidária e das
multiplicidade operativa e criadora de novos
comunidades cognitivas interagindo em redes

Organizadores
especialista em Literatura Brasileira (Salgado agenciamentos das tecnologias sociais para
de Oliveira); graduado em Letras Vernáculas robustas de comunicação.
promover inovação nos diversos campos da
pela UNEB e Língua Inglesa pela Universidade atuação humana.
Estadual de Santa Cruz (UESC). Professor, escritor
e poeta. Designer didático, extensionista na área de
formação de professores para a EJA e o ensino de
línguas (UNEB) para o qual desenvolve produção de
design didático pedagógico e metodologias ativas
ISBN 978-65-5630-128-0
para o ensino e aprendizagem multirreferencial;
coordenador do grupo de estudos e pesquisa:
Sujeitos e subjetividades on-line. 9 786556 301280

Tecnologia social e difusao do conhecimento-capa581x250.indd 1 12/05/2021 09:13

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