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Vol. 02 N.

02 v jul/dez 2004

Alexandra Fogli Serpa Geraldini


ageraldini@uol.com.br
Maria do Carmo Martins Fontes
mariafon@ajato.com.br

Ações docentes em meio digital: uma


proposta de análise sócio-interacionista

RESUMO – Este artigo tem por objetivo contribuir para uma ABSTRACT – This article aims at contributing to a deeper
compreensão mais aprofundada das necessidades e understanding of the needs and the potential resources
potencialidades apresentadas por ambientes educacionais digi- available in digital educational environments. To do so, it
tais. Para tanto, apresenta a análise da interação realizada presents an analysis of the interaction between a teacher
entre uma professora e seus alunos, em um curso de leitura and her students in an online ESP course, directed to public
instrumental de Inglês, ministrado a distância, na Internet, school teachers of English. The course’s forum was selected
para professores de Inglês da rede pública de ensino. O ambi- and its messages were analyzed based on the methodology as
ente focalizado foi o fórum e as mensagens foram analisadas a proposed by socio-discursive interactionism (Bronckart,
partir do embasamento teórico-analítico proposto pelo ISD 1997/1999).
(Bronckart, 1997/1999).

Palavras-chaves: Ações docentes, ambientes educacionais Key words: Teaching actions, digital educational environment,
digitais, interação. interaction.

Introdução (computadores e seus periféricos, softwares, etc), na


concepção de ensino-aprendizagem do interacionismo
Na perspectiva das novas tecnologias digi- sócio-discursivo, que compartilhamos, a interação
tais, que têm no computador seu veículo principal, os privilegiada continua sendo com um ser humano ati-
processos de interação e mediação assumem novas vo e criador, produtor de textos, de saberes e de co-
formas seja em função do meio em que ocorrem (o nhecimento e é pela e na interação que se aprimoram
digital), seja em função da ampliação de suas possibi- os processos de aprendizagem.
lidades. Assim, a interação entre pessoas ganha uma Do ponto de vista educacional, as característi-
dinâmica multidirecional, multimidiática e multi-espa- cas constitutivas de tecnologias que utilizam o meio
cial graças à possibilidade de digitalização de vários digital trazem implicações para as ações docentes do
códigos e formas de linguagem (sons, imagens estáti- professor de cursos a distância. A maioria dessas
cas e em movimento, gráficos, além da própria “escri- implicações relaciona-se diretamente à natureza das
ta”). E, simultaneamente, a mediação física, feita atra- ferramentas necessárias para a comunicação mediada
vés da tela do computador, torna possível que esses por computador (CMC) que, de várias maneiras, trans-
multimeios sejam compartilhados, em tempo real, com formam o contexto de produção do discurso e da pró-
pessoas distantes. pria produção de conhecimento nos ambientes edu-
As chamadas novas tecnologias de informa- cacionais digitalizados.
ção e comunicação (NTIC) criam, assim, formas de Assim, o trabalho do professor de cursos a
interação até então impensadas ou impossibilitadas distância está estreitamente ligado ao uso que se faz
pela falta de recursos tecnológicos específicos. É pre- dos recursos proporcionados por essas tecnologias.
ciso, entretanto, lembrar que, apesar de essas Conhecer melhor tanto o meio digital1 como espaço
tecnologias pressuporem a existência de máquinas educacional, como também as representações e

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Calidoscópio

as perspectivas do profissional da educação que Proposta de análise


nele atua podem contribuir para uma compreen-
são mais profunda das necessidades especificas Para conhecer melhor as características das ações
dos docentes atuantes em ambientes digitais de docentes em meio digital, foram selecionadas e analisa-
aprendizagem. das mensagens de uma professora experiente no ensino
presencial de línguas, mas iniciante no contexto digital
As ações docentes em meio digital de ensino. Essas mensagens foram geradas no bulletin
board e nos chats de um curso voltado para o aprimora-
Partimos aqui da idéia de que o professor – mento lingüístico de professores de inglês da rede pú-
seja na sala de aula presencial, seja no meio digi- blica, utilizando exclusivamente o meio digital para o
tal – desenvolve determinadas ações para criar desenvolvimento da habilidade de leitura2 .
condições de promover os objetos de ensino se- No presente artigo, optamos por apresentar
lecionados. apenas os resultados das análises feitas, a partir do
Considerando-se o meio digital como um es- embasamento teórico-analítico proposto pelo ISD
paço de atuação do professor concebido como um (Bronckart, 1999).
profissional cujo objeto de transformação é o co- A adoção dessa perspectiva, orientada por
nhecimento, em um processo de construção con- princípios epistemológicos do interacionismo socio-
junta com seus alunos, podemos afirmar que, em discursivo, requer que sejam estudadas as relações
sua essência, os ambientes digitais de ensino- entre o desenvolvimento de formas de organização
aprendizagem podem se constituir como esferas de social e formas de interação de caráter semiótico, pois
atuação docente, da mesma maneira que a sala de se entende que o contexto socio-histórico desempe-
aula. nha um papel determinante nas práticas discursivas e
Além disso, se pensarmos na questão do agir na própria formação dos sujeitos.
educacional, o professor de cursos digitais a distân- Nesse sentido, considerando o surgimento de um
cia tem diante de si um grande número de novos sa- novo contexto de ensino e sua utilização para a mediação
beres a serem construídos e compartilhados, o que pedagógica, o referencial adotado possibilitou a identifica-
requer conhecimento sobre as diversas ferramentas ção e descrição das ações docentes, bem como a influência
disponíveis nos ambientes digitais. nelas exercida pelas características do novo contexto e vice-
Assim, ministrar um curso online pode impli- versa. Em outras palavras, o modelo permitiu que contem-
car ações que envolvem o gerenciamento dessas fer- plássemos a complexidade do contexto estudado.
ramentas comunicacionais na organização e plane- A análise empreendida partiu da situação da ação
jamento das ações docentes. Em outras palavras, o de linguagem3 para a totalidade dos dados e restringiu-
professor, além de dominar conteúdos e estratégias se a apenas um (de um total de três) nível analítico da
de apresentação desses últimos, também deve pen- arquitetura interna, a saber a infra-estrutura-geral.
sar quais ferramentas usar para cada uma de suas A análise da arquitetura interna se revelou uma
ações. ferramenta produtiva para observar as representações
Ademais, a inexistência de um espaço físico da professora em relação ao novo contexto, ao uso
que seja simultaneamente compartilhado por todos dos diferentes recursos, às atividades a serem desen-
os alunos o tempo todo, também traz implicações de volvidas e também à maneira de desenvolvê-las, além
ordem organizacional. do papel a ser desempenhado pelos interagentes nessa
Desse modo, os ambientes educacionais em situação de ação de linguagem.
meio digital demandam uma nova perspectiva por É importante considerar os elementos desen-
parte do professor, mesmo que tal exigência não volvidos nessa dimensão analítica como complemen-
seja explicitada no momento de planejamento dos tares aos constitutivos do contexto de produção, uma
cursos. vez que, ao realizar uma ação de linguagem, o agente

1
Adotamos o conceito de digital no lugar de virtual. Para um detalhamento maior dessa discussão ver Fontes (2002).
2
Os dados foram retirados da tese de doutoramento de Geraldini (2003). Para maior detalhamento, consultar o trabalho original.
3
Cabe lembrar que o modelo de análise proposto é complexo e abrangente o suficiente para abordar inúmeras situações (novas)
de uso da linguagem. Porém, para obter maior objetividade em nossa análise, optamos por utiliza-lo parcialmente utilizando,
portanto, algumas das dimensões propostas. Para maior detalhamento, consultar Bronckart (1999).

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enunciador mobiliza suas representações sobre o con- própria natureza, pois cada mensagem já apresenta,
texto material (no caso o computador, os diferentes individualmente, seu contexto de produção, trazen-
espaços do curso), o contexto socio-subjetivo (papel do explicitamente seu emissor, data e horário de en-
docente desempenhado por meio das diferentes fun- vio, assunto e destinatário(s) (sendo os dois últi-
ções exercidas, expectativas dos agentes envolvidos, mos definidos pelo próprio emissor, ou automatica-
adequação de fala e ações nos diferentes contextos) mente, no caso de respostas a mensagens previa-
e as materializa nas enunciações. mente enviadas).
Feitas essas observações, passaremos aos re- A análise da arquitetura interna se revelou uma
sultados da análise. ferramenta produtiva para observar as representações
da professora em relação ao novo contexto, ao uso
Resultados da análise4 dos diferentes recursos, às atividades a serem desen-
volvidas e também à maneira de desenvolvê-las, além
Bulletin Board (BB) do papel a ser desempenhado pelos interagentes nessa
Este espaço de interação assíncrona foi pre- situação de ação de linguagem.
visto para a troca de mensagens entre todos os parti- Por uma questão de clareza desta exposição,
cipantes do curso sobre os mais variados tópicos (des- antes de passar à exploração desse nível dos da-
de o esclarecimento de dúvidas em relação ao calen- dos, é apresentado o Quadro 1. Ele compreende as
dário, horário dos encontros síncronos até a apresen- etapas analíticas desenvolvidas nessa dimensão,
tação de determinadas atividades, referentes ao con- constitutivas da infra-estrutura geral do texto e
teúdo abordado, como resumos de leituras). explicita o tipo de discurso (interativo dialogal),
O contexto de produção dos dados gerados bem como o tipo de seqüência que o constitui
no BB foi considerado em bloco em função da sua (dialogal).

Quadro 1. Arquitetura Interna – Bulletin Board.


Infraestrutura Plano geral Tipo(s) de discurso Tipo(s) de seqüência
geral do texto

Esferas: 1) organização do trabalho Interativo dialogado Dialogal (turnos e


2) conteúdo assíncrono atos de fala)
3) social

Neste artigo, escolhemos trabalhar apenas da abor- A primeira esfera, da organização do traba-
dagem do Plano Geral das mensagens, porque ela se refe- lho, compreende instruções relativas à organização
re à organização do conteúdo temático, que pode ser iden- dos grupos, à ordem de realização das atividades, aos
tificado no processo de leitura das mensagens. As ações horários dos encontros síncronos, aos prazos para
de linguagem da professora, registradas no espaço realização das atividades, à manifestação de ciência
Bulletin Board, foram agrupadas em três esferas de atua- do recebimento de mensagens e/ou atividades, con-
ção docente, a partir dos objetivos de cada mensagem. forme ilustra o Quadro 2.

Quadro 2. Organização do trabalho.


“Article No. 456: posted by (Roberta ) on Tue, Nov. 21, 2000, 22:09
Subject: Clara, Fernanda, Rosangela, Luís Carlos, Mônica e Rosana.
Hi folks! As I haven’t seen your exercises, yet, I would like you to do the scanning exercise B, before
you meet your group for the writing of the summary. Also I think it might give you a very good help during
our chat on Friday night, 24th. I think it will give you ideas for a wonderful chat! What about that, uh?
I’ll be waiting for your messages and also to talk to you on-line next Friday.
Cheers, Roberta”5 .

4
Uma discussão mais detalhada desses dados pode ser lida na tese de doutoramento de Geraldini (2003).
5
Observe-se os elementos de identificação que permitem reconstituir o contexto de produção (lugar e momento de produção,
emissor e receptor(es) e objetivo(s) da mensagem).

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Calidoscópio

A segunda esfera, do conteúdo, compreende leitura, temas presentes nos textos do curso, corre-
tópicos de ensino de língua (inglesa), estratégias de ção de atividades, etc., conforme ilustra o Quadro 3.

Quadro 3. Conteúdo.
Article No. 637: [Branch from no. 603]
posted by Roberta on Fri, Jan. 26, 2001, 18:05
Subject: re: Correction
Hi, Beth, The word PIRG is somewhere’cause I know Bete (apelido professora do módulo anterior)
managed to find it. Thanks a lot for the comments about your activities. It is really nice to know what
goes on behind the curtains, isnt’ it?
Cheers, Roberta.

A terceira esfera, social, refere-se à dimensão de incentivo da professora, até a discussão de questões
afetiva dos participantes e compreende desde palavras de ordem pessoal, conforme ilustra o Quadro 4.

Quadro 4. Dimensão afetiva.


Article No. 594: [Branch from no. 571]
posted by Roberta on Thu, Dec. 14, 2000, 01:13
Subject: re: U5: Vocabulary
Dear Tina,
Quite the opposite. I think trying again is always a chance of reviwing. You may do it again whenever you
want to.
Roberta.

Como se pode observar, essas esferas expres- mensagens, das quais a professora inicia apenas três
sam a constituição geral do uso deste espaço, em e responde a 19.
termos de objetivos, permitindo, portanto, esboçar o A última esfera identificada foi a de conteúdo,
perfil a ele atribuído no curso pela professora6 . Em reunindo apenas doze mensagens (ou quase 10% do
outras palavras, esta aproximação nos possibilitou total). Dessas, ela responde a onze, o que indica que
descrever as ações realizadas no BB. a professora praticamente não insere questões de
Algumas considerações podem ser tecidas, a conteúdo no Bulletin Board.
partir do que foi identificado discursivamente. O fluxo e movimento interativos relativamente a
As ações docentes, neste espaço, destinam-se, essas duas esferas (social e de conteúdo) são predo-
prioritariamente, a organizar o trabalho. Aproximada- minantemente impressos pelos alunos, neste espaço.
mente 83% do total de suas mensagens7 são destina- Pode-se considerar que a atuação docente, no
das a esta esfera da atuação docente. Dessas, a profes- BB, se revela mais como organizacional, uma vez que
sora inicia 36 e responde a 598 . Pode-se inferir, a partir o maior índice de mensagens iniciadas pela professo-
desse dado, que os alunos também utilizam este espa- ra refere-se à esfera de organização do trabalho.
ço como organizacional, já que eles são responsáveis Em termos gerais (nas três esferas), sua atua-
pela maioria das mensagens relacionadas à esfera da ção pode ser caracterizada como mais reflexa ou
organização do trabalho. Ainda em relação a essa esfe- responsiva à demanda dos alunos do que como
ra, pode-se também concluir que o fluxo e movimento diretiva, uma vez que ela não antecipa novas necessi-
interativos são compartilhados em proporção equili- dades e/ou conteúdos.
brada pela professora e pelos alunos. A partir dos dados elencados acima, pode-se
A segunda esfera, em ordem de importância inferir que a professora concebe este espaço
pelo critério quantitativo, é a social, que reúne 22 interacional como destinado a questões organizacionais

6
Os alunos podiam postar mensagens, sem pedir autorização prévia da professora. Entretanto, o foco de
análise foi, precisamente, na forma como a professora instituiu a função desse espaço.
7
89, de um total de 108 mensagens analisadas.
8
A soma dos valores absolutos não coincide obrigatoriamente, uma vez que uma mesma mensagem foi
incluída em mais de uma esfera simultaneamente.

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e à devolução de atividades realizadas pelos alunos esfera do conteúdo que, embora tenha surgido naque-
devidamente corrigidas. la ferramenta, não se destacou, ao passo que, no chat,
Nesse sentido, pouco é feito em termos constituiu-se como a esfera predominante.
interativos propriamente ditos. Parece tratar-se mais Cabe ainda salientar o surgimento da esfera téc-
de um quadro de avisos, que se constituiria como um nica nos chats, dimensão ausente no BB. Conforme apon-
elo entre os participantes, sem que haja indícios de tado anteriormente, havia, no curso, um espaço destina-
uma atividade interativa, colaborativa, voltada à cons- do à abordagem de questões de natureza técnica (o
trução conjunta de conhecimento. É importante notar Bulletin Board Technical resources), o que pode expli-
que o conteúdo foi a primeira esfera abordada por ela car, ao menos parcialmente, a ausência dessa esfera no
no BB e posteriormente foram desenvolvidas ações espaço de comunicação assíncrona (Bulletin Board).
voltadas à organização das atividades, à participação Nos chats observados, o surgimento dessa
dos alunos e à dimensão afetiva. esfera está relacionado a questões de natureza prag-
Vale destacar que, ao utilizar o espaço como um mática e fática, decorrentes tanto da qualidade e dis-
local em que também se pode construir conhecimento, ponibilidade dos equipamentos, conexão telefônica,
além de organizar o trabalho e de se relacionar social- clima (chuva), etc, quanto da habilidade dos usuários
mente, a professora nos dá indícios de sua concepção e sua familiaridade com o uso de computadores
de atuação docente, dos componentes necessários para conectados à Internet. Logo, à medida que dificulda-
que se realize o processo de ensino-aprendizagem e des de conexão e comunicação surgiam, as questões,
das possibilidades interativas apresentadas pelo BB. ou melhor, dificuldades, eram colocadas à professora
e ao grupo e, então, tratadas.
Chat Nesse sentido, as questões trazidas requeriam
solução imediata, uma vez que se mostravam funda-
Este espaço de interação síncrona foi original- mentais para a continuidade da comunicação em cur-
mente pensado para encontros previamente so. Dois aspectos devem ser apontados: embora as
agendados pela professora, a fim de discutir conteú- questões tratadas fossem de natureza técnica, como
dos trabalhados, e também servir para que grupos diziam respeito às condições de produção imediatas,
pré-definidos de alunos se encontrassem e realizasse eram genuínas, o que atribuiu um caráter de
as atividades previstas no design do curso. pertinência e relevância ao seu tratamento na situa-
O conteúdo temático da totalidade dos encontros ção comunicativa. Em outras palavras, no novo con-
foi organizado em esferas de atuação docente, a partir dos texto, questões de natureza técnica não podem ser
mesmos critérios utilizados para a organização das men- consideradas como menos importantes do que as
sagens enviadas ao BB. O percentual foi calculado to- demais, uma vez que delas depende a própria existên-
mando como parâmetro o número de chats em que as cia e manutenção da atividade-fim.
diferentes esferas foram identificadas. A título de exem- O segundo aspecto diz respeito à importância
plo, considere-se a esfera da organização do trabalho. da consideração das condições de produção quando
Um primeiro olhar sobre esse conjunto de da- se trata do contexto digital, uma vez que surgem di-
dos permite delinear o uso do espaço feito pelos par- versos elementos que acabam por influenciar a dinâ-
ticipantes do curso. De maneira global, a esfera do mica interativa de modo significativo.
conteúdo foi predominante, uma vez que foi É pertinente acrescentar que o uso do chat foi
identificada em 88% dos encontros. Em seguida, se uma preocupação insistentemente manifestada pela
apresenta a esfera da organização do trabalho, ocu- professora desde - e principalmente - o início do cur-
pando um percentual considerável, de aproximada- so . Essa preocupação motivou algumas ações do-
mente 55% da totalidade dos encontros. centes, como organizar os encontros síncronos a par-
Finalmente as esferas técnica e social se apre- tir de temas que subsidiassem a realização das ativi-
sentaram de forma equiparada, em termos quantitati- dades solicitadas aos alunos e a negociação de datas
vos, pois foram desenvolvidas em aproximadamente e horários junto ao grupo.
45% dos encontros. Para desenvolver a análise desses elementos,
Observe-se que a organização do trabalho, pre- a arquitetura interna foi explorada em seu nível mais
dominante no espaço de comunicação assíncrona (BB), profundo — da infra-estrutura textual — para os cin-
teve sua presença reduzida nos chats. Outra alteração, co encontros focalizados a seguir, conforme ilustra o
em relação à configuração do BB, foi apresentada pela Quadro 5.

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Calidoscópio

Quadro 5. Arquitetura Interna - Chats.


Infraestrutura geral do texto Plano geral Tipos de discurso Tipos de seqüência

Esferas: Interativo dialogado Fases/trocas/turnos


1 - organização do trabalho Síncrono e atos de fala.
2 - conteúdo
3 - social
4 - técnica

Considerando sua importância para identificar geral, constituído a partir da organização do conteú-
os tipos de intervenção realizados pela professora e o do temático, indica que a esfera do conteúdo predo-
conseqüente delineamento da configuração das minou neste encontro.
interações desenvolvidas no chat, serão expostas a A integração dessas dimensões permitiu que
seguir as trocas constituintes das seqüências se explorassem os chats e se identificassem tanto o
dialogais e, em seguida, seu desdobramento em atos conteúdo desenvolvido quanto a forma pela qual isso
de fala. se realizou, além do papel desempenhado pela pro-
Assim, a identificação dos tipos de trocas ver- fessora. Em outras palavras, foram focalizadas repre-
bais realizadas permitem que se visualize, por exemplo, sentações da professora sobre os mundos externo e
intervenções destinadas a cumprimentar, despedir-se, socio-subjetivo, da maneira como emergiram durante
manter contato, agradecer etc. (trocas confirmativas9 ). sua atuação no curso, junto aos alunos.
ou a argumentar, negociar, explicar, propor, solicitar, etc, Nesse espaço, assim como verificado também
(trocas reparadoras 10 ). O desdobramento dessa no primeiro bloco, suas representações emergem pela
materialidade lingüística em atos de fala possibilita que análise das funções docentes, tais como dar instru-
se identifiquem as ações realizadas. ções, propor dinâmicas, explicar conteúdos, introdu-
Finalmente, a consideração de todas essas di- zir temas, posicionar-se socialmente junto aos alu-
mensões aliadas ao plano geral (esferas de atuação nos, etc.
docente) permitiu que delineássemos o perfil docen-
te nos chats. Por exemplo, no chat nº 8, observa-se Considerações Finais
um elevado percentual de trocas reparadoras (85%),
de turnos da professora (48,2%) e da esfera do con- As considerações tecidas ao longo deste arti-
teúdo (59,6%). Esses dados sugerem a existência de go apontaram para uma possível relação existente
uma relação entre si e podem ser interpretados da entre a evolução do processo de apropriação, pela
seguinte maneira: as trocas reparadoras indicam ne- professora, do novo meio, bem como do domínio dos
gociação, argumentação, questionamento, explicação, recursos tecnológicos e da progressiva focalização
enfim, operações envolvidas na construção de questões didático-pedagógicas. É pertinente sali-
colaborativa de conhecimento. A professora detém entar o surgimento de duas dimensões, na ação do-
quase 50% dos turnos do encontro, um dos índices cente no BB, a saber: à dimensão social existente des-
mais altos de todos os chats, o que nos leva a consi- de o início do curso, foi acrescentado um “tom” mais
derar que ela participou ativamente dessas trocas, afetivo da professora e, simultaneamente, foram in-
provavelmente introduzindo conteúdos a serem dis- troduzidos tópicos relativos ao conteúdo.
cutidos, questionando os alunos, orientando as dis- A análise das ações docentes, tendo por base
cussões, etc. Essa interpretação é confirmada pelos sua constituição temática e o plano de sua
atos de fala realizados por ela, especialmente pela estruturação discursiva, revelou alguns aspectos im-
quantidade expressiva dos atos “solicita informação, portantes a serem considerados para se abordar a for-
questiona e solicita esclarecimento/confirmação”. mação do professor em contexto digital. Quando to-
Assim, pode-se imaginar que esses atos estivessem madas isoladamente, essas ações revelam a impor-
relacionados a diferentes temas. Contudo, o plano tância que o papel de gerenciador assume, de forma

9
Destinadas a confirmar ou estabelecer a relação entre os interlocutores (Goffman, 1971).
10
Permitem restaurar o equilíbrio rompido pela primeira intervenção. Busca reduzir os riscos para a face negativa do interlocutor.
Para maior detalhamento, consultar Goffman (1971).

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integrada ao de mediador, construtor de conhecimen- KENSKI, V.M. 2001. O papel do professor na sociedade digi-
tal. In: A. Castro e AM.P. Carvalho (orgs.), Ensinar a
to. Dito de outra forma, organizar as ações docentes ensinar: didática para a escola fundamental e média.
em meio digital pode ser tão importante quanto interagir São Paulo, Pioneira Thomson learning.
para se construir conhecimento, ou nas palavras de BRONCKART, J.-P. 1999. Atividade de linguagem, textos e
discursos – por um interacionismo sócio-discursivo. São
Kenski (2001: 105), “Na sociedade digital, o papel dos Paulo, Educ.
professores se amplia, ao invés de se extinguir”. GOFFMAN, E. 1971. La mise en scène de la vie quotidienne.
Les relations en public. Paris, Minuit. (1973).
Referências

GERALDINI, A.F.S. 2003. Docência no ambiente digital:


ações e reflexão. São Paulo, SP. Tese de Doutorado. LAEL, Recebido em jul/2004
PUC-SP. Aceito em set/2004

Alexandra Fogli Serpa Geraldini


PUC/SP
Maria do Carmo Martins Fontes
UNIFRAN

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