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DIREITO CONSTITUCIONAL I

1.º ANO JURÍDICO


ANO LECTIVO 2021/2022
INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL

O Estado é composto por:

v Povo (art. 3.º e 9.º da CRA)


v Território (art. 5.º e 12.º ,
n.º 4 da CRA)
v Poder Político (art. 4.º,
105.º, n.º 1 da CRA)

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SUJEIÇÃO DO ESTADO E DAS DEMAIS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS AO
DIREITO

Não são apenas os indivíduos (ou os particulares) que vivem


subordinados a normas jurídicas. Igualmente o Estado e as demais
instituições que exercem autoridade pública devem obediência ao
Direito (incluindo ao Direito que criam).

Para lá dos elementos histórico, geográfico, económico, político,


moral e afectivo, encontra-se sempre um elemento jurídico traduzido
na criação de direitos e deveres, de faculdades e vinculações. Os
governantes têm de ter o direito de mandar e os governados o dever
de obedecer.

Não bastam a força ou a conveniência: não há uma ideia de poder sem


uma ideia de Direito e a autoridade dos governantes em concreto tem
de ser uma autoridade constituída – constituída por um conjunto de
normas fundamentais, pela Constituição, como quer que esta se
apresente.

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O povo e o território não são o povo e o território do Estado senão
nos termos de Direito – Direito interno desse Estado e Direito
Internacional. A pertença de alguém ao povo depende das leis da
nacionalidade ou cidadania e envolve determinado estatuto dentro da
ordem jurídica estatal (art. 9.º da CRA); a pertença de alguma
porção de território ao Estado depende do Direito internacional (art.
5.º da CRA); e o poder de cada Estado somente atinge o seu povo e o
seu território, e não os de outros Estados, porque povo e território
vêm a ser condições de existência (ou limites) do seu ordenamento
jurídico.

O Estado e as demais entidades públicas (autarquias locais,


institutos públicos, associações públicas, autoridades tradicionais,
etc.) têm de se mover segundo regras jurídicas – sejam quais forem
as fontes donde essas regras provenham (nomeadamente de natureza
legal ou consuetudinária – art. 6.º e 7.º CRA), o conteúdo e o
sentido que possuam, as concepções que lhes presidam e os
procedimentos de agir que instituam.

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REGIMES, FORMAS DE GOVERNO, SISTEMAS POLÍTICOS

São extremamente variados e tantas vezes antagónicos


os regimes, as formas de governo, os sistemas
políticos: a mais elementar comparação por exemplo,
mostra diferenças que existem entre um regime como o
norte-americano e um regime como o soviético de 1917 a
1991, entre um regime como o angolano no domínio da
LCA de 1991 com as alterações de 1992 e da CRA de 2010
e um regime como o angolano no domínio da nossa
primeira Constituição, a Lei Con s t i t u c i o n a l d a
República Popular de Angola (LCRPA de 1975).
Não obstante, em todos os regimes e sistemas políticos,
passados ou actuais, encontram-se valores e princípios
jurídicos a defini-los, a legitimá-los (ou a procurar
legitimá-los), a conformá-los, a orientá-los.
A sujeição do Estado ao Direito, inclusive ao seu
próprio Direito positivo – eis a base do Direito
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/2 público e, antes de mais, do Direito Constitucional.
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O DIREITO CONSTITUCIONAL
O Direito Constitucional é a parcela da ordem jurídica
que rege o próprio Estado enquanto comunidade e
enquanto poder.

É o conjunto de normas (regras e princípios) que


recortam o contexto jurídico correspondente à
comunidade política como um todo e aí situam os
indivíduos e os grupos uns em face dos outros e
perante o Estado-poder e que, ao mesmo tempo, definem
a titularidade do poder, os modos de formação e
manifestação da vontade política, os órgãos de que
esta carece e os actos em que se concretiza.

Chama-se também direito político, por essas serem


normas que se reportam directa e imediatamente ao
Estado, que constituem o estatuto jurídico do Estado
ou do político, que exprimem um particular enlace da
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0 dimensão política e da dimensão jurídica M Idas
H A E L A relações
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11 entre os homens.
Qualquer Estado, em qualquer época e lugar, postula
sempre normas com tal função. O que não podem deixar
de variar são a intensidade, a extensão e o alcance
dessas normas e as funções conexas ou complementares
que se lhes prendam. E variam não apenas em virtude
das condições gerais de conservação ou de modificação
do ordenamento mas sobretudo em virtude dos fins e dos
modos de exercício do poder e das posições recíprocas
de governantes e governados (em que consistem os
regimes, as formas de governo, os sistemas políticos).

O Direito Constitucional provém do constitucionalismo


moderno; e mesmo quando, como sucede em numerosos
países no nosso tempo, se distancia muitíssimo das
linhas ideológicas iniciais deste, está associado a
noções de Constituição material, formal e instrumental
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/2 antes desconhecidas. MIHAELA NETO WEBBA 7
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Podemos defini-lo como o ramo do Direito
Público que expõe, interpreta e sistematiza
os princípios e normas fundamentais do Estado
(José Afonso da Silva). Como esses princípios
e normas fundamentais do Estado compõem o
conteúdo das constituições (Direito
Constitucional objectivo), pode-se afirmar,
como o faz Pinto Ferreira, que o Direito
Constitucional é a ciência positiva das
constituições.

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OBJECTO
O objecto do Direito Constitucional é constituído
pelas normas fundamentais da organização do Estado,
isto é, pelas normas relativas à estrutura do Estado,
forma de governo, modo de aquisição e exercício do
poder, estabelecimento de seus órgãos, limites de
actuação, direitos fundamentais do homem e respectivas
garantias e regras básicas da ordem económica e social
(José Afonso da Silva , Curso de Direito
Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 38.ª
edição, 2015, pg.. 36).

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CONSTITUIÇÃO MODERNA E CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA

Por Constituição moderna entende-se a ordenação


sistemática e racional da comunidade política através
de um documento escrito no qual s e d e c l a r a m a s
liberdades e os direitos e se fixam os limites do
poder político. Podemos desdobrar este conceito de
forma a captarmos as dimensões fundamentais que ele
incorpora:
1. ordenação jurídico-política plasmada num documento
escrito;
2. declaração, nessa carta escrita, de um conjunto de
direitos fundamentais e do respectivo modo de
garantia;
3. organização do poder político segundo esquemas
tendentes a torná-lo um poder limitado e moderado.
Este conceito de constituição converteu-se
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8/
20 progressivamente num dos pressupostosM I H básicos
A E L A N E T O W E B Bda
A 10
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1 cultura jurídica ocidental, a ponto de se ter já
Trata-se, porém de um conceito ideal, que não
corresponde sequer a nenhum dos modelos históricos de
constitucionalismo. Assim um Englishman sentir-se-á
arrepiado ao falar-se de ordenação sistemática e
racional da comunidade através de um documento escrito.
Para ele a constituição – The English Constitution –
será a sedimentação histórica dos direitos adquiridos
pelos “ingleses” e o alicerçamento, também histórico,
de um governo balanceado e moderado (the balanced
constitution).

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A um Founding Father (e a qualquer americano) não
repugnaria a ideia de uma carta escrita garantidora de
direitos e reguladora de um governo com freios e
contrapesos feita por um poder constituinte, mas já
não se identificará com qualquer sugestão de uma
cultura projectante traduzida na programação racional
e sistemática da comunidade.
Aos olhos de um citoyen revolucionário ou de um
vintista exaltado português a constituição teria de
transportar necessariamente um momento de ruptura e um
momento construtivista. Momento de ruptura com a
“ordem histórico-natural das coisas” que outra coisa
não era senão os privilèges do ancien regime. Momento
construtivista porque a constituição, feita por um
novo poder – o poder constituinte –, teria de
definir os esquemas ou projectos de ordenação de uma
022 ordem racionalmente construída.
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CONCEITO HISTÓRICO
As considerações anteriores justificarão ainda hoje a
indispensabilidade de um conceit o h i s t ó r i c o d e
Constituição. Por constituição em sentido histórico
entender-se-á o conjunto de regras (escritas ou
consuetudinárias) e de estruturas institucionais
conformadoras de uma dada ordem jurídico-política num
determinado sistema político-social.

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CONCEITO HISTÓRICO
Este conceito – utilizado sobretudo por historiadores – serve
também para nos pôr de sobreaviso relativamente a interpretações
retroactivas de organizações políticas e sociais de outras épocas em
que vigoravam instituições, regras, princípios e categorias
jurídico-políticas radicalmente diferentes dos conceitos e das
categorias da modernidade política.
Mas não só isso: entre o “ constitucionalismo antigo” e o
“constitucionalismo moderno” vão-se desenvolvendo perspectivas
políticas, religiosas e jurídico-filosóficas sem o conhecimento das
quais não é possível compreender o próprio fenómeno da modernidade
constitucional. Exemplos: é difícil compreender a ideia moderna de
contrato social sem conhecermos o filão da politologia humanista
neoartistotélica centrado na ideia de bem comum.

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A progressiva aceitação de “pactos
de domínio” entre governantes e
governados como forma de limitação
do poder ganha força política
através da crença religiosa do
calvinismo numa comunidade humana
dirigida por um poder limitado por
leis e radicado no povo.

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CONSTITUCIONALISMO INGLÊS (MODELO HISTORICISTA: O TEMPO
LONGO DOS “JURA ET LIBERTATES”)

As palavras-chave do modelo historicista encontram-se


no constitucionalismo inglês. As dimensões histórico-
constitucionais caracterizadoras deste modelo
histórico podem sintetizar-se em três tópicos:
1. g a r a n t i a d e d i r e i t o s a d q u i r i d o s f u n d a m e n t a i s
traduzida na garantia do binómio subjectivo l iberty
and property;
2. estruturação corporativa dos direitos, pois eles
pertenciam (pelo menos numa primeira fase) aos
indivíduos enquanto membros de um estamento;
3. regulação destes direitos e desta estruturação
através de contratos de domínio do tipo da Magna
Charta.

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As cristalizações jurídico-constitucionais deste
modelo que passaram a fazer parte do património da
constituição ocidental são:

vMagna Charta, de 1215;


vPetition of Rights, de 1628;
vHabeas Corpus Act, de 1679;
vBill of Rights, de 1689.

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Estes documentos conduziram à sedimentação de algumas
dimensões estruturantes da constituição ocidental.
Em primeiro lugar, a liberdade radicou-se
subjectivamente como liberdade pessoal de todos os
ingleses e como segurança da pessoa e dos bens de que
se é proprietário no sentido indicado pelo art. 39.º
da Magna Charta.
Em segundo lugar, a garantia da liberdade e da
segurança impôs a criação de um p r o c e s s o j u s t o
regulado por lei ( due process of law ) , o n d e s e
estabelecessem as regras disciplinadoras da privação
da liberdade e da propriedade.

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Em terceiro lugar, as leis do país (laws of the land) reguladoras da
tutela das liberdades são dinamicamente interpretadas e reveladas
pelos juízes – e não pelo legislador! – que assim vão cimentando o
chamado direito comum (common law) de todos os ingleses.
Em quarto lugar, sobretudo a partir da Glorius Revolution (1688-89),
ganha estatuto constitucional a ideia de representação e soberania
parlamentar indispensável à estruturação de um governo moderado.
O Rei, os comuns e os lordes (King in Parliament, Commons and Lords)
formavam uma espécie de “soberania colegial” ainda não
desvinculada de ideias medievais. De qualquer modo, o balanceamento
de forças políticas e sociais permite agora inventar a categoria
política de representação e soberania parlamentar.

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Um corpo social dotado de identidade e que conseguiu obter a entrada
no Parlamento ( Members of Parliament ) passa a exigir respeito e
capacidade de agir . Numa palavra: passa a estar representado.
Acrescente-se ainda: a soberania parlamentar afirma-se como elemento
estruturante da constituição mista, pois uma constituição mista é
aquela em que o poder não está concentrado nas mãos de um monarca,
antes é partilhado por ele e por outros órgãos do governo (Rei e
Parlamento). A “soberania do parlamento” exprimirá também a ideia
de que o “poder supremo” deveria exercer-se através da forma de
lei do parlamento. Esta ideia estará na génese de um princípio
básico do constitucionalismo: the rule of law.

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CONSTITUCIONALISMO FRANCÊS (MODELO INDIVIDUALISTA: OS
MOMENTOS FRACTAIS DA REVOLUÇÃO)

A narrativa historicista explica como se chegou à


British Constituttion. Não fornece um esquema
interpretativo do constitucionalismo revolucionário
continental cujo paradigma é o constitucionalismo
francês.

Uma primeira interrogação será esta: como e porquê a


formação de uma tradição constitucional francesa não
tem os mesmos traços do evolucionismo britânico? Por
outras palavras: como se explica o aparecimento de
categorias políticas novas, expressas em Kampfparole
(palavras de combate) – estado, nação, poder
constituinte, soberania nacional, constituição escrita
– para dar resposta a algumas das questões já
resolvidas pelo constitucionalismo britânico? Como já
se referiu, estas categorias só podem ser
compreendidas se as localizarmos no terreno das
fracturas epocais, ou seja, no campo de rupturas
revolucionárias ocorridas no século XVIII. Isto
permitirá compreender várias coisas..
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Em primeiro lugar, a sedimentação histórica de tipo
inglês não rompera totalmente com os esquemas tardo-
medievais dos direitos dos estamentos. Ora, a
Revolução Francesa procurava edificar uma nova ordem
sobre os direitos naturais dos indivíduos – eis o
primeiro momento individualista – e não com base em
posições subjectivas dos indivíduos enquanto membros
integradores de uma qualquer ordem jurídica estamental
(por ordem jurídica estamental entende-se um tipo
específico de ordem comunitária – típica da Idade
Média – em que os direitos e deveres são atribuídos
aos sujeitos segundo a sua integração num determinado
estamento).

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Os direitos do homem eram individuais: todos os homens
nasciam livres e iguais em direitos e não
“naturalmente desiguais” por integração, segundo a
“ordem natural das coisas”, num dado estamento. A
defesa dos direitos, para além da defesa da liberty
and property perante o poder político, era também um
gesto de revolta contra os privilégios do “senhor
Juiz”, do “senhor meirinho”, do “senhor
almoxarife”, do “senhor lorde”.
A e x p r e s s ã o p ó s t u m a – ancien regime – m o s t r a
claramente isto: a “ruptura” com o “antigo regime”
e a criação de um “novo regime” significa uma nova
ordem social e não apenas uma adaptação político-
social ou ajustamento prudencial da história.

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Em segundo lugar, o momento fractal do individualismo
repercute-se na legitimação/fundação do novo poder
político. O governo limitado e moderado da Inglaterra
– a sua constituição mista – acabou por deixar na
sombra (embora isso tivesse sido discutido) uma
questão fundamental da modernidade política: como
podem os homens livres e iguais dar a si próprios uma
lei fundamental? A ordem dos homens é uma ordem
artificial (como o demonstra Hobbes), “constitui-se”,
“inventa-se” ou reinventa-se” por acordo entre os
homens. Numa palavra: a ordem política é querida e
conformada através de um contrato social assente nas
vontades individuais (tal como o defendiam as
doutrinas contratualistas).

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A imbricação destes dois momentos fractais – o da
afirmação de direitos naturais individuais e da
“artificialização-contratualização” da ordem política
– explica uma outra característica do constitucionalismo
revolucionário – o construtivismo político-
constitucional. A arquitectura política precisava de um
“plano escrito”, de uma constituição que,
simultaneamente, garantisse direitos e conformasse o
poder político.
Em suma: tornava-se indispensável uma constituição. Feita
por quem? Surge, aqui, precisamente uma das categorias
mais “modernas” do constitucionalismo – a categoria do
poder constituinte – no sentido de um poder originário
pertencente à Nação, o único que, de forma autónoma e
independente, poderia criar a lei superior, isto é, a
constituição.

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CONSTITUCIONALISMO AMERICANO (“NÓS, O POVO” E OS USOS DA
HISTÓRIA: A TÉCNICA AMERICANA DA LIBERDADE)
A epígrafe sugere aquilo que, na realidade, marcou o
constitucionalismo americano: um povo (mas não uma
“nação”) que reclamou, como na França, o direito de
escrever uma lei básica e na qual ele fez diferentes usos
da história.

Fez diferentes usos da história sob vários pontos de


vista. Através da Revolução, os americanos pretenderam
reafirmar os Rights, na tradição britânica medieval e da
Glorius Revolution. Não se tratava, porém, de um
movimento reestruturador dos antigos direitos e
liberdades e da English Constitution, porque, entretanto,
no corpus da constituição britânica, se tinha alojado um
tirano – o parlamento soberano que impõe impostos sem
representação (taxation without representation). Contra
esta “omnipotência do legislador ”, a constituição era
ou devia ser inspirada por princípios diferentes dos da
ancient constitution. Ela devia garantir os cidadãos, em
jeito de lei superior, contra as leis do legislador
parlamentar soberano. Aqui vem entroncar o momento We the
People, ou seja o momento em que o povo toma decisões.
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Aos olhos dos colonos americanos ganhava contornos a
ideia de democracia que um autor recente designou por
democracia dualista (Bruce Ackerman). Existem decisões
– raras – tomadas pelo povo; existem decisões
frequentes – tomadas pelo governo ( government ) As
primeiras – as decisões do povo – são típicas dos
momentos constitucionais.
Eis uma decisiva diferença relativamente ao
historicismo britânico e uma importante aproximação ao
modelo de constitucionalismo francês. Em momentos
raros e sob condições especiais, o povo decide através
do exercício de um poder constituinte: a Constituição
de 1787 é a manifestação-decisão do povo no sentido
acabado de referir.

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CONSTITUCIONALISMO AFRICANO

As constituições africanas, a sua génese está


ligada, por um lado, ao movimento de
descolonização e ao desenvolvimento do
nacionalismo positivo, por outro, à luta armada
de libertação nacional.

As constituições africanas, de uma maneira geral,


são reflexos das constituições das potências
colonizadoras. Uma das grandes preocupações
dessas constituições era prestar maior atenção à
reconstrução nacional e ao dese n v o l v i m e n t o
económico.

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AS CONSTITUIÇÕES AFRICANAS PODEM SER ARRUMADAS EM DOIS
GRUPOS FUNDAMENTAIS:

1. Constituição de países que seguem a via capitalista


2. Constituição de países que optaram por uma via socialista

1. Constituição de países que seguem a via capitalista:

Numa primeira fase as constituições acabaram por ser


outorgadas pelas potências colonizadoras antes, ainda
mesmo de ser considerados países independentes. Ex: Zaire,
Togo e Camarões.

Numa segunda fase os países colonizados pela Inglaterra


de uma maneira geral é também a potência colonizadora que
outorga a constituição, no momento do processo de
descolonização e criação de um novo Estado independente.
Ex: Nigéria, Kenya, Tanganica (actual Tanzânia).

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2. Constituição de países que optaram por uma via
socialista

A maior parte acabou por fazer uma ruptura com os


países colonizadores ou acabaram por introduzir nas
suas constituições aspectos da sua realidade sócio-
cultural.

Na maior parte dos casos essas constituições surgiram


em países que resultaram de lutas de libertação
nacional ex: Angola, Argélia, Congo, Guiné-Bissau,
Moçambique, etc.

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FASES DE EVOLUÇÃO POLÍTICO-CONSTITUCIONAL DO
CONSTITUCIONALISMO EM ÁFRICA

1. Fase de imposição ou imitação;


2. Fase de crise;
3. Fase de procura de novos modelos
constitucionais;
4. Fase de transição democrática;
5. Fase actual ou democrática.

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FASE DE IMPOSIÇÃO OU IMITAÇÃO
Fase de imposição ou imitação: fase que
surgiu, em muitos casos, logo a seguir as
independências (ou no momento da outorga da
Constituição) e que consistia na imposição ou
imitação dos modelos constitucionais das
potências colonizadoras ou das potências que
na altura dividiam o mundo em dois blocos –
os Estados Unidos e a União Soviética;

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FASE DE CRISE
Fase de crise: constata-se uma inadequação e
inadaptação desses modelos estrangeiros
“impostos” aos países africanos;

Esta fase caracteriza-se claramente por um


movimento significativo de revoluções, golpes
de Estado e guerras civis ou de resistência
ao poder instituído.

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FASE DE PROCURA DE NOVOS MODELOS
CONSTITUCIONAIS
Fase iniciada em finais dos anos 80 e princípios dos anos 90 do
século XX, no entanto de uma maneira geral existe a rejeição da
democracia quer pelos países que adoptaram um modelo capitalista
quer pelos países que optaram pela via socialista.

Características dessa fase:


1. Referência à opção capitalista ou socialista como ideologia
de afirmação nacional;
2. Pretensão de afirmação da independência económica, social e
cultural;
3. O regime de partido único, não no sentido fascista, mas como
tentativa falhada de movimento unificador social e político;
4. Predominância militar e igualmente o predomínio e
concentração do poder no executivo em detrimento do legislativo.

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FASE DE TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA
Esta fase inicia-se no princípio dos anos 90 do séc. XX, com a
mudança de sistema e regime políticos.

Características dessa fase:

1. Alteração de regimes totalitários para regimes autoritários


ou democráticos, mas em alguns casos ainda existem resquícios do
tempo de partido único, pois em muito desses países apenas
alterou-se os sistemas e regimes políticos mantendo-se no poder
os mesmos líderes e partidos políticos anteriores (Gabão, Guiné
Equatorial, Angola, Zimbabwe, Moçambique, Guiné Bissau, etc.);
2. Existência de novos partidos políticos;
3. Inexistência de separação de poderes;
4. Realização de eleições multipartidárias, se bem que nalguns
casos maiorias conseguidas a base de fraudes ou com fortes
indícios de fraude.

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No nosso entender, Angola ainda permanece nesta fase,
não tendo evoluído para a fase seguinte, apesar de ter
realizado eleições legislativas em 1992, 2008 e 2012,
não houve ainda alternância de poder quer pessoal,
quer partidária. Não se pode esquecer que tivemos um
conflito armado civil de mais de 26 anos, porém desde
2002, altura em que foi restaurada a paz, a
normalização das instituições, provavelmente, far-se-á
no pós era Eduardista (iniciada depois das eleições
gerais de 2017), ficando na história angolana o facto
de um cidadão ter exercido o cargo de PR durante 33
anos sem mandato presidencial legitimado mediante voto
popular. MW

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FASE ACTUAL OU DEMOCRÁTICA
Na fase actual ou fase democrática há a convergência das
constituições no sentido da democracia pluralista, a afirmação do
Estado de direito democrático – nalguns casos, uma tendência para a
constituição de consenso (África do Sul) ou para uma verdadeira
alteração do status quo político anterior (Gana, Cabo Verde, Zâmbia).

Características desta fase:

Um forte compromisso com a democracia pluralista (com eleições


livres, justas, transparentes e democráticas; com respeito e
promoção dos direitos fundamentais dos cidadãos; com alternância de
poder; e com governação e gestão cuidada e transparente do erário);
(Gana, Cabo Verde, Maurícias, África do Sul, Senegal, Costa do
Marfim, Zâmbia, Botswana, Seychelles, São Tomé, ).
A existência de alternância de poder que pode ser pessoal –
relativo ao Presidente da República – ou partidária – relativo ao
partido político que governa (Gana, Cabo Verde, Zâmbia, Botswana,
São Tomé, Ilhas Maurícias,)

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EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO ANGOLANO
Falar da evolução do constitucionalismo angolano não é tarefa fácil
pois escasseia a bibliografia técnica para dar o devido tratamento a
esta matéria importante do Direito Constitucional Angolano (DCA).

De realçar que das fases de evolução político-constitucional do


constitucionalismo africano, Angola passou por quatro até ao
momento: a fase de imitação, de crise, de procura de novos modelos e
de transição democrática. Quando a República de Angola se tornar num
verdadeiro Estado de direito democrático, aí teremos alcançado a
última fase do constitucionalismo africano, a fase democrática.

Um documento de extrema importância que marca a decisão pré-


constituinte de 1975 são os Acordos de Alvor.

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O ESTADO CONSTITUCIONAL, REPRESENTATIVO OU DE DIREITO

O Estado será constitucional quando for assente numa


constituição reguladora tanto de toda a sua organização
como da relação com os cidadãos e tendente à limitação do
poder.

O Estado será de Governo representativo quando na forma


de governo se opera uma dissociação entre a titularidade
e o exercício do poder – aquela radica no povo, na nação
(no sentido revolucionário) ou na colectividade (de toda
a colectividade, e não de estratos ou grupos como no
Estado estamental);

O Estado será de Direito quando para garantia dos


direitos dos cidadãos, se estabelece juridicamente a
divisão de poder e o respeito pela legalidade (seja a
mera legalidade formal, seja – mais tarde – a
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conformidade com valores materiais).
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O CONCEITO DE DC E DE CONSTITUIÇÃO
ACTUALMENTE

O Direito Constitucional é o ramo de direito


responsável por analisar e controlar as leis
fundamentais que regem o Estado. O seu objecto de
estudo é a forma de governo e a regulação dos poderes
públicos tanto na sua relação com os cidadãos como
entre os seus vários órgãos, ou seja o seu objecto de
estudo é a Constituição do Estado.

É o ramo de direito público que estuda (expõe,


interpreta e sistematiza) os princípios e regras
fundamentais do Estado. É a ciência positiva das
constituições.

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Ou ainda:

O Direito Constitucional é o ramo do


Direito Público que expõe, interpreta e
sistematiza os princípios e regras
fundamentais do Estado; é a ciência
positiva das constituições; tem por
objecto a constituição política do
Estado, cabendo a ele o estudo
sistemático das normas (princípios e
regras) que integram a constituição.

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Como ensina o Prof. M. Rebelo de Sousa o DC deve ser distinguido:

Direito Constitucional em sentido material ou substancial é o


conjunto de normas jurídicas fundamentais que regem a estrutura, os
fins e as funções do Estado, a organização, a titularidade, o
exercício e o controlo do poder político do Estado, bem como as
respeitantes à fiscalização do acatamento das normas enumeradas, em
particular do acatamento pelo próprio poder político.

Direito Constitucional em sentido formal é o conjunto de normas


jurídicas escritas, elaboradas por órgão dotado de poderes especiais
(Assembleia Constituinte ou Parlamento, no caso de revisão
constitucional), através de um processo específico, diverso do que
gera as leis ordinárias.

Direito Constitucional em sentido instrumental é o texto único em


que se compendiam as normas formalmente constitucionais.

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O CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO ACTUALMENTE
Constituição é a organização jurídica fundamental de um Estado.

Outro conceito de Constituição:


A Constituição, também chamada de Lex Mater, Lei Fundamental, Magna
Carta, Lei Suprema do Estado , consiste num conjunto de normas
jurídicas (princípios e regras), escritas ou consuetudinárias (isto
é costumeiras), que regulam o Estado, seus elementos e órgãos,
nomeadamente, os direitos fundamentais dos cidadãos (Povo), o espaço
geográfico pertença do Estado, suas regras e limites (Território),
o sistema e a forma de governo, o modo de aquisição, manutenção e o
exercício do poder (Poder Político), bem como o as garantias de
efectividade e respeito da própria Constituição. MW

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CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES
Quanto ao conteúdo:
a) Constituição formal: regras formalmente constitucionais, é o texto
votado pela Assembleia Constituinte, são todas as regras formalmente
constitucionais, isto é aquelas que estão inseridas no texto
constitucional.
b) Constituição material: regras materialmente constitucionais, é o
conjunto de regras de matéria de natureza constitucional, isto é, as
relacionadas ao poder, quer esteja no texto constitucional ou fora
dele. O conceito de Constituição material transcende o conceito de
Constituição formal, ela é ao mesmo tempo, menor que a formal e mais
que esta. Nem todas as normas do texto são constituição material e
há normas fora do texto que são materialmente constitucionais.
Regras de matéria constitucional são as regras que dizem respeito ao
poder, portanto, são as que cuidam da organização do Estado e dos
poderes constituídos, modo de aquisição e exercício do poder, as
garantias e direitos fundamentais, elementos socioideológicos, etc.
Nem todas as regras que estão na Constituição são regras
materialmente constitucionais. Pelo simples facto de estarem na
Constituição elas são formalmente constitucional.

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QUANTO À FORMA

a) Escrita: pode ser: sintética (Constituição dos Estados Unidos) e


analítica (expansiva, a Constituição de Angola). A ciência política
recomenda que as constituições sejam sintéticas e não expansivas
como é a angolana.

b) Não escrita: é a constituição cuja as normas não constam de um


documento único e solene, mas se baseia principalmente nos costumes,
na jurisprudência e em convenções e em textos constitucionais
dispersos.

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QUANTO AO MODO DE ELABORAÇÃO
a) Dogmática: é a Constituição sistematizada em um texto único,
elaborado reflexivamente por um órgão constituinte (é escrita).
É a que consagra certos dogmas da ciência política e do
Direito dominantes no momento. É um texto único, consolidado.
Esta consolidação pode ser elaborada por uma pessoa (será outorgada, ex.
na monarquia) ou por uma Assembleia Constituinte (será promulgada, ex.
nos sistemas representativos, Parlamentar, Presidencial e
Semipresidencial).
As constituições dogmáticas podem ser: ortodoxa (quando segue uma só
linha de raciocínio, tem um único pensamento) e ecléctica (não há um
fio condutor, temos dispositivos completamente antagónicos em razão das
divergências que existiam entre os parlamentares, já que cada um visava
os seus próprios interesses – é uma dogmática que mistura tudo).

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QUANTO AO MODO DE ELABORAÇÃO

b) Histórica: é sempre não escrita e resultante de lenta formação


histórica, do lento evoluir das tradições, dos factos sociopolíticos,
que se cristalizam como normas fundamentais da organização de
determinado Estado. Como exemplo de Constituição não escrita e
histórica temos a Constituição do Estado chamado Reino Unido da Grã
Bretanha e da Irlanda do Norte, sendo que a Grã Bretanha é formada
pela Inglaterra, Irlanda e Escócia. A Inglaterra tem uma
constituição não escrita, apesar de ter normas materialmente
constitucionais que são escritas. Portanto, a Constituição não
escrita é, em parte escrita, tendo como característica
diferenciadora que os seus textos escritos não estão reunidos, não é
codificado, são textos esparsos e se eternizam no tempo, denominados
Actos do Parlamento (ex. Magna Carta - datada de 1215)
A constituição escrita é sempre dogmática.
A constituição não escrita é sempre histórica.

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RESUMO DAS NOTAS INTRODUTÓRIAS

Conceito de Direito Constitucional


Conceito de Constituição
Conceito de Estado e seus elementos
Tipos clássicos de constitucionalismo
moderno
A evolução do Constitucionalismo
africano e angolano

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O PODER CONSTITUINTE
Quatro perguntas:

O que é o poder constituinte?


Quem é o titular desse poder constituinte?
Qual o procedimento e forma do seu exercício?
Se existem ou não limites jurídicos e políticos quanto ao exercício
desse poder?

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O QUE É O PODER CONSTITUINTE
O poder constituinte se revela sempre como
uma questão de poder, de força ou de
autoridade política que está em condições de,
numa determinada situação concreta, criar,
garantir ou eliminar uma Constituição
entendida como lei fundamental da comunidade
política.

O poder criador, gerador, garantidor ou poder


de extinção de uma Constituição cujo titular
é o povo entendido como uma grandeza
pluralística.

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TITULARIDADE
Quem é o sujeito, quem é o titular, qual é a grandeza
política capaz de mobilizar a força ordenadora do povo
no sentido de instituir uma lei fundamental. O titular
do poder constituinte só pode ser o povo, e que o povo,
na actualidade, se entende como uma grandeza
pluralística formada por indivíduos, associações,
grupos, igrejas, comunidades, personalidades,
instituições, veiculadores de interesses, ideias,
crenças e valores, plurais, convergentes ou
conflituantes.

Esta será então a razão pela qual, o velho slogan do


partido MPLA “o MPLA é o povo e o povo é o MPLA” não
ser verdadeiro nem democraticamente aceite.

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PROCEDIMENTO DE ELABORAÇÃO E
APROVAÇÃO
Esta questão leva-nos a questionar se deverá ser um
procedimento legislativo-constituinte desenvolvido no
seio de uma assembleia constitui n t e e x p r e s s a e
exclusivamente eleita para proceder à feitura de uma
constituição?
Deverá, antes, ser um procedimento referendário-
plebiscitário mediante o qual o povo, através de
referendo ou plebiscito, decide a aprovação, como lei
fundamental, de um texto, que para esse fim foi
submetido á sua aprovação?

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LIMITES

A interrogação formulada em quarto lugar aproxima-nos


da complexa problemática do conteúdo e legitimidade de
uma constituição e dos limites do poder constituinte.
O poder constituinte, embora se afirme como poder
originário, não se exerce num vácuo histórico-cultural.
Ele não parte do nada e, por isso, existem certos
princípios – dignidade da pessoa, justiça, liberdade,
igualdade – através dos quais poderemos aferir da
bondade ou maldade intrínsecas de uma constituição.

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PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
Será aquele poder atribuído a um número determinado de
pessoas, que irão exercer um poder soberano em nome de
todos os demais integrados numa sociedade política,
estável, de âmbito geral e de base territorial tendo
por fim governar pessoas e administrar os meios
segundo os fins do Estado.
Será este poder, então, capaz de estabelecer uma nova
ordem constitucional, sendo assim responsável pelas
leis fundamentais de sua respectiva nação.
É dotado deste poder todo o indivíduo a quem se
atribui a tarefa de criar as leis fundamentais do
Estado, que servirão de orientadoras para todas as
leis infraconstitucionais, ou seja, aquelas
subordinadas, hierarquicamente inferiores e
convalidadas pela própria Constituição.
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O Poder Constituinte Originário pode assumir duas
formas, que são:

Poder Constituinte Originário Histórico – refere-se


ao poder atribuído àqueles que pela primeira vez
elaboram a Constituição de um Estado, responsáveis por
sua primeira forma estrutural.
Poder Constituinte Originário Revolucionário – é todo
o poder responsável pela criação de constituições que
se sobrepõem à primeira. É revolucionário todo o poder
constituinte que rompa com um poder constituinte
previamente estabelecido em uma determinada nação
soberana.

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O poder constituinte apresentado pela doutrina é ainda
conhecido por Poder Genuíno ou Poder de Primeiro Grau ou
ainda Poder Inaugural. Assim, este poder pode ser aquele
que dá o primeiro conjunto de leis de uma determinada
colectividade (histórico), ou então aquele que rompe com
uma determinada ordem anterior para estabelecer uma
completamente nova (revolucionário).

É poder soberano e não sofre limites no ordenamento


jurídico positivo anterior com o qual faz a ruptura.

A legitimação democrática do poder constituinte


originário não se esgota na eleição dos membros da
assembleia constituinte ou na possível ratificação
popular da Constituição através de um referendo.

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Em termos de mecanismo de actuação, o poder
constituinte originário pertence a uma
assembleia eleita com a finalidade de
elaborar a Constituição, deixando de existir
quando cumprida sua função, sendo um poder
temporário.

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PODER CONSTITUINTE DERIVADO
Não é originário, é condicionado, limitado. Também conhecido como
Poder Instituído, Constituído, Secundário ou de Segundo Grau, esse
poder busca estabelecer as formas de actualização da obra oriunda do
poder constituinte originário. Como poder constituído não possui as
características do poder originário, tendo em vista a existência de
limites, condições e regras para que possa ser exercido.

§ Poder Constituinte Derivado Reformador (EUA/Brasil)

É o poder delegado pelo Poder Constituinte Originário a alguns órgãos


para poder reformar a Constituição. Consiste em poder alterar o texto
constitucional original, criando-lhe mediante revisão constitucional,
alterações. É um poder cujos limites encontram-se previamente
estabelecidos na Constituição e em que o legislador constituinte não
pode fugir da obediência de tais regras (vide artigos 235.º, 236.º e
237.º da CRA).

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§ Poder Constituinte Derivado Revisional

Esse poder de revisar o texto constitucional foi criado com a intenção


de, cinco anos após a promulgação e entrada em vigor da Constituição de
2010, permitir alterações sobre temas que, durante esse prazo, se
mostrassem conflituantes ou impraticáveis.

§ Poder Constituinte Derivado Decorrente (Nos Estados Federais)

Consiste tal poder na possibilidade de os Estados-membros elaborarem


suas Constituições Estaduais e dos Municípios elaborarem suas leis
o r g â n i c a s .
Tal poder é uma decorrência da capacidade de auto-organização,
autogoverno e auto-administração de que são investidos, pela
Constituição Federal, os Estados-membros.

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LIMITES
Poder Constituinte Derivado

§ A) limites procedimentais - Estabelecem um processo legislativo


mais rigoroso para a aprovação de uma proposta de alteração à
Constituição (Ex: exigência de maioria qualificada de 2/3, exigência
de 1/3 para a iniciativa de revisão constitucional) artigo 233.º,
artigo 234.º n. º 1 e 2 da CRA;
§ B) limites circunstanciais - Sendo a alteração à constituição uma
regra que altera o texto maior de um Estado, sua promulgação tem de
ocorrer em períodos de tranquilidade política e institucional. Assim,
a Constituição proibiu que seu texto fosse alterado na vigência de
estados de anormalidade constitucional (art. 237.º da CRA);
§ C) Limites temporais – estabelecem o período pelo qual a
Constituição deverá ser obrigatoriamente revista (artigo 235.º da
CRA);
§ D) limites formais – Têm que ver com o texto alterado, a forma do
texto deve ser uma Lei de revisão Constitucional; o Presidente da
República não pode recusar a promulgação da lei de revisão
constitucional, todavia pode solicitar uma fiscalização preventiva
do texto alterado. O artigo ou artigos alterados pela revisão
constitucional devem ser reunidos numa única lei e a Constituição é
publicada conjuntamente com a lei de revisão (artigo 234.º, n.º 3 e
4);
§ E) limites materiais - Consistem nos temas que não podem ser
abolidos por meio de alteração constitucional (artigo 236.º da CRA).
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A TEORIZAÇÃO DE EMANUEL SIÉYES
Um relevo particular assume a teorização empreendida por
Em ma nu e l de S ie y e s . R e f i r a - s e , t o d a v i a , q u e o s s e u s
propósitos tinham mais que ver com uma teoria aplicada à
luta política do que com preocupações de teoria política
pura. Para ele, a Nação identifica-se com o terceiro estado,
a classe tradicionalmente oprimida e espoliada, reduzida a
nada pelas classes dominantes: o clero e a nobreza.
Em seu entender, uma reforma política profunda só será
possível se as outras classes forem reduzidas a nada e o
terceiro estado passar a ser tudo, devendo passar a ser
visto como o único e legítimo titular do poder constituinte.
Sieyes distingue entre o poder constituinte, enquanto poder
de criar uma constituição, e poderes constituídos, de
natureza legislativa, executiva e judicial, criados pela
constituição.

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Entre aquele e estes encontra-se o poder de revisão
constitucional, que é simultaneamente constituído e
constituinte, na medida em que actua sobre a ordem
constitucional, dentro de certos limites impostos por ela.
Trata-se aqui de poder constituinte derivado, por
oposição ao poder constituinte originário, que é o poder
de criar ex novo uma constituição.
Para Sieyes, o poder constituinte originário é inicial,
autónomo, omnipotente.
Inicial, porque antes dele só existe poderes de facto.
Nem a potestas eminens (poder eminente) do Monarca, nem
os iura quesitae (direitos adquiridos) , do clero e da
nobreza, apoiados numa legitimação histórica ou no
direito divino, podem sobrepor-se à legitimidade
democrática do terceiro estado.

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Autónomo, porque só a ele pertence decidir quando e
como é que se fará uma Constituição.

Omnipotente, porque só a ele pertence decidir quais os


valores, os princípios e as regras que devem ser
consagrados na Constituição, não existindo qualquer
limitação externa.

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AS DIVERGÊNCIAS QUANTO À TITULARIDADE
DO PODER CONSTITUINTE
Tradicionalmente entendia-se que a Nação era constituída pelo
Monarca, pelo Clero e pela Nobreza. Mas o poder soberano era
atribuído exclusivamente ao Monarca. No advento do
constitucionalismo moderno alguns monarcas, confrontados com as
exigências liberais e revolucionárias de limitação dos seus poderes,
vão procurar sustentar o poder constituinte nas suas tradicionais
prerrogativas de soberania.
Os mesmos invocam para si o poder de outorgar ex mera gratia, cartas
constitucionais, entendidas como cartas reais, surgindo as
constituições assim criadas, não como o produto por excelência da
soberania popular, mas como expressão de um poder de autolimitação
do Monarca. Este entendimento está bem presente na luta que se trava,
nos séc. XVIII e XIX pela titularidade do poder constituinte, sob a
designação de doutrina da soberania monárquica.

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Relativamente a esta tese, a doutrina da soberania nacional,
avançada por Sieyes, representa uma ruptura fundamental. O mesmo se
pode dizer da tese sustentada por Jean-Jacques Rousseau, da
soberania popular, que vê na soma de todos os cidadãos, portadores
de uma parcela da soberania indivisível, inalienável e insusceptível
de representação, o titular do poder soberano no seio da comunidade
política.
Uma ideia de soberania popular próxima das concepções referidas
encontra-se no constitucionalismo norte-americano, colocando o poder
constituinte na titularidade dos representantes, devidamente
legitimados, do povo (We the people of the United States (...) to
ordain and establish this Constitution... ). Refira-se que no
contexto germânico a problemática do poder constituinte surge
frequentemente inserida nas concepções idealistas de Estado (Staat)
e Povo (Volk), podendo estas expressões assumir um sentido bastante
diferente das suas congéneres da tradição liberal anglo-saxónica e
francesa.

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A DIMENSÃO TEORÉTICO-CONSTITUCIONAL: AS
TEORIAS SOBRE O PODER CONSTITUINTE

1. John Locke e o Supreme Power;


2. Sieyès e o pouvoir constituant;
3.Teoria do poder constituinte e
constitucionalismo.

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JOHN LOCKE E O SUPREME POWER
A expressão “poder constituinte” não surge de forma
clara na obra de John Locke, considera-se, no entanto, que
este sugeriu a distinção entre poder constituinte do povo,
reconduzível ao poder de o povo alcançar uma nova “forma de
governo”, e o poder ordinário do governo e do legislativo
encarregados de prover à feitura e à aplicação das leis.
Os pressupostos teóricos da sugestão de um supreme power
identificados pela doutrina como poder constituinte são
resumidamente estes:
1. O estado de natureza (state of nature) é de carácter social;
2. Neste estado de natureza os indivíduos têm uma esfera de
direitos naturais (property) antecedentes ou preexistentes à
formação de qualquer governo;

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3. O poder supremo conferido à sociedade ou comunidade e
não a qualquer soberano;
4. O contrato social através do qual o povo “consente”
o poder supremo do legislador não confere a este um
poder geral, mas um poder limitado e específico e,
sobretudo, não arbitrário;
5. Só o corpo político (body politic) reunido no povo tem
autoridade política para estabelecer a constituição
política da sociedade.

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SIEYÈS E O “POUVOIR CONSTITUANT”
Se em Locke a sugestão de um poder constituinte aparecia
associada ao direito de resistência reclamado pelo
radicalismo Whig , em Sieyès a fórmula pouvoir constituant
surge estreitamente associada à luta contra a monarquia
absoluta.
Os momentos fundamentais da teoria do poder constituinte de
Sieyès são os seguintes:
1. Recorte de um poder constituinte da nação entendido como
poder originário e soberano;
2. Plena liberdade da nação para criar uma constituição, pois a
nação ao “fazer uma obra constituinte”, não está sujeita a
formas, limites ou condições preexistentes.
Os autores modernos salientam que a teoria de Sieyès é
simultaneamente, desconstituinte e reconstituinte.

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O poder constituinte antes de ser constituinte é desconstituinte
porque dirigido contra a “forma monárquica” ou “poder constituído
pela monarquia”. Uma vez abolido o poder monárquico, impõe-se uma
“reorganização”, um dar “forma”, uma reconstrução da ordem
jurídico-política.
O poder constituinte da Nação entende-se agora como poder
reconstituinte informado pela ideia criadora e projectante da
instauração de uma nova ordem política plasmada numa constituição.
Os poderes conformados e regulados por esta constituição criada pelo
poder constituinte (inclusive o poder de rever ou emendar a
constituição – poder de revisão) seriam poderes constituídos.

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TEORIA DO PODER CONSTITUINTE E
CONSTITUCIONALISMO
Aparentemente, a teoria do poder constituinte, tal como foi
desenvolvida pelas teorias setecentistas, estabelece uma relação
lógica entre “criador” e “criatura”, ou seja entre poder
constituinte e constituição. Nada de menos exacto se com isso
pretendermos dizer que não existem momentos de tensão entre um poder
incondicionado, permanente e irrepetível – o poder constituinte –,
e um poder constituído pela constituição (ou “poder legislativo
constituído”) caracterizado pela estabilidade e vinculação a formas.
Um dos mais complexos temas da teoria política e da teoria
constitucional tem exactamente a ver com esta tensão. Os autores de
The Federalist , sobretudo Madison assinalaram a distinção entre
constitutional politics destinada a estabelecer os esquemas
fundadores de uma ordem constitucional, e normal politics ,
desenvolvida normalmente com base nas regras e princípios
estabelecidos na lei superior e fundamental.

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A constitutional politics, t e r ia , p oi s , um c ará ct er
excepcional, extraordinário, típico dos momentos de elevada
“consciência política” e de mobilização popular.
O mesmo problema preocupou Sieyès. Por um lado o poder
constituinte “não está previamente submetido a qualquer
constituição; por outro lado, e segundo as suas próprias
palavras, “uma constituição é um corpo de leis obrigatório
ou não é nada”.
Esta tensão entre poder constituinte incondicionado e
obrigatoriedade jurídica da constituição justificará a
introdução do conceito de poder constituinte derivado ou
poder de revisão constitucional a quem compete alterar, nos
termos da constituição, as normas ou princípios por esta
fixados.

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O poder constituinte revolucionário equivalia, aos olhos de Sieyès
(já na sua fase conservadora), a um factor de instabilidade. Mais
valia “um freio (limites do poder de revisão) do que uma
insurreição permanente”.
A domesticação jurídica do poder constituinte veiculada pelo
estabelecimento de limites ao poder constituinte derivado ou poder
de revisão originará, por sua vez, outros momentos de perplexidade
jurídica e política. Referimo-nos ao chamado paradoxo da democracia:
como pode um poder estabelecer limites às gerações futuras?
Como pode uma constituição colocar-nos perante um dilema
contramaioritário ao dificultar deliberadamente a “vontade das
gerações futuras” na mudança das suas leis? Revelar-se-á, assim, o
constitucionalismo de uma antidemocraticidade básica impondo à
soberania do povo “cadeias para o futuro” (Rousseau)?

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FENOMENOLOGIA DO PROCEDIMENTO
CONSTITUINTE

Quando falámos da fenomenologia do


procedimento constituinte aparecem duas
realidades que devem ser abordadas no
tratamento doutrinário desta questão:

1. As Decisões pré-constituintes;
2. A s D e c i s õ e s c o n s t i t u i n t e s – o a c t o
procedimental constituinte.

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DECISÕES PRÉ-CONSTITUINTES
O desencadeamento de procedimentos constituintes tendentes à
elaboração de constituições anda geralmente associado a momentos
constitucionais extraordinários (revolução, nascimento de novos
estados, transições constitucionais (transições democráticas,
transições de regimes e sistemas políticos), golpes de Estado,
“quedas de muros”, quedas de regimes, etc.). Nestes factos
complexos, situados ainda a montante do procedimento constituinte
propriamente dito, vão geralmente implícitas “decisões” de
natureza pré-constituinte.
Estas decisões reconduzem-se em geral a dois tipos:
1. Decisão política de elaborar uma lei fundamental – constituição;
exemplo: os Acordos de Alvor de 1975, os Acordos de Bicesse de 1991
e o discurso do PR JES informando que só convocaria as eleições
presidenciais depois da aprovação da CRA;
2. Edição de leis constitucionais provisórias destinadas a dar uma
primeira forma jurídica ao novo estado de coisas e a definir as
linhas orientadoras (procedimento constituinte propriamente dito);
Exemplo: a aprovação da “Lei Constitucional dos Cem” fruto das
negociações iniciadas entre o Governo e a UNITA nos anos de 1990-
1991.

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Decisões formais ou decisões pré-constituintes aquelas que contêm a
“vontade política de criar uma nova constituição e de regular o
procedimento constituinte adequado a tal finalidade;

Decisões materiais ou constituintes aquelas que transportam os


momentos procedimentais - iniciativa, discussão, votação,
promulgação, ratificação, publicação (e entrada em vigor)–
conducentes à adopção de uma nova constituição.
Compreende-se que nesta fase pré-constituinte se estabeleçam apenas
as condições mínimas e as regras indispensáveis para a feitura de
uma constituição legítima.

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As decisões pré-constituintes reconduzem-se a:

1. Decisões de iniciativa de elaboração e aprovação de uma nova


constituição;
2. Decisão atributiva do poder constituinte (a uma Assembleia
Constituinte, por exemplo) e definição do procedimento jurídico de
elaboração da nova constituição;
3. Leis constitucionais transitórias enquanto não for aprovada uma nova
Constituição.

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PRINCIPAIS PROCEDIMENTOS CONSTITUINTES
Decisões constituintes – o acto procedimental constituinte

1. Assembleia Constituinte – Procedimento constituinte representativo;

a) Assembleia constituinte soberana;


b) Assembleia constituinte não soberana;
c) Assembleia Constituinte e Convenções do Povo.

2. Referendo constituinte e Procedimento constituinte directo.

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1. ASSEMBLEIA CONSTITUINTE
Procedimento constituinte representativo
Em rigor, o primeiro acto constituinte situa-se ainda no terreno
pré-constituinte, pois ao acto de atribuição constituinte pertence
decidir como é que o povo vai adoptar uma nova lei – se através de
uma assembleia constituinte, se através de um referendo constituinte,
através de constituintes representativos e procedimentos
constituintes referendários.
O procedimento constituinte representativo pode ser:
Assembleia Constituinte Soberana;
Assembleia Constituinte Não Soberana;
Assembleia Constituinte e Convenções do Povo.

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A. ASSEMBLEIA CONSTITUINTE SOBERANA
Designa-se procedimento constituinte representativo a
técnica de elaboração de uma lei constitucional
através de uma assembleia especial – a assembleia
constituinte. Na forma representativa pura cabe à
assembleia constituinte elaborar e aprovar a
constituição, excluindo-se qualquer intervenção
directa do povo através do referendo ou plebiscito.
Fala-se, neste caso, de assembleia constituinte
soberana.
É o procedimento que se pode considerar clássico na
experiência constitucional portuguesa, por exemplo
(Constituição de 1822, 1838, de 1911 e 1976).

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B. ASSEMBLEIA CONSTITUINTE NÃO SOBERANA
Existe um procedimento constituinte representativo desenvolvido por
uma assembleia constituinte não soberana quando esta é competente
apenas para elaborar e discutir o(s) projectos de constituição,
competindo depois ao povo, através de referendo, aprovar o projecto
elaborado pela assembleia constituinte.
Os motivos desta solução prendem-se com as teorias da soberania
popular de Rosseau, como uma ficção, pois identifica o povo com os
seus representantes, confunde mandatário (representantes) e
mandantes (povo), considera delegável o que não é possível delegar
(a soberania).
Ora, já que não é possível, por razões práticas, o povo deliberar e
aprovar (sistema rousseauniano puro) ao menos que se adopte uma
solução minimamente democrática (sugerida por Condorcet),

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O princípio básico seria este: o povo não delega o poder de aprovar
ou de rejeitar uma constituição.
Por razões políticas, o povo não delega o poder de aprovar ou de
rejeitar uma constituição e daí a ideia de fazer intervir o povo
soberano na aprovação ratificatória (ou não) do projecto elaborado
pela assembleia constituinte (tese do poder do povo de ratificar a
constituição, tese da sanção constituinte popular).
Neste sentido diz-se que o texto aprovado por uma assembleia
constituinte é uma proposta de constituição enquanto que o voto do
povo soberano é uma sanção constituinte.

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No fundo, nas palavras do Prof. Canotilho, existem
aqui dois povos: o povo (Povo I) que elegeu os seus
representantes confiando-lhes a elaboração de um texto
constitucional e o povo (Povo II) que sanciona a
proposta podendo vetar o texto que lhe é submetido a
ratificação.
A experiência constitucional comparada demonstra que
não se trata de mera hipótese te ó r i c a , p o i s n o
referendo francês, de 5 de Maio de 1946, o “povo
ratificador” votou contra o projecto de constituição
elaborado pelos “representantes do povo” em
Assembleia Constituinte.

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C. ASSEMBLEIA CONSTITUINTE E CONVENÇÕES
DO POVO
Ideia semelhante à assembleia constituinte não soberana, é fornecida
pela articulação, no procedimento constituinte representativo, da
feitura de uma constituição por uma Assembleia Constituinte com
ratificação popular, feita não através de referendo, mas mediante
convenções do povo reunidas em diversos centros territoriais.
É a conhecida técnica norte-americana adoptada para a Constituição
de 1787. Os delegados constituintes elaboraram na Convenção de
Filadélfia um projecto de constituição que depois foi submetido ao
consentimento do povo exercido em Conventions expressamente reunidas
para este efeito nos vários estados da união americana.
A fórmula “Nós o povo” americano comporta aqui também o Povo I, o
povo reunido em convenção constituinte, e o Povo II representado em
Constitutional Conventions especificamente convocadas para o efeito.

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2. REFERENDO CONSTITUINTE E
PROCEDIMENTO CONSTITUINTE DIRECTO
Designa-se procedimento constituinte directo a aprovação pelo povo
de um projecto de constituição sem mediação de quaisquer
representantes. Este procedimento constituinte comporta também
modalidades diversas.
Nuns casos é submetido à “sanção popular” numa proposta de
constituição (ou de revisão da constituição) elaborada por
determinados órgãos políticos (exemplo: assembleia legislativa,
governo) ou por um número determinado de cidadãos (iniciativa
popular).
Fala-se aqui do referendo constituinte no sentido de aprovação de
uma constituição mediante livre decisão popular exercida através de
um procedimento referendário justo.

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Esta última precisão – procedimento referendário justo – serve
para distinguir o referendo constituinte do chamado plebiscito
constituinte.
Embora a distinção entre referendo e plebiscito não seja clara e
tenha havido mesmo, num período inicial, a utilização indiscriminada
dos dois termos, o plebiscito passou a designar a votação popular de
um projecto de constituição unilateralmente fabricado pelos
titulares do poder e dirigido a alterar em termos de duvidosa
legalidade a ordem constitucional vigente (plebiscitos napoleónicos).
Em Portugal, a Constituição de 1933, a sua aprovação aproximou-se
desta figura plebiscitária, pois até as abstenções foram contadas
como votos a favor.

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VINCULAÇÃO JURÍDICA DO PODER CONSTITUINTE

Na teoria clássica do poder constituinte (pelo menos no seu figurino


francês), este poder era considerado como um poder autónomo,
incondicionado e livre. Em toda a sua radicalidade, o poder
constituinte concebia-se como poder juridicamente desvinculado,
podendo fazer tudo como se partisse do nada político, jurídico e
social (omnipotência do poder constituinte).
Tudo isto estaria na lógica da “teologia política” que envolveu a
sua caracterização na Europa da Revolução Francesa (1789).
Ao poder constituinte foram reconhecidos atributos divinos: potestas
constituens, norma normans, creatio ex nihilo, ou seja, o poder de
constituir, o poder de editar normas, o poder de criação a partir do
nada. A associação de poder soberano a poder constituinte –
“soberano é aquele que decide sobre a constituição” – concorria
para o alicerçamento da ideia de omnipotência constituinte.

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A doutrina actual rejeita esta compreensão. Desde logo, se o poder
constituinte se destina a criar uma constituição concebida como
organização e limitação do poder, não se vê como esta “vontade de
constituição” pode deixar de condicionar a vontade do criador. Por
outro lado, este criador, este sujeito constituinte, este povo ou
nação, é estruturado e obedece a padrões e modelos de conduta
espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência
jurídica geral da comunidade e, nesta medida, considerados como
“vontade do povo”.
Além disto, as experiências humanas vão revelando a
indispensabilidade de observância de certos princípios de justiça
que, independentemente da sua configuração (como princípios
suprapositivos ou como princípios supralegais mas intra-jurídicos)
são compreendidos como limites da liberdade e omnipotência do poder
constituinte.

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Acresce que um sistema jurídico interno (nacional, estadual) não
pode, hoje, estar out da comunidade internacional. Encontra-se
vinculado a princípios de direito internacional (princípio da
independência, princípio da autodeterminação, princípio da
observância de direitos humanos).
Esta ideia de vinculação jurídica conduz uma parte da doutrina mais
recente a falar da jurisdicização e do carácter evolutivo do poder
constituinte. Se continua a ser indiscutível que o exercício de um
poder constituinte anda geralmente associado a momentos fractais ou
de ruptura constitucional (revolução, autodeterminação de povos,
quedas de regimes, transições constitucionais), também é certo que o
poder constituinte nunca surge num vácuo histórico-cultural.
Trata-se, antes, de um poder que, de forma democraticamente regulada,
procede às alterações incidentes sobre a estrutura jurídico-política
básica de uma comunidade.

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As recentes transições constitucionais parecem mesmo apontar para a
ideia de que o poder constituinte, exercido segundo um procedimento
justo e movido por intenções de conformação de uma ordem jurídico-
política justamente ordenada, serve hoje como uma técnica
experimentada de soluções de crises e rupturas políticas que em
momentos extraordinários surgem no seio da comunidade.
No fundo, a instabilidade, a anarquia, o poder na rua, a
confrontação ideológica das épocas de transição tendem a serenar no
momento em que o poder constituinte democraticamente legitimado fixa
normativamente em pactos ou constituições os valores básicos
reclamados pelas forças constituintes.
A experiência demonstra também que não basta a legitimação através
da fixação democrática de valores básicos; é necessária, igualmente,
que o “povo inteiro” beneficie da implementação desses valores
básicos. Surge aqui a ideia de povo destinatário de prestações
civilizacionais que traduz a relevância funcional do modo como os
efeitos das decisões políticas se repercutem sobre o povo.

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Daqui decorre que toda e qualquer actuação do Estado
enquanto colectividade e do Estado na sua vertente de
poder político deve conformar-se e orientar-se segundo
estes dois princípios que fundam o Estado.

De acordo com a CRA, o princípio da dignidade da


pessoa humana é um princípio fundante do estado
angolano; isto significa dizer que o Estado enquanto
colectividade funda-se na dignidade da pessoa humana.

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Leitura obrigatória:

• J.J. Gomes Canotilho, Direito


Constitucional e Teoria da
Constituição, Almedina, 2003, pg.
51-82; 87-100;
• Jorge Miranda, Manual de Direito
Constitucional, Tomo ___pg. ____

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PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA REPÚBLICA DE ANGOLA
OS PRINCÍPIOS FUNDANTES: DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E
PRINCÍPIO REPUBLICANO

Princípio fundamental da República de Angola o princípio


fundante do Estado angolano é o princípio da dignidade da
pessoa humana e o princípio republicano.

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O art. 1.º da CRA estabelece expressis verbis que “Angola é


uma República soberana e independente, baseada na dignidade
da pessoa humana (…)”; neste primeiro artigo da nossa
Constituição, a lex mater consagra dois princípios fundantes
do Estado angolano – primeiro o princípio republicano e
depois o princípio da dignidade da pessoa humana –
demonstrando a priori que a ordem jurídico-constitucional
angolana deve pautar-se acima de tudo por estes dois
princípios.

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PRINCÍPIO REPUBLICANO

O que é que constitui a república angolana?

R: Do artigo primeiro da CRA, decorre o entendimento de que Angola é


uma república soberana e independente e se configura como um Estado
de direito democrático nos termos do que está estabelecido no
artigo segundo da nossa lei magna.

De acordo com Gomes Canotilho a república significa uma comunidade


política, uma unidade colectiva de indivíduos que se auto determina
politicamente através da criação e manutenção de instituições
políticas próprias assentes na decisão e participação dos cidadãos
no Governo dos mesmos (self government).

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A república só é soberana quando for auto-determinada e auto-
governada. Para haver um auto-governo republicano impõe-se a
observância de 3 regras:

Uma representação territorial


Um procedimento justo de selecção dos representantes
Uma deliberação maioritária dos representantes limitada pelo
reconhecimento prévio de direitos e liberdades dos cidadãos.

A República de Angola além de ser soberana no sentido de comunidade


auto-determinada e auto-governada é ainda soberana ao acolher como
título de legitimação a soberania popular artigo 2.º, nº 1 e artigo
3.º da CRA.

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A república é ainda uma ordem de domínio (de pessoas sobre pessoas),
mas trata-se de um domínio sujeito à deliberação política de
cidadãos livres e iguais. Precisamente por isso a forma republicana
de governo está associada a ideia de democracia deliberativa. Por
democracia deliberativa entende-se uma ordem política na qual os
cidadãos se comprometem:

1- A aceitar como legítima as instituições políticas de base, na medida


em que estas constituem o quadro de uma deliberação pública tomada
com toda a liberdade;

2- A resolver colectivamente os problemas colocados pelas suas escolhas


colectivas através da discussão pública.

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REPÚBLICA E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Outra esfera constitutiva da república de Angola é a dignidade da pessoa
humana artigo 1.º da CRA.

Que sentido tem uma república baseada na dignidade da pessoa humana?

R: A resposta deve tomar em consideração o princípio material subjacente


a ideia da dignidade da pessoa humana.

Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano


(Genocídio, Escravatura, Inquisição, Estalinismo, Polpotismo), a
dignidade da pessoa humana como base da república significa sem
transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do indivíduo como
limite e fundamento do domínio político da república. Neste sentido, a
república é uma organização política que serve o homem e não é o homem
que serve os aparelhos político-organizatórios.

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A compreensão da dignidade da pessoa humana está associada a ideia
de proibição da pena de morte artigo 59.º CRA, o respeito e a
protecção da vida artigo 30.º CRA, o respeito e a protecção da
pessoa e dignidade humanas artigo 31.º CRA, a proibição de tortura,
tratamentos cruéis ou degradantes artigo 60.º CRA.

OBS: O princípio republicano está intimamente ligado ao princípio da


dignidade da pessoa humana e este (princípio da dignidade da pessoa
humana) só é compreensível quando se vê um Estado que se baseia nele,
ao mesmo tempo proibir a pena de morte, respeitar e proteger a vida,
respeitar e proteger a pessoa e a dignidade humanas, proibir a
tortura, tratamentos degradantes e cruéis - vide artigos 59.º, 60.º,
30.º, 31.º.(MW)

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A pessoa ao serviço da qual está a república também pode cooperar na
república, na medida em que a pessoa é alguém que pode assumir a
condição de cidadão ou seja um membro normal e plenamente cooperante
ao longo da sua vida em sociedade.
O valor de um ser humano não decorre do seu poder político,
económico, social, religioso, desportivo ou comunicacional, mas sim
da sua humanidade, esta que é a qualidade de onde derivam todas as
outras, por isso podemos afirmar que todo o ser humano tem o direito
de ser tratado como tal.
A doutrina da dignidade humana consiste na doutrina segundo a qual o
princípio ético fundamental é o respeito da pessoa humana em si
mesma e nos outros, em suma é a consciência do valor da pessoa
enquanto ser humano. A dignidade humana implica sempre o valor
particular que tem todo o ser, isto é, enquanto ser humano, racional
e livre.

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Deste princípio da dignidade da pessoa humana deriva a protecção do
direito à vida e à integridade pessoal, bem como todos os direitos
relacionados com a intimidade privada do cidadão (artigo 30.º, 59.º,
31.º, 60.º 32.º, 33.º, 34º e 36.º); pelo facto de a CRA proteger a
vida humana e a integridade pessoal, denota-se por parte do
legislador, uma preocupação de cariz humano, fazendo crer que o mais
importante para a República será sempre cada ser humano
indiscriminadamente.
Um dos princípios fundamentais de qualquer Democracia, é exactamente
este respeito pela dignidade da pessoa humana, pois nos regimes
ditatoriais existem sempre grandes e graves violações deste
princípio.

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República e Liberdades

A república angolana é uma ordem política assente no


respeito e garantia de efectivação dos direitos e
liberdades fundamentais.
Poder-se-á dizer que as liberdades republicanas
procuram uma articulação da liberdade dos antigos com
a liberdade dos modernos, ou seja uma articulação da
liberdade de participação política com a liberdade de
defesa perante o poder. Liberdade dos modernos ex:
liberdade de associação; liberdade dos antigos ex:
Liberdade sindical, liberdade de manifestação.

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RES PUBLICA E RES PRIVATA
A república angolana incorpora aquilo que sempre se considerou como
um princípio republicano por excelência:

A concepção de função pública e cargos públicos estritamente


vinculados a prossecução dos interesses públicos e do bem comum (Res
Publica ), e radicalmente diferenciados dos assuntos ou negócios
privados dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes dos
poderes públicos (Res Privata). Por isso se estabelecem
inelegibilidades destinadas a garantir a isenção e independência do
exercício dos cargos públicos (artigo 53.º, n.º 3, 110.º, n.º 2 e
145.º da CRA), se consagram incompatibilidades (artigo 138.º, 149.º
e 179.º da CRA) e se prescreve a responsabilidade criminal e civil
dos titulares de cargos políticos (artigo 140.º, 150.º; o 127.º é
diferente desses artigos. Numa república existem coisas Públicas e
coisas Privadas; a Res Publica tem a ver com tudo que seja do
domínio público, tudo que seja de todos. ex: Em Angola o diamante e
o petróleo são de todos; tudo aquilo que nenhum indivíduo pode
apropriar-se.

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O u t r a c o i s a é a Res Privata – s ã o t o d o s o s b e n s q u e t o d a s o u
determinadas pessoas podem adquirir; temos que ter em atenção que nenhum
titular pode aproveitar-se da qualidade de membro ou titular de um cargo
político para fazer transferir da Res Publica para sua Res Privata e por
isso é que o legislador constituinte estabeleceu inelegibilidades,
responsabilidades criminal e civil dos titulares de cargos políticos e
incompatibilidades.

Inelegibilidade – artigo 53.º, n.º 3 – (o legislador só pode


estabelecer inelegibilidade quando isso tenha um determinado fim que
pode ser a isenção, imparcialidade e independência no exercício de
determinada função; artigo 110.º, n.º2 o legislador entende que qualquer
uma dessas pessoas se for eleito Presidente da República não vai exercer
o cargo de forma isenta, de forma imparcial, portanto, estabelece que
não podem ser eleitos como Presidentes da República aqueles cidadãos.
Quanto aos Deputados, o regime de inelegibilidades para estes está nas
diferentes alíneas do artigo 145.º, nº. 1 da CRA.

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Incompatibilidades – artigo 138.º, 149.º, n.º 1 e 2 e 179.º, n.º 5.

Responsabilidade criminal e política – para o PR artigos 127.º e


129.º da CRA; para os Deputados artigo 150.º e para os restantes
membros do executivo artigo 139.º e 140.º.

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A FORMA REPUBLICANA DE GOVERNO
Nos limites materiais de revisão constitucional consta
a proibição de abolição da forma republicana de
governo artigo 236.º c) da CRA, o que por
interpretação extensiva tínhamos anteriormente nos
artigos 1.º e 2.º da LCA, que impunham o respeito pela
forma republicana de governo.

Quando se trata porém de descobrir os traços


caracterizadores dessa forma republicana de governo as
dificuldades são imensas. Ao nível do DC positivo a
CRA, é omissa quanto a densificação expressa da forma
republicana de governo.

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DENSIFICAÇÃO DA FORMA REPUBLICANA DE GOVERNO

Uma primeira dimensão jurídico-


Constitucional é a da radical
incompatibilidade de um governo
republicano com o princípio monárquico
(dimensão anti-monárquica) e com os
privilégios hereditários e títulos
nobiliárquicos (dimensão anti-
aristocrática).

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Um segundo traço da forma republicana de
governo reconduz-se há exigência de uma
estrutura político-organizatória garantidora
das liberdades cívicas e políticas. Neste
sentido a forma republicana aponta para a
ideia de um arranjo de competências e funções
dos órgãos políticos em termos de
balanceamento, de freios e contra pesos
(checks and balances). A forma republicana de
governo não é primordialmente uma forma anti-
monárquica, mas um esquema organizatório de
controlo (limite) do poder.

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Em terceiro lugar a forma
republicana pressupõe um catálogo
de liberdades (regime de
liberdades) onde se articulam
intersubjectivamente a liberdade
dos antigos (direito de
participação política) e a
liberdade dos modernos (direitos
de defesa individual).

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Em quarto lugar a forma republicana de
governo aponta também para a existência
de corpos territoriais autónomos (a
administração autónoma que pode
legitimar tanto um esquema territorial
de natureza federativa - caso dos EUA,
ou de autonomia regional - caso da
Itália, como de autarquias locais de
âmbito territorial mais restrito no caso
de Angola artigo 213.º e seguintes da
CRA.

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Em quinto lugar a forma republicana de
governo reivindica uma legitimação do
poder político baseada no povo, para o
povo e pelo povo (Abraham Lincoln). Num
governo republicano a legitimidade das
leis funda-se no princípio democrático
(sobretudo no princípio democrático
representativo) com a consequente
articulação da autodeterminação do povo
com o governo das leis e não com o
governo dos homens. Aqui se insere a
desconfiança congénita do republicanismo
perante formas de poder pessoal
(dinásticas, militares, religiosas).

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Em sexto lugar a forma republicana de governo recolhe e
acentua a ideia de anti-privilégio no que respeita a
definição dos princípios e critérios ordenadores do acesso à
função pública e aos cargos públicos. De um modo geral a
forma republicana de governo prefere os critérios da
electividade, colegialidade, temporariedade e pluralidade
aos critérios da designação, hierarquia e vitaliciedade.
Aqui verificamos que a proibição da renovação sucessiva de
mandatos faz parte desta dimensão da forma republicana de
governo.
Recorrendo à Constituição da República Portuguesa no seu
artigo 118.º verificamos que ninguém pode exercer a título
vitalício qualquer cargo político de âmbito nacional,
regional ou local e atribui competência ao legislador para
determinar limites à renovação sucessiva de mandatos dos
titulares de cargos políticos executivos.

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Apesar deste artigo, o legislador constituinte
angolano preferiu não ser influenciado por esta
norma portuguesa e, portanto, a CRA, que muitos
referem como sendo moderna e inovadora, não prevê
o princípio da renovação.

O princípio republicano em contraposição ao


princípio monárquico, este que prevê o exercício
do poder político pelo monarca de forma vitalícia
(e após a sua morte a sucessão é normalmente
hereditária), impõe o carácter não vitalício dos
cargos políticos.

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De acordo com Jorge Miranda da periodicidade já resulta o carácter não
vitalício de qualquer cargo político electivo ou de qualquer cargo
dependente de responsabilidade política perante um órgão electivo,
demonstrando este autor que existe uma forte relação entre os princípios
republicano e democrático.

Jorge Miranda, entende ainda que o princípio da renovação é uma


exigência qualificada de democracia, pois tal implica necessariamente o
acesso do maior número possível de cidadãos aos cargos políticos e
salvaguarda contra a personalização e o abuso do poder.

“ o princípio republicano está intimamente ligado com princípio


democrático que impõe que se realizem eleições periodicamente; já o
princípio republicano vai impôr os limites ao poder, porque ninguém pode
exercer um cargo político de forma vitalícia permitindo que um maior
número de cidadãos possa exercer esses cargos e impede que não haja
personalização e abusos de poder de conformidade com o Prof. Jorge
Miranda “ (MW).

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Leitura obrigatória:

• J.J. Gomes Canotilho, Direito


Constitucional e Teoria da
Constituição, Almedina, 2003, pg.
223-230;
• Jorge Miranda, Manual de Direito
Constitucional, tomo III.

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Caso Prático nº 21

Suponha que A Presidente da República estivesse no seu segundo mandato,


e como Presidente do seu partido político indicasse o filho B para
cabeça de lista do seu partido. Realizadas as eleições gerais, o
filho do presidente cessante vence-as, tornando-se o novo Presidente
da República eleito. Decorridos dois mandatos, o Presidente B
pretende uma nova reeleição para um mandato de 5 anos, e pretende
que tal facto aconteça mediante recurso a uma revisão constitucional
ordinária. O Presidente A tomou posse no seu primeiro mandato no ano
de 2011.

1. Analise as condutas de A e B de acordo com o princípio republicano.

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1. Analise as condutas de A e B de acordo com o princípio republicano.

Relativamente à conduta de A há uma violação do princípio republicano na sua


primeira dimensão que é a da radical incompatibilidade de um governo
republicano com o princípio monárquico (dimensão antimonárquica) e com os
privilégios hereditários e títulos nobiliárquicos (dimensão anti-
aristocrática). Ora numa república democrática, até as instituições como os
partidos políticos devem ter regras e procedimentos internos democráticos,
isso para garantir, não só uma sociedade baseada em comportamentos
democráticos, mas e sobretudo pelo facto de os partidos políticos concorrerem
em torno de um projecto de sociedade (art. 17º nº 1) que a nossa Constituição
diz ser livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso
social.

Quanto à conduta de B é violadora também do princípio republicano, mas já na


dimensão de anti-privilégio no que respeita a definição dos princípios e
critérios ordenadores do acesso à função pública e aos cargos públicos, pois
de um modo geral a forma republicana de governo prefere os critérios da
electividade, colegialidade, temporariedade e pluralidade aos critérios da
designação hierarquia e vitaliciedade.

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Por outro lado, a conduta de B viola o princípio republicano na vertente de
proibição de renovação sucessiva de mandatos, pois de acordo com este
princípio ninguém pode exercer a título vitalício qualquer cargo político de
âmbito nacional, regional e local.

O princípio republicano em contraposição ao princípio monárquico, este que prevê


o exercício do poder político pelo monarca de forma vitalícia (e após a sua
morte a sucessão é normalmente hereditária), impõe o carácter não vitalício
dos cargos de exercício político.

De acordo com Jorge Miranda da periodicidade já resulta o carácter não vitalício


de qualquer cargo político electivo ou de qualquer cargo dependente de
responsabilidade política perante um órgão electivo, demonstrando este autor
que existe uma forte relação entre os princípios republicano e democrático.

Jorge Miranda, entende ainda que o princípio da renovação é uma exigência


qualificada de democracia, pois tal implica necessariamente o acesso do maior
número possível de cidadãos aos cargos políticos e salvaguarda contra a
personalização e o abuso do poder.

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