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2. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O CONCEITO JURÍDICO DE


DISCRIMINAÇÃO

2.1 NOÇÕES DE PRINCÍPIO

A palavra princípio deriva do latim principium que significa origem, começo.


Este termo é, portanto, indicativo de alicerce, de base.
No sentido jurídico, o princípio é o verdadeiro sustentáculo da construção de
um sistema. A base do Direito. Por meio dele, reflete-se o espírito das normas para sua
compreensão como um todo unitário no ordenamento.
Os princípios quando incorporados a um sistema jurídico-positivo refletem a
própria estrutura ideológica dos Estados, como tal, representativa dos valores consagrados por
uma sociedade.
Neste sentido, colaciona-se o conceito de princípio no vocabulário jurídico De
Plácido e Silva:
[...] os princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de
ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do
Direito. E, nesta acepção, não se compreendem somente os fundamentos jurídicos,
legalmente instituídos, mas todo axioma jurídico derivado da cultura, jurídica
universal. Compreendem, pois, os fundamentos da Ciência Jurídica, onde se
firmaram as normas originárias ou as leis científicas do Direito, que traçam as
noções em que se estrutura o próprio Direito.1

A construção dos princípios possui o escopo de conceder sentido harmônico ao


sistema. Portanto, as regras devem ser aplicadas mediante a observação deles para sua fiel
aplicação e satisfação efetiva do objetivo da norma.
Observa-se, por conseguinte, que os princípios são revestidos de significativa
importância no ordenamento jurídico, merecedores, pois, de obediência e respeito. A violação
a um princípio reflete a insurgência contra todo o sistema, visto que este se baseia naquele.
Destarte, entendendo o princípio como mandamento nuclear de um sistema,
imperioso destacar o posicionamento de Celso Antônio Bandeira de Mello acerca da
relevância dos princípios.
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a
todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa

1
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 18. ed. rev. e atual. 3. tiragem. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.
639.
14

insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais,


contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. 2

Salienta-se, ademais, que, sendo preceitos fundamentais que servem de base ao


Direito, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Tal fato não retira deles a expressiva
importância, haja vista que não é sua positivação que lhes garante o respaldo, mas sim o seu
conteúdo, compondo o espírito das normas jurídicas.
Toda essa elucubração faz-se necessária para a compreensão da importância do
princípio da igualdade no sistema jurídico. Sua característica de princípio, per si, já demonstra
a relevância com que deve ser tratado.
Mais que isso, ele se enquadra como pilar do ordenamento jurídico, haja vista
que, sendo este instrumento regulador da vida social, deve tratar equanimente todos os
sujeitos sociais.
Portanto, o jurista, no momento da criação e execução das normas jurídicas,
deve vislumbrar como ponto de partida o respeito aos princípios jurídicos, mormente, ao
princípio da igualdade, por sua indispensável importância na construção de uma estrutura
social harmônica, pacífica e desenvolvida.

2.2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE

A noção de igualdade obteve, historicamente, diversos significados, conforme


o contexto social e o dinamismo dos interesses humanos.
Ela pairou em alguns ideais sociológicos e filosóficos de outrora como ideal
basilar da organização do próprio Estado e foi, com o transcorrer da vivência humana, se
consolidando como tal.
Neste diapasão, destaca-se o pensamento de Platão, o qual defendia que a
construção do Estado ideal estava relacionada à igualdade absoluta de todos os homens. Esta
se fundava na busca pela felicidade de todo o Estado e não apenas de uma estrita classe
particular de cidadãos3.
Merece relevo, outrossim, o entendimento de Aristóteles acerca da igualdade.
Ele a relacionava à democracia e à justiça, afirmando que “o justo será o que é conforme a lei
e a igualdade, e o injusto será o que é contra a lei e desigual.”4

2
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. 2. ed. rev. e atual. 2. tiragem. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 300.
3
PLATÃO. A República. Traduzido por Albertino Pinheiro. São Paulo: EDIPRO, 2001, p. 136.
4
ARISTÓTELES. A ética de Nicômaco. 2. ed. São Paulo: Atena, 1944, p. 84.
15

Este entendimento referia-se a uma igualdade de justiça relativa, baseada na


reflexão de dar a cada indivíduo o que é seu. Critério que serviu, por tempos, de veículo de
manipulação da sociedade.
Contudo, foi a partir das experiências revolucionárias pioneiras dos Estados
Unidos da América – EUA e da França, no século XVIII, que se consolidou uma construção
jurídica acerca do conceito de igualdade, elevando-o a categoria de princípio jurídico.
Inúmeras são as teorias que buscam definir a primazia da positivação do
princípio da igualdade como norteador de um ordenamento jurídico.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, erigida da Revolução
Francesa de 1789, é considerada, pela maioria dos doutrinadores, como marco para a
positivação do princípio da igualdade, em virtude do seu respaldo jurídico e social, bem
como, por ter sido considerada por um século e meio como modelo por excelência e
referência para as demais declarações. Neste sentido, destaca-se o entendimento de Vera
Lúcia Carlos5 e Manoel Gonçalves Ferreira Filho6
O regime jurídico francês pautava-se na desigualdade e no abuso de poder da
nobreza. Portanto, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão pretendeu acabar com
as discriminações e alcançar a igualdade de fato entre a população ao proclamar, no art. 1°,
que “todos nascem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na
utilidade comum”.
Todavia, malgrados os ditames de liberdade, igualdade e fraternidade que
basilaram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, estes direitos se restringiram a
burguesia, a qual detinha o poder econômico e político após a Revolução. Assim, naquele
contexto, a igualdade se transformou em mais um instrumento de poder utilizado pela elite
para ditar as regras conforme seus interesses.
Ressalta-se que o enquadramento do princípio da igualdade como mecanismo
de manipulação e legitimação da concentração de poder não se restringiu à França, sendo
característico de inúmeras outras sociedades estatais.
Por tempos, o direito à igualdade restringiu sua aplicação ao parâmetro
comparativo dentro das classes sociais as quais os indivíduos pertenciam. Havia insignificante
mobilidade social, permitindo que os detentores do poder justificassem o tratamento desigual,
quando lhe interessava.

5
CARLOS, Vera Lúcia. Discriminação nas Relações de Trabalho. São Paulo: Método, 2004, p. 20.
6
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 19-20.
16

Neste cenário, a igualdade, em sua abstração, nos dizeres de Daniel Sarmento,


“[...] permitia a circulação dos bens entre os proprietários, mas não se propunha a modificar o
status quo da profunda assimetria social existente, coonestando, com seu silêncio, a opressão
dos mais fortes sobre os mais fracos.”7
A relativização do princípio da igualdade encontrou gravame mais acentuado
no continente americano, em decorrência da barbárie da escravidão. Esta, apesar de já
existente, acentuou-se com a colonização americana. Neste contexto, a igualdade, no que pese
está expressa em inúmeros dispositivos jurídicos, apenas era invocada para beneficiar os
detentores do poder – a abolição da escravatura, no Brasil, apenas se consolidou em 1888,
apesar do princípio da igualdade estar previsto no ordenamento jurídico do país, de forma
literal, desde a Constituição de 1824.
A busca pelo desenvolvimento humano e a necessidade de convivência social
harmônica fomentaram a conscientização da importância da igualdade como princípio basilar
para a construção de um Estado. Este contexto foi marcado por lutas sociais em prol da
igualdade, o que desencadeou no Estado Social do século XX.
Neste período histórico, busca-se uma releitura do princípio da igualdade. O
Estado percebe a necessidade de intervenção na estrutura social em prol do combate às
marginalizações e submissão social. Há a construção de novos direitos aos indivíduos mais
vulneráveis, priorizando a harmonia da sociedade em detrimento das discriminações.
Todavia, giza-se que a efetiva aplicação da igualdade como princípio
fundamental ainda é incipiente. A sociedade está eivada de preconceitos e a busca pela
satisfação de interesses individuais ainda impera, desencadeando acentuada discriminação
ilegítima, o que deve ser veementemente combatido.
Diante dos inúmeros paradoxos de interpretação do princípio da igualdade em
face aos contextos sociais, o conceito de igualdade sofreu transições acentuadas, conduzindo
ao aplicador do Direito a compreendê-lo em sua acepção formal e substancial. A referida
cisão possui o escopo de depreender o verdadeiro sentido do princípio da igualdade,
possibilitando ao aplicador do Direito interpretar a norma no caso concreto e alcançar a mens
legis.

2.2.1 A igualdade formal

7
SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional e Igualdade Étnico-Racial. In: PIOVESAN, Flávia; SOUZA,
Douglas Martins de (coord.). Ordem Jurídica e Igualdade Étnico-Racial. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p.
65.
17

A Constituição Federal do Brasil, de 1988, vaticina como direito fundamental,


em seu art. 5º, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade, [...]” (grifo da autora).
Tal dispositivo vigora em inúmeros ordenamentos jurídicos, como expressão
do princípio da isonomia.
A igualdade perante a lei significa que é defesa qualquer hipótese de
discriminação, de desigualação entre os atores sociais.
Diante desta acepção, questiona-se a quem seria destinado o dever de não
discriminar. Sendo uma igualdade perante a lei, a obrigação está direcionada aos operadores
do direito. Por outro lado, sendo considerada uma igualdade na lei, o dever se dirige ao
legislador.
José Afonso da Silva, sob uma análise acerca do referido questionamento,
afirma que no direito pátrio esta distinção é desnecessária, uma vez que “a doutrina como a
jurisprudência já firmaram, há muito, a orientação de que a igualdade perante a lei tem o
sentido que, no exterior, se dá à expressão igualdade na lei, ou seja: o princípio tem como
destinatários tanto o legislador como os aplicadores da lei.”8
Na esteira deste entendimento e para uma melhor compreensão acerca do tema,
vale colacionar o entendimento de Firmino Alves Lima.
[…] Importa ao juiz, na aplicação da lei, que distinções de qualquer espécie não
poderão ser feitas na medida em que o ordenamento jurídico a todos abrange
indistintamente. Por outro lado, ao legislador também são vedadas distinções que, na
formulação das normas jurídicas, venham a tratar distintamente, sem critérios
objetivos e legais, direitos de integrantes da mesma categoria. 9

Portanto, o dever de não discriminar é obrigação de todo jurista, bem como, de


toda a sociedade na busca pela paz social.
Observa-se que a igualdade, em seu aspecto formal, deve ser compreendida e
aplicada de maneira objetiva, desconsiderando as características peculiares dos indivíduos.
Neste entendimento, a pessoa deve ser vista sob uma análise holística, global, como parte
integrante de um todo, o qual é o parâmetro para a igualdade formal.

8
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2008, p. 215.
9
LIMA, Firmino Alves. Mecanismos antidiscriminatórios nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 56.
18

Este aspecto da igualdade é importante, porque os indivíduos possuem algumas


identificações imutáveis, como a condição humana, o que legitima a previsão de direitos de
uma maneira geral.10
Contudo, a compreensão da igualdade sob seu aspecto formal foi utilizada em
diversos contextos históricos com o escopo de legitimar as desigualdades sociais e a
concentração de poder, através da imutabilidade das classes sociais.
O tratamento igual entre os indivíduos, de maneira absoluta, sem a observância
de suas peculiaridades físicas e estruturais, de suas idiossincrasias, possibilita a perpetuação
das desigualdades sociais e concentração arbitrária do poder. Isto ocorre, pois, sendo tratados
de forma idêntica, os indivíduos mais vulneráveis nunca terão condições de ascensão, ficando
fadados a permanecer num patamar econômico e educacional inferior.
Uma análise perfunctória do dispositivo supra mencionado da Carta Magna
conduz à equívoca ilação de que o ordenamento jurídico brasileiro prevê estritamente a
igualdade formal, não permitindo qualquer hipótese de diferenciação.
Todavia, este entendimento desnatura o verdadeiro significado do princípio da
igualdade. A igualdade estritamente formal nivela todos os indivíduos, tornando-os idênticos,
quando a diferença é inerente à própria condição humana.
Por conseguinte, buscando uma igualdade real entre os indivíduos, os demais
dispositivos constitucionais demonstram a possibilidade de haver uma diferenciação entre os
atores sociais, desde que legítima. É a chamada igualdade substancial ou material.

2.2.2 A igualdade substancial

Uma análise do ordenamento jurídico pátrio evidencia que o legislador não


considerou a igualdade apenas sob seu aspecto formal, não se limitou ao simples enunciado da
igualdade perante a lei. Ele expandiu a interpretação do princípio da igualdade para um
aspecto substancial ou material, assegurando uma isonomia real entre os indivíduos.
Os indivíduos são essencialmente diferentes, portanto, necessitam de
tratamento compatível com suas diferenciações. Este entendimento corrobora-se com o
posicionamento de Hans Kelsen referindo-se ao tema.
A igualdade dos indivíduos sujeitos à ordem jurídica, garantida pela Constituição,
não significa que aqueles devam ser tratados por forma igual nas normas legisladas
com fundamento na Constituição, especialmente nas leis. Não pode ser uma tal
10
Neste sentido, em caráter exemplificativo, destaca-se o direito assegurado a todos, indistintamente, de não ser
submetido a tortura ou tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inc. III, CF/88); e o direito à liberdade de
locomoção no território nacional, em tempo de paz (art. 5º, inc. XV, CF/88).
19

igualdade aquela que se tem em vista, pois seria absurdo impor os mesmos deveres e
conferir os mesmos direitos a todos os indivíduos sem fazer quaisquer distinções,
por exemplo, entre crianças e adultos, sãos de espírito e doentes mentais, homens e
mulheres.11

Destarte, a igualdade sob a ótica material pode ser conceituada mediante a


relação feita por Aristóteles entre justiça e igualdade, conduzindo à percepção de que esta
consiste em tratar igual os iguais e desigualmente os desiguais, cada um na medida de suas
desigualdades.12
A igualdade substancial, por conseguinte, é conhecida como igualdade real ou
de fato, uma vez que almeja o alcance concreto da igualdade entre os indivíduos. No
momento de sua aplicação, devem ser observadas as particularidades dos indivíduos, a pessoa
a ser igualada, com suas características e distinções, para se alcançar, de maneira efetiva, a
isonomia entre os indivíduos.
Não há que se considerar que todos são efetivamente idênticos, aplicando-se as
normas de maneira uniforme. Cabe ao legislador e ao aplicador do Direito encontrar os
aspectos das pessoas que se relacionam com a essência da Lei, e, aí sim, tratar aquelas que
estão em situação idêntica, perante a lei, de maneira igual.
Diferentes não são os negros ou as mulheres ou, ainda, os deficientes físicos,
diferentes são todos os indivíduos. Portanto, sendo a norma jurídica reflexo das aspirações
sociais, bem como mecanismo de organização social, deve respeitar as diferenças e propiciar
a isonomia de todos com vistas a cada peculiaridade individual.
O ordenamento pátrio, em diversos dispositivos, evidencia a utilização do
princípio da igualdade sob o seu aspecto substancial, visando a atenuar as desigualdades
reinantes. Em caráter exemplificativo, destaca-se o art. 7º, inciso XXXIII, da CF/88, referente
a proibição do trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos; inciso XX do
mesmo artigo, o qual trata da proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante
incentivos específicos; art. 37, inciso VIII, do mesmo dispositivos legal, o qual determina
reserva de percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência
física, dentre outros.
A equiparação, portanto, sob a ótica da igualdade substancial, deve ser de
concessão de oportunidades, para que todos tenham as mesmas condições de desenvolvimento
e vivência digna na sociedade.

11
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. 4. tiragem. Traduzida por João Baptista Machado. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. 158.
12
ARISTÓTELES. A ética de Nicômaco. 2. ed. São Paulo: Atena, 1944, p. 97.
20

A igualdade permeia toda a constituição, ora igualando e ora desigualando para


se alcançar à igualdade de oportunidades com escopo de conquistar uma sociedade equânime.
Por conseguinte, o princípio constitucional da igualdade não proíbe, de maneira absoluta, o
tratamento desigual dos indivíduos, mas sim as diferenciações arbitrárias e desmotivadas.
Sendo a desigualdade um fato irrefutável, ao direito cabe a criação e a
aplicação de normas que permitam a igualdade de oportunidades, consagrando a dignidade
humana.
Em suma, a igualdade material traduz uma noção dinâmica da igualdade, pela
qual, consoante afirma Joaquim B. Barbosa Gomes, “são devidamente pesadas e avaliadas as
desigualdades concretas existentes na sociedade, de sorte que as situações desiguais sejam
tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se assim o aprofundamento e a perpetuação de
desigualdades engendradas pela própria sociedade.”13
Portanto, o desafio do jurista, atualmente, é identificar quem são os iguais e
quem são os desiguais para a adequada aplicação do princípio da igualdade. É o alcance desta
identificação, após uma análise exauriente em cada caso, que legitima a possibilidade de
diferenciação (positiva) e repeli a distinção antijurídica (negativa).

2.2.2.1 A diferenciação positiva

A igualdade emerge, no Estado atual, como princípio norteador de todo


ordenamento jurídico, visto que a própria democracia surge como seu consectário.14
Contudo, a isonomia constitucional, conforme alhures demonstrado, também
abarca desigualações, quando indispensável para o bem de todos. Vale dizer, o princípio da
igualdade não proíbe de maneira absoluta as diferenciações de tratamento, vedando apenas
aquelas arbitrárias e ilegítimas.
Em outras palavras, o princípio da igualdade garante a proibição do tratamento
desigual entre pessoas que se encontrem em condições iguais. Não proíbe, contudo, o
tratamento diferenciado de um grupo de pessoas que se encontrem em situações desiguais,
como forma de se amenizar ou diminuir diferenças e injustiças.

13
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação Afirmativa no Brasil? Revista da Associação dos Juízes Federais do
Brasil. a. 20, n. 68. Rio de Janeiro: Ímpetus, p. 200, out./dez., 2001.
14
Neste entendimento, destaca-se Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o qual afirma que “A igualdade, desde a
Antiguidade, é indissoluvelmente associada à democracia”. (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de
Direito Constitucional. 34. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 282.)
21

Na esteira deste entendimento, surge a idéia de diferenciação positiva. Ela é


assim considerada haja vista seu escopo de diferenciar juridicamente os indivíduos em prol do
bem comum e da harmonia social. Por isso, denomina-se positiva.
Todavia, as diferenciações não podem ser executadas de maneira desarrazoada.
Deve haver um interesse público e uma compatibilidade jurídica para a diferenciação. Neste
espectro, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que “praeter legem, a presunção genérica e
absoluta é a da igualdade, porque o texto da Constituição o impõe. Editada a lei, aí sim,
surgem as distinções [...] por ela formuladas em consideração à diversidade das situações.”15
Hans Kelsen, por oportuno, afirma que “com a garantia da igualdade perante a
lei, no entanto, apenas se estabelece que os órgãos aplicadores do Direito somente podem
tomar em conta aquelas diferenciações que sejam feitas nas próprias leis a aplicar.”16
Portanto, constata-se que a diferenciação apenas é legítima quando autorizada
por norma jurídica ou indispensável para a garantia dos direitos dos indivíduos.
A igualdade para ser efetivada refere-se a uma igualdade de oportunidades para
todos, não a uma apologia à existência de um padrão de identificação entre os indivíduos. As
pessoas são essencialmente desiguais e é isso que as faz especiais e fomenta a dinâmica da
vida.
É corolário deste entendimento que o Estado está autorizado, sim, a criar
diferenças entre pessoas que se encontrem em situação desigual, desde que a criação de tais
diferenças seja de interesse público e atinja a finalidade precípua do Estado que é promover o
bem comum. O negro, assim como o deficiente, a mulher, a criança e o idoso, têm garantido o
direito de proteção diferenciada pelo Estado, por se encontrar, hoje, em sua grande maioria,
em situação de hipossuficiência social.
Celso Antônio Bandeira de Mello evidencia a necessidade da presença de 04
(quatro) elementos para que a diferenciação seja convivente com a isonomia, quais sejam:
a) que a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto, um só indivíduo;
b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam
efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços nelas
residentes, diferenciados;
c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais
existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma
jurídica;
d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função
dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de

15
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. atual. 16. tiragem.
São Paulo: Malheiros, 2008, p. 45-46.
16
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. 4. tiragem. Traduzida por João Baptista Machado. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. 158.
22

tratamento fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem


público.17

Observa-se, porquanto, que o princípio da igualdade não se restringe a um


aspecto meramente formal, de uma impossibilidade de distinção absoluta. A busca pela
igualdade real possibilita uma diferenciação positiva traduzida na utilização de normas
jurídicas que prevêem um tratamento distinto para certas pessoas ou categorias de pessoas,
visando a satisfação do interesse público e do bem estar social.

2.2.2.2 A diferenciação negativa

O princípio da igualdade, na medida em que possibilita a diferenciação entre os


indivíduos com vistas ao bem comum, veda a concreção de distinções ilegítimas e arbitrárias,
denominadas de diferenciações negativas.
Conforme oportunamente referenciado, o interesse público, bem como a busca
pela igualdade de fato permitem que sejam realizadas distinções entre os indivíduos, haja
vista que estes são, em essência, desiguais.
Todavia, essa concessão do princípio da isonomia deve obedecer a critérios
para a diferenciação razoável, e acima de tudo, legítima, sob pena deste instituto se tornar
mecanismo de manipulação social e segregação, com consequentes e danosas discrepâncias
sociais.
Nesse espectro, a diferenciação negativa deve ser veementemente combatida.
Ela se concretiza quando não há uma relação lógica entre o critério diferenciador e os
objetivos da diferenciação, bem como, entre as distinções e os ditames jurídicos
consubstanciados no interesse social.
Além disso, ela se perfaz na tentativa de uns se sobreporem aos demais, de
maneira agressiva e infundada, mormente, pelo caráter competitivo que norteia as relações
humanas. Conforme preleciona José Cláudio Monteiro de Brito Filho, “[...] é atentar contra o
princípio da igualdade, muito embora não só contra ele, como também contra o princípio da
dignidade da pessoa humana, sendo este a base dos Direitos Humanos [...]”.18
Diferenciar negativamente, pois, como o próprio termo reflete, é excluir de
maneira nociva, com o propósito de negar os direitos do indivíduo diferenciado.

17
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. atual. 16. tiragem.
São Paulo: Malheiros, 2008, p. 41.
18
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro. Discriminação no trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 42.
23

Assim sendo, a diferenciação negativa é extremamente danosa à sociedade. É


corolário de sua existência, as desigualdades sociais e a marginalização, uma vez que
impossibilita a igualdade de oportunidade e tratamento entre os indivíduos e o consequente
equilíbrio social.
Na esteira deste entendimento, vale colacionar entendimento de Vera Lúcia
Carlos acerca da diferenciação negativa:
Portanto, toda distinção, exclusão ou preferência fundada em raça, cor, sexo,
religião, opinião política, ascendência nacional e origem social, que tenham por
objetivo destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento [...]
constitui discriminação e infração às normas e preceitos constitucionais. 19

Diante do quanto exposto, constata-se que a diferenciação negativa nada mais é


do que a própria discriminação, conforme a seguir exposto.

2.3 A TEMÁTICA JURÍDICA DA DISCRIMINAÇÃO

A discriminação se consubstancia como uma diferenciação desarrazoada e


infundada, portanto, negativa. Ela pode se perfaz de diversas formas e por diversos motivos,
os quais não possuem uma fundamentação plausível e legítima.
Na seara jurídica, a prática discriminatória esbarra em seu combate efetivo,
portanto, indispensável compreendê-la para alcançar as suas formas de impugnação.

2.3.1 Conceito

O termo discriminar é conceituado por Antônio Houaiss e Mauro de Salles


Vilar da seguinte forma: “discriminar: 1. Perceber diferenças; distinguir; discernir. 2.
Colocar à parte por algum critério; especificar, classificar, listar [...].”20
O conceito supra conduz a compreensão vulgar acerca da discriminação,
referindo-se a mera distinção ou separação. Contudo, no âmbito jurídico, ele possui um
sentido pejorativo, de segregação entre os indivíduos e distinção danosa destes.
Na Carta Magna pátria, não há um conceito expresso de discriminação.
Todavia, o texto constitucional possui diversos dispositivos que proíbem a prática de qualquer
tipo de discriminação. Neste espectro, destaca-se que, conforme art. 3º, inciso IV, do referido

CARLOS, Vera Lúcia. op. cit., p. 21-22.


19

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
20

Objetiva, 2001, p. 1053.


24

instituto jurídico, constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “promover


o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação.”21
Conforme aduzido em tópico próprio, a Constituição brasileira prevê a
possibilidade de tratamento diferenciado a indivíduos desiguais, compreendendo o princípio
da igualdade sob um aspecto substancial. Portanto, se o texto constitucional possibilita a
diferenciação entre os indivíduos, mas prevê, categoricamente, a impossibilidade de qualquer
espécie de discriminação, é sinal de que, indubitavelmente, compreende este instituto sob um
aspecto negativo, de segregação desarrazoada.
Por conseguinte, no âmbito jurídico, um ato discriminatório não é sinônimo de
diferenciação ou distinção, puramente dito, ele se define, consoante magistério de Ivair
Augusto Alves dos Santos, como “[...] a conduta, ação ou omissão que viola direitos das
pessoas com base em critérios injustificados e injustos, tais como a raça, sexo, idade, opção
religiosa e outros.”22
A utilização da expressão “discriminação positiva” é, portanto, uma
contradição em termos. Discriminar será sempre uma conduta negativa, não se coadunando
com o princípio da igualdade.
Na esteira deste entendimento, parafraseando Gilmar Ferreira Mendes,
observa-se que a isonomia, para ser efetivamente alcançada, deve ser vista sob duas vertentes,
quais sejam, exigir o tratamento igualitário entre os indivíduos, bem como, proibir o
tratamento discriminatório em face destes.23
Diante desta compreensão, alguns autores defendem a existência do princípio
da não discriminação ou direito da antidiscriminação, relacionando-os ao princípio da
igualdade.
Firmino Alves Lima define o princípio da não discriminação como sendo “uma
vertente negativa do princípio da igualdade, pelo qual são formuladas regras constitucionais e
legais determinando que os atos discriminatórios não poderão ser aceitos.”24

21
Neste mesmo sentido, destacam-se,ainda, os art. 5º, inciso XLI, art. 7º, inciso XXXI, art. 227, todos da
Constituição Federal de 1988.
22
SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. Discriminação: Uma Questão de Direitos Humanos. IN: SEMINÁRIO
PROMOÇÃO DA IGUALDADE DE OPORTUNIDADES E IMPLEMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO N° 111
DA OIT, NO DISTRITO FEDERAL. Brasília; Fundalc, 2000, p. 14.
23
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 10.
24
LIMA, Firmino Alves, LIMA, Firmino Alves. Mecanismos antidiscriminatórios nas relações de trabalho. São
Paulo: Ltr, 2006, p. 78.
25

Porquanto, evidencia-se que a discriminação é veementemente rechaçada pelo


ordenamento jurídico pátrio por possui uma acepção negativa, de diferenciação ilegítima dos
indivíduos. Há, por conseguinte, a construção do princípio da não discriminação por sua
própria natureza.
Insta salientar que a discriminação não possui apenas um caráter econômico.
Sua agravante ocorre justamente no seu aspecto social, visto que é comum que o mais
humilde dos homens trate a sua companheira de forma inferiorizante ou que um neto repute-
se ao seu avô o marginalizando. Portanto, a prática discriminatória é um problema social e
como tal deve ser analisado e combatido, uma vez que traz sérios danos à coletividade.
Ademais, para uma efetiva compreensão da discriminação, mister se faz
diferenciá-la de preconceito. Ambos são termos correlatos, mas designam fenômenos
distintos. Referindo-se ao tema, Roger Raupp Rios apresenta uma diferenciação entre os
institutos:
Por preconceito, designam-se as percepções mentais negativas em face de
indivíduos e de grupos socialmente inferiorizados, bem como, as representações
sociais conectadas a tais percepções. Já o termo discriminação designa a
materialização, no plano concreto da relações sociais, de atitudes arbitrárias,
comissivas ou omissivas, relacionadas ao preconceito, que produzem violação de
direitos dos indivíduos e dos grupos.25

A discriminação é, portanto, um ato dinâmico, variável no tempo e no espaço.


Assim, em um mesmo contexto, um fato determinado pode ser discriminatório para uma
pessoa e não o ser para outra. Tal hipótese ocorre em virtude da discriminação não dizer
respeito a uma característica inerente ao sujeito, mas a algo que se constrói na relação com o
outro, a uma valoração comparativa.
Por ser construção, a discriminação pode e deve, da mesma forma, ser
desconstruída. Para isto, basta que haja uma releitura da própria diferença, entendendo-a
como inerente a natureza humana e indispensável para a relação deste com o mundo
circundante. Ademais, necessário se faz um combate efetivo de qualquer tipo de
discriminação.

2.3.2 Tipos de discriminação

RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto
25

Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 15.


26

As desigualdades concretizam-se, manifestam-se e se reproduzem através de


diferentes mecanismos. Portanto, a discriminação pode se concretizar de diversas maneiras,
em virtude do tipo de conduta praticada pelo discriminador e da sua intenção.
Observa-se que, sendo a materialização de ideários aviltrantes em face de
indivíduos, a discriminação se perfaz de diversas formas. Neste esteio, podem ser
vislumbradas discriminações diretas ou indiretas, o que dificulta a sua percepção e
consequente combatividade.

2.3.2.1 Discriminação direta

A discriminação direta materializa-se através de condutas que excluem ou


desfavorecem, explicitamente, um indivíduo ou um grupo em relação aos demais. Há uma
conduta fundada em razões arbitrárias e desmotivadas, com o escopo, claramente intencional,
de discriminar.
A Organização Internacional do Trabalho – OIT entende configurada a
discriminação direta “quando as normas, as leis ou as políticas excluem ou desfavorecem
explicitamente certos trabalhadores ou trabalhadoras em função de características como sexo,
raça, cor, etnia, nacionalidade, orientação sexual etc.”26
Destarte, observa-se que o referido instituto se caracteriza como a forma mais
evidente de discriminação, haja vista que permite a identificação imediata de marginalização e
da intenção do discriminador em prejudicar a pessoa ou grupo a que se refere. Por
conseguinte, inúmeros são os dispositivos legais que a especificam e a coíbem pontualmente.
Em caráter exemplificativo, destaca-se algumas hipóteses de discriminação
direta: a declaração infundada do empregador de não contratar mulheres; a proibição de
entrada de deficientes físicos em determinado estabelecimento; a vedação desarrazoada da
possibilidade de negros competirem à vagas de trabalho sem exigências específicas, dentre
inúmeras outras hipótese.
Na esteira deste entendimento, Roger Raupp Rios, referindo-se a discriminação
direta, pontua:
[...] qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, fundados em origem,
raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação proibidas, têm o
propósito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de

26
OIT, Manual de capacitação e informação sobre gênero, raça, pobreza, e emprego: guia para o leitor. Módulo
2 – A questão racial, pobreza, e emprego no Brasil: tendências, enfoques e políticas de promoção de igualdade.
Brasília: OIT, 2005, p. 55. Disponível em <http://www.oitbrasil.org.br/info/downloadfile.php?fileId=168>.
Acesso em 25.09.2009.
27

igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campos econômico,


social, cultural ou em qualquer campo da vida pública.27

A discriminação em comento, portanto, se refere à intenção expressa de


discriminar. Assim, em prol do princípio da igualdade, a discriminação direta, por ser
facilmente reconhecida, é veementemente combatida pelo ordenamento jurídico em todo o
mundo, através de normas específicas.
Por conseguinte, com vistas a burlar a própria vedação jurídica e através da
externalização dos preconceitos arraigados, a discriminação se apresenta, gradativa e
significativamente, por meios camuflados, com a aparência de legítima, mas com uma
conseqüência marginalizadora e discriminatória ainda mais acentuada.

2.3.2.2 Discriminação indireta

A ação discriminatória nem sempre se caracteriza por condutas explícitas. Não


raro, concretiza-se mediante atos, aparentemente imparciais e, muitas vezes, desprovidos de
intenção discriminatória, mas que revelam uma desigualação ilegítima dos indivíduos, cujos
impactos sociais são funestos.
Neste contexto, materializa-se a discriminação indireta. Para Joaquim B.
Barbosa Gomes, ela se perfaz numa “[...] desigualdade não oriunda de atos concretos ou de
manifestação expressa de discriminação por parte de quem quer que seja, mas de práticas
administrativas, empresariais ou de políticas públicas aparentemente neutras, porém dotadas
de grande potencial discriminatório.”28
Conforme oportunamente aventado, a discriminação é a materialização do
preconceito. Este, muitas vezes, é absorvido de maneira automática, instantânea pelos
indivíduos, reproduzindo inúmeras práticas discriminatórias. Portanto, o liame entre o que é
legítimo e o que contraria o ordenamento jurídico deve ser cuidadosamente analisado, para
impedir a difusão da discriminação dissimulada.
Assim, práticas que não evidenciam intenção discriminatória podem
desencadear graves danos à sociedade por seu poder de segregação e desigualação social
arbitrária.

27
RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 89.
28
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: O Direito como
instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 23.
28

O tratamento discriminatório pode se concretizar tanto nos fins almejados pela


respectiva medida, quanto nos meios empregados. Salienta-se que a discriminação é
igualmente censurável em qualquer das hipóteses.
Desta forma, mesmo que o indivíduo não possua a intenção de discriminar,
mas utilizou de mecanismos discriminatórios, consubstancia-se a diferenciação desarrazoada,
arbitrária, trazendo danos que se estendem a toda sociedade. Da mesma forma, se o indivíduo
possui uma conduta legítima, mas revestida de intenção de discriminar, eis que a
discriminação se perfaz com todos os seus consectários nocivos.
São exemplos de discriminação indireta a ocupação, sem nenhum critério,
somente por homens, de cargo de chefia, com adicional de salário, em sociedade empresária
com maioria de empregados do sexo feminino; a limitação do acesso a determinado ambiente
através da imposição exclusiva de escadas, impedindo o ingresso de portadores de
necessidades especiais; a não permanência de negros em nenhuma escola particular, quando o
meio social demonstra a presença significativa de indivíduos com tal característica, dentre
outras.
Observa-se que a discriminação indireta ocorre de maneira implícita,
camuflada de legalidade, obtendo como resultado final a diferenciação imotivada e a
segregação nociva.
Examinando os exemplos acima destacados, evidencia-se que, em nenhuma
hipótese houve diferenciação clara e explícita. Homens podem, de fato, ocupar cargos de
chefia em detrimento das mulheres; ambientes podem ter acesso por escadas; e escolas podem
ter apenas alunos de cor branca em sua composição.
Contudo, a análise das hipóteses sub examines deve ser mais aprofundada,
visto que estas diferenciações possuem em comum a discrepância entre o contexto social
externo e a realidade dos ambientes aos quais estavam inseridos os indivíduos.
Primeiramente, deve-se pormenorizar os critérios utilizados pelos
diferenciadores para justificar sua conduta. Sendo critérios indispensáveis à existência da
própria sociedade empresária ou do diferenciador, hão que ser considerados relevantes e, por
conseguinte, estará descaracterizada a discriminação. Todavia, se o critério é de mera
liberalidade e interesse pessoal do diferenciador, consubstancia-se a discriminação. A
valorização de uma minoria em detrimento da maioria traz impactos sociais gravemente
nocivos, gerando um desequilíbrio acentuado e gravoso.
Salienta-se que a materialização da conduta discriminatória prescinde de uma
intenção do diferenciador em praticar tal ato. Seu propósito é irrelevante, sendo suficiente a
29

existência da conduta e a constatação de dano a toda a sociedade ou a certas categorias de


pessoas.
Neste sentido, Pinho Pedreira, referindo-se ao tema, afirma que “será inútil
alegar, em sua defesa, o empregador que praticou de boa fé o ato de efeito prejudicial. Em se
tratando de discriminação indireta – convém repetir – , a intenção é absolutamente
irrelevante”29
Todo tipo de discriminação é danosa à sociedade, uma vez que marginaliza os
indivíduos e fomenta as desigualdades sociais. Todavia, a discriminação indireta possui um
impacto social muito mais acentuado, haja vista que se camufla em condutas aparentemente
legítimas, sendo de difícil combate.
Ademais, é uma prática mais comum no seio social, visto que se traduz, muitas
vezes, através de internalizações e naturalizações de preconceitos, bem como, por sua
aparência de legitimidade e conseqüente impunidade.

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. A discriminação indireta. Revista da Academia de Letras Jurídicas da
29

Bahia. a. 3, n. 4. Salvador, p. 68, jan./dez., 2000.

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