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Capítulo VII

A Constituição como fonte de Direito


1-As fontes do Direito Constitucional
2-Princípios constitucionais como fonte de direito
2.1-Valor jurídico dos preâmbulos constitucionais
3-Critérios que distinguem os princípios das regras
4-Tipos de princípios e de regras
4.1-Classificação dos preceitos constitucionais
5-O problema do costume em constituição formal
5.1-Os três tipos de costume constitucional
5.2-Gravidade e publicidade do modo de formação do costume constitucional
6-Figuras afins do costume constitucional: praxes, precedentes e convenções constitucionais.

1-As fontes do Direito Constitucional


A constituição como fonte de direito deve ser vista sob duas perspectivas:
a)- a primeira em que se manifesta a sua característica de Lei Suprema que tem entre outras a
função estruturante, reguladora, legitimadora e garantística do ordenamento jurídico;

b)- A segunda que se manifesta a nível da formação do seu conteúdo, ou seja, tem que ver
com as fontes de criação das normas constitucionais.

Partindo co conceito de fonte de direito observa-se que expressa o facto criador do direito.
Deve-se acrescentar a este entendimento geral, a particularidade de as fontes de direito
manifestarem-se em função de cada disciplina jurídica.

No que a disciplina de Direito Constitucional diz respeito, temos como fonte de Direito
Constitucional as maneiras ou formas, por intermédio das quais se fixam e criam os preceitos
constitucionais.

As fontes de Direito Constitucional dividem-se e, imediatas e mediatas.


As fontes imediatas são as que directamente se manifestam na Constituição ou nas leis de
conteúdo constitucional.

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As fontes mediatas são as que resultam da história, do costume, da doutrina e da
jurisprudência, que são absorvidas pela constituição.
São cinco as fontes do Direito Constitucional:
1ª fonte: O Direito natural- É uma fonte legitimadora de todo e qualquer preceito de direito
positivo. (Entendia-se antigamente que direito natural como sendo aquele que emana da
própria natureza, independentemente da vontade do homem.

2ª fonte: A Constituição política (codificada)- É a fonte directa e principal, no campo da


positividade jurídica; é entendida como a vontade soberana do povo manifestada através do
poder constituinte;

3ª fonte: Costume e tradições- É entendida como o conjunto de regras fixas no decorrer da


evolução social. Embora se trate de uma fonte com destaque nos países de Constituição não
escrita, todavia não perde a sua importância nos países de Constituição escrita. Umas vezes é
fonte directa de direito, como acontece em Angola (artigo 7.º da CRA), mas na maior parte
das vezes serve de indicador necessário ao legislador constituinte.

4ª fonte: A jurisprudência dos tribunais- É entendida como uma fonte de suma importância
nos países de Constituição escrita, onde o mais alto órgão do Poder Judiciário exerce a função
de intérprete máximo e guardião da Lei Magna.

5ªfonte: A doutrina – É entendida como sendo uma fonte que desempenha uma relevância
especial na formação e na transformação do direito em geral.

2-Princípios constitucionais como fonte de direito


Os princípios constitucionais constituem o ponto mais importante de todo o sistema
normativo, já que estes são os alicerces sobre os quais se constrói o ordenamento jurídico. São
os princípios os princípios constitucionais que dão estrutura e coesão ao ordenamento
jurídico.

O fundamento primeiro de todo o são os princípios, porque muito além deles regularem as
relações jurídicas, também coordenam todo o sistema jurídico para a melhor desenvoltura em
prol da humanidade, que é a verdadeira razão ou finalidade do sistema: desenvolvimento da
sociedade.

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Para além disso, é importante notar que os princípios orientam, condicionam e iluminam a
interpretação de todas as outras normas em geral influenciando até mesmo a interpretação de
outras normas constitucionais.

Em caso de pluralidade sentidos, a interpretação deverá ser feita com vista a fixar o sentido
que possibilitar uma sintonia com o princípio que lhe for próximo.

Os princípios constitucionais são linhas mestras, estabelecem grandes percursos, directivas


magnas do sistema jurídico, apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e
obrigatoriamente a perseguir pelos órgãos do governo.

Os princípios constitucionais expressam a substância última da vontade popular, seus


objectivos e desígnios, as linhas mestras de legislação da administração e da jurisdição. Por
esta razão não podem ser contrariadas, ao invés têm de ser prestigiadas até às últimas
consequências. Tem-se entendido, nesta conformidade que nenhuma interpretação será tida
por jurídica se atentar com um princípio fundamental.

2.1-O valor jurídico dos preâmbulos constitucionais

Existem três posições doutrinais: tese da irrelevância jurídica; tese da eficácia idêntica à de
quaisquer disposições constitucionais; tese da relevância jurídica indirecta ou principialista,
não confundindo preâmbulo e preceito constitucional (v. Miranda, II, 5.ª edição, 2003: 264).
Para Miranda (II, 5.ª edição, 2003: 265) “(...) o preâmbulo é parte integrante da Constituição,
com todas as suas consequências. Dela não se distingue nem pela origem, nem pelo sentido,
nem pelo instrumento em que se contém. Distingue-se (ou pode distinguir-se) apenas pela sua
eficácia ou pelo papel que desempenha”.
Os preâmbulos revelam uma estreita conexão entre os valores e objectivos nele enunciados
com direitos, liberdades e direitos sociais de natureza económica, social e cultural bem como
com o bem ester, desenvolvimento, igualdade e justiça, sociedade pluralista e harmonia
social, que justifica uma abordagem do seu significado e valor jurídico, tendo em conta que o
preâmbulo constitui uma cláusula que tem algum significado em face do articulado
normativo da Constituição. O preâmbulo juntamente com os princípios concorre para a

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harmonização do sistema constitucional, pelo que a sua importância no texto constitucional
não se apresenta inútil.
O preâmbulo consiste numa declaração de propósitos em que se anunciam as linhas mestras e
de orientação do Estado, sua organização e relação que estabelece com os cidadãos bem como
os direitos.

3-Critérios que distinguem os princípios das regras:

De acordo com Canotilho, o sistema jurídico do Estado de direito democrático é um sistema


normativo aberto de regras e princípios (...): (1) é um sistema jurídico porque é um sistema
dinâmico de normas; (2) é um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica (Caliess),
traduzida na disponibilidade e «capacidade de aprendizagem» das normas constitucionais para
captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da «verdade» e
da «justiça»; (3) é um sistema normativo, porque a estruturação das expectativas referentes a
valores e programas, funções e pessoas, é feita através de normas; (4) é um sistema de regras
e de princípios, pois as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios
como sob a sua forma de regras”.

A teoria tradicional fazia a distinção entre normas e princípios, mas hoje a teoria
contemporânea do constitucionalismo de que é percursor Gomes Canotilho apresenta a
estrutura normativa integrada por princípios e regras.

A norma é apresentada como elemento primário do processo de interpretação


independentemente ao sentido que se der ao elemento literal (gramatical ou filológico) pelo
que interessa estabelecer a diferença os seus elementos que formam a sua estrutura, ou seja, a
diferença entre princípios e regras:

a) Grau de abstracção: os princípios são normas com um grau de


abstracção relativamente elevado; de modo diverso, as regras
possuem uma abstracção relativamente reduzida.
b) Grau de determinabilidade na aplicação ao caso concreto: os
princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de
mediações concretizadoras (do legislador, do juiz), enquanto as regras
são susceptíveis de aplicação directa.

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c) Carácter de fundamentabilidade no sistema das fontes de direito:
os princípios são normas de natureza estruturante ou com um papel
fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição
hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou
à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.:
princípio do Estado de Direito).
d) «Proximidade» da ideia de direito: os princípios são standards
juridicamente vinculantes radicados nas exigências de «justiça»
(Dworkin) ou na «ideia de direito» (Larenz), as regras podem ser
vinculativas com um conteúdo meramente funcional.
e) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras,
isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras
jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética
fundante.

4-Tipos de princípios e de regras


I-Tipologia dos princípios, segundo Canotilho.
Na tipologia dos princípios da Constituição encontram-se quatro tipos de princípios de
natureza substantiva a nortear a matéria constitucional. Trata-se de princípio de natureza
substantiva, na medida em que valem por si e expressam as referências basilares que
constituem o acervo da constituição material. Portanto, reflectem os valores que a
Constituição consagra. São os seguintes: 4.1-Princípios jurídicos fundamentais; 4.2-princípios
políticos constitucionalmente conformadores; 4.3- os princípios constitucionais impositivos;
4.4- os princípios-garantias.

4.1-Princípios jurídicos fundamentais (Rechtsgrundsatze)

“Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente


objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram
uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional (...) constituem um
importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do
direito positivo”.

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Os princípios têm uma função negativa nos casos limites, «Estado de Direito e de Não
Direito», «Estado Democrático e ditadura»; os princípios são ainda negativamente
importantes perante o perigo de “excesso de poder”, em contraposição ao princípio da
proibição do excesso de poder (cfr. artigos. 2.º, 6º, nº2 e 68.º da CRA).

Na sua função positiva, os princípios jurídicos gerais informam materialmente os actos


dos poderes públicos. Por exemplo, o princípio da publicidade dos actos jurídicos,
estabelece que os interessados sejam notificados dos actos jurídicos nos termos da lei .
O princípio da publicidade dos actos jurídicos tem por base a exigência de segurança
do direito, a proibição da arcana praxis (política do segredo), e a defesa dos cidadãos
perante actos dos poderes públicos. Para Angola: o princípio da publicidade dos actos
dos poderes públicos decorre do princípio do Estado de direito, art. 2.º da Constituição
da República Angolana.

A proibição do excesso implica “exigibilidade, adequação e proporcionalidade dos


actos dos poderes públicos em relação aos fins que eles prosseguem. Trata-se de um
princípio jurídico-material de «justa medida», segundo Larenz cita d por Canotilho.
Para Angola: o princípio da proibição do excesso decorre do princípio do Estado de
direito, artigo 2.º, e 57 da CRA.

O princípio do acesso ao direito e aos tribunais (cfr. artigo 29º da CRA) aponta para a
possibilidade de uma defesa sem lacunas e o exercício efectivo do direito à defesa
(ex.: direito ao patrocínio judiciário, direito à informação jurídica).

O princípio da imparcialidade da administração (artigo 198.º da CRA) tem duas


dimensões, a positiva e a negativa. Exigindo imparcialidade verbera “o tratamento
arbitrário e desigual dos cidadãos por parte dos agentes administrativos”. Mais, impõe
“a igualdade no tratamento dos direitos e interesses dos cidadãos através de um
critério uniforme da ponderação dos interesses públicos”, conforme resulta do artigo
23.º da CRA.

4.2-Princípios políticos constitucionalmente conformadores

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“Designam-se por princípios politicamente conformadores os princípios
constitucionais que explicam as valorações e políticas fundamentais do legislador
constituinte”. Por exemplo, “os princípios definidores da forma do Estado: princípios
da organização económico-social, o princípio da subordinação do poder económico ao
poder político democrático, o princípio da coexistência dos diversos sectores da
propriedade – público, privado e cooperativo; os princípios definidores da estrutura do
Estado (unitário, com descentralização local ou com autonomia local), os princípios
estruturantes do regime político (princípio do Estado de Direito, princípio
democrático, princípio republicano, princípio pluralista) e os princípios
caracterizadores da forma de governo e da organização política em geral como
princípio da separação e interdependência de poderes e os princípios eleitorais”. Para
Angola: artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4º, 8.º, 92.º, 107.º, 109º , 143º da CRA, entre outros.

4.3-Os princípios constitucionais impositivos

“Nos princípios constitucionais impositivos subsumem-se todos os princípios que


impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a
execução de tarefas. São, portanto, princípios dinâmicos, prospectivamente orientados.
Estes princípios designam-se, muitas vezes, por «preceitos definidores dos fins do
Estado» (assim Scheuner: Staaszielbestimmungen), «princípios directivos
fundamentais» (Hafelin), ou «normas programáticas, definidoras de fins ou tarefas».
Exemplos: princípio da independência nacional e o princípio da correcção das
desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento. Para Angola: artigos 5.º,
21.º, 89.º e 90.º da CRA.

4.4-Os princípios-garantia

Estes princípios estabelecem directa e imediatamente uma garantia dos cidadãos.


Larenz chama-lhes «princípios em forma de norma». Exemplos: o princípio de nullum
crimen sine lege e de nulla poena sine lege (cfr. art. 29.º), o princípio do juiz natural, o
princípio da não retroactividade da lei penal, os princípios de non bis in idem e in
dúbio pró reo . Para Angola: artigos 65.º, nºs 2, 3, 4 e 5 ; artigo 29,º e 72.º, da CRA.

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Segundo Miranda, os princípios constitucionais substantivos podem dividir-se em: princípios axiológicos fundamentais,
princípios político-constitucionais e princípios constitucionais instrumentais

Princípios axiológicos fundamentais: correspondem aos limites transcendentais do poder constituinte, servem de ponte
passagem do direito natural para o direito positivo
Exemplo: a proibição de discriminações, a inviolabilidade da vida humana, a integridade moral e física das pessoas, a não
retroactividade da lei penal incriminadora, o direito de defesa dos acusados, a liberdade de religião e de convicções, a
dignidade social do trabalho, etc. V. Para Angola: artigos 10.º, 22.º, 23.º, 30.º, 41.º e 76.º da CRA.

Princípios político-constitucionais: corresponde aos limites imanentes do poder constituinte que reflectem as opções e
princípios de cada regime. Exemplo: o princípio democrático, o princípio representativo, o princípio republicano, o princípio
da constitucionalidade, o princípio da separação dos órgãos do poder. Para Angola: 2.º, 226.º etc., da CRA.

Princípios constitucionais instrumentais: correspondem aos princípios que tratam da estruturação do sistema constitucional
em termos de racionalidade e operatividade
Exemplo: o princípio da publicidade das normas jurídicas, o princípio da competência (ou da fixação da competência dos
órgãos constitucionais pela norma constitucional), o princípio do paralelismo das formas, o princípio da tipicidade das formas

de lei, o princípio do pedido na fiscalização jurisdicional da constitucionalidade, etc. Para Angola: 2.º, 105.º, 162.º, 166.º, da
CRA.

José Afonso da Silva classifica os princípios em políticos constitucionais e princípio jurídicos constitucionais.
Os princípios políticos constitucionais referem-se às decisões políticas fundamentais conformadoras do sistema
constitucional positivo (artigos 1º a 21.º da CRA).
Os princípios jurídicos constitucionais são informadores da ordem jurídica nacional. Exemplo o princípio da
constitucionalidade, o princípio da legalidade, o princípio da igualdade, o princípio do devido processo legal e o princípio da
autonomia individual.
Esta classificação observa tanto o carácter político quanto o jurídico dos diversos princípios constitucionais, obrigando-os a
todos a respeita-los e obedece-los.

II-Tipologia de normas/regras

1. Normas constitucionais organizatórias e normas constitucionais materiais

As normas organizatórias- regulam o estatuto da organização do Estado e a ordem


de domínio (são normas de acção na terminologia italiana).

As normas materiais referem-se aos limites e programa de acção estadual em relação


aos cidadãos (são normas de relação). Esta classificação está ultrapassada.

2. Normas jurídico-organizatórias

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a) Regras de competências
“Normas constitucionais de competência são aquelas nas quais se reconhecem certas
atribuições a determinados órgãos constitucionais ou são estabelecidas esferas de competência
entre vários órgãos constitucionais”. Encontramo-las na Parte, da organização do poder
político (normas relativas à competência do Presidente da República, normas de competência
em relação à Assembleia Nacional, normas relativas à competência do Governo). Note-se que
este tipo de normas poderá conter conteúdo material. Como por exemplo, a reserva absoluta
(artigo 164º da CRA.) e a reserva relativa (artigo 165.º da CRA) de competência legislativa da
Assembleia Nacional.

Para Angola: os órgãos de soberania: o Presidente da República, do artigo 108.ºaté ao artigo


140.º; a Assembleia Nacional, do artigo 141.º até ao artigo 173.º e os tribunais, do artigo 174.º
até ao artigo 184.º, destacando-se o Tribunal Constitucional, artigo 180.º, da CRA. Há ainda
considerar as normas que regulam órgãos com dignidade constitucional como sejam: O
Conselho da República, do artigo 135.º; Conselho de Defesa e Segurança, artigo 136.º; o
Conselho Superior da Magistratura Judicial, o artigo 184.º; a Procuradoria-Geral da
República, do artigo 185.º ao artigo 191.º; o Provedor de Justiça, do artigo 192.º, igualmente
da Lei Magna.

b) Regras de criação de órgãos (normas orgânicas)

As normas de criação de órgãos “visam disciplinar normalmente a criação de


órgãos ou instituição de certos órgãos. Quando, além da criação de órgãos, as
normas fixam as atribuições e competências dos mesmos, diz-se que são
normas orgânicas de competência”. Exemplos: As normas criadoras de um
Presidente da República (art. 108.º CRA), da Assembleia Nacional (art.
141.ºda CRA). Há, no entanto, normas que fixam apenas “existência
constitucional de um órgão e o seu processo de formação através do voto ou
através de outros órgãos, mas não fixam a competência (ex.: art. 181.º da
CRA).

c) Regras de procedimento

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Estas normas estabelecem um procedimento para a “formação da vontade
política e do exercício das competências constitucionalmente consagradas.
Assim, por ex., o procedimento eleitoral e o procedimento do Tribunal
Constitucional foram remetidos para as leis ordinárias. Todavia, as normas
definidoras dos princípios fundamentais relativas a estes procedimentos
constam da constituição (...) arts. 107.º, 143.º e 144.º (direito eleitoral) e 226.º
e ss (processo de fiscalização da constitucionalidade). Normas procedimentais
de natureza especial são as normas respeitantes ao procedimento de revisão
(arts. 233º a 237.º).

“(..) as normas organizatórias são complexas porquanto apresentam uma


grande diversidade de funções: (a) função estruturante das organizações
(esquema organizatório, individualização dos órgãos); (b) função atributiva de
um poder (competência); (c) função distributiva de competências por vários
órgãos de um ente público (ex.: normas que distribuem as competências do
titular do poder executivo para o Conselho de Ministros e Ministros); (d)
função procedimental ou processual (ex.: procedimento de formação das leis,
processo de destituição do Presidente da República, processo de controlo da
constitucionalidade das normas).

3. Normas jurídico-materiais

a) Regras de direitos fundamentais

“Designam-se por normas de direitos fundamentais todos os preceitos


constitucionais destinados ao reconhecimento, garantias ou conformação
constitutiva de direitos fundamentais (cfr. CRA, artigo 30.º e ss) (...) directa ou
indirectamente, assegu(ram) um status jurídico-material aos cidadãos.

b) Regras de garantias institucionais

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Estas normas “destin(am-se) a proteger instituições (públicas ou privadas) (...)
andam muitas vezes associadas às normas de direitos fundamentais, visando
proteger formas de vida e de organização social indispensáveis à própria
protecção de direitos dos cidadãos. Assim, por ex., a CRA, ao mesmo tempo
que reconhece como direito fundamental o direito de constituir família e de
contrair casamento, assegura a protecção da família como instituição (art. 35.º).

A doutrina alemã faz uma distinção entre garantias institucionais jurídico-


privadas e garantias institucionais jurídico-públicas, ex., a garantia da
autonomia local (artigo 8.º), a garantia do funcionalismo público (artigo 53º).

Os preceitos relativos à independência e inamovibilidade dos juízes (cfr. artigo


175.º), os preceitos que vinculam os funcionários públicos à prossecução do
interesse público (art. 198.º) e os preceitos referentes às Forças Armadas (por
ex., artigos 206.º a 208.º), “que prescrevem determinadas exigências ou
requisitos aos titulares de certas funções estaduais (órgãos e agentes), não
constituem garantias institucionais”.

c) Regras determinadoras de fins e tarefas do Estado

“Por normas determinadoras de fins e tarefas entendem-se aquele preceitos


constitucionais que, de uma forma global e abstracta, fixam essencialmente os
fins e as tarefas prioritárias do Estado (cfr., por ex. o artigo 21.º da CRA)”.
Algumas destas normas “estão relacionadas com a realização e garantia dos
direitos dos cidadãos, sobretudo com os direitos económicos, sociais e
culturais (cfr., por ex., artigos 76.º a 88.º). Estas normas não têm muitas vezes
densidade suficiente para alicerçar directamente direitos e deveres dos
cidadãos. Mas qualquer norma contrária ao seu conteúdo vinculativo é
inconstitucional”.

d) Regra constitucionais impositivas

“(...) (1) normas constitucionais impositivas em sentido amplo são todas


aquelas que fixam tarefas e directivas materiais ao Estado (neste sentido os

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preceitos definidores dos fins do Estado são normas constitucionais
impositivas); (2) normas constitucionais impositivas em sentido restrito
(imposições constitucionais) são as imposições de carácter permanente e
concreto. Nesta categoria há ainda que distinguir dois subgrupos: a)
imposições legiferantes ou imposições constitucionais; (b) ordens de legislar”.

Imposições legiferantes: art. 63.º (imposição de criação do sistema de


segurança social), (imposição da criação do Serviço Nacional de Saúde),
(política de ensino). Consideradas as verdadeiras imposições constitucionais,
“vinculam constitucionalmente os órgãos do Estado (sobretudo o legislador),
de uma forma permanente e concreta, ao cumprimento de determinadas
tarefas, fixando, inclusive, directivas materiais”. Para Angola: artigos. 28.º,
nº2,10.º, 79.º nºs 1 e 2, da CRA.

Ordens de legislar: A imposição de regulamentação da Alta Autoridade para a


Comunicação Social, impositivo da emissão de lei reguladora da composição
do Conselho Superior de Defesa Nacional, relativo à lei reguladora do
funcionamento do Tribunal Constitucional. “Impõe ao legislador a emanação
de uma ou várias leis, destinadas, em geral, a possibilitar a instituição e
funcionamento dos órgãos constitucionais”. Para Angola: artigos. 135.º nº 3
da LC de 1992, 185.º nº1, 185.º/2, 136.º, nº1, da CRA.
O não cumprimento das imposições estabelecidas pelas normas constitucionais
impositivas traduz-se em omissão inconstitucional (cfr. Artigo 232.º da CRA).

4.1-Classificação de preceitos constitucionais

As normas são o significado dos preceitos normativos pelo que são diferentes entre si. Há
normas fáceis de identificar pois contêm expressões deônticas (sugerem algo: proibido,
obrigatório etc). Por Exemplo: é proibido fumar. Todavia há normas que existem sem
qualquer referência deôntica, ou seja, sem qualquer às expressões operativas nos seus
preceitos, como é o caso de uma determinada conduta em que se faça corresponder uma
determinada consequência jurídica que pode ter várias naturezas (constitucional,
administrativa, civil, penal, laboral etc.).

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No caso da norma constitucional a doutrina tem acrescentado além do elemento deôntico
outros três que tem a ver com a legitimidade, a validade e a eficácia.

Os preceitos podem ter outras funções para além da função imediatamente normativa como
seja a de criação de instituições, definições de competências e estruturação de procedimentos
e processos. Ex: preceitos que se limitam em criar órgãos constitucionais.

As normas compreendem um programa normativo através do qual pretendem captar a


realidade social. Para além disso compreendem a disciplina jurídica desta mesma realidade
social.

“Normas permissivas, prescritivas e proibitivas - consoante facultam,


prescrevem ou vedam determinados actos ou comportamento;

Normas gerais e normas especiais – conforme dispõem para a generalidade


dos casos ou para situações especiais neles contidas;

Normas de direito comum e normas de direito particular – consoante se


destinam à generalidade das pessoas ou a certas categorias de pessoas em
particular;

Normas gerais e normas excepcionais – conforme correspondem a princípios


gerais ou excepções a esses princípios;

Normas substantivas e normas adjectivas – consoante regulam situações,


relações ou instituições sujeitas ao ordenamento jurídico (quase todas as partes
I, II e III da Constituição) ou estabelecem garantias do seu cumprimento ou da
sua efectividade.

Classificações com especialidade no Direito constitucional ou dele


específicas

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“Normas constitucionais de fundo, orgânicas e procedimentais ou de
forma – as primeiras atinentes, sobretudo, às relações entre a sociedade e o
Estado ou o estatuto das pessoas e dos grupos dentro da comunidade política
(assim as normas das partes I e II da Constituição); as segundas, definidoras
dos órgãos do poder, da sua estrutura, da sua competência, da sua articulação
recíproca e do estatuto dos seus titulares); as terceiras, relativas aos actos e
actividades do poder, aos procedimentos ou processos jurídicos de formação e
expressão da vontade – de uma vontade necessariamente normativa e
funcional);

Normas constitucionais preceptivas e normas constitucionais


programáticas – sendo preceptivas as de eficácia incondicionada ou não
dependente de condições institucionais ou de facto e programáticas aquelas
que, dirigidas a certos fins e transformações não só da ordem jurídica mas
também das estruturas sociais ou da realidade constitucional (daí o nome),
implicam uma concretização incindível dessa realidade;

Normas constitucionais exequíveis e não exequíveis por si mesmas – as


primeiras, aplicáveis só por si, sem necessidade de lei que as complemente; as
segundas carecidas de normas legislativas que as tornem plenamente aplicáveis
à suas situações da vida, e esta classificação esta presente no art. 232.º da
CRA;

Normas constitucionais em si e normas sobre normas constitucionais


contendo aquelas uma específica regulamentação constitucional, seja a título
de normas materiais, seja a título de normas de garantia, e reportando-se estas a
outras normas constitucionais para certos efeitos (como art. 235.º e outras
disposições sobre a revisão constitucional ou disposições transitórias)”.

Segundo Jorge Miranda “Todas as normas exequíveis por si mesmas podem


considerar-se preceptivas, mas nem todas normas preceptivas são exequíveis
por si mesmas. Em contrapartida, as normas programáticas são todas (ou quase
todas) não exequíveis por si mesmas. Quer isto dizer que a segunda

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classificação é mais envolvente do que a primeira, por que entre as normas não
exequíveis por si mesmas tanto se encontram normas programáticas .

“(...) as normas preceptivas não exequíveis por si mesmas (postulam) apenas a


intervenção do legislador, actualizando-as ou tornando-as efectivas, e as
normas programáticas (exigem) mais do que isso, (exigem) não só a lei como
(também) providências administrativas e operações materiais. As normas não
exequíveis por si mesmas preceptivas dependem apenas de factores jurídicos e
de decisões políticas; as normas programáticas dependem ainda (e sobretudo)
de factores económicos e sociais”.

Jorge Miranda conclui por três categorias de normas “correspondentes a


sucessivos graus de efectividade (ou eficácia) intrínseca das normas: 1) normas
preceptivas exequíveis por si mesmas; 2) normas preceptivas não exequíveis
por si mesmas; 3) normas programáticas”.

Força jurídica das normas programáticas e das normas não exequíveis por si
mesmas

Aspectos comuns
i. ambas, por constarem da Constituição, devem ser tidas em conta na
interpretação das restantes normas, as quais, sem elas, poderiam ter
alcance diverso;
ii. ambas podem contribuir para a integração de lacunas;
iii. ambas adquirem, complementarmente, um duplo sentido proibitivo ou
negativo – proíbem a emissão de normas legais contrárias e proíbem a
prática de comportamentos que tendam a impedir a produção de actos
por elas impostos; donde inconstitucionalidade material por omissão
em caso de violação;
iv. elas fixam critérios ou directivas para o legislador ordinário nos
domínios sobre que versam – donde inconstitucionalidade material –
por desvio de poder – quando haja afastamento desses critérios;
v. uma vez concretizadas através de normas legais, não podem ser, pura e
simplesmente revogadas, retornando-se à situação anterior.

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Aspectos diversos

Normas preceptivas não exequíveis:


a) elas determinam a cessação da vigência, por inconstitucionalidade
superveniente, das normas legais anteriores que disponham em
sentido contrário,
b) elas obrigam o legislador a editar as necessárias normas legislativas
destinadas a conferir-lhes exequibilidade no prazo que estabeleçam –
donde, inconstitucionalidade por omissão de tal não acontecer.

Normas programáticas:
a) elas determinam igualmente a inconstitucionalidade superveniente
das normas legais anteriores discrepantes, mas na decisão de
inconstitucionalidade haverá de se atender às condições de facto a
partir das quais podem e, por conseguinte, devem receber
exequibilidade, com eventual restrição de efeitos (art. 231.º, n. 4);
b) a inconstitucionalidade por omissão só pode verificar-se a partir dessa
altura.

5-O problema do costume em Constituição formal:

Resulta da posição de Carré de Malberg e Burdeau citados por Jorge Miranda


que o costume possui um relevo bastante secundário no domínio do direito
constitucional: prevalece a normatividade constitucional sobre o costume
(Heller, citado por Miranda). “Tem de se entender que a Constituição abrange,
em primeiro lugar, a Constituição formal escrita e, em segundo lugar, as
normas consuetudinárias, que de diversos modos, a venham completar”.

5.1-Os três tipos de costume constitucional:


costume secundum legem, praeter legem e contra legem

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Costume secundum legem pode resultar de práticas anteriores à lei
constitucional ou de práticas posteriores à lei constitucional. “em períodos de
crise ou de instauração de um novo sistema, não são poucas a regras
constitucionais que carecem de confirmação consuetudinária para se
imporem”, conforme alerta Jorge Miranda.

Costume praeter legem pode resultar da “formação de (...) normas


costumeiras (...) interpretativas e integrativas de preceitos constitucionais
escritos, com função de clarificação, desenvolvimento e adequação às
necessidades de evolução social”. Este tipo de costume constitucional revela-se
mais pronunciadamente em matérias de organização do poder político. Embora
também se revele em matérias de direitos fundamentais e de organização
económica e social.

Costume contra legem ou contra constitutionem: a Constituição formal não


o acolhe, proibindo-o mesmo: “O costume constitucional contra legem
equivale à preterição da constitucionalidade” (Miranda, II, 5.ª edição, 2003:
141). Um costume constitucional contra legem pode afirmar-se de três formas:
primeiro, quando uma fiscalização jurídica ou jurisdicional da
constitucionalidade das leis e dos demais actos do poder não funciona ou
funcionando não é eficaz estancar as práticas inconstitucionais; segundo,
quando os preceitos constitucionais se prestam a dois ou mais sentidos e algum
ou alguns dos seus destinatários lhes dêem um entendimento discrepante do de
outros ou do entendimento mais generalizado, apesar de tudo, na comunidade
política; quando o sistema de fiscalização da constitucionalidade não cubra
todos os actos jurídico-políticos. “Ora tem sido sobretudo no campo dos actos
políticos que se têm criado costumes contra legem”. Mas não apenas. É preciso
ter em conta, no caso concreto de Angola, que a constitucionalização de todo o
direito (positivo e consuetudinário/costumeiro) consagrado no artigo 7.º da
CRA veio doptar a questão de particular acuidade, na medida em que o
costume passa a ser fonte directa de direito ao ver reconhecida a sua força
jurídica mas, entretanto, a sua validade depende da sua conformidade com a

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CRA não podendo, concomitantemente, atentar contra a dignidade da pessoa
humana.

5.2- Gravidade e publicidade do modo de formação do costume


constitucional:

1. “A origem do costume não se coloca na comunidade, mas sim no sistema


de órgãos de poder;
2. Uma posição quase sempre passiva da comunidade (salvo, em democracia,
a contestação pelos cidadãos no exercício das suas liberdades e dos seus
direitos políticos);
3. O número restrito de intervenientes na sua formação – os órgãos (ou os
titulares dos órgãos) de poder e, às vezes, até um só órgão;
4. O número não necessariamente elevado de comportamentos, positivos ou
negativos, tendentes à relevância jurídica da prática; o que importa é o
significado político-constitucional que ela assume;
5. Um decurso de tempo menor do que no costume em geral”.

6-Figuras afins do costume constitucional: praxes, precedentes e


convenções constitucionais

“As praxes são usos (...) a que falta a convicção de obrigatoriedade (o


elemento psicológico do costume)”.

“As praxes constitucionais são meros usos constitucionais, meras normas


práticas ou de correcção, observadas geralmente nas relações entre órgãos
políticos ou entre elementos que compõem esses órgãos”.

“Os precedentes (não jurisprudenciais) correspondem a decisões políticas,


através das quais os órgãos do poder manifestam o modo como assumem as
respectivas competências em face de outros órgãos ou de outras entidades”.

Convenções constitucionais

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“As chamadas convenções constitucionais, oriundas dos ordenamentos anglo-
saxónicos, consistem em acordos, implícitos, entre várias forças políticas,
sobre o comportamento a adoptar para se dar execução ou actuação a
determinadas normas constitucionais, legislativas ou regimentais (...) não
criam originariamente normas jurídicas”.

“Nos sistemas de matriz francesa, as convenções não parece que sejam mais do
que usos, embora (como o nome indica) revestindo a feição mais complexa de
acordos ou consensos, explícitos ou implícitos, entre os protagonistas da vida
política constitucional. Já nos sistemas de matriz britânica (e, porventura, no
norte-americano), dir-se-ia situarem-se a nível diferente: ou a meio caminho
andado entre usos e costume, ou como expressão de uma juridicidade não
formal e específica (sem justicialidade e sem outras sanções além das da
responsabilidade política) ou como ordem normativa sui generis irredutível às
categorias habitualmente estudadas”.

Jurisprudência constitucional

Pode surgir costume jurisprudencial constitucional a partir de uma


interpretação ou de uma integração feita pelos tribunais (v. Miranda, II,
5.edição, 2003: 150). Porém, Canotilho (2003: 864) entende “que a questão de
saber se o uso duradouro, pelos tribunais, de certos precedentes judiciários,
constitui um direito de juiz (Richterrecht), reconduzível a um direito
constitucional consuetudinário de base jurisprudencial, deve merecer resposta
negativa (...) Estes precedentes só virão a ter importância decisiva quanto à
declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral (art. 21/2),
pois serão os precedentes jurisprudenciais do Tribunal Constitucional que o
deverão levar a declarar a inconstitucionalidade de uma norma (cfr. Art. 231
nºs 2 e 3 da CRA e artigo 16.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional
LOTC)”.

Gomes Canotilho defende que “Ao admitir-se um direito constitucional não


escrito, no qual se integre o direito consuetudinário, este apenas poderá ser um
costume secundum constitutionem (...) Ao costume de ser atribuída uma

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função de integração e complementação do direito constitucional. Neste
sentido, o costume deve ainda inserir-se no programa da norma constitucional,
de forma a poder considerar-se que, através da articulação do direito formal
constitucional com regras materiais consuetudinárias, se contribui para o
desenvolvimento da constituição.

Bibliografia

-Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,7.ª edição.

-Jónatas Machado, Paulo Nogueira e Esteves Hilário, Coimbra Editora, 2ª


Edição.

-Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 5.ª Edição.

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