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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – PPGD
Disciplina: História da Cultura Jurídica
Professor: Arno Dal-Ri Jr.
Aluno: Ricardo Ávila Abraham

SANTI, Romano. O Ordenamento Jurídico. Tradução de Arno Dal Ri Júnior.


Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008.

As concepções de direito em sentido objetivo frequentemente o retratam


meramente como regra de conduta. A distinção entre as concepções se dá, de forma
limitada, pela diferença entre as normas jurídicas e as demais normas. Esse modo de
definição do direito é insuficiente – apesar de não ser de todo incorreto – e precisa ser
superado na medida em que outras características mais importantes (principalmente pré-
jurídicas) devem ilustrar a definição de direito. O estabelecimento dessa premissa, que dá
início à obra, demonstra com nítida clareza, na construção dissertativa peculiar do autor,
o caráter de ruptura em relação ao entendimento formalista.
É comum o questionamento acerca da falta de clareza do conceito de direito.
Tal definição, entretanto, é fundamental para as disciplinas mais complexas. As
definições de direito existentes partiram do direito privado e se capilarizaram para campos
do direito público e para a filosofia do direito. Nesse ínterim, conceitos deslocados para
outros campos de direito se tornam insatisfatórios. Com efeito, o direito privado é uma
especificação do direito público, razão por que se depreende que os elementos do conceito
geral de direito devem ser mais comuns no direito público. Sob outro prisma, é comum,
ao menos por parte dos juízes, que o direito seja encarado como uma criação dos tribunais.
É necessária, diante deste nebuloso cenário, uma definição geral do direito mais completa.
Romano expõe com destaque que deve ser levado em consideração o fato de
direito não é apenas um aglomerado de normas, mas sim um conjunto materialmente
agrupado, conforme seu objeto comum. Portanto, para se compreender, é preciso antes
definir o que é esse conceito unitário de normas,
Apesar de corrente a ideia de que ordenamento jurídico não pode ser
considerado um amontoado – mas uma unidade – de normas, não se discute o que
constitui essa unidade. As consequências lógicas do entendimento comum não exploram
a conceituação de direito, e essa desmistificação pode ser reveladora.
O significado espontâneo de ordenamento jurídico se revela da seguinte
forma: quando imaginados direitos internos de Estados, não se pensa apenas em um
conjunto de normas positivadas, mas em algo vivo e animado: pensa-se nos mecanismos,
na produção e na aplicação do direito, bem como nas relações de autoridade e força
envolvidas. As normas são mais o objeto e meio de atividade do ordenamento jurídico do
que propriamente um elemento de sua estrutura. Este singelo capítulo revela a sofisticação
do argumento antiformalista. Muito além de se trabalhar com a ideia de ordenamento
jurídico entendido como mais amplo do que um simples conjunto de regras, a
exemplificação utilizada pelo autor (mecanismos de funcionamento, produção do direito,
aplicação prática) demonstra com clareza a teoria que se desvela durante toda a obra.
A corrente contrária à romanista prega que o direito se diferencia de outras
normas por causa de sua pretensa formalidade. Isso deveria ser questionado, porque a
discussão já parte de fora da norma e envolve apenas seu invólucro. Nessa concepção
limitada, direito se perfaz não como norma material, mas como algo reveste a norma. O
antiformalismo de Romano se pauta no institucionalismo. A robustez do argumento
romaniano, entretanto, reside no rechaço teórico – lastreado em discussão estritamente
jurídica – das balizas que sustentam o formalismo, a começar pelas características
construídas por esta corrente.
Duas características constantemente usadas para definir forma são
objetividade do direito e sanção jurídica1. No que se refere à objetividade do direito,
numa concepção muito mais ampla do que a formalista, aduz Santi Romano que o direito
é extraído de normas contidas na consciência dos que as observam, normas estas dotadas
de existência própria e autônoma. Os indivíduos se enxergam como associados2, todavia,
em casos de divergência, é necessária a intervenção de uma consciência superior que os
unifique: essa é a missão do direito. Tal ideia impõe que direito não é apenas a norma
posta, mas a entidade que a põe. A questão da objetividade do direito está ligada a
momento anterior à emanação da regra. A objetividade do direito não pode ser encarada
com relação à escrita (historicamente, são vários os ordenamentos jurídicos que não são
escritos), mas sim à impessoalidade de quem a elabora e fixa. A objetividade do

1
A partir deste ponto, o autor passa a desconstruir de forma minuciosa as características entendidas como
intrínsecas ao conceito de formalidade, o qual é, na corrente formalista, inerente à norma jurídica.
2
Tal assertiva dá ares de contratualismo.
ordenamento jurídico, portanto, parte de um momento anterior à formulação da norma, a
qual é apenas parte daquele.
Já no que toca à sanção, referente a um caráter obrigatório da norma, também
há elementos nebulosos que nos dão a conclusão, em última análise, de que a sanção não
é elemento necessário da norma jurídica – encarado este na concepção antiformalista.
Depreende-se dessas conclusões um nítido problema de ordem semântica.
Portanto, teria que ser substituído o termo ordenamento por qualquer outro que não
trouxesse a ideia de norma. Tal substituição, entretanto, tiraria todo o sentido da expressão
ordenamento jurídico na concepção romaniana.
O conceito de direito para Santi Romano leva alguns fatores essenciais em
consideração: a ideia de sociedade enquanto unidade efetivamente constituída (classe ou
estamento); a ideia de ordem social, enquanto corolário do fator anteriormente citado; e
a ideia de organização, estrutura. Portanto, o ordenamento jurídico é uma instituição e
vice-versa: os termos são correspondentes, se não sinônimos. Direito é um ordenamento,
uma instituição, e também preceitos agrupados de forma eminentemente institucional3 -
e não jurídica.
Instituição não tem relação apenas com a ideia de pessoa jurídica, mas com
um conceito mais profundo, afinal, pessoa jurídica provém de uma organização com fins
sociais – neste sentido se manifesta Maurice Hauriou. Nessa concepção, as instituições
sociais (diferente de instituições inertes e alheias a este estudo) são uma realidade
autônoma, diferente dos indivíduos que as compõem, e não perfectibilizada numa
pretensa soma de vontades individuais. Hauriou conceitua instituição de forma ampla,
que ultrapassa a noção limitada de personalidade jurídica. Santi Romano, entretanto, vai
ainda mais longe, vai além das instituições corporativas de Hauriou, que alcançaram
certo grau de aperfeiçoamento, e vai além necessidade de organização em forma
constitucional e representativa4. Neste ponto, Santi Romano expressamente insere as
instituições de Hauriou numa moldura estatal, que encara o Estado como a maior das
instituições.
A instituição romaniana é um corpo social com existência objetiva e concreta,
que se manifesta por si só e não por individualidades dos seus componentes, razão por

3
A reiterada alusão à ideia de instituição, para além de referendar o antiformalismo do autor e esboçar o
rechaço à centralidade do Estado na produção do direito, demonstra a premissa teórica no institucionalismo
de Hauriou.
que pode ser examinada em si mesma, fechada e permanente, e suscetível de renovações
que não lhe retiram a identidade própria.
A essência de uma instituição é a organização. A instituição, na ampla
conceituação romaniana, é a primeira manifestação do direito; um sistema, uma estrutura,
um edifício, tal qual o Estado, que é a maior das instituições.
Uma força social e organizada se transforma em direito. Mesmo que seja
usada contra outra Constituição (ou até mesmo contra o Estado), não se perde o caráter
de direito – mesmo uma organização criminosa –5, pelo fato de reger-se e disciplinar-se
pelos próprios meios. O que define a juridicidade é a unidade de uma instituição e não
uma mera formalidade indiferente quanto ao conteúdo. As sociedades primitivas não
tinham o direito confundido com o costume, mas, de fato, tinham o direito pautado no
costume. Ninguém ousaria dizer, por exemplo, que a common law não se constitui direito.
O direito, portanto, é o princípio vital de toda instituição. Dessa premissa,
algumas questões recorrentes tornam-se inócuas, por exemplo: o direito é anterior ao
Estado? O direito existe fora do Estado, dentro organizações sociais que, sim, são
notadamente instituições anteriores ao Estado. O Estado não nasce para dizer o direito,
mas nasce do próprio direito, do ordenamento jurídico que o constitui e se coloca como
pressuposto para que almeje seus fins, sejam quais forem.
O aspecto fundamental do direito, portanto, não são as normas, mas a
instituição em que ele se concretiza. O Estado, por exemplo, nasce vivo e vital para que,
em seguida, sejam criadas as normas. É necessária a existência, a priori, da organização
para seja considerada jurídica a norma, mesmo que a instituição não seja estatal.
Desenvolvido o raciocínio até aqui, urge elucidar a questão do direito
internacional. Partindo da premissa de que a realidade deve ser subordinada ao conceito,
e não vice-versa, questiona-se se a ordem jurídica internacional pode ser ou não uma
instituição. Apesar de vozes e contrário, a igualdade entre os Estados não parece
empecilho, mas justamente uma característica da organização internacional – inobstante
a inexistência de personalidade jurídica –, a qual se configura a partir do momento em
que acordos entre Estados vinculam os membros, ainda que esta grande organização não
conte com órgãos, tal qual no direito interno dos Estados propriamente ditos. A corrente
que enxerga o direito internacional apenas nos acordos, tratados ou costumes é limitada.
Tal qual o direito estatal nasce com o surgimento dos Estados, o direito internacional

5
Neste ponto encontra-se o ápice da discordância conceitual em relação a Kelsen.
nasce com a comunidade dos Estados. Assim como o direito estatal, o direito
internacional se afirma primeiro como instituição. A formação de uma comunidade
internacional precede às normas internacionais de direito, as quais, por sua vez, podem
alterar as características primitivas da comunidade. A possibilidade do uso da força contra
um Estado violador nas normas internacionais, por exemplo, não nasceu de acordos, nem
de costume: é um princípio inerente à organização e posteriormente positivado. O direito
internacional é imanente à organização social dos Estados, muito mais do que um
conjunto normativo posterior. Nessa esteira, existem organizações de Estados das mais
diversas origens. A concepção de uma organização geral, que compreenda todos, é
abstração.
A instituição é equivalente ao ordenamento jurídico e não se resume a
relações jurídicas; é pré-ordenada em relação a elas, necessária para a existência delas. A
instituição é uma unidade, ao passo que as relações são pluralidade. As relações, pura e
simplesmente, não conduzem a uma instituição. Duas pessoas a se relacionar per si não
são automaticamente uma instituição, no entanto, ao formarem família, formam também
uma sociedade conjugal: instituição. Diferentes relações de família, por sua vez, formam
diferentes instituições. Um instituição reflete a estabilidade de um ente, ao passo que uma
relação, a priori, não cumpre tal premissa e só pode considerar-se instituição caso os
membros liguem-se de maneira orgânica.
A relação entre pessoas e coisas, outrossim, pode caracterizar uma instituição.
Rei e reino, unidos, a constituem. Ainda que o monarca esteja acima da lei, das terras e
dos súditos, ele não está acima – mas constitui – o Estado6: a concepção do Estado como
objeto não se perfaz na realidade. As pessoas relacionadas a coisas podem formar
pequenas instituições sobre as quais um indivíduo, sozinho, pode exercer domínio. Tais
instituições, tais quais as empresas, submetem-se às leis do Estado, contudo, seu caráter
advém de sua própria estrutura e seu direito interno.
Uma pessoa física ou uma relação jurídica não são, necessariamente, uma
instituição. Uma pessoa jurídica, sim. Seu próprio ordenamento jurídico, interno, é o
substrato de sua personalidade – e não um ordenamento alheio que lhe diga respeito, tal
qual um emanado pelo Estado –, ex.: no Brasil, o estatuto (e não o Código Civil) de uma
associação.

6
Tal posicionamento parece complexo de ser concebido nos regimes absolutistas em que o monarca se
proclama como o próprio Estado – e não uma parte, ainda que mais importante, deste.
A potestade do Estado nasce junto com este, uma vez que o Estado e o
ordenamento jurídico estatal são o mesmo fenômeno, assim como ocorre com qualquer
instituição.
Não se pode identificar o direito objetivo com normas, tampouco limitá-lo à
regulação de relações entre sujeitos. Normas que regulem a relação do Estado com seus
órgãos, por exemplo, não perdem o caráter jurídico pelo singelo fato de não regularem,
diretamente, a relação de pessoas. Direito não é norma de relações, mas organização.
As relações jurídicas não pressupõem relações entre duas (ou mais) pessoas.
O direito real, por exemplo, se perfectibiliza entre a pessoa e a coisa, e não apenas quando
envolve (normalmente em tons de sanção) mais de uma pessoa. Da mesma forma, a
potestade do Estado, bem como a relação entre monarca e súditos, são o próprio
ordenamento jurídico.
O direito tem que ser encarado no reflexo entre instituição e ordenamento
jurídico. A grande sacada do autor é considerar a instituição a partir de perspectiva
estritamente jurídica, enquanto ordenamento jurídico e sistema de direito objetivo. A
partir daí, necessariamente o conceito de direito objetivo não é apenas um conjunto de
normas, mas este é uma parte daquele. Além disso, o direito não se resume às normas que
estabelecem relações: o direito constitucional contempla a estrutura e funções do Estado;
o direito administrativo estabelece a organização de entes.
Da premissa de que uma instituição é seu ordenamento jurídico, é perceptível
a existência de múltiplos exemplos de instituições ligadas entre si. Ainda que contrárias
ao Estado, portanto, instituições alheias não podem ser consideradas antijurídicas.
A concepção que atrela direito ao Estado é recente, ainda que na Antiguidade
o ordenamento jurídico objeto de estudo fosse o estatal (ius civile x ius gentium). Na Idade
Média, entretanto, a diversificação da sociedade levou necessariamente à pluralidade de
ordenamentos jurídicos. O direito canônico não era direito estatal. Com a imersão dos
Estados Modernos, enfim, foi novamente “unificado o ordenamento jurídico” e pôde-se
desenvolver com facilidade a teoria que atrela necessariamente direito ao Estado. Isso se
coaduna com o direito natural na medida em que as organizações sociais não refletem a
ideia de justiça metafísica: o direito positivo reflete o direito natural e só pode ser posto
pelo Estado. O desenvolvimento da teoria de Santi Romano, contudo, demonstra que o
Estado está contido no direito, e não o contrário.
A teoria que enxerga o direito apenas no âmago do Estado não pode prescindir
do conceito de Estado moderno. No entanto, o Estado moderno não é necessário para se
que façam valer as demais organizações sociais.
Um exemplo claro de tal assertiva é o direito internacional. Para Hegel, o
Estado não se submete a nenhuma vontade, razão por que o direito internacional seria a
vontade particular de cada Estado. Para Romano, tal aferição é a negação do direito
internacional. Para o autor, em momentos diferentes, o direito internacional, inicialmente,
depende da vontade dos Estado; ato contínuo, essa vontade se impõe. As comunidades
em que os Estados passam a fazer parte são as maiores organizações sociais.
Outro exemplo do autor é a Igreja Católica. Essa também não se reduz ao
Estado. Determinados momentos históricos, os ordenamentos eclesiásticos foram
premissa para o restante do direito, ainda que com certa resistência, a qual,
despudoramente, classificava como não jurídicos os sistemas de direito matrimonial,
penal e processual canônicos, bem como seus tribunais e organização interna, pelo fato
de, alheios ao direito estatal, serem aplicáveis apenas a eclesiásticos. Não se pode
conceber, para justificar o caráter jurídico da Igreja, que encare-se esta como subordinada
ao Estado. Isso violaria dogma fundamental de não submissão, bem como as premissas
de um Estado laico. Com efeito, o ordenamento da Igreja e o ordenamento que o Estado
faz para a Igreja são distintos e autônomos. O Estado pode permitir casamento entre
clérigos enquanto a Igreja proíbe.
Um terceiro exemplo são as organizações sociais ilícitas. Pela sua
organização interna e seu ordenamento jurídico, são jurídicas. Sua fraqueza ou ameaça
perante o Estado são alheias à citada concepção jurídica.
O quarto exemplo são as entidades reguladas pelo Estado com ordenamentos
próprios e não reconhecidos. Um exemplo contemporâneo é a organização social do
cárcere, de caráter disciplinar; os presos, nada obstante reverentes à Lei de Execução
Penal, submetem-se a regras internas não reconhecidas, referentes a questões de higiene,
questões éticas (delações, contato com agentes de segurança) etc.
Vozes dissonantes à aceitação do último exemplo recorrem a argumentos
extrajurídicos (ética e moral) para não reconhecer caráter jurídico em tais instituições, o
que se mostra notadamente insuficiente.
O autor traça uma classificação entre as instituições. As originárias são
independentes, ao passo que as derivadas são juridicamente ordenadas por outras - a
posição intermediária (ordenamento em parte originário e em parte derivado) também é
possível. Instituições com fins particulares são limitadas, ao passo que instituições com
fins gerais são ilimitadas. Há ainda as instituições simples e complexas (instituições de
instituições) e instituições perfeitas e imperfeitas.
Tais considerações acima formuladas prestam-se a diferenciar a relevância na
comparação entre ordenamentos, traduzindo-se tal relevância como a existência,
conteúdo ou eficácia de uma instituição condicionada a outra.
Configurada a hipótese acima, tem-se que possibilidade de subordinação ou
inferioridade de um ordenamento em relação a outro (exemplos: órgãos públicos e
Estados; direito doméstico e direito internacional). Nos casos em que um ordenamento é
pressuposto para o outro, tem-se como exemplo um Estado federal para com os estados-
membros. Na análise de dois Estados em relação com o direito internacional, tem-se
respectivamente duas relações de dependência recíprocas. Há, ainda, o caso do direito
internacional em que os Estados-membros subordinam-se por vontade própria, em seu
ordenamento, a uma ordem internacional. Por fim pode haver a inserção de um
ordenamento em outro, alterando a substância deste último.
Em análise pormenorizada às questões de relevância acima elencadas, deduz-
se que a existência de um ordenamento só depende de outro em casos de subordinação ou
supremacia – a autonomia limitada de municípios, por exemplo, é atribuída ao estado. A
elasticidade de tal autonomia, ainda nos casos de supremacia ou subordinação, percebe-
se na relação entre estados-membros de um Estado Federal: em caso de extrapolação do
poder de estados-membros, suas normas podem ser consideradas inválidas, mas seu
ordenamento jurídico é invariavelmente existente. O campo de validade só se ativa nos
casos em que ambos os ordenamentos prevejam.
Também na análise de relevância, nasce a possibilidade de que um
ordenamento pressuponha a existência do outro, tal qual se vê entre o direito internacional
para com o direito estatal: não há relação de poder, nem se pode afirmar que um é fonte
do outro. Com efeito, um ordenamento estatal pode ser, em parte, divergente a uma
sociedade de Estados; não se pode aceitar, porém, que o seja em relação às regras da
sociedade de Estados a qual compõe.
Na análise de conteúdo, urge a hipótese de ordenamento superior como fonte
(ou não) de ordenamento inferiores. O Estado determina – é fonte, portanto – o
ordenamento dos municípios, ao passo que o direito internacional, ainda que superior,
não determina os ordenamentos dos Estados-membros, os quais são independentes e
originários.
Outra hipótese relevante é a influência de um ordenamento superior sobre
outros a ele submetidos, mas independentes, tal qual ocorre entre o direito internacional
e os Estados-membros.
A terceira hipótese relevante é o caso do ordenamento que determina seu
próprio conteúdo com base em outro ordenamento a ela submetido ou dele independente.
Um exemplo é a Igreja quando passa a integrar leis civis em seu ordenamento – isso
ocorreu quando determinou, em determinados casos, a aplicação subsdiária do ius civile
do direito romano. Também nesses moldes o direito do estado reconhece os efeitos civis
ao casamento religioso.
A última hipótese é a de incorporação de um ordenamento a outro. Tal caso
se dá em uniões de territórios, populações, patrimônios ou até mesmo na anexação de um
Estado a outro.
É de se firmar, ainda, a análise da eficácia na interação de ordenamentos. Em
casos de superioridade/subordinação, a subordinação completa dá ao ordenamento
superior controle total sobre a eficácia do ordenamento inferior, enquanto a subordinação
parcial é de evidente complexidade que não merece grandes minúcias no presente estudo.
Em casos de ordenamentos independentes, pode-se usar o exemplo do matrimônio
eclesiástico, o qual pode, somado a caracteres de direito estatal, gerar efeitos civis. Nos
casos em que um ordenamento pressupõe o outro, o que se dá nos casos em que um
Estado-membro de organização internacional torna-se signatário de tratado oriundo dessa
instituição superior. Por fim, nos casos de incorporação de ordenamentos, é possível a
emanação de efeitos da organização extinta, como ocorre no caso da anexação de um
Estado por outro.
A relevância de um ordenamento jurídico para outro pode ser parcial ou
completa, no que se dá, respectivamente, entre Estados e direito internacional e entre
municípios e Estados.
Na outra face da moeda, são notáveis e merecem igual atenção os casos em
que um ordenamento apresenta-se irrelevante para outro.
No caso da irrelevância, pode-se analisar a questão sobre outro prisma. Um
ordenamento jurídico de organização criminosa, por exemplo, pode ser irrelevante para o
ordenamento jurídico do Estado, todavia, sob outros aspectos, tem notável relevância.
Existem os casos em que a irrelevância é total, tanto enquanto ordenamento
quanto como qualquer efeito de sua existência, tal qual a Igreja Católica em relação a
aspectos desconectados de seus fins religiosos.
Não se pode macular o campo de existência de um ordenamento pelo fato de
não ser reconhecido pelo Estado. Um ordenamento jurídico pode declarar-se limitado
para certas matérias, desde que não sejam atinentes aos seus fins.
Os ordenamentos internos diante do ordenamento de outros instituições que
os compreendem ocorrem nos casos de escolas, museus e outras organizações estatais
perante o próprio ordenamento estatal. Cada uma das instituições menores é um
ordenamento jurídico, os quais são parte do ordenamento estatal que os compreende.

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