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COLECÇÃO OUTRAS OBRAS
OUTRAS OBRAS DESTA COLECÇÃO
VEGA
Gabinete de Edições
Rua João Saraiva, 36, 3.0
1700 LISBOA - Te1ef. 809579
AQUILINO RIBEIRO
PÁGINAS DO EXÍLIO
CARTAS E CRÓNICAS DE PARIS
PÁGINAS DO EXfLIO
CARTAS E CRÓNICAS DE PARIS
Autor: Aquilino Ribeiro
Colecção: Outras Obras
Recolha de textos e organização, assim como Cr.onologia Sumária
da História da França e de Portugal de 1885 a 1934
e fndice Onomástico e Notas Adicionais de Jorge Reis
Ilustrações de Leal da Câmara
© Vega e Jorge Reis
PÁGINAS DO EXÍLIO
Cartas e Crónicas de Paris
2.0 Volume
de 1927 a 1930
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JUSTUM ET TENACEM
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Frequento a sua Obra há mais de trinta anos; tive o privilégio de
receber algumas cartas e de, cavaqueando, o acompanhar pelas ruas do
Quartier Latin . . . Só agora, mercê da conferência que me foi proporcionada
na Biblioteca Nacional de Lisboa, aquando do Centenário do seu nasci
mento, e do bosquejo que dela tirei para, de maneira anónima em acata
mento às condições do concurso, o submeter ao júri da Associação
Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro (A Q UILINO
EM PA RIS, Ed. Vega), me dei conta do IDEÁRIO do autor de A CA SA
GRA NDE DE R OMA RIGÃES! Sancta simplicitas/
A modos de desculpa, direi que nunca tive perante os trabalhos do
Mestre a atitude lúcida do cientista: com a mala do regresso debaixo da
cama, a curtir saudades e, sobretudo, a alimentar quimeras mais especiosas
que as gárgulas da Notre-Dame ( - " O Jorge quando voltar a Portugal, vai
ter muitas desilusões . . . " - prevenia-me Maria Lamas num tom de voz tão
repassado de tristeza que eu o atribuía às suas próprias condições de exílio
realmente dolorosas), eu estava unicamente preocupado em captar-lhe a
lição da língua e as críticas e rompantes contra as parvo içadas nacionais, -
que me deliciavam, a m im, enxovedo de um vilafranquismo atoleimado,
porque as tomava como ferroadas no coiro do salazarismo. . . A árvore
encobria-me a floresta do "Reino Cadaveroso" e só por um triz não passei à
desbanda do verdadeiro A quilin o !
Dizer que ele me honrou c o m preciosas horas de conversa e que -
quem o poder4 atestar? - talvez esperasse que lhe fizesse a pergunta essen;.
cial do nosso encontro: - "Mestre, como consegue viver em Portugal?
III
Mas eu sabia lá! Estava a mil léguas de formular uma tal interroga
ção porque só agora o seu IDEÁRIO adquiriu, para mim, a devida ni
tidez. Nesses anos, eu podia lá imaginar que o GIGA NTE - rodeado
pela família, pelos amigos, pelos admiradores - tivesse horas de dolo
rosa melancolia e de inquietação: "E se o Manuel Jardim falava acertado,
quando me dizia que Portugal é um trágico suicídio histórico?". . . "E se o
Unamuno não generalizou quando pretendeu que somos um povo de
suicidas?". . .
Ah, se eu tivesse sabido esquadrinhar com inteligência a riquíssima
Caverna de Ali-Babá que é a sua Obra!. . .
* *
IV
mingua a noção do objectivo, não há arte, não há literatura, não há moral
científica"(. . . ) "Nós temos muitos doutores, muitos literatos, muitos confe
rentes, mas ai!". . . de nenhum deles pinga "verdadeira luz".
Em 1960, depois de ter colocado "bombas da Rua do Carrião" em
quase todos os seus livros, debruçou-se sobre "As razões de ser do escritor"
(ín A Q UILINO RIBEIR O, de Manuel Mendes) e declarou: "Nunca soube
o que era servidão aos preconceitos, ao poder, às classes, nem mesmo ao
gosto do público" (. . .) "Em todos os meus livros, se pode verificar mais ou
menos esta rebeldia de carácter" (. . . ) "Cumpri o dever contraído para
comigo mesmo desde que aprendi a pensar. Estive também na primeira
linha da barricada. O homem de letras é um interventor no mundo, não
deixando por isso de fazer arte". . .
Levou, pois, a vida a tocar o sino a rebate a fim de alertar as "consciên
cias livres" contra a (ainda hoje persistente) estrambótica mania das grande
zas pátrias. Poucos lhe deram ouvidos. Quanto a mim, ignorante da sua
juventude, não discerni que, para ele, o salazarismo não era mais do que um
momento do grande desastre nacional, - e o que éfacto é que, catorze anos
depois do fascismo ter (oficialmente) acabado, nos vemos a braços com um
País tomado de febrão de patrioteirismo parolo (perdoe-se-me o pleo
nasmo), que se manifesta em discursatas e homenagens a Camões, a Fer
nando Pessoa (dá a ideia que o 25 de Abril foi feito expressamente para
desagravar o poeta da Mensagem . . .), a mais este e mais aquele, até ao
Bartolomeu Dias! E cabe perguntar: mas estes "padecentes do passado"
que, para entrarem (de rastos) na "Comunidade ECONÓ MICA Europeia",
andam por aí a brincar ao trapo-queimado com o "Portugal não é um país
pequeno" do António Ferro traduzido em portugasileiro, ignoram que a
"Expansão Ultramarina" dos "Heróis do Mar/ Nobre Povo/ Nação Valente
e Imortal" com que nos moem o bichinho do ouvido, foi considerada, nos
tempos do Integralismo triunfante, como uma simples aventura de piratas e
de cand ongueiros por A quilino ? O mesmo se passa, de resto, nos domínios
do cinema e da Literatura. Consta-me ser voz corrente em certos meios de
Portugal que a Literatura que hoje se faz no nosso "pátio das letras" é das
primeiras - senão a PRIMEIRA - deste desditoso Mundo de Cristo. Não
tenho competência e ignoro, por exemplo, o gaélico ou o lapão para me
pronunciar sobre a documentação de que tais arautos dispõem, e longe de
mim a ideia de azebrar tão rutilantes louros. É muito possível que a litera
tura portuguesa dos nossos dias seja, de facto, a melhor do mundo, se bem
que os pilriteiros do nosso quintalório não possam oferecer-nos senão pilri-
v
tos. Mas, se a Virgem se deu ao trabalho de descer dos céus, em 1917, para
vir palestrar com três fedelhos ainda meio-bichos, no sertão da Cova da
Iria, por que carga de água as sardinhas assadas da Feira Popular de Lisboa
não hão-de ganhar fama de tamboril ou de pescada do azi'o só porque fo
ram à lota de Francoforte? É tudo uma questão de crença e, sobretudo,
do "descarado heroísmo de afirmar", com o disse o honesto Eça de Queiroz
em 1887, isto é: há mais de um século ! Ah, se os "intelectuais encartados"
não fizessem olhos cegos a duas linhas de uma Cró nica da Quinzena, publi
cada na IL US TRA ÇÃO de 1 6 de Maio de 1928, escritas por um autêntico
PR OSA D OR que, de 43 anos de idade, já dera ao seu País milhares de
páginas do mais vero casticismo, e lessem, mesmo soletrando: "Olhemos
para o umbigo, mas sem cansar a vista,· tiremos a ideia que é o centro ou
devia ser o centro da gravitação universal!". . .
*
* *
Como foi, pois possível que um tal A RTIS TA tenha suportado (sem se
contaminar) "a maneira que os portugueses tê em de estar no mundo"; tenha
conseguido viver numa "terreola que os líteras e quejandos, gregos e troia
nos, nacionalistas de rabo alçado, pretendem estolidamente que é a pri
meira do universo e que, em vez de ser uma PÁ TRIA é uma TRIPA ?'' ( * )
Um país.- com o lhe dissera Leal da Câmara com amargura depois de três
anos e meio de estada em Lisboa - onde "não há lugar para artistas" e, de
modo geral, para todos aqueles que passaram uns tempos em Paris?. . .
"Libertário Republicano" dos quatro costados, lúcida e exclusiva
mente enternecido pela "natureza e o camponês que, no fundo, não fazem
mais do que um: terra", manteve-se sempre na primeira linha da barricada,
justum et tenacem, "dobrado sobre a banca de escritor" (o seu espólio daria
trabalho por largos meses a um mosteiro de beneditinos!), recusando-se
com aferro a não considerar a Soutosa como um Vale de Lobos ou um
quarto de hotel de Bougie, - e quando lhe sucedia abeirar-se do poço das
horas vagas, recuava para se refugiar sob o alpendre a fim de carpintejar
umas tábuas, ou na cozinha onde (quiçá guiado por súbitas e imperecíveis
saudades da lâmpada de álcool do Bairro Latino) se entregava à confecção
(*) Ver "LEAL D A CÂMARA" de Aquilino Ribeiro e "Aquilino em Paris", de Jorge Reis
Ed. VEGA, Lisboa, página 112.
VI
de um prato com os mimos da horta e da capoeira . . . Para um ourives da
palavra escrita, há lá melhor recreação do que afagar a madeira que acaba
de ser aplainada ou seguir, com todos os sentidos espevitados, o apurar do
pitéu com que vai regalar a família e os amigos e o seu próprio palato de
gourmet, - que só é alcançado "por aqueles que passaram alguns dias
sem comer, para não dizer que tiveram fome?!". . .
Se um moço estudioso condescender em dar fé ao que escrevo, apro
veite estas Páginas do Exílio e as OBRA S COMPLETA S. . . (de Hilário
Barrelas) para decantar o IDEÁ RIO de Aquilino Ribeiro: não enxergo ta
refa mais empolgante para um jovem INTELECTUAL que a de oferecer
tal análise de um ESPÍRITO LI VRE a um povo que, arrebanhado por
mais que suspeitos pastores, anda por aí aos baldões sem lobrigar o que lhe
reserva o dia de amanhã e que carece, como de pão para a boca, de Mestres
de Pensamento I
Em conclusão, segundo a boa maneira latina,
Vale/
JORGE R EIS
Paris, Março de 1988
VII
SEGUNDO EXÍLIO
1927-1928
Colabora em O S ÉCULO
e na ILUSTRAÇ Ã O
OI.Jlza OOVEJa:i2
�Ui!l�\S:�I
MARIANA, à jovem República. - Filha, se quiseres que te amem sempre, faz o possível por nao envelhecer! ...
Mantém-te eternamente jovem ! ...
A DEMOCRACIA FRANCESA
9
literária e filosófica, ficou a amadurecer, a engrossar, bastando-lhe ter,
como premissa, o factor moral, tão grato ao entendimento, da igualização
humana, para captar as massas.
A hora crítica para a democracia francesa deve ter passado. Partindo
simultaneamente de sentidos sociais opostos, os ataques dos adversários
neutralizaram-se, sem que ela sofresse grave dano. Em verdade, o socia
lismo avançado, postando-se em pé de guerra para co m a República bur
guesa, não perdeu nunca de vista que nos nacionalistas conservadores, a
Millerand, e nos nacionalistas radicais, a Maurras, tinha os seus inimigos
natos. Talvez que estas pequenas e ruidosas patuleias aj udassem a quebrar a
primeira ofensiva comunista. Salta, porém, à evidência que foram ·os ele
mentos para lá da fronteira esquerda da República, que fizeram baquear
todos aqueles que preconizavam uma ordem nova, baseada no poder pes
soal e no arbítrio. A República, embora tivesse arcadura para resistir aos
ataques conjugados da reacção, pode dizer que assistiu impassível a este
quebrar de lanças.
Evidentemente que não é legítimo ir buscar, apenas, à neutralização de
forças contrárias a razão deste equilíbrio admirável das instituições republi
canas em França. Seria supor que estas se mantêm estáticas, e com certeza
que o regime mais realista, mais sufragado pelo povo, mais solidamente
estabelecido, que viesse a cristalizar, a deter-se ne varietur, ao cabo de
alguns anos tinha cavado o seu precipício. Não reconhecer às instituições
políticas a necessidade de se aperfeiçoarem e quivale ria a supô-las fórmulas
abstractas, providenciais, alheias ao movimento e curso das coisas. O pró
prio carácter de uma democracia está na sua maleabilidade, renovamento e
ilimitada adaptação à vida objectiva.
Mas em França existe o factor democrático; existe um extenso e inde
fectível lastro democrático. A ideia democrática em França não corres
ponde, apenas, a um preconcebimento de ordem moral, um "dever ser"
místico, ou ainda, a uma reivindicação da humanidade. Não; está ligada
a exigências profundas da consciência, adaptada, incorporada na vida
corrente.
Inegável é que para os teóricos da democracia, esta é o coroamento da
longa evolução histórica que vem do século XI, com a emancipação das
comunas, até à afirmativa republicana do século XIX. Seria este um argu
mento incontroverso da estabilidade das instituições democráticas, se esti
vesse demonstrada a ideia de um progresso humano, contínuo, ou, ainda, a
lei de uma evolução universal, rectilínea, à maneira spenceriana Mas, se o
curso das coisas faz crer, antes, na ideia de uma "evolução criadora" no
sentido bergsoniano, com recuos, avanços, sobressaltos e pausas; não é
imediatamente evidente que esta fixação da igualdade contra a aristocracia,
do sistema constitucional contra o sistema absoluto, sej a de índole inabalá
vel e irremovível. Portanto não será o regime democrático um acidente do
10
determinismo histórico, mas, antes, um estado social, voluntário, envol
vendo o consenso da maioria e apresentando garantias sérias de equilíbrio e
duração.
De facto, o regime democrático em França corresponde a um conjunto
de dados, fixados a posteriori, e de leis, tidas definitivamente como verda
deiras, para que seja a mais normal e em harmonia com a psicologia e
tendências do francês.
Em primeiro lugar, o francês da maioria é um cidadão comedido e
cómodo, incapaz de compreender e muito menos de aceitar que um sistema
político se proponha uniformizar as condições humanas. Para ele quem diz
sociedade, diz organização, diz hierarquia; quem diz hierarquia diz desi
gualdade. Por aqui é anticomunista.
Em segundo lugar, o francês, à custa de dolorosas experiências, criou
-se uma noção de liberdade, da qual não é fácil demovê-lo. O dogma de
um, a tutela discricionária, a imposição, repugnam ao seu temperamento.
Aceita de boamente, a autoridade que fortalece o indivíduo, mas não o
escraviza; estima a solidariedade social, sempre que represente um exalta
mento, e não uma sufocação, da sua pessoa; curva-se à tradição, como luz
que se projecta da retaguarda sobre o seu caminho, mas não como um
altar de adoração perpétua. P or aqui, é anticesarista e antimonárquico.
Depois, o francês é eminentemente social, e a ele cabe, como a ninguém, a
definição que Aristóteles deu d o homem: animal pol í ti c o Co m o tal, apraz
.
-lhe este princ í pio basila r d as democracias: o concu rso act ivo e siste mático
dos governados à obra gove r n a m e ntal, o direito d e dizer a s u a última
palavra nos negócios públicos. Com as modalidades que vai revestindo a
vida em França, cada vez mais colectiva, com a tendência à descentraliza
ção dos organismos administrativos, com o desenvolvimento de corpora
ções médias, espécies de vasos .intermediários entre o Estado e o indivíduo,
aquele direito dia a dia se torna mais extenso e efectivo. Acrescente-se que o
francês é avesso ao estado de exaltação e à simplicidade geométrica, pró
prias da ideologia cesarista; que é muito prudente para se lançar em aventu
ras temerárias; que é o mais conformista dos habitantes da terra, e ter-se-á a
suma de qualidades ou defeitos sobre que repousa o sólido edifício da
democracia francesa.
O SÉCULO, 3-5-1927
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POLÍTICA RELIGIOSA
EM FRAN ÇA
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A ction Françoise, que, imprevistamente, após o consistório de Dezem
bro, se viu fulminado pelo Papa e a sua obra e a sua gazeta postas no Index.
O caso passava do domínio especulativo para o domínio prático,
complicando-se consideravelmente. A excomunhão fora motivada pela ati
tude facciosa do j ornal, as críticas amargas a Pio XI, o orgulho imoderado
de levar a discussão para o terreno dos princípios, colocando-se no mesmo
plano que o vigário de Cristo. A A ction Françoise, longe de escutar a
advertência, persistiu naquela atitude que os teólogos cominam de diabó
lica, defendendo a sua boa-fé e o direito da divisa: politique d'abord. Foi
então que o episcopado saiu a barra com uma declaração explicativa, onde
as doutrinas de Maurras eram examinadas e justificada a medida da Santa
Sé. Segundo esse documento, a condenação da A ction Françoise é justa,
porque esta escola reconhece por mentores homens que, mercê dos seus
escritos, estão em contradição com a fé e moral católica, e ainda porque
assenta em erros fundamentais dos quais resulta o que o Sumo Pontífice
chamou sistema religioso moral e social, inconciliável com o dogma e a
moral. Professam, além disso, os chefes desta escola um nacionalismo inte
gral, que, no fundo, não é mais que uma concepção pagã do Estado, onde a
Igrej a só tem lugar como sustentáculo da ·ordem e não como organismo
divino, independente, encarregado de dirigir as almas para um fim sobrena
tural. Deixam, assim, no escuro, um lado inteiro da moral católica, precisa
mente aquele em que reside o seu aspecto benéfico, doçura, caridade,
moderação, beneficência, apostolado dos humildes, virtudes estas a que
não aludem sequer. A mocidade, orientada nestes princípios, visiona um
método de acção que não o católico e a máxima inaceitável "Política pri
meiro que tudo" condu-la para objectivos distantes do ideal religioso. Esta
actividade, que devia ser prudentemente encaminhada, os pensadores da
A ction Françoise educam-na de modo a realizar "por todos os meios", uma
obra política. Por todos os meios!, fórmula que a mor:al reprova, quando
expressa sem nenhuma restrição, inadmissível para a consciência cristã.
Pretender que o Papa exorbitou das suas atribuições é dar prova de igno
rância ou, por espírito de faccionismo, não ligar crédito às consultas irrisó
rias de teólogos anónimos. E bispos franceses receiam afirmar; protestar
contra a condenação infligida pelo Papa ou recusar submeter-se a ela, e
insurgir-se abertamente contra o exercício legítimo da soberania e do Pontí
fice Romano. Poder-se-ia acreditar que tudo o que se move contra a A ction
Françoise se move contra a França? P oderiam permitir que, por interesse
político, um grupo qualquer açambarcasse o patriotismo em seu proveito e
o negasse aos bispos franceses e aos católicos de França, fiéis à obediência
que devem ao Papa? Não; não há conflito entre a submissão à Igrej a e o
dever patriótico. Dizer, como já alguém ousou, que no caso presente a
submissão ao Papa equivaleria a um parricídio para com a França é um
erro e uma injúria; e igualmente uma culpável manobra.
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E o episcopado terminava a sua circular dizendo que "não seria possí
vel dissociar, sem causar dano a uma e a outra, a Igreja romana e a pátria
fra ncesa".
A este libelo respondeu a Action Françoise, salt ando a pés juntos sobre
a decisão papal, e, reivindicando, numa linguagem cada vez mais peremptória
e palpitante de rebeld ia, a liberdade no campo político. E a questão está
neste pé: de um lado o arraial da A ction Françoise, com tudo o que há de
mais activo e mais ardoroso no campo católico, compreendendo a moci
dade das escolas; do outro, os fiéis sequazes de Roma com o alto clero, o
professorado e todos aqueles que pactuam com a República. Chegar-se-á
ao cisma caracterizado, ressurgindo do combate dos dois absolutismos um
novo janse nismo?
Há quem veja na condenação da A ction Françoise um dos actos de um
longo e concertado plano que Roma se propõe realizar. Esse plano consisti
ria em ser útil à Alemanha, abatendo a facção que tem no seu programa este
princípio: "Só nos convém, a nós franceses, uma Alemanha pobre, esfran
galhada e anárquica. Todo o nosso sentido político se deve aplicar em
fazer-lhe o mais mal possível." Destroçando esta falange chauvinista e
implacável, ficaria desobstruído, sobremaneira, o caminho para uni enten
dimento entre a França e a Alemanha, e daí possível a uma unificação desta
com a Á ustria. O Vaticano, pela sua política, teria conquistado os países de
raça germânica ao catolicismo. Os que assim raciocinam apresentam como
argumento o facto da Concordata que está em estudo entre o Reich e a
Santa Sé.
O Vaticano, dando o golpe de morte nos piores inimigos da República,
conciliaria, outrossim, as boas graças do regime e particularmente dos seus
homens mais representativos, como Briand, enxovalhado, denegrido, tra
tado a ferro e fogo pela A ction Françoise. Sem a hostilidade da República,
o Vaticano criaria em França um grande partido católico, que não tardaria
em ser senhor do Poder. A República entraria, de resto, desde já, na via das
concessões, permitindo o regresso dos congreganistas.
Em apoio desta hipótese, cita-se a atitude de muitos socialistas e repu
blicanos, para quem as medidas de excepção votadas em 1 90 I e 1 904 estão
em formal contradição com os princípios hoje professados, da democracia;
citam-se as relações de simpatia entre Briand e os representantes do
papado; certos documentos interceptados; a linguagem de manifestos,
como este dos A ntigos combatentes religiosos.
" . . . Se Combes voltasse, Brisson, Waldeck-Rousseau e todos os que
votaram as "leis infames" verificariam a falência dessas leis e o germinal
prodigioso de mosteiros na terra que julgavam para sempre purgada do
"escalracho" religioso. Como a cortiça que parece desaparecer no redemoi
nho e que, instantes depois, reaparece na crista das ondas, teriam que
confessar que o frade é insubmersível. As vítimas de 1 90 1 vivem ainda; as de
15
1 904, no dia em que decidirem reocupar o lugar de que foram expulsas,
volverão a continuar a lição interrompida há vinte anos. A obra nefasta do
combismo está aniquilada e a experiência religiosa destes dois últimos anos
ensinou aos católicos como se alcança a vitória."
Despertou, sem dúvida, nos horizontes da política republicana, o pen
samento de restituir a Congregação à sua jurisprudência antiga. Com isso
comprou Briand a seus pares a condenação da A ction Françoise, dizem os
inimigos da esquerda: o pretexto de que é violenta e ímpia não passa de
hipocrisia. Porque não condenou o Vaticano o Fascismo, cem vezes mais
violento e criminoso? Não, a intervenção da Santa Sé contra a A ction
Françoise é pura manigância política detrás da qual não é difícil descortinar
o móbil dominador da Igreja.
O SÉCULO, 17-5-1927
16
HORA DE LINDBERG
17
Que vai fazer o doido voador de todo este capital? A esta hora, nem ele
sabe. Por agora, contentou-se em tirar dele as centenas de francos necessá
rias para comprar um fato e sapatos de cidade, envergonhado como parecia
no terno que lhe emprestou o embaixador. Amanhã montará provavel
mente com o dinheiro o Spirit St-Louis, uma fábrica de aeroplanos de
bombardeamento. É assim a vida!_
Raciocinando pausadamente, afigura-se-me legítimo perguntar se toda
esta algazarra, todo este galardão não são exorbitados e destemperados.
Vejamos-, acima de tudo, que arriscou ele? A vida. Mas a vida arrisca-a
muita gente, todos os dias, deliberadamente, e, na maioria dos casos, nin
guém liga atenção ao sacrifício. Arrisca-se por uma bagatela, por galanta
ria, por dever ou profissão e até por uma vontade consciente e facultativa de
fazer o bem. Os tempos de hoje estão cheios destes heroísmos anónimos,
que não transpiram para as gazetas. Em j ogar a vida, Lindberg não fez mais
que centenas, milhares de homens do vasto mundo por cada hora que
passa. Depois, este Galaaz do ar não tem outros ligamentos fortes à existên
cia que não sej am viver a vida por si. Não é pouco, com certeza, maior,
porém, seria essa força, em que vem quebrar-se o espírito da aventura, se a
sua acção estivesse subordinada à existência de outros seres, filhos a que é
preciso ainda dar o pão de cada dia, uma mulher muito amada ou a que o
braço do homem é esteio indispensável. O aviador, neste particular, é autó
nomo. A mãe é uma sadia e diligente senhora, segura da sua independência,
mercê da profissão que exerce, e decerto com pé.- de- meia para a velhi
ce, como boa americana que é. O desafio à morte representa, pois, para
Lindberg um passo de responsabilidade unipessoal, mais nada.
Praticou uma esplêndida proeza? Incontestavelmente. Mas não foi
menos garbo�o o mágico que foi ao povo, o trepador que _ficou a trinta
metros do cume do Himalaia, Peniel d'Oisy, quando há pouco foi pousar
num voo inquebrantável, cerca do Afeganistão. Em matéria de alta galhar
dia, o homem moderno deixa a perder de vista os demiurgos de H omero.
Realizou descoberta ou feito assinalado no domínio da ciência? De
modo algum. Atribuem-lhe o sentido da direcção para explicar este salto
transoceânico de 6000 quilómetros, sem outro aparelho que o compasso
magnético e cartas ao milionésimo. Ao contrário de Nungesser e Coli, não
transportava na carlinga esses instrumentos aperfeiçoados de aeronáutica,
mediante os quais será amanhã uma realidade o voo por cima dos mares.
Sob esse ponto de vista, a sua façanha é menos interessante que a de Gago
Coutinho e Sacadura Cabral ou que a desse Zepelin que partiu de Berlim e
aportou, nos Estados Unidos, ao "hangar" que lhe estava destinado, tão
cientificamente exacto como um navio da H amburg-Amerika-Line. Muniu
-se apenas de uma agulha de marear, que, por muito bem compensada que
seja, deixa em branco uma larga margem à estimativa, que é, como quem
diz, à sorte. Oa navegantes do século XVI, ainda- andavam a palpar o
18
mundo, já levavam o astrolábio. Por este lado, o voo de Lindberg remonta
muito além do tempo das caravelas. E tanto é assim que não é intento seu
regressar à sua terra pela via dos ares. Em iguais condições, ninguém apa
rece a repetir o cometimento. Antes de o ver pousar nos arrabaldes de Paris,
os práticos sorriam. Só a multidão dava o seu consenso ao doido voador. A
ciência nada ficou a dever, por conseguinte, a Lindberg. Supondo que sou
homem para arriscar os meus capitais em empresas desta envergadura ou
que sou apenas, um espírito especulativo, fiquei sabendo que houve um
motor de tal marca que aguenta trinta e seis horas no ar sem um desfaleci
mento nem uma quebra. Mas tal facto não me garante que posso ir amanhã
à América, em igual espaço de tempo, se assim me der a gana. Só um
concurso de circunstâncias, provável, mas muito hipoteticamente fortuito,
me permitiria realizar tal capricho ou necessidade.
Não bati palmas, portanto, porque se me depare a certeza de poder ir à
América em trinta e seis horas. Que me entusiasmou, até me virem quase as
lágrimas aos olhos, e a muita gente como eu, neste voo inaudito? O maravi
lhoso que encerra, o lindo conto de fadas de Lindberg nos veio contar.
Porque ao seu voo de Nova Iorque a Paris faltou lógica, realidade científica e
lhe falta lendemain ; porque a sua intrepidez, a sua adolescência, o seu
desprezo da vida, a força do seu braço e a rijeza do seu ânimo raramente se
encontram associados; porque a fortuna o bafej ou como só nos tempos
homéricos aos homens filhos de deuses, aplaudimos e toda a nossa alma de
criaturas prosaicas, dobradas cada uma sobre o seu duro problema, se
encheu de assombro.
Se, friamente, nos puséssemos a comparar Lindberg com os heróis da
antiguidade, loucos como ele e mais desinteressados, o aviador ficaria dimi
nuído. Mas nós temos ali em carne e osso, palpável, o príncipe legendário,
enchendo as gazetas com a sua pessoa, arrastando multidões inteiras atrás
dos seus passos, e os outros são cinza sepulcral ao vento ou imaginação
pura. A humanidade, como grande criança, dorida e febril, estes rasgos de
maravilhosos são calmantes clareiras em que lhe é permitido adormecer dos
enovelados pesadelos da existência. É-lhe agradável sonhar, sonhar para lá
do verosímil e do contingente; e mais agradável ainda sentir que o sonho é
vida e realidade.
O SÉCULO, 30-5-1927
19
LUTA DE CLASSES
E DE PARTIDOS
21
cara, em especial contra a possível intervenção francesa nos negócios da
China e da Rússia.
Ao mesmo tempo lançam uma subscrição pública, que caminha para
os 200 000 francos, e, não descurando o xadrez eleitoral, arrancam no
Aube, contra toda a expectativa, um sufrágio avassalador. Dias antes,
tinham levado a manifestar junto do Muro dos Federados uma multidão
imponente, que deu que reflectir à imprensa conservadora.
Que prognóstico é legítimo fazer acerca deste conflito entre comu
nismo revolucionário e democracia republicana? Como observador impar
cial, permitimo-nos supor que nada de grave, nem mesmo de ponderoso,
deva de ser registado, durante estes tempos mais próximos, nos anais da
política francesa.
Certo que o comunismo é uma força organizada, sucessora em linha
recta do Partido S ocialista U nificado tão temeroso e compacto antes de
1 9 1 4. A morte de Jaurés, as vicissitudes inerentes à guerra, alteraram-lhe
profundamente a estrutura, fragmentando-o.
O comunismo foi a corrente que lhe soube herdar a doutrina e os
objectivos. Foi ele que lhe tomou conta da carcassa, a restaurou, a calafetou
de modo a singrar nas águas da política mais turvadas que nunca depois da
guerra. Ligou-se a Moscovo, é facto, e por aqui ofereceu flanco aos adver
sários. Mas o sovíetismo em si, considerado como regime nacional na
Rússia, não ofende, parece-me bem, o francês. O francês, conservador por
índole, assiste com notável indiferença a estas mutações do cenário político
nos outros países; o francês é um senhor de princípios, até o limite sensato,
mas na sua terra. Desde que o novo estatuto deste ou daquele país não
co i�da com os seus interesses ou não represente para ele uma ameaça, fecha
os olhos. Ora, o bolchevismo tem graves pecados contra o sentimento e
interesse franceses. Além de pactuar com o inimigo em plena guerra - e
não é a ocasião de investigar se levado a isso por motivos de força maior -
negou-se a prestar contas das dívidas contraídas no tempo do czar.
O défaitisme entrou para a rubrica das águas passadas, mas o dinheiro
desfalcado ao honesto e minucioso "pé-de-meia" continua a roer a consciên
cia francesa. Daqui, o ódio figadal ao bolchevista.
Que os sequazes de Lenine arruinem o poderio inglês na Ásia, que
tenham despedaçado um trono, que tenham subvertido a ordem das classes,
que sejam, ainda, um fermento de dissociação na Europa capitalista e
burguesa, é o menos. A França, pelo sistema como está organizada a pro
priedade, repartida a riqueza pública, pelo carácter dos seus habitantes, tão
sabiamente rotineiro, pelo próprio antídoto das doutrinas reaccionárias,
tão agitadas no último decénio, numa palavra, pelo somatório de virtudes
ou defeitos que constituem o terrapleno da sua democracia, está vacinada
contra o bolchevismo. Poderá ser amanhã uma realidade na Alemanha ou
na Inglaterra, será ainda uma hipótese em França. A mediocridade da vi-
22
da em que se compraz a maioria dos seus habitantes torna-a imune ao peri
goso vírus; o· que não perdoa aos "sovietes" é terem-na defraudado na
sua épargne.
Escrevia um economista que o francês é visceralmente épicier. Como
bom merceeiro, não transige mais com o cliente que uma vez o caloteou. Se
puder, endivida-se para levar o indelicado à cadeia. Assim procedeu a
França, financiando a contra-revolução dos Vrangel e Koltschak.
O comunismo francês não renegou as doutrinas de Moscovo, que eram
mutatis mutandis, letra expressa no programa do Partido S ocialista U nifi
cado, seu ascendente. Renegá-las seria votar a sua falência. Por aqui, acar
retou a aversão e as iras dos elementos conservadores de França.
Constituirá o comunismo, pela sua acção nos meios operários da
cidade e do campo, um perigo que urge conjurar? Em verdade, em França,
há classes e, como tal, há luta de classes. Quem levanta a bandeira das suas
reivindicações é o comunismo; quem prega a guerra ao espírito militar, é
ele; quem combate a aventura colonial é ele; quem aguenta a alta de salários
é ainda e sempre ele. Os socialistas, esses são mansos cordeiros, com a
fronte voltada para o redil do Poder. Incómodos, só os comunistas, em
realidade. Comprimido entre forças opostas, estas de revolução, os outros
Maurras, Valois, Taitinger, de reacção, o governo dá mostras de cansaço e
de nervosidade. Sarraut comina e os comunistas respoondem: "Se têm for
ças, esmaguem-nos !" Os tribunais condenam Daudet a prisão e este bla
sona: "Venham prender-me! " Afirma o comunismo: "Caminhamos para a
Revolução social"; em Barbentane e todos os dias, na gazeta, o naciona
lismo integralista anuncia: "O regresso do príncipe está próximo."
Entre estes j ogadores do cabo, a democracia está de perfeita saúde,
mas a vida governamental é árdua e desassossegada. Daí a ofensiva: a um
lado, sinuosa e astuta, a outro, febril e violenta.
Alegam os comunistas que o fito do governo, lançando-se de cabeça
contra eles, e mascarada a votação da lei militar é dar uma ajuda ao
ministério conservador inglês para sair do mau passo que deu cortando com
os "sovietes". Acrescentam ainda que mais tem em vista criar no eleitora
do um estado de espírito desfavorável ao comunista. Assim será. Quanto a
este presumível objectivo, permito-me registar a opinião que ouvi a um
concierge, rei de Paris e cacique nas suas horas:
- Perseguem o s comunistas! . . . Olhe, são pouco mais que vinte deputa
dos; nas próximas eleições serão cinquenta. O povo de França, meu caro
senhor, é frondeur.
O SÉCULO, 14-6-1927
23
A CRISE DA LITERATURA
25
pela força, pela fortuna ou pela audácia, e nisso dá provas de um bom senso
digno de ser celebrado pela cartilha do abade de S alamonde, no capítulo
dos deveres sociais. A glória, a que uns emprestam corpo e encantos de huri
e outros pintam como caveira embonecada de ouropéis, a glória quer-se
com esses mocetões desempenados, ignorantes, como reis de armas, rijos
como búfalos que j ogam o tout pour le tout. O paciente trabalho do génio
que, apenas, da inteligência já não deslumbra ninguém. Não nos engane
mos; não são os tempos bárbaros que voltam; são outros tempos que vêm.
Melhores? Piores? A humanidade vai seguindo cega o seu caminho, sem
saber para onde vai. Quem poderá dizer que o homem de hoje é mais feliz
que o contemporâneo de César? E que o operário, no regime das oito horas
de trabalho, é menos escravo que um escravo de Roma? Nada escapa à lei
da relatividade, e na evolução das coisas, valores se subvertem e valores
novos se levantam. O livro - é observar as luxuosas produções da livraria
francesa e alemã - vai deixando de ser um manjar para o espírito para se
tornar um objecto de mobiliário, uma linda e fútil bugiganga decorativa. E,
a manter-se este culto imoderado pelo feito de natureza muscular, há-de
acabar por ser uma demonstração de idiotia específica, contra seu autor,
incluindo aqueles a que a nossa mentalidade de hoje chama "honrosas
excepções".
A carreira literária exige um espírito de sacrifício, uma abnegação,
uma demora que não são compatíveis com a nossa época, explosiva a
conceber e a realizar. Da guerra até à data muitos têm ficado pelo caminho,
que é como quem diz, tem mudado de ofício. Alguns, em virtude da veloci
dade adquirida, oragos com capelania própria, levam ainda a vida rodeada.
São os Bourget, os Bordeaux. Os outros vegetam. A ciência e a indústria,
invadindo o terreno da imaginação, tem-lhes roubado a clientela. Lê-se a
gazeta, não se lê o livro. Ouve-se o haut-parleur, não se lê o guia; escuta-se a
conferência no auscultador da rádio-telefonia, não se lê na revista; vê-se
desenrolar a fita cinematográfica, não se lê a novela. É mais rápida a
apreensão cerebral desta forma e menos esforçada. E - aqui está o para
doxo - ninguém se importa de avaliar o esforço que cada um despende
para poder entregar-se a este menor esforço. Transitória ou perduravel
mente, o escritor é vítima desta americanização da vida. Já na Conferência
Internacional do Trabalho, há dias realizada em Genebra, um delegado
filantropo ergueu a voz a interceder pelos trabalhadores intelectuais. Em
verdade, será ele um obreiro necessário na cidade que se ergue? Se lhe
suceder como ao escriba no Renascimento que morreu de morte macaca
debaixo dos prelos, terá em grande parte a sorte que merece. O mundo de
hoje criou-o esse escritor, que está vendo o seu prestígio quebrado. Pedra a
pedra, ele, mais que ninguém, construiu os alicerces da casa nova. Exaltou,
fomentou o culto da acção em prejuízo do culto do espírito, denegriu a sua
própria obra, conspurcou aberrantemente a sua pena e o dom puro do
26
entendimento. Cavava a ruína da inteligência, mas há nada mais egoísta
que um escritor dentro da sua obra, entregue à sua ânsia de arte e de
originalidade?
O que poderá manter-se à tona desta sociedade, cada vez mais mecâ
nica e febril, é o escritor oficial. Este que é um baluarte da boa ética, fixe em
matéria de pátria, de religião, de política que decanta as virtudes ambientes
do burguês, do banqueiro, do comerciante, que detesta Caliban apenas
porque veste de Cândido, este resiste à avalanche. Constituirá, com leves
alterações, uma geração de novos Tolentinos, a mesa posta das Democra
cias. Os salões, as academias, os cenáculos, de tempos a tempos, como
alpista aos canários, lhes distribuirão as migalhas do açafate. E salvar-se-á
desta forma, a honra literária do nosso século !
Pois a Academia Francesa laureou agora vários nomes por certo cons
pícuos, mas ignorados do público. Quem sej am, não sei eu dizer. Mas, sem
dúvida, que são todos partidários da ordem e devotos das virtudes ances
trais. O primeiro prémio foi conferido ao conde de Pesquidoux, senhor de
grandes terras de vinha e seara no pays d'Armagnac. Foram mais premia
das sete o bras de história eclesiástica ou religiosa, cinco de contextura
patriótica, duas consagradas à arqueologia, e ainda duas de título incolor.
Quase todas, por conseguinte, obras de proveito e exemplo.
M as não admira tal critério na distinção. A Academia Francesa é um
areópago de letras sãs e morigeradas. Entrou para lá Richepin depois de
muito bater no peito o· penitetme . Admitiu-se lá Anatole com toda a
sua irreverência, com todo o seu demonismo, porque excluído seria
embarretarem-se os ilustres imortais com orelhas de onagro. Mas da justa
craveira são os René Bazin e Louis Bertrand. Como estes, com a crise
presente, vão escasseando, abrem-se as portas da casa de Richelieu a ge
nerais e altas dignidades eclesiásticas. Porventura, acabarão por ter aí
ingresso os Charpentier, as Miles Lenglen, os Charlots. Está no espírito da
época: não ofende ninguém. É , aliás, a maneira segura de haver ali um
secretário perpétuo, recepção solene às quintas-feiras e os alfaiates conti
nuarem a cortar uma indumentária que, em esplendor, rivaliza com a dos
marqueses du Roi Solei/.
O SÉCULO, 27-6-1927
27
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CONSAGRA ÇÃO DA LOUCURA
29
de Renoir e de Monet. Picasso perfilhava a teoria futurista, quanto à anu
lação dos preceitos estabelecidos, entronizando o cubo como elemento por
excelência da expressão em arte. Como era singular, chocante, pretensa
mente científica, a nova concepção teve a fortuna qe reunir muitos rapins e
amassadores de greda, relegando os futuristas ao segundo plano da aura
pública. Em realidade, as duas escolas irmanavam-se e pareciam-se como
dois ovos de uma mesma lagartixa. Ambas professavam o mesmo desprezo
profundo pelas noções de natureza técnica, adquiridas em séculos de arte;
ambas realizavam os mesmos prodígios quebra-cabeças só interpretáveis à
luz da hermenêutica individual; não pretendiam como os impressionistas,
baseados na teoria da luz e do ar livre, que não existe cor local, mas que
toda e qualquer cor pode traduzir, com igual propriedade um mesmo
objecto. Linhas, volumes, perspectivas, quebravam o caixilho em que a
geometria parecia tê-las encerrado, de acordo com as leis do bom senso,
para fabularem interpretações fantásticas, de movimento, de apreensão
visual, até de interacção de ideias. Abolido o desenho, a cromática e, pode
dizer-se, as três dimensões, futurismo e cubismo tiveram o condão de se
duzir todos aqueles para quem a arte é um duro e inglorioso calvário.
Traziam-lhes a alforria das escolas e academias, libertavam-nos de toda a
sintaxe, davam ao diabo o bom gosto e o sentido das proporções, acabavam
com o desenho - esse dente de cão das belas-artes. Eram como o cristia
nismo que vinha emancipar os escravos numa Roma convencional e despó
tica. Tudo podia ser pintor e escultor, com tintas, pincéis e barro, como
toda a gente podia ser músico com uma pianola em casa. Os pobres rapins,
os pobres amassadores de greda eram, de facto, tocadores de pianola.
Alguns eram-no convictamente e punham toda a alma nas locubrações
infantis que trà ziam a lume; outros, arteiramente, visavam apenas, ao êxito
ruidoso de curiosidade ou ainda de mofa com que eram coroadas as mais
exóticas e abracadabrantes exibições. Na sua bandeira havia uma divisa
grata às pessoas que não gostam de chá fervido: ser original. Em verdade, as
artes a corrompiam no mais completo marasmo; o estilo, em que o estado e
a gente de bom-tom cristalizara o seu gosto, era o pompier: uns iam ao
passado e pintavam, sem nenhum respeito para com a época, com os pincéis
de Velasquez ou de Franz H alls, outros remontavam mais longe ainda e
tentavam-se pelo egípcio, o bisantino, e tutti quanti. Futuristas e cubistas,
esses pressupunham-se artistas do seu tempo, e· conhecedores da física, da
mecânica e psicologia modernas, sentindo e traduzindo um comboio lan
çado em bólide através da noite escura; interpretando um cérebro moderno,
cheio de números, de desej os, de minhocas: procurando a dinâmica das
coisas no seu plano primário. E foi a loucura acabada e a anarquia nos
arraiais da arte.
Mas a epidemia grassara com muita intensidade para não contagiar o
público. O marchand entreviu o negócio e tratou de explorá-lo. Ofuscados,
30
os milionários da América deixaram-se captar pela arte audaciosa, pregada
por teóricos de verbo embaídos; e compraram metros e metros de tela para
forrar determinados metros de parede; o burguês, das Europas, por seu
lado, acabou, também, por desdenhar da mercadoria bota-de-elástico, com re
ceio de não ser moderno, e na galeria de bonecos pendurou o mamarracho
cubista. Em 1 920, o terceiro andar do palácio do Kronprinz, ,eni Berlim,
convertido em museu, abarrotava de pinturas e estatuária cubista e futu
rista. Não se sabe do galardão material que tiraram desta indústria todos
os seus inventores. Picasso, segundo é corrente, possui Rolls- Royce e um
palácio para o Bosque de Bolonha.
A esta hora, futurismo e cubismo morreram no domínio da arte pura.
Voltam a raiar os ídolos antigos e a dar leis as academias. Os rapins e
amassadores de greda regressaram ao desespero e sacrifício ingente de cria
dores. Mas perderam os dois estilos apocalípticos, explorados pela indús
tria de arte e arquitectura de bazar e bo1te de nuit. Os estabelecimentos que,
dia a dia, vão abrindo na parte nova do Boulevard H aussmann, ostentam a
fachada mais ortodoxamente cubista; cubista é a grande marquise das Gale
rias Lafayette; nos cafés, o pincel futurista fartou-se de pintar o mono. E,
no Salão dos Artistas decoradores, joalharia, vidraria, marcenaria lançam
-se afoitamente nos trilhos lançados pelos t e míveis inovadores.
É a grande moda comercial; tem o encanto da novidade; amanhã
aparecerá aos olhos cansados de a ver, como uma aberração do gosto na
hora de desvario que vamos atravessando.
O SÉCULO, 27-6-1927
31
A ABADIA DE S. DENIS
S. Denis está deserto. Baixam ali as aves migratórias. Cresce erva nos
altares despedaçados - assim exclamava Chateaubriand com aquele ênfase
e exagero românticos, perante os quais o mundo se embasbacava. Em
verdade da sumptuosa abadia, considerada como "hospedaria dos papas"
tantos pontífices ali buscaram asilo, pouco mais resta que a catedral. Os
antigos aposentos reais e o claustro foram adaptados a internatos de meni
nas, filhas dos oficiais superiores, membros da Legião de H onra, uma
espécie de Odivelas, em que só falta a cela da madre Paula, pois que a
comunidade era de freiras de S . Bento. E a catedral, tida como metropoli
tana das igrejas de França, primogénita da de Reims, se a erva não cresce de
cima das aras partidas, as cem e uma sepulturas de outros tantos reis e
rainhas que, no transcurso de mil anos, reinaram em França, estão vazias, e
não são mais que espécies de museu. Bandos de misses esgrouviadas passam
por entre elas, do brando um breve instante a cabeça, atrás de um guarda
que, em voz matraqueada, repete a lengalenga:
- Voilà, mesdames et messieurs, /e tombeau de Louis XII, mort en
1513, et d'Anne de Bretagne, son épouse, morte en 1914. En haut, les statues
du roi et de la reine "en altitude de prier", en bas "en altitude de mort".
Remarquez dans les arcades les douze apôtres, traités avec une admirable
variété: aux quatre coins, les vertus cardinales assises: la Justice (l'épée a
disparu), la Force tenan t une colonne entre ses bras, la Tempérance et la
Prudence dont /e miroir a disparu. Maintenant, mesdames et messieurs . . .
E d e todos aqueles t úmulos, finamente lavrados, das estátuas j acentes,
que representam o defunto adormecido, mas com os olhos abertos, signifi
cando a esperança de que gozem da luz perpétua, voltados a Oriente, pois
33
que um dia novo sol se erguerá sobre as cinzas confiadas à terra, não
dimana o sentimento que se está folheando a história de França, nem se
exala um sopro melancólico de morte. Tudo aquilo revestiu um aspecto
objectivo, baedecker e nem a luz coada pelos vitrais, acariciando e envol
vendo a penumbra veludosa, nem a unção mística do gótico, conseguem
arrastar o espírito para lá das simples curiosidades. Encerra mais mistério a
rude "terra santa", da aldeia; e se é inútil procurar ali a noção do nada
humano, a própria frialdade da pedra parece arrefecer nossos olhos para
lhe sentir a magnificência e beleza. O terrível prosaísmo de hoje, a obra de
série, o convencional de tudo aquilo seca nossas almas para a emoção e é
com indiferença que se passa diante da coluna de Francisco II, obra de
Primatício, com os três génios, de Germano Pilon, ao entablamento, em
cuj o cimo um vaso de prata guardava o coração do rei; diante da rainha
Berta, dos pés grandes, mãe de Carlos Magno, deitada ao lado de Pepino, o
Breve; de Ermentruda, primeira mulher do imperador Carlos, o Calvo, que
ali elegeu campa e doou à abadia, entre outros objectos raros, um prego do
santo lenho, um espinho da Coroa do Senhor, e a lanterna de Judas, em
cristal de rocha; de tantos príncipes merovíngios de longa cabeleira; de
Fredegonda, filha de Chilperico, desenhada sobre a estela a mosaico de
mármore e fio de cobre. Lá está a auriflana, que, segundo a legenda, um
anj o troux era do Céu para o baptismo de Clóvis I, atrás da qual os franceses
se lançavam à batalha, gritando: montjoie-Saint-Denys. É vermelha, estre
lada de rosas, esquartelada pela cruz branca dos cruzados, com o crisma de
Constantino a servir-lhe de timbre. Mas ninguém dirá, já ninguém diz que
aquele estofo de seda é o mesmo que pairou sobre a vitória de Bouvines !
Aos emblemas a ntigos, o cardeal Amette acrescentou a imagem do Sagrado
Coração de Jesus, e parece novo, em folha, um estandarte das Filhas de
Maria.
No coro pequeno, chamado confession de Saint-Denis, em que um
altar gizado por Violet- Le-Duc veio substituir a mesa de mármore preto,
cravejada de pedras preciosas, sobre que estadeavam os três célebres relicá
rios de Santo Elói, há uma outra atmosfera, sente-se, pela primeira vez,
uma dolente atmosfera do passado. Ali descansava, a partir do século
XVII, o ataúde real quarenta dias, antes de ser inumado na cripta; ali,
quarenta dias e quarenta noites, sem interrupção, lhe rezavam as diferentes
ordens o ofício de corpo presente. A pompa com que era conduzido à
abadia rivalizava com a da sagração de Reims. O cortej o fazia o trajecto de
Paris a Saint-Denis, de noite, à luz dos archotes, e nele formavam, precedi
dos pelos arautos de todas as honras de França e vinte e quatro porteiros da
capital, trajados de roxo ou preto, as ordens monásticas, co nfrarias, fidal
gos da casa real, grandes do reino, príncipes de sangue, parlamento com
suas togas vermelhas, o Chatelet, etc. O féretro vinha a braços dos han
nouars ou briseurs de sei, tão envoltos pela tapeçaria negra que escorria do
34
cai�ão por cima deles que se lhes não via os pés. Atrás marchava a cavalo o
arcebispo de Paris; ladeando o cortejo, a guarda suíça e francesa.
Saía a receber o real defunto o prior dos beneditinos com toda a
comunidade; revestida de alba e casula de veludo preto. E aos acentos do
Libera-me era depositado no coro pequeno, em celário ordenado de vés
pera. Ao cabo de quarenta dias de câmara ardente, era finalmente descido
ao carneiro, com um cerimonial todo idade média. Ao chegarem à porta de
bronze, de três chaves, depois da pazada de terra simbólica, uma voz lúgu•
bre saía de dentro. Era um rei de armas que chamava os arautos, um por
um. E, um por um, os arautos vinham, despiam as cotas de armas, traziam
os esporins, os guantes, o escudo e o elmo do monarca. Depois eram os
camaristas que vinham depor as insígnias reais e os dignitários que quebra
vam a vara da sua dignidade. Finalmente a voz lúgubre do arauto tornava a
repercutir no carneiro por três vezes: le roi est mort! E ao cabo de uma
grande pausa, dizia! priez Dieu pour l'âme de luy. Inclinavam-se todas as
bandeiras, menos o estandarte de França, para mostrar que a França, essa,
não morre.
Mas, subitamente, saía o rei de armas do j azigo bradando alacremente:
Vive le roi l-Cem arautos repetiam: vive le roi! e as bandeiras erguiam-se e as
fanfarras despediam uma ária triunfal.
O defunto era depositado à porta do sarcófago, da parte de dentro,
como de guarda à necrópole; e só à chegada de outra, a tumba era levada
para o seu lugar definitivo, sobre cachorros de bronze.
Mas outras cerimónias, menos fúnebres, tinham lugar na abadia. Se
em Reims eram sagrados os reis, ali foram coroadas muitas rainhas, aquela
Berta dos pés grandes, Isabel do Hainaut, Leonor de Á ustria e a sumptuosa
Maria de Médicis. Aj oelhada perante o altar-mor, depois da vigília ritual, a
rainha recebia, à altura do ofertório na missa rezada pelo dom prior, os
santos óleos e a comunhão. Os três maiores do reino entregavam-lhe em
seguida o ceptro, a vara de justiça, o anel e o diadema. E logo se erguiam
três damas da corte, cada uma com a oferenda simbólica, que depunham
nas mãos da dama de honor: dois pães, um prateado, outro dourado; dois
pichéis de vinho, revestido um de folhas de oiro, outro de folhas de prata;
um círio branco com treze besantes de oiro.
Tocavam os sinos, o grito jubiloso de noel, noel, corria pelas naves:
estava realizado o casamento. A rainha passava a noite nupcial na abadia
com o augusto esposo, para entrar no dia seguinte, com grande aparato, na
boa cidade de Paris.
Do século XIII ao século XVIII, a basílica de S. Denis aparece asso
ciada aos grandes acontecimentos da história de França. Ali vinham os reis
erguer a auriflama, antes de partirem em guerra. Joana de Are, depois da
malograda investida de Carlos VII contra Paris, ali depôs as armas em
ex-voto: pour cela qu'à Saint Denys ait le vrai cry de France! No seu
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altar-mor, abjurou Henrique IV o protestantismo, e assistiu ao coroamento
de Maria de Médicis, um dia antes de morrer. E foi do seu púlpito rendado
que Bossuet pronunciou, em presença de Luís XIV, a oração fúnebre de
Henriqueta de Inglaterra.
Em Julho de 1 793, mediante proposta de Barrere, a Convenção orde
nou que uma junta procedesse na igrej a de S. Denis ao arresto dos bens e
classificação das obras de arte. Lenoir tomou a direcção dos trabalhos e
dentro em pouco eram esvaziadas cinquenta e uma sepulturas reais nas
naves do templo e cinquenta e sete no carneiro da cripta. Os despojos
mortais eram lançados em duas valas, abertas no cemitério dos Valois,
Capetos a uma banda, B ourbons a outra. O tesouro - de que faziam parte
verdadeiras preciosidades e objectos raros como o fragmento de um cântaro
em alabastro em que Jesus Cristo operara a conversão da água em vinho
nas bodas de C anã, a famosa espada joyuse de Carlos Magno, o olifante de
marfim que pertencera a Roldão - foi disperso pelos museus nacionais e os
relicários de prata e oiro fundidos na Casa da M oeda. A igreja passou a ser,
sucessivamente, templo da Razão; teatro de saltimbancos; armazém de
víveres. M ontj oie-S aint-Denis também fora crismada em Denis-Franciade.
Mas veio o Império e Napoleão, mais faustoso que Luís XIV, ambicio
nou ter jazigo, digno de si e dos seus. S. Denis, pela tradição real, era o
lugar necessário. E à sua ordem, arquitectos encetaram a restauração do
santuário, cuj o tecto em chumbo fora derretido para balas de artilharia. Ao
mesmo tempo, por baixo do triforium, foi cavado o sarcófago, que devia
ficar desocupado com o advento dos Bourbons. Luís XVIII continuou,
porém, a obra de restauro, fazendo, ainda, exumar na vala do cemitério as
cinzas dos antigos reis e encerrá-los em dois ossuários no caveau de
Turenne, desde o rei Dagoberto a Maria Leczinska. Para o caveau real
foram ainda transportados os despoj os presumíveis de Luís XVI e de Maria
Antonieta, mercê das indicações de um tal Desclozeau, que fizera aquisição
do terreno onde os corpos reais consta terem sido sepultados.
Aqui está: reconstituída por Viollet-le-Duc, a velha catedral já não tem
presa sobre as almas; os túmulos vazios pouco falam à imaginação; os
sarcófagos cheios são como todos os mais podrideros. Uns decénios, e o
panteão glorioso não será mais que um marco miliário perdido na História
de França.
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D. LEONOR, PRINCESA DE PORTUGAL
E IMPERATRIZ DE ALEMANHA
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montavam eques velocissimus et saltantes ut capreae himolorum, nomine
genetten. Para conduzir sua irmã, mandou el-rei de Portugal aparelhar uma
galharda e poderosa armada, composta de duas carracas, três naus grandes,
duas pequenas, e duas caravelas, em que embarcou quinhentos homens de
soldo, sob o comando do marquês de Valença. Na nau capitania tomou
lugar a infanta, com as damas de honor, embaixada, o bispo de Coimbra,
um físico, um astrónomo, um doutor catedrático, fidalgos e - para ser
completa a resenha - uma Maria Pasana, donzela quasi virago, fortis,
laboriosa et solicita. Pelos vistos, esta Pasana era uma espécie de mame
luco, encarregada de velar pela princesa, que devia correr o seu risco no
meio de tão atrevidos gerifaltes. Toda a comitiva estadeava grande fausto,
que aos cavaleiros distribuíra o marquês de Valença colares de ouro e
esmalte com um ouriço cacheiro no remate, gibões de brocado e roupa de
pano fino, e aos escudeiros gibões de veludo e saios franceses.
Fez-se a frota ao mar a 1 2 de Novembro de 1 452 com vento de mon
ção. E o bom Lankmann, que de tudo lavrou acta em latim macarrónico,
exclama:
- 6 Portugalia, Portugalia, bana regia; ibi est abundantia panis, vini,
et o/e i bani, et multi fructi arborum, /aranges, cifram, ma/agranata, ficus,
promerente, /emanei, pecara campi, carnes et pisces, mel Zuckarum, in
p/uribus /o eis in canis crescit I 6 Sintria, amenissimus lo cus et hortus regius,
cum parco fluvio, cum banis frutis!
Velejaram sobre Gibraltar e, daí, a Ceuta, onde arribaram, sendo a
imperatriz hóspede do governador durante três dias. Lankmann disse missa
na igreja extramuros, não se esquecendo de falar no admirável palácio que
Aníbal aí mandou construir.
No golfo de Lião, foram surpreendidos pelos piratas, quando navega
vam dispersos, em pleno nevoeiro. Mas, ao som de buzinas e ao troar das
bombardas, breve se reuniram e, investindo com os argelinos, lhes queima
ram as naus, e só os não aprisionaram devido a terem saltado para as galés
ligeiras que traziam e fugido a todo o pano. Obrigados pelos ventos furiosos
que sopravam e pelo mar bravo a lançar ferro diante de Marselha viram as
suas naves "saltar nas âncoras como cães nas correntes". Em Nice, quando
procuravam refrescos, deu sobre eles o gentio, suspeitoso de tão temero
sa armada. Mas vindo à fala, como súbditos de reis cristãos vivendo em
boa paz e amizade, se trocaram cortesias e o mais do que haviam mester.
A I de Fevereiro, finalmente, aportaram a Pisa, onde não tardou a
acorrer uma vistosa embaixada, formada pelo que havia de mais fidalgo,
entre gentis-homens e damas da corte, dos estados vassalos e amigos da
Alemanha. E dali, em grande pompa, se foram a S iena, onde os aguardava
o imperador.
Nem Frederico III, nem a gente, nem a terra agradaram aos portugue
ses. Lopo da Silveira, que em carta deu a D. Afonso V relação do que viu,
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acha o imperador unhas de fome e sonso, e a nação facilmente conquistável,
mal adestrada na peleja, e tudo resume, ufanamente, nesta frase:
"O melhor rei do mundo, a melhor terra do mundo, os melhores
homens do mundo, são os de Portugal."
Em apoio, cita que o imperador lhes não mandou dar uma sede de
água, e o viu a regatear com um dos feitores de Cosme de Médicis um pano
de damasquino, na esperança de que viessem a oferecer-lho, como sucedeu.
Em toda a parte, até em Roma, o seu mantão causou pasmo. E, quanto aos
alemães, acha-os abrutalhados no comer e na etiqueta da mesa, quorum
Deus venter est.
De Siena, onde "um valente orador" lhes desej ou as boas-vindas, parti
ram para Roma receber a bênção papal, "o imperador, trigosamente,
adiante". Estava celebrado o matrimónio, segundo os ritos divinos e huma
nos, mas, nem assim, Frederico III se ajuntou com a infanta de Portugal.
Lopo da Silveira nota o facto com certa insistência e franqueza, dando
como mal empregada D. Leonor que brilhava entre as mais damas por
segurança e formosura e que era um encanto ver em cota de carmezim, opa
de brocado branco, e rica crespina na cabeça. Em Nápoles, de que era rei
juntamente com Aragão D. Afonso V, tio materno da princesa, se fizeram
esplêndidas e solenes bodas. Os portugueses dançaram bailados moiriscos e
a chacota, marcada pela própria D. Leonor, com grande aprazimento de
todos. E numa dessas noites se consumou, à moda alemã, depois de impre
vistas peripécias, a cerimónia do himeneu. Á ulicos, e açafatas levaram
imperador e imperatriz ao tálamo real e, vestidos, os lançaram debaixo das
roupas.
E, eles, beij ando-se, se apartaram cada um para sua alcova. A mando
do imperador, volveram dois condes a buscar Leonor.
- Que não ia - respondeu ela.
Seis mensagens lhe enviou sucessivamente o esposo, até que desenga
nado, se decidiu ir em pessoa ter com ela. Tinha terminado a missão de
Maria Pasana, aquele querubim sem asas.
Deste consórcio nasceu M aximiliano, o último rei cavaleiro, cuj os
tesouros a República de Á ustria expõe presentemente nas Tolherias.
Interessante a figura deste homem e deste césar! Alto, robusto,
admiravelmente proporcionado, devia seu estranho vigor físico à avó Cim
burga, que era polaca, enquanto a vivacidade e o espírito romântico lhe
vinham em linha recta da mãe, D. Leonor. Tinha coragem para fazer empa
lidecer de pavor aos cortesãos. Em Munique entrou na jaula de um leão e
arrancou-lhe a língua; em Ulm deu-se ao desenfado de trepar à flexa da
catedral e, em todo o cimo, na haste delgada, fazer sortes de funâmbulo;
desafiado a combate por Claude de Barre, campeão de França do torneio,
suspendeu as armas de Áustria e de Borgonha ao lado do escudo francês e
venceu-o à espada e à lança.
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Foi grande galanteador e muito benquisto das damas. Maria de Borgo
nha, filha de Carlos, o Temerário, apaixonara-se por ele, a pontos de dizer:
Maximiliano ou nenhum outro. Augsburgo e Nuremberg passaram por
seus harens favoritos. A adoração extrema que tinha pelas mulheres le
vou-o um dia a tomar sob a sua protecção as toleradas de Ratisbona.
À s próprias peças de artilharia punha nomes femininos: a bela Semira
mis, a bela Elena, a bela Medeia, Dido, Tisbê.
Praticava todas as artes e ciências e ele próprio ditou, de sua lavra, aos
secretários, tratados sobre a pesca e a cinegética.
O seu sonho era exceder Júlio César na fama e nos feitos. A si próprio
se deu o título de "senhor das terras a Levante e a Poente".
Foi feliz na guerra e próspero na paz. Cercou-se dos grandes artistas do
seu tempo e, se foi o último paladino medieval foi, também, o primeiro
monarca do Renascimento. A um palaciano, que, no atelier de Dürer,
mostrara relutância em segurar a escada para o pintor subir, disse aspera
mente: - Está muito longe de valer este homem. Fique sabendo que me
não custa nada fazer um fidalgo de um vilão, mas de um fidalgo fazer um
Dürer, é que não sou capaz!
Era costume seu, ao lado das armas de Espanha, arvorar orgulhosa
mente as de Portugal. Nele, porventura, palpitava bem desperta, bem
estreme, a alma ardente dos príncipes de A viz.
40
NEVERMORE
41
nos mármores, morde no p ó como se quisesse levar calor aos defuntos
arrefecidos. O sol é inimigo das sombras e pratica a grande obra de miseri
córdia de tirar o tétrico aos mortos. A terra, nossa mãe, não tem piedade;
nunca foi deusa; santificando-a, riscamos nela o nosso horror.
Aos vivos, que morrem de saudades dos seus mortos, e são uns cere
brais impenitentes, não lhes servem as lágrimas de consolação. Podem eles
chorar?! Até ao fim do mundo - escreveu no mausoléu de sua amada o rei
inconsolável. Quem pudera gravar na lousa dos seus mortos um adeus tão
longo e, todavia, tão limitado ! Que importavam milhões de milhões de
séculos de apartamento, milhões de milhões de séculos que este planeta
levará até estoirar e afundar-se nos oceanos sidéricos, se N emesis reataria
finalmente o fio quebrado? !
Para os que sofrem à beira de uma sepultura ainda fumegante, as
religiões são um adorável e benigno narcótico. Mas para aqueles em que se
converte u em doce ilusão a crença na vida eterna ou, simplesmente, a
sobrevivência dos espíritos, desesperada é a sua tortura e negro o seu deses
pero. Decerto que as religiões para entroncarem e cobrirem o mundo de sua
so m bra, lançaram raízes poderosas no seio do homem. A ressurreição deve
ser uma dessas fundas e penetrantes raízes. Para o cristão, para o budista,
para o maometano, a terra não apaga com o seu abafador inelutável a
flama que se acendia, ardia, oscilava ao bafo do nosso amor; a terra é uma
depositária provisória da matéria, a bela matéria que, animada, enchia de
alegria os nossos olhos; devora efemeramente esse efémero, pois que até à
ressurreição dos corpos nos prometem as sapientes teologias. Mas no que
são terminantes é no transporte para habitáculo melhor da entidade sensi
tiva e racional, numa palavra, do que há de mais possessivo e pessoal em
nós reencontraremos todos; e voltaremos a amar-nos, pois que repugna à
suprema perfectibilidade um restritivo nas volições. Ainda que aéreos,
incorpóreas, intrespassáveis ao ferro, em virtude do dom da clarividência,
próprio dos corpos celestiais, veríamos outra vez floridos e buliçosos os
olhos que deram luz aos nossos olhos e sentiríamos bater quente e regular o
coração que palpitou pelo nosso.
Reduzida a mística do "além", sem se repartir na dualidade assusta
dora do gozo inefável e do castigo com ranger de dentes, as religiões seriam
admiráveis. Quem não seria religioso?! Que o grande obreiro das religiões
tenha sido o nosso medo para lá da cova, a nossa ignorância da vida, ou a
nossa debilidade perante a força universal, nelas cooperaram certamente
a saudade dos mortos e a esperança de os encontrar. Neste seu génesis
há mais poesia e grandeza que em toda a teodiceia.
Que os espíritos voltam de asas invisíveis a adejar em volta de nossas
cabeças, eu o creio; a inspirar-nos; a falar-nos por vezes; a trazer-nos a terna
imagem. Mas é o nosso próprio espírito que lhes dá personalidade: os
anima; os veste; os vivifica. Não terão menos vida por isso, eu o creio
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também. Mas são fátuos e subitamente apagam-se; porque se apagam
quando a nossa vontade seria que rufiassem, pairassem, não deixassem de
andar connosco? !
O homem tirou os seus mistérios do sofrimento. O sofrimento é
demiurgo e inventou os espectros, as almas penadas, os bons e risonhos
espíritos; l'hôte inconnu dos espiritistas, caprichoso e desconcertante. Ele e
a tristeza ergueram ao céu as catedrais.
Chove; a festa dos defuntos, fiéis e infiéis, já lá vai; a terra vestiu-se
toda de verde, que é o seu luto pesado; o céu cobriu-se de névoa, que são os
seus crepes. O homem desfazer-se-á em pranto dentro de sua alma e de nada
lhe valerá. Nevermore.
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O MUSEU BONNAT
EM BAIONA
Léon Bonnat pertenceu, como pintor, a uma escola que hoje não goza
do favor da crítica suficiente, a escola dos pompiers. Séria injustiça negar
-lhe, porém, a qualidade de bom retratista, seguro de mão e probo. Mas se a
sua produção de artista não é assombrosa, outro tanto se não pode dizer da
sua obra de coleccionador. Mediante os réditos do seu pincel - Bonnat
fora arvorado em pintor oficial da República Francesa - conseguiu formar
uma galeria que vale, de mão beijada, os seus cem milh ões de francos. Esta
galeria transferiu ele do seu palacete da Place Vintimille, em Paris, para o
edifício adrede construído pela cidade de Baiona, a quem instituiu legatária
universal. Baiona fora a sua terra de berço e que lhe votara uma "bolsa de
estudo" para poder cursar as escolas de Paris e de Roma. Reconhecido por
um lado, bairrista por outro, se não ciente de que as suas colecções, ainda
que principescas, afogar-se-iam no mare magnum de arte que é Paris, tanto
como o seu nome, ou simplesmente reconhecido, porque não, doou à cida
dezinha basca o invejável recheio de um museu já hoje célebre.
Baiona, que é um burgo de prosápia e de orgulho - nunquam polluta,
reza a sua divisa - que até aqui se gloriava dos tiraços dos seus velhos
muros, da sua pirataria çlesalmada, da sua catedral em gótico setentrional,
do seu rio, da sua ponte do Espírito, dos seus pinhais, do seu chocolate,
aponta hoje ao forasteiro com justo desvanecimento, o museu Bonnat. Ali
se encontram trabalhos assinalados dos grandes mestres, bronze, mármore,
tela, tapeçaria, marfim, mas no que prevalece a muitos museus de grande
fama é a rica e profusa colecção de desenhos. Desde Dürer a lngres há ali
do melhor: Belini, Signareli, Rafael, Leonardo de Vinci, Ticiano, Miguel
Angelo, Rubens, Van Dick, Wateau, Boucher, etc. Muitos anos antes do
legado, B onnat anelava para a sua cidade natal a criação de um museu "em
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que os estudantinhos viessem aprender o que é o Belo". Tal ambição
realizou-a plenamente, tanto o museu Bonnat satisfaz, sobretudo, pelos
seus desenhos e esquissos, à didáctica da arte.
Mas seria estreiteza de entendimento confinar o museu neste papel.
Logo na primeira sala há adoráveis retá bulos primitivos em que sopressai
um suavíssimo Boticelli. E logo noutra, quadros dos melhores mestres
flamengos rivalizam entre si, sendo para notar dois Rembrandt, que
fariam bela figura no Louvre. E que dizer da sala em que está realçada a
pintura inglesa por Reynolds e Lawrence, e a espanhola por dois Grecos,
Duque de Benavente, grande inquisidor, e o Cordial Quiroga, arcebispo de
Toledo, a um lado obras-primas de nobreza, a outro obras-primas de reali
dade, sem falar nos David, nos Proudhon, nos melhores Ingres que temos
visto? Porventura os seus três Goyas sej am do mais medíocre que tenha
produzido o grande feiticeiro, mas a Asa de Papagaio, de Dürer, em
Aguarela, é um trecho, dentro do seu género, sem igual nas galerias da
Europa.
Notável é ainda a sua colecção de bronzes de Barye, escultor por quem
Bonnat tinha especial predilecção, e para ver e admirar os esmaltes de
Limoges, os mármores antigos e um busto de Miguel Angelo, saído do
atelier do grande mestre. E não são menos preciosas as suas tapeçarias,
urdidas pelos teares de primeira nomeada no Renascimento.
Tudo isto reuniu Bonnat em trinta anos de "antigualha", sóbrio na
vida como um asceta, diligente e calado na sua faina como um castor. E
todavia fica de pé o maravilhoso. Como p ôde, mercê dos proventos da sua
arte, acumular esta riqueza o pintor Bonnat? Decerto que pintou muitos
presidentes da República, vários papas, milionários pródigos e madamas
milionárias, à razão, nunca para baixo, de vinte e cinco mil francos por
cabeça. Não era dos rapins de Montparnasse que se contentam com 200
francos todos os meses no marchand de tableaux. Era um artista meda
lhado, condecorado, catedrático, à moda no meio oficial, com certa voga
no seu tempo. Porventura que teria a sorte de topar muitas pechinchas no
seu caminho, e que algumas das obras expostas no museu e que ostentam
grandes nomes sejam de uma autenticidade insegura. M as que ganhasse rios
de dinheiro, que pirateasse afortunadamente a torto e a direito, que em
Espanha descobrisse panos de raz a servir, como entre nós, a estendal do
pão nas eiras, fica ainda margem ao extraordinário, aqueles cem a duzentos
milhões de francos que pode valer o escrínio. É sabido, aliás, que um dos
Baryes o pagou por cinquenta mil francos e que o álbum de onde derivam
os seus famosos desenhos de Rembrandt, Rubens e Dürer, o disputou em
hasta pública contra amadores dos dois continentes. Mas este facto dá
ainda relevo à sua crónica de coleccionador.
Bonnat era de família p obre e teve de aceitar dos concidadãos a
mesada de estudos; aos trinta anos comia o beafsteck cozinhado na tripeça
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a álcool do atelier; pela vida fora não j ogou na Bolsa, não especulou em
negócios, não recebeu heranças. Com o produto da sua paleta, apenas,
amealhou aquele tesouro de fadas. O facto é singular e aceitável no meio
protéico de Paris. Fora de Paris, seria uma das histórias que vêm da
América.
Ao vício de coleccionador teria Bonnat sacrificado a sua arte. Esta
passaria ao . segundo plano das paixões. A verdade, todavia, é que se o
pincel o não imortaliza, aí está, enquanto Baiona for Baiona, imortalizado
no bronze com que em plena Place de la Liberté os seus conterrâneos
comemoraram a sua liberdade se não a sua obra.
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CRÓNICA DA QUINZENA
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Quem libertaria o leão da Judeia da férrea jaula romana? Quem lhe
restituiria o pleno gozo dos seus campos pequeninos e de seus oliveis cede
pados, dos seus guetos piolhentos, de suas cisternas mefíticas, de toda a sua
!azarenta e livre gandaia? E os males, imaginários uns, reais outros, de que
sofriam, eram atribuídos de partido a partido, e as sinagogas, os átrios dos
templos eram lugares de desordem e de confusão. Os Messias pululavam
nas alfurjas e na acidentada terra transj ordânica. Uma voz alucinada, um
gesto heróico, uma linguagem anfibulógica, e haveria sempre turba para
sagrá-lo redentor e levantá-lo nos escudos.
Assim apareceu aos zagais, aos magos em viagem, aos bons paroquia
nos de Betlem como Messias, esta criança nada em palhas, filha de uma
doce e linda mulher, acalentada pelo hálito dos animais, tudo de acordo
com as profecias. Perdeu-se o menino maravilhoso pelo Egipto, pela vida
fora, até os trinta anos, sem se lhe descobrir outro rasto que a sua contro
vérsia com os doutores. E aos trinta anos os patriotas não se iludiram
segunda vez: não era aquele o salvador da Judeia.
Salvador do mundo, com a triste e pobre Judeia dentro, o julgaram
meia dúzia de iluminados que o viram pregar às multidões e o viram morrer
no madeiro. A tarefa estava à altura de um deus. Mas Jesus, de teorias
sociais, sabia menos que um operário, hoje, da construção civil, e o mundo
continuou a arrastar-se no meio da dor, da injustiça, da opressão de uns e
miséria dos outros. A divina ética melhorou, mas não resgatou o homem.
Nele e no próprio triunfo e difusão do cristianismo podemos verificar a
falência da moral sob o ponto de vista da emancipação humana.
Assim o teriam observado os santos padres, os teólogos de mente
irrefragável, que do menino de Betlem, e do Cristo morto no patíbulo,
ideavam o mensageiro celeste que veio resgatar o homem da culpa original.
Veio, em suma, ilibar-nos de um crime anterior, criar uma fórmula jurídica
no dominio teológico que era velha na legislação dos mais velhos povos. E a
muitos não se figurará compatível com a altura de um deus a obra de Jesus.
Para Maria, aquela terna madona que os primitivos italianos cobriam
com manto azul e túnica cor-de-rosa, o bambino delicioso era mais que tudo
seu filho amado. As suas lágrimas, ao pé da cruz, eram humildes, correntes,
em bagadas, impregnadas da mesquinha dor humana; para pratearem cons
cientemente um deus, teriam de ser estrelas; se fossem ainda de uma
patriota, seriam altivas e silenciosas. Mas quem teria ânimo de esflocar a
inefável página de Natal até sacudir a sua fragância recatada? Nasceu o
Menino-Deus em Betlem e é a alegria da multiplicação humana na sua
interpretação mais poética. Cai neve, cai chuva, mas florescem roseirais nas
almas. H ossana!
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CR ÓNICA DA QUINZENA
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conceber o estatuto de uma educação racional para o nosso povo. Não,
nunca fomos pesados em balança decimal, rigorosa, nem mordidos pelo
punção do filósofo. Oiro ou plaqué, ignoramos qual sej a o nosso quilate de
lei. Desde o século XV, porém, que os viajantes enxamearam por esse
Portugal fora, deixando relato do que viram. E muitos deles saíram a
público e raso depor do carácter português. Coligindo, porém, as vozes de
uns e de outros, o que se apura é uma Babel, a dissonância.
Para uns somos um povo triste e melancólico, bêbedo de fado e de
saudade, para outros um povo alegre, sobrenadando gloriosamente acima
das agruras da vida, entre um mar azul e um céu mais azul ainda. Este
tomar-nos-á como uma horda que ergueu tendas, suspendeu as lanças
enferrujadas e deitou ao sol os atafais; aquele como uma raça, estrutural
mente perfeita, com uma flagrante personalidade. Que somos dotados de
uma imaginação selvagem e de uma infantilidade bárbara; que somos pro
pensos à charlatanaria, ao culto do ouropel e do palavrão oco e sonoro; que
nada nos é sagrado, e o espiritual em nós é só atitude; que o nosso fundo é
sensualidade e preguiça; que a nossa história é uma bela aventura de piratas
e candongueiros; que os escrúpulos da honra, entre nós, aparelham, por
vezes, com uma amálgama moral inverosímil como só seria possível
encontrá-lo em condotieri e quadrilheiros - e, como estas, infinitas pravi
dades reportam acerca de nós os viajantes pej orativos. Mas os Pechio, os
Linck, os H offmanseg exclamarão que somos o povo mais idealista do
mundo, doce, brando, sensível, pacífico como uma tribu em regime patriar
cal, de alma pura e cândida como uma revoada de pombas brancas - e a
cornucópia destas finezas é inesgotável. Os moderados acoimar-nos-ão de
rotineiros, supersticiosos, humildes até à abjecção, honestos posto que
pobres, laboriosos embora incultos, dotados de uma inteligência viva mas
sem constância, volúveis - europeus destemperados pelo sangue negro.
Neste pretório em que falam todas as línguas, onde está a verdade?
E por que são tão discordes?
Auscultar a consciência de um povo é incompreensivelmente mais difí
cil que a difícil operação de penetrar o eu de um homem. Quem somos? De
onde vimos?
Parece terem assentado os sábios que o povo português é um ramo da
grande família ibérica, tendo adquirido um carácter especial depois que
atingiu a sua maioridade política. O português é o português, o castelhano é
o castelhano. Distinguem-se; mas distinguem-se, como? À primeira vista
distinguem-se p orque o castelhano possui um conjunto de predicados,
acusa um facies próprio que o português não tem. Aparta-se, está certo, do
castelhano, mas as razões deste apartamento estão na carência de qualida
des, bem definidas naquele. E será assim?
Espraiando os olhos pelo passado, depara-se-nos Castela como um
formidável cunhai de bronze no meio das construções políticas, península-
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res. Ali veio quebrar-se todo o material humano que j orrou do Norte e das
praias mediterrâneas. Seria o castelhano um descendente de Roma, ou um
aborígene transformado? S eja como for, enquanto o fero homem se robus
tecia no sentido do seu protoplasma, o português caldeava. Deixara-se já
penetrar de elementos mais ou menos ante-históricos como fenícios e gre
gos, outros de toda a evidência como cartagineses e romanos, e fundia-se
com bárbaros do Norte, árabes, judeus, e muito sangue negro. Ao brando
sol, num habitat que, pela riqueza da vegetação devia ser muito mais agra
dável que hoje, essas raças heterogéneas mestiçaram-se . . Mas fazendo-o,
não se fusionaram perfeitamente, não ligaram de verdade, não decantaram;
numa palavra: não depositaram uma alma. E, afora o núcleo serrano das
Beiras e Trás-os-Montes, oásis, porventura de autóctones como Castela, o
que para aí ficou, à beira-mar, nos plainos do centro e do sul, são resíduos
de muitas raças que se traduzem pela variedade de fisionomias que assom
brava Pechio. Contra o facto de uma instituição política secular, e ainda
contra o facto mais frisante de uma língua própria, redarguirão os pessimis
tas que uma e outra se explicam por uma actividade colectiva, sem que
intervenham as forças místicas, isodicâmicas de uma alma. Assim existiu
Argel sob o governo dos deis, séculos e séculos, antes da dominação fran
cesa. E como onde não há raça, não há uniformidade psíquica, daí a desin
teligência dos forasteiros que escreveram acerca de Portugal.
Tudo isto é o lado sombrio do quadro. A prestar crédito, pelo contrá
rio, aos nossos p oetas e oradores de comício, a nação lusa constitui uma
família, moldada numa só madre, mimosa de todos os dons da natureza e
da arte. Oxalá tivessem razão estes pompiers en rose. A verdade é que,
mercê de uma consanguinidade adulterada ou vício crónico de educação
- e este poderia considerar-se já um efeito - a consciência do português
de hoje é uma coisa de pasmar. Como nela se conciliam os sentimentos
mais contraditórios e as ideias mais crassamente idiotas com o propósito
louvável e a boa vontade, como nela se alia a honra à obra de fraude
e de ludíbrio, como a sua inteligência se adapta ao absurdo, como pensa
e como obra - só de uma casa de orates, a casa de orates de Edgard Poe,
arvorada em self-governement.
53
CR ÓNICA DA QUINZENA
55
mento, do húmus português sobrenadou nas produções destes homens?
Na livraria arrolada e catalogada de Spinoza não se encontrou um só livro
em português; que de particularmente nosso legou a paleta de Velasquez?
Mas não se passa dia que esses ratões das bibliotecas não descubram
um grande médico que não metesse num chinelo os cirurgiões de uma corte
de Trebizonda, um grande sábio que não descobrisse a pedra filosofal, um
grande judeu banido que não escrevesse a Thora, um portuguesinho enge
nhoso que, em qualquer das terras do vasto mundo, não tenha inventado o
fi/ à couper /e beurre.
Mas o ridículo maior não reside nestas jucundas infantilidades, mas
sim na nossa tendência para o exagero e na nossa imensurável prosápia.
Ainda não há grandes dias um governador civil proclamava que Portugal,
com mais isto e mais aquilo (e tudo se situava num próximo horizonte)
marcharia à testa da civilização. Um articulista, pouco há, sustentava que a
cozinha portuguesa era a melhor de todas, como se tivesse provança e
usança da culinária universal.
Um outro, que nunca saiu da pata-rêga e ignora as províncias do Norte
decantava como o mais suave clima do mundo o nosso clima. Numa pala
vra, a cornucópia de todos os dons do Espírito Santo e de todos os mimos
da madre natureza entornou-se sobre Portugal e é esse éden e essa A bbaye
Théleme que ai vê m .
Este a utoc e n tri smo n a cio n a l não po d i a d e i x a r d e reflectir-se n o i n d iví
d uo e não há patarata que tenha passado p e l o l iceu que não i m agi n e se r o
centro da raça.
Tal poetrasto, que publicou uma versalhada, julgar-se-á um vate de
génio; tal peniculário um escritor de mão cheia; tal politiqueiro um Pombal;
o pedaço de asno que sobe o Chiado o alvo de todos os olhares femininos.
Para cada um sua personalidade; somos descendentes de el-rei D. João V, o
magnífico.
Está bem de ver que fronteiras a dentro de Liliput aquele que tem uma
polegada acima da média das estaturas é grande; na terra dos cegos quem
dispõe de um olho é rei; num país de analfabetos quem arredonda duas
rimas é génio; numa terra de escravos quem traz o chicote é César.
A verdade é que o português, uma vez tirado da terra, fica, em geral,
exemplar pouco interessante. O bservem o nosso irmão de gravata, quando
viaja no comboio, no eléctrico, ou se encontra connosco numa sala de
espera. É um grande senhor, cheio de si: acabou de trincar o grã-mogol.
Todo ele se entrincheira no seu eu como o pavão incha na sua roda.
Tenham muito cuidado; à primeira acostagem, se não sai o príncipe, sai o
onagro. A su a m aior p re o c u pação é que tenham uma grande ideia de si, dar
uma grande ideia de s i .
Não é bem notória esta monomania n o susto que temos pela opinião
estrangeira? "Quando se souber lá fora; é uma vergonha aos olhos da
56
Europa; as chancelarias vão rir" - são lugares-comuns que traduzem esse
conceito de importância que temos de nós mesmos. A verdade é que nin
guém olha para nós; que ninguém se importa connosco; que ninguém ri ou
chora perante nossos desvarios ou lástimas. O mundo é vasto e nós somos
um grão de areia semeado na sua imensidade. Seria preciso reluzir como os
brilhantes de pura água para que assestassem sobre nós a luneta com essa
imaginada demora.
Para o grande vulgo, somos uma província de Espanha. É vexatório,
mas não é caso para crises de nervos; a esta ignorância respondemos com
moeda do mesmo troco. Se um búlgaro ou um romeno, ainda que sejam
professores de Universidades, desconhecem quem foi Camões; quem foi
Albuquerque, hei-de tê-los por menos idóneos ou cultos?
Também eles devem ter o seu épico, o seu conquistador e eu, palavra,
não lhes sei o nome. O mesmo sucederá com um japonês, um húngaro e
tuti-quanti, à parte o francês, porque a França é a nossa ama de leite.
Eu considero a nossa pequenez como uma virtude e a adaptação a essa
pequenez como um louvável serviço de pedagogia. Correlativamente penso
que a felicidade, ainda a dos povos, só é possível havendo silêncio em roda.
Olhemos para o nosso umbigo, mas sem cansar a vista; tiremos da ideia que
é o centro, ou devia ser o centro da gravitação universal.
57
CRÓNICA DA QUINZENA
59
Mas não obstante esta vida em tudo primitiva, não obstante o trabalho
improbo do camponês e a sua decantada frugalidade, a mísera colmeia
pouco mais fabrica que favos para o fisco. A tributação não arranca ao
aldeão o que poderia esbanj ar do seu orçamento; não lhe pede um supera
vit; exaure-lhe uma boa parte do essencial, do que seria indispensável ao seu
amanho e passadio. Que mais ninguém se lembre da aldeia, o fisco é que a
não esquece. Não tem caminhos, não tem estradas, não tem pontes, não tem
chafarizes, as epidemias grassam dentro de muros de forma endémica, mas
pagará além da décima anual, mil impostos camarários ou gerais, taxa de
turismo, licença para passar com a água da rega por uma ruela, licença para
vender duas cebolas na feira, licença para ter cabra, licença para ter cão e
licença para o não ter. A par disto, a justiça é para a aldeia a mais voraz das
sanguessugas. Concebida para proteger o órfão, deixa o órfão sem coiro e o
viúvo sem camisa. Destinada a atalhar sizanias e desatinos e a ser um
elemento de ordenação e repressão no corpo social, além de que é uma
serventuária venal de ricos e poderosos, lança na desgraça os pobres
demandistas. Em suma, para o município ou para a comarca, a aldeia é
uma ovelha de tosquia, mais nada.
Em troca deste sacrifício exsudante e contínuo que lhe dá, que lhe deu
o Estado? Num propósito muito louvável, a República dotou a aldeia com a
escola primária. M as, em pleno sertão, a escola é como um civilizado, que
tenha bem embora muitas prendas, em país de cafres. De que vale saber ler,
escrever e contar se não há necessidade de tal? Que vale o órgão sem a
função? O professor primário, quando conscienciosamente procura ganhar
o dinheiro do Estado, acha-se votado ao trabalho das Danaides. O fenó
meno de regressão, próprio do meio, aniquila-lhe dentro de pouco todo ou
quase todo o resultado obtido. A escola é um elemento primacial do pro
gresso, sem dúvida. Mas o progresso não se determina a "um de fundo",
mas d'emblée, em fronte cerrada. O professor só será verdadeiramente
aproveitável, de braço dado com o engenheiro, o agrónomo, o veterinário,
o médico, o mestre-artífice, procedendo a um tempo à obra de sapa nos
costumes e nas coisas. De outro modo, é tempo perdido e dinheiro lançado
à voragem.
A crise portuguesa reveste múlt i p l o s aspectos e deve ter variadas raízes
no húmus e consciência nacional. A se mibarbárie da aldeia, a sua miséria,
deve ser uma das capitais. E aqui tem seus fundamentos, não obstante, a
nação. Portugal foi sempre um país de carácter acentuadamente rústico,
ainda mesmo quando possuía naus e galeões seus, construídos em estaleiros
seus, para explorar os mares. Terra de lavradores, j ornaleiros e zagais; o
resto não passa de acidente.
Sendo a aldeia a célula, como poderá o organismo ter boa conforma
ção, um funcionamento saudável, mostrar a vitalidade requerida, se aquela
está anemiada, combalida, anquilosada? O êxodo aterrador para as cida-
60
des, a corrente cada vez mais caudalosa da emigração são índices certos
desta enfermidade celular. A meu ver, a cura de Portugal deve encetar-se
pelo princípio, e o princípio, o fundo do problema, é este.
As recentes medidas financeiras vêm agravar a crise secular de servidão
e estagnamento que assoberba a aldeia. Exausta, impõem-lhe mais uma
sangria .em nome do interesse nacional como se alguma vez estivesse inte
grada na nação, que não fosse para pagar o tributo de sangue e tributos
fiscais de vária ordem. Onde o campónio irá buscar o duplo ou o terço do
montante em que andava colectado, sei-o eu. Roubando-o à boca, alie
nando a courela, recorrendo ao prestamista que é o flagelo rural. A vida das
raças conta-se por séculos e ninguém as vê expirar. A história verifica o
facto sem testemunhas oculares. Mas para uma raça depauperada como a
nossa e proveniente este depauperamento - diga-se o que se disser - da
insuficiente alimentação, pedir à aldeia mais uma moeda além daquelas que
dócil e resignadamente levava ao seu senhor feudal, o Estado, parece-me
desacerto.
61
TERCEIRO EXÍLIO
1928-1931
Colabora em ILUSTRA Ç Ã O
e VIT Ó RIA, de Setúbal
t·.._ (] j,'f ii: ?J �J i) V; ll. 2 V .] P. }l / }\ iv'Í -�) l /'\ /; . �' f1 I;q !Tr :J
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CRÓNICA DA QUINZENA
65
e herméticas como boudoirs, lojas de flores, onde uma rosa se vende mais
caro que o alqueire de trigo na nossa terra, não figuravam no comércio do
bairro. O Marchand de couleurs era o mesteiral dominador.
Montparnasse, depois da guerra, revestiu outro facies, como outro
facies a sua população. Inegável que esta era já cosmopolita nos bons
tempos, mas, passada pelo crisol, ficava pura, decantadamente montpar
nasiana.
O artista - pois que a pintura adorna hoje todos os lares e a estatuária
não chega para as encomendas das inumeráveis cidades, vilas e aldeias que,
pelo vasto mundo, capricham em honrar os seus heróis - o artista en
dinheirou-se. Veste pelo último padrão, barbeia-se, bebe champagne, fu
ma charuto.
Picasso e Van Dongen estadeiam de Rolls- Royce.
Em correspondência com a metamorfose exterior, a sua psíquica evo
luiu. Já não arremete contra as fórmulas empedernidas; já não vai estudar
com os novos Chevreuil a ciência das cores; já não se bate contra os "botas
-de-elástico" como contra os piores inimigos do género humano. O próprio
fundador do cubismo ri do cubista que foi; e o Matisse das flores cromatica
mente apopléticas, carnudamente patológicas, pode florir sem escândalo, o
solitário da marquesa mais preciosa.
A arte, fixando-se, é certo, no plano impressionista, entrou numa fase
conservadora. Por que esgotou todas as possibilidades de renovamento?
Por que se consumiu a tentar? Neste cansaço poderá residir uma das causas
da sua estagnação, não todas. Na pintura, M anet, M onnet, Céz a n n e i m p u
seram a teoria do meio contra a teoria da cor local, dand o à luz, a t é o
reflexo do reflexo, a naturalidade de uma figuranta; os seus sequazes, i n t e r
pretando o princípio novo, criaram-se nomes singulares e invejados: H e n ri
Martin, Sisley, Simon, etc.
Os cubistas, no meio do seu Carnaval geométrico, suscitaram a noção
do volume. Aliaram os neo-impressionistas ao sentido realista da cor o
respeito pelo desenho e o culto da harmonia, tão grato aos clássicos. H orda
bárbara com o seu quê de místico e de burlesco, os futuristas não deixaram
mais que o conceito de movimento que não souberam, nem puderam reali
zar, p ois que passaram como lava sobre todos os valores adquiridos.
Depois destas tentativas, para que outros recursos podia apelar uma
arte, como a pintura, tão fechada, tão restrita, senão co nfinar-se cada
profissional no seu poder técnico, no seu temperamento, no seu gosto, no
emprego da sua gramática, sem ousar mais à originalidade que pelo cunho
pessoal?
O carácter utilitário e atropelante da nossa época contribuiu, em
grande dose, para matar o revolucionário em arte. O artista contemporâneo
procura menos a glória que o proveito; mais satisfazer que satisfazer-se;
mais realizar ao gosto do público que realizar-se.
66
Há uma moral de pé e consiste em que para lá da vida não há nada que
mereça condicionar a vida. Que pintor teria força de ânimo e constân
cia para absorver sete anos, como Leonardo de Vinci, a trabalhar a lo
conde?
Já David só consumiu dois anos no monumental e espalhafatoso Sacre
de Napoleão, e David era de ontem.
O Salão de Outono que, há alguns anos a esta parte, representava a
guerra contra o existente e o consagrado, reflecte este desolador estado de
coisas. Saudosos tempos! Os mestres, que, no dia do vernissage, lá arrisca
vam o pé, se eram fortes, faziam-no de sorriso amarelo nos lábios; se
tímidos, à socapa, enguias dentro do fraque. O público mofava à grande e à
francesa, chegando ao cri de dindon como perante a Olímpia, de Manet.
H oje os mestres deste Salão são tão medalhados e tão ordeiros como os dos
outros salões; o público já não distingue; contempla, admira - e alfa e
omega para a arte hodierna - compra.
67
N OS CAMPOS DE BATALHA
DA FLANDRES
(Notas de Viagem)
69
flamenga. São os paços do concelho que ressurgem, no fim de todos, como
quem cumpre o dever de ser o último. As fachadas dos prédios aparentam
um certo donaire, hirtas mas levemente impertigadas. Riscou-as, porven
tura, o lápis alemão; edificou-as o operário alemão e o prisioneiro de
guerra. E nas cidades como Béthune, como Albert, onde não permaneceu
pedra sobre pedra, ficou estampada um pouco da fisionomia germânica.
Não o germânico da Prússia, .frio e faustoso; mas um germânico transacio
nal, tamisado pelo gosto do Sul.
Já está de pé a igreja imensa de S. Waast. Com os seus muros de tij olo,
precintados de pedra, as suas colunas de tij olo, aneladas de pedra, sanguí
nea, esplêndida, tornou outra vez a albergar o misericordioso Deus dos
exércitos. Com as amplas naves, povoadas de estátuas brancas, os azulej os
polícromos, ao gosto bizantino, tem o ar agradável, arejado, de um pavi
lhão luxuoso para folguedos e quermesses. A altura da charola, uma lápide
de mármore, encimada de leopardos rompantes, encomenda as almas de
um milhão de ingleses que naquela frente morreram pela glória do Senhor e
do Império.
Num grande café, docemente tépido e só múrmuro o que basta para
não parecer adormecido, deixamos voar o tempo diante da boa cerveja
preta, servida em canecas de barro. À porta, o nosso "Délage", que deu 1 1 O
à hora, coberto de pó, salpicado de lama, figura um glorioso carro de
marechal nos dias heróicos de batalha.
70
sangue. O monumento português é esta empena de pedra, truncada, com
figuras simbólicas de bronze, erguido, obra de um côvado, em platibanda,
acima da cruzeta dos caminhos. Comemora o heroísmo e as virtudes dos
soldados portugueses, caídos na terra da Flandres? Dizem as vozes que sim;
a inscrição Hommage du Portugal à la France imortelle, Réduit de la
Couture, 9 A vri/ 1 91 6, não nos dignifica, porém, a nós. Glorifica a nação
aliada; não é um preito de piedade pelos nossos, é um incensório pelos
outros.
À retaguarda da memória, estende-se o chamado reducto de Lacou
ture. São cem metros quadrados de terra a que o alvião e a charrua poupa
ram a inconcebível teatralidade da guerra. Estas rumas de pedregulhos e
paralelipípedos, de pedras que parecem mós de moinhos e eram milhares de
colunas, de cacos de tij olos e azulej os, de pias de água benta esbouceladas,
de cornijas partidas, de santinhos mais desmembrados que cadáveres na
mesa anatómica, isto tudo foi o material da igreja matriz. Ali se estabeleceu
o "blockaus", mercê do qual setenta ciclistas ingleses, em duas ordens de
fogo como nos navios, puderam varrer com metralhadoras as formações
alemãs que, a coberto do nevoeiro, avançavam de oeste e sudeste. Ali se
refugiaram os sobreviventes portugueses, duas centenas de praças, duas
dúzias de oficiais, e ali resistiram, e dali partiram em cativeiro. Do templo
nada foi respeitado pelos combatentes, nem as imagens dos altares, nem o
Santíssimo no tabernáculo. Got m it uns - proclamavam os alemães -
71
vê-las intactas de cima do aparelho mortuário; dá calafrios encontrá-las aos
pontapés, aviltadas, fanadas, negras, comidas pelos ácidos da terra, a chei
rar ainda � ais a morte. M as o horrível espectáculo está, sobretudo, no caos
em que ficaram campas e mausoléus, tombados, escavacados, encavalados
uns nos outros, meio soerguidos, com seus buracões, como furnas, a negre
•j ar. Uma pedra larga, de basalto, empinou e, em escorregadoiro, parece a
tampa monstruosa de um dolmen. Um carneiro, fundo e largo como cis
terna, deixa a nu toda a sua arquitectura interior e o uso que fizeram de
suas jazidas. A côma dum sepulcro inchou e tem-se a impressão de entra
rem para lá muitos dos mortos por cima dos mortos, que já lá estavam,
empurrados pelos obuzes.
O espectáculo, dada a antecipação com que ali se arrisca o pé, não
produz a emoção que lhe empresta a imaginativa. Mas não será temerário
representar os cadáveres em bolandas ao percutir das granadas; a darem
pulo para o meio dos vivos; a misturarem-se com eles; a serem triturados,
juntos, pela mesma rajada de fogo. E, reciprocamente, não se nos afigura
fabuloso supor os vivos buscar o amparo dos mortos, deitarem-se com eles
no mesmo leito de podridão, e até revezá-los no posto.
Compreende-se que todo o subsolo da necrópole, que era grande, fosse
revolvido até os fundamentos, depois de trinta e duas horas de canhoneio.
Nada ali quedou intacto, nem na forma primitiva. A metralha baralhou
tudo o que não pôde dissociar.
Detrás daqueles túmulos aguentou-se, durante muito tempo, com duas
metralhadoras, o tenente Antunes; dali regulou ele as alças das espingardas
para trezentos metros, de modo a varejar o inimigo que, contornando
Lacouture, avançava de Sénéchal para Vieille-Chapelle; e, cerca, caiu o
alferes Alberto Pereira da Costa e cinco soldados do 1 5. A este cemitério,
abandonado a todo o seu horror, coube um guardião condigno: o Cristo
que aí está, face virada aos caminhos. Ergue-se sobre uma negra e alta cruz;
tem uma perna seccionada pela virilha, outra pelo j oelho; não tem um
braço; o tronco é enorme como são enormes todos estes Cristos picardos
que se levantam subitamente, de espaço a espaço, nas curvas das grandes
estradas nacionais. O s eu ar é duro, quase castelhano, ar de quem está
a amaldiçoar. De tês, negro como um tição. É um Cristo pensamento e
obra de Satanás .
Este monstruoso fantasma, este cemitério despovoado de cadáveres e
cheio de pesadelos, esta igrej a arrasada, monte de pedras e de silêncio,
excedem todas as visões de Dante nos Infernos.
Tomamos o rumo do Sul pela estrada de asfalto, 29, que luzidia como
o molinheiro, direita e interminável, lembra uma fita de aço, à flor da terra,
esticada nos confins do horizonte. Nem moita, nem casal. Uma terra baça,
gorda, em que latej a a fecundidade, estende-se, com suas ondulações lentas,
a perder de vista. Andou a virá-la a charrua para a próxima sementeira e o
72
ar húmido está saturado de um aroma acre. Aqui e ali nuvens de corvos
esgaravatam nos campos que deram beterraba ou levantam num grande
espalhafato de rémiges para poisar, em voo baixo, mais adiante. São talu
dos como abetardas e parecem-me magros. Alguns devem ter-se habituado
à antropofagia e o regime vegetariano ser-lhes-á intolerável. Não grasnam
como os seus irmãos de Portugal; teriam perdido a voz no fragor rolante
das batalhas, ou aprendido com os nettoyeurs de trincheira e com os
homens dos raids a ser silenciosos? Causam-me dó os pobres passarões
neste período de vacas magras. Engordaram, proliferaram em grande
escala, e, enquanto os tempos não forem revolutos e o deus dos exércitos se
não amerceie deles, terão que lazarar. A menos que não batam asas, p ois
abundam no vasto mundo admiráveis países a fornecer-lhes o delicioso
manjar.
Às bandas, sobre ramais da estrada, vamos saudando aldeias de tij olo,
alinhadas em quincôncio, inalteravelmente iguais e vermelhas. É o mapa
rural da Picardia que ressurge, reconstruído a cordel, da cascalheira das
ruínas. Têm um ar de arquitecturas recortadas em papelão. Falta-lhes
aquela alma natal, comunicativa, amassada em pedra, em cada barrote, em
cada quina por milhares de homens que em centenas de anos ali lidaram,
amando e sofrendo.
O horizonte visual encontra-se com a bruma; está uma destas tardes
mórbidas, peçonhentas, em que, nas trincheiras, os soldados dos países do
sol não teriam pena de morrer.
73
Sente-se que a cidade foi erguida à lufa-lufa; a deleitável assimetria e
absurdos arquitectónicos, que o acaso ou capricho dos homens vão dando à
habitação, não se procurem aqui. Tudo é liso, aprumado, segundo o risco
mais fácil e imediato. A guerra matou os penates, que é, como quem diz,
o lar familiar e o galo do campanário nunca igual aos galos dos outros
campanários.
74
NOS CAMPOS DE BATALHA
DA FLANDRES
(Notas de Viagem)
O canhão arrasou tudo; em parte alguma esta terra sanguinis foi mais
sangrada. Alguns quilómetros a nordeste ficavam as primeiras linhas com
os gânglios formidáveis de Thiepval, Orvillers, La Boisselle. Albert devia
ser um grande bivaque dos Aliados, o que explica o desencadeado bombar
deamento alemão, semanas a fio. Da cidade, que Leão XIII classificou de
Lo urdes do Norte, e de quem o bispo de Amiens escrevia recriminatoria
mente: La cité de Dieu et la cité de Satan s'élevaient sur le même sol. Autour
de Notre Dame de Brebieres l'impiété mêlait ses blasphemes aux cantiques
des pélerins, desta cidade marial e socialista, plácida e orgulhosa da sua
divisa: vis meaferrum, divisa nada ciceroniana mas verdadeira, não ficaram
quatro muros que pudessem abrigar um pedinte. Os obuzes pulverizaram
forjas e oficinas, demoliram casas, e, p ouco a pouco, a basílica, de quem
certo monógrafo dizia: "Procurou-se na natureza tudo o que havia de mais
sólido, de mais puro, de mais faustoso, de mais brilhante, de mais atraente,
de mais esplêndido; bronzes, mármores, esmaltes, onix, pedras preciosas,
ouro, quanto mais ! , e com estas riquezas do Senhor ergueu-se um poema à
Virgem." Ali era o grande centro de romagem de toda a terra picarda.
Como Fátima, como a Lapa, como Lourdes, como todas as localidades
milagreiras, Albert tinha a lenda doirada e sempre-mesma da Madona que
aparecera a uma pastora e que, quando esta ia a despedir o caj ado, excla-
75
mara: Tate que me magoas! Como sempre, acudiram os devotos e as ofe
rendas. Aí por 1 890, um arquitecto de talento, discípulo de Viollet-le-Duc e
filhote dos sítios, Edmond Duthois, concebeu aquela maj estosa fábrica em
estilo românico-bisantino. Enterraram-se ali milhões, mas ao cabo de doze
anos, trinta bispos e mil e duzentos padres sagravam o sumptuoso palácio
para casa de M aria, mãe de Deus, que fora tecedeira em Nazaré. Só as
coroas que ornavam a sua fronte e a do Menino comportavam mais de mil
diamantes e muitos quilos de oiro e prata.
Esta era a N ossa Senhora de Brebieres que recebia os peregrinos, as
oferendas e fazia milagres, de cima do altar. No recanto do campanário,
talhado como minarete, erguia-se outra vez, mas em bronze, doirada, cor
pulenta de seis metros, mostrando às dez léguas em redondo, do alto dos
braços, o divino filho.
76
poeira dos olhos, e Thor aprumar-se-á com o martelo gigantesco em punho
e fará em pó as catedrais góticas".
Albert conheceu todos os sobressaltos da guerra, inclusive o da expec
tativa temerosa do homem que tem o salteador de portas a dentro. Ali
estiveram os alemães dezanove dias, aquando da primeira vaga nach Paris,
alimentando-se do indígena, sizudos e pacíficos, como patos na engorda.
A mesma S óror Antoinette, religiosa de um hospício, que os recebera em
1 870, recebeu em 1 9 1 4 os primeiros hussards a cavalo, mandados em reco
nhecimento. Com a retirada, depois, aí por fins de Setembro de 1 9 1 4,
começou a dura provação. Três meses, noite e dia, foi varejada pela metra
lha. A população que não sucumbiu debandou. Estiveram insepultos os
mortos muito tempo. O anj o do extermínio, de que fala o Apocalipse, não
consumaria obra mais genial na arte da destruição.
Mas tornou a florir a cidade naquele campo de lágrimas. Nas padieiras
das lojas, letreiros berrantes oferecem a veniaga. Através da bruma que
abafa os ruídos, amortalha as casas novas, calafeta as portas e vidraças,
sente-se um silêncio operoso e fecundo. As · ruínas são como pedintes em
arraial domingueiro: o menor vulto.
Já outra vez se ergue de tij olo e pedra, fiel à traça primitiva, Nossa
Senhora de BrebH:res. Amanhã poderão voltar os peregrinos com suas
misérias, com seus queixumes, com suas ansiedades, que ela acolhê-los-á
com o mesmo sorriso amorável debaixo da coroa de mil brilhantes. Tirem à
igreja as faixas do madeirame que a envolvem, acendam os círios, e o ritmo
antigo dos que sofrem e têm horror ao sofrimento e à morte retomará a
cadência perdida. E quando for outra vez guindada ao alto do minarete a
Virgem loira, o mesmo sol benigno e amoroso brincará com ela, e ela,
refulgente e dominosa, tornará, na campina de dez léguas em redondo, a ser
saudada pelo picardo, dobrado atrás da sua junta de cavalos normandos, a
lavrar a terra.
77
água: uma inumerável bandada de patos. Nem eles grasnam, nem a guarda
dora canta:
78
ceeiros como havia gerações de príncipes. Tinham aqueles o orgulho do
mister· e não arredavam pé para outro ramo de actividade. O vento da
ambição, varrendo tudo, alterou as linhas sociais e, hoje, o desígnio mais
moderado do filho do merceeiro é passar a baiuca paterna, e ser bourgeois
em Paris, ou boxeur.
79
NOS CAMPOS DE BATALHA
DA FLANDRES
(Notas de Viagem)
81
alto de um bastião apareceu enforcado um espantalho com a estatura e o
traje de Luís XI, sobrepuj ado do escrito mordaz: Vee-ci /e roi bochu. Não
recuaram os habitantes de Arras, inimigos jurados dos franceses, mais
espanhóis que os castelhanos, segundo a expressão de Richelieu, diante de
nenhum sacrifício para defender a praça. O assédio foi demorado, a ponto
de muitas vezes desanimarem os sitiadores. Sobre uma das portas zombava
deles o dístico que ficou célebre, atravessado de arrogância espanhola:
82
Ali se acolhiam e moravam os habitantes, até à data em que foi dada
ordem de evacuação, quando os o buzes noite e dia choveram sobre a
cidade. Arras foi escavacada pelo bombardeamento e, no entanto, em volta
de nós raro se lobrigam ruínas e vestígios da guerra. Mal soou a hora do
armistício, prisioneiros e operários de todo o mundo puseram mãos à faina
de reconstrução. H avia que fazer.
Poucas cidades sofreram como Arras dos fluxos e refluxos da guerra.
Canhonearam-na com igual encarniçamento uns e outros. Ocuparam-na os
alemães três dias; rechaçaram-nos os Aliados, depois de duro tiroteio, sem
olhar a desgraças; mais de mil obuzes caídos sobre o casario; ardeu o Hôtel
de Ville em gótico flamejante; veio a terra o beffroi, que era o mais alto de
França e o orgulho de Arras.
Desalojados, firmaram p é os alemães nas eminências fronteiriças, a
uma légua cerca, investindo-a pelas bandas de Este, S ouchez, Neuville,
St.-Waast, Blangy, Tilloy, Neuville Vitasse constituíam os redutos capitais,
donde o inimigo verajava com toda a sorte de artilharia. Nesta linha se
escreveu uma epopeia de sangue e de bravura que escurece a Ilíada. O
cemitério, situado no bairro de S . Salvador, teve de ser organizado defensi
vamente. Sulcaram as suas avenidas, esfuracando as campas, profundas
trincheiras em que, anos a fio, se abrigaram os franceses.
Em fins de 1 9 1 7, de 452 1 prédios, que contava Arras, só 292 estavam
intactos. A antiga abadia de St. Wast e a catedral eram um montão de
escombros; arrasada a igreja de S. João Baptista, em puro estilo gótico,
consagrada pelos revolucionários de 93 à deusa da Razão; estroncada na
capela das U rsulinas a torre alta, de quina para o plano da fachada; redu
zida a ruma de silhares e cascalho Notre Dame des Ardens, santuário, desde
a Idade Média, muito concorrido de devotos e romeiros.
Libertou a cidade do furacão quotidiano de ferro e de fogo a ofensiva
inglesa de 1 9 1 8. Só então puderam os foragidos vir procurar seus lares no
caos das ruínas. Mas é de têmpera dura o habitante do Artois. Em poucos
anos reedificou a sua casa, reconstruiu aqueles monumentos, de que tim
brava o seu património, reparou outros, desobstruiu ruas, alinhou, aformo
sou, e, hoje, poucas cicatrizes mostra Arras da longa e temível refrega.
Aqui vamos nós pelas ruas amodorradas, investigando, procurando à
luz dos lampeões eléctricos as pedras do calvário. Não se encontram, inte
gradas nas fachadas novas destes prédios de ar satisfeito e dormente. De
longe em longe, subcumieira solapada, depara-se-nos uma parede de tij olo
com os rombos formidáveis dos o buzes. Um companheiro aponta:
- Veja! Vej a !
E entremostra-se u m boqueirão p o r onde podia passar uma carroça
carregada, outras vezes, um pano de muro, crivado de largos e rotundos
orifícios, como um alvo, em ponto grande, das barracas de feira. Quando
83
estes vestígios se desvanecerem, Arras, dealbada da guerra, mostrará uma
face pimpante e rejuvenescida. E o pesadelo, como tudo, terá passado !
84
NOS CAMPOS DE BATALHA
DA FLANDRES
(Notas de Viagem)
85
tante as suas fábricas e teares, a faina fluvial, as 93 000 almas da sua
população, é uma cidade silenciosa. As ruas vão coalhadas de gente; os
talhos e as casas de secos e molhados, regorjitam de clientela; os sinos de S .
Leu e d e S . Germano chamam, para a missa - e nada s e ouve, o u todos o s
rumores, todos os sons passam pela inalterável taciturnidade do grande
burgo sem o ferir, à margem como trovoada ao longe.
Está ressarcida da guerra a cidade em que Roberto de Luzarches
ergueu a igreja ogival por excelência. Ocupada durante doze dias pelos
alemães, em Agosto de 1 9 1 4, ao tempo da marcha nach Paris, novamente
esteve em riscos de ser invadida quando da grande ofensiva de Ludendorf.
Sobre ela choveram os obuzes e torpedos aéreos. A catedral esteve enfai
xada de sacos de areia até acima dos pórticos durante muitos meses. O Belo
Deus, de olhos extáticos para o mundo, deixou de pisar a víbora e o
basilisco com sua planta de dominador; a Virgem Doirada, com o menino
na anquinha, por muito tempo faltou com o seu sorriso jucundo às mães
que passavam; emurados, os profetas e os evangelistas enoiteceram, falhos
da luz do S ol.
Mas o furacão passou; a catedral admirável perdurou intacta para
glória do génio humano; o antigo Bailio, a igreja de S. Remi, a casa do
Sagitário, foram reparadas. Da guerra ficaram para Amiens bilhetes-postais
ilustrados, a inevitável canção de gesta e o infalível monumento aos mortos.
Na rasa planície flamenga, a dentro do perímetro em que os nossos
soldados ont cassé les reins - na frase do general Capelle - à ofensiva
alemã, ergue-se também finalmente, uma memória aos mortos de Portugal.
A eles a cremos consagrada pelo que consta, que não pela legenda: Hom
mage du Portugal à la France imorte/le. Réduit de Lacouture, assim enfá
tica e exclusiva. Embora, com filigrama manuelina, à laia de crenéis, na
empena truncada, um Cristo, no reverso, ao estilo das alminhas da terra
portuguesa, ali assenta, ali está à beira dos caminhos como ex-voto da
nossa infinita piedade. E a despeito das palavras omissas, das palavras que
deviam identificá-lo, aquelas pedras brancas falarão como a página mais
vivida da História.
O nosso exército, o exército que ali veio bater-se um pouco nas tradi
ções do Magriço que rompeu lanças por damas formosas, envergonhadas,
não fez pender, decerto, o prato da balança militar, mas constituiu um
contingente apreciável. Cem mil homens, não menos, e, a julgar pelas quali
dades de resistência, iguais àqueles com que outrora Aníbal, depois de atra
vessar a Espanha, a França, os Alpes, fez tremer a grande e invencível
Roma. Uns como os outros haviam sido recrutados nas serras e vales
lusitanos, criados ao mesmo úbere e, se a crónica não é fabulosa, identica
mente sóbrios, tenazes e estoicos a morrer.
Com este exército consumimos bons recursos da nossa economia, doze
milhÕes de libras, que estamos a pagar com esforço, mas pontualidade. A
86
cota moral, que representa a nossa intervenção ao lado dos Aliados, acusa
relevo maior ainda. Quando nos lançámos na refrega não era a hora auspi
ciosa em que chegaram os Estados Unidos com a sua torrente inesgotável
de homens e de dólares. A cada passo, como no ring, os Aliados roçavam as
costas no chão. A vitória destes era mais que problemática. Os triunfos
alemães pareciam para muitos, etapas certas dum largo plano concebido e
em prossecução segundo leis matemáticas irrefragáveis. Ninguém fazia
segredo desta maneira de ver.
Seria curioso conhecer a mecânica da nossa intervenção, desde os
factores de ordem realista e nacional até os factores de ordem psicológica,
com suas actuantes e imponderáveis. A cartada foi j ogada em atitude de
desespero ou com o cálculo estabelecido de ganhar?
A primeira declaração, lida nas Câmaras pelo ministro dos Estrangei
ros, foi o que se chama um hábil instrumento diplomático, oportunista,
cedendo campo e guardando campo, unanimemente louvado. Daí até o
estado de guerra mediaram tempos e interpuseram-se muitos e graves suces
sos. Alguns destes, da exclusiva responsabilidade de Portugal, denotavam o
propósito, se não de suscitar o casus belli, de actuar utilmente ao lado dos
Aliados. Seria candura supor que os nossos dirigentes não previam a
riposta. Deviam-na ter previsto e a dialéctica com que se decidiram teria
sido esta: Se Portugal se conserva de braços cruzados, inevitavelmente
pagará /es pots cassés, quer em proveito da Alemanha vencedora, quer em
holocausto da "civilização" e dos seus campeões, juntamente com a Alema
nha vencida.
Verdade sej a que, segundo afirmações de um diplomata alemão, o
"kaiser" se teria prestado a lavrar do seu próprio punho um compromisso
que garantisse a Portugal, a troco da neutralidade, a integridade dos territó
rios mas que ministro se abalançaria em Portugal a selar tão perigoso e
fátuo protocolo?
Formando a par dos Aliados, duas hipóteses se deparavam: a do desas
tre, e perderíamos o que, observada a neutralidade, estava irremediavel
mente comprometido, aumentado do esforço de beligerante; a do triunfo, e,
pelo menos, escaparíamos a ser o bode da expiação.
Que os nossos políticos tenham medido na larga curva dos aconteci
mentos o alcance da nossa intervenção e, ainda, o desfecho do conflito,
equivaleria a atribuir-lhes uma intuição única na Europa. Não nos imagine
mos a consultar M me. Brouillard, mas sim, dotados de certa sensibilidade,
a tactear na sombra.
Outros argumentos, como a nossa posição política perante a Espanha,
a quem os Aliados estavam gratos por toda a sorte de cooperação encapo.,.
tada, reforçavam a tese da participação. E, possivelmente, outras razões
menos positivas, como defesa da Liberdade, do Direito, da Justiça e vários
e ponderosos truísmos tenham influído na consciência dos políticos. Que
87
assim fosse, a razão utilitária bastaria para justificá-los, ainda que nunca
mais se esgotassem as provas da controvérsia. Que a sua política foi a mais
acertada, proclama-o o seu próprio êxito.
Aos Aliados, que menoscabam quando não aviltam o auxílio que lhes
prestámos poderíamos dizer com desvanecimento que pegámos em armas
passavam eles um mau quarto de hora; e, em consequência, seria ainda
legítimo exigir-lhes que reconhecessem, se não o nosso espírito de sacrifício,
ao menos o nosso espírito de decisão. Mais que isso, ainda, poderíamos
reclamar a honra e o proveito de grandes obreiros da vitória. Não pelo
contingente dos nossos homens no mare-magnum dos exércitos e no sorve
doiro dos milhões. Mas porque Portugal foi o primeiro, dentre os países
que não tinham interesses imediatos em j ogo, o primeiro a romper a linha
da neutralidade. Fomos a nação que, na roda das nações assarapantadas a
ver o temível lidador do Norte derrubar, esmagar à direita e à esquerda,
gritou exaltada, perdõe-se-nos o termo: - mata que é danado !
Tivemos a audácia de iniciar a escouade no couce da qual, com ares de
fleugma, mas de certo trocada pelo alarido universal, veio a América do
N arte com a sua decisiva força.
Móbeis idênticos, observada a transposição, tanto podem conduzir
homens como colectividades. O factor sentimental move igualmente aqueles
e a estas. Será exagero sup or que, no estado de exaltação em que o mundo
se achava à volta de 1 9 1 6, o rasgo de Portugal não causou assombro e
contágio?
M ercê de uma política discontínua, nem sempre bem orientada, o
significado da nossa beligerância passou despercebido na Europa. A fatali
dade da nossa pequenez, se não uma fatalidade argamassada por nossos
erros, pesa sobre os destinos e a marcha da nacionalidade. Que os estrangei
ros, por ignorância ou por egoísmo, nos releguem a plano indevido e nos
esqueçam, compreende-se com o desespero na alma; o que. não se admite é
que sejamos nós próprios os agentes dessa penumbra. No monumento de
Lacouture é preciso acrescentar:
Aux soldats portugais, tombés en France, /e Portugal reconnaissant.
88
CRÓNICA DA QUINZENA
A uma senhora francesa, um pouco bas bleu, ouvi estas impress ões da
sua viagem a Portugal, na Primavera de 28:
"Fomos pernoitar a certa cidadezinha da Serra, uma que está empolei
rada de cima de rocha como um ninho de açor . . .
- Guarda?
"Isso, Guarda. Às dez horas, fazia lá frio e silêncio como num cemité
rio. Estava luar e, adormecidas na luz álgida, árvores e casas pareciam uma
paisagem de N atai, recortada em papelão. Deram-me no hotel, que esta
deava frontaria heráldica, uma ceia de monj a e, veja, dormi lá mais a
Nanucha como Deus com os anjos. Dir-se-ia que o meu corpo, por um
milagre de sugestão das rainhas afonsinas, encaixilhadas na parede, se
acomodara bárbara e regaladamente à dureza do enxergão de palha. Levei
a noite de um sono e de manhã ergui-me mais fresca que o abrótano dos
montes. Pela estrada deserta que a aragem picava de uma frescura seca,
digna, quase alpestre, com o vale ao fundo de que se não descobria pé, mas
um vaporzinho oscilante, e céu, só céu, tinha a sensação absurda de que ia
escorregar da Terra para os espaços sem fim, cair abaixo como cai um grão
de areia, ao pender o seu ponto de apoio, na bola que se faz rolar. E
vinham-me vertigens como deve sentir a criatura que vai de corrida pela
beira de um telhado fora, numa casa de sete andares, a olhar para o chão.
"Atravessámos uma vila fortificada, velha, muito velha, que me parece
estar a ver na fête foraine por trás de um óculo de vidro, onde cheirava
deliciosamente a pão ázimo. Chama-se, eu lhe digo . . . A terra daquele estu
pendíssimo padre, que teve mais mulheres que S alomão e foi um benemé
rito da espécie . . . ? Trancoso, não é?
- Sim, deve ser Trancoso. M as, minha senhora, o primeiro título de
glória desta terra memorável é o Bandarra. H omem de génio e de sovela, é o
Nostradamus de Portugal. Os viaj antes franceses, especialmente, permita
89
que lho diga, vêem, apontam, e deixam o melhor, o que nos honra, no
tinteiro.
"Descanse que nunca mais me esquecerei do profeta. Aqui para nós, o
abade é personagem muito mais interessante. único, uma força da natu
reza, uma espécie de Anteu, merecia ter a memória na praça com Priapo a
coroá-lo de loiros e a Teologia e Fecundidade, de mãos dadas, no pedestal,
a olhar para ele embevecidas. Parámos na terra a tirar umas fotografias e
cercou-nos uma alcateia de garotos, a pedir um tostãozinho, que, pelos
dados, deviam ser tetranetos do grande sacerdote. Vivos, suj os, mexidos
como demónios, bem se via serem descendentes de um génio. Traziam uns
os i rmãozitos às cavaleiras, e as pernas engatilhadas em volta do pescoço
eram como gentílicos colares de ébano. Outros davam pulos como saguins
e seus andraj os, cheios de rasgões, punham mais carne a desco berto do
que tapavam. Não havia dúvida, raça de homem e de fauno ! O absurdo é
que ao lado deles houvesse casas caiadas, candeeiros de luz eléctrica, e pas
sassem meninas de saia curta com cabelos à garçonne. Portugal é um
segundo Oriente !
"Almoçámos numa estalagem de quatro caminhos (Ponte do A bade),
trutas saborosíssimas, pescadas provavelmente no açude que íamos vendo e
ouvindo, enquanto comíamos, cachoar em baixo contra a barragem de
pedras, ovos tão frescos que só podiam ser da mesma hora, postos pelas
galinhas que no pátio cacarejavam seu enfado de parturientes, broa ainda
tépida, queij o de ovelha, tudo regado com um vinho dos sítios, que passava
titilando na garganta e sabia a amoras e framboesas. Bendita seja a terra
beiroa, pobrinha sim, mas verdadeira e leal no que serve aos hóspedes !
Andando, mal se nos deparou estrada inflectindo a Este, metemos por ela
certos de seguir o itinerário que nos aconselharam como pitoresco e não
vinha indicado na carta. E, graças, aquela estrada (Moimenta da Beira a
Tabuaço) inscrita a fogo na rocha viva, entre duas montanhas de igual
arcabouço, igual rompante, e tão próximas, que nem geminadas, era coisa
de pasmar. U ma das serras, pelo facto da nossa posição, não a medíamos
com os olhos, adivinhámo-la; outra, desdobrando-se em perspectiva, negra,
lambida por uma babugem de mato, de flancos a prumo, figurava-se-me um
formidável cavalo de bronze, batendo, louco, à desfilada. Do rio que
coleava no sopé, como lança daquela parelha monstruosa, nunca se enxer
gava lume, esquivando-se fundo e medroso entre alcantis e bosquedos.
Peneiravam águias e nebris sobre a paisagem dramática e, no silêncio de
sideração cósmica que reinava, com o H . 274, que não sabia o que era ir
devagar, correr por ali fora, era medularmente capitoso. Mas aquele cavalo
de bronze, galopando à estribeira, acabava por converter-se num pesadelo e
causar dores de cabeça.
Subitamente o horizonte abria em leque, oferecendo à vista um pano
rama da mais singular fantasia. A todo o lés, o solo mostrava-se recortado
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de degraus que subiam dos côncavos aos píncaros altos, compondo um
imenso e revolto anfiteatro. Terra caprichosa, rara, comparável para a mais
terra como a zebra entre os animais. Cidadela donde os Titans partiram a
escalar o Céu. De longe, parecia tudo baço, morto, silente, como destro
çado coliseu vindo do fundo dos séculos; passando, é que se dava conta do
chão enverdecido pela vinha, a oliveira, e todas as belas árvores de caroço.
Salvé, estavam na região do Douro, onde uma química misteriosa - sol de
inferno, terra feita de pedra, suor humano - engendra o licor sem par!
"Demos volta pela Régua e daí até Lamego a estrada em torcícolo,
coalhada de caminhantes, de carros de bois do tempo do rei Vamba, burri
cos tropiqueiros, rapsodos cegos com a rabeca às costas, cães a arremeter
das quintas, mocinhas leva que leva, lenço a escorrer do ombro, à sombra
dos soutos em flor, com o motor do carro sempre a cantar, ofereceu-nos um
variado e deleitável cosmorama.
"Na cidade que foi, segundo rezava o guia, berço do reino, tão absorta
que dava a impressão de esperar o Messias, um cataclismo, a sorte grande,
ou que o Fundador voltasse de chanfalho alçado, para matar a carriça,
fizemos alto. E na manhã seguinte visitámos outras cidades, que são de
Portugal e podiam ser da Arábia Feliz, tão pasmadas que levam a gente a
perguntar: de que vivem? Ningu ém o saberia dizer e outra interrogação
mais modesta se ergue no esp í r i t o : por que vivem? m,u ito menos se nos
oferece resposta, e como é preciso sossegar o entendimento diremos: vivem,
porque reza delas a geografia,· contraíram essa obrigação com o mapa
-mundo. O princípio será arbitrário, mas deixá-lo, sobre ele, à semelhança
das matemáticas não euclidianas, construo a psicologia sólida do burgo. De
facto essa psicologia explica-me a razão por que à porta do botequim,
homens de todas as castas têm ar de vender sombra, e não fazem mais nada
que enxotar as moscas; por que se vêem tantas sotainas e fardas; por que
entre a menina do segundo andar e o papo-seco da rua se estabelece aquele
desengonçado idílio; por que se não ouve um volante de fábrica e se ouvem
os voos das andorinhas riscando um céu de cetim. Explica tudo, actividades
e ralices, fisionomias e gestos, silêncios e vozes. Explica até o j umento que
vem pela estrada soalheira, muito senhor de si, muito felpudo na sua
samarra de Inverno, contando as pedras e os passos que dá. O homem que o
tange anda descalço, e o cabelo e a barba hirsuta formam-lhe na cabeça
estranha barretina de astrakan por baixo de uma barretina sebenta de
tropa. De cima da albarda traz o j erico uma tenda branca que parece
enfunar-se a vento de que se não sente o bafo. Quem viaja no caprichoso
palanquim? U m poeta, um santarrão, uma princesa encantada? Sabe-se lá
nesta adorável terra de maravilha! O azemel dá a volta e, horror! é um
monstro, um monstro que ri, que fala, que tem olhos, e nos fita da profun
didade de poço das suas órbitas, quem se abriga sob o velário. Está deitado
sobre o dorso; leva erguidas e nuas as peraas desmesuradas, só tíbia, só
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fémur, enroladas em pergaminho baço; leva os braços ao alto, só as canas
dos ossos, só a pele. E são estas pernas e estes braços irreais, imensos como
tentáculos de aranhão, que se espalmam nas extremidades em longas pás,
que erguem o toldo e, trepidando, lhe imprimem o doce arquej o duma vela
à bolina. No rosto, no tórax não se lhe lê a idade. Terá breves anos, mas
pode contar longos séculos. Dos faquires, como dos deuses, são invioláveis
os princípios. O burro passa pelo mentidero e o monstro clama numa voz
cavernosa:
- Tenham dó do aleij adinho !
"Qual d ó ! Os basbaques, cónegos, militares, vates, filhos-famílias, pi
rangas da rua, viram a cara, indiferentes ou anojados. O homem do kepi
fustiga desalmadamente o sendeiro, praguejando. Aqui está Portugal! "
92
CRÓNICA DA QUINZENA
93
enxovalhos do tempo e furos do caruncho, disse aquele pintor de obras
-primas:
- Antigo, não há que ver. E ou muito me engano ou estamos diante
de uma cabeça de M orales.
- Não está assinado.
- Este grande e desgraçado artista nunca assinava, nem era preciso.
O seu pincel é inconfundível.
- Mas por que é um M orales?
- Ora repare: vê esta linha do nariz, fino, ósseo, tão hebraico e, lá, ao
despedir da fronte este toque de dureza? Parece um estigma do modelo ou
uma falha de estilo e é bem uma das características das figuras de Morales.
Vale por uma assinatura. Olhe para a orelha, um pouco deslocada ao alto;
repare para esta carne macilenta, quase diáfana, estes olhos espiritualizados
a sofrer e tão humanos que parecem mais de uma criatura a chorar sobre si
que de um Deus a chorar sobre o mundo . . . Este tópico não é para omitir
num pintor espanhol. Realistas sempre; ainda que arroubados ao céu,
nunca se esqueciam da terra que pisavam. Observe a quebradiça esbelteza
do Cristo, a expressão de uma angústia sobre-humana, o perdão miseri
cordioso do olhar, velado pelas longas pálpebras . . . Quem poderia trans
portar para a tela todos estes mimos senão Morales?
- Poderá ser, mas não estou convencido . . .
- Atente n a barba e nos cabelos . . . Sabe o que Palomino diz deles no
Museu Pictórico e Escola Óptica: "parece que voam ao vento, se a gente
lhes soprar". Isto e o ascetismo magoado da fisionomia só podem ter um
autor: M orales.
- Parabéns; não o queria por cem francos . . .
- Não o cedo p o r cinquenta mil.
- Tudo imitação? - exclamou o amador de arte, ante toda uma
pintura proteica, babilónica, que escalava as paredes até o tecto.
- Nem tudo.
Aquele cenobita mirrado entre a cruz e a caveira?
- Um Zurbaran. Novo.
- E o lapuz de pantalinas . vermelhas a fazer tagatés à moça da
estalagem?
- Van Ostade. Novo também.
- A paisagem da vaca e dos p oldros?
Ruysdael; acabei-o há uma semana.
- Falsifica toda a espécie de pintura?
- Contrafaço, meu ilustre amigo, contrafaço. É uma arte subtil e
delicada.
- Como a da moeda falsa . . .
- Por quem é . Os vindouros serão agradecidos a o contrafactor de
hoje. Quando as o bras originais tenham rareado à força das mil e umas
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vicissitudes em que os séculos são férteis, quando estes quatrocentos anos
que nos separam das primeiras escolas não sej am mais do que um breve
lapso de tempo na vida provecta da humanidade, os meus falsos valerão
tanto e tão bem como as autênticas produções dos mestres . Terei contri
buído para a glória deles, enriquecido o património comum, e o meu
esforço será tid o como nobre e louvável.
- Assim será. Mas, pois que tudo é relativo, a sua obra, neste
momento, é tão pouco a recomendar que até está sob a alçada do código.
- Sendo certo que o porvir me dá razão, demonstrado está que a lei é
absurda. Mas ouça. . . Suponha que sou possuidor de um anel de ouro,
esculpido, vá, um anel maravilhoso, raro, que andasse nos dedos da rainha
Semiramis. Suponha ainda que lhe avaliei os quilates; o pesei até o mili
grama; lhe fixei os enfeites até a beliscadura imperceptível do buril; lhe
copiei a cor, e fundi ou lavrei um segundo, tão igual a ele como duas gotas
de água são iguais. Posto isto, pego no anel paradigma e derreto-o no
cadinho. Por que não há-de o meu segundo anel ser para todos os efeitos
o anel da rainha Semiramis?
- Por que não foi esse que lhe andou nos dedos. Materialista, como
é, não compreende o que de espiritual comunicaram à j óia os dedos reais.
- Não compreendo, de facto. Para mim existem formas, e não espíri
tos. A minha única realidade é essa; fora dela, tudo é convenção.
- É o seu critério!
O pintor das obras-primas foi à parede e despregou dois retábulos.
Colocando-os em duas cadeiras, apoiados contra a espalda e em boa luz,
disse:
- Estes dois retabulozinhos forjei-os eu integralmente de acordo com
o tema, a técnica, o estilo e até os materiais de dois mestres: Pisanelo, um
assombroso pintor do século XIV; Sano di Pietro, pintor menor da escola
de Siena. Deste Pisanelo, de que o Louvre possui o retrato de uma princesa
da casa de Este, e o British Museum um lanço da Legenda de Santo Eustá
quio, perdeu-se a obra capital; deste S ano di Pietro existem fragmentos da
Legenda de S. Jerónimo, no Louvre. Que faço eu? Estudo-os a fundo;
analiso-lhes à lente o colorido e a touche; tomo nota da madeira que
empregaram; o monge Teófilo no Tratado das várias artes; Eraclius no
Coloribus et artibus Romanorum, o próprio Leonardo de Vinci ensinam
-me superabundantemente que espéciue de aviamento se usava nas tábuas de
pintar; conheço a pintura à têmpera, única antes de Van Eyck; abro o meu
Ribadeneyra e vejo a vida de Santo Eustáquio para o Pisanelo, a de S. Je
rónimo para o Sano di Pietro. Escolho os episódios que não estão repre
sentados, porque se perdessem talvez, e, assim habilitado, com tintas amas
sadas por mim, em tábua idêntica à que empregaram, roubada a um
mamarracho qualquer se me é possível, transporto as figuras, as paisagens,
as cores, os módulos dos dois mestres, tudo condicionado, bem entendido,
95
pelo movimento da acção que vou descrever. Olhe para este Pisanelo: é o
desenvolvimento do retábulo de Londres, de acordo, ainda, com a Ginevra
de Este do Louvre. Vej a o Sano di Pietro: faltava o episódio do burro,
roubado pelos ladrões; aqui está com a graça cândida e saborosa, a frescura
juvenil do miniaturista. Por que me não seriam agradecidos Pisanelo e Pie
tro, pois que ressuscito a sua obra morta, com tanta fidelidade?
- É uma doutrina especiosa. Não representa essa arte um logro à
credulidade do próximo?
- À cobiça do amador, que é diferente. P ois se eu satisfaço todos os
requisitos exigidos no Pisanelo e no Pietro, o anedótico, o estético, o mate
rial, por que não hão-de valer como tal?
- Toda a discussão entre nós seria vã. O veredictum contra essas
práticas depende do prisma em que cada um se coloca. S o b o ponto de vista
moral, não têm defesa. Está o amigo rico?
- Pobre como 1 ob. Enriquecem os marchands de tableaux, que lan
çam mão de todos os pretextos para aviltar a importância desta espécie de
trabalhos. Tivesse eu uma loja na Avenida da Ópera e em poucos meses
seria milionário. Deste jeito não ganho mais que o rapin que vende do que
faz e assina. O que vale é o amador extraviado que aqui vem bater . . .
- Saem daqui todos os antigos mestres?!
- Em princípio não há pintor que não seja susceptível de contrafac-
ção. Mas os pintores são como os géneros de mercearia; alguns são dificil
mente imitáveis. . . os G oya, os Rembrandt, os Leonardo . . .
S e lhe quisesse comprar este Pisanelo, quanto pedia?
Não tem preço.
Porquê?
É uma encomenda.
Fabrica outro . . .
E u lhe digo, este Pisanelo não s e vende porque é verdadeiro.
Verdadeiro?
Como o S ol que nos alumia. Espanta-se? Aqui para nós, com a
fingida falsidade do Pisanelo faço acreditar como autênticos o falsíssimo
Morales e outros. Aí está e não diga nada.
- Nesta Babel de ardis e de astúcias, onde está a verdade?
- Está em toda a parte e em nenhuma parte, onde o senhor quiser. A
Beleza é uma coisa intrínseca, in se; o resto é ilusão. Muito do que há no
Louvre era suspeito; já não o é. Muito do que há por essas galerias da
Europa era falso como Judas; está criando foros de genuidade. A minha
obra é burla pura; quando os meus falsos estiverem a decorar as salas do
Rei do aço e do Rei dos presuntos, quem ousará afirmá-lo? Com mentiras
fabrica o homem as suas verdades; e o extraordinário é que com as verdades
alcança menos do que com as mentiras. Tudo é artifício da inteligência!
Têm ouvido falar da crise do cinema?. . . Com certeza que sim, como
têm ouvido falar da crise vinícola, da crise dos cereais, da crise da ordem, da
crise europeia, da crise de todas as actividades e indústrias que se exercem
prosperamente à superfície da terra. Há crise no cinema, porquê? Algum
tanto porque o teatro e o music-ha/1 se obstinam em reter nas suas plateias
uma dúzia de espectadores incorrigíveis; porque a literatura novelesca, a
doze francos o romance, ocupa ainda parte dos ócios da costureira, da bela
madame quando não recebe ou não viaja de automóvel, das pessoas de mais
de quarenta anos, que beberam os ventos intelectuais do século XIX, e do
homem de paz e de bons costumes; porque há ainda gente para ouvir um
recital de órgão; para moer a noite nos cafés; para j ogar a bisca; para
deambular nos boulevardes, e para deixar ao tempo, ao velho calvo que
desliza, pés descalços, sem se ferir, pelo gume da navalha de barba, o
cuidado de matar o tempo. O cinema desejaria o império absoluto, esga
nando de uma vez para sempre o teatro enfático � o teatro brejeiro, a
literatura recreativa e a lírica, a enervada e inócua pasmaceira, a tertúlia e
mais dispersivas e anacrónicas atracções do homem civilizado. Para isso
abriu salas em cada rua, em cada vila e aldeia, e os studios elevavam-se ao
aparato e grandeza de imensas e poderosas fábricas. Cabe lá o mundo todo,
como antigamente nas catedrais; Chaplin, Douglas Fairbanks, Pola N egri,
Mary Pickford, são os ministros do culto novo, mais enfeitados de dotes
físicos que os deuses do Olimpo. As receitas são colossais . . . e todavia não
basta, não é tudo. Porquê?
Na América, para contrabater o crescente retraimento do público,
criou-se o filme sonoro. Ficou coisa tão sincrónica e perfeita como o teatro;
mais do que cena, possui o movimento sem limitação de espaço e a mutabi
lidade contínua do meio. Uma fita custa somas fabulosas. Estudam a
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maneira de lhe associar o j ogo de volumes e de cores e não será já uma
interpretação da vida mas um traslado da vida como se nos depara a cada
passo na jung/e da sociedade moderna.
Os empresários de H ollywood, esperam assim prender o espectador,
ou antes, criar o hábito do filme, tornando-o tão fisiológico ou inveterado
como o de tomar a chícara do café, lavar a cara, ir à missa, ver as horas.
Embora tal esforço tenha pelo mundo uma feliz repercussão, obrigando
cada país a ter o seu cinematógrafo nacional ou a não ter cinematógrafo
nenhum, parecem-me pouco psicólogos os americanos. Nada mais enfado
nho e mirrado que a arte com "três dimensões". O homem bocej ou e boce
jará sempre na ilha de Calipso, isto é, ante a perfeição. Nada mais
empolgante que o mistério, nem mais envolvedor que o inacabado. O
segredo de muitos encantos está nisto, senão apenas nisto. Quando o
cinema perder o mistério que lhe vinha do silêncio das suas personagens;
quando estas falarem, impedindo o espectador de falar por elas para com os
seus botões; quando destacarem do transparente, angulosas e verticais
como na rua; quando se colorirem com a cromática toda que resta à imagi
nação do espectador, à sua inteligência, ao seu papel de anónimo com
parsa? Que fica lá dele nessa cópia ipsis verbis da vida dos outros? O
cinema, nessa altura, tornar-se-á uma arte aberta, sem limbos, monótona
como um aquário e prosaica como a Vénus de Milo com braços. Porven
tura reconquistará a clientela, mas não mais ilaqueará os delicados como ao
tempo em que era o monocórdico desenrolar de uma historieta. Como
forma de arte terá vivido. Devassada, ao alcance do vulgo, que lhe conhe
cerá todos os trucs e quindins, sem vago, sem indefinido, cumulará as
aspirações mentais das grandes massas. As letras, o teatro, que nunca per
derão o seu quê de factura hermética, voltarão ao fulgor e engodo antigos,
e será um lucro contra um prejuízo na balança do progresso humano.
Nos últimos tempos o maior inimigo do cinema europeu, aparte o
russo, que nunca pactuou com o gosto do público, sabemos nós que não era
a concorrência dos �mericanos, mas a sua soporífera e desoladora ba
nalidade.
Neste particular, os franceses tinham a palma. O espírito dos seus
filmes roçava pelos romances de Georges Ohnet, Dekobra, e as pachocha
das de Labiche. Ainda quando adaptaram Stendhal ou Zola, não perdiam
de vista o padrão.
Em conformidade haveria que rebuscar a influência social do cinema
francês no sentido das ideias e das paixões expostas por tais autores. Que
ela seja superior à da escola, se sobreponha às forças tradicionais, é temerá
rio inferi-lo pelo balanço de uma geração, que a tanto atinge a idade do
cinematógrafo. M as esse figurão que para aí corre, desmiolado como um
frango e vistoso como um uistiti, que não tem outro ideal que gozar a vida,
que não orienta a sua acção para outro objectivo que enriquecer, precoce-
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mente vicioso, decerto que foi paraninfado pelos Rodolfos Valentinos do
écran. Da mesma maneira a menina moderna aprendeu o ar andrógino, os
ademanes, os tics das stars célebres. Foi o cinema que introduziu em Portu
gal o beij o à pleine bouche, beij o de que nunca falaram os romancistas mais
perversos e que encheria de horror as velhas gerações de tias educadas nos
recolhimentos de freiras.
De certo o cinema foi por outro lado um agente de democratização por
excelência; casamentos de businessman com a dactilógrafa só o filme ameri
cano ousou romanceá-los; igualmente, amores de príncipes e de pastoras ou
de pastores e princesas, depois da novela bucólica do século XVI, tinham
caído em desuso. Até certo ponto o cinema ensinou ainda o desprezo do
perigo e o culto das belas formas, o que foi, fora de dúvida, uma virtude,
mas criou um tipo de galã, parado, cara dura, pobre de ideias, rico de
rastaquouerismo e uma forma de elegância yankee glabra, fatal, que esca
pou aos estetas de todos os tempos, e nos nossos climas europeus só pode
ser envelope de aventureiro ou mariola. Estes tipos têm provocado o deses
pero e a queda de muitos Celadons e de muitas Ofélias, desmanchados da
sua inclinação pelo paradigma raro da beleza cineasta.
Foi ao serviço da cultura geral um óptimo veículo, de modo que seria
absurdo condená-lo em nome da moral. A moral que ele propagou sim, é
que é condenável. Mas não se afigura a ninguém que pronunciamos aqui o
panegírico de uma arte morta. O cinema entra, apenas, em nova fase, da
qual somos, em nossa consciência, maus augures. Quando uma arte assim
transborda sobre as outras, tentando escravizá-las, e a sua técnica atinge o
ponto morto do apogeu, não tarda que decline.
Ultimamente exibiu-se nos Campos Elíseos uma companhia italiana de
marionettes. Eram estas prodigiosas de movimento, dando quase sempre a
ilusão da vida. Faltava-lhes para serem actores como na Comédie ou na
Opera a estatura. De resto, mímica, jeito, andar, vozes, eram duma simili
tude flagrante. Ao fim, perguntava-se ao espectador: é isto o Guinhol? O
Guinhol, com o Roberto espertíssimo e o gendarme amachucado à pan
cada, eram outra coisa, figuras toscas, com movimentos sintéticos, falando
pela garganta roufenha do pantomimeiro. E, todavia, este palco de bonecos,
manobrados por grossos cordéis, tinha mais encantos que o sábio teatro
dos piccoli dos Campos Elíseos.
E lembra-me aquele episódio de Petit Pierre quando, de manhã na
cama, com os cinco dedos rep resentava as farsas maravilhosas e imaginati
vas de uma companhia inteira de saltimbancos. Um belo dia, lembrou-se de
caracterizar o seu elenco, desenhando olhos, narizes e bocas nas cabeças
dos dedos. E foi o desastre. Os figurantes desapareceram para nunca mais
do tablado mágico de Pierre.
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O "P A YS BASQUE"
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mesmo amor à independência, o nobre, com solar de roca, e o cavador, com
a sua casota de empenas de madeira e vertentes desiguais, sabiam igual
mente manejar o arco e a laya. Através dos séculos comportaram-se nas
portelas dos seus montes como guerreiros acossados no castelejo. Porven
tura os Pirenéus tenham sido a derradeira fortaleza da grande raça. Ainda
hoj e guardam os seus cunhos de nobreza: imponência, lealdade, valentia, e
até uma religião severa e exaustiva.
Na dança, na poesia, nos j ogos, são eles, caracteristicamente eles. Em
Mauléon baila-se como não se faz no resto do mundo; nas suas pastorais
andam associados os deuses do Olimpo e os santos do calendário; de chis
tera em punho, remetendo a péla, na corrida, no j ogo da barra, lembram os
gregos pelo culto que votam aos exercícios de força e agilidade.
As mulheres não são feias, se bem que alheias à garridice; a sua cor
predilecta é o preto. São, em geral, trigueiras e medianas de estatura. De
fisionomia extremamente móvel, seu perfil é em regra vertical, nariz
romano, testa direita, mandíbula curta e robusta.
A capital da terra vasca é Baiona, nunquam polluta, reza o brasão, no
que condiz com a filáucia dos habitantes. Cortam-na em retalhos o Adur e a
Niva. À boca da estação cresceu o bairro do Saint-Esprit, com seus judeus
portugueses e espanhóis, tendo-lhe dado o nome um templozinho de telhas
vetustas e pedras a esmiolar a velhice, bem como à ponte, a várias tendas e
estaminets e ao hotel que, para serviço dos curas e dos paroquianos dos
subúrbios, assoldadou um batalhão de raparigas novas, indumentadas de
branco, ao mesmo tempo espanholas no donaire e francesas na graça. No
tope do largo tem este mesmo hotel uma sucursal e vêem-se nas suas vestes
de linho ir e vir ligeiras e buliçosas, como sacerdotisas exercendo, por
turnos, um amável e secreto culto. E sej a magia da palavra, seja obséquio
das coisas ao augusto nome, há ali um cheiro de catolicidade, mais que o
relento trazido pelas sotainas, mais que o halozinho de sedução que irra
diam as mocinhas, todas, por certo, filhas de Maria. E é como se o bairro,
coalhado de hotéis e casas de pernoitar, sob a égide do Paracelso, realize a
fusão da sacristia e da alcova, o limbo sacro-profano do país vasco, igual
mente ardente de sangue e de religiosidade.
Rolando grandes massas de água, vem o Adur em recta desde a ponte
do Caminho de Ferro, cujas aspas formidáveis e o duplo galão dos arcos
aéreos contra talham os fundos opalinos dos montes de M uguerre. De curso
orientado ao sabor da luz, as suas águas reflectem como um espelho a rosa
do sol, as nuvens fugazes, o próprio voo das garças. Obliquando, reluz a
Niva, por entre quarteirões de casas, no Quai des Basques, onde os prédios,
apertados uns contra os outros, lembram infólios numa estante, no Quai
de l'Entrepôt, com gelósias e reixas versicolores a cantar ao sol como nos
Canaletos, na ponte de M ayou, a que o hotel de Bréthons, varandins de
ferro forjado, cachorros e torsas de portais em fina lavra, dá o encanto, um
1 02
pouco melancólico, dos estilos reais desaparecidos. E Adur e Niva, estrei
tando os muros abalaustrados do j ardim do Reduto, em ponta como a
quilha de uma nave, confundem-se, mal soluçando, mal balouçando as
embarcações no seu oiro liquido de que se exala uma fumarola muito ténue
de âmbar. Fragatas sobem e descem o rio, a vela panda pelo vento do mar,
à popa os tripulantes landeses, de cara e mãos cortadas à enxó em cerne
negro. Gaivotas adormec�m ao lume de água e parecem ninfeias flutuando.
E na grita, na faina, num ou noutro gesto de navegante, renascem as so
noridades do tempo da pirataria.
Da banda de lá do arrabalde do Saint-Esprit, a casaria empilha-se com
ruas perpendiculares que parecem acompanhar o movimento dos transeun
tes a descer para a ribeira. Cunhais escuros de pedra, empenas envicilhadas
nas empenas, persianas de mil tons, cumieiras de variado ângulo, e, ao alto,
as flechas da Catedral, enfrentando a cidadela de Vauban, coroa maciça de
bronze. Ao fundo do Château Vieux, timbrado pelos leopardos britânicos e
pelos lis de França, a todo o correr do Adur, o verde do arvoredo e o
gris-pérola das águas compõem à cidadezinha como que um caprichoso e
variegado roda-pé.
Pelas noites estivais, nos cafés da Praça gemem harpas e violinos; o
burgo não escapa a esta fisionomia de hipersensibilidade que a luz eléctrica
dá à conglomeração humana depois de fechados os armazéns; as alamedas
marginais figuram espumosos bulcões de sombra; as luzes dos navios, das
pontes, dos cais reflectem-se na água trémula, e tem-se a impressão de que a
cidade, todo o trecho claro-escuro da cidade, assenta sobre frágeis e .ver
guias estacas de oiro.
1 03
CRÓNICA DA QUINZENA
1 05
das fontes, entre rochedos. Mas a sua cobardia perante o mundo desconhe
cido que há no homem, nos costumes, nas coisas da terra estrangeira,
reprimiu-o, caminhando mais além.
Quando, depois de grande tortura, chegou a uma aldeia, destas enor
mes aldeias castelhanas, de balbúrdia e de silêncio intercadentes, com a
igreja ao alto, tão monstruosa que as casas, de longe, parecem aj oelhadas
em redor, estirou-se como morto à sombra de uma parede. Por ele passa
ram labrostes de figura velazquenha, secos, de brilhante e rápido olhar,
mulheres da jorna, caídas de um retábulo das alminhas do Purgatório,
chicos tisnados, tagarelas e pinchões. E ninguém se importou com o monte
de dor e de idealidade, a rastos na terra nua. À s moças que voltavam de
cântaro à cabeÇa pediu uma sede de água e, ao contrário da usança bíblica
da sua terra, lha negaram, apontando com gesto expedito na direcção do
poço:
- Vaya usted aliá!
Mas baixou a tarde, arrefeceu o ar, de tempos a tempos trazido nas
refegas do vento, como baforadas de um forno, o hálito adusto da planura.
Na taberna, a matar a fome e a sede, gastou a moeda de trocos de que se
não aproveitara o mentor. Não davam para a dormida as perras restantes e,
cabisbaixo, se foi dali.
Outra vez se viu sozinho entre céu e descampado. Quando o luaceiro
do pueblo se fundiu com as tintas do escurecer, quando os rumores se
desvaneceram de todo na lonjura recorrida, sentou-se na ribanceira do
caminho.
Quebrantado do corpo, mas resoluto de ânimo, muito tempo esteve a
cismar. Quando ergueu os olhos, o céu tinha enflorescido; e de lés a lés, o
livor sidéreo envolvia a terra, e nos longes, nas linhas dos trolhos, na mais
leve bossa do solo, na condensação visual do ar, todas as formas se erguiam
e apagavam. De repente, a doçura inebriante, indizível que sentia, definiu
-se. Eram os aromas, os mil aromas da estepe que, ao bafo nocturno, se
erguiam voláteis das touceiras queimadas pelo sol, e boiando, o penetravam
numa ablução voluptuosa. Desatavam-se de todos os arbustos humildes,
escapos à foice, ou medrando à beira dos cómoros, o codeço, o rosmani
nho, a vela-luz, a lavanda, a luzerna, a anémona silvestre, o mentrasto,
como de poros secretos, luxuriosos, da terra áspera. Mas sobre a deleitação
paradisíaca dos perfumes, um ralo começou a solfejar magoada cantilena.
S olfej ou, e ouvi-lo foi-lhe grato como senha de simpatia universal de
vivente para vivente. Por cima da toadilha, da suspensão aluvial dos bálsa
mos vegetais, o silêncio esposava a terra sob o velário das sombras. Era a
noite, a noite sensual e profunda da planície castelhana, cantada por Frei
Luís de Leão.
Quando despertou, cucuritava a calhandra no restolhal. Caía um rocio
muito fino e álgido e transmudava para violeta o palor da luz. Estava a
1 06
romper a alba e, pegando do saquitel, e batendo os pés entorpecidos, se pôs
a caminho, mais além.
A impressão que lhe causou ouvir os seus passos, cortando a imponde.,.
rável mudez, foi-lhe estranha e azougadora. Ouvia-os, como se estivesse
fora de si p r óprio e pareciam-lhe destituídos de sentido, sem conexão com
um corpo humano em marcha. Tinham, além disso, o seu quê de absurdo e
contranatural na absorta e misteriosa planície. Eram um desafio à terra,
àquele cadáver de terra, sem um arroio nem uma sombra. Projectavam-se
num ritmo discorde, e a sua bulha soava falso na nave circunferante, ador
mecida. Não eram próprios daquelas ravinas, abertas pelos aguaceiros e
pelos carros góticos, nem daquele barro ensanguentado, retráctil a tudo o
que não seja casco de muar e tamanco de brocha. E, ainda fora de si, como
charro em seu bardo ou bufarinheiro puxando o jumento por atalho
paralelo, se dizia:
- Ali vai desgarrado.
Mas no firmamento foram desfalecendo as estrelas, esvaindo-se os
incensos, rareficando-se, e viu galgar por cima dele, como rebanhos de
ca bras bravas, a galope para os confins do planalto, os bulcões negros da
noite. A implacável horizontalidade da terra foi-se alargando em sua ama
relidade e secura. Também ali nos ermos o dilúculo da manhã entornava
suas represas de açucenas e cravos brancos, e a terra alvorescia como uma
noiva. Por cima dele passaram corvos grasnando e figurou-se ouvir-lhes
dizer, guturais e soberbos:
- Castela! Castela!
De facto trilhava o chão de Castela, onde não quedou romano, nem
godo, nem moiro, inquebrantável o fero homem, como certas ervas mani
nhas que, pisadas, mal se levanta o pé, se endireitam logo. Semente de cão e
lobo, ali medrou a cepa mais agreste do género humano, para glória dos
céus e dos infernos. Nada a abalou, a alma cavada pelo vento, pelo sol, pela
neve em rugas fundas, mais vinculada à terra que a rocha dura.
Levado, tupa que tupa, na sua febre, repentinamente ouviu atrás de si
uma gemebunda p/ayera. Voltou-se: era um homem que vinha tropicando
no burrinho e a cantar. Pequeno e redondo, quase escondido pelas orelhas
descomunais do azemel, só Sancho Pança voltando elegiaca,mente da Ilha
de Barataria, rasgada a carta de realeza. Mas o homem, sentindo desperta a
atenção do caminheiro e alvoroçada, porventura, a imaginação trágica,
calou a cantiga e encostou o asno para a rampa, afrouxando-lhe o trote.
E, as órbitas negras de moiro a nadar em branca de ovo, todo em guar
da, picou à frente.
Numa tasca propôs a venda do relógio que levava e era de prata.
Abanou a cabeça o taberneiro, desconfiado. Mas, ouvindo-lhe o tiquetaque
esperto, vendo-lhe os algarismos barrando de sable o campo branco, admi
rando o ponteirinho dos segundos a rodar faceto como um gnomo, de
1 07
engenho trivial, traduzindo contudo uma civilização e contendo o seu quê
de maravilha para olhos leigos, o homem se deixou tentar.
Comeu e bebeu, e fiado na aragem enganosa se pôs a caminho, mais
além.
S entiu depressa a mordedura do sol e, a fugir-lhe, estugou o passo.
Diante dele, desdobrava-se a campina invariável, monótona, mais direita
que a palma da mão, cortada pelo macadame como por um gilvaz. Nem
folha, nem lume de água. Mas a todos os pontos do horizonte erguiam-se os
rolheiros de trigo como zimbórios doirados. Ranchos de segadores abatiam
os últimos retalhos da messe, e seus espanejamentos claros punham efusivo
alvoroço na terra siderada. Pontuando caprichosamente a paisagem, aque
les morriões de palha tinham a magnanimidade de dar sombra, mimo raro
nos trilhos de Castela.
A roda do meio-dia, em sítio onde não havia gente e reinava a paz
inconsútil dum mundo morto, acolheu-se a uma dessas sombras providen
ciais a repoisar. Sob a brasa da canícula vibrava o ar, muito branco e ágil
como chama de álcool; ao largo, para lá do mar de fogo do primeiro círculo
visual, havia um mar de sinopla e cinza, até a confusão de céu e terra num
fuminho baço. Feria a vista o espelho ofuscante dos horizontes e, fechando
as pálpebras, o ouvido ocioso sentia o rechinar das paveias, as convulsões
sedimentares do húmus, e perdida, agónica, como um suspiro, a cantilena
duma cigarra. E a voz flébil fê-lo reportar à terra portuguesa, com a poupa,
o cuco e o marantéu, dentre os carvalhais a cantar j ovialmente sobre a
calmaria brava. E da contemplação deliciosa, resvalou num reconfortante
quieto sono.
Ainda o sol da tarde abrasava, meteu-se novamente a caminho. De
rota batida, indiferente ao panorama sempre o mesmo - rolheiros cónicos
ou em redondo, planura estiolada, horizontes sequiosos - marchou, mar
chou, vergado, olhos em terra, como se motor invisível fosse à frente a
puxar-lhe o cadáver. E nessa noite deu-se o regalo de uma enxerga depois
de cear um prato de gravanços e meia garrafa de vinho;
Ainda os galos não tinham salvado à madrugada, já ia povo fora
tropeçando. Estava ansioso por sair daquele inferno, e punha raiva e
denodo em caminhar. E o seu drama, nos dias seguintes, repetiu-se invariá
vel, monótono, um passo igual a outro passo, como a própria natureza
castelhana.
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CRÓNICA DA QUINZENA
1 09
dependência ou subalternidade. Deverá fazer-lhes ver quanta glória não
alcançaram perante o mundo na sua intransigente atitude adoptada para
com a corte romana aquando do litígio da nomeação dos bispos e do
direito que assiste aos portugueses de elegerem rei, em contra do que suce
dia outrora, sem o prévio beneplácito papal. . . Por outro lado, como para os
espanhóis seria mais doloroso que arrancar-lhes os dentes verem-se coagi
dos a rebaixar o orgulho e alto crédito da monarquia, tratando de igual
para igual com um povo súbdito rebelado, tudo leva a crer que tal pomo de
discórdia, sendo habilmente j ogado e aproveitado, poderá por si causar o
rompimento das negociações ou, pelo menos, erguer tais obstáculos à sua
conclusão que, dado que é próprio dos negócios deste mundo não se conser
varem por muito tempo no mesmo pé, qualquer incidente de nada pode
contribuir a que dêem em vasa-barris as boas intenções das duas partes". A
monita é arrevesada de forma mais subtil de pensamento. Tratava-se de
impedir o tratado de paz entre as duas nações peninsulares a bem das armas
de França, empenhadas contra Espanha na Catalunha e País�s B aixos.
Ma s , além deste passo, a cada h ora se ouvirá a voz de máitre- Renard,
melíflua, capciosa, lisonjeira, ao ouvido do rei, da rainha, dos co nfess o res
do rei e da rainha, e cortesãos influentes.
Nem sempre os portugueses escutarão até fim, com mesura e circuns
pecção, a palinódia farisaica. Basta que esteja à testa dos negócios um
conde de Castelo Melhor para o enviado de Mazarino, marquês de Choup
pes, arquivar esta resposta altiva: "Sabemos muito bem o que temos a fazer
e não precisamos dos conselhos da França para nada. A nossa resolução
está assente; não lhe dêem cuidado os espanhóis; temos forças bastantes
não só para lhes não deixar pôr o pé na nossa terra, mas para os levarmos
cinquenta léguas diante de nós, a toque de caixa."
No Marquês de Pombal encontrará o cavaleiro de Clermont d'Am
boise um político de alta escola, avisado, culto, matrei ro, para quem os
ardis e tramas da diplomacia são leitura corrente e sabida. Injustos e por
isso mesmo indículo certo da envergadura do marquês estes traços com que
o duque de Choiseul o desenha para uso do plenipotenciário: "É um homem
de carácter duro e imperioso. Deixou em Londres e em Viena reputação de
criatura ordinária, sem nenhuma espécie de superioridade, e não consta que
se tomasse de simpatia especial por alguma destas cortes. É certo, porém,
que menos favoráveis são as suas disposições para com a França e a Espa
nha. Falso por índole, compraz-se no exercício do poder absoluto e arbitrá
rio. Altivo por temperamento, não suporta a contradição, mas é susceptível
à lisonja e às deferências que lhe testemunham, e sendo este o seu calcanhar
de Aquiles, por aqui se deve tomar. O cavaleiro de Amboise pautará, em
conformidade, as suas relações com o conde de Oeiras, evitando com o
maior escrúpulo que chegue a suspeitar da desconfiança que temos, sobrada
razão para conceber sobre a lisura dos seus processos. De contrário, seria
1 10
feri-lo na presunção e todo o nosso valimento iria pela água abaixo. Sejam
quais forem os seus princípios de moral e as suas máximas em política,
recomenda-se, a bem do serviço de el-rei e do êxito da missão do cavaleiro
de Amboise, conciliar, se é possível, a amizade e confiança deste ministro,
canal único e necessário pelo qual correm todos os negócios da corte de
Lisboa."
Este rápido e grosseiríssimo perfil, a dar-se à linguagem diplomática a
condigna interpretação, mostra bem o estofo do primeiro ministro de D.
José. O gabinete de Versalhes detestava-o porque, mais de uma vez contra a
França, teve de defender com denodo e até arreganho os interessei e brio de
Portugal. Saint-Aymour, que fez a compilação destes documentos no Quai
d'Orsay, comenta deste modo as referências menos lisonjeiras ao marquês:
"A queda do grande ministro foi para Portugal o pior dos desastes; quando
morreu aos oitenta e três anos podia dizer da sua terra o que o cardeal
Alberoni disse da Espanha ao deixar o poder: Portugal é um cadáver que
reanimei; desapareci, voltou a deitar-se no túmulo."
Um dos períodos da história de Portugal em que a intervenção de
agentes franceses se torna notável é o que antecede a revolução de 1 640.
Desde 1 629 que Richelieu prestava ouvido atento aos sobressaltos de Por
tugal. Por via de regra, os seus espiões eram recrutados nas ordens religio
sas, a capa de santidade preservando-os melhor que qualquer atavio da
suspicácia dos portugueses. Em 1 63 8 despacha aos nobres, que conjuravam
em volta do duque de Bragança, o cavaleiro de Saint-Pé, o qual por sua vez
delega noutro, não se sabe por que carga de água, a melindrosa embaixada.
Nas instruções que lhe foram dadas, dizia-se: "Veja se os portugueses estão
resolvidos a revoltar-se ou não. Caso afirmativo, a França compromete-se a
socorrê-los com um exército de doze mil homens de pé, quinhentos cavalos,
quinhentos homens com selas, armas e pistolas, para equipar em terra
portuguesa, e uma frota de cinquenta navios. A França nada exige em troca
deste auxílio; as conquistas que se façam reverterão em benefício do rei.
Quer assim o duque de Bragança? Se quer, quer; se não, manda-se aos
portugueses um descendente dos seus últimos reis."
As hesitações do duque de Bragança começavam a enfadar não só
Richelieu como os portugeses. Os conjurados falaram até em proclamar a
República no molde da dos Países Baixos. Pinto Ribeiro, a quem mais tarde
D. João IV havia de dizer: "Que pena eu tenho que sejas plebeu para te
poder recompensar", mercê da sua palavra persuasiva, conseguiu dissuadi
-los deste intento, argumentando, porventura, com as dificuldades em que
iria esbarrar um regime tão pouco a gosto da Europa ferrenhamente
monárquica. De longe, ao que transparece dos documentos publicados,
mantinha Pinto Ribeiro entendimentos não só com o duque de Bragança
mas com Richelieu, por intermédio de um certo Broual, francês estabele
cido com loja de joalheiro em Lisboa.
1 11
Na estranha odisseia de Casimiro da Polónia, irmão do rei Ladislau,
querem os entusiastas de Richelieu ver a solicitude com que ele cuidava do
problema de Portugal. Aquela personagem fantástica, que foi sucessiva
mente soldado, jesuíta, cardeal, general dos cossacos, rei da Polónia em
seguida ao irmão, e que devia morrer amortalhado na túnica de monge, teve
a veleidade de ir governar Portugal por conta de Filipe III. Seria chamado a
este posto por confiança do rei de Espanha, feliz de encontrar no condot
tiere, pau para toda a obra, um príncipe de sangue, disposto a tiranizar em
seu proveito um povo oprimido mas não resignado? Ignora-se. Os misterio
sos projectos do aventureiro foram divulgados, tanto que a Gazette de
France publicava ao tempo a informação seguinte: "O príncipe Casimiro
partiu de Varsóvia a caminho de Viena, daqui seguirá, por Itália, para
Espanha, onde espera ser nomeado vice-rei de Portugal."
Infaustamente para o aventureiro, Richelieu p ôs-lhe espiões à perna
mal pisou o solo de França. Tendo-lhe dado na fantasia para visitar os
portos de guerra, foi preso em nome do rei e encarcerado no castelo de
Vincennes, onde descansou por longos meses, não obstante as súplicas, as
ameaças, e a intervenção do mano, dos projectos ambiciosos. A essa altura
murmurava-se pelas cortes da Europa que, havendo sido desligado Filipe
IV das promessas feitas pelo avô ao subir - ao trono português por uma
assembleia de hábeis teólogos e casuístas complacentes, Portugal ia ser
riscado da lista das nações e incorporado pura e simplesmente na monar
quia espanhola.
1 12
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A TOURADA EUROPEIA
No Senado, a ·.discussão sobre AS REFORMAS OPERÁRIAS, vai ser activamente entabolada.
L' Assiette au Beurre
J A PO N A I S E
A D A RA M A K A R O ·
(Esta ASS/EITE AV BEURRE japonesa é da autoria de um nipão chamado CÂMARA que, provavelmente
influenciado por uma geisha que lhe deu a beber uma pinga de sakê, decidiu baralhar as sílabas do seu nome e
rubricar A DA KAMARA DO. Chinesices do tempo . . O que é digno de registo é que este número de l'ASSIETIE
.
- Wellington entrou por ali - disse o meu amável guia, virado para
terras de Espanha e apontando a fita branca da estrada que coleava pelas
faldas · dos montes até se engolfar ao longe no desfiladeiro de Roncesvales.
Antes da via férrea transpor o Bidassoa, insinuando-se pelas ravinas do
Choldocogagna, a porta principal dos Pirenéus era esta. Não tinham melhor
caminho os belfurinheiros e almocreves que traficavam entre a Navarra e a
terra Basca. Ainda não há cinquenta anos passavam por ai, dia a dia,
rédeas, de mais de cem machos, aj ouj adas de campainhas e penachos ber
rantes, permutando os produtos espanhóis, vinhos, lãs, azeites, pela quinca
lharia e fazendas de França. St. Jean-Pied-de-Port, a cidadezinha que vê
hoje em decadência, era o empório magnifico das duas nações. A par,
constituía, pela sua posição, a chave militar da cordinheira pirenaica. Por
isso andou de mão em mão, até que Vauban a fortificou com tanta arte e
segurança, chamando-lhe ele próprio a sua bombonniere, que a tornou
francesa de uma vez para sempre.
Do alto da cidadela onde estávamos, via-se quase toda a cintura da
muralha, de um vermelho-rubro como se fosse de cobre, tão sólida como se
a acabassem de construir, contornar o casario, com seteiras à altura dos
peitos, trechos do fosso, e as quatro portas perfiladas aos quatro pontos
com seus crenéis e guaritas. O rio cortava a cidade em duas e o panorama
do bairro ribeirinho com as casas alinhadas sobre a água, j anelas e sacadas
multicores cantando ao sol, para lembrar os canaletos só lhe faltavam
gôndolas. A toda a volta, como diadema de oiro fulvo, os montes subiam
em pendor suave, com rocha viva nos picos, mato, relva, sementio e vinha,
sucessivamente, a galgar para o vale onde a povoação se encastoava qual
pérola na concha, mas, no segundo plano, píncaros altos espreitavam e
eram os famigeradas montes, sentinelas de Roncesvales.
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- Lá em baixo - tornou o guia, estendendo a mão a oeste - fica o
Passo de Roldão. Utheca Gaiz lhe chamam os bascos, isto é porta exco
mungada. Reza a lenda que o guerreiro, chegando ali, encontrou o caminho
cortado por um imenso rochedo. Não esteve com meias medidas e, dando
-lhe um formidável pontapé, abriu aquele óculo por onde o senhor passou
com o automóvel.
- Reparei no óculo, de facto. Nem uma mina de chedite faria aquelas
bonitas obras. Pelos vistos, um pontapé do tal Roldão atirava com um
patife à lua.
- Não zombe da fábula. Não leu no seu Tito Lívio que Aníbal pulve
rizou muito fragoedo dos Alpes acendendo lume por cima e deitando-lhe
vinagre? Olhe, esse também devia ter atravessado por aqui à testa dos seus
lusitanos e outros iberos. A história não é precisa neste ponto, mas sup ô-lo
não é vão, porque outro conduto não existia, a rota das invasões era esta.
Vê além aquele pico? É Altobiscar. No sopé travou-se a batalha em que foi
derrotada a retaguarda do exército de Carlos Magno e o sobrinho dele
perdeu a vida. H á um poema basco que decanta o facto, e se pode conside
rar o reverso da Chanson de Roland. A súmula é esta: "Ouviu-se um grande
brado no meio dos montes e o senhor da casa veio à porta: que será? Que
me querem? O cão que estava a dormir soltou do ninho e encheu os cônca
vos de Alto biscar com ladridos furiosos. No barrocal de lbaneta vai grande
rumo·r. Repercute contra as rochas. É o inimigo que se aproxima. Soam
buzinas, o dono da casa afia as flechas. Lá vêm, lá vêm! Que ouriço de
lanças ! Flutuam no ar pendões e flâmulas; cintila o aço. Quantos são?
Conta-os, menino, conta-os bem. Um, dois, vinte, mil, dezenas de mil. Não
têm conto. Vamos a eles; j oguemos-lhes sobre a cabeça todos estes penedos;
façamo-los em lama. Que vinha cá fazer aos nossos montes se Deus os fez
para ninguém passar por eles?!
Os penedos esmigalharam as tropas; é um mar de sangue. Se tendes
cavalo, fugi à rédea solta. Foge tu, Carlos M agno, com a tua pluma negra e
manto vermelho, ao vento. Roldão, o invencível, vai ser pasto dos corvos. E
agora, ó Bascos, sus a eles, que debandam aos quatro pontos. Quem vê as
oriflamas e estandartes? Quem vê faiscar as armas brancas? Onde está a
seara eriçada das lanças? Fogem, fogem, os que não baquearam no desfila
deiro. Conta, menino, os fugitivos . . . Quantos? Conta bem . . . vinte . . . deza
nove. . . dez. . . um. Um, não há mais. Acabou-se, Senhor da casa, podes
voltar para a lareira com o cão. Limpa as flechas, pendura a buzina. À noite
as aves rapaces virão banquetear-se nos cadáveres, e os seus ossos ficarão
ali a luzir, a branquejar por toda a eternidade. Duas vezes os Francos
passaram a portela perigosa de RoncesvÃles: Luís, o Bonacheirão, rei da
Aquitânia, à volta de uma expedição em Es11anha, preservou o seu exército
do ataque dos montanheses, tomando mulht.res e crianças como reféns, só
as soltando quando chegou a ponto onde se podia considerar livre de
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emboscadas. Foi menos feliz numa segunda incursão a Pamplona, pois aí
sofreu derrota tão completa como a ala que comandava Roldão no exército
de Carlos Magno. Durante as guerras da República e do Império, Rances
vales foi o teatro de assinalados combates. Marbot derrotou ali o duque de
Ossuna. S oult, perseguido por Wellington, fez meia volta diante de St.
Jean-Pied-de-Port, atravessou o desfiladeiro de má fama à testa de 35 000
homens, caindo de rópia so bre os 1 8 000 portugueses e ingleses postados na
campina. Estes operaram a retirada até a aldeia de S orauren onde se travou
a batalha que terminou pela derrota dos franceses. Foi este um dos episó
dios mais culminantes dos combates que se deram desde S . Sebastian a St.
Jean-Pied-de-Port, base do triângulo ocupado pelos franceses diante do
exército anglo-luso-espanhol. Vou-lhe mostrar a casa onde esteve Welling
ton, segundo rezava um meu avô, negociante de curtumes nesta cidade.
Deixamos a cidadela e fomos descendo a íngreme rua de Espanha,
calçada de longos paralelipípedos vermelhos e ladeada de casas de cantaria
vermelha, com aspecto mais espanhol que basco. À s portas e às janelas
mulheres faziam meia entretidas em seus colóquios de comadres. Aos bal
cões, em vasos e caixas pintadas, medravam flores de muitas castas, e era
agradável ver aquele jardim suspenso que se sucedia a todo o longo das
fachadas. Afora as donas imobilizadas no traço das portas, a rua estava
deserta e silenciosa. Um bafo de ruína e, porventura, de pobreza, soprava
daquelas moradias, todas elas com a sua data na padieira, ufanamente, para
que se soubesse. Um pouco da alma espanhola, inquieta e versocolor,
sentia-se esparsa em tudo, nos olhos das raparigas, no lazonismo dos habi
tantes, nas sacadas floridas, no estilo dos prédios.
- Esta casa com a porta em ogiva - avisou-me o guia - foi o cárcere
do Santo Ofício! Nas paredes ainda estão pregadas as golilhas. As masmor
ras subterrâneas são pavorosas.
Para lá da igreja de portada compósita, da qual o campanário servia ao
mesmo tempo de baularte, a uma porta em que se vendiam bugigangas
bascas, o meu guia parou, proferindo:
- Aqui está a casa que albergou o maior adversário de Napoleão.
Contava meu avô por o ter ouvido dizer ao pai, que Wellington entrou de
manhãzinha, no meio de uma escolta de dragões. Vinha com apetite e,
como não houvesse nada na cidade, esburgada pelos franceses, os soldados
meteram-se pelo rio a . caçar as patas.
Nada tinha de particular a casa; às j anelas a que teria assomado a
cabeça enérgica do duque, uns grandes olhos pretos fitavam-nos. Ao lado,
medravam cravos, e o painel de hoje era mais delicioso que a reconstitui
ção da cena de ontem. Desandámos.
O S ol descia por detrás dos montes, ensanguentando ainda mais as
pedras vermelhas da cidade. Das faldas, banhadas de penumbra, escorria
uma grande melancolia. Toda a cidadezinha, de resto, era uma página
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esmo recente de legenda. S. João do Pé da Porta, como tudo o que existe
debaixo da rosa do sol, seguia a curva fatal, até nos seus escombros cresce
rem cardos e silvas bravas e saltaricarem faunos e outros animais das
sombras, como reza a santa Bíblia das ruínas de Babilónia.
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CRÓNICA DA QUINZENA
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as boas almas amam o Céu pelo que promete ser. Ama-se também com os
olhos, subentendendo-se que se tem dela conhecimento geográfico. O
homem primário limitar-se-á a identificá-la com a pátria pequenina que é a
sua vida e termo. Nesta plana, fala ainda o sentimento, e as razões do
alemão, do inglês, do abexim ou do persa, são equivalentes. A terra de cada
um não tem rival em agrados e formosura. Para o alemão a neve é mais
poética que o sol forte do sul; mais poético que o sol do ocidente é para o
sueco o sol da meia-noite. Esta possui o mar imenso, aquela a montanha
majestosa; uma o céu azul, outra a perene Primavera. Testemunham gostos,
hábitos adquiridos, temperamentos, e sem dúvida que os esquimós susten
tariam contra o habitante da Ilha da Madeira a tese de prevalência.
Arredado da controvérsia o panorama político-social, pois que neste
terreno movediço não há o concurso dos próprios patriotas, queda o indiví
duo frente à sua raça, à sua nação, a falar de per si com ela.
Por que é patriota? Responderia, por exemplo, o inglês:
- Porque onde quer que eu esteja, onde quer que eu vá, sinto
comigo, tornando-me forte, respeitável, a solidariedade de cinquenta
.milhões de almas da minha raça. Na China sanguinária, nas Américas
inquietas e perigosas, na África traiçoeira, o olho atento do "leopardo"
segue-me e observa-me. Se me perco, as autoridades do meu país pôr-se-ão
em campo e não repousam até me achar vivo ou morto. Se me fazem o
mínimo agravo, me tocam num cabelo da cabeça, e o agressor está ao
alcance da garra, paga-o com língua de palmo. Respondem por isso os cem
e um couraçados de Sua M ajestade Graciosa. A minha pátria é o meu
escudo.
E acrescentará, soberbo:
- Em compensação, sou célula viva, activa, do meu país. Sou-lhes
necessário como ele me é necessário. Se falto, momentâneo embora, fica um
vácuo. S ou unidade que conta. Se amanhã cometo um crime, encaremos a
hipótese, o organismo imenso de que faço parte, eliminar-me:-á apenas
depois de demorado e circunspecto exame. Gratuita, arbitrariamente, não
me suprime. Na mecânica biológico-social do povo inglês sou uma peça
útil. Porque não seria fervente patriota se a minha pátria constitui a minha
força, a minha defesa, a minha liberdade?
De par com ele, o francês podia falar a mesma linguagem de entono e
de ufania e aduzir:
- S ou patriota por todas essas razões e mais uma: os meus concida
dãos, pela palavra, pelo livro, pelo jornal, não me amesquinham, de contrá
rio procuram engrandecer-me. A pátria faz-se da grandeza dos indivíduos e,
da reversão desta grandeza, elevando-se eles por sua vez, todo o nosso afã é
pouco para nos enaltecermos. H á, entre nós, uma palavra instintiva de
passe: o francês acima de tudo. M orreu há dias Foch, ontem Clemenceau.
Empenhámo-nos logo em tecer a sua legenda. Que um era isto, outro
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aquilo . . . Guardamos apenas memória das suas virtudes. Estas sublimámo
-las tanto que, daqui a algumas gerações, serão no conceito universal gran
des como César, como Richelieu, e ninguém se aperceberá mais de suas
estaturas comuns. Estatificamos a torto e a direito, porque isso convenha à
exaltação da pátria. Como não ser patriota, se a pátria me magnifica?
- No fundo do meu peito arde o amor pátrio - diria um chinês -
· mas este amor é, como o fogo no centro do globo, ingénito à minha própria
constituição. Alimenta-se, por assim dizer, do meu seio. Entre os meus
copcidadãos não se sabe o que sej a solidariedade. Dentro da nossa terra
so m os hienas uns para os outros; por espírito de ganhuça, um, cinco, dez,
não hesitarão em esfomear uma província inteira. Caem por milhares da
tísica e da peste os meus irmãos e ninguém se importa. As facções, raziam,
tributam, e a vida tornou-se tão insuportável que a população se vai espa
lhando pelo vasto mundo, como outrora a raça maldita de Deus. Foi como
se um vento desabalado soprasse sobre a velha terra e projectasse os
homens, quais palhas, aos quatro pontos. Ei-los que enxameiam burgos e
campos, exercendo os mais rudes e ingratos misteres. Distinguem-nos,
acima de tudo, pelos andraj os que vestem e o fedor que exalam do corpo.
Dormem em pocilgas com os animais. São os lázaros do século. Os manda
rins, que ocupam postos diplomáticos e consulares, cobram-lhes toda a
sorte de espórtula para que possam justificar a identidade, e abandonam
-nos à sorte. Uns que desertaram, outros que foram expulsos, outros que
definham na mais vil escravatura, é a pátria corroída pela gangrena. Chang
-Kai-Chek suprimiu inexoravelmente todos aqueles que o embaraçavam,
pelo alfange do carrasco, pela bala, pelo exílio. Foi de assolação a sua obra.
Diante dele fugiram os lavradores pacíficos e laboriosos, os comerciantes
cansados de serem espoliados, os artistas e homens de letras que tinham
dignidade mental. Entretanto, os bonzos acomodatícios continuam a ler os
versículos ditados pelo divino Confúcio, os mandarins a ler em rolos de
papel-arroz as virtudes da rainha 0-Pei-Fu, entre duas fumadas de ópio, os
cabecilhas da guerra civil a extorquir os últimos dinheiros do pária.
Quando num povo se chega ao extremo de perder o mais elementar senti
mento de solidariedade entre os cidadãos, é rezar-lhes o De Profundis. O
meu patriotismo não encontrará outro motivo nacional que chorar, chorar
as desgraças da minha pátria e, com elas, as minhas, como os judeus no
cativeiro de Babilónia.
ILUSTRAÇÃO, 1-1-1930
1 19
EU SOU O MAR,
TU ÉS A TERRA ...
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- Ah, cadela de vida! - gorgulhou o Pamplino, que era casteleiro,
sacando o gorro. - Padrenosso que estais no céu . . .
H omens e mulheres oravam, cabeça baixa, descoberta, virada a o mar
traiçoeiro. Longe, para lá das cem braças, o Deus ande comigo, de pequeno
entre o oceano e o firmamento, lembrava uma garça boiando. Acima do
cício das rezas, a água continuava a vasquejar, erguendo e deixando cair de
sopapa o casco Senhor da bô fortuna. Quando acabaram de encomendar ao
Altíssimo a alma que se desprendera do barro, ordenou o arrais em tom
soturno:
- Gentes, toca a calar o barco !
Vieram os bois e, estendendo varas diante da embarcação e sob ela
escorregando rolos de pinheiros, içaram-na para a borda. E os trinta e cinco
marítimos destroçaram, de ar mais pária ainda, sombreados pela asa da
morte, nos andraj os que mal lhes cobriam a nudez, vagarosos recurvos para
o chão a vencer a móvel areia. Sentido do passamento do mestre e amigo de
tantos anos, o Mira estarreceu no castelo da popa lúgubre e meditabundo.
"Saíra uma escritura a sentença do ti'Esperança, do Coimbrão, um demó
nio que não aprendera artes em Coimbra e lia no cadáver como na cartilha,
ao ver o Lusitano cismático e com vágados:
- Não bota o estio fora!
E não botou, embora não acertassem três doutores em dizer que o
ro ble tinha carcoma dentro. Deus o acolhesse no seu seio que por aquela
corda de praias, da Nazaré a M atosinhos, estava para nascer segundo. Não
era da raça dos patrões que só têm olhos para a lota e tanto engadanham a
mão sobre a ganhuça que enterram as unhas na carne. Zelar a sua fazenda
zelava, e ninguém se atrevesse a roubá-lo que saía-lhe pata de tigre. Mas à
sombra dele, a fome esmurrava a dentuça. Nos dias gordos de pesca, as
mulheres dos pescadores não cobravam rapola a peso e medida, como era
de lei na companha do Chegamisso: enchiam o alguidar de cogulo. Nas
vezes em que a borrasca tolhia a saída dos barcos, era vê-lo de porta em
porta: tens pão? Tens azeite? Liberal com os pobres, em casa dele gastava
-se à grande e à farta. . . Vinham de Leiria, e até da capital, expressamente, ao
regabofe das caldeiradas a que ele próprio dava um tempero que era de
comer e lampar por mais. Tinha amigos certos e verdadeiros em toda a
parte e, por aqueles poviléus à roda, compadres bastos como cogumelos.
Mancebo que se apresentasse com duas regrinhas suas não punha mochila
às costas; réu por quem ele terçasse, não acendia muitos cigarros ao carce
reiro. Também em peitase larguezas consumiu o melhor do que granjeou.
Podia deixar fortuna e legava ao Zé, por junto, dois barcos, o Senhor da bô
fortuna e o Dragão do mar, sólidos é certo que nem couraçados, com os
apetrechos da ordem, tudo de cara como agora já se não fabrica; bom
património para cabeça governada, palhas erguidas no ar para inexperien
tes e loucos. O filho podia ombreá-lo na audácia, que já dera provas disso,
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mas na rijeza de ânimo, igual em todos os lances que requeriam valentia e
desembaraço, no estar sempre pronto a j ogar o coração para trás das
costas, no trazer o sangue ao mesmo ponto de fervura, ficava muitas léguas
longe dele. Duzentos anos antes teria sido capitão de piratas e rei em
alguma ilha sem dono. Medo tinha-o de Deus e de mais ninguém. Em dias
que assobiava a nortada no pinhal do concelho, parecendo as sanfonas
todas do mundo ao desafio, e o mar atirava ronco que dir-se-ia querer
engolir a terra, o Lusitano vinha à varanda do escritório, observava o
trabalho, e não raro tangia o búzio. Na garabulha das mulheres que batiam
o dente e invocavam os santos advogados, dizia para os homens:
- Tendes confiança em mim? Então toca a aparelhar que vamos
apanhar o pescado que até a rede rebenta de farta.
E lá iam. Requeria para si o posto mais esforçado, ao remo, que não
era homem para desautorizar o seu arrais, tirando-lhe a vara. Mas honra a
quem a merece, se comandar é reger homens por uma vontade ele era o
capitão e todos os mais soldadesca. Braços nodosos e cabeludos, como
troncos revelhos de carvalhiços, j ogando com inalterável cadência, sem que
se lhe ouvisse arquejo, sem que lhe orvalhasse a testa camarinha de suor, ao
seu alento o barco era toninha a saltar por cima das ondas. Os seus olhos
azuis, frios como espadas, iam direitos, fitos no mar, e parece que o grande
cão o temia. A sua intrepidez tornava os outros intrépidos. Engano que o
homem do mar seja em regra animoso. Mais que o bicho da terra tem
ocasião de ser valente e forçadamente o é. Mas ninguém como ele é atreito
ao contágio do temor e do brio. Um cobarde, se lhe dão âncoras, torna uma
tripulação inteira bandada de capões; um bravo rompe com ela, heróica e
destemida até o meio do inferno. O Lusitano era destes cuja presença dá
espíritos a quem os não tem e nervos aos abonados de enxúndias. Das vezes
que corria a sorte do mar encapelado e a campanha do Chegamisso se
despej ava pelas tabernas a j ogar o liques, mais receoso o regedor que o
mestre, o mestre ainda mais tremelicas que o mulherio, nunca por nunca
lhes sucedera percalço de monta. A marinhagem sentia pulsar um coração
só e este era de aço, não houvesse dúvida, mas acima de tudo contava a
ciência do Lusitano. O grande bruxo lia nos segredos do mar melhor que na
letra redonda e nunca se enganava no crédito que era legítimo atribuir aos
seus ímpetos e fúrias. Também sucedia com mar de leite dar alta à campa
nha. Os barcos do rival, mais s ôfregos que bácoros à bolota, madrugavam a
apanhar a boa terra de pesca, e tanto o Chalgamisso , que da água salgada
percebia ainda menos que os padres do latim, como o Savelheiro, afoito
mas estarola, riam sob capa da folga do Lusitano. Mais de uma vez o
sorriso lhes murchou nos lábios que o temporal surpreendia-os de sopetão e
não havia santos na corte celestial a que não pedissem misericórdia. Acon
teceu até numa dessas saídas com falsa bonança quebrar-se-lhes o roçoeiro,
e o barco de cima da água dançar tal dança que o uivo dos tripulantes se
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ouviu às oitenta cordas e fez pular quanta gente havia nos palheiros para a
beira-mar. Era o Lírio de Jericó, dias antes reforçado com cavernas novas,
calafetado, pintadinho a verde-terno, cercadura escarlate a toda a roda.
Mas que valia, martelado pelas ondas bravas, sem governo, era como berço
de menino levado na ressaca e com que o mar joga o chinquilho. Os gritos na
praia subiam até às estrelas. Já as mulheres se tinham lançado, umas, de
roj o e, rabadilha voltada ao oceano para não ver a desgraça, arrepelavam
-se, rezavam, e seus dentes batiam as rezas como matracas; outras espe
cavam os bra ç os ao alto, berrando mais forte que cabras esfoladas vivas.
A cada estreme ç ão d o esquife, lá ao largo, o aulido empolava:
Senhor d o s Aflitos!
Minha Nossa Senhora da Nazaré !
Senhora da Incarnação, fazei o mar chão !
Rico Padre Santo António, assim como livraste vosso pai da
morte, livrai aquelas alminhas do perigo e da má s orte !
Quem os havia de salvar? Em casa, ao pé das sementeiras, o Lusitano
tivera rumor do desastre e correra à praia. Não esteve muitos minutos para
avaliar do lance e resolver consigo e com Deus. Despindo-se em menos de
um ámen, atirou-se à água. Nada que nada, cada braçada que parecia
varrer uma onda, ante os olhos desvairados do povo que gemia a cada um
dos seus mergulhos, respirava quando volvia à tona, ora arrastado por uns
mares, ora furando outros como espadarte, lá caçou a ponta do roçoeiro
que pôde amarrar contra um dos odres com nó bastante para, firmando-se,
retrocederem a terra. A proeza deu que falar e até esparrinhou para as
gazetas. H omem até Almeida! Quando punha pé nas suas lanchas, de
curioso ou então aos remos tal um homem de ajuste, a tripulação ia descan
sada como rezam as escrituras da barca de Pedro quando Jesus ia dentro.
Ninguém lhe ouvia uma voz; ninguém lhe notava um trejeito; se havia
perigo era o primeiro a dizer: cá estou! Um ano, fins de Outubro, tinham-se
abalançado a lançar redes com mar incerto e caso foi que já ele, como
arrais, proferira as palavras da lei: "Rede largada às águas, à Virgem é
encomendada; seja louvado e adorado Nosso Senhor Jesus Cristo!", quando
veio um golpe de mar e safou a mão de barca das unhas do calador. Credo,
há mais de quinze anos que andava no vaganau, avaria daquelas era novi
dade! A toda a lufa remaram à ré, mas a vaga sumiu-lhes a corda para
aparecer braças além, serpenteando, submergindo-se e emergindo, tão agi
tada que tinham mais jeito de hidra que de cabo feito com o linho dos
teares. Os homens não tinham perdido o sangue-frio que estava no meio
deles a alma imperturbável, o perigo, porém, tornava-se cada vez mais
instante e, se os corações não o diziam, os rostos pálidos como na hora da
morte, não atinavam com o disfarce. O pior é que o mar subitamente
enfurecera, cavando campas, santo Deus, a fazerem-se e a esborralharem-se
umas atrás das outras, que tinham mais altura que casas.
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- U ma libra de oiro a quem apanhar o cabo ! . . . - exclamou o Lusi
tano, alçando-se nos castelos e passeando olhos pelas duas filas de rema
dores. - Vai por este remo fora tão seguro como por uma ponte . . .
Ninguém deu voz presença e tornou ele:
- Eu vou lá mas sou pesado. Sej a o que Deus quiser! Lavagante, és
capaz de aguentar o remo e eu na pá? És? Então cospe às u n has . . .
Safo u a j aq ueta, a s botas, a s meias, e benzend o-se gatinhou pelo re mo
fora como gato. L á no tope, enclavinh o u as pernas e deixo u-se ir de cabeça
para baixo como palhaço na barra fixa. A ponta da corda aparecia e
desaparecia baldeada pelo mar, de onde resultava não afundir-se de vez.
Consoante ela lhe reluzia aqui e ali, ia dizendo: "remai à ré; remais a
sotavento" e à força de remos a campanha procurava obedecer. Ali se
andou um bom migalho naquele brequefesta infernal até que pôde filar a
corda. Assim que lhe passou os cinco mandamentos, marinhando pelo
remo acima como descera, trouxe-a nos dentes como uma flor. O Lava
gante, que era o homem mais forçudo da campanha, a ponto de erguer por
aposta o jerico de uma sardinheira de M ata M ourisca carregado com dois
costados de carapau, já deitava os bafes todos. Milagre fora o Lusitano vir
no barco que senão, tendo-lhes faltado a corda que nestas artes da xávega é
mais que a muleta para um coxo, os peixes tinham festim. Todos se admira
vam daquelas áfricas menos ele. É que não sabiam que o Lusitano, antes de
ser dono de armação, fora um dos marinheiros mais escarmentados da
navegação de vela em Portugal. Aos dezasseis anos já ele mareava co
mo grumete a bordo de caíque que fazia a veniaga da costa africana até
S. Tomé. Depois na cabotagem, à pesca de bacalhau na Terra Nova, nos
veleiros de grande curso, levou de fiada anos e anos, tantos que lhe caiu a
zinza deles na cabeça. Ele, Mira, fora encontrá-lo mestre num lugre de
carreira entre Porto e Pará, estimado dos superiores, benquisto dos subal
ternos. Ali se conheceram e selaram amizade em horas difíceis e descuida
das - tormentas no mar alto, sociatas nas baiucas do cais estrangeiro, até
rixas nas vielas mal-afamadas. Fora da sua sina, Lusitano era um leão. De
uma vez, levara diante de si, à estalhudada, a tripulação de um bergantim
levantisco; de outra, por causa de certa marafona, pusera ao sol as tripas de
um inglês assomadiço. Quando os armadores se avisaram de mudar de vela
para a máquina, o Lusitano despediu-se. À roda dos quarenta, não lhe
sorria cometer a prática de uma marinharia em que necessariamente teria
de voltar ao começo. Muitos portos, também, estavam-lhes vedados por
neles ter conta aberta com a justiça, questão sempre de naifadas e arruaças,
e temia-se do navio a vapor que, ao contrário do veleiro pacato e vagaroso,
faz escala por Seca e Meca, ao sabor de um telegrama. Tinha amealhado
uns vinténs, retirava-se. Também ele, Mira, levantara para Vieira de onde
era filhote, ao chamo daquela que hoje era sua mulher. Beberam numa casa
de pasto duas garrafas de Amarante e rodaram do Porto até mais ver.
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Volvidos anos andava ele na companha do Évora, tão lembrado do amigo
como da primeira camisola que vestira, com quem dá de cara na taverna
que hoje era do Pisco e ao tempo da tia Janeta que Deus haj a? Com o
Lusitano. Mais ruço, menos tanado do mar, mas com aquela cara de fortes
queixais e olhos tão azuis que dava quebranto fitá-los, ou era o próprio
diabo por ele. O homem indagava do pinhal do Urso e pedia guia que lhe
ensinasse o caminho.
- Se o mar amanhã estiver tão bravo como hoje, que nos não deixou
lançar as redes, aqui está quem o acompanha, seu Lusitano . . .
- ó Mira, ó alma d e Barzabú, és tu.
Abraçaram-se e, como dois amigos que folgam de se ver e lembrar os
velhos tempos, pedi ram vinho; ali os surpreendendo a noite, copo despe
j ado copo cheio.
Foi a leilão a "arte" do Évora por falência judicial. H á mais concorren
tes a uma carroça que a apetrechos do mar. O Lusitano cobriu o lanço, e
bem andou que lhe ficava a armação - duas lanchas, duas redes, cerca de
cento e cinquenta cordas - por uma melgueira.
- Mira - disse-lhe ele, depois de levantado o remo - tomo-te para
arrais mas não abres a boca sobre o passado. O que lá vai, lá vai . . .
- H omem, não sou d o s que têm o coração a o pé d a boca e o que
exiges pouco é. Que sei eu da tua vida que te envergonhe . . . ? Que esfaqueaste
um inglês . . . São pecados de todos os marinheiros. Também tenho desses.
A minha pena toda é não ter despachado para o caldeirão de Pero Bo
telho com quantos franceses, negros, ingleses nos buscaram quezília por
esses mundos de Cristo!
- Escusas mesmo de dizer que me conheceste no lugre . . .
- Está dito !
O Lusitano era homem de capricho e cuidou de pôr a armação à altura.
Instalou-se na praia com a família, irmã e filho que pela pinta, bem o era. E
ali lançou raízes para sempre. Quem era, donde vinha, ninguém se incomo
dou de saber. Lá na terra dentro estes mistérios dão com os curiosos doidos.
Na borda de água, afeita a gente aos vaivéns, uns que chegam, outros que
partem, uns que a onda traz, outros que a onda leva, não causam febre a
ninguém. Ao cabo de ano o Lusitano era cidadão da praia, a praia triste do
Pedrogo, mê senhor. Ali aprendera o filho letras, e se fizera homem. Ali ia
dormir a noite sem fim o valente dos valentes.
la assim evocando, cismando o arrais, olhos perdidos pelo oceano
naquela costumeira de homem do mar. Ao largo, a uma vintena de rema
das, passava em triângulo, rápidas como flechas, um bando de negrolas. A
água mostrava-se calma, escurecida ao longe por fuminho pardo, cortada a
meio campo por barra que ia do azul opaco ao verde-garrafa, alegre de
miríades de lumaréus claros, enquanto rente à costa parecia um espelho
manso a reflectir a luz brava do S ol. Boa hora de pesca! As ondas eram
1 26
doces soluços que vinham desatar na praia em borbotões de espuma, a
correr e retirar da areia mais vivazes que cabritas cor da neve. Impelida
pelas duas turmas de quarenta remadores, aliviado da carga, o Deus ande
comigo avançava, proa à terra, garbosamente. Pelo rumo que trazia, viria
bater ali perto, e o Mira esperou para dar a notícia. Na praia, os bois
aguardavam a voz de alar a rede, as boieiras à frente com a saia alevantada
pelo ateador, no gorfo de veludilho o espelhinho da grandura de vintém,
onde havia sempre um raio de luz a brincar. Acocoradas na rampa, que
mergulhava para o mar, arra, cavam as mulheres dos costais, os bufarinhei
ros arrematantes do pescado, o rapazio ratoneiro, os homens dos xalavares.
Vinha perto o Deus ande comigo, regido pelo Savelheiro que sabia
escolher o seu mar. Mais duas remadas; uma pausa à espera de vaga, e a
vaga tomou o barco sobre si, como palanque na cernelha de elefante, e
depô-lo na praia sem baque nem estremeção.
- Boa manobra - ficou a cogitar o Mira. - Mas eu vinha sobre
barlavento; estão as águas baixas e o barco devia ir em busca de mar mais
ao norte para não perigar no recife.
- Não entrais? H á novidade? - perguntou para o Mira o Savelheiro
da proa da nave.
- M orreu o patrão !
- M orreu o patrão . . . ! - repetiu o outro com voz comovida. - Deus
o receba à sua direita.
Os homens, entretanto, recolhiam os remos e lançavam as espias; uns
deram-se à faina de calar o barco, outros, suarentos, suj os, com as carnes a
luzir por entre os fraldejamentos velhos do riscado, lavavam-se, retoiçando,
na onda enlanguescida.
- Andava adoentado, mas nunca imaginei um fim tão súbito . . . -
tornou a dizer o Mira para o arrais, extático sobre o castelo da popa,
tomado também do noj o da morte.
- Tantas vezes a coira deita o harpão que acaba por nos filar! -
respondeu o Savelheiro.
- V ou para lá agora. Vens daí?
- Vou.
Saltando em terra disse para os marítimos que já comentavam a má
nova:
- Eh rapazes, rezai por alma do tio Lusitano que o Senhor acaba de
chamar à sua divina presença! Calai o barco bem em se�o que o céu anuncia
mudança.
Foram subindo a praia devagar, muito devagar, carregados de melan
colia. Os bois já andavam, sobe, desce a praia, no manej o lento de remontar
a rede. N os ranchos, aninhados às abas dos palheiros, desfiava-se a crónica
da vida e morte do tio Lusitano que expirara sentado num banco, sem ruído
1 27
como candeia sem azeite. Os arrais ouviam de ânimo contristado aqueles
responsórios fúnebres.
Ao longe ouvia-se cantar:
1 28
CRÓNICA DA QUINZENA
1 30
está o vice-cônsul para dispensar passaporte a cada um, habilitado com o
qual o mísero se apresentará no Dépôt. Esta palavra que significa, acima de
tudo, lugar onde se arrumam coisas, denuncia o que aquilo é: uma, duas ou
três barracas, que fazem as vezes de secretaria, com um telheiro ao fundo,
nu, em ripas, tarimbas a tod o o longo dos muros, para receber a mercado
ria humana. Para mais, este barracão deixou de ser empregado, pois que ao
lado e perto da gare se instalaram duas cantinas com dormitórios, mais
ignóbeis que tudo o que há de ignóbil, onde pernoitam os párias à razão de
três francos por cabeça e comem, a sete francos cada repasto. São as
construções mais miseráveis que há em Hendaya. Se alguém quiser dar com
elas, mercê desta indicação não tem que errar. U ma das cantinas nem
sequer é telhada; cobrem-na grandes folhas breadas e é térrea, húmida, com
· as tá buas pregadas contra estacas cravadas no chão. Dá para uma sorte de
sórdida azinhaga, que olha em baixo para um dos chafurdos do rio. A outra
é um falanstério de madeira, remendado, esburacado, lôbrego, com este
título numa tá bua de palmo: Hespanhola Cantina Portuguesa.
No terreiro do Dépôt, quer chova quer neve, a horda espera a voz de
c hamada. A repartição é acanhada, mas que não fosse, la queue se fait à la
porte. O antigo bazar de escravos, em Alger, não podia ser menos
confortável.
Ouvimos as queixas dos escriturários, que não têm mãos a medir para
distribuir pelos centros fabris a avalanche quotidiana de homens que che
gam de Portugal.
- Há cinco dias tivemos de rechaçar 800 para Espanha - dizem-nos.
Em S. Sebastião empurraram-nos para Irun; em Irun, dormem nas
portas, sob o alpendre da estação, ao abrigo dos muros. São multidões
compactas. Para deitar até ali empenharam-se, ·venderam a courela,
enforcaram-se no prestamista rural. Vêm atrás da miragem como ontem
com o Brasil, há s éculos com a Índia. Desde a sua terra até o lugar da
escravidão vão deixando em espórtulas e alcavalas o j ornal de muitos
meses. A sua miséria tornou-se uma fonte de riqueza para muitos, e o mister
rendoso de não poucos. Pobre raça errante e desgraçada que abandonou a
sua aldeia, coagida pela fome, parece o rebotalho da humanidade, vista
para cá de fronteiras.
- Quem ficou na vossa terra? - perguntamos.
- Os velhos que não podem andar, as crianças, as mulheres, não
todas. H avia de fugir tudo, e a erva crescer nas casas e nas ruas !
O homem que assim fala range os dentes e na sua face espell!.a-se uma
infinita a,margura e o desespero de haver desamparado o lar, talvez a mãe
velhinha, ou a noiva.
131
AS CAMÉLIAS - S CHERZO
1 33
- Não, senhor. Na jarra onde as vês lá murcham. H omem, não com
preendes que adorando eu as camélias, as mande arranjar só para meu
regalo?
- Eu te digo: também gosto de flores; se me vires, porém, uma rosa
na botoeira é porque ma lá meteram; se as encontrares em minha casa, é
porque foi dádiva. Por um cravo, um manjerico, sou capaz de escalar um
j ardim, guardado pelo dragão de cem cabeças, para oferecer à minha dama!
Fora disto, talvez porque goste de flores, prefiro vê-las na planta.
Dissera estas palavras com ares enfáticos, picado do despeito de se lhe
ver negada a confidência que esperava ou, quem sabe, pretensioso como
era, da emulação de sentir-se preterido. Pelo que, em tom de ligeireza,
ouviu esta réplica:
- As camélias valem pelo que são. Mas tu nunca olhaste para elas
com inteligência. És um bárbaro, meu caro, um bárbaro !
- Não, nunca as examinei com olhos de botânico - tornou no
mesmo tom presumido. - Aprecio nelas a viveza das tintas; aprecio o verde
da folha, de um lume tão quente e sensual que embebeda os olhos. Também
sei que as camélias s ão flores de luxo, apenas de luxo, sem perfume como
hetairas sem pudor. Têm um nome horrível, de parvenues, que soa, ainda,
ao apelido de guerra das cortesãs. É quanto basta para formar uma ideia
suficiente.
- É pouco. É o juízo que faz delas o boi, o labrego, a menina que
enfeita com elas a floreira da sala de jantar. Não me surpreende! Há em
certas coisas um encanto que apenas se entrega a quem lhes conhece, como
hei-de dizer?, a quem lhes conhece a sintaxe.
- Indica-me a gramática onde isso se aprende! - redarguiu, torcendo
os lábios num esgare de ironia.
- Vem cá, é facílimo - respondeu com uma pachorra, um intono
quase de pedanteria que lhe não era próprio, mas que servia para cortar ao
pensamento do amigo a vereda teimosa. - Se olhares para estas camélias, o
que primeiro te fere a vista é a cor, não é assim? Bem, recorramos o plano.
Por uma circunstância que não vem para o caso, são todas vermelhas.
Porém, se o vermelho é a falta de tónica, o matiz estende-se a tantas
variações quantas pode a retina conceber. Nada falta, desde o carmezim
-cereja, com fulgores de granada, ao cor-de-rosa suavíssimo a diluir-se em
nácar. Num só exemplar, por vezes, a gradação é mais subtil que as cam
biantes no colo de uma pomba. Noutras, o rubro é unido e inquebrantável
como ensopadas em vermelhão de Saturno. Temos, portanto, aqui, uma
primeira maravilha . . .
- Sabia-se - proferiu com uma secura e m que o interlocutor pareceu
não reparar, pelo que continuou no mesmo tom académico:
- Não, estas coisas estão à superfície e não se vêem; são os segredos a
descoberto que ninguém procura desvendar. No mundo dos fenómenos há
1 34
um discursivo que requer dos olhos uma espécie de virgindade. Olhos pan
teístas de criança ou de poeta.
- Édipos, ah !
- Não rias e repara-me para esta camélia cor de sangue, com veias
translúcidas, de uma anastomose que seria invej ável na pele da face de uma
rapariga loira! Raiada de estrias pálidas, não parece uma estrela do ama
nhecer? E aquela irisada como rosácea! E esta outra com beta alva de neve a
dividir o limbo das pétalas contra um fundo cor de salmão ! E esta, em que o
encarnado se apresenta jaspeado de villeta para a periferia e de guache para
o centro, com as pétalas, sobre o redondo, num decrescendo harmonioso
até formar o coraçãozinho de alabastro ! Observa como na combinação com
o branco, rodadas, cruciadas, irradiantes, com um leve rócio de alj ôfar,
mosqueadas a máculas largas, são simétricas e caprichosas tais as faianças
dos oleiros mudjares !
- De facto.
- Atende agora à disposição das pétalas. Dentadas, lancioladas, acu-
liadas, redondas, imbricadas de tal maneira que projectam um fuminho de
sépia umas sobre as outras, não está aqui o mais curioso e singular j ogo de
curvas?! Há ainda a revelar nas camélias a configuração linear da face, a
qual mostrando-se plaina, deprimida, convexa, como os ciclamens, como as
dálias, como as rosas, é um outro mundo de belas e curiosas aparências.
E, se não abstraio da folha, nem do botão com as suas tintas, com as
suas formas, deparam-se-me outros e variados diagramas. Tudo isto cons
titui a sintaxe estética da flor.
- Não têm perfume - observou o amigo, perdendo de vista o pensa-
mento que dera azo à dissertação.
Se fossem aromáticas, o seu aroma seria um veneno mortal.
Porquê?
Porque todas as perfeições juntas dão na monstruosidade.
Onde acaba a escala das perfeições?
Onde mo indica o sentimento de relativo que tenho da natureza.
\ - Não és original na paixão . . .
1 35
"O HOMEM QUE MATOU O DIAB O"
VI
1 37
imprimiam as aparências dum tenebroso e desmedido mar. Mal lhe des
compunham a negrura a luz forte dos faróis e à sua mudez imponderável o
zumbido rouco do motor dava a amplificação majestosa dum deserto. Das
·
sebes, onde uma macieirinha anã devia erguer ramos, pesados de velhice e
de frutos tenros, das copas altas das mimosas e acácias, com os troncos
grossos perfilados como patrulhas ao longo das valetas, dos quintais do
pobre, dos próprios coutos do mato galego, vinham alargar, envolver o
carro os rescendores da Primavera esmorecente.
- Olha como tudo dorme! - proferiu Cipriano intencional.
- É verdade - respondeu Macário. - É nestas noites de Primavera,
macias como o veludo, que a natureza, quebrantada dos estos do dia,
dorme a sono solto. Pretende a botânica que não, que é no Inverno. Sabe-se
lá que soma de esforços não dispende a vida na imobilidade!
Para os vegetais, sobretudo, a hibernação é uma sorte de catalépsia.
- E que j ogo de energias não estará atrás desse fenómeno?
- É nos primeiros planos que a gente olha para as coisas. Poetica-
mente posso imaginar que aquela olaia, toda aberta, toda carminada de
flores, dorme como uma mulher na gravidez. Mas não, deve estar a sugar
no húmus como uma bacorinha na teta da mãe. Para o poder afirmar,
basta-me saber que cresce de noite. A vida animal e a vida vegetal regem-se
por leis diferentes. O solo e a planta fazem um; com o bicho não sucede a
mesma coisa.
- Repugna-me aceitar que o mecanismo da vida não seja análogo na
planta e no animal.
- Sim, mas no infraperceptível das variações está tudo. Há uma
unidade na vida, mas não identidade.
- Em matéria de conhecimentos, andamos nas primeiras letras do
alfabeto. Que sabemos n ós no mundo invisível que nos rodeia?
- Tudo a que os meus cinco sentidos são inacessíveis não me inte
ressa. Supondo que sou espiritualista, acato as restrições de Deus; materia
lista, todas as lentes são poucas para estudar o meu elemento.
- Acredito na imortalidade . . .
- Estás n o teu pleníssimo direito.
Tinham ultrapasado os subúrbios e o automóvel engolfava-se por entre
matas de pinheiros, negros, hirtos, com uma caótica fixidez de espantados.
Mas lá adiante, onde varria a luz dos faróis, às duas bandas das valetas, uns
abriam alas processionais; figuravam outros descer pela lombra meio des
nuda a passo de carga; e, depois, fugiam todos em debandada para trás.
Aos bosques sucederam-se os breves oásis dos poviléus, com os voláteis
incensos do alecrim e da alfazema embalsamando o ar, os cães de pastor,
ampliados pelo contraste da luz e das trevas em proporções descomunais, a
arremeter raivosos contra o carro, latadas em que os pâmpanos nascentes
pareciam de prata, uma pereira, íris e neve, exalando na noite uma impres-
1 38
são feminina de garridice e fragilidade, o casario, torvelinho de planos e de
cubos, mais presentido que devisado.
- Em que vais a cogitar? - perguntou Cipriano.
- Que vamos por esta estrada deserta supondo que ninguém nos vê, e
somos observados por um ror infinito de testemunhas.
- Um ror infinito é muita testemunha junta. Só mosquitos; mas a
esta hora, a maior parte deles devem estar a dormir bêbados das bambo
chatas do dia nas folhas tenras das árvores.
- Não escarneça. Como muita gente bem-pensante, imagino o uni
verso produto duma vontade, que se vai desdobrando em gradações de
natureza espiritual até chegar ao homem. Do homem, primeiro fuzil do
mundo físico, desprende-se a flama que vai integrar-se na escala divina,
cuj o fecho é Deus.
- Compreendo, lá na tua, o universo é uma tortulheira de espíritos
como de bacilos o caldo do bateriólogo. E esqueces que essa doutrina
adaptou o dogma cristão da imortalidade e mereceu o anátema da Igreja.
Não dizem os santos padres que as almas ou vão para o inferno e de lá
saem, ou voam para a mão direita de Deus Padre, onde ficam presas da sua
d oçura como moscas do mel?
- As ciências teológicas são omissas, dando de barato que sejam
infalíveis. Se as almas perduram à consumpção, como me ensina o meu
dogma, porque não hei-de admitir que baixem entre os homens, lhes assis
tam, os inspirem, lhes insuflem determinadas regras de acção, numa pala
vra, desempenhem junto deles um papel moderador, repressivo ou tutelar?
- Ah!, ah! Lá se vê, é graças a essa policia secreta que cada vez há
menos patifes no mundo !
- O s espíritos são caprichosos e inconstantes, avaliados à luz do
nosso entendimento.
- Quem te ensinou uma metafísica tão absconsa? Foi o padre
Augusto?
- Tenho filosofado muito comigo e com Deus. Eu ouço, e só não
ouve quem não quer, mil vozes interiores quando me proponho cometer um
acto que sai do ramerrão quotidiano. D onde vêm elas, se não dos seres
invisíveis que penetram na minha consciência como o sol por uma vidraça?
Olhe, ouço-as agora que me dizem: vais praticar uma feia acção. Volta
atrás, ainda é tempo!
- A isso chama-se em gíria terrena - cortar prego. Descansa, que no
convento não encontrarás espíritos. S ou petroleiro, fogem de mim às sete
partidas.
- Comprometi-me, vou, ainda que soubesse que a minha alma caía
direita no inferno. Agora lhe digo, esse convento da A ra Coe/i deve ser uma
formidável mansão de espíritos. Os milhares de almas que por lá passaram;
ali tiveram o seu humilhadeiro; ali sofreram o seu calvário; ali penaram os
1 39
seus amores terrestres e prelibaram os seus amores divinos; esses milhares
de almas pairam, não podem deixar de pairar, sobre a pobre ruína mística.
Estão esparsas na penumbra, consubstanciadas nas paredes, nas imagens,
em tudo o que lá resta de pé. Por isso há coisas sacrossantas, e é risco de
morte tocar nelas com mãos profanas.
- Breve tiraremos a prova - disse Cipriano com visível desdém. -
1 40
macadame; já luziam como aço brunido as folhas recém-vindas dos casta
nheiros. E na luz esvaente, denunciavam-se os plátanos e os eucaliptos pelo
tronco branco e escodeado, as cerejeiras pelo torreão de esmeralda, com
recamo de lantej oulas, e os rústicos pinheiros pela negrura solitária. Saltou
um molosso de granja, agigantado ao reverberar da luz; chisparam !uma
réus do restolho engaçado; ouviram-se, apagaram-se vozes, como relâmpa
gos. E, vuú-vuú, sempre mais longe.
- Vais a rezar! - berrou Cipriano. - Rezas daqui a pouco na igreja
da Ara Coe/i.
- Ia quase a dormir - respondeu Macário que, ao ritmo da marcha,
se ia embalando entre a visão da amada e a inquietude do lance a j ogar.
- Pois acorda, que estamos quase chegados. É bom ires calçando as
alpargatas.
E dizendo isto, tirou Cipriano as botas e meteu nos pés umas sandálias
surdas, de ratoneiro.
- Mas é precisa essa cautela toda? - observou Macário ante aquele
aparato.
- H omem, o seguro morreu de velho e · D . Prudência foi-lhe ao
enterro. Pode andar por lá algum pastor a acurralar terra, e assim gira-se
também mais leve e subtil.
Obedeceu Macário grunhindo:
- Os fados têm de se cumprir. Vou como se fosse de rastos.
- Diabos te levem, mais ao medo. Colaboras numa obra meritória,
que os quadros estão-se a perder. Se houvesse espíritos, como tu alanzoas,
eles próprios os dependuravam do muro e vinham-nos trazer ao automóvel.
- Viriam. O que lhe digo é que não basta quanta água lustral há no
mundo para nos lavar as mãos.
Mas não ouvia Cipriano, distraído a dizer ao chauffeur que apagasse
os faróis e marchasse lentamente. Pela direita, a todo o longo da estrada,
ia galgando uma parede muito alta, de negra e miúda alvenaria, com o
dorso de cavalo esbarrondado de espaço a espaço.
- Cá está a cerca! - dito o que, a meia voz, apressou-se a correr à
outra portinhola, que olhava para as matas. O automóvel seguia ronro
nando baixo, sem um estremeção, como felino à caça. Mas breve gritou
Cipriano:
- Alto !
Rasgava-se um pequeno desvio por meio dos pinheiros dentro, traçado
pelos carros da lavoura, e acrescentou:
- Mete para ali o carro ! Vês o esconso? É mais seguro que na garage.
- Mal pecado que não viesse alguma donzela ter comigo - gracej ou
o chauffeur, que era rapaz novo, de ar desenganado.
- Talvez algum lobo. Quanto ao mais, podes deitar-te a dormir.
141
Cipriano retirou do carro dois pacotes de ferramenta; e dando um a
Macário, metendo outro debaixo do braço, proferiu:
- Ala que se faz tarde!
Atravessando o macadame, cortaram para um caminho velho, que se
afundia como uma regueira entre o muro feudal da cerca e o muro alto de
duas varas, suporte das terras que desciam da banda do Norte em íngreme
escorregadoiro. Era um -caminho de lájeas, desiguais, gastas pelo vaivém
secular do mosteiro, que contara passante de cento e trinta celas. Do seu
esplendor, das graças e prodígios de que foi teatro, reza a crónica da
ordem em páginas e páginas que rescendem mais fragrância que um campo
de anémonas . . . Crisol de vidas e alfobre de santas qualificou certo visitador
aquela clausura, que, sendo mimosa de todos os regalos, com tulhas abarro
tadas até o tecto, se tornara pelo jejum e o cilício um dos purificatórios do
Carmelo.
- Este muro é mais velho que a Sé da Guarda - murmurou Ci
priano, levado sape que sape, como um gato, na sua sombra. - Parece
construído de cascalho e em solidez nenhuma fortaleza lhe ganha. Se os
gerifaltes chegavam ao pé das monjas, é porque elas queriam. Mas onde
diabo está a portaleira?
- Não terá sido essa portaleira ilusão dos seus olhos? - balbuciou
Macário, respirando o desafogo duma súbita esperança.
·
1 42
Cerca de uma brenha de ciprestes e loireiros, tão espessa que bem se via
nunca ali entrar machada, suspenderam-se à escuta. Não bolia folha. A
poucos pas�os perfilava.,.se a portada da igreja, muito direita em suas linhas
rectas e salientes cunhais à escoda, com panos de argamassa e cornija que se
subpunha ao tímpano e se prolongava para o convento a toda a volta dos
beirais. Sobre o ângulo norte, a sineira, de uma só empena, mostrava as
ventanas vazias, varadas melancolicamente do luar. Acima do arco da
galilé, no seu nicho tubulado, uma santa Teresa de pedra lioz dormia o sono
extático; esbeltas pirâmides encimavam as platibandas. E para lhe não
faltar o ar austero de frontispício século XVII, em exergo, inscrito no lintel,
brilhava um Jesus dulcis amor meus, que Cipriano, a dar tempo ao tempo,
re memorava para o companheiro .
Ali permaneceram obra de minutos e iam a despedir quand o rom
peu perto a serenata dum rouxinol.
Diluiu-se a dolente melancolia daquele lugar de sombras, como se por
sobre a terra morta descesse um dilúvio de rosas. Já não empestava o ar o
odor acre da murta; já o silêncio perdera aquela fixidez de dragão que vigia;
e da alma de Macário evolavam-se, como fumos de pesadelos, seus místicos
terrores.
- Vamos lá, muito devagarinho, para não espantar o cantador
murmurou Cipriano caminhando para a igreja na ponta dos pés. - Vai ser
o nosso guardião o rouxinol. Se se cala, é porque damos alarme, o que não
é bom; ou porque vem gente, o que é pior.
- Se o senhor fosse da raça do monge que passou mil anos em êxtase,
conta o padre Bernardes, a ouvir o rouxinol, deixava os quadros e não saía
daqui.
- Não, não sou dessa raça. S ou da raça daqueles que julgam mais
louvável salvar dois Riberas da destruição que duas almas do inferno.
Adiante, que é festa!
Entraram para a Galilé e logo se foi Cipriano experimentar as portas,
robustas, posto que velhas, com almofadões lavrados e grossos, cravos de
cabeça em poliedro. Empurrou; estavam, de certo, bem trancadas por den
tro, e os batentes não arredaram um do outro nem tanto como a grossura
duma folha de papel. Em vista do que, desfez os embrulhos e apertou as
ferramentas com o tino dum nictalope e tanta leveza que na balseira o
rouxinol não se interrompeu de cantar. Com o pé-de-cabra atacou então as
portas, insinuando-o quer no rasto, quer no rasgo das ombreiras, ora com
maneirinho jeito, ora com nervoso arranco. Nem ares deram de bulir.
Perplexo, em tom de solilóquio, meditou:
"Esta é a entrada mais directa e mais segura. Ninguém nos vê traba
lhar; uma vez os batentes dentro, cantam os Riberas no papo. Pela outra
porta, a cartada oferece seus riscos; está muito em exposição, e passante ela,
quantas outras não haverá, fechadas a sete chaves, a tolher-nos o caminho?
1 43
Avancemos pela poterna. É preciso cortar a tranca . . . corta-se. Não há
frincha para o serrote manobrar? Abre-se um ilhó."
E dispôs-se à obra. . .
1 44
NÃO, JÁ NÃO SOU CAT ÓLICO
1 45
terem antes dele, muitos pesquisadores de velharias andado suspicazes em
volta do chanfalho e virem alguns a público denegar-lhe a genuidade; que
no seu intuito fora digno e meritório com pretender exornar o braço forte
do monarca com outro ferro que não a vil lâmiba do museu - porque o
acusavam? Animoso com razões de tanto peso, ripostou. Pobre investiga
dor de coisas mortas, não concebia, não podia conceber que surdissem nos
povos, atridos da guerra, estas /ames de fond que têm a virtude de trazer à
tona a ciscalha do passado e a fauna larvar dos podrideiros, e que, babu
jando até Portugal, hífen da civilização europeia e da barbária africana,
ressuscitaram do labéu as almas dos capitães-mores miguelistas, transmi
gradas em camelots du roy, as sacristias rancorosas, os conselheiros beó
cios, os panfletários da Besta Esfolada e todos os Calibans do liberalismo.
Todos estes caíram em fúria sobre o arqueólogo, invectivando, espumando,
ululando, gemendo até patrioticamente o miserere. Da assuada, entre as
penas eruditas e virulentamente lusíadas que espicharam o Judas, alegou
uma "ser D. Afonso H enriques um miraculado como Godofredo, como
Joana de Are, e portanto que manejasse o espadagão ou uma trave de ferro
mais fácil que medicastro de aldeia ao bisturi das cirurgias". Treplicou
M endana que "por aquele critério o príncipe quando fugia à palavra e se
rebelava à má cara contra a mãe, obedecia ainda à inspiração divina. A
teodiceia era omissa quanto a conferir ao deus dos exércitos o· atributo
correspondente. Mas partindo do princípio que fora investido da alçada
augusta, porque em vez da tosca durindana não usar a lança coruscante de
S. Miguel"? Mais se assanhou a patuleia tradicionalista. Não se detiveram
já a provar que o gládio que armara as mãos reais, se ensopara até os copos
no sangue dos perros infiéis, riscara as fronteiras da pátria; empenharam-se
em liquidar o homem. Lamentavelmente, o passado dele era mais limpo que
o papel em branco de que se servia a seráfica folha antes de estampada.
Remexendo bem com o gadanho, tocaram na sepultura de D. José, disse
cado pelos vermes. Deixá-lo, exumaram a memória infeliz debaixo da
loisa pesada e deram-no em pábulo às beatas, aos Catões das monarquias,
aos muftis do patriotismo agravado, esquecendo que o fidalgo fora, à tez da
sua consciência de patife, um refinado carola. Daí até a simbiose com o
mano foi um passo. Condensava-se em torno dele o mesmo ambiente de
estúpida e santíssima intolerância em que se debatera o Milagre de Ourique;
menos filósofo que H erculano, mais enojado talvez, deixou de então em
diante secar a tinta no tinteiro, passando, para matar o tempo, o tempo
tirano da velhice, a decifrar charadas de almanaque.
Erguendo a cabeça porque só decorridos minutos deu conta que se
ouvia a ele e não ao murmúrio da voz límpida, exclamou Macário:
- Que lástima ter esta linda terra tão maus povoadores !
- Ora! Ora! É por acaso melhor a gente das outras nações? Há-de-me
contar como se deu nessas cidades famosas. Coitado, sabe Deus se foi feliz !
1 46
la a protestar que fora felicíssimo, mas resplandecia no rosto de Isa
bel um lume de tanta doçura que lhe faleceu o ânimo para mentir. E
acanhando-se de fazer estenda! dos seus dissabores, limitou-se a confessar:
- Não, não fui feliz.
Ao cabo de pausa, levemente embaraçosa, tornou ela:
- Deus trouxe-o a porto de salvamento.
- Deus se existe não quer saber de nós.
- Não diga isso!
- Em todo o caso, nunca é o Deus que anda de cima dos altares,
figurado pelas teologias. Esse desgarrou da lei moral. Almas em que
governe são, em regra, antros de hipocrisia, de mentira, de perversão e
sensualidade. Almas católicas . . . diabólicas. Abjurei, despi a túnica de Nesso
da minha infância que me afogava. Corri mundo e quase todas as pessoas
que encontrei à sombra da velha e ressequida árvore do Calvário eram o
pior da humanidade.
- Santo nome de Jesus !
Farto de sofrer, sempre que a taça cristã se me estendia para os lábios a
aliviar a febre, do fundo tinha fel e vinagre. Falhei a vida mercê da estrei
teza dos moldes em que me formaram o entendimento. O demónio que
trago dentro de mim, bem o sinto, nasceu e engordou no nateiro das minhas
superstições. É ele, só ele, que me faz mesquinho, ego ísta, voluptuoso, mau
em suma. Não, não sou católico, mas por desgraça minha é tarde para pôr
direita a alma encurvada.
Havia tanta angústia nas palavras de Macário que Isabel, comovida,
não respondeu. S ó após dolorosa pausa, ousou dizer erguendo os olhos
claros:
- E agora?
- Agora, Sei lá !
1 47
CRÓNICA DA QUINZENA
1 49
A que destino estará votada em última análise a sugestão de Briand?
Como portugueses, é para lamentar que não seja coroada pelo mais triunfal
e retumbante êxito. O ideal das pequenas nações é que a sua soberania
absoluta lhes sej a garantida pelo concerto de todas. Para elas é preferível
dormir à sombra da oliveira que de reluzentes e custosas baionetas. S ó as
perspectivas que viriam a abrir-se ante elas com aliviarem-se do pesado
ónus dos exércitos permanentes justificariam o seu entusiasmo pelo pro
jecto de união europeia.
Abstraindo, porém, da circunstância de portugueses, esta tentativa
parece caber dentro daquela fábula de Fedro: a paz entre os animais. O
lobo associado com a ovelha, o leopardo com o onagro, pode lá ser?
Concedendo à priori que se trata de um projecto de boa vontade, de
são e puro idealismo, correspondente às necessidades da Europa decadente
e sobrassaltada, e não de alicerçar a hegemonia francesa sobre os ombros
das nações débeis, nem de organizar um grupo continental, como suspeitam
os alemães, contra a Inglaterra, os Estados Unidos e a Rússia, ou simples
mente contra a Rússia, nem tão-pouco de buscar alianças, morais pelo
menos, no conflito que se esboça entre a França e a Itália, e um pouco mais
que consolidar os ganhos da grande guerra, é possível congraçar a Europa
mediante um traço íntimo, dado o estado de repulsão em que muitos países
estão uns para os outros? S em dúvida que não há entorse que a inteligência
humana não possa corrigir e, se é lei inelutável entre as espécies como entre
as nações a luta pela vida, também esta pode ser dirigida e encaminhada de
modo a que o engrandecimento e progresso de umas se não faça à custa do
património e bem-estar de outras. Os interesses contrários conciliam-se; os
sentimentos de animadversão de povo para povo transformam-se; as injus
tiças praticadas podem e devem ser resgatadas. Também nada é eterno e
conferir carácter de intangibilidade nos tratados seria até certo ponto abdi
car do exercício da razão e colocar-se num pé de intransigência, susceptível
de todos os desastres. Mas onde estão os homens, animados de confiança
pública, dotados dessa supervisão que vai léguas adiante dos acontecimen
tos sociais, sacrificando a aquisição transitória à causa duradoira, capazes
de arrostar com semelhante empresa?
Existem na Europa antinomias irredutíveis na situação em que se nos
depara no momento presente. O imperialista tudo fia na força e o pequeno
só lhe resta o recurso de invocar o direito; o vencedor tudo fia no cumpri�
mento dos tratados e o vencido conspira para a revisão desses tratados, ou
aguarda, mordendo o freio, a oportunidade de os esfarrapar; o militarista
julga-se no direito de aperfeiçoar os seus exércitos e de atar alianças secretas
com quem amanhã o ampare na guerra, o isolado, em compensação,
arruina-se, armando-se. Ao país industrial convém que se abatam as barrei
ras aduaneiras, ao país pobre de indústria que se elevem cada vez mais. São
inúmeros os fossos de natureza económica e espiritual que separam os
1 50
povos. Porventura apenas a religião, que se acomoda a tod os os matizes da
política como musgo de tod os os climas, não constitua óbice sério para a
aproximação dos Estados europeus .
Mas sem rebuscar vícios de estrutura e observando de alto os antago
nismos da Europa política de hoje, se chega à conclusão de quanto é tem
porã ou pelo menos de difícil exequibilidade a ideia magnífica de Briand. A
Alemanha sangra da perda de metade do Slesvig, em favor da Dinamarca,
de Eupem e Malmedy em favor da Bélgica, do corredor de Dantzig que
cortou a nação em duas, da internacionalização dos seus rios, sem falar no
Sarre hipotecado e nos pots cassés que é sozinha a pagar; a Á ustria, da sua
dolorosa mutilação, do Tirol em que pesa a mais tirânica pata do domina
dor; a Bulgária da perda da Macedónia; a Croácia, M ontenegro e Dalmácia
do jugo da Sérvia, a Rússia da perda da Bessarábia, a Lituânia da usurpa
ção de Vilna; a Espanha continuará a sentir no seu flanco o espinho de
Gibraltar, e até nós, os portugueses, se quiséssemos inventar um motivo de
macarena política, teríamos Olivença. A par com estas chagas abertas, a
Itália cobiça a Sabóia, a Córsega e os agros africanos da antiga Roma e, de
um modo geral, não há p otência que não aspire a estender-se para o territó
rio vizinho ou pelos seus domínios coloniais. Os diferentes tratados que se
seguiram à grande conflagração não fizeram mais que agravar as iniquida
des já existentes. O tratado de Versalhes podia ser o despontar de uma
aurora nova para o mundo; não foi; em vez de, em torno da mesa verde, se
assentarem títeres, era preciso que se assentassem demiurgos. Seriam preci
sas vistas de águias que abarcassem os largos horizontes e os homens que
ali estiveram não conseguiram olhar além do palmo de terra que pisa
vam. A Europa generosa era digna de melhores capitaneadores.
151
CR ÓNICA DA QUINZENA
1 53
que determinadas recompensas com o Prix de Roman - 400 000 francos -
põem um autor ao abrigo do Inverno. H á ainda o Grand Prix Litteraire, da
Academia - 1 50 000 francos - e o Prix Osiris - 1 00 000 - que não são
para desdenhar. Entre 1 O e 1 5 000 francos são inúmeros os folares desta
espécie; a partir de 1 000 aluvião. Todos os géneros literários beneficiam da
cornucópia da abundância, o grosso maná vai, porém, para o romance.
Como mais desprendidos da terra e das suas necessidades, os poetas ocupam
na escala dourada o degrau do fundo.
A par com estes convites pecuniários, pagos de contado, são dignas de
menção as Bolsas de Viagem que permitem ao escritor, munido de passa
porte diplomático, investido oficialmente de embaixada intelectual, ir
devassar o mundo. Deste modo é favorecida uma das tendências mais
pronunciadas da literatura francesa actual: o cosmopolitismo. Até à guerra,
o teatro literário confinava-se entre a rampa de Clichy e a rampa de M on
trouge; os Loti e Paul Adam eram a excepção. Agora inverteram-se os
campos; raros são os que quedam intramuros a bater o velho tamborim
parisiense. O francês, mormente o intelectual, que detestava arredar pé da
sua lura, meteu-se a peregrino das sete partidas. Todos os dias aparecerá
um que descobriu a América e outro que deslindou o segredo de Espanha.
As paragens remotas do novíssimo mundo não lhe fazem medo. Percorre-as
de afogadilho, porque não há tempo a perder, e por via de regra traça delas
um painel tão exacto como o que nos legou M arco Polo, do Oriente. Tão
exacto, mas não menos pitoresco. O francês verá sempre as coisas e os
homens sob um ângulo diferente dos restantes mortais. Nisto residia, talvez,
a razão secreta do seu encanto e do seu êxito. A partir do divino Anatole, a
literatura francesa terá perdido em graça, pureza, espírito, se quiserem; a
ânsia, porém, de originalidade trabalha-a como nunca. Para variar os seus
cenários, o escritor entra como um bandeirante pelas plagas mais escusas;
torce e retorce a língua, para adquirir individualidade; desentranha no
homem as psicologias mais absconsas; mistura na paleta todas as novida
des, desde a geográfica à filosófica. Os antigos valores, Deus, honra, famí
lia, amor, dinheiro, só os aproveita analisados a espectoscópio, em formas
escapas até agora à observação. Que resistência oferecerá ao tempo esta
literatura centrífuga, polimórfica, lançada fora das calhas habituais eivada
de impaciência e deste quid, vago, fugidiço, furta-cores, que se chama
modernidade?
Explorando uns países, repintando outros, esta literatura serve supe
riormente à irradiação do nome francês. Por isso as estações oficiais a
patrocinam de mão generosa. No Quai d'Orsay faz-se uma verdadeira polí
tica do livro; o livro entra como beneficiário em todos os convénios e modus
vivendi que se assinem com as nações estrangeiras; nas grandes cidades,
como Rio de Janeiro, Buenos Aires, Québec, as livrarias francesas são
subsidiadas pelo Estado. Ao mesmo tempo os direitos dos seus autores são
1 54
acautelados zelosamente por meio de agentes próprios e consulares. Outros
privilégios e mercês são reservados aos cultores das letras, sem falar no
palácio de Massa que o Ministério da Instrução lhes instalou quite e livre,
com toda a magnificência, num parque esplêndido para a sede da S ocie
d a d e ; n e m d o s milhões de francos, inscritos este ano no orçamento, para o
o ut il/age in te/lectuel.
De um modo geral há uma cooperação efectiva e solidária de todas as
forças da nação em prol das letras. No último número das Nouvelle Litté
raires nota Pierre Mille que o editor é mais audacioso que antes da guerra e
não hesita em lançar os novos, que são aos cardumes. "A imprensa, mesmo
a mais quotidiana discorre acerca dos livros novos tanto como de política.
Na maior parte dos j ornais, que antigamente se limitavam a rápidas referên
cias, depara-se-nos uma página de crítica literária, cuidada com esmero."
Graças aos incentivos de vária ordem, as letras francesas contam hoje
uma galharda e numerosa plêiade. Não terão a estatura arrojada dos
France e Flaubert, na febre que os consome de produzir, mas honram a sua
terra. Ao amortecimento, sobrevindo com o conflito mundial, respondeu a
grada seara dos tempos que correm. Tornou a elevar-se bem lato o archote
da intelectualidade francesa.
Se de França desviarmos olhos para Portugal que se nos oferece? U ma
literatura mortiça, em regra pobre candeia de azeite a apagar-se, mal reani
mada por um ou outro homem de vontade ou lunático, por um ou outro
ocioso. Os estadistas portugueses - de letras - só se interessam com as de
câmbio. Entre os escritores não há a mínima solidariedade profissional,
pois que contar com outra seria numa terra esfacelada uma santíssima
. utopia. As gazetas consagrarão páginas inteiras ao relato de um crime, mas
só andando o autor de chapéu na mão, ai tio, ai tio, lhe anunciarão o
aparecimento do livro. Quando o fazem, é ao desfastio, como benesse e não
um dever. Se o autor tem vergonha neste alfobre de desenvergonhados, a
obrinha some-se-lhe pelo alçapão do esquecimento. Para que lhe sopre o
vento da publicidade, ser-lhe-á mister cortejar o director da gazeta, cercar
-se de compadres, afagar o j ornalista, numa palavra, desdobrar-se em corte
são e trampolineiro. Muitas reputações - não mais sólidas, louvores ao
Pai da vida, que a estátua de N abucodonosor - amassaram-se com este
barro. Quanto a crítica, que actue em proveito destes com uma ortopédia e
daqueles como uma profilaxia esterilizante, não existiu nem existirá, visto
que se arreigou nos nossos costumes de maneira inveterada a arte de nos
ludibriarmos uns aos outros.
Pelo que respeita ao tratamento que o livro merece dos poderes públi
cos, basta rememorar o facto notório da salvaguarda pautal de que goza o
caríssimo papel chamado de impressão, fabricado em nossa casa por estran
geiros. Aos factores apontados, ajuntam-se as várias alcavalas, percebidas
pelo Estado da indústria gráfica, os impostos onerosíssimos que impendem
1 55
sobre as livrarias e casas editoriais, o recrescimento do analfabetismo, e
ter-se-á o diagnóstico da crise literária em Portugal. O homem de letras está
destinado entre nós a morrer de morte macaca. No futuro haverá mais
vendedores de chita e de amendoim. De resto já ouvi na Comissão de
Estudos Luso-hispano-americanos, a que tive a honra de pertencer, ouvi a
um lente da Ciência Comercial, hoj e sócio efectivo da Academia, advogar o
principio da igualdade, em matéria de direitos a estipular com o Brasil, na
introdução das nossas chitas e dos nossos livros.
1 56
CERTA MANHÃ DE ROSAS . . .
Entrava Mónica nos dezasseis anos quando fugiu d a casa paterna nos
braços dum sedutor. Cabelos em madeixas, saias curtas, infantil em tudo,
nem lhe faltava aquela desprecavida inocência que se torna arroj o cego na
alma da puberdade. Era filha única; herdeira de legítima que, na boa moeda
do tempo, deitava para além dos duzentos contos em prédios rústicos e
urbanos, sem falar em títulos e valores de bolsa. A riqueza cheira e por esse
cheiro, não por estadão, pois tivera sempre a guiá-los o bom senso da
simplicidade, se tornaram notados os Cótimos. O pai, camponês filho de
camponeses, guardara puro o instinto parcimonioso da gleba; enriquecera à
força de economia e trabalho; rico, conservava a modéstia primitiva, por
que a vida nunca fora para ele uma sede de apetites a saciar. Como tantas
fortunas, a sua promanara desta compleição simples e infatigável de
tesaurizador.
Aos sessenta anos, António dos Cótimos podia, olhando à retaguarda,
contar as migalhas que haviam caído das suas mãos de empreiteiro. Por
aquela longa e revessa rua, que do Largo de S. Paulo o levava ao Poço do
Bispo, a pé para poupar o bilhete do Chora, muitas vezes, pelas manhãs
frias de Inverno, passara adiante a mulherzinha do café, que vendia . a
chícara a trinta réis, para ir tomá-lo mais longe, para lá de Santa Apolónia,
a outra que o servia a vintém. S alvo o domingo, nunca perdera madrugada
na cama. Para os capitalistas da época, tenazes no lucro e no esforço, não
precisava de outras recomendações o empreiteiro.
Lentamente, com a segurança dum castor, construiu a sua fortuna. Ao
pender para a velhice, dando conta que estava rico, cuidou de trastejar um
segundo andar em casa sua e aí fixou lar, até então errante de bairro em
bairro. Era um prédio novo, de pé alto, com padaria no rés-do-chão, den-
1 57
tista no 1 . o e costureiras e funcionários públicos no 3 . 0 e 4. 0 piso . Com as
suas persianas de tabuinhas, placas de cobre a reluzir nas ombreiras do
portal, cor-de-rosa e bem airado, descerrava um grande ar de burguesia em
plena avenida nova. Além de duas criadas, uma que seguia desde longa data
seu itinerário incerto, outra móvel segundo manhas e azares, contratou
Fraülein Marta, hanoveriana revelha, como professora de M ónica em lín
guas e piano. Nada mais da equipagem grisalhante das pessoas de teres
adoptou naquela sua jubilação de ricaço.
Com o recorrer, porém, da menina para a adolescênia, dois anos
depois, António dos Cótimos viu-se obrigado a alterar os seus hábitos de
economia e isolamento, visitando e recebendo algumas das famílias com
quem tivera comércio, e passando a frequentar cinemas e music-halls. Fraü
lein Marta, que blasonava de pedagoga, era a instigadora destes espaireci
mentos, argumentando que M ónica estava à altura de conhecer mundo.
Com enfado e timidez entrou a pequena a gozar diversões que parece
ram bulício e turbilhão a quem só espreitara a vida das j anelas estreitas dos
bairros pobres. O atavismo rústico da família sofria nela com trajes que
ora se esgalgavam como ânfora, ora alargavam como sino de catedral.
D. Eufémia, sua mãe, que declinara nela toda a espécie de vaidade, e tinha
a intuição de que os realces na mulher devem ser volúveis como os caprichos,
corria as casas de modas a ensaiar figurinos. M ónica soletrava ainda Weber
no beckstein e já possuía dois vestidos para cada dia da semana. Vê-las na
rua, par a par, a menina galantinha e taful, a velha empertigada no ana
crónico e invariável corte, se adivinhava a ruptura da costela plebeia
pelo dinheiro. Marta oferecia o risco, sempre que se tratava de vestir ou
enfeitar a morgada.
- O penteado Botticelli - dizia-lhe ela, depois de perder horas esque
cidas a estudar os Museus da Europa - fica-lhe muito bem com traje lilás.
A menina tem a face oval como esta madona. Veja que gracioso!
Outras vezes, para vestido de passeio, recomendava o toucado à Velas
quez que nimba o semblante de gentil donaire. E, para saraus e teatros, a
sua receita eram os penteados ingleses à Gainsborough, leves e espumosos,
ou a coifa ondulada à Madame Lebrun, que dá espírito à fronte mais
prosaica. A tão deliciosos modelos preferia M ónica as tranças escorrendo
pelas espáduas, atadas com um laçarote vermelho, que pareciam duas
papoilas e enchiam seu rosto alvo de alegria campestre. E Fraülein tinha
que recolher o mostruário de penteados, que analisara e esmiuçara com o
paciente requinte de cabeleireira real.
Esta rebeldia ao enfeite singular derivava menos de seu natural biso
nho que de seus gostos de singeleza. M ónica herdara a índole do pai, no
qual a mesma vontade que o guindara à opulência o mantinha abstémio
perante as tentações do fausto como monge que, depois de abjurar, perma
necesse fiel ao seu Deus. Era ver-lhe o maxilar pronunciado, mas sem
1 58
excesso, e o rosto seco de carnes, mas em tão deleitável proporção que
Mónica era tida ao primeiro lance de olhos na conta de formosa. Ao
contrário da gente de hoje, a que acicata a pressa fisiológica de viver, aos
catorze anos doirava-lhe ainda as têmporas e o pescoço, à raiz da nuca, a
penugem loira do berço, e na claridade dos olhos reflectia-se-lhe aquela
brandura inestilizável das almas que vogam à superfície das coisas. E não
era menos sintomática a testa larga, escantoada, cheia dum brilho que
parecia a marca de candidez dos pensamentos que albergava. Na intimidade
sucedia ainda apeiar de tão verdes anos para entrar no leve e efusivo des
cuido de idade mais infantil. E da rapariguinha elegante o que se mostrava
era a prisioneira de todas aquelas coisas que a pupila mágica das crianças
transforma de bagatelas em majestosos infinitos. Os contos de fadas, as
bonecas de olhos móveis, os p eixes vermelhos da Quinta da Rabeca, tudo o
que é sagrado pelo bafo das mães e pelo olhar dos anjos tinha assento no
seu paraíso.
Por volta dos quinze anos de M ónica, os Cótimos tomavam assinatura
nos principais teatros e frequentavam com assiduidade as famílias amigas.
A poder de tacto a mestra alemã acabara por lavar da lia envolvente o
diamantezinho de puras águas. Bem que aj oujada de madeixas e saias
curtas por uma obstinação aparentemente paradoxal, deixava-se já Mónica
tiranizar pelas costureiras e com prazer seguia as recreações duma terra que
tinha pelo supra-sumo de Babilónia.
Perdera, também, o ar de lírio, muito cativo, feito só para mimo dos
olhos. E as plateias, mais que o espelho, ensinaram-lhe que era bonita.
No número das suas relações contavam como íntima D. Júlia Maldo
nado, senhora de rara distinção que devia ter sido formosa em tempos de
D. Luís. O marido era arquitecto e nutria com o Cótimo entendimentos de
dinheiro. Tinha ela um sobrinho dado a estudos históricos que, na sociedade
pouco numerosa dos investigadores, gozava fama de portento. Pela mão
deste tornara-se o seu salão prazo-dado de homens de letras, uns em plena
voga, outros de cruz às costas, subindo a via gloriosa. Entre os consagra
dos, tão sagrados alguns que o público os deixava dormir na imóvel beati
tude, vinha ali Ricardo Barreiros admirado pela obra e a finura mundana.
H omem de meia-idade, a julgar pela aparência, tornavam-no singular os
olhos de fogo, fascinantes, e os sainetes, ao proferir os quais, no tom da voz
e . no timbre dos sorrisos, marulhava uma doce inflexão de céptico. Duas
rugas sulcavam-lhe a fronte, estas rugas de criatura que não tem regateado
o tributo à vida e deu o melhor do seu sangue à obra de entendimento.
Com este tentava competir Casimiro da Restituta, mocete fátuo,
monoculado, um pé na política, outro nas letras. Bacharel em direito,
recomendava-o às donzelas casadoiras o considerável património que o
usurário Restituta, com casa de penhores à Esperança, lhe deixaria por
morte. O Casimiro vestia como um peralta dos tempos de Farrobo e reei-
1 59
tava versos langorosos de sua lavra, que faziam estremecer a passarinha
romântica
· das damas. Embora o vate fosse mais solícito para M ónica do
que Barreiros, era ouvindo este e na sua presença que se deliciava.
- Tenha cuidado com este Ricardo Coração de Gibóia - disse-lhe
Restituta ao ouvido, certo dia que, embevecida, escutava ao feiticeiro uma
história da carochinha.
De facto, ela ouvia-o presa d á s suas palavras, alheia ao resto do
mundo, e corou.
Naquele Inverno representou-se com extraordinário êxito a Vereda da
Onça, de Ricardo Barreiros. Esta peça, em que os críticos se esfalfaram a
celebrar o advento em terra lu·sa do teatro de tese, era a vigorosa e emotiva
defesa do homem trabalhado por um sonho e do qual a restante vida
decorrera no escuro e irregular. A Vereda era a marcha rígida, inflexível,
que o apóstolo se traçara e seguia de olhos fechados a tudo o que ficava em
volta. M ónica foi ao D. Maria e voltou de lá perturbada com a vibrátil e
ardente inspiração da comédia.
Leu a obra de Barreiros e começou a deixar-se tomar de melancolia.
Passou aquele Inverno entre excessos de j úbilo e de tristeza, olheirenta
e com insónias, lendo, lendo noite e dia, mostrando-se apenas pressurosa
em correr às quintas-feiras de Júlia Maldonado, a que não faltavam os
· escritores da moda. E, cop10 entrasse a Primavera, os Cótimos fizeram as
malas e abalaram para Paris a distrair a menina.
Ante usos, costumes e coisas da terra desconhecida, a morna apatia de
Mónica evaporava. A leitura tinha-lhe tornado familiares certos aspectos,
deformado outros, e era-lhe agradável, de visu, corroborar aqueles e repor
estes no seu vero plano. Ao cabo de oito dias, porém, numa voz mimalha de
cega-rega, torturava os pais com desej os de regresso. Foi neste estado de
espírito que, uma tarde, ao percorrerem os Trianons, se lhes deparou
Ricardo Barreiros que vagueava, longe do presente, por entre os esplendo
res dos estilos reais. Desde esse instante ficou o escritor o guia deleitável dos
Cótimos. M ónica recuperou saúde e alacridade; ao voltarem de França
chilreavam-lhe na voz todos os j acundos pássaros dos bosques e tingia-lhe a
face a alegria rubra das primaveras. Um mês não era decorrido, os Cótimos
encontraram-se diante do leito intacto da filha; maquinalmente avistaram
pela j anela os espaços livres, aqueles espaços por uma fimbria dos quais ela
passara . Estava uma bela manhã de rosas, e desataram a chorar em deses:
perad o e convulso choro a perdida luz dos seus olhos .
1 60
CRÓNICA DA QUINZENA
1 62
olho nu os cordéis que as movem, são de toda a parte, o que é o mesmo que
dizer que não são de parte nenhuma. Condiz ao menos a enfabulação com a
vida, o clima moral português? Muito menos. A acção de Le Chef roda em
torno de uma revolta suscitada pelos Bolchevistas, que nunca foram vistos
nem achados em Portugal, por em nada servir às suas manobras este
tablado. Que fica do livro que mereça o reconhecimento dos portuguese�?
A boa vontade do autor; o seu escrúpulo na grafia local. Claude Farrere vai
até criar o til, que não existe nos caixotins franceses, para coiffer o ditongo
ão da sua figura central, Vasco Ortigão. Fica mais o diploma que reiterada
mente nos confere de corteses e a amabilidade se não a benignidade com
que observou os breves retalhos da terra lusitana. A obra, porém, do autor
de Fumées d'opium e Civilisés não conta mais uma j óia, nem, parece-nos
bem, o romance francês de aventuras.
1 63
CR ÓNICA DA QUINZENA
AS CIDADES MODERNAS
1 65
acompanharam, desenvolvendo-se adequadamente, este progresso sui gene
ris. É uma cidade que vive do mar; tudo nela se encaminha para este escopo.
Não seria menos irrisório representar ainda Madrid pelo estafado cromo:
à Puerta dei Sol um toureiro de charuto nos dentes quebrando de cinta ante
uma chica de manton e ventarola, com os cravos da lei pregados no pen
teado. Madrid, capital de muitas províncias, coração de um Estado de larga
e difusa fidalguia, centro virtual de um idioma falado por muitos milhões de
almas, converteu-se numa imensa e opulenta metrópole burocrática, no
que esta palavra tem de mais lato. É uma cidade, pode dizer-se, de "despa
cho". Despacho na acepção de negócios, na acepção política e cultural.
Minguam-lhe as condições para ser empório comercial e industrial; tão
-pouco reúne aquele conjunto de predicados, indispensável para poder ser
um caravanserá cosmopolita, predilecto nos forasteiros; quando os palá
cios, serventia dos Bourbons destronados, foram abertos ao público com o
seu recheio e esplendor de museus; quando a República tenha dado reali
dade ao seu plano de incremento universitário - ficará a urbs reguladora e
mentira das velhas e novas Espanhas. Basta ver já a Central dos Correios,
a Catedral, pouco acima dos fundamentos e onde se vão consumindo
milhões, os vários e magnificentes estabelecimentos públicos, para se sentir
a directiva que preside à cidade, outrora oscilante e desorientada. Madrid
vai-se integrando no seu papel de primeira e afanosa agência da comuni
dade espanhola.
Já S. Sebastião, ocioso é dizê-lo, se evidencia como vasta e confortável
locanda para ociosos da vida e endinheirados. Cidade alguma é mais meti
culosa em obedecer a um objectivo. Ruas, casas, habitantes fizeram coman
dita com céu e mar e retêm o estrangeiro, aqui se lhes virando os bolsos até
nem ficar o cotão. Nada ali falta em matéria de prazer e comodidade. Não
tem oficinas, nem academias, nem repartições; mas possui os melhores
hotéis, os melhores passeios, a melhor praia, e não mostra uma ruga, um
desmazelo, uma nódoa, um papel no chão, impecável, monotonamente
chique e preciosa, como as construções de caramelo que se vendem nos
confeiteiros caros. Aqui está a cidade que, havendo encontrado a sua veia, a
explora à maravilha, tudo nela sendo dispositivo para esse alvo.
Também Paris, aprazível encruzilhada de todas as estradas do uni
verso, revestiu feição nova depois da guerra. lncontemplativamente os
camartelos deitaram abaixo os velhos quarteirões em que se albergaram os
boémios de Murger, os niilistas russos, e todos os sans /e sou. Nesse chão
piedoso alinham hoje largas e intermináveis ruas, coalhadas de impertiga
dos e soberbos prédios, com os inventos em luxo e higiene da última hora.
O automóvel varreu ao fiacre, o autobus ao omnibus, puxado por orsas
guedelhudas, e ao bonde eléctrico, o clzauffeur de casaco de coiro ao trinta
nário de libré. Paris rend eu-se à gasolina e à electricidade; mecanizou-se,
tendo perdido o ar benigno e venerável, caricioso igualmente para pobres e
1 66
ricos. H oje, o homem que anda a pé por gosto ou necessidade e, em geral, o
homem parco de recursos, estão deslocados em Paris. Não se contou ali
com eles, ou antes, mereceram aos engenheiros e à Prefeitura muito pouca
atenção. Ao mesmo tempo que se ia implantando este utilitarismo, a
fisionomia da cidade modificava-se. Modificava-se profundamente. Ao pre
sente Paris pode chamar-se terra limpa e asseada. Admiráveis de pavimen
tação as suas ruas; dotados de calorífero, ascensor, telefone em cada
aposento, água corrente quente e fria, os hotéis, ainda os mais modestos;
sulca a cidade em todos os sentidos o caminho de ferro subterrâneo; inunda
a calçada, pintarola de cores várias as portas dos botequins, teatros e boites,
reclama a veniaga, a luz a néon.
No transcurso de poucos anos, Paris galgou todos os estádios para o
que é comum denominar "americanização". Era a capital do mundo nos
bons tempos, caprichou em manter-se a capital do mundo nos tempos
bravios que vão decorrendo. Para realizar este desideratum teve que ser
simultaneamente cidade de pagode, de estudo, de trabalho industrial e
ainda cabeça de França. Supunham-se caldeadas em amálgama perfeito as
condições particulares de Madrid, S . Sebastião, Barcelona, Munique, que
sei eu! A obra das edilidades que no último decénio presidiram aos destinos
de Lutécia foi esta. E a cidade-luz manteve o seu posto.
Deste aspecto novo que reveste o urbanismo - cultivar o filão mais
conforme com a índole e as circunstâncias ambientes de modo a imprimir à
cidade vida própria e carácter - se conclui quanto de imaginação, de
inteligência prática e de continuidade exige o governo de um município.
Dirigir uma cidade é mais complicado que dirigir uma esquadra no alto
-mar. Não se improvisam almirantes; nas cidades portuguesas fazem-se
vereadores a torto e a direito, como se viessem talhados desde o ventre da
mãe para a vara concelhia.
Rio de Janeiro, da banda de lá dos mares, terá encontrado o seu
verdadeiro modo de ser; Lisboa procura-o ainda. Por certo que não é
burocratizando-a mais que se lhe assegura o futuro; nem industrializando
-a; tais propósitos exorbitaram da capacidade do país. Mas Lisboa, criando
amplos e desembaraçados entrepostos, cais como hoje tem Vigo, hotéis
como possui S. Sebastião, aeroportos, os necessários e instantes aeropor
tos, poderá ser grande emp ório comercial e estância de ida e chegada entre a
Europa e a América. E haveria, assim, debruçadas sobre as águas e céus
atlânticos, duas grandes urbes da lusitanidade: Lisboa e Rio de Janeiro.
1 67
CRONO LO GIA SUMÁRIA
de
1915 a 1 934
-:. h
�.f(.i ! (; ? i (! �
1915
1916
1917
dres. República.
- Primeiros motins de solda - 3.0 Aparecimento em Lisboa
dos, ferozmente reprimidos do "diário integralista da tar
por Pétain. de", A Monarquia.
- Formação do gabinete Cle - Aparições da Senhora de Fá
menceau. tima.
- Os bolcheviques tomam o Po
der na Rússia.
- Entrada em vigor de um
armistício na frente russa.
1918
171
1919
1 920
1921
- Revolta de marinheiros fran - Criação do Partido Comu - O seu sonho d e Paris toma
ceses, no Mar Negro, que, n ista Português. forma: O Génio Latino será
sob a d i recção de A ndré - Revolta militar em Lisboa. Seara Nova.
Marty, recusam tomar armas - Noite sangrenta: assassínio de - Pu blica Valeroso Milagre e
contra o novo regime sovié Antó nio G ranj o , Machado Traição.
tico . Santos e Carlos da Maia.
Anatole France escreve no Primeiro número de Seara
I'Humanité de 30 de Novem No va, d i r i gi d a p o r R a u l
bro: "É belíssimo que um sol Proença, Antó nio Sérgio, Jai
d ad o desobedeça a ordens me Cortesão, Câmara Reis . . .
crimi n osas" e , a o mes m o
tempo que recebe o Prémio
Nobel, dá a saber que aderiu
ao jovem Partido Comunista.
1 922
1 72
1 9 23
1 924
- Vitó ria eleitoral d o Cartel des - 2 . ° C ongresso Col onial Na- - O Romance da Raposa.
Gauclzes. cional. Raul Proença: 1 . 0 vol.
- O G overno reco nhece oficial d o Guia de Portugal.
mente a União Soviética.
- Criação da organização reac
cioná ria Jeunesses Patrioti
ques.
- Primeiro número da Révo/u
tion surréaliste.
Morte de Anatole France, a
12 de Outubro.
1 925
1926
- Reorganização das Jeunesses - Golpe militar chefiad o por - Andam Faunas Pelos 8os-
Patriotiques sob o nome de Go mes da Costa, o qual, ins- ques.
Ligue des Jeunes Patriotes tituindo a D itadura, a bre o
q ue tem por finalidade lutar caminho à fascização do País
contra o Bloco das Esquer (28 de Maio).
das. - A tipografia de A Batalha é
assaltad a.
- Criação da censura prévia à
i m p rensa.
1 927
- As tropas francesas evacuam - Movimento militar republi - Toma parte no golpe militar
o Sarre. can o contra a ditadura, a 3 de d e 7 d e Fevereiro contra a
A Action Françoise é p osta Fevereiro, n o Porto, e a 7 e m D i t a d u r a . P e r s e g u i d o , re
no Index. Lisboa. fugia-se na Beira e, seguida
- A I nternacional C o mu nista - Dissolução da Confederação mente, em Paris. No fim do
d efine a táctica de "classe Geral d o Trabalho. Repres ano regressa à Soutosa, em
contra classe". são feroz. Militares, p olíticos, virtude do estado de saúde da
i ntelectuais buscam asilo em esposa que falece p ouco de
Espanha e em França. p ois.
Em Coimbra, publicação da
revista Presença.
1 73
1 928
- Criação do primeiro partido - Criação da U nião Nacio nal Tenta levantar o Regimento
q ue se proclama fascista: Le Republicana, de p ouca dura. de Pinhel.
Faisceau. - I nstituição de uma Comissão Preso em Contenças, evade
de Propaganda da D itadura. se mais uma vez e torna a
- R e v o l t a d o Ba t a lh ão de Paris, no dia 1 5 de Agosto.
Caçadores 7. M o vi m e n t o s
i n s u rreci o nais n o Barre i r o ,
Setúbal e Entroncamento. A
G N R é utilizada como p ri nci
pal instrumento de rep ressão.
- Criação em Paris da Liga de
Defesa da República.
- Governo de Vicente de Frei
tas, com SaJazar n o Ministé
rio das Fin anças.
Carmona é proclamado Pre
sidente da República.
Ferreira de Castr o : Emigran
tes.
1 929
1 930
- Termin a e publica O Homem
- Fim da evacuação da Re - Criação da União Nacional e que matou o Diabo.
nânia. da Polícia de Vigilância e de - A 6 de Abril nasce-lhe o
- Aplicação das leis sobre os Defesa do Estado (PVDE). segu ndo filho, Aquilino Ri
seguros s ociais. beiro Machad o.
- Colabora na Ilustração.
1931
- · Prisões de oposicionistas. - A família parte para a Galiza:
- Revolta na Madeira e nos pri meiro Vigo e, depois, Tui.
Aç ores. - Publica Batalha sem fim.
- Nova tentativa revolucioná
ria em Lis boa, 800 dep orta
d os para as Coló nias.
1932
- A luta entre os ·partidos agu - Publicação dos estatutos da - Publica, já de regresso semi
diza-se. União Nacional e d o p roj ecto clandestino a Portugal, As três
- A crise econó mica abala todo c o n s t i t u c i o n a l : E.�uulo .\'m ·o. mulheres de Sansão.
o Pa ís. - Salazar ch efe d o gove r n o .
- F o r m a l i z a ç ã o d o part ido
único - " U nião Naci o nal"
presidido por Salazar acoli
tad o por Albino dos Reis, M i
nistro do Interior.
- Criação do Secretariado de
Propaganda Nacional.
1 74
1933
1 934
1 75
ÍND ICE ONOMÁSTICO
E
NOTAS AD ICI ONAIS
1 79
ALEXANDR E M A GNO - 356-323 - Filho de Filipe da Macedónia. Aluno de Aristóte
les, submeteu a Grécia revoltada, derrotou os persas e criou um império que se estendia do
Indus ao Nilo. Foi o maior divulgador da civilização helénica - 1 88.
AMADE (Albert d') - 1856- 194 1 . General, participou na pacificação de Marrocos ( 1 908-
- 1 9 1 3) e comandou as tropas francesas nos Dardanelos ( 1 9 1 5) - 2 1 6 .
A MADIS - Romance d e Cavalaria espanhol redigido em 1 508 p o r Montalto possivel
mente plagiado do original português de Lobeira (séc. XIII). O herói é o protótipo do
paladino - 1 8 .
AMÉLIA (Maria Amélia Luísa Helena d e Orléans e Bragança) - 1 865- 1 95 1 - Rainha de
Portugal por ter casado com D. Carlos I - 1 08- 1 47.
AMETTE (Léon Adolphe). 1 8 50- 1 920. Arcebispo de Paris em 1 908. Tentou modernizar os
métodos pastorais - 47-56-70-72-34.
ANA DE BRETAN H A - 1 477- 1 5 1 4. Duqueza da Bretanha. Foi ela que, ao casar com
Luís XII, mimoseou a França com a Bretanha a título de dote - o que, diga-se de
passagem, não agradou nada aos Bretões, celtas dos quatro costados, que se viram assim
acasalados do pé para a mão com os Francos que eles não podiam ver nem pintados -33.
ANÍBAL - 247- 1 8 3 - General cartaginês, filho de Amílcar Barca. Foi vencido por
Cipião, o Africano, em 202 - 38-86- 1 14.
ANTEU - Gigante, filho de Poséidon e de Gaia. Recobrava forças quando fincava os pés
no chão, seu ventre materno - 90.
ANTOINE (André) - 1 8 57- 1943 - Actor francês e director de teatro. Fundou o Teatro
Livre em 1 887 - 206-23-39.
ANNUNCIAÇÃO (Thomaz) - 1 8 1 8- 1 879. Desenhador e pintor - 74.
ARIO ou Arius. 280-336. Padre natural de Alexandria, heresiarca famoso, fundou a seita
dos arianos (que· nada tem a ver com o p ovo ariano) cuj a doutrina foi, por exemplo,
seguida pelos nossos queridos visigodos até certo dia do ano de 589 em que o Rei Recá redo,
abando nando a "heresia cristã" de A rio, .se declarou "católico romano" ! A h, oportunismo a
quanto nos obrigas ! - 5 1 .
A R ISTÓFANES - 445-386. O mais célebre p oeta cómico d e Atenas - 1 3 1 .
ARISTÓTE LES - 384-322. Filó sofo grego, perceptor e amigo d e Alexandre Magno.
Fund ou a escola peripatética. Considerava que a natureza é um esforço imenso da matéria
para se elevar até ao Acto Puro, isto é: ao pensamento e à inteligêngia - I I .
ARNOSO (Conde d') - 1 855- 19 1 1 . Secretário de D. Carlos I e amador das belas letras - 77.
A R MAGNAC (Condado da Gasconha, reunido à França em 1 607). Os Condes d'Armag
nac, partidá rios do Duque de Orléans, opuseram-se vigorosamente aos Borguinhões até
1 435 - 1 72.
A RRIAGA ( Ma nuel de) - 1 840- 1 9 1 7 . Advogado, membro do directório do Partido Repu
blicano, foi deputado às Constituintes em 1 9 1 1 e eleito primeiro Presidente constitucional
da República Portuguesa - 205.
A RROYO (João) - 1 86 1 - 1 930. Político, professor, j ornalista e compositor - 76.
ARTUR ou Artus. Rei lendário do país de Gales, cujas aventuras, no século � VI, derani
origem aos romances corteses do Ciclo do Rei A rtur, também conhecido por Ciclo Bretão
ou Ciclo da Távola Redonda - 1 7-36.
L'ASSIETTE AU BEURRE - 1 90 1- 1 9 1 2. Revista satírica ilustrada que, em português, se
chamaria O TACHO, - esse mesmo que serve de gamela a uma boa parte da classe
politiça . . . Publicada semanalmente, de tendência anarquista, é� uma mina inesgotável de
imagens subversivas e destruidoras (os textos são reduzidos ao mínimo). Teve a colabora
ção de 200 desenhadores, tanto franceses como estrangeiros . Leal da Câmara foi um dos
1 80
p rincipais, tendo chegado a compor um número japonês assinad o . . . Adaramakaro (só
olhos desprevenidos não reconheceram o seu traço nem desco briram o nome do autor:
A-DA-KA-MA-RA). Caran d'Ache, Steilen, Grandjouan, Van Dongen, Poulbot, Chéret,
Jossot, Willette, Hermann-Paul, Juan Gris são alguns dos nomes cujas caricaturas fizeram
tremer o Paris da política e das artes regalado e satisfeiro de si-próprio. LEAL DA
CÂMARA enfileira - louvado sej a Deus ! - entre os mais ferozes, e é por iss o que os seus
números são alvo de grande interesse dos coleccionadores 33-78.
-
AULARD (Alphonse) . 1 849- 1928. Historiador francês. Pri meir J titular da cadeira de His
tória da Revolução, na Sorbonne, em 1 886 - 1 2 1 .
BARBUSSE ( Henri) 1 873-1 935. Escritor frances, autor de Feu e criador da revista
Clarié - 7 1 .
BAR RES ( Maurice) 1 8 62- 1 923. Escritor frances ultra-nacionalista que preconizava a
submissão do culto do eu à do culto da pátria e dos mortos - 1 39- 1 50- 1 53-1 54- 1 66- 1 76-
- 1 8 1 - 1 6 1 -208 .
BARTHOU ( Louis) - 1 862-1934. Político frances, foi assassinado em Marselha aquando
do atentado contra o rei A lexandre I da Jugoslávia - 1 79-205-208-224-229.
BARYE (Antoine). 1 795- 1875. Escultor e pintor franres. Os seus bronzes são a "loucura"
de muitos coleccionadores - 46.
BAS SOMPIERRE (Franç ois de). 1 579- 1 646. Marechal de França e diplomata. Esteve
encarcerado na Bastilha 1 2 anos por ter conspirado contra Richelieu - 1 72.
BAUDELAI RE (Charles). 1 8 2 1 - 1 867. Poeta franres, autor das Fleurs du Mal e notável
tradutor de Edgar Poe - 1 1 3.
BAZIN ( René). 1 8 53- 1932. Escritor franres - 166- 1 76.
BELLINI (nome de uma família de pintores venezianos cuj os membros mais notáveis são
IACOPO ( 1 400- 1 470) e seus filhos GENTILE ( 1 429- 1 507) e GIOVANNI ( 1 430- 1 5 1 6)
- 45.
181
BERENICE - U ma das três rainhas lágidas do Egipto. Princesa judia, nasceu no ano 28 .
Tito quis casar com ela, mas reconsiderou a fim de não desagradar ao povo romano -
48-54.
BERGSON (Henri). 1 859- 1 94 1 . Filósofo francês. O seu sistema assenta na intuição dos
dados da consciência liberta da ideia de espaço e da noção científica do Tempo. Prémio
Nobel 1 927 - 1 1 5- 1 1 6- 1 1 7 .
BERNHEIM JEUNE - Marchand de tableaux. Criou uma d a s mais célebres galerias
de arte parisienses - 25- 1 1 3-27.
BERTA-DO-PÉ-TAL U D O (Berthe au Grand Pied). Mulher do Rei Pepino o Breve
( Pépin /e Brej) , mãe de Carlos Magno ( Charlemagne), faleceu em 785 - 34-35.
BERTI LLON (Alphonse). 1858- 1 9 14. Médico francês, concebeu um método de identifi
cação antrop ométrica dos criminosos - 2 1 1 .
BONCOUR (Paul) . 1 873- 1922. Politico francês: radical-socialista, aderiu à S.F.I.O. (Sec
ção Francesa da Internacional Operária) em 19 1 6 . Ministro da guerra em 1 932. Em 1 940,
recusou os poderes constitucionais ao Marechal Pétain. Foi delegado da França à Confe
rência de San Francisco e assinou a Carta das Nações Unidas em 1 946 - 209.
BONNAT ( Léon). 1 833- 1 922. Pintor francês - 68-45-46-47.
BONNOT (Jules). 1 876- 1 9 1 2. Anarquista francês, abatido pela Polícia com outros mem
bros do seu grupo (la bande à Bonnot) nos arredores de Paris - 1 27.
B O R D A L O PIN H E I R O ( Rafael). 1 846- 1 90 5 . Desenhador, caricaturista e ceramista
Irmão de Columbano - 36 . .
BORDEAUX (Henry). 1 870- 1963. Escritor francês - 1 50-26.
BOSS UET (Jacques-Bénigne). 1 627- 1 704. Prelado francês, escritor e p regador famoso.
Nomeado Bispo da cidade de; Meaux, em 1 68 1 , apoiou a politica de Luís XIV contra os
protestantes, o que lhe valeu o cognome de "A águia de Meaux" 36. -
1 82
B O U L A N G E R (Ge orges). 1 8 37- 1 89 1 . General fran cê s, Ministro da G uerra em 1 8 86,
tentou um golpe de Estado . Para não ser preso, refugiou-se em Bruxelas, onde veio a
suicidar-se sobre a sepultura da amante - 1 25-206.
BOURBONS - A primeira Casa de Bourbon data do século X . Por via matrimonial,
coligo u-se com os Capelos da Borgonha - 36.
BOURGEOIS (Léon). 1 8 5 1 - 1 925. Politico francês; um dos promotores da Sociedade das
Nações. Prémio Nobel - 7 1 -72- 1 26- 1 27- 1 28- 1 34-224.
BOURGET (Paul). 1 852- 1935. Escritor francês, autor de diversos ensaios e de romances
de análise - 1 53-26- 1 6 1 .
BRAGA (Joaquim TEÓFILO). 1 843- 1 924. Historiador e professor, natural d e Ponta
Delgada. Com a vitória do movimento republicano em Outubro de 1 9 10, assumiu a chefia
do Estado - 143.
BRÉGUET (Louis). 1 880- 1 955. Piloto francês, um dos pioneiros da aviação - 83.
BRIAND (Aristide). 1 862- 1 9 32. Notável orador francês, foi onze vezes Presidente do
Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros. Partidário da politica de reconciliação
com a Alemanha e animador da Sociedade das Nações. Prémio Nobel - 57-71 - l l l
- 1 1 3- 1 2 1 - 1 27 - 1 3 3 - 1 34- 1 3 5- 1 46-229- 1 5- 1 6- 1 49- 1 50- 1 5 1 .
B RIEUX (Eugene) . . 1 858- 1 9 32. Dramaturgo francês - 4 1 .
B R UAND (A ristide). 1 8 5 1 - 1925. Autor d e canções realistas d e estilo argótico. Proprietário
do "cabaret" Chat Noir, foi retratado por Toulouse-Lautrec com o seu "cache-col" verme
lho de anarquista - 1 26.
BRUGHEL (ou Breughel). Célebre família de pintores flamengos: Pedro o Velho ( 1 5 30-
- 1 569); Pedro o Jovem ( 1 5 64- 1637) e João, o Brughel de Veludo ( 1 568 - 1625) - 73.
BUDA ou Çakyamuni ("o solitário dos Çakyas"). Fundador do Budismo, religião que
tem por finalidade co nduzir os homens ao nirvana isto é: à renúncia s uprema - 27-8 1 .
•.
CAGLIOSTRO (Joseph Balsamo, dito Alexandre, Conde de}. 1 743- 1 795. Hábil charla
tão, médico e adepto das ciências ocultas, foi o ai-Jesus da Corte de Luis XVI. Maria
Antonieta bebia-lhe a "melodia" do seu italiano, embora o figurão tivesse nascido em
Palermo, onde, como toda a gente sabe, o siciliano é uma lingua para bocas mafiosas -
60.
CAI L LA U X (Joseph). 1 863- 1 944. Po litico francês especialista das questões finan cei
ras. Presidente do Conselho em 1 9 1 1 , fez votar o imposto sobre os proventos e mostrou
-se favorável a uma politica de concessão à Alemanha relativamente a Marrocos. Foi
condenad o pelo Supremo Tribunal por conivência com o inimigo, em 1 9 20, e amnistiado
em 1924 - 1 34- 193-2 1 6-224.
CAIM - Personagem lendária do Judaísmo. Filho do primeiro Homem (Adão}, matou
o mano Abel por uma questão de i nvej a . . . (Imagine-se! Ainda a Humanidade estava em
gestação, já um malandro era levado ao crime roido pela cobiça ! E o que é mais triste é
que o Criadpr, que devia ter cortado o mal pela raiz, esfregou as mãos e concitou a
"assistência" a "Crescer e a multiplicar-se!" Cinco e tal mil anos depois (segundo o
Calendário Hebraico)," é o que se vê, - o que levou o Épico a dizer: "Se a inveja fosse
tinha, andava Portugal inteiro a coçar-se" . . . Moralidade: Caim não devia ter sido expulso
do Paraíso, nem para Leste nem para Oeste, já que contribuiu mais para sermos o· que
somos d o que o parvo do irmão - 5 1 -6 1 - 10 1 .
CAIN (Auguste) . 1 8 2 1 - 1 894. Escultor francês, aluno de Rude - 33.
CALDERÓN de la Barca (Pedro). 1 600- 1 68 1 . Autor dramático castelhano, cuja obra é
dominada pelo tema de "a paixão da honra" - 55.
CALLOT (Jacques). 1 592- 1635. Gravador e pintor francês - 80.
1 83
CALMETTE (Albert Gaston). 1 863- 1933. Director de LE FIGARO - 1 1 3.
CAM E LOTS D U ROY: grupelho caceteiro e fascista, que tinha por especialidade criar
atropelos na praça pública, enquanto distribuía panfletos m onárquicos. O seu nome
deriva do termo ar gótico "camelot", isto é: vendedor de j ornais . . . ou tretas. (Para um bom
conhecimento da ACTION FRANÇAISE, JEUNES SES PATRIOTIQUES e outros
camelots reaccionários franceses, aconselhamos a leitura de "Les fascismes Français -
1 923-63" de J. Plumyene et R. Lasierra, Ed. du Seuil - 1963) - 1 46.
CÂNDIDO DE ALM EIDA. 1 8 8 1 -?. Escultor, viveu em Paris em 1 902 e 1 903 - 25.
CANALEJAS (José): 1 854- 1 9 12. Ministro espanhol. Fundador do Partido Radical, pro
mulgou várias reformas destinadas a diminuir o poder das ordens religiosas e a suprimir
os latifú ndios ("Lei do Cadeado"). Foi morto a tiro por um anarquista - 1 09.
CANALETTO (Giovanni Antonio CANAL, dito). 1 697- 1 768. Pintor veneziano - 1 02-
- 1 13.
CAPETOS - Família d e origem Franca. U m a d a s três "castas" reais: o s Capétiens
(987- 1 328); os Valois ( 1 3 28- 1 589) e os Bourbons ( 1 589- 1 848) - 1 22- 1 72-36.
CAPUS (A ifred). 1 857-1 922. Comediógrafo francês - 1 50.
CARLOS I - Penúltimo rei de Portugal. Distinguiu-se como pintor e cientista. Visitou
Paris em 1 905 o que lhe mereceu um número de L'Assiette au Beurre inteiramente
desenhado por Leal da Câmara. Foi assassinado a I de Fevereiro de 1 908 - 39-204.
CARLOS II, o CALVO. 823-877. Rei dos Francos e Imperador do Ocidente (875-877). O
seu reinado foi sobretudo assinalad o pelas invasões dos vikings, esses homens do norte,
conhecidos p or normandos - 34.
CA R LOS MAGNO (Charlemagne). 742-8 14. Rei da Neustria (767-77 1); rei dos Francos
(77 1-8 14) e Imperador do Ocidente (800- 8 1 4). Filho de Pepino o Breve e de Berta do Pé
Taludo, sucedeu ao pai em 768 e reinou com o irmão CARLOMAN até à morte deste
último, em 77 1 . Rei ú nico , submeteu a Aquitânia (a região que se estende de Poitiers a
Bordéus) e a Lombardia. Organizou uma expedição contra os sarracenos de Espanha,
que foi dizimada em Roncevalles, pelos Bascos, e na qual pereceu o seu sobrinho Roldão
( Rolland). Em 800, o Papa Leão III coroou-o Imperador do Ocidente. Foi o chefe
da Dinastia dos Carolíngeos - 1 68-34-36- 1 1 4.
CARLOS V - 1 500- 1558. Natural de Gand, na Flandbec, foi Cabloc I de Ecanha
( 1 5 1 6- 1 556) e Imperador Germânico ( 1 5 19-1 5 56). Filho de Filipe o Formoso, arquiduque
da Áustria e de Joana, rainha de Castela, os seus domínios gigantescos (Espanha e
Coló nias, Flandres, Áustria, Alemanha) fizeram dele o principal inimigo dos reis de
França. Abdicou em 1 556 - 1 8-73.
CARLOS VII. 1 403- 146 1 . Rei de França, graças à revolta chefiada por Joana de A re
contra os ingleses q ue ocupavam o Norte e a região circundante de Paris, conhecida por
Íle de France - 35.
CARLOS o TEMERÁ RIO. 1 433- 1 477. Duque da Borgonha e da Flandres, filho do Duque
borguinhão Filipe o Bom e da Infanta D. Maria de Portugal, filha de D. João I, levou a
vida a guerrear contra Luís XI de França e René II, Duque da Lorena - 40.
CAR LYLE (Th omas). 1 795- 1 885. Historiador e crítico escocês. Autor de "Os Heróis e o
Culto dos Heróis" - 1 53.
CA RPEAUX (Jean-Baptiste). 1 8 27- 1 875. Escultor francês - 32.
CARRIERE (Eugene). 1 849- 1 906. Pintor e litógrafo francês - 23-25-33-54.
CARVALHO (Xavier de). 1 862- 1 9 19. Escritor e jornalista, fundou três diários republica
nos no Porto. Foi residir para Paris em 1 885, onde fundou a "Société des Etudes Portugai
ses" - 70.
1 84
CASIMIR-PÉRIER. 1 8 1 1 - 1 876. Político francês, partidário de T11iers, o tristemente céle
bre "versaillais" carniceiro da "Comuna de Paris" - 1 34-207.
CASTELO BRANCO (Camilo). 1 825- 1 890. O maior novelista da Península Ibérica, no
dizer de Unamuno - 74-75.
CASTRO ( Eugénio de). 1869- 1 944. Poeta simbolista. Viveu u ns tempos em Paris e, de
regresso a Portugal em 1 890, p ublicou Oaristos - 4 1 .
CENTAU ROS - Homens selvagens que, segundo a lenda, viviam n a região de Pélione e
Ossa, na Tessália e que são representados como monstros fabulosos, meio-homens, meio
-cavalos - 1 7 .
CER VANTES ( Miguel Cervantes y Saavedra). 1 547- 1 6 1 6 . Perdeu um braço na Batalha de
Lep anto e, cativo, viveu em Argel, durante cinco anos. Autor genial, legou-nos As
novelas exemplares e, sobretudo, essa bomba de retardo, que só um "marran o" p oderia
c onceber: DON QUIJOTE DE LA MANCHA - 1 9 .
CÉ SAR (Júlio). 1 0 1 -44 a . C . - Hábil, elo quente, enérgico e dotado d e fi n o sentido político,
começ ou por captar as boas graças do povo de Roma a fim de levar a cabo a sua luta contra
a omnip otência de Pompeu. No entanto, não conseguiu ir mais longe do que à formação de
um Triunvirato com Pompeu e Crasso, no ano 60. Cônsul em 59, conquistou as Gálias
(59-5 1 ) o que l he permitiu escrever o Comentário De bello Gallico. Acabou por governar
Roma como soberano absoluto - o que deu origem à conspiração de alguns Senadores
(entre os quais o seu filho adoptivo Bruto) que descambou no seu assassínio nos idos de
Març o ( 1 5 de març o do Calendário Roman o) 26-40-56- 1 1 9- 1 67- 1 69.
CÉZANNE (Paul) . 1 8 39- 1 906. Pintor francês, natural de Aix-en-Provence como o seu
amigo Emile Zola, é uma das principais figuras do I mpressionismo. É co nsiderado como
um d os precursores da arte moderna - 2 10-66.
C H ANG-KAI-CH EK. 1888- 1975. Marechal chinês, chefiou a luta contra os jap oneses, de
1937 a 1 945. Presidente da Repú blica Chinesa, foi vencido pelas forças comunistas de Mao
Zedong. Refugiou-se na Formosa (Twaian), em 1 949, a fim de reco nstituir o governo da
China nacionalista - 1 1 9.
CHAGAS (João Pinheiro). 1 863- 1 925 . Jornalista p olítico, foi degredado para A ngola por
ter particip ado na Revolta do 31 de Janeiro de 1 89 1 . Ministro de Portugal em França,
desde a implantação da República até se aposentar em 1 923 . Foi membro da delegação
portuguesa à Conferência da Paz e à Sociedade das Nações - 1 43.
CHAPLIN (Charles Josuah). 1 825- 1 89 1 . Pintor e gravador francês - 28.
CHAPLIN (Charles). 1 8 89- 1 977. Actor e realizador de cinema inglês. Criou a personagem
dolorosamente cómico de CHA RLOT e foi vítima da caça às bruxas, desencadeada pelo
senador fascista americano Mac Carthy - 27-97.
C HARDIN (Jean-Baptiste). 1 699- 1 779. Pintor francês, porventura o maior retratista da
realidade do seu país no séc. XVIII - 77- 1 02.
CHARPENTIER (Gustave) . 1 8 60- 1956. Compositor francês, autor do drama lírico natura
lista LOUISE 23-27.
-
1 85
CHÉ RET (Jules). 1 8 36- 1932. Desenhador e pintor francês, célebre pelos seus cartazes
ilustrados - 23.
CHEVALIER D E LA B A R RE (Jean-Franç ois Lefl:vre). 1 747- 1 766. Nobre francês. Acu
sado de ter partido um crucifixo, foi decapitado e lançado à fogueira. VOLTAIRE tentou,
debalde, obter a sua reabilitação - 23.
CHEVREUIL ( Eugime). 1 786- 1 889. Químico francês, especialista dos corpos gordos, foi
director das tinturarias da Manufactura dos GOBELINS criada por Luís XIV que desejava
esquecer os negócios dos homens perante a beleza de uma bem urdida tapeçaria - 66.
CHILDE-H AROLD (Peregrinação de). Poema em quatro cantos de Byron que narra a
viagem do poeta de 1 8 1 2 a 1 8 1 8 . Lamartine compôs o "ÚltimO' Canto de Childe-Harold"
c omo se se tratasse da continuação da obra de Byron - 26.
CHILDERICO. 436-48 1 . Filho de Meroveu (fundador da Dinastia merovíngea que antece
deu a carolíngea), pai de Clovis, rei dos Francos. Reinou na Turíngia - 34.
CHOISEUL (César, Duque de) . 1 598- 1 675. Marechal de França, distinguiu-se no cerco de
La Rochelle; durante a· Fronda. Comandou o exército do rei que defendeu Paris. (Fronda:
·
nome d ado à guerra civil que devastou a França durante a menoridade de Luís XIV (de
1 648 a 1 652), provém de um jogo dos garotos de Paris : o jogo da funda ou da fisga. Há a
dizer que a FRONDE foi motivada pela má política financeira do cardeal Mazarino -
1 42- 1 1 0.
C I D ( R od rigo D i a z d e B iv a r ) . C a v a l e i r o andante cast e l h a n o - E/ Cid Campeador,
ilustrou-se na luta contra os mouros, no séc. XI - 18.
CLAU DEL (Paul). 1 868- 1955. Diplomata e escritor francês. Ad mirador d e Salazar, dedi
cou ao Marechal Pétain, durante a Ocupação do seu Pais pelas hordas hitlerianas, uma
ODE enternecedora - a qual, logo após a Li.bertação da França em 1 944, foi dedicada,
com meia-d úzia de retoques ao General de Gaulle . . . Dramaturgo fecundo e de um catoli
cismo sui generis, p ode gabar-se de ter enriquecido o Teatro Francês com a sua maior
xar.o pada: Le soulier de satin ( ! ! O sapato de setim") que Franç ois Mauriac, romancista e
católico de cepa j ansenista, corrigiu para Le soulier de Satan ("O sapato de Satanás" -
223.
CLE M EN C E A U (Georges) . 1 8 4 1 - 1 929. Político fran cê s : deputado d a extrema-esquerda
(da época), de uma eloquência feroz e apaixonada, alcunhado de "demolidor de Ministé
rios" e, mais tarde, de "O Tigre" pela sua acção durante a Primeira Guerra Mundial, foi
partidá rio de Dreyfus, adversário de Waldeck-Rousseau e inimigo de Raymo nd Poincaré .
Negociou o Tratado de Versalhes, mas não logrou ser eleito Presidente da República -
1 18- 1 26- 1 27- 1 33- 1 50-224-228-229.
CLOVIS I. 465-5 1 1 . Rei dos Francos, filho de Childerico. Convertido ao catolicismo,
derrotou os siágrios, os alamães, os burgondos. (borguinhõ es) e os visigodos. Fundador da
Monarquia Franca, proclamou-se rei ú nico de todas as Gálias - 34.
C O E L LO (Cláudio). 1 642- 1 69 3 . Pintor espanhol de origem portuguesa. Foi nomeado
pintor do rei em 1 684. Executou obras de estilo barroco - 78.
COLI (Franç ois). 1 8 8 1 - 1 927. Aviador francês que, com Nungesser, desapareceu no mar,
quando tentava atravessar o Atlântico Nórte de avião - 1 8 .
COLU MBANO (Bordalo Pinheiro). 1 8 57-
. 1929. Pintor. Irmão d e Rafael Bordalo Pinheiro
- 24-70.
CO M B ES (Emile). 1 8 35- 1 92 1 . Político francês. Presidente do Conselho de 1 902 a 1 905,
campeão do anticlericalismo. Foi ele - a quem o p ovo de Paris, trocista, apelidara de
"Padre Combes" (Le Pere Combes) - que redigiu e fez votar a lei da separação da Igreja e
do Estado - 1 35-223- 1 5 .
COMPERE-MOREL (Adéodat). 1 872- 1 94 1 . Deputado socialista, d e tendência guesdista.
1 86
Dirigiu a publicação em 1 2 volumes da Encyc/opédie Socialiste, syndica/e et Coopérative
- 224.
CO MTE (Auguste). 1 798- 1 857. Filó sofo francês, fundador do positivismo. O seu Curso de
filosofia positiva ( 1 8 30- 1 842) é co nsiderado uma das obras capitais da filosofia do séc. XIX.
Completa o seu sistema por uma religião da humanidade - 1 1 6- 1 54.
CONDÉ. Ramo colateral da Casa de Bourbon. Quase todos os seus membros desempenha
ram um papel imp ortante na histó ria de França - 82.
CONFÚ CIO. 55 1 -479 a. C. O mais célebre filósofo da China. Fundador de um sistema de
mo ral que põe acima de tudo a fidelidade à tradição nacional e familiar - 1 1 9 .
CON STANT (Benjamin) . 1 767- 1 8 30. Político e escritor francês, amigo d e madame de
Stael; deixou um romance que é tido p or uma obra-prima de análise psicológica: A dolphe
- 1 1 3. o
187
foi abolida no dia 30 de Setembro de 198 1 ) pode "gabar-se" de ter destrancado 450 cabeças
em 53 anos de exercício ---' 68.
DEKOBRA ( Maurice Tessier dito M AU RICE). 1 8 85- 1973. Aut or de romances cosmopo
listas - 98.
DELBRUCK ( Hans). 1 848- 1 929. Historiador alemão, deputado, partidário de uma polí
tica de equilíbrio mundial entre a Inglaterra e o seu país. Hostil ao pan-germanismo - 1 76.
DELCASSÉ (Théophile). 1852- 1 923. Político francês, várias vezes Ministro dos Negócios
Estrangeiros. A rtesão da "entente cordiale" franco-inglesa - 2 1 5-2 1 6.
DENIS (Maurice) . 1 870- 1943. Pintor francês. Participou no movimento nabi e fundou os
ateliers de arte sacra - 102.
DENIS ( São). Apóstolo das Gálias. Primeiro Bispo francês, no século III. Decapitado
pelos romanos em Paris, pegou na cabeça entre-mãos e, lentamente, seguiu pela vereda que
é hoje a Rue Montmartre (Rua dos Mártires), subiu à colina onde se erguia o Templo de
Minerva (o actual Sacré-Coeur) e, só expirou a coisa de 1 2 quilómetros, no local onde se
ergue a Basílica que tem o seu nome e em torno da qual cresceu a cidade de Saint-Denis -
33-34-35-36.
DÉROULEDE ( Paul). 1 846- 19 14. Poeta e politico francês. Presidente da "Liga dos Patrio
tas", o seu estro é forçosamente patriotinheiro - l l l - 1 1 8 - 1 65-208.
DERRÉ (Emile). 1 867. Suicido u-se em 1 938. U m dos mais delicados escultores franceses
contemp orâneos - 23.
D E S C A RTES ( René). 1 59 6- 1 650. Filó sofo, matemático e fisico francês. Viveu muito
tempo na Holanda onde, entre outras o bras, escreveu O DISCURSO D O MÉTODO, alfa
e ómega do cartesianismo - 1 1 6- 1 1 8- 1 48.
DESCH ANEL ( Paul) . 1 8 55- 1 922. Político francês. Presidente da República, de 1 8 de
Fevereiro a 22 de Setembro de 1920 - 127.
DEUTSC H E D E LA M E U RT H E ( Madame). Mulher do fundador do Aero-Club de
France e do Instituto Aeronáutico ( 1 909) - 1 7 .
DOUG LAS FAI RBANKS. 1 883- 1939. Actor d e cinema americano - 97.
DOUMER (Paul). 1 8 57- 1932. Político francês. Governador Geral da Indochina, em 1 896,
Presidente do Sen ado, em 1927 e da República, em 193 1 . Foi assassinado, em Paris - 134.
DOU M E RG U E (Gaston). 1 863- 1937. Político francês. Presidente do Conselho em 1 9 1 2;
do Senado em 1 9 23 e da República de 1924 a 1 93 1 . Presidente do Conselho, de 9 de
Fevereiro a 8 de Novembro de 1 934 - 45.
DOYEN (Eugene Louis). 1 859- 1 9 1 6 . Médico francês, inovador em matéria de cirurgia e de
instrumentação - 87-88.
DREYFUS (Aifred). 1 8 59- 1935. Oficial francês, saído de uma familia israelita alsaciana,
foi injustamente acusado e condenado por actos de espionagem a favor da Alemanha
( 1 894). Foi agraciado e reabilitado em 1 906, após uma violenta campanha encabeçada por
Zola. Fomentado pelos meios ultramontanos e antisemitas franceses, o caso D REYFUS
dividiu a França, como n os dá a perceber, por exemplo, a leitura de JEAN BAROIS, de
Roger Martin du Gard - 68- 1 8 0-207.
D RIANT (Emile) . 1 8 5 5- 1 9 1 6 . Ofici al e escritor, genro de Boulanger, m orreu na Batalha de
Verdun - 1 49- 1 66.
DUARTE. 1 39 1 - 1 438. Foi o décimo primeiro rei de Portugal e o segundo da Segunda
Dinastia. Homem culto, escreveu o Leal Conselheiro e a A rte de Bem Cavalgar Toda a Sela
- 37.
DUBOST (Charles). 1 882- 1 939. Escritor e crítico francês - 1 27.
1 88
DUCHAMP ( M arcel). 1 8 8 7- 1 968. Pintor francês, influenciado pelo cubismo,. Desempe
nhou um papel importante no movimento Dada e no Surrealismo - 102.
DUFAU ( Mademoiselle Evelyne). Pint ora de grande talento, expôs em vários Salons.
Faleceu em 1937 - 1 02.
D UJ A R DI N - B EA U M ETZ (Geo rges) . 1 8 33- 1 896. M édico fran cês, escreveu numerosas
obras sobre a terap�utica - 1 1 4.
D U M ONT (A rsene) . 1 849- 1 902. Ministro. Autor de "La Petite Bourgeoisie vue à travers
les contes du Journal" ( 1 894- 1 895).
DUNCAN (Isadora). 1 878- 1 9 27. Bailarina americana cuj o estilo se opunha completamente
às formas clássicas do ballet - 32.
D Ü R E R (Albrecht). 1 47 1 - 1 528. Pintor e gravador alemão - 40-45-46.
D R U M ONT (Edo uard) . 1 844- 1 9 1 7. Político e jornalista, é um dos chefes do partido anti
-semita. Fundador da delirante LA LIBRE PAROLE, é sobretudo conhecido como autor
da FRA NCE JUI VE mangedoura o nde se regalam todos os antisemitas franceses, de
Maurras a Jean-Marie le Pen - 206.
ECLESIASTES . Obra atribuída a Salomão e incluída pela Igreja católica entre os seus
livros canó nicos. É nela que se desenvolve a famosa máxima: "Vaidade das vaidades, tudo é
vaidade" (ou "vanidade") - 7 1 .
ELOI ( Santo). 588-600. Ourives e tesoureiro de Clotário I I e d e Dagoberto I , rei dos
Francos. Ministro deste último, foi Bispo de Noyon - 34.
ERLICH (Paul). 1 854- 1 9 1 5 . Médico alemão, descobriu a acção dos arsenobenzenos no
tratamento da sífilis. Prémio Nobel 1 908 - 87-89-9 1 .
ERMENTRUDA. 8 25-877. Primeira mulher d e Carlos o Calvo - 34.
ESOPO - VII-VI a.C. - Fabulista grego. Escravo, as Fábulas que compôs em excelente
prosa, são atribuídas ao seu tradutor franc�s. o mo nge PLAN U D E (séc. XIV).
ET IENNE ( E ugene) . 1 8 44- 1 9 2 1 . General e p olítico, membro da Un io n démocratique,
aquando de l'Affaire Dreyfus - 68.
EU ROPA, filha de Agenor, rei da Fenícia, foi raptada por Zeus metamorfoseado em touro
e levada para Creta, onde deu à luz Minos, Sarpedon e Radamante - 1 7 .
EZEQUIEL. Século VI antes d e Cristo. U m d o s quatro grandes profetas hebreus - 45-9 1 .
FALLI ERES (Armand) . 1 84 1 - 1 9 3 1 . Político franc�s. Presidente d o Senado e m 1 899 e
Presidente da República de 1 906 a 1 9 1 3 - 52-59-70-72- 1 1 4- 1 2 1 - 122- 1 23- 1 26- 1 27- 1 29-
1 34-2 1 0 .
FANTIN-LATOUR. Pint or e litógrafo francês - 102.
FARMAN ( Henri) . 1 874- 1 958. Engenheiro e industrial franc�s que, em 1 980, obteve o
prémio do quilómetro em circuito fechado, de avião - 82.
FARRERE (CLA U D E, pseudónimo de Frédéric Bargone). 1 876- 1 9 1 7 . Escritor francês -
1 6 1 - 162- 1 63.
FAUCONNIER (Emile Eugene) . 1 857-?. Pintor, galardo ado em 1 900 e 1 903 - 53- 1 0 1 - 102.
FAURE (Félix) . 1 8 4 1 - 1 899. Político francês. Presidente da República de 1 895 a 1 899 -
68- 1 49 -205-208 .
FED RO. 1 5 a.C. - 50 depois de Cristo. Escravo e fabulista latino, escreveu à semelhança de
Esopo. Foi agraciado por A ugusto 1 50.
-
1 89
FE R RER (Francisco Ferrer Guardia). 1 8 59- 1 909. Anarquista e pedagogo espan hol. Ini
ciado na Franco-Maçonaria quando jovem, foi um dos propagadores do Pensamento Livre
em toda a Península Ibérica. Preso em Barcelona, aquando de uma manifestação contra a
expedição a Marrocos, foi julgado num processo sumário e fusilado. O processo foi revisto
em 1 9 I I e a co ndenação reconhecida errónea em 1 9 1 2 :..... 53-54-55-68 .
FERRY . (J1des). 1 832- 1 893. Estadista francês, contribuiu para a organização do ensino
primário, assim como para a ex pansão colonial da França. pela conquista da Tunísia e do
Tonquim. Tornando obrigató rio o ensino da língua francesa, em detrimento das línguas
· regionais (os patois), é considerad o como um dos grandes fundadores da França - 206.
FI LIPE III (IV de Espan ha). 1 605- 1 665. Teve o bom senso de confiar a direcção dos
negócios públicos ao grande estadista Conde-Duque de Olivares (que projectou transferir
p ara Lisboa a capital da. . . Un ião Ibérica). O seu reinado· p ortuguês terminou com o
levantament o do 1 . 0 de Dezembro de 1 640 - 1 1 2. ·
FLA U B E R T ( G ustave). 1 8 2 1 - 1 880. Escritor francês. Pro� ad·o r · . rigo ros o na procura d a
perfeição do estilo, pretendeu dar aos seus romances uma imagem objectiva da reali
d ade. Autor de Madame Bovary, Salammbô, L'Education Sálliméntale __: 32- I I S.
F O C H ( Fe rd i n a n d ) . I 8 5 1 - I 9 29 . Marechal de França, d a I n glaterra e da P o l ó n ia.
Distinguiu-se na Batalha do Marne e nas Flandres ( 1 9 1 4) . Conduziu as tropas aliadas à
vitó ria em 1 9 1 8 - I I 8.
FO URNIER (Aifred). 1 832- 1 9 14. Médico francês. Primeiro titular da cadeira de clínica das
doenças cutâneas. Fundad or da sífiligrafria moderna - 90.
FORAIN (Jean-Louis). 1 8 52- 1 93 1 . Pintor e gravador francês. Caricaturista político de
grande mordacidade - 23.
FOUILÉE (Aifred). 1 8 38- 1 9 1 2. Filó sofo francês. Criou a teoria das ideias-força - S I .
FOU RIER (Charles). 1 772- 1 837. Filósofo e soció logo francês. Criou u m sistema que previa
a associação dos indivíduos em falanstérios: grupos harmoniosamente compostos com a
finalidade de fornecer a cada um dos seus membros o bem-estar pelo trabalho livremente
consentido - 49.
FO UCQUET (Nicolas). 1 6 1 5- 1 680. Super-intendente das Finanças de Luís XIV. Mercê da
sua imensa fortuna, protegeu os homens de letras (Moliere, La Fontaine, etc . . . ). Vítima das
intrigas de Colbert, foi condenado a prisão perpétua na Cidadela de Pignerot. Há quem
pretenda que foi ele o Homem da Máscara de Ferro - 1 7 2.
FRA ANGELICO (Giovanni de Fiésole). 1 387- 1 455. Dominican o, é um dos primeiros
pintores do Quattrocent o florentino. Decorou o Convento de S. Marcos, de Florença, e a
Capela de Nicolau V, no Vaticano - 52- 1 02.
FRAGONARD (Jean-Honoré). 1 732- 1 806. Pintor e gravador francês - 52.
FRANCE (Anatole Thibault, dito ANATOLE) . 1 844- 1 9 24. Escritor francês de p rimeiro
plano. Pensador de um cepticismo universal, mas sensível ao sofrimento, deixou obras
de uma ironia delicada. Prémio Nobel 1 9 2 1 - 23-4 1 -7 1 -203-220-229- 1 7-25-27- 1 54- I SS.
FRANCISCO II. 1 544- 1 5 60. Rei de França. Marido de Maria I de Stuart, rainha da
Escócia, sofreu a influência dos partidários do Duque de Guise que perseguiram os protes
tantes e rep rimiram com · a maior crueldade a Conju'a de A m boise - 34.
FREDERICO III. 1 4 1 5- 1 492. Imperador germânico de 1 440 a 1 492 - 37-38-39.
FREDERICO, O G RANDE. 1 7 1 2- 1 786. Rei da Prússia. Homem de guerra e excelente
administrador, resistiu com êxito durante a Guerra dos Sete A nos, aos esforços conjugados
da França, da Áustria e da Rússia. Modelo do " déspota esclarecido" do séc. XVIII, foi
grande amigo de Voltaire - I I 3- 1 09.
FREDERICO III. 1 8 3 1 - 1 8 88. Rei da Prússia e Imperador alemão. Distinguiu-se durante as
guerras austro-prussianas e .franco-alemã.
1 90
FREDEGONDA. 545-597. Mulher de Childerico I, rei da Neustria. Passou à história pelo
número de crimes que cometeu para se manter no Poder - 34.
FREYCINET (Charles de Sauises de). 1 8 28 - 1 9 23 . Quatro vezes presidente do Conselho de
Ministros - 206.
FUAD (Princip e A H M ED). 1 8 68- 1936. Proclamad o Sultão do Egipto em 1 9 17, tomou o
título de rei, em 1 922 - 1 26.
GALAAZ (Galaad). U m dos heróis da lenda medieval da Távola Redonda. Cavaleiro sem
mácula, teve, segundo parece, o privilégio de desco brir o Graal perdido, esse cálice que
continha algumas gotas do sangue de Cristo 18.
-
GALLI FET (Gaston). 1 8 30- 1 909. General, distinguiu-se em Sedan e ficou n a memória
povo pela ferócia com que reprimiu a Comuna de Paris. Ministro da Guerra em 1 899 e
1 909. Um carniceiro ! - 50.
GAGO COUTI N H O (Carlos Viegas). 1 869- 1 9 59. Oficial da Armada, geógrafo, navegador
e historiador, levou a cabo, com Sacadura Cabral, em 1 9 22, a primeira travessia aérea do
Atlântico Sul - 1 8 .
GAMBETTA (Léon). 1 838- 1 88 6. Advogado e político francês, Republicano, membro do
Governo de Defesa Nacional, desenvolveu os maiores esforç os para organizar a resistência
aquando da guerra franco-prussiana de 1 870- 1 87 1 . Foi Presidente da Câmara em 1 8 79 e
Presidente do Conselho em 1 8 8 1 - 65.
GAR RETT (José Baptista da Silva Leitão de ALMEIDA). 1 799- 1 8 54. Poeta e escritor, foi
o introdutor do romantismo em Portugal e um dos paladinos da Revolução Liberal de
1 820. Obrigado a exilar-se, viveu na Inglaterra e em França. Desembarcou com as forças
liberais em Pampelido ( 1 8 32) . Foi encarregado de Negócios em Bruxelas e, de regresso a
Lisboa, dedicou-se ao jornalismo político . Dramaturgo, fundou o Teatro Naci onal -
20-25.
G E NOVEVA (Santa Gcnevi cvc) . 432-502. Padroeira de Paris deu aos habitantes da cidade
(chamad a então Lutécio) a garant ia de que não tinham q ue recear a sanha d e Átila.
Seguidamente foi ao encontro do chefe d os H u nos e, se be m que os historiadores tenham
certas sus peitas d o que se passou nesse "rendez-vous", o que é verdade é que a cidade - ela!
- foi res peitad a. Clovis mandou co nstru ir uma Abadia em sua honra, n o topo da colina
o nde hoj e se e nco ntra o Panthéon o Liceu Henri IV e a Bibliotheque Sainte- Genevieve.
Foi lá que Mestre Aquilino, para além do muito material pu blicado no p rimeiro volu me,
escreveu grande parte do seu J A R DI M DAS TO R M ENTAS - 47.
GÉRÔME (Jean Léon). 1 8 24- 1 904. Pintor e escultor francês, pertenceu à escola dila dos
"neo-gregos". Inimigo jurado- dos Impressionistas (chegou a director da Escola de Belas
Artes) manteve, no entanto as melhores relações com Manet e Degas 55. -
GIDE (André). 1 869- 1 95 1 . Romancista francês. As suas obras revelam uma total sinceri
dade na procura da felicidade e da verdade, o seu desdém pelas regras correntes da moral e
a sua recusa formal de nunca se empenhar de corpo e alma em qualquer causa que sej a.
Obras principais: Les nourritures terrestres, L'lmmora/iste, La Porte Etroite e Les Faux
Monnayeurs. Prémio Nobel 1 947 - 209.
GODOFREDO (Godefroi IV de B oulogne, dito de Bouillon). 106 1 - 1 1 00, chefiou a 1 .•
Cruzada e grangeou, assim, o titulo de "conservador do Santo Sepulcro" - 1 46.
GOETHE (Wolfgang). 1749- 1 832. O mais ilustre dos escritores alemães. Autor de Fausto e
de Werther 1 68.
-
GOMES DOS SANTOS (Domingos Mauricio). 1 896. Jesuíta, pertenceu ao corpo redacto
rial da revista Brotéria 109.-
GOYA (Francisco de). 1 7 46- 1 8 28. Pintor oficial da Corte de Espanha. Durante a guerra
contra Napoleão, foi a testemunha implacável dos Desastres da Guerra - 46-96.
191
G R A N DJ O U A N . 1 875- 1 968. Desen hador e caricaturista francês de inspiração li bertária.
Foi com Leal da Câ mara e Steinlen, u m dos pilares de I'Assiette au Beurre - 23.
G R A V E (Jean). 1 8 54- 1 9 39. Anarquista francês. Sapateiro, a u t odidacta, d i rigiu v árias
pu blicações anarquistas (A Révo/te, Les temps nouveaux . . . ) e foi um talent os o divulgador
do movimento anarquista francês - 57.
G R A V E LOTTE - Povoação onde se registaram terrí veis com bates em Agosto de 1 870
25- 1 76.
G R ECO ( Dominikus Theotokó pulo, dito E L) . 1 5 40- 1 6 1 4. Natu ral de Creta, instalou-se em
Tol edo , depois de ter estudado pintura, d u rante uns anos, na Itália - 46.
G R EY ( Ed ward). 1 8 62- 1 933. I nglês. M i nistro dos Negócios Estrangeiros de 1 905 a 1 9 1 6 -
1 26- 159.
G R I EG ( Edvard). 1 843- 1 907. Comp ositor norueguês. A ut or de Peer Gynt - 26- 1 40.
G U E R R I TA ( R afael G uerra B ej aran o ) . 1 8 62- 1 9 4 1 . Foi, c o m P E P E- H I LO e F RA S
C U E LO, u m dos mestres da tauromaquia moderna espan hola - 2 1 .
G U E S D E (J ules Basile). 1 8 45- 1 9 22. Político francês, divulgado r das ideias marxistas no
seio do movimento operário do seu país - 224.
G U YA U ( Marie-Jean). 1 8 54- 1 8 88. Filó s ofo francês, autor d a lrréligion de /'avenir - 79.
G U I N H O L (Guign ol) principal personagem dos "robertos" franceses, que surgiu, em Lyon,
nos fins d o século X V I I I - 99.
H E N R I Q U E I V . 1 5 53- 16 10. Rei de Navarra, natural d o Béarn, sob o nome de Henri III (de
1 562 a 1 6 10). Protestante, veio a ser Rei de França, porque co nsiderou que " Paris valia bem
uma missa" ! ( O l he m que desco berta! . . . ) Para pôr fim à guerra civil desencadeada pelos
cató lico s co ntra os huguenotes (protestantes), mandou pu blicamente à fava a religião que
tinha "abraçado" e redigiu o Édito de Nantes que garantia a li berdade de co nsciência de
cada cidad ão. Restaurou a autoridade real, ao mesmo tempo que, garanhão da quinta casa,
era mimoseado com o cognome de " Vert Galant" pelas ribaudes e marquezas q ue lhe
passavam ao alcance d a mão (da mão, é modo de d izer . . . ). C o m o era de p rever e para
grande mágoa do "pess oal feminin o , foi apunhalado na Po nte Nova (Le Pont Neuj), à
d es banda do Louvre, p or um cornambana cató lico chamado Ravaillac. É o m ais popular
dos reis franceses, sobretudo porque, muito embora não necessitasse prometer, como
alguns p oliticas da n ossa praça nas "marés eleitorais", bacalhau europeu a pataco, decla
rava ter unicamente pôr o bj ectivo politico que a totalidade das familias de França e
Aragança, comessem a sua canja, todos os domingos que Deus fez. Deixou um herdeiro: o
futuro Luís XIII, um filho que disparou "à la hussarde" à pudi bu nda e frágil Maria de
-
1 92
bile bestia bearneza viene soddisfare suoi brutti instinti ! . . . " Parece que a sagrada imagem
esgarçava um sorriso de compreensão - 35.
HENRIQUETA D E INGLATE RRA ( Henriette-Anne Stuart). 1 644- 1 670. Filha de Carlos I
de Inglaterra e de Henriette de França, será mulher de Filipe de Orléans, irmão de Luís
XIV de França - 36. .
HENRI HEINE. 1 797- 1 8 56. Poeta alemão - 76.
HÉRCULES (Héracles). Semi-deus, viu-se grego para levar a cabo os Doze trabalhos a que
fora co ndenado pelo primo Euristeu, que devia ser uma rica prenda - 1 27.
HERMAN-PAUL. 1 874- 1 940. Caricaturista, pintor e gravador . . Colaborou na revista satí
rica Le Rire e na Assiette au Beurre. A ntimilitarista e anticolonialista, consagrou a totali
. dade . da sua obra a criticar e a ridicularizar. a burguesia --:- 23- 1 0 2.
H E R M ES DA FONSECA. 8.0 Presidente da República Brasileira, encontrava-se em Lis
boa, em viagem oficial, a bordo do cruzador S. Paulo, aquando do 5 de Outubro - 205.
H ERVÉ · (Gustave). 1 8 7 1 - 1 944. Professor e propagandista do Livre . Pensamento. O seu
antimilitarismo tornou-o popular em toda a França. Uma das grandes figuras do republica
nismo francês. Acabou, no entanto, por fundar em 1 927 o Partido Socialista nacional, de
inspiração fascista - 47-55-56-57- 1 39- 146- 1 50- 1 77.
HINDENBU RGO (Paul von Beneckendorff). 1 847- 1 934. Marechal alemão e Chefe do
Estado-Maior de 1 9 1 6 a 1 9 1 8 . Presidente do Reich em 1 925, nomeou H itler Chanceler, em
1 933 - 73.
HOBBEMA. 1 638- 1 709. U m dos mais célebres paisagistas holandeses - 73.
HOH ENZOLLERN. Antigo principado alemão à beira do Danúbio, berço da dinastia do
mesmo nome, que usou a coroa real ou imperial de 1 70 1 a 1 9 1 8, em diversos países
e uropeus - 1 38-204-205.
HOM ERO. Poeta épico grego do século IX antes de Cristo, autor da Ilíada e da Odisseia. A
tradição apresenta-o sob a aparência de um velho cego que andava a recitar versos, de terra
em terra - 74- 1 47- 1 8-83.
HUG U ES D E LIONNE. 1 6 1 1 - 1 67 1. Diplomata francês. Ministro de Estado e Secretário
dos Negócios Estrangeiros. Concluiu a Paz dos Pirinéus e preparou com habilidade as
p rimeiras guerras de Luis XI V - 109.
H U M BERT (L'affaire Thérese). 1 902- 1903. Mulher de um antigo deputado , congeminou
uma vigarice monumental que l he permitiu viver de grande e à francesa, à custa do espírito
de ganância de a.lgu ns de indiv.í duos que aspiram a viver sem trabalhar. Foi condenada a
cinco anos de prisão - 67-68.
IBS EN (Hebrik). 1 8 28- 1 906. Dramaturgo norueguês. Autor de Casa de Boneca, Os espec
tros, Hedda Gabler - 23.
INGRES (Dominique). 1 780- 1 8 67. P.intor francês, discípulo de David, chefe de fila do
classicismo e precursor do romantismo - 45-46.
I SAAC, filho de AB RAÃO e de SARA. Escapou de boa, graças à intervenção de um Anjo ·
que botou mão à machada com que o pai se preparava para o imolar por ordem do Eterno
( bendito seja!). So bre o tarde, casou com Rebeca que lhe deu dois filhos: Esaú e Jacob -
2 14.
ISABEL DE BO U R BON. 1 602- 1 644 . . Filha de Henrique IV de França e de . Mariíl de
Médicis, casou com Filipe IV de Espanha ( 1 62 1 - 1 664), de quem teve uma filha, Maria
Teresa, que virá a casar · com Luís XIV de França - 1 9 .
I S A B E L DO H A I N A U T. 1 1 70- 1 1 90. Mulher de Filipe-Augusto, rei d e França, foi mãe d e
J
Luís V I I I - 3 5 .
JANSENI S M O - Doutrina professada por J A N S EN I U S (Cornélius JANS EN) 1 5 85-
1 93
- 1 638), bispo holandês, no seu livro A ugustinus, a qual consiste e.J11 limitar a liberdade
humana, partindo do princípio de que a graça é dada a certos seres desde o nascimento, e
recusada a outros. Nos nossos dias, significa piedade e virtude austeras - 65.
JARDIM (MANUEL de Azambuja Leite Pereira). 1 8 84- 1923. Pintor. Viveu em Paris de
1905 a 1 9 14. (Ver "Por Obra e Graça" de Aquilino Ribeiro) - 25-34-35-2 1 1 .
JAURES (Jean). 1 8 59- 1 9 14. Politico francês. Brilhante orador, um dos chefes do partido
socialista, fundou o diário L'H U M ANITÉ. Acérrimo defensor da inocência de Dreyfus,
pacifista sem mácula, foi assassinado em 3 1 de Julho de 1 9 14 por um fanático católico,
membro da ACTION FRANÇAIS E - 1 1 8- 1 26-21 2-209-2 1 0-22.
JES U S (que as comunidades gregas da Anató lia, de Efeso, de Alexandria e da Grécia
cognominaram de CRIS TO - o ungido, o Salvador, o enviado de Deus, o MESSIA S -,
depois de terem lido ou ouvido as Epístolas de Paulo o Tarsiota (ou Paulo de Tarso:
S. Paulo).
Filho de um carpinteiro (mas membro da Casa do Rei David ! . . . ) chamado José e de
uma Maria, sobre a qual nada se sabe, - e que desaparece, num abrir e fechar de olhos,
aquando da crucificação do Filho à semelhança do marido que os Evangel hos eliminam
logo nas primeiras linhas, se bem que continuam a falar de "Jesus, filho do carpinteiro de
Nazaré" ... Adiante! Foram os Evangelhos redigidos" 'em grego, a partir da tradição oral
(cujas raízes mergu lhavam nas narrações de Mateus, Marcos, Lucas e João. . . ) cerca de dois
séculos apó s os eventos evocados, - narrações orais que, por sua vez, tinham chegado aos
ouvidos de Paulo de Tarso. Segundo um monge de Cítia - Dionisyus Exiguu - que viveu
em Roma no século VI, JES U S deve ter nascido no ano 749 do Calendário Romano,
quando Quirinius, Legado de AUGU STO na S íria, ordenou o recenseamento da população
da Judeia (inclusivé a da Galileia que falava aramaico . . . ) com vistas ao estabelecimento do
Tributo imperial. Quanto à morte, sabe-se que ocorreu, entre os an os 30 e 33, quando
Pôncio Pilatos governava a Judeia durante o reinado de Tibério . . .
Seja como for, não h á q ualquer documentação hebraica, aramaica, grega o u romana
que ateste a existência real de CRISTO, o que significa que a vida galileia do Senhor não
possuiu qualquer interesse para os autores gregos que escreveram os Evangelhos longe da
Palestina. Quanto aos pró prios judeus, durante as polémicas que tiveram de travar no
decurso dos séculos com os cristãos, se não afirmaram categoricamente que Jesus não
existiu, foi decerto por rigor cientifico (J), porquanto - é o Talmud que no-lo revela - se
limitaram a fazer chacota da pretensão de um homem, de carne e osso, que se declarava
filho ou enviado do Eterno! Fiado nas obras de Charles Guigne bert, Professor de "História
do Cristianismo" na Sorbonne, publicadas na Colecção "L'Evolution de l' Humanité",
Editions Albin Michel, Paris, 1 9 50, reco nheç o que o "grande arquitecto" do Cristianismo (e
não JES UIS M O, como seria natural, já que a palavra Cristo é grega e não aramaica), foi
Paulo o Tarsiota, fariseu dos quatro costados, mas que se imbuíra de filosofia grega, ·_ a
qual, ao tempo, se esforçava por resolver o problema posto por Pttlt ão da passagem do
politeísmo para o monoteísmo, dado que as ideias têem tanta vida como os homens . . .
Conhecedor da do utrina dos NAZORENOS (próxima da d o s essénios), e l e que nunca vira
Jesus, senão em visões, tem a R EVELAÇÃO DA ESTRADA DE DAMASCO: os ensina
mentos de Jesus eram bem a ponte necessária para ligar as duas margens da inquietação
religiosa dos gregos da Ásia Menor. Mas, para isso, terá que substituir a figura "real" de
Jesus (aquela que l he davam aos farrapos - quem conta um conto, aumenta ou diminui
um ponto - aqueles que pretendiam ter conhecido o carpinteiro da Galileia, crucificado
pelos romanos) pela doutrina de um "'enviado de Deus, um C RIS TO, que deve ser sacrifi
cado e glorificado", - sacrifício que realmente deve ter ocorrido , segundo uns, no tempo
de Clá udio (anos 4 1 / 54), e outros, no tempo de Nero, em 58 . . .
Não importa. O que é facto é que, por volta d o s anos 400, quando o s bárbaros ostrogo
dos e visigodos se lançam ao desmoronamento do Império Romano, as A utoridades de
Roma chegam à conclusão de que só aquela religião de um Deus Único, que haviam
combatido, p oderia servir de cola-tudo para os cacos imperiais e, quiçá, impedir que as
ovelhas (os diversos povos do Império) se tresmalhassem do redil. . . E, foi assim que nasceu o
1 94
"Tu és pedro e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja", uma igrejinha Católica, Apostó
lica e Romana.
Se bem pensaram, logo o fizeram, quando Romulus A ugustulo foi deposto em 4 76. O
que será essa Igreja? O mesmo Poder Imperial que terá à sua testa, não o Imperador a fim de
não irritar os bárbaros, mas um Pontífice. . . ungido, designado por Deus . . . Havia, p ois, que
passar às coisas sérias : lançar os caboucos da nova Igreja.
E lá torna o nosso Denis o Pequeno, muito industriad o nas religiões e tradições da
Mesopotâmia, a p ropor que se aproveitasse a festa do deus solar Mithra, que ocorria
aquando do solstício de inverno, para o nascimento de um deus-menino predestinado a
morrer . . . como as estações do ano . . . Excelente ideia - aplaudiram os "doutores" que, para
logo, se lançaram a calcular a melhor data, que caiu a 25 de Dezembro do calendário
Juliano, o que é absolutamente normal. Mas . . . em que dia é que vamos situar a morte se,
segu ndo esses Evangelhos gregos que andam por aí nas mãos de todo o bicho careta, Jesus
-e não o CRISTO - foi crucificad o durante a Páscoa dos judeus, a Pessah? Jesus só foi
CRISTO, quando ressuscitou, mas quando é que isso se deu se os p róprios judeus ignoram
porque o seu calendário é estabelecido, ao que parece, consoante os anos lunares? Olhem,
sabem que mais, colegas doutores da Igreja, o melhor é não falar de corda em casa de
enforcado : como fomos nós que assassinámos Jesus, marcamos a Páscoa na data que
melhor nos convier . . . e que coincida mais ou menos com o meio da Primavera, quando o
povo celebra os nossos deuses da Colheita! Do cristianismo, o que nos interessa, para já, é
q ue toda a gente o aceite como a religião imperial do Deus-menino; mais tarde, muito mais
tarde, os nossos "doutores" hão-de esquadrin har esse pro blema da Mãe-virgem, da nossa
Deusa-mãe. . . Quem sabe se, nessa altura, uma religião marial não nos será mais útil?! É caso
para pensar. Daqui até lá, devemos ter uma única preocupação: manter os povos do ex
Império no grémio da Igreja, por mais países que venham a criar ! . . . (Para um bom conheci
mento - não jocoso, claro - desta matéria, ler " Histoire du Christianisme au Moyen-Âge"
de W. R. Cannon, Professor na Emory University e Encarregado de Curso na Universidade
de Londres. Tradução francesa: PAYOT, Paris, 1 9 6 1 - 1 72-36-49-50.
JOANA de A RC. 1 4 1 2- 143 1 . Heroína francesa, conhecida por "La Pucelle d'Orléans" (a
"Donzela de Orleães"), Foi queimada viva pela Santa Inquisição, na Praça do mercado da
cidade de Ruão, ao tempo sob o domínio inglês. Pretendendo obedecer às ordens de Santa
Margarida e de Santa Catarina (indiferentes, ao que parece, à sua virgindade), encabeçou
um grupo de soldados franceses que, batendo os ingleses e os bo rguinhões, aqui e acolá,
obtiveram que o filho de Carlos VI e de Isabel da Baviera, fosse coroado Rei de França, na
Catedral de Reims, sob o nome de CARLOS VII. Presa pelos borguinhões, aliados dos
ingleses contra os Armagnacs e os franceses, foi levada ao Tribunal do Santo Ofício,
presidido pelo Bispo CAUCHON (que se pronu ncia COCHON como porco) e co ndenada à
lumieira da fé. É verdade que, neste tempo, os ingleses ainda não eram protestantes nem
anglicanos . . . Eram catolicozinhos de gema . . . Acusada de heresia, a pobre menina (que,
quand même, ia nos seus 19 anos, o que na altura era uma idade respeitável. . . ) viu-se - o
que é estranho - abandonada pelos franceses e, s obretudo, por aquele que lhe devia o
trono: o pateta do Carlos VII. Teria morrido "pucelle" depois de ter vivido no meio da
soldadesca e de estar à mercê de carcereiros e domínicos que eram autênticos violadores de
estrada? Sej a como for, a Igreja que, na falta de lhe ter salvo o corpo, desejou imacular-lhe a
alma, beatificou-a e canonizou-a:. ANATOLE FRANCE, tal como MICH ELET, falam dela
com bastante ternura, - e com razão porque é das figuras mais cativantes da História de
França. E também das mais enigmáticas: actualmente, estão a surgir livros como cogumelos
depois da chuva, em que historiadores pretendem que a Moça de Domrémy era uma filha
bastarda de Isabel de Baviera, que enganou o marido. Assim se explica que fosse irmã de
Carlos VII e que empunhasse armas para pôr as coisas no devido lugar, isto é: revelar que a
bávara da mãe tinha "atraiçoado" o marido - 1 3-35-1 46.
JOÃO FRANCO (João Pinto Castelo Branco Franco). 1 8 55- 1 929. Iniciou a sua carreira
política no Partido Regenerador, tendo sido ministro três vezes, na última das quais ( 1 893-
-97) exerceu a ditadura em colaboração com Hintze Ribeiro. Fundou em 1 90 1 o .Partido
1 95
Regenerador liberal e, de coDiuio com D. Carlos, deu o golpe de Estado de 10 de Maio de
1 907, o que lhe permitiu revelar claramente o seu temperamento ditatorial. Foi um safado.
Com pretexto da tentativa revolucionária de 28 de Janeiro de 1908, levou o rei a assinar um
decreto destinado a suprimir todos os opositores. Resultado: o atentado a 1 de Fevereiro
contra a família real. Mortos D. Carlos e o Príncipe herdeiro, terminou a carreira deste
salazar do dobrar do século XIX para o século XX - 209-2 1 0-2 1 1 .
JOÃO IV. 1604- 1 656. Filho do 7.0 Duque de Bragança, foi aclamado rei de Portugal por
aqueles que levaram a cabo a independência do País I I I.-
JOÃO V, o Magnífico. 1 689- 1 750. Filho de D. Pedro II, pôs Portugal de rastos, com a
mania das grandezas. Beato e frascário, é um dos responsáveis do tão apreciado "parasi
tismo lusitano". Com o ouro que extorquiu do Brasil, pretendeu embasbacar o mundo,
tomando-se pela cópia conforme de LUÍS XIV. Inimigo do progresso, como atesta o seu
ódio aos "pedreiros livres" francs-maçons, (teve o regalo de ver os primeiros mações portu
gueses morrerem na fogueira), mandou construir o Convento de Mafra e, quando já em toda
a Europa se conhecia o princípio dos vasos comunicantes, mandou construir . . . o Aqueduto
das Águas Livres como se fora um Imperador Romano. À semelhança de Victor Hugo que
alcunhou Nap oleão III de Napoléon le Petit (o que_ fez rir a França inteira), podemos dizer
que o Magnifico é o nosso "Luís XIV da região saloia" - 56.
JOÃO VI. 1 767- 1 828. Filho de D . Maria I (que, para além de santanária, não só morreu
como deu em doida), teve a pouca sorte de casar com a salerosa Carlota Joaquina (ver as já
citadas Mémoires de la Duchesse d'Abrantes), a qual muito dada às uniões ibéricas, coroou
o marido com um elmo ponteagudo que faria inveja a todos os Chefes de tribo gauleses. Pau
mandado, João VI, só tinha um desabafo, quando a via surgir no jardim de Queluz: "Lá vem
a grande . . . !", - tanto mais que a consorte o tinha mimoseado com um arcanjo S. Miguel,
beberrão e pegador de vacas que era o retrato chapado do Conde de Marialva, ao contrário
do irmão D. Pedro que (não pomos a mão no lume) ainda dava uns ares de pai - 205.
JORGE II. 1 890- 1 947. Filho de Constantino I, rei da Grécia em 1 922, destronado em 1924,
restaurado em 1 935, exilado em 1 9 4 1 e, novamente, restaurado em 1 946 - 196.
JOSÉ. 1 7 14- 1 777. Sucessor de D. João V, teve o bom senso de confiar a chefia da governa
ção nas mãos do Estadista Sebastião José de Carvalho e Melo. Como o mérito merece ser
premiado, está estatuificado na Praça do Comércio de Lisboa, no pró prio local onde cente
nares de vitimas foram queimadas, se não ao vivo, pelo menos em efígie - 1 1 1 - 1 46.
JOURDAIN (Frantz). 1 847- 1 9 35. Arquitecto francês de origem belga, foi um dos fundado
res do Salão de Outono - 53-99.
JUNOT (Antoche). 1 77 1 - 1 8 1 3 . Ajudante de Campo de Napoleão Bonaparte, durante a
primeira campanha de Itália, tomou parte na Expedição do Egipto. Foi embaixador de
França em Lisboa de Abril a Setembro de 1 805, altura em que teve a subida honra de
emprestar o uniforme diplomático, todo cheio de dragonas e alamares dourados, a D. João
VI que desejava mandar fazer um igual para si. . . Infelizmente, Junot era um latagão e ao
descuidado alfaiate não ocorreu a ideia de adaptar as medidas . . . Parece que, ainda hoje, pelo
anoitecer de certos dias de verão, se ouvem estrepitar gargalhadas nos jardins do Palácio de
Queluz, que diga-se de passagem, não tem um único fogão de sala! O frio que aquela gente
devia rapar ! Será essa a explicação das ardências carlotinas? (Ver as ditas Mémoires).
Chefiou Jun�t a 1 .• Invasão Francesa e, segundo Raul Brandão no seu EI-Rei Junot,
comportou-s� como um soba. Anos mais tarde, num acesso de loucura, decidiu enviuvar a
memorialista' da mulher, com dar-se um tiro na cabeça 1 84.
-
KANT (Emmanuel). 1 7 24- 1 804. Filósofo alemão, autor da "Critica da Razão Pura". Para
ele, idealista critico, as coisas são-nos reveladas como fenó menos, quando nos são dadas no
espaço e no tempo, que são formas de sensibilidade. Como coisas em si, são incognoscíveis.
Mas, a lei moral p ressupõe a liberdade, a imortalidade e a existência de Deus - 1 1 6- 1 68.
KEIL (Alfredo). 1 8 50- 1 907. M úsico e pintor. Autor de "A Portuguesa" - 76.
1 96
KINDERER (Antonius Johannes D E R). 1 8 5 1 - 1925 . Pintor holandês.
KISLING ( Moise). 1 8 9 1 - 1953. Pintor francês de origem polaca. U m representante da
Escola de Paris - 105.
KOLTCHAK (Alexandre). 1 874- 1 920. Almirante russo, fuzilado em 1920, depois de ter
tentado sublevar certas regiões da Sibéria - 23.
KRONPRINZ (Frederico-Guilherme, filho de Kaiser Guilherme II) ...:_ 3 1 .
KIP LING ( Rudyard). 1 865- 1936. Romancista e poeta inglês, a s suas obras celebram de
maneira evidente o Imperialismo britânico. Introdutor da Franco-Maçonaria na Índia.
Prémio Nobel 1 907 - 1 1 7 .
LABIC H E (Eugene) . 1 8 1 5 - 1 888. Comediógrafo francês.
LA CAYE (Louis). 1 798- 1 869. Coleccio nador e filantropo. Um dos principais danadores
do Museu do Louvre - 1 1 3.
LA GANDARA (Antonio de). 1 862- 1 9 1 7 . Pintor francês, filho de pai espanhol e de mãe
inglesa - 28.
LAMA RTINE (Alp honse de). 1 790- 1 869. Poeta francês, chefe de fila do romantismo.
Deputado a partir de 1 8 34, pôs o seu talento ao serviço das ideias liberais; membro do
governo e Ministro dos Negócios Estrangeiros em 1 848, perdeu uma parte do prestigio
aquando das Jornadas de Junho de 1848 - 1 2 1 .
L A PALICE (Jacques d e C H ABANNES, senhor de). 1 470- 1 525. Foi morto n a batalha de
Pavia. Em sua honra, os s oldados compuseram uma canção cujo refrão era:
Um quarto de hora ante de morrer
i/ faisait encore envie (ainda causava invej a).
Mercê do espírito trocista e rabelaisiano, o estribilho passou para:
"Um quarto de hora antes de morrer
i/ était encore en vie (ainda estava vivo).
Desta jumentada, provém a expressão "uma verdade de La Palice" (ou IA Palisse) - 29.
LATHAM (Hubert). 1 8 8 3- 1 9 12. Foi o primeiro aviador a tentar - sem êxíto - a travessia
do Canal da Mancha - 83.
1 97
Ri beiro e "L'ASSI ETTE AU B E U R RE, de Elisabeth et Michel Dixmier, Ed. do "Centre
d' Histoire du Syndicalisme", 1974 - 23-25-37-39-42-47-207.
LEONO R DE Á U STRIA. 1 498- 1 558. Casou em 1 5 1 9 com D. Manuel I de Portugal e, mais
tarde, em 1 530, com Francisco I de França - 35.
LEÃO XIII (Joacchim Pecci). 1 8 1 0- 1 903. Papa em 1 878, publico u uma série de encíclicas
- "De rerum novarum" - destinadas a preconizar um catolicismo social e, sobretudo, a
maneira melhor indicada de penetração do mundo operário, Foi o mentor, por exemplo,
do catolicismo português (ver C. A . D . C. de Coimbra) na sua luta contra a República - 75.
LEFEV RE ou LE FEV RE ( Ro bert). 1 755- 1 8 30. Pintor francês que retratou Nap oleão e as
grandes figuras do I Império - 30.
LEFEBRE (Franç ois-Joseph, Duque de Dantzig) . 1 755- 1 820. Marechal de França.
LEG RAND (Claude) . 1762- 1 8 1 5 . General francês. De cabo chegou a Inspector Geral de
Infantaria, em 1 803.
LEMA1TRE (Jules). 1 8 5 3- 1 9 14. Escritor e critico francês - 1 03.
LEMOYN E (François). 1 688- 1 737. Pintor, deve-se-lhe o tecto do Salão de Hércules do
Palácio de Versalhes - 67.
LENINE (Pseudónimo de Vladimiro Ilitch Ulianov). 1 8 70- 1 924. Fundador da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas. Um dos grandes teóricos do marxismo - 2 1 1 -22.
LENGLEN ( Mademoiselle Suzan ne) . 1 899- 1 9 36. Tenista, ganhou por seis vezes o Torneio
de Wimbledon - 27.
LÉPINE (Louis). 1 8 46- 1933. Prefeito da Policia (Governador Civil) de Paris, de 1 893 a
1 9 1 2 - 59.
LEYGUES (Georges) . 1 8 57- 1933. Politico francês, várias vezes Ministro da Marinha e da
Instrução Pública - 1 0 I .
LEONA R D O D E VINCI . 1 45 2- 1 5 1 9 . U m dos mais célebres pintores flo rentinos. Foi
igualmente anatomista, escultor, arquitecto, engenheiro, escritor, músico. Distinguiu-se em
todos os ramos da Arte e da Ciência. Faleceu em França, nos arredores de Amboise, ao fim
de vários anos de serviç o do rei Francisco I - 45-67-95-96.
LIONOR (filha de D uarte de Portugal). 1 434- 1467. Casou com o Frederico III da Alema
n ha, em 1 452 - 37-39.
L I C H T EN B E R G E R ( He nri) 1 864- 1 94 1 . Germanista francês, professor na So rbonne.
Autor de diversos estudos sobre a Alemanha - 1 76.
LIMA (Sebastião de MAGALHÃES). 1 8 50- 1 928. Advogado e jornalista foi um infatigável
propagandista dos ideais republicanos. Director de A VANG UARDA, exilou-se em
França, aquando da ditadura de João Franco. Deputado às Constituintes em 1 9 1 1 , Minis
tro da Instrução Pública em 1 9 1 6. Foi Grão-Mestre da Maçonaria Portuguesa. (Ver "Leal
da Câmara") de Aquilino Ribeiro - 25-30-39-42-2 1 0.
LINDBERGH (Charles). 1 902- 1974. Aviador americano, foi o primeiro a atravessar o
Atlântico Norte sem escala, em 1 927, num avião baptizado "Spirit of St-Louis" - 1 7-
- 1 8- 1 9.
LLOYD G EORGE. 1 863- 1 94 1 . Estadista inglês, chefe do Partido Liberal. Desempenhou
um papel de relevo nas negociações do Tratado de Versalhes - 9.
LOTI ( Pierre: pseudónimo do escritor francês Julien Viaud). 1 8 50- 1 923. Ro mancista
impressionista atraído pelas paisagens e civilizações exóticas - 1 54.
LOUBET (Emile) . 1 8 38- 1 929. Presidente do Senado em 1 896 e Presidente da República
france&a de 1 899 a 1 906 - 1 1 1 -203-204-205 .
LUCIANO CORDEIRO ( Luciano Baptista Cordeiro d e Sousa). 1 844- 1 900. Professor no
198
Colégio Militar, foi profess or de Literatura Moderna, na companhia de Teófilo Braga e de
Pinheiro Chagá Foi nomeado primeiro-oficial do Ministério do Reino e, com alguns
amigos, lev_ou ·a cabo a criação da Sociedade de Geografia de Lisboa. Foi um adepto
ardente da presença portuguesa no Ultramar.
LUCRÉCIO. 98-55 a.C. Autor do poe!ll a De natura rerum que é uma exposição didática e
lírica do sistema filosófico de Epicuro - 5 1 -9 1 .
LUDENDORFF (Erich von). 1 8 65- i 937. General alemão, foi Chefe d o Estado-Maior em
· 1 9 i 4 e, depois, adj unto de Hindenburgo ( 1 9 1 6- 1 9 18). To mou, por isso, uma parte determi
nant.e na direcção das operações durante a Primeira Guerra Mundial - 86.
LUÍS' o. B ONACHEI R ÃO. 778-840. Filho de Carlos Magno e de H ildegarda. Imperador
do Ocidente e rei dos Francos de 8 1 4 a 840 - 1 1 4.
LUÍS IX -( Sã� Luís). 1 2 14- 1 276. Filho de Luís VIII e de Branca de Castela, terminou a
guerra (cruzada) contra os albigenses, adeptos da heresia cátara. Fortificou a autoridade
real e· proibiu as guerras privadas a dentro das fronteiras dos seus domínios. Criou comis
sões de legistas a fim de pôr termo ao obsoleto duelo judiciário de que Rabelais nos dá uma
caricatura no seu Pantagruel. Mandou construir em Paris a Saint e Chapei/e e a Sorbonne.
Em ' 1 270, empreendeu a oitava e última Cruzada contra os infiéis. Bem mal cuidou, porque,
ao pôr o pé em terra, nos arredores de Túnis, foi fulminado pela peste, o que lhe valeu ser
considerado santo e ter o seu dia de guarda a 25 de Agosto. Como diria sua catolicíssima
mãe se tivesse visitado as minhas berças " Hay males que vienen por bién" - 48.
LUÍS XI. 1 423- 1 483. Rei de França a p artir de 1 46 1 . Levou a vida a engrandecer o seu
reino e teve por principal adversário Carlos o Temerário, Duque da Borgonha e neto de
D. João I de Portugal. Figura entre os grandes soberanos fu ndadores da unidade na
cional francesa - 82.
LUÍS XI I -O pai do povo (j á ! . . .). 1 462- 1 5 1 5. Filho de Carlos, Duque de Orléans, e de
Maria de Cleves. Foi o primeiro representante do ra!ll o dos Valois-Orléans, de que Fran
çois I é o mais galhardo florão - 33.
LUÍS XIV - O Rei-Sol, cujo reinado compreende dois períodos: a Regência, com a mãe
A na de Áustria e seu seráfico director espiritual. . . e corporal O CARDEAL MAZA RINI a
mandar, e o Absolutismo. Se bem que gloriosa, a sua governação arruinou a França como
nã o podia deixar de ser e um monumento atesta bem a sua mania das grandezas solares: o
Palácio de Versalhes, onde, para que não lhe fizessem filhos nas costas, instalou com teres e
haveres as mais buliç osas famílias de sangue azul: obrigando-as a despesas exorbitantes,
impedia-lhes qualquer veleidade de poder local e, por via de co nsequência, de liberdade de
manobra . . . Resultado: não obstante o espavento e a autêntica Grandeza de Versalhes, o
Palácio era um ninho de lacraus . . . (Para um bom conhecimento da corte de Luis XIV, ler
"Les Mémoires", escritas às ocultas, de 1 69 1- 1 723, pelo coscovilheiro do Duque de
Saint Simon e que são de um francês da mais pura água. U m regal o ! - 1 5 1 - 1 62- 1 68- 1 69-
.
-27-36.
LUÍS XV, o Bem-Amado ( 1 7 1 0- 1 774). Neto de Luís XIV, casou com Maria Lesczinska. Co
leccionou amantes como quem colecciona selos, desde a Mme de Châteauroux, até às
"soubrettes", passando pelas Pompadour e as du Barry · (diga-se, entre parêntesis, já que o
saber não ocupa lugar, que estas damas se viram gregas para fechar o esquife dos maridos . . .
e m virtude d o tamanho d o s palitos que lhes tinham posto . . . ). Há historiadores que porfiam
em atribuir a Luís XV outras qualidades mais políticas. Como se ser "putassier" (como
dissera dois séculos antes Catarina de Médicis, inventora do "regionalismo" florentino) não
fosse cabonde a um homem para passar à História! - 3 1 .
LUÍS XVI. 1 754- 1 793. Bisneto d e Luís XIV, casou com Maria Antonieta, d e Áustria que o
povo tratou sempre por L'AUTRIC H I ENNE. Homem sensato, rodeou-se de Conselheiros
de mérito, tais como TURGOT, MALES H E RBES e NECKER, cujas concepções econó
micas e políticas suscitaram a maior oposição da nobreza parasitária, chefiada pela pró
pria rainha que, diga-se de passagem e sem pretender tornar estas Notas num tanque de
1 99
lavadeiras, era da casta e temperamento da sua prima, a nossa (livra!) Carlota Joaquina, a
pontos de o povo, bem industriado na língua de Rabelais, a tratar de AutriCADELA, já
que, como toda a gente sabe, CHIENNE em francês signifca cadela em português. LUÍS
XVI, que não era mau homem (o que mais o cativava era instalar-se ao torno a fazer
fechaduras), viu-se a braços com a Grande Revolução ("É um motim? - estranhou ele,
quand o ouviu a algazarra do Povo de Paris, debaixo das j anelas de Versalhes. - "Não,
Sire -esclareceu Necker, a seu lado - é uma revolução.") e foi guilhotinado a 21 de
Janeiro de 1 79 3 . . Sua estremecida (nos braços de outros) esposa conco rreu bastante para
.
tal - 36.
LUÍS XVIII. 1 7 55- 1 824. Neto de Luís XV, sobrinho de Luís XVI, subiu ao trono, quando o Im
pério de Napoleão se desmoronou. Foi o monarca da Restauração e do Legitimismo. Com
ele, começa, por assim dizer, a França burguesa. Ver " A Comédia Humana" de Balzac - 36.
LUÍS-FILIPE. 1 753- 1 850. Rei dos franceses de 1 830 até ao momento de abdicar em 1 848 a
favor do neto, o Conde de Paris. Foi no seu reinado que Guizot, seu Ministro das Finanças,
aconselhou a burguesia a encher-se: "Enrichissez-vos !" - 1 8 1 .
LUÍS D E LÉON (Frei). 1 5 27- 1 59 1 . U m dos maiores poetas liricos do "Século de Oiro"
espanhol, descendente de judeus sacrificados pela Inquisição - 106.
LUPI ( Miguel Ângelo). 1 8 26- 1883. Pintor - 74.
LUTE RO ( Martinho). 1483- 1 546. Reformador religioso da Alemanha. Professor de filoso
fia na Universidade de Erfurt, monge agostinho, opôs-se vigorosamente à padralhada que
andava a impingir indulgências em nome da doutrina de S. Paulo e da salvação da fé.
Quem recusasse ir na fita, dava com os ossos no calabouço ou na · fogueira purificadora.
Como é de ver, foi excomungado pelos patrões da Santa Sé, - o que lhe deu coragem para
traduzir em língua compreensível (no seu caso, a alemã), a Bíblia, que a Igreja de Roma não
queria nada, mas mesmo nada, que o zé-pagode lhe deitasse os olhos . . . para morrer estú
pido. Martinho Lutero casou-se e aprovou a Confissão de A ugsburgo, de 1530, que é ainda
hoje o estatuto das igrejas luteranas - S I .
LYAUTEY ( Louis- Hubert). 1 854- 1 9 34. General Marechal d e França. Distinguiu-se n a
Indochina, em Madagascar e organizou o protectorado francês d e Marrocos, de 1 9 1 2 a
1 925. Manteve este país sob o domínio francês durante a Primeira Guerra Mundial. Foi
·
200
enfurecia o povo, não eram essas "parties de jambes en l'air" que, vistas bem as coisas, eram
de alçada real; o que fazia com que o zé-pagode erguesse punhos de raiva era que sua
Maj estade mandara construir uma aldeola na tapada · de Versalhes a fim de poder brincar às
pastorinhas . . . e gargalhejar de mofa, quando lhe diziam que ele morria de fome: - Se
não têem broa - soltava ela com o seu sotaque germânico -, comam pão de ló !" E foi com
essas e com outras, que perdeu a cabeça - desta vez, não em sentido figurado - mas na
guilhotina - 1 22.
MARIA DE BORGONHA. 1457- 1457. Filha de Carlos o Temerário, casou com Maximi
liano de Áustria - 40.
MARIA LESCZINSKA. 1 703- 1 768. Filha do rei Stanislas da Polónia. Casou com o rei de
França, Luís X V - 36.
MARIA DE MEDICIS . 1573- 1 642. Rainha de França pelo seu casamento com Henrique
IV. "Le Vert Galant" - 35-36.
M A R IALVA (Pedro José Joaquim Vito de Meneses Coutinho, Marquês de) .?- 1 823.
Estri beiro-mor de D. Maria I, muito íntimo de Carlota Joaquina, herdeiro de uma avultada
fortuna, não acompanhou a família real e a nobreza na sua fuga para o Brasil aquando das
invasões francesas. Fez parte da deputação que Junot enviou a Napoleão a fim de solicitar
a redução da contribuição lançada s obre o País abandonado pelos seus dirigentes. Para um
melhor conhecimento do Marquês, ler "As Memó rias" de Lord Beckford - 18.
M A RTIN ( Henri). 1 8 60- 1 943. Pintor francês, adoptou uma maneira divisionista para
grandes páginas decorativas - 29-66.
MAS SENA ( André, Duque de Rivoli e Príncipe de Essling). 1 758- 1 8 1 7 . Marechal de
França, um dos homens do "bando de Napoleão" que não só lhe deu os títulos, como o
apelidou de "Filho querido da Vitória" - 1 85.
MASSENET (Jules). 1842- 1 9 1 2. Compositor francês a quem devemos, nomeadamente, as
óperas Manon e 'l11ais - 68.
MATIS SE (Henri). 1 869- 1 9 54. Pintor francês, um dos chefes de fila do "fauvismo". Simpli
ficou o desenho num sentido decorativo ao mesmo tempo que exaltava a cor - 10 1 - 1 02. .
MAURRAS (Charles). 1 868- 1952. Fundador da ACTION FRANÇAISE. Escritor e poJe
mista brilhante, não passou de um salafrário em política. Nacionalista integral, foi um dos
oragos de Salazar, Cerejeira .. , e António Sardinha. Colaborador activo com o Ocupante
Estrangeiro da "França, menina dos seus olhos"), foi condenado em 1 945 a prisão perpétua
- 146- 149- 1 54-2 1 9-229- 10- 1 3- 1 4-23.
MAXI MILIANO, imperador de Áustria. 1 459- 1 5 19. Marido de Maria de Borgonha, filha
de Carlos o Temerário - 39-40.
MEDICIS. Fa mllia de negociantes que reinou em Florença, do século X IV a fins
do século XVI - 39.
MEISONNIER (Ernest). 1 8 1 5- 1 89 1 . Pintor francês - 1 1 3.
MÉLINE (Jules). 1 8 3 8 - 1 9 25 . Político francês, um dos chefes republicanos progressistas,
partidário do proteccionismo favorável ao desenvolvimento agrícola - 205.
M ENDELSSOHN. 1 809- 1 847. Compositor alemão, fundador do Conservatório de Leip
zig. Autor de sinfonias e de oratórios, contribuiu para a ressurreição da obra de Bach - 32.
MESMER. 1 734- 1 8 1 5 . Médico alemão, fundador da teoria do magnetismo animal, dita
mesmerismo - 87.
MES SALINA. 1 5-48 . Princesa romana, terceira mulher de Cláudio e mãe de Britanicus e
de Octávio. Mercê da vida dissoluta que levou, o seu nome, de substantivo pró prio, passou
à História como adjectivo - sinónimo de rameira voraz que metia na cama o gladiador
que lhe dava no goto . . . para o passar a fio de espada - 18.
20 1
METCHNI KOFF (Elie). 1845- 19 16. Zoologista e microbiologista russo, discípulo de Louis
Pasteur. Prémio Nobel 1 908 - 87-88-89.
M E U N I E R (Constantin). 1 8 3 1 - 1905. Pintor e escultor belga. Realista, grande parte da
sua obra tomou por tema a vida dos mineiros - 23.
M EYER (Arthur). 1 844- 1924. Jornalista, proprietário de LE GAULOIS . Guy de Maupas
sant retratá-lo-á no seu romance Bel-Ami sob os traços de Walter, director de "La Vie
Française" - 2 1 9.
M l L LET (Jean-François). 1 8 1 4- 1 873. Pintor francês - 1 1 3- 10 1-93.
MIGU EL. 1 802- 1 866. Terceiro filho de Carlota Joaquina e de. . . pai incógnito (segundo a
mulher do Embaixador JUNOT, nas suas MÉMOI RES, quando o arcanjo nasceu, já há
dois anos que os "soberanos de Portugal" não se aqueciam os pés no mesmo Vale de
Lençóis dos álgidos quartos de Queluz ou do Ramalhão). Sej a como for, os fisionomistas
pretendem discernir no Miguelinho as "impressões digitais" dos Marialvas, - o que,
diga-se de passagem, dá pilhéria à teimosia de D. Maria I (sogra da espanhola) de não
querer receber nos seus aposentos o homossexual inglês Lord Beckford, não obstante as
diligências do seu estribeiro-mor, o qual, segundo os elementos de que dispomos, nunca
considerou o fidalgo inglês "impró prio para consumo" . . . Assim ou assado, só Freud nos
poderá auxiliar a penetrar na "tapada" da Casa Real portuguesa da primeira metade do
século XIX e a compreender os gostos marialvas pelos toiros e rameiras do caceteiro
D. Miguel que lanç ou o País nos horrores da guerra civil. Restituiu a alma a quem o
engendrou, lá longe, em Viena de Áustria - 2 1 7 .
M I G U EL-ANG ELO (Buonarroti). 1 475- 1 564. Pintor, escultor, arquitecto e poeta floren
tino, é um dos H omens que mais enriqueceram a Humanidade - 45-46.
MI LLERAND (Alexandre). 1 8 59- 1 943. Político francês, começou por ser socialista e aca
bou a carreira entre os adversários do "Cartel das Esquerdas". Entretanto, foi Ministro da
Guerra em 1 9 1 4- 1 9 15, e Presidente da República de 1920 a 1 9 24 - 1 33-1 35-1 49- 1 80- 1 8 1 -
208-9.
MIRBEAU (Octave). 1 8 48- 1 9 1 7 . Escritor francês, autor nomeadamente de "Le Journal
d'une Femme de Chambre" - 7 1 - 1 1 8 .
MOIS ÉS (ou Mosché). A maior figura do Antigo Testamento e d o Judaísmo. Guerreiro,
Estadista, Libertador, Moralista e Legislador dos Hebreus. Recebeu o "Decálogo", na
Sarça Ardente do Sinai, depois de ter cavaqueado com Jeová - 4 1 � 1 8 3.
MOLIERE (Jean-Baptiste POQUE LIN, dito). 1 622- 1 673. O mais talentoso e popular dos
comediógrafos franceses. Dirigiu durante 15 anos ( 1 643- 1 658) uma companhia de teatro
ambulante, mas acabou - com grande inveja das "celebridades" das letras e no meio das
maiores sacanices daqueles para quem a igualdade nunca deve ultrapassar a sua pró pria
estatura - por ser protegido por Luís XIV que, amador de Belas-Artes, lhe confiou a
"criação" de um Teatro Francês: a futura Comédie Françoise. Morreu no palco, durante
uma representação de "Le malade Imaginaire", depois de nos ter oferecido personagens
típicas que ainda hoje, passam por nós: Arnolfo, Tartufo, Don Juan, Orgon, Alceste - 1 27.
MONET (Paul). 1 840- 1 926. Pintor francês. Foi a partir do seu quadro "Pôr de sol",
impressão que surgiu, senão a pintura impressionista, pelo menos o nome por que tal
técnica pictural é conhecida. Autor de uma obra riquíssima, os seus "Nenúfares" (Les
Nimphéas) são p orventura o ponto mais alto do Impressio nismo. Para um bom conheci
mento de Monet, visitar a sua Casa-Museu, em Giverny, a uns 80 quiló metros de Paris, na
margem direita do Sena - 26-30-66.
MONTANO (Juan). Escultor espanhol, trabalhou em Sevilha em 1 58 1 - 24.
MONTHÉUS (Gaston B runswichg, dito). 1 872- 1 9 52. Autor e intérprete de canções anarco
-sindicalistas. Apresentava-se em cena, traj ado de operá rio - 1 26.
202
M ONZIE (Anatole de). 1 876- 1 947. Político francês, várias vezes ministro, presidiu a partir
de 1935 à publicaç�o da "Encyclopédie Française" - 1 34.
M ORALES (Luís de). 1 509- 1 586. Pintor espanhol - 94-96.
MUN (Conde Albert de). 1 8 4 1 - 1 9 1 4. 1 84 1 - 1 9 14. Politico francês, orador católico, defensor
de leis sociais reaccionárias - 47-64- 1 79-204-225.
M U RI LLO (Bartolomé Esteban). 1 6 1 8- 1 682. Pintor espanhol - 77.
M U SSET (Alfred de). 1 8 1 0- 1 857. Escritor, dramaturgo e poeta francês. U m dos grandes do
romantismo - 25.
N A PO L E Ã O B ON A P A RTE. 1 7 69- 1 8 2 1 . Nasceu em Ajacci o, na C ó rsega e, de cabo,
chegou a Imperador dos Franceses! Foi um regabofe ! Manas, primas e amigalhaços foi o "é
fartar vilanagem" · - o que levava a pobre D. Letícia, mãe de herói, a carpir-se, pelos
cantos, no seu francês mascavado: "purvú que çá dure! E durou. O rebento dos Buona
parte, criou o Primeiro Império, demoliu os caboucos de todas as monarquias europeias e,
filho da Revolução, dotou a França com instituições que ainda hoj e se mantêem de pé. Foi
vencido pela coligação das monarquias da Europa, chefiadas pelo inglês Wellington, em
Waterloo, a 1 5 de Agosto de 1 8 1 5 , e desterrado para a Ilha de Santa Helena, onde faleceu
- 36-67- 1 1 5-67- 1 34- 1 42- 1 5 1 - 1 73- 1 8 1 - 1 84- 1 85- 1 88-2 1 5 .
NEGRI (Apolonia Chalupiec, dita POLA). 1 897- 1987. Actriz d e origem polaca, foi uma
das vedetas do cinema mudo, que abandonou com o surto d o cinema sonoro. Publicou
" Memórias de uma Star" em 1 968 - 97.
NEMESIS. Deusa grega da Vingança e da Justiça que tinha por principio condenar tudo o
que é excessivo - 42.
NEY (Michel). 1 769- 1 8 1 5. Duque de Elchingen e Príncipe de Moskowa, pela graça de
Napoleão. Marechal de França, co briu-se de glória nas guerras da Revolução e do Império,
em particular na Campanha da Rússia. Foi fuzilado pelos Legitimistas (restauracionistas)
partidários de Luís XVIII - 1 84.
NICOLAU II (Czar de todas as Rússias). 1 868- 1 9 1 8 . Filho de Alexandre III, tentou desem
penhar um papel na crise que agitava a Europa Central e os Balcãs no princípio do século.
Descarregando o fardo da política interna para os ombros da burguesia politiqueira e dos
esbirros da p olicia secreta, viu-se envolvido na guerra de 1 9 1 4- 1 9 1 8 . Quando deu por si,
estava deposto pela revolução proletária chefiada pela ala maximalista do partido social
-democrata: o partido bolcheviq ue - 1 60-22.
NOSTRADAM U S (Michel de Notre-Dame, dito). 1 503- 1 566. Astrólogo e médico proven
çal, autor de um livro de profecias intitulado CENTURIES- 1555 - 89.
NUNGESSER (Charles). 1 892- 1 927. Aviador francês. Às da caça aérea durante a Primeira
Guerra Mundial, desapareceu com COLI ao tentar atravessar o Atlântico Norte - 1 8.
ÓBIDOS (Josefa d'). 1 634- 1 684). Pintora de motivos religiosos e de naturezas mortas -
74.
OHNET (Georges). 1 848- 1 9 1 8 . Romancista e dramaturgo francês - 98.
OLLIVIER (Emile). 1 8 25- 1 9 1 3 . Politico francês, Ministro do Segundo Império, Presidente
do Conselho em 1 870.
ORFEU - Filho de Eagre, rei da Trácia, e da musa Calíope ou, segundo outra versão, de
Apolo e de Clio. É o maior músico da Antiguidade. Desceu aos Infernos, depois de ter
seduzido as divindades infernais com a melodia dos seus cânticos, a fim de libertar a
mulher, Euridice. Foi fulminado por Zeus e estracinhado pelas Bacantes - 33.
ORLEANS - Nome de quatro familias principescas de França. A primeira é representada
por Filipe VI ( 1 344). A segunda teve por chefe Luis I ( 1 372- 1407). A terceira começa e
acaba com J.-B. GASTON ( 1 608- 1 660). A quarta casa de Orléans tem ppr chefe Filipe II,
203
irmão de Luís XIV ( 1 640- 1 7 0 1 ) . Ainda hoje, são os Orléans os mais legítimos pretendentes
ao trono . . . da República que correu com eles da cena política hâ precisamente 200 anos,
aquando da Tomada da Bastilha - 1 22.
ORTIGÃO (José Duarte RAMALHO) . Jornalista, escrevedor de cró nicas ("As Farpas") e
amigo de Eça de Queiroz e dos componentes do Cenâculo - 77.
OTHÃO I, o Grande. Rei da Germânia em 936, I mperador do Ocidente em 962, morreu em
973 - 2 1 2.
PAINLEVÉ (Paul). 1 863- 1933. Matemâtico e político frances, foi Presidente do Conselho
em 1 9 1 7 e em 1 925. Membro do Partido republicano socialista - 83.
PALOMINO (Ant onio). 1 655- 1 7 26. Pintor e historiad or de arte espanhol - 94.
PAMS. Politico francês, deputado radical, foi candidato à Presidência da República em
J.a neiro de 1 9 1 3 - 1 3 3- 1 34.
PA RACELSO (Théop hrast B O M B A RT VON H O H E N H EI M , dito). 1493- 1 5 4 1 . Alqui- ·
204
PICHON (Stephen). 1 857- 1 933. Deputado radical e Ministro 'dos Negócios Estrangeiros da
França - l l 8- 199-220.
PICKFORD (Gladys MARY Smith). 1 893- 1 979. Vedeta do cinema mudo - 97.
PILON (Germain). 1 537- 1 590. Escultor francês, autor dos mausoléus de François ler e de
Henri II, na Abadia de Saint-Denis - 34.
PIN H EI R O C HAGAS ( Manuel Joaquim). 1842- 1 895. Capitão do Exército, foi profes
sor do Curso Superior de Letras e Sócio efectivo da Academia Real das Ciências de Lisboa.
Poeta, deu origem à "Questão coimbrã" e foi grande cultor de romances históricos - 1 84.
PIO XI (Ratti). Foi papa de 1 922 a 1 939. Assinou os Acordos de Latrão com Mussolini - 1 4.
PIR RO. O primeiro dos grandes cépticos gregos (365-275). Negava q ue o homem pudesse
atingir a verdade - 27.
PISANELLO (António Pisano, dito). 1 395- 1 456. Pintor italiano e notãvel gravador de
medalhas - 95-96.
PLATÃO. 428-348 a.C. Filósofo grego, discipulo de Sócrates e mestre de Aristóteles. A sua
filosofia, que tem por método a dialéctica, culmina na teoria das ideias: a verdade, objecto
da ciência, não estã nos fenómenos particulares e passageiros, mas sim nas ideias-tipo de
cada grupo de seres, em cuj o topo se encontra a ideia do bem. Um dos precursores
" ocidentais" do monoteismo - 79.
PLUTARCO. 50- 1 25 . Historiador grego, autor das "Vidas paralelas" dos Homens Ilustres
.
- 55.
POINCARÉ ( Raymond). 1 860- 1934. Advogado e p olitico francês. Presidente da República
de 1 9 1 3 a 1 926, Presidente do Conselho em 1 9 1 2, de 1922 a 1 924 e de 1 926 a 1929. Em 1923,
mandou ocupar o Ruhr para obrigar a Alemanha a executar o Tratado de Versalhes que a
tinha posto de rastos - 1 25- 1 26- 1 27- 1 33- 1 34- 1 50- 1 60- 1 80- 1 8 1 - 1 96- 1 99-200-203-204-205-
-2 1 2-2 1 5-21 7-224-225.
POMBAL (Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e Marquês de). 1 699-
- 1 782. Domina e enobrece todo o séc. XVIII português. Quando Embaixador em Londres,
foi iniciado nos "mistérios da Franco-Maçonaria", - o que lhe permitirã vir a ser um
"déspota esclarecido" . . . É, não o bstante as opiniões, uma das Grandes Figuras da História
de Portugal - 56- l lO.
POMPADOUR (Antoinette POIS SON, Marquesa de). 1 7 2 1 - 1 764. U ma das favoritas de
Luis X V, o Bem-Amado - 1 72.
POTTER (Paulus). 1 625- 1 654. Pintor de animais e de paisagens. Holandês - 66.
PREVOST ( Marcel). 1 862- 194 1 . Escritor e membro frenético da A cção Francesa - 1 50.
P RI APO. Deus dos Jardins, das Vinhas, da Geração. Filho de Diónisos e de Afrodite,
personificava, para os gregos, a virilidade.
PRI VAS (Antoi ne Taravel, dito XAVIER). 1 8 63- 1 927. Encoraj ad o por Verlaine, lançou
"Les soirées du Procope" e fundou "Le cabaret des Arts" - 1 26.
PRO U ST (Marcel). 1 8 7 1 - 1922. Escritor francês. Autor de "À la recherche du temps perdu"
- 149.
P R U D H O M M E (Joseph) personagem criada pelo escritor e caricaturista Henri Monnier
( 1 805- 1 87 1 ) : pequeno-burguês tacanho e satisfeito de si pró prio. Conselheiro A cácio (Eça
de Queiroz conhecia-o bem . . . }, afirma, com solenidade, as piores tolices - 78.
PRUD'HON (Pierre). 1 758- 1 823. Pintor de história e de retratos. Foi considerado o "Cor
régio francês" - 43.
PUECH ( Denys). 1 854- 1 942. Escultor francês. Prémio de Roma e Director da Villa Medi
eis, de 1921 a 1 933 - 202.
PUVIS DE CHAVANNES (Pierre). 1 824- 1 898. Pintor francês, autor de murais (Panthéon
205
e Sorbonne) que valem pela harmonia da composição e a sobriedade do colorido -
29-47-8 1 .
Q U EI ROZ (José Maria d'Eça de). 1 845- 1 900. U ma das principais figuras da Literatura
Portuguesa. Estilista primoroso, transpôs com génio - e de maneira flaubertiana - para
Portugal, muitas das figuras criadas por aquele a quem mais ad mirava: Balzac - 25-74-77-
-206-208-209.
Q U E NTAL (Antero Tarquínio de). 1 842- 1 89 1 . Poeta de mérito e, sobretudo, mentor da
geração de 70. De uma integridade intelectual pouco comum, suicidou-se na sua terra natal,
depois de ter estanciado uns tempos em Paris. "Santo Antero", lhe chamava Eça - 27.
Q U IXOTE (Don Quij ote de la Mancha). Obra-prima da Literatura peninsular, em duas
partes, escrita por Miguel Cervantes Saavedra ( 1 547- 1 6 1 6). Falso romance de cavalaria é,
nas entrelinhas, a melhor "reportagem" pelo "interior" da "idade conflitiva", quando os
conversos davam água pela barba àqueles que tinham "dois dedos de enxúndia de cristãos
-velhos", no dizer de Sancho Pança - 1 8- 107.
R A B I E R ( B e nj a m i n ) . 1 8 69- 1 9 39 . Caricaturista p o p u l a r í s s i m o colaborador de I'AS
S I ETTE A U B E U RRE, que, em 1 9 24, ilustrou "Romance da Raposa" de Aq. Ri beiro
- 33.
RAFAEL ( Raffaelo SANTl ou S A NZO). 1 482- 1 526. Pi ntor, arquitecto, arqueó logo. Foi
um dos principais decoradores do Palácio do Vaticano - 45.
R A M SÉS I do Egipto ( 1 3 1 4 a.C.). Fundador da XIX dinastia que conta dez reis chamados
Ramsés - 1 7.
RATTAZZI ( Maria Letícia Studolmina Wyse, princesa). 1 833- 1 902. Escritora francesa que
teve a feliz ideia de escrever um livro sobre Portugal: "Le Portugal à vol d'oiseau", a fim de
que o grande Camilo nos regalasse com as páginas magníficas de "Portugal a voo de
pássara" - 39.
REM B RANDT ( Harmenszoon VAN RIJN, dito). 1 606- 1 669. Pintor e gravador holandês,
aut or de mais de 3 50 pinturas e de um número idêntico de 'águas-fortes. Génio do claro
-escuro -
46-96.
RENAU DOT (Théophraste). 1 586- 1 653. Médico francês, fundador da primeira "Gazette
de France" em 1 63 1 .
RAN K E. 1 795- 1 886. Historiador alemão, autor da "História d a Alemanha no tempo da
Reforma". Foi um dos grandes iniciad ores da ciência histó rica alemã, no século XIX.
RENAN (Ernest). 1 823- 1 892. Escritor francês que se consagrou ao estudo das línguas e das
religiões.
RENOI R (Auguste). 1 8 4 1 - 1 9 1 9 . Um dos mestres do "impressionismo" - 30.
REYNOLDS (Sir Joshua). 1 723- 1 792. Pintor retratista inglês - 46.
RIBEIRO (Bernardi m). 1 485- 1 552. Cristão-novo natural do Torrão, Alentejo, cuja obra
poética foi impressa em Ferrara, na tipografia do seu correlegioná rio exilado Samuel
Usque, autor de "As co nsolações às Tribulações de Israel". A sua " Menina e Moça" só
foi publicada em Évora em 1 55 7 - 1 06.
RIBADEN EYRA ( Pedro). 1 526- 1 6 1 1 . Escritor e jesuíta espanhol - 95.
RIBERA (José). 1 588- 1 655. Pintor espanhol, trabalhou largo tempo em Nápoles onde a
sua arte, realista, fez escola - 77- 1 43.
R I C H E PIN (Jean). 1 849- 1 926. Escritor, poeta e d ramaturgo francês - 1 57-27.
R I C H ELI EU ( A rmand-Jean du P I E S S I S , Duque-Cardeal de). 1 586- 1 642. M i nistro de
Luís XIII, conta entre os maiores Estadistas franceses (que nada tem a ver com a caricatura
que Alexandre Dumas traçou nos seus "Três Mosqueteiros"). Foi o criad or do absolutismo
real, quebrou os privilégios provinciais por meio da centralização administrativa e a insti-
206
tuição de Intendentes do Estado em todo o território . Amador das Belas Letras, fundou a
Academia Francesa - 1 72-82- 109- 1 1 1 - 1 1 2- 1 1 9.
R I M B A U D (Arthur). 1 854- 1 89 1 . Génio de uma precocidade extraordinária, tin ha, aos 1 9
anos, escrito toda a sua obra. Revoltad o contra todas as tradições, tentou exprimir o
absoluto das coisas. Teve uma grande influência no seu amigo Verlaine e no simbolismo.
Paul Claudel, que "não devia nada a ninguém", reconhecia no entanto, de quando em
quando, que, sem Rimbaud, a sua poesia seria . . . como o seu teatro. Rimbaud deixou-nos o
Bateau ivre, as lluminations e Une saison en enfer. Dos 20 anos até morrer, levou uma vida
de aventureiro . . . a vender escravos no Mar Vermelho ! - 206.
ROC H E FO RT (Henri de). 1 8 30- 1 9 1 3. Jornalista político francês, fu ndou a LANTERNE,
panfleto semanal dirigido contra o 2.0 Império criado por Napoleão III -1 1 9.
RODIN (A uguste). 1 840- 1 9 1 7 . Decerto o maior escultor francês, criador de uma obra de
grande força realista - 23-32-33-4 1 -48-79.
ROLDÃO ( Rolland) . U m dos cabecilhas do exército que Carlos Magno enviou à Península
Ibérica para lutar contra os mouros e que foi morto pelos bascos, em 778. A lenda La -
207
SALLES (Manuel Germano). Nasceu em Lisboa, na segunda metade do Século XIX.
Figurou no Salão dos Artistas Franceses e obteve uma menção honrosa em 1 908 -
25-32-33.
SALOMÃO. 961 -922. Filho e sucessor de David, mandou construir o Templo de Jerusa
lém. A sua sabedoria é legendária em todo o Oriente. A tradição atribui-lhe a composição
dos três livros canó nicos da Bíblia: Provérbios, o Eclesiastes e o Cântico dos Cânticos
- 19-89.
SANCHA - Caricaturista espanhol, grande amigo de Leal da Câmara e igualmente
colaborador de l'Assiette au Beurre" - 47.
SANO DI PIETRO ou Ansano di Pietro di Meneio. 1 405- 1 48 1 . Pintor e iluminador da
Escola de Siena - 95-96.
SANTOS D U MONT (Alberto). 1 873- 1 9 32. Brasileiro, pioneiro da aviação em França,
o nde co nstruiu a sua avio neta "Demoiselle" - 83.
SARTO (Andrea dei) . Seu verdadeiro nome era: Andrea VANN UCHI ou Andrea d'AG
NOLO. Pintor florentino do início do século XVI. Foi convidado a trabalhar em França,
em 1 5 1 8 , por Francisco I - 35.
SCHOPENHAUER (Arthur). 1788- 1 860. Filósofo alemão, fazia gala do seu pessimismo.
Pretendia ele, no Mundo como vontade e como representação, que infelizmente tudo se
baseia na oposição da vontade, substracto dos fenómenos, à representação do mundo na
inteligência 51-10I.
-
SEBASTIÃO. 1 554- 1 578. Vigésimo p rimeiro rei de Portugal. Neto d e D . João III, foi o
último soberano medieval p ortuguês: imbuído do espanholíssimo espírito de Cruzada,
meteu-se em cavalarias altas e deu cabo do Pais. Morreu em Alcácer-Quibir, na Guerra dos
Três reis, de parceria com a fina flor dos senhoritas, que viviam da confiscação dos bens
judaicos e do comércio (?) com o Oriente. É de ver que nada j ustifica que o "sebastianismo"
tenha as suas raízes na morte de um monarca que, para além de ser garoto, nada fez em prol
da sua Pátria 1 8-27.
S E M BAT ( Marcel) . 1 862- 1922. Advogado. Franc-maçon, membro da Liga dos Direitos do
Homem. Socialista, pronunciou-se em 1 920 co ntra a adesão à Internacional Comunista -
1 77- 1 79-208-2 1 7-22 1 .
SEMIRAMIS - Rainha lendária d a Assíria e d e Babilónia a quem a tradição atribui a
fundação desta cidade e a ideia dos jardins suspensos, isto é, dos patamares floridos que
vicej avam em torno dos zigurates, esses monumentos que, como enormes paralelipipedos de
alvenaria, pareciam querer atingir o céu - 42-40-95.
S EQUEIRA ( Domingos Antó nio de). 1 768- 1 837. Pintor - 74.
S IGNA RELLI ( Luca). 1 445- 1 523. Pintor italiano, artista de grande realismo - 45.
S I LVA (Alberto). 1 882- 1 940. Pintor, natural do Porto - 25-30-3 1 .
S I LVA (Antó nio Maria da). 1 872- 1 950. Engenheiro e politico. Membro d o partido republi
cano, foi Ministro do Fomento no governo presidido por Afonso Costa de 9- 1 - 19 1 3 a
1 0- 1 1 - 1 9 14. Foi seis vezes presidente do Ministério, sendo a última, durante o período que
vai de 1 7- 1 2- 1925 a 30-5- 1 9 26 - 1 29 .
S I LVA PORTO (António Carvalho d a ) . 1 850- 1 893. Pintor - 74.
S I M ON. 1 8 1 9- 1 896. Pintor da Escola francesa - 29.
S I S LEY (Alfred). 1 8 39- 1 899. Pintor francês, um dos mais sensíveis paisagistas impressio
nistas- 66.
SNYDERS ( Frans). 1 579- 1 657. Pintor flamengo, exímio em naturezas mortas e motivos de
caça - 73.
SOARES DOS REIS (António). 1 847- 1 889. Escultor - 70.
208
SOARES ( Rodrigo). 1 8 6 1 - 1 948. Pintor. Nasceu no Porto e faleceu no Brasil - 25-29-30.
SOREL (Cécile). 1 873- 1966. Actriz da Comédia Francesa. So bre o tarde, deu em freira, -
decert o para purificar a alma, porque, quanto ao corpo nem o Sena quando transborda
depois dos nevões do inverno, conteria para tant o água lustral suficiente - 3 1 .
S O U LT (Nicolas). 1 769- 1 85 1 . Duque d a Dalmácia, por graça de Napoleão. Vencedor da
Batalha de Austerlitz, ilustrou-se em Espanha e na Batalha de Toulouse, em 1 8 14. Chefiou
a Terceira invasão de Portugal. Foi Ministro da Guerra e dos Negócios Estrangeiros,
durante o reinado de Louis-Philippe - 1 84- 1 1 5 .
S O U S A LOPES. 1879- 1 944. Desenhador e pintor. Fez croquis magistrais alusivos à frente
de Batalha na Flandres, na Primeira Grande Guerra Mundial - 25-26-27-28-29.
SOUSA PINTO (José Júlio). 1 856- 1 939. Pintor que se fixou em Paris de 1 880 até 1 939 -
25-38.
SOUSA ROSA - Último embaixador da Monarquia Portuguesa, em Paris - 70.
S PENCER ( Herbert). 1 820- 1 903. Filó sofo inglês, fundador da doutrina evolucionista
1 1 6.
SPINOZA (Bento ou Baruch). 1632- 1 677. Filósofo holandês, filho de pais portugueses,
naturais da Vidigueira. Desenvolveu o racionalismo religioso e, na sua Ética, levou ao
extremo o método cartesiano. O seu sistema é uma doutrina panteísta, segu ndo a qual Deus
é uma substância constituída por uma infinidade de atributos. Entre Deus e o mundo não
há senão uma diferença de ponto de vista. Bom conhecedor do Talmude, entrou em
conflito com os dirigentes da Comunidade Hebraica portuguesa de Amesterdão, acabando
por ser excomu ngado. (Ver os trabalhos de I. S. Révah sobre as origens da ruptura
espinoziana e as suas notas de curso no "College de France") - 78.
STENDHAL (pseudónimo de Henri Beyle). 1 783- 1 842. Um dos maiores escritores france
ses. Romântico pelo gosto que nutria pelas paixões violentas, analisa com lucidez e até com
ironia o procedimento das suas criaturas. Pouco apreciado no seu tempo (excepto por
Balzac !), deixou-nos Armance, Le Rouge et le Noir, lA Charteuse de Parme, entre uma
obra relativamente vasta - 98.
STEIN LEN. 1 859- 1 923. Notável desenhador francês, intérprete dos tipos populares. Foi
um dos três "grandes" da ASSIETTE AU B E U R R E - 23-24-47-53-79- 102- 103.
STEI N H E I L ( Made moiselle M a rgueritte). 1 869- 1 9 54 . Dama galante, "autêntica leoa",
como diria Balzac, foi nos seus roliços braços que o Presidente da República Félix Faure
entrou co nsoladinho no Sétimo Cé u. Com a nossa mania de traduzir o francês para
português calão, imploremos a Jesus que não nos venha a suceder o mesmo ! - 67-68-83-
- 1 25.
SUDERMANN (Hermann). 1 857- 1 928. Escritor alemão, autor de dramas e de romances
naturalistas - 23.
SUE (Eugi:ne). 1 804- 1 857. Escritor francês, autor dos Mistérios de Paris - 7 1 .
T ABARIN (Bal). Célebre sala d e baile d e Montmartre d a Bel/e Époque, onde a gente fina
ia encanalhar-se. O nome é o de um charlatão (Antoine Girard, dito T ABARIN) que viveu
de 1 5 84 a 1 633, ou então p rovém da maneira argótica de "paleio" (baratin) - 30.
TAINE (Hippolyte). 1 828- 1 893. Filósofo, historiad or e crítico francês. Tentou explicar as
obras artísticas pela t ripla influência da raça, do meio e do tempo. - 1 1 6- 1 54.
TAITINGER - Fascista francês. U m dos fundadores das "Jeunesses Patriotiques", cujo
órgão "La Liberté" (!) foi fundado em 1 924 - 23.
TA LLEYRAND (Charles-Maurice). 1 7 54- 1 8 3 8 . Diplomata francês de alto coturno, foi
Ministro das Relações Exteriores do Directório, do Consulado, do Império e . . . da Restau
ração. Ambicioso, cínico e inteligente (fora alcunhado de "Diabo Manco" (Diable Boi-
209
teux), serviu e traiu todos os regimes. Napoleão, que utilizou os seus serviços nessa época
em que a fidalguia trajava casaca e calções de setim, lançou-lhe um dia, furioso, que, ao fim
e ao cabo, "não passava de uma data de merda dentro de um par de meias de seda": "De la
merde dans un bas de soie!" - 47-2 1 6.
TA RDIEU (Tardieu). 1 876- 1 945. - Político francês, várias vezes presidente do Conselho.
Republican o de esquerda e, depois, fundad or do Centro Republicano. Foi colaborador de
Clemenceau - 1 49.
TC HAI KOWS K I (Piotr). 1 840- 1 893. Compositor russo, autor de óperas, sinfonias, concer
tos e bailad os - 76.
TEI XEIRA (Artur Anjos). 1 870- 1 935. Escultor, viveu em Paris de 1 907 a 1 9 1 4. Foi ele
quem concebeu a capa para a primeira obra de Aquilino Ri beiro pu blicada em volume, em
1 9 1 3 : O JARDIM DAS TORM ENTAS - 25-36.
TEI XEIRA BASTOS (Francisco José). 1 856- 1 90 1 . Formado em Letras, foi, durante largos
anos, um republicano militante, até enfileirar com Oliveira Martins no Socialismo catedrá
tico. Publicou muitíssimas obras sobre a situação económica de Portugal.
TEI XEIRA LOPES (Antó nio). 1 866- 1 942. Escultor e filho de J. F. Teixeira Lopes, igual
mente escultor e ceramista - 24.
TEM fSTOCLES. 560-525 a. C. General e Estadista ateniense, chefe do partido democrático,
aconselhou o p ovo a dedicar-se às actividades marítimas. Mandou construir o porto do
Pireu e desenvolveu a criação de estaleiros navais. Quando os Persas invadiram a Grécia,
o brigou os espartanos a co mbaterem no mar (Batalha de Salamina). Tempos mais tarde,
p a ra nã o trair a sua pátria, suicidou-se - 1 27-20 1 - 2 1 1 .
TENI ERS (David). 1 582- 1 649. Pintor flamengo, chamado O VELHO, para se distinguir
do filho, TENIERS O JOVEM ( 1 6 1 0- 1 690). Ambos foram exímios na pintura de cenas
pop ulares de um forte realismo - 25-73-93.
TESEO - Herói mit ológico, filho de Egeu, e Rei de Atenas. Combateu e matou o Minotau
ro, no Labirinto de Cnossos, na Creta. Foi condenado nos Infernos a permanecer eterna
mente sentado. Os historiadores gregos atri buíram a Teseo a primeira organização da Ática
e a primeira legislação de Atenas - 1 7.
THAIS - célebre cortesã grega do séc. IV a.C., amante de Alexandre e, mais tarde, de
Ptolomeu I .
Romance de A nato/e France ( 1 890) que conta a conversão d a cortesã pelo anacoreta
Pap hnuce e a danação deste último.
Massen et dedicou-lhe uma ópera 23.
-
THÉLEME (Abadia de). Espécie de comunidade laica, imaginada por RABELAIS no seu
Gargantua; é formada de homens e de mulheres que se entregam à cultura de todas as
formas da felicidade. A expressão é utilizada para designar um lugar onde se desfrutam à
tripa forra as alegrias mais requintadas - 56.
THIERS (Ad olphe). 1 797- 1 877. Político e historiador francês, fundou o diário Le National
em 1 830. Contribuiu para o estabelecimento da monarquia de Julho. Foi Ministro em 1 832
e Presidente do Conselho em 1 8 34. BALZAC serviu-se dele para criar a mais ambiciosa das
suas criaturas: RASTIGNAC. Chefe do Partido da Ordem, Thiers é o principal responsável
p ela inominosa repressão da Comuna de Paris - 1 2 1 .
THOR. Deus d o Trovão e dos Relâmpagos, entre o s povos escandinavos - 77.
THORA ou TOURA. Rolo sagrado do Judaísmo, composto pelo PENTATEUCO, isto é:
os cinco p rimeiros Livros da Bíblia.
TICIANO. 1 490- 1 576. Pintor italiano. Após um período onde se faz sentir a influência de
Giorgione, tornou-se um artista internacional, trabalhando para os papas, para Francisco I
de França e, sobretudo, para Carlos V de Espanha - 34-35-52-45-93.
210
TIÉPOLO (Giambattista). 1 696- 1 770. Pintor e gravador italiano. Natural de Veneza, tra
balhou durante muito teinpo em Madrid 35. -
TITO LÍVIO. Nasceu em 64 ou 59 a.C. Autor de uma histó ria romana, das Origens até ao
ano 9 a.C., composta de 1 42 tomos 1 1 4. -
TO RQUEMA DA. Thomás de). 1 420- 1 498. Director espiritual de Isabel a Católica, é,
pela sua crueldade no cargo de Inquisidor-Mar de Espanha, uma das mais sinistras criatu
ras q ue jamais nasceram na Península Ibérica - 48- 1 45.
TRO LLS . Espíritos maléficos, no folclore escandinavo - 26.
T R OT S K I ( Le i ba B ronstein, dito LEV D A V I D O V I T C H ) . 1 879- 1 940 . Revoluci o ná rio
russo, colaborador de Lénine em 1 9 1 7, Comissário do Povo para as questões militares de
1 9 1 8 a 1 923 e organizad or d o Exército Vermelho. Teó rico da revolução permanente, foi
exilad o por Staline em 1 929 e assassinado no M éxico por uma machadada desferida
pelo revolucionário espanhol Ramó n Mercader -209.
TROYON (Co nstant). 1 8 1 0- 1 865. Pintor francês - 1 1 3.
TURENNE ( Henri d e L A TOU R D'AUVERGNE) . 1 6 1 1 - 1 67 5 . Marechal d e França. Co
mandante do E xército da Alemanha durante a Guerra dos Trinta Anos, logrou várias vi
tórias que levaram à Paz de Westfália. Modesto, deixou-nos preciosas Memórias 36. -
VALLÉ (Ernest). Senador radical, foi Ministro d o Interior n o governo presidido por
COMBES - 224.
VALOI S. Ramo dos Capetos que ascendeu ao trono, em França, em 1 328, com Filipe IV - 36.
VA MBA - Rei dos visigodos d a Península Ibérica de 672 a 680. Lutou contra os gascões,
nos Pirinéus, e foi destronado por Ervígio.
Vindos do sul da Gália (a actual região entre Toulouse e os Pirinéus) onde se tinham
instalado aquando das Grandes Invasões por volta do ano 400, na cola dos seus primos
suevos que, mais lestos que coelhos, co nseguiram alcançar a Galécia, invadiram os Visigo.
dos a "pele de boi ibérica", cerca de 60 anos mais tarde e, cometendo as maiores atrocida
des, implantaram uma forma de Poder que os autóctones desconheciam: a Monarquia.
(Quem diz Monarquia diz totalitarismo de casta que, anos mais tarde e em terras não
portuguesas, chamar-se-á feudalismo). Felizmente para os autóctones - os povos de que
fala Estrabão na sua Geografia (ver "Espana y los espanoles hace dos mil anos", apresenta
ção de Antonio Garcia y Bellido, Colleccion Austral, Espasa-Calpe Argentina. S.A.) - essa
primeira vaga de Terror será de pouca dura, porque emissários das vitimas atravessaram as
Colunas de Hércules a fim de solicitar dos seus primos berberes uma ajuda para expurgar a
sua pátria de tão gananciosos ocupantes. Allah a-alkbar! - responderam-lhes os homens
que, em 632, tinham iniciado a divulgação do islamismo, a partir de Medina, lá nos
desertos do cabo do mundo, e que se enco ntravam a marcar passo à beira do Estreito. E,
em 7 1 1 , sob as ordens de Tárik, eis que um primeiro corpo expedicionário desembarca nas
cercanias do Rochedo e dá uma valente surra na cambada visigoda, em Guadalete. Outro
exército se seguiu e, graças ao levantamento popular, meteu Península a dentro, atrás dos
" bárbaros" que só respiraram quando os "homens do deserto" estacaram nas terras
frias da Galiza e das Astúrias. Cuidando ter dado uma boa ensaboadela naquela gente
meio-louraça que tinha abalado das planícies da Germânia duzentos anos antes, voltaram
para trás, restituíram o Poder aos compadres "autóctones" e ocuparam as terras que se
estendem do Mondego até Vali!:ncia para as transformar num Paraíso Terreal.
Infelizmente, o ditado que pretende que "quem o inimigo poupa, nas mãos lhe morre",
só foi cogitado a partir destes event os, porquanto os visigodos (que tinham encontrado na
Península condições climatéricas que lhes permitia abandonar as peles de bicho com que se
vestiam) não ficaram de braç os cruzados e, em 7 1 8, iniciaram aquilo a que vão dar o nome
21 1
de Reconquista, - u m a Reconquista que l'ai le l'ar 8 séculos ! . . . ( V er a este respeito as o h ras
d e t rês a u ti:· nt i cos h is t n r i ad o rcs. ' " c s r a n húis M c n c n dct !'ida\. \ m cTico C a s t r o c S a n d l c"/
Albornoz, - mas este último, de pé atrás porque "es hombre de prejuicios" . . . ). Seja como
for, podemos dizer que, se havia estrangeiros na Ibéria, terra romanizada e enriquecida
pelos muç ulmanos, eram os visigodos (mais do que os suevos, por uma simples questão de
antecedência) e sobretudo não levar a sério a prosápia dos Cogominhos (como lhes cha
mava Aquilino Ribeiro) que, ainda hoje, andam p or aí a fazer alarde de pergaminhos
escritos com "sangue azul", com o fito de, socialmente, se colocarem aci ma dos compatrio
tas que não são (e ainda bem! ) de extracção sueva, que, ao fim e ao cabo, não passa de
gente labrega que teve a esperteza de se crismar cristiana ou cristã e, mais tarde, catolicazi
nha de gema. Assim ou assad o, pode essa ge nte vangloriar-se de uma coisa: ter destruído
quase todos os monumentos romanos e muçulmanos em vastas regiões da Península, - e
se não foi até à sua demolição total, deve-se o milagre à própria beleza e conforto que os
autóctones de parceria com os semitas (muçulmanos e judeus) haviam espalhado pela "pele
de boi" e que acabaram por seduzir os espíritos abroeirados - isto é: bárbaros - de gente
q ue matava a torto e a direito aos gritos de "Santiago aos mouros !" - 59-91 .
VAN DICK. 1599- 1644. Pintor flamengo, colaborador de Rubens e, mais tarde, pintor da
c orte de Carlos I de Inglaterra - 30-52-78-45.
VAN DONGEN (Cornelius). 1 8 77- 1968. Pintor francês de origem holandesa. Um dos
fauves. Colaborou na Assiette au Beurre - 53-1 02-66.
VAN EYCK. 1390- 1 44 1 . Pintor primitivo flamengo. Foi igualmente encarregado de mis
sões di p lomáticas em Espanha e Portugal - 95.
VAN GOYEN (Jan). 1 596- 1656. Pintor holandês que dirigiu a célebre escola paisagista de
Leyde - 66.
VAN OSTADE (Adrian). 1 6 10- 1684. Pintor holandês - 66-94.
VASCO (GRÃO - Vasco Fernandes). Fins do séc. XV, deve ter falecido em 1 54 1 - 74.
VAUBAN ( Sébastien LE P RESTRE, senhor de). 1 633- 1 707. Engenheiro militar, e mare-
chal de França. Fortificou as fronteiras do seu país construindo 33 praças-fortes - 82- 103-
- 1 13.
V E I G A ( Francisco M aria d a ) . 1 8 52- 1934. Juiz. Célebre e temido pela sua inflexibilidade na
d efesa do regime monárquico. Foi o precursor dos "meretíssimos" dos Tribunais Plenários
Salazaristas e, por temperamento, membro frustrado do Tribunal do Santo Ofício da
Inquisição - 1 7 2.
VELASQUEZ (Diego). 1 599- 1 660. O mais original pintor espanhol de todos os tempos
34-78-30-55-56.
VELOSO ( Fernão). Relator d a primeira viagem de Vasco da Gama à Índia - 1 8 3.
VELOSO SALGADO (José Maria). 1 864- 1945. Pintor. Residiu em Paris de 1887 a 1 895.
- 24-77.
V E R CI N G ÉTO RIX. C hefe dos gauleses. Nasceu em 72 a.C. Foi derrotado em Alésia por
Júlio César e levado para Roma, onde foi executado ao fim de 6 anos de cativeiro - 168.
VERLAINE (Paul). 1 844- 1 896. Poeta simbolista francês de primeiríssimo plan o - 33.
VIANNA (Eduardo). 1 8 9 1 - 1 967. Pintor. Esteve em Paris a partir de 1905 - 25.
VICTOR H UGO. 1 802- 188 5. Escritor e p oeta francês, um dos chefes do romantismo.
Romancista fecundo, deixou-nos nomeadamente Les misérables, No tre-Dame de Paris e
Les Travailleurs de la mer. Da sua imensa obra poética, sobressai La Légende des Siecles.
Pondo a ridículo o bonapartista Napoleão III, apelidando-o de "Napoléon /e Petit, viu-se
forçado a buscar asilo, primeiro em Bruxelas e, seguidamente, em Guernesey - 45-47-48-
-49- 1 68.
212
VICTOR MARGU E RITE. 1 866- 1 942. Romancista francês, autor de La Garçonne - 1 26.
VIEIRA L U SITANO (Francisco de Matos). 1 699- 1 783. Pintor, estudou em Roma de 1 7 1 2
a 1 720 - 74.
VIEIRA PORTUENSE (Francisco Vieira). 1 765- 1 805. Desenhador e pintor � 74.
WILLIAM (James) . 1 8 42- 1 9 10. Filó sofo americano, u m dos fundadores d o pragmatismo
- 1 1 6.
ZEPPELIN (Ferdinand, conde VON). 1 838- 1 9 1 7. Aeronauta e industrial alemão, cons
truiu os grandes dirigíveis conhecidos pelo seu nome - 1 58- 1 8 .
213
ZOL A ( E mile). 1 840- 1902. Escritor francês, natural de Aix-en-Prove nce (a PLASSANS
dos seus romances), filho de um engenheiro italiano. Chefe da Escola naturaÜsta e teórico
do Impressionismo, escreveu "A História de uma Família durante o Segundo Império: LES
ROUGON-MACQUAR"r, digna homenagem à COMÉDIA H U M ANA de Balzac.
Aquando da Questão Dreyfus, foi o principal defensor do acusado inocente, ao publicar no
jornal L' A U RORE um artigo veemente sob o titulo "J'ACCUSE!" (A cuso !). Sabe-se hoje
que Zola, um dos maiores escritores franceses, foi assassinado (tal como será Jaures) por
um antisemita, cató lico e ultranacionalista, membro da A CTION FRANÇAISE, o qual,
durante a noite, servindo-se de material de construção civil (havia obras no prédio), entupiu
a chaminé do fogão do quarto do defensor de Dreyfus. (Ler a este respeito "Bonj our,
mo nsieur Zola" de Armand Lanoux, da A cademia Goncourt, 1 962 - 47-92-208-23-35-
-53- 1 02.
ZU LOAGA (lgnacio). 1 870-1 945 Pintor espanhol - 24.
..
Z U R BA RÁN (Francisco de). 1 598- 1 664. Pintor espanhol, especialista em motivos religio
sos de uma profunda humanidade -77-94.
2 14
ÍNDICE
T E R C E I R O EXÍLIO ( 1 928- 1 9 3 1 ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Nos Camp os de Batalha da Flandres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Nos Campos de Batalha da Fland res . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Nos Campos de Batalha da Flandres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Nos Campos de Batalhá da Fland res . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . 93
215
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
O ''Pays Basque" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 101
Crónica d a Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 1 05
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 1 09
S. João do Pé da Porta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 13
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 1 17
Eu sou o Mar, tu és a Terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 121
Crónica d a Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 1 29.
As Camélias - Scherzo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 33
O H omem que Matou o Diabo . . . . : .....
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 37
Não, já não sou Católico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 1 45
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 49
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 53
Certa Manhã de Rosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 1 57
Cró nica da Qui nzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 161
Crónica d a Quinzena - A s cidades Modernas . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 65
Cronologia S umária de 1 9 1 5 a 1 9 34 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 69
Índice Onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 77
216