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"Libertário ei?

ublicano" dos quatro costados,


lúcida e exclusivamente enternecido pela "natu:
reza e o camponêsrque, no fundo, não fazem mais
do que um: terra", AQUILI'N'O RIBEIRO man-
teve-se sempre na primeira linha da barricada,
Jus um et tenacem, "dobrado sobre a banca de
escritor" (o seu espólio daria trabalho por largos
meses um mosteirQ de bened.i._tinos!), recusando-
-se com' aferro a não consiàerar a Soutosa como
uq:t Vale de Lobos ou quarto de hotel de
Bougie, - e quando lhe sucedia abeirar-se do
poço das horas vagas, recuava para se refugiar sob
o alpendre a fi,m de carpintejar umas tábuas, ou
na cozin a onde (quiçá guiado por súbitas e impe-
recíveis saudades da âmpada de álcool do Bairro
Latino) se entregava à confecção de um prato
com os mimos da horta e da capoeira... Para um
ourives da palavra escrita, há lá melhor recrea-
ção do que afagar a madeira que acaba de ser
aplainada ou seguir, com todos os sentidos espe-
vitados, o apurar do pitéu com que vai regalar a
família e os amigos e o seu próprio palato de
gourmet que só é alcançado "por aqueles que pas-
saram alguns dias sem comer, para não dizer que
tiveram fome"?!. ..
Se um moço esttidioso condescender em dar fé
ao que escrevo, aproveite estas Páginas do Exilio
.e as OBRAS COMPLETAS ... (de Hilário Barre-
las) para decantar ~ IDEÁRIO de Aquilino Ri-
beiro: não enxergo tarefa mais empolgante para
um jovem INTELECTUAL que a de oferecer tal
análise de um ESPÍRITO LIVRE a um povo que,
arrebanhado por mais que suspeitos pastores,
anda por aí aos baldões sem lobrigar .o que lhe
reserva o dia de amanhã e que carece, como de
pão para a boca, de Mestres de Pensamento!
Jorge Reis

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HISTÓRIA DA POESIA POPULAR PORTUGUESA


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AQUILINO RIBEIRO

PÁGINAS DO EXÍLIO
CARTAS E CRÓNICAS DE PARIS
PÁGINAS DO EXfLIO
CARTAS E CRÓNICAS DE PARIS
Autor: Aquilino Ribeiro
Colecção: Outras Obras
Recolha de textos e organização, assim como Cr.onologia Sumária
da História da França e de Portugal de 1885 a 1934
e fndice Onomástico e Notas Adicionais de Jorge Reis
Ilustrações de Leal da Câmara
© Vega e Jorge Reis

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desde que tal reprodução não decorra das finali­
dades específicas da divulgação e da crítica.

Editor: Assírio Bacelar


Capa: Luís Pinto e Panchita, com base no busto
da autoria de Anjos Teixeira
Fotocomposição e Montagem:
Corsino & Neto - Gab. de Fotocomposição, Lda.
Impressão e Acabamento:
ANTÓNIO COELHO DIAS, LDA.
Depósito Lep1 N. • 19 76o/88
AQUILINO RIBEIRO

PÁGINAS DO EXÍLIO
Cartas e Crónicas de Paris

2.0 Volume
de 1927 a 1930
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JUSTUM ET TENACEM
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Frequento a sua Obra há mais de trinta anos; tive o privilégio de
receber algumas cartas e de, cavaqueando, o acompanhar pelas ruas do
Quartier Latin . . . Só agora, mercê da conferência que me foi proporcionada
na Biblioteca Nacional de Lisboa, aquando do Centenário do seu nasci­
mento, e do bosquejo que dela tirei para, de maneira anónima em acata­
mento às condições do concurso, o submeter ao júri da Associação
Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro (A Q UILINO
EM PA RIS, Ed. Vega), me dei conta do IDEÁRIO do autor de A CA SA
GRA NDE DE R OMA RIGÃES! Sancta simplicitas/
A modos de desculpa, direi que nunca tive perante os trabalhos do
Mestre a atitude lúcida do cientista: com a mala do regresso debaixo da
cama, a curtir saudades e, sobretudo, a alimentar quimeras mais especiosas
que as gárgulas da Notre-Dame ( - " O Jorge quando voltar a Portugal, vai
ter muitas desilusões . . . " - prevenia-me Maria Lamas num tom de voz tão
repassado de tristeza que eu o atribuía às suas próprias condições de exílio
realmente dolorosas), eu estava unicamente preocupado em captar-lhe a
lição da língua e as críticas e rompantes contra as parvo içadas nacionais, -
que me deliciavam, a m im, enxovedo de um vilafranquismo atoleimado,
porque as tomava como ferroadas no coiro do salazarismo. . . A árvore
encobria-me a floresta do "Reino Cadaveroso" e só por um triz não passei à
desbanda do verdadeiro A quilin o !
Dizer que ele me honrou c o m preciosas horas de conversa e que -
quem o poder4 atestar? - talvez esperasse que lhe fizesse a pergunta essen;.
cial do nosso encontro: - "Mestre, como consegue viver em Portugal?

III
Mas eu sabia lá! Estava a mil léguas de formular uma tal interroga­
ção porque só agora o seu IDEÁRIO adquiriu, para mim, a devida ni­
tidez. Nesses anos, eu podia lá imaginar que o GIGA NTE - rodeado
pela família, pelos amigos, pelos admiradores - tivesse horas de dolo­
rosa melancolia e de inquietação: "E se o Manuel Jardim falava acertado,
quando me dizia que Portugal é um trágico suicídio histórico?". . . "E se o
Unamuno não generalizou quando pretendeu que somos um povo de
suicidas?". . .
Ah, se eu tivesse sabido esquadrinhar com inteligência a riquíssima
Caverna de Ali-Babá que é a sua Obra!. . .

* *

Há dias corri os olhos pela transcrição de um folheto anónimo publi­


cado em 1909, por Mendes de Almeida, de Lisboa, intitulado EU -
HOMENS DE A CÇÃO - A Q UILINO e que, há muito, me fora
assinalado como sendo da autoria do interessado. Caíram-me os queixos ao
chão, porque só um filisteu pode ter tido a ideia peregrina de atribuir ao
"libertário republicano" - como o define o Prof Dr. Fernando Piteira
Santos - "nada estreado . . . no entrecasco das coisas do mundo", o seguinte
pedaço de prosa: "Apesar dos seus 24 anos, da sua educação primitiva,
quase que jesuítica e do seu feitio estúrdia e boémio, é um espírito de
eleição, carácter primoroso". . . "Filho dos amores de um padre . . . é necessá­
rio que se saiba: A quilino é um valente e audacioso. Eis sucintamente
exposto este "homem de acção" no sentido generoso do termo. A França
sempre generosa e hospitaleira, alberga-o e acaricia-o. Os recursos genero­
sos e solícitos necessários à vida, fornece-lhes o Directório do Partido
Republicano com nobreza cativante e exemplar. Agora é auxiliado, moral­
mente, também por esse belo carácter e grande coração do maior e mais
sincero paladino da liberdade: Magalhães Lima". (Os sublinhados são gene­
rosamente meus).
Como conciliar este ditirâmbico trecho com, por exemplo, estas frases
extraídas do seu artigo anónimo, da VA NG UA RDA, de 5 de Julho de
1909? "Loas a nosso respeito correm deste trapio, por culpa nossa, este
nosso regalado sonho de homens que andaram à gandaia pelas sete partidas
do mundo e adormeceram moiriscamente com o rifão: Cria fama e deita-te
a dormir" (. .. ) "Diga-se em voz alta o que se diz em voz baixa: entre nós

IV
mingua a noção do objectivo, não há arte, não há literatura, não há moral
científica"(. . . ) "Nós temos muitos doutores, muitos literatos, muitos confe­
rentes, mas ai!". . . de nenhum deles pinga "verdadeira luz".
Em 1960, depois de ter colocado "bombas da Rua do Carrião" em
quase todos os seus livros, debruçou-se sobre "As razões de ser do escritor"
(ín A Q UILINO RIBEIR O, de Manuel Mendes) e declarou: "Nunca soube
o que era servidão aos preconceitos, ao poder, às classes, nem mesmo ao
gosto do público" (. . .) "Em todos os meus livros, se pode verificar mais ou
menos esta rebeldia de carácter" (. . . ) "Cumpri o dever contraído para
comigo mesmo desde que aprendi a pensar. Estive também na primeira
linha da barricada. O homem de letras é um interventor no mundo, não
deixando por isso de fazer arte". . .
Levou, pois, a vida a tocar o sino a rebate a fim de alertar as "consciên­
cias livres" contra a (ainda hoje persistente) estrambótica mania das grande­
zas pátrias. Poucos lhe deram ouvidos. Quanto a mim, ignorante da sua
juventude, não discerni que, para ele, o salazarismo não era mais do que um
momento do grande desastre nacional, - e o que éfacto é que, catorze anos
depois do fascismo ter (oficialmente) acabado, nos vemos a braços com um
País tomado de febrão de patrioteirismo parolo (perdoe-se-me o pleo­
nasmo), que se manifesta em discursatas e homenagens a Camões, a Fer­
nando Pessoa (dá a ideia que o 25 de Abril foi feito expressamente para
desagravar o poeta da Mensagem . . .), a mais este e mais aquele, até ao
Bartolomeu Dias! E cabe perguntar: mas estes "padecentes do passado"
que, para entrarem (de rastos) na "Comunidade ECONÓ MICA Europeia",
andam por aí a brincar ao trapo-queimado com o "Portugal não é um país
pequeno" do António Ferro traduzido em portugasileiro, ignoram que a
"Expansão Ultramarina" dos "Heróis do Mar/ Nobre Povo/ Nação Valente
e Imortal" com que nos moem o bichinho do ouvido, foi considerada, nos
tempos do Integralismo triunfante, como uma simples aventura de piratas e
de cand ongueiros por A quilino ? O mesmo se passa, de resto, nos domínios
do cinema e da Literatura. Consta-me ser voz corrente em certos meios de
Portugal que a Literatura que hoje se faz no nosso "pátio das letras" é das
primeiras - senão a PRIMEIRA - deste desditoso Mundo de Cristo. Não
tenho competência e ignoro, por exemplo, o gaélico ou o lapão para me
pronunciar sobre a documentação de que tais arautos dispõem, e longe de
mim a ideia de azebrar tão rutilantes louros. É muito possível que a litera­
tura portuguesa dos nossos dias seja, de facto, a melhor do mundo, se bem
que os pilriteiros do nosso quintalório não possam oferecer-nos senão pilri-

v
tos. Mas, se a Virgem se deu ao trabalho de descer dos céus, em 1917, para
vir palestrar com três fedelhos ainda meio-bichos, no sertão da Cova da
Iria, por que carga de água as sardinhas assadas da Feira Popular de Lisboa
não hão-de ganhar fama de tamboril ou de pescada do azi'o só porque fo­
ram à lota de Francoforte? É tudo uma questão de crença e, sobretudo,
do "descarado heroísmo de afirmar", com o disse o honesto Eça de Queiroz
em 1887, isto é: há mais de um século ! Ah, se os "intelectuais encartados"
não fizessem olhos cegos a duas linhas de uma Cró nica da Quinzena, publi­
cada na IL US TRA ÇÃO de 1 6 de Maio de 1928, escritas por um autêntico
PR OSA D OR que, de 43 anos de idade, já dera ao seu País milhares de
páginas do mais vero casticismo, e lessem, mesmo soletrando: "Olhemos
para o umbigo, mas sem cansar a vista,· tiremos a ideia que é o centro ou
devia ser o centro da gravitação universal!". . .

*
* *

Como foi, pois possível que um tal A RTIS TA tenha suportado (sem se
contaminar) "a maneira que os portugueses tê em de estar no mundo"; tenha
conseguido viver numa "terreola que os líteras e quejandos, gregos e troia­
nos, nacionalistas de rabo alçado, pretendem estolidamente que é a pri­
meira do universo e que, em vez de ser uma PÁ TRIA é uma TRIPA ?'' ( * )
Um país.- com o lhe dissera Leal da Câmara com amargura depois de três
anos e meio de estada em Lisboa - onde "não há lugar para artistas" e, de
modo geral, para todos aqueles que passaram uns tempos em Paris?. . .
"Libertário Republicano" dos quatro costados, lúcida e exclusiva­
mente enternecido pela "natureza e o camponês que, no fundo, não fazem
mais do que um: terra", manteve-se sempre na primeira linha da barricada,
justum et tenacem, "dobrado sobre a banca de escritor" (o seu espólio daria
trabalho por largos meses a um mosteiro de beneditinos!), recusando-se
com aferro a não considerar a Soutosa como um Vale de Lobos ou um
quarto de hotel de Bougie, - e quando lhe sucedia abeirar-se do poço das
horas vagas, recuava para se refugiar sob o alpendre a fim de carpintejar
umas tábuas, ou na cozinha onde (quiçá guiado por súbitas e imperecíveis
saudades da lâmpada de álcool do Bairro Latino) se entregava à confecção

(*) Ver "LEAL D A CÂMARA" de Aquilino Ribeiro e "Aquilino em Paris", de Jorge Reis­
Ed. VEGA, Lisboa, página 112.

VI
de um prato com os mimos da horta e da capoeira . . . Para um ourives da
palavra escrita, há lá melhor recreação do que afagar a madeira que acaba
de ser aplainada ou seguir, com todos os sentidos espevitados, o apurar do
pitéu com que vai regalar a família e os amigos e o seu próprio palato de
gourmet, - que só é alcançado "por aqueles que passaram alguns dias
sem comer, para não dizer que tiveram fome?!". . .
Se um moço estudioso condescender em dar fé ao que escrevo, apro­
veite estas Páginas do Exílio e as OBRA S COMPLETA S. . . (de Hilário
Barrelas) para decantar o IDEÁ RIO de Aquilino Ribeiro: não enxergo ta­
refa mais empolgante para um jovem INTELECTUAL que a de oferecer
tal análise de um ESPÍRITO LI VRE a um povo que, arrebanhado por
mais que suspeitos pastores, anda por aí aos baldões sem lobrigar o que lhe
reserva o dia de amanhã e que carece, como de pão para a boca, de Mestres
de Pensamento I
Em conclusão, segundo a boa maneira latina,

Vale/

JORGE R EIS
Paris, Março de 1988

VII
SEGUNDO EXÍLIO
1927-1928

Colabora em O S ÉCULO
e na ILUSTRAÇ Ã O
OI.Jlza OOVEJa:i2
�Ui!l�\S:�I
MARIANA, à jovem República. - Filha, se quiseres que te amem sempre, faz o possível por nao envelhecer! ...
Mantém-te eternamente jovem ! ...
A DEMOCRACIA FRANCESA

Um dos fenómenos mais singulares da política europeia é, decerto, a


bela e imperturbável estabilidade que apresentam em França as instituições
republicanas, quando no dizer de Lloyd George, o Diabo anda à solta pelo
mundo, semeando a desordem e dementando governantes e governados. De
facto, no meio da derrocada geral, essas instituições perduraram tais quais,
sem quebra nem abalo ou capitulações com os inimigos internos, como se
seu espírito, sua letra, sua força, estivessem caldeados de bronze. Ao passo
que a Alemanha, numa crise de desespero, se lançava no espartaquismo; a
Rússia modificava até os fundamentos a sua estrutura política; a Itália e a
Espanha adoptavam fórmulas novas de autoridade e uma doutrina nova do
poder, a democracia francesa mantinha-se hirta, indeformável e segura nos
seus quadros, como se se não tratasse de um mecanismo social, mais ou
menos perfeito, mas de uma operação voluntária e deliberada do maior
número.
Sem dúvida que, dentro de fronteiras, teve que sofrer a acometida
de fortes correntes, de natureza extremista e reaccionária. Um momento
ainda, a directiva passou às mãos dos conservadores da extrema-direita,
com Millerand à frente, então na Presidência da República. O bom senso
do eleitorado soube castigar este abuso de poderes, acabando até por negar
ao antigo Chefe do Estado a cadeira de senador. De modo análogo se
desquitou dos parlamentares da A ction Françoise, pequena, mas aguerrida
falange, que transformara a Câmara dos Deputados num ring e em má hora
saiu de pendões para a rua.
Hoje, dessas ameaças à democracia francesa, subsiste apenas, ate­
nuada, mas latente, a que parte do campo comunista. Essa não desarmou,
não recolheu, como o integralismo, aos seus salões fechados de tertúlia

9
literária e filosófica, ficou a amadurecer, a engrossar, bastando-lhe ter,
como premissa, o factor moral, tão grato ao entendimento, da igualização
humana, para captar as massas.
A hora crítica para a democracia francesa deve ter passado. Partindo
simultaneamente de sentidos sociais opostos, os ataques dos adversários
neutralizaram-se, sem que ela sofresse grave dano. Em verdade, o socia­
lismo avançado, postando-se em pé de guerra para co m a República bur­
guesa, não perdeu nunca de vista que nos nacionalistas conservadores, a
Millerand, e nos nacionalistas radicais, a Maurras, tinha os seus inimigos
natos. Talvez que estas pequenas e ruidosas patuleias aj udassem a quebrar a
primeira ofensiva comunista. Salta, porém, à evidência que foram ·os ele­
mentos para lá da fronteira esquerda da República, que fizeram baquear
todos aqueles que preconizavam uma ordem nova, baseada no poder pes­
soal e no arbítrio. A República, embora tivesse arcadura para resistir aos
ataques conjugados da reacção, pode dizer que assistiu impassível a este
quebrar de lanças.
Evidentemente que não é legítimo ir buscar, apenas, à neutralização de
forças contrárias a razão deste equilíbrio admirável das instituições republi­
canas em França. Seria supor que estas se mantêm estáticas, e com certeza
que o regime mais realista, mais sufragado pelo povo, mais solidamente
estabelecido, que viesse a cristalizar, a deter-se ne varietur, ao cabo de
alguns anos tinha cavado o seu precipício. Não reconhecer às instituições
políticas a necessidade de se aperfeiçoarem e quivale ria a supô-las fórmulas
abstractas, providenciais, alheias ao movimento e curso das coisas. O pró­
prio carácter de uma democracia está na sua maleabilidade, renovamento e
ilimitada adaptação à vida objectiva.
Mas em França existe o factor democrático; existe um extenso e inde­
fectível lastro democrático. A ideia democrática em França não corres­
ponde, apenas, a um preconcebimento de ordem moral, um "dever ser"
místico, ou ainda, a uma reivindicação da humanidade. Não; está ligada
a exigências profundas da consciência, adaptada, incorporada na vida
corrente.
Inegável é que para os teóricos da democracia, esta é o coroamento da
longa evolução histórica que vem do século XI, com a emancipação das
comunas, até à afirmativa republicana do século XIX. Seria este um argu­
mento incontroverso da estabilidade das instituições democráticas, se esti­
vesse demonstrada a ideia de um progresso humano, contínuo, ou, ainda, a
lei de uma evolução universal, rectilínea, à maneira spenceriana Mas, se o
curso das coisas faz crer, antes, na ideia de uma "evolução criadora" no
sentido bergsoniano, com recuos, avanços, sobressaltos e pausas; não é
imediatamente evidente que esta fixação da igualdade contra a aristocracia,
do sistema constitucional contra o sistema absoluto, sej a de índole inabalá­
vel e irremovível. Portanto não será o regime democrático um acidente do

10
determinismo histórico, mas, antes, um estado social, voluntário, envol­
vendo o consenso da maioria e apresentando garantias sérias de equilíbrio e
duração.
De facto, o regime democrático em França corresponde a um conjunto
de dados, fixados a posteriori, e de leis, tidas definitivamente como verda­
deiras, para que seja a mais normal e em harmonia com a psicologia e
tendências do francês.
Em primeiro lugar, o francês da maioria é um cidadão comedido e
cómodo, incapaz de compreender e muito menos de aceitar que um sistema
político se proponha uniformizar as condições humanas. Para ele quem diz
sociedade, diz organização, diz hierarquia; quem diz hierarquia diz desi­
gualdade. Por aqui é anticomunista.
Em segundo lugar, o francês, à custa de dolorosas experiências, criou­
-se uma noção de liberdade, da qual não é fácil demovê-lo. O dogma de
um, a tutela discricionária, a imposição, repugnam ao seu temperamento.
Aceita de boamente, a autoridade que fortalece o indivíduo, mas não o
escraviza; estima a solidariedade social, sempre que represente um exalta­
mento, e não uma sufocação, da sua pessoa; curva-se à tradição, como luz
que se projecta da retaguarda sobre o seu caminho, mas não como um
altar de adoração perpétua. P or aqui, é anticesarista e antimonárquico.
Depois, o francês é eminentemente social, e a ele cabe, como a ninguém, a
definição que Aristóteles deu d o homem: animal pol í ti c o Co m o tal, apraz­
.

-lhe este princ í pio basila r d as democracias: o concu rso act ivo e siste mático
dos governados à obra gove r n a m e ntal, o direito d e dizer a s u a última
palavra nos negócios públicos. Com as modalidades que vai revestindo a
vida em França, cada vez mais colectiva, com a tendência à descentraliza­
ção dos organismos administrativos, com o desenvolvimento de corpora­
ções médias, espécies de vasos .intermediários entre o Estado e o indivíduo,
aquele direito dia a dia se torna mais extenso e efectivo. Acrescente-se que o
francês é avesso ao estado de exaltação e à simplicidade geométrica, pró­
prias da ideologia cesarista; que é muito prudente para se lançar em aventu­
ras temerárias; que é o mais conformista dos habitantes da terra, e ter-se-á a
suma de qualidades ou defeitos sobre que repousa o sólido edifício da
democracia francesa.

O SÉCULO, 3-5-1927

11
POLÍTICA RELIGIOSA
EM FRAN ÇA

O conflito entre o Vaticano e a A ction Française, longe daquela suavi­


dade e daquele silêncio, tão próprios da casuística confessional, cada vez
está mais acirrado, assumindo as proporções de um retumbante e completo
cisma. Incidentes da última hora o parecem confirmar, como esse da festa
de Joana d' Are, há poucos dias, em que as falanges integralistas tiveram a
peito realizar manifestação própria, desfilando e constituindo, separada­
mente "o cortej o tradicional". O propósito de desquite para com os partidá­
rios de Roma foi tão manifesto, tão despicado o intuito, que a autoridade
diocesana se viu obrigada a adoptar medidas disciplinares contra os alunos
dos institutos católicos que formaram sob os estandartes de M aurras,
expulsando uns e excluindo temporariamente outros.
Por outro lado, o protesto que os dirigentes da A ction Française ende­
reçaram à Santa Sé, repudiando como infundamentadas as heresias e enor­
midades que o cardeal Andrieu lhes atribuiu: "Deus está proibido de entrar
nos nossos observatórios; a A ction Française leva o seu absolutismo até
reclamar o restabelecimento da escravatura", esse protesto foi devolvido
pura e simplesmente e reenviado ao Núncio Apostólico de França para que
lhe desse destino, outra vez remetido à procedência, sem outra vénia nem
outras explicações que um lacónico non possumus.
Os dois campos opostos já entraram em colisão, não só na imprensa
como à porta dos templos e dentro dos próprios templos. Insultam-se,
apupam-se, bate m-se , e no seio das famílias católicas lavra a sizania e a
confusão. Em que consiste o conflito, no seu aspecto mais exterior? Aí, por
alturas de Setembro passado, monsenhor Andrieu, cardeal de Bordéus,
publicava uma pastorli.l, pronunciando as doutrinas de Maurras como
ímpias e perigosas. Repudiou com olímpica sobranceria o fundador da

13
A ction Françoise, que, imprevistamente, após o consistório de Dezem­
bro, se viu fulminado pelo Papa e a sua obra e a sua gazeta postas no Index.
O caso passava do domínio especulativo para o domínio prático,
complicando-se consideravelmente. A excomunhão fora motivada pela ati­
tude facciosa do j ornal, as críticas amargas a Pio XI, o orgulho imoderado
de levar a discussão para o terreno dos princípios, colocando-se no mesmo
plano que o vigário de Cristo. A A ction Françoise, longe de escutar a
advertência, persistiu naquela atitude que os teólogos cominam de diabó­
lica, defendendo a sua boa-fé e o direito da divisa: politique d'abord. Foi
então que o episcopado saiu a barra com uma declaração explicativa, onde
as doutrinas de Maurras eram examinadas e justificada a medida da Santa
Sé. Segundo esse documento, a condenação da A ction Françoise é justa,
porque esta escola reconhece por mentores homens que, mercê dos seus
escritos, estão em contradição com a fé e moral católica, e ainda porque
assenta em erros fundamentais dos quais resulta o que o Sumo Pontífice
chamou sistema religioso moral e social, inconciliável com o dogma e a
moral. Professam, além disso, os chefes desta escola um nacionalismo inte­
gral, que, no fundo, não é mais que uma concepção pagã do Estado, onde a
Igrej a só tem lugar como sustentáculo da ·ordem e não como organismo
divino, independente, encarregado de dirigir as almas para um fim sobrena­
tural. Deixam, assim, no escuro, um lado inteiro da moral católica, precisa­
mente aquele em que reside o seu aspecto benéfico, doçura, caridade,
moderação, beneficência, apostolado dos humildes, virtudes estas a que
não aludem sequer. A mocidade, orientada nestes princípios, visiona um
método de acção que não o católico e a máxima inaceitável "Política pri­
meiro que tudo" condu-la para objectivos distantes do ideal religioso. Esta
actividade, que devia ser prudentemente encaminhada, os pensadores da
A ction Françoise educam-na de modo a realizar "por todos os meios", uma
obra política. Por todos os meios!, fórmula que a mor:al reprova, quando
expressa sem nenhuma restrição, inadmissível para a consciência cristã.
Pretender que o Papa exorbitou das suas atribuições é dar prova de igno­
rância ou, por espírito de faccionismo, não ligar crédito às consultas irrisó­
rias de teólogos anónimos. E bispos franceses receiam afirmar; protestar
contra a condenação infligida pelo Papa ou recusar submeter-se a ela, e
insurgir-se abertamente contra o exercício legítimo da soberania e do Pontí­
fice Romano. Poder-se-ia acreditar que tudo o que se move contra a A ction
Françoise se move contra a França? P oderiam permitir que, por interesse
político, um grupo qualquer açambarcasse o patriotismo em seu proveito e
o negasse aos bispos franceses e aos católicos de França, fiéis à obediência
que devem ao Papa? Não; não há conflito entre a submissão à Igrej a e o
dever patriótico. Dizer, como já alguém ousou, que no caso presente a
submissão ao Papa equivaleria a um parricídio para com a França é um
erro e uma injúria; e igualmente uma culpável manobra.

14
E o episcopado terminava a sua circular dizendo que "não seria possí­
vel dissociar, sem causar dano a uma e a outra, a Igreja romana e a pátria
fra ncesa".
A este libelo respondeu a Action Françoise, salt ando a pés juntos sobre
a decisão papal, e, reivindicando, numa linguagem cada vez mais peremptória
e palpitante de rebeld ia, a liberdade no campo político. E a questão está
neste pé: de um lado o arraial da A ction Françoise, com tudo o que há de
mais activo e mais ardoroso no campo católico, compreendendo a moci­
dade das escolas; do outro, os fiéis sequazes de Roma com o alto clero, o
professorado e todos aqueles que pactuam com a República. Chegar-se-á
ao cisma caracterizado, ressurgindo do combate dos dois absolutismos um
novo janse nismo?
Há quem veja na condenação da A ction Françoise um dos actos de um
longo e concertado plano que Roma se propõe realizar. Esse plano consisti­
ria em ser útil à Alemanha, abatendo a facção que tem no seu programa este
princípio: "Só nos convém, a nós franceses, uma Alemanha pobre, esfran­
galhada e anárquica. Todo o nosso sentido político se deve aplicar em
fazer-lhe o mais mal possível." Destroçando esta falange chauvinista e
implacável, ficaria desobstruído, sobremaneira, o caminho para uni enten­
dimento entre a França e a Alemanha, e daí possível a uma unificação desta
com a Á ustria. O Vaticano, pela sua política, teria conquistado os países de
raça germânica ao catolicismo. Os que assim raciocinam apresentam como
argumento o facto da Concordata que está em estudo entre o Reich e a
Santa Sé.
O Vaticano, dando o golpe de morte nos piores inimigos da República,
conciliaria, outrossim, as boas graças do regime e particularmente dos seus
homens mais representativos, como Briand, enxovalhado, denegrido, tra­
tado a ferro e fogo pela A ction Françoise. Sem a hostilidade da República,
o Vaticano criaria em França um grande partido católico, que não tardaria
em ser senhor do Poder. A República entraria, de resto, desde já, na via das
concessões, permitindo o regresso dos congreganistas.
Em apoio desta hipótese, cita-se a atitude de muitos socialistas e repu­
blicanos, para quem as medidas de excepção votadas em 1 90 I e 1 904 estão
em formal contradição com os princípios hoje professados, da democracia;
citam-se as relações de simpatia entre Briand e os representantes do
papado; certos documentos interceptados; a linguagem de manifestos,
como este dos A ntigos combatentes religiosos.
" . . . Se Combes voltasse, Brisson, Waldeck-Rousseau e todos os que
votaram as "leis infames" verificariam a falência dessas leis e o germinal
prodigioso de mosteiros na terra que julgavam para sempre purgada do
"escalracho" religioso. Como a cortiça que parece desaparecer no redemoi­
nho e que, instantes depois, reaparece na crista das ondas, teriam que
confessar que o frade é insubmersível. As vítimas de 1 90 1 vivem ainda; as de

15
1 904, no dia em que decidirem reocupar o lugar de que foram expulsas,
volverão a continuar a lição interrompida há vinte anos. A obra nefasta do
combismo está aniquilada e a experiência religiosa destes dois últimos anos
ensinou aos católicos como se alcança a vitória."
Despertou, sem dúvida, nos horizontes da política republicana, o pen­
samento de restituir a Congregação à sua jurisprudência antiga. Com isso
comprou Briand a seus pares a condenação da A ction Françoise, dizem os
inimigos da esquerda: o pretexto de que é violenta e ímpia não passa de
hipocrisia. Porque não condenou o Vaticano o Fascismo, cem vezes mais
violento e criminoso? Não, a intervenção da Santa Sé contra a A ction
Françoise é pura manigância política detrás da qual não é difícil descortinar
o móbil dominador da Igreja.

O SÉCULO, 17-5-1927

16
HORA DE LINDBERG

Este voo do aviador americano é comparável a um delicioso conto de


fadas, contado à cabeceira de uma criança, digamos, com o seu bocado de
febre e nervosa. Admitindo esta que o mundo, com presunção a civilizado,
anda doente e que os homens - na frase de Anatole France - não passam
de meninos, ocupados ainda e sempre com histórias da carochinha. Nada
falta a Lindberg para ser o príncipe encantado : é loiro, de um loiro de trigo
a ceifar, magro e alto, e até é originário da terra dos fiordes e vikings. Tem
uma mãe sábia, doutoral, com os olhos inteligentes escondidos por detrás
duns aros de tartaruga, que devia ser a possuidora da varinha de condão. E
consta - pois que a vida do bom rapaz foi desvendada até à fibra mais
íntima- que não bebe, não fuma e é donzel. Veio de Nova Iorque a Pa­
ris no seu aeroplano, tão irreal e perfeitamente como um gnomo a cavalo
no pau duma vassoira, sem mostrar fadiga nem espanto. Imagine-se ainda
tudo o que há de raro em Paris atropelando-se no Bourget, as mais lindas
mulheres, os primeiros gentis-homens, os ministros, e ter-se-á o último
episódio do conto de fadas: a corte de um grande e magnífico rei a esperá­
-lo, jubilosa e assombrada.
É, pois, Lindberg o príncipe formoso, com que as meninas sonham, e a
história há-de acabar, como é de lei, por o herói receber a mão de uma linda
e opulenta princesa, que aqui será dos dólares, cumulado de presentes,
nababo já. De facto, este atrevido mancebo resolveu de uma maneira defini­
tiva o problema financeiro da vida. Além dos 25 000 dólares que estavam
em hasta, dos 50 000 francos que lhe deu o Matin para se deixar entrevistar,
dos 1 50 000 francos que lhe enviou M adame Deutsche de la Meurthe, como
alvíssaras, já os fantásticos empresários da América o disputam a paradas
de milhões, apenas para o exibirem ao público dos seus teatros e music­
-halls.

17
Que vai fazer o doido voador de todo este capital? A esta hora, nem ele
sabe. Por agora, contentou-se em tirar dele as centenas de francos necessá­
rias para comprar um fato e sapatos de cidade, envergonhado como parecia
no terno que lhe emprestou o embaixador. Amanhã montará provavel­
mente com o dinheiro o Spirit St-Louis, uma fábrica de aeroplanos de
bombardeamento. É assim a vida!_
Raciocinando pausadamente, afigura-se-me legítimo perguntar se toda
esta algazarra, todo este galardão não são exorbitados e destemperados.
Vejamos-, acima de tudo, que arriscou ele? A vida. Mas a vida arrisca-a
muita gente, todos os dias, deliberadamente, e, na maioria dos casos, nin­
guém liga atenção ao sacrifício. Arrisca-se por uma bagatela, por galanta­
ria, por dever ou profissão e até por uma vontade consciente e facultativa de
fazer o bem. Os tempos de hoje estão cheios destes heroísmos anónimos,
que não transpiram para as gazetas. Em j ogar a vida, Lindberg não fez mais
que centenas, milhares de homens do vasto mundo por cada hora que
passa. Depois, este Galaaz do ar não tem outros ligamentos fortes à existên­
cia que não sej am viver a vida por si. Não é pouco, com certeza, maior,
porém, seria essa força, em que vem quebrar-se o espírito da aventura, se a
sua acção estivesse subordinada à existência de outros seres, filhos a que é
preciso ainda dar o pão de cada dia, uma mulher muito amada ou a que o
braço do homem é esteio indispensável. O aviador, neste particular, é autó­
nomo. A mãe é uma sadia e diligente senhora, segura da sua independência,
mercê da profissão que exerce, e decerto com pé.- de- meia para a velhi­
ce, como boa americana que é. O desafio à morte representa, pois, para
Lindberg um passo de responsabilidade unipessoal, mais nada.
Praticou uma esplêndida proeza? Incontestavelmente. Mas não foi
menos garbo�o o mágico que foi ao povo, o trepador que _ficou a trinta
metros do cume do Himalaia, Peniel d'Oisy, quando há pouco foi pousar
num voo inquebrantável, cerca do Afeganistão. Em matéria de alta galhar­
dia, o homem moderno deixa a perder de vista os demiurgos de H omero.
Realizou descoberta ou feito assinalado no domínio da ciência? De
modo algum. Atribuem-lhe o sentido da direcção para explicar este salto
transoceânico de 6000 quilómetros, sem outro aparelho que o compasso
magnético e cartas ao milionésimo. Ao contrário de Nungesser e Coli, não
transportava na carlinga esses instrumentos aperfeiçoados de aeronáutica,
mediante os quais será amanhã uma realidade o voo por cima dos mares.
Sob esse ponto de vista, a sua façanha é menos interessante que a de Gago
Coutinho e Sacadura Cabral ou que a desse Zepelin que partiu de Berlim e
aportou, nos Estados Unidos, ao "hangar" que lhe estava destinado, tão
cientificamente exacto como um navio da H amburg-Amerika-Line. Muniu­
-se apenas de uma agulha de marear, que, por muito bem compensada que
seja, deixa em branco uma larga margem à estimativa, que é, como quem
diz, à sorte. Oa navegantes do século XVI, ainda- andavam a palpar o

18
mundo, já levavam o astrolábio. Por este lado, o voo de Lindberg remonta
muito além do tempo das caravelas. E tanto é assim que não é intento seu
regressar à sua terra pela via dos ares. Em iguais condições, ninguém apa­
rece a repetir o cometimento. Antes de o ver pousar nos arrabaldes de Paris,
os práticos sorriam. Só a multidão dava o seu consenso ao doido voador. A
ciência nada ficou a dever, por conseguinte, a Lindberg. Supondo que sou
homem para arriscar os meus capitais em empresas desta envergadura ou
que sou apenas, um espírito especulativo, fiquei sabendo que houve um
motor de tal marca que aguenta trinta e seis horas no ar sem um desfaleci­
mento nem uma quebra. Mas tal facto não me garante que posso ir amanhã
à América, em igual espaço de tempo, se assim me der a gana. Só um
concurso de circunstâncias, provável, mas muito hipoteticamente fortuito,
me permitiria realizar tal capricho ou necessidade.
Não bati palmas, portanto, porque se me depare a certeza de poder ir à
América em trinta e seis horas. Que me entusiasmou, até me virem quase as
lágrimas aos olhos, e a muita gente como eu, neste voo inaudito? O maravi­
lhoso que encerra, o lindo conto de fadas de Lindberg nos veio contar.
Porque ao seu voo de Nova Iorque a Paris faltou lógica, realidade científica e
lhe falta lendemain ; porque a sua intrepidez, a sua adolescência, o seu
desprezo da vida, a força do seu braço e a rijeza do seu ânimo raramente se
encontram associados; porque a fortuna o bafej ou como só nos tempos
homéricos aos homens filhos de deuses, aplaudimos e toda a nossa alma de
criaturas prosaicas, dobradas cada uma sobre o seu duro problema, se
encheu de assombro.
Se, friamente, nos puséssemos a comparar Lindberg com os heróis da
antiguidade, loucos como ele e mais desinteressados, o aviador ficaria dimi­
nuído. Mas nós temos ali em carne e osso, palpável, o príncipe legendário,
enchendo as gazetas com a sua pessoa, arrastando multidões inteiras atrás
dos seus passos, e os outros são cinza sepulcral ao vento ou imaginação
pura. A humanidade, como grande criança, dorida e febril, estes rasgos de
maravilhosos são calmantes clareiras em que lhe é permitido adormecer dos
enovelados pesadelos da existência. É-lhe agradável sonhar, sonhar para lá
do verosímil e do contingente; e mais agradável ainda sentir que o sonho é
vida e realidade.

O SÉCULO, 30-5-1927

19
LUTA DE CLASSES
E DE PARTIDOS

Quem neste momento se desse ao trabalho de buscar o sentido oculto


que rege a política republicana em França iria de encontro a muitos enig­
mas, para que não é fácil descobrir uma explicação satisfatória. Aparente­
mente as forças do poder preocupam-se com varrer campo, limpá-lo dos
seus adversários mais encarniçados, os extremistas do comunismo e os
extremistas da A ction Françoise. Para cada um a sua táctica. A estes o
processo homeopático da similia similibus curantur, provocando a sua
desagregação no próprio seio da massa católica e monárquica, mercê de um
conchavo feito com Roma; àqueles a batalha campal, estrondosa com a
imprensa conservadora a pregar a guerra santa, e os melhores oradores a
instaurarem-lhes o processo do alto da tribuna das Câmaras. Tudo isto
porque constituam os dois partidos uma ameaça séria para as instituições?
Decerto que não; nem conjugando os esforços - hipótese absurda -
aqueles partidos disporiam de elementos suficientes para derrubar o sólido
edifício da democracia francesa. Por enquanto, pode dizer-se desta, em
forma de paráfrase, a divisa apóstola: é uma rocha, assente sobre rocha.
A verdade, porém, é que a sizania continua a corroer nos seus funda­
mentos o integralismo francês, fomentada, diga-se, por um maquiavel da
República e que a campanha contra os comunistas bate o seu auge. Além
do mandato de captura contra militantes notórios deste partido, foram ou
vão ser levantadas as imunidades parlamentares nas Câmaras e a coalizão
dos moderados e conservadores contra eles é facto estabelecido.
Ripostam os comunistas intensificando a organização de células em
todos os organismos do Estado e nas fábricas, e redobrando de propaganda
contra as novas leis militares, contra a baixa dos salários, contra a vida

21
cara, em especial contra a possível intervenção francesa nos negócios da
China e da Rússia.
Ao mesmo tempo lançam uma subscrição pública, que caminha para
os 200 000 francos, e, não descurando o xadrez eleitoral, arrancam no
Aube, contra toda a expectativa, um sufrágio avassalador. Dias antes,
tinham levado a manifestar junto do Muro dos Federados uma multidão
imponente, que deu que reflectir à imprensa conservadora.
Que prognóstico é legítimo fazer acerca deste conflito entre comu­
nismo revolucionário e democracia republicana? Como observador impar­
cial, permitimo-nos supor que nada de grave, nem mesmo de ponderoso,
deva de ser registado, durante estes tempos mais próximos, nos anais da
política francesa.
Certo que o comunismo é uma força organizada, sucessora em linha
recta do Partido S ocialista U nificado tão temeroso e compacto antes de
1 9 1 4. A morte de Jaurés, as vicissitudes inerentes à guerra, alteraram-lhe
profundamente a estrutura, fragmentando-o.
O comunismo foi a corrente que lhe soube herdar a doutrina e os
objectivos. Foi ele que lhe tomou conta da carcassa, a restaurou, a calafetou
de modo a singrar nas águas da política mais turvadas que nunca depois da
guerra. Ligou-se a Moscovo, é facto, e por aqui ofereceu flanco aos adver­
sários. Mas o sovíetismo em si, considerado como regime nacional na
Rússia, não ofende, parece-me bem, o francês. O francês, conservador por
índole, assiste com notável indiferença a estas mutações do cenário político
nos outros países; o francês é um senhor de princípios, até o limite sensato,
mas na sua terra. Desde que o novo estatuto deste ou daquele país não
co i�da com os seus interesses ou não represente para ele uma ameaça, fecha
os olhos. Ora, o bolchevismo tem graves pecados contra o sentimento e
interesse franceses. Além de pactuar com o inimigo em plena guerra - e
não é a ocasião de investigar se levado a isso por motivos de força maior -
negou-se a prestar contas das dívidas contraídas no tempo do czar.
O défaitisme entrou para a rubrica das águas passadas, mas o dinheiro
desfalcado ao honesto e minucioso "pé-de-meia" continua a roer a consciên­
cia francesa. Daqui, o ódio figadal ao bolchevista.
Que os sequazes de Lenine arruinem o poderio inglês na Ásia, que
tenham despedaçado um trono, que tenham subvertido a ordem das classes,
que sejam, ainda, um fermento de dissociação na Europa capitalista e
burguesa, é o menos. A França, pelo sistema como está organizada a pro­
priedade, repartida a riqueza pública, pelo carácter dos seus habitantes, tão
sabiamente rotineiro, pelo próprio antídoto das doutrinas reaccionárias,
tão agitadas no último decénio, numa palavra, pelo somatório de virtudes
ou defeitos que constituem o terrapleno da sua democracia, está vacinada
contra o bolchevismo. Poderá ser amanhã uma realidade na Alemanha ou
na Inglaterra, será ainda uma hipótese em França. A mediocridade da vi-

22
da em que se compraz a maioria dos seus habitantes torna-a imune ao peri­
goso vírus; o· que não perdoa aos "sovietes" é terem-na defraudado na
sua épargne.
Escrevia um economista que o francês é visceralmente épicier. Como
bom merceeiro, não transige mais com o cliente que uma vez o caloteou. Se
puder, endivida-se para levar o indelicado à cadeia. Assim procedeu a
França, financiando a contra-revolução dos Vrangel e Koltschak.
O comunismo francês não renegou as doutrinas de Moscovo, que eram
mutatis mutandis, letra expressa no programa do Partido S ocialista U nifi­
cado, seu ascendente. Renegá-las seria votar a sua falência. Por aqui, acar­
retou a aversão e as iras dos elementos conservadores de França.
Constituirá o comunismo, pela sua acção nos meios operários da
cidade e do campo, um perigo que urge conjurar? Em verdade, em França,
há classes e, como tal, há luta de classes. Quem levanta a bandeira das suas
reivindicações é o comunismo; quem prega a guerra ao espírito militar, é
ele; quem combate a aventura colonial é ele; quem aguenta a alta de salários
é ainda e sempre ele. Os socialistas, esses são mansos cordeiros, com a
fronte voltada para o redil do Poder. Incómodos, só os comunistas, em
realidade. Comprimido entre forças opostas, estas de revolução, os outros
Maurras, Valois, Taitinger, de reacção, o governo dá mostras de cansaço e
de nervosidade. Sarraut comina e os comunistas respoondem: "Se têm for­
ças, esmaguem-nos !" Os tribunais condenam Daudet a prisão e este bla­
sona: "Venham prender-me! " Afirma o comunismo: "Caminhamos para a
Revolução social"; em Barbentane e todos os dias, na gazeta, o naciona­
lismo integralista anuncia: "O regresso do príncipe está próximo."
Entre estes j ogadores do cabo, a democracia está de perfeita saúde,
mas a vida governamental é árdua e desassossegada. Daí a ofensiva: a um
lado, sinuosa e astuta, a outro, febril e violenta.
Alegam os comunistas que o fito do governo, lançando-se de cabeça
contra eles, e mascarada a votação da lei militar é dar uma ajuda ao
ministério conservador inglês para sair do mau passo que deu cortando com
os "sovietes". Acrescentam ainda que mais tem em vista criar no eleitora­
do um estado de espírito desfavorável ao comunista. Assim será. Quanto a
este presumível objectivo, permito-me registar a opinião que ouvi a um
concierge, rei de Paris e cacique nas suas horas:
- Perseguem o s comunistas! . . . Olhe, são pouco mais que vinte deputa­
dos; nas próximas eleições serão cinquenta. O povo de França, meu caro
senhor, é frondeur.

O SÉCULO, 14-6-1927

23
A CRISE DA LITERATURA

A Academia Francesa que tem tradições de boa madrinha, distribuiu


agora aos afilhados o seu Folar de primavera. Folarzinho modesto, consi­
derado na galette, mesmo assim apetitosa e invejável pelos louros que o
enfeitam. Ao todo 650 fr. , uma ninharia comparada com o cachet que
levanta um pugilista depois de duas murraças nas ventas, e astronomica­
mente distante dos proventos que aufere o aviador que, em maré de sorte,
chegar além de qualquer Taprobana. Em verdade, as letras andam pela rua
da amargura. Ainda se aprende a ler e a escrever nos livros por uma viciosa
costumeira, mas os tempos estão próximos em que será de bom-tom ser
maciçamente aletrado como eram gloriosamente ignaros os fidalgos afon­
sinos. A literatura vai caindo de moda, declinando para a doce e enterne­
cida penumbra em que esmaecem todos os "postiços" do passado. Os
poetas morreram todos tísicos e o prosador que aguente um ou dois anos a
carpintejar um livro, à espera de aura pública ou galardão material, quando
tudo isto se consegue em 36 horas, coitado, ou não sabe o que se passa pelo
mundo, ou não tem o juízo no seu lugar. Em qualquer dos casos, é digno de
lástima. Eu sei que há ainda um outro, patusco, renitentemente romântico,
que tem prazer em lhe apertar a mão; este ou aquele amigo que o considera
"um mágico" para o desculpar; um crápula anónimo que o honra
chamando-lhe malandro, porque lhe não lisonjeia as paixões. Tudo isto é
dinheiro de sardinhas. Quem o vê à sua 111e sa de trabalho, a envelhecer, a
queimar as pestanas, a escrever cada letra com o seu sangue, nesta urdidura
de Penélope que é compor um livro? Noutros tempos, dos Goethe, dos
Musset, dos Garrett, dos Anatole, pois já este pertence a um passado lon­
gínquo, enamoravam-se as mulheres, mariposas atraídas ao resplendor da
flama. A mulher, hoje, prefere o atleta, o homem de acção, o dominador

25
pela força, pela fortuna ou pela audácia, e nisso dá provas de um bom senso
digno de ser celebrado pela cartilha do abade de S alamonde, no capítulo
dos deveres sociais. A glória, a que uns emprestam corpo e encantos de huri
e outros pintam como caveira embonecada de ouropéis, a glória quer-se
com esses mocetões desempenados, ignorantes, como reis de armas, rijos
como búfalos que j ogam o tout pour le tout. O paciente trabalho do génio
que, apenas, da inteligência já não deslumbra ninguém. Não nos engane­
mos; não são os tempos bárbaros que voltam; são outros tempos que vêm.
Melhores? Piores? A humanidade vai seguindo cega o seu caminho, sem
saber para onde vai. Quem poderá dizer que o homem de hoje é mais feliz
que o contemporâneo de César? E que o operário, no regime das oito horas
de trabalho, é menos escravo que um escravo de Roma? Nada escapa à lei
da relatividade, e na evolução das coisas, valores se subvertem e valores
novos se levantam. O livro - é observar as luxuosas produções da livraria
francesa e alemã - vai deixando de ser um manjar para o espírito para se
tornar um objecto de mobiliário, uma linda e fútil bugiganga decorativa. E,
a manter-se este culto imoderado pelo feito de natureza muscular, há-de
acabar por ser uma demonstração de idiotia específica, contra seu autor,
incluindo aqueles a que a nossa mentalidade de hoje chama "honrosas
excepções".
A carreira literária exige um espírito de sacrifício, uma abnegação,
uma demora que não são compatíveis com a nossa época, explosiva a
conceber e a realizar. Da guerra até à data muitos têm ficado pelo caminho,
que é como quem diz, tem mudado de ofício. Alguns, em virtude da veloci­
dade adquirida, oragos com capelania própria, levam ainda a vida rodeada.
São os Bourget, os Bordeaux. Os outros vegetam. A ciência e a indústria,
invadindo o terreno da imaginação, tem-lhes roubado a clientela. Lê-se a
gazeta, não se lê o livro. Ouve-se o haut-parleur, não se lê o guia; escuta-se a
conferência no auscultador da rádio-telefonia, não se lê na revista; vê-se
desenrolar a fita cinematográfica, não se lê a novela. É mais rápida a
apreensão cerebral desta forma e menos esforçada. E - aqui está o para­
doxo - ninguém se importa de avaliar o esforço que cada um despende
para poder entregar-se a este menor esforço. Transitória ou perduravel­
mente, o escritor é vítima desta americanização da vida. Já na Conferência
Internacional do Trabalho, há dias realizada em Genebra, um delegado
filantropo ergueu a voz a interceder pelos trabalhadores intelectuais. Em
verdade, será ele um obreiro necessário na cidade que se ergue? Se lhe
suceder como ao escriba no Renascimento que morreu de morte macaca
debaixo dos prelos, terá em grande parte a sorte que merece. O mundo de
hoje criou-o esse escritor, que está vendo o seu prestígio quebrado. Pedra a
pedra, ele, mais que ninguém, construiu os alicerces da casa nova. Exaltou,
fomentou o culto da acção em prejuízo do culto do espírito, denegriu a sua
própria obra, conspurcou aberrantemente a sua pena e o dom puro do

26
entendimento. Cavava a ruína da inteligência, mas há nada mais egoísta
que um escritor dentro da sua obra, entregue à sua ânsia de arte e de
originalidade?
O que poderá manter-se à tona desta sociedade, cada vez mais mecâ­
nica e febril, é o escritor oficial. Este que é um baluarte da boa ética, fixe em
matéria de pátria, de religião, de política que decanta as virtudes ambientes
do burguês, do banqueiro, do comerciante, que detesta Caliban apenas
porque veste de Cândido, este resiste à avalanche. Constituirá, com leves
alterações, uma geração de novos Tolentinos, a mesa posta das Democra­
cias. Os salões, as academias, os cenáculos, de tempos a tempos, como
alpista aos canários, lhes distribuirão as migalhas do açafate. E salvar-se-á
desta forma, a honra literária do nosso século !
Pois a Academia Francesa laureou agora vários nomes por certo cons­
pícuos, mas ignorados do público. Quem sej am, não sei eu dizer. Mas, sem
dúvida, que são todos partidários da ordem e devotos das virtudes ances­
trais. O primeiro prémio foi conferido ao conde de Pesquidoux, senhor de
grandes terras de vinha e seara no pays d'Armagnac. Foram mais premia­
das sete o bras de história eclesiástica ou religiosa, cinco de contextura
patriótica, duas consagradas à arqueologia, e ainda duas de título incolor.
Quase todas, por conseguinte, obras de proveito e exemplo.
M as não admira tal critério na distinção. A Academia Francesa é um
areópago de letras sãs e morigeradas. Entrou para lá Richepin depois de
muito bater no peito o· penitetme . Admitiu-se lá Anatole com toda a
sua irreverência, com todo o seu demonismo, porque excluído seria
embarretarem-se os ilustres imortais com orelhas de onagro. Mas da justa
craveira são os René Bazin e Louis Bertrand. Como estes, com a crise
presente, vão escasseando, abrem-se as portas da casa de Richelieu a ge­
nerais e altas dignidades eclesiásticas. Porventura, acabarão por ter aí
ingresso os Charpentier, as Miles Lenglen, os Charlots. Está no espírito da
época: não ofende ninguém. É , aliás, a maneira segura de haver ali um
secretário perpétuo, recepção solene às quintas-feiras e os alfaiates conti­
nuarem a cortar uma indumentária que, em esplendor, rivaliza com a dos
marqueses du Roi Solei/.

O SÉCULO, 27-6-1927

27
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CONSAGRA ÇÃO DA LOUCURA

Quando à roda de 1 9 1 2, um desses canhos e fecundos anos antes da


guerra, apareceu na Galeria Bernheim Jeune o primeiro certame futurista, a
algazarra foi grossa e variada. Era o apocalipse, a arte de pernas para o ar,
motivo mais que humano para os velhos consagrados rirem às bandeiras­
-despregadas, os graciosos soltarem as suas chufas, e o honesto burguês,
educado no culto das belas ordenanças, se indignar como se a questão fosse
consigo. Para uns, aquilo não passava de uma facécia de mau gosto, para
outros de uma maluqueira fingida, destinada a desaparecer no dia seguinte,
sem deixar de rasto, esquecendo todos, contra os preceitos mais elementa­
res da sabedoria, que o simulacro da loucura constituía , {>O r vezes, uma
manifestação específica de loucura e que não há fenómeno que não tenha o
seu significado, debaixo da rosa do S ol.
O facto é que na própria tempestade que levantaram à volta, os futuris­
tas colheram ventos para singrar e que não tardou, de um punhado que
eram, verem-se multiplicados, a ponto de formar legião. O escândalo foi­
-lhes tão propício que um pintor espanhol, de talento, Picasso, martirizado
sobre a tela a procurar caminho dentro das fórmulas estabelecidas, se deci­
diu, como diriam os haglográficos, a vender a alma ao diabo. E uma escola
nova, tão iconoclasta como a primeira, despontou nos horizontes de Mont­
parnasse: o cubismo. O seu princípio basilar, como a palavra deixa entrever
e La Palisse depreenderia, é que não há forma que não possa decompor-se
em cubos, cubos sucessivos, cubos sobrepostos, cubos de dimensões varia­
das, segundo o ângulo das superfícies. Daí o poderem representar-se os
corpos por meio de cubos, como H enri Martin e os divisionistas os repre­
sentavam já por meio de pontos - infinitas e caleidoscópicas touches do
pincel. Estes, porém, não faziam que variar, exagerando, o impressionismo

29
de Renoir e de Monet. Picasso perfilhava a teoria futurista, quanto à anu­
lação dos preceitos estabelecidos, entronizando o cubo como elemento por
excelência da expressão em arte. Como era singular, chocante, pretensa­
mente científica, a nova concepção teve a fortuna qe reunir muitos rapins e
amassadores de greda, relegando os futuristas ao segundo plano da aura
pública. Em realidade, as duas escolas irmanavam-se e pareciam-se como
dois ovos de uma mesma lagartixa. Ambas professavam o mesmo desprezo
profundo pelas noções de natureza técnica, adquiridas em séculos de arte;
ambas realizavam os mesmos prodígios quebra-cabeças só interpretáveis à
luz da hermenêutica individual; não pretendiam como os impressionistas,
baseados na teoria da luz e do ar livre, que não existe cor local, mas que
toda e qualquer cor pode traduzir, com igual propriedade um mesmo
objecto. Linhas, volumes, perspectivas, quebravam o caixilho em que a
geometria parecia tê-las encerrado, de acordo com as leis do bom senso,
para fabularem interpretações fantásticas, de movimento, de apreensão
visual, até de interacção de ideias. Abolido o desenho, a cromática e, pode
dizer-se, as três dimensões, futurismo e cubismo tiveram o condão de se­
duzir todos aqueles para quem a arte é um duro e inglorioso calvário.
Traziam-lhes a alforria das escolas e academias, libertavam-nos de toda a
sintaxe, davam ao diabo o bom gosto e o sentido das proporções, acabavam
com o desenho - esse dente de cão das belas-artes. Eram como o cristia­
nismo que vinha emancipar os escravos numa Roma convencional e despó­
tica. Tudo podia ser pintor e escultor, com tintas, pincéis e barro, como
toda a gente podia ser músico com uma pianola em casa. Os pobres rapins,
os pobres amassadores de greda eram, de facto, tocadores de pianola.
Alguns eram-no convictamente e punham toda a alma nas locubrações
infantis que trà ziam a lume; outros, arteiramente, visavam apenas, ao êxito
ruidoso de curiosidade ou ainda de mofa com que eram coroadas as mais
exóticas e abracadabrantes exibições. Na sua bandeira havia uma divisa
grata às pessoas que não gostam de chá fervido: ser original. Em verdade, as
artes a corrompiam no mais completo marasmo; o estilo, em que o estado e
a gente de bom-tom cristalizara o seu gosto, era o pompier: uns iam ao
passado e pintavam, sem nenhum respeito para com a época, com os pincéis
de Velasquez ou de Franz H alls, outros remontavam mais longe ainda e
tentavam-se pelo egípcio, o bisantino, e tutti quanti. Futuristas e cubistas,
esses pressupunham-se artistas do seu tempo, e· conhecedores da física, da
mecânica e psicologia modernas, sentindo e traduzindo um comboio lan­
çado em bólide através da noite escura; interpretando um cérebro moderno,
cheio de números, de desej os, de minhocas: procurando a dinâmica das
coisas no seu plano primário. E foi a loucura acabada e a anarquia nos
arraiais da arte.
Mas a epidemia grassara com muita intensidade para não contagiar o
público. O marchand entreviu o negócio e tratou de explorá-lo. Ofuscados,

30
os milionários da América deixaram-se captar pela arte audaciosa, pregada
por teóricos de verbo embaídos; e compraram metros e metros de tela para
forrar determinados metros de parede; o burguês, das Europas, por seu
lado, acabou, também, por desdenhar da mercadoria bota-de-elástico, com re­
ceio de não ser moderno, e na galeria de bonecos pendurou o mamarracho
cubista. Em 1 920, o terceiro andar do palácio do Kronprinz, ,eni Berlim,
convertido em museu, abarrotava de pinturas e estatuária cubista e futu­
rista. Não se sabe do galardão material que tiraram desta indústria todos
os seus inventores. Picasso, segundo é corrente, possui Rolls- Royce e um
palácio para o Bosque de Bolonha.
A esta hora, futurismo e cubismo morreram no domínio da arte pura.
Voltam a raiar os ídolos antigos e a dar leis as academias. Os rapins e
amassadores de greda regressaram ao desespero e sacrifício ingente de cria­
dores. Mas perderam os dois estilos apocalípticos, explorados pela indús­
tria de arte e arquitectura de bazar e bo1te de nuit. Os estabelecimentos que,
dia a dia, vão abrindo na parte nova do Boulevard H aussmann, ostentam a
fachada mais ortodoxamente cubista; cubista é a grande marquise das Gale­
rias Lafayette; nos cafés, o pincel futurista fartou-se de pintar o mono. E,
no Salão dos Artistas decoradores, joalharia, vidraria, marcenaria lançam­
-se afoitamente nos trilhos lançados pelos t e míveis inovadores.
É a grande moda comercial; tem o encanto da novidade; amanhã
aparecerá aos olhos cansados de a ver, como uma aberração do gosto na
hora de desvario que vamos atravessando.

O SÉCULO, 27-6-1927

31
A ABADIA DE S. DENIS

S. Denis está deserto. Baixam ali as aves migratórias. Cresce erva nos
altares despedaçados - assim exclamava Chateaubriand com aquele ênfase
e exagero românticos, perante os quais o mundo se embasbacava. Em
verdade da sumptuosa abadia, considerada como "hospedaria dos papas"
tantos pontífices ali buscaram asilo, pouco mais resta que a catedral. Os
antigos aposentos reais e o claustro foram adaptados a internatos de meni­
nas, filhas dos oficiais superiores, membros da Legião de H onra, uma
espécie de Odivelas, em que só falta a cela da madre Paula, pois que a
comunidade era de freiras de S . Bento. E a catedral, tida como metropoli­
tana das igrejas de França, primogénita da de Reims, se a erva não cresce de
cima das aras partidas, as cem e uma sepulturas de outros tantos reis e
rainhas que, no transcurso de mil anos, reinaram em França, estão vazias, e
não são mais que espécies de museu. Bandos de misses esgrouviadas passam
por entre elas, do brando um breve instante a cabeça, atrás de um guarda
que, em voz matraqueada, repete a lengalenga:
- Voilà, mesdames et messieurs, /e tombeau de Louis XII, mort en
1513, et d'Anne de Bretagne, son épouse, morte en 1914. En haut, les statues
du roi et de la reine "en altitude de prier", en bas "en altitude de mort".
Remarquez dans les arcades les douze apôtres, traités avec une admirable
variété: aux quatre coins, les vertus cardinales assises: la Justice (l'épée a
disparu), la Force tenan t une colonne entre ses bras, la Tempérance et la
Prudence dont /e miroir a disparu. Maintenant, mesdames et messieurs . . .
E d e todos aqueles t úmulos, finamente lavrados, das estátuas j acentes,
que representam o defunto adormecido, mas com os olhos abertos, signifi­
cando a esperança de que gozem da luz perpétua, voltados a Oriente, pois
33
que um dia novo sol se erguerá sobre as cinzas confiadas à terra, não
dimana o sentimento que se está folheando a história de França, nem se
exala um sopro melancólico de morte. Tudo aquilo revestiu um aspecto
objectivo, baedecker e nem a luz coada pelos vitrais, acariciando e envol­
vendo a penumbra veludosa, nem a unção mística do gótico, conseguem
arrastar o espírito para lá das simples curiosidades. Encerra mais mistério a
rude "terra santa", da aldeia; e se é inútil procurar ali a noção do nada
humano, a própria frialdade da pedra parece arrefecer nossos olhos para
lhe sentir a magnificência e beleza. O terrível prosaísmo de hoje, a obra de
série, o convencional de tudo aquilo seca nossas almas para a emoção e é
com indiferença que se passa diante da coluna de Francisco II, obra de
Primatício, com os três génios, de Germano Pilon, ao entablamento, em
cuj o cimo um vaso de prata guardava o coração do rei; diante da rainha
Berta, dos pés grandes, mãe de Carlos Magno, deitada ao lado de Pepino, o
Breve; de Ermentruda, primeira mulher do imperador Carlos, o Calvo, que
ali elegeu campa e doou à abadia, entre outros objectos raros, um prego do
santo lenho, um espinho da Coroa do Senhor, e a lanterna de Judas, em
cristal de rocha; de tantos príncipes merovíngios de longa cabeleira; de
Fredegonda, filha de Chilperico, desenhada sobre a estela a mosaico de
mármore e fio de cobre. Lá está a auriflana, que, segundo a legenda, um
anj o troux era do Céu para o baptismo de Clóvis I, atrás da qual os franceses
se lançavam à batalha, gritando: montjoie-Saint-Denys. É vermelha, estre­
lada de rosas, esquartelada pela cruz branca dos cruzados, com o crisma de
Constantino a servir-lhe de timbre. Mas ninguém dirá, já ninguém diz que
aquele estofo de seda é o mesmo que pairou sobre a vitória de Bouvines !
Aos emblemas a ntigos, o cardeal Amette acrescentou a imagem do Sagrado
Coração de Jesus, e parece novo, em folha, um estandarte das Filhas de
Maria.
No coro pequeno, chamado confession de Saint-Denis, em que um
altar gizado por Violet- Le-Duc veio substituir a mesa de mármore preto,
cravejada de pedras preciosas, sobre que estadeavam os três célebres relicá­
rios de Santo Elói, há uma outra atmosfera, sente-se, pela primeira vez,
uma dolente atmosfera do passado. Ali descansava, a partir do século
XVII, o ataúde real quarenta dias, antes de ser inumado na cripta; ali,
quarenta dias e quarenta noites, sem interrupção, lhe rezavam as diferentes
ordens o ofício de corpo presente. A pompa com que era conduzido à
abadia rivalizava com a da sagração de Reims. O cortej o fazia o trajecto de
Paris a Saint-Denis, de noite, à luz dos archotes, e nele formavam, precedi­
dos pelos arautos de todas as honras de França e vinte e quatro porteiros da
capital, trajados de roxo ou preto, as ordens monásticas, co nfrarias, fidal­
gos da casa real, grandes do reino, príncipes de sangue, parlamento com
suas togas vermelhas, o Chatelet, etc. O féretro vinha a braços dos han­
nouars ou briseurs de sei, tão envoltos pela tapeçaria negra que escorria do

34
cai�ão por cima deles que se lhes não via os pés. Atrás marchava a cavalo o
arcebispo de Paris; ladeando o cortejo, a guarda suíça e francesa.
Saía a receber o real defunto o prior dos beneditinos com toda a
comunidade; revestida de alba e casula de veludo preto. E aos acentos do
Libera-me era depositado no coro pequeno, em celário ordenado de vés­
pera. Ao cabo de quarenta dias de câmara ardente, era finalmente descido
ao carneiro, com um cerimonial todo idade média. Ao chegarem à porta de
bronze, de três chaves, depois da pazada de terra simbólica, uma voz lúgu•
bre saía de dentro. Era um rei de armas que chamava os arautos, um por
um. E, um por um, os arautos vinham, despiam as cotas de armas, traziam
os esporins, os guantes, o escudo e o elmo do monarca. Depois eram os
camaristas que vinham depor as insígnias reais e os dignitários que quebra­
vam a vara da sua dignidade. Finalmente a voz lúgubre do arauto tornava a
repercutir no carneiro por três vezes: le roi est mort! E ao cabo de uma
grande pausa, dizia! priez Dieu pour l'âme de luy. Inclinavam-se todas as
bandeiras, menos o estandarte de França, para mostrar que a França, essa,
não morre.
Mas, subitamente, saía o rei de armas do j azigo bradando alacremente:
Vive le roi l-Cem arautos repetiam: vive le roi! e as bandeiras erguiam-se e as
fanfarras despediam uma ária triunfal.
O defunto era depositado à porta do sarcófago, da parte de dentro,
como de guarda à necrópole; e só à chegada de outra, a tumba era levada
para o seu lugar definitivo, sobre cachorros de bronze.
Mas outras cerimónias, menos fúnebres, tinham lugar na abadia. Se
em Reims eram sagrados os reis, ali foram coroadas muitas rainhas, aquela
Berta dos pés grandes, Isabel do Hainaut, Leonor de Á ustria e a sumptuosa
Maria de Médicis. Aj oelhada perante o altar-mor, depois da vigília ritual, a
rainha recebia, à altura do ofertório na missa rezada pelo dom prior, os
santos óleos e a comunhão. Os três maiores do reino entregavam-lhe em
seguida o ceptro, a vara de justiça, o anel e o diadema. E logo se erguiam
três damas da corte, cada uma com a oferenda simbólica, que depunham
nas mãos da dama de honor: dois pães, um prateado, outro dourado; dois
pichéis de vinho, revestido um de folhas de oiro, outro de folhas de prata;
um círio branco com treze besantes de oiro.
Tocavam os sinos, o grito jubiloso de noel, noel, corria pelas naves:
estava realizado o casamento. A rainha passava a noite nupcial na abadia
com o augusto esposo, para entrar no dia seguinte, com grande aparato, na
boa cidade de Paris.
Do século XIII ao século XVIII, a basílica de S. Denis aparece asso­
ciada aos grandes acontecimentos da história de França. Ali vinham os reis
erguer a auriflama, antes de partirem em guerra. Joana de Are, depois da
malograda investida de Carlos VII contra Paris, ali depôs as armas em
ex-voto: pour cela qu'à Saint Denys ait le vrai cry de France! No seu

35
altar-mor, abjurou Henrique IV o protestantismo, e assistiu ao coroamento
de Maria de Médicis, um dia antes de morrer. E foi do seu púlpito rendado
que Bossuet pronunciou, em presença de Luís XIV, a oração fúnebre de
Henriqueta de Inglaterra.
Em Julho de 1 793, mediante proposta de Barrere, a Convenção orde­
nou que uma junta procedesse na igrej a de S. Denis ao arresto dos bens e
classificação das obras de arte. Lenoir tomou a direcção dos trabalhos e
dentro em pouco eram esvaziadas cinquenta e uma sepulturas reais nas
naves do templo e cinquenta e sete no carneiro da cripta. Os despojos
mortais eram lançados em duas valas, abertas no cemitério dos Valois,
Capetos a uma banda, B ourbons a outra. O tesouro - de que faziam parte
verdadeiras preciosidades e objectos raros como o fragmento de um cântaro
em alabastro em que Jesus Cristo operara a conversão da água em vinho
nas bodas de C anã, a famosa espada joyuse de Carlos Magno, o olifante de
marfim que pertencera a Roldão - foi disperso pelos museus nacionais e os
relicários de prata e oiro fundidos na Casa da M oeda. A igreja passou a ser,
sucessivamente, templo da Razão; teatro de saltimbancos; armazém de
víveres. M ontj oie-S aint-Denis também fora crismada em Denis-Franciade.
Mas veio o Império e Napoleão, mais faustoso que Luís XIV, ambicio­
nou ter jazigo, digno de si e dos seus. S. Denis, pela tradição real, era o
lugar necessário. E à sua ordem, arquitectos encetaram a restauração do
santuário, cuj o tecto em chumbo fora derretido para balas de artilharia. Ao
mesmo tempo, por baixo do triforium, foi cavado o sarcófago, que devia
ficar desocupado com o advento dos Bourbons. Luís XVIII continuou,
porém, a obra de restauro, fazendo, ainda, exumar na vala do cemitério as
cinzas dos antigos reis e encerrá-los em dois ossuários no caveau de
Turenne, desde o rei Dagoberto a Maria Leczinska. Para o caveau real
foram ainda transportados os despoj os presumíveis de Luís XVI e de Maria
Antonieta, mercê das indicações de um tal Desclozeau, que fizera aquisição
do terreno onde os corpos reais consta terem sido sepultados.
Aqui está: reconstituída por Viollet-le-Duc, a velha catedral já não tem
presa sobre as almas; os túmulos vazios pouco falam à imaginação; os
sarcófagos cheios são como todos os mais podrideros. Uns decénios, e o
panteão glorioso não será mais que um marco miliário perdido na História
de França.

ILUS TRA ÇÃO, 1-7-1927

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D. LEONOR, PRINCESA DE PORTUGAL
E IMPERATRIZ DE ALEMANHA

Ajustado que foi o casamento da infanta D. Leonor, filha de el-rei D.


Duarte, com Frederico III, imperador da Alemanha, despachou este a
Portugal Jacobus M otzus, bacharel em cânones, e Nicolau Lankmann de
Walkeustein, seu capelão, com credenciais para poderem celebrar o matri­
mónio, e conduzir a noiva aos seus estados. Aos dois embaixadores apare­
ceu a terra portuguesa como uma espécie de paraíso terreal, pois
"amadurecia duas vezes o trigo nos campos de Coimbra e aqui e ali
medrava a cana-de-açúcar (!)". Lisboa - edificada por Ulisses em homena­
gem a sua mulher Bana, daí o chamar-se Ulixibana - assombrou-os pela
grandeza, a magnificência dos seus habitantes e o tráfico do seu porto. Um
mês duraram as festas que precederam a partida da infanta, festas que
deixaram a perder de vista tudo o que, no género, rezavam os livros de
cavalaria. No dia em que se realizou a cerimónia do casamento, mediante
procuração está bem de ver, a infanta foi levada da alcáçova para o palácio
de A-par-S. Martinho em cortej o que teve sete passos ou descansos. Em
cada um havia seu estrado, donde ela pôde assistir às musicatas e bailados
que ranchos de cristãos, de moiriscos, de etíopes e naturais das Canárias
(hominos silvestres) vinham fazer em sua honra; onde recebeu preitos dos
burgueses da cidade; onde, por anj os que desciam das j anelas mediante
cordas invisíveis, foi coroada com diadema de ouro e aspergida de péta­
las: accipe flores et rosas ut tu et semen tuum floreatis in terra.
Foram servidos opíparos banquetes, lidaram-se touros, correram-se
canas e alcanzias e D. Afonso V, com doze pares, saiu a justar com o
almirante do mar e seus cavaleiros, e foi maravilha de ver, que todos

37
montavam eques velocissimus et saltantes ut capreae himolorum, nomine
genetten. Para conduzir sua irmã, mandou el-rei de Portugal aparelhar uma
galharda e poderosa armada, composta de duas carracas, três naus grandes,
duas pequenas, e duas caravelas, em que embarcou quinhentos homens de
soldo, sob o comando do marquês de Valença. Na nau capitania tomou
lugar a infanta, com as damas de honor, embaixada, o bispo de Coimbra,
um físico, um astrónomo, um doutor catedrático, fidalgos e - para ser
completa a resenha - uma Maria Pasana, donzela quasi virago, fortis,
laboriosa et solicita. Pelos vistos, esta Pasana era uma espécie de mame­
luco, encarregada de velar pela princesa, que devia correr o seu risco no
meio de tão atrevidos gerifaltes. Toda a comitiva estadeava grande fausto,
que aos cavaleiros distribuíra o marquês de Valença colares de ouro e
esmalte com um ouriço cacheiro no remate, gibões de brocado e roupa de
pano fino, e aos escudeiros gibões de veludo e saios franceses.
Fez-se a frota ao mar a 1 2 de Novembro de 1 452 com vento de mon­
ção. E o bom Lankmann, que de tudo lavrou acta em latim macarrónico,
exclama:
- 6 Portugalia, Portugalia, bana regia; ibi est abundantia panis, vini,
et o/e i bani, et multi fructi arborum, /aranges, cifram, ma/agranata, ficus,
promerente, /emanei, pecara campi, carnes et pisces, mel Zuckarum, in
p/uribus /o eis in canis crescit I 6 Sintria, amenissimus lo cus et hortus regius,
cum parco fluvio, cum banis frutis!
Velejaram sobre Gibraltar e, daí, a Ceuta, onde arribaram, sendo a
imperatriz hóspede do governador durante três dias. Lankmann disse missa
na igreja extramuros, não se esquecendo de falar no admirável palácio que
Aníbal aí mandou construir.
No golfo de Lião, foram surpreendidos pelos piratas, quando navega­
vam dispersos, em pleno nevoeiro. Mas, ao som de buzinas e ao troar das
bombardas, breve se reuniram e, investindo com os argelinos, lhes queima­
ram as naus, e só os não aprisionaram devido a terem saltado para as galés
ligeiras que traziam e fugido a todo o pano. Obrigados pelos ventos furiosos
que sopravam e pelo mar bravo a lançar ferro diante de Marselha viram as
suas naves "saltar nas âncoras como cães nas correntes". Em Nice, quando
procuravam refrescos, deu sobre eles o gentio, suspeitoso de tão temero­
sa armada. Mas vindo à fala, como súbditos de reis cristãos vivendo em
boa paz e amizade, se trocaram cortesias e o mais do que haviam mester.
A I de Fevereiro, finalmente, aportaram a Pisa, onde não tardou a
acorrer uma vistosa embaixada, formada pelo que havia de mais fidalgo,
entre gentis-homens e damas da corte, dos estados vassalos e amigos da
Alemanha. E dali, em grande pompa, se foram a S iena, onde os aguardava
o imperador.
Nem Frederico III, nem a gente, nem a terra agradaram aos portugue­
ses. Lopo da Silveira, que em carta deu a D. Afonso V relação do que viu,

38
acha o imperador unhas de fome e sonso, e a nação facilmente conquistável,
mal adestrada na peleja, e tudo resume, ufanamente, nesta frase:
"O melhor rei do mundo, a melhor terra do mundo, os melhores
homens do mundo, são os de Portugal."
Em apoio, cita que o imperador lhes não mandou dar uma sede de
água, e o viu a regatear com um dos feitores de Cosme de Médicis um pano
de damasquino, na esperança de que viessem a oferecer-lho, como sucedeu.
Em toda a parte, até em Roma, o seu mantão causou pasmo. E, quanto aos
alemães, acha-os abrutalhados no comer e na etiqueta da mesa, quorum
Deus venter est.
De Siena, onde "um valente orador" lhes desej ou as boas-vindas, parti­
ram para Roma receber a bênção papal, "o imperador, trigosamente,
adiante". Estava celebrado o matrimónio, segundo os ritos divinos e huma­
nos, mas, nem assim, Frederico III se ajuntou com a infanta de Portugal.
Lopo da Silveira nota o facto com certa insistência e franqueza, dando
como mal empregada D. Leonor que brilhava entre as mais damas por
segurança e formosura e que era um encanto ver em cota de carmezim, opa
de brocado branco, e rica crespina na cabeça. Em Nápoles, de que era rei
juntamente com Aragão D. Afonso V, tio materno da princesa, se fizeram
esplêndidas e solenes bodas. Os portugueses dançaram bailados moiriscos e
a chacota, marcada pela própria D. Leonor, com grande aprazimento de
todos. E numa dessas noites se consumou, à moda alemã, depois de impre­
vistas peripécias, a cerimónia do himeneu. Á ulicos, e açafatas levaram
imperador e imperatriz ao tálamo real e, vestidos, os lançaram debaixo das
roupas.
E, eles, beij ando-se, se apartaram cada um para sua alcova. A mando
do imperador, volveram dois condes a buscar Leonor.
- Que não ia - respondeu ela.
Seis mensagens lhe enviou sucessivamente o esposo, até que desenga­
nado, se decidiu ir em pessoa ter com ela. Tinha terminado a missão de
Maria Pasana, aquele querubim sem asas.
Deste consórcio nasceu M aximiliano, o último rei cavaleiro, cuj os
tesouros a República de Á ustria expõe presentemente nas Tolherias.
Interessante a figura deste homem e deste césar! Alto, robusto,
admiravelmente proporcionado, devia seu estranho vigor físico à avó Cim­
burga, que era polaca, enquanto a vivacidade e o espírito romântico lhe
vinham em linha recta da mãe, D. Leonor. Tinha coragem para fazer empa­
lidecer de pavor aos cortesãos. Em Munique entrou na jaula de um leão e
arrancou-lhe a língua; em Ulm deu-se ao desenfado de trepar à flexa da
catedral e, em todo o cimo, na haste delgada, fazer sortes de funâmbulo;
desafiado a combate por Claude de Barre, campeão de França do torneio,
suspendeu as armas de Áustria e de Borgonha ao lado do escudo francês e
venceu-o à espada e à lança.

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Foi grande galanteador e muito benquisto das damas. Maria de Borgo­
nha, filha de Carlos, o Temerário, apaixonara-se por ele, a pontos de dizer:
Maximiliano ou nenhum outro. Augsburgo e Nuremberg passaram por
seus harens favoritos. A adoração extrema que tinha pelas mulheres le­
vou-o um dia a tomar sob a sua protecção as toleradas de Ratisbona.
À s próprias peças de artilharia punha nomes femininos: a bela Semira­
mis, a bela Elena, a bela Medeia, Dido, Tisbê.
Praticava todas as artes e ciências e ele próprio ditou, de sua lavra, aos
secretários, tratados sobre a pesca e a cinegética.
O seu sonho era exceder Júlio César na fama e nos feitos. A si próprio
se deu o título de "senhor das terras a Levante e a Poente".
Foi feliz na guerra e próspero na paz. Cercou-se dos grandes artistas do
seu tempo e, se foi o último paladino medieval foi, também, o primeiro
monarca do Renascimento. A um palaciano, que, no atelier de Dürer,
mostrara relutância em segurar a escada para o pintor subir, disse aspera­
mente: - Está muito longe de valer este homem. Fique sabendo que me
não custa nada fazer um fidalgo de um vilão, mas de um fidalgo fazer um
Dürer, é que não sou capaz!
Era costume seu, ao lado das armas de Espanha, arvorar orgulhosa­
mente as de Portugal. Nele, porventura, palpitava bem desperta, bem
estreme, a alma ardente dos príncipes de A viz.

ILUS TRA ÇÃO, 16-7-1927

N. da R. - Presentemente e até 1 5 de Agosto próximo, no M useu du Jeu de


P aume, nas Tulherias, está patente uma curiosa exposição de arte austríaca, consti­
tuída quase exclusivamente por quadros, esculturas, gravuras, manuscritos e livros,
datando da época de M aximilian o I , fins do século XV. Essa interessante exposição
sugeriu ao nosso colaborador, o brilhante escritor Aquilino Ribeiro, o artigo que
acima publicamos.

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NEVERMORE

Chove. Chove mansamente, incansavelmente, como se o céu o bede­


cesse à missão disciplinada de esvaziar-se sobre a terra. Não sopra vento;
são bátegas doces, uma só bátega desde manhã a sol-pôr, caindo em cordas
verticais, inconsoláveis e morosas como um chorar em fio. Afinal é o
Inverno que chega com o rompante natural, a segurança de um comboio
que entra nas agulhas. Já a terra está coberta de verde, este verde inalterá­
vel, sem tons, feito das fibrilhas do centeio, da erva e de tudo o que há de
mais humilde no reino vegetal. Este verde é o luto da terra. Acertadamente
fixou a folhinha cristã no começo desta quadra, a festa dos mortos. Que não
tivessem outros crepes, tinham os da natureza. Debaixo das duas mor­
talhas, o verde melancólico e a cinza celeste, a obra de consumpção irá
operando-se com um ritmo frio e acelerado. A imaginação pode conceber
esse trabalho de sapa, de desmoronamento, as belas feições que se apagam,
as curvas voluptuosas e as rectas firmes que se partem, as arestas que se
limam, toda esta reversão da estátua a maquette , ao esquisso, ao barco
informe, e a química simples da terra aparece-nos preciosa. A terra a que
votamos um amor filial no nosso j ardim, na nossa fazenda, nos caboucos da
nossa casa, tornou-se hedionda. É o monstro que devora o nosso amor, e,
por uma volta-face sobre nós mesmo, que nos há-de devorar.
O homem, desde as primeiras idades vem deificando tudo; tudo menos
a terra quer na sua noção restrita de solo, quer na sua noção planetária. É
negra, é fria, é feia; alimenta-nos, mas regando-a com o suor do nosso
rosto; encerra o mistério da nossa vida, mas é um laboratório de noj o na
nossa morte.
A lua, solei/ des morts, acalenta a transcendência mística que sobre­
nada do túmulo sobre o mundo; o sol, deus pagão, beij a as campas, brinca

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nos mármores, morde no p ó como se quisesse levar calor aos defuntos
arrefecidos. O sol é inimigo das sombras e pratica a grande obra de miseri­
córdia de tirar o tétrico aos mortos. A terra, nossa mãe, não tem piedade;
nunca foi deusa; santificando-a, riscamos nela o nosso horror.
Aos vivos, que morrem de saudades dos seus mortos, e são uns cere­
brais impenitentes, não lhes servem as lágrimas de consolação. Podem eles
chorar?! Até ao fim do mundo - escreveu no mausoléu de sua amada o rei
inconsolável. Quem pudera gravar na lousa dos seus mortos um adeus tão
longo e, todavia, tão limitado ! Que importavam milhões de milhões de
séculos de apartamento, milhões de milhões de séculos que este planeta
levará até estoirar e afundar-se nos oceanos sidéricos, se N emesis reataria
finalmente o fio quebrado? !
Para os que sofrem à beira de uma sepultura ainda fumegante, as
religiões são um adorável e benigno narcótico. Mas para aqueles em que se
converte u em doce ilusão a crença na vida eterna ou, simplesmente, a
sobrevivência dos espíritos, desesperada é a sua tortura e negro o seu deses­
pero. Decerto que as religiões para entroncarem e cobrirem o mundo de sua
so m bra, lançaram raízes poderosas no seio do homem. A ressurreição deve
ser uma dessas fundas e penetrantes raízes. Para o cristão, para o budista,
para o maometano, a terra não apaga com o seu abafador inelutável a
flama que se acendia, ardia, oscilava ao bafo do nosso amor; a terra é uma
depositária provisória da matéria, a bela matéria que, animada, enchia de
alegria os nossos olhos; devora efemeramente esse efémero, pois que até à
ressurreição dos corpos nos prometem as sapientes teologias. Mas no que
são terminantes é no transporte para habitáculo melhor da entidade sensi­
tiva e racional, numa palavra, do que há de mais possessivo e pessoal em
nós reencontraremos todos; e voltaremos a amar-nos, pois que repugna à
suprema perfectibilidade um restritivo nas volições. Ainda que aéreos,
incorpóreas, intrespassáveis ao ferro, em virtude do dom da clarividência,
próprio dos corpos celestiais, veríamos outra vez floridos e buliçosos os
olhos que deram luz aos nossos olhos e sentiríamos bater quente e regular o
coração que palpitou pelo nosso.
Reduzida a mística do "além", sem se repartir na dualidade assusta­
dora do gozo inefável e do castigo com ranger de dentes, as religiões seriam
admiráveis. Quem não seria religioso?! Que o grande obreiro das religiões
tenha sido o nosso medo para lá da cova, a nossa ignorância da vida, ou a
nossa debilidade perante a força universal, nelas cooperaram certamente
a saudade dos mortos e a esperança de os encontrar. Neste seu génesis
há mais poesia e grandeza que em toda a teodiceia.
Que os espíritos voltam de asas invisíveis a adejar em volta de nossas
cabeças, eu o creio; a inspirar-nos; a falar-nos por vezes; a trazer-nos a terna
imagem. Mas é o nosso próprio espírito que lhes dá personalidade: os
anima; os veste; os vivifica. Não terão menos vida por isso, eu o creio

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também. Mas são fátuos e subitamente apagam-se; porque se apagam
quando a nossa vontade seria que rufiassem, pairassem, não deixassem de
andar connosco? !
O homem tirou os seus mistérios do sofrimento. O sofrimento é
demiurgo e inventou os espectros, as almas penadas, os bons e risonhos
espíritos; l'hôte inconnu dos espiritistas, caprichoso e desconcertante. Ele e
a tristeza ergueram ao céu as catedrais.
Chove; a festa dos defuntos, fiéis e infiéis, já lá vai; a terra vestiu-se
toda de verde, que é o seu luto pesado; o céu cobriu-se de névoa, que são os
seus crepes. O homem desfazer-se-á em pranto dentro de sua alma e de nada
lhe valerá. Nevermore.

ILUS TRA ÇÃO, 16- 11- 1927

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O MUSEU BONNAT
EM BAIONA

Léon Bonnat pertenceu, como pintor, a uma escola que hoje não goza
do favor da crítica suficiente, a escola dos pompiers. Séria injustiça negar­
-lhe, porém, a qualidade de bom retratista, seguro de mão e probo. Mas se a
sua produção de artista não é assombrosa, outro tanto se não pode dizer da
sua obra de coleccionador. Mediante os réditos do seu pincel - Bonnat
fora arvorado em pintor oficial da República Francesa - conseguiu formar
uma galeria que vale, de mão beijada, os seus cem milh ões de francos. Esta
galeria transferiu ele do seu palacete da Place Vintimille, em Paris, para o
edifício adrede construído pela cidade de Baiona, a quem instituiu legatária
universal. Baiona fora a sua terra de berço e que lhe votara uma "bolsa de
estudo" para poder cursar as escolas de Paris e de Roma. Reconhecido por
um lado, bairrista por outro, se não ciente de que as suas colecções, ainda
que principescas, afogar-se-iam no mare magnum de arte que é Paris, tanto
como o seu nome, ou simplesmente reconhecido, porque não, doou à cida­
dezinha basca o invejável recheio de um museu já hoje célebre.
Baiona, que é um burgo de prosápia e de orgulho - nunquam polluta,
reza a sua divisa - que até aqui se gloriava dos tiraços dos seus velhos
muros, da sua pirataria çlesalmada, da sua catedral em gótico setentrional,
do seu rio, da sua ponte do Espírito, dos seus pinhais, do seu chocolate,
aponta hoje ao forasteiro com justo desvanecimento, o museu Bonnat. Ali
se encontram trabalhos assinalados dos grandes mestres, bronze, mármore,
tela, tapeçaria, marfim, mas no que prevalece a muitos museus de grande
fama é a rica e profusa colecção de desenhos. Desde Dürer a lngres há ali
do melhor: Belini, Signareli, Rafael, Leonardo de Vinci, Ticiano, Miguel
Angelo, Rubens, Van Dick, Wateau, Boucher, etc. Muitos anos antes do
legado, B onnat anelava para a sua cidade natal a criação de um museu "em

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que os estudantinhos viessem aprender o que é o Belo". Tal ambição
realizou-a plenamente, tanto o museu Bonnat satisfaz, sobretudo, pelos
seus desenhos e esquissos, à didáctica da arte.
Mas seria estreiteza de entendimento confinar o museu neste papel.
Logo na primeira sala há adoráveis retá bulos primitivos em que sopressai
um suavíssimo Boticelli. E logo noutra, quadros dos melhores mestres
flamengos rivalizam entre si, sendo para notar dois Rembrandt, que
fariam bela figura no Louvre. E que dizer da sala em que está realçada a
pintura inglesa por Reynolds e Lawrence, e a espanhola por dois Grecos,
Duque de Benavente, grande inquisidor, e o Cordial Quiroga, arcebispo de
Toledo, a um lado obras-primas de nobreza, a outro obras-primas de reali­
dade, sem falar nos David, nos Proudhon, nos melhores Ingres que temos
visto? Porventura os seus três Goyas sej am do mais medíocre que tenha
produzido o grande feiticeiro, mas a Asa de Papagaio, de Dürer, em
Aguarela, é um trecho, dentro do seu género, sem igual nas galerias da
Europa.
Notável é ainda a sua colecção de bronzes de Barye, escultor por quem
Bonnat tinha especial predilecção, e para ver e admirar os esmaltes de
Limoges, os mármores antigos e um busto de Miguel Angelo, saído do
atelier do grande mestre. E não são menos preciosas as suas tapeçarias,
urdidas pelos teares de primeira nomeada no Renascimento.
Tudo isto reuniu Bonnat em trinta anos de "antigualha", sóbrio na
vida como um asceta, diligente e calado na sua faina como um castor. E
todavia fica de pé o maravilhoso. Como p ôde, mercê dos proventos da sua
arte, acumular esta riqueza o pintor Bonnat? Decerto que pintou muitos
presidentes da República, vários papas, milionários pródigos e madamas
milionárias, à razão, nunca para baixo, de vinte e cinco mil francos por
cabeça. Não era dos rapins de Montparnasse que se contentam com 200
francos todos os meses no marchand de tableaux. Era um artista meda­
lhado, condecorado, catedrático, à moda no meio oficial, com certa voga
no seu tempo. Porventura que teria a sorte de topar muitas pechinchas no
seu caminho, e que algumas das obras expostas no museu e que ostentam
grandes nomes sejam de uma autenticidade insegura. M as que ganhasse rios
de dinheiro, que pirateasse afortunadamente a torto e a direito, que em
Espanha descobrisse panos de raz a servir, como entre nós, a estendal do
pão nas eiras, fica ainda margem ao extraordinário, aqueles cem a duzentos
milhões de francos que pode valer o escrínio. É sabido, aliás, que um dos
Baryes o pagou por cinquenta mil francos e que o álbum de onde derivam
os seus famosos desenhos de Rembrandt, Rubens e Dürer, o disputou em
hasta pública contra amadores dos dois continentes. Mas este facto dá
ainda relevo à sua crónica de coleccionador.
Bonnat era de família p obre e teve de aceitar dos concidadãos a
mesada de estudos; aos trinta anos comia o beafsteck cozinhado na tripeça

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a álcool do atelier; pela vida fora não j ogou na Bolsa, não especulou em
negócios, não recebeu heranças. Com o produto da sua paleta, apenas,
amealhou aquele tesouro de fadas. O facto é singular e aceitável no meio
protéico de Paris. Fora de Paris, seria uma das histórias que vêm da
América.
Ao vício de coleccionador teria Bonnat sacrificado a sua arte. Esta
passaria ao . segundo plano das paixões. A verdade, todavia, é que se o
pincel o não imortaliza, aí está, enquanto Baiona for Baiona, imortalizado
no bronze com que em plena Place de la Liberté os seus conterrâneos
comemoraram a sua liberdade se não a sua obra.

ILUSTRA ÇÃO, 1- 12- 1927

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CRÓNICA DA QUINZENA

Rezam as Escrituras que foi há mil novecentos e tantos anos . . . Numa


estalagem de Betlem um menino vinha à luz no estábulo, aonde como toda
a gente pobre de burros e atafaias, se acolhera o casal de José e Maria,
enquanto na sala travejada a cipreste ou na cozinha de lajedo se banquetea­
vam rabinos ricos e ventrudos mercadores de Sidon. Quem era o recém­
-na scido, deitado sobre palhas, aquecido ao bafo dos animais? O Redentor.
Para uns era o redentor da Judeia, para outros o redentor do mundo,
finalmente para a sábia e dogmática teologia foi o redentor do género
humano, privado do gozo de Deus, após a culpa de nossos primeiros pais.
A primeira missão era digna de um grande homem, mesmo de um
demiurgo. A Judeia gemia sob o férreo jugo de Roma. Decadentes, avilta­
d o s , miseráve i s , os j u deus n ã o t i n ha m p e r d i d o o s e n t i d o da independência,
pr ó p r io de um p o v o se m i n ó ma d a, e o estrange i ro lhes era insuportável.
Para cúmulo o estra ngei ro d ita va leis em sua casa, ocupava os seus palácios
e fazia sentinela aos seus templos, sacudia-lhes a molície asiática e
desensurrava-os da sordidez em que viviam, crucificava os ladrões dos
caminhos, bastos como gafanhotos, abria aquedutos e estradas, internava
os leprosos, e protegia a viúva e o órfão. O povo arrasa-montanhas revolvia
a terra santa dos patriarcas e esta intrusão salutar era intolerável aos
judeus.
Os partidos, porque outra coisa não eram as seitas de fariseus, sadu­
ceus, essénios, organizadas sob um regime teocrático exploravam este ran­
cor e as manias de autocentrismo a que são atreitos os povos no cativeiro ou
na decadência. Para o hebreu o seu deus era o único, a sua terra a melhor,
as suas leis as mais sábias, o seu sol o mais luminoso, a sua poesia, a sua
literatura, a sua jurisprudência as mais conspícuas do universo. Mares
além, desertos fora, era a terra, o mundo indesejado.

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Quem libertaria o leão da Judeia da férrea jaula romana? Quem lhe
restituiria o pleno gozo dos seus campos pequeninos e de seus oliveis cede­
pados, dos seus guetos piolhentos, de suas cisternas mefíticas, de toda a sua
!azarenta e livre gandaia? E os males, imaginários uns, reais outros, de que
sofriam, eram atribuídos de partido a partido, e as sinagogas, os átrios dos
templos eram lugares de desordem e de confusão. Os Messias pululavam
nas alfurjas e na acidentada terra transj ordânica. Uma voz alucinada, um
gesto heróico, uma linguagem anfibulógica, e haveria sempre turba para
sagrá-lo redentor e levantá-lo nos escudos.
Assim apareceu aos zagais, aos magos em viagem, aos bons paroquia­
nos de Betlem como Messias, esta criança nada em palhas, filha de uma
doce e linda mulher, acalentada pelo hálito dos animais, tudo de acordo
com as profecias. Perdeu-se o menino maravilhoso pelo Egipto, pela vida
fora, até os trinta anos, sem se lhe descobrir outro rasto que a sua contro­
vérsia com os doutores. E aos trinta anos os patriotas não se iludiram
segunda vez: não era aquele o salvador da Judeia.
Salvador do mundo, com a triste e pobre Judeia dentro, o julgaram
meia dúzia de iluminados que o viram pregar às multidões e o viram morrer
no madeiro. A tarefa estava à altura de um deus. Mas Jesus, de teorias
sociais, sabia menos que um operário, hoje, da construção civil, e o mundo
continuou a arrastar-se no meio da dor, da injustiça, da opressão de uns e
miséria dos outros. A divina ética melhorou, mas não resgatou o homem.
Nele e no próprio triunfo e difusão do cristianismo podemos verificar a
falência da moral sob o ponto de vista da emancipação humana.
Assim o teriam observado os santos padres, os teólogos de mente
irrefragável, que do menino de Betlem, e do Cristo morto no patíbulo,
ideavam o mensageiro celeste que veio resgatar o homem da culpa original.
Veio, em suma, ilibar-nos de um crime anterior, criar uma fórmula jurídica
no dominio teológico que era velha na legislação dos mais velhos povos. E a
muitos não se figurará compatível com a altura de um deus a obra de Jesus.
Para Maria, aquela terna madona que os primitivos italianos cobriam
com manto azul e túnica cor-de-rosa, o bambino delicioso era mais que tudo
seu filho amado. As suas lágrimas, ao pé da cruz, eram humildes, correntes,
em bagadas, impregnadas da mesquinha dor humana; para pratearem cons­
cientemente um deus, teriam de ser estrelas; se fossem ainda de uma
patriota, seriam altivas e silenciosas. Mas quem teria ânimo de esflocar a
inefável página de Natal até sacudir a sua fragância recatada? Nasceu o
Menino-Deus em Betlem e é a alegria da multiplicação humana na sua
interpretação mais poética. Cai neve, cai chuva, mas florescem roseirais nas
almas. H ossana!

ILUSTRA ÇÃO, 16-12-1927

50
CR ÓNICA DA QUINZENA

Tentou Alfredo Fouillée uma psicologia dos povos europeus em que o


nosso foi omitido, ou porque o supusesse muito identificado com o espa­
nhol, ou porque lhe não merecesse gastar sabedoria a nossa pequenez. Não
foram, por certo, os meandros da nossa consciência colectiva que o intimi­
daram, nem tão-pouco a penúria de materiais. Um povo que tem perto de
mil anos, que anda associado às mil e uma aventuras do velho continente,
que foi observado por muito homem probo e muito fiel patife das várias
literaturas, que se ufana de uma história composta por frades e alguns
leigos, sem dúvida punha vulto na pedra fria das autópsias. Mas Fouillée,
apesar disto, desdenhou-nos para anima vi/i e não paga a pena investigar
por que carga de água assim procedeu.
Cometeu Oliveira Martins essa empresa, mas, em despeito do seu espí­
rito luminoso, do seu poder de generalizar, o resultado foi menos que
satisfatório. A nosso ver, para trabalho deste tomo, o menos habilitado é a
pessoa de casa. O factor de índole comum, ilaqueando o indivíduo nas suas
mil predisposições, o próprio fenómeno de posição, em virtude do qual se
esbatem e se transformam as coisas constantes para com a nossa perceptibi­
lidade, ser-lhe-ão mais prejudiciais que os mais estreitos antolhos. Como
romancista, poderá surpreender no meio os seus tipos representativos e
dar-lhes uma vida transcendente; como historiador poderá divisar de alto
o sulco que neste ou naquele sentido a nação foi riscando ao longo dos
séculos e das gerações; mas elevar-se à síntese, à clara e suprema síntese,
quanto à psicologia do país natal, é cometimento de que melhor dará conta
o estrangeiro da sua janela distante, desassombrada.
Não tivemos a sina de merecer a um desses magnatas da inteligência
obra tão compendiosa, que, fixando directivas morais e mentais, permitisse

51
conceber o estatuto de uma educação racional para o nosso povo. Não,
nunca fomos pesados em balança decimal, rigorosa, nem mordidos pelo
punção do filósofo. Oiro ou plaqué, ignoramos qual sej a o nosso quilate de
lei. Desde o século XV, porém, que os viajantes enxamearam por esse
Portugal fora, deixando relato do que viram. E muitos deles saíram a
público e raso depor do carácter português. Coligindo, porém, as vozes de
uns e de outros, o que se apura é uma Babel, a dissonância.
Para uns somos um povo triste e melancólico, bêbedo de fado e de
saudade, para outros um povo alegre, sobrenadando gloriosamente acima
das agruras da vida, entre um mar azul e um céu mais azul ainda. Este
tomar-nos-á como uma horda que ergueu tendas, suspendeu as lanças
enferrujadas e deitou ao sol os atafais; aquele como uma raça, estrutural­
mente perfeita, com uma flagrante personalidade. Que somos dotados de
uma imaginação selvagem e de uma infantilidade bárbara; que somos pro­
pensos à charlatanaria, ao culto do ouropel e do palavrão oco e sonoro; que
nada nos é sagrado, e o espiritual em nós é só atitude; que o nosso fundo é
sensualidade e preguiça; que a nossa história é uma bela aventura de piratas
e candongueiros; que os escrúpulos da honra, entre nós, aparelham, por
vezes, com uma amálgama moral inverosímil como só seria possível
encontrá-lo em condotieri e quadrilheiros - e, como estas, infinitas pravi­
dades reportam acerca de nós os viajantes pej orativos. Mas os Pechio, os
Linck, os H offmanseg exclamarão que somos o povo mais idealista do
mundo, doce, brando, sensível, pacífico como uma tribu em regime patriar­
cal, de alma pura e cândida como uma revoada de pombas brancas - e a
cornucópia destas finezas é inesgotável. Os moderados acoimar-nos-ão de
rotineiros, supersticiosos, humildes até à abjecção, honestos posto que
pobres, laboriosos embora incultos, dotados de uma inteligência viva mas
sem constância, volúveis - europeus destemperados pelo sangue negro.
Neste pretório em que falam todas as línguas, onde está a verdade?
E por que são tão discordes?
Auscultar a consciência de um povo é incompreensivelmente mais difí­
cil que a difícil operação de penetrar o eu de um homem. Quem somos? De
onde vimos?
Parece terem assentado os sábios que o povo português é um ramo da
grande família ibérica, tendo adquirido um carácter especial depois que
atingiu a sua maioridade política. O português é o português, o castelhano é
o castelhano. Distinguem-se; mas distinguem-se, como? À primeira vista
distinguem-se p orque o castelhano possui um conjunto de predicados,
acusa um facies próprio que o português não tem. Aparta-se, está certo, do
castelhano, mas as razões deste apartamento estão na carência de qualida­
des, bem definidas naquele. E será assim?
Espraiando os olhos pelo passado, depara-se-nos Castela como um
formidável cunhai de bronze no meio das construções políticas, península-

52
res. Ali veio quebrar-se todo o material humano que j orrou do Norte e das
praias mediterrâneas. Seria o castelhano um descendente de Roma, ou um
aborígene transformado? S eja como for, enquanto o fero homem se robus­
tecia no sentido do seu protoplasma, o português caldeava. Deixara-se já
penetrar de elementos mais ou menos ante-históricos como fenícios e gre­
gos, outros de toda a evidência como cartagineses e romanos, e fundia-se
com bárbaros do Norte, árabes, judeus, e muito sangue negro. Ao brando
sol, num habitat que, pela riqueza da vegetação devia ser muito mais agra­
dável que hoje, essas raças heterogéneas mestiçaram-se . . Mas fazendo-o,
não se fusionaram perfeitamente, não ligaram de verdade, não decantaram;
numa palavra: não depositaram uma alma. E, afora o núcleo serrano das
Beiras e Trás-os-Montes, oásis, porventura de autóctones como Castela, o
que para aí ficou, à beira-mar, nos plainos do centro e do sul, são resíduos
de muitas raças que se traduzem pela variedade de fisionomias que assom­
brava Pechio. Contra o facto de uma instituição política secular, e ainda
contra o facto mais frisante de uma língua própria, redarguirão os pessimis­
tas que uma e outra se explicam por uma actividade colectiva, sem que
intervenham as forças místicas, isodicâmicas de uma alma. Assim existiu
Argel sob o governo dos deis, séculos e séculos, antes da dominação fran­
cesa. E como onde não há raça, não há uniformidade psíquica, daí a desin­
teligência dos forasteiros que escreveram acerca de Portugal.
Tudo isto é o lado sombrio do quadro. A prestar crédito, pelo contrá­
rio, aos nossos p oetas e oradores de comício, a nação lusa constitui uma
família, moldada numa só madre, mimosa de todos os dons da natureza e
da arte. Oxalá tivessem razão estes pompiers en rose. A verdade é que,
mercê de uma consanguinidade adulterada ou vício crónico de educação
- e este poderia considerar-se já um efeito - a consciência do português
de hoje é uma coisa de pasmar. Como nela se conciliam os sentimentos
mais contraditórios e as ideias mais crassamente idiotas com o propósito
louvável e a boa vontade, como nela se alia a honra à obra de fraude
e de ludíbrio, como a sua inteligência se adapta ao absurdo, como pensa
e como obra - só de uma casa de orates, a casa de orates de Edgard Poe,
arvorada em self-governement.

IL USTRA ÇÃO, 16-3-1928

53
CR ÓNICA DA QUINZENA

Si j'étais roi . . . Se eu fosse um pedagogo, ou antes um orador pedagó­


gico dado à missão de pregar em · Capadócia, antes de mais nada partiria em
guerra contra esses vícios de autocentrismo que empestam a educação
portuguesa e põem a nu o fio grosseiro de que está urdida a nossa túnica de
civilizados. Bem certo que é comum a todos os povos uma gloriosa presun­
ção do que são ou supõem ter sido. Mas entre nós tal balda toca as raias do
burlesco dado o desplante ou inconsciência com que nos arrogamos dotes e
posições sempre que nos pomos a medir a craveira. E esse hábito de medir
as nossas coisas, os nossos homens, as nossas façanhas com os dos outros
povos, têmo-lo nós a cada momento, em cada artigo de j ornal, em cada
dez-reis de cavaco, discursando e preleccionando. Esta queda para a ênfase
·
não escapou aos espanhóis, entre outros Calderón, que dela vestiram os
seus tipos, bufões por via de regra, de portugueses. A nossa incomparável
epopeia? ! O nosso céu inigualável?
O nosso clima, a nossa paisagem, a nossa bravura, a nossa galantaria,
os pitéus, os nossos vinhos, as nossas mulheres, os nossos coiros, tudo do
primeiro, do melhor, do mais belo, no plano universo das relatividades .
Como o povo israeFta somos um povo mimoso do Senhor, tanto assim que
desceu nos plainos de Ourique a combater ao lado de D. Afonso contra os
cinco reis da M oirama.
Teófilo Braga, que� foi também um espulgador de grandes nadas, con­
tribuiu até certo ponto para este regorjitamento glorioso do português.
Com aquela desenvoltura com que metia foice em todas as searas, não
recolheu para Portugal Spinoza, o primeiro dos filósofos, e, se não estou
em erro, Velasquez, o primeiro dos pintores? Por aqui gastaram, segundo
consta, alguns pares de sapatos os avós destas sumidades. Mas nascimento,
ser e morte os tiveram em terra alheia. E que parcela da índole, do pensa-

55
mento, do húmus português sobrenadou nas produções destes homens?
Na livraria arrolada e catalogada de Spinoza não se encontrou um só livro
em português; que de particularmente nosso legou a paleta de Velasquez?
Mas não se passa dia que esses ratões das bibliotecas não descubram
um grande médico que não metesse num chinelo os cirurgiões de uma corte
de Trebizonda, um grande sábio que não descobrisse a pedra filosofal, um
grande judeu banido que não escrevesse a Thora, um portuguesinho enge­
nhoso que, em qualquer das terras do vasto mundo, não tenha inventado o
fi/ à couper /e beurre.
Mas o ridículo maior não reside nestas jucundas infantilidades, mas
sim na nossa tendência para o exagero e na nossa imensurável prosápia.
Ainda não há grandes dias um governador civil proclamava que Portugal,
com mais isto e mais aquilo (e tudo se situava num próximo horizonte)
marcharia à testa da civilização. Um articulista, pouco há, sustentava que a
cozinha portuguesa era a melhor de todas, como se tivesse provança e
usança da culinária universal.
Um outro, que nunca saiu da pata-rêga e ignora as províncias do Norte
decantava como o mais suave clima do mundo o nosso clima. Numa pala­
vra, a cornucópia de todos os dons do Espírito Santo e de todos os mimos
da madre natureza entornou-se sobre Portugal e é esse éden e essa A bbaye
Théleme que ai vê m .
Este a utoc e n tri smo n a cio n a l não po d i a d e i x a r d e reflectir-se n o i n d iví­
d uo e não há patarata que tenha passado p e l o l iceu que não i m agi n e se r o
centro da raça.
Tal poetrasto, que publicou uma versalhada, julgar-se-á um vate de
génio; tal peniculário um escritor de mão cheia; tal politiqueiro um Pombal;
o pedaço de asno que sobe o Chiado o alvo de todos os olhares femininos.
Para cada um sua personalidade; somos descendentes de el-rei D. João V, o
magnífico.
Está bem de ver que fronteiras a dentro de Liliput aquele que tem uma
polegada acima da média das estaturas é grande; na terra dos cegos quem
dispõe de um olho é rei; num país de analfabetos quem arredonda duas
rimas é génio; numa terra de escravos quem traz o chicote é César.
A verdade é que o português, uma vez tirado da terra, fica, em geral,
exemplar pouco interessante. O bservem o nosso irmão de gravata, quando
viaja no comboio, no eléctrico, ou se encontra connosco numa sala de
espera. É um grande senhor, cheio de si: acabou de trincar o grã-mogol.
Todo ele se entrincheira no seu eu como o pavão incha na sua roda.
Tenham muito cuidado; à primeira acostagem, se não sai o príncipe, sai o
onagro. A su a m aior p re o c u pação é que tenham uma grande ideia de si, dar
uma grande ideia de s i .
Não é bem notória esta monomania n o susto que temos pela opinião
estrangeira? "Quando se souber lá fora; é uma vergonha aos olhos da

56
Europa; as chancelarias vão rir" - são lugares-comuns que traduzem esse
conceito de importância que temos de nós mesmos. A verdade é que nin­
guém olha para nós; que ninguém se importa connosco; que ninguém ri ou
chora perante nossos desvarios ou lástimas. O mundo é vasto e nós somos
um grão de areia semeado na sua imensidade. Seria preciso reluzir como os
brilhantes de pura água para que assestassem sobre nós a luneta com essa
imaginada demora.
Para o grande vulgo, somos uma província de Espanha. É vexatório,
mas não é caso para crises de nervos; a esta ignorância respondemos com
moeda do mesmo troco. Se um búlgaro ou um romeno, ainda que sejam
professores de Universidades, desconhecem quem foi Camões; quem foi
Albuquerque, hei-de tê-los por menos idóneos ou cultos?
Também eles devem ter o seu épico, o seu conquistador e eu, palavra,
não lhes sei o nome. O mesmo sucederá com um japonês, um húngaro e
tuti-quanti, à parte o francês, porque a França é a nossa ama de leite.
Eu considero a nossa pequenez como uma virtude e a adaptação a essa
pequenez como um louvável serviço de pedagogia. Correlativamente penso
que a felicidade, ainda a dos povos, só é possível havendo silêncio em roda.
Olhemos para o nosso umbigo, mas sem cansar a vista; tiremos da ideia que
é o centro, ou devia ser o centro da gravitação universal.

ILUSTRA ÇÃO, 16-5- 1928

57
CRÓNICA DA QUINZENA

Uma das taras, que poderíamos chamar assinaladas, da política portu­


guesa, é a ignorância que sempre revelou do pequeno meio rural, particular­
mente da aldeia.
Ora eu estou convencido que as nossas cidades apresentam um estado
lastimável, no que toca a higiene, conforto, sem falar em esplendores, com­
paradas com as cidades estrangeiras. Mas do que estou certo é que a aldeia
portuguesa conserva o facies e modo de ser bárbaro, próprio dos primeiros
conglomerados humanos. Terá evoluído sob o ponto de vista dos princípios
gerais que regem as sociedades modernas. Mas a sua mentalidade, aquela
que poderíamos chamar local e utilitária, e se resume em o homem tirar o
melhor partido possível do seu esforço e do meio em que lida, essa
conserva-a estagnada, como é de crer que fosse não há dezenas mas cente­
nas de anos. Assim, os processos agrícolas sendo do tempo do rei Vamba, o
aldeão é um pobre e triste escravo da terra, que o alimenta com usura e
aspere za. As suas habitações são miseráveis espeluncas, sem ar, sem luz,
sem outro trasteio além das enxergas é das arcas para o cereal - verdadei­
ras cavernas plantadas ao rés do solo. Essas casinhas de beirados verme­
lhos, povoados de ninhos, com roseiras de trepar pelas paredes, um balcão
a receber o incenso da serra, são puros artifícios de endinheirados. O
comum, o corrente nas províncias do Norte é o cubo de alvenaria, alterado.
em sua'S linhas brutas pela entrada lôbrega da porta. Numa palavra, são
construções herdeiras imediatas do dolmen, em cuj o espaço estreito e mias­
mático se encanastra uma famíliã numerosa. Isto sucede em metade de
Portugal, pelo menos, nessa metade onde o solo é pobre ou sáfaro e roti­
neiro o entendimento dos homens.

59
Mas não obstante esta vida em tudo primitiva, não obstante o trabalho
improbo do camponês e a sua decantada frugalidade, a mísera colmeia
pouco mais fabrica que favos para o fisco. A tributação não arranca ao
aldeão o que poderia esbanj ar do seu orçamento; não lhe pede um supera­
vit; exaure-lhe uma boa parte do essencial, do que seria indispensável ao seu
amanho e passadio. Que mais ninguém se lembre da aldeia, o fisco é que a
não esquece. Não tem caminhos, não tem estradas, não tem pontes, não tem
chafarizes, as epidemias grassam dentro de muros de forma endémica, mas
pagará além da décima anual, mil impostos camarários ou gerais, taxa de
turismo, licença para passar com a água da rega por uma ruela, licença para
vender duas cebolas na feira, licença para ter cabra, licença para ter cão e
licença para o não ter. A par disto, a justiça é para a aldeia a mais voraz das
sanguessugas. Concebida para proteger o órfão, deixa o órfão sem coiro e o
viúvo sem camisa. Destinada a atalhar sizanias e desatinos e a ser um
elemento de ordenação e repressão no corpo social, além de que é uma
serventuária venal de ricos e poderosos, lança na desgraça os pobres
demandistas. Em suma, para o município ou para a comarca, a aldeia é
uma ovelha de tosquia, mais nada.
Em troca deste sacrifício exsudante e contínuo que lhe dá, que lhe deu
o Estado? Num propósito muito louvável, a República dotou a aldeia com a
escola primária. M as, em pleno sertão, a escola é como um civilizado, que
tenha bem embora muitas prendas, em país de cafres. De que vale saber ler,
escrever e contar se não há necessidade de tal? Que vale o órgão sem a
função? O professor primário, quando conscienciosamente procura ganhar
o dinheiro do Estado, acha-se votado ao trabalho das Danaides. O fenó­
meno de regressão, próprio do meio, aniquila-lhe dentro de pouco todo ou
quase todo o resultado obtido. A escola é um elemento primacial do pro­
gresso, sem dúvida. Mas o progresso não se determina a "um de fundo",
mas d'emblée, em fronte cerrada. O professor só será verdadeiramente
aproveitável, de braço dado com o engenheiro, o agrónomo, o veterinário,
o médico, o mestre-artífice, procedendo a um tempo à obra de sapa nos
costumes e nas coisas. De outro modo, é tempo perdido e dinheiro lançado
à voragem.
A crise portuguesa reveste múlt i p l o s aspectos e deve ter variadas raízes
no húmus e consciência nacional. A se mibarbárie da aldeia, a sua miséria,
deve ser uma das capitais. E aqui tem seus fundamentos, não obstante, a
nação. Portugal foi sempre um país de carácter acentuadamente rústico,
ainda mesmo quando possuía naus e galeões seus, construídos em estaleiros
seus, para explorar os mares. Terra de lavradores, j ornaleiros e zagais; o
resto não passa de acidente.
Sendo a aldeia a célula, como poderá o organismo ter boa conforma­
ção, um funcionamento saudável, mostrar a vitalidade requerida, se aquela
está anemiada, combalida, anquilosada? O êxodo aterrador para as cida-

60
des, a corrente cada vez mais caudalosa da emigração são índices certos
desta enfermidade celular. A meu ver, a cura de Portugal deve encetar-se
pelo princípio, e o princípio, o fundo do problema, é este.
As recentes medidas financeiras vêm agravar a crise secular de servidão
e estagnamento que assoberba a aldeia. Exausta, impõem-lhe mais uma
sangria .em nome do interesse nacional como se alguma vez estivesse inte­
grada na nação, que não fosse para pagar o tributo de sangue e tributos
fiscais de vária ordem. Onde o campónio irá buscar o duplo ou o terço do
montante em que andava colectado, sei-o eu. Roubando-o à boca, alie­
nando a courela, recorrendo ao prestamista que é o flagelo rural. A vida das
raças conta-se por séculos e ninguém as vê expirar. A história verifica o
facto sem testemunhas oculares. Mas para uma raça depauperada como a
nossa e proveniente este depauperamento - diga-se o que se disser - da
insuficiente alimentação, pedir à aldeia mais uma moeda além daquelas que
dócil e resignadamente levava ao seu senhor feudal, o Estado, parece-me
desacerto.

ILUS TRA ÇÃO, 1-7-1928

61
TERCEIRO EXÍLIO
1928-1931

Colabora em ILUSTRA Ç Ã O
e VIT Ó RIA, de Setúbal

e redige O HOMEM QUE MATOU O DIABO


e, em parte, A ALEMANHA ENSANGUENTADA
O IJ } jCl O H l � f) H :rr
HJH -8!{! 1

( ) l. ) A. >! T2 V J I ! fi � G10d r;!o:)


l r.d u J :J c :>b J ! >l Ó í TJ J

Ofi td CI O 'J OTJ; t·l: TJ () !vi �HI. O t! O :;g : b:n �>

t·.._ (] j,'f ii: ?J �J i) V; ll. 2 V .] P. }l / }\ iv'Í -�) l /'\ /; . �' f1 I;q !Tr :J
.. -- �1
CRÓNICA DA QUINZENA

Quando o Bois e o Luxemburgo, com o estiolar da folha, mais não


parecem que montões imensos de brocados sacerdotais, nesta quadra alter­
nante de sol e cinzas, abre suas portas, colorido e viçoso, o Salão de
Outono. Noutros tempos este salão era uma espécie de lazareto onde só
expunham os pestíferos da arte ou os loucos que haviam vendido a paleta
ao Diabo. Quando a arte oficial os bania dos seus grémios, eram eles que,
orgulhosamente, se rebelavam contra ela.
Chamavam-lhes rapins, moravam a M ontparnasse, em frios e nus ate­
liers, entre o "modelo", criaturinha graciosa, sofredora e suj a, e a lâmpada
de álcool em que cozinhavam o magro beafsteack à six sous. Teriam vindo,
batendo as portas, do casarão proficiente da Rua Bonaparte, da Academia
Julien, em que pontificava Jean Paul Laurens com seu culto jansenista
pelas regras tradicionais, ou da Grande Chaumiere, onde os mestres impu­
nham o gosto das belas formas e das amáveis e justas porporções. Teriam
vindo dali, ou de nenhuma parte, sem iniciação na alma, se não nos lábios o
estribilho zombeteiro do on s'en fout . . .
O artista anteguerra tinha a sua personalidade, u m pouco cabotina,
um pouco estudada, sempre inconfundível. Chapéu de largo bordo, gravata à
Lavaliere, de braço dado com a galdéria, a tomar o café de cima do zinco
dos bars, trincando o cachimbo pelas ruas, via-se logo que era ele. M ont­
parnasse não passava de uma grande e quieta aldeia no coração mesmo de
Paris. Os cafés eram pequenos como botequins de Lisboa, no tempo de
Pina Manique; j ogava-se neles o dominó com o patrão e "madame" até
altas horas. H oje são grandes como "gares" e majestosos como catedrais.
Não havia lá, tão-pouco, as boites, que arremedam Montmartre, e lhe
roubam a clientela transatlântica. Casas de chá, lojas de modas, pequeninas

65
e herméticas como boudoirs, lojas de flores, onde uma rosa se vende mais
caro que o alqueire de trigo na nossa terra, não figuravam no comércio do
bairro. O Marchand de couleurs era o mesteiral dominador.
Montparnasse, depois da guerra, revestiu outro facies, como outro
facies a sua população. Inegável que esta era já cosmopolita nos bons
tempos, mas, passada pelo crisol, ficava pura, decantadamente montpar­
nasiana.
O artista - pois que a pintura adorna hoje todos os lares e a estatuária
não chega para as encomendas das inumeráveis cidades, vilas e aldeias que,
pelo vasto mundo, capricham em honrar os seus heróis - o artista en­
dinheirou-se. Veste pelo último padrão, barbeia-se, bebe champagne, fu­
ma charuto.
Picasso e Van Dongen estadeiam de Rolls- Royce.
Em correspondência com a metamorfose exterior, a sua psíquica evo­
luiu. Já não arremete contra as fórmulas empedernidas; já não vai estudar
com os novos Chevreuil a ciência das cores; já não se bate contra os "botas­
-de-elástico" como contra os piores inimigos do género humano. O próprio
fundador do cubismo ri do cubista que foi; e o Matisse das flores cromatica­
mente apopléticas, carnudamente patológicas, pode florir sem escândalo, o
solitário da marquesa mais preciosa.
A arte, fixando-se, é certo, no plano impressionista, entrou numa fase
conservadora. Por que esgotou todas as possibilidades de renovamento?
Por que se consumiu a tentar? Neste cansaço poderá residir uma das causas
da sua estagnação, não todas. Na pintura, M anet, M onnet, Céz a n n e i m p u­
seram a teoria do meio contra a teoria da cor local, dand o à luz, a t é o
reflexo do reflexo, a naturalidade de uma figuranta; os seus sequazes, i n t e r­
pretando o princípio novo, criaram-se nomes singulares e invejados: H e n ri
Martin, Sisley, Simon, etc.
Os cubistas, no meio do seu Carnaval geométrico, suscitaram a noção
do volume. Aliaram os neo-impressionistas ao sentido realista da cor o
respeito pelo desenho e o culto da harmonia, tão grato aos clássicos. H orda
bárbara com o seu quê de místico e de burlesco, os futuristas não deixaram
mais que o conceito de movimento que não souberam, nem puderam reali­
zar, p ois que passaram como lava sobre todos os valores adquiridos.
Depois destas tentativas, para que outros recursos podia apelar uma
arte, como a pintura, tão fechada, tão restrita, senão co nfinar-se cada
profissional no seu poder técnico, no seu temperamento, no seu gosto, no
emprego da sua gramática, sem ousar mais à originalidade que pelo cunho
pessoal?
O carácter utilitário e atropelante da nossa época contribuiu, em
grande dose, para matar o revolucionário em arte. O artista contemporâneo
procura menos a glória que o proveito; mais satisfazer que satisfazer-se;
mais realizar ao gosto do público que realizar-se.

66
Há uma moral de pé e consiste em que para lá da vida não há nada que
mereça condicionar a vida. Que pintor teria força de ânimo e constân­
cia para absorver sete anos, como Leonardo de Vinci, a trabalhar a lo­
conde?
Já David só consumiu dois anos no monumental e espalhafatoso Sacre
de Napoleão, e David era de ontem.
O Salão de Outono que, há alguns anos a esta parte, representava a
guerra contra o existente e o consagrado, reflecte este desolador estado de
coisas. Saudosos tempos! Os mestres, que, no dia do vernissage, lá arrisca­
vam o pé, se eram fortes, faziam-no de sorriso amarelo nos lábios; se
tímidos, à socapa, enguias dentro do fraque. O público mofava à grande e à
francesa, chegando ao cri de dindon como perante a Olímpia, de Manet.
H oje os mestres deste Salão são tão medalhados e tão ordeiros como os dos
outros salões; o público já não distingue; contempla, admira - e alfa e
omega para a arte hodierna - compra.

IL USTRA ÇÃO, 1-12-1928

67
N OS CAMPOS DE BATALHA
DA FLANDRES

(Notas de Viagem)

(A Mlle G . . . que também viajou com igo, por obra


do pensamento)

B ÉTHUNE. - U m sol muito brando, quase irreal, filtrado pelo ar


gelado, dá o seu quê de levitação aos prédios silenciosos da extensa cidade
mineira. Esta artéria por onde vamos é uma estrada arrastando intermina­
velmente o casario em-pós, ou um bulevarde? Tudo novo, em folha, como
se nesta quadra, acabasse de sair da terra, à maneira de crisântemos. As
ruinas, se existem, é apenas nos bilhetes postais e na memória dos homens.
Na enorme praça paira uma adorável quietude provincial. Ao centro o
beffroi, com os seus gilvazes da guerra e o gris cromático da silharia picarda
- este gris que, ao sol, parece uma sinfonia da bruma, da terra, da luz baça
do Norte - direito e teatral como um rei de armas. Os obuzes alemães
picaram-lhe os panos, mordiscaram-lhe as quinas, demoliram-lhe os cre­
neis, e ele perdurou erecto, inabalável na sua rija estrutura merovingia. O
Agatão Lança tira-lhe o chapéu, reverentemente.
Além, naquele edifício de linhas elegantes, obrigadas ao j ogo da verti­
cal, piquetes de operários assentam um tecto agudo, em machado, à moda

69
flamenga. São os paços do concelho que ressurgem, no fim de todos, como
quem cumpre o dever de ser o último. As fachadas dos prédios aparentam
um certo donaire, hirtas mas levemente impertigadas. Riscou-as, porven­
tura, o lápis alemão; edificou-as o operário alemão e o prisioneiro de
guerra. E nas cidades como Béthune, como Albert, onde não permaneceu
pedra sobre pedra, ficou estampada um pouco da fisionomia germânica.
Não o germânico da Prússia, .frio e faustoso; mas um germânico transacio­
nal, tamisado pelo gosto do Sul.
Já está de pé a igreja imensa de S. Waast. Com os seus muros de tij olo,
precintados de pedra, as suas colunas de tij olo, aneladas de pedra, sanguí­
nea, esplêndida, tornou outra vez a albergar o misericordioso Deus dos
exércitos. Com as amplas naves, povoadas de estátuas brancas, os azulej os
polícromos, ao gosto bizantino, tem o ar agradável, arejado, de um pavi­
lhão luxuoso para folguedos e quermesses. A altura da charola, uma lápide
de mármore, encimada de leopardos rompantes, encomenda as almas de
um milhão de ingleses que naquela frente morreram pela glória do Senhor e
do Império.
Num grande café, docemente tépido e só múrmuro o que basta para
não parecer adormecido, deixamos voar o tempo diante da boa cerveja
preta, servida em canecas de barro. À porta, o nosso "Délage", que deu 1 1 O
à hora, coberto de pó, salpicado de lama, figura um glorioso carro de
marechal nos dias heróicos de batalha.

LACO UTURE. - Dez minutos por meio da várzea. Cheira a terra


lavrada, este cheiro que resume todos os incensos vegetais e todos os aro­
mas da vida e da morte. Atrelagens de quatro cavalos rasgam glebas inter­
mináveis. Camponeses vão sepultando à pazada rumas imensas de
beterraba. Raro se lobriga ramo nos horizontes; a metralha ceifou as árvo­
res e as que restam são mais sinistras que justiçados abandonados aos
cardos no viso dos oiteiros. S ecas, ou com uma mecha de rebentos no
coruto, lançam umas ao céu braços desesperados; perfilam outras um
tronco monstruoso e enegrecido, como colunas de bronze, calcinadas;
outras, ainda, mostram o flanco escavacado de alto a baixo, como se as
houvesse fulminado o raio. Aquelas, em que dois renovos teimaram em
vingar, parecem ter sede e pedir às aves que não tenham medo; as outras são
cadáveres insepultos, lúgubres, para vergonha dos homens.
Ao longe condensa-se um fuminho cor de cinza; é arvoredo? É o
hameau? São as chaminés da terra mineira? É o esfumado lívido dos hori­
zontes sem fumo, o confim da visibilidade na plaine, plaine blême, intermi­
nable, toujours la même.
Um cotovelo de estrada, entre patos, que saem processionalmente do
charco, e uma abegoaria, e rola-se em Lacouture, terra ensopada do nosso

70
sangue. O monumento português é esta empena de pedra, truncada, com
figuras simbólicas de bronze, erguido, obra de um côvado, em platibanda,
acima da cruzeta dos caminhos. Comemora o heroísmo e as virtudes dos
soldados portugueses, caídos na terra da Flandres? Dizem as vozes que sim;
a inscrição Hommage du Portugal à la France imortelle, Réduit de la
Couture, 9 A vri/ 1 91 6, não nos dignifica, porém, a nós. Glorifica a nação
aliada; não é um preito de piedade pelos nossos, é um incensório pelos
outros.
À retaguarda da memória, estende-se o chamado reducto de Lacou­
ture. São cem metros quadrados de terra a que o alvião e a charrua poupa­
ram a inconcebível teatralidade da guerra. Estas rumas de pedregulhos e
paralelipípedos, de pedras que parecem mós de moinhos e eram milhares de
colunas, de cacos de tij olos e azulej os, de pias de água benta esbouceladas,
de cornijas partidas, de santinhos mais desmembrados que cadáveres na
mesa anatómica, isto tudo foi o material da igreja matriz. Ali se estabeleceu
o "blockaus", mercê do qual setenta ciclistas ingleses, em duas ordens de
fogo como nos navios, puderam varrer com metralhadoras as formações
alemãs que, a coberto do nevoeiro, avançavam de oeste e sudeste. Ali se
refugiaram os sobreviventes portugueses, duas centenas de praças, duas
dúzias de oficiais, e ali resistiram, e dali partiram em cativeiro. Do templo
nada foi respeitado pelos combatentes, nem as imagens dos altares, nem o
Santíssimo no tabernáculo. Got m it uns - proclamavam os alemães -

Dieu est avec nous - proclamavam os franceses - escreve Barbusse - e


uns e outros devastavam a casa do Senhor e, em sua fúria, para vencer,
metralhariam o próprio Senhor. Escaparam os sinos que, suspensos entre
dois postes, à frente de uma capela improvisada com madeira e folha,
voltarão a chamar as almas, enquanto estiverem calados os clarins. Contí­
guo à igreja ficava o cemitério que persiste, tal qual o deixou o furacão,
como uma das páginas mais macabras e vivas da guerra.
Rezam os santos padres que no dia de juízo, ao som da trombeta do
vale de Josafat, se despedaçarão as lousas das campas e que abrirá bocas
todo o palmo de terra que cubra defuntos. Aquele cemitério de Lacouture
repicou antecipadamente a buzina final. Os túmulos foram esbandalhados,
partidas as lajes, semeadas as cruzes e símbolos, desconjuntados os gave­
tões, e só se não sabe para onde foram os mortos. Que os pulverizasse a
metralha ou que mãos piedosas andassem a arrebanhar os despoj os, depois
da profanação, não importa. Tudo é vaidade debaixo da rosa do sol, até o
repouso eterno dos mortos, este requiscat in pace que a antífona cristã lança
como uma montanha sobre o peito dos finados. A guerra neste particular,
trouxe plena confirmação ao Eclesiastes.
Por toda esta terra santa fora, se encontram destroços das bondieuse­
ries com que é costume enfeitar as sepulturas. Causa já, um certo nojo

71
vê-las intactas de cima do aparelho mortuário; dá calafrios encontrá-las aos
pontapés, aviltadas, fanadas, negras, comidas pelos ácidos da terra, a chei­
rar ainda � ais a morte. M as o horrível espectáculo está, sobretudo, no caos
em que ficaram campas e mausoléus, tombados, escavacados, encavalados
uns nos outros, meio soerguidos, com seus buracões, como furnas, a negre­
•j ar. Uma pedra larga, de basalto, empinou e, em escorregadoiro, parece a
tampa monstruosa de um dolmen. Um carneiro, fundo e largo como cis­
terna, deixa a nu toda a sua arquitectura interior e o uso que fizeram de
suas jazidas. A côma dum sepulcro inchou e tem-se a impressão de entra­
rem para lá muitos dos mortos por cima dos mortos, que já lá estavam,
empurrados pelos obuzes.
O espectáculo, dada a antecipação com que ali se arrisca o pé, não
produz a emoção que lhe empresta a imaginativa. Mas não será temerário
representar os cadáveres em bolandas ao percutir das granadas; a darem
pulo para o meio dos vivos; a misturarem-se com eles; a serem triturados,
juntos, pela mesma rajada de fogo. E, reciprocamente, não se nos afigura
fabuloso supor os vivos buscar o amparo dos mortos, deitarem-se com eles
no mesmo leito de podridão, e até revezá-los no posto.
Compreende-se que todo o subsolo da necrópole, que era grande, fosse
revolvido até os fundamentos, depois de trinta e duas horas de canhoneio.
Nada ali quedou intacto, nem na forma primitiva. A metralha baralhou
tudo o que não pôde dissociar.
Detrás daqueles túmulos aguentou-se, durante muito tempo, com duas
metralhadoras, o tenente Antunes; dali regulou ele as alças das espingardas
para trezentos metros, de modo a varejar o inimigo que, contornando
Lacouture, avançava de Sénéchal para Vieille-Chapelle; e, cerca, caiu o
alferes Alberto Pereira da Costa e cinco soldados do 1 5. A este cemitério,
abandonado a todo o seu horror, coube um guardião condigno: o Cristo
que aí está, face virada aos caminhos. Ergue-se sobre uma negra e alta cruz;
tem uma perna seccionada pela virilha, outra pelo j oelho; não tem um
braço; o tronco é enorme como são enormes todos estes Cristos picardos
que se levantam subitamente, de espaço a espaço, nas curvas das grandes
estradas nacionais. O s eu ar é duro, quase castelhano, ar de quem está
a amaldiçoar. De tês, negro como um tição. É um Cristo pensamento e
obra de Satanás .
Este monstruoso fantasma, este cemitério despovoado de cadáveres e
cheio de pesadelos, esta igrej a arrasada, monte de pedras e de silêncio,
excedem todas as visões de Dante nos Infernos.
Tomamos o rumo do Sul pela estrada de asfalto, 29, que luzidia como
o molinheiro, direita e interminável, lembra uma fita de aço, à flor da terra,
esticada nos confins do horizonte. Nem moita, nem casal. Uma terra baça,
gorda, em que latej a a fecundidade, estende-se, com suas ondulações lentas,
a perder de vista. Andou a virá-la a charrua para a próxima sementeira e o

72
ar húmido está saturado de um aroma acre. Aqui e ali nuvens de corvos
esgaravatam nos campos que deram beterraba ou levantam num grande
espalhafato de rémiges para poisar, em voo baixo, mais adiante. São talu­
dos como abetardas e parecem-me magros. Alguns devem ter-se habituado
à antropofagia e o regime vegetariano ser-lhes-á intolerável. Não grasnam
como os seus irmãos de Portugal; teriam perdido a voz no fragor rolante
das batalhas, ou aprendido com os nettoyeurs de trincheira e com os
homens dos raids a ser silenciosos? Causam-me dó os pobres passarões
neste período de vacas magras. Engordaram, proliferaram em grande
escala, e, enquanto os tempos não forem revolutos e o deus dos exércitos se
não amerceie deles, terão que lazarar. A menos que não batam asas, p ois
abundam no vasto mundo admiráveis países a fornecer-lhes o delicioso
manjar.
Às bandas, sobre ramais da estrada, vamos saudando aldeias de tij olo,
alinhadas em quincôncio, inalteravelmente iguais e vermelhas. É o mapa
rural da Picardia que ressurge, reconstruído a cordel, da cascalheira das
ruínas. Têm um ar de arquitecturas recortadas em papelão. Falta-lhes
aquela alma natal, comunicativa, amassada em pedra, em cada barrote, em
cada quina por milhares de homens que em centenas de anos ali lidaram,
amando e sofrendo.
O horizonte visual encontra-se com a bruma; está uma destas tardes
mórbidas, peçonhentas, em que, nas trincheiras, os soldados dos países do
sol não teriam pena de morrer.

BAPAUME. - Tudo o que se lobriga nesta cidadezinha é novo, em


folha, ou mais esburacado que um cesto depois da vindima. O camartelo
reedificou o que p ôde, a guerra escavacou quanto havia. Andou esta locali­
dade de mão em mão, até que em 1 9 1 7, reconquistada pelos alemães a
tropas da província de Gales e da Nova Zelândia, ouviu, com o recuo destes
para as linhas de Hindenburgo, o seu de profundis. Erigida em praça forte
por Carlos V, impossível descortinar em seus muros os leões afrontados de
Castela. O seu passado passou de vez.
Pela grande rua fora, lanço e cruzamento das estradas nacionais,
perfilam-se direitos, pintalgados, patuscos como grandes bonecos futuris­
tas, os inumeráveis autómatos da gasolina. Já os estaminets têm gente; já
nos contemplam pelas portas entreabertas das loj as olhos sossegados de
raparigas. Sej a pessimismo nosso ou realidade, por esta ruiva e sardenta
Flandres, não encontramos as caras bonitas de Paris e do M eio-Dia.
A geração que amanhece representará, porventura, uma mescla inextri­
cável de sangues. Mas essa anda na escola e não possui ainda o foral da ra­
ça. Mas têm as mulheres todas um ar sadio e rechonchudo e - diz um
rifão nosso - gordura é formosura. Fiquem, pois, com alvará de beleza as
meninas da Flandres.

73
Sente-se que a cidade foi erguida à lufa-lufa; a deleitável assimetria e
absurdos arquitectónicos, que o acaso ou capricho dos homens vão dando à
habitação, não se procurem aqui. Tudo é liso, aprumado, segundo o risco
mais fácil e imediato. A guerra matou os penates, que é, como quem diz,
o lar familiar e o galo do campanário nunca igual aos galos dos outros
campanários.

ILUSTRA ÇÃO, 1-1-1929

74
NOS CAMPOS DE BATALHA
DA FLANDRES

(Notas de Viagem)

O canhão arrasou tudo; em parte alguma esta terra sanguinis foi mais
sangrada. Alguns quilómetros a nordeste ficavam as primeiras linhas com
os gânglios formidáveis de Thiepval, Orvillers, La Boisselle. Albert devia
ser um grande bivaque dos Aliados, o que explica o desencadeado bombar­
deamento alemão, semanas a fio. Da cidade, que Leão XIII classificou de
Lo urdes do Norte, e de quem o bispo de Amiens escrevia recriminatoria­
mente: La cité de Dieu et la cité de Satan s'élevaient sur le même sol. Autour
de Notre Dame de Brebieres l'impiété mêlait ses blasphemes aux cantiques
des pélerins, desta cidade marial e socialista, plácida e orgulhosa da sua
divisa: vis meaferrum, divisa nada ciceroniana mas verdadeira, não ficaram
quatro muros que pudessem abrigar um pedinte. Os obuzes pulverizaram
forjas e oficinas, demoliram casas, e, p ouco a pouco, a basílica, de quem
certo monógrafo dizia: "Procurou-se na natureza tudo o que havia de mais
sólido, de mais puro, de mais faustoso, de mais brilhante, de mais atraente,
de mais esplêndido; bronzes, mármores, esmaltes, onix, pedras preciosas,
ouro, quanto mais ! , e com estas riquezas do Senhor ergueu-se um poema à
Virgem." Ali era o grande centro de romagem de toda a terra picarda.
Como Fátima, como a Lapa, como Lourdes, como todas as localidades
milagreiras, Albert tinha a lenda doirada e sempre-mesma da Madona que
aparecera a uma pastora e que, quando esta ia a despedir o caj ado, excla-

75
mara: Tate que me magoas! Como sempre, acudiram os devotos e as ofe­
rendas. Aí por 1 890, um arquitecto de talento, discípulo de Viollet-le-Duc e
filhote dos sítios, Edmond Duthois, concebeu aquela maj estosa fábrica em
estilo românico-bisantino. Enterraram-se ali milhões, mas ao cabo de doze
anos, trinta bispos e mil e duzentos padres sagravam o sumptuoso palácio
para casa de M aria, mãe de Deus, que fora tecedeira em Nazaré. Só as
coroas que ornavam a sua fronte e a do Menino comportavam mais de mil
diamantes e muitos quilos de oiro e prata.
Esta era a N ossa Senhora de Brebieres que recebia os peregrinos, as
oferendas e fazia milagres, de cima do altar. No recanto do campanário,
talhado como minarete, erguia-se outra vez, mas em bronze, doirada, cor­
pulenta de seis metros, mostrando às dez léguas em redondo, do alto dos
braços, o divino filho.

Au sommet du clocher d'A/bert, la Vierge h/onde


Plainait royalement sur tous nos alentours.

Nos dias soalheiros luzia como um fanai; e a alma castelhana, que


porventura lá ficara aquando da ocupação do fiel e rij o Artois, acordando
no peito do picardo, devia, de longe e do perto, por aquelas dez léguas em
roda, no remanso da aldeia e na lida do campo, salvar a luminosa e celeste
imagem.
Destruída Albert, a pontos de se parecer com as cidades mortas, legen­
dárias, em que a área é indicada pelo montão de pedra solta, e em que
apenas uma ou outra coluna ou cunhai dobrado continua a traçar a avenida
ou praça, a basílica erguia-se sempre altaneira, incólume, sistematicamente
poupada pelo fogo dos alemães. Milagre? Respeito do inimigo, ou ponto de
referência aproveitado para regra de tiro? U ma versão chegou a correr por
aquela zona, na voz p opular: um espia servia-se da torre para dar sinais aos
alemães .
Mas não, em princípios de 1 9 1 5, um aviatik pairou demoradamente de
cima da cidade, de que a basílica, em pé, figurava une masse rouge et
sang/ante, e horas depois voava em estilhas com o primeiro obuz o zimbó­
rio doirado que assentava na intersecção do transepto e do altar-mor.
Depois, outros e outros obuzes escavacaram o telhado e abriram brechas
imensas nos muros. Ao cabo de dias de bombardeamento contínuo, a
Virgem de bronze sobrava, inclinava-se horizontalmente no espaço e ali
ficava, como pomba que ensaia o voo ou desesperado ao primeiro tempo da
sua projecção nos abismos. E ali ficou muitos meses, entre céu e terra,
destronada tão indignamente de sua altura gloriosa.
Como em Lovaina, como em Malines, como em Bapaume, Armentie­
res, cumpria-se a profecia de H enri H eine: "Um dia há-de vir em que se
levantarão dos túmulos fabulosos as divindades guerreiras, sacudirão a

76
poeira dos olhos, e Thor aprumar-se-á com o martelo gigantesco em punho
e fará em pó as catedrais góticas".
Albert conheceu todos os sobressaltos da guerra, inclusive o da expec­
tativa temerosa do homem que tem o salteador de portas a dentro. Ali
estiveram os alemães dezanove dias, aquando da primeira vaga nach Paris,
alimentando-se do indígena, sizudos e pacíficos, como patos na engorda.
A mesma S óror Antoinette, religiosa de um hospício, que os recebera em
1 870, recebeu em 1 9 1 4 os primeiros hussards a cavalo, mandados em reco­
nhecimento. Com a retirada, depois, aí por fins de Setembro de 1 9 1 4,
começou a dura provação. Três meses, noite e dia, foi varejada pela metra­
lha. A população que não sucumbiu debandou. Estiveram insepultos os
mortos muito tempo. O anj o do extermínio, de que fala o Apocalipse, não
consumaria obra mais genial na arte da destruição.
Mas tornou a florir a cidade naquele campo de lágrimas. Nas padieiras
das lojas, letreiros berrantes oferecem a veniaga. Através da bruma que
abafa os ruídos, amortalha as casas novas, calafeta as portas e vidraças,
sente-se um silêncio operoso e fecundo. As · ruínas são como pedintes em
arraial domingueiro: o menor vulto.
Já outra vez se ergue de tij olo e pedra, fiel à traça primitiva, Nossa
Senhora de BrebH:res. Amanhã poderão voltar os peregrinos com suas
misérias, com seus queixumes, com suas ansiedades, que ela acolhê-los-á
com o mesmo sorriso amorável debaixo da coroa de mil brilhantes. Tirem à
igreja as faixas do madeirame que a envolvem, acendam os círios, e o ritmo
antigo dos que sofrem e têm horror ao sofrimento e à morte retomará a
cadência perdida. E quando for outra vez guindada ao alto do minarete a
Virgem loira, o mesmo sol benigno e amoroso brincará com ela, e ela,
refulgente e dominosa, tornará, na campina de dez léguas em redondo, a ser
saudada pelo picardo, dobrado atrás da sua junta de cavalos normandos, a
lavrar a terra.

ESTRADA DE ARRAS. - A estrada corre em tiro de flecha para a


linha do horizonte, encarvoada pela bruma, mal arranhando a campina
interminável, rasa como a palma da mão. A todo o lés, cortejam-nos filas,
magotes, patrulhas de árvores decapitadas. Uma vergôntea vingou no
tronco nodoso e lá vai, fina e esbelta, a tentar escalar as alturas. A mais das
vezes são cadáveres negros, mirrados, a implorar a piedade do lenhador.
Passamos casais pintarolados de fresco, pequenos hangares para aviões, de
zinco ondulado, casotas construídas com a sucata da guerra; o motor do
nosso carro zune e, na natureza espasmódica, sob a irritante morrinha do
céu, o seu vu-vu-vuu é como um canto embalador.
A deslado, uma pequena encosta faísca de mil brancuras movediças;
parece o desnevar duma geleira, ou uma pilha imensa de cal virgem arre­
goando, desagregando-se, espraiando-se em lençóis de alvura sob jorros de

77
água: uma inumerável bandada de patos. Nem eles grasnam, nem a guarda­
dora canta:

Pata aqui, pata ali,


Filha de rei guardar patos
Foi coisa que nunca vi.

É tudo grave, duma dignidade ascética, na campina desolada; até a ave


de engorda. Mais adiante, relanceamos uma manada de poldros. Nem um
só para nós olha. S omos como o pássaro que voa. E a estrada lá vai, sem
titubear, através da inquebrantável planície. Não se descobrem agora ruí­
nas, troféus, cemitérios de guerra. Ficam às bandas, ocultos na bruma; a
bruma vestiu-os, envolveu-os como lençaria fúnebre; passamos por diante
dum catafalco.

ARRAS. - Uma rua interminável e espaçosa, ou ruas que se sucedem,


prédios muito compostos, a inculcar mediania, com ar já de sonolentos,
quase nenhum bulício, um certo cunho de frescura e de distinção - eis
Arras. Anoiteceu, e, contra o resplendor dos arcos voltaicos, vê-se a moli­
nha descer como p oalha de prata, peneirar-se, rodopiar na luz doirada,
animada de um ritmo ágil e subtil de farândola.
Arrumamos o heróico carro no pátio coberto do Hô tel de l' Univers,
tomamos posse dos nossos quartos, e, após um olhar dispiciendo ao menú,
largamos para a cidade.
Arras de noite ! O que poderá fazer de noite uma cidadezita a três
passos de Paris, que não sej a ingerir o pot-au-feu, j ogar em família a sua
partida de gamão, e santamente adormecer. Às raparigas bonitas não lhes
valia a pena serem bonitas em Arras; aos estudantes, tenta-os o Bairro
Latino; o baile do Prefeito é uma vez por ano. Que remédio senão ter
hábitos regrados e horas certas, agir como célula exacta e silenciosa da
grande França?
Vamos pelo burgo adormecido, tão pasmadas as casas como os raros
transeuntes de nos encontrar. Esta Rue St. A ubert encarna o espírito comer­
cial do nosso século, com vitrinas imensas, espelhos e ensamblamentos a
rutilar, e vendedeiras, traj ando de preto, cabelos à garçonne, ademanes
estudados, muito dignas e correctas como preciosas numa sala. Já a Rue
des Baudets é a via mesteiral antiga, cheia de lojecas tão pequeninas que
parecem empurrar-se umas às outras, ilharga contra ilharga, com a pechin­
cha à porta e, lá dentro, todos os cheiros, todas as drogas, todos os artigos
num admirável e sebento pandemónio. O francês, que era essencialmente
épicier, estabelecido nestas quitandas, fornecia o universal a preços acessí­
veis. Enriquecer não era o seu lema, mas retirar um lucro digno do seu
tráfico, que lhe permitisse levar a vida com honra. H avia gerações de mer-

78
ceeiros como havia gerações de príncipes. Tinham aqueles o orgulho do
mister· e não arredavam pé para outro ramo de actividade. O vento da
ambição, varrendo tudo, alterou as linhas sociais e, hoje, o desígnio mais
moderado do filho do merceeiro é passar a baiuca paterna, e ser bourgeois
em Paris, ou boxeur.

IL USTRA ÇÃO, 1-2-1929

79
NOS CAMPOS DE BATALHA
DA FLANDRES

(Notas de Viagem)

Estas tendas modestas onde o Brie era queij o e a manteiga extraída de


leite, atravancada com toda a sorte de secos e molhados, onde o épicier
aviava de avental azul até abaixo dos j oelhos ou uma reboluda matrona de
fichu pelos ombros, com a atmosfera impregnada dos vapores de petróleo e
da água de Javel, vão passando à história. Abertas ao pobre e ao rico, nelas
não se contava por francos mas por sous. Um gatarrão preto, acocorado no
mostrador, dardejava da órbita imóvel cintilas de topázio, e era como um
Buda severo protegendo o negócio.
A Rue des Baudets, com letreiros em painel sobre a própria padieira
das casas, barricas cheias de choucroute e arenques fumados à porta, jor­
nais ao pendurão nos alizares das capelistas, com seus tasqueiros e chume­
cos, existe em Portugal e Espanha, mutatis mutandis, e neste adorável
Artois. Não foi debalde que por ali passou e deu leis o génio ibérico,
refractário a modernidades. Estes amplíssimos largos, Grande Place e
Petite Place, onde os nossos passos soam e levantam um eco que se ouve
como em Santiago de Compostela ou Salamanca, gizou-os o lápis espanhol
e por indústria espanhola foram edificados. De 1 492 a 1 640 esteve o Artois
sob a soberania dos reis católicos. Em Arras fundaram um colégio consa­
grado ao estudo do grego e do latim e ao ensino da retórica, um montepio, e
lançaram as muralhas de uma praça forte. Paradoxalmente, souberam
fazer-se amar os castelhanos. Quando. os franceses lhe puseram cerco, ao

81
alto de um bastião apareceu enforcado um espantalho com a estatura e o
traje de Luís XI, sobrepuj ado do escrito mordaz: Vee-ci /e roi bochu. Não
recuaram os habitantes de Arras, inimigos jurados dos franceses, mais
espanhóis que os castelhanos, segundo a expressão de Richelieu, diante de
nenhum sacrifício para defender a praça. O assédio foi demorado, a ponto
de muitas vezes desanimarem os sitiadores. Sobre uma das portas zombava
deles o dístico que ficou célebre, atravessado de arrogância espanhola:

Quand /es souris prendront /es chats


Le roi sera seigneur d'Arras.

Capitulou finalmente a cidade, crismando-a Luís XI em Franchise


para vitupério da sua resistência e como selo da conquista francesa. Vau­
ban, mais tarde, foi chamado a murá-la, gizando, em face da sua fidelidade
aos princípios da casa de Borgonha, todo um sistema de fortes de tal modo
que a artilharia commandera fort bien la vil/e et enfilera beaucoup de rues.
Daí o ser mais tarde chamada La bel/e innutile a cidade, capaz de reprimir
uma sedição intestina, desarmada para o inimigo que a viesse opugnar.
Ainda em 1 654, Condé, ao serviço de Espanha, tentou contra Arras
uma investida que se malogrou; pelo tratado dos Pirenéus, cinco anos mais
tarde, o Artois foi anexado definitivamente à coroa de França.
Esta Grande Place e Petite Place são Plazas mayores trasladadas a
flamengo. Os mestres de obras que as construíram não vieram de Espanha,
é possível. M as pelo traço geral, a natureza das galerias que as circulam,
formadas por arcos de volta abatida e pilares monolíticos, pelo papel que
desempenhavam no sistema vascular do burgo, pela índole, se nos reportar­
mos ao tempo da fundação, revelam bem o dedo do dominador. Como as
similares de Espanha, foram delineadas em área e em edificações para nelas
se desenvolver uma vistosa cavalgada ou procissão, manobrar um terço,
correr toiros e, caso não raro, se queimarem herej es em solene auto de fé.
Remontam, de resto, à época dos Filipes, depois que, sob sua alçada, um
édito echevinal proscreveu as construções em madeira, as mais usuais da
terra.
A todo o lés das arcadas, vamos descortinando, protegidos por grades
de ferro, os alçapões para as boves. As boves - de abóbadas - são o
prolongamento subterrâneo dos edifícios em cujas salas estavam montados
os teares de que saíram as tapeçarias, disputadas hoje pelos milionários. A
que intuito obedecia aquele trabalhar nas sombras, não mo souberam dizer
nem eu o soube descobrir. Deviam ser como galés os antros maravilhosos.
Verdade que as fadas vivem e operam no recesso das grutas e as toupeiras
sedosas não suportam a luz do dia. Fosse como fosse, ao que reza a história,
nas covas soturnas foràm urdidos os panos de "raz" que deslumbram os
nossos olhos.

82
Ali se acolhiam e moravam os habitantes, até à data em que foi dada
ordem de evacuação, quando os o buzes noite e dia choveram sobre a
cidade. Arras foi escavacada pelo bombardeamento e, no entanto, em volta
de nós raro se lobrigam ruínas e vestígios da guerra. Mal soou a hora do
armistício, prisioneiros e operários de todo o mundo puseram mãos à faina
de reconstrução. H avia que fazer.
Poucas cidades sofreram como Arras dos fluxos e refluxos da guerra.
Canhonearam-na com igual encarniçamento uns e outros. Ocuparam-na os
alemães três dias; rechaçaram-nos os Aliados, depois de duro tiroteio, sem
olhar a desgraças; mais de mil obuzes caídos sobre o casario; ardeu o Hôtel
de Ville em gótico flamejante; veio a terra o beffroi, que era o mais alto de
França e o orgulho de Arras.
Desalojados, firmaram p é os alemães nas eminências fronteiriças, a
uma légua cerca, investindo-a pelas bandas de Este, S ouchez, Neuville,
St.-Waast, Blangy, Tilloy, Neuville Vitasse constituíam os redutos capitais,
donde o inimigo verajava com toda a sorte de artilharia. Nesta linha se
escreveu uma epopeia de sangue e de bravura que escurece a Ilíada. O
cemitério, situado no bairro de S . Salvador, teve de ser organizado defensi­
vamente. Sulcaram as suas avenidas, esfuracando as campas, profundas
trincheiras em que, anos a fio, se abrigaram os franceses.
Em fins de 1 9 1 7, de 452 1 prédios, que contava Arras, só 292 estavam
intactos. A antiga abadia de St. Wast e a catedral eram um montão de
escombros; arrasada a igreja de S. João Baptista, em puro estilo gótico,
consagrada pelos revolucionários de 93 à deusa da Razão; estroncada na
capela das U rsulinas a torre alta, de quina para o plano da fachada; redu­
zida a ruma de silhares e cascalho Notre Dame des Ardens, santuário, desde
a Idade Média, muito concorrido de devotos e romeiros.
Libertou a cidade do furacão quotidiano de ferro e de fogo a ofensiva
inglesa de 1 9 1 8. Só então puderam os foragidos vir procurar seus lares no
caos das ruínas. Mas é de têmpera dura o habitante do Artois. Em poucos
anos reedificou a sua casa, reconstruiu aqueles monumentos, de que tim­
brava o seu património, reparou outros, desobstruiu ruas, alinhou, aformo­
sou, e, hoje, poucas cicatrizes mostra Arras da longa e temível refrega.
Aqui vamos nós pelas ruas amodorradas, investigando, procurando à
luz dos lampeões eléctricos as pedras do calvário. Não se encontram, inte­
gradas nas fachadas novas destes prédios de ar satisfeito e dormente. De
longe em longe, subcumieira solapada, depara-se-nos uma parede de tij olo
com os rombos formidáveis dos o buzes. Um companheiro aponta:
- Veja! Vej a !
E entremostra-se u m boqueirão p o r onde podia passar uma carroça
carregada, outras vezes, um pano de muro, crivado de largos e rotundos
orifícios, como um alvo, em ponto grande, das barracas de feira. Quando

83
estes vestígios se desvanecerem, Arras, dealbada da guerra, mostrará uma
face pimpante e rejuvenescida. E o pesadelo, como tudo, terá passado !

ESTRA DA DE AMIENS. - Sob a luz álgida da tarde, deixamos


Arras, com seus muros alvacentos a cal e a escaiola, as suas telhas ainda
rúbias do forno, e corremos, a toda, na lisa faixa de asfalto que leva à
capital da Picardia. Parou a cacimba e a bruma não é mais que um tenuís­
simo vapor esfumado a sinopla os confins dos horizontes. O automóvel vai
devorando os quilómetros e cantando, cantando o rigodão com que o
viajante se sente embalado na ondulosa e fugitiva paisagem.
A natureza transformou-se; já a todo o longo do caminho nos fazem
continência velhas e copadas árvores; já a planície, rasa até aqui, nos apa­
rece vestindo as roupagens especiosas do Outono. Aldeias e lugarej os que
costeamos têm o seu bosque e o seu pomar. Não nos oferecem, dentre a
folhagem verde, luzentes como astros miniaturais, laranjas e limões, porque
não têm disso; mas exibem uma feéria de cores e de tons que é pasmo dos
nossos olhos.
Neste arrastado Outono são como as princesas do Oriente, que se
adereçavam de todas as pedrarias para o leito da morte, as árvores da
Europa setentrional. Na Primavera nunca atingem a tonalidade quente, o
verde quase negro das árvores do sul. Mas Outubro chega e, mercê da
clorifila ou da luz difusa do Norte, se não da queda da temperatura, a
folhagem transmuda-se na mais estonteante e variegada lençaria. Todos os
brocados sacerdotais, com seus oiros tostados, suas lhamas esmaecidas pelo
tempo, seus vermelhos ternos, seus azuis inefáveis, todos os damascos,
todas as sedas policrómicas, em monte, em flocos, em estenda!, não desfral­
fariam perspectiva capaz de contender com a destes bosques, relanceados
no perpassar das estradas. São sinfonias de cor, refractárias à paleta mais
sensual.
Compreende-se que, atrás destas esplêndias cortinas, haj a fadas e bons
génios, dados à generosa tarefa de endireitar a sina de pastores tristes e
príncipes de alma pura, mas desgraciosos. Compreende-se e aceita-se a
mitologia da floresta com seus poéticos e caprichosos habitantes, sílfides,
gnomos, elches, dríades, que sei eu !
Deu-nos a nós, portugueses, em património, a madre-natura, o céu
azul e o sol claro. Legou a floresta à gente do Norte. Consentiu-nos o regalo
da mata; à mata, porém, dá-se-lhe volta; corta-se-lhe a lenha; nunca foi
sagrada; nunca viera habitar nela divindades.

ILUSTRA ÇÃO, 6-2-1929

84
NOS CAMPOS DE BATALHA
DA FLANDRES

(Notas de Viagem)

AMIEN S . - A velha capital da Picardia não tem preguiça a madru­


gar. Ainda corre nas ruas estreitas, sobre a água morta dos canais, na
sombra choca dos beirados, um arzinho da noite, e já as portas se abrem de
par em par, rolam as corrediças nas lojas, zumbe todo o bulício da activa e
numerosa colmeia humana. Também a noite foi pesada como o chumbo e
longa, interminável, destas noites rurais sem convulsões nem quebra e que
parecem uma amostra da eternidade. As 9 horas, a hora do couvre-feu dos
antigos tempos, um polícia na pequena Praça do Relógio era como uma
figura descomunal, desolada, deslocada, tão esquecido de si como Pedro o
eremita, ali perto, de cima do seu pedestal de pedra, dos Lugares Santos. A
electricidade dir-se-ia que iluminava para exercer apenas um papel de pre­
enchimento; tudo dormia e até a beira do rio, nas padieiras das muitas
alfurjas, onde recebe a Vénus mercenária, a luz das lanternas vermelhas,
numeradas, cansava-se de chamar, adormecida.
Uma bruma leve, gelada, que veio do Norte com a noite e encontra
agora o bafo do rio e dos inúmeros canais e canaletos para se alimentar,
envolve a cidade. É como um crepe muito diáfano, da cor da cinza. Desce
dos telhados, arma no vão das ruas a sua malha subtil, e embrandece as
pedras da calçada, abafando os passos. Tem a cor dos ermos horizontes e
parece ter trazido de longe a nudez da campina imensa. Amiens, não obs-

85
tante as suas fábricas e teares, a faina fluvial, as 93 000 almas da sua
população, é uma cidade silenciosa. As ruas vão coalhadas de gente; os
talhos e as casas de secos e molhados, regorjitam de clientela; os sinos de S .
Leu e d e S . Germano chamam, para a missa - e nada s e ouve, o u todos o s
rumores, todos os sons passam pela inalterável taciturnidade do grande
burgo sem o ferir, à margem como trovoada ao longe.
Está ressarcida da guerra a cidade em que Roberto de Luzarches
ergueu a igreja ogival por excelência. Ocupada durante doze dias pelos
alemães, em Agosto de 1 9 1 4, ao tempo da marcha nach Paris, novamente
esteve em riscos de ser invadida quando da grande ofensiva de Ludendorf.
Sobre ela choveram os obuzes e torpedos aéreos. A catedral esteve enfai­
xada de sacos de areia até acima dos pórticos durante muitos meses. O Belo
Deus, de olhos extáticos para o mundo, deixou de pisar a víbora e o
basilisco com sua planta de dominador; a Virgem Doirada, com o menino
na anquinha, por muito tempo faltou com o seu sorriso jucundo às mães
que passavam; emurados, os profetas e os evangelistas enoiteceram, falhos
da luz do S ol.
Mas o furacão passou; a catedral admirável perdurou intacta para
glória do génio humano; o antigo Bailio, a igreja de S. Remi, a casa do
Sagitário, foram reparadas. Da guerra ficaram para Amiens bilhetes-postais
ilustrados, a inevitável canção de gesta e o infalível monumento aos mortos.
Na rasa planície flamenga, a dentro do perímetro em que os nossos
soldados ont cassé les reins - na frase do general Capelle - à ofensiva
alemã, ergue-se também finalmente, uma memória aos mortos de Portugal.
A eles a cremos consagrada pelo que consta, que não pela legenda: Hom­
mage du Portugal à la France imorte/le. Réduit de Lacouture, assim enfá­
tica e exclusiva. Embora, com filigrama manuelina, à laia de crenéis, na
empena truncada, um Cristo, no reverso, ao estilo das alminhas da terra
portuguesa, ali assenta, ali está à beira dos caminhos como ex-voto da
nossa infinita piedade. E a despeito das palavras omissas, das palavras que
deviam identificá-lo, aquelas pedras brancas falarão como a página mais
vivida da História.
O nosso exército, o exército que ali veio bater-se um pouco nas tradi­
ções do Magriço que rompeu lanças por damas formosas, envergonhadas,
não fez pender, decerto, o prato da balança militar, mas constituiu um
contingente apreciável. Cem mil homens, não menos, e, a julgar pelas quali­
dades de resistência, iguais àqueles com que outrora Aníbal, depois de atra­
vessar a Espanha, a França, os Alpes, fez tremer a grande e invencível
Roma. Uns como os outros haviam sido recrutados nas serras e vales
lusitanos, criados ao mesmo úbere e, se a crónica não é fabulosa, identica­
mente sóbrios, tenazes e estoicos a morrer.
Com este exército consumimos bons recursos da nossa economia, doze
milhÕes de libras, que estamos a pagar com esforço, mas pontualidade. A

86
cota moral, que representa a nossa intervenção ao lado dos Aliados, acusa
relevo maior ainda. Quando nos lançámos na refrega não era a hora auspi­
ciosa em que chegaram os Estados Unidos com a sua torrente inesgotável
de homens e de dólares. A cada passo, como no ring, os Aliados roçavam as
costas no chão. A vitória destes era mais que problemática. Os triunfos
alemães pareciam para muitos, etapas certas dum largo plano concebido e
em prossecução segundo leis matemáticas irrefragáveis. Ninguém fazia
segredo desta maneira de ver.
Seria curioso conhecer a mecânica da nossa intervenção, desde os
factores de ordem realista e nacional até os factores de ordem psicológica,
com suas actuantes e imponderáveis. A cartada foi j ogada em atitude de
desespero ou com o cálculo estabelecido de ganhar?
A primeira declaração, lida nas Câmaras pelo ministro dos Estrangei­
ros, foi o que se chama um hábil instrumento diplomático, oportunista,
cedendo campo e guardando campo, unanimemente louvado. Daí até o
estado de guerra mediaram tempos e interpuseram-se muitos e graves suces­
sos. Alguns destes, da exclusiva responsabilidade de Portugal, denotavam o
propósito, se não de suscitar o casus belli, de actuar utilmente ao lado dos
Aliados. Seria candura supor que os nossos dirigentes não previam a
riposta. Deviam-na ter previsto e a dialéctica com que se decidiram teria
sido esta: Se Portugal se conserva de braços cruzados, inevitavelmente
pagará /es pots cassés, quer em proveito da Alemanha vencedora, quer em
holocausto da "civilização" e dos seus campeões, juntamente com a Alema­
nha vencida.
Verdade sej a que, segundo afirmações de um diplomata alemão, o
"kaiser" se teria prestado a lavrar do seu próprio punho um compromisso
que garantisse a Portugal, a troco da neutralidade, a integridade dos territó­
rios mas que ministro se abalançaria em Portugal a selar tão perigoso e
fátuo protocolo?
Formando a par dos Aliados, duas hipóteses se deparavam: a do desas­
tre, e perderíamos o que, observada a neutralidade, estava irremediavel­
mente comprometido, aumentado do esforço de beligerante; a do triunfo, e,
pelo menos, escaparíamos a ser o bode da expiação.
Que os nossos políticos tenham medido na larga curva dos aconteci­
mentos o alcance da nossa intervenção e, ainda, o desfecho do conflito,
equivaleria a atribuir-lhes uma intuição única na Europa. Não nos imagine­
mos a consultar M me. Brouillard, mas sim, dotados de certa sensibilidade,
a tactear na sombra.
Outros argumentos, como a nossa posição política perante a Espanha,
a quem os Aliados estavam gratos por toda a sorte de cooperação encapo.,.
tada, reforçavam a tese da participação. E, possivelmente, outras razões
menos positivas, como defesa da Liberdade, do Direito, da Justiça e vários
e ponderosos truísmos tenham influído na consciência dos políticos. Que

87
assim fosse, a razão utilitária bastaria para justificá-los, ainda que nunca
mais se esgotassem as provas da controvérsia. Que a sua política foi a mais
acertada, proclama-o o seu próprio êxito.
Aos Aliados, que menoscabam quando não aviltam o auxílio que lhes
prestámos poderíamos dizer com desvanecimento que pegámos em armas
passavam eles um mau quarto de hora; e, em consequência, seria ainda
legítimo exigir-lhes que reconhecessem, se não o nosso espírito de sacrifício,
ao menos o nosso espírito de decisão. Mais que isso, ainda, poderíamos
reclamar a honra e o proveito de grandes obreiros da vitória. Não pelo
contingente dos nossos homens no mare-magnum dos exércitos e no sorve­
doiro dos milhões. Mas porque Portugal foi o primeiro, dentre os países
que não tinham interesses imediatos em j ogo, o primeiro a romper a linha
da neutralidade. Fomos a nação que, na roda das nações assarapantadas a
ver o temível lidador do Norte derrubar, esmagar à direita e à esquerda,
gritou exaltada, perdõe-se-nos o termo: - mata que é danado !
Tivemos a audácia de iniciar a escouade no couce da qual, com ares de
fleugma, mas de certo trocada pelo alarido universal, veio a América do
N arte com a sua decisiva força.
Móbeis idênticos, observada a transposição, tanto podem conduzir
homens como colectividades. O factor sentimental move igualmente aqueles
e a estas. Será exagero sup or que, no estado de exaltação em que o mundo
se achava à volta de 1 9 1 6, o rasgo de Portugal não causou assombro e
contágio?
M ercê de uma política discontínua, nem sempre bem orientada, o
significado da nossa beligerância passou despercebido na Europa. A fatali­
dade da nossa pequenez, se não uma fatalidade argamassada por nossos
erros, pesa sobre os destinos e a marcha da nacionalidade. Que os estrangei­
ros, por ignorância ou por egoísmo, nos releguem a plano indevido e nos
esqueçam, compreende-se com o desespero na alma; o que. não se admite é
que sejamos nós próprios os agentes dessa penumbra. No monumento de
Lacouture é preciso acrescentar:
Aux soldats portugais, tombés en France, /e Portugal reconnaissant.

ILUSTRA ÇÃO, 1-3- 1929

88
CRÓNICA DA QUINZENA

A uma senhora francesa, um pouco bas bleu, ouvi estas impress ões da
sua viagem a Portugal, na Primavera de 28:
"Fomos pernoitar a certa cidadezinha da Serra, uma que está empolei­
rada de cima de rocha como um ninho de açor . . .
- Guarda?
"Isso, Guarda. Às dez horas, fazia lá frio e silêncio como num cemité­
rio. Estava luar e, adormecidas na luz álgida, árvores e casas pareciam uma
paisagem de N atai, recortada em papelão. Deram-me no hotel, que esta­
deava frontaria heráldica, uma ceia de monj a e, veja, dormi lá mais a
Nanucha como Deus com os anjos. Dir-se-ia que o meu corpo, por um
milagre de sugestão das rainhas afonsinas, encaixilhadas na parede, se
acomodara bárbara e regaladamente à dureza do enxergão de palha. Levei
a noite de um sono e de manhã ergui-me mais fresca que o abrótano dos
montes. Pela estrada deserta que a aragem picava de uma frescura seca,
digna, quase alpestre, com o vale ao fundo de que se não descobria pé, mas
um vaporzinho oscilante, e céu, só céu, tinha a sensação absurda de que ia
escorregar da Terra para os espaços sem fim, cair abaixo como cai um grão
de areia, ao pender o seu ponto de apoio, na bola que se faz rolar. E
vinham-me vertigens como deve sentir a criatura que vai de corrida pela
beira de um telhado fora, numa casa de sete andares, a olhar para o chão.
"Atravessámos uma vila fortificada, velha, muito velha, que me parece
estar a ver na fête foraine por trás de um óculo de vidro, onde cheirava
deliciosamente a pão ázimo. Chama-se, eu lhe digo . . . A terra daquele estu­
pendíssimo padre, que teve mais mulheres que S alomão e foi um benemé­
rito da espécie . . . ? Trancoso, não é?
- Sim, deve ser Trancoso. M as, minha senhora, o primeiro título de
glória desta terra memorável é o Bandarra. H omem de génio e de sovela, é o
Nostradamus de Portugal. Os viaj antes franceses, especialmente, permita

89
que lho diga, vêem, apontam, e deixam o melhor, o que nos honra, no
tinteiro.
"Descanse que nunca mais me esquecerei do profeta. Aqui para nós, o
abade é personagem muito mais interessante. único, uma força da natu­
reza, uma espécie de Anteu, merecia ter a memória na praça com Priapo a
coroá-lo de loiros e a Teologia e Fecundidade, de mãos dadas, no pedestal,
a olhar para ele embevecidas. Parámos na terra a tirar umas fotografias e
cercou-nos uma alcateia de garotos, a pedir um tostãozinho, que, pelos
dados, deviam ser tetranetos do grande sacerdote. Vivos, suj os, mexidos
como demónios, bem se via serem descendentes de um génio. Traziam uns
os i rmãozitos às cavaleiras, e as pernas engatilhadas em volta do pescoço
eram como gentílicos colares de ébano. Outros davam pulos como saguins
e seus andraj os, cheios de rasgões, punham mais carne a desco berto do
que tapavam. Não havia dúvida, raça de homem e de fauno ! O absurdo é
que ao lado deles houvesse casas caiadas, candeeiros de luz eléctrica, e pas­
sassem meninas de saia curta com cabelos à garçonne. Portugal é um
segundo Oriente !
"Almoçámos numa estalagem de quatro caminhos (Ponte do A bade),
trutas saborosíssimas, pescadas provavelmente no açude que íamos vendo e
ouvindo, enquanto comíamos, cachoar em baixo contra a barragem de
pedras, ovos tão frescos que só podiam ser da mesma hora, postos pelas
galinhas que no pátio cacarejavam seu enfado de parturientes, broa ainda
tépida, queij o de ovelha, tudo regado com um vinho dos sítios, que passava
titilando na garganta e sabia a amoras e framboesas. Bendita seja a terra
beiroa, pobrinha sim, mas verdadeira e leal no que serve aos hóspedes !
Andando, mal se nos deparou estrada inflectindo a Este, metemos por ela
certos de seguir o itinerário que nos aconselharam como pitoresco e não
vinha indicado na carta. E, graças, aquela estrada (Moimenta da Beira a
Tabuaço) inscrita a fogo na rocha viva, entre duas montanhas de igual
arcabouço, igual rompante, e tão próximas, que nem geminadas, era coisa
de pasmar. U ma das serras, pelo facto da nossa posição, não a medíamos
com os olhos, adivinhámo-la; outra, desdobrando-se em perspectiva, negra,
lambida por uma babugem de mato, de flancos a prumo, figurava-se-me um
formidável cavalo de bronze, batendo, louco, à desfilada. Do rio que
coleava no sopé, como lança daquela parelha monstruosa, nunca se enxer­
gava lume, esquivando-se fundo e medroso entre alcantis e bosquedos.
Peneiravam águias e nebris sobre a paisagem dramática e, no silêncio de
sideração cósmica que reinava, com o H . 274, que não sabia o que era ir
devagar, correr por ali fora, era medularmente capitoso. Mas aquele cavalo
de bronze, galopando à estribeira, acabava por converter-se num pesadelo e
causar dores de cabeça.
Subitamente o horizonte abria em leque, oferecendo à vista um pano­
rama da mais singular fantasia. A todo o lés, o solo mostrava-se recortado

90
de degraus que subiam dos côncavos aos píncaros altos, compondo um
imenso e revolto anfiteatro. Terra caprichosa, rara, comparável para a mais
terra como a zebra entre os animais. Cidadela donde os Titans partiram a
escalar o Céu. De longe, parecia tudo baço, morto, silente, como destro­
çado coliseu vindo do fundo dos séculos; passando, é que se dava conta do
chão enverdecido pela vinha, a oliveira, e todas as belas árvores de caroço.
Salvé, estavam na região do Douro, onde uma química misteriosa - sol de
inferno, terra feita de pedra, suor humano - engendra o licor sem par!
"Demos volta pela Régua e daí até Lamego a estrada em torcícolo,
coalhada de caminhantes, de carros de bois do tempo do rei Vamba, burri­
cos tropiqueiros, rapsodos cegos com a rabeca às costas, cães a arremeter
das quintas, mocinhas leva que leva, lenço a escorrer do ombro, à sombra
dos soutos em flor, com o motor do carro sempre a cantar, ofereceu-nos um
variado e deleitável cosmorama.
"Na cidade que foi, segundo rezava o guia, berço do reino, tão absorta
que dava a impressão de esperar o Messias, um cataclismo, a sorte grande,
ou que o Fundador voltasse de chanfalho alçado, para matar a carriça,
fizemos alto. E na manhã seguinte visitámos outras cidades, que são de
Portugal e podiam ser da Arábia Feliz, tão pasmadas que levam a gente a
perguntar: de que vivem? Ningu ém o saberia dizer e outra interrogação
mais modesta se ergue no esp í r i t o : por que vivem? m,u ito menos se nos
oferece resposta, e como é preciso sossegar o entendimento diremos: vivem,
porque reza delas a geografia,· contraíram essa obrigação com o mapa­
-mundo. O princípio será arbitrário, mas deixá-lo, sobre ele, à semelhança
das matemáticas não euclidianas, construo a psicologia sólida do burgo. De
facto essa psicologia explica-me a razão por que à porta do botequim,
homens de todas as castas têm ar de vender sombra, e não fazem mais nada
que enxotar as moscas; por que se vêem tantas sotainas e fardas; por que
entre a menina do segundo andar e o papo-seco da rua se estabelece aquele
desengonçado idílio; por que se não ouve um volante de fábrica e se ouvem
os voos das andorinhas riscando um céu de cetim. Explica tudo, actividades
e ralices, fisionomias e gestos, silêncios e vozes. Explica até o j umento que
vem pela estrada soalheira, muito senhor de si, muito felpudo na sua
samarra de Inverno, contando as pedras e os passos que dá. O homem que o
tange anda descalço, e o cabelo e a barba hirsuta formam-lhe na cabeça
estranha barretina de astrakan por baixo de uma barretina sebenta de
tropa. De cima da albarda traz o j erico uma tenda branca que parece
enfunar-se a vento de que se não sente o bafo. Quem viaja no caprichoso
palanquim? U m poeta, um santarrão, uma princesa encantada? Sabe-se lá
nesta adorável terra de maravilha! O azemel dá a volta e, horror! é um
monstro, um monstro que ri, que fala, que tem olhos, e nos fita da profun­
didade de poço das suas órbitas, quem se abriga sob o velário. Está deitado
sobre o dorso; leva erguidas e nuas as peraas desmesuradas, só tíbia, só

91
fémur, enroladas em pergaminho baço; leva os braços ao alto, só as canas
dos ossos, só a pele. E são estas pernas e estes braços irreais, imensos como
tentáculos de aranhão, que se espalmam nas extremidades em longas pás,
que erguem o toldo e, trepidando, lhe imprimem o doce arquej o duma vela
à bolina. No rosto, no tórax não se lhe lê a idade. Terá breves anos, mas
pode contar longos séculos. Dos faquires, como dos deuses, são invioláveis
os princípios. O burro passa pelo mentidero e o monstro clama numa voz
cavernosa:
- Tenham dó do aleij adinho !
"Qual d ó ! Os basbaques, cónegos, militares, vates, filhos-famílias, pi­
rangas da rua, viram a cara, indiferentes ou anojados. O homem do kepi
fustiga desalmadamente o sendeiro, praguejando. Aqui está Portugal! "

ILUSTRA ÇÃO, 16-4-1929

92
CRÓNICA DA QUINZENA

Num dos inumeráveis ateliers de Paris em que se fabricam quadros


de mestres, por atacado, Corots, Millets, Teniers, Ticianos e toda a sorte de ·
primitivos. Os museus e galerias particulares da América estão atulhados
destas obras-primas. Também não são raras no Louvre e noutros museus
da Europa. Um cole,ccionador, persona grata, vai surpreender o artífice
no momento em que procede ao /avaro de uma destas pinturas, vo tadas,
como os cavalos de corrida, não se sabe bem, a que estupendos certamens.

- Donde veio o retabulozinho? Falsificado . . . ?


- Não; andava para aí aos tombos. Lembrei-me de o limpar e creio
que não perdi o meu tempo.
Debruçou-se o coleccionador para o quadro que representava a cabeça
tristonha e macerada de Cristo acima de meio tórax esquelético. A água,
castigando como um verniz, punha em relevo, contra o fundo de betume, os
contornos firmes da figura, modelada com delicadeza pelo processo das
meias tintas, restituindo ao colorido, um pouco hlonocrómico, todo o seu
brilho de esmalte. Na barba sedosa, quase ruiva, na cabeleira que se sentia
empastada de suor à flor da carne e soprada para cima em desalinho,
poder-se-iam contar os pêlos um por um. E com a mesma finura de t raço e a
mesma ciência do nu, reforçando ainda a impressão de fragilidade que
infundia a cabeça, continuavam pescoço e tronco a melancólica sinfonia de
tons lívidos da carne exangue, dolorosa. Em guisa de cantoneiras, pequenos
festões a amarelo, semiextintos, luziam contra o fundo escuro, e uma fenda
vinha do alto até à raiz do peitoral, como a atestar a provecta idade da
tábua.
Ao ver-lho examinar à luz, com demora, na sua beleza primeiro, de­
pois na sua "estrutura física", tintas, empaste, espécie e idade da madeira,

93
enxovalhos do tempo e furos do caruncho, disse aquele pintor de obras­
-primas:
- Antigo, não há que ver. E ou muito me engano ou estamos diante
de uma cabeça de M orales.
- Não está assinado.
- Este grande e desgraçado artista nunca assinava, nem era preciso.
O seu pincel é inconfundível.
- Mas por que é um M orales?
- Ora repare: vê esta linha do nariz, fino, ósseo, tão hebraico e, lá, ao
despedir da fronte este toque de dureza? Parece um estigma do modelo ou
uma falha de estilo e é bem uma das características das figuras de Morales.
Vale por uma assinatura. Olhe para a orelha, um pouco deslocada ao alto;
repare para esta carne macilenta, quase diáfana, estes olhos espiritualizados
a sofrer e tão humanos que parecem mais de uma criatura a chorar sobre si
que de um Deus a chorar sobre o mundo . . . Este tópico não é para omitir
num pintor espanhol. Realistas sempre; ainda que arroubados ao céu,
nunca se esqueciam da terra que pisavam. Observe a quebradiça esbelteza
do Cristo, a expressão de uma angústia sobre-humana, o perdão miseri­
cordioso do olhar, velado pelas longas pálpebras . . . Quem poderia trans­
portar para a tela todos estes mimos senão Morales?
- Poderá ser, mas não estou convencido . . .
- Atente n a barba e nos cabelos . . . Sabe o que Palomino diz deles no
Museu Pictórico e Escola Óptica: "parece que voam ao vento, se a gente
lhes soprar". Isto e o ascetismo magoado da fisionomia só podem ter um
autor: M orales.
- Parabéns; não o queria por cem francos . . .
- Não o cedo p o r cinquenta mil.
- Tudo imitação? - exclamou o amador de arte, ante toda uma
pintura proteica, babilónica, que escalava as paredes até o tecto.
- Nem tudo.
Aquele cenobita mirrado entre a cruz e a caveira?
- Um Zurbaran. Novo.
- E o lapuz de pantalinas . vermelhas a fazer tagatés à moça da
estalagem?
- Van Ostade. Novo também.
- A paisagem da vaca e dos p oldros?
Ruysdael; acabei-o há uma semana.
- Falsifica toda a espécie de pintura?
- Contrafaço, meu ilustre amigo, contrafaço. É uma arte subtil e
delicada.
- Como a da moeda falsa . . .
- Por quem é . Os vindouros serão agradecidos a o contrafactor de
hoje. Quando as o bras originais tenham rareado à força das mil e umas

94
vicissitudes em que os séculos são férteis, quando estes quatrocentos anos
que nos separam das primeiras escolas não sej am mais do que um breve
lapso de tempo na vida provecta da humanidade, os meus falsos valerão
tanto e tão bem como as autênticas produções dos mestres . Terei contri­
buído para a glória deles, enriquecido o património comum, e o meu
esforço será tid o como nobre e louvável.
- Assim será. Mas, pois que tudo é relativo, a sua obra, neste
momento, é tão pouco a recomendar que até está sob a alçada do código.
- Sendo certo que o porvir me dá razão, demonstrado está que a lei é
absurda. Mas ouça. . . Suponha que sou possuidor de um anel de ouro,
esculpido, vá, um anel maravilhoso, raro, que andasse nos dedos da rainha
Semiramis. Suponha ainda que lhe avaliei os quilates; o pesei até o mili­
grama; lhe fixei os enfeites até a beliscadura imperceptível do buril; lhe
copiei a cor, e fundi ou lavrei um segundo, tão igual a ele como duas gotas
de água são iguais. Posto isto, pego no anel paradigma e derreto-o no
cadinho. Por que não há-de o meu segundo anel ser para todos os efeitos
o anel da rainha Semiramis?
- Por que não foi esse que lhe andou nos dedos. Materialista, como
é, não compreende o que de espiritual comunicaram à j óia os dedos reais.
- Não compreendo, de facto. Para mim existem formas, e não espíri­
tos. A minha única realidade é essa; fora dela, tudo é convenção.
- É o seu critério!
O pintor das obras-primas foi à parede e despregou dois retábulos.
Colocando-os em duas cadeiras, apoiados contra a espalda e em boa luz,
disse:
- Estes dois retabulozinhos forjei-os eu integralmente de acordo com
o tema, a técnica, o estilo e até os materiais de dois mestres: Pisanelo, um
assombroso pintor do século XIV; Sano di Pietro, pintor menor da escola
de Siena. Deste Pisanelo, de que o Louvre possui o retrato de uma princesa
da casa de Este, e o British Museum um lanço da Legenda de Santo Eustá­
quio, perdeu-se a obra capital; deste S ano di Pietro existem fragmentos da
Legenda de S. Jerónimo, no Louvre. Que faço eu? Estudo-os a fundo;
analiso-lhes à lente o colorido e a touche; tomo nota da madeira que
empregaram; o monge Teófilo no Tratado das várias artes; Eraclius no
Coloribus et artibus Romanorum, o próprio Leonardo de Vinci ensinam­
-me superabundantemente que espéciue de aviamento se usava nas tábuas de
pintar; conheço a pintura à têmpera, única antes de Van Eyck; abro o meu
Ribadeneyra e vejo a vida de Santo Eustáquio para o Pisanelo, a de S. Je­
rónimo para o Sano di Pietro. Escolho os episódios que não estão repre­
sentados, porque se perdessem talvez, e, assim habilitado, com tintas amas­
sadas por mim, em tábua idêntica à que empregaram, roubada a um
mamarracho qualquer se me é possível, transporto as figuras, as paisagens,
as cores, os módulos dos dois mestres, tudo condicionado, bem entendido,

95
pelo movimento da acção que vou descrever. Olhe para este Pisanelo: é o
desenvolvimento do retábulo de Londres, de acordo, ainda, com a Ginevra
de Este do Louvre. Vej a o Sano di Pietro: faltava o episódio do burro,
roubado pelos ladrões; aqui está com a graça cândida e saborosa, a frescura
juvenil do miniaturista. Por que me não seriam agradecidos Pisanelo e Pie­
tro, pois que ressuscito a sua obra morta, com tanta fidelidade?
- É uma doutrina especiosa. Não representa essa arte um logro à
credulidade do próximo?
- À cobiça do amador, que é diferente. P ois se eu satisfaço todos os
requisitos exigidos no Pisanelo e no Pietro, o anedótico, o estético, o mate­
rial, por que não hão-de valer como tal?
- Toda a discussão entre nós seria vã. O veredictum contra essas
práticas depende do prisma em que cada um se coloca. S o b o ponto de vista
moral, não têm defesa. Está o amigo rico?
- Pobre como 1 ob. Enriquecem os marchands de tableaux, que lan­
çam mão de todos os pretextos para aviltar a importância desta espécie de
trabalhos. Tivesse eu uma loja na Avenida da Ópera e em poucos meses
seria milionário. Deste jeito não ganho mais que o rapin que vende do que
faz e assina. O que vale é o amador extraviado que aqui vem bater . . .
- Saem daqui todos os antigos mestres?!
- Em princípio não há pintor que não seja susceptível de contrafac-
ção. Mas os pintores são como os géneros de mercearia; alguns são dificil­
mente imitáveis. . . os G oya, os Rembrandt, os Leonardo . . .
S e lhe quisesse comprar este Pisanelo, quanto pedia?
Não tem preço.
Porquê?
É uma encomenda.
Fabrica outro . . .
E u lhe digo, este Pisanelo não s e vende porque é verdadeiro.
Verdadeiro?
Como o S ol que nos alumia. Espanta-se? Aqui para nós, com a
fingida falsidade do Pisanelo faço acreditar como autênticos o falsíssimo
Morales e outros. Aí está e não diga nada.
- Nesta Babel de ardis e de astúcias, onde está a verdade?
- Está em toda a parte e em nenhuma parte, onde o senhor quiser. A
Beleza é uma coisa intrínseca, in se; o resto é ilusão. Muito do que há no
Louvre era suspeito; já não o é. Muito do que há por essas galerias da
Europa era falso como Judas; está criando foros de genuidade. A minha
obra é burla pura; quando os meus falsos estiverem a decorar as salas do
Rei do aço e do Rei dos presuntos, quem ousará afirmá-lo? Com mentiras
fabrica o homem as suas verdades; e o extraordinário é que com as verdades
alcança menos do que com as mentiras. Tudo é artifício da inteligência!

ILUSTRA ÇÃO, 16-6-1929


96
CRÓNICA DA QUINZENA

Têm ouvido falar da crise do cinema?. . . Com certeza que sim, como
têm ouvido falar da crise vinícola, da crise dos cereais, da crise da ordem, da
crise europeia, da crise de todas as actividades e indústrias que se exercem
prosperamente à superfície da terra. Há crise no cinema, porquê? Algum
tanto porque o teatro e o music-ha/1 se obstinam em reter nas suas plateias
uma dúzia de espectadores incorrigíveis; porque a literatura novelesca, a
doze francos o romance, ocupa ainda parte dos ócios da costureira, da bela
madame quando não recebe ou não viaja de automóvel, das pessoas de mais
de quarenta anos, que beberam os ventos intelectuais do século XIX, e do
homem de paz e de bons costumes; porque há ainda gente para ouvir um
recital de órgão; para moer a noite nos cafés; para j ogar a bisca; para
deambular nos boulevardes, e para deixar ao tempo, ao velho calvo que
desliza, pés descalços, sem se ferir, pelo gume da navalha de barba, o
cuidado de matar o tempo. O cinema desejaria o império absoluto, esga­
nando de uma vez para sempre o teatro enfático � o teatro brejeiro, a
literatura recreativa e a lírica, a enervada e inócua pasmaceira, a tertúlia e
mais dispersivas e anacrónicas atracções do homem civilizado. Para isso
abriu salas em cada rua, em cada vila e aldeia, e os studios elevavam-se ao
aparato e grandeza de imensas e poderosas fábricas. Cabe lá o mundo todo,
como antigamente nas catedrais; Chaplin, Douglas Fairbanks, Pola N egri,
Mary Pickford, são os ministros do culto novo, mais enfeitados de dotes
físicos que os deuses do Olimpo. As receitas são colossais . . . e todavia não
basta, não é tudo. Porquê?
Na América, para contrabater o crescente retraimento do público,
criou-se o filme sonoro. Ficou coisa tão sincrónica e perfeita como o teatro;
mais do que cena, possui o movimento sem limitação de espaço e a mutabi­
lidade contínua do meio. Uma fita custa somas fabulosas. Estudam a

97
maneira de lhe associar o j ogo de volumes e de cores e não será já uma
interpretação da vida mas um traslado da vida como se nos depara a cada
passo na jung/e da sociedade moderna.
Os empresários de H ollywood, esperam assim prender o espectador,
ou antes, criar o hábito do filme, tornando-o tão fisiológico ou inveterado
como o de tomar a chícara do café, lavar a cara, ir à missa, ver as horas.
Embora tal esforço tenha pelo mundo uma feliz repercussão, obrigando
cada país a ter o seu cinematógrafo nacional ou a não ter cinematógrafo
nenhum, parecem-me pouco psicólogos os americanos. Nada mais enfado­
nho e mirrado que a arte com "três dimensões". O homem bocej ou e boce­
jará sempre na ilha de Calipso, isto é, ante a perfeição. Nada mais
empolgante que o mistério, nem mais envolvedor que o inacabado. O
segredo de muitos encantos está nisto, senão apenas nisto. Quando o
cinema perder o mistério que lhe vinha do silêncio das suas personagens;
quando estas falarem, impedindo o espectador de falar por elas para com os
seus botões; quando destacarem do transparente, angulosas e verticais
como na rua; quando se colorirem com a cromática toda que resta à imagi­
nação do espectador, à sua inteligência, ao seu papel de anónimo com­
parsa? Que fica lá dele nessa cópia ipsis verbis da vida dos outros? O
cinema, nessa altura, tornar-se-á uma arte aberta, sem limbos, monótona
como um aquário e prosaica como a Vénus de Milo com braços. Porven­
tura reconquistará a clientela, mas não mais ilaqueará os delicados como ao
tempo em que era o monocórdico desenrolar de uma historieta. Como
forma de arte terá vivido. Devassada, ao alcance do vulgo, que lhe conhe­
cerá todos os trucs e quindins, sem vago, sem indefinido, cumulará as
aspirações mentais das grandes massas. As letras, o teatro, que nunca per­
derão o seu quê de factura hermética, voltarão ao fulgor e engodo antigos,
e será um lucro contra um prejuízo na balança do progresso humano.
Nos últimos tempos o maior inimigo do cinema europeu, aparte o
russo, que nunca pactuou com o gosto do público, sabemos nós que não era
a concorrência dos �mericanos, mas a sua soporífera e desoladora ba­
nalidade.
Neste particular, os franceses tinham a palma. O espírito dos seus
filmes roçava pelos romances de Georges Ohnet, Dekobra, e as pachocha­
das de Labiche. Ainda quando adaptaram Stendhal ou Zola, não perdiam
de vista o padrão.
Em conformidade haveria que rebuscar a influência social do cinema
francês no sentido das ideias e das paixões expostas por tais autores. Que
ela seja superior à da escola, se sobreponha às forças tradicionais, é temerá­
rio inferi-lo pelo balanço de uma geração, que a tanto atinge a idade do
cinematógrafo. M as esse figurão que para aí corre, desmiolado como um
frango e vistoso como um uistiti, que não tem outro ideal que gozar a vida,
que não orienta a sua acção para outro objectivo que enriquecer, precoce-

98
mente vicioso, decerto que foi paraninfado pelos Rodolfos Valentinos do
écran. Da mesma maneira a menina moderna aprendeu o ar andrógino, os
ademanes, os tics das stars célebres. Foi o cinema que introduziu em Portu­
gal o beij o à pleine bouche, beij o de que nunca falaram os romancistas mais
perversos e que encheria de horror as velhas gerações de tias educadas nos
recolhimentos de freiras.
De certo o cinema foi por outro lado um agente de democratização por
excelência; casamentos de businessman com a dactilógrafa só o filme ameri­
cano ousou romanceá-los; igualmente, amores de príncipes e de pastoras ou
de pastores e princesas, depois da novela bucólica do século XVI, tinham
caído em desuso. Até certo ponto o cinema ensinou ainda o desprezo do
perigo e o culto das belas formas, o que foi, fora de dúvida, uma virtude,
mas criou um tipo de galã, parado, cara dura, pobre de ideias, rico de
rastaquouerismo e uma forma de elegância yankee glabra, fatal, que esca­
pou aos estetas de todos os tempos, e nos nossos climas europeus só pode
ser envelope de aventureiro ou mariola. Estes tipos têm provocado o deses­
pero e a queda de muitos Celadons e de muitas Ofélias, desmanchados da
sua inclinação pelo paradigma raro da beleza cineasta.
Foi ao serviço da cultura geral um óptimo veículo, de modo que seria
absurdo condená-lo em nome da moral. A moral que ele propagou sim, é
que é condenável. Mas não se afigura a ninguém que pronunciamos aqui o
panegírico de uma arte morta. O cinema entra, apenas, em nova fase, da
qual somos, em nossa consciência, maus augures. Quando uma arte assim
transborda sobre as outras, tentando escravizá-las, e a sua técnica atinge o
ponto morto do apogeu, não tarda que decline.
Ultimamente exibiu-se nos Campos Elíseos uma companhia italiana de
marionettes. Eram estas prodigiosas de movimento, dando quase sempre a
ilusão da vida. Faltava-lhes para serem actores como na Comédie ou na
Opera a estatura. De resto, mímica, jeito, andar, vozes, eram duma simili­
tude flagrante. Ao fim, perguntava-se ao espectador: é isto o Guinhol? O
Guinhol, com o Roberto espertíssimo e o gendarme amachucado à pan­
cada, eram outra coisa, figuras toscas, com movimentos sintéticos, falando
pela garganta roufenha do pantomimeiro. E, todavia, este palco de bonecos,
manobrados por grossos cordéis, tinha mais encantos que o sábio teatro
dos piccoli dos Campos Elíseos.
E lembra-me aquele episódio de Petit Pierre quando, de manhã na
cama, com os cinco dedos rep resentava as farsas maravilhosas e imaginati­
vas de uma companhia inteira de saltimbancos. Um belo dia, lembrou-se de
caracterizar o seu elenco, desenhando olhos, narizes e bocas nas cabeças
dos dedos. E foi o desastre. Os figurantes desapareceram para nunca mais
do tablado mágico de Pierre.

ILUSTRA ÇÃO, 1-8-1929

99
O "P A YS BASQUE"

De Biarritz a Saint Pierre d'lrude, vales banhados pela Niva, a Nivelle,


a Bidouze, o Adur e montes interpostos, estende-se a terra vasca francesa.
Verde, dum verde inquebrantável, cortado de longe em longe por uma jeira
de resteva, é o habitat de uma raça, cujas origens são mais discutidas que a
descoberta da América, e cuj o idioma, não menos misterioso, dizem uns ser
a língua-mãe da Ibéria e outros ainda, não menos sisudos, a vera língua de
que se serviu o Padre Eterno nas suas relações com os terreanos. Euscara
lhe chamam, e impenetrável ao filólogo, embora educado em línguas cultas,
sente-se nela a doçura do italiano e a sonora ênfase do espanhol. Talvez
muitos termos portugueses, cujos étimos se ignora, se devam filiar neste
idioma singular, que tem resistido vitoriosamente à investida de duas lín­
guas poderosas e absorventes como o castelhano e o francês. Khadera,
zoratu, sega, serrat, pena (rochedo), barrancouaou, etc. , têm na sua identi­
dade ou leve variante gráfica a mesma significação que entre nós. Talvez
que os etnólogos não perdessem o tempo estudando no lexicon vasco a
origem de muitos nomes geográficos portugueses, até esta data des­
conhecida.
Parece averiguado que o povo vasco é o último representante das
populações primitivas da Europa Ocidental. Foi ele o único que conseguiu
furtar-se à influência do mundo latino, conservando seus foros, os seus usos
e costumes, a sua independência e a sua linguagem própria. A montanha
perservou-os do godo, do árabe, do senhor feudal, e de toda a sorte de
dominadores. Antes do princípio democrático governar os povos, tinham
eles instituído a comunidade. Todos eram iguais; o mesmo direito, idênticos
privilégios regiam pobres e ricos. Ainda hoje não é vã a pergunta neste
cantão: como e por onde se distingue o plebeu do fidalgo? Ligados pelo

101
mesmo amor à independência, o nobre, com solar de roca, e o cavador, com
a sua casota de empenas de madeira e vertentes desiguais, sabiam igual­
mente manejar o arco e a laya. Através dos séculos comportaram-se nas
portelas dos seus montes como guerreiros acossados no castelejo. Porven­
tura os Pirenéus tenham sido a derradeira fortaleza da grande raça. Ainda
hoj e guardam os seus cunhos de nobreza: imponência, lealdade, valentia, e
até uma religião severa e exaustiva.
Na dança, na poesia, nos j ogos, são eles, caracteristicamente eles. Em
Mauléon baila-se como não se faz no resto do mundo; nas suas pastorais
andam associados os deuses do Olimpo e os santos do calendário; de chis­
tera em punho, remetendo a péla, na corrida, no j ogo da barra, lembram os
gregos pelo culto que votam aos exercícios de força e agilidade.
As mulheres não são feias, se bem que alheias à garridice; a sua cor
predilecta é o preto. São, em geral, trigueiras e medianas de estatura. De
fisionomia extremamente móvel, seu perfil é em regra vertical, nariz
romano, testa direita, mandíbula curta e robusta.
A capital da terra vasca é Baiona, nunquam polluta, reza o brasão, no
que condiz com a filáucia dos habitantes. Cortam-na em retalhos o Adur e a
Niva. À boca da estação cresceu o bairro do Saint-Esprit, com seus judeus
portugueses e espanhóis, tendo-lhe dado o nome um templozinho de telhas
vetustas e pedras a esmiolar a velhice, bem como à ponte, a várias tendas e
estaminets e ao hotel que, para serviço dos curas e dos paroquianos dos
subúrbios, assoldadou um batalhão de raparigas novas, indumentadas de
branco, ao mesmo tempo espanholas no donaire e francesas na graça. No
tope do largo tem este mesmo hotel uma sucursal e vêem-se nas suas vestes
de linho ir e vir ligeiras e buliçosas, como sacerdotisas exercendo, por
turnos, um amável e secreto culto. E sej a magia da palavra, seja obséquio
das coisas ao augusto nome, há ali um cheiro de catolicidade, mais que o
relento trazido pelas sotainas, mais que o halozinho de sedução que irra­
diam as mocinhas, todas, por certo, filhas de Maria. E é como se o bairro,
coalhado de hotéis e casas de pernoitar, sob a égide do Paracelso, realize a
fusão da sacristia e da alcova, o limbo sacro-profano do país vasco, igual­
mente ardente de sangue e de religiosidade.
Rolando grandes massas de água, vem o Adur em recta desde a ponte
do Caminho de Ferro, cujas aspas formidáveis e o duplo galão dos arcos
aéreos contra talham os fundos opalinos dos montes de M uguerre. De curso
orientado ao sabor da luz, as suas águas reflectem como um espelho a rosa
do sol, as nuvens fugazes, o próprio voo das garças. Obliquando, reluz a
Niva, por entre quarteirões de casas, no Quai des Basques, onde os prédios,
apertados uns contra os outros, lembram infólios numa estante, no Quai
de l'Entrepôt, com gelósias e reixas versicolores a cantar ao sol como nos
Canaletos, na ponte de M ayou, a que o hotel de Bréthons, varandins de
ferro forjado, cachorros e torsas de portais em fina lavra, dá o encanto, um

1 02
pouco melancólico, dos estilos reais desaparecidos. E Adur e Niva, estrei­
tando os muros abalaustrados do j ardim do Reduto, em ponta como a
quilha de uma nave, confundem-se, mal soluçando, mal balouçando as
embarcações no seu oiro liquido de que se exala uma fumarola muito ténue
de âmbar. Fragatas sobem e descem o rio, a vela panda pelo vento do mar,
à popa os tripulantes landeses, de cara e mãos cortadas à enxó em cerne
negro. Gaivotas adormec�m ao lume de água e parecem ninfeias flutuando.
E na grita, na faina, num ou noutro gesto de navegante, renascem as so­
noridades do tempo da pirataria.
Da banda de lá do arrabalde do Saint-Esprit, a casaria empilha-se com
ruas perpendiculares que parecem acompanhar o movimento dos transeun­
tes a descer para a ribeira. Cunhais escuros de pedra, empenas envicilhadas
nas empenas, persianas de mil tons, cumieiras de variado ângulo, e, ao alto,
as flechas da Catedral, enfrentando a cidadela de Vauban, coroa maciça de
bronze. Ao fundo do Château Vieux, timbrado pelos leopardos britânicos e
pelos lis de França, a todo o correr do Adur, o verde do arvoredo e o
gris-pérola das águas compõem à cidadezinha como que um caprichoso e
variegado roda-pé.
Pelas noites estivais, nos cafés da Praça gemem harpas e violinos; o
burgo não escapa a esta fisionomia de hipersensibilidade que a luz eléctrica
dá à conglomeração humana depois de fechados os armazéns; as alamedas
marginais figuram espumosos bulcões de sombra; as luzes dos navios, das
pontes, dos cais reflectem-se na água trémula, e tem-se a impressão de que a
cidade, todo o trecho claro-escuro da cidade, assenta sobre frágeis e .ver­
guias estacas de oiro.

ILUSTRA ÇÃO, 1-9-1929

1 03
CRÓNICA DA QUINZENA

De um moço de boa família e boas letras, que, pelo gosto da aventura,


desertou a casa paterna, ouvi estes trechos de odisseia ao chegar há dias a
França:
"Prenderam-no como anarquista na fronteira e, mercê das boas graças
de um aguazil que lhe apalpou o bolso, restituíram-no condicionalmente à
liberdade. Até chegar o passaporte, foi-lhe dada por menagem a fonda do
Manolo, cheia de moscas e de carabineros. Ali aboloreceu dois longos
meses à espera do documento que, com intenção amical lhe embargavam na
sua terra, consumindo consigo e com o amigo o pecúlio que trouxera.
Dirigido por conselhos daquele, quando já não podia pagar mais ceias e
copitos, encontrou-se uma tarde de Julho, a marchar para lá do primeiro
pueblo, em caminho deserto, interminável, sem árvore nem forite, riscado
num saibro sanguíneo e quente como lava. A sua espalda, ficava a terra
ondulosa e vestida de verde sob um céu azul e fluido - a sua terra. Diante,
estendia-se a planura rasa, cega a fitar os fugazes horizontes, da cor de ocre,
restolho ou ilhéu de seara, sob a tremulina diabólica da canícula - a terra
castelhana. Mas fechou os olhos, couraçado em sua alma contra tudo o que
não fosse a estrela interior que o guiava.
Arredando-se cada vez mais do itinerário internacional, tamborilava­
-lhe com o rijo sol o sangue nas têmporas tumefactas, e a boca, na concreção
da sede, era uma coisa fétida, coriácea, insuportável, a corroer e a martelar.
À s duas bandas, na trabuzana das ceifas, via reluzir o lume das foices e as
vestes brancas dos segadores. Vontade teve de se dirigir a um dos ranchos a
pedir uma gota de água, a água que nunca faltava nos andurriais da sua
província, a cantar na bica de pedra, ou a correr mansa, meio sonâmbula,

1 05
das fontes, entre rochedos. Mas a sua cobardia perante o mundo desconhe­
cido que há no homem, nos costumes, nas coisas da terra estrangeira,
reprimiu-o, caminhando mais além.
Quando, depois de grande tortura, chegou a uma aldeia, destas enor­
mes aldeias castelhanas, de balbúrdia e de silêncio intercadentes, com a
igreja ao alto, tão monstruosa que as casas, de longe, parecem aj oelhadas
em redor, estirou-se como morto à sombra de uma parede. Por ele passa­
ram labrostes de figura velazquenha, secos, de brilhante e rápido olhar,
mulheres da jorna, caídas de um retábulo das alminhas do Purgatório,
chicos tisnados, tagarelas e pinchões. E ninguém se importou com o monte
de dor e de idealidade, a rastos na terra nua. À s moças que voltavam de
cântaro à cabeÇa pediu uma sede de água e, ao contrário da usança bíblica
da sua terra, lha negaram, apontando com gesto expedito na direcção do
poço:
- Vaya usted aliá!
Mas baixou a tarde, arrefeceu o ar, de tempos a tempos trazido nas
refegas do vento, como baforadas de um forno, o hálito adusto da planura.
Na taberna, a matar a fome e a sede, gastou a moeda de trocos de que se
não aproveitara o mentor. Não davam para a dormida as perras restantes e,
cabisbaixo, se foi dali.
Outra vez se viu sozinho entre céu e descampado. Quando o luaceiro
do pueblo se fundiu com as tintas do escurecer, quando os rumores se
desvaneceram de todo na lonjura recorrida, sentou-se na ribanceira do
caminho.
Quebrantado do corpo, mas resoluto de ânimo, muito tempo esteve a
cismar. Quando ergueu os olhos, o céu tinha enflorescido; e de lés a lés, o
livor sidéreo envolvia a terra, e nos longes, nas linhas dos trolhos, na mais
leve bossa do solo, na condensação visual do ar, todas as formas se erguiam
e apagavam. De repente, a doçura inebriante, indizível que sentia, definiu­
-se. Eram os aromas, os mil aromas da estepe que, ao bafo nocturno, se
erguiam voláteis das touceiras queimadas pelo sol, e boiando, o penetravam
numa ablução voluptuosa. Desatavam-se de todos os arbustos humildes,
escapos à foice, ou medrando à beira dos cómoros, o codeço, o rosmani­
nho, a vela-luz, a lavanda, a luzerna, a anémona silvestre, o mentrasto,
como de poros secretos, luxuriosos, da terra áspera. Mas sobre a deleitação
paradisíaca dos perfumes, um ralo começou a solfejar magoada cantilena.
S olfej ou, e ouvi-lo foi-lhe grato como senha de simpatia universal de
vivente para vivente. Por cima da toadilha, da suspensão aluvial dos bálsa­
mos vegetais, o silêncio esposava a terra sob o velário das sombras. Era a
noite, a noite sensual e profunda da planície castelhana, cantada por Frei
Luís de Leão.
Quando despertou, cucuritava a calhandra no restolhal. Caía um rocio
muito fino e álgido e transmudava para violeta o palor da luz. Estava a

1 06
romper a alba e, pegando do saquitel, e batendo os pés entorpecidos, se pôs
a caminho, mais além.
A impressão que lhe causou ouvir os seus passos, cortando a imponde.,.
rável mudez, foi-lhe estranha e azougadora. Ouvia-os, como se estivesse
fora de si p r óprio e pareciam-lhe destituídos de sentido, sem conexão com
um corpo humano em marcha. Tinham, além disso, o seu quê de absurdo e
contranatural na absorta e misteriosa planície. Eram um desafio à terra,
àquele cadáver de terra, sem um arroio nem uma sombra. Projectavam-se
num ritmo discorde, e a sua bulha soava falso na nave circunferante, ador­
mecida. Não eram próprios daquelas ravinas, abertas pelos aguaceiros e
pelos carros góticos, nem daquele barro ensanguentado, retráctil a tudo o
que não seja casco de muar e tamanco de brocha. E, ainda fora de si, como
charro em seu bardo ou bufarinheiro puxando o jumento por atalho
paralelo, se dizia:
- Ali vai desgarrado.
Mas no firmamento foram desfalecendo as estrelas, esvaindo-se os
incensos, rareficando-se, e viu galgar por cima dele, como rebanhos de
ca bras bravas, a galope para os confins do planalto, os bulcões negros da
noite. A implacável horizontalidade da terra foi-se alargando em sua ama­
relidade e secura. Também ali nos ermos o dilúculo da manhã entornava
suas represas de açucenas e cravos brancos, e a terra alvorescia como uma
noiva. Por cima dele passaram corvos grasnando e figurou-se ouvir-lhes
dizer, guturais e soberbos:
- Castela! Castela!
De facto trilhava o chão de Castela, onde não quedou romano, nem
godo, nem moiro, inquebrantável o fero homem, como certas ervas mani­
nhas que, pisadas, mal se levanta o pé, se endireitam logo. Semente de cão e
lobo, ali medrou a cepa mais agreste do género humano, para glória dos
céus e dos infernos. Nada a abalou, a alma cavada pelo vento, pelo sol, pela
neve em rugas fundas, mais vinculada à terra que a rocha dura.
Levado, tupa que tupa, na sua febre, repentinamente ouviu atrás de si
uma gemebunda p/ayera. Voltou-se: era um homem que vinha tropicando
no burrinho e a cantar. Pequeno e redondo, quase escondido pelas orelhas
descomunais do azemel, só Sancho Pança voltando elegiaca,mente da Ilha
de Barataria, rasgada a carta de realeza. Mas o homem, sentindo desperta a
atenção do caminheiro e alvoroçada, porventura, a imaginação trágica,
calou a cantiga e encostou o asno para a rampa, afrouxando-lhe o trote.
E, as órbitas negras de moiro a nadar em branca de ovo, todo em guar­
da, picou à frente.
Numa tasca propôs a venda do relógio que levava e era de prata.
Abanou a cabeça o taberneiro, desconfiado. Mas, ouvindo-lhe o tiquetaque
esperto, vendo-lhe os algarismos barrando de sable o campo branco, admi­
rando o ponteirinho dos segundos a rodar faceto como um gnomo, de

1 07
engenho trivial, traduzindo contudo uma civilização e contendo o seu quê
de maravilha para olhos leigos, o homem se deixou tentar.
Comeu e bebeu, e fiado na aragem enganosa se pôs a caminho, mais
além.
S entiu depressa a mordedura do sol e, a fugir-lhe, estugou o passo.
Diante dele, desdobrava-se a campina invariável, monótona, mais direita
que a palma da mão, cortada pelo macadame como por um gilvaz. Nem
folha, nem lume de água. Mas a todos os pontos do horizonte erguiam-se os
rolheiros de trigo como zimbórios doirados. Ranchos de segadores abatiam
os últimos retalhos da messe, e seus espanejamentos claros punham efusivo
alvoroço na terra siderada. Pontuando caprichosamente a paisagem, aque­
les morriões de palha tinham a magnanimidade de dar sombra, mimo raro
nos trilhos de Castela.
A roda do meio-dia, em sítio onde não havia gente e reinava a paz
inconsútil dum mundo morto, acolheu-se a uma dessas sombras providen­
ciais a repoisar. Sob a brasa da canícula vibrava o ar, muito branco e ágil
como chama de álcool; ao largo, para lá do mar de fogo do primeiro círculo
visual, havia um mar de sinopla e cinza, até a confusão de céu e terra num
fuminho baço. Feria a vista o espelho ofuscante dos horizontes e, fechando
as pálpebras, o ouvido ocioso sentia o rechinar das paveias, as convulsões
sedimentares do húmus, e perdida, agónica, como um suspiro, a cantilena
duma cigarra. E a voz flébil fê-lo reportar à terra portuguesa, com a poupa,
o cuco e o marantéu, dentre os carvalhais a cantar j ovialmente sobre a
calmaria brava. E da contemplação deliciosa, resvalou num reconfortante
quieto sono.
Ainda o sol da tarde abrasava, meteu-se novamente a caminho. De
rota batida, indiferente ao panorama sempre o mesmo - rolheiros cónicos
ou em redondo, planura estiolada, horizontes sequiosos - marchou, mar­
chou, vergado, olhos em terra, como se motor invisível fosse à frente a
puxar-lhe o cadáver. E nessa noite deu-se o regalo de uma enxerga depois
de cear um prato de gravanços e meia garrafa de vinho;
Ainda os galos não tinham salvado à madrugada, já ia povo fora
tropeçando. Estava ansioso por sair daquele inferno, e punha raiva e
denodo em caminhar. E o seu drama, nos dias seguintes, repetiu-se invariá­
vel, monótono, um passo igual a outro passo, como a própria natureza
castelhana.

ILUSTRA ÇÃO, 16-9-1929

1 08
CRÓNICA DA QUINZENA

Curioso e projectando, porventura, luz nova sobre mais de um aconte­


cimento da história de Portugal é o Recuei/ des lnstructions, dadas aos
embaixadores e ministros de França na corte de Lisboa, publicado sob os
auspícios da Comiss ão dos Arquivos Diplomáticos. Se alguém quiser fazer
uma ideia do que é a diplomacia secreta lance os olhos so bre este livro.
Embora Portugal deixe, a partir da segunda metade do século XVIII, de
pesar na balança das nações, como observa Frederico o Grande, o seu favor
político, comercial sobretudo, é disputado tenazmente por uns e outros
governos estrangeiros, servindo-se para os seus fins de todos os meios, a
intriga, os agentes recrutados, mediante pingues honorários, na melhor
sociedade, a corrupção, o dolo, a astúcia, e mais processos subtis aconselha­
dos no Príncipe. Certos destes emissários franceses levavam ordem de pro­
meter tudo, contanto que ficasse aberta uma pequena e invisível porta falsa
por onde se pudesse escapulir ao cumprimento das obrigações contraídas.
Todos serão previamente elucidados sobre a índole dos portugueses e o
ministro não terá rebuço em minutar de sua mão que é mister ex p lorar-lhes
a natural p rosá pia, contentar-lhes a imaginação e lisonj ear-lhes o amor
p ró p rio meridional segund o os termos de Richelieu.
"A maneira mais eficaz - dita Hugues de Lionne, ministro dos Negó­
cios Estrangeiros, ao marquês de Saint Romain, enviado como embaixador
a Portugal em 1 666 - de atalhar as negociações com Espanha é soprar a
vaidade dos portugueses - pois que este é o seu fraco - insinuando-lhes
delicadamente que seria deslustre irreparável para eles, aos olhos das outras
potências, se chegassem a negociar com a Espanha em condições que não
fossem as do Estado para Estado e as de rei para rei, em postura de

1 09
dependência ou subalternidade. Deverá fazer-lhes ver quanta glória não
alcançaram perante o mundo na sua intransigente atitude adoptada para
com a corte romana aquando do litígio da nomeação dos bispos e do
direito que assiste aos portugueses de elegerem rei, em contra do que suce­
dia outrora, sem o prévio beneplácito papal. . . Por outro lado, como para os
espanhóis seria mais doloroso que arrancar-lhes os dentes verem-se coagi­
dos a rebaixar o orgulho e alto crédito da monarquia, tratando de igual
para igual com um povo súbdito rebelado, tudo leva a crer que tal pomo de
discórdia, sendo habilmente j ogado e aproveitado, poderá por si causar o
rompimento das negociações ou, pelo menos, erguer tais obstáculos à sua
conclusão que, dado que é próprio dos negócios deste mundo não se conser­
varem por muito tempo no mesmo pé, qualquer incidente de nada pode
contribuir a que dêem em vasa-barris as boas intenções das duas partes". A
monita é arrevesada de forma mais subtil de pensamento. Tratava-se de
impedir o tratado de paz entre as duas nações peninsulares a bem das armas
de França, empenhadas contra Espanha na Catalunha e País�s B aixos.
Ma s , além deste passo, a cada h ora se ouvirá a voz de máitre- Renard,
melíflua, capciosa, lisonjeira, ao ouvido do rei, da rainha, dos co nfess o res
do rei e da rainha, e cortesãos influentes.
Nem sempre os portugueses escutarão até fim, com mesura e circuns­
pecção, a palinódia farisaica. Basta que esteja à testa dos negócios um
conde de Castelo Melhor para o enviado de Mazarino, marquês de Choup­
pes, arquivar esta resposta altiva: "Sabemos muito bem o que temos a fazer
e não precisamos dos conselhos da França para nada. A nossa resolução
está assente; não lhe dêem cuidado os espanhóis; temos forças bastantes
não só para lhes não deixar pôr o pé na nossa terra, mas para os levarmos
cinquenta léguas diante de nós, a toque de caixa."
No Marquês de Pombal encontrará o cavaleiro de Clermont d'Am­
boise um político de alta escola, avisado, culto, matrei ro, para quem os
ardis e tramas da diplomacia são leitura corrente e sabida. Injustos e por
isso mesmo indículo certo da envergadura do marquês estes traços com que
o duque de Choiseul o desenha para uso do plenipotenciário: "É um homem
de carácter duro e imperioso. Deixou em Londres e em Viena reputação de
criatura ordinária, sem nenhuma espécie de superioridade, e não consta que
se tomasse de simpatia especial por alguma destas cortes. É certo, porém,
que menos favoráveis são as suas disposições para com a França e a Espa­
nha. Falso por índole, compraz-se no exercício do poder absoluto e arbitrá­
rio. Altivo por temperamento, não suporta a contradição, mas é susceptível
à lisonja e às deferências que lhe testemunham, e sendo este o seu calcanhar
de Aquiles, por aqui se deve tomar. O cavaleiro de Amboise pautará, em
conformidade, as suas relações com o conde de Oeiras, evitando com o
maior escrúpulo que chegue a suspeitar da desconfiança que temos, sobrada
razão para conceber sobre a lisura dos seus processos. De contrário, seria

1 10
feri-lo na presunção e todo o nosso valimento iria pela água abaixo. Sejam
quais forem os seus princípios de moral e as suas máximas em política,
recomenda-se, a bem do serviço de el-rei e do êxito da missão do cavaleiro
de Amboise, conciliar, se é possível, a amizade e confiança deste ministro,
canal único e necessário pelo qual correm todos os negócios da corte de
Lisboa."
Este rápido e grosseiríssimo perfil, a dar-se à linguagem diplomática a
condigna interpretação, mostra bem o estofo do primeiro ministro de D.
José. O gabinete de Versalhes detestava-o porque, mais de uma vez contra a
França, teve de defender com denodo e até arreganho os interessei e brio de
Portugal. Saint-Aymour, que fez a compilação destes documentos no Quai
d'Orsay, comenta deste modo as referências menos lisonjeiras ao marquês:
"A queda do grande ministro foi para Portugal o pior dos desastes; quando
morreu aos oitenta e três anos podia dizer da sua terra o que o cardeal
Alberoni disse da Espanha ao deixar o poder: Portugal é um cadáver que
reanimei; desapareci, voltou a deitar-se no túmulo."
Um dos períodos da história de Portugal em que a intervenção de
agentes franceses se torna notável é o que antecede a revolução de 1 640.
Desde 1 629 que Richelieu prestava ouvido atento aos sobressaltos de Por­
tugal. Por via de regra, os seus espiões eram recrutados nas ordens religio­
sas, a capa de santidade preservando-os melhor que qualquer atavio da
suspicácia dos portugueses. Em 1 63 8 despacha aos nobres, que conjuravam
em volta do duque de Bragança, o cavaleiro de Saint-Pé, o qual por sua vez
delega noutro, não se sabe por que carga de água, a melindrosa embaixada.
Nas instruções que lhe foram dadas, dizia-se: "Veja se os portugueses estão
resolvidos a revoltar-se ou não. Caso afirmativo, a França compromete-se a
socorrê-los com um exército de doze mil homens de pé, quinhentos cavalos,
quinhentos homens com selas, armas e pistolas, para equipar em terra
portuguesa, e uma frota de cinquenta navios. A França nada exige em troca
deste auxílio; as conquistas que se façam reverterão em benefício do rei.
Quer assim o duque de Bragança? Se quer, quer; se não, manda-se aos
portugueses um descendente dos seus últimos reis."
As hesitações do duque de Bragança começavam a enfadar não só
Richelieu como os portugeses. Os conjurados falaram até em proclamar a
República no molde da dos Países Baixos. Pinto Ribeiro, a quem mais tarde
D. João IV havia de dizer: "Que pena eu tenho que sejas plebeu para te
poder recompensar", mercê da sua palavra persuasiva, conseguiu dissuadi­
-los deste intento, argumentando, porventura, com as dificuldades em que
iria esbarrar um regime tão pouco a gosto da Europa ferrenhamente
monárquica. De longe, ao que transparece dos documentos publicados,
mantinha Pinto Ribeiro entendimentos não só com o duque de Bragança
mas com Richelieu, por intermédio de um certo Broual, francês estabele­
cido com loja de joalheiro em Lisboa.

1 11
Na estranha odisseia de Casimiro da Polónia, irmão do rei Ladislau,
querem os entusiastas de Richelieu ver a solicitude com que ele cuidava do
problema de Portugal. Aquela personagem fantástica, que foi sucessiva­
mente soldado, jesuíta, cardeal, general dos cossacos, rei da Polónia em
seguida ao irmão, e que devia morrer amortalhado na túnica de monge, teve
a veleidade de ir governar Portugal por conta de Filipe III. Seria chamado a
este posto por confiança do rei de Espanha, feliz de encontrar no condot­
tiere, pau para toda a obra, um príncipe de sangue, disposto a tiranizar em
seu proveito um povo oprimido mas não resignado? Ignora-se. Os misterio­
sos projectos do aventureiro foram divulgados, tanto que a Gazette de
France publicava ao tempo a informação seguinte: "O príncipe Casimiro
partiu de Varsóvia a caminho de Viena, daqui seguirá, por Itália, para
Espanha, onde espera ser nomeado vice-rei de Portugal."
Infaustamente para o aventureiro, Richelieu p ôs-lhe espiões à perna
mal pisou o solo de França. Tendo-lhe dado na fantasia para visitar os
portos de guerra, foi preso em nome do rei e encarcerado no castelo de
Vincennes, onde descansou por longos meses, não obstante as súplicas, as
ameaças, e a intervenção do mano, dos projectos ambiciosos. A essa altura
murmurava-se pelas cortes da Europa que, havendo sido desligado Filipe
IV das promessas feitas pelo avô ao subir - ao trono português por uma
assembleia de hábeis teólogos e casuístas complacentes, Portugal ia ser
riscado da lista das nações e incorporado pura e simplesmente na monar­
quia espanhola.

ILUSTRA ÇÃO, 1-11-1929

1 12
(
\

''

. I

.)

•··

A TOURADA EUROPEIA
No Senado, a ·.discussão sobre AS REFORMAS OPERÁRIAS, vai ser activamente entabolada.
L' Assiette au Beurre
J A PO N A I S E

A D A RA M A K A R O ·

(Esta ASS/EITE AV BEURRE japonesa é da autoria de um nipão chamado CÂMARA que, provavelmente
influenciado por uma geisha que lhe deu a beber uma pinga de sakê, decidiu baralhar as sílabas do seu nome e
rubricar A DA KAMARA DO. Chinesices do tempo . . O que é digno de registo é que este número de l'ASSIETIE
.

AU BEURRE é raríssimo. J:R.).


CECIL RHODES

Monumento funerário erguido mercê do peditório boer.


Há que mostrar ao povo espanhol o que é a graça parisiense.
HERVÉ - Meus senhores, aqui têm uma bandeira que nao foi plantada no esterco '
DÉROULEDE
JAURES
NO PREGO

- Os verdadeiros recursos portugueses, ei-los: aqui os tem !


O DEDO DE DEUS
A fome cúmplice da repressão (Pensamos que este magnífico desenho de Leal da Câmara ilustra perfeitamente a Crónica "Fomos a Hendaya ver os emigrantes . . . )
"
CÉCILE SOREL
S. JOÃO DO PÉ DA PORTA

- Wellington entrou por ali - disse o meu amável guia, virado para
terras de Espanha e apontando a fita branca da estrada que coleava pelas
faldas · dos montes até se engolfar ao longe no desfiladeiro de Roncesvales.
Antes da via férrea transpor o Bidassoa, insinuando-se pelas ravinas do
Choldocogagna, a porta principal dos Pirenéus era esta. Não tinham melhor
caminho os belfurinheiros e almocreves que traficavam entre a Navarra e a
terra Basca. Ainda não há cinquenta anos passavam por ai, dia a dia,
rédeas, de mais de cem machos, aj ouj adas de campainhas e penachos ber­
rantes, permutando os produtos espanhóis, vinhos, lãs, azeites, pela quinca­
lharia e fazendas de França. St. Jean-Pied-de-Port, a cidadezinha que vê
hoje em decadência, era o empório magnifico das duas nações. A par,
constituía, pela sua posição, a chave militar da cordinheira pirenaica. Por
isso andou de mão em mão, até que Vauban a fortificou com tanta arte e
segurança, chamando-lhe ele próprio a sua bombonniere, que a tornou
francesa de uma vez para sempre.
Do alto da cidadela onde estávamos, via-se quase toda a cintura da
muralha, de um vermelho-rubro como se fosse de cobre, tão sólida como se
a acabassem de construir, contornar o casario, com seteiras à altura dos
peitos, trechos do fosso, e as quatro portas perfiladas aos quatro pontos
com seus crenéis e guaritas. O rio cortava a cidade em duas e o panorama
do bairro ribeirinho com as casas alinhadas sobre a água, j anelas e sacadas
multicores cantando ao sol, para lembrar os canaletos só lhe faltavam
gôndolas. A toda a volta, como diadema de oiro fulvo, os montes subiam
em pendor suave, com rocha viva nos picos, mato, relva, sementio e vinha,
sucessivamente, a galgar para o vale onde a povoação se encastoava qual
pérola na concha, mas, no segundo plano, píncaros altos espreitavam e
eram os famigeradas montes, sentinelas de Roncesvales.
1 13
- Lá em baixo - tornou o guia, estendendo a mão a oeste - fica o
Passo de Roldão. Utheca Gaiz lhe chamam os bascos, isto é porta exco­
mungada. Reza a lenda que o guerreiro, chegando ali, encontrou o caminho
cortado por um imenso rochedo. Não esteve com meias medidas e, dando­
-lhe um formidável pontapé, abriu aquele óculo por onde o senhor passou
com o automóvel.
- Reparei no óculo, de facto. Nem uma mina de chedite faria aquelas
bonitas obras. Pelos vistos, um pontapé do tal Roldão atirava com um
patife à lua.
- Não zombe da fábula. Não leu no seu Tito Lívio que Aníbal pulve­
rizou muito fragoedo dos Alpes acendendo lume por cima e deitando-lhe
vinagre? Olhe, esse também devia ter atravessado por aqui à testa dos seus
lusitanos e outros iberos. A história não é precisa neste ponto, mas sup ô-lo
não é vão, porque outro conduto não existia, a rota das invasões era esta.
Vê além aquele pico? É Altobiscar. No sopé travou-se a batalha em que foi
derrotada a retaguarda do exército de Carlos Magno e o sobrinho dele
perdeu a vida. H á um poema basco que decanta o facto, e se pode conside­
rar o reverso da Chanson de Roland. A súmula é esta: "Ouviu-se um grande
brado no meio dos montes e o senhor da casa veio à porta: que será? Que
me querem? O cão que estava a dormir soltou do ninho e encheu os cônca­
vos de Alto biscar com ladridos furiosos. No barrocal de lbaneta vai grande
rumo·r. Repercute contra as rochas. É o inimigo que se aproxima. Soam
buzinas, o dono da casa afia as flechas. Lá vêm, lá vêm! Que ouriço de
lanças ! Flutuam no ar pendões e flâmulas; cintila o aço. Quantos são?
Conta-os, menino, conta-os bem. Um, dois, vinte, mil, dezenas de mil. Não
têm conto. Vamos a eles; j oguemos-lhes sobre a cabeça todos estes penedos;
façamo-los em lama. Que vinha cá fazer aos nossos montes se Deus os fez
para ninguém passar por eles?!
Os penedos esmigalharam as tropas; é um mar de sangue. Se tendes
cavalo, fugi à rédea solta. Foge tu, Carlos M agno, com a tua pluma negra e
manto vermelho, ao vento. Roldão, o invencível, vai ser pasto dos corvos. E
agora, ó Bascos, sus a eles, que debandam aos quatro pontos. Quem vê as
oriflamas e estandartes? Quem vê faiscar as armas brancas? Onde está a
seara eriçada das lanças? Fogem, fogem, os que não baquearam no desfila­
deiro. Conta, menino, os fugitivos . . . Quantos? Conta bem . . . vinte . . . deza­
nove. . . dez. . . um. Um, não há mais. Acabou-se, Senhor da casa, podes
voltar para a lareira com o cão. Limpa as flechas, pendura a buzina. À noite
as aves rapaces virão banquetear-se nos cadáveres, e os seus ossos ficarão
ali a luzir, a branquejar por toda a eternidade. Duas vezes os Francos
passaram a portela perigosa de RoncesvÃles: Luís, o Bonacheirão, rei da
Aquitânia, à volta de uma expedição em Es11anha, preservou o seu exército
do ataque dos montanheses, tomando mulht.res e crianças como reféns, só
as soltando quando chegou a ponto onde se podia considerar livre de

1 14
emboscadas. Foi menos feliz numa segunda incursão a Pamplona, pois aí
sofreu derrota tão completa como a ala que comandava Roldão no exército
de Carlos Magno. Durante as guerras da República e do Império, Rances­
vales foi o teatro de assinalados combates. Marbot derrotou ali o duque de
Ossuna. S oult, perseguido por Wellington, fez meia volta diante de St.
Jean-Pied-de-Port, atravessou o desfiladeiro de má fama à testa de 35 000
homens, caindo de rópia so bre os 1 8 000 portugueses e ingleses postados na
campina. Estes operaram a retirada até a aldeia de S orauren onde se travou
a batalha que terminou pela derrota dos franceses. Foi este um dos episó­
dios mais culminantes dos combates que se deram desde S . Sebastian a St.
Jean-Pied-de-Port, base do triângulo ocupado pelos franceses diante do
exército anglo-luso-espanhol. Vou-lhe mostrar a casa onde esteve Welling­
ton, segundo rezava um meu avô, negociante de curtumes nesta cidade.
Deixamos a cidadela e fomos descendo a íngreme rua de Espanha,
calçada de longos paralelipípedos vermelhos e ladeada de casas de cantaria
vermelha, com aspecto mais espanhol que basco. À s portas e às janelas
mulheres faziam meia entretidas em seus colóquios de comadres. Aos bal­
cões, em vasos e caixas pintadas, medravam flores de muitas castas, e era
agradável ver aquele jardim suspenso que se sucedia a todo o longo das
fachadas. Afora as donas imobilizadas no traço das portas, a rua estava
deserta e silenciosa. Um bafo de ruína e, porventura, de pobreza, soprava
daquelas moradias, todas elas com a sua data na padieira, ufanamente, para
que se soubesse. Um pouco da alma espanhola, inquieta e versocolor,
sentia-se esparsa em tudo, nos olhos das raparigas, no lazonismo dos habi­
tantes, nas sacadas floridas, no estilo dos prédios.
- Esta casa com a porta em ogiva - avisou-me o guia - foi o cárcere
do Santo Ofício! Nas paredes ainda estão pregadas as golilhas. As masmor­
ras subterrâneas são pavorosas.
Para lá da igreja de portada compósita, da qual o campanário servia ao
mesmo tempo de baularte, a uma porta em que se vendiam bugigangas
bascas, o meu guia parou, proferindo:
- Aqui está a casa que albergou o maior adversário de Napoleão.
Contava meu avô por o ter ouvido dizer ao pai, que Wellington entrou de
manhãzinha, no meio de uma escolta de dragões. Vinha com apetite e,
como não houvesse nada na cidade, esburgada pelos franceses, os soldados
meteram-se pelo rio a . caçar as patas.
Nada tinha de particular a casa; às j anelas a que teria assomado a
cabeça enérgica do duque, uns grandes olhos pretos fitavam-nos. Ao lado,
medravam cravos, e o painel de hoje era mais delicioso que a reconstitui­
ção da cena de ontem. Desandámos.
O S ol descia por detrás dos montes, ensanguentando ainda mais as
pedras vermelhas da cidade. Das faldas, banhadas de penumbra, escorria
uma grande melancolia. Toda a cidadezinha, de resto, era uma página

1 15
esmo recente de legenda. S. João do Pé da Porta, como tudo o que existe
debaixo da rosa do sol, seguia a curva fatal, até nos seus escombros cresce­
rem cardos e silvas bravas e saltaricarem faunos e outros animais das
sombras, como reza a santa Bíblia das ruínas de Babilónia.

ILUSTRA ÇÃO, 16-12-1929

1 16
CRÓNICA DA QUINZENA

Por que é patriota? Se chamássemos alemão, inglês, francês, de cultura


mediana, a depor, a resposta seria idêntica à do abexim, do sérvio, do
chino, enquanto o tema ficasse circunscrito à lógica dos sentimentos. Cada
um, com efeito, penetrado da significação imediata do vaterland, certifica­
ria que ama a pátria porque é o seu berço, foi berço, casa e cova dos pais e
avós. Além deste amor puro, religioso, estancado no coração, declararia
amá-la ainda, dando voz ao orgulho e desvanecimento, pela perspectiva de
feitos gloriosos e homens admiráveis que, volvendo olhos ao passado, ofe­
rece a sua grei. Tudo o que ela fez ou riscou com a enxada, a pena, o gládio,
constitui património seu; o que há de mais eterno na sua personalidade
psíquica ou social vem dela; a legião imensa dos seus mortos são as raízes,
tronco, ramos de árvore viridente de que ele os irmãos de sangue são flor e
fruto. Onde quer que vá, está investido dos pergaminhos da raça; ela o
identifca; primeiro que ele a represente, representa-o ela.
Todas estas razões de ternura, devoção, coincidem na boca do inglês
ou do turco. Para cada um, a sua pátria é a mais nobre, a que apresenta
melhores títulos de reconhecimento da humanidade, a que conta homens de
estatura inultrapassável. Nenhuma é inferior a outra, ainda que a civiliza­
ção mais não lhe deva que o fi/ à couper le beurre, pois que acontece com as
nações o que acontece com os indivíduos, serem ou tornarem-se indolentes,
obtusas, ralaças, parasitárias de segundas. Medidas, porém, à craveira da
história, nenhuma se reconhece subalterna; todas têm sábios certos ou imagi­
nados para opor a sábios, artistas ver os ou sonhados para opor a artistas,
glória para dar e vender à mais enfunadamente gloriosa.
À noção abstracta, no conceito de pátria, sucede inductivamente a
noção objectiva de natureza. Ama-se de amor ideal pelo que ela foi, como

1 17
as boas almas amam o Céu pelo que promete ser. Ama-se também com os
olhos, subentendendo-se que se tem dela conhecimento geográfico. O
homem primário limitar-se-á a identificá-la com a pátria pequenina que é a
sua vida e termo. Nesta plana, fala ainda o sentimento, e as razões do
alemão, do inglês, do abexim ou do persa, são equivalentes. A terra de cada
um não tem rival em agrados e formosura. Para o alemão a neve é mais
poética que o sol forte do sul; mais poético que o sol do ocidente é para o
sueco o sol da meia-noite. Esta possui o mar imenso, aquela a montanha
majestosa; uma o céu azul, outra a perene Primavera. Testemunham gostos,
hábitos adquiridos, temperamentos, e sem dúvida que os esquimós susten­
tariam contra o habitante da Ilha da Madeira a tese de prevalência.
Arredado da controvérsia o panorama político-social, pois que neste
terreno movediço não há o concurso dos próprios patriotas, queda o indiví­
duo frente à sua raça, à sua nação, a falar de per si com ela.
Por que é patriota? Responderia, por exemplo, o inglês:
- Porque onde quer que eu esteja, onde quer que eu vá, sinto
comigo, tornando-me forte, respeitável, a solidariedade de cinquenta
.milhões de almas da minha raça. Na China sanguinária, nas Américas
inquietas e perigosas, na África traiçoeira, o olho atento do "leopardo"
segue-me e observa-me. Se me perco, as autoridades do meu país pôr-se-ão
em campo e não repousam até me achar vivo ou morto. Se me fazem o
mínimo agravo, me tocam num cabelo da cabeça, e o agressor está ao
alcance da garra, paga-o com língua de palmo. Respondem por isso os cem
e um couraçados de Sua M ajestade Graciosa. A minha pátria é o meu
escudo.
E acrescentará, soberbo:
- Em compensação, sou célula viva, activa, do meu país. Sou-lhes
necessário como ele me é necessário. Se falto, momentâneo embora, fica um
vácuo. S ou unidade que conta. Se amanhã cometo um crime, encaremos a
hipótese, o organismo imenso de que faço parte, eliminar-me:-á apenas
depois de demorado e circunspecto exame. Gratuita, arbitrariamente, não
me suprime. Na mecânica biológico-social do povo inglês sou uma peça
útil. Porque não seria fervente patriota se a minha pátria constitui a minha
força, a minha defesa, a minha liberdade?
De par com ele, o francês podia falar a mesma linguagem de entono e
de ufania e aduzir:
- S ou patriota por todas essas razões e mais uma: os meus concida­
dãos, pela palavra, pelo livro, pelo jornal, não me amesquinham, de contrá­
rio procuram engrandecer-me. A pátria faz-se da grandeza dos indivíduos e,
da reversão desta grandeza, elevando-se eles por sua vez, todo o nosso afã é
pouco para nos enaltecermos. H á, entre nós, uma palavra instintiva de
passe: o francês acima de tudo. M orreu há dias Foch, ontem Clemenceau.
Empenhámo-nos logo em tecer a sua legenda. Que um era isto, outro

1 18
aquilo . . . Guardamos apenas memória das suas virtudes. Estas sublimámo­
-las tanto que, daqui a algumas gerações, serão no conceito universal gran­
des como César, como Richelieu, e ninguém se aperceberá mais de suas
estaturas comuns. Estatificamos a torto e a direito, porque isso convenha à
exaltação da pátria. Como não ser patriota, se a pátria me magnifica?
- No fundo do meu peito arde o amor pátrio - diria um chinês -
· mas este amor é, como o fogo no centro do globo, ingénito à minha própria
constituição. Alimenta-se, por assim dizer, do meu seio. Entre os meus
copcidadãos não se sabe o que sej a solidariedade. Dentro da nossa terra
so m os hienas uns para os outros; por espírito de ganhuça, um, cinco, dez,
não hesitarão em esfomear uma província inteira. Caem por milhares da
tísica e da peste os meus irmãos e ninguém se importa. As facções, raziam,
tributam, e a vida tornou-se tão insuportável que a população se vai espa­
lhando pelo vasto mundo, como outrora a raça maldita de Deus. Foi como
se um vento desabalado soprasse sobre a velha terra e projectasse os
homens, quais palhas, aos quatro pontos. Ei-los que enxameiam burgos e
campos, exercendo os mais rudes e ingratos misteres. Distinguem-nos,
acima de tudo, pelos andraj os que vestem e o fedor que exalam do corpo.
Dormem em pocilgas com os animais. São os lázaros do século. Os manda­
rins, que ocupam postos diplomáticos e consulares, cobram-lhes toda a
sorte de espórtula para que possam justificar a identidade, e abandonam­
-nos à sorte. Uns que desertaram, outros que foram expulsos, outros que
definham na mais vil escravatura, é a pátria corroída pela gangrena. Chang­
-Kai-Chek suprimiu inexoravelmente todos aqueles que o embaraçavam,
pelo alfange do carrasco, pela bala, pelo exílio. Foi de assolação a sua obra.
Diante dele fugiram os lavradores pacíficos e laboriosos, os comerciantes
cansados de serem espoliados, os artistas e homens de letras que tinham
dignidade mental. Entretanto, os bonzos acomodatícios continuam a ler os
versículos ditados pelo divino Confúcio, os mandarins a ler em rolos de
papel-arroz as virtudes da rainha 0-Pei-Fu, entre duas fumadas de ópio, os
cabecilhas da guerra civil a extorquir os últimos dinheiros do pária.
Quando num povo se chega ao extremo de perder o mais elementar senti­
mento de solidariedade entre os cidadãos, é rezar-lhes o De Profundis. O
meu patriotismo não encontrará outro motivo nacional que chorar, chorar
as desgraças da minha pátria e, com elas, as minhas, como os judeus no
cativeiro de Babilónia.

ILUSTRAÇÃO, 1-1-1930

1 19
EU SOU O MAR,
TU ÉS A TERRA ...

O Senhor da bô fortuna estava aparelhado, redes e cordas n a cale, à


popa o arrais, à proa o vareiro, muitos homens nos castelos com os remos
formados, testos à manobra, outros, mais a cáfila das mulheres, de ombros
contra os costados da nave em que vinha chocalhar a onda, ora de arre­
messo, ora brincando. Já o ritmo que conjuga as forças para o arranco
extremo era psalmodiado pelo arrais da terra:
- ó upa!
- ó vá !
- ó chapa!
- ó saiba !
Quando repercutiu ao alto da praia um aulido gemebundo:
- Ailó, arretem! . . . Ailó ! . . .
O arrais volveu o s olhos e avistou a Rosa Bau que corria para a borda
de água, braços a espadanar, a fralda e as brancuras das pernas gordas em
remoinho, como albatroz desasado. Entretanto a vaga maciça e longa,
afiada em cunha, que insinuando-se por debaixo do barco o suspenderia e
levaria no refluxo melhor que em andilhas, repicava na terra. Encabritou-se
e recaiu o barco duas e três vezes enquanto a companha tresmalhava,
chapinhada pelo mar. S ó naquele instante havia de aparecer a coruja do
inferno!
- Rai's t'abrazem! - murmurou o Mira quando, pesaroso da boa
largada, a viu em face, ofegante, sem poder despedir voz.
- Não entrem ao mar. . . M orreu o mestre . . .
- Pode lá ser, mulher d o diabo? ! Ainda não h á grandes horas que
esteve a falar comigo . . .
- H omem, morreu!

121
- Ah, cadela de vida! - gorgulhou o Pamplino, que era casteleiro,
sacando o gorro. - Padrenosso que estais no céu . . .
H omens e mulheres oravam, cabeça baixa, descoberta, virada a o mar
traiçoeiro. Longe, para lá das cem braças, o Deus ande comigo, de pequeno
entre o oceano e o firmamento, lembrava uma garça boiando. Acima do
cício das rezas, a água continuava a vasquejar, erguendo e deixando cair de
sopapa o casco Senhor da bô fortuna. Quando acabaram de encomendar ao
Altíssimo a alma que se desprendera do barro, ordenou o arrais em tom
soturno:
- Gentes, toca a calar o barco !
Vieram os bois e, estendendo varas diante da embarcação e sob ela
escorregando rolos de pinheiros, içaram-na para a borda. E os trinta e cinco
marítimos destroçaram, de ar mais pária ainda, sombreados pela asa da
morte, nos andraj os que mal lhes cobriam a nudez, vagarosos recurvos para
o chão a vencer a móvel areia. Sentido do passamento do mestre e amigo de
tantos anos, o Mira estarreceu no castelo da popa lúgubre e meditabundo.
"Saíra uma escritura a sentença do ti'Esperança, do Coimbrão, um demó­
nio que não aprendera artes em Coimbra e lia no cadáver como na cartilha,
ao ver o Lusitano cismático e com vágados:
- Não bota o estio fora!
E não botou, embora não acertassem três doutores em dizer que o
ro ble tinha carcoma dentro. Deus o acolhesse no seu seio que por aquela
corda de praias, da Nazaré a M atosinhos, estava para nascer segundo. Não
era da raça dos patrões que só têm olhos para a lota e tanto engadanham a
mão sobre a ganhuça que enterram as unhas na carne. Zelar a sua fazenda
zelava, e ninguém se atrevesse a roubá-lo que saía-lhe pata de tigre. Mas à
sombra dele, a fome esmurrava a dentuça. Nos dias gordos de pesca, as
mulheres dos pescadores não cobravam rapola a peso e medida, como era
de lei na companha do Chegamisso: enchiam o alguidar de cogulo. Nas
vezes em que a borrasca tolhia a saída dos barcos, era vê-lo de porta em
porta: tens pão? Tens azeite? Liberal com os pobres, em casa dele gastava­
-se à grande e à farta. . . Vinham de Leiria, e até da capital, expressamente, ao
regabofe das caldeiradas a que ele próprio dava um tempero que era de
comer e lampar por mais. Tinha amigos certos e verdadeiros em toda a
parte e, por aqueles poviléus à roda, compadres bastos como cogumelos.
Mancebo que se apresentasse com duas regrinhas suas não punha mochila
às costas; réu por quem ele terçasse, não acendia muitos cigarros ao carce­
reiro. Também em peitase larguezas consumiu o melhor do que granjeou.
Podia deixar fortuna e legava ao Zé, por junto, dois barcos, o Senhor da bô
fortuna e o Dragão do mar, sólidos é certo que nem couraçados, com os
apetrechos da ordem, tudo de cara como agora já se não fabrica; bom
património para cabeça governada, palhas erguidas no ar para inexperien­
tes e loucos. O filho podia ombreá-lo na audácia, que já dera provas disso,

1 22
mas na rijeza de ânimo, igual em todos os lances que requeriam valentia e
desembaraço, no estar sempre pronto a j ogar o coração para trás das
costas, no trazer o sangue ao mesmo ponto de fervura, ficava muitas léguas
longe dele. Duzentos anos antes teria sido capitão de piratas e rei em
alguma ilha sem dono. Medo tinha-o de Deus e de mais ninguém. Em dias
que assobiava a nortada no pinhal do concelho, parecendo as sanfonas
todas do mundo ao desafio, e o mar atirava ronco que dir-se-ia querer
engolir a terra, o Lusitano vinha à varanda do escritório, observava o
trabalho, e não raro tangia o búzio. Na garabulha das mulheres que batiam
o dente e invocavam os santos advogados, dizia para os homens:
- Tendes confiança em mim? Então toca a aparelhar que vamos
apanhar o pescado que até a rede rebenta de farta.
E lá iam. Requeria para si o posto mais esforçado, ao remo, que não
era homem para desautorizar o seu arrais, tirando-lhe a vara. Mas honra a
quem a merece, se comandar é reger homens por uma vontade ele era o
capitão e todos os mais soldadesca. Braços nodosos e cabeludos, como
troncos revelhos de carvalhiços, j ogando com inalterável cadência, sem que
se lhe ouvisse arquejo, sem que lhe orvalhasse a testa camarinha de suor, ao
seu alento o barco era toninha a saltar por cima das ondas. Os seus olhos
azuis, frios como espadas, iam direitos, fitos no mar, e parece que o grande
cão o temia. A sua intrepidez tornava os outros intrépidos. Engano que o
homem do mar seja em regra animoso. Mais que o bicho da terra tem
ocasião de ser valente e forçadamente o é. Mas ninguém como ele é atreito
ao contágio do temor e do brio. Um cobarde, se lhe dão âncoras, torna uma
tripulação inteira bandada de capões; um bravo rompe com ela, heróica e
destemida até o meio do inferno. O Lusitano era destes cuja presença dá
espíritos a quem os não tem e nervos aos abonados de enxúndias. Das vezes
que corria a sorte do mar encapelado e a campanha do Chegamisso se
despej ava pelas tabernas a j ogar o liques, mais receoso o regedor que o
mestre, o mestre ainda mais tremelicas que o mulherio, nunca por nunca
lhes sucedera percalço de monta. A marinhagem sentia pulsar um coração
só e este era de aço, não houvesse dúvida, mas acima de tudo contava a
ciência do Lusitano. O grande bruxo lia nos segredos do mar melhor que na
letra redonda e nunca se enganava no crédito que era legítimo atribuir aos
seus ímpetos e fúrias. Também sucedia com mar de leite dar alta à campa­
nha. Os barcos do rival, mais s ôfregos que bácoros à bolota, madrugavam a
apanhar a boa terra de pesca, e tanto o Chalgamisso , que da água salgada
percebia ainda menos que os padres do latim, como o Savelheiro, afoito
mas estarola, riam sob capa da folga do Lusitano. Mais de uma vez o
sorriso lhes murchou nos lábios que o temporal surpreendia-os de sopetão e
não havia santos na corte celestial a que não pedissem misericórdia. Acon­
teceu até numa dessas saídas com falsa bonança quebrar-se-lhes o roçoeiro,
e o barco de cima da água dançar tal dança que o uivo dos tripulantes se

1 23
ouviu às oitenta cordas e fez pular quanta gente havia nos palheiros para a
beira-mar. Era o Lírio de Jericó, dias antes reforçado com cavernas novas,
calafetado, pintadinho a verde-terno, cercadura escarlate a toda a roda.
Mas que valia, martelado pelas ondas bravas, sem governo, era como berço
de menino levado na ressaca e com que o mar joga o chinquilho. Os gritos na
praia subiam até às estrelas. Já as mulheres se tinham lançado, umas, de
roj o e, rabadilha voltada ao oceano para não ver a desgraça, arrepelavam­
-se, rezavam, e seus dentes batiam as rezas como matracas; outras espe­
cavam os bra ç os ao alto, berrando mais forte que cabras esfoladas vivas.
A cada estreme ç ão d o esquife, lá ao largo, o aulido empolava:
Senhor d o s Aflitos!
Minha Nossa Senhora da Nazaré !
Senhora da Incarnação, fazei o mar chão !
Rico Padre Santo António, assim como livraste vosso pai da
morte, livrai aquelas alminhas do perigo e da má s orte !
Quem os havia de salvar? Em casa, ao pé das sementeiras, o Lusitano
tivera rumor do desastre e correra à praia. Não esteve muitos minutos para
avaliar do lance e resolver consigo e com Deus. Despindo-se em menos de
um ámen, atirou-se à água. Nada que nada, cada braçada que parecia
varrer uma onda, ante os olhos desvairados do povo que gemia a cada um
dos seus mergulhos, respirava quando volvia à tona, ora arrastado por uns
mares, ora furando outros como espadarte, lá caçou a ponta do roçoeiro
que pôde amarrar contra um dos odres com nó bastante para, firmando-se,
retrocederem a terra. A proeza deu que falar e até esparrinhou para as
gazetas. H omem até Almeida! Quando punha pé nas suas lanchas, de
curioso ou então aos remos tal um homem de ajuste, a tripulação ia descan­
sada como rezam as escrituras da barca de Pedro quando Jesus ia dentro.
Ninguém lhe ouvia uma voz; ninguém lhe notava um trejeito; se havia
perigo era o primeiro a dizer: cá estou! Um ano, fins de Outubro, tinham-se
abalançado a lançar redes com mar incerto e caso foi que já ele, como
arrais, proferira as palavras da lei: "Rede largada às águas, à Virgem é
encomendada; seja louvado e adorado Nosso Senhor Jesus Cristo!", quando
veio um golpe de mar e safou a mão de barca das unhas do calador. Credo,
há mais de quinze anos que andava no vaganau, avaria daquelas era novi­
dade! A toda a lufa remaram à ré, mas a vaga sumiu-lhes a corda para
aparecer braças além, serpenteando, submergindo-se e emergindo, tão agi­
tada que tinham mais jeito de hidra que de cabo feito com o linho dos
teares. Os homens não tinham perdido o sangue-frio que estava no meio
deles a alma imperturbável, o perigo, porém, tornava-se cada vez mais
instante e, se os corações não o diziam, os rostos pálidos como na hora da
morte, não atinavam com o disfarce. O pior é que o mar subitamente
enfurecera, cavando campas, santo Deus, a fazerem-se e a esborralharem-se
umas atrás das outras, que tinham mais altura que casas.

1 24
- U ma libra de oiro a quem apanhar o cabo ! . . . - exclamou o Lusi­
tano, alçando-se nos castelos e passeando olhos pelas duas filas de rema­
dores. - Vai por este remo fora tão seguro como por uma ponte . . .
Ninguém deu voz presença e tornou ele:
- Eu vou lá mas sou pesado. Sej a o que Deus quiser! Lavagante, és
capaz de aguentar o remo e eu na pá? És? Então cospe às u n has . . .
Safo u a j aq ueta, a s botas, a s meias, e benzend o-se gatinhou pelo re mo
fora como gato. L á no tope, enclavinh o u as pernas e deixo u-se ir de cabeça
para baixo como palhaço na barra fixa. A ponta da corda aparecia e
desaparecia baldeada pelo mar, de onde resultava não afundir-se de vez.
Consoante ela lhe reluzia aqui e ali, ia dizendo: "remai à ré; remais a
sotavento" e à força de remos a campanha procurava obedecer. Ali se
andou um bom migalho naquele brequefesta infernal até que pôde filar a
corda. Assim que lhe passou os cinco mandamentos, marinhando pelo
remo acima como descera, trouxe-a nos dentes como uma flor. O Lava­
gante, que era o homem mais forçudo da campanha, a ponto de erguer por
aposta o jerico de uma sardinheira de M ata M ourisca carregado com dois
costados de carapau, já deitava os bafes todos. Milagre fora o Lusitano vir
no barco que senão, tendo-lhes faltado a corda que nestas artes da xávega é
mais que a muleta para um coxo, os peixes tinham festim. Todos se admira­
vam daquelas áfricas menos ele. É que não sabiam que o Lusitano, antes de
ser dono de armação, fora um dos marinheiros mais escarmentados da
navegação de vela em Portugal. Aos dezasseis anos já ele mareava co­
mo grumete a bordo de caíque que fazia a veniaga da costa africana até
S. Tomé. Depois na cabotagem, à pesca de bacalhau na Terra Nova, nos
veleiros de grande curso, levou de fiada anos e anos, tantos que lhe caiu a
zinza deles na cabeça. Ele, Mira, fora encontrá-lo mestre num lugre de
carreira entre Porto e Pará, estimado dos superiores, benquisto dos subal­
ternos. Ali se conheceram e selaram amizade em horas difíceis e descuida­
das - tormentas no mar alto, sociatas nas baiucas do cais estrangeiro, até
rixas nas vielas mal-afamadas. Fora da sua sina, Lusitano era um leão. De
uma vez, levara diante de si, à estalhudada, a tripulação de um bergantim
levantisco; de outra, por causa de certa marafona, pusera ao sol as tripas de
um inglês assomadiço. Quando os armadores se avisaram de mudar de vela
para a máquina, o Lusitano despediu-se. À roda dos quarenta, não lhe
sorria cometer a prática de uma marinharia em que necessariamente teria
de voltar ao começo. Muitos portos, também, estavam-lhes vedados por
neles ter conta aberta com a justiça, questão sempre de naifadas e arruaças,
e temia-se do navio a vapor que, ao contrário do veleiro pacato e vagaroso,
faz escala por Seca e Meca, ao sabor de um telegrama. Tinha amealhado
uns vinténs, retirava-se. Também ele, Mira, levantara para Vieira de onde
era filhote, ao chamo daquela que hoje era sua mulher. Beberam numa casa
de pasto duas garrafas de Amarante e rodaram do Porto até mais ver.

1 25
Volvidos anos andava ele na companha do Évora, tão lembrado do amigo
como da primeira camisola que vestira, com quem dá de cara na taverna
que hoje era do Pisco e ao tempo da tia Janeta que Deus haj a? Com o
Lusitano. Mais ruço, menos tanado do mar, mas com aquela cara de fortes
queixais e olhos tão azuis que dava quebranto fitá-los, ou era o próprio
diabo por ele. O homem indagava do pinhal do Urso e pedia guia que lhe
ensinasse o caminho.
- Se o mar amanhã estiver tão bravo como hoje, que nos não deixou
lançar as redes, aqui está quem o acompanha, seu Lusitano . . .
- ó Mira, ó alma d e Barzabú, és tu.
Abraçaram-se e, como dois amigos que folgam de se ver e lembrar os
velhos tempos, pedi ram vinho; ali os surpreendendo a noite, copo despe­
j ado copo cheio.
Foi a leilão a "arte" do Évora por falência judicial. H á mais concorren­
tes a uma carroça que a apetrechos do mar. O Lusitano cobriu o lanço, e
bem andou que lhe ficava a armação - duas lanchas, duas redes, cerca de
cento e cinquenta cordas - por uma melgueira.
- Mira - disse-lhe ele, depois de levantado o remo - tomo-te para
arrais mas não abres a boca sobre o passado. O que lá vai, lá vai . . .
- H omem, não sou d o s que têm o coração a o pé d a boca e o que
exiges pouco é. Que sei eu da tua vida que te envergonhe . . . ? Que esfaqueaste
um inglês . . . São pecados de todos os marinheiros. Também tenho desses.
A minha pena toda é não ter despachado para o caldeirão de Pero Bo­
telho com quantos franceses, negros, ingleses nos buscaram quezília por
esses mundos de Cristo!
- Escusas mesmo de dizer que me conheceste no lugre . . .
- Está dito !
O Lusitano era homem de capricho e cuidou de pôr a armação à altura.
Instalou-se na praia com a família, irmã e filho que pela pinta, bem o era. E
ali lançou raízes para sempre. Quem era, donde vinha, ninguém se incomo­
dou de saber. Lá na terra dentro estes mistérios dão com os curiosos doidos.
Na borda de água, afeita a gente aos vaivéns, uns que chegam, outros que
partem, uns que a onda traz, outros que a onda leva, não causam febre a
ninguém. Ao cabo de ano o Lusitano era cidadão da praia, a praia triste do
Pedrogo, mê senhor. Ali aprendera o filho letras, e se fizera homem. Ali ia
dormir a noite sem fim o valente dos valentes.
la assim evocando, cismando o arrais, olhos perdidos pelo oceano
naquela costumeira de homem do mar. Ao largo, a uma vintena de rema­
das, passava em triângulo, rápidas como flechas, um bando de negrolas. A
água mostrava-se calma, escurecida ao longe por fuminho pardo, cortada a
meio campo por barra que ia do azul opaco ao verde-garrafa, alegre de
miríades de lumaréus claros, enquanto rente à costa parecia um espelho
manso a reflectir a luz brava do S ol. Boa hora de pesca! As ondas eram

1 26
doces soluços que vinham desatar na praia em borbotões de espuma, a
correr e retirar da areia mais vivazes que cabritas cor da neve. Impelida
pelas duas turmas de quarenta remadores, aliviado da carga, o Deus ande
comigo avançava, proa à terra, garbosamente. Pelo rumo que trazia, viria
bater ali perto, e o Mira esperou para dar a notícia. Na praia, os bois
aguardavam a voz de alar a rede, as boieiras à frente com a saia alevantada
pelo ateador, no gorfo de veludilho o espelhinho da grandura de vintém,
onde havia sempre um raio de luz a brincar. Acocoradas na rampa, que
mergulhava para o mar, arra, cavam as mulheres dos costais, os bufarinhei­
ros arrematantes do pescado, o rapazio ratoneiro, os homens dos xalavares.
Vinha perto o Deus ande comigo, regido pelo Savelheiro que sabia
escolher o seu mar. Mais duas remadas; uma pausa à espera de vaga, e a
vaga tomou o barco sobre si, como palanque na cernelha de elefante, e
depô-lo na praia sem baque nem estremeção.
- Boa manobra - ficou a cogitar o Mira. - Mas eu vinha sobre
barlavento; estão as águas baixas e o barco devia ir em busca de mar mais
ao norte para não perigar no recife.
- Não entrais? H á novidade? - perguntou para o Mira o Savelheiro
da proa da nave.
- M orreu o patrão !
- M orreu o patrão . . . ! - repetiu o outro com voz comovida. - Deus
o receba à sua direita.
Os homens, entretanto, recolhiam os remos e lançavam as espias; uns
deram-se à faina de calar o barco, outros, suarentos, suj os, com as carnes a
luzir por entre os fraldejamentos velhos do riscado, lavavam-se, retoiçando,
na onda enlanguescida.
- Andava adoentado, mas nunca imaginei um fim tão súbito . . . -
tornou a dizer o Mira para o arrais, extático sobre o castelo da popa,
tomado também do noj o da morte.
- Tantas vezes a coira deita o harpão que acaba por nos filar! -
respondeu o Savelheiro.
- V ou para lá agora. Vens daí?
- Vou.
Saltando em terra disse para os marítimos que já comentavam a má
nova:
- Eh rapazes, rezai por alma do tio Lusitano que o Senhor acaba de
chamar à sua divina presença! Calai o barco bem em se�o que o céu anuncia
mudança.
Foram subindo a praia devagar, muito devagar, carregados de melan­
colia. Os bois já andavam, sobe, desce a praia, no manej o lento de remontar
a rede. N os ranchos, aninhados às abas dos palheiros, desfiava-se a crónica
da vida e morte do tio Lusitano que expirara sentado num banco, sem ruído

1 27
como candeia sem azeite. Os arrais ouviam de ânimo contristado aqueles
responsórios fúnebres.
Ao longe ouvia-se cantar:

Eu sou o mar, tu és a terra


Qual de nós tem mais riqueza. . .

Das bandas d a Vieira escorregava uma nuvem que i a escurecendo o


céu como se fosse noite cerrada. O oceano rugia. U m bando de gaivotas
veio do mar esvoaçar sobre o posto da guarda-fiscal, os telhados das casas,
e o Mira murmurou:
- M orreu o d omador, brame a fera. Vamos ter tormenta grossa!

IL US TRA ÇÃO, 12-2- 1930

1 28
CRÓNICA DA QUINZENA

Fomos a Hendaya ver os emigrantes que chegavam de Portugal. A


fronteira estava-lhes fechada havia três dias e, no entanto, os restos não
escoados da enchente inundavam as ruas, atulhavam as duas imensas canti­
nas, construídas adrede para os explorar, e no átrio da estação as rumas das
bolsas de chita, contra as paredes, testemunhavam sua aluvial e avassala­
dora miséria a par com a sua bárbara simplicidade. Pela rua íngreme que
contorna a cidade pelo sul até encontrar o Bidassoa, subiam e desciam
grupos deles com o ar de gente perdida que procura a direcção. É para
aquelas bandas o Depósito . . . Escusado perguntar-lhes se são portugueses.
Intonsos, maltrapilhos, ombros erguidos, mãos nos bolsos, a tiritar dentro
da andaina de cotim por cima da camisa de riscado, às vezes a petisca do
cÍgarro detrás da orelha, distinguem-se à légua na população local, bem
comida e agasalhada contra o frio que corta como lâmina de aço. Têm
t o das as idades, desde o rapazinho imberbe de dezasseis anos ao homem de
cabelos brancos, no pendor da velhice, e são originários de todos os cantos
do Norte de Portugal. Parecem uma mescla de raças, e o que lhes dá tipo,
tipo inconfund ível , é o seu aspecto de párias, iguais na pobreza e desata­
viado. Ouvimos-lhes as vozes doces e cantantes dos vales, as vozes ásperas
das serras, e por sua insistência, se não fosse a noção do meio, tão diferen�e
do nosso, nas casas, no clima, nas formas, julgar-nos-íamos na terra portu­
guesa. Quando nos acercamos deles a falar a sua língua, mostram olhos
pávidos e suspicazes. Pudera! Para chegar até ali, tiveram que atravessar
toda uma Falperra de chatins, a começar pelo engaj ador e a terminar não
sabem quando, enquanto não tenha assegurada a "embocha", como dizem.
Depois, à medida que se vão tranquilizando mercê das nossas palavras,
ficam com um ar dócil e parado, boca aberta, olhos bovinos poisados em
nós, cheios de uma humildade e mansidão comoved oras.
Para onde vão? Não sabe m . A maior parte deles vieram sem contrata,
os raros que a traziam de Portugal ignoram a que espécie de trabalho ficam
1 29
escravizados, no desconhecimento que têm do francês, e porque ninguém,
tão-pouco, os elucidou. São carpinteiros ou tecelões, e empregá-los-ão nas
fábricas de telha; mecânicos, e atiram-nos para as derrubadas das florestas,
onde a féria lhes é contada a tanto por metro cúbico; pedreiros ou caiado­
res, e abarcarão o mister a talho de foice. A maior parte nunca exerceu
profissão especial e, enquanto estejam em França, não passam de manoeu­
vres, que é o degrau mais baixo e menos rendoso na escala operária. O
problema para eles é encontrarem trabalho; para os industriais recrutar
mão de obra barata, cómoda, sem responsabilidades, isenta de convenções,
ao contrário da italiana e da polaca, e nenhuma corresponde a este deside­
ratum como a portuguesa. O operário português, com efeito, humilhar-se-á
à mais dura tarefa, aceitará uma pocilga para dormir, ignora o que sejam
greves, come uma côdea de pão e um badulaque hediondo, contenta-se com
um salário irrisório, e atrás dele não há autoridade diplomática ou consular
a velar pelos seus direitos, a sua saúde, a sua higiene, a assistência própria
ou dos seus em caso de desastre. Mediante a contrata, que assinou com dois
rabiscos ou de cruz, é um escravo que se vendeu de corpo e alma ao senhor.
É de ano, geralmente, o prazo de validade destes ajustes, e, durante esse
espaço, perdeu o gozo absoluto de si próprio, ninguém possuindo alçada
suficiente para lhe modificar a sorte. Se deserta, o patrão manda-o prender;
se levanta a cabeça por doença, forçoso é que o patrão o autorize; as
condições de trabalho podem modificar-se, ele não tem remédio senão
submeter-se; numa palavra, não se pertence; perdeu os seus foros de cida­
dão; é como os negros de África.
Não obstante a lei draconiana sob que labuta, o operário português, a
afluência é avassaladora. No Dépôt calam o contingente. Lançamos um
número ao acaso :
Vinte mil, anualmente?
- Talvez - respondem-nos.
Este talvez deixa- ri os conjecturar quanto a nossa avaliação foi mode­
rada. O Dépôt seria, de resto, incapaz de levantar a estatística da ·emigração
portuguesa. M uitos dos nossos operários entram clandestinamente pelas
várias portelas dos Pirenéus. Duas vezes por semana, ao que me informam,
grandes auto-cars vêm, carregados deles desde a fronteira espanhola, lançá­
-los na terra ambicionada. Deste modo, eximiram-se a mil formalidades
complexas, embora sej a leonina a parte do engaj ador. Entrar em França,
em verdade, custa coiro e cabelo. Nos termos legais, o operário deveria
trazer, a par com o passaporte, o contrato de trabalho. As autoridades
portuguesas entenderam que havia gente de sobra no pais e passaram a
conceder salvos-condutos para Espanha a torto e a direito. O engajador,
persona grata, obtém-nos nas repartições distritais com uma perna às
costas, transpõe com a sua leva a raia e na primeira estação do caminho de
ferro tira uns tantos bilhetes de terceira e adeuzinho. Em S. Sebastião lá

1 30
está o vice-cônsul para dispensar passaporte a cada um, habilitado com o
qual o mísero se apresentará no Dépôt. Esta palavra que significa, acima de
tudo, lugar onde se arrumam coisas, denuncia o que aquilo é: uma, duas ou
três barracas, que fazem as vezes de secretaria, com um telheiro ao fundo,
nu, em ripas, tarimbas a tod o o longo dos muros, para receber a mercado­
ria humana. Para mais, este barracão deixou de ser empregado, pois que ao
lado e perto da gare se instalaram duas cantinas com dormitórios, mais
ignóbeis que tudo o que há de ignóbil, onde pernoitam os párias à razão de
três francos por cabeça e comem, a sete francos cada repasto. São as
construções mais miseráveis que há em Hendaya. Se alguém quiser dar com
elas, mercê desta indicação não tem que errar. U ma das cantinas nem
sequer é telhada; cobrem-na grandes folhas breadas e é térrea, húmida, com
· as tá buas pregadas contra estacas cravadas no chão. Dá para uma sorte de
sórdida azinhaga, que olha em baixo para um dos chafurdos do rio. A outra
é um falanstério de madeira, remendado, esburacado, lôbrego, com este
título numa tá bua de palmo: Hespanhola Cantina Portuguesa.
No terreiro do Dépôt, quer chova quer neve, a horda espera a voz de
c hamada. A repartição é acanhada, mas que não fosse, la queue se fait à la
porte. O antigo bazar de escravos, em Alger, não podia ser menos
confortável.
Ouvimos as queixas dos escriturários, que não têm mãos a medir para
distribuir pelos centros fabris a avalanche quotidiana de homens que che­
gam de Portugal.
- Há cinco dias tivemos de rechaçar 800 para Espanha - dizem-nos.
Em S. Sebastião empurraram-nos para Irun; em Irun, dormem nas
portas, sob o alpendre da estação, ao abrigo dos muros. São multidões
compactas. Para deitar até ali empenharam-se, ·venderam a courela,
enforcaram-se no prestamista rural. Vêm atrás da miragem como ontem
com o Brasil, há s éculos com a Índia. Desde a sua terra até o lugar da
escravidão vão deixando em espórtulas e alcavalas o j ornal de muitos
meses. A sua miséria tornou-se uma fonte de riqueza para muitos, e o mister
rendoso de não poucos. Pobre raça errante e desgraçada que abandonou a
sua aldeia, coagida pela fome, parece o rebotalho da humanidade, vista
para cá de fronteiras.
- Quem ficou na vossa terra? - perguntamos.
- Os velhos que não podem andar, as crianças, as mulheres, não
todas. H avia de fugir tudo, e a erva crescer nas casas e nas ruas !
O homem que assim fala range os dentes e na sua face espell!.a-se uma
infinita a,margura e o desespero de haver desamparado o lar, talvez a mãe
velhinha, ou a noiva.

ILUSTRA ÇÃO, 1-4-1930

131
AS CAMÉLIAS - S CHERZO

À noite, ao recolher, encontrara de cima da mesa um rubescente ramo


de camélias. Seriam as últimas da sazão, mas tão louçãs, tão ostentosas que,
na casa modesta, dir-se-iam daquelas travesssas e gnómicas divindades que
entravam pelos cenóhios dos bons solitários a fazer-lhes pirraças e judia­
rias. Fineza anónima, devia proceder de pessoa que sabia quanto gostava
destas flores da luz cariciosa, movido não da sugestão romântica mas do
milagre do colorido e forma com que se fazem perdoar não serem perfuma­
das. Intrigado, com desvanecimento ficou a cismar na criatura que tivera a
bizarra lembrança e se escondia.
Era de crer que o seu hálito houvesse bafej ado o veludo finíssimo das
pétalas; banhara-as e sensibilizara-as, correspondendo a secreta pulsação, a
chama dos seus olhos; e, pois que por ela passara, a imagem amável lá
estava, lá devia estar. Mas era uma doce sombra de que se não podia
aperceber. E a fugir ao vago langor, entregou-se ao prazer todo visual de
admirar as camélias, admirar com o enleio e engenho das crianças, que
transpõem para magníficos mundos coisas de nónada.
Mas o amigo anunciou-s e .
- Maganão, flores de apaixonada! - proferiu ao avistá-lo com o
ramo em face como o devoto junto ao altar.
- Enganas-te. Encomendei-as na praça.
- São então para oferecer? Se os olhos me não enganam, o Senhor já
anda desconfiado.
Àquelas palavras, de salto ficou sabendo quem lhe mandara as camé­
lias. Fora ela, sem dúvida, e tomou-o o grande receio de que semelhante
suspeita se arreigasse no espírito do amigo, que era de seu natural invej oso e
inclinado à intriga. Era preciso atalhar com rasgo e firmeza e, desembaraça­
damente, proferiu:

1 33
- Não, senhor. Na jarra onde as vês lá murcham. H omem, não com­
preendes que adorando eu as camélias, as mande arranjar só para meu
regalo?
- Eu te digo: também gosto de flores; se me vires, porém, uma rosa
na botoeira é porque ma lá meteram; se as encontrares em minha casa, é
porque foi dádiva. Por um cravo, um manjerico, sou capaz de escalar um
j ardim, guardado pelo dragão de cem cabeças, para oferecer à minha dama!
Fora disto, talvez porque goste de flores, prefiro vê-las na planta.
Dissera estas palavras com ares enfáticos, picado do despeito de se lhe
ver negada a confidência que esperava ou, quem sabe, pretensioso como
era, da emulação de sentir-se preterido. Pelo que, em tom de ligeireza,
ouviu esta réplica:
- As camélias valem pelo que são. Mas tu nunca olhaste para elas
com inteligência. És um bárbaro, meu caro, um bárbaro !
- Não, nunca as examinei com olhos de botânico - tornou no
mesmo tom presumido. - Aprecio nelas a viveza das tintas; aprecio o verde
da folha, de um lume tão quente e sensual que embebeda os olhos. Também
sei que as camélias s ão flores de luxo, apenas de luxo, sem perfume como
hetairas sem pudor. Têm um nome horrível, de parvenues, que soa, ainda,
ao apelido de guerra das cortesãs. É quanto basta para formar uma ideia
suficiente.
- É pouco. É o juízo que faz delas o boi, o labrego, a menina que
enfeita com elas a floreira da sala de jantar. Não me surpreende! Há em
certas coisas um encanto que apenas se entrega a quem lhes conhece, como
hei-de dizer?, a quem lhes conhece a sintaxe.
- Indica-me a gramática onde isso se aprende! - redarguiu, torcendo
os lábios num esgare de ironia.
- Vem cá, é facílimo - respondeu com uma pachorra, um intono
quase de pedanteria que lhe não era próprio, mas que servia para cortar ao
pensamento do amigo a vereda teimosa. - Se olhares para estas camélias, o
que primeiro te fere a vista é a cor, não é assim? Bem, recorramos o plano.
Por uma circunstância que não vem para o caso, são todas vermelhas.
Porém, se o vermelho é a falta de tónica, o matiz estende-se a tantas
variações quantas pode a retina conceber. Nada falta, desde o carmezim­
-cereja, com fulgores de granada, ao cor-de-rosa suavíssimo a diluir-se em
nácar. Num só exemplar, por vezes, a gradação é mais subtil que as cam­
biantes no colo de uma pomba. Noutras, o rubro é unido e inquebrantável
como ensopadas em vermelhão de Saturno. Temos, portanto, aqui, uma
primeira maravilha . . .
- Sabia-se - proferiu com uma secura e m que o interlocutor pareceu
não reparar, pelo que continuou no mesmo tom académico:
- Não, estas coisas estão à superfície e não se vêem; são os segredos a
descoberto que ninguém procura desvendar. No mundo dos fenómenos há

1 34
um discursivo que requer dos olhos uma espécie de virgindade. Olhos pan­
teístas de criança ou de poeta.
- Édipos, ah !
- Não rias e repara-me para esta camélia cor de sangue, com veias
translúcidas, de uma anastomose que seria invej ável na pele da face de uma
rapariga loira! Raiada de estrias pálidas, não parece uma estrela do ama­
nhecer? E aquela irisada como rosácea! E esta outra com beta alva de neve a
dividir o limbo das pétalas contra um fundo cor de salmão ! E esta, em que o
encarnado se apresenta jaspeado de villeta para a periferia e de guache para
o centro, com as pétalas, sobre o redondo, num decrescendo harmonioso
até formar o coraçãozinho de alabastro ! Observa como na combinação com
o branco, rodadas, cruciadas, irradiantes, com um leve rócio de alj ôfar,
mosqueadas a máculas largas, são simétricas e caprichosas tais as faianças
dos oleiros mudjares !
- De facto.
- Atende agora à disposição das pétalas. Dentadas, lancioladas, acu-
liadas, redondas, imbricadas de tal maneira que projectam um fuminho de
sépia umas sobre as outras, não está aqui o mais curioso e singular j ogo de
curvas?! Há ainda a revelar nas camélias a configuração linear da face, a
qual mostrando-se plaina, deprimida, convexa, como os ciclamens, como as
dálias, como as rosas, é um outro mundo de belas e curiosas aparências.
E, se não abstraio da folha, nem do botão com as suas tintas, com as
suas formas, deparam-se-me outros e variados diagramas. Tudo isto cons­
titui a sintaxe estética da flor.
- Não têm perfume - observou o amigo, perdendo de vista o pensa-
mento que dera azo à dissertação.
Se fossem aromáticas, o seu aroma seria um veneno mortal.
Porquê?
Porque todas as perfeições juntas dão na monstruosidade.
Onde acaba a escala das perfeições?
Onde mo indica o sentimento de relativo que tenho da natureza.
\ - Não és original na paixão . . .

- Nem m e importa . . U ma camélia, para mim, transverte-se para o


mesmo teatro em que me deleito a ver um podador a arredondar certa
árvore da rua, uma formiga a acarretar para o celeiro a carrada imensa do
grão de trigo. É nisto que encontro o tal discursivo de que falei há pouco.
Fora dele, vida, mulheres, arte, j ogo da inteligência, não me interessam ­
e, aliviado na certeza de que desviara da bela criatura a suspeita perigosa,
voltou em silêncio a adorar as flores, tão ciosas, dir-se-ia, da sua beleza, que
não se estiolá m, não murcham, mas se despegam do hastil e caem ao chão,
como suicidas.

ILUSTRA ÇÃO, 16-4- 1930

1 35
"O HOMEM QUE MATOU O DIAB O"

A quilino Ribeiro, o eminente romancista português, um


dos mais sólidos e fortes valores da nossa literatura moderna,
acaba de lançar ao público, um novo romance O homem que
matou o diabo, cujo sucesso editorial promete ser maravi­
lhoso. A obra de A quilino Ribeiro já não precisa de adjectivos
nem se faz mister a mostarda do reclamo para que o público
fiel do grande prosador português espere, com ansiedade
nunca defraudada, cada nova o bra que surja no mercado. Mas
não podemos deixar de fazer arquivo, nas nossas colunas de
um belo trecho desta obra verdadeiramente surpreendente que
marca a maturação completa do talento de A quilino Ribeiro.

VI

Ao descolar do automóvel - seriam dez horas quando muito


abatia-se sobre a cidade a quietude dos lugarej os, ditosamente adormecidos
com o recolher do gado. Noite obscura, fosforej avam estrelas no céu fundo
e baço, como brasas espalhadas num imenso cinzeiral. Adiante do carro
fugia a estrada, inalteravelmente negra e silenciosa, ora disparando em voo
de flecha, ora serpenteando acima da vargem a que as tintas opacas da noite

1 37
imprimiam as aparências dum tenebroso e desmedido mar. Mal lhe des­
compunham a negrura a luz forte dos faróis e à sua mudez imponderável o
zumbido rouco do motor dava a amplificação majestosa dum deserto. Das
·
sebes, onde uma macieirinha anã devia erguer ramos, pesados de velhice e
de frutos tenros, das copas altas das mimosas e acácias, com os troncos
grossos perfilados como patrulhas ao longo das valetas, dos quintais do
pobre, dos próprios coutos do mato galego, vinham alargar, envolver o
carro os rescendores da Primavera esmorecente.
- Olha como tudo dorme! - proferiu Cipriano intencional.
- É verdade - respondeu Macário. - É nestas noites de Primavera,
macias como o veludo, que a natureza, quebrantada dos estos do dia,
dorme a sono solto. Pretende a botânica que não, que é no Inverno. Sabe-se
lá que soma de esforços não dispende a vida na imobilidade!
Para os vegetais, sobretudo, a hibernação é uma sorte de catalépsia.
- E que j ogo de energias não estará atrás desse fenómeno?
- É nos primeiros planos que a gente olha para as coisas. Poetica-
mente posso imaginar que aquela olaia, toda aberta, toda carminada de
flores, dorme como uma mulher na gravidez. Mas não, deve estar a sugar
no húmus como uma bacorinha na teta da mãe. Para o poder afirmar,
basta-me saber que cresce de noite. A vida animal e a vida vegetal regem-se
por leis diferentes. O solo e a planta fazem um; com o bicho não sucede a
mesma coisa.
- Repugna-me aceitar que o mecanismo da vida não seja análogo na
planta e no animal.
- Sim, mas no infraperceptível das variações está tudo. Há uma
unidade na vida, mas não identidade.
- Em matéria de conhecimentos, andamos nas primeiras letras do
alfabeto. Que sabemos n ós no mundo invisível que nos rodeia?
- Tudo a que os meus cinco sentidos são inacessíveis não me inte­
ressa. Supondo que sou espiritualista, acato as restrições de Deus; materia­
lista, todas as lentes são poucas para estudar o meu elemento.
- Acredito na imortalidade . . .
- Estás n o teu pleníssimo direito.
Tinham ultrapasado os subúrbios e o automóvel engolfava-se por entre
matas de pinheiros, negros, hirtos, com uma caótica fixidez de espantados.
Mas lá adiante, onde varria a luz dos faróis, às duas bandas das valetas, uns
abriam alas processionais; figuravam outros descer pela lombra meio des­
nuda a passo de carga; e, depois, fugiam todos em debandada para trás.
Aos bosques sucederam-se os breves oásis dos poviléus, com os voláteis
incensos do alecrim e da alfazema embalsamando o ar, os cães de pastor,
ampliados pelo contraste da luz e das trevas em proporções descomunais, a
arremeter raivosos contra o carro, latadas em que os pâmpanos nascentes
pareciam de prata, uma pereira, íris e neve, exalando na noite uma impres-

1 38
são feminina de garridice e fragilidade, o casario, torvelinho de planos e de
cubos, mais presentido que devisado.
- Em que vais a cogitar? - perguntou Cipriano.
- Que vamos por esta estrada deserta supondo que ninguém nos vê, e
somos observados por um ror infinito de testemunhas.
- Um ror infinito é muita testemunha junta. Só mosquitos; mas a
esta hora, a maior parte deles devem estar a dormir bêbados das bambo­
chatas do dia nas folhas tenras das árvores.
- Não escarneça. Como muita gente bem-pensante, imagino o uni­
verso produto duma vontade, que se vai desdobrando em gradações de
natureza espiritual até chegar ao homem. Do homem, primeiro fuzil do
mundo físico, desprende-se a flama que vai integrar-se na escala divina,
cuj o fecho é Deus.
- Compreendo, lá na tua, o universo é uma tortulheira de espíritos
como de bacilos o caldo do bateriólogo. E esqueces que essa doutrina
adaptou o dogma cristão da imortalidade e mereceu o anátema da Igreja.
Não dizem os santos padres que as almas ou vão para o inferno e de lá
saem, ou voam para a mão direita de Deus Padre, onde ficam presas da sua
d oçura como moscas do mel?
- As ciências teológicas são omissas, dando de barato que sejam
infalíveis. Se as almas perduram à consumpção, como me ensina o meu
dogma, porque não hei-de admitir que baixem entre os homens, lhes assis­
tam, os inspirem, lhes insuflem determinadas regras de acção, numa pala­
vra, desempenhem junto deles um papel moderador, repressivo ou tutelar?
- Ah!, ah! Lá se vê, é graças a essa policia secreta que cada vez há
menos patifes no mundo !
- O s espíritos são caprichosos e inconstantes, avaliados à luz do
nosso entendimento.
- Quem te ensinou uma metafísica tão absconsa? Foi o padre
Augusto?
- Tenho filosofado muito comigo e com Deus. Eu ouço, e só não
ouve quem não quer, mil vozes interiores quando me proponho cometer um
acto que sai do ramerrão quotidiano. D onde vêm elas, se não dos seres
invisíveis que penetram na minha consciência como o sol por uma vidraça?
Olhe, ouço-as agora que me dizem: vais praticar uma feia acção. Volta
atrás, ainda é tempo!
- A isso chama-se em gíria terrena - cortar prego. Descansa, que no
convento não encontrarás espíritos. S ou petroleiro, fogem de mim às sete
partidas.
- Comprometi-me, vou, ainda que soubesse que a minha alma caía
direita no inferno. Agora lhe digo, esse convento da A ra Coe/i deve ser uma
formidável mansão de espíritos. Os milhares de almas que por lá passaram;
ali tiveram o seu humilhadeiro; ali sofreram o seu calvário; ali penaram os

1 39
seus amores terrestres e prelibaram os seus amores divinos; esses milhares
de almas pairam, não podem deixar de pairar, sobre a pobre ruína mística.
Estão esparsas na penumbra, consubstanciadas nas paredes, nas imagens,
em tudo o que lá resta de pé. Por isso há coisas sacrossantas, e é risco de
morte tocar nelas com mãos profanas.
- Breve tiraremos a prova - disse Cipriano com visível desdém. -

O mundo é átomo, eléctron, reacção entre os dois, e mais nada. À s vezes


tão subtil é o fenómeno que os eunucos do entendimento inventaram
para o explicar a palavra espiritual. O resto são baboseiras de cérebros
doentios.
Iam costeando a serra, a j ulgar pelas rampas de rocha e de saibro a que
uma giesta ou pinheiro revelho faziam sentinela desolada. Repercutia mais
alta e sonora a zoada do motor. Um coelho que pincharolava na zona
luminosa dos faróis, uma cruz de homem morto, instilando superstição e
terror, um pontão sobre águas vivas, penedia e monte, monte e penedia, e
sempre o macadame correndo deserto entre sombras enoveladas.
Depois de longo silêncio, expôs Cipriano com toda a minúcia o plano
de entrada no mosteiro. Desfiando um rosário de hipóteses, até aquelas que
se lhe poderiam antepor como mais adversas, só contava com dificuldades
de ordem material. Nada havia a recear; aquilo era numa cova, distante de
eira e beira, onde não bolia viv'alma.
- Pois a mim palpita-me que nos vai acontecer desastre - disse
Macário. - Todo o caminho me tem vindo a trabalhar a consciência que o
melhor era desistir.
- H omem, quem tem medo compra um cão. Para que aceitaste o
dinheiro?
- Não se exalte, vou. Limito-me a dar-lhe parte dos meus agoiros.
- Dispenso-te a atenção. O que te recomendo é que trates do sistema
gastro-intestinal. Isso não deve funcionar bem.
Calou-se M acário, cominado pela voz sarcástica. No fundo da sua
alma ia transido, torturado de medo, sustentado pela fátua esperança de
que o carro se despenhasse por uma ribanceira e, mortos ou feridos, assim
tivesse embargo a sacrílega aventura. Mas, conduzido por mão segura,
afoito, com frenesim, sem tactear o piso, lá ia o automóvel devorando
quilómetro atrás de quilómetro, entoando o seu refrão glorioso. Tinham
descido para a planície, terra de paúl e vinhedo, e boiava no ar o cheiro da
vessada, este cheiro da terra acre, salitroso, em que parecem fundir-se todos
os perfumes da vida e da morte. Acompanhavam a estrada testeiras verdes
de campos, renques de árvores floridas, e muros altos de quinta com portão
de ferro entre pirâmides de silharia lavrada. E ouviam-se cantarolar os
ribeiros, impregnada a atmosfera de sua humidade fecunda.
Mas lá longe, acima da veiga verde, levantou-se o quarto-crescente,
estreito e pálido como foice enferruj ada. Já branquej ava a fita alvacenta do

1 40
macadame; já luziam como aço brunido as folhas recém-vindas dos casta­
nheiros. E na luz esvaente, denunciavam-se os plátanos e os eucaliptos pelo
tronco branco e escodeado, as cerejeiras pelo torreão de esmeralda, com
recamo de lantej oulas, e os rústicos pinheiros pela negrura solitária. Saltou
um molosso de granja, agigantado ao reverberar da luz; chisparam !uma­
réus do restolho engaçado; ouviram-se, apagaram-se vozes, como relâmpa­
gos. E, vuú-vuú, sempre mais longe.
- Vais a rezar! - berrou Cipriano. - Rezas daqui a pouco na igreja
da Ara Coe/i.
- Ia quase a dormir - respondeu Macário que, ao ritmo da marcha,
se ia embalando entre a visão da amada e a inquietude do lance a j ogar.
- Pois acorda, que estamos quase chegados. É bom ires calçando as
alpargatas.
E dizendo isto, tirou Cipriano as botas e meteu nos pés umas sandálias
surdas, de ratoneiro.
- Mas é precisa essa cautela toda? - observou Macário ante aquele
aparato.
- H omem, o seguro morreu de velho e · D . Prudência foi-lhe ao
enterro. Pode andar por lá algum pastor a acurralar terra, e assim gira-se
também mais leve e subtil.
Obedeceu Macário grunhindo:
- Os fados têm de se cumprir. Vou como se fosse de rastos.
- Diabos te levem, mais ao medo. Colaboras numa obra meritória,
que os quadros estão-se a perder. Se houvesse espíritos, como tu alanzoas,
eles próprios os dependuravam do muro e vinham-nos trazer ao automóvel.
- Viriam. O que lhe digo é que não basta quanta água lustral há no
mundo para nos lavar as mãos.
Mas não ouvia Cipriano, distraído a dizer ao chauffeur que apagasse
os faróis e marchasse lentamente. Pela direita, a todo o longo da estrada,
ia galgando uma parede muito alta, de negra e miúda alvenaria, com o
dorso de cavalo esbarrondado de espaço a espaço.
- Cá está a cerca! - dito o que, a meia voz, apressou-se a correr à
outra portinhola, que olhava para as matas. O automóvel seguia ronro­
nando baixo, sem um estremeção, como felino à caça. Mas breve gritou
Cipriano:
- Alto !
Rasgava-se um pequeno desvio por meio dos pinheiros dentro, traçado
pelos carros da lavoura, e acrescentou:
- Mete para ali o carro ! Vês o esconso? É mais seguro que na garage.
- Mal pecado que não viesse alguma donzela ter comigo - gracej ou
o chauffeur, que era rapaz novo, de ar desenganado.
- Talvez algum lobo. Quanto ao mais, podes deitar-te a dormir.

141
Cipriano retirou do carro dois pacotes de ferramenta; e dando um a
Macário, metendo outro debaixo do braço, proferiu:
- Ala que se faz tarde!
Atravessando o macadame, cortaram para um caminho velho, que se
afundia como uma regueira entre o muro feudal da cerca e o muro alto de
duas varas, suporte das terras que desciam da banda do Norte em íngreme
escorregadoiro. Era um -caminho de lájeas, desiguais, gastas pelo vaivém
secular do mosteiro, que contara passante de cento e trinta celas. Do seu
esplendor, das graças e prodígios de que foi teatro, reza a crónica da
ordem em páginas e páginas que rescendem mais fragrância que um campo
de anémonas . . . Crisol de vidas e alfobre de santas qualificou certo visitador
aquela clausura, que, sendo mimosa de todos os regalos, com tulhas abarro­
tadas até o tecto, se tornara pelo jejum e o cilício um dos purificatórios do
Carmelo.
- Este muro é mais velho que a Sé da Guarda - murmurou Ci­
priano, levado sape que sape, como um gato, na sua sombra. - Parece
construído de cascalho e em solidez nenhuma fortaleza lhe ganha. Se os
gerifaltes chegavam ao pé das monjas, é porque elas queriam. Mas onde
diabo está a portaleira?
- Não terá sido essa portaleira ilusão dos seus olhos? - balbuciou
Macário, respirando o desafogo duma súbita esperança.
·

- Não é, tenho-a na planta.


- Estudou então a topografia do mosteiro?
- O melhor que me consentiu o padre capelão. O raio do homem
andava com lúzio de cima de mim que fervia. Benfeita, que há-de acabar
em Rilhafoles!
Lobrigaram, afinal, o esbarranco para cruel desengano de Macário e,
escalando a ruma de pedras, subiram para a crista do muro. Diante deles
estendia-se a estranha paisagem do horto, mais cemitério ao abandono que
terra de cultivo, talhado em xadrez pelas ruas de murta de que lucilavam ao
luzeiro frouxo do luar, mortiças e pálidas, as frondes esguedelhadas. Não se
via o solo, mas adivinhava-se ser pasto de faminta e raivosa enchente de
ervas pela escuma verde-negra que o cobria. Do meio delas, como em
levitação, elevavam-se cones brancos, rarefeitos, que deviam ser árvores de
fruto, vingando florir uma última Primavera, caducas e exaustas. Formas
veladas destacavam aqui e além, porventura arbustos, estátuas corroídas ou
fantasmas esvanecentes. Ao fundo, o vulto do mosteiro punha sombra
imensa e espectral. E aliado ao aroma forte, selvagem, das ervas daninhas,
da murta, dos detritos vegetais, pairava ali um silêncio tão absoluto e
infesto, que chegava a incutir uma noção chocante de personalidade.
Não se deteve Cipriano na inspecção da inconsolável soledade;
pulando dentro, foi abrindo caminho pelo ervaçal, ao abrigo da murta, com
breves paragens para não se perder do companheiro.

1 42
Cerca de uma brenha de ciprestes e loireiros, tão espessa que bem se via
nunca ali entrar machada, suspenderam-se à escuta. Não bolia folha. A
poucos pas�os perfilava.,.se a portada da igreja, muito direita em suas linhas
rectas e salientes cunhais à escoda, com panos de argamassa e cornija que se
subpunha ao tímpano e se prolongava para o convento a toda a volta dos
beirais. Sobre o ângulo norte, a sineira, de uma só empena, mostrava as
ventanas vazias, varadas melancolicamente do luar. Acima do arco da
galilé, no seu nicho tubulado, uma santa Teresa de pedra lioz dormia o sono
extático; esbeltas pirâmides encimavam as platibandas. E para lhe não
faltar o ar austero de frontispício século XVII, em exergo, inscrito no lintel,
brilhava um Jesus dulcis amor meus, que Cipriano, a dar tempo ao tempo,
re memorava para o companheiro .
Ali permaneceram obra de minutos e iam a despedir quand o rom­
peu perto a serenata dum rouxinol.
Diluiu-se a dolente melancolia daquele lugar de sombras, como se por
sobre a terra morta descesse um dilúvio de rosas. Já não empestava o ar o
odor acre da murta; já o silêncio perdera aquela fixidez de dragão que vigia;
e da alma de Macário evolavam-se, como fumos de pesadelos, seus místicos
terrores.
- Vamos lá, muito devagarinho, para não espantar o cantador ­
murmurou Cipriano caminhando para a igreja na ponta dos pés. - Vai ser
o nosso guardião o rouxinol. Se se cala, é porque damos alarme, o que não
é bom; ou porque vem gente, o que é pior.
- Se o senhor fosse da raça do monge que passou mil anos em êxtase,
conta o padre Bernardes, a ouvir o rouxinol, deixava os quadros e não saía
daqui.
- Não, não sou dessa raça. S ou da raça daqueles que julgam mais
louvável salvar dois Riberas da destruição que duas almas do inferno.
Adiante, que é festa!
Entraram para a Galilé e logo se foi Cipriano experimentar as portas,
robustas, posto que velhas, com almofadões lavrados e grossos, cravos de
cabeça em poliedro. Empurrou; estavam, de certo, bem trancadas por den­
tro, e os batentes não arredaram um do outro nem tanto como a grossura
duma folha de papel. Em vista do que, desfez os embrulhos e apertou as
ferramentas com o tino dum nictalope e tanta leveza que na balseira o
rouxinol não se interrompeu de cantar. Com o pé-de-cabra atacou então as
portas, insinuando-o quer no rasto, quer no rasgo das ombreiras, ora com
maneirinho jeito, ora com nervoso arranco. Nem ares deram de bulir.
Perplexo, em tom de solilóquio, meditou:
"Esta é a entrada mais directa e mais segura. Ninguém nos vê traba­
lhar; uma vez os batentes dentro, cantam os Riberas no papo. Pela outra
porta, a cartada oferece seus riscos; está muito em exposição, e passante ela,
quantas outras não haverá, fechadas a sete chaves, a tolher-nos o caminho?

1 43
Avancemos pela poterna. É preciso cortar a tranca . . . corta-se. Não há
frincha para o serrote manobrar? Abre-se um ilhó."
E dispôs-se à obra. . .

(De O homem que matou o diabo, recentemente posto à venda).

ILUSTRA ÇÃO, 1-5- 1930

1 44
NÃO, JÁ NÃO SOU CAT ÓLICO

. . . Contou Isabel n a fala mansa e fluida, com o seu quê d e chilreado e


de neve a zebrar o céu e a dissolver-se no solo humedecido, os acintes de que
o bom do homem fora alvo quando dera a lume a Espada de D. Afonso
Henriques. O escultor dobrara a cabeça sobre a mão e, com o crepúsculo
que vinha descendo parecia quebrado a dormir. Incerto calou-se o regati­
nho da voz dolorida. Ouviu-se o crepitar do fogo e, na carreira, retinir a
chocalhada dos rebanhos que recolhiam dos montes. E ele, ensimesmado,
revolvia no entendimento aquelas cómicas e cruéis coisas, completando-as
com traços da sua intuição, interpretando-as no vero cenário do soalheiro
nacional.
Partira do rebate da gazeta dos vigárigs e brasonados ché-chés; Vis­
sem, vissem, um blasfemo racionalista tratava de sucata a gloriosa, épica,
sacrossanta espada do Fundador! A que pedir contas do torpíssimo desa­
cato, que espalhava a relaxidiío e a soltura do livre exame, senão à demago­
gia reinante?!. . . S altaram logo à estocada os vates saudosistas, a Cruzada
Nun' Álvares e a Ordem de Santa Maria do Castelo. Ardeu Tróia só fal­
tando os hierofantes do nacionalismo aparelharem um caldeirão de azeite
para frigir o iconoclasta. Mendanha era singelo, retrógrado, alma sensível,
e doeu-se de se ver no pelourinho da letra redonda. Debruçando-se sobre a
brochura como o mais rigoroso censor do Syllabus e não podendo reconhe­
cer o seu pecado, capacitou-se de que um génio mau e invej oso, misto de
Cabrion e de Torquemada, saído porventura da falange vasta dos arqueólo­
gos, lhe armava estas tramóias e picardias. P ois que a crítica formulada
contra a apócrifa catana era um modelo de lisura; que demonstrara a sua
tese por a + b; que nem empáfias acalentara de original, sendo notório

1 45
terem antes dele, muitos pesquisadores de velharias andado suspicazes em
volta do chanfalho e virem alguns a público denegar-lhe a genuidade; que
no seu intuito fora digno e meritório com pretender exornar o braço forte
do monarca com outro ferro que não a vil lâmiba do museu - porque o
acusavam? Animoso com razões de tanto peso, ripostou. Pobre investiga­
dor de coisas mortas, não concebia, não podia conceber que surdissem nos
povos, atridos da guerra, estas /ames de fond que têm a virtude de trazer à
tona a ciscalha do passado e a fauna larvar dos podrideiros, e que, babu­
jando até Portugal, hífen da civilização europeia e da barbária africana,
ressuscitaram do labéu as almas dos capitães-mores miguelistas, transmi­
gradas em camelots du roy, as sacristias rancorosas, os conselheiros beó­
cios, os panfletários da Besta Esfolada e todos os Calibans do liberalismo.
Todos estes caíram em fúria sobre o arqueólogo, invectivando, espumando,
ululando, gemendo até patrioticamente o miserere. Da assuada, entre as
penas eruditas e virulentamente lusíadas que espicharam o Judas, alegou
uma "ser D. Afonso H enriques um miraculado como Godofredo, como
Joana de Are, e portanto que manejasse o espadagão ou uma trave de ferro
mais fácil que medicastro de aldeia ao bisturi das cirurgias". Treplicou
M endana que "por aquele critério o príncipe quando fugia à palavra e se
rebelava à má cara contra a mãe, obedecia ainda à inspiração divina. A
teodiceia era omissa quanto a conferir ao deus dos exércitos o· atributo
correspondente. Mas partindo do princípio que fora investido da alçada
augusta, porque em vez da tosca durindana não usar a lança coruscante de
S. Miguel"? Mais se assanhou a patuleia tradicionalista. Não se detiveram
já a provar que o gládio que armara as mãos reais, se ensopara até os copos
no sangue dos perros infiéis, riscara as fronteiras da pátria; empenharam-se
em liquidar o homem. Lamentavelmente, o passado dele era mais limpo que
o papel em branco de que se servia a seráfica folha antes de estampada.
Remexendo bem com o gadanho, tocaram na sepultura de D. José, disse­
cado pelos vermes. Deixá-lo, exumaram a memória infeliz debaixo da
loisa pesada e deram-no em pábulo às beatas, aos Catões das monarquias,
aos muftis do patriotismo agravado, esquecendo que o fidalgo fora, à tez da
sua consciência de patife, um refinado carola. Daí até a simbiose com o
mano foi um passo. Condensava-se em torno dele o mesmo ambiente de
estúpida e santíssima intolerância em que se debatera o Milagre de Ourique;
menos filósofo que H erculano, mais enojado talvez, deixou de então em
diante secar a tinta no tinteiro, passando, para matar o tempo, o tempo
tirano da velhice, a decifrar charadas de almanaque.
Erguendo a cabeça porque só decorridos minutos deu conta que se
ouvia a ele e não ao murmúrio da voz límpida, exclamou Macário:
- Que lástima ter esta linda terra tão maus povoadores !
- Ora! Ora! É por acaso melhor a gente das outras nações? Há-de-me
contar como se deu nessas cidades famosas. Coitado, sabe Deus se foi feliz !

1 46
la a protestar que fora felicíssimo, mas resplandecia no rosto de Isa­
bel um lume de tanta doçura que lhe faleceu o ânimo para mentir. E
acanhando-se de fazer estenda! dos seus dissabores, limitou-se a confessar:
- Não, não fui feliz.
Ao cabo de pausa, levemente embaraçosa, tornou ela:
- Deus trouxe-o a porto de salvamento.
- Deus se existe não quer saber de nós.
- Não diga isso!
- Em todo o caso, nunca é o Deus que anda de cima dos altares,
figurado pelas teologias. Esse desgarrou da lei moral. Almas em que
governe são, em regra, antros de hipocrisia, de mentira, de perversão e
sensualidade. Almas católicas . . . diabólicas. Abjurei, despi a túnica de Nesso
da minha infância que me afogava. Corri mundo e quase todas as pessoas
que encontrei à sombra da velha e ressequida árvore do Calvário eram o
pior da humanidade.
- Santo nome de Jesus !
Farto de sofrer, sempre que a taça cristã se me estendia para os lábios a
aliviar a febre, do fundo tinha fel e vinagre. Falhei a vida mercê da estrei­
teza dos moldes em que me formaram o entendimento. O demónio que
trago dentro de mim, bem o sinto, nasceu e engordou no nateiro das minhas
superstições. É ele, só ele, que me faz mesquinho, ego ísta, voluptuoso, mau
em suma. Não, não sou católico, mas por desgraça minha é tarde para pôr
direita a alma encurvada.
Havia tanta angústia nas palavras de Macário que Isabel, comovida,
não respondeu. S ó após dolorosa pausa, ousou dizer erguendo os olhos
claros:
- E agora?
- Agora, Sei lá !

A VITÓ RIA, de Setúbal, 25-5- 1930

1 47
CRÓNICA DA QUINZENA

A estas horas, nas chancelarias de vinte e sete Estados, ter-se-ao debru­


çado sobre o memorial que Briand elaborou quanto à organização da
Europa em regime federal. Os sequiosos de ordem nova não terão, porém,
matado a sede. O homem de Estado francês não apresenta, com efeito,
programa ou estudo de federação; planta o seu letreiro como mestre que
lança na loisa o tema de retórica e deixa os alunos versá-lo, recolhidos
em sua sabedoria.
Certo é que os governos dos vinte e sete Estados - a Europa inteira,
salvo a Rússia - responderão invariavelmente, pois o contrário seria a
negação da própria diplomacia: maravilhoso ! O memorando prevê a orga­
nização de uma conferência pan-europeia com o objectivo de fixar as direc­
tivas que devam determinar o estatuto da visada federação e a muitos
desses, que Marcel Proust pintava como infatuados sandeus, sorri, sem
dúvida, pavonear-se pelo mundo, espairecer a casaca de bom corte, enfeitar
a lapela com veneras, discretear para o universo embasbacado.
Não obstante a sua inteligente vacuidade, subtilmente, o memorando
arvora o princípio de que todo o esforço construtor terá de circunscrever-se
ao plano político. Para mais tarde o exame de medidas que é lícito encarar
no sentido de encontrar um terreno de aproximação para os vários sistemas
económicos da Europa. Por agora, o problema é de segurança, o que
implica alargar o mais possível a rede de arbitragem e compromissos inter­
nacionais, de manter o statu quo precintando-o de novas garantias, numa
palavra, . de definir e subscrever uma sorte de dogma de intangibilidade de
nação para nação, bem embora as fronteiras actuais de alguns Estados
sejam o produto artificial da violência.

1 49
A que destino estará votada em última análise a sugestão de Briand?
Como portugueses, é para lamentar que não seja coroada pelo mais triunfal
e retumbante êxito. O ideal das pequenas nações é que a sua soberania
absoluta lhes sej a garantida pelo concerto de todas. Para elas é preferível
dormir à sombra da oliveira que de reluzentes e custosas baionetas. S ó as
perspectivas que viriam a abrir-se ante elas com aliviarem-se do pesado
ónus dos exércitos permanentes justificariam o seu entusiasmo pelo pro­
jecto de união europeia.
Abstraindo, porém, da circunstância de portugueses, esta tentativa
parece caber dentro daquela fábula de Fedro: a paz entre os animais. O
lobo associado com a ovelha, o leopardo com o onagro, pode lá ser?
Concedendo à priori que se trata de um projecto de boa vontade, de
são e puro idealismo, correspondente às necessidades da Europa decadente
e sobrassaltada, e não de alicerçar a hegemonia francesa sobre os ombros
das nações débeis, nem de organizar um grupo continental, como suspeitam
os alemães, contra a Inglaterra, os Estados Unidos e a Rússia, ou simples­
mente contra a Rússia, nem tão-pouco de buscar alianças, morais pelo
menos, no conflito que se esboça entre a França e a Itália, e um pouco mais
que consolidar os ganhos da grande guerra, é possível congraçar a Europa
mediante um traço íntimo, dado o estado de repulsão em que muitos países
estão uns para os outros? S em dúvida que não há entorse que a inteligência
humana não possa corrigir e, se é lei inelutável entre as espécies como entre
as nações a luta pela vida, também esta pode ser dirigida e encaminhada de
modo a que o engrandecimento e progresso de umas se não faça à custa do
património e bem-estar de outras. Os interesses contrários conciliam-se; os
sentimentos de animadversão de povo para povo transformam-se; as injus­
tiças praticadas podem e devem ser resgatadas. Também nada é eterno e
conferir carácter de intangibilidade nos tratados seria até certo ponto abdi­
car do exercício da razão e colocar-se num pé de intransigência, susceptível
de todos os desastres. Mas onde estão os homens, animados de confiança
pública, dotados dessa supervisão que vai léguas adiante dos acontecimen­
tos sociais, sacrificando a aquisição transitória à causa duradoira, capazes
de arrostar com semelhante empresa?
Existem na Europa antinomias irredutíveis na situação em que se nos
depara no momento presente. O imperialista tudo fia na força e o pequeno
só lhe resta o recurso de invocar o direito; o vencedor tudo fia no cumpri�
mento dos tratados e o vencido conspira para a revisão desses tratados, ou
aguarda, mordendo o freio, a oportunidade de os esfarrapar; o militarista
julga-se no direito de aperfeiçoar os seus exércitos e de atar alianças secretas
com quem amanhã o ampare na guerra, o isolado, em compensação,
arruina-se, armando-se. Ao país industrial convém que se abatam as barrei­
ras aduaneiras, ao país pobre de indústria que se elevem cada vez mais. São
inúmeros os fossos de natureza económica e espiritual que separam os

1 50
povos. Porventura apenas a religião, que se acomoda a tod os os matizes da
política como musgo de tod os os climas, não constitua óbice sério para a
aproximação dos Estados europeus .
Mas sem rebuscar vícios de estrutura e observando de alto os antago­
nismos da Europa política de hoje, se chega à conclusão de quanto é tem­
porã ou pelo menos de difícil exequibilidade a ideia magnífica de Briand. A
Alemanha sangra da perda de metade do Slesvig, em favor da Dinamarca,
de Eupem e Malmedy em favor da Bélgica, do corredor de Dantzig que
cortou a nação em duas, da internacionalização dos seus rios, sem falar no
Sarre hipotecado e nos pots cassés que é sozinha a pagar; a Á ustria, da sua
dolorosa mutilação, do Tirol em que pesa a mais tirânica pata do domina­
dor; a Bulgária da perda da Macedónia; a Croácia, M ontenegro e Dalmácia
do jugo da Sérvia, a Rússia da perda da Bessarábia, a Lituânia da usurpa­
ção de Vilna; a Espanha continuará a sentir no seu flanco o espinho de
Gibraltar, e até nós, os portugueses, se quiséssemos inventar um motivo de
macarena política, teríamos Olivença. A par com estas chagas abertas, a
Itália cobiça a Sabóia, a Córsega e os agros africanos da antiga Roma e, de
um modo geral, não há p otência que não aspire a estender-se para o territó­
rio vizinho ou pelos seus domínios coloniais. Os diferentes tratados que se
seguiram à grande conflagração não fizeram mais que agravar as iniquida­
des já existentes. O tratado de Versalhes podia ser o despontar de uma
aurora nova para o mundo; não foi; em vez de, em torno da mesa verde, se
assentarem títeres, era preciso que se assentassem demiurgos. Seriam preci­
sas vistas de águias que abarcassem os largos horizontes e os homens que
ali estiveram não conseguiram olhar além do palmo de terra que pisa­
vam. A Europa generosa era digna de melhores capitaneadores.

ILUSTRA ÇÃO, 1-6-1930

151
CR ÓNICA DA QUINZENA

De certo é a literatura o instrumento mais poderoso de que dispõe a


França para a sua influência no mundo. Servida por um idioma admirável
de clareza e de precisão, os seus romances leves ou de ponderosa lavra, as
suas obras de história, os seus tratados de ciência ou de arte vão a todos os
becos do globo. Este comércio, ao passo que constitui uma fonte de receitas
apreciável, contribui mais para o prestígio e interesse francês que as repre­
sentações juntas de diplomatas e caixeiros-viajantes. Quem, de certa catego­
ria mental, não passeou os bulevardes das suas cidades, veraneou nas suas
praias, visitou os seus museus, em espírito esteve em todas estas partes
mercê do livro? É o livro que lhe prepara o ambiente para os homens de
negócios, para os agentes políticos e que, de braço com a gazeta, lhe arrasta
para dentro de portas a vaga quotidiana de muitos milhares de forasteiros.
A ele, mais que tudo, deve o ser a ama de leite dos países retrógrados ou mal
desensaburrados da barbaria, o figurino destes e doutros e, suprema van­
tagem, a abastecedora de seus mercados do bom e da camelotte. A aura de
simpatia universal que goza, a admiração que lhe tributam, conquistaram­
-na os seus artistas e homens de pensamento. A palavra escrita deforma,
transpõe, doura . . . Que móssega pode fazer numa ideia fixa, com carácter de
universalidade, o descoroçoamento de um Carlyle?
Sendo o escritor este maravilhoso missionário da civilização francesa,
lógico era que recebesse do público e, em particular, das esferas oficiais o
apoio e favor que merece. E assim sucede. Nesta temporada do ano, inserta
entre os últimos dias da Primavera e o aniversário da tomada da Bastilha,
tem chovido oiro, muitos milhares de francos na banca dos homens de
letras francesas. Nem todos os que aviam prosa para os prelos ficaram
habilitados a mandar vir o jantar do A u cheval pie, mas não é menos certo

1 53
que determinadas recompensas com o Prix de Roman - 400 000 francos -
põem um autor ao abrigo do Inverno. H á ainda o Grand Prix Litteraire, da
Academia - 1 50 000 francos - e o Prix Osiris - 1 00 000 - que não são
para desdenhar. Entre 1 O e 1 5 000 francos são inúmeros os folares desta
espécie; a partir de 1 000 aluvião. Todos os géneros literários beneficiam da
cornucópia da abundância, o grosso maná vai, porém, para o romance.
Como mais desprendidos da terra e das suas necessidades, os poetas ocupam
na escala dourada o degrau do fundo.
A par com estes convites pecuniários, pagos de contado, são dignas de
menção as Bolsas de Viagem que permitem ao escritor, munido de passa­
porte diplomático, investido oficialmente de embaixada intelectual, ir
devassar o mundo. Deste modo é favorecida uma das tendências mais
pronunciadas da literatura francesa actual: o cosmopolitismo. Até à guerra,
o teatro literário confinava-se entre a rampa de Clichy e a rampa de M on­
trouge; os Loti e Paul Adam eram a excepção. Agora inverteram-se os
campos; raros são os que quedam intramuros a bater o velho tamborim
parisiense. O francês, mormente o intelectual, que detestava arredar pé da
sua lura, meteu-se a peregrino das sete partidas. Todos os dias aparecerá
um que descobriu a América e outro que deslindou o segredo de Espanha.
As paragens remotas do novíssimo mundo não lhe fazem medo. Percorre-as
de afogadilho, porque não há tempo a perder, e por via de regra traça delas
um painel tão exacto como o que nos legou M arco Polo, do Oriente. Tão
exacto, mas não menos pitoresco. O francês verá sempre as coisas e os
homens sob um ângulo diferente dos restantes mortais. Nisto residia, talvez,
a razão secreta do seu encanto e do seu êxito. A partir do divino Anatole, a
literatura francesa terá perdido em graça, pureza, espírito, se quiserem; a
ânsia, porém, de originalidade trabalha-a como nunca. Para variar os seus
cenários, o escritor entra como um bandeirante pelas plagas mais escusas;
torce e retorce a língua, para adquirir individualidade; desentranha no
homem as psicologias mais absconsas; mistura na paleta todas as novida­
des, desde a geográfica à filosófica. Os antigos valores, Deus, honra, famí­
lia, amor, dinheiro, só os aproveita analisados a espectoscópio, em formas
escapas até agora à observação. Que resistência oferecerá ao tempo esta
literatura centrífuga, polimórfica, lançada fora das calhas habituais eivada
de impaciência e deste quid, vago, fugidiço, furta-cores, que se chama
modernidade?
Explorando uns países, repintando outros, esta literatura serve supe­
riormente à irradiação do nome francês. Por isso as estações oficiais a
patrocinam de mão generosa. No Quai d'Orsay faz-se uma verdadeira polí­
tica do livro; o livro entra como beneficiário em todos os convénios e modus
vivendi que se assinem com as nações estrangeiras; nas grandes cidades,
como Rio de Janeiro, Buenos Aires, Québec, as livrarias francesas são
subsidiadas pelo Estado. Ao mesmo tempo os direitos dos seus autores são

1 54
acautelados zelosamente por meio de agentes próprios e consulares. Outros
privilégios e mercês são reservados aos cultores das letras, sem falar no
palácio de Massa que o Ministério da Instrução lhes instalou quite e livre,
com toda a magnificência, num parque esplêndido para a sede da S ocie­
d a d e ; n e m d o s milhões de francos, inscritos este ano no orçamento, para o
o ut il/age in te/lectuel.
De um modo geral há uma cooperação efectiva e solidária de todas as
forças da nação em prol das letras. No último número das Nouvelle Litté­
raires nota Pierre Mille que o editor é mais audacioso que antes da guerra e
não hesita em lançar os novos, que são aos cardumes. "A imprensa, mesmo
a mais quotidiana discorre acerca dos livros novos tanto como de política.
Na maior parte dos j ornais, que antigamente se limitavam a rápidas referên­
cias, depara-se-nos uma página de crítica literária, cuidada com esmero."
Graças aos incentivos de vária ordem, as letras francesas contam hoje
uma galharda e numerosa plêiade. Não terão a estatura arrojada dos
France e Flaubert, na febre que os consome de produzir, mas honram a sua
terra. Ao amortecimento, sobrevindo com o conflito mundial, respondeu a
grada seara dos tempos que correm. Tornou a elevar-se bem lato o archote
da intelectualidade francesa.
Se de França desviarmos olhos para Portugal que se nos oferece? U ma
literatura mortiça, em regra pobre candeia de azeite a apagar-se, mal reani­
mada por um ou outro homem de vontade ou lunático, por um ou outro
ocioso. Os estadistas portugueses - de letras - só se interessam com as de
câmbio. Entre os escritores não há a mínima solidariedade profissional,
pois que contar com outra seria numa terra esfacelada uma santíssima
. utopia. As gazetas consagrarão páginas inteiras ao relato de um crime, mas
só andando o autor de chapéu na mão, ai tio, ai tio, lhe anunciarão o
aparecimento do livro. Quando o fazem, é ao desfastio, como benesse e não
um dever. Se o autor tem vergonha neste alfobre de desenvergonhados, a
obrinha some-se-lhe pelo alçapão do esquecimento. Para que lhe sopre o
vento da publicidade, ser-lhe-á mister cortejar o director da gazeta, cercar­
-se de compadres, afagar o j ornalista, numa palavra, desdobrar-se em corte­
são e trampolineiro. Muitas reputações - não mais sólidas, louvores ao
Pai da vida, que a estátua de N abucodonosor - amassaram-se com este
barro. Quanto a crítica, que actue em proveito destes com uma ortopédia e
daqueles como uma profilaxia esterilizante, não existiu nem existirá, visto
que se arreigou nos nossos costumes de maneira inveterada a arte de nos
ludibriarmos uns aos outros.
Pelo que respeita ao tratamento que o livro merece dos poderes públi­
cos, basta rememorar o facto notório da salvaguarda pautal de que goza o
caríssimo papel chamado de impressão, fabricado em nossa casa por estran­
geiros. Aos factores apontados, ajuntam-se as várias alcavalas, percebidas
pelo Estado da indústria gráfica, os impostos onerosíssimos que impendem

1 55
sobre as livrarias e casas editoriais, o recrescimento do analfabetismo, e
ter-se-á o diagnóstico da crise literária em Portugal. O homem de letras está
destinado entre nós a morrer de morte macaca. No futuro haverá mais
vendedores de chita e de amendoim. De resto já ouvi na Comissão de
Estudos Luso-hispano-americanos, a que tive a honra de pertencer, ouvi a
um lente da Ciência Comercial, hoj e sócio efectivo da Academia, advogar o
principio da igualdade, em matéria de direitos a estipular com o Brasil, na
introdução das nossas chitas e dos nossos livros.

ILUSTRA ÇÃO, 16- 7- 1930

1 56
CERTA MANHÃ DE ROSAS . . .

Entrava Mónica nos dezasseis anos quando fugiu d a casa paterna nos
braços dum sedutor. Cabelos em madeixas, saias curtas, infantil em tudo,
nem lhe faltava aquela desprecavida inocência que se torna arroj o cego na
alma da puberdade. Era filha única; herdeira de legítima que, na boa moeda
do tempo, deitava para além dos duzentos contos em prédios rústicos e
urbanos, sem falar em títulos e valores de bolsa. A riqueza cheira e por esse
cheiro, não por estadão, pois tivera sempre a guiá-los o bom senso da
simplicidade, se tornaram notados os Cótimos. O pai, camponês filho de
camponeses, guardara puro o instinto parcimonioso da gleba; enriquecera à
força de economia e trabalho; rico, conservava a modéstia primitiva, por­
que a vida nunca fora para ele uma sede de apetites a saciar. Como tantas
fortunas, a sua promanara desta compleição simples e infatigável de
tesaurizador.
Aos sessenta anos, António dos Cótimos podia, olhando à retaguarda,
contar as migalhas que haviam caído das suas mãos de empreiteiro. Por
aquela longa e revessa rua, que do Largo de S. Paulo o levava ao Poço do
Bispo, a pé para poupar o bilhete do Chora, muitas vezes, pelas manhãs
frias de Inverno, passara adiante a mulherzinha do café, que vendia . a
chícara a trinta réis, para ir tomá-lo mais longe, para lá de Santa Apolónia,
a outra que o servia a vintém. S alvo o domingo, nunca perdera madrugada
na cama. Para os capitalistas da época, tenazes no lucro e no esforço, não
precisava de outras recomendações o empreiteiro.
Lentamente, com a segurança dum castor, construiu a sua fortuna. Ao
pender para a velhice, dando conta que estava rico, cuidou de trastejar um
segundo andar em casa sua e aí fixou lar, até então errante de bairro em
bairro. Era um prédio novo, de pé alto, com padaria no rés-do-chão, den-
1 57
tista no 1 . o e costureiras e funcionários públicos no 3 . 0 e 4. 0 piso . Com as
suas persianas de tabuinhas, placas de cobre a reluzir nas ombreiras do
portal, cor-de-rosa e bem airado, descerrava um grande ar de burguesia em
plena avenida nova. Além de duas criadas, uma que seguia desde longa data
seu itinerário incerto, outra móvel segundo manhas e azares, contratou
Fraülein Marta, hanoveriana revelha, como professora de M ónica em lín­
guas e piano. Nada mais da equipagem grisalhante das pessoas de teres
adoptou naquela sua jubilação de ricaço.
Com o recorrer, porém, da menina para a adolescênia, dois anos
depois, António dos Cótimos viu-se obrigado a alterar os seus hábitos de
economia e isolamento, visitando e recebendo algumas das famílias com
quem tivera comércio, e passando a frequentar cinemas e music-halls. Fraü­
lein Marta, que blasonava de pedagoga, era a instigadora destes espaireci­
mentos, argumentando que M ónica estava à altura de conhecer mundo.
Com enfado e timidez entrou a pequena a gozar diversões que parece­
ram bulício e turbilhão a quem só espreitara a vida das j anelas estreitas dos
bairros pobres. O atavismo rústico da família sofria nela com trajes que
ora se esgalgavam como ânfora, ora alargavam como sino de catedral.
D. Eufémia, sua mãe, que declinara nela toda a espécie de vaidade, e tinha
a intuição de que os realces na mulher devem ser volúveis como os caprichos,
corria as casas de modas a ensaiar figurinos. M ónica soletrava ainda Weber
no beckstein e já possuía dois vestidos para cada dia da semana. Vê-las na
rua, par a par, a menina galantinha e taful, a velha empertigada no ana­
crónico e invariável corte, se adivinhava a ruptura da costela plebeia
pelo dinheiro. Marta oferecia o risco, sempre que se tratava de vestir ou
enfeitar a morgada.
- O penteado Botticelli - dizia-lhe ela, depois de perder horas esque­
cidas a estudar os Museus da Europa - fica-lhe muito bem com traje lilás.
A menina tem a face oval como esta madona. Veja que gracioso!
Outras vezes, para vestido de passeio, recomendava o toucado à Velas­
quez que nimba o semblante de gentil donaire. E, para saraus e teatros, a
sua receita eram os penteados ingleses à Gainsborough, leves e espumosos,
ou a coifa ondulada à Madame Lebrun, que dá espírito à fronte mais
prosaica. A tão deliciosos modelos preferia M ónica as tranças escorrendo
pelas espáduas, atadas com um laçarote vermelho, que pareciam duas
papoilas e enchiam seu rosto alvo de alegria campestre. E Fraülein tinha
que recolher o mostruário de penteados, que analisara e esmiuçara com o
paciente requinte de cabeleireira real.
Esta rebeldia ao enfeite singular derivava menos de seu natural biso­
nho que de seus gostos de singeleza. M ónica herdara a índole do pai, no
qual a mesma vontade que o guindara à opulência o mantinha abstémio
perante as tentações do fausto como monge que, depois de abjurar, perma­
necesse fiel ao seu Deus. Era ver-lhe o maxilar pronunciado, mas sem

1 58
excesso, e o rosto seco de carnes, mas em tão deleitável proporção que
Mónica era tida ao primeiro lance de olhos na conta de formosa. Ao
contrário da gente de hoje, a que acicata a pressa fisiológica de viver, aos
catorze anos doirava-lhe ainda as têmporas e o pescoço, à raiz da nuca, a
penugem loira do berço, e na claridade dos olhos reflectia-se-lhe aquela
brandura inestilizável das almas que vogam à superfície das coisas. E não
era menos sintomática a testa larga, escantoada, cheia dum brilho que
parecia a marca de candidez dos pensamentos que albergava. Na intimidade
sucedia ainda apeiar de tão verdes anos para entrar no leve e efusivo des­
cuido de idade mais infantil. E da rapariguinha elegante o que se mostrava
era a prisioneira de todas aquelas coisas que a pupila mágica das crianças
transforma de bagatelas em majestosos infinitos. Os contos de fadas, as
bonecas de olhos móveis, os p eixes vermelhos da Quinta da Rabeca, tudo o
que é sagrado pelo bafo das mães e pelo olhar dos anjos tinha assento no
seu paraíso.
Por volta dos quinze anos de M ónica, os Cótimos tomavam assinatura
nos principais teatros e frequentavam com assiduidade as famílias amigas.
A poder de tacto a mestra alemã acabara por lavar da lia envolvente o
diamantezinho de puras águas. Bem que aj oujada de madeixas e saias
curtas por uma obstinação aparentemente paradoxal, deixava-se já Mónica
tiranizar pelas costureiras e com prazer seguia as recreações duma terra que
tinha pelo supra-sumo de Babilónia.
Perdera, também, o ar de lírio, muito cativo, feito só para mimo dos
olhos. E as plateias, mais que o espelho, ensinaram-lhe que era bonita.
No número das suas relações contavam como íntima D. Júlia Maldo­
nado, senhora de rara distinção que devia ter sido formosa em tempos de
D. Luís. O marido era arquitecto e nutria com o Cótimo entendimentos de
dinheiro. Tinha ela um sobrinho dado a estudos históricos que, na sociedade
pouco numerosa dos investigadores, gozava fama de portento. Pela mão
deste tornara-se o seu salão prazo-dado de homens de letras, uns em plena
voga, outros de cruz às costas, subindo a via gloriosa. Entre os consagra­
dos, tão sagrados alguns que o público os deixava dormir na imóvel beati­
tude, vinha ali Ricardo Barreiros admirado pela obra e a finura mundana.
H omem de meia-idade, a julgar pela aparência, tornavam-no singular os
olhos de fogo, fascinantes, e os sainetes, ao proferir os quais, no tom da voz
e . no timbre dos sorrisos, marulhava uma doce inflexão de céptico. Duas
rugas sulcavam-lhe a fronte, estas rugas de criatura que não tem regateado
o tributo à vida e deu o melhor do seu sangue à obra de entendimento.
Com este tentava competir Casimiro da Restituta, mocete fátuo,
monoculado, um pé na política, outro nas letras. Bacharel em direito,
recomendava-o às donzelas casadoiras o considerável património que o
usurário Restituta, com casa de penhores à Esperança, lhe deixaria por
morte. O Casimiro vestia como um peralta dos tempos de Farrobo e reei-

1 59
tava versos langorosos de sua lavra, que faziam estremecer a passarinha
romântica
· das damas. Embora o vate fosse mais solícito para M ónica do
que Barreiros, era ouvindo este e na sua presença que se deliciava.
- Tenha cuidado com este Ricardo Coração de Gibóia - disse-lhe
Restituta ao ouvido, certo dia que, embevecida, escutava ao feiticeiro uma
história da carochinha.
De facto, ela ouvia-o presa d á s suas palavras, alheia ao resto do
mundo, e corou.
Naquele Inverno representou-se com extraordinário êxito a Vereda da
Onça, de Ricardo Barreiros. Esta peça, em que os críticos se esfalfaram a
celebrar o advento em terra lu·sa do teatro de tese, era a vigorosa e emotiva
defesa do homem trabalhado por um sonho e do qual a restante vida
decorrera no escuro e irregular. A Vereda era a marcha rígida, inflexível,
que o apóstolo se traçara e seguia de olhos fechados a tudo o que ficava em
volta. M ónica foi ao D. Maria e voltou de lá perturbada com a vibrátil e
ardente inspiração da comédia.
Leu a obra de Barreiros e começou a deixar-se tomar de melancolia.
Passou aquele Inverno entre excessos de j úbilo e de tristeza, olheirenta
e com insónias, lendo, lendo noite e dia, mostrando-se apenas pressurosa
em correr às quintas-feiras de Júlia Maldonado, a que não faltavam os
· escritores da moda. E, cop10 entrasse a Primavera, os Cótimos fizeram as
malas e abalaram para Paris a distrair a menina.
Ante usos, costumes e coisas da terra desconhecida, a morna apatia de
Mónica evaporava. A leitura tinha-lhe tornado familiares certos aspectos,
deformado outros, e era-lhe agradável, de visu, corroborar aqueles e repor
estes no seu vero plano. Ao cabo de oito dias, porém, numa voz mimalha de
cega-rega, torturava os pais com desej os de regresso. Foi neste estado de
espírito que, uma tarde, ao percorrerem os Trianons, se lhes deparou
Ricardo Barreiros que vagueava, longe do presente, por entre os esplendo­
res dos estilos reais. Desde esse instante ficou o escritor o guia deleitável dos
Cótimos. M ónica recuperou saúde e alacridade; ao voltarem de França
chilreavam-lhe na voz todos os j acundos pássaros dos bosques e tingia-lhe a
face a alegria rubra das primaveras. Um mês não era decorrido, os Cótimos
encontraram-se diante do leito intacto da filha; maquinalmente avistaram
pela j anela os espaços livres, aqueles espaços por uma fimbria dos quais ela
passara . Estava uma bela manhã de rosas, e desataram a chorar em deses:­
perad o e convulso choro a perdida luz dos seus olhos .

IL US TRA ÇÃO, 16-10- 1930

1 60
CRÓNICA DA QUINZENA

Regressado à primeira inclinação, em coincidência, aliás, com o gosto


do exotismo que predomina na literatura francesa actual, o senhor Claude
Farrere elegeu Lisboa para caixilho do seu novo livro. Devemos-lhe essa
graça. Podíamos ter pior sorte, pois que os homens de letras de França se
repartiram o mundo para campo de aventuras novelescas. O senhor
Claude Farrere é, a cada página, amável e agradecido, tons de rosa estes de
pouco efeito na arte literária. Se tivéssemos caído em partilha a Paul
Morand, ou Montherlant, eles que empregam o carvão por diante de
óculos pretos, teria sido a catástrofe . . . uma desgraça nacional. Nada irrita
mais o português que ver-se menoscabado ou diminuído na letra redonda
internacional. A nossa epiderme enruga-se como a sensitiva quando algum
globe-trotter das letras ou do j ornalismo se permite dizer que o nosso sol
tem, por vezes, tachas, as nossas glórias não são superiores às dos outros
povos, certas das nossas mulheres têm bigode, como escorregou de escrever
há anos um gazetilheiro napolitano. Dentro de portas aceitamos uns dos
outros toda a espécie de ignomínias e dislates, além -fronteiras somos
mais pundonorosos que Cirano. É esta uma virtude respeitável que os na­
cionalistas se têm esquecido de catalogar no tombo da raça e que me ar­
roj o a erguer na ponta do meu humilde alfinete.
Tendo-se, portanto, derramado pelo vasto mundo os escritores france­
ses à caça, se não da emoção nova, de ambiente inédito, o senhor Claude
F arrere enveredou para P ortugal. A guerra ensinou-lhes, bem como aos
franceses em geral, a geografia. Depois, Paris e o resto da França era um
limão espremido; espremido desde o romanti Sm o de Victor Hugo ao pre­
tenso romance psicológico de Bourget. Eram implacavelmente galocêntri­
ca s as gerações literárias do passado. Paris era o umbigo do universo e
161
figurino universal o parisiense; o resto, acessório, salvo a Espanha, sorte de
minas do Rand, em diamantes pretos, para a literatura. Os modernos toma­
ram direcção oposta. Não está averiguado que houvesse entre eles um
tratado de divisão de terras como em Tordesilhas. Cada um meteu a mão
no cabaz, ou melhor, cada um pôs o dedo no mapa-mundi e tirou o seu
feudo. Estabelecer a nomenclatura e natureza de tal so berania equivaleria
voltar a escrever o livro de Marco Polo. Bastará referir que até as ilhas de
Fidji encontraram suserano. Os menos gulosos e menos dados à longínqua
ambulação contentaram-se com os velhos e usados países da Europa. Para
cada nação, um piquete. A Rússia, apenas, se bem que a terra mais discu­
tida dos três continentes e pano largo de crítica, se tem escapado ao avassa­
lamento do romance francês. Por que sej a temerário ir forragear em
domínio tão profundamente explorado por uma literatura insuperável no
sentimento da vida e na intensidade dramática? Por que seja na sua fase
política uma espécie de Tibet vedado ao literato burguês? Por fas ou nefas
os escritores, salvo Kessel, que nas Nuits Sibériennes debuxou o quadro de
Vladivostoque, raia do Oriente moscovita, alhearam-se das Repúblicas
Soviéticas como se tinham alheado de Portugal antes do advento, serôdio
para a moda, do senhor Claude Farrere. Está-se a ver este novelista, que
goza de bom crédito no seu meio, divagar mentalmente através do atlas:
"Onde diabo farei assentar arraiais às personagens do livro novo que o
livreiro, os meus dez a vinte mil leitores, os meus interesses me requerem?
A Turquia, o Japão, a Indochina são para mim vinha vindimada; pouco
sumo a extrair. Eureka, e esta fita à beira extrema da Europa, batida das
ondas, alumiada de luz pura, onde floresce a laranjeira e canta o rouxinol,
ao que se depreende das gazetas à procura do seu caminho, cheia de heróis
semifabulosos, os Ruiz, os Magalhães, os Gamas?."
O senhor Claude Farrere, que habita uma boa parte do ano a Terra
Basca, a menos de vinte e quatro horas de Lisboa, fez as suas malas e
embarcou no Sud. A cidade recebeu-o com o melhor sol, os portugueses
com extremos de bizarria. Peregrinou pelos bairros pitorescos, a Alfama
triste e desolada, a M ouraria bacântica, contemplou os seus panoramas
deslumbrantes, visitou Sintra e Monserrate e, depois de copiar para a
carteira com a máxima fidelidável possível, atraiçoada de quando em
quando (Miguez !), os nomes das ruas e da patronímica, julgou-se habili­
tado a compor um romance com a cor, o ambiente e figurantes portugueses.
A parte a intenção que é de enternecer, o senhor Claude Farrere fez uma
obra do arco da velha. Pintou a cidade? Não, esboçou uma pálida pochade.
De raro em raro, da pena, que nas Petites A lliées traçou o quadro magistral
de Toulon, salta a nota justa, mas dessa fanfarra que é Lisboa com as casas
azulejadas multicolores, os seus mil planos de bebedoiro para o rio, não
soube tirar os acordes dignos. Desenha tipos de portugueses? Tão-pouco.
As suas personagens quando não são marionnettes de que se enxergam a

1 62
olho nu os cordéis que as movem, são de toda a parte, o que é o mesmo que
dizer que não são de parte nenhuma. Condiz ao menos a enfabulação com a
vida, o clima moral português? Muito menos. A acção de Le Chef roda em
torno de uma revolta suscitada pelos Bolchevistas, que nunca foram vistos
nem achados em Portugal, por em nada servir às suas manobras este
tablado. Que fica do livro que mereça o reconhecimento dos portuguese�?
A boa vontade do autor; o seu escrúpulo na grafia local. Claude Farrere vai
até criar o til, que não existe nos caixotins franceses, para coiffer o ditongo
ão da sua figura central, Vasco Ortigão. Fica mais o diploma que reiterada­
mente nos confere de corteses e a amabilidade se não a benignidade com
que observou os breves retalhos da terra lusitana. A obra, porém, do autor
de Fumées d'opium e Civilisés não conta mais uma j óia, nem, parece-nos
bem, o romance francês de aventuras.

ILUSTRA ÇÃO, 1-11- 1930

1 63
CR ÓNICA DA QUINZENA

AS CIDADES MODERNAS

Quem levou os últimos anos recluso num solar adormecido da provín­


cia e deita por estas Europas fora encontra o mundo muito mudado. É
outra a fisionomia das coisas, outro, porventura, o carácter do homem, e a
sua impressão mais funda é a de que novo e acelerado ritmo, com o seu
tanto de brutal e utilitário, vai animando tudo.
Estas cidades que o português mais encontra no seu caminho: Vi­
go, Madrid, S. Sebastião, Bordéus, Paris, estão muito diferentes em es­
trutura do que eram há dez, quinze anos. Transformaram-se à lufa-lufa,
embelezando-se e cultivando aquele modo de ser que lhes é mais frutuoso e
consentâneo com a sua índole. Embora grandes e complexas entidades,
cada uma explora a sua "vocação", e neste sentido é orientada a vida
colectiva e municipal. Não são já núcleos exercendo uma função política e
ocasional; são organismos cpndicionados para um fim. Podem comparar­
-se, numa palavra, a vastas e poderosas empresas constituídas para explo­
rar determinados ramos de negócio.
Esta sorte de especialização é uma das características · da cidade mo­
derna. Por aí se distingue fundamentalmente da cidade antiga, parasitá­
ria, sem vida própria, medrando ou decaindo ao sabor da fortuna, aura
política, migração maior ou menor do elemento rural.
Assim seria infantil julgar Vigo um simples porto de pesca, com
aguada para transatlânticos. Vilório sem relevo há cem anos, hoje tornou-se
em grande empório, embarcadoiro de toda a Espanha e seu primeiro mer­
cado de peixe. Os seus cais, as suas docas, a sua apetrechagem são a
derradeira palavra no género. De par, ruas, esplanadas, estabelecimentos

1 65
acompanharam, desenvolvendo-se adequadamente, este progresso sui gene­
ris. É uma cidade que vive do mar; tudo nela se encaminha para este escopo.
Não seria menos irrisório representar ainda Madrid pelo estafado cromo:
à Puerta dei Sol um toureiro de charuto nos dentes quebrando de cinta ante
uma chica de manton e ventarola, com os cravos da lei pregados no pen­
teado. Madrid, capital de muitas províncias, coração de um Estado de larga
e difusa fidalguia, centro virtual de um idioma falado por muitos milhões de
almas, converteu-se numa imensa e opulenta metrópole burocrática, no
que esta palavra tem de mais lato. É uma cidade, pode dizer-se, de "despa­
cho". Despacho na acepção de negócios, na acepção política e cultural.
Minguam-lhe as condições para ser empório comercial e industrial; tão­
-pouco reúne aquele conjunto de predicados, indispensável para poder ser
um caravanserá cosmopolita, predilecto nos forasteiros; quando os palá­
cios, serventia dos Bourbons destronados, foram abertos ao público com o
seu recheio e esplendor de museus; quando a República tenha dado reali­
dade ao seu plano de incremento universitário - ficará a urbs reguladora e
mentira das velhas e novas Espanhas. Basta ver já a Central dos Correios,
a Catedral, pouco acima dos fundamentos e onde se vão consumindo
milhões, os vários e magnificentes estabelecimentos públicos, para se sentir
a directiva que preside à cidade, outrora oscilante e desorientada. Madrid
vai-se integrando no seu papel de primeira e afanosa agência da comuni­
dade espanhola.
Já S. Sebastião, ocioso é dizê-lo, se evidencia como vasta e confortável
locanda para ociosos da vida e endinheirados. Cidade alguma é mais meti­
culosa em obedecer a um objectivo. Ruas, casas, habitantes fizeram coman­
dita com céu e mar e retêm o estrangeiro, aqui se lhes virando os bolsos até
nem ficar o cotão. Nada ali falta em matéria de prazer e comodidade. Não
tem oficinas, nem academias, nem repartições; mas possui os melhores
hotéis, os melhores passeios, a melhor praia, e não mostra uma ruga, um
desmazelo, uma nódoa, um papel no chão, impecável, monotonamente
chique e preciosa, como as construções de caramelo que se vendem nos
confeiteiros caros. Aqui está a cidade que, havendo encontrado a sua veia, a
explora à maravilha, tudo nela sendo dispositivo para esse alvo.
Também Paris, aprazível encruzilhada de todas as estradas do uni­
verso, revestiu feição nova depois da guerra. lncontemplativamente os
camartelos deitaram abaixo os velhos quarteirões em que se albergaram os
boémios de Murger, os niilistas russos, e todos os sans /e sou. Nesse chão
piedoso alinham hoje largas e intermináveis ruas, coalhadas de impertiga­
dos e soberbos prédios, com os inventos em luxo e higiene da última hora.
O automóvel varreu ao fiacre, o autobus ao omnibus, puxado por orsas
guedelhudas, e ao bonde eléctrico, o clzauffeur de casaco de coiro ao trinta­
nário de libré. Paris rend eu-se à gasolina e à electricidade; mecanizou-se,
tendo perdido o ar benigno e venerável, caricioso igualmente para pobres e

1 66
ricos. H oje, o homem que anda a pé por gosto ou necessidade e, em geral, o
homem parco de recursos, estão deslocados em Paris. Não se contou ali
com eles, ou antes, mereceram aos engenheiros e à Prefeitura muito pouca
atenção. Ao mesmo tempo que se ia implantando este utilitarismo, a
fisionomia da cidade modificava-se. Modificava-se profundamente. Ao pre­
sente Paris pode chamar-se terra limpa e asseada. Admiráveis de pavimen­
tação as suas ruas; dotados de calorífero, ascensor, telefone em cada
aposento, água corrente quente e fria, os hotéis, ainda os mais modestos;
sulca a cidade em todos os sentidos o caminho de ferro subterrâneo; inunda
a calçada, pintarola de cores várias as portas dos botequins, teatros e boites,
reclama a veniaga, a luz a néon.
No transcurso de poucos anos, Paris galgou todos os estádios para o
que é comum denominar "americanização". Era a capital do mundo nos
bons tempos, caprichou em manter-se a capital do mundo nos tempos
bravios que vão decorrendo. Para realizar este desideratum teve que ser
simultaneamente cidade de pagode, de estudo, de trabalho industrial e
ainda cabeça de França. Supunham-se caldeadas em amálgama perfeito as
condições particulares de Madrid, S . Sebastião, Barcelona, Munique, que
sei eu! A obra das edilidades que no último decénio presidiram aos destinos
de Lutécia foi esta. E a cidade-luz manteve o seu posto.
Deste aspecto novo que reveste o urbanismo - cultivar o filão mais
conforme com a índole e as circunstâncias ambientes de modo a imprimir à
cidade vida própria e carácter - se conclui quanto de imaginação, de
inteligência prática e de continuidade exige o governo de um município.
Dirigir uma cidade é mais complicado que dirigir uma esquadra no alto­
-mar. Não se improvisam almirantes; nas cidades portuguesas fazem-se
vereadores a torto e a direito, como se viessem talhados desde o ventre da
mãe para a vara concelhia.
Rio de Janeiro, da banda de lá dos mares, terá encontrado o seu
verdadeiro modo de ser; Lisboa procura-o ainda. Por certo que não é
burocratizando-a mais que se lhe assegura o futuro; nem industrializando­
-a; tais propósitos exorbitaram da capacidade do país. Mas Lisboa, criando
amplos e desembaraçados entrepostos, cais como hoje tem Vigo, hotéis
como possui S. Sebastião, aeroportos, os necessários e instantes aeropor­
tos, poderá ser grande emp ório comercial e estância de ida e chegada entre a
Europa e a América. E haveria, assim, debruçadas sobre as águas e céus
atlânticos, duas grandes urbes da lusitanidade: Lisboa e Rio de Janeiro.

IL USTRA ÇÃO, 1- 12-193 1

1 67
CRONO LO GIA SUMÁRIA
de
1915 a 1 934
-:. h
�.f(.i ! (; ? i (! �
1915

- Demissão d o Ministério Vi­ - Breve ditadura de Pimenta de - Inicia a redacção de A Via


viani. Castro. Sinuosa, ao mesmo tempo
- Conferência socialista inter­ - Renúncia de Manuel de Ar­ que exerce as funções de pro­
nacional em Zimmerwald. riaga à Presidência da Repú­ fessor no Liceu Cam ões, em
Romain Rolland: A u-dessus b lica. Lisboa.
de la mêlée, colectânea de - Bernardin o Machado é eleito
artigos contra a guerra escri­ Presidente da República.
tos na Suíça e agora publica­ Publicação da revista literária
dos em França. Orfeu.

1916

- O ministro da Guerra, Gal­ - Portugal apresa todos os na­


liéni, demite-se do Governo vios mercantes alemães fundea­
presidido por Briand. dos em portos portugueses.
- Segunda Conferência Socia­ - A Alemanha declara a guerra
lista Internacional em Kien­ a Portugal.
thal. - Constituição do Governo de
- Décimo terceiro congresso da União Sagrada (Afonso Cos­
S FI O. ta e Antó nio José de Almei­
da).
Antó nio Sérgio: Considera­
ções Histórico-Pedagógicas.

1917

- Ruptura das relações diplo­ - U m corpo expedicionário é


máticas entre os Estados Uni­ enviado para França a fim de
dos e a Alemanha. participar na guerra contra a
- Primeira revolução russa: o Alemanha.
czar abdica. - A União Operária Nacional é
- Pétain substitui Nivelle na reorganizada.
chefia d o comando militar. - Greve do pessoal dos Cor­
- Desembarque em Saint-Na­ reios e Telégrafos.
zaire da primeira divisão ame­ - Golpe militar dirigido por
ricana. Sidó nio Pais.
- Chegada do Corpo Expedi­ - Destituição de Bernardino
cionário Português à Flan­ Machado da Presidência da
·

dres. República.
- Primeiros motins de solda­ - 3.0 Aparecimento em Lisboa
dos, ferozmente reprimidos do "diário integralista da tar­
por Pétain. de", A Monarquia.
- Formação do gabinete Cle­ - Aparições da Senhora de Fá­
menceau. tima.
- Os bolcheviques tomam o Po­
der na Rússia.
- Entrada em vigor de um
armistício na frente russa.

1918

- Vaga d e greves e m Paris e n a - Tentativa revolucionária con­ - Publica A Via Sinuosa.


província contra a guerra. tra Sidó nio Pais, levada a - Cessa a sua actividade de pro-
- Ofensiva alemã no Pas-de- cabo por mari nheiros. fessor liceal.
-Calais (9 de Abril). - Derrota do Corpo Expedicio­
- Ofensiva geral dos aliados. ná rio Português, na Batalha
- Tratado de Brest-Litovsk. de La Lys.
- Assinatura do armistício em - A leva da morte.
Rethondes ( 1 1 de Novembro). - Atentado c o n t ra S i d ó n i o
Pais.
- Canto e Castro é eleito Presi­
dente da República._
Teófilo Braga: Os A rcades.

171
1919

- Abertura da Conferência d e - Mo narquia do Norte. - Publica Terras do Demo.


Paz, e m Versalhes. - Es magamento das sedições - A convite de Raul Proença,
- Congresso socialista, em Pa­ monárquicas em todo o País. entra como segundo-biblio­
ris. - P ublicação de A Batalha, diá­ tecá rio para a Biblioteca Na­
- A CGT obtém as 8 horas de rio operário da tarde, porta­ cional de Lisboa.
trabalho por dia. voz da CGT.
- Congresso da CGT em Lyon. - Começa a publicar-se em Lis­
- Assinatura do Tratado de boa o "semaná rio comunista"
Versalhes, em 28 de Junho. A Bandeira Vermelha, ó rgão
- Na Itália, fundação do par­ da Federação Maximalista Por­
t ido fascista. tuguesa.
- Anatole France adere, com
75 anos, ao grupo de intelec­
tuais de esquerda Clarté fun­
dad o por H e n ri Barbusse,
autor de Feu, a fim de "lutar
contra os antigos princípios
de opressão, de aut ocracia e
de imperialismo". Publica Le
petit Pierre.

1 920

- Congresso do Partido Socia­ - Atentados a tiro e à bomba - Pu blica Filhas de Babilónia.


lista Un ificad o , em To urs: co ntra os juízes do Tribunal
cisão e consequente criação de Defesa Social.
do Partido Comunista Fran­
cês.
Anatole France, numa carta a
Pierre Calmettes, proclama­
-se "bolchevista de alma e co­
ração".

1921

- Revolta de marinheiros fran­ - Criação do Partido Comu­ - O seu sonho d e Paris toma
ceses, no Mar Negro, que, n ista Português. forma: O Génio Latino será
sob a d i recção de A ndré - Revolta militar em Lisboa. Seara Nova.
Marty, recusam tomar armas - Noite sangrenta: assassínio de - Pu blica Valeroso Milagre e
contra o novo regime sovié­ Antó nio G ranj o , Machado Traição.
tico . Santos e Carlos da Maia.
Anatole France escreve no Primeiro número de Seara
I'Humanité de 30 de Novem­ No va, d i r i gi d a p o r R a u l
bro: "É belíssimo que um sol­ Proença, Antó nio Sérgio, Jai­
d ad o desobedeça a ordens me Cortesão, Câmara Reis . . .
crimi n osas" e , a o mes m o
tempo que recebe o Prémio
Nobel, dá a saber que aderiu
ao jovem Partido Comunista.
1 922

- Mussolini toma o Poder em - Pub lica Estrada de Santiago.


Itália e proclama-se Duce. Recreação Periódica, tradu­
- H itler fu nda, na Alemanha, ção de L'Amusement Périodi­
o Partido Nacional-Socialista, que d o Cavaleiro de Oliveira.
instrumento de desforra con­ - O Cavaleiro de Oliveira.
tra as decisões do Tratado de - Anatole France (co nferên-
Versalhes e, so bretudo, de cia).
luta de morte contra a gente
não-ariana, isto é, os judeus.
Anat ole France: La vie en
fleur.

1 72
1 9 23

- Manifesto dos partidos co­ - M a n uel Te i x e i ra G o mes é


munistas francês, alemão, bel­ eleito Presidente da Repú­
ga e inglês co ntra a ocupa­ blica.
ção do Ruhr. - Congress o à porta fechada
- Greve lançada pelo PCF con­ d o Parti do Comunista Portu­
tra a Guerra n o Rif. guês.
- Conj ura fascista em Pa ris. - António Sérgi o : Bosquejo da
Três atentados de inspiração História de Portugal.
maurrassiana.
- Em Espanha, ditadura de Pri­
mo de Rivera.

1 924

- Vitó ria eleitoral d o Cartel des - 2 . ° C ongresso Col onial Na- - O Romance da Raposa.
Gauclzes. cional. Raul Proença: 1 . 0 vol.
- O G overno reco nhece oficial­ d o Guia de Portugal.
mente a União Soviética.
- Criação da organização reac­
cioná ria Jeunesses Patrioti­
ques.
- Primeiro número da Révo/u­
tion surréaliste.
Morte de Anatole France, a
12 de Outubro.

1 925

- C riação da Liga de A cção - Teixeira G omes renuncia à - Colabora no Guia de Por­


Fran ces a , c o n s t i t u í d a p o r Presidê ncia da Repú blica. tugal.
d uas organizações d e choque: - Bernardino Machado é eleito,
Les Camelots du roi e Les pela segunda vez, Preside nte
Etudiants de I'A ction Fran­ da Repú blica.
çoise. - José Domingos dos Santos
sai d o Partido Democrático e
fu nda o Partido Republicano
da Esquerda Democrática.

1926

- Reorganização das Jeunesses - Golpe militar chefiad o por - Andam Faunas Pelos 8os-
Patriotiques sob o nome de Go mes da Costa, o qual, ins- ques.
Ligue des Jeunes Patriotes tituindo a D itadura, a bre o
q ue tem por finalidade lutar caminho à fascização do País
contra o Bloco das Esquer­ (28 de Maio).
das. - A tipografia de A Batalha é
assaltad a.
- Criação da censura prévia à
i m p rensa.

1 927

- As tropas francesas evacuam - Movimento militar republi­ - Toma parte no golpe militar
o Sarre. can o contra a ditadura, a 3 de d e 7 d e Fevereiro contra a
A Action Françoise é p osta Fevereiro, n o Porto, e a 7 e m D i t a d u r a . P e r s e g u i d o , re­
no Index. Lisboa. fugia-se na Beira e, seguida­
- A I nternacional C o mu nista - Dissolução da Confederação mente, em Paris. No fim do
d efine a táctica de "classe Geral d o Trabalho. Repres­ ano regressa à Soutosa, em
contra classe". são feroz. Militares, p olíticos, virtude do estado de saúde da
i ntelectuais buscam asilo em esposa que falece p ouco de­
Espanha e em França. p ois.
Em Coimbra, publicação da
revista Presença.

1 73
1 928

- Criação do primeiro partido - Criação da U nião Nacio nal Tenta levantar o Regimento
q ue se proclama fascista: Le Republicana, de p ouca dura. de Pinhel.
Faisceau. - I nstituição de uma Comissão Preso em Contenças, evade­
de Propaganda da D itadura. se mais uma vez e torna a
- R e v o l t a d o Ba t a lh ão de Paris, no dia 1 5 de Agosto.
Caçadores 7. M o vi m e n t o s
i n s u rreci o nais n o Barre i r o ,
Setúbal e Entroncamento. A
G N R é utilizada como p ri nci­
pal instrumento de rep ressão.
- Criação em Paris da Liga de
Defesa da República.
- Governo de Vicente de Frei­
tas, com SaJazar n o Ministé­
rio das Fin anças.
Carmona é proclamado Pre­
sidente da República.
Ferreira de Castr o : Emigran­
tes.
1 929

- Demissão d o M i ni s té r i o - S alazar, que acumula as fun­ - Membro da Liga de Defesa


Poi ncaré . ções de M i nistro das Fi nan­ da República.
- O aviador C ostes bate o re­ ças, d a s Coló n i as e d o - Percorre os camp os de bata­
corde m u ndial da d istância. I nterior, lança o seu estribi­ l ha da Flandres.
- O Parlamento vota a constru­ l ho : "Tudo pela Nação, nada Casa-se em Junho, com a
ção d a Li nha Maginot. contra a Nação . " S e n h ora D. Jerónima
- A B olsa de Nova I orque es­ M a c h a d o , fi l h a d o e x ­
barronda-se. - Presidente Be rnard ino
M achad o, figura de destaque .
entre os exilados po rtugueses. ·
- Em Julho, o casal deixa Paris
para se instalar e m Ustaritz,
n os arred ores de Baionne.

1 930
- Termin a e publica O Homem
- Fim da evacuação da Re­ - Criação da União Nacional e que matou o Diabo.
nânia. da Polícia de Vigilância e de - A 6 de Abril nasce-lhe o
- Aplicação das leis sobre os Defesa do Estado (PVDE). segu ndo filho, Aquilino Ri­
seguros s ociais. beiro Machad o.
- Colabora na Ilustração.

1931
- · Prisões de oposicionistas. - A família parte para a Galiza:
- Revolta na Madeira e nos pri meiro Vigo e, depois, Tui.
Aç ores. - Publica Batalha sem fim.
- Nova tentativa revolucioná­
ria em Lis boa, 800 dep orta­
d os para as Coló nias.

1932

- A luta entre os ·partidos agu­ - Publicação dos estatutos da - Publica, já de regresso semi­
diza-se. União Nacional e d o p roj ecto clandestino a Portugal, As três
- A crise econó mica abala todo c o n s t i t u c i o n a l : E.�uulo .\'m ·o. mulheres de Sansão.
o Pa ís. - Salazar ch efe d o gove r n o .
- F o r m a l i z a ç ã o d o part ido
único - " U nião Naci o nal" ­
presidido por Salazar acoli­
tad o por Albino dos Reis, M i­
nistro do Interior.
- Criação do Secretariado de
Propaganda Nacional.
1 74
1933

- Grande actividade das Ligas - Promulgaçã o da Constitui- - Maria Benigna.


facciosas que, coligadas, d ão ção do Estado Novo e do
origem ao Francismo. Estatuto Nacional do Traba-
- Hitler, chanceler do Reich. lho inspirado na "Carta dei
Lavoro", de Mussolini.
- Fascisação dos sindicatos.
- Greves nas minas de S . Do-
mingos.
- Revolta dos dep ortados na
Madeira.
- O Partido Socialista decide
diss olver-se.

1 934

- Escândalo político-financeiro - Deportação de mais presos - Publica É a Guerra (Diá rio) e


sem preced e n t e s : /' Affaire p olíticos para a Ilha Terceira. A lemanha Ensanguentada (Ca­
Stavisky, do nome de u m Criação da Câmara Cor p o ­ derno dum viaj ante).
vigarista d e alto coturno. . . o rativa.
qual, segundo o semanário - G reve insurrecional na Mari­
satírico Le canard enchdiné, n ha Grande e lutas estudantis
acabou por se suicidar "com contra o regime fascista. In­
um tiro de revólver que lhe .tensa actividade da Federa­
foi disparado à q ueima-rou­ ção das Juventudes Comunis­
pa". tas Portuguesas ( FJCP).
- A p r ov e i t a n d o a o p o r t u n i ­
d ad e , a s L i g a s facci o s a s ,
o r q u e s t r a d a s p e l a A c t io n
Française e manipuladas pe­
lo préfet de Police J e a n
Chiappe, admirador de Mus­
solini e de H itler, tentam
um golpe, na noite · de 6 de
Fevereiro, para tomar a Câ­
mara de assalto e derrubar o
governo. Manifestação m ons­
tra no dia seguinte lançada
pelo PCF.
- Hitler: Führer do Estado Ale­
mão, Terceiro Reich.

1 75
ÍND ICE ONOMÁSTICO
E
NOTAS AD ICI ONAIS

(Referido a nomes mencionados no texto dos volumes I e II)


O 'J IT 2 J\ f"/;. O VJ" O :�l ') i (1 �1 l
:1
-:.e 1 1,> Yi-".l () · l ,.. l- .l� ( 'P. J-\ G
G . . ':;.} A 'l.' (V�
.. P' !
ABRANTES (Laure, Duqueza D') - 1 784- 1838 - Mulher do general Junot e autora de
Memórias so bre o I Império e a Restauração que incluem excelentes e saborosíssimas
páginas sobre a Corte Portuguesa - 39.
ACCAMBRA Y - Deputado radical. Oficial de artilharia, foi, desde o início da guerra de
1 9 14- 1 9 18, membro da Comissão do exército da Câmara dos Deputados francesa, mas
acabou por ser acusado de ter contactos suspeitos com os alemães - 1 79-193.
ACTION FRANÇA I S E - Pasquim porta-voz do nacionalismo integral francês ( 1 908-
- 1 944), animado, nomeadamente, por Charles Maurras, Jacques Bainville e Léon Dau­
det - 1 22- 149- 1 54-9- 1 3- 1 4- 1 5- 1 6-2 1 .
ADAM (Juliette) - 1 836- 1 936). Escritora cujo salon parisiense foi u m dos mais influentes
na vida politica e literária francesa, no dobrar do séc. XIX para o séc. XX - 1 65-1 66-229.
ADAM (Paul) - 1 862- 1 9 20 - Escritor francês, autor de diversos romances polémicos -
1 50- 1 72.
AFONSO I - 1 1 08- 1 1 85. Primeiro rei de Portugal, filho do Conde Henri de Bourgogne e
da visigoda (entrementes, naturalizada asturo-leonesa) D. Teresa, a qual, mal se viu livre
do borguinhão do marido que partiu para a Terra Santa a fim de degolar os infiéis, meteu
no tálamo (!) o maior fornicador da Galiza Fernão Perez de Trava! Uma vergonha, mesmo
para um "mignotta", como diriam os italianos, se s oubessem destas coisas - 55- 1 45- 146.
AFONSO XIII - 1 8 86- 1941 - Rei de Espanha. Com as mãos manchadas de sangue cje
Ferrer e de outros anarquistas,.exilou-se em França, aquando da implantação da Primeira
República espanhola, em 193 1 - 54.
AGATÃO LANÇA (Armando Pereira da Costa). 1 894-?). Oficial da Armada e político.
Deputado em 1 9 2 1 , combateu a ditadura militar saída d o Golpe de 28 de Maio de 1926
- 69.
AGOSTINHO (Santo). 354-430. Bispo de Hippone (nas cercanias da actual Bône, Argélia).
Após uma mocidade levada dos diabos, foi fascinado pelas prédicas de Santo AmJ?rósio e
tornou-se um dos Pais da Igreja latina. Tentou conciliar o platonismo com o dogma
cristão, a inteligência com a fé. A sua p rincipal obra escrita é "A Cidade de Deus". (Se
tivesse nascido 300 mais tarde, teria sido um ulema de primeira - 5 1 -56- 10 I .

1 79
ALEXANDR E M A GNO - 356-323 - Filho de Filipe da Macedónia. Aluno de Aristóte­
les, submeteu a Grécia revoltada, derrotou os persas e criou um império que se estendia do
Indus ao Nilo. Foi o maior divulgador da civilização helénica - 1 88.
AMADE (Albert d') - 1856- 194 1 . General, participou na pacificação de Marrocos ( 1 908-
- 1 9 1 3) e comandou as tropas francesas nos Dardanelos ( 1 9 1 5) - 2 1 6 .
A MADIS - Romance d e Cavalaria espanhol redigido em 1 508 p o r Montalto possivel­
mente plagiado do original português de Lobeira (séc. XIII). O herói é o protótipo do
paladino - 1 8 .
AMÉLIA (Maria Amélia Luísa Helena d e Orléans e Bragança) - 1 865- 1 95 1 - Rainha de
Portugal por ter casado com D. Carlos I - 1 08- 1 47.
AMETTE (Léon Adolphe). 1 8 50- 1 920. Arcebispo de Paris em 1 908. Tentou modernizar os
métodos pastorais - 47-56-70-72-34.
ANA DE BRETAN H A - 1 477- 1 5 1 4. Duqueza da Bretanha. Foi ela que, ao casar com
Luís XII, mimoseou a França com a Bretanha a título de dote - o que, diga-se de
passagem, não agradou nada aos Bretões, celtas dos quatro costados, que se viram assim
acasalados do pé para a mão com os Francos que eles não podiam ver nem pintados -33.
ANÍBAL - 247- 1 8 3 - General cartaginês, filho de Amílcar Barca. Foi vencido por
Cipião, o Africano, em 202 - 38-86- 1 14.
ANTEU - Gigante, filho de Poséidon e de Gaia. Recobrava forças quando fincava os pés
no chão, seu ventre materno - 90.
ANTOINE (André) - 1 8 57- 1943 - Actor francês e director de teatro. Fundou o Teatro
Livre em 1 887 - 206-23-39.
ANNUNCIAÇÃO (Thomaz) - 1 8 1 8- 1 879. Desenhador e pintor - 74.
ARIO ou Arius. 280-336. Padre natural de Alexandria, heresiarca famoso, fundou a seita
dos arianos (que· nada tem a ver com o p ovo ariano) cuj a doutrina foi, por exemplo,
seguida pelos nossos queridos visigodos até certo dia do ano de 589 em que o Rei Recá redo,
abando nando a "heresia cristã" de A rio, .se declarou "católico romano" ! A h, oportunismo a
quanto nos obrigas ! - 5 1 .
A R ISTÓFANES - 445-386. O mais célebre p oeta cómico d e Atenas - 1 3 1 .
ARISTÓTE LES - 384-322. Filó sofo grego, perceptor e amigo d e Alexandre Magno.
Fund ou a escola peripatética. Considerava que a natureza é um esforço imenso da matéria
para se elevar até ao Acto Puro, isto é: ao pensamento e à inteligêngia - I I .
ARNOSO (Conde d') - 1 855- 19 1 1 . Secretário de D. Carlos I e amador das belas letras - 77.
A R MAGNAC (Condado da Gasconha, reunido à França em 1 607). Os Condes d'Armag­
nac, partidá rios do Duque de Orléans, opuseram-se vigorosamente aos Borguinhões até
1 435 - 1 72.
A RRIAGA ( Ma nuel de) - 1 840- 1 9 1 7 . Advogado, membro do directório do Partido Repu­
blicano, foi deputado às Constituintes em 1 9 1 1 e eleito primeiro Presidente constitucional
da República Portuguesa - 205.
A RROYO (João) - 1 86 1 - 1 930. Político, professor, j ornalista e compositor - 76.
ARTUR ou Artus. Rei lendário do país de Gales, cujas aventuras, no século � VI, derani
origem aos romances corteses do Ciclo do Rei A rtur, também conhecido por Ciclo Bretão
ou Ciclo da Távola Redonda - 1 7-36.
L'ASSIETTE AU BEURRE - 1 90 1- 1 9 1 2. Revista satírica ilustrada que, em português, se
chamaria O TACHO, - esse mesmo que serve de gamela a uma boa parte da classe
politiça . . . Publicada semanalmente, de tendência anarquista, é� uma mina inesgotável de
imagens subversivas e destruidoras (os textos são reduzidos ao mínimo). Teve a colabora­
ção de 200 desenhadores, tanto franceses como estrangeiros . Leal da Câmara foi um dos

1 80
p rincipais, tendo chegado a compor um número japonês assinad o . . . Adaramakaro (só
olhos desprevenidos não reconheceram o seu traço nem desco briram o nome do autor:
A-DA-KA-MA-RA). Caran d'Ache, Steilen, Grandjouan, Van Dongen, Poulbot, Chéret,
Jossot, Willette, Hermann-Paul, Juan Gris são alguns dos nomes cujas caricaturas fizeram
tremer o Paris da política e das artes regalado e satisfeiro de si-próprio. LEAL DA
CÂMARA enfileira - louvado sej a Deus ! - entre os mais ferozes, e é por iss o que os seus
números são alvo de grande interesse dos coleccionadores 33-78.
-

AULARD (Alphonse) . 1 849- 1928. Historiador francês. Pri meir J titular da cadeira de His­
tória da Revolução, na Sorbonne, em 1 886 - 1 2 1 .

BABI LÓNIA - Cidade que s e erguia à beira d o Eufrates a cerca d e 1 60 quilómetros da


actual Bagdad. Fundada pelo amorrita Sumú-Abum, foi berço .� a civilização suméria. No
ano 587 a.C., o seu rei Nabucodonosor II, depois de ter tomado Jerusalém, levou para lá
um numeroso grupo de hebreus, - e é o célebre CATIVEI RO de BABILÓNIA, cantado
por el-rei David no seu Salmo 1 3 7 . . . e por Camões em "Sôbolo os rios que vão/ · por
Babilónia me achei . . .". VERDI, na sua ópera NABUCCO musicou-o em forma de coro:
"Va, pensiero, sull'ali dorate . . . ", o qual veio a servir de cântico patrótico aos piemonteses
oprimidos pelos austríacos, no ú ltimo quartel do século XIX. Foi durante o Cativeiro que a
comunidade judaica redigiu o célebre T ALM UDE (Ensino) que é um apanhado de tradi­
ções rabínicas que interpretam a lei de Moisés e que se divide em duas partes: a Miscl111 a
(codificação das leis orais) e a Gemara, o seu comentário. In4til recordar que BABILÓNIA
é a famosa BABEL, onde os homens pretenderam erguer uma Torre que os levasse até aos
Céus e que Deus, para os contrariar, os pôs a falazar numa algaraviada que ia dando com
todos os pedreiros em doidos. Dessa lendária TO RRE, subsistem os zigurates onde verde­
javam os jardins suspensos - 62-96- 1 1 6- 1 1 9 - 1 5 5 .

BALZAC (Honoré d e ) - 1 799- 1850. Autor da Comédia Humana - 4 1 -6 1 - 1 1 3- 1 27.


BANDARRA (Gonçalo Anes). Primeiros anos do Séc. XVI. Aut or de Trovas que, utiliza­
das pelo Padre António Vieira, serviram para divulgar, entre os marranos portugueses, a
doutrina messiânica do portugues hebraico Zavatai Levi, (exilado em Esmirna) conhecida
por Zavataísmo a qual, na boca do grande p regador de Santo António aos Peixes se vai
transformar em S EBASTIANISMO. Com essas e com outras "Notas recônditas", a Inqui­
sição ofereceu-lhe cinco anos de prisão, nos calabouços de Coimbra - 89.

BARBUSSE ( Henri) 1 873-1 935. Escritor frances, autor de Feu e criador da revista
Clarié - 7 1 .
BAR RES ( Maurice) 1 8 62- 1 923. Escritor frances ultra-nacionalista que preconizava a
submissão do culto do eu à do culto da pátria e dos mortos - 1 39- 1 50- 1 53-1 54- 1 66- 1 76-
- 1 8 1 - 1 6 1 -208 .
BARTHOU ( Louis) - 1 862-1934. Político frances, foi assassinado em Marselha aquando
do atentado contra o rei A lexandre I da Jugoslávia - 1 79-205-208-224-229.
BARYE (Antoine). 1 795- 1875. Escultor e pintor franres. Os seus bronzes são a "loucura"
de muitos coleccionadores - 46.
BAS SOMPIERRE (Franç ois de). 1 579- 1 646. Marechal de França e diplomata. Esteve
encarcerado na Bastilha 1 2 anos por ter conspirado contra Richelieu - 1 72.
BAUDELAI RE (Charles). 1 8 2 1 - 1 867. Poeta franres, autor das Fleurs du Mal e notável
tradutor de Edgar Poe - 1 1 3.
BAZIN ( René). 1 8 53- 1932. Escritor franres - 166- 1 76.

BELLINI (nome de uma família de pintores venezianos cuj os membros mais notáveis são
IACOPO ( 1 400- 1 470) e seus filhos GENTILE ( 1 429- 1 507) e GIOVANNI ( 1 430- 1 5 1 6)
- 45.

181
BERENICE - U ma das três rainhas lágidas do Egipto. Princesa judia, nasceu no ano 28 .
Tito quis casar com ela, mas reconsiderou a fim de não desagradar ao povo romano -
48-54.
BERGSON (Henri). 1 859- 1 94 1 . Filósofo francês. O seu sistema assenta na intuição dos
dados da consciência liberta da ideia de espaço e da noção científica do Tempo. Prémio
Nobel 1 927 - 1 1 5- 1 1 6- 1 1 7 .
BERNHEIM JEUNE - Marchand de tableaux. Criou uma d a s mais célebres galerias
de arte parisienses - 25- 1 1 3-27.
BERTA-DO-PÉ-TAL U D O (Berthe au Grand Pied). Mulher do Rei Pepino o Breve
( Pépin /e Brej) , mãe de Carlos Magno ( Charlemagne), faleceu em 785 - 34-35.
BERTI LLON (Alphonse). 1858- 1 9 14. Médico francês, concebeu um método de identifi­
cação antrop ométrica dos criminosos - 2 1 1 .

BERTRAND (Aleysius, dito LOUIS). 1 807- 1 84 1 . Autor de poemas em prosa, entre os


quais "Gaspard de la nuit" - 27.
BESNARD (Albert) - 1 849- 1934. Pintor francês - 7 1 .
BISMARCK ( OTTO, príncipe de). 1 8 1 5- 1 898. Estadista prussian o, Ministro de Gui­
lherme I foi um dos fundadores da unidade alemã. A guerra de 1 870- 1 8 7 1 contra a
França foi o ponto mais alto da sua carreira. Chanceler do Império transformou a
Alemanha numa potência colonial - 1 26- 138-220-22 1 .

BIVAR (Artur) -188 1 -?. Publicista q ue s e caracterizava pela exaltação de u m catoli­


cismo obsoleto. Formado em filosofia na Universidade Gregoriana de Roma, publicou :
"Uma quaresma anticlerical" ( 19 1 0), "Deus aderiu?'' ( 1 9 19) e " Rebolação" ( 1 933). Consta
que para obter passaporte para o Céu, fundou a Escola Gráfica de Arcos de Valdevez, em
1 926 - 109.
BLÉRIOT ( Louis). 1 872- 1 936. Aviador e construtor de aeroplanos, foi o primeiro a
atravessar o Canal da l\1ancha, de avião, em 1 909 - 50-52.
BLOC H E ( Roger). 1 865-?. Escultor, é o autor de Le Froid que podemos admirar no
Jardim do Luxemburgo, em Paris 23.-

BONCOUR (Paul) . 1 873- 1922. Politico francês: radical-socialista, aderiu à S.F.I.O. (Sec­
ção Francesa da Internacional Operária) em 19 1 6 . Ministro da guerra em 1 932. Em 1 940,
recusou os poderes constitucionais ao Marechal Pétain. Foi delegado da França à Confe­
rência de San Francisco e assinou a Carta das Nações Unidas em 1 946 - 209.
BONNAT ( Léon). 1 833- 1 922. Pintor francês - 68-45-46-47.
BONNOT (Jules). 1 876- 1 9 1 2. Anarquista francês, abatido pela Polícia com outros mem­
bros do seu grupo (la bande à Bonnot) nos arredores de Paris - 1 27.
B O R D A L O PIN H E I R O ( Rafael). 1 846- 1 90 5 . Desenhador, caricaturista e ceramista
Irmão de Columbano - 36 . .
BORDEAUX (Henry). 1 870- 1963. Escritor francês - 1 50-26.
BOSS UET (Jacques-Bénigne). 1 627- 1 704. Prelado francês, escritor e p regador famoso.
Nomeado Bispo da cidade de; Meaux, em 1 68 1 , apoiou a politica de Luís XIV contra os
protestantes, o que lhe valeu o cognome de "A águia de Meaux" 36. -

BOTICELLI. 1 444- 1 5 10. Pintor florentino - 29-35-46.


BOUCHARD - médico francês que deu o nome à "n odosidade de Bouchard") - 87-88.
BOUCHER (Aifred). 1 8 50- 1934. Escultor francês de espírito clássico - 45.
BOUCHER (Franç ois). 1 703- 1 770. Pintor francês especialista em motivos pastoris ou
mitológicos - 1 2 1 .

1 82
B O U L A N G E R (Ge orges). 1 8 37- 1 89 1 . General fran cê s, Ministro da G uerra em 1 8 86,
tentou um golpe de Estado . Para não ser preso, refugiou-se em Bruxelas, onde veio a
suicidar-se sobre a sepultura da amante - 1 25-206.
BOURBONS - A primeira Casa de Bourbon data do século X . Por via matrimonial,
coligo u-se com os Capelos da Borgonha - 36.
BOURGEOIS (Léon). 1 8 5 1 - 1 925. Politico francês; um dos promotores da Sociedade das
Nações. Prémio Nobel - 7 1 -72- 1 26- 1 27- 1 28- 1 34-224.
BOURGET (Paul). 1 852- 1935. Escritor francês, autor de diversos ensaios e de romances
de análise - 1 53-26- 1 6 1 .
BRAGA (Joaquim TEÓFILO). 1 843- 1 924. Historiador e professor, natural d e Ponta
Delgada. Com a vitória do movimento republicano em Outubro de 1 9 10, assumiu a chefia
do Estado - 143.
BRÉGUET (Louis). 1 880- 1 955. Piloto francês, um dos pioneiros da aviação - 83.
BRIAND (Aristide). 1 862- 1 9 32. Notável orador francês, foi onze vezes Presidente do
Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros. Partidário da politica de reconciliação
com a Alemanha e animador da Sociedade das Nações. Prémio Nobel - 57-71 - l l l ­
- 1 1 3- 1 2 1 - 1 27 - 1 3 3 - 1 34- 1 3 5- 1 46-229- 1 5- 1 6- 1 49- 1 50- 1 5 1 .
B RIEUX (Eugene) . . 1 858- 1 9 32. Dramaturgo francês - 4 1 .
B R UAND (A ristide). 1 8 5 1 - 1925. Autor d e canções realistas d e estilo argótico. Proprietário
do "cabaret" Chat Noir, foi retratado por Toulouse-Lautrec com o seu "cache-col" verme­
lho de anarquista - 1 26.
BRUGHEL (ou Breughel). Célebre família de pintores flamengos: Pedro o Velho ( 1 5 30-
- 1 569); Pedro o Jovem ( 1 5 64- 1637) e João, o Brughel de Veludo ( 1 568 - 1625) - 73.
BUDA ou Çakyamuni ("o solitário dos Çakyas"). Fundador do Budismo, religião que
tem por finalidade co nduzir os homens ao nirvana isto é: à renúncia s uprema - 27-8 1 .
•.

CAGLIOSTRO (Joseph Balsamo, dito Alexandre, Conde de}. 1 743- 1 795. Hábil charla­
tão, médico e adepto das ciências ocultas, foi o ai-Jesus da Corte de Luis XVI. Maria
Antonieta bebia-lhe a "melodia" do seu italiano, embora o figurão tivesse nascido em
Palermo, onde, como toda a gente sabe, o siciliano é uma lingua para bocas mafiosas -
60.
CAI L LA U X (Joseph). 1 863- 1 944. Po litico francês especialista das questões finan cei­
ras. Presidente do Conselho em 1 9 1 1 , fez votar o imposto sobre os proventos e mostrou­
-se favorável a uma politica de concessão à Alemanha relativamente a Marrocos. Foi
condenad o pelo Supremo Tribunal por conivência com o inimigo, em 1 9 20, e amnistiado
em 1924 - 1 34- 193-2 1 6-224.
CAIM - Personagem lendária do Judaísmo. Filho do primeiro Homem (Adão}, matou
o mano Abel por uma questão de i nvej a . . . (Imagine-se! Ainda a Humanidade estava em
gestação, já um malandro era levado ao crime roido pela cobiça ! E o que é mais triste é
que o Criadpr, que devia ter cortado o mal pela raiz, esfregou as mãos e concitou a
"assistência" a "Crescer e a multiplicar-se!" Cinco e tal mil anos depois (segundo o
Calendário Hebraico)," é o que se vê, - o que levou o Épico a dizer: "Se a inveja fosse
tinha, andava Portugal inteiro a coçar-se" . . . Moralidade: Caim não devia ter sido expulso
do Paraíso, nem para Leste nem para Oeste, já que contribuiu mais para sermos o· que
somos d o que o parvo do irmão - 5 1 -6 1 - 10 1 .
CAIN (Auguste) . 1 8 2 1 - 1 894. Escultor francês, aluno de Rude - 33.
CALDERÓN de la Barca (Pedro). 1 600- 1 68 1 . Autor dramático castelhano, cuja obra é
dominada pelo tema de "a paixão da honra" - 55.
CALLOT (Jacques). 1 592- 1635. Gravador e pintor francês - 80.

1 83
CALMETTE (Albert Gaston). 1 863- 1933. Director de LE FIGARO - 1 1 3.
CAM E LOTS D U ROY: grupelho caceteiro e fascista, que tinha por especialidade criar
atropelos na praça pública, enquanto distribuía panfletos m onárquicos. O seu nome
deriva do termo ar gótico "camelot", isto é: vendedor de j ornais . . . ou tretas. (Para um bom
conhecimento da ACTION FRANÇAISE, JEUNES SES PATRIOTIQUES e outros
camelots reaccionários franceses, aconselhamos a leitura de "Les fascismes Français -
1 923-63" de J. Plumyene et R. Lasierra, Ed. du Seuil - 1963) - 1 46.
CÂNDIDO DE ALM EIDA. 1 8 8 1 -?. Escultor, viveu em Paris em 1 902 e 1 903 - 25.
CANALEJAS (José): 1 854- 1 9 12. Ministro espanhol. Fundador do Partido Radical, pro­
mulgou várias reformas destinadas a diminuir o poder das ordens religiosas e a suprimir
os latifú ndios ("Lei do Cadeado"). Foi morto a tiro por um anarquista - 1 09.
CANALETTO (Giovanni Antonio CANAL, dito). 1 697- 1 768. Pintor veneziano - 1 02-
- 1 13.
CAPETOS - Família d e origem Franca. U m a d a s três "castas" reais: o s Capétiens
(987- 1 328); os Valois ( 1 3 28- 1 589) e os Bourbons ( 1 589- 1 848) - 1 22- 1 72-36.
CAPUS (A ifred). 1 857-1 922. Comediógrafo francês - 1 50.
CARLOS I - Penúltimo rei de Portugal. Distinguiu-se como pintor e cientista. Visitou
Paris em 1 905 o que lhe mereceu um número de L'Assiette au Beurre inteiramente
desenhado por Leal da Câmara. Foi assassinado a I de Fevereiro de 1 908 - 39-204.
CARLOS II, o CALVO. 823-877. Rei dos Francos e Imperador do Ocidente (875-877). O
seu reinado foi sobretudo assinalad o pelas invasões dos vikings, esses homens do norte,
conhecidos p or normandos - 34.
CA R LOS MAGNO (Charlemagne). 742-8 14. Rei da Neustria (767-77 1); rei dos Francos
(77 1-8 14) e Imperador do Ocidente (800- 8 1 4). Filho de Pepino o Breve e de Berta do Pé
Taludo, sucedeu ao pai em 768 e reinou com o irmão CARLOMAN até à morte deste
último, em 77 1 . Rei ú nico , submeteu a Aquitânia (a região que se estende de Poitiers a
Bordéus) e a Lombardia. Organizou uma expedição contra os sarracenos de Espanha,
que foi dizimada em Roncevalles, pelos Bascos, e na qual pereceu o seu sobrinho Roldão
( Rolland). Em 800, o Papa Leão III coroou-o Imperador do Ocidente. Foi o chefe
da Dinastia dos Carolíngeos - 1 68-34-36- 1 1 4.
CARLOS V - 1 500- 1558. Natural de Gand, na Flandbec, foi Cabloc I de Ecanha
( 1 5 1 6- 1 556) e Imperador Germânico ( 1 5 19-1 5 56). Filho de Filipe o Formoso, arquiduque
da Áustria e de Joana, rainha de Castela, os seus domínios gigantescos (Espanha e
Coló nias, Flandres, Áustria, Alemanha) fizeram dele o principal inimigo dos reis de
França. Abdicou em 1 556 - 1 8-73.
CARLOS VII. 1 403- 146 1 . Rei de França, graças à revolta chefiada por Joana de A re
contra os ingleses q ue ocupavam o Norte e a região circundante de Paris, conhecida por
Íle de France - 35.

CARLOS o TEMERÁ RIO. 1 433- 1 477. Duque da Borgonha e da Flandres, filho do Duque
borguinhão Filipe o Bom e da Infanta D. Maria de Portugal, filha de D. João I, levou a
vida a guerrear contra Luís XI de França e René II, Duque da Lorena - 40.
CAR LYLE (Th omas). 1 795- 1 885. Historiador e crítico escocês. Autor de "Os Heróis e o
Culto dos Heróis" - 1 53.
CA RPEAUX (Jean-Baptiste). 1 8 27- 1 875. Escultor francês - 32.
CARRIERE (Eugene). 1 849- 1 906. Pintor e litógrafo francês - 23-25-33-54.
CARVALHO (Xavier de). 1 862- 1 9 19. Escritor e jornalista, fundou três diários republica­
nos no Porto. Foi residir para Paris em 1 885, onde fundou a "Société des Etudes Portugai­
ses" - 70.

1 84
CASIMIR-PÉRIER. 1 8 1 1 - 1 876. Político francês, partidário de T11iers, o tristemente céle­
bre "versaillais" carniceiro da "Comuna de Paris" - 1 34-207.
CASTELO BRANCO (Camilo). 1 825- 1 890. O maior novelista da Península Ibérica, no
dizer de Unamuno - 74-75.

CASTRO ( Eugénio de). 1869- 1 944. Poeta simbolista. Viveu u ns tempos em Paris e, de
regresso a Portugal em 1 890, p ublicou Oaristos - 4 1 .
CENTAU ROS - Homens selvagens que, segundo a lenda, viviam n a região de Pélione e
Ossa, na Tessália e que são representados como monstros fabulosos, meio-homens, meio­
-cavalos - 1 7 .
CER VANTES ( Miguel Cervantes y Saavedra). 1 547- 1 6 1 6 . Perdeu um braço na Batalha de
Lep anto e, cativo, viveu em Argel, durante cinco anos. Autor genial, legou-nos As
novelas exemplares e, sobretudo, essa bomba de retardo, que só um "marran o" p oderia
c onceber: DON QUIJOTE DE LA MANCHA - 1 9 .

CÉ SAR (Júlio). 1 0 1 -44 a . C . - Hábil, elo quente, enérgico e dotado d e fi n o sentido político,
começ ou por captar as boas graças do povo de Roma a fim de levar a cabo a sua luta contra
a omnip otência de Pompeu. No entanto, não conseguiu ir mais longe do que à formação de
um Triunvirato com Pompeu e Crasso, no ano 60. Cônsul em 59, conquistou as Gálias
(59-5 1 ) o que l he permitiu escrever o Comentário De bello Gallico. Acabou por governar
Roma como soberano absoluto - o que deu origem à conspiração de alguns Senadores
(entre os quais o seu filho adoptivo Bruto) que descambou no seu assassínio nos idos de
Març o ( 1 5 de març o do Calendário Roman o) 26-40-56- 1 1 9- 1 67- 1 69.

CÉZANNE (Paul) . 1 8 39- 1 906. Pintor francês, natural de Aix-en-Provence como o seu
amigo Emile Zola, é uma das principais figuras do I mpressionismo. É co nsiderado como
um d os precursores da arte moderna - 2 10-66.
C H ANG-KAI-CH EK. 1888- 1975. Marechal chinês, chefiou a luta contra os jap oneses, de
1937 a 1 945. Presidente da Repú blica Chinesa, foi vencido pelas forças comunistas de Mao
Zedong. Refugiou-se na Formosa (Twaian), em 1 949, a fim de reco nstituir o governo da
China nacionalista - 1 1 9.
CHAGAS (João Pinheiro). 1 863- 1 925 . Jornalista p olítico, foi degredado para A ngola por
ter particip ado na Revolta do 31 de Janeiro de 1 89 1 . Ministro de Portugal em França,
desde a implantação da República até se aposentar em 1 923 . Foi membro da delegação
portuguesa à Conferência da Paz e à Sociedade das Nações - 1 43.
CHAPLIN (Charles Josuah). 1 825- 1 89 1 . Pintor e gravador francês - 28.
CHAPLIN (Charles). 1 8 89- 1 977. Actor e realizador de cinema inglês. Criou a personagem
dolorosamente cómico de CHA RLOT e foi vítima da caça às bruxas, desencadeada pelo
senador fascista americano Mac Carthy - 27-97.
C HARDIN (Jean-Baptiste). 1 699- 1 779. Pintor francês, porventura o maior retratista da
realidade do seu país no séc. XVIII - 77- 1 02.
CHARPENTIER (Gustave) . 1 8 60- 1956. Compositor francês, autor do drama lírico natura­
lista LOUISE 23-27.
-

CHATEAUBRIAND (François-Re né de). 1 768- 1 848 . Escritor francês. Durante a Restau­


ração, foi embaixador em Londres e M inistro dos Negócios Estrangeiros. Exerceu uma
grande influência no movimento romântico do seu país - 33.
CHAUCHARD (Alfred). 1 8 2 1 - 1 909. Negociante e amador de Arte. Fundador dos Maga­
sins du Louvre - 1 1 1 - 1 1 3- 1 1 4.
CHAUTEMPS (Camille) . 1 88 5- 1 963. Deputado radical-socialista, foi várias vezes Presi­
dente do Conselho - 1 5 1-209.

1 85
CHÉ RET (Jules). 1 8 36- 1932. Desenhador e pintor francês, célebre pelos seus cartazes
ilustrados - 23.
CHEVALIER D E LA B A R RE (Jean-Franç ois Lefl:vre). 1 747- 1 766. Nobre francês. Acu­
sado de ter partido um crucifixo, foi decapitado e lançado à fogueira. VOLTAIRE tentou,
debalde, obter a sua reabilitação - 23.
CHEVREUIL ( Eugime). 1 786- 1 889. Químico francês, especialista dos corpos gordos, foi
director das tinturarias da Manufactura dos GOBELINS criada por Luís XIV que desejava
esquecer os negócios dos homens perante a beleza de uma bem urdida tapeçaria - 66.
CHILDE-H AROLD (Peregrinação de). Poema em quatro cantos de Byron que narra a
viagem do poeta de 1 8 1 2 a 1 8 1 8 . Lamartine compôs o "ÚltimO' Canto de Childe-Harold"
c omo se se tratasse da continuação da obra de Byron - 26.
CHILDERICO. 436-48 1 . Filho de Meroveu (fundador da Dinastia merovíngea que antece­
deu a carolíngea), pai de Clovis, rei dos Francos. Reinou na Turíngia - 34.
CHOISEUL (César, Duque de) . 1 598- 1 675. Marechal de França, distinguiu-se no cerco de
La Rochelle; durante a· Fronda. Comandou o exército do rei que defendeu Paris. (Fronda:
·
nome d ado à guerra civil que devastou a França durante a menoridade de Luís XIV (de
1 648 a 1 652), provém de um jogo dos garotos de Paris : o jogo da funda ou da fisga. Há a
dizer que a FRONDE foi motivada pela má política financeira do cardeal Mazarino -
1 42- 1 1 0.
C I D ( R od rigo D i a z d e B iv a r ) . C a v a l e i r o andante cast e l h a n o - E/ Cid Campeador,
ilustrou-se na luta contra os mouros, no séc. XI - 18.
CLAU DEL (Paul). 1 868- 1955. Diplomata e escritor francês. Ad mirador d e Salazar, dedi­
cou ao Marechal Pétain, durante a Ocupação do seu Pais pelas hordas hitlerianas, uma
ODE enternecedora - a qual, logo após a Li.bertação da França em 1 944, foi dedicada,
com meia-d úzia de retoques ao General de Gaulle . . . Dramaturgo fecundo e de um catoli­
cismo sui generis, p ode gabar-se de ter enriquecido o Teatro Francês com a sua maior
xar.o pada: Le soulier de satin ( ! ! O sapato de setim") que Franç ois Mauriac, romancista e
católico de cepa j ansenista, corrigiu para Le soulier de Satan ("O sapato de Satanás" -
223.
CLE M EN C E A U (Georges) . 1 8 4 1 - 1 929. Político fran cê s : deputado d a extrema-esquerda
(da época), de uma eloquência feroz e apaixonada, alcunhado de "demolidor de Ministé­
rios" e, mais tarde, de "O Tigre" pela sua acção durante a Primeira Guerra Mundial, foi
partidá rio de Dreyfus, adversário de Waldeck-Rousseau e inimigo de Raymo nd Poincaré .
Negociou o Tratado de Versalhes, mas não logrou ser eleito Presidente da República -
1 18- 1 26- 1 27- 1 33- 1 50-224-228-229.
CLOVIS I. 465-5 1 1 . Rei dos Francos, filho de Childerico. Convertido ao catolicismo,
derrotou os siágrios, os alamães, os burgondos. (borguinhõ es) e os visigodos. Fundador da
Monarquia Franca, proclamou-se rei ú nico de todas as Gálias - 34.
C O E L LO (Cláudio). 1 642- 1 69 3 . Pintor espanhol de origem portuguesa. Foi nomeado
pintor do rei em 1 684. Executou obras de estilo barroco - 78.
COLI (Franç ois). 1 8 8 1 - 1 927. Aviador francês que, com Nungesser, desapareceu no mar,
quando tentava atravessar o Atlântico Nórte de avião - 1 8 .
COLU MBANO (Bordalo Pinheiro). 1 8 57-
. 1929. Pintor. Irmão d e Rafael Bordalo Pinheiro
- 24-70.
CO M B ES (Emile). 1 8 35- 1 92 1 . Político francês. Presidente do Conselho de 1 902 a 1 905,
campeão do anticlericalismo. Foi ele - a quem o p ovo de Paris, trocista, apelidara de
"Padre Combes" (Le Pere Combes) - que redigiu e fez votar a lei da separação da Igreja e
do Estado - 1 35-223- 1 5 .
COMPERE-MOREL (Adéodat). 1 872- 1 94 1 . Deputado socialista, d e tendência guesdista.

1 86
Dirigiu a publicação em 1 2 volumes da Encyc/opédie Socialiste, syndica/e et Coopérative
- 224.
CO MTE (Auguste). 1 798- 1 857. Filó sofo francês, fundador do positivismo. O seu Curso de
filosofia positiva ( 1 8 30- 1 842) é co nsiderado uma das obras capitais da filosofia do séc. XIX.
Completa o seu sistema por uma religião da humanidade - 1 1 6- 1 54.
CONDÉ. Ramo colateral da Casa de Bourbon. Quase todos os seus membros desempenha­
ram um papel imp ortante na histó ria de França - 82.
CONFÚ CIO. 55 1 -479 a. C. O mais célebre filósofo da China. Fundador de um sistema de
mo ral que põe acima de tudo a fidelidade à tradição nacional e familiar - 1 1 9 .
CON STANT (Benjamin) . 1 767- 1 8 30. Político e escritor francês, amigo d e madame de
Stael; deixou um romance que é tido p or uma obra-prima de análise psicológica: A dolphe
- 1 1 3. o

CONSTANTINO I o Grande. 288-337. Imperador romano, reconheceu oficialmente o


cristianismo como ú nica religião do Império - 34.
CONSTANTINO, rei da Grécia. 1 868- 1 9 23. Sucedeu ao pai - Jorge I - em 1 9 1 3 . Exilado
em 19 17, voltou ao trono em 1920 e abdicou em 1 922 - 1 95- 196- 1 99-200-20 1 .
COOPER (James Fenimore) . 1789- 1 85 1 . Romancista americano, autor de " O último dos
mo hicanos" - 39.
COROT (Camille) . 1 796- 1 875. Pintor francês - 28- 1 1 3-93.
COSTA (Afonso-Augusto da). 1 87 1 - 1 9 37. Lente de direito aos 25 an os, pertenceu ao
Directó rio Republicano. Implantada a Repú blica, foi Ministro da Justiça no Governo
provisó rio. Redigiu as leis basilares do novo regime: Separação da Igrej a do Estado.
Divórcio, Famllia. Chefe do G overno e Ministro das Finanças ( 1 9 1 3- 1 9 1 6), co nfirmou o
seu talento de estadista ao chefiar a delegação p ortuguesa à Conferência da Paz e à
Sociedade das Nações. Aquando do 28 de Maio de 1 9 26 que abriu as portas do Poder ao
fascismo salazarista, buscou exílio em Paris, onde faleceu - 1 09- 1 1 0- 1 29- 1 3 1 - 1 43-2 1 7-228.
C O U C EI RO ( He n rique Mitchell de Paiva). 1 8 6 1 - 1 944. Com batente e G overnador de
Angola, é um dos vultos mais destacados do colonialismo português. Monárquico, bateu-se
por D. Manuel II, no Cinco de Outubro de 19/0. Preparou em Espanha uma incursão em
1 9 1 1 e, em 1 9 19, chegou a proclamar a Monarquia do Norte - 1 3 1 .
COURBET (Gustave). 1 8 19- 1 877. Chefe d e fila d o realismo em pintura. Foi homiziado em
1 87 1 devido à sua participação activa na Comuna de Paris - 34.
CROMWEL L (Oliver). 1 599- 1 658. Protector da República de Inglaterra fez com que
Carlos I fosse condenado à morte. Ditador, obrigou a Holanda a reconhecer o A cto de
Navegação e a supremacia inglesa nos mares - 1 7 3 .
C U Y P (Albert). 1 620- 1 69 1 . Pintor paisagista holandês - 7 3 .
CYRIACO CARDOSO (Domingos). 1 8 46- 1 900. Compositor d e música e empresário tea­
tral - 69.
DALOU (Jules). 1 838- 1 902. Escultor francês, autor do Triunfo da República - 33-36.
DAGOBERTO I. 600-639. Filho de Clotário I e de Bertrude. Rei da Neustria e dos
Francos, em 632. Foi inteligentemente secundado pelo seu Ministro Santo Eloi - 36.
DAU DET ( Léon). 1 867- 1 942. Membro importante e principal financeiro da publicação
ultrareaccio nária, ó rgão do nacionalismo integral, A CTION FRANÇAISE - 1 5 5-23.
DAVID (Louis). 1 748- 1 825. Pintor francês, chefe da Escola Neo-clássica. Dirigiu a pintura
em França, de 1 785 até à hora da morte, no exilio - 46-47 .
DEGAS (Edgar de Gas). 1 834- 1 9 17. Pintor, gravador e escultor impressionista francês -
32.
DEIBLER. Célebre familia de carrascos franceses. O último (a pena de morte em França só

187
foi abolida no dia 30 de Setembro de 198 1 ) pode "gabar-se" de ter destrancado 450 cabeças
em 53 anos de exercício ---' 68.
DEKOBRA ( Maurice Tessier dito M AU RICE). 1 8 85- 1973. Aut or de romances cosmopo­
listas - 98.
DELBRUCK ( Hans). 1 848- 1 929. Historiador alemão, deputado, partidário de uma polí­
tica de equilíbrio mundial entre a Inglaterra e o seu país. Hostil ao pan-germanismo - 1 76.
DELCASSÉ (Théophile). 1852- 1 923. Político francês, várias vezes Ministro dos Negócios
Estrangeiros. A rtesão da "entente cordiale" franco-inglesa - 2 1 5-2 1 6.
DENIS (Maurice) . 1 870- 1943. Pintor francês. Participou no movimento nabi e fundou os
ateliers de arte sacra - 102.
DENIS ( São). Apóstolo das Gálias. Primeiro Bispo francês, no século III. Decapitado
pelos romanos em Paris, pegou na cabeça entre-mãos e, lentamente, seguiu pela vereda que
é hoje a Rue Montmartre (Rua dos Mártires), subiu à colina onde se erguia o Templo de
Minerva (o actual Sacré-Coeur) e, só expirou a coisa de 1 2 quilómetros, no local onde se
ergue a Basílica que tem o seu nome e em torno da qual cresceu a cidade de Saint-Denis -
33-34-35-36.
DÉROULEDE ( Paul). 1 846- 19 14. Poeta e politico francês. Presidente da "Liga dos Patrio­
tas", o seu estro é forçosamente patriotinheiro - l l l - 1 1 8 - 1 65-208.
DERRÉ (Emile). 1 867. Suicido u-se em 1 938. U m dos mais delicados escultores franceses
contemp orâneos - 23.

D E S C A RTES ( René). 1 59 6- 1 650. Filó sofo, matemático e fisico francês. Viveu muito
tempo na Holanda onde, entre outras o bras, escreveu O DISCURSO D O MÉTODO, alfa
e ómega do cartesianismo - 1 1 6- 1 1 8- 1 48.
DESCH ANEL ( Paul) . 1 8 55- 1 922. Político francês. Presidente da República, de 1 8 de
Fevereiro a 22 de Setembro de 1920 - 127.
DEUTSC H E D E LA M E U RT H E ( Madame). Mulher do fundador do Aero-Club de
France e do Instituto Aeronáutico ( 1 909) - 1 7 .
DOUG LAS FAI RBANKS. 1 883- 1939. Actor d e cinema americano - 97.
DOUMER (Paul). 1 8 57- 1932. Político francês. Governador Geral da Indochina, em 1 896,
Presidente do Sen ado, em 1927 e da República, em 193 1 . Foi assassinado, em Paris - 134.
DOU M E RG U E (Gaston). 1 863- 1937. Político francês. Presidente do Conselho em 1 9 1 2;
do Senado em 1 9 23 e da República de 1924 a 1 93 1 . Presidente do Conselho, de 9 de
Fevereiro a 8 de Novembro de 1 934 - 45.
DOYEN (Eugene Louis). 1 859- 1 9 1 6 . Médico francês, inovador em matéria de cirurgia e de
instrumentação - 87-88.
DREYFUS (Aifred). 1 8 59- 1935. Oficial francês, saído de uma familia israelita alsaciana,
foi injustamente acusado e condenado por actos de espionagem a favor da Alemanha
( 1 894). Foi agraciado e reabilitado em 1 906, após uma violenta campanha encabeçada por
Zola. Fomentado pelos meios ultramontanos e antisemitas franceses, o caso D REYFUS
dividiu a França, como n os dá a perceber, por exemplo, a leitura de JEAN BAROIS, de
Roger Martin du Gard - 68- 1 8 0-207.
D RIANT (Emile) . 1 8 5 5- 1 9 1 6 . Ofici al e escritor, genro de Boulanger, m orreu na Batalha de
Verdun - 1 49- 1 66.
DUARTE. 1 39 1 - 1 438. Foi o décimo primeiro rei de Portugal e o segundo da Segunda
Dinastia. Homem culto, escreveu o Leal Conselheiro e a A rte de Bem Cavalgar Toda a Sela
- 37.
DUBOST (Charles). 1 882- 1 939. Escritor e crítico francês - 1 27.

1 88
DUCHAMP ( M arcel). 1 8 8 7- 1 968. Pintor francês, influenciado pelo cubismo,. Desempe­
nhou um papel importante no movimento Dada e no Surrealismo - 102.
DUFAU ( Mademoiselle Evelyne). Pint ora de grande talento, expôs em vários Salons.
Faleceu em 1937 - 1 02.
D UJ A R DI N - B EA U M ETZ (Geo rges) . 1 8 33- 1 896. M édico fran cês, escreveu numerosas
obras sobre a terap�utica - 1 1 4.
D U M ONT (A rsene) . 1 849- 1 902. Ministro. Autor de "La Petite Bourgeoisie vue à travers
les contes du Journal" ( 1 894- 1 895).
DUNCAN (Isadora). 1 878- 1 9 27. Bailarina americana cuj o estilo se opunha completamente
às formas clássicas do ballet - 32.
D Ü R E R (Albrecht). 1 47 1 - 1 528. Pintor e gravador alemão - 40-45-46.
D R U M ONT (Edo uard) . 1 844- 1 9 1 7. Político e jornalista, é um dos chefes do partido anti­
-semita. Fundador da delirante LA LIBRE PAROLE, é sobretudo conhecido como autor
da FRA NCE JUI VE mangedoura o nde se regalam todos os antisemitas franceses, de
Maurras a Jean-Marie le Pen - 206.
ECLESIASTES . Obra atribuída a Salomão e incluída pela Igreja católica entre os seus
livros canó nicos. É nela que se desenvolve a famosa máxima: "Vaidade das vaidades, tudo é
vaidade" (ou "vanidade") - 7 1 .
ELOI ( Santo). 588-600. Ourives e tesoureiro de Clotário I I e d e Dagoberto I , rei dos
Francos. Ministro deste último, foi Bispo de Noyon - 34.
ERLICH (Paul). 1 854- 1 9 1 5 . Médico alemão, descobriu a acção dos arsenobenzenos no
tratamento da sífilis. Prémio Nobel 1 908 - 87-89-9 1 .
ERMENTRUDA. 8 25-877. Primeira mulher d e Carlos o Calvo - 34.
ESOPO - VII-VI a.C. - Fabulista grego. Escravo, as Fábulas que compôs em excelente
prosa, são atribuídas ao seu tradutor franc�s. o mo nge PLAN U D E (séc. XIV).
ET IENNE ( E ugene) . 1 8 44- 1 9 2 1 . General e p olítico, membro da Un io n démocratique,
aquando de l'Affaire Dreyfus - 68.
EU ROPA, filha de Agenor, rei da Fenícia, foi raptada por Zeus metamorfoseado em touro
e levada para Creta, onde deu à luz Minos, Sarpedon e Radamante - 1 7 .
EZEQUIEL. Século VI antes d e Cristo. U m d o s quatro grandes profetas hebreus - 45-9 1 .
FALLI ERES (Armand) . 1 84 1 - 1 9 3 1 . Político franc�s. Presidente d o Senado e m 1 899 e
Presidente da República de 1 906 a 1 9 1 3 - 52-59-70-72- 1 1 4- 1 2 1 - 122- 1 23- 1 26- 1 27- 1 29-
1 34-2 1 0 .
FANTIN-LATOUR. Pint or e litógrafo francês - 102.
FARMAN ( Henri) . 1 874- 1 958. Engenheiro e industrial franc�s que, em 1 980, obteve o
prémio do quilómetro em circuito fechado, de avião - 82.
FARRERE (CLA U D E, pseudónimo de Frédéric Bargone). 1 876- 1 9 1 7 . Escritor francês -
1 6 1 - 162- 1 63.
FAUCONNIER (Emile Eugene) . 1 857-?. Pintor, galardo ado em 1 900 e 1 903 - 53- 1 0 1 - 102.
FAURE (Félix) . 1 8 4 1 - 1 899. Político francês. Presidente da República de 1 895 a 1 899 -
68- 1 49 -205-208 .
FED RO. 1 5 a.C. - 50 depois de Cristo. Escravo e fabulista latino, escreveu à semelhança de
Esopo. Foi agraciado por A ugusto 1 50.
-

FERNANDO da Bulgária. (da famllia de Saxe-Coburgo). 1 8 6 1 - 1 948 . Príncipe da Bulgária


em 1 8 8 7 e Czar em 1 908. Aliou-se aos Impérios Centrais durante a Primeira Grande
Guerra. Foi obrigado a abdicar em 1 9 1 8 - 1 26- 1 88 .

1 89
FE R RER (Francisco Ferrer Guardia). 1 8 59- 1 909. Anarquista e pedagogo espan hol. Ini­
ciado na Franco-Maçonaria quando jovem, foi um dos propagadores do Pensamento Livre
em toda a Península Ibérica. Preso em Barcelona, aquando de uma manifestação contra a
expedição a Marrocos, foi julgado num processo sumário e fusilado. O processo foi revisto
em 1 9 I I e a co ndenação reconhecida errónea em 1 9 1 2 :..... 53-54-55-68 .
FERRY . (J1des). 1 832- 1 893. Estadista francês, contribuiu para a organização do ensino
primário, assim como para a ex pansão colonial da França. pela conquista da Tunísia e do
Tonquim. Tornando obrigató rio o ensino da língua francesa, em detrimento das línguas
· regionais (os patois), é considerad o como um dos grandes fundadores da França - 206.
FI LIPE III (IV de Espan ha). 1 605- 1 665. Teve o bom senso de confiar a direcção dos
negócios públicos ao grande estadista Conde-Duque de Olivares (que projectou transferir
p ara Lisboa a capital da. . . Un ião Ibérica). O seu reinado· p ortuguês terminou com o
levantament o do 1 . 0 de Dezembro de 1 640 - 1 1 2. ·
FLA U B E R T ( G ustave). 1 8 2 1 - 1 880. Escritor francês. Pro� ad·o r · . rigo ros o na procura d a
perfeição do estilo, pretendeu dar aos seus romances uma imagem objectiva da reali­
d ade. Autor de Madame Bovary, Salammbô, L'Education Sálliméntale __: 32- I I S.
F O C H ( Fe rd i n a n d ) . I 8 5 1 - I 9 29 . Marechal de França, d a I n glaterra e da P o l ó n ia.
Distinguiu-se na Batalha do Marne e nas Flandres ( 1 9 1 4) . Conduziu as tropas aliadas à
vitó ria em 1 9 1 8 - I I 8.
FO URNIER (Aifred). 1 832- 1 9 14. Médico francês. Primeiro titular da cadeira de clínica das
doenças cutâneas. Fundad or da sífiligrafria moderna - 90.
FORAIN (Jean-Louis). 1 8 52- 1 93 1 . Pintor e gravador francês. Caricaturista político de
grande mordacidade - 23.
FOUILÉE (Aifred). 1 8 38- 1 9 1 2. Filó sofo francês. Criou a teoria das ideias-força - S I .
FOU RIER (Charles). 1 772- 1 837. Filósofo e soció logo francês. Criou u m sistema que previa
a associação dos indivíduos em falanstérios: grupos harmoniosamente compostos com a
finalidade de fornecer a cada um dos seus membros o bem-estar pelo trabalho livremente
consentido - 49.
FO UCQUET (Nicolas). 1 6 1 5- 1 680. Super-intendente das Finanças de Luís XIV. Mercê da
sua imensa fortuna, protegeu os homens de letras (Moliere, La Fontaine, etc . . . ). Vítima das
intrigas de Colbert, foi condenado a prisão perpétua na Cidadela de Pignerot. Há quem
pretenda que foi ele o Homem da Máscara de Ferro - 1 7 2.
FRA ANGELICO (Giovanni de Fiésole). 1 387- 1 455. Dominican o, é um dos primeiros
pintores do Quattrocent o florentino. Decorou o Convento de S. Marcos, de Florença, e a
Capela de Nicolau V, no Vaticano - 52- 1 02.
FRAGONARD (Jean-Honoré). 1 732- 1 806. Pintor e gravador francês - 52.
FRANCE (Anatole Thibault, dito ANATOLE) . 1 844- 1 9 24. Escritor francês de p rimeiro
plano. Pensador de um cepticismo universal, mas sensível ao sofrimento, deixou obras
de uma ironia delicada. Prémio Nobel 1 9 2 1 - 23-4 1 -7 1 -203-220-229- 1 7-25-27- 1 54- I SS.
FRANCISCO II. 1 544- 1 5 60. Rei de França. Marido de Maria I de Stuart, rainha da
Escócia, sofreu a influência dos partidários do Duque de Guise que perseguiram os protes­
tantes e rep rimiram com · a maior crueldade a Conju'a de A m boise - 34.
FREDERICO III. 1 4 1 5- 1 492. Imperador germânico de 1 440 a 1 492 - 37-38-39.
FREDERICO, O G RANDE. 1 7 1 2- 1 786. Rei da Prússia. Homem de guerra e excelente
administrador, resistiu com êxito durante a Guerra dos Sete A nos, aos esforços conjugados
da França, da Áustria e da Rússia. Modelo do " déspota esclarecido" do séc. XVIII, foi
grande amigo de Voltaire - I I 3- 1 09.
FREDERICO III. 1 8 3 1 - 1 8 88. Rei da Prússia e Imperador alemão. Distinguiu-se durante as
guerras austro-prussianas e .franco-alemã.

1 90
FREDEGONDA. 545-597. Mulher de Childerico I, rei da Neustria. Passou à história pelo
número de crimes que cometeu para se manter no Poder - 34.
FREYCINET (Charles de Sauises de). 1 8 28 - 1 9 23 . Quatro vezes presidente do Conselho de
Ministros - 206.
FUAD (Princip e A H M ED). 1 8 68- 1936. Proclamad o Sultão do Egipto em 1 9 17, tomou o
título de rei, em 1 922 - 1 26.
GALAAZ (Galaad). U m dos heróis da lenda medieval da Távola Redonda. Cavaleiro sem
mácula, teve, segundo parece, o privilégio de desco brir o Graal perdido, esse cálice que
continha algumas gotas do sangue de Cristo 18.
-

GALLI FET (Gaston). 1 8 30- 1 909. General, distinguiu-se em Sedan e ficou n a memória
povo pela ferócia com que reprimiu a Comuna de Paris. Ministro da Guerra em 1 899 e
1 909. Um carniceiro ! - 50.
GAGO COUTI N H O (Carlos Viegas). 1 869- 1 9 59. Oficial da Armada, geógrafo, navegador
e historiador, levou a cabo, com Sacadura Cabral, em 1 9 22, a primeira travessia aérea do
Atlântico Sul - 1 8 .
GAMBETTA (Léon). 1 838- 1 88 6. Advogado e político francês, Republicano, membro do
Governo de Defesa Nacional, desenvolveu os maiores esforç os para organizar a resistência
aquando da guerra franco-prussiana de 1 870- 1 87 1 . Foi Presidente da Câmara em 1 8 79 e
Presidente do Conselho em 1 8 8 1 - 65.
GAR RETT (José Baptista da Silva Leitão de ALMEIDA). 1 799- 1 8 54. Poeta e escritor, foi
o introdutor do romantismo em Portugal e um dos paladinos da Revolução Liberal de
1 820. Obrigado a exilar-se, viveu na Inglaterra e em França. Desembarcou com as forças
liberais em Pampelido ( 1 8 32) . Foi encarregado de Negócios em Bruxelas e, de regresso a
Lisboa, dedicou-se ao jornalismo político . Dramaturgo, fundou o Teatro Naci onal -

20-25.
G E NOVEVA (Santa Gcnevi cvc) . 432-502. Padroeira de Paris deu aos habitantes da cidade
(chamad a então Lutécio) a garant ia de que não tinham q ue recear a sanha d e Átila.
Seguidamente foi ao encontro do chefe d os H u nos e, se be m que os historiadores tenham
certas sus peitas d o que se passou nesse "rendez-vous", o que é verdade é que a cidade - ela!
- foi res peitad a. Clovis mandou co nstru ir uma Abadia em sua honra, n o topo da colina
o nde hoj e se e nco ntra o Panthéon o Liceu Henri IV e a Bibliotheque Sainte- Genevieve.
Foi lá que Mestre Aquilino, para além do muito material pu blicado no p rimeiro volu me,
escreveu grande parte do seu J A R DI M DAS TO R M ENTAS - 47.

GÉRÔME (Jean Léon). 1 8 24- 1 904. Pintor e escultor francês, pertenceu à escola dila dos
"neo-gregos". Inimigo jurado- dos Impressionistas (chegou a director da Escola de Belas­
Artes) manteve, no entanto as melhores relações com Manet e Degas 55. -

GIDE (André). 1 869- 1 95 1 . Romancista francês. As suas obras revelam uma total sinceri­
dade na procura da felicidade e da verdade, o seu desdém pelas regras correntes da moral e
a sua recusa formal de nunca se empenhar de corpo e alma em qualquer causa que sej a.
Obras principais: Les nourritures terrestres, L'lmmora/iste, La Porte Etroite e Les Faux­
Monnayeurs. Prémio Nobel 1 947 - 209.
GODOFREDO (Godefroi IV de B oulogne, dito de Bouillon). 106 1 - 1 1 00, chefiou a 1 .•
Cruzada e grangeou, assim, o titulo de "conservador do Santo Sepulcro" - 1 46.
GOETHE (Wolfgang). 1749- 1 832. O mais ilustre dos escritores alemães. Autor de Fausto e
de Werther 1 68.
-

GOMES DOS SANTOS (Domingos Mauricio). 1 896. Jesuíta, pertenceu ao corpo redacto­
rial da revista Brotéria 109.-

GOYA (Francisco de). 1 7 46- 1 8 28. Pintor oficial da Corte de Espanha. Durante a guerra
contra Napoleão, foi a testemunha implacável dos Desastres da Guerra - 46-96.

191
G R A N DJ O U A N . 1 875- 1 968. Desen hador e caricaturista francês de inspiração li bertária.
Foi com Leal da Câ mara e Steinlen, u m dos pilares de I'Assiette au Beurre - 23.
G R A V E (Jean). 1 8 54- 1 9 39. Anarquista francês. Sapateiro, a u t odidacta, d i rigiu v árias
pu blicações anarquistas (A Révo/te, Les temps nouveaux . . . ) e foi um talent os o divulgador
do movimento anarquista francês - 57.

G R A V E LOTTE - Povoação onde se registaram terrí veis com bates em Agosto de 1 870
25- 1 76.
G R ECO ( Dominikus Theotokó pulo, dito E L) . 1 5 40- 1 6 1 4. Natu ral de Creta, instalou-se em
Tol edo , depois de ter estudado pintura, d u rante uns anos, na Itália - 46.
G R EY ( Ed ward). 1 8 62- 1 933. I nglês. M i nistro dos Negócios Estrangeiros de 1 905 a 1 9 1 6 -
1 26- 159.
G R I EG ( Edvard). 1 843- 1 907. Comp ositor norueguês. A ut or de Peer Gynt - 26- 1 40.
G U E R R I TA ( R afael G uerra B ej aran o ) . 1 8 62- 1 9 4 1 . Foi, c o m P E P E- H I LO e F RA S ­
C U E LO, u m dos mestres da tauromaquia moderna espan hola - 2 1 .

G U E S D E (J ules Basile). 1 8 45- 1 9 22. Político francês, divulgado r das ideias marxistas no
seio do movimento operário do seu país - 224.

G U I L H E R M E I ( de H o henzollern). 1 797- 1 888. Rei da Prússia ( 1 86 1 - 1 888) e Imperador


( Kaiser) alemão ( 1 8 7 1 - 1 8 88). G overnou com mão de ferro, tomando para seu principal
ministro o conde de Bismarck. Venceu a França em 1 870. Avô de Guil herme I I - 138.

G U I L H E R M E I I . 1 8 59- 1 94 1 . R e i da Prússia e Kaiser da A lemanha ( 1 888- 1 9 18). Abdicou


no fim da Primeira Guerra M u ndial e refu giou-se nos Países- Baixos - 37-2 1 2-2 1 9 .

G U YA U ( Marie-Jean). 1 8 54- 1 8 88. Filó s ofo francês, autor d a lrréligion de /'avenir - 79.
G U I N H O L (Guign ol) principal personagem dos "robertos" franceses, que surgiu, em Lyon,
nos fins d o século X V I I I - 99.

H A L L O P E A U ( Franç ois Henri). 1 842- 1 9 1 9. Dermatólogo francês. Professor na Facul­


dade de Medicina. Es pecialista da lepra - 87-89.

H A LS ( Franz) . 1 5 80- 1 666. Pintor h olandês - 30.


H E LI O G A B A L O (ou Elagabal). 204-222. Imp erador r omano de 2 1 8 a 222. Sacerdote do
Sol em Emeso, introduziu em Roma o cult o d o seu deus assírio. Tanto multiplicou as
e xtravagâncias que acabo u p or ser assassinado - 2 1 - 1 27.

H E N R I Q U E I V . 1 5 53- 16 10. Rei de Navarra, natural d o Béarn, sob o nome de Henri III (de
1 562 a 1 6 10). Protestante, veio a ser Rei de França, porque co nsiderou que " Paris valia bem
uma missa" ! ( O l he m que desco berta! . . . ) Para pôr fim à guerra civil desencadeada pelos
cató lico s co ntra os huguenotes (protestantes), mandou pu blicamente à fava a religião que
tinha "abraçado" e redigiu o Édito de Nantes que garantia a li berdade de co nsciência de
cada cidad ão. Restaurou a autoridade real, ao mesmo tempo que, garanhão da quinta casa,
era mimoseado com o cognome de " Vert Galant" pelas ribaudes e marquezas q ue lhe
passavam ao alcance d a mão (da mão, é modo de d izer . . . ). C o m o era de p rever e para
grande mágoa do "pess oal feminin o , foi apunhalado na Po nte Nova (Le Pont Neuj), à
d es banda do Louvre, p or um cornambana cató lico chamado Ravaillac. É o m ais popular
dos reis franceses, sobretudo porque, muito embora não necessitasse prometer, como
alguns p oliticas da n ossa praça nas "marés eleitorais", bacalhau europeu a pataco, decla­
rava ter unicamente pôr o bj ectivo politico que a totalidade das familias de França e
Aragança, comessem a sua canja, todos os domingos que Deus fez. Deixou um herdeiro: o
futuro Luís XIII, um filho que disparou "à la hussarde" à pudi bu nda e frágil Maria de
-

Médicis ( A "desgraçada" d a fl orentina - rezam as más linguas - quando ouvia as botifar­


ras do marido aproximarem-se do quart o , corria a aj oelhar-se aos pés da estátua da
Virgem, derramada em lá grimas (mas de olho aceso): "Aiuto, Madonna mia! . . . L'insazia-

1 92
bile bestia bearneza viene soddisfare suoi brutti instinti ! . . . " Parece que a sagrada imagem
esgarçava um sorriso de compreensão - 35.
HENRIQUETA D E INGLATE RRA ( Henriette-Anne Stuart). 1 644- 1 670. Filha de Carlos I
de Inglaterra e de Henriette de França, será mulher de Filipe de Orléans, irmão de Luís
XIV de França - 36. .
HENRI HEINE. 1 797- 1 8 56. Poeta alemão - 76.
HÉRCULES (Héracles). Semi-deus, viu-se grego para levar a cabo os Doze trabalhos a que
fora co ndenado pelo primo Euristeu, que devia ser uma rica prenda - 1 27.
HERMAN-PAUL. 1 874- 1 940. Caricaturista, pintor e gravador . . Colaborou na revista satí­
rica Le Rire e na Assiette au Beurre. A ntimilitarista e anticolonialista, consagrou a totali­
. dade . da sua obra a criticar e a ridicularizar. a burguesia --:- 23- 1 0 2.
H E R M ES DA FONSECA. 8.0 Presidente da República Brasileira, encontrava-se em Lis­
boa, em viagem oficial, a bordo do cruzador S. Paulo, aquando do 5 de Outubro - 205.
H ERVÉ · (Gustave). 1 8 7 1 - 1 944. Professor e propagandista do Livre . Pensamento. O seu
antimilitarismo tornou-o popular em toda a França. Uma das grandes figuras do republica­
nismo francês. Acabou, no entanto, por fundar em 1 927 o Partido Socialista nacional, de
inspiração fascista - 47-55-56-57- 1 39- 146- 1 50- 1 77.
HINDENBU RGO (Paul von Beneckendorff). 1 847- 1 934. Marechal alemão e Chefe do
Estado-Maior de 1 9 1 6 a 1 9 1 8 . Presidente do Reich em 1 925, nomeou H itler Chanceler, em
1 933 - 73.
HOBBEMA. 1 638- 1 709. U m dos mais célebres paisagistas holandeses - 73.
HOH ENZOLLERN. Antigo principado alemão à beira do Danúbio, berço da dinastia do
mesmo nome, que usou a coroa real ou imperial de 1 70 1 a 1 9 1 8, em diversos países
e uropeus - 1 38-204-205.
HOM ERO. Poeta épico grego do século IX antes de Cristo, autor da Ilíada e da Odisseia. A
tradição apresenta-o sob a aparência de um velho cego que andava a recitar versos, de terra
em terra - 74- 1 47- 1 8-83.
HUG U ES D E LIONNE. 1 6 1 1 - 1 67 1. Diplomata francês. Ministro de Estado e Secretário
dos Negócios Estrangeiros. Concluiu a Paz dos Pirinéus e preparou com habilidade as
p rimeiras guerras de Luis XI V - 109.
H U M BERT (L'affaire Thérese). 1 902- 1903. Mulher de um antigo deputado , congeminou
uma vigarice monumental que l he permitiu viver de grande e à francesa, à custa do espírito
de ganância de a.lgu ns de indiv.í duos que aspiram a viver sem trabalhar. Foi condenada a
cinco anos de prisão - 67-68.
IBS EN (Hebrik). 1 8 28- 1 906. Dramaturgo norueguês. Autor de Casa de Boneca, Os espec­
tros, Hedda Gabler - 23.
INGRES (Dominique). 1 780- 1 8 67. P.intor francês, discípulo de David, chefe de fila do
classicismo e precursor do romantismo - 45-46.
I SAAC, filho de AB RAÃO e de SARA. Escapou de boa, graças à intervenção de um Anjo ·
que botou mão à machada com que o pai se preparava para o imolar por ordem do Eterno
( bendito seja!). So bre o tarde, casou com Rebeca que lhe deu dois filhos: Esaú e Jacob -
2 14.
ISABEL DE BO U R BON. 1 602- 1 644 . . Filha de Henrique IV de França e de . Mariíl de
Médicis, casou com Filipe IV de Espanha ( 1 62 1 - 1 664), de quem teve uma filha, Maria
Teresa, que virá a casar · com Luís XIV de França - 1 9 .
I S A B E L DO H A I N A U T. 1 1 70- 1 1 90. Mulher de Filipe-Augusto, rei d e França, foi mãe d e
J
Luís V I I I - 3 5 .
JANSENI S M O - Doutrina professada por J A N S EN I U S (Cornélius JANS EN) 1 5 85-

1 93
- 1 638), bispo holandês, no seu livro A ugustinus, a qual consiste e.J11 limitar a liberdade
humana, partindo do princípio de que a graça é dada a certos seres desde o nascimento, e
recusada a outros. Nos nossos dias, significa piedade e virtude austeras - 65.
JARDIM (MANUEL de Azambuja Leite Pereira). 1 8 84- 1923. Pintor. Viveu em Paris de
1905 a 1 9 14. (Ver "Por Obra e Graça" de Aquilino Ribeiro) - 25-34-35-2 1 1 .
JAURES (Jean). 1 8 59- 1 9 14. Politico francês. Brilhante orador, um dos chefes do partido
socialista, fundou o diário L'H U M ANITÉ. Acérrimo defensor da inocência de Dreyfus,
pacifista sem mácula, foi assassinado em 3 1 de Julho de 1 9 14 por um fanático católico,
membro da ACTION FRANÇAIS E - 1 1 8- 1 26-21 2-209-2 1 0-22.
JES U S (que as comunidades gregas da Anató lia, de Efeso, de Alexandria e da Grécia
cognominaram de CRIS TO - o ungido, o Salvador, o enviado de Deus, o MESSIA S -,
depois de terem lido ou ouvido as Epístolas de Paulo o Tarsiota (ou Paulo de Tarso:
S. Paulo).
Filho de um carpinteiro (mas membro da Casa do Rei David ! . . . ) chamado José e de
uma Maria, sobre a qual nada se sabe, - e que desaparece, num abrir e fechar de olhos,
aquando da crucificação do Filho à semelhança do marido que os Evangel hos eliminam
logo nas primeiras linhas, se bem que continuam a falar de "Jesus, filho do carpinteiro de
Nazaré" ... Adiante! Foram os Evangelhos redigidos" 'em grego, a partir da tradição oral
(cujas raízes mergu lhavam nas narrações de Mateus, Marcos, Lucas e João. . . ) cerca de dois
séculos apó s os eventos evocados, - narrações orais que, por sua vez, tinham chegado aos
ouvidos de Paulo de Tarso. Segundo um monge de Cítia - Dionisyus Exiguu - que viveu
em Roma no século VI, JES U S deve ter nascido no ano 749 do Calendário Romano,
quando Quirinius, Legado de AUGU STO na S íria, ordenou o recenseamento da população
da Judeia (inclusivé a da Galileia que falava aramaico . . . ) com vistas ao estabelecimento do
Tributo imperial. Quanto à morte, sabe-se que ocorreu, entre os an os 30 e 33, quando
Pôncio Pilatos governava a Judeia durante o reinado de Tibério . . .
Seja como for, não h á q ualquer documentação hebraica, aramaica, grega o u romana
que ateste a existência real de CRISTO, o que significa que a vida galileia do Senhor não
possuiu qualquer interesse para os autores gregos que escreveram os Evangelhos longe da
Palestina. Quanto aos pró prios judeus, durante as polémicas que tiveram de travar no
decurso dos séculos com os cristãos, se não afirmaram categoricamente que Jesus não
existiu, foi decerto por rigor cientifico (J), porquanto - é o Talmud que no-lo revela - se
limitaram a fazer chacota da pretensão de um homem, de carne e osso, que se declarava
filho ou enviado do Eterno! Fiado nas obras de Charles Guigne bert, Professor de "História
do Cristianismo" na Sorbonne, publicadas na Colecção "L'Evolution de l' Humanité",
Editions Albin Michel, Paris, 1 9 50, reco nheç o que o "grande arquitecto" do Cristianismo (e
não JES UIS M O, como seria natural, já que a palavra Cristo é grega e não aramaica), foi
Paulo o Tarsiota, fariseu dos quatro costados, mas que se imbuíra de filosofia grega, ·_ a
qual, ao tempo, se esforçava por resolver o problema posto por Pttlt ão da passagem do
politeísmo para o monoteísmo, dado que as ideias têem tanta vida como os homens . . .
Conhecedor da do utrina dos NAZORENOS (próxima da d o s essénios), e l e que nunca vira
Jesus, senão em visões, tem a R EVELAÇÃO DA ESTRADA DE DAMASCO: os ensina­
mentos de Jesus eram bem a ponte necessária para ligar as duas margens da inquietação
religiosa dos gregos da Ásia Menor. Mas, para isso, terá que substituir a figura "real" de
Jesus (aquela que l he davam aos farrapos - quem conta um conto, aumenta ou diminui
um ponto - aqueles que pretendiam ter conhecido o carpinteiro da Galileia, crucificado
pelos romanos) pela doutrina de um "'enviado de Deus, um C RIS TO, que deve ser sacrifi­
cado e glorificado", - sacrifício que realmente deve ter ocorrido , segundo uns, no tempo
de Clá udio (anos 4 1 / 54), e outros, no tempo de Nero, em 58 . . .
Não importa. O que é facto é que, por volta d o s anos 400, quando o s bárbaros ostrogo­
dos e visigodos se lançam ao desmoronamento do Império Romano, as A utoridades de
Roma chegam à conclusão de que só aquela religião de um Deus Único, que haviam
combatido, p oderia servir de cola-tudo para os cacos imperiais e, quiçá, impedir que as
ovelhas (os diversos povos do Império) se tresmalhassem do redil. . . E, foi assim que nasceu o

1 94
"Tu és pedro e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja", uma igrejinha Católica, Apostó­
lica e Romana.
Se bem pensaram, logo o fizeram, quando Romulus A ugustulo foi deposto em 4 76. O
que será essa Igreja? O mesmo Poder Imperial que terá à sua testa, não o Imperador a fim de
não irritar os bárbaros, mas um Pontífice. . . ungido, designado por Deus . . . Havia, p ois, que
passar às coisas sérias : lançar os caboucos da nova Igreja.
E lá torna o nosso Denis o Pequeno, muito industriad o nas religiões e tradições da
Mesopotâmia, a p ropor que se aproveitasse a festa do deus solar Mithra, que ocorria
aquando do solstício de inverno, para o nascimento de um deus-menino predestinado a
morrer . . . como as estações do ano . . . Excelente ideia - aplaudiram os "doutores" que, para
logo, se lançaram a calcular a melhor data, que caiu a 25 de Dezembro do calendário
Juliano, o que é absolutamente normal. Mas . . . em que dia é que vamos situar a morte se,
segu ndo esses Evangelhos gregos que andam por aí nas mãos de todo o bicho careta, Jesus
-e não o CRISTO - foi crucificad o durante a Páscoa dos judeus, a Pessah? Jesus só foi
CRISTO, quando ressuscitou, mas quando é que isso se deu se os p róprios judeus ignoram
porque o seu calendário é estabelecido, ao que parece, consoante os anos lunares? Olhem,
sabem que mais, colegas doutores da Igreja, o melhor é não falar de corda em casa de
enforcado : como fomos nós que assassinámos Jesus, marcamos a Páscoa na data que
melhor nos convier . . . e que coincida mais ou menos com o meio da Primavera, quando o
povo celebra os nossos deuses da Colheita! Do cristianismo, o que nos interessa, para já, é
q ue toda a gente o aceite como a religião imperial do Deus-menino; mais tarde, muito mais
tarde, os nossos "doutores" hão-de esquadrin har esse pro blema da Mãe-virgem, da nossa
Deusa-mãe. . . Quem sabe se, nessa altura, uma religião marial não nos será mais útil?! É caso
para pensar. Daqui até lá, devemos ter uma única preocupação: manter os povos do ex­
Império no grémio da Igreja, por mais países que venham a criar ! . . . (Para um bom conheci­
mento - não jocoso, claro - desta matéria, ler " Histoire du Christianisme au Moyen-Âge"
de W. R. Cannon, Professor na Emory University e Encarregado de Curso na Universidade
de Londres. Tradução francesa: PAYOT, Paris, 1 9 6 1 - 1 72-36-49-50.
JOANA de A RC. 1 4 1 2- 143 1 . Heroína francesa, conhecida por "La Pucelle d'Orléans" (a
"Donzela de Orleães"), Foi queimada viva pela Santa Inquisição, na Praça do mercado da
cidade de Ruão, ao tempo sob o domínio inglês. Pretendendo obedecer às ordens de Santa
Margarida e de Santa Catarina (indiferentes, ao que parece, à sua virgindade), encabeçou
um grupo de soldados franceses que, batendo os ingleses e os bo rguinhões, aqui e acolá,
obtiveram que o filho de Carlos VI e de Isabel da Baviera, fosse coroado Rei de França, na
Catedral de Reims, sob o nome de CARLOS VII. Presa pelos borguinhões, aliados dos
ingleses contra os Armagnacs e os franceses, foi levada ao Tribunal do Santo Ofício,
presidido pelo Bispo CAUCHON (que se pronu ncia COCHON como porco) e co ndenada à
lumieira da fé. É verdade que, neste tempo, os ingleses ainda não eram protestantes nem
anglicanos . . . Eram catolicozinhos de gema . . . Acusada de heresia, a pobre menina (que,
quand même, ia nos seus 19 anos, o que na altura era uma idade respeitável. . . ) viu-se - o
que é estranho - abandonada pelos franceses e, s obretudo, por aquele que lhe devia o
trono: o pateta do Carlos VII. Teria morrido "pucelle" depois de ter vivido no meio da
soldadesca e de estar à mercê de carcereiros e domínicos que eram autênticos violadores de
estrada? Sej a como for, a Igreja que, na falta de lhe ter salvo o corpo, desejou imacular-lhe a
alma, beatificou-a e canonizou-a:. ANATOLE FRANCE, tal como MICH ELET, falam dela
com bastante ternura, - e com razão porque é das figuras mais cativantes da História de
França. E também das mais enigmáticas: actualmente, estão a surgir livros como cogumelos
depois da chuva, em que historiadores pretendem que a Moça de Domrémy era uma filha
bastarda de Isabel de Baviera, que enganou o marido. Assim se explica que fosse irmã de
Carlos VII e que empunhasse armas para pôr as coisas no devido lugar, isto é: revelar que a
bávara da mãe tinha "atraiçoado" o marido - 1 3-35-1 46.
JOÃO FRANCO (João Pinto Castelo Branco Franco). 1 8 55- 1 929. Iniciou a sua carreira
política no Partido Regenerador, tendo sido ministro três vezes, na última das quais ( 1 893-
-97) exerceu a ditadura em colaboração com Hintze Ribeiro. Fundou em 1 90 1 o .Partido

1 95
Regenerador liberal e, de coDiuio com D. Carlos, deu o golpe de Estado de 10 de Maio de
1 907, o que lhe permitiu revelar claramente o seu temperamento ditatorial. Foi um safado.
Com pretexto da tentativa revolucionária de 28 de Janeiro de 1908, levou o rei a assinar um
decreto destinado a suprimir todos os opositores. Resultado: o atentado a 1 de Fevereiro
contra a família real. Mortos D. Carlos e o Príncipe herdeiro, terminou a carreira deste
salazar do dobrar do século XIX para o século XX - 209-2 1 0-2 1 1 .
JOÃO IV. 1604- 1 656. Filho do 7.0 Duque de Bragança, foi aclamado rei de Portugal por
aqueles que levaram a cabo a independência do País I I I.-

JOÃO V, o Magnífico. 1 689- 1 750. Filho de D. Pedro II, pôs Portugal de rastos, com a
mania das grandezas. Beato e frascário, é um dos responsáveis do tão apreciado "parasi­
tismo lusitano". Com o ouro que extorquiu do Brasil, pretendeu embasbacar o mundo,
tomando-se pela cópia conforme de LUÍS XIV. Inimigo do progresso, como atesta o seu
ódio aos "pedreiros livres" francs-maçons, (teve o regalo de ver os primeiros mações portu­
gueses morrerem na fogueira), mandou construir o Convento de Mafra e, quando já em toda
a Europa se conhecia o princípio dos vasos comunicantes, mandou construir . . . o Aqueduto
das Águas Livres como se fora um Imperador Romano. À semelhança de Victor Hugo que
alcunhou Nap oleão III de Napoléon le Petit (o que_ fez rir a França inteira), podemos dizer
que o Magnifico é o nosso "Luís XIV da região saloia" - 56.
JOÃO VI. 1 767- 1 828. Filho de D . Maria I (que, para além de santanária, não só morreu
como deu em doida), teve a pouca sorte de casar com a salerosa Carlota Joaquina (ver as já
citadas Mémoires de la Duchesse d'Abrantes), a qual muito dada às uniões ibéricas, coroou
o marido com um elmo ponteagudo que faria inveja a todos os Chefes de tribo gauleses. Pau
mandado, João VI, só tinha um desabafo, quando a via surgir no jardim de Queluz: "Lá vem
a grande . . . !", - tanto mais que a consorte o tinha mimoseado com um arcanjo S. Miguel,
beberrão e pegador de vacas que era o retrato chapado do Conde de Marialva, ao contrário
do irmão D. Pedro que (não pomos a mão no lume) ainda dava uns ares de pai - 205.
JORGE II. 1 890- 1 947. Filho de Constantino I, rei da Grécia em 1 922, destronado em 1924,
restaurado em 1 935, exilado em 1 9 4 1 e, novamente, restaurado em 1 946 - 196.
JOSÉ. 1 7 14- 1 777. Sucessor de D. João V, teve o bom senso de confiar a chefia da governa­
ção nas mãos do Estadista Sebastião José de Carvalho e Melo. Como o mérito merece ser
premiado, está estatuificado na Praça do Comércio de Lisboa, no pró prio local onde cente­
nares de vitimas foram queimadas, se não ao vivo, pelo menos em efígie - 1 1 1 - 1 46.
JOURDAIN (Frantz). 1 847- 1 9 35. Arquitecto francês de origem belga, foi um dos fundado­
res do Salão de Outono - 53-99.
JUNOT (Antoche). 1 77 1 - 1 8 1 3 . Ajudante de Campo de Napoleão Bonaparte, durante a
primeira campanha de Itália, tomou parte na Expedição do Egipto. Foi embaixador de
França em Lisboa de Abril a Setembro de 1 805, altura em que teve a subida honra de
emprestar o uniforme diplomático, todo cheio de dragonas e alamares dourados, a D. João
VI que desejava mandar fazer um igual para si. . . Infelizmente, Junot era um latagão e ao
descuidado alfaiate não ocorreu a ideia de adaptar as medidas . . . Parece que, ainda hoje, pelo
anoitecer de certos dias de verão, se ouvem estrepitar gargalhadas nos jardins do Palácio de
Queluz, que diga-se de passagem, não tem um único fogão de sala! O frio que aquela gente
devia rapar ! Será essa a explicação das ardências carlotinas? (Ver as ditas Mémoires).
Chefiou Jun�t a 1 .• Invasão Francesa e, segundo Raul Brandão no seu EI-Rei Junot,
comportou-s� como um soba. Anos mais tarde, num acesso de loucura, decidiu enviuvar a
memorialista' da mulher, com dar-se um tiro na cabeça 1 84.
-

KANT (Emmanuel). 1 7 24- 1 804. Filósofo alemão, autor da "Critica da Razão Pura". Para
ele, idealista critico, as coisas são-nos reveladas como fenó menos, quando nos são dadas no
espaço e no tempo, que são formas de sensibilidade. Como coisas em si, são incognoscíveis.
Mas, a lei moral p ressupõe a liberdade, a imortalidade e a existência de Deus - 1 1 6- 1 68.
KEIL (Alfredo). 1 8 50- 1 907. M úsico e pintor. Autor de "A Portuguesa" - 76.

1 96
KINDERER (Antonius Johannes D E R). 1 8 5 1 - 1925 . Pintor holandês.
KISLING ( Moise). 1 8 9 1 - 1953. Pintor francês de origem polaca. U m representante da
Escola de Paris - 105.
KOLTCHAK (Alexandre). 1 874- 1 920. Almirante russo, fuzilado em 1920, depois de ter
tentado sublevar certas regiões da Sibéria - 23.
KRONPRINZ (Frederico-Guilherme, filho de Kaiser Guilherme II) ...:_ 3 1 .
KIP LING ( Rudyard). 1 865- 1936. Romancista e poeta inglês, a s suas obras celebram de
maneira evidente o Imperialismo britânico. Introdutor da Franco-Maçonaria na Índia.
Prémio Nobel 1 907 - 1 1 7 .
LABIC H E (Eugene) . 1 8 1 5 - 1 888. Comediógrafo francês.
LA CAYE (Louis). 1 798- 1 869. Coleccio nador e filantropo. Um dos principais danadores
do Museu do Louvre - 1 1 3.
LA GANDARA (Antonio de). 1 862- 1 9 1 7 . Pintor francês, filho de pai espanhol e de mãe
inglesa - 28.
LAMA RTINE (Alp honse de). 1 790- 1 869. Poeta francês, chefe de fila do romantismo.
Deputado a partir de 1 8 34, pôs o seu talento ao serviço das ideias liberais; membro do
governo e Ministro dos Negócios Estrangeiros em 1 848, perdeu uma parte do prestigio
aquando das Jornadas de Junho de 1848 - 1 2 1 .
L A PALICE (Jacques d e C H ABANNES, senhor de). 1 470- 1 525. Foi morto n a batalha de
Pavia. Em sua honra, os s oldados compuseram uma canção cujo refrão era:
Um quarto de hora ante de morrer
i/ faisait encore envie (ainda causava invej a).
Mercê do espírito trocista e rabelaisiano, o estribilho passou para:
"Um quarto de hora antes de morrer
i/ était encore en vie (ainda estava vivo).
Desta jumentada, provém a expressão "uma verdade de La Palice" (ou IA Palisse) - 29.
LATHAM (Hubert). 1 8 8 3- 1 9 12. Foi o primeiro aviador a tentar - sem êxíto - a travessia
do Canal da Mancha - 83.

LAT U D E (Jean-Henry). 1 725- 1 80 5 . Aventureiro de alto coturno, foi encarcerado por


ordem de Madame de Pompadour, barregã favorita de Luís XV, ora na Bastilha, ora em
Vincennes, ora no Châtelet ou em Charenton. Evadiu-se várias vezes, mas totalizou trinta e
cinco anos de cadeia por causa da cróia real - 1 73.
LA V AULX (Conde de) . 1 870- 1930. Aeronauta francês, fundou o Aero Club de França e a
Federação Aeronáutica internacional, em 1 906 - 83.
LA VILLETTE (Johan nes-Jean-Daniel de) . 1 694- 1 755. Miniaturista da Escola holandesa.
LAVIS S E (Ernest). 1 842- 1 9 22. Historiador. Professor na Sorbonne, dirigiu uma vasta
" Histoire de France" ( 1 900- 1 9 1 2) - 220.

LA URENS (Jean-Paul). 1 838- 1 92 1 . Pintor e professor na ...Academia Julian" - 34.


LAWRENNE (Sir Th omas). 1 769- 1 8 30. Pintor inglês, aluno de Reynolds - 46.
LEAL DA CÂMARA (Tqmás Júlio). 1 876- 1 946. Desenhador satírico, caricaturista de
.
génio, foi, de 1 90 1 a 1 9 14, um dos principais colabo radores do semanário humorís tico
parisiense L'ASSI ETTE AU BEUR RE, onde publicou 49 números ( ! ) da sua exclusiva
aut oria, o que totaliza cerca de 700 desenhos; se contarmos a sua colaboração em números
colectivos, Leal da· Câmara enriqueceu L' ASSIETTE AU BEURRE com pelo menos uns
800 desenhos. Hoje, a sua obra - tanto no RIRE como na ASSIETTE AU BEU RRE - é
c omprada a preço de ouro pelos amadores de arte. Foi até há pouco, o único artista
português verdadeiramente apreciado em França. (Ver "Leal da Câmara". de Aquilino

1 97
Ri beiro e "L'ASSI ETTE AU B E U R RE, de Elisabeth et Michel Dixmier, Ed. do "Centre
d' Histoire du Syndicalisme", 1974 - 23-25-37-39-42-47-207.
LEONO R DE Á U STRIA. 1 498- 1 558. Casou em 1 5 1 9 com D. Manuel I de Portugal e, mais
tarde, em 1 530, com Francisco I de França - 35.
LEÃO XIII (Joacchim Pecci). 1 8 1 0- 1 903. Papa em 1 878, publico u uma série de encíclicas
- "De rerum novarum" - destinadas a preconizar um catolicismo social e, sobretudo, a
maneira melhor indicada de penetração do mundo operário, Foi o mentor, por exemplo,
do catolicismo português (ver C. A . D . C. de Coimbra) na sua luta contra a República - 75.
LEFEV RE ou LE FEV RE ( Ro bert). 1 755- 1 8 30. Pintor francês que retratou Nap oleão e as
grandes figuras do I Império - 30.
LEFEBRE (Franç ois-Joseph, Duque de Dantzig) . 1 755- 1 820. Marechal de França.
LEG RAND (Claude) . 1762- 1 8 1 5 . General francês. De cabo chegou a Inspector Geral de
Infantaria, em 1 803.
LEMA1TRE (Jules). 1 8 5 3- 1 9 14. Escritor e critico francês - 1 03.
LEMOYN E (François). 1 688- 1 737. Pintor, deve-se-lhe o tecto do Salão de Hércules do
Palácio de Versalhes - 67.
LENINE (Pseudónimo de Vladimiro Ilitch Ulianov). 1 8 70- 1 924. Fundador da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas. Um dos grandes teóricos do marxismo - 2 1 1 -22.
LENGLEN ( Mademoiselle Suzan ne) . 1 899- 1 9 36. Tenista, ganhou por seis vezes o Torneio
de Wimbledon - 27.
LÉPINE (Louis). 1 8 46- 1933. Prefeito da Policia (Governador Civil) de Paris, de 1 893 a
1 9 1 2 - 59.
LEYGUES (Georges) . 1 8 57- 1933. Politico francês, várias vezes Ministro da Marinha e da
Instrução Pública - 1 0 I .
LEONA R D O D E VINCI . 1 45 2- 1 5 1 9 . U m dos mais célebres pintores flo rentinos. Foi
igualmente anatomista, escultor, arquitecto, engenheiro, escritor, músico. Distinguiu-se em
todos os ramos da Arte e da Ciência. Faleceu em França, nos arredores de Amboise, ao fim
de vários anos de serviç o do rei Francisco I - 45-67-95-96.
LIONOR (filha de D uarte de Portugal). 1 434- 1467. Casou com o Frederico III da Alema­
n ha, em 1 452 - 37-39.
L I C H T EN B E R G E R ( He nri) 1 864- 1 94 1 . Germanista francês, professor na So rbonne.
Autor de diversos estudos sobre a Alemanha - 1 76.
LIMA (Sebastião de MAGALHÃES). 1 8 50- 1 928. Advogado e jornalista foi um infatigável
propagandista dos ideais republicanos. Director de A VANG UARDA, exilou-se em
França, aquando da ditadura de João Franco. Deputado às Constituintes em 1 9 1 1 , Minis­
tro da Instrução Pública em 1 9 1 6. Foi Grão-Mestre da Maçonaria Portuguesa. (Ver "Leal
da Câmara") de Aquilino Ribeiro - 25-30-39-42-2 1 0.
LINDBERGH (Charles). 1 902- 1974. Aviador americano, foi o primeiro a atravessar o
Atlântico Norte sem escala, em 1 927, num avião baptizado "Spirit of St-Louis" - 1 7-
- 1 8- 1 9.
LLOYD G EORGE. 1 863- 1 94 1 . Estadista inglês, chefe do Partido Liberal. Desempenhou
um papel de relevo nas negociações do Tratado de Versalhes - 9.
LOTI ( Pierre: pseudónimo do escritor francês Julien Viaud). 1 8 50- 1 923. Ro mancista
impressionista atraído pelas paisagens e civilizações exóticas - 1 54.
LOUBET (Emile) . 1 8 38- 1 929. Presidente do Senado em 1 896 e Presidente da República
france&a de 1 899 a 1 906 - 1 1 1 -203-204-205 .
LUCIANO CORDEIRO ( Luciano Baptista Cordeiro d e Sousa). 1 844- 1 900. Professor no

198
Colégio Militar, foi profess or de Literatura Moderna, na companhia de Teófilo Braga e de
Pinheiro Chagá Foi nomeado primeiro-oficial do Ministério do Reino e, com alguns
amigos, lev_ou ·a cabo a criação da Sociedade de Geografia de Lisboa. Foi um adepto
ardente da presença portuguesa no Ultramar.
LUCRÉCIO. 98-55 a.C. Autor do poe!ll a De natura rerum que é uma exposição didática e
lírica do sistema filosófico de Epicuro - 5 1 -9 1 .
LUDENDORFF (Erich von). 1 8 65- i 937. General alemão, foi Chefe d o Estado-Maior em
· 1 9 i 4 e, depois, adj unto de Hindenburgo ( 1 9 1 6- 1 9 18). To mou, por isso, uma parte determi­
nant.e na direcção das operações durante a Primeira Guerra Mundial - 86.
LUÍS' o. B ONACHEI R ÃO. 778-840. Filho de Carlos Magno e de H ildegarda. Imperador
do Ocidente e rei dos Francos de 8 1 4 a 840 - 1 1 4.
LUÍS IX -( Sã� Luís). 1 2 14- 1 276. Filho de Luís VIII e de Branca de Castela, terminou a
guerra (cruzada) contra os albigenses, adeptos da heresia cátara. Fortificou a autoridade
real e· proibiu as guerras privadas a dentro das fronteiras dos seus domínios. Criou comis­
sões de legistas a fim de pôr termo ao obsoleto duelo judiciário de que Rabelais nos dá uma
caricatura no seu Pantagruel. Mandou construir em Paris a Saint e Chapei/e e a Sorbonne.
Em ' 1 270, empreendeu a oitava e última Cruzada contra os infiéis. Bem mal cuidou, porque,
ao pôr o pé em terra, nos arredores de Túnis, foi fulminado pela peste, o que lhe valeu ser
considerado santo e ter o seu dia de guarda a 25 de Agosto. Como diria sua catolicíssima
mãe se tivesse visitado as minhas berças " Hay males que vienen por bién" - 48.
LUÍS XI. 1 423- 1 483. Rei de França a p artir de 1 46 1 . Levou a vida a engrandecer o seu
reino e teve por principal adversário Carlos o Temerário, Duque da Borgonha e neto de
D. João I de Portugal. Figura entre os grandes soberanos fu ndadores da unidade na­
cional francesa - 82.
LUÍS XI I -O pai do povo (j á ! . . .). 1 462- 1 5 1 5. Filho de Carlos, Duque de Orléans, e de
Maria de Cleves. Foi o primeiro representante do ra!ll o dos Valois-Orléans, de que Fran­
çois I é o mais galhardo florão - 33.
LUÍS XIV - O Rei-Sol, cujo reinado compreende dois períodos: a Regência, com a mãe
A na de Áustria e seu seráfico director espiritual. . . e corporal O CARDEAL MAZA RINI a
mandar, e o Absolutismo. Se bem que gloriosa, a sua governação arruinou a França como
nã o podia deixar de ser e um monumento atesta bem a sua mania das grandezas solares: o
Palácio de Versalhes, onde, para que não lhe fizessem filhos nas costas, instalou com teres e
haveres as mais buliç osas famílias de sangue azul: obrigando-as a despesas exorbitantes,
impedia-lhes qualquer veleidade de poder local e, por via de co nsequência, de liberdade de
manobra . . . Resultado: não obstante o espavento e a autêntica Grandeza de Versalhes, o
Palácio era um ninho de lacraus . . . (Para um bom conhecimento da corte de Luis XIV, ler
"Les Mémoires", escritas às ocultas, de 1 69 1- 1 723, pelo coscovilheiro do Duque de
Saint Simon e que são de um francês da mais pura água. U m regal o ! - 1 5 1 - 1 62- 1 68- 1 69-
.

-27-36.
LUÍS XV, o Bem-Amado ( 1 7 1 0- 1 774). Neto de Luís XIV, casou com Maria Lesczinska. Co­
leccionou amantes como quem colecciona selos, desde a Mme de Châteauroux, até às
"soubrettes", passando pelas Pompadour e as du Barry · (diga-se, entre parêntesis, já que o
saber não ocupa lugar, que estas damas se viram gregas para fechar o esquife dos maridos . . .
e m virtude d o tamanho d o s palitos que lhes tinham posto . . . ). Há historiadores que porfiam
em atribuir a Luís XV outras qualidades mais políticas. Como se ser "putassier" (como
dissera dois séculos antes Catarina de Médicis, inventora do "regionalismo" florentino) não
fosse cabonde a um homem para passar à História! - 3 1 .
LUÍS XVI. 1 754- 1 793. Bisneto d e Luís XIV, casou com Maria Antonieta, d e Áustria que o
povo tratou sempre por L'AUTRIC H I ENNE. Homem sensato, rodeou-se de Conselheiros
de mérito, tais como TURGOT, MALES H E RBES e NECKER, cujas concepções econó­
micas e políticas suscitaram a maior oposição da nobreza parasitária, chefiada pela pró­
pria rainha que, diga-se de passagem e sem pretender tornar estas Notas num tanque de

1 99
lavadeiras, era da casta e temperamento da sua prima, a nossa (livra!) Carlota Joaquina, a
pontos de o povo, bem industriado na língua de Rabelais, a tratar de AutriCADELA, já
que, como toda a gente sabe, CHIENNE em francês signifca cadela em português. LUÍS
XVI, que não era mau homem (o que mais o cativava era instalar-se ao torno a fazer
fechaduras), viu-se a braços com a Grande Revolução ("É um motim? - estranhou ele,
quand o ouviu a algazarra do Povo de Paris, debaixo das j anelas de Versalhes. - "Não,
Sire -esclareceu Necker, a seu lado - é uma revolução.") e foi guilhotinado a 21 de
Janeiro de 1 79 3 . . Sua estremecida (nos braços de outros) esposa conco rreu bastante para
.

tal - 36.
LUÍS XVIII. 1 7 55- 1 824. Neto de Luís XV, sobrinho de Luís XVI, subiu ao trono, quando o Im­
pério de Napoleão se desmoronou. Foi o monarca da Restauração e do Legitimismo. Com
ele, começa, por assim dizer, a França burguesa. Ver " A Comédia Humana" de Balzac - 36.
LUÍS-FILIPE. 1 753- 1 850. Rei dos franceses de 1 830 até ao momento de abdicar em 1 848 a
favor do neto, o Conde de Paris. Foi no seu reinado que Guizot, seu Ministro das Finanças,
aconselhou a burguesia a encher-se: "Enrichissez-vos !" - 1 8 1 .
LUÍS D E LÉON (Frei). 1 5 27- 1 59 1 . U m dos maiores poetas liricos do "Século de Oiro"
espanhol, descendente de judeus sacrificados pela Inquisição - 106.
LUPI ( Miguel Ângelo). 1 8 26- 1883. Pintor - 74.
LUTE RO ( Martinho). 1483- 1 546. Reformador religioso da Alemanha. Professor de filoso­
fia na Universidade de Erfurt, monge agostinho, opôs-se vigorosamente à padralhada que
andava a impingir indulgências em nome da doutrina de S. Paulo e da salvação da fé.
Quem recusasse ir na fita, dava com os ossos no calabouço ou na · fogueira purificadora.
Como é de ver, foi excomungado pelos patrões da Santa Sé, - o que lhe deu coragem para
traduzir em língua compreensível (no seu caso, a alemã), a Bíblia, que a Igreja de Roma não
queria nada, mas mesmo nada, que o zé-pagode lhe deitasse os olhos . . . para morrer estú­
pido. Martinho Lutero casou-se e aprovou a Confissão de A ugsburgo, de 1530, que é ainda
hoje o estatuto das igrejas luteranas - S I .
LYAUTEY ( Louis- Hubert). 1 854- 1 9 34. General Marechal d e França. Distinguiu-se n a
Indochina, em Madagascar e organizou o protectorado francês d e Marrocos, de 1 9 1 2 a
1 925. Manteve este país sob o domínio francês durante a Primeira Guerra Mundial. Foi
·

Ministro da Guerra em 1 9 16- 1 9 1 7 - 2 1 5 .


M AINTENON ( Madame de). 1 63 5 - 1 7 1 9 . Viuva do poeta Scarron, foi encarregada da
educação dos filhos de Luís XIV. Quando a rainha Maria Teresa faleceu, consorciou-se
secretamente com o Rei Sol, em 1 6 84. Exerceu uma influência totalitária sobre o marido,
mormente no domínio religioso - 172.
MAISTRE (Xavier de). 1 763- 1 852. Escritor francês; autor de "Voyage autour de ma cham­
bre" - 75.
MALEBRANC H E (Nicolas de). 1 6 j 8- 1 7 1 5. Oratoriano e metafisico francês, imbuído de
cartesianismo, resolveu o problema da comunicação da alma com o corpo pela visão de
Deus. Professou o optimismo e fundou a sua moral na ideia de ordem - 1 1 8.
MANET · (Edouard). 1832- 1883. Pintor francês, · um dos mestres do naturalismo e, mais
tarde do impressionismo - 34-66-67.
MANUEL DE BRAGANÇA. 1 889- 1932. Último rei português. A braços com a agitação
republicana, tentou encontrar apoios no estrangeiro, tendo visitado Paris em ·1 909. Faleceu
em Londres - 29-69-70- 145-205.
MARIA ANTONIETA. 1 755-1 793. Arquiduqueza de Áustria. Casou com Luis XVI de
França (Ver LUÍS XVI). Pródiga, inimiga de qualquer reforma, cabecinha de vento,
meteu-se em sarilhos como o do Colar de Pedras Preciosas que lhe ofereceu o Cardeal de
Rohan (um homem pode ser Cardeal e não ser de pau ! . . . ) e, sobretudo, o dos seus amores
absolutamente arrebatados pelo Embaixador da Suécia o Conde Ferzen. Mas, o que mais

200
enfurecia o povo, não eram essas "parties de jambes en l'air" que, vistas bem as coisas, eram
de alçada real; o que fazia com que o zé-pagode erguesse punhos de raiva era que sua
Maj estade mandara construir uma aldeola na tapada · de Versalhes a fim de poder brincar às
pastorinhas . . . e gargalhejar de mofa, quando lhe diziam que ele morria de fome: - Se
não têem broa - soltava ela com o seu sotaque germânico -, comam pão de ló !" E foi com
essas e com outras, que perdeu a cabeça - desta vez, não em sentido figurado - mas na
guilhotina - 1 22.
MARIA DE BORGONHA. 1457- 1457. Filha de Carlos o Temerário, casou com Maximi­
liano de Áustria - 40.
MARIA LESCZINSKA. 1 703- 1 768. Filha do rei Stanislas da Polónia. Casou com o rei de
França, Luís X V - 36.
MARIA DE MEDICIS . 1573- 1 642. Rainha de França pelo seu casamento com Henrique
IV. "Le Vert Galant" - 35-36.
M A R IALVA (Pedro José Joaquim Vito de Meneses Coutinho, Marquês de) .?- 1 823.
Estri beiro-mor de D. Maria I, muito íntimo de Carlota Joaquina, herdeiro de uma avultada
fortuna, não acompanhou a família real e a nobreza na sua fuga para o Brasil aquando das
invasões francesas. Fez parte da deputação que Junot enviou a Napoleão a fim de solicitar
a redução da contribuição lançada s obre o País abandonado pelos seus dirigentes. Para um
melhor conhecimento do Marquês, ler "As Memó rias" de Lord Beckford - 18.
M A RTIN ( Henri). 1 8 60- 1 943. Pintor francês, adoptou uma maneira divisionista para
grandes páginas decorativas - 29-66.
MAS SENA ( André, Duque de Rivoli e Príncipe de Essling). 1 758- 1 8 1 7 . Marechal de
França, um dos homens do "bando de Napoleão" que não só lhe deu os títulos, como o
apelidou de "Filho querido da Vitória" - 1 85.
MASSENET (Jules). 1842- 1 9 1 2. Compositor francês a quem devemos, nomeadamente, as
óperas Manon e 'l11ais - 68.
MATIS SE (Henri). 1 869- 1 9 54. Pintor francês, um dos chefes de fila do "fauvismo". Simpli­
ficou o desenho num sentido decorativo ao mesmo tempo que exaltava a cor - 10 1 - 1 02. .
MAURRAS (Charles). 1 868- 1952. Fundador da ACTION FRANÇAISE. Escritor e poJe­
mista brilhante, não passou de um salafrário em política. Nacionalista integral, foi um dos
oragos de Salazar, Cerejeira .. , e António Sardinha. Colaborador activo com o Ocupante
Estrangeiro da "França, menina dos seus olhos"), foi condenado em 1 945 a prisão perpétua
- 146- 149- 1 54-2 1 9-229- 10- 1 3- 1 4-23.
MAXI MILIANO, imperador de Áustria. 1 459- 1 5 19. Marido de Maria de Borgonha, filha
de Carlos o Temerário - 39-40.
MEDICIS. Fa mllia de negociantes que reinou em Florença, do século X IV a fins
do século XVI - 39.
MEISONNIER (Ernest). 1 8 1 5- 1 89 1 . Pintor francês - 1 1 3.
MÉLINE (Jules). 1 8 3 8 - 1 9 25 . Político francês, um dos chefes republicanos progressistas,
partidário do proteccionismo favorável ao desenvolvimento agrícola - 205.
M ENDELSSOHN. 1 809- 1 847. Compositor alemão, fundador do Conservatório de Leip­
zig. Autor de sinfonias e de oratórios, contribuiu para a ressurreição da obra de Bach - 32.
MESMER. 1 734- 1 8 1 5 . Médico alemão, fundador da teoria do magnetismo animal, dita
mesmerismo - 87.
MES SALINA. 1 5-48 . Princesa romana, terceira mulher de Cláudio e mãe de Britanicus e
de Octávio. Mercê da vida dissoluta que levou, o seu nome, de substantivo pró prio, passou
à História como adjectivo - sinónimo de rameira voraz que metia na cama o gladiador
que lhe dava no goto . . . para o passar a fio de espada - 18.

20 1
METCHNI KOFF (Elie). 1845- 19 16. Zoologista e microbiologista russo, discípulo de Louis
Pasteur. Prémio Nobel 1 908 - 87-88-89.
M E U N I E R (Constantin). 1 8 3 1 - 1905. Pintor e escultor belga. Realista, grande parte da
sua obra tomou por tema a vida dos mineiros - 23.
M EYER (Arthur). 1 844- 1924. Jornalista, proprietário de LE GAULOIS . Guy de Maupas­
sant retratá-lo-á no seu romance Bel-Ami sob os traços de Walter, director de "La Vie
Française" - 2 1 9.
M l L LET (Jean-François). 1 8 1 4- 1 873. Pintor francês - 1 1 3- 10 1-93.
MIGU EL. 1 802- 1 866. Terceiro filho de Carlota Joaquina e de. . . pai incógnito (segundo a
mulher do Embaixador JUNOT, nas suas MÉMOI RES, quando o arcanjo nasceu, já há
dois anos que os "soberanos de Portugal" não se aqueciam os pés no mesmo Vale de
Lençóis dos álgidos quartos de Queluz ou do Ramalhão). Sej a como for, os fisionomistas
pretendem discernir no Miguelinho as "impressões digitais" dos Marialvas, - o que,
diga-se de passagem, dá pilhéria à teimosia de D. Maria I (sogra da espanhola) de não
querer receber nos seus aposentos o homossexual inglês Lord Beckford, não obstante as
diligências do seu estribeiro-mor, o qual, segundo os elementos de que dispomos, nunca
considerou o fidalgo inglês "impró prio para consumo" . . . Assim ou assado, só Freud nos
poderá auxiliar a penetrar na "tapada" da Casa Real portuguesa da primeira metade do
século XIX e a compreender os gostos marialvas pelos toiros e rameiras do caceteiro
D. Miguel que lanç ou o País nos horrores da guerra civil. Restituiu a alma a quem o
engendrou, lá longe, em Viena de Áustria - 2 1 7 .

M I G U EL-ANG ELO (Buonarroti). 1 475- 1 564. Pintor, escultor, arquitecto e poeta floren­
tino, é um dos H omens que mais enriqueceram a Humanidade - 45-46.
MI LLERAND (Alexandre). 1 8 59- 1 943. Político francês, começou por ser socialista e aca­
bou a carreira entre os adversários do "Cartel das Esquerdas". Entretanto, foi Ministro da
Guerra em 1 9 1 4- 1 9 15, e Presidente da República de 1920 a 1 9 24 - 1 33-1 35-1 49- 1 80- 1 8 1 -
208-9.
MIRBEAU (Octave). 1 8 48- 1 9 1 7 . Escritor francês, autor nomeadamente de "Le Journal
d'une Femme de Chambre" - 7 1 - 1 1 8 .
MOIS ÉS (ou Mosché). A maior figura do Antigo Testamento e d o Judaísmo. Guerreiro,
Estadista, Libertador, Moralista e Legislador dos Hebreus. Recebeu o "Decálogo", na
Sarça Ardente do Sinai, depois de ter cavaqueado com Jeová - 4 1 � 1 8 3.
MOLIERE (Jean-Baptiste POQUE LIN, dito). 1 622- 1 673. O mais talentoso e popular dos
comediógrafos franceses. Dirigiu durante 15 anos ( 1 643- 1 658) uma companhia de teatro
ambulante, mas acabou - com grande inveja das "celebridades" das letras e no meio das
maiores sacanices daqueles para quem a igualdade nunca deve ultrapassar a sua pró pria
estatura - por ser protegido por Luís XIV que, amador de Belas-Artes, lhe confiou a
"criação" de um Teatro Francês: a futura Comédie Françoise. Morreu no palco, durante
uma representação de "Le malade Imaginaire", depois de nos ter oferecido personagens
típicas que ainda hoje, passam por nós: Arnolfo, Tartufo, Don Juan, Orgon, Alceste - 1 27.
MONET (Paul). 1 840- 1 926. Pintor francês. Foi a partir do seu quadro "Pôr de sol",
impressão que surgiu, senão a pintura impressionista, pelo menos o nome por que tal
técnica pictural é conhecida. Autor de uma obra riquíssima, os seus "Nenúfares" (Les
Nimphéas) são p orventura o ponto mais alto do Impressio nismo. Para um bom conheci­
mento de Monet, visitar a sua Casa-Museu, em Giverny, a uns 80 quiló metros de Paris, na
margem direita do Sena - 26-30-66.
MONTANO (Juan). Escultor espanhol, trabalhou em Sevilha em 1 58 1 - 24.
MONTHÉUS (Gaston B runswichg, dito). 1 872- 1 9 52. Autor e intérprete de canções anarco­
-sindicalistas. Apresentava-se em cena, traj ado de operá rio - 1 26.

202
M ONZIE (Anatole de). 1 876- 1 947. Político francês, várias vezes ministro, presidiu a partir
de 1935 à publicaç�o da "Encyclopédie Française" - 1 34.
M ORALES (Luís de). 1 509- 1 586. Pintor espanhol - 94-96.
MUN (Conde Albert de). 1 8 4 1 - 1 9 1 4. 1 84 1 - 1 9 14. Politico francês, orador católico, defensor
de leis sociais reaccionárias - 47-64- 1 79-204-225.
M U RI LLO (Bartolomé Esteban). 1 6 1 8- 1 682. Pintor espanhol - 77.
M U SSET (Alfred de). 1 8 1 0- 1 857. Escritor, dramaturgo e poeta francês. U m dos grandes do
romantismo - 25.
N A PO L E Ã O B ON A P A RTE. 1 7 69- 1 8 2 1 . Nasceu em Ajacci o, na C ó rsega e, de cabo,
chegou a Imperador dos Franceses! Foi um regabofe ! Manas, primas e amigalhaços foi o "é
fartar vilanagem" · - o que levava a pobre D. Letícia, mãe de herói, a carpir-se, pelos
cantos, no seu francês mascavado: "purvú que çá dure! E durou. O rebento dos Buona­
parte, criou o Primeiro Império, demoliu os caboucos de todas as monarquias europeias e,
filho da Revolução, dotou a França com instituições que ainda hoj e se mantêem de pé. Foi
vencido pela coligação das monarquias da Europa, chefiadas pelo inglês Wellington, em
Waterloo, a 1 5 de Agosto de 1 8 1 5 , e desterrado para a Ilha de Santa Helena, onde faleceu
- 36-67- 1 1 5-67- 1 34- 1 42- 1 5 1 - 1 73- 1 8 1 - 1 84- 1 85- 1 88-2 1 5 .
NEGRI (Apolonia Chalupiec, dita POLA). 1 897- 1987. Actriz d e origem polaca, foi uma
das vedetas do cinema mudo, que abandonou com o surto d o cinema sonoro. Publicou
" Memórias de uma Star" em 1 968 - 97.
NEMESIS. Deusa grega da Vingança e da Justiça que tinha por principio condenar tudo o
que é excessivo - 42.
NEY (Michel). 1 769- 1 8 1 5. Duque de Elchingen e Príncipe de Moskowa, pela graça de
Napoleão. Marechal de França, co briu-se de glória nas guerras da Revolução e do Império,
em particular na Campanha da Rússia. Foi fuzilado pelos Legitimistas (restauracionistas)
partidários de Luís XVIII - 1 84.
NICOLAU II (Czar de todas as Rússias). 1 868- 1 9 1 8 . Filho de Alexandre III, tentou desem­
penhar um papel na crise que agitava a Europa Central e os Balcãs no princípio do século.
Descarregando o fardo da política interna para os ombros da burguesia politiqueira e dos
esbirros da p olicia secreta, viu-se envolvido na guerra de 1 9 1 4- 1 9 1 8 . Quando deu por si,
estava deposto pela revolução proletária chefiada pela ala maximalista do partido social­
-democrata: o partido bolcheviq ue - 1 60-22.
NOSTRADAM U S (Michel de Notre-Dame, dito). 1 503- 1 566. Astrólogo e médico proven­
çal, autor de um livro de profecias intitulado CENTURIES- 1555 - 89.
NUNGESSER (Charles). 1 892- 1 927. Aviador francês. Às da caça aérea durante a Primeira
Guerra Mundial, desapareceu com COLI ao tentar atravessar o Atlântico Norte - 1 8.
ÓBIDOS (Josefa d'). 1 634- 1 684). Pintora de motivos religiosos e de naturezas mortas -
74.
OHNET (Georges). 1 848- 1 9 1 8 . Romancista e dramaturgo francês - 98.
OLLIVIER (Emile). 1 8 25- 1 9 1 3 . Politico francês, Ministro do Segundo Império, Presidente
do Conselho em 1 870.
ORFEU - Filho de Eagre, rei da Trácia, e da musa Calíope ou, segundo outra versão, de
Apolo e de Clio. É o maior músico da Antiguidade. Desceu aos Infernos, depois de ter
seduzido as divindades infernais com a melodia dos seus cânticos, a fim de libertar a
mulher, Euridice. Foi fulminado por Zeus e estracinhado pelas Bacantes - 33.
ORLEANS - Nome de quatro familias principescas de França. A primeira é representada
por Filipe VI ( 1 344). A segunda teve por chefe Luis I ( 1 372- 1407). A terceira começa e
acaba com J.-B. GASTON ( 1 608- 1 660). A quarta casa de Orléans tem ppr chefe Filipe II,

203
irmão de Luís XIV ( 1 640- 1 7 0 1 ) . Ainda hoje, são os Orléans os mais legítimos pretendentes
ao trono . . . da República que correu com eles da cena política hâ precisamente 200 anos,
aquando da Tomada da Bastilha - 1 22.
ORTIGÃO (José Duarte RAMALHO) . Jornalista, escrevedor de cró nicas ("As Farpas") e
amigo de Eça de Queiroz e dos componentes do Cenâculo - 77.
OTHÃO I, o Grande. Rei da Germânia em 936, I mperador do Ocidente em 962, morreu em
973 - 2 1 2.
PAINLEVÉ (Paul). 1 863- 1933. Matemâtico e político frances, foi Presidente do Conselho
em 1 9 1 7 e em 1 925. Membro do Partido republicano socialista - 83.
PALOMINO (Ant onio). 1 655- 1 7 26. Pintor e historiad or de arte espanhol - 94.
PAMS. Politico francês, deputado radical, foi candidato à Presidência da República em
J.a neiro de 1 9 1 3 - 1 3 3- 1 34.
PA RACELSO (Théop hrast B O M B A RT VON H O H E N H EI M , dito). 1493- 1 5 4 1 . Alqui- ·

mista e médico suíço, pai da medicina hermética - 1 02.


PAU (Paul Marie). 1 848- 1 932. General. Participou na Guerra de 1 870 e da de 1 9 1 4- 1 9 1 8 .
Membro d o Conselho Superior d e Guerra em 1 909 - 1 9 2.
PELLETAN (Camile). 1 846- 1 9 1 5. Membro importante do partido radical. Ministro da
Marinha no Ministério COMBES, escreveu "Les Associations ouvrieres dans le passé"
( 1 874) e "Comité Central et la Commune" - 224.
PENÉLOPE. Mulher de Ulisses e mãe de Telémaco. Durante os 20 anos de ausencia do
marido, rejeitou todos os pedidos de casamento dos pretendentes, prometendo escolher
um, quando terminasse a teia que estava urdindo, - e que, astuciosamente, desfazia,
durante a n oite - 25.
PEPINO o BREVE. 7 1 5-768. Filho de Carlos Marte), Duque da Neustria, da Borgonha e
da Provença. Foi proclamado Rei dos Francos em 75 l . Casou com Berta au grand pied e
teve dois filhos : Carlos Magno e Carlomano - 1 8-34.
PERE LACHAIZE (Cemitério do) - Situado numa das colinas de Paris, Ménilmontant,
foi inaugurado em 1 804, no local onde o confessor de Luís XIV, o Padre de La Chaise,
p ossuíra uma quintarola. É um conglomerado de monumentos funerârios, no topo do qual
se ergue o muro - O M U RO DOS FEDERADOS - contra o qual as tropas vetsalhe­
sas de T11iers fuzilaram centenas de homens e mulheres que acreditaram no advento da
COMUNA D E PARIS. Foi também desse local que, em 1 8 19, a personagem-típica do
arrivista ambicioso que domina toda a Comédia Humana de Balzac, lançou, nas últimas
pâginas do Pere Goriot, o seu desafio à Sociedade burguesa: À nous deux, maintenant !
Ironia d a vida: sabe-se que Balzac, para dar corpo a o seu Eugene RASTIGNAC (é dele que
se trata) tomou Thiers como modelo : nasceram ambos em 1 798, desembarcaram em Paris
em 1 8 2 1 , foram ministros em 1 8 30, etc . . Carreira paralela. Simplesmente, Balzac escreveu o
Pere Goriot em 1 8 34 e faleceu em 1 850, ao passo que o rastignac Adolphe Thiers só
restituiu a alma ao diabo em 1 877! Por que obra e graça imaginou ele os 27 anos (pelo
.
menos) em que deixou de ter o modelo (?) na frente dos olhos? E se fosse Thiers a tomar a
criatura de Balzac para inexorável modelo da sua própria carreira? Honoré de Balzac foi
inumado no Pere Lll chaize. . . Que pena não ser espirita, se não ia até lâ solicitar-lhe uma
resposta! - 49- 1 1 3.
PERCIN. General e colaborador do jornal radical LE BONNET ROUGE - 1 79- 1 93-208.
PERGAUD (Louis). 1 882- 1925. Igualmente autor da célebre "Guerre des Boutons" -
1 17- 1 1 8 .
PETIT (Georges). Proprietârio d e u m a Galeria de Arte. Fins do Séc. XIX a 1 92 1 - 77- 1 1 3 .
PICASSO ( Pablo Ruiz). 1 8 8 1 - 1 973. Pintor espanhol, chefe d e fila do cubismo - 29-30-3 1 -66.

204
PICHON (Stephen). 1 857- 1 933. Deputado radical e Ministro 'dos Negócios Estrangeiros da
França - l l 8- 199-220.
PICKFORD (Gladys MARY Smith). 1 893- 1 979. Vedeta do cinema mudo - 97.
PILON (Germain). 1 537- 1 590. Escultor francês, autor dos mausoléus de François ler e de
Henri II, na Abadia de Saint-Denis - 34.
PIN H EI R O C HAGAS ( Manuel Joaquim). 1842- 1 895. Capitão do Exército, foi profes­
sor do Curso Superior de Letras e Sócio efectivo da Academia Real das Ciências de Lisboa.
Poeta, deu origem à "Questão coimbrã" e foi grande cultor de romances históricos - 1 84.
PIO XI (Ratti). Foi papa de 1 922 a 1 939. Assinou os Acordos de Latrão com Mussolini - 1 4.
PIR RO. O primeiro dos grandes cépticos gregos (365-275). Negava q ue o homem pudesse
atingir a verdade - 27.
PISANELLO (António Pisano, dito). 1 395- 1 456. Pintor italiano e notãvel gravador de
medalhas - 95-96.
PLATÃO. 428-348 a.C. Filósofo grego, discipulo de Sócrates e mestre de Aristóteles. A sua
filosofia, que tem por método a dialéctica, culmina na teoria das ideias: a verdade, objecto
da ciência, não estã nos fenómenos particulares e passageiros, mas sim nas ideias-tipo de
cada grupo de seres, em cuj o topo se encontra a ideia do bem. Um dos precursores
" ocidentais" do monoteismo - 79.
PLUTARCO. 50- 1 25 . Historiador grego, autor das "Vidas paralelas" dos Homens Ilustres
.
- 55.
POINCARÉ ( Raymond). 1 860- 1934. Advogado e p olitico francês. Presidente da República
de 1 9 1 3 a 1 926, Presidente do Conselho em 1 9 1 2, de 1922 a 1 924 e de 1 926 a 1929. Em 1923,
mandou ocupar o Ruhr para obrigar a Alemanha a executar o Tratado de Versalhes que a
tinha posto de rastos - 1 25- 1 26- 1 27- 1 33- 1 34- 1 50- 1 60- 1 80- 1 8 1 - 1 96- 1 99-200-203-204-205-
-2 1 2-2 1 5-21 7-224-225.
POMBAL (Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e Marquês de). 1 699-
- 1 782. Domina e enobrece todo o séc. XVIII português. Quando Embaixador em Londres,
foi iniciado nos "mistérios da Franco-Maçonaria", - o que lhe permitirã vir a ser um
"déspota esclarecido" . . . É, não o bstante as opiniões, uma das Grandes Figuras da História
de Portugal - 56- l lO.
POMPADOUR (Antoinette POIS SON, Marquesa de). 1 7 2 1 - 1 764. U ma das favoritas de
Luis X V, o Bem-Amado - 1 72.
POTTER (Paulus). 1 625- 1 654. Pintor de animais e de paisagens. Holandês - 66.
PREVOST ( Marcel). 1 862- 194 1 . Escritor e membro frenético da A cção Francesa - 1 50.
P RI APO. Deus dos Jardins, das Vinhas, da Geração. Filho de Diónisos e de Afrodite,
personificava, para os gregos, a virilidade.
PRI VAS (Antoi ne Taravel, dito XAVIER). 1 8 63- 1 927. Encoraj ad o por Verlaine, lançou
"Les soirées du Procope" e fundou "Le cabaret des Arts" - 1 26.
PRO U ST (Marcel). 1 8 7 1 - 1922. Escritor francês. Autor de "À la recherche du temps perdu"
- 149.
P R U D H O M M E (Joseph) personagem criada pelo escritor e caricaturista Henri Monnier
( 1 805- 1 87 1 ) : pequeno-burguês tacanho e satisfeito de si pró prio. Conselheiro A cácio (Eça
de Queiroz conhecia-o bem . . . }, afirma, com solenidade, as piores tolices - 78.
PRUD'HON (Pierre). 1 758- 1 823. Pintor de história e de retratos. Foi considerado o "Cor­
régio francês" - 43.
PUECH ( Denys). 1 854- 1 942. Escultor francês. Prémio de Roma e Director da Villa Medi­
eis, de 1921 a 1 933 - 202.
PUVIS DE CHAVANNES (Pierre). 1 824- 1 898. Pintor francês, autor de murais (Panthéon

205
e Sorbonne) que valem pela harmonia da composição e a sobriedade do colorido -
29-47-8 1 .
Q U EI ROZ (José Maria d'Eça de). 1 845- 1 900. U ma das principais figuras da Literatura
Portuguesa. Estilista primoroso, transpôs com génio - e de maneira flaubertiana - para
Portugal, muitas das figuras criadas por aquele a quem mais ad mirava: Balzac - 25-74-77-
-206-208-209.
Q U E NTAL (Antero Tarquínio de). 1 842- 1 89 1 . Poeta de mérito e, sobretudo, mentor da
geração de 70. De uma integridade intelectual pouco comum, suicidou-se na sua terra natal,
depois de ter estanciado uns tempos em Paris. "Santo Antero", lhe chamava Eça - 27.
Q U IXOTE (Don Quij ote de la Mancha). Obra-prima da Literatura peninsular, em duas
partes, escrita por Miguel Cervantes Saavedra ( 1 547- 1 6 1 6). Falso romance de cavalaria é,
nas entrelinhas, a melhor "reportagem" pelo "interior" da "idade conflitiva", quando os
conversos davam água pela barba àqueles que tinham "dois dedos de enxúndia de cristãos­
-velhos", no dizer de Sancho Pança - 1 8- 107.
R A B I E R ( B e nj a m i n ) . 1 8 69- 1 9 39 . Caricaturista p o p u l a r í s s i m o colaborador de I'AS­
S I ETTE A U B E U RRE, que, em 1 9 24, ilustrou "Romance da Raposa" de Aq. Ri beiro
- 33.
RAFAEL ( Raffaelo SANTl ou S A NZO). 1 482- 1 526. Pi ntor, arquitecto, arqueó logo. Foi
um dos principais decoradores do Palácio do Vaticano - 45.
R A M SÉS I do Egipto ( 1 3 1 4 a.C.). Fundador da XIX dinastia que conta dez reis chamados
Ramsés - 1 7.
RATTAZZI ( Maria Letícia Studolmina Wyse, princesa). 1 833- 1 902. Escritora francesa que
teve a feliz ideia de escrever um livro sobre Portugal: "Le Portugal à vol d'oiseau", a fim de
que o grande Camilo nos regalasse com as páginas magníficas de "Portugal a voo de
pássara" - 39.
REM B RANDT ( Harmenszoon VAN RIJN, dito). 1 606- 1 669. Pintor e gravador holandês,
aut or de mais de 3 50 pinturas e de um número idêntico de 'águas-fortes. Génio do claro­
-escuro -
46-96.
RENAU DOT (Théophraste). 1 586- 1 653. Médico francês, fundador da primeira "Gazette
de France" em 1 63 1 .
RAN K E. 1 795- 1 886. Historiador alemão, autor da "História d a Alemanha no tempo da
Reforma". Foi um dos grandes iniciad ores da ciência histó rica alemã, no século XIX.
RENAN (Ernest). 1 823- 1 892. Escritor francês que se consagrou ao estudo das línguas e das
religiões.
RENOI R (Auguste). 1 8 4 1 - 1 9 1 9 . Um dos mestres do "impressionismo" - 30.
REYNOLDS (Sir Joshua). 1 723- 1 792. Pintor retratista inglês - 46.
RIBEIRO (Bernardi m). 1 485- 1 552. Cristão-novo natural do Torrão, Alentejo, cuja obra
poética foi impressa em Ferrara, na tipografia do seu correlegioná rio exilado Samuel
Usque, autor de "As co nsolações às Tribulações de Israel". A sua " Menina e Moça" só
foi publicada em Évora em 1 55 7 - 1 06.
RIBADEN EYRA ( Pedro). 1 526- 1 6 1 1 . Escritor e jesuíta espanhol - 95.
RIBERA (José). 1 588- 1 655. Pintor espanhol, trabalhou largo tempo em Nápoles onde a
sua arte, realista, fez escola - 77- 1 43.
R I C H E PIN (Jean). 1 849- 1 926. Escritor, poeta e d ramaturgo francês - 1 57-27.
R I C H ELI EU ( A rmand-Jean du P I E S S I S , Duque-Cardeal de). 1 586- 1 642. M i nistro de
Luís XIII, conta entre os maiores Estadistas franceses (que nada tem a ver com a caricatura
que Alexandre Dumas traçou nos seus "Três Mosqueteiros"). Foi o criad or do absolutismo
real, quebrou os privilégios provinciais por meio da centralização administrativa e a insti-

206
tuição de Intendentes do Estado em todo o território . Amador das Belas Letras, fundou a
Academia Francesa - 1 72-82- 109- 1 1 1 - 1 1 2- 1 1 9.
R I M B A U D (Arthur). 1 854- 1 89 1 . Génio de uma precocidade extraordinária, tin ha, aos 1 9
anos, escrito toda a sua obra. Revoltad o contra todas as tradições, tentou exprimir o
absoluto das coisas. Teve uma grande influência no seu amigo Verlaine e no simbolismo.
Paul Claudel, que "não devia nada a ninguém", reconhecia no entanto, de quando em
quando, que, sem Rimbaud, a sua poesia seria . . . como o seu teatro. Rimbaud deixou-nos o
Bateau ivre, as lluminations e Une saison en enfer. Dos 20 anos até morrer, levou uma vida
de aventureiro . . . a vender escravos no Mar Vermelho ! - 206.
ROC H E FO RT (Henri de). 1 8 30- 1 9 1 3. Jornalista político francês, fu ndou a LANTERNE,
panfleto semanal dirigido contra o 2.0 Império criado por Napoleão III -1 1 9.
RODIN (A uguste). 1 840- 1 9 1 7 . Decerto o maior escultor francês, criador de uma obra de
grande força realista - 23-32-33-4 1 -48-79.
ROLDÃO ( Rolland) . U m dos cabecilhas do exército que Carlos Magno enviou à Península
Ibérica para lutar contra os mouros e que foi morto pelos bascos, em 778. A lenda La -

Clzanson de Rolland - apresenta-o como sobrinho do Imperado r - 36- 1 1 4- 1 1 5.


ROLLAND (Romain). 1 866- 1 944. Escritor francês, cuja obra exalta um ideal de energia
sem violência. Pacifista sem mácula, consciência livre, é autor de uma obra fecunda que
exerceu uma influência notável no mundo inteiro, nos anos de luta contra o fascismo.
Prémio No bel 1 9 1 6 - 45-209.
ROSTAND (Edmond). 1 868- 1 9 1 8 . Autor dramático francês. Cyrano de Bergerac é porven­
tura a sua obra-prima - 1 1 3- 1 6 1 .
RO U S S EL (Léonce). 1 850- 1938. Oficial e escritor. Autor da "Histoire Générale de la
guerre franco-prussien ne de 1 870- 1 87 1 " - 1 59.
ROTH SC H I LD - Família de banqueiros que, desde o desfecho da Batalha de Waterloo
(foram os primeiros a co nhecê-lo e, por isso, j ogaram a fundo nas diversas Bolsas da
Europa), exerce uma frutuosa actividade na Inglaterra e em França . . . e ilhas adjacentes -
71.
R U B ENS (Peter Paul). 1 577- 1640. Pintor e diplomata flamengo, marcou toda a pintura
dos Países-Baixos, no seu tempo - 35-46.
R U B E M PRÉ (Lucien C H A R DON, dito). Personagem da "Comédia Humana". Nasceu
em 1 800 e faleceu em 1 830. Herói das "Ilusões Perdidas" e de "Esplendores e Misérias das
Cortesãs" é o miminho da camareira do criminoso Vautrin, uma das personagens mais
complexas da obra balzaquiana a qual inspirada na vida do degredado Vidocq, tambép1
serviu de modelo a Victor Hugo para o seu Jean Valjean. Ambicioso, mas sem a craveira de
Rastignac, Rubempré é a personagem que mais se assemelha a Balzac jovem. Podemos
quase dizer que se trata do seu duplo até aos 30 anos - 37.
RU YSDAEL (Jaco b Van). 1 629- 1 682. Paisagista holandês - 73-94.
SACADU RA CAB R A L ( A rtur Freire). 1 !! !! 1 - 1 924. Oficial da Armada e aviador, efectuou,
com GAGO COUTIN H O, a p rimeira travessia aérea do Atlântico Sul, em 1 922. Desapare­
ceu no Mar do Norte - 1 8 .
S A D I CARNOT. 1 796- 1 932. Físico e matemático francês, especialista em termodinâmica,
foi Ministro da Guerra durante o período napoleónico - 206.
SAINTE-BEUVE (Charles-Augustin). 1 804- 1 869. Escritor francês, consagrou-se à critica,
depois de ter publicado várias colectâneas de versos. Baseado numa sólida documentação
histórica o seu método tende a restituir o génio próprio de cada escritor - 1 1 5.
SAINT-PÉ ( Marquês e Diplomata francês). Agente de Richelieu junto dos Conjurados de
1 640 - I I I .
SAINT-ROMAIN (Marquês de). Embaixador francês em Portugal, em 1 666 - 109.

207
SALLES (Manuel Germano). Nasceu em Lisboa, na segunda metade do Século XIX.
Figurou no Salão dos Artistas Franceses e obteve uma menção honrosa em 1 908 -
25-32-33.
SALOMÃO. 961 -922. Filho e sucessor de David, mandou construir o Templo de Jerusa­
lém. A sua sabedoria é legendária em todo o Oriente. A tradição atribui-lhe a composição
dos três livros canó nicos da Bíblia: Provérbios, o Eclesiastes e o Cântico dos Cânticos
- 19-89.
SANCHA - Caricaturista espanhol, grande amigo de Leal da Câmara e igualmente
colaborador de l'Assiette au Beurre" - 47.
SANO DI PIETRO ou Ansano di Pietro di Meneio. 1 405- 1 48 1 . Pintor e iluminador da
Escola de Siena - 95-96.
SANTOS D U MONT (Alberto). 1 873- 1 9 32. Brasileiro, pioneiro da aviação em França,
o nde co nstruiu a sua avio neta "Demoiselle" - 83.
SARTO (Andrea dei) . Seu verdadeiro nome era: Andrea VANN UCHI ou Andrea d'AG­
NOLO. Pintor florentino do início do século XVI. Foi convidado a trabalhar em França,
em 1 5 1 8 , por Francisco I - 35.
SCHOPENHAUER (Arthur). 1788- 1 860. Filósofo alemão, fazia gala do seu pessimismo.
Pretendia ele, no Mundo como vontade e como representação, que infelizmente tudo se
baseia na oposição da vontade, substracto dos fenómenos, à representação do mundo na
inteligência 51-10I.
-

SEBASTIÃO. 1 554- 1 578. Vigésimo p rimeiro rei de Portugal. Neto d e D . João III, foi o
último soberano medieval p ortuguês: imbuído do espanholíssimo espírito de Cruzada,
meteu-se em cavalarias altas e deu cabo do Pais. Morreu em Alcácer-Quibir, na Guerra dos
Três reis, de parceria com a fina flor dos senhoritas, que viviam da confiscação dos bens
judaicos e do comércio (?) com o Oriente. É de ver que nada j ustifica que o "sebastianismo"
tenha as suas raízes na morte de um monarca que, para além de ser garoto, nada fez em prol
da sua Pátria 1 8-27.
S E M BAT ( Marcel) . 1 862- 1922. Advogado. Franc-maçon, membro da Liga dos Direitos do
Homem. Socialista, pronunciou-se em 1 920 co ntra a adesão à Internacional Comunista -
1 77- 1 79-208-2 1 7-22 1 .
SEMIRAMIS - Rainha lendária d a Assíria e d e Babilónia a quem a tradição atribui a
fundação desta cidade e a ideia dos jardins suspensos, isto é, dos patamares floridos que
vicej avam em torno dos zigurates, esses monumentos que, como enormes paralelipipedos de
alvenaria, pareciam querer atingir o céu - 42-40-95.
S EQUEIRA ( Domingos Antó nio de). 1 768- 1 837. Pintor - 74.
S IGNA RELLI ( Luca). 1 445- 1 523. Pintor italiano, artista de grande realismo - 45.
S I LVA (Alberto). 1 882- 1 940. Pintor, natural do Porto - 25-30-3 1 .
S I LVA (Antó nio Maria da). 1 872- 1 950. Engenheiro e politico. Membro d o partido republi­
cano, foi Ministro do Fomento no governo presidido por Afonso Costa de 9- 1 - 19 1 3 a
1 0- 1 1 - 1 9 14. Foi seis vezes presidente do Ministério, sendo a última, durante o período que
vai de 1 7- 1 2- 1925 a 30-5- 1 9 26 - 1 29 .
S I LVA PORTO (António Carvalho d a ) . 1 850- 1 893. Pintor - 74.
S I M ON. 1 8 1 9- 1 896. Pintor da Escola francesa - 29.
S I S LEY (Alfred). 1 8 39- 1 899. Pintor francês, um dos mais sensíveis paisagistas impressio­
nistas- 66.
SNYDERS ( Frans). 1 579- 1 657. Pintor flamengo, exímio em naturezas mortas e motivos de
caça - 73.
SOARES DOS REIS (António). 1 847- 1 889. Escultor - 70.

208
SOARES ( Rodrigo). 1 8 6 1 - 1 948. Pintor. Nasceu no Porto e faleceu no Brasil - 25-29-30.
SOREL (Cécile). 1 873- 1966. Actriz da Comédia Francesa. So bre o tarde, deu em freira, -
decert o para purificar a alma, porque, quanto ao corpo nem o Sena quando transborda
depois dos nevões do inverno, conteria para tant o água lustral suficiente - 3 1 .
S O U LT (Nicolas). 1 769- 1 85 1 . Duque d a Dalmácia, por graça de Napoleão. Vencedor da
Batalha de Austerlitz, ilustrou-se em Espanha e na Batalha de Toulouse, em 1 8 14. Chefiou
a Terceira invasão de Portugal. Foi Ministro da Guerra e dos Negócios Estrangeiros,
durante o reinado de Louis-Philippe - 1 84- 1 1 5 .
S O U S A LOPES. 1879- 1 944. Desenhador e pintor. Fez croquis magistrais alusivos à frente
de Batalha na Flandres, na Primeira Grande Guerra Mundial - 25-26-27-28-29.
SOUSA PINTO (José Júlio). 1 856- 1 939. Pintor que se fixou em Paris de 1 880 até 1 939 -
25-38.
SOUSA ROSA - Último embaixador da Monarquia Portuguesa, em Paris - 70.
S PENCER ( Herbert). 1 820- 1 903. Filó sofo inglês, fundador da doutrina evolucionista
1 1 6.
SPINOZA (Bento ou Baruch). 1632- 1 677. Filósofo holandês, filho de pais portugueses,
naturais da Vidigueira. Desenvolveu o racionalismo religioso e, na sua Ética, levou ao
extremo o método cartesiano. O seu sistema é uma doutrina panteísta, segu ndo a qual Deus
é uma substância constituída por uma infinidade de atributos. Entre Deus e o mundo não
há senão uma diferença de ponto de vista. Bom conhecedor do Talmude, entrou em
conflito com os dirigentes da Comunidade Hebraica portuguesa de Amesterdão, acabando
por ser excomu ngado. (Ver os trabalhos de I. S. Révah sobre as origens da ruptura
espinoziana e as suas notas de curso no "College de France") - 78.
STENDHAL (pseudónimo de Henri Beyle). 1 783- 1 842. Um dos maiores escritores france­
ses. Romântico pelo gosto que nutria pelas paixões violentas, analisa com lucidez e até com
ironia o procedimento das suas criaturas. Pouco apreciado no seu tempo (excepto por
Balzac !), deixou-nos Armance, Le Rouge et le Noir, lA Charteuse de Parme, entre uma
obra relativamente vasta - 98.
STEIN LEN. 1 859- 1 923. Notável desenhador francês, intérprete dos tipos populares. Foi
um dos três "grandes" da ASSIETTE AU B E U R R E - 23-24-47-53-79- 102- 103.
STEI N H E I L ( Made moiselle M a rgueritte). 1 869- 1 9 54 . Dama galante, "autêntica leoa",
como diria Balzac, foi nos seus roliços braços que o Presidente da República Félix Faure
entrou co nsoladinho no Sétimo Cé u. Com a nossa mania de traduzir o francês para
português calão, imploremos a Jesus que não nos venha a suceder o mesmo ! - 67-68-83-
- 1 25.
SUDERMANN (Hermann). 1 857- 1 928. Escritor alemão, autor de dramas e de romances
naturalistas - 23.
SUE (Eugi:ne). 1 804- 1 857. Escritor francês, autor dos Mistérios de Paris - 7 1 .
T ABARIN (Bal). Célebre sala d e baile d e Montmartre d a Bel/e Époque, onde a gente fina
ia encanalhar-se. O nome é o de um charlatão (Antoine Girard, dito T ABARIN) que viveu
de 1 5 84 a 1 633, ou então p rovém da maneira argótica de "paleio" (baratin) - 30.
TAINE (Hippolyte). 1 828- 1 893. Filósofo, historiad or e crítico francês. Tentou explicar as
obras artísticas pela t ripla influência da raça, do meio e do tempo. - 1 1 6- 1 54.
TAITINGER - Fascista francês. U m dos fundadores das "Jeunesses Patriotiques", cujo
órgão "La Liberté" (!) foi fundado em 1 924 - 23.
TA LLEYRAND (Charles-Maurice). 1 7 54- 1 8 3 8 . Diplomata francês de alto coturno, foi
Ministro das Relações Exteriores do Directório, do Consulado, do Império e . . . da Restau­
ração. Ambicioso, cínico e inteligente (fora alcunhado de "Diabo Manco" (Diable Boi-

209
teux), serviu e traiu todos os regimes. Napoleão, que utilizou os seus serviços nessa época
em que a fidalguia trajava casaca e calções de setim, lançou-lhe um dia, furioso, que, ao fim
e ao cabo, "não passava de uma data de merda dentro de um par de meias de seda": "De la
merde dans un bas de soie!" - 47-2 1 6.
TA RDIEU (Tardieu). 1 876- 1 945. - Político francês, várias vezes presidente do Conselho.
Republican o de esquerda e, depois, fundad or do Centro Republicano. Foi colaborador de
Clemenceau - 1 49.
TC HAI KOWS K I (Piotr). 1 840- 1 893. Compositor russo, autor de óperas, sinfonias, concer­
tos e bailad os - 76.
TEI XEIRA (Artur Anjos). 1 870- 1 935. Escultor, viveu em Paris de 1 907 a 1 9 1 4. Foi ele
quem concebeu a capa para a primeira obra de Aquilino Ri beiro pu blicada em volume, em
1 9 1 3 : O JARDIM DAS TORM ENTAS - 25-36.
TEI XEIRA BASTOS (Francisco José). 1 856- 1 90 1 . Formado em Letras, foi, durante largos
anos, um republicano militante, até enfileirar com Oliveira Martins no Socialismo catedrá­
tico. Publicou muitíssimas obras sobre a situação económica de Portugal.
TEI XEIRA LOPES (Antó nio). 1 866- 1 942. Escultor e filho de J. F. Teixeira Lopes, igual­
mente escultor e ceramista - 24.
TEM fSTOCLES. 560-525 a. C. General e Estadista ateniense, chefe do partido democrático,
aconselhou o p ovo a dedicar-se às actividades marítimas. Mandou construir o porto do
Pireu e desenvolveu a criação de estaleiros navais. Quando os Persas invadiram a Grécia,
o brigou os espartanos a co mbaterem no mar (Batalha de Salamina). Tempos mais tarde,
p a ra nã o trair a sua pátria, suicidou-se - 1 27-20 1 - 2 1 1 .

TENI ERS (David). 1 582- 1 649. Pintor flamengo, chamado O VELHO, para se distinguir
do filho, TENIERS O JOVEM ( 1 6 1 0- 1 690). Ambos foram exímios na pintura de cenas
pop ulares de um forte realismo - 25-73-93.
TESEO - Herói mit ológico, filho de Egeu, e Rei de Atenas. Combateu e matou o Minotau­
ro, no Labirinto de Cnossos, na Creta. Foi condenado nos Infernos a permanecer eterna­
mente sentado. Os historiadores gregos atri buíram a Teseo a primeira organização da Ática
e a primeira legislação de Atenas - 1 7.
THAIS - célebre cortesã grega do séc. IV a.C., amante de Alexandre e, mais tarde, de
Ptolomeu I .
Romance de A nato/e France ( 1 890) que conta a conversão d a cortesã pelo anacoreta
Pap hnuce e a danação deste último.
Massen et dedicou-lhe uma ópera 23.
-

THÉLEME (Abadia de). Espécie de comunidade laica, imaginada por RABELAIS no seu
Gargantua; é formada de homens e de mulheres que se entregam à cultura de todas as
formas da felicidade. A expressão é utilizada para designar um lugar onde se desfrutam à
tripa forra as alegrias mais requintadas - 56.
THIERS (Ad olphe). 1 797- 1 877. Político e historiador francês, fundou o diário Le National
em 1 830. Contribuiu para o estabelecimento da monarquia de Julho. Foi Ministro em 1 832
e Presidente do Conselho em 1 8 34. BALZAC serviu-se dele para criar a mais ambiciosa das
suas criaturas: RASTIGNAC. Chefe do Partido da Ordem, Thiers é o principal responsável
p ela inominosa repressão da Comuna de Paris - 1 2 1 .
THOR. Deus d o Trovão e dos Relâmpagos, entre o s povos escandinavos - 77.
THORA ou TOURA. Rolo sagrado do Judaísmo, composto pelo PENTATEUCO, isto é:
os cinco p rimeiros Livros da Bíblia.
TICIANO. 1 490- 1 576. Pintor italiano. Após um período onde se faz sentir a influência de
Giorgione, tornou-se um artista internacional, trabalhando para os papas, para Francisco I
de França e, sobretudo, para Carlos V de Espanha - 34-35-52-45-93.

210
TIÉPOLO (Giambattista). 1 696- 1 770. Pintor e gravador italiano. Natural de Veneza, tra­
balhou durante muito teinpo em Madrid 35. -

TITO LÍVIO. Nasceu em 64 ou 59 a.C. Autor de uma histó ria romana, das Origens até ao
ano 9 a.C., composta de 1 42 tomos 1 1 4. -

TO RQUEMA DA. Thomás de). 1 420- 1 498. Director espiritual de Isabel a Católica, é,
pela sua crueldade no cargo de Inquisidor-Mar de Espanha, uma das mais sinistras criatu­
ras q ue jamais nasceram na Península Ibérica - 48- 1 45.
TRO LLS . Espíritos maléficos, no folclore escandinavo - 26.
T R OT S K I ( Le i ba B ronstein, dito LEV D A V I D O V I T C H ) . 1 879- 1 940 . Revoluci o ná rio
russo, colaborador de Lénine em 1 9 1 7, Comissário do Povo para as questões militares de
1 9 1 8 a 1 923 e organizad or d o Exército Vermelho. Teó rico da revolução permanente, foi
exilad o por Staline em 1 929 e assassinado no M éxico por uma machadada desferida
pelo revolucionário espanhol Ramó n Mercader -209.
TROYON (Co nstant). 1 8 1 0- 1 865. Pintor francês - 1 1 3.
TURENNE ( Henri d e L A TOU R D'AUVERGNE) . 1 6 1 1 - 1 67 5 . Marechal d e França. Co­
mandante do E xército da Alemanha durante a Guerra dos Trinta Anos, logrou várias vi­
tórias que levaram à Paz de Westfália. Modesto, deixou-nos preciosas Memórias 36. -

ULISSES. Personagem lendário grego , filho de Laertes, marido de Penélope e pai de


Telémaco. Um dos principais heróis do cerco de Troia. O seu regresso à pátria é o tema
cantado por Homero na ODISSEIA 20 1 .
-

VALLÉ (Ernest). Senador radical, foi Ministro d o Interior n o governo presidido por
COMBES - 224.
VALOI S. Ramo dos Capetos que ascendeu ao trono, em França, em 1 328, com Filipe IV - 36.
VA MBA - Rei dos visigodos d a Península Ibérica de 672 a 680. Lutou contra os gascões,
nos Pirinéus, e foi destronado por Ervígio.
Vindos do sul da Gália (a actual região entre Toulouse e os Pirinéus) onde se tinham
instalado aquando das Grandes Invasões por volta do ano 400, na cola dos seus primos
suevos que, mais lestos que coelhos, co nseguiram alcançar a Galécia, invadiram os Visigo.­
dos a "pele de boi ibérica", cerca de 60 anos mais tarde e, cometendo as maiores atrocida­
des, implantaram uma forma de Poder que os autóctones desconheciam: a Monarquia.
(Quem diz Monarquia diz totalitarismo de casta que, anos mais tarde e em terras não­
portuguesas, chamar-se-á feudalismo). Felizmente para os autóctones - os povos de que
fala Estrabão na sua Geografia (ver "Espana y los espanoles hace dos mil anos", apresenta­
ção de Antonio Garcia y Bellido, Colleccion Austral, Espasa-Calpe Argentina. S.A.) - essa
primeira vaga de Terror será de pouca dura, porque emissários das vitimas atravessaram as
Colunas de Hércules a fim de solicitar dos seus primos berberes uma ajuda para expurgar a
sua pátria de tão gananciosos ocupantes. Allah a-alkbar! - responderam-lhes os homens
que, em 632, tinham iniciado a divulgação do islamismo, a partir de Medina, lá nos
desertos do cabo do mundo, e que se enco ntravam a marcar passo à beira do Estreito. E,
em 7 1 1 , sob as ordens de Tárik, eis que um primeiro corpo expedicionário desembarca nas
cercanias do Rochedo e dá uma valente surra na cambada visigoda, em Guadalete. Outro
exército se seguiu e, graças ao levantamento popular, meteu Península a dentro, atrás dos
" bárbaros" que só respiraram quando os "homens do deserto" estacaram nas terras
frias da Galiza e das Astúrias. Cuidando ter dado uma boa ensaboadela naquela gente
meio-louraça que tinha abalado das planícies da Germânia duzentos anos antes, voltaram
para trás, restituíram o Poder aos compadres "autóctones" e ocuparam as terras que se
estendem do Mondego até Vali!:ncia para as transformar num Paraíso Terreal.
Infelizmente, o ditado que pretende que "quem o inimigo poupa, nas mãos lhe morre",
só foi cogitado a partir destes event os, porquanto os visigodos (que tinham encontrado na
Península condições climatéricas que lhes permitia abandonar as peles de bicho com que se
vestiam) não ficaram de braç os cruzados e, em 7 1 8, iniciaram aquilo a que vão dar o nome

21 1
de Reconquista, - u m a Reconquista que l'ai le l'ar 8 séculos ! . . . ( V er a este respeito as o h ras
d e t rês a u ti:· nt i cos h is t n r i ad o rcs. ' " c s r a n húis M c n c n dct !'ida\. \ m cTico C a s t r o c S a n d l c"/
Albornoz, - mas este último, de pé atrás porque "es hombre de prejuicios" . . . ). Seja como
for, podemos dizer que, se havia estrangeiros na Ibéria, terra romanizada e enriquecida
pelos muç ulmanos, eram os visigodos (mais do que os suevos, por uma simples questão de
antecedência) e sobretudo não levar a sério a prosápia dos Cogominhos (como lhes cha­
mava Aquilino Ribeiro) que, ainda hoje, andam p or aí a fazer alarde de pergaminhos
escritos com "sangue azul", com o fito de, socialmente, se colocarem aci ma dos compatrio­
tas que não são (e ainda bem! ) de extracção sueva, que, ao fim e ao cabo, não passa de
gente labrega que teve a esperteza de se crismar cristiana ou cristã e, mais tarde, catolicazi­
nha de gema. Assim ou assad o, pode essa ge nte vangloriar-se de uma coisa: ter destruído
quase todos os monumentos romanos e muçulmanos em vastas regiões da Península, - e
se não foi até à sua demolição total, deve-se o milagre à própria beleza e conforto que os
autóctones de parceria com os semitas (muçulmanos e judeus) haviam espalhado pela "pele
de boi" e que acabaram por seduzir os espíritos abroeirados - isto é: bárbaros - de gente
q ue matava a torto e a direito aos gritos de "Santiago aos mouros !" - 59-91 .

VAN DICK. 1599- 1644. Pintor flamengo, colaborador de Rubens e, mais tarde, pintor da
c orte de Carlos I de Inglaterra - 30-52-78-45.
VAN DONGEN (Cornelius). 1 8 77- 1968. Pintor francês de origem holandesa. Um dos
fauves. Colaborou na Assiette au Beurre - 53-1 02-66.
VAN EYCK. 1390- 1 44 1 . Pintor primitivo flamengo. Foi igualmente encarregado de mis­
sões di p lomáticas em Espanha e Portugal - 95.
VAN GOYEN (Jan). 1 596- 1656. Pintor holandês que dirigiu a célebre escola paisagista de
Leyde - 66.
VAN OSTADE (Adrian). 1 6 10- 1684. Pintor holandês - 66-94.
VASCO (GRÃO - Vasco Fernandes). Fins do séc. XV, deve ter falecido em 1 54 1 - 74.
VAUBAN ( Sébastien LE P RESTRE, senhor de). 1 633- 1 707. Engenheiro militar, e mare-
chal de França. Fortificou as fronteiras do seu país construindo 33 praças-fortes - 82- 103-
- 1 13.
V E I G A ( Francisco M aria d a ) . 1 8 52- 1934. Juiz. Célebre e temido pela sua inflexibilidade na
d efesa do regime monárquico. Foi o precursor dos "meretíssimos" dos Tribunais Plenários
Salazaristas e, por temperamento, membro frustrado do Tribunal do Santo Ofício da
Inquisição - 1 7 2.
VELASQUEZ (Diego). 1 599- 1 660. O mais original pintor espanhol de todos os tempos
34-78-30-55-56.
VELOSO ( Fernão). Relator d a primeira viagem de Vasco da Gama à Índia - 1 8 3.
VELOSO SALGADO (José Maria). 1 864- 1945. Pintor. Residiu em Paris de 1887 a 1 895.
- 24-77.
V E R CI N G ÉTO RIX. C hefe dos gauleses. Nasceu em 72 a.C. Foi derrotado em Alésia por
Júlio César e levado para Roma, onde foi executado ao fim de 6 anos de cativeiro - 168.
VERLAINE (Paul). 1 844- 1 896. Poeta simbolista francês de primeiríssimo plan o - 33.
VIANNA (Eduardo). 1 8 9 1 - 1 967. Pintor. Esteve em Paris a partir de 1905 - 25.
VICTOR H UGO. 1 802- 188 5. Escritor e p oeta francês, um dos chefes do romantismo.
Romancista fecundo, deixou-nos nomeadamente Les misérables, No tre-Dame de Paris e
Les Travailleurs de la mer. Da sua imensa obra poética, sobressai La Légende des Siecles.
Pondo a ridículo o bonapartista Napoleão III, apelidando-o de "Napoléon /e Petit, viu-se
forçado a buscar asilo, primeiro em Bruxelas e, seguidamente, em Guernesey - 45-47-48-
-49- 1 68.

212
VICTOR MARGU E RITE. 1 866- 1 942. Romancista francês, autor de La Garçonne - 1 26.
VIEIRA L U SITANO (Francisco de Matos). 1 699- 1 783. Pintor, estudou em Roma de 1 7 1 2
a 1 720 - 74.
VIEIRA PORTUENSE (Francisco Vieira). 1 765- 1 805. Desenhador e pintor � 74.

VIGÉE-LEBRUN. 1 7 55- 1 842. Pintora francesa, notável como retratista - 1 2 1 .


VI LLA M EDIANA (Conde de). Titulo de Tarsis o u Tarsis y Peralta (Juan). Nasceu aciden-
talmente em Lisboa em 1 580 e faleceu em Madrid no ano de 1 622. As suas poesias foram
publicadas em 1629 - 1 8- 1 9-20.
VILHENA (Júlio Marques de). 1 845- 1 9 10. Chefe do Partido Regenerador, foi cinco vezes
ministro. Autor de "As raças históricas na Península Ibérica e a sua influência no Direito
Português", - obra que mereceu os maiores elogios de Herculano, Camilo, Castilho,
Sousa Viterbo, Victor Hugo, Michelet e Amador de los Rios, ao contrário de Teófilo
Braga, Oliveira Martins e Antero que a criticaram com severidade - 3 1 .
V I O L LET-LE- D U C (Eugene) . 1 8 14- 1 8 7 9 . Arq uitecto, restaurou numerosos mo numentos
da Idade-Média, mormente a Catedral de Notre-Dame de Paris e as fortificações de Car­
cassonne. Autor de um Dictionnaire raisonné de /'architecturefrançaise du Xl eme au X VI
eme siecles - 34-36-76.
VIOLETTE - Familia de pintores franceses do século XVII - 4 1 - 103.
VOISIN (Gabriel). 1 8 80- 1 9 1 2. Deve-se-lhe a aplicação do motor de explosão aos aviões - 82.
VOLTAIRE (François-Marie Arouet). 1 694- 1778. Poeta e dramaturgo, esteve na primeira
linha da barricada das lutas filosóficas. Serviu-se, de maneira irónica e mordaz, dos seus
romances para combater a intolerância. Maçónico, membro da Loja das Sete Irmãs,
correspondeu-se com todos os "grands esprits" da sua época. U ma das maiores Glórias
da França - 20-35-6 1 - 1 42- 188-2 1 6 .
VRANGEL ou Wra ngel (Piotr). 1 8 78- 1 928. General russo, chefe do exército branco e m
1920, lutou contra o partido bolchevique n a Ucrânia e n a Crimeia - 23.
WAGNER ( Richard). 1 8 1 3- 1 883. Compositor alemão cuja arte tem essencialmente por
base as lendas nacionais da Germânia - 27 .
WALDECK-R OUSSEAU ( René). 1846- 1904. Politico francês, presidente do Conselho de
1 899 a 1902, é autor da lei sobre as associações de 190 1 que, aplicadas por Emile COMBES,
levaram à separação da Igreja e do Estado - 223- 1 5 .
WATTEA U (A ntoi ne) . 1 684- 1 72 1 . Pintor e gravador francês, tratou c o m delicadeza os
motivos campestres e as festas galantes - 45.
WELLINGTON (Arthur WELLES LEY, duque de). 1 769- 1 852. Inglês, começou por com­
bater as tropas napoleónicas em Portugal e em Espanha. Derrotou So ult na batalha de
Toulouse. Comandou as tropas aliadas contra a França e venceu a Batalha de Waterloo,
em 1 8 1 5 . Apelidado Duque de Ferro, foi Primeiro Ministro da Inglaterra em 1 8 3 1 -
1 1 3- 1 1 5 .
WILLETTE (Ad olp he Léon). 1 857- 1926. Pintor e desenhador, expôs regularmente até
1 887, data em que, abandonando a pintura, se dedicou ao desenho e à litografia. Anar­
quista e filho de coronel, manifestou um ódio entranhado a certas pers onalidades politi­
cas e militares, em particular a esse açougueiro da COM UNA DE PARIS que tem por
nome Gallifet, que o nosso LEAL DA CÂMARA - amicíssimo de Willette - imortalizou
como no primeiro tomo desta obra se pode ver 23- 1 1 5 .
-

WILLIAM (James) . 1 8 42- 1 9 10. Filó sofo americano, u m dos fundadores d o pragmatismo
- 1 1 6.
ZEPPELIN (Ferdinand, conde VON). 1 838- 1 9 1 7. Aeronauta e industrial alemão, cons­
truiu os grandes dirigíveis conhecidos pelo seu nome - 1 58- 1 8 .

213
ZOL A ( E mile). 1 840- 1902. Escritor francês, natural de Aix-en-Prove nce (a PLASSANS
dos seus romances), filho de um engenheiro italiano. Chefe da Escola naturaÜsta e teórico
do Impressionismo, escreveu "A História de uma Família durante o Segundo Império: LES
ROUGON-MACQUAR"r, digna homenagem à COMÉDIA H U M ANA de Balzac.
Aquando da Questão Dreyfus, foi o principal defensor do acusado inocente, ao publicar no
jornal L' A U RORE um artigo veemente sob o titulo "J'ACCUSE!" (A cuso !). Sabe-se hoje
que Zola, um dos maiores escritores franceses, foi assassinado (tal como será Jaures) por
um antisemita, cató lico e ultranacionalista, membro da A CTION FRANÇAISE, o qual,
durante a noite, servindo-se de material de construção civil (havia obras no prédio), entupiu
a chaminé do fogão do quarto do defensor de Dreyfus. (Ler a este respeito "Bonj our,
mo nsieur Zola" de Armand Lanoux, da A cademia Goncourt, 1 962 - 47-92-208-23-35-
-53- 1 02.
ZU LOAGA (lgnacio). 1 870-1 945 Pintor espanhol - 24.
..

Z U R BA RÁN (Francisco de). 1 598- 1 664. Pintor espanhol, especialista em motivos religio­
sos de uma profunda humanidade -77-94.

2 14
ÍNDICE

Justum e t Tenacem, de Jorge Reis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I

S E G U N D O E X ÍLIO ( 1 927- 1 928) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

A Dem ocracia Francesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9


A Política Religiosa em França . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
H ora d e Lind berg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
Luta d e Classes e d e Partidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
A Crise d a Literatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Con sagração da Loucura .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
A Abadia de S. Denis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
D . Leonor, Pri nce sa de Portugal e I mperatriz de Alemanha . . . . . 37
Nevermore . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
O Museu Bonnat e m Baiona . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Crónica da Q uinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Crónica da Qui nzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Crónica d a Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

T E R C E I R O EXÍLIO ( 1 928- 1 9 3 1 ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Nos Camp os de Batalha da Flandres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Nos Campos de Batalha da Fland res . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Nos Campos de Batalha da Flandres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Nos Campos de Batalhá da Fland res . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . 93

215
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
O ''Pays Basque" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 101
Crónica d a Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 1 05
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 1 09
S. João do Pé da Porta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 13
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 1 17
Eu sou o Mar, tu és a Terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 121
Crónica d a Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 1 29.
As Camélias - Scherzo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 33
O H omem que Matou o Diabo . . . . : .....
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 37
Não, já não sou Católico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 1 45
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 49
Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 53
Certa Manhã de Rosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 1 57
Cró nica da Qui nzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 161
Crónica d a Quinzena - A s cidades Modernas . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 65

Ilustrações de Leal da Câmara

Cronologia S umária de 1 9 1 5 a 1 9 34 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 69
Índice Onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 77

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