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COLEÇÃO DE: ARTES LIBERAIS: VOLUMI7

DIALÉTICA

Apresentação
Instituições Dialéticas
Pedro da Fonseca
Livros la VI
COLEÇÃO DE ARTES LIBERAIS: VOLUME 7

DIALÉTICA

Apresentação
Instituições Dialéticas
Pedro da Fonseca
Livros I a VI
Edição
Mário Lucas Carbonera

Coordenação e Diagramação
Joel Paulo Arosi

Tradução
Joaquim Ferreira Gomes

Arte da Capa
Marina Viana Almeida
Vicente Pessôa

Preparação de Texto
Juan Carlos Diaz

Revisão
Mário Lucas Carbonera
Marcus Porto

Ficha Catalográfica

Instituto Cultural Hugo de São Vitor


Dialética I - Porto Alegre: Instituto Hugo de São Vitor, 2023.
456p.: il.; 16x23cm
ISBN: 978-65-87043-23-4
1. Artes Liberais 2. Dialética
CDD: 370

Direitos da tradução e edição:


Instituto Cultural Hugo de São Vítor
Rua São Manoel, 456/204 - Bairro Rio Branco - Porto Alegre - RS.
CNJP: 22.590.339/0001-28
administrativo@hugodesaovitor.org.br
Sumário
Apresentação das Instituções Dialéticas de Pedro da Fonseca 9
Instituições Dialéticas em Oito Livros. .37
Prefácio da Primeira edição de 1564. 39
Sumário de todos os livros.
Livro I das Instituições Dialéticas.. .45
Capítulo 1 - Da Necessidade, Nomes e Natureza desta Arte. 47
Capítulo I1 - A definição de Dialética tirada dos Tópicos não convém a toda esta arte. 49
Capítulo III - Do objeto da dialética... . 49
Capítulo IV - Dos très modos gerais de discorrer e das três primeiras partes da dialética.. 51
Capitulo V - Da razão por que Aristóteles só tratou expressamente da terceira parte da dialética... .53
Capítulo VI - Das partes desta instituição... 55
Capitulo VII - De que nomes e verbos devemos tratar.... .. 57
Capítulo VIII - Dos sinais formais e instrumentais. .59
Capítulo IX - Dos sinais naturais e convencionais . 61
Capítulo X - Como significam os conceitos, as vozes e a escrita. .. 63
Capítulo XI - Dos conceitos médio e último. .. 65
Capítulo XII - Do nome .. 67
Capitulo XIII - Quais as partes que significam por si, na própria estrutura da voz toda 69
Capítulo XIV - Do Verbo .71
Capítulo XV - Das coisas que se reduzem ao nome e ao verbo... .. 73
Capítulo XVI - Se as vozes não significativas são partes da oração 75
Capítulo XVII - Enumeram-se as várias denominações dos nomes e dos verbos... .... 79
Capítulo XVIII - Qual a razão por que o nome compreende os verbos e todos os restantes categoremas 79
Capítulo XIX - Dos nomes equívocos por acaso. ... 81
Capítulo XX - Dos nomes equívocos intencionalmente ou análogos.. .. 83
Capítulo XXI - Dos nomes unívocos.. .. 85
Capítulo XXII - Comparam-se entre si os equívocos por acaso, os análogos e os unívocos.. . 85
Capítulo XXIII - Dos nomes concreto e abstrato... .. 87
Capítulo XXIV - Dos nomes conotativo e absoluto.. 89
Capítulo XXV - Dos nomes denominativo e denominante.. . 91
Capítulo XXVI - Dos nomes comum e singular....... . 95
Capítulo XXVII - Desfazem-se certas objeções contra a definição de nome comum
.97
Capítulo XXVIII - Dos nomes transcendente e não transcendente 101
Capítulo XXIX - Dos nomes negativo e positivo...... 101
Capítulo XXX - Desfazem-se algumas objeções contra a definição de nome negativo... 103
Capítulo XXXI - Dos nomes repugnantes e não repugnantes... 105
Capítulo XXXII - Dos nomes de primeira e de segunda intenção que também se dizem de primeira e
segunda imposição.. 107
Livro II Das Instituições Dialéticas.. .111
Capítulo I - O que deve tratar-se neste livro e o que é universal 113
Capítulo II - Os universais predicam-se de muitos modos. 115
Capítulo III - O Gênero. 117
Capírulo IV - Da espécic. 119
Capítulo V - Da diferença.. 121
Capirulo VI - Do Próprio.... 123
Capitulo VII - Do Acidente... 127
Capitulo VIII - O que é o Predicamento. 129
Capítulo IX - São dez os predicamentos a que pertencem de algum modo absolutamente todas as coisas,
erceto Deus, que é o Sumo Bem e a Suma Grandeza. . 131
Capitulo X - Da Substância .. 133
Capitulo XI - Da Quantidade 135
Capítulo XII - Da Qualidade.. 137
Capítulo XIII - Da relação. 139
Capítulo XIV - Da ação e da Paixão..... 141
Capirulo XV - O que é onde e estar situado... . 141
Capitulo XVI - O que é Quando e Hábito. 143
Capitulo XVII - Dos opostos 143
Livro III Das Instituições Dialéticas... 149
Capitulo 1 - O que é a oração .. 151
Capítulo II - Das orações perfeitas e imperfeitas 153
Capítulo III - Da enunciação e da sua divisão em simples e conjuntas, e das simples em absolutas e

Capitulo IV - Da qualidade, quantidade e matéria das enunciações absolutas ... 157


Capítulo V - Vários gêneros de enunciações absolutas.. 157
Capítulo VI - Da oposição das enunciações absolutas... 165
Capítulo VII - Da Equipolência das enunciações de inerência. . 169
Capitulo VIII - Da converão das enunciações absolutas.... 171
Capítulo IX - Quantos são os gêneros e as fórmulas de enunciações modais. 173
Capítulo X - Da qualidade, quantidade e matéria das modais. 177
Capítulo XI - Da oposição das modais 181
Capítulo XII - Da Equipolência das enunciações modais. 195
Capítulo XIII - Da Conversão das Enunciações modais... .. 203
Capítulo XIV - Quantos São os Gêneros das Enunciações Conjuntas .. ... 207
Capítulo XV - Da Enunciação condicional... 211
Capítulo XVI - Da enunciação copulativa 215
Capitulo XVII - Da enunciação disjuntiva . 217
Capítulo XVIII - Da oposição contraditória das conjuntas e do modo como se encontram nelas as oposições
. 221
restantes.
Capítulo XIX - Da Oposição contrária e subcontrária das conjuntas e, simultaneamente, das subalternas..

Capirulo XX - Da Oposição das copulativas 227


Capítulo XXI - Da oposição das disjuntivas.. 231
Capítulo XXII - Da Equipolência das conjuntas... . 235
Capítulo XXIII - De algumas enunciações que carecem de exposição 241
Capítulo XXIV - Das enunciações exclusivas.... 241
Capitulo XXV - Da Oposição das exclusivas de sujeito excluído 245
Capítulo XXVI - Das enunciações exceptivas 251
Capítulo XXVII - Das enunciações reduplicativas 255
Livro IV Das Instituições Dialéticas... 259
Capítulo 1 - Da ordem e do modo de tratar as partes da dialética e do que é a divisão.. . 261
Capítulo II - Da distinição da voz múltipla. 261
Capítulo III - Da Partição.. 263
Capítulo IV - Da divisão física do todo essencial ... 265
Capítulo V - Da Divisão metafíscia do todo essencial.. 267
Capítulo VI - Da divisão do todo universal nas partes que abrange 269
Capítulo VII - Reúne-se o número das cinco divisões por si, de que temos tratado, e acrescenta-se um
número precisamente igual de divisões por acidente.... 271
Capítulo VIII - Da divisão do gênero em diferenças e da diferença em diferenças 275
Capitulo IX - Com que fórmula de palavras se devem fazer as divisões. 279
Capítulo X - Primeira regra a respeitar na divisão.. 281
Capítulo XI - Segunda Regra. 283
Capítulo XII - Terceira Regra ... 283
Capítulo XIII - Quarta Regra.. 285
Livro V Das Instituições Dialéticas 291
Capítulo I - Que é a definição... 293
Capítulo II - Da definição do nome.. 295
Capítulo III - Da descrição.. 297
Capítulo IV - Da definição causal 301
Capítulo V - Da definição essencial... 303
Capítulo VI - Nem todas as coisas se definem do mesmo modo. 309
Capítulo VII - Do caminho e da ordem para encontrar uma definição. 311
Capítulo VIII - Do definido.. 315
Capítulo IX - Primeira regra a observar na definição 321
Capítulo X - Segunda regra... 325
Capítulo XI - Terceira regra 327
Capítulo XII - Quarta regra. 327
Capítulo XIII - Outras regras mais que devem observar-se na investigação da definição 329
Livro VI Das Instituições Dialéticas... .333
Capítulo I - Da consequência... 335
Capítulo II - Da consequência boa e viciosa... 337
Capírulo III - Da consequência formal e material.. 339
Capítulo IV - Da consequência necessária e provável.. 345
Capítulo V - Regras gerais das consequências. 347
Capítulo VI - Da argumentação... 353
Capítulo VII - Da invenção e do juízo.... 357
Capítulo VIII - Divisão da argumentação e definição de silogismo simples... 359
Capítulo IX - Da matéria do silogismo.... 363
Capítulo X - Quantos são os termos e as enunciações no silogismo e como se designam 365
Capítulo XI - Da forma ao silogismo. 367
Capítulo XII - Das três figuras dos silogismos e dos modos gerais de concluir .. 369
Capitulo XIII - Quantos os modos de concluir direta ou indiretamente em cada figura . 371
Capítulo XIV - Dos modos de concluir diretamente na primeira figura 373
Capítulo XV - Dos modos de concluir indiretamente... . 375
Capítulo XVI - Dos modos da segunda figura.... ... 379
Capítulo XVII - Dos modos da terceira figura... . 381
Capítulo XVIII - Regras gerais para todas as figuras.. . 383
Capítulo XIX - Regras especiais para cada figura... 385
Capítulo XX - Duas regras gerais dadas pelos modernos . 387
Capítulo XXI - Do silogismo perfeito e imperfeito..... 391
Capítulo XXII - Do silogismo que reduz ao impossível .. 393
Capítulo XXIII - Do silogismo expositório.. . 395
Capítulo XXIV - Por que os silogismos expositórios são perfeitos e por si evidentes. 401
Capítulo XXV - Da prova ostensiva dos silogismos imperfeitos .. 403
Capítulo XXVI - Revela-se a habilidade com que os vocábulos dos modos imperfeitos indicam a prova dos
mesmos. .. 407
Capítulo XXVII - Da prova dos silogismos imperfeitos por redução ao impossível [ou redução ao
absurdo].. 409
Capítulo XXVIII - Da prova dos silogismos imperfeitos por exposição 413
Capítulo XXIX - Dos silogismos modais . 417
Capítulo XXX - Do silogismo de termos em casos oblíquos 419
Capítulo XXXI - De algumas propriedades dos silogismos. 425
Capítulo XXXII - Dos silogismos compostos ou hipotéticos 427
Capítulo XXXIII - Do entimema.. 437
Capítulo XXXIV - Da indução 439
Capítulo XXXV - Do exemplo. 441
Capítulo XXXVI - Comparam-se entre si os quatro gêneros de argumentação. 443
Capítulo XXXVII - Do caminho geral e do método para encontrar o termo médio ou argumento. . 445
Apresentação das Instituções Dialéticas
de Pedro da Fonseca
Institutionum Dialecticarum Libri Octo

Por Marcus Boeira,'

Pedro da Fonseca S.J. (1528-1599) é um dos mais proeminentes


pensadores da chamada segunda escolástica ibérica. Sua obra orbita em torno
dos grandes temas da Lógica e da Metafísica. É chamado de Aristóteles
português, em virtude da lúcida e meditativa fidelidade à obra do estagirita.
No conjunto, é marcante a profundidade analítica e a organização expositiva
que caracterizam seus escritos.
Obviamente, sua obra completa, notadamente as obras destinadas à
Lógica, não podem ser entendidas sem a contextualização necessária que torne
possível o entendimento das posições adotadas pelo autor, como também a
seleção de temas que demarcam suas obras especulativas em geral, e a opera
logicalia em particular. A obra ora traduzida e aqui apresentada não é um
tratado inteiramente desconectado do período e da produção anterior. Antes,
é herdeira do que duranté todo o medievo e renascimento havia sido objeto
de disputas e perquirições analíticas. Em linhas gerais, Pedro da Fonseca
enfrenta temas que já eram usuais para os lógicos dos séculos precedentes,
especialmente os inseridos no terreno da logica modernorum, a lógica típica da
escolástica e do período posterior, característica do ciclo compreendido entre
os séculos XIII e XVII.
A análise do raciocínio e da argumentação é o ponto alto da arte liberal
da lógica, cuja pretensão está em viabilizar ao intelecto o alcance, mediante
1 Marcus Paulo Rycembel Boeira: Professor de Filosofia do Direito e Lógica Jurídica na Faculdade
de Direito da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Doutor e Mestre pela USP. Líder
do Grupo de Pesquisa CNPq Lógica Deôntica, Linguagem e Direito. Visiting scholar na Pontificia
Università Gregoriana- Roma, onde cursou o Pós-doutorado em Filosofia (2020). Pesquisador com ênfase

Co deia de doisa, Filectoria Escula ein, Saica lingua tinas gunda escalembro prima colonial.
Conselho editorial da Revista Communio/Brasil. Membro do Comitê Científico do IBDR (Instituto
Brasileiro de Direito e Religião). Autor dos seguintes livros: "Temas de Lógica deôntica e filosofia do
Direito: a linguagem normativa entre a escolástica ibero-americana e a filosofia analítica", publicado em
2020 pela editora Lumen Juris; e da obra "A Escola de Salamanca e a Fundação constitucional do Brasil",
publicada em 2018 pela editora da Unisinos.

9
Marcus Paulo Rycembel Boeira

os atos da razão, de uma estatura demonstrativa satisfatória, capaz de conferir


valor-de-verdade a uma proposição e tomá-la com grau de certeza dentro
de um silogismo. A análise dos princípios evidentes e indemonstráveis dos
quais partem os raciocínios involucrados no âmbito das ciências, da extensão
do significado dos termos dentro dos enunciados, dos juízos, das proposições,
dos silogismos que articulam termos e proposições segundo regras e dentro
de uma estrutura que estabelece o iter dos discursos e sua condição de
validade segundo os graus de certeza, ora necessária no caso do silogismo
demonstrativo, ora provável no caso do silogismo dialético, constituem alguns
dos pontos salientes que demarcam a parte do corpus aristotelicum destinada à
Lógica formal e à Dialética, e que atravessou os séculos desde a antiguidade-
tardia até a escolástica do barroco. Foi isto o que marcou a quintessência dos
estudos de Lógica por todo o período compreendido entre a idade média e a
modernidade, desde quando Aristóteles definitivamente entrou no Ocidente
até o final do Século XIX com o surgimento da Lógica Simbólica.
Mesmo com as ressalvas levadas a cabo por determinadas autoridades
eclesiásticas na idade média ao avanço do aristotelismo, em especial no que
tange à física e à cosmologia, como resta claro no conjunto das condenações
emitidas em 1270 pelo então Bispo de Paris Etienne Tempier, a Europa,
durante quase todo o século XIII, especialmente no pujante ambiente das
universidades do período, assistiu o crescimento e a expansão dos estudos das
obras do estagirita.
A obra do Filósofo pode ser vista como o grande pavimento sobre o qual
se edificou todo o patrimônio filosófico e teológico do período, e que, além de
seu tempo, demarcou o vocabulário, os limites metodológicos e o conjunto dos
objetos que delinearam a divisão dos saberes até o século XIX. Podemos afirmar
que a obra do estagirita constituiu um autêntico Philosophiae cursus completus
em praticamente todos os centros culturais e universitários do medievo tardio
e do período da contrarreforma, mesmo os que destoavam radicalmente da
teologia nostra dos herdeiros de Tomás de Aquino (1225-1274), como é o caso
da Escola de Padova' e das correntes nominalistas que povoaram os centros de
produção intelectual por toda a Europa.
Apoiadas no Organon de Aristóteles, as obras de autores medievais
como Tomas de Aquino, Guilherme de Ockham (1285-1347) e João Duns
Scotus (1266-1308) promoveram avanço significativo no estudo dos temas
de lógica. Reconhecidas as indubitáveis influências árabes prementes no
Aristóteles que arrombou os celeiros do ocidente latino, ora nos currículos

2 A Scuola di Padova, de grande reputação ao longo do renascimento, destacava-se pelos estudos


de lógica e ciências, tendo uma base fortemente aristotélica. O aristotelismo radical aqui adotado condiz
com uma forma de exegese da obra de Aristóteles desprovida de considerações teológicas, focalizada na
dimensão natural dos saberes.

10
Apresentação

das Universidades, ora nos Colégios de Artes, ou ainda nas studia generalia
(destinada a formação pedagógica dos religiosos), o fato é que a entrada do
Filósofo no medievo ocidental causou uma transformação radical em todas
as áreas do conhecimento humano, não apenas na Lógica, mas também na
filosofia da natureza, na ética e na metafísica.
Aristóteles já figurava no mundo latino desde tempos antigos,
especialmente pelas traduções do Livro das Categorias e do Livro Sobre a
Interpretação, feitas por Mario Vitorino (290-364) e mais tarde por Severino
Boécio (480-525), para quem as traduções de Vitorino, erigidas a partir
das obras de Porfírio (233-305) e que se perderam posteriormente, eram
insuficientes e defeituosas, conforme aduz em seu In Categorias Aristotelis.
Ainda assim, foram as traduções, principalmente do Livro das categorias, o
que de mais conhecido consta a respeito da herança aristotélica, tendo sido
esta mesma a tradução consultada e lida por Agostinho de Hipona, conforme
o próprio autor reconhece nas Confissões IV, 164.
Indiscutivelmente, Boécio foi o primeiro e mais conhecido tradutor de
Aristóteles dentro do universo latino. Durante as invasões bárbaras, uma era
na qual definitivamente o grego deixava de ser uma língua de cariz universal
para tornar-se cada vez menos usual, perdendo a estatura de ser um elo entre
o oriente e o ocidente, função que desempenhou por séculos até a bancarrota
do Império Romano, o latim substituiu paulatinamente a força científica e
literária do grego, invadindo et ab hic et ab hoc os centros de produção cultural
e filosófica. Boécio não tardou em verter para o latim algumas das obras de
Platão e Aristóteles então conhecidas. Do estagirita, traduziu alguns textos de
Lógica, com exceção dos Analíticos, texto que só entrará no Ocidente mais
tarde, com tradução direta do árabe realizada por Gerardo de Cremona (1114-
1187), não sem rivalizar com outras traduções quase contemporâneas feitas
diretamente do grego por Jacopo de Venezia (1128).
Em suma, a Lógica de Aristóteles é por certo o grande ponto de apoio
de todo o desenvolvimento da Lógica na Idade Média e mesmo no período
posterior. Vejamos o que diz De Boni:
"A afirmação de que a Idade Média foi buscar Aristóteles, quando dele precisou,
deixa-se comprovar, caso se examine o que aconteceu com os textos de Lógica. Sabe-se
que Boécio, entre os anos de 510 e 520, ocupou-se com a tradução deles. Pois bem, o
que se conservou, durante mais de 600 anos, foi apenas o que se encontrava na Logica
Vetus, isto é, as Categorias e o Sobre a Interpretação. No entanto, ao se desenvolverem
as escolas, no Século XII, encontraram-se novamente, não se sabe onde, as traduções
dos Primeiros Analíticos, dos Tópicos e dos Elencos Sofisticos. Ficavam faltando

3 BOECIO, Severino. In Categorias Aristotelis. PL 64, c. 160.


4 AGOSTINHO DE HIPONA. Confesiones. 1ª ed. Madrid: BAC, 1986, p. 128 e 129.

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Marcus Paulo Rycembel Boeira

apenas os Analíticos Posteriores, que Tiago de Veneza voltou a traduzir por volta
de 1140. Portanto, quando os debates acadêmicos assim o exigiram, em pouco tempo
dispunha-se novamente da Lógica de Aristóteles na língua utilizada pelas escolas,
e os alunos de Pedro Abelardo, à época da morte do mestre, já manuseavam todos os
livros do Organon".
Independentemente da relevância indelével de Aristóteles no Ocidente
medieval, o autor que decerto desponta como o maior lógico da escolástica da
alta idade média, considerado o divisor de águas entre a Lógica antiga (vetus e
nova) e a Lógica moderna (medieval), é Pedro Hispano (1277).
O desenvolvimento da semântica e da assim denominada lógica das
proprietates terminorum durante os séculos que demarcam a transição da
primeira para a segunda escolástica, período compreendido entre os séculos
XIII e XVI, pavimentou o caminho para o avanço da lógica formal em
seus variados campos, não somente as lógicas proposicional e de predicados
herdadas do próprio Aristóteles e dos megáricos-estóicos, consideradas então
como lógicas clássicas, mas sobretudo a lógica terminística própria deste
momento. A lógica das propriedades de termos pode ser tomada como o tipo
padrão da lógica medieval, o topos em torno do qual orbitaram os grandes
desafios analíticos levados a cabo por autores como Pedro Abelardo (1079-
1142), Guilherme de Shyreswood (1200-1266), Lamberto de Auxerre (1250),
Jean Buridan (1300-1358), Jeronimo Pardo (1500), John Mair (1467-1550),
como também escolásticos posteriores como Domingo de Soto (1494-1560),
João de Santo Tomas (1589-1644) e o próprio Pedro da Fonseca. O rol de
dificuldades planteadas pelos temas que constituem o escopo da lógica das
propriedades terminísticas trouxe uma miríade de problemas adjacentes,
insolúveis dentro das regras e axiomas da lógica formal clássica. A lógica
terminística, mais do que apresentar novos desafios, mostrava ser a única saída
para a solução destas aporias, e desta maneira o motivo pelo qual as resolutiones
obtidas pelos lógicos do período provocaram uma ampliação considerável no
espectro investigativo da logica parva e da ars logica como um todo, tornando-a
não somente uma disciplina a ser estudada no período formativo das artes
liberais do Trivium, mas uma área do saber caracterizada pela complexa rede
de conceitos e definições, ordenadas de modo a conferir ao mundo semântico
uma satisfatória articulação entre o pensamento e a realidade. A lógica
desponta então como campo investigativo apto a qualificar a abstração mental,
aperfeiçoando-a mediante um rigoroso aparato sintático e semântico fulcrado
em um realismo cognoscitivo. Em suma, a lógica passava a ser vista como arte
liberal, como instrumento científico e também como ciência, ou seja, como

5 DE BONI, Luis A. A entrada de Aristóteles no Ocidente Medieval. 1ª ed. Porto Alegre: EST
edições, 2010, р. 29.

12
Apresentação

área do saber constituída sob a égide de certos axiomas e tendente a obtenção


de conclusões mediante raciocínios válidos.
William and Martha Kneale nos dizem que
"a teoria das proprietates terminorum, chamada a ocupar um prominente
lugar na lógica medieval, tomou forma na segunda metade do século XII e parece
ter surgido das discussões de Abelardo e seus contemporâneos acerca da estrutura das
proposições categóricas".
Uma considerável produção de importantes obras de Lógica maior e
menor é um traço constitutivo do período, marcado pelo enfrentamento de
temas próprios da Lógica com acentuada atinência a outros campos paralelos,

comosa predic, a files lada nature isilo de o intermono deta


principal de consulta e emprego didático, não apenas pela força cultural que
passa a ter na alta idade média, mas porque a organização temática que expõe
lançou um autêntico modelo taxonômico para as obras de lógica posteriores.
E, dentre estas obras, emergem as Instituições Dialéticas, cujo sumário pode
ser visto como uma extensão do que já nas Summulae Logicales de Hispano
aparecia de modo mitigado.
A lógica entre os séculos XII e XIII sofreu intensa transformação, se
compararmos com a lógica clássica de Aristóteles e a Lógica proposicional
herdada dos estoicos. No período, uma miríade de teorias lógicas alternativas,
inseridas no contexto da lógica das propriedades de termos despontava com
peculiar qualidade investigativa. A partir da metafísica de João Duns Scotus,
notamos o desenvolvimento da chamada concepção sincrônica de modalidade,
o que provocou radical cambiamento na lógica modal. No âmbito da lógica
terminística nascente, a complexa teoria das entidades lógicas (secundae
intentiones) de Radulphus Brito (1270-1320), por exemplo, acarretava um
novo olhar sobre a semântica, além da já conhecida querela dos universais
protagonizada por autores como Lamberto de Auxerre, Guilherme de
Shyreswood e Pedro Abelardo anteriormente citados. Em suma, são muitos os
assuntos que se incorporam paulatinamente ao rol de temáticas pertencentes
ao estudo da Dialética. Em suma, há estreita coneão na idade média entre
a lógica propriamente dita, e a semântica que a acompanha. Via de regra,
como aponta Pinborg, dois são os problemas que condizem com a semântica
medieval em geral: em primeiro lugar, o esforço conjunto dos autores medievais
por fornecer uma resposta para a temática da conotação, denotação e condição

6 KNEALE, William and Martha. The Development of Logic. 1ed. Oxford: Clarendon, 1984, p. 246.
Tradução livre do autor

13
Marcus Paulo Rycembel Boeira

de verdade dos termos; por fim, as dificuldades de se erigir uma doutrina acerca
da inferência lógica, das condições e das regras que a acompanham'
Note-se que no caso específico da verdade dos termos, o problema
concreto a ser enfrentado é o da função de significar. Atualmente, com Rudolph
Carnap (1891-1970), dizemos que a denotação condiz com a extensão, a função
de significar ou denotar dos nomes. Todavia, os medievais não empregavam a
palavra denotação neste sentido. Antes, o uso da expressão significatio" era
confuso, suscitando dilemas interpretativos e equivocidade semântica. O
problema do significado nos auspícios da lógica das propriedades de termos
dos séculos XII e XIII requer uma investigação adequada sobre a acepção de
"significar" e "significação". As definições de "significare" e "significatio" são
confusas, ora sugerindo o que hoje entenderíamos como conotação de alguma
natureza universal, ou então a denotação de coisas singulares. Dependendo
do autor, do contexto cultural e histórico onde esteja inserido, assim como da
semiótica dentro da qual os termos se situem, teremos tratamentos específicos
sobre o que supõe o verbo significare e o seu substantivo significatio.
Indistintamente, os termos conotam coisas universais e singulares.
Em suma, a semântica subjacente ao modus parisiensis, método de enfrentar
a lógica como uma das ars sermocinales, acarretava inúmeros problemas que
transcendiam o âmbito específico da lógica frente às dificuldades emergidas
com a tensão linguagem-pensamento-realidade, próprias não somente da
lógica como tal, mas também da gnosiologia e da ontologia. A querela dos
universais planteadas desde a antiguidade com o problema da natureza dos
universais, um tema já presente de algum modo em Aristóteles, mas que atinge
seu ápice investigativo no medievo com as disputas arguidas a partir das teses
ontológicas e das interpretações levadas a cabo pelas glosas de Pedro Abelardo à
Porfírio, conhecidas como Logica Ingredientibus"", uma obra indiscutivelmente
voltada para principiantes, mostrava claramente uma opção metodológica
pela tendência de se interpretar a Isagoge de Porfírio pela ótica da lógica dos
universais, onde o miolo da questão está no entendimento do universal como o
que pode ser predicado de muitos, e o singular como o que pode ser predicado
de um, cuja separação se dá pela função que cada classe predicativa ocupa na
lógica proposicional e de termos.
Se, de acordo com Aristóteles, o universal é o que é apto a ser predicado
de muitos, então resta indagar: o que é o universal? É uma res (coisa)? Na
Isagoge, Porfírio apresenta as cinco vozes universais: o gênero, a diferença, a
espécie, o próprio e o acidente. O autor, porém, delimita a abordagem do tema
dentro da lógica clássica, não excedendo os limites semânticos planteados no
Organon. A leitura reificante dos universais só adveio mais tarde, no medievo,

7 PINBORG, Jan. Logica e Semantica nel medioevo. 1ª ed. Torino: Boringhieri, 1984, p. 18 e ss.

14
Apresentação

especialmente pela dúvida acerca da subsistência ontológica dos universais.


Afinal, o universal é uma coisa subsistente ontologicamente ou reside apenas
no intelecto? Três tipos de dificuldades passaram a ser colocadas a partir
disso: (i) primeiramente, se os universais subsistem ontologicamente ou estão
apenas no pensamento? (ii) em segundo lugar, se subsistem corpórea ou
incorporeamente; (iii) por fim, se subsistem separados da matéria sensível ou
se são imanentes à matéria.
A problemática dos universais transportou para a teoria semântica°
inúmeros e novos desafios, em especial ao tempo da escolástica pré-
renascentista, considerada "decadente", sobretudo porque nem Boécio foi
capaz de resolver o enigma deixado por Porfírio quanto a possibilidade de que
o universal pudesse ser visto como incorpóreo subsistente, separado do sensível
ou imanente no sensível. Não há uma resposta definitiva na Isagoge, e embora
Boécio tenha apresentado uma saída dentro de uma dimensão gnosiológica
para o problema, não resolveu definitivamente a questão, o que séculos mais
tarde permitiria uma variedade de posições as mais diversas, de autores como
L. Auxerre, G. Shyreswood e, sobretudo, P. Abelardo. Em Boecio, o universal
é tomado de dois ângulos: como um modo de ser (dimensão ontológica,
subsistente), e um modo de ser conhecido (dimensão gnosiológica, resultado
de um iter cognoscitivo). Autores como Roscelino de Compiègne (1050-1120)
e Guilherme de Champeaux (1070-1121), por sua vez, trarão novos desafios,
ao divergirem parcialmente de Boecio, considerando o universal ora como
uma pura voz, teoria que apresenta uma negação radical da ontologia realista
em razão do caráter fortemente nominalista do autor, ora como identidade
comum de essência entre indivíduos, no caso do segundo.
Por fim, Abelardo aportará para a questão uma resposta segundo a qual
o universal deve ser estudado a partir de três óticas: a dimensão ontológica,
a dimensão gnosiológica, em consonância com a tradição até o seu tempo, e
a dimensão semântica, em que o universal passa a ser visto como signo que
resulta dos aspetos da realidade que possibilitam os processos da alma. O
universal existe como algo, mas não como coisa (res). Logo, alguns atributos
não coisificados convergem para a formação da imagem, que desponta no
intelecto por semelhança com o objeto-real, o que possibilita a constituição
da imagem do universal. Eis a doutrina do "status", a imagem universal: a
semelhança com o objeto real supõe a significação por termos universais. No
fundo, o status corresponde a uma situação coincidente com outras situações
fáticas, permitindo-se assim a formação da imagem universal. A articulação
da semântica com a lógica, aqui, é notável. O dictum do "status" corresponde
à teoria da proposição, que aqui passa a ser vista como expressão linguística
8 BOTTIN, Francisco. Le Antinomie Semantiche nella Logica Medievale. Padova: Antenore, 1976, p.
15 e ss.

15
Marcus Paulo Rycembel Boeira

do status. A proposição, assim, não se refere às coisas, mas às relações entre as


coisas, como elas são captadas e ordenadas entre si.
Sem espaço para dúvidas, Abelardo articulou uma teoria semântica
altamente problemática, mas não menos intrigante e complexa. A recepção
de Aristóteles, mas também de Porfírio e Boécio na escolástica da alta idade
média e mesmo nos séculos posteriores, podem ser vistas como recepções que
causaram dilemas, diferenças de exegese sobre partes das obras lógicas destes
autores, como também extensas disputas quanto ao horizonte semântico dos
termos.
Se, por um lado, a taxonomia das correntes de pensamento a partir
das quais se desenvolveram as teorias semânticas e os tratamentos lógicos
correspondentes desempenha uma função pedagógica de esclarecer os
pontos centrais que circundam o organograma dos temas e teses, por outro
lado pode impedir o acesso do leitor ao originalismo de cada autor, criando
barreiras epistemológicas para o acesso à singularidade das doutrinas e dos
posicionamentos do momento.
Neste sentido, a função denotativa dos termos, o valor sintático-
semântico dos termos categoremáticos e dos termossincategoremáticos,
constitui assunto de fundamental relevância para o adequado entendimento
da semântica das proposições ao tempo da lógica das propriedades de termos.
Dentro disso, outra matéria de proeminência indubitável é a teoria da suppositio,
de acordo com a qual subjaz a acepção de um termo substantivo no lugar
de outro. Como diz Pedro Hispano, a suposição e a significação diferem'. A
significação resulta na imposição da voz para significar alguma coisa; condiz
com o que hoje chamaríamos de sentido, segundo a denominação empregada
por Gottlob Frege (1848-1925)'°. A suposição, por sua vez, é a acepção do
termo enquanto tal, que significa uma coisa em lugar de algo. A teoria da
suposição traz inúmeras dificuldades semânticas, a começar pela própria
divisão metodológica que suscita, conforme se pode ver no VI tratado das
Summulae Logicales.
Como se pode notar, a semântica, um tema incontestavelmente ligado
não só à lógica, senão também à gnosiologia e à filosofia da linguagem, já era
um baluarte dentre as matérias estudadas dentro da lógica em geral, e dentro
da lógica terminística em particular. Se, atualmente, entendemos denotação
como a representação mental do objeto e conotação, a representação do sentido
intersubjetivo do objeto, compartilhado entre sujeitos em uma comunidade, no
medievo estes termos sequer possuíam um uso comum. Assim, o termo é o

9 HISPANO, Pedro. Summulac Logicales (Tractatus- org. L.M. de Rijk). 1ª ed. Utrecht: van gorcum,

1910 PFREGE,
FREGI Gottlob. (1892). Sobre o Sentido e a Referência. In: ALCOFORADO, Paulo (org. e trad.).
Lógica e Filosofia da Linguagem. São Paulo, Cultrix/Edusp, 1978.

16
Apresentação

significante simpliciter, o que aponta para a substância e, sob certo aspecto,


para a qualidade de um objeto. Se atualmente lidamos com as propriedades
conceituais que revestem os enunciados de sentido e referência, atentando para
o objeto e seus atributos, a clássica noção gramatical de sujeito e predicado
era o padrão terminístico a partir do qual a dialética - logica magna- e a lógica
formal - logica parva - se desenvolviam. Não à toa a gramática é tomada como
a primeira das artes liberais do Trivium, sendo então seguida pelo estudo da
dialética.
Entre Prisciano e as Categorias de Aristóteles, o início da Lógica contava
com um complexo aparato sintático-semântico destinado a lidar com (i) os atos
da razão e (ii) a formação das proposições. No primeiro caso, a apreensão, o
juízo e o raciocínio; no segundo, o conceito tal como avaliado pelo juízo e, assim,
sua estatura lógico-proposicional. Os modi significandi ocuparam boa parte
das investigações conduzidas no âmbito da lógica terminística, especialmente
dentro da linha nominalista, em que a função denotativa do nome desponta
como assunto de crucial e decisiva importância para a semântica.
No fundo, o que chamamos por denotação e conotação pode ser visto
aqui como a relação que subsiste entre o termo e o objeto designado por ele,
no primeiro caso, e por isso mesmo condiz com o que R. Carnap toma como
função extensional", pois faz menção ao referente, enquanto a conotação
condiz com a relação entre o termo e seu conteúdo intencional.
No fundo, o desenvolvimento da lógica de "proprietatibus terminorum"
na idade média pode ser visto como um longo processo de esclarecimento e
de solução de inúmeras aporias extraídas da lógica clássica, agora sob o crivo
de uma autêntica investigação analítica sobre os termos, as proposições e,
também, sobre as regras que constituem a inferência lógica e suas condições.
A estrutura do conhecimento científico, a evidência dos primeiros princípios
(a apreensão imediata), a ordem dos raciocínios, a temática do silogismo e
de suas regras, ora para a demonstração, ou ainda para o silogismo dialético,
constituem-se como temas que, já presentes na logica vetus, juntamente com
a lógica proposicional, as categorias e a Interpretação, agora passam a receber
uma carga de novas abordagens, mais atentas às propriedades terminísticas e
centradas em desvendar os horizontes epistemológicos abertos pela semântica
e pelo dilema dos universais.
A lógica medieval, também chamada de logica modernorum, recebe
todo o produto da logica antiquorum - logica vetus e logica nova -, para então
adicionar novos tratamentos correspondentes aos desafios semânticos aludidos.
O vínculo entre a lógica e a ontologia subsistia fortemente. Os conceitos
lógicos produzidos pelo intelecto - entes de razão (de entibus rationis, de secundis

11 CARNAP, Rudolf. Meaning and Necessity. 1ª ed. Chicago: University press, 1988, 266 pgs.

17
Marcus Paulo Rycembel Boeira

intentionibus)- servem (i) para fortalecer a noção formal de método, algo crucial
para a arquitetura dos saberes, não só porque estabelecem a ossatura semiótica
a partir da qual os significados e modelos gnosiológicos revestem os raciocínios
especulativos, como também ordenam os pensamentos em geral com base
em um instrumento cognoscitivo ad alia sciendi instrumenda consequenda;
servem também (ii) para condicionar os raciocínios apodíticos dentro de uma
argumentação coerente e consistente, mesmo no âmbito geral da dialética,
onde o provável tem maior proeminência do que a certeza; (iii) por fim, no
caso especial da demonstração, articulam os princípios evidentes do saber
demonstrativo e os axiomas específicos de cada ciência para então viabilizar, por
meio do silogismo, a persecução de resultados obtidos ao modo de conclusão.
Em suma, logica aristotélica "pura" era agora enriquecida por um cabedal
analítico notoriamente complexo, destinado a elucidar questões não-resolutas
ao tempo da logica vetus. Os lógicos da idade média, ainda que não totalmente
afastados da categoria da "substância", tomada aqui como o vínculo propriamente
dito da lógica com a ontologia, oscilavam entre a fidelidade restrita à doutrina
dos predicamentos e a tendência sutil, mas decisiva, em pôr em evidência os
entes de razão. A profusão investigativa no âmbito da lógica para o ângulo
dos entes de razão não pode ser vista somente como um resultado interno da
corrente nominalista, mas uma projeção do estudo da lógica como um todo
no período. Em outras palavras, a especial atenção dedicada às propriedades
terminísticas conduziram apertis verbis os lógicos do período à produção de
uma robusta filosofia da lógica, em que a linguagem natural era acompanhada
pela perquirição quanto aos atributos metalinguísticos correspondentes aos
termos e predicados constituintes da demonstração.
O foco nas propriedades de termos conduz a outro questionamento
adjacente, relativo a recepção de Aristóteles na alta idade média. Qual
"estagirita" foi recebido na escolástica? A alta idade média pode também
ser vista como um período em que algumas escolas e centros de produção
intelectual promoveram a depuração do aristotelismo de suas reminiscências
assim consideradas "platonizantes", como é o caso do chamado aristotelismo
radical da Escola de Padova'. A distinção crescente entre a ordem lógica e a
ordem do real é já algo presente no nominalismo. Ainda assim, a doutrina da
substância ofertou algumas resistências a estes modelos de desenvolvimento
da lógica terminística, mantendo-a sob o crivo da realidade predicamental.
Foi algo premente nos tratados de lógica até o início da filosofia analítica
contemporânea. De qualquer modo, é certo que o enfoque de alguns lógicos
e dialéticos do espaço de tempo compreendido entre os séculos XIII e XVII
tornou possível o avanço da lógica para além das fronteiras gnosiológicas e

12 POPPI, Antonino. Introduzione all'aristollismo padorano. 1ª ed. Padova: antenore, 1970, 79 pgs.

18
Apresentação
ontológicas, sondando os enigmas subjacentes à semântica em todas as suas
variantes.
Dentro disso, a história da lógica pode ser dividida de acordo com o
modo como Aristóteles foi recebido e absorvido, especialmente os seis livros
do Organon, de onde extraímos uma primeira divisão histórica, separada em
três fases:
Logica vetus
A logica vetus é ainda marcada pelo forte acento neoplatônico e estoico,
como também pela interpretação tardo-antiga dos dois primeiros livros do
Organon: Categorias e Sobre a Interpretação. Além disso, diversas obras latinas
foram produzidas e recepcionadas entre os séculos IV e VI d.C.
Algumas referências bibliográficas utilizadas ao tempo da logica vetus,
que formam o conjunto das obras que a compõem:
1. Apuleio. Peri Hermeneias (Séc. II): Filósofo de inspiração platônica,
tendo escrito "Sobre Platão e sua Doutrina"', obra mais conhecida, foi também
lógico e retórico". Seu Peri Hermeneias é obra dedicada ao estudo da enunciação,
dos termos, das proposições, dos silogismos e da quantidade e qualidade das
proposições.
2. Porfirio. Isagoge et in Aristotelis Categorias Commentarium (Séc. III):
apresenta uma exposição organizada das cinco classes de predicáveis: gênero,
diferença, espécie, próprio e acidente. Durante toda a idade média, foi uma
obra usada como Introdução ao estudo da Lógica.
3. Galeno. Institutio Logical* (Séc. II ou III).
4. Pseudo-Agostinho. Decem Categoriae (Séc. III ou IV). Breve
comentário ao Livro das Categorias, esta obra foi utilizada por Alcuino de
York na organização pedagógica das artes liberais, em especial na sua Dialética.
5. Agostinho. Principia Dialecticae (Séc. IV). Obra de inspiração estóica,
versa sobre os princípios fundamentais da dialética.
6. Marciano Capella. De nuptiis Mercurii et philologiae (Séc. V). Escrita
mui provavelmente em Cartago, esta é uma Enciclopédia pagã, exposta como
sátira menipcia, escrita entre prosa e verso, voltada para a abordagem das artes
liberais. No livro IV, trata da Dialética, do estudo dos termos e do silogismo.

Galen's Reception of Aristotle, in Brill's Companion to the Reception of Aristotle in Antiquity: vol. 7, org.
Andrea Falcon. 1ª ed. London: Brill ed., 2016, pp. 238-257. A recepção de Aristóteles entre neoplatônicos

escrito sobre variados temas, dentre os quais a lógica demonstrativa.

19
Marcus Paulo Rycembel Boeira

7. Isidoro de Sevilha. Etymologiae (Séc. VII). Enciclopédia dedicada


a expor o significado dos termos que compõem áreas diversas do saber
especulativo e prático. Aborda a lógica e a dialética por meio da análise dos
termos.
8. Boécio. Autor do Séc. V que traduziu várias partes do corpus
aristotelicum, além de compilar comentários ao próprio estagirita e investigações
lógicas e filosóficas próprias. Para a lógica, são importantes as seguintes obras:
Introductio ad Syllogismos categoricos, De syllogismis categoricis, De syllogismis
hypotheticis, De divisione, De definitione, De Arithmetica, In Ciceronis Topica
Commentarium, De topicis differentis, Comentários à Isagoge de Porfírio, às
Categorias e Sobre a Interpretação de Aristóteles, como também outras obras
teológicas e filosóficas nas quais a Lógica aparece de modo subjacente.

Logica nova
A logica nova condiz com a recepção dos Analíticos e a teoria aristotélica
pura dos silogismos, motivo pelo qual há aqui uma forte tendência à análise do
método e do raciocínio.
Livros do Organon que constituem a logica nova, traduzidos por Gerardo
de Cremona (1114-1187) e Jacopo de Venezia (+1147), com aperfeiçoamento
de Guilherme de Moerbeke (1215-1286):
1. Analytica priora
2. Analytica posteriora
3. Торіса
4. Sophistici Elenchi

Logica modernorum
Por fim, a logica modernorum corresponde a lógica das propriedades de
termos, uma criação do gênio medieval.
Principais obras que compõem a logica modernorum:
1. Pedro Hispano (1215-1277). Summulae Logicales. Obra dedicada ao
estudo dos temas que formavam a logica antiquorum, além dos temas atinentes
ao estudo das propriedades de termos, como De Suppositione, De copulatione,
De ampliatione, De restrictione, De appellatione, De Syncategorematicis,
De obligationibus, De terminis resolubilibus, exponibilibus, officialibus, de
Insolubilibus, De consequentiis.
2. Guilherme de Shyreswood (1200-1272). Syncategoremata, Insolubilia.
Estudo dos termos sincategoremáticos e categoremáticos.
3. Riccardo Billingham (Séc. XIV). Speculum puerorum sive Terminus
est is quem' e De Significatio Propositionis, escritos destinados à análise das
propriedades de termos e da natureza e significado das proposições.
15 Sobre a relevância da obra de R. Billingham para a logica modernorum, ver MAIERU, Alfonso.

20
Apresentação
4. Jean Buridan (1300-1358). Questiones in duos libros Aristotelis Priorum
Analyticorum, Quaestiones in duos Libros Aristotelis Posteriorum Analyticorum,
Questiones longe super librum Peribermeneias, Summulae de Suppositionibus,
Summulae de Propositionibus, Tractatus de consequentiis, dentre outras obras
lógicas.
A lista aqui explicitada não é taxativa. Outros autores relevantes formam
o contexto histórico da logica modernorum. Porém, os quatro autores salientados
possuem maior relevância em virtude da sólida exposição argumentativa que
qualifica o conjunto de suas respectivas obras, além de terem alcançado maior
notoriedade na posteridade.
Dos quatro autores mencionados, Pedro Hispano é, por certo, o de
maior relevância, seguido por Guilherme de Shyreswood. A obra lógica de
Pedro Hispano pode ser tomada aqui como o miolo central, juntamente com
o Organon de Aristóteles, sobre o qual se edificaram quase todas as obras de
Lógica e Dialética atinentes às propriedades de termos durante os séculos XVI
e XVII, contexto no qual se inserem as Instituições Dialéticas de Pedro da
Fonseca. Recentemente, as obras de Pedro Hispano, como também a de outros
lógicos do medievo foram redescobertas e novamente colocadas em circulação
pelo profícuo e imensurável trabalho muitos autores atuais, os quais se destaca
Lambert Marie de De Rijk, para quem os estudos avançados de lógica
escolástica na atualidade devem uma conta impagável. De Rijk apresentou e
publicou as Summulae Logicales de Hispano, também chamadas de Tractatus,
em uma edição de 1972 caracterizada pela sondagem crítica de Manuscritos
que sobreviveram por séculos, integrantes das 12 partes da obra. Esta edição
perquire com rigor a interpolação dos manuscritos relativos às edições passadas
do Tractatus, apresentando correções e adições ao textol6
Originalmente publicadas com o título Tractatus, as Summulae
Logicales de Hispanus são compostas de 12 livros, divididos em duas grandes
partes: logica antiquorum (logica vetus et logica nova) e logica modernorum
(proprietates terminorum). A logica antiquorum é composta por seis tratados:
I- De introductionibus, II- De predicabilibus, III - De predicamentis, IV- De
sillogismis, V- De locis, VII - De fallaciis. O sétimo tratado antecede o sexto
porque a temática das falácias integra o conjunto de assuntos condizentes com
a logica nova. A logica modernorum é tratada na segunda parte, e composta
com os seguintes tratados: VI- De suppositionibus, VIII- De relativis, IX-

Lo 'Speculum puerorum sive Terminus est in quem' di Riccardo Billingham. Estratto da A Giuseppe Ermini,
Centro italiano di studi sull'alto Medioevo, Spoleto 1970, 297-397. (= Srudia medievalia 3, (ig6g), 297-

393). ramon, wil che .i de The le e Batine Tras in sud Medievs Tae 16 (35), 9-13.
16 DE RIJK, L.M. Prefácio à edição crítica do Tractatus de Petrus Hispanus. In Summulae Logicales, 1ª
ed. Utrecht: Van Gorcum & Comp. B.V. Assen, 1972, p. 1 e ss.

21
Marcus Paulo Rycembel Boeira

De ampliationibus, X- De appellationibus, XI - De restrictionibus e XII- De


distributionibus.
As Summulae Logicales devem ser vistas aqui como um aprofundamento
organizado da lógica formal até o período. Parte das doctrinalia rudimenta, ou
seja, dos livros básicos do Organon de Aristóteles, para então expor a doutrina
do silogismo e das proposições categóricas, hipotéticas e modais. Após, se
dedica ao estudo das propriedades de termos e predicados. A opera magna de
Hispano é, indiscutivelmente, o texto mais conhecido de lógica do período,
juntamente com a Introductiones in Logicam de Guilherme de Shyreswood.
Desempenha duas funções pedagógicas precípuas: a de servir de manual de
lógica para o estudo das artes liberais e, mais tarde, da ratio studiorum; e o de
auxiliar o estudante no aperfeiçoamento dos raciocínios demonstrativos, isto é,
um meio de preparação para o ingresso nas disciplinas científicas.
O trabalho de Rijk é, portanto, de imensurável valor. A tese máxima e o
postulado central de toda lógica do período, de que "ad cuius cognitionem necesse
est cognoscere propositionem. Et quia omnis propositio est ex terminis, necessaria est
termini cognitio" é, aqui, cotejada de modo absoluto.
Outra obra do período, anterior ao próprio Tratado de Hispano, são
as Introductiones in Logicam, acima mencionada. Embora mantenha certas
divergências comparativamente ao Tractatus, a obra, inspirada na tradição de
Oxford coincide em grande medida com a divisão apresentada. O compêndio
do autor, a logica cum sit nostra, apresenta algumas temáticas especiais, como
o livro de universalibus, de locis dialeticis, e dos termos e das propriedades
de termos, onde tece uma análise rigorosa da cópula na ligação dos termos
dentro das proposições - copulatio-, do nomen appellativum correspondente a
designação de um termo aplicável a coisas diversas por ele abarcadas, a saber,
a appellatio na posição predicativa dos termos, além de outras propriedades
terminísticas altamente relevantes. Mas acima de todas, estão a significatio
e a suppositio, em que o significado condiz com o sentido de expressão ou
o modo de apresentação de uma determinada forma, enquanto a suposição
indica a supra ordenação de um pensamento a outro, de modo que todos os
termos - dictiones substantivae - possuem suposição enquanto conformam-
se ao papel dos substantivos como sujeitos ou predicados das proposições.
Ainda que exista um extenso debate no período sobre o ofício predicativo
que uma substância pode sofrer quando o uso do termo no predicado acarreta
dificuldades semânticas para o emprego da suposição, o fato é que a suppositio,
para Shyreswood, pode ser entendida como a alusão a um indivíduo cuja forma
é significada por um termo - res deferens formam significatam per nomen".

17 Há muita discussão entre os comentaristas de Guilherme de Shyreswood sobre o problema


metafórico de sua teoria da suposição. Neste sentido, ver SHERWOOD'S William of. Introduction to
Logic. Trad. Norman Kretzmann. 1°ed. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1966, p. 105 e ss. Ver

22
Apresentação

A teoria da suposição de Shyreswood apresenta algumas dificuldades


e uma classificação primária notadamente primitiva, que irá reaparecer
ulteriormente, entre suposição material e suposição formal, dentro da qual
aparecem novos problemas semânticos, como é o caso da suposição pessoal, que
pode ser determinada ou confusa, ou ainda a questão dos tratamentos distintos
para o verbo supponere, que pode ser tomado como intransitivo ou transitivo. De
qualquer modo, é sabido que nos autores posteriores, como o próprio Hispano,
a teoria da suppositio recebeu tratamentos diversos e variadas classificações
em tipos distintos de suposição. Mas uma definição compartilhada entre os
autores pode ser a seguinte: suposição é "acceptio termini substantivi pro aliquo",
a saber, a "acepção do termo substantivo em lugar de algo", onde se põe uma
coisa no lugar de outra, um termo substantivo por outro. Suposição implica,
assim, em uma substituição entre termos: supponere aliquid pro aliquo'.
Quando atentamos para o objeto propriamente dito da lógica nos
períodos históricos desde a idade antiga até a era moderna, somos impelidos a
observar não apenas o modo como Aristóteles foi recebido em cada momento,
senão também para a forma como, dentro de cada fase, as partes do Organon
foram desdobradas e analiticamente divididas, tendo em vista uma depuração
taxonômica mais ampla e complexa.
Neste sentido, para fins didáticos e inspirados na classificação oferecida
por Jan Pinborg"',", separamos em cinco as fases que compõem a história da
lógica clássica, dividida entre a logica antiquorum (vetus e nova) e modernorum:
1ª fase: da antiguidade tardia até 1100
Recepção gradual de Aristóteles no Ocidente latino, por meio das
traduções de Mario Vittorino e Severino Boécio.
Isagoge de Porfírio e Comentários de Boécio a Lógica de Aristóteles.
Predomínio da Logica vetus: Livro das Categorias e Livro Sobre a
Interpretação.
Obras de Cassiodoro, Isidoro, Marciano Capella, Gerberto d'Aurillac e
Abbone di Fleury, este último em destaque, por virtude do extenso tratamento
que conferiu aos escritos de Boécio.
Séc. X: Gerberto d'Aurillac, Abbone di Fleury
Séc. XI: Garlando Compotista, Anselmo di Canterbury (x-1109)

também BOEHNER, Philoteus. Medieval Logic. An Outline of its development from 1250 to 1400. 1ª ed.
Chicago: University Press, 1952; BOCHENSKI, I. History of Formal Logic. 1ª ed. Notre Dame: Universit
Press, 1961; KNEALE, William and Martha. The Development of Logic, op.cit., p. 235 e ss.
18 HISPANO, Pedro. Summulae Logicales. Traduzido e editado por L.M. De Rijk. 1ª ed. Utrecht: Van
Gorcum, 1972, p. 80.
19 PINBORG, Jan. Logica e semantica nel medioevo. Op. Cit., p. 24 e ss. Pinborg classificou a história
da lógica clássica em quatro fases. Adicionamos a última, tendo em vista a análise que empreendemos
sobre a lógica na escolástica do barroco.

23
Marcus Paulo Rycembel Boeira

2ª fase: a primeira escolástica, do ano 1100 ao ano 1230


A logica vetus já é amplamente estudada nas escolas catedráticas,nas
nascentes universidades e nos studia generalia.

Crescimento paulatino da logica nova, sobretudo em razão da Entrada


de outros escritos de Aristóteles no Ocidente, como os Analíticos primeiros
e posteriores. Embora a Tópica já tivesse presente no ocidente latino desde o
período anterior, é aqui que a Tópica ganha maior proeminência, em especial
nas escolas que se espalham pelo norte da Itália.
Com o tempo, a logica nova ganha popularidade, em especial pela
atenção conferida às regras e a doutrina da demonstração, tomadas aqui como
metodologia de base para o raciocínio e a argumentação.
A partir de então, se inicia também a lógica das propriedades de termos
- logica modernorum-, especialmente pelas obras dos autores já mencionados
anteriormente. Além dos problemas já presentes na logica vetus e na logica
nova, os novos desafios semióticos suscitam novas sendas para o repertório
analítico dos autores que aqui despontam. Entre 1230 e 1250 se desenvolve de
rigor a lógica moderna como tal.
Séc. XII: Pedro Abelardo (1079-1142), Adam Parvipontano (1105-
1180), Alberico di Reims (1085-1141), Gilberto di Poitiers (1080-1154).
3ª fase: a média escolástica, do ano 1230 até o ano 1300
Nesta terceira fase assistimos o desenvolvimento e a expansão da lógica
das propriedades de termos por todo o orbe europeu. Além de arte liberal,
alguns autores afirmam expressamente o caráter científico da lógica: "ars
artium scientia scientiarum", como Guilherme de Shyreswood?°, Roger Bacon?,
Lamberto de Auxerrez e (1215-1279)2, algo que também aparece em um
dos textos mais importantes do período: Dialectica Monacensis, de autoria
incerta. Também, nas Summulae Logicales de Hispano a definição da Lógica
como arte e como ciência aparece de modo mitigado.
Além disso, algumas traduções de textos da logica nova são confeccionadas,
especialmente dos dois Analíticos. Há, aqui, rudimentos investigativos sobre a

20 William of Sherwood, Introduction to Logic, translatd with an introduction and notes by Norman
Kretzmann, op.cit., p. 21 c ss.
21 Roger Bacon, The Art and Science of Logic, translated by Thomas S. Maloney (Toronto: Pontifical
Institute of Mediaeval Studies, 2009), p. 4 c ss.
22 Lambert of Auxerre, Logica or Summa Lamberti, translated with notes and introduction by
Thomas S. Maloncy (Notre Dame Indiana: University of Notre Dame Press, 2015), p. 2 e ss.
23 Robert Kilwardby. De ortu scientiarum, ed. A. Judy. Oxford: Oxford University Press for the

Beth Academn.
r, in N.AKretzmann
sean of &stem pa be
E. Stump tralted
(ed.), as TanNature
The Cambridge of Logic:
Translations Dialectic
of Medieval and
Philosophical
Texts, Cambridge: Cambridge University Press, 1989, p. 1 e ss.
24 Anônimo. Dialectica Monacensis ed. L.M. De Rijk, in L.M. De Rijk, Logica Modernorum: a
contribution to the history of early terminist logic Vol.2 Part 2: The origin and carly development of the
theory of supposition (Assen: Van Gorcum, 1967), 462,12.

24
Apresentação

natureza e o objeto das ciências, o método, a invariabilidade dos pressupostos


axiomáticos das ciências dedutivas, como também o objeto próprio da lógica e
de sua articulação com a ontologia.
A temática da suppositio ganha muito terreno nesta fase. Também, o
problema psicológico da lógica, como também os desafios gnosiológicos
relativos à formação dos conceitos. A lógica terminística reinou impavidamente
neste período, em sintonia com os dilemas próprios da linguagem, mas
fortemente ancorada na doutrina dos predicamentos.
E digno de nota que nesta fase Rodolfo Brito (1300) tenha elaborado
uma intrincada teoria explicativa sobre os entes de razão e a função lógica que
desempenham nos raciocínios.
Séc. XIII: Pedro Hispano (1230), Guilherme de Shyreswood (1249),
Lamberto de Auxerre (1250), Roberto Kilwardby (1279), Roger Bacon (1215-
1294), Tomas de Aquino (1225-1274), Boecio de Dacia (1270), Henrique
de Gand (1270), Rodolfo Brito (1300), Siger de Courtrai (1300), Simão de
Faversham (1300), João Duns Scotus (1265-1308), Riccardo Billingham (Séc.
XIV), Jean Buridan (1300-1358).
4ª fase: a escolástica decadente, do ano 1300 até o ano 1500
Uma ressalva primeva: Pinborg fixa a data final desta fase no ano
1450. Tomaremos a liberdade de estender o final da escolástica decadente
até o ano 1500. Nesta fase, a lógica liberta-se da ontologia. Para uma grande
quantidade de autores, não depende mais da doutrina da substância, tampouco
corresponde à estrutura predicamental da realidade. Antes, ocupa-se com as
leis do pensamento, com os objetos produzidos pelo intelecto. E uma era de
quase predomínio do nominalismo, cujo sopesamento se dava pela força do
tomismo em alguns centros de pesquisa e de produção intelectual.
Dentro deste contexto, assiste-se a inserção crescente da logica nova
dentro dos temas que compõem a lógica terminística.
Séc. XIV: Hervaeus Natalis
5ª fase: Escolástica ibero-americana (1500-1750)
Pinborg assim classificou as fases da história da Lógica no contexto
medieval. Ousamos ofertar uma quinta fase, no sentido de abarcar os resultados
- no âmbito interno da lógica- do que podemos chamar de movimento da
contrarreforma. A chamada escolástica tardia, também chamada de escolástica
ibérica, escolástica ibero-americana (em virtude da produção levada a cabo no
novo mundo), escolástica barroca, segunda escolástica ou mesmo Escola de
Salamanca, dado o predomínio da Universidade de Salamanca na concepção
e geração de inúmeros intelectuais pertencentes a esta nova escolástica,
corresponde ao resgate promovido por certos teólogos católicos ante as

25
Marcus Paulo Rycembel Boeira

novidades advindas com a era moderna, como a formação do Estado moderno,


a reforma protestante e a contrarreforma católica, o Concílio de Trento,
o encontro entre a Europa e as Américas, o desenvolvimento do comércio
internacional e a expansão do direito das gentes.
O movimento cultural do siglo de oro dos séculos XVI e XVII, de grande
repercussão nas Universidades de Espanha e Portugal, representa o período
áureo para o desenvolvimento dos saberes na Península Ibérica e também
no novo mundo. O tour de force desta nova escolástica consistiu em resgatar,
reavaliar e reintroduzir na cultura universitária os autores da escolástica da alta
idade média, especialmente João Duns Scotus, Tomas de Aquino, Guilherme
de Ockham (1285-1347), Boaventura de Buonareggio (1221-1274), Alberto
Magno (1280), Henrique de Gand (1217-1293), dentre outros, com o fito
de abordar os novos horizontes advindos com a modernidade a partir dos
princípios e postulados metodológicos da primeira escolástica, alinhavando um
certo tratamento homogêneo para os mesmos problemas, não sem conservar as
inúmeras diferenças internas existentes. Na lógica, a produção intelectual não
pode ser vista como uma mera repetição dos escritos de Aristóteles e Pedro
Hispano. Antes, representa um esforço coletivo de discernimento sobre temas
complexos da lógica terminística e da epistemologia que lhe é subjacente.
Tanto na Europa como na América, o período da contrarreforma assistiu
o restabelecimento do estilo, dos padrões aporéticos e do gênio escolástico
que eram usuais nos séculos XIII e XIV. As questões disputadas, as questões
quodlibetatis, as sumas, os livros de sentenças, enfim, todos os gêneros literários
normalmente confeccionados no medievo traziam temas e perspectivas
apodíticas assaz complexas, fortemente especulativas, obras tais destinadas
a resolver problemas ínsitos a cada área do saber. Na teologia, na filosofia
primeira, na ética, na política, no direito, em suma, em todas as ciências, o ardor
investigativo conduzia cada autor a solver os dilemas próprios de cada questão
ao modus parisiensis, empregando para tal o método da expositio, atinente a um
modelo de argumentação que, partindo de axiomas gerais e princípios próprios
de cada ciência, desenvolvia uma variedade de raciocínios através do emprego
de postulados e proposições, tendo em vista uma conclusão.
Este método expositivo permaneceu em vigor mesmo durante a
escolástica decadente, recebendo novos modelos de argumentação no barroco.
Aqui, o restabelecimento da escolástica partia de axiomas e princípios
compartilhados com os autores do medievo. Porém, visava enfrentar,
diagnosticar e ofertar respostas para problemas próprios da era moderna. Os
métodos expositivos usuais no siglo de oro eram muito variados, mas todos
convergiam para fornecer ao pensamento especulativo um rigor analítico
suficientemente capaz de alcançar níveis profundos de reflexão filosófica. O

26
Apresentação

espírito investigativo do momento é notório, não só no âmbito teológico e


metafísico, como também no campo das ciências práticas e naturais.
Quod erat demonstrandum, nos pátios internos da lógica assistiu-se ao
tempo da escolástica tardia um renovado apreço pela lógica de Aristóteles,
a "lógica pura". Promoveu-se o desenvolvimento da lógica terminística, com
diversas acepções para os temas que integram a logica modernorum, como as
teorias da suposição e da ampliação, a lógica de quantificação que, embora
seja uma conquista da passagem do século XIII para o século XIV, ganha aqui
maior popularidade, atenção e espaço nos tratados de lógica e dialética, como
também a lógica modal e a complexa teoria semântica que a acompanha, em
suma, um tempo de grandes conquistas para a Dialética como arte e como área
do saber.
Também aqui se desenvolvem maiores conexões entre a lógica e a filosofia
da linguagem, especialmente mediante os tratados de semiótica que pululam
entre Salamanca e Coimbra, notadamente a partir dos comentários aos Livros
de Sentenças de Pedro Lombardo (1100-1160), onde situam-se investigações
diversas acerca do signo, e que se estendem para tratamentos mais rigorosos
no âmbito da gnosiologia e da significação. Autores como Domingo de Soto
(1494-1560) e João de Santo Tomas (1589-1644) exploram não apenas as
Summulae Logicales do grande Pedro Hispano, mas também investem seus
esforços analíticos para diagnosticar a relevância do signo para o pensamento e
para a lógica, escrevendo cada qual um tratado sobre o assunto.
No caso específico de Portugal, o cursus conimbricensis é o testemunho
vivo do tipo de educação que ornamentava os colégios de artes e as universidades
ao tempo da contrarreforma. Vejamos o que diz Meirinhos:
"o período de esplendor e de maior criatividade da filosofia medieval em
Portugal ocorrerá já no período moderno com a segunda escolástica (séc. XVI-XVII),
após o reinado de D. João III e a reforma da Universidade. A este movimento está
ligado o dinamismo contra-reformista dos jesuítas, nomeadamente nas Universidades
de Coimbra e de Évora, destacando-se no final do século XVI a obra coletiva Curso
Conimbricense (essencialmente uma série de comentários sobre as obras de Aristóteles).
Pedro da Fonseca, lógico e metafísico, está indissociavelmente ligado a esta realização,
que teria notável difusão na Europa. No período que Portugal e Espanha eram um
só reino, espanhóis como Luis de Molina (1535-1600) e Francisco Suarez (1548-
1617) ensinaram também naquelas universidades"25

Também no novo mundo a extraordinária produção intelectual dos


teólogos que marcaram os inícios das universidades no México e no Perú
25 MEIRINHOS, José Francisco. Introdução, in Estudos de Filosofia Medieval. 1ª ed. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2007, p. 9. Ver também CALAFATE, Pedro (org). História do pensamento filosófico português,
vol. II: Renascimento e Contra-Reforma. 2ª ed. Lisboa: Círculo de Leitores, 2002.

27
Marcus Paulo Rycembel Boeira

trazia uma plêiade de novas análises acerca dos temas fundamentais da logica
modernorum. Autores como Fr. Alonso de Vera Cruz (1509-1584), Antonio
Rubio (1548-1615), Juan de Espinosa Medrano (1632-1688), Diego de
Avendãno (1594-1698), dentre outros, enfrentaram aspectos atinentes à
Lógica e à gnosiologia que os faziam rivalizar em profundidade com mestres
da península ibérica como Domingo de Soto, Francisco de Toledo (1532-
1596), João de Santo Tomas e Benito Pereyra (1535-1610)26
Sob vários aspectos, a produção de escritos de Lógica e Dialética no
México, no Perú e mais tarde em outras partes da América equiparou-se ao
conjunto das obras fermentadas no mesmo período do outro lado do Atlântico.
Se no velho mundo os lógicos tinham a vantagem do acesso aos manuscritos e
as obras compiladas e disponibilizadas pelas grandes universidades da Europa
como Paris, Salamanca, Coimbra, ou mesmo nas escolas de cada ordem
religiosa como é o caso dos Colégios de Artes da Companhia de Jesus, cujo
maior exemplo é o Collegio Romano, os lógicos do novo mundo conduziam
esta arte liberal para continentes cada vez mais longínquos, tateando a divisão
das ciências e ampliando consideravelmente as conexões entre a lógica e a
semântica.
É neste contexto que desponta com proeminência impar o Aristóteles
português. Pedro da Fonseca escreve um portentoso Tratado de Lógica,
intitulado: "Institutionum Dialecticarum Libri Octo", Instituições Dialéticas em
oito livros.

Pedro da Fonseca e as instituições Dialéticas


Pedro da Fonseca nasceu em Cortiçada, Província de Beira, em Portugal,
no ano de 1528. Até os 14 anos, viveu e foi criado na casa do pai, onde aprendeu
latim. Depois, vivendo um tempo na casa de um fidalgo, foi para Coimbra,
onde efetivamente iniciou sua vida de estudos em artes liberais. Entrou para a
Sociedade de Jesus em 17 de março de 1548, com 20 anos de idade. Após passar
um tempo entre Minho e Évora, instalou-se definitivamente em Coimbra em
1552.
Em Coimbra, após ter estudado artes liberais e humanidades, disciplinas
que habilitavam o estudante ao ingresso nos cursos superiores como Direito
e Teologia, dedica-se, então, à Teologia, tendo no mesmo ano de 1552
lecionado Filosofia no mesmo Colégio de Artes de Coimbra onde já estava.
Em 1555, o antigo Colégio era entregue ao domínio da Companhia de Jesus
por ordem do Rei D. João III, um acontecimento de absoluta importância
26 Um interessante panorama da Lógica no período é apresentado por ASHWORTH, E. Jennifer.
Jesuit Logic (Chapter 4), in Jesuit Philosophy on the Eve of Modernity, Series: Jesuit Studies, Volume: 20
(org. Cristiano Casalini). Leiden: Brill Publish., 2019, pp. 95-114.

28
Apresentação

para o desenvolvimento da Filosofia em Portugal. Neste ano, Pedro da Fonseca


torna-se Mestre de Filosofia do Colégio. Sua grande sapiência e a exímia
exposição dos temas da Metafísica que empreendia nas aulas do Collegio logo
o transformam em autor e docente popularmente conhecido, em virtude de sua
grande erudição e capacidade especulativa.
A ótima reputação obtida dentre os círculos intelectuais europeus,
especialmente dentro da Companhia, fez do autor um intelectual de
proeminente notabilidade. Entre 1555 e 1561, recebeu o apelido de
Aristóteles português, face o extraordinário conhecimento que tinha do corpus
aristotelicum como um todo. Em 1561, o Pe. Jeronimo Nadal visita Portugal
e solicita ao Pe. Fonseca e aos outros mestres do colégio a confecção do curso
conimbricense, de fundamental importância para as lectiones no Colégio de
Artes de Coimbra. O resultado final deste trabalho conjunto só seria obtido
algum tempo depois, quando Fonseca já não estava mais na direção intelectual
do projeto. Ainda assim, é indubitável que sua participação foi não só decisiva,
como indispensável para a modelagem do cursus. Em 1564 se dirige a Evora
para ministrar Teologia Especulativa, onde permanece até 1566 e, segundo
consta nos arquivos da Companhia, desde esta data já ensinava a Ciência
Média, o que resta objeto de dúvida, vez que Luis de Molina reivindica para
si a primogenitura no tratamento desta disciplina?. No ano seguinte, volta a
Coimbra para exercer o cargo de Reitor do Colégio de Artes, aí permanecendo
até 1569. Em 1570, obtém o título de Doutor em Évora. Em 1572, se dirige a
Roma. Em 1581 é escolhido pelo então General da Companhia, o Pe. Claudio
Acquaviva, para compor uma comissão responsável pela elaboração de um
manual de estudos, qual viria a ser - mais tarde- a ratio studiorum. Todavia,
esta comissão foi desfeita e a ratio, como passou a ser chamada depois, foi
elaborada por outro grupo de intelectuais da Companhia. Em 1582, assume
cargos administrativos, especialmente o de preposito da Casa de São Roque, e
de 1589 a 1592, passa a desempenhar a função de Visitador da Província de
São Roque. Em 1593, retorna a Roma, como delegado de Portugal na Quinta
Congregação Geral da Companhia, regressando posteriormente para Portugal.
Era personalidade de grande reputação moral e intelectual em todo o orbe
católico, admirado e estimado pelo Rei Filipe II, pela Infanta D. Maria e pelo
Papa Gregório XIII. Faleceu em 1599, sepultado em São Roque de Lisboa.

27 FRANCO, António. Imagem da Virtude em O Noviciado da Companhia de Jesus do Real Collegio


de Coimbra, Tomo I. Évora: 1719, p. 394. Sobre a disputa pela reivindicação da ciência média no âmbito

mar/1955, pp. 64-77.

29
Marcus Paulo Rycembel Boeira

A despeito das atribuições administrativas que assumiu ao longo da


vida eclesiástica, Pedro da Fonseca S.J. produziu um Corpus monumental de
Filosofia, marcado pela profundidade investigativa e aguçado sabor analítico.

As principais obras de Pedro da Fonseca são28:


1. Institutionum Dialecticarum libri octo, de 1564.
2. Commentariorum in Libros Metaphysicorum Aristotelis Stagiritae, de
1577, com uma reedição em Roma, em 1589. Texto que demarca o gênio
metafísico do autor.
3. Isagoge Philosophica, de 1591, texto de Introdução às Categorias,
confeccionado para os alunos, onde Fonseca aborda a questão dos universais e das
classes de predicáveis, em sintonia com Aristóteles e Porfírio. Posteriormente,
foi publicado por diversas vezes em conjunto com as Instituições.
As Instituições Dialéticas podem ser vistas como uma expositio de
Lógica, radicada no gênio de Aristóteles e extensiva aos problemas intestinos
da logica modernorum. Aí reside a base que levou Fonseca a publicar esta obra
monumental. A expansão da obra por todo o orbe europeu e mesmo nos
primeiros colégios da Companhia no novo mundo é salutar. M. Capri nos diz
que antes dos Comentários à Metafísica de Aristóteles, "egli aveva già mostrato
Le sue qualità intellettuali allorchè nel 1564, a Lisbona, veniva data alle stampe
la prima edizione dei suoi Institutionum Dialecticarum Libri Octo, dove aveva
riassunto ed integrato con gli avanzamenti della logica scolastica, l'intero Organon
di Aristotele. Il suo testo conobbe una grande diffusione, soppiantando le Summulae
Logicales di Pietro Hispano come libro di Logica nelle maggiori università del
tempo"9
Os paralelos com Pedro Hispano são enormes. Primeiro, porque ambos
são portugueses. Em segundo lugar, por conta do fato de que ambos estão
inseridos na escolástica, o primeiro na da alta idade média, enquanto o segundo,
naquela do barroco. Por fim, porque as Summulae Logicales do primeiro é o
texto de lógica mais importante da primeira escolástica, ao passo que os oito
livros das Instituições podem ser vistos como a obra lógica de maior circulação
no escolasticismo da contrarreforma.
Afirma Manuel Patrício que após ter realizado o doutoramento em
Evora, Fonseca lá lecionou por quinze meses, e que "na linha de Pedro Hispano
e Pedro Margalho, realizou um esforço notabilíssimo para continuar o magistério
lógico de Pedro Hispano, mestre de Lógica de toda a Europa na 1ª Escolástica. As

28 São a obras publicadas em vida. Importante notar que as três obras aqui elencadas tiveram muitas
edições ao longo dos séculos XVI e XVII.
29 CAPRI, Marco. La Metafisica Annotata e Dubitata. 1ed. Roma: Analecta Gregoriana/Pontificia
Università Gregoriana, Gregorian and Biblical Press, 2020, p. 178.

30
Apresentação

Instituições Dialéticas, a que devemos associar a Isagoge Filosófica, representam um


esforço de clarificação e renovação da Lógica escolástica do mais alto mérito (...)"30.
Foi, como se vê, um continuador do que Pedro Hispano já havia
empreendido séculos antes. Mas, sobretudo, de Aristóteles, de onde extraí
praticamente todos os axiomas inferenciais do tratado, articulados sob
a vigilância, quando possível, do espírito do estagirita. Não se pode acusá-
lo, todavia, de um mero repetidor de Aristóteles. Fonseca resguarda uma
originalidade que lhe é característica, não só pelo avanço em diversas searas
do pensamento lógico, como também na Metafísica. Uma das marcas
características de suas aulas e que aparece no cursus conimbricensis a partir de
1592 é decerto o papel proeminente que a lógica ocupa, paralelamente à física
e à ética, na constituição dos saberes científicos. A recepção do patrimônio
aristotélico na escolástica era novamente colocada sub judice pela atenta visão
intelectual dos mestres da Companhia, dos quais Fonseca se destaca pelo gênio
especulativo e pela clareza expositiva.
Por certo, as diferenças existentes entre a primeira e a segunda
escolásticas quanto a arquitetura dos saberes é notável. Se para Tomas de
Aquino, por exemplo, a filosofia era uma serva da teologia - philosophia ancilla
theologiae-, para Fonseca, como também para muitos autores de seu tempo, a
filosofia é omnium scientiarum domina, não restando subordinada a nenhuma
outra ciência, nem mesmo à teologia.
Dentro disso, a opera omnia de Fonseca pode ser entendida como um
esforço especulativo de alta monta, originado nas anotações e glosas às obras
de Aristóteles, que serviram de textos-base para as aulas do maestro em
Coimbra e Évora, para então receber um aperfeiçoamento progressivo, cujo
resultado são as obras mencionadas. O estilo é claramente expositivo, com
especial apreço pela taxonomia dos temas. No caso específico das Instituições,
o âmbito focal está em explorar metodologicamente os temas que compõem
o Organon aristotélico, aprofundando-os e os expondo monograficamente em
cada um dos oito livros, formando assim um corpo estrutural e organizado.
São designadas como Instituições em virtude dos institutos fundamentais da
Dialética, que aqui são tratados ao modo expositivo, partindo-se do geral para
então se adentrar nas especificidades temáticas desta arte liberal.
Se as Lectiones e as Relectiones constituíam os gêneros literários usuais
em Salamanca, em Coimbra as lectiones convergiram para a formação do
curso conimbricense, que aqui pode ser visto como uma exposição sumária de
cânones das artes liberais, das ciências e dos fundamentos da filosofia primeira,
articulando proposições e soluções ancoradas nos clássicos da filosofia e

30 PATRICIO, Manuel F. Pedro da Fonseca e a Universidade de Évora, in Revue (Revista da


Universidade de Evora), ano VII, n° 10-11, abril/2009, pp. 28-41.

31
Marcus Paulo Rycembel Boeira

da teologia escolástica, não ocultando eventuais apontamentos de autores


excedentes do circuito católico predominante.
No caso específico das Instituições, Fonseca verte os alicerces da
Dialética para os pontos do tratado, os enfrentando com a argucia intelectual
e sob a direção do mestre Aristóteles, o gênio universal que repousa sobre todo
o patrimônio investigativo desde a antiguidade até o barroco. Dado o caráter
didático e a exposição altamente pedagógica das Instituições, nos diz Ferreira
Gomes que
"de toda as obras produzidas pela Segunda Escolástica, as Instituições
Dialéticas foram, sem dúvida, das que mais rápida e larga difusão obtiveram. As
suas qualidades didácticas impuseram-nas na maioria das Universidades Europeias.
A história editorial deste livro constitui um dos mais seguros argumentos da sua
projeção e influência. Em pouco mais de meio século, foram feitas, pelo menos, 53
edições"
Na sequência da passagem citada, Ferreira Gomes elenca todas as 53
referências às edições publicadas. Entre Roma, Paris, Colonia e Venezia, a obra
foi difundida por todo o continente europeu.
Na Companhia, o estudo de Aristóteles era desde o início uma exigência
pedagógica. Se Tomas de Aquino era o farol dos estudos teológicos, o estagirita
emergia como a autoridade filosófica par excellence nos colégios de artes, de
leitura obrigatória para todos os estudantes. As dificuldades presentes no
Organon passaram a ser, com a difusão das Instituições, sopesadas pela clareza
expositiva e organização material tão notáveis no Tratado, tomado aqui como
um baluarte na restauração do estudo aristotélico ao tempo da escolástica do
barroco.
A adesão quase majoritária ao Organon é premente. As doutrinas
apresentadas por Fonseca, no entanto, não se limitam a subscrever os seis livros
da obra do estagirita, senão cotejar, multa paucis'", a doutrina da demonstração
e dos tópicos com as contribuições dos lógicos posteriores. A confusão dos
termos Lógica e Dialética é persistente nas Instituições. Fonseca, como
muitos autores contemporâneos seus, trata ambas as expressões de forma
simultânea ao empregar a palavra Dialética para lidar com todos os tipos de
silogismos. Ainda assim, autor é consciente de que ambas tratam de partes
distintas da mesma disciplina, pois assume, logo no cap. 2 do primeiro Livro,
que a definição de Dialética tirada dos Tópicos não convém a toda esta arte,
conforme a seguir:

31 FERREIRA GOMES, Joaquim. Texto introdutório às Instituições Dialéticas, tradução de 1964.


1ª ed. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1964, p. XXXV.
32 Op.cit., p. XLVI.
33 Muitas coisas em poucas palavras.

32
Apresentação

"Dialética é o método ou arte de raciocinar, a partir de coisas prováveis,


acerca de qualquer questão proposta. Atalhar-se-á, todavia, não ser intenção
de Aristóteles que, do lugar citado, se deduzisse uma definição da Dialética
toda (uma vez que, em outro lugar, diz ser próprio da Dialética tratar de todos
os silogismos, isto é, ser uma certa arte geral do raciocínio, quer a partir de
argumentos prováveis, que de necessários), mas que se extraísse uma definição
de determinada parte que, por ser de uso muito frequente, como que por direito
reivindicou para si, como próprio, o nome de toda a arte. E, assim, a definição
que demos deve tomar-se como definição de toda a arte"4
Além do próprio Aristóteles, outros autores também aparecem nas
Instituições, como Tomás de Aquino, Agostinho, Boecio, Averróis, Alexandre
de Afrodisia, dentre outros. O conjunto de autores conhecidos por Fonseca e
citados direta ou indiretamente permite afirmar que o autor conhecia de perto
não apenas o pensamento grego e tomista, mas também os grandes lógicos da
alta idade média, frente a inexorável correspondência entre as partes temáticas
e as posições arguidas no Tratado.
Como é sabido, a edição das Instituições de 1623, publicada em
Colonia, dá a conhecer que Pedro da Fonseca publicara outro excerto sobre
Lógica, apensado à esta edição, mas publicado um ano antes. Trata-se do
Opúsculo "Definitiones, Divisiones, ac Regulae, ex Logica et Physica Aristotelis",
que comporta, dentre outras temáticas, certas definições e divisões extraídas da
Isagoge de Porfírio e vertidas nesta edição de modo a articular os predicáveis,
os predicamentos e outras noções. Ferreira Gomes crê tratar-se de obra
apócrifa, em razão da diferença de datas existente entre a morte do autor e
a publicação do escrito datada de 1622, ou seja, 23 ou 24 anos depois, além
das distinções notórias entre o estilo dos demais escritos do autor e o estilo
presente nesta obra. Há, porém, divergências entre os estudiosos da Obra do
Aristóteles português sobre a autoria deste excerto, como ainda sobre diversos
outros manuscritos de autoria incerta atribuídos ao autor.
Em suma, tanto a Isagoge como as Instituições Dialéticas são obras
destinadas aos estudantes dos colégios de Artes, tendo em vista um maior
aprofundamento na Lógica de Aristóteles e posterior. Os comentaristas
divergem quanto ao "aristotelismo puro" de Fonseca. O texto não é um
comentário puro e simples ao Organon, tampouco o autor cinge-se a repetir os
ensinamentos do estagirita sem enfrentar cada um dos temas que circundam
a ars logica. Pelo contrário. A ars disserendi, como ensina o próprio autor já no
primeiro livro, dedica-se ao estudo daquela doutrina construída a partir do ato
operativo da razão correspondente ao "discorrer", como também as normas
que lhe são devidas. O método de discorrer é comum a todas as disciplinas,

34 FONSECA, Pedro da. Instituições Dialéticas, Livro 1, cap. 2.

33
Marcus Paulo Rycembel Boeira

mas a dialética a tem como seu próprio fim e objeto, de maneira que a arte
ensina as fórmulas de discorrer, manifestando o que é desconhecido a partir
do que é conhecido. Daí advém o apreço de Fonseca pela Dialética, a qual
considera a maior das artes e luz de todas.
O objeto próprio da dialética, assim, é a oração pela qual, a partir do
conhecido, se mostra o desconhecido. A argumentação, ou o discurso, desponta
como o método específico de todas as ciências, consistindo em meio de
obtenção do conhecimento, o que pode ser sucedido de três modos gerais:
divisão, definição e a própria argumentação. Através destes três modos de
discorrer, parte-se de coisas conhecidas e evidentes para a aquisição de todo
conhecimento daquilo que está na realidade predicamental, mas que ainda
não foi captado pelo intelecto. Logo, os três modos constituem-se como
"instrumenta sciendi" por excelência, e assim fundamentam as três partes da
dialética.
A tradução de 1964 publicada em Portugal sob a direção do professor
Joaquim Ferreira Gomes é a base desta edição, a qual se adicionam notas de
rodapé explicativas e este texto de apresentação.
Agradecemos imensamente ao Instituto Hugo de São Vitor por esta
publicação, honrosamente feita para colocar em circulação no Brasil o texto
magno de Lógica do grande Aristóteles português, orgulho dos povos lusitanos.

Porto Alegre, 2 de março de 2021.

Prof. Dr. Marcus Paulo Rycembel Boeira


Professor de Lógica e Filosofia do Direito da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul
Visiting Scholar na Pontificia Università Gregoriana/Roma
Doutor e Mestre pela USP

34
Institutionum Dialecticarum Libri Octo

Auctore

PETRO A FONSECA
ex Societate lesu

Cum privilegio Regio facultateque


Inquisitoris et ordinarii

Conimbricae

Anno 1575
Instituições Dialéticas em Oito Livros

Por
PEDRO DA FONSECA
da companhia de Jesus

Com privilégio régio e licença


do Inquisidor do Ordinário

Coimbra

1575
Praefatio
Petrus a Fonseca Lectori. S.
Adeo inops fuit politioris Literaturae superior aetas, ut cum omnes,
qui Philosophiae studia consectabantur, Aristotelici haberi vellent, paucissimi
essent, qui Aristotelem evolverent. Arbitrabantur enim Aristotelicam
doctrinam planius, & expeditius in summulis quibusdam, ac questionibus,
quas diligentiorum industria pepererat, quam in suo autore contineri.

Sed quanquam magna ex parte id verum sit, non est tamen obscurum
quantam iacturam fecerit Philosophia, ex quo haec docendi, discendique
consuetudo probari capit. Quotus enim quisque est, qui gravem illam
antiquorum eruditionem hisce rivulis contentus, non dico consequi, sed aliqua
ex parte imitari possit? Hoc cum animadverteret nostra haec Conimbricensis
Academia, aliarum quarundam recenti exemplo & instituto ducta, eam
docendi rationem ab ipsis veluti in cunabulis secuta est, ut in explicandis libris
Aristotelis omne studium, et operam collocandam existimaret.

Interim tamen dum commentarios in Aristotelem, Porphyriique


Isagogen conscribo, has Dialecticas Institutiones, cum ut fidei nostrae pignus,
tum vero ut necessarias iis offero, qui intra limina Philosophiae recipi cupiunt.
Quo autem ex ea re uberior fructus perciperetur, prudenter statuit, ut ea
quotidie praeceptores dictarent discipulis, quae de re, quam suo addenda esse
iudicassent. Verum haec docendi ratio, & si longe melior, & utilior, quam
illa superior habebatur, tamen ob assiduum scribendi laborem, incredibilem
discipulis (ut de praeceptoribus taceam) molestiam, difficultatemque afferebat.
Tempus etiam, quod in docendo, ac disputando utilius poni potuisset, non
sine magno incommodo in dictando consumebatur. Unde illud evenire necesse
erat, ut nec libri omnes, qui curriculo Philosophiae numerantur omnino
absolverentur, nec tam frequens esset, tamque diuturna, quam optabamus,
disputandi exercitatio.
Ut ergo & labori discipulorum consuleretur, & iactura, qualiscumque
erat, studiorum Philosophiae resarciretur, statuerunt Praepositi societatis
nostrae, cui Regium hoc liberalium artium Gymnasium nono ab hinc anno
a christianissimo Rege loanne tertio traditum est, ut ego, quod in profitenda
Philosophia aliquot annos posuissem, qua possem brevitate, & perspicuitate
eos libros Aristotelis exponerem, qui auditoribus Philosophiae explicari

38
Prefácio da Primeira edição de 1564
Pedro da Fonseca saúda o leitor
De tal modo foi pobre de literatura brilhante a idade anterior que,
ainda que todos os que frequentavam os estudos de Filosofia quisessem ser
tidos como aristotélicos, pouquíssimos eram os que estudavam Aristóteles.
Efetivamente, julgavam que a doutrina aristotélica se continha mais perfeita e
proficientemente explanada em certas súmulas e investigações elaboradas pelo
zelo dos mais diligentes do que no próprio autor.
Mas, embora isso, em grande parte, seja verdade, não é, todavia,
desconhecido quão grande detrimento experimentou a Filosofia, desde que
começou a consagrar-se este modo de ensinar e aprender. Quão poucos haverá,
com efeito, que, contentando-se com esses riachos, possam, não digo alcançar,
mas imitar algum tanto aquela profunda erudição dos antigos? Advertindo
isto, a nossa Academia Conimbricense, levada pelo recente exemplo e prática
de algumas outras, seguiu este método de ensinar por assim dizer desde o
berço, julgando que todo o empenho devia ser colocado na explanação dos
livros de Aristóteles.
Mas, para que disto fosse recolhido proveito mais abundante, determinou
prudentemente que os professores ditassem todos os dias aos alunos aquelas
coisas que, acerca do assunto que expunham, ou gravíssimos autores houvessem
exposto de melhor ou eles julgassem dever ser acrescentadas de seu próprio
engenho. Mas este método de ensinar, embora fosse considerado muito
melhor e mais útil que o anterior, todavia, por causa do assíduo trabalho de
escrever, implicava incrível incômodo e dificuldade para os alunos (para não
falar nos mestres). Gastava-se, com o ditado, não sem grande inconveniente,
um tempo que se poderia empregar mais utilmente no ensino e na disputa.
Por isso, acontecia necessariamente que nem se davam por completo todos
os livros enumerados no curso de Filosofia nem o exercício da disputa era tão
frequente e tão duradouro como seria para desejar.
Portanto, para que se obviasse ao trabalho dos alunos e se recompensasse
o detrimento, por menor que fosse, dos estudos de Filosofia, determinaram os
superiores da nossa Companhia, a quem, há nove anos, foi confiado este Real
Colégio das Artes Liberais pelo cristianíssimo Rei D. João Terceiro, que eu,
pelo fato de ter dedicado alguns anos ao ensino da Filosofia, expusesse, com
a brevidade e a clareza possíveis, aqueles livros de Aristóteles que costumam
ser explicados aos alunos de Filosofia. Com efeito, julgavam que, deste modo,

39
Pedro da Fonseca

consueverunt. Fore enim existimabant, ut hac ratione, & mea diligentia, &
typographorum opera, non modo discendi labor minueretur, sed aliquid etiam
ad haec studia lucis, & utilitatis accederet.
Ego vero cum mei tenuitatem ingenii non prorsus ignorarem, quantum
obedienti fas fuit, hoc onus, quod meis humeris impar esse sentiebam,
recusare conatus sum. Verum illi, in quorum ego voce Christum agnosco,
studio iuvandi alios commoti, meae potius facultatis, seu (ut verius loquar)
imbecillitatis periculum facere, quam ullam officii ocasionem praetermittere
voluerunt. Quia igitur impositum mihi onus reiicere non possum, dabo quam
diligentissime operam, ut, quod in me est, si non aliorum votis satisfecero,
certe corum, quibus meae vitae rationem commisi iussui non desim.

Id enim negari non potest, Aristotelem alioquin disertissimum ita de


industria, (quo tarda nimirum ingenia exerceret), suam sententiam plurimis
in locis occuluisse, ut praeceptoribus Dialecticae necesse sit, non ante ad
explicationem librorum eius accedere, quam totius Dialecticae adumbratam
imaginem discipulis proponant. Sic enim fit, ut omnibus partibus Dialecticae,
quasi radio descriptis, multo planius & facilius ea, quae ab illo dicuntur
intelligantur. Nec tamen hi octo libelli eo consilio a me scripti sunt, ut ante
Porphyrii institutionem omnes explicentur (scio enim id commode fieri non
posse) sed ut necessariis, ac praecipuis quibusque initio expositis, reliqua
in alium locum differantur. Satius namque est si nonnulla ex tribus primis
mensibus, quos utiliter Academia nostra in huiuscemodi primis institutionibus
ponere consuevit, supersint, quam ut pars aliqua in hac totius Dialecticae
descriptione desideretur, aut certe brevior sit tractatio, quam ut perspicuitas &
utilitas patiantur.

Possunt itaque sex primi libri a Calendis Octobris ad diem Natalem


domini explicari: reliqui in eam anni partem differri, in qua studia ob
immodicos calores remissiora esse solent. Ita enim fiet, ut sex illi aditum
aperiant ad librum Categoriarum Aristotelis, ad libros de Interpretatione, deque
priori resolutione (qui, ut equidem spero, excussis commentariis, dictandique
lentitudine praecisa ad Calendas usque lulias ennarrari poterunt) extremi
autem duo ad libros de posteriori resolutione, Topicorum, & Elenchorum, qui a
studiorum instauratione inchoabuntur, viam muniant.

40
Instituições Dialéticas - Prefácio

com a minha diligência e com o trabalho dos tipógrafos, não só se atenuava


o trabalho de aprender, mas também alguma luz e proveito adviria a estes
estudos.
Eu, porém, não ignorando por completo a exiguidade do meu engenho,
tentei, quanto a obediência me permitiu, recusar este encargo que sentia ser
desproporcionado às minhas forças. Mas aqueles em cuja voz reconheço a
Cristo, levados pelo desejo de ajudar os outros, preferiram pôr à prova a minha
capacidade ou (para falar com mais verdade) a minha fraqueza a pôr de parte
alguma oportunidade de serviço. Visto, pois, não poder rejeitar o encargo
que me foi imposto, esforçar-me-ei o mais diligentemente possível para que,
quanto de mim depende, se não satisfizer à expectativa dos outros, pelo menos
não falte à ordem daqueles a quem confiei a disposição da minha vida.
Entretanto, porém, enquanto não escrevo os comentários a Aristóteles e
à Isagoge de Porfírio, ofereço estas Instituições Dialéticas não só como penhor da
nossa fé, mas também como necessárias àqueles que desejam ser introduzidos
nos umbrais da Filosofia. Com efeito, não pode negar-se que Aristóteles,
a despeito da sua extrema clareza, de tal modo ocultou de propósito a sua
opinião (decerto para exercitar engenhos lentos), em numerosas passagens, que
necessário se torna aos professores de Dialética não empreender a exposição
dos seus livros antes de apresentarem aos alunos uma imagem esboçada de
toda a Dialética. Assim, com efeito, acontece que, expostas todas as partes da
Dialética como que em esquema, muito mais cabal e facilmente se entende o
que por ele é dito. Nem, todavia, estes oito livrinhos foram escritos por mim
com o propósito de serem todos explicados antes do tratado de Porfírio (sei,
na verdade, que isto não pode fazer-se comodamente), mas com o intento de,
expostas de início algumas coisas necessárias e principais, serem as restantes
diferidas para outro lugar. Com efeito, é preferível que sobrem algumas matérias
dos três primeiros meses que a nossa Academia costuma dedicar ao estudo
destas Instituições, a que alguma parte nesta descrição de toda a Dialética
fique por expor ou então se exponha de modo tão apressado que se prejudique
a clareza e a utilidade.
Podem, portanto, os seis primeiros livros ser expostos desde o dia um
de outubro até ao dia de Natal; os restantes podem deixar-se para aquela parte
do ano em que os estudos, por causa do calor excessivo, costumam ser mais
afrouxados. Assim, com efeito, sucederá que aqueles seis preparem o caminho
para o livro das Categorias de Aristóteles, para os livros da Interpretação e
para os Primeiros Analíticos (os quais, como espero, depois de explicados os
comentários e com a lentidão própria do ditar, poderão ser comentados até ao
dia um de julho), os dois últimos, porém, preparem o caminho para os Segundos
Analíticos, os Tópicos e os Elencos, que se iniciarão ao recomeçar os estudos.

41
Pedro da Fonseca

Eo autem libentius hoc quasi integrum Dialecticae corpus confeci,


quod videam multos praeclari ingenii iuvenes ab humanioribus literis ad iuris
peritiam statim commigrare, qui, si vel hac institutione prius imbuantur, multo
maiores facturi sint in illis literis progressus.

Faxit Deos opt. Max. ut noster hic labor, qui in eius gloriam, & multorum
utilitatem confertur, & ipsi gratus sit, & prosit omnibus, qui in bonis literis
institui volent.

Argumentum in omnes libros


Primus liber propositis is, a quibus quasi fundamentis totius artis constitutio
surgit, explicataque natura nominis, & verbi, quae sunt apud Dialecticum
prima orationis elementa, eas nominum & verborum nuncupationes exponit,
quae crebrius usurpantur.
Secundus disponit nomina omnia, & verba quasdam veluti classes, quac
predicamenta appellantur, ex positis primum, genere, specie, Diferentia,
Proprio, & Accidente, quibus ignoratis predicamenta intelligi nullo modo
possunt.
Tertius agit de oratione, eiusque formas, ad coniunctas usque
enunciationes persequitur: nec omnino eas, quae expositione indigent
praetermittit.
Quartus ad dividendi rationem totus confertur.
In quinto de definitione disseritur.
Sextus explicata imprimis consequentiarum vi & natura,
argumentationem, eiusque quattuor prima genere pertractat, Syllogismum,
Enthymema, inductionem, & exemplum. Qua in parte non tantum peritia
iudicandi de apta, & vitiosa argumentatione traditur, sed etiam ostenditur
generalis quaedam ad medium, argumentumve inveniendum via.
Septimus agit de demonstratione, ac syllogismo Dialectico. Quorum
causa locos commonstrat, e quibus omnia argumentorum genera depromi
possint. Tum disserit de ordine. Sic enim Aristoteles eam indicii partem
appellat, qua argumentorum inter se dispositio continetur.
Octavus tandem explicat fallaces syllogismos (Pseudographum ille, &
Sophisticum nominat) ut Dialecticus expedite intelligat quomodo eludendae
sint sophistarum captiones. Quod ut commodius fiat, ea, quae recentiores de
usu nominum (quam suppositionem vocant) deque alis quibusdam nominum
affectionibus utiliter tradiderunt, moderate adiungit.

42
Instituições Dialéticas - Prefácio

Com mais agrado, porém, compus este como que corpo inteiro de
Dialética, por ver que muitos jovens de notável engenho passam imediatamente
das humanidades para o estudo do Direito, os quais, se acaso fossem primeiro
instruídos com estes tratados, muito maiores progressos haveriam de fazer
naquelas disciplinas.
Permita Deus, sumo Bem e suma Grandeza, que este nosso trabalho,
elaborado para Sua glória e utilidade de muitos, não só a Ele seja agradável,
mas também aproveite a todos os que queiram instruir-se nas boas letras.

Sumário de todos os livros


O primeiro livro — uma vez proposto aquilo de que, como dos
fundamentos, se ergue a construção de toda a arte, e explicada a natureza do
nome e do verbo, que são, para o Dialético, os primeiros elementos da oração —
expõe as denominações dos nomes e dos verbos mais frequentemente usadas.
O segundo — expostos, primeiro, o gênero, a espécie, a diferença, o
próprio e o acidente (pois, ignorados estes, de modo algum se podem entender
os predicamentos) — dispõe todos os nomes e verbos em determinadas classes,
chamadas predicamentos.
O terceiro trata da oração e enumera as suas formas até às enunciações
conjuntas, sem esquecer também as que precisam de exposição.
O quarto é todo dedicado ao método de dividir.
No quinto, discorre-se acerca da definição.
O sexto — explicadas, primeiramente, a força e a natureza das
consequências — estuda a argumentação e os seus quatro primeiros gêneros:
silogismo, entimema, indução e exemplo. Neste livro, não só se ensina a arte de
julgar da argumentação apta e viciosa, mas também se mostra uma via geral e
um método para encontrar o meio ou argumento.
O sétimo trata da demonstração e do silogismo dialético. Por causa
destes, são indicados os lugares de que se podem extrair todos os gêneros de
argumentos. Então, discorre sobre a ordem — pois é assim que Aristóteles
chama àquela parte do juízo em que se contém a disposição dos argumentos
entre si.
O oitavo, finalmente, explica os silogismos falaciosos (a que ele chama
pseudógrafos e sofísticos), para que o Dialético facilmente entenda como
devem ser frustradas as artimanhas dos sofistas. Para que isto se faça mais
comodamente, acrescenta, com moderação, o que os modernos utilmente
ensinaram acerca do uso dos nomes (a que chamam suposição) e acerca de
algumas outras propriedades dos nomes.

43
Liber I Institutionum Dialecticarum
Livro I das Instituições Dialéticas
Pedro da Fonseca

Caput I - De necessitate, nominibus, & natura huius Artis


Um omnis doctrina, quae ratione per citur, disserendo (idest, ex notis
ignotum aliquid oratione patefaciendo) tradatur: in disserendo autem multi
errores contingant: necessario ars aliqua quaerenda fuit, quae aptas disserendi
formas ostenderet, ne falsa doctrina pro vera aliquando obreperet. Hanc artem,
qui primi invenerunt Dialecticam nominarunt: postea veteres Peripatetici
Logicam appellaverunt. Et recte quidem utrique. Nam Dialectica dicitur
Latine disserendi ratio sive doctrina. Quod enim Graecis est diadéyeo0a1 unde
hoc nomen ducitur, idem est Latinis disserere. Eadem nominis interpretatio, vel
Cicerone authore in Logicae verbum convenit. Obscura, inquit, quaestio est,
quam nepi duvatv appellant: totaque est Logicae, quam rationem disserendi
voCO.

Quin etiam eadem oratio facile, et expedite naturam huius artis ex


proprio fine declarat. Nam et si ipsum disserendi opus omnibus disciplinis
commune est (omnes siquidem ignorationem aliquam ex notis, et confessis
depellunt) docere tamen quonam modo disserendum sit, ad eamque rem
communes leges, ac praccepta tradere, hoc sibi Dialectica ut proprium finem,
quo a cateris distinguitur, vendicavit. Aptissime igitur definitur Dialectica
Disserendi doctrina, quasi Ars, quae docet omnes formulas disserendi, hoc est,
incognita ex cognitis oratione patefaciendi. Hinc fit ut non sine causa dixerint
gravissimi authores, hanc unam facultatem cateris omnibus formandis artibus
esse necessariam: quam proinde alius apicem disciplinarum: alius disciplinarum
disciplinam, alius et artium maximam, et lucem omnium appellare non dubitat.
Praescribit siquidem omnes disserendi modos, quibus quaeque doctrina
comparatur, ac continetur, ut dictum est.'

Porphy, tract. 1. Difinitio Dialecticae. / Plato. 7. de Repub. / D. August. 3. contra Academ. et. 2. de ordi. /
Cice. de claris orat.
fi
Livro I das Instituições Dialéticas

Capítulo I - Da Necessidade, Nomes e Natureza desta Arte


Uma vez que toda a doutrina construída pela razão se comunica
discorrendo (isto é, patenteando numa oração algo desconhecido a partir de
coisas conhecidas),' e porque, no discorrer, surgem muitos erros, foi necessário
procurar uma arte que fornecesse normas seguras de discorrer, para evitar
que, uma vez ou outra, uma falsa doutrina se insinuasse como verdadeira. Os
primeiros a descobrir esta arte deram-lhe o nome de Dialética; posteriormente,
os antigos peripatéticos chamaram-lhe Lógica.' E uns e outros com razão.
Na verdade, o termo Dialética corresponde, em latim, à expressão método ou
doutrina do discorrer. Com efeito, o que para os gregos é dialéyeolal, verbo
de onde deriva o termo Dialética, é para os latinos disserere. Ora a mesma
interpretação do nome, segundo Cícero, pode aplicar-se à Lógica no sentido
literal. É — diz — complicada a questão a que chamam nepi suvazáv; e o
mesmo se dá em absoluto com a Lógica, a que chamo método de discorrer.
Além disso, o mesmo discurso esclarece fácil e claramente a natureza
desta arte, pelo fim que lhe é próprio. Com efeito, ainda que a própria ação de
discorrer seja comum a todas as disciplinas (pois todas afastam de uma certa
ignorância a partir de coisas conhecidas e manifestas), ensinar, contudo, como
se deve discorrer e, para isso, fornecer leis comuns e preceitos, reivindicou-o*
a Dialética como fim próprio, pelo qual se distingue das outras [disciplinas].
Portanto, com muita propriedade se define Dialética como doutrina do discorrer,
como Arte que ensina todas as fórmulas de discorrer, isto é, de revelar pela oração
o conhecido, a partir do desconhecido. Daqui resulta que não foi sem motivo
que autores de grande peso disseram ser esta a única faculdade necessária
à formação de todas as outras artes, à qual, por isso, não duvidaram alguns
chamar cume das disciplinas, outros disciplina [das disciplinas], outros' ainda a
maior das artes e luz de todas.

Segundos Analíticos, 1, 1. Metafísica, II, 7, text. 48.


2 Opinião expressa por Boécio nos Tópicos de Cícero.
3 Do Destino.
4 Alberto Magno no Tratado sobre Porfirio, 1.
5 Platão, Republica, 7.
6 Santo Agostinho, Contra os Acadêmicos, 3; e Da Ordem, 2.
7 Cícero, Dos Oradores Ilustres.

47
Pedro da Fonseca

Caput II - Definitionem Dialecticae ex Topicis desumptam


non convenire in totam hanc artem.
Sed aliquis fortasse parum attente ingrediens, in ipso statim limine
offendet, dicetque, cam, quam nos tradidimus Dialecticae diffinitionem, non
esse Aristotelicis probandam, quod alia circunferri soleat ex initio Topicorum
Aristotelis in hunc modum desumpta, Dialectica est methodus, sive ars
ratiocinandi de quacunque questione proposita ex probabilibus.
Occures tamen Aristotelis consilium non esse, ut ex loco citato eliciatur
totius Dialecticae definitio (cum alibi asserat ad Dialecticam pertinere ut agat
de omnibus syllogismi, hoc est, ut sit generalis quaedam ars ratiocinandi, sive
exprobabilibus argumentis, sive ex necessariis) sed ut depromatur inde definitio
cuiusdam partis, quae, quia usu frequentissima est, suo quasi iure nomen totius
artis velut proprium sibi vendicat. Itaque definitio illa, quam tradidimus, quasi
totius artis generalis definitio amplectenda est.?

Caput III - De subiecto Dialecticae


Ex his facile intelliges, subiectum atributionis Dialecticae (ad quod
nimirum tota eius consideratio refertur) esse orationem, qua incognitum
ex cognitis aperitur. Namque in hac una tradenda, et explicanda, omnis
Dialecticorum cogitatio, curaque consumitur, ut ex dictis apertum est. Hanc
Cicero, quasi aliud agens, Orationem Philosophorum appellat, ea de causa
(ut arbitror) quod Philosophis sit familiaris, ac pene propria. Alio vero loco
Varronis personam sustinens, ut eam perpetua, et fusa Oratorum oratione
distinguat, vocat Orationem ratione conclusam, praesertim quia nihil est adeo
proprium rationi, quam ut ex notis ad ignota progrediatur.

Non desunt quoque ex recentioribus, qui Modum sciendi appellandam


putent. Verum priores duae nuncupationes nonnihil obscuritatis habent: tertia,
si sciendi verbum proprie accipiatur, astrictior est, quam res, quae significatur.
Neque enim omnis oratio, quae ex notis ignotum aliquid patefacit, scientiam
parit, cum saepe opinionem, aut quandam aliam cognitionem efficiat. Ut
ergo sequentia cum superioribus consentiant, simulque apertior, ac planior
sit nuncupatio, percommode vocari potest Disserendi modus. Qua vero ratione
Argumentatio, aut Syllogismus recte dicatur subiectum Dialecticae, Paulo post
dicemus.}

2 Nota do parágrafo: Obiectio. / 1. Top. 1. / Dilutio. / 1. Rhet. ad Theod. 1.


3 Nota do parágrafo: Subiectum Dialect. / In Oratore ad Brutuns. / Academ. secundae adit. lib. 1./
Recentiores / Disserendi modus / Cap. 5

48
Livro I das Instituições Dialéticas

Capítulo II - A definição de Dialética tirada dos Tópicos não


convém a toda esta arte
Mas talvez alguém, que entre pouco atento, tropece logo de entrada,
dizendo que a definição que demos de Dialética não está de acordo com
a dos aristotélicos, pois outra é a que se costuma divulgar, tirada, do modo
seguinte, do início dos Tópicos de Aristóteles:" Dialética é o método ou arte
de raciocinar, a partir de coisas prováveis, acerca de qualquer questão proposta.
Atalhar-se-á, todavia, não ser intenção de Aristóteles que, do lugar
citado, se deduzisse uma definição da Dialética toda (uma vez que, em outro
lugar,' diz ser próprio da Dialética tratar de todos os silogismos, isto é, ser uma
certa arte geral do raciocínio, quer a partir de argumentos prováveis, quer de
necessários), mas que se extraísse uma definição de determinada parte, que,
por ser de uso muito frequente, como que por direito reivindicou para si, como
próprio, o nome de toda a arte. E, assim, a definição que demos deve tomar-se
como definição de toda a arte.

Capítulo III - Do objeto da dialética


Disto, facilmente se entenderá que o objeto próprio da Dialética (ao
qual se aplica obviamente toda a sua análise) é a oração pela qual, a partir
do conhecido, se mostra o desconhecido. Com efeito, é em transmiti-la e em
explicá-la que se consome todo o pensamento e cuidado dos dialéticos, como
se toma evidente pelo que fica dito. Cícero — como se tratasse de outra
coisa — chama-lhe oração dos filósofos, por esta razão, segundo penso: é familiar
e quase própria dos filósofos. Em outro lugar, porém, defendendo a pessoa de
Varrão," para a distinguir da perpétua e difusa oração dos oradores, chama-lhe
oração aperfeiçoada pela razão, sobretudo porque nada é tão próprio da razão
como progredir das coisas conhecidas para as desconhecidas.
Não falta também, entre os modernos, quem julgue dever chamar-se-lhe
modo de saber. Mas as duas primeiras acepções têm algo de obscuro; e a terceira,
se o verbo saber se tomar no sentido próprio, é mais restrita que a coisa que é
significada. Com efeito, nem toda a oração, que, partindo do conhecido, revela
o desconhecido, produz ciência, visto que, muitas vezes, manifesta uma opinião
ou qualquer outro conhecimento. Portanto, para que as coisas que se seguem
se harmonizem com as anteriores e, simultaneamente, seja mais manifesta e
clara a aplicação, muito a propósito se lhe pode chamar modo de discorrer. Em

8 Cap. 1.
9 Retórica a Teodoreto, I, 1.
10 No Orador, a Bruto.
11Acadêmicos, segunda parte, livro 1.

49
Pedro da Fonseca

Caput IV - De tribus generalibus disserendi modis, tribusque


primis Dialecticae partibus
Tres autem sunt generales disserendi modi, qui deinde in alios, atque
alios minutius conciduntur: Divisio, inquam, Definitio, et Argumentatio. His
enim tribus quasi instrumentis omnis cognitio rei incognitae ex notis, ac
perspicuis, conquiritur. Nam divisio tanquam diligens quadam exploratrix,
omnia rerum genera, et partes singulorum excurrens, totam entis confusionem
explicat. Tum deinde exploratis ita omnibus, et quasi ante oculos positis,
accedit definitio veluti lumen ad singula illustranda, quae cum doceat, quid
quaeque res commune habeat cum caeteris, quid sibi proprium, et peculiare,
naturam, cuiusque suis finibus circumscribit. Ad extremum argumentatio
multo efficacior superioribus, quid praeterea cuique conveniat, apta ratione
concludit.

Ex his tribus instrumentis, quibus tres primae partes dialecticae


respondent, duo tantum posteriora posuit Aristoteles primo Metaphysicorum
libro, cum dixit, omnem disciplinam, aut demonstratione (idest
argumentatione) aut definitione comparari. Divisionem vero, et si alio loco
quendam cognoscendi modum esse non negavit, tamen non tantum in ea
momenti esse credidit, ut ipsam faceret unum per se comparandae disciplinae
instrumentum. Quamobrem ad definitionem, cui materiam subministrat,
videtur eam revocasse.
Planius certe hac in re locutus est Plato, qui divisionem quasi diversum
disserendi modum a caeteris distinxit. Hinc Cicero Epicurum inscitae
coargens, quod nullam Dialecticae partem attigerit, eandem hanc, quam
nos generalem tradimus modorum disserendi divisionem, plane significavit.
Iam in altera, inquit, Philosophiae parte, quae est quaerendi, ac disserendi,
quae Loyiki dicitur, iste vester plane, ut mihi quidem videtur, inermis ac
nudus est: tollit definitiones: nihil de dividendo, ac partiendo docet: non
quomodo efficiatur, concludaturque ratio tradit. Hinc etiam Porphyrius, ut
significaret Isagogem suam universae Dialecticae conducere, dixit, eam non
modo ad categoriarum doctrinam (in quo libro prima omnium modorum
desserendi elementa traduntur) sed etiam ad omnem definiendi, dividendi,
ac demostrandi rationem conferre. Hinc quoque Divus Augustinus, cum de
origine artium loquitur, asserit, rationem definiendo, dividendo, colligendo,
non solum digessisse Gramaticam, sed etiam ob omni falsitatis irreptione
defendisse, idque sine praesidio Dialecticae, quam primo quasi partu edidisset,
Livro I das Instituições Dialéticas

abeto da Dialéticaão por que a argumentação ou silogismo se diz, com razão,

Capítulo IV - Dos três modos gerais de discorrer e das três


primeiras partes da dialética
Há, contudo, três modos gerais de discorrer, os quais se dividem ainda,
bastante pormenorizadamente, em muitos outros. São eles: a divisão, a definição
e a argumentação. Com estes três como que instrumentos se adquire, a partir de
coisas conhecidas e evidentes, todo o conhecimento de uma coisa desconhecida.
Na verdade, a divisão, como uma exploradora diligente, percorrendo todos os
gêneros das coisas e as partes de cada um explica toda a confusão do ser. Em
seguida, examinadas todas as coisas e como que postas diante dos olhos, como
luz a iluminar cada uma delas, vem a definição, que, ensinando o que cada coisa
tem de comum com as restantes e o que lhe é próprio e peculiar, circunscreve
nos seus limites a natureza de cada uma. Por fim, a argumentação, mais eficaz
que as precedentes, conclui, por método adequado, o que, além de tudo aquilo,
convém a cada coisa.
Destes três instrumentos, a que correspondem as três primeiras partes
da Dialética, Aristóteles colocou apenas os dois últimos no livro primeiro da
Metafísica, quando disse que toda a ciência se adquire ou por demonstração,
isto é, por argumentação, ou por definição. Embora, em outro lugar,'* não tenha
negado que a divisão é um certo modo de conhecer, contudo, não acreditou ser
ela de tão grande importância a ponto de fazer dela instrumento autônomo
de adquirir ciência. Por isso, parece tê-la reduzido à definição, à qual fornece
a matéria.
Desta questão falou, com mais clareza, Platão,'5 que distinguiu dos
restantes a divisão, como um modo diferente de discorrer. Depois, Cícero, 16
acusando Epicuro de ignorância, pelo fato de não ter alcançado nenhuma
parte da Dialética, claramente aludiu a esta mesma divisão geral dos modos
de discorrer, que nós apresentamos. Já na outra parte da Filosofia, que respeita
à investigação e argumentação e que se chama Lógica — diz ele — esse vosso
[autor], segundo me parece, está o que se chama em branco: põe de parte as
definições; nada ensina sobre a divisão e a partição; nem expõe o modo de se
realizar e concluir a argumentação. Depois, também Porfírio, 17 para marcar
que a sua Isagoge conduz a toda a Dialética, diz que ela leva não só à doutrina
12 Cap. 5.
Cap. 7, text. 48. O mesmo em Alberto Magno no Tratado sobre Porfirio, I.
Segundos Analíticos, II, 5.
Como no Fedro, no Sofista, e no Político.
Dos Fins, I.
17 No prefácio da Isagoge.

51
Pedro da Fonseca

facere non potuisse: quasi in his tribus generalibus disserendi instrumentis


edocendis posita sit formatrix omnium artium Dialectica. Ita ergo fit ut tres
sint generales disserendi modi, in quibus tradendis tres primae Dialecticae
partes versantur."

Caput V - Quod Aristoteles solam tertiam Dialecticae partem


ex instituto tradiderit

Illud tamen animadvertendum est, Aristotelem ex his tribus Dialecticae


partibus solam tertiam ex instituto tradidisse. De divisione siquidem, et
definitione, non, nisi quatenus ad inventionem argumentorum sunt utiles,
disputavit. Hoc autem vel ea de causa fecit, quod in definitione, ac divisione,
quod ad Dialecticum attinet, minus negotii esse credidit, quam ut per se
tractandae viderentur, vel quia in sola argumentationis tractatione, quam ipse
sibi quasi primo autori arrogat, ex instituto laborandum sibi esse existimavit.
Saepius enim definiendi doctrinam a Socrate primum traditam affirmat.
Dividendi rationem velut Platonis inventum sape deprimit. At scientiam
ratiocinationum, syllogismorumve (ad quos catera argumentationum genera
revocantur) adeo asseveranter sibi ascribit, ut se de syllogismis nihil omnino
ab aliis accepisse affirmet, sed sibi primum, quod eorum artem ingenti labore
invenerit, magnam gratiam deberi.

Itaque ex tribus generalibus disserendi modis, solam argumentationem,


atque adeo solam fere eius precipuam formam, quae syllogismus, ratiocinatiove
dicitur, tractandam suscepit Aristoteles. Quam tamen ita tractavit, ut non
modo eas ratiocinationes, quae ex necessariis argumentis rem con rmant, sed
etiam eas, quae ex probabilibus verisimilibusve aliquid probant, diligentissime
sit persequutur. Hine fit, ut qui Dialecticam ea tantum ex parte, qua ab
Aristotele tradita est, considerant, merito asserant, Dialecticae subiectum esse
Argumentationem, aut certe Syllogismum, ad quem reliquae argumentationum
formae rediguntur. Hac etiam ratione intelligendum est dividi Dialecticam in
partem inveniendi, ac iudicandi. Inventio enim (ut authores huius divisionis
definiunt) est ratio exquirendi argumenta: Iudicium vero est doctrina

Nota do parágrafo: Divisione, de nitione, et argu omnis cognitio comparatur / Duos tantum
disserendi modos posuit Arist. / Cap. 7. text. 48. Idem Alber. in Porphy, tract. 1.2. post. 5. / Ut in Phaedro,
Sophista, et civili 1. de nibus. / In praefatione. / 2. Deordine. / Boeth. initio top. Cice.

52
fi
fi
fi
Livro I das Instituições Dialéticas
das categorias (dão-se neste livro os primeiros elementos de todos os modos de
discorrer), mas também a todo o método de definir, de dividir e de demonstrar.
Depois, até Santo Agostinho,18 ao falar da origem das artes, afirma que a
razão, definindo, dividindo, inferindo, não só originou a Gramática como a
defendeu de toda a intromissão de erro, o que não poderia ter feito sem o apoio
da Dialética, que dera à luz, como se fora em primeiro parto. É como se, ao
ensinar os três meios gerais de discorrer, a Dialética fosse arvorada em criadora
de todas as artes. Assim se verifica serem três os modos gerais de discorrer, de
cuja exposição tratam'' as três primeiras partes da Dialética.

Capítulo V - Da razão por que Aristóteles só tratou


expressamente da terceira parte da dialética
Deve advertir-se, contudo, que, destas três partes da Dialética, Aristóteles
apenas? tratou expressamente da terceira. Efetivamente, Aristóteles não
tratou"' da divisão nem da definição, senão enquanto são úteis para a invenção
dos argumentos. Fez isto, porém, ou porque julgou ser menos importante o
que, na definição e na divisão, diz respeito ao dialético do que as coisas que,
por si, parecem dever ser tratadas, ou porque só do tratado da argumentação, de
que se arrogou como sendo o primeiro autor, julgou dever tratar expressamente.
Afirma, com efeito, muito frequentemente," que a doutrina sobre a definição
foi primeiro ensinada por Sócrates. Muitas vezes, combate o método de dividir
como invenção de Platão.23 Mas atribui-se tão asseveradamente a ciência dos
raciocínios ou dos silogismos (aos quais se reduzem os restantes gêneros de
argumentação) que afirma? absolutamente nada ter recebido de outros acerca
do silogismo e, por isso, a si, pelo fato de ter encontrado, com imenso trabalho,
essa arte, se deve tamanha graça.
Assim, destes três modos gerais de discorrer, Aristóteles só tomou a
iniciativa de tratar da argumentação e, tão somente, quase só da sua forma
principal, que se diz silogismo ou raciocinio. Contudo, tratou dela de tal modo
que estudou com a maior diligência não só aqueles raciocínios que provam?5
por argumentos necessários, como também os que provam alguma coisa
por [argumentos] prováveis ou verosímeis. Daqui se deduz que aqueles que
consideram a Dialética somente naquela parte que foi ensinada por Aristóteles,
18 Da Ordem, II.
19 Boécio no início dos Tópicos de Cícero.
20 Alberto Magno, no Tratado sobre Porfirio, 1.
21 Segundos Analíticos, II; e Tópicos, VI.
Metafísica, I, 6; e Metafisica, XIII, 4.
23 Como nos Primeiros Analíticos, I, 32; e Segundos Analíticos, II, 5.
Elencos, II, trecho final.
25Nos livros dos Segundos Analíticos.
26 Nos livros dos Tópicos.

53
Pedro da Fonseca

accommodandi haec ipsa ad propositum concludendum: quorum utrunque ad


tractationem argumentationis pertinere luce clarius est.

Quod si nomina inventionis, et indicii latius accipiantur, quam ab


authoribus huiusce divisionis exponuntur, non dubium est, quin ad totam
Dialecticae artem haec divisio aptari possit. Nam sine inventione, et iudicio
generali significatione acceptis, non solum argumentatio confici non potest,
sed ne ulla quidem definitio, aut divisio: id quod Boëthius diligenter advertit.
Verum de iis, ut de cateris, quae de inceps breviter attingenda sunt, alio loco
fusius disputabimus

Caput VI - De partibus, E ordine tractationis Dialecticae


Quia igitur divisio, definitio et argumentatio hoc commune habent,
quod sint orationes, partes autem orationis sunt nomen, et verbum (nam
caetera omnia, quae in oratione cernuntur, aut ad nomen, et verbum revocantur,
aut potius supplementa orationis, et colligationes partium eius, quam partes,
putanda sunt) primum nos de nominibus, ac verbis agemus, deinde de oratione,
postea tria illa orationum genera, divisionem, inquam, definitionem, et
argumentationem ita persequemur, ut primo loco de divisione, proximo de
definitione, extremo de argumentatione disseramus. Sic enim et naturae, et
doctrinae ordinem tenebimus, quorum ille a minus perfectis ad perfectiora, hic
a facilioribus ad difficiliora paulatim progreditur.

Nec vero aliquis a literis, quae minimae sunt orationis particulae,


ordiendam esse hanc tractationem putete, propterea quod natura in rebus
efficiendis a minimis ad maiora progrediatur. Nam ut naturae ordo in
aliqua arte seretur, non est opus, ut sumatur initium ab iis, quae omnino, ac
simpliciter minima sunt, sed ab iis, quae in ea arte sunt minima. Literae autem,
et si simpliciter sunt minimae partes orationis, tamen earum consideratio non
pertinet ad Dialecticam, sed ad Grammaticam. Ita non est cur a literis, et non

5 Nota de parágrafo: Magnus Albert. in Porphy, tract. 1. 2. Post. Et 6. top. / Cur Arist. de sola
Argumentatione ex instituto disputet. / 1. meta. 6. ct 13, meta. 4. / Ut 1. prio.32 et. 2. post. 5. Socrates
primus definiendi author. Plato dividendi, Aristoteles ratiocinandi. / 2. elench. extremis verbis. / Lib. post.
/ Lib. top. / Quatenus subiectum Dialecticae recte dicatur Argumentat. aut. Syllogismus. Alb. Mag. In
Por. tract. 1. Scotus ibidem. / Inventionem, et iudicium ad doctrinam Argumentationis pertinere. / Ad top.

54
Livro I das Instituições Dialéticas

afirmam, justamente, ser a argumentação 7 ou, melhor ainda, o silogismo, 28 ao


qual se reduzem as restantes formas de argumentação, o objeto da Dialética.
Também por esta razão se deve entender que a Dialética se divide numa parte
de inventar e em outra de julgar. A invenção (como os autores desta divisão
a definem) é o método de procurar argumentos; o juízo é a arte de acomodar
estes mesmos em ordem a concluir o proposto. Que ambas as partes pertencem
ao tratado da argumentação, isso é mais claro que a luz.
Mas se as palavras invenção e juízo se tomarem em sentido mais lato do
que o sentido em que são apresentadas pelos autores desta divisão, esta divisão
pode aplicar-se, sem a menor dúvida, a toda a arte da Dialética. Com efeito,
sem invenção e sem juízo, tomados na sua significação geral, não só se não
pode arquitetar argumentação, mas nem sequer definição ou divisão alguma
— o que Boécio" diligentemente advertiu. Todavia, destas coisas, como das
restantes que em seguida devem ser abordadas sumariamente, trataremos mais
desenvolvidamente em outro lugar.

Capitulo VI - Das partes desta instituição


Por conseguinte, uma vez que a divisão, a definição e a argumentação
têm de comum a circunstância de serem orações, e as partes da oração são o
nome'° e o verbo (pois todo o resto da oração se reduz, afinal, ao nome e ao
verbo, ou então deve ser tido mais como suplemento da oração e traço de união
das suas partes, do que como partes), trataremos, em primeiro lugar,'' dos
nomes e dos verbos; em seguida, da oração;3 finalmente, exporemos aqueles
três
modo gêneros de orações,
a discorrermos, a saber, sobre
primeiro, a divisão, a definição
a divisão, e a argumentação,
a seguir, de
sobre a definição,
em último lugar,35 sobre a argumentação. Assim manteremos a ordem da
natureza e da doutrina: aquela, com efeito, avança, a pouco e pouco, do menos
perfeito ao mais perfeito; esta, do mais fácil ao mais difícil.
Mas se se objetar dever este tratado começar a partir das letras, que
são as partículas mais pequenas da oração (visto que a natureza, nas coisas a
realizar, progride das menores para as maiores), responder-se-á que, para se
conservar em alguma arte a ordem da natureza, não é necessário tomar como
início aquelas coisas que são completa e simplesmente as mais pequenas, mas

27 Segundo Alberto Magno, no Tratado sobre Porfirio, I.


Segundo Scoto, no mesmo lugar.
29 Nos Tópicos de Cícero.
Aristóteles, Retórica a Teodoreto, III.
31 Libro I e II.
32 Livro III.
33 Livro IV.
34 Livro V.
35 Livro VI, VII e VIII.

55
Pedro da Fonseca

potius a nominibus, et verbis, ordienda sit artis Dialecticae tractatio. Hanc ergo
de nominibus, et verbis disputationem bipartitam faciemus.

Priori loco de nominum, et verborum varia nuncupatione dicendum est:


proxime cogenda sunt omnia in decem quasi classes (quae Katkyopia, ides,
predicamenta ab Aristotele dicuntur) ut facile inveniri possint ad omnia
orationum genera struenda. De usu autem nominum, et verborum, quem
recentiores suppositionem vocant, deque aliis quibusdam eorum affectionibus
ad finem harum institutionum, quod commodius in eum locum differi
videantur, disseremus.°

Caput VII - De quibus nominibus & verbis agendum sit

Nominum, et verborum tria sunt genera: quaedam mente fabricata,


quaedam voce, alia scripta. Ea enim quae sunt in voce, sunt signa corum, quae
sunt in mente, et scripta eorum, quae in voce consistunt. Quanquam vero hacc
omnia ad Dialecticam pertineant (tradit enim Dialectica omnes disserendi
modos, qui non modo externa oratione, sed etiam interna perficiuntur) tamen
ne tot genera nominum, et verborum confusionem in progressu pariant, de
solis vocalibus agendum est, praesertim cum omnis disserendi ratio, quae in
vocibus traditur, facile ad orationes mentis, et scriptas possit accommodari.

Sed obiiciet aliquis in hunc modum Vocalis oratio totam ex oratione


mentis vim habet, teste Aristotele, qui hoc ipsum usque adeo verum esse putat,
ut fateatur demonstrationem, quae omnium argumentationum firmissima
est, et omnino syllogismum, non in oratione externa, sed in ea quae in mente
efficitur, consistere (quod etiam in caeteris disserendi modis pari ratione fateri

necesse est) igitur si unum tantum genus verborum, ac nominum tractandum


videtur, de mentalibus potius, quam de vocalibus agendum est.

Occurrendum est tamen, et si oratio vocalis totam ex mentali vim habeat,


tamen quia voces, quam conceptus, multo sunt patentiores, et dilucidiores, in
vocibus potius, quam in conceptionibus mentis, tradendam esse Dialecticam,
sicque de vocalibus potius nominibus, et verbis, quam de mentalibus agendum

6 Nota do parágrafo: Aris. 3. Rhet ad Theod. / 2. Plato in Sophista. / D. August. initio categoriarum
Ammonius. Boëth. et D. Th. in primum peri berm. / Li. 1. et 2. / Lib. 3. / . Lib. 4./. Lib. 5. / . Lib. 6.7. ct.8
/Ordo naturae. / Ordo doctrinae. / Obiectio. / Dilutio. / Hoc lib. / Lib. 2. / Lib. 8.

56
Livro I das Instituições Dialéticas
as que, naquela arte, são as mais pequenas; as letras, na verdade, embora sejam
simplesmente as partes mais pequenas da oração, contudo, a sua análise não
pertence à Dialética, mas à Gramática. Assim, não há razão para que o tratado
da arte da Dialética comece pelas letras, em vez de começar pelos nomes e
pelos verbos.
Repartiremos, portanto, esta exposição acerca dos nomes e dos verbos
em duas partes: em primeiro lugar,36 falaremos sobre as várias designações dos
nomes e dos verbos; em seguida," agruparemos todas as coisas como que em dez
classes (que são por Aristóteles" chamadas categorias, isto é, predicamentos), a
fim de que se possam encontrar facilmente para construir todos os gêneros de
orações. Do uso dos nomes e dos verbos que os modernos chamam suposição, e
de algumas outras suas determinadas propriedades, falaremos no último livro"
destas Instituições, porque nos parece mais conveniente diferi-lo para esse
lugar.

Capitulo VII - De que nomes e verbos devemos tratar


Há três gêneros de nomes e de verbos: uns construídos pela mente, outros
pela voz, outros pela escrita. Os que residem na voz são sinais dos que estão
na mente; e os escritos são-no daqueles que residem na voz.* Mas, embora
todos estes pertençam à Dialética (pois a Dialética ensina todos os modos de
discorrer que se realizam não só por meio de uma oração externa mas também
interna), contudo, para que no desenvolvimento todos estes gêneros de nomes
e de verbos não gerem confusão, devemos tratar somente dos vocais, até porque
todo o método de discorrer, que é dado para as palavras, facilmente se pode
acomodar às orações mentais e escritas.
Mas objetar-se-á por esta forma: a oração vocal adquire a sua força
da oração mental, segundo testemunha Aristóteles," o qual tem isto por tão
verdadeiro que confessa consistir a demonstração, que é a mais firme de todas
as argumentações, e, sobretudo, o silogismo, não na oração externa, mas na que
é realizada na mente — e isto, é forçoso confessá-lo, com igual razão, também
para os restantes modos de discorrer. Portanto, se de um só gênero de nomes
e de verbos parece dever tratar-se, será dos chamados mentais, de preferência
aos vocais.
Deve, todavia, responder-se que, embora a oração vocal adquira da
mental toda a sua força, contudo, pelo fato de as palavras serem muito mais
36 Neste livro.
37 Livro II.
38 Nos Predicamentos e, frequentemente, em outros lugares.
39 A partir do cap. 19.
40 Da Interpretação, I, 1.
41 Segundo Analíticos, 1, 8.

57
Pedro da Fonseca

esse. Id quod Aristoteles, et caeteri omnes non hac tantum ratione fecerunt,
sed etiam quia interna oratione nemo alterum docere potest, incognitaque ex
notis alii patefacere, quod tamen quo pacto faciendum sit Dialecticus tradere
debet.

Eadem quoque ratione vocalia potius nomina, quam scripta tractantur


a Dialecticis, quia nimirum vocalis oratio longe clarior est, quam scripta.
Accedit co, quod multo etiam communior, et usurpatior. Nos igitur has ob
causas solam vocalem orationem tractaturi, de iis tantum nominibus, ac verbis,
quae in voce consistunt, disseremus. Sed quia perutile erit tria haec nominum,
et verborum genera prius inter se quo ad significandi rationem conferre, ante
omnia dicendum est, quid sit significare, quamque varia sint signorum, ac
significationum genera: deinde aperiendum est, quo pacto conceptus, voces, et
scripta significent: tandem ad explicanda ea nomina, et verba, de quibus agere
instituimus, aggrediendum.?

Caput VIII - De signis formalibus, & instrumentalibus


Atque ut alte, et a capite significandi modos repetam, Significare nihil
aliud est, quam potentiae cognoscenti, aliquid representare. Cum autem
omne, quod aliquid representat, sit signum rei, quae representatur, efficitur
ut quicquid rem aliquam significat, sit signum eius. Quare cum is, qui loquitur,
aut scribit, dicitur significare sententiam, aut voluntatem suam, non aliter id
accipiendum est, quam quo pacto is, qui lignis ignem admovet, urere ligna
dicitur, Ut enim hic dicitur urere, quia id applicat, quod urit, sic is, qui loquitur,
aut scribit, dicitur significare sententiam, voluntatemve suam, quia exhibet
signa, quae quid ipse sentiat, aut velit significant, qualia sunt verba, scripta,
nutus, et alia huiuscemodi.
Porro signa duabus divisionibus, dispartiuntur: altera in signa formalia,
et instrumentalia (liceat enim ita loqui) altera in naturalia, et ex instituto.
Signa formalia sunt similitudines, seu species quedam rerum significatarum
in potentiis cognoscentibus consignatae, quibus res significatae percipiuntur.
Huius generis est similitudo, quam mons obiectus imprimit in oculis: item ea,
quam amicus absens in memoria amici reliquit: item ea, quam quis de re, quam
nunquam vidit effingit. Dicuntur autem formalia signa, quia formant, et quasi
figurant potentiam cognoscentem

7 Nota do parágrafo: Tria genera nominum, et verborum. / 1. peri. 1. / Obiectio. / 1. post. 8. /


Dilutio. / Vocalis oratio ex mentali vim habet. / De solis vocalibus nominibus et verbis agendum. / Cap. 8.
et. 9. / Cap. 10. et. 11. / Cap. 12. etc.

58
Livro I das Instituições Dialéticas

patentes e claras que os conceitos, deve a Dialética ser apresentada em palavras,


de preferência a concepções da mente. E, assim, deve tratar-se antes de nomes
e de verbos vocais, que de mentais. Assim procederam Aristóteles e todos os
demais, não só por este motivo, mas até porque, mediante uma oração interna,
ninguém pode ensinar outro ou, a partir do conhecido, tornar-lhe patente o
desconhecido. Deve o dialético indicar como isso, no entanto, se pode fazer.
Também, pela mesma razão, são tratados pelos dialéticos os nomes vocais
de preferência aos escritos, porque a oração vocal é, sem dúvida, muito mais
clara que a escrita. E ainda porque é muito mais comum e mais empregada.
Por isso, nós, que por estas causas havemos de tratar unicamente da oração
vocal, discorreremos só acerca daqueles nomes e verbos que residem na voz.
Mas, porque será muito útil confrontar antes, 42 entre si, estes três gêneros de
nomes e de verbos, quanto ao modo de significar, dir-se-á, antes de tudo, o
que é significar e como são variados os gêneros de sinais e de significações;
seguidamente, 4 mostrar-se-á como significam os conceitos, as vozes e os
escritos; finalmente," iremos à explicação dos nomes e dos verbos de que
resolvemos tratar.

Capítulo VIII - Dos sinais formais e instrumentais


Para referir, remontando à origem, os modos de significar, diremos que
significar nada mais é que representar algo a uma potência cognoscente. Como,
porém, tudo o que representa alguma coisa é sinal da coisa que é representada,
sucede que o que representa alguma coisa é sinal dela. Por isso, quando se diz
que aquele que fala ou escreve significa a sua opinião ou vontade, isto não se
deve tomar senão no sentido em que se diz que aquele que põe fogo à lenha
queima a lenha. Com efeito, assim como se diz que este queima por aplicar
• [fogo] que queima, assim se diz que quem fala ou escreve significa a sua
opinião ou vontade por mostrar sinais que significam o que ele mesmo sente
ou quer: quais são as palavras, a escrita, os gestos e outros deste gênero.
Os sinais distribuem-se em duas divisões: uma, a dos sinais formais e
instrumentais (seja lícito falar assim); outra, a dos naturais e convencionais. Sinais
formais são semelhanças ou certas imagens das coisas significadas gravadas nas
potências cognoscentes, mediante as quais as coisas significadas se percebem.
Deste teor é a semelhança que o monte situado em frente imprime nos olhos;
igualmente a que o amigo ausente deixa na memória do amigo; e também a
que alguém representa no espírito acerca de uma coisa que nunca viu. Estes

42 Cap. 8 e 9.
43 Cap. 10 c 11.
44 Cap. 12 e ss.

59
Pedro da Fonseca

Signa instrumentalia sunt ea, quae potentiis cognoscentibus obiecta,


in alterius rei cognitionem ducunt. Huius generis est vestigium animalis
in pulvere impressum, fumus, statua, et alia huiusmodi. Nam vestigium est
signum animalis, a quo impressum est: fumus vero, ignis latentis: statua
denique, Caesaris, aut alicuius alterius. Haec dicuntur signa instrumentalia,
vel quia his quasi instrumentis, conceptus nostros aliis significamus: vel quia
quemadmodum artifex, ut instrumento moveat materiam, necesse est, ut
moveat instrumentum, sic potentiae ad cognoscendum aptae, ut hoc signorum
genere rem aliquam cognoscant, necesse est ut haec signa percipiant. Hinc
colliges apertissimum discrimen inter haec signa, et superiora: illa siquidem
non sunt a nobis necessario percipienda, ut ipsorum perceptione in rei
significatae cognitionem veniamus: haec autem nisi percipiantur, nemini
alicuius rei cognitionem adducent. Differunt etiam hac ratione, quod priora
illa nec admodum usitate nominantur signa, nec satis proprie dicuntur
repraesentare: haec vero posteriora, maxime. Unde Divus Augustinus quasi
complexus omnia, quae populari sermone signa dicerentur, hoc modo signum
definivit. Signum est, quod et se ipsum sensui, et praeter se aliquid animo
ostendit.8

Caput IX - De signis naturalibus, & ex instituto


Signa naturalia sunt, quae apud omnes idem significant: seu potius, quae
sua natura aliquid significandi vim habent. Quomodo gemitus est signum
doloris: et risus, latitiae. Signa vero ex instituto sunt, quae ex hominum
voluntate, et quadam quasi compositione significant. Quorum rursus duo
sunt genera. Nam quaedam significant ex impositione, utpote voces, quibus
homines colloquuntur, et scripta, quibus absentes inter se communicant: alia
ex consuetudine, et communi usurpatione: quo pacto ea, quae pro foribus
appenduntur, significant res venales. Eorum porro, quae ex impositione
significant, duplex est significatio propria, et impropria. Propria est, quam sibi
signa ex prima impositione vendicant: qualis ea est, qua vox Homo significat
veros homines, et Leo veros leones. Impropria est ea, ad quam ob aliquam
rerum af nitatem signa traducuntur: cuiusmodi est illa, qua Homo signi cat
homines depictos, et Leo viros robustos.

8 Nota de parágrafo: Significari quid. / Duae signorum divisiones / Signaformalia. / Signa


instrumentalia. / Discrimen inter signa forma. Et instrum. / Alterum discrimen. / Lib. de principiis
Dialect

60
fi
fi
Livro I das Instituições Dialéticas

sinais dizem-se formais porque dão forma e em certo modo figura à potência
cognoscente.
Sinais instrumentais são as coisas que, postas à frente das potências
cognoscentes, conduzem ao conhecimento de outra. Deste gênero é a pegada
de animal impressa no pó, o fumo, a estátua, e outros assim. Com efeito, a
pegada é sinal do animal que a imprimiu; o fumo, de fogo latente; a estátua,
finalmente, de César ou de qualquer outro homem. Estes sinais dizem-se
instrumentais, ou porque por eles, como instrumentos, significamos a outros
os nossos conceitos, ou porque, do mesmo modo que o artífice, para mover
a matéria com o instrumento, necessita de mover o instrumento, assim as
potências aptas para o conhecimento, para conhecerem alguma coisa, por
meio deste gênero de sinais, necessitam de os perceber. Daqui se deduzirá
a claríssima distinção entre estes sinais e os anteriores: com efeito, aqueles
não têm de ser necessariamente percebidos por nós para, por meio da sua
percepção, chegarmos ao conhecimento da coisa significada; estes, porém, se
não são percebidos, a ninguém trazem o conhecimento dela. Diferem também
pela razão de que os primeiros nem são habitualmente chamados sinais, nem
com grande exatidão se diz que significam; mas estes últimos significam ao
máximo. Daí que Santo Agostinho," como que abrangendo todos os que na
conversação popular seriam chamados sinais, definiu o sinal deste modo: sinal
é aquilo que a si mesmo se mostra aos sentidos e, além de si, mostra algo ao
espírito.

Capítulo IX - Dos sinais naturais e convencionais


Sinais naturais são os que significam o mesmo para todos: ou, antes,
os que, de sua natureza, têm a propriedade de significar algo. Assim como o
gemido é sinal de dor, também o riso é sinal de alegria. Sinais convencionais
são os que significam por vontade e como que por certa combinação dos
homens. Destes há também dois gêneros. Com efeito, uns significam por
imposição, como são as vozes com que os homens conversam e os escritos
com que, estando ausentes, comunicam entre si; outros, por costume e uso
comum. Deste modo, as coisas que estão penduradas às portas chamam-se
coisas venais. Além disso, a significação dos que significam por imposição é
dupla — própria e imprópria. Própria é a que os sinais reivindicam para si
pela primeira imposição, como é aquela pela qual a palavra homem significa
verdadeiros homens e leão verdadeiros leões. Imprópria é aquela em que os
sinais se interpretam segundo alguma afinidade das coisas; é deste teor aquela
pela qual homem significa os homens de uma pintura, e leão homens corajosos.

45 Livro Dos Princípios Dialéticos.

61
Pedro da Fonseca

Fere autem omnia verba ad aliquem modum (tpó Graeci vocant)


traducta, et immutata, impropriam habent significationem; ut quae per
Metaphoram, Catachresim, Metalepsim, et Metonymiam immutantur. Dixi
autem fere, quia saltem quae per Onamatopociam significant non videntur
improprie usurpari. Quis enim dicat hanc dictionem Clangor imitatione rei
fictam, improprie significare sonum tubae, et Latratus vocem canis domestici?
De Sinecdoche, et Antonomasia alii iudicent. Sed haec quae de propria, et
impropria significatione breviter attigimus, a Grammaticis petenda sunt.

Eorum rursus, quae proprie significant, quaedam dicuntur Categoremata,


quaedam Syncategoremata. Categoremata, teste Cicerone, appellantur ea, quae
de quodam, aut quibusdam dicuntur, ut Crasus, Dives, et similia. Haec enim
dictio Croesus, de uno quodam homine dicitur, Dives de multis. Nec refert quod
Cicero nomine categorematis res significatas intelligat, nos vero ipsa signa
rebus sigificandis imposita. Utraque enim apte appellantur Categoremata,
quasi Dicibilia, quia de uno, aut pluribus dicuntur. Sincategoremata vero (quasi
dicas, categorematis conducentia) vocantur ea, quae non dicuntur de aliquo,
aut aliquibus, sed tamen categorematis, ut certum orationis sensum efficiant,
adiumentum afferunt: ut Croesi, Divitis, Docte, Sapienter, Omnis, Nullus, Si,
Cum, Aut, Ab.
Et catera huiusmodi. Haec de variis signorum, et significationum
generibus videntur satis. Proximum est ut, quo pacto conceptus, voces, et
scripta significent, dicamus?

Caput X - Quo pacto conceptus, voces, E scripta significent.


Primum conceptus sunt signa formalia: voces autem, et scripta
numerantur in instrumentalibus, ut recentiores notant. Nam conceptus sunt
similitudines quaedam rerum significatarum in intellectu consignatae, quas non
necesse est cognoscere, ut ipsarum interventu res significatae cognoscantur:
voces autem, et scripta, sunt signa externa, quae, nisi potentiis cognoscentibus
obiiciantur, in cognitionem rerum significatarum neminem inducent.

Deinde conceptus sunt signa naturalia earum rerum, quas significant:


voces autem, quibus colloquimur, et scripta, quibus cum absentibus
communicamus, sunt signa ex instituto. Conceptus enim, ut ait Aristoteles,
sunt idem apud omnes, hoc est, idem suapte natura apud omnes significant:
voces vero, et scripta, non item, ut satis apertum est.
9 Nota do parágrafo: Signa naturalia. / Signa ex instituto. / Ex impositione. / Ex consuctudine. /
Significatio propria. / Impropria. / Fere omnes tropi impropriam significationem continent. Vide
Quintilianum lib. 8. cap. 6. et lib. 9. capit. 1. / Categoremata. 4. tusculas. quaest. / Tum res tum signa rerum
dicuntur categoremata. / Syncategoremata.

62
Livro I das Instituições Dialéticas

Todavia, quase todas as palavras adaptadas e mudadas para algum modo


(tropo, chamam-lhe os gregos) têm uma significação imprópria, como as que
se mudam por meio da metáfora, da catacrese, da metalepse e da metonímia.
Porém, disse quase, porque, pelo menos as que significam por meio da
onomatopeia, não parecem ser usadas impropriamente. Pois quem dirá que
esta dicção clangor, feita segundo a imitação da coisa, significa impropriamente
o som da trombeta, e latido a voz do cão doméstico? Acerca da sinédoque e da
antonomásia, outros que ajuízem. Mas o que tocamos com brevidade sobre a
significação própria e imprópria deve ser requerido aos gramáticos.
Ainda dos que significam propriamente, uns dizem-se categoremas, outros
sincategoremas. Categoremas, segundo Cícero,* são aqueles que se dizem de
certo ou de certos, como Creso, rico, e outros semelhantes. De fato, esta dicção
Creso diz-se só de um certo homem; rico, diz-se de muitos. Mas não importa
que Cícero, pelo nome de categorema, entenda as coisas significadas, e nós, os
próprios sinais impostos às coisas a significar. Com efeito, ambos se chamam
categoremas, como que dizíveis, porque se dizem de um ou de vários. São
chamados sincategoremas (como se se dissesse: condutores de categoremas)
aqueles que se não dizem de algum ou alguns, mas trazem, contudo, um auxílio
aos categoremas, dando um sentido determinado à oração, como: de Creso, de
rico, doutamente, sabiamente, todo, nenhum, se, com, ou, por e outros semelhantes.
Parece suficiente o que dissemos sobre os vários gêneros de sinais e
significações. Vamos falar agora de como significam os conceitos, as vozes e
a escrita.

Capítulo X - Como significam os conceitos, as vozes e a escrita.


Primeiramente, os conceitos são sinais formais; as vozes, porém, e
a escrita enumeram-se entre os instrumentais, como notam os modernos.
Efetivamente, os conceitos são certas semelhanças das coisas significadas,
gravadas no intelecto, as quais não é forçoso conhecer para que por meio delas
se conheçam as coisas significadas; mas as vozes e a escrita são sinais externos
que, se se não apresentam às potências cognoscentes, a ninguém darão o
conhecimento das coisas significadas.
Além disso, os conceitos são sinais naturais das coisas que significam; as
vozes, com que conversamos, e a escrita, com que comunicamos com os ausentes,
são sinais convencionais. De fato, os conceitos — como diz Aristóteles^7 — são
os mesmos para todos, isto é, de sua natureza significam o mesmo para todos;
não assim as vozes e a escrita, como é evidente.

46 Questões Tusculanas, IV.


47 Da Interpretação, I, 1.

63
Pedro da Fonseca

Denique conceptus significant res immediate, id est, nullo alio interiecto


signo: voces autem intervenientibus rerum conceptibus, quorum sunt proxima
signa, et notae, ut ait Aristoteles: scripta vero non solum intervenientibus
rerum conceptibus, sed etiam mediis vocibus. Id enim, quod scripta proxime
obiciunt menti, sunt voces. Multi siquidem legendo exprimunt voces, quas
scripta significant, nullum interim formantes conceptum rerum significatarum,
ut patet in is, qui latinas literas legunt, nec tamen intelligunt.

Verum non est necesse, ut cum ego audio vocem significativam


alicuius rei, duo in me gignantur conceptus, alter ipsius conceptus rei, alter rei
significatae. Nec item cum lego verbum aliquod apud Aristotelem, opus est,
ut tria concipiam, vocem, quae rem significat, quaeque vocabulo respondet,
conceptum rei, et rem significatam. Mens enim celeritate sua statim praevolat
ad rem, praetergressis saepe mediis signis interiectis inter primum signum, et
rem significatam.'°

Caput XI - De conceptu Medio, & Ultimo


Illud tamen est omnino necessarium, ut cum audimus voces, aut legimus
scripta significativa ex instituto, duo semper in nobis conceptus gignantur, alter
ipsus vocis, aut scripturae, qui in homine etiam ignaro idiomatis gigni potest,
alter rei significatae, qui non gignitur, nisi in eo, qui tenet significationem
vocabuli. Voces namque, et scripta sunt signa instrumentalia, ut dictum
est, quae necessario sunt percipienda, si ipsorum interventu res significatae
cognoscendae sunt.

Ac prior ille conceptus dici solet, non ultimatus, posterior Ultimatus.


Aptius tamen ille diceretur Medius, hic Ultimus. Inter quos conceptus hoc
discrimen perspice, quod Medius significat naturaliter ipsam vocem, aut
scripturam, quae proponitur, cum sit naturalis imago vocis, aut scripturae,
Ultimus vero ab ipsa eadem voce, aut scriptura ex impositione significatur.
Nam cum homines imponunt voces, aut scripta rebus significandis, simul
etiam imponunt eadem significandis conceptibus rerum: id quod Aristoteles,
quod ad voces attinet, plane significat cum ait, voces esse notas, seu signa
conceptuum, non ita tamen, ut idem apud omnes significent.

10 Nota do parágrafo: Primum discrimen significationis conceptuum a significatione vocum, et script.


/ Secundum discrimen. / 1. peri. 1. / Tertium discrimen. / 1. peri. 1. / Nota. / Mens saepe praeter greditur
signa medis.

64
Livro I das Instituições Dialéticas

Finalmente, os conceitos significam as coisas imediatamente, isto é,


sem a interposição de qualquer sinal; as vozes, porém, com a intervenção dos
conceitos das coisas de que são sinais próximos e notas, como diz Aristóteles; 48
e a escrita não só com a intervenção dos conceitos das coisas, mas ainda das
vozes. Com efeito, o que a escrita proximamente oferece à mente são as vozes.
De fato, muitos, lendo, exprimem as vozes que a escrita significa, não formando,
no entanto, nenhum conceito das coisas significadas, como é claro naqueles
que leem latim sem o entenderem.
Mas não é necessário que, ao ouvir eu uma voz significativa de alguma
coisa, se gerem em mim dois conceitos, um do próprio conceito da coisa e
outro da coisa significada. Nem, quando leio alguma palavra em Aristóteles, é
forçoso que conceba três coisas: a voz que significa a coisa e que corresponde
ao vocábulo, o conceito da coisa e a coisa significada. Com efeito, a mente, com
a sua rapidez, voa imediatamente para a coisa, sem fazer caso, muitas vezes, dos
sinais médios interpostos entre o primeiro sinal e a coisa significada.

Capítulo XI - Dos conceitos médio e último


Todavia, é absolutamente necessário que, quando ouvimos vozes ou
lemos coisas escritas, significativas por convenção, se gerem sempre em nós
dois conceitos: um da própria voz ou escrita — e este pode gerar-se até no
homem ignorante do idioma; outro da coisa significada — e este só se gera
em quem possuir a significação do vocábulo. Na verdade, as vozes e a escrita
são sinais instrumentais, como foi dito,* os quais necessariamente devem ser
percebidos, uma vez que é, por sua intervenção, que se tem de conhecer as
coisas significadas.
Ora o primeiro conceito costuma dizer-se não ultimado; o segundo,
ultimado. Todavia, mais expressivamente se diria que aquele é médio, e este,
último. Note-se, entre os dois conceitos, esta diferença: o médio significa
naturalmente a própria voz ou a escrita que são propostas, uma vez que é
a imagem natural da voz ou da escrita. O último, porém, é significado, por
imposição, pela mesma voz ou escrita. De fato, quando os homens impõem
às vozes ou a escrita às coisas que devem ser significadas, impõem-nas
simultaneamente à significação dos conceitos das coisas — o que Aristóteles, 5°
no que respeita às vozes, claramente significa quando diz que elas são notas ou
sinais dos conceitos, porém, não de tal modo que signifiquem o mesmo para
todos.

48 Da Interpretação, 1, 1.
49 Cap. 10.
50 Da Interpretação, I, 1.

65
Pedro da Fonseca

Addunt recentiores, conceptum medium significare ex impositione,


et conceptum ultimum, et rem, quam ultimus naturaliter significat. Verbi
causa, conceptum medium huius vocis Homo, significare ex impositione, et
conceptum ultimum eiusdem vocis, qui quidem est naturalis conceptus
hominis, et hominem ipsum. Nam cum voces aut scripta imponuntur rebus
significandis, simul etiam ex quadam consecutione, videntur imponi conceptus
naturales ipsorum. Cui sententiae, cum vera videatur, non repugnabo. Sed
missis iam hoc loco conceptibus, et scriptis, ad tractanda deinceps nomina, et
verba vocalia aggrediamur."

Caput XII - De nomine


Nomen est vox significans ex instituto, definite, ac sine tempore,
cuius nulla pars significat separatim, queque adiuncto Est, aut Non est, efficit
orationem, quae verum, aut falsum significet: ut Homo,, Socrates, et aliae
huiusmodi voces. In hac definitione, Vox reiicit conceptus, et scripta. Significans
reïicit eas voces, quae nihil significant, ut Blictri, et alias huiuscemodi. Ex
instituto reiicit voces significantes naturaliter, ut gemitus, et alias permultas
interiectiones. Definite reiicit nomina, et verba infinita, ut Non homo, Non
valet, quae Aristoteles non simpliciter nomina, aut verba, sed nomina infinita,
et verba infinita appellanda esse censet, eo quod nullum certum entis veri,
aut ficti conceptum intellectui subiiciunt, cum et de iis quae sunt, et de iis,
quae non sunt, dicantur. Sine tempore reiicit verba finita, et participia, quae
quidem omnia tempus adsignificant. Nam et si pleraque nomina significant
tempus, ut Dies, Hora, Annus, nullum tamen certam differentiam temporis,
praesentis scilicet, preteriti, aut futuri suae significationi adiungit, quod
quidem est adsignificare tempus, seu significare cum tempore. Illud vero, Cuius
nulla pars significat separatim, reiicit orationes. Omnis namque orationis pars
aliqua separatim, ac per se in ipsa orationis structura significat, ut in his duabus
orationibus, Homo albus, Homo sedet, cernere licet, in nullo autem nomine, etiam
si compositae figurae sit, qualia sunt Respublica, et Senatus consultum, pars ulla
quicquam declarat separatim. Illud denique, Quaeque adiuncto Est, et caetera,
reiicit casus nominum, ut Platonis, Platoni, et reliqua omnia Syncategoremata,
ut coniunctiones, et praepositiones, immo etiam, ut quidam volunt, adiectiva
adiective accepta, ut Candidis, quoniam apposito hisce verbo Est, sive affirmato,
sive negato, nunquam efficitur oratio, quae verum, aut falsum significet, quod
perspicuum erit, si dicas, Platonis est, Platoni non est, et ita in cateris.

11 Nota do parágrafo: Duo semper gignuntur conceptus cum proponitur vox, aut scriptura significans
ex instituto. / Cap. 10. / Non ultimatus. Ultimatus. / Discrimen inter conceptum medium et ultimum. / 1.
Peri. 1. / Conceptus medius significat ex impo. et conceptum ultimum, et rem significatam.

66
Livro I das Instituições Dialéticas

Acrescentam os modernos que o conceito médio significa, por


imposição, não só o conceito último, mas também a coisa que este último
naturalmente significa. Por exemplo, o conceito médio da palavra homem
significa, por imposição, não só o conceito último da mesma — que é o conceito
natural de homem — mas também o próprio homem. Pois, quando as vozes
ou a escrita são impostas às coisas a significar, parecem impor-se também, ao
mesmo tempo, por certa consequência, os conceitos naturais das mesmas. Não
me oporei a esta opinião, pois parece verdadeira. Mas, dados já neste lugar os
conceitos e a escrita, comecemos agora a tratar dos nomes e dos verbos vocais.

Capítulo XII - Do nome


Nome é a voz que significa por convenção, definidamente e sem tempo,
da qual nenhuma parte em separado significa, e a qual, juntando-se-lhe é ou não
é, faz uma oração que significa o verdadeiro ou o falso,"' como homem, Sócrates
e outras vozes assim. Nesta definição, voz exclui os conceitos e a escrita. Que
significa exclui as vozes que nada significam como blitri e outras deste teor. Por
convenção exclui as que significam naturalmente, como gemido e muitas outras
interjeições. Definidamente exclui os nomes e os verbos infinitos, como não
bomem, não vale, que Aristóteles pensa deverem chamar-se não simplesmente
nomes ou verbos, mas nomes infinitos e verbos infinitos, pelo fato de não
levarem ao intelecto nenhum conceito certo de ente verdadeiro ou imaginário,
visto que se dizem das coisas que são e das que não são. Sem tempo exclui os
verbos finitos e os particípios, pois todos estes significam com referência ao
tempo. Com efeito, embora vários nomes signifiquem tempo, como dia, hora,
ano, nenhum, contudo, acrescenta uma diferença determinada de tempo, isto é,
de presente, de pretérito ou de futuro, à sua significação; isto é que é significar
com tempo. E da qual nenhuma parte em separado significa exclui as orações. De
fato, em separado e por si, na estrutura da oração, qualquer parte de uma oração
significa," como se pode ver nestas duas orações: homem branco, o homem senta-
se; em nenhum nome, porém, ainda que seja de figura composta, como são
república e decreto do senado, parte alguma em separado declara qualquer coisa.
Finalmente, a expressão junto é, etc., exclui os casos dos nomes como de Platão,
a Platão e todos os restantes sincategoremas, como conjunções, preposições e
até, como querem alguns, adjetivos adjetivamente tomados, como cândido, pois
que, aposto o verbo é, quer afirmativamente, quer negativamente, nunca se faz
uma oração que signifique o verdadeiro ou o falso — o que será evidente se se
disser é de Platão, para Platão não é, e assim por diante.

51 Da Interpretação, 1, 2.
52 No livro III, cap. 1.

67
Pedro da Fonseca

Quod si quis obiiciat, multa esse pro nomina, quae adiuncto verbo Est
efficiant orationem, quae verum, aut falsum significet, quales hae sunt, Ego
sum, Tu es, Ille est, quare pronomina esse nomina, quod videtur absurdum:
occurres, pronomina non ratione sui id efficere, sed ratione nominum, pro
quibus in oratione ponuntur: hanc autem extremam nominum conditionem
sic esse intelligendam, ut nomen ratione sui id efficere dicatur.12

Caput XIII - Quae nam partes significent per se in ipsa totius


vocis structura
Verum quia non facile est internoscere, que partes significent separatim,
ac per se in ipsa totius vocis compositione, quae vero minime, duo traduntur
a recentioribus documenta, quibus id depreendere possimus. Alterum est, ea
pars vocis, quae, ut est in tota voce, peculiarem ingenerat in mente notionem,
significat per se in eiusmodi voce. Hinc colligimus nec Do, nec Minus
significare per se in hac dictione Dominus. Nam cum tota dictio auditur, in
nullius mente duo gignuntur conceptus, quorum alter respondeat parti Do,
alter parti Minus. At vero quia audita hac oratione, Vir sapiens, duae in nobis
pro ducuntur notiones duabus his partibus, Vir, et Sapiens, respondentes,
intelligimus easdem partes per se in ipsa totius vocis structura significare.

Alterum documentum est, ea pars totius vocis, cuius significationem qui


tolleret efficeret ne tota vox significaret id, quod antea significabat, significat
per se in ipsa totius vocis compositione. Hinc colligimus partes harum
dictionum Dominus, Respublica, et aliarum huiusmodi, sive simplicis, sive
compositae figurae, que significant extra ipsam totius compositionem, non
significare quicquam in totis vocibus. Nam etiam siquis huiusmodi partium
significationem tolleret, non idcirco tamen efficeret ut totae ipsae, ac integrae
dictiones, suas amitterent significationes, quod contra omnino dicendum esset
in hac oratione Homo sapiens, et in caeteris vocibus huius generis. Causa est,
quia voces prioris generis totae, ac integrae imponuntur ad significandum,
quae autem in posteriori genere numerantur, non, nisi per partes. Hinc enim
primum fit, ut cuique illarum unus tantum respondeat conceptus, harum
autem singulis, plures. Deinde hoc sequitur, ut illae non desinant significare,
etiam si a singulis partibus suis alias significantibus tollatur significatio, hae
vero desinant. Veruntamen multae sunt voces, quae, et si simpliciter orationes
sint multasque notiones in mente gignant, tamen inopia vocabulorum pro
nominibus usurpantur, quibus proinde auditis simplices formamus conceptus,

12 Nota do parágrafo: 1. Peri. 2. / Nomina et verba infinita. / Quid significare cum tempore. / 3. Lib.
ap. 1. / Aiectiva adiectiva accepta. / Qua ratione pronomina reiiciantur a difinitione nominis.
Livro I das Instituições Dialéticas

Mas se se objetar que há muitos pronomes que, ajuntado o verbo é,


fazem uma oração que significa o verdadeiro ou o falso, como, por exemplo,
eu sou, tu és, ele é, porque os pronomes são nomes, o que parece absurdo -
responder-se-á que os pronomes o fazem não em razão de si mesmos, mas
em razão dos nomes, em vez dos quais se põem na oração; mas esta última
condição dos nomes deve ser entendida de tal maneira que se diga que o nome
o faz em razão de si.

Capítulo XIII - Quais as partes que significam por si, na


própria estrutura da voz toda
Mas, porque não é fácil distinguir quais as partes que, na própria
composição da voz toda, significam em separado e por si, e quais as que não,
duas regras são dadas pelos modernos para, por elas, podermos reconhecê-lo.
Uma é: a parte da voz que, como está na voz toda, produz na mente uma noção
peculiar, significa por si mesma numa voz do mesmo gênero. Daqui inferimos
que nem se nem nhor significam por si na palavra senhor. Com efeito, quando
se ouve toda a palavra, em mente nenhuma se geram dois conceitos, um dos
quais corresponda à parte se, outro à parte nhor. Mas porque, ouvida a oração
homem sábio, se produzem em nós duas noções, correspondentes às duas partes,
homem e sábio, entendemos que as mesmas duas partes, na estrutura própria
da voz toda, significam por si.
A outra regra é: a parte de toda a voz que, suprimida a sua significação,
fizesse que a voz toda não significasse o mesmo que antes, significa, por si
mesma, na própria composição da voz toda. Daqui colhemos que as partes
destas dicções senhor, república e de outras deste gênero, quer de forma
simples quer composta, que significam fora da própria composição de toda
a voz não significam nada nas dicções de que são partes. Pois, muito embora
se suprimisse a significação de tais partes, todavia, nem por isso se faria que
as dicções todas e íntegras perdessem as suas significações, devendo dizer-se
totalmente o contrário desta oração homem sábio e outras vozes deste gênero.
E a causa é que as vozes do primeiro gênero impõem-se, todas e íntegras, para
significar; mas, as que se enumeram nó segundo gênero não se impõem para
significar, a não ser por partes. Daqui, pois, sucede, primeiramente, que a cada
uma daquelas corresponde um só conceito; a cada uma destas, correspondem
vários. Depois, segue-se que aquelas não deixam de significar, ainda que se
suprima a significação de cada uma das suas partes que têm várias significações;
estas, porém, deixam de significar. Entretanto, há muitas vozes que, embora
sejam simples orações e produzam muitas noções na mente, todavia, por causa
da pobreza de vocábulos, se usam em vez de nomes, como: Sumo Pontifice,

69
Pedro da Fonseca

quiles dins, Summus pontifex, Alexander Magnus, Corpus animatum, et ali

Caput XIV - De verba


Verbum est vox significans ex instituto, definite ac cum tempore
praesenti, cuius nulla pars significat separatim, et semper corum, quae de alio
predicantur, est nota, ut Valet, Disputat. Omnes particulae huius difinitionis
perspicuae sunt ex dictis, practer extremam, cuius hic est sensus, Et semper,
cum in enuntiatione ponitur, est signum eius, quod in ea praedicatur, seu, ut
planius dicam, Et semper cum in enunciatione ponitur praedicatur vice sui
significat. Exempli causa, in hac enunciatione, Socrates disputat, hoc verbum
Disputat praedicatur de Socrate loco rei, quam significat, et sic caetera.

Enunciatio vero, ut obiter dicam, est oratio, quae verum, vel falsum
significat: praedicari autem est affirmari, aut negari de aliquo, sive id vere fiat,
sive falso. Unde praedicatum dicitur id, quod de aliquo affirmatur, aut negatur:
subiectum vero id, de quo affirmatur, aut negatur praedicatum. Sed de hisce
inferius. Hac igitur extrema definitionis particula eiiciuntur verba praesentis
temporis, quae non sunt indicativi modi, ut Disputa, Disputare, et participia
eiusdem temporis, ut disputans, quae quidem superioribus particulis reiici
non possunt. Reiiciuntur ergo, quia quadam corum reperias, quae nunquam
praedicentur, ut Disputa: alia vero, quae et si nonnunquam praedicentur,
aliquando tamen non predicantur, ut Disputare, Disputans, et similia. Si enim
dicas, Disputare est de questione proposita cum altero contendere, Disputans
loquitur, nec illud Disputare, nec illud Disputans praedicabuntur. Sola igitur,
ac omnia verba finita praesentis temporis indicativi modi compreenduntur, in
hac definitione, ut Disputo, Disputas, Deambulo, Deambulas.

Quod si quis obiiciat, in hac enunciatione, deambulo est verbum, illud


deambulo non predicari, ergo non esse verum id, quod docuimus, Nullum,
inquam, verbum in enunciatione aliqua poni, quin in eadem praedicetur:
occurrendum est, id, quod docuimus verum esse cum verba ponuntur, et
accipiuntur in enunciatione pro rebus, quas significant: verbum autem
Deambulo in proposita enunciatione nec poni, nec accipi pro suo significato.
Neque enim sensus enunciationis est, quod res, quam significat vox Deambulo,
sit verbum, sed quod ipsa vox deambulo sit verbum.

13 Nota do parágrafo: Primum documentum. / Secundum documentum. / Causa utriusque


documenti. / Multae orationes inopiae vocabulorum pro nominibus usurpantur.
Livro I das Instituições Dialéticas

Alexandre Magno, corpo animado e outras deste teor, ouvidas as quais, formamos
conceitos simples.

Capítulo XIV - Do Verbo


Verbo é uma voz que significa por convenção, definidamente e com
tempo no presente, da qual nenhuma parte significa em separado, e é sempre
nota daquelas coisas que se predicam de outro, como: vale, disputa Todas
as parcelas desta definição são evidentes pelo que ficou dito, exceto a última,
cujo sentido é este: e é sempre..., como se põe na enunciação, é sinal daquilo
que nela é predicado, ou, para dizer mais claramente: e é sempre..., como se
põe na enunciação, predica-se em vez do seu significado. Por exemplo, nesta
enunciação Sócrates disputa, o verbo disputa predica-se de Sócrates em vez da
coisa que significa, e assim os restantes.
Mas, diga-se de passagem, a enunciação é uma oração que significa o
verdadeiro ou o falso, e ser predicado é ser afirmado ou negado acerca de algo,
quer isto se faça verdadeira quer falsamente. Por isso se diz predicado o que
se afirma ou o que se nega de alguma coisa. E sujeito aquilo de que se afirma
ou se nega alguma coisa. Mas destes [trataremos] mais abaixo.54 Excluem-se,
portanto, com esta última parcela da definição, os verbos do tempo presente
que não sejam do modo indicativo, como disputa [imperativo], disputar e
os particípios do mesmo tempo, como disputando, os quais não podiam ser
excluídos pelas parcelas anteriores. Excluem-se, portanto, porque alguns deles
ver-se-á que nunca se predicam, como disputa [imperativo]; outros, porém,
há que, embora se prediquem algumas vezes, outras não se predicam, como
disputar, disputando e semelhantes. Se, porém, se disser: disputar é lutar com
outro acerca de uma questão proposta; e, igualmente, disputando fala-se — nem
disputar nem disputando se predicarão. Por isso, todos os verbos finitos do
tempo presente do modo indicativo, e só eles, se compreendem nesta definição,
como disputo, disputas, passeio, passeias.
Se alguém objetar que, nesta enunciação, passeio é verbo, que aquele
passeio não se predica, e, por isso, não é verdade o que ensinamos, que nunca
o verbo se põe na enunciação sem que se predique na mesma. Responder-
se-á: que é verdadeiro o que ensinamos, quando os verbos se põem e se
tomam na enunciação pelas coisas que significam; que o verbo passeio, porém,
na enunciação proposta, nem se põe nem se toma pelo seu significado.
Efetivamente, o sentido da enunciação não é que a coisa, significada pela voz
passeio, seja verbo, mas que a própria voz passeio seja verbo.

53 Da Interpretação, I, 1. Amônio e Santo Tomás, no mesmo lugar.


54 Livro III, 3; e Livro VI, 9.

71
Pedro da Fonseca

Eodem fere modo occurres ei, qui opposuerit, verbum Est in hac
enunciatione, Adamus est animal, non praedicari. Dices enim, id non esse
mirum, quia non accipitur pro suo significato, quod est existere, ut accipitur in
hac enunciatione, Adamus est, sed exercet tantum officium syncategorematis
copulantis praedicatum cum subiecto, qua ratione copula verbalis appellari
solet. Itaque hoc est verborum proprium, ut, cum in enunciatione pro suis
significatis capiuntur, semper corum vice de subiecto aliquo dicantur. Idquod
ex ipsa verborum natura nascitur. Verba enim, quae verba sunt, hoc peculiare
habent, ut ipsa per se ac sine ullo vinculo extrinsecus assumpto, praedicari
possint. Exempli causa, ut verbum Disputat de Socrate praedicetur, non est
opus ut quaeratur externum aliquod vinculum ad predicationem perficiendam:
quoniam ipsum sese nomini adiunctum enunciationem absolvet, ut si dicas,
Socrates disputat. Quod tamen satis non erit, ut aliud quodcumque categorema
de subiecto proposito dicatur. Nam si nomini Socrates solum adiunxeris exempli
causa, nomen Philosophus, aut participium Disputans, dixerisque, Socrates
Philosophus, aut Socrates disputans, non absolveris haud dubie enunciationem,
sed necesse erit ut asciscas vinculum Est, cuius interpositu fiat alterius partis
de altera praedicatio.
Quia igitur haec est verborum propria natura, ut per seipsa praedicari
possint, nec egeant nisi subiecto, de quo dicantur, hinc est quod in enunciatione
posita, et pro suis significatis accepta semper de altero praedicentur, quocunque
modo mutentur partes enunciationis. Veluti si dicas, Plato disputat, Disputat
Plato, Plato disputat in Academia, Plato in Academia disputat, In Academia Plato
disputat, aut alio quovis modo enunciationem extruas. 4

Caput XV - De iis, quae ad nomen, & verbum revocantur


Cum autem praeter nomen, et verbum, aliae multae voces in oratione
reperiantur, advertendum est earum quasdam apud Dialecticum non esse partes
orationis, sed partium vincula: quasdam vero partes. Partium autem, quasdam
esse minores orationes, et si simplices partes esse videantur: quasdam vero
non esse orationes, sed simplices partes. Denique earum, quae sunt simplices
partes, alias directo revocari ad nomen, et verbum: alias oblique. Voces, quae
apud Dialecticum non censentur partes orationis, sed vincula partium, sunt
permultae, ut Ab, Abs, Si, Vel, et fere praepositiones, et coniunctiones, In
his etiam numeratur adverbium Non, et verbum Est, qua ratione copulat
praedicatum cum subiecto: item signa universalia, et particularia, quae quidem
14 Nota do parágrafo: 1. Peri. 3. / Ammonius. Et D. Thomas ad eundem locum. / Enunciatio. /
Praedicari. / Praedicarum. / Subiectum. / Lib. 3. cap. 3. et lib. 6. cap. 9. / Verba in difinitione compreensa.
/ Obiectio. / Dilutio. / Dilutio alterius obiectionis. / Verbum Est dicitur copula verbalis. / Proprietas
verborum. / Verborum natura. / Non tollis verbi praedicationem partium enunciationis commutatio.

72
Livro I das Instituições Dialéticas

Quase do mesmo modo se responderá a quem alegar que, nesta enunciação


Adão é animal, o verbo é não se predica. Com efeito, deverá responder-se que
não é para admirar, visto que se não toma segundo o seu significado, que é o de
existir, como é tomado nesta enunciação Adão é, mas somente exerce a função
de sincategorema, copulando o predicado ao sujeito, razão por que se costuma
chamar cópula verbal. Portanto, é próprio dos verbos, quando na enunciação
se tomam pelos seus significados, dizerem-se sempre de algum sujeito, em
vez deles. E isto nasce da própria natureza dos verbos. Pois, os verbos, que
são verbos, têm isto de peculiar: eles mesmos, e sem vínculo algum assumido
extrinsecamente, podem predicar-se. Por exemplo, para que o verbo disputa se
predique de Sócrates, não é preciso que, para se realizar a predicação, se procure
algum vínculo externo, uma vez que ele mesmo, por si, ajuntado ao nome,
completará a enunciação, como se se disser: Sócrates disputa. Isto, contudo,
não será o bastante para que outro qualquer categorema se diga do sujeito
proposto. Pois, se ao nome Sócrates se juntasse somente, por exemplo, filósofo
ou o particípio disputante e se dissesse Sócrates filósofo ou Sócrates disputante,
sem dúvida não se completará a enunciação, mas será necessário acrescentar o
vínculo é, por cuja interposição se faça a predicação de uma parte à outra.
Por isso, visto que esta é a natureza dos verbos, de tal maneira que se
podem predicar por si mesmos e não necessitam senão de sujeito de que se
digam, daqui vem que, numa enunciação posta e tomada pelos seus significados,
sempre se predicam de outro, seja qual for o modo por que se mudem as partes
da enunciação, como se se disser: Platão disputa, disputa Platão, Platão disputa
na Academia, Platão na Academia disputa, na Academia Platão disputa — ou
qualquer que seja o modo de construir a enunciação.

Capítulo XV - Das coisas que se reduzem ao nome e ao verbo

Como, além do nome e do verbo, muitas outras vozes se encontram


na oração, deve advertir-se que, para o dialético, algumas delas não são partes
da oração, mas vínculos das partes; outras, porém, são partes. E das partes,
umas são orações mais pequenas, embora pareçam simples partes; outras não
são orações, mas simples partes. Finalmente, das que são simples partes, umas
reduzem-se diretamente ao nome e ao verbo, outras, obliquamente. As vozes
que para o dialético não se consideram partes da oração, mas vínculos das
partes, são muitíssimas, como por, de, se, ou, e quase todas as preposições e
conjunções. Entre estas, enumeram-se também o advérbio não e o verbo é,
pela razão de copularem o predicado com o sujeito. Igualmente se enumeram
os sinais universais e particulares que, sem dúvida, de algum modo estendem

73
Patro da Fonsera

certo quodam modo extendunt, aut contrabunt coniunctionem subiecti cum


predicato, ut Omnis, Aliquis, de quibus infra dicendum est: et alia huiuscemodi.
Voces, quae videntur esse simplices partes orationis, et tamen censentur
minores orationes, sunt illae, quae non continent expresse multas distinctas
dictiones, sed tamen ingenerant in mente aliquam orationem, ut Nemo, Nibil,
id est, Nullus bomo, Nulla res, Semper, Nunquam, et alia quam plurima adverbia:
Pupe, Apage, et aliae interiectiones.

Hae siquidem omnes voces, et aliae huiusmodi simpliciter et absolute


sunt orationes, ut infra dicemus. Atque haec duo genera vocum, quae
hactenus numeravimus non reducuntur ad nomen, et verbum Simplices autem
partes orationis, quae directo ad nomen, et verbum revocantur, sunt catera
categoremata, praeter nomen, et verbum iam definita. Verum hoc est discrimen,
quod, quae tempus non adsignificant, revocantur ad nomen, ut nomina infinita,
adiectiva adiective accepta, et pronomina: quae vero tempus adsignificant,
revocantur ad verbum, ut verba infinita, tempora preteriti, et futuri indicativi
modi, tempora infinitivi modi, et participia. Voces denique simplices, quae
oblique ad nomen et verbum revocantur, sunt ea omnia syncategoremata, quae
sunt partes, et non vincula tantum partium, orationis. Sic tamen distribuuntur,
ut quae tempus non adsignificant, revocentur ad nomen, quae adsignificant,
ad verbum. Quo fit, ut ad nomen oblique reducantur tum casus nominum,
etiam infinitorum, et adiective acceptorum, itemque pronominum, tum etiam
quaedam adverbia, quae more casuum ex nominibus deducuntur, ut Docte,
Sapienter. ad verbum autem omnes casus verborum, etiam infinitorum, qui
non sunt categoremata, itemque casus participiorum. Quae autem voces sint
categoremata, que syncategoremata, superius dictum est.
Itaque omnes partes orationis, quae non sunt minores orationes, nec
vincula duntaxat, nexusve partium, aut sunt nomina et verba, aut ad haec modo
aliquo revocantur, directo, videlicet, aut oblique. 15

Caput XVI - Num voces non significativae sint partes orationis

Sed obiiciat aliquis, voces non significativas, ut Blictri, et Scyndapsus,


esse partes orationis (simplices intellige) nec tamen esse nomina, aut verba,
aut ad nomen, et verbum modo ullo revocari, ergo id, quod diximus, non esse
usquequaque verum. Quod enim huiusmodi voces sint partes orationis, satis

15 Nota do parágrafo: Voces quae sunt vincula duntaxat partium orationis. / Lib. 3. ca. 4. / Voces quae
non videntur orationes et tamen sunt. / Lib. 3. cap. 1. / Quae directo ad nomen, et verbum revocentur. /
Quae oblique ad nomen et verbum reducantur. / Capit. 9. Epilogus.

74
Livro I das Instituições Dialéticas

ou contraem a união do sujeito com o predicado, como todo, alguém, e outros


semelhantes, dos quais se há de falar abaixo.''
Vozes que se supõe serem simples partes da oração, e todavia são tidas
como orações mais pequenas, são aquelas que não contêm expressamente
muitas dicções distintas entre si, mas produzem na mente algum conceito
complexo, como nada, uma vez que significa o mesmo que nenhuma coisa; o
mesmo deve dizer-se de sempre, nunca, e de muitíssimos outros advérbios, de
irra!, fora!, e de outras interjeições.
Ora os dois gêneros de vozes que até aqui enumerámos não se reduzem
ao nome ou ao verbo. Porém, as simples partes da oração, que diretamente se
reduzem ao nome e ao verbo, são os restantes categoremas, além do nome e do
verbo já definidos. A verdadeira distinção é esta: as que não significam tempo,
referem-se ao nome, como os nomes infinitos, os adjetivos tomados adjetivamente
e os pronomes; as que significam tempo, referem-se ao verbo, como os verbos
infinitos, os tempos do pretérito e do futuro do modo indicativo, os tempos do
modo infinitivo e os participios. Finalmente, as vozes simples, que se reduzem
obliquamente ao nome e ao verbo, são todos os sincategoremas que são partes
e não simples vínculos das partes da oração. Distribuem-se de modo que as que
não significam tempo reduzem-se ao nome, e as que o significam, ao verbo.
Disto resulta que se reduzem obliquamente ao nome tanto os casos dos nomes
mesmo infinitos e dos tomados adjetivamente e igualmente dos pronomes,
como ainda certos advérbios que, em virtude da flexão, se deduzem dos nomes,
como doutamente, sabiamente; ao verbo, todas as flexões dos verbos, mesmo
infinitos, que não são categoremas, e igualmente as flexões dos particípios.
Quais as vozes que são categoremas e quais as que são sincategoremas, já foi
dito acima.56
Portanto, todas as partes da oração, que não são orações mais pequenas
nem simplesmente vínculos ou nexos das partes, ou são nomes e verbos, ou a
estes de algum modo se reduzem — direta ou obliquamente.

Capítulo XVI - Se as vozes não significativas são partes da


oração
Mas objetar-se-á que as vozes não significativas, como blítri, cindapso, são
partes da oração sem, contudo, serem nomes ou verbos, ou sem se reduzirem,
de qualquer modo, ao nome e ao verbo, e que, portanto, o que dissemos não
é inteiramente verdadeiro. Com efeito, que estas vozes são partes da oração,
deduz-se claramente destas orações que costumamos fazer: blitri é uma dicção

55 Livro III, 4.
56 Cap. 9.

75
Pedro da Fonseca

apertum videtur ex his orationibus, quas conficere solemus, Blictri est dictio
duarum syllabarum, Scyndapsus nibil significat, et similibus.
Quod vero non sint nomina, aut verba, nec ad ista revocentur, ex dictis
perspicuum est. Huic obiectioni duobus modis occurri potest. Uno quidem,
has voces non esse partes orationis. Nam cum dicimus, Blictri est dictio duarum
syllabarum, illud Blictri non videtur subiectum enunciationis, ut aliquis
fortasse putaverit, sed aliqua alia particula, qua illud Blictri ostenditur, ut haec
vox, hoc, aut alia huiuscemodi, quae quidem aliquando exprimitur, ut in hac
enunciatione, Haec vox Blictri est dictio duarum syllabarum, aliquando vero, quia
facile intelligitur, subticetur, ut in superiori. Exemplum sumi potest in aliis
rebus. Nam sive scribas totum hoc, Haec figura O est cirulus, sive hoc tantum, O
est circulus, neutra in scriptura illud O erit subiectum enunciationis, sed illud,
Haec figura, quod in priori oratione exprimitur, in posteriori subticetur. Item
sive dicam totum hoc, Hic homo (ostendens digito Socratem) est Philosophus,
sive, ostenso codem, addam haec tantum verba, Est philosophus, neutro modo
fecerim ipsum Socratem, qui ostenditur subiectum enuntiationis, sed ea
tantum verba Hic homo, quae in priori oratione exprimuntur, in posteriori
perspicuitatis causa omittuntur. Cui quidem doctrinae satis favet consuetudo.
Fere enim vocibus huiusmodi non significativis, imo et significativis, cum pro
rebus significatis non accipiuntur, praeponuntur aliae particulae, quibus illae
indicentur, ut cum dicimus, Vox Blictri nihil significat, Verbum Disputo est primae
coniugationis: nec vero subticentur, nisi cum ex consuetudine intelliguntur, ut
apud Grammaticos Suffragatur huic sententiae commune illud Dialecticorum
proloquium, Significationem totius orationis conflari ex significationibus
suarum partium: quo fit, ut voces non significativae partes orationis censeri non
debeant. Itaque uno modo occurrere possumus, has voces non esse partes
orationis, sed res significatas, atque ostensas aliis dictionibus, quae sunt
orationis partes, quaeque ferre praeponuntur, et si, cum facile intelliguntur,
praetermittantur.

Aliter quoque possumus occurrere, huiusmodi quidem voces, et esse


partes orationis, et non esse nomina, nec verba, nec ad nomina, aut verba
revocari, ut obiectio sumit: verum id, quod nos dixeramus omnes, inquam,
simplices partes orationis esse nomina, aut verba, aut ad haec revocari non
universe accipiendum esse, sed solum cum partes orationis sunt significativae. 16

16 Nota do parágrafo: Obiectio. / Cap. 15. Prior solutio. / Voces non significativas non esse partes
orationis / Posterior solutio. / Cap. 15.

76
Livro I das Instituições Dialéticas

de duas sílabas, cindapso nada significa, e de outras semelhantes. E que não são
nomes ou verbos, nem a eles se reduzem, é fácil de ver pelo que ficou dito."
A esta objeção parece dever responder-se assim: estas vozes não são
partes da oração. Na verdade, quando dizemos blítri é uma dicção de duas sílabas,
blitri não parece o sujeito da enunciação, como talvez alguém tenha julgado,
mas qualquer outra partícula pela qual se mostra blítri, como esta voz, este
som, ou outra expressão deste gênero, a qual umas vezes se exprime, como
nesta enunciação: a voz blítri é uma dicção de duas sílabas, outras vezes, porque
facilmente se subentende, se omite, como na [enunciação] feita acima. Pode
exemplificar-se com outras coisas. Com efeito, quer se escreva por extenso:
a figura O é um círculo, quer somente: O é um círculo, em nenhuma destas
escritas aquele o será o sujeito da enunciação, mas a figura, que se exprime na
primeira oração e se subentende na segunda. Igualmente, quer eu diga tudo
isto: este homem (apontando Sócrates a dedo) é filósofo, quer (apontando o
mesmo Sócrates) diga só estas palavras: é filósofo, nem de um nem de outro
modo eu teria feito Sócrates — que é apontado — sujeito da enunciação, mas
sim as palavras este homem que na primeira oração estão expressas e na segunda
se omitem, em virtude da evidência. O uso favorece bastante esta doutrina.
Realmente, as mais das vezes, a tais vozes não significativas e até às significativas
não tomadas pelas coisas significadas, antepõem-se outras partículas com
que se indicam aquelas, como quando dizemos: a voz blítri nada significa, o
verbo disputo é da primeira conjugação; e não se subentendem senão quando são
entendidas em virtude do uso, segundo os gramáticos. Confirma esta opinião
aquele princípio dos dialéticos: a significação da oração toda é constituída pelas
significações das suas partes; de onde resulta que as vozes não significativas não
devem ter-se como partes da oração. E, sendo assim, de um só modo podemos
responder: é que essas vozes não são partes da oração, mas coisas significadas
e que são manifestadas por outras dicções que são partes da oração, e que,
ordinariamente, se lhe antepõem, embora se omitam quando facilmente se
subentendem.
Mas pode ainda responder-se de outro modo: que tais vozes são partes
da oração, sem serem, contudo, nomes ou verbos nem a estes se reduzirem,
como a objeção supõe; o que foi dito58, porém (isto é, que todas as partes
simples da oração são nomes ou verbos ou a estes se reduzem), não se deve
tomar universalmente, mas só quando as partes da oração são significativas.
Posto isto, é necessário que aquele que tiver resolvido a objeção negue aquela
regra dos dialéticos: a significação da oração toda é constituída pelas significações
das suas partes.

57 Cap. 15.
58 Cap. 15.

77
Pedro da Fonseca

Caput XVII - Enumerantur variae nuncupationes nominum


& verborum
Explicatis igitur nomine, et verbo, iisque, quae ad nomen, et verbum
revocantur, jam nunc de varia nominum, et verborum nuncupatione agendum
est. Verum cum multae admodum sint horum nuncupationes, eas tantum nos,
quae crebrius in ore versantur, persequemur. Nomina er verba fere dicuntur
Aequivoca, Univoca, Concreta, Abstracta, Connotativa, Absoluta, Denominativa,
Denominantia, Communia, Singularia, Transcendentia, non transcendentia,
Positiva, Negativa, Repugnantia, nonrepugnantia, Primae intentionis, et secundae.
At vero ne in singulis nuncupationibus explicandis geminentur vocabula
Nominis, et Verbi (hoc enim fastidium simul, et confusionem pareret)
comprehendenda prius sunt nomina, et verba vocabulo aliquo communi, ut de
ipsis tanquam de uno tantum quodam genere loquamur.

Caput XVIII - De nomine qua ratione verba, & catera omnia


categoremata complectitur
Possent equidem nomina, et verba generali quadam verbi appellatione
comprehendi. Usurpatum est enim apud Latinos, ut etiam nomina verba
nominentur. Sed haec appellatio late admodum funditur, quippe cum ad omnes
omnino dictiones extendatur: quo in sensu ait quidam, Verbaque provisam rem
non invita sequentur. Posset quoque appellari Dictiones, iuxta illud Aristotelis,
Ac nomen quidem, et verbum dictiones sunt tantummodo, et catera. Verum
aeque fusa est haec appellatio, atque superior. Sed neque placet recentiorum
consuetudo, qui iam hinc ab initio nomina, et verba sub termini vocabulo
pertractant. Terminus enim nihil est aliud, quam praedicatum, aut subiectum
propositionis, ut postea dicemus: predicata vero, et subiecta saepissime sunt
orationes, de quibus tamen hoc loco non agimus.

Accedit eo, quod termini appellatio non convenit nominibus, et


verbis qua ratione sunt primae partes, elementave cuiusque modi disserendi,
Divisionis, inquam, Definitionis, et Argumentationis, ut a nobis in presentia
tractantur, sed solum ut in ea terminari potest resolutio syllogismi simplicis, ac
pro inde cuiusque argumentationis. Hinc enim terminus dictus est. Neque vero
Aristoteles, et si omnia ab initio Dialecticae ad Syllogismi simplicis doctrinam
contulit, ullam Termini mentionem, nisi post aliquot libros, fecit, ut pote cum
tandem ad syllogismi structuram devenit.

78
Livro I das Instituições Dialéticas

Capítulo XVII - Enumeram-se as várias denominações dos


nomes e dos verbos
Explicados o nome e o verbo e as coisas que a eles se reduzem, vai
tratar-se agora da variada denominação de nomes e verbos. Mas, como são
muitíssimas as suas denominações, só abordaremos aquelas de que falamos
com uma certa frequência. Os nomes e os verbos ordinariamente dizem-se:
equívocos, unívocos, concretos, abstratos, conotativos, absolutos, denominativos,
denominantes, comuns, singulares, transcendentes, não transcendentes, positivos,
negativos, repugnantes, não repugnantes, de primeira intenção e de segunda intenção.
Mas, para não ter que apor os vocábulos de nome e de verbo em cada
denominação a explicar (o que seria fastidioso e criaria confusão) convém
reduzir os nomes e os verbos a um vocábulo comum, de modo a falarmos de
um e de outro gênero, como se de um só se tratasse.

Capítulo XVIII - Qual a razão por que o nome compreende os


verbos e todos os restantes categoremas
Sem dúvida, os nomes e os verbos poderiam ser compreendidos na
denominação geral de verbo. Foi usado, efetivamente, pelos latinos, de modo
que também os nomes se chamavam verbos. Mas esta denominação estende-se
muito latamente, pois abrange no seu conjunto todas as dicções; neste sentido,
diz alguém: as palavras seguirão sem relutância a ideia concebida. Poderiam
também chamar-se dicções, segundo a frase de Aristóteles:61 o nome e o verbo
são, simplesmente, dicções, etc. Mas esta denominação é tão usada como a
anterior. E nem satisfaz até o uso dos modernos que já desde o início tratam
os nomes e os verbos sob a designação de termo. Termo, na verdade, não é
senão o predicado ou o sujeito da proposição, como mais tarde diremos;"2 mas
os predicados e os sujeitos são muito frequentemente orações (e delas não
tratamos neste livro).
Acresce que a designação de termo, como foi importada de Aristóteles,
não convém aos nomes e aos verbos enquanto são as primeiras partes ou
elementos de qualquer modo de discorrer, isto é, da divisão, da definição e
da argumentação, como nós os tratamos aqui, mas só enquanto nela se
pode terminar a resolução do silogismo simples, e, portanto, de qualquer
argumentação. É por isto que se diz termo. Nem sequer Aristóteles, embora
tenha, desde o início da Dialética, fornecido todos os elementos para a doutrina

59 Quintiliano, no livro 1, cap. 9.


60 Horácio, Arte poética.
61 Da Interpretação, 1, 4.
62 Livro Vi, cap. 9.

79
Pedro da Fonseca

Potius ergo compreendenda sunt nomina, et verba vocabulo Nominis


late accepto, qua Nominis significatione sic ait Aristoteles, Verba ipsa per
se dicta, nomina sunt, et aliquid significant. Quo in loco, ut uno verbo rem
exponam, Nomen idem est quod categorema, sicque non modo nomina, et
verba, ut supra definita sunt, sed etiam ea omnia complectitur, quae directo ad
nomen, et verbum, revocantur. Et hac quidem usurpatione nominis tam saepe
utitur Aristoteles, ut ei, qui vel mediocriter in cius lectione versatus fuerit,
plurima occurrant exempla. Quapropter Nominis vocabulo hac significatione
accepto, iam institutum persequamur."

Caput XIX - De nominibus casu aequivocis


Nomen aequivocum, seu multiplex, est, quod diversis rationibus sua
significata significat. Nomine Rationis intellige mentalem rei significatae
definitionem, quam nomen significat, iuxta illud Aristotelis, Ratio quam
nomen significat, est definitio, mente scilicet fabricata. Haec enim significatur
nomine, et si confuse. Quanquam Rationis vocabulo etiam simplex conceptus
rei, cuius nomen est signum, optime potest intelligi. Haec de causa nomen
Canis dicitur aequivocum, quia alia ratione significat canem domesticum, alia
piscem, alia sidus.

Nominum porro aequivocorum, quaedam casu, fortunave sunt aequivoca,


quaedam consilio, et ratione.
Ea sunt casu aequivoca, quae diversis omnino rationibus suis congruunt
significatis, ut nomen Gallus homini natione Gallo, et gallo avi, et vocabulum
Alexander Alexandro Paridi, et Alexandro Macedoni, et verbum Perdo ei,
quod est amitto, Et ei, quod est destruo, et Investigabile ei, quod vestigari
potest, eique, quod vestigari non potest.

Atque huius quidem classis nullum aequivocum vocabulum, censetur


unum nomen, sed multa, quippe cum nullum sit, quod multas, omninoque
diversas significationes non habeat; Unde fit ut enunciatio ex verbo aliquo
huius generis composita non sit una, sed plures, ut si dicas, Gallus cantat,
Alexander a rege progenitus est, Croesus Halym ingressus perdet quam plurima
regna, Viae Dei sunt investigabiles.
17 Nota do parágrafo: Quintil. lib. 1. cap. 9. / Horat, in arte poët. / 1. peri. 4. / Recentiores. / Lib. 6.
ca. 9. / Unde dictus terminus. / 1. prio. 1. / Nomen generaliter acceptum. / 1. peri. 3. / Nomen generaliter,
idem quod categorema. / Ca. 12. et. 14. / Ut praed. 1. ct # / 1. peri. 7. / 2. post. 10. / 1. top. 13. / 2. top. 2./
1. elench. 1. / 4. meta. 4.

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Livro I das Instituições Dialéticas

do silogismo simples, fez menção alguma do termo, senão depois de alguns


livros, como quando chegou à própria estrutura do silogismo.
Portanto, os nomes e os verbos devem antes compreender-se no vocábulo
nome, tomado em sentido lato. Desta significação de nome, Aristóteles diz
assim: os próprios verbos, em sentido próprio, são nomes e têm um significado.
No caso presente, para exprimir a realidade numa palavra, nome é o mesmo
que categorema, e assim não só abrange os nomes e os verbos, como acima'
foram definidos, mas também tudo aquilo que diretamente se reduz ao nome e
ao verbo. E desta acepção do nome tanta vez usa Aristóteles" que se oferecem
muitíssimos exemplos mesmo àquele que mediocremente for versado na sua
leitura. Tomado, portanto, o vocábulo nome nesta significação, sigamos o que
já foi determinado.

Capitulo XIX - Dos nomes equívocos por acaso


Nome equívoco ou múltiplo é aquele que significa os seus significados
segundo razões diversas." Pelo nome de razão entende-se a definição mental
que o nome significa da coisa significada — conforme o [que diz] Aristóteles:68
a razão que o nome significa é a definição, fabricada pela mente. Esta é
significada pelo nome, ainda que confusamente. Todavia, pelo vocábulo razão
também se pode entender de qualquer modo o simples conceito da coisa de
que o nome é sinal. Por isso, o nome cão diz-se equívoco, porque, segundo uma
razão, designa um cão doméstico; segundo outra, um peixe; segundo outra, uma
constelação.
Dos nomes equívocos, uns são equívocos por acaso ou por sorte; outros,
equívocos por intenção e razão.
São equívocos por acaso os que convêm aos seus significados segundo
razões totalmente diversas, como o nome galo a homem galo [gaulês] de
nação, e ao galo, ave; o vocábulo Alexandre a Alexandre Páris e a Alexandre
o Macedônio; e o verbo perder, ao perder que é "deixar fugir" e ao perder que
é "destruir"; e investigável àquilo que pode ser investigado e àquilo que o não
pode ser.
Ora nenhum vocábulo equívoco desta classe é tido como um nome só,
mas como muitos, pois nenhum há que não tenha muitas e absolutamente
diversas significações. Daí resulta que a enunciação composta de uma palavra

63 Primeiros Analíticos, I, 1.
64 Da Interpretação, I, 1.
65 Cap. 12 c 14.
66 Por exemplo: Predicamentos 1 e 5; Da Interpretação, I, 7; Segundos Analíticos, II, 10; Tópicos, II, 13, e
II, 2; Elencos, 1, 1; Metafísica, IV, 4.
67 É tirado dos Predicamentos, cap. 1.
68 Metafísica, IV, 7.

81
Pedro da Fonseca

Dicuntur autem haec nomina casu aequivoca, quia in his imponendis

hall letturaio cenationi, coneriet per in sigentarum. Aeque

Caput XX - De nominibus consilio aequivocis, seu Analogis

Ea sunt consilio acquivoca, quae diversis quidem rationibus, sed tamen


ita diversis, ut quodammodo sint eadem, suis conveniunt significatis, ut nomen
Homo, quod quidem cadem quodamodo ratione dicitur de homine vero, et
depicto. Homo enim verus est animal rationale, depictus autem est animalis
rationalis imago.

Haec vero dicuntur consilio aequivoca, quia non temere, et casu, sed
consilio, et ratione rebus diversis imponuntur, spectata nimirum cognatione
aliqua carum inter sese. Neque enim hoc genere complecti volumus ea, quae
solum ob memoriam, aut spem consilio aequivoca dicuntur, ut cum quis Pauli
nomine filium appellat, aut in memoriam Divi Pauli, aut sperans filium Divo
Paulo similem futurum, quoniam haec simpliciter sunt casu aequivoca cum
non imponantur rebus diversis ob aliquam carum inter se cognationem. Ea
igitur, quae ob affinitatem rerum significatarum consilio acquivoca vocantur,
aut relatione, aut comparatione relationum talia dicuntur.

Relatione quidem, uno e quattuor modis: vel ad «num nem, quo pacto
hoc nomen Sanum acquivocum est habenti sanitatem, ef cienti, et conservanti:
vel al uno ef ciente, quo pacto haec vox Medicum aequivoca est habenti artem
medicinae, et omnibus instrumentis, quibus medicus utitur: vel ab una forma,
quo pacto hacc vox Animal est aequivoca habenti formam animalis, et animali
depicto, et fictili: vel ab uno subiecto, quo pacto hoc vocabulum Ens aequivocum
est substantiae, quae per se existit, et accidentibus, quae per substantiam, cui
inhaerent, existunt.

18 Nota do parágrafo: Elicitur ex praed. cap. 1. / 4. meta. 7. / Casu acquivoca. / Nomen aequivocum
non est unum nomen sed multa. / 1. peri. 7. / Cur dicantur casu acquivoca. / Ut. 1. de gen. 6. et. 4. met 2.

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fi
fi
fi
Livro I das Instituições Dialéticas

deste gênero não é uma só, mas várias,"" como: o galo canta; Alexandre é filho de
rei; Creso, tendo avançado para o Hális, perderá muitos reinos; os caminhos de Deus
são investigáveis.°
Estes nomes dizem-se equívocos por acaso, porque, ao impô-los, não se
tem nenhuma razão de conexão ou conveniência das coisas significadas. Estes
equívocos são considerados em Aristóteles"' como os equívocos propriamente
ditos.

Capítulo XX - Dos nomes equívocos intencionalmente ou


análogos
Equívocos intencionalmente são aqueles que convêm aos seus
significados? segundo razões diversas, mas de tal modo diversas que de certo
modo são as mesmas; como o nome homem que, de certo modo, se diz, pela
mesma razão, do homem verdadeiro e do homem-pintura. De fato, o homem
verdadeiro é um animal racional, o homem-pintura é uma imagem do animal
racional.
Estes equívocos dizem-se equívocos intencionalmente porque se impõem
a coisas diversas, não sem motivo e ao acaso, mas deliberadamente e com razão,
considerada a a nidade deles entre si. Não queremos abranger neste gênero
aqueles que só por causa da memória ou da esperança se dizem equívocos
intencionalmente, como quando alguém dá a um filho o nome de Paulo, ou em
memória de São Paulo ou na esperança de que o filho seja semelhante a São
Paulo, uma vez, que são simplesmente equívocos por acaso, quando não são
impostos a coisas diversas em virtude de alguma afinidade. Por isso, aqueles
que, por afinidade das coisas significadas, se dizem equívocos intencionalmente,
dizem-se tais,7 ou por relação ou por comparação de relações.
Os [equívocos] por relação são de um de quatro modos: ou [convergentes]
para um só fim - deste modo, o nome são é equívoco para o que tem saúde,
para o que dá a saúde e para o que a conserva; ou [procedentes] de uma só [causa]
eficiente - como a voz, médico é equívoca para o que pratica a medicina e para
os instrumentos que o médico usa; ou por comunidade de forma — como a voz.
animal é equívoca para o que tem a forma de animal e para o animal pintado
e fingido; ou por comunidade de sujeito — como o vocábulo ser é equívoco para
a substância que existe por si e para os acidentes que existem pela substância a
que estão inerentes.

69 Da Interpretação, 1, 7.
70 Este último exemplo só é válido em latim (N. do T.).
71 Por exemplo: Da Geração e da Corrupção, 1, 6; e Metafísica, IV, 2.
72 Na Ética, I, 6 e na Metafísica, IV, 2.
73 Etica, I, 6.

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fi
Pedro da Fonseca

Comparatione vero relationum, quae Graece ávaloyia, latine proportio


nominatur, aequivocum est exempli causa nomen Pes pedi animalis, et montis,
et nomen Aspectus aspectui oculorum, et mentis: quia nimirum ut se habet pes
animalis ad animal, sic pes montis ad montem: itemque ut aspectus oculorum
ad corpus, sic aspectus mentis ad animum Atque haec extrema aequivoca
apud Aristotelem, et veteres, eius interpretes Analoga dicuntur, quasi dicas
proportionalia. Sed recentiores longo usu obtinuerunt, ut iam nunc omnia
consilio aequivoca analogorum nomine comprehendantur.!?

Caput XXI - De nominibus univocis


Nomen univocum est, quod cadem omnino ratione sua significata
significat, ut vox Homo comparatione omnium verorum hominum: omnes
siquidem dicuntur homines, quia sunt animalia rationalia.
Sed animadvertendum est, non ita aequivoca ab univocis distingui, ut
nullum aequivocum sit aliqua ratione univocum. Nam hoc nomen Gallus,
quem casu aequivocum esse diximus, univocum etiam est, si ad gallos tantum
gallinaceos, quos eadem omnino ratione significat, referatur. Hoc item nomen
Homo, quod paulo superius ad homines tum veros, tum depictos analogum
diximus, nunc comparatione verorum duntaxat in exemplum univocorum
at tullimus. Itaque non haec distinximus quasi diversa vocabula, sed quasi
diversas nuncupationes nominum, quemadmodum instituimus. Nullum autem
est incommodum, si propter diversas considerationes, diversae eidem voci
nuncupationes tribuantur.
Si tamen nomina respectu omnium suorum significatorum considerentur,
nulla pene univoca reperientur. Nam, ut omittam casu aequivoca, quae non
pauca sunt, omnia iam ferre vocabula tritus sermo analoga fecit. 20

Caput XXII - Comparantur inter se casu aequivoca analoga,


& univoca

Porro casu aequivoca, et univoca sunt omnino adversa, et quasi contraria


intersese: analoga vero sunt media inter utraque. Nam casu aequivoca diversis
omnino rationibus sua significata significant, univoca eadem omnino, analoga
nec omnino diversis, nec omnino eadem. Unde cum omne medium inter

19 Nota do parágrafo; Ex. 1. eth. 6. et ex. 4. meta. 2. / Cur dicantur consilio aequivoca. / 1. eth. 6. /
Acquivoca re latione. / Acquivoca p portione. / Ct ce. de universitate. / Analoga que dicantur. / Ut. 2. post.
16. et. 1, eth. 6. et. 1, eth. 6. et. 5. meta. 6. / Vide Caie. de Analonia no minum.

20 Nota do parágrafo: Ex praed. 1. / Occurritur tacitae obiectioni. / Omnia pene nomina sunt
acquivoca. / 1. de gener. 6.
Livro I das Instituições Dialéticas

Por comparação de relações, que em grego se diz analogia (ávadoyía) e


em latim proporção, é equívoco, por exemplo, o nome pé para o pé do animal
e do monte; o nome visão para a visão dos olhos e da mente — porque o pé
do animal está para o animal como o pé do monte para o monte, e a visão
dos olhos está para o corpo como a visão da mente para o espírito. Ora estes
últimos equívocos, segundo Aristóteles e os seus antigos intérpretes, dizem-se
análogos, o que equivale a dizer proporcionais. Mas os modernos, com o longo
uso, fizeram com que, atualmente, todos os equívocos intencionalmente sejam
compreendidos no nome de análogos.

Capítulo XXI - Dos nomes unívocos


Nome unívoco é aquele que significa os seus significados absolutamente
segundo a mesma razão,'* como a voz homem em relação a todos os homens
verdadeiros, pois todos são chamados homens, visto serem animais racionais.
Mas deve notar-se que os equívocos não se distinguem dos unívocos de
tal maneira que nenhum equívoco seja, em certo sentido, unívoco. Com efeito,
o nome galo, que dissemos ser equívoco por acaso, é também unívoco se se refere
só aos galos galináceos, que ele significa precisamente segundo a mesma razão.
Do mesmo modo, o nome homem, que acima dissemos ser análogo em relação
aos homens verdadeiros e aos homens-pinturas, agora apresentámo-lo como
exemplo dos unívocos, em relação somente aos homens verdadeiros. Portanto,
não distinguimos estes como sendo vocábulos diferentes, mas estabelecemo-los
como diferentes acepções dos nomes. De resto, não há nenhuma dificuldade em
atribuir à mesma voz diversas acepções, em virtude de considerações diversas.
Contudo, se se considerarem os nomes a respeito de todos os seus
significados, não encontraremos quase nenhuns unívocos. De fato, não falando
nos equívocos por acaso, que não são poucos, o modo de falar habitual já fez
análogos quase todos os vocábulos.75

Capítulo XXII - Comparam-se entre si os equívocos por acaso,


os análogos e os unívocos
Os equívocos por acaso e os unívocos são adversos e quase contrários
entre si; os análogos estão entre uns e outros. Com efeito, os equívocos por
acaso significam os seus significados segundo razões totalmente diversas; os
unívocos, segundo razões totalmente idênticas; os análogos, segundo razões nem
totalmente diversas nem totalmente idênticas. Em consequência, como todo o
meio entre contrários repugna, de algum modo, a um e a outro extremo, e, de

74 Dos Predicamentos, 1.
75 Da Geração e da Corrupção, 1, 7.

85
Pedro da Fonseca

contraria modo aliquo utrique extremo repugnet, et cum utroque modo aliquo
conveniat, merito Aristoteles ita de analogis loquitur, ut nunc ea reiiciat ab
aequivocis, nunc ab univocis: et rursus, modo appellet aequivoca, modo univoca.
Sed cum analogia diversis simpliciter rationibus suis conveniant
significatis, non item simpliciter eadem, sed quodammodo eadem, ut diximus,
non dubium est, quin maiorem cum aequivocis a casu, quam cum univocis
habeant societatem: id quod in causa fuit, ut ab Aristotele initio categoriarum
cadem definitione cum aequivocis a casu, sub communi nomine aequivocorum
definirentur, non item cum univocis sub univocorum nomine. Illud tamen adverte
aliter nos hoc loco, aliter Aristotelem de acquivocis, et univocis disserere: ille
siquidem de rebus, nos de vocibus loquitur.

Res aequivocae sunt, quae vocibus aequivocis significantur: univocae,


quae univocis. Recentiores appellant voces aequivocas, et univocas Aequivoca
acquivocantia, et Univoca univocantia: res autem, Aequivoca aequivocata, et
univoca univocata. Verum his vocabulis, cum res perspicua sit, non est necesse
uti. Illud obiter ex Graecis vocabulis intellige, magis proprie res, quam voces,
dici aequivocas, et univocas. Nam et ouvoua quae nos aequivoca dicimus, et
ouvávoua, quae appellamus univoca, ex ipsa vocabulorum vi dicuntur quasi
Habentia idem commune nomen: quod haud dubie de rebus intelligitur, a
quibus ad voces appellatio traducitur. Itaque voces dicuntur aequivocae, quia res
acquivocas significant, univocae autem, quia significant res univocas. 21

Caput XXIII - De nomine Concreto, & abstracto

Nomen concretum est, quod compositum habet significandi modum: ut


Candidum, Homo. Nam Candidum significat candorem quasi adiacentem
alicui rei subiectae, sicque rem etiam subiectam quodam modo significat:
et homo significat habens humanitatem, in qua significatione modus etiam
quidam compositionis cernitur.

Nomen abstractum est, quod simplicem habet modum significandi:


ut candor, Humanitas. Nam Candor significat solum candorem quasi per se
subsistentem extra subiectum: et Humanitas significat solam humanitatem
quasi per se cohaerentem extra hominem. Illa dicuntur concreta, quasi
21 Nota do parágrafo: Analogia sunt media inter casu aequivoca, et univoca. / Cap. 20. 21. 22. / .
4 meta. 2. / Praedi. 1. / . Praed. 1. / 2. meta. 1. / Plus conveniunt analoga cum equivocis a casu, quam
cumvnivocis. / Praedi, 1. / Locis nunc citatis. / Res aequivocae, et univocae. / Magis proprie res, quam
voces dicuntur acquivocae, et univocae.

86
Livro I das Instituições Dialéticas

algum modo, convém a um e a outro, com razão fala Aristóteles dos análogos de
tal modo que umas vezes" os exclui dos equívocos, outras vezes" dos unívocos,
e, logo em seguida, lhes chama ora equívocos, 78 ora unívocos."
Mas como os análogos convêm aos seus significados segundo razões
simplesmente diversas e de certo modo as mesmas (não simplesmente as
mesmas), como dissemos, não há dúvida de que têm mais íntima relação com
os equívocos por acaso do que com os unívocos — o que fez que Aristóteles no
início das Categorias lhes tenha dado uma definição comum aos equívocos por
acaso sob o nome de equívocos, e não aos unívocos sob o nome de unívocos.
Note-se, todavia, que nós aqui estamos a discorrer acerca dos equívocos e dos
unívocos diferentemente de Aristóteles: ele falava, na verdade, das coisas;" nós,
das vozes.
São coisas equívocas as que são significadas por vozes equívocas;
unívocas, as que são significadas por vozes unívocas. Os modernos chamam às
vozes equívocas equívocos equivocantes, às vozes unívocas unívocos univocantes;
e às coisas equívocas equívocos equivocados, às unívocas, unívocos univocados.
Porém, sendo isto evidente, não é necessário usar destes vocábulos. Entenda-
se apenas, de passagem, que, segundo os vocábulos gregos, com maior
propriedade se chamam equívocas e unívocas as coisas do que as vozes. Com
efeito, quer os homônimos [óucvua] que nós dizemos equívocos, quer os
sinônimos (ouvávua] que chamamos unívocas, se dizem, pela própria força
dos vocábulos, como que possuidores do mesmo nome comum, nome esse
que, sem dúvida, se entende acerca das coisas que transmitem a denominação
para as vozes. E, assim, as vozes dizem-se equívocas, porque significam coisas
equívocas, e unívocas, porque significam coisas unívocas.

Capitulo XXIII - Dos nomes concreto e abstrato


Nome concreto é o que tem um modo de significar composto, como:
cândido, homem. Com efeito, cândido significa a candura enquanto adjacente
a alguma coisa, que é sujeito, e, assim, significa também, de certo modo, a coisa
que é sujeito; homem significa humanidade enquanto existente no suposto,
como em Sócrates ou Platão, e, assim, significa, de certo modo, também o
suposto.
Nome abstrato é o que tem um modo de significar simples, como:
candura, humanidade. De fato, candura significa somente candura como que
por si existente, fora do sujeito; e humanidade significa somente humanidade
76 Metafísica, IV, 2.
Predicamentos, 1.
78 Predicamentos, 1.
79 Metafísica, II, 1.
80 Nos lugares agora citados.

87
Pedro da Fonseca

composita: haec abstracta, quasi a compositione libera: utrunque autem


in modo significandi spectatur. Atque abstracta dicuntur principalia, sive
primaria, quod ab aliis non deducantur, sed ipsa sint quasi capita, et fontes
aliorum, si non Grammatica consideratione, certe rationali, et petita ex natura
rerum. Concreta vero dicuntur minus principalia, quoniam ab illis derivantur,
sive proxime, ut Candidum a candoris nomine, sive remote, ut Candidatum,
quod proxime a candido deducitur. 22

Caput XXIV - De nomine Connotativo, E Absoluto

Nomen connotativum est, quod significat aliquid adiacens quasi adiacens


alicui: ut candidum, Vestitum, Caecum, Nonvidens. Candidum enim significat
candorem, qui adiacet cygno, papyro, et caeteris rebus candidis: Vestitum
significat vestem, quae adiacet homini: Caecum negationem aspectus, qua
adiacet animali ad videndum apto: et haec una dictio Nonvidens negationem
aspectus, quae adiacet omnibus non videntibus sive sint. Accipio enim in
difinitione particulas Aliquid, et Alicui latissime, ut non solum omnia entia,
sed etiam non entia complectar: idque intelligo significare aliquid adiacens
alicui, quod significat aliquam formam, aut quasi formam acidentariam
alicui. Rursus haec cadem vocabula significant sua significata, non quasi per se
subsistentia, sed quasi adiacentia, quoniam sic ea significant, ut ex modo suae
significationis de iis, quibus illa adiacent, dicantur. Id enim intelligo significare
aliquid quasi adiacens alicui. Exempli causa, dixerim hoc nomen candidum
significare candorem quasi adiacentem corpori (seu per modum adiacentis,
ut dici solet) quia ita significat candorem, ut ex modo suae significationis de
corpore, cui candor adiacet, dicatur atque ita caetera. Quo tamen pacto candoris
nomen, non significat candorem, nec vestis vestem, nec caecitas negationem
aspectus, nec nonvisio negationem visionis absolute. Neque enim dicuntur de
üis, quibus haec adiacent.

Ita fit ut nomina connotativa aliud significent, et de alio dicantur.


Significant enim formas, aut quasi formas, et dicuntur de rebus, quibus illae
accidunt. Neque vero idem est significare aliquid, et dici de aliquo, quia (ut pbat
Aristoteles:) si esset idem, idem quoque significarent, Musicum, et Candidum,
et Homo (quae de codem homine dicuntur) id, quod absurdissimum est
asserere. Itaque aliud significant nomina Connotativa, et de alio ex modo suae
significationis dicuntur. Reiiciuntur ergo primum a definitione ea nomina, quae
22 Nota do parágrafo: D tho. Op 9. 48. de praedicam. ca. 2. / Cur dicantur concreta, et abstracta.
Livro I das Instituições Dialéticas

como que por si subsistente, fora de supostos humanos. Aqueles dizem-se


concretos ou compostos, estes abstratos ou livres de composição: uma e outra
denominação tem a sua origem no modo de significar. Os abstratos dizem-se
principais ou primários, porque se não deduzem de outros, mas eles mesmos
são como que cabeças e fontes dos outros, postulados, se não pela consideração
da Gramática, certamente pela razão e pela natureza das coisas. Os concretos
dizem-se menos principais, porque derivam daqueles, quer proximamente, como
cândido do nome candura, quer remotamente, como candidato, que, deduzindo-
se proximamente de cândido, remotamente deriva de candura.

Capítulo XXIV - Dos nomes conotativo e absoluto


Nome conotativo é o que significa alguma coisa adjacente a outra,
enquanto adjacente, como: branco, vestido, cego, não-vidente. Branco, na verdade,
significa a brancura que está adjacente ao cisne, ao papiro e a outras coisas
cândidas; vestido significa a veste que está adjacente ao homem; cego é a
negação da vista que está adjacente ao animal apto a ver; e a dicção única não-
vidente é a negação da vista que é adjacente a todos os que não veem, quer esses
entes existam, quer não existam. Com efeito, na definição, tomo as expressões
alguma coisa e a alguma coisa em sentido muito lato, de modo a abranger não só
todos os entes, mas também os não-entes; e por significar alguma coisa adjacente
a outra entendo significar uma forma, ou uma quase-forma acidental a alguma
coisa. Mas estas mesmas palavras significam os seus significados, não como
por si subsistentes, mas como adjacentes, porque os significam de tal maneira
que, pelo modo da sua significação, se dizem daqueles a que estão adjacentes. É
isto, com efeito, o que entendo significar alguma coisa enquanto adjacente a outra.
Por exemplo, posso dizer que o nome branco significa brancura enquanto
adjacente a um corpo (ou por modo de adjacente, como costuma dizer-se),
porque de tal jeito significa brancura que, segundo o modo da sua significação,
se diz do corpo a que a brancura está adjacente. E assim outros casos. Contudo,
apesar disto, o nome brancura não significa a brancura; nem veste, a veste; nem
cegueira, a negação da vista; nem não-visão, a negação da visão, em absoluto. E
não se dizem daquilo a que estão adjacentes.
Assim, sucede que os nomes conotativos significam uma coisa e dizem-
se de outra. Significam, na verdade, formas ou quase-formas e dizem-se das
coisas a que aquelas se juntam. E não é o mesmo significar alguma coisa e dizer-
se de alguma coisa; pois, se fosse o mesmo, dever-se-ia claramente admitir este
absurdo: músico, branco e homem, porque se dizem do mesmo homem, têm a
mesma significação (como conclui Aristóteles).81 Assim, os nomes conotativos
significam uma coisa e dizem-se, pelo modo da sua significação, de outra. São,
81 Metafísica, IV, 4, text. 11.

89
Pedro da Fonseca

non significant aliquid adiacens alicui, ut Plato, Alcibiades, Homo, Animal, et


ferre vocabula primarum, et secundarum substantiarum. Dico autem fere, quia
quaedam corum significant aliquid adiacens alicui, ut Aeneum, et Ligneum, qua
ratione de figuris dicuntur. Haec enim duo vocabula significant aes, et lignum
tanquam formas accidentarias figurarum: id quod in aliis etiam quibusdam
cernere est. Reiiciuntur deinde illa, quae significant aliquid adiacens alicui,
non tamen ut adiacens, seu per modum adiacentis, ut Candor, Vestis, Caecitas,
Nonvisio.

Nomen absolutum est, quod significat aliquid non quasi adiacens alicui,
sed quasi per se subsistens, seu (ut Dialectici loquuntur) per modum per se
stantis: qualia sunt omnia quae a definitione connotativorum reiecimus. Ex co
autem dictum videtur nomen connotativum, quia praeter id, quod significat,
aliud etiam, de quo dicitur, notat. Absolutum vero, quia praeter id, quod
significat, nil aliud notat, de quo dicatur.

Illud tamen hoc loco praetermittendum non est, latius patere Concreti
nominis nuncupationem, quam Connotativi: et Connotativi, quam, eius quod
apud Grammaticos Adiectivum dicitur. Quanquam enim omne adiectivum
est connotativum, et omne connotativum concretum (id quod animadvertenti
facile patebit) non tamen omne concretum est connotativum, nec omne
connotativum adiectivum. Haec enim vocabula, Socrates, Homo, Animal, et alia
pene infinita primarum, et secundarum substantiarum testibus etiam Theologis
concreta sunt, nec tamen connotativa dici possunt. Haec item verba. Pater,
Dominus, Praeceptor connotativa sunt, nec tamen adiectiva, sed substantiva.
Quo fit ut perperam hae nuncupationes a quibusdam confundantur, et pro
eadem promiscue usurpentur.23

Caput XXV - De nomine Denominativo, & Denominante


Nomen Denominantivum est connotativum, quod a priori aliquo
vocabulo voce, ac significatione deducitur: ut Candidum, Iustum. Utrunque enim

23 Nota do parágrafo: Quid sit significare aliquid adiacens alicui. / Quid sit significare aliquid quasi
adiacens alicui. / Connotativum, aliud significat, et de alio dicitur. Album solam qualitatem significar.

q 39. et alii. 1. d. 4. et. 34.

90
Livro I das Instituições Dialéticas

portanto, excluídos da definição primeiramente os nomes que não significam


algo adjacente a algo, como Platão, Alcibíades, homem, animal e quase todos os
vocábulos das substâncias primeiras e segundas e até os conceitos abstratos
daqueles, como humanidade e animalidade. Digo, porém, quase, porque alguns
deles significam algo adjacente a algo, como brônzeo, lígneo, pela razão de
se dizerem de figuras. Na verdade, estes dois vocábulos significam bronze e
madeira como formas acidentais das figuras: o que também se pode ver em
alguns outros. Excluem-se, depois, os que significam algo adjacente a algo, mas
não como adjacente ou por modo de adjacente, como: brancura, veste, cegueira,
não-visão.
Nome absoluto é o que significa algo não como adjacente a algo, como
todos os que excluímos da definição dos conotativos. Disto se deduz que la
causa] por que se dizem conotativos [alguns] nomes, é porque, além do que
significam, notam e, por assim dizer, insinuam também outra coisa, à qual
como que juntam um significado formal, do qual se dizem. E la causa por que
se dizem] absolutos [outros nomes é] porque, além do significado, nada mais
indicam de tal natureza.
Todavia, não deve esquecer-se, aqui, que a denominação de nome
concreto é mais extensa que a de conotativo, e a de conotativo do que aquela
a que os gramáticos chamam adjetivo. Com efeito, embora todo o adjetivo
seja conotativo a respeito de alguma coisa, e todo o conotativo seja concreto
(o que é fácil de ver para quem advertir), contudo, nem todo o concreto é
conotativo, nem todo o conotativo é adjetivo. Os vocábulos Sócrates, homem,
animal e quase todos os das substâncias primeiras e segundas, segundo o
testemunho dos próprios teólogos,82 são concretos e, todavia, não se podem
dizer conotativos. Do mesmo modo, as palavras pai, senhor, preceptor, são
conotativos e, todavia, não são adjetivos, mas substantivos. O contrário se deve
dizer dos nomes opostos, isto é, do abstrato, do absoluto e do substantivo.
Pois, é mais extenso o substantivo que o absoluto e o absoluto que o abstrato,
como pode ver-se claramente pelo que ficou dito. Daqui sucede que alguns
confundam, indevidamente, o concreto e o conotativo, o abstrato e o absoluto,
e os usem promiscuamente para designar a mesma coisa.

Capítulo XXV - Dos nomes denominativo e denominante


O nome denominativo é o conotativo que se deduz, na voz e na
significação, de algum vocábulo anterior,8 como branco, justo. Ambos estes
são conotativos e derivam, quanto à voz e à significação, aquele do nome
brancura, este do vocábulo justiça. Pelo verbo deduz-se não se entenda, aqui,
82 Santo Tomás, I, p., q. 39; e outros, I. d. 4. e 34.
83 Dos Predicamentos, I, 5; e Tópicos, II, 2.

91
Pedro da Fonseca

connotativum est, et illud a candoris nomine, hoc a Iustitiae vocabulo voce, ac


significatione derivatur. Verbo Deducitur non intelligas hoc loco derivationem
Grammaticam (hac enim potius lustitiae nomen ex genitivo Iusti deducitur)
sed rationalem et ex natura rerum petitam, de qua supra loquuti sumus.
Priori ergo parte difinitionis excluduntur omnia nomina absoluta. Posteriori
reiiciuntur ea connotativa, quae aut voce, aut significatione, a nullo priori
nomine deducuntur. Hinc fit ut hoc nomen Studiosus pro virtute praedito
acceptum, non sit denominativum, quia non deducitur voce, ac significatione
ex nomine aliquo priori. Sola enim voce trahitur ex nomine studium, sola
autem significatione ex nomine Virtus. Hinc etiam fit, ut haec nomina Cursor,
Pugil, et catera huiusmodi, qua ratione significant vires quasdam naturales
non sint denominativa. A nullo enim priori simpliciorique vocabulo voce,
ac significatione deducuntur. Nam et si voce tenus ex nominibus actuum
trahantur, ut Cursor ex cursu, et Pugil ex pugillatu, significatione tamen a nullo
derivantur, quia viribus naturalibus, quas significant, non sunt adhuc abstracta
ulla nomina imposita. Ex his perspicuum fit, latius patere nominis connotativi
nuncupationem, quam denominativi, quandoquidem ex dictis intelligimus
omnia denominativa esse connotativa, nec tamen omnia connotativa esse
denominativa.
Nomen denominans est, a quo denominativum voce, ac significatione
deducitur. Ad hoc genus pertinere possunt non solum abstracta vocabula, ut
Candor, lustitia, sed etiam concreta, ut Candidum, Ignis. Nam a candido tum
voce, tum significatione deducitur Candidatum, et ab igne Ignitum. Illa vocari
possunt primaria denominantia, haec secundaria. Ex quo fit ut idem nomen
possit esse denominativum, ac denominans diversorum respectu. Candidum
enim si cum candoris vocabulo comparatur, denominativum est, si cum nomine
Candidatum, denominans.

Verum, ut quae dixi melius intelligas adverte in quovis denominativo


duplicem respectum requiri, alterum ad vocabulum denominans, a quo voce,
ac significatione deducitur, alterum ad rem denominatam, cui aliquid adiacere
significat, seu, cuius est connotativum. Propter priorem quidem respectum
omne denominativum dicitur ab aliquo denominante denominativum: propter
posteriorem autem alicuius rei denominatae denominativum. Unde efficitur,
ut quemadmodum omne denominativum est denominativum a certo quodam,
et designato vocabulo, sic etiam sit denominativum certae cuiusdam rei, aut
definitarum quarundam.
Id quod ideo collegerim, ut mirari desinas, si videris nomina denominativa
non de omnibus, de quibus dicuntur, denominative praedicari. Re enim vera
Coloratum praedicatur denominative de corpore, cuius est connotativum: de albo

92
Livro I das Instituições Dialéticas

derivação gramatical (pois, segundo esta, justiça é que se deduz do genitivo


"justi"), mas derivação racional e exigida pela própria natureza das coisas,
acerca da qual falamos acima.? Pela primeira parte da definição excluem-se,
portanto, todos os nomes absolutos. Pela segunda, excluem-se os conotativos
que se não deduzem, quanto à voz e à significação, de nenhum nome anterior.
Daqui resulta" que o verbo "officio offici" não é denominativo. Com efeito,
não se deduz, quanto à voz e à significação, de nenhum nome primeiro; pois,
somente quanto à voz é tirado do nome "officium" e não existe outro nome de
que derive, na voz e na significação. Daqui também se deduz que os nomes
corredor, pugilista, e outros deste teor, pela razão de significarem certas forças
naturais, não são denominativos. Com efeito, não se deduzem, quanto à voz e à
significação, de nenhum vocábulo anterior mais simples. Na verdade, embora,
quanto à voz somente, sejam derivados dos nomes de ações, como corredor de
corrida, pugilista de pugilato, contudo, quanto à significação, não são derivados
de nenhum, porque de resto não há nomes alguns abstratos impostos pelas
forças naturais, que significam. De onde claramente se vê que a denominação
de nome conotativo é mais extensa que a de denominativo, visto que, pelo que
fica dito, entendemos que todos os denominativos são conotativos, mas nem
todos os conotativos são denominativos.
Nome denominante é aquele de que se deduz, quanto à voz e à
significação, o denominativo. A este gênero podem pertencer não só vocábulos
abstratos, como candura, justiça, mas também concretos, como cândido, fogo.
Com efeito, de cândido pode deduzir-se, quer quanto à voz, quer quanto
à significação, candidato; de fogo, afogueado. Aqueles podem chamar-se
denominantes primários; estes, secundários. De onde resulta que o mesmo nome
pode ser denominativo e denominante em atenção a diversos. Cândido, quando
comparado com o vocábulo candura, é denominativo; quando comparado com
candidato, é denominante.
Mas, para melhor se entender o que disse, note-se que em qualquer
denominativo se requer uma dupla relação: uma com o vocábulo denominante,
do qual se deduz quanto à voz e significação; outra com a coisa denominada,
à qual significa que algo está adjacente, ou da qual é conotativo. Em virtude
da primeira relação, todo o denominativo se diz denominativo proveniente
de algum denominante; em virtude da segunda, diz-se denominativo de
alguma coisa denominada. De onde se infere que, do mesmo modo que todo o
denominativo é denominativo por provir de algum vocábulo certo e designado,
assim também é denominativo de alguma coisa certa ou de algumas.
E isto, de fato, o que posso deduzir, para que não haja surpresa ao ver-se
que os nomes denominativos não se predicam denominativamente de todas as
84 Cap. 23.
85 Predicamentos, 8.

93
Pedro da Fonseca

autem, cuius non est connotativum, denominative praedicari non potest. Haec
item nomina Bonus, Sapiens, Iustus, praedicantur denominative de hominibus,
quibus bonitas, Sapientia, et lustitia accidentaria est: de Deo autem, in cuius
simplicissima essentia huiusmodi perfectiones continentur, non denominative,
sed essentialiter, dicuntur. Aeneum quoque, Ligneum, et huiusmodi, dicuntur
denominative de figuris, ut de circulo, et triangulo: essentialiter autem, non
denominative de rebus ex figura et materia compositis, ut de triangulo aenco, et
ligneo circulo. Rationale denique dicitur denominative de animali, essentialiter
de homine, ac Socrate.24

Caput XXVI - De nomine Communi & Singulari


Nomen commune, seu universale est, quod eadem ratione de pluribus
praedicatur: ut Homo Singulare autem, seu Discretum, seu individuum, est,
quod non praedicatur de pluribus, ut Plato, Conimbrica, Deus. Praedicari hoc
loco pressius, quam supra, intelligendum est, ut pote pro vere affirmari. Nam
si accipiatur pro affirmari, aut negari, sive vere, sive falso, ut supra exposuimus,
nomina singularia erunt communia. Plato enim ea ratione, qua Platonem
Aristotelis pracceptorem significat, praedicatur de pluribus Platonibus tum
vere ac negative, tum falso et affirmative Cum vero in definitione audis De
pluribus, nomine plurium intellige plura secundum idem nomen. Nam ut nomen
aliquod dicatur commune, non satis est si praedicetur de iis, quae dicantur
plura secundum aliud nomen. Sic enim nomina singularia communia esse
iudicabuntur. Platonis siquidem nomen una sola ratione acceptum praedicatur
de pluribus attributis Platonis, ut pote de hoc Aristonis filio, de hoc Philosopho,
de hoc Aristotelis praeceptore. Nomen etiam Conimbricae praedicatur de
pluribus attributis Conimbricae, ut de urbe prope Mondam sita, de hac
bonarum artium cultrice. Hoc quoque nomen Deus praedicatur de pluribus
personis divinis, et tamen singulare est, modo nomine Dei id intelligamus,
quo maius aliquid, perfectiusve cogitari non potest, quo pacto Theologi Dei
notionem describunt. Hac enim spectata significatione sic ait Sapiens, Affectui,
aut regibus deservientes homines, incommunicabile nomen (scilicet Dei)
lapidibus, et lignis imposuerunt. Ratio denique eadem significatione accipitur
in definitione nominis communis, qua in definitionibus aequivocorum, et
24 Nota do parágrafo: Ex paed. 1. et. 5. et ex. 2. Top. 2. / Albert Magnus in praed. tracta. 1. / Cap. 23.
/ Praed. 8. / Ibidem. / Latius patet connotativum, quam denominativum. / Denominans. / Etiam concreta
denominantia esse possunt. / Primaria denominantia. / Secundaria. / Duplex respectus requiritur in quovis
de nominativo. / Denominativa non de omnibus dicuntur de nomina ive. / Nullum genus praedicatur de
nominative d sua specie. 2. / Top. 2. / D. Tho. 1. p. q. 13. et alii Theologi. 2. d. 22.

94
Livro I das Instituições Dialéticas

coisas de que se dizem. Na verdade, colorido predica-se, denominativamente


do corpo de que é conotativo; mas de branco, de que não é conotativo, não
pode predicar-se denominativamente. De modo idêntico, os nomes bom,
sábio, justo predicam-se denominativamente dos homens nos quais são
acidentais a bondade, a sabedoria e a justiça; de Deus, porém, em cuja essência
simplicíssima se contêm estas perfeições, não se dizem denominativamente,
mas essencialmente (como ensinam os teólogos). Brônzeo, lígneo e outros
também se dizem denominativamente das figuras, como do círculo e do
triângulo; mas dizem-se essencialmente e não denominativamente de coisas
compostas de figura e matéria, como de triângulo brônzeo e círculo lígneo.
Finalmente, racional diz-se denominativamente de animal e essencialmente
de homem, como Sócrates.

Capítulo XXVI - Dos nomes comum e singular


Nome comum ou universal é aquele que se predica de vários pela mesma
razão, como homem. [Nome] singular ou discreto, ou indivíduo, é o que se não
predica de vários, como Platão, Coimbra, Deus. Predicar, aqui, mais estritamente
do que acima, deve entender-se por afirmar realmente. Com efeito, se se toma
por afirmar ou negar, quer verdadeira quer falsamente, como acima expusemos,
serão comuns os nomes singulares. Efetivamente, Platão, considerada a razão
pela qual significa Platão, mestre de Aristóteles, predica-se de vários Platões, quer
verdadeira e negativamente, quer falsa e afirmativamente. Ouvindo, porém, [a
expressão] de vários, na definição, pelo nome vários entenda-se vários segundo o
mesmo nome. Com efeito, para que algum nome se diga comum, não é suficiente
que se predique das coisas que se dizem várias segundo nome diferente. Assim,
os nomes singulares serão considerados comuns. O nome Platão, com efeito,
tomado sob um único aspecto, predica-se de vários atributos de Platão, como:
deste filho de Aristão, deste filósofo, deste mestre de Aristóteles. O nome
Coimbra também se predica de vários atributos de Coimbra, como: da cidade
situada junto do Mondego, desta cultora das belas-letras. Também o nome
Deus se predica das várias pessoas divinas, e, contudo, é singular, contanto que
pelo nome Deus entendamos aquilo maior ou mais perfeito do que o qual nada
se pode pensar; assim descrevem os teólogos" a noção de Deus. Atendendo,
com efeito, a esta significação, assim diz o Sábio:87 e foi para a vida humana
ocasião de engano que homens, sujeitando-se à infelicidade e à escravidão,
tenham imposto o nome incomunicável (o de Deus) às pedras e a pedaços
de madeira. Na definição de nome comum, razão, finalmente, é tomada na
mesma significação em que é tomada nas definições dos equívocos e dos
86 Santo Tomás, I. p., q. 2; e outros, I. d. 3.
87 Sabedoria, 14.

95
Pedro da Fonseca

univocorum. Cum ergo in ea definitione dicitur, Quod predicatur de pluribus,


excluduntur omnia nomina singularia, quia nullum corum praedicatur de
üis, quae secundum ipsum plura dici possint, hoc est, quia nomen Platonis,
quatenus singulare, est non praedicatur de iis, quae plures Platones appellari
possint, nec Conimbrica de iis, quae plures Conimbricae dici queant, nec
Deus de personis, quae dicantur plures Dii. Cum vero additur, Eadem ratione,
excluduntur omnia nomina aequivoca, nisi quod analoga quodam modo
comprehenduntur, quatenus eadem quodammodo ratione pluribus conveniunt.
Id quod in causa est, ut apud Aristotelem pleraque analoga tum communia,
tum universalia dicantur.
Duo tamen hic adverte. Alterum, nomina quidem communia vocari
apud Grammaticos Appellativa, singularia vero, Propria. Alterum, loco
nominum proprium, quibus maxima ex parte caremus, duo potissimum genera
periphraseos usurpari. Unum est cum nomini communi addimus pronomen
demonstrativum, ut si dicam, Hic homo, Hic equus: quae orationes Individua
exdemonstratione dicuntur. Aliud est, cum oratio communis, ob aliquam
hypothesis uni tantum rei accommodatur, ut si dicam filius Sophronisci, Filius
Ionnis principis. Posito enim quod Sophronisco non fuerit alius filius, quam
Socrates, et loanni principi loannis tertii Lusitaniae regis filio alius, quam
Sebastianus, sane illis orationibus Socratem philosophum, et Sebastianum
Regem significabo. Sed huiusmodi orationes, quia re vera communes sunt,
nec uni rei soli, nisi ex hypothesi, conveniunt, individua non simpliciter, sed ex
hypothesi dicuntur. Mitto hic orationes ex nominibus communibus et signis
particularibus constructas, ut Quidam homo, Quidam equus (quae individua
vaga nominantur) quia non de uno tantum, sed de pluribus dicuntur.25

Caput XXVII - Diluuntur quaedam obiecta contra


definitionem nominis communis
Sed contra definitionem nominis communis sic licet argumentari
Omnia nomina aequivoca sunt communia teste Aristotele, quis res aequivocas
definiens, sic ait, Aequivoca sunt, quorum nomen commune est: nomina
autem aequivoca non praedicantur de pluribus eadem ratione (subdit enim
Aristoteles, Ratio vero substantiae diversa: id quod etiam ex dictis satis
perspicuum est) igitur definitio nominis communis non complectitur omnia
nomina communia. Licebit etiam sic argumentari. Haec nomina Mundus, Sol,
Luna, Mercurius, et catera huiusmodi sunt communia (Physici siquidem, et

25 Nota do parágrafo: Praedicari pressius, quam supra. / De pluribus. / D. Tho. 1. p. q. 2. et alii. 1.


d. 3. / Sap. 14. / Cap. 19. et caet. / Analoga sunt quodammodo communia. / Ut. 1. de partib' animal. in
fine. et 3. meta. 3. et 10. meta. 4. / Apellativa. / Propria. / Duo bus modis potissimum individua periphrasi
significari Ex Porphy. de specte. / Individua ex demonstratione. / Individua vaga.

96
Livro I das Instituições Dialéticas

unívocos.88 Quando, portanto, se diz nesta definição que se predica de vários,


excluem-se todos os nomes singulares; porque nenhum deles se predica das
coisas que, segundo o mesmo, se dizem várias, isto é, porque o nome Platão,
enquanto é singular, não se predica de vários Platões, nem Coimbra de várias
Coimbras, nem Deus de vários deuses. Juntando, na verdade, segundo a mesma
razão, excluem-se todos os nomes equívocos, a não ser os análogos, os quais
estão compreendidos, de certo modo, enquanto convêm a vários por uma razão
de alguma forma a mesma. Isto está em causa, uma vez que em Aristóteles"
muitos análogos se dizem quer comuns, quer universais.
Notem-se, contudo, aqui, duas coisas. Primeira: os gramáticos chamam
apelativos aos nomes comuns, e próprios aos singulares. Segunda: em vez dos
nomes próprios, de que carecemos em grandíssima percentagem, empregam-
se de preferência dois gêneros de perifrases: uma, quando juntamos ao nome
comum um pronome demonstrativo, como ao dizer: este homem, este cavalo,
que constituem orações ditas indivíduos por demonstração; outra, quando uma
oração comum, em virtude de alguma hipótese, se acomoda a uma só coisa,
como ao dizer: filho de Sofronisco, filho do príncipe João. Posto que Sofronisco não
tenha tido outro filho além de Sócrates e que o príncipe João, filho de João III,
rei de Portugal, não tenha tido outro além de Sebastião, sem dúvida significarei
com aquelas orações o filósofo Sócrates e o rei Sebastião. Mas estas orações,
uma vez que realmente são comuns e não convêm a uma só coisa, a não ser por
hipótese, dizem-se indivíduos não simplesmente, mas por hipótese. Prescindo aqui
das orações construídas de nomes comuns e sinais particulares, como: certo
homem, certo cavalo, orações estas que se chamam indivíduos vagos, porque se
não dizem de um só, mas de vários. [Segundo Porfírio, Da Espécie. ]

Capítulo XXVII - Desfazem-se certas objeções contra a


definição de nome comum
Mas contra a definição de nome comum é lícito argumentar assim: todos
os nomes equívocos são comuns, segundo Aristóteles, que, definindo coisas
equívocas, diz assim: equívocas são as coisas cujo nome é comum; ora, os nomes
equívocos não se predicam de vários pela mesma razão (supõe Aristóteles
que a razão da substância é diversa, o que é também bastante claro, pelo que
ficou dito); por isso, a definição de nome comum não compreende todos os
nomes comuns. E será lícito ainda argumentar assim: os nomes Mundo, Sol,
Lua, Mercúrio e outros semelhantes são comuns (os físicos, com efeito, e os
astrólogos que discorrem acerca do Mundo, do Sol, etc., não tratam senão
Cap. 19, etc.
Como: Das Partes dos Animais, I, no fim. Metafísica, III, 2 e Metafísica, X, 4.
90 Predicamentos, I.

97
Pedro da Fonseca

Astrologi, qui disserunt de mundo, sole et cateris huiusmodi, non agunt nisi
de rebus communibus, cum singularia omnium Philosophorum consensu a
disciplinis reiiciantur) his autem nominibus non congruit definitio nominis
communis, quia non praedicantur de pluribus (neque enim vere dicimus plures
esse mundos, aut, soles, aut lunas, aut mercurius) igitur definitio nominis non
convenit omnibus nominibus communibus. Quare non est recte tradita.
Priori obiectioni occurres, Altero e duobus modis nomina dici posse
communia, aut sola voce, aut voce, ac significatione simul: atque aequivoca
quidem nomina voce sola esse communia, nos ea tantum definivisse, quae
et voce, et significatione sunt communia, quare non mirum esse si definitio
nominis communis nomina communia prioris generis non comprehendat.

Posteriori respondebis, Nomina illa et esse vere communia, ut a nobis


definita sunt, et praedicari de pluribus. Nam cum hoc nomen Mundus
non significet primo hunc designatum mundum, sed mundum absolute, ac
simpliciter, quo pacto Philosophi de mundo disserunt, dubium non est, quin ex
modo suae significationis, praedicari possit de pluribus mundis, qui sub mundo
obsolute, ac simpliciter concepto, apprehendi, et cogitari possunt. Itaque si
mente apprehendas tres designatos mundos, iam de singulis vere enunciabis
hoc nomen Mundus, et si plures in rerum natura non sint. Id quod de cateris
huiusmodi nominibus dicendum est.

At dum ita respondeo videor plane retexere id, quod susupra dixi, Hoc
nomen Deus esse singulare, non commune. Ut enim hoc nomen Mundus
non significat primo hune mundum, sed mundum absolute, sub quo concipi
possunt plures mundi, sic nomen Deus non videtur primo significare hunc
Deum, sed Deum absolute, sub quo proinde concipi possunt plures Dii:
quare si nomen Mundus, quia significat mundum absolute, commune est,
pari ratione nomen Deus commune erit. Verum si recte attendis, nil retracto.
Nam longe aliter sentiendum est de nomine Deus, atque de nomine Mundus,
deque cateris huiusmodi. Haec namque significant res finitae perfectionis,
quae quidem communi conceptu concipi possunt, additionemque singularis
perfectionis, recipere, illud autem significat rem perfectionis infinitae, quae,
cum additionem perfectionis admittere nullo modo valeat, non potest concipi
nisi ut designata, et singularis.

Quod siquis adhuc urgeat dicatque Methaphysicum disserere de Deo,


ergo si singularia, ut dictum est, reiiciuntur a disciplinis, nomen Dei non esse
singulare, sed commune: occurres, Merito ab hac regula excipiendam esse

98
Livro I das Instituições Dialéticas

de coisas comuns, uma vez que os singulares são rejeitados das ciências pelo
consenso de todos os filósofos); ora, a estes nomes não se ajusta a definição do
nome comum, porque se não predicam de vários (e nem dizemos, com verdade,
que há vários Mundos, vários Sóis, Luas, ou Mercúrios); por isso, a definição
de nome comum não convém a todos os nomes comuns — de onde se infere
que a mesma não foi bem dada.
À primeira objeção responder-se-á que os nomes se podem dizer
comuns, por um de dois modos: ou só quanto à voz, ou quanto à voz e à
significação simultaneamente; ora os equívocos são todos comuns só quanto à
voz; nós, porém, só definimos os que são comuns quanto à voz e à significação;
por isso, não é para admirar se a definição de nome comum não compreendera
os comuns do primeiro gênero.
À segunda responder-se-á: aqueles nomes não só são verdadeiramente
comuns, como por nós foram definidos, mas também se predicam de vários.
Com efeito, não significando o nome Mundo, primariamente, este mundo
designado, mas o mundo absoluta e simplesmente, atento o modo como
os filósofos discorrem acerca do mundo, não há dúvida de que pelo modo
da sua significação se pode predicar de vários mundos que, sob um mundo
absoluta e simplesmente concebido, se podem apreender e pensar. E assim,
se se apreenderem na mente três mundos, já se poderá enunciar de cada um
deles, com exatidão, o nome Mundo, embora não existam vários na natureza
das coisas. O mesmo se deve dizer dos restantes nomes deste teor.
Mas, enquanto assim respondo, parece desdizer-se completamente o
que acima disse: que o nome Deus é singular, não comum. Assim como o
nome Mundo não significa, primariamente, este Mundo, mas o mundo em
absoluto, sob o qual se podem conceber vários mundos, assim o nome Deus
não parece significar, primariamente, este Deus, mas Deus em absoluto, sob o
qual se podem conceber vários deuses. Por isso, se o nome Mundo é comum
porque significa mundo em absoluto, com igual razão o nome Deus será
comum. Mas se bem se atender, não há contradição da minha parte. Com
efeito, muito diferentemente se deve pensar acerca do nome Deus e do nome
Mundo, e de outros assim. Estes, na verdade, significam coisas de perfeição
finita, as quais podem, na verdade, ser concebidas por um conceito comum e
receber a adição duma perfeição singular; aquele, porém, significa uma coisa de
perfeição infinita, a qual uma vez que, de modo nenhum, pode admitir adição
de perfeição, não pode conceber-se senão como designada e singular.
Mas, se alguém persistir em afirmar que o metafísico discorre sobre
Deus, e que, portanto, se os singulares, como dissemos, são rejeitados pelas
ciências, o nome de Deus não é singular, mas comum — responder-se-á: com

99
Pedro da Fonseca

rem cam, quae propter suam perfectionem communi, universalive conceptu


apprehendi non potest
Non negaverim tamen hoc nomen Deus tum voce, tum etiam
quodammodo significatione, commune esse Deo et iis hominibus, qui in sacris
literis ob iudicandi munus, aut gratiam, qua Deo sunt similes vocantur dii. Sed
haec communio analogica est, nec dissimilis ab ea, qua nomen Hectoris Troiani
communicatur viris fortibus, et Ciceronis, eloquentibus, et lobi patientibus. 26

Caput XXVIII - De nomine Transcendente, & non


transcendente
Nomen transcendens, et si non eadem significatione apud omnes sumitur,
tamen iuxta communiorem usurpationem sic definiri potest, Nomen transcendens
est, quod de omnibus, ac solis veris rebus dicitur. Sex porro transcendentia esse
dicuntur, Ens, Unum, Verum, Bonum, Aliquid, et Res: de quorum significatione
alibi disputandum est.
Reliqua iuxta hanc sententiam sunt non transcendentia: in quibus
numerantur ea, quae a recentioribus dicuntur supertranscendentia, ut Opinabile,
Cogitabile, Apprebensibile, et si quae sunt alia, quae non tantum de omnibus
rebus veris, sed etiam de fictis vere affirmantur.?7

Caput XXIX - De nomine Positivo. E Negativo


Nomen negativum est, quod significat negationem alicuius. Quod
duplex est. Aut enim significat negationem alicuius in subiecto naturam apto,
ut Cacum, Tenebrosum, Imprudens: aut nullo importato eiusmodi subiecto, ut
Nonvidens, Non collustratum, Nonprudens. Nam Caecum significat negationem
aspectus in oculis. Nonvidens autem negationem aspectus in quacunque
re subiecta sive vera, sive ficta. Unde fit, ut falso quis dixerit, lapidem esse
caecum, et hircocervum, vere autem lapidem esse nonvidentem, et hicocervum
nonvidentem: quod idem discrimen in caeteris facile perspicitur.
Ac priora illa quidem nomina dicuntur Privativa, sive privantia:
posteriora vero retento communi nomine, Negativa tantummodo, seu negantia
vocantur. Atque huius generis fere omnia dicuntur ab Aristotele Infinita, eo
quod tam de iis, quae sunt, quam de iis, quae non sunt, id est, tam de rebus veris,
26 Nota do parágrafo: Obieptio. 1. / Praed. 1. / Obiect. 2. / Singularia reiiciuntur a disciplinis /
Arist. 2. eth. 2. ct. 1. Rhet. ad Theod. 2. et. 3. meta. extremis verbis. Et aliis alibi. / Solutio prioris obiect.
/ Communia voce sola. / Communia voce, ac significatione. / Solut, posterioris. / Emergit obiectio. /
Solutio. / Deus non potest mente concipi nisi ut singularis. / Obiectio. / Dilutio. / Excipitur / Deus a
regula singularium non cadentium sub disciplina. / Qua ratione nomen Deus sit commune.
27 Nota do parágrafo; Sex transcendentia. / D. Th. de veritate. q. 1. art. 1. et de natura generis. ca. 2. /
Supertranscendentia.

100
Livro I das Instituições Dialéticas

razão se deve excetuar desta regra aquilo que, em virtude da sua perfeição, não
pode ser apreendido por conceito comum ou universal.
Não negarei, contudo, que o nome Deus, quer quanto à voz, quer ainda
de certo modo quanto à significação, é comum a Deus e aos homens que, na
Sagrada Escritura, em virtude do múnus de julgar ou duma graça pela qual são
semelhantes a Deus, se chamam deuses. Mas esta comunhão é analógica e não
dissemelhante daquela por que o nome de Heitor, o Troiano, se transmite aos
homens fortes, o de Cícero aos eloquentes e o de Jó aos pacientes.

Capítulo XXVIII - Dos nomes transcendente e não


transcendente
Nome transcendente, embora nem todos lhe deem a mesma significação,
contudo, segundo o emprego mais comum, pode definir-se assim: nome
transcendente é aquele que se diz de todas as coisas verdadeiras, e só delas. Por
isso se diz que os transcendentes são seis:" ente, uno, verdadeiro, bom, algo e coisa,
de cuja significação se tratará em outro lugar.
Os restantes, segundo esta opinião, são não transcendentes, e entre estes
contam-se os que pelos modernos são chamados supertranscendentes, como
opinável, pensável, apreensível, e outros, se existem, que se afirmam não só de
todas as coisas verdadeiras, mas também de quaisquer outras.

Capítulo XXIX - Dos nomes negativo e positivo


Nome negativo é o que significa negação de algo. É duplo; com efeito, ou
significa negação de algo num sujeito certo e determinado, como cego, tenebroso,
imprudente, ou em qualquer sujeito, como não-vidente, não-iluminado, não-
prudente. Com efeito, cego significa negação da vista nos olhos; não-vidente,
porém, significa negação da vista em qualquer sujeito, quer seja ente, quer não
ente. Daí deriva que alguém poderia dizer, falsamente, que pedra ou hircocervo
são cegos; com verdade, porém, [dir-se-ia] que não veem. Distinção idêntica
facilmente se verifica nos restantes.
Os primeiros nomes dizem-se privativos ou privantes, tomada latamente
a acepção de privantes (pois são abrangidos muitos que, menos propriamente,
se dizem privativos, como diremos em outro lugar); os segundos, mantido o
nome comum, chamam-se negativos, somente ou negantes. Ora quase todos os
deste gênero são por Aristóteles" chamados infinitos, pelo fato de se afirmarem
com verdade tanto de coisas que são, como de coisas que não são, isto é, tanto
de coisas verdadeiras, como de coisas não verdadeiras, por exemplo: não-
91 Santo Tomás, Da Verdade, q. I, art. 1; e Da Natureza do Género, cap. 2.
92 Da Interpretação, I, 2 e 3.

101
Pedro da Fonseca

quam de iis, quae vera res non sunt, vere af rmantur: ut Nonhomo, Nonchimaera.
Illud enim dicitur de omnibus tum fictis, tum veris rebus, praeterquam de
homine: hoc autem de omnibus similiter praeterquam de chimaera. Quac
vero ex hoc genere aut cum solis veris rebus, aut cum üs, quae verae res non
sunt, reciprocantur, ut Nonnihil, et Nonens, ea, quia non tam late patent, non
dicuntur ab Aristotele infinita.
Nomina positiva sunt, quae non significant negationem alicuius, ut
Homo, Chimaera, Videns, prudens, Indutus, et similia. 28

Caput XXX - Diluuntur quaedam obiecta contra definitionem


nominis negativi
Sed contra ista. Hoc nomen Negatio significat negationem alicuius
(significat enim negationem, omnis autem negatio aliquid negat) et tamen
non est nomen negativum, cum nec sit privativum, nec numeretur iis negativis,
quae ex adverso a privativis distinguuntur, (nam nec est infinitum, nec cum
solis entibus, aut cum non entibus reciprocatur) ergo definitio nominis negativi
accommodatur alicui nomini non negativo, quod absurdum est. Praeterea hacc
vox Nonhomo significat negationem alicuius, ut satis apertum est, et tamen non
est nomen negativum, sed oratio, quippecum ea audita duo in nobis gignantur
conceptus ultimi, alter particulae Non, alter particulae Homo, igitur de finitio
nominis negativi congruit alicui orationi, quod etiam est incommodum. Idem
apertius ostenditur in voce Nonnihil, quam inter negativa nomina recensuimus.
Componitur enim ex voce Nihil, quam supra orationem esse affirmavimus.

Prima tamen obiectio facile diluetur, si dicas, hoc nomen Negatio nec esse
negativum, ut probatum est, nec significare negationem alicuius. Quanquam
enim omnis negatio specialis, ut negatio aspectus, negatio hominis, negatio
entis, et negatio hippocentauri neget aliquid, hoc est significatum alicuius
nominis, tamen negatio in commune nihil omnino negat.

Secundae obiectioni respondebis, vocem Nonhomo non esse orationem,


ut Aristoteles plane fatetur. Quanquam enim particula Non, et particula Homo
proprias habeant, peculiaresque significationes extra totam vocem, tamen in
unius dictionis compositionem coniunctae ciusmodi significationes amittunt,
totaque ipsa dictio ex utraque voce conflata significat negationem eius rei, quam
vox Homo extra totam vocem significat. Neque vero ulla est haec consecutio,
quam quis fortasse extruxerit, Nonhomo significat negationem hominis, ergo
significat negationem, et hominem, quemadmodum nulla sit consequentia
28 Nota do parágrafo: Duplex nomen negativum. / Privativa. / Negativa. / Infinita. / 1. peri. 2. et. 3. /
Negativa noninfinita. / Positiva.

102
fi
Livro I das Instituições Dialéticas

homem, não-quimera. Aquele [não-homem), com efeito, diz-se de todas as


coisas, não verdadeiras ou verdadeiras, exceto de homem. Este, [não-quimera],
diz-se, igualmente, de todas as coisas, exceto de quimera. Aqueles [nomes],
porém, deste gênero, que são recíprocos só das coisas verdadeiras ou das não
verdadeiras, como não-nada e não-ente, porque se dizem não tanto das coisas
que são, como das que não são, não são chamados infinitos por Aristóteles.
Nomes positivos são os que não significam negação de coisa alguma,
como: homem, quimera, vidente, prudente, vestido, e outros semelhantes.

Capitulo XXX - Desfazem-se algumas objeções contra a


definição de nome negativo
Mas a isto talvez alguém objete: o nome negação significa negação de
alguma coisa (significa, de fato, negação, e toda a negação nega alguma coisa);
e, contudo, não é um nome negativo, pois que nem é privativo, nem se inclui
naqueles negativos que se distinguem por oposição dos privativos (com efeito,
nem é infinito, nem é recíproco somente dos seres ou dos não seres); logo, a
definição de nome negativo acomoda-se a algum nome não negativo, o que
é absurdo. Além disso, a voz não-homem significa a negação de alguma coisa,
como está bem de ver; e, contudo, não é um nome negativo, mas uma oração,
pois que, ao ouvi-la, se geram em nós dois conceitos últimos, um da partícula
não, outro da partícula homem; por isso, a definição de nome negativo convém
a alguma oração — o que não é conveniente. O mesmo se mostra claramente
na voz não-nada, que enumeramos entre os nomes negativos? Com efeito,
compõe-se da voz nada, que acima afirmamos ser uma oração.
A primeira objeção facilmente se destruirá, dizendo-se que o nome
negação nem é negativo, como se provou, nem significa negação de alguma
coisa. Pois, embora toda a negação especial (como: a negação da vista, a
negação de homem, a negação de ser e a negação de hipocentauro) negue
alguma coisa, isto é, o significado de algum nome, contudo negação, em geral,
não nega absolutamente nada.
A segunda objeção responder-se-á que a voz não-homem não é uma
oração, como Aristóteles" claramente confessa. Pois, embora a partícula não e
a partícula homem, fora da voz toda, tenham significações próprias e peculiares,
contudo, juntas em ordem à composição de uma só dicção, perdem essas
significações, e a dicção toda, formada de ambas as dicções reunidas, significa
a negação da coisa que a voz homem significa fora da voz toda. E é certamente
nula esta consequência que alguém talvez tenha formulado: não-homem
93 Cap. anterior.
94 Cap. 15.
95 Da Interpretação, 1, 2.

103
Pedro da Fonseca

si ita colligas, Hoc nomen Pater significat respectum ad filium, ergo significat
respectum et filium. Cur autem duo in nobis gignantur conceptus audito
nomine Nonhomo, negationis scilicet, et hominis, causa est, quia negatio
specialis concipi non potest, nisi concipiatur id, quod negatur, non autem quod
una pars nominis infiniti imprimat unum conceptum, altera alterum. Non
secus enim audito nomine Pater concipimus et patrem, et filium: verum non
quia pars altera nominis gignat alterum conceptum, altera alterum, sed quia
pater sine filio percipi nullo modo potest.

Tertiae obiectioni occurres, vocem Nihil aliquando idem valere quod


Nulla res, aliquando idem quod Nonens, priorique modo esse orationem,
posteriori, nomen negativum, non quidem significans negationem, et ens, ut
modo ostendimus, sed negationem entis, quae alia negatione haud dubie
negari potest. Negatio autem negationis entis significatur voce Non nihil.29

Caput XXXI - De nominibus Repugnantibus, & non


repugnantibus
Nomina repugnantia sunt, quae de eadem re vere affirmari non possunt:
ut Album, et Nigrum: Ambulat, ac Nonambulat: Doctus, et indoctus: Lapis,
et Lignum. Cum audis, Quae affirmari non possunt, intellige simul, seu in
codem tempore, et codem modo. Cum additur, De eadem re, intellige de eadem
re singulari, secundum eandem partem, et respectu eiusdem. Nam alioqui nulla
sunt propemodum nomina, quae de eadem re vere affirmari nequeant, ut
animadvertenti facile patebit.
Nomina non repugnantia sunt, quae cadem de re vere affirmari possunt:
ut Doctus, et Modestus: simplex, et Prudens: Dives, et Miser. In qua definitione
intellige omnes particulas, quas in superiori intelligendas esse diximus.

Porro nominum repugnantium duo sunt genera. Alia nanque sunt


opposita, alia non opposita, seu disparata. Opposita sunt, aut Contradicentia, seu
contradictoria, ut Iustus et Noniustus: aut privative opposita, ut Videns, et Caecus:
aut contrarie, ut Album et Nigrum: aut relative, ut Pracceptor, et Discipulus: quae
quidem respondent quattuor generibus oppositarum rerum, Ab Aristotele

29 Nota do parágrafo: Obiect. 1. / Obiect. 2. / Obiect. 3. / Cap. superiori. / Cap. 15. / Solut. 1. /
Sola negatio specialis ali quid negat. / Solut. 2. / 1. Peri. 2. / Vide supra / Cap. 13. / Occurritur ineptae
obiectioni. / Cur audito infinito nomine duo in nobis gignantur conceptus. / Solut. 3. / Duplex significatio
vocis Nihil.

104
Livro I das Instituições Dialéticas

significa negação de homem, logo significa negação e homem; do mesmo


modo que nula é a consequência, se se raciocina assim: o nome pai significa
relação ao filho, logo significa relação e filho. A razão por que, ouvido o nome
não-homem, se geram em nós dois conceitos, o de negação e o de homem, é
que a negação especial não pode conceber-se se não se concebe o que se nega; e
não que uma parte do nome infinito imprima um só conceito, e a outra, outro.
Do mesmo modo, ouvido o nome pai, formamos também o conceito de filho:
o de pai formamo-lo diretamente, e o de filho como termo da relação paterna;
não porque uma parte do nome origine um conceito e outra origine outro, mas
porque a relação de paternidade de modo algum se pode perceber sem termo.
À terceira objeção responder-se-á que a voz nada, umas vezes, equivale
a coisa nenhuma, como ao dizer: "nada é simultaneamente branco e negro";
outras, a não-ser, como ao dizer: "o nada é vão e vazio". No primeiro modo,

e ser uma mastinos mundo, um nomer. letivo negricado, não negada


por outra negação, que se significa pela voz não-nada.

Capítulo XXXI - Dos nomes repugnantes e não repugnantes

Nomes repugnantes são os que se não podem, com verdade, afirmar da


mesma coisa, como: branco e negro, caminha e não caminha, douto e indouto,
pedra e madeira. Ao ouvir: que se não podem afirmar, entenda-se simultaneamente
ou ao mesmo tempo e do mesmo modo. Juntando-se da mesma coisa, entenda-se da
mesma coisa singular, segundo a mesma parte e a respeito do mesmo. De fato, quase
não há nomes que não possam afirmar-se da mesma coisa, como facilmente
será claro para quem estiver atento.
Nomes não repugnantes são os que se podem afirmar, com verdade,
acerca da mesma coisa, como: douto e modesto, simples e prudente, rico e
miserável. Nesta definição, entendem-se todas as partículas que, na definição
de repugnantes, dissemos deverem ser entendidas.
Com efeito, há dois gêneros de nomes repugnantes. Uns são opostos,
outros não-opostos ou díspares. Os opostos são contradizentes ou contraditórios,
como justo e não justo; privativamente opostos, como vidente e cego; contrariamente
opostos, como branco e negro; e relativamente opostos, como mestre e discípulo
- os quais, de fato, correspondem aos quatro gêneros de coisas opostas
apresentados por Aristóteles, dos quais trataremos depois, 96 sucintamente. Os
restantes nomes repugnantes são não-apostos ou dispares, como pedra e madeira,
carne e espírito.

96 No fim do livro II.

105
Pedro da Fonseca

traditis, de quibus postea breviter agemus. Reliqua nomina repugnantia, sunt


non opposita, seu disparata, ut lapis, et lignum: Caro, et Spiritus. 30

Caput XXXII - De nominibus Primae, ac Secundae in


tentionis, quae & primae, ac secundae impositionis dicuntur

Duplici significatione usurpatur haec nuncupatio nominum primae, ac


secundae intentionis. Quidam ita loquuntur, ut nomina rerum dicant primae
intentionis, quasi primi propositi, et instituti corum, qui nomina imposuerunt,
nomina vero nominum appellent secundae intentionis, propositive. Prius enim
imponenda erant Platanus, et aliae aliis vocabulis, deinde ipsis rerum vocabulis,
ut nimirum aliud appellaretur Nomen, aliud Verbum, aliud participium, et alia
aliis nominibus. Iuxta hunc loquendi morem sola nomina imposita vocibus
significantibus ex impositione, qua ratione ex impositione significant, sunt
secundae intentionis, catera omnia sunt primae, etiam si veras res non significent.
Atque hoc significatu satis apertum est cur nomina primae intentionis primac
etiam impositionis dicantur, secundae autem intentionis, secundae impositionis.

Alii vocant nomina primae intentionis ea, quae significant primas


intentiones: secundae autem intentionis, quae significant secundas. Nomine autem
primatum intentionum intelligunt ea omnia, quae conveniunt rebus veris,
etiam si eiusmodi res a nemine concipiantur: quod vocant convenire a parte
rei. Quo pacto convenit Socrati quod sit homo, quod disciplinae capax, quod
Socrates, quod Philosophus, quod fortasse caecus, et non iustus. Nomine vero
secundarum intentionum intelligunt ea, quae conveniunt rebus veris ob aliquam
earum apprehensionem, quod dicitur Per operationem intellectus: quo pacto
convenit huic voci Homo naturaliter spectatae quod sit nomen, et huic Disputo
quod sit verbum. Nisi enim hae voces apprehendantur ut signa rebus imposita,
nec prior erit nomen, nec posterior verbum. Eodem modo convenit homini
quod sit species, quod definiatur, et similia: quoniam nisi apprehendatur
imagine quadam communi omnibus hominibus, nec species erit, nec definitur,
ut alibi ostendemus. Atque illa quidem merito dicuntur intentiones primae,
haec secundae, quia cum illa sint horum fundamenta, intellectus noster de rebus
cogitans prius in illa, quam in haec intendit. Ita satis perspicuum relinquitur,
cur nomina illorum dicantur nomina primae intentionis, horum autem secundae.
Et quia ea, in quae prius intendimus, prius etiam nominare possumus, non est

30 Nota de parágrafo: Repugnantia / Non repugnantia. / Duo genera repugnantium. / Opposita. / Ad


finem li. 2. / Disparata.

106
Livro I das Instituições Dialéticas

Capítulo XXXII - Dos nomes de primeira e de segunda intenção


que também se dizem de primeira e segunda imposição
Com dupla significação se emprega esta denominação de nomes de
primeira e segunda intenção. Alguns falam de tal maneira que dizem os nomes
das coisas de primeira intenção como que de primeiro propósito ou convenção
daqueles que impuseram os nomes; os nomes dos nomes chamam-nos de
segunda intenção ou propósito. Primeiro, pois, deviam ser impostos nomes às
coisas para que uma se chamasse homem, outra cavalo, outra plátano e outras
com outros vocábulos; em seguida, aos próprios vocábulos das palavras, para
que seguramente um se chamasse nome, outro verbo, outro particípio, e outros
com outros nomes. Segundo este costume de falar, só os nomes impostos às
vozes que significam por imposição, pela qual razão significam por imposição,
são de segunda intenção; todos os demais são de primeira intenção, mesmo que
não signifiquem coisas verdadeiras. Ora, posto isto, é bem clara a razão por que
os nomes de primeira intenção se dizem também de primeira imposição e os de
segunda intenção de segunda imposição.
Outros chamam nomes de primeira intenção àqueles que significam
primeiras intenções e de segunda, aos que significam segundas. Pelo nome de
primeiras intenções entendem tudo o que convém às coisas verdadeiras, ainda
que as coisas deste gênero por ninguém sejam concebidas, o que chamam
convir da parte da coisa." Deste modo, convém a Sócrates ser homem, ser capaz
de educação, ser Sócrates, ser filósofo, ser talvez cego e não justo. Pelo nome
de segundas intenções, entendem o que convém às coisas verdadeiras, em virtude
de alguma apreensão delas, ou seja, através duma operação do intelecto. Deste
modo, convém à voz homem, naturalmente tomada, ser nome, e a disputo, ser
verbo. A não ser que estas vozes se apreendam como sinais impostos às coisas,
nem o primeiro será nome, nem o segundo será verbo. Igualmente, convém
a homem ser espécie, ser definido, e coisas semelhantes; porque, se não for
apreendido por meio duma certa imagem comum a todos os homens, nem será
espécie, nem se definirá, como mostramos acima.? Ora, sem dúvida, aquelas
dizem-se, com razão, primeiras intenções, e estas, segundas intenções, porque,
sendo aquelas os fundamentos destas, o nosso intelecto dirige-se primeiro
àquelas que a estas. Assim, deixa-se bem evidente a razão por que os nomes
daquelas se dizem nomes de primeira intenção e os destas de segunda intenção. E
porque as coisas, para que primeiro dirigimos a intenção, também as podemos
97Santo Tomás, em Da Natureza do Gênero, 12; Dos Universais, 2 e Da Potência, q. 7, art. 9.
98 Segundo Porfirio.

107
Pedro da Fonseca

alienum ab hac usurpatione nominum, ut priora dicantur primae impositionis,


et posteriora secundae.
Quamquam vero gmentorum nomina ut Sphinx Chimaera, et similia
non sint primae, nec secundae intentionis posteriori acceptione, ut ex dictis patet,
possunt tamen reductione quadam dici primae intentionis, quia res ctae, et s
res verae non sunt, tamen finguntur esse verae. Id quod addiderim ne aliquod
nomen sit, quod utroque modo primae, aut secundae intentionis non dicatur.

Haec de varia nuncupatione nominum, ac verborum dixisse sit satis.


Quae pars instituti nostri respondent initio categoriarum Aristotelis, ubi
ille de acquivocis, univocis, et denominativis, de complexis, et incomplexis,
de universalibus, et singularibus, antequam ingrediatur ad categorias, pauca
praefatur."

nomina sint primae intentionis. / Conclusio libri.

108
fi
fi
Livro I das Instituições Dialéticas

nomear em primeiro lugar, não é alheio a este emprego dos nomes o dizerem-
se as primeiras de primeira imposição e as segundas de segunda.
Embora, na verdade, os nomes de coisas fictícias, como esfinge, quimera,
e outras assim, não sejam de primeira nem de segunda intenção, na segunda
acepção, como se mostra pelo que ficou dito, podem, todavia, por certa redução,
dizer-se de primeira intenção, porque as coisas fictícias, apesar de não serem
verdadeiras, são, contudo, fingidas serem verdadeiras; o que ajuntarei para que
não haja nome algum, que, de um ou outro modo, se não diga de primeira ou
segunda intenção.
Baste o que disse acerca das várias denominações dos nomes e dos
verbos. Esta parte do nosso tratado corresponde ao início das Categorias
de Aristóteles, onde ele, antes de entrar nas categorias, diz alguma coisa dos
equívocos, unívocos e denominativos, dos complexos e incomplexos, dos
universais e singulares.

109
Liber II Institutionum Dialecticarum
Livro II Das Instituições Dialéticas
Pedro da Fonseca

Caput I - Quid agendum sit in hoc libro, item quid sit


universale
Proxime sequitur ut infinitam nominum et verborum multitudinem
in decem ordines, et quasi classes, ut in promptu habeantur, redigamus. Hos
ordines vocat Aristoteles katkyopias, hoc est praedicamenta, quod in his
categoremata, seu quae praedicantur, in ordinem coacta, ac disposita sint.
Vocat etiam ouçoixias quasi elementorum series, quod prima ad disserendum
elementa in his quasi classibus ordinata, et digesta sint. Sed quia praedicamenta
nullo modo intelligi possunt, nisi quid fit genus, quid species, quid differentia, quid
proprium, quid accidens intelligatur, necessario haec quinque ante explicanda
sunt, quam quid sit praedicamentum, quot, et quae praedicamenta exponamus.
Quoniam vero haec quinque in eo conveniunt quod sint universalia, prius quid
sit universale, ut est horum commune genus, breviter dicendum est.

Universale est id, quod praedicatur de pluribus: subaudi eadem omnino


ratione, ac secundum naturam: ut homo, animal. Superiori libro nomen universale
definivimus: nunc rem universalem describimus.
Hic tamen pressius rem, quam ibi nomen. Quid sit praedicari de
pluribus eadem omnino ratione, libro eodem exposuimus.

Quid autem sit praedicari secundum naturam, sic accipe. Ea praedicantur


secundum naturam, sive directe (ut dici solet) quae sunt veluti formae eorum,
de quibus praedicantur: quo pacto superiora praedicantur de inferioribus, et
connotativa de absolutis, ut animal de homine, et album de cygno.

Ita fit ut duplex sit naturalis praedicatio sive secundum naturam, una
identica, in qua praedicatum, et subiectum sunt omnino idem altera, que directa
dicitur, (quae quidem formalis non incommode vocari posset) in qua id quod
est quasi forma praedicatur de eo, quod se habet, ut materia. Porro identica
etsi maxime naturalis est, tamen ea rationea nobis praetermissa est in prima
aditione, quia nihil habet artis. Nunc autem consultius eam comprehendimus,

112
Livro II das Instituições Dialéticas

Capitulo I - O que deve tratar-se neste livro e o que é universal

Segue-se imediatamente o trabalho de compendiarmos em dez ordens,


ou como que classes, a infinita multidão de nomes e de verbos, de modo a
estarem presentes à memória. Muitas vezes Aristóteles" chama a estas ordens
катпуор: [categorias], ou seja, predicamentos, pelo fato de terem sido reunidos
nelas e dispostos segundo uma ordem os categoremas, isto é, aquilo que se
predica. Chama-lhes também ovooxias, ou série de elementos, pelo fato
de estarem reunidos e distribuídos nestas espécies de classes os primeiros
elementos do discurso. Mas, como os predicamentos se não podem'" entender
sem se entender o que é o gênero, a espécie, a diferença, o próprio e o acidente,
devem necessariamente explicar-se estas cinco coisas, antes de expor o que são
os predicamentos, quantos e quais são. Porém, uma vez que estas cinco coisas
têm de comum o fato de serem universais, vai dizer-se sumariamente, antes
disso, o que é o universal, como gênero comum a elas.
Universal, como costuma descrever-se, segundo Porfírio, 102 é o que se
predica de vários; segundo Aristóteles, 103 é o que é apto a predicar-se de vários.
Subentenda-se absolutamente pela mesma razão e segundo a natureza, como
homem, animal. Já se expôs no livro anterior o que é predicar de vários por
uma razão absolutamente a mesma. Entenda-se agora em resumo o que é, e de
quantos modos é a predicação segundo a natureza, e quais as predicações que
se lhe opõem.
Diz-se predicação segundo a natureza ou natural, a que convém à natureza
das coisas. E convém, de modo especial, à natureza das coisas que qualquer
coisa se diga de si mesma, por exemplo: Sócrates é Sócrates, pois que nada
convém mais naturalmente a cada coisa que ela mesma. Depois, é conforme
à natureza que o que é como que forma se diga do que é como que matéria,
como quando se diz: o homem é animal, o cisne é branco. A razão disto mais
facilmente se compreenderá em Porfírio.
Assim resulta que é dupla a predicação natural ou segundo a natureza:
uma idêntica, na qual o predicado e o sujeito são o mesmo; outra que se diz
99 Como na inscrição dos Predicamentos e nos Segundos Analíticos, 1, 18 e Tópicos, 1, 7.
100 Segundos Analíticos, I, 11.
101 Porfírio, no prefácio.
102 Capítulo Do Gênero e do Comum.
103 Da Interpretação, I, 5.
104 Cap. 19 e seguintes.

113
Pedro da Fonseca

quia Porphyriana Isagoges, quam priori parte huius libri adumbrare conamur,
non excludit identicam, ut eo loco patebit.

Naturalis praedicationi contraria est quae tum contra naturam, tum


etiam indirecta dicitur, in qua videlicet in quod est quasi materia praedicatur de
eo quod est quasi forma, ut si dicas, Animal est homo, aut Album est Cygnus.
Inter has vero media est alia quaedam, quae et praeter naturam, et per accidens
appellatur, in qua nimirum nec id, quod praedicatur, est veluti forma cius,
quod subiicitur, nec id, quod subiicitur, est veluti forma eius, quod praedicatur,
sed ambo unius cuiusdam alterius: ut si dicas, Album est dulce, vel, Dulce
est album. Neutrum siquidem est quasi forma alterius, sed ambo sunt veluti
formae cuiudam tertii ut lactis, aut sachari.
Universale igitur, quod generi, speciei, differentiae, proprio, et accidenti
commune est, et in haec quinque membra adaequata divisione dividitur, ita
praedicatur eadem omnino ratione, sive univoce de rebus, quarum respectu
dicitur universale, ut de illis non praedicetur contra naturam, aut praeter
naturam, sed secundum naturam. Quod tamen nunquam accidit, nisi directe, cum
nihil omnino possit identica praedicatione de pluribus dici, ut perspicuum est.
Illud tamen hoc loco adverte superiori libro explicatum esse nomen Universale,
sive Commune, hic autem describi rem universalem; pressius tamen hic accipi
rem, quam illic nomen. Ut enim nomina dicantur communia, et universalia
comparatione plurium rerum, parum curari solet num de illis dicatur secundum
naturam, an secus: at vero ut res dicantur universales, qua ratione universale
commune est solo Generi, Speciei, Differentiae, Proprio, et Accidenti id non
segniter attenditur.

Caput II - Universalia multis modis praedicari


Porro universalia aut predicantur in questione Quid est, aut in
questione Quale est: et iterum, aut essentialiter, aut accidentaliter. et rursus, aut
necessario, aut non necessario, seu contingenter.
Ea praedicantur in questione Quid est, quae apte redduntur cum, quid
nam aliquid sit, quaeritur. Hocmodo praedicatur virtus de iustitia, et homo de
Socrate: quia si quis quaerat quid sit iustitia, quid Socrates, apte respondebit
qui dixerit, iustitiam esse virtutem, et Socratem esse hominem.

114
Livro II das Instituições Dialéticas

direta (e que com oportunidade se poderia chamar formal), em que o que é


como que forma se predica daquilo que se tem como matéria. Apesar de ser
natural no mais alto grau, omitimos, na primeira edição, a predicação idêntica,
por nada ter de dialético. Aqui, porém, inserimo-la intencionalmente, porque
a Isagoge de Porfírio, de que tentamos fazer um esboço na primeira parte deste
livro, a não exclui, como oportunamente se mostrará.
Contrária à predicação natural é a predicação chamada umas vezes
contra a natureza, outras indireta, na qual o que é como que matéria se predica
do que é como que forma, por exemplo: animal é o homem, branco é o cisne.
Entre estas há uma outra intermédia que se chama além da natureza ou por
acidente, na qual nem o que se predica é como que forma daquilo que é sujeito,
nem o que é sujeito é como que forma daquilo que se predica, mas ambos
duma outra coisa, por exemplo: branco é o doce, ou o doce é branco. Nenhum,
com efeito, é como que forma do outro, mas ambos são como que formas duma
terceira coisa, como do leite ou do açúcar.
Portanto, o universal, porque é comum ao gênero, à espécie, à diferença, ao
próprio, ao acidente, e se divide adequadamente nestes cinco membros, de tal
maneira se predica por uma razão absolutamente a mesma, ou univocamente,
das coisas a respeito das quais se diz universal, que delas se não predica contra
a natureza, ou além da natureza, mas segundo a natureza. Isto, contudo, nunca
acontece a não ser diretamente, uma vez que absolutamente nada pode dizer-
se de vários por predicação idêntica, como é evidente. Note-se, todavia, neste
lugar, que no livro anterior!05 foi explicado o nome universal ou comum; aqui,
porém, é descrita a coisa universal; contudo, aqui toma-se mais expressivamente
a coisa, que ali o nome. Portanto, para que se diga que os nomes são comuns
e universais em relação a várias coisas, costuma, ligar-se pouca importância
ao fato de se dizerem delas segundo a natureza, ou diversamente; mas para
que as coisas se digam universais, atende-se diligentemente à razão por que o
universal é comum só ao gênero, à espécie, à diferença, ao próprio e ao acidente.

Capítulo II - Os universais predicam-se de muitos modos


Efetivamente, os universais! ou se predicam a propósito da pergunta
o que é ou da pergunta qual é; e também [se predicam] essencialmente ou
acidentalmente; e ainda necessária ou não necessariamente, isto é, contingentemente.
Predicam-se na pergunta o que é os que aptamente respondem, quando
se pergunta'" o que alguma coisa é. Deste modo se predica virtude de justiça, e
homem de Sócrates, porque, se se perguntar o que é a justiça, o que é Sócrates,

105 Сар. 26.


106 Porfírio, em Do Género.
107 Porfirio, no mesmo lugar, Tópicos, 1, 4.

115
Pedro da Fonseca

Ea predicantur in questione Quale est, quae apte redduntur, cum quale


nam aliquid sit, quaeritur. Hoc modo predicantur rationis particeps, rectum,
et alia huiusmodi de Socrate. Nam si quis roget quale nam animal sit Socrates,
apte respondebit qui dixerit esse rationis particeps, rectum, et huiusmodi.

Ea predicantur essentialiter, quae pertinent ad essentiam subiecti.


Hoc modo predicantur de homine tum animal, tum rationis particeps. Ea
praedicantur accidentaliter, quae non pertinent ad essentiam subiecti. Quo
pacto rectum praedicatur de homine, et candidum de cygno.
Ea praedicantur necessario (ut hoc loco necessaria predicatio accipitur)
quae ita affirmantur de subiecto, ut de codem negari non possint absque
subiecti eversione. Quo pacto disciplinae capax praedicatur de homine. Siquis
enim negaverit hominem esse disciplinae capacem, consequens est ut neget
eundem esse hominem. Haec iccirco tam firma predicatione de subiecto
dicuntur, quia vel pertinent ad essentiam subiecti, vel ex intimis essentiae
principiis nascuntur.
Ea denique predicantur non necessario, seu contingenter, quae ita de
subiecto affirmantur, ut de codem negari possint absque subiecti eversione.
Quo pacto candidum praedicatur non modo de homine, sed etiam de cygno.
Ut enim non negat hominem esse hominem, qui eum, quia candidus est,
candidum esse inficiatur, sic non negat cygnum esse cygnum, qui negat esse
candidum. Quanquam enim hoc falso dicitur, hinc tamen non sequitur ut
cygnus dicatur non cygnus, quippe cum candor cygni nec ad eius essentiam
pertineat, nec ex intimis eius principiis profluat. Sed haec diligentius persequi
non ad hunc locum attinet. 32

Caput III - De genere


Genus itaque est universale quiddam, sub quo species collocatur: ut animal.
Sub hoc enim collocantur homo, qui in speciebus animalis numeratur. Definitur
etiam hoc modo. Genus est id, quod de pluribus speciebus differentibus in
questione Quid est praedicatur. Dicimus namque animal esse genus hominis,
et equi, quoniam est universale, quod apte redditur, cum quid sit homo, quid
equus, quaeritur.

Predi Nici paretar Porty de em re/ Prediceso in lui ea Po le bidente rediati/


necessaria. / Aliquando enim latius accipitur. ut li. 3. ca. 5. / Praedicatio contingens. / Porphy. de accidente.
Livro II das Instituições Dialéticas

responderá bem quem disser que a justiça é uma virtude e que Sócrates é um
homem.
Predicam-se na pergunta qual é os que respondem acertadamente,
quando se pergunta pela qualidade de alguma coisa. Deste modo se predicam
de Sócrates: racional, vertical, e atributos semelhantes. Com efeito, se alguém
perguntar que qualidade de animal é Sócrates, aptamente responderá quem
disser que é animal racional, vertical, etc.
Predicam-se essencialmente os que pertencem à essência do sujeito.
Deste modo se predicam do homem tanto animal, como racional. E predicam-
se acidentalmente os que não pertencem à essência do sujeito. É deste modo
que se predica vertical de homem, e branco de cisne.
Predicam-se necessariamente (no sentido em que aqui se toma predicação
necessária)'" os que de tal modo se afirmam do sujeito que dele se não podem
negar sem o destruir. Assim se predica de homem capaz de educação. Com
efeito, se alguém negar que o homem é capaz de educação, é lógico que negue
que o mesmo é homem. Estes universais dizem-se do sujeito com tão firme
predicação, porque ou pertencem à essência do sujeito ou brotam dos íntimos
princípios da essência.
Finalmente, predicam-se não necessariamente ou contingentemente Os
universais que de tal modo se afirmam do sujeito, que podem negar-se do
mesmo sujeito sem o destruir. 1º Assim se predica branco não só de homem,
mas também de cisne. Assim como não nega que um homem é homem aquele
que nega que ele é branco, sendo de fato branco, assim não nega que um cisne
é cisne quem negar que ele é branco. Embora isto se diga falsamente, todavia,
daqui não se segue que o cisne se diga não cisne, uma vez que a brancura do cisne
nem pertence à sua essência, nem é exigida pelos seus princípios intrínsecos.
Mas não pertence a este lugar estudar estas coisas mais diligentemente.

Capítulo III - O Gênero


O gênero é um universal, sob que se coloca a espécie:'' assim animal.
Abaixo deste, com efeito, coloca-se homem, que se enumera entre as espécies de
animal. Define-se também deste modo: gênero é aquilo que se predica de várias
coisas diferentes na espécie, na pergunta o que é.112 Dizemos, com efeito, que
animal é o gênero de homem e de cavalo, porque é o universal que se dá como
resposta adequada, quando se pergunta o que é o homem, o que é o cavalo.

108 Porfirio, no mesmo lugar.


109 Às vezes, com efeito, toma-se em sentido mais lato, como no livro III, cap. 5.
110 Porfirio, em Do Acidente.
111 Porfirio, em Do Gênero.
112 Porfirio, em Do Género, dos Tópicos 1, 4.

117
Pedro da Fonseca

Ea vero dicuntur differe specie, quae aut sunt diversae species, ut homo
et equus: aut sub diversis speciebus continentur, ut Alexander, et Bucephalus
Alexandri equus.
Tam vero genus duplex est: aliud summum, aliud subalternum, ut vocant.
Ea res dicitur genus summum, quae supra se nullum genus habet: et, quae, cum
si genus, non est etiam species, ut substantia, qualitas, et alia, de quibus inferius
dicemus. Ea vero dicitur genus subalternum, supra quam aliud genus assignatur,
et quae, cum sit genus, est etiam species, ut corpus. Hoc enim comparatione
substantiae est species, comparatione corporis animati est genus. Latini tamen
saepenumero nomen generis pro quacunque re universali, (late etiam accepto
nomine universalis) usurpant: ut cum dicunt, multa esse animalium genera
Hominem, Equum, Leonem, et caetera: item Medicinae duo esse genera
subiecta, Sanum, et Aegrum. Quo loquendi charactere, quoniam usurpatissimus
est, saepissime utimur. 33

Caput IV - De specie
Species est id quod proxime sub aliquo genere collocatur: ut homo.
Proxime siquidem sub animali, quod genus est, continetur.

Est autem duplex species, altera infima, altera subalterna. Ea res dicitur
species subalterna, sub qua est alia species: seu, quae cum species sit, est etiam
genus: ut animal, corpus animatum, corpus. Nam horum quodque habet sub
se species, quarum comparatione est genus, et supra se genus aliquod, cuius
respectu est species. Ea vero res dicitur species infima, sub qua non collocatur
alia species: seu, Quae cum sit species, non est etiam genus: ut homo. Siquidem
homo nullam sub se habet speciem, sed sola individua, quorum nequaquam
genus est. Quo fit, ut aliam respectu horum sortiatur speciei appellationem,
qua sic species definitur. Species est, quae tantum de iis pluribus, quae solo
differunt numero, in questione Quid est praedicatur: ut homo de individuis
tantum hominibus, qui solo differunt numero.

Individuum est id, quod de una tantum re praedicatur: seu, cuius omnes
simul proprietates multis rebus convenire non possunt. His de causis dicimus
Socratem esse individuum, tum quia de se solo praedicatur, tum etiam quia
omnes eius proprietates simul acceptae in alia etiam re inveniri non possunt.

Ea dicuntur differre numero, quae in numerando differunt, ut Socrates,


et Plato, itemque ut homo, et equus: non ut homo et animal. Qui enim dicit
33 Nota do parágrafo: Prophy. de genere. / Ex. 1. Top. 4. / Quae differant specie. / Porphy. de specie. /
Genus summum. / Genus subalternum. / Nomen generis quam late usurpetur apud Latinos.

118
Livro II das Instituições Dialéticas

Diz-se que diferem na espécie as coisas que ou são espécies diversas, como
homem e cavalo, ou se contêm debaixo de espécies diversas, como Alexandre e
Bucéfalo, cavalo de Alexandre.
O gênero é duplo:113 supremo e subalterno, como dizem. Diz-se gênero
supremo o que, acima de si, não tem outro gênero, e que, visto ser gênero, não
é também espécie, como substância, qualidade, e outras coisas de que adiante
falaremos. Diz-se gênero subalterno o que tem acima de si outro gênero e
que, apesar de ser gênero, é também espécie, como corpo. Este, com efeito,
em relação à substância, é espécie; em relação ao corpo animado, é gênero.
Os latinos, todavia, empregam, muitas vezes, o nome de gênero por qualquer
coisa universal (tomado latamente o nome universal), como quando dizem: há
muitos gêneros de animais: homem, cavalo, leão, etc.; ou: são só dois os gêneros
sujeitos da Medicina — são e doente. Usamos muitíssimas vezes este modo de
falar, visto ser muito corrente.

Capítulo IV - Da espécie
Espécie é o que se coloca imediatamente sob algum gênero,''ª como
homem. Com efeito, homem está contido imediatamente abaixo de animal, que
é gênero.
A espécie é dupla: infima e subalterna. Diz-se espécie subalterna aquela
sob a qual há outra espécie, ou aquela que, sendo espécie, é também gênero,
como: animal, corpo animado, corpo. Na verdade, cada um destes tem, abaixo
de si, espécies em relação às quais é gênero, e tem, acima de si, um gênero em
relação ao qual é espécie. Diz-se espécie infima aquela sob a qual se não coloca
outra, ou aquela que, sendo espécie, não é também gênero, como homem. Na
verdade, homem não tem abaixo de si espécie alguma, mas só indivíduos, dos
quais de modo nenhum é gênero. Por isto, se escolhe em atenção a estes uma
outra denominação de espécie, pela qual ela se define assim: espécie é o que,
na resposta à pergunta o que é, só se predica daquelas várias coisas que diferem
apenas quanto ao número, como homem se predica somente dos homens
indivíduos, que só diferem quanto ao número.
Indivíduo é o que se predica de uma única coisa, ou aquilo cujas
propriedades, no seu conjunto, não podem convir simultaneamente a muitas
coisas. Por isso dizemos que Sócrates é um indivíduo, não só porque se
predica de si só, mas também porque todas as suas propriedades ou acidentes,
simultaneamente tomados, se não podem encontrar noutra coisa.
Diz-se que diferem quanto ao número as coisas que se enumeram como
diferentes. Assim: Sócrates e Platão, e, igualmente, homem e cavalo; mas
113 Porfírio, Da Espécie.
114 Porfírio, em Da Espécie.

119
Pedro da Fonseca

hominem, simul etiam dicit animal, quandoquidem homo, qua homo, est
animal. Ea vero differunt solo numero, quae et individua sunt, et sub genere
suo nullo universali discrimine dissident. Hoc modo differunt Socrates et
Plato, quia et individui homines sunt, et sub genere suo, quod est animal, nullo
universali discrimine distinguuntur, sed tantum quod Socrates sit hic, Plato
ille, quanquam sub alio genere universali aliquo discrimine distingui possint:
ut si Socrates sit albus, Plato vero niger. Non hoc modo differunt Alexander,
et Bucephalus, quia sub animali, alio etiam discrimine, quod universale est,
multisque individuis commune, distinguuntur: ut quod Alexander sit rationis
particeps, Bucephalus rationis expers. Cicero de nomine speciei ita inquit.
Formae sunt, quas Graeci idéas vocant: nostri siqui haec forte tractant, species
appellant: non pessime id quidem, sed inutiliter ad mutandos casus in dicendo.
Nolim enim, ne si Latine quidem dici possit, specierum, et speciebus dicere,
et saepe his casibus utendum est: at formis, et formarum velim. Cum autem
utroque verbo idem significetur, commoditatem in dicendo non arbitror
negligendam. Haec Cicero. Verum, Dialectici non tanta verborum religione
obstringuntur.34

Caput V - De Differentia
Differentia dici potest ea forma, quas res aut a se in alio, et alio tempore,
aut ab alia re, differt. Ea vero triplex est, communis, propria, et maxime propria.
Communis differentia est ea, quae nec pertinet ad essentiam rei, nec inseparabilis
ab ea est, ut sedere, stare, et huiusmodi alia. Propria est, quae inseparabilis
quidem est, sed tamen ad essentiam non pertinet, ut habere cicatricem, quae
iam callum obduxeri: habere oculos caesios: esse disciplinae capax, et similia.
Maxime vero propria, quae et specifica dicitur, est ea, quae et inseparabilis est, et
ad essentiam rei pertinet, ut corporeum esse, animatum, sensitivum, rationale,
et caetera huiusmodi.
Inter haec differentiarum genera est late patens discrimen. Communibus
enim, ac propriis differentiis, accidentaliter tantum res discrepant: maxime
autem propriis, essentialiter. Item communibus et propriis, nec dividuntur
genera in species, nec definitiones specierum assignantur: iis vero, quae maxime
propriae dicuntur, maxime. Ac illae quidem priores, vel proprietates sunt,

34 Nota do paragrafo: Porphy. de specie. / Species subalterna. / Species infima. / Species ut universale
quiddam est / Individuum / Quae differunt numero Boeth. in Porphy. ad cap. de gen. / Quac differant solo
numero. / Quae nos species. Cicer. in Topicis commodius formas dicendas putat.

120
Livro II das Instituições Dialéticas

não enquanto homem e animal. Com efeito, quem diz homem, diz também,
simultaneamente, animal, visto que homem, enquanto homem, é animal.
Diferem só quanto ao número as coisas que são também indivíduos e, sob o
seu gênero, não diferem por nenhuma distinção universal. Sócrates e Platão
diferem segundo este modo, porque são homens indivíduos e, sob o seu gênero,
que é animal, não diferem por qualquer distinção universal, mas somente pelo
fato de Sócrates ser este e Platão aquele, embora sob outro gênero universal
possam diferir por alguma distinção universal, como se Sócrates fosse branco
e Platão negro. Não é segundo este modo que diferem Alexandre e Bucéfalo,
porque, sob animal, diferem também por uma outra distinção, universal é
comum a muitos indivíduos, e que é o fato de Alexandre ser racional e Bucéfalo
irracional. Cícero diz acerca do nome de espécie: formas são aquilo a que os
Gregos chamam idÉal [idéias]; os nossos, se por acaso alguns tratam destas
coisas, chamam-lhes espécies; não é modo de falar péssimo, mas é nocivo, pelo
que respeita à mudança dos casos na linguagem. Embora em latim se possa
dizer das espécies e às espécies, e muitas vezes se tem de usar destes casos, eu não
o aprovaria. Diria antes: às formas, das formas. Como, porém, com uma e outra
palavra se significa o mesmo, julgo que não deve desprezar-se a comodidade
na linguagem. Isto diz Cícero. Os dialéticos, porém, não estão obrigados a
tão grande respeito pelas palavras. [Boécio em "Porfírio" no capítulo sobre o
gênero.]

Capítulo V - Da diferença
Diferença pode dizer-se a forma pela qual uma coisa difere ou de si, em
tempos diferentes, ou de outra.115 É tríplice: comum, própria e maximamente
própria. Diferença comum é a que nem pertence à essência da coisa nem dela
é inseparável, como: sentar-se, estar de pé, e outros assim. Diferença própria é
a que é inseparável da essência, mas não pertence à essência, como: ter uma
cicatriz, ter um calo endurecido, ter olhos esverdeados, ser capaz de educação,
e outras semelhantes. Maximamente própria, que também se diz específica, é a
que não só é inseparável, mas também pertence à essência da coisa, como: ser
corpóreo, animado, sensitivo, racional, e outros mais.
Está bem patente a distinção entre estes gêneros de diferenças. Pelas
diferenças comuns e próprias, as coisas só diferem acidentalmente; pelas
maximamente próprias, diferem essencialmente. Do mesmo modo, nem os
gêneros se dividem em espécies, nem as espécies se definem pelas diferenças
comuns e próprias; mas, por aquelas que se dizem maximamente próprias,
maximamente [se dividem os gêneros e se estabelecem as definições]. E as

115 Porfírio, Da Diferença.

121
Pedro da Fonseca

vel accidentia, de quibus adhuc dicendum est: hae vero a cateris omnibus
universalibus distinguuntur.
Harum igitur, quae huius loci sunt, duo numerantur officia, alterum
quod dividant genera, alterum quod constituant species. Nam quemadmodum
aes, cum sit unum quid, diversis tamen figuris, ac formis distrahitur, ut ex ipso,
et accessione diversarum formarum fiant diversae res artificiosae ut statua, et
sphaera, sic animal, quod est genus hominis, et belluae, cum unius naturae sit,
tamen rationali, et irrationali, ut pote diversis differentiis, dividitur, ut ipsarum
accessione homo, et bellua, quae sunt diversae species, efficiantur.

Hinc fit ut differentia apte definiatur hoc modo. Differentia est id, quo
species suum genus excedit. Constat enim species genere ac differentia generi
adiuncta, qua tamen non constat genus. Item hoc modo. Differentia est id, quod
ita separat species sub codem genere, ut ad earum essentiam pertineat. Item
hoc modo Differentia est id, quod praedicatur de pluribus specie differentibus
in questione Quale est, necessario et essentialiter. Verum haec definitio non
complectitur eas differentias, quae proxime species infimas constituunt, ut
rationale. Omnes tamen complectetur, si expunxeris illud Differentibus specie.
Si enim quis te rogaverit, qualia nam animalia sint Socrates, et Plato secundum
differentiam necessario utrique convenientem, et ad utriusque essentiam
pertinentem, apte respondebis, esse rationalia. Atque ita in cateris.

Est autem duplex differentia: altera generalis: altera specialis. Generalis


constituit rem, quae non tantum est species, sed etiam genus: qualis est
corporeum, quae constituit corpus, et animatum, quae constituit corpus
animatum, et sensitivum, quae constituit animal. Specialis proxime constituit
rem, quae solum est species, ut rationale, quae hominem efficit, Praeter has est
alia quaedam, quae proxime constituit individuum, quae individuans differentia
nuncupatur. Exempli causa, differentia, quae homini communi adiuncta efficit
Socratem, dicitur differentia individuans Socratis: quae vero efficit Platonem,
dicitur differentia individuans Platonis: et ita reliquae. 35

Caput VI - De proprio
Proprium apud Aristotelem duplex est, complexum, et simplex. Complexum,
cum sit oratio, in definitionemque, ac descriptionem dividatur, alio pertinet.
35 Nota do parágrafo: Porphy. de differentia / Communis. / Propria. / Maxime propria. / Primum
discrimen. / Secundum. / Tertium. / Duo differentiarum officia / Prima definitio differentiae. / Secunda. /
Tertia. / Generalis differentia. / Specialis. / Differentia individuans / Scot. 2. d. 3. q. 6. et Caiet. in Librum
de ente et essent. q. 5. ar. 4. ad finem.

122
Livro II das Instituições Dialéticas

primeiras são ou propriedades ou acidentes, de que ainda falaremos, pois se


distinguem de todos os restantes universais.
Portanto, são duas as funções das diferenças aqui estudadas: dividir os
gêneros e constituir as espécies. Com efeito, do mesmo modo que o bronze, sendo
uma só essência, se divide em diversas figuras e formas, de modo a constituir,
pela adjunção de diversas formas, diversas obras de arte, como uma estátua e
uma esfera, assim animal, que é o gênero de homem e de besta, sendo de uma
só natureza, se divide, todavia, em racional e irracional, como por diferenças
diversas, de modo a constituir-se, pela adjunção delas, homem e besta, que são
de espécies diversas.
Daqui deriva que a diferença se define bem deste modo: diferença
é aquilo em que a espécie excede o seu gênero. A espécie, de fato, consta
do gênero e da diferença ajuntada ao gênero, da qual, contudo, o gênero
não consta. Também se define bem assim: diferença é aquilo que separa de
tal modo as espécies sob um mesmo gênero que pertence à essência delas.
E ainda: diferença é aquilo que, na pergunta qual é, se predica necessária e
essencialmente de várias coisas diferentes na espécie. Mas esta definição não
abrange as diferenças que constituem proximamente as espécies infimas, como
racional. Abrangê-las-á todas, se se suprimir a expressão: diferentes na espécie.
Se, pois, se perguntar que qualidade de animais são Sócrates e Platão, segundo
a diferença necessariamente a ambos conveniente e pertencente à essência de
ambos, com propriedade se responderá que são racionais. E assim nos restantes
casos.
Há duas espécies de diferença: uma geral, outra especial. A geral constitui
uma coisa que é não só espécie, mas também gênero. Exemplos: corpóreo, que
constitui o corpo; animado, que constitui o corpo animado; e sensitivo, que
constitui o animal. A diferença especial constitui proximamente uma coisa que
é só espécie, como racional, que realiza o homem. Além destas, há outra que
constitui proximamente o indivíduo e que se chama diferença individuante.
Por exemplo, a diferença que, juntada ao homem comum, faz Sócrates, diz-se
diferença individuante de Sócrates; a que, porém, faz Platão, diz-se diferença
individuante de Platão; e assim nos casos restantes.
[Escoto, 2, d. 3, questão 6 e Caetano, no livro Do Ser e da Essência, questão 5, artigo 4, no fim.]

Capítulo VI - Do Próprio
O próprio, segundo Aristóteles, 16 é duplo: complexo e simples. O
complexo, visto ser oração e dividir-se em definição e descrição, será tratado em
outro lugar.'' O nome de próprio simples, se for tomado como acidental (o
116 Todo o livro V dos Tópicos e quase nas últimas palavras do sétimo.
117 No livro V.

123
Pedro da Fonseca

Simplicis vero nomen quadrifariam accipitur. Nam et id, quod soli alicui speciei
convenit, non tamen toti, proprium eidem soli alicui speciei convenit, non
tamen toti, proprium eidem esse dicitur, ut homini grammaticum esse: et id
etiam quod toti, non tamen soli, ut homini esse bipedem: et id quoque, quod
soli ac toti, non tamen semper, ut homini canescere: et id demum, quod soli, ac
toti, ac semper, ut homini esse aptum ut rideat.

Harum acceptionum extrema precipua est. Nam id maxime dicitur


proprium rei, quod cum ea reciprocatur: quicquid autem dicitur proprium quarto
modo, id omne reciprocatur cum re, cuius est proprium, ut si dicas, quicquid
est homo, est risus capax, et vicissim, quicquid est risus capax, est homo: atque
ita in aliis huius generis: quod tamen in tribus superioribus nunquam vere
dixeris, ut satis apertum est.

Ac superiora illa ad accidens, quod mox explicabimus, transmittenda


sunt, quod non praedicentur necessario de specie, sed contingenter exceptis
quibusdam secundi generis, quale est sensitivum esse, pro facultate, seu
potentia ad sentiendum, et alia huiusmodi. Haec enim necessario praedicantur,
et ex ipsa rei essentia nascuntur: quae conditiones accidenti non conveniunt, ut
dicemus. Horum tamen nullum est proprium quarti generis apud Porphyrium,
quia nullum reciprocatur cum specie infima, quam ille, cum de proprio loquitur,
nomine speciei solam intelligit.

Dialectici ergo ut complectantur omnia propria, quae ad quartum


universale, de quo nunc agimus, spectant, sic proprium definiunt. Proprium
est, quod praedicatur de pluribus in quaesitione Quale est, accidentaliter,
ac necessario, ut aptum esse ad sentiendum, ad capessendas disciplinas,
et huiusmodi. Si quis enim abs te quaerat, qualis nam sit homo secundum id,
quod ipsi convenit accidentaliter, ac necessario, apte respondebis, esse aptum ad
sentiendum, ad capessendas disciplinas, et alia huiusmodi. Est autem duplex
proprium, alterum generale quod reciprocatur cum re, quae est genus: alterum
speciale, quod reciprocatur cum specie infima. Utriusque exemplum modo
attulimus. Nam aptum esse ad sentiendum reciprocatur cum animali, aptum
vero esse ad capessendas disciplinas reciprocatur cum homine.

Lucullus Ciceronianus ait, Dilucide doceri a politioribus Physicis,


singularum etiam rerum, id est, individuarum, singulas esse proprietates.
Quod mihi non placet: nisi nomine proprietatis intelligat differentiam

124
Livro II das Instituições Dialéticas
essencial, com efeito, pertence à terceira espécie de universal) toma-se em
quatro acepções.118 Com efeito, o que convém só a alguma espécie, e não à
espécie na sua totalidade, diz-se ser-lhe próprio, como é, para o homem, ser
gramático; igualmente, o que convém a toda uma espécie, mas não somente
a ela, como é, para o homem, ser bípede; e também o que convém só e a
toda uma espécie, todavia não sempre, como é, para o homem, encanecer; e,
finalmente, o que convém só e a toda uma espécie e sempre, como é, para o
homem, ser capaz de rir.
Destas acepções a última é a mais importante. Com efeito, diz-se
maximamente próprio duma coisa o que com ela tem reciprocidade. Ora tudo
o que se diz próprio no quarto modo tem reciprocidade com a coisa de que é
próprio, como neste exemplo: tudo o que é homem é capaz de rir, e, por sua
vez, tudo o que é capaz de rir é homem; e assim em outros deste gênero — o
que, todavia, nos três modos anteriores, nunca se diria com verdade, como é
bem claro.
Estes modos vão ser remetidos para o acidente, que em breve
explicaremos, pois não se predicam necessária, mas contingentemente, da
espécie — exceptuados alguns do segundo gênero, como é ser sensitivo, tomado
no sentido de faculdade ou potência de sentir, e outros semelhantes. Estes, com
efeito, predicam-se necessariamente, e nascem da própria essência da coisa,
condições estas que não convêm ao acidente, como diremos. Todavia, nenhum
destes é próprio do quarto gênero, segundo Porfirio,"° porque nenhum tem
reciprocidade com a espécie ínfima, a única que ele, ao falar do próprio, entende
com o nome de espécie.
Os dialéticos, portanto, para abrangerem todos os próprios que
dizem respeito ao quarto universal, de que agora tratamos, definem assim o
próprio: Próprio é o que, na pergunta qual é, se predica de vários acidental e
necessariamente, como: ser apto para sentir, para compreender as ciências, e
outras coisas deste gênero. Se, pois, alguém nos perguntar pela qualidade do
homem, segundo o que lhe convém acidental e necessariamente, responderemos
bem que é apto para sentir, para compreender as ciências, e outras coisas deste
gênero. Há duas espécies de próprio: uma geral, que tem reciprocidade com
uma coisa que é gênero; outra especial, que tem reciprocidade com uma coisa
que é espécie ínfima. Demos agora mesmo um exemplo de cada. Com efeito,
ser apto para sentir tem reciprocidade com animal e apto para compreender as
ciências tem reciprocidade com homem.
O Lúculo ciceroniano diz120 claramente que os físicos mais instruídos
ensinam que cada coisa, isto é, cada indivíduo, tem as suas propriedades. Isto
118 Porfírio, Do Próprio.
119 Como está patente no cap. sobre o gênero e do comum.
120 Questões Acadêmicas, primeira edição, livro II.

125
Pedro da Fonseca

individuantem, aut totam collectionem communium accidentium, quae in una


re tantum reperiatur. 36

Caput VII - De accidente


Nomine accidentis interdum intelligimus quicquid de re accidentaliter
praedicatur: qua significatione dubium non est, quin proprium etiam accidentis
vocabulo compreendatur. Interdum vero id solum intelligimus, quod non
tantum accidentaliter praedicatur, sed etiam contingenter: quo sane modo
accidens a proprio distinguitur.
Accidens igitur hac significatione acceptum, definitur esse id, quod
adest, et abest sine subiecti corruptione. Item quod contingit eidem inesse,
et non inesse Et rursus. Quod non est genus, nec species, nec differentia, nec
proprium, inest autem rei, quarum omnium definitionum idem est sensus.
Sed planius definitur hoc modo, Accidens est, quod praedicatur de pluribus in
questione Quale est, accidentaliter, et contingenter: ut album, nigrum, et similia.
Siquis enim roget qualis nam sit Socrates secundum id, quod ei accidentaliter ac
contingenter convenit, apte respondebit, qui dixerit esse album: atque ita in
caeteris.
Accidentium vero quaedam re ipsa separari possunt, ut sedere, aut album
esse a Socrate: quadam re ipsa separari non possunt, ut album esse a cygno, et
nigrum esse a corvo. Omnia tamen cogitatione se iungi possunt, hoc est negari
absque abolitione essentiae subiecti, cum de ipso dicantur contingenter: supra
enim definivimus id praedicari contingenter, quod ita affirmatur de subiecto,
ut de codem negari possit absque ipsius subiecti eversione.

Sed quaeret aliquis, qua ratione colligi possit, universalia non esse
plura, quam ea quinque, quae a nobis explicata sunt. Cui questioni haec
ratio reddi potest. Universalia aut praedicantur in questione Quid est, aut in
questione Quale est. Sin in questione Quid est, aut continent in se totam
naturam communem individuorum, aut partem: si partem, sunt genera:
si totam, sunt species. Si vero praedicantur in questione Quale est, aut
predicantur essentialiter, aut accidentaliter: si essentialiter, sunt differentiae:
si accidentaliter, aut praedicantur necessario, aut contingenter: si necessario
sunt propria: sit contingenter, sunt accidentia. Hac igitur ratione patet non

36 Nota do parágrafo: Toto. 5. top. et extremis pene verbis septimi. / Ad librum. 5. Porphyr. de
proprio. / 1 / 2 / 3 / 4 / Quarta proprii acceptio praecipua est / Primus, secundus, et tertius modus ad
accidens ptinent, quibusdam exceptis. / Ut ex capit. de genere, et ex communitat. patet. / Proprium quid
sit. / Proprium generale. / Speciale. / Academ. q. primae editionis. lib. 2. / Quo pacto verum videatur,
singularum rerum singulas esse proprietates

126
Livro II das Instituições Dialéticas
não me parece certo, a não ser que, pelo nome de propriedade, se entenda
a diferença individuante, ou todo o conjunto de acidentes comuns, que se
encontram somente numa coisa única.

Capítulo VII - Do Acidente


Pelo nome de acidente entendemos,'" uma ou outra vez, o que se predica
acidentalmente de uma coisa. Com tal significação, não há dúvida de que, no
vocábulo acidente, se compreende também o próprio. Só o entendemos, porém,
uma ou outra vez, porque [acidente, não se predica só acidentalmente, mas
também contingentemente — modo por que se distingue do próprio.
Acidente, por isso, tomado nesta significação, define-se:122 aquilo que
está presente e está ausente sem corrupção do sujeito. E também: o que pode
estar e não estar na mesma coisa. E ainda: o que não é gênero, nem espécie,
nem diferença, nem próprio e, todavia, está na coisa. O sentido de todas estas
definições é o mesmo. Mas a definição mais clara é esta: acidente é o que,
na pergunta qual é, se predica acidental e contingentemente de vários, como
branco, negro e semelhantes. Se alguém perguntar pela qualidade de Sócrates,
segundo o que lhe convém acidental e contingentemente, bem responderá quem
disser que é branco. E assim nos casos restantes.
Porém, dentre os acidentes, 123 alguns podem separar-se da própria coisa,
como estar sentado, ser branco, de Sócrates; outros não se podem separar, como
ser branco, de cisne, e ser negro, de corvo. Todavia, todos se podem separar
mentalmente, isto é, negar-se, sem a destruição da essência do sujeito, uma vez
que se dizem dele contingentemente. Com efeito, definimos acima'4 que se
predica contingentemente o que se afirma do sujeito de tal modo, que dele se
pode negar sem o destruir.
Mas perguntará alguém de que razão se pode inferir que os universais
não são mais do que os cinco por nós explicados. A essa pergunta pode dar-se
esta razão: os universais ou se predicam na pergunta o que é ou na pergunta
qual é. Se se predicam na pergunta o que é, ou contêm em si toda a natureza
comum dos indivíduos, ou só parte: se contêm só parte, são gêneros; se a
contêm toda, são espécies. Se, porém, se predicam na pergunta qual é, ou se
predicam essencialmente ou acidentalmente; se essencialmente, são diferenças;
se acidentalmente, ou se predicam necessária ou contingentemente; se
necessariamente, são próprios; se contingentemente, são acidentes. Por esta
razão se vê, pois, que não há mais universais além dos cinco que expusemos.
Explicados estes, portanto, de qualquer modo, entremos nos predicamentos.
Física, 1, 3, tex. 28; e Metafísica, V, 30, tex. 35.
122 Porfírio, Do Acidente, de Tópicos, I, 4.
123 Porfírio, no mesmo lugar.
124 Cap. 2.

127
Pedro da Fonseca

esse plura universalia, quam ea quinque, quae a nobis sunt exposita. His ergo
utcunque explicatis ad predicamenta ingrediamur.37

Caput VIII - Quid sit predicamentum


Praedicamentum est alicuius generis summi realis, et corum, quae sub
ipso sunt naturalis dispositio: ut tota series substantiarum, quae constat ex
ipsa substantia in commune, et ex omnibus minus communibus substantis
ordine quodam naturali dispositis usque ad singulares, quae nullas ulterius
sub se continent. Nam sub substantia in commune proxime collocari debent
substantia corporea, et incorporea: sub corporea, corruptibilis, et incorruptibilis: sub

corruptibili, animata et inanimata: sub animata, animal, et planta: sub animali,


homo, et brutum animal: sub homine, Socrates, Plato, et caeteri homines individui:
sub quibus non sunt aliae inferiores substantiae, quemadmodum nec sub alis
individuis, ad quae divisione aliarum specierum, quas reliquimus, naturali
quodam descensu devenire necesse est.
Genus summum quid sit itam supra explicatum est. Reale vero id vocari
solet, cuius esse ab operatione intellectus minime pendet, ut lapis, lignum, et
caeterae omnes res, quae in mundo existunt. Dixi ergo Generis realis, quia res,
quae per se ponuntur in predicamentis debent esse reales, ut Philosophis
placet. Unde fit ut entia rationis, quia, nisi ab operatione intellectus, nullum
esse habent, non ponantur per sese in predicamentis, sed per ea entia realia,
quibus beneficio intellectus tribuuntur. Verbi causa, hoc ipsum quod est esse genus
summum praedicamenti substantiae, esse praedicatum, aut subiectum in codem
predicamento, et alia huiusmodi, non ponuntur per se ipsa in predicamento
substantiae, quia sunt entia rationis, sed propterea modo aliquo ad illud
dicuntur pertinere, quod res, quibus tribuuntur, ut substantia in commune, et
caetera, quae diximus, in eo collocantur.

Ea vero intelligo sub genere summo naturaliter esse disposita, de quorum


quolibet ordine quodam genus summum, ut de parte subiecta, essentialiter
praedicatur, seu (ut Aristotelis verbis utar) ut de subiecto. Et quoniam haec
non sunt alia, quam species, et individua rei illius maxime communis, quae
genus summum dicitur, fit, ut solum genus summum cum suis speciebus, ac
individuis ponantur per se in predicamento. Qua propter nec differentiae
generales, nec speciales, nec vero illae, quibus species infimae ad individua
trabuntur; (individuantes dico) nec denique aliae partes sive specierum, sive

37 Nota do parágrafo: 1. phy. 3. texti. 28. et. 5. metaph. 30. text. 35. / Porphy. d accident. / 1. Top. 4. /
Quid accidens / Duplex accidens. Porphy. ibidem. / Omnia accidentia separantur cogitatione. / Cap. 2. /
Non esse plura universalia, quam quinque hactenus explicata.

128
Livro II das Instituições Dialéticas

Capítulo VIII - O que é o Predicamento


Predicamento é a disposição natural de algum gênero supremo real, e das
coisas que estão sob ele. 125 Assim é toda a série de substâncias, a qual consta da
mesma substância em comum, e de todas as substâncias menos comuns, dispostas
em certa ordem natural até às substâncias singulares, que mais nenhumas
contêm abaixo de si. Com efeito, sob a substância em comum, devem colocar-se
proximamente a substância corpórea e a incorpórea; sob a corpórea, a corruptível
e a incorruptível; sob a corruptível, a animada e a inanimada; sob a animada,
animal e planta; sob animal, homem e animal bruto; sob homem, Sócrates, Platão
e todos os homens individuais; sob estes, não há outras substâncias inferiores,
como as não há sob outras substâncias individuais, a que, por divisão das outras
espécies que deixamos, necessariamente se chega por uma descida natural.
Já acima foi explicado' o que é o gênero supremo. Real costuma chamar-
se aquilo cujo ser não depende da operação do intelecto, como pedra, madeira e
todas as demais coisas que existem no mundo. Disse, de fato, [na definição], de
gênero real, porque as coisas, que por si se põem entre os predicamentos, devem
ser reais, segundo o parecer dos Filósofos. 17 Daqui deriva que os entes de razão,
porque não têm ser senão por operação intelectual, não são colocados por si
nos predicamentos, mas através dos reais a que são atribuídos por mercê do
intelecto. Por exemplo, o que é ser gênero supremo do predicamento da substância,
ser predicado ou sujeito do mesmo predicamento, e outras deste gênero, não se
põem por si mesmos no predicamento da substância, pois são entes de razão,
mas [são postos no predicamento da substância], porque de algum modo lhe
dizem respeito, pois as coisas a que são atribuídos, como substância em comum,
e as restantes coisas a que nos referimos, são colocadas nele.
Entendo que estão naturalmente dispostas sob o gênero supremo aquelas
coisas, de cuja ordem, qualquer que ela seja, se predica essencialmente o
gênero supremo como de parte sujeita, ou (para usar palavras de Aristóteles)128
como do sujeito. E, porque estas não são mais que as espécies e os indivíduos
daquela coisa maximamente comum, que se chama gênero supremo, sucede que
somente o gênero supremo e as suas espécies e indivíduos se colocam por si no
predicamento. Por isso, nem as diferenças gerais nem as especiais, nem aquelas
pelas quais as espécies infimas se estendem aos indivíduos (isto é: individuantes)
nem, finalmente, as outras partes, quer das espécies quer dos indivíduos, das
125 De Porfirio, em Da Espécie, e Aristóteles, Predicamentos, 2, e Segundos Analíticos, 1, 28.
126 Cap. 3.
127 Como na Metafísica, V, no cap. 7.
128 Predicamentos, 2 e 5.

129
Pedro da Fonseca

individuorum, de quibus genus summum non pracdicatur ut de subiectis, per se


ponuntur in prasdicamento, sed per ea tota, quae constituunt.
Propria tamen et accidentia corum generum, specierum et individuorum
quae per se in praedicamentis ponuntur, poterunt, si fuerint entia realia,
pertinere per se ipsa ad aliquod praedicamentum. Nam esse aptum ad ridendum,
quad est proprium hominis, et album esse, quad est accidens Socratis, sunt
quaedam species praedicamenti qualitatis: item esse in infimo loco, quod est
proprium terrac, et calfieri, quad est accidens aquae, sunt species aliorum
praedicamentorum, hos passionis, illud existentiae in loco: et, ut in summa
dicam, omnia, quae per se ponuntur in cateris praedicamentis, sunt propria, vel
accidentia substantiarum, cum omnia in substantiis ut in subiectis inhaereant."

Capui IX - Decem esse praedicamenta, ad quae omnia omnino


praeter Deum Optimum Maximum modo aliquo pertineant

Numerantur vero a philosophis decem praedicamenta. Primum,


substantiac: alterum, quantitatis: tertium, qualitatis: quartum, relationis:
quintum, actionis: sextum, passionis: septimum, existentiae in loco: octavum,
situs: nonum, existentiae in tempore: decimum, indumenti, sive integumenti,
quad habendi praedicamentum appellatur. Ad quae pertinent res omnes:
quac quomodocunque aut esse, aut fingi possunt. Itaque quaedam pertinent
per sc, ut animal, et homo: quaedam per sua tota, ut differentiae, materia, et
forma: quacdam per suas partes, ut homo albus, per hominem, et albedinem, et
quodammodo chimacra per partes carum rerum, ex quibus composita fingitur:
quacdam per ca, quibus tribuuntur, ut esse genus, esse speciem, praedicatum,
subiectum, et cactera entia rationis, per ea, quae dicuntur genera, species, aut
ab alio ente rationis cognominantur: alia aliis modis. Omnia igitur ad has
rerum classes modo aliquo revocantur, practer Deum optimum Maximum,
ad quem potius, ut ad infinitum pelagus totius esse, haec ipsa praedicamenta
quasi flumina recurrunt. Et quoniam nomina vice rerum habentur, dubium
non est, quin cadem praedicamenta ex nominibus etiam ipsarum quasi
constituta intelligi possint, ex aliis quidem per se, ex aliis reducti, ut de rebus
diximus. Atque hoc modo Dialecticus praedicamenta, potissimum considerat,
ut in his quasi locis communibus parata habeat nomina, et verba ad structuram
orationis, Verum enim ucro, quia ex dispositione rerum nullo negotio dispositio

38 Nota do paragrafo: Es Porphy de specie. el Arist, praed. 2. ct. 1. post. 18. / Cap. 3. / Reale ras. /
Ur. 5. meta. ad cup. 7. / Eno rationis non ponitur per se in praedicamentis. / Quae ponantur sub grorir
summo. / Differentiar non pomuntor per se in praedicam. / Ner aliae quaedam partes. / Propria, 11
accidentia proni possunt. / Nota. / Praed. 5.

130
Livro II das Instituições Dialéticas

quais o gênero supremo se não predica como de sujeitos, se colocam por si no


predicamento, mas através de todas aquelas coisas que constituem.
Todavia, os próprios e os acidentes daqueles gêneros, espécies e indivíduos,
que se põem por si nos predicamentos, poderão pertencer por si mesmos a
algum predicamento, se forem entes reais. Com efeito, ser capaz de riso, que é
próprio do homem, e ser branco, que é acidente de Sócrates, são certas espécies
do predicamento da qualidade; do mesmo modo, estar no infimo lugar, que é
próprio da terra, e ser aquecida, que é acidente da água, são espécies de outros
predicamentos — este, do predicamento da paixão, aquele, do da existência
num lugar. E, em suma, as coisas que por si são colocadas nos restantes
predicamentos, são próprios ou acidentes das substâncias, uma vez que todas as
coisas estão inerentes às substâncias como aos sujeitos. 129

Capítulo IX - São dez os predicamentos a que pertencem de


algum modo absolutamente todas as coisas, exceto Deus, que é o
Sumo Bem e a Suma Grandeza
Os filósofos130 enumeram dez predicamentos: primeiro, substância;
segundo, quantidade; terceiro, qualidade; quarto, relação; quinto, ação; sexto,
paixão; sétimo, existência num lugar, oitavo, situação; nono, existência no tempo;
décimo, veste ou indumento, que se chama predicamento do hábito. Neles
se englobam todas as coisas que de qualquer modo existem ou se podem
imaginar. Certas coisas englobam-se por si, como animal e homem; outras,
pela totalidade dos seus elementos, como as diferenças, a matéria e a forma;
outras, pelas suas partes, como homem branco, por meio de homem e de
brancura, e, de certo modo, quimera, por meio das partes daquelas coisas
de que se imagina ser composta; certas outras, por meio daquelas a que se
atribuem, como ser gênero, ser espécie, predicado, sujeito, e os demais entes
de razão, cognominados pelos assim chamados gêneros, espécies, ou por outro

modo,
ente dearazão;
estas classes
e outras,dedecoisas,
outrosexceto Deus,
modos.!'' PorSumo Bemse
isso, tudo e Suma
reduz,Grandeza,
de algum
para o qual convergem antes, como rios para o pélago infinito de todo o ser,
estes mesmos predicamentos. E porque os nomes se usam em vez das coisas,
não há dúvida de que os mesmos predicamentos se podem considerar também
como constituídos por nomes, uns por si mesmos, outros redutivamente, como
dissemos acerca das coisas. É principalmente deste modo que o Dialético
considera os predicamentos, a fim de ter preparados neles, como em lugares

124 Predicamentos, 5.A


130 Aristóteles, nos Predicamentos, 4, etc.
131 Como a privação através do hábito e o contraditório negativo através do positivo; sobre estes, ver o
гер- 17.

131
Pedro da Fonseca

vocabulorum intelligitur, satis erit praedicamentales series in rebus explicare.


Quod tamen pingui (ut aiunt) Minerva faciendum est, ne instituti nostri obliti
videamur."°

Caput X - De substantia
Substantia, quae in primo predicamento per se ponitur, est ens reale,
per se subsistens: ut angelus, homo, lapis. Dixi Reale (quod verbum de inceps
in omnibus definitionibus intelligendum est) quia caeterorum entium nullum
per se pertinet ad aliquod predicamentum, ut paulo superius diximus. Addidi
Per se subsistens, hoc est non existens in alio ut in subiecto in haesionis, quia hoc
differt substantia ab accidentibus, quae pertinent ad alia predicamenta, quod
accidentia, nisi in subiecto in haesionis sint, naturaliter existere non possunt,
ipsa vero substantia naturaliter per se ipsam cohaeret, ac existit. Substantiarum
autem quaedam sunt primae, quaedam secundae. Primae substantiae sunt ea
entia, quae nec in subiecto sunt, nec de subiecto dicuntur, hoc est, quae nec
cohaerent in aliquo subiecto in haesionis, nec de ullo, ut de parte subiecta,
essentialiter praedicantur: ut Socrates, et Plato. Priori particula excluduntur
accidentia: posteriori excluduntur genera, et species substantiarum. Itaque
solas ac omnes individuas substantias complectitur haec definitio. Secundae
substantiae sunt genera, et species, sub quibus collocantur primae: ut animal, et
homo, sub quibus continentur Socrates, et Plato. Ordo specierum substantiae
ex supradictis utcunque patet.

lam ad proprietates substantiarum per se pertinentium ad hoc


predicamentum veniamus: quarum quattuor insigniores traduntur. Prima est,
Non esse in subiecto: quae patet ex definitione substantiae. Secunda est, Non
habere contrarium. Nam cum omnia contraria sint in subiecto inhaesionis, ut
virtus, et vitium, candor, et nigror: nulla autem substantia sit in subiecto, ut
dictum est, efficitur ut nihil substantiae sit contrarium. Tertia est, Non suscipere
magis, et minus, hoc est, quod non dicatur magis, aut minus talis. Non enim
dicimus Socratem esse magis, aut minus hominem, quam sit ipse in alio
tempore, aut quam sit aliquis alius. Id quod in caeteris substantiis cernere est.
Sed hae proprietates, seu affectiones, aliis etiam plerisque conveniunt. Quarta
igitur proprietas, quam maxime substantiae convenire affirmat Aristoteles,

prazer Nota de putprio is per hab. et contrico prega i predi posente quin cana.
/ Ex vocibus etiam constituuntur quodam modo praedicamenta. / Quo pacto dialecticus predicamenta
consideret.

132
Livro II das Instituições Dialéticas

comuns, os nomes e os verbos para a estrutura da oração. Mas, visto que, pela
disposição das coisas, sem dificuldade se entende a disposição dos vocábulos,
será suficiente explicar as séries predicamentais nas coisas. Isto, contudo, tem
de fazer-se, embora só pela rama (como costuma dizer-se), para não parecer
que nos esquecemos do nosso propósito.

Capítulo X - Da Substância
Substância, que se coloca por si no primeiro predicamento, é um ente
real por si existente,,132 como: anjo, homem, pedra. Disse real (palavra que, de
ora em diante, se deve subentender em todas as definições), porque nenhum
dos demais entes pertence por si a algum predicamento, como dissemos
pouco acima. Juntei por si existente, isto é, não existente em outro como em
sujeito de inerência porque é nisto que a substância difere dos acidentes, os
quais pertencem a outros predicamentos, visto que, se não estão no sujeito
de inerência, naturalmente não podem existir; porém, a substância é por si
mesma naturalmente coerente e existente. Das substâncias, umas são primeiras,
outras segundas. Substâncias primeiras são os entes que nem estão no sujeito,
nem se dizem do sujeito,133 isto é, que nem estão ligados a algum sujeito de
inerência nem de algum, como de parte sujeita, essencialmente se predicam,
como: Sócrates e Platão. Pela primeira parte excluem-se os acidentes, pela
segunda excluem-se os gêneros e as espécies das substâncias. E assim a
definição compreende só e todas as substâncias indivíduas. Substâncias segundas
são os gêneros e as espécies sob as quais se colocam as substâncias primeiras,
como: animal e homem, sob os quais se contêm Sócrates e Platão. A ordem das
espécies da substância ressalta, de qualquer modo, do que ficou dito acima.134
Entremos imediatamente nas propriedades das substâncias que por
si pertencem a este predicamento; dentre elas apresentam-se as quatro mais
importantes. A primeira é: não estar no sujeito — o que ressalta da definição
de substância. A segunda é: não ter contrário. Com efeito, uma vez que todos
os contrários estão no sujeito de inerência, como virtude e vício, brancura e
negrura, e nenhuma substância está no sujeito, como foi dito, conclui-se que
nada é contrário da substância. A terceira é: não receber mais e menos, isto é, não
se dizer mais ou menos tal. Com efeito, não dizemos que Sócrates é mais ou
menos homem do que em outro tempo, ou do que qualquer outro. O que é
evidente nas restantes substâncias. Mas estas propriedades ou afecções convêm
a outras, mesmo à maior parte [delas]. A quarta propriedade, que Aristóteles135

132
cap. 2. Dos Predicamentos, 2 e Metafísica, VII, 1. Santo Tomás, opúsculo 48, acerca dos predicamentos,
133 Predicamentos, 5.
134 Cap. 8.
135 Predicamentos, 5.

133
Pedro da Fonseca

haec est, ut cum una, eademque numero fuerit, possit in se contraria recipere, ut hic
lapis calorem, et frigus."

Caput XI - De quantitate
Quantitas est ens per se extensum ut superficies tabulae, et binarius
hominum. Tabula enim non per se ipsam, sed per superficiem, quam habet,
extensa est. Socrates item, et Plato, non per se ipsos, sed per binarium, qui in
ipsis cernitur, extensionem habent numeralem. Ipsa vero superficies, et ipse
binarius per se ipsa sunt extensa.
Quantitatem induas proximas species dividit Aristoteles, in continuam,
et discretam. Quantitas continua est, cuius partes communi aliquo termino
copulantur, ut partes lineae puncto: partes superficiei, linea: partes corporis,
superficie: partes temporis, puncto temporis, seu instanti. Hae vero traduntur
species quantitatis continuae, linea, superficies, corpus, tempus, et insuper locus.
Verum Aristoteles, quod ad locum attinet, videtur loqui ex aliorum sententia
suo tempore vulgata, quam ipse alibi non probat. Accipit enim locum pro
spatio, quod a quovis corpore occupatur, aut ocupari potest, quod veteres rem
quandam diversam ab omnia corpore esse dicebant, cum tamen nulla sit. Num
autem continuitas motis sit alia quadam species quantati continuae, alio loco
discutiemus.

Quantitas discreta est, cuius partes nullo communi termino copulantur,


ut quaternarius. Nihil enim reperias, quo duo binarii, ex quibus ille constat,
copulentur, et quasi compingantur. Huius quantitatis duae feruntur species,
numerus, et oratio: quas alibi, num vere sint species quantitatis ad hoc
nraedicamentum pertinentis, examinabimus.

Quantitatis porro tres traduntur affectiones. Prima est, Nil habere sibi
‹ ontrarium. Contraria namque maxime distant sub eodem genere nullae autem
duae quantitates reperiri possunt, quae sub genere quantitatis maxime distenti.
Secunda est, Non suscipere magis, et minus. Neque enim dixeris magis, aut minus
bicubitum aut tricubitum aliquid esse: quod in plerisque aliis quantitatibus
aperte cernes. Tertia est secundum quantitatem res dici aequales, et inaequales.
Nam aequalia sunt, quorum quantitas est una: inaequalia, quorum diversa.
Atque haec affectio dicitur maxime propria quantitatis, quia soli quantitati,
omni, ac perpetuo convenit. *

40 Nota do parágrafo: Ex praed. 2. et. 7. met. 1. / D. Tho. Op' 48. de praedicam. ca. 2. / Per se
subsistens. / In alio existens. / Primae substantiae. / Praed. 5. / Secundae substantiae. / Cap. 8. / Prima
proprietas. / Secunda. / Tertia. / Quarta.
41 Nota do parágrafo: Quantitas quid. / Praed. 6. / Quantitas continua. / Species quantitatis
continuae. / De loco, quo pacto loquatur Aristoteles. / 4. Phy. 4. / De motu alibi. / Quantitas discreta. /

134
Livro II das Instituições Dialéticas

afirma convir ao máximo à substância, é esta: quando for uma só e a mesma em


número, pode receber em si contrários, como a pedra, que pode receber calor e frio.

Capítulo XI - Da Quantidade
Quantidade é um ente por si extenso, como a superfície duma tábua e
um binário de homens. A tábua, com efeito, não é extensa por si mesma, mas
pela superfície que tem. Do mesmo modo, Sócrates e Platão não têm extensão
numérica por si mesmos, mas pelo binário que neles se verifica. Porém, a
superfície e o binário são extensos por si.
Aristóteles136 divide a quantidade em duas espécies próximas: contínua
e discreta. Quantidade continua é aquela cujas partes se unem em algum termo
comum, como as partes da linha se unem no ponto, as partes da superfície na
linha, as partes do corpo na superfície, as partes do tempo no ponto de tempo,
ou instante. Na verdade, as espécies de quantidade contínua que se ensinam
são estas: linha, superfície, corpo, tempo, e além disso, lugar. Contudo, pelo
que diz respeito ao lugar, Aristóteles parece falar segundo a opinião de outros
divulgada no seu tempo, que ele não aprova em outros passos.!37 Efetivamente,
admite que lugar é o espaço ocupado por qualquer corpo ou que pode ser
ocupado, pelo fato de os antigos dizerem que era qualquer coisa diversa de
todo o corpo, não sendo, contudo, nenhuma. Se a continuidade do movimento
é uma outra espécie de quantidade contínua — discuti-lo-emos em outro lugar.
Quantidade discreta é aquela cujas partes se não unem em nenhum termo,
como quaternário. Com efeito, nada se encontrará por onde os dois binários,
de que ele consta, se liguem e como que se unam num todo. Apresentam-se
duas espécies desta quantidade: o número e a oração; examinaremos em outro
lugar se elas são verdadeiramente espécies de quantidade pertencente a este
predicamento.
São três as propriedades da quantidade. A primeira é: nada ter contrário
a si. Com efeito, os contrários distam ao máximo sob o mesmo gênero, e
duas quantidades, que distem ao máximo sob o gênero de quantidade, jamais
se podem encontrar. A segunda: não receber mais e menos. Não se dirá, pois,
que algo é mais ou menos constituído por dois côvados ou três côvados, o
que em várias outras quantidades claramente se verá. A terceira é: segundo a
quantidade, as coisas dizem-se iguais e desiguais. Na verdade, iguais são as coisas
cuja quantidade é uma só, desiguais aquelas cuja quantidade é diversa. 138 Ora
esta propriedade diz-se ao máximo própria da quantidade, porque convém só
à quantidade, a toda a quantidade e sempre.

136 Predicamentos, 6.
137 Física, IV, 4.
138 Metafísica, V, 15, tex. 20.

135
Pedro da Fonseca

Caput XII - De qualitate

Qualitas est, qua res dicuntur quales: nempe in peculiari ac propria


questione qualitatis accidentalis, ut lustitia, Scientia, Candor, et huiusmodi.
Nam si quis te roget qualis nam sit Socrates secundum accidens, quod proprie
qualitas dicatur, aptissime respondebis, esse lustum, Scientem, Candidum, aut
aliquid huiusmodi.
Qualitatis quattuor sunt proximae species: ad quarum primam pertinent
habitus, et dispositio. Habitus est firma quaedam, et constans qualitas, qua rei
natura bene aut male afficitur, ut virtus, et vitium. Dispositio est qualitas bene,
aut male afficiens subiectum, quae facile abiici potest, ut sanitas, et agritudo.

Ad secundam speciem pertinent naturalis potentia, et impotentia,


Naturalis potentia, seu naturalis vis, est qualitas quaedam, qua facile quaeque
res agit, aut resistit, ut vis naturalis ad currendum, et ad perferendos labores.
Naturalis impotentia seu imbecilitas: est qualitas, qua aegre quaeque res agit, aut
resistit, ut infirma valetudo Socratis, et mollitudo butyri.

Ad tertiam speciem pertinent, patibilis qualitas, et passio. Patibilis


qualitas, est diu permanens qualitas, quae aut sensum movet, aut ex motu
aliquo nascitur, ut color diuturnus in corpore, et amentia in animo. Passio
est fluxa quaedam, et brevi transiens qualitas, quae aut movet sensum, aut ex
motu oritur, ut rubor ex verecundia contractus, pallor ex metu, ira, gaudium,
et huiusmodi.
Ad quartam speciem pertinent forma, et figura. Forma ut hic accipitur, est
modus quidam quantitatis in re aliqua naturali spectatae: ut ea forma hominis,
aut leonis, quac ex lineamentis corporis resultat. Figura est modus quantitatis
simpliciter, ac in se spectatac, ut figura trianguli, quaquadrati, et cacterae.

Qualitatis tres sunt affectiones. Prima est, Habere aliquid sibi contrarium.
Nam virtuti contrarium est vitium, et aliis plerisque qualitatibus alia reperiuntur
contraria. Secunda est, Suscipere magis, et minus, ut esse magis, aut minus iustum,
magis, aut minus album. Tertia, quae maxime propria qualitatis affectio dicitur,
hacc est, Ut secundum cam res dicantur similes, ac dissimiles. Similia enim sunt ca,
quorum qualitas est una: dissimilia, quorum diversa.^2

Species quantitatis discretac. / Primac affectio quantitatis. / Secunda. / Tertia, / 5. meta. 15. tex. 20.
42 Nota do parágrafo: Pracd. 8. / Habitus, / Dispositio. / Naturalio potentia. / Naturalis impotentia.
/ patibilioqua litas. / Passio. / Forma. / Figura. / Figura. / Prima affectio qualitatis. / Secunda. / Tertia. / 5.
meta, 15. tex. 20.

136
Livro II das Instituições Dialéticas

Capítulo XII - Da Qualidade


Qualidade é aquilo pelo qual as coisas se dizem tais, 139 sem dúvida, na
questão peculiar e própria da qualidade acidental, como: justiça, brancura, e
outras deste modo. Com efeito, se alguém perguntar que é Sócrates segundo o
acidente que se diz propriamente qualidade, muito bem se responderá que é justo,
sabedor, branco, ou algo neste gênero.
As espécies próximas da qualidade são quatro, à primeira das quais
pertence o hábito e a disposição. Hábito é uma certa qualidade firme e constante
pela qual a natureza da coisa é bem ou mal afetada, como a virtude e o vício.
Disposição é a qualidade que afeta bem ou mal o sujeito, e que pode destruir-se
facilmente, como a saúde e a doença.
À segunda-espécie pertence a potência natural e a impotência. Potência
natural ou força natural é uma certa qualidade pela qual uma coisa facilmente age
ou resiste, como a força natural para correr e para realizar trabalhos. Impotência
natural ou imbecilidade é a qualidade pela qual uma coisa dificilmente age ou
resiste, como a débil saúde de Sócrates e a moleza da manteiga.
À terceira espécie pertencem a qualidade passível e a paixão. Qualidade
passível é a qualidade permanente que ou move um sentido ou nasce de algum
movimento, como a cor duradoura no corpo e a demência na alma. Paixão é
certa qualidade passageira e breve que ou move um sentido ou se origina dum
movimento, como o rubor contraído pela vergonha, o palor pelo medo, a ira, o
gozo e outros assim.
À quarta espécie, pertencem a forma e a figura. Forma, como aqui se
toma, é a qualidade que resulta da delimitação da quantidade considerada
em qualquer coisa natural, como aquela forma do homem ou do leão que
resulta das linhas do corpo. Figura é a qualidade que resulta da delimitação
da quantidade, simplesmente e em si mesma considerada, como a figura do
triângulo, do quadrado, e do mais de que trata a Matemática.
São três as propriedades da qualidade. A primeira é: ter algo contrário.
Com efeito, o vício é contrário à virtude; e encontram-se outros contrários a
quase todas as outras qualidades. A segunda é: receber mais e menos, como ser
mais ou menos justo, mais ou menos branco. A terceira, que se diz propriedade
maximamente própria da qualidade, é esta: segundo ela as coisas dizem-se
semelhantes e dissemelhantes. Semelhantes, com efeito, são aquelas coisas cuja
qualidade é uma só; dissemelhantes, aquelas cuja qualidade é diversa. 140

139 Predicamentos, 8.
140 Metafísica, V, 15, tex. 20.

137
Pedro da Fonseca

Caput XIII - De Relatione

Relatio est, qua aliquid, hoc ipso quod est, ad aliud se habet: ut aequalitas,
dominatus, servitus. Nam aequale, quatenus aquale est, aequalitate refertur ad
sibi aequale, et dominus, qua dominus est, dominatu refertur ad servum, qui
vicissim, qua servus est, ad dominum refertur servitute.

Relata vero sunt quaecunque hoc ipso quod sunt, ad aliud se habent: ut
aequale, dominus, servus. Relatorum autem quaedam sunt aequalis comparationis
(recentiores vocant aequiparantiae) ut acquale, simile, inaequale, dissimile.
Nam aequale ad aequale refertur, simile, ad simile, inaequale, ad inaequale,
et dissimile, ad dissimile. Itaque ea, ad quae huiusmodi relata referuntur, sunt
eiusdem appellationis ac naturae cum illis. Quaedam vero sunt inaequalis
comparationis, seu diversae appellationis, quae illi vocant disquiparantiae:
quorum duo sunt genera. Alia enim dicuntur maioris comparationis, quae
vocant superpositionis, ut pater, dominus, praeceptor, et catera omnia, quae
sunt digniora iis, ad quae referuntur: alia ex altera parte hisce respondent, quae
minoris comparationis dici possunt, ut filius, servus, discipulus et catera minus
digna iis, cum quibus conferuntur: quae vocari solent suppositionis.

Relatorum tres precipue traduntur proprietates. Prima est Omnia


relata dici ad ea, quae convertuntur, hoc est, ad ea quae vicissim ad ipsa dicuntur,
ut pater ad filium, qui vicissim ad patrem dicitur. Ut enim Pater dicitur filii
pater, sic vicissim filius dicitur patris filius. Secunda est, Omne relatum esse
simul natura, cum eo, ad quod refertur. Ea vero dicuntur esse simul natura,
quorum alterum secum ponit, ac tollit alterum, ut dominus servum, et servus
dominum. Si enim dominus nullus sit, nullus erit servus, et vice versa, si nec
servus, nec dominus. Tertia proprietas est, Omne relatum eius esse naturae, ut si
illud noveris, etiam id, ad quod refertur, cognoscas, et e contra. Siquis enim noverit
Sophroniscum esse patrem Socratis, necesse est ut etiam cognoscat Socratem
esse filium Sophronisci, et e contra.

Caeterum haec, quae diximus, proprie sunt relata, et vocantur

appellantur, verum non simpliciter, ac proprie, sed cum adiectione, relata


secundum dici, quasi dicas, quoad naturae explicationem duntaxat, non quoad

138
Livro II das Instituições Dialéticas

Capítulo XIII - Da relação


Relação é aquilo pelo qual alguma coisa, pelo fato de existir, se refere a
outra coisa,'" como igualdade, domínio, servidão. Com efeito, o igual, enquanto
é igual, está referido pela igualdade a outro igual a si; e o senhor, enquanto
senhor, está referido pelo domínio ao servo, o qual por sua vez, enquanto servo,
está referido ao senhor pela servidão.
Coisas relativas são todas aquelas que, pelo fato de existirem, se referem
a outra,'42 como: igual, senhor, servo. Certas coisas relativas são de comparação
do igual ou da mesma apelação (os modernos chamam-lhe equiparação), como
igual, semelhante, desigual, dissemelhante. Com efeito, igual refere-se a igual,
semelhante a semelhante, desigual a desigual, dissemelhante a dissemelhante.
E assim aquelas coisas a que se referem tais relativos têm a mesma apelação e
natureza que eles. Outras coisas relativas, porém, são de comparação do desigual
ou de apelação diversa (a que aqueles chamam desequiparação), e destas há
dois gêneros. Umas, dizem-se de comparação do maior — às quais chamam
de sobreposição — como pai, senhor, mestre e todas as demais que são mais
dignas que aquelas a que se referem; por outro lado, outras correspondem
reciprocamente a estas e podem dizer-se de comparação do menor, como: filho,
servo, discípulo e as restantes menos dignas que aquelas a que se comparam, as
quais se costumam chamar de suposição.
Apontam-se principalmente três propriedades das coisas relativas. A
primeira é: todas as coisas se dizem relativas às que [com elas] se convertem, isto
é, às coisas que, por sua vez, se dizem em referência a elas próprias, como pai
em relação a filho, que, por sua vez, se diz em relação a pai. Assim como pai
se diz pai do filho, assim, por sua vez, filho se diz filho do pai. A segunda é:
todo o relativo é simultâneo, na natureza, com aquilo a que se refere. Dizem-se
simultâneas na natureza as coisas das quais uma põe ou tira 43 consigo a outra,
como senhor, o servo e servo, o senhor. Com efeito, se não há senhor, não haverá
servo; e, vice-versa, se não há servo, não haverá senhor. A terceira propriedade
é: todo o relativo é de uma natureza tal, que se se conhecer, conhecer-se-á também
aquilo a que se refere, e, vice-versa, se se conhecer este, conhecer-se-á também aquele.
Se alguém, pois, souber que Sofronisco é pai de Sócrates, necessariamente
saberá também que Sócrates é filho de Sofronisco; e, por sua vez, se souber
que Sócrates é filho de Sofronisco, necessariamente saberá que Sofronisco é
pai de Sócrates.
Mas as coisas que dissemos são relativas em sentido próprio e chamam-
se segundo o ser. Outras há que se fazem notar por qualquer relação, mas essas

141 Dos Predicamentos, 7.


142 No mesmo lugar.
143 Predicamentos, 12.

139
Pedro da Fonseca

ipsam naturam: qualia sunt, habitus, scientia, et alia huiusmodi: quod alio loco
plenius docebimus."3

Caput XIV - De actione, E passione


Actio est agentis, quatenus agens est, actus, seu perfectio. Passio vero est
actus, perfectiove patientis, ut patientis. Suntque actio, et passio, una, cademque
res, quae tamen, ut est perfectio agentis, dicitur actio, ut vero patientis, dicitur
passio. Verbi gratia: caloris motus, quo ab igne afficitur aqua, quatenus est id,
quo ignis est, et dicitur agens, actio est, et actio dicitur: quatenus vero id, quo
aqua est, ac appellatur patiens, passui est, et passio nominatur.

Actiones autem, et passiones partim sunt a corpore ut calefacere, et


calefieri: partim ab animo, aut alia superiori causa, ut nutriti, augeri, cupiditatis,
aut irae motu agitari, et huiusmodi alia.

Actioni, et passioni duae affectiones tribuuntur. Prior est, Habere


contrarium. Nam calefacere, et frigefacere, calefieri, et frigefieri, voluptatis
motu affici, et doloris, contraria sunt. Posterior est, Suscipere magis, et minus.
Nam et id, quod calefacit, aut calefit, magis, aut minus calefacere, aut calefieri
dicitur: id etiam, quod doloris, aut voluptatis agitatione movetur, magis, aut
minus dicitur voluptate, aut dolore affici. 44

Caput XV - Quid sit ubi, & situm esse


Ubi, seu esse alicubi, est loco contineri, ut in foro, in templo. Duobus
autem modis corpus continetur loco, aut communi, ut Socrates in templo: aut
proprio, ut aqua in vase.

Huius generis species dicuntur esse supra, infra, ante, retro, ad dextram,
et ad sinistram.
Situm esse est, habere partes corporis certo quodam modo affectas
ad partes loci, ut stare, sedere, cubare: quae quidem appellantur positiones

43 Nota do parágrafo: Ex praed. 7. / Ibidem. / Relata aequalis comparationis. / Relata inaequalis


comparationis. / Maioris comparationis. / Minoris. / Prima proprietatis / Secunda. / Praed. 12. / Tertia. /
Relata secundum esse. / Relata secundum dici.
44 Nota do parágrafo: 3. Phy. 3. / Duplex actio, et passio. / Praed. 9. / Prior affectio. / Posterior.

140
Livro II das Instituições Dialéticas

não pertencem a este predicamento. Também essas são, na verdade, chamadas

quanto a uma explicação da natureza somente e não quanto à própria natureza


- como são: hábito, ciência, e outras deste gênero. Destas falaremos mais
desenvolvidamente em outro lugar.

Capítulo XIV - Da ação e da Paixão


Ação é o ato ou perfeição do agente, enquanto agente. Paixão é o ato
ou perfeição do paciente, enquanto paciente.'" Ação e paixão são uma e
a mesma coisa, que, todavia, se diz ação, enquanto é perfeição do agente, e
paixão, enquanto perfeição do paciente. Por exemplo: o movimento de calor,
em virtude do qual a água é afetada pelo fogo, enquanto é aquilo pelo qual este
é agente, é ação e diz-se ação; enquanto, porém, é aquilo em virtude do qual a
água é paciente, é paixão e paixão se denomina.
As ações e as paixões são umas do corpo, como aquecer e ser aquecido, e
outras da alma ou de outra causa superior, como nutrir-se, crescer, ser agitado
por um movimento de cupidez ou de ira, e outras coisas deste gênero.
À ação e à paixão atribuem-se duas propriedades.S A primeira é: ter
contrários. Com efeito, aquecer e arrefecer, ser aquecido e ser arrefecido, ser
afetado pelo prazer e pela dor, são contrários. A segunda é: receber mais e menos.
Com efeito, diz-se que o que aquece ou é aquecido, aquece ou é aquecido mais
ou menos; e também o que é movido pela agitação da dor ou do prazer, se diz
que é mais ou menos afetado pelo prazer ou pela dor.

Capitulo XV - O que é onde e estar situado


Onde, ou estar algures, é estar contido num lugar, * como no templo ou
no vaso. Diz-se que as coisas estão num lugar, de dois modos: um, em lugar
comum e, segundo este modo, diz-se que Sócrates está no templo; outro, em
lugar próprio, e, segundo este modo, a água está no vaso.
Dizem-se espécies deste gênero: acima, abaixo, adiante, atrás, à direita
e à esquerda.
Estar situado é ter as partes do corpo de um modo preciso afeitas às partes
do lugar, como: estar de pé, estar sentado, estar deitado — e isto chamam-se
posições, das quais algumas são naturais, como as que foram mencionadas, e

144 Física, III, 3.


145 Predicamentos, 9.
146 Física, IV, 2.

141
Pedro da Fonseca

partimque
conversis adsunt naturales,
coelum vestigiisutmanibus
quae dictae
nitatur.sunt:
45 partim non naturales, ut siquis

Caput XVI - Quid sit quando, & habere


Quando, seu esse in tempore, est tempore contineri, ut fuisse anno
superiori, esse in presenti, fore in futuro, esse in mense, in die, in hora, et
huiusmodi temporibus.
Habere, aut ornamento indutum, aut ornatum esse: ut togatum esse,
lorica indutum, mytra redimitum, et anulatum.

In his igitur decem classibus infinita rerum, et nominum multitudo


ita distincte, distributeque continetur, ut facile sit cernere, quae ad quam
categoriam pertineant, et in quacunque categoria, quae quibus communiora
sint, aut minus communia.46

Caput XVII - De oppositis


Sed quoniam in hac categoriarum tractatione saepe contrariorum
meminimus, quae nam sint contraria paucis dicamus: atque adeo omnia
oppositorum genera (quoniam id perutile erit) persequamur.
Oppositorum igitur quattuor sunt genera, relative opposita, contrarie,
privative, et contradictorie.
Relative opposita sunt, quae quicquid sunt oppositorum esse, aut aliquo
alio modo ad illa dicuntur: ut pater et filius, et duo similia. Nam pater dicitur
filii pater: et filius, patris filius: hoc vero simile ille, dicitur illi simili simile, et
illud huic.

Contrarie opposita sunt ipsa contraria. Contraria vero dicuntur ea, quae
sub codem genere maxime distant, et eidem subiecto vicissim insunt, nisi
corum alterum insit a natura: ut scientia, et error: virtus, et vitium: calor et
frigus: candor, et atror. Nam sub habitu, quod est genus quoddam qualitatis,
maxime distant tum scientia, et error, tum etiam virtus, et vitium: sub patibili
autem qualitate tum calor, et frigus, tum candor, et atror. Haec item, ut patet, in
codem subiecto inhaesionis vicissim insunt, cum mutuo ab eodem se expellant.
Additum est, Nisi corum alterum a natura insit, quia in locum eius, cui a natura
determinatum, et quasi prescriptum est, ut insit, non potest alterum succedere:
qua ratione nec ignis frigere potest, nec cygnus esse niger, nec corvus albus, nec

45 Nota do parágrafo: 4. Phy. 2. / Situm esse. / Duplex positio.


46 Nota do paragrafo: Quando. / Habere. / Conclusio.

142
Livro II das Instituições Dialéticas

outras não naturais, como se alguém, pondo-se de pernas para o ar, se apoiasse
nas mãos.

Capítulo XVI - O que é Quando e Hábito


Quando, ou existir num tempo, é estar contido num tempo, como: ter
existido no ano anterior, existir no presente, haver de existir no futuro, existir
num mês, num dia, numa hora, e em tempos deste gênero.
Hábito (no sentido em que agora usamos esta palavra) é estar revestido
ou ornado de algum revestimento ou ornamento, como: estar togado, revestido
de couraça, coroado com mitra e provido de anel.
Nestas dez classes se contém, em suma, a infinita multidão das coisas de
modo tão distinto e ordenado, que é fácil discernir a que categoria pertencem
[elas], e, em qualquer categoria, quais as que são mais ou menos comuns, em
comparação umas das outras.

Capítulo XVII - Dos opostos


Mas, porque, neste tratado das categorias, muitas vezes lembramos os
contrários, resta explicar de qualquer modo a natureza dos contrários e percorrer
os restantes gêneros de opostos, com vista a uma doutrina mais ampla.
As coisas que se opõem, dizem-se opostas por um de quatro modos:
ou relativamente, ou contrariamente, ou privativamente ou contraditoriamente 147
Opostas relativamente são aquelas coisas que são alguma coisa do ser das
opostas ou de algum outro modo se dizem em relação a elas, como pai e filho,
e duas coisas semelhantes. Com efeito, diz-se que o pai é pai do filho e que o
filho é filho do pai; e diz-se que este semelhante é semelhante àquele, e que
aquele é semelhante a este.
Opostas contrariamente são as próprias coisas contrárias. Diz-se que
são contrárias as coisas que, sob o mesmo gênero, distam ao máximo, e, com
alternativas, existem no mesmo sujeito, a não ser que alguma delas exista lá
por natureza,148 como: a ciência e o erro, a virtude e o vício, o calor e o frio,
a brancura e a negrura. Com efeito, sob o hábito, que é um certo gênero da
qualidade, distam ao máximo tanto a ciência e o erro, como a virtude e o vício;
sob qualidade passível, distam ao máximo tanto o calor e o frio como a brancura
e a negrura. E claro que estas coisas existem sucessivamente no mesmo sujeito
de inerência, pois que mutuamente se repelem dele. Acrescentou-se a expressão
a não ser que uma delas exista por natureza, porque, para o lugar daquela, a cuja
existência esse lugar foi determinado e como que prescrito por natureza, não

147 Predicamentos, 10.


148 Predicamentos, 6 e 10.

143
Pedro da Fonseca

saxum molle, quippe cum haec omnia alterum excontrariis naturae praescripto
sibi vendicent.

lam vero contrariorum, quaedam immediata sunt, quaedam mediata.


Immediata dicantur, quorum alterum necesse est inesse proprio subiecto, ut
sanitas, et morbus comparatione animalis. Mediata vero, quorum neutrum
necesse est inesse proprio subiecto, nisi alterum natura insit. Ut albus color, ac
niger comparatione corporis misti: et virtus, ac vitium comparatione hominis.
Dantur enim media inter huiusmodi contraria, quibus aftecta esse possunt
propria contrariorum subiecta remoto utroque contrario. Quae quidem media
partim nominata sunt, ut flavus, color et fuscus inter candorem et nigrorem:
partim nomine carent, ut quod inter virtutem et vitiositatem interiectum est,
quo affectos dicimus homines natura amentes. Sed quae media nomine carent,
negatione extremorum nominari possunt: ut si dicas quod nec probitas, nec
vitiositas est, medium esse inter virtutem, et vitium.

Privative opposita sunt habitus seu forma, et privatio formae. Nomine


habitus sive formae intellige quicquid modo aliquo rei adhaeret, ut aspectus
oculis, auditus auribus, locutio linguae, lumen aeri, pili capiti, vestis corpori.
Privatio vero est negatio eiusmodi formae in subiecto natura apto, et in
tempore a natura constituto ut forma insit: cuiusmodi sunt caecitas, surditas,
mutum esse, tenebrosum, calvum, nudum. Dixi in subiecto natura apto, quia
negatio formae in subiecto suapte natura minime apto, non est privatio. Unde
non dicimus lapides cacos, surdos, aut mutos, quia natura non sunt apti ut
videant, audiant, aut loquantur. Addidi, Et in tempore a natura constituto ut
forma insit, quia subiectum ante id tempus, quo a natura constitutum est, ut
habeat formam, nequaquam ea privatum dici poterit. Unde fit ut catulus ante
septimum diem, quo minimum a natura constitutum est ut oculos aperiat,
non sit appellandus caecus: nec puer ante septimum annum, si mente non
utatur, demens dicendus est, quia tum primum fere praescriptum est a natura
ut mente, ac ratione utatur.

Privatio vero duplex est, altera, a qua non potest fieri naturaliter ad
habitum regressus, ut caecitas, calvitium: altera, a qua naturaliter fit regressus,
ut tenebrae, nuditas, et huiusmodi. Quae omnia paululum animadvertenti
perspicua sunt.

144
Livro II das Instituições Dialéticas

pode vir outra — razão por que nem o fogo pode ser frio, nem o cisne ser
negro, nem o corvo, branco, nem o seixo, mole, pois que todas estas coisas
reivindicam para si, por exigência da natureza, o outro dos contrários.
Das coisas contrárias umas são imediatas, outras mediatas. Dizem-se
imediatas aquelas das quais uma existe necessariamente no sujeito próprio,
como a saúde e a doença em relação ao animal. Mediatas, aquelas das quais
nem uma nem outra necessariamente têm de existir no sujeito próprio, a não
ser que uma lá exista por natureza. Por exemplo: a cor branca e a cor negra
em relação ao corpo misto, e a virtude e o vício em relação a homem. Há,
com efeito, coisas intermédias entre coisas contrárias deste gênero, pelas quais
podem ser afetados os sujeitos próprios das coisas contrárias, removidas ambas
as coisas contrárias. Destas coisas intermédias, algumas têm nome, como o
amarelo e o cinzento, entre o branco e o preto; outras não o têm, como o que
está interposto entre a virtude e o vício, de que dizemos estarem afetados os
homens dementes por natureza. Mas as coisas médias que carecem de nome,
podem denominar-se pela negação dos extremos, como quando se diz que está
em situação média entre a virtude e o vício o que nem é probidade nem vício.
Privativamente opostos são o hábito ou forma e a privação da forma. Pelo
nome de hábito ou forma deve entender-se o que de algum modo adere à coisa,
como a vista aos olhos, o sentido do ouvido aos ouvidos, a fala à língua, a luz
ao ar, os cabelos à cabeça, a veste ao corpo. Privação, estrita e propriamente
tomada, é a negação duma forma deste gênero num sujeito apto por natureza,
e no tempo determinado pela natureza, para que nele exista essa forma. Por
exemplo: a cegueira, a surdez, ser mudo, escuro, calvo, nu. Disse num sujeito apto
por natureza, porque a negação num sujeito, que, por sua natureza, não é apto,
não é propriamente privação. Por isso, não dizemos pedras cegas, surdas ou
mudas, porque, por natureza, não são aptas para ver, ouvir ou falar. Acrescentei

suo ternet mimado fela matares pela a que na arique na uma que a,
de modo algum se poderá dizer dela privado. De onde deriva que o cachorro
antes de sete dias, que é o mínimo tempo fixado pela natureza para abrir os
olhos, 4 não se deve chamar cego; nem a criança, antes dos sete anos, se não
tem o uso da mente, se deve chamar demente, porque é mais ou menos essa a
idade marcada pela natureza para o uso da mente e da razão.
Há duas espécies de privação: uma, da qual se não pode naturalmente
voltar ao hábito, como a cegueira, a calvície; outra, da qual naturalmente se
volta ao hábito, como: as trevas, a nudez e outros. Tudo isto é evidente para
quem prestar um pouco de atenção.

149 Plínio, nos 8 livros acerca da história natural, cap. 40.

145
Pedro da Fonseca

Contradictorie opposita dicuntur, inter quae comparatione cuiusque


nullum datur medium, id est, quorum alterum de quovis sive ente, sive non
ente dicantur necesse est. Quod quo pacto intelligendum sit alibi docebimus.
Exempla tamen sunt homo, nonhomo: lapis, nonlapis: album, nonalbum. Nam
equus, chimaera, et quicquid aliud modo aliquo esse, aut fingi potest, est homo,
aut nonhomo, lapis, aut nolapis, album, aut nonalbum: et ita in cateris: id
quod in superioribus oppositorum generibus nequaquam cernimus. Equus
enim, ut uno exemplo rem intelligas, nec est dominus, nec servus, nec item
virtute praeditus aut vitiositate, nec rursus loqui potens, aut mutus.
Haec de coactione, ac dispositine nominum, et verborum decem
categorias. Esset autem proxime agendum de usu nominum, quem Iuniores
suppositionem terminorum appellant, nisi commodius videretur hanc, et
quasdam alias nominum affectiones ad eam partem differre, in qua de
eludendis sophistarum captionibus disserendum est. Quapropter institutum
ab initio ordinem tenentes iam de oratione dicamus.47

hist. lib. 8. Cap. 40. / Duplex privati. / Contradictorie opposita. / Ad caput. 10 predicament. / Ad lib. 8.

146
Livro II das Instituições Dialéticas

Dizem-se opostos contraditoriamente aqueles entre os quais não existe


intermédio para comparar um com o outro, isto é, importa que um deles seja
dito de qualquer ente ou não ente. Por exemplo: homem, não-homem; pedra,
não-pedra; branco, não-branco. Com efeito, cavalo, quimera e tudo o que de
algum modo, pode existir ou imaginar-se, é homem ou não-homem, pedra ou
não-pedra, branco ou não-branco, e assim nos demais casos; o que de modo
algum acontece nos anteriores gêneros de coisas opostas. Com efeito, cavalo,
para que isto se entenda com um único exemplo, nem é senhor nem servo, nem
dotado de virtude ou de vício, nem ainda capaz de falar ou mudo.
Isto lé o que há a dizer] acerca do agrupamento e disposição dos nomes
e dos verbos nas dez categorias. Dever-se-ia, na verdade, tratar do uso dos
nomes a que os modernos chamam suposição dos termos, se não parecesse mais
conveniente diferir esta e outras propriedades dos nomes para aquela parte, em
que se há de discorrer sobre a maneira de refutar as falácias dos sofistas. 150 Por
isso, conservando a ordem desde o início estabelecida, passemos imediatamente
a falar da oração.

150 No livro VIII.

1474
Liber III Institutionum Dialecticarum
Livro III Das Instituições Dialéticas
Pedro da Fonseca

Caput I - Quid sit oratio


Oratio est vox ex instituto significans, cuius aliqua pars significat
separatim: ut Socrates est Philosophus, Socrates sapiens, omnis homo, Liber
Aristotelis, et caterae huiusmodi voces aliquo nexu grammatico copulatae.
Nam multae dictiones nulla constructione grammatica coniunctae, ut Coelum,
Terra, Lapis, Lignum, ut nullo modo sunt una vox, sic nullo modo sunt oratio.
Posteriori definitionis parte reiiciuntur nomen et verbum, et aliae simplices
voces significantes ex instituto, quia nulla pars eiusmodi vocum significat
separatim in ipsa totius vocis structura: aut in compositione orationis semper
aliqua significat. Quod non sic intelligas, quasi una sola orationis pars debeat
separatim significare, aut quod una saltem. Omnes enim dictiones, quae
assumuntur ad orationem construendam, significantes esse debent, si verum
est quod Dialectici asserunt, Significationem totius orationis conflari ex
significationibus partium, hoc est, dictionum, ex quibus oratio constituitur.
Sed iccirco id Aristotelem dixisse intellige, ut orationem a nomine et verbo
distingueret: ad quod sane discrimen constituendum satis est, si una tantum
orationis pars per se significare concedatur, quando nulla nominis aut verbi pars
separatim significat. Itaque licebit dicere, orationem esse multarum dictionum
ex instituto significantium comprehensionem

Adverte tamen duobus modis orationem componi posse ex dictionibus


per se significantibus in ipsa, altero explicite, sive expresse, ut si dicas, Nullus
homo, Nulla res, In omni loco, In omni tempore: altero implicite, seu virtute,
ut si dicas, Nemo, Nihil, Ubique, Semper. Nam et si hae posteriores voces
expresse non constant eisdem partibus quibus superiores, tamen, quia idem
omnino, atque illae significant, totidemque, quot illae conceptus in animo
imprimunt, virtute eisdem partibus constare dicuntur. Quanquam igitur voce
non sint orationes, significatione tamen orationes censendae sunt, ac proinde
simpliciter orationes. Causa huius rei est, quia apud Dialecticos significationis
potius, quam vocis, ratio habenda est. Hinc enim fit, ut oratio, quae multos
habet sensus, qualis est illa, Aio te Acacida Romanos vincere posse, simpliciter
non sit oratio, sed orationes, quemadmodum nomen, quod multa significat,
ut Gallus, non est simpliciter nomen, sed nomina, ut supra diximus. Itaque

150
Livro III das Instituições Dialéticas

Capítulo I - O que é a oração


Oração é a voz que significa por convenção, da qual alguma parte significa
separadamente, 151 como: Sócrates é filósofo, o sábio Sócrates, todo o homem,
livro de Aristóteles, e outras vozes deste gênero, copuladas por qualquer nexo
gramatical. Com efeito, muitas dicções, não ligadas por qualquer construção
gramatical, como: céu, terra, pedra, madeira, assim como de modo nenhum
são vozes, assim de modo nenhum são orações. Com a segunda parte da
definição excluem-se o nome e o verbo, e outras vozes simples que significam
convencionalmente, porque nenhuma parte deste gênero de vozes significa
separadamente, na própria estrutura da voz inteira; porém, na composição da
oração, alguma parte significa sempre. Mas não deve entender-se isto como
se só uma ou pelo menos uma parte da oração deva separadamente significar.
Com efeito, todas as dicções que se empregam na construção da oração devem
ser significantes, se é verdade o que dizem os dialéticos: a significação da
oração toda consta das significações das suas partes, isto é, das dicções por
que é constituída a oração. Entenda-se, porém, que Aristóteles disse isto para
distinguir a oração do nome e do verbo. Para constituir esta distinção, sem
dúvida, basta que se conceda que apenas uma parte da oração signifique por
si, ao passo que nenhuma parte do nome ou do verbo significa separadamente.
E, assim, será lícito dizer que a oração é um conjunto de muitas dicções que
significam convencionalmente.
Note-se, todavia, que de dois modos a oração pode ser composta de
dicções que por si significam nela: um, explicitamente ou expressamente, como
quando se diz: nenhum homem, nenhuma coisa, em todo o lugar, em todo o
tempo; outro, implicitamente ou virtualmente, como quando se diz: ninguém,
nada, em qualquer parte, sempre. Na verdade, embora estas segundas vozes
não constem expressamente das mesmas partes que as primeiras, todavia,
porque significam absolutamente o mesmo que elas, imprimem na alma
tantos conceitos quanto elas, dizem-se constar virtualmente das mesmas
partes. Embora, portanto, pela voz, não sejam orações, devem, contudo, pela
significação, ser tidas como orações, e simplesmente como orações, a não ser
quando alguma delas imprime na alma um conceito simples, o que dissemos
acima'52 acontecer algumas vezes na palavra nada. A causa disto é que entre os
dialéticos deve atender-se à significação de preferência à voz. Daqui resulta que
151 Da Interpretação, I, 4.
152 Liv. I, cap. 30.

151
Pedro da Fonseca

omnia haec propterea asserimus, quia iudicamus in oratione, et partibus cius,


significationem magis, quam vocem, esse spectandam. 18

Caput II - De perfectis, & imperfectis orationibus


Orationum porro quaedam perfectae sunt, quaedam imperfectae. Perfecta
oratio est, quae integram sententiam declarat: ut, Deus est summum bonum.
Imperfecta, quae non declarat integram sententiam: quae duplex videtur esse.
Quaedam enim imperfectam, et quasi mutilatam sententiam significat, ut Sic
vos non vobis, Deum timere, Si timuerimus Deum, et aliae huiusmodi, quibus
auditis aliquid ultra expectamus. Quaedam vero nullam sententiam significat,
etiam imperfectam, et truncatam, ut Animal rationale, Quantitas continua,
Liber Aristotelis, Tractatio de oratione, et aliae huius generis, quas cum aliquis
profert, non videtur eo sermonis genere significare se ulterius velle progredi.
Significant enim huiusmodi orationes more nominum, et verborum, quae, ut
ait Aristoteles, eam intelligentiam imprimunt in animo, ut qui audit quiescat.

Priores constant verbis, aut coniunctionibus, aliisve particulis, quarum


vis non finitur in ea tantum oratione, quae profertur: posteriores fere nomine
substantivo et adiectivo, aut casu recto, et obliquo. Quia enim adiectivum in
suo substantivo finitur ac terminatur, et saepe vis obliqui in suo recto, non
suspendunt huiusmodi orationes animum audientis, quemadmodum nec
nomen per se, aut verbum, ut Aristoteles ait.

Perfectarum autem aliae sunt optativae, ut O mihi praeteritos referat


si lupiter annos, Aliae interrogativae, ut Sed vos qui tandem? quibus aut
venistis ab oris? quove tenetis iter? Aliae deprecativae, ut Parcite Dardanidae
de tot, precor hostibus uni. Aliae imperativae, ut Disce puer virtutem ex me,
verumque laborem, fortunam ex alis. Aliae enuntiativae, ut, Vulgus amicitias
utilitate probat. At vero ex perfectis orationibus, enunciativas duntaxat (quae
tum enunciationes, tum effata, tum pronunciata, saepe etiam propositiones
dicuntur) caeteris omissis, quoniam ad oratores, et poetas pertinent, pertractat

Oratio multos habens sensus non em simpliciter oratio, sed orationes.

152
Livro III das Instituições Dialéticas

a oração que tem vários sentidos, como esta: "aio te, Eacida, romanos vincere
passe" [que pode traduzir-se: digo que tu, filho de Éaco, podes vencer os romanos, ou:
digo que os Romanos podem vencer-te a ti, filho de Éaco] não é simplesmente uma
oração, mas orações, do mesmo modo que um nome com diversos significados,
como galo [ave, gaulês] não é simplesmente um nome, mas nomes, como acima
dissemos. E, assim, afirmamos tudo isto, porque julgamos que na oração e suas
partes, mais que à voz, se deve atender à significação.

Capítulo II - Das orações perfeitas e imperfeitas


Das orações, umas são perfeitas, outras imperfeitas. Oração perfeita é a
que exprime um pensamento integro, como: Deus é o sumo bem. Imperfeita
é a que não exprime um pensamento integro. Vê-se que há duas espécies de
oração imperfeita. Uma significa um pensamento imperfeito e de certo modo
mutilado, como: assim vós não a vós, temer a Deus, se temermos a Deus, e outras
deste gênero, ouvidas as quais, ficamos à espera de mais alguma coisa. Outras,
porém, não significam pensamento algum, mesmo imperfeito e truncado,
como: animal racional, quantidade contínua, livro de Aristóteles, tratado sobre
a oração, e outras deste gênero; quem as profere não parece mostrar, com este
modo de se exprimir, que quer continuar. Tais orações significam a modo de
nomes ou de verbos, as quais, como diz Aristóteles, 153 imprimem na alma uma
tal compreensão que quem ouve fica satisfeito.
As primeiras constam de verbos, conjunções ou outras partículas, cuja
força não é limitada só à oração proferida; as segundas [constam] ordinariamente
de nome substantivo e adjetivo ou de caso reto e oblíquo. Porque, com efeito,
o adjetivo é limitado e terminado no seu substantivo, e, frequentemente, a
força do caso oblíquo no respectivo caso reto, as orações desta natureza não
suspendem o ânimo do ouvinte à semelhança do que sucede com o nome por
si ou com o verbo, como Aristóteles diz acerca dos verbos e dos nomes.
Das [orações] perfeitas, umas são optativas, como: que Júpiter me restitua
os anos passados! Outras são interrogativas, como: mas afinal quem sois vós?
De que regiões viestes? Para onde caminhais? Outras são deprecativas como:
dentre tantos inimigos, peço que poupeis unicamente o filho de Dardano.
Outras são imperativas, como: menino, aprende de mim a virtude e o verdadeiro
trabalho; a fortuna, [aprende-a] dos outros. Outras são enunciativas, como: o
povo avalia as amizades pela utilidade. Porém, de entre as orações perfeitas,
o dialético somente trata das enunciativas (que se dizem enunciações, ditos,
frases, ou ainda, muitas vezes, proposições), omitindo as restantes, por serem

153 Da Interpretação, 1, 3.

153
Pedro da Fonseca

dialecticus. Nam quod interrogativas non omnino reiicit, id propterea facit, ut


a respondente enunciationes, quibus argumentetur obtineat. 19

Caput III - De enunciatione, & divisione eius in simplices, &


coniunctas, E simplicium in absolutas, E modales
Enunciatio igitur est oratio perfecta, quae verum, aut falsum significat,
ut Deus est summum bonum, Si Deum videris omnium bonorum copia
frueris: quae propositiones sunt verae. Idem, quod honestum est, non est per
se expetibile, Si omnes mundi thesauros possederis, vere felix eris: quae sunt
falsae. Ea dicitur enunciatio vera, quae significat id, quod est, esse, aut, quod
non est, non esse. Falsa vero est, quae significat id, quod est, non esse, aut,
id quod non est, esse. Porro enunciationum quaedam sunt simplices, quaedam
coniunctae. Simplicium, aliae sunt absolutae, quae vocantur de inesse, aliae
modales. Enunciatio simplex est, quae unum de uno enunciat, sive illud unum
sit simplex, sive ex multis compositum, ut si dicas, Homo est animal, Homo
est animal rationale, Homo iustus est prudens, Homo probus est simplex,
et prudens. Enunciatio coniuncta, quam Aristoteles coniunctione unam, alii
hypotheticam vocant, est quae ex simplicibus coniunctione aliqua nectitur: ut,
Si dies est, lux est. In quarum numero etiam illae ponendae sunt, quae constant
ex orationibus, qua facile ad simplices revocari possunt: ut, Si dies esse, lux
esse. Huiusmodi enim coniunctae enunciationes, si non actu, certe potestate,
ac virtute ex simplicibus componuntur.

Enunciatio absoluta est ea, quae absolute significat aliquid inesse, aut non
inesse alicui: ut, Homo est animal, Homo non est lapis. Modalis vero est, quae
quo modo aliquid alicui insit, aut non insit pronunciat: ut, Homo necessario est
animal, Homo necessario non est lapis, Hominem esse animal est necessarium,
Hominem non esse lapidem est necessarium.

Nos igitur hunc ordinem sequemur, ut primum de absolutis, deinde de


modalibus, ad extremum de coniunctis enunciationibus dicamus. 50

49 Nota do parágrafo: Oratio perfecta. / Imperfecta. / Duplex imperfecta. / 1. perri. 3. / Optativae. /


Interrogativae. / Deprecativae. / Imperativae. / Enunciativae. / Ex perfectis orationibus solas enuntiativas

ex 1. peri. 4. / Simplícis divisio ex. 1. prio. 2. / Enunciatio coniuncta seu hypothetica quae sit. ex. 1 peri. 4./
Enunciatio absoluta, seu de inesse. / Modalis.

154
Livro III das Instituições Dialéticas

do uso dos oradores e poetas.154 O fato de não pôr completamente de partelss


as interrogativas, tem por fim obter de quem responde enunciações com que o
persuada daquilo que quer.

Capítulo III - Da enunciação e da sua divisão em simples e


conjuntas, e das simples em absolutas e modais
Enunciação é, portanto, a oração perfeita que significa 56 o verdadeiro ou
o falso, como: Deus é o sumo Bem; se vires a Deus gozarás da abundância de
todos os bens — proposições estas que são verdadeiras. De igual modo: o que
é honesto não é por si desejável; se possuíres todos os tesouros do mundo, serás
feliz — as quais são falsas. Enunciação verdadeira diz-se aquela que significa
que o que é, é, ou o que não é, não é; falsa, a que significa que o que não
é, é, ou o que é, não é. Das enunciações umas são simples, outras conjuntas.
Das simples, umas são absolutas, que se chamam de inerência, outras modais.
Enunciação simples é a que enuncia uma só coisa de uma só coisa, quer essa
coisa seja simples, quer seja composta de muitas, como se se disser: o homem
é animal, o homem é animal racional, o homem justo é prudente, o homem
honesto é simples e prudente. Enunciação conjunta, a que Aristóteles chama
una por conjunção e outros chamam hipotética, é a enunciação [formada] de
[enunciações] simples, unidas por alguma conjunção, como: se é dia, há luz.
No número destas devem incluir-se as que constam de orações que facilmente
podem reduzir-se a simples, como: se fosse dia, haveria luz. As enunciações
conjuntas deste gênero se não em ato, pelo menos em potência e virtualmente,
são compostas de [orações] simples.
Enunciação absoluta é a que significa em absoluto que algo está ou
não está em algum [sujeito], como: o homem é animal; homem não é pedra.
[Enunciação] modal é a que designa o modo por que algo está ou não está
em algum [sujeito], como: o homem é necessariamente animal; o homem
necessariamente não é pedra; é necessário que o homem seja animal; é
necessário que o homem não seja pedra.
Seguiremos esta ordem: falaremos primeiro das [enunciações] absolutas,
depois das modais e, finalmente, das conjuntas.

154 Assim ensina Aristóteles, em Da Interpretação, I, 4.


155 Como se vê nos Segundos Analíticos, 1,9 e Tópicos I, 8 e em quase todo o livro VII dos Tópicos.
156 Da Interpretação, I, 4.

155
Pedro da Fonseca

Caput IV - De qualitate, quantitate, & materia absolutarum


enunciationum
Tria potissimum spectanda sunt in absolutis enunciationibus, qualitas,
quantitas, et materia.
Qualitas earum duplex est: essentialis, et accidentalis. Qualitas essentialis
est coniunctio praedicati cum subiecto. Accidentalis vero, est veritas, falsitas, et
caetera coniunctionis accidentia.
Quantitas est extensio, aut unitas numeralis carum rerum, pro quibus
subiectum sub predicato accipitur. Saepe enim accipitur pro multis, idque
pluribus modis, ut si dicas. Omnis homo est disciplinae capax, Aliquis homo
est iustus. Saepe etiam pro una re tantum, ut si dicas, Hic homo est iustus.

Materia huiusmodi enunciationum est habitudo seu affectio praedicati


ad subiectum, quae in quibusdam est necessaria, ut in hac, Homo est animal: in
alüis vero contingens, aut impossibilis, ut mox patebit, cum de enunciationibus
ex materia necessaria contingenti, et impossibili dicemus. 51

Caput V - Varia genera absolutarum enunciationum


Enunciationes igitur absolutae multis divisionibus apud Aristotelem
dispartiuntur. Primum in affirmationes, et negationes: deinde in universales,
et particulares, et indefinitas, et singulares: postea in necessarias, contingentes,
et impossibiles: rursus infinitas, et infinitas: ad extremum in eas, quae constant
subiecto, et predicato simplici, et in cas, quae constant utroque, aut altero,
coniuncto.52
Absoluta igitur afirmatio, est absoluta alicuius de aliquo enunciatio, id
est, oratio, qua aliquid alicui absolute tribuitur, ut Homo est animal, Homo est
lapis. Negatio vero est alicuius ab aliquo absoluta enunciatio, id est oratio, qua
aliquid ab aliquo absolute removetur, ut si dicas, Homo non est lapis, Homo
non est animal. Haec divisio dicitur secundum qualitatem essentialem, quia

51 Nota do parágrafo: Qualitas essentialis. / Qualitas accidentalis. / Quantitas. / Materia. / D. Thom.


1. peri. lect. 13. / Cap. 5.
52 Nota do parágrafo: 1.peri. 4. / 1. peri. 5. / Partim. 1. peri. 8. partim alibi saepe. / 2. peri. 1. / 2.
peri. 2.

156
Livro III das Instituições Dialéticas

Capitulo IV - Da qualidade, quantidade e matéria das


enunciações absolutas
As três coisas, acima de tudo, se deve atender nas enunciações absolutas:
à qualidade, à quantidade e à matéria.
A qualidade pode ser essencial e acidental. Qualidade essencial é a união
do predicado com o sujeito. Acidental é a verdade, a falsidade e os restantes
acidentes da união.
A quantidade é a extensão ou unidade numérica das coisas a respeito das
quais o sujeito está contido sob o predicado. Muitas vezes, com efeito, toma-
se lo sujeito] a respeito de muitas coisas e de vários modos, como quando se
diz: todo o homem é capaz de educação; algum homem é justo. O sujeito da
primeira enunciação toma-se copulativamente a respeito de todos os homens;
o da segunda, porém, só a respeito dos que existem, e isto disjuntivamente,
como se esclarecerá no último livro.157 Muitas vezes também se toma a respeito
de uma só coisa, como quando se diz: este homem é justo.
A matéria deste gênero de enunciações é a relação ou afecção do
predicado para com o sujeito. Esta [afecção] em algumas é necessária, como
nesta: o homem é animal; em outras, porém, é contingente, ou impossível,
como, em breve, se mostrará,158 quando tratarmos das enunciações de matéria
necessária, contingente e impossível.

Capítulo V - Vários gêneros de enunciações absolutas


Aristóteles reparte as enunciações absolutas em muitas divisões.
Primeiro,159 em afirmações
indefinidas e singulares; e negações;
em seguida, 161 emdepoist6 em universais,
necessárias, contingentes eparticulares,
impossíveis,
e ainda 62 em finitas e infinitas, finalmente, 163 em [enunciações] que constam de
sujeito e predicado simples e em [enunciações] que constam de um e outro, ou um
só, conjunto.
Afirmação absoluta é a enunciação absoluta de algo a respeito de alguma
coisa,164 isto é, a oração pela qual se atribui absolutamente uma coisa a outra,
como: o homem é animal, o homem é pedra. A negação, porém, é a enunciação
absoluta de alguma coisa extraindo-a de outra, isto é, a oração pela qual se
157 Cap. 30, etc.
158 Cap. 5.
159 Da Interpretação, I, 4.
160 Da Interpretação, I, 5.
161 Parte em Da Interpretação, I, 8; parte em outros lugares e muitas vezes.
162 Da Interpretação, Il, 1.
163 Da Interpretação, II, 2.
164 Da Interpretação, 1, 4.

157
Pedro da Fonseca

fit ratione copulae, coniunctionisve praedicati cum subiecto, quae quidem est
essentialis forma enunciationis.53

Enunciatio universalis est, cuius subiectum notatur signo universali, ut


Omnis homo est animal. Signa universalia aut sunt universalia omnino, ut
Omnis, Nullus, Quilibet: aut ad certum usque numerum, ut Uterque, Neuter, et
si quae sunt alia huiusmodi.54

Enunciatio particularis est, cuius subiectum notatur signo particulari,


ut Aliquis homo est Grammaticus. Signa particularia, aut sunt absolute
particularia, ut Quidam, Aliquis, aut particularia ex certo numero, ut Alter. 55

Adverte tamen signa absolute universalia, praeposita negatione fieri


particularia, et absolute particularia eadem praefixa fieri universalia. Nam Non
omnis, et Non nullus sunt particularia: Non quidam autem, et Non aliquis sunt
universalia, ut ex aequipollentia enunciationum intelliges.

Enunciatio in indefinita est, cuius subiectum pro multis rebus acceptum


nullo notatur signo, ut Homo est gramaticus, Homo est rationis particeps.

Enunciatio singularis est, cuius subiectum accipitur pro una tantum


re singulari, ut Socrates est Philosophus, Hic homo est philosophus. Filius
Sophronisci est philosophus. Ad hoc genus revocantur enunciationes illae
quarum subiecta accipiuntur pro rebus communibus praecise, ut Homo est
species. Nam cum earum subiecta, non accipiantur pro multis, fieri non potest,
ut sint universales, aut particulares, aut indefinitae. Revocandae sunt igitur ad
singulares, quarum etiam subiecta non pro multis accipiuntur. Haec divisio
enunciationis
carum dicitur
rerum, pro secundum
quibus quantitatem,
accipiuntur quia fit secundum
subiecta enunciationum 56 numerum

Enunciatio necessaria est, quae ita est vera, ut falsa esse non possit, ut
Homo est animal, Cygnus est candidus. In hoc genere poni solent omnes
affirmativae ex materia necessaria, seu naturali, et omnes negativae ex
materia impossibili, seu remota, de quibus mox dicemus. Hoc tamen quoad,
enunciationes ex materia necessaria, tum verum est, cum praedicatum non
53 Nota do parágrafo: Affirmatio. 1. peri. 4. / Negatio ibidem.

55 Nota de partirado: Vaticais Ex 1. em sco. Sia 1. /Suas universalia.


56 Nota do parágrafo: Indefin#. / Ibidem. / Singularis. / Ex. 1. peri. 5. / Enunciatio ex subiecto
communi praecisse accepto.

158
Livro III das Instituições Dialéticas

remove absolutamente uma coisa de outra, como: o homem não é pedra; o


homem não é animal. Esta divisão diz-se segundo a qualidade essencial, porque
se faz em razão da cópula ou união do predicado com o sujeito, a qual é, sem
dúvida, a forma essencial da enunciação.
A enunciação universal é aquela cujo sujeito é designado com um
sinal universal, como: todo o homem é animal. Os sinais universais ou são
totalmente universais como: todo, nenhum, qualquer que seja; ou em relação a
um certo número, como: ambos, nem um nem outro, e outros deste gênero, se
mais alguns existem.
A enunciação particular é aquela cujo sujeito é designado por um
sinal particular, como: algum homem é gramático. Os sinais particulares ou

são tro lutamente pariulares, como segundo, de um, ou particulares de um

Note-se, todavia, que os sinais absolutamente universais, sendo-lhes


preposta uma negação, se tornam particulares, assim como os sinais particulares,
sendo-lhes preposta a mesma, se tomam universais. Com efeito, não todo, não
nenhum [= algum] são particulares; mas não um certo e não algum são universais,
como se entenderá pela equipotência das enunciações. 165
A enunciação indefinida é aquela cujo sujeito, tomado a respeito de muitas
coisas, não é designado com nenhum sinal, como: o homem é gramático; o
homem é dotado de razão.
A enunciação singular é aquela cujo sujeito se toma a respeito de uma
só coisa singular, como: Sócrates é filósofo; este homem é filósofo; o filho de
Sofronisco é filósofo. A este gênero se reduzem as enunciações cujos sujeitos
se tomam a respeito daquelas coisas comuns com precisão, como: homem é
espécie. De fato, não se tomando elas a respeito de muitas coisas, não pode
suceder que sejam universais, particulares ou indefinidas. Devem reduzir-se,
por isso, às singulares, pois os sujeitos destas também se não tomam a respeito
de muitas coisas. Esta divisão da enunciação diz-se segundo a quantidade,
porque se faz segundo o número das coisas a respeito das quais se tomam os
sujeitos das enunciações.
A enunciação necessária é aquela que de tal modo é verdadeira, que
não pode ser falsa, como: o homem é animal; o cisne é branco. Neste gênero
costumam pôr-se todas as afirmativas de matéria necessária ou natural e todas
as negativas de matéria impossível ou remota, das quais falaremos em breve.
Não é, todavia, o mesmo, as enunciações constarem de matéria necessária
ou impossível e serem necessárias ou impossíveis. Isto, porém, que dissemos
quanto à enunciação de matéria necessária, é verdadeiro quando o predicado

165 Cap. 7 deste livro.

159
Pedro da Fonseca

minus late patet, quam subiectum. Nam si praedicatum fuerit angustius, fieri
poterit, ut afirmativa sit falsa, ut si dicas, Omne animal est homo, Omne
animal est disciplinae capax, quae quidem sunt ex materia necessaria, ut statim
patebit.^
Enunciatio contingens est, quae cum necessaria non sit, potest tamen vera
esse, quae et vera, et falsa esse potest, ut Homo est grammaticus, Homo non est
grammaticus. Huiusmodi sunt omnes enunciationes ex materia contingenti,
quas statim explicabimus.
Enunciatio impossibilis est, quae ita est falsa, ut vera esse non possit,
ut Homo est lapis, Cygnus non est albus. Huiusmodi esse dicuntur omnes
affirmativae ex materia impossibili, et omnes negativae ex materia necessaria.
Id quod in iis, quae constant materia necessaria tunc verum esse intellige,
cum praedicatum non est angustius, quam subiectum. Si enim minus late
pateat, poterunt esse necessariae, ut si dicas, Quoddam animal non est homo,
Quoddam animal non est disciplinae capax. Haec divisio fit secundum
aptitudinem enuntiationis ad veritatem, et falsitatem. Sed quia haec aptitudo
nascitur ex materia enunciationis, explicandae sunt hoc loco enunciationes
constantes: ex materia necessaria, contingenti, et impossibili.

Enunciatio ex materia necessaria, seu naturali est, cuius praedicatum non


potest non convenire subiecto, ut Homo est animal, Homo non est anima,
et omnes omnino, in quibus superiora de inferioribus sive affirmantur, sive
negantur: aut differentiae de rebus, quas componunt: aut proprietates de iis
subiectis, quorum naturas consequuntur, vel de superioribus subiectis: aut
accidentia in separabilia de rebus, a quibus separari nequeunt: aut contra, hoc
est, inferiora de superioribus, et caetera ordine converso. Omnes huiusmodi
predicationes sive affirment, sive negent, fiunt in materia necessaria, et naturali,
quanquam non omnes sunt naturales, seu directae ut patet ex supradictis.

Enunciatio ex materia contingenti est, cuius praedicatum et convenire,


et non convenire subiecto potest, ut Homo est grammaticus, Homo non est

grammaticus:
sive affirmative, et omnes,
sive in praedicatur.
negative, quibus accidens
58 separabile de re, cuius est accidens
Enunciatio ex materia impossibili, seu remota, est, cuius praedicatum non
potest convenire subiecto, ut Homo est lapis, Cygnus est niger. Dicitur autem

57 Nota do parágrafo: Necessaria. / Ex. 5. meta. 5. tex. 6. / Quaenam ad necessariarum genus


pertineant.
58 Nota de parágrafo: Contingens. ex. 1. pri. 12. / Impossibilis / Quae ad genus impossibilium
pertinere dicantur. / Ex materia necessaria. / Pressius D. Thor. 1. peri. lect. 13. / Pressius etiam accepta est
praedicatio necessaria li. 2. cap. 2. / Lib. 2. Ca. 1. / Ex materia contingenti. Latius Di. Tho. / Latius etiam
praedicatio contingens li. 2. cap. 2.

160
Livro III das Instituições Dialéticas

não seja de menor extensão que o sujeito. É que, se o predicado for mais estrito,
pode suceder que a afirmativa seja falsa. Assim, estas [enunciações]: todo o
animal é homem; todo o animal é capaz de educação; as quais, sem dúvida, são
de matéria necessária, como imediatamente se fará ver.
A enunciação contingente é a que, não sendo necessária, pode, todavia,
ser verdadeira, ou a que pode ser quer verdadeira, quer falsa, como: o homem é
gramático; o homem não é gramático. Deste gênero são todas as enunciações
de matéria contingente, que explicaremos imediatamente.
A enunciação impossível é a que é falsa de modo a não poder ser verdadeira,
como: o homem é pedra; o cisne não é branco. Dizem-se ser deste gênero todas
as afirmativas de matéria impossível e todas as negativas de matéria necessária.
Entenda-se que isto é verdadeiro nas [enunciações] que constam de matéria
necessária, quando o predicado não é mais estrito que o sujeito. Se, na verdade,
[o predicado] for de menor extensão que o sujeito, poderão ser necessárias,
como quando se diz: certo animal não é homem; certo animal não é capaz de
educação. Esta divisão faz-se segundo a aptidão da enunciação para a verdade
e a falsidade. Mas, porque esta aptidão nasce da matéria da enunciação, devem
explicar-se neste lugar as enunciações que constam de matéria necessária,
contingente e impossível.
A enunciação de matéria necessária ou natural é aquela cujo predicado
não pode deixar de convir ao sujeito, como: o homem é animal, o homem
não é animal, e todas aquelas em que os superiores se afirmam ou negam dos
inferiores: — ou diferenças acerca das coisas que compõem, ou propriedades
acerca dos sujeitos cujas naturezas seguem ou acerca de sujeitos superiores, ou
acidentes inseparáveis das coisas de que se não podem separar; ou vice-versa,
isto é, inferiores acerca de superiores, e todas as outras, mudada a ordem. Todas
as predicações deste gênero, quer afirmem, quer neguem, se fazem em matéria
necessária e natural, embora nem todas sejam naturais, ou diretas, como se
toma claro pelo que acima foi dito.166
A enunciação de matéria contingente é aquela cujo predicado pode
convir ou não convir ao sujeito, como: o homem é gramático; o homem não
é gramático; e todas aquelas em que o acidente separável da coisa de que é
acidente se predica afirmativa ou negativamente.
A enunciação de matéria impossível ou remota é aquela cujo predicado não
pode convir ao sujeito, como: o homem é pedra; o cisne é negro. Esta divisão
diz-se, porém, segundo a matéria, porque se faz segundo a relação do predicado
para com o sujeito, que dissemos ser a matéria da enunciação.

166 Livro II, cap. 1.

161
Pedro da Fonseca

haec divisio secundum materiam, quia fit secundum habitudinem praedicati ad


subiectum, quam diximus materiam enunciationis. 59
Illud autem praetermitendum non est, enunciationes indefinitas tum
ex modo significandi suo, tum etiam ratione materiae contingentis, cum ca
constant, idem valere atque particulares. Utraque de causa haec enunciatio,
Homo est instus, iudicatur nil differre ab hac, Quidam homo est iustus, et ita
reliquae. Verum quod addi solet, Indefinitas ex materia necessaria, et impossibili
idem valere ratione materiae atque universales, et si quoad eas, quae constant
materia impossibili verum esse videatur, in reliquis tamen mihi non probatur.
Hae siquidem sunt ex materia necessaria, Animal est homo, Animal non est
homo, Animal est disciplinae capax, Animal non est disciplinae capax, et aliae
similes, ut diximus quae tamen non iudicantur idem valere atque universales.
Conceduntur enim simpliciter quasi particulares. Sed qui illud dicunt, non
existimant eas esse ex materia necessaria, quia praedicata minus late patent
quam subiecta: quod tamen nihil refert, ut alibi docebimus, et si aliquando re
minus diligenter perspecta aliquid referre putaverimus. 60

Enunciatio finita est, cuius nomina omnia, sive categoremata sunt finita,
ut Homo est iustus. Infinita vero, cuius aliquod categorema est infinitum, ut
Homo est noniustus, Socrates est homo noniustus. Quod si dixeris Socrates
est servus noniusti, non erit enunciatio infinita, quia illud Noniusti non est
categorema."

Enunciatio ex coniuncto extremo est, cuius aut subiectum, aut praedicatum,


aut utrunque per se est unum quid ex multis categorematis coniunctum, ut
Socrates est homo iustus, Homo iustus est sapiens, Homo iustus est simplex,
et prudens. Quod si dicas, Socrates est simplex, prudens, non erit enunciatio ex
coniuncto extremo, quia categoremata, quae predicantur, nullo nexu iunguntur,
ut sint unum praedicatum: ex quo sequitur ut non efficiant enunciationem
unam simplicem, sed plures."2
Enunciatio ex simplici extremo est, cuius nec subiectum, nec praedicatum
ex multis iungitur categorematis, ut Socrates est sapiens, Socrates philosophatur.
Hacc de variis generibus absolutarum enunciationum, nunc de carum
oppositione, aequipollentia, et conversione dicamus. 63

59 Nota de parágrafo: Ex materia impossibili. / Praessius D. Tho.


60 Nota do paragrafo: Indefinitae, qua ratione idem valeant quod particulares. / Num indefinitae ex
materia necessaria, et impossibili idem valeant atque universales.
61 Nota do paragrafo: Finita, ex. 2. peri. 1. / Infinita. Ex codem loco.
62 Nota do paragrafo: Ex coniuncto extremo. Elicitur ec. 2. peri. 2.
63 Nota do paragrafo: Ex simplici extremo.

162
Livro III das Instituições Dialéticas

Não deve, porém, omitir-se que as enunciações indefinidas, quer pelo


seu modo de significar, quer em razão da matéria contingente — quando dela
constam —, valem o mesmo que as particulares. Por ambos os motivos, esta
enunciação: um homem é justo, em nada é considerada diferente desta: certo
homem é justo, e assim outras. Mas o que costuma juntar-se — que as indefinidas
de matéria necessária e impossível valem, em razão da matéria, o mesmo que
as universais — embora, quanto às que constam de matéria impossível, pareça
ser verdadeiro, nas restantes, contudo, para mim, não está provado. Na verdade,
são de matéria necessária estas: animal é homem; animal não é homem; animal
é capaz de educação, e outras semelhantes, como dissemos, as quais, todavia,
não são tidas como de valor igual às universais. Passam a ser tidas, na verdade,
simplesmente como particulares. Mas os que o dizem não as julgam de matéria
necessária porque os predicados vê-se serem de menor extensão que os sujeitos.
Isto, contudo, nenhuma importância tem, como em outro lugar ensinaremos,
embora algumas vezes, considerando o fato com menos diligência, tenhamos
julgado que alguma importância tem.
A enunciação finita é aquela cujos nomes ou categoremas são todos
finitos, como: o homem é justo. Infinita é aquela da qual algum categorema
é infinito, como: o homem é não-justo; não-homem é a pedra; Sócrates é um
homem não-justo. Mas se se disser: Sócrates é servo dum não-justo, [esta
enunciação] não será infinita, porque aquele não-justo não é categorema
A enunciação de extremo conjunto é aquela cujo sujeito ou predicado,
ou ambos eles, por si, são uma resultante do conjunto de vários categoremas,
como: Sócrates é um homem justo; o homem justo e sábio; o homem justo é
simples e prudente. Mas se se disser: Sócrates é simples, prudente, não será uma
enunciação de extremo conjunto, porque os categoremas que se predicam não
se ligam por nexo algum, de modo a serem um só predicado. Resulta daí que
não constituem uma só enunciação simples, mas várias.

A enunciação de extremo simples é aquela cujo sujeito e predicado se não


compõem de muitos categoremas, como: Sócrates e sábio, Sócrates filosofa.
Isto dissemos dos vários gêneros das enunciações absolutas. Tratemos
agora da sua oposição, equipolência e conversão.

163
Pedro da Fonseca

Caput VI - De oppositione absolutarum enunciationum


Oppositio, ut in absolutis enunciationibus cernitur, est duarum
absolutarum enunciatiorum codem subiecto, praedicatoque constantium,
repugnantia secundum affirmationem et negationem, ut si dicas, Hic homo
est iustus, Hic homo non est iustus. Porro enunciationes oppositae si fuerint
universales, erunt contrariae, ut Omnis homo est iustus, Nullus homo est iustus.
Harum haec est conditio, ut simul verae esse non possint, quanquam possint
esse simul falsae, sive in materia contingenti, ut patet in tradito exemplo, sive
in necessaria, ut si dicas, Omne animal est disciplinae capax, Nullum animal
est disciplinae capax. Si autem fuerint particulares, dicentur subcontrariae, ut
Quidam homo est iustus, Quidam homo non est iustus. Harum conditio est,
ut falsae simul esse non possint, quamquam possint esse simul verae, sive in
materia contingenti, ut in hoc codem exemplo cernis, sive in materia necessaria,
ut si dicas, Quoddam animal est capax disciplinae, Quoddam animal non est
capax disciplinae. Idem quoque dices de indefinitis spectata earum significandi
figura. Si vero altera fuerit universalis, altera particularis, vel utraque singularis,
erunt contradicentes, sive contradictoriae, ut Omnis homo est iustus, Quidam
homo non est iustus, Nullus homo est iustus, Quidam homo est iustus, Socrates
est iustus, Socrates non est iustus. Harum haec est conditio, ut nec simul verae,
nec simul falsae unquam esse possint. Idem dices de üis, quarum subiectum
accipitur pro eadem re communi praecise, ut si dicas, Homo est species, Homo
no est species.

Siquis autem quaerat, num in quavis contradictione altera ex


contradicentibus sit vera, altera falsa, occurrendum est, ita rem habere,
praeterquam in contradictionibus futuri contingentis, ut si dicas Hic homo
morietur cras, Hic homo non morietur cras. Neutra enim ex his duabus
enunciationibus determinate accepta, vera est, aut falsa: id quod de caeteris
huiusmodi dicendum est. Sed haec questio alium locum desiderat ampliorem.

Addunt multi quartum oppositionis genus, quod vocant subalternarum:


duarum inquam enunciationum affirmantium, aut negantium idem de codem,
ita tamen ut quod altera affirmat in totum, altera affirmet in parte: quae
propterea dicuntur subalternae quod altera sub altera collocetur: cuiusmodi
sunt hae duae enunciationes, Omnis homo est iustus, Quidam homo est
iustus, item hae, Nullus homo est iustus, Quidam homo non est iustus. Verum
huiusmodi enunciationes non recte dicuntur oppositae, quia non repugnant
inter se secundum affirmationem, et negationem. Accidit eo quod nec etiam
secundum veritatem, aut falsitatem. Nam ex veritate universalis, quae vocatur

164
Livro III das Instituições Dialéticas

Capítulo VI - Da oposição das enunciações absolutas


Oposição, como se vê claramente nas enunciações absolutas, é a
repugnância, segundo a afirmação e a negação, de duas enunciações absolutas
que constam do mesmo sujeito e predicado, como quando se diz: este homem
é justo; este homem não é justo. As enunciações opostas, se forem universais,
serão contrárias, como: todo o homem é justo, nenhum homem é justo. A
condição destas é que não podem ser simultaneamente verdadeiras, embora
possam ser simultaneamente falsas, quer em matéria contingente, como
ressalta do exemplo dado, quer em matéria necessária, como quando se diz:
todo o animal é capaz de educação, nenhum animal é capaz de educação.
Se, porém, forem particulares, dir-se-ão subcontrárias, como: certo homem
é justo; certo homem não é justo. A condição destas é que não podem ser
simultaneamente falsas, embora possam ser simultaneamente verdadeiras, quer
em matéria contingente, como se vê neste exemplo, quer em matéria necessária,
como quando se diz: certo animal é capaz de educação, certo animal não é
capaz de educação. O mesmo se dirá também das indefinidas, atendendo à sua
figura de significação. Se, porém, uma for universal, outra particular, ou ambas
singulares, serão contradizentes ou contraditórias, como: todo o homem é justo;
certo homem não é justo; nenhum homem é justo; certo homem é justo;
Sócrates é justo; Sócrates não é justo. A condição destas é que nunca podem
ser simultaneamente verdadeiras nem simultaneamente falsas. O mesmo se
dirá daquelas cujo sujeito se toma precisamente por uma mesma coisa comum,
como: homem e espécie, homem não é espécie.
Se alguém, contudo, perguntar se, em qualquer contradição, uma das
contraditórias e verdadeira e outra falsa, deve responder-se que assim é,
exceto nas contradições de futuro contingente, como: este homem morrerá
amanhã; este homem não morrerá amanhã. Com efeito, nenhuma destas duas
enunciações, determinadamente, é verdadeira ou falsa, o que se deve dizer das
restantes deste gênero. Mas esta questão exige uma exposição um tanto mais
desenvolvida.
Muitos acrescentam um quarto gênero de oposição, a que chamam das
subalternas, isto é, de duas enunciações que afirmam ou negam o mesmo da
mesma coisa, mas de tal modo que o que uma afirma no todo, a outra o afirme
em parte, as quais se dizem subalternas pelo fato de uma se colocar sob a outra.
Tais são estas duas enunciações: todo o homem é justo; certo homem é justo;
e igualmente estas: nenhum homem é justo; certo homem não é justo. Porém,
enunciações destas não se dizem retamente opostas, porque não repugnam
entre si, segundo a afirmação e a negação. Acresce ainda que não [repugnam]
segundo a verdade ou a falsidade. Com efeito, da verdade da universal, que

165
Pedro da Fonseca

subalternans, concluditur veritas suae particularis: et ex falsitate particularis,


quae dicitur subalternata, concluditur falsitas suae universalis quod in eisdem
exemplis facile est cernere. Cum igitur absurde videatur dici, eas enunciationes
esse oppositas, quae nec secundum veritatem, nec secundum falsitatem
repugnant, immo vero altera alteram secum trahit, efficitur ut hac quoque
ratione subalternae non sint in oppositis numerandae.

Quinetiam subcontrariae si proprie de oppositione, eiusque conditionibus


loquendum sit, non sunt in oppositarum numero ponendae, tum quia altera non
vere negat, quod affirmavit altera, tum etiam quia non est propria oppositionis
conditio repugnantia secundum falsitatem, sed secundum veritatem. Quo fit
ut Aristoteles secundo libro de priori resolutione merito dicat, subcontrarias
enunciationes non esse revera oppositas, sed voce duntaxat: Haec omnia cernes
in hac figura.

Subalternans Subalternans
Omnis homo est iustus. Contrariae Nullus homo est iustus.

dicentes
Subalternae

Quidam homo est iustus. Subcontrariae Quidam homo non est iustus.
Subalternata Subalternata
Socrates est iustus. Contradicentes Socrates non est iustus.

64 Nota do parágrafo: Oppositio absolutarum. Ex 1. peri. 5. et. 6 / Contrariae. / Conditio


contrariarum. / Subcontrariae / Conditio sub contrariarum. / Oppositio in definitarum. / Contradicentes.
/ Conditio contradicentium. / Oppositio enunciationum ex subiecto communi praecise sumpto. / Num
cuius contradictionis altera pars sit vera, altera falsa. / Subalternae. / Subalternae, non sunt oppositae. /
Conditio sub alternarum. / Cap. 15.

166
Livro III das Instituições Dialéticas

se chama subalternante, conclui-se a verdade da particular; e da falsidade da


particular, que se chama subalternada, conclui-se a falsidade da universal, o que
é fácil de ver nos mesmos exemplos. Parecendo, por isso, absurdo dizer que são
opostas as enunciações que não repugnam segundo a verdade, nem segundo
a falsidade, pelo contrário de tal modo estão ligadas, que uma delas arrasta
consigo a outra, acontece que também por esta razão se não podem enumerar
as subalternas entre as opostas.
Do mesmo modo, as subcontrárias, se é que propriamente se deve falar
acerca da oposição e da sua condição, não se devem pôr no número das opostas,
quer porque uma delas não nega verdadeiramente o que a outra afirma, quer
ainda porque a repugnância segundo a falsidade não é uma condição própria da
oposição, mas [só a repugnância] segundo a verdade. Por isso, Aristóteles diz
muito bem no segundo livro sobre a primeira resolução167 que as enunciações
subcontrárias não são opostas realmente, mas apenas na voz. Tudo isto se verá
na figura que segue.

Subalternante Subalternante
Todo o homem é justo. Nenhum homem é justo.
Contrárias

Subalternas

Certo homem é justo. Subcontrárias Certo homem não é justo.


Subalternada Subalternada
Sócrates é justo. Contraditórias Sócrates não é justo.

167 Cap. 15.

167
Pedro da Fonseca

Caput VII - De equipollentia enunciationum de inesse


Aequipollentes, et equivalentes dicuntur hoc loco, enunciationes
absolutae constantes codem subiecto, codemque praedicato, quae una quidem,
aut altera negatione differunt, sed tamen idem valent, se seque mutuo
inferunt: ut hae duae, Omnis homo est iustus. Non quidam homo non est
iustus. Quoniam igitur huius rei cognitio non parum conducit ad exponendas
obscuriores enunciationes, notandae sunt hae regulae.
Prima. Negatio praeposita subiecto cuiusque enunciatoinis, et signo,
si signum habet, efficit cam equipollentem contradictoriae. Hac regula
iudicabis has enunciationes idem valere, Non omnis homo est iustus, Aliquis
homo non est iustus, quia, nisi praeposuisses negationem subiecto prioris,
essent proculdubio contradicentes. Eadem quoque arte iudicabis has esse
aequipollentes, Omnis homo est iustus, Non quidam homo non est iustus,
Socrates est iustus, Non Socrates non est iustus, et sic cateras huiusmodi.
Secunda. Negatio postposita subiecto enunciationis universalis efficit
eam acquipollentem contrariae. Hac regula iudicabis has esse aequipollentes,
Omnis homo non est iustus, Nullus homo est iustus, et has, Omnis homo est
iustus, Nullus homo non est iustus. Eadem ratio est in sub contrariis, ut patebit
experienti.
Tertia. Negatio praeposita, et postposita subiecto enunciationis
universalis, aut particularis, reddit eam equivalentem subalternae. Hoc
documento intelligimus has enunciationes idem valere. Non omnis homo
non est iustus, Quidam homo est iustus, et has, Nullus homo est iustus, Non
aliquis homo est iustus. Quanquam enim in hac posteriori complicatione non
videas subiectum secundae enunciationis habere negationem praepositam,
et pospositam, sed solum praepositam, tamen quia enunciatiosubalterna
superioris ita habebat, Aliquis homo non est iustus, negatione nimirum postposita
subiecto, non fuit negatio iterum post ponenda, sed potius tollenda. Nam idem
efficies negationem positam auferendo, atque non positam ponendo. Id quod
in cateris regulis diligenter observabis. Has omnes regulas comprehendunt
Dialectici hoc versu.
Prae contradic, post contra, prae, postque subalter.
Cuius hic est sensus. Praeposita negatio efficit ut contradictoriae idem
valeant: postposita vero, ut contrariae, praeposita denique, ac postposita, ut
subalternae.
Quarte. Universalis enunciatio aequipollet aggregationi omnium
suarum singularium: ut haec, Omnis homo est iustus, huic orationi, Hic homo
est iustus, et hic homo est iustus, et ita cateri: item haec, Nullus homo est
iustus, huic, Hic homo non est iustus, et hic homo non est iustus, et ita caeteri.

168
Livro III das Instituições Dialéticas

Capítulo VII - Da Equipolência das enunciações de inerência


Dizem-se equipolentes e equivalentes, neste lugar, as enunciações
absolutas que constam do mesmo sujeito e do mesmo predicado, as quais
diferem por uma só ou duas negações, mas valem o mesmo e se inferem uma
da outra, como estas duas: todo o homem é justo; não algum homem não é
justo. Porque, na verdade, o conhecimento deste assunto muito contribui para
a exposição de enunciações mais obscuras, devem notar-se estas regras:
Primeira: a negação anteposta ao sujeito de qualquer enunciação e
ao sinal, se tem sinal, torna-a equipolente da contraditória. Por esta regra se
avaliará que valem o mesmo estas enunciações: nem todo o homem é justo; algum
homem não é justo. Se não se tivesse anteposto a negação ao sujeito da primeira,
seriam sem dúvida contraditórias. Pelo mesmo processo se avaliará também
que são equipolentes estas: todo o homem é justo; não algum homem não é justo;
Sócrates é justo; não Sócrates não é justo, e assim as restantes deste gênero.
Segunda: a negação posposta ao sujeito de uma enunciação universal
torna-a equipolente da contrária. Por esta regra se avaliará que são equipolentes
estas: todo o homem não é justo, nenhum homem é justo; e estas: todo o homem é
justo, nenhum homem não é justo. O mesmo sucede nas subcontrárias, como se
tomará claro a quem o verificar.
Terceira: a negação anteposta e posposta ao sujeito de uma enunciação
universal ou particular toma-a equivalente à subalterna. Por este ensinamento
entendemos que valem o mesmo estas enunciações: nem todo o homem não é
justo, algum homem é justo; e estas: nenhum homem é justo, não algum homem é
justo. Embora, na verdade, nesta segunda redução, não se veja que o sujeito
da segunda enunciação tem uma negação anteposta e posposta, mas só
anteposta, todavia, porque a enunciação subalternada à primeira equivale a
— algum homem não é justo, posposta a negação ao sujeito, não foi necessário
pospor de novo a negação, antes, foi necessário tirá-la. Efetivamente, tirando a
negação posta, conseguir-se-á o mesmo que pondo a negação não posta. Isto
se observará cuidadosamente nas restantes regras. Os dialéticos resumem estas
regras neste verso:
Proe contradic, post contra, pro postque subalter.
O seu sentido é este: a negação anteposta faz que as contraditórias
tenham o mesmo valor: as pospostas como contrárias, as antepostas e as
pospostas como subalternas.
Quarta: uma enunciação universal equivale ao conjunto de todas as suas
singulares, como esta: todo o homem é justo, equivale a esta oração; este homem
é justo e este outro homem é justo, e assim as restantes; do mesmo modo, esta:

169
Pedro da Fonseca

Quinta. Particularis enunciatio aequipollet disiunctioni omnium


suarum singularium: ut haec, Aliquis homo est iustus, huic orationi, Hic homo
est iustus, aut hic homo est iustus, et sic caeteri: et haec, Aliquis homo non est
iustus, huic, Hic homo non est iustus, aut hic homo non est iustus et ita caeteri
disiunctive, 65

Caput VIII - De conversione absolutarum enunciationum


Conversio, seu reciprocatio, ut hoc loco sumitur, est commutatio
extremorum enunciationis servata qualitate, et veritate, ut si dicas, Scientia
non est virtus, igitur virtus non est scientia. Enunciatio cuius extrema
commutantur dicitur conversa: quae autem fit excommutatis extremis, dicitur
convertens. Servare qualitatem, est efficere convertentem afirmativam ex conversa
affirmativa, et negativam ex negativa. Servare veritatem est efficere ex conversa

vera veram convertentem.


Est autem triplex conversio, simplex, peraccidens, et per contrapositionem.
Conversio simplex, quae etiam in terminis appellatur, est conversio, in qua servatur
eadem quantitas nullaque alia particula adiicitur: quo pacto convertuntur
universalis negativa, et particularis affirmativa: ut si dicas, Nullus homo est
lapis, ergo nullus lapis est homo, Quidam homo est albus, ergo quoddam
album est homo. Hoc genere conversionis nec universalis affirmativa, nec
particularis negativa convertuntur, quia si has enunciationes hoc conversionis
genere volveris convertere, dabis conversas veras, et convertentes falsas, ut si dicas,
Omnis homo est animal, igitur omne animal est homo, Quoddam animal non
est homo, igitur quidam, homo non est animal.

Conversio peraccidens, quae alio nomine dicitur in parte, est conversio,


in qua mutatur quantitas universalis in particularem, hoc est, in qua ex
conversa universali efficitur convertens particularis: quo pacto convertuntur
enunciationes universales tum affirmativae, tum negativae, ut si dicas, Omnis
homo est animal, igitur quoddam animal est homo, Nullus homo est lapis,
igitur quidam lapis non est homo. Non traditur autem alia conversio huic
respondens, in qua videlicet mutetur quantitas particularis in universalem, quia
saepissime in hoc progressu non servatur veritas, ut si dicas, Quidam homo est
albus, igitur omne album est homo, Quidam homo non est grammaticus, igitur
nullus grammaticus est homo.
Conversio per contrapositionem est conversio, in qua et servatur cadem
quantitas, et additione negationum ex finitis extremis simplicibus fiunt
65 Nota do parágrafo: Acquipollentes quae sint. / Prima regula. / Secunda. / Tertia. / Nota. D.

170
Livro III das Instituições Dialéticas

nenhum homem é justo, equivale a esta: este homem não é justo, e este outro homem
não é justo, e assim as restantes.
Quinta: uma enunciação particular equivale à disjunção de todas as suas
singulares, como esta: algum homem é justo equivale a esta oração: este homem é
justo, ou este outro homem é justo, e assim as restantes; e esta: algum homem não
é justo equivale a esta: este homem não é justo ou este outro homem não é justo; e
assim as restantes disjuntivamente.

Capítulo VIII - Da converão das enunciações absolutas


Conversão ou reciprocidade, como se toma neste lugar, é a troca dos
extremos da enunciação, conservada a qualidade e a verdade, como se se disser: a
ciência não é virtude, logo a virtude não é ciência. A enunciação cujos extremos
se trocam chama-se convertida; a que é constituída pelos extremos trocados,
convertente. Conservar a qualidade é formar uma convertente afirmativa de uma
convertida afirmativa, e uma negativa, de uma negativa. Conservar a verdade é
formar de uma convertida verdadeira uma convertente verdadeira.
Há três espécies de conversão: simples, por acidente e por contraposição.
A conversão simples, que também se chama nos termos, é a conversão na qual
se conserva a mesma quantidade, e a que nenhuma outra partícula se junta.
Deste modo se convertem a universal negativa e a particular afirmativa, como
se se disser: nenhum homem é pedra, logo nenhuma pedra é homem; algum
homem é branco, logo algum branco é homem. Por este gênero de conversão
nem uma universal a rmativa nem uma particular negativa se convertem. E
que, se se quiser converter estas enunciações por este gênero de conversão,
resultarão convertidas verdadeiras e convertentes falsas, como se se disser: todo
o homem é animal, logo todo o animal é homem; algum animal não é homem,
logo algum homem não é animal.
A conversão por acidente, que é designada por outro nome — em parte
-, é a conversão na qual se muda a quantidade. Deste modo se convertem
as enunciações universais, quer afirmativas quer negativas, como se se disser:
todo o homem é animal, logo algum animal é homem; nenhum homem é
pedra, logo alguma pedra não é homem. Não se convertem, porém, deste
modo as enunciações particulares, porque, muitíssimas vezes, com este modo
de proceder não se conserva a verdade, como se se disser: algum homem é
branco, logo todo o branco é homem; algum homem não é gramático, logo
nenhum gramático é homem. É por isso que as suas reciprocações não estão
compreendidas na definição de conversão.
A conversão por contraposição é a conversão em que se conserva a mesma
quantidade, e, pela adição de negações, de extremos simples finitos, formam-se
[extremos] infinitos. Deste modo se convertem uma universal afirmativa e uma

171
fi
Pedro da Fonseca

infinita: quo pacto convertuntur universalis affirmativa, et particularis negativa,


ut si dicas, Omnis homo est animal, igitur omne nonanimal est non humo,
Quoddam animal non est bellua, igitur quaedam nonbellua non est nonanimal.
Mandantur haec memoriae hoc uno disticho:

Feci simpliciter convertitur, Eva per acci:


Ast O per contra, sic fit conversio tota.
Inquo quidem quattuor illae voces Feci, Eva, Ast, et O, continent quattuor
vocales, quarum A, significat universalem affirmativam, E, universalem
negativam, 1, particularem affirmativam, O, particularem negativam. Reliqua
sunt perspicua ex dictis. Perspicua ex dictis. Atque haec dicta sint de conversione
enunciationum constantium utroque extremo communi, quas solas Aristoteles
in tradendis conversionibus spectavit.
Quod si enunciationes constent utroque extremo singulari, dicendum
est illas, sive af rmativae sint, sive negativae converti simpliciter, ut si dicas,
Socrates est hic philosophus, igitur hic philosophus est Socrates, Socrates
non est Plato, igitur Plato non-est Socrates. Si vero costent subiecto singulari,
et praedicato communi, dicendum est illas converti per accidens; af rmativas
quidem in particulares hoc modo, Socrates est philosophus igitur aliquis
philosophus est Socrates: negativas vero, et particulares in universales hoc
modo, Socrates non est lapis, igitur aliquis lapis non est Socrates, et nullus lapis
est Socrates. Si denique constent subiecto communi, et praedicato singulari,
dicendum est afirmativas quidem, et universales negativas converti per accidens
in singulares, hoc modo, Omnis, vel aliquis philosophus est Socrates, ergo
Socrates est philosophus, Nullus sutor est Socrates, ergo Socrates non est
sutor: negativas autem particulares non converti. Darentur enim conversae
verac, et convertentes falsae, ut si dicas aliquis philosophus non est Socrates,
ergo socrates non est philosophus.
Haec de enunciationibus, quae absolute inesse aliquid, aut non inesse
declarant, dixisse sufficiat: nunc ad eas, quae modales vocantur, veniamus.66

Caput IX - Quot sint genera, ac formulae modalium


enunciationum
Modalis enunciatio, ut supra diximus, est, quae quomodo aliquid alicui
insit, aut non insit, pronunciat, Huius quattuor sunt genera, ex necessario,
ex contingenti, ex possibili, et ex impossibili. Modales ex necessario sunt, quae

consegue particulares, nitri romario p montapostionem. / Ex. 2. top. 3, ubi Aristor, radit

172
fi
fi
Livro III das Instituições Dialéticas

particular negativa, como se se disser: todo o homem é animal, logo todo o não
animal é não homem; algum animal não é bruto, logo algum não bruto não é
não-animal. Estas coisas retêm-se na memória, com este dístico:

Feci converte-se simplesmente, Eva por acidente,


Ast O por contraposição. Assim se faz toda a conversão.
Nele, aquelas quatro palavras Feci, Eva, Ast e O contêm quatro vogais,
das quais o A significa a universal afirmativa; o E, a universal negativa; o 1, a
particular afirmativa; o O, a particular negativa. O resto é evidente pelo que
ficou dito. Isto é o que há a dizer acerca da conversão das enunciações que
constam de ambos os extremos comuns, as únicas a que Aristóteles atendeu ao
tratar das conversões.
Mas, se as enunciações constarem de extremos ambos singulares,
deve dizer-se que elas se convertem simplesmente, quer sejam afirmativas quer
negativas, como se se disser: Sócrates é este filósofo, logo este filósofo é Sócrates;
Sócrates não é Platão, logo Platão não é Sócrates. Se, porém, constarem de
sujeito singular e de predicado comum, deve dizer-se que elas se convertem por
acidente: as afirmativas em particulares, deste modo: Sócrates é filósofo, logo
algum filósofo é Sócrates; as negativas e as particulares em universais, deste
modo: Sócrates não é pedra, logo alguma pedra não é Sócrates, e nenhuma
pedra é Sócrates. Se, finalmente, constarem de sujeito comum e predicado
singular, deve dizer-se que as afirmativas e as universais negativas se convertem
por acidente em singulares, deste modo: todo ou algum filósofo é Sócrates, logo
Sócrates é filósofo; nenhum sapateiro é Sócrates, logo Sócrates não é sapateiro.
As negativas particulares, porém, não se convertem. Dar-se-iam, com efeito,
convertidas verdadeiras e convertentes falsas, como se se disser: algum filósofo
não é Sócrates, logo Sócrates não é filósofo.
Considere-se suficiente o que fica dito acerca das enunciações que
declaram existir ou não existir absolutamente alguma coisa [em outra].
Passemos agora às que se chamam modais.

Capítulo IX - Quantos são os gêneros e as fórmulas de


enunciações modais

como aiguma os modal, como a cis discurs. era que desio a o rodo
de necessário, de contingente, de possível e de impossível. As modais de necessário são
as que enunciam que alguma coisa é necessária ou não é necessária. As modais
168 Cap. 3.
169 Da Interpretação, II, 2 e Primeiros Analíticos I, 3 e 12.

173
Pedro da Fonseca

enunciant aliquid esse necessarium, aut non necessarium. Modales ex contingenti


sunt, quae enunciant aliquid esse contingens, aut non contingens. Ex possibili
vero, quae enuntiant possibile esse, aut non possibile. Ex impossibili denique,
quae impossibile aut non impossibile. Necessarium est, quod non potest non
esse, ut hominem esse animal. Contingens est, quod potest esse, et non esse,
ut Socratem esse grammaticum. Possibile (quod necessario, et contingenti
commune habetur) est, quod potest esse, sive non possit non esse, sive possit.
Exempla iam, posita sunt. Impossibile denique est, quod esse non potest, ut
hominem esse lapidem.
Singula porro genera modalium duabus tantum formulis efferri possunt:
altera si modus (id est dictio, qua significamus modum, quo aliquid alicui
inest, aut non inest) sit adverbium, ut si dicas, Homo necessario est animal,
Socrates contingenter est grammaticus, et ita in cateris: altera si modus sit
nomen, quod enuncietur de oratione ex verbo infinitivo composita, quae
dictum appellatur, ut si dicas, Hominem esse animal est necessarium, Socratem
esse grammaticum est contingens, et sic in reliquis. His enim duobus loquendi
generibus duntaxat pronuntiare possumus in actu excercito, ut vocant, quo
modo aliquid alicui insit, aut non insit: quo pacto pronuntiandi verbum in
descriptione modalium intelligendum est. Nam si in actu signato, ut Dialectici
loquuntur, pronunciaveris quomodo aliquid alicui insit, aut non insit, ut pote
enuntiando modum de aliqua voce, quae dictum, aut enunciationem in dicto
comprehensam demonstret, non efficies sane modalem enuntiationem, sed vere
absolutam. Hae namque sunt absolutae, Hoc dictum, Hominem esse animal,
est necessarium: Haec enuntiatio, Socrates est grammaticus, est contingens: id
quod alio loco docebimus.
Itaque modales enunciationes duabus tantum formulis, ut dictum est,
efferuntur. Differunt autem duae illae formulae tribus potissimum rationibus.
Primum, quia in priori, modus est adverbium, in posteriori, nomen. Deinde,
quia in priori modus non predicatur, sed afficit copulam enunciationis: at
in posteriori predicatur. Demum, quia in priori formula unum tantum est
subiectum, et unum predicatum, ut patet: at imposteriori duo subiecta, et
duo praedicata reperiuntur. Nam dictum, seu (ut verius loquar) verbum
dicti, quatenus aliquid enuntiat, et principale subiectum, modus principale
praedicatum: in ipso autem dicto alterum subiectum, et alterum praedicatum
continetur, quae minus principalia censenda sunt. Sed nos priori formula
omissa, quia minus usurpata est, saltem in modalibus ex possibili, et impossibili,
posteriorem cum Aristotele tractabimus: ac primum de quantitate, qualitate,
et materia modalium dicemus: postea tres carum affectiones, oppositionem,

174
Livro III das Instituições Dialéticas

de contingente são as que enunciam que alguma coisa é contingente ou não é


contingente. De possível, as que enunciam que é possível ou não é possível. De
impossível, finalmente, as que [enunciam que é] impossível ou não impossível.
Necessário é aquilo que não pode não ser, como homem ser animal. Contingente
é o que pode ser e não ser, como Sócrates ser gramático. Possível (que se
considera comum ao necessário e ao contingente), é o que pode ser, quer não
possa, quer possa não ser. Já foram dados exemplos. Impossível, finalmente, é o
que não pode ser, como o homem ser pedra.
Cada gênero das modais pode exprimir-se apenas por duas fórmulas:
uma, se o modo (isto é, a expressão pela qual significamos o modo como alguma
coisa existe ou não existe em outra) é um advérbio, como se se disser: o homem
é necessariamente animal; Sócrates é contingentemente gramático, e assim nos
outros; outra, se o modo é um nome que se enuncia de uma oração composta
de verbo infinitivo, que se chama dito, como se se disser: ser o homem animal
é necessário, ser Sócrates gramático é contingente; e assim nos demais casos.
Só por estes dois modos de falar, podemos designar em ato exercido, como lhe
chamam, de que maneira alguma coisa existe ou não existe em outra. É por
este modo de designar que deve entender-se o verbo na descrição das modais.
Efetivamente, se em ato significado, como falam os dialéticos, se designar por que
modo alguma coisa existe ou não existe em outra, isto é, enunciando o modo
de alguma palavra que demonstre o dito ou uma enunciação compreendida
no dito, não se conseguirá, sem dúvida, uma enunciação modal, mas sim uma
absoluta. Com efeito, estas são absolutas: este dito — o homem é animal — é
necessário; esta enunciação — Sócrates é gramático — é contingente, como
em outra parte se tomará claro.170
As enunciações modais podem exprimir-se, portanto, por duas fórmulas
apenas, como foi dito. Diferem, porém, aquelas duas fórmulas sobretudo por
três razões. Primeiro, porque na primeira o modo é advérbio; na segunda,
nome. Depois, porque na primeira o modo não se predica, mas afeta a cópula
da enunciação; na segunda, porém, predica-se. Finalmente, porque na primeira
fórmula há apenas um sujeito e um predicado, como é evidente; mas na segunda
encontram-se dois sujeitos e dois predicados. Realmente o dito ou (para falar
com mais verdade) a cópula do dito (esta, com efeito, é a que propriamente
se diz necessária ou contingente, etc.) é o sujeito principal; o modo é o
principal predicado. No próprio dito, porém, estão contidos outro sujeito e
outro predicado, os quais devem ser considerados como menos principais.
Mas nós, omitida a primeira fórmula, por ser menos usada (pelo menos nas
modais de possível e de impossível), só trataremos, à imitação de Aristóteles, 171
da segunda. E, primeiro, falaremos da quantidade, qualidade e matéria das
170 Da Interpretação, II, 3.
171 Da Interpretação, II, 3.

175
Pedro da Fonseca

aequipollentiam, et conversionem quanta poterimus brevitate, ac perspicuitate


exponemus.67

Caput X - De qualitate, quantitate, et materia modalium


Cum igitur in modalibus huius formulae duo sint subiecta, et duo
praedicata, necessario efficitur, ut duplex sit qualitas essentialis, quantitas, et
materia. Altera qualitas cernitur in affirmatione, et negatione modi: altera in
affirmatione, et negatione predicati, quod in dicto continetur. Prior tamen
praecipua est. Hinc nata est divisio illa modalium in eas, quae utrumque
praedicatum affirmant, ut Hominem esse animal est necessarium: in eas, quac
utrunque negant, ut Hominem non esse animal non est contingens: in eas,
quae modum affirmant, et praedicatum dicti negant, ut Hominem non esse
grammaticum est possibile: et in eas, quae modum negant, et praedicatum dicti
affirmant, ut Hominem esse grammaticum non est impossibile. Quia tamen
praecipuae qualitatis maior est habenda ratio, enunciationes quae modum
affirmaverint affirmativae, quae eundem negaverint negativae simpliciter
appellandae sunt, sive dictum affirmativum sit, sive negativum. De qualitate
autem accidentali, hoc est, de veritate, et falsitate modalium, hoc dicendum
est, modales esse quidem veras, aut falsas (quandoquidem omnes naturam
enunciationis participant, quae veri, aut falsi significatione definitur) caeterum
eas, quae verae sunt, nunquam posse esse falsas, et quae sunt falsae, veras
esse nunquam posse: ac proinde omnes esse aut necessarias, aut impossibiles.
Exempli causa, hae omnes sunt necessariae, Hominem esse animal est necesse,
Hominem esse grammaticum est contingens, Hominem mori est possibile,
Hominem esse lapidem est impossibile, quia ita sunt verae, ut falsae nunquam
esse possint, Hae vero, Hominem esse animal non est necesse, Hominem esse
grammaticum non est contingens, Hominem mori non est possibile, Hominem
esse lapidem non est impossibile, hae inquam, sunt impossibiles, quia ita sunt
falsae, ut verae nunquam esse valeant. Cum igitur omnes modales, quae afferri
possunt, aut illo modo sint verae, aut hoc modo falsae, dubium non est, quin
omnes sint necessariae, aut impossibiles. 68
Quod vero attinet ad quantitatem, altera cernitur in subiecto principali,
altera in minus principali. Et quidem in minus principali subiecto, hoc est dicti,
reperitur omnis quantitas absolutarum enunciationum, universalis, particularis,

67 Nota do paragrafo: Cap 3. / 2. peri. 3. et. 1. prio. 3. et. 12. / Ex necessario. / Ex contingenti. /
Ex possibili. / Ex impossibili. / Necessarium. / Contingens. / Possibile. / Impossibile. / Duae formulac
modalium. / Modus. / Dictum. Explicatur descriptio modalium. / Nota. / 2. peri. 3. / Primum discrimen.
/ Secundum. / Tertium. / Verbum dicti verius dicitur subiectum modalis quam dictum. / Modus est
principale praedicatum / 2. peri. 3. / Loco citate.
68 Nota do paragrafo: Duplex qualitas essentialis modalium. / Divisio modalium ratio ne qualitatis /
Quac nam modales simpliciter dicendae sint affirmativae, ac negativae. / Qualitas accidentalis modalium. /
Omnes modales aut sunt necessariae, aut impossibiles.

176
Livro III das Instituições Dialéticas

modais; depois, exporemos com a maior brevidade e clareza possíveis as suas


três relações: oposição, equipolência e conversão.

Capítulo X - Da qualidade, quantidade e matéria das modais


Como, portanto, nas modais desta fórmula, são dois os sujeitos e dois
os predicados, necessariamente se segue que é dupla a qualidade essencial, a
quantidade e a matéria. Uma qualidade verifica-se na afirmação e na negação
do modo; outra, na afirmação e negação do predicado que está contido no dito.
Todavia, a primeira é a principal como ressalta do que ficou dito.' Daqui
nasceu a divisão das modais, nas que têm afirmativos ambos os predicados,
como: é necessário que o homem seja animal; nas que os têm ambos negativos,
como: não é contingente que o homem não seja animal; nas que têm o modo
afirmativo e o predicado do dito negativo, como: é possível que o homem
não seja gramático; e nas que têm o modo negativo e o predicado do dito
afirmativo, como: não é impossível que o homem seja gramático. Porém visto
que se deve atender mais à qualidade principal, as enunciações que tiverem o
modo afirmativo devem chamar-se simplesmente afirmativas; as que tiverem o
mesmo negativo, negativas, quer o dito seja afirmativo, quer negativo. Porém,
da qualidade acidental, isto é, da verdade e falsidade das modais, deve dizer-se
o seguinte: as modais são verdadeiras ou falsas (pois que todas participam da
natureza da enunciação, que se define pela significação do verdadeiro ou do
falso); além disso, aquelas que são verdadeiras nunca podem ser falsas, e as
que são falsas nunca podem ser verdadeiras. Por isso, todas são ou necessárias
ou impossíveis. Por exemplo, são necessárias todas estas: é necessário que o
homem seja animal; é contingente que o homem seja gramático; é possível
que o homem morra; é impossível que o homem seja pedra — porque de tal
modo são verdadeiras que nunca podem ser falsas. Estas — não é necessário
que o homem seja animal; não é contingente que o homem seja gramático; não
é possível que o homem morra; não é impossível que o homem seja pedra —
estas, digo, são impossíveis, porque são de tal forma falsas que nunca podem
ser verdadeiras. E assim acontece com as restantes.
No que respeita à quantidade, verifica-se uma no sujeito principal,
outra no menos principal. E, na verdade, no sujeito menos principal, isto é,
do dito, encontra-se toda a quantidade das enunciações absolutas: universal,
particular, indefinida e singular. Portanto, tomadas por este lado, as modais
costumam dizer-se: ou universais, como: é necessário que todo o homem seja
animal; ou particulares, como: é contingente que algum homem seja gramático;
ou indefinidas, como: é possível que o homem morra; ou singulares, como:
é impossível que Sócrates seja pedra. Porém, no sujeito principal, isto é, na
172 No capítulo anterior.

177
Pedro da Fonseca

indefinita, et singularis. Itaque hac ex parte modales dici solent aut universales,
ut Omnem hominem esse animal est necesse, aut particulares, ut Aliquem
hominem esse grammaticum est contingens, aut indefinitae, ut Hominem
mori est possibile, aut singulares, ut Socratem esse lapidem est impossibile.
In subiecto autem principali, quod est verbum dicti, reperitur ea quantitas,
quae verborum propria est, nimirum quantitas temporis: quae quidem duplex
est, universalis, aut particularis. Universalis distribuit verbum in omne tempus,
particularis in aliquod tempus. Atque universalis significatur modis Necessarium
et Impossibile: particularis duobus reliquis. Nam Necessarium perpetuo rem
ponit: Impossibile, perpetuo tollit: Contingens modo ponit, modo tollit: Possibile
denique ita rem ponit, ut quantum in ipso est, permittat rem aliquando
non esse. Itaque Necessarium, Impossibile, Contingens, et Possibile perinde se
habent in modalibus, atque signa illa Omnis, Nullus, Quidam non, et Quidam
in absolutis: nisi quod signa designant quantitatem numeralem, modi autem
quantitatem temporis. Unde fit, ut quemadmodum praeposita negatione signa
universalia fiunt particularia, et particularia universalia, ut supra dictum est,
sic modi universales fiunt particulares, et particulares universales. Itaque Non
necessarium, et Non impossibile sunt modi particulares: Non contingens autem, et
Non possibile universales, quemadmodum Non omnis, et Non nullus particularia,
Non quidam autem, et Non aliquis universalia signa esse diximus.
Nec mireris quod dixerim, quantitatem hanc temporis cerni in verbo
dicti, et tamen designari modum, qui de verbo dicti praedicatur. Nam
modus utrunque habet et quod sit praedicatum, et quod fungatur officio
syncategorematis designantis quantitatem temporis, quemadmodum signa
absolutarum enunciationum designant quantitatem multitudinis. Quia igitur
haec quantitas precipua est in modalibus, non immerito Aristoteles consuevit
collocare modos initio huiusmodi enunciationum, ut statim quantitas earum
ex ipso principio cognosci possit, quemadmodum in absolutis ex signis
praepositis intelligitur. Itaque hoc modo fere profert Aristoteles modales
enunciationes, Necesse est hominem esse animal, Contingens est Socratem
esse grammaticum, Non possibile est Socratem esse lapidem, et ita cateras:
non quidem ut efficiat ex modis subiecta, et ex dictis praedicata, sed ut quantitas
earum propria, ut diximus, atque adeo precipua qualitas statim appareat.
Proinde nos hoc loquendi genere deinceps utemur."9

Quod denique attinet ad materiam, altera cernitur inter modum, et


dictum: altera inter praedicatum dicti, et subiectum dicti. Et haec quidem
69 Nota do paragrafo: Duplex quantitas modalium. / Quantitas verborum propria. / Modi
universales. / Modi particulares. / Modi in modalibus sunt velut signa in absolutis. / Quo pacto modi
universales fiant particulares, et particulares universales. / Quantitas temporis cernitur in verbo dicti, et
tamen designatur per modum. / Modus fungitur officio syncategorematis. / Cur modales inchoentur a

178
Livro III das Instituições Dialéticas

cópula do dito, encontra-se a quantidade, que é própria dos verbos, isto é, a


quantidade do tempo, a qual é dupla: universal ou particular. A universal distribui
a cópula do dito por todo o tempo; a particular, por um tempo determinado.
A universal é significada por estes modos: necessário e impossível; a particular,
pelos dois restantes. Efetivamente, o necessário põe sempre a coisa; o impossível
tira-a sempre; o contingente significa de tal modo que uma coisa pode ser que
significa que pode também não ser; o possivel, finalmente, [significa que uma
coisa] de tal modo pode ser que nem significa que ela possa também não
ser, nem que não possa não ser. Portanto, necessário, impossível, contingente e
possível comportam-se nas modais na proporção em que se comportam nas
absolutas os sinais todo, nenhum, não algum e algum. Há apenas uma diferença:
os sinais designam a quantidade numeral; os modos, porém, a quantidade do
tempo. Daí resulta que, assim como, anteposta a negação, os sinais universais
se tomam particulares e os particulares universais, como atrás foi dito, assim os
modos universais se tomam particulares e os particulares universais. Portanto,
não necessário e não impossível são modos particulares; não contingente e não
possível, universais, tal como não todo e não nenhum são sinais particulares; não
algum, porém, e não alguém, universais.

Nem se admire alguém de eu ter dito que esta quantidade do tempo


se nota no verbo do dito e é, todavia, designada pelo modo que se predica da
cópula do dito. Efetivamente, o modo tem uma e outra coisa por ser predicado
e por desempenhar o papel de sincategorema, que designa a quantidade do
tempo, tal como os sinais das enunciações absolutas designam a quantidade
da multidão. E porque esta quantidade principal existe nas modais, não sem
razão Aristóteles se habituou a colocar os modos no princípio deste gênero de
enunciações, para que imediatamente pudesse conhecer-se a sua quantidade
pelo próprio princípio, como a quantidade das absolutas se conhece pelos
sinais antepostos. E assim é que, a maior parte das vezes, Aristóteles apresenta
deste modo as enunciações modais: é necessário que o homem seja animal;
é contingente que Sócrates seja gramático; não é possível que Sócrates seja
pedra; e assim as restantes. Não com vista a fazer dos modos sujeitos e dos ditos
predicados, mas para que imediatamente ressalte a sua quantidade própria,
como dissemos, e por isso a qualidade principal. Usaremos, portanto, a seguir,
este modo de falar.
Finalmente, no que respeita à matéria, verifica-se uma entre o modo e o
dito; outra, entre o predicado do dito e o sujeito do dito. Esta última é tríplice:
necessária, contingente e impossível, tal como nas enunciações absolutas. Porém,
a que é própria das modais, é dupla. Efetivamente, como todo o modo que
alguma vez convenha ao dito não pode não convir-lhe, e todo o que alguma

179
Pedro da Fonseca

posterior triplex est, necessaria, contingens, et impossibilis quemadmodum in


absolutis enunciationibus. Illa vero, quae propria est modalium, est duplex.
Etenim cum omnis modus, qui semel convenit alicui dicto, non possit eidem
non convenire, et omnis, qui aliquando non convenit, non possit unquam
eidem congruere, efficitur, ut omnis habitudo modi ad dictum, sit vel necessarii
praedicati, vel impossibilis, sicque ut materia modalium praecipua, aut sit
necessaria, aut impossibilis, nulla vero contingens. Ex qua velut radice nascitur
id, quod paulo superius diximus, Omnem modalem enunciationem esse
necessariam, aut impossibilem. 7°

Hactenus de qualitate, quantitate, et materia modalium diximus: nunc


de mutuo inter ipsas respectu, hoc est, de carum oppositione aequipollentia,
et conversione dicamus. Sed prius Aristotelis consilio missas faciamus modales
ex contingenti, ne carum in constantia interturbet sequentem disputationem.
Est enim earum natura, et conditio tam varia, ut vix ullam cum aliis modalibus
servet oppositionis, aut aequipollentiae legem. Quia tamen Aristoteles in
oppositione, ac aequipollentia modalium tractanda meminit enunciationum ex
contingenti improprie sumpto, utpote ut idem valet quod possibile, nos etiam ne
quod dissidium, vel specie tenus inter hanc et Aristotelicam tractationem esse
videatur, eisdem enunciationibus in eadem impropria significatione utemur.
Quamquam si res ipsa tantum spectanda esset, tenerioribusque ingeniis magis
in hac re mentio fieret.

Caput XI - De oppositione modalium


Ut igitur modalium oppositio tractetur, illud primo constituendum est, in
hoc enunciationum genere tot oppositionum formas spectari, quot cernuntur
in absolutis, contrariam videlicet, subcontrariam, et contradictoriam, atque adeo
illam impropriam oppositionis speciem, quae inter subalternatas esse dicitur,
de qua simul ea ratione disserendum est, quod eius tractatio coniuncta sit cum
tractatione oppositarum, nec parum ad earum explicationem conducat.

Illud deinde ponendum est easdem leges, quae de absolutarum


oppositione traduntur, convenire in modales. Etenim nec contrariae modales
possunt esse simul verae, si recte constituantur, nec subcontrariae simul
falsac, nec contradicentes, aut simul verae, aut simul falsae, nec fieri potest, ut
subalternante existente vera subalternata sit falsa, cum ex veritate subalternantis
colligatur veritas subalternatae, et ex falsitate huius, illius falsitas.

70 Nota do paragrafo: Duplex materia modalium/ Materia praecipua modalium est necessaria vel
impossibilis.

180
Livro III das Instituições Dialéticas

vez lhe não convenha não pode concordar com o mesmo, segue-se que toda a
relação do modo ao dito é ou de predicado necessário ou impossível, e assim
a matéria principal das modais ou é necessária ou impossível, mas nenhuma
[é) contingente. Desta como que raiz, nasce aquilo que pouco acima dissemos:
toda a enunciação modal é necessária ou impossível.
Até aqui falamos da qualidade, da quantidade e da matéria das modais.
Falemos agora da mútua relação entre elas, isto é, da sua oposição, equipolência
e conversão. Mas, para tratarmos dos dois primeiros capítulos, devem omitir-
se neste lugar as modais de contingente, explicado até aqui, ou (o que é o
mesmo) propriamente dito, para que não vá a sua irregularidade perturbar
o nosso trabalho. De fato, a sua natureza e condição são tão variadas que a
custo obedecem a alguma lei de oposição ou equipolência conjuntamente com
as outras modais. Porém, visto que Aristóteles,173 ao tratar da oposição e da
equipolência das modais, alude às enunciações de contingente tomado em sentido
impróprio, como se valesse o mesmo que o possível, nós também, para que não
pareça haver alguma discordância, ainda mesmo na aparência, entre este e o
tratado aristotélico, usaremos as mesmas enunciações na mesma significação
imprópria. Embora o assunto devesse, quando muito, ser mencionado em
atenção aos interesses dos espíritos ainda imaturos (o que fizemos na primeira
edição), seria de maior utilidade que nenhuma menção delas se fizesse neste
estudo.

Capítulo XI - Da oposição das modais


Para tratar, pois, da oposição das modais, deve primeiro estabelecer-se:
que se notam neste gênero de enunciações tantas formas de oposições quantas
se veem nas absolutas, a saber: contrária, subcontrária e contraditória, e até
aquela espécie imprópria de oposição que se diz existir entre as subalternadas,
acerca da qual se deve discorrer ao mesmo tempo pela razão de que o seu
tratamento está conexo com o tratamento das opostas e não pouco concorre
para a explicação daquelas.
Deve ainda admitir-se: que convêm às modais as mesmas leis que se
estabelecem acerca da oposição das absolutas. Com efeito, nem as contrárias
modais podem ser ao mesmo tempo verdadeiras, se são constituídas com
exatidão; nem as subcontrárias simultaneamente falsas; nem as contraditórias
ao mesmo tempo verdadeiras ou ao mesmo tempo falsas; nem pode acontecer
que, existindo uma subalternante verdadeira, seja falsa a subalternada, uma
vez que da verdade da subalternante se deduz a verdade da subalternada, e da
falsidade desta, a falsidade daquela.

173 Da Interpretação, II, capítulo 39.

181
Pedro da Fonseca

Illud denique observandum est, etsi Modales oppositae aut constant


modo eiusdem appellationis, ut Necesse est Socratem sedere, Non necesse est
Socratem sedere: aut diversae, ut Possibile est Socratem sedere. Impossibile est
Socratem non sedere. Satis tamen fore si in modalium oppositione tractanda
de iis tantum disseramus, quae sunt eiusdem appellationis. Harum enim
oppositione explicata, facile erit ex equipollentia omnium modalium inter se
(de qua secundo loco agendum est) intelligere oppositionem earum, quae sunt
diversae appellationis, ut infra patebit. Hac igitur de causa de sola oppositione
modalium eiusdem appellationis disserendum est, ita tamen ut prius explicetur
oppositio earum, quae constant dicto singulari hoc est subiecti singularis,
deinde earum, quae constant dicto communi sive subiecti communis, quae plus
habent difficultatis.?"

Contrariae igitur ex dicto singulari sunt, quae constant modo codem


universali, et dictis contradicentibus: ut Necesse est Socratem sedere, Necesse
est Socratem non sedere: item Non possibile est Socratem sedere, Non possibile
est Socratem non sedere, Non contingens est Socratem sedere, impossibile
est Socrates non sedere; item, Impossibile es Socratem sedere, Impossibile est
Socratem non sedere.

Subcontrariae sunt quae constant modo eodem particulari, et dictis


contradicentibus: ut Possibile est Socratem sedere, Possibile est Socratem non
sedere, Contingens est Socratem sedere, Contingens est Socratem non sedere;
item Non necesse est Socratem sedere, Non necesse est Socratem non sedere:
Non impossibile, et catera.

Contradicentessunt, quae constanteodem dicto, et modis contradicentibus:


ut Necesse est Socratem sedere, Non necesse est Socratem sedere: Possibile est
Socratem non sedere, Non possibile est Socratem non sedere: et sic in cateris.

Subalternae sunt, quae constant et modis, et dictis contradicentibus:


ut Necesse est Socratem esse hominem, Non necesse est Socratem non esse
hominem: Non possibile est Socratem sedere, Possibile est Socratem non
sedere: Non contingens est Socratem sedere, Contingens est Socratem non
sedere; Impossibile est Socratem esse hominem, Non impossibile est Socratem
non esse hominem.?

71 Nota do paragrafo: Duo genera oppositarum modalium. / De oppositione modalium, ex dicto


singulari.

quac parota do pugilia ham emo conti es humodo copertunire rati, dici, subalte ado
reliquarum, quas practermismus, eaedem sunt quae absolutarum. Nam contrariae simul verae esse non

182
Livro III das Instituições Dialéticas

Finalmente, deve observar-se que, embora as modais opostas constem


ou de modo da mesma denominação, como: é necessário que Sócrates esteja
sentado, não é necessário que Sócrates esteja sentado; ou de [denominação]
diversa, como: é possível que Sócrates esteja sentado, é impossível que
Sócrates esteja sentado —, bastar-nos-á, todavia, ao tratar da oposição das
modais, discorrer apenas acerca daquelas que são da mesma denominação.
Efetivamente, explicada a oposição destas, será fácil, a partir da equipolência
de todas as modais entre si (de que se deve tratar em segundo lugar), entender
a oposição das que são de diversa denominação, como adiante'74 se verá com
clareza. Por este motivo, pois, vai discorrer-se só acerca da oposição das modais
da mesma denominação; mas de tal modo, que se explique primeiro a oposição
das que constam de dito singular, isto é, das de sujeito singular, depois das que
constam de dito comum ou das de sujeito comum, as quais oferecem maior
dificuldade.
Contrárias de dito singular são, pois, as que constam do mesmo modo
universal e de ditos contraditórios, como: é necessário que Sócrates esteja
sentado, é necessário que Sócrates não esteja sentado; não é possível que
Sócrates esteja sentado, não é possível que Sócrates não esteja sentado; não
é contingente que Sócrates esteja sentado, não é contingente que Sócrates
não esteja sentado; é impossível que Sócrates esteja sentado, é impossível que
Sócrates não esteja sentado.
Subcontrárias são as que constam do mesmo modo particular e de
ditos contraditórios, como: é possível que Sócrates esteja sentado, é possível
que Sócrates não esteja sentado; é contingente que Sócrates esteja sentado,
é contingente que Sócrates não esteja sentado; não é necessário que Sócrates
esteja sentado, não é necessário que Sócrates não esteja sentado; não é
impossível, etc.
Contraditórias são as que constam do mesmo dito e de modos
contraditórios, como: é necessário que Sócrates esteja sentado, não é necessário
que Sócrates esteja sentado; é possível que Sócrates não esteja sentado, não é
possível que Sócrates não esteja sentado; e assim nas restantes.
Subalternas são as que constam de modos e ditos contraditórios, como:
é necessário que Sócrates seja homem, não é necessário que Sócrates não seja
homem; não é possível que Sócrates esteja sentado, é possível que Sócrates não
esteja sentado; não é contingente que Sócrates esteja sentado, é contingente
que Sócrates não esteja sentado; é impossível que Sócrates seja homem, não é
impossível que Sócrates não seja homem.

174 Cap. 12.

183
Pedro da Fonseca

Descriptio oppositarum dicti singularis


Ex necessario
Subalternans Subalternans
Necesse est Socratem sedere. Contrariae Necesse est Socratem non
sedere.

Subalternae

Cont
Subalternae

Non necesse est Socratem, Subcontrariae Non necesse est Socrates


non sedere. sedere.
Subalternata Subalternata

Ex possibili
Subalternans Subalternans
Non possibile est Socratem Contrariae Non possibile est Socratem
sedere. non sedere.

Subalternae

Subcontrariae Possibile est Socratem sedere.


Possibile est Socratem non
sedere.
Subalternata Subalternata

possunt, sed tamen nonnullae sunt simul falsae contra vero subcontrariae simul falsae nunquam sunt,

autem, si subalternata est, falsa, subalternans etiam falsa est, non si illa vera, haec vera. Quae omnia patent
in propositis exemplis. Sed ut haec melius teneas, hanc aspice figuram enunciationum ex necessario: quae
ex modalibus etiam reliquorum generum confici potest.

184
Livro III das Instituições Dialéticas

Descrição das opostas de dito singular


De necessário
Subalternante Subalternante
É necessário que Sócrates Contrárias É necessário que Sócrates
esteja sentado. não esteja sentado.

Subalternas

Não é necessário que Sócrates Contrárias Não é necessário que Sócrates


não esteja sentado. esteja sentado.
Subalternada Subalternada

De possível
Subalternante Subalternante
Não é possível que Sócrates Contrárias Não é possível que Sócrates
esteja sentado. não esteja sentado.

Cara,

Subalternas Subalternas

É possível que Sócrates não Contrárias


É possivel que Sócrates esteja
esteja sentado. sentado.
Subalternada Subalternada

185
Pedro da Fonseca

Ex contingenti
Subalternans Subalternans
Non contingens est Socratem Non contingens est Socratem
Contrariae
sedere. non sedere.

Subalternae Subalternae

Contingens est Socratem non


Subcontrariae Contingens est Socratem
sedere. sedere.
Subalternata Subalternata

Ex impossibili

Subalternans Subalternans
Impossibile est Socratem Contrariae Impossibile est Socratem non
sedere. sedere.

Subalternae
Subalternae

Subcontrariae Non impossibile est


Non impossibile est
Socratem non sedere. Socratem sedere.
Subalternata Subalternata

186
Livro III das Instituições Dialéticas

De Contingente
Subalternante
Subalternante
Não é contingente que
Contrárias Não é contingente que
Sócrates esteja sentado.
Sócrates não esteja sentado.

Subalternas Subalternas

É contingente que Sócrates Contrárias É contingente que Sócrates


não esteja sentado. esteja sentado.
Subalternada Subalternada

De Impossível
Subalternante
É impossível que Sócrates Subalternante
esteja sentado. Contrárias É impossível que Sócrates
não esteja sentado.

Subalternas

come
Subalternas

Não é impossível que Contrárias Não é impossível que


Sócrates não esteja sentado. Sócrates esteja sentado.
Subalternada Subalternada

187
Pedro da Fonseca

Oppositio autem earum, quae constant dicto communi,doubus brevissimis


documentis, quae tamen longiorem exercitationem requirunt, explicari potest.
Alterum quod ad modos spectat, huiusmodi est. Contrariae modales ex dicto
communi constare debent modo eodem universali: subcontrariae, eodem
particulari: contradicentes, et subalternae, modis contradicentibus. Alterum,
quod pertinet ad dicta, sic habet. Contrariae, subcontrariae, et subalternae, si
ex necessario fuerint, constare debeunt dictis contradicentibus, aut contrariis:
si vero ex possibili, aut contingent, aut imposibili, opus est ut constent dictis
contradicentibus, aut subcontrariis: contradicentes denique idem omnino
dictum habeant necesse est.

Descriptio oppositarum dicti communis ex necessario


1
Necesse est omnem hominem Contrariae
2
Necesse est aliquem
esse animal. hominem non esse animal.

Subalternae

3 Subcontrariae
4
Non necesse est aliquem Non necesse est omnem
hominem non esse animal. hominem esse animal.

Item
1
Necesse est omnem hominem esse Necesse est nullum hominem esse
animal. animal.
3
Non necesse est nullum hominem esse
4
Non necesse est omnem hominem esse
animal. animal.

188
Livro III das Instituições Dialéticas

Entretanto, a oposição das que constam de dito comum pode explicar-


se por duas brevíssimas regras, as quais, todavia, requerem uma exercitação
bastante longa. A primeira, que diz respeito aos modos, é deste teor: as
contrárias modais de dito comum devem constar do mesmo modo universal; as
subcontrárias, do mesmo [modo] particular; as contraditórias e as subalternas,
de modos contraditórios. A segunda, que diz respeito aos ditos, enuncia-se
assim: as contrárias, as subcontrárias e as subalternas, se forem de necessário,
devem constar de ditos contraditórios, ou contrários; se [forem] de possível
ou de contingente ou de impossível, é necessário que constem de ditos
contraditórios ou subcontrários; as contraditórias, finalmente, devem ter
absolutamente o mesmo dito.

Descrição das opostas de dito comum


1 2
É necessário que todo o Contrárias É necessário que algum
homem seja animal. homem não seja animal.

3
Não é necessário que algum
Subcontrárias
4
Não é necessário que todo o
homem não seja animal. homem seja animal.

Do mesmo modo
1
É necessário que todo o homem
2
É necessário que nenhum

3
seja animal. homem seja animal.

Não é necessário que nenhum


4
Não é necessário que todo o
homem seja animal. homem seja animal.

189
Pedro da Fonseca

Ex possibili
1 2
Non possibile est omnem hominem esse Non possibile est aliquem hominem
animal. non esse animal.
3
Possibile est aliquem hominem non esse Possibile est omnem hominem esse
animal. animal.

Item
2
Non possibile est aliquem hominem Non possibile est aliquem hominem
esse animal. non esse animal.
3
Possibile est aliquem hominem non esse
4
Possibile est aliquem hominem esse
animal. animal.

Ex contingenti
1 2
Non contingens est omnem ominem Non contingens est aliquem hominem
esse animal. non esse animal.
3 4
Contingens est aliquem hominem non Contingens est omnem hominem esse
esse animal. animal.

Item
1 2
Non contingens est aliquem hominem Non contingens est aliquem hominem
esse animal. non esse animal.
3
Contingens est aliquem hominem non
4
Contingens est aliquem hominem esse
esse animal. animal.

190
Livro III das Instituições Dialéticas

De possível

Não é possível que todo o homem seja Não é possível que algum homem não
animal. seja animal.
4
É possível que todo o homem seja
É possível que algum homem não seja
animal. animal.

Do mesmo modo
1 2
Não é possível que algum homem seja Não é possível que algum homem não seja
animal. animal.
3
É possível que algum homem não seja
4
É possível que algum homem seja
animal. animal.

De contingente
1
Não é contingente que todo o homem
2
Não é contingente que algum homem
seja animal. não seja animal.

É contingente que algum homem não É contingente que todo o homem seja
seja animal. animal.

Do mesmo modo

Não é contingente que algum homem


2
Não é contingente que algum homem
seja animal. não seja animal.
3
É contingente que algum homem não É contingente que algum homem seja
seja animal. animal.

191
Pedro da Fonseca

Ex impossibili
1
Impossibile est omnem hominem esse
2
Impossibile est aliquem hominem non
animal. esse animal.
3
Non impossibile est aliquem hominem Non impossibile est omnem hominem
non esse animal. esse animal.

Item
2
Impossibile est aliquem hominem esse Impossibile est aliquem hominem non
animal. esse animal.
3
Non impossibile est aliquem hominem Non impossibile est aliquem hominem
non esse animal. esse animal.

Si quis autem contra prescriptum posterioris documenti dixerit


contrarias, aut subcontrarias, aut sualternas, si ex necessario sint posse constare
dictis subcontrariis, si vero sint ex possibili, aut contingenti, aut impossibili
posse constare dictis contrarriis contradicentes autem alicuius modi posse
constare dictis contrariis, aut subalterinis, facile veterani Dialectici (quibus
haec ne longior sim examinanda relinquo) invenient contrarias simul veras,
subcontrarias simul falsas, subalternantem veram, et subalternatam falsam, ac
demum contradicentes simul veras, et simul falsas: quae omnia pugnant cum
conditionibus oppositarum enunciationum. Sumptis enim vel his tantum
duobus verbis Animal, Homo, haec omnia facile cernuntur. In contrariis
quidem ex necessario hoc modo, Necesse est aliquod animal esse hominem:
Necesse est aliquod animal non esse hominem, quae sunt simul verae. In
subcontrariis autem hoc modo, Non necesse est aliquod animal esse hominem,
Non ncesse est aliquod animal non esse hominem, quae sunt simul falsae.
Denique in subalternis hoc pacto, Necesse est aliquod animal esse hominem,
Non necesse est aliquod animal non esse hominem, quarum prior, quae
ponitur subalternans est vera, posterior autem, quae ponitur subalternata, esta
falsa Quod idem facile est persequi in cateris, modo in exemplis modalium,
contradicentium, interdum homo fit subiectum dicti, et animal praedicatum,
interdum e contrario.?3

73 Haec duo posteriora exempla inservient modalibus ex impossibili, dummodo illud observes, ut
loco modi Non possibile ponas Impossibile, et loco modi Possibile ponas Non impossibile. Haec obiter
provectis dixerim.

192
Livro III das Instituições Dialéticas

De impossível
2
É impossível que todo o homem seja É impossível que algum homem não
animal. seja animal.
3
Não é impossível que algum homem
4
Não é impossível que todo o homem
não seja animal. seja animal.

Do mesmo modo
1
É impossível que algum homem seja É impossível que algum homem não
animal. seja animal.
3 4
Não é impossível que algum homem Não é impossível que algum homem
não seja animal. seja animal.

Se, porém, alguém disser, contra o estabelecido na segunda regra, que


as contrárias, as subcontrárias ou as subalternas, se forem de necessário, podem
constar de ditos subcontrários, mas se forem de possível, de contingente ou de
impossível, podem constar de ditos contrários, que as contraditórias de algum
modo podem constar de ditos contrários ou subalternos, facilmente os dialéticos
veteranos (para me não alongar deixo que estas coisas sejam examinadas por
eles) encontrarão contrárias simultaneamente verdadeiras, subcontrárias
simultaneamente falsas, subalternante verdadeira e subalternada falsa e,
finalmente, contraditórias simultaneamente verdadeiras e simultaneamente
falsas. Ora tudo isto vai contra as condições das enunciações opostas. Tomando-
se, com efeito, só estas duas palavras — animal, homem — tudo isto se vê
facilmente. Assim nas contrárias de necessário: é necessário que algum animal
seja homem, é necessário que algum animal não seja homem, as quais são
simultaneamente verdadeiras. Nas subcontrárias neste modo: não é necessário
que algum animal seja homem, não necessário que algum animal não seja
homem, as quais são simultaneamente falsas. Finalmente, nas subalternas
assim postas: é necessário que algum animal seja homem, não é necessário
que algum animal não seja homem, das quais a primeira, que se põe como
subalternante, é verdadeira, a segunda, porém, que se põe como subalternada,
é falsa. É fácil verificar isto mesmo nas restantes, contanto que, nos exemplos
das modais contraditórias, se faça umas vezes homem sujeito do dito e animal
predicado, mas por vezes ao contrário.

193
Pedro da Fonseca

Qua propter cum de oppositionibus modalium eiusdem generis, seu


quae constant modo eiusdem appellationis satis superque dictum sit, iam ad
aequipollentiam omnium inter se veniamus.

Caput XII - De aequipollentia modalium enunciationum


Ut modales fiant aequipollentes duo documenta sunt satis. Alterum, ut
modi omnium sint ciusdem quantitatis, hoc est, ut omnes sint universales, aut
omnes particulares. Alterum, ut dicta enunciationum ex possibili, et impossibili
sint eadem inter se, contradicant autem dictis enunciationum ex necessario.
Haec si observaveris nullo negotio invenies aequipollentes cuiusque modalis.
Exempla perspice in subiectis decriptionibus.74

Aequipollentes ex dicto singulari

Prima Tabella
Ar Necesse est Socratem esse hominem.
Non possibile est Socratem non esse hominem.
tu Non contingens est Socratem non esse hominem.
Impossibile est Socratem non esse hominem.

Secunda
Necesse est Socratem non esse hominem.
Non possibile est Socratem esse hominem.
ri
Non contingens est Socratem esse hominem.
ca Impossibile est Socratem esse hominem.

Tertia
Sunt Non necesse est Socratem non esse hominem.
Possibile est Socratem esse hominem.
Contingens est Socratem esse hominem.
ta
vi Non impossibile est Socratem esse hominem.

74 Nota do paragrafo: Primum documentum. / Secundum.

194
Livro III das Instituições Dialéticas

Visto que dissemos o suficiente e mais que [o suficiente] acerca das


oposições das modais do mesmo gênero, ou seja, daquelas que constam de
modo da mesma denominação, segue-se que vamos passar à equipolência de
todas elas entre si.

Capítulo XII - Da Equipolência das enunciações modais


Para tomar equipolentes as modais, duas regras bastam. Primeira, que os
modos de todas sejam da mesma quantidade, isto é, que todas sejam universais

imposive seriam aten es na se na fue dam unciais de dos diles


das enunciações de necessário. Se se observar isto, sem dificuldade alguma
se encontrarão as equipolentes de qualquer modal. Vejam-se exemplos nas
descrições feitas abaixo.

Equipolentes de dito singular

Primeira tabela
Ar É necessário que Sócrates seja homem.
gu Não é possível que Sócrates não seja homem.
tu Não é contingente que Sócrates não seja homem.
le É impossível que Sócrates não seja homem.

Segunda
Ve É necessário que Sócrates não seja homem.
Não é possível que Sócrates seja homem.
di Não é contingente que Sócrates seja homem.
ca É impossível que Sócrates seja homem.

Terceira
Sunt Não é necessário que Sócrates não seja homem.
a É possível que Sócrates seja homem.
ta É contingente que Sócrates seja homem.
vi Não é impossível que Sócrates seja homem.

195
Pedro da Fonseca

Quarta
Qui Non necesse est Socratem esse hominem.
re Possibile est Socratem non esse hominem.
fe Contingens est Socratem non esse hominem.
runt Non impossibile est Socratem non esse hominem.

Omnes enunciationes, quas cernis in quavis eadem tabella, sunt


aequipollentes, ut duobus traditis documentis continetur.

Aequipollentes ex dicto communi


1
Ar Necesse est omnem hominem esse animal.

gu Non possibile est aliquem hominem non esse animal.


tu Non contingens est aliquem hominem non esse animal.
Impossibile est aliquem hominem non esse animal.

2
Necesse est nullum hominem esse animal.
ri Non possibile est aliquem hominem esse animal.
di Non contingens est aliquem hominem non esse animal.
ca Impossibile est aliquem hominem esse animal.

3
Sunt Non necesse est nullum hominem esse animal.
Possibile est aliquem hominem esse animal.
a
ta Contingens est aliquem hominem non esse animal.
vi Non impossibile est aliquem hominem esse animal.

4
Qui Non necesse est omnem hominem esse animal.
Possibile est aliquem hominem non esse animal.
fe Contingens est aliquem hominem non esse animal.
runt Non impossibile est aliquem hominem esse animal.

196
Livro III das Instituições Dialéticas

Quarta
Qui Não é necessário que Sócrates seja homem.
re É possível que Sócrates não seja homem.
fe É contingente que Sócrates não seja homem.
runt Não é impossível que Sócrates não seja homem.

Todas as enunciações que se veem numa mesma tabela, qualquer que ela
seja, são equipolentes, como se estabelece nas duas regras citadas.

Equipolentes de dito comum


1
Ar É necessário que todo o homem seja animal.
gu Não é possível que algum homem não seja animal.
tu Não é contingente que algum homem não seja animal.
É impossível que algum homem não seja animal.

2
Ve É necessário que nenhum homem seja animal.
ri Não é possível que algum homem seja animal.
di Não é contingente que algum homem não seja animal.
ca É impossível que algum homem seja animal.

3
Sunt Não é necessário que nenhum homem seja animal.
a É possível que algum homem seja animal.
ta É contingente que algum homem, não seja animal.
Não é impossível que algum homem seja animal.

4
Qui Não é necessário que todo o homem seja animal.
re É possível que algum homem não seja animal.
fe É contingente que algum homem não seja animal.
runt Não é impossível que algum homem não seja animal.

197
Pedro da Fonseca

Omnes itidem, quae in unaquaque tabella huius descriptionis continentur


aequipollentes sunt, ut eadem documenta docent.
Quibus ita constitutis, si tenes ea, quae de oppositione, et (ut ita loquar)
de subalternatione modalium eiusdem generis dicta sunt, facile intelliges
oppositionem, et subalternationem earum, quae sunt diversorum generum.
Nam cum ex supradictis pateat, enunciationes ex necessario, quae primum locum
obtinent in qualibet tabella, ita esse affectas inter sese, ut prima et tertia sint
contrariae, secunda et quarta subcontrariae, prima vero contradicat quartae, et
secunda tertiae, ac denique prima sit subalternans tertiae, et secunda quartae
nunc autem docuerimus omnes, quae in eadem tabella sunt, esse equipollentes:
necessario efficitur, ut omnes, quae sunt in prima, sint contrariae omnibus,
quae sunt in secunda, et omnes quae sunt in tertia sint subcontrariae omnibus,
quae sunt in quarta, itemque ut tota prima tabella contradicat toti quartae, ac
tota secunda toti tertiae, denique ut tota prima sit subalternans totius tertiae,
et tota secunda totius quartae.

Quo comperto, si quis abs te petierit enunciationem aliquam contrariam


illi primae, Necesse est Socratem esse hominem, facile poteris tres contrarias
assignare, hanc nimirum eiusdem generis, Necesse est Socratem non esse hominem,
et alias duas reliquorum generum huic equipollentes, utpote, Non possibile
est Socratem esse hominem, Impossibile est Socratem esse hominem. Id quod haud
magno labore facies in reliquis.

Sed forte aliquis succensebit nobis, quod non videamur in hac re


Aristotelem sectari. Ille enim non ex tribus tantum enunciationibus, sed ex
quattuor singulas tabellas confecit, additis nimirum modalibus ex contingenti
eadem significatione accepto, qua possibile a nobis hactenus explicatum
et acceptum est. Atque insuper alium ordinem in descriptione tenuit. Nam
praeter quam quod modales ex necessario extremo loco in omnibus tabellis
describendis posuit, priores etiam duas tabellas ex enunciationibus modorum
particularium coegit, posteriores ex iis, quae constant modis universalibus:
quod totum nos contrafecimus. Verum si animadvertas non pugnamus hac
re cum Aristotele. Fecimus enim potius ternarios, quam quaternarios, quia
cum enunciationes ex contingenti, quas Aristoteles adiunxit, non differant ab
enunciationibus ex possibili (ut eo loco sumitur contingens) accommodatior
ad novitios Dialecticos, qui omnem multiplicitatem devitant, erit doctrina,
si confectis ternariis genus illud enunciationum praeter mittatur. Cur autem
ordinem enunciationum, et tabellarum commutaverimus Aristoteles ipse in
causa fuit. Nam cum ille descriptiones equipollentium modalium eo ordine,

198
Livro III das Instituições Dialéticas

Igualmente, todas as que se contêm em cada tabela desta descrição são


equipolentes, como ensinam as mesmas regras.
Uma vez assim constituídas estas, se se retém aquilo que se disse da
oposição e (por assim dizer) da subalternação das modais do mesmo gênero,
facilmente se entenderá a oposição e a subalternação das que são de diversos
gêneros. Com efeito, sendo evidente, pelo que acima se disse, que as enunciações
de necessário, que ocupam o primeiro lugar em qualquer tabela, estão de tal
maneira relacionadas entre si que a primeira e a segunda são contrárias, a
terceira e a quarta subcontrárias, que a primeira contradiz a quarta, e a segunda
a terceira, e finalmente que a primeira é subalternante da terceira, e a segunda
da quarta; tendo nós agora acabado de ensinar que todas as que estão na
mesma tabela são equipolentes, segue-se necessariamente que todas as que
estão na primeira são contrárias a todas as que estão na segunda, e todas as que
estão na terceira são subcontrárias a todas as que estão na quarta. Igualmente
[se segue] que toda a primeira tabela contradiz toda a quarta, e toda a segunda
toda a terceira; e, por fim, que toda a primeira é subalternante de toda a terceira
e toda a segunda de toda a quarta.
Sabido isto, se alguém pedir alguma enunciação contrária à primeira,
é necessário que Sócrates seja homem, facilmente se poderão indicar quatro
contrárias: a seguinte do mesmo gênero — é necessário que Sócrates não seja
homem — e as outras três dos restantes gêneros equipolentes a esta, tais como:
não é possível que Sócrates seja homem, não é contingente que Sócrates seja homem,
é impossível que Sócrates seja homem. Isto se fará nas restantes, sem qualquer
dificuldade.
Mas talvez alguém nos censure por lhe parecer que não seguimos nisto
a Aristóteles. 175 E que ele seguiu uma ordem muito diferente na descrição
das tabelas. Com efeito, além de ter posto as modais de necessário em último
lugar em todas as tabelas descritivas, reuniu ainda as primeiras duas tabelas das
enunciações dos modos particulares, e as segundas das que constam de modos
universais, tendo nós feito tudo isto ao contrário. Mas, se bem se ponderar,
neste ponto, não estamos em desacordo com Aristóteles. Com efeito, o próprio
Aristóteles é que deu motivo a que tenhamos mudado a ordem das enunciações
e das tabelas. De fato, como Aristóteles tivesse descrito os quadrados das
equipolentes segundo a ordem que mencionamos ao apresentá-la, advertiu,
no fim do tratado, que eles deviam ser corrigidos para os que foram por nós
ordenados. E, de fato, não sem razão, porquanto esta ordem, que observamos,
não só convém às naturezas das coisas, mas também corresponde otimamente
à descrição das enunciações absolutas, como será manifesto para quem preste
um pouco de atenção e confira esta descrição com a descrição das absolutas.

175 Da Interpretação, II, 3.

199
Pedro da Fonseca

quem obiiciendo commemoravimus, fecisset, tandem ad finem tractationis sic


cas, ut nos digessimus, corrigendas esse admonuit. Nec sane immerito, quippe
cum hic ordo, quem servavimus, et naturis rerum congruat, et descriptioni
absolutarum enunciationum optime respondeat.
Et quidem ut descriptio Aristotelica memoriae mandaretur,
excogitaverunt recentiores has quattuor dictiones, Amabimus, Edentuli, Iliace,
Purpurea, quae quattuor tabellis nondum emendatis dictionum numero, ac
ipso descriptionis ordine responderent, ita nimirum ut prima dictio significaret
primam tabellam, secunda secundam, reliquae reliquas codem ordine, itemque
ut prima vocalis cuiusque dictionis significaret modalem ex possibili, secunda
modalem ex contingenti, tertia, ex impossibili, quarta, ex necessario: Denique
ut vocalis A, signigicaret enunciationem affirmativam modi, et dicti: E,
affirmativam modi, et negativam dicti: I, negativam modi, et affirmativam
dicti: U, nefativam utriusque: quam vacalium significationem hoc versu
comprehenderunt:

E dictum negat I que modum, nihil A, sed U totum. Ut in hac descriptione


patet:
1
Possibile est aliquem hominem esse animal.
Ma Contingens est aliquem hominem esse animal.
Bi Non impossibile est aliquem hominem esse animal.
Mus Non necesse est nullum hominem esse animal

2
E Possibile est aliquem hominem non esse animal.
den Contingens est aliquem hominem non esse animal.
Non impossibile est aliquem hominem non esse animal.
li Non necesse est aliquem hominem esse animal.

3
Non possibile est aliquem hominem esse animal.
li Non contingens est aliquem hominem esse animal.
a Impossibile est aliquem hominem esse animal.
Necesse est nullum hominem esse animal.

200
Livro III das Instituições Dialéticas

Depois, para se fixar de memória a descrição aristotélica das modais, os


dialéticos modernos excogitaram estas quatro palavras: Amabimus, Edentuli,
Iliace, Purpurea, que correspondessem às tabelas ainda não emendadas por
ele quanto ao número das dicções e quanto à própria ordem da descrição, de
tal maneira que a primeira dicção significasse a primeira tabela, a segunda
a segunda, as restantes as restantes pela mesma ordem; do mesmo modo, a
primeira vogal de cada dicção significasse a modal de possível, a segunda a
modal de contingente, a terceira de impossível, a quarta de necessário; e, finalmente,
a vogal A significasse a enunciação afirmativa de modo e de dito, E a afirmativa
de modo e negativa de dito, I a negativa de modo e a afirmativa de dito, U a
negativa de um e de outro. Esta significação das vogais abrangeram-na neste
verso:
E nega o dito e I o modo; nada o A, mas tudo o U, como pode verificar-se
na seguinte descrição:
1
É possível que algum homem animal.
Ma É contingente que algum homem seja animal.
Bi Não é impossível que algum homem seja animal.
Mus Não é necessário que nenhum homem seja animal.

2
E É possível que algum homem não seja animal.
den É contingente que algum homem não seja animal.
tu Não é impossível que algum homem não seja animal.
li Não é necessário que algum homem seja animal.

3
Não é possível que algum homem seja animal.
li Não é contingente que algum homem seja animal.
É impossível que algum homem seja animal.
É necessário que nenhum homem seja animal.

201
Pedro da Fonseca

4
Pur Non possibile est aliquem hominem non esse animal.
pu Non contingens est aliquem hominem non esse animal.
Impossibile est aliquem hominem non esse animal.
a Necesse est omnem hominem esse animal.

Verum nos, cum cam potius descriptionem, quam Aristoteles ut


correctiorem magis approbavit, multis de causis amplectendam esse arbitremur,
alias dictiones necesse est afferamus, quae nostrae descriptioni congruant, ne
commoditas, quae ex huiusmodi vocum usu percipitur, Dialecticis adimatur.
Accipe igitur has, Argutule, Veridica, Sunt atavi, Qui referunt, quae facile usu
terentur, ac mollientur. Priores igitur duae designant tabellas contrarias, duae
posteriores subcontrarias, quae quidem eodem ordine sub tabellis contrarium
describendae sunt, ut descriptio omni ex parte respondeat descriptioni
absolutarum. In unaquaque autem tabella prima, vocalis designat modalem
ex necessario, secunda, modalem ex possibili, tertia, ex contingenti, quarta, ex
impossibili, servata interim veteri significatione earundem vocalium, quod
affirmationem, et negationem, ut ex superius positis descriptionibus intelliges.

Haec si teneas, facile admoneberis in unaquaque tabella utriusque


qualitatis aequipollentium, et modi scilicet, et dicti. Nam quod ad quantitatem
attinet, ad duo documenta initio capitis proposita recurrendum est.

Caput XIII - De conversione modalium enunciationum


lam vero conversio modalium, quae ab Aristotele tractatur (haec enim
una restat affectio, earum, quas proposuimus) non est commutatio extremorum
principalium enunciationis, ut scilicet modus, qui praedicatur de dicto, fiat
subiectum, et dictum praedicatum id enim efficere perfacile est nullaque
indiget arte) sed est commutatio corum extremorum quae indicto continentur,
manente modo eodem loco, servataque qualitate dicti, et veritate totius modalis:
Ut si dicas, Necesse est Socratem esse hominem, igitur, Necesse est hominem
esse Socratem: Etenim in hoc modalium formula, de qua non agimus (hoc
est, in qua modales per verba infinitiva efferuntur) numquam modus potest
esse subiectum, etiam si in principio orationis ponatur, ut hactenus factum
est. Semper enim verbalis copula intelligitur ex parte modi, quacunque ratione
partes orationis commutentur. Quo fit ut si qua commutatio principalium
extremorum modalis enunciationis (hoc est, modi, et dicti) fieri potest, ea

202
Livro III das Instituições Dialéticas

Pur
4
Não é possível que algum homem não seja animal.
pu Não é contingente que algum homem não seja animal.
re É impossível que algum homem não seja animal.
É necessário que todo o homem seja animal.

Porém, embora por muitas razões pensemos dever seguir-se de


preferência a descrição que Aristóteles aprovou como mais correta, temos
necessidade de apresentar outras dicções que convenham à nossa descrição,
para que a comodidade que se tira do uso de palavras deste gênero se não
subtraia aos dialéticos. Tomem-se, portanto, estas: Argutule, Veridica, Sunt atavi,
Qui referunt, que, com o uso, facilmente serão polidas e amaciadas. As duas
primeiras designam tabelas contrárias, as duas últimas subcontrárias, as quais,
todavia, devem ser descritas pela mesma ordem sob as tabelas das contrárias,
de modo que a descrição corresponda inteiramente à descrição das absolutas.
Em cada tabela, a primeira vogal designa a modal de necessário, a segunda a
modal de possível, a terceira de contingente, a quarta de impossível, conservando-
se, entretanto, a velha significação das mesmas vogais quanto à afirmação e
negação, como se compreenderá pelas descrições postas acima.
Se se retiver isto, facilmente se virão a conhecer em cada tabela ambas
as qualidades das equipolentes, a saber, do dito e do modo. Porquanto, o que
diz respeito à quantidade deve procurar-se nas duas regras apontadas no início
do capítulo.

Capítulo XIII - Da Conversão das Enunciações modais


Quanto à conversão das modais, que Aristóteles!76 tratou (na verdade
resta apenas esta propriedade das que propusemos), não é a troca dos extremos
principais da enunciação, de tal maneira que o modo que se predica do dito se
faça sujeito, e o dito predicado, mas é a troca dos extremos que estão contidos
no dito, conservando-se a qualidade do dito e a verdade de toda a modal, como
se se disser: é necessário que Sócrates seja homem, portanto, é necessário que
um homem seja Sócrates. Com efeito, nesta forma de modais de que agora
tratamos (isto é, naquela em que as modais se enunciam por meio de palavras
infinitivas), nunca o modo pode ser sujeito, mesmo que se ponha no princípio
da oração, como até aqui se fez. Efetivamente, a cópula verbal entende-se
sempre da parte do modo, mesmo que se mudem por qualquer razão as partes
da oração. Pelo que acontece que, se alguma troca dos extremos principais da
enunciação modal (isto é, do modo e do dito) se pode fazer, esta é apenas [uma
176 Primeiro Analíticos, 1, 3.

203
Pedro da Fonseca

nulla si alia, quam secundum orationis situm, quae tamen ut unicuique est in
promptu, ita nulla indiget arte.
Quod si quis dicat modales enunciationes sub ea formula spectandas esse
in conversione, qua dicta illarum voce aliqua demonstrantur, ut si dicas, Haec
enunciatio, Socrates est homo, est necessaria, occurrendum erit, illud modalium
genus sub genere absolutarum vere comprehendi, ut supradictum est,
propositamque enunciationem hoc pacto esse convertendam, Haec enunciatio,
Socrates est homo, est necessaria, igitur aliquod necessarium est haec enunciatio
Socrates est homo, quo pacto supra diximus singulares absolutas, quae aliquid
affirmant, esse convertendas. Ita patet conversionem modalium, de quibus hic
agimus, non esse commutationem principaliam extremorum enunciationis,
sed corum, quae in dicto continentur.

Quo igitur pacto modales convertantur, duobus documentis tradi


potest. Unum est, Modales ex necessario, et possibili affirmatis, quod
attinet ad conversionem simplicem, et per accidens (eam enim, quae fit per
contrapositionem, ut parum utilem omittimus) codem modo converti, quo
enunciationes absolutae reciprocantur. Nam universalis negativa, et particularis
affirmativa convertuntur simpliciter, ut Necesse est nullum hominem esse
lapidem, ergo, Necesse nullum lapidem esse hominem: Necesse est aliquod
animal esse album, ergo, necesse est aliquod album esse animal. Ambae autem
universales convertuntur per accidens, ut si dicas, Necesse est omnem hominem
esse animal, ergo, necesse est aliquod animal esse hominem, Necesse est nullum
hominem esse lapidem, ergo, necesse est aliquem lapidem non esse hominem.
Particularis denique non convertitur, quia datur conversa vera, et convertens
falsa, ut si dicas, Necesse est aliquod animal non esse hominem, ergo, necesse
est aliquem hominem non esse animal. Idem perspicies si loco modi Necesse,
posueris possibile. Nec vero opus est tradere conversiones aliarum modalium,
ut pote ex necessario et possibili negatis, et ex impossibili sive affirmato, sive
negato, quia cum in omnibus tabellis equipollentium, quarum descriptiones
paulo ante tradidimus, reperiatur aliqua enunciatio ex necessario, aut possibili
affirmato, qui harum reciprocationem tenuerit, nullo negotio intelliget in quas
reliquae convertantur.

204
Livro III das Instituições Dialéticas

troca] segundo a situação da oração, a qual, contudo, como é evidente para


todos, também não carece de arte nenhuma.
Mas, se alguém disser que as enunciações modais devem ser olhadas na
conversão, sob aquela forma pela qual os seus ditos se demonstram mediante
alguma voz, tal como se se disser: esta enunciação, Sócrates é homem, é necessária,
deverá responder-se que aquele gênero de modais está compreendido
verdadeiramente no gênero das absolutas, como ficou dito acima,'" e que a
enunciação proposta se deve converter deste modo: esta enunciação, Sócrates é
homem, é necessária, portanto, é algo necessário esta enunciação, Sócrates é homem.
Foi assim que, acima, dissemos que deviam converter-se as singulares absolutas,
que afirmam alguma coisa. Deste modo se torna claro que a conversão das
modais, de que tratamos aqui, não é a troca dos extremos principais da
enunciação, mas a daqueles que se contêm no dito.
Pode, portanto, ensinar-se, com duas regras, de que modo se convertem
as modais. A primeira, que diz respeito à conversão simples e por acidente
(omitimos, com efeito, a que se faz por contraposição, porque pouco útil) é esta:
as modais [de modo] necessário e possível afirmativas convertem-se do mesmo
modo por que se reciprocam as enunciações absolutas.178 Efetivamente, uma
universal negativa e uma particular afirmativa convertem-se simplesmente,
como: é necessário que nenhum homem seja pedra, portanto, é necessário que
nenhuma pedra seja homem: é necessário que algum animal seja branco, portanto,
é necessário que algum branco seja animal. Ambas [afirmativas e negativas] as
universais se convertem por acidente, como se se disser: é necessário que todo
o homem seja animal, portanto, é necessário que algum animal seja homem; é
necessário que nenhum homem seja pedra, portanto, é necessário que alguma
pedra não seja homem. A particular negativa, finalmente, por nenhum destes
dois modos se converte, porque se obtém uma convertida verdadeira e uma
convertente falsa, como se se disser: é necessário que algum animal não seja
homem, portanto, é necessário que algum homem não seja animal. O mesmo
se verificará se, no lugar do modo necessário, se puser possível. Não vale a pena
dar as conversões das modais, de [modos] necessário e possível negativos e de
[modo] impossível afirmativo ou negativo, porque, como em todas as tabelas
das equipolentes, cujas descrições demos um pouco antes, se descobre alguma
enunciação de necessário ou de possível afirmativo, quem retiver a reciprocação
destas, entende, sem qualquer dificuldade, em quais se convertem as restantes.
Mas o que se disse das modais de possível deve entender-se das modais de
contingente tomado impropriamente, que é o mesmo que possível.

177 Cap. 9.
178 Primeiros Analíticos, 1, 3.

205
Pedro da Fonseca

Atque id, quod dictum est de modalibus ex possibili intelligendum


est de modalibus ex contingenti improprie sumpto, quod idem est atque
possibile. Alterum documentum est, Enunciationes autem ex contingenti, quas
superius reliquimus, si afirmativae quidem sunt codem modo, quo absolutac,
convertuntur: ut si dicas, Contingens est omnem hominem, vel aliquem
hominem vigilare, ergo contingens est aliquod vigilans esse hominem: si vero
sunt negativae, non item. Nam particularis convertitur simpliciter, universalis
autem minime. Haec enim conversio bona est, Contingens est aliquem
hominem non esse album, ergo contingens est aliquod album non esse
hominem (nunquam enim in hac formula datur conversa vera et convertens
falsa) haec autem vitiosa, Contingens est nullum hominem esse album, ergo
contingens est nullum album esse hominem: conversa siquidem vera est, quia
quilibet homo potest esse albus, et non esse albus, convertens autem est falsa,
quia non quodlibet album potest esse, et non esse homo, quippe cum necesse
sit aliquod album, ut nivem, aut cygnum, non esse hominem.
Est et alia conversionis huic generi contingentium enunciationum propria
(hoc est, omnibus ac solis convenies) quam vicant In oppositam qualitatem. Ea
vero est cum ex afirmativis fiunt negative, et ex negativis affirmativae, nec
commutatis extremis, nec ullo pacto variata quantitate, ut si dicas Contingens
est omnem hominem vigilare, ergo contingens est nullum hominem vigilare,
et vicissim Contingens est nullum hominem vigilare ergo contingens est
omnem hominem vigilare: item Contingens est aliquem hominem vigilare,
ergo contingens est aliquem hominem non vigilare, et e contrario, contingens
est aliquem hominem non vigilare, et e contrario, Contingens est aliquem
hominem non vigilare, ergo contingens est aliquem hominem vigilare.

Sed multae sunt difficultates hac in re, quae postulant tum maiorem
auditorum inteligentiam, tum etiam longiorem tractatum, quam introductioni
conveniat. Restat ergo ut, quoniam enunciationes simplices utcumque
explicavimus, de coniunctis deinceps, quod satis videatur, dicamus. 75

Caput XIV - Quot sint genera coniunctarum enunciationum

Quid sit enunciatio coniuncta, quam posteriores Dialectici hypotheticam


fere vocant, iam supra a nobis dictum est. Quot vero ei sint subiecta genera,
quaeque sint singulorum generum affectiones, nunc docebimus. Coniunctio,

75 Nota do paragrafo: 1. prio. 3. / Conversio modalium, quae sit. / Conversio modalium ex necessario.
/ 1. prio. 3. / Cur aliarum modalium conversiones non tradantur. / Conversio contingentium ex. / 1. prio. 3.
/ In fin. ca. 11. / 1. prio. 16.

206
Livro III das Instituições Dialéticas

A segunda regra é esta: as enunciações de contingente tomado no sentido


próprio que atrás'" pusemos de parte, se são afirmativas, convertem-se do mesmo
modo que as absolutas, como se se disser: é contingente que todo o homem
ou algum homem esteja acordado, portanto, é contingente que algum acordado
seja homem; mas, se são negativas, não acontece o mesmo.181 Na verdade, a
particular converte-se simplesmente, mas a universal não. Com efeito, é boa
esta conversão: é contingente que algum homem não seja branco, portanto, é
contingente que algum branco não seja homem (nunca, de fato, nesta fórmula
há a convertida verdadeira, e a convertente falsa). É viciosa, porém, esta:182
é contingente que nenhum homem seja branco, portanto, é contingente que
nenhum branco seja homem. A convertida é, de fato, verdadeira, visto que
qualquer homem pode ser branco e não ser branco; a convertente, porém, é
falsa, visto que qualquer branco pode ser e não ser homem, como [sucede]
quando é necessário que algum branco, como a neve ou o cisne, não seja
homem.
Há ainda outra particularidade própria (isto é, conveniente a todas elas
e só a elas) deste gênero de conversão das enunciações contingentes, a que se
chama em qualidade oposta. Esta verifica-se, com efeito, quando das afirmativas
se fazem negativas e das negativas afirmativas, sem mudar os extremos nem de
nenhum modo variar a quantidade, como se se disser: é contingente que todo
o homem esteja acordado, portanto, é contingente que nenhum homem esteja
acordado; e, vice-versa, é contingente que nenhum homem esteja acordado,
portanto, é contingente que todo o homem esteja acordado. Do mesmo modo:
é contingente que algum homem esteja acordado, portanto, é contingente que
algum homem não esteja acordado, e, ao contrário, é contingente que algum
homem não esteja acordado, portanto, é contingente que algum homem esteja
acordado.
São muitas, porém, as dificuldades nesta matéria, as quais postulam
quer maior inteligência dos alunos, quer ainda uma exposição mais longa
do que convém a uma introdução. Visto que, em todo o caso, explicamos as
enunciações simples, resta, portanto, falarmos seguida- mente das conjuntas.

Capítulo XIV - Quantos São os Gêneros das Enunciações


Conjuntas
O que seja a enunciação conjunta, a que os Dialéticos posteriores
chamam ordinariamente hipotética, já o dissemos acima. 183 Mas, quantos sejam
179 No fim do cap. 11.
180 Primeiros Analíticos, 1, 3.
181 Aristóteles, no mesmo lugar.
182 Primeiros Analíticos, I, 16.
183 Cap. 13.

207
Pedro da Fonseca

quae formae est enunciationis coniunctae tribus modis comparari potest


cum simplicibus enunciationibus, quas connectit. Aut enim iungit carum
sententias, aut dividit. Si iungit, aut ordine consequutionis unius ex altera id
facit, ut videlicet posterior ex priori efficiatur: aut non habita ratione eiusmodi
ordinis. Si ordine consequutionis iungit sententias, vocatur conditionalis, ut si
sol lucet dies est: Si absque huiusmodi ordine, dicitur copulativa, ut Socrates
fuit philosophus, et fuit vir bonus. Si denique dividit sententias, disiunctiva
nuncupatur, ut aut dies est, aut nox est. Tria igitur sunt genera coniunctarum
enunciationum, Conditionalis, Copulativa, et Disiunctiva, quas Cicero
Connexum, Coniunctionem, et Disiunctionem nominat. Ac prima quidem iure
optimo dicitur hypothetica, quasi conditionalis, cum Hypothesis conditionem
significet, Tertia quoque non immerito a Boethio in numerum hypotheticarum
refertur. Nam ex apta, et propria disiunctiva licet facere conditionalem, ut si
ex illa, Aut dies est, aut nox est, hanc efficias, si dies est, nox non est, aut hanc,
si nox est, dies non est. Caeterum, cur secunda dicatur hypothetica, ego plane
non video, cum nec conditionalis sit, nec ex ea ulla conditionalis fieri possit.
Neque enim, quia vere dixisti, Socrates fuit philosophus, et vir etiam bonus
vere quoque dixeris, Si Socrates phylosophus fuit, vir bonus fuit, aut, si non fuit
philosophus, non fuit vir bonus, aut, si fuit philosophus, non fuit vir bonus, aut
si non fuit philosophus fuit vir bonus. Non est igitur cur hypothetica dicatur,
nisi forte quia alteri enunciationi simplici iam positae alteram adiungit. Haec
enim quasi suppositio Hypothesis nomine modo aliquo significari potest.
Qualitas essentialis enunciationum, quem affirmationem, et negationem
dicimus, his etiam omnibus communiter convenit, verum aliter, quam
simplicibus. Simplices enim dicuntur affirmativae et negativae quia earum
praedicata attribuuntur subiectis, aut ab eisdem removentur: at coniunctae
dicuntur affirmativae, quia coniunctiones affirmantur, hoc est, non negantur,
negativae quia negantur, sive praedicata simplicium, quas in se coercent, et
continent, affirmentur, sive negentur. Unde fit ut hae ambae sint affirmativac,
Si sol lucet dies est, Si sol non lucet non est dies: hae vero ambae negativae,
non si sol non lucet, nox non est. Non si sol lucet, nox est Id quod in caeteris
generibus facile perspicies. Fiunt autem huiusmodi enunciationes negativae
praefixa initio totius enunciationis negante particula, ut in primis duobus
exemplis cernis.
Iam qualitas accidentalis, quae in veritatis aut falsitatis significatione
consistit, non dubium est, quin coniunctis etiam conveniat: participant
siquidem naturam enunciationis, cuius ea communis qualitas est, ut verum, aut
falsum significet. Sunt itaque verae etiam, aut falsae atque adeo necessariae, aut
contingentes, aut impossibiles.

208
Livro III das Instituições Dialéticas

os gêneros sujeitos a ela e quais as propriedades de cada gênero, ensiná-lo-emos


agora. A conjunção, que é a forma da enunciação conjunta, pode estabelecer-
se de três modos com as enunciações simples que liga. Efetivamente, ou junta
as suas sentenças ou as divide. Se junta, ou o faz em ordem à consequência de
uma da outra, a saber, para a segunda se deduzir da primeira, ou não se tem
em conta tal ordem. Se junta as sentenças em ordem à consequência chama-se
condicional, como: se o sol brilha, é dia; se sem tal ordem, diz-se copulativa,
como: Sócrates foi filósofo e foi um homem bom; se, finalmente, divide as
sentenças, chama-se disjuntiva, como: ou é dia ou é noite. São, portanto, três
os gêneros das enunciações conjuntas'84 — condicional, copulativa e disjuntiva
- que Cícero'85 denomina conexão, conjunção e disjunção. A condicional,
na verdade, com todo o direito, se diz hipotética, já que hipótese significa,
primeiro que tudo, condição. A disjuntiva também é referida por Boécio,
não sem razão,186 no número das hipotéticas. Com efeito, é lícito fazer uma
condicional do principal gênero das disjuntivas, como se daquela — ou é dia
ou é noite — se fizer esta: se é dia, não é noite, ou esta: se é noite, não é
dia. De resto, nenhuma razão se vê por que a copulativa se diga hipotética, a
não ser talvez porque a uma enunciação simples já posta se ajunta outra (esta
quase suposição pode significar-se de algum modo pelo nome de hipótese),
ou certamente porque são copulativas que se deduzem de condicionais, como
se desta condicional: se Sócrates é homem, é animal, se tirar esta copulativa
negativa: não Sócrates é homem e não é animal.
A qualidade essencial das enunciações, que dizemos afirmação e
negação, convém também a todas estas comumente, mas de modo diferente
das simples. As simples, efetivamente, dizem-se afirmativas e negativas, porque
os seus predicados se atribuem aos sujeitos ou se removem dos mesmos; mas
as conjuntas dizem-se afirmativas porque as conjunções são afirmativas, isto é,
não se negam, e negativas porque se negam, quer se afirmem os predicados das
simples, que em si se encerram e se contêm, quer se neguem. De onde se infere
que ambas estas são afirmativas: se o sol brilha, é dia, se o sol não brilha não é
dia; mas ambas estas são negativas: não se o sol não brilha, não é noite, não se
o sol brilha, é noite. Facilmente se perceberá isto nos restantes gêneros. Fazem-
se, porém, tais enunciações negativas, prefixando-lhes a partícula negativa no
início de toda a enunciação, como se vê nos dois exemplos anteriores.
Já a qualidade acidental, que consiste na significação da verdade ou
da falsidade, não há dúvida de que também convém às conjuntas, pois elas
participam da natureza da enunciação, que tem como qualidade comum

184 Santo Tomás, Opúsculo 48, Da Enunciação, cap. 14.


185 Livro do Destino e nos Tópicos.
186 Do Silogismo Hipotéticos, 1.

209
Pedro da Fonseca

At vero si de quantitate sit questio, nullam penitus habent, ut nimirum


dicantur universales, aut particulares, aut indefinitae, aut singulares, propterea
quod non enunciant aliquid de aliquo, aut aliquibus, sed solum enunciationes,
quae id efficiunt, coniungunt. Haec si diligenter attendas, plane videbis nullius
oppositionis formam, praeterquam contradictoriae, coniunctis enunciationibus
convenire, quandoquidem omnis alia oppositio quantitatem aliquam ex forma
sua requirit.76

Caput XV - De conditionali enunciatione


Conditionalis enunciatio aut constat duabus simplicibus, ut Si sol lucet
dies est aut pluribus, ut Si sol lucet, et in nostro hemisphaerio lucet, dies est, et
apud nos est. Semper tamen duabus precipuis constat partibus, quarum altera
dicitur antecedens, ea videlicet, quae proxime sequitur coniunctionem Si,
altera consequens, que ex illa efficitur. Quae constat duabus simplicibus, (nam
reliquum genus, quia infinite augeri potest, omittimus) aut constat utraque
affirmativa, aut utraque negativa, aut antecendente affirmativa, et consequente
negativa, aut contra, ut, Si sol lucet dies est: Si sol non lucet non est dies: si dies

est, non est nox: Si dies non est, nox est. Quae complicationes ex simplicibus
affirmativis, et negativis, in copulativis etiam, et disiunctivis spectari possunt.

Quomodo autem cunque conditionales ex simplicibus conficiantur,


dicunt Dialectici eas posse esse veras, et si omnes simplices, ex quibus constant,
sint falsae, ut si dicas, Si homo habet alas, volare homo potest. Id quod proprium
ac peculiare in hoc enunciationum genere ex eo est, quod eius veritas in sola
consequutione consistit: quo fit ut si consequutio sit bona, et apta, enunciatio
ipsa sit vera, quocunque modo, quod ad veritatem, et falsitatem attinet, partes
se habeant. Hac de causa dici solet conditionalis nihil ponere, quia ut sit vera
nec antecedentis, nec consequentis veritatem requirit. Quae ex re illud etiam
Dialectici colligunt, omnes conditionales veras, esse necessarias, et omnes falsas,
impossibiles. Nam omnis bona consequutio est necessaria, ut aiunt, omnisque
vitiosa, impossibilis. Quod mihi non videtur usquequaque verum. Etenim non
modo multae conditionales ex futuris contingentibus probabiles censentur, ut
Si diligenter operam navaveris doctus evades, sed etiam ex praesenti tempore,
ut si dicas, Si qua mater est, diligit filium: quae enunciatio, cum inter veras
76 Nota do paragrafo: Cap. 3. / Triplex coniunctio. / Tria genera coniunctarum enunciationum, D
Tho. opu. 48. de enunciatione. c. 14. Lib. de Fato, et in top. / Hypothesis. 1. de syllogismo hypothe. / Num
copualtiva recte dicatur hypothe. / Qualitas coniunctarum enunciationum. / Af rmativae. / Negativae. /
Sunt verae. aut falsae: necessariae, aut contingentes, aut impossibiles. / Coniunctae enunciationes carent
quantitate. / Nullius oppositionis forma praeterquam contra dictoriae, coniunctis enunciationibus convenit.

210
fi
Livro III das Instituições Dialéticas

significar o verdadeiro ou o falso. São, portanto, também elas, verdadeiras ou


falsas e, além disso, necessárias ou contingentes ou impossíveis.
Mas, se se pretende atender à quantidade, não têm absolutamente
nenhuma, de modo a dizerem-se universais, ou particulares, ou indefinidas,
ou singulares, pois não enunciam algo de alguma ou de algumas coisas, mas só
juntam as enunciações que fazem isso. Têm, contudo, virtualmente, uma certa
quantidade universal ou particular, que mais abaixo187 explicaremos, quando
tratarmos da sua oposição.

Capítulo XV - Da Enunciação condicional


A enunciação condicional ou consta de duas simples, como: se o sol
brilha, é dia; ou de várias, como: se o sol brilha e brilha no nosso hemisfério,
é dia e está junto de nós. Consta sempre, porém, de duas partes principais,
das quais uma se diz antecedente, isto é, aquela que antecede proximamente
a conjunção se, e a outra, consequente, a qual se infere daquela. A que consta
de duas simples (pois omitimos o gênero restante, visto que se pode aumentar
infinitamente), ou consta de ambas elas afirmativas, ou de ambas negativas, ou
de antecedente afirmativa e de consequente negativa, ou ao contrário, como: se
o sol brilha é dia, se o sol não brilha não é dia; se é dia, não é noite; se não é dia,
é noite. Esta variedade de deduções de simples afirmativas e negativas também
se pode aplicar às copulativas e disjuntivas.
De qualquer modo, porém, que as condicionais se façam das simples,
dizem os Dialéticos que elas podem ser verdadeiras, mesmo que sejam falsas
todas as simples de que constam, como se se disser: se o homem tem asas,
o homem pode voar. O que há de próprio e de peculiar neste gênero de
enunciações é que a sua verdade consiste só na consequência, pelo que acontece
que, se a consequência é boa e apta, a própria enunciação é verdadeira, de
qualquer modo que se comportem as partes no que diz respeito à verdade e à
falsidade. Por este motivo, costumam dizer os dialéticos que a condicional nada
pôe, porque, para ser verdadeira, não requer a verdade nem do antecedente
nem do consequente. Daqui os Dialéticos deduzem também isto: todas as
condicionais verdadeiras são necessárias e todas as falsas são impossíveis.
Efetivamente, toda a boa consequência é necessária, como dizem, e toda a
viciosa, impossível. Isto nem sempre me parece verdadeiro. Com efeito, não
só são consideradas prováveis muitas condicionais de futuros contingentes,
tais como: se te entregares diligentemente ao estudo, tornar-te-ás douto; mas
também de tempo presente, como se se disser: se alguém é mãe, ama o filho,
enunciação esta que, embora se enumere entre as verdadeiras, não se põe num tal
187 Cap. 18.

211
Pedro da Fonseca

numeretur, non in co veritatis gradu ponitur, ut dicatur falsa esse non posse.
Non tantum ergo necessariae, et impossibiles enunciationes conditionales
reperiuntur, sed contingentes etiam. Nec vero omnis bona consequutio est
necessaria, sed quaedam etiam probabilis, ut post dicemus.
Ita patet quid requiratur ad veritatem conditionalium enunciationum.
Quod tamen intellege dictum de affirmativis, ex quibus nullo negotio veritas
negativarum colligitur. Nam cum in hoc genere semper affirmativae, et
negativae, quae sola affirmatione, et negatione coniunctionis discrepant, sint
contradicentes, si conditionalis afirmativa fuerit vera, erit negativa falsa, si
vero illa falsa fuerit, haec vera erit. Id quod etiam in copulativis, et disiunctivis,
observandum est.
Revocantur autem ad conditionales primum rationales, ut Sol lucet,
ergo dies est: Omnis homo est rationis particeps, et mente captus est homo,
igitur mente captus est rationis particeps. Deinde causales, ut Quia sol lucet,
dies est: Quia homo est ex elementis compositus, mori potest. Item illae,
quas vocant temporales, locales, et id genus aliae, ut Cum sol lucet dies est:
Ubi sol lucet dies est: Quo semel est imbuta recens servabit odorem testa
diu: Quibuscum vixeris, corum mores imitaberis: et caeterae huiusmodi.
Sed quod ad rationales, et causales attinet (aliae enim fere negliguntur) illud
advertendum est, ad veritatem rationalis, praeter bonam consequentiam,
requiri veritatem antecedentis: ad veritatem autem causalis, ultra haec duo,
opus esse, ut in antecedente sit vera causa consequentis: modo enunciatio
proprie causalis fit. Saepe enim in sensu rationalis usurpatur, ut si dicas, Quia
Socrates est homo, est animal, volens significare, ex eo quod Socrates est homo,
consequi ut sit animal. Ita fit ut hae rationales non sint verae, Socrates est
homo, ergo est philosophus: Socrates est lapis, ergo est sensus expers: prior
quia consequutio est vitiosa posterior, non quia vitiosa sit consequutio, cum sit
apta, et bona, sed quia antecedens non est verum. Fit etiam, ut hae sint falsae,
Quia sol lucet Socrates dormit: Quia sol est ignis, calefacere potest: Quia sol
deficit, luna interponitur inter nos et ipsum: prima, quia consequutio non est
bona: secunda, quia antecedens non est verum: tertia, quia in antecedente non
est causa consequentis, sed potius effectus. Quia enim luna interpositu suo
nobis tegit solem, iccirco sol apud non deficit, non autem quia deficit, ideo luna
interponitur. Haec vero, quae dicimus de diiudicanda veritate, intelligendum
est in affirmativis. Nam negantium veritas ex affirmativis colligi poterit. Cum
enim affirmativae, et negativae semper in hoc genere sint contradicentes, si
affirmativa fuerit vera, erit negativa falsa, si vero illa falsa fuerit, haec vera erit.
Id quod etiam in copulativis et disiunctivis observabis.?
77 Nota do paragrafo: Omnis conditionalis constat duabus partibus praecipuis. / Nota, pro copulativis
et disiunctivis. / Conditionalis est aliquando vera ex simplicibus falsis. / Veritas condicionalis in sola
consequutione consistit. / Conditionalis nihil ponit. / Num omnis conditionalis vera sit necessaria. /

212
Livro III das Instituições Dialéticas

grau de verdade, que se diga não poder ser falsa. Não só se observam, portanto,
enunciações condicionais necessárias e impossíveis, mas também contingentes.
Na verdade, nem toda a boa consequência é necessária, mas alguma é também
provável, como adiante188 diremos.
Assim se vê claramente o que se requer para a verdade das enunciações
condicionais. Entenda-se, porém, que isto foi dito das afirmativas, das quais
se colige a verdade das negativas sem nenhuma dificuldade. Com efeito,
como neste gênero são sempre contraditórias as afirmativas e negativas que
diferem só na afirmação e negação da conjunção, se a condicional afirmativa
for verdadeira, será a negativa falsa, mas se aquela for falsa, esta será verdadeira.
Isto deve observar-se também nas copulativas e disjuntivas.
Reduzem-se, porém, às condicionais primeiramente as racionais, como:
o sol brilha, logo é dia; todo o homem é dotado de razão, o demente é homem,
logo o demente é dotado de razão; depois, as causais, como: porque o sol brilha,
é dia; porque o homem é composto de elementos, pode morrer. Igualmente
[se reduzem às condicionais] aquelas a que se dá o nome de temporais, locais, e
outras deste gênero, como: quando o sol brilha, é dia, onde o sol brilha é dia;
aonde uma vez foi embebido um vaso [de barro] fresco, conservará o odor
durante muito tempo; imitarás os costumes daqueles com quem viveres; e as
restantes deste modo. Mas, no que diz respeito à verdade das racionais e das
causais (pois as outras quase se desprezam), deve advertir-se que para a verdade
da racional se requer, além da boa consequência, a verdade do antecedente e a
do consequente (que se segue daquela); para a verdade da causal, além destas
duas coisas, é necessário que no antecedente se encontre a verdadeira causa
do consequente, desde que a enunciação seja propriamente causal. Muitas
vezes, efetivamente, usa-se [uma enunciação] no sentido racional, como se se
disser: porque Sócrates é homem, é animal, querendo significar que, do fato de
Sócrates ser homem, se segue que é animal. Assim acontece que estas racionais
não são verdadeiras: Sócrates é homem, portanto é filósofo; Sócrates é pedra,
logo é desprovido de sentidos. A primeira porque é viciosa a consequência, a
segunda porque, embora a consequência seja apta e boa, todavia o antecedente
não é verdadeiro. Acontece também que estas são falsas: porque o sol brilha,
Sócrates dorme; porque o sol é fogo, pode aquecer; porque o Sol se eclipsa,
a Lua interpõe-se entre nós e ele. A primeira porque a consequência não é
boa; a segunda porque o antecedente não é verdadeiro; a terceira porque no
antecedente não está a causa do consequente, mas antes o efeito. Na verdade,
porque a Lua, com a sua interposição, nos oculta o Sol, é que o Sol se eclipsa
para nós, e não é porque o Sol se eclipsa que a Lua se interpõe.

188 Livro VI, cap. 4.

213
Pedro da Fonseca

Caput XVI - De copulativa enunciatione


Copulativa enunciatio non habet certum numerum partium principalium,
ut conditionalis, sed potest quotquot volveris principalibus constare, ut si dicas,
Socrates philosophus est, et bonus vir est, et Platonis magister, et catera.
Huius generis enunciatio vera esse non potest, nisi omnes simplices, ex
quibus constat, sint verae. Ex quo efficitur, ut data quacunque simplici falsa, ipsa
tota falsa iudicetur. Est item copulativa tum necessaria, tum contingens, tum etiam
impossibilis. Necessaria quidem si omnes cius partes sunt necessariae, ut Deus
est summum bonum, et peccatum est summum malum. Contingens autem, si
omnes partes sunt contingentes, aut earum aliqua, et nulla impossibilis, modo
partes ipsae inter se non pugnet. Ut Socrates est philosophus, et est vir bonus:
Deus est summum bonum, et Socrates est iustus. Nam si aliqua sit impossibilis,
aut ipsae inter se partes repugnent, non contingens, sed impossibilis iudicanda
erit, ut si dicas, Socrates est lapis, et Plato philosophatur: Socrates sedet, et
item deambulat. Impossibilis vero est, si vel aliqua pars est impossibilis, vel ipsae

inter se partes sunt repugnantes, ut patet in proximis exemplis.

Illud autem attendendum est hoc loco, etsi ad copulandas duas simplices
enunciationes una tantum copulativa coniunctio sufficiat, eleganter tamen, et
Plato audit. Dico autem non parum utiliter, propter negativas. Nec enim aeque
perspicue, et absque ambiguitate loquitur, qui negat propositam copulativam
hoc pacto, Non Socrates Loquitur, et Plato audit, atque is, qui hoc modo, Non
et Socrates loquitur, et Plato audit. Quod item in disiunctivis observandum est.

Revocantur porro ad copulativas adversativae enunciationes, ut Socrates


fuit philosophus, sed veram sapientiam fortasse non est assequutus, et aliae
similes. Quin etiam rationales ea ex parte ad copulativas revocantur, qua simul
ponunt antecedens, et consequens. Causales vero non tantum hac ratione,
sed etiam quatenus astruunt in antecedente contineri causam consequentis.
Imo vero rationales, et causales videntur quaedam copulativae conflatae saltem
ex singulis conditionalibus, et aliis quibusdam enunciationibus, ut inferius
patebit. Quanquam ideo revocari solent ad conditionales, quia magis prae se
ferunt forman carum conditionalium, quas ut precipuas partes includunt.
Item forsitam dicendum est de temporalibus, localibus, et similibus, quae supra
ad conditionales revocatae sunt.

Etiam contingentes conditionales reperiuntur. / Lib. 6. ca. 4. / Rationales revocantur ad conditionales. /


Temporales. locales, Etc. / Quid requiratur ad veritatem rationalis, et causalis. / Quo pacto di iudicanda sit
veritas in negativis coniunctis.

214
Livro III das Instituições Dialéticas

Capítulo XVI - Da enunciação copulativa


A enunciação copulativa não tem número certo de partes principais,
como a condicional, mas pode constar de quantas principais se quiser, como se
se disser: Sócrates é filósofo e é bom homem e mestre de Platão etc.
A enunciação deste gênero não pode ser verdadeira se não forem
verdadeiras todas as simples de que consta. De onde se segue que, dada qualquer
simples falsa, toda a copulativa é considerada falsa. A copulativa é também não
só igualmente necessária e contingente, mas também impossivel. É necessária,
quando todas as suas partes são necessárias, como: Deus é o sumo bem e o
pecado o sumo mal. E contingente, quando todas as partes ou alguma delas são
contingentes, e nenhuma impossível, de modo que não pugnem as próprias
partes entre si, como: Sócrates é filósofo e é bom homem; Deus é o sumo bem,
e Sócrates é justo. Na verdade, se alguma é impossível, ou as próprias partes
repugnam entre si, deverá ser considerada não contingente, mas impossível,
como se se disser: Sócrates é pedra e Platão filosofa; Sócrates está sentado e
caminha também. É impossível, se ou alguma parte é impossível ou as próprias
partes são repugnantes entre si, como se mostra nos exemplos antecedentes.
Deve atender-se, porém, neste lugar, a que, embora para copular
duas enunciações simples baste uma só conjunção copulativa, contudo,
elegantemente, e muitas vezes não pouco utilmente, empregam-se duas, como
se se disser: e Sócrates fala e Platão ouve. Digo, de fato, não pouco utilmente, por
causa das negativas. Com efeito, não fala com igual clareza e sem ambiguidade
aquele que nega a copulativa proposta deste modo: não Sócrates fala e Platão
ouve, e aquele que a nega deste modo: não Sócrates fala e Platão ouve. O
mesmo se deve observar nas disjuntivas.
Reduzem-se às copulativas as enunciações adversativas, como: Sócrates
foi filósofo, mas talvez não tenha adquirido a verdadeira sabedoria, e outras
semelhantes. Além disso, também as racionais se reduzem às copulativas, dada
a circunstância de porem simultaneamente o antecedente e o consequente.
Mas as causais não só por esta razão, mas também enquanto indicam que no
antecedente está contida a causa do consequente. Racionais e causais parecem
ainda certas copulativas constituídas de uma condicional pelo menos cada uma,
e algumas outras enunciações, como abaixol se verá. Entretanto, costumam
reduzir-se às condicionais, porque manifestam mais a forma das condicionais,
que incluem, como partes principais. O mesmo deverá talvez dizer-se das
temporais, locais e outras semelhantes, as quais acima foram reduzidas às
condicionais.

189 Cap. 20.

215
Pedro da Fonseca

Caput XVII - De disiunctiva enunciatione


Disiunctiva quoque enunciatio nullum habet principalium partium
certum numerum. Potest enim quotquot etiam volveris praecipuis partibus
constare, ut si dicas, Hoc animal aut est album, aut est nigrum, aut est cerulei
coloris, aut lutei, et catera.
Ut autem disiunctiva sit vera, iuxta veterum quidem sententiam una
tantum eius pars vera esse debet: quo fit ut falsa dicatur, vel cum omnes sunt
falsae, vel cum omnes verae. Exempli causa haec est vera Socrates aut loquitur,
aut non loquitur, quia una eius pars, atque adeo sola, est vera: hae autem ambac
sunt falsae, Socrates aut est lapis, aut est planta: Socrates aut est animal, aut
est homo: prior quidem, quia utraque pars est falsa, posterior, quia utraque
vera. Ratio huius rei est, quia cum disiunctiva disiungat sententias, illud opus
esse videtur, ut simplices enunciationes, ex quibus disiunctio constat, sint
repugnantes atque ita ut plures una verae esse non possint. Quare aut omnes
erunt falsae, aut si plures una fuerint verae, non respondebit res disiunctioni:
quare utroque modo disiunctio erit falsa. Itaque si dixeris Socrates est homo,
aut est rationis particeps, falsam tuleris enunciationem, quia ipsa disiunctio
ex natura sua significat alterum duntaxat ex his duobus attributis Socrati
convenire, quod asserere falsum est. Recentiores tamen dicunt disiunctivam
esse veram, si vel una, vel plures una, aut etiam omnes partes, sint verae: falsam
vero nunquam, nisi omnes partes sint falsae. Atque hoc pacto dicunt has
enunciationes esse veras: Aut Socrates est homo, aut est rationis particeps: Aut
deambulat, aut movetur loco: Aut Plato est ad risum aptus, aut Bucephalus
ad hinitum: quas tamen veteres dicunt esse falsas Mihi vero hoc modo
videtur dirimenda controversia. Veteres quidem accommodatius ad naturam
disiunctionis loquutos fuisse (disiunctio enim ex forma sua videtur significare,
plus una parte veram non esse) iuniores autem generalem loquendi usum
magis spectasse. Solent enim disiunctiones huiusmodi, Aut Demosthenes
perfectus Orator fuit, aut Cicero, aut certe nullus: Aut Miloni Clodius insidias
fecit, aut Clodio Milo, solent inquam ut verae concedi ab is, qui fatentur et
Demosthenem perfectum Oratorem fuisse, et Ciceronem, itemque Miloni
Clodium, et Clodio Milonem mutuas parasse insidias. Quoniam igitur
communis loquendi usus in oratione non est aspernandus, recentiorum
sententia non videtur omni ex parte repudianda.

216
Livro III das Instituições Dialéticas

Capítulo XVII - Da enunciação disjuntiva


A enunciação disjuntiva também, não tem número certo de partes
principais, pois pode também constar de tantas partes principais quantas se
quiser, como se se disser: este animal ou é branco ou é negro ou é de cor azul
ou [da cor] do barro, etc.
Para que a disjuntiva seja verdadeira, segundo a opinião dos antigos,
deve ser verdadeira só uma das suas partes; de onde resulta que se diga ser
falsa quer quando todas são falsas, quer quando todas são verdadeiras.!° Por
exemplo, é verdadeira esta: Sócrates ou fala ou não fala, porque uma sua parte,
e só ela, é verdadeira; são, porém, falsas estas duas: Sócrates ou é pedra ou
planta; Sócrates ou é animal ou homem. A primeira porque ambas as partes
são falsas, a segunda porque ambas são verdadeiras. A razão disto está em
que, como a disjuntiva distingue as sentenças, parece haver necessidade de
que sejam repugnantes as enunciações simples de que consta a disjunção,
de tal modo que as verdadeiras não possam ser mais do que uma. Por isso,
ou todas serão falsas, ou, se mais do que uma for verdadeira, a realidade não
corresponderá à disjunção, e, por conseguinte, de ambos os modos, a disjunção
será falsa. Portanto, se se disser: Sócrates é homem ou é dotado de razão, faz-
se uma enunciação falsa, porque a própria disjunção significa de sua própria
natureza que um só destes dois atributos convém a Sócrates, e afirmar isto é
falso. Os modernos, porém, dizem que a disjuntiva é verdadeira, se uma, ou
mais do que uma, ou mesmo todas as partes são verdadeiras; mas nunca é
falsa, a não ser que todas as partes sejam falsas. Assim, portanto, dizem que
são verdadeiras as enunciações seguintes: Sócrates ou é homem, ou é dotado
de razão; ou caminha, ou se move no lugar; ou Platão é capaz de riso, ou
Bucéfalo de relincho. Os antigos dizem que estas são falsas. Quanto a mim
parece-me que se deve dirimir a controvérsia deste modo: os antigos falaram,
na verdade, mais em conformidade com a natureza da disjunção (a disjunção,
com efeito, parece significar, pela sua forma, que não é verdadeira mais do
que uma parte); os modernos, porém, atenderam mais ao modo geral de falar.
Com efeito, costumam ser permitidas disjunções deste teor: ou Demóstenes
foi um orador perfeito, ou Cícero, ou certamente nenhum; ou Clódio preparou
insídias a Milão, ou Milão a Clódio — costumam, digo, ser permitidas como
verdadeiras por aqueles que confessam que Demóstenes foi um orador perfeito
e Cícero também, e do mesmo modo, que Clódio e Milão se prepararam
mútuas insídias. Portanto, visto que o modo comum de falar não é de rejeitar
na oração, a opinião dos modernos não parece dever ser rejeitada em absoluto.

190 Cícero, nos Tópicos, Gélio, livro XVI.

217
Pedro da Fonseca

Quod si quis obiiciat, eum, qui ita loquitur, Aut Socrates est homo, aut
rationalis, hoc modo corrigi solere, Imo vero et est homo, et rationalis, nec
alia de causa, nisi quia falsam profert disiunctionem: occurendum est, eum,
qui sic loquitur, corrigi, non quod falsam pronunciet disiunctionem, sed quod
ineptam, et ridiculam. Ineptum est enim, ac ridiculum extruere disiunctionem
ex enunciationibus necessaris, aut necessario connexis. Id quod in hac
disiunctionum ratione, quam recentiores amplectuntur, diligenter cavendum
est. Nec tamen iccirco fuerit necessarium, ut ex simplicibus repugnantibus inter
se omnes disiunctio struatur, quia cum dicimus, Aut est hoc, aut est illud, non
semper volumus significare, aut hoc tantum, aut illud tantum esse verum, sed
saepe ita loquimur, ut saltem hoc verum esse, aut saltem illud declaremus. Quo
pacto dubium non est, quin tota disiunctio ex partibus non repugnantibus,
atque adeo simul veris, vera esse possit.

In hoc enunciationum genere, quemadmodum in superioribus, non


solum necessariae, et impossibiles enunciationes reperiuntur, sed etiam
contingentes. Nam illae necessariae dicendae sunt, quae constant ex duabus
contradicentibus aut ex iis, quae ad contradicentes reduci possunt: ut, Socrates
loquitur, aut non loquitur: Socrates est grammaticus, aut non habet artem
emendate loquendi, et scribendi: Animal aut est homo, aut est bestia Itemque
illae, quarum omnes partes, aut una, sunt necessariae: ut Socrates est homo,
aut non est lapis: Socrates est homo, aut non est grammaticus: Socrates est
homo, aut est lapis. Quamquam illae, quarum omnes partes sunt necessariae,
quia ridiculae sunt, extrui non debent, uti diximus. Contingens est cuius omnes
partes, aut aliqua, sunt contingentes, non ita tamen ut sint contradicentes,
aut ad contradicentes revocari possint, aut aliqua earum sit necessaria, ne
tota disiunctio sit necessaria, ut nunc diximus. Exempla contingentium haec
sunt, Aut haec mulier huius pueri mater non est, aut ipsum diligit: Aut hic
adolescens lapis est, aut doctus evadet. Impossibiles sunt, quarum omnes partes
sunt impossibiles, ut Socrates aut est lapis, aut est lignum.78

Recentiorum sententia. / Veteres accomodatius ad naturam disiunctionis loquuti sunt. / Recentiores


generalem loquendi usum magis spectarunt. / Recentiorum sententia non est omni ex parte repudianda.

218
Livro III das Instituições Dialéticas

E, além disso, naquilo que havemos de dizer acerca da oposição das disjuntivas,
faremos grande uso das disjuntivas aprovadas e ensinadas por eles.
Mas, se alguém objetar que quem fala assim: ou Sócrates é homem, ou
racional, costuma corrigir-se deste modo: antes, é homem e racional, e nem
por outra causa senão porque profere uma disjunção falsa; deve responder-se
que quem assim fala é censurado não porque pronuncia uma disjunção falsa,
mas inepta e ridícula. Efetivamente, é inepto e ridículo, principalmente no
falar comum (no qual muitas vezes não se atende tanto ao que se diz segundo
a verdade como ao que se diz segundo o uso) construir uma disjunção de
enunciações necessárias ou conexas necessariamente. Deve evitar-se isto
diligentemente neste gênero de disjunções, que os modernos preconizam. Mas
nem por isso seria necessário que se construísse de simples repugnantes entre si
toda a disjunção, porque, quando dizemos: ou é isto ou é aquilo, não queremos
significar sempre que ou só isto, ou só aquilo é verdadeiro, mas, muitas vezes,
falamos assim para declararmos que isto pelo menos é verdadeiro, ou que aquilo
pelo menos é verdadeiro. Posto isto, não há dúvida de que a disjunção toda,
constante de partes não só não repugnantes mas também simultaneamente
verdadeiras, pode ser verdadeira.
Neste gênero de enunciações, tal como nas anteriores, notam-se
enunciações não só necessárias e impossíveis, como também contingentes.
Com efeito, devem dizer-se necessárias aquelas que constam de duas
contraditórias ou daquelas que se podem reduzir a contraditórias, como:
Sócrates ou fala, ou não fala; Sócrates ou é gramático, ou não tem a arte de
falar e escrever corretamente; o animal ou é homem, ou é bruto. Igualmente,
[devem dizer-se necessárias] aquelas cujas partes são todas, ou uma só,
necessárias, como: Sócrates é homem, ou não é pedra; Sócrates é homem, ou
não é gramático; Sócrates é homem, ou é pedra. Todavia, aquelas cujas partes
são todas necessárias, porque são ridículas, não se devem fazer, como dissemos.
Contingente é aquela cujas partes são todas, ou alguma, contingentes, não,
contudo, de tal maneira que sejam contraditórias ou se possam reduzir a
contraditórias, ou alguma delas seja necessária, para que não seja necessária
toda a disjunção, como agora dissemos. São exemplos de contingentes estas: ou
esta mulher não é mãe deste menino, ou o ama; ou este adolescente é pedra, ou
mediante longo trabalho se tomará douto. Impossíveis são aquelas cujas partes
são todas impossíveis, como: Sócrates ou é pedra ou é madeira. Dissemos isto
da natureza da disjunção e da verdade das enunciações conjuntas. Falemos
agora da sua oposição e equipolência.

219
Pedro da Fonseca

Caput XVIII - De oppositione contradictoria coniunctarum, et


quo pacto in eis resperiantur reliquae oppositiones
Quod ergo ad earum oppositionem attinet, illud principio
animadvertendum est solam contractionem formaliter reperiri in hoc
enunciationum genere. Enuntiationes enim formaliter contrariae debent
esse universales, subcontrariae vero particulares: coniunctae autem nec sunt
formaliter universales, nec particulares, immo etiam nec indefinitae, aut
singulares, nec simpliciter tales appellari solent, ut perspicuum est. Cuius rei
causa ca esse videtur, quia non enunciant aliquid de aliquo, aut aliquibus, sed
solum enunciationes, quae id efficiunt coniugunt. At vero ut enuntiationes sint
formaliter contradicentes, et simpliciter talis appellentur, non est opus ut sint
universales, aut particulares, aut indefinitae, aut singulares: sed hoc tantum ex
ipsa contradictionis forma requiritur, ut sola negatione praeposita differant,
hoc est, ut una habeat negationem. Nam ut est commune Dialecticorum
proloquium, non verius contradicitur (adde etiam, nec formalius) quam cum
affirmationi negativo praeponitur. Hoc autem luce clarius est non minus
accidere in coniuntis enunciationibus, quam in simplicibus, ut si dicas, Si homo
est animal, est sensus particeps, Non Si Homo est animal est sensuas particeps:
Et Socrates est philosophus, et Plato est philosophus, non et Socrates est
philosophus, et Plato est philosophus: Aut Plato fallitur, aut Aristoteles fallitur:
Non aut Plato fallitur, aut Aristoteles fallitur. Ita patet solam oppositionem
contradictoriam formaliter convenire coniunctis enunciationibus et quo
pacto illis conveniat, neque solum dari posse in hoc enuntiationum genere
contradicentium condutiones sive leges, sed etiam propriam, et formalem
contradictionis rationem. Atque ob ea quae dicta sunt nulla alia oppositionis
forma, practer quam contradictionis, tributa est a nimis in prima editione
coniunctis enunciationibus.

Verum ne quis inde re parum considerata cum errorem imbibat, ut


putet, ne eo quidem modo posse coniunctas enunciationes constitui, ut in eis
serventur leges contrariarum, et subcontratiarum, ea operae pretium erit adere
hoc loco, quae ne novitios gravaremus in libros de Interpretatione distuleramus,
praesertim cum omnia quae hactenus de coniunctis enunciationibus dicta sunt,
in livros de interpretatione differri soleant, ad quos haec potiori ratione servari
possunt. Adverte igitur coniunctas enunciationes etsi non sunt formaliter
contrariae, aut subcontrariae, tamen dici posse contrarias, et subcontrarias
virtute seu de lege, ut a quibusdam vocantur. Quouis rei ratio duplex est. Una quia
etsi non sunt formaliter universales, aut particulares: tamen in omnibus earum
generibus inveniuntur universales, et particulares virtute. Nam conditionalis

220
Livro III das Instituições Dialéticas

Capítulo XVIII - Da oposição contraditória das conjuntas e do


modo como se encontram nelas as oposições restantes
Pelo que diz respeito à oposição destas, deve advertir-se de princípio
que só se encontra formalmente a contradição neste gênero de enunciações.
Com efeito, as enunciações formalmente contrárias devem ser universais; as
subcontrárias, porém, particulares. Ora as conjuntas nem são formalmente
universais nem particulares, nem indefinidas ou singulares, nem se costumam
chamar simplesmente tais, como é claro. A causa disto parece ser esta: é
que não enunciam algo de alguma coisa ou de algumas coisas, mas apenas
conjugam enunciações que o fazem. Contudo, para que as enunciações sejam
formalmente contraditórias, e se chamem simplesmente tais, não é necessário
que sejam universais ou particulares ou indefinidas ou singulares; mas só se
requer, em virtude da própria forma da contradição, o seguinte: que difiram
somente na negação preposta, isto é, que uma tenha preposta a negação e a
outra não, quanto ao resto, porém, que sejam absolutamente idênticas. Com
efeito, como é prolóquio comum aos dialéticos, não há contradição mais
verdadeiramente (acrescente-se também:nem mais formalmente) do que
quando se prepõe a negação à afirmação. É mais claro que a luz, porém, que
isto se não verifica menos nas enunciações conjuntas do que nas simples, como
se se disser: se o homem é animal, é dotado de sentidos, não se o homem é
animal é dotado de sentidos; e Sócrates é filósofo, e Platão é filósofo, não e
Sócrates é filósofo, e Platão é filósofo; ou Platão se engana ou Aristóteles se
engana, não ou Platão se engana ou Aristóteles se engana. Assim se toma
evidente que só a oposição contraditória convém formalmente às enunciações
conjuntas e de que modo lhes convém, e nem só se não podem dar neste
gênero de enunciações contraditórias condições ou leis, mas nem mesmo a
razão própria formal da contradição. Em virtude do que fica dito, nenhuma
outra forma de oposição, além da contradição, foi dada por nós às enunciações
conjuntas na primeira edição.
Mas para que ninguém, atentando pouco no assunto, vá meter na cabeça o
erro de julgar que por este modo se não podem constituir enunciações conjuntas,
de modo a observarem-se nelas as leis das contrárias e das subcontrárias, valerá
a pena ajuntar neste lugar as coisas que, para não sobrecarregarmos os iniciados,
tínhamos guardado para os livros Da Interpretação, principalmente porque tudo
o que até agora se disse acerca das enunciações conjuntas costuma reservar-se
para os livros Da Interpretação, onde estes assuntos se podem arquivar com
mais razão. Note-se, portanto, que as enunciações conjuntas, mesmo que não
sejam formalmente contrárias ou subcontrárias, podem, contudo, dizer-se
contrárias e subcontrárias por virtude ou por lei, como são chamadas por alguns.
A razão disto é dupla: a primeira é porque, mesmo que não sejam formalmente

221
Pedro da Fonseca

afirmativa supponit aliquam universalem simplicem, in qua fundetur, ut illa,


Si homo est animal, est sensus particeps, supponit hanc, Omne animal est
sensus particeps. Copulativa vero affirmativa ex natura sua aequipollere potest
uni simplici universali quo pacto illa, Et Socrates est philosophus, et Plato
est philosophus, aequipollet huic, Uterque horum hominum est philosophus.
Denique disiunctiva afirmativa aequipollere potest suapte natura uni simplici,
quo pacto illa, Aut Plato fallitur, aut Aristoteles fallitur, aequipollet huic,
Alter horum hominum fallitur. Unde fit ut quoniam praeposita negatione
universales fiunt particulares, et particulares universales, in omnibus generibus
coniunctarum dari possint universales, et particulares virtute. Altera ratio
est, quia ita possunt coniunctae enuntiationes constitui, ut in eis reperiantur
conditiones, sive leges contratiarum, et subontrariarum, ut ex progressu patebit.

Caput XIX - De contraria et subcontraria coniunctarum


oppositione Simulque de subalternis
Coniunetae igitur enunciationes pradicto modo contrariae, et
subcontratiae (adde etiam subalternas, quoniam earum explicatio coniuncta
est cum Tractatione contrariarum, et subcontrariarum) duobus documentis
constitui possunt in omnibus coniunctarum generibus uno generali, et singulis
specialibus.
Generale documentum sit, In conditionalibus quidem, et copulativis,
opus esse ut contrariae, et subalternantes sint affirmativae, subcontrariae
vero, et subalternatae negativae: at in desiunctivis contra omnino rem habere
oportere. Hoc documentum non solum, ex subiiciendis descriptionibus plane
constabit, sed etiam ex dictis colligitur. Dictum est enim in conditionalibus
afirmativas esse virtute universales, negativas autem particulares: contraque
rem habere in disiunctivis: constat autem ubique contrarias, et subalternantes
esse universales, subcontrarias autem, et subalternatas particulares.

Speciale documentum pro conditionalibus sit huiusmodi. In


conditionalibus, non modo contrarias, sed etiam subcontrarias, et subalternas
constare debere codem antecedente, et contrario, aut contradictorio
consequente, ut in his descriptionibus cernis.

222
Livro III das Instituições Dialéticas

universais ou particulares, contudo em todos os seus gêneros se encontram


universais e particulares virtuais. Com efeito, a condicional afirmativa supõe
alguma universal simples, na qual se funde, como esta: se o homem é animal,
é dotado de sentidos, supõe esta: todo o animal é dotado de sentidos. A
copulativa afirmativa de sua natureza pode equivaler a uma simples universal;
assim esta: e Sócrates é filósofo, e Platão é filósofo, equivale a esta: ambos
estes homens são filósofos. Finalmente, a disjuntiva afirmativa pode equivaler
de sua própria natureza a uma simples; assim esta: ou Platão se engana, ou
Aristóteles se engana, equivale a esta: ambos estes homens se enganam. De
onde se infere que, pelo fato de, com a anteposição da negação, as universais
se tornarem particulares e as particulares universais, em todos os gêneros das
conjuntas se podem dar universais e particulares virtuais. A segunda razão está
em que de tal maneira se podem constituir as enunciações conjuntas que nelas
se encontram as condições ou as leis das contrárias e das subcontrárias, como
se tomará evidente pelo estudo subsequente.

Capítulo XIX - Da Oposição contrária e subcontrária das


conjuntas e, simultaneamente, das subalternas
Portanto, as enunciações conjuntas do supradito modo, contrárias
e subcontrárias (acrescentem-se também as subalternas, visto que a sua
explicação anda junta ao tratado das contrárias e das subcontrárias), podem
constituir-se segundo duas regras, em todos os gêneros das ' conjuntas: uma
geral e uma especial para cada uma.
A regra geral nas condicionais e nas copulativas é esta: é necessário
que as contrárias e as subalternantes sejam afirmativas, as subcontrárias e as
subalternadas negativas; mas, nas disjuntivas, é necessário que as coisas se
passem absolutamente ao contrário. Esta regra constará claramente não só das
descrições que se devem seguir, mas também se infere do que foi dito. Ficou
dito, efetivamente, que nas condicionais há afirmativas virtualmente universais,
e negativas particulares, e que as coisas se passam ao contrário nas disjuntivas.
Ora consta que as contrárias e as subalternantes são sempre universais e as
subcontrárias e as subalternadas particulares.
A regra especial para as condicionais é esta: nas condicionais, não só as
contrárias, mas também as subcontrárias e as subalternas devem constar do
mesmo antecedente e de consequente contrário ou contraditório, como se vê
nestes quadros.

223
Pedro da Fonseca

Descriptio oppositarum conditionalium constantium ex simplicibus


singularibus
Si Socrates est homo, Socrates non est Non si Socrates est homo, Socrates est
animal. animal.
Si Socrates est homo, Socrates non est Non si Socrates est homo, Socrates est
animal. animal.

Descriptio constantium ex simplicibus communibus contrariorum


consequentium
Si omnis homo est animal omnis homo Si omnis homo est animal nullus homo
est sensus particeps. est sensus particeps.
Non si omnis homo est animal, nullus Non si omnis homo est animal, omnis
homo est sensus particeps. homo est sensus particeps.

Descriptio constantium ex simplicibus communibus


contradictoriorum consequentium
Si omnis homo est animal, omnis homo Si omnis est animal aliquis homo est
est sesnsus particeps. particeps.
Non si omnis homo est animal, aliquis Non si omnis homo est animal omnis
homo non est sensus particeps. homo est sensus particeps.

Quod enim in affirmativis, quas ponimus contrarias, serventur leges


contrariarum ex eo patet, quia etsi possunt esse simul falsae, ut patet his
exemplis (Si Socrates est animal, Socrates est homo: Si Socrates est animal,
Socrates non est homo: Si omnis homo est animal, omnis homo est albus,
Si omnis homo est animal, nullus homo est albus, vel aliquis homo non est
albus) non possunt tamen esse simul verae. Idque non solum perspicuum
erit inductione facta in quacunque materia, sed etiam hac ratione: quia si
possent dari simul verae, aliquid repugnaret consequenti, quod non repugnaret
antecedenti, quod falsum esse libro sexto patebit. Nam simplices contrariae,
et contradicentes repugnant mutuo, et tamen dicenrentur inferri ex eodem
antecedente. Hinc patet in negativis cuiusque descriptionis, quas ponimus
subcontrarias, servari leges subcontrariarum, utpote quod non possint esse
simul falsae, sed simul verae. Nam si affirmativae non possunt esse simul verae,
nec negativae possunt esse simul falsae, cum illis per diametrum contradicant.
Cum autem affirmativae fuerint simul falsae, tum negativae hac cadem ratione
erunt simul verae.

224
Livro III das Instituições Dialéticas

Quadro das opostas condicionais que constam de singulares simples

Se Sócrates é homem, Sócrates é animal. Se Sócrates é homem, Sócrates não é


animal.
Se Sócrates é homem, Sócrates não é Não se Sócrates é homem, Sócrates é
animal. animal.

Quadro das que constam de comuns simples de consequentes


contrários
Se todo o homem é animal, todo o Se todo o homem é animal, nenhum
homem é dotado de sentidos. homem é dotado de sentidos.
Não se todo o homem é animal, Não se todo o homem é animal, todo o
nenhum homem é dotado de sentidos. homem é dotado de sentidos.

Quadro das que constam de comuns simples de consequentes


contraditórios
Se todo o homem é animal, todo o Se todo o homem é animal, algum
homem é dotado de sentidos. homem é dotado de sentidos.
Não se todo o homem é animal, todo o
homem
Não se todonão é dotado
o homem de sentidos.
é animal, algum homem é dotado de sentidos.

O fato de se observarem nas afirmativas que pomos como contrárias


as leis das contrárias, na verdade, ressalta disto: é que, embora possam ser
simultaneamente falsas, como se vê nestes exemplos: se Sócrates é animal,

Sócratesé éanimal,
homem homem; seoSócrates
todo homem éé branco;
animal,seSócrates não é homem;
todo o homem é animal,senenhum
todo o
homem é branco ou algum homem não é branco — não podem, contudo,
ser simultaneamente verdadeiras. E isto tomar-se-á claro não só mediante
a indução feita em qualquer matéria, mas também por esta razão: é que, se
pudessem ser simultaneamente verdadeiras, alguma coisa repugnaria ao
consequente que não repugnaria ao antecedente, o que, no livro sexto,'' se
verá que é falso. Efetivamente, as simples contrárias e contraditórias repugnam
umas às outras e, contudo, dir-se-iam decorrer do mesmo antecedente. Daqui
se vê que nas negativas de qualquer descrição, que pomos como subcontrárias,
se observam as leis das subcontrárias, visto não poderem ser simultaneamente
falsas, mas sim simultaneamente verdadeiras. Com efeito, se as afirmativas não
podem ser simultaneamente verdadeiras, também as negativas não podem ser
191 Capítulo 5.

225
Pedro da Fonseca

Patet etiam inter quamlibet superiorem, et inferiorem, quas dicimus


subalternas, servari leges subalternarum, ut videlicet non possit superior esse
vera, quin inferior sit vera, nec inferior esse falsa, quin superior sit falsa. Secus
enim aut darentur subcontrariae simul falsae, aut contrariae simul verae, quod
facile est ex propositis descriptionibus intelligere a scita lege Contradicentium,
quae praescribit contradicentes nec simul veras, nec simul falsas esse posse. Non
loquuti autem sumus in tradito documento de conditionalibus constantibus
subcontrariis consequentibus, quia si illae admitterentur dari possent
contrariae simul verae, subcontrariae simul falsae, et subalternantes verae
falsis existentibus subalternatis, ut si dicas, Si animal dividitur in hominem, et
brutum, aliquod animal est homo: Si animal dividitur in hominem, et brutum,
aliquod animal non est homo. Non si animal dividitur in hominem, et brutum,
aliquod animal non est Homo: Non si animal dividitur in hominem, et brutum,
aliquod animal est homo.

Caput XX - De oppositione copulativarum

Pro copulativis autem speciale documentum est, Non solum contrarias


copulativas, sed etiam subcontrarias, et subalternas constare debere simplicibus
contraris, aut contradicentibus. Quod non ita intelligendum est, quase necesse
sit ut omnes simplices unius copulativae, sint contrariae, aut contradicentes
respectu simplicium alterius, Sed ut una altem respectu unius.

Descriptio oppositarum copulativarum constantium ex simplicibus


singularibus
Et Socrates loquitur, et Plato Et Socrates non loquitur, et Plato
audit non audit.
Non et Socrates non loquitur, et Non et Socrates loquitur, et Plato
Plato non audit. audit.

226
Livro III das Instituições Dialéticas

simultaneamente falsas, visto que se contradizem diametralmente. Quando,


porém, as afirmativas forem simultaneamente falsas, então as negativas por
esta mesma razão serão simultaneamente verdadeiras.
E manifesto também que entre qualquer [enunciação] superior e
inferior, que dizemos subalternas, se observam as leis das subalternas, de modo
que a superior não pode ser verdadeira sem que a inferior seja verdadeira, nem
a inferior ser falsa sem que a superior seja falsa. De contrário, com efeito, ou se
dariam subcontrárias simultaneamente falsas, ou contrárias simultaneamente
verdadeiras, o que é fácil de entender, pelas descrições propostas, da conhecida
lei das contraditórias que prescreve que as contraditórias não podem ser nem
simultaneamente verdadeiras, nem simultaneamente falsas. Não falamos,
porém, na regra dada, acerca das condicionais que constam de consequentes
subcontrárias, porque, se se admitissem aquelas, poderiam dar-se contrárias
simultaneamente verdadeiras, subcontrárias simultaneamente falsas e
subalternantes verdadeiras, existindo falsas subalternadas, como se se dissesse:
se animal se divide em homem e bruto, algum animal é homem; se animal se
divide em homem e bruto, algum animal não é homem; não se animal se divide
em homem e bruto, algum animal não é homem; não se animal se divide em
homem e bruto, algum animal é homem.

Capítulo XX - Da Oposição das copulativas


Seja esta a regra especial para as copulativas: não só as contrárias
copulativas, mas também as subcontrárias e as subalternas devem constar
de contrárias simples ou contraditórias. Não deve isto entender-se como se
fosse necessário que todas as simples de uma copulativa sejam contrárias ou
contraditórias relativamente às simples de outra, mas que uma pelo menos o
seja relativamente a uma outra.

Quadro das opostas copulativas que constam de singulares simples

E Sócrates fala, e Platão E Sócrates não fala, e


ouve. Platão não ouve.
Não e Sócrates não fala, e Não e Sócrates fala, e
Platão não ouve. Platão ouve.

227
Pedro da Fonseca

Descriptio constantium simplicibus communibus contrariis


Et omnis homo est sensus particeps, et Et nullus homo est sensus particeps, et
omnis equus est sensus particeps. nullus equus est sensus particeps.

Non et nullus homo est sensus Non et omnis homo est sensus
particeps, et nullus equus est sensus particeps, et omnis equus est sensus
particeps. particeps.

Descriptio constatium simplicibus communibus contradicentibus


Et omnis homo est sensus particeps, et Et aliquis homo non est sensus
omnis equus est sensus particeps. particeps, et aliquis equus non est
sensus particeps.
Non et aliquis homo non est sensus Non et omnis homo est sensus
particeps, et aliquis equus non est particeps, et omnis equus est sensus
sensus particeps. particeps.

Eadem ratio erit si una tantum simplex sit uni contraria, aut contradicens.
Probatio huius documenti satis aperta est. Nam quod affirmativae, quas
ponimus contrarias, possint esse simul falsae, his exemplis patet: Socrates
est lapis, et Plato est homo: Socrates non est lapis, et Plato Non est homo.
Omnis homo est albus, et omnis equus est albus. Nullus Homo est albus, et
nullus equus est albus. Item omnis homo est lapis, et aliquis homo est albus.
Aliquis homo non est lapis, et nullus homo est albus. Quod autem non
possint esse simul verae, non solum inductione patet qualibet materia, sed hac
etiam ratione. Quia si duae copulativae constantes ex simplicibus contraris,
aut contradicentibus possent esse simul verae, duae simplices contrariae, aut
contradicentes possent esse simul verae, quod fieri non posse supra dictum est.
Hinc patet negativas, quas dicimus subcontrarias posse esse simul veras, non
autem simul falsas, ut deductum est in conditionalibus, itemque fieri non posse,
ut superior afirmativa sit vera quin negativa inferior vera sit, aut inferior falsa
sit, quin superior sit falsa. Non admisimus autem copulativas, quarum omnes
simplices sunt subcontrariae, ne daremus contrarias simul veras, subcontrarias
simul falsas, et subalternantes veras falsis existentibus subalternatis, ut in his
patet, Aliquis homo est albus, et aliquis equus est albus: Aliquis homo non
est albus, et aliquis equus non est albus: Non et aliquis homo non est albus, et
aliquis equus non est albus: Non et aliquis homo est albus, et aliquis equus est
albus.

228
Livro III das Instituições Dialéticas

Quadro das que constam de contrárias simples comuns


E todo o homem é dotado de sentidos, E nenhum homem é dotado de
e todo o cavalo é dotado de sentidos. sentidos, e nenhum cavalo é dotado de
sentidos.
Não e nenhum homem é dotado de Não e todo o homem é dotado de
sentidos, e nenhum cavalo é dotado de sentidos, e todo o cavalo é dotado de
sentidos. sentidos.

Quadro das que constam de contraditórias simples comuns


E todo o homem é dotado de sentidos E algum homem não é dotado de
e todo o cavalo é dotado de sentidos. sentidos, e algum cavalo não é dotado
de sentidos.
Não e algum homem não é dotado de Não e todo o homem é dotado de
sentidos, e algum cavalo não é dotado sentidos, e todo o cavalo é dotado de
de sentidos. sentidos.

O mesmo se verificará se só uma simples for contrária ou contraditória


a uma outra. A prova desta regra é bem clara. Com efeito, que as afirmativas,
que pomos como contrárias, podem ser simultaneamente falsas, ressalta destes
exemplos: Sócrates é pedra e Platão é homem, Sócrates não é pedra e Platão
não é homem; todo o homem é branco e todo o cavalo é branco, nenhum
homem é branco e nenhum cavalo é branco; do mesmo modo, todo o homem é
pedra e algum homem é branco, algum homem não é pedra e nenhum homem
é branco. Que, porém, não possam ser simultaneamente verdadeiras, não só
ressalta da indução em qualquer matéria, mas também desta razão, a saber: se
duas copulativas que constam de simples contrárias ou contraditórias pudessem
ser simultaneamente verdadeiras, duas simples contrárias ou contraditórias
poderiam ser simultaneamente verdadeiras, o que não pode acontecer, como
se disse acima.192 Daqui ressalta que as negativas, que dizemos subcontrárias,
podem ser simultaneamente verdadeiras, mas não simultaneamente falsas,
como se deduziu nas condicionais; e, do mesmo modo, não pode acontecer que
a superior afirmativa seja verdadeira sem que seja verdadeira a negativa inferior,
ou que a inferior seja falsa sem que seja falsa a superior. Não admitimos, porém,
copulativas, das quais todas as simples sejam subcontrárias, para não darmos
com contrárias simultaneamente verdadeiras, subcontrárias simultaneamente
falsas e subalternantes verdadeiras coexistindo com subalternadas falsas, como
se vê nestas: algum homem é branco e algum cavalo é branco, algum homem
não é branco e algum cavalo não é branco; não e algum homem não é branco

192 Cap. 6 e 11.

229
Pedro da Fonseca

Caput XXI - De oppositione disiunctivarum


Denique pro disiunctivis sit hoc speciale documentum, Non solum
contrarias disiunctivas, sed etiam subcontrarias, et subalternas constare debere
simplicibus contradicentibus, aut subcontrariis.

Descriptio oppositarum disiunctivarum constatium simplicibus


singularibus.
Non aut Socrates non est homo, aut Non aut Socrates est homo, aut Plato
Plato non est homo. est homo.
Aut Socrates est homo, aut Plato est Aut Socrates non est homo, aut Plato
homo. non est homo.

Descriptio constantium ex simplicibus communibus contradicentibus


Non aut nullus homo est albus, aut Non aut aliquis homo est albus, aut
nullus equus est albus. aliquis equus est albus.
Aut aliquis homo est albus, aut aliquis Aut nullus homo est albus, aut nullus
equus est albus. equus est albus.

Descriptio constantium ex simplicibus communibus subcontrariis


Non aut aliquis homo non est albus, aut Non aut aliquis homo est albus, aut
aliquis equus non est albus. aliquis equus est albus.
Aut aliquis homo est albus, aut aliquis Aut aliquis homo non est albus, aut
equus est albus. aliquis equus non est albus.

Nam quod afirmativae, quas in hoc genere ponimus esse subcontrarias,


Possint esse simul verae, ex propositis exemplis constat. Quod vero non Possint
esse simul falsae non solum inductione perspicuum esse potest, sed etiam hac
ratione patet. Quia ut disiunctivae affirmativae sint falsae necesse est ut omnes
simplices ex quibus constat falsae sint, ut ex dictis patet: simplices autem sive
contradicentes sint, sive subcontrariae, non possunt esse simul falsae, ut supra
dictum est. Hinc patet negativas, quas in hoc genere dicimus contrarias, possse
esse simul falsas, non autem simul veras: itemque fieri non posse, ut superior
negativa, quam in hoc genere ponimus subalternantem, sit vera quin inferior
afirmativa vera sit: aut inferior afirmativa, quam subalternantem dicimus, falsa

230
Livro III das Instituições Dialéticas
e algum cavalo não é branco, não e algum homem é branco e algum cavalo é
branco.

Capítulo XXI - Da oposição das disjuntivas


Finalmente, para as disjuntivas, seja esta a regra especial: não só as
contrárias disjuntivas mas também as subcontrárias e as subalternas devem
constar de contraditórias ou subcontrárias simples.

Quadro das opostas disjuntivas que constam de singulares simples

Não ou Sócrates não é homem, ou Não ou Sócrates é homem, ou Platão é


Platão não é homem. homem.
Ou Sócrates é homem, ou Platão é Ou Sócrates não é homem, ou Platão
homem. não é homem.

Quadro das que constam de contraditórias comuns simples


Não ou nenhum homem é branco, ou Não ou algum homem é branco, ou
nenhum cavalo é branco. algum cavalo é branco.
Ou algum homem é branco, ou algum Ou nenhum homem é branco, ou
cavalo é branco. nenhum cavalo é branco.

Quadro das que constam de subcontrárias comuns simples


Não ou algum homem não é branco, ou Não ou algum homem é branco, ou
algum cavalo não é branco. algum cavalo é branco.
Ou algum homem é branco, ou algum Ou algum homem não é branco, ou
cavalo é branco. algum cavalo não é branco.

Com efeito, que as afirmativas, que neste gênero supomos serem


subcontrárias, possam ser simultaneamente verdadeiras, consta dos exemplos
propostos. Mas que não possam ser simultaneamente falsas, torna-se evidente
não só por indução, mas também pela razão seguinte: para que as disjuntivas
afirmativas sejam falsas é necessário que todas as simples de que constam
sejam falsas, como se depreende do que foi dito;193 ora, as simples, quer
sejam contraditórias quer subcontrárias, não podem ser simultaneamente
falsas, como se disse acima.14 Daqui se depreende que as negativas, que
neste gênero dizemos contrárias, podem ser simultaneamente falsas, mas não
193 Cap. 17.
194 Cap. 6 e 11.

231
Pedro da Fonseca

sit, quin superior negativa sit falsa: quod quo pacto efficiatur ex dictis false
inteliges. Non admisimus autem disiunctivas constantes simplicibus contrariis,
quia hoc pacto daremus contrarias simul veras, subcontrarias simul falsas, et
subalternantes veras falsis existentibus subalternatis, ut his exxemplis patet:
Non aut nullus homo est albus, aut nullus homo est albus, aut nullus equus est
albus

Animadvertendum est tamen hoc speciale documentum de disiunctivis


traditum non esse accommodandum ad eas disiunctivas, quas solas veteres
approbant, hoc est ad imediatas, sive quae, ut verae sint, altera pars vera esse
debet, altera falsa, sed ad eas, quas recentiores amplectuntur, ad eas, inquam,
quae nunquam censentur falsae, nisi cum omnes partes sunt falsae. Nam si
ad immediatas documentum accommodaveris dabis subcontrarias simul
falsas, et (quod hine sequitur) contrarias simul veras, et subalternantes veras
falsis existentibus subalternatis, ut patet in descriptionibus traditis. Nam
juxta veterum sententiam omnes disiunctivae affirmativae, quas in exemplos
attulimus sunt falsae. In prima quidem, et secunda descriptione, quia priores
constant utraque parte vera, posteriores quia utraque falsa: in tertia vero quia
disiunctivae utraque pars vera est. Unde patet in hoc disiunctivarum genere
non dari subcontrarias. Nam quod in eo non possint subcontrariae constitui
ex simplicibus contrariis, ex illo exemplo Paulo superius posito, Aut omnis
homo est albus, aut omnis equus est albus: Aut nullus homo est albus, aut
nullus equus est albus, satis apertum est. Utraque enim disiunctiva non modo
iuxta recentiorum sententiam, sed etiam veterum falsa est, cum constet
utraque parte falsa. Cum autem in hoc disiunctivarum genere non dentur
subcontrariae plane efficitur, non posse etiam dari contrarias, aut subalternas,
sed solas contradicentes

Animadvertendum quoque est etsi coniunctae rationales, et causales


ratione conditionalium, quas includunt comprehendantur in speciali documento
conditionalium, ratione autem copulativae ex enunciationibus antecedentis, et
consequentis ex qua etiam constant, comprehendatur in speciali documento
copulativarum: simpliciter tamen ex copulativarum documento constituendam

232
Livro III das Instituições Dialéticas

simultaneamente verdadeiras; e do mesmo modo (se depreende] que se não


pode fazer que a [enunciação] superior negativa, que neste gênero pomos como
subalternante, seja verdadeira sem que a inferior afirmativa seja verdadeira,
ou que a inferior afirmativa, que dizemos subalternante, seja falsa sem que a
superior negativa seja falsa. Que assim é, facilmente se entenderá pelo que se
disse. Não admitimos, porém, disjuntivas que constam de contrárias simples,
porque deste modo chegaríamos a contrárias simultaneamente verdadeiras,
subcontrárias simultaneamente falsas e subalternantes verdadeiras coexistindo
com falsas subalternadas, como se vê nestes exemplos: não ou nenhum homem
é branco, ou nenhum cavalo é branco; não ou todo o homem é branco, ou todo
o cavalo é branco; ou todo o homem é branco, ou todo o cavalo é branco; ou
nenhum homem é branco, ou nenhum cavalo é branco.

Deve notar-se, porém, que esta regra especial dada para as disjuntivas
não se deve aplicar apenas àquelas disjuntivas que os antigos aprovam, isto é,
às imediatas, ou seja, àquelas que, para serem verdadeiras, devem ter uma parte
verdadeira e a outra falsa; mas àquelas que os modernos admitem, àquelas, digo,
que nunca são consideradas falsas senão quando forem falsas todas as partes.
Com efeito, se a regra se aplicasse às imediatas, chegar-se-ia a subcontrárias
simultaneamente falsas e (o que se segue daqui) contrárias simultaneamente
verdadeiras e subalternantes verdadeiras coexistindo com subalternadas
falsas, como se vê nas descrições dadas. Na verdade, segundo o parecer dos
antigos, todas as disjuntivas afirmativas, que apresentamos em exemplo, são
falsas. Na primeira e na segunda descrição, porque as primeiras constam de
ambas as partes verdadeiras; as segundas, porque constam de ambas falsas;
na terceira, porque ambas as partes da disjuntiva são verdadeiras. De onde se
infere que, neste gênero de disjuntivas, não se dão subcontrárias. Que neste
[gênero] não possam constituir-se subcontrárias de simples contrárias, consta
com bastante clareza do exemplo apresentado um pouco atrás: ou todo o
homem é branco, ou todo o cavalo é branco; ou nenhum homem é branco, ou
nenhum cavalo é branco. Efetivamente, ambas as disjuntivas, não só segundo o
parecer dos modernos, mas também dos antigos, são falsas, visto constarem de
ambas as partes falsas. Como, porém, neste gênero de disjuntivas, não se dão
subcontrárias, acontece claramente que também não se podem dar contrárias
ou subalternas, mas só contraditórias.
Deve notar-se também que, embora as conjuntas racionais e as causais,
em razão das condicionais que incluem, sejam abrangidas pela regra especial
das condicionais, e, em razão da copulativa [formada] das enunciações do
antecedente e do consequente de que também constam, estejam compreendidas
na regra especial das copulativas, deve, contudo, formar-se a sua oposição

233
Pedro da Fonseca

esse carum oppositionem. Habent enim simpliciter sensum copulativum.


Haec enim rationalis Socrates est homo, ergo Socrates est animal, hoc pacto
resolvenda est: Et si Sol lucet, dies est: et sol lucet, et dies est, et lux solis est
causa diei.

Quo autem pacto facilius huiusmodi enunciationibus oppositae


assignentur, ex iis, quae mox dicentur, inteliges. Atque haec de coniunctarum
oppositione dicta sint.

Caput XXII - De coniunctarum arquipollentia


Quod vero attinetad aequipollentam breviter dicendum est,conditionales
nec copulativis, nec disiunctivis arquipollere, sed solas copulativas aequipollere
disiunctivis. Quod igitur conditionales non aequipoleant copulativis, ex eo
patet, quia si qua esset copulativa cui arquipolleret haec conditionalis, Si
Socrates est homo, est animal, maxime esset haec: Non et Socrates est homo,
et non est animal. Neque enim alia se offert, cui illa probabilius arquipollere
possint, ut inductione patet. At haec non idem valet quod illa. Nam et si ex
illa inferatur, ut apertum est, non tamen illam infert. Alioqui haec esset bona
consequutio, Non et Socrates est lapis, et non est animal, ergo si Socrates est
lapis, est animal: ubi plane vides antecedens verum, et consequens falsum.
Quando igitur proposita conditionalis traditae copulativae non aequipollet,
nulla erit alia copulativa, cui eadem conditionalis arquipolleat. Quod idem in
caeteris facile erit persequi.

Quod vero conditionales non arquipolleant disiunctivis, ex eo inteliges,


quia si sermo sit de disiunctivis veterum, seu immediatis, cum illae nec possint
esse contrariae, nec subcontrariae, nec subalternae inter se, fieri non potest
ut aequipolleant conditionalibus. Quaelibet enim conditionalis habet aliquam
contrariam conditionalem aut subcontrariam, itemque aliquam subalternatam,
aut subalternantem: fieri autem non potest, ut duae enunciationes arquipolleant,
quarum altera habet contrariam aut subcontrariam etc. Altera vero minime.
Quod denique nec aequipolleant disiunctivis communibus, seu mediatis ex co
constat, quia disiunctivae communes arquipollent copulativis, ut nunc dicemus,
quibus tamen conditionales ipsae non arquipolleant, ut patet ex dictis.

Quod igitur copulativae, et disiunctivae communes aequipolleant inter


se, ex eo patet, quia ut est communis dialecticorum sententia, copulativa
omnino afirmativa, hoc est, et coniunctionis, et verborum, ut Socrates est
albus, et Plato est albus, arquipollet disiunctivae omnino negativae, qualis

234
Livro III das Instituições Dialéticas

simplesmente segundo a regra das copulativas. É que têm simplesmente sentido


copulativo. Com efeito, esta racional: Sócrates é homem, portanto Sócrates é
animal, deve desdobrar-se deste modo: e, se Sócrates é homem, Sócrates é
animal, e Sócrates é homem, e Sócrates é animal. Esta causal: porque o sol
brilha, é dia, deste modo: e, se o sol brilha, é dia, e o sol brilha, e é dia, e a luz
do sol é a causa do dia.
Pelo que em breve se dirá, entender-se-á qual o modo mais fácil de se
descobrirem as opostas a tais enunciações. É isto o que há a dizer acerca da
oposição das conjuntas.

Capítulo XXII - Da Equipolência das conjuntas


Pelo que diz respeito à equipolência convém dizer sucintamente: que
as condicionais não equivalem nem às copulativas nem às disjuntivas, mas só
as copulativas equivalem às disjuntivas. Que as condicionais não equivalem às
copulativas, ressalta do seguinte: se houvesse uma copulativa à qual equivalesse
esta condicional: se Sócrates é homem é animal, seria de preferência esta: e
Sócrates não é homem e não é animal. Nem, com efeito, outra se oferece, à
qual aquela equivalesse mais provavelmente, como ressalta da indução. Mas
esta não vale o mesmo que aquela. Embora se infira daquela, como é evidente,
contudo, não infere aquela. Aliás seria boa consequência a seguinte, na qual
se vê o antecedente verdadeiro e o consequente falso: não e Sócrates é pedra,
e não é animal, portanto, se Sócrates é pedra, é animal. Quando, portanto,
a condicional proposta não equivale à copulativa dada, não haverá nenhuma
outra copulativa a que equivalha a mesma condicional. Isto mesmo será fácil
de verificar nas restantes.
Que as condicionais não equivalham às disjuntivas, por isto se entenderá:
é que, se se falar das disjuntivas dos antigos, ou seja, das imediatas, como elas
não podem ser contrárias nem subcontrárias nem subalternas entre si, não pode
suceder que equivalham às condicionais. Qualquer condicional, com efeito,
tem alguma condicional contrária ou subcontrária e, do mesmo modo, alguma
subalternada ou subalternante. Mas não pode suceder que sejam equipolentes
duas enunciações, das quais uma tem contrária ou subcontrária, etc., e a outra
não. Que, finalmente, nem equivalham às disjuntivas comuns, ou mediatas,
consta disto: é que as disjuntivas comuns equivalem às copulativas, como agora
diremos, às quais, contudo, não equivalem as próprias condicionais, como
ressalta do que se disse.
Que as copulativas e às disjuntivas comuns equivalham entre si, ressalta
disto: como é opinião comum dos dialéticos, a copulativa absolutamente
afirmativa, isto é, de conjunção e de palavras, como: Sócrates é branco, e
Platão é branco, equivale à disjuntiva absolutamente negativa, tal como: não

235
Pedro da Fonseca

est, Non aut Socrates non est albus, Plato non est albus. Copulativa autem
affirmativa solius coniuctionis, ut, Et Socrates non est albus, et Plato non est
albus arquipollet negativae solius coniunctionis, qualis est Non aut Socrates
est album, aut Plato est albus. Copulativa vero omnino negativa, ut, Non et
Socrates non est albus, et Plato non est albus, arquipollet disiunctivae omnino
affirmativae, qualis est, Aut Socrates est albus, aut Plato est albus. Denique
copulativa negativa solius coniunctionis, ut, Non et Socrates est albus, et Plato
est albus, equipollet disiunctivae affirmativae Solius coniunctionis, qualis est,
Aut Socrates non est albus, aut Plato non est albus. Quae omnia in subiectis
descriptionibus planius perspiciuntur.

Descriptio arquipollentium ex simplicibus singularibus


Et Socrates est albus, et Plato est albus.
Non aut Socrates non est albus, aut Et Socrates non est albus.
albus, et Plato non
Plato non est albus. Non aut Socrates est albus, aut Plato est
albus.
Non et Socrates non est albus, et Plato Non et Socrates est albus, et Plato est
non est albus. albus.
Aut Socrates est albus, aut Plato est Aut Socrates non est albus, aut Plato
albus. non est albus.

Verum pro descriptionibus earum, quae constant dictis communibus,


illud observandum est, ut cum oppositae copulativae constiterint simplicibus
contrariis, tum disiunctivae conficiantur ex subcontrariis: cum vero illae
constiterint contradictoriis, tum hae quoque constituantur ex contradictoris
tum inter se, tum etiam comparatione earum ex quibus copulativae constant.
Quod in sequentibus descriptionibus perspicuum est.

Descriptio aequipollentium ex simplicibus communibus Quando


oppositae copulativae constant, simplicibus contraris
Et omnis homo est albus, et omnis Et nullus homo est albus, et nullus
equus est albus. equus est albus.
Non aut aliquis homo non est albus aut Non aut aliquis homo est albus, aut
aliquis equus non est albus. aliquis equus est albus.
Non et nullus homo est albus, et nullus Non et omnis homo est albus, et omnis
equus est albus. equus est albus.
Aut aliquis homo est albus, aut aliquis Aut aliquis homo non est albus, aut
equus est albus. aliquis equus non est albus.

236
Livro III das Instituições Dialéticas

ou Sócrates não é branco, Platão não é branco. Mas a copulativa afirmativa só


de conjunção, como: e Sócrates não é branco, e Platão não é branco, equivale
à negativa só de conjunção, tal como: não ou Sócrates é branco, ou Platão
é branco. A copulativa absolutamente negativa, como: não e Sócrates não é
branco, e Platão não é branco, equivale à disjuntiva absolutamente afirmativa,
tal como: ou Sócrates é branco ou Platão é branco. Finalmente, a copulativa
negativa só de conjunção, como: não e Sócrates é branco e Platão é branco,
equivale à disjuntiva afirmativa só de conjunção, tal como: ou Sócrates não é
branco ou Platão não é branco. Tudo isto se entende com bastante clareza nos
quadros que vêm a seguir.

Quadro das equipolentes de simples singulares


Tanto Sócrates é branco, quanto Platão Tanto Sócrates não é branco, quanto
é branco. Platão não é branco.
Ou não Sócrates não é branco, ou Ou não Sócrates é branco, ou Platão é
Platão não é branco. branco.
Tanto não Sócrates não é homem, Tanto não Sócrates é branco, quanto
quanto Platão não é branco. Platão é branco.
Ou Sócrates é branco, ou Platão é Ou Sócrates não é branco, ou Platão
branco. não é branco.

No entanto, para as descrições das que constam de ditos comuns,


deve observar-se que, quando as opostas copulativas constarem de simples
contrárias, as disjuntivas fazem-se de subcontrárias; quando aquelas constarem
de contraditórias, estas constituem-se também de contraditórias quer entre si,
quer também em comparação daquelas de que constam as copulativas. Isto é
evidente nos quadros seguintes.

Quadro das equipolentes de simples comuns quando as opostas


copulativas constam de simples contrárias
Tanto todo o homem é branco, quanto Tanto nenhum homem é branco, quanto
todo cavalo é branco. nenhum cavalo é branco.
Ou não algum homem não é branco, ou Ou não algum homem é branco, ou
algum cavalo não é branco. algum cavalo é branco.
Tanto não nenhum homem é branco, Tanto não todo o homem é branco,
quanto nenhum cavalo é branco. quanto todo o cavalo é branco.
Ou algum homem é branco, ou algum Ou algum homem não é branco, ou
cavalo é branco. algum cavalo não é branco.

237
Pedro da Fonseca

Quando oppositae copulativae constant simplicibus Contradictoriis


Et aliquis homo est albus, et aliquis Est nullus homo est albus, et nullus
equus est albus. equus est albus.
Non aut nullus homo est albus, aut Non aut aliquis homo est albus, aut
nullus equus est albus. aliquis equus est albus.
Non et nullus homo est albus, et nullus Non et aliquis homo est albus, et aliquis
equus est albus. quis equus est albus.
Aut aliquis homo est albus, aut aliquis Aut nullus homo est albus, aut nullus
equus est albus. equus est albus.

Utilitas autem, quae ex harum enunciationum arquipollentia capitur


Haud parva est. Hine enim discimus exponere negativas coniunctionis (quae
quidem obscuriores sunt) per affirmativas. Discimus quoque constituere
omnia oppositarum, et subalternarum genera ex affirmativis sumpta Loco
oppositae negativae aliqua affirmativa, quae illi equipolleat. Unde fit, Ut non
parum usurpata sit apud dialecticos constitutivo contradicentium Ex utraque
affirmativa coniunctionis. Si quis enim petat contradicentem Huius, Socrates
est albus, et Plato est albus, mox reddunt hanc, Aut Socrates non est albus,
aut Plato non est albus. Si quis autem petat quae contradicat huic subiiciunt,
Aut Socrates est niger, aut Plato est niger, quod idem faciunt in reliquis, hoc
semper observato, ut simplices, ex quibus constat disiunctiva, contradicant
simplicibus, ex quibus constat copulativa, quod idem faciendum esse ex iis,
quae diximus colliges.

Hinc iam inteliges quo pacto planius, et facilius rationalium, et


Causalium oppositas assignare possis. Nam cum huiusmodi enunciationes
Simpliciter, et absolute habeant sensum copulativum, ut supra dictum est, aut
si mavis, quibusdam copulativis aequipolleat, ex mixione copulativarum cum
disiunctivis, multo expeditius earum oppositae tradentur.
Si quis enim abs te petierit contrariam huius, Socrates est homo, ergo
Socrates est animal, cum haec arquipolleat huic copulativae, Et si Socrates
est homo, Socrates est animal, et Socrates est homo, et Socrates est animal,
trades illi hanc contrariam copulativam, et Si Socrates non est animal. Si vero
petierit contradicentem trades illi hanc disiunctivam: Aut non si Socrates est
homo, Socrates est animal, aut Socrates non est homo, aut Socrates non est
animal Denique si petierit subalternatam trades illi hanc disiunctivam, Aut si
Socrates est homo, Socrates est animal, aut Socrates est homo, aut Socrates est
animal. Eodemque modo si quis petierit contrariam huius causalis, Quia Sol
lucet, dies est, cum haec aequipolleat huic copulativae, Et Si Sol lucet, dies est,
et Sol lucet, et dies est, et Lux Solis est causa diei, trades illi hanc contrariam

238
Livro III das Instituições Dialéticas

Quando as opostas copulativas constam de simples contraditórias


Tanto algum homem é branco, quanto Tanto nenhum homem é branco, quanto
algum cavalo é branco. nenhum cavalo é branco.
Ou não nenhum homem é branco, ou Ou não algum homem é branco, ou
nenhum cavalo é branco. algum cavalo é branco.
Tanto não nenhum homem é branco, Tanto não algum homem é branco,
quanto nenhum cavalo é branco. quanto algum cavalo é branco.
Ou algum homem é branco, ou algum Ou nenhum homem é branco, ou
cavalo é branco. nenhum cavalo é branco.

A utilidade que se tira da equipolência destas enunciações não é


pequena. Com efeito, por ela aprendemos a expor as negativas de conjunção
(que são, na verdade, um tanto obscuras) por meio das afirmativas. Aprendemos
também a constituir todos os gêneros das opostas e das subalternas, tomando
das afirmativas, em lugar da oposta negativa, alguma afirmativa que equivalha
àquela. De onde se infere que não é pouco usada pelos dialéticos a constituição
das contraditórias de uma e outra afirmativa de conjunção. Se alguém,
entretanto, pedir a contraditória desta: Sócrates é branco, e Platão é branco,
dão imediatamente esta: ou Sócrates não é branco, ou Platão não é branco.
Mas se alguém pedir aquela que contradiz esta: tanto Sócrates não é negro,
quanto Platão não é negro, apresentam ato, contínuo, esta: ou Sócrates é negro
ou Platão é negro. Assim procedem com as restantes, observando-se sempre
isto: que as simples, de que consta a disjuntiva, contradigam as simples, de que
consta a copulativa. Do que dissemos se concluirá que se deve fazer o mesmo.
Daqui já se entenderá de que maneira se podem marcar um tanto clara e
facilmente as opostas das racionais e causais. Com efeito, como tais enunciações
têm simples e absolutamente sentido copulativo, como se disse acima, 195 ou, se
se prefere, equivalem a certas copulativas, da mistura das copulativas com as
disjuntivas, serão dadas as suas opostas, muito mais facilmente.
Se alguém, pois, pedir a contrária desta: Sócrates é homem, portanto
Sócrates é animal, como esta equivale a esta copulativa: tanto se Sócrates é
homem, Sócrates é animal, quanto Sócrates é homem, e Sócrates é animal,
dar-se-lhe-á esta copulativa contrária: tanto se Sócrates é homem, Sócrates
não é animal, quanto Sócrates não é homem e Sócrates não é animal. Mas
se pedir a contraditória, dar-se-lhe-á esta disjuntiva: ou se não Sócrates
é homem, Sócrates é animal, ou Sócrates não é homem, ou Sócrates não é
animal. Finalmente, se pedir a subalternada, dar-se-lhe-á esta disjuntiva: ou
se Sócrates, é homem, Sócrates é animal, ou Sócrates é homem, ou Sócrates é
animal. E, do mesmo modo, se alguém pedir a contrária desta causal: porque o

195 Cap. 16 e 21.

239
Pedro da Fonseca

copulativam, Et Si Sol lucet, non est dies, et Sol non lucet, et non est dies, et
lux Solis non est suapte natura causa diei, et reliquas oppositas codem modo,
quo in rationalibus.

Haec de coniuncis enunciationibus, missis aliis plerisque, quae viri


alioqui gravissimi ingenii ostentatione magis, quam utiliter scripta reliquerunt.

Caput XXIII - De quibusdam enunciationibus expositione


indigentibus
Ac videri quidem posset iam ad finem perducta tota de oratione
suscepta disputatio, nisi Dialectici post Aristotelem quedam huic tractationi
addidissent, quae prorsus ignorare non convenit. Haec sunt expositiones
nonnullae quarundam enunciationum, quae, quia ob quasdam particulas
obscurae sunt, et expositione indigent, exponibiles vulgo appellantur: Harum
igitur quoad satis videatur tradenda est hoc loco explicatio, ne siquis absque
praemeditata cognitione in eas disserendo inciderit, non facile ab eis se possit
expedire. Atque ex quamplurimis, quas recentiorum nimina fortasse diligentia
exposuit, exclusivas tantum nos, exceptivas, et reduplicativas, ut vocant, quam
brevissime explicabimus, quoniam reliquae aut parum exhibent negotii, aut,
nisi in reconditissima philosophia, plane, ac dilucide intelligi non possunt.
Fuerunt autem huiusmodi enunciationum expositiones in hunc locum
necessario differendae, quia sine cognitione coniunctarum enunciationum
doceri nequeunt.?

Caput XXIV - De Exclusivis enunciationibus


Exclusivae enunciationes dicuntur, quae constant signo aliquo exclusivo,
qualia sunt Tantum, Solum, Duntaxat, et caetera, si quae sunt eiusdem
significationis. Huiusmodi autem signa aliquando excludunt alia praedicata
ab codem subiecto, ut si dicas, Predicamenta sunt tantum decem, Homo
est tantum animal rationale: aliquando excludunt alia subiecta ab eodem
praedicato, seu (ut aptius loquar) a participatione eiusdem praedicati, ut si
dicas, Solum animal est sensus capax, Homo duntaxat loqui potest.
Hinc fit, ut duo sint exclusivarum enunciationum genera, quorum prius
vocari potest exclusi praedicati, posterius exclusi subiecti, quod signum in priori
genere excludat aliquod praedicatum, in posteriori aliquod subiectum, ut patet
79 Nota do paragrafo Exponibiles curdicantur

240
Livro III das Instituições Dialéticas

sol brilha, é dia, equivale-lhe esta copulativa: tanto se o sol brilha, é dia, quanto
o sol brilha, e é dia, e a luz do sol é a causa do dia, dar-se-lhe-á esta contrária
copulativa: e se o sol brilha, não é dia, e o sol não brilha, e não é dia, e a luz
do sol não é de sua própria natureza a causa do dia; e [se pedir] as restantes
opostas [far-se-á] do mesmo modo que nas racionais.
Isto, [o que há a dizer] acerca das enunciações conjuntas, omitidas
muitas outras, que homens aliás de grande talento deixaram escritas mais por
ostentação do que por utilidade. 196

Capítulo XXIII - De algumas enunciações que carecem de


exposição
Poderia estar já toda a dissertação empreendida acerca da oração, se
os dialéticos, depois de Aristóteles, não tivessem ajuntado a este tratado
algumas coisas que convém não ignorar de todo. Tais coisas são as exposições
de certas enunciações que, por serem obscuras em razão de algumas partículas,
e carecerem de exposição, se chamam vulgarmente exponíveis. Deve, portanto,
dar-se, neste lugar, a explicação destas, tanto quanto parecer suficiente, para
que, se alguém, sem conhecimento prévio, cair nelas ao dissertar, facilmente
delas possa desembaraçar-se. Mas, dentre o maior número daquelas que a
diligência talvez excessiva dos modernos expôs, nós só explicaremos, o mais
sumariamente possível, aquelas a que eles chamam exclusivas, exceptivas e
reduplicativas. Quanto às restantes, ou oferecem pouca dificuldade ou não
se podem entender com simplicidade e clareza senão numa profundíssima
fllosofia. Tinham de ser remetidas necessariamente para este lugar as exposições
de tais enunciações porque, sem o conhecimento das enunciações conjuntas,
não se poderiam ensinar.

Capítulo XXIV - Das enunciações exclusivas


Dizem-se enunciações exclusivas aquelas que constam de algum sinal
exclusivo, tais como: só, somente, apenas e outros, se os há, da mesma significação.
Tais sinais, porém, umas vezes excluem outros predicados do mesmo sujeito,
como se se disser: os predicamentos são só dez; o homem é só animal racional;
outras vezes, [excluem] outros sujeitos do mesmo predicado ou (para falar com
mais propriedade) da participação do mesmo predicado, como se se disser: só o
animal é dotado de sentidos; só o homem usa da palavra.
Daqui se deduz que há dois gêneros de enunciações exclusivas, dos quais
o primeiro pode chamar-se de predicado excluído, e o segundo, de sujeito excluído,
visto que o sinal, no primeiro gênero, exclui algum predicado, no segundo,
196 Entre estes está Boécio, Do Silogismo Hipotético.

241
Pedro da Fonseca

in traditis exemplis. Exclusivae autem utriusque generis quattuor modis efferri


possunt secundum immediatam affirmationem, et negationem signi, et verbi.
Aut enim utrumque affirmatur, ut in traditis exemplis: aut solum signum
affirmatur, ut si dicas, Predicamenta non sunt tantum quinque, Sola substantia
non est in subiecto: aut utrumque negatur, ut si dicas, Praedicamenta non
sunt non tantum decem, Non solum animal non est sensus capax: aut solum
signum negatur, ut si dicas, Predicamenta sunt non tantum quinque, Non
solum animal est vivens.

His ita constitutis, adverte utrumque genus exclusivarum exponi


enunciatione una coniuncta, seu hypothetica, composita ex duabus simplicibus:
quae exponentes dici solent. Harum prior constat eodem subiecto, eodemque
predicato (detracto tamen signo) quibus enunciatio exponenda constat: quae
vocatur praciacens. Posterior cum exponit exclusivas prioris generis, constat
codem subiecto, et excluso praedicato: cum autem exponit exclusivas posterioris,
constat codem predicato, et excluso subiecto. Atque haec, cum peculiari
nomine careat, dicitur secunda exponens. Caeterum ex priori exclusivarum
genere duae tantum formae a nobis exponendae sunt, ea nimirum, in qua et
signum, et verbum affirmantur, ut Predicamenta sunt tantum decem: et ea,
in qua solum verbum immediate negatur, ut Praedicamenta non sunt tantum
quinque Nam reliquae duae formae non sunt fere in usu. At ex posteriori
genere, cum omnes usurpentur, omnes sunt exponendae. 80

Exclusivae igitur prioris generis, quas exclusi praedicati appellavimus,


si utraque ex parte affirmativae fuerint, exponendae erunt copulativae, priori
exponente affirmativa, et posteriori negativa, hoc modo. Predicamenta sunt
tantum decem, id est, Predicamenta sunt decem, et non sunt plura, quam
decem. Homo est tantum animal rationale, id est, Homo est animal rationale,
et non est aliquid ultra quam animal rationale. Si autem solum verbum
immediate negaverint, exponendae erunt disiunctive, priori exponente negativa,
et posteriori affirmativa hoc modo, Praedicamenta non sunt tantum quinque,
id est, Praedicamenta non sunt quinque, vel sunt plura, quam quinque: Homo
non est tantum animal, id est, Homo non est animal, vel est aliquid ultra quam
animal. Nec vero satis est ita exponere negativas, Predicamenta non sunt
tantum quinque, id est, predicamenta sunt plura, quam quinque: Homo non
est tantum animal, id est, homo est aliquid ultra quam animal. Saepe enim
expositio haec falsa reperietur, ut si ita dicas, Predicamenta non sunt tantum
80 Nota do paragrafo: Exclusivae, quae. / Signa exclusiva, quid efficiant. / Duo genere exclusivarum
enunciationum. / Exclusivae quattuor modis efferuntur. / Generalis ratio

242
Livro III das Instituições Dialéticas

algum sujeito, como é evidente pelos exemplos dados. As exclusivas, porém, de


um e outro gênero, podem fazer-se de quatro modos, segundo a afirmação e
a negação imediatas do sinal e do verbo. Efetivamente, ou se afirmam ambos,
isto é, não se negam, como nos exemplos dados; ou só se afirma o sinal (de
tal modo que, pelo menos, não se nega imediatamente), como se se disser:
os predicamentos não são só cinco, só a substância não está no sujeito; ou se
negam imediatamente ambos, como se se disser: os predicamentos não são não
só dez, não só o animal não é dotado de sentidos; ou só se nega imediatamente
o sinal, como se se disser: os predicamentos são não só cinco, não só o animal
é vivo.
Posto isto, note-se que ambos os gêneros das exclusivas, quer de predicado
excluído, quer de sujeito excluído, se expõem por uma única enunciação conjunta
ou hipotética, composta de duas simples, que se costumam dizer exponentes. A
primeira destas (que se chama prejacente) consta do mesmo sujeito e do mesmo
predicado de que consta a enunciação a expor, ou exponível, como lhe chamam,
tirando-se-lhe, porém, o sinal; a segunda (que, por carecer de nome peculiar,
costuma chamar-se apenas segunda exponente), quando expõe as exclusivas do
primeiro gênero, consta do mesmo sujeito e do predicado excluído; quando,
porém, expõe exclusivas do segundo, consta do mesmo predicado e do sujeito
excluído. De resto, do primeiro gênero das exclusivas só duas formas devem
ser expostas por nós: aquela em que o sinal e o verbo se afirmam, como: os
predicamentos são só dez; e aquela em que só o verbo se nega imediatamente,
como: os predicamentos não são só cinco. Na realidade, as duas formas restantes
quase não estão em uso. Mas as do segundo gênero, como são usadas todas,
todas devem ser expostas.
Portanto, as exclusivas do primeiro gênero, a que chamamos de predicado
excluído, se forem afirmativas de ambas as partes, deverão ser expostas
copulativamente com a primeira exponente afirmativa e a segunda negativa,
deste modo: os predicamentos são só dez, isto é, os predicamentos são dez, e
não são mais de dez; o homem é só animal racional, isto é, o homem é animal
racional, e não é outra coisa além de animal racional. Se, porém, negarem só
o verbo imediatamente, deverão ser expostas disjuntivamente, com a primeira
exponente negativa e o segunda afirmativa, deste modo: os predicamentos não
são só cinco, isto é, os predicamentos não são cinco, ou são mais de cinco; o
homem não é só animal, isto é, o homem não é animal ou é outra coisa além
de animal. Mas não é suficiente expor assim as negativas: os predicamentos
não são só cinco, isto é, os predicamentos são mais de cinco; o homem não
é só animal, isto é, o homem é algo mais que animal. Com efeito, muitas
vezes será descoberta como falsa esta exposição, como se se disser assim: estes
predicamentos (significando-se mentalmente dez predicamentos) não são só

243
Pedro da Fonseca

viginti, id est, sunt plura, quam viginti: Lapis non est tantum animal, id est,
lapis est aliquid ultra quam animal. Nam enunciationes, quae exponuntur, sunt
verae, exponentes autem falsae. Sed de hoc genere exclusivarum nihil amplius
dicendum est.81
Exclusivae autem posterioris generis, quas exclusi subiecti nominavimus,
si et signum, et verbum affirmaverint, exponendae erunt copulative, priori
exponente indefinita, sive particulari affirmativa, et posteriori universali
negativa hoc modo. Tantum animal sentire potest, id est, animal sentire potest,
et nihil quod non sit animal, sentire potest. Si vero solum signum affirmaverint,
exponantur copulative, priori indefinita, sive particulari negativa, et posteriori
universali affirmativa hoc modo. Tantum substantia non est in subiecto, id est,
substantia non est in subiecto, et omne quod non est substantia, est in subiecto.
Si autem utrunque negaverint, exponantur disiunctive, priori universali
affirmativa, et posteriori particulari negativa hoc modo. Non solum animal
non est sensus capax, id est, omne animal est sensus capax, vel aliquid, quod
non est animal, non est sensus capax. Si denique solum signum negaverint,
exponantur disiunctive, priori universali negativa, et posteriori particulari
affirmativa hoc modo. Non solum animal est vivens, id est, nullum animal est
vivens, vel aliquid quod non est animal, est vivens.

Itaque si recte attendas, videbis, enunciationes, quae signum affirmant,


id est, primam, et secundam, exponi copulative, priorique exponente indefinita,
sive particulari (quae idem valent hoc loco) et posteriori universali: contra
vero quae signum negant, id est, tertiam, et quartam, exponi disiunctive, ac
priori exponente universali, et posteriori particulari. Videbis etiam eas, quae
et signum, et verbum simul affirmant, aut negant, id est, primam et tertiam,
exponi priori affirmativa, et posteriori negativa: contra vero eas, quae alterum
affirmant, alterum negant, id est, secundam, et quartam, exponi priori
negativa, et posteriori affirmativa. Denique primam, et quartam contradictoriis
exponentibus exponi: et similiter secundam et tertiam. Primam vero, et tertiam
subalternis, et codem modo secundam et quartam.82

Caput XXV - De oppositione exclusivarum

Non inutile quoque fuerit si harum enunciationum oppositionem


intelligas. Adverte igitur, primam, et secundam esse contrarias: tertiam et

expositiones

244
Livro III das Instituições Dialéticas

vinte, isto é, são mais que vinte; a pedra não é só animal, isto é, a pedra é algo
mais que animal. Na verdade, as enunciações que se expõem são verdadeiras
(visto que as suas contraditórias são falsas); as exponentes, porém, são falsas.
Mas, deste gênero de exclusivas, nada mais é necessário dizer.
Quanto às exclusivas do segundo gênero, a que chamamos de sujeito
excluído, se afirmarem o sinal e o verbo, deverão ser expostas copulativamente,
com a primeira exponente indefinida ou particular afirmativa, e a segunda
universal negativa, deste modo: só o animal pode sentir, isto é, o animal pode
sentir e nada que não seja animal pode sentir. Mas se afirmarem só o sinal,
exponham-se copulativamente, com a primeira [exponente] indefinida ou
particular negativa, e a segunda universal afirmativa, deste modo: só a substância
não está no sujeito, isto é, a substância não está no sujeito e tudo o que não
é substância está no sujeito. Se, porém, negarem um e outro, exponham-se
disjuntivamente, com a primeira [exponente] universal afirmativa e a segunda
particular negativa, deste modo: não só o animal não é dotado de sentidos, isto
é, todo o animal é dotado de sentidos, ou aquilo que não é animal não é dotado
de sentidos. Se, finalmente, negarem só o sinal, exponham-se disjuntivamente,
com a primeira universal negativa e a segunda particular afirmativa, deste
modo: não só o animal é vivo, isto é, nenhum animal é vivo, ou aquilo que não
é animal é vivo.
Assim, se bem se atentar, ver-se-á que as enunciações que afirmam
o sinal, isto é, a primeira e a segunda, se expõem copulativamente, com a
primeira exponente indefinida ou particular (o que aqui vale o mesmo) e a
segunda universal. Pelo contrário, [ver-se-á que] as que negam o sinal, isto é,
a terceira e a quarta, se expõem disjuntivamente, com a primeira exponente
universal e a segunda particular. Ver-se-á também que aquelas que afirmam
ou negam o sinal e o verbo simultaneamente, isto é, a primeira e a terceira, se
expõem com a primeira afirmativa e a segunda negativa; ao contrário, [ver-
se-á] que aquelas que afirmam um e negam outro, isto é, a segunda e a quarta,
se expõem com a primeira negativa e a segunda afirmativa. Finalmente, [ver-
se-á que] a primeira e a quarta se expõem pelas exponentes contraditórias; e,
semelhantemente, a segunda e a terceira. A primeira e a terceira, porém, pelas
[exponentes] subalternas; e, do mesmo modo, a segunda e a quarta.

Capítulo XXV - Da Oposição das exclusivas de sujeito excluído


Não será também inútil se se entender a oposição destas enunciações
(isto é, de sujeito excluído). Advirta-se, portanto, que a primeira e a segunda se
chamam contrárias; a terceira e a quarta, subcontrárias; que a primeira se diz
contraditória da quarta e a segunda da terceira, e, finalmente, que a primeira
é subalternante da terceira e a segunda da quarta, visto que lhes convêm as

245
Pedro da Fonseca

quartam subcontrarias: primam vero quartae, et secundam tertiae contradicere:


denique primam esse subalternantem tertiae, et secundam quartae: quod facile
quivis ex conditionibus oppositarum, et subalternarum, adhibita expositione
cuiusque poterit colligere. Verum ut haec melius teneas, accipe has quattuor
dictiones,
Igne, Tonans, Malos, Perdit.
Quae quattuor praedictis enunciationibus eo ordine, quo a nobis
propositae sunt, respondent. Deinde adverte, in singulis esse duas vocales,
quae significant qualitatem, et quantitatem exponentium, A universalem
afirmativam, E universalem negativam, 1 particularem affirmativam, et O
particularem negativam. Haec si animadverteris, simulque duo illa, quae paulo
superius diximus, in memoriam revocaveris, primam scilicet, et secundam
enunciationem esse exponendas copulative, reliquas disiunctive, itemque
priorem exponentem codem predicato, codemque subiecto constare debere,
posteriorem vero codem predicato, sed excluso subiecto, facile, ac expedite
harum enunciationum et expositionem, et oppositionem memoria retinebis.
Id quod totum in hac descriptione perspicitur. 83

83 Nota do paragrafo: Contrariae. / Subcontrariae. / Contradicentes. / Subalternae. / Verba, quac


memoriam iuvare possint. / Cap. superiori.

246
Livro III das Instituições Dialéticas

condições das suas opostas e subalternas de que tiram o nome. Isto se entenderá
sem grande dificuldade, apresentando a exposição de cada uma. Para melhor se
reterem estas coisas, tomem-se estas quatro dicções:

Igne, Tonans, Malos, Perdit.


Correspondem elas às quatro enunciações supramencionadas pela
mesma ordem que por nós foram propostas. Depois, advirta-se que em cada
uma há duas vogais que significam a qualidade e a quantidade das exponentes:
o a [significa] a universal afirmativa, o e, a universal negativa, o i, a particular
afirmativa e o o, a particular negativa. Se se advertir isto, e simultaneamente se
trouxerem à memória aquelas duas coisas de que falamos um pouco acima, 1°7
isto é, que a primeira e a segunda enunciação se devem expor copulativamente,
e as restantes disjuntivamente; e do mesmo modo que a primeira exponente
deve constar do mesmo predicado e do mesmo sujeito, e a segunda do mesmo
predicado e do sujeito excluído, fácil e expeditamente se reterá na memória a
exposição e a oposição destas enunciações. Tudo isto se vê no sequinte quadro:

197 Capítulo anterior.

247
Pedro da Fonseca

Subalternans
1
Tantum animal est aegrum.
2
Subalternans
Tantum animal non est agrum.
Contrariae
Id est Id est
Ig Animal est agrum, et
Nihil, quod non sit animal, est
To Animal non est aegrum, et
Omne, quod non est animal,
ne aegrum. nans est aegrum.

Subalternae
Subalternae

3 4
Non tantum animal non est Non tantum animal est
aegrum. aegrum.
Subcontrariae
Id est Id est
MaOmne animal est aegrum, vel Per Nullum animal est agrum, vel
Aliquid, quod non est animal, Aliquid quod non est animal,
los non est aegrum. dit est aegrum.

Subalternata Subalternata

Duo tamen ad huc admonebo, quae trito sermone in hac materia


dicuntur. Alterum est, Dictionem exclusivam non excludere concomitantia,
hoc est, ea, quae subiectum exclusivae necessario consequuntur. Exempli
causa, cum dico, Tantum homo loqui potest, non excludo animal nec alia, quae
necessario de homine praedicantur.

Alterum est, Exclusivam et signi et verbi affirmati converti in universalem


affirmativam. Hae siquidem sunt bonae conversiones, Tantum animal est

248
Livro III das Instituições Dialéticas

Subalternante
1
Só o animal está doente.
2
Subalternante

Só o animal não está doente.

Isto é: Contrárias Isto é:

Ig O Animal está doente e To O Animal não está doente e


Nada que não seja animal está Tudo aquilo que não é animal
ne doente. nans está doente.

Subalternas

ditórias.

3 4
Não só o animal não está doente. Não só o animal está doente.
Subcontrárias
Isto é: Isto é:
Ma Todo o animal está doente; ou Per Nenhum animal está doente; ou
Aquilo que não é animal não Aquilo que não é animal está
los está doente. dit doente.
Subalternada Subalternada

Chamarei ainda a atenção, contudo, para duas coisas que se dizem nesta
matéria em linguagem comum. A primeira é que a dicção exclusiva não exclui
as coisas concomitantes, isto é, aquelas que seguem necessariamente o sujeito
da exclusiva. Por exemplo, quando digo: só o homem pode falar, não excluo
animal e as outras coisas que se predicam necessariamente de homem, como
se negasse que elas possam falar, mas só excluo da participação da palavra tudo
aquilo que não é homem.
A segunda é que a exclusiva de sinal e de verbo afirmativo se converte
na universal afirmativa. São, por isso, boas conversões estas: só o animal está

249
Pedro da Fonseca

aegrum, igitur omne agrum est animal: Tantum homo loqui potest, igitur
omne, quod loqui potest, est homo: et ita reliquae huius formae. 84

Caput XXVI - De exceptivis enunciationibus


Exceptivae enunciationes dicuntur, quae constant signo aliquo exceptivo,
quale est Praeter, et si quod est aliud eiusdem significationis. Hoc vero signum
fere semper excipit aliquod subiectum a participatione, consortiove praedicati,
ut si dicas, Omne animal praeter hominem, est rationis expers. Verum ne hoc
loco ineptas exceptiones admittamus, relegandae hinc sunt illae, in quibus, id,
a quo fit exceptio, non vere dicitur de eo, quod excipitur. Quis enim audiat
ita loquentem, Omnis homo praeter belluam est rationis particeps? Itaque
solas eas exceptivas admittamus hoc loco, in quibus id, a quo exceptio fit, vere
affirmatur de re excepta. Quanquam vero id, a quo fit exceptio nonnunquam
signo particulari notatur, ut si dicas, Aliquis rex praeter Croesum fuit dives,
Aliqua regio praeter Italiam est ferax bonorum ingeniorum, ratio tamen
exceptionis poscere videtur, ut id, a quo fit exceptio notetur signo universali.
Excipere enim est a toto genere partem detrahere. Itaque minus propria
censenda est exceptio, cum id, a quo fit exceptio, notatur signo particulari: quo
fit, ut de ea in presentia nobis loquendum non sit.

In exceptivis igitur enunciationibus, quemadmodum in exclusivis, vel


signum et verbum affirmantur, ut si dicas, Omne mobile, praeter coelum, interire
potest: aut solum signum affirmatur, ut Omne animal, praeter hominem, non
est rationis particeps: aut utrumque negatur, ut si dicas, Non omne mobile
praeter coelum, non potest interire: aut signum duntaxat negatur, ut si dicas,
Non omne animal praeter hominem, est bipes.
His etiam omnibus hoc commune est, ut exponantur una quadam
coniucta enunciatione composita ex duabus exponentibus simplicibus, quarum
prior constet eodem subiecto, et praedicato (ita tamen, ut in subiecto negetur
id, quod excipitur, de eo, aequo excipitur) posterior autem constet codem
praedicato, et eo tantum subiecto, quod excipitur. Prima itaque exceptiva
exponitur copulative, priori exponente universali affirmativa, et posteriori
universali negativa hoc modo. Omne mobile, praeter coelum, interire potest,
id est, omne mobile, quod non est coelum, interire potest, et nullum coelum
interire potest. Secunda, quae est contraria primac, etiam copulative exponitur,
sed priori exponente universali negativa, et posteriori universali affirmativa
hoc modo. Omne animal practer hominem non est rationis particeps, id est,
84 Nota do paragrafo: Dictio exclusiva non excludit concomitantia. / Conversio exclusivae omnino
affirma #sativac.

250
Livro III das Instituições Dialéticas

doente, portanto, todo o doente é animal; só o homem usa da palavra, portanto,


tudo aquilo que usa da palavra, é homem; e assim as restantes desta forma.

Capítulo XXVI - Das enunciações exceptivas


Chamam-se enunciações exceptivas aquelas que constam de sinal
exceptivo, como exceto, e qualquer outro, se o há, da mesma significação. Este
sinal quase sempre excetua da participação ou do consórcio do predicado
algum sujeito, como se se disser: todo o animal, exceto o homem, é desprovido
de razão. Mas, para que neste lugar não admitamos excepções ineptas, devem
ser afastadas daqui aquelas em que aquilo de que se faz a exceção não se diz
verdadeiramente daquilo que se excetua. Efetivamente, quem ouve alguém falar
assim: todo o homem, exceto a fera, é dotado de razão? Admitamos, portanto,
neste lugar, só aquelas exceptivas, em que aquilo de que se faz a exceção se
afirme verdadeiramente da coisa excetuada. Mas, embora aquilo de que se faz a
exceção se note algumas vezes por um sinal particular, como se se disser: algum
rei, exceto Creso, foi rico; alguma região, exceto a Itália, é fértil em bons gênios;
contudo, a natureza da exceção parece exigir que aquilo de que se faz a exceção
seja notado por um sinal universal. Excetuar, efetivamente, é tirar do gênero
todo uma parte. Portanto, como menos própria deve ser tida a exceção, quando
aquilo de que se faz exceção se nota por um sinal particular. Daí vem que não
devemos falar desta por agora.
Nas enunciações exceptivas, tal como nas exclusivas, ou se afirmam o
sinal e o verbo, como se se disser: todo o ente que se move, exceto o céu, pode
morrer; ou só se afirma o sinal, como: todo o animal, exceto o homem, não é
dotado de razão; ou se negam ambos, como se se disser: não todo o ente que se
move, exceto o céu, não pode morrer; ou se nega somente o sinal, como se se
disser: não todo o animal, exceto o homem, é bípede.
É ainda comum a todas estas formas o exporem-se por meio de uma
certa enunciação conjunta, composta de duas exponentes simples, das quais a
primeira consta do mesmo sujeito e predicado (de tal maneira, contudo, que se
nega no sujeito o que se excetua daquilo de que se excetua) e a segunda consta do
mesmo predicado e só do sujeito que se excetua. A primeira exceptiva, portanto,
expõe-se copulativamente, com a primeira exponente universal afirmativa e a
segunda universal negativa, deste modo: todo o ente que se move, exceto o
céu, pode morrer, isto é, todo o ente que se move que não é céu pode morrer
e nenhum céu pode morrer. A segunda, que é contrária da primeira, também
se expõe copulativamente, mas com a primeira exponente universal negativa e
a segunda universal afirmativa, deste modo: todo o animal, exceto o homem,
não é dotado de razão, isto é, nenhum animal que não é homem é dotado de
razão e todo o homem é dotado de razão. A terceira, que é subalternada da

251
Pedro da Fonseca

nullum animal, quod non est homo, est rationis particeps, et omnis homo est
rationis particeps. Tertia vero, quae est subalternata primae, et contradictoria
secundae, exponitur disiunctive, priori exponente particulari affirmativa, et
posteriori particulari negativa hoc modo, Non omne mobile praeter Coelum
non potest interire, id est, Aliquod mobile, quod non est coelum, potest interire,
vel aliquod coelum non potest interire. Quarta denique, quae contradicit
primae, subalternatur secundae, et est subcontraria tertiae, etiam disiunctive
exponitur, priori tamen exponente particulari negativa, et posteriori particulari
affirmativa hoc modo, Non omne animal praeter hominem, est bipes, id est,
Aliquod animal, quod non est homo, non est bipes, vel aliquis homo est bipes.
Atque ita patet, priores duas exponi copulative, itemque exponentibus
universalibus: duas vero reliquas disiunctive, et exponentibus particularibus.
Praeterea, exponentes contrariarum esse contrarias, subcontrariarum
subcontrarias, contradicentium contradicentes, et subalternarum subalternas.
Quae omnia cernes in sequenti descriptione, notatis primum his quattuor
dictionibus.
Caute, Cedas, Prisco, Mori.

Quae codem modo indicant exponentes exceptivarum, quo superiores


exclusivarum. Prima enim significat exponentes primae, et caeterae, quae
sequuntur, codem ordine exponentes reliquarum.

252
Livro III das Instituições Dialéticas

primeira e contraditória da segunda, expõe-se disjuntivamente, com a primeira


exponente particular afirmativa e a segunda particular negativa, deste modo:
não todo o ente que se move, exceto o céu, não pode morrer, isto é, algum ente
que se move, que não é o céu, pode morrer ou algum céu não pode morrer. A
quarta, finalmente, que é contraditória da primeira, subalternada da segunda e
subcontrária da terceira, também se expõe disjuntivamente, mas com a primeira
exponente particular negativa e a segunda particular afirmativa, deste modo:
não todo o animal, exceto o homem, é bípede, isto é, algum animal que não é
homem não é bípede, ou algum homem é bípede.
Assim se mostra que as duas primeiras se expõem copulativamente e,
ainda com exponentes universais; e que as duas restantes disjuntivamente com
exponentes particulares. Além disso, está claro que as exponentes das contrárias
são contrárias, as das subcontrárias subcontrárias, as das contraditórias
contraditórias e as das subalternas subalternas. Tudo isto se verá no quadro
seguinte. Mas tome-se primeiro nota destas quatro palavras:

Caute, Cedas, Prisco, Mori.

Indicam elas as exponentes das exceptivas, do mesmo modo que as


[palavras) anteriores [indicam as exponentes] das exclusivas. A primeira,
efetivamente, significa as exponentes da primeira; e as restantes que se seguem,
pela mesma ordem, as exponentes das restantes.

253
Pedro da Fonseca

Subalternans

Omne mobile praeter caelum


2
Subalternans
Omne mobile praeter caclum non
interire potest. potest interire.
Contrariae
Id est Id est
Cau Omne mobile, quod non est Ce Nullum mobile, quod non est
caelum, interire potest, et caelum, interire potest, et
te Nullum caelum interire potest. das Omne caelum interire potest

Subalternae Subalternae

Contradicentes

3
Non omne mobile praeter caelum
4
Non omne mobile praeter
non potest interire. caelum interire potest.
Subcontrariae
Id est Id est
Pris Aliquod mobile, quod non est Mo Aliquod mobile, quod non est
caelum, interire potest vel caelum, non potest interire,
co Aliquod caelum, interire non vel
potest. Aliquod caelum interire potest.

Subalternata Subalternata

Caput XXVII - De reduplicativis enunciationibus


Enunciationes reduplicativae dicuntur, quae constant dictione aliqua
geminante, seu reduplicante, ut vocant. Veluti si dicas, Homo quatenus
est homo, est disciplinae capax. Illa enim dictio, Quatenus, quia apta est ad
aliquid geminandum, et iterandum, reduplicans et reduplicativa dici solet,
quemadmodum qua qua ratione et caterae omnes eiusdem significationis.
Duobus autem modis accipiuntur hae dictiones. Uno, specificative, ut vocant,
altero reduplicative. Tunc hiusmodi voces accipiuntur specificative, cum notant
in subiectis rationem aliquam secundum quam, vel cum qua ipsis conveniunt
predicata, ut si dicas, Socrates quatenus capillos habet, est crispus: Plato qua

254
Livro III das Instituições Dialéticas

Subalternante Subalternante
1 2
Todo o móvel, excepto o céu, Todo o móvel, excepto o céu, não
pode morrer. pode morrer.
Contrárias
Isto é: Isto é:

Cau Todo o móvel que não é céu Ce Nenhum móvel que não é céu
pode morrer, e pode morrer, e
te Nenhum céu pode morrer. das Todo o céu pode morrer.

cons
Subalternas Subalternas

3
Não todo o móvel, excepto o céu,
4
Não todo o móvel, excepto o céu,
não pode morrer. pode morrer.
Subcontrárias
Isto é: Isto é:
Pris Algum móvel que não é céu Per Algum móvel que não é céu
pode morrer, ou não pode morrer, ou
co Algum céu não pode morrer. dit Algum céu pode morrer.
Subalternada Subalternada

Capítulo XXVII - Das enunciações reduplicativas


Dá-se o nome de enunciações reduplicativas àquelas que constam de
dicção geminante ou reduplicante, como lhe chamam, tal como se se disser:
o homem, enquanto é homem, é capaz de educação. Aquela dicção enquanto,
porque é apta para geminar e reduplicar alguma coisa, costuma dizer-se
reduplicante e reduplicativa, tal como conquanto, por esta razão e todas as
restantes da mesma significação. Tomam-se, porém, de dois modos estas
dicções: de um, especificativamente, como dizem; do outro, reduplicativamente.
Tais vozes tomam-se especificativamente quando notam nos sujeitos alguma
razão segundo a qual ou com a qual lhes convêm os predicados, como se se

255
Pedro da Fonseca

est albus est grammaticus. Verus enim sensus prioris enunciationis est Socrati
convenire crispitudinem (ut sic loquor) secundum capillos, posterioris autem,
Grammaticum Platonis non impedire quominus idem sit albus.

Atque ad hoc genus enunicationum pertinent illae, in quibus dictiones


reduplicativae in eo sensu usurpantur, quo significant conditionem sine qua
non (ut appellant) hoc est sine qua praedicata non conveniunt subiectis, ut
si dicas, Ignis quatenus prope est, seu qua ratione prope est, calefacit. Tunc
ver hiuscemodi dictiones accipuntur reduplicative, cum significant aliquid,
quod subiecto convenit, esse causam cur illi conveniat praedicatum: ut si dicas,
Socrates quatenus est homo est disciplinae capax. Sensus enim proprius, ac
praecipuus hius enuncitationis est, Naturam humanam, quae Socrati convenit
esse causam cur illis conveniat docilitas. Omissa igitur priori acceptione,
quae minus propria est, quod ad posteriorem attinet, animadvertendum est,
enunciationum, in quibus resuplicativa dictio hoc pacto sumitur, quattuor
esse genera, Aut enim reduplicatio, et verbum affirmantur, ut si dicas, Homo
quatenus homo est disciplinae capax: aut verbum tantum, ut si dicas, Homo
quatenus homo, non est disciplinae capax: aut utrunque negatur, ut si dicas,
Homo non quatenus homo, non est disciplinae capax: aut sola reduplicatio,
ut si dicas, Homo non quatenus homo, est disciplinae capax. Ac sunt qui
huiusmodi enunciationes tam multis exponentibus explicent, ut rem magis
obscurare videantur. Satis certe videtur esse, si pro istarum expositione loco
verbi
Quatenus, ponatur verbum, Quia, proprie acceptum, sive qua ratione
indicat causam, ut dictum est. Hoc enim pacto non admodum difficile erit
carum sensum intelligere. Quod si eo verbo posito nondum satis aperta fuerit
enunciatio, ex iis quae supra de causali enunciatione dicta sunt, petenda erit
explicatio.

Atque hactenus utiliter de enunciationibus, quae expositione indigent.


Reliqua quae in hac re dici solent, si persequi velis inaniter tempus expendes.

256
Livro III das Instituições Dialéticas

disser: Sócrates, enquanto tem cabelos, é crespo; Platão, conquanto seja branco,
é gramático. Com efeito, o verdadeiro sentido da primeira enunciação é que a
crespidão (por assim dizer) convém a Sócrates segundo os cabelos; mas o da
segunda é que a Gramática de Platão não impede que o mesmo seja branco.
A este gênero de enunciações pertencem aquelas nas quais se usam as
dicções reduplicativas no sentido segundo o qual significam a condição sine
qua non (como lhe chamam), isto é, sem a qual os predicados não convêm
aos sujeitos, como se se disser: o fogo, enquanto está próximo, ou pela razão
de estar próximo, aquece. Tais dicções tomam-se reduplicativamente quando
significam que aquilo que convém ao sujeito é a causa por que lhe convém
o predicado, como se se disser: Sócrates, enquanto é homem, é capaz de
educação. Com efeito, o sentido próprio e principal desta enunciação é: a
natureza humana, que convém a Sócrates, é a causa por que lhe convém a
educabilidade. Omitida, portanto, a primeira acepção, que é menos própria,
no que diz respeito à segunda, deve atender-se a que há quatro gêneros de
enunciações em que se toma deste modo a dicção reduplicativa: com efeito, ou
se afirmam a reduplicação e o verbo, como se se disser: o homem, enquanto
homem, é capaz de educação; ou só o verbo, como se se disser: o homem,
enquanto homem, não é capaz de educação; ou se negam ambos, como se
se disser: o homem, não enquanto homem, não é capaz de educação; ou só a
reduplicação, como se se disser: o homem, não enquanto homem, é capaz de
educação. E há quem explique tais enunciações com tantas exponentes que
mais parece obscurecer a coisa.
Parece ser certamente suficiente, na exposição destas, pôr-se em lugar
da palavra enquanto a palavra porque, propriamente tomada, ou seja enquanto
indica a causa, como se disse. Desta maneira, com efeito, não será muito difícil
entender o sentido delas. Mas se, pondo esta palavra, ainda não for bastante
clara a enunciação, deverá pedir-se a explicação àquilo que acima'"se disse da
enunciação causal.
Até agora [falamos] utilmente das enunciações que carecem de
exposição. As restantes coisas que, nesta matéria, costumam dizer-se, se se
pretender continuar [no estudo delas], gastar-se-á o tempo em vão.

198 Cap. 16 e 11.

257
Liber IV Institutionum Dialecticarum
Livro IV Das Instituições Dialéticas
Pedro da Fonseca

Caput I - De ordine, ac modo tradendi partes Dialecticae: item


quid sit divisio
Explicatis iis omnibus, quae tribus disserendi modis, Divisioni inquam,
Definitioni, et Argumentationi sunt communia, sequitur ut ad ea, quae singulorum
propria sunt, veniendum sit. Ac de divisione quidem et definitione, qua ratione
per se considerantur, et speciales disserendi modi existunt, (sic enim a nobis
in presentia tractabuntur) nullum opus habemus ab Aristotele ex instituto
editum. Attamen si ex iis, quae ille argumentationis causa in Analyticis, et
Topicis de hisce disseruit, ea, quae ad hunc locum attinent, desumpserimus,
aliaque nonnulla ex aliis libris, praesertim Metaphysicis, asciverimus, nihil
praeterea erit, quod magnopere videatur requirendum. Nam et si multa sunt,
quae de divisione, et definitione quaeri, ac disputari possunt, tamen difficilima
quaeque non ad Dialecticum, sed ad Metaphysicum spectant.

Divisio igitur, quod ad Dialecticum attinet, est oratio, qua totum in


suas partes dividitur: ut si dicas, Hominis altera pars est animus, altera corpus:
Animalium aliud homo est, aliud bestia. Totum, quod dividitur, et a quo
incipit divisio, Divisum apud Dialecticos appellatur: partes vero, in quas divisio
finitur, ac terminatur, membra dividentia, vel membra divisionis dicuntur. Hinc
intelliges divisionem esse quendam sciendi modum. Nam cum totum in suas
partes dividitur, tunc distincte qua totum est declaratur.85

Caput II - De distinctione vocis multiplicis


Duplex vero divisio traditur a Philosophis: altera vocis multiplicis, quae
Distinctio nominatur: altera rei, quam in Partitionem, et in cam, quae magis
proprie divisio appellatur, distribuunt.
Distinctio est divisio vocis multiplicis in suas significationes, aut sensus:
ut si dicas, Huius vocis Acutum alia significatio est, qua significat acutam
figuram, alia qua transfertur ad sonum acutum, alia qua ad saporem acutum:
et huius orationis, Litus aras, alter sensus est, quod litus aratro proscindas, alter
quod operam perdas. Hoc dictum intellige de vocibus multiplicibus, quae nec
habent varias significationes, nec varios sensus aeque principales, sed tales,
85 Nota de parágrafo: Institutum librorum sequentium. / Quo pacto i#bis avobus libris de divisione
ac definitione agendum sit. / Maiores difficultates de divisione, ac definitione, ad Metaphy sicum spestant.
/ Divisum. / Membra dividentia.

260
Livro IV das Instituições Dialéticas

Capítulo I - Da ordem e do modo de tratar as partes da


dialética e do que é a divisão
Explicadas todas aquelas coisas que são comuns aos três modos de
discorrer, isto é, à divisão, à definição, e à argumentação, vamos agora tratar
daquelas que são próprias de cada um deles. Ora, acerca da divisão e da
definição, enquanto consideradas em si mesmas e são modos especiais de
discorrer (pois assim as consideraremos agora), não possuímos nenhuma obra
que Aristóteles lhes tenha dedicado especialmente. Se, porém, procurarmos
as coisas, que pertencem a este assunto, naquilo que ele escreveu acerca da
argumentação, nos Analíticos e nos Tópicos, e recolhermos outras em outros
livros, principalmente nos da Metafísica, parece que nada mais se requer. Com
efeito, se bem que muitas coisas mais se possam perguntar e discutir acerca
da divisão e da definição, as mais difíceis, contudo, não dizem respeito ao
Dialético, mas ao Metafísico.
A divisão, portanto, pelo que diz respeito ao Dialético, é a oração
pela qual se divide o todo nas suas partes, como se se disser: uma parte do
homem é a alma, e a outra é o corpo; dos animais, uns são homens e outros
bestas. O todo, que se divide e do qual parte a divisão, é denominado dividendo
pelos Dialéticos. As partes, em que a divisão se confina e se termina, dizem-
se membros dividentes ou membros da divisão. Daqui se compreenderá que a
divisão é um meio de conhecer. Efetivamente, quando se divide um todo nas
suas partes, manifesta-se então distintamente esse todo, enquanto tal.

Capítulo II - Da distinição da voz múltipla


Os filósofos dão duas divisões do termo múltiplo: uma, a da voz múltipla,
que se chama distinção; outra, a da coisa, que eles distribuem na partição e
naquela que, com mais propriedade, se denomina distribuição.
A distinção é a divisão da voz múltipla nas suas significações ou sentidos,
como se se disser: esta palavra agudo tem uma significação enquanto significa
uma figura aguda, outra, enquanto se refere a um som agudo, outra ainda, a
um sabor agudo. Na oração lavras areia, um sentido é que sulcas a areia com
o arado, o outro é que trabalhas em vão. O que fica dito entenda-se das vozes
múltiplas, que não têm várias significações nem vários sentidos igualmente
principais, mas são tais que, ou nas suas significações, ou nos seus sentidos,
possa notar-se alguma unidade de ordem ou de proporção, como se torna

261
Pedro da Fonseca

ut in ipsis sive significationibus, sive sensibus, aliquam videre liceat unitatem


ordinis, aut proportionis, ut patet in traditis exemplis. Nam si vox multiplex
habuerit plures significationes, aut sensus aeque principales sine ordine ullo,
aut proportione, quae aliquam faciat unitatem significationis (ut haec vox
Gallus, quae ex acquo significat hominem Gallum, et gallum avem, et haec
oratio, Audivi Graecos vicisse Troianos, quae ex aequo significat, audivisse me,
quod Graeci vicerint Troianos, et quod Troiani Graecos) non videbitur eius
distinctio ad ullum genus divisionis proprie revocari: quia id non proprie
dividitur quod nullo modo est unum. Totum enim ut docet Aristoteles, unum
quiddam, qua totum est, esse debet.
Sive igitur ita dicas, sive huiusmodi voces modo aliquo dividi concedas
(potest enim earum multiplicitas quodammodo dici unum, ratione unius
vocis, in qua cernitur) omnis enumeratio significationum, aut sensuum vocis
multiplicis seu vere divisio sit, seu quodammodo divisio, nomine distinctionis
proprie comprehenditur: de qua omni, ut de re in disserendo pernecessaria
multa praecepta tradit Aristoteles.

Haec de primo divisionis genere dicta sint. Nunc ad alterum, quod


partitio nominatur veniendum est.86

Caput III - De partitione


Partitio est divisio totius quanti in partes, quibus integratur. Partium
integrantium nomine intelligo eas, quibus tota aliqua magnitudo aut multitudo
extensa est. Hoc modo membra corporis humani sunt partes integrantes corpus
humanum, et ordines Reipublicae totam integrant Rempublicam.
Quoniam vero partes integrantes aut sunt ópoyevis, hoc est, eiusdem
naturae, ac appellationis cum toto, quas cognatas, et similares vocant, ut partes
carnis, et partes aquae, (quaelibet enim pars, quae carnem integrat caro
est, et quaelibet aquae est aqua) aut étepoyeveis, id est diversae naturae, ac
appellationis, quas multigenas, et dissimilares nominant, ut membra corporis
humani, et partes domus, (neque enim digitum dixeris esse corpus humanum,
aut parietem domum) fit, ut duplex sit divisio in partes integrantes, altera in
similares, altera in dissimilares. Priori modo dividuntur quantitates continuae
et alia pleraque, ut aer, aqua, et catera huiusmodi: posteriori dividuntur
quantitates discretae, animalium corpora, et alia permulta tum a natura, tum
ab arte composita.

86 Nota do paragrafo: Generalis divisio divisionis. / Distinctio quid. / Quae vox multiplex p prie non
dicatur dividi. / Id non proprie dividitur, quodnullo modo est unum. / 5. metaph. 26. tex. 31. / Omnis
divisio vocis multiplicis, etiam impropria, proprie dicitur distinctio. / 1. top. 13.

262
Livro IV das Instituições Dialéticas

evidente nos exemplos dados. Com efeito, se a voz múltipla tiver significações
ou sentidos igualmente principais, sem ordem alguma ou proporção que dê
uma certa unidade de significação (como a palavra gallus, que tanto significa
homem gaulês como galo, e esta oração: Audivi Graecos vicisse Troianos, com
a qual significo tanto ter eu ouvido que os gregos venceram os troianos, como
que os troianos venceram os gregos), não haverá razão para que a sua distinção
pertença a um gênero de divisão. De fato, não se divide aquilo que, de modo
nenhum, forma uma unidade. O todo, com efeito, como ensina Aristóteles, '"
enquanto todo, deve ter uma certa unidade.

Portanto, quer se concorde com isto, quer se conceda que vozes desse
gênero se dividem de alguma maneira (pode, efetivamente, a sua multiplicidade
dizer-se, de certo modo, unidade, em razão da palavra única com que se
expressa), toda a enumeração das significações ou dos sentidos da voz múltipla,
seja ela uma divisão propriamente dita ou uma divisão até certo ponto, está
compreendida propriamente no nome distinção — acerca de toda a qual, como
de uma coisa muitíssimo necessária no discorrer, nos deixou Aristóteles200
muitas regras.
E bastem as coisas que se disseram sobre o primeiro gênero de divisão.
Expliquemos agora o segundo, a que se dá o nome de partição.

Capítulo III - Da Partição


A partição é a divisão do todo quantitativo nas partes em que ele se
integra. Pelo nome de partes integrantes entendo aquelas pelas quais toda uma
grandeza ou multidão se estende. Deste modo, os membros do corpo humano
são partes integrantes do corpo humano, e as classes de uma República
integram toda a República.
Ora, uma vez que as partes integrantes ou são óuoyevis (homogêneas),
isto é, da mesma natureza e nome que o todo, e então chamam-se cognatas e
semelhantes, como as partes da carne, as partes da água (com efeito, qualquer
parte que faz parte integrante da carne é carne, e qualquer parte da água é água),
ou sãO ÉtEpoyEvEÍS (heterogêneas), isto é, de natureza e nome diversos, e então
chamam-se multigenas e dissemelhantes, como os membros do corpo humano
e as partes de uma casa (com efeito, não se diz que o dedo é o corpo humano,
nem que uma parede é a casa), conclui-se que a divisão em partes integrantes
ou partição é dupla: uma, na qual o todo se divide em partes semelhantes; outra,
em dissemelhantes. Do primeiro modo, dividem-se as quantidades contínuas,
e quase todas as outras coisas, como o ar, a água e os restantes corpos simples;
199 Metafísica, V, 26, tex. 31.
200 Tópicos, 1, 13.

263
Pedro da Fonseca

Ad hanc dividendi formam revocari potest divisio totius potestate, seu


virtute, in suas vires, seu potentias, quae saepenumero apud Aristotelem partes
vocantur: ut si dicas, Animi rationalis altera pars est, qua intelligit, altera, qua
cupit. Causa huius revocationis est, quia ut res extensa constat suis partibus
integrantibus quo ad totam extensionem, sic res, quae multa potest constat
suis viribus potentiisve quo ad totam potestatem quae extensio quaedam rei
merito censeri potest. Quod si quis contendat hoc genus divisionis potius
numerandum esse inter diviviones per accidens, de quibus inferius agendum
est, (nec enim dubium esse debet quin partes potestatis accidant rei cui tota
potestas accidit) occurrendum est partes potestatis, ei accidunt rei, cui tota
potestas accidit sumpta re quoad essentiam suam non tamen illi accidere si
res sumatur quoad totam potestatem, quo pacto nomen rei in hoc genere
divisionis sumitur. 87

Caput IV - De divisione physica totius essentialis


Divisio, ut a distinctione vocis multiplicis, et a partitione secernitur,
duplex est, altera totius essentialis altera totius universalis. Nomine totius essentialis
intelligo id, quod habet essentiam compositam, sive re, sive consideratione:
cuiusmodi sunt omnes species, quae per se ponuntur in predicamentis: ut
homo, angelus, color: hae siquidem res respectu partium, ex quibus ipsarum
essentia constituitur, dicuntur tota essentialia. Totum vero universale accipio
respectu partium sibi subiectarum, de quibus dicitur essentialiter, seu ut de
subiectis, ut loquitur Aristoteles: quo pacto substantia, et corporeum dicuntur
tota universalia respectu hominis, aut animalis.
Porro divisio totius essentialis, ut iam significavimus, duplex est altera
realis, sive physica, altera rationis, sive metaphysica. Divisio physica totius
essentialis est, qua totum essentiale dividitur in partes vere, ac re ipsa essentiam
componentes. Partes vere componentes essentiam rei sunt materia, et forma.
Materia (ut pingui Minerva rem exponamus) est subiectum quod formam in
se recipit. Forma vero est perfectio quedam, quae recepta in materia essentiam
rei absolvit. Hoc modo corpus dicitur materia hominis, et animus forma. Ita
divisio, qua dicimus, hominis alteram partem esse animum, alteram corpus, est

87 Nota do paragrafo: Partitio quid. / Partes integrantes. / Partes similares. / Aristo. 1. de generat.
5. et 1. de hist. anim. 1. vocat óporquepeis dissimilares ávoporopEpeis / Duplex partitio. / Divisio totius
potestate ad partitionem revocatur. / Ut passim libris de anima.

264
Livro IV das Instituições Dialéticas

do segundo modo, dividem-se as quantidades discretas, os corpos dos animais


e muitíssimas outras coisas compostas tanto natural como artificialmente.
Nesta forma de dividir pode incluir-se a divisão do todo potencial ou
virtual nas suas capacidades ou potências, a que Aristóteles, muitas vezes,
chama partes,201 como quando se diz: uma parte da alma racional é aquela
pela qual entende; outra, aquela pela qual deseja. A causa desta inclusão é
que, assim como a coisa extensa consta das suas partes integrantes em relação
a toda a extensão, assim a coisa, que tem muitas capacidades, consta das suas
capacidades ou potências em relação a toda a potência, e esta pode, com razão,
ter-se como uma certa extensão da coisa. Se alguém objetar que este gênero
de divisão deve antes enumerar-se entre as divisões por acidente, das quais se
tratará mais abaixo (não resta dúvida, com efeito, de que as partes da potência
pertencem à coisa a que pertence a potência toda), deve responder-se que as
partes da potência, embora pertençam à coisa a que pertence a potência toda,
tomada a coisa quanto à sua essência, não lhe pertencem, contudo, se a coisa
se tomar quanto à potência toda, que é como se toma o nome da coisa neste
gênero de divisão.

Capítulo IV - Da divisão física do todo essencial


A divisão, enquanto distinta da distinção da voz multíplice e da partição,
é dupla: uma, do todo essencial; outra, do todo universal. Pelo nome todo essencial,
entendo aquilo que tem uma essência composta de matéria e forma comum, ou
de gênero e diferença. Assim, dizem-se todos essenciais: homem, anjo, cor e as
restantes espécies de coisas que por si se põem nos predicamentos. O nome todo
universal tomo-o em relação às partes que lhe pertencem essencialmente ou
das quais se predica como de sujeitos, segundo Aristóteles.202 Assim, substância
e corpóreo dizem-se todos universais em relação ao homem ou ao animal.

A divisão do todo essencial é dupla: uma real ou física, outra de razão


ou metafísica. A divisão física do todo essencial é aquela pela qual se divide o
todo essencial em matéria e forma. A matéria (para expormos isto por alto) é
o sujeito da forma substancial. A forma é a perfeição substancial da matéria.
Deste modo, o corpo diz-se a matéria do homem, e a alma a forma. De onde
se conclui que a divisão, pela qual dizemos que uma parte do homem é alma,
e a outra corpo, é uma divisão física. Esta divisão costuma denominar-se
real e física, porque se faz nas partes, realmente diversas, de que se compõe
naturalmente a essência do que se divide.

201 Assim, em vários passos, nos livros Da Alma.


202 Predicamentos, 2 e 3.

265
Pedro da Fonseca

divisio physica. Dici autem solet haec divisio realis, ac physica, quia fit in partes
re diversas, ex quibus id, quod dividitur, naturaliter compositum est.
Ad hanc divisionem revocatur divisio compositi accidentalis in
subiectum et accidens: ut si dicas, Aeris figurati altera pars est aes, altera
figura. Revocatur etiam divisio quantitatum continuarum in partes divisibiles,
et indivisibiles, quoniam divisibiles sunt similes materiae, indivisibiles autem,
formae: quo pacto linea duorum palmorum dividitur in duos palmos, et in
punctum, quo palmi copulantur.

Caput V - De divisione metaphysica totius essentialis


Divisio metaphysica totius essentialis est ea, quae totum essentiale dividitur
in partes sola ratione considerationeque essentiam componentes. Huiusmodi
partes sunt genus, et differentia. Sola enim ratione species ex genere, et
differentia constituitur, ut homo ex animali, et rationali. Ita fit ut oratio, qua
dicimus, hominis alteram partem essentialem esse animal, alteram rationale,
sit divisio metaphysica.
Dicitur autem haec divisio rationis, et metaphysica, quia non fit in
partes re diversas, sed ratione sola, qui dividendi modus Metaphysicorum est
pene proprius, ac peculiaris. Nam, ut in eodem exemplo persistam, animal et
rationale, quae in homine cernuntur, eadem prorsus res sunt, ipse tamen homo
secundum eam quidem rationem, qua convenit cum brutis animantibus, est, et
dicitur animal, secundum eam vero, qua ab eisdem distinguitur, est, et dicitur
rationalis.
Ab hanc divisionem revocatur divisio individui (quod saepe Aristoteles
comparatione speciei vocat ipsum totum) in speciem et differentiam
individuantem, ex quibus non re ipsa, sed ratione, et consideratione componitur.
Homo enim et differentia individuans, ex quibus Socrates constitui dicitur,
cadem omnino res sunt: verum Socrates secundum eam rationem, qua cum
caeteris hominibus convenit, est, ac dicitur homo, secundum eam vero, qua
differt ab eidem, est, et dicitur hic designatus homo, ac individuus.

Si quis autem quaerat cur haec divisio individui non sit comprehensa
sub divisione totius essentialis, sed ad quandam cius speciem revocetur,
praesertim cum individuum non videatur excludendum a ratione totius
essentialis: respondendum est, causam huius rei esse, quia quemadmodum apud
Philosophos non agitur directo, ac ex instituto de definitione individuorum, ut
infra patebit, ita nec de illorum divisione. Atque haec eadem est causa, ob
quam individuum in ratione totius essentialis comprehensum non est.

266
Livro IV das Instituições Dialéticas

A esta divisão pertence a divisão do composto acidental em sujeito e


acidente, como quando se diz: da estátua de bronze, uma parte é o bronze, a
outra a figura. Enquadra-se nesta a divisão das quantidades contínuas em partes
divisíveis e indivisíveis (se é que nas quantidades médias se dão indivisíveis em
ato), visto que as divisíveis são semelhantes à matéria e as indivisíveis à forma;
deste modo, uma linha de dois palmos divide-se nos dois palmos e no ponto
em que os palmos se unem.

Capítulo V - Da Divisão metafíscia do todo essencial


A divisão metafísica do todo essencial é aquela pela qual o todo essencial
se divide em gênero e diferença, como, por exemplo, a oração pela qual dizemos
que uma parte essencial do homem é animal e a outra é racional.

Esta divisão diz-se de razão e metafísica, porque se faz em partes não


diversas na realidade, mas só na razão, modo este de dividir que é quase próprio
e peculiar dos metafísicos. Com efeito, persistindo no mesmo exemplo, animal
e racional, que se dizem do homem, são absolutamente a mesma coisa; porém,
homem, segundo a razão pela qual é semelhante aos brutos animados, é e diz-
se animal, e, segundo a razão pela qual se distingue deles, é e diz-se racional.

A esta divisão pertence a divisão do indivíduo (que, muitas vezes


Aristóteles, 203 em comparação com a espécie, chama o próprio todo) em espécie
e diferença individuante, como quando, em razão e consideração da própria
natureza da coisa, distinguimos em Sócrates o homem e a diferença pela qual
se distingue dos outros homens. Com efeito o homem comum e a diferença
individuante, de que Sócrates se diz ser constituído, são absolutamente a
mesma coisa. Sócrates, na verdade, segundo a razão pela qual é semelhante aos
outros homens, é e diz-se homem; mas segundo a razão, pela qual é diferente
dos mesmos, é e diz-se este homem determinado e indivíduo.
Se alguém perguntar, porém, porque é que esta divisão do indivíduo não
está compreendida na subdivisão do todo essencial, mas pertence a uma espécie
deste, principalmente quando o indivíduo não parece dever excluir-se da razão
do todo essencial, deve responder-se que a causa disto é que, assim como os
filósofos não tratam direta, e expressamente da definição dos indivíduos, como

203 Por exemplo, Metafísica, VII, 10 e 11, texto 33 e seguintes.

267
Pedro da Fonseca

Sed accuratior huius rei perscrutatio nec ad hunc locum, nec fortasse
ad hanc artem pertinet. Haec de divisionibus totius essentialis videntur satis. 88

Caput VI - De divisione totius universalis in partes subiectas

Divisio totius universalis in partes subiectas, seu de quibus dicitur ut


de subiectis, complectitur, ut placet Aristoteli, divisionem generis in species,
speciei in individua, et differentiae in species, aut individua. Haec enim omnia
ac sola predicantur de suis partibus ut de subiectis, seu essentialiter, ut ex
praedicamentis apertum est. Exempla sunt. Animalium aliud est homo, aliud
bestia: Hominum alius est Socrates, alius Plato, alii vero cateri: Animatorum,
alia sunt animalia, alia plantae: Rationalium aliud est Petrus, aliud loannes, alia
vero alia hominis individua.

Princeps harum divisionum (imo et omnium) est divisio generis in


species, quam ut nobilissimam, et in philosophia maxime necessariam magnis
laudibus extulit Plato. Sed et haec, et reliquae huius classis, facile intelliguntur
ex üis, quae in explicandis quinque universalibus diximus: quanquam non ita
facile reperiuntur, quia maxima, ex parte ignotae nobis in in hac vita sunt rerum
naturae, et essentiae.

Ad divisiones generis in species, et specierum in individua revocantur


divisiones quorundam analogorum, ut cum dicimus, Principiorum aliud est
principium viae, aliud principium motus, aliud principium temporis et caetera:
item accidentium alia sunt quantitates, alia qualitates, alia relationes, alia
extrinsecus adiacent. Nam et si huiusmodi analoga non praedicantur ut genera,
aut species de membris dividentibus, tamen proxime, ad generis aut speciei
praedicationem accedunt. Loquor autem non de vocibus analogis (harum
siquidem divisio in suas significationes ad distinctionem vocis multiplicis
pertinet) sed de rebus significatis. Nec vero de omnibus analogis id, quod
dixi, intelligendum esse volo, sed de iis tantum, quarum nomina pro omnibus
membris dividentibus accipi solent cum simpliciter, atque absolute ponuntur:
cuiusmodi sunt, quae attulimus in exempla. Si enim dicas, Principium est,
88 Nota do paragrafo: Totum essentiale. / Totum universale. / Praed. 2. et. 3. / Duplex divisio
totius essentialis. / Divisio physica, quae. / Materia. / Forma. / Cur physica, et realis divisio dicatur.
/ Quae divisiones ad physicum revocentur. Porphy. de differentia. / Cur divisio haec dicatur rationis, et
metaphysica / Divisio individui in speciem, et differentiam individuantem. / Ut. 7. metaphy. 10 et. 11
tex. 33 et de inceps. / Est enim metaphysica.

268
Livro IV das Instituições Dialéticas

adiante20* se verá, assim também não tratam da sua divisão. É ainda esta a
causa por que o indivíduo não está compreendido na razão do todo essencial.
Mas, não pertence aqui, nem talvez mesmo a esta arte, uma investigação
mais profunda deste assunto. Parece que isto é o suficiente acerca das divisões
do todo essencial.

Capítulo VI - Da divisão do todo universal nas partes que


abrange
A divisão do todo universal nas partes que abrange, ou das quais se diz
como de sujeitos, compreende, ao gosto de Aristóteles, a divisão do gênero nas
espécies, da espécie nos indivíduos, e da diferença em espécies ou indivíduos.
Com efeito, todas estas coisas e só estas se predicam das suas partes como de
sujeitos, ou essencialmente, como se mostrou claramente nos predicamentos. 205
São exemplos disto: dos animais, um é homem, outro é besta; dos homens, um
é Sócrates, outro é Platão, outros os restantes; dos seres animados, uns são
animais, outros plantas; dos seres racionais, um é Pedro, outro João, outros, os
restantes homens indivíduos.
A principal destas divisões (como, aliás, de todas as outras), é a divisão
do gênero em espécies, a qual Platão206 exaltou com grandes elogios, como
a mais nobre e a mais necessária na filosofia. Mas tanto esta como as outras
deste gênero facilmente se entendem por aquilo que dissemos ao explicar os
cinco universais, conquanto não se encontrem assim tão facilmente, visto que
nesta vida nos são desconhecidas, em grande parte, as naturezas e as essências
das coisas.
As divisões do gênero em espécies e das espécies em indivíduos pertencem
as divisões de alguns análogos, como quando dizemos: dos princípios, um é o
princípio do caminho, outro o princípio do movimento, outro o princípio do
tempo, etc. Igualmente, dos acidentes, uns são quantidades, outros qualidades,
outros relações, outros são adjacentes extrinsecamente. Com efeito, embora
os análogos como estes se não prediquem dos membros dividentes como os
gêneros ou as espécies, contudo, a sua predicação assemelha-se bastante à
predicação do gênero ou da espécie. Não me refiro, porém, às vozes múltiplas
(com efeito, a divisão destas nas suas significações pertence à distinção da voz
múltipla), mas às coisas significadas. Nem ainda quero que se entenda de todos
os análogos o que disse, mas só daqueles cujos nomes se costumam tomar
para todos os membros dividentes, quando se põem simples e absolutamente,
como acontece com os que apresentamos nos exemplos. Com efeito, quando

204 Livro V, cap. 8.


205 Predicamentos, 5.
206 No Fedro, e em outros lugares.

269
Pedro da Fonseca

ex quo aliquid pendet, pro omnibus principiis accipietur nomen principii, et


sic nomen accidentis, quod in novem accidentium suprema genera dividitur,
aliorumque multorum analogorum, ut Motus, Causae, et similium, cum corum
significata definiuntur. Quod si analogum fuerit ciusmodi, ut eius nomen
absolute, et sine adiectione positum non pro omnibus membris dividentibus
accipiatur, sed pro praecipuis duntaxat rebus significatis, ut homo analogice
communis ad veros et depictos, (cum enim hoc nomen Homo sine adiectione
in enunciatione ponitur semper accipitur pro solis veris hominibus, ut cum
dicimus Homo est animal Homo est ens) dividi sane non poterit in membra
analogica. Si enim dicas, exempli causa, Hominum alius verus, alius depictus
est, non feceris veram divisionem, qui nomen divisi pro solis veris hominibus
accipitur. Id quod facile est cernere in caeteris huiusmodi. 89

Caput VII - Colligitur numerus quinque supradictarum


divisionum per se: totidemque adduntur divisiones peraccidens

Haec quinque divisionum genera, hac ratione colligi possunt. Totum,


quod dividitur, aut est vox multiplex, habens nimirum multas significationes,
sensusve, aut res continens multas partes. Si vox habens multas significationes,
aut sensus, primo divisionis genere dividitur. Si vero est res multas continens
partes, aut comparatur cum partibus se integrantibus, aut cum partibus suam
essentiam constituentibus, aut cum partibus sibi subiectis. Si cum integrantibus,
dividitur secunda divisionis forma: si cum iis, quae sum essentiam vere, ac re
ipsa componunt, dividitur tertia: si vero cum iis, quae sola ratione, quarta: si
denique cum partibus subiectis, quinta. Cum igitur alius dividendi modus esse
non videatur (nam si quis alius occurrerit, facile ad hos revocabitur) efficitur
ut quinque tantum sint dividendi genera. Verum enim uero, hae omnes
divisiones, ut eas hactenus explicavimus, sunt divisiones per se. Diximus enim,
divisionem esse orationem, qua totum divideretur in suas partes, hoc est, in
eas quae ratione sui, seu per se (quod idem est) sunt partes totius. Huiusmodi
enim simpliciter, et absolute dicuntur rei partes. Atque hae quidem aut totius

89 Nota do paragrafo: Triplex divisio totius universalis in partes subiectas. / Praedicat 5. / Divisio
generis in species princeps omnium. / In Phaedro, et alibi. / Rerum essentiae fere ignorantur. / Divisiones
quorumdam analogorum.

270
Livro IV das Instituições Dialéticas

se diz que o princípio é a primeira coisa de onde alguma coisa é, se faz, ou


se conhece (e assim o descreve Aristóteles, 207 tomado o termo princípio em
sentido latíssimo), o nome princípio toma-se por todos os princípios. O mesmo
acontece com o nome acidente, que se divide em nove gêneros supremos de
acidentes, e com muitos outros análogos, como movimento, causa e semelhantes,
quando se definem os seus significados. Mas, se o análogo for de tal maneira
que, posto o seu nome absolutamente e sem adjetivação, se tome, não por todos
os membros dividentes, mas somente pelas principais coisas significadas, como
homem analogicamente comum aos [homens] verdadeiros e aos [homens]
pintados (com efeito, quando o nome homem se põe na enunciação sem
adjetivação, toma-se sempre somente pelos homens verdadeiros, como quando
dizemos o homem é um animal, o homem é um ente), certamente não poderá
dividir-se em membros analógicos. Na verdade, se se disser: dos homens, um é
verdadeiro, outro pintado, não se faz uma divisão correta, porque o nome que se
divide se toma apenas pelos homens verdadeiros. O que é fácil de verificar em
outros casos semelhantes.

Capitulo VII - Reúne-se o número das cinco divisões por si, de


que temos tratado, e acrescenta-se um número precisamente
igual de divisões por acidente
Estes cinco gêneros de divisões podem reunir-se desta forma: o todo que
se divide ou é uma voz múltipla, que tem neste caso muitas significações ou
sentidos, ou uma coisa que contém muitas partes. Se é uma voz que tem muitas
significações ou sentidos, divide-se pelo primeiro gênero de divisão. Mas se é
uma coisa que contém muitas partes, compara-se ou com as partes de que se
integra, ou com as partes que constituem a sua essência, ou com as partes a si
sujeitas. Se com aquelas de que se integra, divide-se pela segunda forma de
divisão; se com aquelas que constituem verdadeiramente e na própria realidade
a sua essência, divide-se pela terceira; mas se com aquelas que a constituem só
na razão, pela quarta; se, finalmente, com as partes sujeitas, pela quinta. Como
parece que não existe outro modo de dividir (pois, se alguém encontrasse outro,
esse enquadrar-se-ia facilmente nestes), conclui-se que são só cinco os gêneros
de divisões. É fora de dúvida que todas estas divisões, como as explicamos até
aqui, são divisões por si. Dissemos, aliás, que a divisão é a oração pela qual se
divide o todo nas suas partes, isto é, naquelas que, em razão de si ou por si (o que
é o mesmo), são partes do todo. Pois, assim se dizem simples e absolutamente
as partes da coisa. Ora estas ou perfazem a equivocação ou ambiguidade do

207 Metafísica, V, 1.

271
Pedro da Fonseca

aequivocationem, ambiguitatemve vere efficiunt, aut ipsum vere integrant, aut


eius essentiam re, aut ratione constituunt, aut illi subiiciuntur, ut dictumest.?°
Caeterum cum saepe totum in alia quadam quasi in suas partes dividatur,
ut nunc patebit, quot sunt divisiones per se, tot fieri possunt divisiones per
accidens. Distinctio quidem vocis multiplicis hoc modo, Huius vocis acutum alia
significatio est, qua significat id, quod stimulat tactum, alia qua id quod pungit
aures, alia qua id, quod ferit gustatum, et caetera. Partitio autem hoc modo,
Huius anuli (ex auro scilicet et smaragdo confecti) altera pars est fulva, altera
pars est fulva, altera viridis. Divisio totius essentialis physica hoc modo, Hominis
altera pars est quae movet, altera quae movetur. Metaphysica vero, sive rationis,
hoc modo, Hominis altera pars est brutis animantibus communis, altera illi
propria et peculiaris. In his quattuor generibus cernis membra dividentia non
esse per se partes divisi, sed earum accidentia.

Iam divisio totius universalis tribus modis per accidens fieri cernitur. Aut
enim subiectum dividitur in accidentia, aut accidens in subiecta, aut accidens
in accidentia. In qua distributione luniores omnes Boetium velut ducem
sequuntur, quem ex antiquis fere unum habemus, qui de divisione ex instituto
disserat.
Tunc divisio est subiecti in accidentia, cum membra dividentia accidunt
partibus subiectis divisi: ut si dicas, Animalium aliud loqui potest, aliud loqui
no potest: item aliud est rectum, aliud pronum: item aliud est aptum ad risum,
aliud ad hinnitum, aliud ad latratum, aliud ad mugitum, et caetera. Haec
namque omnia membra dividentia accidunt partibus subiectis animalis utpote
animalibus diversis.
Tunc autem divisio est accidentis in subiecta cum membris dividentibus
accidunt partes subiectae divisi: ut si dicas, Eorum, quae moventur, quaedam
sunt caeli, quaedam elementa, quadam mista: item, Bonorum quaedam sunt
in animo, quaedam in corpore. quedam in rebus externis: item Colorum
alius est in cygno, allius in corvo; alii in alis rebus. Hic e contrario cernas
licet membra dividentia esse res, quibus accidunt partes subiectae divisi. Nam
quoddam moveri accidit caeli, aliud elementis, aliud mistis. Reliqua exempla
sunt perspicua.

Tunc denique divisio est accidentis in accidentia cum membra dividentia


accidunt partibus subiectis eius rei, cui accidit divisum: ut si dicas, Alborum
quaedam dura sunt, quaedam mollia, alia liquentia.

90 Nota do paragrafo: Hactenus sunt explicate divisiones per se. / Explicatur definitio divisionis.

272
Livro IV das Instituições Dialéticas

todo, ou integram-no a ele próprio verdadeiramente, ou constituem a sua


essência na realidade ou na razão, ou a ele se subordinam, como foi dito.
Mas, dividindo-se o todo, muitas vezes, em outras coisas como se fossem
partes suas, como se vai agora mostrar, resulta que são tantas as divisões por
acidente quantas as que se podem fazer por si. E assim teremos: a distinção
da voz múltipla, como se se disser: a palavra agudo tem várias significações
— o que estimula o tato, o que penetra no ouvido, o que fere o gosto, etc. A
partição, porém, como se se disser: uma parte deste anel (como feito de ouro
e de uma esmeralda incrustada), é a cor fulva, outra a verde. A divisão física do
todo essencial, deste modo: uma parte do homem é a que move, outra, a que é
movida; a metafísica, ou de razão, deste modo: do homem, uma parte é comum
aos brutos animados, outra, é própria e peculiar dele. Facilmente se verifica
que, nestes quatro gêneros, os membros dividentes não são por si partes do
dividido, mas acidentes das partes.
Vê-se imediatamente que a divisão por acidente do todo universal se faz
de três modos. Efetivamente, ou o sujeito se divide em acidentes, ou o acidente
em sujeitos, ou o acidente em acidentes. Nesta distribuição, todos os modernos
seguem, como mestre, Boécio,208 o qual, de entre os antigos, é quase o único
que falou explicitamente da divisão.
Verifica-se a divisão do sujeito nos acidentes, quando os membros
dividentes convêm às partes abrangidas pelo dividendo, como se se disser: dos
animais, um pode falar, outro não pode falar; do mesmo modo, um é ereto,
outro curvado; igualmente, um é apto para o riso, outro para o relincho, outro
para o ladrar, outro para o mugido, etc. Com efeito, todos estes membros
dividentes convêm às partes sujeitas a animal, enquanto animais diversos.
A divisão do acidente nos sujeitos verifica-se quando as partes sujeitas do
dividendo convêm aos membros dividentes, como quando se diz: das coisas
que se movem, umas são do céu, outras elementos, outras mistos; igualmente,
dos bens, uns estão na alma, outros no corpo, outros nas coisas externas; do
mesmo modo, das cores, uma é a do cisne, outra a do corvo, outra a de outras
coisas. Aqui, pelo contrário, pode notar-se que os membros dividentes são
coisas a que convêm as partes sujeitas do dividendo. Com efeito, um certo
mover-se convém ao firmamento, outro aos elementos, outro aos mistos. Os
outros exemplos são claros.
A divisão do acidente nos acidentes, finalmente, verifica-se quando
os membros dividentes convêm às partes sujeitas da coisa a que convém o
dividendo, como se se disser: das coisas brancas, umas são duras, outras moles,
outras líquidas. Efetivamente, os membros dividentes desta divisão convêm a

208 No livro Da Divisão.

273
Pedro da Fonseca

Membra enim dividentia huius divisionis accidunt diversis corporibus,


ut marmori, adipi, et lacti, quae sunt partes subiectae corporis misti, cui accidit
ut sit album. Sed obiiciat aliquis, Ergo haec divisio, Coloratorum aliud est
album, aliud nimirum, aliud medio colore infectum est divisio per accidens
(quando quidem membra dividentia accidunt partibus subiectis corporis misti,
cui accidit coloratum, quod dividitur) cum tamen sit diviso per se, generis
videlicet in species. Occurres tamen, in his tribus divisionibus, quemadmodum
in superioribus quattuor generibus divisonum per accidens, semper ponendum
esse, quod membra dividentia non sint per se partes divisi. In hoc enim (Ut
ex dictis perspicuum est) posita est ratio divisionis per accidens, quae in his
omnibus divisionum formis includitur. At album, nigrum, et medio colore
infectum, non sunt partes per accidens colorati, sed per se illi subiectae, nimirum
ut species generi. Quare non sequitur ex dictis, hanc, et alias huiuscemodi
divisiones, esse divisiones per accidens.

Caput VIII - De divisione generis in differentias et


differentiae in differentias
Sed quaestio est, ad quodnam genus divisionis pertineant divisio generis
in differentias, et communioris differentiae in minus communes: ut cum
dicimus, animalium aliud est rationale, aliud irrationale: animatorum aliud est
sensus particeps, aliud sensus expers.
Et quidem quod attinet ad divionem generis in differentias, negat
Boetius talem divisionem. Putat enim nunquam genus dividi in differentias,
nisi cum speciebus nomina non sunt imposita, tunc siquidem cogimur, ut ait,
nominibus differentiarum species significare. Favet Boetio Porphyrius, qui
cum disserit de officio, et natura differentiarum, semper ita loquitur, ut dicat,
genera dividi per differentias in species, nunquam vero ita, ut fateatur dividi in
differentias. Favet et similitudo tum naturae, tum artis: res siquidem naturalis
non dicitur dividi in formas, sed per formas in varia composita naturalia: cera
item non dividitur in figuram sphaerae, et tesserae, sed per has figuras dividitur
in sphaeram, et tesseram. Sed et ratio id videtur comprobare.

Nam differentiae nullo modo videntur partes generis nisi ratione


specierum, quae sunt partes generi subiectae: quo fit ut in eas non videatur
dividi per se genus, sed per accidens, ut in ea scilicet, quae accidunt, hoc est,
conveniunt partibus per se subiectis. Sic enim accidendi verbum accipi potest
in explicatione divisionis per accidens, ut saepe accipitur apud Aristotelem.

274
Livro IV das Instituições Dialéticas

diversos corpos, como mármore, gordura e leite, que são partes sujeitas dum
corpo misto, a que convém a cor branca.
Mas objetará alguém que, sendo assim, será por acidente a seguinte
divisão: das coisas coloridas, uma é branca, outra negra, outra cinzenta — pois,
na verdade, os membros dividentes convêm às partes sujeitas do corpo misto,
a que convém o colorido que se divide. Todavia, é uma divisão por si, isto é,
do gênero em espécies. Responder-se-á que, nestas três divisões, como nos
quatro gêneros anteriores de divisões por acidente, é condição necessária que
os membros dividentes não sejam, por si, partes do dividendo. Nisto (como é
evidente pelo que se disse) se põe a razão da divisão por acidente, divisão que se
inclui em todas estas formas de divisões. Mas branco, negro e cinzento não são
partes acidentais do colorido, mas por si sujeitas a ele, como, bem entendido,
as espécies do gênero. Por isso, não se segue do que fica dito que esta e outras
divisões semelhantes sejam divisões por acidente.

Capitulo III Da divisão do género em diferenças e da


Mas, põe-se a questão: a que gênero de divisão pertencem a divisão do
gênero em diferenças e a da diferença mais comum em menos comuns, como
quando dizemos: dos animais, um é racional, outro é irracional; dos animados,
um é dotado de sentidos, outro desprovido de sentidos.
Quanto à divisão do gênero em diferenças, Boécio? não a admite. A
sua opinião é que o gênero nunca se divide em diferenças, senão quando às
espécies não forem conferidos nomes, pois, neste caso, somos obrigados, como
diz, a significar as espécies com nomes das diferenças. É a favor de Boécio,
Porfírio,210 que, ao discorrer acerca do papel e da natureza das diferenças, põe
sempre as coisas de tal modo que afirma dividirem-se os gêneros em espécies
por meio de diferenças, mas nunca de tal maneira que confesse dividirem-se
em diferenças. A semelhança tanto da natureza como da arte favorece também
isto; pois a coisa verdadeiramente natural não se diz que se divide em formas,
mas por meio de formas em vários compostos naturais, como a cera não se
divide na figura de uma esfera e dum cubo, mas, por meio destas figuras, é que
se divide em esfera e em cubo. O que também a razão parece confirmar.
Com efeito, as diferenças de modo nenhum parecem partes do gênero,
senão em razão das espécies, que são partes sujeitas ao gênero. Por isso, o
gênero parece não dividir-se nelas por si, mas por acidente, como por acidente
209 No livro já citado.
210 Porfírio, Da Diferença.

275
Pedro da Fonseca

Quanquam hoc non est negandum dividi per se genus per differentias:
siquidem differentiae, contrahunt per se genus, quod proprietates, et accidentia
contrahunt per accidens. Quod si haec sententia non placet, dicito hanc
divisionem revocari ad divisionem per se totius universalis in partes subiectas:
quia differentiae, est in subiiciuntur per se alicui universali (neque enim ullam
naturam univocam in suis essentiis includunt) tamen constituunt per se
species, quae per se subiiciuntur generi: quod usque proprietates et accidentia
facere non possunt.

Modo codem videre poteris divisionem communioris differentiae in


minus communes a divisione per accidens accidentis in accidentia. Nam etsi
minus communes differentiae non sunt per se subiectae magis communibus,
tamen per se constituunt species quae communioribus per se subiiciuntur.

Si quis tamen magis probaverit divisionem hanc esse per accidens, alius
vero afferat Aristotelem septimo livro Metaphysicorum aperte dic differentias
communiores dividi per se in differentias minus communes, occurret ille,
id intelligendum esse de accidentibus, quibus utimur penuria verarum
differentiarum. Nec enim dubium est, quin accidentia communiora dividantur
per se in minus communia nempe ut genera in suas especies. Quo autem
Aristoteles ita si intelligendus, apertius intelliges, si perpendas id, quod ille
codem loco ait, Differentiam communiorem ita includi in inferiori, ut si minus
communis addatur communiori, commitatur nugatio, veluti si dicas, Pedes
habens bipes. Hoc enim de veris differentiis intelligi non potest. Dicimus enim
hominem esse corpus animatum, sensitivum, rationale, sine ulla repetitione
nugatoria: quod certe ideo accidit quia minus communes differentiae non
includunt essentialiter communiores.

Animadvertendum est autem hoc loco id quod diximus de divisione


generis in differentias universales, accommodandum esse eadem ratione ad
divisionem speciei infimae in differentias individuantes: quod ut diximus de
divisione communioris differentiae in minus communes, adaptandum est ad
divisionem differentiae universalis in individuantes.
Quam vero utilis sit divisio generis sive per differentias, sive in
differentias, dici non potest, cum haec una sit recta via ad divisionem generis in
species, et ad definitiones essentiales. Sed quia rarum admodum est apud nos
hoc genus divisionis saepissime confugimus ad divisiones per accidens, quibus
genera in accidentia dividuntur: ut cum dicimus: Animalium, aliud rectum

276
Livro IV das Instituições Dialéticas

se divide naquelas coisas que se verificam, isto é, que convêm às partes por si
sujeitas. Assim, de fato, se pode tomar a palavra se verificam na explicação da
divisão por acidente, como se toma muitas vezes em Aristóteles? Todavia,
com isto não se pretende negar que o gênero se divida por si por meio das
diferenças, visto que as diferenças contraem por si o gênero, enquanto as
propriedades e os acidentes o contraem por acidente. Mas, se esta opinião não
agradar, diga-se que esta divisão pertence à divisão por si do todo universal
nas partes sujeitas; pois as diferenças, embora não se sujeitem por si a algum
universal (nem sequer incluam nas suas essências nenhuma natureza unívoca),
constituem por si espécies, que por si se sujeitam ao gênero; o que nunca as
propriedades e os acidentes podem fazer.
A divisão da diferença mais comum nas menos comuns, poder-se-á
igualmente julgar a partir da divisão por acidente do acidente em acidentes.
Pois, embora as diferenças menos comuns não sejam por si sujeitas às mais
comuns, contudo, constituem por si espécies, que se sujeitam por si às mais
comuns.
Se alguém, porém, provar que esta divisão é mais por acidente, e outro
mostrar que Aristóteles, no livro sétimo da Metafísica,212 diz abertamente que
as diferenças mais comuns se dividem por si em diferenças menos comuns,
responder-se-á que isto se deve entender dos acidentes, de que usamos, à falta
de diferenças verdadeiras. Efetivamente, não há dúvida de que os acidentes
mais comuns se dividam por si em menos comuns, como os gêneros nas suas
espécies. Que, Aristóteles deva ser entendido assim, compreender-se-á mais
claramente se se examinar o que ele diz no mesmo lugar: — a diferença mais
comum de tal modo se inclui na inferior que, se se juntar a menos comum à
mais comum, comete-se uma redundância, como se se disser: bípede que tem
pés. Ora isto não pode entender-se das verdadeiras diferenças, pois dissemos
que o homem é o corpo animado, sensitivo, racional, sem nenhuma repetição
pleonástica, o que acontece certamente porque as diferenças menos comuns
não incluem essencialmente as mais comuns.
Neste lugar, deve advertir-se que aquilo que dissemos da divisão do
gênero em diferenças universais deve dizer-se, pela mesma razão, da divisão da
espécie infima em diferenças individuantes; e aquilo que dissemos da divisão
da diferença mais comum nas menos comuns deve adaptar-se à divisão da
diferença universal em individuantes.
Não pode dizer-se quão útil é a divisão do gênero ou por diferenças
ou em diferenças, uma vez que este é o único meio legítimo para a divisão do
gênero em espécies e para as definições essenciais. Mas, como é muitíssimo
raro entre nós este gênero de divisão, muitíssimas vezes nos refugiamos nas
211 Por exemplo, Tópicos, VII, 3; e Elencos, I, 4.
212 Cap. 12, tex. 43.

277
Pedro da Fonseca

esse, aliud pronum: item, Aliud mansuetum natura, aliud ferum: rursum, Aliud
ingredi, aliud rapere, aliud natare, aliud volare.

Haec de diversis divisionum generibus, nunc qua verborum formula


divisiones sint conficiendae breviter dicamus.

Caput IX - Qua verborum formula divisiones sint conficiendae

Divisiones quattuor priorum generum, hoc modo sunt conficiendae.


Initio divisionis ponendum est nomen divisi in gignendi casu singularis
numeri, deinde ante nomen cuiusque membri dividentis inserenda sunt haec
verba, Altera pars, vel Alia pars, aut similia: ut cum dicimus, Huius vocis Gallus
alia significatio est, qua hominem Gallum significat, alia, qua gallum avem:
Temporis altera pars est transacta, altera futura. Reipublicae una pars ordine
sacrorum ministrorum continetur, altera nobilium, tertia plebis: Hominis haec
pars est animus, illa corpus. Speciei altera pars constituens, est genus, altera
differentia.
Divisiones autem, quinti generis, quae sunt totius universalis in partes
subiectas, possunt quidem eodem modo confici nominata natura partium, ut si
dicas, Animalis altera pars subiecta, est homo, altera bestia.

Verum servata consuetudine dividendi Philosophorum, hoc modo


conficiendae sunt. Initio divisionis ponendum est divisum in gignendi casu
numeri pluralis, deinde addenda sunt membra dividentia sine nomine Pars: ut
cum dicimus Substantiarum alia est corporata, alia corporis expers: Corporum
aliud simplex est, aliud mistum: Animalium quaedam in terra degunt, alia in
aquis, alia quasi vitae ancipitis utroque in loco vivunt. Causa huius discriminis
in dividendo haec est, quia totum in superioribus quattuor dividendi formis,
cum sit compositum ex suis partibus, potest esse unum tantum individuum, ut
haec vox, hoc tempus, haec respublica, hic homo: totum autem in extremo divisionis
genere, cum non componatur ex suis partibus, sed eas sibi subiectas habeat,
necessario est universale, ut substantia communis, corpus commune, animal
commune: alioqui non habebit partes subiectas. Haec est igitur causa cur in
prioribus quattuor generibus nomen divisi debeat esse singularis numeri, in
extremo autem pluralis.
Quanquam vero haec interdum non serventur, sunt tamen naturis
divisionum accommodatissima. Reliquum est ut praecepta bene dividendi
tradamus°1
91 Nota do paragrafo: Quattuor priores divisiones. / Quinta divisio. / Hoc modo fit divisio in acru

278
Livro IV das Instituições Dialéticas

divisões por acidente, pelas quais se dividem os gêneros em acidentes, como


quando se diz: dos animais, um é ereto, outro curvado; do mesmo modo: um é
por natureza doméstico, outro feroz; e ainda: um marcha, outro rasteja, outro
nada, outro voa.
Isto [o que há a dizer] acerca dos diversos gêneros de divisões. Digamos
agora brevemente com que fórmula de palavras se devem fazer as divisões.

Capítulo IX - Com que fórmula de palavras se devem fazer as


divisões
As divisões dos quatro primeiros gêneros devem fazer-se deste modo:
no início da divisão, deve pôr-se o nome do dividendo, no genitivo do singular;
depois, antes do nome de cada membro dividente, devem inserir-se estas
palavras: uma parte ou outra parte ou semelhantes, como quando dizemos: desta
voz galo, um significado é enquanto significa homem gaulês, outro enquanto
significa galo-ave; do tempo, uma parte é passada, outra futura; da nação,
uma parte é a classe do clero, a segunda, a dos nobres, a terceira, a do povo; do
homem, uma parte é a alma, outra o corpo; da espécie, a parte constituinte é o
gênero, a outra a diferença.
As divisões do quinto gênero, que são as do todo universal nas partes
que abrange, podem, na verdade, realizar-se do mesmo modo, juntando o
nome próprio das partes, como se se disser: do animal, uma parte abrangida é
homem, a outra besta.
A conservar, porém, o costume de dividir dos filósofos, devem fazer-
se deste modo: no início da divisão, deve pôr-se o dividendo no genitivo do
plural; depois, devem juntar-se os membros dividentes sem nenhum nome
de partes. Por exemplo: das substâncias, uma é corpórea, outra incorpórea; dos
corpos, um é simples, outro composto; dos animais, uns vivem na terra, outros
nas águas, e outros, como se tivessem uma vida dupla, vivem em ambos os
lugares. A causa desta diferença no dividir está em que o todo nas quatro
formas superiores de dividir, como é composto das suas partes, pode ser um só
indivíduo, como por exemplo: esta voz, este tempo, esta nação, este homem; porém,
no último gênero de divisão, como o todo não se compõe das suas partes, mas
as tem sujeitas a si, é necessariamente universal, como substância comum, corpo
comum, animal comum — de outro modo não teria partes sujeitas. Esta é, pois,
a causa por que os quatro primeiros gêneros postulam dividendo no número
singular, e o último, no plural.
Embora estas coisas nem sempre se observem, são, apesar de tudo,
acomodadíssimas às naturezas das divisões. Resta tratar das regras da boa
divisão.

279
Pedro da Fonseca

Caput X - Primum praeceptum bene dividendi


Quattuor potissimum praecepta in dividendo observanda sunt. Primum
est, ut singula membra dividentia minus contineant, quam divisum, omnia
vero simul sumpta diviso adaequentur. Hinc fit ut non sit bona haec divisio,
Animalium alia sunt sensu praedita, alia ratione, quia sensu praeditum aeque
late patet atque animal nisi intelligatur cum particula Solo. Sic enim bona erit
divisio. Namque animalia aut solo sensu praedita sunt, aut rationem, et mentem
participant. Hinc etiam fit ut hae non sint bonae divisiones, Animalium aliud
est bipes, aliud quadrupes, aliud plures habens pedes: item Aliud est bestia,
aliud homo, aliud angelus: prior, quia divisum latius patet, quam membra
dividentia simul accepta: posterior, quia membra dividentia simul sumpta latius
patent, quam divisum.

Sed est quod obiiciat aliquis contra hoc praeceptum. Huius enim bonae
divisionis, Hominis altera pars ratione, considerationeque componens, est
animal, altera rationale, animal, quod est membrum dividens, non modo non
minus continet, quam homo, sed etiam latius patet, cum de pluribus, quam
homo, praedicetur. Item huius bonae divisionis, Alborum quaedam dura sunt,
quaedam mollia, alia liquentia, membra omnia simul accepta latius patent,
quam album: dicuntur siquidem de rebus etiam atris, ut de ebeno, de pice, et
atramento.
Priorem tamen facile dilues si dicas, animal, quod ad praedicationem
attinet, latius patere, quam hominem, verum quod attinet ad essentiam,
hominem plus aliquid continere: complectitur enim in essentia sua rationale,
quod non complectitur animal. Posteriori autem obiectioni sic occurres, In
omnibus divisionibus sive per se, sive peraccidens totius universalis in partes
subiectas, semper divisum in singulis membris dividentibus subaudiendum esse:
durum autem, molle, et liquens, et si latius patente, quam album, si nihil aliud
addideris, tamen si in unoquoque subaudias album, iam albo adaequabuntur.
Nam aeque late patet album per sese, atque totum hoc, Album durum, album
molle, et album liquens.

Ad posteriorem partem huius praecepti pertinet illud quod aiunt


Dialectici, Cuiusque bonae divisionis membra omnia vel copulatim, vel disiunctim
simul accepta, reciprocari cum diviso, ut scilicet de quo dicitur divisum, dicatur
copulatum, aut disiunctum ex membris dividentibus, et vice versa. In prioribus
ergo quattuor generibus divisionum, copulatum ex membris dividentibus, cum
diviso reciprocatur, in quinto autem, disiunctum. Exempli causa si hominis
signato ut aiunt. / Sic fit divisio in actu exercito, ut dici solet. / Causa discriminis.

280
Livro IV das Instituições Dialéticas

Capítulo X - Primeira regra a respeitar na divisão


Devem observar-se principalmente quatro regras na divisão. A primeira
é que cada membro dividente tenha um sentido mais restrito que o dividendo,
e que, tomados todos ao mesmo tempo, sejam equivalentes ao dividendo.213
Daqui se deduz que não é boa esta divisão: dos animais, uns são dotados de
sentidos, outros de razão, visto que dotado de sentidos, se se não entende com a
partícula só, tem um significado tão extenso como animal. E, assim, será boa
divisão: os animais, ou são dotados só de sentidos, ou participam da razão e da
mente. Daqui se conclui também que não são boas estas divisões: dos animais,
um é bípede, outro quadrúpede, outro tem muitos pés; ou ainda: um é besta,
outro homem, outro anjo. A primeira, porque o dividendo é mais extenso que os
membros dividentes simultaneamente tomados. A segunda, porque os membros
dividentes, simultaneamente tomados, são mais extensos que o dividendo.
Mas pode alguém objetar contra esta regra: nesta divisão, de fato boa
— do homem, a parte que se une à razão e ao pensamento é animal, a outra
é racional — animal, que é um membro dividente, não só não é mais restrito
que homem, mas é ainda mais extenso, uma vez que se predica de vários, além
do homem. Do mesmo modo, desta boa divisão: dos brancos, uns são duros,
outros moles, outros líquidos, todos os membros, tomados simultaneamente,
são mais extensos que branco, porque se dizem também de coisas negras, como
do ébano, do pez, e da tinta preta.
Facilmente se destruirá, contudo, a primeira objeção, dizendo que
animal, no que diz respeito à predicação, é mais extenso que homem; no que,
porém, diz respeito à essência, homem contém algo mais, pois abrange, na sua
essência, racional, e animal não. À segunda objeção, responder-se-á assim: em
todas as divisões, ou por si ou por acidente, de um todo universal nas partes
sujeitas, o dividendo deve conter-se sempre ou, pelo menos, subentender-se,
em cada um dos membros dividentes; ora duro, mole e líquido só serão mais
extensos do que branco, se mais nada se entender nestes nomes; mas se se
subentender cada um deles branco, em todos, já se adequarão a branco. Com
efeito, branco, por si, é tão extenso como este conjunto: branco duro, branco
mole e branco líquido.
Pertence à segunda parte desta regra aquilo que os Dialéticos assim
enunciam: todos os membros de uma boa divisão, tomados ao mesmo tempo copulada
ou disjuntivamente, se reciprocam com o dividendo, de modo que: daquilo de que
se diz o dividendo se diga também a copulação ou a disjunção dos membros
dividentes, e vice-versa. Por conseguinte, nos primeiros quatro gêneros das
divisões, reciproca-se com o dividendo a copulação dos membros dividentes;
213 Segundos Analíticos, II, 5.

281
Pedro da Fonseca

altera pars est animus altera corpus, homo autem de Socrate dicitur, totum
etiam hoc copulatum, Animus et corpus, dicetur de Socrate: et e contra, si
copulatum ex corpore et animo, etiam homo. Quanquam Socrates non proprie
dicitur animus, et corpus, se concretum quid ex animo, et corpore. Si vero
animalium aliud est homo, aliud bestia, animal autem dicitur de Socrate,
totum etiam hoc disiunctum Homo vel bestia, dicetur de Socrate, et vice versa,
si disiunctum ex homine et bestia, etiam animal.?2

Caput XI - Secundum praeceptum bene dividendi


Secundum praeceptum est, ut quantum fieri possit, divisio fiat in proximi
membra dividentia. Quod non faciunt, qui corpus animatum dividunt in
hominem, bestiam, arborem, fruticem, et herbam transiliendo duo immediata
genera, animal, et plantam. Sunt enim illae remotae ac distantes partes subiecte
corporis animati. Prius ergo dividendum est animatum corpus in animal, et
plantam, quae immediate subiiciuntur animali, deinde vero destribuendum
animal in hominem et bestiam, atque planta in arborem, fruticem, et herbam.
Saepe tamen dividimus totum in partes remotas, quia ignotae nobis sunt
proximae, ac immediatae.?3

Caput XII - Tertium bonae divisionis praeceptum


Tertium praeceptum est, ut in dividendo non una tantum pars totius
nominetur et altera, vel reliquae, si plures fuerint quam duae, negatione illius
significentur, nec tam multae nominentur, ut longior aequo fiat oratio. Nam
si unam duntaxat partem nominaveris, et alteram, vel reliquas negatione illius
significaveris, ut si dicas, Magnitudinem alia est linea, alia non linea, non
videberis proprie explica re in partes id, quod dividitur, quia negatio alterius
partis non solum non est differentia, ut ait Aristoteles, sed nullo etiam alio
modo proprie pars, sive componens totum, sive subiecta toti. Si autem multa
admodum membra volueris enumerare, ut si dicas, Animalium aliud est homo,
aliud elephas, aliud simia, aliud canis latrans, aliud hoc, aliud illud, singulas
nimirum species infimas percurrendo, orationem feceris, quam nec tu absolvere,
nec alius complecti animo possit.

Cavenda igitur sunt haec duo vitia in dividendo, quia divisio inventa est
causa explicandi rem in partes, ac dilucidandi, non tenebras offundendi.
92 Nota do paragrafo: 2. post. 5. / Obiectio. / Altera obiectio. / Solutio prioris obiectionis. / Solutio
posteriores. / Omnia membra dividentia coniunctim, aut disiunctim accepta reciprocantur cum diviso.
93 Nota do paragrafo: 2. post. 5. et 14 et Boët. de divisione. / Cur totum saepe dividam in partes
remotas.

282
Livro IV das Instituições Dialéticas

no quinto, porém, a disjunção. Exemplo: se, do homem, uma parte é a alma, e a


outra o corpo, e homem se diz de Sócrates, de Sócrates se dirá também todo o
copulado alma e corpo; e, ao contrário, se [se diz de Sócrates] o copulado de corpo
e alma, também [se dirá] homem; embora Sócrates se não diga propriamente
alma e corpo, mas o concreto de alma e corpo. Se, dos animais, um é homem e
outro besta, e animal se diz de Sócrates, também todo este disjunto homem ou
besta se dirá de Sócrates; e, vice-versa, se o disjunto homem ou besta [se diz de
Sócrates] também [dele se dirá] animal.

Capítulo XI - Segunda Regra


A segunda regra diz que a divisão se faça, tanto quanto possível, nos
membros dividentes próximos.214 O que não fazem os que dividem o corpo
animado em homem, besta, árvore, arbusto e erva, saltando os dois gêneros
imediatos, animal e planta. Na verdade, também essas remotas e distantes partes
são abrangidas por corpo animado. Primeiramente, portanto, deve dividir-se o
corpo animado em animal e planta, que estão imediatamente abaixo de animal;
depois, distribuir animal em homem e besta, e planta em árvore, arbusto e erva.
Muitas vezes, porém, dividimos o todo nas partes remotas, porque nos são
desconhecidas as próximas e imediatas.

Capítulo XII - Terceira Regra


A terceira regra é215 que, ao dividir, se não nomeie apenas uma parte do
todo, significando a outra ou as outras, se forem mais de duas, pela negação
daquela, nem se nomeiem tantas que façam a oração mais longa do que
convém. Na verdade, se apenas se nomear uma parte e a outra ou as outras
forem significadas pela negação daquela, como se se disser: das grandezas,
uma é a linha, outra a não-linha — não se explicaria propriamente em que
partes aquilo se divide, visto que a negação da segunda parte não só não é
uma diferença, como diz Aristóteles, mas nem sequer é, de modo algum, uma
parte propriamente dita ou componente do todo, ou a ele sujeita. Se, porém, se
quisesse enumerar demasiados membros, como se se disser: dos animais, um
é homem, outro é elefante, outro é macaco, outro é cão que ladra, outro é isto,
outro é aquilo — percorrendo as espécies ínfimas uma a uma, far-se-ia uma
oração que nem se terminaria, nem alguém poderia abranger com a mente.
Devem evitar-se, pois, estes dois defeitos de dividir, pois a divisão foi
inventada para desdobrar a coisa nas suas partes e a elucidar, e não para a
envolver em trevas.

214 Segundos Analíticos, II, 5 e 14; e Boécio, Da Divisão.


215 Dos Tópicos, VI, 3 e Das Partes dos Animais, 1, 3.

283
Pedro da Fonseca

Tribus tamen de causis cogimur interdum dividere rem in partem


unam, et in negationem eiusmodi partis. Prima est, ut faciamus divisionem
necessariam, et quam nemo negare possit. De quacumque enim re vera est
affirmatio, aut negatio. Altera est, quia saepenumero reliqua pars, aut partes ex
opposito illi respondentes, carent nominibus positivis, quo fit ut ad negativa sit
confugiendum, ut cum dividimus substantiam in corpoream, et incorpoream,
Et animal in rationale et irrationale, quia ignoramus veras differentias, quae
angelum, et brutum animal constituunt, si forte brutum animal est una
quaedam species animalis. Tertia est, sipartes in quas divisio immediate
facienda est, fuerint plures, quam perspicuitas divisionis ferre possit. Tunc
enim omnes praeter unam significandae sunt nomine negativo: ut si dicas,
Bestiarum, quaedam sunt pennatae, aliae implumes: nisi velis quasdam partes
nominare, reliquas vero oens paucis verbis complecti, ut si dicas, Figurarum
rectilinearum, quaedam est trium laterum, quaedam quattuor, aliae vero
plurium. Colorum quidam est candor, quidam nigror, cateri vero sunt mei
dii inter hos: Animalium aliud est homo, aliud elephas, aliud simia, aliud canis
latrans, alia sunt ab homine remotiora.

Caput XIII - Quartum praeceptum bene dividendi


Quartum praeceptum est, ut membra dividentia si non re, certe ratione
sint opposita: id est inter se sic affecta, ut nullum in alio includatur. Sic enim
hoc loco omnibus generibus divisionum nomen oppositorum interpretor.
Huius praecepti praetermissione vitiosae sunt hae divisiones, Corporis humani
alia pars est caput, alia thorax, aliae manus, aliae pedes, aliae oculi: Viventium
aliud est planta, aliud animal, aliud homo Nam oculi continentur in capite, et
homo in animali.

Ut autem hoc praeceptum peculiari ratione quinto generi divisionis


accommodatur hoc ex probatissimis autoribus colliges, nomine oppositorum
intelligenda esse repugnantia, hoc est, ea, quae de eadem re simul affirmari
non possunt. Hac enim de causa ait Aristoteles non recte dividi animalia in
natantia, et alba, nec rursus in urbana, et sylvestria, quod eadem et natantia, et
alba esse possint, nec non et urbana, et sylvestria. Et Boëthius eadem ratione
reprehendit divisionem animalium in rationalia, et duos pedes habentia, et
corporum in alba, et dulcia, quod eadem corpora reperiantur, quae alba sint, et
dulcia, eademque animalia, quae et duos habeant pedes, et sint rationalia. Nec
immerito huiusmodi divisiones reiiciuntur, quoniam hoc pacto non recte dices
enumerando membra dividentia, Aliud est hoc, aliud est illud, quae tamen
dividendi formula quinto generi divisionis propria est.

284
Livro IV das Instituições Dialéticas

As vezes, porém, somos levados a dividir uma coisa numa parte e na


negação desta mesma parte, por três motivos: o primeiro é fazermos uma
divisão necessária e que ninguém possa negar; pois, a respeito de todas as coisas
verdadeiras, há, na verdade, uma afirmação ou uma negação.216 O segundo
motivo é que, muitas vezes, a outra parte ou as partes que lhe correspondem
por oposição carecem de nomes positivos, e, por isso, deve recorrer-se à
negativa,217 como quando dividimos a substância em corpórea e incorpórea, e
animal em racional e irracional, visto que ignoramos as verdadeiras diferenças
que constituem o anjo e o animal bruto, se o animal bruto é acaso uma
espécie animal. O terceiro é quando as partes, em que a divisão se deve fazer
imediatamente, forem em número superior ao que a clareza da divisão possa
permitir. Neste caso, todas, exceto uma, se devem significar por um nome
negativo, como quando se diz: dos animais, uns são revestidos de penas, outros
implumes, a não ser que se queira nomear algumas partes, e incluir todas as
restantes em poucas palavras, como quando se diz: das figuras retilíneas, uma
é de três lados, outra de quatro, outras de mais; das cores, uma é branca, outra
negra, e as outras são intermédias; dos animais, um é homem, outro elefante,
outro macaco, outro cão que ladra, outros são mais afastados do homem.

Capítulo XIII - Quarta Regra


A quarta regra é que os membros dividentes sejam opostos, se não na
realidade, pelos menos na razão, isto é, de tal maneira relacionados entre si, que
nenhum se contenha no outro ou sob o outro. Assim, com efeito, interpreto
neste lugar o nome de opostos para todos os gêneros de divisões. Por preterição
desta regra, são viciosas estas divisões: do corpo humano, uma parte é a cabeça,
outra o tórax, outra as mãos, outra os pés, outra os olhos; dos seres vivos, um é
a planta, outro o animal, outro o homem. Com efeito, os olhos estão contidos
na cabeça, e homem sob animal.
Acerca do modo como esta regra se acomoda, por uma razão peculiar, ao
quinto gênero de divisão, encontrar-se-á em autores muito experimentados 218
que, pelo nome de opostos, se devem entender coisas que entre si repugnam,
isto é, aquelas coisas que não se podem afirmar simultaneamente da mesma
coisa. Efetivamente, por causa disto, diz Aristóteles que os animais se não
dividem retamente em nadadores e brancos, nem também em domésticos e
selvagens, pois podem ser simultaneamente nadadores e brancos, e domésticos
e selvagens. E Boécio, pela mesma razão, reprova a divisão em racionais e
bípedes, e dos corpos em brancos e doces, visto que se encontram corpos que

216 Segundos Analíticos, I, 8.


217 Boécio.
218 Por exemplo, Aristóteles, Das Partes dos Animais, 1, 3; e Boécio, Da Divisão.

285
Pedro da Fonseca

At dicat fortasse aliquis, Ergo hae divisiones a Philosophis approbatae


vitio non carebunt, Bonorum, quaedam utilia sunt, alia honesta, alia iucunda:
Habentium magnitudinem, quaedam sunt longa, alia lata, alia profunda:
siquidem eadem actio esse potest et utilis, et honesta, et iucunda: omneque
corpus est longum, latum, et profundum, hoc est, habens longitudinem:
aliquam, latitudinem, et profunditatem. Huic obiectioni sic occurres.
Membra dividentia huiusmodi divisionum esse repugnantia si prior formula
dividendi servetur, ut si dicas, Boni alia pars subiecta est utile, alia honestum,
alia iucundum. Continui permanentis, seu habentis magnitudinem, alia pars
subiecta est longum, alia latum, alia profundum: quandoquidem una pars
subiecta non est alia, etsi omnes de eadem re dici possint. Verum Aristoteles
et Boetius cum propositas divisiones animalium, et corporum reprehendunt,
non hac dividendi formula utuntur: nec si uterentur divisiones illae notandae
essent eius vitii, quod hoc praecepto cavetur, sed eius potius quod non sint
adaequatae, aut in aliud superius explicatum incurrant.

Quod si posterior dividendi formula (qua maxime Philosophi utuntur)


servanda est, dices primum, multas divisiones fieri nominibus concretis, quae
tamen intelligendae sunt quasi factae nominibus abstractis, cuiusmodi est illa
apud Aristotelem, Quantum partim continuum est partim discretum: discretum,
inquit, est ut numerus, et oratio: continuum autem ut linea, superficies, tempus
et locus. Nam cum haec non sint quanta, sed quantitates, necessario Quantum
in hac divisione pro quantitate accipiendum est. Atque hoc quidem pacto
nihil est difhcultatis in propositis divisionibus. Siquidem membra dividentia
abstractis nominibus accepta vere pugnant inter se. Nulla enim res dicitur
simul utilitas, et honestas, aut honestas et iucunditas, aut iucunditas, et utilitas.
Nec vero unquam vere dixeris, rem cadem esse longitudinem et latitudinem,
aut latitudinem et profunditatem, aut profunditatem et longitudinem.

Deinde dices, repugnantiam membrorum dividentium saepenumero non


in verbis, sed in sensu, quo divisio usurpatur, sitam esse. Ut in illa Pythagorae
divisione Eorum, qui ad ludos Gracciae confluebant, quidam spe victoriae,
alii quaestum faciendi cupiditate, alii visendi studio ducebantur. Hic quod ad
verba attinet nulla est membrorum dividentium repugnantia. Fieri enim potui,
ut multi et lucri cupiditate, et spectandi simul studio ducerentur. In sensu

286
Livro IV das Instituições Dialéticas

são ao mesmo tempo brancos e doces, e animais que têm dois pés e que são
racionais. Não é sem razão que se rejeitam divisões deste gênero, porque, assim,
não se exprimiria retamente, ao enumerar os membros dividentes: um é isto,
outro é aquilo — forma de dividir que, contudo, é própria do quinto gênero
de divisão.
Mas dirá talvez alguém que, por conseguinte, não são isentas de erro
estas divisões aprovadas pelos filósofos: dos bens, uns são úteis, outros honestos,
outros agradáveis; das coisas extensas, umas são compridas, outras largas,
outras altas. Com efeito, a mesma ação pode ser útil, honesta e agradável, e
qualquer corpo é comprido, largo e alto, isto é, tem um certo comprimento,
uma certa largura e uma certa altura. Responder-se-á assim a esta objeção: os
membros dividentes das divisões deste gênero são repugnantes, se se conservar
a primeira forma de dividir, como se se disser: do bem, uma parte sujeita é o
útil, outra o honesto, outra o agradável; do contínuo permanente ou do que tem
grandeza, uma parte sujeita é o comprimento, outra a largura, outra a altura —
pois uma parte sujeita não é a outra, embora todas se possam dizer da mesma
coisa. Todavia, Aristóteles e Boécio, quando reprovam as divisões propostas
dos animais e dos corpos, não usam desta forma de dividir; e, se a usassem,
aquelas divisões não deveriam ser reprovadas por se oporem a esta regra, mas
antes por não serem adequadas ou incorrerem em alguma coisa explicada mais
acima.
Se se conservar, porém, a segunda forma de dividir (da qual os filósofos
usam geralmente), dir-se-á, em primeiro lugar, que se fazem muitas divisões
com nomes concretos, e que, contudo, se devem entender como se feitas fossem
com termos abstratos; como, por exemplo, aquela de Aristóteles:219 o quanto
em parte é contínuo e em parte discreto: é discreto, diz, como o número e
a oração; é contínuo, porém, como a linha, a superfície, o tempo e o lugar.
Na verdade, como estas coisas não são quantos, mas quantidades, o quanto
nesta divisão deve necessariamente tomar-se por quantidade. E, assim, já não
existe dificuldade alguma nas divisões apresentadas, uma vez que os membros
dividentes tomados como nomes abstratos repugnam verdadeiramente entre
si. Pois, nunca a utilidade é honestidade, nem a honestidade é prazer, nem o
prazer é utilidade. Nem se diria que o comprimento é largura, nem a largura
altura, nem a altura comprimento.
Dir-se-á, além disso, que a repugnância dos membros dividentes
muitas vezes se encontra, não nas palavras, mas no sentido em que se toma
a divisão, como nesta divisão de Pitágoras:220 dos que afluíam aos jogos da
Grécia, uns eram conduzidos pela esperança da vitória, outros pela avidez de
ganhar dinheiro, outros pela curiosidade de assistir. Aqui, quanto às palavras,
219 Predicamentos, 6.
220 Questões Tusculanas, 4.

287
Pedro da Fonseca

tamen cernitur repugnantia, si hoc modo divisionem interpreteris. Eorum, qui


ad Graeciae ludo una precipue de causa confluebant, quidam spe victoriae
et caetera. Hac igitur ratione dices probari posse divisiones illas nominibus
concretis usurpatas, ut sensus prioris sit huiusmodi. Eorum, in quibus
aliqua una bonitatis, appetibilitative, ut ita dicam, ratio potissimum elucet,
quaedam utilia tantum, alia honesta solum, alia iucunda duntaxat nominantur.
Posterioris autem, huiusmodi. Eorum, quae aliqua una dimensione excellunt,
quaedam longa solum, ut hasta, alia lata, ut discus, alia profunda tantum, sive
crassa, ut globus, appellantur. Quanquam hic sensus vulgo magis, quam apud
Philosophos posteriori divisioni tribuitur.

Has vero solutiones diligenter notabis, ut multas usurpatas divisiones a


calumnia vendica re possis.
Sed haec de divisione videntur satis.?4

94 Nota do paragrafo: Ut hoc praeceptum omnibus divisionibus accommodetur. / Ut ex Arist. 1. de


part. animal. 3. et ex Boëth. de divisione. / Obiectio. / Solutio. / Saepe concreta p abstractis.

288
Livro IV das Instituições Dialéticas

nenhuma repugnância existe nos membros dividentes. Era possível, com


efeito, que houvesse muitos levados simultaneamente pela avidez do lucro
e pela curiosidade de assistir. Pode, porém, notar-se repugnância, quanto ao
sentido, se se interpretar a divisão assim: dos que afluíam aos jogos da Grécia
movidos por uma causa principal, uns iam com a esperança da vitória, etc. Por
esta razão, portanto, dir-se-á que aquelas divisões podem ser aceites, quando
tomadas com nomes concretos, de tal maneira que o sentido da primeira seja
assim: das coisas em que prevalece uma razão de bondade, umas dizem-se
apenas úteis, outras somente honestas, outras só agradáveis. E o sentido da
segunda, deste modo: das coisas que se evidenciam em qualquer dimensão,
umas chamam-se apenas longas, como a lança, outras apenas largas, como o
disco, outras apenas altas, como o globo. Ainda que este sentido seja atribuído
à segunda divisão mais pelo vulgo que pelos filósofos.
Devem notar-se cuidadosamente estas soluções, para se poderem
defender da calúnia muitas divisões usadas.
Acerca da divisão isto parece ser o suficiente.

289
Liber V Institutionum Dialecticarum
Livro V Das Instituições Dialéticas
Pedro da Fonseca

Caput I - Quid sit definitio


Definitio est oratio, quae essentiam aliquam naturamve declarat: ut
Animal rationale. Declarat enim naturam hominis. Ut autem divisioni divisum,
sic definitioni respondet definitum: quod nihil est aliud, quam id, cuius quid
ditas essentiave explicatur. Sed nos de definito tum dicemus, cum definitionem,
et genera omnia, in quae dividitur, methodumque definiendi, explicaverimus.

Definitio igitur, quae Finitio etiam apud Latinus appellatur, ab agrorum


finibus accepit nomen. Nam ut agrorum fines agros de finiunt, et claudunt,
aliosque ab aliis secernunt, sic definitiones, quibus rerum naturae declarantur,
essentias earum circunscribunt, aliasque ab alii distinguunt.

Dicitur porro definitio Oratio, quia unum tantum nomen non potest
esse definitio. Definitio enim distincte subiicit intellectui, quod nomen definiti
confuse proponit. Unde cum de omni essentia, quae definitione explicatur, duo
conceptus formari possint, alter, quo essentia, quae declaratur, convenit cum
aliis, alter, quo ab eisdem distinguitur, fit necessario, ut omnis definitio duabus
minimum vocibus constare debeat, altera, quae gignat in mente conceptum
convenientiae, altera, quae distinctionis, differentiaeve.

Ita ergo fit, ut omnis definitio sit oratio, quanquam explicatio nominis
per aliud clarius, ad definitionem Autore Aristotele revocatur, ut si quis dicat,
Honestum, est decens. Quod vero additur, Quae essentiam aliquam naturamve
declarat, id diversam reddit Definitionem a cateris orationibus: nulli siquidem,
praeterquam definitioni, hoc munus demandatum est.
Illud tamen non videtur praetereundum hoc loco, nomen definitionis
duobus modis ab Aristotele accipi. Saepius enim accipitur pro ea sola oratione,
quae de definito conversim praedicatur (qualis est illa, Animal rationale,
comparatione hominis, ut diximus) ut cum ait, ipsam hominisrationem,
definitionemve, nisi vel Est, vel erat, vel Erit, aut aliquid tale addatur, non
esse enuntiationem, quia unum est, et non multa animal agressibile bipes. Et
iterum, in definitione nihil de aliquo praedicari. Et rursum, definitionem talem
esse debere, ut ipsa proposita statim, nulloque negotio cognosci possit cuius
rei sit definitio: ac inde eas esse vitiosas, quibus, ut intelligi possit, quarum
rerum sint definitiones, opus est adiungere nomina rerum, quae definiuntur:
quemadmodum in obsoletis veterum picturis nisi titulus aliquis ascriptus

292
Livro V das Instituições Dialéticas

Capítulo I - Que é a definição


Definição é a oração que declara uma essência ou natureza, como animal
racional, que declara a natureza do homem. Do mesmo modo que o dividendo
corresponde à divisão, assim o definido à definição; pois o definido não é
outra coisa senão aquilo cuja quididade ou essência se explica. Nós, porém, só
falaremos do definido depois de explicarmos a definição, todos os gêneros em
que se divide e o método de definir.
A definição, que entre os latinos?21 se chamava delimitação, toma o
nome dos limites dos campos. Na verdade, assim como as estremas delimitam
e rodeiam os campos e os separam uns dos outros, assim as definições, com
que se declaram as naturezas das coisas, circunscrevem as suas essências e as
distinguem umas das outras.
A definição diz-se oração,2 porque um só nome não pode ser definição.
Na verdade, a definição submete distintamente ao intelecto o que o nome do
definido propõe confusamente. E, como de toda a essência, que se explica pela
definição, se podem formar dois conceitos — um, pelo qual a essência que se
declara convém com as outras; o outro, pelo qual delas se distingue —, torna-
se necessário que toda a definição conste, pelo menos, de duas vozes: uma
que forme na mente o conceito da conveniência, e outra, o da distinção ou da
diferença.
E assim acontece que toda a definição tem de ser oração. Aristóteles 23
atribui à definição a explicação de um nome por outro mais claro, como se
se disser: honesto é o que é decente. Mas o que se acrescenta que declara
uma essência ou natureza, torna a definição diversa das outras orações; pois a
nenhuma outra, além da definição, é confiado este múnus.
Neste lugar, porém, não deve esquecer-se que definição é tomada por
Aristóteles de dois modos. Muitas vezes, com efeito, é tomada exclusivamente
pela oração que se predica reciprocamente do definido (como aquela: animal
racional, em relação a homem), como quando dizz4 que a própria razão ou
definição de homem não é uma enunciação se não se junta é, era, será ou
algo semelhante, porque animal bípede que caminha é um e não muitos. E,

221 Quintiliano, livro VII, cap. 4.


222 Tópicos, I, 4 e Tópicos, VI, 5; e Metafísica, VII, 15, tex. 54.
223 Tópicos, I, 4.
224 Da Interpretação, I, 4.

293
Pedro da Fonseca

esset, nemo poterat intelligere cuius nam rei quaeque pictura esset His enim
locis, aliisque quamplurimis, plane accipit nomen definitionis pro ea sola
ratione, quae de definito conversim predicatur. Aliquando vero sumitur
pro tota enunciatione in qua insuper continetur definitum, (quale est totum
hoc, Homo est animal ratione) ut cum ait, Definitionem aut esse principium
demonstrationis, aut conclusionem, aut totam ratiocinationem sola verborum
collocatione a demonstratione differentem: et rursum, Omnem definitionem
esse universalem et affirmativam. His namque verbis aperte comprehendi
definitum nomini definitionis. Posteriorem acceptionem amplectitur
Quintilianus cum ait, Finitionem esse rei propositae propriam, et dilucidam,
et breviter comprehensam verbis enunciationem. Nos priorem, ut magis
usurpatam, libentius sequimur.?5

Caput II - De definitione nominis


Quanquam vero omnis definitio modo aliquo dici posset definitio rei,
quandoquidem omnis essentia, quae definitione explicatur, alicuius rei essentia
est, tamen Philosophi in definitionem rei, et nominis definitionem dividere
consueverunt, res significatas a nominibus significantibus distinguentes.
Definitio itaque nominis, quam Aristoteles nominis interpretationem, vulgus
Dialecticorum definitionem quid nominis appellat, est oratio qua quid dictas
nominis naturave declaratur: ut totum hoc, Vox, quae hominem ex instituto
significat. Hac enim oratione explicatur natura hui nominis Homo quatenus
quoddam nomen.

Nomen non accipitur hoc loco presse id est, ut a verbo distinguitur, sed
pro quocunque vocabulo, seu categoremate. Quidditas vero et natura nominis,
est ipsa eius significatio: quo fit ut nihil aliud sit, nominis quidditatem, et
naturam explicare, quam eius significationem pate facere. Id quod duobus fit
modis: altero, definitione soli nomini, quod definitur, congruenti, qualis est
ea, quam in exemplum attulimus: altero, ipsa definitine rei significatae. Saepe
95 Nota do parágrafo: Definitis quid. ex. 2. post. 10. / Quid definitum. / Unde dicta definitio, seu
finitio. / Quintili. lib. 7. cap. 4. / Cur definitio sit oratio. / 1. top. 4. et. 6. top. 5. et. 7. metaphy. 15. tex. 54.
/ 1. top. 4. 7 Definitionis nomen saepius accipitur pro solo praedicat. / 1. peri. 4. / 2. post. 3. / 6. top. 2. / Ur.
7. meta. 12. tex. 42 et caet. / #. post. 7. et. 2. post. 10. / 2. post. 3. / Lib. 7. ca. 4.

294
Livro V das Instituições Dialéticas

também,225 que na definição nada se predica de alguma coisa. E, ainda? que


a definição deve ser tal que, uma vez proposta, imediatamente e sem nenhum
trabalho se possa conhecer de que coisa é a definição. São, portanto, viciosas
aquelas em que, para se entender de que coisas são definições, é necessário
ajuntar os nomes das coisas que se definem, do mesmo modo que nas pinturas
deterioradas dos antigos, se não houvessem acrescentado um título, ninguém
poderia entender que coisa era representada. Nestes lugares, com efeito, e em
muitos outros, 27 Aristóteles toma o nome definição só pela oração que se
predica reciprocamente do definido. Mas, outras vezes, dá o nome de definição
a toda a enunciação em que, além disto, se contém também o definido
(como este conjunto: o homem é um animal racional), como quando diz228
que a definição ou é princípio de demonstração, ou conclusão, ou toda ela
um raciocínio diferente da demonstração só pela colocação das palavras. E,
também? que toda a definição é universal e afirmativa. Na verdade, por estas
palavras, abertamente se inclui o definido no nome de definição. Quintiliano230
abraça a última acepção, quando diz que a delimitação é a enunciação própria,
clara e breve da coisa proposta. Seguimos de preferência, porque mais usada,
a primeira.

Capítulo II - Da definição do nome


Embora se possa, de algum modo, chamar definição da coisa não só
à definição de qualquer coisa significada, mas ainda à de qualquer nome
significativo (pois os nomes não têm menos direito a serem chamados coisas
do que muitas coisas que são significadas por nomes), contudo, os filósofos231
acostumaram-se a dividir a definição em definição da coisa e definição do
nome, visto que é extremamente comum e usual a distinção entre coisas e
nomes. Assim, a definição do nome, a que Aristóteles?32 chama interpretação
do nome e o comum dos Dialéticos definição do que é o nome, é a oração
pela qual se declara a quididade ou natureza do nome, como este conjunto: a
palavra que por convenção significa homem. Com efeito, explica-se por esta
oração a natureza do nome homem, enquanto é um certo nome.
Nome não se toma neste lugar em sentido restrito, isto é, enquanto se
distingue de verbo, mas por qualquer vocábulo ou categorema. A quididade e
natureza do nome é a sua própria significação; e, assim, explicar a quididade e
225 Segundos Analíticos, II, 3.
226 Tópicos, VI, 2.
227 Metafísica, VII, 12, tex. 42, etc.
228 Segundos Analíticos, 1, 7; e II, 10.
229 Segundos Analíticos, II, 3.
230 Livro VII, cap. 4.
231 Segundos Analíticos, II, 7 e 10; Metafisica, VII, 4.
232 Segundos Analíticos, II, 10.

295
Pedro da Fonseca

enim qui ignorat significationem vocabuli, ea verborum formula rogat quid


illud significet, ut quid sit res significata rogare videatur: cui plane satis facit qui
rei significatae definitionem reddit. Ut siquis percontetur quid sit Geographia,
intelligere cupiens significationem nominis, alius vero respondeat, esse
scientiam, quae de magnitudinibus disserit, definitione rei explicata censebitur
significatio vocabuli. Itaque quae vere ac simpliciter est definitio rei, poterit
hoc modo alicui esse difinitio nominis.

Haec de definitione nominis deque modis, quibus significatio nominis


explicatur, dixisse sit satis.
Est autem hoc genus definitionis plane necessarium non modo cum
aliquid demonstrandum est, ut Aristoteles quodam loco ait, sed omnino
cuiusque disputationis initio, ut idem alibi fusius, et cateri Philosophi docent.

Ad hoc genus revocantur orationes illae, quae declarant originem


vocabuli: ut cum dicimus, Consul est, qui Reipublicae utilitati consulit: Sol
est, qui inter astra omnia solus lucet: Fides est, qua fit quod dicitur: Abstemius
est, qui abstinet a temeto: quas Graeci vocant ituuodyías, hoc est, veriloquia,
quasi explicationes vocum, quae veram adhuc retinent significationem earum,
a quibus sunt oratae. Cicero novato vocabulo notationes appellat, quia verba
sunt rerum notae. Nam hoc idem, inquit, appellat Aristoteles aúußodov, quod
latine est nota.?%

Caput III - De descriptione


Definitio rei, quae vocari solet definitio quid rei, est oratio, qua essentia
rei naturave explicatur. Quae rursus, ut divisio rei, in duo genera tribuitur,
in descriptionem, quam Aristoteles et proprium, et orationem coniunctione
unam vocat, atque in definitionem essentialem, quam ille tum simpliciter
ac absolute definitionem, tum etiam terminum, tum orationem, quae unum
significat, appellat. Descriptio codem authore, est oratio, quae non significat
quod quid erat esse rei, soli autem inest, et conversim de re praedicatur: ut
animal disciplinae capax, comparatione hominis. Quanquam enim haec oratio

96 Nota do parágrafo: Omnis definitio dici pol set modo aliquo definitio rei. / 2. post. 7. et 10. et. 7.
meta, 4. / 2. post. 10. / Quidditas. et natura nominis est ipsa cius significatio. / Duobus modis explicatur
nominis significatio. / Definitio res potest alicui esse definitio nominis. / Quam sit.

296
Livro V das Instituições Dialéticas

a natureza do nome não é mais que esclarecer a sua significação. E isto faz-se
de dois modos: de um, pela definição congruente só com o nome que se define,
como aquela que aduzimos como exemplo; do outro, pela própria definição
da coisa significada. Muitas vezes, com efeito, quem ignora a significação do
vocábulo, pergunta, por esta forma de palavras, o que é que significa, como se
perguntasse o que é a coisa significada. Satisfá-lo plenamente quem lhe dá a
definição da coisa significada. Assim, se alguém perguntar o que é a Geometria,
desejando entender a significação do nome, e lhe for respondido que é a ciência
que trata das grandezas, pela definição da coisa julgará explicada a definição
do vocábulo. E assim, a que verdadeira e simplesmente é a definição da coisa,
poderá ser para alguém a definição do nome.
Acerca da definição do nome, e dos modos por que se explica a
significação do nome, é suficiente o que disse.
Este gênero de definição é muito necessário não só quando é
preciso demonstrar qualquer coisa, como Aristóteles?33 diz em certo
lugar, mas geralmente no início de cada disputa, como o mesmo diz mais
desenvolvidamente em outro lugar e os demais filósofos?* ensinam.
Pertencem a este gênero as orações que declaram a origem do vocábulo,
como quando dizemos: Cônsul é aquele que consulta [zela] a utilidade da
república; sol é o único que dá luz entre todos os astros; fidelidade é a virtude
em nome da qual se faz o que se diz; abstêmio é aquele que se abstém do álcool.
A estas orações chamam os gregos étuodoyía: [etimologias], isto é, termos
de verdade, como que explicações das vozes, que retêm ainda a verdadeira
explicação daquelas palavras em que se originaram. Cícero chama-as, com
um vocábulo novo, notações, porque são verdadeiros sinais das coisas. A isto
mesmo diz — chama Aristóteles 35 oúußodor [símbolo, indício] que, em latim,
quer dizer sinal.

Capítulo III - Da descrição


A definição da coisa, que costuma chamar-se definição quid da coisa, é a
oração pela qual se explica a essência ou natureza da coisa. Também se divide
em dois gêneros: na descrição, a que Aristóteles chama não só o próprio, mas
ainda oração una por conjunção; e na definição essencial, a que ele236 chama quer
simples e absolutamente definição, quer termo, quer ainda oração que significa
um todo. A descrição, segundo o mesmo autor, é a oração que não significa a
essência da coisa, mas que está nela só e dela se predica reciprocamente, como
233 Segundos Analíticos, I, 1.
234 Metafísica, IV, 7 e 8, tex. 28. Cícero, Dos Fins, 2, segundo Platão, no Fedro.
235 Da Interpretação, I, 1.
236 Ver Aristóteles, Da Interpretação, 1, 4; Segundos Analíticos, II, 10; Tópicos, 1, 3 e 4; todo o livro V e
VI dos Tópicos, Metafísica, VII, 4 e 5; Metafísica, VIII, 6.

297
Pedro da Fonseca

conversim de homine dicatur, id est, necessario cum homine reciprocetur,


tamen non significat conversim hominis essentiam. Nam disciplinae capax
esse, non pertinet ad hominis essentiam: animal autem, et si pertinet, tamen
non reciprocatur cum homine.

Docet autem Aristoteles in omni descriptione primum ponendum esse


genus, deinde addendam esse unam proprietatem, ut in adducto exemplo.
Nec enim, ut ait, addendae sunt plures, nisi is, qui definit significet se multas
descriptiones conglobatas tradere: ut si dicat, Homo est animal disciplinae
capax ad dicendum et ad flendum natus, asserens se non unam tantum
descriptionem affere.
Revocantur ad descriptionem, seu proprium complexum, definitiones
illae, quae loco proprietatis constant collectione aliqua communium
accidentium, quae orationem recurrentem facit cum definito: qualis haec
est, Homo est animal bipes, implume. Quanquam enim horum neutrum sit
homini proprium, tamen ambo iuncta cum homine recurrunt.
Revocantur etiam ad descriptionem definitiones illae quibus genera ex
differentiis se dividentibus definiuntur: ut si dicas, Animal est corpus animatum
rationale, aut irrationale. Nam differentiae dividentes genus non pertinent ad
eius essentiam Revocantur etiam illae, quae non constant vero genere sed
aliquid habent loco eius: cuiusmodi sunt definitiones summorum generum,
ut si dicas, Substantia est ens per subsistens, et caetera. Itemque difinitiones
quorundam analogorum: ut si dicas, Ens est id quod existere potest. Unum est
ens indivisum: Principia sunt, quae nec ex sese, nec ex aliis, sed ex ipsis omnia
fiunt.

Revocantur etiam, quanquam minus proprie orationes illae, quibus


Oratore, aut Poetae longo sermone rem aliquam communem describunt, ac
depingunt. Cicero gloriam quasi describens ait, gloriam esse, quae brevitatem
vitae posteritatis memoria consolatur, quae efficit ut absentes adsint, mortui
vivant, cuius denique gradibus etiam homines in colum videantur ascendere.
Huius generis est descriptio, qua Virgilius famam depingit. Fama, (inquit)
malum, quo non aliud velocius ullum: mobilitate viget, viresque acquirit eundo:
et quae sequuntur. Dixi has orationes minus proprie revocari ad descriptiones,
quia saepe non reciprocantur cum re, quae describitur, saepe etiam constant
verbis translatitiis, a quibus Aristoteles, quia obscuriora sunt, cavendum esse in
definiendo admonet.

298
Livro V das Instituições Dialéticas

animal capaz de educação relativamente a homem. Na verdade, ainda que esta


oração se diga reciprocamente de homem, isto é, se reciproque necessariamente
com homem, contudo, não significa reciprocamente a essência do homem.
Efetivamente, ser capaz de educação não pertence à essência de homem; e
animal, embora pertença à essência de homem, contudo, não se reciproca com
homem.
Ensina também Aristóteles que, em toda a descrição, se deve colocar
em primeiro lugar o gênero e depois acrescentar uma propriedade, como no
exemplo aduzido. Mas não se deve juntar mais que uma, como o mesmo autor
diz,?37 a não ser que o que define dê a entender que apresenta muitas descrições
conglobadas, como se disser: o homem é um animal capaz de educação, nascido
para rir e para chorar — afirmando que não apresenta apenas uma descrição.
Pertencem à descrição, ou ao próprio complexo, as definições que, em
lugar da propriedade, constam de uma coleção de acidentes comuns, que faz
a oração representante do definido, como esta: o homem é um animal bípede
implume. Na verdade, embora nenhum destes seja próprio do homem, contudo,
ambos juntos, representam o homem.
Pertencem também à descrição aquelas definições com que se definem
os gêneros pelas diferenças em que se dividem, como se se disser: o animal é um
corpo animado racional ou irracional. Com efeito, as diferenças, que dividem
o gênero, não pertencem à sua essência. Pertencem-lhe também aquelas que
não constam dum verdadeiro gênero, mas que têm algo a fazer as suas vezes.
Deste modo são as definições dos gêneros supremos, como quando se diz:
substância é o ente que existe por si, etc. São também deste modo as definições
de certos análogos, como quando se diz: ente é o que pode existir; uno é o ente
indiviso;238 princípios são aquelas coisas que não provêm nem de si nem de
outros e das quais tudo provém.239
E ainda lhe pertencem, embora menos propriamente, as orações com
que os oradores ou poetas pintam, com uma longa tirada, alguma coisa comum.
Cícero,240 como que a descrever a glória, diz que a glória é aquilo que compensa
a brevidade da vida com a memória da posteridade, que faz com que os ausentes
estejam presentes, com que os mortos vivam e, finalmente, é aquilo por cujos
degraus os homens parecem ascender ao céu. Deste gênero é a descrição
por que Virgílio?41 pinta a fama: a fama, diz, é o mal que em velocidade se
não deixa vencer por outro; o movimento revigora-o, e caminhando, ganha
forças; e o mais que se segue. Disse que todas estas orações pertencem menos
propriamente às descrições, porque, muitas vezes, se não reciprocam com a
237 Tópicos, V, 2.
238 Metafísica, V, 6.
239 Física, 1, 5.
240 Cícero, A favor de Milão.
241 Eneida, 4.

299
Pedro da Fonseca

Explicationes etiam rerum singularium, sive breves, ut apud Philosophos,


et in communi sermone, sive longiores, ut apud oratores aut poetas, quibus
in describendis personis, regionibus, urbibus, fluminibus, montibus, et lucis
utuntur, ad hoc genus revocari solent. Extremum locum obtinent adumbratae
quaedam, et metaphoricae explicationes, si quando rem facile ante oculos
proponunt: qualis est illa apud Ovidium, Stulte, quid est somnus gelidae nisi
mortis imago? Et illa apud Horatium, Ira furor brevis est. Nam et hae orationes
descriptiones appellantur.
Dicitur autem hoc genus definitionis, descriptio, quia rei naturam non
omnino exprimit, sed primis quasi lineamentis adumbrat. Dicitur proprium,
quia hoc tantum commune habet cum vera definitione, quod convertatur cum
re. Dicitur etiam oratio coniunctione una, quia non significat unam duntaxat
naturam, ut ea, quae simpliciter definitio appellatur, sed multas coniunctas in
eadem re, ut ex dictis patet."

Caput IV - De definitione causali

Inter descriptiones numeratur causalis definitio, quae hoc modo definiti


solet. Definitio causalis est oratio explicans quidditatem rei ex genere et causa
aliqua, causisve externis. Causae externae sunt Efficiens, et Finis: adde si placet
Exemplar. Efficiens quid sit, satis apertum est. Finis est id, gratia cuius aliquid
fit: quo pacto beatitudo caelestis est finis rationalis creaturae. Exemplar est
forma externa, cuius imitatione res fit: qualis est imago, quam pictor in tabula
referre atque exprimere enititur.

Ex causa efficiente sic fere definitur vox apud Aristotelem, Vox est sonus
quidam editus ab anima ictu aeris respiratione attracti cum ipsum ad fauces
allidit. Ex fine hoc modo definitur anima, Anima est forma, quae primo vivimus,
sentimus, et intelligimus Ex causa exemplari sic potest homo definiri, Homo
est animal factum ad imaginem et similtudinem Dei. Interdum autem plura,
aut etiam omnia genera causarum externarum in eadem definitione iunguntur:
ut si dicas, Homo est animal a Deo ad similitudinem divinae mentis factum,
97 Nota do parágrafo: [Duplex definitio rei. / Vide Aristo. 1, peri. 4. et. 2. post. 10 et 1. top. 3 et. 4.
Et toto. 5. ac 6. top. et. 7. meta. q. et 5. Et. 8. met. 6. Descriptio quid. / In descriptione primo ponendum
est genus, deinde una sola proprietas. / 5. top. 1. / Descriptioni ex collectione communium accidentium. /
Descriptioens generum ex differentis, quibus dividuntur. / Discriptiones non constantes vero genere. / 5.
meta. 6. 1. phy. 5. / Descriptiones oratoriae, ac poeticae rerum communium. / Cice. p Mile. / 4. Aeneid. /
2. post. 15. et. 6. top. 2. / Descriptiones rerum singularium. / Inexplicationes metaphorica. / Ovid. / Hora.
/ Cur descriptio dicta sit. / Cur descriptio dicatur proprium. / Cur oratio coniunctione una]

300
Livro V das Instituições Dialéticas

coisa que é descrita e, outras vezes, constam de palavras metafóricas, de que


Aristóteles 42 nos adverte que tenhamos cuidado na definição, porque são mais
obscuras.
Costumam também incluir-se neste gênero as explicações das coisas
singulares, quer essas explicações sejam breves, como entre os filósofos e na
linguagem comum, quer mais longas, como os oradores ou poetas usam na
descrição de pessoas, regiões, cidades, rios, montes e bosques. Vêm em último
lugar as explicações figuradas e metafóricas, quando facilmente nos fazem ver
a coisa, como esta de Ovídio:243 insensato, que é o sono senão a imagem da
gélida morte? E aquela de Horácio:244 a ira é um furor breve. Com efeito,
também estas orações se chamam descrições.
Este gênero de definição chama-se descrição, porque não exprime
plenamente a natureza da coisa, mas como que a esboça pelos primeiros
delineamentos. E diz-se próprio porque só tem de comum com a verdadeira
definição o fato de se converter com a coisa. Diz-se ainda oração una por
conjunção, porque não significa uma só natureza, como aquela que se chama
simplesmente definição, mas muitas englobadas na mesma coisa, como é
evidente pelo que se disse.

Capítulo IV - Da definição causal


Entre as descrições, enumera-se a definição causal, que costuma definir-
se assim: definição causal é a oração que explica a quididade da coisa a partir
do gênero e de uma causa ou causas externas. As causas externas são: a causa
eficiente e o fim, a que pode acrescentar-se a causa exemplar. O que seja a causa
eficiente, é manifesto. Fim é aquilo em razão do qual se faz alguma coisa; por
isso, a beatitude celeste é o fim da criatura racional. Causa exemplar é a forma
externa por cuja imitação se faz a coisa, como é a imagem que o pintor procura
reproduzir e exprimir no painel.
Pela causa eficiente, Aristóteles 45 define voz mais ou menos assim: voz é
um som que sai da alma por um jato de ar comprimido pela respiração, quando
o lança contra a garganta. A partir do fim, define-se assim a alma:2% a alma é a
forma pela qual primeiramente vivemos, sentimos e compreendemos. A partir
da causa exemplar, assim se pode definir o homem: homem é o animal feito
à imagem e semelhança de Deus. Algumas vezes, porém, muitos ou mesmo
todos os gêneros das causas externas se reúnem na mesma definição, como
quando se diz: o homem é um animal feito por Deus à semelhança da mente
242 Segundos Analíticos, II, 15; Tópicos, VI, 2.
243 Ovídio.
244 Horácio.
245 Da Alma, II, 8.
246 Da Alma, II, 2.

301
Pedro da Fonseca

ut aeterna felicitate perfruatur. Faciliusque est ex omnibus simul causis, quam


ex una tantum rem definire, quia raro una duntaxat, si nihil aliud addatur,
contrahit genus ad speciem definiti. Quod se quis obiiciat, has definitiones
non videri descriptiones, quandoquidem non dicuntur patefacere rei naturam
ex proprietatibus, aut accidentibus, sed ex causis: occurrendum est, hoc ipsum,
quad est, effici ab aliqua causa, aut ob aliquam causa, aut imitatione alicuius,
esse proprium aut accidens rei, cum ad essentiam eius non pertineat.
Nonnullae sunt definitiones essentiales, quae causales etiam dici possunt,
quae nimirum ex causis internis rem declarant, ut pote ex materia et forma rei,
aut ex utraque generi adiuncta, de quibus statim dicemus: sed quae ex causis
externis extruuntur fere sunt, quae causales dicantur. Nam illas magis placuit
essentiales appellare.

Caput V - De definitione essentiali

Definio essentialis, ut Aristoteles definit, est oratio quod quid erat esse
significans. Hoc est oratio, quae conversim significat quidditatem essentiamve
rei, quae definitur. Rarissimum est hoc genus definitionis, saltem in substantiis.
Sed afferri solet in exemplum Animal rationale. Cum autem omnis essentia,
quae definiri potest, constet ex materia, et forma, aut saltem ex genere, et
differentia, (illae enim componunt essentiam re ipsa, et physice, haec ratione
tantum, considerationeque, ut supra diximus) efficitur, ut ea oratio dicatur
significare quod erat esse rei, quae constat nominibus propriae materiae,
ac formae rei, quae definitur, aut generis et differentiae. Exempli causa hae
orationes Animal constans ex corpore tali, et animo rationis participe, et,
Animal rationis particeps, sunt definitiones essentiales hominis: prior, quia
constat nominibus significantibus propriam materiam et formam hominis:
posterior, quia constat nominibus proximi generis proximaeque differentiae
eiusdem.
Itaque sit ut duplex sit definitio essentialis, altera ex propria materia et
forma generi adiunctis, altera ex proximo genere et, proxima differentia. Potest
tamen loco proximi generis poni genus remotum cum omnibus differentiis
interiectus, ut si dicas, Homo est substantia corporata, quae interiore potest,
vivens, sentiens, et rationis particeps.
At dicat aliquis definitionem traditam per materiam et formam regeneri
adiunctas in vitium nugationis incurrere. Siquidem in definitione, qua homo
dicitur animal constans tali copore, et animo rationis participe bis includuntur
corpus et animus, semel implite sive ratione animalis (constat enim animal
animo, et corpore) et iterum explicite, ac per se, quod idem vitium in caeteris
similibus definitionibus notari potest. Non recte igitur approbatum est hoc
definiendi genus.

302
Livro V das Instituições Dialéticas

divina, para gozar a felicidade eterna. E é mais fácil definir uma coisa, a partir
de todas as causas simultaneamente, do que a partir de uma só, porque uma só,
se mais nada se lhe juntar, raramente restringe o gênero na espécie do definido.

Embora as definições, que declaram a coisa a partir de causas internas,


como da matéria e da forma, se possam dizer também causais, contudo, como
a matéria e a forma pertencem à essência da coisa, já quase prevaleceu o uso de
se não chamarem causais, mas essenciais.

Capítulo V - Da definição essencial


A definição essencial, como Aristóteles 47 a define, é a oração que
significa o que uma coisa era, por si, destinada a ser. Isto é a oração que significa
reciprocamente a quididade ou essência da coisa que se define. Este gênero
de definição é muito raro, sobretudo nas substâncias. Costuma apresentar-
se este exemplo: animal racional. Como, porém, toda a essência, que se pode
definir, consta de matéria e de forma ou, pelo menos, de gênero e de diferença
(aquelas compõem a essência na realidade e fisicamente; estas somente na
razão e no pensamento, como acima dissemos),248 diz-se que uma oração
significa a essência da coisa quando consta dos nomes da matéria e da forma
da coisa que se define, ou do gênero e da diferença. Por exemplo, as orações
animal que consta de determinado corpo e de alma racional, animal racional,
são definições essenciais de homem; a primeira, porque consta de nomes que
significam a matéria própria e a forma do homem; a segunda, porque consta
dos nomes do seu gênero próximo e da sua diferença próxima.
E assim a definição essencial é dupla: uma, que se faz pela matéria
própria e a forma adjuntas ao gênero; outra, pelo gênero e diferença próximos.
No lugar do gênero próximo pode, porém, pôr-se o gênero remoto com todas
as diferenças intermédias, como quando se diz que o homem é uma substância
corpórea, mortal, viva, sensível e racional.
Dirá alguém que a definição dada pela matéria e pela forma da coisa
adjuntas ao gênero incorre no vício da redundância. Com efeito, na definição,
em que se diz que o homem é um animal que consta de tal corpo e de alma
dotada de razão, incluem-se duas vezes corpo e alma, uma vez implicitamente,
ou em razão de animal (efetivamente, animal consta de alma e de corpo), e outra
247 Tópicos, 1, 4.
248 Livro IV, cap. 4 e 5.

303
Pedro da Fonseca

At Aristoteles saepe docet unius rei unam tantum esse definitionem


essentialem: Non recte igitur asservimus, duas eiusdem rei tradi posse essentiales
definitiones, alteram ex materia et forma, alteram ex genere et differentia.

Verum haec nihil obstant. Ad id enim, quod priori loco obiicitur


dicendum est primum quidem materiam, et formam rei, quae definitur, non
includi in ratione omnium generum eiusmodi rei. Neque enim includuntur
in ratione Substantiae generis summi ut patet: quamquam hinc alia exoritur
maior difficultas, quam tu commemoranda sit hoc loco. Deinde, non codem
modo includi materiam, et formam in ratione generum subalternorum, quo
illis adduntur in definitionibus specierum. Nam etsi corpus quod est materia
viventis quatenus corpus est, includantur in ratione animalis, non includitur
tamen in illa quatenus est humanum, hoc est quatenus informatur forma
humana: ut luce clarius est. Hoc autem pacto adiungitur corpus animali in
tradit definitione hominis: codemque modo, etsi animus (qui est forma
viventis) quatenus est animus includuntur in ratione animalis, non includitur
tamen quatenus est humanus, seu rationis particeps, quo pacto additur animali
in eadem definitione. Ita fit ut nullus hoc pacto nugationis vitium committatur.

Quod autem posteriori loco obiectum est, facile diluetur si dicas, nihil
obstare quominus eiusdem rei dentur plures definitiones essentiales, modo illae
sint solo explicandi modo diversae cuiusmodi sunt, non tantum illa, de quibus
obiectio excitata est, sed etiam illae, quarum alteram, autore etiam Aristoteles,
diximus iradi per genus proximum, et differentiam proximam, alteram per
genus remotum, et omnes differentias interiectas. Neque enim plures, sed
unam, et eamdem essentiam explicite significant. Quod autem aristoteles
negat, huiusmodi est: fierir non posse, ut eiusdem rei (hoc est speciei) plures
tradantur difinitiones essentiales, quae plures essentias exprimant. Nam
ut unius speciei una tantum est essentia, ita omnes definitiones , quae illius
essentiam per essentialia declarant, eandem omnino essentiam exprimant
necesse est. Alioqui non erunt essentiales eiusdem speciei definitiones.
Urgebit adhuc fortasse aliquis, premetque hoc modo: Aristoteles
docet multis in locis omnem definitionem essentialem constare ex genere, et
differentia: nisi ergo illi fallitur, nulla constat materia et forma rei, praetermissa
differentia.
Sed resistendum est hoc modo, propriam materim, et formam rei,
seu potius constare ex propria meteria, ac forma rei, quatenus hiusmodi
sunt (id enim in hac definitionis formula generi adiicitur) vice differentiae

304
Livro V das Instituições Dialéticas
vez explicitamente e por si. Vício idêntico se pode notar em outras definições
semelhantes. Portanto, este gênero de definir não foi retamente aprovado.
Além disso, Aristóteles " diz muitas vezes que há apenas uma definição
essencial para cada coisa.250 Portanto, não foi retamente que afirmamos
poderem dar-se duas definições essenciais da mesma coisa, uma pela matéria e
pela forma, outra pelo gênero e pela diferença.
Todavia, isto nada obsta. Com efeito, quanto à primeira objeção, deve
dizer-se, em primeiro lugar, que a matéria e a forma da coisa, que se define,
não se incluem na razão de todos os gêneros da mesma coisa. Nem sequer se
incluem na razão da substância do gênero supremo, como está patente, embora
daqui surja outra dificuldade, grande demais para ser mencionada neste
lugar. Além disso, a matéria e a forma não se incluem na razão dos gêneros
subalternos, do mesmo modo por que se juntam àqueles nas definições das
espécies. Com efeito, ainda que o corpo, que é a matéria do ser vivo, enquanto
corpo, se inclui na razão de animal, contudo, não se inclui nela enquanto é
humano, isto é, enquanto é informado por uma forma humana — o que é mais
claro que a luz. E, assim, junta-se corpo a animal na definição dada de homem;
do mesmo modo, ainda que a alma (que é a forma do ser vivo), enquanto é
alma, se inclua na razão de animal, contudo não se inclui enquanto é humana
ou dotada de razão, e por isso se junta a animal na mesma definição. E assim já
se não incorre em nenhuma redundância.
A segunda objeção facilmente se destrói, dizendo que nada obsta a que
se deem várias definições essenciais da mesma coisa, desde que sejam diferentes
apenas no modo de explicar, como o são não só aquelas em que se originou a
objeção, mas ainda outras, uma das quais (ainda segundo Aristóteles) dissemos
que se dava pelo gênero próximo e pela diferença próxima, e outra pelo gênero
remoto e por todas as diferenças intermédias. Pois significam, explicitamente,
não várias, mas uma e a mesma essência. O que, na verdade, Aristóteles nega
é que seja possível que da mesma coisa (isto é, da espécie) se deem várias
definições essenciais, que exprimam várias essências. Com efeito, sendo uma
só a essência de qualquer espécie, é necessário que todas as definições, que
declaram essa essência através de coisas essenciais, a exprimam inteiramente.
De outro modo, não seriam definições essenciais da mesma espécie.
Talvez alguém continue a insistir e a objetar assim: Aristóteles ensina, em
muitos lugares, que toda a definição essencial consta de gênero e de diferença;
logo, se assim for, nenhuma definição essencial consta da matéria e da forma
da coisa, com omissão da diferença.
Deve responder-se deste modo: a matéria própria e a forma da coisa
ou, antes, o fato de constar da matéria própria e da forma da coisa, enquanto
249 Tópicos, VI, 3.
250 Por exemplo, nos Tópicos, VI, 2 e 6 e Tópicos, VI, 2.

305
Pedro da Fonseca

haberi. Eundem enim gradum humanae naturae addit animali, id quod


dicimus Constans tali corpore (recto scilicet, aut quo alio modo id a posteriori
explicaveris et animo rationali, quem addit rationale: atque eodem modo res
habet in caeteris speciebus rerum, quae materia, et forma constant.

Revocantur ad definitionem essentialem definitiones illae, quae constant


genere remoto, et differentia proxima praetermissis aut omnibus aut quibudam
differentiis interiectis: ut si dicas, Homo est substantia corporata, rationis
composita: vel, Homo est corpus animatum rationale. Revocantur etiam
illae, quae loco differentiae proximae constant nomine materiae propriae, aut
formae duntaxat: ut si dics Homo est animal constans recto corpore, vel, Homo
est animal constans animo rationis participe. Hae namque omnes significant
conversim quidditatem rei, etsi illam non omnino exprimunt, praesertim
cum traduntur per genus remotum. Revocantur et illae quae fiunt ex genere
et enumeratione partium integrantium pertinentium ad essentiam rei: ut si
dicas, Domus est integumentum ex parietibus, et tecto hoc modo constructum:
Respublica est communio ex ordine sacrorum ministrorum, nobilitum et plebis
constituta.
Sed questio est num definitiones, quae generi et differentiae
proprietatem aliquam adiungunt, in essentialibus definitionibus debeant
numerari: ut si dicas, Homo est animal rationale beatae vita capax, vel, Homo
est animal rationale natura mansuetum, et ad civilem communionem aptum.
Reprehenduntur enim ab Aristotele. Cui questioni dicendum videtur, has
definitiones esse quidem redundantes (cum satis sit ea in definitione collocare,
quae ad essentiam rei pertinent) atque hac de causa ab Aristotele non probari:
caterum non esse ab essentialibus excludendas. Constant enim partibus
conversim significantibus essentiam definiti, et si alias adiungunt quae nullam
essentiae partem significent.

Multo minus excludendae erunt ab hoc genere, quae constant nomine


aliquo, quod non significat quidem essentiam definiti, sed est eiusmodi, ut sine
ipso essentia definiti intelligi non possit: ut si dicas. Pater est relatum quid,
cuius respectus ad filium terminatur. Nam et si nomen filii non significat ullam
partem essentiae patris , tamen sine ipso essentia, et natura patris, intelligi
nullo modo potest.?
98 Nota do parágrafo: 1 top. 4. / Rarissimae sunt essentiales definitiones / Lib. 4. ca. 4. et 5. / Quae
oratio dicatur significare quod quid erat esse rei. / Duplex definitio essentialis. / Loco proximi generis
poni potest genus remotum cum differentiis omnibus interiectis. 6. top. 3. / Ut. 6. to. 2. et 6. et 7. / top.
2. Solutio / Quo pacto intelligendum unius rei unam tantum esse definitionem essentialem. / Solutio.
/ Definitionis qua practerea mittunt mediam aliquam differentiam. / Quae genere ac sola materia, aut
forma constant. / Definitiones ex enumeratione partium integrantium / Nam definitiones, quae generi,

306
Livro V das Instituições Dialéticas

são deste modo (pois nesta forma de definição, junta-se isto ao gênero), faz as
vezes da diferença. Com efeito, o que dissemos — que consta de determinado
corpo (isto é, ereto; ou de qualquer outro modo por que isto se explique "a
posteriori") e de alma racional — junta a animal o mesmo grau de natureza
humana que junta racional. Do mesmo modo acontece nas restantes espécies
de coisas que constam de matéria e de forma.
Pertencem à definição essencial as definições que constam de um
gênero remoto e de uma diferença próxima, omitidas ou todas ou algumas
das diferenças intermédias, como quando se diz: o homem é uma substância
corpórea, composta de razão, ou o homem é um corpo animado racional.
Pertencem-lhe ainda as que, em lugar da diferença próxima, constam do nome
da matéria próxima ou somente da forma, como quando se diz: o homem é um
animal que consta de corpo ereto; ou: o homem é um animal que consta de
alma racional. Com efeito, todas estas significam reciprocamente a quididade
da coisa, embora a não exprimam completamente, principalmente quando se
dão pelo gênero remoto. Pertencem-lhe também as que se fazem pelo gênero
e pela enumeração das partes integrantes, que pertencem à essência da coisa,
como quando se diz: a casa é o abrigo feito de paredes e de teto; a nação é a
sociedade constituída pelo clero, nobreza e povo.
Surge uma questão: se as definições, que juntam ao gênero e à diferença
alguma propriedade, se devem enumerar entre as definições essenciais, como
quando se diz: o homem é um animal racional capaz de uma vida feliz, ou, o
homem é um animal racional, por natureza doméstico e apto para a sociedade
civil. Na verdade, são reprovadas por Aristóteles. 251 A esta questão parece que
se deve responder que estas definições são, na verdade, redundantes (uma vez
que é suficiente colocar na definição as coisas que pertencem à essência da
coisa), e é por esta causa que não são aprovadas por Aristóteles; por outro
lado, não devem ser excluídas das essenciais, pois constam de partes que
significam reciprocamente a essência do definido, embora juntem outras que
não significam nenhuma parte da essência.
Muito menos se deverão excluir deste gênero aquelas que constam de
um nome que, não significando a essência do definido, é, porém, de tal modo
que, sem ele, não se pode entender a essência do definido, como quando se diz:
pai é um ser relativo, cuja relação se termina em filho; pois, embora o nome
filho não signifique nenhuma parte da essência de pai, contudo, sem ele, de
modo algum se pode entender a essência e a natureza de pai.

251 Tópicos, V, 2 e Tópicos, VI, 2.

307
Pedro da Fonseca

Dicitur hoc genus definitionis definitio essentialis, quia essentiam


rei exprimit. Dicitur ab Aristotele simpliciter Definitio, quia simpliciter,
ac perfecte rem definit. Dicitur terminus, quia cognitio rei ab accidentibus
externis profecta, non potest ultra definitionem essentialem progredi, sed in
ea quasi in perfecta rei apprehensione terminatur, ut ipse autor huius nominis
exponit. Dicitur denique oratio, quae unum significat, quia ex materia et
forma, ac omnino ex genere et differentia, ex quibus definitio essentialis rem
declarat, una constat essentia: non item ex genere et proprietate, aut ex genere
et accidentibus ex quibus descriptio conficitur.

Caput VI - Non codem modo res omnes definiri


Porro non omnes res eodem modo definiuntur. Id quod cernere, positis
ante oculos praedicamentis, facile est. Nam extrema corum, id est, genera
suprema, et individua non definiuntur essentialiter, sed describuntur illa, quia
nulla constant differentia: haec, quia non sunt universalia, ac proinde non
definiuntur nisi remote ut dicemus.

Describi tamen modo aliquo consueverunt individua ex multorum


accidentium collectione. Ut si Platonem definias, hominem quendam Aristonis
ex Perictiona filiam veteris Academiae principem, aut alia huiuscemodi
oratione quis nam fuerit explices.
Media vero interiecta inter haec, hoc est, species omnes, essentialiter
possunt definiri, cum omnes constent generibus et differentiis. Ceterum in his
definiendis varietatem multam invenies. Sola enim substantia et species, quae
sub ipsa collocantur, definiri possunt ex materia, et forma, quoniam hae tantum
species ex materia et forma composita sunt lam vero si praedicamentum
substantiae cum cateris conferas, solas substantias intelliges simpliciter
definiri essentiali definitione, ut placet Aristoteli. Accidentia enim, ut ait,
non habent simpliciter quod quia erat esse, quidditatemve, sed quodammodo,
quia non per sese, sed in sola substantia, quae per se existit, cohaerere possunt.
Unde fit ut omnia modo aliquo per substantiam, in qua cohaerent, definienda
sint. Aliter tamen cum significantur nominibus abstractis (quae sunt propria
ipsorum) aliter cum significantur concretis. Nam cum abstractis significantur,
ponenda est substantia subiectumve in casu obliquo: ut si dicas, Simitatem esse
curvitatem nasi. Cum autem concretis nominibus

et differentiae, proprietatem adiungunt sint essentiales / 5. top. 2. et top. 2. / Hinc collige non opus esse ut
omnem quod ponitur in essentiali de nitione, essentiam signi cat.

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fi
fi
Livro V das Instituições Dialéticas

Este gênero de definição diz-se definição essencial, porque exprime a


essência da coisa. É por Aristóteles denominado simplesmente definição, porque
define a coisa simples e perfeitamente. Diz-se termo, porque o conhecimento
da coisa proveniente dos acidentes externos não pode progredir para além da

confirmo essencial, mas to mina nesta come mateira preenção da coisa,


significa um, porque consta de uma só essência a partir da matéria e da forma
e geralmente do gênero e da diferença, com que a definição essencial declara
uma coisa. O que não acontece com o gênero e o próprio ou com os gêneros e
os acidentes, com que se faz a descrição.

Capítulo VI - Nem todas as coisas se definem do mesmo modo


Nem todas as coisas se definem do mesmo modo. O que é fácil de ver,
pondo-se os predicamentos diante dos olhos. Com efeito, os seus extremos,
isto é, os gêneros supremos e os indivíduos, não se definem essencialmente,
mas descrevem-se; os primeiros, porque não constam de diferença alguma,
os segundos, porque não são universais e, portanto, não se definem senão
remotamente, como diremos.
É, todavia, costume descrever de certo modo os indivíduos pela coleção
de muitos acidentes, como se se definisse Platão assim: um certo homem, filho
de Aríston e Perictíona, principal da Velha Academia; ou se se explicasse quem
ele tenha sido por qualquer outra oração semelhante.
Mas os intermédios entre gênero supremo e indivíduo, isto é, as espécies
todas, podem definir-se essencialmente, já que todas constam de gêneros e
diferenças. Além disso, encontrar-se-á, ao definir estas, muita variedade. Porém,
só a substância corpórea e as espécies, que se colocam sob ela, podem definir-
se a partir da matéria e da forma, visto que só estas espécies se compõem
de matéria e de forma. Mesmo se se comparar o predicamento da substância
com os restantes, compreender-se-á que só as substâncias se definem por
uma definição simplesmente essencial, como parece a Aristóteles. De fato, os
acidentes, segundo o mesmo diz,53 não têm simplesmente uma essência ou
quididade, mas de um certo modo, porque não podem subsistir por si, mas só
pela substância, que existe por si. Donde se infere que todos se devem, de algum
modo, definir pela substância, em que subsistem; contudo, de uma maneira,
quando são significados por nomes abstratos (que são quase próprios deles), e
de outra, quando são significados por nomes concretos.254 Com efeito, quando
são significados por nomes abstratos, deve pôr-se a substância ou o sujeito em

252 Metafísica, V, 17.


253 Metafísica, VII, 1, 4 e 5.
254 Metafísica, VII, 5. Ver Santo Tomás, Do Ente e da Essência, 7.

309
Pedro da Fonseca

significantur more substantiarum, tum subiectum ponendum est in


recto: ut si dicas, Simum est nasus curvus.

Non modo autem accidentia omnia sive proxime, sive remote, per
substantia definienda sunt, sed etiam inter accidentia reperias plurima, quae
aliis praeterea additamentis egeant. Cuiusmodi sunt omnes habitus operantes,
potentiae naturales, et relata omnia. Habitus enim huiusmodi, et potentiae, per
suos actus, aut per obiecta, quae suos actus terminant, definiuntur, ut scientiae,
et virtutes. Sic Dialectica dicitur esse doctrina disserendi. Sic philosophia
naturalis dicitur scientia, quae agit de rebus naturalibus Sic iustitia dicitur
virtus qua quisque alii tribuit quod eius est. Sic aspectus definitur vis quaedam
naturalis, quae in coloribus percipiendis versatur. Relato vero omnia per ea, ad
quae referuntur, definiuntur: ut pater per filium, dominis per servum, et vice
versa.
Alia quaedam sunt in definiendis rebus observanda, quae instructiorem
postulant lectorem, quam sit is, quem hisce institutionibus informamus. Nunc
superest ut definiendi methodum, hoc est, viam et rationem investigandae
definitionis tradamus"

Caput VII - De via et ratione investigandi definitione

Duas methodos ponebat Plato, quibus omnis rerum cognitio, et


scientia contineretur, Divisivam scilicet, et Collectivam. Aristoteles vero
et si non omnino hoc probat, docet tamen hisce duobus modis investigari
posse definitionem, divisione, in quam, et collectione. Divisione quidem
hoc modo. Sumatur, ait, primum, id quod communius est, latiusque patet,
quam res definienda: deinde illud ipsum dividatur: mox differentia, quae rei
convenit, addatur primo attributo: rursus, si nondum ratio reciprocatur cum
re proposita, dividatur id totum, quod assumptum est, tandemque eo usque
fiat progressio dividendo, donec oratio propria efficiatur, quae nullam in rem
aliam transferri possit. Exempli causa si hominem definire velis, accipies primo
loco aliquod genus hominis, verbi gratia substantiam, quae omnium latissime
patet, dicesque Homo est substantia. Deinde, quia substantiarum quaedam
sunt corporis expertes, ut intelligentiae, quaedam corporatae, qualis est homo,
99 Nota do parágrafo: Genera suprema et individua non definiuntur essentialiter. / Individua describi
solent / Omnes species definiri possunt essentialiter. / Substantia tantum corpora suae definiuntur ex
materia, et forma / Sola substantia, simpliciter definitur essentiali definitione. / 7. Metaphy. 1. 4. et 5.
/ Omnia accidentia modo aliquo p substantiam de niuntur. Aliter tamen abstracta aliter concreta. / 7.
metaphy. 5. Unde D. Tho. de ente et essentia. 7. / Habitus operantes, et potentiae omnes, per suos actus,
aut obiecta definiuntur. / Ari 6. Top. 3. et Porphy. De Species

310
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Livro V das Instituições Dialéticas

caso oblíquo, como quando se diz: a simitas é a curvatura do nariz. Quando


são significados, porém, por nomes concretos, à maneira das substâncias, então
o sujeito deve pôr-se em caso reto, como quando se diz: o achatado é um nariz
curvo.
Mas nem todos os acidentes se devem definir, ou próxima ou
remotamente, pela substância; entre eles encontram-se também muitos que
necessitam, além disso, de outros aditamentos. Assim acontece com todos os
hábitos que se chamam operativos, com as potências naturais e com todos os
relativos. Com efeito, os hábitos deste gênero e as potências definem-se pelos
seus atos ou objetos, como as ciências e as virtudes. Assim, Dialética diz-se que
é a ciência de discorrer; Filosofia natural diz-se a ciência que trata das coisas
da natureza; justiça diz-se a virtude pela qual alguém dá a outro o que lhe
pertence; e vista define-se um certo sentido cuja função é perceber as cores. Os
relativos, porém, definem-se todos por aquilo a que se referem, 255 como pai
por filho, senhor por servo, e vice-versa.
Há ainda outras coisas a observar na definição das coisas, mas exigem um
leitor mais preparado do que aquele a quem nos dirigimos nestas instituições.
Falta agora apresentar o método de definir, isto é, o caminho e a ordem que se
deve seguir para fazermos uma definição.

Capítulo VII - Do caminho e da ordem para encontrar uma


definição
Platão?56 apresentava dois métodos em que estaria contido todo o
conhecimento e ciência das coisas. Eram eles: o da divisão e o da coleção. E
Aristóteles,257 embora o não aprove plenamente, ensina que a definição se pode
investigar de duas maneiras, ou seja, pela divisão e pela coleção. Pela divisão,
deste modo:258 tome-se, diz, primeiro, o que é mais comum e mais extenso do
que a coisa a definir; divida-se depois essa mesma coisa; em seguida, junte-se
ao primeiro atributo a diferença que convém à coisa; se a oração ainda se não
recíproca com a coisa proposta, divida-se novamente o todo que se tomou; e,
finalmente, siga-se dividindo até que se forme uma oração própria, que não
possa ser adaptada a nenhuma outra coisa. Por exemplo, para se definir homem,
tomar-se-á primeiramente algum gênero de homem, por exemplo, a substância,
que convém latissimamente a todos e dir-se-á: homem é uma substância.
Depois, como algumas substâncias são incorpóreas, como as inteligências, e
outras corpóreas, como o homem, acrescentar-se-á: corpórea. Mas, porque as

255 Aristóteles, Tópicos, VI, 3; e Porfírio, Da Espécie.


256 No Sofista e no Fedro e em outros lugares. O mesmo em Alcino, Da Doutrina de Platão, cap. 5.
257 Segundos Analíticos, II, 14; e Tópicos, 1, 14.
258 Segundos Analíticos, II, 14.

311
Pedro da Fonseca

addes, Corporata. Sed quia corporatae substantiae partim interire non possunt,
ut coeli, partim possunt, e quibus est homo, addes, Quae interire potest.
Rursus, quia earum substantiarum, quae intereunt, quaedam non vivunt, ut
lapides, aliae sunt viventes, in quibus est homo, addes, Vivens. Verum ne id
quidem satis est. Viventium enim quaedam nil sentiunt, ut plantae, quaedam
sentiunt, in quibus homo numeratur. Quare adiungendum est, Sentiens. Sed
commune adhuc. Nam corum, quae sentiunt, quaedam sunt expertia rationis,
quaedam rationem participant, ut Socrates, et Plato. Addes igitur, Rationis
particeps: quod satis erit. Nam totum hoc, substantia corporata, quae interire
potest, vivens, sentiens, et rationis particeps soli homini convenit, et cum co
reciprocatur. Existima ergo te hac via, et ratione invenisse hominis definitionem:
quod eodem modo in caeteris rebus definiendis observabis.
Quod autem Aristoteles codem loco ait, singulas differentias hac
methodo investigatas latius patere, quam id, quod definitur, non universe
accepiendum est (differentia siquidem, quae proxime componit speciem
non latius patet, quam species, ut idem ipse alibi docet) sed solum cum non
suppetunt essentiales differentiae. Tunc enim saepe cogimur dividere ea, quae
accipimus in ea accidentia, quarum singula latius pateant, quam res, quae
definitur, omnia autem simul iuncta cum eadem recurrant. Ut si dividas animal
in bipes, et non bipes: deinde animal bipes in pennatum, et implume: tum
definias hominem esse animal bipes implume.

Collectione vero, seu similium consideratione, ut eam vocat Aristoteles,


hoc modo investiganda est definitio. Primum si velis infimae alicuius speciei
definitionem colligere, inspicies in individuis illius nationem aliquam, ob quam
nomine talis speciei nominantur, eaque erit definitio talis speciei. Ut quoniam
animi magnitudines Alcibiadis, Achillis, et Aiacis, sunt individua unius speciei
infimae magnanimitatis (fuerunt enim quam similimae) hi autem homines
dicti sunt magnanimi, quia aequo animo contumeliam pati non potuerunt,
primus enim ob hanc causam bellum patriae intulit, alter implacabili exarsit
iracundia, tertius sibi mortem conscivit: efficitur ut definitio huius infimae
speciei magnanimitatis sit, Aequo animo contumeliam illatam ferre non posse.
Qua etiam arte colliges definitionem eius magnanimitatis quae in Socrate, et
Lysandro fuit, hanc esse, Aequabiliter secundam et adversam fortunam ferre,
quoniam hac de causa magnanimi appellati sunt.

312
Livro V das Instituições Dialéticas

substâncias corpóreas, em parte, não podem perecer, como os céus, e, em parte,


podem, como o homem, acrescentar-se-á: perecível. Novamente, como, entre
as substâncias que perecem, umas não vivem, como as pedras, outras são vivas,
como o homem, acrescentar-se-á: viva. E ainda não basta isto. Na verdade,
entre os seres vivos, uns não sentem, como as plantas, outros sentem, entre os
quais se conta o homem. Pelo que se deve juntar: sensível. Mas ainda é comum,
pois, destes que sentem, uns são desprovidos de razão, outros participam da
razão, como Sócrates e Platão. Acrescentar-se-á, pois: dotado de razão. E será
bastante. Com efeito, este conjunto substância corpórea, perecível, viva, sensível
e dotada de razão só ao homem convém e com ele se recíproca. Considere-se,
portanto, que se encontrou a definição de homem por este caminho e por esta
ordem. Proceder-se-á do mesmo modo ao definir as outras coisas.
Porém, como Aristóteles diz, no mesmo lugar, que cada diferença
encontrada por este método é mais extensiva do que aquilo que se define, não
se deve tomar isto universalmente (pois a diferença que compõe proximamente
a espécie não é mais extensiva do que ela, como ele mesmo ensina em outro
lugar),259 mas só quando não se apresentam diferenças essenciais. Porque,
nesse caso, somos muitas vezes obrigados a dividir as coisas, que tomamos,
em acidentes, cada um dos quais será mais extensivo do que a coisa que se
define, e, todos juntos simultaneamente, deverão reciprocar-se com a mesma.
Por exemplo, se se dividir animal em bípede e não bípede, e depois animal
bípede em coberto de penas e implume, então definir-se-á homem: animal
bípede implume.
Por coleção ou consideração das semelhanças, como lhe chama
Aristóteles, 260 a definição deve procurar-se deste modo: primeiramente, se se
quer coligir a definição de alguma espécie ínfima, procurar-se-á nos indivíduos
alguma razão por que sejam nomeados com o nome de tal espécie. E será essa
a definição de tal espécie. Ora, para usar os exemplos de Aristóteles, como as
grandezas de alma de Alcibíades, de Aquiles e de Ajax são indivíduos de uma
espécie ínfima de magnanimidade (foram, com efeito, muito semelhantes),
e estes homens foram chamados magnânimos, porque não puderam sofrer
afronta com equanimidade — pois o primeiro por esta causa fez a guerra à
pátria, o segundo ardeu numa ira implacável, e o terceiro infligiu a si próprio a
morte — verifica-se que a definição desta espécie infima da magnanimidade é
não poder suportar com equanimidade uma afronta feita. Esta magnanimidade,
porém, não é virtude, mas vício, como em outro lugar6l ensina Aristóteles.
Pelo mesmo processo se concluirá também que a definição de magnanimidade,

259 Tópicos, IV, 2; Metafísica, VII, 12.


260 Segundos Analíticos, II, 14 e Tópicos, I, 14.
261 Ética, III, 7 e 8.

313
Pedro da Fonseca

Deinde si velis colligere definitionem alicuius generis videbis num


rationes diversarum specierum habentium idem commune nomen conveniant
secundum tale nomen in una aliqua ratione, quae simpliciter una sit, nec ne.
Nam si convenerint, ea erit definitio generis: sin minus, tale commune nomen
erit aequivocum utrique speciei. Exempli causa, si ratio eius magnanimitatis,
quae fuit in Alcibiade, Achille, et Aiace, cum ratione magnanimitatis Lyssandri,
et Socratis hoc conveniat, quod omnes existimaverint se dignos esse rebus
magnis, atque haec ratio sit una simpliciter, haec sane erit definitio generis
utriusque magnanimitatis, quod magnanimitatis generali vocabulo appelletur.
Quod si non fuerit communis utrique, aut certe non fuerit una simpliciter,
sed analogice duntaxat (quod ego magis crediderim) non erit utique definitio
alicuius generis utriusque magnanimitatis, sed cuiusdam analogi, quod
similibus quidem rationibus, sed tamen diversis dicatur de utraque. Et ita in
caeteris.
Ac prior quidem methodus definiendi exactior est, et naturae ordini,
perfectaque disciplinae conveniens: posterior autem, qua plurimum utitur
Socrates apud Platonem, et si minus perfecta est, tamen inventionis, ordini
est accommodata. De qua quidem intelligendum est illud Aristotelis, facilius
esse minus universalia, quam magis universalia definire: atque iccirco a minus
universalibus ad magis universalia esse progrediendum. 100

Caput VIII - De definito

Diximus de definitione deque via, et ratione definiendi, nunc de definito


aliquid dicamus. Quinque autem se se offerunt in hac re animadvertenda.

Primum est, duplex dici solere definitum apud Dialecticos: propinquum,


et remotum. Definitum propinquum (quod et primum, et immediatum
vocant) est illud quod proxime explicatur definitione. Remotum vero (quod
secundarium, et mediatum appellant) est illud, quod remote, et quatenus in
propinquo continetur, definitione declaratur. Exempli causa, cum dicimus,
Equus est animal hiniens, equus est definitum propinquum, Xanthus autem,
Bucephalus, et caeteri ex singulis, sunt definita remota, quoniam equus in
commune explicatur proxime definitione illa, singuli autem solum ex quadam
100 Nota do parágrafo: Plato in Sophista, et Phaedro. / 2. post. 14. et 1. topi. 14. Quopacto divisione
investiganda sit d finitio, ex. 2. post. 14 / Num differentiae omnes latius patre debeant, qua res definienda.
/ 4. top. 2. et 7. meta. 12. / Quo pacto collectione investiganda sit definitio. / 3. post. 14. et 3. top. 14. /
Method9 investigandi definitionem per divisionem exactior est: altera tamen inventionis ordine est prior. /
2. post. 15.

314
Livro V das Instituições Dialéticas

que se verifica em Sócrates e em Lisandro, é esta: suportar de igual modo a


sorte favorável e a adversa, pois se chamaram magnânimos por esta causa.
Depois, se se quiser formar a definição de algum gênero, ver-se-á se as
razões das diversas espécies, que têm o mesmo nome comum, convêm ou não,
segundo tal nome, em alguma razão que seja simplesmente única. Se convierem,
essa será a definição do gênero; se não convierem, o tal nome comum será
equívoco a ambas as espécies. Por exemplo, se a razão da magnanimidade
que houve em Alcibíades, em Aquiles e em Ajax convém com a razão da
magnanimidade de Lisandro e de Sócrates em que todos se julgaram dignos
de coisas grandes, e essa razão for simplesmente única, será essa, sem dúvida,
a definição do gênero de uma e outra magnanimidade, porque é denominada
pelo vocábulo geral de magnanimidade. Mas se não for comum a uma e a
outra ou não for pelo menos simplesmente única, mas só analogicamente (o
que eu mais facilmente acreditaria), não será de qualquer modo definição de
algum gênero de ambas as magnanimidades, mas sim de algum análogo que na
verdade se diga de ambas por razões semelhantes, embora diversas.
O primeiro método de definir é mais exato e mais acomodado à ordem
da natureza e à perfeita ciência. O segundo, porém, de que, segundo Platão,
Sócrates usa geralmente, embora seja menos perfeito, é, contudo, acomodado
à ordem da invenção. A respeito dele se deve entender aquela doutrina de
Aristóteles:262 é mais fácil definir as coisas menos universais do que as mais
universais; portanto, deve progredir-se das menos universais para as mais
universais.

Capítulo VIII - Do definido


Falamos da definição e do caminho e ordem para a fazermos; digamos
agora alguma coisa acerca do definido. Neste assunto, cinco pontos se oferecem
que devem ser advertidos.
O primeiro é que, entre os Dialéticos, costuma dar-se duas espécies de
definido: o próximo e o remoto. O definido próximo (a que chamam também
primeiro e imediato) é aquilo que é explicado proximamente pela definição.
O remoto (a que chamam secundário e mediato) é aquilo que é definido
remotamente, isto é, enquanto se contém no próximo. Por exemplo, quando
dizemos: o cavalo é o animal que relincha, cavalo é um definido próximo;
mas Xanto, Bucéfalo e os outros indivíduos são definidos remotos, visto
que, na definição dada, se explica proximamente cavalo, como universal, e os
indivíduos só por uma certa conexão, isto é, enquanto participam da natureza
comum de cavalo. Pela mesma razão, quando dizemos: animal é um corpo
animado sensível — animal é um definido próximo; porém, homem, besta e,
262 Segundos Analíticos, II, 15.

315
Pedro da Fonseca

consecutione, quatenus videlicet commune equi nomen, et naturam participant.


Eadem ratione, cum dicimus, Animal est corpus animatum sentiens, animal
est definitum propinquum, homo autem et bestia, atque adeo singuli homines
et singulae bestiae, sunt definita remota.Unde planum fit, definitum remotum
nec omnino, nec conversim explicari definitione ea, cuius respectu dicitur
definitum remotum, ac proinde non esse simpliciter appellandum definitum.
Alterum est, omne definitum, quod definitione una explicatur,a unum
per se, hoc est, unius essentiae esse debere. Nam cum definitio sit velut quaedam
expressa imago alicuius essentiae, quot fuerint essentiae, quae definitione
explicantur, tot sint definitiones necesse est. Hinc sit, ut Aristotelis sententia
id, quod est unum per accidens, ut est homo albus, quia non habet unam
duntaxat naturam, sed multas, non definiatur, definitione videlicet simpliciter
una. Pluribus enim definitionibus complicatis fatetur ille haec posse definiri:
ut si dicas, Homo albus est animal rationale infectum colore dispartiente visum.

Quia vero nomen aequivocum non significat tantum naturam,


essentiamve, sed multas, hoc etiam efficitur ex dictis, ut nullum aequivocum
definiatur, nisi prius destinguatur: quod pervulgatissimum est apud Dialecticos.
Hoc vero et si in omnibus aequinocis communiter praecipitur, tamen in
quibusdam analogis quodammodo non servatur. Quaedam enim definiuntur
nulla prius facta ipsorum distinctione, ut apud Aristotelem Principia, Natura,
Motus, et alia permulta. Si tamen loquamur de definitione, quae sit simpliciter,
ac omnino una, dubium non est, quin semper hoc commune proloquium
servetur. Numquam enim definitio omnino una ulli aequivoco assignatur, nisi
vocabulum aequivocum pro uno tantum significato accipiatur.

Tertium est, omne quod definitur esse universale ut Aristoteles saepe


admonet. Unde fit ut verba illa, Quod quid erat esse, et alia similia, quibus
Aristoteles utitur cum de definitione, aut de quidditate rei loquitur, semper
accipiantur apud illum pro quidditate, essentiave universali. Causa cur sola
universalia definiantur, haec est, quia singularia (Deum optimum maximum
excipio) sunt mutabilia: universalia vero nunquam mutantur, nisi ex accidenti,
ratione videlicet singularium. Homo enim, exempli gratia, propterea dicitur
nasci, interire, et omnino mutari, quia Socrates aut aliquis alius ex singulis,
mutatur: id, quod modo eodem accidit in cateris. Cum ergo definitio debeat
esse rei immutabilis (est enim principium et fundamentum scientiae, ad quam
non admittuntur nisi res, quae ex se mutabiles non sint) efficitur ut omne
definitum debeat esse universale. Sic enim fiet, ut nulla in ipsum, ratione sui
cadat mutatio. Aliae sunt rationes, quibus id, quod asserimus, sola (inquam)

316
Livro V das Instituições Dialéticas

com mais razão, cada homem e cada besta são definidos remotos. De onde se
conclui que o definido remoto nem plenamente nem reciprocamente se explica
pela definição a respeito da qual se diz definido remoto, e, portanto, não deve
chamar-se simplesmente definido.

O segundo é que todo o definido, que se explica por uma definição, deve
ser uno por si, isto é, de uma só essência. Com efeito, como a definição é como
que uma imagem expressa de alguma essência, é necessário que as definições
sejam
infere, tantas
segundoquantas as de
a opinião essências que 263
Aristóteles, se explicam
que o que pela
é unodefinição. Disto
por acidente, se
como
homem branco, uma vez que não tem uma só natureza, mas muitas, certamente
se não define por uma definição simplesmente una. Confessa ele, 264 na verdade,
que essas coisas podem ser definidas por várias definições complicadas, como
se se disser: homem branco é o animal racional tingido de uma cor que dispersa
a vista.
E, como o nome equívoco não signi ca apenas uma natureza ou essência,
mas muitas, também se segue, do que foi dito, que nenhum equívoco se define,
sem se distinguir primeiro, o que é vulgaríssimo entre os dialéticos.265 Embora,
porém, se preceitue comumente isto para todos os equívocos, em certo modo,
contudo, não é observado em alguns análogos. Com efeito, alguns definem-
se antes de feita qualquer distinção deles próprios, como, em Aristóteles, os
princípios, a natureza, o movimento e muitíssimos outros. Se, porém, falarmos
da definição, que é simples e absolutamente una, não há dúvida de que sempre se
observa esta comum sentença. Na verdade, nunca uma definição inteiramente
una se atribui a qualquer equívoco, a não ser que o vocábulo equívoco se tome
por um significado apenas.
O terceiro é que tudo o que se define, seja universal, como, muitas vezes,
adverte Aristóteles.266 De onde se infere que aquelas palavras o que uma coisa,
por si, é destinada a ser e outras semelhantes de que Aristóteles usa, quando fala
da definição ou da quididade da coisa, são por elez67 sempre tomadas por uma
quididade ou essência universal. A causa por que só os universais se definem é
que os singulares (excetuo Deus, sumo Bem e suma Grandeza) são mutáveis, e
os universais nunca mudam, senão por acidente, isto é, em razão dos indivíduos.
Do homem, por exemplo, diz-se que nasce, morre, e muda completamente,
porque Sócrates ou qualquer outro dos singulares mudam; e, da mesma
maneira, isto acontece com os restantes. Uma vez, portanto, que a definição
263 Metafísica, VII, 12, tex. 42.
264 Tópicos, VI, 5.
265 Segundo os Tópicos, VI, 2 e 5.
266 Por exemplo nos Segundos Analíticos, 1, 7; e II, 14; e Metafisica, VII, 15.
267 Por exemplo, quase todo o livro VII da Metafísica.

317
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Pedro da Fonseca

universalia definiri, ostendatur, sed haec una sufficiat hoc loco. Quod quidem
plane intelligitur de definitio propinquo. Nam remote dubium non est, quin
singularia definiantur. Verum hic dissensio est inter Dialecticos. Quidam
enim non agnoscentes ullam rem universalem, quae sit in singulis individuis,
quaeque primo, ac proxime significetur nomine universali, dicunt definitum
propinquum non esse rem universalem significatam nomine universali, sed
ipsum nomen universale: atque ita cum dicimus, Equus est animal hinniens,
hoc nomen Equus esse definitum propinquum, singulos vero equos, qui
(eorum sententia) equi nomine proxime significantur, esse definita remota.
Alii ponentes nomen universale proxime significare rem universalem, quae
existat in singulis, remote autem ipsa singula individuave, dicunt, definitum
propinquum esse rem universalem, quae proxime significatur nomine universali
(haec est enim quae proxime explicatur definitione) definita vero remota esse
illa eadem, quae illi astruunt. Sed contra priorem sententiam aliquando dabitur
disputandi locus: nos posteriorem probamus.

Quartum est, omne quod proprie definitur, aut describitur esse


speciem alicui generi subiectam, aut infimam, aut subalternam: quia in omni
definitione aut descriptione proprie dicta, ponendum est genus rei, quae
definitur, et eius differentia, aut proprietas. Hinc intelliges, cur nec genera
summa, nec differentiae, proprie definiantur. Nullius enim generis sunt species:
et si differentiae respectu suorum individuorum fortasse sint species, ut
Rationale respectu huius rationalis, quod alio loco discutiemus. Describuntur
tamen quodammodo differentiae more proprietatum concretis nominibus
significatarum. Nam ut dicimus Disciplinabile est animal, quod doctrina imbui
potest, sic dicere possumus, Rationale est animal, quod rationem participat.
Quintum est, figmenta, ut chimaeram, hircocervum, et alia huiusmodi
non definiri definitione rei, sed nominis tantum, ut placet Aristoteli. Itaque ut
ille vult, cum dicimus, Hircocervum est animal ex hirco et cervo cogitatione
confictum, sensus hic est, Nomen hircocervi significat animal confictum ex
hirco et cervo. Causa huius sententiae est, quia figmenta non habent veram
quidditatem essentiamve, quae definitione rei explicetur habent tamen verum
nomen, quod definitione nominis declaretur. Unde ille. Id, inquit, quod non
est (hoc est, esse non potest) nemo scit unquam quid est, sed quid oratio,
aut nomen significat. Veluti quid significet Hircocervus percipi potest quid

318
Livro V das Instituições Dialéticas

deve ser de uma coisa imutável (pois é o princípio e o fundamento da ciência, 268
na qual se não admitem senão as coisas que de si não são mutáveis), resulta
que todo o definido deve ser universal. Há outras razões com que a presente
doutrina se costuma confirmar, mas, neste lugar, contentemo-nos apenas com
uma. Esta afirmação, porém, deve entender-se do definido próximo, pois os
indivíduos definem-se remotamente, não resta dúvida, como ressalta do que
se disse. Aqui, porém, há discordância entre os dialéticos. Uns, 269 com efeito,
que não admitem que coisa alguma universal exista em indivíduos singulares
e se signifique primeira e proximamente por um nome universal, dizem que o
definido próximo não é uma coisa universal significada por um nome universal,
mas sim o próprio nome universal; e, assim, quando dizemos que o cavalo é um
animal que relincha, este nome cavalo é o definido próximo, mas, segundo eles,
cada cavalo, que se significa proximamente pelo nome de cavalo, é um definido
remoto. Outros, que afirmam que o nome universal significa proximamente
uma coisa universal, que existe em cada singular — remotamente, porém, nos
próprios singulares ou indivíduos —; dizem que o definido próximo é uma
coisa universal que se significa proximamente pelo nome universal (na verdade,
esta é a que é proximamente explicada pela definição), mas que os definidos
remotos são aqueles mesmos que os autores anteriores afirmam. Mas contra
a primeira opinião, oferecer-se-á algum dia ocasião de a discutir, pois nós
aprovamos a segunda.270
O quarto é que tudo o que se define propriamente ou se descreve é
uma espécie, ou infima ou subalterna, sujeita? a um gênero, visto que, em
toda a definição ou descrição propriamente dita, deve pôr-se o gênero da coisa
que se define e a sua diferença ou propriedade. Compreende-se, por isto, que
nem os gêneros supremos nem as diferenças se definem propriamente: pois de
nenhum gênero há espécies. Contudo, as diferenças descrever-se-ão de algum
modo, segundo o uso das propriedades significadas por nomes concretos. Na
verdade, assim como dizemos que é dócil o animal que pode ser ensinado,
também podemos dizer que é racional o animal que é dotado de razão.

O quinto é que as ficções, como quimera, hircocervo e outras


semelhantes, não se definem por uma definição real, mas só nominal, como
agrada a Aristóteles.272 A opinião de Aristóteles, com efeito, é que, quando
dizemos: hircocervo é o animal construído na imaginação como feito de bode
e de cervo, — o sentido da oração não é que o significado deste hircocervo
seja um animal construído na mente com bode e com cervo, mas que o nome
268 Segundo os Segundos Analíticos, I, 8 e Da Alma, I, 1.
269 Nominalistas, segundo Occam, I parte da Lógica, caps. 14 e 15, e Sentenças, I, div. 2, questão 6.
270 Trata-se da querela dos universais, a que o autor promete dar resposta em obra futura. N.do R.
271 Metafísica, VII, 4.
272 Segundos Analíticos, II, 7.

319
Pedro da Fonseca

vero hircocervus sit intelligi non potest. Ida quod codem libro pluribus
verbis exequitur. Sicut tamen placuerit, poterit sine crimine has figmentorum
definitiones nomine definitionis rei quodammodo et si remotissime,
compreendere. Nam et si figmenta non sunt res, tamen quasi in extremo
gradu rationem rerum participant, quam ob causam res fictae appellantur. Hoc
vero mihi cum Aristotelis doctrina pugnare non videtur. Docet enim (idque
non semel) etiam definitiones accidentium esse nominum interpretationes,
quoniam accidentia non sunt simpliciter res, sive entia. Saepe tamen concedit
haec explicari definitione rei, quia et si non sunt simpliciter entia, tamen
quodammodo sunt entia, sicque a numero entium non penitus excluduntur.

Haec de definitione dixisse sufficiat: nunc plurimis praeceptis, quae ab


Aristotele ad bene definiendum traduntur, ea nos tantum subiiciamus, quae
plus utilitatis afferre videantur.101

Caput IX - Primum definiendi praeceptum.

Primum praeceptum est, ut quicquid definitur definiatur ex notioribus.


Quod quidem vel ea de causa primo loco posui, quia nihil est minus ferendum,
quam id esse obscurum, ad quod quasi caput omnis disputatio redigitur. Id
enim est definitio.

101 Nota do parágrafo: Duplex definitum / Propinquum / Remotum / Definitum remotum, non est
simpliciter definitum. Omne definitum unum quid per se esse debet. / 7. meta. 12. tex. 42. / Id quod est

una. / Omne quod definitur, est universalis. Ut. 1. post. 7. et 2. post. 14. et 7. metaphys. 15. / Ut feri toto 7.

definiens rei /2. post. 7. et 7. meta. 4. / Ut 7. meta. 4. et 5. / Potissimum. 6. Topicorum

320
Livro V das Instituições Dialéticas

hircocervo significa isso. A causa desta opinião é que as ficções não têm uma
quididade ou essência verdadeira que seja explicada pela definição da coisa,
mas um nome verdadeiro que se declara por uma definição nominal. De onde
Aristóteles diz: o que não existe (isto é, não pode existir) jamais alguém sabe o
que é; mas [sabe] o que significa a oração ou o nome. Assim, pode perceber-se
o que significa hircocervo, mas não pode compreender-se o que seja hircocervo.
O que, no mesmo livro, se completa com mais palavras. Não julgo, porém,
que vá contra a verdade ou contra a opinião de Aristóteles o fato de este ter
compreendido remotissimamente definições como estas no nome de definição
real ou definição quid da coisa. Que não vai contra a verdade, manifesta-se em
que, embora as ficções não sejam coisas, contudo, como que participam, no
último grau, da razão das coisas, e por esta razão se chamam coisas fingidas.
De onde acontece que na definição quid da coisa se costuma compreender
no vocábulo da coisa tudo o que é designado por esse nome, seja um ente
real, de razão, fantasiado ou qualquer outro. Que não vai contra a doutrina de
Aristóteles, compreender-se-á por isto: ele ensina, com efeito (e mais de uma
vez),273 que também as definições dos acidentes são interpretações dos nomes,
pois os acidentes não são simplesmente coisas nem entes. Concede, porém,
muitas vezes,274 que estes se explicam pela definição real, principalmente
porque, embora não sejam simplesmente seres, contudo, são seres de certo
modo e, assim, não se excluem inteiramente do número dos seres. O que pode
acomodar-se, embora com menos ousio, às ficções.
Acerca da definição, são suficientes estas coisas. Agora, de entre as
numerosas regras apresentadas por Aristóteles, 275 para se observarem na
definição, vamos expor apenas as que parecem oferecer mais utilidade.

Capítulo IX - Primeira regra a observar na definição


A primeira regra é que aquilo, que se define, seja definido pelas coisas
mais conhecidas.276 Coloquei-a em primeiro lugar porque, na verdade, nada
é menos de admitir do que ser obscuro aquilo que se pretende com qualquer
disputa. E isto é, na verdade, a definição.

273 Por exemplo, nos Segundos Analíticos, II, 7; Metafisica, VII, 4.


274 Por exemplo: Metafísica, VII, 4 e 5.
275 Principalmente nos Tópicos, VI.
276 Tópicos, VI, 2 e 5.

321
Pedro da Fonseca

Hoc praeceptum non servant, qui translationibus, praesertim remotis, et


difficilibus, rem definiunt, ut hominem, arborem inversam. Item qui utuntur
definiendo verbis parum usitatis, ut si quis medicus imperet aegroto, ut sumat
Terrigenam, herbigradam domiportam, sanguine cassam, ut aegrotus cocleam
intelligat. Item qui ex verbis ambiguis definitiones extruunt, ut si quis hac
oratione, Elementum primum, velit literam, quasi eam discribendo, significare.
Haec enim verba ambigua sunt, et in aliis etiam rebus possunt intelligi: ut
enim litterae sunt prima elementa sermonis, sic unitates, sunt prima elementa
numeri, et materia ac forma prima elementa rei naturalis. Admittuntur tamen
ambigua vocabula in definitionibus, cum vel additur aliqua particula, quae
ambiguitatem verbi ad unam significationem trahat (ut si quis proximae
definitioni addat hanc particulam, Sermonis) vel ex rebus, de quibus disseritur,
aperte constat, qua significatione vocabula sumantur.

Item qui idem per id ipsum difiniunt. Nihil enim est notius seipso. Hoc
autem aperte, ac verbo codem, fere nunquam accidit, sed implicite, alioque
verbo, utpote cum in definitione ponitur aliquod nomen, quod definitur et
declaratur per ipsum definitum: ut si quis definiat solem astrum, quod dum
dies est nostrum hemisphaerium illustrat. Nam cum dies definiatur motus
solis super terram, efficitur, ut tandem sol definiatur per solem.

Item qui contrarium per suum contrarium defini aut, ut si quis definiat
bonum esse id, quod est malo contrarium. Huiusmodi est illud, Virtus est
vitium fugere: et illud, Prima sapientia stultitia caruisse. Causa est quia,
contrariorum eadem est scientia, et cognitio. Verum hic modus definiendi non
est usque adeo repudiandus.

Sed obiiciat aliquis contra hoc primum praeceptum, omne relatum per
illud ipsum relatum, ad quod refertur, esse definiendum, ut docent Philosophi,
relata vero inter sese, cum sint simul natura, esse ex notioribus, magisque
perspicuis definiendum

322
Livro V das Instituições Dialéticas

Não observam esta regra os que, ao definir, usam de metáforas,


principalmente quando remotas e difíceis, como se alguém definir homem:
árvore invertida. Do mesmo modo, os que usam palavras pouco usadas, 278 como
se algum médico mandasse tomar ao doente uma coisa nascida da terra, que
anda sobre a erva, que traz a casa consigo, e privada de sangue, 279 para o doente
entender um caracol. Igualmente, os que usam de palavras ambíguas,280 como
se alguém, com a expressão: primeiro dos elementos, quisesse significar letra,
como que descrevendo-a. Na verdade, estas palavras são ambíguas e podem
também entender-se de outras coisas, pois, assim como as letras são os primeiros
elementos da linguagem, assim as unidades são os primeiros elementos do
número, e a matéria e a forma, os de uma coisa natural. Admitem-se, porém,
nas definições, os vocábulos ambíguos, quando ou se junta alguma partícula
que reduz a ambiguidade da palavra a uma só significação (como se se juntar à
definição acima dada esta partícula da linguagem) ou se, pelas coisas de que se
trata, consta claramente em que sentido se tomam as palavras.
Da mesma maneira, não observam esta regra os que definem uma coisa
por si mesma.281 Com efeito, nada há mais conhecido que-ela-mesma. Isto,
porém, é raro acontecer abertamente, e, com a própria palavra, quase nunca
acontece. Acontece, porém, implicitamente e com outra palavra, como quando
se põe na definição algum nome que se define e se declara pelo próprio
definido, como se alguém definir sol: astro que, durante o dia, ilumina o nosso
hemisfério. Efetivamente, uma vez que dia se define como o movimento do sol
sobre a terra, faz-se, afinal, com que sol se defina pelo sol.
Do mesmo modo, não a observam aqueles que definem um contrário
pelomau.
de seu São
contrário,282 como se virtude
deste gênero:283 alguém édefinir bom
fugir ao como
vício; aquilo
e este que éa contrário
outro: primeira
sabedoria é não ser tolo. A causa é que ciência e conhecimento dos contrários
é o mesmo. Mas não deve chegar-se ao extremo de repudiar completamente
este modo de definir.
Mas talvez alguém objete, contra esta primeira regra, que todo o relativo
se deve definir pelo próprio relativo a que se refere, como ensinam os filósofos;
ora os relativos entre si, como o são simultaneamente por natureza, são
igualmente conhecidos ou igualmente desconhecidos; logo, nem tudo o que se
define, se deve definir por coisas mais conhecidas e mais evidentes.

277 Segundos Analíticos, II, 15; e Tópicos, VI, 2.


278 Tópicos, VI, 2.
279 Cícero, Da Adivinhação, 2.
280 Tópicos, VI, 2.
281 Tópicos, VI, 3.
282 Tópicos, VI, 3.
283 Horácio.

323
Pedro da Fonseca

Occurres tamen, Nullum relatum (si proprie loquendum est) definiri per
illud relatum, ad quod refertur, sed per respectum suum, qui in illud terminatur,

intelligi potest sine suo termino, sit ut respectus patris intelligi non valeat sine
filio, sicque in definitione patris necessario ponendus sit filius, parique natione
pater in definitione filii: et caetera relata in definitionibus corum relatorum,
quae ad se vicissim referuntur. Quod igitur philosophi dicunt relata, quae sese
mutuo respiciunt, per se invicem esse definienda, non proprie accipiendum
est, sed quasi dicant, necessario alterum in definitione alterius esse ponendum,
ut quorsum tendant fui respectus, per quos relata vere, re proprie definiuntur,
intelligatur. Nunc autem et si relata ipsa sese vicissim respicientia sint aeque
cognita, aut incognita, tamen respectus ipsi sunt naturae ordine notiores, quam
relata. Itaque in relatis etiam definiendis hoc observatur, ut quod definitur, ex
notioribus explicetur.

Caput X - Secundum praeceptum definiendi


Alterum praeceptum, ut definitio sit, propria definiti, ut Aristoteles ait,
a hoc est, ut nec latius pateat, quam definitum, nec minus late, sed cum eo
reciprocetur.
Hoc praeceptum non observant, qui extruunt definitiones aliis etiam
rebus convenientes, ut siquis terram definiat, corpus, quod deorsum suapte
natura fertur. Hoc enim ni aliis etiam rebus vere dicitur. Item quia signant
definitiones, quae non conveniunt omnibus compreensis sub definitio: ut
siquis definiat aquam corpus simplex frigore concretum. Nec enim omnis
aqua frigore concreta est. Quod si terra definiatur, corpus simplex, quod in
infimum locum suapte natura fertur: aqua vero corpus simplex quod inter
terram aerem suapte natura quiescit: hac ex parte recte habebunt definitiones,
quod cum rebus, quae definiuntur, recurrant, recispcenturque, quae non sunt
bonae definitiones, vel quia latius patent, ut si dicas, Theologia est, qui de
Deo loquitur: Consul est, qui patriae consulit: vel quia minus late, ut si dicas,
Geometria est ratio metiendi terram.

324
Livro V das Instituições Dialéticas
Responder-se-á, contudo: nenhum relativo (se se falar com propriedade)
se define pelo relativo a que se refere, mas pela sua relação, que se termina
e se conclui naquele.284 Por exemplo, pai não se define por filho, mas pela
sua relação que começa nele próprio e acaba no filho. E como, além disso,
nenhuma relação se pode entender sem o seu termo, acontece que a relação de
pai não se pode entender sem o filho, e assim na definição de pai deve pôr-se
necessariamente o filho, e com igual razão na definição de filho; e assim se
passam as coisas nos restantes relativos. Portanto, quando os filósofos dizem
que os relativos, que se relacionam mutuamente, devem ser definidos uns pelos
outros, não deve tomar-se isto à letra, mas como se quisessem dizer que um
deve necessariamente pôr-se na definição do outro, para se perceber para onde
tendem as suas relações, pelas quais se definem verdadeira e propriamente os
relativos. Com efeito, embora os próprios relativos, relacionados entre si, sejam
igualmente conhecidos ou desconhecidos, no entanto, as próprias relações,
enquanto se concebem distintamente pelos conceitos dos gêneros e das
diferenças de que constam, são na ordem da natureza mais conhecidas que os
relativos. E assim, também ao definir os relativos, se observa isto — que o que
se define se explique por coisas mais conhecidas.

Capítulo X - Segunda regra


A segunda regra é que a definição seja própria do definido, como diz
Aristóteles,285 isto é, que seja nem mais nem menos extensa que o definido,
mas que se reciproque com ele.
Não observam esta regra os que compõem definições que convêm
também a outras coisas, como se alguém definir a terra como o corpo que, por
sua própria natureza, tende para baixo. Com efeito, isto diz-se, com verdade,
também de outras coisas. E, igualmente, os que fazem definições, que não
convêm a todas as coisas compreendidas no definido, como se alguém definir
água como o corpo simples gelado pelo frio, pois, com efeito, nem toda a água
está gelada. Mas se a terra se definir como um corpo simples que, por sua
própria natureza, tende para o lugar infimo, e a água como um corpo simples
que, por sua própria natureza, se equilibra entre a terra e o ar, não há dúvida
de que as definições concordam e se reciprocam com as coisas que se definem.
Daqui se concluirá que se divulgam muitas interpretações de nomes que não
são boas definições, ou porque têm um sentido mais extenso, como se se disser:
teólogo é aquele que fala de Deus, cônsul é o que olha pela pátria; ou menos
extenso, como se se disser: Geometria é a ciência de medir a terra.

284 Alberto Magno, no Predicamento "relação", cap. 9.


285 Tópicos, VI, 1.

325
Pedro da Fonseca

Saepe igitur aliquid addendum est huiusmodi interpretationibus ut


bonae definitiones habeantur. Quod plurimae etiam descriptiones Oratorum,
et Poetarum desiderant.102

Caput XI - Tertium praeceptum definiendi


Tertium praeceptum est, ut nihil in definitione desit, aut super sit. Deest
autem aliquid, cum posito genere remoto non adhibentur omnes interiectae
differentiae, ut si quis definiat hominem esse substantiam rationis participem.
Hac de causa docet Aristoteles, aut definiendum esse genere proximo, ut si
dicas, Homo est animal rationis particeps, aut si remoto, adiungendas esse
generi omnes differentias, quae a genere ad definitum usque inveniuntur, ut
si dicas, Homo est substantia corporeae interitus capax, vivens, sentiens, et
rationis particeps. Deest etiam aliquid cum res, quae definitur, constat materia
et forma, nec tamen loco differentiae utraque ponitur, sed altera tantum, ut si
hominem definias animal constans animo rationis participe.

Id autem dicitur superesse, sive redundare in definitione, quo sublato, ea,


quae remanet oratio, satis aperte rem declarat. Exempli causa si quis definiat
hominem animal rationis particeps bipes, illud Bipes, dicendum erit superesse,
quoniam eo detracto satis planum facit reliqua oratio definitum.

Saepe tamen non datur vitio, quod plura verba ponantur in definitione,
quam quae satis esse videantur, quoniam raro id censetur supervacaneum,
quod aliquanto apertius rem declarat. Quare rarius hoc vitio, quam superiori,
laborat definitio. Quanquam ne illud quidem semper pro vitio habendum est,
quandoquidem graves authores, ne minutissime omnia persequantur, multas
saepe ommittunt medias differentias, praesertim cum facile intelligi possunt. 103

Caput XII - Quartum praeceptum definitionis


Quartum praeceptum est ut definitio sit brevis, modo brevitas
obscuritatem non pariat. Nam cum definitio cuiusque rei sit caput totius
disputationis, quae de re habetur, vitio haud dubie non carebit, quae longior
fuerit, quam ut facile memoria teneatur, expediteque, cum opus fuerit, in

102 Nota do parágrafo: Definitio debet converti cum definito 6. top. 1. / Multae circunferuntur
nominum interpretationes quae non sunt bonae definitiones.
103 Nota do parágrafo: Nihil in definitione desiderari, aut supesse debet. / 6. Top. 3. / Quid supsit sive
redundet in definitione. 6. top. 2. / Saepe graves autores alis quid omittunt in definitionibus, quod facile
intelligatur.

326
Livro V das Instituições Dialéticas

Por isso, deve, muitas vezes, juntar-se alguma coisa às interpretações


deste gênero, para se terem boas definições. Também muitas descrições dos
oradores e dos poetas necessitam disso.

Capitulo XI - Terceira regra


A terceira regra diz que, na definição, nada esteja a menos nem a mais.
Há a menos quando, posto o gênero remoto, não se juntam todas as diferenças
intermédias; como se alguém define homem: substância dotada de razão. Por
isso, Aristóteles286 ensina que deve definir-se ou pelo gênero próximo, como
quando se diz que o homem é um animal dotado de razão, ou, se pelo gênero
remoto, que se devem juntar ao gênero todas as diferenças que se encontram
desde o gênero até ao definido, como quando se diz que o homem é uma
substância corpórea, sujeita à morte, viva, sensível e dotada de razão. Falta
também alguma coisa quando o que se define consta de matéria e de forma,
e não se colocam ambas no lugar da diferença, mas apenas uma, como se se
definir homem como o animal que tem uma alma dotada de razão.
Diz-se que alguma coisa está a mais, ou é supérflua na definição, quando,
suprimida ela, a oração que fica declara, bastante claramente, a coisa.287 Por
exemplo: se se define homem como o animal bípede dotado de razão, aquele
bípede deve dizer-se que está a mais, pois, subtraído ele, a oração que fica torna
o definido suficientemente claro.
Muitas vezes, contudo, não se considera vício colocar na definição mais
palavras que as que parecem ser necessárias, porque é raro julgar-se supérfluo
o que declara a coisa um pouco mais claramente. Pelo que, é mais raro a
definição incorrer neste vício do que no anterior. Ainda que nem aquele se
deva ter na conta de vício, pois, notáveis autores, às vezes, para não enumerarem
minuciosamente todas as coisas, omitem muitas vezes diferenças médias,
principalmente quando se podem subentender facilmente.

Capítulo XII - Quarta regra


A quarta regra manda que a definição seja breve, mas não tanto que dê
origem à obscuridade. Com efeito, como a definição de alguma coisa é o centro
de toda a discussão, que em redor dela se faça, sem dúvida que não será isenta
de vício, se for tão longa que se não possa reter facilmente na memória, nem ser
prontamente usada como meio, se for necessário. A definição, portanto, deve
ser tão breve quanto a natureza e a clareza da coisa o permitirem, embora, às
vezes, tenha necessidade de uma exposição mais longa.

286 Tópicos, VI, 3.


287 Tópicos, VI, 2.

327
Pedro da Fonseca

medium afferatur. Quantum ergo et natura rei, et perspicuitas, patientur, brevis


esse debebit definitio, et si nonnunquam aliquanto longiori egeat expositione.
Hoc praeceptum praetermittunt, qui tot particulas in definitio ne
congerunt, quot sunt difficultates in tractatione rei, quae definitur. Nam et si
definitio, ut autor est Aristoteles, talis esse debet, ut ex ea omnes dubitationes,
quae de re habentur, dissolvantur, non tamen necesse est, ut singulis pene
argumentis delendis singula verba in definitione ponantur (quod multi faciunt)
sed ut ita sit constituta, ut ex paucis facile omnium obiectorum solutio colligit
possit. Saepe tamen sophistarum importunitas cogit pluribus verbis rem
definire, quam simpliciter definienda foret. Qua ratione Aristoteles fatetur se
longiore oratione elenchum definivisse. 104

Caput XIII - Alia quaedam praecepta, quae in investigatione


definitionis servanda sunt
Porro cum divisionis methodo investigatur definitio tria observanda
esse docet Aristoteles.
Primum, ut omnia predicata, quae sumuntur, praedicentur in ipso
quid est, hoc est, essentialiter. Fere tamen cogimur alia sumere attributa, quia
ignotae nobis sunt, maxima saltem ex parte, rerum essentiae.

Alterum, ut omnia naturae ordine collocentur, ita scilicet, ut communiora


praeponantur minus communibus quo ad intelligendi rationem. Nam quo ad
situm partium orationis, sape differentia praeponitur generi, ut cum dicimus,
Dialectica est disserendi scientia. Verum cum plures differentiae in definitione
ponuntur, fere fit, ut situ etiam verborum communiores antecedant minus
communes. Neque enim dicimus, Animal esse corpus sentiens, animatum, sed
corpus animatum, sentiens: et ita fere in reliquis.

Tertium, ut nulla diferentia praetermittatur. Quod utique fiet, si omnia,


quae ante sumuntur, dividantur ad aequate in proxima membra dividentia,
quo usque tota oratio cum definito recurrat. Quoniam vero in genere proximo
rei, quae definitur, continentur omnia priora, tum genera, tum differentiae,
docet Aristoteles, loco corum omnium, posse poni genus, proximum. Id quod
saepe necessario faciendum erit, ne longior, quam par sit, fiat definitio. Unde
Boethius, si omnes, inquit, species suis nominibus appellarentur, ex duobus
solum verbis omnis fieret definitio. Ut cum dico quid est homo, quid mihi
104 Nota do parágrafo: Definitio debet esse brevis / Non sunt in definitione tot particulae
congerendae, quot sunt argumenta ex definitione diluenda. 4. phy. 4. / Saepe sophistarum causa longiores
fiunt definitiones. 1 peri. 4. 1. elench. 4.

328
Livro V das Instituições Dialéticas

Passam por cima desta regra os que acumulam na definição tantos


elementos quantas as dificuldades no tratar da coisa que se define. Na verdade,
embora a definição, segundo Aristóteles, 288 deva ser tal que, por intermédio
dela, se dissolvam todas as dúvidas que se tenham acerca da coisa, contudo,
não é necessário que se ponha na definição uma palavra para cada argumento
a destruir, o que muitos fazem, mas que seja constituída de tal modo que,
com poucas palavras, se possa facilmente colher uma solução para todas as
dificuldades. Muitas vezes, contudo, a importunidade dos sofistas obriga a
definir uma coisa com mais palavras do que se devia definir com simplicidade.
Por esta razão, Aristóteles confessa?89 ter definido elenco com uma oração mais
longa. 290

Capítulo XIII - Outras regras mais que devem observar-se na


investigação da definição

ensina Arim disco, quando a definição se investisa com o método da divisão,


Primeira: que todos os predicados, que se tomam, se prediquem nele
quid est, isto é, essencialmente. Todavia, as mais das vezes, somos obrigados a
tomar outros atributos, pois nos são desconhecidas, na maior parte, as essências
das coisas.
Segunda: que se coloquem todas as coisas por ordem da natureza, isto
é, de tal maneira que as mais comuns se alinhem antes das menos comuns,
na razão da intelecção. Com efeito, quanto à colocação das partes na oração,
muitas vezes a diferença antepõe-se ao gênero, como quando se diz que
a Dialética é a ciência de discorrer. Mas, quando se põem várias diferenças
numa definição, acontece geralmente que as mais comuns antecedem as menos
comuns também na colocação das palavras. Efetivamente, não se diz que o
animal é um corpo que sente, animado, mas um corpo animado que sente, e
assim geralmente nas outras coisas.
Terceira: que se não omita nenhuma diferença. O que sempre se
conseguirá, se todas as coisas, que antes se tomaram, se dividirem adequadamente
nos membros próximos, até que toda a oração seja convertível com o definido.
E, uma vez que, no gênero próximo da coisa que se define, estão contidas
todas as coisas essenciais — tanto os gêneros como as diferenças —, ensina
Aristóteles?92 que, em lugar de todas estas coisas, pode pôr-se o gênero próximo.
Muitas vezes, há mesmo necessidade de fazer isto para que a definição se não
288 Física IV, 4.
289 Da Interpretação, I, 4.
290 Elencos, 1, 4.
291 Segundos Analíticos, II, 14.
292 Tópicos, VI, 3.

329
Pedro da Fonseca

necesse esset dicere,a animal rationale, mortale, si animal rationale esset


proprio nomine nuncupatum:

Cum autem collectionis methodo definitio investigatur, hoc unum


precipit Aristoteles diligenter caveri, ne, dum a minus communibus ad
communiora progredimur, aliquam incurramus aequivocationem. Latet
namque magis in communioribus equivocatio. Etenim quod animi magnitudo
ea, quam in Alcibiade, Ulysse, et Aiace legimus, univoce illis convenerit, nemo
dubitat. Nullo etiam ambigit in Lysandro, et Socrate aliam quandam eiusdem
omnino rationis magnanimitatem fuisse. Sed num magnanimitas, quae de
utraque specie dicitur, sit univoca, nec ne id sane (quia de re communiori est
questio) non ita facile perspicitur. Si ergo ex rationibus univocis inferiorum
unam rationem, quae univoce inferioribus conveniat, collegeris, ea erit definitio
superioris. Sin autem ad unam omnino rationem non accesseris, intellige
vocabulum commune aequivocum esse.

Haec praecepta definiendi sint satis. Caeterum antequam ad


argumentationem pergo, duo velim animadvertas, Alterum est saepissime
verba, quae actum significant, ut Sentiens, Ridens, et alia huiusmodi, pro
ipsis facultatibus in definitione accipi: sentiens, pro eo, quod sentire potest,
Ridens, pro eo, quod ridere. Causa est, quia apud Latinos fere non sunt nomina
imposita facultatibus. Alterum est, in his praeceptis quaedam esse, quorum
praetermissio efficit, ut oratio non sit omnino definitio, qualia sunt ex quattuor
definiendi praeceptis primum et secundum: quadam vero esse, quorum
reiectio non id prorsus efficit, ut oratio non sit definitio, sed hoc tantum ut
non sit tona, et apta definitio, qualia sunt tertium et quartum. Atque hae duae
animadversiones in praeceptis etiam dividens observandae 05 sunt.

105 Nota do parágrafo: In investigatione definitionis per divisionem, quae servanda. 2. post. 14. / 1 / 2
1 3/ 6. top. 3. / Boeth. de Divisione. / In investiganda definitione per collectionem quid observandum. 2.
post. 15. / Saepissime verba, quae actum significant, pro ipsis facultatibus in definiendo accipiuntur. Nota
hacc.

330
Livro V das Instituições Dialéticas

torne longa demais. Já Boécio? dizia que se se designassem todas as espécies


pelos seus nomes, qualquer definição se faria com duas palavras apenas. Como
quando digo o que é o homem, que necessidade teria eu de dizer: um animal
racional mortal, se animal racional fosse a designação do próprio nome?
Quando a definição se investiga, porém, pelo método da coleção,
Aristóteles?94 aconselha a evitar com diligência uma única coisa: incorrermos
em algum equívoco quando passamos das coisas menos comuns para as mais
comuns. Efetivamente, nas coisas mais comuns, o equívoco oculta-se mais
facilmente. Na verdade, ninguém duvida de que a grandeza de alma que
encontramos em Alcibíades, Aquiles e Ajax, lhes convenha univocamente. Nem
ninguém contesta que tenha existido em Lisandro e em Sócrates uma outra
magnanimidade, absolutamente do mesmo quilate. Mas, se a magnanimidade,
que se diz de uma e de outra espécie, é unívoca ou não, isso sem dúvida que
não se percebe assim facilmente (porque a questão é acerca de uma coisa mais
comum). Se, portanto, nas razões unívocas dos seres inferiores, se encontrar
uma razão que univocamente convenha aos inferiores, será essa a definição do
ser superior. Se, pelo contrário, se não chegar a uma razão absolutamente única,
conclui-se que o vocábulo comum é equívoco.
São suficientes estas regras para bem definir. Mas, antes de passar à
argumentação, quero que se tenham ainda em conta duas coisas. Primeira:
que as palavras que significam um ato, como sensível, risível e outras coisas do
mesmo gênero, se tomam muito frequentemente na definição pelas próprias
faculdades, como sensível por aquilo que pode sentir, e risível por aquilo que
pode rir. A razão é que, entre os latinos, quase não existem nomes para designar
as faculdades. Segunda: que, entre estas regras, há algumas, cuja omissão faz
que a oração não seja definição, como são a primeira e a segunda das quatro
regras da definição. E há outras cuja rejeição não faz que a oração não seja uma
definição completa, mas somente que não seja uma definição boa e apta, como
a terceira e a quarta. Estas duas advertências devem ser tidas em conta também
nas regras da divisão. Quanto a esta, porém, só a omissão da primeira e da
última regra abala profundamente a divisão, como será evidente para quem o
considerar.

293 No livro Da Divisão.


294 Segundos Analíticos, II, 15.

331
Liber VI Institutionum Dialecticarum
Livro VI Das Instituições Dialéticas
Pedro da Fonseca

Caput I - De consequentia
Restat ergo ut, quia de divisione, ac definitione iam diximus, deinceps
de Argumentatione, in qua plus opere Dialecticus insumit, disseramus.
Sed quoniam argumentatio est quaedam consequentia, (latius enim
patet consequentia, quam argumentatio) prius de consequentia, quam de
argumentatione, dicendum est.
Consequentia igitur, sive consequutio, est oratio, in qua ex aliquo aliquid
colligitur: ut Omnis homo est animal, igitur aliquis homo est animal. Id vero,
ex quo aliquid colligitur, dicitur antecedens: quod autem colligitur vocatur
tum consequens, tum conclusio: quanquam saepe tota consequentia conclusio
nominatur.
Consequentiarum autem quattuor sunt genera. Primum est cum
quaelibet enunciatio ex se ipsa, aut ex suae aequipollente colligitur. Alterum
genus est cum antecedens, et consequens eisdem praecise verbis, eodemque
ordine collocatis constituta sunt, sed tamen non idem valent: ut Omnis
homo est animal, igitur quidam homo est animal. Necesse est Socratem
esse animal, igitur non necesse est Socratem non esse animal. Nomine enim
verborum non complector hoc loco particulas ad quantitatem, aut qualitatem
pertinentes. Tertium genus est eum antecedens et consequens eisdem praecise
verbis constant, verum ordine converso, ut Nullus homo est lapis, igitur nullus
lapis est homo: necesse est omnem hominem esse animal, igitur necesse est
aliquod animal esse hominem. Atque ex consequentiis hactenus enumeratis
nulla dicitur argumentatio, sed consequentia duntaxat. Quartum genus est
cum antecedens et consequens non eisdem praecise verbis constant, quia
in antecedente continetur argumentum aliquod, uno, aut pluribus verbis
comprehensum, quod non continetur in consequente.

Dividi solet hoc genus in syllogismum, enthymema, inductionem, et


exemplum: quae ratione argumenti argumentationes appellantur.
Syllogismus est ut si dicas, Omne vitium fugiendum est, Omne
mendacium est vitium, igitur omne mendacium fugiendum est. Si sol lucet,
dies est, at sol lucet, igitur dies est.
Enthymema ut, Homo est animal, igitur homo est sensus particeps: Hic
adolescens diligenter navat operam litteris, igitur doctus evadet.
Inductio ut, Omnis homo est sensus particeps, et omnis bestia est sensus
particeps, igitur omne animal est sensus particeps: Romulus non diu tulit

334
Livro VI das Instituições Dialéticas

Capítulo I - Da consequência
Uma vez que já falamos da divisão e da definição, resta-nos, portanto,
tratar da argumentação, a que o dialético se aplica com mais cuidado. Mas,
visto que a argumentação é uma espécie de consequência (pois é evidente que
a consequência é mais extensa que a argumentação), trataremos primeiro da
consequência, e depois da argumentação.
A consequência ou consecução é a oração na qual de alguma coisa se
deduz outra, como: todo o homem é animal; logo algum homem é animal.
Aquilo de que se deduz alguma coisa chama-se antecedente, o que se deduz
chama-se consequente ou conclusão, embora muitas vezes se chame conclusão
a toda a consequência.
Há quatro gêneros de consequências. O primeiro verifica-se quando
qualquer enunciação se deduz dela mesma, ou da sua equipolente. O segundo
gênero, quando o antecedente e o consequente são constituídos precisamente
pelas mesmas palavras, colocadas pela mesma ordem, mas de valor diferente,
como: todo o homem é animal, logo algum homem é animal; é necessário
que Sócrates seja animal, logo não é necessário que Sócrates não seja animal.
Pelo termo palavras não abranjo, neste lugar, as partículas que se referem à
quantidade ou à qualidade. O terceiro gênero verifica-se quando o antecedente
e o consequente constam precisamente das mesmas palavras, mas por ordem
inversa, como: nenhum homem é pedra, logo nenhuma pedra é homem; é
necessário que todo o homem seja animal, logo é necessário que algum animal
seja homem. Entre os consequentes até aqui enumerados, não existe qualquer
argumentação, mas apenas consequência. O quarto gênero verifica-se quando o
antecedente e o consequente não constam precisamente das mesmas palavras,
porque no antecedente está contido algum argumento, compreendido numa
ou várias palavras, que não está no consequente.
Este gênero costuma dividir-se em silogismo, entimema, indução e
exemplo, os quais, em razão do argumento, se chamam argumentações.
O silogismo verifica-se, por exemplo, quando se diz: deve fugir-se de
todo o vício, toda a mentira é vício, logo deve fugir-se de toda a mentira; se o
sol brilha é dia, ora o sol brilha, logo é dia.
Entimema, como: o homem é animal, logo o homem é dotado de
sentidos; este jovem aplica-se diligentemente aos estudos, logo torna-se douto.
Indução, como: todo o homem é dotado de sentidos, e todo o bruto
é dotado de sentidos, logo todo o animal é dotado de sentidos; Rômulo não

335
Pedro da Fonseca

fratrem imperii consortem, nec Pompeium Caesar, nec Augustus Antonium,


nec aliquis alius, cuius ad nos memoria pervenerit diutius imperii participem
ferre potuit, nemo igitur est, qui consortem imperii diu ferat.

Exemplum ut, Croesus in divitiis felicitatem invenire e non potuit,


ergo nec Crassus inveniet: Pisistratus impetratis a Republica custodibus salutis
suae, tyrannidem occupavit, ergo et Dionysius occupabit.

Has autem quattuor argumentationum formas satis erit hoc loco


exemplis declarasse cum inferius de unaquaque per se disserendum sit.

Haec videntur consequentiarum genera. Quod si alia fuerint, facile ad


haec revocabuntur.106

Caput II - Quae sit bona, ac vitiosa consequentia: et quomodo


internosci possim

Duplex quoque dici solet consequentia: bona, et vitiosa. Bona dicitur


ea, in qua aliquid ex aliquo vere colligitur, ut quae in exempla sunt hactenus
adductae. Vitiosa est, in qua non vere aliquid concluditur, ut si dicas, Socrates
est animal, ergo est philosophus. Haec cum ita sint, eas tantum nos in
definitione consequentiae complexi sumus, quae bonae sunt et aptae. Eas enim,
in quibus aliquid non vere colligitur, non arbitramur dicendas esse simpliciter
consequentias, sed vitiosas, et ineptas consequentias, quemadmodum
Aristoteles syllogismum nil concludentem, non simpliciter syllogismum, sed
vitiosum syllogismum appellandum esse censet.

Duobus vero potissimum indiciis internosci solent bona, et vitiosa


consequentia. Alterum est. Si ex veritate antecedentis, saltem et hypothesi
data, consequens verum esse depreenditur, bona, et apta est consequentia: sin
minus, vitiosa, et inepta. Exempli causa, quia ex veritate huius enunciationis,
Socrates est homo, depreendimus hanc esse veram, Socrates est animal,
dicimus hanc esse bonam consequentiam, Socrates est homo, ergo Socrates est
animal. Parique ratione fatemur has esse aptas, Socrates est lapis, ergo sensus
expers: si Socrates esset avis, volare haud dubie posset: quia et si neutrum
antecedens verum sit, tamen ex veritate utriusque ficta, et data, utrumque
consequens verum esse depreenditur. Has vero dicimus esse vitiosas, Socrates

106 Nota do parágrafo: Latius patet consequentia quam argumentatio. Consequentia quid. /
Antecedens, Consequens, et conclusio. Sacpe toto consequentia dicitur conclusio, maxime apud
Ciceronem. Primum genus consequentiarum. / Secundum. / Tertium / Quartum / Argumentationes.
Syllogismus Enthymema / Inductio. / Exemplum.

336
Livro VI das Instituições Dialéticas

teve, por muito tempo, o irmão como participante do governo, nem César a
Pompeu, nem Augusto a Antônio, ou qualquer outro, cuja memória chegou até
nós, pôde, por muito tempo, ter um comparticipante no governo; logo não há
ninguém que tenha, por muito tempo, um comparticipante no império.
Exemplo, como: Creso não pôde encontrar nas riquezas a felicidade,
logo também Crasso a não encontrará; Pisístrato, depois de pedir à República
guardas para sua defesa, assumiu o poder absoluto, logo também Dionísio o
assumirá.
Bastará, por agora, ter apresentado, por meio de exemplos, estas quatro
formas de argumentação, uma vez que adiante serão? tratadas cada uma de
per si.
Tais se nos afiguram os gêneros de consequências. Mas se, além destes,
existirem outros, a eles se reduzirão facilmente.

Capítulo II - Da consequência boa e viciosa

Costumam também considerar-se dois gêneros de consequência: boa


e viciosa. Diz-se boa aquela em que alguma coisa se deduz, com verdade, de
outra, como as que foram até aqui apresentadas, a título de exemplo. Diz-se
viciosa aquela em que, sem verdade, se conclui alguma coisa, como se se disser:
Sócrates é animal, logo é filósofo. Sendo assim, na definição de consequência
apenas compreendemos as boas e aptas. Com efeito, julgamos que aquelas em
que, sem verdade, se deduz alguma coisa, não devem chamar-se simplesmente
consequências, mas consequências viciosas e ineptas; do mesmo modo que
Aristóteles?6 julga que o silogismo, que nada conclui, não deve chamar-se
simplesmente silogismo, mas silogismo vicioso.
A consequência boa e a viciosa costuma distinguir-se sobretudo por
dois indícios. Primeiro: se da verdade do antecedente, dada pelo menos como
hipótese, se depreende que o consequente é verdadeiro, a consequência é
boa e apta; se não, é viciosa e inepta. Por exemplo: porque da verdade desta
enunciação: Sócrates é homem, depreendemos que esta outra é verdadeira:
Sócrates é animal, dizemos que é boa esta consequência: Sócrates é homem,
logo Sócrates é animal. Por igual razão, afirmamos que são aptas estas: Sócrates
é pedra, logo é desprovido de sentidos; se Sócrates fosse ave, poderia, sem dúvida,
voar; porque, embora nem um nem outro antecedente seja verdadeiro, todavia,
da verdade suposta e concedida de ambos, depreende-se que os consequentes
são verdadeiros. Mas dizemos que são viciosas, estas: Sócrates é homem, logo
é filósofo; Sócrates é homem, logo o cavalo é animal — porque, na primeira, é
295 Cap. 8.
296 Tópicos, 1, 1; e Elencos, I, 1.

337
Pedro da Fonseca

est homo, ergo est philosophus. Socrates est homo, ergo equus est animal:
quia in priori datur antecedens verum, et consequens falsum: posterioris autem
consequens, et semper verum est cum antecedente, tamen non ex eo quod
antecedens verum est, deprehenditur esse verum, quippe cum antecedente
existente vero, posset consequens, si nihil aliud prohiberet esse falsum. Ex
hoc documento efficitur, ut ad bonam consequentia non modo non sufficiat
veritas antecedentis et consequentis, sed ne requiratur quidem. Nam, ut ex
dictis perspicuum est, ex utroque vero constare potest consequentia vitiosa, ex
utroque autem falso, bona, et apta.
Alterum indicium huiusmodi est, Si id, quod contradicit consequenti,
repugnat antecedenti, bona est consequentia: sin minus, vitiosa. Repugnantiam
autem nomine hic intelligo ea, quae simul vera esse non possunt. Hoc
documento intelligimus illam esse bonam consequentiam, Socrates est homo,
ergo Socrates est animal, quia haec enunciatio Socrates non est animal, quae
contradicit consequenti, repugnat antecedenti. Illam autem cognoscimus
esse vitiosam, Socrates est homo, ergo Socrates est philosophus, quia hoc
pronunciatum, Socrates non est philosophus, quod contradicit consequenti,
non repugnat antecedenti. Neque enim Socrates, si non sit philosophus, non
erit homo. Eadem regula iudicamus, illam esse ineptam consequutionem,
nihilque colligentem, Socrates est homo, ergo equus est animal: quia et verum
esse ponamus, quod nullus equus sit animal, non tamen statim verum esse
inficiabimur Socratem esse hominem.107

Caput III - De consequentia formali, et materiali

Iam vero bona consequentia, aut est formalis, aut materialis: itemque
aut necessaria, aut probabilis. Consequentia formalis dicitur ea, quae vi formae
concludit. Ea vero dicitur concludere vi formae, cuius formam modumve
colligendi si retinueris, in quacumque alia materia, etiam impossibili, apte
concludes. Exempli causa, dicimus hanc esse formalem consequentiam, Omnis
virtus est laudabilis, temperantia est virtus, igitur temperantia est laudabilis,
quoniam vi formae concludit. Intelligimus autem eam concludere vi formae,
quia servata eadem forma, in qua vis alia materia, etiam impossibili, bene
concluditur, ut si dicas, Omnis leo est lapis, equus est leo, igitur equus est
lapis. Est enim bona haec consequutio ut ex dictis apertum est. Eadem ratione
dicimus hanc esse formalem consequentiam. Necesse est omnem hominem
esse animal, igitur necesse est aliquod animal esse hominem, quoniam hac

107 Nota do parágrafo: Bona consequentia. / Vitiosa. / Vitiosae consequentiae non sunt simpliciter
consequentiae. / 1 topi. 1. et elench. 1. / Primum documentum. / Ut bona sit consequentia non modo non
est satis, veritas, antecedentis, et consequentis sed ne requiritur quidem.

338
Livro VI das Instituições Dialéticas

verdadeiro o antecedente, mas falso o consequente; o consequente da segunda,


porém, embora seja sempre verdadeiro com o antecedente, todavia, do fato
de este ser verdadeiro, não se depreende que aquele o seja também: é que,
com o antecedente verdadeiro, o consequente poderia, se nenhuma outra coisa
o impedisse, ser falso. Deste exemplo resulta que, para a boa consequência,
não só não basta, como nem sequer é requerida, a verdade do antecedente
e do consequente. Com efeito, como ficou averiguado pelo que foi dito, de
duas coisas verdadeiras pode resultar uma consequência viciosa; de duas coisas
falsas, porém, uma boa e apta.
O segundo indício é este: se aquilo que contradiz o consequente, repugna
ao antecedente, a consequência é boa; se não, é viciosa. Pelo nome repugnantes
entendo aqui coisas que não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiras. Por
este indício, percebemos que é boa esta consequência: Sócrates é homem,
logo Sócrates é animal; porque esta enunciação: Sócrates não é animal, que
contradiz o consequente, repugna ao antecedente. Porém, reconhecemos
como viciosa esta: Sócrates é homem, logo Sócrates é filósofo; porque esta
proposição: Sócrates não é filósofo, que contradiz o consequente, não repugna
ao antecedente. Na verdade, Sócrates, por não ser filósofo, não deixará de
ser homem. Pela mesma regra, julgamos inepta esta consequência, que nada
deduz: Sócrates é homem, logo o cavalo é animal; pois, embora admitamos ser
verdade que nenhum cavalo é animal, não negaremos, todavia, imediatamente,
ser verdadeiro que Sócrates é homem.

Capítulo III - Da consequência formal e material


A boa consequência ou é formal, ou material; e ainda, necessária ou
provável. Diz-se formal aquela consequência que conclui por força da forma.
Conclui por força da forma aquela em que, se se lhe mantiver a forma ou modo
de concluir, concluirá aptamente em qualquer matéria, mesmo impossível. Por
exemplo, dizemos que é formal esta consequência: toda a virtude é louvável,
a temperança é uma virtude, logo a temperança é louvável — porque conclui
por força da forma. Entendemos que ela conclui por força da forma, porque,
conservando a mesma forma, conclui bem, em qualquer outra matéria, mesmo
impossível, como se se disser: todo o leão é pedra, o cavalo é leão, logo o cavalo
é pedra. Como se depreende do que ficou dito,297 esta consequência é boa. Pela
mesma razão, dizemos que é formal esta consequência: é necessário que todo o
homem seja animal, logo é necessário que algum animal seja homem — pois,
mantida esta forma, sempre se conclui bem, como se se disser: é necessário que
todo o leão seja pedra, logo é necessário que alguma pedra seja leão.

297 No capítulo anterior.

339
Pedro da Fonseca

forma retenta semper apte concluditur, ut si dicas, Necesse est omnem leonem
esse lapidem, igitur necesse est aliquem lapidem esse leonem.
Ut autem retineatur eadem forma, seu modus colligendi, primum
necesse est ut servetur eadem dispositio, seu ordo verborum, in quibus
cernitur vis consequutionis. Nam si huiusmodi verborum mutetur, mutata
haud dubie existimanda est consequutionis forma, ut patet in his duabus
consequentiis, Omnis virtus est qualitas, omnis iustitia est virtus, igitur omnis
iustitia est qualitas: Omnis laurus est substantia, omnis equus est substantia,
igitur omnis equus est laurus. Nam quia in priori consequentia subiectum
primae enunciationis est praedicatum secundae, quod non sit in posteriori
consequutione, alia certe forma est in priori, alia in posteriori.

Deinde opus est ut servetur eadem acceptio, idemque acceptionis modus


eiusmodi vocabulorum. Ex quo fit ut in his duabus consequentis, Homo
deambulat, igitur, aliquis homo deambulat: Homo est species, igitur aliquis
homo est species: non sit eadem forma, quia vox Homo in antecedente prioris
accipitur pro singulis hominibus disiunctive, in antecedente autem posterioris
accipitur pro homine communi praecise. Hae vero non habent eandem
formam, Homo surgit, ergo non sedet: Homo surgebat ergo non sedet: quia
acceptio vocabuli Homo amplior est in posteriori antecedente quam in priori.
Nam vox Homo in priori accipitur pro solis hominibus, qui nunc existunt iuxta
differentiam temporis verbi Surgit: in posteriori autem, non modo accipitur
pro iis, qui extiterunt, iuxta differentiam temporis verbi Surgebat, sed etiam
extenditur ad eos, qui nunc existunt, ut placet Aristoteli.

Rursus necesse est ut servetur eadem essentialis qualitas enunciationum


principalium. Quo fit, ut hae consequentiae non sint eiusdem formae, Homo
est animal, ergo est sensus particeps: Homo non est animal, ergo est sensus
particeps: quia antecedens prioris est afirmativum, posterioris negativum. Dixi
principalium, quia si mutetur qualitas essentialis enunciationum quarumdam
minus principalium, quae includantur in subiecto aliquo, aut praedicato, non
necesse est ut mutetur forma, veluti si dicas, Homo, qui non est probus, est
imprudens, ergo ille est imprudens. Sunt enim eiusdem formae.

Praeterea necesse est ut servetur eadem quantitas enunciationum.


Quam ob causam hae consequentiae non sunt eiusdem formae, Omne animal
est sensus particeps, igitur homo est sensus particeps: Quoddam animal est
rationis expers.

340
Livro VI das Instituições Dialéticas

Para se manter, porém, a mesma forma ou modo de concluir é necessário,


primeiro, que se conserve a mesma disposição ou a mesma ordem das palavras
em que se vê a força da consecução. Efetivamente, se se muda tal ordem de
palavras, sem dúvida que se muda a forma da consecução, como se toma
evidente nestas duas consequências: toda a virtude é qualidade, toda a justiça
é virtude, logo toda a justiça é qualidade; todo o loureiro é substância, todo
o cavalo é substância, logo todo o cavalo é loureiro. Na verdade, visto que,
na primeira consequência, o sujeito da primeira premissa é o predicado da
segunda, o que não acontece na segunda consecução, existe por certo, uma
forma na primeira, outra na segunda.
Além disso, é necessário que se mantenha a mesma acepção e o mesmo
modo de acepção dos mesmos vocábulos. Daqui se segue que estas duas
consequências: o homem caminha, logo algum homem caminha; homem é
espécie, logo algum homem é espécie — não têm a mesma forma, porque,
no antecedente da primeira, o termo homem aplica-se a cada homem
disjuntivamente, no antecedente da segunda, porém, aplica-se precisamente
ao homem em geral. Também estas: o homem levanta-se, logo não se senta;
o homem levantava-se, logo não se senta — não têm a mesma forma, pois
a acepção da palavra homem é mais ampla no segundo antecedente que no
primeiro. Com efeito, a palavra homem no primeiro aplica-se só àqueles
homens que agora existem, pela diferença de tempo da palavra levanta-se; no
segundo, porém, não só se aplica àqueles que se levantaram, pela diferença de
tempo da palavra levantava-se, mas ainda se estende àqueles que agora existem,
segundo parece a Aristóteles.298
Por outro lado, é necessário que se conserve a mesma qualidade
essencial das enunciações principais. Pelo que não são da mesma forma estas
consequências: o homem é animal, logo é dotado de sentidos; o homem não
é animal, logo é dotado de sentidos — pois o antecedente da primeira é
afirmativo, e o da segunda negativo. Disse das principais porque, se se muda
a qualidade essencial de algumas enunciações secundárias que se incluem em
algum sujeito ou predicado, não é forçoso que se mude a forma, como se se
disser: o homem que é justo é prudente, logo este homem é prudente; todo o
homem que não é probo é imprudente, logo este homem é imprudente. São,
na verdade, da mesma forma.
É ainda necessário que se conserve a mesma quantidade das enunciações.
Por este motivo, não são da mesma forma estas consequências: todo o animal

298 Elencos, I, 3.

341
Pedro da Fonseca

Igitur eadem coniunctiones ac nexus principalium partium


consequutionis. Qua de causa hae consequentiae non sunt eiusdem formae, Si
dies est, sol lucet: Quia dies est, sol lucet. Haec necessario videntur servanda
(et si quae sunt alia, qua admodum colligendi spectent) si forma consequentiae
retinenda est. 108
Consequentia materialis est ea, quae vi solius materiae concludit. Ea
vero dicitur concludere ut solius materiae, quae vi quidem formae nil colligit,
sed tamen talis est ut assumpta simili materia semper in eadem forma apte
concludatur. Exempli causa, dicimus hanc esse materialem consequentiam,
Homo est animal, ergo est sensus particeps, quia propter solam materiam, hoc
est, propter solam rerum significatarum inter se affectionem recte concludit.
Nam quia esse sensus particeps ita connexum est cum animali, ut omne animal
necessario sit sensus particeps, hac sola de causa apte concludit, quia ex eo
quod homo est animal, colligit eundem esse sensus participem. Si enim retenta
eadem forma dissimilem materiam accipias, fieri potest ut inepte concludas,
veluti si dicas, Homo est animal, igitur est hinnitus particeps. Intelligimus
autem superiorem concludere vi materiae, quia simili materia assumpta,
semper apte in eadem forma concluditur. Ut si dicas Laurus est planta, ergo est
sensus expers. Nam ut esse sensus particeps necessario, ac universe connexum
est cum animali, sic sensus expers cum planta. Eadem ratione apte concludit
ex vi materiae, qui sic colligit Homo est animal ergo non est sensus expers:
Laurus est planta, ergo non est sensus particeps. Et ita in aliis. Verum materialis
consequentia minus proprie dicitur bona et apta. 109

Ex primo igitur consequentiarum genere, utpote cum quaelibet


enunciatio ex seipsa, aut ex sua aequipollente colligitur omnes sunt formales,
ut si dicas, Homo est animal igitur homo est animal: Omnis homo est animal,
igitur nullo homo non est animal. Quamquam vero prior illa sit ridicula
tamen est consequentia formalis atque adeo maxime omnium necessaria
quemadmodum haec enunciatio, Homo est homo, etsi puerilis, tamen est
enunciatio, atque inter enunciationes in primus necessaria, Nil enim veri
aut enunciatur, aut colligitur, quam idem de se ipso. Ex reliquis autem tribus
generibus, quedam sunt formales, quadam materialis. Verbi causa, in
108 Nota do parágrafo: Consequentia formalis. / cap. Superiori / Retinendus idem ordo verborum. /
Servanda tandem acceptio verborum / 1. Enlinch. 3. / Servandae eadem essentialis qualitas / Servanda
eadem coniunctiones, ac nexus.
109 Nota do parágrafo: Consequentia materialis.

342
Livro VI das Instituições Dialéticas
é dotado de sentidos, logo o homem é dotado de sentidos; um certo animal é
desprovido de razão, logo o homem é desprovido de razão.
Finalmente, é necessário que se conservem as mesmas conjunções e nexos
das partes principais da consecução. Por este motivo, não são da mesma forma
estas consequências: se é dia, o sol brilha; porque é dia, o sol brilha. Parece que
estas coisas se devem observar necessariamente (e outras, se existem, que digam
respeito ao modo de deduzir), se se tiver de manter a forma da consequência.
Consequência material é a que conclui só por força da matéria. Conclui
só por força da matéria aquela que, por força da forma, nada conclui, mas é,
todavia, tal que, tomando matéria semelhante, se conclui retamente sempre
na mesma forma. Por exemplo, dizemos que é material esta consequência: o
homem é animal, logo é dotado de sentidos — porque só pela matéria, isto é, só
por causa da relação das coisas significadas entre si, conclui retamente. É que ser
dotado de sentidos está de tal maneira conexo com animal que todo o animal
é necessariamente dotado de sentidos. Só por esta causa conclui retamente
aquele que, do fato de o homem ser animal, deduz que o mesmo é dotado de
sentidos. Digo só por esta causa, porque, mantida a mesma forma, se se tomar
uma matéria diferente, pode acontecer que se conclua inadequadamente,
como se se disser: o homem é animal, logo é capaz de relincho. Por esta razão,
entendemos que a consequência conclui por força da matéria porque, tomada
uma matéria semelhante, se conclui retamente sempre na mesma forma, como
se se disser: o loureiro é planta, logo é desprovido de sentidos. Com efeito,
assim como ser dotado de sentidos está necessária e universalmente conexo
com animal, assim ser desprovido de sentidos está conexo com planta. Pela
mesma razão, conclui bem, por força da matéria, o que assim deduz: o homem
é animal, logo não é desprovido de sentidos; o loureiro é planta, logo não é
dotado de sentidos. E assim em outras. Todavia, a consequência material com
menor propriedade se chama boa e apta.
Se, porém, nesta altura, alguém perguntar quais as consequências, dos
quatro gêneros dados no princípio,299 que são formais, e quais as materiais,
parece que deve responder-se isto: as do primeiro gênero são todas formais,
como por exemplo: o homem é animal, logo o homem é animal; todo o homem
é animal, logo nenhum homem não é animal. (Embora, na verdade, a primeira
seja ridícula, todavia é consequência formal e é, de longe, a mais necessária
de todas; igualmente, esta enunciação: o homem é homem — embora seja
pueril, contudo, é uma enunciação, e, entre as enunciações, a mais necessária de
todas). Das dos outros três gêneros, umas são formais e outras materiais. Por
exemplo: no segundo gênero, quando da subalternante se deduz a subalternada,
ou a particular da indefinida, a consequência é formal. Quando, porém, ao
299 Сар. I.

343
Pedro da Fonseca

secundo genere, cum ex subalternante colligitur subalternata, aut particularis


ex indefinita, est formalis consequentia: aliquando autem e contrario est
materialis, ut si dicas, Homo est animal, igitur omnis homo est animal. In
tertio genere, conversiones quidem sunt formales consequentiae, ex reliquis
autem non nullae sunt materiales, ut reciprocationes quae fiunt ex subiecto,
et proprietate, aut ex definito et definitione, veluti si dicas, Omnis homo est
disciplinae capax, igitur omne, quod est disciplinae capax, est homo: Omnis
homo est animal rationale, igitur omne animal rationale est homo. In quarto
denique genere omnes syllogismi sunt consequentiae formales: caterae autem
tres argumentationum formae sunt materiales, exceptis fortasse quibusdam
inductionibus, ut post ea docebimus.!'°

Caput IV - De consequentia necessaria et probabili


Consequentia necessaria est ea, cuius consequens necessario colligitur
ex antecedente: ut illa, Socrates est homo, ergo Socrates est animal. Quicquid
enim homo est, necessario est animal.
Consequentia probabilis est ea, cuius consequens colligitur quidem ex
antecedente, non tamen necessario, sed maxima ex parte: ut si dicas, Haec
mulier est mater, ergo diligit filii: Agricola mandat terrae multa semina, ergo
magnam fructum copiam percipiet. Haec enim non necessario sequuntur ex
antecedentibus, sed fere semper.
Cum igitur omnis consequentia sit vel formalis, vel materialis: et iterum
vel necessaria, vel probabilis, illud iam necessarias: ex materialibus autem alias
esse necessarias, alias probabiles.
Quod enim omnes formales sint necessariae, ex eo patet, quia in hoc
genere consequentiarum, posito antecedente perpetuo sequitur conclusio. Id
quod facile est exemplis supra positis illustrare. Sed et Aristoteles hoc ipsum
de syllogismo aperte pronunciat, ut patet ex definitione syllogismi quam tradit.

Quod vero materiales consequentiae partim sint necessariae, partim


probabile, facile intelliges, si genera singula percurras. Nam in iis quae ordine
codem eadem praecise verba continent in antecedente, et consequente, et tamen
nec sunt eaedem, nec equipollentes, haec est necessaria ex vi materiae, Homo
est animal, igitur omnis homo est animal, haec vero probabilis ratione itidem
materiae, Mater diligit filium, igitur haec mater diligit filium. In is autem,
quae ordine inverso colligunt, haec est necessaria, Omnis homo est rationalis,
igitur omne rationale est homo, haec vero probabilis, Omnis qui diligenter dat
operam litteris, fit doctus, igitur omnis, qui fit doctus, diligenter dat operam
litteris, atque ambae causa materiae, non formae. In enthymematibus etiam,
110 Nota do paragrafo: Quae sint formales consequentia quae materiales.

344
Livro VI das Instituições Dialéticas
contrário, da subalternada se deduz a subalternante, então é material, como
quando o gênero, a diferença ou a propriedade se predica da espécie, como se
se disser: o homem é animal, logo todo o homem é animal, etc. No terceiro
gênero, as conversões são consequências formais; as reciprocações, que se
fazem do sujeito e da propriedade ou do definido e da propriedade, ou do
definido e da definição, são materiais, como se se disser: todo o homem é
capaz de educação, logo tudo o que é capaz de educação é homem; todo o
homem é animal racional, logo todo o animal racional é homem. No quarto
gênero, finalmente, todos os silogismos são consequências formais; são, porém,
materiais as outras três formas de argumentação, à exceção talvez de algumas
induções, como depois30 se esclarecerá.

Capítulo IV - Da consequência necessária e provável


Consequência necessária é aquela cujo consequente se conclui
necessariamente do antecedente, como esta: Sócrates é homem, logo Sócrates
é animal. Com efeito, tudo o que é homem é necessariamente animal.
Consequência provável é aquela cujo consequente se conclui do
antecedente, se não necessariamente, pelo menos na maioria dos casos, como
se se disser: esta mulher é mãe, logo ama o filho; o lavrador lança à terra muita
semente, logo colherá grande abundância de frutos. Isto, com efeito, não se
segue necessariamente dos antecedentes, mas segue-se quase sempre.
Mas como toda a consequência é formal ou material, e ainda necessária
ou provável, deve já, neste lugar, advertir-se que todas as formais são necessárias
e, das materiais, umas são necessárias, outras prováveis.
Que todas as formais sejam necessárias, torna-se evidente por isto: é
que neste gênero de consequências, posto o antecedente, ato contínuo se segue
a conclusão. O que facilmente poderá verificar-se pelos exemplos dados atrás.
Aliás, isto mesmo diz claramente Aristóteles acerca do silogismo, como se
vê pela definição que dele dá.
Que das consequências materiais sejam umas necessárias e outras
prováveis, facilmente se entenderá se se percorrerem os gêneros um a um.
Efetivamente, de entre aqueles que, no antecedente e no consequente, contêm,
pela mesma ordem, precisamente as mesmas palavras, sem, todavia, [as
enunciações) serem as mesmas ou equipolentes, esta: o homem é animal, logo
todo o homem é animal — é necessária por força da matéria; e esta: a mãe ama
o filho, logo esta mãe ama o filho — é provável também por força da matéria.
Contudo, daqueles que concluem por ordem inversa, esta é necessária, todo o
homem é racional, logo todo o racional é homem; esta, porém, é provável: todo
300 Cap. 34.
301 Primeiros Analíticos, 1, 1.

345
Pedro da Fonseca

inductionibus, ex exemplis eadem varietas invenitur, ut ex supra dictis intelliges.


Quamquam haec ex sequentibus fient apertiora.

Nunc generales quadam regulae consequentiarum ex supradictis


eruendae videntur, ut facile quisque intelligat quid ex quo apta consequutione
(de hac enim semper loquor) concludi possit. '''

Caput V - Regula generales consequentiarum.


Prima regula. Ex vero non nisi verum, verum autem tum ex vero,
tum ex falso colligiur. Prior pars ex eo probatur, quia si ulla consequentia ex
vero falsum colligeret, iam non esset bona et apta consequentia, ut patet ex
priori documento bonae consequentiae. Posteriorem partem confirmant haec
exempla. Omnis virtus est laudanda, et temperantia est virtus, igitur temperantia
est laudanda. Omnis vitiositas est laudanda, et temperantia est vitiositas, igitur
temperantia est laudanda. Ambae enim hae formales consequentiae, id quod
verum est, colligunt, sed prior ex vero antecedente, posterior ex falso. 112

Secunda regula. Ex falso et falsum et verum, falsum autem non nisi ex


falso concluditur. Prior pars hisce exemplis comprobatur. Omne animal est
candidum, et corvus est animal, igitur corvus est candidus. Omne animal est
nigrum, et corvus est animal, igitur corvus est niger. Nam utraque argumentatio
ex falso antecedente concludit, sed prior falsum consequens, et posterior verum.
Posterior autem pars huius regulae ex eo vera esse cernitur, quia si falsum ex
vero colligeretur, daretur, haud dubie in bona consequentia antecedens verum
et consequens falsum, quod supra negavimus. ''3

Tertia regula. Ex necessario non nisi necessarium, necessarium autem


ex quolibet (ut aiunt) id est, et ex necessario, et ex contingenti, et ex impossibili,
colligitur. Prior pars hoc modo probatur. Necessarium semper est verum,
contingens autem potest esse falsum, et impossibile semper est falsum, igitur si
ex necessario recte colligeretur contingens, aut impossibile, dari posset in bona
consequentia antecedens verum, et consequens falsum, quod diximus fieri non
posse. Posterior pars hisce exemplis confirmatur. Omne animal per se subsistit.
et homo est animal, igitur homo per se subsistit. Omnis philosophus movetur
111 Nota do parágrafo: Consequentia necessaria / Consequentia probabilis. / Quae consequentia sitar
necessariae quae probabiles / 1. Pris. 1.
112 Nota do parágrafo: Prima regula 2. Pri. 2. et 1. post. 6.
113 Nota do parágrafo: Secunda. 8, top. 4. et 5. et locis citatis. / Tertis 1. Post. 6.

346
Livro VI das Instituições Dialéticas

o que se entrega diligentemente ao estudo toma-se culto — uma e outra por


causa da matéria, que não da forma. Também nos entimemas, nas induções e
nos exemplos, se encontra a mesma variedade, como se entenderá pelo que se
disse atrás. Todavia, isto tomar-se-á mais claro com o que se segue.
Veremos agora, algumas regras gerais das consequências, deduzidas
do que atrás dissemos, para que se compreenda facilmente aquilo que pode
concluir-se de alguma coisa por meio de uma conclusão apta (refiro-me
sempre a esta).

Capítulo V - Regras gerais das consequências


Primeira regra: do verdadeiro não se segue senão o verdadeiro; porém,
o verdadeiro segue-se tanto do verdadeiro como do falso.302 A primeira parte
prova-se por isto: se alguma consequência deduzisse do verdadeiro o falso,
já não seria boa e apta consequência, como é evidente pela primeira regra
da boa consequência. A segunda parte confirmam-na estes exemplos: toda a
virtude deve ser louvada, a temperança é uma virtude, logo a temperança deve
ser louvada; todo o vício deve ser louvado, a temperança é um vício, logo a
temperança deve ser louvada. Efetivamente, uma e outra destas consequências
formais concluem o que é verdadeiro, mas a primeira de um antecedente
verdadeiro, a segunda de um falso.
Segunda regra: do falso pode seguir-se o verdadeiro e o falso; porém,
o falso não se segue senão do falso.303 Prova-se a primeira parte por estes
exemplos: todo o animal é branco, o corvo é animal, logo o corvo é branco;
todo o animal é preto, o corvo é animal, logo o corvo é preto. De fato, ambas
as argumentações concluem de um antecedente falso; todavia, a primeira tem
o consequente falso e a segunda, verdadeiro. A segunda parte desta regra vê-
se que é verdadeira pelo fato de que, se o falso se seguisse do verdadeiro, na
boa consequência existiria indubitavelmente um antecedente verdadeiro e um
consequente falso, o que acima dissemos não poder ser.
Terceira regra: do necessário não se segue senão o necessário; o
necessário, porém, segue-se de qualquer outro (como se diz), isto é, do
necessário, do contingente e do impossível.304 A primeira parte prova-se deste
modo: o necessário é sempre verdadeiro; mas o contingente pode ser falso e
o impossível é sempre falso; portanto, se do necessário se seguisse retamente
o contingente ou o impossível, numa boa consequência poderia existir um
antecedente verdadeiro e um consequente falso — o que dissemos não poder
dar-se. A segunda parte confirma-se com estes exemplos: todo o animal subsiste

32 Primeiros Analíticos, II, 2; e Segundos Analíticos, 1, 6.


303 Tópicos, VIII, 4 e 5, e lugares citados.
304 Segundos Analíticos, 1, 6.

347
Pedro da Fonseca

loco, et deam deambulans est philosophus, igitur deambulans movetur loco:


Omnis lapis per se subsistit, et homo est lapis, igitur homo per se subsistit.
Omnes hae consequentiae colligunt necessariam conclusionem, sed prima ex
necessario antecedente, secunda ex contingenti, et tertia ex impossibili

Quarta regula. Ex contingenti numquam colligitur impossibile, sed vel


necessarium, vel contingens: contingens autem nunquam ex necessario, sed
vel ex contingenti, vel impossibili, concluditur. Quod igitur ex contingenti
non colligatur impossibile ex eo patet, quia cum contingens possit esse
verum, impossibile autem semper sit falsum, si quis admitteret recte colligi
ex contingenti impossibile, cogeretur sane admittere, dari aliquando in bona
consequentia antecedens verum, et consequens falsum, quod nequamquam
admittendum est. Quod autem ex contingenti colligatur necessarium, planum
est ex regula superiori. Quod item ex contingenti colligatur contingens, in hoc
exemplo cernes, Omnis grammaticus est dialecticus, et homo est grammaticus,
igitur homo est dialecticus. Quod vero contingens non colligatur ex necessario,
ex eo perspicuum est, quia si colligeretur, dari posset in bona consequentia
antecedens verum, et consequens falsum. Necessarium enim non potest non
esse verum, contingens autem potest esse falsum, ut diximus. Quod deinde
contingens ex contingenti colligatur in hac ipsa regula ostendimus. Quod
denique contingens impossibili concludatur in hac argumentatione perspicies,
Omnis lapis loquitur, et homo est lapis, igitur homo loquitur. 114

Quinta regula. Ex impossibili sequitur quodlibet, id est, tum


necessarium, tum contingens, tum impossibile: impossibile autem non nisi
ex impossibili colligitur. Quod autem ex impossibili colligitur. Quod autem
ex impossibili concludatur necessarium, et contingens, ex tertia et quarta
regula perspicuum est. Quod vero ex eo recte colligatur impossibile, ex hac
consequentia intelliges, Omnis lapis est praeditus videndi facultate, smaragdus
est lapis, igitur smaragdus est praeditus videndi facultate. Quod denique
impossibile non nisi ex impossibili, concludatur, ex eo apertum est, quia si
ex necessario
antecedens aut contingenti
verum, colligeretur,
et consequens dari
falsum, ut ex posset
dictis in intelliges.
facile bona consequutione
115
Sexta regula. Quicquid stat cum antecedente stat cum consequente:
non tamen quicquid stat cum consequente stat cum antecedente. Ita loquuntur
Dialectici. Sensus vero est. Quicquid verum esse potest cum antecedente,
potest etiam verum esse cum consequente non tamen viceversa. Ut si haec est
bona consequentia, Hoc est homo, ergo est animal, est autem verum asserere
114 Nota do parágrafo: Quarta ex 1. Prio 12. et 8. Phy. 5. et 9. Metaphy. 4
115 Nota do parágrafo: Quinta. / 1. de coelo. 12. Et 9. Meta. 4.

348
Livro VI das Instituições Dialéticas

por si, o homem é animal, logo o homem subsiste por si; todo o filósofo muda
de lugar, o que caminha é filósofo, logo o que caminha muda de lugar; toda a
pedra subsiste por si, o homem é pedra, logo o homem subsiste por si. Todas
estas consequências produzem uma conclusão necessária, mas a primeira de
um antecedente necessário, e a segunda, de um contingente, e a terceira, de um
impossível.
Quarta regra: do contingente nunca se segue o impossível, mas o
necessário ou o contingente; o contingente, porém, nunca se conclui do
necessário, mas do contingente ou do impossível.3 Que do contingente não
se conclui o impossível torna-se evidente pelo fato de o contingente poder ser
verdadeiro e o impossível ser sempre falso; se alguém, portanto, admitisse que
o impossível se conclui retamente do contingente, seria obrigado a admitir
que, numa boa consequência, pode existir um antecedente verdadeiro e um
consequente falso, o que de modo algum deve admitir-se. Que o necessário
se segue do contingente está explicado na regra precedente. De igual modo
se notará neste exemplo, que, do contingente, se segue o contingente: todo
o gramático é dialético, o homem é gramático, logo o homem é dialético. É
evidente que o contingente não se segue do necessário, porque, se se seguisse,
numa boa consequência poderia existir um antecedente verdadeiro e um
consequente falso. O necessário, na verdade, não pode deixar de ser verdadeiro;
mas o contingente pode, como dissemos, ser falso. Mostramos também, nesta
mesma regra, que o contingente se segue do contingente. Por último, entender-
se-á nesta argumentação que o contingente se segue do impossível: toda a
pedra fala, o homem é pedra, logo o homem fala.
Quinta regra: do impossível segue-se qualquer outro, isto é, o necessário,
o contingente, ou o impossível; o impossível, porém, não se segue senão do
impossível. E manifesto, pela terceira e quarta regras, que do impossível se
pode concluir o necessário e o contingente. Pela seguinte consequência
perceber-se-á se se conclui retamente o impossível do impossível: toda a pedra
é dotada da faculdade de viver, a esmeralda é pedra, logo a esmeralda é dotada
da faculdade de viver. Finalmente, é manifesto que o impossível se não segue
senão do impossível,306 porque, se se seguisse do necessário ou do contingente,
numa boa consequência, poderia existir um antecedente verdadeiro e um
consequente falso, como facilmente se compreenderá pelo que atrás se disse.
Sexta regra: tudo o que está com o antecedente está com o consequente;
mas nem tudo o que está com o consequente está com o antecedente. Assim se
exprimem os dialéticos. O sentido é este: tudo o que pode ser verdadeiro com
o antecedente pode também ser verdadeiro com o consequente, mas não ao
contrário. Assim, se for boa esta consequência — isto é homem, logo é animal

305 Primeiros Analíticos, I, 12; Física, VIII, 5; Metafísica, IX, 4.


306 Do Céu, 1, 12; e Metafísica, IX, 4.

349
Pedro da Fonseca

aliquid esse hominem , et esse bipes, erit etiam verum asserere esse animal, et
esse bipes: non tamen si vere dixeris aliquid esse animal et quadrupes, continuo
vere affirmabis quod sit homo et quadrupes. Ratio vero prioris partis huius
regula haec est, quia si aliquando id, quod stat cum antecedente, non staret
cum consequente, tunc sane everteret consequens non everso antecedente, quo
fieret ut in bona consequentia daretur antecedens verum, et consequens falsum.
Posterior autem pars confirmata relinquitur exemplo adducto. Ex co enim
patet, aliquando id, quod stat cum consequente, non stare cum antecedente:
quod satis est ad confirmandum institutum, modo ponas consequentiam illam
esse bonam, ut revera est, materialis tamen, non formalis, ut ex dictis facile
intelliges.

Septima regula. Quicquid repugnat consequenti repugnat antecedenti:


non tamen quicquid repugnat antecedenti repugnat consequenti. Prior pars
ex eo patet, quia alioqui aliquid verum esset cum antecedente, quod verum
non esset cum consequente, sicque daretur in bona consequentia antecedens
verum et consequens falsum, quod fieri non potest. Ex hac priori parte
huius regulae colligi potest illud protritum Dialecticorum pronunciatum,
In bona consequentia, ex opposito contradictorio consequentis infertur,
contradictorium antecedentis: ut si haec est bona consequentia, Socrates est
lapis ergo non est sensus particeps, licebit ita concludere Socrates est sensus
particeps, licebit ita concludere Socrates est sensus particeps, ergo Socrates non
est lapis. Item si haec est bona consequentia, Omne animal est album, igitur
omnis homo est albus, licebit ita concludere, aliquis homo non est albus, igitur
aliquod animal non est album. Nam si ex contradictorio consequentis non
concluderetur contradictorium consequentis stare cum antecedente: aliquid
ergo repugnaret consequenti, quod non repugnaret antecedenti: id quod prior
pars huius regulae non admittit. Posterior pars vel hoc uno exemplo stabilitur.
Hoc non esse hominem, quod repugnat antecedenti huius consequentiae Hoc
est homo, ergo est animal, non repugnat consequenti, eiusdem consequentia
(Bucephalus siquidem, qui non est homo, est animal) igitur non quicquid
repugnat antecedenti repugnat consequenti.!16

Octava regula. Ex quocumque sequitur antecedens, sequitur consequens:


et quicquid sequitur ex consequente, sequitur ex antecedente. Exempli causa,
si ex homine sequitur animal, et ex animali substantia, ex homine sequetur,
ac concludetur substantia. Item si substantia sequitur ex animali, et animal ex
116 Nota do parágrafo: Septima, ex. 2. Prio. 28. / Dialecticorum pronunciatum ex. 1. Pri. 42. Et ex. 2.
Pri. 2. Et. 4. Non tamen ex contradictorio antecedentis infertur contradictorium consequentis.

350
Livro VI das Instituições Dialéticas

— e for verdadeiro dizer que algo é homem e que é bípede, será também
verdadeiro dizer que esse algo é animal e que é bípede; porém, se se disser que
alguma coisa é animal e quadrúpede, não poderá afirmar-se, ato contínuo, que
é homem e quadrúpede. A razão da primeira parte desta regra é esta: se, alguma
vez, o que está com o antecedente não estivesse com o consequente, então, sem
dúvida, mudar-se-ia o consequente sem se mudar o antecedente e sucederia
então que, numa boa consequência, existiam um antecedente verdadeiro e um
consequente falso. A segunda parte fica confirmada pelo exemplo dado. Por
ele, na verdade, se vê que, às vezes, o que está com o consequente não está com
o antecedente — o que é bastante para confirmar o estabelecido, contanto que
se admita que aquela consequência é boa, como de fato é; é material, todavia, e
não formal, como facilmente se entenderá pelo que atrás se disse.
Sétima regra: tudo o que repugna ao consequente repugna ao antecedente;
todavia, nem tudo o que repugna ao antecedente repugna ao consequente. 307
A primeira parte é evidente, porque se repugnasse ao consequente alguma
coisa que não repugnasse ao antecedente, o consequente mudaria alguma
coisa sem que a mudasse o antecedente, e, numa boa consequência, existiria
assim um antecedente verdadeiro e um consequente falso, o que não pode
acontecer. Da primeira parte desta regra pode deduzir-se aquela tão batida
proposição dos dialéticos, (que é muitas vezes usada por Aristóteles):308 numa
boa consequência, do contraditório do consequente infere-se o contraditório
do antecedente; assim, se for boa esta consequência: Sócrates é pedra, logo
não é dotado de sentidos, será lícito concluir: Sócrates é dotado de sentidos,
logo Sócrates não é pedra. De igual modo, se for boa esta consequência: todo
o animal é branco, logo o homem é branco; será lícito concluir assim: algum
homem não é branco, logo algum animal não é branco. Na verdade, se do
contraditório do consequente se não concluísse o contraditório do antecedente
(e assim nem também o contrário), o contraditório do consequente poderia
então estar com o antecedente; algo, pois, repugnaria ao consequente que não
repugnava ao antecedente, o que a primeira parte desta regra não admite. A
segunda parte prova-se apenas com este único exemplo: isto não é homem,
repugna ao antecedente desta consequência isto é homem, logo é animal e,
todavia, não repugna ao consequente da mesma consequência (pois, Bucéfalo,
que não é homem, é animal); portanto, nem tudo o que repugna ao antecedente
repugna ao consequente.
Oitava regra: de onde se seguir o antecedente, segue-se o consequente; e
tudo o que se seguir do consequente, segue-se do antecedente. 309 Por exemplo,
se for apta esta consequência é animal, logo é substância, e se animal se segue de
307 Primeiros Analíticos, 1, 28.
308 Por exemplo, nos Primeiros Analíticos, 1, 42; e Segundos Analíticos, II, 2 e 4.
309 Primeiros Analíticos, I, 28 e 33.

351
Pedro da Fonseca

homine, substantia sequetur ex homine: quod idem est ordine converso. Haec
regula ex eo probatur, quia cum in hoc concludendi modo minimum sint tres
consequentiae, si tertia non fuerit bona, nullum erit incommodum si detur
in ea antecedens verum, et consequens falsum. Faciamus igitur aliquid esse
hominem, quod tamen non sit substantia. Aut ergo cum ex homine concluditur
animal, aut cum ex animali concluditur substantia, datur antecedens verum et
consequens falsum, quod est contra hypothesim: ponimus siquidem priores
duas consequentias esse bonas. Possunt autem in hoc concludendi genere multo
plures, quam tres, iungi consequentiae. Semper enim extremum consequens
colligetur ex primo antecedente: ut si dicas, Si homo est, animal est: si animal,
vivens: si vivens, corpus: si corpus, substantia: igitur si homo est, substantia est.
Nostri hanc gradationem vulgo appellant argumentationem de primo
ad ultimum, Graeci Ewporny hoc est acervalem, ut Cicero interpretatur.
Quod vero idem ait, hoc genus argumentationis vitiosum esse, ac captiosum,
non ita intelligendum est, quasi non recte concludat. Nam si omnes priores
consequutiones, ex quibus extrema texitur, fuerint aptae, nihil vitii erit
in extrema. Sed id propterea asserit, quod in hoc concitato progressu
consequentiarum, quarum aliae aliis, quasi grana granis minutatim adduntur,
saepe ineptae cum aptis permiscentur, quae temporis brevitate non facile
pernoscuntur: quo fit ut tota congeris saepe hominem securum capiat. Sic stoici
fallaciter concludebant, omne, quod modo aliquo esset bonum, esse honestum.
Si bonum, agitur optabile: si optabile, expetendum: si expetendum, dignitatem
habet: si dignitatem habet, laudabile est: si laudabile, honestum: igitur si
bonum est, honestum est. Hic tertia consequutio est vitiosa. Multa enim sunt
expetenda, quae non habent dignitatem, ut nonnulla utilia, et alia quaedam
iucunda. Fit autem Sorites interdum ex universalibus enuntiationibus, ut si
dicas, Omnis homo est animal, et omne animal est vivens, et omne vivens est
substantia, igitur omnis homo est substantia.

Sed haec de regulis generalibus consequentiarum videntur satis. Iam ad


argumentationem, quae tertius disserendi modus est, aggrediamur.117

Caput VI - De argumentatione
Argumentatio ex argumento, quod est eius quasi mens, nomen invenit.
Dicitur enim Cicerone autore, argumenti explicatio. Planius tamen et vis
vocabuli et natura rei hac definitione perspici potest. Argumentatio est oratio,
in qua ex argumento explicato altera pars questiones concluditur.
117 Nota do parágrafo: Octava. ex. 1. Pri. 28. Et 33. / Argumentatio de primo advitimum. / [cpotnu,
seu acervalis Cice. 2. De divinat. / Academ. Lib. 2. Primae. Edit. Stoici.

352
Livro VI das Instituições Dialéticas

homem, seguir-se-á e concluir-se-á de homem, substância. Do mesmo modo,


se for boa esta consequência é homem, logo é animal, e substância se segue
de animal, concluir-se-á substância, de homem. Esta regra prova-se porque,
como este modo de concluir se pode reduzir pelo menos a três condicionais
(como se se disser: se é homem é animal, se é animal é substância, logo, se
é homem, é substância), nunca das primeiras condicionais verdadeiras pode
deduzir-se uma última condicional falsa, como, por indução, é evidente. Com
efeito, escolhida qualquer matéria, a última é sempre verdadeira se as primeiras
forem verdadeiras, quer sejam duas apenas, quer sejam muitas, por exemplo:
se é homem, é animal; se é animal, é vivo; se é vivo, é corpo; se é corpo, é
substância; logo, se é homem, é substância.
Os nossos chamam vulgarmente a esta gradação argumentação do
primeiro ao último, os gregos sorites, isto é, acervo, como interpreta Cícero. 310
Mas lá porque o mesmo diz, em outro lugar, 31 que este gênero de argumentação
é vicioso e capcioso, não se deve entender como não concluindo retamente. Na
verdade, se todas as primeiras conclusões, a partir das quais se constrói a última,
forem aptas, nada de vicioso haverá nesta. Mas Cícero aduz isto, porque, neste
progresso acelerado de consequências, que se juntam umas às outras como grão
a grão, se intermeiam muitas vezes as ineptas com as aptas, as quais, por falta
de tempo, se não reconhecem facilmente. Sucede, assim, que muitas vezes todo
aquele acervo engana mesmo um homem seguro. Assim, os estoicos concluíam
falaciosamente que tudo o que, por qualquer razão, é bom, é honesto: se é
bom, é desejável; se é desejável, deve ser procurado; se deve ser procurado, tem
dignidade; se tem dignidade, é louvável; se é louvável, é honesto; logo, se é bom,
é honesto. E viciosa aqui a terceira consecução. Efetivamente, há muitas coisas
que devem ser procuradas e que não têm dignidade, como certas coisas úteis
e outras ainda deleitáveis. Pode, entretanto, fazer-se a sorites de enunciações
universais, como: todo o homem é animal; todo o animal é vivente; todo o
vivente é substância; logo, todo o homem é substancia.
O que fica dito parece ser o suficiente a respeito das regras gerais das
consequências. Passemos agora à argumentação, que é o terceiro modo de
discorrer.

Capítulo VI - Da argumentação
A argumentação tira o seu nome de argumento, que é como que a sua
alma. Diz-se, efetivamente, segundo Cícero,'12 a explicação do argumento.
Pode perceber-se mais claramente não só a força do vocábulo como também

310 Da Adivinhação, 2.
311 Acadêmicos, livro II, primeira edição.
312 Nas Partições.

353
Pedro da Fonseca

Argumentum est inventum quid ad faciendam fidem, hoc est, medium,


quod assumitur ad aliquid probandum. Questio est in dubitationem
ambiguitatemque adducta enunciatio. Quae quidem utramque partem
contradictionis complectitur, affirmationem scilicet, et negationem, alteram
expresse, alteram implicite: ut, Sit ne omnis virtus anteponenda opibus, an
non. Estque omnis questio aut universalis, ut quae dicta est: aut particularis,
ut si dicas, Utrum aliquis pauper sit felix, nec ne: quae duo genera dicuntur
Theses: aut singularis, ut, Num Socrates fine nota criminis cicutam hauserit,
quae dicitur Hypothesis.
Tunc autem argumentum explicari dicitur, cum sic oratione dilatatur,
ut ad institutum confirmandum aptetur. Exempli causa, si proposita prima illa
questione, Sit ne omnis virtus opibus anteponenda, an non, velis affirmativam
partem confirmare, necesse est ut primum exquiras medium ad id efficiendum.
Quod si inveneris virtutis definitionem, hoc est, Esse habitum, qui bonum
efficit habentem, et opus eius bonum reddit, iam habebis argumentum. Est
enim medium hoc accommodatissimum ad institutum concludendum. Si vero
argumentum repertum ita oratione dilataveris, ut dicas, Omnis habitus, qui
bonum efficit habentem, et opus eius bonum reddit, est opibus anteponendus,
omnis autem virtus est huiusmodi habitus, igitur omnis virtus est opibus
anteponenda, effeceris tandem argumentationem.
Diximus namque argumentationem esse orationem, in qua ex argumento
explicato altera pars questionis concluditur. Reiiciuntur ergo ab hac definitione
consequentiae omnes carentes medio, ut cum quaelibet enunciatio ex se ipsa
colligitur, aut una equipollentium ex alia: aut ex universali particularis, aut
ex conversa convertens: qua diximus non esse argumentationes. Cum enim
huiusmodi consequentiae medium non assumant ad aliquid concludendum,
argumento careant necesse est: quo fit ut argumentationes dici non possint.

Reiiciuntur etiam argumentationes ex aperte falsis, quae, et si modo


aliquo argumentationes dici possunt, eo quod ex medio assumpto aliquid
concludunt, ut si dicas, Omnis equus est lapis, omnis leo est equus, igitur
omnis leo est lapis, tamen cum nihil suadeant, non sunt argumentationes de
quibus agat Dialecticus, nisi quatenus formam argumentationum participant.
Reiiciuntur ergo, quia medium, quod assumunt, non est argumentum, cum
nullam faciat consequentis fidem.

354
Livro VI das Instituições Dialéticas

a natureza da coisa, com esta definição: a argumentação é a oração na qual, de


um argumento explicado, se conclui a outra parte da questão.
O argumento é uma coisa encontrada para fazer fé, isto é, um meio que se
toma para provar alguma coisa. Questão é a enunciação aduzida para formular
uma dúvida ou ambiguidade. Abrange 13 ambas as partes da contradição, isto é,
a afirmação e a negação, expressamente uma, e implicitamente a outra, como:
deve ou não antepor-se a virtude à riqueza? Toda a questão é ou universal,
como a que foi mencionada, ou particular, como esta: é ou não feliz algum
pobre? Estes dois gêneros chamam-se teses; ou singular, como: teria Sócrates
bebido a cicuta sem o labéu de crime?314 Esta chama-se hipótese.
Explica-se o argumento quando se desdobra numa oração, de modo que
esteja apto a confirmar o que se pretende. Por exemplo: se for proposta aquela
primeira questão deve ou não antepor-se a virtude à riqueza? E se se quiser
confirmar a parte afirmativa, é necessário procurar primeiro um argumento
como meio para o conseguir. Se se encontrar a definição de virtude, e se
entender que a virtude, por sua natureza, é um hábito que torna bom o que o
tem, e torna boas as suas obras, 315 ter-se-á já um argumento. Este é, na verdade,
um meio muito apto para concluir o que se pretende. Mas, se se desdobrar
numa oração o argumento encontrado, de modo a que se diga: todo o hábito
que toma bom o que o tem e toma boas as suas obras deve antepor-se às
riquezas, toda a virtude é um hábito desta natureza, logo toda a virtude deve
antepor-se às riquezas — ter-se-á finalmente a argumentação.
Dissemos, com efeito, que a argumentação é a oração na qual, de um
argumento explicado, se conclui uma das partes da questão. Excluem-se,
por conseguinte, da definição todas as consequências que carecem de termo
médio, como quando alguma enunciação conclui de si mesma, ou de uma das
equipolentes de outra, ou uma particular de uma universal, ou uma convertente
de uma convertida, as quais — dissemo-lo atrás — não são argumentações.
Efetivamente, uma vez que as consequências deste gênero não se servem de
um termo médio para concluir alguma coisa, carecem necessariamente de
argumento, pelo que não podem chamar-se argumentações.
Excluem-se ainda as argumentações de enunciações manifestamente
falsas, as quais, embora de algum modo possam chamar-se argumentações, por
concluírem alguma coisa através de um termo médio assumido, como: todo o
cavalo é pedra, todo o leão é cavalo, logo todo o leão é pedra — todavia, como
nada persuadem, não são argumentações de que trate o dialético, a não ser
enquanto participam da forma das argumentações. Excluem-se, pois, porque

313 Boécio, Das Diferenças dos Tópicos, I.


314 Ver Cícero nas Partições.
315 Ética, II, 6.

355
Pedro da Fonseca

Ille igitur consequentiae duntaxat hac de nitione comprehenduntur,


quae et medio constant, et ex antecedente necessario, aut probabili, aut
quod tale esse videatur, ad faciendam qualemcumque fidem, assensionemve
consequentis comparata sunt. Hoc genus, praesertim cum ex necessariis, aut
probabilibus aliquid concludit, vocatur ab Aristotele nunc árósléis, id est,
demonstratio, late accepto demonstrationis vocabulo: nunc risis, hoc est, fides,
seu probatio: nunc hoyos hoc est, ratio. Saepe etiam argumentum appellatur,
co quod totum argumentationis robur in argumento positum est. 118

Caput VII - De inventione et indicio


Cum igitur argumentatio sit oratio, in qua ex argumento explicato altera
pars questionis concluditur, ut diximus, perspicuum sane est, ad structuram
argumentationis duo esse necessaria. Alterum est inventio argumentorum:
alterum accommodatio corum ad institutum confirmandum, quae vocatur
iudicium Et inventio quidem suppeditat materiam, iudicium adhibet formam.
Unde cum forma rei, quae arte conficitur, sine materia esse non possit, plurimi
sunt, qui dicant, necesse esse, ut prius de inventione, quam de iudicio disseratur.
Quibus ego cum Aristotile non prorsus absentior. Nam et si ad conficiendam
argumentationem prius exquirendum est argumentum, et inveniendum, quam
ad questionem aptetur, tamen ut argumentationum formae intelligantur
non est necesse ante tenere, qua via, et ratione inveniri possint argumenta
ad quancumque questione tractandam. Satis enim erit si in confectis iam
argumentationibus eiusmodi formae ostendantur. Quinetiam cum formae
omnium argumentationum, de quibus Dialecticus agit non differant a formis
carum, quae ex aperte falsis enuntiationibus constant, non dubium est, quin
sumptis quibuscumque vocibus, ignorata prorsus universa inveniendi ratione,
formae carum et tractari plane, et perfecte intelligi possint.

Mitto quod multa necesse est dicere in tradenda inventione


argumentorum, quae, nisi argumentationum formas perspectas habeas,
minime assequaris, ut patebit in progressu: cum tamen ut huiusmodi formae

118 Nota do parágrafo: Argumentum est mens argumentationis. In partitionibus. / Argumentatio


quid. Argumentum. / Questio quid. Boëth. 1. d diffe. Top. / Theses Hypothesis. Quo pacto
argumentum explicari dicatur. / 2. Ethi. 6. / Consequentia carentes medio non sunt argumentationes.
/ Argumentationes ex apti falsis non tractantur a Dialectico, nisi ratione formae. / Quas consequentias
comprehendat tradita definitio argumentationis. / Ut 1. Rhet. Ad Theod. 1. Cice, etiam. 2. Aca. Primac
aedit. / Ut top. 7. / Ut 1. Top. 10. Et passim lib. 8 / Argumentatio sape dicitur a

356
fi
Livro VI das Instituições Dialéticas

o termo médio, que tomam, não é argumento, uma vez que não traz nenhuma
fé ao consequente.
São abrangidas, portanto, pela definição dada, apenas as consequências
que constam de um médio e de um antecedente necessário ou provável ou que
assim pareça ser e que são comparados para dar qualquer fé ou assentimento
ao consequente. A este gênero, sobretudo quando conclui alguma coisa de
coisas necessárias ou prováveis, chama Aristóteles ora'16 áóens, isto é,
demonstração, tomando em sentido lato o vocábulo demonstração, ora'" TioTIS,
isto é, fé ou prova, ora'18 2óyos, isto é, razão. Entre os dialéticos, costuma ainda,
a cada passo, chamar-se-lhe argumento, porque no argumento reside toda a
força da argumentação.

Capítulo VII - Da invenção e do juízo


Uma vez que, portanto, a argumentação é, como dissemos, a oração em
que, de um argumento explicado, se conclui uma parte da questão, é evidente
que, para a estrutura da argumentação, duas coisas são necessárias: uma é a
invenção dos argumentos; outra é a sua colocação para confirmar o que se
pretende e que se chama juízo. A invenção subministra a matéria, o juízo dá-
lhe a forma.
Porque a forma de uma coisa, forma essa que lhe é dada pela arte, não pode
existir sem a matéria, vários 19 há que dizem que deve falar-se primeiramente
da invenção e, só depois, do juízo. Seguindo Aristóteles, não estou inteiramente
de acordo com eles. É que, embora, para fazer a argumentação, deva procurar-
se e encontrar-se o argumento, antes de aplicar-se à questão, todavia, para se
entenderem as formas de argumentações, não é necessário saber antes por que
via e método se podem encontrar argumentos para tratar qualquer questão.
Será suficiente que, em argumentações já feitas, se tenham mostrado formas do
mesmo gênero. Além disso, como as formas de todas as argumentações, de que
trata o dialético, não diferem das formas daquelas que constam de enunciações
manifestamente falsas, não há dúvida de que, tomando-se quaisquer palavras,
ignorando embora todo o método de invenção, as suas formas podem não só
tratar-se claramente como também serem perfeitamente entendidas.
Porque é necessário dizer muita coisa ao ensinar a invenção dos
argumentos, omito o que de modo algum se entenderá, a não ser que se tenham
percebido as formas das argumentações, como se verá pelo desenvolvimento;
não é, no entanto, preciso ir pedir nada à invenção para se perceberem formas

316 Por exemplo, Retórica a Teodoreto, I, 1. Também Cícero, Acadêmicos, II, primeira edição.
317 Por exemplo, nos Primeiros Analíticos, II, 23; e Tópicos, 1, 7.
318 Por exemplo, Tópicos, I, 10 e expressamente no livro VII.
319 Por exemplo, Cícero nos Tópicos, que muitíssimos seguem.

357
Pedro da Fonseca

intelligantur nihil necesse sit ex inventione mutuari. Non est igitur cur prius
inventio argumentorum tradenda sit, quam iudicandi ratio attingatur.
Sed animadvertendum est duplex iudicium a Dialectico tradi oportere:
alterum, quo quisque sciat singulas construere argumentationes: alterum, quo
intelligat, qua methodo, et via argumenta omnia, qua ad aliquid tractandum
assumuntur, inter se disponenda sint.
Quamquam ergo prior iudicii pars ante inventionem tradi debeat, ut
diximus: posterior tamen, nisi post inventionem, tradi non potest. Inventione
siquidem docetur varietas argumentorum, quam qui ignoraverit, ordinem
in argumentis constituere non valebit. Nos igitur cum Aristotele, sive in
tractanda argumentatione in commune, sive cum de demonstratione ac
syllogismo Dialectico disseremus, prius eam iudicii partem, qua singularum
argumentationum constructio intelligitur, quam inventionem argumentorum
trademus. Quibus exactis, ad posteriorem, quae tum ordo, tum collocatio, tum
dispositio, et methodus appellatur, veniemus.!19

Caput VIII - Divisio argumentationis, et definitio syllogismi


simplicis
Argumentatio saepe ab Aristotele in quattuor genera dividitur: in
syllogismum, inductionem, enthymema et exemplum. Alias in duo tantum
priora quod enthymema sit imperfectus syllogismus, et exemplum inductio
imperfecta. Sed nos priorem divisionem ut magis perspicuam, et vulgatam
persequemur.
Syllogismus ergo, qui Latine ratiocinatio dicitur, aut est simplex, sive
categoricus, aut coniunctus, sive hypotheticus.
Simplex igitur sive categoricus syllogismus, autore Aristotele, est
oratio, in qua quibusdam positis aliud quiddar ab iis, quae posita sunt, ex
necessitate accidit, eo quod haec sunt. Cum audis Quibusdam, intellige
quam paucissimas enunciationes simplices. Frustra namque plura adhibenda
sunt, ubi pauciora sufficiunt. Adiectum est, Positis, id est concessus (quae est
gravissimorum autorum interpretatio imo etiam videtur Aristotelis primo
ad Theodecten libro) quia syllogismus, cum sit argumentatio, atque adeo
potissimum eius genus, fidem faciat necesse est, atque ita ex concessis ad id,
quod non conceditur, progrediatur. Quod et ex generibus in quae dividitur
syllogismus (Demonstratione, inquam, Syllogismo Dialectico, Pseudographo,
et Sophistico) quae omnia ad fidem aliquam, seu assensionem ex concessis

Prior iudicii pars, dicitur ab Aristotele ávázuais, id est, resolutio: posterior tátis, id est, ordo. / Prior
iudicii pars ante inventione tradenda est: posterior post inventionem. / Sis fecit Arist. in lib. Prio. Post. et
top. / Ari. 8. Top. 3. Ordinem: Cice. in part. collocati. Nem: / Quint. lib. 6. Cap. 1. Aisp. Acisionem

358
Livro VI das Instituições Dialéticas
deste gênero. Não há, pois, motivo que obrigue a tratar primeiramente da
invenção dos argumentos e, só depois, do método de julgar.
Deve notar-se, contudo, que o dialético ensina duas espécies de juízo:
um com o qual saiba cada um constituir cada argumentação; outro com o qual
entenda cada um o caminho metódico para dispor entre si todos os argumentos
que se tomam para provar alguma coisa.
Embora, como dissemos, a primeira espécie de juízo deva ensinar-se antes
da invenção, a segunda, porém, não pode ensinar-se senão depois da invenção.
Porque a variedade dos argumentos se ensina pela invenção, ninguém que a
ignore poderá pôr ordem nos argumentos. Nós, portanto, com Aristóteles, 320
quer ao tratar da argumentação em comum, quer quando discorrermos acerca
da demonstração e do silogismo dialético, ensinaremos aquela espécie de juízo
por que se entende a construção de cada argumentação, antes da invenção dos
argumentos. Feito isto, passaremos à segunda, que se chama ou ordem,321 ou
colocação,322 ou disposição?23 ou método.

Capítulo VIII - Divisão da argumentação e definição de


silogismo simples
A argumentação é, muitas vezes, dividida por Aristóteles em quatro
gêneros: silogismo, indução, entimema e exemplo; outras, apenas nos dois
primeiros, visto o entimema ser um silogismo imperfeito, e o exemplo uma
indução imperfeita.324 Mas nós seguiremos a primeira divisão como mais clara
e mais divulgada.
O silogismo, pois, que em latim se chama raciocínio, é ora simples ou
categórico, ora composto ou hipotético.
O silogismo simples ou categórico, segundo Aristóteles, 325 é a oração na
qual, postas algumas coisas, surge necessariamente qualquer outra coisa delas
diferente, só pelo fato de serem estas. Pela expressão algumas coisas entenda-
se muitíssimo poucas enunciações simples, apenas as que Aristóteles definira
um pouco antes. São suficientes duas, como um pouco abaixo326 mostraremos.
Juntou-se postas, isto é, concedidas (interpretação 7 esta que é de autores
seríssimos e parece mesmo ser a de Aristóteles no primeiro livro a Teodoreto)28,
320 Nos livros dos Primeiros e Segundos Analíticos e nos Tópicos.
321 Por Aristóteles, Tópicos, VIII, 1.
322 Por Cícero, nas Partições.
323 Por Quintiliano, livro VI, cap. 1.
324 Ler Aristóteles, Primeiros Analítico, II, 23; e Segundos Analíticos, 1, 1 e Tópicos, 1, 10; Retórica a
Teodoreto, 1, 2.
325 Primeiros Analíticos, 1, 1.
326 Capítulo 10.
327 Por exemplo, Alexandre de Alfrodísia e Averróis, no mesmo lugar; e Boécio, livro II do Silogismo
Categórico, e Santo Tomás, Opúsculo 48.
328 Capítulo 2.

359
Pedro da Fonseca

efficiendam comparata sunt, plane colligitur. Concessa autem, et confessa


sunt, quae aut necessaria, aut probabilia videntur, sive revera talia sint: sive non
sint, sed modo videantur. Cum audis Aliud quiddam ab iis, quae posita sunt,
intellige conclusionem diversam a qualibet praemissarum sive praccurrentium
propositionum, atque ita diversam, ut careat argumento, quo neutra illarum
caret. Ex necessitate accidere idem est quod necessario sequi, atque concludi.
Eo quod haec sunt nihil aliud significat, quam Ex vi formae.

Sic enim brevissime complector horum verborum vim. Haec autem


particula iccirco addita est, quia syllogismus simplex non concludit tantum
ex necessitate materiae, ut aliae pleraque argumentationes, sed etiam ex
necessitate formae, seu modi colligendi. Si ergo verbis huius definitionis vis
ordine separare a syllogismo simplici caetera omnia, hunc ordinem tene. Cum
dicitur Oratio, reiice voces simplices. Cum dicitur In qua aliud sequitur, reiice
omnes orationes, quae non sunt consequentiae, immo et omnes consequentias,
quae non sunt argumentationes. Cum dicitur Positis, reiice omnes
argumentationes ex aperte falsis, quarum antecedentia a nemine ponuntur, sive
conceduntur. Cum dicitur Necessario, reiice omnes consequentias necessarias,
non quod omnis necessariam colligat conclusionem (multi enim colligunt
non necessarium, ut sillogismus dialecticus, pseudographus, et sophisticus)
sed quia omnis necessario concludit sive necessariam conclusionem, sive
probabilem, sive quae talis esse videatur. Cum dicitur Eo quod haec sunt, reiice
omnes argumentationes necessarias ex vi materiae duntaxat.120 Cum dicitur
Quibusdam, id est, quam paucissimis, seu duabus simplicibus enunciationibus,
reiice syllogismos hypotheticos, qui quidem tres minimum simplices
enunciationes ante conclusionem praemittunt, ut inferius docebimus. Reiice
quoque Syllogismos simplices conglobatos, qualis hic est, Omne corpus est
substantia, et omne vivens est corpus, et omne animal est vivens, igitur omne
animal est substantia: quia pluribus,a quam duabus sumptionibus constant.
Hi vero necessario reiiciendi sunt, quia nullus eorum est simpliciter unus
syllogismus, sed plures complicati.
120 Nota do parágrafo: Lego Arist. 2. Prio. 23. et 1. post. 1. Et. 1. Top 10. Et. 1. Rhet. ad Theod. 2. /
Syllogismus, seu ratiocinatio / Simplex syllogismus, sine categoricus, quid 1. Prio. 1. Quibusdam. / Capi.
10. Positis. / Ut Alexan. Aphrod. et Aver. codem locoo: et Boet. lib. 2. de catego. syllog. et D. Tho. opus
48. / Cap. 2. / 1. Top. 1. / Concessa, quae / aliud quiddam / Ex necessitate accidit. Illo quod haec sunt. /
Alexand. / Qua reiiciantur a definitione syllogismi. / Omnis syllogismus necessario concludit: non tamen
omnis necessariam colligit conclusionem.

360
Livro VI das Instituições Dialéticas

porque é necessário que o silogismo, sendo uma argumentação, e a mais


importante no seu gênero, faça fé e que assim avance de coisas concedidas para
aquilo que se não concede. Isto depreende-se ainda claramente dos gêneros
em que se divide o silogismo?29 (falo da demonstração, do silogismo dialético,
do pseudógrafo e do sofístico), que são, todos eles, empregados para fazer
alguma fé ou assentimento, a partir de coisas concedidas. Coisas concedidas ou
estabelecidas são aquelas que parecem necessárias ou prováveis, quer o sejam
de fato, quer não, contanto que o pareçam. Pela expressão qualquer outra coisa
delas diferente, entenda-se uma conclusão diferente de qualquer das premissas
ou proposições, que vêm antes, e de forma tão diversa que carece do argumento
de que, porém, nenhuma das outras carece. Surgir necessariamente é o mesmo
que concluir-se e seguir-se necessariamente. Só pelo fato de serem estas
nenhuma outra coisa significa senão: por força da forma.
Assim se toma evidente o que é o silogismo simples e o modo de
entender a sua definição. Mas se, pelas partículas da definição, se quiser rejeitar
por ordem tudo o que deve rejeitar-se, disponha-se desta maneira a definição:
silogismo é a oração, na qual alguma outra coisa se segue necessariamente
e por força da forma de muitíssimo poucas enunciações simples postas.
Quando, pois, se chama ao silogismo oração, rejeitam-se as palavras simples.
Quando se junta outra coisa se segue, rejeitam-se todas as orações que não são
consequências, mais ainda, todas as consequências que não são argumentações.
Portanto, por estas partículas, só são compreendidas as argumentações,
tomando em sentido lato o termo argumentação, isto é, abrangendo também
as que constam de coisas manifestamente falsas e que não contêm argumento
de modo algum apto para fazer fé. Quando se junta necessariamente, rejeitam-
se todas as argumentações prováveis. Efetivamente, todos os silogismos são
consequências necessárias, não porque tirem todos uma conclusão necessária
(muitos, na verdade, não a tiram necessária, como o dialético, o pseudógrafo e
o sofístico), mas porque todos concluem necessariamente, quer uma conclusão
necessária, quer provável, ou que parece ser necessária ou provável. Quando,
além disso, se junta e por força da forma, rejeitam-se todas as argumentações
necessárias por força só da matéria. Quando se junta ainda postas, rejeitam-se,
das argumentações necessárias em razão da forma, todas as que constam de
coisas manifestamente falsas, pois, coisas manifestamente falsas não são aptas a
porem-se ou a concederem-se. Quando, por último, se junta muitíssimo poucas,
ou (o que é o mesmo) duas enunciações simples, rejeitam-se os silogismos quer
hipotéticos (cada um dos quais põe pelo menos três enunciações simples antes
da conclusão, como adiante330 se verá), quer ainda os simples conglobados
(como é este: todo o corpo é substância, e todo o vivente é corpo, e todo o
329 Tópicos I, 1.
330 Сар. 32.

361
Pedro da Fonseca

Caput IX - De materia syllogismi


Syllogismus simplex, aut est absolutus, aut modalis. Simplicis materia,
duplex: propinqua, et remota, Materia propinqua sunt propositiones, ex quibus
proxime syllogismus extruitur: remota vero sunt termini, ex quibus conficiuntur
propositiones.
Propositio est, oratio, quae aliquid de aliquo afirmat, aut negat: ut, Omnis
virtus est amplectenda: Nulla virtus est repudianda. Diciturque propositio, quia
in argumentatione ad aliquid concludendum proponitur.
Terminus vero est, in quem resolvitur propositio. Huiusmodi est
solum praedicatum, et subiectum propositionis, ut Laudanda, et Virtus in
priori propositione. Nam verbum Est, cum sit forma propositionis, non est
pars, in quam propositio resolvatur, nulla siquidem res artificiosa resolvitur in
materiam, et formam, sed solum in partes materiae, quae quidem remanent
post resolutionem: ut domus non resolvitur in materiam, et figuram, sed solum
in partes materiae, hoc est, in lapides, calcem, ligna, et regulas, quae permanent
dissoluta domo. Sic igitur cum verbum Est, qua ratione copulat praedicatum
cum subiecto, seu ad significat eorum compositionem, et coniunctionem, non
maneat dissoluta propositione, seu nequeat intelligi, ut ait Aristoteles, efficitur
ut non sit pars, in quam propositio resolvatur, ac proinde non sit terminus.
Quamquam vero propositio, quatenus oratio est, in plures partes, quam
in duas, resolvi possit (haec enim, Homo sapiens est dives, resolvitur in tres,
haec vero, Coelum supremum est corpus maximum, resolvitur in quattuor,
et aliae in multo plures) tamen quatenus est propositio, hoc est, quatenus
aliquid de aliquo affirmat, aut negata, in duas tantum dissipatur, in eam, quae
affirmatur aut negatur de altera, et in eam, de qua altera affirmatur, aut negatur,
quae sunt praedicatum et subiectum.
Huc iam pertinent divisiones illae terminorum quas iuniores initio
suarum summularum inculcant. Alii enim sunt simplices sive incomplexi,
ut nomina, et verba, alii coniuncti sive complexi, ut definitiones, et aliae
pleraque orationes. Simplices vero dicuntur tum aequivoci (analogos intellige)
tum univoci, tum concreti, tum abstracti, tum communes, tum singulares, et
identidem aliis, atque aliis nuncupationibus, quibus in initio diximus nomina
generali significatione accepta appellari.

362
Livro VI das Instituições Dialéticas
animal é vivente, logo todo o animal é substância), pelo fato de constarem de
mais de duas proposições. Estes silogismos complicados deviam, com efeito,
rejeitar-se necessariamente, pois nenhum deles é um silogismo simplesmente,
mas vários [silogismos| encadeados.

Capítulo IX - Da matéria do silogismo


O silogismo simples é absoluto ou modal. A matéria do silogismo
absoluto é dupla: próxima e remota. Matéria próxima são as proposições de
que proximamente se compõe o silogismo; matéria remota são os termos de
que se compõem as proposições.
Proposição é a oração que afirma ou nega alguma coisa de outra, 3' como:
toda a virtude deve ser abraçada; nenhuma virtude deve ser repudiada. Chama-
se proposição porque na argumentação se propõe para concluir alguma coisa.
Termo é aquilo em que se desdobra a proposição. São-no somente o
predicado e o sujeito da proposição, como "deve ser abraçada" e "virtude", na
primeira proposição. Na verdade, é, sendo a forma da proposição, não é parte
em que se desdobre a proposição, 332 pois nenhuma coisa artificial se desdobra
em matéria e forma, mas só em partes de matéria, que permanecem depois
do desdobramento, da mesma maneira que casa se não desdobra em matéria
e figura, mas só em partes de matéria, isto é, em pedra, cal, madeiras e telhas,
que permanecem, desfeita a casa. Assim, pois, visto que a palavra é, que liga o
predicado ao sujeito, ou significa a sua junção e união, não permanece ou não
pode entender-se, desfeita a proposição, como diz Aristóteles, 333 segue-se que
não é uma parte em que se desdobre a proposição, e, portanto, que não é termo.
Embora a proposição, enquanto é oração, possa dividir-se em mais que
duas partes (efetivamente, esta: o homem sábio é rico divide-se em três; o
céu supremo é o maior corpo divide-se em quatro e outras em muitas mais),
todavia, enquanto proposição, isto é, enquanto afirma ou nega alguma coisa
de outra, divide-se apenas em duas partes: aquela que se afirma ou nega de
outra, e aquela de que a outra se afirma ou nega, as quais são, aliás, o sujeito e
o predicado.
A este lugar pertencem já aquelas divisões dos termos que os modernos
inculcam no início das suas súmulas. Uns são simples ou incomplexos, como os
nomes e os verbos, outros, compostos ou complexos, como as divisões e várias
outras orações. Chamam-se simples, quer os equívocos (entenda-se análogos),
quer os unívocos, quer os concretos, quer os abstratos, quer os comuns, quer os

331 Primeiros Analíticos, 1, 1.


332 Em que partes se dizem desdobrarem-se as coisas artificiais.
333 Da Interpretação, 1, 3.

363
Pedro da Fonseca

Dicuntur porro termini hoc nomine, quia in ipsos terminatur, ac nitur


resolutio syllogismi, ut initio diximus: vel quia hisce propositio terminatur, ac
nitur.
Alio modo materia syllogismi absoluti quadruplex dicitur Necessaria,
probabilis, et quae nec necessaria, nec probabilis sit, sed tamen aut necessaria,
aut probabilis esse videatur. Sed cum syllogismus absolutus in comune
nullum ex his quattuor generibus materiae sibi determinate assumat sed ex
quomodocumque concessis componatur, ni amplius hoc loco de hac materia
dicemus. Priora vero duo genera, quae totum genus syllogismorum, de quibus
nunc agimus determinate sibi vendicat, planius adhuc tractanda, et explicanda
sunt.121

Caput X - Quot sint termini, et enuntiationes in syllogismo: et


quomodo appellentur
Omnis syllogismus absolutus tribus duntaxat terminis, et duabus
propositionibus, unaque conclusione constet necesse est. Nam conclusio, quae
ante quam probetur, in dubitationem ambiguitatemque adducitur, duobus
tantum terminis perspicue constat, suo (iniquam) praedicato et subiecto.
Ad iudicandum autem num praedicatum conclusionis vere affirmetur,
aut negetur de subiecto, unum argumentum, sive medium satis est. Hoc autem
medium semel iungendum est in antecedente cum predicato conclusionis,
semel cum subiecto, ut quo modo extrema conclusionis ad illud se habuerint,
codem inter se affecta esse concludatur. Ex singulis vero coniunctionibus
medii cum extremis singule struuntur propositiones. Igitur ad structuram
syllogismi satis sunt tres termini, duaeque propositiones, ex quibus conclusio
colligatur. Quapropter si in argumentatione aliqua, quae primo aspectu uno
syllogismus videatur, fuerint plures, quam duae propositiones, aut certe plures,
quam tres termini, eiusmodi argumentatio non erit revera unus syllogismus,
sed plures complicati, aut diversa argumentationum genera permista: ut si
dicas, Omne corpus est substantia, et omne vivens est corpus, et omne animal
est vivens, igitur omne animal est substantia: et rursum, Omne vivens est
corpus, et omne animal est vivens, igitur omne animal est substantia. Prior
namque argumentatio constat ex sumptionibus duorum syllogismorum,

121 Nota do parágrafo: Materia propinquo. Remota. Propositio. quid. 1. pri. 1. / Terminus. Verbum
ist ut nectit praedicatum cum subiecto non est terminus Alex. ut Avero. Eodem loco. Et Boet. 1. De syll.
Categ. / In quas partes dicantur resolvi res artificiosa. / 1 peri. 3. / Propositio qua propositio est in duas
tantum partes resolvitur. / Divisiones terminorum / Cur termini hoc nomine appellentur. Alexand. Alia
divisio materiae in quattuor genera

364
fi
fi
Livro VI das Instituições Dialéticas

singulares e outros semelhantes com outras designações, aos quais, no princípio,


dissemos dar-se a designação de nomes de significação geral recebida.
Além disso, os termos designam-se por este nome, porque neles
se termina e se acaba o desdobramento do silogismo, como no princípio
dissemos,334 ou porque, com eles, se termina e acaba a proposição. 335
Por outro lado, a matéria do silogismo absoluto é de quatro espécies:
necessária, provável, não necessária nem provável, mas que parece necessária
ou provável. Porém, como, em geral, o silogismo absoluto não assume para si
determinadamente nenhum destes quatro gêneros de matéria, mas se compõe
de coisas concedidas de qualquer modo, nada mais diremos neste lugar acerca da
matéria. Os dois primeiros gêneros, que reivindicam para si determinadamente
todo o gênero de silogismos, de que agora tratamos, devem ainda ser tratados
e explicados mais claramente.

Capítulo X - Quantos são os termos e as enunciações no


silogismo e como se designam
Todo o silogismo absoluto consta necessariamente apenas de três termos,
de duas proposições, 336 e de uma conclusão. Com efeito, a conclusão que, antes
de ser provada, se aduz como duvidosa e ambígua, consta manifestamente de
dois termos apenas, isto é, do predicado e do sujeito.
Para julgar, porém, se o predicado da conclusão se afirma ou nega,
com verdade, do sujeito, basta apenas um argumento ou [termo] médio. Este
[termo] médio deve juntar-se, no antecedente, umas vezes com o predicado
da conclusão, outras vezes com o sujeito, de tal maneira que, do modo por que
os extremos da conclusão se relacionarem com ele, se conclua que do mesmo
modo se relacionam entre si. Da união do médio com os extremos, nasce cada
uma das proposições. Portanto, para a construção do silogismo, bastam três
termos e duas proposições, das quais se deduz a conclusão. É por isso que, se
em alguma argumentação, que à primeira vista parece um único silogismo,
existirem mais que duas proposições, e por conseguinte, mais que três termos,
esta argumentação não será de fato um silogismo único, mas vários [silogismos]
unidos,337 ou então uma mistura de diferentes gêneros de argumentações, como
quando se diz: todo o corpo é substância, e todo o ser vivo é corpo, e todo o
animal é ser vivo, logo todo o animal é substância; e ainda: todo o ser vivo é
corpo, todo o animal é ser vivo, logo todo o animal é substância. A primeira
argumentação, com efeito, consta de proposições de dois silogismos; a segunda,

334 Livro I, cap. 18.


335 Alexandre, no mesmo lugar.
336 Primeiros Analíticos, I, 25 e 26.
337 Aristóteles, no mesmo lugar.

365
Pedro da Fonseca

posterior autem ex sumpti onibus unius syllogismi, et ex antecedente unius


enthymematis, ut animadvertenti facile patebit.
Ex tribus autem terminis, ex quibus unus simpliciter syllogismus
constituitur, unus dicitur maius extremum: alter, minus extremum: tertius,
vocatur medius terminus. Maius extremum est, quod praestantiorem habet in
syllogismo locum. Minus extremum, quod minus praestantem. Medius denique
terminus est is, qui bis ponitur in antecedente, semel iunctus maiori extremo,
semel minori. Exempli causa, si dicas, Omnis virtus est qualitas, omnis iustitia
est virtus, igitur omnis iustitia est qualitas, hoc nomen Qualitas erit maius
extremum: lustitia, minus extremum: Virtus, medius terminus.

Ex tribus vero enunciationibus, ex quibus constat syllogismus, una dicitur


tum maior propositio, tum simpliciter propositio: altera minor propositio, et
assumptio: tertia et conclusio, et complexio nominatur. Maior propositio est,
quae ex maiore extremo, et medio struitur: ut in proximo syllogismo, Omnis
virtus est qualitas: Minor propositio est, quae ex minore extremo, et medio
conficitur: ut, Omnis iustitia est virtus. Atque haec communiter sumptiones, et
praemissae appellantur. Conclusio vero est, quae ex maiore et minore extremo
nectitur: ut, Omnis iustitia est qualitas. Sed iam fere, obtinuit disputationum
abusus, ut dum structura ratiocinationum contentionis ardore minus expenditur,
quaecumque propositio primo loco posita fuerit, dicatur maior: quae secundo,
minor, et se revera illa sit minor, haec maior: ut cum idem ille syllogismus hoc
modo struitur, Omnis iustitia est virtus, omnis virtus est qualitas, igitur omnis
iustitia est qualitas. Non est tamen praepostere utendum his vocabulis, sed
potius, cum res minus perpenditur, dicendum, Nego, aut Concedo priorem, aut
posteriorem propositionem.122

Caput XI - De forma syllogismi


Forma syllogismi absoluti ex figura, et modo constat, quemadmodum
pulchritudo corporis humani ex convenientia membrorum, et quadam coloris
suavitate.
Figura syllogistica est extremorum cum medio ad aliquid concludendum
apta collocatio. Erit autem apta, si in altem sumptionum sit maius extremum,
in altera minus, in conclusione autem utrumque: medius vero terminus
semel iungatur maiori extremo, semel minori, et nequaquam ingrediatur

122 Nota do parágrafo: Maius extr. Minus ext. Medius terminus 1. pri. 34. / Maior propositio, seu
positio. Minor prop, seu assumptio. Conclusio, seu complexio. Ex Alexand. 1. prio. 4. et ex Cice. 1. de
inventione. Sumptiones, seu praemissae / Abusus quidam in disputationibus.

366
Livro VI das Instituições Dialéticas

de proposições de um só silogismo e do antecedente de um entimema, como


facilmente verá quem o observar.
Dos três termos, de que o silogismo simplesmente uno se compõe, um
chama-se o extremo maior, outro, o extremo menor, e o terceiro chama-se
termo médio. O extremo maior é aquele que ocupa no silogismo o lugar mais
importante. O extremo menor é o que ocupa o lugar menos importante. O
termo médio, por último, é aquele que se põe duas vezes no antecedente:338
uma vez junto ao extremo maior, outra, junto ao menor. Por exemplo, se se
disser: toda a virtude é qualidade, toda a justiça é virtude, logo toda a justiça
é qualidade — a expressão qualidade será o extremo maior; justiça, o extremo
menor; virtude, o termo médio.
Das três enunciações de que consta o silogismo, a primeira chama-se
proposição maior ou simplesmente proposição; a segunda, proposição menor
ou assunção; a terceira chama-se conclusão ou complexo. 339 Proposição maior
é aquela que é formada pelo extremo maior e pelo médio; assim, no silogismo
anterior: toda a virtude é qualidade. Proposição menor é a que é constituída
pelo extremo menor e pelo médio, como: toda a justiça é virtude. Estas
duas proposições chamam-se também comumente assunções ou premissas.
Conclusão é a que é urdida pelo extremo maior e pelo menor, como: toda a
justiça é qualidade. Mas o abuso das disputas já quase conseguiu, desde que a
estrutura dos raciocínios é menos ponderada em virtude do ardor da contenda
que qualquer proposição que tenha sido posta em primeiro lugar se chame
maior, e a que é posta em segundo lugar, menor, embora, na realidade, aquela
seja menor, e esta maior, como quando o mesmo silogismo se constrói deste
modo: toda a justiça é virtude, toda a virtude é qualidade, logo toda a justiça é
qualidade. Não há, porém, motivo para usar estes vocábulos por ordem inversa
e, quando a coisa é menos ponderada, deve dizer-se, de preferência, nego ou
concedo a primeira ou a segunda proposição.

Capítulo XI - Da forma ao silogismo


A forma do silogismo absoluto consta da figura e do modo, da mesma
maneira que a beleza do corpo humano resulta da harmonia dos membros e de
uma certa suavidade de cor.
A figura silogística é a disposição dos extremos com o médio apta para
concluir alguma coisa. Será apta, se numa das proposições estiver o extremo
maior, em outra o extremo menor e ambos eles na conclusão, junte-se o termo
médio uma vez ao extremo maior e outra ao menor, mas não entre nunca na
conclusão. Por isso, não haverá figura silogística, se se dispõem os termos de
338 Primeiros Analíticos, I, 34.
339 Em Alexandre, Primeiros Analíticos, 1, 4, e Cícero, Da Invenção, 1.

367
Pedro da Fonseca

conclusionem. Quare si termini aliter disponantur, non erit figura syllogistica:


ut si dicas, Omnis virtus est qualitas, et omnis iustitia est iustitia, igitur omnis
iustitia est qualitas: aut alio pacto, secus quam docuimus, verba haec coniungas.
Modus vero syllogisticus est sumptionum ad conclusionem colligendam
apta secundum quantitatem, et qualitatem complicatio. Neque enim satis est
ad concludendum syllogistice si termini apta figura disponantur, nisi certa
quaedam sumptionum secundum quantitatem, et qualitatem complicatio
accedat. Nam si ambae sumptiones fuerint (exempli causa) particulares, aut
utraque negativa, nihil efficietur: ut patet si dicas, Quoddam animal est equus,
quidam homo est animal, igitur quiddam homo est equus Nullum animal est
lapis, nullus adamas est animal, igitur nullus adamas est lapis. Ergo praeter
figuram necessarius est modus, cuius accessione forma syllogismi absolvatur. 123

Caput XII - De tribus figuris syllogismorum, deque


generalibus concludendi modis
Figurae syllogismorum tres sunt. Prima est, in qua medius terminus
alteri extremo subiicitur, et de altero praedicatur. Secunda, in qua praedicatur
de utroque. Tertia, in qua utrique subiicitur. Nec alia collocatio extremorum
cum medio termino reperitur, quae apta sit ad aliquid concludendum.

Generales modi concludendi duo sunt: directe, ac indirecte. Modus


directi, seu secundum naturam concludendi, est, cum maius extremum de
minore concluditur. Indirecte autem, seu contra naturam concludendi modus,
est cum minus extremum de maiore colligitur.
Ac in prima quidem figura illud est maius extremum, quod praedicatur
de medio termino minus vero, quod medio subiicitur: praestantius siquidem est
praedicari, quam subiici. In secunda vero, et tertia, cum utrumque extremum
quo ad praedicationem, et subiectionem, parem habeat in sumptionibus
dignitatem: sunt qui velint, id esse maius, quod situ partium orationis alterum
antecedit, id minus, quod sequitur: alii, qui dicant id esse maius, quod in
questione proposita praedicatur, id minus, quod in eadem subiicitur: alii
denique qui asserant, id esse maius, quod in conclusione praedicatur, id minus,
quod in eadem subiicitur. Sed priores sententiae, quicquid probabilitatis
habeant omittendae a nobis sunt hoc loco, quia tertia multo est planior, ac
facilior. Num autem sit verior, alias videbimus.124
123 Nota do parágrafo: Forma syllogistica. / Figura syllogistica. / Modus syllogisticus.
124 Nota do parágrafo: 1. prio. 22. Prima figura. / Secunda. / Tertia. / Ex 1. prio. 7. Directe concludere.
/ Indirecte concludere. / Maius extremum in 1. Figura / Minus. / Quomodo internoscantur maius et
minus extremum in 2. et 3. Figura. / Ex recentioribus. / Ut Alexan. et Averr. 1. prio. 5. / Hi referuntur, et
impugnantur ab Alexandro.

368
Livro VI das Instituições Dialéticas
outro modo, como se se disser: toda a virtude é qualidade, toda a justiça é
justiça, logo toda a justiça é qualidade; ou se estas palavras se encadearem de
modo diferente do que ensinamos.
O modo silogístico é a disposição das proposições, segundo a quantidade
e a qualidade, apta para tirar a conclusão. Não basta, com efeito, para concluir
silogisticamente, que se disponham os termos em figura adequada, se não se
der às proposições uma certa disposição segundo a quantidade e a qualidade.
Com efeito, se ambas as proposições forem, por exemplo, particulares, ou
ambas negativas, nada se seguirá, como claramente se vê, se se disser: algum
animal é cavalo, algum homem é animal, logo algum homem é cavalo; nenhum
animal é pedra, nenhum diamante é animal, logo nenhum diamante é pedra.
Portanto, além da figura, é necessário o modo, por meio do qual se salve a
forma do silogismo.

Capítulo XII - Das três figuras dos silogismos e dos modos


gerais de concluir
As figuras de silogismo são três, 340 A primeira é aquela em que o termo
médio é sujeito de um extremo e predicado do outro. A segunda e aquela em
que ele é predicado de ambos. A terceira é aquela em que é sujeito de ambos.
Não se verifica outra colocação dos extremos com o termo médio que seja apta
para concluir alguma coisa.
Os modos gerais de concluir são dois: direta e indiretamente. 341 O modo
de concluir diretamente, ou segundo a natureza, verifica-se quando o extremo
maior se conclui do menor. Indiretamente, ou contra a natureza, quando o
extremo menor se deduz do maior.
Na primeira figura, o extremo maior é aquele que é predicado do termo
médio; menor, o que é sujeito do termo médio; é que é mais importante ser
predicado que ser sujeito. Na segunda e na terceira, porém, como ambos os
extremos têm, quanto à predicação e à sujeição, igual dignidade nas proposições,
há quem 42 diga que é maior aquele que, na colocação das partes da oração,
estiver em primeiro lugar, e menor, o que estiver em segundo; outros 43 dizem
que é maior aquele que é predicado na questão proposta, e menor o que é sujeito
na mesma; finalmente, outros alegam que é maior aquele que é predicado na
conclusão, e menor aquele que é sujeito na mesma. Mas as primeiras opiniões,
seja qual for a sua probabilidade, devemos omiti-las neste lugar, pois é muito
mais clara e fácil a terceira. Se é mais verdadeira que as outras, vê-lo-emos.
340 Primeiros Analíticos, I, 22.
341 Nos Primeiros Analíticos, I, 7.
342Entre os modernos.
343 Por exemplo, Alexandre e Averróis, Primeiros Analíticos.
344 Estes são referidos e combatidos por Alexandre.

369
Pedro da Fonseca

Caput XIII - Quot modis in quaque figura directe aut etiam


indirecte concludatur
In prima ergo figura dubium non est, quin uterque concludendi modus
habere possit, directe nimirum, et indirecte. Si enim ita dicas,
Omnis virtus est qualitas
Omnis iustitia est virtus,
Igitur omnis iustitia est qualitas,
directe sane concludes, ut pote maius extremum de minore. Si vero sic
ratiocineris,
Omnis virtus est qualitas,
Omnis iustitia est virtus,
Igitur quaedam qualitas est iustitia.
indirecte haud dubie, et contra naturam colliges, scilicet minus
extremum de maiore. At in secunda et tertia figura longe alia ratio est iuxta
eam, quam hoc loco sequimur sententiam. Nam cum in utraque id perpetuo sit
maius extremum, quod de altero concluditur, ut dictum est necessario efficitur,
ut quandocumque in his figuris ratiocinatio construitur, directe concludatur.
Qua ratione factum est, ut Dialectici, qui nomina omnibus modis concludendi
imposuerunt, enumeratis in prima figura quattuor directe, et quinque indirecte
concludendi, quos vocaverunt,

Barbara, Celarent, Darii, Ferio, Baralipton,


Celantes, Dabitis, Fapesmo, Frisesomorum,
nullum indirecti concludentem in secunda, aut tertia figura nominaverint,
sed hos tantum decem directo concludentem in secunda, aut tertia figura
nominaverint, sed hos tantum decem directe concludentes,

Cesare, Camestres, Festino, Baroco, Darapti, Felapton, Disamis, Datisi,


Bocardo, Ferison.
Quorum quattuor primi ad secundam, sex reliqui ad tertiam figuram
pertinent. Hac ratione (ut alias omittam) dictum est a me, planiorem esse
in his duabus figuris tertiam de maiore, et minore extremo sententiam, quia
inquam nullos indirecte concludendi modos invehit, quos tamen superiores
opiniones facere coguntur. Sed haec alias.
De his ergo undeviginti modis enumeratis, quinam sint, et qua arte
hisce nominibus significentur, nunc dicendum est.

370
Livro VI das Instituições Dialéticas

Capítulo XIII - Quantos os modos de concluir direta ou


indiretamente em cada figura
Na primeira figura, não há dúvida de que podem ter lugar ambos os
modos de concluir: direta e indiretamente. Com efeito, se se disser assim:
Toda a virtude é qualidade,
Toda a justiça é virtude,
Logo toda a justiça é qualidade,
concluir-se-á, sem dúvida, diretamente, visto o extremo maior se
concluir do menor. Se, ao contrário, se raciocinar assim:
Toda a virtude é qualidade,
Toda a justiça é virtude,
Logo alguma qualidade é justiça,
concluir-se-á, sem dúvida, indiretamente e contra a natureza, isto é,
o extremo menor do maior. Na segunda e terceira figuras, porém, há outro
método muito diverso, segundo a opinião que seguimos neste lugar. Com efeito,
porque em ambas o extremo maior é sempre aquele que se conclui de outro,
como foi dito, segue-se necessariamente que todas as vezes que, nestas figuras,
se constrói o raciocínio, se conclui diretamente. Por esta razão, sucedeu que os
dialéticos, que puseram nomes a todos os modos de concluir, enumerando na
primeira figura quatro modos de concluir diretamente e cinco indiretamente
que designaram por:
Barbara, Celarent, Darii, Ferio, Baralipton,
Celantes, Dabitis, Fapesmo, Frisesomorum,
não apresentaram nenhum modo de concluir indiretamente na segunda e
na terceira figuras, mas apenas os seguintes dez modos de concluir diretamente:

Cesare, Camestres, Festino, Baroco, Darapti, Felapton, Disamis, Datisi,


Bocardo, Ferison.
Destes, os quatro primeiros pertencem à segunda figura e os seis últimos,
à terceira. Por esta razão (e para omitir outras), é que disse que, nestas duas
figuras, é mais clara a terceira opinião acerca do extremo maior e do menor,
pois ela não acarreta quaisquer modos de concluir indiretamente, o que, no
entanto, as outras opiniões obrigam a fazer. Mas, além destas, há outras.
Vamos agora falar dos dezenove modos enumerados: o que são e porque
são significados por estes nomes.

371
Pedro da Fonseca

Caput XIV - De modis directe concludendi in prima figura

Si nomine modorum intelligamus quascumque complicationes


sumptionum secundum quantitatem, et qualitatem, sive aptae sint ad
conclusionem aliquam, sive ineptae, sexdecim necessario dandi sunt, in
unaquaque figura modi. Nam aut utraque sumptio est universalis: aut utraque
particularis: aut maior propositio universalis, et minor particularis: aut
maior particularis, et minor universalis. Nec enim hoc loco de singularibus
enunciationibus loqui instituimus: indefinitae vero ex forma sua pro
particularibus habendae sunt. In unaquaque autem dictarum quattuor
complicationum secundum quantitatem, quattuor itidem aliae secundum
qualitatem cernuntur. Aut enim utraque, sumptio affirmat: aut utraque negat:
aut propositio affirmat, assumptio negat: aut propositio negat, et assumptio
affirmat. Itaque late accepto modorum nomine, sexdecim sunt modi in singulis
figuris. Verum ex his, quod ad primam figuram attinet, quattuor tantum ex vi
formae directe concludunt, videlicet,
Babara, Celarent, Darii, Ferio,
quia in his nunquam omnino dari potest antecedens verum, quin
consequens vi antecedentis verum esse deprehendatur. Quae quidem ratio
probandi, caeteris etiam quindecim modis apte concludentibus accomodanda
est. Quamquam necessitas concludendi (quae omnibus convenit) alia quoque
ratione perspici potest, ut paulo inferius docebimus.

Harum autem quattuor vocum significationem, atque adeo quindecim


reliquarum facile intelliges, si adverteris, primam vocalem cuiusque dictionis
significare maiorem propositionem: secunda, minorem: tertiam, conclusionem.
Et rursus vocalem, A designare enunciationem universalem affirmativam,
E universalem negativam, I particularem affirmativam, et O particularem
negativam.
Primus ergo primae figurae modus est, cum ex utraque sumptione
universali, et affirmativa, conclusio universalis, et affirmativa colligitur. Quod
totum significat vox Barbara Exemplum.

Bar Omne bonum est expetendum,

Ba Omnis virtus es bona,


ra Igitur omnis virtus est expetenda.

372
Livro VI das Instituições Dialéticas

Capítulo XIV - Dos modos de concluir diretamente na primeira


figura
Se, pelo nome de modos, entendemos todas as combinações das
proposições, segundo a quantidade e a qualidade, quer sejam aptas para concluir
alguma coisa, quer não, têm necessariamente de dar-se dezesseis em cada figura.
Efetivamente, ou ambas as proposições são universais, ou ambas particulares,
ou a proposição maior é universal e a menor particular, ou a maior particular
e a menor universal. Não é nosso propósito falar, neste lugar, das enunciações
singulares, devendo as indefinidas, pela sua forma, ser tidas como particulares.
Em cada uma, porém, das quatro referidas disposições segundo a quantidade,
estão compreendidas igualmente outras quatro segundo a qualidade. Com
efeito, ou ambas as proposições afirmam, ou ambas negam, ou a proposição
maior afirma e a menor nega, ou a proposição maior nega e a menor afirma.
Portanto, tomando o termo modos numa acepção lata, são dezesseis os modos
em cada figura. Destes, porém, no que diz respeito à primeira figura, apenas
quatro concluem diretamente por força da forma, 345 a saber:
Barbara, Celarent, Darii, Ferio,
pois só nestes, concluindo diretamente, jamais pode existir um
antecedente verdadeiro sem se depreender que o consequente é verdadeiro
por força do antecedente. Este método de provar deve aplicar-se também aos
restantes quinze modos que concluem aptamente, se bem que a necessidade de
concluir (que convém a todos) possa perceber-se também por outro método,
como ensinaremos um pouco mais adiante. 346
A significação destas quatro palavras e das outras quinze entender-se-á
muito facilmente, se se advertir que a primeira vogal de cada dicção significa
a proposição maior; a segunda, a menor; a terceira, finalmente, a conclusão.
E ainda que: a vogal A designa uma enunciação universal afirmativa; E, uma
universal negativa; I, uma particular afirmativa; e O, uma particular negativa.

O primeiro modo da primeira figura verifica-se, pois, quando, de duas


proposições universais e afirmativas, se infere uma conclusão universal e
afirmativa. Tudo isso é significado pela palavra Barbara. Exemplo:
Bar Todo o bem deve ser procurado
Ba Toda a virtude é boa,
ra Logo, toda a virtude deve ser procurada.

345 Primeiros Analíticos, I, 4.


346 Capítulo 21 e 25 e seguintes.

373
Pedro da Fonseca

Secundus modus est, cum ex maiore universali negativa, et minore


universalis affirmativa, conclusio universalis negativa colligitur. Quod totum
significat vox Celarent. Exemplum:
Nullum bonum est fugiendum,
Ce
Omnis virtus est bona,
rent Igitur nulla virtus fugienda est.

Tertius modus, cum ex maiore universali affirmativa, et minore particulari


affirmativa, conclusio particularis affirmativa colligitur. Id quod significat vox
Darii. Exemplum.
Omne vitium fugiendum est,
Da
ri Aliqua consuetudo est vitium,
Igitur aliqua consuetudo fugienda est.

Quartus modus est: cum ex maiore universali negativa, et minore


particulari affirmativa, conclusio particularis negativa colligitur: ut significat
vox Ferio. Exemplum:

Nullus timidus est foelix,


Fe
ri Quidam dives est timidus.
Igitur quidam dives non est foelix.

Reliqui duodecim modi nihil ex vi formae directe concludunt, quia in


singulis dari potest antecedens verum, et consequens falsum, ut experienti
facile patebit. Verum quattuor iam dicti adeo late funduntur, ut omnis
proposita quaestio in aliquo corum confirmari possit. Colligunt enim omnia
genera conclusionum, ut pote universe affirmantem, universe negantem, in
parte affirmantem, et in parte negantem.125

Caput XV - De modis indirecte concludendi


Modi vero directe concludendi quinque sunt, Baralipton, Celantes,
Dabitis, Fapesmo, Frisesomorum. Et primi quidem tres nil differunt a tribus
prioribus directe concludendi, nisi quod colligunt conclusiones, in quas

125 Nota do parágrafo: 16. modi sunt in singulis figura, si computentur simul apti, et inepti. /
Modi directe concludentes in 1. figure. 1. prio. 4. / Ca. 21. at 25. / Dictiones modorum qualitatem, et
quantitatem enunciationum significant. / Omnis questio concluditur in 1. figura 1. prio. 4.

374
Livro VI das Instituições Dialéticas
O segundo modo verifica-se quando, de uma maior universal negativa e
de uma menor universal afirmativa, se infere uma conclusão universal negativa.
Tudo isso é significado pela palavra Celarent. Exemplo:

Ce Não deve fugir-se de nenhum bem,


la Toda a virtude é boa,
rent Logo, não deve fugir-se de nenhuma virtude.

O terceiro modo verifica-se quando, de uma maior universal afirmativa


e de uma menor particular afirmativa, se infere uma conclusão particular
afirmativa. É isso que quer dizer a palavra Darii. Exemplo:

Da Deve fugir-se de todo o vício.


Algum hábito é vício,
Logo, deve fugir-se de algum hábito.

O quarto modo verifica-se quando, de uma maior universal negativa e de


uma menor particular afirmativa, se infere uma conclusão particular negativa.
É o significado da palavra Ferio. Exemplo:

Fe Nenhum tímido é feliz,


ri Algum rico é tímido,

Logo, algum rico não é feliz.

Os restantes doze modos nada concluem diretamente por força da


forma, porque, em cada um, pode existir um antecedente verdadeiro e um
consequente falso, como facilmente verá quem o experimentar. Mas os quatro
já apresentados são de aplicação tão universal que qualquer questão proposta
pode ser provada por algum deles. Com efeito, por eles tiram-se todos os gêneros
de conclusões:347 a que afirma universalmente, a que nega universalmente, a
afirmativa particular e a negativa particular.

Capítulo XV - Dos modos de concluir indiretamente


Os modos de concluir indiretamente são cinco: Baralipton, Celantes,
Dabitis, Fapesmo, Frisesomorum.348 Os três primeiros em nada diferem,
efetivamente, dos primeiros três modos de concluir diretamente, a não ser por

347 Primeiros Analíticos, 1, 4.


348 Teofrasto deduz estes modos, em parte dos Primeiros Analíticos, II, 1, e em parte, dos Primeiros
Analíticos, I, 7, como refere Alexandre, Primeiros Analíticos, 1, 4.

375
Pedro da Fonseca

conclusiones illorum convertuntur. Reliqui autem duo apertius ab omnibus


quattuor directe concludentibus dissentiunt. 1 Exempla.

1
Omne animal est substantia,
Ba
Omnis homo est animal,
lip Igitur quaedam substantia est homo.

2
Nullum animal est lapis,
Omnis homo est animal,
Igitur nullus lapis est homo.

3
Omne bonum expetendum est,
Da
bi Quidam labor este bonus,
tis Igitur quoddam expetendum est labor.

Quartus ex maiore universali afirmativa, et minore universali negativa


colligit ordine converso particularem negativam hoc pacto.

Omnis mens est substantia,


Fa
pes Nullum corpus est mens,
Igitur quaedam substantia non est corpus.
mo
Quintus ex maiore particulari affirmativa, et minore universali negativa
colligit in directe particularem negativam hoc pacto,

Fri Quaedam arbor est vivens,


se Nullum animal est arbor,
som Igitur quoddam vivens non est animal.

126 Nota do parágrafo: Hos modos collegit Theophrastus partim ex. 2. pri. 1. partim. ex. 1. prio. 7. ut
refer. Ale. 2. prio. 4.

376
Livro VI das Instituições Dialéticas
inferirem conclusões em que se convertem as conclusões destes. Os outros
dois, porém, diferem mais declaradamente dos outros quatro, que concluem
diretamente. Exemplos:
1
Ba Todo o animal é substância,

ra Todo o homem é animal,


lip Logo, alguma substância é homem.

Ce Nenhum animal é pedra,


Todo o homem é animal,
lan
tes Logo, nenhuma pedra é homem.

3
Da Todo o bem deve ser procurado,
bi Certo trabalho é bom,
tis Logo, alguma coisa que se deve procurar é trabalho.

O quarto, formado de uma maior universal afirmativa e de uma menor


universal negativa, conclui por ordem inversa uma particular negativa, deste
modo:
Fa Toda a mente é substância,
pes Nenhum corpo é mente,
mo Logo alguma substância não é corpo.

O quinto, formado de uma maior particular afirmativa e de uma menor


universal negativa, conclui indiretamente uma particular negativa, deste modo:
Fri Certa árvore é um ser vivo,
se Nenhum animal é árvore,
som Logo, algum ser vivo não é animal.

377
Pedro da Fonseca

Caput XVI - De modis secundae figurae


Ex illis sexdecim modis, quos in singulis figuris reperiri diximus, quattuor
duntaxat apti sunt ad aliquid concludendum in secunda figura. Primus est,
cum ex maiore universali negativa, et minore universali affirmativa conclusio
universalis negativa colligitur: qui quidem vocatur Cesare, ut,

Nullum opus a virtute profectum est execrandum,


Ce
Omne mendacium est execrandum,
sa
Igitur nullum mendacium est opus a virtute profectum.

Secundus modus est, cum ex maiore universali affirmativa, et minore


universali negativa, conclusio universalis negativa colligitur: qui dicitur
Camestres, ut,

Omnis qui diligit iniquitatem odit animam suam,


Ca
Nullus iustus odit animam suam,
mes
tres Igitur nullus iustus diligit iniquitatem.

Tertius est, cum ex maiore universali negativa, et minore particulari


affirmativa, conclusio particularis negativa colligitur: qui nuncupatur Festino,
ut,
Fes Nullum vitium placet Deo,
ti Quaedam animi submissio placet Deo,
Igitur quaedam animi submissio non est vitium.
no
Quartus est, cum ex maiore universali affirmativa, et minore particulari
negativa, conclusio particularis negativa efficitur: qui appellatur Baroco, ut,

Ba Omnis prudens prospicit futura,

г0 Quidam dives non prospicit futura,


co Igitur quidam dives non est prudens.

378
Livro VI das Instituições Dialéticas

Capítulo XVI - Dos modos da segunda figura


Dos dezesseis modos, que dissemos encontrarem-se em cada figura, na
segunda apenas quatro são aptos para concluir alguma coisa.49 O primeiro
verifica-se quando, de uma maior universal negativa e de uma menor universal
afirmativa, se infere uma conclusão universal negativa. É designado por Cesare,
como:
Ce Nenhuma obra proveniente da virtude é abominável,

sa Toda a mentira é abominável,

re Logo, nenhuma mentira é obra proveniente da virtude.

O segundo modo verifica-se quando, de uma maior universal afirmativa


e de uma menor universal negativa, se infere uma conclusão universal negativa.
É designado por Camestres, como:
Todo o que ama a iniquidade odeia a sua alma,
Nenhum justo odeia a sua alma,
tres Logo, nenhum justo ama a iniquidade.

O terceiro verifica-se quando, de uma maior universal negativa e de uma


menor particular afirmativa, se infere uma conclusão particular negativa. É
designado por Festino como:
Fes Nenhum vício agrada a Deus,
ti Certa submissão da alma agrada a Deus,
no Logo, certa submissão de alma não é vício.

O quarto verifica-se quando, de uma maior universal afirmativa e de


uma menor particular negativa, se infere uma conclusão particular negativa. É
designado por Baroco, como:

Ba Todo o prudente olha o futuro,


ro Certo rico não olha o futuro,
co Logo, certo rico não é prudente.

349 Primeiros Analíticos, 1,5.

379
Pedro da Fonseca

Reliqui duodecim modi nihil colligunt ratione formae, quia in singulis


dari potest antecedens verum, et consequens falsum. Hoc autem proprium
est huius figurae, ut negantes duntaxat questiones in ipsa confirmari possint.
Solas enim negantes conclusiones colligit, verum tam universales, quam
particulares. 27

Caput XVII - De modis figurae tertiae


Sex in hac figura inveniuntur modi ad concludendum apti: cacteri
inutiles sunt, nihilque ex vi formae concludunt. Primus ergo modus huius
figurae est, cum ex utraque sumptione universali, et affirmativa, conclusio
particularis afirmativa colligiur: qui dicitur Darapti, ut,
Omne animal sentit,
Da
гар Omne animal est corpus animatum,

ti Igitur quoddam corpus animatum sentit.

Secundus est, cum ex maiore universali negativa, et minore universali


affirmativa, conclusio particularis negativa efficitur: qui dicitur Felapton, ut si
dicas,

Fe Nullus lapis nutritur,

lap Omnis lapis est corpus,


ton Igitur quoddam corpus non nutritur.

Tertius est, cum ex maiore particulari afirmativa, et minore universali


affirmativa, conclusio particularis affirmativa concluditur. Atque hic dicitur
Disamis, ut,
Quoddam animal respirat,
Dis
a Omne animal est sentiens,
mis Igitur quoddam sentiens respirat.

127 Nota do parágrafo: 2. prio. 5. / Negantes duntaxat questiones confirmantur in. 2. figura, veram
omnes. / 1 prio. 5'

380
Livro VI das Instituições Dialéticas
Os doze modos restantes, em razão da forma, nada concluem, porque
em cada um pode existir um antecedente verdadeiro e um consequente
falso. É, porém, próprio desta figura que se possam confirmar nela apenas as
questões negativas. Infere, pois, só conclusões negativas, tanto universais como
particulares. 350

Capítulo XVII - Dos modos da terceira figura


Nesta figura, encontram-se seis modos aptos'51 para concluir; os
restantes são inúteis e nada concluem por força da forma. O primeiro dos úteis
verifica-se quando, de duas proposições universais e afirmativas, se infere uma
conclusão particular afirmativa. É designado por Darapti, como:
Todo o animal sente,
Da
гар Todo o animal é corpo animado,
Logo, algum corpo animado sente.

O segundo verifica-se quando, de uma maior universal negativa e de


uma menor universal afirmativa, se infere uma conclusão particular negativa.
Chama-se-lhe Felapton, como se se disser:

Fe Nenhuma pedra se alimenta,


lap Toda a pedra é corpo,
ton Logo, algum corpo não se alimenta.

O terceiro verifica-se quando, de uma maior particular afirmativa e de


uma menor universal afirmativa, se infere uma conclusão particular afirmativa.
A este chama-se Disamis, como:
Dis Algum animal respira,
a Todo o animal é dotado de sensibilidade,
mis Logo, alguma coisa dotada de sensibilidade respira.

350 Primeiros Analíticos, 1,5.


351 Primeiros Analíticos, 1,6.

381
Pedro da Fonseca

Quartus est, cum ex maiore universali af rmativa, et minore particulari


af rmativa, conclusio particularis af rmativa colligitur. Vocatur autem Datisi,
ut,
Omnis avarus est miser,
Da
Quidam avarus est dives.
Quidam igitur dives est miser.

Quintus modus est, cum ex maiore particulari negativa, et minore


universali affirmativa, conclusio particularis negativa concluditur. Hic dicitur
Bocardo, ut,
Quoddam animal non habet sanguinem,
Bo
Omne animal est vivens,
car
Igitur aliquod vivens non habet sanguinem.
do
Sextus modus est, cum ex maiore universali negativa, et minore
particulari afirmativa, conclusio particularis negativa efficitur: qui nuncupatur
Ferison, ut,

Fe Nullus sapiens est miser,


ris Quidam sapiens set pauper,
Igitur aliquis pauper non est miser.
on
Quod vero caeteri decem modi nihil ex vi formae concludant, ex eo
intelliges, quia in singulis invenitur antecedens verum, et consequens falsum:
quod perfacile est experiri. Hoc vero proprium est huius figurae, ut particulares
duntaxat quaestiones in ipsa confirmari possint. Solas enim particulares
conclusiones colligit, verum tam affirmantes, quam negantes.128

Caput XVIII - Regulae generales omnibus figuris

Ex dictis colligi possunt tum communes quedam regulae omnibus


figuris, tum propriae singulis. Comunes omnibus quattuor sunt.129
Prima Ex duabus particularibus nihil vi formae concluditur. Haec
patet ex dictis, quia ex duabus particularibus quattuor modi constare possunt
(vel enim utraque sumptio affirmabit, vel utraque negabit, vel, propositio

128 Nota do parágrafo: 1. prio. 6. / Particulares duntaxat quaestiones confirmantur in hac figura, verum
omnes 1. prio. 6.
129 Nota do parágrafo: Omnes hae regulae continentur 1. pri. 24.

382
fi
fi
fi
Livro VI das Instituições Dialéticas
O quarto modo verifica-se quando, de uma maior universal afirmativa
e de uma menor particular afirmativa, se infere uma conclusão particular
afirmativa. Chama-se-lhe Datisi, como:

Da Todo o avarento é miserável,

tis Algum avarento é rico,


Logo, algum rico é miserável.

O quinto modo verifica-se quando, de uma maior particular negativa e


de uma menor universal afirmativa, se infere uma conclusão particular negativa.
A este chama-se Bocardo, como:

Bo Algum animal não tem sangue,


car Todo o animal é vivente,
do Logo, algum vivente não tem sangue.

O sexto modo verifica-se quando, de uma maior universal negativa e de


uma menor particular afirmativa, se infere uma conclusão particular negativa.
A este dá-se o nome de Ferison, como:

Fe Nenhum sábio é miserável,


ris Certo sábio é pobre,
on Logo, certo pobre não é miserável.

Que os restantes dez modos nada concluam por força da forma,


entende-se pelo fato de em cada um se encontrar um antecedente verdadeiro
e um consequente falso, o que aliás é muitíssimo fácil de verificar. É próprio
desta figura apenas poderem confirmar-se nela questões particulares. Só infere,
pois, conclusões particulares, tanto afirmativas como negativas. 352

Capítulo XVIII - Regras gerais para todas as figuras


Do que disse, podem inferir-se algumas regras, quer comuns a todas as

figuras rier proprias decas a uriculares, comuns todas são quarca da forma.
Esta regra está patente no que se disse, pois, de duas particulares, podem surgir
quatro modos (ou ambas as proposições serão afirmativas, ou ambas negativas,

352 Primeiros Analíticos, 1, 6.


353 Primeiros Analíticos, 1, 24.
354 Também dos Primeiros Analíticos, 1, 7.

383
Pedro da Fonseca

affirmabit, aunssptio negabit, vel propositio assumptio affirmabit) quorum


nullum iu;aliquia figura quasi apte concludentem recensuimus.

Secunda regula. Ex duabus negativis nihil vi formae concluditur. Haec


etiam perspicua est ex dictis, quia ex duabus negativis quattuor itidem modi
constare possunt (aut enim utraque universalis erit, aut utraque particularis,
aut propositio universalis assumptio particularis, aut propositio particularis
assumptio universalis) quorum nullum in aliqua figura velut apte concludentem
numeravimus. Atque ita fit ut his duabus regulis compreendantur septem
inutiles modi a singulis figuris compreendantur septem inutiles modi a
singulis figuris explosi. Nam complicatio ex utraque particulari negativa, quae
secunda regula reiicitur, iam per primam reiecta est.
Tertia regula. Si altera sumptionum particularis fuerit, conclusio etiam
particularis sit necesse est. Haec itidem patet ex dictis. Siquidem nullus modus
praescriptus est, qui universalem conclusionem ex particulari sumptione
colligat.
Quarta regula. Si altera sumptionum negativa fuerit, conclusio
etiam negativa sit necesse est. Haec denique ex dictis aperta relinquitur
quemadmodum et superior. Ratio vero utriusque est, quia consequens est
effectus antecedentis, effectus autem deteriorem partem suae causae imitatur.
Verumtamen prima, et tertia regula intelligendae sunt in iis syllogismis,
quorum omnes termini sunt comunes, seu universales (harum enim hactenus
doctrinam tradidimus, quia hi maxime usurpantur in disciplinis, item
cum praedicata enunciationum non notantur signo Omnis, quod efficit
enunciationem a communi usu remotam. Nam in iis syllogismis, in quibus
praeter consuetudinem aliquod praedicatum huiusmodi signo notatur, et in
expositoriis, qui constant medio termino termino singulari, alia ratio est, ut
paulo post docebimus.130

Caput XIX - Regulae speciales singulis figuris.


Ex is vero, quae in tractatione primae figurae dicta sunt, colliguntur
duae regulae peculiares primae figurae.Prior est, Ex maiore propositione
particulari nihil vi formae concludi. Posterior, Ex minore negativa nihil effici.
Quae quidem intelligendae sunt in modis directe concludentibus. Nam in
caeteris non servantur ut pote in Fapesmo, et Frisesomorum. His duabus
regulis compreenduntur reliqui quinque modi ad concludendum inepti in
prima figura, qui regulis generalibus non sunt compreensi: primus, cum
utraque affirmat, sed maior in parte, minor in totum: alter, cum maior negat ex
130 Nota do parágrafo: Quarta. / In quibus syllogismis intelligendae sint duae priores regulae / Ca. 20.
et 23.

384
Livro VI das Instituições Dialéticas

ou a maior será afirmativa e a menor negativa, ou a maior será negativa e


a menor afirmativa). Não enumeramos qualquer deles, em nenhuma figura,
como concluindo aptamente.
Segunda regra: de duas negativas, nada se conclui por força da forma.
Também esta está patente no que se disse, pois, de duas negativas, podem,
da mesma maneira, surgir quatro modos (ou ambas serão universais, ou
ambas particulares, ou a maior será universal e a menor particular, ou a maior
particular e a menor universal). Até aqui, não enumeramos nenhum deles
como concluindo bem. Sucede, assim, que, nestas duas regras, estão abrangidos
sete modos inúteis, postos de lado em cada figura. Efetivamente, a dedução a
partir de duas particulares negativas, que é rejeitada pela segunda regra, já foi
rejeitada pela primeira.
Terceira regra: se uma das proposições for particular, é necessário que
também a conclusão seja particular, o que é igualmente evidente pelo que ficou
dito. Com efeito, não se apresentou anteriormente nenhum modo que deduza
uma conclusão universal de uma proposição particular.
Quarta regra: se uma das proposições for negativa, é necessário que
também a conclusão seja negativa. Também esta, como a anterior, é evidente
pelo que se disse. A razão é que, em ambas, o consequente é efeito do
antecedente, e o efeito segue a pior parte da sua causa.
A primeira e a terceira regras devem entender-se, todavia, naqueles
silogismos cujos termos são todos comuns ou universais (com efeito, foi destes
que tratamos até agora, porque se usam imenso nas ciências); de igual modo,
quando os predicados das enunciações não são anotados com o sinal todo,
que torna a enunciação afastada do uso comum. Efetivamente, nos silogismos
em que, contra o costume, algum predicado é anotado com tal sinal, e nos
expositórios, que têm um termo médio singular, existe outra razão, como
dentro em pouco355 ensinaremos.

Capítulo XIX - Regras especiais para cada figura


Do que se disse ao tratar da primeira figura, deduzem-se duas regras
próprias da primeira figura.356 A primeira é: de uma proposição maior
particular, nada se conclui por força da forma. A segunda: de uma menor
negativa nada resulta. Uma e outra devem entender-se nos modos de concluir
diretamente. Com efeito, nos outros, como em Fapesmo e Frisesomorum, não
se verificam. Por estas duas regras são abrangidos os restantes cinco modos
ineptos para concluir na primeira figura, e que não são abrangidos pelas regras
gerais: o primeiro, quando ambas afirmam, mas a maior é particular e a menor
355 Caps. 20 e 23.
356 Primeiros Analíticos, I, 4.

385
Pedro da Fonseca

parte, et minor universe affirmat: tertius, cum maior affirmat ex parte, et minor
universe negat: quartus cum utraque est universa, sed maior affirmat, minore
negat: quintus cum maior affirmat in totum, et minor negat de parte. 131

Ex iis etiam, quae in secunda figura tractanda diximus, totidem regulae


ipsi propriae eruuntur. Prior, Ex maiore propositione particularis nihil ratione
formae colligi. Posterior, Ex utraque sumptione affirmativa nihil colligi. His
etiam duabus comprehenduntur cateri quinque modi nihil concludentes in
secunda figura: primus, cum maior in parte affirmat, et minor de toto negat:
secundus, cum maior in parte negat, et minor universe affirmat: tertius, cum
utraque affirmat, sed maior de parte minor, de toto: quartus, cum utraque
universe affirmat: quintus, cum utraque affirmat, sed maior de toto genere,
minor de parte.

Ex iis tandem, quae in tertia figura dicata sunt, haec una regula ipsi propria
colligitur, Ex minore negativa nihil effici. Qua regula comprehenduntur reliqui
modi nihil concludentes in hac figura, qui regulis generalibus comprehensi
non sunt. Hi vero tres sunt tantum: primus, cum maior universe affirmat,
minor universe negat: alter, cum maior universe affirmat, minor ex parte negat:
tertius, cum maior ex parte affirmat, et minor universe negat. 132

Caput XX - Duo documenta generalia a recentionibus tradita.


Non sunt tamen praetermittenda hoc loco duo generalia documenta
quae a recentioribus proponuntur, ex quibus traditae regula magna ex parte
nascuntur. Alterum est, Medium terminum in altera saltem praemissarum
complete distribui debere, id est, universe accipi pro omni re, pro qua accipi
potest. Contrario vitio laborat hic ineptus syllogismus,
Quodam animal est bipes,
Quidam equus est animal,
Igitur quidam equus est bipes.
Emendabitur autem, si hanc feceris maiorem. Omne animal est bipes,
vel hanc minorem, Quidam equus est omne animal. Utroque enim modo
distribuetur medius terminus, qui in vitiosa illa ratiocinatione non destribuitur.
Quamquam secunda correctio et emendatio, perparum usurpata est, quia
praedicatum raro notatur signo Omnis. Hoc tamen inusitato enunciandi
modo licet ex duabus particularibus aliquid vi formae concludere, ut si dicas, 133
131 Nota do parágrafo: Prior regula primae figurae, ex. 1. prio. 4. Posterior
132 Nota do parágrafo: Regula tertiae figurae, ex. 1. prio. 6.
133 Nota do parágrafo: Aliquando ex duabus particularibus aliquid efficitur.

386
Livro VI das Instituições Dialéticas
universal; o segundo, quando a maior nega e a menor afirma universalmente; o
terceiro, quando a maior é afirmativa particular e a menor negativa universal;
o quarto, quando ambas são universais, mas a maior afirma e a menor nega; o
quinto, quando a maior é afirmativa universal e a menor negativa particular.
Também, do que dissemos ao tratar da segunda figura, se deduzem outras
tantas regras próprias dela.37 Primeira: de uma proposição maior particular,
nada se conclui em razão da forma. Segunda: de duas proposições afirmativas,
nada se conclui. Por estas duas regras são abrangidos também os restantes
cinco modos que nada concluem na segunda figura: o primeiro, quando a
maior é afirmativa particular e a menor negativa universal; o segundo, quando
a maior é negativa particular e a menor afirmativa universal; o terceiro, quando
ambas afirmam, mas a maior é particular e a menor universal; o quarto, quando
ambas afirmam universalmente; o quinto, quando ambas afirmam, mas a maior
é universal e a menor particular.
Finalmente, do que se disse na terceira figura, deduz-se uma única
regra própria dela:38 de uma maior negativa, nada resulta. São abrangidos por
esta regra os restantes modos que nada concluem nesta figura e que não são
abrangidos pelas regras gerais. Estes são apenas três: o primeiro, quando a
maior é afirmativa universal e a menor é negativa universal; o segundo, quando
a maior é afirmativa universal e a menor é negativa particular; o terceiro,
quando a maior é afirmativa particular e a menor negativa universal.

Capítulo XX - Duas regras gerais dadas pelos modernos


Não devem, todavia, omitir-se neste lugar duas regras gerais propostas
pelos modernos e de onde provêm, em grande parte, as regras dadas. Uma
é: o termo médio, pelo menos numa das premissas, deve distribuir-se
completamente, isto é, deve tomar-se universalmente por tudo o que puder ser
tomado. No vício contrário labora este silogismo inepto:

Algum aval é biena,


Logo, algum cavalo é bípede.
Corrigir-se-á, porém, se se tomar por maior esta: todo o animal é
bípede; ou, por menor, esta: algum cavalo é todo o animal. De ambos os modos,
com efeito, se distribuirá o termo médio que naquele raciocínio vicioso se não
distribui. Embora a segunda correção ou emenda seja muito pouco usada, pois
raramente o predicado se anota com o sinal todo, é, todavia, lícito, com este
desusado modo de enunciar, concluir, por força da forma, alguma coisa, de duas
particulares, como se se disser:
357 Primeiros Analíticos, I, 5.
358 Primeiros Analíticos, 1, 6.

387
Pedro da Fonseca

Quoddam animal est bipes,


Quidam equus est omne animal,
Igitur quidam equus est bipes.
Hic vero falax syllogismus,
Omne animal fuit in arca Noe,
Quidam equus Alexandri est animal,
Igitur quidam equus Alexandri fuit in arca Noe,
non ideo vitiosus est, quod medium non distribuantur, sed quod non
distribuatur complete, seu perfecte. Subiectum siquidem maioris accipi solet
pro omnibus speciebus animalium (exceptis iis, quae in aquis degunt, et aliis
quibusdam) non etiam pro omnibus carum individuis. Eodem vitio notatur
hoc sophisma,
Omnis essentia divina est pater,
Filius est essentia divina,
Ergo filius est pater.
Medius enim terminus, quo in sensu maior propositio conceditur, non
distribuitur complete, ac perfecte. Quamquam enim accipitur pro omni essentia
divina, quae una tantum, atque adeo maxime una est, tamen non accipitur pro
omni re, quae est essentia divina. Nam si hoc modo acciperetur (ac si apertius
dictum esset, Omne quod est essentia divina, est pater) a nemine propositio
concederetur: quandoquidem falsa esset, ac haeretica. Etenim quaelibet
persona divina est verissime essentia divina, et tamen non quaelibet est pater.
Quod si quis obiiciat contra hoc documentum, quod medius terminus
in secunda figura numquam distribuatur, cum perpetuo sit predicatum, quod
quidem signo distributivo, seu universali, ut est Aristotelis sententia, minime
notatur: occurres, Semper praedicatum negativae enunciationis distribui a
negatione, quae negat copulam verbi, ut infra docebimus: nec Aristotelem
huic sententiae refragari, sed tantum asserere, praedicatum enunciationis
universalis non esse notandum signo Omnis, quod est universale affirmativum.
Cum ergo in secunda figura necessario altera sumptio sit negativa, efficitur,
ut medius terminus necessario in altera distribuatur: ut, exempli causa, huius
propositionis, Lapis non est animal, hic sit sensus, Lapis non est hoc animal,
nec hoc, nec illud, nec ullum aliud: et ita caeterarum.

388
Livro VI das Instituições Dialéticas

Algum animal é bípede,


Algum cavalo é todo animal,
Logo, algum cavalo é bípede.
Mas este silogismo falacioso:
Todo animal esteve na arca de Noé,
Certo cavalo de Alexandre é animal,
Logo, certo cavalo de Alexandre esteve na arca de Noé,
é vicioso, não por o médio se não distribuir, mas por se não distribuir
completa e perfeitamente. É que o sujeito da maior costuma tomar-se por
todas as espécies de animais (à exceção daqueles que vivem nas águas e alguns
outros), e não por todos os indivíduos de cada espécie. Do mesmo vício sofre
este sofisma:
Toda a essência divina é o Pai,
O Filho é a essência divina,
Logo, o Filho é o Pai.
O termo médio, com efeito, no sentido em que se concede a proposição
maior, não se distribui completa e perfeitamente. Embora, na verdade, se tome
por toda a essência divina, que é una, eminentemente una, todavia, não se toma
por toda a realidade que é a essência divina. Na verdade, se a proposição se
tomasse deste modo (e se claramente se dissesse: tudo o que é essência divina é
Pai), não seria concedida por ninguém, pois seria falsa e herética. Efetivamente,
qualquer pessoa divina é, com toda a verdade, a essência divina e, todavia, não
é o Pai qualquer delas.
Se, contra esta regra, alguém objetar que o termo médio, na segunda
figura, nunca se distribui, pois é sempre predicado e este de modo nenhum é
marcado com o sinal distributivo ou universal, como é parecer de Aristóteles, 359
replicar-se-á: o predicado de uma enunciação negativa é sempre distribuído
pela negação que nega a cópula do verbo, como abaixo ensinaremos,360
nem Aristóteles se insurge contra esta opinião, mas afirma somente que o
predicado da enunciação universal não deve ser marcado com o sinal todo,
que é universal afirmativo. Por conseguinte, quando, na segunda figura, uma
proposição é necessariamente negativa, acontece que o termo médio se
distribui necessariamente na outra, de maneira que, por exemplo, o sentido da
proposição a pedra não é animal é este: a pedra não é este animal, nem este
outro, nem aquele, nem nenhum outro; e assim o das restantes.

359 Da Interpretação, 1, 5.
360 Livro ViII, cap. 32.

389
Pedro da Fonseca

Alterum documentum est, Nullum terminum, qui non fuerit distributus


in antecedente, distribuendum esse in consequente. Contrario vitio laborat hic
paralogismus, 34
Omne animal est sensus capax,
Omne animal est substantia,
Igitur omnis substantia est sensus capax.

Etenim nomen Substantia, quod non distribuitur (id est, non accipitur
universo) in assumptione, distribuitur in conclusione. Ex hoc documento
efficitur, ut merito, nec Darapti, nec Felapton, nec duo illi modi indirecte
concludentes Baralipton, et Fapesmo, colligant universalem conclusionem,
etiam si constent universalibus sumptionibus, quoniam si universalem
concludas, argumentaberis a termino non distributo ad distributum, ut
loquuntur recentiores: id quod animadvertenti facile patebit: Itaque non
segniter notando sunt haec documenta.135

Caput XXI - De syllogismo perfecto et imperfecto


Porro syllogismorum quidam perfecti sunt, quidam imperfecti.
Perfectus dicitur is, qui nulla re indiget, ut colligendi necessitas sit evidens,
hoc est, qui adeo perspicue ex necessitate colligit, ut nulla sit opus arte ad id
ostendendum. Huius generis sunt omnes ac soli directe concludentes in prima
figura: qui propterea dicuntur, per se noti, ac indemonstrabiles, quod in his
proxime exerceatur vis duorum quorundam principiorum ipso naturali lumine
intellectus perspectorum, ac evidentium: e quibus omnis colligendi ratio, quae
in quacumque argumentatione cernitur, quasi e purissimis fontibus emanat.

Alterum est. Quicquid universe affirmatur de subiecto aliquo, affirmatur


de quovis contento sub eiusmodi subiecto: ut si substantia dicitur universe de
animali, omnis autem homo continetur sub animali, de omni homine dicetur
substantia.
Alterum vero est. Quicquid universe negatur de subiecto aliquo, negatur
de quovis contento sub eiusmodi subiecto: ut si habere vitam universe negatur
de lapide, omnis autem sapphirus continetur sub lapide haud dubie de omni
sapphiro negabitur vitae functio.
Prioris principi vis exercetur in primo, et tertio modo primae figurae, hoc
est, in Barbara, et Darii: posterioris autem in secundo, et quarto, qui dicuntur
Celarent, et Ferio. Quo sit ut principia haec merito dicantur regulativa omnium
syllogismorum, quasi omnium normae, ac regulae: siquidem et cateri omnes

134 Nota do parágrafo: Obiectio. / 1. peri. 5. / Solutio. / Lib. 8. / Secundum documentum.


135 Nota do parágrafo: Cur sape ex utraque sumptione universali non efficiatur universalis conclusia

390
Livro VI das Instituições Dialéticas
Outra regra é: o termo que não estiver distribuído no antecedente,
também não deve estar distribuído no consequente. Labora no vício contrário
este paralogismo:
Todo o animal é dotado se sentidos,
Todo o animal é substância,
Logo, toda a substância é dotada de sentidos.
Com efeito, a palavra substância, que se não distribui (isto é, se não
toma universalmente) na menor, distribui-se na conclusão. Desta regra resulta,
com razão, que nem Darapti nem Felapton nem os dois modos que concluem
indiretamente, Baralipton e Fapesmo, inferem uma conclusão universal,
embora constem de proposições universais, pois, se se concluir uma universal,
argumentar-se-á de um termo não distribuído para um distribuído, como
dizem os modernos, o que facilmente se tomará claro a quem nisso advertir.
Não devem, portanto, passar despercebidas estas regras.

Capítulo XXI - Do silogismo perfeito e imperfeito


Dos silogismos uns são perfeitos, outros imperfeitos. Diz-se perfeito
aquele que de nada carece para que a necessidade de concluir seja evidente, 361
isto é, aquele que, por necessidade, deduz tão claramente que se dispensa
qualquer arte para o mostrar. Deste gênero são todos, e só, os que concluem
diretamente na primeira, figura, aos quais se dá o nome362 de conhecidos por
si mesmos e indemonstráveis, porque neles, sem nenhum meio, se exerce a
força de dois princípios percebidos pela própria luz natural da inteligência e
evidentes, dos quais, como de fontes puríssimas, dimana todo o método de
deduzir que se verifica em qualquer argumentação.
Um deles é: tudo o que se afirma universalmente do sujeito, afirma-
se de qualquer coisa sob ele contida;363 por exemplo, se substância se diz
universalmente de animal, uma vez que todo o homem está contido em animal,
de todo o homem se dirá substância.
Outro é: tudo o que universalmente se nega do sujeito, nega-
se de qualquer coisa contida sob ele;364 por exemplo, se ter vida se negar
universalmente de pedra, uma vez que toda a safira está contida em pedra, sem
dúvida que a função de vida será negada a toda a safira.
A força do primeiro princípio exerce-se no primeiro e no terceiro modo
da primeira figura, isto é, em Barbara e Darii; a do segundo, porém, no segundo
e no quarto, que se chamam Celarent e Ferio. Daqui resulta chamarem-se estes
361 Primeiro Analíticos, 1, 1.
362 Por Alexandre, Primeiros Analíticos, 1, 4; e Escoto, Sentença 1, questão 1 e em outras.
363 Primeiros Analíticos, I, 1.
364 No mesmo lugar.

391
Pedro da Fonseca

syllogismi ad quattuor illos, in quibus primo corum vis cernitur, revocantur, ut


statim dicemus.

Syllogismus imperfectus est, qui una re, aut pluribus indiget, ut colligendi
necessitas evidens fiat. Cuiusmodi sunt reliqui omnes praeter quattuor
primos primae figurae. Neque enim adeo perspicue concludunt, ut necessitas
colligendi statim appareat: sed quisque corum eget conversione aliqua, aut
evidenti deductione ad id, quod fieri nequit, aut expositione, aut certe pluribus
conversionibus, quibus ipsa consequentiae necessitas plane perspiciatur. Ut
igitur quo pacto id fiat doceamus, necesse est vi ante explicemus, quid sit
evidens de ductio ad id, quod impossibile est, quid etiam expositio. Nam quid
sit conversio, et quot modis fiat, iam supra exposuimus. 136

Caput XXII - De syllogismo deducente ad impossibile


Duobus modis syllogismo aliquid probamus directo, aut ex hypotesi, seu
conditione cum altero posita. Exempli causa, si alicui probare voluero, nulla
opposita in eadem re simul reperiri posse, uno e duobus modis mihi licebit id
facere. Altero, hoc idem concludendo, ut si dicam,

Nulla repugnantia reperiri simul possunt in eadem re,


Omnia opposita sunt repugnantia,
Igitur nulla opposita simul in eadem re possunt reperiri.
Altero, concludendo aliud pronunciatum, verbi causa, nulla contraria
posse simul reperiri in eadem re, facta tamen prius conventione cum altero, ut
si in contrarius id confirmem, in omnibus oppositorum generibus confirmatum
censeatur: veluti si dicam,

Nullae formae mutuo sese ab eodem subiecto expellentes, simul reperiri possunt in
eadem re,
Omnis contraria sunt formae huiuscemodi,
Igitur nulla contraria reperiri simul possunt in eadem re.
Prior syllogismus directo probat institutum, et ideo vocatur бієктко,
quasi ostensivus: posterior non confirmat propositum nisi ex pacto et
conventione cum altero, et ideo dicitur §úwolious, quasi ex conditione posita.

136 Nota do parágrafo: Perfectus syllog. 1. pri. 1. / Alexand. 1. prio. 4. et Stot. 1. sent. g. 1. et ali.
/ Principia, quae dicuntur regulativus. 1 prio. 1. / Inquibus syllogismis proxime exerceatur vis horum
principiorum. / Imperfectus syllogismus. / Ibidem. / Lib. 3.

392
Livro VI das Instituições Dialéticas

os princípios reguladores de todos os silogismos, como que normas e regras de


todos; por isso ainda, todos os outros silogismos se reduzem àqueles quatro,
nos quais primeiro se nota a sua força, como diremos em breve.
Silogismo imperfeito é aquele que carece de uma ou de várias coisas para
que a necessidade de deduzir365se torne evidente. Deste gênero são todos os
restantes, à exceção dos quatro primeiros da primeira figura. Pois não concluem
tão claramente que se tome imediatamente evidente a necessidade de concluir,
mas cada um deles carece de uma conversão, ou de uma redução evidente ao
absurdo ou de uma exposição, ou ao menos de várias conversões, para por elas
se tomar evidente a necessidade da consequência. Para ensinarmos, portanto,
o modo de fazer isto, é necessário que expliquemos antes o que é uma redução
evidente ao absurdo e o que é uma exposição. Com efeito, já atrás expusemos
o que é a conversão e quantos os modos de a fazer.366

Capítulo XXII - Do silogismo que reduz ao impossível


De dois modos, provamos alguma coisa com um silogismo: diretamente
e por hipótese ou por condição posta com outro. 367 Por exemplo: se se quiser
provar a alguém que não podem encontrar-se opostos, ao mesmo tempo, numa
mesma coisa, será lícito fazê-lo por um de dois modos. Primeiro: concluindo
isso mesmo, como se se disser:
Nenhuns repugnantes podem encontrar-se ao mesmo tempo numa coisa,
Todos os opostos são repugnantes,
Logo, nenhuns opostos podem encontrar-se ao mesmo tempo numa mesma coisa.
Segundo: concluindo alguma coisa enunciada — por exemplo, que
nenhuns contrários podem encontrar-se ao mesmo tempo numa coisa —-
fazendo, primeiramente, convenção com o outro, de forma que, se eu o provar
nos contrários, provado fique em todos os gêneros de opostos, como se se
disser:
Nenhumas formas que mutuamente se repilam dum mesmo sujeito podem
encontrar-se, ao mesmo tempo, numa mesma coisa,
Todos os contrários são formas deste gênero,
Logo, nenhuns contrários podem encontrar-se, ao mesmo tempo, numa mesma coisa.
O primeiro silogismo prova diretamente o estabelecido e, portanto,
chama-se SEktikóS, isto é, ostensivo; o segundo não confirma o enunciado, a
não ser por pacto e convenção com o outro e, por isso, se diz ɧ únolÉGEwS (por
hipótese), isto é, por condição posta.

365 Primeiros Analíticos, I, 1.


366 Livro III, cap. 8.
367 Primeiros Analíticos, I, 30 e 40; e Segundos Analíticos, II, 14.

393
Pedro da Fonseca

impossibile, quia ex contradicente alicuius enunciationis verae ab adversario


absurde data, et ex altera perspicue vera, deducit hominem ad aliquid, quod fieri
nequeat, et per eiusmodi impossibile, quod ille admittere omnino recusat, cogit
eum retractare id, quod absurde ante dederat, et ita admittere enunciationem
quam negaverat. Exempli causa, neget aliquis hanc veram enunciationem,
Aliquid ex quo voluptas capitur, non est bonum: dicatque absurde, omne id, ex
quo voluptas capitur, esse bonum: tunc ego sic argumentabor. 137

Omne id, ex quo voluptas capitur, est bonum (ut ais)


Quaedam vero mala sunt, ex quibus invidus voluptatem capit, ut perspicuum est,
Igitur quaedam mala sunt bona.
Ille vero, cum viderit me aliquid, quod fieri nequeat,a ex sua
enunciatione, et alia perspicue vera collegisse, plane negabit id, quod absurde
asservit, sicque admittet quod negaverat, quia id verum esse non potest, ex
quo impossibile aliquid efficitur. Ita syllogismus hic, quem feci, non colligit
directo institutum, ut pote, non omne id ex quo voluptas capitur esse bonum
(id quod ego concludere contra hominem cupiebam) sed quiddam impossibile,
quo concluso cogitur ille ex tacito quodam pacto et conditione, quam omnes
disputantes inter se statuunt, retractare id, quod dixerat.

Conditio autem conventione tacita disputantium, qua ille tenetur, est, ut


si aliquid, quod fieri nequeat, ex cuiusquam assertione concludi comperiatur,
talis assertio retractata censeatur. Impossibile namque non, nisi ex impossibili,
sequitur, ut supra dictum est. Sic igitur sit deductio ad impossibile. Quae tunc
erit evidens, cum syllogismus deducens fuerit perfectus, hoc est, ex primis
quattuor primae figurae: qualis est is, quem in exemplum attulimus. Verum
quo pacto hoc syllogismorum genere evidens fiat necessitas concludendi
imperfectorum, paulo post docebimus. 138

Caput XXIII - De syllogismo expositorio


Expositio vero, qua saepe utitur Aristoteles, sit quodam syllogismorum
genere, quod Expositorium appellatur. Is autem ducitur syllogismus
expositorius, qui constat medio termino singulari. Exempla mox tradentur.
137 Nota do parágrafo: Syllogismus ostensivus. / Syllog. ex hypothesi. / Syllogismus per impossibile
sive ad impossibile. / Cur dicatur ad impossib. / Cur per impossib.
138 Nota do parágrafo: Conditio, seu hypothesis, unde syllogismus ad impossibile dicitur ex hypothesi,
quae sit / Quae sit evidens deductio ad impossibile.

394
Livro VI das Instituições Dialéticas

Portanto, nos silogismos que provam alguma coisa por hipótese,


contam-se aqueles que se dizem sís tó ádúvatov kai diá toú áuvátov, isto é,
ao impossível e pelo impossível, porque, da contraditória de alguma enunciação
verdadeira, absurdamente dada pelo adversário, e de outra manifestamente
verdadeira, se conduz o homem àquilo que não pode dar-se, e, pelo mesmo
impossível, que ele recusa absolutamente admitir, se obriga a retratar aquilo
que antes absurdamente tinha concedido e a admitir assim a enunciação que
tinha negado. Por exemplo: alguém nega que é verdadeira esta enunciação
alguma coisa de onde se tira prazer não é boa e diz absurdamente que tudo
aquilo de que se tira prazer é bom. Argumentar-se-á então assim:
Tudo aquilo de que se tira prazer é bom (como dizes),
Alguns males há, porém, como é evidente, de que o invejoso tira prazer,
Logo, alguns males são bons.
Quando ele vir que, da enunciação dada por ele e de outra manifestamente
verdadeira, se deduziu uma coisa que não pode dar-se, negará absolutamente
o que absurdamente afirmou, e admitirá assim o que tinha negado, pois não
pode ser verdadeiro aquilo de que se conclui alguma coisa impossível. Assim,
o silogismo apresentado não conclui diretamente o enunciado, como: nem
tudo aquilo de que se tira prazer é bom (o que se desejava concluir contra o
adversário), mas algo impossível, cuja conclusão o obriga por um certo pacto
e condição, que, aliás, todos os que disputam entre si estabelecem, a retratar o
que tinha dito.
Essa condição ou convenção tácita dos que disputam, pela qual ele
é obrigado, consiste nisto: se se verificar que de uma asserção de alguém se
conclui uma coisa que não pode dar-se, tal asserção é tida como retratada. O
impossível, efetivamente, não se segue senão do impossível, como atrás368 se
disse. Assim, pois, se faz a dedução ao impossível, a qual será evidente quando
o silogismo que deduz o impossível for perfeito, isto é, dos primeiros quatro
da primeira figura, como é o que apresentamos como exemplo. Mais adiante,
ensinaremos como se toma evidente a recessidade de concluir com este gênero
de silogismos imperfeitos. 369

Capítulo XXIII - Do silogismo expositório


A exposição, de que Aristóteles370 usa muitas vezes, faz-se por um
determinado gênero de silogismos, que se chama expositório. Silogismo
expositório é aquele que consta de um termo médio singular. Dentro em pouco,
daremos exemplos. Uma vez que é natural aos termos singulares serem sujeitos,
368 Neste livro, cap. 5.
369 Сар. 27.
370 Por exemplo, Primeiros Analíticos, I, 2 e 6.

395
Pedro da Fonseca

Quia vero naturale est singularibus terminis, ut subiiciantur, is maxime, ac


precipue dicitur expositorius syllogismus, qui in tertia figura struitur. Perpetuo
enim medius terminus in ea figura subiicitur, ut patet ex dictis. Ex iis, quae dicta
sunt, efficitur, ut generaliter hoc differant expositorii syllogismi ab is, quos
hactenus tractavimus, quod illi constat medio termino communi, hi singulari.
Si ergo expositorii syllogismi non solum constiterint medio termino singulari,
sed etiam utramque sumptionem habuerint singularem duobus tantum modis
in prima figura colligent, totidem in tertia, et tribus in secunda. Prior modus

primae figurac, ex utraque afirmante colligit singularem affirmantem hoc


Socrates est sapiens,
Hic homo est Socrates,
Igitur hic homo est sapiens.
Posterior ex propositione negante, et assumptione affirmante colligit
singularem negantem hoc pacto.
Socrates non colit multos deos,
Hic philosophus est Socrates,
Igitur hic philosophus non colit multos deos.
Primus secunda ex utraque affirmante colligit singularem affirmantem,
ut,
Marcus tullius est Cicero,

Secundus ex propositione negante, et assumptione affirmante colligit


singularem negantem.
Demosthenes non est Cicero,

Leitu Hie oratorest Ciemosthenes.

Tertius ex propositone affirmante, et assumptione colligit singularem


negantem.
Socrates est filius Sophronisci,
Plato non est filius Sophronisci,
Igitur Plato non est Socrates.
Prior tertiae, ex utraque affirmante colligit particularem affirmantem
hoc pacto.

396
Livro VI das Instituições Dialéticas

chama-se expositório sobretudo e principalmente o silogismo que se conclui


na terceira figura. Nesta figura, o termo médio é na realidade sempre sujeito,
como é evidente pelo que se disse. Do que acima dissemos, resulta que, de um
modo geral, os silogismos expositórios diferem dos que até agora tratamos
nisto: estes têm um termo médio comum; aqueles, singular. Se, portanto, os
silogismos expositórios constarem não só de um termo médio singular, mas
tiverem ainda ambas as proposições singulares, na primeira figura concluirão
apenas de dois modos, de outros tantos na terceira, e na segunda de três. O
primeiro modo da primeira figura, de duas afirmativas, deduz uma singular
afirmativa, deste modo:
Sócrates é sábio,
Este homem é Sócrates,
Logo, este homem é sábio.
O segundo, de uma maior negativa e de uma menor afirmativa, deduz
uma singular negativa, deste modo:
Sócrates não adora muitos deuses,
Este filósofo é Sócrates,
Logo, este filósofo não adora muitos deuses.
O primeiro da segunda, de duas afirmativas, deduz uma singular
afirmativa, como:
Marco Túlio é Cícero,

Logo, este homem é Caco Tulio.


O segundo, de uma maior negativa e de uma menor afirmativa, deduz
uma singular negativa:
Demóstenes não é Cícero,
Este orador é Cícero,
Logo, este orador não é Demóstenes.
O terceiro, de uma maior afirmativa e de uma menor negativa, deduz
uma singular negativa:
Sócrates é filho de Sofronisco,
Platão não é filho de Sofronisco,
Logo, Platão não é Sócrates.
O primeiro da terceira, de duas afirmativas, deduz uma particular
afirmativa, deste modo:

397
Pedro da Fonseca

Socrates est sapiens,


Socrates est pauper,
Igitur quidam pauper est sapiens.

Posterior ex propositione negante, et assumptione affirmante colligit


particularem negantem hoc modo,
Croesus non est sapiens
Cresus est dives,
Igitur quidam dives non est sapiens.
Sic tamen in hac figura minus extremum fuerit singulare, licebit priori
modo concludere singularem affirmantem, posteriori autem singularem
negantem, quod facile est exemplis cernere. Si autem expositorii syllogismi
solum medium terminum habuerint singularem, in prima quidem figura
totidem erunt modi, quot in syllogismis ex medio communi, nec ab illis
diferente, nisi quod necessario haberunt maiores singulares ratione medii,
quod in maiore subiicitur. Exempla facile occurent.

In fecunda vero praeter quattuor vulgatos modos negative concludentes,


quorum exempla statim sese offerunt, alii quattuor ex utraque affirmativa
affirmative colligentes reperientur, quorum primus extramque universali
colligit universalem, ut si dicas, 140
Omne astrum efficiens diem est hic sol,
Omnis planeta, qui est in quarto caelo est hic sol,
Igitur omnis planeta, qui est in quarto caelo est astrum efficiens diem.
Secundus ex propositione universali et assumptione particular concludit
particularem. Tertius ex propositione particular et assumptione universali,
universalem. Quartus ex utramque particulari, particularem. Quod non est
difficile exemplis illustrare.
At in tertia figura nunquam plures sunt quam duo modi, quos iam
tradidimus. Illud tamen obiter admoverim, hoc syllogismorum genere ex
utramque, sumptione particulari aliquid in secunda figura ex vi formae concludi:
itemque ex particulari colligi universalem: id quod supra animadvertendum
diximus.
Quattuor modi huiusmodi syllogismorum affirmative concludentes in
secunda figura, possunt revocari ad modos primo solius maiores convertione:
primus quidem et tertias, ad primum: secundas vero et quartus, ad tertium.
Possunt etiam probari per deductionem ad incommodum: primus et
tertius, in Bocardo: secundus et quartus, in Ferison. Nam ex contradictorio
conclusionis cuiusque modi assumpta minore colligitur immediate contrarium
140 Nota do parágrafo: Expositorii ex solo medio singulari. Prima figu. Secunda.

398
Livro VI das Instituições Dialéticas

Sócrates é sábio,
Sócrates é pobre,
Logo, certo pobre é sábio.
O segundo, de uma maior negativa e de uma menor afirmativa, deduz
uma particular negativa, deste modo:

Creso não risabio,


Logo, certo rico não é sábio.
Se, porém, nesta figura, o extremo menor for singular, será lícito concluir
no primeiro modo uma singular afirmativa, no segundo uma singular negativa,
o que é fácil de verificar nos exemplos. Se, contudo, os silogismos expositórios
tiverem apenas o termo médio singular, na primeira figura existirão tantos
modos quantos existirem nos silogismos de termo médio comum, e não
diferem deles, a não ser porque terão necessariamente as maiores singulares
em razão do termo médio, que é sujeito na menor. Exemplos disso facilmente
ocorrerão.
Na segunda, além dos quatro modos divulgados que concluem
negativamente, cujos exemplos imediatamente se oferecem, encontram-se
outros quatro que concluem afirmativamente de duas afirmativas; o primeiro
deles deduz de duas universais uma universal, como se se disser:
Todo o astro que faz o dia é este sol,
Todo o planeta que está no quarto céu é este sol,
Logo, todo o planeta que está no quarto céu é o astro que faz o dia.
O segundo, de uma maior universal e de uma menor particular, conclui
uma particular. O terceiro, de uma maior particular e de uma menor universal,
conclui uma universal. O quarto, de duas particulares, conclui uma particular.
O que não é difícil ilustrar com exemplos.
Mas na terceira figura nunca há mais que os dois modos, que já
apresentamos. Ainda assim, tocarei nisto de passagem: neste gênero de
silogismos, de duas proposições particulares, na segunda figura algo se conclui
por força da forma; do mesmo modo, de uma particular se conclui uma
universal. Atrás dissemos que isto deveria ser tido em conta.
Os quatro modos que concluem afirmativamente na segunda figura
podem (se alguém os negar) reduzir-se aos modos da primeira, por conversão
apenas da maior: o primeiro e o terceiro ao primeiro, o segundo e o quarto
ao terceiro. Podem ainda provar-se por redução ao inconveniente: o primeiro
e o terceiro, em Bocardo; e o segundo e o quarto, em Ferison. Efetivamente,
do contraditório da conclusão de qualquer modo, dada a menor, deduz-se
imediatamente o contrário ou o contraditório da maior, desde que se ponha

399
Pedro da Fonseca

aut contradictorium maioris: modo ponas singularem negativam converti


in universalem negativam, quod hac ratione colliges. Socrate non est albus,
ergo nullum album est Socrates. Nam si aliquod album est Socrates, Socrates
quoque albus, quod contradicit primae enunciationi. Haec dicta sint provectis,
ne quis forte minus atente rem considerans hosce modos inficietur. Nam
alioqui fortasse non indigent probatione, quia diligenter advertenti videntur
per se noti, ut mox dicetur. Tantum ab est ut, cum expositorii sint, per Bocardo
et Ferison, qui per expositorios confirmantur, probari debeant.

Caput XXIV - Quod expositorii syllogismi sint perfecti, ac per


se evidentes
Videntur autem omnes syllogismi expositorii habere necessitatem
colligendi per se notam, et perspicuam, ac proinde esse perfecti, quia constant
medio termino, sine argumento, singulari, qui est marxime unus, et proxime
exercent vim illorum principiorum per se evidentium. Quaecumque sunt
eadem uni tertio, sunt eadem inter se: Quaecunque ita sunt ad aliquid tertium
affecta, ut alterum sit idem illi, alterum non idem, non sunt eadem inter se: in
quibus nomine tertii potissimum intelligitur aliquid singulare.

Merito ergo huiusmodi syllogismi dicti sunt expositorii, quia sunt adeo
perspicui et evidentes, ut rem ipsam sensibus exponere videantur. Unde etiam
fit ut non ab re demonstrationes sensibiles, appellari soleant.

Sed contra haec sic liceat argumentari. Hae sunt vitiosae ac fallaces
argumentationes, Essentia divina est pater, essentia divina est filius, ergo filius
est pater: Pater non est filius, pater est essentia divina, ergo essentia divina
non est filius: et tamen hi modi, traditi sunt in tertia figura (cum hi termini,
Essentia divina, et Pater in divinis sint singulares) igitur perperam traditi
videntur. Respondebis tamen, nomine medii termini singularis, que syllogismus
expositorius propositum confirmat, intelligendum esse eum, qui accipitur pro
aliquare individua, quae nec est plures res, nec est idem re cum ea, quae est
plures res (sic enim intellecto nomine tertii perspicua sunt duo illa principia,
quae attulimus: alioqui non parum habent ambiguitatis) at hunc terminum
Essentia divina accipi pro quadam re individua, hoc est, pro ipsa Deitate, quae
tamen est plures res, id est, plura supposita divina: et hunc terminum Pater (in
divinis) accipi pro quadam re individua, hoc est, pro prima persona trinitatis,
quae tamen est idem re cum essentia divina, quae est plures res. Non cernuntur
ergo modi supradicti in propositis argumentationibus:

400
Livro VI das Instituições Dialéticas
uma singular negativa a converter-se numa universal negativa, como atrás 71
foi dito.
Esta redução não é talvez natural, mas apenas aos olhos de uma pessoa
obstinada ou que com menor perspicácia considere a força desses modos. Com
efeito, sendo deste gênero os silogismos expositórios, talvez não careçam de
prova, porque se apresentam conhecidos por si a quem diligentemente neles
advertir, como a seguir se dirá. Tão longe estão [disso] que devem provar-se
por Bocardo e Ferison, que, por sua vez, se confirmam pelos expositórios.

Capitulo XXIV - Por que os silogismos expositórios são perfeitos


e por si evidentes
Parece, pois, que todos os silogismos expositórios têm uma necessidade
por si conhecida e percebida de concluir e, portanto, são perfeitos, pois constam
de um termo médio ou argumento singular que é sobremaneira uno, e exercem
sem qualquer meio a força dos princípios por si evidentes: todas as coisas que
são idênticas a uma terceira são idênticas entre si; todas as coisas que estão
relacionadas com uma terceira de tal modo que uma lhe seja idêntica e a outra
não, não são idênticas entre si. Aqui, pela expressão "terceira", entende-se
sobretudo algo singular.
Com razão, pois, os silogismos deste gênero se chamam expositórios,
porque são de tal modo claros e evidentes que parecem expor a própria coisa
aos sentidos. Donde resulta ainda que, não sem razão, costumam372 chamar-se
demonstrações sensíveis.
Mas, contra isto será lícito arguir assim: são viciosas e falaciosas estas
argumentações: a essência divina é o Pai, a essência divina e o Filho logo o
Filho é o Pai; o Pai não é o Filho, o Pai é a essência divina, logo a essência divina
não é o Filho — e, no entanto, estes modos foram dados na terceira figura
(uma vez que estes termos "essência divina" e "Pai", nas realidades divinas, são
singulares); portanto, foram mal dados. Responder-se-á, todavia: pelo nome de
termo médio singular, com que o silogismo expositório confirma o enunciado,
deve entender-se aquele termo que se toma por uma realidade individual,
realidade que não é várias realidades nem o mesmo que uma realidade que
é várias realidades (assim entendido, com efeito, o nome terceiro, são claros
aqueles dois princípios que demos; de contrário, têm muito de ambiguidade);
mas a expressão "essência divina" toma-se por uma realidade individual, isto é,
pela própria deidade, que, não obstante, é várias coisas, isto é, vários supostos
divinos; e a expressão "Pai" (nas realidades divinas) toma-se por uma realidade
individual, isto é, pela primeira Pessoa da Trindade, a qual, todavia, é a mesma
371 Livro III, cap. 9.
372 Por Alexandre, Primeiros Analíticos, I, 2, 6; e por outros.

401
Pedro da Fonseca

Quanquam Aristoteles nullum terminum singularem negaret posse esse


medium terminum syllogismi expositorii, quia lumine fidei minime illustratus,
nullam cogitabat rem singularem, quae simul esset plures res. Unde apud ipsum
duo illa principia habentur per se nota, accepto nomine tertii pro quacumque
re singulare.'41

Caput XXV - De probatione ostensiva imperfectorum


syllogismorum
His ergo positis, facile erit intelligere, quo pacto necessitas colligendi
imperfectorum syllogismorum per perfectos confirmetur. Quanquam enim
satis ea probari possit ex eo, quod eadem forma retenta in nulla materia reperiri
potest antecedens verum, et consequens falsum, tamen compendiosior haec
via est, ac securior: siquidem nemo est, qui materia omnes possit percurrere:
ex quo fit ut nunquam animus dubitantis quiescat, donec imperfectam
ratiocinationem per perfectam, ac per se evidentem comprobet. Itaque prima
confirmatio fiet conversionis interventu: altera per evidentem deductionem ad
id, quod fieri nequit: tertia per expositionem.
Confirmatio per conversionem (quae ostensiva probatio, et ostensiva
reductio imperfectorum ad perfectos appellari solet) tunc fit, cum ex
sumptionibus imperfecti syllogismi aut sine ulla conversione, aut conversione
utriusque, alteriusue duntaxat, per syllogismum aliquem perfectum colligitur
conclusio imperfecti, aut conversa eius, ex qua tandem ipsa per conversionem
efficitur. Quia enim quicquid sequitur ex consequente, sequitur ex antecedente,
ut supra diximus, conclusio, quae ex sumptionibus syllogismi perfecti collecta
fuerit, ex sumptionibus etiam imperfecti, ex quibus illae efficiuntur, concludi
comperietur. Hac ratione probantur omnes imperfecti syllogismi praeter quam
Baroco, et Bocardo, ut in progressu apertum erit. 142

Baralipton igitur, qui est imperfectorum primus modus, sic probatur.


Ex sumptionibus eius sine ulla conversione colligitur in Barbara conclusio
universalis afirmativa, ex qua tandem per conversionem peraccidens, efficitur

141 Nota do parágrafo: Principia per se nota, quorum vis proxime exercetur in expositoris syllogismis.
/ Cur expositorii syllogismi hoc nomine appellentur. Cur dicantur demonstrationes sensibiles ab
Alexand.I. pri.2.et.6. et ab aliis. Obiectio. / Solutis. / Ochamus tertia parte Logicae.cap.16. lege etiam
Sct.I.d.2.q.7. et Dur.I.d.33.q.1. / Aristotelis sententia.
142 Nota do parágrafo: Confirmatio per conversionem, seu ostensiva. / Cui principio nitatur probatio
ostensiva. / Qui nam syllogismi ostensive confirmentur.

402
Livro VI das Instituições Dialéticas

realidade que a essência divina, que é várias realidades. Não se veem, portanto,
nas argumentações propostas, os supraditos modos.
Embora Aristóteles não tenha negado que algum termo singular pudesse
ser termo médio do silogismo expositório, contudo, carecendo da ilustração
que dá a luz da fé, não concebia nenhuma realidade singular que pudesse ser
simultaneamente várias realidades. Daí que, para ele, aqueles dois princípios
sejam tidos como conhecidos por si, tomando o termo "terceiro" por qualquer
realidade singular.

Capítulo XXV - Da prova ostensiva dos silogismos imperfeitos

Posto isto, fácil será entender como, através dos perfeitos se confirma a
necessidade de concluir dos silogismos imperfeitos. Embora ela possa provar-se
suficientemente pelo fato de, conservada a mesma forma, não poder encontrar-
se em nenhuma matéria um antecedente verdadeiro e um consequente falso, é
mais breve, porém, e mais segura esta via: não há ninguém que possa percorrer
todas as matérias, de onde resulta que o espírito do que duvida não se satisfaz
enquanto não comprovar um raciocínio imperfeito por um perfeito e evidente
por si. Assim, a primeira prova far-se-á por intermédio da conversão; a segunda,
por uma redução evidente ao absurdo; a terceira, pela exposição.
A prova por conversão (que se chama vulgarmente prova ostensiva
e redução ostensiva dos imperfeitos aos perfeitos) faz-se quando, das
proposições de um silogismo imperfeito, sem nenhuma conversão, ou com a
conversão de ambas ou de uma somente, se infere, por intermédio de algum
silogismo perfeito, a conclusão do imperfeito ou a sua convertida, de onde
aquela se infere por conversão. Visto que o que se segue do consequente se
segue do antecedente, como atrás 73 dissemos, perceber-se-á que a conclusão,
que for deduzida das proposições do silogismo perfeito, se conclui também
das proposições do imperfeito, de onde aquelas se inferem. Por este método,
provam-se todos os silogismos imperfeitos, à exceção de Baroco e Bocardo,
como a seguir se esclarecerá.
Baralipton, que é o primeiro dos modos imperfeitos, prova-se assim: das
suas proposições, sem nenhuma conversão, deduz-se uma conclusão universal
afirmativa em Barbara, de onde, finalmente, por uma conversão por acidente, se
infere uma conclusão deduzida indiretamente. Faz-se isto deste modo: alguém
diz que este silogismo em Baralipton:

373 Cap. 5.

403
Pedro da Fonseca

conclusio indirecte collecta. Exercentur ista hoc modo. Dicat aliquis, nihil
colligere hunc syllogismum in Baralipton,

romaismalest substanti,
Igitur quaedam substantia est homo.
Tunc ego confecto ex sumptionibus eiusdem syllogismi syllogismo
perfecto, sic probabo consequentiam.
Omne animal est substantia,
Et omnis homo est animal
Igitur omnis homo est substantia.
Tum sic.
Omnis homo est substantia,
Igitur quaedam substantia est homo.
Ergo ex primo antecedente necessario sequitur postremum consequens
in Baralipton, ut dictum est.
Eadem arte uteris in probationes duorum modorum sequentium, ut pote
Celantes, et Dabitis, per Celarent, et Darii, nisi quod conclusiones immediate
colecta in Celarent, et Darii, simpliciter convertendae sunt. Itaque tres primi
imperfecti modi non alta conversione probantur, quam conclusionis perfecti
syllogismi.
Fapesmo vero probatur conversione per accidens maioris, et simplici
minoris, et illatione suae conclusionis in Ferio. Quod ita intelliges. Neget
aliquis necessitatem colligendi huius syllogismi in Fapesmo,

Omne animal est substantia,


Et nullus lapis est animal,
Igitur quaedam substantia non est lapis.
Tunc ego sic probabo consequutionem.
Omne animal est substantia,
Et nullus lapis est animal.

lam sic.
Quaedam substantia est animal,
Et nullum animal est lapis,
Igitur quaedam substantia non est lapis.

404
Livro VI das Instituições Dialéticas

Todo o animal é substância,


E todo o homem é animal,
Logo, alguma substância é homem,
nada conclui. Fazendo então, com as proposições deste mesmo silogismo,
um silogismo perfeito, provar-se-á assim a consequência:
Todo o animal é substância,
E todo o homem é animal,
Logo, todo o homem é substância.
Depois assim:
Todo o homem é substância,
Logo, alguma substância é homem.
Portanto, do primeiro antecedente necessário, segue-se, finalmente,
como se disse, um consequente em Baralipton.
Do mesmo processo se usará na prova dos dois modos seguintes, isto é,
Celantes e Dabitis, por Celarent e Darii, à exceção de que as conclusões deduzidas
imediatamente em Celarent e Darii devem converter-se simplesmente.
Portanto, os três primeiros modos imperfeitos não se provam por qualquer
outra conversão diferente da da conclusão do silogismo perfeito.
Fapesmo, porém, prova-se por uma conversão por acidente da maior, por
uma conversão simples da menor e pela ilação da sua conclusão em Ferio.374
O que se entenderá deste modo: alguém nega a necessidade de concluir deste
silogismo em Fapesmo:
Todo o animal é substância,
E nenhuma pedra é animal,
Logo, alguma substância não é pedra.
Então, provar-se-á assim a consequência:
Todo o animal é substância,
E nenhuma pedra é animal,
Logo (por conversão de ambas), alguma substância é animal, e nenhum animal é
pedra.
Agora assim:
Nenhum animal é pedra,
E alguma substância é animal,
Logo, alguma substância não é pedra.

374 Primeiros Analíticos, 1,7.

405
Pedro da Fonseca

Ergo ex primo antecedente necessario sequitur in Fapesmo extremum


consequens.
Frisesomorum codem modo probatur, quo Fapesmo, nisi quod maior
convertitur simpliciter.
Cesare probatur conversione simplici maioris, et illatione suae
conclusionis in Celarent.
Camestres probatur conversione simplici minoris, et illatione converse
suae conclusionis in Celarent, et huius simplici conversione.
Festino probatur simplici conversione maioris, et illatione suae
conclusionis in Ferio.
Baroco non potest probari interventu convertionis, quia minor, cum sit
affirmativa, non convertitur, nisi in particularem, ex qua cum altera particulari
nihil colligitur.
Darapti probatur convertione per accidens minoris, et illatione suae
conclusionis in Darii.
Felapton, conversione etiam per accidens minoris, sed illatione suae
conclusionis in Ferio.
Disamis, conversione simplici maioris, et illatione converse suae
conclusionis in Darii, et huius simplici conversione.
Datisi, conversione simplici minoris et illatione suae conclusionis in
Darii.
Bocardo non probatur interveniente conversione, quia maior non
convertitur minor autem convertitur in solam particularem, ex qua cum altera
particulari nihil efficitur.
Ferison denique probatur conversione simplici minoris, et illatione suae
conclusionis in Ferio.
Merito autem haec probatio dicitur reductio ostensiva syllogismorum
imperfectorum ad perfectos, quia semper hac arte exsumptionibus imperfecti
syllogismi struitur perfectus colligens immediate eandem conclusionem,
aut conversam eius: quod utique non fit in probatione per deductionem ad
impossibile, ut patebit. 143

Caput XXVI - Detegitur artificium, quo vocabula


imperfectorum modorum indicant eorundem probationem
Sunt autem nomina horum modorum adeo artificiose composita, ut quo
pacto quisque probandus sit, at posite ac ingeniose significent. Nam literae a
quibus vocabula incipiunt, ut pote. B,C,D, F, significant per quem modum
perfectum quisque imperfectus probandus sit. B namque significat probandum
esse per Barbara, C per Celarent, D per Darii, et F per Ferio.
143 Nota do parágrafo: Cur haec probatio dicatur reductio imperfectorum ad perfectos.

406
Livro VI das Instituições Dialéticas
Por conseguinte, do primeiro antecedente necessário, segue-se,
finalmente, o consequente em Fapesmo.
Frisesomorum prova-se do mesmo modo que Fapesmo, à exceção de que
a maior se converte simplesmente.
Cesare prova-se por conversão simples da maior e por ilação da sua
conclusão em Celarent.375
Camestres prova-se por conversão simples da menor e por ilação dá sua
conclusão convertida em Celarent, e por simples conversão desta.
Festino prova-se por conversão simples da maior e por ilação da sua
conclusão em Ferio.
Baroco não pode provar-se por conversão, porque a menor, sendo
particular negativa, não pode converter-se, e a maior, sendo afirmativa, não se
converte senão numa particular que, com outra particular, nada conclui.
Darapti prova-se por conversão por acidente da menor e por ilação da
sua conclusão em Darii.376
Felapton, também por conversão por acidente da menor, mas por ilação
da sua conclusão em Ferio.
Disamis, por conversão simples da maior, por ilação da sua conclusão
convertida em Darii e por conversão simples desta.
Datisi, por conversão simples da menor e por ilação da sua conclusão
em Darii.
Bocardo não se prova por conversão, porque a maior não se converte e a
menor só se converte numa particular que, com outra particular, nada conclui.

Ferison, finalmente, prova-se por conversão simples da menor e por


ilação da sua conclusão em Ferio.
Esta prova chama-se, e bem, redução dos silogismos imperfeitos aos
perfeitos, porque, por este processo, e a partir das proposições de um silogismo
imperfeito, se constrói um perfeito, que deduz imediatamente a mesma
conclusão ou a sua conversa; o que, em qualquer caso, nunca sucede na prova
por redução ao absurdo, como se verá. 377

Capítulo XXVI - Revela-se a habilidade com que os vocábulos


dos modos imperfeitos indicam a prova dos mesmos
Os nomes destes modos foram compostos com tal habilidade que
significam conveniente e engenhosamente a forma pela qual deve cada um
ser provado. Na verdade, as letras porque principiam os vocábulos, como B, C,

375 Primeiros Analíticos, 1, 5.


376 Primeiros Analíticos, 1, 6.
377 Cap. 27.

407
Pedro da Fonseca

S vero significat enunciationem, quam designat vocalis precedens,


convertendam esse simpliciter, P autem per accidens. Verum adverte, has
duas literas, cum designant conclusionem esse convertendam, non significare
conversionem conclusionis imperfecti syllogismi, sed perfecti, qui ex
imperfecto struitur, ut patet ex dictis. Iam M significat mutationem maioris
in minorem, et minoris in maiorem, quam praemissarum transpositionem
vocant. Fit autem haec transpositio in redigendis quattuor modis, Fapesmo,
Frisesomorum, Camestres, et Disamis, quia in prima figura nec minor potest esse
negativa, ut in tribus prioribus, nec maior particularis, ut in quarto. Caeterum
huiusmodi commutatio non est intelligenda secundum situm partium orationis
(haec enim non est necessaria, cum saepe in prima figura maior propositio
posteriorem locum, minor priorem obtineat) sed secundum naturam. Poterat
sane significatio huius literae praetermitti, quia sola conversio docet, quae
sumptio imperfecti syllogismi fiat maior in perfecto, quae minor.

Denique, C post primam syllabam in dictione positum, significat


modum talem non ostensive, seu directo confirmari posse, sed deductione ad
impossibile, sumpta videlicet contradicente conclusionis in syllogismo perfecto
loco illius sumptionis, quae designatur per vocalem praecedentem, ut statim
patebit. Atque iccirco in duobus tantum modis invenitur, in Baroco nimirum,
et Bocardo.144

Caput XXVII - De probatione syllogismorum imperfectorum


per deductionem ad impossibile
Probatio autem imperfectorum syllogismorum per evidentem
deductionem ad impossibile (quae reductio per impossibile vocatur) tunc fit,
cum ex sumptionibus syllogismi imperfecti et contradicente conclusionis,
colligitur per syllogismum perfectum, et aliam quandam unam, aut alteram
evidentem consequentiam duae contradicentes, aut contrariae enunciationes.
Cogit enim haec probatio adversarium nunquam negare conclusionem
imperfecti syllogismi admissis sumptionibus, ac proinde nunquam inficiari
necessitatem talis consequutionis, ne tantam absurditatem admittere cogatur.
Exempli causa, dicat aliquis syllogismum in Baralipton non necessario
concludere, ac proinde nullum sequi incommodum, si detur in eo antecedens

144 Nota do parágrafo: Hic variat aliquantum significatio harum litterarum. / Poterat significatio, M
Praetermitti.

408
Livro VI das Instituições Dialéticas
D, F, significam o modo perfeito por meio do qual cada imperfeito deve ser
provado. B significa, de fato, que deve provar-se por Barbara; C, por Celarent,
D, por Darii; e F, por Ferio.
S, porém, significa que a enunciação, designada pela vogal precedente,
deve converter-se simplesmente; e P, por acidente. Note-se que estas duas letras,
por significarem que a conclusão deve converter-se, não se referem à conversão
da conclusão do silogismo imperfeito, mas à do perfeito que se constrói do
imperfeito, como é evidente pelo que se disse. Além disso, M significa a
mudança da maior na menor e da menor na maior, a que se dá o nome de
transposição das premissas. Esta transposição faz-se ao reduzir quatro modos:
Fapesmo, Frisesomorum, Camestres e Disamis, porque, na primeira figura, nem
a menor pode ser negativa, como nos três primeiros, nem a maior particular,
como no quarto. De resto, a mutação deste gênero não deve ser entendida
segundo a situação das partes da oração (esta não é necessária, uma vez que,
muitas vezes, na primeira figura, a proposição maior ocupa o lugar da segunda
e a menor o da primeira), mas segundo a natureza. A significação desta letra,
podia, sem dúvida, omitir-se; porque só a conversão ensina qual a proposição
do silogismo imperfeito que, no perfeito, se toma maior, e qual a menor.
Finalmente, C, posto na palavra depois da primeira sílaba, significa que
tal modo pode confirmar-se, não ostensiva ou diretamente, mas por redução
ao absurdo, tomando, evidentemente, no silogismo perfeito, a contraditória da
conclusão, em lugar daquela proposição que é designada pela vogal precedente,
como logo ficará claro. E, por isso, encontra-se apenas em dois modos, a saber
em Baroco e em Bocardo.

Capitulo XXVII - Da prova dos silogismos imperfeitos por


redução ao impossível [ou redução ao absurdo]
A prova dos silogismos imperfeitos por dedução evidente ao impossível
(que se chama redução ao absurdo) faz-se quando, das proposições do silogismo
imperfeito e da contraditória da conclusão, se inferem por meio do silogismo
perfeito, de uma determinada consequência ou de uma outra evidente, duas
enunciações contraditórias ou contrárias. Esta prova obriga o adversário
a nunca negar a conclusão do silogismo imperfeito, uma vez admitidas as
premissas, e, portanto, a nunca negar a necessidade de tal consecução, para
não ser obrigado a admitir um tão grande absurdo. Por exemplo: se alguém diz
que um silogismo em Baralipton não conclui necessariamente e que, portanto,
nenhum absurdo se segue se existir nele um antecedente verdadeiro e um
consequente falso, pede-se-lhe que prove que assim é. Ele aceita, e diz:

409
Pedro da Fonseca
verum, et consequens falsum. Me autem petente, ut det ita esse, annuat ille
dicatque,
Omne animal est substantia,
Et omnis homo est animal,

Tum ego ex datis ab homine colligam uno syllogismo perfecto, et duabus


aliis evidentibus consequutionibus duas contrarias enunciationes hoc modo,
Nulla substantia est homo (ut ais)
Et omne animal est substantia (ut etiam dixisti)
Igitur nullum animal est homo.
lam sic.
Nullum animal est homo,
Igitur nullus homo est animal.

At.
Omnis homo est animal (ut dixeras)
Igitur nullus homo est animal, et omnis Homo est animal
quae quidem sunt contrariae enunciationes.
Collegi ergo evidenter ex dictis illius duas contrarias simul veras, ex
quibus etiam evidenter colligi possunt duae contradictoriae. Haec collectio, ut
vides, et si non directo ostendit perperam illum negasse conclusionem admissis
sumptionibus, tamen ex hypothesi id probat, ex hoc nimirum communi
principio, quod omnes disputantes tacite ponunt, Id possibile non esse, ex quo
impossibile aliquid consequi deprehenditur. 145

Tria igitur hic adverte. Primum, hoc probationis genere quemlibet


imperfectum syllogismum probari posse per aliquem perfectum. Alterum,
ex contradicente conclusionis cum altera sumptione imperfecti, extruendum
esse antecedens perfecti: ex conclusione autem perfecti, aut eius convertente
cum altera sumptione imperfecti, extruendum esse antecedens extremae
consequentiae. Tertium, in probatione imperfectorum primae, praeterquam
modi Celantes, contradicentem conclusionis imperfecti faciendam esse
maiorem perfecti, et maiorem imperfecti minorem: in probando autem modo
Celantes, contradicentem conclusionis imperfecti faciendam esse minorem
perfecti, et minorem imperfecti maiorem. At vero in probandis modis secundae
figurae, contradictorium conclusionis faciendum esse minorem relicta eadem

145 Nota do parágrafo: Principium cui haec probatio nititur.

410
Livro VI das Instituições Dialéticas

Todo o animal é substância,


E todo o homem é animal,
E, todavia, não alguma substância é homem
ou (o que vale o mesmo) nenhuma substância é homem.
Então, dos dados fornecidos por ele, com um silogismo perfeito e duas
consecuções evidentes, deduzirei duas enunciações contrárias, deste modo:
Nenhuma substância é homem (como dizes),
É todo o animal é substância (como também disseste),
Logo, nenhum animal é homem.
Agora assim:
Nenhum animal é homem,
Logo, nenhum homem é animal.
Mas:
Todo o homem é animal (como tinhas dito),
Logo nenhum homem é animal e todo o homem é animal,
enunciações estas que são contrárias.
Do que ele disse, deduziram-se, pois, duas contrárias, simultaneamente
verdadeiras, das quais podem ainda deduzir-se evidentemente duas
contraditórias. Esta dedução, como se vê, embora não mostre diretamente
que ele negou incorretamente a conclusão, depois de admitidas as premissas,
prova-o, todavia, por hipótese, em virtude daquele princípio comum, que
todos os que disputam tacitamente admitem: não é possível aquilo de que se
depreende seguir-se algo impossível, como atrás 78 foi dito.
Notem-se, pois, aqui três coisas. Primeira: com este gênero de prova,
qualquer silogismo imperfeito pode provar-se por algum perfeito. Segunda: o
antecedente do silogismo perfeito deve construir-se a partir da contraditória
da conclusão, com uma das premissas do imperfeito; o antecedente da última
consequência, porém, deve construir-se a partir da conclusão do perfeito ou
da sua convertente com uma das premissas do imperfeito. Terceira: na prova
dos imperfeitos da primeira, à excepção do modo Celantes, a contraditória
da conclusão do imperfeito deve tornar-se a maior do perfeito, e a maior do
imperfeito, a menor; ao provar, porém, o modo Celantes, a contraditória da
conclusão do imperfeito deve tomar-se para menor do perfeito, e a menor
do imperfeito para maior. Mas, ao provar os modos da segunda figura, a
contraditória da conclusão deve tomar-se para menor, permanecendo maior
378 Cap. 22.

411
Pedro da Fonseca
maiore: et improbandis modis tertiae, faciendum esse maiorem relicta eadem
minore. 145
Quanquam vero his observatis perfacile sit intelligere, quo perfecto
modo imperfectus quisque confirmetur, tamen ut multo etiam sit facilius,
accipe hunc versum.147
Phoebifer axis obit terras, athramque quotannis.
Cuius pramae duae dictiones inserviunt primae figurae: duae sequentes
secundae, duae extremae: tertiae. In quibus hae quattuor vocales, A, E, 1,
O, sunt observandae, quia hae designant conclusiones quattuor modorum
perfectorum, ac proinde quattuor perfectos modos, quibus imperfecti hoc
probationis genere confirmandi sunt.
A, significat Barbara: E, Celarent: I, Darii: O, Ferio. Non est tamen
habenda ratio vocalium, a quibus diphthongi incipiunt. Prima igitur dictio
significat, ex primis tribus imperfectis modis primae figurae, primum probari
per Celarent, secundum per Darii, tertium rursus per Celarent. Secunda vero,
significat ex duobus sequentibus, Fapesmo scilicet, et Frisesomorum, priorem
probari per Barbara, posteriorem per Darii. Ex quibus intelliges quid caterae
dictiones significent.
Haec de probatione imperfectorum syllogismorum per evidentem
deductionem ad impossibile, quae mihi non admodum proprie videtur dici
reductio imperfectorum ad perfectos, quoniam hac arte ex sumptionibus
imperfecti non struitur perfectus eandem conclusionem colligens, sed ex
contradicente conclusionis cum altera sumptionum concludens contrariam,
aut contradicentem alterius. 148

Caput XXVIII - De probatione imperfectorum syllogismorum


per expositionem
Probatio denique imperfectorum syllogismorum per expositionem (qua
Aristoteles confirmat necessitatem concludendi concludendi syllogismorum
tertiae figurae) duobus modis fieri potest. Uno quidem evidenter concludendo
ex sumptionibus syllogismi imperfecti sumptiones syllogismi expositorii,
ex quibus conclusio imperfecti colligatur. Quia enim quicquid sequitur
ex consequente sequitur ex antecedente, conclusio, quae ex sumptionibus
syllogismi expositorii collecta fuerit, ex sumptionibus etiam imperfecti,
ex quibus illae efficiuntur, concludi comperietur. Exempli causa, quod hic
syllogimus in Darapti necessario concludat,
146 Nota do parágrafo: Omnes imperfecti syllogismi per deductionem ad impossibile probari
possunt./ Ex quibus sumptionibus extruendus sit syllogismus ad impossibile
147 Nota do parágrafo: Dictiones quarum ad monitu facilius fiat huiusmodi probatio.
148 Nota do parágrafo: Non admodum proprie dicitur haec probatio reductio.

412
Livro VI das Instituições Dialéticas

a mesma; e, ao provar os modos da terceira, deve tomar-se para maior,


permanecendo menor a mesma.
Embora, depois destas observações, seja muito fácil entender qual o
modo perfeito com que se confirma cada imperfeito, todavia, para que se torne
ainda mais fácil, registe-se este verso [como mnemônica]:
Phoebifer axis obit terras, aethramque quotannis.
As duas primeiras palavras servem para a primeira figura; para a segunda,
as duas seguintes; as duas últimas, para a terceira. Deve atender-se nelas às
quatro vogais A, E, I, O, porque elas designam as conclusões dos quatro modos
perfeitos e, portanto, os quatro modos perfeitos que, neste gênero de prova,
devem confirmar os imperfeitos.
A significa Barbara; E, Celarent, I, Darii; O, Ferio. Não deve, porém,
prestar-se atenção às vogais por que principiam os ditongos. A primeira palavra
significa, portanto, que, dos três primeiros modos imperfeitos da primeira
figura, prova-se por Celarent, o primeiro; o segundo, por Darii; o terceiro ainda
por Celarent. A segunda, significa que, dos dois seguintes, isto é, Fapesmo e
Frisesomorum, o primeiro se prova por Barbara; o segundo, por Darii. Depois
disto, entender-se-á o que significar as outras palavras.
Tudo isto acerca da prova dos silogismos imperfeitos por redução
evidente ao impossível, que me parece não ser designada com muita precisão
por redução dos imperfeitos aos perfeitos, pois, por este processo, das
proposições do imperfeito, não se constrói um perfeito que infira a mesma
conclusão; mas do contraditório da conclusão com uma das proposições que
conclui a contrária ou a contraditória da outra.

Capítulo XXVIII - Da prova dos silogismos imperfeitos por


exposição
Finalmente, a prova por exposição dos silogismos imperfeitos (pela
qual Aristóteles confirma a necessidade de concluir dos silogismos da terceira
figura) pode fazer-se de dois modos. Primeiro: concluindo claramente, das
proposições de um silogismo imperfeito, proposições de um silogismo
expositório, das quais se deduz a conclusão do imperfeito. Na verdade, uma vez
que tudo o que se segue do consequente se segue do antecedente, verificar-se-á
que a conclusão, que for deduzida das proposições do silogismo expositório, se
deduz também das proposições do imperfeito de onde aquelas se inferem. Por
exemplo: que este silogismo em Darapti conclui necessariamente:

413
Pedro da Fonsera

Omne animal est sensus capax.


Otte etimal est corpus.
leitor dusddom conros est sensus capas

Hos pacto confirmari potese expositorio syllogismo.

Отне внай est «ensus capar.


Er ome seimal esp enrpus.
Ipitur hor snimal exe seas caper. Er hor animal est corpus

Tutt sit

Ha permal est sensus capar.


Ho animal est corpus.

leitor puxitem corpus est sensus capar.


Quare cs primo entroadente necessario sequitur extremum consequens
in. Daraphi, us desimas
Endem parto probari potest necessitas colligendi in modo Felupton.

Alo mado fon potet expositoria probatio, non colligendo quidem ex

sumptonibus imperfo ti syllogismi sumptiones expositorii (saepe enim colligi


aos presunt, ut an carteris quattuor modis tertiae figurae, quae ex particulari
proposifsone noe colligitur singularis) sed sumendo sub medio termino aliquid

angular, ratione curus vera sit particularis sumptio, et extruendo ex ciusmodi


sagular medio, a cisdem extremis similiter se habentibus secundum
afhrmationem, cf argationem, syllogismum expositorium, qui eandem colligar
conclusionem Norbi causa, si quis negaverit hune syllogismum in Disamis
necessano concludert

Quidam homo est grammaticus,


Omnis homo est animal,
Igirur quaddam animal est grammaticum,

Sic poterit neirasitas consequuntionis hoc probationis genere con rmari.


Summo hominem aliquem singulare, ratione cuius vere dictum sit, aliquem
hominem cso grammaticum, ut pote Antonium. Tum conficio expositorium
sy logismum hoc modo,
Antonius est grammaticus,
Antonio est animal,
Igirur quoddam animal est gramaticum.
Quia igitur quidam homo dicitur grammaticus ratione Antonii, efficitur,
ut si ex to quad Antonius est grammaticus, et est animal, colligitur quoddam
animal esse grammaticum, eadem conclusio colligatur ex eo quod quidam

414
fi
Livro VI das Instituições Dialéticas

Todo o animal é dotado de sentidos,


Todo o animal é corpo,
Logo, algum corpo é dotado de sentidos,
pode confirmar-se por um silogismo expositório, deste modo:
Todo o animal é dotado de sentidos,

Logo, este animal é doda o de secal é corpose animal é corpo.


Agora:
Este animal é dotado de sentidos,

Logo, alguns capital é cop de sentidos.


Portanto, de um primeiro antecedente necessário, segue-se, finalmente,
como dissemos, um consequente em Darapti.
Pode provar-se do mesmo modo a necessidade de concluir no modo
Felapton.
Mas a prova expositória pode fazer-se de outro modo, não concluindo
das proposições do silogismo imperfeito as proposições do expositório (pois,
muitas vezes, não podem concluir-se, como nos restantes quatro modos
da terceira figura, porque, de uma proposição particular, não se deduz uma
singular), mas tomando por termo médio algo de singular, em razão do qual
a proposição particular seja verdadeira, e construindo, a partir de um termo
médio singular do mesmo gênero e dos mesmos extremos, que estão entre
si de um modo semelhante segundo a afirmação e a negação, um silogismo
expositório que infira a mesma conclusão. Por exemplo: se alguém negar que
este silogismo em Disamis
Algum homem é gramático,
Todo o homem é animal,
Logo, algum animal é gramático,
não conclui necessariamente, poderá provar-se assim a necessidade de
consecução neste gênero de prova: tomo algum homem singular em razão do
qual seja verdadeiro o enunciado algum homem é gramático, por exemplo
Antônio; construo, então, o silogismo expositório deste modo:
Antônio é gramático,
Antônio é animal,
Logo, algum animal é gramático.
Uma vez que, pois, em razão de Antônio, algum homem se diz gramático,
resulta: se, pelo fato de Antônio ser gramático e ser animal, se deduz que algum
animal é gramático, a mesma conclusão se tira pelo fato de algum homem

415
Pedro da Fonseca

homo est grammaticus, et ominis homo est animal. Hoc pacto probantur per
expositionem reliqui quattuor modi tertiae figurae: quod facile est exemplis
ostendere.
De probatione igitur modorum tertiae figurae per expositionem, hacc
satis sint. Sed insurget quis contra ea, quae diximus, argumentabiturque hoc
modo, Hic syllogismus,
Aliquis oculus necessarius est ad videntum,
Omnis oculus est pars capitis,
Igitur aliqua pars capitis necessaria est ad videndum.
hic syllogismus, inquiet, est in Disamis, et tamen non potest probari
expositione, igitur non recte dictum est, omnes syllogismos tertiae figurae
hoc probationis genere posse probari. Confirmabit autem propositionem hac
ratione, Quia sub medio termino huius syllogismi non potest colligi, aut accipi
aliquid singulare, ratione cuius maior propositio sit vera: quandoquidem nec
dexter oculus meus (exempli causa) necessarius mihi est ad videndum, cum
sinistro cernere possim, nec sinister, cum dextro possim aspicere.

Dices tamem, maiorem propositionem propositi syllogismi duplicem


sensum habere posse, disiunctiuum, et disiunctum. Disiunctiuus est
huiusmodi, Hic oculus necessarius est ad videndum, aut ille oculus necessarius
est ad videndum:quo quidem pacto propositio est falsa, quia utraque pars
disiunctionis falsa est. Disiunctus sic habet, Hic oculus, aut hic necessarius est
ad videndum: qui sensus haud dubie verus est, quandoquidem indifferenter,
ac indeterminate alter oculus est ad videndum necessarius. Si ergo maior
propositio disiunctiuum habet sensum, ut a recentioribus Dialecticis ex forma
sua habere indicatur, syllogismus est in Disamis, sed ipsa est falsa, quo fit ut non
liceat sub subiecto eius colligere, aut sumere aliquid singulare, cui conveniat
praedicatum.
Si vero ei concedamus sensum disiunctum, ut populari sermone habere
videtur, erit illa quidem vera, sed non efficiet syllogismum. Particularis enim
propositio, quae ad syllogismum assumitur, immo quae proprie, ac simpliciter
particularis dicitur, disiunctiuum sensum habere debet. De sensu autem
disiunctivo, et disiuncto ad finem harum institutionum non nihil amplius
dicemus.149
Caput XXIX - De modalibus syllogismis
Dixi hactenus de materia, et forma absolutorum syllogismorum, nunc
quae sit materia et forma modalium quam potero brevissime docebo. Materia
cuiusque (quemadmodum de absolutis diximus) duplex est: propinqua, et
149 Nota do parágrafo: Solutio. / Sensus disiunctivus, et disiunctus. Quem sensum habere debear
particularis propositio in syllog. / Lib.8.

416
Livro VI das Instituições Dialéticas
ser gramático e de todo o homem ser animal. Provam-se de igual modo por
exposição os restantes quatro modos da terceira figura. E fácil mostrá-lo com
exemplos.
Baste isto acerca da prova dos modos da terceira figura por exposição.
Mas insurgir-se-á alguém contra o que dissemos, e argumentará deste modo:
este silogismo
Algum olho é necessário para ver,
Todo o olho é parte da cabeça,
Logo, alguma parte da cabeça é necessária para ver,
este silogismo — dirá — é em Disamis e, no entanto, não pode provar-
se por exposição; portanto, sem razão se disse que todos os silogismos da
terceira figura podem provar-se por este gênero de prova. E confirmará a
segunda proposição com esta razão: é que pelo termo médio deste silogismo
não pode deduzir-se ou tomar-se alguma coisa singular em razão da qual seja
verdadeira a proposição maior, pois, nem o meu olho direito (por exemplo) me
é necessário para ver, uma vez que posso ver com o esquerdo, nem o esquerdo,
uma vez que posso ver com o direito.
Responder-se-á, porém, que a proposição maior do silogismo proposto
pode ter um duplo sentido: disjuntivo e disjunto. O disjuntivo é deste teor:
este olho é necessário para ver, ou aquele olho é necessário para ver; assim a
proposição é falsa, porque ambas as partes da disjunção são falsas. O disjunto
é assim: este ou aquele olho é necessário para ver; este sentido é, sem dúvida,
verdadeiro, pois, um dos olhos, indiferentemente ou indeterminadamente, é
necessário para ver. Se, portanto, a proposição maior tem um sentido disjuntivo,
como o julgam, por causa da forma, os dialéticos modernos, o silogismo é em
Disamis; mas ela é falsa; de onde se conclui que se não pode compreender sob
o seu sujeito ou assumir algo singular a que convenha o predicado.
Se, porém, lhe concedemos um sentido disjunto, como pelo falar do
povo parece ter, ela será verdadeira, mas não fará silogismo. Com efeito, uma
proposição particular que se toma para o silogismo dado por Aristóteles e,
mais ainda, aquela que própria e simplesmente se diz particular, deve ter
sentido disjuntivo. No entanto, sobre o sentido disjuntivo e disjunto diremos
mais alguma coisa no fim destas instituições.379

Capítulo XXIX - Dos silogismos modais


Até aqui falei da matéria e da forma dos silogismos absolutos; ensinarei,
agora, com a maior brevidade que me for possível, qual é a matéria e a forma
dos silogismos modais. A matéria de cada um (como dissemos dos absolutos)

379 Livro VIII, cap. 29.

417
Pedro da Fonseca

remota. Propinqua sunt duae propositiones modales, aut altera modalis, altera
absoluta, ut cernere licet in his syllogismis, 150
Necesse est omne animal esse substantiam,
Necesse est omnem hominem esse animal
Igitur necesse est omnem hominem esse substantiam,
Necesse est omnem virtutem esse qualitatem,
Omnis iustitia est virtus,
Igitur necesse est omnem iustitiam esse qualitatem.
Possuntque ad structuram modalium syllogismorum, non solum
modales propositiones cum absolutis, sed etiam modales cum modalibus
multifariam permisceri.
Remota vero materia sunt tres termini: in quibus quidem non numeratur
modus. Itaque ut modus in voncersione modalium non numeratur inter
praedicata et subiecta, sic in syllogismis modalibus non numeratur in terminis.
Denique forma modalium syllogismorum ex figura etiam et modo
constat, quemadmodum et absolutorum. Est que in utroque genere triplex
figura. At vero modi concludendi non idem sunt in omnibus. Quanquam
enim syllogismi, quorum utraque sumptio est ex necessario, eisdem illis modis
colligant conclusiones ex necessario, quibus absoluti colligunt absolutas (id
quod nullo negocio experieris) in reliquis tamen tanta est varietas, ut merito a
nobis hoc logo sint praetermittendi. 151

Caput XXX - De sylogismis ex obliquis


Sed antequam syllogismi simplicis facultates, seu potestates ab Aristotele
traditas refero, breviter de syllogismis, qui ex terminis obliquis constante, quia
non nihil exhibent negocii, dicendum arbitror.
Quattuor itaque documenta video fere observari in examine huiusmodi
syllogismorum.
Primum est. In modis affirmative concludentibus, si altera tantum
sumptio fuerit ex obliquo, apte efficietur conclusio ex obliquo, modo haec
duo observes: alterum, ut extremum obliquum in antecedente, sit obliquum
in consequente: alterum, ut cum medium fuerit obliquum in una sumptione,
extremum alterius sumptionis sit obliquum in conclusione. Exempla.

Omnis potestas est a Deo,


Regnum est potestas,
Igitur regnum est a Deo.
150 Nota do parágrafo: Materia propinqua modalium syllogi.
151 Nota do parágrafo: Materia remota modal. / Modi non idem sunt in omnibus syllogismis
modalibus, atque in absolutis.

418
Livro VI das Instituições Dialéticas
é dupla: próxima e remota. A matéria próxima são duas proposições modais, ou
uma modal e outra absoluta, como pode ver-se nestes silogismos:
E necessário que todo o animal seja substância,
É necessário que todo o homem seja animal,
Logo, é necessário que todo o homem seja substância.
E necessário que toda a virtude seja qualidade,
Toda a justiça é virtude,
Logo, é necessário que toda a justiça seja qualidade.
Na construção dos silogismos modais, podem, muitas vezes, misturar-se
não só proposições modais com absolutas, mas ainda modais com modais.
A matéria remota são os três termos, entre os quais, evidentemente, se
não conta o modo. Portanto, da mesma maneira que na conversão das modais,
entre os predicados e os sujeitos, o modo se não conta, assim, nos silogismos
modais, se não conta entre os termos.
Finalmente, a forma dos silogismos modais, como a dos absolutos,
consta também de figura e de modo. Existe em ambos os gêneros uma tríplice
figura. Mas os modos de concluir não são os mesmos em todas. Embora os
silogismos, em que ambas as premissas são necessárias, infiram conclusões
necessárias pelos mesmos modos por que os absolutos inferem absolutas (o
que sem qualquer dificuldade se verificará), nos restantes, todavia, é tão grande
a sua variedade que, neste lugar, devemos com razão passá-los em silêncio.

Capítulo XXX - Do silogismo de termos em casos oblíquos


Mas, antes de referir as propriedades ou poderes do silogismo simples
referidas por Aristóteles, julgo dever falar brevemente dos silogismos que
constam de termos oblíquos, porque oferecem certa dificuldade.
No exame, pois, deste gênero de silogismos, vejo que quase sempre se
observam quatro regras.
A primeira é: nos modos que concluem afirmativamente, se houver
apenas uma proposição de termo oblíquo, inferir-se-á de maneira apta uma
conclusão de termo oblíquo, desde que se observem duas coisas: primeira: que
o extremo oblíquo no antecedente seja oblíquo no consequente; segunda: que
quando o médio for oblíquo numa proposição, o extremo da outra proposição
seja oblíquo na conclusão. Exemplos:
Todo o poder vem de Deus,
A realeza é poder,
Logo, a realeza vem de Deus.

419
Pedro da Fonseca

Omnis virtus est honestas,


In omni probo est virtus,
Igitur in omni probo est honestas.
Contrariorum eadem est scientia,
Sanitas, et morbus sunt contraria,
Igitur sanitatis et morbi eadem est scientia.
Omne vitium est malum,
Quaedam appetitio est vitii,
Igitur quaedam appetitio est mali.
Secundum. In modis negative concludentibus, si affirmativa tantum
fuerit ex obliquo, nulla conclusio efficietur, sine ex rectis, sine ex obliquo. Si
vero sola negativa ex obliquo fuerit, efficietur conclusio ex obliquo observatis
duabus animadversionibus superioris documenti. Verbi causa, ratiocinationes
in hac oratione comprachensae nihil colligunt.

Nullus sol est animal,


Omnis equus est a sole,
Igitur nullus equus est animal, vel, ab animali.
Hae vero recte concludunt,
Nullum vitium est in Deo,
Omnis acceptio personarum est vitium,
Igitur nulla personarum acceptio est in Deo.
Omnis pax est tranquilla libertas,

Impiono ies irania libertas,


Nulli mortali est impune peccare,
Omnis rex est mortalis,
Igitur nulli regi est impune peccare.
Omnis pietas est virtus,
Nulla reprehensio est virtutis,
Igitur nulla reprehensio est pietatis.
Tertium. In modis afirmative concludentibus, si ambae sumptiones
fuerint ex medio obliquo, aut utraque ex obliquo extremo nulla conclusio
efficietur, sine ex rectis, sine ex obliquo. Hae siquidem sunt ineptae
ratiocinationes,
cuique homini inest intellectus,
cuique homini inest sensus,
igitur sensus est intelectus.

420
Livro VI das Instituições Dialéticas

Toda a virtude é honestidade,


Em todo o probo há virtude,
Logo, em todo o probo há honestidade.
É a mesma a ciência dos contrários,
A saúde e a doença são contrários,
Logo, é a mesma a ciência da saúde e da doença.
Todo o vício é mal,
Algum desejo é próprio do vício,
Logo, algum desejo é próprio do mal.
Segunda: nos modos que concluem negativamente, se apenas a afirmativa
for de termo oblíquo, nenhuma conclusão se inferirá, nem de termos retos nem
de termo oblíquo. Se, porém, somente a negativa for de termo oblíquo, inferir-
se-á uma conclusão de termo oblíquo, observando-se as duas advertências da
regra anterior. Por exemplo, os raciocínios compreendidos nesta oração nada
concluem:
Nenhum sol é animal,
Todo o cavalo é pelo sol,
Logo, nenhum cavalo é animal, ou por um animal.
Estes, porém, concluem retamente:
Nenhum vício existe em Deus,
Toda a acepção de pessoas é vício,
Logo, nenhuma acepção de pessoas existe em Deus.
Toda a paz é liberdade tranquila,
Para o ímpio não há liberdade tranquila,
Logo, para o ímpio não há paz.
Para nenhum mortal é impune pecar,
Todo o rei é mortal,
Logo, para nenhum rei é impune pecar.
Toda a piedade é virtude,
Nenhuma repreensão é própria da virtude,
Logo, nenhuma repreensão é própria da piedade.
Terceira: nos modos que concluem afirmativamente, se ambas as
proposições forem de termo médio oblíquo ou ambas de extremo oblíquo,
nenhuma conclusão se tirará, nem dos termos retos nem do oblíquo. Por isso,
são raciocínios ineptos estes:
Em cada homem há inteligência,
Em cada homem há sentidos,
Logo, os sentidos são inteligência.

421
Pedro da Fonseca
Cuiusque regis est distribuere magistratus,

igitur parastics dis etere magistratus:


Omnis loquutio est a lingua,
omnis loquutio est a gutture,
igitur guttur est lingua,
vel
igitur guttur est a lingua.
Quartum. In modis negative concludentibus, si ambae fuerint ex medio
obliquo, aut utraque ex obliquo extremo, efficietur conclusio ex rectis: ut dicas,

Nulla fides regni sociis,


Confabulatio est regni sociis,
Igitur confabulatio non est fides.
Nullius iustitiae est contemnere mortis pericula,
Cuiusdam virtutis est contemnere mortis pericula,
Igitur quaedam virtus non est iustitia.
Haec fere videntur observari partim ab Aristotele dicta, partim a
posterioribus adiecta. Securius tamen putaverim, praeceptum illud Aristotelis,
quo iubet in resolutione atque examine huiusmodi syllogismorum revocare
propositiones ex obliquis ad propositiones ex rectis, non mutato sensu
propositionum. Hoc enim si fiat, facile iudicare quisque poterit, num
syllogismus ex obliquis apte concludat, an non. Nam si propositiones ex rectis
habentes eundem sensum, effecerint conclusionem, quae idem significet atque
illa, quae syllogismo ex obliquis colligebatur, apte concludere dicendus erit
syllogismus ex obliquis: si minus, vitiosa erit ratiocinatio.

Hoc igitur ut fiat aliquando loco casus obliqui ponendus est rectus
eiusdem nominis mutata aliquantulum reliqua oratione: ut si sensum illius
propositionis, Contrariorum eadem est scientia, hoc modo exprimas, Contraria
sunt res, quarum cadem est scientia, vel hoc modo, Contraria cadunt sub eadem
scientia. Aliquamdo vero ex sensu enunciationis eliciendus est rectus alterius
nominis, cui adiungatur idem obliquus, aut alius, qui eundem sensum efficiat:
ut si id, quod dictum est, Omnis potestas est a Deo, dicas hoc modo, Omnis
potestas est donum a Deo, vel, donum Dei. His ergo, et aliis modis revocare
poteris propositiones ex obliquis ad propositiones ex rectis, ut intelligas sit ne
apta, an vitiosa consequutio cuiusque propositi syllogismi ex obliquis.

422
Livro VI das Instituições Dialéticas
É próprio de cada rei distribuir magistraturas,

Logo, é próprio parapira spadio dir magistraturas.


Toda a fala provém da língua,
Toda a fala provém da garganta,
Logo, a garganta é a língua.
ou
Logo, a garganta provém da língua.
Quarta: nos modos que concluem negativamente, se ambas as
proposições forem de termo médio oblíquo ou ambas de extremo oblíquo,
inferir-se-á uma conclusão dos termos retos, como se se disser:
Nenhuma fé há para os cidadãos do reino,
Para os cidadãos do reino há conversação,
Logo, a conversação não é fé.
Não é próprio de nenhuma justiça desprezar os perigos de morte,
E próprio de alguma virtude desprezar os perigos de morte,
Logo, alguma virtude não é justiça.
Parece que, destes enunciados, uns foram observados por Aristóteles, 380
outros acrescentados pelos autores posteriores. Estou, porém, em considerar
mais seguro aquele preceito de Aristóteles381 que manda, na resolução e
exame deste gênero de silogismos, reduzir as proposições de termos oblíquos
a proposições de termos retos, sem mudar o sentido das proposições. Fazendo
assim, facilmente qualquer poderá julgar se o silogismo de termos oblíquos
conclui bem ou não. Efetivamente, se as proposições de termos retos, que têm
o mesmo sentido, inferirem uma conclusão que signifique o mesmo que aquela
que se inferia por um silogismo de termos oblíquos, deverá dizer-se que este
conclui aptamente dos oblíquos; se não, o raciocínio será vicioso.
Para que isto se consiga, deve umas vezes pôr-se, em lugar do caso
oblíquo, o caso reto da mesma palavra, mudando um pouco o resto da
oração; por exemplo, se o sentido daquela proposição é a mesma a ciência
dos contrários, se exprimir deste modo: os contrários são coisas cuja ciência é
a mesma; ou deste outro: os contrários caem sob a alçada da mesma ciência.
Outras vezes, porém, deve extrair-se, conforme o sentido da enunciação, o caso
reto da outra palavra a que se junta o mesmo termo oblíquo ou outro que tenha
o mesmo sentido, como se isto que se apresentou todo o poder vem de Deus, se
disser deste modo: todo o poder é dom vindo de Deus ou é dom de Deus. Por
estes e por outros modos, poder-se-ão, pois, reduzir as proposições de termos

380 Primeiros Analíticos, 1,37.


381 No mesmo lugar.

423
Pedro da Fonseca

Caput XXXI - De quibusdam syllogismorum facultatibus


Sex facultates, seu potestates syllogismorum simplicium tradit
Aristoteles.152

convertentem. Amplius extenditur haec potestas ab Aristotele, sed haec dixisse


satis fit hoc loco.
Secunda potestas est, Vera ex falsis colligendi. Nam eadem ratiocinationis
forma, qua ex veris verum colligimus, possumus ex falsis verum itidem
concludere: id quod ex susupradictis facile intelliges.

Tertia est, Circulariter, seu in orbem ratiocinandi. Quod tum sit, cum
ex cadem conclusione, et convertente alterius sumptionis, altera sumptio
colligitur. Verbi causa, si dicas,
Omne quod est risus capax, est fletus capax,
omnis homo est risus capax,
igitur omnis homo est fletus capax,
ex conclusione quidem cum convertente maioris colliges minorem, er
eadem vero conclusione cum convertente minoris colliges minorem. Dices
enim,
Omnis homo est fletus capax,
omne fletus capax est risus capax,
igitur omnis homo est risus capax.
Et rursus.
Omnis homo est fletus capax,
omne risus capax est homo,
igitur omne risus capax est fletus capax.
Hic conversio late accipitur, ut scilicet complectitur reciprocationem
simplicem ex vi materiae, quae quidem sit inter terminos convertibiles, hoi
est, qui de se invicem universali affirmatione dicuntur, quales sunt ii, ex quibus
nunc propositi syllogismi confecti sunt. Unde fit, ut perfecta circulatio, hoc est.

qua utraque sumptio concluditur in Barbara duntaxat fieri possit.

152 Nota do parágrafo: 1. Lib.prio. a cap. 1. usque ad. 17.

424
Livro VI das Instituições Dialéticas
oblíquos a proposições de termos retos, para se perceber se é apta ou viciosa a
consecução de qualquer silogismo de termos oblíquos com que se depare.

Capítulo XXXI - De algumas propriedades dos silogismos


Aristóteles 82 apresenta seis propriedades ou poderes dos silogismos
simples.
A primeira é a de concluir várias coisas. Quem, na verdade, infere
uma subalternante pode também inferir uma subalternada, e quem conclui
uma convertida pode concluir uma convertente. Esta propriedade é mais
desenvolvida por Aristóteles, mas, neste lugar, bastará tê-la enunciado.
A segunda propriedade é a de deduzir coisas verdadeiras das falsas.
Efetivamente, pela mesma forma de raciocínio com que concluímos o
verdadeiro de coisas verdadeiras, podemos concluir o mesmo verdadeiro de
coisas falsas; o que facilmente se entenderá pelo que se disse atrás. 383
A terceira é a de raciocinar circularmente ou em círculo. Isto dá-se
quando, de uma mesma conclusão e da convertente de outra proposição, se
infere outra proposição. Por exemplo, se se disser:
Tudo o que é capaz de riso é capaz de choro,
Todo o homem é capaz de riso,
Logo, todo o homem é capaz de choro,
da conclusão com a convertente da maior deduz-se a menor; da mesma
conclusão com a convertente da menor deduz-se a maior. Dir-se-á, pois:

Todo o homem é capaz de choro,


Todo o que é capaz de choro é capaz de riso,
Logo, todo o homem é capaz de riso.
E ainda:
Todo o homem é capaz de choro,
Todo o capaz de riso é homem,
Logo, todo o capaz de riso é capaz de choro.
Toma-se aqui a conversão em sentido lato, isto é, de maneira que encerre
simples reciprocidade por força da matéria; aquela que, aliás, se faz entre termos
convertíveis, isto é, os que se dizem uns dos outros por uma afirmação universal,
tais como aqueles de que agora fizemos o silogismo apresentado. Acontece,
portanto, que a perfeita circulação, isto é, aquela pela qual se concluem ambas
as proposições, pode fazer-se apenas em Barbara.

382 Primeiros Analíticos, livro II, do cap. 1 até ao 17.


383 Cap. 5.

425
Pedro da Fonseca

Quarta est, Conversive ratiocinandi. Quod tunc potissimum fieri docet


Aristoteles, cum ex contradictorio conclusionis, cum altera sumptionum,
colligitur contradictorium alterius sumptionis. Hoc modo diximus supra,
probari posse omnes imperfectos syllogismos.
Quinta est, Ratiocinandi per impossibile. Quod quo pacto fiat superius
diximus, cum de syllogismo ducente ad impossibile disseruimus. Differt autem
haec potestas a superiori, quod illa requirit confectum prius syllogismum, ut
sumat contradictorium conclusionis cum altera sumptionum, haec solum ponit
negatam esse aliquam veram propositionem, cuius contradicentem cum aliqua
perspicue vera propositione accipit.
Sexta est, Ratiocinandi ex oppositis. Quod tunc fit, cum ex duabus
contrariis, aut contradictoriis, concludimus enunciationem, inqua idem de se
ipso negetur. Ut si dicas,
Omnis homo est animal,
et nullus homo est animal,
igitur nullus homo est homo:
Nullus lapis est sensus particeps
, quidam lapis est sensus particeps,
igitur quidam lapis non est lapis.
Est autem hoc ratiocinandi genus accomodatissimum ad revicendos eos,
qui per proterviam oppositas propositiones admittunt.
Heac de syllogismis simplicibus, seu categoricis videntur satis, nunc de
coniunctis aliquid dicamus.

Caput XXXII - De syllogismis coniunctis, sive hypotheticis


Syllogismus coniunctus, seu hypotheticus, is esse definitur, qui ex
una principali propositione coniuncta, et altera quadam siue coniuncta, siue
simplici minus principali, conclusionem colligit: ut,
Si Socrate est virtute praeditus, est laude dignus,
si autem est iustus, est virtute praeditus,
igitur si est iustus, est laude dignus:
Si sol lucet, dies est,
sol autem lucet,
dies igitur est:
Si sol lucet, dies est,
non est autem dies,
igitur sol non lucet.

426
Livro VI das Instituições Dialéticas
A quarta é a de raciocinar conversivamente. Isto mesmo ensina
Aristóteles384 a fazer sobretudo quando, do contraditório da conclusão com
uma das proposições, se deduz o contraditório da outra proposição. Dissemos
acima385 que todos os silogismos imperfeitos podiam provar-se deste modo.
A quinta é a de raciocinar pelo impossível. O modo como se faz
dissemo-lo acima,386 quando discorremos acerca do silogismo que conclui no
impossível. Esta propriedade difere da anterior nisto: aquela requer o silogismo
feito de antemão para tomar o contraditório da conclusão com uma das
proposições; esta supõe somente que foi negada alguma proposição verdadeira,
cuja contraditória se toma com alguma proposição manifestamente verdadeira.
A sexta é a de raciocinar a partir de opostos, o que acontece quando, de
duas contrárias ou contraditórias, concluímos uma enunciação na qual se nega
o mesmo de si mesmo, como se se disser:
Todo o homem é animal,
E nenhum homem é animal,
Logo, nenhum homem é homem.
Nenhuma pedra é dotada de sentidos,
Alguma pedra é dotada de sentidos,
Logo, alguma pedra não é pedra.
Este gênero de raciocínios é muito apropriado para refutar aqueles que,
por audácia, admitem proposições opostas.
Isto parece ser o suficiente acerca dos silogismos simples ou categóricos;
digamos agora alguma coisa acerca dos compostos.

Capítulo XXXII - Dos silogismos compostos ou hipotéticos


Silogismo composto ou hipotético define-se aquele que, de uma
proposição principal composta e de uma outra composta ou simples menos
principal, infere uma conclusão, como:
Se Sócrates é dotado de virtude, é digno de louvor,
Se é justo, é dotado de virtude,
Logo, se é justo, é digno de louvor.
Se o sol brilha, é dia,
Ora o sol brilha,
Logo é dia.
Se o sol brilha é dia,
Ora não é dia,
Logo, o sol não brilha.
384 No mesmo lugar, cap. 8 e seguintes.
385 Сар. 27.
386 Caps. 22 e 27.

427
Pedro da Fonseca

Principalis propositio dicitur apud Boëthium et maior, et propositio,


et sumptum: minus principalis, tum minor, tum assumptio. Quanquam vero
minor et conclusio, tum categoriae, tum hypotheticae esse possint, nos tamen
in praesentia de iis tantum hypotheticis syllogismis disseremus, qui ex minore
ac conclusione categoricis conficiuntur. Sunt enim simpliciores. Qua de causa
illos etiam omittemus, in quibus maior propositio constat pluribus, quam
duabus categoricis.
Triplex est igitur syllogismus coniunctus, conditionalis, copulatiuus et
disiunctiuus: ratione videlicet maioris propositionis, quae triplex esse potest,
condicionalis, copulativa, et disiunctiva, de quibus supra dictum est.153
Conditionalium duplex figura esse dicitur. Prior est, cum ponitur
antecedens propositionis, ut ponatur consequens. Posterior, cum tollitur
consequens, ut tollatur antecedens. Utriusque sunt paulo ante allata exempla.

Modi singularum sunt quattuor. Aut enim tam antecedens, quam


consequens affirmant, ut,

Si sol lucet, dies est,


at sol lucet,
ergo est dies:
aut utruque negat, ut,

Si sol non lucet, non est dies,


at sol non lucet,
igitur non est dies:
aut antecedens affirmat, consequens negat, ut,

Si sol lucet, non est nox,


ergo non est nox:
aut antecedens negat, et consequens affirmat, ut,
Si sol non lucet, nox est,
at sol non lucet,
nox igitur est.
Atque hi sunt primae figurae. Secundae autem sunt huiusmodi,

Si sol lucet dies est,


non est autem dies,
igitur sol non lucet:

153 Nota do parágrafo: Ex Cicero.in.top.et Boëthin lib.d syllog. Hypot. Et. D. Tho.opus. 48 cap. 16.
et sequentibus, et duerr.1 pri.ad cap.32 / Maior propositio. Minor. De quibus syllog. Hypoth agendum. /
Triplex syllog. Hypoth. Seu coniunctus. / Lib.3.

428
Livro VI das Instituições Dialéticas

A proposição principal, em Boécio, chama-se não só maior, mas também


proposição e assumido; a menos principal chama-se quer menor, quer assunção.
Embora, de fato, a menor e a conclusão possam ser quer categóricas, quer
hipotéticas, todavia, por agora, trataremos apenas dos silogismos hipotéticos
que constam de uma menor e de uma conclusão categórica. São mais simples.
Por esse motivo, omitiremos ainda aqueles em que a proposição maior consta
de mais que duas categóricas.
Há, portanto, três espécies de silogismo composto: condicional,
copulativo e disjuntivo, em razão, evidentemente, da proposição maior, que
pode ser condicional, copulativa e disjuntiva, como acima"7 se disse.
É dupla a figura dos condicionais. Uma verifica-se quando se põe o
antecedente da proposição para se pôr o consequente; a outra, quando se tira o
consequente para se tirar o antecedente. De ambas foram dados exemplos um
pouco atrás.
Os modos de cada figura são quatro. Na verdade, ou tanto o antecedente
como o consequente afirmam, como:
Se o sol brilha, é dia,
Ora o sol brilha,
Logo, é dia;
ou ambos negam, como:
Se o sol não brilha, não é dia,
Ora o sol não brilha,
Logo, não é dia;
ou o antecedente afirma e o consequente nega, como:
Se o sol brilha, não é noite,
Ora o sol brilha,
Logo, não é noite;
ou o antecedente nega e o consequente afirma, como:
Se o sol não brilha, é noite,
Ora o sol não brilha,
Logo, é noite.
Estes são os da primeira figura. Os da segunda, porém, são do mesmo
gênero:
Se o sol brilha, é dia,
Ora não é dia,
Logo, o sol não brilha.

387 Livro III, cap. 14 e restantes.

429
Pedro da Fonseca

Si sol non lucet, non est dies,


at est dies,
ergo sol lucet:
Si sol lucet, non est nox,
at est nox,
igitur sol non lucet:
Si sol non lucet, nox est,
non est autem nox,
igitur sol lucet.
De conditionalibus negativis, in quibus nimirum conditionalis particula
negatur, nihil in presentia dicemus, quia fere non sunt in usu. 154
Copulativi autem affirmativi, hoc est, in quibus copulativa coniunctio
non negatur, nulli sunt. Si enim ita dicas, Socrates est philosophus, et est bonus
vir, igitur est philosophus, vel igitur est bonus vir, non feceris syllogismos, sed
enthymemata quaedam conditionalium syllogismorum, in quibus videntur

de sia mais. si positione pisorate esplos rester boni vit


In negativis autem una tantum figura esse videtur, in qua nimirum altera
pars propositionis ponitur, ut altera tollatur.
Exemplum.
Non et die est, et nox est,
est autem dies,
nox igitur non est,
vel,
est autem nox,
non est igitur dies.
Nam qui alteram tollit ut alteram ponat, non recte concludit, ut si dicas,

Non et Socrates deambulat, et sedet,


non deambulat autem,
igitur sedet:
vel,
non sedet autem,
igitur deambulat.

154 Nota do parágrafo: Conditionalium syllog.duplex figura. / In singulis figuris sunt quattuor modi.
155 Nota do parágrafo: Copulativi syllog. Affirmativi nulli sunt. / Adverte

430
Livro VI das Instituições Dialéticas

Se o sol não brilha, não é dia,


Ora é dia,
Logo, o sol brilha.
Se o sol brilha, não é noite,
Ora é noite,
Logo, o sol não brilha.
Se o sol não brilha, é noite,
Ora não é noite,
Logo, o sol brilha.
Nada diremos, por agora, dos condicionais negativos, em que a partícula
condicional é negada, pois já quase se não usam.
Copulativos afirmativos, isto é, aqueles em que se não nega a conjunção
copulativa, não existem nenhuns. Realmente, se se disser assim: Sócrates é
filósofo e é bom homem; logo, é filósofo, ou logo, é bom homem — não se
farão silogismos, mas uma espécie de entimemas de silogismos condicionais,
em que parecem faltar estas proposições maiores: se Sócrates é filósofo e é bom
homem, é filósofo; se Sócrates é filósofo e é bom homem, é bom homem.
Nos negativos, porém, parece existir apenas uma figura, na qual, como é
óbvio, se põe uma parte da proposição para tirar a outra.
Exemplo:
Não é [simultaneamente dia e noite,
Ora é dia,
Logo, não é noite,
ou:
Ora é noite,
Logo, não é dia.
Efetivamente, quem tira uma para pôr outra não conclui retamente,
como se se disser:
Sócrates não caminha e está sentado [ao mesmo tempo],
Ora não caminha,
Logo, está sentado,

ou:
Ora não está sentado,
Logo, caminha.

431
Pedro da Fonseca
Potest enim cubare. Hic generis tres sunt modi. Aut enim utraque pars
propositionis affirmat, ut in proposito exemplo cernis, aut utraque negat, ut si
dicas,
Non et Socrates non dormit, et non vigilat,
non dormit autem,
ergo vigilat,
vel,
non vigilat autem,
ergo dormit:
aut altera pars affirmat, altera negat, ut si dicas,
Non et Socrates deambulat, et non movetur,
deambulat autem,
ergo movetur,
vel,
non movetur autem,
ergo non deambulat.
Idem modus erit, si prior pars propositionis neget, posterior affirmet, ut
si diceres,
Non et Socrates non movetur, et deambulat,
non movetur autem,
ergo non deambulat,
vel
deambulat autem,
ergo movetur.
In his omnibus ut dixi sublata una parte statim ponitur altera. 156

In disiunctivis denique affirmativis, hoc est, in quibus disiunctiva


particula non negatur (reliquum etenim genus, ut minus usurpatum omittimus)
duplex est figura, si modo disiunctio sit ex repugnantibus, quo pacto veteres
de disiunctione loquuti sunt. Prior ponit alteram portem, ut alteram tollat.
Posterior tollit alteram, ut alteram ponat. Modi singularum tres sunt. Aut
enim utraque pars propositionis affirmat, ut si dicas,
Aut dies est, aut nox est,
est autem dies,
ergo non est nox,

non156
statim
Notaponitur altera. Copulativorum negantium una est figura, modi vero tres. / Una sublata parte
do parágrafo:

432
Livro VI das Instituições Dialéticas
Pade, na verdade, estar deitado. São três os modos deste gênero. Com
efeito, ou ambas as partes da proposição a rmam, como se vê no exemplo
apresentado; ou ambas negam, como se se disser:
Scictates não dorme e (simultaneamente| não está acordado.
Ota não dorme.
Logo, está acordado.
ou:
Ora não está acordado.
Logo, dorme.
ou uma parte a rma e outra nega, como se se disser:
Nem Sócrates anda e (simultaneamente] não se move,
Ora anda.
Logo, move-se.
ou:
Ora não se move,
Logo, não anda.
Será o mesmo modo, se a primeira parte da proposição negar e a segunda
afirmar, como se se disser:
Nem Sócrates (simultaneamente] se não move e anda,
Ora não se move,
Logo, não anda,
оц:
Ora anda,
Logo, move-se.
Em todos estes, como disse, posta uma parte, imediatamente se tira a
ouira.
Finalmente, nos disjuntivos afirmativos, isto é, naqueles em que a
particula disjuntiva não é negativa (omitimos, com efeito, o outro gênero,
porque menos usado), há uma dupla figura, se, de fato, a disjunção é de coisas
repugnantes, como os antigos a entendiam. A primeira põe uma parte para
excluir outra. A segunda exclui uma para pôr outra. Os modos de cada uma são
três. Com efeito, ou ambas as partes da proposição afirmam, como se se disser:

Qué dia eu é noite,


Logo, não é noite,

433
fi
fi
Pedro da Fonseca
vel,
est autem nox,
ergo non est dies:
aut utraque negat, ut sii dicas,
Aut dies non est, aut nox non est,
non est autem dies,
ergo nox est,
vel,
non est autem nox,
ergo dies:
aut altera pars affirmat, altera negat: ut,
Aut dies est, aut sol non lucet,
dies autem est,
ergo sol lucet et caet.
Atque haec exempla ad priorem figuram pertinent. Posterioris haec sunt.
Aut dies est, aut nox est,
non est autem dies,
ergo non est,
vel,
non est autem non,
ergo dies.
Aut dies non est, aut nox non est,
est autem dies,
ergo non est nox,
vel,
est autem nox,
ergo non est dies:
Et sic in caeteris. Cum autem disiunctio non est ex repugnantibus,
ut, Aut Miloni insidias fecit Clodius, aut Clodio Milo, sola posterior figura
apta est. Nam si disiunctio ex duabus partibus (de hac enim loquimur) est
vera, altera autem pars est falsa, dubium non est, quin altera sit vera: alioqui
tota propositio esset falsa. Non tamen si altera pars verae disiunctionis vera
est, statim altera falsa erit, cum utraque vera esse possit, ut ex iis, quae supra
diximus, perspicuum est.

434
Livro VI das Instituições Dialéticas

ou:
Ora é noite,
Logo, não é dia,
ou ambas negam, como se se disser:
Ou não é dia ou não é noite,
Ora não é dia,
Logo, é noite,
ou:
Ora não é noite,
Logo, é dia,
ou uma parte afirma e outra nega, como:
Ou é dia, ou o sol não brilha,
Ora, é dia,
Logo, o sol brilha, etc.
Pertencem estes exemplos à primeira figura. Da segunda são os seguintes:

Oud nou é noite,


Logo, é noite,

ou:
•logo, é noite,
Ou não é dia, ou não é noite,
Ora é dia,
Logo, não é noite.

ou:
Ora é noite,
Logo, não é dia.
E assim nos restantes. Quando, porém, a disjunção não é de repugnantes,
como: ou Clódio armou insídias a Milão, ou Milão a Clódio — só a segunda
figura é apta. Com efeito, se a disjunção de duas partes (é desta, com efeito, que
falamos) é verdadeira, mas uma parte é falsa, não há dúvida de que a outra é
verdadeira; de contrário, toda a proposição é falsa. Porém, se uma parte de uma
disjunção verdadeira for verdadeira, não se segue imediatamente que a outra
seja falsa, uma vez que ambas podem ser verdadeiras, como é evidente pelo que
atrás388 dissemos.

388 Livro III, cap. 17.

435
Pedro da Fonseca
Haec de syllogismis hypotheticis satis esse videntur. Reliqua enim
fere, quae in hac re dici possunt, spinosa admodum sunt, et parum frugifera:
quorum apud Boëthium latissimus patet campus.

Reliquum est igitur ut quoniam de syllogismo iam diximus, caetera tria


argumentationum genera persequamur. 157

Caput XXXIII - De Enthymemate


Enthymema dicitur apud Aristotelem syllogismus imperfectus, non ea
quidem significatione, qua omnes, qui sunt per se noti ac evidentes, dicuntur
imperfecti (quo pacto de imperfectis syllogismis superius loquuti sumus) sed
alterius sumptionis praetermissione. Exempla.
Virtus est, qua nemo male uti potest,
Igitur virtus est simpliciter bona.
Item.

Idquo nem mai uti potes, pt impliciter bonum,


In priori deest propositio, in posteriori assumptio. Unde Boëthius
explicans quo pacto enthymema dicatur imperfectus syllogismus, Enthymema,
inquit, est oratio, in qua non omnibus antes propositionibus constitutis, infertur
festinata conclusio.
Quod vero Aristoteles adiungit, enthymema esse ex verisimilibus, aut
signis, ita accipendum est, quasi frequentius ita accidat. Quia enim saepius
oratores, quam Dialectici et philosophi enthymematis utuntur, efficitur, ut
fere enthymemata ex verisimilibus aut signis, quae oratoribus sunt familiaria,
concludantur. Quia vero omnis sententia, teste Cicerone, enthymema vocatur,
dicam quo pacto id intelligendum sit. Aristoteles secundo ad Theodecten libro
ait, sententiam esse anunciationem de re aliqua universali, quae amplectenda sit,
aut vitanda: utque hac esse partem enthymematis, nunca quidem integrantem,
veluti si dicas, Non est hominibus fovenda ira immortali: nunc vero subiectam,
quae vere est enthymema, ut si dicas, Non est mortalibus fovenda ira
immortalis. Quodenim dicitur, Mortalibus, obiter inculcat antecedens. Itaque
sententiae, in quibus ratio obiter inseritur, sunt enthymemata: caetere, vel
conclusiones, vel antecedentia tantum enthymematum dicendae sunt. Sed
ut Homerus propter excellentiam commune poetarum nomen effecit apud
Graecos suum, sic, cum omnis sententia (in qua ratio inseritur) enthymema

157 Nota do parágrafo: Disiunctivorum syllogi. duplex figura apud veteres:modi cuiusque tres. /
1i.3.ca.17.

436
Livro VI das Instituições Dialéticas
Isto parece ser o suficiente a respeito dos silogismos hipotéticos.
Efetivamente, o mais que possa dizer-se sobre este assunto é sobremaneira
espinhoso e de poucos frutos; acerca disso, um vastíssimo campo se oferece
em Boécio. 389
Uma vez que já falamos do silogismo, resta-nos agora prosseguir nos
outros três gêneros de argumentação.

Capítulo XXXIII - Do entimema


Do entimema diz Aristóteles 90 que é um silogismo imperfeito, não
com a significação que se atribui a todos os que não são conhecidos por si
e evidentes (neste sentido, falamos atrás de silogismos imperfeitos), mas em
virtude da omissão de uma proposição. Exemplos:
Virtude é aquela coisa de que ninguém pode usar mal,391
Logo, a virtude é simplesmente boa.
Do mesmo modo:
Aquilo de que ninguém pode usar mal é simplesmente bom.
Logo, a virtude é simplesmente boa.
Na primeira, falta a maior; na segunda, a menor. Daí que Boécio, 392
explicando a razão por que o entimema se chama silogismo imperfeito, diz: o
entimema é a oração na qual, não postas antes todas as proposições, se tira uma
conclusão apressada.
O fato de Aristóteles?93 ajuntar que o entimema provém de coisas
verosímeis ou de imagens, deve tomar-se como se assim sucedesse muito
frequentemente. Visto que os oradores usam de entimemas muito mais
vezes que os dialéticos e os filósofos, acontece que, a maior parte das vezes,
os entimemas são concluídos de coisas verossímeis ou de imagens que são
familiares aos oradores. Porque, segundo o testemunho de Cícero,394 toda a
sentença se chama entimema, explicarei o modo como isto deve entender-se.
Aristóteles, no segundo livro a Teodoreto, 395 diz que a sentença é a enunciação
acerca de alguma realidade universal que deve ser seguida ou evitada; e que esta
é parte do entimema, ora de certo integrante, como se se disser: os homens não
devem alimentar uma ira imortal; ora dependente, que é o verdadeiro entimema,
como se se disser: os mortais não devem alimentar uma ira imortal. Na verdade,

389 No livro Do Silogismo hipotético, e no livro V dos Tópicos de Cicero.


390 Primeiros Analíticos, II, 27.
391 Santo Agostinho, Do Livre Arbítrio, Livro II, cap. 19; Santo Tomás, II, questão 55, artigo 4.
392 Das Diferenças dos Tópicos, II.
393 No lugar citado.
394 Nos Tópicos.
395 Cap. 21.

437
Pedro da Fonseca

dicatur, quia videtur ea, quae ex repugnantibus conficitur, acutissma, sola haec
proprie nomen commune possidet: ut, Quem quis non accusat, damnat?

Verum si ratio vocabuli habeatur, non modo omnis sententia, sed etiam
quaecunque mentis conceptio enthymema appellari potest. Dicitur enim
enthymema, quintiliano interprete commentum, et commentario: Boëthio
vero, animi conceptio.
Quo nomine videtur hoc argumentationis genus appellatum, ut ab
exemplo, quod est alterum genus popularis argumentationis, destingueretur.
Exemplum enim ex re singulari sensui subiecta contendit aliquid efficere
enthymema vero ex ratione communi, quam animus apud se excogitat. Id
quod Aristoteles docet. Per exempla, inquit, et fabulas facilius discitur. Sunt
etenim quae explorata habeantur, et particularia sint. Enthymemata vero
demonstrationes sunt ex universalibus, quae minus quamparticularia novimus
et caet. Quo minus mihi fit verisimile, propterea hanc argumentationis
formulam enthymema fuisse nominatam, quod §v Ovuc, hoc est in animo,
maneat illa sumptio, quae praetermittitur, ut quidam volunt. 158

Caput XXXIV - De inductione


Inductio est singularibus ad universalia progressio: ut Omne animal
nutritur, et omnis planta nutritur, igitur omne vivens nutritur: item, Nec
Croeso aurum, nec vires Achilli, nec Demostheni eloquentia, nec Alexandro
gloria foelicitatem aferre potuerunt, et sic res habet in cateris rebus caducis,
nemo igitur est, qui in rebus cum tempore labentibus foelix esse unquam
possit. Fit itaque inductio tum affirmando, tum negando. Fit etiam non modo
cum ex singularibus ad universalia progredimur, sed etiam cum ex quocumque
genere partium totum concludimus, ut exemplis facile perspicies. Verum quae
a singularibus ad universalia progreditur, praecipua est inductio, modo nomine
singularium non tantum intelligas ea, quae vere singularia sunt, sed etiam quae

158 Nota do parágrafo: 2.de differ. Top. / Loco citato. / De sententia in top. / Cap.21. / Cice. /
Lib.5.ca.1 Lib.5.in top. Cice. Cur hoc argumentationis genus dictum sit enthymema/ In problem.
secti. 18.q.3. / Alia ratio minus verisimilis.

438
Livro VI das Instituições Dialéticas
pelo fato de se dizer "mortais", indica-se de passagem o antecedente, como se
se tivesse dito: os homens são mortais; não lhes é lícito, portanto, alimentar
uma ira imortal. São, portanto, entimemas as sentenças em que a razão se toca
de passagem; as restantes devem chamar-se conclusões ou apenas antecedentes
de entimemas. Mas, assim como, entre os gregos, o nome Homero, pela sua
excelência, se tornou comum a muitos poetas, assim também, quando qualquer
sentença (na qual se inclui a sua razão) se chama entimema, é porque se parece
com aquela que se forma de repugnantes, sumamente engenhosa, a única
que possui% propriamente o nome comum, como: quem não acusa alguém,
condena-o?
Mas, se se atender à etimologia da palavra, pode chamar-se entimema

com só to que sente segundo inda rea Quer conota inen. Entimema,
para Boécio, 398 conceito mental.
Parece que tal gênero de argumentação se designa com este nome para
se distinguir do exemplo, que é outro gênero de argumentação popular. O
exemplo, na verdade, pretende fazer alguma coisa a partir de algo singular,
sujeito aos sentidos; o entimema, a partir de uma razão comum, que o espírito
em si próprio descobre. Isto, o que Aristóteles399 ensina. Aprende-se, diz, mais
facilmente através de exemplos e de fábulas. Com efeito, são coisas que se
observam e que são particulares. Os entimemas, porém, são demonstrações a
partir de coisas universais, que conhecemos menos que as particulares, etc. Por
isto tenho por menos verosímil que esta fórmula de argumentação se chame,
como querem alguns, entimema, porque permanece Év Ouco, isto é, no espírito,
a proposição que se omite.

Capítulo XXXIV - Da indução


Indução é o processo que vai de coisas singulares para universais como: 400
todo o animal se alimenta, e toda a planta se alimenta; logo, todo o ser vivo se
alimenta; do mesmo modo: nem o ouro a Creso, nem a força a Aquiles, nem
a eloquência a Demóstenes, nem a glória a Alexandre, lhes puderam trazer
felicidade, e assim se passa com as restantes realidades caducas; não há, pois,
ninguém que possa alguma vez ser feliz com as coisas que passam com o tempo.
A indução faz-se, portanto, quer afirmando, quer negando. Faz-se ainda não só
quando, de coisas singulares, avançamos até às universais, mas também quando,
de qualquer gênero de partes, concluímos para o todo. A que avança de coisas
396 Cícero, no mesmo lugar.
397 Livro V, Cap. 10.
398 Livro V. Nos Tópicos de Cícero.
399 Nos Problemas, seção 18, questão 3.
400 Tópicos, 1, 10.

439
Pedro da Fonseca
minus universalia. Hoc inductionis genus ea de causa Socrati, ut primo autori
tribuit Aristoteles, quia Socrates primus quaesivit, ac definivit universalia, quae
quidem ex singularibus inductione colligebat.

Quam autem vim habeat inductio, alio loco dicemus, certe populari
sensui est valde accomodata.
In ea tamen diligenter curandum est, ne qua pars praetermittatur. Aut
igitur omnes numerandae sunt, aut si tam multae existant, ut vel numerari

amind, vel facil, e si, fastidio nousintimilais quibudam recensitis


Si vero huiusmodi verba addideris, antecedensque et consequens eisdem
praecise terminis constiterint, tum demum inductio erit consequentia formalis:
ut si dicas, Hic ignis urit, et ille ignis urit, et ita reliqui ignes, igitur omnis ignis
unt.
Hoc enim pacto antecedens et consequens erunt duae enunciationes
aequipollentes, ut patet ex supradictis, a quarum altera ad alteram est formalis
consequentia, ut etiam ex dictis perspicuum est. Sed, ut verum fatear, huiusmodi
inductiones non sunt argumentationes, ut ex hoc eodem libro colliges. Earum
tamen iter argumentationes mentionem fecimus, quia propter similitudinem,
quam habent cum iis inductionibus, quae argumentationes sunt, et definiri
simul, et argumentationes vocari consueverunt. 160

Caput XXX - De exemplo


Exemplum est oratio, in qua singulare aliquid ex uno, aut perpaucis
similibus confirmari contenditur. Hoc vero duplex est. Alterum rei gestae
autoritate, alterum ficte, et ut gestae commemoratione nititur. Posterioris rursus
duo sunt genera. Alterum dicitur Parabole, id est, collatio, altera apologus.

Exempla primi generis. Darius capta Aegipto statim in Graeciam traiecit,


ergo rex Persarum nisi arceatur Aegipto in Graeciam traiiciet: Florentini civili
dissidio reipublicae administrationem amiserunt, itemque Senenses, ac Pisani,
ergo et Venetorum Respublica collabetur, si cives cum civibus depugnaverint.

159 Nota do parágrafo: 1.top.len. / Quae sit praestantior inductio. / 13.meta.4.1. meta.6. /
1. prio.1.1. top. 10. Praeceptum dividendi.
160 Nota do parágrafo: Quae inductiones sint consequentiae formales. / Lib.3.ca.7. / Hoc lib.ca.3 /
Cap.1.et.6.

440
Livro VI das Instituições Dialéticas

singulares para coisas universais é a indução principal, desde que pelo nome de
singulares se não entenda apenas aquilo que realmente é singular, mas ainda o
que é menos universal. Aristóteles atribui este gênero de indução a Sócrates,
como seu primeiro autor, pois foi Sócrates o primeiro que procurou e definiu
coisas universais, que, por indução, concluía de coisas singulares.
Qual o valor da indução, expô-lo-emos em outro lugar, mas é, com
certeza, muito apropriada*2 ao gosto do povo.
Deve, todavia, velar-se diligentemente por que nela não se omita
alguma parte. Portanto, ou devem enumerar-se todas ou, se forem tantas que
seja impossível contá-las ou pelo menos muito difícil e fastidioso, depois de
enumeradas umas tantas, devem juntar-se estas ou semelhantes palavras: "e
assim nas restantes"
Se se juntarem tais palavras, e o antecedente e o consequente constarem
precisamente dos mesmos termos, então a indução será finalmente uma
consequência formal, como se se disser: este fogo queima, e aquele fogo
queima, e assim os outros fogos; portanto, todo o fogo queima.
Na verdade, assim o antecedente e o consequente serão duas enunciações
equipolentes, como é evidente pelo que atrás43 se disse, e deduz-se de uma
para a outra uma consequência formal, como é claro ainda pelo que foi dito.404
Mas, para dizer a verdade, tais induções não são argumentações, como se
pode inferir deste mesmo livro-45 Contudo, fazemos menção delas entre as
argumentações, porque é costume definirem-se na mesma altura, e chamarem-
se argumentações em virtude da semelhança que têm com estas induções que
são argumentações.

Capítulo XXXV - Do exemplo


Exemplo é a oração na qual se pretende confirmar alguma coisa por
uma ou por muito poucas coisas semelhantes. 406 E duplo: um apoia-se na
autoridade de um fato real; outro, na recordação de uma coisa fictícia e dada
como tendo sucedido. No segundo, existem ainda dois gêneros: um chama-se
parábola, isto é, comparação, e o outro, apólogo.
Exemplos do primeiro gênero: Dario, depois de ter tomado o Egito,
passou imediatamente à Grécia; logo, o rei dos Persas, se não for contido no
Egito, passará à Grécia. Os Florentinos, depois da guerra civil, perderam o
governo da sua república e o mesmo sucedeu aos habitantes de Sena e de

401 Metafísica, I, 6; e Metafísica, XIII, 4.


402 Tópicos, 1, 10.
403 Livro III, cap. 7.
404 Neste livro, cap. 3.
405 Caps. 1 e 6.
406 Retórica a Teodoreto, II, 20.

441
Pedro da Fonseca
Exemplum secundi generis. Non sibi consulerent vectores, qui
gubernatores sorte deligerent, ergo non sibi consulet Respub. quae
creaverit magistratus. 161
Tertii generis exemplum. Equus olim pascua solus obtinebat: invasit
eam possessionem cervus, ut pasceret, depopulareturque. Incensus dolore
equus, cogitabat in conmodum suum ulcisci. Adit hominem, ut consulat: eum
implorat ut secum rationem aliquam ineat iniuriae vindicandae. At homo:
inveni, inquit, illam. Patere addi fraenum in os tibi, ego hasta desumpta dorsum
inscendam: ita incurremus, et conficiemus improbissimum animal. Approbavit
consilium equus, infrenatus est, equitem recepit in sedem. Ita loco suplicii de
cervo sumendi abductus est ipse in servitutem. Ergo, Himerei, vereor ne dum
conamini vestras iniurias ulcisci, idem vobis eveniat. Ac frenum quidem iam
iniecistis vobis creato imperatore Phalaride. Quod si custodes etiam salutis
adhibendos ei censetis, ac dorso recipitis, non video cur hoc non sit servire
Phalaridi.

Ac primum quidem genus, quoniam res preteritas narrat, ex singularibus


conficitur, itemque tertium, quia ex iis struitur, quae finguntur praeteriisse:
at secundum genus saepe ex rebus universalibus universalia concludit. Itaque
exempla primi generis proprie dicuntur exempla, reliqua improprie.162

Caput XXXVI - Comparantur inter se quattuor


argumentaionum genera
Cum igitur argumentationum quattuor sint genera, syllogismus,
enthymema, inductio, et exemplum, prima quidem duo ex toto confirmant
partes, ut, quod omnis iustitia sit amplectenda, ex eo, quod omnis virtus
est amplectenda. Tertium vero (hoc est, inductio) e contrario ex partibus
confirmat totum, ut, quod omnis iustitia sit amplectenda, eo quod omnis virtus,
qua aequabiliter res distribuuntur, omnisque ea, qua sine iniuria cuiusquam
fiunt rerum commutationes, amplectendae sunt. Quartum denique, quod est
exemplum, ex parte confirmat partem, ut, quod Catilina a Cicerone interfici
debeat, cum Gracchus a Scipione interfectus sit.

161 Nota do parágrafo: Exemplum quid. 2. Rhe. Ad The. 20. / Exemplum rei gestae. / Parabole, seu
collatio.
162 Nota do parágrafo: Apologus, seu fabula. / Exempla primi generis proprie dicuntur exempla.

442
Livro VI das Instituições Dialéticas
Pisa; logo, a república dos Venezianos será lançada por terra, se os cidadãos
combaterem uns contra os outros.
Exemplo do segundo gênero: não se importariam consigo mesmos
os embarcados que escolhessem ao acaso os pilotos; logo, também não se
importará consigo mesma a república que crie magistrados ao acaso.
Exemplo do terceiro gênero:47 grangeara outrora um cavalo uns pastios
só para si. Invadiu-lhe a possessão um veado para nela pastar e devastar.
Inflamado pela dor, o cavalo pensou vingar-se do dano. Vai ter com o homem
a pedir-lhe um conselho sobre o meio de vingar a afronta. Mas o homem
disse-lhe então: Encontrei-o: consente que te ponha um freio na boca e que
eu, de lança em punho, te suba para o dorso; assim, arrancaremos contra
tão perverso animal e daremos cabo dele. O cavalo aprovou o conselho, foi
enfreado e deixou-se montar pelo cavaleiro. Assim, em lugar de submeter o
veado ao suplício, foi ele mesmo reduzido à escravidão. Portanto, temo que,
quando tentardes vingar as vossas injúrias, vos aconteça o mesmo. Mas já vos
pusestes um freio, elegendo Fálaris para vosso imperador. Se julgais que devem
ainda juntar-se-lhe guardas para sua defesa e os recebeis no dorso, não vejo
como é que isso não seja servir a Fálaris.
O primeiro, na verdade, visto narrar fatos passados, forma-se a partir de
coisas singulares e, do mesmo modo, o terceiro, pois se constrói a partir daquilo
que se finge ter passado; mas o segundo gênero conclui, muitas vezes, coisas
universais de coisas universais. Portanto, os exemplos do primeiro gênero são
exemplos propriamente ditos; os outros, impropriamente ditos.

Capítulo XXXVI - Comparam-se entre si os quatro gêneros de


argumentação
Portanto, são quatro os gêneros de argumentação: silogismo, entimema,
indução e exemplo. Os dois primeiros confirmam as partes pelo todo, como:
toda a justiça se deve abraçar, uma vez que toda a virtude se deve abraçar.
Porém, o terceiro (isto é, a indução) confirma, ao contrário, o todo pelas partes,
como: toda a justiça se deve abraçar, uma vez que toda a virtude pela qual todas
as coisas são igualmente distribuídas, e toda aquela pela qual se fazem as trocas
das coisas sem detrimento para ninguém, devem ser abraçadas. Finalmente, a
quarta, que é o exemplo, confirma a parte pela parte, 408 como: Catilina deve ser
morto por Cícero, como Graco foi morto por Cipião.

407 Aristóteles, no mesmo lugar.


408 Estas doutrinas são tiradas de Aristóteles, Primeiros Analíticos, II, 24; e Retórica a Teodoreto, II, 2; e
de Alexandre, Primeiros Analíticos, 1, 4.

443
Pedro da Fonseca

Atque prima duo genera plus virium habent, suntque apud cos, qui
res diligentius persequuntur, maioris ponderis: duo posteriora communi
hominum senovi magis accommodantur. Praeterea ut enthymema est
imperfectus syllogismas, sic exemplum est inductio imperfecta. Denique ut
e logismus, et inductio frequentius usurpantur a dialecticis, sic enthymema et
exemplum ab oretoribus. Unde fit ut enthymerata oratorii syllogismi, exempla
oratoriar inductiones ab Aristotele dicantur. Nam-etsi Aristoteles nomine
enthymematum, quibus Oratores utuntur, non solum imperfectos sive non
interre, quie familiare sit Oratoribus, ut eas sumptiones, quae perspicune sunt.
practermittant, ut ipse, idem adiungie. Unde factum videtur, ut enthymema
oratorium definitum st spud illum. Sollogismus imperfectus ex verisimilibus,
But signia

Quanquam vero tria posteriora genera ex primo, hoc est, ex syllogismo


vires accipiant, ad ipsumque, ut ad caput omnis probationis redigantur, nos
tamen de hurumodi revocatione nihil hoc loco dicemus, quandoquidem nec
de slogimi mniuncti ad simplicem reductione diximus, ne longior, quam
instituimus, erct hass tractatio. Qua propter cum hactenus iudicandi normis,
quibua argumentationum formae praescribuntur, pro ratione instituti nostri
late persequuti simus, reliquum est, quod ad hane partem attinet, ut generalem
invenicadorum argumentorum viam aperiamus. 103

Capur XXXVII - De generali via et ratione medii,


argumentative inveniendi
Primum igitur ponenda sunt ob oculos praedicamenta, in quibus
disscrendi prima dementa disposita sunt. Mox rerum, quae sunt in questione
definitiones considerandae. Tum proprietates, quae naturas earundem
indissolubili societate comitantur, annotandae. Denique, ut paucis multa
complectar, Consequentia, antecedentia, et repugnantia eiusmodi rerum
spectanda. Consequentium nomine intelligimus hoc loco ea, quae rebus,
quarum sunt consequentia universe affirmantur, siue necessario, ut virtus de
justitia, sive probabiliter, ut diligere natos, de parentibus. Antecendentium
autem vocabulo intelligimus ea, de quibus universe affirmantur res, quarum
dicuntur antecedentia, siue id necessario fiat, siue verisimiliter: cuiusmodi sunt
justitia respectu virturis, et parentes respectu dilectionis natorum. Repugnantia

103 Nuta du paragrafo: Arist2 prio.24. et Ale.prio.4. / 1.top.10.2. Reth ad theod.2. / Non
taleh cudem modo, quiaexempium non colligit conclusioneminductionis, ut enthymema
sy lugion 2 ad lhar 2 Bucthi 2 de differ. top.
fi
Livro VI das Instituições Dialéticas
Mas os dois primeiros gêneros têm mais força, e usam-nos aqueles
que diligentemente se dedicam a coisas de maior profundidade; os outros
dois acomodam-se melhor ao comum sentir dos homens.409 Além disso, o
entimema é um silogismo imperfeito, 410 assim como o exemplo é uma indução
imperfeita.* Depois, assim como o silogismo e a indução são empregados
mais frequentemente pelos dialéticos, assim também o entimema e o exemplo
o são mais pelos oradores. E por isso que Aristóteles 2 chama aos entimemas
os silogismos da oratória e aos exemplos, as induções da oratória. Embora
Aristóteles, sob o nome de entimemas, usados pelos oradores, compreenda não
só os silogismos imperfeitos e mutilados, mas também os perfeitos ou inteiros,
como se vê em muitos lugares, 413 compreende, contudo, principalmente os
imperfeitos ou não inteiros, que são familiares aos oradores, pois omitem as
premissas menores, que são evidentes; é assim que ele próprio os aduz. 44 Daqui
o fato de parecer que ele 15 define assim o entimema dos oradores: silogismo
imperfeito argumentando] de coisas prováveis e de sinais.
Embora os três gêneros posteriores recebam força do primeiro, isto é,
do silogismo, 416 e a ele, como cabeça de toda a argumentação, se reduzam,
nada dizemos acerca desta redução, visto que não falamos da redução do
silogismo composto ao simples, para não alongarmos este tratado mais do
que determinamos. Portanto, uma vez que, por determinação nossa, seguimos
largamente até agora as normas de julgar pelas quais se ordenam as formas de
argumentação, resta-nos, no respeitante a esta parte, encontrar o caminho geral
para descobrir os argumentos.

Capitulo XXXVII - Do caminho geral e do método para


encontrar o termo médio ou argumento
Devemos, portanto, atender, em primeiro lugar, aos predicamentos,
onde se encontram dispostos os primeiros elementos para discorrer. Depois,
devem considerar-se as definições das coisas em questão. Anotam-se então
as propriedades que acompanham necessariamente as respectivas naturezas.
Finalmente, para resumir muito em poucas palavras, deve atender-se também
aos antecedentes e aos consequentes das coisas e àquilo que lhes repugna. 417 Por

409 Tópicos, 1, 10.


410 Primeiros Analíticos, II, 2.
411 De modo diferente, no entanto, porque o exemplo não infere a conclusão da indução, enquanto o
entimema infere a conclusão do silogismo.
412 Retórica a Teodoreto, 1, 2.
413 No mesmo lugar e no livro II, cap. 22.
414 Nos mesmos lugares.
415 Primeiros Analíticos, II, cap. 27.
416 Boécio, Das Diferenças dos Tópicos, II.
417 Afirmação quase idêntica em Aristóteles, Primeiros Analíticos, 1, 28.

445
Pedro da Fonseca

denique, dicimus hoc loco, quae de rebus, quarum dicuntur repugnantia,


affirmari, aut nullo modo, aut raro possunt: ut malum esse, respectu iustitiae,
et odisse natos, comparatione parentum. His positis, cum quattuor sint genera
questionum, quae proponi possunt, universe affimantes, in parte affirmantes,
universe negantes, et in parte negantes, quattuor documentis completi
possumus generalem inveniendi medii, argumentive rationem. 164

Primum documentum. Ut quaestio universalis affirmativa confirmetur,


quaerendum est aliquid, quod idem sit antecedens predicati, et consequens
subiecti. Exempli causa, si proposita sit questio, Omnis ne iustitia sit
laudanda, an non, cuius partem affirmativam velis probare, accipe virtutem, de
qua universe affirmatur laudandum, quaeque universe affirmatur de iustitia, et
confirmabis institutum in Barbara hoc modo, 165

Omnis virtus est laudanda,


omnis iustitia est virtus,
igitur omnis iustitia est laudanda.
Secumdum. Ut quaestio particularis affirmativa confirmetur,
quaerendum est medium, quod idem sit antecedens praedicati et subiecti, aut
consequens predicati et antecedens subiecti. Hac arte probabis, quandam
substantiam esse viventem, vel sumpto animali pro argumento ut propositum
concludas in tertia figura, veluti hoc modo,

Omne animal est vivens,


omne animal est substantia,
ergo quaedam substantia est vivens,
vel
sumpto corpore pro medio, ut concludas indirecte in prima figura hoc
modo,

164 Nota do parágrafo: 1 prio.28. / Consequentia. / Antecedentia. Repugnantia. 1. prio.29


165 Nota do parágrafo: Universalis affirmativa, quo argumento confirmari debeat.

446
Livro VI das Instituições Dialéticas
consequentes, entendemos aqui aquelas coisas que se afirmam universalmente
acerca das coisas de que são consequência, ou necessariamente, como virtude
acerca de justiça, ou provavelmente, como amar os filhos, falando dos pais.
Por antecedentes, entendemos aquelas coisas acerca das quais se afirmam
universalmente as coisas de que aquelas são antecedentes, quer porque isso
aconteça necessariamente, quer porque com verosimilhança; assim está a
justiça em relação à virtude e os pais em relação ao amor dos filhos. Finalmente,
chamamos repugnantes àquelas coisas que nunca ou raramente se podem
afirmar acerca das coisas em relação às quais se chamam repugnantes: como
o mal, acerca da justiça, ou odiar os filhos, acerca dos pais. Posto isto, e visto
que são quatro os gêneros de questões que podem ser propostas — afirmar
universalmente, afirmar em parte, negar universalmente e negar em parte —
podemos resumir em quatro regras*18 o método geral para encontrar o termo
médio ou argumento.
Primeira regra: Para se confirmar uma universal afirmativa, deve
procurar-se aquilo que é, ao mesmo tempo, antecedente do predicado e
consequente do sujeito. Por exemplo, se for proposta esta questão: toda a
justiça deve ou não ser louvada?, cuja parte afirmativa se quer provar, toma-se
virtude acerca da qual afirmam universalmente que deve ser louvada e que se
afirma universalmente de justiça, e confirma-se então em Barbara o proposto,
deste modo:
Toda a virtude deve ser louvada,
Toda a justiça é virtude,
Logo toda a justiça deve ser louvada.
Segunda: Para se confirmar uma particular afirmativa deve procurar-
se um termo médio que seja ao mesmo tempo antecedente do predicado e
do sujeito ou consequente do predicado e antecedente do sujeito. Provar-se-á
por este processo que alguma substância é ser vivo, ou tomando animal por
argumento, para concluir-se assim na terceira figura:

Todo o animal é um ser vivo,


Todo o animal é substância,
Logo, uma certa substância é um ser vivo;

ou,
tomando corpo por termo médio, para concluir-se indiretamente na
primeira figura, assim:

418 Aristóteles, Primeiros Analíticos, 1, 29.

447
Pedro da Fonseca
Omne corpus est substantia,
omne vivens est corpus,
igitur quaedam substantia est vivens.
Tertium. Ut questio universalis negativa confirmetur, querendum
est medium, quod idem sit consequens subiecti, et repugnans praedicati,
aut contra, consequens praedicati, et repugnans subiecti. Hoc documento
probabis nullum hominem esse lapidem, vel sumpto animali pro argumento,
ut concludas in Celarent, aut Cesare hoc modo,
Nullum animal est lapis,
omnis homo est animal,
igitur nullus homo est lapis:
Nullus lapis est animal,
omnis homo est animal
igitur nullus homo est lapis:
vel sumpto sensus experte pro medio, ut concludas incelantes aut
Camestres hoc modo,
Nullum sensus expers est homo,
omnis lapis est sensus expers,
igitur nullus homo est lapis:
Omnis lapis est sensus expers,
nullus homo est sensus expers,
igitur nullus homo est lapis.
Quartum. Ut questio particularis negativa confirmetur, querendum
est medium, quod idem sit antecedens subiecti, et repugnans praedicati. Hoc
pacto probabis, quandam substantiam non esse viventem, sumpto lapide pro
argumento, concludendoque in prima figura hoc modo,
Nullus lapis est vivens,
quaedam substantia est lapis,
igitur quaedam substantia non est vivens:
in secunda hoc modo,
Nullum vivens est lapis,
quaedam substantia est lapis,
igitur quadam substantia non est vivens:
in tertia hoc modo,
Nullus lapis est vivens,
omnis lapis est substantia,
igitur quaedam substantia non est vivens.

448
Livro VI das Instituições Dialéticas
Todo o corpo é substância,
Todo o corpo é ser vivo,
Logo, alguma substância é ser vivo.
Terceira: Para se confirmar uma universal negativa, deve procurar-se
um termo médio que seja ao mesmo tempo consequente do sujeito e repugne
ao predicado, ou, ao contrário, seja consequente do predicado e repugne ao
sujeito. Provar-se-á com esta regra que nenhum homem é pedra; tomando
animal por argumento, concluir-se-á assim em Celarent ou em Cesare:
Nenhum animal é pedra,
Todo o homem é animal,
Logo, nenhum homem é pedra;
Nenhuma pedra é animal,
Todo o homem é animal,
Logo, nenhum homem é pedra;
ou, tomando por termo médio o que é desprovido de sentidos, conclui-
se em Celantes ou em Camestres, deste modo:
Nada desprovido de sentidos é homem,
Toda a pedra é desprovida de sentidos,
Logo, nenhum homem é pedra.
Toda a pedra é desprovida de sentidos,
Nenhum homem é desprovido de sentidos,
Logo, nenhum homem é pedra.
Quarta: Para se confirmar uma particular negativa, deve procurar-se
um termo médio que, ao mesmo tempo, seja antecedente do sujeito e repugne
ao predicado. Por isto provar-se-á que alguma substância não é viva, tomando
pedra por argumento, e concluindo na primeira figura deste modo:
Nenhuma pedra é viva,
Uma certa substância é pedra,
Logo, uma certa substância não é viva.
Na segunda figura, deste modo:
Nenhum ser vivo é pedra,
Uma certa substância é pedra,
Logo, uma certa substância não é ser vivo.
Na terceira figura, desta maneira:
Nenhuma pedra é ser vivo.
Toda a pedra é substância,
Logo, uma certa substância não é ser vivo.

449
Pedro da Fonseca

Haec de generali argumentorum inveniendorum ratione videntur satis.

450
Livro VI das Instituições Dialéticas
Quanto ao método geral de procurar os argumentos, estas coisas
parecem ser suficientes

$51
O objeto próprio da dialética, assim, é a oração pela qual, a
partir do conhecido, se mostra o desconhecido. A argumen-
tação, ou o discurso, desponta como o método específico de
todas as ciências, consistindo em meio de obtenção do conhe-
cimento, o que pode ser sucedido de três modos gerais: divi-
são, definição e a própria argumentação. Através destes três
modos de discorrer, parte-se de coisas conhecidas e evidentes
para a aquisição de todo conhecimento daquilo que está na
realidade predicamental, mas que ainda não foi captado pelo
intelecto. Logo, os três modos constituem-se como "instru-
menta sciendi" por excelência, e assim fundamentam as três
partes da dialética.

Marcus Boeira

9786587 043234

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