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Em seguida Mucida diz de outras duas situações clínicas que apontam para a relação
entre o vazio, buraco, falta e o nada. A primeira trata-se de uma queixa histérica de “um
vazio que não cede a nada, associado a uma falta de sentido na vida e acompanhado de
angústia”(p.92), a segunda se refere ao surgimento do vazio “associado a um resto
indissolúvel, a sensação de desamparo, solidão, angústia, vivência completa de finitude,
com a presença do que Lacan nomeou de afetos enigmáticos.”(p.92)
Indicando a “diferença entre a queixa de vazio existencial e o vazio que se apresenta no
final de uma análise” (p.93), porque neste o sujeito já não tem mais a “ilusão de
preencher o vazio”, e portanto, se ao decorrer do percurso se deparar com “outras faces
do vazio” poderá dar outras respostas. (p.93)
“Tendo em vista essas três situações, podemos deduzir que existem várias formas de o
vazio de apresentar? Ou, o que se modifica são as relações tecidas entre vazio, buraco,
falta e o nada? Nesse sentido, que contribuições a questão do vazio traz a prática
analítica?” (p.93)
As indicações taoístas “nos servem ainda para retomarmos com Freud e Lacan as
diferenças entre vazio, buraco, falta e nada. Resumidamente pode-se entrever em Freud
uma relação complexa entre vazio e buraco que se apresenta desde o princípio de sua
obra, a exemplo da Carta 52 e O Projeto. O recalque originário é um corte inaugural,
que lemos como corte no vazio, que permite inaugurar alguns sentidos. Há uma relação
entre vazio inaugural e traços de percepção. Este corte deixa algo intraduzível, pontos
de fixidez – Fixierung -, outro nome do recalque originário em Freud.” (p.98)
“Há um corte que permite à não-existência criar a existência, mas esta não anula jamais
os efeitos do primordial, do vazio, intrínseco à não-existência. Esse corte no vazio se
denomina com a psicanálise, buraco, recalque originário, que por sua vez, introduz a
falta.” (p.99)
“No Seminário 4 Lacan indica três formas de falta: castração, falta, furo ou dano no
simbólico, frustração; falta no imaginário e a privação, falta no real. Por sua vez, o
vazio cria o nada, mas eles não se igualam. O nada não é o vazio, nem o buraco e nem a
falta. O vaso por exemplo, é feito de alguma matéria e não do nada. O nada pode ser
lido como o nada do desejo; falta o objeto causa do desejo, falta um significante no
campo do Outro. Por isso a presença do objeto do desejo no campo da realidade causa a
angústia.” (p.99)
“Para sustentar a ética da psicanálise o analista há de saber operar com o vazio.” (p.99)
“A experiência trágica é intrínseca à direção do tratamento expondo a falta de harmonia
entre o desejo, objeto e satisfação. Mas é essa falta de harmonia, criada pelo corte no
vazio, que permite ao sujeito criar algo.” (p.99)
“A função do analista é então de sustentar pelo ato a cauda do desejo valendo-se dos
intervalos onde o real possa se enodar de outras maneiras ao simbólico e imaginário.
São os cortes, suportados pela presença do vazio mediano, que permite uma analise
chegar ao seu fim.” (p.101) “Algumas formas de escrita e obra de arte ensinam ao
analista como operar com uma clínica para além do significante.” (p.101)
“O fio que liga a tragédia anunciada ao trágico da vida é o mesmo que liga o percurso
de uma análise à ética da psicanálise. O vazio primordial, o fira do sentido não pode ser
apagado e nessa trama o sujeito encontra-se inserido.” (p.102)