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ROSSANA MARLENE DE HOLANDA SILVA

MULHERES E ORGANIZAÇÃO POLÍTICA: TERRITÓRIO TRADICIONAL


RIBEIRINHO DO PORTO DO CAPIM (JOÃO PESSOA – PB)

Trabalho de Conclusão de curso


apresentado ao Colegiado do Curso de
Serviço Social da Uninassau de João
Pessoa, como requisito necessário para a
obtenção do título de Bacharel em Serviço
Social.

Aprovado em: _____/______/_______

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________
Profª. Ms. Ana Cristina de Lima Santos
(Orientadora)

______________________________________________
Profª. Ms. Katarina Calado

______________________________________________
Profª. Ms. Ingridy Lima
Dedico este trabalho à população do
Território Ribeirinho do Porto do Capim,
em especial, a todas as mulheres que
embarcaram na canoa da resistência e
remam contracorrente da remoção.
“A cada família aqui atracada,
A dona tempestade insiste nos assombrar,
Fique esperto e pise ligeiro,
Pois nessa canoa estaremos sempre a remar.”

(Rayssa Holanda, 2019)


AGRADECIMENTOS

Gratidão às Deusas e aos Deuses pela minha vida e por me guiarem sendo
luz na caminhada da vida e ajudar ultrapassar todos os obstáculos encontrados ao
longo da realização deste trabalho.
À mainha, Risomar Marlene de Holanda, minha gratidão e admiração, que
mesmo diante dos desafios apresentados, mãe solo, criou e educou os três filhos/as
baseada no princípio do respeito e honestidade.
Ao meu irmão Jobson Holanda, grata pelo apoio manifestado em silêncio e
olhares.
À minha irmã gêmea e parceira de vida desde a barriga, Rayssa Holanda, sou
grata pela partilha e por ajudar a encarar os desafios em dualidade.
Ao companheiro, Diego Farias, agradeço pelo apoio na caminhada e pela
partilha de vidas.
À Angélica Sousa sou grata, pois, cotidianamente, é uma mulher necessária
que ajudou a dar sabor na vida com seu tempero único. E por falar em sabor
especial, Alberto José da Silva (Beto), também agradeço por se fazer presente,
sempre ofertando refeições especiais do humilde cotidiano.
De forma geral, sou grata aos meus familiares e amigos, que direta ou
indiretamente me incentivaram nos momentos difíceis e compreenderam a minha
ausência enquanto eu me dedicava à graduação.
Recebo e agradeço as energias dos Ibejis (das crianças) que se manifestam
de forma divina a inspirar e impulsionar. Em especial, aos meus sobrinhos de
sangue, Robson e Jadson, por todo amor ofertado e aos sobrinhos de coração que a
comunidade tem presenteado.
Ao corpo de profissionais presentes na graduação, a exemplos, professores e
professoras, agradeço pelos ensinamentos ofertados. À primeira professora preta
que me deparei na formação, Dandara Correia, fica minha admiração e inspiração. E
à minha orientadora, Ana Lima, gratidão, pelas trocas, ensinamento e compreensão
nos momentos de desafios.
Às minhas colegas de turma que compartilharam comigo tantos momentos de
descobertas e aprendizados e por todo o companheirismo ao longo deste percurso,
em especial, a parceria nos dois últimos anos da graduação.
À população ribeirinha do Porto do Capim, sou grata pelos ensinamentos, e
por ter ajudado a reconhecer e fortalecer a identidade de um povo ancestral. A todas
e todos das organizações comunitárias: Comissão Porto do Capim em Ação,
Associação de Mulheres e Garças do Sanhauá, o meu profundo respeito e gratidão,
por estarem somando numa caminhada tão cheia de desafios, mas que transborda
muito amor e respeito.
À todas/os que agregam no movimento em defesa do Território Ribeirinho do
Porto do Capim, pois sem o apoio dos movimentos sociais, instituições, Ongs, dentre
outras, a caminha não estaria tão sólida. Em especial, agradeço a Valeska Asfora
pelos ensinamentos, a Fundação Cia da Terra pela parceria desde a gênese das
organizações, e as mulheres que a resistência trouxe de presente: Regina Célia
Gonçalves, Marcela Oliveira, Helena Gonçalves, Glaucia Lima, Fernanda Ferreira,
Kalyne Almeida, Suzany Silva, Fabiana Nagabi, Letícia Palazzi, Andréa Lopes, Nara
Limeira, dentre tantas outras que compõe o MulheRio.
E por fim, gratidão à todas/os que participaram, direta ou indiretamente do
desenvolvimento deste trabalho de pesquisa, enriquecendo o meu processo de
aprendizado.
RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo analisar as formas através das quais se
deram os processos de organização política das mulheres da comunidade do Porto
do Capim. Da mesma maneira, é parte de interesse a identificação da formação
histórica do Porto do Capim, como se dá a relação do Estado no processo de
constituição da comunidade enquanto tradicional ribeirinha. Visando analisar a
trajetória das organizações políticas da comunidade, com início em 2010 até o ano
de 2020. A análise fundamentou-se no método crítico-dialético, o qual possibilita
compreender a materialidade histórica dos fenômenos em sua totalidade, tendo
como ponto de partida a realidade, para que assim possamos analisar criticamente
os determinantes sociais, culturais e econômicos, que compõem a sociedade.
Movimentos que surgem das contradições existentes no processo do projeto de
"revitalização do antigo Porto do Capim". Intervenção urbana que afeta diretamente
os moradores da comunidade, que residem neste local há mais de 70 anos, onde
atracaram suas vidas, constituíram famílias e cultuam as tradições de um povo
ribeirinho. Considerando que a permanência e as atividades dessa população na
área, manifestam a sua identidade com o local e sua sobrevivência. A metodologia
da pesquisa se deu na abordagem quanti-qualitativa, de natureza aplicada, devido
ao cenário de pandemia causado pelo novo coronavírus - COVID19, transitou de
pesquisa de campo para pesquisa documental e bibliográfica, através de dados
secundários bibliográficos (Estatuto, Ata de reuniões, Estudos Acadêmicos, Jornais,
Fontes de Arquivo, artigos e Livros). O estudo interpreta o uso do espaço pela
População Ribeirinha do Porto do Capim que é ameaçada pelo poder público
municipal, que tenta colocar em curso um projeto gentrificador, ligado à produção e
reprodução do capital, que ameaça a existência do patrimônio cultural material e
imaterial, onde se situa o berço da cidade de João Pessoa. A pesquisa se debruça
no processo resultante da resistência da Comunidade, que mesmo fazendo parte de
uma realidade patriarcal e opressora, são as mulheres que têm sido as protagonistas
no processo de organização política e o alicerce para manutenção da população
ribeirinha no território do Porto do Capim.

Palavras-chaves: Território. Porto do Capim. Organização de Mulheres.


ABSTRACT

This research aims to analyze the ways in which the political organization processes
of women in the community of Porto do Capim took place. In the same way, it is of
interest to identify the historical formation of Porto do Capim, as is the relationship of
the State in the process of constituting the community as a traditional riverside.
Aiming to analyze the trajectory of the community's political organizations, starting in
2010 until 2020. The analysis was based on the critical-dialectical method, which
makes it possible to understand the historical materiality of the phenomena in their
entirety, taking reality as the starting point, so that we can thus critically analyze the
social, cultural and economic determinants that make up society. Movements that
arise from the contradictions existing in the process of the project of "revitalization of
the old Porto do Capim". Urban intervention that directly affects the residents of the
community, who have lived in this place for more than 70 years, where they moored
their lives, formed families and worship the traditions of a riverside people.
Considering that the permanence and activities of this population in the area, they
manifest their identity with the place and their survival. The research methodology
was based on a quanti-qualitative approach, of an applied nature, due to the
pandemic scenario caused by the new coronavirus - COVID19, moved from field
research to documentary and bibliographic research, through secondary bibliographic
data (Statute, Minutes of meetings , Academic Studies, Newspapers, Archival
Sources, Articles and Books). The study interprets the use of space by the riverside
population of Porto do Capim, which is threatened by the municipal government,
which tries to put in place a gentrifying project, linked to the production and
reproduction of capital, which threatens the existence of material and immaterial
cultural heritage, where the birthplace of João Pessoa is located. The research
focuses on the process resulting from the resistance of the Community, which
despite being part of a patriarchal and oppressive reality, it is women who have been
the protagonists in the process of political organization and the foundation for
maintaining the riverside population in the territory of Porto do Capim.

Keywords: Territory. Porto do Capim. Women's Organization.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AJA-PDC Associação De Jovens Amigos/As Do Porto Do Capim

AMPC Associação de Mulheres do Porto do Capim

CEF Caixa Econômica Federal

CEARTE Centro Estadual De Arte

CRDH Centro de Referência de Direitos Humanos

CPDCHJP Comissão Permanente De Desenvolvimento Centro Histórico de


João Pessoa

CPCA Comissão Porto do Capim em Ação

COVID-19 Corona Vírus Disease (Doença do Corona vírus)

DPU Defensoria Pública da União

DPE Defensoria Pública do Estado

ECA Estatuto Da Criança E Do Adolescente

ENEM Exame Nacional Do Ensino Médio

FIES Fundo de Financiamento Estudantil

GS Garças do Sanhauá

GT Grupo De Trabalho

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional

LGBTQIA+ Lesbiscas, Gays, Bissexuais, Trans, Queer, Intersexo

MINC Ministério Da Cultura

MPF Ministério Público Federal

ONU Organização Das Nações Unidas

OIT Organização Internacional Do Trabalho

ONG Organização Não Governamental


PMJP Prefeitura Municipal de João Pessoa

PAC Programa De Aceleração Do Crescimento

PROEXT Projeto de Extensão de Consultoria

SPU Superintendência do Patrimônio da União

UFPB Universidade Federal da Paraíba


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Paisagem do antigo Porto do Capim (ano não identificado) …….. 23

Figura 2 Paisagem da comunidade Tradicional Porto do Capim (2010) ….. 24

Figura 3 Foto do projeto da Comissão Permanente de Desenvolvimento


Centro Histórico de João Pessoa - CPDCHJP de intervenção no
território do Porto do Capim (2002) ……………………………….... 25

Figura 4 Ato em Comemoração a Ação Civil Pública do MPF embargando


a obra em 2019 ……………………………………………………….. 28

Figura 5 Membros da Comissão Porto do Capim em Ação (Dezembro de


2012) …………………………………………………………………... 38

Figura 6 Arraiá do Porto (Junho de 2012) ……………………………………. 39

Figura 7 Ocupe Porto do Capim (2013) ………………………………………. 41

Figura 8 1° Reunião AMPC (Março de 2014) ………………………………... 42

Figura 9 Perfil Socioeconômico das Mulheres da AMPC (2014) ………….. 43

Figura 10 Reunião com o CRDH/UFPB (Março de 2014) …………………… 44

Figura 11 Reunião das Garças do Sanhauá (2016) ………………………….. 49

Figura 12 Encontro de Jovem (2016) …………………………………………... 50

Figura 13 Reunião no Ponto de Cultura Comunitário com Garças do


Sanhauá, Fundação Cia da Terra e Semente Cinematográfica
(22 de janeiro de 2019) ………………………………………………. 52
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12
CAPÍTULO 1 - TERRITÓRIO COMO ESPAÇO VIVO: uma análise do Porto do
Capim - João Pessoa/PB 17
1.1 Território e desterritorialização das comunidades 17
1.2 Formação do Porto do Capim: território tradicional ribeirinho 20
CAPÍTULO 2 - ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES E A LUTA PELO
TERRITÓRIO 28
2.1 Um breve histórico da organização política feminina 28
2.2 A árvore genealógica e a organização feminina no Porto do Capim de 2010 a
2020 35
CONSIDERAÇÕES FINAIS 55
REFERÊNCIAS 56
12

INTRODUÇÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso intitulado Mulheres e


Organização Política: Território Tradicional Ribeirinho do Porto do Capim, João
Pessoa – PB. Apresenta como objetivo geral, investigar a relevância no despertar do
sujeito político das organizações femininas no processo de luta em defesa dos
direitos de um território tradicional. Salienta-se que essas mulheres conquistaram
legitimidade em sua luta perante o poder público.
A metodologia da pesquisa que se deu na abordagem quanti-qualitativa, de
natureza aplicada, objetivando a compreensão para interpretação do fenômeno e
suas particularidades, que devido ao cenário de pandemia causado pelo novo
coronavírus - COVID19, transitou de pesquisa de campo para pesquisa documental
e bibliográfica, que através de dados secundários bibliográficos (Estatuto, Ata de
reuniões, Estudos Acadêmicos, Jornais, Fontes de Arquivo, artigos e Livros),
descreve e analisa o contexto histórico do Território Ribeirinho do Porto do Capim,
centro histórico da cidade de João Pessoa-PB, onde culminou o processo de
formação dos grupos representativos da comunidade, entre os anos de 2011 a 2020
tendo como embrião a Comissão Porto do Capim em Ação (A semente), em 2011, a
Associação de Mulheres (O enraizamento), em 2013 e o Coletivo de Jovens Garças
do Sanhauá (A Ramificação), em 2015, são as três organizações que ao longo da
segunda década dos anos 2000, luta pela permanência da população ribeirinha em
seu território.
A análise fundamentou-se no método crítico-dialético, o qual possibilita
compreender a materialidade histórica dos fenômenos em sua totalidade, tendo
como ponto de partida a realidade, para que assim possamos analisar criticamente
os determinantes sociais, culturais e econômicos, que compõem a sociedade.
A Comunidade do Porto do Capim pode ser caracterizada como uma
comunidade de baixa renda, formada por cerca de 500 famílias. A ameaça de
remoção1 é uma realidade do grupo como Comunidade Tradicional e Ribeirinha, a
partir de seu processo histórico de constituição. Isso traz para a pesquisa uma
1
“Revitalização” de 11 km das margens do rio Sanhauá e a realocação dos bairros que se formaram
nessas regiões. Todavia, o Porto do Capim guarda algumas particularidades que podem apontar
para o entendimento de sua permanência no território. A primeira questão aponta para a
importância da organização política local e no papel dos movimentos sociais para a reivindicação
de direitos básicos constitucionais. Como já mencionado, não se trata de uma luta por moradia e
sim por território, que consiste num processo de auto reconhecimento
13

discussão de ordem jurídica, ou seja, comunidades tradicionais encontram-se


respaldadas pela Convenção 169 da Organização Social do Trabalho – OIT sobre
Povos indígenas e tribais, regulamentada via Decreto n. 5001/2004, estabelece (no
artigo 14) a proteção das comunidades tradicionais e de seus territórios, garantindo
os direitos de propriedade e posse; e pelo Decreto 6.040/2007 que institui a Política
Nacional de Desenvolvimento dos Povos e Comunidades Tradicionais, que em seu
Artigo 3⁰ estabelece “garantir aos povos e comunidades tradicionais seus territórios,
e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução
física, cultural e econômica.”
E também sobre processos de formação identitários que estão envolvidos na
disputa por um espaço da cidade que corresponde ao centro histórico. Por um lado,
contando com o financiamento do PAC Cidades Históricas, o poder público vê a
possibilidade de realizar um projeto voltado para o turismo e para a especulação
imobiliária, ao passo que os moradores ao mobilizarem seu desejo pela
permanência se colocam como patrimônio vivo da cidade e ocupantes legítimos
daquele espaço. Nessa trama, quem representa a linha de frente na luta pela
permanência são as mulheres ribeirinhas.
Dessa forma, o estudo envolve as relações tecidas entre participação social,
identidade ribeirinha e gênero que articulados, dão forma à luta em defesa do
território.
A motivação pela pesquisa advém da relação da pesquisadora com o Porto
do Capim, a qual se dá há cinco gerações, sendo residente e enraizada, filha de rio
e de mar (Risomar)2. As histórias aqui contadas têm como caminhos as águas do
Rio Sanhauá afluente do Rio Paraíba que desemboca no mar no município de
Cabedelo.
De acordo com a vivencia da pesquisadora, na sua infância lembra-se de
ouvir mães da comunidade falando que existiam alguns projetos relacionados à
igreja católica que apadrinhavam crianças e tinham a intenção de ajudar algumas
famílias mais carentes da comunidade, isso na década de 1990. E eles tinham uma

2
Risomar Marlene Holanda, filha de Marlene Juvino de Holanda (In memória) e Pedro Paulino de
Holanda (Em vida e 86 anos de muita prosa). Foi mãe solo aos 13 anos de um menino, quando no
dia 24 de maio de 1988, um dia antes do seu aniversário de 14 anos, deu a luz ao Jobson Holanda
da Silva, três anos depois aos 17 anos, no dia 10 de setembro de 1991, às 13:00h deu à luz a
Rayssa Marlene de Holanda e cinco minutos depois, sem saber que estava gestante de gêmeas,
avisada na hora do parto após ouvir médico falar “mãe faça um pouquinho de força que tem mais”.
Assim prosseguiu e deu à luz a Rossana Marlene de Holanda.
14

base de dados que constava em média 10 famílias mais carentes na comunidade,


na qual mensalmente era destinadas doações de alimentos, roupas, agasalhos, etc.
Ainda na infância a pesquisadora também se recorda do projeto Folia Cidadã
em 2000, que era uma iniciativa da Associação Folia de Rua (organização dos
blocos carnavalescos em João Pessoa), era um projeto social que realizava oficinas
de arte-educação para as crianças da comunidade, como dança, percussão, artes
plásticas, artes cênicas, canto, leitura, dentre outras.
O estímulo da pesquisadora em participar das organizações comunitárias vem
dessa trajetória, da vontade de fazer projetos que alcancem o público local. Que as
crianças, adolescentes e jovens tenham projetos de arte e cultura inseridos na sua
base inicial de desenvolvimento, que de acordo com o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), Capítulo IV, Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao
Lazer:

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno


desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes; Art. 59. Os municípios,
com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de
recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer
voltadas para a infância e a juventude.

Como diversas cidades no mundo, a pressão imobiliária por mudanças no


centro das cidades tem acelerado (COMPANS, 2007; GONÇALVES, 2013;
FREEMAN; BURGOS, 2017), e este processo também ocorre em João Pessoa,
capital do Estado da Paraíba. Como exemplo, têm-se o bairro Varadouro, onde está
localizada a Comunidade Tradicional Ribeirinha Porto do Capim, onde direitos
constitucionais estão sendo descartados e uma intervenção autoritária está em curso
desde 1997, com o projeto de “Revitalização do Antigo Porto do Capim”.
Maricato (2008), aponta que durante décadas o acesso a terras privadas era
uma conquista impossível para as famílias majoritariamente brasileiras e que a
especulação imobiliária e o investimento público caminharam juntos na expulsão de
famílias de baixa renda de suas comunidades, para periferias das grandes cidades.
Em contrapartida, desde a aprovação do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº
12.457/2001), a intervenção pública em comunidades e assentamentos urbanos
deve seguir regras democráticas na tomada de decisão e uma série de instrumentos
legais podem e devem ser utilizados de modo a garantir a manutenção de
comunidades em seus territórios, das redes sociais de segurança criadas entre os
15

moradores, bem como a implementação de infraestruturas urbanas que garantam


moradia digna às comunidades.
Mas a especulação imobiliária e a busca pelo lucro imediato encontram
maneiras de distorcer a legislação federal vigente a seu favor. Com o discurso de
“famílias em risco socioambiental” e a escolha do Brasil para sediar os megaeventos
como a Copa do Mundo e Olimpíadas, começa a era da requalificação urbana,
principalmente dos centros históricos. É com investimento do Governo Federal, via
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que obras como Porto Maravilha e
Porto Novo Recife são iniciadas, removendo comunidades inteiras (COMPANS,
2007; GONÇALVES, 2013; FREEMAN; BURGOS, 2017). E é também com verba do
PAC que o governo municipal João Pessoa tenta remover a comunidade Porto do
Capim, usando como discurso que quer fazer a instalação de um “parque ecológico”
de concreto e sem vida.
A Consulta Prévia, Livre e Informada de acordo com a Convenção 169 da OIT
(Organização Internacional do Trabalho) nunca foi realizada com a população local,
a gestão municipal de João Pessoa, por várias vezes tentou deslegitimar a
tradicionalidade dessa população e descredibilizar também a organização Comissão
Porto do Capim em Ação, e com isso, no final de 2013, surge a necessidade de nos
formarmos enquanto uma associação, processo que resultou formação e
formalização da Associação de Mulheres do Porto do Capim. Uma bandeira de
gênero levantada em coletivo, e que não foi/é fácil mantê-la até hoje. Afinal, vivemos
em uma sociedade patriarcal onde o poder é centralizado na figura masculina, e que
já tínhamos nos deparados com outra associação gerida por um homem que não
trazia discussões para o coletivo. E por último não menos importante, emerge o
protagonismo juvenil encabeçado por moradoras jovens, que em 2015 passa a
realizar ações com o objetivo de atrair novos jovens para somar forças às demais
organizações.
Ainda que fazendo parte de uma realidade patriarcal e opressora, o caso do
Porto do Capim revela que as mulheres têm sido as protagonistas no processo de
organização política da Comunidade e o alicerce da manutenção da população
ribeirinha no território do Porto do Capim.
Assim, esse trabalho se divide em dois capítulos. O primeiro aborda o
conceito de território passando pelo processo de formação do Território Ribeirinho
do Porto do Capim. O segundo capítulo se debruça na trajetória da participação
16

feminina em organizações no cenário internacional e nacional e se debruça nas


organizações femininas do Porto do Capim.
Por fim, se tece as considerações, entendendo que as reivindicações dos
movimentos sociais, detecta que elas apresentam-se para além de uma pauta
específica das mulheres, estando direcionadas também para necessidades da
população como um todo, como a inclusão social, política e econômica das
comunidades ribeirinhas. E que essas mulheres construíram um lugar de vida, um
lugar de luta e mobilização que está em constante movimento para dar voz à
população ribeirinha do Porto do Capim.
17

CAPÍTULO 1 - TERRITÓRIO COMO ESPAÇO VIVO: uma análise do Porto do


Capim - João Pessoa/PB

“Atracamos nossas vidas neste Porto abandonado,


na beira do rio encontramos abrigo e sustento”
(Erick de Almeida)

O entendimento de território transpassa a ideia de terra, é a historicidade


desta demarcação, ligado ao uso sociocultural, econômico e político. Para melhor
compreender esse território vivo, se faz necessário exercitar o olhar para o cotidiano,
os saberes, os costumes, os ofícios tradicionais, quer dizer, é preciso olhar para
além do patrimônio material construído com pedra e cal e (re)conhecer o patrimônio
imaterial que subjaz aquele lugar. É por meio desse exercício que serão abordados
os itens que se seguem na construção de uma análise do território a partir do Porto
de Capim.

1.1 Território e desterritorialização das comunidades

Para Koga (2003), é por meio do uso do território pelos sujeitos, bem como a
relação entre território e população, que o conceito de território se constitui, ou seja,
a partir da relação entre território e as pessoas que dele se utilizam. Essa
indivisibilidade se manifesta, hoje, de uma forma bastante peculiar, principalmente
quando observamos a intensa dinâmica da população nos territórios. A relação
inseparável entre território e sujeito ou população, permite uma visão da própria
dinâmica do cotidiano vivido pelas pessoas.
Desse modo, para Santos (2007, p. 22), o território precisa ser entendido
como o território usado, não o território em si (reduzido apenas ao seu horizonte
físico/concreto). Para ele, a ideia de território não se constitui apenas pelo “chão”,
mas pela própria identidade que emerge a partir da vivência cotidiana naquele lugar;
a identidade, assim, é o sentimento de pertencer àquilo que, em vários sentidos,
também nos pertence. Nesse sentido, o território é, ao mesmo tempo, o fundamento
do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício
da vida.
18

O termo território vem do latim “territorium”, expressão que se referia a uma


terra delimitada ou sob uma dada jurisdição, ele é comumente estabelecido como
uma extensão do espaço demarcada por fronteiras a partir de uma relação de posse
ou propriedade seja essa animal ou humana. Essa última é intensificada, sobretudo,
no modo de produção capitalista e apresenta versões políticas, culturais,
econômicas, regionais, entre outras.
Na teoria política, por exemplo, o território parece ter sido um termo utilizado
nas línguas européias desde o século XIV para definir primeiramente a jurisdição ou
até mesmo a órbita econômica de unidades governamentais, tais como cidades
livres, feudos e reinos. O papel do conceito de território alterou-se ao longo dos
séculos. De certa forma, pode-se afirmar que o conceito existiu desde muito antes
do século XIV e adquiriu mais significado desde então.
Na perspectiva cultural, refletir o entendimento sobre território é como uma
manifestação intrínseca de um povo, seja ele tradicional ou contemporâneo, onde se
apresenta em representações a descrever sua história. Em especial, nas
comunidades tradicionais, afirmar o território é um ato político que tem o objetivo de
salvaguardar o patrimônio cultural, onde na maioria das situações esse território é
julgado de pacato com promessas de “desenvolvimento”. Para o Analista Pericial em
Antropologia, responsável pelo Parecer Técnico Antropológico n° 03/2015, ICP no
1.24.000.001117/2015-16, Ivan Soares Farias:

Comunidades ribeirinhas são aquelas populações tradicionais que


estabelecem na sua construção identitária, referência espacial, territorial e
simbólica com o rio que se constitui o elemento agregador usado como
critério de união e comportamento que dita o ritmo social. A partir dessa
referência fundante a comunidade produz conhecimentos sobre a fauna, a
flora e o meio ambiente. (SOARES, 2015, p. 8).

O Decreto presidencial no 6.040, de 07/02/2007, define como comunidades


tradicionais grupos culturalmente diferenciados que possuam formas
próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para a sua reprodução cultural, social, religiosa,
ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas
geradas e transmitidas pela tradição. Dessa forma, são comunidades
tradicionais aquelas compostas por povos indígenas, remanescentes de
quilombos, populações ribeirinhas, pescadores, ciganos, caiçaras, povos de
terreiro, seringueiros e outras não necessariamente étnicas. (SOARES,
2015, p. 6).
19

Como nos apresenta Mauss (1993 apud MURA, 2019)3, em um clássico


estudo do começo do século XX, que introduz a categoria de “morfologia social”,
entendendo com isto a forma em que uma sociedade se assume no espaço. Através
desse conceito, o autor francês mostrou, por exemplo, como os esquimós
desenvolveram uma morfologia específica com relação ao desenvolvimento de sua
identidade. A relevância desta descrição se deve ao fato de que, por meio das
coordenadas por ela estabelecidas, podemos enxergar no mesmo espaço
geográfico, compartilhamentos de conhecimentos específicos sobre o ambiente e a
técnica que apenas a vivência cotidiana naquele determinado local possibilitaria.
Pode se dizer, com isto, que os efeitos transformadores dos diferentes
processos de dominialização dão vida a uma dinâmica territorial específica,
entendida como o resultado das ações e transformações determinadas nos espaços
geográficos e nos ambientes que os compõem, por parte de atores pertencentes a
segmentos sociais e de interesses socioeconômicos diversificados, bem como de
agentes não humanos aí presentes (MURA, 2019). Nesse sentido,

Para compreender estes processos e as referidas transformações, é


necessário olhar para a história de uma determinada região. Trata-se de
entender como os territórios se conformaram, a partir de uma profundidade
temporal que permita delinear como certos segmentos sociais se afirmaram
em um determinado espaço geográfico e como se relacionam com outros
segmentos, através de cooperação ou de competição e dominação, dando
vida a formações socioeconômicas específicas (MURA, 2019, p. 5).

É precisamente nesse ponto que tocamos no conceito de território que


contempla o espaço geográfico do assentamento das famílias do Porto do Capim,
bem como a sua relação com o rio, com o mangue e com a sua própria história.
Guattari (1990) aponta que a territorialidade é formada por múltiplas camadas,
entrelaçando cultura, relações sociais, econômicas, além de processos cognitivos e
subjetivos. Silveira e da Silva (2018) discutem diversos outros autores que
condicionam o conceito de território às relações cognitivas e subjetivas das pessoas
que ocupam o espaço, e que uma remoção cria uma fragilidade subjetiva na noção
de comunidade e nos próprios residentes, na medida em que estes precisam
conviver com a constante ameaça de intervenção do Estado (PEREZ et al, 2019).
A noção de território aqui se refere, portanto, a toda uma rede complexa das
relações inerentes a ser humano - desde a relação com a natureza, a pesca como

3
Ministério Público Federal, Documentos “Informe Técnico Porto do Capim Vol 1.pdf” e “Informe
Técnico Porto do Capim Vol 2.pdf
20

cultura e modo de vida, passando pela história como um tecido que envolve filhos,
netos e bisnetos dos primeiros habitantes do lugar , pela recuperação do mangue
(que é o quintal das casas), indo até o fascínio que é o pôr do sol no rio Sanhauá.
Desse modo, a separação da comunidade disse lugar representa um corte violento,
uma desterritorialização e uma perda de parte da comunidade, que existe enquanto
habitante e enquanto protetora do Porto do Capim (PEREZ et al, 2019).
Antes de mergulharmos nos dados e situações etnográficas relativas ao
campo pesquisado, foi preciso trazer à tona essas considerações sobre os conceitos
de organização social e de dinâmica territorial, para localizar o leitor em relação aos
eixos teóricos e conceituais que norteiam a escrita deste trabalho. Isto, certamente,
ajudará na compreensão da forma como as famílias atracadas no Porto do Capim
se organizaram, se mantém e como desenvolvem suas atividades, dando vitalidade,
de uma forma bastante específica, aos espaços e ambientes que habitam e
construindo suas relações com a adjacência, como será abordado no item a seguir.

1.2 Formação do Porto do Capim: território tradicional ribeirinho

A comunidade Porto do Capim está localizada às margens do Rio Sanhauá,


afluente do Rio Paraíba, no centro da cidade de João Pessoa, na Paraíba,
ecossistema de Manguezal, Rio e Povo, composta por quatro áreas, que são: Vila
Nassau, Praça XV de Novembro, Rua do Porto e Frei Vital, para além das croas e
ilhas. Trata-se de um território tradicional ribeirinho que é berço da capital paraibana,
região onde se desenvolveu o primeiro núcleo urbano da cidade.
Na década de 1920, a construção do Porto Internacional do Varadouro
(popularmente conhecido como Porto do Capim) foi iniciada, mas já em meados de
1935 ele foi desativado. Além das questões ambientais, o fracasso do projeto
envolve questões políticas e de desvio de verbas, as quais foram descritas por Joffily
(1983).
Com relação à desastrada obra portuária do Varadouro de que vamos tratar,
mal se iniciou e logo se promovia a desapropriação de inúmeros prédios
que deveriam ser demolidos para futuras avenidas de acesso ao
monumental (e inviável) “ancoradouro internacional”. A verdadeira gênese
da calamidade reside no empreendimento utópico, tão impraticável e
ensandecido quanto seria construir uma ponte entre o continente e
Fernando de Noronha: fincados alguns pilares o Tesouro Nacional logo
estaria exaurido ainda que não fosse desviado um só tostão. (JOFFILY,
1983, p. 25)
21

Com a transferência da função portuária para a cidade de Cabedelo, o bairro


do Varadouro vive um processo de decadência econômica e o processo de
urbanização da cidade passa progressivamente a ser direcionado para o litoral -
processo este que foi intensificado com a pavimentação da Avenida Presidente
Epitácio Pessoa.
A cidade deu as costas para o nascedouro e correu em direção ao mar.
Nesse sentido, a transferência do Porto para Cabedelo provocou o abandono das
áreas públicas e das propriedades privadas do território. Como mencionado, isto
gerou uma decadência econômica no local, além de ter aumentado a massa de
desempregados na região, prevalecendo o esquecimento por parte do poder público,
até os tempos atuais, Scocuglia (2010, p. 82) afirma que:

O bairro do Varadouro, até a década de 1940, abrigava,


predominantemente, usos ligados às atividades portuárias, ao comércio, à
habitação e ao lazer. A construção de um novo porto, na cidade de
Cabedelo, zona metropolitana de João Pessoa, bem como a urbanização do
entorno do Parque Solon de Lucena, abertura e pavimentação da Av.
Epitácio Pessoa acelerou o processo de expansão urbana em direção às
praias. Acarretou, posteriormente, o abandono e a transferência gradual das
atividades comerciais, institucionais e de moradia no sentido centro- praia.
Iniciou-se um processo de estagnação dos bairros centrais e, em especial,
do bairro do Varadouro (hoje conhecido como o maior bairro da Cidade
Baixa) onde permaneceram alguns trechos ocupados por habitações de
classe médias e baixas, convivendo com espaços deteriorados, bares e
casas de prostituição frequentados à noite por boêmios e intelectuais.
Nesse mesmo período, entre as décadas de 1940 e 1970, ocorreu a
consolidação da comunidade Porto do Capim formada, em geral, por
famílias de pescadores, situada nas vizinhanças do antigo atracadouro,
então abandonado.

Essas áreas abandonadas passaram a ser ocupadas por moradias, de forma


mais sistemática em 1940, dos antigos trabalhadores do porto que, em conjunto com
arrumadores, feirantes, pescadores e moradores das ilhas do estuário do Rio
Paraíba formaram o que hoje conhecemos como a Comunidade Tradicional e
Ribeirinha do Porto do Capim. Ao longo dessa ocupação a vegetação de manguezal
passou a se restabelecer, ecossistema esse que foi comprometido com a tentativa
de construção do Antigo Porto da Cidade. Seguem imagens para análise.
22

Figura 1 - Paisagem do antigo Porto do Capim (ano não identificado)

Fonte: Fotografia retirada do Trabalho de Conclusão de Curso em Geografia de Akene Shionara


(2014).

Figura 2 - Paisagem da comunidade Tradicional Porto do Capim (2010)

Fonte: Fotografia retirada do Trabalho de Conclusão de Curso em Geografia de Akene Shionara


(2014).
23

Atualmente, o local se caracteriza como uma área residencial, Território de


Manguezal, Rio e Povo, composto por quatro áreas, que são: Vila Nassau, Praça XV
de Novembro, Rua do Porto e Frei Vital, para além das croas e ilhas. Com
população de baixa renda, onde residem cerca de 500 famílias que ali vivem há mais
de 70 anos e sofrem com a ameaça de remoção de suas residências desde 1997,
quando foi elaborado o “Projeto de Revitalização do Antigo Porto do Capim”, de
autoria da Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João
Pessoa, grupo formado a partir do Convênio de Cooperação Internacional entre
Brasil e Espanha, que inseriu a cidade de João Pessoa no Programa Patrimônio
para o Desenvolvimento. Apesar de nunca executado, o projeto passou por diversas
alterações, mas sempre manteve a premissa da necessidade de remoção dos
moradores locais e o objetivo de desenvolvimento turístico e especulação imobiliária,
aliando interesses públicos e privados.

Figura 3 - Foto do projeto da Comissão Permanente de Desenvolvimento Centro Histórico de


João Pessoa - CPDCHJP de intervenção no território do Porto do Capim (2002)

Fonte: Imagem retirada do Trabalho de Conclusão de Curso em Geografia de Akene Shionara


(2014).

A ameaça de remoção provocou a organização política dos moradores e, em


2011, foi formada a Comissão Porto do Capim em Ação (CPAC), grupo composto
pelos moradores (em sua maioria mulheres) e agentes externos (Assistente Social,
24

Alunos e Professores Universitários e Movimentos Sociais). A Comissão de


aproximadamente 20 pessoas se reunia semanalmente para conhecer e discutir o
Projeto de Revitalização, bem como criar estratégias para estabelecer diálogos com
os poderes públicos.
Ao longo do ano de 2013, nas reuniões da Comissão foram discutidas
possibilidades de formalizar esse grupo, que nesse momento contava
exclusivamente com a participação de moradoras. Após alguns meses de encontros
formativos e contando com o olhar técnico da assistência social, foi fundada e
formalizada, em 30 de Janeiro de 2014, a AMPC – Associação de Mulheres do Porto
do Capim, com registro na receita federal.
No decorrer de 2014, a AMPC organizou manifestações, articulou reuniões
com a prefeitura, assembleia na câmara municipal, ações comunitárias como, por
exemplo, o fortalecimento do calendário cultural do Porto do Capim. Nesse mesmo
ano foi elaborado, pelo Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade
Federal da Paraíba (CRDH-UFPB) em parceria com os moradores, o Relatório de
Violação de Direitos Humanos. Esse relatório ofereceu subsídios para a elaboração
de denúncia de violação de direitos humanos encaminhada ao Ministério Público
Federal (MPF), que resultou na abertura do Inquérito Civil n.1.24.000.001117/2015.
A partir da abertura do processo, o MPF passou a intervir no contexto da
requalificação do Porto do Capim e, a pedido deste órgão, foi elaborado um parecer
técnico antropológico4 que reconhece os moradores do Porto do Capim como
pertencentes a uma Comunidade Tradicional Ribeirinha.
Durante o ano de 2015, ganha espaço o protagonismo de mulheres jovens
que passam a organizar atividades culturais na comunidade e que formaram um
Grupo de Jovens batizado, em 2016, como Garças do Sanhauá (GS), que na sua
gênese contou com Andreia Farias da Silva, Joyce Lima, Rayssa Holanda e
Rossana Holanda. A formação dessa frente surge na necessidade de atrair a
juventude para somar com o processo de defesa do território. Em 2018, o coletivo
conquista novos jovens e até adolescentes, entre meninas e meninos. Atualmente,
as Garças do Sanhauá são responsáveis pela coordenação do Ponto de Cultura
Comunitário, que tem como ações o desenvolvimento de turismo comunitário,

4
Parecer Técnico Antropológico n.03/2015 do Ministério Público Federal da Superintendência da
Paraíba.
25

oficinas de artes, cursinho preparatório para concurso, exibição de cinema, o grupo


cultural As comadres, dentre outras atividades.
No âmbito dos poderes públicos, por meio dos Programas PAC Cidades
Históricas e PAC Sanhauá5, existe a previsão de execução de uma proposta de
intervenção para a área do Porto do Capim que, em sua última versão, recebeu
oficialmente o nome de “Parque Ecológico Sanhauá”, o qual consiste na remoção da
população ribeirinha para a construção de um estacionamento e um mirante.
Devido a intervenção do Ministério Público Federal (MPF) nesse processo, o
órgão vem mediando, desde 2015, reuniões de negociação entre a Prefeitura
Municipal de João Pessoa e os moradores do Porto do Capim, representados pela
Associação de Mulheres. Os moradores continuam vivendo no mesmo território e
buscando maneiras para articulação da luta e para o fortalecimento dos movimentos
sociais internos.
Um dos principais direitos que mais interessa ao Território Tradicional
Ribeirinho do Porto é o que compõe o Art. 6° da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e que assegura a todos os povos e comunidades
tradicionais o direito à consulta prévia, a qual o Brasil se tornou seguinatário a partir
do Decreto Presidencial 5.051/04. Ou seja, toda e qualquer alteração administrativa
ou até mesmo legislativa a ser feita referente a esse território e que possa causar
danos, deve ser comunicada e a comunidade deve ser consultada previamente. Este
é um instrumento obrigatório e, nesse sentido, antes de encaminharem e terem
dado forma ao processo licitatório para a construção dos projetos de revitalização
da Comunidade do Porto do Capim, a gestão municipal de João Pessoa tinha o
dever de comunicar à comunidade, ofertando espaço para a participação popular e
acolhimento dos interesses e direitos da comunidade.
Ainda sobre este tópico, trazemos um trecho da Convenção Nº 169-0IT
(Organização Internacional do Trabalho) que garante:

[...] Plena aplicabilidade do tratado internacional de proteção de


"comunidades tradicionais", não destoando o Decreto nº 4.887/2003 de
seus parâmetros fundamentais: a) auto-atribuição das comunidades
envolvidas; b) a conceituação de territorialidade como garantidora de
direitos culturais; c) o reconhecimento da plurietnicidade nacional.
(BRASIL, 1989. n.p.)

5
O projeto PAC Sanhauá conta com o financiamento do Ministério das Cidades, é coordenado pela
Secretaria de Habitação da Prefeitura Municipal de João Pessoa e envolve secretarias e órgão
representantes dos governos municipal, estadual e federal.
26

Cientes da importância do território do Porto do Capim para a existência da


comunidade, e em resposta à intervenção arbitrária da prefeitura, a comunidade se
organizou e é ativa na resistência, como um exemplo de grupo democrático e
popular auto-organizado incentivado sob a ascensão do governo democrático no
Brasil (FRIENDLY; STIPHANY, 2018 apud PEREZ 2019), e tem buscado resistir às
pressões de remoção, além de usar o engajamento das organizações para
apresentar sua visão de território integrado ao Direito à Cidade 6.
Essa breve contextualização histórica indica o processo de engajamento
político dos moradores e, mais especificamente, do protagonismo feminino nesse
contexto - como podemos ver na imagem a seguir; tendo em mente o surgimento
das organizações (Comissão Porto do Capim Em Ação - CPCA, Associação de
Mulheres do Porto do Capim - AMPC e Coletivo de Jovens Garças do Sanhauá -
GS).

Figura 4 - Ato em Comemoração a Ação Civil Pública do MPF embargando a obra em 2019

Fonte: Página da Associação de Mulheres no Instagram (Agosto de 2019).

Ainda que fazendo parte de uma sociedade patriarcal e opressora, o caso do


Porto do Capim revela que as mulheres têm sido as protagonistas no processo de
resistência política da comunidade.

6
Sobre este ponto, é importante consultar o Estatuto da Cidade. Disponível em:
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70317/000070317.pdf
27

Nesse contexto, qual a relação existente entre a luta pelo território e o


protagonismo político das mulheres? Como se deu a formação da organização
política feminina e por que ela se manifesta na luta pela garantia dos direitos de um
povo tradicional ribeirinho? Tal discussão será realizada no capítulo seguinte.
28

CAPÍTULO 2 - ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES E A LUTA PELO


TERRITÓRIO

“Nossas raízes são tão profundas e não será


qualquer vento que irá arrancá-las”.
(Pedro Paulino de Holanda / Vô)

Esse capítulo visa abordar as razões que levam ao protagonismo feminino da


Associação de Mulheres do Porto do Capim na luta em defesa do território e pela
legitimação do uso do espaço como uma população tradicional ribeirinha, tratando
também dos processos mais amplos que envolvem a questão de gênero e a história
das mulheres. Os processos de organização política protagonizados pelas mulheres
da comunidade em questão envolvem, entre outros, debates sobre o direito à
cidade. As reivindicações são conduzidas pelos moradores locais, contudo, foram e
são as mulheres que ocupam os espaços de negociação, se articulando
internamente, mobilizando a comunidade e protagonizando os embates travados
com o poder público.

2.1 Um breve histórico da organização política feminina

Por séculos o papel social da mulher era limitado às funções intrafamiliares,


sendo restrito ao cumprimento de suas “obrigações” enquanto esposa, cuidando do
marido e dos serviços domésticos, e enquanto mãe, cuidando dos filhos. Ao longo
da história, diversos movimentos marcaram a luta das mulheres que reivindicavam
direitos sociais. Porém, esses movimentos carecem de muito tempo e oportunidades
para ganhar força e expressão.
Foi apenas durante a Revolução Francesa, que ocorreu em 1789, que a luta
feminina foi potencializada pelo espírito da época que pregava a liberdade, a
igualdade e a fraternidade entre os homens. Entretanto, mesmo o cenário
revolucionário não foi o suficiente para provocar as mudanças necessárias aos
direitos femininos, o que gerou diversas críticas sobre os reais valores
revolucionários.
Em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi publicada e
indicava quais seriam os direitos individuais e coletivos que deveriam ser
assegurados a todo e qualquer ser humano. Dois anos depois, a escritora francesa
29

Olympe de Gouges publica a sua versão do documento definindo os direitos que a


mulher deveria ter. Em um de seus panfletos mais conhecidos, a Declaração dos
Direitos da Mulher e da Cidadã (1791)7, Olympe conclamava à ação: “Ó mulheres!
Mulheres, quando deixareis vós de ser cegas?”. Era uma referência direta à
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, documento símbolo da
Revolução Francesa, mas que pouco dizia sobre os direitos do sexo feminino,
começando pelo próprio nome do documento.
Nas décadas seguintes, diferentes artistas e intelectuais, de vários países,
produziram obras de arte, textos literários e até peças jurídicas que contestavam a
condição da mulher nos diferentes âmbitos da sociedade. Porém, as primeiras
alterações nas leis visando acabar com a situação jurídica que colocava as mulheres
em condição inferior, somente começaram a ser implantadas no decorrer do século
seguinte.
Dentre os pontos centrais que perpassam os direitos da mulher, estão temas
que abordam questões como o direito ao voto, a trabalhar, ter autonomia sobre o
próprio corpo, tratamento igualitário no mercado de trabalho, à educação, etc.
O direito ao voto, foi conquistado em 1893, na Nova Zelândia. essa direito
marcado por uma morosidade gigantesca, pois, mesmo depois de 40 anos, não
chegaram sequer a trinta países que adotaram a votação feminina. Depois da
primeira grande Guerra Mundial (1939 e 1945), houve um crescimento no número de
países que reconheceram o direito feminino ao voto.
A Constituição dos Estados Unidos foi estabelecida em 1787, porém, só
depois da Emenda Dezenove, no ano 1919, que o voto para as mulheres foi
adquirido. o sufragismo tem origem, no movimento contra a escravidão do século
XIX e teve contribuição das ativistas inglesas. As americanas só adquiriram o direito
ao voto na década de 1920, por modificar o seu discurso político, focando em
direitos da raça humana e democracia, influenciadas pelo contato com as ativistas
inglesas.

7
Este documento foi proposto à Assembléia Nacional da França, durante a Revolução Francesa (1789-1799).
Marie Gouze (1748-1793), a autora, era filha de um açougueiro do Sul da França, e adotou o nome de Olympe
de Gouges para assinar seus planfletos e petições em uma grande variedade de frentes de luta, incluindo a
escravidão, em que lutou para sua extirpação. Batalhadora, em 1791 ela propôs uma Declaração de Direitos
da Mulher e da Cidadã para igualar-se à outra do homem, aprovada pela Assembléia Nacional. Girondina, ela
se opõe abertamente a Robespierre e acaba por ser guilhotinada em 1793, condenada como contra
revolucionária e denunciada como uma mulher "desnaturada".
30

O primeiro país latino-americano a permitir que suas cidadãs votassem foi o


Equador, em 1929. Alguns anos depois, seria a vez das brasileiras. Adotado em
nosso país em 1932, as mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto 8 através
do Decreto nº 21.076 instituído no Código Eleitoral Brasileiro e consolidado
na Constituição de 1934.
Entretanto, cabe salientar que, em um país com um histórico escravista como
o Brasil, esse e outros tantos direitos não chegaram para todos e todas. As mulheres
com maior poder aquisitivo, liberdade e prestígio social que geralmente
encabeçaram a luta por esse direto e que, em sua maioria, eram brancas, possuíam
vivências e estavam em contextos completamente diferentes (e, em muitos sentidos,
antagônicos) em relação às mulheres da base da pirâmide social que, em sua
maioria, eram negras e que desde sempre precisavam lutar, em seu cotidiano, não
pelo direito ao voto, mas pela própria sobrevivência.
Nesse contexto histórico do movimento feminino brasileiro, mesmo tendo uma
atuação mínima em termos quantitativos e de visibilidade social, porém fundamental
para a reversão das desigualdades de gênero no país, ao passar dos anos, existe
uma relação entre a história das lutas das mulheres e os processos de mudanças
econômicas e sociais que desenvolveram se no Brasil. As conquistas foram poucas
e lentas, as conquistas foram se acumulando durante o tempo, e as dificuldades não
impediram seu desenvolvimento, mesmo que não linear.
Embora não tenha recebido notoriedade, a participação feminina nos
movimentos de independência do Brasil é um fato, por exemplo, a inconfidência
Mineira não foi um movimento apenas masculino. As figuras femininas que lutaram
neste movimento, destaca-se a atuação de Hipólita Jacinta Teixeira de Mello, e dela
a carta que expunha a Joaquim Silvério dos Reis como traidor de seus
"companheiros" de conjura. Foi escritora de diversos avisos secretos, informando
que o Tiradentes fora preso no Rio de Janeiro.
Nascida em Exu, interior de Pernambuco em 1760, Bárbara Alencar,
matriarca do centro da organização da rebelião da família, foi escritora e avó do
escritor José de Alencar. Uma das primeiras mulheres de quem se tem notícias a
8
“A luta pelo voto já havia começado há tempos. O Brasil poderia ter sido a primeira nação do mundo
a aprovar o sufrágio feminino. No dia 1º de janeiro de 1891, 31 constituintes assinaram uma
emenda ao projeto da Constituição conferindo direito de voto à mulher. Tal emenda foi rejeitada. A
idéia de mulheres atuando na esfera pública fora rejeitada por séculos em todo o mundo e
levaria algumas décadas para que os mais elementares direitos fossem obtidos, ainda que mais no
papel do que na prática” (POLITIZE, 2016).
31

participar da revolução de 1817, organizou várias revoltas e fez de sua casa um


ponto de encontros. Foi presa por muitos anos em calabouços afirmando – segundo
o dito popular - que “não queira ser rainha não! Queria ser rei!” (TELLES, 1986).
De acordo com Telles (1986), Maria Quitéria de Jesus, Nascida no dia 27 de
julho de 1792 na Bahia, lutou nos batalhões nacionalistas nas guerras de
independência, montava, caçava e manejava armas de fogo. Tornou-se soldado em
1822, quando o Recôncavo Baiano lutava contra os portugueses a favor da
independência do Brasil.
Com o desenvolvimento industrial, mudanças se pronunciaram no país. Em
de 1850, foi proibido o tráfico negreiro, que agregou na luta pela libertação dos
escravos, onde o movimento feminino era ativo. A história da resistência feminina
começou a ser desvendada recentemente. Em 1860, algumas mulheres brasileiras
organizaram sociedades abolicionistas que receberam atenção da imprensa da
época: a Sociedade de Libertação (instalada no RJ em 1870); a Sociedade
Redentora (fundada em 1870) e a Ave Libertas, a maior associação abolicionista
feminina do país, criada em 1884, no Recife. (TELLES, 1986)
O direito à educação e ao voto, no começo do movimento propriamente de
mulheres, foi a imprensa alternativa feminina, surgindo no século XIX. Com o início
da urbanização e da imigração, mudanças em relação à economia, a política abriram
um leque para novas ideias que incluíam a mulher e sua participação na sociedade.
Mesmo que a imprensa feminina tenha surgido no Brasil, em 1820, houve um
período de divergências em torno da independência.
Nos anos 50 no hiato das duas grandes guerras mundiais, o Brasil ficou
marcado pela criação do Partido Comunista Brasileiro, pela semana da arte moderna
e outros eventos, que geraram grandes discussões sobre o rumo da Sociedade
brasileira, na ordem política e social. Com o fim da segunda guerra mundial, no Rio
de Janeiro, surgiu o Comitê de Mulheres pela Democracia, com a finalidade de
ampliar as participações nas conquistas pela igualdade profissionais,
administrativas, culturais e políticas. Em 1952, realizou-se a primeira Assembléia
Nacional de Mulheres, dirigida por Nuta James, com objetivo de alcançar a
igualdade em seus direitos.
Em 1964, o golpe militar extermina as associações feministas do Brasil,
entretanto, da sociedade emergem alguns movimentos de mulheres que prestigiam
os militares desenvolvem o projeto “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”.
32

Neste período, o país se urbaniza e moderniza industrializadamente e transforma o


modelo de vida, das famílias, os padrões de natalidade, as formas de consumo e o
acesso à informação. As mulheres engajam-se nos debates políticos e culturais da
época: querem ter autoria na transformação da sociedade. Movimentam-se cada vez
mais pelo mundo da política, das comunicações, das artes, da literatura, da técnica e
ciências, presentes no mundo profissional e na educação superior, despontando
também na gerência privada e na administração pública. É nesse período que se
forma a primeira resistência contra a ditadura militar.
Surgem os desafios contemporâneos da nova era um novo país em
desenvolvimento, recomposto o Estado de Direito e as liberdades democráticas; a
sociedade civil está organizada e as novas diretrizes constitucionais reforçam a
promessa de uma ampliação histórica da cidadania. Os movimentos continuam a se
desenvolverem, ampliando a atuação de suas práticas, e seguem incentivando as
alternativas democráticas. Há uma nova Constituição a ser aplicada, há novas forças
sociais organizadas apostando no fortalecimento de uma cultura de direitos e não-
discriminação e há espaços para se desenvolver novas globalizações. Mulheres e
movimentos investem na participação nos espaços desenvolvendo novas leis e
programas de políticas públicas, reformas da saúde, na educação e de outras áreas
de políticas do Brasil.
Gohn (1997) afirma que “Estado, nessa conjuntura, não era simplesmente o
adversário dos movimentos, mas seu principal interlocutor”. A autora analisa ainda:

Os anos 90 enfatizaram duas categorias básicas: a cidadania coletiva e a


exclusão social. A primeira, já presente na década anterior, apresentará
como novidade pensar o exercício da cidadania em termos coletivos, de
grupos e instituições que se legitimaram juridicamente a partir de 88, e que
tem de desenvolver um novo aprendizado, pois não se trata apenas de
reivindicar, pressionar ou demandar. Trata-se agora de fazer, de propor, de
ter uma participação qualificada, já que o lugar da participação está inscrito
nas leis, é uma realidade virtual. A segunda, relativa à exclusão, decorre
das condições socioeconômicas que passar a ser imperativas, causadoras
de restrições e situações que Durkheim certamente caracterizaria como
anomia social: violência generalizadas, desagregação da autoridade estatal,
surgimento de estruturas de poder paralelas etc. As análises enfatizarão os
efeitos destes sistemas de desagregação social sobre as estruturas
organizativas da população (GOHN, 1997, p. 288).

Retornando ao contexto mais amplo, a história de conquistas e recuos na luta


feminina por seus direitos teve um grande apoio no trabalho da Organização das
Nações Unidas (ONU). Durante as décadas de 1970 e 1980, a ONU realizou
diversas campanhas e eventos visando aumentar a conscientização sobre a questão
33

dos direitos femininos e para pressionar os países membros a realizarem ações


efetivas em prol desta questão. O ano de 1975 foi dedicado às questões
relacionadas às mulheres e os dez anos seguintes foram definidos como a década
da mulher.
Na ocasião, a ONU tinha os seguintes objetivos: identificar e denunciar as
discriminações e as desigualdades que afetavam a situação da mulher brasileira,
lutar pela liberação das mulheres enquanto sexo dominado e oprimido, promover a
conquista de direitos civis para todas as mulheres e de espaços públicos de atuação
para as representantes dessa minoria política.
Dentre as várias iniciativas que ocorreram nesse período, destaca-se a Carta
Internacional de Direitos da Mulher (1979). Nesse documento, a ONU apresenta os
direitos que toda mulher deveria ter garantidos para possuir uma vida plena e
saudável. Esses direitos são: direito à vida; direito à liberdade e segurança pessoal;
direito à igualdade e a estar livre de todas as formas de discriminação; direito à
liberdade de pensamento; direito à informação e a educação; direito à privacidade;
direito à saúde e a proteção desta; direito a construir relacionamento conjugal e a
planejar sua família; direito à decidir ter ou não ter filhos e quando tê-los; direito aos
benefícios do progresso científico; direito à liberdade de reunião e participação
política; direito a não ser submetida a torturas e mal tratos.
Para analisar o papel da mulher se faz necessário, portanto, a leitura da
sociedade, pois tal reflexão exige a compreensão das camadas sociais que não são
indissociáveis, mas sim categorias imbricadas de relações que se expressam na
materialidade de forma antagônicas onde corpos reais sentem os impactos do seu
sexo/sexualidade, raça/etnia e classe social.

O conceito de interseccionalidade está sendo disseminado e tem sido


utilizado, juntamente com outros conceitos, para compreender as múltiplas e
cruzadas opressões, mas também para compreender diferentes
experiências sociais de sujeitos localizados histórica, social, política e
culturalmente (MALUF, 2018, p. 435).

Assim, as categorias imbricadas na luta por um novo projeto societário é


indispensável e esse trabalho caminha nessa perspectiva, que a mulher tem se
organizado politicamente por meio de diversos espaços políticos e de controle e
participação social, dentre eles, destaca-se os movimentos sociais, mais
especificamente o movimento feminista. Segundo Cisne (2018, p. 220):
34

O entendimento de que o feminismo não deve ser um movimento que luta


restritamente pelas questões individuais das mulheres, ainda que tais
questões sejam incontestavelmente importantes e indispensáveis. O
fundamento do feminismo sendo a emancipação das mulheres encontra um
limite estrutural: o capitalismo. Esse entendimento foi demonstrado por
Clara Zetkin, uma das primeiras agitadoras e propagandistas do feminismo
socialista.

Do mesmo modo, Lênin (1979 apud CISNE, 2018) aponta para essa
compreensão da importância da luta pela liberdade da mulher, reconhecendo nela,
inclusive, condição para a vitória do comunismo, como modelo de sociedade:

Fazer a mulher participar do trabalho produtivo social, libertando-a da


“escravidão doméstica”, libertando-a do jugo bruto e humilhante, eterno e
exclusivo, da cozinha e do quarto dos filhos, eis a tarefa principal. Esta luta
será longa. Exige uma transformação radical da técnica e dos costumes.
Mas levará finalmente à vitória completa do comunismo. (LÊNIN, 1979 apud
CISNE, 2018, p. 8).

Essa participação da mulher no mundo do trabalho e outros espaços tem se


identificado, mas não sem resistência e luta, diante da desigualdade de gênero,
salário menor, assédio, etc. E, sobretudo quando se é pobre, negra, lgbtqi+, dentre
outras condições sociais.
No Território do Porto do Capim, a organização política foi assumida pelas
mulheres, no início da segunda década dos anos 2000. A partir da organização
política das moradoras, a narrativa da população local começou a ser potencializada
através do fomento da identidade cultural como ferramenta de resistência.

[...] não podemos pensar o espaço do Porto do Capim a partir unicamente


das características físicas que ele apresenta. Ao contrário, é preciso
entender como este é percebido e utilizado pelas famílias que aí se
assentaram e que, na medida do possível, também o transformam, tendo
em vista uma melhor adequação às suas necessidades de uso. Nestes
temos, a organização social do grupo deve ser considerada como algo
central na formação de comunidades e territórios, e o Porto de Capim não
constitui exceção (MURA, 2019, p. 4).

E não sendo uma exceção, a comunidade ribeirinha do Porto do Capim se


transforma ao passar do tempo, fazendo adequações no espaço para atender suas
necessidades. E a organização das famílias no território vão desenvolvendo raízes,
nas quais há seis gerações atracaram suas vidas na área portuária abandonada e
protagonizam a história deste lugar. Que desde sua formação enquanto comunidade
é ameaçado pela prefeitura de João Pessoa, que tenta colocar em curso uma arena
turística, para atender as demandas da capital e para tal feito, a comunidade
ribeirinha precisa ser apagada da história. E é diante deste conflito entre Estado e
35

Comunidade que emergem as organizações femininas no Porto do Capim, assunto


do próximo tópico.

2.2 A árvore genealógica e a organização feminina no Porto do Capim de 2010 a 2020

As relações patriarcais ainda é uma realidade latente no espaço de poder,


que delimita a participação das mulheres no desenvolvimento e uso da razão nos
espaços de decisão, mesmo diante de uma realidade tão opressora, nota-se que
algumas transformações nestas construções espaciais de gênero vêm acontecendo
e estas mudanças tornam-se palpáveis com a inserção das mulheres em
movimentos sociais, reivindicando pautas específicas e por pautas de interesse mais
amplo e coletivos, a exemplo: direito à creche, saúde básica, habitação, dentre
outros. Situação que vem ganhando destaque no cenário nacional e internacional. E
na Comunidade do Porto do Capim, a organização feminina ao longo da segunda
década dos anos 2000 vem auferindo notoriedade e relevância. A trajetória desse
processo de organização será abordada aqui como a Árvore Genealógica das
organizações femininas em três momentos: 1) A Semente: Comissão Porto do
Capim em Ação. 2) A Raiz: Associação de Mulheres do Porto do Capim. E 3) A
Ramificação: Coletivo de Jovens Garças do Sanhauá.
No Centro Histórico de João Pessoa, especificamente no Território Ribeirinho
do Porto do Capim, o processo de gentrificação (Higienização Social) é uma marca
do “Projeto de Revitalização do Antigo Porto do Capim”, que se debruça na
remoção da população mais pobre da área para implementação de um complexo
turístico para atender as demandas do capital. A proposta de intervenção não teve
consulta livre, prévia e informada9, tais violações de direitos humanos provocaram o
protagonismo político da comunidade, no fronte, as moradoras, que no cenário de
insegurança e desinformação, mediante a omissão do poder municipal, organizar
coletivamente para pautar mediante o Estado, os interesses e direitos sociais da
comunidade.

9
O direito de os povos indígenas e tribais serem consultados, de forma livre e informada, antes de
serem tomadas decisões que possam afetar seus bens ou direitos, ou a chamada obrigação estatal
de consulta, foi prevista pela primeira vez, em âmbito internacional, em 1989, quando a
Organização Internacional do Trabalho - OIT adotou sua Convenção de número 169.
36

A Semente desse movimento foi no ano de 2010, no qual, algumas mulheres,


foram convidadas para uma reunião com a Fundação Cia da Terra 10 e a Assistente
Social voluntária11, a proposta do encontro tinha como objetivo estreitar as relações
e conhecer melhor a comunidade e suas reivindicações diante da ameaça de
retirada da população do território do Porto do Capim. A Fundação Cia da Terra
neste mesmo ano, antes desta reunião, iniciou um projeto de extensão, por meio da
Universidade Federal da Paraíba. Intitulado de “Subindo a Ladeira” 12, o projeto visa
promover a educação patrimonial através da arte para crianças da comunidade de
06 a 13 anos.
No ano de 2011 o grupo foi se consolidando, e um ano depois, após uma
reunião para eleição do nome, a semente passou a se chamar Comissão Porto do
Capim em Ação (CPAC). Era composta, aproximadamente, por 15 pessoas que
passaram a se reunir semanalmente, os encontros eram realizados à noite, no
terraço da Escola Estadual de Ensino Fundamental Padre João Félix.

10
Representantes da instituição: Erick de Almeida, Hostílio Nitão e Regina Célia Gonçalves.
11
Na pessoa de Maria Valeska Asfora.
12
Iniciado em 2010, o projeto Subindo a Ladeira ainda hoje funciona com ações de ensino de história
local e de educação patrimonial direcionadas às crianças entre 6 e 13 anos de idade. Até 2017, o
projeto tinha como parceria o espaço da Escola Estadual do Ensino Fundamental Padre João Félix.
A partir de 2018, passou a usar como apoio o espaço do Ponto de Cultura Comunitário da Garças
do Sanhauá. Seu objetivo é fortalecer o empoderamento das moradoras e estimular sua
participação nas decisões que incidem sobre sua própria comunidade. As práticas educativas –
norteadas por princípios da educação popular – são propostas interdisciplinares que envolvem
conhecimentos do teatro, da música, da poesia, da contação de histórias, do cinema e da
comunicação comunitária.
37

Figura 5 - Membros da Comissão Porto do Capim em Ação (Dezembro de 2012)

Fonte: Página do Facebook da Comissão Porto do Capim em Ação – 2012.

Com objetivo de mobilizar os/as moradores/as e, em 2012 foi realizado o


primeiro “Arraiá do Porto”, festejo do ciclo junino na comunidade, a comunidade se
fez presente e contou com a presença do público externo. A música ficou por conta
do trio de forró pé de serra “Os Valentes do Forró”. A partir disso, foi reativada a
quadrilha junina infantil Ribeirão e criado um grupo de dança que resultou na
consolidação do Grupo Cultural “As Comadres” 13 e os comerciantes locais ofereciam
os comes e bebes.

13
Composto por meninas entre elas, crianças, adolescentes e jovens que dançavam músicas
regionais do nordeste. O primeiro nome do grupo era Xote das Meninas, em homenagem ao rei do
Baião, Luiz Gonzaga. Após alguns anos passou a se chamar As Comadres, em referência a lenda
da entidade Comadre Florzinha, protetora da mata.
38

Figura 6 - Arraiá do Porto (Junho de 2012)

Fonte: Página do Facebook da Comissão Porto do Capim em Ação – Julho de 2013. Acessado em
01 de jan. 2021.

O evento “Arraiá do Porto” foi um elo que articulou a comunidade e sociedade


civil, e diante de tal manifestação cultural, as atenções começaram a ser
direcionadas para a narrativa da população. Tornou-se ainda mais tangível a
importância de uma frente organizativa em defesa do Porto do Capim, pois
patrimônio cultural da cidade corria risco de ser aterrado, onde as famílias residentes
no Território Porto do Capim que compreende as 4 áreas: Vila Nassau, Praça XV de
Novembro, Rua do Porto do Capim e Frei Vital, seriam removidas para dar espaço
ao parque de “Revitalização do antigo Porto do Capim” (concretão como a
comunidade intitula o projeto).
Com isso, foram pensadas estratégias para se obter informações referente ao
projeto, umas das foi a articulação de uma reunião em 2012, com arquiteta que fazia
parte da Comissão do Centro Histórico, uma das autoras do primeiro projeto de
“Revitalização do Porto”, Sônia Gonzalez. Na qual, a mesma era responsável pelos
materiais que estavam expostos e guardados no antigo Hotel Globo, a exemplo da
maquete do projeto. A informação mais recente obtida na reunião com a arquiteta, a
respeito do PAC Sanhauá, que envolve diretamente a Comunidade Porto do Capim,

[...] é a de que o prefeito Luciano Cartaxo, em recente audiência com a


presidente Dilma Roussef, conseguiu a garantia da liberação de recursos
orçamentários para dar inicio as obras ainda neste ano de 2013. Diante
desta informação, a Comissão Porto do Capim em Ação, procurou ter
39

acesso ao projeto que hoje está nas mãos do prefeito da capital, sendo
considerado, portanto, o projeto oficial. O referido projeto, que foi elaborado
pela Comissão Permanente do Desenvolvimento do Patrimônio Histórico de
João Pessoa, constando agora de algumas modificações, prevê a remoção
de todas as casas da área. No espaço onde hoje estão localizadas as
moradias, está prevista a construção de uma ampla área para a realização
de shows, trapiches para atracamento de embarcações de passeio,
restaurantes, entre outros equipamentos para fins turísticos. Os moradores,
neste projeto, deverão ser removidos para áreas ainda não definidas. Na
imagem, representantes da Comissão observam a maquete do
projeto. (PORTO DO CAPIM EM AÇÃO, 2013).

O cenário de insegurança continuava, e com o objetivo de ocupar novos


espaços e ampliar a luta atraindo apoio da sociedade civil, no último trimestre de
2012, a Comissão abre uma página digital na plataforma do Facebook14, ferramenta
que passou a potencializar as ações realizadas e adentrando o ano seguinte,
alcançou novos parceiros para somar com a Comissão, a exemplo: Varadouro
Cultural, Ateliê Multicultural do Elioenai Gomes, João Pessoa Que Queremos, o
Coletivo Jaraguá com o projeto Museu do Patrimônio Vivo, Amigos da Natureza, o
movimento SOS Patrimônio Histórico, Mandato do Vereador Eduardo Fuba e a ONG
Porta do Sol15. É importante ressaltar que ao mesmo tempo em que a ferramental
digital atraia novos parceiros, também foi possível detectar várias manifestações de
ideias preconcebidas de inúmeros seguidores, que apenas consumiam
(des)informações que circulavam nos veículos convencionais de comunicação (tv e
rádio), nas quais corroboram com discurso de que a comunidade é violenta e
colocam as famílias como miseráveis e passa fome, e que para acessar a área era
necessário está acompanhado de segurança e com alimentos, porém com a
utilização da rede social e em articulação com a rede de parceiros foi criada uma
frente contra esses discursos. E diante do silêncio e desinformação,

Os moradores do Porto do Capim também passaram a utilizar as redes


sociais como espaço de mobilização e resistência. Atribuíram à rede o papel
central em suas formas de articulação, desenvolvendo novas maneiras de
organização, com compartilhamento de objetivos, eventos e comunicações
relacionadas à causa, travando discussões na esfera pública e alinhando à
sua história de luta as perspectivas dos movimentos sociais
contemporâneos (MACHADO, 2007), que são organizados em rede e nas
ruas (ANTOUN; MALINI, 2013). (SILVA, 2018. p. 71).

14
Página do Porto do Capim em Ação no facebook. Disponível no link:
https://www.facebook.com/PortoDoCapim/photos/?ref=page_internal
15
Teve a sede do projeto do Ponto de Cultura localizada na comunidade no ano de 2015, aprovado
pelo Minc (Ministério da Cultura do Governo Federal).
40

A rede de movimentos sociais em articulação, a partir de 2013, realizou várias


reuniões, ações, sessão especial e eventos de cunho sócio político em prol de
direitos sociais da Comunidade. Diante do cenário de incertezas, foi planejado uma
ação cultural que mostrasse a realidade da Comunidade, e um marco foi à
realização do primeiro “Ocupe Porto do Capim”, em 01 de Junho de 2013,

[...] que mobilizou a comunidade e os cidadãos pessoenses a resistirem à


remoção. O #OcupePortodoCapim se inspirou no “Occupy Wall Street” - um
movimento de protesto contra a desigualdade econômica e social, a
ganância, a corrupção e a indevida influência das empresas - sobretudo do
setor financeiro - no governo dos Estados Unidos. Iniciado em 17 de
setembro de 2011 em Nova York, depois em Los Angeles, Oakland,
Chicago, se ISSN: 1984-8781 - Código verificador: U6XYfemISn7P 6
expandiu para várias outras cidades ao redor do mundo. Desse movimento
original surgiram o Ocupe Estelita e outros “ocupes” em vários lugares do
Brasil e do mundo. (SCOCUGLIA, 2019. p. 5).

Figura 7 - Ocupe Porto do Capim (2013)

Fonte: Página do Facebook da Comissão Porto do Capim em Ação 16 – Julho de 2013.

Com a realização dessas ações é tangível vê os avanços e a importância das


conquistas após a criação da Comissão Porto do Capim Em Ação, na qual a
Comunidade sai do anonimato passivo, constitui uma frente de luta em parceria com
a sociedade civil e os/as moradores/as protagonizam a narrativa em defesa da
permanência da população ribeirinha na localidade. Tratasse de um processo não
linear, e que teve como efeito principal: O despertar do sujeito político, é especial

16
Disponível em: https://www.facebook.com/events/253758828099137/?active_tab=discussion.
Acesso em: 01 de jan. 2021.
41

das mulheres, onde dessa frente surge a necessidade de fincar a raiz dessa
resistência, de forma orgânica, no último trimestre de 2013, foi iniciado o processo
de enraizamento para se formar uma Associação e neste momento, o grupo contava
exclusivamente com a participação de moradoras.
Com a semente da Comissão Porto do Capim Em Ação, e após sofrer várias
tentativas de negação, por parte da gestão municipal, que investia em deslegitimar o
“grupinho de moradores/as” que reivindicava o direito de permanência da população
no território do Porto do Capim ocupado há mais de 70 anos. Apresentava-se a
necessidade de se constituir enquanto uma organização formalizada. E após alguns
meses de encontros formativos, durante o último trimestre do ano de 2013, foi
fundada e formalizada, em 30 de janeiro de 2014, a AMPC – Associação de
Mulheres do Porto do Capim, composta por 10 moradoras representadas pelas
áreas do território17. Esse processo foi assessorado pela Assistente Social voluntária
Maria Valeska Asfora que acionou o advogado Pablo Honorato para assessorar na
parte jurídica.

Figura 8 - 1° Reunião AMPC (Março de 2014)

Fonte: Acervo da Autora, 2014.

17
O Território Porto do Capim se constitui pelas áreas: Vila Nassau, Frei Vital, Praça XV de
Novembro, Rua do Porto do Capim e Rua Frei Vital. Demarcação indispensável para a
compreensão da totalidade da Comunidade.
42

Figura 9 - Perfil Socioeconômico das Mulheres da AMPC (2014)

Fonte: Base dos dados de acordo com documentos AMPC. Tabela criada pela autora. 2021.

Prevista no estatuto, a eleição da associação aconteceu de forma interna


entre as associadas, e foi composta por 10 mulheres, em na qual 9, se
autodenominam enquanto pardas e pretas. O grau de escolaridade da maioria é de
ensino fundamental incompleto e a 80% da associadas desenvolvia atividades
econômicas na comunidade, dados de acordo com as representações da tabela
acima. Mesmo diante de alguns fatores divergentes, a exemplo, faixa etária, as
mulheres da AMPC se apegaram ao ponto em comum: atrelado ao desejo de
permanência, concomitantemente, promover melhorias para Comunidade era um
consenso e

[...] que reivindicaram direitos e espaços de participação social. Essa nova


concepção construiu uma visão ampliada da relação Estado-sociedade, que
reconhece como legítima a existência de um espaço ocupado por uma série
de instituições situadas entre o mercado e o Estado, exercendo o papel de
mediação entre coletivos de indivíduos organizados e as instituições do
sistema governamental. Este espaço é trabalhado segundo princípios da
ética e da solidariedade, enquanto valores motores de suas ações,
resgatando as relações sociais, diretas, e as estruturas comunitárias da
sociedade, dadas pelos grupos de vizinhança, parentesco, religião, _
hobbies, lazeres, aspirações culturais, laços étnicos, afetivos etc. (GOHN,
1997, p. 301).
43

No decorrer do ano de 2014 a AMPC organizou manifestações, articulou


reuniões com a sociedade civil e com representantes da gestão municipal,
assembleia na Câmara Municipal, ações comunitárias como, por exemplo, o
fortalecimento do calendário cultural do Porto do Capim, um dos objetivos principais
da organização.
A Associação de Mulheres herdou as parcerias estabelecidas pela Comissão
Porto do Capim em Ação citadas no tópico anterior. E no primeiro semestre de 2014,
soma-se a essa rede de apoio o Centro de Referências em Direitos Humanos da
UFPB (CRDH/UFPB), que em 18 de março a organização recebe em reunião18 O
coordenador do CRDH, Hugo Belarmino Moraes, onde também estava assessorada
pela Fundação Cia da Terra e a Assistente Social Voluntária.

Figura 10 - Reunião com o CRDH/UFPB (Março de 2014)

Fonte: Acervo da Autora, 2014.

Nesse mesmo ano foi elaborado pelo CRDH UFPB em parceria com os
moradores da Comunidade, o Relatório de Violação de Direitos Humanos 19. Esse

18
As reuniões no início eram realizadas na área externa da Escola Padre João Felix e a partir de
2013 passaram a ser realizadas no Bar da Penha, comerciante e associada.
19
Disponível em: https://issuu.com/crdhufpb/docs/relat__rio_porto_do_capim
44

relatório ofereceu subsídios para a elaboração de denúncia de violação de direitos


humanos encaminhada ao Ministério Público Federal, que resultou na abertura do
Inquérito Civil n.1.24.000.001117/2015, a partir da abertura do processo, o MPF
passou a intervir no contexto da requalificação do Porto do Capim. A pedido deste
órgão, foi elaborado um parecer técnico antropológico20 que reconhece o Porto do
Capim como Comunidade Tradicional Ribeirinha, “estabelecem na sua construção
identitária, referência espacial, territorial e simbólica com o rio que se constitui o
elemento agregador usado como critério de união e comportamento que dita o ritmo
social” (SOARES, 2015, p. 8), que de acordo com o Decreto nº 6.040, de 7 de
Fevereiro de 2007:

I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados


e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de
organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como
condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e
econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição; II - Territórios Tradicionais: os espaços
necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e
comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou
temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e
quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da
Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e
demais regulamentações; e III - Desenvolvimento Sustentável: o uso
equilibrado dos recursos naturais, voltado para a melhoria da qualidade de
vida da presente geração, garantindo as mesmas possibilidades para as
gerações futuras. (BRASIL, 2007, n.p.)

Mesmo diante de saberes, ofícios e a cultura tradicional sendo transmitida por


gerações, a afirmação de que a Comunidade do Porto do Capim é tradicional
ribeirinha, foi uma construção que se materializou a partir do processo de
organização política. Com o conhecimento de instrumentos jurídicos em defesa da
Comunidade, isso culminou na apropriação de seus direitos, auto afirmação como
detentora de saberes tradicionais e reivindicando a proteção do Estado. Scocuglia
(2019), recorrendo a Harvey (2014), destaca esse ponto. Segundo a autora:

Reconhecimento enquanto comunidade ribeirinha com sua cultura,


diversidade e espaço de representação posto que, como nos lembra David
Harvey (2014), ao reivindicar o direito à cidade, os sujeitos, em última
instância, estão reivindicando “algum tipo de poder configurador sobre os
processos de urbanização, sobre o modo como nossas cidades são feitas e
refeitas” (HARVEY, 2014, p.30). (SCOCUGLIA, 2019. p. 7).

20
Parecer Técnico Antropológico n.03/2015 do Ministério Público Federal da Superintendência da Paraíba.
45

A inserção do MPF no processo do Porto do Capim foi uma conquista valiosa


para esse reconhecimento, que resultou na participação de outras representações
de cunho jurídico que também ingressaram no caso, a exemplo da Defensoria
Pública da União (DPU), e mais adiante Defensoria Pública do Estado da Paraíba
(DPE-PB) e Ordem dos Advogados do Brasil na Paraíba (OAB-PB). E já
acompanhava a AMPC um grupo de professores/as da UFPB que para o ano de
2015 e 2016, aprovou em 1° lugar a nível nacional, o projeto de extensão
universitária na comunidade. No período de dois anos, entre 2015 e 2016 foi
desenvolvido o Projeto de Extensão Universitária da Universidade Federal da
Paraíba (Proext-UFPB), que ganhou o nome de “Abrace o Porto do Capim”, o
Projeto de cunho interdisciplinar, contava com a assessoria técnica nas áreas de
História, Arquitetura e Urbanismo, Geografia, Serviço Social e Direitos Humanos do
CRDH. Um dos resultados principais desta extensão universitária, tem como marco,
a elaboração de um projeto alternativo para a requalificação da área do território do
Porto do Capim, desenvolvido por meio de ferramentas pedagógicas participativas,
envolvendo os moradores nos processos de decisão e elaboração da proposta.
Neste período, houve uma intensa jornada de reuniões, que estava
diretamente ligada às ações do Proext promovidas e acompanhadas com a
participação da comunidade. Que resultou na criação de um Grupo de Trabalho (GT)
para tratar sobre o caso do Porto do Capim, a mediação do GT era realizada pelo
MPF e DPU, e as representações foram Proext-UFPB, Instituto do Patrimônio
Histórico Artístico Nacional (IPHAN), Caixa Econômica Federal (CEF),
Superintendência do Patrimônio da União (SPU), Secretarias de Planejamento,
Habitação, Defesa Civil, Desenvolvimento Urbano, Infraestrutura, Segurança, ambas
da PMJP e Comunidade com representação da AMPC.
A continuidade e descontinuidade por parte da gestão municipal no GT foi um
desafio latente, onde não só a PMJP, mas também o IPHAN se posicionava de
forma indisposta para uma construção de projeto participativo e que mantivesse a
Comunidade no território ribeirinho. Mesmo diante de tais desafios, o Proext finalizou
suas atividades com a Carta de Consensos, pactuada entre os poderes públicos, o
ministério público, a universidade e a comunidade, na qual destacava as
possibilidades de concessão de ambas as partes e as decisões pactuadas.
A Comunidade sempre foi alvo de projetos acadêmicos, que em diversas
áreas abordavam a temática do Porto do Capim. Várias questões surgiram após as
46

organizações participarem excessivamente de pesquisas, pois se apresenta uma


lacuna latente entre Academia e Comunidade, na qual se manifesta em especial, na
falta de retorno dos/as pesquisadores/as ao concluírem seus projetos e também na
carência de efetivas contribuições dos projetos. Com isso, cada participação
realizada atualmente, utiliza-se como fio condutor a seguinte questão: Como a
pesquisa e pesquisador/a pode contribuir com o processo de luta da comunidade,
em especial nas questões práticas? A comunidade é tão importante quanto a
academia, e essa relação precisa ser estabelecida numa via dupla de soma, ao
contrário, se perde na cegueira do achismo tecnicista de via única.
Ao passo que a AMPC trilhava algumas conquistas para a comunidade, a
exemplo o “Parecer Técnico Antropológico” e o projeto alternativo do Proext
“Requalificação urbana do Porto do Capim”, porém, o ano de 2015 foi um ano de
muitas ações e reuniões constantes e intensas, momentos internos e externos da
comunidade, que exigiu muito das mulheres da AMPC, processo que resultou num
desgaste na saúde relacional, física e emocional das associadas, isso refletiu na
falta de frequência de algumas nas ações, e ao longo do primeiro semestre do
corrente ano até o final do ano de 2016, apenas metade das associadas
acompanhavam, efetivamente, as reuniões. Era apenas, um pouco mais de um ano
enquanto da formação da Associação, porém, vale frisar que essas mesmas
mulheres estavam na constituição da Comissão Porto do Capim em Ação que já
vinham em uma jornada expressiva de participação nas atividades.
No continuar da caminhada, a AMPC enquanto instituição foi afetada em sua
composição original, pois essas mulheres assumiram condições acumuladas
socialmente impostas por uma sociedade capitalista, patriarcal, machista e racista,
assumindo o papel de: Mulher, Preta/Parda, Mãe, Esposa, Estudante, liderança
comunitária e Micro-empreendedora local, onde essas categorias imbricadas
impactavam diretamente no cotidiano. Outra contradição apresentada foi a relação
com o projeto acadêmico do Proext, que ao tempo se fazia necessário e construía o
projeto alternativo, uma conquista importante para a comunidade, porém sua
extensa agenda exigiu muito da AMPC. A reflexão para tal, é que faltou um olhar
para dentro da organização comunitária e para as mulheres, e poderia ter sido
planejadas ações de assistência de cunho psicossocial, capacitações para
qualificação profissional e emprego e renda para as mulheres para dar subsídio às
mulheres que estavam diretamente ligadas nesse processo.
47

O patrimônio categorial da tradição marxista, construído na perspectiva


metodológica do materialismo histórico dialético, elucida e desvela as bases
concretas das determinações das explorações e opressões na emergência
e desenvolvimento do modo de produção patriarcal-racista-capitalista,
instrumentalizando-nos a intervir para a organização e a atuação feminista
classista e antirracista. Nessa direção, esse patrimônio categorial nos
possibilita um entendimento da condição da mulher no capitalismo, bem
como aponta para a sua necessária participação política como integrante da
classe trabalhadora na construção de um projeto societário emancipador.
(CISNE, 2018, p. 04).

No ano 2015 com excesso de demandas, o efeito colateral causado foi o


desânimo na AMPC, porém esse esfriamento foi palco para o surgimento de uma
nova organização interna, o Coletivo de Jovens Garças do Sanhauá, fruto de uma
articulação feita pela jovem presidenta da Associação de Mulheres em parceria com
mais quatro jovens mulheres da comunidade, onde objetivo principal, é engajar
novos jovens para revigorar a força das organizações comunitárias existentes.
Resultado da semente que enraizou-se e que tem a necessidade de ramificar-se.
Com tudo, a raíz continua fincada, AMPC continua a (re)existir, mas se
apresentava a necessidade de Ramificação, que no primeiro semestre do ano de
2015, emerge o protagonismo de mulheres jovens que fundaram o coletivo que em
2016 foi batizado/formalizado como coletivo de jovens Garças do Sanhauá (GS). Em
seu objetivo principal, atrair novos jovens para agregar forças às organizações já
existentes CPCA e AMPC e assim promover ações em prol do território. A gênese
das Garças contou com cinco jovens mulheres 21.

21
Dentre elas: Andreia Farias da Silva, Elaine Barreto, Joyce Lima, Rayssa Holanda e Rossana
Holanda.
48

Figura 11 - Reunião das Garças do Sanhauá (2016)

Fonte: Acervo da Autora (Março de 2016).

Diante de mais uma composição organizativa, no fronte, a rede feminina, que


se articula coletivamente e quebram as barreiras e vão à busca de promover ações
afirmativas que agreguem na luta da população local. O Coletivo de Jovens Garças
do Sanhauá passa a organizar atividades com enfoque principal na comunicação,
produção cultural e a confecção de artesanato e de serigrafia. Na comunicação,
realizasse a produção de conteúdo digital nas páginas do no facebook 22 e
instagram23, criou-se um canal no youtube24, para a circulação de vídeos, além da
comunicação digital, que alcança em sua maioria, o público externo, sempre
pensada e realizada comunicação interna com as ferramentas de cartazes, panfletos
e abordagens (boca-boca) com o objetivo de alcançar em diferentes linguagens o
público local.
Na produção cultural, as Garças fomentou calendário cultural desenvolvido
pela AMPC e que passou a agregar novos festejos, deu continuidade na produção
do grupo cultural “As Comadres” que anualmente realiza um espetáculo que tem
como palco de estreia o evento do “Arraiá do Porto”, e ao longo de 2015, passaram
a acompanhar as ações desenvolvidas pelo projeto do Ponto de Cultura da ONG

22
Facebook das GS: https://instagram.com/garcasdosanhaua?igshid=1vsip56k4rg2q
23
Instagram das GS: https://www.facebook.com/garcasdosanhaua
24
Canal no youtube: https://www.youtube.com/channel/UCQRfiCXk6crCxhkgXTORMAA
49

Porta do Sol, das reuniões do processo de negociação do GT e também das


reuniões do Proext-UFPB e passaram a contribuir nas articulações do referido
projeto. Em 2016 foi realizado um Encontro de Jovens, com intenção de atrair mais
pessoas para compor o grupo.

Figura 12 - Encontro de Jovem (2016)

Fonte: Acervo da Autora, Abril de 2016.

O Encontro de Jovens foi um evento realizado em cinco encontros, onde


temáticas como respeito à diversidade cultural, religiosa, gênero e raça, fomento a
cultura ribeirinha, oficina básica de serigrafia, oficina de amarração de turbante e o
último encontro culminou em uma gincana envolvendo as temáticas de forma
recreativa. Neste último encontro foi realizado um processo de avaliação dos
encontros e observa-se na imagem, um número expressivo de jovens participando,
porém essa frequência não foi possível ser mantida, pois alguns desafios se
apresentavam, dentre eles, falas de jovens mães e suas funções de cuidar do lar,
dos filhos/as e em algumas situações tinham que trabalhar fora, e outro desafio
posto por alguns jovens, foram o relato do não interesse em participar de “reuniões
sobre as casas” e que tinha “muita gente de fora falando difícil”. As jovens
coordenadoras das Garças não tinham condições de enfrentar tais desafios
apresentados, faltava estrutura física e organizacional para pensar em ações que
50

agregassem as crianças nos encontros, e carência de estratégia para se pensar em


alternativas que garantisse a assiduidade dos jovens. Essa frente ficou estacionada,
porém o Coletivo de Jovens Garças do Sanhauá continua, mesmo com a carência
de novos membros, elas continuam planejando ações e participando de reuniões
juntamente com algumas mulheres da AMPC no processo de negociação entre
PMJP e Comunidade, intermediado pelo MPF. Para Gohn os jovens criam dinâmicas
específicas ao se organizarem:

Os coletivos criam novas dinâmicas da ação coletiva, mas discursiva,


estratégica e de confronto de ideias e valores (Snow: Benford, 2000). Há
grande influência de ideários anarquistas e libertários entre os coletivos,
especialmente no campo da cultura. Um coletivo pode se transformar em
movimento social, ou autodenominar-se movimento, ou articular-se a um
conjunto de outros coletivos que configuram um movimento social. Ou,
ainda, podem negar a forma de movimento social por considerá-la presa
aos modelos tradicionais de fazer política. (GOHN, 2018, n.p.).

Um marco para o processo de consolidação das Garças do Sanhauá foi o


momento de ameaça de fechamento do Ponto de Cultura, pois o município só
garantiu o repasse do valor de apenas um ano, no qual a previsão era para três
anos, e por não ter condições de sustentar o espaço e suas despesas, a ONG Porta
do Sol resolve encerrar as atividades relacionada ao projeto. A conquista deste
espaço foi muito positiva para a comunidade, pois se passou a ter uma sede física
para a realização de oficinas, reuniões e eventos, com isso a ameaça de perdê-lo
seria um impacto negativo, situação que as Garças não permitiram que acontecesse,
e assim, no primeiro trimestre de 2016, sem recurso e sem convênio com as esferas
estatais, as jovens, passam a assumir toda responsabilidade da manutenção do
Ponto de Cultura, e com vendas de trufas, bingo, rifas e camisetas serigrafadas, o
recurso passa a garantir a manutenção do espaço e o projeto passou a se chamar
Ponto de Cultura Comunitário das Garças do Sanhauá, com ênfase no comunitário
para simbolizar que estava sob gestão local.
Assumindo a gestão do Ponto de Cultura Comunitário as jovens se
articularam com algumas organizações para a realização de oficinas de arte-
educação na sede, além da manutenção das atividades já desenvolvidas, como
ensaio e produção do grupo As Comadres, produção do calendário cultural,
confeccionam bolsas e camisetas serigrafadas. Ainda neste último trimestre do ano
de 2016, as Garças deu início ao Vivenciando o Porto, trata-se do turismo de base
comunitária, o projeto que surge após uma visita das jovens na Comunidade
51

Quilombola Caiana dos Crioulos, em Alagoa Grande, na Paraíba, que na ocasião


foram experienciar o turismo ecológico intitulado “Vivenciando Caiana dos Crioulos”,
tal vivência inspirou as jovens a replicarem o projeto no território do Porto do Capim.
O contexto histórico que as GS se constitui, é cenário de análise nacional da autora
Maria Gohn:

Na onda de manifestações majoritárias de jovens ocorridas no Brasil entre


2013 e 2017, destacam-se, ainda, as formas aglutinadas em “coletivos”, tais
como o “Ocupa Estelita”, no Recife. Dentre aqueles que se identificam com
a forma “movimento social”, o Levante Popular da Juventude, atuante em
vários estados brasileiros, especialmente no Rio Grande do Sul, é um bom
exemplo. (GOHN, 2018, n.p)

No ano de 2018, com a realização de algumas atividades, o Coletivo


conquista efetivamente novos jovens para compor o grupo e assim ser uma Garça.
Foi um ano que as parcerias perduraram e novas foram estabelecidas e se fazia
mais que necessário, a presença de novos membros para agregar na caminhada do
coletivo.
No segundo semestre do ano vigente, numa parceria do coletivo de Jovens
Garças do Sanhauá e Fundação Cia da Terra, foi aprovada a inscrição de um edital
na área de cinema “Cartografia de Imagem", projeto do Semente Cinematográfica
com recursos do Itaú Cultural. Em 22 de janeiro deste ano foi realizada uma reunião
para planejar as ações do processo de formação no Porto do Capim.

Figura 13 - Reunião no Ponto de Cultura Comunitário com Garças do Sanhauá, Fundação Cia
da Terra e Semente Cinematográfica (22 de janeiro de 2019)
52

Fonte: Página no instagram das Garças do Sanhauá.25

As jovens Garças do Sanhauá são as ramificações das ações afirmativas


desenvolvidas por Ong, Movimentos Sociais e Associações no Porto do Capim e que
o grupo em sua caminha produz e reproduz ações e projetos que agreguem no
despertar político de crianças, adolescentes e jovens da comunidade. “As emoções
dos indivíduos e dos coletivos ganham destaque nos protestos políticos e podem
assumir papel ativo da construção do social” (GOHN, 2018, n.p).
O ano de 2019, iniciou-se aparentemente tranquilo, porém, essa calmaria não
se prolongou por muito tempo, e ainda no primeiro trimestre, em 19 de março de
2019, ás 09h da manhã, as mulheres da AMPC são acionadas via whatsapp por
vários moradores, especificamente das áreas da Praça XV de Novembro e Vila
Nassau, onde relatava que havia uma equipe gigante da prefeitura presente na
comunidade e que estavam notificando a população para desocupar a área com o
prazo de 48h, e muitos tinham sidos acordados com os agentes municipais e que de
forma intransigentes pediam para os/as moradores/as assinarem notificação, na qual
a maioria assinou sem saber do que se tratava, por um estado emocional
comprometido e casos de pessoas que não eram alfabetizadas ou se quer, sabia
interpretar um documento jurídico.
Mesmo diante do sono profundo que se encontrava a Associação de
Mulheres, tal ação da prefeitura traz para o centro da discussão duas principais
questões: 1) A quem os/ as moradores/as recorrem quando se encontram no estado
de ameaça por parte do poder público municipal ou diante de promoção e defesa
dos direitos sociais? e/ou 2) Qual organização a PMJP desde a gênese tenta
deslegitimar e não aceita dialogar com tal “grupinho”? E a resposta para tais
provocações é uma só: Associação de Mulheres do Porto do Capim.
Deste modo, em 2019, com a retomada das ações da PMJP, ameaçando a
Comunidade de remoção, os/as moradores/as reagiram de imediato aos ataques da
da gestão municipal. E este ano foi palco para o despertar da comunidade, sendo
que desta vez, as organizações atuavam em unidade de forma intergeracional,
mobilizando moradores e articulando pontes com a rede de apoio. Na mesma
semana da notificação a comunidade em articulação com a rede de apoio, articulou

25
Disponível em: https://www.instagram.com/p/Bs8qohjg_Xw/?igshid=1cmioh1bpr6l3. Acesso em: 20
jan. 2021.
53

protestos, assembleia na câmara de vereadores, atos culturais “Ocupe o Porto”,


dentre reuniões constantes. Mesmo diante das reações e pressão popular, a
prefeitura não recuou, negociando individualmente com famílias que diante da
pressão e desinformação, foram induzidas a aceitarem a proposta de auxílio aluguel
e dpois morar em um conjunto habitacional em um bairro distante do centro. Em
meio às violações que a comunidade passava, foi acionada a comissão jurídica
(MPF, CRDH, DPU, DPE e OAB), que já acompanhava a comunidade para intervir.
Diante da situação o MPF colocou em curso a Ação Civil Pública 26, na qual trazia
para o âmbito judicial a questão do Porto do Capim, já que pelas vias da negociação,
a prefeitura não respeitava os acordos estabelecidos.
Foi um período turbulento para a população ribeirinha, mas ao passo que a
PMJP tentava retirar os/as moradores/as, especificamente das áreas da Praça XV
de Novembro e Vila Nassau, a maioria, que não concordava com a intervenção, se
organizava e reagia em atos públicos aquecidos de importantes debates, levando
uma pauta de reivindicações específicas do cotidiano ribeirinho para uma discussão
mais ampla. O I Seminário foi um elemento impulsionador que contou com a
participação de representantes de Comissão Parlamentar Federal, da Assembleia
Legislativa da Paraíba, da Câmara Municipal de João Pessoa e da Rede Jurídica de
Apoio ao Porto do Capim, composta por integrantes do MPF, Defensoria Pública da
União (DPU), Defensoria Pública Estadual (DPE), Ordem dos Advogados do Brasil –
Seccional Paraíba, (OAB-PB), Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e
Universidade de São Paulo (USP). A programação também contou com a
apresentação do Mapa das famílias - resultado de estudo coordenado pelo
professor de Antropologia da UFPB Fábio Mura. O mapa mostra a localização dos
vários núcleos familiares da comunidade tradicional ribeirinha que ao longo das
últimas sete décadas se consolidou e se enraizou naquele território. Trabalho que
resultou no INFORME TÉCNICO SOBRE A TRADICIONALIDADE DE OCUPAÇÃO
DA COMUNIDADE DO PORTO DO CAPIM (JOÃO PESSOA - PB) e inserido no
inquérito instaurado pelo MPF civil nº 1.24.000.001117/2015-16. Processo que é
resultado do trabalho em rede das organizações internas e externas, com pautas
semelhantes.

26
Disponível em:
http://www.mpf.mp.br/pb/sala-de-imprensa/docs/acp-porto-do-capim.pdf/at_download/file. Acesso
em: 20 jan. 2021.
54

O conceito de rede, segundo Scherer-Warren (apud SOUTO, 2015), aplica-


se à experiência analisada neste artigo uma vez que a “ideia de rede de
movimento social é um conceito de referência que busca apreender o porvir
ou o rumo das ações de movimento, transcendendo as experiências
empíricas, concretas, datadas, localizadas dos sujeitos/atores coletivos”
(SCOCUGLIA, 2019. p. 7).

Contudo, foi possível verificar que as mulheres ribeirinhas estão se inserindo


nos movimentos sociais ora apresentados, na busca por visibilidade e
reconhecimento social, por meio de reivindicações tanto de demandas específicas
como aquelas voltadas para os interesses gerais da comunidade. Assim sendo,
estas mulheres em organização política, é que estão construindo um espaço de luta
e mobilização social e política.
55

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa permitiu compreender que embora na Comunidade ribeirinha do


Porto do Capim as relações se estabeleçam a partir de princípios tradicionalmente
constituídos, estas mulheres têm se ocupado do espaço de formas diversas,
traçando trajetos próprios de vida que remetem diretamente à atuação na esfera
pública.
Desta maneira, identificamos neste trabalho que os/as moradores/as estão
engajados/as em atividades das organizações, como da Comissão Porto do Capim
em Ação, Associação de Mulheres, Garças do Sanhauá, dentre outros movimentos
locais e que estão articulados com pautas amplas de direito a cidade, portanto, nas
representações o protagonismo é das mulheres, visto que são elas que estão na
liderança, levantando as demandas de reivindicação e guiando as ações
desenvolvidas.
No que se refere às reivindicações dos movimentos sociais, detecta que elas
apresentam-se para além de uma pauta específica das mulheres, estando
direcionadas também para necessidades da população como um todo, como a
inclusão social, política e econômica das comunidades ribeirinhas. E que essas
mulheres construíram um lugar de vida, um lugar de luta e mobilização que está em
constante movimento.
Portanto, conclui-se que o alicerce para a manutenção da Comunidade
Ribeirinha foi o despertar do sujeito político, frente protagonizada pelas mulheres,
materializada para dar voz à população. Trajetória que não se encerra apenas no
que foi abordado pela pesquisa, pois o cotidiano que se apresenta neste território é
dinâmico e não linear, e tal trajetória traz para o centro:
Organizações Femininas do Porto do Capim? Presente!
REFERÊNCIAS

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