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Daiane Silveira Rossi

UMA PROFILAXIA URBANA: O PROJETO DE SANEAMENTO

DE SANTA MARIA/RS NO INÍCIO DO SÉCULO XX

Santa Maria, RS

2012
Daiane Silveira Rossi

UMA PROFILAXIA URBANA: O PROJETO DE SANEAMENTO

SANTA MARIA/RS NO INÍCIO DO SÉCULO XX

Trabalho Final de Graduação apresentado ao


Curso de História – Área de Ciência Humanas,
Centro Universitário Franciscano – como
requisito parcial para a obtenção do título de
licenciada em História.

Orientadora: Nikelen Acosta Witter

Santa Maria, RS

2012
Daiane Silveira Rossi

UMA PROFILAXIA URBANA: O PROJETO DE SANEAMENTO DE SANTA

MARIA/RS NO INÍCIO DO SÉCULO XX

Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de História – Área de Ciência Humanas,


Centro Universitário Franciscano – como requisito parcial para a obtenção do título de
licenciada em História.

___________________________________________________
Profª. Drª. PhD. Beatriz Teixeira Weber (UFSM)

___________________________________________________
Profª. Drª. Nikelen Acosta Witter – Orientadora (UNIFRA)

___________________________________________________
Profª. Ms. Paula Simone Bolzan Jardim (UNIFRA)

Aprovada em ....... de ..................... de 2012


RESUMO:

Investigando o projeto de saneamento de Santa Maria do início do século XX, notou-se as


modificações no cenário urbano que ele implicou. Revisando a bibliografia a respeito da
História da Higiene e suas alusões na urbanidade local, percebeu-se a incipiência de trabalhos
relacionados ao tema. Dessa forma, procurou-se estabelecer relações entre sanitarismo,
urbanismo e política nesse contexto, a fim de compreender os motivos que influenciaram um
município do interior do Rio Grande do Sul na formulação de um projeto sanitário anterior à
campanha nacional pró-saneamento. Como metodologia, utilizou-se o cruzamento da
historiografia que aborda temas relacionados à higiene e urbanização, com as
correspondências trocadas entre o Intendente Municipal Dr. Astrogildo César de Azevedo, o
engenheiro Francisco Saturnino de Brito e o Presidente do Estado Antônio Augusto Borges de
Medeiros, além de relatórios da intendência e relatos de viagem. Vários fatores
desencadearam nesse processo, dentre eles destaca-se a instalação da ferrovia na cidade, o
crescimento populacional e os interesses dos políticos e médicos da região em tratar da saúde
da população como forma de atuação governamental e controle social.

Palavras chave: Santa Maria; Saneamento; Urbanização; Política.

ABSTRACT:

Investigating the sanitation project of the Santa Maria city, on early twentieth century, were
noticed changes in the urban landscape implicated by the project. Reviewing the literature
about the history of Hygiene and allusions in their urbanity place, realized the paucity of
works related to the theme. Thus, we sought to establish relationships between sanitarism,
urbanism and political context in order to understand the factors influencing a city in the
interior of Rio Grande do Sul, the formulation of a project prior to the sanitary pro-national
sanitation campaign. The methodology we used is the intersection of historiography that
addresses issues related to hygiene and urbanization, with the correspondence exchanged
between the Municipal Mayor Dr. Astrogildo César de Azevedo and engineer Francis
Saturnino de Brito and the President of the State Antônio Augusto Borges , and stewardship
reports and travel accounts. Several factors have triggered this process, among which stands
out the installation of the railway in the town, population growth and the interests of
politicians and doctors in the region in dealing with the health of the population as a form of
government action and social control.

KEYWORDS: Santa Maria; Sanitation; Urbanization; Policy


AGRADECIMENTOS:

Quem escolheu a História aos 10 anos de idade tem muito que agradecer pelo
incentivo em ir atrás deste objetivo traçado tão cedo.
Mãe, professora Marfisa, exemplo de profissional e de mulher, a ti devo toda a minha
formação. Teu estímulo à leitura dos clássicos, que com 09 anos não fizeram muito sentido,
hoje digo que certamente foi graças a eles que me tornei uma apaixonada por leitura. Não
posso deixar de destacar tua compreensão com minhas ausências, intensificadas neste último
ano, e por sempre dar um jeitinho em convencer o pai de que isto era necessário. Pai, que fez
de suas “vaquinhas” o investimento para me manter na cidade e numa faculdade particular, te
agradeço imensamente. Sem vocês dois não seria possível a conclusão deste curso e é a vocês
que dedico esses quatro anos de empenho exclusivo aos estudos. Certamente ainda retribuirei
a todo esse esforço.
A minha vó “do XIX”, Geni, por, mesmo sem entender “porquê essa guria tem que
estudar tanto”, sempre estar esperando com sua “gemada” e seu “arroz doce” para me agradar.
Vó, escrever sobre o final do século XIX e início do XX, foi a melhor maneira que encontrei
para estar “perto de ti” diariamente.
A Bisa “Tica”, no auge dos seus 97 anos de muita lucidez, agradeço pelas explicações
práticas do que era o contexto sanitário da cidade quando “o tal Dr. Astrogildo mandava por
aqui”.
Aos meus irmãos-filhos, Juliano e Jean, agradeço pelas distrações constantes. Juliano,
seu palhaço, tua alegria por mais que me irrite, colaboraram muito para me animar em meio
aos surtos de final de graduação. Jean, seu nerd, tua seriedade e maturidade são para mim um
orgulho e nossas conversas diárias sobre Harry Potter e afins sempre são um ótimo ponto de
escape deste louco mundo acadêmico.
A minha amiga-irmã-filha-mãe Tamiris, pelas altas madrugadas de discussões
acadêmicas, manhãs de leitura conjunta, sempre com auxílio a cada complexo texto que nos
deparávamos. Mas para além da academia, te agradeço pela compreensão das minhas
ausências, pelos abraços que sempre me fortalecem, pelos mates, simples conversas e boas
rizadas que me mantiveram em sã consciência nos últimos dois anos, obrigada por fazer parte
da minha vida!
A Casa de Memória Edmundo Cardoso, através da dona Terezinha Pires Santos e
Gilda May Cardoso, pelas infindáveis conversas sobre a História da nossa cidade, entre um
café e outro. Agradeço pela descrição de cada imagem das ruas e praças que me encantavam,
mas, sobretudo, por terem disponibilizado seus arquivos para que eu pudesse desenvolver essa
pesquisa.
Sou grata a todos os professores do Curso de História da UNIFRA. A professora
Janaína por ler meus primeiros artigos, sempre fazendo apontamentos que me fizeram crescer
academicamente, também não posso deixar de agradecer inúmeras caronas e as conversas
motivadoras de sempre “tu tem que sair, guria, aproveita”; ao professor Rangel pelas
discussões sobre História Urbana e nossos incansáveis debates sobre Halbawachs; as aulas de
Pré-História do professor Farinatti, sempre acompanhadas de uma ou outra discussão
futebolística ao som da bela Yamarra que nos acompanhava toda terça-feira às 22h; ao
professor Leonardo e suas infindáveis provocações sobre “essa tal historinha aí que tu
escreve”, sempre foram motivadoras para seguir pesquisando; ao professor Maccari, parceiro
de amor pelo tricolor, agradeço pelas inúmeras indicações de filmes que, um dia, ainda
prometo assistir todos.
Não posso deixar de agradecer a professora Roselâine Casanova Corrêa por ter me
proporcionado o início da minha formação como pesquisadora, através da bolsa de PROBEX,
a partir da qual foi onde encontrei as fontes deste trabalho. A ti, Rose também agradeço por
ter incitado em mim o apreço pela História de Santa Maria, especialmente, a sua urbanização.
As professoras Paula Bolzan e Beatriz Weber agradeço imensamente por aceitarem
fazer a leitura desse trabalho, tenho certeza que seus apontamentos serão essenciais para o
engrandecimento desta pesquisa. Professora Beatriz, inspiração acadêmica através de seus
textos sobre História da Saúde que me instigaram a compreender melhor essas “artes de
curar” em Santa Maria. Professora Paula, que no último ano se tornou essencial na minha
formação, através da orientação do Estágio, só tenho a te agradecer pela motivação que
sempre me passou, afim de que um dia me torne uma boa professora. Além de estar sempre
disponível para uma boa conversa, através de uma indicação ou outra de Mia Couto ou
Galeano, torna-se uma pessoa essencial na vida de teus alunos que acaba conquistando como
teus amigos.
A professora Nikelen Witter, primeiramente, agradeço por ter aceitado o desafio de me
orientar quando ainda estava nas primeiras leituras das fontes, em 2010; por sempre acreditar
no meu potencial e explorar ele de maneira incansável; pelas suas aulas que serão sempre
motivo de inspiração na minha carreira docente. Além disso, agradeço a ‘Sally Owens’ por
seus textos que sempre são um ótimo passatempo para desopilar desse academicismo que a
faculdade nos enquadra. Sobretudo, sou grata por ter me apresentado o Lumus, melhor lugar
para passar horas discutindo sobre o nosso fantástico mundo nerd e pelas amizades lá
construídas. Mesmo a distância, sempre há uma potterhead disponível para um bom bate-papo
que me faz perder a noção tempo e me ajuda tanto a desligar desse mundo louco.
Por fim, agradeço a algo superior, que mesmo não sabendo explicar ao certo o que é,
acredito que exista e que sempre é capaz de me fortalecer nos meus momentos mais difíceis.
Agradeço a vida, por me proporcionar sempre muita convicção dos meus sonhos e me fazer
correr incessantemente atrás deles.
“Pobre Jeca Tatu! Como é bonito no romance e feio na

realidade.” Monteiro Lobato – Urupês, 1918.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES:

Ilustração 01: Mapa da vila de Santa Maria da Boca do Monte em 1849...............................35

Ilustração 02: Planta da cidade de Santa Maria de 1902.........................................................36

Ilustração 03: Mapa da Rede Ferroviária do Rio Grande do Sul em 1910.............................37

Ilustração 04: Planta elaborada por Saturnino de Brito em 1918............................................55


LISTA DE TABELAS:

Tabela 01: População de Santa Maria 1872 – 1920.................................................................37

Tabela 02: Estatística de mortalidade da cidade de Santa Maria – 1º distrito (1899)..............41

Tabela 03: Relatório de Doenças 1915....................................................................................48

Tabela 04: Ruas e número de casas em Santa Maria (1916)...................................................53

Tabela 05: Ruas a beneficiar com o saneamento (1916).........................................................54


LISTA DE ABREVIATURAS:

AHMSM – Arquivo Histórico Municipal de Santa Maria

AHRS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul

CMEC – Casa de Memória Edmundo Cardoso

CORSAN – Companhia Rio-Grandense de Saneamento

IOC – Instituto Oswaldo Cruz


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................12

2 A ERA DO SANEAMENTO...............................................................................................18

2.1 Movimento Sanitarista brasileiro e o discurso nacionalista..........................................18

2.2 Quando a saúde se torna pública: é preciso sanear o “imenso hospital”.....................21

2.3 Higienistas e sanitaristas do início da República no Brasil...........................................26

3 SANTA MARIA/RS NO FINAL DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO XX........................30

3.1 Ferrovia, imigração e doenças.........................................................................................30

3.2 População e modificações urbanas..................................................................................33

3.3 Urbanidade e salubridade em Santa Maria....................................................................38

4 A INTENDÊNCIA DO DR. ASTROGILDO DE AZEVEDO E O SANEAMENTO DE


SANTA MARIA......................................................................................................................43

4.1 Relações políticas entre Santa Maria e o governo estadual..........................................43

4.2 O contexto sanitário e as doenças em Santa Maria no início do século XX.................45

4.3 A intendência do Dr. Astrogildo César de Azevedo e o projeto de saneamento de


Santa Maria ............................................................................................................................50

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................57

6 REFERÊNCIAS...................................................................................................................59
12

1. INTRODUÇÃO:

Numa época em que está em voga o debate sobre problemas ambientais, chama
atenção o fato de que uma cidade já massivamente urbana como Santa Maria, situada no
interior do Rio Grande do Sul, distante 300 km da capital Porto Alegre, possuir uma realidade
na qual, pelo menos, 40% da população ainda enfrenta problemas causados por esgotos à céu
aberto. Conforme dados fornecidos pela CORSAN (Companhia Riograndense de
Saneamento) para o ano de 2010, menos de 50% das casas em Santa Maria possuem sistema
de esgoto coletado e tratado, já no que se refere ao tratamento da água, há uma totalidade de
100%. Dos 42 bairros, Camobi corresponde a 16,84% do território total do município, sendo
um dos mais extensos e o com o maiores problemas sanitários, pois não possui um sistema de
esgotos. Desde 2010, data limite para a renovação dos contratos da prefeitura com a rede
responsável pelo saneamento, uma das principais discussões que se vê na mídia é a respeito
de meios para sanar os problemas referentes à falta de higiene pública de vários pontos da
cidade. Entre os políticos, no período de eleição, resolver essa dificuldade está entre as
principais promessas de campanha.

Esta investigação pretende debater a respeito do primeiro projeto de saneamento de


Santa Maria, através de discussões a respeito do início do século XX. Objetiva-se
compreender quais os motivos que levaram aos políticos da época em buscar por um projeto
sanitário para um município do interior do estado, num período em que apenas as três maiores
cidades Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas estavam desenvolvendo essa ideia. E, ainda,
destaca-se o fato de que este movimento sanitário foi anterior há uma campanha nacional pró-
saneamento dos interiores, ou sertões como ficou popularizado, que só ocorreu em 1918.

A presente pesquisa aborda o primeiro projeto sanitário para cidade, quando este ainda
era responsabilidade dos municípios com apoio do governo do estado. Na década de 1960,
porém, o saneamento básico foi parcialmente privatizado sem que isso resolvesse a maior
parte dos problemas que existiam e ainda existem. De fato, os debates sobre a situação dos
saneamentos nas cidades permanecem extremamente atuais. Afinal, ainda hoje, este é um
problema que envolve políticas públicas referentes à salubridade e urbanidade, pois, conforme
afirmou o Secretário de Infraestrutura e Serviços do município em 2011, “não adianta
13

asfaltarmos as ruas, sem antes criarmos o sistema de esgoto” 1. Ou seja, para iniciar este
trabalho, parte-se do pressuposto que as políticas sanitárias estão diretamente relacionadas às
medidas de intervenção no espaço urbano.

Numa perspectiva de História Social, serão utilizados, nesta análise, conceitos


discutidos dentro do campo da História da Saúde Pública, sendo esta entendida como todos os
tipos de ações coletivas visando prevenir doenças e interferir nos ambientes (PORTER, 2001).
Contudo, o próprio pensamento historiográfico acerca desta questão passou por modificações
ao longo do último século, e mesmo hoje, mais de uma teoria atua na explicação dos modelos
de saneamento. Reconhece-se, porém, três fases de avaliação macro dos processos sanitários.
A primeira é representada pela chamada história heroica; a segunda pela que ficou conhecida
como anti-heroica e a terceira pela pluralidade temática que dá margem para a inserção da
História do Saneamento como um meio de intervenção e estratégias governamentais para
controlar as doenças e pessoas.

Dentre os historiadores da intitulada “medicina heroica”, foi George Rosen um dos


mais significativos. Na década de 1950, através de seu livro Uma História da Saúde Pública,
Rosen inova com sua preocupação em construir uma compreensão da Saúde Pública
“contextualizada no tempo (demonstrando as diferenças entre cada época histórica) e no
espaço (colocando em perspectiva as alteridades entre os Estados)” (WITTER, 2007, p. 150).
Rosen foi o pioneiro a abordar questões de limpeza e higiene dentro da historiografia. Este
autor também discutiu a respeito da saúde da população, a qual seria responsabilidade do
Estado, pois este teria o dever de propiciar o bem-estar da população. Rosen teria sido um dos
criadores da “tradição heroica”, criticada por Dorothy Porter (1994), pois exalta os agentes
que se preocuparam com a saúde da população, garantindo que foi graças às ações deles, que
se atingiram melhores níveis de salubridade.
A partir das décadas de 1960 e 1970, uma nova geração de historiadores passou a
construir outra visão sobre estes “agentes heroicos”. Thomas Mckeown foi um dos primeiros,
através de seu livro The Rise of Modern Population, de 1976. Enquanto Rosen responsabiliza
as políticas de saúde pela redução na mortalidade infantil, Mckeown concordará que através
da água limpa, abastecimento e remoção dos esgotos houve uma melhoraria as condições de
vida. Porém, discorda do heroísmo dessas ações ao defender a tese de que a queda da

1
Entrevista concedida por Tubias Calill em 07/11/2011 – disponível em:
http://www.santamaria.rs.gov.br/noticias/3139-saneamento-basico-prefeitura-lanca-programa-com-investimento-
de-r-13-milhao-para-melhorias-em-regioes-carentes-da-cidade
14

mortalidade infantil deveu-se, especialmente, ao incremento agrícola ao qual propiciou uma


melhoria na dieta da população (PORTER, 1994).
Outro autor a aferir forte crítica à Rosen foi Michel Foucault, se tornando o mais
expressivo combatente da Medicina heróica nas décadas de 1970 e 1980. Foucault fez parte
de uma geração de historiadores franceses que passou a incorporar, na análise da atuação da
medicina, “a compreensão das esferas de poder na sociedade bem como a carga repressiva que
impregnava a ação dos médicos” (WITTER, 2007, p. 28). Dessa forma, o autor critica a
maneira roseniana de estudar a História da Medicina, que apenas privilegiava a ação dos
médicos junto ao Estado. Nesse período, em que a historiografia francesa une a história
demográfica à história da medicina e das doenças, o próprio Foucault vai reconstruir o
conceito de medicina social, justificando-o através de uma medicina urbana e contrapondo o
que já havia sido elaborado por Rosen em História da Saúde Pública (e depois aprofundado
em seu outro livro Da Polícia Médica à Medicina Social). O historiador norte-americano se
baseou no livro System der Hygieine de Eduard Reich, no qual subdividia os conceitos de
higiene, tratando da higiene social como a primeira forma da medicina social.
Enquanto Rosen defendia que:
A higiene social diz respeito ao bem-estar da sociedade. Baseando-se na estatística,
ela acompanha os acontecimentos da vida social, vigia a população em seus vários
estados [...]. É tarefa da higiene social prevenir as doenças da sociedade e manter a
saúde da comunidade civil (ROSEN, 1979, pp.109-110).

Foucault, ao explorar a medicina social, determina três etapas para a sua formação. A
primeira corresponde à “Medicina do Estado”, que se desenvolveu na Alemanha, no início do
século XVIII, onde haverá o princípio da intervenção estatal na saúde, através do
desenvolvimento de uma prática médica centrada na melhoria do nível de saúde da população.
A segunda refere-se à “Medicina Urbana”, desenvolvida na França, no final do século XVIII.
Nesse segundo conceito, o autor atribuirá à formação da medicina social como um fenômeno
oriundo da urbanização, ou seja, da necessidade de organização das cidades como uma
unidade. Através da preocupação com a Higiene Pública dos ambientes, por meio de uma
fiscalização dos locais de amontoamento, chamados “cemitérios”, controle da circulação de
água e ar e organização dos espaços de distribuição dos esgotos. Por fim, refere-se à
“Medicina da Força do Trabalho”, que surge na Inglaterra, no século XIX, com o objetivo de
controlar a saúde e o corpo dos trabalhadores, a fim de torná-los aptos ao trabalho e menos
perigosos como vetores de doenças à população mais rica (FOUCAULT, 2004).
15

A historiografia mais recente, de meados da década de 1980 e anos 1990, foi marcada
pela pluralidade temática, onde os historiadores primaram por testarem os grandes “esquemas
explicativos” em pesquisas monográficas e aplicadas à contextos sociais e históricos
específicos. Tais esforços originaram “estudos que deram destaque à Saúde Pública e o papel
do Estado na sua construção” (WITTER, 2007, p. 152). Nikelen Witter aponta em sua tese
dois “balanços críticos”, um em nível internacional e outro nacional, elaborados acerca do
tema. No âmbito nacional, destaca o texto de Nísia Trindade e Maria Alice Carvalho, o qual
associa a temática da Medicina e das Políticas de Saúde no Brasil como um poder disciplinar
sobre a população (CARVALHO; LIMA, 1992). Já em nível internacional, Witter destaca a
obra de Dorothy Porter, que avaliou as pesquisas de Foucault e Rosen, comparando-as com
novas pesquisas em países europeus (WITTER, 2007).

No tocante à historiadora britânica Dorothy Porter, é possível destacar dois trabalhos


importantes. O primeiro, um livro organizado pela autora, em 1997, intitulado The History of
the Public Health and the Modern State, no qual ela faz uma retrospectiva historiográfica
sobre História da Saúde, desde a tradição heroica, passando pela anti-heroica, até a visão que
privilegiava as análises específicas dos problemas de Saúde Pública envolvendo o poder de
intervenção do Estado. No mesmo texto, a autora, depois de concluir essa parte inicial, fez
uma apreciação da Saúde Pública na França, Inglaterra e Alemanha, apontando as
especificidades de cada caso. O segundo texto, denominado Public Health, faz parte de uma
Enciclopédia de História da Medicina, organizada por Roy Porter e W. F. Bynum. Neste,
Porter é mais específica, abordando quais as intervenções e medidas tomadas pelo Estado em
relação aos problemas com a saúde da população, desde a antiguidade até o século XX.
Dentro de uma abordagem histórica, desde a década de 1930, com a fundação da
revista francesa Annales Economique et Sociale, houve uma maior flexibilidade para o
diálogo entre História e as Ciências Sociais, propiciando uma abordagem sobre temáticas
sociais e antropológicas. A partir de então passaram a escrever:

contra uma História “olímpica”, a reflexão sobre antigas inquietações humanas – tais
como a família, a alimentação, o amor, a doença, a sexualidade e a morte –, quando
qualificada, ainda mais, pela ênfase na ação dos sujeitos e na crítica ao
estabelecimento de relações mecânicas entre estas ações e a estrutura econômico-
social, parece ser o que melhor corresponde à noção de uma História Social
(CARVALHO; LIMA, 1992, p.119).

Assim, partindo de uma abordagem de História Social, interessa a este trabalho


debater com sociólogos e historiadores, pois a respeito da temática da História da Saúde
16

Pública no Brasil, os pioneiros a abordar esse assunto, dentro da academia, foram os cientistas
sociais, a partir da década de 1980. Um dos primeiros foi o sociólogo Luis Antônio de Castro
Santos, com os artigos Estado e Saúde Pública no Brasil: 1889-1930 (1980) e O pensamento
sanitarista na Primeira República: uma ideologia de construção da nacionalidade (1985),
ambos publicados pela Revista de Ciências Sociais – Dados. Nestes, o autor analisa as
questões de Saúde Pública na Primeira República, considerando o movimento sanitarista do
período como o mais importante projeto de construção da nacionalidade brasileira. O mesmo
autor, no livro A Reforma Sanitária no Brasil: ecos da Primeira República (2003), abordou
mais profundamente essas questões.

Outro sociólogo a abordar o tema foi Gilberto Hochman (1993; 1998). Seguindo na
linha de Castro Santos (1985), Hochman fez uma análise das relações entre saúde pública e
construção do estado no Brasil da Primeira República. No seu livro, A Era do saneamento: as
bases da política de Saúde pública no Brasil, o autor faz um estudo sobre a história da Saúde
Pública no Brasil, enfocando as décadas de 1910 e 1920, e abordando, especialmente, as
primeiras iniciativas higienistas de regulação do estado brasileiro. Hochman justifica o título
de sua obra, destacando o que significou, literalmente, a “Era do Saneamento”. Ele explica
que:

Foi um período de crescimento de uma consciência entre as elites em relação aos


graves problemas sanitários do país e de um sentimento geral de que o Estado
nacional deveria assumir mais a responsabilidade pela saúde da população e
salubridade do território (HOCHMAN, 1998, p. 40).

Embora, a partir da terceira geração dos Annales, em 1970, a diversidade temática


tenha se expandido no campo da historiografia, os historiadores só passaram a explorar a
história do saneamento e da higiene, a partir década de 1990 e nos anos 2000. É possível
afirmar que um marco na historiografia brasileira sobre o tema foi o artigo O argumento
histórico nas análises de Saúde Coletiva, de Maria Alice de Carvalho e Nísia Verônica Lima,
o qual faz parte do livro Saúde: Coletiva? Questionando a onipotência do social, organizado
por Sônia Fleury (1992). Nesse artigo, as autoras objetivaram examinar estudos de natureza
histórica a respeito da saúde coletiva, associando a Medicina às políticas de saúde no Brasil,
procurando analisar a ligação entre as práticas médico-sanitárias, os discursos médicos e a
ação do Estado sobre o espaço e a vida urbana (CARVALHO; LIMA, 1992).
17

Neste trabalho, pretende-se discutir a hipótese da elaboração de um projeto de


saneamento para a cidade de Santa Maria, como uma profilaxia urbana de controle do Estado
sobre o espaço e a sociedade. Para tanto, utilizou-se como metodologia o cruzamento da
historiografia que aborda temas relacionados à higiene e urbanização, com as
correspondências trocadas entre o Intendente Municipal Dr. Astrogildo César de Azevedo e o
engenheiro Francisco Saturnino de Brito e com o Presidente do Estado Antônio Augusto
Borges de Medeiros, além de relatórios da intendência e relatos de viagem 2.

Sendo assim, dividiu-se em três partes. A primeira: A Era do Saneamento tem por
objetivo situar o leitor no contexto das reformas sanitárias e urbanas do final do século XIX e
início do XX, destacando o papel dos higienistas para a elevação da saúde como
responsabilidade do Estado. Na sequência, em Santa Maria/RS no final do século XIX e início
do XX pretende-se contextualizar o objeto de estudo dentro dos processos que ocorreram na
cidade no período, apontando para as motivações que levaram as autoridades locais a
desenvolver um projeto de saneamento. Por fim, A intendência do Dr. Astrogildo de Azevedo
e o saneamento de Santa Maria aborda o quanto as relações entre a política local e a estadual
influenciaram na tomada de decisões referentes à saúde no local. Além disso, neste capítulo
explora-se o projeto sanitário e suas implicações.

2
Ressalta-se que neste trabalho serão utilizadas as ortografias originais das fontes pesquisadas.
18

2. A ERA DO SANEAMENTO

2.1. Movimento sanitarista brasileiro e o discurso nacionalista

Para compreender o que significou o movimento sanitarista brasileiro é preciso


retornar à influência higienista de finais do século XIX, a qual foi fundamental para sua
construção. Durante os oitocentos, pesquisas a respeito das condições de saúde das
coletividades permearam os estudos de higiene. Estes pautavam suas análises a partir do
advento da industrialização e urbanização, e refletiam numa intensa publicação de relatórios
médicos sobre propostas de reformas sanitárias e urbanas (LIMA, 2002). Era comum a
associação entre cidades massivas e as patologias, ao mesmo tempo em que se sentia a
necessidade de soluções através de políticas públicas, mesmo que isto ainda não significasse
reformas. Neste contexto, entendia-se por higiene o estudo do homem e dos animais em sua
relação com o meio, visando ao aperfeiçoamento do indivíduo e da espécie (LATOUR apud
LIMA, 2002). A tentativa de normatizar a vida social a partir da higiene foi tão significativa,
que levou alguns teóricos a denominá-la de “Estado higienista”.

As bases para esta concepção de higiene encontram-se no chamado neo-hipocratismo,


“uma concepção ambientalista da medicina baseada na hipótese da relação intrínseca entre
doença, natureza e sociedade” (FERREIRA, 1996, p. 57). Isto deu origem às duas posições
sobre as causas e formas de transmissão das doenças: a contagionista e a anticontagionista. Os
contagionistas afirmavam que a doença se propagava individualmente de um para o outro e
estimularam práticas de controle e cerceamento, como o isolamento de doentes, desinfecção
de objetos e a instituição da quarentena. Já os anticontagionistas relacionavam as doenças à
constituição atmosférica, enfatizando práticas de controle ambiental (CZERESNIA, 2000).
Estes últimos acreditavam que o ar e a água fossem elementos perigosos, sendo que o
contágio e a infecção se davam através deles. Dessa forma, desempenharam um papel
decisivo na “intervenção sobre ambientes insalubres - águas estagnadas, habitações populares,
concentração de lixo e esgotos - e nas propostas de reforma urbana e sanitária, nas cidades
europeias e norte-americanas, durante o século XIX” (LIMA, 2002, p. 31).

As cidades passaram a ser vistas como “laboratório social”, pois eram onde poderiam
observar as doenças, a fome, a embriaguez e a loucura (LIMA, 2002). Doenças como o
cólera, a febre amarela e a peste eram as que dispendiam uma maior atenção das autoridades.
Pode-se dizer, inclusive, que elas transcenderam às ações de combate e consistiram em
19

importantes elementos na configuração dos Estados modernos. No caso das Américas e,


especialmente, do Brasil, a febre amarela, do final do século XIX e início do XX, foi
considerada o grande desafio das políticas sanitárias. Considera-se como um marco na
estruturação de políticas públicas no Brasil.

Às epidemias é atribuído um importante papel na História Social das diferentes


populações humanas. Através das visitações ocasionais e inesperadas a peste, a
varíola, a febre amarela, a cólera, a tuberculose e, mais recentemente, a AIDS, vêm
afligindo às sociedades e chamando atenção dos estudiosos, pois em época de
visitação, apesar da consternação geral, a sociedade é obrigada a se renovar
(BELTRÃO apud WITTER, 2007, p. 25).

A sociedade brasileira viu-se obrigada a renovar-se e, por isto, fez dos higienistas seu
braço direito. Sob a ótica de que “a saúde torna-se cada vez mais necessária ao bom
funcionamento das sociedades em via de industrialização” (ADAM; HERZLICH, 2001, p.43),
era preciso equilibrar a noção de meio externo e interno, ou seja, sanear os ambientes
(externo) para obter uma melhor saúde do corpo (interno). Esta era uma necessidade, pois as
condições de vida e de trabalho nas cidades haviam se transformado em direção ao acúmulo
de pessoas e ao aumento dos contatos, o que fez com que aumentassem o número de
epidemias.
Este foi o caso da febre amarela no Rio de Janeiro, a qual os médicos relacionaram à
chegada de um navio negreiro vindo de New Orleans (EUA), em 1849, que teve seus
tripulantes dispersados. Isto teria disseminado a doença pela cidade, atingindo mais de 90.000
habitantes, dos 266 mil. Dessa forma, essa doença tornou-se a grande questão sanitária
nacional (CHALHOUB, 1999; BENCHIMOL, 2011). É nesse meio que o movimento de
higiene pública expande as normativas da saúde em relação à esfera pública. Os higienistas
relacionavam as doenças com o ambiente e com as relações sociais que produziam a fome, a
miséria, a exploração e a opressão. Uma intervenção sanitária neste contexto, por conseguinte,
foi identificada como revolucionária. Foi o período em que a medicina fundiu-se à política e
se expandiu em direção ao espaço social (CZERESNIA, 2000).
Ainda sobre o caso brasileiro, foi a partir da epidemia supracitada que o Império viu-
se obrigado a reorganizar suas ações nas questões de saúde. O que se desdobrou “na criação
da Junta Central de Higiene, em 1850-51, e relacionadas a esta, em cada província, as
Comissões de Higiene Pública” (WITTER, 2007, p. 59). Essa questão envolvendo doenças foi
tão significativa que o primeiro relatório a aparecer assinado por alguém que se intitulava
membro da Comissão de Higiene Pública no Rio Grande do Sul, datado de fins de 1853,
20

demonstra claramente o papel que a epidemia de febre amarela teve como ativador das
preocupações governamentais com a saúde da população (WITTER, 2007).
O primeiro historiador a elaborar um estudo sobre a Saúde Pública foi o norte-
americano George Rosen, na década de 1950, através de seu livro “Uma História da Saúde
Pública”, que se tornou fundamental para os estudos sobre esse tema. Nessa obra, o autor
rompe com a história escrita somente por médicos. Rosen destaca que, ao longo do século
XIX, houve diferentes esforços no sentido de centralizar as administrações para a saúde
pública. Especialmente a partir da segunda metade do século XIX, se notaram mudanças mais
efetivas no que diz respeito à administração da saúde e saneamento. Estas ações ocorreram via
processo de higienização, centrando-se, primordialmente, no espaço urbano. Essa foi a
perspectiva que norteou a organização de políticas governamentais, dadas suas devidas
proporções, em diversos locais, como França, Inglaterra, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto
Alegre. Tais ideias, a respeito das ações sanitárias, tiveram forte influência no Brasil entre os
higienistas ou sanitaristas, como eram chamados aqueles engajados no movimento sanitarista
da República Velha (1889-1930).

Sobre o pensamento sanitarista da Primeira República, o pioneiro a abordar esse tema,


no Brasil, foi o sociólogo Luiz Antônio de Castro Santos, na década de 1980. Castro Santos
destaca que foi uma ideologia de construção da nacionalidade brasileira. O autor aponta para
duas fases das ações sanitaristas: a primeira combate às epidemias urbanas e às preocupações
com a saúde dos imigrantes desempenharam papel central; na segunda, voltada ao saneamento
rural, se fez sentir a força das ideias nacionalistas então em debate (CASTRO SANTOS,
1985). Ocorreram nesse período publicações de intelectuais que se direcionavam a uma
corrente nacionalista, e que detinha suas esperanças de salvação da nação através da
construção de uma identidade nacional. Dentro desta perspectiva, haviam duas correntes de
pensadores: uma que sonhava com a civilização e o progresso do país através da
modernização das cidades; e outra que preocupava-se em buscar no interior do Brasil as raízes
da nacionalidade, visando integrar o sertanejo ao projeto de construção nacional.

Ao primeiro grupo pertencia o bacteriologista Oswaldo Cruz (1872 – 1917) que foi
por muitos anos Diretor Geral de Saúde Pública, cargo que hoje seria correspondente ao
Ministro da Saúde. Este médico acreditava que o progresso do país não acontecia devido à
insalubridade das cidades, pois isto consistia em um grande obstáculo para a modernização.
Também o acompanhava neste pensamento o Presidente da República Rodrigues Alves
21

(1902-1906), que pautou sua administração em melhorias nos portos, na reforma e no


embelezamento da cidade do Rio de Janeiro, através do saneamento urbano e no combate às
epidemias de febre amarela, peste bubônica e varíola (CASTRO SANTOS, 1985;
HOCHMAN, 1998). Segundo Castro Santos, o fator determinante para políticas de saúde
nesse período (1903-1909) seria a necessidade de livrar o país dos prejuízos causados pelo
comércio exterior e pelas péssimas condições sanitárias da capital federal. Já a segunda
corrente de pensamento, conhecida também como a segunda fase do movimento sanitarista –
durante as décadas de 1910 e 1920 – percebia que sanear o interior era a grande questão. Sua
principal característica era a ênfase no saneamento rural e, em especial, no combate a três
endemias rurais (ancilostomíase, malária e a doença de Chagas). Percebiam a necessidade de
tratar dos sertanejos, que estavam abandonados e doentes, com o objetivo de curá-los e de
integrá-los à comunidade nacional. A publicação de “Os sertões”, de Euclides da Cunha,
chocou muitos intelectuais, pois as descrições dos ambientes e suas condições fugiam às
perspectivas sobre a origem da nacionalidade brasileira. A partir desta obra, os sertões se
tornaram sinônimos de abandono e doença, sendo assim, após o diagnóstico de um povo
doente, tornava-se premente curá-lo, através de ações de higiene e saneamento, unindo o
poder público à medicina. “Era urgente transformar estes estranhos habitantes do Brasil em
brasileiros” (HOCHMAN, 1998, p. 69). A ciência médica tornou-se uma solução para um país
que, até então, não enxergava alternativas para sua situação sanitária.

2.2.Quando a saúde se torna pública: é preciso sanear o “imenso hospital”

Aprofundando as considerações sobre a segunda corrente do pensamento higienista do


início da República no Brasil, adentra-se pelas décadas de 1910 e 1920, nas quais sanear o
interior do país foi a grande questão. Isto equivaleu ao período denominado por Gilberto
Hochman de “Era do saneamento”, pois foi quando a saúde pública foi alçada ao topo da
agenda política nacional. Ou seja, as elites atentaram para os graves problemas sanitários e
floresceu um sentimento de que era necessário “o Estado assumir a responsabilidade pela
saúde da população e salubridade do território” (HOCHMAN, 1998, p. 40).

Debates em torno de questões relacionadas à raça, miscigenação e cultura, foram


recorrentes nesse período, discutindo elementos sobre a formação social do brasileiro e suas
relações interpessoais e inter-regionais. Desse debate, que circulava tanto entre os intelectuais
22

quanto entre políticos, emergiram noções de inferioridade racial e isto foi atribuído à
proliferação das doenças infectocontagiosas do país (FARIA, 2007). A miscigenação, por
exemplo, era um fator de atraso e subdesenvolvimento, assim como o mestiço era visto como
um elemento nocivo à sociedade (CASTRO SANTOS, 1985).

Além disso, a partir das teorias bacteriológicas do final do século XIX, e depois com
as teses de Louis Pasteur sobre a microbiologia, as doenças também passaram a ser vistas
como um atraso para o progresso e a modernização da sociedade. Na bacteriologia da época,
acreditava-se que as origens biológicas das doenças eram provenientes da qualidade do ar, das
emanações miasmáticas ou dos cheiros fétidos, criando, desta forma, um estado atmosférico
propício ao contágio. Sendo assim, as cidades e suas precárias condições eram um grande
problema a ser solucionado, pois pela higiene do período entendia-se a ausência de cheiros
fortes e a não aparência de sujeira à visão. Entretanto, a profilaxia se resumia ao saneamento
ambiental, que era, basicamente, a quarentena e a exclusão dos doentes (BOARINI, 2003).
Nas últimas décadas do século XIX, o advento da microbiologia possibilitou uma nova
compreensão dos males. Visto que, com a descoberta da existência de micróbios
transmissores de infecções, decaí a ideia que as doenças eram transmitidas pelos miasmas,
entendidos, nessa época, como ares corrompidos. Este fato que não desqualificou a
necessidade de higienizar os ambientes, pelo contrário, aperfeiçoou os estudos sobre as causas
e tratamentos dos principais males que atacavam a população, pois “a insalubridade dos
ambientes, da moradia, dos alimentos e o esgotamento físico estavam entre os principais
vilões da saúde” (BOARINI, 2003, p. 35). Deste pensamento, nasceu o mito que a pobreza e a
falta de higiene, assim como os membros destes grupos mais pobres, são as causas das
proliferações das doenças infectocontagiosas.

Ainda sobre as condições higiênicas, cabe ressaltar a dicotomia cidade/doença e as


relações com a medicina na tentativa de controlar o espaço urbano. Ainda no século XIX, os
movimentos pela saúde pública na Europa tenderam a se voltar às cidades, acreditando que a
higiene era a melhor solução para intervir positivamente no seu espaço insalubre, como uma
forma de solucionar um “mal público”.

Isto posto, Gilberto Hochman atribui a publicização da saúde ao aumento do poder de


intervenção do Estado. O autor parte do conceito de Estado de Bem-Estar Social, elaborado
no contexto pós-Segunda Guerra Mundial, por Abraam De Swaan (1990), no qual o Estado
amplia sua atuação através de uma dinâmica de interdependências sociais, ao mesmo tempo
23

em que também é resultado de motivações e ações de indivíduos e grupos. Para De Swaan, o


aparecimento de políticas sociais fez parte do processo histórico de generalização da
interdependência humana, resultante da formação dos estados centralizados e da coletivização
do bem-estar. Esse mesmo autor propõe uma teoria “sobre decisões individuais em sociedade
que procura identificar e analisar as razões e condições para a intervenção e a regulação
estatal em situações de interação e interdependência” (apud HOCHMAN, 1998, p.25). Sendo
assim, seriam os elos de interdependência que estabeleceriam a necessidade da coletivização
do cuidado com quaisquer indivíduos que sofram adversidades temporárias ou permanentes.
Dessa forma, a formulação de políticas públicas de saúde faria parte da construção desse
Estado de bem-estar.

Ainda sobre o processo de coletivização e estatização, De Swaan apresenta três


características: a escala do processo, seu caráter coletivo e seu caráter estatal. Esta última teria
por consequência o aumento da coercitividade e da burocratização, impulsionando a
estatização, pois se não isto ocorresse, implicaria em um grande número de adversidades
(apud HOCHMAN, 1998, p.27). Em relação à saúde pública, aumento da densidade urbana, a
industrialização e a urbanização criaram adversidades que atingiram a todos os segmentos da
população. Estabeleceram-se infortúnios entre ricos e pobres, doentes e saudáveis, a ponto de
não ser mais possível apenas o isolamento das ameaças ou a segregação de serviços como a
coleta de lixo e o abastecimento de água. A partir dessas questões, Hochman conclui que a
saúde ou a doença “é um dos melhores exemplos dos problemas de interdependência humana
e de suas possíveis soluções” (1998, p.28). Dessa forma, as epidemias são consideradas
paradigmas da interdependência, sendo um exemplo de efeito externo das adversidades
individuais, pois atinge toda a sociedade. Por isto, o autor sugere que doenças ou epidemias
sejam tratadas como “mal público”, pois “se ninguém pode ser impedido de consumir um
bem coletivo, se assim o quiser; [...] ninguém poderá abster-se de consumir um mal coletivo,
mesmo contra a sua vontade” (SANTOS apud HOCHMAN, 1998, p.28).

Na presença de tantas externalidades e adversidades, o Estado teria como dever sua


regulação e resolução, através da coletivização dos cuidados com a saúde, a educação e a
manutenção da renda. Sendo assim, “a constituição de um sistema sanitário e de uma política
de cuidados com a saúde, primeiro em base privada e voluntária, depois, compulsória e
pública, representaria um capítulo especial da formação do Estado de Bem-Estar” (DE
SWAAN, 1990, p. 131). Por conseguinte, projetos de intervenção sanitária identificaram-se
24

como perspectivas reformistas, até radicais, era a medicina se fundindo à política e o Estado
em direção ao espaço social.

É inevitável referir-se às epidemias dos oitocentos, especialmente o cólera, quando


está se estudando as primeiras intervenções do Estado em saúde. A experiência dessa doença
nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil foi determinante para a percepção das elites
políticas “sobre os problemas sanitários, favorecendo ações políticas, criação de organizações
e intervenção dos Estados nacionais na resolução dos problemas de saúde e nas reformas
urbanas” (BRIGGS apud LIMA, 2002, p. 36). Além de ser o pontapé inicial para a
compreensão da saúde como um problema de natureza coletiva, também a transformou em
um tema de debate internacional. Sendo assim, essa doença e suas implicações criaram elos
de interdependência social, conforme discutido por Hochman (1998), que suscitaram numa
reforma urbano-sanitária como solução para o combate às epidemias.

Ao observar estudos específicos sobre o cólera no sul do Brasil, não se pode deixar de
citar a tese de Nikelen Witter, intitulada Males e Epidemias: sofredores, governantes e
curadores no sul do Brasil (Rio Grande do Sul, século XIX), defendida em 2007. Neste
trabalho, a autora aborda a epidemia do cólera de 1855 - que assolou a capital da Província do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre - para compreender o papel dos sofredores, curadores e
governantes no que se refere às concepções de saúde, doença e cura; bem como suas
implicações para a institucionalização da Saúde Pública. Sendo assim, a década de 1850 foi
significativa no que se refere ao surgimento da Saúde Pública no Brasil, através do início dos
“debates acerca de qual papel seria representado pelo governo da nação junto ao processo de
melhoramento sanitário das cidades e do país” (WITTER, 2007, p. 22). No entanto, não se
pode ficar restrito a destacar somente o cólera, pois antes, mas ainda no início dessa década de
1850, a epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro já havia apontado os primeiros destaques
à atuação do Estado para “amenizar as possíveis invasões das doenças” (PIMENTA,2011,
p.22). Tem-se como exemplo, a já citada, criação de uma Junta Central de Higiene na capital
e, junto a esta, Comissões de Higiene Pública em cada Província, que tinham o objetivo de
reestruturar a atenção sanitária oferecida à população.

Voltando-se ao Rio Grande do Sul, o primeiro relatório da sua Comissão de Higiene


Pública data de fins de 1853, no qual já se percebe que a febre amarela foi ativadora no que
tange as preocupações das autoridades em relação à saúde da população. Na documentação
estudada por Witter (2007), pode-se destacar que, ao mesmo tempo em que o médico
25

responsável pela Província ressalta não haver epidemias, preocupa-se com as precárias
condições de higiene das cidades, situação que poderia ser propícia há uma instalação de
doenças. No ano seguinte, outro Presidente dessa mesma Comissão, Dr. Manoel Pereira da
Silva Ubatuba, envia um relatório apontando para “a enorme mortalidade provocada por
moléstias do tubo digestivo” (p.61), além de sua notável preocupação sobre a falta de água
potável. Ubatuba assinala os lugares e algumas ações que o governo e a Comissão deveriam
atuar para afastar “os males que dizimavam a população” (p.62). Mesmo com o envio de
relatórios anuais para a Junta Central, esta pouca importância conferia, foi apenas com a
epidemia do cólera de 1855 que foram dadas maiores atenções às reivindicações da Comissão
de Higiene da Província.

Durante a epidemia, a Comissão foi a responsável por apontar algumas medidas de


contenção e propagação da doença, como, por exemplo, a proibição de aglomerados em locais
públicos, isolamento de doentes, suspenção da venda de alimentos considerados indigestos,
etc. Também foram elaborados levantamentos sobre a mortalidade na capital Porto Alegre,
com a finalidade de traçar um mapa que “orientaria possíveis atuações em prol da salubridade
da cidade” (WITTER, 2007, p.83).

Nesse sentido, pode-se perceber o princípio da atuação de órgãos do governo,


preocupados com a saúde da população e com melhorias urbanas a fim de evitar mais mortes
ou possíveis novas doenças. Entretanto, algumas ações institucionalizadas, como a legislação
sobre obras públicas, “muitas vezes confundiam o conforto de determinadas áreas da cidade
com as preocupações gerais com a saúde da população” (WITTER, 2007, p. 173). As funções
da Comissão foram ampliadas lentamente, e é inegável afirmar que, com a epidemia de 1855,
suas atuações se tornaram mais efetivas.

“Em 1886, a Junta Central de Higiene Pública transformou-se em Inspetoria Geral de


Higiene, dela se separando a Inspetoria Geral dos Portos” (BENCHIMOL, 2011, p.238).
Entretanto, a ação desses órgãos se restringia às cidades litorâneas e com total predominância
ao Rio de Janeiro, ou seja, ênfase sempre a centros urbanos mais desenvolvidos. Somente a
partir do início do século XX, a partir de expedições científicas de médicos pelo interior do
Brasil, que a área rural passou a fazer parte das políticas de saúde executadas pelo governo
federal. Uma viagem muito emblemática, que marcou a inauguração do movimento pelo
saneamento, foi a de Arthur Neiva e Belisário Penna pela Bahia, Pernambuco, Pará e Goiás,
cujos resultados foram um relatório que apontaram um roteiro para os estudos das doenças do
26

sertão. Este documento obteve uma grande repercussão no meio intelectual e político no
início da República, foi a partir dele que o Presidente de Academia Nacional de Medicina,
Miguel Pereira, proferiu um discurso a respeito da situação sanitária brasileira, no qual
afirmou que o país era um “imenso hospital” (HOCHMAN, 1998). Dessa forma, seriam
necessárias medidas para sanear este problema, que a partir de então não ficava restrito apenas
aos grandes centros, pelo contrário, era solucionando os males do interior do país que se
chegaria a medidas para resolver um problema nacional. Sendo assim, emergia, portanto, a
segunda fase do movimento sanitarista, marcada pelo início das discussões pelo saneamento
dos sertões e as primeiras efetivações de políticas públicas de saúde.

Esse pensamento, baseado em encontrar no interior do país as soluções para os


problemas nacionais, era fruto do discurso nacionalista que emergiu especialmente no pós-
Primeira Guerra Mundial. Sentia-se a necessidade de se pensar o Brasil em seus próprios
termos. Sendo assim, esse período ficou caracterizado por um “nacionalismo nativo”, pois o
modelo europeu de sociedade não servia mais como referência para a construção de uma
moderna nação tropical. Dessa forma, era preciso “sustentar-se nessa ‘força nativa’ para
reconfigurar a consciência nacional como meio de ‘redescobrir’ as especificidades que
formavam a nação brasileira” (SOUZA, 2009, p. 255). Alguns cientistas, como o Artur Neiva,
acreditavam que a reforma nacional dar-se-ia por meio da imprensa, “considerando o fato de
os brasileiros lerem quatro jornais por mês e nenhum livro, a ela caberia o papel decisivo em
orientar a marcha nacional” (NEIVA apud SOUZA, 2009, p. 255). Em correspondência
pessoal, Neiva apontou que para a nação desenvolver-se era preciso que este meio de
comunicação em massa transmitisse informações que instruísse, orientasse e despertasse a
consciência nacional. Ainda destacava que um grande jornal era capaz de incentivar várias
campanhas “desde a questão do saneamento até a da redução dos impostos” (NEIVA apud
SOUZA, 2009, p. 256).

2.3.Higienistas e sanitaristas do início da República no Brasil

Os higienistas foram os primeiros a formular um discurso sobre as condições de vida


no Rio de Janeiro, bem como a propor meios para solucionar os problemas do “organismo”
urbano das cidades. Em meio às crises epidêmicas de febre amarela e cólera na metade do
século XIX, criou-se a Junta de Higiene Pública e foi neste órgão governamental que os
higienistas começaram a atuar. Eram médicos que se ocupavam da sanidade urbana,
27

responsabilizando as doenças às predisposições dos indivíduos, mas, sobretudo, as condições


do meio ambiente (CHALHOUB, 1996). Isto porque tinham como referência de seus estudos
o pensamento hipocrático, ou seja, baseavam-se em intervenções que se limitavam na urbe,
através de ações preventivas. Visavam uma melhor circulação dos ares, o aterramento de
locais insalubres (lugares) e uma melhor conservação das águas (ÁVILA, 2010).

Além de “condenarem lugares como os morros, pois impediam a circulação dos ventos
capazes de dissipar os males pelos ares; entre os fatores morbígenos, sobressaíam as
habitações, especialmente as “coletivas” onde se aglomeravam os pobres” (BENCHIMOL,
2011, p. 240). Os médicos desaprovavam estes locais nos quais havia pouca luz e rara
circulação do ar, pois eram propícios a liberar nuvens de miasmas. Igualmente, também
combatiam outros hábitos da vida urbana, como por exemplo: animais mortos pelas ruas,
amontoados de lixos e valas a céu aberto, hospitais fora das regras higiênicas, ruas estreitas e
tortuosas que prejudicavam a circulação dos ares, pouca arborização nas praças, etc. Atrás de
todos esses diagnósticos, os higienistas contribuíram para que fossem estabelecidas as
primeiras leis que regulassem a higiene das cidades e o crescimento urbano, cujo objetivo era
transformar a capital do Império num local mais salubre e moderno – considerando que todos
os estudos eram voltados ao Rio de Janeiro.

Por exemplo, um projeto de lei elaborado pela Câmara em setembro de 1853,


denominado Regulamento dos Estalajadeiros, dizia o seguinte:

“Quanto às condições de higiene, os estalajadeiros eram obrigados a conservar suas


casas no melhor asseio possível, conduzindo o lixo, as águas sujas, e outras matérias
imundas para os locais onde era permitido o despejo. Ficava proibido o depósito de
lixo e matérias fecais em covas feitas no quintal, ou em qualquer outra parte da casa.
Os fiscais das freguesias deviam zelar pela obediência ao regulamento”
(CHALHOUB, 1996, p. 30).

Neste fragmento pode-se perceber a preocupação da Câmara Municipal do Rio de


Janeiro com melhorias higiênicas, dando ênfase nas soluções que interferiam nos espaços
urbanos. Entretanto, embora houvesse algumas leis, como essa, na prática não havia
aplicação, visto que eram poucos os profissionais responsáveis pela fiscalização e, além disso,
essa percepção de higiene ainda não permeava o imaginário da população. Para a Junta de
Higiene Pública, as epidemias continuaram porque essas primeiras medidas não funcionaram.
Entre 1873 e 1876, a febre amarela matou mais de 7000 pessoas no Rio de Janeiro, numa
população de 270 mil habitantes. No início da década de 1890, após a abolição da escravatura
28

e o início da República, a capital brasileira atraiu novos habitantes, dobrando sua população
que já ultrapassara os 500 mil habitantes. Paralelo a estes dados estavam às epidemias, que já
superavam o número de mortes das anteriores. A febre amarela, a varíola, a malária e a
tuberculose, juntas, causaram mais de 15 mil óbitos entre 1890 e 1891 (BENCHIMOL, 2011).
Sendo assim, os médicos higienistas perceberam que seus métodos profiláticos não estavam
sendo eficazes, eram necessárias medidas mais eficazes no controle e tratamento destas
doenças. Por isto, no programa de governo de Francisco de Paula Rodrigues Alves de 1901,
para o cargo de Presidente da República, o saneamento do Rio de Janeiro era prioridade.

No plano de governo de Rodrigues Alves o saneamento era sinônimo de modernização


urbana, para tanto se precisava acabar com as ruas estreitas, com locais de grandes
aglomerações. Era necessário abrir as janelas da cidade para que os miasmas fossem embora,
para tanto foram executadas algumas medidas radicais, como a destruição de cortiços, por
exemplo. Sidney Chalhoub relata a demolição do Cabeça de Porco, em 1893, que ficou
marcada como o início do “processo de erradicação dos cortiços cariocas” (CHALHOUB,
1999, p.17). Destruir locais como estes, para as autoridades da época, era prestar grandes
serviços a sociedade, visto que não estavam apenas limpando as sujeiras, mas “purificando a
cidade, livrando-a definitivamente daquele ‘mundo de imundície’”, segundo o que foi
anunciado por um jornal da época sobre o fato (apud CHALHOUB, 1999, p. 19).

Mesmo com essas várias intervenções com o objetivo de sanear os ambientes, as


medidas ainda estavam completamente voltadas à zona urbana, especialmente das grandes
cidades como a capital Rio de Janeiro e São Paulo. Não se falava em saneamento no interior
do Brasil. Entretanto, os políticos da época passaram a modificar suas estratégias a partir de
uma expedição aos sertões do Brasil, feita pelos cientistas e higienistas Artur Neiva e
Belisário Penna, em 1912. Os resultados desta viagem científica tiveram uma grande
repercussão, isto se justifica porque, segundo Nicolau Sevcenko (1999), literatos, ensaístas,
cientistas e médicos desenvolviam a atividade intelectual como uma ‘ação pública’, ou seja,
algo que realmente fosse voltado para a transformação da realidade nacional. Dessa forma,
apontavam os problemas e imaginavam as soluções. Afinal, criticavam os literatos que
ficavam na imaginação fantasiosa, para eles a resposta efetiva era propor alternativas através
do trabalho e descrição da realidade. Integrantes deste contexto, Neiva e Penna não se fizeram
ausentes neste debate, o qual objetivava diagnosticar as mazelas que impediam o
desenvolvimento da nação.
29

A viagem de Artur Neiva e Belisário Pena foi financiada pelo Instituto Oswaldo Cruz
(IOC) e requerida pela Inspetoria de Obras contra as Secas, órgão do Ministério dos Negócios
da Indústria, Viação e Obras Públicas. Entre as várias viagens financiadas pelo IOC, esta foi a
de maior repercussão, visto que se apontou para uma realidade até então desconhecida, que
caracterizava a população do interior do Brasil como doente, pobre, analfabeta, isolada
geográfica e culturalmente, além de com vocação para regredir (NEIVA, PENNA apud SÁ,
2009). O debate que girou em torno do relatório dessa viagem influenciou anos a fio em uma
reestruturação de políticas de saúde no Brasil. A criação de uma Liga Pró-Saneamento, em
1918, por exemplo, foi reflexo disto. Além de um movimento pelo saneamento dos sertões, da
defesa da criação de postos de profilaxia rural e de educação sanitária, e, sobretudo, a
campanha pela federalização dos serviços de saúde pública no Brasil, cuja maior expressão
foi à criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) em dezembro de 1919
(CASTRO SANTOS, 1985; HOCHMAN, 1998). Sendo assim, inaugurou-se no cenário
nacional um movimento sanitarista que refletiu num discurso político idealizador. Período
caracterizado pelo fortalecimento da união entre Estado e medicina, no sentido de intervir na
sociedade e formular, definitivamente, políticas públicas de saúde. Os “sanitaristas e os
políticos adquiriram o direito de intervir na vida das populações, no sentido de higienizá-las,
discipliná-las e organizá-las de acordo com a lógica das novas relações sociais” (MELLO;
BELTRAME; 2010, p. 93).

Entre os literatos citados que faziam parte deste contexto do movimento sanitarista,
destaca-se a figura de Monteiro Lobato. Em um primeiro momento, Lobato estava
impregnado do pensamento dos políticos nacionalistas da época, que acreditavam que o atraso
do Brasil era responsabilidade do povo, especialmente os sertanejos. Quando criou o
personagem Jeca Tatu, estava representando esse caboclo do interior, considerado um “piolho
da terra, uma praga da terra” (LOBATO, 1912, apud CAMPOS, 1986, p. 15). Caracterizava o
caipira como passivo, preguiçoso, ignorante e supersticioso. Entretanto, quando Lobato adere
aos ideais do movimento pró-saneamento, concluí que “o Jeca não é assim, está assim” (apud
HOCHMAN, 1998, p. 68). Dessa forma, acredita que a melhor forma de “ressuscitar o Jeca”
seria passar a acreditar na medicina e suas prescrições higiênicas, só assim livraria os
sertanejos, caipiras, dos permanentes desânimos que as doenças os causavam.
30

3. SANTA MARIA/RS NO FINAL DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO XX

3.1 Ferrovia, imigração e doenças

A partir da segunda metade do século XIX, o país passou por um intenso processo de
transformações econômicas, sociais e culturais. Buscava-se o progresso e a modernização,
para isto foram necessárias várias medidas de controle social, sendo que as políticas
higienistas se inseriam nesse propósito. Nas palavras da historiadora Margarida de Souza
Neves, a virada do século XIX para o XX foi definida por “vertigem e aceleração do tempo”,
referindo-se a capital da República, Rio de Janeiro (2011, p.15).
Ainda que de forma menos contundente, o mesmo sentimento estaria presente nas
principais cidades brasileiras, que, tal como a cidade-capital, cresciam como nunca,
tornavam complexas suas funções e recebiam levas de imigrantes europeus (...).
Tudo parecia mudar em ritmo alucinante. A política e a vida cotidiana; as ideias e as
práticas sociais; a vida dentro das casas e o que se via nas ruas (NEVES, 2011, p.
15).

Estas complexas modificações a que se refere à historiadora, tanto em aspectos


urbanos, como políticos e sociais, podem ser aplicadas ao contexto do Rio Grande do Sul,
nesse mesmo período, e também à Santa Maria. Alguns autores apontam para o final do
século XIX e as primeiras décadas do XX, como o maior boom econômico da cidade. Isto se
deve a implantação da rede ferroviária, a partir de 1885, que ligou o interior à capital e a
capital à fronteira oeste.
Antes da ferrovia, entre as décadas 1860 e 1880, de acordo com os Relatórios dos
Presidentes da Província, pouco se falava em Santa Maria, o que indica, conforme a
historiadora Daniela Vallandro de Carvalho (2005), que era uma cidade de pouca importância,
sobretudo econômica. As práticas comerciais giravam em torno de alguns lavradores e
carreteiros que abasteciam a cidade e também propiciavam uma maior circulação de pessoas e
formavam novos locais de sociabilidade aos arredores de suas rotas, ou seja, eram eles o fio
condutor entre o meio rural e o urbano (CARVALHO, 2005; FARINATTI, 1999). Mas, ainda
assim, a pequena esfera comercial era dominada por alguns imigrantes alemães, instalados na
região desde as décadas de 1830 e 1840, que possuíam casas de comércio, enquanto os
lavradores “tomavam conta de pequenos e médios lotes de terras nos quais produziam gêneros
alimentícios de subsistência” (CARVALHO, 2005, p. 42).
Os alemães, além de possuírem destaque no comércio, estabeleceram laços de
compadrio, alianças de casamento e laços políticos com alguns criadores de gado,
31

propiciando-lhes certa prosperidade na região. Entretanto, embora houvesse essa ligação com
o meio rural, suas atividades consistiam-se essencialmente urbanas, eram oleiros,
marceneiros, alfaiates, ourives, pedreiros, sapateiros, etc. Segundo o Relatório do Presidente
da Província, Joaquim Antão Fernandes Leão, em 1859 havia na Vila “14 curtumes, 37
atafonas, 14 olarias, 10 marcenarias, 8 ferrarias, 6 ourives, 18 alfaiatarias, 10 sapatarias, 8
lombilharias, 4 carpintarias, 10 pedreiros, 14 curtidores, 2 pedreiras, 40 casas de negócio”
(apud CARVALHO, 2005, p. 45). Considerando que grande parte destas casas comerciais era
de imigrantes alemães, se pode inferir que nada tinham de pobres infelizes, como, na maioria
das vezes, destaca a historiografia tradicional. O viajante Robert Avé-Lallemant, quando
esteve em Santa Maria, fora hospedado por um jovem ourives alemão, de 18 anos e já
independente da família, ou seja, pode-se perceber a prosperidade de alguns imigrantes na
região. Assim sendo, esses imigrantes ocuparam alguns cargos importantes na cidade, além de
possuírem um papel fundamental no cenário comercial da região até, pelo menos, a década de
1880.

Além das condições econômicas, alguns relatos apontam para as condições dos
espaços da cidade que atentam para um cenário essencialmente ruralizado, com um ambiente
urbano muito precário até as últimas décadas do século XIX. Elementos comprovados através
da análise do relato do Presidente da Província Joaquim Leão, no qual descreve que havia “4
estradas gerais, em mau estado, 2 pontes, em estado de ruína, ruas e praças também em
ruínas” (apud CARVALHO, 2005, p. 51).

Há também outros dois elementos importantes para destacar do final do século XIX na
região central do Estado. O primeiro foi o fato de as primeiras levas de imigrantes italianos
terem se instalado no Núcleo Colonial de Silveira Martins, nos anos de 1877 e 1878. E o
segundo foi à instalação da rede ferroviária em Santa Maria entre 1880 e 1885.

A imigração italiana nessa região, segundo Maria Catarina Zanini, tratava-se de uma
migração familiar. Eram parentes, vizinhos, amigos, “uma série de relações que foram muito
importantes também na continuidade de atração de novos imigrantes, fato que foi se
efetuando até as primeiras décadas do século XX, sempre em menor escala” (ZANINI, 2008,
p. 146). Especificamente sobre o Núcleo Colonial de Silveira Martins, conhecido como
Quarto Núcleo Imperial de Colonização Italiana, os imigrantes que chegaram à região foram
assentados em “barracões”, até que fossem demarcados seus lotes de terras. Entretanto, alguns
nem esperaram a conclusão destas definições e se estabeleceram nos distritos de Santa Maria,
32

através da compra de alguns lotes, o que comprova que alguns migraram com capital
suficiente para tal. Maíra Ines Vendrame aponta que a escolha destes lotes não foi aleatória,

As relações de amizade entre algumas famílias era um aspecto que contribuía para
que procurassem se estabelecer próximas umas das outras. [...] Uma rede de
reciprocidade entre elas que permitia a elaboração de estratégias conjuntas de
ocupação e organização de um determinado espaço. [...] As afinidades entre os
grupos familiares foi um recurso que possibilitou que houvesse uma coesão nos
núcleos colônias da região central do Rio Grande do Sul (VENDRAME, 2012, pp.
144-145).

Além de se estabelecerem próximos, alguns imigrantes adotaram a compra coletiva de


lotes, dividindo uma grande extensão de terra em pequenas propriedades. De acordo com as
cartas analisadas por Vendrame, possuíam cavalos, galinhas, porcos e também plantavam
batatas, mandioca, alguns grãos e outros vegetais (2012). Considerando que os italianos eram
pequenos produtores, vários também se tornaram carreteiros para transportar seus produtos, e
de seus vizinhos, até a Estação. Pode-se encontrar, portanto, um elo entre a ferrovia e a
imigração italiana, elementos que constituíram o cenário do progresso econômico, do final do
século XIX e início do XX, na região.
Ainda sobre a ferrovia, destaca-se que a grande movimentação que ocorreu em Santa
Maria na virada dos séculos decorreu do agito causado pelo trem, através de suas mercadorias
e passageiros, elementos que não influenciaram apenas a economia local, mas uma nova rede
de sociabilidade. Através do aumento progressivo da população, o comércio e a indústria
foram fomentados, sua posição estratégia na região central, que antes havia atraído os
militares no início de sua formação, favoreceu seu cosmopolitismo. Afinal, “como ponto de
interseção de linhas que a ligavam a vários outros municípios, os contatos humanos, culturais
e econômicos foram sempre crescentes” (FLÔRES, 2007, p. 41). Santa Maria que era
marcada por ser um local de “passagem” desde os tempos de sua formação enquanto
acampamento militar, no século XVIII, a partir da instalação da ferrovia começa a modificar
esse quadro. Embora muitos ainda só passassem pela Estação, alguns estabeleciam residência,
especialmente ferroviários, caixeiros-viajantes e vários grupos de imigrantes, pois
acreditavam no potencial das oportunidades de empregos e negócios que começara a
progredir.
Neste contexto de transformações, a cidade começou a expressar suas deficiências
urbanas e problemas sociais, afinal a ferrovia não trouxe só o progresso. Algumas doenças
vieram junto com a ferrovia e o progresso. Este foi o caso da Peste Bubônica, que teve seu
foco de infecção transmitido por ratos que vieram em um carregamento de farinha saído do
33

porto da Argentina (MORALES apud PRESTES, 2010, p. 20). Além disso, dentre os
problemas urbanos, estavam a falta de uma melhor estrutura viária, abastecimento de água,
iluminação pública, fornecimento de energia e ruas sem calçamento, fatores que faziam de
Santa Maria um local com sérios problemas sanitários. O engenheiro civil com experiência
em sanitarismo Francisco Saturnino de Brito, quando esteve em Santa Maria, em 1918, para
elaborar o projeto de saneamento para a cidade, descreveu seu cenário:

A posição geográfica desta cidade, centro do Estado do Rio Grande do Sul, e o fato
de daí partirem as linhas férreas para São Paulo, para Porto Alegre, para o porto de
Rio Grande e para a fronteira do Brasil dão-lhe uma tríplice importância: política,
comercial e sanitária. Assim como os benefícios de qualquer ordem, na economia
social, daqui podem irradiar com destinos vários, assim também os malefícios aqui
gerados podem espalhar-se, e os que por aqui passarem, vindos de localidades
insalubres, se poderão fixar-se na cidade se não se preparar convenientemente a sua
defesa pelo estabelecimento de boas condições de salubridade. O coração do estado
precisa se preparar para o duplo trabalho, eferente e aferente, proveniente da
circulação que se estabeleceu e aumenta cada vez mais (Revista CCA, Santa Maria,
31 de maio de 1931).

De acordo com a visão cientificista de Saturnino de Brito, na qual faz relações entre o
biológico e o social, através da comparação com um coração devido à posição geográfica da
cidade, a ferrovia poderia ser um grande foco de propagação de enfermidades, tendo em vista
que percorria as mais variadas cidades do Estado e da região sudeste do Brasil. Além disso,
havia uma discussão nesse período referente à higiene pública, através da qual a noção de
contágio estava vinculada ao indivíduo como agente causador da disseminação de doenças. Se
a ferrovia estava proporcionando uma maior circulação de pessoas na cidade, então era
necessário saneá-la, pois “as ações sanitárias visavam a livrar os indivíduos saudáveis do
contato com os doentes e livrar os doentes dos agentes causadores” (WEBER, 1999, p. 51).
Dessa forma, uma Santa Maria pouco saudável poderia significar a propagação de
insalubridade e epidemias pelo país.

3.2. População e modificações urbanas

É notável que, a partir da instalação da rede ferroviária, a população santa-mariense


tenha alcançado um crescimento considerável. Isto se deve ao grande fluxo que pessoas que
passaram a percorrer a região, formando novas aglomerações nos arredores das linhas de
trem. Até meados do século XIX, a cidade ainda era uma Vila de poucos habitantes, bastante
pobre, de pecuária acanhada. O limitado número de escravos nas atividades produtivas e as
34

grandes distâncias dificultavam o escoamento da produção local (FARINATTI, 1999;


WITTER, 2001).

O acesso à cidade também era bastante limitado, numa descrição de 1860, o viajante
italiano Henrique Ambauer, comenta sobre as condições da cidade.

Um terreno quase plano, pontilhado por sangas barrentas e lagoas pouco profundas,
algumas das quais podiam tornar-se atoleiro que infernizavam a vida dos passantes
(...) existiam somente duas ruas notáveis, de resto, eram casas que se espalhavam
pelas coxilhas circundantes sem que se formassem ruas bem definidas (apud
WITTER, 2001, p. 26).

No mesmo período, da década de 1860, a família Daudt fez uma viagem até São
Leopoldo e também descreveram precárias condições. “Até Rio Pardo fizemos a viagem em
15 dias, numa carretilha puxada por 3 juntas de bois. A estrada era péssima, que só mesmo
com a força de meia dúzia de bois possantes poderia safar-se o veículo das ‘sangas’ e dos
atoladores” (DAUDT FILHO, 2003, p. 33). Através desse relato, nota-se uma pouquíssima
urbanização, sobre um contexto maior ainda fortemente ruralizado. Por outro lado, fora da
Vila, ficam aparentes as difíceis condições de locomoção que as estradas que a ligavam a
outras regiões da Província forneciam. Com base em Daudt, pode-se localizar quais os tipos
de tráfego do período, caracterizado ou pelas carretas ou pelos cavalos. Sabe-se que esta era
uma realidade não apenas de Santa Maria, mas da maioria das cidades do Brasil. Entretanto,
esse contexto se estende até a instalação da ferrovia, no que tange ao núcleo do povoado, e
adentra o século XX para alguns distritos mais afastados, como a região que fazia limites com
o município de São Sepé.

Os viajantes Catão Vicente Coelho e Cândido Brinckmann, em um relato publicado


em um Almanaque da cidade para 1899, descrevem exatamente as condições desses locais
que não abrangiam a ferrovia.

Com exceção da estrada da colônia Silveira Martins as outras são más, abertas
simplesmente no campo ou no mato, no verão são secas e transitáveis, mas no
inverno se tornam impossíveis de transitar (...) as ruas do centro da cidade não são
calçadas (...). Ressente-se o arrabalde do Passo da Areia de uma ponte ou pontilhão,
(...) que no inverno quando as chuvas são constantes os moradores são obrigados a
ficarem cortados do livre trânsito até que baixem as águas (...) Na estrada para São
Sepé, estrada geral de comércio, há um sangradouro do banhados dos Pintos que é
um verdadeiro martírio ao viajante, quer escoteiro, quer de carreta; o interesse
público clama pela construção de um pontilhão (apud CARVALHO, 2005, p. 58).
35

Percebe-se, portanto, que embora a ferrovia tenha trazido alguns progressos, as


intervenções, que levaram às modificações da paisagem urbana, ainda estavam muito restritas
ao centro, que era compreendido como o entorno das ruas do Acampamento, Rua do
Comércio, Praça Saldanha Marinho, Venâncio Aires, Silva Jardim, Avenida Rio Branco e o
Largo da Estação Férrea. Nas ilustrações 01 e 02, destaca-se que o entroncamento das áreas
centrais ficava localizado aos arredores da principal Praça da cidade, atual Saldanha Marinho,
desde o princípio de sua ocupação, no final do século XVIII. No mapa de 1849, onde está a
cruz de malta é a localização da Praça principal; a primeira rua a sua esquerda seria a mais
extensa da Vila, a atual Venâncio Aires; a segunda, também à esquerda é a atual Dr. Bozano e
a que segue ao sul da cruz é a atual Rua do Acampamento. A Avenida Rio Branco, antes
conhecida como Avenida Progresso – ao norte da sinalização do mapa – apresenta apenas seu
traçado inicial, não contendo traços urbanos significativos. O que demonstra se compararmos
com o segundo mapa, com data posterior a ferrovia, as modificações urbanísticas que aquela
localidade sofreu a partir da instalação da rede férrea. Embora as áreas que aparecem na
primeira ilustração também tenham se expandido - e pode-se apontar como principal motivo
disto a ampliação das casas comerciais localizadas ao longo das ruas Dr. Bozano (antiga Rua
do Comércio) e Venâncio Aires (Rua da Matriz) -, são muito expressivas as mudanças para o
lado norte, nos arredores da ferrovia. Cruzando essas informações, conclui-se o fato que as
mudanças urbanas se dão entre a área comercial e ferroviária, constituindo as principais fontes
de renda da cidade até meados do século XX.

Ilustração 01 – Mapa da vila de Santa Maria da Boca do Monte em 1849

Disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d7/Freguesia_de_Santa_Maria_em_1849.jpg


acesso em 14 de outubro de 2012
36

Ilustração 02
Planta da cidade de Santa Maria de 1902

Fonte: MARCHIORI; NOAL 1997.

Ainda assim, não se pode excluir deste contexto a intensa movimentação material e
humana que a linha férrea proporcionou. Os fatores iniciais dessas modificações que se
projetavam estavam nos aspectos geográficos que circundavam Santa Maria. O viajante
alemão, Wilhelm Lacmann, quando lá esteve em 1903, descreveu a respeito disto.

A cidade tem um importante comércio de produtos coloniais devido a sua posição


privilegiada de entroncamento ferroviário. Essa posição vai assegurar a Santa Maria
um brilhante desenvolvimento nos próximos anos, se a linha eventualmente se tornar
parte de uma grande rede sul-americana (apud MARCHIORI; NOAL, 1997, p. 90).

Todas as rotas que ligariam a capital à fronteira oeste do Estado passavam pelo local,
favorecendo um ponto estratégico de instalação de casas de comércio e, por conseguinte,
oportunidades de empregos, fatores que atraíam a instalação de muitos que por ali só estavam
de passagem.
Daniela Valandro de Carvalho, analisando esse período, que se estende do final do
século XIX e início do XX, fez um gráfico que demonstra o crescimento populacional da
cidade.
37

Tabela 01 - População de Santa Maria 1872 - 1920

52.960
50.000

36.000
Habitantes

30.185
25.207

13.000
8.228
1872 1885 1890 1900
Anos 1907 1910 1920

Fonte: CARVALHO, 2005, p. 54

A partir deste gráfico podemos perceber um crescimento de 57,99%, entre um período


que não havia ferrovia (1872) para o ano da sua instalação (1885), isto significava quase
5.000 habitantes a mais num período de 13 anos. Cinco anos após a efetivação da linha
férrea, temos um acréscimo de 93,9%, ou seja, a população quase duplicara em 1890. Já nos
anos da consolidação da linha férrea, com a expansão de algumas linhas, como a construção
da Estrada de Ferro Porto Alegre – Uruguaiana e com a efetivação do traçado que ligava o
Rio Grande do Sul a São Paulo, o aumento é de 132,19% num intervalo de 15 anos entre 1885
e 1900.

Ilustração 03
Mapa da Rede Ferroviária do Rio Grande do Sul em 1910

Fonte: CARDOSO; ZAMIN apud ZANATTA, 2011, p. 42

Conforme as considerações da historiadora Daniela Vallandro de Carvalho,


38

esse crescimento estatístico nos mostra a tamanha influência exercida pela ferrovia
no processo de urbanização e crescimento da cidade de Santa Maria, como um
atrativo inegável, não só pelas novas oportunidades de emprego, mas, sobretudo por
ser o ponto de encontro dos trilhos gaúchos, trazendo e levando pessoas, provocando
uma intensa circularidade material e humana, conferindo a cidade a característica de
ser uma cidade de passagem (CARVALHO, 2005, p. 55).

Enquanto a população aumentava significativamente, o espaço urbano da cidade


permanecia inalterado, causando, dessa forma, um aumento da densidade populacional.
“Podemos constatar que entre 1900 e 1920, enquanto a área territorial do município passou de
4.062 Km2 para 4.573 Km2 (um acréscimo de 12,58%), a concentração de pessoas passou de
7,43 para 11,90 habitantes por Km2, perfazendo com isso um aumento de 60,16%”
(CARVALHO, 2005, p. 55). Sendo assim, afere-se que o ambiente necessitava de alterações.
Entretanto, foi-se moldando uma nova estrutura urbanística de acordo com as demandas, sem
um planejamento prévio. Ao final do século XIX, “já existia na localidade 33 ruas, 7 praças, 5
fontes públicas, 1 hipódromo, uma olaria a vapor, uma fábrica de café, 4 fábricas de cerveja, 2
fábricas de sabão” (FLÔRES, 2007, p. 163).

Ainda sobre as modificações urbanísticas desse período, pode-se destacar que o


primeiro calçamento da cidade, em pedras irregulares, vai ocorrer somente em 1895, sendo
que a primeira rua pavimentada foi a quadra principal da Rua do Comércio, ponto central, que
fazia limites com a Praça Saldanha Marinho. No ano seguinte, foram calçadas as ruas do
Acampamento e mais algumas quadras da Rua do Comércio. Somente em 1889 que a
Avenida Progresso, que ligava o centro com a ferrovia, também recebeu calçamento
(BELTRÃO, 1979).

3.3. Urbanidade e salubridade em Santa Maria

No que se refere às condições de salubridade, diversos viajantes deixaram registradas


boas impressões da cidade. Auguste de Saint-Hilaire, quando esteve em Santa Maria entre
1820-1821, deixou registrado “É constituída sobre coluna muito irregular. De um lado avista-
se alegre planície, cheia de pastagens e bosques e do outro lado a vista é limitada por
montanhas cobertas de espessas e sombrias florestas” (SAINT-HILAIRE,1997, p. 338);
Nicolau Dreys, entre 1818 – 1828, apontou que “[...] a população de Santa Maria é diminuta
relativamente à amenidade do lugar[...]” (DREYS apud WITTER, 2001, p. 28); Arsène
39

Isabelle, em 1834, ainda afere que “a situação desta povoação é muito agradável; os arredores,
encantadores, são passivelmente habitados” (ISABELLE apud WITTER, 2001, p. 28); e
Robert Avé-Lallemant, em 1858, destaca que “da crista da serra goza-se maravilhosa vista.
Sobre belos vales e desfiladeiros descortina-se a aprazível Santa Maria e, mais longe, os
imensos campos da Província” (AVÉ-LALLEMAND apud WITTER, 2001, p.28-29).
Comparando-se os relatos destes viajantes com o discurso dos higienistas do mesmo período,
se podem encontrar algumas semelhanças ao pensamento hipocrático, espécie de manual mais
recorrente do período, no qual se destaca os ares, águas e lugares. Dessa forma, compreende-
se a referência à salubridade dos espaços, o bom regime dos ventos, águas e temperaturas,
sendo um ambiente privilegiado em relação às outras regiões (WITTER, 2005). Entretanto,
ainda se tem uma visão sobre os lugares amparados pela natureza favorável a saúde, e não
como um ambiente salubre graças à intervenção humana, como pensavam os sanitaristas
desse período. Ou seja, acreditavam apenas numa perspectiva de higiene através de um
controle sanitário da população e do meio externo (VIGARELLO, 2001; NEVES, 2000).

Sobre o final do século XIX, o médico Astrogildo César de Azevedo fez um relato
sobre as condições sanitárias da cidade, sendo este publicado na Revista Comemorativa do
primeiro centenário da cidade em 1914.

Quem quer que se coloque em um ponto de observação eminente e procure


abranger, num golpe de vista, o conjunto do terreno ocupado pela cidade de Santa
Maria, facilmente perceberá em suas condições topográficas vantagens
circunstanciais para fazer dela um sítio saudável (...) O casario crescente espraia-se
dominador sobre o dorso convexo das coxilhas recortadas de vales, em cujo fundo
serpeiam sangas, verdadeiros canos de esgotos feitos pela natureza previamente à
drenagem do solo e ao pronto escoamento das águas urbanas. No terreno, todo
enxuto, não se vêem lagoas, banhados ou pântanos. (...) A ventilação é direta, ampla
e desafogada (...), o regime de chuvas nada deixa a desejar (AZEVEDO, 1914)

Esse pensamento, que exaltava a salubridade natural dos espaços, não ficava restrito
apenas ao médico Astrogildo de Azevedo. Além dos viajantes, que também apontaram esta
característica desde o século XIX, o Presidente do Estado entre 1908 e 1913, Carlos Barbosa
Gonçalves, quando se referiu as epidemias de varíola e peste bubônica nas cidades de Pelotas,
Porto Alegre e Rio Grande, afirmou que devido às “magníficas condições do clima com que
foram brindadas, as epidemias extinguiram-se ao entrar” (apud WEBER, 1999, p. 53). O
engenheiro Saturnino de Brito, contratado por Astrogildo de Azevedo para elaborar o projeto
de saneamento de Santa Maria, quando esteve na cidade em 1918, a pedido do médico que na
época era Intendente Municipal, também ressaltou os aspectos salubres do local. “As
40

condições altimétricas e planimétricas da cidade são favoráveis à salubridade. A altitude varia


entre 115 e 190 metros, sobre o nível do mar” (apud MARCHIORI; NOAL, 1997, p. 180).
Entretanto, nota-se uma contradição nos discursos de Astrogildo de Azevedo. Para a
Revista Comemorativa, cujo caráter era exaltar a cidade, destaca apenas aspectos positivos da
mesma. Porém, em documentação encontrada no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, do
período em que era Delegado de Higiene do município (1899), encontrou-se um relatório
enviado ao Diretor de Higiene do Estado, no qual aponta para os sérios problemas com
relação à higiene e urbanidade.
As desvantagens que provém de suas condições topográficas reúne em Santa Maria
o inconveniente de achar-se distanciada dos grandes cursos d’água, sendo apenas
margeada por insignificantes regatos. A água, em geral, de má qualidade, é
fornecida por algumas fontes públicas e particulares. (...) Não existe aqui serviço
organizado de remoção de imundícies. O lixo é amontoado nos quintais e os
materiais fecais sofrem a exposição da superfície do solo ou, o que é pior, são
lançadas em fossas cavadas na terra e desprovidas do mínimo de revestimento
estanque. Nos quarteirões onde a população é mais densa, há casas sem quintal,
apenas servidas por uma pequena área onde a fossa de latrina e o poço de beber
visinham amistosamente. Há algumas ruas calçadas de pedra, mas nunca são
varridas. (...) O sistema de edificação é em geral defeituoso, mormente na parte
antiga. As casas são muito baixas, sem a necessária iluminação e ventilação.
Felizmente, essa rotina já vai despertando certa reação. (...) Não será necessário
grande penetração para concluir que dentro de poucos anos a febre tifoide e outras
moléstias infecciosas terão conquistado aqui direitos irrecusáveis de domicílio.
(Correspondências expedidas da Intendência Municipal 1893-1930, maço 359, caixa
193 – AHRS).

Entende-se que os objetivos dos dois relatos eram diferentes, o primeiro foi exposto a
população, tinha um caráter comemorativo. Já o segundo trata-se de um relatório interno,
entre os responsáveis pela saúde do município e cujo objetivo do Delegado de Higiene era
apontar os problemas pelos quais almejava que medidas fossem tomadas de imediato,
inclusive porque já previa a instalação e propagação de doenças em função da insalubridade
em que se encontrava Santa Maria. Evidente que não exporia isto aos santa-marienses, pois
além de, provavelmente, causar um pânico geral, estaria abrindo margem para possíveis
reivindicações que recairiam sob seu cargo.
Num âmbito mais global, outro dado relevante sobre a situação sanitária está
relacionado à mortalidade infantil. Historiadores apontam que a rarefação de certas epidemias
justifica-se por várias medidas de proteção contra o contágio. Estas se davam através do
progresso na administração das cidades, aperfeiçoamento das técnicas agrícolas, controle do
desequilíbrio demográfico, mas, sobretudo, devem-se às melhorias das condições de higiene e
a universalização da educação. Além disso, merece destaque a diminuição da taxa de
mortalidade infantil, “enquanto esta permanece muito alta – as crianças são mais vulneráveis
41

que os adultos às ínfimas condições de higiene – o equilíbrio demográfico só pode ser


garantido por uma alta taxa de natalidade” (ADAM; HERZLICH, 2001, p. 21).

Tabela 02 – Estatística de mortalidade da cidade de Santa Maria – 1º distrito


(1899)
0 a 15 De 15 De 6 De 2 12 a 25 a 40 a 55 a 70 70 a 80 a 90 a Total:
dias dias a meses anos a 25 40 55 anos 80 90 100
6 a2 12 anos anos anos anos anos anos
meses anos anos
H M H M H M H M H M H M H M H M H M H M H M H M
14 02 14 14 19 09 07 02 05 07 12 06 07 - 07 05 07 06 02 01 - 01 94 53
Total de óbitos crianças (0 a 12 anos): 81
Total de óbitos de jovens e adultos (12 a 55 37
anos):
Total de óbitos idosos (55 a 100 anos): 29
Total de óbitos em 1899: 147
Fonte: Relatório da Diretoria de Higiene - Correspondências expedidas da Intendência Municipal 1893-1930,
maço 359, caixa 193 – AHRS

Desta tabela podem-se extrair vários dados relevantes para compreendermos o


contexto do final do século XIX em Santa Maria. Primeira constatação que se faz é sobre
quem coletou os dados, foi o Delegado de Higiene da cidade, Dr. Astrogildo César de
Azevedo. Destaca-se que 55,1% das mortes ocorriam ainda quando crianças, sendo que
destes, 54,3% ocorriam nos seis primeiros meses de idade. A partir disto, concluímos o que os
historiadores Philippe Adam e Claudine Herzlich já haviam apontado, sobre a maior
suscetibilidade das crianças em relação às condições de higiene. Para resolver esse problema,
o Diretor de Higiene aponta várias medidas, pois, cruzando a tabela com o relatório redigido
pelo mesmo médico, consegue-se perceber que sua principal preocupação era solucionar os
problemas da salubridade e mortalidade da cidade. Acreditava então que, por consequência, as
doenças seriam controladas e afastadas do local e os índices de natalidade aumentariam. Ele
afirmou nesse mesmo documento “há muito que se fazer pela higiene desta terra”.
No início do século XX, era comum entre os Diretores de Higiene do Estado
justificarem os altos índices de mortalidade pela falta de medidas higiênicas adequadas e pelo
aumento considerável da população. Explicavam que o coeficiente diminuiria quando
ocorressem algumas modificações anunciadas pelo governo, como “o desenvolvimento do
serviço de esgotos, a remodelação de algumas áreas da cidade, a demolição de velhos
‘pardieiros’, substituição de prédios urbanos por outros mais ventilados, mais ‘higiênicos’”
(Diretor de Higiene do Estado, 1916, apud WEBER, 1999, p. 62). Embora essas ações de
42

controle dos ambientes e da população não fossem efetivadas de imediato, ainda assim,
percebeu-se a adoção de algumas profilaxias urbanas que ajudaram na diminuição gradual do
coeficiente de óbitos e no controle das principais epidemias que assolaram o Estado no
período. Tem-se como exemplo: a varíola em 1905, o tifo em 1909 e a peste bubônica em
1912, esta última será abordada no capítulo seguinte, destacando o caso que ocorreu em Santa
Maria.
43

4. A INTENDÊNCIA DO DR. ASTROGILDO DE AZEVEDO E O


SANEAMENTO DE SANTA MARIA

4.1. Relações políticas entre Santa Maria e o governo estadual

Embora Santa Maria fosse reduto de ferrenhos liberais durante o Império, tendo
Gaspar Silveira Martins vários adeptos no local, a partir do final da década de 1890 este
cenário se modifica. Em 1888, ocorreu na cidade o 6º Congresso Republicano do Rio Grande
do Sul, com a presença dos principais nomes da política rio-grandense do período: Júlio
Prates de Castilhos, Antônio Augusto Borges de Medeiros, Ramiro Barcelos, Fernando
Abbott, Pinheiro Machado, Francisco de Abreu Vale Machado, entre outros. Neste mesmo
encontro, foi eleita uma Comissão Executiva do partido para ser representada no Congresso
Nacional no Rio de Janeiro, sendo integrada por Ramiro Barcelos e Júlio de Castilhos
(BELTRÃO, 1979). Essa reunião foi muito expressiva, pois além de traçar os rumos das
diretrizes do partido dali em diante, significava estabelecer num centro estratégico do Estado
novos adeptos e fortalecer as alianças entre políticos da capital e do interior.

No ano seguinte, quando houve a nomeação da primeira Comissão Intendencial de


Santa Maria pelo governo estadual, ela ficou composta pelos Republicanos Francisco de
Abreu Vale Machado (Presidente da Comissão), Dr. Pantaleão José Pinto e Henrique Druca
(BELTRÃO, 1979). Durante a República Velha (1889-1930), o Partido Republicano Rio-
Grandense (PRR) foi representado por 13 Intendentes, com média inferior a três anos de
permanência no cargo, sendo comuns nomeações, renúncias, utilizações de intendentes
provisórios e cassação de mandatos. Esses confrontos intrapartidários eram usualmente
aceitos e até estimulados por Borges de Medeiros - figura de maior expressividade do partido
no período - desde que não interferissem no seu poder de mando, como uma forma de
“conseguir barganhar politicamente ora com uma ora com outra facção do PRR local”
(BIAVASCHI, 2012, p. 193).

A imprensa santa-mariense foi um dispositivo ideológico fundamental no combate


entre adversários e serviu de instrumento para a extirpação de elementos indesejáveis à
política borgista no local. “Logo depois que proclamou-se a República, editavam-se em Santa
Maria quatro jornais: ‘O Combatente’, ‘O Popular’, ‘A Província’ e ‘O Porvir’. Os dois
primeiros eram folhas republicanas, ‘A Província’ era liberal e o último era um periódico
44

literário” (RIBEIRO, 1993, p. 104). Ou seja, a maioria era composta por adeptos ao governo
castilhista-borgista, servindo como “formadores de lideranças partidárias, sustentando
campanhas eleitorais entre grupos opostos e expressando o descontentamento das dissidências
e rupturas internas dos partidos” (BIAVASCHI, 2012, p. 194).

Em 1907, ano de eleição para presidência do Rio Grande do Sul, há uma cisão no
Partido Republicado. Pressionado pelo já dissidente do PRR, Joaquim Francisco de Assis
Brasil, Fernando Abbott, correligionário de Castilhos, concorre pelo recém-fundado Partido
Republicano Democrático (PRD). Percebendo a dificuldade em controlar o partido, Borges de
Medeiros prefere ficar no comando interno e lança Carlos Barbosa às eleições (PEZAT,
2007). Em Santa Maria, o grupo dissidente conseguiu apoio da maior parte do PRR local,
motivando Borges a promover aliados aos principais cargos da cidade. Além disso, para
fortalecer sua influência, cria um novo periódico republicano A Tribuna (1907-1911) – que
mais tarde se transformaria em Diário do Interior (1911-1939) – e fecha o jornal que fazia
oposição no período, O Estado (1898 – 1907). Embora a maioria apoiasse Abott, as
estratégias de persuasão borgistas eram mais fortes, resultando na vitória de Carlos Barbosa
na cidade, mesmo que por apenas 150 votos de diferença (BIAVASCHI, 2012).

Outro jornal que ficou caracterizado por ferrenhas oposições aos perrepistas foi O
Federalista (1912-1917), transformado, posteriormente, em Correio da Serra (1917 - ? ),
liderado pelo político e jornalista, pertencente ao Partido Federalista, Arnaldo Melo. O
combate deste periódico ao PRP teve seu auge em 1918, quando suas instalações foram
assaltadas e parcialmente destruídas, obtendo repercussão estadual, tendo em vista que
participaram do ato soltados da Brigada Militar sob ordens do delegado de polícia da cidade.
Este fato desencadeou a renúncia do então Intendente republicano, Dr. Astrogildo de
Azevedo. Entretanto, entende-se ser necessária uma compreensão mais ampla sobre os
motivos que levaram a derrocada de Azevedo, juntamente com seu vice, o Conselho
Municipal e todas as demais autoridades oficiais que compunham a Intendência.

Essa crise política atingiu projeções que foram além de Santa Maria, pois por trás dela
estavam as duras criticas do jornal à cobrança de imposto de exportação municipal. Para
afastar a crise causada pela greve dos ferroviários de 1917, a Intendência estabeleceu taxações
sobre todos os produtos produzidos no local, aliado aos já existentes sobre o abate e a criação
de gado, o predial de veículos e de concessão de licença a comerciantes. Entretanto, Borges
de Medeiros não concordava com essa autonomia fiscal, revelando um conflito de interesses
45

entre governo municipal e estadual (BIAVASCHI, 2004). Essa fragilidade entre parceiros
políticos foi um bom motivo para os opositores lançarem-se às críticas, enfraquecendo os
laços entre os republicanos. Tanto que, quando ocorreu o atentado contra o jornal e o
intendente se viu completamente acuado pela crise que já estava passando e então renunciou,
o presidente do Estado não articulou nenhum meio para reestabelecer seu prestígio, apenas
nomeou um novo representante que correspondesse aos seus termos. Os jornais da situação,
representados, especialmente, pelo Diário do Interior, fizeram vistas grossas aos fatos,
obedecendo muito mais aos interesses de Borges de Medeiros do que do líder local.

4.2. O contexto sanitário e as doenças em Santa Maria no início do século XX

Observando o cenário santa-mariense da virada dos séculos, mas, especialmente, nas


duas primeiras décadas do século XX, notam-se claras modificações no seu contexto, como já
foi apontado, causada pela grande movimentação da ferrovia. Entretanto, essas
transformações trouxeram consigo características peculiares de um processo de consolidação
de uma cidade massivamente urbana. Dessas especificidades destacam-se o aumento
demográfico e a expansão comercial, que ocasionavam aglomerações desordenadas e poluição
dos ambientes, fatores que deixavam a população suscetível, favorecendo a propagação de
miasmas e as grandes epidemias.

Doenças como difteria, febre tifoide, peste bubônica, varíola, varicela, sífilis e
tuberculose fizeram parte do cenário rio-grandense entre 1895 e 1928, com alguns casos
sérios de epidemias, como já citado, de varíola, tifo e peste bubônica. Em um artigo publicado
em 1914, um dos médicos que atuava na cidade, Dr. Astrogildo de Azevedo, relata que estas
doenças eram comuns ao local, sendo responsáveis pela maioria das mortes. Entre 1909 e
1910, o Inspetor de Higiene Municipal, Dr. Alfredo Torres, fez um balanço geral das
enfermidades e condições higiênicas do município, destacando como sérios problemas a falta
de sistemas de esgoto e abastecimento de água. Acreditava que várias doenças poderiam ser
evitadas se houvessem melhorias nestas áreas (WEBER, 1999; WEBER; QUEVEDO, 2001).
Quando analisada a documentação, são nítidas as recorrentes menções às medidas
higiênicas. Em 1858, numa correspondência trocada entre um vigário da Vila de Santa Maria,
Pe. Antônio Gomes Coelho do Vale, com o Presidente da Província, Joaquim Fernandes
Leão, nota-se que já havia preocupação com a higiene. Nessa carta foi apontado que o
46

problema da falta de edificação do cemitério afetava a “salubridade pública, a moralidade e o


espírito religioso” (MARQUESINE, 2006, p. 96). Ainda sobre essa questão, Ana Paula Flores
Marquesine, em sua dissertação, na qual investiga sobre as preocupações com a morte e com
o local reservado aos enterramentos, aponta que havia fortes questões religiosas envolvendo
estes aspectos. No entanto, analisando os discursos dos administradores percebeu-se uma
clara preocupação com a saúde, menções inclusive ao pensamento hipocrático, pois, nos anos
seguintes, alguns afirmavam que não bastava construir muros ao redor do cemitério, o ideal
seria transferi-lo para um ambiente mais afastado da área urbana, afinal deveria ser “um local
alto, arejado e propício à circulação dos ares” (MARQUESINE, 2006, p. 97). Em 1879, foi
proposto pelo Deputado Saldanha Marinho a secularização dos cemitérios, cujo objetivo era,
além de limitar o poder eclesiástico, preservar a saúde da população, pois “era,
principalmente, ‘uma medida da higiene por amor aos vivos’ que ficaram, sendo esta uma
‘necessidade pública’” (RODRIGUES apud MARQUESINE, 2006, p. 106).

Além disso, no Código de Posturas do município de 1874 já previa multa a quem


comercializasse alimentos deteriorados, causando mal a saúde; também “regulamentava o uso
do cemitério; ficava sob responsabilidade da Câmara designar um local apropriado para o
depósito das sujeiras, lixo e águas servidas” (Legislação do Rio Grande do Sul, 1874, apud
WEBER; QUEVEDO, 2001).

Como não havia saneamento, os lixos e dejetos eram depositados em tonéis vendidos
pela Intendência que, quando cheios, eram deixados em frente às residências a fim de que os
responsáveis, conhecidos como ‘cubeiros’, recolhessem e levassem para o local estabelecido
pela administração municipal. Essas ações eram, inclusive, cobradas, havia uma taxa para a
limpeza e varredura das ruas. Entretanto, além desse serviço ser ineficiente, havia pouca
fiscalização, o que acabava resultando no lançamento desses resíduos no pátio das casas,
prejudicando a salubridade pública 3. Em relato ao engenheiro Saturnino de Brito, Astrogildo
de Azevedo aponta esses problemas higiênicos da cidade.

A remoção dos materiais fecais faz-se em cubos ou fossas móveis para fora da
cidade. O lixo é retirado em carroças. Tais serviços são muito incompletos: fica
ainda muita imundice nos quintais. O calçamento das ruas é feito de pedras
irregulares sobre lastro de areia. Em algumas vias públicas, é completo; em outras
limita-se a duas faixas longitudinais de 2 a 4 metros, constituindo sarjetas
(Correspondências Expedidas, 16/12/1916, fundo Astrogildo de Azevedo, acervo
CMEC).

3
Fundo da Intendência Municipal, AHMSM. Caixa 09, livro 44, p. 127, 1906.
47

Mesmo que tanto os intendentes quanto os médicos percebessem essas fragilidades no


que diz respeito às condições insalubres em que se encontrava a cidade, as medidas para
evitar epidemias ainda ficavam restritas ao isolamento e desinfecção dos locais onde a doença
se manifestava. Em 1904, por exemplo, quando houve uma ameaça de surto de peste
bubônica, foram distribuídas à população venenos para exterminar os ratos da cidade. Em
1912, foi regularizada “a construção de reservatórios sanitários, construídos dentro de
algumas propriedades particulares e, em período determinado, o material era retirado através
de uma bomba de sucção e levado ao local adequado” (WEBER; QUEVEDO; 2001, p. 60).
Pode-se afirmar que este foi um período que marcou a ideia de uma modernização
atrelada a saúde pública. Afinal, reformas urbanísticas estavam sendo efetuadas na cidade,
como o calçamento das vias e iluminação pública e então era preciso que, pelo menos
aparentemente, as ruas passassem uma impressão salubre. Porém, isto ficou muito mais
restrito à aparência, do que na efetivação de políticas e fiscalização. A despreocupação era
tanta, que em 1911, mesmo com ameaça da peste, foi dispensado o Inspetor de Higiene e
fechada a Inspetoria, por alegação do bom estado de saúde da cidade 4. Coincidência ou não,
no ano seguinte houve o maior surto de peste bubônica da cidade, causando,
aproximadamente, 20 óbitos em menos de dois meses (PRESTES, 2010). A partir deste
descaso e pânico geral que as mortes causavam, que a Intendência passou a tomar medidas
mais recorrentes relacionadas à saúde pública de Santa Maria, de acordo com a hipótese que
se trabalha sobre as profilaxias urbanas do período.

Uma epidemia nesse contexto certamente foi resultado de um processo de crescimento


desordenado da cidade que iniciou com a instalação da ferrovia e todos os fatores, já
mencionados, que giravam em torno dela. A “expansão das ruas sem calçamento e sem redes
de esgoto, entrada e saída de produtos sem um significativo controle, além do aumento do
contingente urbano, proporcionou também a instalação de germes, micróbios e bactérias”
(PRESTES, 2010, p. 20). A própria peste chegou em Santa Maria através de um carregamento
de farinha, saído do porto da Argentina e transportado pela ferrovia, que continha ratos
infectados e foi descarregado na padaria Aliança, local da primeira morte pela doença
(MORALES, 2008).

As profilaxias adotadas foram à construção de um lazareto, em um prédio doado pela


Viação Férrea, onde seriam tratados os doentes, além de uma ala específica do Hospital de

4
Fundo da Intendência Municipal, AHMSM - caixa 14, livro 68, p. 41, 1911.
48

Caridade. Foram também distribuídos materiais para a desinfecção e isolamento dos locais
nos quais ocorreram casos de contaminação. Além disso, ficou determinado que praças da
Brigada Militar fariam o policiamento dos ambientes infectados, a fim de não deixar ninguém
se aproximar. Em casos de residências particulares, a fiscalização era para que não entrassem
nem saíssem até que fosse dizimada a doença (Diário do Interior, agosto de 1912, apud
PRESTES, 2010).

Embora o memorialista Romeu Beltrão, seguido da historiadora que fez um estudo


específico sobre a peste, Flávia Prestes, tenham apontado que ela tenha sessado em 1912, só
sendo mencionada novamente em 1919 e 1924, encontrou-se num relatório das doenças que
causaram óbitos em Santa Maria em 1915 cinco casos da moléstia. Por isto, trabalha-se com a
hipótese de que o principal motivador para o início dos estudos da elaboração de um projeto
de saneamento na cidade se deu em função da forte repercussão desta doença. Justifica-se esta
assertiva porque das cartas trocadas entre o Dr. Astrogildo de Azevedo e o engenheiro
Saturnino de Brito, percebe-se a clara relação que o médico fez entre a peste e a resolução
dela através do saneamento. “Os termos desse recado não dissipam a esperança que alimento
a quatro anos de entregar a sua excedível competência a solução de dificílimo problema de
que depende o futuro de nossa amada cidade 5”. Neste trecho, duma carta escrita pelo médico
em 1916, refere-se que fazia quatro anos que buscava solução para o problema da cidade, ora,
isto significa 1912, ou seja, o ano da epidemia. E, ainda, se o recurso era procurar Saturnino
de Brito, queria dizer que a saída para a Santa Maria ter um “bom futuro” seria através do
saneamento, visto que esse era o encargo do engenheiro em questão.

Ainda sobre o relatório citado de 1915, acha-se pertinente fazer algumas considerações
sobre o quanto seus dados podem ter influenciado às realizações de algumas medidas
profiláticas para resolver os problemas higiênicos de Santa Maria.

Tabela 03 - Relatório de Doenças 1915


Doença: Número de mortos para a
cidade de Santa Maria:
Febre Typhoide 25
Varíola 21
Sarampo --
Escarlatina 05
Coqueluche 02
Diphteria 04

5
Correspondência Expedida, 12/09/1916, fundo Astrogildo de Azevedo – CMEC.
49

Grippe 04
Molestias choleriformes 01
Dysenteria 19
Peste 05
Lepra (Morphéa) --
Erysipela --
Outras moléstias epidêmicas 17
Infecção purulenta e septicemia 06
Pustula maligna e carbúnculo --
Hydrophobia --
Tuberculose pulmonar e de outros órgãos 65
Escruphulose 01
Syphilis 01
Blenorrhagia do adulto --
Câncer e outros tumores malignos 06
Outros tumores --
Rheumatismo --
Escurbuto --
Diabetes --
Molestia bronzeada de Addison --
Ankilostomiase --
Leucemia 01
Anemia – Clorose --
Outras moléstias geraes 02
Alcoolismo --
Saturnismo --
Affecções do systema nervoso 26
Affecções do aparelho circulatório 27
Affecções do aparelho respiratório 33
Affecções do aparelho digestivo 100
Affecções do aparelho urinário e anexos 15
Affecções puerperaes 06
Affecções da pelle e do tecido cellular --
Affecções dos órgãos da locomoção --
Affecções da infância e vícios de conformação 15
Debilidade geral 09
Affecções produzidas por causas exteriores 22
Molestias mal definidas 447
Total: 895
Nati-mortos 52
Fonte: Relatório apresentado ao Ex. Snr. General Salvador Ayres Pinheiro Machado, Vice-Presidente
em exercício do Estado do Rio Grande do Sul, pelo Dr. Protasio Antonio Alves, secretário de Estado
dos Negócios do Interior e Exterior. 08/09/1915. AHRS.

Das 44 possíveis causas de mortes, constadas no relatório que possuía esse formato
padrão para todas as cidades do Estado, 27 ocorreram em Santa Maria, totalizando 61,3%, o
que permite dizer que o índice e a variação de doenças no local eram muito altos. Dos 895
50

óbitos, excluindo os 447 casos de moléstias mal definidas, temos 448 e destes, 140 estão
diretamente relacionados a problemas envolvendo a falta de saneamento. Ou seja, 31,25% das
pessoas que passavam por um diagnóstico médico faleceram devido a quatro doenças: afecção
do aparelho digestivo, febre tifoide, disenteria e moléstia coliforme. Destas, a febre tifoide e a
moléstia coliforme estavam completamente relacionadas a problemas de abastecimento de
água, pois eram causadas por sua contaminação. Afecção do aparelho digestivo e moléstia
coliforme, talvez também pudesse causar infecção pelo mesmo motivo, mas é certo que se
trata de casos de falta de higiene, pois se não fosse por problemas hídricos, poderia ser devido
à ingestão de alimentos contaminados, insalubres. A divulgação deste relatório foi feita no
final do ano de 1915, portanto, no ano seguinte, esse documento seria a base para possíveis
tomadas de decisões relacionadas à saúde da cidade, tanto pela Intendência quanto pelo
Presidente do Estado.

4.3. A Intendência do Dr. Astrogildo César de Azevedo e o projeto de


saneamento:

Em 1916, ocorreram eleições municipais, sendo eleito Dr. Astrogildo de Azevedo, que
assumiu a administração em outubro daquele mesmo ano. Não é possível mensurar o quanto o
relatório de doenças do ano anterior influenciou na política de Azevedo, entretanto, ainda
analisando suas correspondências, ficou claro que seu objetivo principal enquanto Intendente
seria elaborar um projeto de saneamento. Mesmo antes de sua posse trocou cartas com
Saturnino de Brito, articulando estratégias para que seu objetivo fosse realizado.

Meu amigo Dr. José Barbosa Gonçalves teve a bondade de lhe escrever uma carta a
respeito do saneamento de Santa Maria, de cujo município assumirei a
administração no dia 3 de outubro próximo. [...] Este ano não será possível iniciar o
serviço porque recebo o município em péssimas condições financeiras e terei de me
dedicar inteiramente a tarefa de equilibrar o orçamento. Acredito que no próximo
ano, seja possível dar começo aos trabalhos preliminares do grande melhoramento,
objeto principal de minhas preocupações. Meu pensamento é convidá-lo para visitar
a cidade a fim de inteirar-se das particularidades peculiares ao caso e traçar a diretriz
a seguir para chegar a solução preferível. [...] Esta cidade é o centro geográfico do
Estado e não possuí nas vizinhanças rios caudalosos, onde se possa captar a água e
lançar o efluente dos esgotos. Deve-se procurar água no subsolo? Aduzi-la de rios
distantes? Conjugar varias fontes próximas? Onde abandonar as águas do esgoto?
São outros tantos pontos que nos deixam perplexos e que V. Ex. poderá elucidar sem
muita perda de tempo. Seria de primacial importância para mim ter desde já uma
ideia, ainda que não fosse muito aproximada, de quanto teria que despender o
município com os estudos completos (Correspondências expedidas, 12/09/1916,
fundo Astrogildo de Azevedo – CMEC).
51

Observando a trajetória do Dr. Astrogildo de Azevedo, que começou a clinicar em


Santa Maria em 1890, foi um dos fundadores da “Sociedade de Caridade Santa-mariense” em
1898 - que mais tarde seria “Associação Protetora do Hospital de Caridade”-, foi colaborador
para a fundação do Hospital de Caridade – inaugurado em 1903 -, também ocupou o cargo de
Delegado de Higiene em 1899 e superintendente do serviço de profilaxia da peste pulmonar
em 1912; pode-se aferir que esteve constantemente relacionando sua vida médica a colaborar
para as melhorias das condições de saúde e higiene da cidade, culminando no cargo de
Intendente de 1916.

Entretanto, embora a preocupação em elaborar um projeto sanitário para uma cidade


do interior do Estado fosse algo relativamente novo para o contexto do Rio Grande do Sul do
início do século, no cenário brasileiro essa era uma inquietação que começava a se expandir
nos meios médicos e políticos. Afinal, entre 1910-1920 temos a segunda fase do movimento
sanitarista, o qual ficou caracterizado por colocar em debate a saúde e o saneamento como
parte da agenda política nacional. Conforme afirma Gilberto Hochman,

Esse curto período caracterizou-se por aumento exponencial da consciência pública


sobre a responsabilidade governamental em saúde e acelerou o processo de
crescimento das atividades do Estado brasileiro, a partir da transformação da doença
transmissível em um problema político (HOCHMAN, 1998, p. 62).

Analisando as fontes disponíveis, conforme já foi mencionado, a preocupação do Dr.


Astrogildo de Azevedo, enquanto Intendente, era a saúde da população através das melhorias
das condições higiênicas da cidade. Sendo assim, buscando em outras documentações
anteriores a década de 1910, não se encontrou nenhum dado referente a preocupações diretas
dos administradores com tais questões. A menção mais clara a respeito disto relaciona-se com
a realocação do cemitério da área central para um local mais afastado, como já foi dito.
Entretanto, essa medida partiu de discussões do pároco com diretores da Província e não da
Intendência especificamente. Embora se trabalhe com o conceito de saúde pública como todo
o conjunto de ações coletivas que visam prevenir as doenças através de intervenções no
ambiente (PORTER, 2001). Pensando através da citação de Hochman, conclui-se que o
projeto de saneamento para Santa Maria foi a primeira ação que perpassou pelo aumento da
consciência pública sobre a responsabilidade do Estado pela saúde e agiu de forma a intervir
no ambiente a fim de combater uma epidemia, que foi o caso da peste bubônica.
52

Pensando, portanto, no projeto sanitário como uma política pública de saúde, cabe
destacar as articulações do Intendente com o Presidente do Estado para conseguir convencê-lo
da importância de trazer um engenheiro renomado no país, como Saturnino de Brito, que já
havia realizado o projeto de saneamento de grandes cidades, como Rio Grande, Santos, Belo
Horizonte, Belém, João Pessoa e Recife (REZENDE; HELLER, 2008). O caráter liberal da
Constituição de 1891concedia autonomia aos Estados brasileiros para a realização de políticas
públicas e a política positivista do PRR no Rio Grande do Sul que tinha por princípio a não
intervenção nas liberdades individuais. Isto significava que os municípios eram relativamente
autônomos para tomar decisões deste caráter, desde que não afetasse drasticamente nos seus
orçamentos (WEBER, 1999). Percebe-se essa característica na carta, já mencionada, de
Azevedo para Brito: “este ano não será possível iniciar o serviço porque recebo o município
em péssimas condições financeiras e terei de me dedicar inteiramente a tarefa de equilibrar o
orçamento”. Embora o saneamento fosse prioridade, era necessário reestabelecer as finanças
primeiro, para, talvez, não se indispor com o Estado.

Além disso, Dr. Astrogildo de Azevedo tinha como forte argumento o Regulamento da
Diretoria de Higiene do Estado do Rio Grande do Sul, aprovado em 1907, o qual se referia à
organização “do serviço sanitário do Estado, devendo atender a todas as questões relativas à
higiene, moléstias endêmicas, epidêmicas e transmissíveis, condições sanitárias da população
e das habitações coletivas” (WEBER, 1999, p. 50). Ainda havia a vantagem de Azevedo ser
do mesmo partido de Borges de Medeiros, fator de extrema importância nesses casos de
negociação. Acompanhando as datas das correspondências trocadas entre os três envolvidos
nesse processo, percebe-se que assim que o Intendente acertava algum termo com o
engenheiro, imediatamente o Presidente era avisado e remetia congratulações ao seu
correligionário por estar ponto em prática seu grande projeto de governo 6.

Outro elemento que muito agradava a política borgista era o caráter de controle social
que havia nos planos de Astrogido de Azevedo. Fazia parte do Regulamento de Higiene do
Estado termos que estabeleciam “ações sanitárias que visavam vigiar e controlar o meio
externo para garantir a sua higiene, por meio de instrumentos coercitivos, como polícia e
campanhas” (WEBER, 1999, p. 51). Portanto, ações que visassem controlar os espaços e a
população eram aceitadas pelo governo. Quando foi Delegado de Higiene, em 1899, Azevedo
já demonstrava esse caráter através de algumas medidas, como, por exemplo, punição para

6
Correspondências expedidas e recebidas – fundo Astrogildo de Azevedo – 1916 a 1918. Acervo CMEC.
53

quem descumprisse o Código de Posturas do município, que proibia a população a jogar lixo e
dejetos em locais não autorizados. De acordo com o discurso do médico, eram os maus
hábitos do povo os responsáveis pelos problemas de saúde na cidade 7.

Também aponta para um aspecto de controle social como justificativa da


modernização da cidade, como afirma Sidney Chalhoub (1996) para o caso das destruições
dos cortiços no Rio de Janeiro, o fato de o projeto sanitário só prever canalização dos esgotos
e tratamento de água para as residências localizadas no centro da cidade. Num relatório que o
Intendente enviou para Saturnino de Brito há duas tabelas, uma descreve todas as ruas da
cidade e a outra consta apenas as que seriam beneficiadas com o saneamento.

Tabela 04 – Ruas e número de casas em Santa Maria (1916)

Rua: Número de Rua: Número de


casas: casas:
Rua do Acampamento 96 Rua do Comércio 193
Avenida Rio Branco 84 Rua Floriano Peixoto 118
Rua Venâncio Ayres 146 Rua Marquez do Herval 69
Rua Duque de Caxias 17 Rua Tuyuty 185
Rua Riachuelo 20 Rua Coronel Niederauer 63
Rua 1º de março 10 Rua Silva Jardim 146
RuaValle Machado 07 Avenida Ypiranga 122
Travessa Angosturn 10 Rua Daudt 09
Praça Cristovam Colombo 06 Rua 13 de maio 13
Praça da República 06 Rua José do Patrocínio 03
Rua Gaspar Martins 74 Praça Saldanha Marinho 06
Rua Cel. Ernesto Beck 46 Travessa Gaspar Martins 14
Rua Senador P. Machado 39 Rua José Garibaldi 14
Rua Henrique Dias 12 Rua Cel. André Marques 69
Rua dos Andradas 82 Rua Dr. Pantaleão 38
Rua Barão do Triunfo 90 Rua Conde de Porto Alegre 42
Rua Appel 11 Rua Visconde de Pelotas 126
Rua General Neto 31 Rua José Bonifácio 14

7
Fundo da Intendência Municipal. AHMSM. Caixa 14, Livro 76, p. 81, 1912.
54

Rua General Canabarro 13 Rua Domingos de Almeida 18


Praça Julio de Castilhos 20 Rua Euclydes da Cunha 12
Rua Bento Gonçalves 22 Rua Benjamin Constant 40
Rua Visconde de F. Pinto 124 Travessa Visc. F. Pinto 29
Rua Borges do Canto 60 Linha Estrada de Ferro 30
Travessa Serra 26 Travessa Ferreira 14
Rua Felippe Camarão 09 Rua Fernandes Vieira 30
Rua Casemiro de Abreu 31 Rua Castro Alves 11
Rua Marechal Deodoro 52 Rua Gonçalves Dias 16
Travessa Hamon 27 Travessa Marechal Deodoro 16
Travessa Borges de Medeiros 33 Avenida Borges de Medeiros 34
Suburbios 63
TOTAL: 2761
Fonte: Relatório anexo à carta expedida por Astrogildo de Azevedo a Saturnino de Brito em 16/12/1916 –
Acervo CMEC.

Tabela 05 – Ruas a beneficiar com o saneamento (1916)

Rua: Número de Rua: Número de


casas: casas:
Rua do Acampamento 96 Rua do Comércio 193
Avenida Rio Branco 84 Rua Floriano Peixoto 118
Rua Venâncio Ayres 146 Rua Marquez do Herval 69
Rua dos Andradas 82 Rua José Garibaldi 14
Rua Dr. Pantaleão 38 Rua General Neto 31
Praça Saldanha Marinho 06 Rua Silva Jardim 146
RuaValle Machado 07 Rua Barão do Triunfo 90
Rua Sete de Setembro 66 Rua 13 de maio 13
Rua Ernesto Beck 46 Rua Visconde de F. Pinto 124
Rua André Marques 69 Rua Marquez do Herval 69
Rua Visconde de Porto Alegre 43 Rua Visconde de Pelotas 63
Rua Coronel Niederauer 63 TOTAL: 1676
Fonte: Relatório anexo à carta expedida por Astrogildo de Azevedo a Saturnino de Brito em 16/12/1916 –
Acervo CMEC.
55

Ilustração 04 – Planta elaborada por Saturnino de Brito em 1918

Fonte: MARCHIORI; NOAL, 1997, p. 182

A partir dos dados das tabelas 04 e 05, comprova-se que embora 60,7% das casas
fossem beneficiadas com o saneamento, isto não significava a mesma proporção para os
espaços. Dentro de uma lógica de sanear o eixo ferrovia-centro, desconsideram-se ruas com
um grande número de prédios, como a Tuyuty, com 185, e a Avenida Ypiranga, com 122, por
exemplo, por serem um pouco mais afastadas dessa região central. Enquanto isso, estavam
previstas ruas com menos de dez casas, como a Praça Saldanha Marinho com 06 e a Rua Vale
Machado com 07, pelo fato de estarem em posições estratégicas dentro da lógica
modernizante e reguladora que a ação de sanitária previa.

Além disso, se for observada a ilustração 04, constata-se que data de dois anos após as
tabelas 04 e 05, isso significa que ela foi elaborada pelo sanitarista Saturnino de Brito a partir
dos dados coletados anteriormente por Astrogildo de Azevedo. Demonstrando, portanto, o
eixo ferrovia-centro, referido anteriormente, que na planta está destacado pelas áreas de
traçados irregulares na posição central-sul da figura. Dessa forma, fica mais clara a percepção
56

do ideal de sanear apenas o centro da cidade, pois, analisando a imagem, percebe-se a extensa
área que não entrou no projeto de saneamento. Ficou complicado de mensurar, mas
certamente corresponde a bem mais de 50% do território total da cidade. Sendo assim, ainda
compreendendo as estratégias de Astrogildo de Azevedo como algo completamente inserido
na ideologia borgista. Conclui-se que essa proposta de políticas públicas higienistas
significava uma cidade organizada e saudável, sendo isto uma projeção do ideal positivista de
uma sociedade disciplinada.
57

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Ao final desta pesquisa, espera-se ter resolvido seu objetivo principal, compreender o
primeiro projeto de saneamento de Santa Maria, através de discussões a respeito do final do
século XIX o início do XX. Buscou-se debater sobre quais motivos levaram aos políticos da
época em buscar por um projeto sanitário para um município do interior do estado, num
período em que apenas as três maiores cidades Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas estavam
desenvolvendo essa ideia.

Para esse problema, foram desenvolvidas algumas hipóteses, dentro do contexto de


crescimento urbano e econômico pelo qual a cidade estava passando após a chegada da
ferrovia, no final do século XIX. Deste item procurou-se extrair não apenas os benefícios da
linha do trem, ressaltados pela maioria dos historiadores, mas também as fragilidades que
causou ao local. Afinal, Santa Maria duplicou sua população em uma década por conta disto,
e precisou se adequar aos problemas de uma cidade grande, como ter que enfrentar uma
epidemia vinda através deste “progresso”.

Em função da doença, algumas medidas higiênicas tiveram que ser tomadas, como
isolamento dos doentes, construção de um lazareto e forte fiscalização das casas infectadas.
Desde a segunda metade do século XIX, notaram-se escassas preocupações com a saúde da
população. Há poucos exemplos, mas, ainda assim, destaca-se o caso da realocação do
cemitério, que foi motivado por questões religiosas, mas também, sobretudo, higiênicas, pois
foi retirado do centro para um local mais afastado a fim de ficar localizado num ambiente
mais arejado e salubre. Dessa forma, se percebe uma efetivação de medidas sanitárias na
cidade apenas com a epidemia de peste bubônica, no início da década de 1910.

Acompanhando as correspondências e relatórios do Delegado e do Diretor de Higiene


do município e do Estado, desde a década de 1890, nas quais é possível verificar
preocupações com a salubridade dos ambientes, através da exigência do cumprimento do
Código de Posturas do município, que previa que seria proibido jogar lixo nas ruas, por
exemplo. Nota-se uma busca de efetivação de políticas públicas voltadas para esse tema
apenas com o saneamento. Afinal, elaborar um projeto sanitário, conforme foi visto nas
correspondências do Intendente Astrogildo de Azevedo, era a prioridade de seu governo.

Outro ponto em destaque refere-se à questão sanitária como um meio de modernizar a


cidade, através de um controle da população e dos espaços. Analisando as estratégias
58

urbanísticas dos administradores, de apenas elaborar um plano para coleta dos dejetos e
abastecimento de água para as ruas mais centrais, percebe-se que para além da preocupação
com a saúde da população, a grande questão era dar a cidade um aspecto salubre,
especialmente nas áreas de maior circulação, limitando-se ao eixo ferrovia-centro (Praça
Saldanha Marinho). Em nome de uma cidade limpa e saudável, era permitido agir com
elementos coercitivos para quem descumprisse o Código de Posturas do município, pois,
conforme discurso do médico Azevedo, os problemas de saúde em Santa Maria davam-se
devido aos maus hábitos de seus habitantes. Nesse ponto, retoma-se a ideologia positivista, na
qual visava por uma sociedade saudável, sendo assim, amparados pela Constituição de 1891,
os intendentes eram livres para intervir da forma que achassem mais coerentes para manter a
cidade salubre, longe de doenças.

Tendo em vista todos esses aspectos da pesquisa, conclui-se que a profilaxia urbana
referida no título trata-se não somente do projeto de saneamento para Santa Maria, mas, de
todas as ações de políticas de higiene que envolveu. Retomando a frase do epílogo, “Pobre
Jeca Tatu! Como é bonito no romance e feio na realidade”, compara-se o personagem de
Monteiro Lobato com o objeto deste trabalho. Afinal, mesmo com todas as discussões que
houve em torno destas medidas sanitárias, pouco foi efetivado. Ou seja, o saneamento da
cidade ficou ótimo no papel, mas na realidade ainda demorou quase 20 anos para ser
efetivado. Foi apenas na intendência de Manoel Ribas, em 1931, que o município passou a ter
uma rede de abastecimento de água e remoção dos esgotos. Mesmo que o projeto estudado
não tenha sido efetivado, percebeu-se sua importância em ser analisado. Afinal, esta foi a
primeira política pública urbana claramente definida para a cidade de Santa Maria.
59

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