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PAULO ROBERTO MARTINS DA SILVA

Ensinando História para educandos surdos


em uma escola inclusiva: um ensino possível

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ)


Dezembro / 2020
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Instituto de História

ENSINANDO HISTÓRIA PARA EDUCANDOS SURDOS EM UMA ESCOLA


INCLUSIVA: UM ENSINO POSSÍVEL

PAULO ROBERTO MARTINS DA SILVA

Rio de Janeiro
2020
ENSINANDO HISTÓRIA PARA EDUCANDOS SURDOS EM UMA ESCOLA
INCLUSIVA: UM ENSINO POSSÍVEL

PAULO ROBERTO MARTINS DA SILVA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de


Pós-graduação em Ensino de História do Instituto de
História da UFRJ como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino
de História.

Orientadora: Prof.ª Dra. Cinthia Monteiro de Araujo


Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Celeste Azulay Kelman

RIO DE JANEIRO
2020
PAULO ROBERTO MARTINS DA SILVA

ENSINANDO HISTÓRIA PARA EDUCANDOS SURDOS EM UMA ESCOLA


INCLUSIVA: UM ENSINO POSSÍVEL

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de


Pós-graduação em Ensino de História do Instituto de
História da UFRJ como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino
de História.

Aprovada em 22 dezembro de 2020, por:

________________________________________________________
Prof.ª Dra. Cinthia Monteiro de Araujo (UFRJ)

________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Celeste Azulay Kelman (UFRJ)

________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ana Maria Monteiro (UFRJ)

________________________________________________________
Prof. Dr. Mauro Marcos Farias da Conceição (IBC/RJ)
DEDICATÓRIA

Para Jessica Lins, minha linda esposa,


A minha família,
E a todos que deixaram um pouco de si em minha vida.
AGRADECIMENTOS

A DeusAmor e a sua espiritualidade, que torna linda nossa existência.


A Jessica Lins, minha amada e querida esposa, nosso amor é intenso e belo!
Aos meus pais, Jorge Antonio da Silva e Maria Paulino Martins da Silva, que através do
amor e da simplicidade que os unem, criaram seus filhos no caminho da espiritualidade.
Aos meus irmãos, Carlos Augusto Martins da Silva e Sidnei Martins da Silva, pelo
apoio, fraternidade e suporte em minha caminhada. E aos meus sobrinhos, Caio Nicholas e
Davi Lukas, aos quais desejo ser uma inspiração para suas vidas.
Aos meus sogros, Alérico Moraes (mais conhecido como tio Leo) e Valdineia P. Lins,
pelo incentivo e cuidado em todos os momentos depois que entrei para a família.
Aos meus cunhados, Bruno, Leonardo e Anderson, que sempre se mostram solícitos em
tudo que eu me disponho a fazer.
Ao meu grande amigo, Thiago da Silva Oliveira, pelas leituras e trocas que me
ajudaram a melhorar a escrita e aprofundar minhas ideias.
A minha orientadora, Cinthia Monteiro de Araujo, por assumir o desafio da orientação e
acreditar nas minhas ideias, e também, por ser o suporte acadêmico e humano nos desafios
enfrentados e na construção da metodologia.
A Celeste Azulay Kelman, que, primeiro como professora de disciplina, e
posteriormente como coorientadora, foi essencial para a minha fundamentação teórica em
relação ao ensino para educandos surdos e na construção da metodologia didática proposta.
Agradeço aos meus amigos, em especial, Pedro Sassone e Bruna Luna, que
compartilharam muitas ideias nas estradas para nosso fazer.
Agradeço a Jorge Martins, pelo cuidado e amizade desde o momento que passei a
vivenciar Barra Mansa. É um amigo que se tornou um irmão!
Ao Colégio Municipal Prefeito Marcello Drable, na pessoa da diretora Alessandra
Naves e de toda equipe técnica. E aos alunos que me ajudaram nas reflexões práticas. Não
posso deixar de mencionar os professores de História da escola: Fabiana, Anna, Luciana, Iara,
Celeste e Diogo, que sempre compartilham seus saberes no dia a dia. E os professores de
outras disciplinas e orientadores, como Renato, Marlon, Beatriz, Tânia, Cristiane, Etelvani e
muitos outros, que sempre incentivaram a minha prática com os alunos surdos.
Aos intérpretes de Libras com os quais tive a oportunidade de trabalhar em minha
jornada e que sempre se mostraram companheiros e conselheiros.
À equipe profissional e aos alunos da Escola Municipal Professora Célia Sobreira, que
nestes seis anos que trabalhamos juntos vivemos grandes desafios e alegrias, mas neste ano
fui chamado para viver novas experiências. Mas em breve nos reencontraremos!
A Escola Municipal Vereador Moysés Ramalho, onde espero construir grandes e belos
momentos e onde colocarei em prática os materiais aqui desenvolvidos!
Às Secretarias Municipais de Educação dos municípios da Região Sul Fluminense pela
abertura para a pesquisa.
À Secretaria Municipal de Educação de Barra Mansa por reconhecer a pesquisa como
parte importante da minha formação.
Aos professores Cristiane Correia Taveira e Luiz Alexandre da Silva Rosado pelas
críticas e indicações no início da construção desta dissertação.
À professora Ana Maria Monteiro pelas observações, críticas construtivas e orientações
quando comecei a pesquisa; e também por contribuir no processo de finalização. Ao professor
Mauro Marcos Farias da Conceição (IBC/RJ) por compartilhar sua experiência, pela análise e
contribuições para o fechamento da pesquisa.
Ao ProfHistória, cuja singularidade acadêmica é fundamental para os professores de
História repensarem e contribuírem para novas práticas pedagógicas.
Aos professores do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) da
UFRJ, que em suas aulas apontaram as possibilidades para tornar minhas aulas mais
significativas, especialmente, em turmas inclusivas.
Aos mestrandos do ProfHistória (UFRJ) da turma de 2018, que apesar dos desafios
enfrentados, conseguiram fechar esse ciclo com maestria!
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa
de mestrado, sem a qual, possivelmente o aprofundamento deste projeto não seria alcançável.
Um agradecimento mais do que especial aos que me ajudaram direta e indiretamente
nesses meus anos de magistério e também na realização desta pesquisa. O espaço é breve para
citar o nome de todos, entretanto, em minhas preces vocês sempre estão presentes. Reitero,
que nós não estaremos fisicamente no paraíso (o mundo das nossas utopias), mas o
vivenciaremos espiritualmente através daqueles que cativamos em nossa jornada.
EPÍGRAFE

“A figura visual, tanto a representação abstrata quanto a


figurativa ou pictográfica, traz consigo o potencial de ser
aproveitada como recurso para transmitir conhecimento e
desenvolver raciocínio. Para o aluno surdo que estuda na
rede regular de ensino [...], o caminho da aprendizagem
necessariamente será visual, daí a importância de os
educadores compreenderem mais sobre o poder
constitutivo da imagem, tanto no sentido de ler imagens
quanto no de produzi-las.” (REILY, 2003, p. 169).
RESUMO

SILVA, Paulo Roberto Martins da. Ensinando História para educandos surdos em uma
escola inclusiva: um ensino possível. Rio de Janeiro, 2020. Dissertação (Mestrado
Profissional em Ensino de História) - Instituto de História, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

Esta dissertação aborda o ensino de História para educandos surdos no contexto de escolas
inclusivas do Ensino Fundamental II. Observa-se que a aprendizagem da História pelo surdo
nesse contexto escolar tem apresentado vários obstáculos, entre os quais, a predominância de
metodologias pedagógicas exclusivamente orais. Sendo assim, esse estudo buscou analisar os
estudos recentes sobre o saber histórico escolar e o ensino para alunos surdos, refletindo como
as contribuições teóricas da Pedagogia Visual e do uso de imagens históricas em sala de aula
podem favorecer a construção de uma metodologia que tome por base a prática de professores
de História de escolas inclusivas. Propõe-se, portanto, a partir das contribuições da semiótica
imagética, uma metodologia didática diferenciada que favorecerá o ensino para educandos
surdos em turmas do 9º ano do Ensino Fundamental, e consequentemente, a aprendizagem
histórica. Para o desenvolvimento dessa metodologia foram tomados por base os estudos
teóricos relacionados ao ensino para alunos surdos tanto da Educação como do ensino de
História. Além disso, a construção metodológica também se fundamentou a partir da
experiência de professores de História que lecionam em municípios da Região Sul
Fluminense do estado do Rio de Janeiro, que tiveram seus depoimentos colhidos e analisados
a partir dos pressupostos metodológicos da História Oral.

Palavras-chave: Ensino de História. Educação Especial. Saberes e práticas no espaço escolar.


Ensino para surdos. Inclusão.
ABSTRACT

SILVA, Paulo Roberto Martins da. Ensinando História para educandos surdos em uma
escola inclusiva: um ensino possível. Rio de Janeiro, 2020. Dissertação (Mestrado
Profissional em Ensino de História) - Instituto de História, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

This dissertation examines the teaching of History for deaf students in Elementary Education
II's inclusive schools. We observed that these students faced several obstacles in the process,
among which, the predominance of exclusively oral pedagogical methodologies. Thus, this
study sought to analyze recent studies on school historical knowledge and teaching for deaf
learners, reflecting how the theoretical contributions of Visual Pedagogy and the use of
historical images in the classroom can stimulate the construction of a methodology based on
the practice of inclusive school's history teachers. Therefore, we rely on the contributions of
imagery semiotics to propose a different didactic methodology that will enhance deaf
Elementary School student's general learning, and consequently, historical learning. Our
methodology is based on theoretical studies of deaf learners teaching for both Education and
History disciplines. Also, based on the methodological premises of Oral History, we consider
and analyze the experience of History teachers who work in the Southern Region of the state
of Rio de Janeiro, whose testimonies were collected for this present work.

Palavras-chave: History teaching. Special education. Knowledge and practices in the school
space. Teaching for the deaf. Inclusion.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 1 - Capa da revista O Malho, ano I, número 1, 20 de setembro de 1902…...........106


Imagem 2 - Capa da revista O Malho, ano III, número 111, 29 de outubro de 1904….......107
Imagem 3 - Presos em fila na Ilha das Cobras………………………..………………........111
Imagem 4 - A separação dos presos na Ilha das Cobras....…………....…………………...112
Imagem 5 - Os presos que seguiram para o Acre……………………………...…………...112
Imagem 6 - Capa da revista Careta, ano I, número 1, 06 de junho de 1908…………..…...114
Imagem 7 - Capa da revista Careta, ano XVIII, número 897, 29 de agosto de 1925………115
Imagem 8 - Capa da revista Careta, ano XII, número 566, 29 de abril de 1919…………...118
Imagem 9 - Capa da revista Careta, ano XV, número 715, 4 março de 1922……….......…119
Imagem 10 - GUERRA “VACCINO-OBRIGATEZA”..…….……....……...…....…….......128
Imagem 11 - AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES… “DE CABRESTO”……………………........137
Imagem 12 - Capa da revista Careta de número 897…………..…………....…………...…146
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: Categorias fenomenológicas universais de Peirce ............................................52


QUADRO 2: Fundamentos do signo ......................................................................................53
QUADRO 3: Referencialidade do signo, níveis sígnicos .......................................................53
QUADRO 4: Níveis do interpretante ......................................................................................55
QUADRO 5: Camadas dos níveis interpretativos....................................................................56
QUADRO 6: Professores da pesquisa ....................................................................................72
QUADRO 7: Etapas da análise da charge sobre a Revolta da Vacina...................................135
QUADRO 8: Etapas da análise da charge sobre ao voto de cabresto....................................143
QUADRO 9: Etapas da análise da charge sobre a política do “café com leite”....................152
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AEE Atendimento Educacional Especializado

BNCC Base Nacional Comum Curricular

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEP Conselho Nacional de Saúde

CFCH Centro de Filosofia e Ciências Humanas

CNS Conselho Nacional de Saúde

EaD Educação a distância

EJA Educação de Jovens e Adultos

EMC Educação Moral e Cívica

EUA Estados Unidos da América

FFCLs Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras

FSBRJ Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro

FGV Fundação Getulio Vargas

GEPeSS Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Surdez

IBC Instituto Benjamin Constant

Ideb Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

INES Instituto Nacional de Educação de Surdos

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Libras Língua Brasileira de Sinais

LS Língua de Sinais

ONU Organização das Nações Unidas

OSPB Organização Social Política Brasileira

MEC Ministério da Educação


MG Minas Gerais

PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais

PNE Plano Nacional de Educação

PPP Projeto Político Pedagógico

ProfHistória Mestrado Profissional em Ensino de História

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

RJ Rio de Janeiro

UFF Universidade Federal Fluminense

UFPel Universidade Federal de Pelotas

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UFSCar Universidade Federal de São Carlos

UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

UGB Centro Universitário Geraldo Di Biase

UNESA Universidade Estácio de Sá

UNISUAM Centro Universitário Augusto Motta

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

USP Universidade de São Paulo

TILSP Tradutor Intérprete Educacional de Língua Brasileira de Sinais – Língua


Portuguesa
TILSE Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais Educacional.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………. 1
1 ENSINO DE HISTÓRIA: ENTRE O SABER HISTÓRICO ESCOLAR, O USO DE
IMAGENS EM SALA DE AULA E O ENSINO DE HISTÓRIA PARA EDUCANDOS
SURDOS ……………………………………………………………………………………....7
1.1 Breve histórico do ensino de História ………………………………………………….7
1.2 Por que ensinar História? ……………………………………………………………..10
1.3 O saber histórico escolar ……………………………………………………………...17
1.4 Ensino de História através de imagens históricas ……………………………………20
1.5 Ensino de História para educandos surdos ………………………………………...…28

2 TEORIZANDO SOBRE O ENSINO PARA SURDOS …………………………………37


2.1 Surdez: história, legislação e a escola inclusiva ……………………………………..37
2.2 O ensino para educandos surdos ……………………………………………………..43
2.2.1 O Ensino Bilíngue e a Pedagogia Visual ……………………………………….43
2.2.2 A semiótica imagética: a imagem no processo de ensino-aprendizagem ……....50
2.2.3 O intérprete de Libras no contexto da escola inclusiva ………………………..62

3 PROFESSORES DE HISTÓRIA E A CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS PARA O


ENSINO DE HISTÓRIA ……………………………………………………..…………….70
3.1 Metodologia ……………………………………………………..……………………70
3.2 Breve contextualização dos professores entrevistados …………..…………………..72
3.3 Breve contextualização das escolas em que os professores entrevistados trabalham ...74
3.4 Ensino de História para educandos surdos: entre a teoria e a prática docente ………..76
3.4.1 Ensino de História para alunos surdos: apontando os desafios.…………..…….78
3.4.2 Ensino de História para alunos surdos: superação dos problemas de comunicação
e de ensino …………..…………………………..…………………………..………..83
3.4.3 Ensino de História para alunos surdos: a superação dos desafios na prática …...87
3.4.4 Ensino de História para alunos surdos: uma proposta de prática metodológica
para superação dos desafios …………..…………………………..…………………..93

4 PLANEJANDO O ENSINO EM UMA SALA INCLUSIVA COM SURDOS:


CONTEXTUALIZAÇÃO DA FONTE HISTÓRICA …………..………………………..98
4.1 Breve história da charge no Brasil …………..…………………………..……………99
4.2 Contextualizando as revistas ilustradas: O Malho (1902-1904) e Careta (1925-1927)...
…….…………..…………………………..…………………………..………………....105
4.2.1 Revista O Malho …………..…………………………..……………………....105
4.2.2 Revista Careta …………..…………………………..…………………………113
4.3 Contextualização dos autores …………..…………………………..………………..120
4.3.1 Leônidas Freire …………..…………………………..………………………..121
4.3.2 Alfredo Storni …………..…………………………..………………………....122

5 PRATICANDO O ENSINO EM UMA SALA INCLUSIVA COM SURDOS: UMA


AULA DE CIDADANIA ATRAVÉS DE CHARGES DA PRIMEIRA REPÚBLICA ...126
5.1 As tensões políticas, sociais e culturais da Primeira República através de charges .128
5.1.1 Revolta da Vacina (1904) …………..…………………………..……………..128
5.1.2 República das Oligarquias: voto de cabresto ………………………..………..137
5.1.3 República das Oligarquias: política do “café com leite” ……………………...146

CONCLUSÃO ……………………………..……………………………..………………..155

REFERÊNCIAS ……………………………..……………………………..………………157
ANEXO A - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP ……………………………..173

APÊNDICE A - ROTEIRO GERAL DE ENTREVISTAS ……………………………..177


APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ……..179

APÊNDICE C - MATERIAL DIDÁTICO COM CONTEÚDO HISTÓRICO


ADAPTADO: análise das charges históricas ……………………………………...……..182

APÊNDICE D - MATERIAL DIDÁTICO COM CONTEÚDO HISTÓRICO


ADAPTADO: análise das charges históricas (RESPOSTAS) …………………………...209
APÊNDICE E - MATERIAL DIDÁTICO COM CONTEÚDO HISTÓRICO
ADAPTADO: mapas mentais - Primeira República …………………………………….237
APÊNDICE F - MATERIAL DIDÁTICO COM CONTEÚDO HISTÓRICO
ADAPTADO: contextualização da Primeira República ………………………………...243
INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o número de pesquisas sobre o ensino de História para educandos
surdos tem aumentado em decorrência da necessidade de encontrar alternativas viáveis para
garantir a inclusão dos alunos surdos em escolas inclusivas. Esta pesquisa é resultado do
desejo de poder somar com outras pesquisas e refletir sobre uma prática pedagógica que
contribua para o aprendizado da história escolar pelos surdos em escolas inclusivas.
A inspiração inicial para me debruçar nessa temática é a minha própria experiência.
Questionador do modelo tradicional de ensino desde que comecei a trabalhar como docente,
faço uso constante da tecnologia para abordar os conteúdos históricos nas aulas. Acreditava
assim, que superaria o dito modelo “ultrapassado”. Essa prática eu aprofundei quando passei a
trabalhar em salas inclusivas, em especial, naquelas com alunos surdos. Todavia, ao
aprofundar os estudos teóricos sobre o ensino de História e ensino para surdos, percebi que só
a inclusão do recurso visual não garantiria ao educando o domínio do saber histórico escolar,
pois ainda me limitava a uma abordagem das informações históricas, sem, no entanto,
problematizá-las. As potencialidades do saber fazer histórico ainda eram pouco exploradas em
minhas aulas.
Esse processo de repensar as aulas é constante e diário na prática de todos os docentes, e
felizmente não tem fim. A proposta que é trazida aqui, e que fundamentou a minha pesquisa,
é parte das minhas angústias e tentativas de fazer das minhas aulas momentos significativos
enquanto lugar de construção do saber histórico e não apenas reprodução do saber científico.
Desafio que se aprofundou quando passei a tomar como preocupação as especificidades de
aprendizagem dos educandos surdos.
Foi em 2015 que me deparei com o desafio de lecionar história a educandos incluídos
do Ensino Fundamental II. Em relação aos educandos surdos, a primeira reação foi de
indiferença, porque acreditava que eles iriam aprender normalmente, já que havia um
intérprete de Libras que auxiliaria na comunicação e na tradução dos conteúdos. Mal sabia
que estava enormemente enganado. No contato com profissionais da escola, em especial, os
intérpretes, eu ouvia que era necessário adaptar a abordagem dos conteúdos históricos para
que os surdos realmente pudessem ter acesso ao que era ensinado. A minha questão era: como
adaptar os conteúdos do 6º e do 7º ano aos educandos surdos?
Na graduação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), eu havia tido
aulas sobre inclusão, entretanto, os temas foram tratados de forma ampla, logo, os estudos
teóricos sobre a surdez foram gerais e não me deram a base prática necessária para quando

1
chegasse o momento de ser professor de educandos surdos. Busquei informações na internet,
mas não entendia qual o caminho didático mais correto que deveria seguir.
Naquele momento, a orientação da equipe pedagógica e do Atendimento Educacional
Especializado (AEE) da escola foram fundamentais. Com o passar do tempo, comecei a
construir atividades que traziam resumos escritos e imagens sobre o conteúdo ensinado.
Diante dos elogios recebidos sobre as atividades, acreditava que aquele instrumento era ideal
para o que se propunha. No contato com os alunos, eu seguia o seguinte procedimento:
ensinava oralmente para a turma o conteúdo histórico proposto no currículo e, após um ou
dois dias, deixava os alunos ouvintes1 na realização de alguma atividade e dava atenção
exclusiva aos surdos. Com o auxílio do intérprete de Libras, explicava os conteúdos
individualmente através de um material que produzia para os alunos incluídos, que
posteriormente denominei de material didático com conteúdo histórico adaptado. Pensava: “é
o que posso fazer”.
Ao longo dos últimos anos, as leituras sobre escola inclusiva e a participação em
eventos sobre inclusão, fizeram-me questionar a funcionalidade da minha prática. Em 2017,
resolvi tentar um novo modo de aula: abordar os conteúdos das aulas para todos (ouvintes e
surdos), sem distinção, através de uma mudança na forma de abordar os conteúdos das aulas.
E naquele momento, aperfeiçoei o material didático com conteúdo histórico adaptado, já que
ele assumiu o papel de ferramenta-base para o meu trabalho em sala de aula. O material foi
visto como de potencial, o que resultou em um convite da Secretaria de Educação para
apresentá-lo a outros professores. Convencido da potencialidade da minha metodologia,
decidi usá-la como objeto da minha pesquisa. Cabe destacar que essa minha prática foi
desenvolvida em uma sala de aula em que, além dos surdos, havia em média a presença de 25
educandos, entre ouvintes e alunos com diferentes deficiências.
Todavia, confrontada com o debate teórico mais recente sobre o ensino para educandos
surdos, minha prática apresenta limites bem identificáveis. No entanto, também aponta
algumas potencialidades, sendo assim, ela pode ser colocada como uma das respostas
possíveis para o ensino de História aos alunos de escolas inclusivas. A partir daí, soube que
seria necessário aprofundar a pesquisa através dos estudos teóricos da bibliografia
especializada e buscar em outras práticas docentes, as alternativas que poderiam melhorar
significativamente a metodologia e o material didático que me proponho a divulgar como
produto educacional desta investigação.

1
Termo utilizado pela comunidade surda para designar as pessoas não surdas.

2
Diante disso, para refletir sobre o ensino de História para surdos em escolas inclusivas
foi necessário particularizar duas áreas teóricas em que fundamentei minha pesquisa: o ensino
de História e o ensino para alunos surdos. Em relação ao ensino para surdos, foquei nas
contribuições da chamada Pedagogia Visual direcionando meu olhar para a semiótica
imagética. Sobre o ensino de História, enfatizo sua importância para a pesquisa historiográfica
para em seguida direcionar dois aspectos fundamentais a minha reflexão: o saber histórico
escolar e o uso de imagens no ensino de História.
O campo da minha investigação em relação às práticas de professores de História em
escolas inclusivas se voltou para a Região Sul Fluminense do estado do Rio de Janeiro. Entre
os professores de diferentes escolas da região convidados para esta pesquisa, quatro foram
selecionados, sendo dois com experiência no ensino para surdos e dois sem experiência.
Sendo assim, a base empírica dessa análise são depoimentos recolhidos dos docentes por meio
de entrevistas, cujo valor de fonte histórica é fundamentado pela História Oral (FERREIRA;
FERNANDES; ALBERTI, 2000).
A partir dos saberes desses professores de História, tinha como objetivo identificar os
desafios encontrados em suas práticas, mas especialmente, as ações assumidas para
superá-los. Além disso, quis indicar as especificidades da formação em História que podem
ser fundamentais na construção de uma prática inclusiva para estudantes surdos. Por fim,
analisar outras experiências em sala de aula foi essencial para fundamentar teórica e
metodologicamente a minha proposta.
A partir disso, essa análise tomou como objetivo geral: analisar os estudos recentes
sobre o saber histórico escolar e o ensino para alunos surdos, refletindo como as contribuições
teóricas da Pedagogia Visual e do uso de imagens históricas em sala de aula podem favorecer
a construção de uma metodologia didática diferenciada, que tome por base a minha
experiência e de outros professores de História, e que favoreça o ensino de História para
educandos surdos em escolas inclusivas. E objetivos específicos: refletir sobre o que já foi
proposto e debatido sobre o saber histórico escolar e o uso de imagens históricas em sala de
aula e a relação desses com o ensino de História para educandos surdos; debater a importância
da legislação sobre o ensino para surdos e as contribuições teóricas da Pedagogia Visual;
contribuir para as reflexões acerca do ensino de História para alunos surdos incluídos em
classes regulares; propor uma metodologia didática diferenciada para uma aula de História
para o 9º ano do Ensino Fundamental sobre a Primeira República, que tomará por base um
material didático com conteúdo histórico adaptado focado na análise de charges.

3
Esta dissertação está organizada em cinco capítulos. No capítulo 1, intitulado “Ensino
de História: entre o saber histórico escolar, o uso de imagens em sala de aula e o ensino para
educandos surdos”, reflito sobre aspectos teóricos do ensino de História. Ele está subdividido
em cinco partes: de início, faço um breve levantamento histórico de como a História se tornou
matéria ensinável no Brasil como instrumento do processo de consolidação de uma
“identidade nacional”. Em seguida, coloco-me a refletir sobre a importância do ensino de
História e do papel do professor de História, primeiramente, a partir de documentos
normativos, e, posteriormente, com base em Albuquerque Jr. (2016) e outros
professores/historiadores que se lançam sobre a problemática do ensino da disciplina
histórica. Em um terceiro momento, coloco-me a pensar sobre a prática do professor de
História e a aula como lugar de fazer História (MATTOS, 2006), e consequentemente, busco
compreender a especificidade da disciplina como construção da prática docente, a saber, o
saber histórico escolar (MONTEIRO, 2007, 2010).
Nas duas últimas partes do capítulo 1, dedico-me às seguintes reflexões: em primeiro
lugar, o ensino de História através de imagens, partindo da articulação entre as teorias
metodológicas do tratamento da imagem como fonte histórica no fazer historiográfico e no
seu uso como instrumento pedagógico. E para finalizar, passo a ponderar sobre as
contribuições teóricas e metodológicas em relação ao ensino de História para educandos
surdos através de pesquisas desenvolvidas a partir do século XXI, em sua grande maioria, por
professores de História de escolas inclusivas.
No capítulo 2, cujo título é “Teorizando sobre o ensino para surdos”, escrevo, de
partida, uma síntese histórica em relação à construção da representação das pessoas surdas da
Antiguidade até culminar na segunda metade do século XX, período em que a surdez deixou
de ser vista como deficiência. Logo depois, apresento a legislação brasileira, que em acordo
com os princípios inclusivos propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU),
implementa a escola inclusiva como política pública. Entretanto, a passagem da escola regular
para inclusiva não se efetivou na prática, isso porque, as diferenças e as especificidades dos
alunos “incluídos”, especialmente, dos surdos, não foram atendidas.
Ainda no capítulo 2, prossigo com a busca do arcabouço teórico que fundamente as
especificidades de aprendizagem dos educandos surdos. Por um lado, os estudos linguísticos
apontam para o modelo bilíngue, no qual o ensino-aprendizagem do surdo deve ocorrer na
Língua Brasileira de Sinais (Libras), sua primeira língua, e em Língua Portuguesa na
modalidade escrita, como segunda língua. Por outro lado, como o surdo vivencia o mundo
através da experiência visual, é preciso que as práticas pedagógicas também atendam a sua

4
especificidade visual, e é essa demanda que os estudos da Pedagogia Visual, em especial, os
ligados a semiótica imagética, tem buscado atender. Dito isso, debruço-me sobre aspectos da
análise de Santaella (1983, 1998, 2015) sobre a semiótica imagética de Charles Sanders Peirce
e indico como essa teoria pode atender ao processo de ensino com foco no visual em escolas
inclusivas. Para encerrar o capítulo, faço breve reflexão sobre a importância do intérprete de
Libras no contexto da escola inclusiva e da sua atuação no processo de ensino-aprendizagem
do educando surdo.
O capítulo 3, de título “Professores de História e a construção de práticas para o ensino
de História”, é o momento em que analiso a prática docente e sua relação com o ensino de
História para alunos surdos. Ele está subdividido em quatro partes. A primeira parte dedico a
explicação da metodologia utilizada para a análise das entrevistas, que conforme já destacado,
foi o meio material de investigação dos saberes dos quatro professores de História que
participaram da pesquisa. A investigação dos saberes tomou como base as contribuições
metodológicas da História Oral, que usa como fonte no fazer histórico, “testemunhos orais”
(FERREIRA; FERNANDES; ALBERTI, 2000) e a abordagem qualitativa de dados (ALVES;
SILVA, 1992). Na segunda parte, faço uma sucinta contextualização dos professores
entrevistados (em respeito à privacidade dos entrevistados, dei a eles nomes fictícios: Alice,
Maria, Edmar e Francisco), tendo, a terceira parte, por sua vez, informações sobre as suas
respectivas escolas (nomeadas de escola A, B e C).
A última parte, a principal, é a análise propriamente dita das quatro entrevistas, cuja
investigação dos saberes docentes foi feita de forma temática, sendo subdividida assim:
“ensino de História para alunos surdos: apontando os desafios”; “ensino de História para
alunos surdos: superação dos problemas de comunicação e de ensino”; “ensino de História
para alunos surdos: a superação dos desafios na prática”; e por fim, “ensino de História para
alunos surdos: uma proposta de prática metodológica para superação dos desafios”.
No capítulo 4, intitulado “Planejando o ensino em uma sala inclusiva com surdos:
contextualização da fonte histórica”, apresento uma etapa muito importante do planejamento
de uma aula de história, que é a contextualização da fonte histórica. Como a fonte histórica
imagética escolhida é uma charge, na primeira parte do capítulo faço um levantamento
histórico da chegada desse tipo de desenho no Brasil, em meados do século XIX, até a sua
consolidação em revistas ilustradas no início do século XX. Em seguida, contextualizo as
revistas ilustradas em que as charges circularam: primeiro, a revista O Malho, com foco no
início do século XX; e logo após, a revista Careta, em que procuro apontar a sua importância

5
e influência na década de 1920. Por fim, finalizo o capítulo com uma breve apresentação
biográfica dos dois chargistas, a saber, Leônidas Freire e Alfredo Storni.
Por fim, no capítulo 5, dedico-me à análise das charges como parte da proposta
metodológica, denominada metodologia didática diferenciada. Essa consiste em uma
associação da análise de imagens históricas no ensino de história e uma adaptação para o
contexto educacional da semiótica imagética de Peirce, com base nos estudos de Santaella
(1983, 1998, 2015). Além do fundamento teórico, a metodologia didática diferenciada foi
pensada com base em um material didático com conteúdo histórico adaptado construído para
a sala de aula. Esse material é constituído de quatro arquivos, sendo, o “Análise de charges
históricas”, o principal. Este foi pensado de acordo com a análise das três charges realizada
neste capítulo. Como não foi possível abarcar a contextualização histórica dos temas
históricos relacionados às charges, o material didático também conta com texto
historiográfico, intitulado “Contextualização da Primeira República”, que auxiliará na análise
das fontes imagéticas.
Em relação ao produto educacional, um caminho que precisei assumir, mesmo que não
considerasse o mais ideal, foi priorizar um determinado fazer metodológico. Em decorrência
do tempo em sala de aula - nas escolas em que trabalho são três tempos de 50 minutos
semanais - precisei escolher: ou abordaria o máximo de conteúdo sobre o tema, como por
exemplo, a Primeira República; ou priorizaria as ideias gerais, partindo da análise de
documentos. Apesar dos dois processos se complementarem, os professores acabam
priorizando o primeiro, o mais usual. Diante disso, assumi o desafio de explorar a análise de
uma fonte histórica, o que me aproxima mais do fazer histórico proposto pelas teorias do
ensino de História e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018).
Por fim, desejo que a leitura seja agradável e enriquecedora, e que ao final, os
professores de História tenham uma ferramenta que possa auxiliá-los no processo de inclusão
de educandos surdos e, também, na transformação de suas práticas.

6
1 ENSINO DE HISTÓRIA: ENTRE O SABER HISTÓRICO ESCOLAR, O USO DE
IMAGENS EM SALA DE AULA E O ENSINO DE HISTÓRIA PARA EDUCANDOS
SURDOS

1.1 Breve histórico do ensino de História

Como ponto de partida para refletir sobre o ensino de História farei uma breve síntese
da história dessa disciplina que teve seus primórdios na Europa e foi incorporada às escolas
imperiais do Brasil como parte do processo de construção do Estado e da nação brasileira.
Entretanto, passou por modificações importantes no decorrer do século XX até chegar ao
modelo atual.
A História tornou-se matéria ensinável primeiramente na França no início do XIX, no
contexto das transformações revolucionárias empreendidas pela burguesia. Com o transcorrer
do século, o ensino da História, inicialmente reservado a formação das elites, passou a estar
nos princípios burgueses de uma educação pública, leiga e obrigatória.
Foi no processo de constituição dos Estados Nacionais sob a égide da burguesia, afirma
Furet (s.d, p. 135) que a História se tornou “[...] a árvore genealógica das nações europeias e
da civilização de que são portadoras.”. A partir desses dois ideais, constituiu-se como
disciplina escolar importante na formação dos cidadãos franceses. Ou seja, a função da
História apresentava, por um lado, um caráter cívico, pois favoreceria a fundação da unidade
de nação que se vinculava ao discurso da democracia republicana, que por sua vez,
fundamentava-se nos ideais de progresso e liberdade surgidos com a queda do Antigo Regime
e que se tornaram o esplendor maior da história da nação francesa. Por outro lado, a História
também contribuía para fundamentar o ideal civilizacional, que justificava a expansão
colonial da França pelo mundo (BORNE, 1998; MAGALHÃES, 2003; SCHMIDT;
CAINELLI, 2009).
No Brasil, a História se tornou disciplina escolar com objetivos e métodos pedagógicos
específicos na primeira metade do século XIX, com a criação do Imperial Colégio Pedro II,
como parte do processo de consolidação do Estado Nacional. Segundo Bittencourt (2009), o
ensino da História sempre esteve presente nas escolas primárias brasileiras, mas foi a partir da
década de 1870 que ganhou importância como conteúdo vinculador de uma “história
nacional” e instrumento pedagógico para a constituição de uma “identidade nacional”. Apesar
da variação dos programas pelas províncias, o Colégio Pedro II servia de forma geral de
referência ao ensino pátrio no país. Nessa escola, inicialmente, ensinava-se dois tipos de

7
História: uma sagrada, organizada em cronologia própria de acordo com a Bíblia; e uma
história laica, profana e civil, marcada por uma História da civilização norteada pela História
da Europa Ocidental, especialmente, da França. A História do Brasil surgiu como disciplina
autônoma em 1895 com a finalidade de narrar, por um lado, os fatos relevantes para a
nacionalidade, e, por outro lado, os feitos políticos dos grandes personagens. Em suma, a
História como disciplina escolar serviria para “[...] construir a memória da nação como uma
unidade indivisível e fornecer os marcos de referência para se pensar o passado, o presente e o
futuro do país.” (MAGALHÃES, 2003, p. 169). Ou seja, com o ensino da História como
verdade absoluta, buscava-se direcionar o perfil da nação brasileira e a consolidação de uma
identidade nacional2.
No final do século XIX, os republicanos levantaram o debate sobre a necessidade de
reformulação do ensino de História. Inspirados pelo positivismo, denunciavam o ensino que
exaltava a monarquia, pois na visão deles, era o principal obstáculo do progresso nacional
(LAFUENTE, 2014). Mesmo com a mudança para a República não houve mudanças
significativas no ensino da História, porque o seu ensino ainda servia para formar “cidadãos”
para a ordem social e política vigente. Seguindo uma tendência europeia, no período da
Primeira Guerra Mundial, as orientações governamentais procuraram reforçar os sentimentos
patrióticos nos estudantes.
Não obstante, na primeira metade do século XX, tanto na França como no Brasil,
críticas surgiram em relação a esse ideal de História. O período entre guerras na Europa
(1918-1939) colocou em questão a função cívica da História, porque se afirmava que ao
mesmo tempo que ela marcava a fundação das nações, ocasionou a guerra entre elas. Cabe
destacar também, que naquele contexto, no ano de 1929, apareceu na França a revista Annales
d’Historie Économique et Sociale, dirigida pelos historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre,

2
Naquele contexto de consolidação nacional, buscava-se um afastamento da herança cultural ibérica em prol de
uma identidade de “nação” que legitimasse o Estado Nacional. Diante disso, coube ao Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB), criado em 1838, identificar e divulgar os primórdios do Brasil. Apontou-se a
“descoberta” de 1500 como o marco inicial de uma nação branca, europeia e cristã, consolidada no período da
colonização (BITTENCOURT, 2007). Apesar do órgão apresentar um discurso de valorização da miscigenação,
ensinava-se a superioridade branca, sendo o Estado o principal agente histórico (LAFUENTE, 2014). Conforme
destaca Pinsky (2009), o esboço do início da nação brasileira, pelo menos no papel, deu-se com Francisco
Adolfo de Varnhagen no livro História geral do Brasil. Após a Independência do Brasil (1822), a política
imperial buscou a construção do Estado, no entanto, apesar da consolidação desse, até meados do século XIX
ainda não havia a organização de uma nação. Segundo Varnhagen, os primórdios do nacionalismo “brasileiro” se
encontram na luta contra os “invasores holandeses”, evento que gerou a união dos brancos, índios e negros
contra o inimigo. Portanto, a nacionalidade era fruto da colonização portuguesa e dos princípios cristãos
implementados pela ação missionária da Igreja Católica, no entanto, diferentemente da Europa, onde o Estado
foi construído ao lado da “nação”, ou muitas vezes por ela, no Brasil, construiu-se o Estado e depois uma nação.

8
que propunha um novo tipo de produção histórica: a história-problema. Questionava-se assim,
a história acadêmica centrada nos acontecimentos, no político e numa narrativa, cuja ênfase se
dava sobre guerras, ações do Estado e dos chefes políticos. Refutava-se o ensino vinculado a
esse tipo de História, pois reforçava o etnocentrismo e o nacionalismo. Em paralelo, o
processo de descolonização da Ásia e da África, que ganhou força entre as guerras e se
intensificou após 1945, relativizou a ideia de irradiação civilizatória das nações europeias, o
que colocou em xeque o ideal civilizacional da História do século XIX (MAGALHÃES,
2003).
De acordo com Magalhães (2003), diferentes propostas surgiram no decorrer do século
XX para o ensino de História no Brasil. Entre as décadas de 1920 e 1930, o movimento da
Escola Nova, que se dedicou a avaliar a prática pedagógica da disciplina, refutava a ênfase
dada ao passado e afirmava que a História precisava se ocupar com as sociedades
contemporâneas, aproximando-se dos Estudos Sociais que ganhavam expressão nos EUA.
Além disso, contestava o destaque dado a política, e em relação à metodologia, desaprovava a
memorização excessiva. Porém, medidas concretas para a renovação do ensino de História no
país, deram-se a partir de 1934, com o surgimento dos primeiros cursos universitários para a
formação de professores secundários.
Após a Segunda Guerra Mundial ocorreu a consolidação de um “currículo científico”
para as ciências exatas, que também influenciou as ciências humanas. Entre o final da década
de 1950 e o início da década de 1960 houve a abertura do ensino à experimentação e da
História à interdisciplinaridade, além disso, pesquisadores passaram a apontar a importância
de novos métodos para o ensino da disciplina histórica (MAGALHÃES, 2003;
BITTENCOURT, 2009). De acordo com Bittencourt (2009), diversas escolas, entre as quais,
as escolas de aplicação ligadas aos cursos de História das Faculdades de Filosofia, Ciências e
Letras (FFCLs) que desde a década de 1940 debatiam os objetivos e novos métodos para o
ensino de História, apresentavam uma renovação metodológica associada a mudanças de
conteúdo. Entretanto, esses avanços foram interrompidos pelo período da ditadura
civil-militar (1964-1985), pois o Ensino de História desapareceu como disciplina escolar
autônoma, e junto a Geografia, foi incorporada à disciplina Estudos Sociais e complementada
pelas disciplinas de Educação Moral e Cívica (EMC) e Organização Social Política Brasileira
(OSPB). Sob o controle do Estado ditatorial, o ensino do passado passou a ter o objetivo
restrito de formar um espírito cívico de caráter ufanista nos estudantes (MAGALHÃES, 2003;
ALMEIDA, 2017).

9
Na década de 1980, a História ensinada tanto nas Universidades como nas escolas,
tornou-se objeto de debates e inúmeros estudos acadêmicos foram realizados para refletir
sobre as temáticas, abordagens, conteúdos, metodologias e finalidades do seu ensino. No
contexto da redemocratização do país, o Ensino de História reconquistou sua autonomia, foi
reconfigurado e ganhou novas funções. Para Schmidt e Cainelli (2009), pode-se resumir o
ensino da História no Brasil em três fases: o ensino tradicional; o ensino de estudos sociais; e,
por fim, a fase atual, justamente chamada de ensino de História. E conforme Bittencourt
(2009, p. 33)
[...] A História escolar integra o conjunto de disciplinas que foram sendo
constituídas como saberes fundamentais no processo da escolarização brasileira e
passou por mudanças significativas quanto a métodos, conteúdos e finalidades até
chegar à atual configuração nas propostas curriculares.

No fim da década de 1980, as críticas ao modelo Tradicional de ensino de História


ganharam expressão com a condenação de sua metodologia marcada por uma História linear,
mecanicista e narrativa. Apresentava-se um novo modelo que propunha a articulação entre o
saber científico e o escolar e a incorporação dos debates historiográficos mais recentes. Esses
ideais nortearam a instituição dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL,
1998), que apesar de ter caráter orientador e não obrigatório, acabou marcando as ações do
ensino em todo país. Abaixo, tomarei por base a implementação desse documento para refletir
sobre a importância que o ensino de História ganhou no país em relação à cidadania.

1.2 Por que ensinar História?

Nas propostas curriculares estaduais e municipais da década de 1990, destacavam-se


dois objetivos para o ensino de História: formar cidadãos críticos e contribuir na construção
de uma identidade que estaria além da nacional, sendo tais objetivos também expressos nos
PCNs. A ideia de cidadania passou a ser questão central no ensino de crianças e adolescentes
e o ensino de História passou a ocupar lugar singular nessa construção (MAGALHÃES,
2003).
Conforme Magalhães (2003, p. 175, grifo meu), com o retorno da democracia, a
continuidade da História como disciplina escolar autônoma foi defendida nos PCNs por sua
capacidade de “[...] difundir e consolidar identidades no tempo [...]”. Além disso, poderia
formar indivíduos capazes de compreenderem a si mesmos e os outros enquanto participantes
de uma sociedade histórica e de entenderem a responsabilidade de todos para a construção de

10
uma sociedade mais igualitária e democrática. Entre críticas e elogios, os objetivos do ensino
de História dos currículos formulados na década de 1990, com ênfase na formação de
identidades e de cidadãos críticos, articulavam-se a uma tendência de orientação marxista
predominante no período.
Mas que cidadania é proposta nos PCNs? Na análise que fez do documento, o autor
aponta que ao se partir de uma dimensão histórica é possível chegar a um ideal de cidadania
que envolve a garantia dos direitos civis, políticos, sociais, culturais e também humanos, que
são demandas das sociedades modernas e que foram conquistas de diversas lutas sociais.
Sendo assim, pensar historicamente as “relações de poder” que se estabeleceram, as
continuidades e os avanços, são fundamentais para a construção de identidades que se
relacionam nas noções de semelhança/diferença e de entendimento dos múltiplos processos de
pertencimento que envolvem as relações da sala de aula, como reflexo, da sociedade.
Destaca Magalhães (2003) que os PCNs também apontam a importância da democracia
para a cidadania, mas não de forma restrita, limitando-se aos direitos civis e políticos, mas de
forma ampla, isto é, comprometida com transformações nas relações sociais, econômicas,
políticas e até culturais. Enfatiza ainda, que em conjunto com os princípios democráticos, a
educação deve se fundamentar na igualdade de direitos, na participação política, no
respeito aos direitos humanos, na responsabilização coletiva pela vida em sociedade, entre
outros.
No entanto, as reflexões sobre a cidadania apresentam problemas atuais, como, por
exemplo, a ambiguidade entre a ampliação dos direitos de igualdade e o direito à diferença.
Seria assim, os PCNs em relação à cidadania, contraditório? Para o autor, não. As duas
perspectivas de cidadania apontadas no documento não são incompatíveis. Com base nos
PCNs, portanto, pode-se afirmar que a escola, por um lado, é lugar de aprendizagem das
regras do convívio democrático que garantem a igualdade em relação à cidadania; e por outro
lado, lugar de vivenciar a diversidade como um direito (MAGALHÃES, 2003).
Entretanto, cabe realçar que historicamente, como qualquer campo do conhecimento, o
ensino de História foi marcado por disputas. Nas reformas educacionais realizadas para o
ensino da disciplina no século XX, diferentes sujeitos desejavam que seus ideais fossem
dominantes. É notório que nessas mudanças, grupos ligados ao governo, setores da elite,
pesquisadores, professores e outros, uns com mais força e outros com menos, disputavam o
que deveria ser ensinado através da História escolar. Atualmente, certos grupos têm usado as
redes sociais para propagar acusações de que professores de História são “doutrinadores
ideológicos” (FONTES; ROCHA, 2019), como se houvesse neutralidade em qualquer

11
posição. Pode-se deduzir que atrás desse posicionamento conservador, na verdade, existem
diversos grupos que não querem perder sua hegemonia ideológica, já que sabem da
capacidade transformadora do ensino da História. Diferentemente do que pensam esses
grupos conservadores, a tendência marxista sofreu após a década de 1990 diversas críticas de
professores e historiadores. Além disso, é necessário relativizar a supremacia desse modelo de
ensino entre os professores que ensinam História no Brasil.
Uma nova mudança no ensino de História tem se apresentado com a promulgação da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018). Por ser um documento oficial
recente, ainda não há pesquisas que avaliem o impacto das alterações no ensino de História,
mas é possível apontar que o documento reforça a importância de uma disciplina escolar que
tome por base a análise de fontes históricas.
A BNCC (BRASIL, 2018, p. 7), que se apresenta como um documento normativo que
se propõe a definir “[...] o conjunto orgânico e progressivo de aprendizados essenciais que
todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica,
de modo que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento [...]”. Ao
indicar os conteúdos básicos e comuns a serem ensinados e as dez competências a serem
desenvolvidas pelos educandos, delimita o que se deve ensinar nas aulas de História em todo
o país. Apesar de ser um documento que o governo diz ser fruto de uma ampla discussão
democrática, muitos professores criticam o processo de sua construção por dois motivos:
primeiro, não permitiu a participação de um maior número de professores de História, apesar
de algumas fases serem feitas pela internet. Segundo, na versão final prevaleceram as
opiniões, objetivos e conteúdos decididos pela esfera governamental (BARBOSA;
LASTÓRIA; CARNIEL, 2019).
Em relação ao ensino de História na BNCC, ao mesmo tempo que o documento
apresenta uma supervalorização dos conteúdos históricos e da cronologia, reitera a
importância do fazer historiográfico ao destacar três procedimentos básicos3 para o ensino de
História nos anos finais do Ensino Fundamental. Em decorrência do espaço, foco no segundo
procedimento, que diz respeito ao trabalho com documentos em sala de aula.
Segundo o texto da BNCC, um objeto se torna documento a partir do momento que um
sujeito o interroga a fim de compreender a sociedade que o produziu. Como esse documento
se constitui o meio através do qual o historiador produz o conhecimento histórico, já que é
3
Em síntese, são estes: identificação de eventos importantes da história do Ocidente (África, Europa, América e
Brasil), ordenando-os cronologicamente e localizando-os geograficamente; análise de documentos; e por fim,
debate de diferentes visões sobre um evento, análise dos argumentos e construção do seu pensamento (BRASIL,
2018).

12
portador de sentidos, mediados entre o visível e o invisível, permite-se assim, que sejam
produzidas questões que favoreçam o entendimento da sociedade que o produziu. Diante
disso, ressalta-se a necessidade de a análise de uma fonte ser princípio básico nas aulas de
História.
Ao professor, cabe auxiliar o educando nos processos de identificação, interpretação,
análise e contextualização de um registro histórico. O desenvolvimento das capacidades de
análise deve acontecer através de procedimentos básicos para o estudo de uma fonte, a saber:
identificação do objeto; compreender os sentidos e usos do objeto na sociedade produtora; e,
quais outros significados e utilidades que a fonte ganhou ao longo do tempo (BRASIL, 2018).
Sobre os problemas e méritos da BNCC cabe o que Schmidt e Cainelli (2009, p. 20)
apontam sobre a sala de aula:
[...] ensinar história não significaria não ter conteúdos para serem ensinados, mas
olhar para esses conteúdos a partir da possibilidade de construir com os alunos
novas questões diante de conteúdos/temas postos pela historiografia. Aprender
história é discutir evidências, levantar hipóteses, dialogar com sujeitos, os tempos e
os espaços históricos. É olhar para o outro em tempos e espaços diversos [...].

Como o próprio texto da BNCC afirma, a sua função se relaciona aos aprendizados que
os educandos devem desenvolver no período dos seus estudos. Reforça o que é destacado por
Bezerra (2016) de que os conteúdos curriculares não são fim em si mesmos, e sim meios
básicos para o desenvolvimento de competências cognitivas e sociais. Sendo assim, as
funções do ensino de História apontadas anteriormente e presentes nos PCNs, permanecem.
Contudo, além dos marcos legais, o que os estudos atuais apontam sobre ensinar História na
escola no mundo contemporâneo?
De acordo com Albuquerque Jr. (2016, p. 25), o ensino de História pensado para a
formação cidadã está além de ensinar fatos, datas, personagens ou falar do passado.
Ultrapassa também o ideal de “[...] formação de um espírito cívico.”. É, na verdade, vincular
“[...] a experimentação dos tempos em suas diferenças, em suas continuidades, em seus
deslocamentos.”. A história não mais é para ensinar amor à pátria e aos seus heróis, apesar de
ainda termos de tratar o compromisso de cada um com o país; e nem é para formar quadros
para uma revolução, embora devamos preparar os alunos para conviverem “[...] com o
diferente, com o distante, com o estranho, com a alteridade, com a descontinuidade, com a
mudança.”.
Ainda, segundo o autor, o professor deve ser um educador, assumindo a ideia de que
educar (do latim educare, educere) é “conduzir ou direcionar para fora” (ALBUQUERQUE
JR., 2016, p. 25), no sentido de levar para o mundo, que, por um lado, seria fazer alguém

13
ultrapassar o seu estado atual, e por outro, ajudá-lo a externalizar as suas potencialidades ou
virtudes “[...] que traz inscritas como possibilidade em seu ser” (BUENO apud
ALBUQUERQUE JR., 2016, p. 25). Diante disso, o ensino de História tem a capacidade de
fazer o aluno experimentar outro tempo através da narrativa histórica, que a princípio causa
estranheza, no entanto, deixa de ser estranho ao se estabelecer as relações com o presente.
Apresenta-se assim, como atividade lúdica, já que possibilita a experimentação de outros
lugares, cenários e personagens. É nesse contexto, que sentir o conhecimento histórico, pode
não parecer algo estranho: dá-se a “formação das almas”, não no sentido consagrado de
“nação”, todavia de encontro com o “outro semelhante a si”. É o momento da formação da
cidadania, não se limitando a ideia de ser parte “de algo” (a nação ou ser brasileiro), mas sim,
estar fazendo parte com os outros de algo em constante mudança (ALBUQUERQUE JR.,
2016).
Diante do exposto acima, Albuquerque Jr. (2016, p. 26) afirma que a finalidade do
ensino de História “[...] é a formação de valores, é a produção de subjetividades, é a
construção de sujeitos capazes de conviver com a diversidade e a diferença, com o que não é
familiar.”. Porém, assevera o autor, que se o educando não for deslocado do seu lugar ou
distanciado das suas certezas, o trabalho do professor de História é esvaziado em seu valor.
Por isso, o deslocamento dos alunos no tempo deve causar transformações que levem a crises
das suas ideologias, crenças ou estruturas fundamentadas no tempo presente.
Estariam, portanto, as escolas cumprindo o seu papel? Ainda consoante o autor, a escola
moderna associada a sociedade disciplinar e burguesa, e que se tornou lugar de adestramento
de corpos e mentes de determinados valores em sua maior parte mediadas pelo Estado e pelo
mercado, não é capaz. Sendo assim, fazer da escola espaços de liberdade que podem favorecer
a construção de uma cidadania plena é o grande desafio dos que vivenciam a escola. Como
um dos sujeitos do processo, o professor de História deve fazer de suas aulas um exercício de
liberdade através do pensar, fazer e escrever, que possibilite então, o afastamento das
verdades e discursos hegemônicos (ALBUQUERQUE JR., 2016). Diante do que é exposto
pelo autor, compreende-se que as críticas4 atuais direcionadas aos professores de História,
fruto de uma sociedade polarizada e com grupos diversos que se denominam conservadores,
revelam o potencial transformador das aulas de História.

4
Representantes do movimento político “Escola sem Partido”, que teve ascensão no ano de 2014 e que se diz
representar responsáveis e educandos contra a “doutrinação ideológica”, têm levantado em redes sociais
recorrentes denúncias contra professores, especialmente, de História, acusando-os de doutrinadores (FONTES;
ROCHA, 2019).

14
Além disso, pondera o autor que é necessário debater nas aulas como foram/são
construídas as verdades (ou mentiras) e também fazer das aulas um momento de
“desnaturalização” dos conceitos, ao mesmo tempo em que problematiza o passado no
presente. E por que isso? Porque assim, entre outras coisas, além de deslocar os alunos das
suas vivências e colocá-los em contato com o diferente, eles são marcados e afetados em suas
subjetividades pelas escolhas feitas pelo professor (conteúdos, conceitos, temas e outros)
(ALBUQUERQUE JR., 2016). E são nesses momentos que a construção da cidadania como
lugar de igualdade e da diversidade, materializam-se.
Ao escreverem sobre a noção de tempo, Nadai e Bittencourt (2009, p. 96) afirmam que
a História a nível teórico é “[...] a disciplina encarregada de situar o aluno diante das
permanências e rupturas das sociedades e da sua atuação enquanto agente histórico.”, sendo
assim, não podemos ensinar História sem vincular com a vida do educando, já que precisamos
conduzi-lo ao caminho de uma “ampliação de sua visão de mundo” (OLIVEIRA;
SACRAMENTO, 2013, p. 275).
Por mais que não possa parecer, é um grande desafio ensinar História, afinal, conforme
destacam Jaime Pinsky e Carla Pinsky (2016, p. 21):
[...] Cada estudante precisa se perceber, de fato, como sujeito histórico, e isso só se
consegue quando ele se dá conta dos esforços que nossos antepassados fizeram para
chegarmos ao estágio civilizatório no qual nos encontramos. Para o mal, mas
também para o bem, afinal de contas. Humanizar o homem é percebê-lo em sua
organização social de produção, mas também no conteúdo específico dessa
produção. E, para o momento específico em que vivemos, no começo do século
XXI, isso é particularmente importante.

Para os autores, o professor de História cumpre o papel de estabelecer uma articulação


entre o patrimônio cultural da humanidade e o universo cultural do educando. Por isso, é
imprescindível que conheça da melhor forma os dois elementos. Dominar as bases
formadoras de nossa cultura, como, por exemplo, o processo histórico das civilizações, a
escravidão no Brasil, o desenvolvimento do capitalismo, as condições de vida dos povos no
passado, as diferentes formas de cultura e Arte, entre outros, é fundamental. Entretanto, se o
professor desconhecer o universo sociocultural dos seus alunos, o ensino pode não ser efetivo.
É, portanto, a partir desses dois universos culturais que o professor realiza sua prática,
tornando alcançável aos educandos o conhecimento histórico através de linguagem acessível.
Conforme abordarei abaixo, isso é indispensável para o ensino de educandos surdos.
Todavia, consoante a Schmidt e Cainelli (2009), o modelo de ensino de História que
trata a sala de aula como lugar de construção de significados e de sentidos a partir da
interação entre professores, educandos e conhecimento histórico, e não apenas como lugar de

15
transmissão de informação, ainda não é a forma dominante nas aulas de História no Brasil.
Isso porque os aspectos metodológicos do ensino Tradicional ainda predominam nas salas de
aula. Segundo as próprias autoras, elas não se referem ao discurso de rompimento total com o
tradicional, considerado obsoleto e que não apresenta nada de bom para o fazer pedagógico, e
sim a prática educacional que se limita exclusivamente a transmissão de conteúdos históricos.
O que elas questionam não é o estilo positivista de uma ciência preocupada com o
ensino voltado para a genealogia da nação e com foco nos heróis e fatos políticos, pois já é
algo ultrapassado. Mas sim, a permanência do ensino de uma História linear, quase que
exclusivamente marcada por uma narrativa de fatos políticos e com predomínio de atividades,
como: questionário, preenchimento de lacunas ou cópia do livro didático, que priorizam as
informações e não a construção histórica dos mesmos. Além disso, seria um equívoco ignorar
o fato de que há uma preocupação dos professores de História pela participação dos
educandos nas aulas, fugindo assim, daquele ideal de que o professor é o detentor do saber e o
educando uma tábula rasa (FREIRE, 2016).
Para Schmidt e Cainelli (2009, p. 34), na verdade, o professor de História
[...] é o responsável por ensinar ao aluno como captar e valorizar a diversidade das
fontes e dos pontos de vista históricos, levando-o a reconstruir, por adução, o
percurso da narrativa histórica. Ao professor cabe ensinar ao aluno como levantar
problemas, procurando transformar, em cada aula de história, temas e problemáticas
em narrativas históricas.

Tomando por base o que é exposto pelas autoras, o professor conseguirá superar os
aspectos do ensino tradicional que imobilizam a construção de narrativas históricas
significativas ao repensar o fazer histórico da sala de aula5.
Cabe frisar ainda que não é possível ensinar História pela neutralidade, pois os
compromissos políticos estão presentes na dinâmica que o professor assume em sala de aula,
no entanto, é necessário destacar que isso não tem relação com a posição político-partidária
assumida pelo docente, mas sim, a de que não é possível assumir uma postura de isenção
diante de temas como a escravidão ou a violência em uma ditadura. Segundo Miceli (2009),
os professores devem comprometer-se com uma “estética de mundo”, ou seja, quando se
abordam temas como guerras, massacres, genocídios e migrações forçadas, não se pode
fazê-los desprovidos de senso crítico. Além disso, assumir o compromisso com os alunos
surdos também se vincula ao engajamento político que cada professor deve ter.

5
Em turmas com alunos surdos, esse procedimento passa pelo uso e tratamento de imagens como fontes
históricas, conforme será apresentado abaixo.

16
Por fim, voltemos à questão inicial: por que ensinar História hoje? Primeiro, como
assevera Alves (2012), não a ensinamos para o acúmulo de informações, já que essas estão
nos livros e tem se multiplicado na internet. E também não a ensinamos apenas para marcar a
diferença temporal entre passado, presente e futuro. O ensino de História é fundamental para
os educandos reconhecerem a si próprios e os outros através do estudo do passado, ao mesmo
tempo que ocorre a construção da cidadania em cada sujeito, enquanto, iguais e diferentes.
A seguir, irei ponderar sobre uma das especificidades da prática docente ao ensinar
História: o conhecimento histórico escolar.

1.3 O saber histórico escolar

Quando o professor em sala de aula ensina História, o que na verdade ele faz? De
acordo com Mattos (2006, p. 11), assim como o historiador-pesquisador, o professor de
História também faz História, porque
[...] por meio de uma aula, também se conta uma história; que, ao se contar uma
história por meio de aula, também se faz história; e que somente ao se fazer história
por meio de uma aula nos tornamos professores de história. Por lermos de um modo
singular uma preposição, podemos afirmar que também somos autores. Mas o
fazemos não para afirmar uma semelhança, e sim para sublinhar a diferença que nos
identifica.

Fica evidente que o autor tem a preocupação de realçar o protagonismo dos professores
de História na prática historiográfica. Para ele, a condição de leitor do professor torna-o
também, consequentemente, um autor. Isto porque, o ato de ler a produção historiográfica,
marcada por suas diversas referências teóricas e metodológicas e por suas múltiplas
dimensões, fazem surgir novos problemas, novas abordagens e novos objetos, que se tornarão
a base para a produção de um texto para a aula, cuja seleção reflete a relação entre teoria
historiográfica e prática docente.
Para Mattos (2006), ao se estabelecer a relação real entre professor e educandos, a
seleção feita pelo docente faz surgir a “Aula como texto”, que jamais será a mera reprodução
do texto lido. Essa prática revela a especificidade do professor de História como um novo
autor. Mas o processo não se encerra assim. O aluno também tem papel de destaque, pois a
aula foi pensada para que seja lida por ele. Isso revela que a aula de História é criação ao
mesmo tempo, individual e coletiva, e que está em constante renovação resultante de novas
leituras, novos estudantes, reformulações curriculares, transformações no mundo, entre outras
mudanças.

17
Ao afirmar que as aulas, momento em que os alunos vivenciam a relação de
ensino-aprendizagem, também se constituem lugar de fazer História, o autor reitera se tratar
de “[...] uma prática que se renova a cada dia, a aula como texto ou o texto de nossa aula
propicia que cada um dos alunos valorize as diferenças, constitua identidades, crie memórias
e exercite a cidadania. E, assim, torne-se capaz de fazer sua própria história.” (MATTOS,
2006, p. 15).
O argumento do autor me leva às reflexões sobre o ensino de História feitas por
Monteiro (2007, 2010). Conforme a autora, o conhecimento acadêmico ao ser adequado para
o ensino passa por um procedimento denominado de transposição didática6. Não se trata de
um processo que simplesmente transpõe o conhecimento teórico para o escolar, mas sim, o faz
através do respeito às especificidades das escolas e dos educandos. Sobre o ensino de
História, a autora corrobora com Mattos (2006) ao afirmar que a História ensinada em sala de
aula se legitima no saber acadêmico, pois esse fundamenta o saber histórico, todavia não se
encerra nele. Existe uma dimensão axiológica que se manifesta na seleção cultural dos
conteúdos que serão ensinados e na forma como esses serão ministrados pelo professor.
Em sua pesquisa, Monteiro (2007) aponta que o professor produz um conhecimento
próprio da cultura escolar tomando como base os saberes construídos em sua formação
acadêmica e em sua experiência profissional, que a autora denomina: saber histórico escolar.
A forma como esses saberes serão apresentados também são elaborações próprias do docente
e as explicações que se configuram através de narrativas históricas, são versões de diferentes
perspectivas, que resultam das suas escolhas do que é importante ensinar. Por não seguir um
modelo predefinido, a História escolar é reinventada em cada aula e os sentidos construídos
são oriundos da relação entre os sujeitos do processo. Sendo assim, na prática pedagógica os
saberes são produzidos na articulação entre os saberes da disciplina histórica, com os que são
mobilizados e dominados pelos professores e alunos e com os que circulam na escola e na
sociedade (MONTEIRO, 2010).
A partir do argumento anterior, a autora afirma que existe um “lugar de fronteira” onde
ocorre o diálogo entre os saberes históricos e os saberes da educação, mantendo-se as
especificidades de cada saber. Nessa relação, as questões pertinentes à produção de
conhecimento histórico não podem ser ignoradas no ensino, já que dão referências para evitar
a reprodução do senso comum. Os modelos explicativos, o tratamento das fontes, a operação
historiográfica, a construção dos fatos, entre outros, são inerentes ao ofício de historiador, já

6
Monteiro (2007) utiliza no seu texto a noção definida por Chevallard, cuja pesquisa foi sobre o ensino da
Matemática.

18
que a produção do saber histórico necessita do rigor teórico e metodológico, sendo, por isso,
avaliado pelos seus pares. Em relação ao ensino, esse processo historiográfico serve para que
os professores não apenas compreendam a diferença entre história vivida e a historiografia ou
que usem o conhecimento produzido pelos historiadores para atribuir sentidos e explicar fatos
e processos que emergem como questões do tempo presente, mas também, pensar e
desenvolver atividades que auxiliem os alunos na compreensão dessas diferenças.
Diante disso, ao compreender que “[...] as sociedades humanas foram e são construídas
pela ação humana, e que são historicamente produzidas [...]” (MONTEIRO, 2010, p. 488), os
professores poderão desenvolver uma “[...] visão crítica sobre a relação história e memória, e
as repercussões de sua presença no ensino de história ao referenciar a produção de identidade
e sentimentos de pertencimento.” (MONTEIRO, 2010, p. 489).
Portanto, Monteiro (2007) não entende o saber histórico do professor apenas como um
reflexo do saber produzido/aprendido na universidade. Ela busca compreender a mobilização
dos saberes produzidos pelos sujeitos/autores quando recriam e reelaboram os conhecimentos
históricos que foram selecionados do conhecimento universal, e que, tornam-se ensináveis, já
que a escola é um espaço estratégico de sua reprodução. Ou seja, esse procedimento não
ocorre por uma tradução literal dos conhecimentos históricos academicamente produzidos e
pela manutenção da estrutura e da racionalidade do ofício historiográfico, mas sim, por uma
produção/reelaboração desses saberes.
Apesar dos estudos recentes que comprovam a ideia acima, para a autora ainda
permanece o entendimento de que só domínio dos conteúdos é suficiente para saber
ensiná-los. E ela discorda disso, já que algumas questões da problematização histórica7 são
capazes de mostrar não seguir a mesma racionalidade. Contudo, ela defende que a teoria da
História “[...] é componente estruturante da Didática da História no processo de produção de
configurações cognitivas próprias da cultura escolar [...]” (MONTEIRO, 2010, p. 489), e
neste ambiente, pela sua originalidade (finalidade, valores e sujeitos), a própria teoria é
reconfigurada.
Todavia, como apontado acima, ensino não se limita ao saber do professor. Para
Monteiro (2010, p. 493), além do docente dominar os conteúdos a serem ensinados, os
processos historiográficos e os processos de reelaboração didática, esse também precisa levar
em consideração a aprendizagem dos educandos. Assim sendo, a autora considera necessário

7
Entre as questões, pode-se citar: por que estes e não outros saberes? Quem os selecionou? Que sentidos estão
sendo atribuídos ao que é transmitido?

19
que na aprendizagem se leve em conta a atribuição de sentidos que os alunos dão tanto aos
temas como aos processos. Segundo a autora é
“[...] preciso aprender a se comunicar, a negociar distâncias entre si e seus alunos, o
que envolve processos culturais de relativa complexidade. Ao que já foi rotulado de
‘partir da realidade do aluno’, na verdade, é a tentativa do diálogo e mediação
didática que envolve referências culturais diversas entre docentes e alunos e entre
estes na diversidade cultural que expressa diferenças.”.

Diante do que é exposto pela autora, pode-se afirmar que se na relação estabelecida
entre docente e educandos ouvintes há a manifestação de processos culturais complexos, no
contato entre professor ouvinte e aluno surdo esse processo complexo se intensifica. Porém,
quando o professor conhece a especificidade do surdo e articula os seus saberes através de
uma metodologia que atenda a sua diferença, a aprendizagem se abre para construção do
pensamento histórico na sala de aula.
Por fim, afirma a autora que a narrativa tem um papel fundamental na articulação entre
os saberes ensinados e a relação professor-aluno. Ela não se refere a uma narrativa produtora
de ficção ou que limita o conhecimento a memorização, e sim como uma dimensão
estruturante no ensino de História que possibilita a recontextualização dos problemas em
diálogo com a diversidade cultural dos educandos, tornando assim, os estudos das
experiências humanas compreensíveis (MONTEIRO, 2010).
As ideias apresentadas acima são de fundamental importância para a pesquisa, pois
numa sala inclusiva o professor de História trabalha a transposição didática para grupos
distintos, entre os quais, os surdos. Não se trata apenas de ensinar os conteúdos históricos
respeitando as questões linguísticas. É preciso ir além, o que passa necessariamente por
metodologias adequadas que oportunizarão a construção do saber histórico escolar.
Após essas reflexões, passarei a pensar o uso de imagens nas aulas de História e farei
através da articulação entre as teorias historiográficas para o tratamento dessas como fonte
histórica e as teorias e metodologias educacionais para o seu uso como instrumento
pedagógico.

1.4 Ensino de História através de imagens históricas

Nos últimos anos têm-se proliferado a produção de “imagens tecnológicas” como


recurso didático direto para o ensino de História. Além disso, produções imagéticas de
diferentes naturezas, como os filmes de ficção, com o passar do tempo foram transformados
em recursos pedagógicos para a sala de aula. O uso iconográfico no ensino de História ganhou

20
destaque a partir da segunda metade do século XX, quando as editoras de livros didáticos
intensificaram o uso de gravuras e ilustrações como recurso complementar ao texto. No
contexto acadêmico, a imagem ganhou importância nos estudos historiográficos, em especial
para os pesquisadores da História Cultural (BITTENCOURT, 2009).
No contexto escolar é comum o professor de História fazer uso de imagens em suas
aulas, até porque o recurso imagético é um potencializador para aprendizagem dos alunos.
Contudo, independentemente do tipo de imagem, um problema central que tem se apresentado
aos professores é o tratamento metodológico exigido por esse acervo iconográfico. Souza
(2018) assevera que é essencial o tratamento da imagem como documento histórico em sala
de aula e não como mera ilustração. Outro problema destacado por Bittencourt (2009) é que a
imagem tem sido restringida a um recurso de sedução de adolescentes e jovens acostumados
com a superabundância de imagens. Logo seu potencial de ensino é esvaziado.
Na sala de aula com educandos surdos, o trabalho com imagens se torna ainda mais
necessário. Isso porque, diante dos estudos da chamada Pedagogia Visual, é através do olhar,
em decorrência da especificidade da Libras, que o surdo constrói a sua relação com o mundo.
Todavia, não basta a inclusão de imagens nas aulas, é preciso associar as metodologias do
ensino de História com a da Educação de surdos para um método adequado. Diante disso, as
imagens no ensino de História para surdos podem assumir um duplo papel: ao mesmo tempo
que são tratadas como documento histórico, elas se apresentam como ferramenta essencial na
aplicação das possibilidades de ensino para esses educandos.
Ao se propor o uso da imagem como fonte histórica em sala de aula, é necessário buscar
na História da Historiografia o processo que garantiu a esse objeto o status de documento
histórico. Até o início do século XX, quando os já citados historiadores Lucien Febvre e Marc
Bloch propuseram mudanças no campo historiográfico, os estudos da História privilegiavam o
uso das fontes ditas “objetivas” limitadas aos documentos escritos oficiais. O resultado era o
domínio na produção historiográfica, e consequentemente, no ensino da disciplina, da História
política factual (MAGALHÃES, 2003).
Entretanto, a imagem só ganhou o status de documento válido para a pesquisa em
História com a Nova História, corrente historiográfica da terceira geração dos Annales8, que
possibilitou a ampliação das fontes para o fazer histórico ao colocar a interdisciplinaridade

8
O movimento historiográfico dos Annales teve início com os historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre, que
através da revista Annales d’Historie Économique et Sociale colocaram em xeque os pressupostos do fazer
historiográfico dominante até o início do século XX. É dividida em três fases: a primeira, de 1920 a 1945, cuja
liderança coube aos historiadores já citados. A segunda, entre 1945 e o final da década de 1960, é marcada pelos
estudos de Fernando Braudel. A terceira fase, iniciada após 1968, é um período de fragmentação dos estudos
históricos e revisão dos pressupostos construídos nas fases anteriores (BURKE).

21
como centro de sua proposta de análise. Esse movimento gerou mudanças epistemológicas,
nas técnicas e nos métodos historiográficos. Com isso, o aprofundamento da parceria entre
História e outras disciplinas, como a Sociologia, a Antropologia, a Filosofia, a Semiótica etc.,
resultou na maior diversidade de objetos e fontes historiográficas. Isso permitiu que a imagem
passasse a ser pensada como artefato cultural no campo da História Cultural, que
paulatinamente ganhou o espaço antes destinado a História Econômica e Social (CECATTO;
FERNANDES, 2012).
A corrente historiográfica dos Annales buscou o rompimento com a história política e
factual em prol de uma história total. E o aprofundamento dos novos estudos, trouxe outras
mudanças, tais quais:
[...] a reformulação do campo histórico também no que diz respeito ao entendimento
dos tempos e sua duração, aos aspectos culturais, subjetivos e fantasiosos, além das
perspectivas advindas de diferentes posições sociais dos indivíduos. Abordagens que
propiciaram a inclusão de temas e perspectivas antes pouco valorizadas, como a
história do ponto de vista das minorias e o destaque a sujeitos e grupos históricos
geralmente ausentes do discurso tradicional. (ALMEIDA, 2017, p. 31).

Nesse movimento amplo da História Nova, as fontes para o fazer histórico passaram a
ser de diferentes tipologias, entre as quais: fontes materiais (roupas, objetos, construções e
outros); fontes orais (lendas, entrevistas etc.); fonte visuais (pinturas, fotografias, filmes e
outros); entre outros. Nesse cenário, a objetividade e a ideia de verdade irrefutável dos
documentos foram rejeitadas a favor do tratamento dos mesmos como discursos de um
determinado tempo e lugar. Sendo, portanto, fundamental, por um lado, a exploração dos
argumentos, dos pontos de vista, das intenções e de onde falam os seus autores, e, por outro
lado, do contexto histórico de produção (PESAVENTO, 2012; ALMEIDA, 2017).
Essas mudanças na Historiografia impulsionaram as que se efetivaram no Ensino de
História. O documento histórico ganhou espaço no fazer pedagógico já que representa o
vestígio do passado em sala de aula enquanto fragmento da memória de certo tempo
(ALMEIDA, 2017). Entender o fazer historiográfico, mesmo que minimamente, possibilita o
contato dos educandos com os discursos e as representações construídas em determinado
período histórico.
Segundo Cecatto e Fernandes (2012), a imagem como objeto da pesquisa histórica
passou a ser analisada pelos historiadores da História Cultural a partir do conceito de
representação e incorporados das Ciências Sociais pelos historiadores com o propósito de
desvendar sua criação, consumo e até apropriação. Para Chartier (2002, p. 16-17) a análise a
partir da História Cultural “[...] tem por principal objecto identificar o modo como em
diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada e dada

22
a ler [...]”. E a representação seria, portanto, o relacionamento de uma imagem presente e de
um objeto ausente, ou seja, é a possibilidade de ver alguma coisa ausente9. De maneira geral,
segundo Cecatto e Fernandes (2012) a representação é a ferramenta que possibilita identificar
como os indivíduos atribuíam sentido a realidade através das representações construídas sobre
as suas próprias experiências. Dito isto, para Pesavento (2012, p. 42) cabe a História Cultural
[...] decifrar a realidade do passado por meio das suas representações, tentando
chegar àquelas formas, discursivas e imagéticas, pelas quais os homens expressaram
a si próprios e o mundo. Torna-se claro que este é um processo complexo, pois o
historiador vai tentar a leitura dos códigos de um outro tempo, que podem se
mostrar, por vezes, incompreensíveis para ele, dados os filtros que o passado
interpõe. Este seria, contudo, o grande desafio para a História Cultural, que implica
chegar até um reduto de sensibilidades e de investimento de construção do real que
não são os seus do presente. A rigor, o historiador lida com uma temporalidade
escoada, com o não visto, o não vivido, que só se torna possível acessar através de
registros e sinais do passado que chegam até ele.

Porém, a autora também assevera que


[...] Estamos, pois, diante de representações do passado que se constroem como
fontes através do olhar do historiador. Mas não esqueçamos que o historiador da
cultura visa, por sua vez, a reconstruir com as fontes as representações da vida
elaboradas pelos homens do passado. Fonte como representação do passado, meio
para o historiador chegar às representações construídas no passado. [...]
Isso fará da História também uma narrativa de representação do passado, que
formula versões – compreensíveis, plausíveis, verossímeis – sobre experiências que
se passam por fora do vivido. A História Cultural se torna, assim, uma representação
que resgata representações, que se incumbe de construir uma representação sobre o
já representado. (PESAVENTO, 2012, p. 42-43)

Mas há outro conceito importante para a análise da realidade através da imagem:


imaginário. Trata-se do sistema de ideias coletivas construídas pelos homens, em diferentes
épocas, para dar significância as suas vivências. Com esse conceito, busca-se a tradução das
experiências do vivido e do não vivido, isto é, do desejado, do desconhecido, do temido, do
intuído. Em síntese,
O real é sempre o referente da construção imaginária do mundo, mas não é o seu
reflexo ou cópia. O imaginário é composto de um fio terra, que remete às coisas,
prosaicas ou não, do cotidiano da vida dos homens, mas comporta também utopias e
elaborações mentais que figuram ou pensam sobre coisas que, concretamente, não
existem. Há um lado do imaginário que se reporta à vida, mas outro que se remete
ao sonho, e ambos os lados são construtores do que chamamos de real.
(PESAVENTO, 2012, p. 47, grifo da autora).

Conforme Cecatto e Fernandes (2012), enquanto o mundo é construído socialmente


pelo pensamento, quer dizer, pelo imaginário, a sua transformação dá-se pelo ato de

9
Segundo Pesavento (2012, p. 40) “A representação é conceito ambíguo, pois na relação que se estabelece entre
ausência e presença, a correspondência não é da ordem do mimético ou da transparência. A representação não é
uma cópia do real, sua imagem perfeita, espécie de reflexo, mas uma construção feita a partir dele.”.

23
representar. Portanto, para tratar uma imagem em sala de aula além da mera ilustração é
preciso desvendar os códigos próprios dessa linguagem, por isso, o conceito de representação
e imaginário10 ganham papel fundamental, pois é um caminho viável para o professor ensinar
os educandos na busca do que não está dito e que necessita ser decifrado. Logo, essa análise
possibilita que se conheça as maneiras de ver e pensar de uma sociedade em determinado
período histórico.
Todavia, ler uma imagem requer, em especial no mundo contemporâneo, o domínio de
determinados processos de leitura que passa pela percepção e interpretação das imagens. Para
Knauss (2006) há diferentes modos de ver uma imagem, pois o olhar é múltiplo. Em
decorrência das características intrínsecas às imagens é imprescindível que o analisador
conheça essas características e que o seu olhar seja preparado para vê-las e analisá-las. Diante
disso, Mauad (1996, p. 81) pondera a necessidade de uma “educação do olhar”, porque “[...] é
a competência de quem olha que fornece o significado à imagem [...]”. Como as imagens
educam e possibilitam a produção de conhecimento as pessoas precisam ser críticas em
relação às mensagens recebidas, embora para isso seja impreterível conhecerem os códigos
especiais, espécies de ícones ou signos presentes nelas, que remetem a uma lógica de
significados para uma dada época (PESAVENTO, 2012).
Essa compreensão é possível através da semiótica, mais especificamente, da semiótica
imagética. De acordo com Mauad (2016, p. 35) “A busca de uma disciplina que
instrumentalizasse as possibilidades de interpretar historicamente aspectos da imaginação
social e do imaginário, como se fossem mensagens, encontrou na semiótica um ponto de
sustentação [...]”. As contribuições dessa teoria11 para o ensino da História e para esta
pesquisa se deve ao fato de que
Os estudos visuais, seguindo a inspiração dos estudos culturais, defendem que os
sentidos não estão investidos em objetos. Ao contrário, o conceito de cultura visual
sustenta o pressuposto de que os significados estão investidos nas relações humanas.
É nesse sentido que a cultura é definida como produção social e, por isso, o olhar
pode ser definido como construção cultural. Nesse sentido, as definições materiais e
tipológicas devem ser concebidas como elementos do processo de significação. O
objeto individual é integrado numa ampla rede de associações e de valores que
integram as competências visuais. (KNAUSS, 2006, p. 114).

10
Segundo Silva e Silva (2009, p. 212, 213), o imaginário é parte da realidade, do cotidiano, logo não é
independente. “Na verdade, ele diz respeito diretamente às formas de viver e de pensar de uma sociedade. As
imagens que o constituem não são iconográficas, ou seja, não são fotos, filmes, imagens concretas, mas sim
figuras de memória, imagens mentais que representam as coisas que temos em nosso cotidiano”. Ainda para as
autoras o “conceito de representação, por sua vez, está em íntima conexão com o de imaginário e diz respeito à
forma pela qual um indivíduo ou um grupo vê determinada imagem, determinado elemento de sua cultura ou
sociedade”.
11
A semiótica imagética será aprofundada no próximo capítulo.

24
A semiótica oferece os mecanismos para o desenvolvimento de uma análise que revele a
produção de sentidos de uma sociedade como um todo, escapando assim, da fragmentação
comum que a prática científica proporciona. Sendo assim,
No interior de uma tendência geral à interdisciplinaridade, a aceitação de uma
abordagem semiótica por parte do historiador tenderia a ampliar sua capacidade
crítica e explicativa dos fenômenos sociais do passado. Por meio da interpretação de
mensagens veiculadas nas diversas formas de expressão social, penetrava-se no
universo de representações, podendo assim avaliar e desvendar influências,
inter-relações e os mecanismos de dominação entre os diversos grupos sociais.
(MAUAD, 2016, p. 35)

De acordo com Pesavento (2012, p. 87), “A imagem possui uma função epistêmica, de
dar a conhecer algo, uma função simbólica, de dar acesso a um significado, e uma estética, de
produzir sensações e emoções no espectador [...]”. Todavia, ao ser lida e interrogada por
historiador ou por um professor de História ela se torna uma fonte que se coloca no lugar do
passado. Como valor documental, deve-se “[...] ver como os homens se representavam, a si
próprios e ao mundo, e quais os valores e conceitos que experimentavam e que queriam
passar, de maneira direta ou subliminar, com o que se atinge a dimensão simbólica da
representação” (PESAVENTO, 2012, p. 88).
Ainda, segundo a autora, no primeiro momento da análise da imagem, deve-se buscar o
reconhecimento, isto é, o professor de História deve registar o que é visto em primeiro e
segundo plano: a tela como um todo, os detalhes, a paisagem, os personagens, as coisas de um
determinado espaço e tempo etc.; é buscar significados, mensagens e motivações. Em uma
segunda etapa, a iconológica, em que as interpretações devem encontrar o significado
intrínseco ao conteúdo simbólico, ou seja, o “[...] significado intrínseco de uma época,
princípios subjacentes que levam a atitudes emocionais, a sensibilidades sinais de um
momento histórico dado, marcando a passagem para o âmago do clima cultural de uma
época.” (PESAVENTO, 2012, p. 88).
Diante do exposto acima, no contexto em que vivemos, os alunos mais se informam por
imagens da mídia do que por textos, por isso, conforme Bittencourt (2017), uma das tarefas
urgentes da escola na atualidade é auxiliar os educandos na reflexão que precisam fazer diante
das imagens que são postas cotidianamente diante dos seus olhos. E cabe ao professor criar as
oportunidades, independente das circunstâncias, “[...] sem esperar a socialização de suportes
tecnológicos mais sofisticados para as diferentes escolas e condições de trabalho que enfrenta,
considerando a manutenção das enormes diferenças sociais, culturais e econômicas pela
política vigente” (BITTENCOURT, 2017, p. 89).

25
A partir dos argumentos de Mauad (2016), Pesavento (2012) e Bittencourt (2017) é
capital que os educandos tenham seus olhares educados. Com o aluno surdo não é diferente.
Conforme veremos, o processo de consciência do olhar não é intrínseco, o que torna muito
relevante a ação dos professores. Em meados do século passado, Paulo Freire já apontava que
a escola não pode se limitar a ensinar só a palavra aos alunos, é preciso ensinar a ler o mundo.
E a leitura da sociedade atual passa necessariamente por saber ler e interpretar as imagens.
Atualmente, o uso de imagens históricas é prática comum no ensino de História, porém,
de maneira geral, o seu uso está atrelado ao acervo iconográfico disponível no livro didático.
Nesse instrumento didático, é comum o uso de imagens para ilustrar o que é trabalhado no
texto, o que em tese, facilitará a compreensão pelos educandos. No entanto, como já apontado
anteriormente, tratá-las como mera ilustração é perder de vista as potencialidades que essas
oferecem na aprendizagem da História escolar.
Ao tratar sobre a análise de imagens presentes no livro didático, Bittencourt (2017)
corrobora com Pesavento (2012), ao indicar que uma das formas de introduzir o educando na
leitura de imagens é separá-las do texto, isolando-as da legenda e da própria interpretação do
professor. Isto é, realizar uma leitura interna em que o aluno desvenda o seu conteúdo: tema,
vestimentas, personagens representados, entre outros.
Em seguida, outro passo importante é fazer a leitura externa, no qual o aluno observa
outros referenciais, olhando a imagem como um objeto. Nessa etapa, Bittencourt (2017, p. 88)
propõe que se respondam às seguintes questões: “Como e por quem foi produzido? Para que e
para quem foi feita essa produção? Quando foi realizada?”. É possível continuar a análise
externa através da articulação entre a ilustração e o próprio livro didático: como esse
apresenta a imagem? Qual a sua disposição na página? Quais relações existem entre texto e
ilustração? A autora ainda indica um conjunto de possibilidades para o tratamento das
imagens em sala de aula, tais como: comparar ilustrações sobre o mesmo tema ou personagem
em diferentes momentos históricos, o que possibilita aos estudantes estabelecerem as relações
históricas, permanências e mudanças, além de poder relativizar os papéis dos sujeitos
históricos. Por fim, para que o aluno perceba as diferentes interpretações sobre uma mesma
imagem ou temática, o professor pode fazer a comparação entre livros didáticos de diferentes
contextos históricos.
Destaca Coelho (2016, p. 192) ser fundamental ensinar os alunos a interpretarem, por
exemplo, uma determinada pintura, já que essa foi construída a partir de um olhar que carrega
particularidades de uma determinada época. Os principais problemas sobre o uso de imagens
em sala de aula passam pela desconsideração da noção de representação e da aceitação delas

26
como reprodução real dos fatos históricos. Por exemplo, os quadros de Tarsila do Amaral e
Candido Portinari, que podem ser usados para o estudo da Primeira República, não são
imagens fiéis dos acontecimentos, e sim representações, pois “[...] estão mais para
impressões, reconstruções de ações passadas originadas a partir de eventos reais”. Logo, para
se analisar uma pintura é necessário conhecer o contexto histórico e evitar a reprodução de
estereótipos e interpretações que levem ao anacronismo, evitando-se assim, a “evidência”
sensorial.
Partindo da ideia de Jacques Rancière de que “a imagem nunca é uma realidade
simples”, Souza (2018) argumenta que uma representação imagética pode ser tão enigmática
como um texto e que a ideia de uma imagem valer mais do que mil palavras pode até ser
verdadeira, não obstante, reforçando os argumentos apresentados acima, é preciso saber
olhá-la, sobretudo com o cruzamento de referências. E destaca ainda, que no ensino de
História, os atos de olhar e de ler, tornam-se, minimamente, complementares no processo
cognitivo.
Todavia, trata o autor de alertar que não basta criar perguntas para a leitura da imagem,
é necessário buscar os debates historiográficos da relação entre imagem e História. Afirma
que a representação imagética está aberta a diferentes perguntas e que existe uma relação mais
ativa do que passiva entre imagens e contexto, porque estão além de um mero registro
imediato, pois, conforme já visto, revelam percepções coletivas e registros de uma
determinada realidade. Além disso, pondera que não há um modo exclusivo de usá-las, o
certo é que seu uso deixa a aula mais instigante. De acordo com Molina (2007, p. 25),
normalmente, o uso de imagens em sala de aula são para “[...] motivar, interessar, tornar
compreensível o complexo/abstrato, documentar, memorizar, mostrar novos aspectos, evocar,
interligar, explorar aspectos ocultos, transmitir pontos de vista, emoções, tornar a aula mais
atraente e convencer os alunos de um ponto de vista.”. Apesar dessas funções, assevera a
autora que
[...] as imagens usadas em sala de aula não devem sê-lo gratuitamente, mas, é
necessário conhecer seus componentes semânticos para adequá-los aos objetivos
propostos. Assim, o desafio e o limite imposto ao professor de história serão de
redimensionar e explorar as competências específicas da imagem, não somente para
motivar e envolver, mas re-elaborar, recodificar, ordenar e organizar conceitos,
transformando uma relação sócio-afetiva com a imagem em uma situação de
cognição. (MOLINA, 2007, p. 25, grifo meu).

Entre as diversas imagens usadas em sala de aula, as charges têm ganhado destaque,
inclusive são utilizadas com muita frequência em livros didáticos, mas sem o devido
tratamento. A partir da análise de Souza (2018), percebe-se a importância de se buscar

27
análises acadêmicas sobre as charges. Para o autor, trata-se de uma ferramenta interessante
para a sala de aula, entretanto, precisa do tratamento adequado como qualquer documento
histórico.
No capítulo 4, faço uma análise histórica da charge no Brasil e como é possível
analisá-la, tomando como referência três charges produzidas no período da Primeira
República.
Finalizada essas reflexões, parto para outra questão: como tem sido tratada a questão da
inclusão de surdos no ensino de História? Abaixo, apresentarei algumas contribuições teóricas
de análises anteriores e que dialogam com esta pesquisa.

1.5 Ensino de História para educandos surdos

Sobre as pesquisas relacionadas ao Ensino de História para educandos surdos, Santos


(2018) realizou um importante levantamento sobre os estudos desenvolvidos, identificando
vinte e quatro produções, as quais o autor organizou por título e tipo12. No levantamento
realizado para esta pesquisa13, foram identificadas outras produções: uma monografia de
especialização (PEREIRA, 2011); dois trabalhos de conclusão de curso (LAFUENTE, 2014;
SANTOS, 2017); alguns artigos, entre os quais: Netto (2013); Padovani Netto (2017); Pereira
(2017); e um capítulo de livro, Netto (2017). Constata-se, que todas as produções são do
século XXI, o que mostra que o tema se tornou relevante em meio às políticas públicas
inclusivas adotadas em esfera federal no início deste século. Por que antes disso não há
pesquisas sobre o ensino de História para surdos? E caso existam, por que não ganharam
notoriedade? Não identifiquei nas produções aqui utilizadas o porquê dessa ausência, mas se
pode deduzir duas ideias: primeira, a efetivação da inclusão despertou a importância para essa

12
Santos (2018) identificou: uma monografia, quatorze artigos, três comunicações, um resumo expandido, um
trabalho de conclusão de curso (TTC) e três dissertações.
13
Concentrei a minha busca nas seguintes bibliotecas físicas: CCS/A - Ciências Sociais, Filosofia, História,
Religião e Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Centro de Filosofia e Ciências
Humanas (CFCH) da UFRJ. Porém, a grande parte da pesquisa ocorreu através da internet. As expressões usadas
foram “ensino de História para surdos”, “ensino de História para alunos surdos” e “ensino de História e
inclusão”. Priorizei os seguintes sites: Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o portal EduCAPES da mesma instituição; portal de periódicos
e artigos Scielo; o Google Acadêmico; e por fim, as bibliotecas digitais de teses e dissertações da UERJ, UFRJ,
Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Instituto
Nacional de Educação de Surdos (INES).

28
temática; e segunda, mudanças nas pesquisas historiográficas a partir das últimas décadas do
século XX impulsionaram novas pesquisas sobre o ensino de História.
A partir de 2018, o número de pesquisas e produções sobre o tema têm se ampliado
bastante. Soma-se as produções já relacionadas acima, entre outras: um trabalho de conclusão
de curso (VIEIRA, 2018), seis artigos (SANTOS; FILHO; KELMAN, 2019; LAMEIRÃO,
2018, 2019; SILVA, 2019; MATTOS; AZEVEDO, 2020; SILVA, 2020), três dissertações de
mestrado (SANTOS, 2018; NETTO, 2018; STIPP, 2019). Concomitante a esta dissertação, há
outras duas que foram escritas e defendidas: uma por Tuanny Dantas Lameirão, no núcleo do
Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro (UFRRJ); e outra, por Carla Renata Vieira Rodrigues, no núcleo do
ProfHistória da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Além disso, duas
pesquisas de doutorado estão em andamento, desenvolvidas pelos professores: Camila
Oliveira Mattos, na UFRRJ e Paulo José Assumpção dos Santos, na UFRJ.
Além dessas produções, cabe destacar também, respectivamente, um livro e um e-book
lançados no último biênio que relacionam o ensino de História e o ensino para alunos surdos:
“História em Libras: Pré-História à Idade Média” de Cristiane Alves Rosa (2018); e “Ensino
para diferentes sujeitos: as aulas de História e a inclusão de alunos surdos na rede regular de
ensino” de Ernesto Padovani Netto (2019).
Não me atentarei as problemáticas específicas de cada pesquisa, já minimamente
discutidas por Santos (2018) e outros autores. O interesse em algumas dessas produções é
identificar as reflexões e as contribuições propostas para o debate sobre o ensino de História
para surdos na escola inclusiva tomando por foco a visualidade.
Em certa reunião de professores de História ouvi o argumento de que os alunos surdos
não conseguem aprender História. Estaria esse argumento correto? Seriam os alunos surdos
incapazes de desenvolver um pensamento histórico? Esse raciocínio pode ser rebatido com o
argumento de Kelman e Buzar (2012) que defendem que a criança surda, em relação à
natureza e aos fins educacionais, em nada difere das crianças ouvintes, ou seja, não há
diferenças no desenvolvimento de ambas. A particularidade da educação do surdo está no
alcance do mesmo através de outros meios, outros modos de desenvolvimento. A grande
questão da surdez é que ela modifica a forma de comunicação entre as pessoas, logo o desafio
da Pedagogia está em superar a problemática das línguas. Sendo assim, o não
desenvolvimento de um pensamento histórico entre os alunos surdos não é uma questão
intrínseca ao processo cognitivo, quer dizer, liga-se aos processos de aprendizagem. Se os
meios/modos de aprendizagem atenderem as suas especificidades, o aprendizado é viável. O

29
argumento que rebateu a fala do professor citado acima tomou por fundamento a ideia de que
não são os surdos que devem deixar as escolas inclusivas, são os professores de História que
devem repensar suas práticas.
Impulsionados por mudanças, muitos dos autores acima citados, como são professores
de História do ensino básico, colocaram suas práticas em reflexão. No entanto, foi a partir da
experiência com os alunos surdos em salas inclusivas ou “especiais”, que eles se motivaram a
pesquisar o tema. Além disso, é notório que as pesquisas se voltaram para a preocupação de
apontarem caminhos para que outros professores pudessem superar os desafios que se
colocam no ensino de História aos educandos surdos.
Como ponto de partida, Yokoyama (2005), Verri e Alegre (2006), Neves (2009),
Lafuente (2014), Mattos (2016), Santos (2018), Netto (2018) entre outros, apontam que o
princípio básico para o respeito da cultura do educando surdo é o ensino de História através
da língua de sinais. Nas escolas inclusivas esse processo se concretiza com a presença em sala
de aula de um profissional qualificado, isto é, o intérprete de Libras; porém não é um processo
que se encerra em si. Existem outras possibilidades que atendem a especificidade do surdo,
como é o caso da experiência visual, que tem especial importância nesta pesquisa.
Yokoyama (2005) afirma que concomitante às discussões linguísticas e pedagógicas
sobre o ensino para surdos é preciso que os professores de História assumam os desafios
colocados ao mesmo tempo que pensem soluções para ensinar História para esses educandos.
E isso só será viável com a superação do ensino oral através da elaboração de metodologias e
didáticas com foco no visual para a disciplina. No entanto, uma prática pedagógica que
apenas inclui componentes visuais na sala de aula pode ser tão ineficaz com os surdos, como
as aulas exclusivamente orais. Diante disso, a inclusão de objetos visuais necessita de uma
abordagem própria que dialogue com a visualidade, pois conforme destaca Vieira (2018, p.
15): “[...] o surdo quando aprende a pensar historicamente, vai se orientar através da
visualidade, que é intrínseca a sua própria experiência enquanto ser humano.”.
Na virada da década, Neves (2009, p. 7911) enunciava que
[...] há uma grande variedade de atividades a serem desenvolvidas que podem
proporcionar aos alunos um ensino de história que respeite suas necessidades e suas
peculiaridades enquanto grupo linguístico e cultural. Cabe ao professor a escolha
entre focar-se nas impossibilidades e limitações ou nas potencialidades e talentos
dos alunos, que certamente é uma experiência enriquecedora tanto para o professor,
quanto para os alunos.

Mas seria possível surgir novas metodologias sem conhecer a especificidade do surdo?
Não! Verri e Alegre (2006) já apontavam, no ano posterior ao Decreto n.º 5.626 (BRASIL,
2005) que instituiu o ensino de Libras nos cursos de licenciatura, que havia um problema na

30
formação14 dos professores de História, que se manifestava na dificuldade de inclusão dos
surdos nas aulas dessa disciplina. Mesmo após mais de uma década da lei, a dificuldade de
preparo da formação acadêmica para o ensino de surdos ainda é um desafio a ser superado
(NETTO, 2018).
A pesquisa das autoras acima mencionadas foi realizada com alunos surdos do Ensino
Médio em contexto inclusivo e esses sujeitos da aprendizagem apontaram outra problemática
da disciplina: aprender as “palavras da História”, isto é, os conceitos históricos. A
complexidade de abstração desses conceitos, balizados historicamente dentro de um longo
processo espaço-temporal, torna-se ainda maior nos processos linguísticos entre o Português e
a Libras. Mattos (2016) e Azevedo e Mattos (2017) citam que a dificuldade dos surdos na
aprendizagem desses conceitos pode se explicar pela falta de conhecimentos prévios desses
alunos, já que na vida social é comum terem pouco acesso às informações por meio da Libras,
como, por exemplo, no acesso aos meios de comunicação e nas relações interpessoais. A
insipiência desses conhecimentos impacta diretamente no entendimento dos conceitos
históricos, pois há uma associação que mobiliza esses conceitos e os conhecimentos
construídos fora do espaço escolar.
Para superar esse problema, Verri e Alegre (2006) propõem que o docente da escola
inclusiva selecione os conteúdos mais relevantes partindo do mais geral para o mais
específico e que dê foco aos conceitos, as ideias e as proposições-chaves mais importantes,
sempre exemplificando através das relações que se possam estabelecer com as aulas
anteriores e a realidade do educando surdo. Afirmam ser isso importante, pois o excesso de
informações pode dificultar o aprendizado do aluno surdo, porque esse tem um processo de
assimilação diferente dos ouvintes. Apesar disso tudo, se não houver uma comunicação entre
discentes surdos e o docente, haverá um abismo ainda maior em relação ao entendimento dos
conceitos.
Para Vieira (2018), a complexidade dos conceitos históricos requer que o professor
compare o passado e o presente, sendo em muitos momentos preciso aproximar o
conhecimento científico do senso comum, com o objetivo de torná-lo compreensível.
Assevera a autora que mesmo que seja um processo difícil, o docente deve aprofundar o

14
Conforme destacado acima, para Monteiro (2010, p. 493) o professor de História precisa conhecer e dominar
os processos da didática, do currículo, da teoria da História e da didática da História para poder atender aos seus
diferentes alunos. Diante disso, afirma que “[...] A formação de professores é, assim, espaço tempo de produção
de conhecimentos sobre a docência, elaboração complexa que acontece em lugar de fronteira, com
interferências deliberadas para tornar significativos os processos em estudo.” (grifo da autora).

31
conhecimento dos conceitos históricos em diferentes tempos e não os excluir do processo de
aprendizagem do aluno surdo.
Levando-se em consideração as diferenças linguísticas entre Libras e Língua
Portuguesa, Azevedo e Mattos (2017, p. 116) asseveram que “[...] A tradução por intérpretes
de língua de sinais, embora consista em uma ferramenta importante na inclusão de surdos aos
meios de informação, tem como princípio a construção do conhecimento em Língua
Portuguesa.”. Por isso, afirmam que letrar historicamente o aluno surdo passa por construir
um sentido à narrativa histórica e essa necessariamente precisa ser produzida em Libras. Isto
é, não basta só tradução de um conhecimento, é preciso que esse seja construído na própria
língua do surdo. Para mostrar que isso é possível, Mattos (2016) propõe um letramento em
história de alunos surdos através de sequências didáticas, recurso pedagógico desenvolvido
pela autora que articula o tempo histórico, noção fundamental para o conhecimento histórico,
fontes imagéticas e a Libras. Mas cabe ressaltar que a sua proposta tem uma particularidade:
foi pensada para o INES, logo, uma escola só para surdos, o que não impede de ser adaptada
para uma escola inclusiva, que apresenta outras características educacionais.
Pereira e Poker (2012), se propuseram a refletir sobre as diferenças e a prática
pedagógica de professores de História em dois modelos de ensino para surdos: as Escolas
Especiais e as Escolas regulares com inclusão de alunos surdos, ambas pertencentes à rede
municipal da cidade de São Paulo. De maneira geral, o que os autores constataram fortalece o
discurso dos que questionam a escola inclusiva sobre a dificuldade de atender as demandas
dos educandos surdos. Mas, cabe destacar também, por um lado, que os autores apontam
problemas sérios sobre o ensino de História nas Escolas Especiais, e por outro lado, não se
colocam contra a inclusão, mas sim apontam a necessidade da superação dos problemas
identificados.
A primeira contradição identificada entre os dois modelos pelos autores se refere a
formação dos docentes: enquanto na escola chamada de especial, por um lado, os professores
que ensinam História são pedagogos com formação para atender aos surdos, por outro lado,
não têm formação específica na área. Já os professores da escola regular, ditas inclusivas, são
licenciados em História, mas não possuem qualificação em Educação Especial para poder
atender aos alunos incluídos (PEREIRA; POKER, 2012).
Outras duas problemáticas apresentadas pelos autores sobre os dois modelos de escola
são: o tempo disponível para trabalhar os conteúdos e o domínio das Libras. Enquanto na
Escola Especial, os professores possuem mais tempo com os alunos surdos e dominam a
Libras, na regular, os professores possuem pouco tempo e não sabem Libras. Em decorrência

32
de conhecer a Libras, os professores da Escola Especial a utilizam como a forma principal de
se comunicar com os educandos, o que é ideal, conforme, já apontado acima. Além disso,
dispõem de mais tempo para o desenvolvimento de atividades individuais e grupais. Já os
professores das escolas regulares, que possuem pouco tempo semanal (em média duas horas e
trinta minutos), usam a oralidade como forma principal de comunicação, sendo normalmente
aulas expositivas e com uso de imagens e, apesar de não serem frequentes, estimula-se a
leitura e a escrita (PEREIRA; POKER, 2012).
Uma questão importante identificada por Pereira e Poker (2012) nas escolas regulares e
que é um desafio diário dos professores de História se refere a grande quantidade de alunos
em sala de aula. Isso tem impacto direto no trabalho mais específico dos professores com os
alunos surdos, o que é fundamental em certos momentos da aula. Diante da dificuldade de
atender as particularidades de cada aluno, os professores acabam optando por desenvolverem
atividades iguais para todos os alunos. Fica evidente assim, que ao partir de uma visão global,
os docentes acabam priorizando os ouvintes. Porém, se a lógica partir da visualidade, isto é,
da especificidade do surdo, conforme já apontado, a aula tende a se apresentar como uma
possibilidade de atendimento a todos os educandos.
Ainda, conforme os autores, existe uma característica que aproxima as duas
modalidades de escola na pesquisa: a busca dos professores de fazer conexões entre os temas
e a realidade dos educandos, já que isso facilita o aprendizado e, mais ainda, ajuda o professor
na adequação da metodologia e dos recursos que serão usados. Em contrapartida, materiais
visuais como mapas, ou audiovisuais, como aparelho de som e projetores multimídia, dentre
outros eram frequentemente utilizados nas escolas especiais, porém, pouco utilizados nas
escolas regulares, apesar delas possuírem esses recursos pedagógicos (PEREIRA; POKER,
2012).
Conforme Pereira e Poker (2012), apesar dos esforços dos professores nos dois modelos
de escolas, os métodos e estratégias adotados têm sido ineficientes, já que o processo de
ensino-aprendizagem tem enfrentado muitos problemas, que não se limitam a comunicação.
Entre os problemas principais das escolas regulares que impedem a aprendizagem dos
conteúdos históricos por parte dos alunos surdos, e que passa pelo desconhecimento das
necessidades educacionais dos surdos pelos docentes, estão: a dificuldade de comunicação
pelo não domínio da Libras; o foco no oral e não no visual; o pouco tempo para trabalhar os
conteúdos do currículo histórico; a grande quantidade de educandos em sala de aula; e por
fim, a falta de um planejamento disciplinar e metodológico escolar, que deve passar pela
articulação entre os docentes e os intérpretes de Libras, que poderia ser um caminho para

33
superar as dificuldades que os surdos têm de entender os contextos históricos em decorrência
da ausência de conhecimentos históricos prévios.
Partindo desses problemas apontados pelos autores, procurei identificar através da
pesquisa uma metodologia que pudesse auxiliar os professores de História da escola inclusiva
na superação desses desafios. E um dos caminhos que identifiquei, passa necessariamente
pelos recursos visuais, com o uso de um projetor multimídia ou equipamento que o substitua.
Não obstante, o professor deve ter cuidado, pois só a introdução do recurso não resolve o
problema. Se não houver respeito às características do aluno surdo, isso pode resultar em
outros problemas didáticos que impedem o acesso do educando a aula. Por exemplo,
diferentemente dos ouvintes, o tempo de apropriação pelo surdo do que é apresentado através
do projetor é mais lento, afinal de contas, ele precisa analisar a imagem e acompanhar a
explicação do intérprete de Libras. Uma sala de aula com surdos requer do docente a atenção
aos detalhes, como é o caso da explicação que precisa ser sem pressa, em um ritmo mais lento
(YOKOYAMA, 2005).
Vieira (2018), por outro lado, afirma que é fundamental despertar a autonomia e a
participação dos educandos para que possam ser parte do processo de aprendizado. Isso é
possível através do desenvolvimento de atividades em que os alunos produzam materiais que
tomem por base a visualidade, tais como, maquetes e confecções de cartazes com
predominância de imagens. Em sua pesquisa, a autora assegura que a produção de maquetes
foi a atividade mais eficaz em relação a compreensão dos conteúdos históricos estudados. A
autora nos chama a atenção para um certo tipo de prática que é esvaziada no Ensino
Fundamental II: as atividades lúdicas. Com os surdos se mostrou de grande potencial.
Diante de um contexto em que os surdos precisam interagir com os ouvintes, Vieira
(2018) destaca o quanto a aula de História pode auxiliar os surdos na interação com a Língua
Portuguesa. Aponta a autora que sua pesquisa fez revelar que atividades de múltipla escolha
são eficientes, desde que as questões apresentem poucas alternativas e que essas sejam curtas,
tendo no máximo três opções de resposta. Isso é importante para que o educando surdo
consiga entender e interpretar o que é pedido. Mas, independentemente da atividade, o
professor precisa entender que o educando surdo tem um processo de compreensão diferente
dos ouvintes, pois as suas habilidades são articuladas por signos visuais.
Mesmo diante dos problemas expostos, isso não significa que a escola inclusiva deva
ser renegada. O que é proposto em todas essas pesquisas é a reflexão sobre sua estrutura e a
construção de uma escola mais preparada para a inclusão. No “Index para a Inclusão:
desenvolvendo a aprendizagem e a participação nas escolas”, Booth e Ainscow (2011)

34
apresentam três dimensões para fundamentar a inclusão, a saber: a política inclusiva, a cultura
inclusiva e as práticas inclusivas. Nessa última, ressaltam a importância das atividades
desenvolvidas pelos docentes em sala de aula, mas também em outros espaços da escola, com
o intuito de construir coletivamente o conhecimento tomando como pilar os valores
inclusivos. Sendo assim, a prática é o caminho para sairmos da escola/sala de aula que temos
para alcançarmos a escola/sala de aula que queremos (SANTOS; DAMASCENO, 2016).
Conforme Santos (2018) evidencia, pensar metodologias para ensinar História em uma
sala inclusiva é algo desafiador. Como a inclusão que temos, contraditoriamente, tem se
mostrado excludente em relação aos surdos, torna-se mais urgente a reflexão sobre em quais
condições a inclusão acontece e como é viável potencializá-la do que debater qual o modelo
de escola ideal (especial ou inclusiva) para esses educandos. Em estudo realizado em uma
escola inclusiva, Kelman (2005a) aponta que os alunos surdos dizem aprender mais nesse
modelo de escola. Para a autora, isso se deve a um aspecto de grande relevância da inclusão: a
convivência com a diversidade. Não obstante, questiona que os problemas da inclusão, sendo
alguns já elencados acima, tornam a aprendizagem do surdo deficitária. Ainda segundo a
autora, uma educação totalmente inclusiva, isto é, que atenda a todos, é utopia. Porém, entre
problemas e possibilidades, é um modelo possível desde que a escola atenda às
especificidades dos seus educandos ao ser criativa e buscar soluções para as dificuldades.
Sobre os surdos, afirma:
Para que os alunos surdos possam se beneficiar social, emocional e academicamente
de uma escola inclusiva, é preciso constituir um contexto social adequado,
garantindo que os surdos não fiquem cognitivamente limitados e socialmente
isolados, tanto na sala de aula, quanto no espaço escolar mais amplo. Eles devem se
sentir encorajados a interagir com colegas e professores com independência. Uma
série de condições são necessárias para isso, dentre elas: ensino de LS por
professor/instrutor surdo; melhor formação de professores e funcionários na escola
inclusiva, particularmente conhecimento de língua de sinais; estímulo aos alunos
ouvintes para aprenderem LS; adaptações metodológicas, curriculares e de material
pedagógico; ensino de LS para pais e irmãos. (KELMAN, 2005a, p. 16)15.

Contudo, repensar a prática do ensino escolar inclusivo requer a atenção a todos os


sujeitos da aprendizagem, isto é, ouvintes, surdos e outros alunos incluídos. Mesmo que seja
mais difícil e lento de se concretizar no contexto mais amplo, é possível e necessário que se
efetive no micro, isto é, na sala de aula. E parafraseando Candau (2009, p. 26), para se chegar
em “Outro Mundo Possível”, a escola precisa ser reinventada e a reinvenção passa pela
articulação de nossas micropráticas, diga-se da sala de aula, com outras práticas educacionais,

15
LS é a sigla de Língua de Sinais.

35
sociais, políticas e culturais que deverão ser desenvolvidas numa esfera macro (local, nacional
e internacional). Tendo, portanto, o professor, papel essencial nesse processo.
No contexto da Educação Inclusiva, apesar dos grandes desafios, é fundamental que os
professores assumam posição de destaque na concretização de práticas que tornem a escola
realmente inclusiva. Conforme Kelman e Branco (2014, p. 500), a “[...] inclusão não significa
mera aproximação física entre dois ou mais grupos de alunos na mesma sala de aula. Implica
no oferecimento de condições diversificadas de ensino para que todos tenham oportunidades
iguais de aprendizagem.”.
No entanto, cabe destacar que os órgãos públicos ligados à Educação precisam oferecer
capacitação aos profissionais para que eles tenham fundamentação teórica para efetivar as
mudanças necessárias. Isso me faz lembrar, que nos anos iniciais com alunos surdos, as
poucas orientações que recebi vieram de profissionais da própria escola. Sendo assim, o meu
processo de conscientização foi paulatino e as mudanças que fiz em minhas aulas partiram
mais do saber que construí em minha prática, das orientações da escola e a partir de algumas
leituras. Ao tomar conhecimento de teorias mais fundamentadas, percebi que precisava
avançar bastante numa prática mais inclusiva aos surdos. A pesquisa, em si, foi essencial para
uma reflexão mais profunda e construir uma metodologia mais adequada aos educandos
surdos.
Pensar uma metodologia para ensinar História aos surdos, conforme visto acima, passa
necessariamente pela prática dos professores de História. Isto posto, a minha investigação
tratou de entrevistar dois professores de uma escola inclusiva na Região Sul Fluminense do
estado do Rio de Janeiro e saber efetivamente como agem na prática para atender aos
educandos surdos em salas inclusivas. Todavia, para a ampliar o debate, também entrevistei
outros dois professores de escolas inclusivas dessa mesma região, que já tiveram ou possuem
alunos incluídos em sala, mas que nunca tiveram experiência com educandos surdos, para
descobrir o que pensam sobre como ensinar História a alunos surdos.
Os aspectos metodológicos da pesquisa e a análise das entrevistas serão assuntos do
capítulo três, pois no próximo, debaterei as questões e contribuições das pesquisas
relacionadas à Educação de Surdos.

36
2 TEORIZANDO SOBRE O ENSINO PARA SURDOS

2.1 Surdez: história, legislação e a escola inclusiva

“Os surdos também têm História!”. Essa frase foi expressa por um instrutor surdo em
um dos eventos que participei realizado pela Secretaria Municipal de Educação de um
município da Região Sul Fluminense do estado do Rio de Janeiro, no ano de 2019. O intuito
era o compartilhamento de práticas para o ensino de educandos surdos já desenvolvidas por
professores da rede municipal. Minutos depois que essa frase foi traduzida por uma intérprete
de Libras, fiz-me a seguinte reflexão: ela foi “dita” para expressar que a história individual de
cada surdo deve ser resgatada em sala de aula ou foi para marcar que na História da
humanidade os surdos também foram/são sujeitos históricos? Independente do desejo de
quem a expressou, questionei-me quantas vezes busquei no planejamento das minhas aulas
construí-lo a partir da história dos meus educandos surdos. Após alguns minutos, cheguei à
conclusão: nenhuma! Quantas vezes os incluí em fatos ou como sujeitos na abordagem dos
temas históricos? Apenas uma vez. Foi em uma aula para o oitavo ano sobre o Segundo
Reinado, em que citei a construção do INES. Para um professor que assumiu o desafio de
ensinar História aos alunos surdos é muito pouco.
A partir da reflexão acima passei a me questionar: como deve ser a minha prática
pedagógica para ensinar História aos alunos surdos no contexto de uma sala de aula inclusiva?
Para responder a essa questão, inicialmente é preciso conhecer o processo de consolidação
dos direitos dos surdos à educação e os estudos que apontam como deve ser o ensino para
esses educandos.
Como primeiro ponto para se pensar o ensino de História para surdos, é importante
conhecer como a surdez foi reconhecida no decorrer da História. É preciso ressaltar que a
surdez passou por diferentes fases16. Abaixo, apresentarei uma síntese dessa história.
Acerca da surdez, ainda não há achados sobre o tema no período “pré-histórico”, mas é
interessante destacar que o meio de comunicação utilizado entre os primeiros hominídeos,
deu-se inicialmente, através de uma linguagem gestual. Na Antiguidade, a diversidade das
civilizações fez com que os surdos fossem tratados de diferentes formas. No Egito Antigo e
na Pérsia, por exemplo, a surdez era tratada como uma característica divina; já em Esparta
(Grécia Antiga), os registros apontam que ocorria a eliminação de crianças surdas, já que a

16
Conforme Strobel (2009), a história dos surdos é dividida em três: a revelação cultural, o isolamento cultural e
o despertar cultural.

37
surdez, ou qualquer outra deficiência, era vista como sinal de fraqueza naquela sociedade. Em
Atenas, por volta do século IV a.C., apesar de Sócrates reconhecer a língua de sinais como
uma forma aceitável de comunicação, na concepção aristotélica, os surdos eram considerados
incapazes de aprender. Em Roma, os surdos eram considerados pessoas castigadas ou
enfeitiçadas, sendo, por isso, jogados no Rio Tibre ou eram escravizados (STROBEL, 2009;
SANTOS, 2018).
Entre os hebreus, Santos (2018) aponta que os surdos eram estigmatizados como
pessoas que foram castigadas por Deus, o que as tornavam diferentes do criador, sendo assim,
socialmente segregadas. Com a ascensão do cristianismo, no século I, os surdos continuaram
sendo estigmatizados, porque mesmo sendo considerados filhos de Deus, eram vistos como
impedidos da salvação pois não eram capazes de ouvir a mensagem divina e de confessar seus
pecados. No decorrer da Idade Média, apesar da limitação dos direitos civis dos surdos
estabelecida no Código Justiniano (534), há registros no período do uso de línguas de sinais
pelos monges católicos que adotavam o voto de silêncio. Entre os séculos XVI e XVII, o
padre espanhol Juan Pablo Bonet (1573-1633) fez uso desses registros para o
desenvolvimento de práticas para ensino de surdos.
Segundo o autor, no período Moderno a surdez foi repensada. O italiano Girolamo
Cardano (1501-1576), no contexto do Renascimento, propôs que os surdos poderiam aprender
por outros meios que não a fala ou audição, já que a surdez não era uma condição mental. O
monge espanhol Pedro Ponce de Léon (1520-1584) fundou na Espanha, a Escola para Surdos
de Madri, mas ela se limitava aos filhos da nobreza. Em 1575, o jurista Lasso, propôs que se
os surdos do reino espanhol aprendessem a falar, os seus direitos hereditários deveriam ser
garantidos. Já na Inglaterra, George Dalgarno (1626-1687), um intelectual interessado em
problemas linguísticos, apontou a sinalização gestual como o caminho para o ensino dos
surdos no livro Didascalocophus ou o Tutor do Homem Surdo e Mudo (1680), pois seria a
linguagem natural dos surdos, conforme também afirmava o seu contemporâneo, John Bulwer
(1606-1656).
No século XVIII, especialmente na década de 1760, o abade e educador Charles-Michel
de l’Épée (1712-1789) criou o Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris17, a primeira
escola pública para os surdos, cujo ensino se dava por meio da língua de sinais. O educador
alemão Samuel Heinicke (1727-1790), em 1778, inaugurou a primeira instituição para surdos
em Leipzig com método oralista, motivado por suas experiências anteriores com alunos

17
Hoje é o Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris.

38
surdos. As metodologias adotadas por essas instituições se tornaram modelos na Europa.
Nesse contexto, em 1779, Pierre Desloges se tornou o primeiro surdo francês a publicar um
livro em que defendia o uso da língua de sinais (SANTOS, 2018).
De maneira geral, o século XIX foi marcado pelos debates sobre qual o método mais
adequado para o ensino dos surdos: o francês, cuja ênfase estava no uso da língua de sinais ou
o alemão, que estava centrado na oralidade. Influenciados pelo modelo francês, nos EUA e
Brasil, instituições escolares foram criadas para os surdos. Em solo brasileiro, fundou-se o
Imperial Instituto de Surdos-Mudos (o atual INES18). A língua de sinais francesa teve
influência direta sobre o aparecimento da Libras. Cabe ainda destacar, que entre em 1821 e
1854, na Baviera houve uma experiência inédita de uma escola para surdos e ouvintes, mas
que teve suas atividades encerradas sob o discurso de ser prejudicial aos ouvintes (STROBEL,
2009; SANTOS, 2018).
Embora ocorresse avanços no reconhecimento de uma língua de sinais, em 1880 foi
realizado o Congresso de Milão, um fórum mundial que debateu a educação de surdos, e que
determinou a proibição da língua de sinais e a escolha do método oral como exclusivo ao
ensino dos surdos19. Estabelecia-se assim, um modelo com base em regras de “normalidade”,
o chamado oralismo. Mesmo diante da luta dos surdos contra a oralização, pois entendiam
que prejudicava suas identidades, cultura e educação, esse modelo vigorou até a década de
1970 do século XX (TUXI, 2009; STROBEL, 2009).
Segundo Santos (2018), foi no século XX, mesmo tendo sido um período de grandes
desafios aos surdos em relação à permanência da exclusão, que, paulatinamente, os surdos
tiveram suas especificidades reconhecidas e respeitadas. Nas escolas para surdos do início do
século ocorria a injunção do oralismo e para se evitar o uso da língua de sinais, era corriqueira
a prática de amarrar as mãos dos surdos. Entretanto, esses, secretamente, a utilizavam, o que
nos revela que havia práticas de resistência a imposição feitas pelos ouvintes.
Nos anos em que a Alemanha esteve sob domínio nazista, os surdos foram
caracterizados, com outras pessoas com algum tipo de deficiência, como “inferiores” e eram
identificados por um laço ou roupa azul. Essas pessoas eram enquadradas no projeto
denominado T-4, ou Eutanásia. Inicialmente, o processo se concentrou na esterilização, mas
18
Entre 1856 e 1890, o INES teve diferentes denominações: Collégio Nacional para Surdos-Mudos (1856/1857),
Instituto Imperial para Surdos-Mudos (1857/1858), Imperial Instituto para Surdos-Mudos (1858/1865), Imperial
Instituto dos Surdos-Mudos (1865/1874), Instituto dos Surdos-Mudos (1874/1890) e Instituto Nacional de
Surdos-Mudos (1890/1957). O nome Instituto Nacional de Educação de Surdos foi oficializado em 1957
(BENTES; HAYASHI, 2016).
19
Segundo Skliar (1998), o Congresso de Milão não marcou o início do oralismo, pois era uma prática comum
em diversas escolas pela Europa. Na verdade, o evento deu a legitimação oficial a esse método.

39
no decorrer da Segunda Guerra Mundial, diversas pessoas foram executadas. Diante da luta
histórica dos surdos, da representatividade da cor azul na história deles e de datas importantes
para a comunidade surda no mês de setembro, surgiu a campanha Setembro Azul, cuja ideia é
dar visibilidade à comunidade surda brasileira.
Após o conflito mundial, houve em diferentes países, mobilizações da comunidade
surda por seus direitos linguísticos e culturais. Em 1951, diante desses movimentos surgiu a
Federação Mundial dos Surdos (World Federation of the Deaf – WFD). Filiada a essa, a
Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), fundada na década de
1980, é referência na luta por direitos e por políticas públicas a favor da comunidade surda no
Brasil (STROBEL, 2009). Cabe ainda destacar, que os estudos linguísticos das línguas de
sinais realizados por William Stokoe (1960) foram fundamentais para que a língua de sinais
fosse resgatada na educação dos surdos, tomando como perspectiva o ensino bilíngue. Entre
as décadas de 1960 e 1970, surgiu a filosofia da comunicação total, que a despeito de
favorecer o desenvolvimento da língua de sinais como forma de comunicação do surdo, na
verdade, era uma forma de adequar o surdo ao modelo do ouvintismo. Isso porque, a língua
de sinais era usada como meio para melhorar o contato com a língua oral, sendo todos os
objetivos da educação, resumidos à comunicação. Método que se apresentou como uma
escolha linguística dos ouvintes e não um instrumento cultural significativo para os surdos
(SKLIAR, 1998). No final do século, os movimentos pela inclusão social e educacional,
impulsionados pela Organização das Nações Unidas (ONU), procederam para que políticas
públicas fossem adotadas em diversos países a favor dos surdos.
A partir de estudos de diversas áreas do conhecimento, ascendeu uma nova perspectiva
que rompeu com o paradigma clínico-terapêutico20 estabelecido, a saber, a
socioantropológica. Essa abordagem possibilitou a abertura de um campo com enfoque social,
cultural e político, ocasionando mudanças importantes que alteraram o olhar sobre a surdez
(QUADROS, 2014; CAMPOS, 2018), em especial, que ela deixou de ser representada como
déficit e o foco passou a ser a diferença linguística (SKLIAR, 1998, 2016).
Portanto, após uma longa história de não reconhecimento enquanto sujeitos históricos e
de direitos, os surdos, no decorrer da segunda metade do século XX, tiveram suas lutas
20
Nessa concepção, a surdez é tratada como diminuição ou perda da audição, impondo-se o viés da deficiência
articulada a um padrão de normalidade, em que o surdo é caracterizado como deficiente auditivo, um sujeito
incompleto, e que necessariamente, precisa de cura, que viria pela aquisição da fala. Caberia à Medicina e à
Educação, portanto, garantir os meios para alcançá-la: os profissionais da Saúde, através de tratamentos
fonoaudiológicos ou aparelhos auditivos; e os da Educação, pela alfabetização da língua falada, por meio de uma
abordagem oralista. Com essa concepção, justificava-se, por exemplo, o fracasso escolar ao associar surdez ao
cognitivo (SANTOS, 2018).

40
reconhecidas em diferentes regiões através da aprovação de legislações que garantiram o
reconhecimento das especificidades da comunidade surda, entre as quais, a língua de sinais.
No contexto internacional, em 1994, a ONU passou a incentivar a construção de uma
Educação para Todos com o intuito de atender às demandas dos movimentos sociais e de
garantir a todas as crianças, sobretudo, aquelas com alguma deficiência, o direito de
aprenderem juntas em uma escola de qualidade. Surgiu, assim, com a Declaração de
Salamanca (BRASIL, 1997), a proposta de uma Escola Inclusiva, que se apresentava como a
ampliação dos direitos das pessoas com diferenças21 e que buscava ressignificar as
concepções da Educação Especial.
No Brasil, a Constituição Federal (BRASIL, 1988) garantiu o acesso igualitário aos
direitos básicos a todos os brasileiros. Na parte da Educação, entre os princípios dessa,
destacou-se a importância da “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”
(BRASIL, 1988, Art. 206, parágrafo I), e entre os deveres do Estado, a prerrogativa de se
garantir “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988, Art. 208, parágrafo III). Na
década de 1990 e nas duas primeiras do século XXI, novas leis ampliaram os direitos das
pessoas com deficiência, como a Lei n.º 10.098, de 19/11/2000 e o Estatuto da Pessoa com
Deficiência (BRASIL, 2015).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996) e o Plano
Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2014), são outros marcos legais significativos da
Educação, que ao tomar por base o ideal de Educação Inclusiva, garantiram aos surdos que a
escola atendesse às suas especificidades. Em relação aos direitos linguísticos e culturais dos
surdos, a Lei n.º 10.436 de 24/04/2002, reconheceu a Libras como a forma de comunicação e
expressão dos surdos (BRASIL, 2002); e o Decreto n.º 5.626 de 22/12/2005, regulamentou a
lei de 2002 e garantiu que o surdo pudesse ser ensinado nas escolas em sua própria língua
(BRASIL, 2005; CAMPOS, 2018).
Segundo Taveira (2014), é essencial que nos diferentes espaços de convivência os
surdos se reconheçam e sejam reconhecidos enquanto grupo, cuja especificidade possibilite a
construção de uma identidade linguística, cultural e política, que além disso, favoreça a
construção de estratégias práticas de sobrevivência perante um mundo de hegemonia ouvinte.

21
Segundo documento oficial sobre a inclusão: “A atenção à diversidade está focalizada no direito de acesso à
escola e visa à melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem para todos, irrestritamente, bem como as
perspectivas de desenvolvimento e socialização. A escola, nessa perspectiva, busca consolidar o respeito às
diferenças, conquanto não elogie a desigualdade. As diferenças vistas não como obstáculos para o cumprimento
da ação educativa, mas, podendo e devendo ser fatores de enriquecimento.” (BRASIL, 2003, p. 26-27).

41
E isso pode acontecer, entre outros espaços, nas Escolas Inclusivas. Apesar das legislações da
década de 1980 e 1990, as políticas públicas no Brasil em prol de uma escola inclusiva só se
efetivaram no início do século XXI. Não obstante, segundo Campos (2018), muitas
instituições ainda não colocaram em prática essas leis, o que resulta na permanência de
barreiras linguísticas e sociais ainda enfrentadas por muitos surdos. Para muitos autores, como
Sartoretto (2011), as políticas públicas ainda não impulsionaram as mudanças esperadas, pois
as práticas pedagógicas que ainda dominam as salas de aula pelo país permanecem
homogeneizadoras, meritocráticas, paternalistas e corporativistas; características essas, que
apontam a manutenção de uma abordagem hegemonicamente verbal. Para Carvalho (2004), se
a inclusão se basear só numa inserção física das pessoas com deficiência na escola, os sujeitos
permanecerão sob o signo da marginalidade e da exclusão.
Sobre a inclusão de surdos, Pedreira (2007) aponta que as ações pedagógicas
conservadoras (foco no texto, atividades verbais e aulas expositivas, por exemplo) das escolas
inclusivas têm inviabilizado a aprendizagem dos surdos. Kotaki e Lacerda (2018),
baseando-se em pesquisas recentes, mencionam que o desrespeito às condições linguísticas e
culturais dos surdos nas escolas, como o acesso ao ensino através da Libras ou de abordagens
visuais, os têm deixados à margem do processo de ensino-aprendizagem. Ampliando o debate,
a pesquisa de Kelman e Buzar (2012, p. 8) aponta que a ausência de comunicação, e
consequentemente de acesso à informação pelo surdo na escola, resulta na limitação da sua
aprendizagem, o que “[...] ocasiona uma série de constrangimentos psíquicos e cognitivos aos
sujeitos envolvidos”. Além disso, o desconhecimento da Libras e das especificidades do aluno
surdo pelos profissionais da educação, tem feito dele uma pessoa invisível nos ambientes
escolares.
Em relação à Educação Bilíngue, adotada dentro da concepção de Educação Inclusiva,
Silva e Oliveira (2016, 704-705) questionam que os processos educativos adotados
[...] não são pensados e implementados tomando como ponto de partida a Libras. Na
Educação Bilíngue pautada na visão dos surdos, enquanto minoria linguística, a
língua de sinais não deve ser vista como uma espécie de apoio, ou adaptação, que
torna possível o acesso do surdo aos conteúdos escolares; para, além disso, ela é a
língua de instrução do aluno surdo, por meio da qual todos os conhecimentos,
valores e hábitos devem ser transmitidos.

Para a superação dos problemas que limitam a aprendizagem dos surdos nas escolas
inclusivas, diversas pesquisas têm sido realizadas com o propósito de apontar as práticas
pedagógicas que atendam às especificidades desses educandos. Se assumirmos a máxima de
que o surdo não pode aprender em escolas regulares sem ao menos esgotar as possibilidades
pedagógicas, legitimaremos a postura adotada por parte dos profissionais da Educação que

42
não querem repensar suas práticas22. Isso é um problema, já que as mudanças que se
apresentam à Educação são irremediáveis. Em tal caso, a presença dos surdos não deve ser
encarada nas escolas regulares como um problema, mas sim, como uma oportunidade para as
transformações necessárias. E a prática escolar é o melhor lugar para a experimentação de
novas metodologias, entretanto, é fundamental que se considere as propostas teóricas que têm
sido apresentadas nas diversas pesquisas sobre a educação para surdos.
Percebo que diferentes pesquisas relacionadas ao ensino de surdo na escola que se diz
inclusiva têm indicado a ineficácia desse modelo na tarefa de garantir a qualidade da
aprendizagem desse educando. Todavia, o trabalho realizado por muitos colegas de profissão,
das mais diversas áreas, e o aprofundamento dos estudos sobre as teorias pedagógicas mais
atuais, impulsionam-me a assumir a postura oposta aos que escolhem a estagnação. Cabe aqui
reforçar que meu intuito não será debater e nem defender a funcionalidade da escola inclusiva,
mas parto do objetivo de refletir sobre práticas de ensino capazes de auxiliar os professores de
História na inclusão dos surdos que estão nessas escolas.
A seguir, apresentarei as principais questões sobre o ensino para surdos, com foco na
Pedagogia Visual (REILY, 2003; CAMPELLO, 2008; KELMAN, MARTINS; TAVEIRA,
2012; LEBEDEFF, 2017), na semiótica imagética (SANTAELLA, 1983, 1998, 2015;
TAVEIRA, 2014) e na importância do intérprete de Libras educacional (TUXI, 2009; SILVA;
OLIVEIRA, 2016; KOTAKI; LACERDA, 2018; MARQUES, 2018), pois se apresentam
como importantes ferramentas para o ensino de História para os educandos surdos, além de
fundamentarem minha pesquisa.

2.2 O ensino para educandos surdos

2.2.1 O Ensino Bilíngue e a Pedagogia Visual

Quais seriam, então, as maneiras mais adequadas para ensinar aos surdos? De partida,
cabe destacar um debate atual sobre qual tipo de instituição ideal para o surdo ser ensinado.
Há setores que defendem a manutenção das chamadas escolas especiais (SILVA; OLIVEIRA,
2016), como é o caso do INES; ou seja, uma escola que se dedica exclusivamente a alunos

22
Há uma tendência em atribuir o fracasso escolar do aluno somente a ele. Isso torna a escola isenta de qualquer
responsabilidade pela aprendizagem. Busca-se diferentes explicações que expliquem o fracasso: distúrbios,
disfunções, família desestruturada etc. As causas sempre apontam para questões “patológicas” ou sociais, mas
sem questionar as situações educacionais (BRASIL, 2003).

43
surdos. Outros estudos apontam, como o de Kelman (2005a), que os surdos podem aprender
na escola inclusiva desde que sejam atendidas as especificidades desses alunos.
Já é consensual que a língua de sinais é essencial para o desenvolvimento do surdo, já
que é língua pela qual ele conseguirá vivenciar o mundo integralmente. A criança ouvinte,
ainda bebê, acessa o mundo da linguagem23, entre outros meios, através do canal auditivo na
relação estabelecida com sua família, em especial, a mãe ou cuidador. No entanto, no
processo não há ensino da língua, pois essa é adquirida espontaneamente pela criança. Com a
criança surda o processo é diferente. Inserido em um contexto de linguagem oral, o bebê
surdo, mesmo ouvindo pouco, terá dificuldade de entender o que é transmitido pela
linguagem, porque mesmo percebendo o que está acontecendo não conseguirá fazer as
associações que uma criança ouvinte faz. Todavia, a criança surda dispõe de um canal natural
que a garante o acesso às informações do mundo, que é o visual. A Libras é uma língua que
desempenha todas as funções de uma língua oral, sendo assim, verbal, mas os sentidos e os
significados são construídos de forma visual. Com isso, possibilita que a criança surda,
mesmo bebê, consiga desenvolver naturalmente a sua linguagem (MOURA, 2018).
De acordo com Quadros (2014), a aquisição da linguagem pelo surdo, independente das
propostas pedagógicas, já deve ocorrer em uma língua visual-gestual. Contudo, como a
criança surda terá acesso a linguagem e a Libras naturalmente se o contexto social mais
comum é estar em uma família de ouvintes? Esse é o desafio comum que se tem apresentado
às escolas, pois se a família não pode cumprir esse papel, caberá a escola assumi-lo. E a
alternativa que se tem apresentado como a mais viável é a educação bilíngue.
A proposta educacional de modelo bilíngue ou bilinguismo, segundo Campos (2018),
reconhece os surdos como sujeitos diferentes, com cultura e línguas próprias. Nessa proposta,
o educando surdo tende a desenvolver competências em duas línguas, a língua de sinais,
primeira língua e a língua oral, segunda língua, mas na modalidade escrita. A aceitação da
língua de sinais fundamentou a aceitação da surdez como diferença (GESUELI, 2003) e
possibilitou que o surdo constitua sua subjetividade em interação com a identidade surda,
construindo assim, através das relações sociais entre surdos, a significação do próprio eu
(QUADROS, 2014). Skliar (1998) afirma que esse modelo bilíngue trouxe para a educação do
surdo, a centralidade da aquisição da linguagem de sinais e as conexões léxicas, semânticas e
sintáticas dessa língua com outras modalidades linguísticas.
23
Para Hall (2016, p. 17) “[...] a linguagem nada mais é do que o meio privilegiado pelo qual ‘damos sentido’ às
coisas, onde o significado é produzido e intercambiado. Significados só podem ser compartilhados pelo acesso
comum à linguagem. Assim, esta se torna fundamental para os sentidos e para a cultura e vem sendo
invariavelmente considerada o repositório-chave de valores e significados culturais.”.

44
Não obstante, o autor, apesar de reconhecer a importância do bilinguismo, o relativiza
enquanto um discurso que surgiu para resolver os problemas na educação dos surdos. Afirma
que a educação bilíngue não pode se limitar a propor ou refletir somente sobre uma situação
sociolinguística e cultural, e propunha na virada do século, que
[...] a educação bilíngüe deveria propor a questão da identidade dos surdos como
eixo fundamental da construção de um modelo pedagógico significativo, criar as
condições lingüísticas e educativas apropriadas para o desenvolvimento bilíngüe e
bicultural dos surdos, gerar uma mudança de status e de valores no conhecimento e
no uso das línguas implicadas na educação, promover o uso da primeira linguagem,
a linguagem de sinais, em todos os níveis escolares, definir e dar significado ao
papel da segunda linguagem na educação dos surdos, difundir a linguagem de sinais,
a comunidade e a cultura dos surdos para além das fronteiras da escola, estabelecer
os conteúdos e os temas culturais que especifiquem o acesso à informação por parte
dos surdos, gerar um processo de plena participação dos surdos como cidadãos,
desenvolver ações para o acesso e a compreensão dos surdos à profissionalização e
ao mundo — e não ao mercado — do trabalho (SKLIAR, 1998, p. 55).

Para o autor, portanto, a educação de surdos não pode se limitar ao domínio somente de
duas línguas, mas cabe também ao enfrentamento das práticas hegemônicas ao se reconhecer
a surdez como diferença. Conforme já destacado acima, a surdez deixou de ser considerada
questão patológica e passou a ser uma questão de diferença, cujo foco passou a estar na forma
como o surdo vivencia o mundo, no caso, pela experiência visual (SKLIAR, 1998). Essa
constatação corrobora a ideia de que os surdos vivenciam uma cultura visual, que segundo
Strobel (2008, p. 39):
Os sujeitos surdos, com a sua ausência de audição e do som, percebem o mundo
através de seus olhos, tudo o que ocorre ao redor dele: deste os latidos de um
cachorro – que é demonstrado por meio dos movimentos de sua boca e da sua
expressão corpóreo-facial bruta – até de uma bomba estourando, que é óbvia aos
olhos de um sujeito surdo pelas alterações ocorridas no ambiente, como os objetos
que caem abruptamente e a fumaça que surge [...].

Essa experiência visual, segundo Campello (2008), está ligada ao uso da língua de
sinais pelos sujeitos surdos, uma língua cuja singularidade é visual-gestual. Diante dessa
perspectiva, o aprofundamento dos estudos sobre o ensino para os surdos aponta a
necessidade do desenvolvimento de novas práticas metodológicas que atendam ao
processamento cognitivo do surdo, que, como já apontado, é visual. E em resposta ao domínio
particular do signo visual, apareceu a Pedagogia Visual24, como um dos caminhos possíveis
para o ensino desses educandos. Mas, para a autora, além de garantir uma abordagem que
atenda a especificidade do surdo, essa pedagogia corresponde a uma característica do tempo

24
De acordo com Campello (2008), a necessidade de criação de uma Pedagogia Visual esteve vinculada, entre
outros motivos, aos Estudos Visuais desenvolvidos em vários países no século XX, que fazia parte das pesquisas
sobre Estudos Culturais. Na década de 1970, Michael Baxandall passou a usar a terminologia “Cultura Visual”.

45
contemporâneo, e que faz parte do contexto da sociedade da visualidade, também chamada de
sociedade da imagem. Nesse contexto, definitivamente, o foco da educação do surdo deixou
de ser a perda auditiva e passou a ser, a percepção visual.
Apesar de Campello (2008) já ter apontado as prerrogativas da Pedagogia Visual
enquanto uma pedagogia para surdos, essa vem ganhando expressão em decorrência das
mudanças do tempo moderno. Isto é, em decorrência das aceleradas transformações
tecnológicas vivenciadas no atual século, os recursos visuais têm dominado muitas áreas do
cotidiano, e a forma como a sociedade tem vivenciado o mundo fez emergir a já citada
sociedade da visualidade. Como a Pedagogia é uma área do conhecimento que precisa
acompanhar o seu contexto histórico, procura se adequar às novas ferramentas que surgem e
que podem auxiliar no ensino-aprendizagem dos educandos. Nesse contexto de mudanças, e
diante das novas demandas da Educação no século XXI, é que a Pedagogia Visual vem se
desenvolvendo.
Como parte desse processo dos avanços tecnológicos, diversos autores têm estudado
como os novos recursos visuais influenciam e podem ser incorporados à área educacional,
modificando assim, as práticas em diversas disciplinas, como, por exemplo, têm ocorrido com
a Educação Artística. As novas propostas educacionais, portanto, tomam por base as novas
linguagens para ensinar. Além disso, as demandas que têm surgido com a inclusão nas
escolas, têm resultado em novas propostas pedagógicas que surgem para favorecer ao ensino
de educandos com alguma deficiência, como é o caso dos cegos. Na mesma direção, estudos
das áreas da Pedagogia têm buscado metodologias capazes de atender às necessidades dos
educandos surdos (LACERDA; SANTOS; CAETANO, 2018).
Para Lacerda, Santos e Caetano (2018), os surdos ao estarem imersos no mundo visual,
constroem o conhecimento majoritariamente a partir das informações apreendidas por ele. A
explicação para isso é que os conceitos organizados em língua de sinais, são, portanto,
enunciados por meio de imagens, mas também, verbalmente. Conforme Rosa e Luchi (2010,
p. 3), a língua de sinais, como qualquer outra língua, tem o papel de articular o conhecimento,
o aprendizado e o desenvolvimento cognitivo. O diferencial da língua de sinais é que as
imagens são construídas pelo sinalizador a partir do que observa e vivencia em si mesmo.
Para as autoras,
A semiótica tem o poder de aprofundar e expandir a capacidade de conhecimento, de
descoberta e interação com o outro, com o mundo e com o conteúdo a ser aprendido.
Focalizando a língua de sinais e o desenvolvimento educacional do surdo a
semiótica é imprescindível. O visual para o surdo é extremamente necessário.

46
No entanto, não basta ensinar os conteúdos escolares só em Libras, é preciso explicá-los
usando toda a potencialidade visual que a língua possui. E a área da Pedagogia Visual, que
pode auxiliar nesse processo é a chamada semiótica imagética. A aceitação da cultura visual
dos surdos e a construção de uma pedagogia que se fundamente nessa especificidade,
corrobora com o que Kelman, Martins e Taveira (2012, p. 4632) afirmam:
O ensino de alunos surdos deve apoiar-se em duas vertentes, o bilinguismo e o uso
de recursos especiais, baseados na experiência visual. Como o aluno surdo constitui
significados? Quais são as peculiaridades que vencem o desafio de transformar
ensino em aprendizado? Devido às dificuldades para compreender as explicações
verbais da professora que fala português, a criança surda necessita, além do
intérprete, do apoio da semiose imagética [...] teoria que constitui a base da
pedagogia visual, inserindo múltiplos recursos visuais e semióticos e material
didático para complementar a explanação do professor, de forma que aprendam mais
e melhor.

Ainda de acordo com as autoras, a semiótica imagética, que teve origem nos estudos de
Peirce, estuda as imagens como signos, o que permite a compreensão de um quadro assim
como possibilita entender como os estudantes surdos aprendem. Isso se explica, pois “[...]
Enquanto o olho examina as imagens, o pensamento vai sendo constituído, em uma relação de
interdependência. A semiose imagética traduz um conceito (significado) em imagem”.
(KELMAN; MARTINS; TAVEIRA, 2012, p. 4633). Em outras palavras, conclui-se que a
compreensão da relação entre olho e pensamento, o que é característico da criança surda,
aponta a exigência de que o ensino para educandos surdos seja baseado na Pedagogia Visual,
portanto, que sejam abundantes o uso de recursos imagéticos.
Além disso, através da semiótica imagética é possível refletir sobre uma imagem e a
partir dessa, especialmente no ensino de História, suscitar “[...] reflexões acerca de temas
sociais, aspectos econômicos e políticos que se entrelaçam em um determinado período
histórico”. Isto é, “[...] uma imagem pode evocar a compreensão de vários elementos de um
determinado período histórico e, nesse sentido, evocar significados sem a presença de
qualquer texto escrito.” (LACERDA; SANTOS; CAETANO, 2018, p. 187).
Diante do exposto acima, pode-se afirmar que através de imagens é possível buscar os
sentidos construídos socialmente e a partir dos elementos visuais, o professor pode auxiliar no
aprendizado dos educandos.
Uma autora que tem contribuído para o debate sobre a semiótica no ensino é Reily
(2003). Segundo a autora, a partir das concepções epistemológicas da corrente sociocultural
soviética, pode-se afirmar que, o ser humano enquanto ser social, tem mediadas as suas
relações com o mundo, com o outro e consigo mesmo através de sistemas sígnicos. Logo, ao
interagir “[...] por meio de signos, socialmente constituídos, o homem constrói e se apropria

47
de sentidos, significando sua experiência no mundo.” (REILY, 2003, p. 161). Tomando por
base os debates da segunda metade do século XX sobre a interpendência entre pensamento e
linguagem, e apesar das relações que são estabelecidas entre funções mentais superiores e o
sistema linguístico ainda estarem pouco explicadas, a autora reafirma a necessidade do
desenvolvimento de algum sistema semiótico pelos indivíduos para significar o mundo.
Porém, indaga a autora: como saber o tipo mais apropriado para a constituição da linguagem e
do pensamento? Conclui que o sistema semiótico ideal é determinado pelo contato do sujeito
com o ambiente social.
Consequentemente, como os surdos vivenciam o mundo predominantemente pelo
visual, necessita-se de um sistema semiótico diferente da linguagem verbal. Por esse motivo,
a autora argumenta que nas escolas é preciso que se dê maior atenção a imagem, que no
decorrer do tempo teve seu valor semiótico e a sua função enquanto instrumento mediador da
aprendizagem, subestimados. E aos professores que trabalham com surdos é urgente a
reflexão sobre o papel da imagem na aquisição do conhecimento. Entretanto, assevera a
autora, deve-se superar o seu uso como mera função decorativa, já que a imagem permeia
todos os campos do conhecimento e possui uma estrutura capaz de instrumentalizar o
pensamento.
Reily (2013) discorre sobre a importância do uso de imagens na Educação e como isso
reflete positivamente, se bem utilizado, no processo de ensino-aprendizagem. Afirma que é
fundamental que esse procedimento esteja nos currículos escolares, pois, entre outras funções,
garante aos educandos a habilidade de leitura de imagens do seu cotidiano, assim como
habilita-os para que aprendam a entender um texto a partir de imagens. E assim como o
conhecimento numérico, a informática e o letramento verbal, a leitura de imagens perpassa as
fronteiras culturais, o que justifica o seu trabalho em sala de aula, já que é um equívoco
considerar que ela seja adquirida intuitivamente na escola (HUGHES apud REILY, 2003). Em
relação aos surdos, a autora destaca que é necessário que o professor use todo o potencial da
imagem no ensino, tanto a sua representação abstrata quanto a figurativa ou pictográfica, já
que educandos surdos aprenderão prioritariamente pelo sentido da visão.
Outra autora que tem destacado as contribuições do aspecto visual no ensino é Lebedeff
(2017). Apenas ela o denomina letramento visual. Conforme a autora, em 1910, George W.
Veditz, então presidente da Associação Nacional de Surdos dos EUA, afirmava que os surdos
eram o “povo do olho”. E o que significaria essa expressão? Para Mckee (apud LEBEDEFF,
2017) os surdos acessam a tudo no mundo pela visão, dando a eles uma condição diferenciada
de experiências visuais. Para Quadros (2003, p. 93, 102), as experiências visuais perpassam

48
desde o ponto de vista físico (os encontros, as histórias, as coisas etc.) como o mental (a
língua, os pensamentos, as ideias, entre outros). Logo, se a cultura surda é visual, as “[...]
produções linguísticas, artísticas, científicas e as relações sociais são visuais.”. Assim sendo,
assevera que a “[...] experiência visual, muitas vezes, relegada a um segundo ou terceiro
plano, deve passar a ser o centro das atenções, pois ela é a base do pensamento e da
linguagem dos surdos.”.
Com base em Perlin, Lebedeff (2017, p. 230) afirma que a experiência visual do surdo
não se limita ao uso da visão como meio de comunicação, mas ela dá existência a cultura
surda, que se manifesta através da “[...] língua de sinais, pelo modo diferente de ser, de ser
povo surdo, de se expressar, de conhecer o mundo, de entrar nas artes, no conhecimento
científico e acadêmico.”. Corrobora com essa ideia, a pesquisadora surda Strobel (2008), ao
considerar que a experiência visual é o primeiro artefato da cultura surda.
Diante do exposto, Lebedeff (2017, p. 248) conclui que as escolas deveriam propiciar
experiências visuais significativas aos surdos, entretanto, não é isso o que se observa na
prática. É essencial que a experiência visual seja assumida em sala de aula, contudo, endossa
a autora que a “[...] surdez existe e necessita de uma proposta pedagógica nova, pensada para
suas singularidades linguísticas e culturais. Os surdos não querem adaptações, não querem ser
representados como simulacros de ouvintes.”.
Para a autora, dessa maneira, a experiência visual deve se tornar a base das propostas
educacionais para os surdos, ou seja, que se pense a educação a partir das especificidades
linguísticas, culturais, de interação e compreensão do mundo dos surdos. Cabe ressaltar que se
levando em conta o não compartilhamento da mesma língua na relação entre professor
ouvinte e aluno surdo nas escolas inclusivas, a tendência em sala de aula é que se reproduzam
atividades e experiências ouvintes, com foco na oralidade, dando-se assim pouca importância
à cultura visual e surda. E, além disso, o Brasil apresenta grande carência de práticas reais que
auxiliem os surdos a se identificarem como sujeitos visuais e que revelem as potencialidades
da experiência visual enquanto construtora de conhecimento. Por isso, desde 2013, as
orientações do MEC passam pela valorização da experiência visual “[...] não apenas para a
aprendizagem, mas também para o desenvolvimento da identidade surda.” (LEBEDEFF,
2017, p. 247).
A partir dos argumentos apresentados acima, é perceptível que as contribuições da
Pedagogia Visual procuram atender às especificidades dos educandos surdos. Todavia, não
são exclusivas para surdos, já que o mundo contemporâneo demanda sujeitos, surdos ou
ouvintes, capazes de interpretar as diversas imagens produzidas e consumidas pela nossa

49
sociedade. Isto posto, pode-se inferir que ela é uma abordagem que garante ao surdo o acesso
direto ao conhecimento e a construir significados sobre a realidade. Aos ouvintes, pode-se
dizer, por um lado, que é mais uma possibilidade de compreensão do que é ensinado além do
oral e do texto escrito e, por outro lado, é capaz de despertar a criticidade em relação às
características do tempo contemporâneo, e como já destacado acima, no tocante à chamada
sociedade da visualidade. Kelman, em sua tese de 2005, concluiu que em turmas onde havia
alunos surdos incluídos e os professores utilizavam muitos recursos visuais para facilitar a
compreensão, os alunos ouvintes também aprendiam melhor. Ou seja, as potencialidades do
visual podem e devem ser exploradas em sala, no entanto, sem necessariamente se limitar às
classes inclusivas.
Segundo Campello (2008), assim como um surdo pode ter dificuldade em ler uma
fotografia, um ouvinte que não foi ensinado a lê-la, também terá. Assim como o registro
escrito pode não significar aprendizado para o surdo, para o ouvinte pode se limitar a um ato
de mera cópia. O que leva a autora afirmar que há necessidade de se pensar em materiais
didáticos específicos que atendam a especificidade dos surdos, mas não só a esses educandos,
pois o mundo moderno requer ouvintes capacitados na leitura dos seus significados.
Convicto que é possível construir uma aula de História que atenda às especificidades
destacadas acima, coloco-me abaixo a pensar o que é e quais as contribuições da semiótica
imagética podem auxiliar no ensino-aprendizagem em uma escola inclusiva.

2.2.2 A semiótica imagética: a imagem no processo de ensino-aprendizagem

Como ponto de partida para essa análise é importante definir o que é semiótica25. Com
base nos estudos de Peirce26, autor que se dedicou aos estudos da semiótica, Santaella (1983,
1998, 2015) tem desenvolvido diversos estudos para aprofundar as ideias do autor. Para a
autora é possível dizer que a semiótica é a ciência dos signos da linguagem27.
25
Entre o final do século XIX e o início do século XX, a semiótica surgiu como objeto de conhecimento em três
lugares do mundo: na URSS, na Suíça e nos EUA. Elas não são excludentes, mas assumem perspectivas
diferentes para a análise semiótica. A soviética é chamada de socialista; a de Genebra, tem Ferdinand Saussure
como seu grande expoente, dando origem à Linguística e é chamada de estruturalista; nos EUA, Peirce
desenvolveu uma teoria baseada na fenomenologia (SILVA, 2013).
26
Charles Sanders Peirce (1839-1914) foi um matemático, cientista, lógico e filósofo estadunidense, que “[...]
dedicou toda a sua vida ao desenvolvimento da lógica entendida como teoria geral, formal e abstrata dos
métodos de investigação utilizados nas mais diversas ciências. A esta lógica ele deu o nome de semiótica.”
(SANTAELLA, 2015, p. XII).
27
Santaella (1983), aponta a necessidade de se estabelecer uma separação entre dois campos para que não exista
confusão de entendimento: enquanto a Linguística trata da ciência verbal, no caso, as línguas; a semiótica, é a
ciência de toda e qualquer linguagem.

50
A comunicação realizada pelos seres humanos não se limita à fala ou à escrita, que
estão intrinsicamente vinculadas a uma língua. Na verdade, somos capazes de produzir,
reproduzir, consumir diferentes tipos de linguagens que permitem a comunicação uns com os
outros. No decorrer dos tempos, os humanos sempre produziram formas de linguagens verbais
e não verbais (imagens, sinais, números, música, entre outros), o que nos torna seres
simbólicos e que significam o mundo de maneira plural e complexa. De acordo com Hall
(2016), a cultura diz respeito aos significados compartilhados, sendo a linguagem o meio
privilegiado pelo qual damos sentido às coisas. Por operar como um “sistema
representacional”, a linguagem produz o significado e o seu compartilhamento. Logo,
fazemos uso de signos e símbolos para significar ou representar aos outros nossas ideias,
conceitos e sentimentos.
A partir do século XIX, a escola paulatinamente assumiu um papel primordial de formar
culturalmente os cidadãos em diferentes países. Inicialmente, os objetivos eram em prol da
formação de uma identidade nacional, impregnada de concepções morais, cívicas e também
religiosas. No decorrer do século XX, com a expansão dos ideais democráticos, ultrapassou a
ideia de uma escola liberal voltada para a formação de mão de obra para o capitalismo, para
incorporar outros objetivos, entre os quais, formar cidadãos, mas não mais com foco em um
patriotismo ufanista, e sim, conscientes de seus direitos e deveres, capacitados assim, para
usufruírem da cidadania. Paulatinamente, a escola passou da função básica de ensinar a ler,
escrever e contar para funções mais complexas, como transmissão-assimilação dos conteúdos
de cada disciplina, formação moral, atitudinal e de convicções, além do desenvolvimento de
pensamento autônomo, criativo e crítico etc. (LIBÂNEO, 2010). Diante do exposto, pode-se
afirmar que a escola é lugar onde signos e símbolos são constantemente usados, repensados,
construídos, mas também, disputados. Em tese, é uma instituição social em que as diferentes
sociedades, através especialmente da linguagem oral, perpetuam o seu “sistema
representacional”. Sendo assim, constata-se uma relação intrínseca entre o ensino e a
semiótica. São alguns aspectos dessa relação, especificamente do contexto da sala de aula,
que desejo explorar ao correlacionar semiótica imagética e o ensino de História.
Consoante Santaella (1998), existem três matrizes lógicas da linguagem: a verbal, a
visual e a sonora. Com a multiplicação de formas de linguagens e os meios pelos quais essas
se materializam tem ocorrido um hibridismo entre essas matrizes lógicas. Isso revela que não
existem linguagens puras. Na verdade, ao delimitar o pensamento representacional humano, a
autora afirma que essas matrizes não são excludentes, e sim, intercomunicantes e
permutáveis. Além disso, afirma que desde a criação da fotografia, passando pela explosão da

51
imprensa e das imagens até a revolução digital, que se intensifica no século XXI, há um
intenso crescimento dos signos no mundo, o que demonstra ser algo inerente à evolução
humana. Diante dessa proliferação, é essencial que os humanos saibam lê-los e dialogar com
eles de forma mais profunda, indo além da mera superficialidade.
A gramática especulativa28, considerada a ciência geral dos signos, busca estudar todos
os tipos de signos e as formas de pensamento que eles possibilitam. Apesar de apresentar
conceitos gerais, essa teoria, no nível mais abstrato, permite que seja descrito, analisado e
avaliado os processos existentes dos signos verbais, não-verbais e naturais, manifestado na
fala, nos sons, nas imagens, na escrita, entre outros. Através dessa ciência é possível encontrar
“[...] as definições e classificações para a análise de todos os tipos de linguagem, signos,
sinais, códigos, de qualquer espécie e de tudo que está neles implicado: a representação e os
três aspectos que ela engloba, a significação, a objetivação e a interpretação.” (SANTAELLA,
2015, p. 5). Ou seja, através dessa teoria é possível extrair estratégias metodológicas para
leitura e análise sígnica de qualquer linguagem, todavia, o processo analítico requer outras
teorias do conhecimento, como a da História, para que as mensagens sejam desvendadas em
acordo com o contexto de construção do signo (MELO; MELO, 2015), como mostrarei mais
abaixo.
Um ponto básico da teoria de Peirce é em relação aos fenômenos. O autor identificou
três elementos formais e universais que se apresentam à percepção e à mente. A partir de uma
generalização máxima, os elementos foram designados de primeiridade, secundidade e
terceiridade (SANTAELLA, 2015; MELO; MELO, 2015). Em síntese, são assim descritos:

QUADRO 1: Categorias fenomenológicas universais de Peirce


ELEMENTO IDENTIFICAÇÃO
É a percepção primária, o sentir. O signo é percebido pelas cores,
Primeiridade formas e texturas, elementos que provocam emoção, sentimento e
sensação. É a coisa em si.
A percepção secundária, a reação. É o momento em que o signo revela
Secundidade relações/associações com outras experiências; há uma materialização,
sendo a mensagem percebida. É a consciência da existência da coisa.

28
Peirce divide a Semiótica em três ramos: a gramática especulativa, a lógica crítica e a metodêutica ou retórica
especulativa. Para este trabalho, focarei na primeira, pois é a que aponta para um percurso
metodológico-analítico que possibilita dar conta das diferentes naturezas que as mensagens podem assumir
(SANTAELLA, 2015).

52
É o instante da percepção do pensar, da inteligibilidade, da
Terceiridade interpretação. É onde a leitura é simbólica e composta de significações.
É a apreensão, a reflexão ou a interação com a coisa.

Portanto, de natureza triádica, o signo pode ser analisado em si mesmo, isto é, no seu
poder de significar (significação); na sua referência, ou seja, no que representa (objetivação);
e, nos efeitos que podem causar à mente, a saber, as interpretações (outros signos) que podem
suscitar nos intérpretes (interpretação). Em síntese, “[...] o signo é qualquer coisa de qualquer
espécie [...] que representa outra coisa, chamada de objeto do signo, e que produz um efeito
interpretativo em uma mente real ou potencial, efeito este que é chamado de interpretante do
signo.” (SANTAELLA, 2015, p. 8). O signo, funciona assim, como um mediador entre o
objeto e o interpretante, isto é, o acesso dos leitores, o interpretante, ao objeto do signo, o que
é representado, dá-se pela mediação do próprio signo. Sendo assim, o processo semiótico se
realiza na conexão entre a mente, o objeto e o signo.
Conforme Santaella (2015), são três os fundamentos comuns que dão capacidade para a
existência dos signos, são eles:

QUADRO 2: Fundamentos do signo


FUNDAMENTO IDENTIFICAÇÃO
Quali-signo Uma qualidade do signo.
Sin-signo A sua existência enquanto signo.
A sua propriedade de lei, ou seja, quando ocorre algo de acordo com
Legi-signo
o estabelecido.

O fundamento do signo determina a forma como o objeto será representado: se o


fundamento do signo for quali-signo, a relação com o objeto será um ícone; se for de
existência, a relação signo-objeto será um índice; mas se for de lei, será um símbolo
(SANTAELLA, 2015). Na análise que faz sobre semiótica, Taveira (2014, p. 79) afirma que
na base da teoria de Santaella “[...] o verbal é uma questão de símbolo, o visual uma questão
de índice e o sonoro uma questão de ícone.”.
A referencialidade do signo, portanto, apresenta três níveis, conforme o quadro abaixo:

QUADRO 3: Referencialidade do signo, níveis sígnicos


REFERENCIALIDADE IDENTIFICAÇÃO
É um signo que se fundamenta como qualidade, pois só
Ícone
consegue sugerir ou evocar seu objeto por similaridade, por

53
meio de semelhanças de qualidades. Segundo Rosa-Silva e
Laburú (2011, p. 4) o ícone se relaciona “[...] com aspectos
qualitativos: a luz, as cores, os tons, as formas, o volume, a
textura, o brilho, o contraste, o movimento, o tamanho, etc.
São signos pictóricos que têm como função aguçar os órgãos
dos sentidos, ‘agredir’, por exemplo, a visão do intérprete.”.
Tem por fundamento uma existência concreta, ou seja, ele
indica algo ao qual está conectado, ligado, relacionado, a
partir de experiências anteriores vivenciadas por um
interpretador. Isso fica mais nítido ao considerar os seguintes
exemplos: para um observador adulto, uma nuvem carregada
Índice
é um indício de chuva, assim como uma rua molhada e com
poças de água, indica que por ali choveu. Outro exemplo, é
uma vegetação florida em regiões de clima temperado, ela
indica a estação vivenciada a quem observa, a primavera
(SANTAELLA, 2015; ROSA-SILVA; LABURÚ, 2011).
O símbolo tem uma ação mais complexa, pois seu
fundamento é uma lei. Isso quer dizer, que o objeto é
significado através de uma associação de ideias, pelo
pensamento, cuja compreensão do signo só é possível com o
interpretante. Isto é, o símbolo enquanto signo se apresenta
ao interpretante no nível do argumento, da interpretação.
Exemplificando, a bandeira funciona como um ícone por suas
cores, todavia, pode se tornar um símbolo através de uma
Símbolo
convenção sociocultural. Se não existisse uma convenção
sobre a bandeira brasileira ela não poderia representar o
Brasil, mas como esse ícone foi escolhido de forma arbitrária,
como lei, passou a representar o país (SANTAELLA, 2015).
Em relação ao exemplo da vegetação florida e a primavera
apresentada acima, o símbolo é o conceito de estações do
ano, que ganhou significância a partir de uma convenção
(ROSA-SILVA; LABURÚ, 2011).

54
Essa tríade está presente em todo e qualquer processo sígnico, logo, é essencial para a
compreensão analítica do processo semiótico.
Entretanto, ainda há um último elemento: o interpretante. Destaca Santaella (2015), que
o signo só completa sua ação e age definitivamente como signo na relação com o
interpretante. Esse elemento não se refere ao intérprete, mas sim, ao processo, do qual o
intérprete também tem o seu lugar. Para a autora, interpretamos signos continuamente e
fazemos de forma intuitiva não nos dando conta da sua complexidade. Contudo, ela pondera,
que na análise dos signos é fundamental tornar as relações explícitas e que essa deve ocorrer
através de uma leitura dos aspectos do signo. Isso é importante para que o intérprete possa
fugir das armadilhas dos estereótipos e evitar a imposição de uma interpretação já pronta e
tirada de um repertório fixado.
São três os níveis do interpretante apontados pela autora, conforme o quadro a seguir:

QUADRO 4: Níveis do interpretante


NÍVEIS IDENTIFICAÇÃO
Relaciona-se ao efeito que o signo é capaz de produzir no ato
Imediato interpretativo. É interno ao signo e se localiza no nível das
possibilidades.
É o aprofundamento do nível anterior, das possibilidades. Em relação
aos ícones, essas possibilidades são sempre abertas, já que nada no
ícone é definitivo, e dependem das cadeias associativas que o signo
provocará no intérprete, mas também, do repertório cultural desse
analisador. Já no índice, as possibilidades interpretativas são fechadas.
Interpretante Como o signo e o objeto estão conectados por uma conexão existencial,
dinâmico o potencial interpretativo do índice se reduz a indicação do signo em
relação ao seu objeto. No que concerne ao símbolo, esse possui um
potencial interpretativo inexaurível. O símbolo se apresenta incompleto,
pois só funciona como signo porque define um interpretante que o
interpretará como tal. O símbolo não se esgota em nenhuma
interpretação particular, sendo, portanto, geral.
É o último nível e não pode ser alcançado por um intérprete particular,
Interpretante
já que se refere ao resultado interpretativo que qualquer intérprete
final
tenderia a chegar se levasse os interpretantes dinâmicos do signo até

55
seu limite último. Como isso não é viável, trata-se de um limite
pensável, mas não inteiramente atingível.

De acordo com Santaella (2015), em todo processo analítico, o interpretante sempre


ocupa o lugar de interpretante dinâmico, já que para analisar é necessário interpretar. Nesse
processo, o interpretante realizará uma interpretação particular, o que requer certa humildade
na análise, pois interpretações singulares são incompletas e infalíveis. Mas por outro lado, a
consciência de falibilidade é diferencial para a realização de uma análise semiótica objetiva.
Quando se está nesse nível de análise se explicita “[...] os níveis interpretativos que as
diferentes facetas do signo efetivamente produzem em um intérprete, no caso, o próprio
analista [...]” (SANTAELLA, 2015, p. 40). Nos níveis interpretativos efetivos há três
camadas, são elas:

QUADRO 5: Camadas dos níveis interpretativos


CAMADAS IDENTIFICAÇÃO
Emocional É a capacidade do signo produzir qualidades de sentimento no analista.
Energética Quando o signo impulsiona uma ação meramente física ou mental.
Lógica Quando está aberto para a produção de cognição, de conhecimento.

Sendo assim, para uma análise de signos históricos, o interpretador precisa conhecer o
contexto de sua produção e o saber historiográfico construído sobre o período para que possa
compreender as mensagens e suas representações, no caso, o simbólico, e não somente ficar
no que se sugere, o ícone, ou indica, o índice.
Como optei para este trabalho pela reflexão e construção de uma prática pedagógica
voltada para o ensino de História para alunos surdos no contexto de uma sala de aula
inclusiva, essa escolha aponta para a matriz da linguagem e pensamento que atende a proposta
da minha análise, a matriz visual. Isso não quer dizer, conforme aponta Taveira (2014), que
ocorra a exclusão da matriz verbal ou sonora, por exemplo. Na verdade, o que existe é uma
predominância do visual. Na raiz de todas as matrizes existem processos perceptíveis que não
são exclusivos de um sentido ou outro. Na prática, os sistemas perceptíveis são órgãos de
atenção ativa, capacitados para a aprendizagem. Através da prática, da experimentação, são
desenvolvidas habilidades perceptivas de determinado órgão. No caso da percepção visual, o
olho é o órgão central.
Em uma sala de aula inclusiva, por exemplo, os educandos ouvintes, partindo de uma
perspectiva da visualidade poderão desenvolver habilidades de leitura com os olhos, mas
também através do verbal e do sonoro. Conforme já apontado acima, com o aluno surdo, esse

56
processo é diferente, já que a leitura se limitará ao olho, ao visual. Além disso, o processo de
leitura do surdo é ainda mais singular, porque a construção do seu pensamento na sua própria
língua, também é visual e verbal.
Taveira (2014, p. 93), aponta que a linguagem visual corresponde a uma matriz de
secundidade, no caso, da existência, e apresenta duas faces: “[...] 1. A forma que diz respeito
ao signo visual em si mesmo; 2. A representação que se reporta àquilo que a forma é capaz de
representar.”. E isso é fundamental
[...] porque a natureza do signo corresponde ao efeito que o signo está apto a
produzir na mente e, a apreciação do tipo de representação que o signo estabelece
com aquilo que ele representará, é a base para constatar o grau de interpretabilidade
do signo, ou seja, o seu potencial interpretativo, e a acuidade do olhar e da reflexão
[...]. (grifo da autora).

Ainda segundo a autora, a terceiridade, categoria da consciência, tem como parte de si


tanto um índice como um ícone e funciona como mediação entre o primeiro e o segundo,
assumindo-se assim, a mediação do pensamento. Isso ocorre porque o “[...] Pensamento é
processo, ato de mediação interpretativa entre nós e os fenômenos da existência, da
experiência [...]”. Desse processo, surge o significado, “[...] aquilo que se desloca, se esquiva,
ou seja, o signo que acaba por se traduzir em outro signo. O significado de um signo ou
pensamento é outro signo ou pensamento [...]” (TAVEIRA, 2014, p. 83, grifo da autora). E
todo esse sistema é resultado das nossas experiências no mundo enquanto seres simbólicos.
Apesar da prática pedagógica proposta neste trabalho não ter sido pensada a partir da
língua de sinais, o que se apresenta como ideal no ensino de alunos surdos, conforme já
apontado, a construção ainda se fundamentou na especificidade de aprendizagem do surdo, no
caso, a visualidade. Isso precisa ficar evidente, pois é a partir dela que a metodologia didática
diferenciada e o material didático adaptado com conteúdo histórico foram construídos.
Dito isso, a minha proposta toma por base o ensino de História a partir de imagens
históricas, que são pertencentes, portanto, a uma matriz visual. Todavia, o processo não se
encerra nas imagens. A prática pedagógica que proponho se fundamenta a partir de alguns
elementos da semiótica imagética, pois a construção do processo interpretativo também se
dará a partir da visualidade. Entretanto, o processo precisou ser adaptado as características da
sala de aula e as especificidades do saber histórico e do ensino de História, especialmente, em
relação ao tratamento de imagens históricas enquanto fonte histórica, conforme é descrito e
explicado no capítulo final.
É essencial deixar evidente a particularidade da escola inclusiva. Uma sala de aula com
educandos ouvintes e surdos coloca em contato duas línguas diferentes, a Língua Portuguesa e

57
a Libras. Por causa disso, a forma como os educandos acessam as informações e constroem
seus conhecimentos é distinta, pois cada língua possui a sua singularidade. Essa realidade
requer do professor ouvinte uma didática que permita que todos os educandos acessem os
conhecimentos da aula, a partir das suas particularidades. Para o aluno surdo, a tradução feita
por um intérprete de Libras é um caminho obrigatório, mas que não se encerra em si. Partindo
da possibilidade de ensinar os conhecimentos históricos a partir de uma prática baseada na
visualidade, considero pertinente o alerta feito por Taveira (2014, p. 83):
[...] a habilidade de codificar e decodificar mensagens (interpretar) é dependente da
experiência dos sujeitos envolvidos e da interpretação de mundo dos atores desse
processo, que fazem a seleção, escolha, leitura e significação dos objetos. A
adequação de objetos ao meio cultural e social pode ter influência nos aspectos
relacionados à qualidade da mensagem, à ambiguidade desta, ou a alguma falha
(intencional ou não) na transmissão da mensagem.

Diante do que foi exposto até aqui, é notório que a semiótica imagética apresenta
elementos teóricos viáveis para a construção de uma prática pedagógica para o ensino de
História a educandos surdos. Todavia, conforme destacou a autora acima mencionada, a sua
concepção deve partir da experiência cultural dos educandos e a sua aplicação deve se manter
ligada a esse fundamento. Isso é questão básica, pois segundo as orientações do Ministério da
Educação (MEC) (BRASIL, 2003), as adequações nos procedimentos didáticos e nas
atividades de ensino-aprendizagem em uma sala de aula inclusiva devem focalizar as
capacidades, isto é, o potencial de todos os educandos presentes no processo.
Outro ponto essencial a se destacar é que a semiótica se restringe a mapear vários
aspectos gerais do campo das linguagens, diante disso, para uma análise mais fundamentada
necessita do diálogo com outras teorias mais específicas. Por exemplo, a análise semiótica de
um filme ou de uma pintura não se encerram em si, porque precisam necessariamente e
respectivamente, das teorias específicas do cinema e da história da arte para a investigação.
Segundo Santaella (2015), a semiótica não é uma chave que desvenda os aspectos do signo
milagrosamente; na verdade, serve como um mapa lógico que orienta como deve ser
conduzida a análise. Sem o conhecimento histórico de um sistema de signos e o contexto
sociocultural de sua produção é impossível detectar as marcas do contexto na mensagem.
À vista disso, ao se analisar imagens históricas pela semiótica imagética, é
imprescindível relacioná-la às reflexões históricas do contexto de produção dessas imagens.
Além disso, por se tratar do uso dessas análises em um contexto de ensino é preciso também
buscar as contribuições dos estudos sobre o uso de imagens no ensino de História, como já
apresentado no capítulo anterior.

58
Após essa breve apresentação dos aspectos semióticos e como eles podem contribuir
para o ensino de História em uma sala inclusiva, passarei aos aspectos fundamentais para a
leitura de uma imagem.
Santaella (2012), afirma que uma imagem pode e deve ser lida. Apesar do
questionamento de muitos autores, leitor não se limita mais a quem lê um livro. Na atualidade
há uma expansão dos leitores: aqueles que leem imagens, sinais e signos que circulam no
cotidiano; espectadores de cinema e TV; os que viajam na internet; entre muitos outros.
Segundo a autora, levando-se em conta as mudanças históricas na relação entre texto e
imagem
[...] não há por que manter uma visão purista da leitura restrita à decifração de letras.
Do mesmo modo que, desde o livro ilustrado e as enciclopédias, o código escrito foi
historicamente se mesclando aos desenhos, esquemas, diagramas e fotos, o ato de ler
foi igualmente expandindo seu escopo para outros tipos de linguagens. Nada mais
natural, portanto, que o conceito de leitura acompanhe essa expansão.
(SANTAELLA, 2012, p. 8).

Sobre a leitura de uma imagem, a autora afirma que seria um equívoco contrapor o
verbal e o visual, pois apesar das especificidades de cada um ao interpretar e significar a
realidade, eles se complementam, não podendo assim, um substituir o outro. Para um ouvinte
acessar as representações ou os conhecimentos que as imagens suscitam fará a tradução
basicamente através da linguagem verbal, seu principal meio de comunicação. Não obstante,
isso não quer dizer que exista imposição na forma que se lê a imagem, o que há, na verdade, é
uma explicitação dos traços que caracterizam sua natureza, enquanto imagem. Para a autora, a
[...] alfabetização visual significa aprender a ler imagens, desenvolver a observação
de seus aspectos e traços constitutivos, detectar o que se produz no interior da
própria imagem, sem fugir para outros pensamentos que nada têm a ver com ela. Ou
seja, significa adquirir os conhecimentos correspondentes e desenvolver a
sensibilidade necessária para saber como as imagens se apresentam, como indicam o
que querem indicar, qual é o seu contexto de referência, como as imagens
significam, como elas pensam, quais são seus modos específicos de representar a
realidade. (SANTAELLA, 2012, p. 10).

No entanto, a leitura de imagens requer do leitor o conhecimento dos seus atributos. De


partida, as imagens podem ser divididas em cinco domínios: primeiro, das imagens mentais,
as quais resultam da nossa mente; o segundo, as imagens perceptíveis, que são as que
percebemos na realidade; terceiro, são as representações visuais; quarto, imagens verbais,
manifestadas pela linguagem, como as metáforas; e por fim, imagens ópticas, que se refere ao
espelho e projeções. Ainda conforme a autora, as imagens podem ser inscritas manualmente;
capturadas por meio de recursos ópticos; serem fixas, em movimento ou animadas; além
disso, podem ser bidimensionais ou tridimensionais.

59
Para o trabalho com imagens históricas, cujo objetivo nas aulas de História é o ensino e
a aprendizagem da sua leitura enquanto documento histórico, as representações visuais29 são
as mais pertinentes. Elas são assim chamadas, segundo Santaella (2012, p. 15), porque são
fruto da criação e produção humana em diferentes tempos e sociedades. São criações
artificiais e necessitam “[...] da mediação de habilidades, instrumentos, suportes, técnicas e
mesmo tecnologias [...]” para existirem.
Cabe ainda destacar que as imagens funcionam como duplos, pois “[...] representam
aspectos do mundo visível por meio das relações de semelhança que com eles mantém.”
(SANTAELLA, 2012, p. 16). Como nem sempre as imagens reproduzem aquilo que é visível,
elas são divididas em três modalidades: as imagens em si mesma, as imagens figurativas e as
imagens simbólicas. As três estarão na proposta metodológica, todavia, o foco estará na
última, já que representam significados que ultrapassam a percepção dos olhos. Isto é, o
grande potencial das imagens históricas em sala de aula são as representações e os
significados históricos de determinado período que podem ser explorados.
As imagens no domínio das representações, diz Santaella (2012), apresentam múltiplas
camadas: subjetivas, estéticas, sociais, antropológicas e tecnológicas. Essas camadas estão no
interior da própria imagem e precisam ser apreendidas para o momento da análise dela. Além
disso, alerta que há cuidados que devem ser tomados em relação à natureza das imagens,
como, por exemplo, em vista da sua naturalidade. Aponta que existe uma diferença entre
percepção e interpretação e que reconhecer uma imagem não é garantia de se obter a chave
interpretativa dela. Esse processo é importante, já que interpretar uma imagem se acrescenta
ao próprio processo de reconhecimento.
E o que seria a alfabetização visual na escola? Conforme a autora, refere-se ao
desenvolvimento sistemático de habilidades “[...] envolvidas na leitura de imagens, de modo a
levar ao compartilhamento de significados atribuídos a um corpo comum de informações.”
(SANTAELLA, 2012, p. 11). Ainda presas ao texto verbal como grande transmissor do
conhecimento, a alfabetização visual encontra dificuldades para ser incorporada às práticas
das escolas. Em relação ao ensino de História, apesar dos diversos estudos sobre as vantagens
do uso de imagens históricas no ensino-aprendizagem da disciplina, prática que mantém
diálogo com a semiótica imagética, o verbal ainda é predominante no ensino da disciplina.

29
De acordo com Taveira (2014), uma mensagem é transmitida por um meio, cuja divisão se dá em três tipos:
apresentativo, quando relacionada a partes do corpo humano, como rosto, mãos ou voz; representacional, feita
por meio de objetos materiais: livros, desenhos, pinturas, fotografias etc.; e, mecânico, quando feita por meio da
televisão, rádio, internet, entre outros.

60
De maneira geral, a não adoção da perspectiva visual têm vários motivos, mas destaco
três principais: o predomínio de uma tradição da linguagem oral no ensino e aprendizagem de
História; o desconhecimento pedagógico dos professores das possibilidades de ensino que
existem além do verbal, que pode estar vinculada a uma formação universitária deficitária; e,
aos problemas estruturais das escolas, em especial, as públicas, já que é comum a falta de
equipamentos básicos para uma abordagem visual, tais como: TV, notebook ou computador e
projetor multimídia. A partir do resultado de algumas pesquisas sobre as escolas inclusivas e
de conversas com outros professores, constato que poucas são as escolas no estado do Rio de
Janeiro, entre as quais, as escolas particulares, que oferecem equipamentos visuais básicos
para o uso didático nas salas de aula.
Isso é preocupante, já que as mudanças tecnológicas pelas quais passamos
manifestam-se em ritmo acelerado. Para Santaella (2012), o ser humano no mundo atual é
cercado por todos os lados por imagens, processo que não é atual, já que tem seus primórdios
com o surgimento da fotografia no século XIX. Na verdade, constata-se que a tecnologia
intensificou a visualidade. Posto isto, enfatiza a autora, a necessidade de a escola não ignorar
mais as imagens como parte do processo cognitivo do ensino-aprendizagem.
Diante das várias possibilidades que a análise de imagens oferece, limitar-me-ei aos
conceitos relacionados a estrutura fixa, bidimensional e simbólica, pois o foco do meu
trabalho são charges produzidas no início do século XX.
Na análise que faz sobre as imagens na Arte30, Santaella (2012) assevera que no
Ocidente já é consenso que a arte visual não se limita mais à pintura. Dentro dessa
perspectiva, a autora inclui a produção de desenhos. Para a pesquisa isso é fundamental, pois
o desenho mantém relação proximal histórica e de produção com as charges. Essas não são
ilustrações que apenas passam uma mensagem simples ou a opinião de quem a desenha, são,
na verdade, constituídas de signos e representações que refletem uma realidade, o que as
tornam um objeto interessante e complexo de ser lido.
Por estarem impressas em uma superfície chapada, sobretudo, em papel, as charges se
apresentam fixas, além de serem bidimensionais. Podem também apresentar uma
tridimensionalidade, em caso de uso da ilusão de profundidade, oriunda de convenções de
representação no Renascimento. Com base em Dondis, Santaella (2012) apresenta os

30
A Arte é uma produção histórica que não possui uma definição universal que dê conta das diferentes criações
artísticas da História, já que esteve propensa a variadas mudanças, relacionadas, entre as quais: as
transformações nos instrumentos, meios e técnicas no decorrer do tempo e lugar; as diversificadas funções
sociais a que se destinavam nas mais diversas sociedades; e ainda, os valores humanos que expressavam
(SANTAELLA, 2012).

61
elementos básicos que são intrínsecos ao desenho: a linha, o ponto, o contorno, a direção, a
cor, o tom, a textura, a escala, a dimensão e o movimento. Afirma que são a matéria-prima da
informação visual, sendo as combinações de cada um que indicam a força e a coerência da
composição. Argumenta ainda, que
Há muitos pontos de vista a partir dos quais uma imagem pode ser lida, mas um dos
mais reveladores consiste na decomposição de seus elementos básicos para que
possam ser avaliadas suas qualidades específicas e as relações que eles estabelecem
entre si na constituição do conjunto. (SANTAELLA, 2012, p. 31-32).

Outra coisa importante, segundo a autora, é pensar nas técnicas utilizadas para o
desenho, no caso, os materiais, os instrumentos e os suportes para a sua produção. No capítulo
4 deste trabalho, a pesquisa histórica realizada sobre as charges no Brasil nos aponta que na
virada do século XIX para o XX era introduzida a zincografia, um tipo de técnica que
substituía a litografia, que dominava os traços dos desenhos satíricos. Considerar essas
técnicas (zincografia e litografia) e os elementos básicos do desenho (a linha, a cor, a textura,
o movimento etc.) no processo de análise é importante, pois revelam características das
imagens em si. Todavia, em virtude da especificidade do ensino e da abordagem da charge em
sala de aula como documento histórico, como já destacado, o meu foco estará sobre como as
imagens se manifestam enquanto símbolos, isto é, na qualidade de representação de ideias de
uma sociedade em determinado período histórico.
Pode-se concluir assim, que a semiótica imagética, incorporada à prática pedagógica,
possibilita uma efetiva inclusão dos surdos no processo educacional, que, aliás, como já
apontei anteriormente, também melhora a aprendizagem dos ouvintes na sala de aula
(KELMAN, 2005a). Para encerrar este capítulo, abaixo abordarei como o educando surdo tem
acesso ao ensino de História em sua própria língua numa sala de aula inclusiva. Isso é viável,
em parte, através do intérprete de Libras. A reflexão que se segue se dá sobre o papel
fundamental que esse profissional desempenha no contexto da escola inclusiva.

2.2.3 O intérprete de Libras no contexto da escola inclusiva

Para tratar do ensino de surdos nas escolas inclusivas não é possível deixar de refletir
sobre a presença do intérprete de Libras no processo de ensino. Conforme Lacerda, Santos e
Caetano (2018), o intérprete de Libras tem papel fundamental e sua atuação deve ser
valorizada pelo professor regente, já que a função desse profissional é favorecer o acesso do
aluno surdo às informações e conteúdos ministrados através da tradução e interpretação da
Língua de Sinais para a Língua Portuguesa e vice-versa. Além disso, afirmam que é

62
importante o intérprete participar da construção do planejamento, já que isso tende a favorecer
o processo de tradução, pois é comum o intérprete não dominar todos os conteúdos a serem
ministrados, além de poder contribuir com ideias e auxiliar na montagem de materiais visuais.
No entanto, o debate sobre a importância do intérprete de Libras no contexto da inclusão não
se limita à tradução e interpretação conforme veremos abaixo.
De maneira geral, o intérprete de Libras é o indivíduo que garante que o processo de
ensino-aprendizagem do surdo seja feito em Libras, o que é primordial para o
desenvolvimento intelectual, social e cultural dos educandos surdos (TUXI, 2009). Como dito
acima, sua presença no contexto escolar não se resume à tradução do que é produzido de
forma oral ou escrita, pois esse profissional, portanto, é parte importante do processo que
estimula o desenvolvimento humano e cognitivo dos alunos surdos.
No livro “O tradutor-intérprete de Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa”
lançado pelo MEC, Quadros (2003) define o tradutor intérprete de língua de sinais como o
profissional que atua na tradução e interpretação da língua de sinais para a língua falada e
vice-versa, sendo na forma oral ou escrita. O profissional envolvido com a educação,
denominado de intérprete educacional, além da tradução, trabalha na intermediação das
relações entre professores e alunos surdos, mas também no contato entre esses e os ouvintes.
Com base na diferenciação realizada por Cokely, Tuxi (2009) afirma que o trabalho de
intérprete é interpretar uma mensagem de uma língua para outra de forma imediata, solitária,
sendo, logo, o ato de interpretar em determinado momento uma responsabilidade exclusiva,
sem chance de correção da mensagem antes que a fonte a receba. Esse tipo de interpretação
pode ser dividido de duas formas: simultânea, já que é realizada simultaneamente à
mensagem passada; e, consecutiva, quando existe um tempo de pausa na mensagem, um
fechamento de sentença, sendo a tradução feita a partir de um processo de reelaboração. O
mais comum nas escolas é a interpretação da língua de sinais de maneira simultânea, isto é, a
tradução ocorre simultaneamente ao que é ensinado oralmente. Contudo, em decorrência das
características da sala de aula, de uma disciplina ou de como ocorre a explanação, o intérprete
também faz uso da consecutiva (SILVA; OLIVEIRA, 2016).
Até o início do século XXI, a ação dos intérpretes de Libras se limitava ao âmbito
familiar, religioso e em algumas instituições, em que a formação ocorria de maneira informal.
Com a Lei nº 10.436/2002 e o Decreto nº 5.626/2005, entre outras leis, houve o
reconhecimento da profissão, porém, a sua regulamentação só ocorreu em 2010, com a Lei nº
12.319. As legislações relacionadas aos surdos estão em consonância com as políticas
públicas relacionadas à Educação Inclusiva que foram adotadas no país. Ao determinar o

63
recebimento por qualquer instituição escolar dos educandos com deficiência, as escolas
especiais, ligadas à concepção restrita de Educação Especial, perderam paulatinamente sua
importância. Ou seja, diante do contexto da inclusão de surdos nas escolas regulares, o
intérprete de Libras passou a ter significativa importância nesse processo, o que fez aumentar
a demanda por esse profissional nas instituições escolares, levando-se em consideração que
escola bilíngue é aquela que garante ao surdo o aprendizado tanto em Língua Portuguesa
como em Libras (TUXI, 2009).
De acordo com Silva e Oliveira (2016, p. 697), concomitante aos debates entre
Educação Especial e Educação Inclusiva, ganhou importância a concepção de Educação
Bilíngue para surdos, que conforme já apresentado, nasceu do deslocamento da visão
clínico-terapêutica para a perspectiva cultural e socioantropológica da surdez. Para as autoras,
as diferenças pedagógicas entre Educação Especial e Educação Inclusiva levaram a duas
concepções sobre a Educação Bilíngue para os surdos, sendo
[...] uma embasada na Educação Especial na perspectiva da Inclusão, na qual a
Educação Bilíngue se reduz à presença de duas línguas no interior da escola – o
português e a língua de sinais – articuladas por intermédio do intérprete de Libras; e
a outra alicerçada na noção da surdez pelo viés cultural, a qual defende que os
processos educativos sejam elaborados a partir de Libras, e valorizando os aspectos
culturais intrínsecos à comunidade surda enquanto minoria linguística. Cabe
ressaltar que o intérprete de Libras, no âmbito educacional, ganha maior centralidade
na primeira concepção apresentada.

É possível perceber, assim, que a primeira concepção é a que tem dominado as políticas
públicas instituídas no Brasil. Entretanto, algumas cidades do estado do Rio de Janeiro já têm
introduzido escolas bilíngues em sua rede municipal, com a aplicação da segunda perspectiva.
É o caso da escola que leciono na Região Sul Fluminense, que tem a expectativa de a partir de
2020 incluir em sua estrutura uma sala bilíngue exclusiva para os surdos. Todavia, a proposta
desse trabalho se relaciona com a primeira concepção, já que minha experiência está
relacionada a sala inclusiva.
Kelman (2005a), em sua pesquisa realizada em escolas públicas do Distrito Federal,
identificou onze funções desempenhadas pelo intérprete de Libras em sala de aula. Apesar da
peculiaridade desse profissional na rede pesquisada, considerado professor-intérprete, pode-se
dizer que certas funções também estão entre aquelas desempenhadas pelos intérpretes das
escolas públicas de Ensino Fundamental II. Entre as quais, pode-se citar: ensinar o surdo a
Língua de Sinais, mas também, a Língua Portuguesa, sua segunda língua; ensinar a língua de
sinais aos alunos ouvintes; ser responsável pela adequação curricular; ser um orientador dos

64
surdos em relação às atividades a serem desenvolvidas; estimular o desenvolvimento da
autonomia do surdo; entre outras.
Nota-se assim, que além da função básica de intermediar as relações entre o surdo e as
informações e com os outros sujeitos da sala de aula, o contexto escolar fez com que as
funções do intérprete de Libras fossem ressignificadas com o passar do tempo. Para Saviani
(2003), a escola tem entre suas funções a transmissão dos conhecimentos que foram
acumulados historicamente pela humanidade. E isso é feito pelo trabalho educativo, que, por
conseguinte, fundamenta-se no ato de produzir de maneira direta e intencionalmente a
humanidade que foi produzida histórica e coletivamente em cada indivíduo. Esse trabalho
educativo é realizado por diferentes profissionais do espaço escolar. Em relação aos alunos
surdos, o intérprete de Libras se tornou sujeito importante do processo, logo, suas funções
tenderam a ser ampliadas. Contudo, isso tem levado ao surgimento de uma problemática
frequente nas escolas: os professores têm transferido a responsabilidade de ensinar aos surdos
para os intérpretes de Libras. Tuxi (2009, p. 76) aponta “[...] a necessidade que o professor
presente no processo inclusivo do surdo tenha algum conhecimento teórico do conceito de
inclusão, do que é o aluno surdo e principalmente que o profissional acredite nisto.”.
Segundo Silva e Oliveira (2016, p. 699), apesar da articulação natural entre tradução,
interpretação e trabalho docente em sala de aula, o intérprete não é o professor, e apesar da
sua importância no processo de aprendizagem do surdo, a condução do ensino deve ser
realizada pelo professor. Isso não elimina a necessidade de o educador ter conhecimento da
Libras. Ou seja, o professor, mesmo que em processo de aprendizagem da língua de sinais,
não deve repassar as suas responsabilidades e deve repensar suas práticas para garantir o
acesso do surdo ao conhecimento. As autoras enfatizam que o professor tem o papel de
intermediar a relação entre o aluno e o conhecimento através de “[...] estratégias de ensino
que permitam produzir transformações psicológicas e a apropriação de conhecimentos por
parte do aluno”. Já o intérprete é responsável pela intermediação entre o professor, o aluno
surdo e o conhecimento. É por isso, que o processo de interpretação
[...] não é uma codificação que se interpõe em uma combinação sequenciada de
configurações de mão, feita em lugares delimitados, com posicionamentos
(orientação) já estabelecidos, seguindo movimentos cadenciados e potencializados
por expressões faciais e/ou corporais. A interpretação vai muito além da codificação
e decodificação de informações, perpassa pelos sujeitos envolvidos e o contexto
histórico e social em que eles estão imersos. (SILVA; OLIVEIRA, 2016, p.
699-700).

Apesar da proximidade das funções, o ato de ensinar não pode ser confundido e nem
repassado, a não ser, em caso de codocência, como é descrito e proposto por Kelman (2005a).

65
Sobre esse tipo de trabalho, Tuxi (2009, p. 31) afirma que na “[...] codocência os professores
trabalham juntos ao planejar para a turma, elaboram material e criam estratégias pedagógicas,
objetivando um ambiente propício ao aprendizado e respeitando os limites de todos”. Não
obstante, o trabalho de codocência ainda tem sido um desafio no ensino para turmas do
Ensino Fundamental II. Entre as causas, pode-se destacar: as condições precárias para a
atuação do intérprete de Libras, que, por exemplo, comumente não dispõe de tempo para
planejamento nas suas horas de trabalho; e o pouco tempo de disponibilidade dos professores
regentes nas escolas, que em muitos casos, lecionam em mais de uma escola. Essas
dificuldades, somadas a outras, têm impedido que esses profissionais desenvolvam um
trabalho em conjunto; que, caso ocorresse, a propósito, potencializaria o ensino dos
educandos surdos (SILVA; OLIVEIRA, 2016; LACERDA; SANTOS; CAETANO, 2018).
Na realidade atual da política de inclusão, o papel do intérprete de Libras é acompanhar
o educando surdo em todas as aulas. Um trabalho em média de quatro horas diárias. Diante
disso, Tuxi (2009) assevera que a intepretação quando realizada por mais de uma hora se
torna um trabalho “cansativo” e como não há substituição do intérprete, existe
consequentemente uma queda na qualidade da interpretação, o que pode prejudicar a
compreensão da mensagem pelo surdo. Outro fator de complexidade em relação à tradução da
Libras em sala é que essa língua, como qualquer outra, possui uma estrutura gramatical
própria que precisa ser respeitada. Na tradução, o intérprete não sinaliza palavra por palavra,
ele interpreta a mensagem a partir dos aspectos da língua de sinais, que a título de exemplo,
não utiliza artigos, conjunções ou preposições pois esses se manifestam no próprio sinal, de
forma que o surdo entenda, mas também, tem o cuidado de preservar o conteúdo essencial do
que é dito.
Diante dessa complexidade do processo de tradução, destacam Silva e Oliveira (2016),
que o trabalho em sala de aula demanda um profissional com habilidades que não se limitam
ao conhecimento linguístico da Libras. O intérprete de Libras precisa ser capaz de passar as
informações respeitando a estrutura linguística de uma língua para outra, ao mesmo tempo
que, cuida do fluxo de informações que permanecem sendo transmitidos e acessa conceitos e
textos que estão em outra língua em tempo real. Esse movimento complexo requer do
intérprete de Libras muita destreza e aptidão interpretativa.
Não obstante, o processo não se encerra aí. Para as autoras é fundamental que o
contexto da enunciação seja considerado. Uma sala de aula é formada por diferentes sujeitos,
isto é, professor, intérprete e alunos. Esses interlocutores são marcados por um lugar social
legitimado pela instituição, por diferentes histórias de vida e com distintos objetivos e

66
expectativas. Ademais, a escola é lugar historicamente institucionalizado como local de
ensino e aprendizado, no qual as práticas educativas desenvolvidas partem de diferentes
visões e metodologias didáticas que propiciam a aprendizagem dos conteúdos pelos alunos. À
vista disso,
[...] Na sala de aula, a interpretação é perpassada pelo lugar social que o intérprete
ocupa, mas também pela imagem e conhecimentos que tem do professor regente,
dos alunos, do conteúdo a ser abordado e de si próprio em relação a esses
componentes [...] Nessa perspectiva, o trabalho de interpretação não se trata,
portanto, de repassar mensagens, mas de produzir sentidos sobre e a partir dos
conhecimentos abordados em sala de aula, instaurando um movimento de
compreensão [...] que envolve o intérprete, o professor, o aluno surdo e também os
demais estudantes. (SILVA; OLIVEIRA, 2016, p. 706, grifo das autoras).

A partir do que foi apresentado até aqui, a presença do intérprete de Libras resolve em
parte um dos problemas da inclusão do surdo em sala regular, que é o da comunicação, e que
se liga a questão da diferença linguística. Porém, há outros desafios que se apresentam. Para
uma boa tradução é imprescindível que o intérprete de Libras esteja sempre atualizado e que
conheça, mesmo que minimamente, o assunto a ser interpretado. Isso no leva ao debate
retomado por Marques (2018) e Kotaki e Lacerda (2018) sobre a questão da formação dos
intérpretes de Libras. Segundo os autores, o Decreto 5.626/2005 no seu artigo 17 aponta que a
formação do intérprete de Libras deve ser de nível superior, no caso, em Língua Portuguesa
com especificação em Libras. Entretanto, no artigo seguinte também deixa aberto a formação
do tradutor e intérprete de Libras, em nível médio, nos dez anos seguintes, por cursos de
educação profissional; cursos de extensão universitário; cursos de formação continuada
ministrados por instituições de ensino superior ou credenciadas por secretarias de educação.
Mas também, permitiu a formação por organizações da sociedade civil representativas da
comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por uma das referidas
instituições. A explicação para isso, segundo o próprio artigo, estaria na urgência pelos
profissionais naquele contexto.
Mais de dez anos depois, apontam Kotaki e Lacerda (2018), que o curso superior de
Tradução e Interpretação com habilitação em Libras-Língua Portuguesa, destinado para a
formação específica voltada à tradução e interpretação da Libras-Língua Portuguesa, ainda é
oferecido por poucas instituições de ensino superior no país. Conforme Marques (2018), a Lei
12.319/2010, que reconheceu a profissão de intérprete de Libras, sofreu veto que impediu a
limitação da formação do intérprete de Libras ao ensino superior.
Para o autor, a formação de ensino superior seria fundamental para um melhor
aprofundamento do processo de tradução e interpretação. Isso não significaria a resolução dos

67
problemas que envolve o processo, mas garantiria um melhor domínio dos conteúdos e
processos teóricos e metodológicas da profissão, além de desenvolver as habilitações próprias
da prática na educação. Diante disso, questiona que
[...] a falta de uniformidade dos critérios de formação deste profissional, tanto no
que se refere as possibilidades de formações e habilitações reconhecidas legalmente,
quanto ao entendimento da função/papel deste profissional no contexto educacional;
a insistência em formações aligeiradas e por vezes sem foco nos conteúdos e
conceitos próprios da área de tradução, interpretação e atuação enquanto TILSE, traz
incontáveis prejuízos para o processo de aprendizagem do educando Surdo
(MARQUES, 2018, p. 120)31.

Com base no que foi exposto acima, Quadros (2003) e Marques (2018) apontam que o
perfil mais apropriado para o intérprete de Libras seria o de um profissional com boa fluência
em Libras e compreensão dos processos tradutórios, interpretativos, gramaticais e lexicais das
línguas do processo tradutório. Corrobora com essa ideia, Giamlourenço (2018, p. 63), que a
partir da sua pesquisa identificou que a “[...] intencionalidade formativa, bem como pelo
caráter teórico e técnico, pressupõe-se outro patamar de profissionalização e qualificação.
Ressalta-se também que, além de cultural e social, essa formação favorece o perfil
profissional do tradutor e intérprete de Libras.”.
Levando-se em questão o debate acima, cabe destacar também a importância da
formação de intérprete de Libras por áreas de conhecimento. Na pesquisa realizada com
intérpretes, Tuxi (2009, p. 97) identificou “[...] a necessidade urgente de uma formação
específica por área de atuação e que os intérpretes sejam selecionados por sua área e não por
janelas ou por carências. É preciso valorizar o profissional e melhorar a qualidade do trabalho
desempenhado nas turmas inclusivas.”. Em relação ao ensino de História, conforme foi
problematizado no capítulo anterior, esse último ponto tem se apresentado como uma questão
relevante: como o educando surdo tem recebido e aprendido os conceitos históricos através da
tradução em Libras?
Portanto, para professores que não dominam a Libras, como é o meu caso, o intérprete
de Libras tem papel fundamental na prática de sala de aula inclusiva, já que faz a ponte
comunicativa entre o professor e os educandos surdos, e similarmente, entre os
conhecimentos ensinados oralmente e traduzidos para Libras. Todavia, conforme argumentam
Kotaki e Lacerda (2018), a presença do intérprete de Libras é um dos caminhos para se
atender às especificidades dos surdos e de respeito a sua identidade e cultura, pois não apenas
garante o acesso dos surdos aos conteúdos, como também cria a oportunidade de sua

31
TILSE, termo usado pelo autor, é a sigla de Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais Educacional.
Atualmente usa-se: Tradutor Intérprete Educacional de Língua Brasileira de Sinais – Língua Portuguesa
(TILSP).

68
inserção/interação social no espaço escolar. Contudo, afirmam, assim como Kelman (2005a) e
Quadros (2003), que só a presença desse profissional não garante que as especificidades dos
surdos sejam atendidas: é essencial além da disposição do recurso humano, recursos “[...]
materiais e metodológicos adequados para que o aprendizado realmente se desenvolva.”
(KOTAKI; LACERDA, 2018, p. 206).
Com base em Tuxi (2009) precisa ficar evidente para os professores de História que a
surdez é o ponto de partida para a construção da aula em uma sala inclusiva, todavia, não se
limita a ela. É preciso pensar uma aula que realmente inclua o educando surdo, mas que
também seja viável aos ouvintes. Enquanto as práticas pedagógicas não levarem em conta as
especificidades dos surdos, serão apenas reproduções, que dificilmente geram construções de
significados, sendo assim, desvantajoso no processo de aprendizagem.
De acordo com a ideia apontada acima, incluir os surdos em salas inclusivas não se
limita a tradução das aulas. Para completar o processo, os professores têm papel primordial,
especialmente, no desenvolvimento de estratégias que favoreça o acesso do educando surdo
ao conhecimento ensinado. Contudo, esse trabalho não precisa ser individual, já que o
intérprete faz parte do processo e precisa ser incluído.
A partir da minha experiência em salas de aulas inclusivas, marcada especialmente pelo
contato com educandos surdos e intérpretes de Libras, passei a refletir e repensar minhas aulas
de História. Mas, como outros professores de História têm ensinado a disciplina para
educandos surdos em escolas inclusivas? Como suas práticas podem contribuir para a
ampliação do debate sobre o ensino de História para alunos surdos e como podem auxiliar
outros professores de História no ensino dos estudantes surdos incluídos em classes regulares?
Partindo dessas questões, analisarei no próximo capítulo, os dados da pesquisa realizada
com professores de História que trabalham em escolas inclusivas da Região Sul Fluminense
do estado do Rio de Janeiro.

69
3 PROFESSORES DE HISTÓRIA E A CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS PARA O
ENSINO DE HISTÓRIA

3.1 Metodologia

Neste capítulo, o objetivo será analisar enquanto fonte histórica, entrevistas realizadas
com quatro professores de História que trabalham em três diferentes escolas da Região Sul
Fluminense do Rio de Janeiro32. A intenção, por um lado, é ampliar o debate atual sobre o
ensino de História para educandos surdos, e por outro lado, contribuir com uma prática
pedagógica que auxilie professores de escolas inclusivas públicas na relação com educandos
surdos. Diante disso, a pesquisa que se segue foi realizada com dois professores de História
que lecionam na mesma escola e possuem experiência com educandos surdos, e outros dois
professores, que trabalham em escolas inclusivas, mas que ainda não tiveram experiência com
alunos surdos.
As entrevistas foram realizadas entre os dias 17 e 21 de fevereiro e 2 e 6 de março de
2020 e fiz a opção de realizá-las nas respectivas escolas em que os educadores lecionam, o
que considerei importante para garantir a proximidade com as suas práticas. Para garantir a
privacidade dos entrevistados, eles serão chamados nesta análise pelos seguintes nomes
fictícios: professora Alice, professora Maria, professor Edmar e professor Francisco33.
A análise se deu a partir das contribuições metodológicas da História Oral, que usa
como fonte34 do fazer histórico, “testemunhos orais” (FERREIRA; FERNANDES; ALBERTI,
2000; FERREIRA; AMADO, 2006; ALBERTI, 2013a). Esse método contribui de maneira
decisiva com a minha proposta, já que muito dos saberes da prática docente não se encontram
registrados em meios físicos. Apesar da existência desses meios na escola, como é o caso do

32
Esta pesquisa foi aprovada pelo Conselho de Ética em Pesquisa do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (CEP-CFCH/UFRJ) sob o número de registro de parecer: 3.834.981 e
CAAE: 27827319.4.0000.5582.
33
Esta pesquisa seguiu as orientações presentes na Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS),
que em seu artigo 1º afirma: “Esta Resolução dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências
Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com
os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na
vida cotidiana, na forma definida nesta Resolução.”. Disponível em:
<http://conselho.saude.gov.br/images/comissões/
conep/documentos/NORMAS-RESOLUCOES/Resoluo_n_510_-_2016_-_Cincias_Humanas_e_Sociais.pdf>.
Acesso em: 01 fev. 2020.
34
Segundo Barros (2009, p. 134): “A fonte histórica é aquilo que coloca o historiador diretamente em contato
com o seu problema. Ela é precisamente o material através do qual o historiador examina ou analisa uma
sociedade humana no tempo.”.

70
diário ou do planejamento de aula, normalmente são limitados ao registro dos conteúdos
trabalhados em sala. Ou seja, é escassa a existência de documentos escritos que revelem a
prática em sala de aula dos professores no ensino de História (SANTOS, 2018).
Em conformidade com o que apresentei no capítulo 1, a expansão do fazer
historiográfico35 no século XX resultou no surgimento de críticas à limitação das fontes
históricas aos documentos escritos. Com a expansão das fontes históricas na prática do
historiador, a História Oral ganhou importância (FERREIRA, 2002). Segundo Joutard (2000),
a força da História Oral é a de dar voz aqueles que normalmente não têm. Além disso, ela é
capaz de revelar razões que a escrita limita, como é o caso do imaginário e das
representações. Diante da posição do autor, pode-se afirmar que durante muito tempo os
professores de História não tiveram sua prática reconhecida como parte do fazer histórico.
Conforme já destacado, Mattos (2006) colocou essa premissa em xeque ao afirmar que se o
“fazer história é contar uma história”, a aula é uma prática que também produz História.
Logo, o professor de História também produz um saber, mas que não tem por base o texto, a
escrita. É esse saber da prática docente, recolhido de forma oral, através das entrevistas, que
pretendo explorar na análise abaixo.
Cabe ainda destacar, que a escolha pela fonte oral requer do historiador o mesmo ou até
mais cuidado de tratamento como seria com qualquer outra fonte histórica. Sendo assim, a sua
produção (a entrevista, no caso), a análise e a interpretação precisam lidar com os discursos e
os problemas que surgirem em todo o processo (ALBERTI, 2013b).
Por fim, optei por gravar as entrevistas para preservar o máximo possível do discurso
dos entrevistados, e posteriormente, ela foi transcrita36, e logo, submetida aos entrevistados
para que pudessem reconhecer a sua autenticidade37 (TOURTIER-BONAZZI, 2006). Além da
análise pela História Oral (ALBERTI, 2013), a investigação foi orientada a partir dos
pressupostos indicados pela abordagem qualitativa de dados38 (ALVES; SILVA, 1992).

35
Para Barros (2009, p. 15-20), o estudo histórico pode ser delimitado por três critérios para um melhor
entendimento e análise do historiador. São elas: as “dimensões”, que também pode ser chamado de “enfoques” e
se referem ao “modo de ver”; as “abordagens” ou “métodos”, que implicam em um “modo de fazer a história”; e
por fim, os “domínios”, que se referem ao tema escolhido pelo historiador. Mas, esta classificação não é rígida,
pois os critérios se entrelaçam no decorrer da análise. A História Oral se refere às abordagens do fazer histórico.
36
Nas transcrições, segui a recomendação de Tourtier-Bonazzi (2006, p. 242): “Como em todo trabalho de
edição, o historiador deve encontrar o meio-termo entre duas exigências: a máxima fidelidade ao discurso e a
necessidade de torná-lo acessível ao leitor.”.
37
Em decorrência da pandemia do coronavírus no Brasil, entre março e abril de 2020, fiquei impossibilitado de
encontrar os entrevistados, sendo assim, precisei encaminhar a transcrição por e-mail para receber a confirmação
dos professores, e assim, poder realizar a análise.
38
Primeiramente, optei por uma entrevista com um roteiro estruturado, que orientaria os meus interesses
definidos previamente para a pesquisa. A partir da experiência dos professores com alunos surdos em sala de

71
3.2 Breve contextualização dos professores entrevistados

De partida, apresento algumas informações gerais sobre os docentes. Os quatro


professores têm formação em História e são funcionários públicos da rede pública básica de
Educação, ligada a um dos municípios da Região Sul Fluminense do estado do Rio de Janeiro.
Trabalham com o Ensino Fundamental II, isto é, com turmas do 6º ao 9º ano, sendo a escolha
da turma realizada no início de cada ano letivo em conjunto pela unidade escolar e a equipe
de docentes. As suas escolas são consideradas inclusivas, pois preconizam o atendimento das
diferenças de cada educando, entre as quais, as particularidades de aprendizagem dos alunos
com deficiência. Como os quatro docentes já possuem mais de cinco anos de experiência em
sala de aula, isso favorece a busca de informações pertinentes ao objetivo da pesquisa.
Abaixo, apresento uma síntese bibliográfica desses profissionais da Educação. Reafirmo os
nomes fictícios que serão usados: Alice, Maria, Edmar e Francisco.
QUADRO 6: Professores da pesquisa
Entrevistado(a) Informações básicas e de formação Trajetória profissional
Tem 42 anos, nasceu na Região Sul A sua experiência docente
Fluminense do estado do Rio de Janeiro e começou em agosto de 2015,
é moradora da localidade. Fez graduação quando assumiu o cargo de
em História, entre os anos de 2010 e 2013, professor I, na disciplina de
no Centro Universitário Geraldo Di Biase História, no município em que
(UGB), uma instituição particular de atua. No período da entrevista,
Alice
formação acadêmica de grande prestígio estava cumprindo toda a sua
na região. também possui graduação em carga horária de trabalho na
Sociologia, curso realizado entre os anos Escola A. Além disso, trabalhou
de 2012 e 2016, e uma pós-graduação lato por dois anos em um outro
sensu em Metodologia do Ensino da município da Região Sul
Filosofia, ambos realizados na modalidade

aula formulei um roteiro com duas orientações: uma com questões com o intuito de entender a prática dos que já
tenham experiência com educandos surdos; e uma outra, que apontasse os conhecimentos pedagógicos dos
professores sem experiência com surdos, mas que por serem de escola inclusiva, em breve poderão lecionar para
esses alunos. O período de sistematização foi marcado, conforme Alves e Silva (1992, p. 65) destacam, por: “[...]
um movimento constante, em várias direções: das questões para a realidade, desta para a abordagem conceitual,
da literatura para os dados, se repetindo e entrecruzando até que a análise atinja pontos de ‘desenho significativo
de um quadro’, multifacetado sim, mas passível de visões compreensíveis.”. Por fim, busquei na escrita
evidenciar os saberes e as questões apontadas pelos entrevistados e que indicavam os problemas propostos para a
pesquisa. Sendo assim, este estudo não se encerrará em si, pois, ficará aberto a leitura, compreensão, análise e
críticas posteriores.

72
de Educação a distância (EaD), no Centro Fluminense sob o regime de
Universitário Barão de Mauá. A busca por trabalho por contrato.
outras áreas de conhecimento além da
História, deve-se ao seu interesse de
ampliar seus aprendizados adquiridos na
formação acadêmica e expandir as
oportunidades de trabalho.
Tem 25 anos, também nasceu na Região A sua experiência como
Sul Fluminense do estado do Rio de professor também teve início em
Janeiro e é morador da região. Fez agosto de 2015, quando assumiu
graduação em História, entre os anos de cargo público no município em
2012 e 2014, na UGB. Atualmente, o que leciona. A sua lotação é na
professor está cursando Direito, em que Escola A, em que cumpre sua
deu início em 2017, em uma universidade carga horária, no entanto,
Francisco
particular da cidade em que reside. Além também trabalha em outra
do mais, possui duas pós-graduações lato unidade escolar do município.
sensu: uma no Ensino da Geografia e Ele também já trabalhou em
outra no Ensino de Filosofia e Sociologia, uma escola estadual de outro
o que lhe dá a possibilidade de lecionar município da Região Sul
outras disciplinas além da História. Fluminense.

Tem 33 anos e é morador do Rio de A sua primeira experiência


Janeiro, cidade de onde é natural. como professor se deu em duas
Concluiu a sua graduação em História no escolas particulares do Rio de
ano de 2012, na Universidade Federal Janeiro, e, posteriormente, em
Fluminense (UFF). Tem uma uma escola pública da Região
pós-graduação lato sensu em História do Sul Fluminense do estado do
Edmar
Brasil, pelo Centro Universitário Augusto Rio de Janeiro sob o regime de
Motta (UNISUAM), concluído no ano de trabalho por contrato.
2019. Além disso, no período da Atualmente, trabalha
entrevista, preparava-se para começar a exclusivamente na Escola B,
cursar o Mestrado Profissional em Ensino porém, quando assumiu o cargo
de professor de História sob o

73
de História (ProfHistória), em uma das regime estatutário no município
universidades do Rio de Janeiro. da Região Sul Fluminense em
que atua, em fevereiro de 2015,
cumpria parte da sua carga
horária em outra unidade
escolar.
Tem 32 anos, é natural e moradora da A sua primeira experiência
cidade do Rio de Janeiro. A graduação em como professora foi em
História foi concluída no ano de 2011, fevereiro de 2015, quando
tendo sido realizada na Universidade começou a lecionar em uma
Estácio de Sá (UNESA). Tem duas escola particular do Rio de
pós-graduações lato sensu, uma em Janeiro, onde ainda trabalha. Na
História do Brasil Colonial e outra, em atualidade, trabalha na Escola C,
Ciências da Religião, ambas cursadas na unidade escolar de um dos
Alice
Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro municípios da Região Sul
(FSBRJ), instituição ligada ao Mosteiro de Fluminense do estado do Rio de
São Bento do Rio de Janeiro. A primeira Janeiro, e é sua escola de
foi finalizada em 2013 e a segunda, em origem, cumprindo nela toda a
2015. A professora também possui sua carga horária desde que
mestrado na área da Educação, cursado na assumiu o cargo de professor de
Universidade Federal do Rio de Janeiro História sob o regime estatutário
(UFRJ), concluído em 2018. no município, em maio de 2015.

3.3 Breve contextualização das escolas em que os professores entrevistados trabalham

A primeira escola em destaque será aqui denominada de Escola A, que é uma escola
inclusiva pública e de referência no seu município, em especial, no atendimento a educandos
surdos. É uma escola que desde 2017 tem assumido no seu Projeto Político Pedagógico (PPP)
a característica de uma escola bilíngue (libras/português) para os seus estudantes surdos.
A escola foi inaugurada em 1969 e atende alunos com deficiência há quase três décadas,
mesmo assim a sua infraestrutura, apesar das reformas no decorrer do tempo, não é a mais
adequada ao atendimento de todos os alunos incluídos. A integração de surdos na escola teve
início no começo da década de 1980, sendo a escola pública pioneira no município. Em

74
consonância com as mudanças nas legislações federal e municipal e as diferentes teorias
propostas no decorrer dos anos para o ensino de surdos, em seus 30 anos de experiência com
esses educandos assumiu diferentes métodos de ensino, entre os quais é possível citar:
oralismo; comunicação total; reconhecimento da Libras como primeira língua do surdo com a
introdução do intérprete de Libras nas salas inclusivas; e por fim, o bilinguismo.
A escola A atende no ano de 2020, cerca de 800 alunos, sendo a maioria do Ensino
Fundamental II. Desse total, cerca de 8% são de alunos identificados como de inclusão, o que
a torna assim, uma das escolas de referência no atendimento desse público no município.
Sobre o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), nos últimos anos, a escola
apresentou queda nos resultados em relação aos anos finais, tendo respectivamente, em 2015,
4.9, em 2017, 4.5, e em 2019, 4.3 (a meta estabelecida para cada ano era de 5.2, 5.4 e 5.7).
Em 2019, na rede municipal de Educação do município em que a escola está localizada,
considerando o atendimento de Creche, Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II e
Educação de Jovens e Adultos (EJA), existiam 28 alunos surdos matriculados; quantidade que
permaneceu no ano de 2020. No entanto, o número de alunos do Ensino Fundamental II, no
caso, do 6º ao 9º ano, que era de 17 alunos surdos em 2019, caiu para 14, em 2020. A Escola
A atende 11 desses educandos, o que equivale a cerca de 78% do segmento específico de
alunos da rede municipal. Além disso, os 5 educandos surdos da rede que cursam o 9º ano são
da escola, sendo todos alocados no turno da tarde39.
A escola B, fundada no ano de 1969, atendia no início de 2020 cerca de 400 alunos,
divididos em 18 turmas entre o 1º e 9º do Ensino Fundamental. É uma escola que tem 10 salas
de aula disponíveis, o que resulta na necessidade de um atendimento diurno: no período da
manhã, atende prioritariamente aos alunos do Ensino Fundamental I, apesar de possuir duas
turmas de 6º ano nesse turno; já o horário da tarde funciona somente para o atendimento de
turmas do 6º ao 9º ano.
Do total de alunos matriculados na escola, 25 são identificados como de “inclusão”,
sendo a maior parte alunos do Ensino Fundamental II. Não obstante, nenhum desses alunos é
surdo. No ano de 2015, para atender adequadamente aos alunos incluídos, a escola passou por
reforma, mas ainda não recebeu alunos surdos. Em relação ao Ideb, em 2019, a escola atingiu
a nota de 4.8 para os anos finais do Ensino Fundamental, índice bem abaixo da meta de 6.3.
Em 2017, a escola também caiu ao atingir 4.2, para uma meta era de 6.1.

39
Informações recolhidas a partir da documentação oficial da instituição, referente a março de 2020.

75
A escola C foi fundada em 1970, e também é uma escola que atende prioritariamente
alunos do bairro em que está localizada. No entanto, passou por um período de reforma, tendo
sua organização educacional compartilhada com outra unidade escolar, o que resultou na
ampliação do atendimento do seu público. No início de 2020, já de volta a sua estrutura física
oficial, a escola iniciou o ano letivo com 547 alunos matriculados, sendo 9 alunos incluídos
confirmados pelo Atendimento Educacional Especializado (a escola recebeu novos alunos,
mas que não passaram pela avaliação institucional).
Os educandos da escola estão divididos em 22 turmas. Nos turnos da manhã e da tarde
são atendidas turmas de Ensino Fundamental I, II e EJA. E no turno da noite na escola é
oferecido um curso pós-médio. O Ideb de 2019 foi de 5.0 para os anos finais do Ensino
Fundamental, ficando bem abaixo da meta estabelecida de 7.0. Em 2017, a escola também
não atingiu a meta, que era de 6.8: a nota foi 5.4.
Até março de 2020, a rede municipal de ensino das escolas B e C atendia 14 alunos
surdos, mas conforme já destacado, nenhum deles estava matriculado nessas escolas. Cabe
reforçar que os dados de cada escola foram recolhidos antes da quarentena resultante da
pandemia da Covid-19. Como essas escolas estiveram fechadas durante o período em questão
não foi possível atualizar os dados sobre matrículas, especialmente, sobre alunos surdos
incluídos. Além disso, não foi possível identificar os motivos identificados pelas respectivas
direções sobre a queda do rendimento da escola no Ideb.

3.4 Ensino de História para educandos surdos: entre a teoria e a prática docente

Santos (2018), na realização da sua pesquisa fez uma simples pergunta aos seus
entrevistados, todos professores de História de uma escola de referência em educação
inclusiva da Baixada Fluminense: quem seria o surdo? Após ler as respostas, mesmo tendo
sido professor de alunos surdos desde 2015 e por estar no início do processo de pesquisa
sobre o ensino de História para surdos, percebi que compartilhava o desconhecimento sobre
meus alunos surdos assim como os docentes entrevistados. Essa reflexão me levou a outra:
somos profissionais incompletos e em constante aprendizado, e isso está em sintonia com a
reflexão crítica a qual Freire (2016) nos alerta que devemos manter constantemente sobre
nossa prática. Afirma o autor:
[...] na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da
reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de
ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico,
necessário à reflexão crítica, tem de ser tal modo concreto que quase se confunda
com a prática. O seu ‘distanciamento epistemológico’ da prática enquanto objeto de

76
sua análise, deve dela ‘aproximá-lo’ ao máximo. Quanto melhor faça esta operação
tanto mais inteligência ganha da prática em análise e maior comunicabilidade exerce
em torno da superação da ingenuidade pela rigorosidade. Por outro lado, quanto
mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de mudar, de
promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade
epistemológica. Não é possível a assunção que o sujeito faz de si numa certa forma
de estar sendo sem a disponibilidade para mudar. Para mudar e de cujo processo se
faz necessariamente sujeito também. (FREIRE, 2016, p. 40).

Além do mais, existe uma congruência dessa ideia com outra destacada pelo próprio
autor, de que precisamos respeitar os saberes de nossos educandos, e isso só é possível, se o
docente o conhece.
Esse questionamento levantado por Santos (2018) revela que não basta ser professor de
uma disciplina ou de um aluno. Conforme Caimi (2015), é preciso ter consciência de três
ideias para a prática docente: os saberes a ensinar, os saberes para ensinar e os saberes do
aprender. Isto é, o professor precisa minimamente dominar os conteúdos históricos, a
historiografia, os processos epistemológicos da história, entre outros; ter ciência dos
conhecimentos referentes à docência, à didática, ao currículo etc.; e por fim, é mais que
necessário que tenha compreensão sobre os mecanismos de cognição do aluno, como se forma
o pensamento histórico e assim por diante. Ou seja, se no ensino da história faltar um desses
elementos, a prática docente tende a não ser completa.
Para a construção das questões da entrevista, parti de dois princípios: primeiro, a surdez
pode dificultar a efetiva participação do surdo nas interações sociais, entretanto, não é fator
que limita o seu processo cognitivo, o seu aprendizado, desde que o processo de ensino
respeite a sua especificidade linguística. Segundo, nas práticas dos professores de História de
escolas inclusivas, quais as limitações e as potencialidades que têm se apresentado no ensino
de educandos surdos. Por um lado, a análise das respostas confirmou alguns problemas já
apontados por outros autores, como Mattos (2016), Netto (2018) e o próprio Santos (2018),
entre os quais, a questão da formação docente deficitária em relação ao ensino de História
para os surdos na graduação. No entanto, por outro lado, apontou possibilidades de ensino
para o aluno surdo, especialmente, quando há o encontro da especificidade de aprendizagem
desse estudante, isto é, a visualidade, com particularidades da história ensinada, como é o
caso da análise de fontes imagéticas. Preciso ressaltar, que essa última constatação é o que me
encantou a prosseguir com esta pesquisa.
É lógico que no decorrer da pesquisa, o que corrobora com Santos (2018), ficou
perceptível a falta de conhecimento mais profundo sobre quem é o educando surdo,
especificamente, sobre as suas especificidades de aprendizagem. A falta de uma formação na

77
graduação ou posteriormente e o não contato com alunos surdos, indica o desconhecimento
que muitos professores têm sobre a cultura surda. As entrevistas me fizeram lembrar de
quando cheguei à escola inclusiva e desconhecia a realidade dos surdos; demorou um tempo
para eu deixar de cometer alguns erros tão habituais no senso comum.
Dito isso, abaixo se seguirá a análise das entrevistas que não apresentará uma ordem
cronológica das perguntas feitas na entrevista, e sim, temática, com base no ensino de História
para alunos surdos. São quatro temas, assim divididos: primeiro, quais os principais desafios
indicados pelos docentes; em seguida, as formas existentes para superar os desafios de
comunicação entre professor ouvinte e aluno surdo; terceiro, quais as estratégias ou métodos
adotados para o ensino de História a esses educandos; e por fim, reflito sobre a necessidade de
uma proposta metodológica para auxiliar a prática docente com educandos surdos em uma
sala de aula inclusiva.

3.4.1 Ensino de História para alunos surdos: apontando os desafios

Como primeiro ponto desta análise busco identificar quais os principais desafios que os
professores apontam para ensinar história ao educando surdo. Ao questionar os dois
professores sem experiência em sala de aula com alunos surdos sobre quais seriam os maiores
desafios para ensinar história a esses educandos, responderam:
Professor Edmar: [...]40 seria complexo, acho que seria complexo, [...] acho que o
primeiro ponto, você tem que estabelecer uma comunicação com o aluno, né? Isso é
básico. Talvez seja uma comunicação no olhar, ou seja, uma comunicação da
própria linguagem de surdos e mudos. Então, acho que no primeiro ponto você tem
que estabelecer um sistema de comunicação, [...].
Professora Alice: Os maiores desafios para ensinar o aluno surdo? Primeiro
aprender a linguagem, que é... pra mim é extremamente difícil, [...] assim, acho que
a minha maior dificuldade no momento seria…
Entrevistador: Da língua mesmo, da comunicação...
Professora Alice: ...isso, da língua, da linguagem, da comunicação, exatamente.

Os professores entendem que ensinar história ao surdo é complexo, não pela tarefa em
si, mas, por causa da questão da língua, da comunicação. Essa também era a dificuldade de
muitos professores de surdos, que em tese foi superada com a presença no contexto escolar do
intérprete de Libras. Conforme visto no capítulo 2, Kelman e Buzar (2012) apontaram que
sem comunicação não há aprendizagem. Uma das questões que tem sido posta sobre a escola

40
O código “[...]” foi usado para omitir expressões ou trechos da fala dos professores que não considerei
fundamentais para o entendimento dos argumentos. As pausas nas falas serão marcadas assim: “…”

78
inclusiva é a seguinte: se a comunicação ocorre com o intérprete, automaticamente há
aprendizado? Não me atentarei a essa questão agora, pois abaixo veremos que não é tão
simples como parece, já que são necessários outros fatores para que a aprendizagem se
concretize.
Outro ponto a se destacar das entrevistas foi que a expressão “surdo-mudo”, que foi
comum na fala do professor Edmar, mas não ocorreu com os outros entrevistados. Apesar de
ser uma expressão ainda usual por muitas pessoas e nos meios de comunicação, não é aceita
pela comunidade surda e a sua permanência é considerada um equívoco social, pois a surdez
não tem relação direta com a mudez. Muitos surdos têm suas cordas vocais em perfeito
funcionamento, por isso, alguns até desenvolvem a fala, como é o caso dos chamados surdos
oralizados. Diante disso, os surdos podem desenvolver a oralidade, mas não através dos meios
convencionais. Entretanto, o que a comunidade surda preconiza atualmente não é o
desenvolvimento da fala, e sim, a universalização da Libras entre os surdos, o seu
reconhecimento na sociedade como uma das línguas do país, mas também, a aprendizagem da
própria Língua Portuguesa, mas na modalidade escrita, como segunda língua.
Outra questão importante que apareceu pelo menos uma vez em todas as entrevistas foi
considerar a língua de sinais uma linguagem. A confusão dos termos é coisa comum para
aqueles desconhecem a comunidade surda, o que também aconteceu comigo no início da
minha experiência com os surdos. Entretanto, é essencial ressaltar essa problemática para que
esse erro não seja mais cometido, particularmente, pelos educadores.
É importante ressaltar que língua e linguagem são coisas distintas. Segundo definição de
Neveu (2008, p. 190), a língua:
Do ponto de vista de sua função, a língua é definida como um sistema complexo de
comunicação próprio das comunidades humanas.
Do ponto de vista de sua natureza, ela é definida como um sistema de signos
vocais, articulados segundo dois planos distintos e complementares, que
corresponde a duas ordens de unidades, a das unidades significativas (de primeira
articulação) e a das unidades não significativas (de segunda articulação). Esse
sistema, que é convencional, assenta, para numerosos linguistas, sobre alguns
princípios fundamentais: o arbitrário do signo, sua mutabilidade, e a linearidade do
significante. O sistema de signos que é a língua apresenta uma grande diversidade
de realizações, manifesta-se na multiplicidade das línguas naturais (vs. artificiais),
frutos da experiência da história, da cultura, das sociedades humanas.” (grifo do
autor).

Sobre a linguagem, o autor afirma que ela desempenha “[...] uma função característica
da espécie humana que reside na sua faculdade inata de comunicação. A linguagem determina
as condições de existência da língua.” (NEVEU, 2008, p. 191). Para exemplificar as
diferenças entre as duas, é incomum alguém dizer que aprenderá uma linguagem francesa ou

79
que tenha falado com alguém de linguagem inglesa ou alemã. Fala-se língua francesa, inglesa
e alemã, pois se trata de outro idioma, uma língua estrangeira. A Libras, apesar de brasileira,
também é outro idioma, uma outra língua, mas se trata oficialmente da nossa segunda língua.
Linguagem é a forma como os seres humanos produzem e acessam as informações no
contexto social, em que o significado é produzido e trocado (HALL, 2016). De acordo com
Melo e Melo (2015, p. 17), a linguagem pode ser definida como
[...] todo sistema formado por um conjunto de signos que serve de meio de
comunicação entre indivíduos e pode ser percebido pelos diversos órgãos dos
sentidos (visão, audição, paladar, tato e olfato). Isso nos leva a distinguir a
linguagem verbal, formada por palavras orais ou escritas, da linguagem não-verbal,
formada por elementos imagéticos, gestos, sons, movimentos, etc., ou ainda, outras
formas mais complexas, constituídas, ao mesmo tempo, de elementos diversos, tanto
verbais quanto não-verbais.

Conforme explicado no capítulo 2, os ouvintes se comunicam majoritariamente pelo


canal auditivo, no caso, pela linguagem verbal, sendo o processo de construção de sentidos e
significados conduzido pela língua comum, isto é, a Língua Portuguesa no caso do Brasil. Já
entre os surdos, a comunicação é pela linguagem visual, sendo a Libras, a língua que comanda
esse processo (MOURA, 2018). Assim como a Língua Portuguesa do Brasil e de Portugal são
diferentes, apesar de se utilizarem da linguagem verbal; a língua de sinais usada no Brasil se
difere da usada nos EUA ou mesmo em Portugal, mesmo elas sendo de linguagem visual.
Elas se relacionam com o contexto político, econômico e cultural de cada país. Conforme Hall
(2016), as línguas constroem significados e os transmitem, sejam por palavras ou sinais.
É mais que notório que os professores de maneira geral apresentam um déficit de
formação para atender aos alunos surdos das escolas inclusivas. Isso se evidencia nas falas
dos próprios professores ao serem questionados sobre a formação que tiveram na graduação
para ensinar aos surdos:
Professor Edmar: [...] Nenhuma. Durante a graduação eu não tive nenhuma
formação com aluno surdo, nem com a linguagem deles, parece que agora, quando
eu saí, eu escutei falar que o pessoal que entrou novo na faculdade, parece que já
tá, já tinha, é, implementado ao menos uma disciplina de Libras, mas eu não tive no
meu currículo, eu não tive. E nem na pós, eu não tive nada voltado a isso. Então,
meu contato é zero com alunos de inclusão surdos [...].
Professora Alice: Nunca tive nenhuma formação voltada para alunos surdos, não sei
nem como trabalharia, talvez, é, daria... desse mais tempo de videoaula pros meus
alunos [...] que não tem condições, né? De assistir, de escrever, de ler algo que
esteja no quadro ou no livro, ele pudesse acompanhar mais as aulas, mas, assim,
[...] não consigo pensar em uma outra estratégia para trabalhar com esse aluno. Eu
nunca tive essa realidade em sala de aula, então, talvez, por isso também eu não
tenha em mente agora outros métodos de trabalho.

80
Para os professores que já têm experiência com alunos surdos, a indagação foi mais
ampla, pois quis saber se tinham alguma formação específica, sem se limitar a graduação:
Professor Francisco: [...] Não tive essa formação na faculdade; pretendo até, né?
Gostaria de ter essa oportunidade, porém, não tive mesmo [...].
Professora Maria: Nenhuma.

O não conhecimento da cultura surda, expressos nos exemplos citados acima, e a


dificuldade de comunicação entre professor ouvinte e aluno surdo, conforme destacado pelos
dois professores, mostram a urgência do aprofundamento de uma formação específica nas
licenciaturas. Apesar da inclusão da Libras como disciplina obrigatória nos cursos de
licenciatura já ser uma realidade, sendo assim, um avanço no ensino para os surdos, ainda
apresenta muitos problemas, porque não há uma uniformização de como deve ser trabalhada
nas Universidades, o que pode gerar uma banalização do seu ensino (SANTOS; CAMPOS,
2018). Entretanto, outra demanda importante para o momento é a qualificação dos docentes
de História que já atuam em escolas públicas inclusivas. Ou seja, mostra-se urgente a adoção
de políticas públicas de caráter universal para a qualificação dos professores, seja de ação
macro, isto é, ligada a intervenção do MEC ou das secretarias de Educação dos estados e das
prefeituras, ou mesmo no micro, que é o caso das próprias escolas, desde que recebam o
suporte necessários dos órgãos superiores.
Retornarei a questão apontada acima. Se os professores passarem a conhecer a cultura
surda, através, por exemplo, de uma formação continuada ou pela pesquisa em livros e
internet, e a dificuldade da comunicação for resolvida com a presença do intérprete de Libras
ou com a aprendizagem da Libras pelos docentes, isso já seria suficiente para solucionar os
problemas em relação aprendizagem do aluno surdo em uma escola inclusiva? Com certeza,
não! O processo é mais complexo. Isso fica evidente na fala de um dos professores ao lembrar
sobre o seu início:
Professor Francisco: [...] Então, foi um grande [...] desafio, né? Porque eu, como,
por exemplo, [vou]41 passar isso [conteúdo], né? Porque eles têm toda a linguagem,
a questão da Libras, né? Então, como [...] adaptar esse conteúdo de História, certo?
Para esses alunos? Então, essa foi a principal, assim, a principal, assim...
Entrevistador: Questão...
Professor Francisco: ...isso, questão, assim que eu encontrei nesse momento. [...] no
início, tive bastante dificuldade mesmo em está trabalhando. E lá [escola], que teve
todo o apoio, por exemplo, dos intérpretes, né? Mas assim, não é assim
simplesmente, você fala e tem um intérprete e ele vai traduzindo, não, é uma questão
de adaptação mesmo.

41
Em alguns trechos das entrevistas fiz a inclusão de palavras ou expressões entre “[]” para facilitar a
compreensão dos leitores.

81
Ao refletir sobre o Decreto 5.626/2005 e seus desdobramentos, Campos (2018, p. 53)
afirma:
Lembre-se que não é simplesmente a formação de professores proficientes em
Libras que solucionará os problemas da educação de surdos. Isso envolve também o
reconhecimento dos aspectos didáticos e metodológicos adaptados à cultura surda e
à língua de sinais, que são diferentes de uma aula destinada a alunos ouvintes.
Educação Inclusiva não significa apenas ofertar o acesso dos alunos às escolas ou à
língua, é necessário a formação profissional específica para se trabalhar com esses
alunos, e, também, saber lidar com as diferenças de cada aluno e interagir de forma
correta com cada um deles.

Todavia, conforme tenho apontado, não é meu intuito responder se a escola inclusiva é
ou não é o local ideal para a aprendizagem do educando surdo. Na verdade, o que defendo é
que esse educando pode aprender história nessas escolas desde que suas especificidades sejam
atendidas. E mais, acredito que a presença deles na sala de aula é diferencial para impulsionar
o surgimento de novas maneiras de ensinar e aprender história, conforme as recentes
pesquisas de Stipp (2019), Santos (2018), Netto (2018), Vieira (2018), Mattos (2016) e outras
têm apontado.
Ficou evidente que mesmo sendo de diferentes instituições universitárias, públicas ou
particulares, a formação dos entrevistados apresentou a mesma problemática: nenhuma
abordagem sobre o ensino para surdos ou quando existiu, limitou-se às disciplinas de
Educação, em muitos casos abrangentes ao trabalhar o tema inclusão. Se levarmos em conta a
temporalidade, todos são professores que não possuem mais que seis anos de experiência em
sala de aula. A busca de uma formação séria, que não pode se limitar às ações pontuais dos
indivíduos, das escolas ou das próprias secretarias de Educação, para esses docentes
atenderem aos educandos surdos é impreterível, afinal de contas, serão os professores que
estarão nos próximos mais ou menos vinte e cinco anos lecionando nas escolas inclusivas.
Diante disso, tendo experiência ou não com alunos surdos, percebe-se o quanto é importante
fundamentar teoricamente os professores para que construam metodologias que garantam a
aprendizagem desses educandos. E isso é mais que viável, conforme será possível verificar
abaixo.
Ao identificar a falta de uma formação específica dos docentes de história em relação ao
ensino de educandos surdos (NETTO, 2018), é possível apontar dois dilemas para a prática
em sala e que estão ligados ao desconhecimento de aspectos da cultura surda: a falta de
comunicação entre professor e aluno surdo, ligada diretamente ao conhecimento da língua de
sinais; e a incipiência de uma didática, isto é, de metodologias, que favoreçam a
aprendizagem do surdo.

82
Por fim, percebo um discurso cada vez mais forte entre alguns profissionais da
Educação de que o retorno das escolas especiais para o surdo seria a melhor solução.
Possivelmente, para atender a especificidade do aluno do surdo é uma proposta viável,
entretanto, se o ensino de História for ministrado por profissionais que não tenham a
formação específica da área, o potencial desse saber escolar para a formação cidadã do surdo
tenderá a ser esvaziado. Conforme já apontado no capítulo 1 através da pesquisa de Pereira e
Poker (2012), tanto as escolas inclusivas como as escolas especiais apresentam obstáculos ao
ensino de História para educandos surdos. Fica mais que evidente, no argumento de uma das
professoras, a importância de existir um professor de História com formação específica para o
ensino de alunos surdos:
Professora Alice: [...] eu acredito que os alunos precisam da História pra poder
problematizar, pra entender as diferenças, os direitos, [...] pra entender os seus
deveres dentro da sociedade. Então assim, [...] eu tento trabalhar dessa maneira
fazendo com que o meu aluno entenda que ele é um sujeito histórico e que por conta
de ser um sujeito histórico, ele tem, sim, participação [...] nessa história, né? Na
história do tempo presente. Então, eu busco fazer isso constantemente.

Consoante ao que foi apresentado no capítulo 1, é na graduação de História que os


professores aprendem as questões pertinentes à produção de conhecimento histórico, sendo
dois dos seus componentes, o tratamento das fontes e a operação historiográfica, intrínsecos
ao fazer do historiador e do professor de História. Esse rigor teórico e metodológico do saber
histórico é essencial na construção do saber histórico escolar (MONTEIRO, 2010).

3.4.2 Ensino de História para alunos surdos: superação dos problemas de comunicação e de
ensino
O ensino de História na escola inclusiva não se encerra na prática do docente. Existem
outros profissionais qualificados que atuam no ambiente escolar e que são responsáveis por
auxiliarem os docentes no processo de aprendizagem dos educandos incluídos. Em relação ao
estudante surdo, existe o intérprete de Libras, mas também tem papel importante, os
profissionais que atuam no AEE.
Como já destaquei anteriormente, o intérprete de Libras tem um papel fundamental no
desenvolvimento do ensino-aprendizagem dos educandos surdos, pois favorece que o
processo seja realizado em Libras (TUXI, 2009). Ou seja, esse profissional está na sala de
aula para resolver um dos problemas apontados acima, o da comunicação. Entretanto, o
trabalho do intérprete de Libras não só favorece a comunicação entre o professor, o aluno
surdo e o aluno ouvinte, como, primordialmente, interfere de maneira significativa no

83
desenvolvimento humano e cognitivo do surdo, ao desempenhar diferentes papéis
(KELMAN, 2005b).
Ao questionar sobre a relação que estabelecem com os intérpretes e da importância
desses em suas aulas, os professores de alunos surdos responderam:
Professora Maria: Sim, uma relação de parceria total, completa, digo até com uma
relativa dependência, porque, igual eu te falei, eu não domino a linguagem, então
assim, pra eu saber se eu tô passando, transmitindo a ideia, eu acho que ele pensa,
se aproxima mais do pensamento do surdo do que eu. Então, assim, sempre [busco]
a opinião, sempre na hora de montar [...] uma atividade, quando eu tô com muita
dificuldade, quando tô com tempo, troco uma ideia. É assim, de parceria, não tem
como. Eu até gostaria, como eu te falei, fazer uma prova que ele pegasse e
conseguisse, sabe de forma autônoma, resolver. Mas, eu, Maria, não consegui.
Professor Francisco: Então, [...] todos os intérpretes [...] que estavam dentro da sala
de aula trabalhando, eu tinha uma relação muito boa com eles, [...], por exemplo,
eles me ajudavam, assim, alguns tem mais experiência na língua de sinais, o que
seria melhor, mais fácil, assim, de adaptar pra eles poderem entender, por exemplo,
associar assim poucas palavras, palavras curtas com uma imagem, entendeu?
Então, foi muito assim, muito gratificante ver também, por exemplo, que às vezes o
aluno surdo ele não vai falar não tô entendendo com professor, ele vai logo
comentar com o intérprete ali, que está no dia a dia dele, na vivência.

Na fala dos professores, comprova-se que o intérprete não é um profissional que só está
na sala para traduzir ao educando surdo o que é falado, o que comprova que desempenha
outras funções que auxiliam no processo de aprendizagem dos alunos surdos. É lógico, que
não cabe ao intérprete a função de ensinar, que é exclusiva do professor, no entanto, é de
fundamental importância a parceria entre os dois, já que é a ele que o surdo procura em casos
de dúvidas, perguntas e aprofundamento dos conteúdos. Diante disso, o intérprete de Libras
precisa ter acesso ao conteúdo que será ensinado e a metodologia que será usada para tal,
sendo, portanto, desejável um planejamento em conjunto (CAETANO; LACERDA, 2018).
Mesmo que não ocorra o planejamento conjunto, chamado de codocência (KELMAN,
2005a; TUXI, 2009), a contribuição do intérprete tem se mostrado diferencial na orientação
de como os professores devem trabalhar em sala de aula:
Professor Francisco: Então, [...] quando eu vou montar, por exemplo, que eu tento
montar uma apostila, [...] com todo o conteúdo que eu vou trabalhar no bimestre,
claro, que essa apostila não é engessada, né? Por exemplo, cada aula eu posso ir
modificando ali e sempre também a ajuda do intérprete foi fundamental pra eu estar
formulando isso, que até então, eu não conhecia, não tinha acesso a Libras, a
língua de sinais, certo? Onde não conhecia mesmo o universo, tive assim, rapidinho
na faculdade, porém, só o básico mesmo e depois [...] com a intérprete, ela foi me
auxiliando: “não, você pode colocar essa imagem, você pode fazer isso e
associando mesmo esse jogo”, entendeu? E até mesmo utilizar a própria oralidade
deles.
Professora Alice: [...] trocar ideia com intérprete, entendeu? Pra eu conseguir
montar uma apostila. Foi assim, e eu acho que vai ser assim sempre, até que eu

84
aprenda a trabalhar de forma melhor possível. Ou eu não sei se é assim mesmo, que
vai ter que haver essa interação entre nós, né? Eu acho que também é importante
pela valorização do profissional de Libras, que é essencial pra haver mesmo uma
comunhão, escola é divisão, é assim, divisão todo mundo trazendo um pouquinho e
o sucesso não é de ninguém, [...] o sucesso é de todo mundo e eu acho que é a
co-docência que você falou, nem conhecia esse termo, mas é isso aí mesmo.

A participação do intérprete na montagem do planejamento e das estratégias se mostra


importante, pois ele tem conhecimento sobre a surdez e conhece a perspectiva visual
(CAETANO; LACERDA, 2018), preocupações que precisam estar nas reflexões sobre a
abordagem dos conteúdos. Isso ilustra o que a professora Alice aponta ao dizer que a
educação do surdo é um trabalho que precisa de diferentes contribuições. Não obstante, a
prática da montagem do planejamento conjunto tem se mostrado deficitária, entre outros
motivos, pelo desconhecimento pelos próprios docentes dessa possibilidade, mas
especialmente, por problemas que existem em função da não valorização desse profissional,
bem como a professora destaca. O intérprete de Libras precisa estar em sala de aula no ensino
de outras disciplinas e em todas as atividades escolares que envolvam os surdos, o que já
limita o seu tempo de contato com os docentes fora da sala de aula. Mas, além disso, em
decorrência da não valorização do seu trabalho, comumente, necessita trabalhar em mais de
um turno ou em outra unidade escolar do próprio município ou em outro, o que restringe
ainda mais as oportunidades de interação com os professores. Em relação ao ensino de
História, essas problemáticas já foram apontadas por Pereira e Poker (2012), como obstáculos
para a aprendizagem do conteúdo histórico pelos surdos na escola inclusiva.
Dos professores que ainda não tiveram experiência com alunos surdos, um deles realça
a importância desse profissional ao ser questionado como seria se ele recebesse um aluno
surdo em sua sala de aula, mas sem o intérprete de Libras para auxiliá-lo:
Professor Edmar: Aí, complica a situação [...]. Acho que sem o intérprete ou sem o
professor dominar essa linguagem, eu acho que complica, não é impossível, [...] mas
o trabalho fica um pouco mais complicado, mas não é impossível também, porque
você consegue estabelecer relação com pessoas de outro idioma, por exemplo, não é
isso? [...] Agora, a gente tá falando aqui de aprendizagem, né? De troca de
conhecimento, de troca de informações, então, eu tô adaptando aqui pra, pra sala,
sem esse, esse contato, eu acho que complica; então, meu entender é esse. Agora,
[...] mesmo você não tendo intérprete, você consegue estabelecer a comunicação
com ele, apontando alguma coisa, um objeto, ou tentando fazer alguma mímica,
uma hora vai, vai sair isso, mas sem a... o domínio da linguagem ou o intérprete, o
caminho é mais longo, mais difícil.

Em relação ao que o professor levanta de que é possível estabelecer comunicação, a


questão é bem mais complicada. Mesmo que haja um entendimento do aluno em realizar
alguma atividade ou identifique alguma palavra, o aprendizado não se concretizará. Ou seja,

85
entende-se a partir das reflexões acima que o básico para qualquer sala de aula de escola
inclusiva com surdos é ter a presença do intérprete de Libras, o que é garantido por lei.

Além dos intérpretes de Libras, os professores afirmaram positivamente ao serem


perguntados se os seus alunos surdos recebiam ou recebem auxílio do Atendimento
Educacional Especializado (AEE):

Professora Maria: Sim, aqui na escola todos participam, com certeza...


Entrevistador: Aí, isso auxilia nas suas atividades?
Professora Maria: Auxilia. Já aconteceu, por exemplo, tô com esse aluno Y42, que já
ficou hospitalizado e faz um tratamento no dia das minhas aulas, já aconteceu de eu
deixar a atividade pra professora do AEE trabalhar, entendeu? E já aconteceu dela
estudar com ele pras provas e foi interessante, que [...] ela nem me conhecia, foi
num conselho de classe do primeiro bimestre e ela falou: “olha, e ele está bem em
História, porque eu fui estudar com ele e ele sabia tudo da apostila”. E, assim é
legal, porque você vê também que seu trabalho teve... atingiu o objetivo, que uma
outra colega viu que surtiu efeito.
Professor Francisco: Sim, por exemplo, no colégio onde eu trabalho tem uma equipe
de AEE que faz esse atendimento, geralmente no contra turno, certo? Se eles
estudam na parte da manhã, eles têm também esse atendimento no turno da tarde,
isso daí também [...] facilita bastante já o trabalho, né? Porque eles vão ter contato,
por exemplo, a língua deles, a Libras, para fazer essa associação com o português,
certo? Então, facilita bastante o trabalho.

No artigo 4º, inciso III da LDB (BRASIL, 1996), entre os deveres do Estado com a
efetivação da educação escolar pública, está a garantia do “atendimento educacional
especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e
modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino”. Na referida lei, em seu artigo 59,
inciso III, afirma também que aos educandos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, os sistemas de ensino deverão
assegurar: “professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para
atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a
integração desses educandos nas classes comuns”.
A instituição do AEE nos marcos legais foi uma garantia de que os educandos incluídos
na rede regular de ensino teriam as suas especificidades para a aprendizagem atendidas. No
contexto educacional, Segundo Carmonize e Noronha (2012) os profissionais do AEE, em
horário contra turno (em que o educando não está em sala de aula), através de um conjunto de
atividades e recursos pedagógicos devem favorecer o desenvolvimento pedagógico dos
estudantes nas salas inclusivas, incentivando a autonomia. Além disso, precisam se empenhar
42
Y é um aluno surdo e com baixa visão.

86
na articulação da interação familiar, social e cultural desses educandos. Em relação aos alunos
surdos, afirmam que:
[...] o AEE deve assegurar o ensino da Libras, sendo de responsabilidade do
professor especializado promover atividades para serem desenvolvidas nas salas de
ensino regular, de modo a orientar e informar ao corpo docente e aos outros alunos
as características e distinções linguísticas desse aluno surdo, buscando remover as
barreiras que às vezes são impostas por conceitos pré-concebidos provindos da falta
de informações reais (CARMONIZE; NORONHA, 2012, p. 71).

Conforme a professora Maria e o professor Francisco apontaram em suas falas, os


profissionais que trabalham no AEE auxiliam os docentes no aprofundamento dos
conhecimentos históricos trabalhados em sala de aula através da Libras.
Em seguida, questionei como é a relação com os profissionais do AEE, no que
disseram:

Professor Francisco: Então, no começo eu não tinha muita essa relação, assim que
comecei lá na escola, certo? Mas também com o passar do tempo, por exemplo, eu
tive um aprofundamento melhor, por exemplo, tive vários agentes, né? Que
trabalham nesse AEE, me procuraram pra saber qual conteúdo eu estava dando,
certo? Eles poderem também estar assim, trabalhando com eles no AEE.
Professora Maria: Tem que ter, não tem como dividir, como eu te falei. Tem que
somar, pedir ajuda, pedir socorro. Já aconteceu, a A43, moça que eu acho muito
experiente aqui, deu chegar e falar: “A, tô aqui, me ajuda a pensar aqui o que eu
posso com o Y”. O Y, é um surdo com baixa visão. Então, assim são dois, são duas
barreiras que a gente tem que ultrapassar, né? E tem dia que realmente as ideias
não vêm, ou não vêm tão claras e aí numa conversa, já elucida.

Além de auxiliar com os conteúdos e a aprendizagem, o AEE é capaz de identificar


questões pessoais, familiares e sociais que podem interferir na aprendizagem do educando, em
muitos casos imperceptíveis na relação da sala de aula. Ademais, é decisivo no atendimento
de certas especificidades de alguns educandos, que além da surdez, podem apresentar outra
singularidade de aprendizagem, como é o caso da baixa visão. Percebe-se assim, que os
profissionais do AEE são grandes parceiros na busca de garantir a aprendizagem dos surdos.

3.4.3 Ensino de História para alunos surdos: a superação dos desafios na prática

O próximo passo da análise das entrevistas será refletir sobre como os professores de
História superam os desafios que se colocam ao ensino da disciplina ao educando surdo em
suas práticas.

43
A é uma funcionária da escola e que trabalhava no AEE e Y é o aluno acima destacado.

87
Aos professores com experiência com educandos surdos, perguntei como foi o primeiro
contato em uma sala de aula inclusiva com surdos, e disseram:
Professora Maria: Apavorante! Não saber por onde começar, junta a inexperiência
de não saber trabalhar, e assim, era um universo novo. Na faculdade, a gente ouve
falar de inclusão, mas, assim, não tem na prática como vai ser, né? E assim, e aqui,
até hoje é mais difícil de pensar... como aquele aluno surdo recebe aquela
avaliação, aquele material [adaptado]? Será que ele imagina mesma coisa que eu tô
imaginando, quando eu montei pra ele? [...].
Professor Francisco: [...] na questão mesmo, da própria formação [...] acadêmica
[...] nós não temos esse, pelo menos na minha formação não tive, muito esse lado,
assim, da inclusão. Aí, de repente eu entrei dentro de uma sala e falaram: “você vai
trabalhar com esse aluno que é surdo”, certo? Aí, eu falei: “mas como que eu vou
adaptar isso? Como que eu vou tentar... tentar fazer que ele entenda [...] esse
conteúdo [...] da melhor maneira possível?”. [...]

Em seus argumentos, os professores apresentam as muitas incertezas que surgiram


quando entraram numa sala de aula com alunos surdos. Isso é uma realidade não só dos
professores de História, mas de muitos docentes de outras disciplinas. Além disso, as dúvidas
de como ensinar esse educando, apesar da experiência que adquiriram, não desapareceram
com o passar do tempo.
Entendo que apontar aos órgãos competentes a necessidade de políticas para a formação
dos docentes, não quer dizer que os professores devam permanecer na imobilidade enquanto
essas ações não se efetivam. O compromisso profissional requer uma ação proativa dos
docentes na busca da superação das dificuldades, que passa por mudanças em suas práticas,
conforme os próprios professores nos mostram ao serem indagados se a metodologia que
tinham antes de ter estudantes surdos, serviu para atendê-los:
Professora Maria: Não, não acabou atendendo, não. [...] Eu tive que imaginar,
começar a fazer as apostilas, com as imagens que eu acho que...
Entrevistador: Que pode ajudar, né?
Professora Maria: ...que pode ajudar.
Professor Francisco: [...] no dia a dia, a gente vê que não, que acaba que é ao
contrário, por exemplo, eu como educador, como professor, poxa, será que dessa
maneira eu tô tocando esse aluno, né? Poxa, aí você fica até pensando outras
maneiras, de assim, como trabalhar com eles, por exemplo, na sua última aula você
fala: pô, isso aqui não foi legal, eu vou melhorar nesse ponto, certo? Na minha
próxima aula e assim por diante.

Uma das primeiras reflexões que um professor de História deve fazer ao receber um
aluno surdo é sobre a sua didática, a sua metodologia de ensino. Em um dos estudos pioneiros
sobre a temática, Verri e Alegre (2006) já indicavam que uma aula tradicional, focada
exclusivamente na oralidade, era um dos obstáculos para aprendizagem da história ensinada
pelo aluno surdo. Os dois professores perceberam na própria prática, que seria inviável atingir

88
os objetivos propostos para a aula em relação aos surdos, caso não alterassem as suas formas
de ensinar. E assim, o fizeram. Mesmo que continuassem com a oralidade, procuraram
modificar as abordagens dos conteúdos históricos. O mais interessante é que a reflexão crítica
tem se mostrado constante, assim como Freire (2016) assevera que deve ser.
Ainda que não saibam como ensinar aos surdos e apresentem desconhecimentos sobre a
as especificidades do educando surdo, os professores sem prática com esses alunos em sala de
aula compreendem que os surdos apresentam capacidade cognitiva para aprenderem a história
ensinada na escola inclusiva, o que refuta certos posicionamentos de docentes que dizem ser
inviável a aprendizagem dos surdos em uma escola regular:
Professora Alice: Ah, com certeza! Mas eu, eu só não sei como fazer isso, mas eu
tenho certeza [...] a gente tem que fazer isso.
Professor Edmar: Eu acredito que igual aos outros alunos, eu acho um pouco
complicado, porque [...] tem a questão da leitura da História. Eu acho, no mesmo
patamar, igual, eu acho difícil, né? Porque história é... eu acho que mexe com essa
parte da leitura, eu acho que mexe com o visual, acho que tem uma... eu não sei
[como] é o entendimento dele ao enxergar aquilo ali, ao se expressar, eu não sei.
Acho que a História é uma ciência muito dinâmica, né? [...] Então, eu acho que dá
para trabalhar História, [...] mas eu não sei se no [...] mesmo grau de que um aluno
que não seja surdo e mudo.

Em decorrência da sua especificidade, o surdo não aprende como o ouvinte. O que se


evidencia é que o principal problema da aprendizagem do surdo não é sua especificidade, mas
sim, os modelos metodológicos que não o atendem. Isso indica que uma das soluções para
tornar o ensino de História efetivo a esses educandos, não é retirá-los da escola inclusiva,
basta que os professores assumam o desafio de mudarem suas práticas como uma
oportunidade de torná-la um objeto de sua própria análise (FREIRE, 2016).
Todavia, consoante o próprio professor Edmar indica, além da leitura, é possível
aprender história de outros modos. Mattos (2016), por exemplo, explica que o letramento em
história em relação a um aluno ouvinte ocorre em práticas de oralidade, leitura e escrita, em
um contexto de escola bilíngue para surdos, esse letramento precisa ocorrer primeiro em
Libras, primeira língua do surdo, e, posteriormente, em Língua Portuguesa em modalidade
escrita, segunda língua do surdo. Reily (2013), Lebedeff (2017) e outros autores, de acordo
com o que foi apresentado no capítulo 2, apontam que a partir de experiências visuais é
possível a prática de um letramento visual. Posto isso, um letramento visual no ensino de
História também é possível, o que quer dizer, que o educando surdo tem todo potencial
linguístico e cognitivo para aprender história na escola inclusiva desde que os meios de ensino
sejam acessíveis.

89
A professora Maria, mesmo diante das incertezas sobre suas práticas pedagógicas,
também compreende que o seu educando surdo aprende história em suas aulas, mas em
diversos momentos, isso não ocorre por outros problemas pedagógicos:
Professora Maria: [...] Eu confesso que tem dia que a gente sai satisfeito, mas tem
dia que a gente sai, assim, como se eu estivesse subestimando a inteligência dele,
sabe? Eu tinha que ter tempo pra me dedicar, pra explicar, pra trabalhar, para ele
ter, assim, poxa, absorver mesmo. Mas assim, eu tenho que dar conta da turma, eu
tiro o quê, 10 minutos para ele, para tentar, né? Então, assim, tem dia que não, dá
pra dizer: tô satisfeita, foi legal. Mas assim, 80% das vezes, eu confesso que eu não
fico feliz, porque eu acho que ele é privado de muita coisa, entendeu? Eu deveria ter
tempo de procurar documentário com... como é que fala?... com Libras, eu tinha que
ficar aquela aula ali e falar, falar, mas assim, não acontece isso.

Fica notório na fala da professora que trabalhar em uma turma composta entre 20 e 35
educandos com diferentes especificidades de aprendizagem, sem os recursos materiais e
tecnológicos necessários e um tempo adequado para planejar, tem se mostrado um problema.
O ensino-aprendizagem é viável, não obstante, sem um ambiente propício e adequado, os
obstáculos deixam de ser somente pedagógicos e didáticos. É preciso que se garanta as
condições materiais e de infraestrutura necessárias para que o professor possa desenvolver o
seu trabalho. E, conforme destacado no capítulo 2, em uma turma com muitos alunos
ouvintes, indiscutivelmente o professor acaba priorizando esses alunos, renegando o direito de
aprendizagem ao surdo, que comumente se limita a fazer atividades que pouco exploram as
suas potencialidades, que, entretanto, ao final do processo (bimestre, trimestre etc.), tendo
aprendizagem significativa ou não, atenderá ao trabalho burocrático da unidade escolar. O
ensino de História não pode se limitar a isso. O aluno não pode ser subestimado. Porém, para
que isso não seja prática comum é necessário que as condições básicas de ensino sejam
oferecidas pela unidade escolar e pelos órgãos competentes.
Mesmo não tendo a formação pertinente para ensinar aos surdos, há um aspecto da
formação dos professores de História que dialoga com o letramento visual, que é a análise de
imagens como fonte histórica. A construção de práticas pedagógicas que tomem as reflexões
sobre os aspectos didáticos e metodológicos de ensino para educandos surdos viabiliza a
aprendizagem da história desses estudantes em escolas inclusivas. A professora Maria deixa
evidente que a produção de seus materiais adaptados para os alunos surdos toma por base o
uso da imagem. O professor Francisco da mesma forma parte das imagens, mas também diz
utilizar pequenos textos e palavras do vocabulário comum dos educandos:
Professor Francisco: [...] Então, procuro trazer, por exemplo, associar imagens e
também assim, palavras do vocabulário que eles usam no dia a dia deles, também
mais curtos, nada assim de textos enormes, grandes assim, certo, para que facilite.

90
Apesar de apontarem a primazia das imagens em seus materiais, ambos não chegaram a
dizer como realizam a problematização das fontes imagéticas. Era um assunto pertinente, que
deixei de aprofundar no momento da pesquisa.
Ao perguntar para o professor Edmar e a professora Alice se existe alguma metodologia
no ensino de História ou da própria historiografia que possa auxiliar os alunos surdos,
disseram:
Professor Edmar: Eu, na minha concepção, eu acho que a questão da imagem é a
que deve ser o norte, né? Eu não consigo enxergar [...] outra rota e outro caminho
para melhor adaptar esse aluno. Eu tô falando de forma leiga, porque eu não
domino o tema surdo-mudo. Mas assim, eu acho que trabalhar com imagem, eu
acho que seria, digamos, se eu tivesse um aluno, seria meu ponta pé inicial,
trabalhar com imagens. Tem historiadores que já estão trabalhando por questão de
imagens na história, a importância das imagens, acho que seria [...] essa
metodologia que eu iria ao menos começar a mexer nesse tema.
Professora Alice: Não.

Percebe-se que o professor Edmar também compreende que o uso de imagens é o


caminho de ensino mais viável para os surdos. A professora Alice, apesar de nessa questão
não identificar a metodologia de sua formação acadêmica que poderia auxiliar nas aulas com
os educandos surdos, em um dos seus argumentos anteriores, apontou que investiria mais em
videoaulas. Possivelmente, em sua prática já percebeu que o visual apresenta muito potencial
para ensinar história aos alunos surdos. Não obstante, cabe a ressalva feita no capítulo 1, de
que a inclusão de imagens e outros objetos visuais demanda uma abordagem própria que
dialogue com a visualidade, meio pelo qual o aluno surdo desenvolverá seu pensamento
histórico (VIEIRA, 2018).
Para atender as especificidades do estudante surdo, no caso, explorar a visualidade, é
muito pertinente que a escola disponha dos recursos e suportes tecnológicos. É possível
explorar a visualidade com a introdução do lúdico nas aulas, como o teatro, a construção de
maquetes ou mesmo produções visuais, entretanto, a análise de imagens como documento
histórico, é potencializada com a introdução de outros recursos eletrônicos, como é o caso de
um projetor multimídia, uma TV ou um quadro digital. Sobre a importância desses
equipamentos, os professores afirmaram:
Professor Edmar: [...] o suporte material também, de material, objeto, né? Que você
possa utilizar nas aulas, pra você ter um ganho melhor para o docente, né? Porque
é complicado demais; mais desafiador e eu costumo falar sempre, se tá na lei, se tá
inclusão, a gente tem que incluir, né? Então, eu acho que é também direito deles
terem uma inclusão, uma inclusão humanizada e tem direito deles receberem o
conhecimento também, como todos. Eu acho que democracia é isso, então, ao meu
ver [...] a gente tem que trabalhar com isso.

91
Professora Alice: Às vezes a gente não tem recurso, por exemplo, na minha escola
agora não tem nenhum tipo de recurso. [...] o data show é meu, a caixinha de som é
minha, a extensão é minha, então, assim, a gente tem também [que] se preocupar
com... como eu vou passar aquele conteúdo. Ah, e se eu tenho condições de passar
aquele conteúdo para os meus alunos, porque a escola não tem recursos? Não tem
recursos humanos, nem aparelhos, né? E é complicado demais.

O interessante é que não existe uma fórmula pronta para uma aula para os surdos, assim
como também ocorre com os ouvintes. Quantos alunos em uma turma com 30 aprendem um
conteúdo, atendendo aos objetivos propostos, em uma aula meramente expositiva? Os alunos
são diferentes, logo, não existe uma metodologia pré-estabelecida que resolva o problema de
uma vez. Mas a prática indica os caminhos a serem seguidos:
Professora Maria: Cada dia é um novo dia. Tem dia que você vem preparada, faz
aquilo lindo e acha que tá ótimo, você vê que a receptividade ou que a, como é que
fala... a percepção não foi a mesma, não foi aquela que você queria, aí, você pega, e
assim, importantíssimo também, pegar com os intérpretes, assim, o que a gente acha
que... que a gente tem, acha que tem o conhecimento muito legal, que tem
intérpretes brilhantes aqui na escola, né? Que aí eu gosto de perguntar: você acha
que tá passando a ideia? Que eu tô vendendo isso aqui? Então, eu acho isso
importantíssimo, mas assim, cada dia um novo dia.,
Professor Francisco: Então, eu acho que [...] com o tempo, né? A gente vai
ganhando assim, obviamente, experiências, entendeu? Mas agora falar que é uma
facilidade, eu acho que eu estaria mentindo, porque sempre vai ter, por exemplo,
cada aluno tem a sua especificidade, entendeu? Então, [...] nem todos os alunos
surdos... ele vai ter, por exemplo, a mesma maneira que eu adapto pra um, pode não
ser o que vai funcionar com o outro, entendeu? Então, cada hora encontra essa [...]
dificuldade assim também. Mas claro que já tem algumas experiências, por
exemplo, não cheguei assim, igual ao primeiro dia que eu entrei dentro da primeira
sala de aula.

Será que é viável a construção de alguma metodologia que seja possível atender
especificidades de ensino-aprendizagem de educandos ouvintes e surdos em uma sala de aula
inclusiva? De acordo com Kelman, Martins e Taveira (2012, p. 4634), tradicionalmente, o
ensino em sala inclusiva tem sido um problema para o aluno surdo, pois o mesmo é
construído para o educando ouvinte, sendo apenas traduzido em Libras, o resultado é que
“[...] O aluno surdo perde-se no olhar, não sabendo se olha para a intérprete, para a professora
ou para o que ela está escrevendo ou mostrando [...]”. Apesar de ser um desafio a muitos
professores, essa questão não é nova, e algumas pesquisas se propuseram a pensar diversas
práticas. Com base na análise realizada até aqui, abaixo busco apresentar uma metodologia
didática diferenciada, que é uma tentativa prática de responder à questão proposta.

92
3.4.4 Ensino de História para alunos surdos: uma proposta de prática metodológica para
superação dos desafios

As metodologias didáticas propostas com base na visualidade (MATTOS, 2016;


SANTOS, 2018; VIEIRA, 2018) com o propósito de atender aos educandos surdos, na
verdade, potencializa o aprendizado não só desses educandos, mas também, dos educandos
ouvintes (KELMAN, 2005a). Logo, as mudanças que se propõem ao ensino de História para
os educandos surdos nas escolas inclusivas, efetivamente estão alinhadas com as
transformações propostas em relação ao ensino tradicional, exclusivamente oralista e
conteudista (SCHMIDT; CAINELLI, 2009).
É muito comum que críticas recaíam sobre as escolas inclusivas e os professores. Mas o
que percebo é um esforço de muitos docentes, seja no individual ou no coletivo, por
incômodo ou pelo seu compromisso profissional, que buscam formas de incluir os surdos em
suas disciplinas por não considerarem deixá-los sem o acesso ao que ensinam.
Independentemente de estarem usando as metodologias adequadas ou não, ninguém pode
negar que se esforçam para incluir os surdos, mas não só no tocante ao contexto social, mas,
especialmente, em relação à aprendizagem. Isso refuta os que tendem a criticar a escola
inclusiva com o argumento de que não é capaz de atender as especificidades dos surdos. No
entanto, não é meu desejo romantizar esse tipo de escola, afinal de contas, já apresentei que
muitos docentes se posicionam como críticos desse modelo de escola, e marcam
posicionamento na sua própria prática. Se há um problema, sem dúvida, a menor parcela de
responsabilidade é dos professores, que mesmo não sabendo como ensinar os surdos não
cruzam os braços. Isso é mais que perceptível na fala dos entrevistados:
Professora Maria: Então, assim, eu sonho. Meu sonho como profissional é conseguir
fazer uma prova que ele [o surdo] interprete de forma autônoma, entendeu? E eu
não sei se a gente vai chegar a isso, porque eu não compartilho da mesma língua
que ele. Eu não sei se isso é uma... como é que é, é uma ilusão minha, né? Ou se
está no molde adequado? Então, quer dizer, cada dia é um aprendizado diferente.
Não tem fórmula de bolo, não.
Professor Francisco: [...] Tudo que, por exemplo, eu trabalho com eles é sempre isso
mesmo [com as adaptações que produzo], me ajuda quando leio, sabe? Pesquiso por
conta própria, tem ajuda do intérprete, tem a outra ajuda com outros colegas,
também, né? Que trabalham também essa questão. Então, sempre me ajudam [...].

Meu objetivo em todo o processo desta pesquisa foi refletir sobre a prática docente
numa sala inclusiva com surdos, para, na verdade, colocar em questão a minha prática. Assim

93
que passei para o mestrado, fui indagado na escola em que trabalho, por que não trabalhar
com o ensino de História para surdos. De partida, não achei a opção válida. Após algumas
reflexões, fui convencido que meu trabalho era uma prática diferenciada, e que, portanto,
apontava para uma metodologia viável para o ensino dos alunos surdos e que poderia ser
compartilhada. No decorrer da pesquisa, em meio às leituras, debates e palestras, passei a
perceber que estava enganado, meu trabalho não tinha o potencial de contribuir
metodologicamente para o ensino de surdos. Na verdade, a frustração me impulsionava a
abandonar esse tema. Todavia, a fala de um instrutor surdo em uma conversa informal me
marcou. Vou parafrasear o que expressou: “a inclusão como é feita, não é a que queremos,
mas enquanto a ideal não chegar, eu desejo que os professores esgotem as possibilidades de
incluir os surdos em suas aulas”. Diante disso, e dos conselhos daqueles que estão comigo e
sabem do meu esforço para criar uma aula que atenda, especificamente, alunos surdos e
ouvintes em um contexto inclusivo, resolvi continuar.
A proposta que apresentarei é uma alternativa, mas se ainda não é a forma adequada,
como apontam as pesquisas atuais, pois a ideia deve partir do ensino de História a partir da
língua de sinais, inspiro-me na fala da professora Maria, que ao ser indagada sobre como uma
metodologia voltada para o ensino de História para os surdos poderia auxiliar a sua prática,
disse:
Professora Maria: Olha, Paulo, eu acho que a gente tem que beber de todas as
águas, tem que provar de tudo. Então, assim como eu não tive ainda esse contato,
eu não posso dizer. Eu acho que tudo é válido, eu acho que até que saía assim: “isso
aqui não deve ser feito!”, eu vou aprender. Então, eu acho que tudo vai ser válido,
quero conhecer, quero ter contato, sim!

Por outro lado, o seu companheiro de escola afirma:


Professor Francisco: Então, por exemplo, se tivesse uma metodologia, uma apostila,
é, um método, claro, que não existe aquele método 100%, você vai chegar e vai
trabalhar ele assim que tá fácil, porém, ele ajudaria, com certeza! Porque já daria
um norte pra esse profissional.

Os outros dois professores, ao serem questionados sobre a mesma questão,


responderam:
Professora Alice: Sim, acredito que sim. Todo aprendizado é válido, né? De repente
vai despertar em mim algumas outras habilidades que eu não tenha e isso vai
favorecer dessa forma minha aula.
Professor Edmar: Com certeza, com certeza. Acho que um material ele seria de um
ganho muito grande, né? Ainda mais porque eu te falei, a maior parte, eu tenho
certeza disso, a maior parte dos professores não têm contato com, com [uma
metodologia ou] esse material, inclusive na formação.

94
Por um lado, cada professor tem a sua forma de ensinar, por outro lado, cada aluno
surdo tem a sua especificidade para aprender, assim como os educandos ouvintes. Em tal
caso, um método que atenda todas as demandas é praticamente impossível. O que proponho é
uma metodologia que busca aprimorar a prática docente em determinados aspectos, como a
análise de imagens históricas a partir da visualidade. Além disso, penso que a metodologia
pode potencializar a participação dos educandos, o que tende a favorecer os seus
aprendizados.
A metodologia didática diferenciada foi pensada para ser incluída na prática de qualquer
docente através do uso do material didático adaptado com conteúdo histórico desenvolvido
para a aula, que deverá ser articulado ao uso de equipamentos eletrônicos como notebook e
projetor multimídia (é possível a utilização de outros dispositivos, como tablet, smartphone,
quadro digital, TV que tenha entrada HDMI ou entrada usb, além de outros).
No tocante ao material didático com conteúdo histórico adaptado, ele é composto por
quatro arquivos digitais: um texto historiográfico para auxiliar o professor na abordagem dos
temas de cada charge em relação à Primeira República, a saber: a Revolta da Vacina, o voto
de cabresto e a política do “café com leite”; quatro mapas mentais44, um sobre os principais
fatos e conceitos da Primeira República e três mapas mentais referentes aos temas de cada
charge, como destacados acima; e um arquivo em slide (produzido no PowerPoint45),
intitulado “Análise de charges históricas” com o exame das três charges históricas da Primeira
República. E um arquivo separado com as respostas das atividades.
Inicialmente, não faria uso de mapa mental, todavia, em uma das edições do “Surdez em
Foco”, evento organizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Surdez (GEPeSS), ligado
a Faculdade de Educação da UFRJ, a estratégia me foi apresentada, juntamente ao mapa
conceitual46. Resolvi usar em uma das minhas aulas e achei muito produtivo. Tanto o mapa
mental como o conceitual são recursos atrelados a uma pedagogia visual, já que permite a
organização de conceitos e ideias chaves através da organização visual (LACERDA;

44
É um recurso que auxilia na organização de informações, ideias e conceitos, além de favorecer na
memorização de dados. Todos mapas mentais foram desenvolvidos através do PowerPoint.
45
O Pacote Office, desenvolvido pela empresa Microsoft, apresenta programas com diversos fins. Entre eles, o
PowerPoint, cuja finalidade é a produção pelos usuários de apresentações gráficas.
46
Segundo Lacerda, Santos e Caetano (2018, p. 188) “[...] A teoria sobre mapas conceituais foi desenvolvida por
Joseph Novak, nos anos 1970, e define o mapa conceitual como uma ferramenta para organizar e representar
conhecimento e representar o conhecimento, ou seja, configura-se como uma representação gráfica em duas
dimensões de um conjunto de conhecimentos construídos de tal forma que as relações entre eles sejam evidentes.
Assim, no mapa conceitual, os conceitos aparecem dentro de caixas (quadrados, círculos, retângulos, entre
outros), enquanto as relações entre os conceitos são especificadas por meio de frases de ligação nos arcos (setas,
flechas, linhas que unem os conceitos [...]”.

95
SANTOS; CAETANO, 2018). Geralmente, o mapa mental apresenta uma ideia central e a ela
se conectam outras ideias secundárias, sendo comum a sua representação por meio de uma
árvore ou um neurônio. Já o mapa conceitual, articula ideias e conceitos de forma hierárquica
usualmente estruturados através de caixas ou círculos, sendo conectados por linhas ou setas.
Ambos podem ser usados como uma primeira apresentação ou abordagem do tema, o que
permite uma visão panorâmica do que será abordado. Uma outra proposta é que seja usada
para sintetização ou avaliação dos aprendizados dos educandos.
O mapa mental sobre a Primeira República foi pensado para ajudar no entendimento dos
fatos históricos e conceitos que estão relacionados ao período e que compõem a análise
proposta. Os outros mapas mentais são sobre os temas das charges, sendo assim, mais
específicos e tendem a ser mais um auxílio na compreensão dos conceitos, que serão
essenciais para o entendimento das representações presentes nas charges. Sobre esses mapas
mentais proponho uma primeira apresentação no início da abordagem das temáticas e o seu
retorno na finalização, e que nesse momento, os educandos, entre os quais, o surdo, sejam
estimulados a apresentarem as suas compreensões sobre os conceitos e as ideias.
O arquivo “Análise de charges históricas” foi construído para ser feito concomitante à
análise das charges, isto é, com a abordagem pela semiótica imagética apresentada no capítulo
5. Mas também pode ser posteriormente, ficando assim, a critério dos professores. Além
disso, apesar das várias representações que as charges suscitam, por questão pedagógica,
priorizei as mais importantes. Porém, cada professor poderá explorar outras ideias que mais
dialoguem com a sua realidade escolar ou regional.
Dito isso, o documento “Análise de charge histórica” é composto pelas três charges
propostas e a problematização de suas representações. Ele está dividido em quatro partes: a
primeira, chamada de “análise de fonte histórica imagética” é destinada ao estudo imagético
das charges; a segunda, um questionário analítico das charges, para aprofundar as percepções
iniciais; na terceira parte, é disponibilizado um questionário de aprofundamento dos
aprendizados para a reflexão e avaliação dos conhecimentos adquiridos sobre as charges e os
temas propostos. Para facilitar a leitura e compreensão dos educandos surdos, as questões são
em sua maioria objetivas (múltipla escolha e com apenas três alternativas) e algumas de
julgamento em certo ou errado (VIEIRA, 2018). Por fim, segue-se um arquivo separado com
as respostas de todas as atividades propostas.
Das charges escolhidas, uma é produção de Leônidas Freire e circulou na revista
ilustrada O Malho, no final de outubro de 1904, cujo objetivo é discutir o período de
modernização do Rio de Janeiro no início do século XX e as tensões suscitadas entre os

96
governantes da cidade e os populares em relação às políticas de saúde, que culminaram na
Revolta da Vacina. As outras duas são de Alfredo Storni, uma de 1925 e outro de 1927, e
circularam em outra revista ilustrada de grande expressão da época, a Careta. Através delas,
objetiva-se debater dois aspectos políticos ligados ao período histórico: a política do “café
com leite” e o voto de cabresto.
A escolha desse objeto iconográfico se deve ao fato de revelar as tensões políticas,
sociais e ideológicas, tendo assim, uma função social determinada. Ademais, argumenta
Saliba (2002, p. 22) que
[...] as representações humorísticas, nas suas inúmeras formas e procedimentos,
forjam-se nos fluxos e refluxos da vida, nos tecidos sociais e históricos, de forma
que essas atitudes humorísticas são vistas como partes indistintas dos processos
cognitivos, pois partilham como o jogo, a arte e o inconsciente, o espaço do
indizível, do não dito e, até, do impensado. De forma que podemos entendê-las
como um esforço de desmascarar o real, captar o indizível.

Um segundo motivo, trata-se ao interesse que uma imagem humorística pode despertar
nos educandos, isto é, a interpretação desse suporte imagético pode se tornar interessante e até
prazeroso para adolescentes que vivem imersos em um mundo de mudanças rápidas, ligadas
aos avanços tecnológicos.
Antes de me lançar especificamente ao exame das charges, no próximo capítulo, irei
buscar a contextualização dessas fontes, o que é uma etapa primordial para o fazer
historiográfico em sala de aula.

97
4 PLANEJANDO O ENSINO EM UMA SALA INCLUSIVA COM SURDOS:
CONTEXTUALIZAÇÃO DA FONTE HISTÓRICA

Para desenvolver o tema “Primeira República” para o 9º ano do Ensino Fundamental em


uma sala inclusiva com surdos, busquei reunir neste capítulo e no próximo aspectos que unem
o fazer histórico e a prática do ensino de História a partir da análise de imagens.
Sobre o fazer historiográfico47 realizo a contextualização do tipo de suporte imagético
escolhido para a aula, a charge, das revistas ilustradas em que essas imagens circularam e os
autores que produziram. Considero esse processo importante, já que identifico ser uma
demanda de muitos professores em suas práticas: relacionar a teoria e a metodologia de
análise de documento histórico.
Em acordo com as propostas da BNCC (BRASIL, 2018) para o ensino de História, usei
para a montagem da aula cinco processos indicados no documento oficial para o ensino de
temas históricos e o tratamento de fontes históricas, a saber: identificação, comparação,
contextualização, interpretação e análise. Além disso, as aulas foram pensadas a partir dos
objetos de conhecimento e habilidades propostos no documento. Sobre o que ensinar, focarei
sobre um dos objetos propostos: a “Primeira República e suas características; contestações e
dinâmicas da vida cultural no Brasil entre 1900 e 1930”. Sobre as habilidades a serem
desenvolvidas, destaquei duas: “Descrever e contextualizar os principais aspectos sociais,
culturais, econômicos e políticos da emergência da República no Brasil” e “Identificar os
processos de urbanização e modernização da sociedade brasileira e avaliar suas contradições e
impactos na região em que vive”48 (BRASIL, 2018, p. 428-429).
Outro aspecto relevante apontado no documento normativo são os procedimentos
básicos para o ensino de História. Em decorrência da minha sugestão, dos três objetos
propostos, foco no segundo e no terceiro, pois dialogam melhor com a minha metodologia.
Respectivamente, o segundo, diz respeito ao trabalho com documentos em sala de aula49 e o
terceiro sobre a importância de formular questões sobre os temas e os processos históricos
abordados. Conforme o texto da BNCC (BRASIL, 2018), um objeto se torna documento a
partir do momento em que um sujeito o interroga a fim de compreender a sociedade que o

47
Como mais uma ferramenta de apoio ao docente, no material didático adaptado com conteúdo histórico, há
disponibilizado um texto histórico com o debate atual que contextualiza a Primeira República, estando o foco em
aspectos políticos e sociais relevantes do período.
48
Habilidade EF09HI01 e EF09HI05 da BNCC.
49
O segundo procedimento apontado como proposta pela BNCC é: “Pelo desenvolvimento das condições
necessárias para que os alunos selecionem, compreendam e reflitam sobre os significados da produção,
circulação e utilização de documentos (materiais ou imateriais), elaborando críticas sobre formas já consolidadas
de registro e de memória, por meio de uma ou várias linguagens.” (BRASIL, 2018, p. 416).

98
produziu. Uma vez que o documento se constitui no meio através do qual o historiador produz
o conhecimento histórico, o texto ressalta a necessidade de a fonte histórica ter primazia no
ensino de História, questão já teorizada no primeiro capítulo.
Ainda de acordo com a BNCC (BRASIL, 2018), o documento é portador de sentidos,
que podem ser visíveis e invisíveis, o que permite que sejam produzidas questões que
auxiliem no entendimento do contexto de produção. Na tarefa de auxiliar o educando no
desenvolvimento das capacidades de identificação, interpretação, análise, crítica e
compreensão em relação ao registro histórico, o texto aponta como caminhos básicos a serem
seguidos: a identificação do objeto; a compreensão dos sentidos e os usos do objeto na
sociedade produtora; e, por fim, quais outros significados e utilidades ele adquiriu ao longo do
tempo.
Sobre o terceiro procedimento, destaca-se, por um lado, a importância da pergunta no
ato de fazer História: “[...] é importante observar e compreender que a história se faz com
perguntas. Portanto, para aprender história, é preciso saber produzi-las.” (BRASIL, 2018, p.
419). Por outro lado, como destacado no primeiro capítulo, as proposições levantadas não
podem se limitar a um único olhar.
Para o estudo da Primeira República selecionei três charges. Cabe destacar que optei por
imagens “clássicas”, já consagradas, pois são comuns no uso em sala de aula sobre a temática.
De partida, preciso frisar, até porque não é uma demanda da sala de aula do Ensino
Fundamental, que as imagens não serão desconstruídas de maneira formal, isto é, não me
atentarei aos traços dos desenhos e as convicções políticas dos autores. Contextualizarei os
autores e os veículos de imprensa, porém, limitarei a minha abordagem aos aspectos políticos,
sociais e culturais observáveis, relacionando-os de maneira geral através do processo de
representação.
As informações históricas aqui presentes não precisam ser usadas em sua totalidade, no
entanto, é imprescindível conhecê-las caso o diálogo com os educandos leve ao
aprofundamento dos temas debatidos. Cabe frisar também, que o tema central que é explorado
através das charges propostas é a construção histórica da cidadania na Primeira República. As
lacunas poderão ser preenchidas com a leitura e aprofundamento dos autores aqui utilizados.
A seguir, o primeiro passo será contextualizar a história da charge no país.

4.1 Breve história da charge no Brasil

Em relação às charges, o contexto político da Primeira República foi um período em

99
que elas tiveram grande produção e circulação. Autores como Antônio Pereira Neto, Angelo
Agostini, Alfredo Storni, entre outros, deixaram suas marcas entre 1889 e 1930. E mesmo que
seus nomes não sejam conhecidos entre os sujeitos históricos do período, suas representações
são comumente usadas nas aulas de História para a compreensão do período, já que suas
charges estão sempre presentes nos livros didáticos, em provas de vestibulares e em textos
explicativos de sites e blogs com temáticas históricas.
A tarefa de explicar o período através de charges a uma turma inclusiva não é simples,
porém, o investimento é válido, já que as possibilidades de aprendizagem são fascinantes. De
partida, é fundamental auxiliar os educandos na identificação do que é uma charge, e isso está
vinculado aos porquês da sua criação/utilização naquele contexto histórico. Existem duas
definições que podem auxiliar na explicação: a primeira, é do historiador Renato Lemos
(2006), que afirma na apresentação do seu livro “Uma História do Brasil através da caricatura:
1840-2006” que as charges (e caricaturas) são mais do que meras ilustrações ou fontes de
informação as quais o historiador pode recorrer para produzir conhecimento sobre
determinado período, pois
Elas revelam o conhecimento produzido pelo artista, uma representação do real.
Uma representação às vezes um tanto hiperbólica, mas a sua narrativa histórica.
Narrativa em geral bem-humorada, satírica, corrosiva, às vezes dramática, trágica
mesmo. É que a sensibilidade do artista se confunde com a do cidadão diante dos
tortuosos rumos da humanidade, que tanto fazem rir como chorar. (LEMOS, 2006, p.
5)

Já Souza (2018, p. 191), ao debater o uso de imagens nas aulas de História, assevera
sobre a importância de diferenciar a caricatura50, que é uma representação fisionômica com
características exageradas de uma pessoa e nem sempre é datada, da charge, que é datada e
“[...] é uma interpretação de determinada situação, geralmente de cunho político e com alta
dose satírica.”. Para Almeida (2017), o poder da charge está em recriar um fato de forma
ficcional, tendo assim, uma limitação temporal, já que se prende a uma realidade específica.
Estaria a tarefa introdutória finalizada? Ainda não. Também é preciso apresentar um
panorama dos autores e dos periódicos ilustrados em que as charges selecionadas circularam.
Ao analisar a charge de Leônidas sobre o contexto da vacinação obrigatória (que veremos
abaixo), Souza (2018, p. 193) propõe que se parta da identificação dos grupos e como os
mesmos são retratados; diz ainda, que é preciso analisar os espaços apresentados, os atributos
dos envolvidos, a legenda da charge e os trajes. Além disso, elenca algumas questões que
precisam estar na análise da charge como fonte histórica:

50
Segundo Brandão (2003, p. 63), na caricatura “[...] Detalhes da fisionomia, trejeitos, manias, tudo vira marca.
E a caricatura só atinge sua ‘função’ se prontamente reconhecida pelo receptor.”.

100
[...] a quem essa charge se destinava? Quem eram os leitores de “O Malho”? Onde
era vendido? Com qual periodicidade? Havia alguma publicação concorrente? Quem
eram os editores? Quem era Leônidas? Enfim, que poder tinha essa imagem em
1904? Isso gera um panorama do que é a opinião pública sobre o episódio.
Mas, por que todo esse processo? Diferentemente do que possa parecer, as imagens não
explicam o contexto histórico por si só. Como qualquer documento histórico, elas necessitam
de uma metodologia para cumprirem os objetivos do ensino de História. E conforme
apresentado no primeiro capítulo, a análise de imagens históricas potencializa o ensino, pois
permite o acesso a um determinado período histórico através das representações impregnadas
na imagem, enquanto um artefato que conecta o passado e o presente. Tratá-las como
ilustração é minimizar as possibilidades narrativas que é possível construir.
Antes de prosseguir, pensemos uma questão interessante: como as notícias circulavam
entre a população carioca se a maioria era iletrada? Como não havia rádio, nem TV, a
imprensa, dividida basicamente em jornais e revistas ilustradas, era responsável pela
divulgação de notícias e pelas análises dos fatos. Numa interpretação mais simples, pode-se
afirmar, por um lado, que os letrados, grupo que tinha acesso aos meios de informação,
compartilhavam as notícias com os iletrados em diversos espaços da cidade (rua, café, bares
etc.). Por outro lado, as charges e as caricaturas seriam uma forma mais fácil de passar as
informações as pessoas que não sabiam ler51. Todavia, a questão é mais complexa, conforme
apresentarei adiante.
As charges tiveram uma trajetória peculiar no Brasil e ao contrário do que possa
parecer, nem sempre a crítica política foi a sua chave de existência. A charge ganhou
expressão no Brasil na segunda metade do século XIX, a partir da chegada de imigrantes
europeus (pintores, desenhistas etc.) e da circulação das já citadas revistas ilustradas52, que
usavam a sátira como forma de comunicação com uma pequena sociedade letrada
(TEIXEIRA, 2001).
Segundo Teixeira (2001), no final da Monarquia o humor político crítico se intensificou
radicalmente contra a política imperial. Ou seja, a singularidade das charges passava, entre
outras coisas, pelo envolvimento político do autor. Uma característica peculiar do período, e

51
No estudo de Souza (2018, p. 70-72) sobre a relação entre charges e política no Brasil, a autora afirma, que no
contexto do fim da escravidão, “[...] formava-se ali um grupo de cidadãos interpretantes que, em sua maioria, só
teriam meios de se informar através das charges circuladas nos materiais gráficos disponíveis para esse fim.”. As
charges seriam assim, o único recurso para atingir aos grupos dos não letrados, que aumentava com os
ex-escravizados. Logo “[...] enquanto na Europa a charge nasceu como complemento da informação, no Brasil, a
charge era a informação. Era o texto que a massa podia ler e interpretar.”. Todavia, nos estudos sobre a charge no
Brasil, a ideia de que essa surgiu exclusivamente aos não letrados não se sustenta, apesar que através dela os
analfabetos poderiam sim, acessar as informações inviáveis no texto escrito.
52
Como exemplo há a Revista Ilustrada de Ângelo Agostini que circulou no Rio de Janeiro entre 1876 e 1898.
Todas as edições estão disponíveis em: http://hemerotecadigital.bn.br/acervo-digital/revista-illustrada/332747.

101
que nos revela essa tendência, era a representação “real” de cenas e personagens. Pode-se
dizer, que a ideia era estabelecer uma relação de semelhança entre o sujeito real e o
personagem. Com o passar do tempo, os traços da charge buscaram identificar um sujeito não
mais pela semelhança entre sujeitos reais e personagens, e sim, pelas diferenças. A
identificação assim, passou a ser feita através das ações, dos atos dos sujeitos reais.
Para Lustosa (2011), uma das explicações mais prováveis para a entrada e longevidade
das revistas ilustradas nas cidades e no interior do país, seja o caráter fotográfico da
caricatura, que ao tornar rostos e atitudes de políticos e pessoas famosas mais conhecidos,
possibilitava o acesso de pessoas iletradas aos fatos do cotidiano através da imagem. Martins
(2003), por outro lado, afirma que o gênero caricatural no contexto de uma sociedade fraca
em leitura, revelou-se ideal, pois a imagem e o humor, eram fundamentais na garantia da
rápida absorção das mensagens, o que potencializava a comunicação das revistas.
No Império, segundo Teixeira (2001, p. 17-18), a charge não tinha autonomia como
discurso próprio, pois a sua estrutura narrativa servia de suporte a um texto. Isto é, a imagem
era colocada como um discurso paralelo. Isso se explica por uma sociedade cartesiana, que
não acreditava que uma imagem, ela própria, ser capaz de representar ou significar a
realidade, desconhecendo assim, as suas potencialidades narrativas. Cabe destacar ainda, que
os traços dos chargistas, influenciados por um modo de vida europeu e burguês, buscavam
representar exclusivamente os fazendeiros e políticos, a saber, a elite branca e letrada. Já o
povo, destaca o autor, por vivenciar a exclusão da cidadania real, na charge não ganhava
rosto, porque em síntese negava-se o direito ao “[...] seu imaginário, a representação
simbólica de sua individualidade, a posse e a reprodução de sua identidade individual, social e
cultural”. Logo, o povo, em especial, negros e mestiços, no imaginário aristocrático era
“invisível”, não precisando assim, de representação simbólica.
Portanto, pode-se afirmar que a inclusão das imagens na imprensa, em especial, a
charge, não foi para atender exclusivamente aos analfabetos como se fosse um “[...] texto que
a massa podia ler e interpretar.” (SOUZA, 2018, p. 72). Na verdade, foi uma demanda das
mudanças do período e que atendia ao público em geral. Em última instância, também
favorecia o acesso e o consumo população analfabeta, em torno de 80% do país (MARTINS,
2003).
E como era a produção da charge na Primeira República? Conforme já destacado, as
charges estavam diretamente ligadas às revistas ilustradas. Se entre 1860 e 1889 chegaram a
circular no Rio de Janeiro cerca de 60 dessas revistas, no período da Primeira República o
número chegou a cerca de 145. Apesar disso, nos governos de Deodoro e Floriano, houve a

102
extinção de diversas revistas em decorrência da censura. Após 1894, com os governos civis,
pouco a pouco houve o retorno das revistas com seus traços de sátira, humor e irreverência.
Lustosa (2011) afirma que com a Proclamação da República, as representações dos vilões
(leia-se defensores do sistema monárquico), ligados a Monarquia, perderam espaço no humor
para os heróis republicanos. De maneira geral, as críticas políticas só retornaram quando
Deodoro da Fonseca saiu da presidência.
Conforme Sodré (2011, p. 444)
As revistas ilustradas, aparecendo na fase em que imprensa e literatura se
confundiam e como que separando, ou esboçando-se a separação entre as duas
atividades, submeteram-se, inicialmente, ao domínio da alienação cultural então
vigente, buscando emancipar-se depois, ao se tornarem principalmente mundanas, e
até femininas umas, e principalmente críticas outras. Salvou-as, sem a menor dúvida,
a arte da caricatura, que teve, nessa época, grandes nomes a praticá-la e a dar-lhe um
sentido, um conteúdo e uma qualidade de execução, uma forma, insuperáveis. É o
grande, profundo e significativo aspecto que apresentam. Limitadas à literatice,
teriam sido inócuas e não teriam alcançado a penetração relativa que alcançaram.
Apesar das charges também passarem a circular nos jornais, foram nas revistas
ilustradas que continuaram a ter mais representatividade. Essas revistas ganharam importância
naquele contexto, em decorrência da junção entre os conteúdos relevantes e os recursos
gráficos. Para Martins (2003), aquele contexto de transformações que marcou a virada de
século, atestava que as imagens na imprensa deixavam de apenas complementar o texto e
transformaram a própria criação gráfica em texto. É possível afirmar assim, que a demanda
pelas imagens, tanto nas revistas como jornais, era uma questão do próprio contexto de
modernidade. Com a imagem, a mensagem era transmitida com maior rapidez e se tinha um
hábil instrumento de sedução do público leitor. Diante disso, pouco a pouco, a profissão de
ilustrador se estabeleceu como imprescindível.
O advento da República impulsionou o desenvolvimento das cidades, que por sua vez,
favoreceu a expansão da imprensa humorística. Apesar de nascer no Império, o humor no
período foi visto com desdém e desconfiança por uma sociedade “[...] fortemente
hierarquizada e elitista” (BRANDÃO, 2003).
Contudo, para entender as charges no início do século XX, é preciso compreender a
relação entre a sua produção e o contexto histórico do Rio de Janeiro no período. O centro da
cidade passou por um processo de modernização, sendo a frase o “Rio civiliza-se”53
(RODRIGUES, 2009) uma síntese do processo. Mas as mudanças não se limitaram ao
urbanismo. A política adotada pelo Governo Federal era eliminar o passado colonial e colocar
a cidade no patamar de cidade europeia, logo civilizada. Como a reforma urbana do prefeito

53
Slogan lançado por Figueiredo Pimentel no jornal Gazeta de Notícias.

103
Pereira Passos não era para melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes e nem por ser
um processo ligado aos movimentos de cidadania, o moderno era, na verdade, a intensificação
do processo de exclusão das classes populares do centro da cidade. Segundo Teixeira (2001,
p. 23), a reforma demarcava um status segregador, um lugar específico em que “[...] não
significa apenas a derrubada de trapiches, cortiços e estalagens, nem o saneamento de vielas,
valas e becos de uma insalubre cidade colonial, mas que representa, antes, a mão pesada de
um poder autoritário que legisla para coagir e arbitra para segregar.”.
Vivia-se uma mudança no modo de vida e da mentalidade carioca, que passava pela
eliminação dos costumes e hábitos tradicionais e da cultura popular. O centro passava a ser
exclusivo das camadas aburguesadas, influenciadas por um cosmopolitismo à moda de Paris,
sendo, portanto, branca e europeia, o oposto do Brasil. Após o processo de intervenção, o Rio
de Janeiro, em 1906, já se mostrava uma cidade com ares de moderna, regenerada e o modelo
para todo o país (TEIXEIRA, 2001).
Para o autor, esse contexto influenciou as mudanças que passaram as revistas ilustradas.
Com traços mais leves, pela substituição da litografia pela zincografia, as revistas
minimizaram as polêmicas sátiras e críticas de costumes dos tempos da Monarquia. Sua
função, de maneira geral, passou a ser a de representar a sociedade emergente e seus novos
costumes. Diante disso, as charges também mudaram, e passaram a um humor ligeiro, piadas
de salão (curtas) e com personagens fictícios; passando a apresentar uma pluralidade de
quadros e uma síntese textual.
Por outro lado, a crítica política amenizou-se, dando espaço a personagens puramente
imaginários e generalizantes, como por exemplo, as versões do Zé Povo, que passaram a
circular no imaginário social da cidade. O personagem que representava o “povo”, carregava
um estereótipo negativo e apresentava uma postura passiva e sem controle sobre seus
destinos. Era um tipo híbrido, nem negro nem branco. Por ser fictício não seria encontrado.
Ao mesmo tempo exorcizava o povo real que passava pelas ruas da cidade, e que não possuía
nome, nem rosto, nem posse. Ou seja, o povo se tornou objeto de humor da charge e alvo de
suas críticas. Sem rosto nos traços da Monarquia, nesse momento ele ganhava rosto e se
tornava visível a burguesia carioca, todavia, ainda era marcado pela ausência de cidadania,
que apesar de livre (tinha seus direitos civis), era, portanto, segregado (TEIXEIRA, 2001).
Apesar das imagens selecionadas para este trabalho serem coloridas, até a década de
1930, o mais comum era as revistas ilustradas priorizarem a impressão monocromática. As
mudanças na imprensa, marcas de sua modernidade, como a aquisição de maquinários
modernos, o uso de recursos gráficos, a evolução das técnicas que resultavam em mudanças

104
nas formas e conteúdos jornalísticos, entre outros, revela-nos que o processo de modernidade
abarcava outros setores. Infelizmente, em decorrência do recorte proposto, seria inviável
analisar a totalidade das mudanças ocorridas. A seleção, fruto da minha escolha, articula-se
com a necessidade de buscar informações que são mais pertinentes para a abordagem da
charge em sala de aula com alunos do Ensino Fundamental. Para encerrar a contextualização
proposta, abaixo apresento de forma breve, os periódicos ilustrados em que as charges foram
circuladas e os seus respectivos autores.

4.2 Contextualizando as revistas ilustradas: O Malho (1902-1904) e Careta (1925-1927)

4.2.1 Revista O Malho

A primeira revista ilustrada a ser analisada é O Malho54. De publicação semanal, foi


fundado por Luís Bartolomeu de Sousa e Silva55 e circulou entre os anos de 1902 e 1954,
tendo nos anos iniciais entre 24 e 30 páginas, e nos anos seguintes, geralmente entre 40 e 50
páginas, especialmente, com a introdução de anúncios e propagandas.
O Malho era de circulação semanal e a distribuição ocorria aos sábados. No primeiro
momento era restrita ao Rio de Janeiro, mas rapidamente passou a ser comercializado em
outros estados. De início, a redação e a oficina funcionavam na Rua do Ouvidor, nº 125, e em
meados de 1904, mudou para o número 7 e 9 da mesma rua. Ou seja, a sede estava localizada
na principal rua do Rio de Janeiro, historicamente marcada pelos encontros dos intelectuais, e
onde, no início do século XX, circulavam as novas ideias que chegavam da Europa. Com a
abertura da Avenida Central, depois nomeada de Rio Branco, a rua do Ouvidor não deixou de
ser local da modernidade carioca, porém, assumiu papel secundário (NOGUEIRA, 2018).
Segundo Vicardi e Soares (2018), a revista tinha como público um grupo diverso entre
os letrados, e se autointitulava porta-voz da opinião popular, por isso, apresentava uma forte
crítica política manifestada em um papel político-pedagógico. Conforme Sodré (2011), ao
longo de sua existência reuniu os maiores caricaturistas da época e no transcorrer da Primeira

54
A revista O Malho está disponível no acervo “BNDigital” no site da Biblioteca Nacional:
http://bndigital.bn.gov.br/acervo-digital/O-malho/116300; e também no site Casa de Rui Barbosa:
http://omalho.casaruibarbosa.gov.br/index.asp?lk=16.
55
Nasceu em Rio Preto (MG) no dia 3 de outubro de 1864 e se mudou para o Rio de Janeiro, onde passou a
cursar a Escola Militar da Praia Vermelha. Participou do Batalhão de Jovens Republicanos, onde foi promovido a
alferes e transferido para o Paraná, após a proclamação da República. No início do século XX, largou as forças
armadas, retornando a capital. Passou a trabalhar nas atividades de imprensa, em especial na redação do jornal O
País. Em 1902, fundou O Malho, atuando como diretor. Morreu em 25 de julho de 1935 (LIMA apud
NOGUEIRA, 2018).

105
República foi uma das mais prestigiadas revistas de crítica.
Abaixo, a imagem 1 é da capa da edição 1, de 20 de setembro de 1902 e a imagem 2 é
da edição 111, de 29 de outubro de 1904, em que circulou a charge de Leônidas Freire que
será objeto da análise.
Imagem 1

Capa da revista O Malho, ano I, número 1, 20 de setembro de 1902.

106
Imagem 2

Capa da revista O Malho, ano III, número 111, 29 de outubro de 1904.


Entretanto, Nogueira (2018) ao estudar a repressão e os movimentos sociais entre 1902
e 1910 na cidade do Rio de Janeiro através da revista, aponta que esse semanário, na verdade,
apresentava um discurso contraditório. Ao mesmo tempo que O Malho manifestava um
discurso de defesa da cidadania republicana, apresentando-se como defensor do povo;
criticava os costumes populares em nome de um comportamento dito civilizacional, oriundo
do processo de modernidade à moda europeia que se colocava à cidade. Isso resultava, mesmo
diante das críticas políticas existentes em suas páginas, na defesa das ações do Estado e das
classes dominantes. Para Diogo (1999), apesar da revista valorizar a polêmica, dava seu apoio
irrestrito às ações governamentais para a cidade.
Diante da proposta do trabalho, foi preciso selecionar as informações mais relevantes
sobre a revista, o que me levou a priorizar o ano de 1904, quando ocorreu a Revolta da
Vacina. Naquele ano, o valor da revista era de 200$ (réis)56. Esse valor, segundo Diogo

56
A partir da edição de número 118, de 17/12/1904, o valor foi alterado 300$ (réis), que ficou até 1910.

107
(1999), tornava-o acessível aos letrados, e segundo Tenório (2009), era o custo equivalente a
uma passagem no transporte público. Em relação à tiragem, inicialmente era baixa, com cerca
de 15.000 impressões, mas, entre 1905 e 1906, houve aumento para cerca de 40.000 tiragens,
o que comprova que foi bem aceito na sociedade da época. Tanto Tenório (2009) como
Nogueira (2018), afirmam que a possibilidade de atender essa grande demanda de exemplares
só foi possível graças ao fato de a revista adquirir maquinário mais moderno, as máquinas
rotativas Marinoni, que introduziram uma nova técnica de impressão, uma tendência geral dos
grandes veículos de imprensa do período.
Entre as seções que a revista apresentava havia: “Chronica” (comumente escrito pelo
diretor artístico responsável pela edição da revista), “Bigorna da Câmara”, “Carrilhão do
Senado”, “Treatices”, “Sports”, entre outros. Esses espaços possuíam textos, fotografias,
caricaturas e charges, mas também, imagens que poderiam ser alocadas de forma
independente. De maneira geral, O Malho apresentava temas variados, que iam de situações
simples do cotidiano carioca até os fatos nacionais e internacionais mais importantes,
analisando-os de forma ligeira, humorada e crítica (NOGUEIRA, 2018).
Mas, afinal de contas, quem era o público leitor de O Malho? Para Tenório (2009), o
preço baixo da revista já pode ser um indicador de que as classes populares eram o público
alvo da mesma. Outro indicador apontado pelo historiador, toma por base Monteiro Lobato,
que afirmara que havia grande circulação da revista entre os trabalhadores da Central do
Brasil, dentre os quais, carroceiros e membros de associações. Além disso, o traço simples das
charges também aponta para a necessidade de atingir os menos letrados e até iletrados.
Contudo, o autor também afirma ser importante repensar o termo “povo” assumido na grande
mídia naquele contexto histórico. Por fim, argumenta que há outros aspectos da revista, como
as propagandas e certas secções, que apontam que havia a preocupação em atender uma
cultura letrada e das elites, o que o faz deduzir que a revista não estava limitada a um grupo
ou classe.
Nogueira (2018) afirma que a revista possuía um público eclético, apesar disso, seria
equivocado dizer que era direcionada aos operários e proletariados do Rio de Janeiro, já que
na sua análise percebeu que os discursos e as charges apontavam uma linguagem
apaziguadora e propagadora dos ideais positivistas europeus. Apesar de uma linguagem mais
simples, de fazer a crítica política ou mesmo tratar questões populares em suas charges, não
significa que O Malho se posicionava ao lado das camadas populares. Na verdade, para a
historiadora, o discurso da revista dialoga com o ideal de modernização vivenciado no
período, e já debatido acima. Assim sendo, semanalmente a revista propagandeava

108
[...] o mesmo discurso reafirmando o projeto de modernização da cidade do Rio de
Janeiro e a necessidade de mudança nos hábitos e costumes da população. Desta
maneira propagam novas rotinas de se agir e vestir em suas crônicas, charges,
poemas e fotografias que revelam o desejo de uma classe dominante capaz de julgar,
subjugar e propagar o que acreditam ser as expectativas de todo um país.
(NOGUEIRA, 2018, p. 65)

As charges, nesse contexto, traziam uma linguagem mais simples, já que serviriam
como extensão do discurso da revista, que ao circular pela sociedade, objetivava atingir os
iletrados, ensinando-os os modos de agir, vestir e lugares a frequentar (ou não), impondo-os
assim, de forma autoritária, a forma de se inserir na sociedade moderna que a cidade entrava.
Corroborando com a ideia de modernização, a reforma urbana da capital foi defendida
pela revista, que fazia questão de divulgar os projetos do governo. Por exemplo, no espaço
“Chronica do Malho”57, no dia 12 de março de 1904, o cronista manifestava apoio pelo início
das obras de construção da Avenida Central, apresentando-a como solução para problemas da
cidade, como: o da insalubridade e o do seu embelezamento. Além disso, afirmava-se na
coluna, que as melhorias, apesar dos transtornos causados, recebiam o apoio popular. De
maneira geral, Nogueira (2018, p. 54) afirma que
[...] a revista aprova e divulga os projetos do governo e suas medidas de austeridade
sobre a população carioca, além de claramente se opor as manifestações populares
da época, o que torna o discurso adotado pela revista ambíguo e contraditório, pois,
O Malho, afirma que apoia a população, mas, ao mesmo tempo, defende a estratégia
de austeridade contra as classes populares.
E como foi o posicionamento do periódico ilustrado diante da Revolta da Vacina? A
revista, apesar do discurso de defensora dos interesses do povo, nas edições de números 114,
115 e 116 (respectivamente, dias 19 e 26 de novembro e 3 dezembro 1904) em que analisou a
revolta, mostrou-se em “[...] sintonia com o discurso da classe dominante no sentido de se
manter afastado do centro urbano, no caso, da cidade do Rio de Janeiro, as pessoas que não se
enquadram no novo perfil de civilização. A cidade, nas páginas d’ Malho, não tem mais
espaço para todos.” (NOGUEIRA, 2018, p. 133). Diante do que a autora destaca, já é possível
perceber os ideais assumidos pelos produtores da revista, que de maneira geral, estavam em
consonância com os seus pares, enfim, com a imprensa carioca do período. Portanto,
permeado pelo discurso da modernidade, a revista, colocou-se severamente contra a revolta.
Na “Chronica do Malho” da edição de nº 114, escrita por Ruy Vaz58 ainda no calor dos

57
O Malho, ano III, número 78, 12 de março de 1904, p. 3. Coluna que geralmente fazia um resumo dos
acontecimentos semanais, de maneira debochada, cômica e linguagem mais simples. Entre as edições de número
20 e 67 os diretores eram Raul Paderneiras e K. Lixto. Mas, a partir da edição 68 até a 89, K. Lixto seguiu
sozinho à frente da revista (NOGUEIRA, 2018).
58
O Malho, ano III, número 114, 19 de novembro de 1904, p. 3. No período em que era assinada por Ruy Vaz
(do exemplar 90 até 131), pseudônimo usado por Aluízio de Azevedo (1857-1913), o debate se tornou
exclusivamente político, diferentemente das edições anteriores, e também posteriores, em que caráter social
também tinha destaque (NOGUEIRA, 2018).

109
acontecimentos, a revolta era condenada por seu caráter “violento”. Na coluna se diz que o
jornal é popular e faz uso da sátira, para brincar e criticar, todavia, a revista é contrária aos
atos que coloquem em risco a estabilidade social e política. Diante disso, afirma que o veículo
é contra qualquer tipo de “revolução”, em especial, a que se vivenciou nas ruas da cidade, e,
que as críticas ao governo, manifestadas na força da opinião pública, e que são representadas
nas páginas da revista, são a maior expressão contra o poder, e que o governo, queira ou não,
precisa se subordinar a ela. O uso da força é retroceder aos processos mais “bárbaros”,
afastar-se assim, do objetivo desejado. Por fim, escrevia que a ação policial contra os
revoltosos era reconhecida pela população, já que tinha o intuito de “garantir” o bem-estar e a
segurança dos seus cidadãos. Além disso, pedia que o governo fosse implacável contra os
líderes do movimento, exceto aos jovens “valentes” da Escola Militar, aos quais se pedia
benevolência, já que influenciados por Lauro Sodré, aproveitaram o levante para
empreenderem um golpe que não teve êxito.
Percebe-se na escrita da crônica, que a revista, que se posicionou favorável a vacinação
obrigatória, respeitava a liberdade daqueles que não queriam se vacinar, e assevera ao
governo sobre a importância de conscientizar a população sobre os efeitos da vacina. Todavia,
colocava-se avesso a todo ato que colocasse em xeque a estabilidade social, e ao chamar o
movimento de “revolução”, parece que tinha o objetivo de torná-lo mais repulsivo, se
pensarmos no contexto de uma sociedade que se mostrava aversão às ações radicais. Há uma
notória dicotomia na posição destacada, já que a revista, por um lado, apoiava as propostas
governamentais e não questionava as violências praticadas, pois as mesmas serviriam a um
“bem maior” (um caminho ao moderno). Mas, por outro lado, colocava a reação popular
como coisa de “bárbaro”, logo incivilizado, o que destoava dos princípios burgueses
desejados para a cidade.
É interessante destacar que as edições da revista de nº 115 e nº 116, posteriores a
revolta, não houve preocupação de mostrar como o conflito ocorreu, nem o número de mortos
e feridos foram citados! Não mostraram nada dos confrontos que abalaram a cidade nas
semanas anteriores. Cabe frisar, que nas edições destacadas, enquanto houve silêncio com o
que ocorrera nas ruas da cidade existiu espaço para os fatos semanais da guerra entre Rússia e
Japão59.
Na edição de nº 115, na “Chronica do Malho”, Ruy Vaz faz uma reflexão sobre a revolta
na Escola Militar, que em síntese, aponta como ação de positivistas e monarquistas. Para

59
O Império do Japão e o Império Russo entraram em guerra entre 1904 e 1905, a chamada Guerra
Russo-Japonesa. O conflito foi marcado pela disputa pelos territórios da China e da Manchúria.

110
embasar sua posição contra os positivistas, cita um general, de nome Travassos60, que mesmo
tendo construído uma carreira exemplar no Exército, rendeu-se a “sublevação”. Cita também
um coronel, de nome Fabricio de Mattos, que lutou, mesmo sem arma, para conter a rebelião
no seu batalhão. Ambos morreram, entretanto, enquanto um se rebelou para derrubar o que ele
mesmo ajudou a construir, o outro, deu a sua vida para garantir a legalidade constitucional.
Termina seu texto inconformado com a possibilidade de Lauro Sodré, considerado um dos
líderes que corromperam os alunos da Escola Militar, conseguir um habeas corpus e sair da
prisão poucos dias após ser preso. Junto ao texto é colocada uma fotografia (imagem 3), que
apresentava pessoas presas na Ilha das Cobras e que seriam banidas da cidade, que em sua
totalidade, eram homens, mulheres, idosos e crianças negras!
Imagem 3: Presos em fila na Ilha das Cobras

O pessoal d’arrelia que andou quebrando lampiões e bonds, gente desembolada e que
vai seguir para o Acre. Está hospedado na Ilha das Cobras á espera de vapor.
Que bons ventos o levem e que para cá não volte. Olhem só para a cara delles!
Fonte: O Malho, ano III, número 115, 26 de novembro de 1904, p. 3.

Na edição de nº 116 não houve nenhuma análise sobre os fatos, porém, duas fotos
(imagens 4 e 5) foram colocadas na edição para representar as consequências da revolta.

60
Segundo Carvalho (2013b), o general Silvestre Travassos liderou cerca de trezentos cadetes numa tentativa de
tomar o Palácio do Catete. Após um confronto com forças do governo, o general foi ferido e os cadetes foram
dispersados.

111
Imagem 4: A separação dos presos na Ilha das Cobras

Fonte: O Malho, ano III, número 116, 03 de dezembro de 1904, p. 14.

Imagem 5: Os presos que seguiram para o Acre

Fonte: O Malho, ano III, número 116, 03 de dezembro de 1904, p. 14.

As três fotografias apresentam pessoas que foram presas na revolta à espera de serem
levadas para o Acre, sob a acusação de provocarem a balbúrdia na cidade. Conforme
Nogueira (2018) destaca, o tom na revista era de condenação, assim sendo, não houve espaço
para apresentar os porquês que levaram aquelas pessoas a lutarem pelo direito sobre seu
próprio corpo e vida.
Por que não houve pedido de benevolência da revista, pelo menos as crianças, conforme
foi feito em relação aos jovens da Escola Militar envolvidos no fracassado golpe liderado por
Lauro Sodré, como exposto acima? Isso é algo sintomático da posição da revista: os jovens
militares, sem dúvida, eram oriundos da classe média carioca e de outras regiões, já as
crianças negras, pertenciam ao grupo de pessoas que “[...] representam todos os males e são

112
perigosas para a população de cidadãos civilizados que habitam a cidade do Rio de Janeiro.
Por isto, são isoladas em locais distantes.” (NOGUEIRA, 2018, p. 136).
Nas edições acima citadas, houve circulação de charges produzidas para representar a
vacinação obrigatória e as suas consequências, não obstante, não serão aqui reproduzidas e
nem avaliadas, pois essas representações não se referiram a revolta popular, temática principal
da minha proposta.

4.2.2 Revista Careta

A segunda revista a ser analisada é a Careta. Esse semanário circulou entre os anos de
1908 e 196061, num total de 2.732 edições, era semanal, de circulação aos sábados e não tinha
como público alvo somente a elite do Distrito Federal, diferentemente da revista Kosmos62,
ambas publicações da editora Kosmos, fundada e dirigida pelo jornalista e empresário Jorge
Schmidt63. Era uma revista moderna para os padrões do período, sendo impressa em papel
couchê, mas era de dimensão menor em relação O Malho. Na década de 1920, já possuía
muitas páginas coloridas, que combinado com o papel especial, apresentava um efeito
diferente de outras revistas cariocas, além disso, a diagramação era interessante, ao combinar
desenho e fotografia, mas com superposição do primeiro. De maneira geral, apresentava em
média quarenta páginas e oito charges, com destaque para a da capa (GARCIA, 2005;
NOGUEIRA, 2012). A redação e as oficinas estavam localizadas, inicialmente, na Rua da
Assembléia e, depois, na Rua Frei Caneca.
Segundo Garcia (2005), a escolha do nome Careta, já pretendia marcar o desejo de seus
idealizadores e do perfil editorial da revista, cujas imagens de humor seriam a representação
de uma postura de contestação e crítica perante os assuntos abordados. Isto é, em sua
essência, a revista já tinha o objetivo de atrair e provocar os leitores.
Abaixo, a capa da edição 1 (imagem 6), de 06 de junho de 1908, em que apresenta uma
caricatura de J. Carlos (que durante grande parte da Primeira República foi o responsável
pelas capas da revista) do então presidente do período, Afonso Pena e a capa da edição 809

61
A revista Careta está digitalizada e disponibilizada no acervo “BNDigital” no site da Biblioteca Nacional:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/careta/careta_anos.htm. Acesso em: 23 jul. 2019
62
Destinada aos intelectuais do país, era uma revista de produção cara e com o valor de venda de 2$000 réis. Era
mensal, e circulou entre os anos de 1904 e 1909 (NOGUEIRA, 2012). Diversos problemas em sua produção
levaram Jorge Schmidt a optar por uma publicação mais simples (GARCIA, 2005). Suas edições estão
digitalizadas e disponíveis em: http://bndigital.bn.br/acervo-digital/kosmos/146420. Acesso em: 23 jul. 2019.
63
Além da Careta, as revistas Kosmos e Fon-Fon! também foram suas idealizações. Foi diretor da revista até
1935, ano de sua morte (GARCIA, 2005; NOGUEIRA, 2012).

113
(imagem 7), de 27 de agosto de 1925, cuja charge é de Storni e faz parte da análise aqui
proposta.
Imagem 6

Capa da revista Careta, ano I, número 1, 06 de junho de 1908.

114
Imagem 7

Capa da revista Careta, ano XVIII, número 897, 29 de agosto de 192564.


Com base no preço, tinha uma característica mais popular, já que sua edição inicial
custava 300$ (réis) na capital e 400$ (réis) nos demais estados brasileiros. Nas edições em
que as charges selecionadas circularam, uma de 1925 e outra de 1927, os valores eram de
500$ (réis), na capital, e 600$ (réis) em outros estados. Para atrair o público em geral,
usava-se a sátira gráfica, com charges e caricaturas de humor político e de costumes, o que fez
da revista um sucesso de vendas e concorrente direta da revista O Malho. Para Sodré (2011),
essa revista se tornou popular como nenhuma outra, sendo encontrada nos barbeiros,
consultórios e até entre os engraxates. Todavia, para Brandão (2003), apesar do destaque dado
aos desenhos, esses eram mais moderados que de outras revistas ilustradas.
A revista contou com grandes intelectuais65 do período, como Olavo Bilac, Lima

64
Na imagem da capa da revista acima está impressa a data de 27 de agosto de 1925 e edição 899; já no anuário
da Biblioteca Nacional (e no documento digitalizado) aparece o data de 29 de agosto de 1925 e edição 897.
Optei por usar a referência da Biblioteca Nacional.
65
Segundo Brandão (2003, p. 77), era corriqueiro os encontros dos chamados “intelectuais boêmios” cariocas,
primeiramente, na rua do Ouvidor, e posteriormente, na Avenida Central, para trocar ideias e tomar café, porém,
diferente dos dias atuais, naquele período, “[...] viver na boemia era viver com a literatura, era viver com a

115
Barreto, Luiz Edmundo e outros. Fizeram parte do seu quadro de ilustradores e caricaturistas,
grandes nomes da época que passaram pelas principais revistas do período, como, Calixto
Pereira (pseudônimo K. Lixto), Raul Paderneiras (pseudônimo Raul) e José Carlos de Brito e
Cunha (pseudônimo J. Carlos)66. Esses diferentes autores davam à revista um aspecto
irreverente e provocador (GARCIA, 2005). Além disso, pode-se dizer, que a grande
diversidade de intelectuais tinha o objetivo de agradar aos diferentes setores da sociedade
carioca (NOGUEIRA, 2012).
De acordo com Nogueira67(2012), as notícias semanais não eram o principal foco da
revista, entretanto, não se afastava dos fatos atuais até para manter cativo o seu público leitor.
Por exemplo, na seção “Páginas da Cidade” o foco era noticiar os acontecimentos semanais
da cidade do Rio de Janeiro. O grande destaque da revista eram os temas humorísticos, sendo
a satirização da sociedade carioca um dos principais. Nas cinco décadas de existência, o
público da revista deve ter variado, no entanto, pode-se afirmar que a revista se destinava
predominantemente aos letrados, que por sua vez se dividia em várias camadas. Pode-se
colocar entre os leitores da revista a elite intelectual, mas também estava disponível para os
fregueses de engraxates e de barbeiros, conforme já destacado acima (NOGUEIRA, 2012).
Segundo a autora, mesmo diante dos poucos estudos que cubram a trajetória da revista,
é possível afirmar que ela teve grande aceitação entre seus leitores, em decorrência
[...] da padronização, que expressava a invariável proposta do cunho crítico e
provocador, ancorado na sátira política e social, através de marcas irônicas presentes
nas suas colunas, em seu plano editorial estável, [...] e no sintomático quadro de seus
colaboradores mais característicos; tal uniformização, obviamente, tornava
(in)viável a colaboração de um ou outro grupo intelectual atuante na Capital Federal.
(NOGUEIRA, 2012, p. 144).

Além disso, para a historiadora havia uma relação direta também com as estratégias
discursivas adotadas, pois era interesse da revista
[...] provocar o cômico, fazer rir, propor a crítica irreverente e sutil, através do
subterfúgio criativo padrão da revista ⎯ o uso abundante do desenho caricaturado.
Afinal, quando não há a possibilidade da realidade falar por si, é preciso que a crítica
seja exagerada para revelá-la através dos defeitos e deformações. (NOGUEIRA,
2012, p. 139).

A análise que a autora desenvolve sobre a revista Careta corrobora com as ideias já

poesia; era viver fora da rotina, sem preocupações exageradas com o futuro, levando uma vida ‘desregrada’”. As
ideias desses intelectuais circulavam em jornais, mas especialmente, nas revistas ilustradas.
66
Era comum o uso de pseudônimos entre chargistas do período. A partir da análise feita por Diogo (1999),
pode-se afirmar, que o anonimato poderia ser um artifício de liberdade do período, que, por um lado, garantia
que as críticas fossem feitas sem restrição, e, por outro, possibilitava que os chargistas pudessem trabalhar em
vários veículos de imprensa ou assumir diferentes estilos de produção, além das charges e caricaturas.
67
Em sua dissertação “Cronistas do Rio: o processo de modernização do Rio de Janeiro nas crônicas de Olavo
Bilac (Kosmos, 1904-1908) e Lima Barreto (Careta, 1915-1922)” a autora analisa o contexto do Rio de Janeiro
no processo de modernização. A sua análise se limita aos anos entre 1904 e 1922. Apesar de não contemplar o
período de interesse para esta pesquisa, a autora traz informações pertinentes sobre a revista Careta.

116
destacadas acima sobre a revista O Malho: de que ela também servia de plataforma de
divulgação da modernidade que se buscava para o país, ao mesmo tempo, que era
representante das mudanças técnicas68 e das formas de abordagem dos conteúdos pelos quais
os periódicos nacionais passavam ocasionadas pelos novos tempos. Portanto, apesar de se
assumir como popular, o seu discurso e as preferências estéticas adotadas, assim, como outras
revistas, também estavam atreladas às tendências de uma sociedade leitora, que buscava viver
as novas formas de comunicação e sociabilidade à moda da burguesia europeia.
Portanto, tendo a sátira como força motriz, Careta não apenas cativou um público leitor,
mas intelectuais relevantes que contribuíram na sua solidez. Contudo, seja através do
conteúdo variado, de caráter ligeiro, ou dos anúncios publicitários69, e mesmo diante da
defasagem em relação aos recursos gráficos em relação a imprensa estrangeira, a revista foi
“[...] eficaz na propagação de valores culturais, contribuiu, ao longo do século XX, para a
divulgação do ideário de modernidade e de progresso através dos seus recursos de ilustração,
de suas caricaturas e charges de fácil consumo.” (NOGUEIRA, 2012, p. 154). No mesmo
sentido, afirma Garcia (2005, p. 37): “[...] o semanário, em suas páginas, também difundia
imagens por meio das quais pode-se visualizar a elaboração de diversos códigos de
representação social, norteadores das formas de ser e de agir da sociedade carioca
contemporânea [...]”.
A linguagem provocativa, irônica e quase sempre sarcástica que lhe renderam muito
sucesso, contudo, nas questões políticas lhe causaram conflitos com o governo em alguns
momentos, como em 1914, em que diante do estado de sítio decretado por Marechal Hermes,
Jorge Schmidt foi preso diante da repressão contra a imprensa de oposição (GARCIA, 2005).
Segundo Garcia (2005), na década de 1920, novos chargistas passaram a trabalhar na
revista, como Nássara, Théo, Belmonte e Storni, como resposta às novas tendências que
apareciam na imprensa brasileira. Diante disso, mudanças ocorreram em suas seções: houve o
aumento dos espaços para fotonovelas e para as fotografias, que cobriam eventos, solenidades
políticas e sociais, além de dar espaço às novas formas de comportamento e sociabilidade,
como por exemplo, o caso do cinema e os bailes dos clubes cariocas. Apesar de não ser do
jornalismo informativo, a revista procurava manter vínculo com a realidade carioca, mas sem
68
Sobre o processo burocrático para colocar em circulação uma revista no período, ver: Martins (2008).
69
Acompanhando as mudanças pelas quais a imprensa passou na virada para o século XX, a publicidade também
passou por transformações. Com o surgimento de muitas revistas houve mais espaço para anunciar produtos, o
que intensificou a possibilidade de consumo. A revista Careta, que apresentava muitas páginas publicitárias,
abriu espaço para as indústrias nascentes, que anunciavam pasta de dente, elixires, máquinas de escrever e
outros. Para Nogueira (2012, p. 158): “[...] A união entre esse efervescente mercado produtor de bens de
consumo e a revista evidenciava não apenas o cunho comercial da Careta como também a expansão e variedade
de produtos oferecidos.”.

117
se afastar dos questionamentos políticos.
Segundo Silva (2009), na análise que realiza das charges de Storni em relação à
“Revolução de 1930”, na década de 1920 a revista Careta e os seus cartunistas apresentavam
uma postura de oposição aos rumos da política brasileira. Sendo assim, a revista seguia uma
tendência geral da imprensa e de outros atores sociais de questionamento dos rumos políticos
e econômicos adotados em esfera nacional, que estavam atrelados aos interesses das
oligarquias regionais. Isso resultava, portanto, na desqualificação de práticas
institucionalizadas, entre as quais, o próprio processo eleitoral (VISCARDI; SOARES,
2018).
Imagem 8

Capa da revista Careta, ano XII, número 566, 29 de abril de 1919.

118
Imagem 9

Capa da revista Careta, ano XV, número 715, 4 março de 1922.


Ao se verificar as capas das edições da revista Careta entre 1919 e 1927 em relação às
eleições presidenciais, percebe-se críticas contundentes ao processo eleitoral. Para ilustrar, a
capa da edição 566 (imagem 8), de 26 de abril de 1919, denuncia uma suposta fraude na
eleição presidencial do período: os votos do candidato da oposição, Rui Barbosa, são
transformados por um personagem (que lembra a figura do “diabo”) em votos para o
candidato do governo e que venceu o pleito, Epitácio Pessoa. Já a edição 715 (imagem 8), de
4 março de 1922, lançou uma crítica ao processo eleitoral, tratando-o como um momento
irrelevante diante do término das festas carnavalescas, que coincidentemente, naquele ano a
eleição ocorreu na quarta-feira de cinzas. Ambas são assinadas por J. Carlos.
Conforme Viscardi e Soares (2018, p. 5-6), ao se analisar a imprensa ou parte de sua
produção de um determinado período, não quer dizer que é possível acessar o que de fato
realmente aconteceu. Na verdade, é uma maneira de encontrar a representação intelectual de

119
seus editores, jornalistas e chargistas sobre o cotidiano, que se fundamentavam em suas
experiências e ideologias. A importância da contextualização dessas revistas, deve-se ao fato
de
Por ser formadora de opinião pública, tal representação ao mesmo tempo em que
espelha, constrói a realidade. A opinião de uma revista ilustrada de grande tiragem
influencia seus leitores, tornando a opinião publicada, opinião pública, ao mesmo
tempo em que é influenciada pelos seus leitores e pelos acontecimentos do período.
Dessa forma, as charges [...] analisadas nos servem como fontes acerca de como se
processava a participação eleitoral na Primeira República, ao mesmo tempo em que
torna pública a opinião de chargistas e/ou editores acerca do funcionamento do
mesmo processo.
Garcia (2005, p. 72) corrobora com essas reflexões ao afirmar que
Os desenhos de humor produzidos pelos artistas do traço representam uma forma de
interpretação de sua realidade circundante, e são, ao mesmo tempo, reflexos diretos
da produção cultural da sociedade na qual estão inseridos. Como produto cultural
específico de um grupo, a caricatura não se define apenas pela semelhança entre o
caricaturado e seu retrato, mas pelo caráter identitário estabelecido entre o meio
produtor e o público. E, por engendrar novos sentidos, as charges também são
portadoras de representação [...].
Ou seja, a análise das charges que circularam nessas revistas em sala de aula possibilita
que os educandos acessem o imaginário político repartido entre vários contemporâneos, além
das representações construídas por atores do período.
Como último ponto para se passar à análise das charges no próximo capítulo, abaixo
faço um breve histórico dos chargistas que as produziram.

4.3 Contextualização dos autores

A charge de Leônidas Freire foi publicada na revista O Malho, em 1904, e é uma


representação da tensão vivenciada na cidade do Rio de Janeiro em meio ao processo de
modernização implementado pelo governo federal. As outras duas são de Alfredo Storni,
ambas produzidas para a revista Careta, sendo, uma lançada no dia 29 de agosto de 1925
(capa), e outra, no dia 19 de fevereiro de 1927 (página 14), ambas sátiras relacionadas a
política do período. A seguir segue um breve histórico sobre os dois artistas, mas cabe
ressaltar que devido às poucas pesquisas70 encontradas sobre os autores, trata-se de uma
síntese biográfica realizada principalmente a partir do livro de Herman Lima (1963).

70
Realizei busca com o termo “Leônidas Freire”, “Leonidas”, “Alfredo Storni” e “Storni” em banco de teses e
dissertações da CAPES e no site Scielo, destacados no capítulo 1, mas não foram identificados trabalhos
biográficos sobre os chargistas.

120
4.3.1 Leônidas Freire

O caricaturista e jornalista Leônidas Freire, nasceu na cidade de São Benedito, na Serra


de Ibiapaba, no Ceará, em 19 de novembro de 1882. Segundo Lima (1963), o despertar para o
desenho aconteceu ainda na adolescência, quando começou a fazer jornais manuscritos com
duas edições, fazendo-os circular de mão em mão na localidade em que morava. Primeiro,
através de O Sapo e depois, A Lancêta, fazia circular seus desenhos pelo bairro. Com o
sucesso do seu trabalho, mudou-se para Fortaleza. Estreou na imprensa no jornal O
Unitário71, dirigido por João Brígido e de oposição ao governo cearense do oligarca Nogueira
Acioly. As suas charges dos políticos locais eram de teor tão agressivo, que em menos de um
ano se viu obrigado a fugir para o Rio de Janeiro já que passou a ser alvo da polícia
governista.
Em 3 de setembro de 1904, ao lado de Angelo Agostini, J. Carlos e outros estreantes,
publicou seu primeiro trabalho na revista O Malho. A sua experiência em Fortaleza
determinou o seu alvo principal nas primeiras produções: Nogueira Acioly. Em 1905,
participou da fundação de O Tico-Tico72, revista infantil do mesmo grupo empresarial. No
semanário O Malho trabalhou por onze anos e assinava suas produções como “Leonidas”,
mas também assumiu a abreviatura de “Léo”. Afirma Lima (1963, p. 1186) que, desde sua
chegada à capital federal “[...] firmara-se já no grupo dos mais conhecidos caricaturistas do
momento, com um traço próprio e curiosamente original, todo em ângulos e curvas aguçadas,
em cujo substrato não é difícil perceber muito de sua origem adusta de nordestino.”.
De acordo com Lima (1963, p. 1186-1187), os personagens de Leônidas apresentavam
características que tomavam como fonte cultural o Nordeste, especificamente o interior
cearense:
Vasco Lima, observa impressivamente que o desenho de Leônidas parecia feito de
“sarrafos”, aludindo a certa maneira especial de recortar suas figuras, em linhas
ríspidas e nervosas, muita vez exoticamente alongados em arabescos
ziguezagueantes, como se traçadas mesmo pela junção de esquírolas de algum duro
lenho, na reminiscência talvez dos seus primeiros blocos de imburana, trabalhados a
canivete.
É na realidade um traço “enxuto” como o das criaturas do seu sertão perdido no
interior cearense, cuja paisagem nunca êle [sic] esqueceu, aprazendo-se com
frequência [sic] a evocar-lhes os longos horizontes onde se erguem os leques das
carnaubeiras, ao caule linheiro, redondos e negros [...]”.

71
Jornal que circulou em Fortaleza entre 1903 e 1918, editado por Cunha Ferro & Cia., e tendo por redator João
Brígido dos Santos e Hermenegildo de Brito Firmeza.
72
A primeira edição de O Tico-Tico foi em 11 de outubro de 1905. Ela foi a primeira e a mais importante revista
voltada para o público infanto-juvenil no Brasil. Com o passar do tempo chegou à tiragem de 100.000
exemplares por semana. Contou com a contribuição de Ângelo Agostini, J. Carlos e outros caricaturistas do
período. A revista deixou de circular definitivamente, em 1962. As edições estão disponíveis em:
<http://hemerotecadigital.bn.br/ acervo-digital/tico-tico/153079>. Acesso em 02 jan. 2020.

121
Ou seja, em suas charges políticas e infantis, as figuras eram marcadas por “[...] grandes
pés espalmados, artelhos revirados para cima, afeitos ao couro negro das alpercatas
escaldantes do areal das longas caminhadas nas várzeas natais, na lida dos campos, ou
fincando no vão da barriga dos cavalos campeadores, no rastro duma rês pelas catingas.”
(LIMA, 1963, p. 1187).
Em 1915, Leônidas decidiu se mudar para Londres, de onde passou a mandar crônicas
com ilustrações próprias da cidade inglesa em meio à guerra para o jornal A Noite73. De volta
ao Brasil em 1922, passou a contribuir com a revista D. Quixote74. A partir de 1930,
abandonou a caricatura de combate e passou a se dedicar no trabalho de redação do jornal A
Noite e Correio da Manhã75, além de colaborar com o jornal A Manhã76.
Em suma, Lima (1963, p. 1187) afirma que Leônidas era um chargista inquieto e
idealista, e, mesmo diante de sua introspecção e das limitações do seu autodidatismo, possuía
[...] uma graça espontânea, uma buliçosa movimentação nos tipos, uma inegável
destreza de concepção que lhe permitia, na singeleza duma caligrafia sem sofismas,
manter-se com relevo próprio, numa época em que florescia no Brasil a mais
brilhante equipe de artistas do traço cômico.
Acometido por uma doença, Leônidas faleceu em 11 de novembro de 1943, poucos dias
antes de completar 61 anos.

4.3.2 Alfredo Storni

O segundo caricaturista é Alfredo Storni. Era conhecido como Storni (como assinava
suas charges), nasceu na cidade de Santa Maria do Livramento, interior do Rio Grande do Sul,
em 1881. Segundo Lima (1963), a sua trajetória profissional começou no Sul do país, onde
fundou um semanário ilustrativo de caricaturas, O Bisturi; e um periódico, O Gafanhoto. No
início do século XX, passou a mandar para O Malho desenhos relacionados à crônica local. O
sucesso de suas charges, relacionado a forma como o caricaturista tratava os políticos de sua
região, levou Luís Bartolomeu, fundador do semanário, a convidá-lo para ser profissional da
73
A Noite foi um jornal vespertino que circulou na cidade do Rio de Janeiro, entre 18 de junho de 1911 e 27 de
dezembro de 1957. Fundado pelo jornalista Irineu Marinho.
74
D. Quixote foi uma revista humorística que circulou no país entre 1917 e 1927. A primeira edição saiu em 16
de maio de 1917. Algumas edições estão disponíveis em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/506469>.
Acesso em 02 jan. 2020.
75
O Correio da Manhã foi um periódico fundado pelo advogado Edmundo Bittencourt (SODRÉ, 2011) e que
circulou no Rio de Janeiro entre 15 de junho de 1901 e 8 de julho de 1974. O jornal voltou a circular em
setembro de 2019 em edições semanais sob a presidência do jornalista e empresário Claudio Magnavita.
76
Um jornal matutino, com doze páginas, que circulou no Rio de Janeiro (RJ) a partir de 29 de dezembro de
1925 sob a direção de Mário Rodrigues. Segundo Sodré (2011), era um jornal vibrante, bem paginado e com a
contribuição do talentoso caricaturista Andres Guevara. Era marcado por forte críticas as oligarquias e a
estrutura política da Primeira República. Ganhou destaque as suas imagens, que o tornavam bem-humorado.

122
revista ilustrada. Diante disso, transferiu-se para o Rio de Janeiro, chegando à cidade em
março de 1907 (LAGO, 1999).
Para a revista O Malho, Storni passou a fazer caricaturas políticas. A peculiaridade dos
seus desenhos abriu espaço para figurar na página de abertura da revista ilustrada, dividindo-o
com caricaturistas consagrados como K. Lixto e J. Carlos. Rapidamente, tornou-se redator
efetivo e passou a desenhar nas páginas de duas cores (LIMA, 1963). Segundo Lago (1999, p.
92): “ [...] Suas páginas semanais em O Malho apresentavam, num traço marcado, matéria
aparentemente árida para o público brasileiro, mas que Storni conseguia tornar popular com
seu uso da cor e uma disposição gráfica de grande eficiência.”. Silva (2019), porém, afirma
que de maneira geral, o posicionamento do cartunista foi ambíguo em diversos momentos da
política nacional assim como o da própria revista O Malho. Por exemplo, nas reformas
empreendidas na capital federal no decorrer da década de 1910, as charges de Storni
questionavam as políticas governamentais, entretanto, acabavam revelando um apoio a essas
ações de forma velada.
Storni também trabalhou na revista O Tico-Tico, onde criou uma série com quatro
personagens77 brasileiros que se tornou popular e que representava uma típica família carioca
de classe média. A partir de 1909, contribuiu com a revista O Filhote da Careta78, uma
empresa de Jorge Schmidt, dono da Careta, mas por seu contrato com a revista O Malho,
assinava as charges como “Bluff”. Nessas revistas, os seus desenhos costumavam criticar o
cotidiano da capital federal com foco na sociedade burguesa e seus desejos de ascensão social
e ambição de se tornar “europeia”. Além disso, satirizava as fantasias sexuais masculinas e o
comportamento feminino (LIMA, 1963).
Em 1917, começou a trabalhar na revista D. Quixote, no entanto, não deixou de
contribuir com a revista O Malho. Em 1922, a reputação de Storni como caricaturista político
era tão grande, que foi convidado a assumir a edição da revista Careta com a saída de J.
Carlos, cargo ao qual ficou até 1936 (LAGO, 1999). Para Lima (1963, p. 1235), ele manteve,
com o vigor do seu traço, “[...] a larga popularidade do vibrante magazine, de tanta influência
nos nossos costumes políticos, literários e sociais.”.
Ainda segundo Lima (1963, p. 1236), Storni não sofreu influência de outros mestres da
sua arte, como é o caso de Julião Machado, que causava fascínio entre os seus pares; ou J.
Carlos, que tinha predomínio de inspiração entre os seus contemporâneos. Possuía um “[...]
traço largo e incisivo, em caligrafia muitas vêzes violenta e não raro quase brutal, na fixação

77
Os personagens eram Zé Macaco, Faustina, Baratinha e o cão Serrote.
78
Revista ilustrada que teve pouco tempo de duração, entre 1909 e 1910 (SODRÉ, 2011).

123
de certos estigmas fisionômicos de suas vítimas prediletas [...]”. A sua personalidade sempre
foi de independência absoluta, tanto nas composições políticas, como nas sátiras dos costumes
e nas histórias infantis. Em síntese, era
Caricaturista nato, votado, por vocação e pelo próprio traço, à sátira política, é
Storni, no gênero, um dos nossos mais notáveis artistas, não lhe tendo sido feita a
justiça que merece. Duma arte direta, duma linha nervosa, embora um tanto rígida, o
que não lhe vem, todavia, de qualquer deficiência artística, mas, antes, do seu
próprio estilo incisivo e contundente, são inúmeras as boas charges, na verdade, que
espalhou em perto de meio século, pela imprensa do Brasil. (LIMA, 1963, p. 1230,
grifo do autor).
Na década de 1920, período histórico das charges de Storni selecionadas para a análise,
assim como a revista Careta se posicionava contra a política vigente (SILVA, 2009), o
chargista usava seus desenhos para criticar o processo eleitoral, posteriormente chamado de
voto de cabresto; e os supostos acordos mantidos entre os considerados estados oligárquicos
mais poderosos, no caso, São Paulo e Minas Gerais, que a historiografia intitulou de política
do “café com leite”79. Cabe frisar, que as charges de Storni também contribuíram para a
consolidação das representações políticas construídas sobre o período.
Em sua velhice, Storni se retirou para um sítio em Pendotiba, Niterói, de onde ainda
manteve diversas contribuições com vários jornais e revistas. E veio a falecer em 1966.
Antes de passarmos ao próximo capítulo, é preciso reforçar com os educandos que as
charges não são a verdade sobre o período, mas sim, representações construídas a partir de
leituras realizadas pelos seus produtores. E, apesar da exclusão de certos grupos em diversos
processos da vida cotidiana, as produções visuais não apenas revelavam as ideias e os desejos
de seus produtores, mas também, dos seus leitores diretos ou indiretos, o que nos permite
acessar aspectos do imaginário social e político compartilhado por muitos contemporâneos. É
lógico, que isso não é uma questão simples de se resolver, mas auxilia nas intervenções em
sala de aula. Por isso, é fundamental o alerta feito por Santos (2018, p. 188) sobre as imagens,
sendo ainda mais relevante em relação às charges: “[...] o mais acertado é pensar imagens de
forma dialética: representam distinções sociais e identitárias, mas igualmente as inventam, as
idealizam.”.
Conforme apresentado no início deste capítulo, a BNCC (2018) apresenta cinco etapas
para o processo analítico de uma fonte. Acima foi realizado dois processos, o da identificação
e da contextualização das fontes. No capítulo seguinte o foco será sobre a interpretação e a
análise. Portanto, sobre o processo de comparação apontado no documento, o professor pode
relacionar as charges da Primeira República com as produzidas nos dias atuais. Caso os

79
Aspectos da política do “café com leite” estão sendo relativizados pela historiografia mais recente.

124
alunos não tenham contato com esse tipo de produção, outro caminho, desde que se tome os
devidos cuidados, é estabelecer uma aproximação com os “memes” tão comuns nas redes
sociais. Todavia, é importantíssimo realçar as diferenças na forma de produção, interesses
envolvidos e os meios de divulgação utilizados. Por fim, as questões sociais e políticas
exploradas nas charges devem ser comparadas com a realidade atual, especialmente, com a
que é vivenciada pelos educandos; além disso, em todo o tempo é fundamental que as
diferenças e as semelhanças históricas sejam ressaltadas.

125
5 PRATICANDO O ENSINO EM UMA SALA INCLUSIVA COM SURDOS: UMA
AULA DE CIDADANIA ATRAVÉS DE CHARGES DA PRIMEIRA REPÚBLICA

De partida, preciso enfatizar que incluir as imagens nas aulas com educandos surdos
não significa tornar o conteúdo mais fácil de assimilar, mas sim, construir os significados
históricos através da relação entre oralidade e visualidade. Conforme foi debatido no primeiro
capítulo, o uso de imagem no ensino de História se deve ao seu potencial enquanto
documento histórico. Apesar da charge ser um artefato histórico complexo, através da sua
desconstrução é possível identificar as questões e tensões do contexto histórico analisado
(SALIBA, 2002). Além disso, não será possível trabalhar todas as questões das imagens, logo,
o foco está nas principais representações.
E como abordar as charges no contexto da aula sobre a Primeira República? É
indispensável expor as imagens após a explicação do contexto histórico. Além disso, é
necessário fazer uso de imagens (e até de vídeos) do período para que os educandos surdos
consigam fazer as associações nas charges. No texto histórico (“Contextualização da Primeira
República”) que compõe o material didático com conteúdo histórico adaptado são
apresentadas algumas imagens e vídeos que podem auxiliar no processo.
É preciso ter ciência que analisar as charges sem o contexto histórico e imagético
inviabiliza o processo de aprendizagem. Quero dizer, que a análise das charges precisa ser
precedida das explicações dos meandros políticos e dos conflitos sociais da época. Isso é
primordial, pois o aluno surdo possuirá os elementos do contexto histórico de produção da
charge que lhe darão as chaves para a interpretação.
Em sala, a apresentação das charges aos alunos deve ser através de algum equipamento
visual, como, por exemplo, projetor multimídia, TV ou quadro digital. Na falta desses
equipamentos, é possível levar a charge impressa em formato grande (disponível na própria
internet). Inclusive seria mais instigante imprimir parte das revistas em que as charges
circularam para ampliar assim, a aproximação dos educandos aos documentos históricos. Ao
expô-las em sala de aula é importante ter ciência de que o surdo pode requerer um tempo
maior de visualização para poder fazer as conexões necessárias com a contextualização já
ensinada. É essencial em todo o processo incentivar que os educandos exponham suas
percepções sobre o que veem, especialmente, através de perguntas que os ajudem na reflexão
sobre o documento, conforme é proposto na BNCC (BRASIL, 2018). Esse processo é
significativo, pois ao intervir após a colocação da turma, o professor mostrará aos educandos
que olhar uma imagem não se limita à mera observação. Além do mais, como já apontado

126
anteriormente, é essencial que nesse processo os educandos desenvolvam as capacidades de
identificação, interpretação, análise, crítica e compreensão do registro histórico (BRASIL,
2018).
Em relação aos aspectos da semiótica imagética (SANTAELLA, 2015; MELO; MELO,
2015), as charges serão apresentadas como signo de um determinado período histórico, a
partir do processo de análise de fontes históricas imagéticas. É preciso ressaltar que não será
possível fazer uma apreciação formal das charges, a prioridade é seu conteúdo político e
social. Apesar da importância do processo de construção do desenho, analisar os traços e a
construção formal do mesmo fugiria aos objetivos estabelecidos, além de se tornar inviável
em relação ao tempo destinado ao ensino do conteúdo histórico sobre a Primeira República.
Em tese, a análise adaptada para o contexto da sala de aula seguirá os seguintes passos,
que se fundamentam nos estudos de Santaella (1983, 1998, 2015) sobre a teoria triádica de
Peirce: o primeiro olhar sobre a charge, buscar-se-á os ícones (a primeiridade), algo que se
apresenta à mente pela qualidade do seu fundamento. O segundo momento, deve-se descobrir
os índices (a secundidade), o objeto do signo, as associações que são possíveis, o que ele
indica, se refere ou representa. Por fim, temos o efeito interpretativo que o signo provoca,
momento de examinar os símbolos (a terceiridade), ou seja, as representações possíveis. Isto
é, tratada como fonte histórica, o objetivo é desvendar os códigos da imagem, os significados
da época, para assim, revelar as representações sociais sobre aquele contexto histórico.
Todavia, reforço que só será possível realizar esse processo após os educandos aprenderem o
contexto de produção das charges (SOUZA, 2018).
Diante disso, o processo analítico das três charges abaixo, seguirá três momentos
pensados com base na semiótica imagética, mas, ressalto, que foram adaptados para a prática
pedagógica: o primeiro, é o de busca dos ícones, representados nas cores, as linhas gráficas,
os contornos e outros que tenderão a causar uma primeira sensação nos educandos, o que é
perceptível, mas sem as figuras. A segunda etapa, a do índice, é o momento em que os
educandos devem associar o que veem nas charges as suas experiências de vida, como, a
identificação de objetos e personagens. Por fim, o terceiro momento, que é o do símbolo,
trata-se da contextualização das charges em relação à Primeira República, isto é, etapa da
análise das mensagens, das representações que suscitam.
Cabe ainda ressaltar, que os conceitos da semiótica imagética apresentados no capítulo
2, não precisam ser ensinados aos educandos. No entanto, os professores necessitam
minimamente dominá-los, já que serão importantes para que possam guiar a leitura imagética
para os pontos que considerarem mais fundamentais. Conforme apontado no próprio capítulo,

127
a semiótica imagética funciona com um mapa de análise (SANTAELLA, 2015), cabendo a
teoria histórica de análise de imagens identificar as mensagens e interpretar os signos
existentes.
Dito isso, a seguir o propósito é vincular a prática dos processos de identificação,
comparação, contextualização, interpretação e análise de fontes históricas em uma sala de
aula inclusiva com educandos surdos através da metodologia didática diferenciada, construída
com base na análise de imagens históricas e na semiótica imagética e fundamentada no
material didático com conteúdo histórico adaptado proposto para a análise de charge histórica.

5.1 As tensões políticas, sociais e culturais da Primeira República através de


charges

5.1.1 Revolta da Vacina (1904)

Imagem 10: GUERRA “VACCINO-OBRIGATEZA!...”

“Espectaculo para breve nas ruas desta cidade: Oswaldo Cruz, o Napoleão da seringa e
lanceta, à frente das suas forças obrigatórias, será recebido e manifestado com denodo pela
população. O interessante dos combates deixará a perder de vista o das batalhas de flores e o
da guerra russo-japonesa. E veremos no fim da festa quem será o vaccinador à força!”
Fonte: O Malho, ano III, número 111, 29 de outubro de 1904, p. 1380.

80
A edição está disponível em PDF: http://memoria.bn.br/pdf/116300/per116300_1904_00111.pdf.

128
A primeira charge selecionada tem por objetivo discutir como a Revolta da Vacina pode
ser entendida como um evento em que as camadas populares se manifestaram por direitos de
cidadania em meio às mudanças que o país passava na virada para o século XX81.
A charge acima é de Leonidas e foi publicada na revista O Malho em 29 de outubro de
1904 e pode ser usada em sala de aula para representar uma das principais revoltas da
Primeira República, a Revolta da Vacina. É comum encontrar a charge em livros didáticos ou
em diferentes plataformas na internet como representação posterior a revolta, todavia, ela é
anterior ao estopim do conflito, iniciado em 10 de novembro de 1904. Inclusive em minhas
aulas, já a usei e a apresentei como charge que foi produzida para representar o evento sem o
cuidado de problematizá-la. Percebi que o meu desconhecimento do contexto histórico de
produção dela era o principal motivo para o seu uso inadequado em minha prática.
Apesar da existência de um conjunto enorme de charges produzidas após o ocorrido, fiz
a escolha pela de Leonidas, pois ela nos possibilita problematizar e compreender que naquele
contexto histórico era algo perceptível que as questões e tensões sociais poderiam resultar em
um possível confronto entre os sujeitos do processo. É imprescindível para a análise abaixo
que se contextualize o Rio de Janeiro do início do século XX aos educandos, conforme é feito
no texto “Contextualização da Primeira República” proposto no material didático com
conteúdo histórico adaptado, sobretudo, o processo de modernização pelo qual a cidade
passava tanto em seus aspectos de intervenção urbana como em relação às mudanças sociais
“impostas”. Esses ideais se apresentavam como fundamentais para uma sociedade dita
moderna e que era pensada para a cidade. Logo, entender a charge e a revolta passa
necessariamente pela compreensão daquele contexto histórico.
Como primeiro ponto, preciso destacar que a charge é uma reprodução da que circulou
na revista, pois não tive acesso direto a edição da revista lançada de 1904. Por isso, a imagem
da charge disponível acima, e também a que está no material didático com conteúdo histórico
adaptado, não está no seu tamanho original. A reprodução foi retirada da digitalização da
edição em arquivo de formato PDF, disponível no site da Biblioteca Nacional. Além do mais,
quando for projetada, por exemplo, de um notebook para um projetor multimídia, a imagem
apresentará uma configuração de reprodução diferente da que estiver no papel. No entanto,
isso não impedirá a análise, pois o objetivo é tratá-la como um documento histórico que nos
revela representações do passado (PESAVENTO, 2012).

81
Algumas imagens relacionadas ao período estão disponíveis em: https://acervo.oglobo.globo.com/incoming
/revolta-da-vacina-22296384. Outras informações sobre a revolta e a história da vacina no Brasil em:
http://www.ccms.saude.gov.br/revolta/paineis.html. Acesso em: 24 fev. 2020.

129
A princípio, pode parecer que o exercício de olhar a charge se apresentará simples aos
educandos surdos, não obstante, tende a ser um processo complexo, logo, é importante que o
professor reflita e planeje, inclusive, com o intérprete, as formas de abordagem que oriente
esse olhar (MAUAD, 2016). Com base na semiótica imagética, o primeiro momento diante do
objeto de análise deve ser de contemplação, apontar os ícones. Por ser um momento sensório,
deve-se evitar a identificação do que já se conhece, no caso, das figuras (índices). As questões
a seguir devem servir como guia no processo: quais cores predominam na charge? Como o
vermelho, o cinza, o marrom, o preto e o branco estão distribuídos? Qual a cor mais forte? As
cores revelam alguma coisa? Conforme mostrarei mais abaixo, as cores realçam a cena
representada por Storni. Além das cores, como as linhas são distribuídas, o que elas formam e
o que elas separam?
É interessante para concluir, que convém ao professor comparar as diferentes
percepções sobre as cores para que entendam que as diversas sensações que elas geram
podem ter relação com a história de cada um. Terminada as colocações dos estudantes, o
professor deve encaminhar a análise para o segundo momento. Essa próxima etapa precisa ser
de muita interação com os educandos, sendo assim, o professor precisa estimular a
participação constantemente, afinal de contas, os elementos apontados seguirão pelo restante
da análise.
O próximo passo é buscar os índices da charge, isto é, o que ela indica. As perguntas
introdutórias podem ser: quais objetos são identificados? Como as pessoas estão distribuídas?
O que parece que está ocorrendo? Os alunos podem apresentar diferentes visões, mas elas
precisam apontar os objetos, edificações e pessoas, além disso, precisam caracterizar um
conflito, uma guerra, uma batalha. Se assim indicarem, isso quer dizer, que os elementos do
signo apresentados em 1904 também tiveram efeito sobre os signos da vivência dos
educandos. Para aprofundar a percepção, outra indagação deve ser: quais são os objetos
representados como equipamentos de guerra na charge? Diferentemente de uma batalha que
normalmente tem armas de fogo, ou espadas, como no passado, os alunos devem indicar que
os objetos de luta são, por um lado, equipamentos de saúde, no caso, de vacinação, e, por
outro lado, instrumentos do cotidiano, do uso doméstico e de trabalho. Para encerrar, uma
última questão: como aparecem o lugar e as pessoas? A charge em destaque retrata pessoas de
uma cidade: profissionais da saúde e moradores. Esses elementos são retratados por
similaridade, isto é, eles foram criados para representar uma realidade, mas sem
necessariamente vincular o real.
Encerrado esses dois momentos, entraremos no terceiro, o do símbolo, que tomará por

130
base o saber científico histórico. É importante ressaltar que não é possível ter acesso às
interpretações dos leitores em relação a mensagem da charge. Entretanto, podemos ter acesso
ao imaginário e interpretar os significados da época através da própria charge, já que ela nos
permite construir uma representação sobre o que já foi representado (PESAVENTO, 2012).
Para a análise da charge em si, os educandos precisam ter acesso ao material didático com
conteúdo histórico adaptado. Inicialmente, devem preencher as informações básicas
solicitadas: autor, publicação, data e tipo de fonte. As outras informações aparecerão no
decorrer da análise, que associou a percepção do autor à realidade, com a Revolta da Vacina,
em novembro de 1904.
De partida, o foco está em Oswaldo Cruz que lidera um grupo oficial do governo contra
a população e é apresentado como um homem de bigode montado em uma seringa (como se
fosse um cavalo) e com uma lanceta (uma agulha, representando uma espada) nas mãos. Na
descrição da charge, ele é apresentado como “Napoleão da seringa e lanceta”. Para Souza
(2018), por um lado, essa representação do cientista como um “ditador”, torna-o
irreconhecível para aqueles que nunca o viram, entretanto, fazia sentido para os leitores do
periódico antes da revolta, porque expressa a insatisfação dos mais desfavorecidos contra a
vacinação obrigatória. Por outro lado, o autor afirma que um olhar desatento pode achar que
Cruz está contra a população, todavia, a charge quer explorar a tensão que existia entre os
atores do processo, a saber, os agentes do governo, que implementavam as ações da política
sanitária, e a população.
Junto a política de reforma da cidade, o governo Pereira Passos realizava também uma
política sanitária, que interferia diretamente na vida dos mais pobres, que em muitos casos,
tinham suas habitações invadidas e em caso de alguma doença, eram conduzidos e isolados
em órgãos públicos de Saúde. Na liderança das ações de combate às doenças, Oswaldo Cruz
fez uso de ações coercitivas em diversos bairros com o respaldo da lei e da Polícia. Em
relação ao enfrentamento da varíola, mesmo diante do alto índice de vacinação em relação aos
anos anteriores, foi um dos incentivadores da volta da obrigatoriedade da vacinação
(BENCHIMOL, 2011). A lei foi aprovada em 31 de outubro. Porém, em 9 de novembro
apresentou uma regulamentação com termos rigorosíssimos contra os que não se vacinassem.
Com isso, Cruz não passou a ser mal visto só pelos populares cariocas, havia questionamentos
em vários setores. Políticos, como Rui Barbosa, o acusavam de arbitrário e desrespeitador dos
direitos civis e da Constituição (CARVALHO, 2013b). Mas, como ressaltou Souza (2018), a
questão da revolta não foi diretamente contra o cientista, mas pelo acúmulo de ações
governamentais que seguidamente intervieram na vida da população pobre.

131
Ao continuar a análise da charge é possível perceber que a representação de uma guerra
coloca em confronto dois grupos: o “exército” da chamada brigada sanitária cuja chefia cabia
a Cruz, em que soldados são representados como réplicas de seu comandante, pois estão
montados em seringas e estão enfileirados de forma imensurável. Parte do grupo leva um
estandarte vermelho com a frase “vaccina obrigatória” com duas caveiras na parte inferior.
Possivelmente, Leonidas queria representar com esse estandarte o medo da população em
relação à vacinação, e não que a vacina fosse propriamente causadora de mortes.
Na parte inferior, aparecem dois soldados caídos, possivelmente derrubados por causa
de algum objeto jogado pelos populares. Além disso, entre os soldados há um que carrega um
vaso provavelmente com água, o que aparece mais próximo a Cruz na perspectiva do olhar, o
que hipoteticamente, quer representar a ideia de limpeza, da higiene que os soldados têm
ordens de conseguir, por ser algo importante para saúde pública. Esse ideal era importado da
Europa. Todos os soldados são homens com semblantes fechados e seguem organizados para
um embate de dominação e controle da população.
Do outro lado, está a população da cidade. Como pessoas comuns que resistem a ação
governamental são apresentados menos organizados. Na rua ou nas janelas utilizam como
instrumentos de luta, utensílios do dia a dia, como a vassoura, serrote, garfo, panela, cadeira e
outros (ALMEIDA, 2017). Segundo Carvalho (2013b), no distrito do Sacramento, local que
junto ao bairro da Saúde foram onde ocorreram os principais confrontos, enquanto na rua o
combate ocorria com revólveres e porretes, dos sobrados eram jogados garrafas, latas e tudo o
mais que estivessem à mão. Isto é, Leonidas já vislumbrava as peculiaridades de um conflito
urbano na capital federal.
Diferente do exército de Cruz, os populares aparecem agrupados, como se fossem um
só, mas ganhou destaque a mulher que está à frente do grupo e as que estão nas janelas. É
possível identificar um homem, mas os outros só é possível identificar ao observar com
cuidado as roupas, no caso, o não uso de saia. No fundo da charge, penicos82 são lançados e
derramam algo sobre os soldados, o que é bem possível que sejam dejetos. A saber, enquanto
os soldados representam a higiene, a limpeza, a população é a representação da sujeira, a
porta de entrada para as doenças segundo os ideais da saúde sanitária. É importante o
professor frisar que essa representação da população, na verdade, aponta outra questão: a
inexistência de saneamento básico na cidade, por exemplo, a falta de banheiro para as

82
Vasilhas usadas no período para necessidades básicas. Comumente em casas com banheiro
era deixado no quarto para o período da noite, no entanto, em casas sem banheiro era utilizado
durante todo o dia.

132
necessidades mais básicas. Isto é, a capital do Brasil, que almejava ser o marco civilizacional
do país, na verdade, era uma cidade excludente, ou seja, não inclusiva a todos os seus
habitantes.
O discurso das autoridades sobre a luta contra as doenças passava pela higienização da
população mais pobre. As equipes da brigada sanitária tinham entre suas funções: eliminar
focos de mosquitos; identificar habitações propensas a doenças e isolá-las; realizar as
interferências necessárias com o apoio da Polícia; entre outras coisas. Essas intervenções
ocorriam prioritariamente em locais populares, o que evidencia que a responsabilidade pelos
surtos epidêmicos na visão governamental, não estava nos problemas sociais oriundos da
exclusão econômica e social vigente em uma sociedade desigual, e sim, na própria maneira de
viver dos mais pobres (CARVALHO, 2013a; NAPOLITANO, 2018).
O local escolhido para o embate parece ser uma rua do centro do Rio de Janeiro, de
onde estavam sendo expulsa a população mais pobre. De onde veio a inspiração de Leonidas
para prever um evento como uma guerra na cidade? Na legenda, o autor nos dá uma pista: é
da guerra russo-japonesa (1904-1905), a qual a revista deu bastante destaque em suas edições
de novembro, inclusive, assunto que teve mais relevância que a própria revolta ocorrida na
cidade, como apresentado no capítulo anterior.
Durante muito tempo a revolta foi vista como ação de incivilizados e desordeiros que
não entendiam as mudanças propostas à cidade. Entretanto, a historiografia mais atual passou
a questionar esse discurso hegemônico. Diferentes autores buscaram os porquês da revolta.
Entre os quais, pode-se citar: Carvalho (2013a; 2013b), que afirma que a população entendeu
que o Estado estava violando seus direitos, principalmente, o de invasão da privacidade, no
caso, a questão moral das famílias. Para Sevcenko (1993), o motivo principal estava
vinculado ao processo de aburguesamento da cidade, que intensificava o processo autoritário
de exclusão das classes populares do centro. Aquino, Vieira, Agostino e Roedel (2012),
endossam a ideia do autoritarismo, mas apontam outras questões do dia a dia, como as
péssimas condições de trabalho e no transporte público. Já para Chalhoub (1996) a questão
central estava na tradição afro-brasileira da prática ancestral da variolização, cuja crença
expressava que o combate a varíola estava ligado à ação do orixá Omolu83.
A charge de Leonidas marca uma contradição da imprensa, pois apesar de construir um
imaginário social em que os populares são marcados pela inércia, isto é, não eram sujeitos do
processo; na prática, não era isso o que ocorria ou era percebido, conforme a charge nos
revela. Isso nos permite identificar um discurso ambíguo entre o que a representação da
83
Reforço que esse debate é aprofundamento no texto “Contextualização da Primeira República”.

133
charge mostra e o que era realmente retratado pela imprensa. A própria revista deu pouco
importância a revolta e como já visto, considerou a ação violenta do governo necessária para
garantir a estabilidade social. Por outro lado, nos jornais de grande circulação, como o Jornal
do Brasil e Gazeta de Notícias, a revolta ganhou grande destaque.
Uma interpretação da charge baseada nas experiências atuais84 pode induzir que os
populares, marcados pela ignorância, rejeitaram uma ação positiva de saúde pública
implementada pelo governo. Todavia, conforme já apresentado acima, não havia um
conhecimento profundo do que era a vacina por parte da população, pois ainda era uma
novidade, e isso gerava medo, espanto, desconforto e insegurança na maioria. Em vez do
governo buscar a instrução e a conscientização das pessoas fez uso da violência para impor as
suas ações. As intenções de Cruz eram boas, pois queria resolver um sério problema da
cidade, a morte por doenças, não obstante, foi o formulador que institucionalizava a vacinação
obrigatória, por isso, na charge, é representado como o líder do autoritarismo governamental.
Em relação às cores usadas na charge, Almeida (2017) argumenta que a sobreposição
das duas cores (vermelho e cinza) utilizadas revela a limitação técnica de impressão do
período, porém, é preciso ressaltar que entre as diversas imagens da edição, a charge de
Leonidas é uma das poucas coloridas. É preciso evidenciar aos alunos que o uso das cores
revela o que autor desejava indicar. A acentuação do vermelho de maneira geral indica o
aspecto violento da cena. Isso fica evidente no estandarte, em que a reforça a ideia de avanço
das tropas. Outro realce está na caracterização das roupas da população, cuja cor contrasta
com o cinza dos oponentes. Além disso, o vermelho nos lábios de duas mulheres acentua a
diferenciação física que o autor desejou marcar a partir de um estereótipo: a de pessoas
negras. Uma delas parece liderar a população e isso pode ser um indício das características
físicas de uma população dominantemente negra.
Há outros elementos a se destacar, todavia, os que já apresentei até aqui se mostram
suficientes para a análise da charge. Além do mais, há outras leituras que podem ser
incorporadas a partir dos novos debates historiográficos. Porém, cabe destacar duas
observações: a primeira, é que Leonidas apontava para um conflito, que se confirmou 10 dias
depois de lançada sua charge. E conforme se comprova na legenda, a população não aceitou a

84
Mesmo que a vacinação seja algo naturalizado e fundamental nos dias atuais, existem os chamados
movimentos antivacina que questionam a eficácia das vacinas, acusando organizações de quererem o controle da
população. Por mais que pareça um movimento sem força, não deve ser ignorado. O estado do Rio de Janeiro,
após 20 anos sem a detecção do sarampo, registou novos casos em 2020, e já causou a morte de uma criança,
conforme destaca a notícia disponível em:
<https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/02/13/rio-de-janeiro-registra-a-primeira-morte-por-sarampo-
no-estado.ghtml>. Acesso em: 16 mar. 2020.

134
nova imposição do governo, que diante da situação, acabou recuando. Segunda, é preciso
evidenciar aos educandos que a Lei da Vacinação Obrigatória foi, na verdade, o estopim para
o evento, mas não o único motivo, pois havia intrínseco a luta por direitos de cidadania.
Para finalizar esta análise, indico duas sugestões: primeiro, comparar os discursos do
período com a atualidade, essencialmente, sobre a pandemia de Covid-19, iniciada no final de
2019 e que levou o mundo a um processo forçado de quarentena, em 2020. Para isso,
questione: quais os discursos científicos sobre o novo coronavírus? Quais foram as ações
governamentais tanto no Brasil como pelo mundo? Houve a conscientização da população?
Quais os discursos que emergiram no Brasil em meio a pandemia?

A segunda sugestão é indagar ao aluno surdo como foi a experiência da análise, e, em


seguida, perguntar ao ouvinte. Considero interessante buscar as marcas da visualidade. O
surdo precisa compreender que a sua especificidade possibilita identificar elementos que aos
ouvintes passa despercebido, ou seja, ressalte os elementos mais vistos pelos educandos
surdos, os detalhes, a suas potencialidades. Após isso, questione-os: seriam as interpretações
realizadas até aqui as mesmas dos leitores que viveram em 1904? Registre as diferenças e as
representações. Por fim, leve-os a entenderem, que, além da diferença histórica, as
características individuais de aprendizagem, também apontam para experiências singulares.

QUADRO 7: Etapas da análise da charge sobre a Revolta da Vacina


ETAPAS DESENVOLVIMENTO O QUE SE ESPERA
Essa etapa deve se basear nas seguintes É possível identificar as seguintes
questões: cores: vermelho, cinza, branco, preto,
Quais cores predominam na charge? marrom. Apesar das cores estarem
1º momento: Como o vermelho, o cinza, o preto, o distribuídas, é o vermelho que se
contemplação, marrom e o branco estão distribuídos? destaca aos olhos. As linhas estão em
apontamento Qual a cor mais forte? todas as partes, sendo traçadas na cor
dos ícones As cores revelam alguma coisa? preta. Elas são retas, curvas, sinuosas e
Como as linhas são distribuídas, o que formam figuras geométricas
elas formam e o que elas separam? (retângulos, círculos, quadrados e
triângulos).
Iniciar com estas perguntas: A partir dessas questões, os alunos
Quais objetos são identificados? devem apontar os objetos, edificações
2º momento: o
Como as pessoas estão distribuídas? e pessoas, além de caracterizar um
que é indicado,
O que parece que está ocorrendo? conflito, uma guerra, uma batalha.
identificação dos
índices

135
Outras indagações: Os objetos são: equipamentos de
Quais são os objetos representados como saúde: seringa, lanceta (agulha); e
equipamentos de guerra? instrumentos do cotidiano, do uso
Qual lugar é retratado? doméstico e de trabalho: vassoura,
Quais pessoas são apresentadas? garfo, serrote, panela, cadeira etc.
Destaca-se a rua de uma cidade. E são
apresentados: profissionais da saúde e
moradores.
1º passo: com o material didático com São elas: autor - Leonidas;
conteúdo histórico adaptado em mãos, publicação - revista O Malho; data:
deve-se preencher as informações básicas 29 de outubro de 1904; tipo de fonte:
3º momento:
solicitadas. Charge (imagem).
identificar os
2º passo: a partir do material didático Identificar os personagens e os
símbolos, as
com conteúdo histórico adaptado, elementos materiais distribuídos e as
representações,
analisar as representações destacadas: suas respectivas representações
fase da
primeiro, sobre Oswaldo Cruz e o históricas, a partir da análise
interpretação
“exército” da brigada sanitária; e em historiográfica proposta.
seguida, em relação à população e as
questões sociais.
Compare o passado e o presente, através Comparar os discursos de 1904 e de
destas questões: 2020, ajudará o educando a entender
Quais os discursos científicos sobre o que apesar dos novos tempos e da
novo coronavírus? consolidação da Ciência, o discurso
Quais foram as ações governamentais científico não é totalmente aceito na
tanto no Brasil como pelo mundo? sociedade contemporânea. Sem uma
Houve a conscientização da população? vacina, o método eficaz apontado foi a
Quais os discursos que emergiram no quarentena, porém, no mundo,
Conclusão Brasil em meio a pandemia? governantes trataram de forma
diferente a pandemia, inclusive
contrariando a quarentena, baseados
em discursos do senso comum.
Questione ao aluno surdo como foi a Busque as marcas da visualidade, os
experiência, e, em seguida, ao ouvinte. elementos mais vistos pelos educandos
surdos, os detalhes, a suas
potencialidades.
Em seguida, encerre a análise com a Registre as diferenças e as

136
seguinte pergunta: seriam as representações temporais. Leve-os a
interpretações realizadas até aqui as entenderem, que, além da diferença
mesmas dos leitores que viveram em histórica, as características individuais
1904? de aprendizagem, também apontam
para experiências singulares.

5.1.2 República das Oligarquias: voto de cabresto

Imagem 11: AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES… “DE CABRESTO”

“ELLA – É o Zé Besta?
ELLE – Não, é o Zé Bruno!”
Fonte: Careta, ano XX, número 974, 19 de fevereiro de 1927, pág. 1485.
A primeira charge de Storni escolhida se concentra em um aspecto do período: o voto
de cabresto. Considerado o mecanismo eleitoral que dava suporte tanto a Política dos
Governadores como a política do “café com leite”.
A charge circulou na edição semanal de 19 de fevereiro de 1927, na página 14, sem

85
A edição está disponível em PDF: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/careta/careta_1927/
careta_1927_974.pdf.

137
vínculo com algum texto ou reportagem. Essa charge foi lançada próximo ao pleito de 192786,
que resultaria na renovação da Câmara e de um terço do Senado. Na passagem do tempo, a
imagem passou a ser reproduzida como expressão do voto de cabresto, o que levou a ser uma
das representações mais usuais para ilustrar as aulas sobre a Primeira República, por esse
motivo, é essencial a sua análise. Como a reprodução da revista que está disponível no site da
Biblioteca Nacional em seu formato original está em preto e branco, fiz a opção de usar uma
colorida e disponível em Lemos (2006). A reprodução acima e a que está no material didático
com conteúdo histórico adaptado estão próximas do seu tamanho original de circulação.
Apesar dessa charge apresentar menos elementos visuais do que a anterior e a seguinte, em
minha experiência tenho percebido que ela apresenta elementos de maior complexidade para
explicá-la ao aluno surdo.
Para perceber os primeiros elementos, isto é, os ícones, pode-se questionar aos
educandos: quais são as cores dominantes? Como elas estão divididas? Existe alguma cor que
chama mais atenção? Como as linhas se movimentam pela imagem? As linhas criam
elementos geométricos? Creio que essas perguntas já são suficientes para despertar o olhar
dos educandos para os elementos indicados no desenho. Finalizada essa etapa, passe-se a
segunda, a dos índices.
Para encontrar o que a charge indica, é necessário que os educandos apontem o que
perceberem na observação. Lembro que nesse momento a ideia é a identificação a partir da
experiência, sem ainda entrar nas representações. Por isso, devem apontar os personagens
(mulher, homem e uma pessoa com corpo humano e cabeça de animal) e que um homem
conduz a pessoa com cabeça de animal até a mulher. A partir dessa observação, pode-se
lançar outras indagações: de que animal é a cabeça apresentada? O que levou o autor a
desenhar um homem com cabeça de burro? Sem dúvida, Storni desejava marcar uma ideia em
seus leitores. Qual deve ser a relação do papel da mulher com o vaso próximo a ela? O autor
apresentava ao seu público algo da realidade através dessa composição. As questões para
encerrarem esse momento, podem ser: onde a cena parece acontecer? Se apontarem que é
mostrado um campo, uma fazenda, uma área rural, quer dizer, que eles conseguiram perceber
o que o autor desejava indicar. E o que a cena retrata? Apesar de estar escrito político e eleitor
na roupa de dois dos personagens, não é tão simples apontar que é uma referência a política,
já que os outros elementos não fazem parte da realidade atual. Sendo assim, o professor deve

86
Segundo informações disponíveis no site oficial da Câmara dos Deputados, as eleições ocorreram em
fevereiro. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca/historia/a1republica.html>. Acesso
em: 20 mar. 2020.

138
conduzir o olhar deles para resposta, conduzindo-os assim, a partir dos elementos
desbravados, para o último momento da análise.
Para a análise da charge em si será preciso que os educandos tenham o material didático
com conteúdo histórico adaptado. De partida, é preciso preencher as informações básicas:
autor, publicação, data e tipo de fonte, já disponibilizadas acima. As outras informações
estarão disponibilizadas no decorrer da análise.
Consoante ao processo anterior, identifica-se três personagens: uma mulher, a soberania;
um homem, o político; e um homem com cabeça de “burro”, o eleitor. Sobre o personagem da
mulher, existe uma peculiaridade: ela não representa um ser real, no caso, uma pessoa ou algo
que esteja próximo da realidade dos alunos. Ela representa algo abstrato, isto é, uma
instituição, um sistema político. Em minha experiência tenho percebido que tanto os alunos
surdos como os ouvintes têm encontrado dificuldade de entender essa representação, o que faz
com que a análise dessa charge seja feita com maior atenção a esse detalhe. O importante
também é resgatar a memória da imagem representativa da República, conforme está
disponibilizado no material historiográfico do produto educacional.
Para provocar o raciocínio, pode-se questionar os alunos: qual o elemento que nos
permite indicá-la com uma representação da República Brasileira? Isso é possível através da
inscrição em seu vestido: “soberania” (já vi explicações que a apontam como representação da
democracia, no entanto, o gorro -barrete frígio- amarelo tende a aproximá-la da representação
de Marianne da República Francesa, que por sinal, usa um gorro vermelho). Ela, como
representante do processo eleitoral, dialoga com o político para saber quem é o eleitor que o
acompanha e indica o vaso. E o que seria o vaso para o qual ela aponta? Ele representa a urna
eleitoral, onde os votos deviam ser depositados (cabe frisar que o mais comum era o uso de
urnas de madeira, lacradas com cadeado).
Os outros dois personagens são um político e um eleitor. O primeiro, a pessoa
interessada no processo, conduz o segundo através de um cabresto87. No diálogo com a
mulher, percebe-se que o processo de levar e trazer eleitor é comum ao político. A
representação do eleitor na charge, na verdade, é de desqualificação, já que é apresentado com
o corpo de um humano, mas a cabeça de um animal, um “burro”, no caso. É caracterizado
como humano, mas sem inteligência, sem liberdade de escolha, pelo menos, em relação à
política. E os olhos fechados indicam uma total confiança em quem o guia. Além do mais, ao

87
Segundo uma definição encontrada na internet: “(ca.bres.to) [ê] sm. 1. Arreio de couro ou de outros materiais,
composto de cabeçada sem embocadura us. para conduzir a cavalgadura como montaria ou para prendê-la a algo.
2. Fig. Qualquer coisa que controla, subjuga, reprime, ger. de maneira arbitrária: Não aceita o cabresto
ideológico do partido.”. Disponível em: <https://www.aulete.com.br/cabresto>. Acesso em: 16 mar. 2020.

139
ser guiado por um cabresto e por estar em posição curvada em relação ao político, o votante é
representado como um subordinado. Mas, qual seria o objeto na mão do eleitor? Um livro,
uma Bíblia ou um caderno? Sempre me questionei e busquei respostas em várias leituras, mas
não encontrei. Porém, é bem provável que o autor queria indicar que esse objeto poderia ser
lido pelo eleitor, o que o caracterizava como alguém alfabetizado, logo, qualificado ao voto.
Apesar dessa reflexão não estar no material didático com conteúdo histórico adaptado é
interessante realizá-la com os educandos.
Outra observação a ser destacada é que a eleição parece ocorrer em um campo aberto, o
que provavelmente sugere que seja uma fazenda. Ou seja, os personagens não estão, por
exemplo, em um lugar de votação oficial, no caso, público. Isso se deve hipoteticamente à
ligação das raízes do poder das oligarquias, que estava na terra. Era nesse espaço, chamado na
historiografia de curral eleitoral, portanto, que se legitimava as decisões das elites
oligárquicas, sendo o eleitor tratado como um mero elemento. Em suma, o voto de cabresto se
materializava na figura do coronel como “[...] aquele que protege, homizia e sustenta
materialmente seus agregados; por sua vez, exige deles a vida, a obediência e a fidelidade.”
(MONTEIRO, 1990, p. 303).
Seria, então, a charge de Storni a verdade máxima sobre o voto de cabresto? Negativo.
Durante muito tempo ela foi assim estudada e apresentada, todavia, os estudos
historiográficos mais recentes apresentam novas representações sobre a imagem. Segundo
Viscardi e Figueiredo (2019), apesar da simplicidade da charge, a representação dela ajudou,
somada a outras interpretações, a criar a ideia de que o voto naquela época não era livre e
muito menos expressão da democracia. Violência, fraude e manipulação dos votos eram reais,
todavia, é essencial relativizar essas ideias88. Logo, a sua releitura em sala de aula é
fundamental.
De partida, ao observar a caracterização de cada personagem, percebe-se que a crítica
de Storni em relação ao processo eleitoral, dava-se principalmente sobre os eleitores. Porém, a
que eleitor o autor estaria se referindo no seu desenho? Sem dúvida, não se refere a todos os
eleitores do país, como é o seu próprio caso, pois mesmo sendo um participante da política,
certamente não se via representado na sua própria produção. Os eleitores apontados são
aqueles que se enquadram na dinâmica do voto de cabresto, ou seja, os mais pobres que
viviam principalmente nos campos, que de maneira geral estavam presos ao sistema

88
Na historiografia sobre o período, tornou-se clássica certas afirmações, como: o sistema eleitoral era
totalmente excludente; as eleições eram fraudulentas e controladas; quase não existia disputa entre os candidatos;
e por fim, a renovação nos cargos políticos era ínfima (VISCARDI; SOARES, 2018).

140
fraudulento mantido pelos políticos e coronéis. A percepção que Storni expressa na charge se
aproxima do que é destacado por Napolitano (2018, p. 43), sobre a visão de certos setores
sobre a maior parte da população:
Olhando para os andares de baixo, intelectuais e cientistas viam uma sociedade
grandemente analfabeta (80% da população não sabia ler e escrever),
predominantemente rural, dominada por crendices e pela religião, marcada pela
miséria abjeta e vitimada por doenças de toda espécie que ‘corrompiam o vigor para
o trabalho e a aptidão para a civilização dos costumes’.
Todavia, também é preciso mostrar aos educandos como o processo eleitoral do período
era realmente restrito. Isso fica evidente com os dados apresentados por Carvalho (2013a): na
primeira eleição para presidente em 1894, apenas 2,2% da população89 participou do pleito.
Na última eleição do período, em 1930, apenas 5,5%. Isso se devia essencialmente às
restrições presentes na Constituição, tais como: a limitação do voto aos homens alfabetizados
maiores de 21 anos; religiosos e militares também eram excluídos; mulheres não foram
citadas; além disso, o voto era facultativo e aberto. Diante dessa situação, mais de 80% da
população masculina ficava excluída do processo eleitoral. Porém, o país não era a exceção,
pois na maioria das democracias liberais pelo mundo a participação eleitoral era mínima
(VISCARDI; SOARES, 2018).
Não se pode negar a desigualdade e a exclusão vivida pelos mais pobres que viviam nos
campos, no entanto, essas pessoas foram atores políticos e de alguma forma questionavam o
sistema existente. Exemplo disso, foram a Guerra de Canudos, na Bahia (1897) e a Guerra do
Contestado (1915), no Paraná, movimentos de rebeldia que colocaram em xeque o poder
militar das oligarquias, que por sua vez, agiram com grande repressão, o que resultou no
extermínio de ambos os movimentos. Diante disso, a partir da percepção construída pelas
elites sobre a maior parte da população, o que é reforçado na charge, é viável ressignificar o
processo eleitoral, mas acima de tudo, a participação dos eleitores, que também eram sujeitos
históricos relevantes naquele contexto histórico.
E quem seria o político na visão de Storni? Aquele que se aproveitava da situação dos
eleitores para garantir a sua vitória. Porém, sabe-se que a maior parte dos políticos estava
ligada aos interesses das oligarquias regionais, que, logo, sustentavam as práticas de
benefícios (troca de favores) e de opressão sobre os eleitores como garantia de que os votos
estariam garantidos aos seus candidatos. A figura do coronel não está fisicamente na charge,
mas sua participação é perceptível no processo, já que o ato é representado em seus domínios,
no campo.

89
Para efeito de comparação, nos censos de 1872, 1900 e 1920, a população era estimada em cerca de,
respectivamente: 10,1 milhões, 17,3 milhões e 30,5 milhões de habitantes (MONTEIRO, 1990).

141
Para uma primeira leitura ampla da charge, ela é a representação da concretização da
democracia. Todavia, a composição dos elementos apresenta ideias antagônicas. Os dois
primeiros elementos, a saber, a República e a urna, representavam o sistema eleitoral
brasileiro daquele momento, que em tese se apresentava puro, sem corrupção. Os outros dois,
o político e o eleitor, eram, na verdade, os sujeitos do processo eleitoral, os que tornavam o
ato democrático possível, uma realidade. Não obstante, contraditoriamente, eram também
aqueles que corrompiam a eleição. Ou seja, se por um lado, o sistema democrático da
República Brasileira apontava para a democracia, por outro lado, o ato eleitoral, o momento
da concretização do processo era marcado pela corrupção, isto é, pela distorção da soberania
popular.
Pois bem, existe uma outra leitura que pode ser feita da imagem. De acordo com a
análise de Viscardi e Figueiredo (2019), os diversos meios criados para burlar a eleição
indicam, na verdade, que não havia certezas sobre o pleito. Questionam sobre a charge: por
que o eleitor precisava ser conduzido até o pleito? Os benefícios ofertados pelos coronéis para
o eleitor votar em seus políticos já não seriam suficientes para o dia da eleição? As respostas
dessas indagações, segundo os autores, mostram que a imagem não aponta para o
direcionamento do voto, e sim, para a ideia de levar o eleitor à urna. Somente com a presença
do votante, indo de modo voluntário ou forçado, seria possível criar um tipo de vontade
popular. Mas, as peculiaridades do país, entre as quais, a dimensão continental e os poucos
eleitores aptos para o processo, tornavam o ato de conseguir ou coagir o voto, bem difícil.
Isso, porque
As eleições realizadas durante a Primeira República eram caracterizadas por um
mercado político limitado, tanto para os candidatos quanto para os eleitores. Além
disso, em boa medida, as eleições eram uma responsabilidade dos cidadãos, e não do
poder público. Isso fica evidente quando se identifica, por exemplo, que os locais de
votação podiam ser residências privadas; que a comissão de alistamento, em certo
período, era responsabilidade dos maiores contribuintes do município; que o voto
poderia ser a “descoberto”, ou seja, a pedido do eleitor a mesa eleitoral poderia
assinar uma cédula idêntica à depositada em escrutínio; que a cédula a ser inserida
na urna poderia ser adquirida em papelarias ou recortada de jornais que as
divulgavam em prol de algum dos candidatos, e era também lacrada por um
invólucro, tal como um envelope; que o eleitor poderia votar em qualquer pessoa,
inclusive nele próprio, sem que isso fosse causa de nulidade de seu sufrágio; e o
candidato poderia se lançar na disputa sem filiação a partidos. Tais características,
fundamentadas ideologicamente em um discurso liberal de autonomia individual em
relação aos eventuais arbítrios do Estado, proporcionavam ampla liberdade a
candidatos e a eleitores, assim como certa desorganização e margem para muitas
reclamações. (VISCARDI; FIGUEIREDO, 2019, p. 18).
À vista disso, um processo eleitoral com esses atributos facilitaria as fraudes, entretanto,
os meios fraudulentos existiam também pela imprecisão dos pleitos. Isso levava os diferentes
grupos políticos a agirem para garantir um resultado favorável. Entre outras coisas, buscavam

142
garantir a presença de um eleitorado considerado aos seus candidatos. Isso revela que o
controle do voto pelos coronéis não era irrestrito e a elevada abstenção é uma prova disso.
Ainda sobre o processo eleitoral, é importante ressaltar com os educandos três atributos
apontados por Viscardi e Soares (2018): primeiro, apesar de parecer contraditório, houve a
aprovação de uma série de leis com o interesse de controlar as fraudes. Mesmo sabendo que
seus efeitos eram mínimos, já que a situação e a oposição a utilizavam como estratégia de
competição, isso nos mostra que havia algum movimento político com interesse de controlar
as distorções que elas provocavam. Em segundo lugar, os novos estudos têm apontado que os
resultados eleitorais não eram tão previsíveis como há muito tempo se afirmou. Apesar das
disputas se limitarem às elites, existia uma competição entre os candidatos para estarem nos
partidos majoritários, visto que o voto se dava em lista fechada; caso não conseguissem,
buscavam os partidos pequenos ou se aventuravam como independentes. Por fim, naquele
período a taxa de renovação dos deputados era de cerca de 40%, mesmo índice do período
imperial. Para efeito de comparação é percentual semelhante aos das principais democracias
de massa da atualidade. Nas eleições brasileiras de 2014, por exemplo, a taxa de renovação no
Congresso Federal foi de 43,7%.
Além disso, nos períodos de eleição, de forma individual ou coletiva, também existiram
formas de resistência à política existente pelas pessoas mais pobres. A participação nas
eleições estava muito além da coerção, pois entre os que sofriam com a violência e os que iam
voluntariamente, existiam aqueles que conseguiam barganhar coisas em troca do voto, sem
necessariamente estar preso aos interesses de algum coronel.
Por fim, é interessante comparar os novos conhecimentos com a realidade atual: como é
o processo eleitoral no Brasil atual? Será que ainda existe o chamado voto de cabresto no
país? Como a política e os políticos são representados em pleno século XXI? Posteriormente,
pode-se novamente questionar os alunos: seria a charge a verdade sobre o processo eleitoral
do período? É preciso ficar nítido aos alunos, que repensar essas características do processo
eleitoral não significa minimizar as práticas de coerção e fraudulentas adotadas pelos chefes
locais. O objetivo é garantir que os educandos entendam que os eleitores tinham o seu lugar
de sujeitos do processo, o que vai assim, contra o que foi representado na charge por Storni. O
autor representava assim, a visão da imprensa, que de maneira geral desqualificava o processo
político, entre os quais, os eleitores.

QUADRO 8: Etapas da análise da charge sobre ao voto de cabresto


ETAPAS DESENVOLVIMENTO O QUE SE ESPERA

143
Perguntas para essa etapa: É possível identificar as seguintes cores:
Quais são as cores dominantes? cinza, amarelo, marrom, branco e preto.
Como elas estão divididas? As cores estão bem divididas, mas
1º momento: Existe alguma cor que chama mais a chama a atenção do nosso olhar, o
contemplação, atenção? amarelo. De maneira geral, as linhas
apontamento Como as linhas se movimentam pela estão em preto e são sinuosas, curvas e
dos ícones imagem? As linhas criam elementos retas. Verifica-se, por exemplo:
geométricos? retângulo (base da urna), triângulo
(cabresto) e círculos (óculos e terno do
político).
Para iniciar essa parte da observação, Os alunos devem apontar: uma mulher,
comece com as seguintes questões: um homem e uma pessoa com cabeça de
Quais os personagens apresentados? animal. E que um homem conduz a
O que é apresentado na cena? pessoa com cabeça de animal até a
mulher.
2º momento: o Outras indagações pertinentes: A cabeça é de um burro e o autor
que é indicado, De que animal é a cabeça apresentada? desejava passar uma mensagem aos seus
identificação dos O que levou o autor a desenhar um leitores, já que não existe um ser assim.
índices homem com cabeça de burro? Sobre a mulher e o vaso, o autor
Qual deve ser a relação do papel da apresentava ao seu público algo da
mulher com o “vaso” próximo a ela? realidade através dessa composição. E a
Onde a cena parece acontecer? cena ocorre em uma fazenda, uma área
E o que a cena procurou retratar? rural. E ela se refere a algo da política
do período.
1º passo: com o material didático com São elas: autor - Storni; publicação -
conteúdo histórico adaptado em mãos, revista Careta; data: 19 de fevereiro de
deve-se preencher as informações 1927; tipo de fonte: Charge (imagem).
3º momento: básicas solicitadas.
identificar os 2º passo: Tomando por base o material É possível identificar a imagem como
símbolos, as didático com conteúdo histórico da República Brasileira, através da
representações, adaptado, analisar-se-á as inscrição em seu vestido: “soberania”
fase da representações presentes na charge. (inspiração na Marianne da República
interpretação Pode-se iniciar com a questão: qual o Francesa).
elemento que nos permite indicá-la Identificação dos personagens (mulher,
como uma representação da República político e eleitor), dos objetos (urna e
Brasileira? cabresto), do local (área rural) e as suas

144
Em seguida, deve-se identificar os respectivas representações históricas,
personagens e as representações: além das questões eleitorais e políticas
primeiro, a mulher e o vaso (urna); do período, a partir da análise
depois, o político, o eleitor (cabeça de historiográfica proposta.
burro e cabresto) e o local; e, por fim,
as representações políticas.
O primeiro passo é buscar comparar Ao comparar passado e presente, os
com o Brasil da vivência dos alunos: alunos poderão identificar as rupturas e
Como é o processo eleitoral no país? continuidades. Pela Constituição de
Será que ainda existe o chamado “voto 1988, o voto é universal e secreto, o que
de cabresto” no país? preserva os eleitores. Apesar dos
A eleição é segura? avanços e das fraudes eleitorais serem
Como a política e os políticos são escassas, ainda é prática comum a
representados em pleno século XXI compra de votos, o que pode ser
pela população? resultado da falta de confiança da
população na política e nos políticos.
Conclusão
Repita o processo da charge anterior, e Busque as marcas da visualidade, o que
questione ao aluno surdo como foi a foi mais percebido pelos alunos surdos,
experiência, e, em seguida, ao ouvinte. isto é, as minúcias, que poderão ser
comparadas com a experiência da
charge anterior.
Por fim, finalize o processo com esta Questionar as representações da charge
questão: seria a charge a verdade sobre não significa minimizar as práticas de
o processo eleitoral do período? coerção e fraudulentas adotadas, e sim,
compreender o lugar de sujeito dos
eleitores no período.

145
5.1.3 República das Oligarquias: política do “café com leite”

Imagem 12: Capa da revista Careta de número 897

“A fórmula democrática.
OS DETENTORES – Tenham paciência, mas aqui não sobe mais ninguém!”
Fonte: Careta, ano XVIII, número 897, 29 de agosto de 1925, capa90.
A próxima charge de Storni analisada é a que circulou na capa da revista Careta, em
1925, e é comumente associada a chamada política do “café com leite”. Por também ser uma
imagem muito comum nas aulas sobre a Primeira República, a sua contextualização histórica
se torna importante. A reprodução acima é uma digitalização de um exemplar da edição que
se circulou no Rio de Janeiro e foi encontrada através do site de pesquisa google.com91. Como
a charge circulou na capa da revista, optei por disponibilizar a capa inteira, mas a análise se
concentrará somente na charge. Assim como informei sobre as charges anteriores, a

90
A edição está disponível em PDF no site da Biblioteca Nacional, porém, em edição não colorizada:
<http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/careta/careta_1925/careta_1925_897.pdf>. Acesso em: 09
fev. 2020.
91
A capa colorida está disponível em:
<http://historiaporimagem.blogspot.com/2016/06/o-cafe-com-leite-da-velha-politica.html>. Acesso em: 09 fev.
2020.

146
reprodução acima é a que está no material didático com conteúdo histórico adaptado, não
representam o tamanho original de circulação da revista.
Para guiar o olhar dos educandos na identificação dos ícones da charge, as seguintes
perguntas poderão ser feitas: quais cores formam a imagem? Há a sobreposição de uma cor
sobre as outras? Em qual parte, há uma maior variação de cores? Como as linhas estão
distribuídas? O autor fez uso de figuras geométricas? Sem dúvida, essas questões suscitarão
muitas percepções dos educandos que ajudarão na passagem para a próxima etapa.
Para iniciar a identificação dos índices, o professor pode colocar: quais elementos da
natureza/atmosfera são perceptíveis (morro, céu e nuvem)? Há personagens humanos?
Existem diferenças na distribuição entre eles (em cima/embaixo)? O que essas pessoas usam
(vestuário)? Qual objeto chama mais atenção na imagem (cadeira) e por quê? Além de
imagens, o que mais pode ser visto (referência a escrita)? Para aprofundar a observação,
pode-se indagar: na visão de vocês, o que acontece na imagem? Com a experiência das
charges anteriores, possivelmente, os educandos já tenderão a apontar a ação correta, mas se
não o fizerem, a partir do que for respondido, o docente precisa conduzi-los a ideia de que
vários homens tentam subir o morro, enquanto sobre ele já existem dois estabelecidos. Por
que a cadeira é em cor amarelo/dourado? Na história, o ouro passou a indicar perfeição,
nobreza, riqueza; na charge, representa que quem se senta nela tem um poder político
diferencial. O que os homens que estão em cima fazem em relação aos de baixo? Por que um
olha para baixo e o outro, não? Essas questões servem para mostrar que a postura corporal
deles tem relação com as atitudes que tomam, por exemplo, enquanto um olha para os de
baixo, o outro, os ignora. O que há de interessante em cima do morro que desperta o interesse
dos homens? Sem dúvida, devem apontar que a cadeira é a coisa de relevância. Para finalizar
esse momento, pode-se indicar duas coisas: primeira, o que se passa na imagem não é a
realidade, por essa razão precisa ser interpretada; segunda, a situação quer apontar para uma
disputa que se dava na realidade política. Com essas ideias, abre-se o terceiro momento.
Chega-se agora à análise das representações que a charge desencadeia. O pequeno
morro em destaque, hipoteticamente é uma referência a cidade do Rio de Janeiro que nos leva
a pensar em dois motivos: primeiro, o centro da cidade carioca era constituído por muitos
morros; segundo, com um olhar mais atento é possível encontrar uma singularidade com o
morro do Pão de Açúcar, localizado no bairro da Urca. E sobre esse morro, há uma cadeira
dourada e a inscrição “Presidência da República”, uma alusão ao poder do chefe da nação. Ou
seja, há uma menção direta à capital federal, onde ficava localizado o palácio presidencial da
República Brasileira.

147
Em seguida, pode-se questionar aos alunos: a vestimenta usada pelos personagens
indica o grupo de pessoas da época às quais pertenciam? O estilo da roupa, caracterizada pela
bota, calça, terno e chapéu, era a forma como era possível identificar os fazendeiros,
especialmente, do café. Mas, eles também eram conhecidos como “coronéis”, termo em
relação ao cargo assumido na Guarda Nacional dos tempos da Monarquia e que permaneceu
até 1922.
Em cima do morro há dois coronéis, um de cada lado da cadeira, pertencentes aos
estados de São Paulo e de Minas Gerais. O que está com chapéu escrito “S. Paulo” tem seu
braço esquerdo agarrado ao “braço” da cadeira e seu braço direito nos traz a ideia de estar
dialogando com os outros personagens que tentam subir o morro. Provavelmente, sua fala seja
a frase da legenda: “Tenham paciência, mas aqui não sobe mais ninguém!”. Enquanto isso, o
coronel que tem “Minas” inscrito em seu chapéu mantém uma postura de guarda, de
vigilância, ou simplesmente, ignora os outros personagens. Por que só os dois coronéis estão
em cima do morro? A charge de Storni nos mostra que as oligarquias dos dois estados
dominavam as vitórias nas eleições para presidente do país. Essa ideia de hegemonia dos dois
estados foi construída pela historiografia e perdurou durante muito tempo, inclusive no ensino
de História.
Os personagens que estão embaixo são fazendeiros que pertencem a oligarquias de
outros estados, conforme o nome escrito em seus chapéus nos mostram (respectivamente, da
esquerda para a direita): Goyas (Goiás), Alagoas, E. do Rio (Rio de Janeiro), Rio Grande do
Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Paraná, Bahia, Pernambuco, Ceará, Piahuy (Piauí), Pará e
Amazonas. A postura que apresentam são de pessoas que pedem ajuda para subir, já que
esticam a mão para serem puxados, ou seja, querem fazer parte da presidência da República.
É possível notar que o autor ignorou alguns estados em sua charge, como, o Rio Grande do
Norte e a Paraíba, por exemplo. Uma das explicações é que na perspectiva de Storni, eles não
teriam representação política importante nas disputas presidenciais. Porém, cabe ressaltar que
Epitácio Pessoa, presidente entre 1919 e 1922, apesar de ser eleito por um partido mineiro, era
oriundo do estado da Paraíba.
A frase “A fórmula democrática” que está na legenda, se comparada a charge tende a
revelar uma ironia, figura de linguagem também usada no período, já que o processo eleitoral
brasileiro tomava por princípio a democracia, mas, na realidade, o maior poder do país estava
limitado aos interesses de apenas dois estados. A questão intrigante é sobre o período em que
a revista foi lançada, fim de agosto de 1925. Será que havia alguma questão política para a
crítica da charge? Na leitura da edição não identifiquei artigo ou imagem que tivesse relação

148
com a charge. É bem provável que a crítica do autor esteja sobre os rumores da indicação de
um político paulista pelo então presidente Artur Bernardes (político mineiro), para concorrer à
presidência, o que se confirmou em setembro de 1925, com o nome de Washington Luís
(MAYER, 2010).
Com base na provável indicação de um paulista para disputar a eleição presidencial, a
crítica de Storni recaía assim sobre a hegemonia de São Paulo e Minas Gerais sobre o sistema
político oligárquico do período, que é tradicionalmente chamado pela historiografia de
política do “café com leite”. Na década de 1920, as ações políticas das oligarquias já eram
questionadas por diversos grupos, entre os quais, a imprensa, por se constituírem empecilho
ao aprofundamento das características modernas do país, consoante o desejo de alguns
setores, ditos liberais.
Se o objetivo da política oligárquica se concentrava em favorecer o café, isto é, o
principal produto da “vocação agrícola” do país; a modernidade apontava para o
desenvolvimento industrial. Apesar do processo industrial emergente no país ter relação direta
com o capital dos grandes cafeicultores e comerciantes (que faziam a parte entre a produção
interna e o mercado internacional), o investimento estatal era irrisório no setor fabril em
decorrência dos interesses da agroexportação. Para Napolitano (2018), efetivamente, essas
críticas representavam a insatisfação de diversos setores contra a prevalência dos interesses
regionais sobre os nacionais, que ganhou expressão na crise da década de 1920. E o
cartunista, assim como a revista Careta, fazia parte desse grupo de questionadores.
Não identifiquei nas leituras e pesquisas que fiz se a crítica de Storni era pontual, isto é,
ligada a disputa presidencial que se aproximava, ou se era abrangente, no caso, sobre o
sistema como um todo. Se era específica ou geral, a ideia de hegemonia do eixo São
Paulo-Minas Gerais presente na charge do autor, ganhou na historiografia um nome: política
do “café com leite”, como já apontado. Durante muito tempo nos livros didáticos e hoje ainda
é habitual de se ouvir nas escolas ou ler em textos espalhados pela internet, que a política do
“café com leite” na verdade existia, porque havia um rodízio automático entre presidentes
paulistas e mineiros no poder, e que esses políticos eram representantes, respectivamente, dos
interesses do café e do leite. Na década de 1990, novos estudos historiográficos passaram a
questionar a expressão e o que ela explicava sobre o período.
Pontes (2013) e Viscardi (2013; 2019) afirmam que existia uma hegemonia de São
Paulo e Minas Gerais, entretanto, não era total como se acreditava. Para o primeiro autor, não
se pode negar a dominância política dos dois estados no cenário nacional, no entanto, a

149
aliança entre as oligarquias ela foi relativa e entrecortada ao longo do tempo92. Para
exemplificar, cita dois exemplos: primeiro, a primeira mudança de um presidente paulista para
um mineiro foi em 1906, quando Afonso Pena (1906-1909) substituiu Rodrigues Alves
(1902-1906), contudo, a indicação não foi fruto de uma articulação entre os dois estados, mas
sim, de uma pressão exercida pela oposição liderada por Pinheiro Machado, deputado federal
pelo Rio Grande do Sul, que queria evitar o quarto presidente paulista93 consecutivo.
Segundo, na eleição seguinte, o presidente vitorioso, Hermes da Fonseca (1910-1914), foi
indicação das oligarquias do Rio Grande do Sul, o que revela que havia estados da Região Sul
e Nordeste, que também circulavam entre as esferas do poder federal. Para Viscardi (2019),
em vez de dois, existiam, na verdade, seis estados hegemônicos: São Paulo, Minas Gerais,
Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Além disso, existiam dois
coadjuvantes nas disputas pelo poder que não podem ser ignorados: o Exército e o Executivo
(VISCARDI, 2013).
Já para Napolitano (2018) foi a partir da vitória de Venceslau Brás (1914-1918),
candidatura que reconciliou as oligarquias, que se construiu o mito da invencibilidade política
do “café com leite”. Na eleição de 1918, houve a substituição do presidente mineiro por um
paulista, com a vitória de Rodrigues Alves, que não assumiu pois faleceu em decorrência da
gripe espanhola. Na eleição que o substituiu, em 1919, venceu Epitácio Pessoa, um político
paraibano, mas que ganhou a eleição pelo Partido Republicano Mineiro. A única vez que um
paulista efetivamente substituiu um mineiro foi exatamente em 1926, quando Washington
Luís (1926-1930) substituiu Artur Bernardes (1922-1926).
O que ficou evidente nos últimos estudos, foi que apesar das diferentes naturalidades e
das oligarquias as quais pertenciam, e da autonomia que buscaram estabelecer na montagem
dos ministérios e nas decisões políticas e econômicas, os presidentes tenderam a governar, uns
com mais afinco e outros menos, em prol dos interesses dos cafeicultores, já que o café se
constituía no principal produto da economia brasileira, sendo vinculado ao mercado europeu e
estadunidense (PONTES, 2013). Logo, a hegemonia política do setor cafeeiro não foi ação
exclusiva daqueles que compunham as oligarquias do Sudeste, pois, havia disputas, sim, mas
também, acordos e composições para a governabilidade, princípio esse que dava fundamento
a Política dos Governadores.
Outro equívoco existente é em relação à importância política de Minas Gerais. Segundo
Viscardi (2013, p. 166), apesar do setor de laticínios ter grande importância na economia

92
Para Pontes (2013), o café se manteve como polo dinâmico da economia brasileira até a década de 1950.
93
Os anteriores a Rodrigues Alves foram: Prudente de Morais (1894-1898) e Campos Sales (1898-1892).

150
mineira, o café representou mais da metade do conjunto das exportações mineiras na Primeira
República. Portanto, sobre a relação do estado na política nacional, argumenta que
O poder de Minas Gerais nesse período é explicado não pela força econômica do
gado de leite, mas pela sua projeção política garantida pela bancada de 37
deputados, a maior do país. E a influência de Minas, também derivava da forte
cafeicultura, já que foi o segundo maior produtor de café do Brasil até o final da
década de 1920, sendo responsável por 20% em média [...]. A expressão mais
adequada para a pressuposta aliança Minas Gerais-São Paulo seria, então, “café com
café” [...]

Isto é, além da força econômica, o poder político de Minas Gerais estava também sobre
a sua supremacia em relação ao número de deputados a qual tinha direito para a Câmara de
Deputados, dos 212, 37 eram mineiros. Era seguido por São Paulo e Bahia, com 22
deputados; Pernambuco e Rio de Janeiro, com 17 representantes; e Rio Grande do Sul, com
16 cadeiras (RICCI; ZULINI, 2014). Esses números também confirmam que o poder eleitoral
não se limitava a dois estados.
Como último ponto, também é preciso mostrar aos educandos que o Brasil não era só
café. Apesar desse gênero ter sido o principal produto econômico que ligava o país aos
mercados internacionais entre 1840 e 1950, a economia do país não dependia exclusivamente
dele, afinal de contas, a sua produção vivia crises estruturais e cíclicas constantemente. No
início do século XX, por exemplo, a economia era completada com outros produtos, entre os
quais, a borracha, o cacau, o algodão e o açúcar, ademais, a pecuária no Sul do país também
não pode ser esquecida. Muitos dos coronéis que são apresentados na parte de baixo do morro
na charge, representam os interesses de outras oligarquias espalhadas pelo Brasil.
Não obstante, por que a expressão “café com leite” se a aliança entre paulistas e
mineiros tinha caráter conjuntural como outras? Para Viscardi (2013, p. 169):
[...] Uma hipótese, ou melhor, uma especulação: é possível que a expressão tenha
sido criada pela imprensa, ao final da década de 1920 - pois não foram encontrados
registros anteriores -, numa referência à aliança entre paulistas e mineiros em torno
da indicação de Arthur Bernardes e Washington Luiz. E reforçada pelo longo
governo Vargas (1930-1945) para desqualificar o processo político da velha
república que ele pretendia superar. Essa questão, porém, permanece em aberto para
quem se dispuser a desvendá-la.
Pois bem, a charge de Storni abre a possibilidade de mostrar aos educandos que os
próprios estudos históricos estão propensos a transformações em decorrência de novas
pesquisas, igualmente, o que se ensina na escola, já que a história ensinada no ensino básico,
fundamenta-se na estudada na universidade. Essa imagem, então, nos possibilitou entender as
representações daquela época, mas fundamentalmente, as mudanças em relação a tal política
do “café com leite”, que Viscardi (2019) propõe que seja “café com café”, porém, que não se
limitem às coincidências do setor cafeeiro, porque para se entender as complexidades das

151
relações estabelecidas após 1889, é necessário buscar as diferenças de interesses e políticas94.
Para fechar a análise, pode-se refazer o processo analítico a partir das informações
apresentadas aos alunos: qual a representação que é possível identificar em relação aos dois
coronéis que estão junto a cadeira presidencial em cima do morro? E sobre os coronéis que
estão embaixo, o que representa a atitude deles? Por fim, como o estudo da charge nos
permite ressignificar a expressão política “do café com leite”? Ao final do processo, reforce as
diferenças de representações criadas no decorrer do século XX, e como essas, têm conexão
com as novas questões propostas pelos historiadores, que resultam em novos estudos na área
histórica.

QUADRO 9: Etapas da análise da charge sobre a política do “café com leite”


ETAPAS DESENVOLVIMENTO O QUE SE ESPERA
Para iniciar o processo, segue as Identifica-se várias cores: amarelo
perguntas principais: dourado, vermelho, azul claro, verde,
Quais cores formam a imagem? branco, preto, rosa e outros tons. Não há
Há a sobreposição de uma cor sobre as sobreposição de uma cor, mas o amarelo
1º momento:
outras? dourado ganha destaque na composição
contemplação,
Em qual parte, há uma maior variação com o vermelho. Na parte inferior é
apontamento
de cores? onde existe a variação de cores. Em
dos ícones
Como as linhas estão distribuídas? relação às linhas, elas são em maioria,
O autor fez uso de figuras geométricos? sinuosas e curvas, em cor preta.
Verifica-se ressaltados: alguns círculos
(chapéus) e uma elipse (cadeira).
Para iniciar essa parte da observação, Os alunos deverão observar e indicar:
comece com as seguintes questões: em relação a natureza/atmosfera, o
Quais elementos da natureza/ atmosfera morro, o céu e a nuvem; sobre os
são perceptíveis? humanos, há vários deles e estão
Há personagens humanos? distribuídos com dois em cima do morro
2º momento: o Existem diferenças na distribuição entre e outros embaixo. E basicamente usam
que é indicado, eles (em cima/embaixo)? roupas parecidas: terno, calça, bota,
identificação dos O que essas pessoas vestem? lenço e chapéu.
índices Qual objeto chama mais atenção na O objeto que mais chama a atenção é a
imagem e por quê? cadeira, pelo destaque colorido e por
Além de imagens, o que mais pode ser estar no centro. Há uma inscrição nela,
visto/observado? assim como nas camisas.

94
Veja o aprofundamento desse debate no texto “Contextualização da Primeira República”

152
Outras questões importantes: O amarelo/dourado da cadeira
Por que a cadeira é em cor representa o ouro (exemplo: riqueza).
amarelo/dourado? A postura corporal dos homens que
O que os homens que estão em cima estão em cima, tem relação direta com
fazem em relação aos de baixo? Por que as atitudes que assumem em relação aos
um olha para baixo e o outro, não? de baixo (no caso, superioridade).
O que há de interessante em cima do O interesse dos homens de cima, como
morro que desperta o interesse dos dos de baixo, está em relação a estar em
homens? cima do morro e dominarem a cadeira, o
que gera disputa entre eles.
1º passo: com o material didático com São elas: autor - Storni; publicação -
conteúdo histórico adaptado em mãos, revista Careta; data: 29 de agosto de
deve-se preencher as informações 1925; tipo de fonte: Charge (imagem).
básicas solicitadas.
2º passo: com base no material didático Para chegar à mensagem principal é
com conteúdo histórico adaptado, o preciso desbravar os elementos: o
objetivo será analisar as representações morro, é uma possível referência a
3º momento:
presentes na charge. Para aprofundar o capital do país, o Rio de Janeiro. A
identificar os
processo, pode-se questionar: qual seria cadeira representa a presidência. A
símbolos, as
a mensagem principal da charge? partir da roupa, identifica-se que os
representações,
No próximo momento, deve-se personagens pertencem ao mesmo grupo
fase da
identificar os elementos da imagem e as social: fazendeiros, também chamados
interpretação
respectivas representações: a paisagem de coronéis. Os que estão em cima,
e a cadeira; em seguida, os personagens representam SP e MG, que em tese
em cima do morro e embaixo, e, tinham acordo para manter o poder;
finalize com as representações políticas enquanto os de baixo, eram estados
e econômicas propostas pela excluídos do acordo. Por fim, deve-se
historiografia atual. aprofundar as representações a partir das
novas pesquisas historiográficas.
Assim como nas charges anteriores, Identifique as marcas da visualidade,
questione o aluno surdo em relação a isto é, aquilo que foi mais destacado
experiência vivenciada, e, em seguida, pelo aluno surdo, e, posteriormente,
Conclusão os ouvintes. compare com as experiências das
charges anteriores.
Por fim, encerre o processo explicando Leve os alunos a entenderem que na
sobre as mudanças nos estudos passagem do tempo há modificações nas

153
históricos. Em seguida, pergunte: quais interpretações sobre determinado
as representações apresentadas na fato/período histórico. Com as questões,
charge? E, como é possível ressignificar permita que eles voltem o olhar para a
a expressão política “do café com charge e apresentem as representações e
leite”? o ressignificado da expressão debatidas
anteriormente.

154
CONCLUSÃO

Em minha formação, eu já imaginava enfrentar desafios em relação ao comportamento


dos alunos ou em relação à defasagem no aprendizado, ou ainda ao desestímulo muito
frequente com a disciplina de História. Entretanto, nunca imaginei em relação ao ensino para
educandos surdos. Apesar da dificuldade inicial para ensinar aos surdos, com o tempo, passei
a entender que seria necessário realizar diferentes experiências em minha prática e chegar a
um modelo pedagógico que garantisse de forma significativa o acesso desses estudantes ao
conhecimento histórico escolar. A pesquisa foi determinante para que eu aprofundasse esse
trabalho tão importante, sendo, inclusive, determinante para me aproximar da base teórica e
metodológica tanto do ensino para surdos como do ensino de História para surdos, sem as
quais a metodologia aqui proposta não seria viável.
A trajetória dessa pesquisa me mostrou os desafios e os erros mais comuns do ensino de
História para surdos, os quais eram facilmente identificáveis em minha prática. Todavia,
apresentou muitas possibilidades e como o fazer historiográfico pode favorecer a construção
de estratégias pedagógicas viáveis para ensinar História ao educando surdo. Não obstante, é
preciso explorar esse saber histórico e adaptá-lo não só ao contexto educacional, mas
essencialmente, à especificidade do surdo, que é a visualidade.
Conforme esta pesquisa evidenciou, para ensinar História de forma significativa ao
educando surdo é primordial que as suas especificidades sejam atendidas. A primeira,
refere-se ao ensino-aprendizagem ocorrer em Libras, que na escola inclusiva se efetiva através
do intérprete de Libras, cujo trabalho, como já destacado, não se limita a simples tradução em
Libras do que é ensinado pelo docente ouvinte em Português. A outra parte importante, é a
visualidade, que pode ser atendida através da análise semiótica de imagens históricas,
consoante ao que foi proposto neste estudo.
O material didático com conteúdo histórico adaptado, que se fundamenta na
metodologia didática diferenciada apresentada no capítulo 5, é o produto educacional desta
dissertação e é minha contribuição para auxiliar os professores de História no ensino de
alunos surdos. Não é um material que está fechado, pois o professor pode usá-lo em sua
versão completa ou pode adaptá-lo à sua realidade. Já a metodologia didática diferenciada é
aberta para ser usada no tratamento de outras imagens históricas, todavia, a sua
funcionalidade está intrinsecamente vinculada a contextualização dessas imagens ao contexto
em que foram produzidas.

155
Por fim, o ensino de História para surdos tem se apresentado como um campo novo e de
muitas possibilidades. A tendência é que novas pesquisas sobre a temática se multipliquem,
em especial, em decorrência da consolidação e ampliação do Mestrado Profissional em
Ensino de História (ProfHistória), cuja proposta é permitir que professores de História
reflitam sobre a prática pedagógica, e consequentemente, proponham metodologias ou
materiais didáticos que tenham intervenção direta na sala de aula. Diante disso, é mais que
essencial que o tema seja cada vez mais explorado pelos professores que vivenciam essa
realidade.
E é com a imensa certeza de que pude contribuir com a prática docente e com a
ampliação dos estudos dessa temática que encerro esta dissertação.

156
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172
ANEXO A - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

173
174
175
176
APÊNDICE A - ROTEIRO GERAL DE ENTREVISTAS

Introdução

● Apresentar-se ao entrevista;
● Apresentar a proposta;
● Explicar o processo da entrevista.

Perguntas da entrevista

1) Conhecer o entrevistado:
a) Fale sobre você (nome, idade, onde mora, onde trabalha etc.);
b) Fale sobre sua formação (por que escolheu ser professor? Por que História? Onde se
formou? Possui outra graduação ou pós-graduação?);

2) Experiência profissional:
a) Quanto tempo tem de magistério?
b) Onde trabalha ou trabalhou?
c) Há quanto tempo trabalha nesse município?
d) E nessa escola?
e) O que o motiva a trabalhar com o ensino de História?
f) Quais os principais desafios enfrentados em sala de aula?

3) Experiência com educandos surdos:


a) Você já teve algum educando surdo?
Em caso positivo:
a) Quantos alunos? Quais anos de escolaridade?
b) Como foi sua reação inicial? E hoje em dia?
c) Havia intérprete de Libras? Como era a relação com ele(a)?
d) Você achou necessário mudar/adaptar suas práticas pedagógicas para atender
ao surdo? Como fez isso?
e) Você achou necessário mudar/adaptar os tipos de avaliação para atender ao
surdo? Como fez isso?
f) Havia trocas entre você e o intérprete de Libras?

177
g) Ele recebia Atendimento Educacional Especializado (AEE)?
h) Como era a relação entre você e o AEE?
i) Você tem alguma qualificação específica (formação) para trabalhar com
surdos?
j) Conhece alguma teoria sobre o ensino para educandos surdos?

Em caso negativo:

a) Você tem alguma qualificação específica (formação) para trabalhar com


surdos?
b) Conhece alguma teoria sobre o ensino para educandos surdos?
c) É possível ensinar História para alunos surdos?
d) Há caminhos metodológicos no ensino de História que pode favorecer ao
ensino do surdo?
e) Quais os maiores desafios para ensinar História a um educando surdo?
f) Como o ensino do surdo pode melhorar as aulas de História em uma sala
inclusiva?

4) Para finalizar:
a) Você já teve acesso a alguma metodologia didática para o ensino de História a
educandos surdos? Ou já teve contato com algum material didático de História
que o auxiliasse no contato com alunos surdos?
b) Como uma metodologia didática ou material didático para o ensino de História
pensada para salas inclusivas com surdos, poderia auxiliá-lo no
desenvolvimento de suas aulas com esses educandos?

178
APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, _________________________________________________________________ (nome),


___________________________ (nacionalidade), ______________________ (estado civil),
________________________________________ (profissão), documento de identidade n.º
_____________________, emitido por _____________________________, residente e
domiciliado(a) em ___________________________________________________________
___________________________________________________________________________,
declaro, por meio deste termo, que concordei em ser entrevistado(a) na pesquisa referente ao
projeto intitulado Ensinando História para educandos surdos em uma escola inclusiva:
um ensino possível, desenvolvido por Paulo Roberto Martins da Silva, mestrando do
Programa de Pós-Graduação em Ensino de História do Instituto de História da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (PPGEH/IH/UFRJ), vinculado ao Mestrado Profissional em Ensino
de História (ProfHistória), a quem poderei contatar/consultar a qualquer momento que julgar
necessário, através do telefone (21) 98914-3616 ou, ainda, pelos e-mails:
paulomartinsjaft@gmail.com ou profpaulorms@gmail.com. Fui informado(a) de que a
pesquisa é orientada pelas professoras Dra. Cinthia Monteiro de Araujo, da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FE/PPGE/UFRJ) e do Programa de
Pós-Graduação em Ensino de História do Instituto de História da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (PPGEH/IH/UFRJ) e Dra. Celeste Azulay Kelman, da Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (FE/UFRJ). Também fui informado(a) de que este
estudo se justifica pela necessidade de buscar possibilidades metodológicas para promover a
inclusão e aprendizagem de alunos surdos nas aulas da disciplina História em classes
regulares do segundo segmento do Ensino Fundamental, com foco na metodologia didática
diferenciada desenvolvida. Além disso, busca-se avaliar a eficácia e as potencialidades dessa
metodologia didática diferenciada e do material didático com conteúdo histórico adaptado.
Tem como objetivo geral: analisar os estudos recentes sobre o saber histórico escolar e o
ensino para alunos surdos, refletindo como as contribuições teóricas da Pedagogia Visual e do
uso de imagens históricas em sala de aula podem favorecer a construção de uma metodologia
didática diferenciada, que tome por base a minha experiência e de outros professores de
História, e que favoreça o ensino de História para educandos surdos em escolas inclusivas. E
objetivos específicos: refletir sobre o que já foi proposto e debatido sobre o saber histórico

179
escolar e o uso de imagens históricas em sala de aula e a relação desses com o ensino de
História para educandos surdos, estabelecendo diálogo com a minha experiência; debater a
importância da legislação sobre o ensino para surdos e as contribuições teóricas da Pedagogia
Visual; contribuir para as reflexões acerca do ensino de História para alunos surdos incluídos
em classes regulares; propor uma metodologia didática diferenciada para uma aula de História
sobre a Primeira República, que tomará por base um material didático com conteúdo histórico
adaptado focado na análise de charges. Fui informado também que é requisito para a obtenção
do título no Mestrado Profissional a realização de um produto final do projeto relativo à
metodologia didática diferenciada. Fui esclarecido a respeito dos possíveis benefícios e riscos
desta pesquisa. Sendo mínimas as possibilidades de ocorrência destes últimos, uma vez que
serão respeitadas as normas éticas exigidas para a realização de pesquisas que envolvem seres
humanos. Logo, entende-se que a possibilidade de riscos aos participantes envolvidos na
pesquisa é mínima. Neste sentido, afirmo que aceitei participar por minha própria vontade,
sem receber qualquer incentivo financeiro ou ter qualquer ônus e com a finalidade exclusiva
de colaborar para o sucesso da pesquisa. Minha colaboração se fará de forma anônima, por
meio de entrevista(s), que seguirão um roteiro elaborado pelo pesquisador, a ser gravada(s) a
partir da assinatura desta autorização. Fui informado(a) de que posso recusar responder
quaisquer perguntas que, por diferentes motivos, não queira responder. Também poderei me
retirar dessa pesquisa a qualquer momento, sem sofrer sanções ou constrangimentos. Fui
comunicado de que os dados coletados serão acessados e analisados apenas pelo pesquisador
e/ou seus orientadores e de que terei livre e total acesso aos resultados da pesquisa,
configurados na dissertação dela resultante. Ainda fui esclarecido(a) de que os usos das
informações por mim oferecidas estão submetidos às normas estabelecidas pela Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do
Ministério da Saúde, que disponibiliza uma cartilha com informações aos participantes de
pesquisa pelo endereço www.saude.gov.br/plataformabrasil. Em caso de necessitar de
informações adicionais ou se identificar alguma violação ao presente termo, também poderei
contatar o Conselho de Ética em Pesquisa do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (CEP-CFCH/UFRJ), órgão responsável pela
avaliação dos padrões éticos dos projetos de pesquisa daquela universidade, resguardando os
pesquisados de eventuais riscos. O atendimento do CEP-CFCH é realizado de segunda à
sexta-feira, das 10h às 16h, na Avenida Pasteur, n.º 250, Prédio da Decania do CFCH, 3º

180
andar, sala 30, Rio de Janeiro, RJ, ou pelo telefone (21) 3938-5167 ou pelo e-mail
cep-cfch@gmail.com. Atesto recebimento de uma cópia assinada deste Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, conforme recomendações da CONEP.

_________________________________ (local), ____ de _________________ de _____

Assinatura do(a) participante: ____________________________________________

Assinatura do pesquisador: ______________________________________________

Assinatura do(a) testemunha(a): __________________________________________

181
APÊNDICE C - MATERIAL DIDÁTICO COM CONTEÚDO HISTÓRICO
ADAPTADO: análise das charges históricas

182
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202
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205
206
207
208
APÊNDICE D - MATERIAL DIDÁTICO COM CONTEÚDO HISTÓRICO
ADAPTADO: análise das charges históricas (RESPOSTAS)

209
210
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212
213
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232
233
234
235
236
APÊNDICE E - MATERIAL DIDÁTICO COM CONTEÚDO HISTÓRICO
ADAPTADO: mapas mentais - Primeira República

237
238
239
240
241
242
APÊNDICE F - MATERIAL DIDÁTICO COM CONTEÚDO HISTÓRICO
ADAPTADO: contextualização da Primeira República

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244
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