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Tubarão
2020
ELAINE MARIA DA SILVA DOS SANTOS
Tubarão
2020
Dedico aos presentes e futuros
professores, que nunca haverão de perder
o brilho no olhar...
AGRADECIMENTOS
This present research focuses on the pedagogical documentation process in the initial
formation of teachers in Early Childhood Education. It presents as a guiding question:
what are the students' narratives about the process of pedagogical documentation in
the supervised oriented internship in Early Childhood Education I of the Pedagogy
Course? The process of documenting the daily life of a group composed of 18 students
(2 students and 16 schoolgirls), who attended the Learning Unit Internship in Early
Childhood Education I of the Pedagogy Course of the Universidade do Sul de Santa
Catarina - 2019, in the municipality of Tubarão, south of the state of Santa Catarina.
The research path was built along the way, together, researcher and research object
and was characterized, in methodological terms, in a qualitative perspective, which has
the method as a deviation (BENJAMIN, 1986; PANDINI-SIMIANO; BARBOSA; SILVA,
2018 ), taking the structure of the case studies as a way of articulating the empirical to
the theoretical. The research was carried out from February to July 2019 and had as
methodological instruments participant observation, written, photographic records,
pedagogical documentation and letters written by students at the end of the internship
course. In the analysis, there was a commitment to dialogue between different authors
and perspectives, such as, for example, Benjamin (1986, 1987a, 2002), Larrosa (1999,
2017, 2018), Rinaldi (2002), Malaguzzi (1999, 2016), Gandini ( 2002), Pandini-Simiano
(2010, 2015), Pandini-Simiano, Barbosa e Silva (2018), Ostetto (2012a, 2012b, 2017),
Tardif (2014), Pimenta (1997, 2011), Gatti (2002, 2010) , among others. Understanding
the pedagogical documentation as a peculiar narrative woven in the meeting between
adults and children, when following the process of documenting with students who
work in a mandatory internship with very young children in the public network, it was
possible to meet challenges that involve the process of documenting, such as the
difficulty in looking and listening to children and the diversity of their childhoods; the
lack of time and the difficulty in choosing and building a posture of authorship in the
woven narratives. Even in the face of challenges, it is possible to find in the
documentation an image of a competent and inventive child, who needs time and a
powerful space to live his childhood to the full. The possibility of documenting
throughout the internship makes it possible to weave an initial training path based on
experience, in the encounter between adults and children in educational contexts. An
invitation to students to recognize authors and narrators of their own history.
1 A terminologia “creche” utilizada no texto não se refere a corte etário e sim à nomenclatura utilizada
na época no município de Palhoça.
2 Celestin Baptistin Freinet nasceu em 15 de outubro de 1896, nos Alpes marítimos, França. Em uma
aldeia em Bar-sur-Luop com pouco mais de 1.500 habitantes. Em 1920 é nomeado professor e
constrói os próprios princípios de uma ação prática, aproximando escola e aldeia, respeitando
profundamente a criança. Participou da fundação dos ideais da Escola Nova, mas tentou dar um
significado mais profundo à palavra “atividade” que o proposto pela Educação Nova. Fascinava-o a
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ideia do trabalho coletivo, cooperativo. A livre expressão, sobre a qual construiu toda sua obra, foi
por ele investigada desde o seu nascedouro na vida infantil. Freinet buscou técnicas pedagógicas
que pudessem envolver todas as crianças no processo de aprendizagem, respeitando seus direitos
de crescer em liberdade, independentemente das diferenças de caráter, inteligência ou meio social.
(ELIAS,1997).
3 Enquanto o CEI Voo Livre trabalhou na perspectiva da teoria Freinet, as crianças escolhiam o nome
dos grupos e geralmente seguiam com eles até terminarem o período da Educação Infantil. Essas
imagens pertencem à autora que olha para seu acervo. Importante ressaltar que, na época, não
havia a perspectiva de que esses registros fotográficos fossem utilizados em uma pesquisa.
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4 A Proposta Curricular de Santa Catarina de 1998 refere-se à Educação Infantil como aquela
oferecida em creches e pré-escolas – crianças de 0 a 6 anos. (SANTA CATARINA, 1998).
5 O processo de municipalização, do ponto de vista legal, começa a partir da Constituição de 1988 e
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96, mas somente é efetivado em
2010, com a Lei Complementar nº 487/2010, que regulamenta: no “Art. 1º o Poder Executivo
autorizado a promover a municipalização da Educação Infantil da rede pública do Estado, por
intermédio da transferência da responsabilidade administrativa, financeira e operacional para os
municípios onde estas unidades estejam em funcionamento, mediante autorização do Poder
Legislativo Municipal. Art. 2º A municipalização da Educação Infantil se constituirá por meio de
convênio firmado entre o Estado e o município e será considerada efetivada no ano letivo de 2009
ou posterior, se for o caso.” (SANTA CATARINA, 2010). No CEI Voo Livre, nos dias que seguem,
ainda há questões não regulamentadas e finalizadas.
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que o passado comporta elementos inacabados; e, além disso, que tais elementos
aguardam uma vida posterior, e que somos nós os encarregados de fazê-los reviver.
Como fazer para narrar? Busquei na caixa de fotografias, materialidades,
subjetividades, histórias que podem ser contadas ou recontadas, escritas ou
reescritas. Como mostra a figura 6.
6 Nos anos da minha formação inicial, entre 1998 e 2010, quanto à legislação da educação e dos
cursos de Magistério e Pedagogia, muito embora tivessem ocorrido avanços, a realidade ainda
estava permeada por limitações e fragilidades. Essa trajetória foi marcada por importantes
mudanças, como: a concepção da educação como direito, em 1988, na Constituição Federal; a
aprovação da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, que regulamentou o Conselho Nacional de
Educação (CNE) e instituiu avaliações periódicas nas instituições e nos cursos superiores; amplo
processo de disputas que demarcaram a aprovação da LDB (Lei nº 9.394/1996); o Plano Nacional
de Educação (PNE) (Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001); a Resolução CNE/Câmara de
Educação Básica (CEB) nº 1/99 e o Parecer CNE/CEB nº 22/98, que regulamentaram as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEIs). A partir desses marcos, a Educação
Infantil começa a se estruturar. As instituições formadoras, paralelamente, se organizam para
atender às demandas da lei que amparam a formação de professores.
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maioria sendo composta por estudantes mulheres, houve a preocupação em abranger todos os
sujeitos da pesquisa.
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E objetivos específicos:
a) acompanhar a prática do processo de documentação pedagógica junto a
estudantes matriculados na disciplina de Estágio Supervisionado em
Educação Infantil I no Curso de Pedagogia que atuam em estágio obrigatório
com crianças bem pequenas na rede pública municipal de Tubarão;
b) conhecer as narrativas dos acadêmicos sobre os desafios que envolvem o
processo de documentar;
c) identificar as imagens de criança e infância dos acadêmicos por meio da
documentação pedagógica produzida no estágio;
d) estabelecer relações sobre o processo de documentação pedagógica no
percurso de formação inicial a partir das narrativas dos acadêmicos.
Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa, que toma a estrutura de
um estudo de caso como forma de articular o empírico ao teórico. A pesquisa abrigou
a pesquisadora, que acompanhou e participou da construção, produção e elaboração
das documentações pedagógicas, entrelaçando com os sujeitos, sentimentos,
narrativas e histórias vividas. O lócus da pesquisa é a disciplina de Estágio
Supervisionado11 em Educação Infantil I no Curso de Pedagogia da UNISUL – 2019/1,
que realiza o estágio obrigatório no campo da rede pública municipal de Tubarão,
Santa Catarina. Os sujeitos da pesquisa são uma turma de 18 estudantes (16
mulheres alunas e 2 homens alunos), de faixa etária entre 19 e 39.
O percurso metodológico foi tecido ao longo de 14 encontros na sala de aula
da UNISUL e 8 encontros nos campos de estágio durante o período de 6 meses.12 Os
estudantes experienciaram o processo de documentar ao longo da disciplina. Os
instrumentos utilizados foram: observação participante, formação, registros gráficos e
audiovisuais, as documentações pedagógicas produzidas e as cartas escritas pelos
estudantes no final do percurso do estágio.
Escolher um percurso de pesquisa que tem como via a documentação
pedagógica é um caminho que não é reto, nem direto. Nesse sentido,
compreendemos, com Benjamin (1986), que método é desvio, uma outra
racionalidade do fazer investigativo. “Um método, por certo perigoso, pois nunca se
pode ter certeza de onde ele pode nos levar, mas pela mesma razão precioso, pois
só a renúncia da segurança do previsível permite ao pensamento atingir a liberdade”
(GAGNEBIN, 2011, p. 88). É o desvio que permite tecer os fios da pesquisa com/no
vivido.
Como estrutura deste trabalho apresento, no capítulo dois, “O abrir de
diferentes caixas... Concepções, conceitos e histórias...”, uma revisão teórica
destacando aspectos relacionados à concepção de criança, infância, Educação
Infantil, formação inicial de professores e documentação pedagógica.
No terceiro capítulo, intitulado “Metodologia da pesquisa... Por onde e como
caminhamos”, apresento o processo de investigação, as trajetórias e as implicações
metodológicas da presente pesquisa.
O quarto capítulo, cujo título é “As análises do processo de documentação
pedagógica no percurso do estágio: narrativas, histórias e olhares”, aborda as
categorias de análise, para, possivelmente, construir outros olhares, percursos e
sentidos. Por fim, o último capítulo apresenta as considerações finais: “O silêncio se
finda nas derradeiras reflexões... As caixas permanecem abertas”, as referências,
os apêndices e os anexos.
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Caixas. Memórias. Histórias. Vida. O presente capítulo busca abrir caixas que
se encaixam e que nos ajudem a olhar para os conceitos teóricos que sustentam a
presente pesquisa.
Iniciaremos abrindo a caixa intitulada “Crianças e suas infâncias”. Ela contém
fragmentos de textos de Kuhlmann Jr. e Fernandes (2004), Kuhlmann Jr. (1998),
Sarmento e Gouvea (2008), Tardif (2014), Benjamin (1986, 1987a, 1987b, 1987c,
2002), Larrosa (1999, 2017, 2018), Rinaldi (2002), entre outros. Autores de diferentes
campos da História, Sociologia, Filosofia, Antropologia e Pedagogia que possibilitam
o entrelaçamento de diferentes olhares sobre a importância e o surgimento do
conceito de infância.
Em seguida, abriremos a caixa “Educação Infantil: diferentes tempos históricos
e formação docente” e, a partir de Kuhlmann Jr. (1998), Batista (2013), Schmidt,
Schardong e Schafascheck (2012) e De Pieri (2014), buscamos organizar um conjunto
de referenciais teóricos que permitam conhecer um pouco da história da Educação
Infantil.
Na sequência, apresentamos a caixa da “Formação inicial de professores no
curso de Pedagogia”, que visa a abordar essa temática a partir de Ostetto (2012a,
2012b, 2017), Rajobac (2016), Pimenta (1997, 1998, 2011), Gatti (2002, 2006, 2010),
Cerisara et al. (2002) e Kramer (2002).
Por fim, a última caixa trata sobre o conceito de documentação pedagógica:
“Uma caixa preciosa... A documentação pedagógica”. Alvo de diversas interpretações,
buscaremos olhá-lo a partir de Malaguzzi (1999, 2016), Rinaldi (2002), Gandini (2002)
e Pandini-Simiano (2010, 2015, 2018).
Conhecer o interior dessas caixas é fundamental para, quiçá, organizar uma
nova caixa com referencial teórico capaz de contribuir com os estudos sobre este tema
na área.
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13 Cabe ressaltar que tais questões não serão aprofundadas ao longo deste texto. Para
aprofundamento, sugiro os estudos de Batista (2013) e Schmidt, Schardong e Schafascheck
(2012).
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Larrosa (2017) nos convida a não pensar a infância como objeto, mas como o
outro. Não como aquilo que olhamos, mas como aquilo que nos olha e nos interpela.
“A alteridade da infância é sua absoluta heterogeneidade em relação a nós e ao nosso
mundo, sua absoluta diferença” (LARROSA, 2017, p. 232).
Sob este olhar da alteridade é preciso conhecer as diferenças, compreender e
aprender com as diferenças, escutando a criança e suas infâncias. Larrosa (2017) diz
que a infância
nunca é o que sabemos, mas, por outro lado, é portadora de uma verdade à
qual devemos nos colocar à disposição de escutar; nunca é aquilo aprendido
pelo nosso poder, mas ao mesmo tempo requer nossa iniciativa; nunca está
no lugar que a ela reservamos, mas devemos abrir um lugar para recebê-la.
Isso é a experiência da criança como um outro: o encontro de uma verdade
que não aceita a medida do nosso saber, com uma demanda de iniciativa que
não aceita a medida do nosso poder, e com uma exigência de hospitalidade
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Walter Benjamin, em muitos dos seus escritos, como “Rua de mão única:
infância berlinense” (2017), “Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação”
(2002), descreve infâncias vividas, cita personagens e alegorias, os detalhes e suas
possibilidades. No relato de sua infância, fala da “criança desordeira”. Benjamin (2017)
descreve a criança não de maneira inocente, mas a entende inserida em uma classe
social, produzida e produtora de cultura:
presente é necessário fazê-las presente, dar visibilidade, fazer justiça à nossa história,
ao nosso passado.
A educação tem uma longa história, se forem consideradas as primeiras
escolas criadas durante o período colonial, entre elas as escolas dos padres da
Companhia de Jesus ou escolas jesuítas (SCHMIDT; SCHARDONG;
SCHAFASCHECK, 2012).
As escolas públicas, fundadas e mantidas pelo Estado, datam do início do
século XIX. A partir da independência política do país, houve a necessidade de se
criar uma opinião homogênea em prol dos interesses do Estado brasileiro. As ideias
propagadas na época indicavam que da instrução dependiam os progressos
civilizadores, materiais e políticos de uma nação (SCHMIDT; SCHARDONG;
SCHAFASCHECK, 2012, p. 135).
Assinala-se que a educação surge como meio civilizador que privilegia uma
minoria considerada favorecida e superior, excluindo claramente uma maioria formada
por negros e brancos pobres, cuja educação para estes era limitada e pautada no
discurso liberal de igualdade.
Na metade do século XX, a educação trazia propostas “modernas” nacionais e
internacionais de retirada das crianças do “anonimato para ser foco sobre o qual se
concentram as mais diversas atenções” (CAMPOS, 2008, p. 175).
Quando a criança deixa o anonimato, a docência emerge necessariamente
para possibilitar a ascensão e a reverência aos cuidados e educação das crianças de
0 a 6 anos, e é marcada social e politicamente com um período de expansão e
transformações econômicas advindas do processo de industrialização e urbanização
(BATISTA, 2013).
As instituições de Educação Infantil tiveram dois ângulos distintos de formação:
de um lado, os jardins de infância e, de outro, as creches, classificados de acordo com
a classe social das crianças e a necessidade da burguesia. Ambas carregavam sua
concepção de educação e o objetivo no qual a estrutura social se delineava de forma
intencional (DE PIERI, 2014).
A LBA desempenhou papel marcante junto às esferas locais, influenciando o
panorama da Educação Infantil a partir de uma concepção preventiva e de educação
da criança pequena. Em outras palavras, uma política que incentivava a instalação de
creches em espaços físicos simples, com infraestrutura precária e a contratação de
profissionais sem qualificação (CONCEIÇÃO, 2013).
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14 No texto das DCNEIs o termo “documentação pedagógica” não é citado ou evidenciado. A palavra
“documentação” aparece apenas uma vez na página 11, quando o texto traz como título “O
processo de avaliação”, que associa a palavra documentação com observações e dados das
crianças, estes devem acompanhá-las ao longo da trajetória na Educação Infantil e ser entregues
por ocasião da matrícula no Ensino Fundamental para garantir a continuidade dos processos
educativos vividos pela criança (BRASIL, 2009a).
15 Subsídios para credenciamento e funcionamento de instituições de educação infantil. 1998
escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em
cursos reconhecidos, são:
estágio pode ser eixo da formação de docentes na medida em que se coloque a partir
da análise, da crítica e da proposição de novas maneiras de fazer educação. (GATTI,
2014, p. 41).
De acordo com Pimenta (2002), as pesquisas afirmam tendências
investigativas sobre formação de professoras, valorizam o professor reflexivo, um
profissional em processo contínuo de formação que tem a possibilidade de expor
ideias, mudar práticas, comportamentos sociais, econômicos e políticos que
permeiam a educação.
Um dos papéis da docência é ensinar como contribuição ao processo de
humanização dos indivíduos historicamente situados, assim, espera-se que os cursos
de Pedagogia desenvolvam nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e
valores que lhes possibilitem, permanentemente, construir seus saberes-fazeres a
partir de práticas sociais, em um processo contínuo de construção de suas identidades
como professores (PIMENTA, 1999, p. 18).
Os estudantes de Pedagogia trazem consigo saberes, marcas, histórias e
experiências que, agregadas aos conhecimentos acadêmicos, constroem a identidade
profissional do futuro professor. A profissão de professor com caráter social deve ser
revista constantemente e reafirmada nas práticas, são as tarefas da formação que
desafiam as teorias.
O professor carrega marcas de sua própria atividade, e uma boa parte de sua
existência é caracterizada por sua atuação profissional. Com o passar do tempo, aos
seus próprios olhos e aos olhos dos outros vai se tornando um professor com sua
cultura, seu ethos, suas ideias, suas funções, seus interesses. (TARDIF, 2000).
Quando os alunos chegam ao curso de formação inicial, já têm saberes sobre
o que é ser professor. O desafio posto aos cursos de formação inicial é o de colaborar
no processo de passagem dos alunos de seu ver o professor como aluno e o seu ver-
se como professor. Construir sua identidade de professor a partir dos saberes da
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A formação é uma viagem aberta, uma viagem que não pode ser antecipada,
e uma viagem interior, uma viagem na qual alguém se deixa influenciar a si
próprio, se deixa seduzir e solicitar por quem vai ao seu encontro, e na qual
a questão é esse próprio alguém. Por isso, a experiência formativa é uma
chamada que não é transitiva... não suporta o imperativo, não pode nunca
intimidar, não pode pretender dominar aquele que aprende, capturá-lo,
apoderar-se dele. O que essa relação interior produz não pode nunca ser
previsto. (LARROSA, 2017, p. 67).
16 Este quadro foi desenhado e colorido por uma criança de 5 anos de idade (minha filha) no ano de
2002 no CEI Voo Livre. Foi escolhido pelas crianças e professoras, entre tantos outros, para ser
emoldurado e exposto no hall de entrada do CEI. Em 2018 foi retirado, descartado e trocado por
outro de um autor desconhecido. Felizmente a tela histórica foi resgatada por antigas professoras e
devolvida a quem pertence por direito.
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17 Loris Malaguzzi foi o primeiro a utilizar o termo documentação pedagógica. No Brasil, o registro de
práticas educativas começa a ter destaque e ser abordado por Freire (1993, 1996), Ostetto (2008) e
Oliveira-Formosinho e Azevedo (2002), apresentando pontos divergentes e convergentes entre si.
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A escuta precisa ser sensível aos padrões que nos conectam com os outros,
precisa ser aberta para perceber a necessidade de ouvir e ser ouvido, fazendo uso de
todos os sentidos para escutar. Escutar demanda tempo. Quando verdadeiramente
escutamos, entramos no tempo do diálogo e da reflexão interna, um tempo interior
que é composto do presente, mas também do passado e do futuro. O ato de escutar
produz perguntas, emoções, estabelece relações. Escutar não é fácil. Exige uma
profunda consciência e suspensão de julgamentos e preconceitos. Exige abertura à
mudança, ao novo ao desconhecido, a possíveis desconstruções de certezas
(RINALDI, 2012).
Escutar é ser flexível às dúvidas e incertezas, é olhar o outro plenamente,
considerando todas as linguagens todos os sentidos. A capacidade de escutar é uma
qualidade das crianças pequenas, que são as maiores ouvintes do mundo ao seu
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redor. Elas escutam a vida em todas as suas formas e cores. Escutam os outros e
rapidamente percebem como escutar é essencial para a comunicação. (EDWARDS;
GANDINI; FORMAN, 2016).
Com a observação e escuta atenta às crianças, é possível enxergá-las e
conhecê-las. Ao fazê-lo, tornamo-nos capazes de respeitá-las pelo que elas são e
pelo que elas querem dizer. Entretanto, a fim de poder examinar e refletir, é necessário
fazer registros significativos das observações e ações (GANDINI, 2002).
O registro permite recortar preciosidades. “À medida que tomamos o cotidiano
educativo como histórias a serem contadas e partilhadas, compreende-se a
necessidade do registro.” (PANDINI-SIMIANO, 2015, p. 60).
Documentar não significa apenas coletar registros. A documentação é processo
cooperativo que contempla não apenas o levantamento e o recolhimento de dados,
mas, sobretudo, a análise coletiva do observado. Pressupõe a interpretação junto
com outros educadores e crianças (GANDINI; GOLDHABER, 2002 apud OSTETTO,
2012b, p. 30). Após encher a caixa com histórias, memórias e possíveis
experiências... é importante revisitá-las:
Habitantes que deixam marcas e são marcados pelo espaço, pelo tempo e no
registro da história provocam indagações, retrospectivas, diferentes interpretações.
Gagnebin (2014), referindo Walter Benjamin, diz que o atual não confirma as certezas
do hoje. Pelo contrário, o atual, por uma intensiva e repentina ressurgência, abala tais
certezas. O “atual”, nesse sentido enfático, entra em choque, em confronto positivo
com a imagem tácita do presente e da história, instaurando a possibilidade de um
outro porvir (GAGNEBIN, 2014, p. 206).
Dessa forma, diferentes tempos históricos são fatores a se considerar na
constituição da documentação pedagógica. Tanto passado, presente ou futuro podem
enriquecer e constituir uma documentação pois contém experiências e narrativas que
fizeram e fazem parte da história. Como se dá a materialidade dessas narrativas?
Edwards, Gandini e Forman (2002, p. 155-156) elucidam:
[...] o que resulta para o bárbaro dessa pobreza de experiência? Ela o impele
a partir para a frente, a começar de novo, a contentar-se com pouco, a
construir com pouco, sem olhar nem para a direita nem para a esquerda. [...]
Ficamos pobres. Abandonamos uma depois da outra todas as peças do
patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um centésimo
do seu valor para recebermos em troca a moeda miúda do ‘atual’
(BENJAMIN, 1987c, p. 116).
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fundamental que tanto os professores como as crianças tenham espaço e tempo para
poder se exporem a algo que “passe” a eles e que os afete.
A documentação pedagógica, ao anunciar as vozes dos professores e das
crianças, oferece visibilidade e possibilita espaço e tempo no cotidiano da creche para
que a experiência aconteça.
Pandini-Simiano (2015), em diálogo com a pedagogia italiana e Walter
Benjamin, propõe a documentação pedagógica como uma peculiar narrativa
tecida no encontro entre adultos e crianças. Nas palavras da autora:
Percorrer...
18 Esta pesquisa foi realizada por uma equipe de três pesquisadoras: Elaine Maria da Silva dos
Santos (autora desta dissertação), coordenada pela professora Dra. Luciane Pandini Simiano.
Também Jessica Beluco Vitoreti (bolsista Iniciação Científica).
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‘[...] Guardaremos na caixa o que tem sentido, aquilo que faz marca.’ O
processo de documentação pedagógica, muitas vezes, é confundido por
algumas pessoas como registros, não é registro. Documentação pedagógica
é um processo em que o registro faz parte. Este processo inicia com a
observação como um olhar sensível, coleta de registros, e após os registros
coletados, são interpretados e se constrói uma narrativa, uma história. Os
bebês têm história e memória, mas como eles ainda não conseguem colocar
palavra, o que fica então? Por isso é fundamental documentar para auxiliar
esse sujeito a significar o mundo. Como o bebê significa o mundo? Pela via
da palavra, pela via da narrativa. Se não tem narrativa não tem história, não
tem sujeito. (Narrativa da Professora Luciane gravada em áudio pela
pesquisadora)
22 Cada aluno confeccionará uma caixa, de qualquer tamanho ou formato, e colocará dentro dela
objetos referentes à sua história no período entre zero a três anos. A partir das materialidades,
deverá fazer uma narrativa de infância, apresentando a criança que foram.
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23 O conceito das mini-histórias surgiu nos anos 80, em Reggio Emília, quando Malaguzzi convida as
professoras a narrar sobre os percursos de aprendizagem das crianças através de breves relatos
visuais e textuais. Era preciso se fazer valer de recursos evocativos para além da palavra, que
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Como uma mãe que aperta ao peito o recém-nascido sem o acordar, assim
a vida trata durante muito tempo a recordação ainda tênue da infância. Nada
alimentou mais a minha do que o olhar sobre os pátios entre cujas varandas
escuras havia uma, ensombrada por toldos no verão, que foi para mim o
berço onde a cidade deitou o seu novo habitante. As cariátides que
suportavam a varanda do andar de cima, poderiam talvez ter deixado por um
momento o seu lugar para cantarem junto desse berço uma canção que, se
na verdade não dizia quase nada do que mais tarde me esperaria, por outro
lado continha a fórmula mágica que levaria a que o ar desses pátios
permanecesse sempre um encantamento para mim. (BENJAMIN, 2017, p.
70).
[...] Eu tinha uma foto em que eu estou com um biquíni de florzinha que é o
meu xodó, que eu guardo até hoje... olha o estado dele, gente! Daí eu trouxe
uma foto... porque eu nasci um bebê bem grande, bem cabeludo, gordinha...
e uma outra foto... porque eu não podia ver uma moto... tenho uma cicatriz
no meu joelho até hoje queimada porque eu via a moto, saía correndo e subi
na moto e queimou. (Narrativa de Rosa)
mostrassem por meio de sequência de imagens, narrativas visuais suficientemente abertas para a
complexidade que há nos modos que os meninos e as meninas constroem o conhecimento sobre si
e sobre o mundo.
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[...] Essa é uma das lembranças que marcam a vida da Flor... Ela era uma
bebê alegre, espontânea e carismática. Sua madrinha está sempre presente
em sua vida... fez o vestido que Flor usaria em sua festa de aniversário... este
dia foi muito importante, pois a bebê Flor estava completando seu primeiro
ano de vida... Faz dezenove anos que ele está guardado com muito amor e
carinho. (Narrativa de Flor)
Nós também fomos bem acolhidas... nós fomos à tarde e fomos atendidas
pela diretora, nos atendeu bem, só que ela não teve tempo de explicar muita
coisa para nós. A gente chegou, ela já viu a sala. A gente não conseguiu ver
o PPP. Vamos procurar ir mais uma vez no dia 23. Acho que as nossas
observações já ficaram boas pra gente fazer o planejamento. Fomos bem
acolhidas pela professora. Na manhã é uma professora e à tarde é outra. Na
observação procuramos não focar no trabalho da professora e sim nas
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crianças. Mas é uma coisa que está intrínseca, não tem como a gente
observar as crianças sem observar o que acontece na sala. Por exemplo, o
controle de corpos. Ao longo das conversas uma coisa que me chocou foi que
ela faz planejamento de dois em dois meses junto com outros CEIs. Gente,
eu fiquei triste ao ver as crianças, uma agarrada atrás da blusa da outra para
fazer fila... elas têm que pegar... têm umas que detestam... tem uma
menininha que arruma as cadeirinhas e se esconde embaixo da cadeira,
porque ela não gosta de ir para a fila. As crianças são maravilhosas, a gente
senta e brinca com elas, e elas adoram... porque elas não têm essa interação.
(Narrativa de Jô e Bianca)
A primeira ida a campo é sempre muito impactante, latente. Nati, João e Luci
se encantaram com os bebês que, por consequência, se encantaram com a figura
masculina que o João representa:
A gente foi ao São Judas, pegamos a creche II, assim, quando a gente
chegou lá, a gente levou um susto. Achamos a fachada da creche muito
estranha pelo espaço... a creche é uma casa, a sala é um cubículo, meu
quarto é maior que ela. A professora não estava e ficamos com a estagiária
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Isa e Flor ficaram no mesmo GT que Carla e Ane, só que em períodos opostos.
Com suas observações, viram outro espaço, tiveram outras impressões:
Nós também, é a mesma turminha, só que eles têm os materiais... têm uma
salinha que ficam guardados nesse espaço. Tem um espaço para trocar
fraldas, mas não é usado. As crianças assistiram sempre ao mesmo DVD.
Eles querem sair, tem uma porta de vidro, uma cortina... e eles ficam batendo.
A professora diz: ‘Sai daí!’ Eles ficam perdidos. [sic] (Narrativa de Flor)
Uma cortina presente no espaço da sala se torna uma forte aliada nas
brincadeiras de Arthur (1 ano e 5 meses). Ele então raciocina sobre qual
proposição dará à cortina. Enquanto Lucas (1 ano e 11 meses) e Lorenzo (1
ano e 5 meses) também entram na brincadeira, e não se cansam de explorar
a cortina e a porta de vidro que dá acesso à rua. Escondidos atrás da cortina,
é possível identificar sons de risadas, mas para eles a cortina os tele
transporta para um local imaginário, para além das paredes da sala. (Registro
feito por Flor e Isa)
Nos encontros dos dias 30/04 e 07/05, os alunos tiveram orientações quanto à
escrita e elaboração dos projetos e planejamentos. Questionamentos foram se
estruturando nos encontros e diálogos, e encontraram possíveis respostas com a
elaboração das propostas de trabalho.
O quadro 3 apresenta o grupo e a faixa etária das crianças assim como o tema
da mini-história.
24 Berçário, crianças de 3 meses a 1 ano. Creche II, crianças de 1 a 2 anos. Creche III, crianças entre
2 e 3 anos. Creche IV, crianças de 3 a 4 anos.
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(conclusão)
Grupo/faixa etária das crianças Tema da mini-história
Dani e Elena – Creche IV Bate, ajeita, martela, martela... sem parar: a
criatividade no uso de “ferramentas” e diferentes
materialidades
Adriana, Estela, Rosa – Creche II Criança, natureza em arte: rastros e traços
Luci, Natália, João – Berçário O incrível mundo dos bebês e suas interações
Flor e Isa – Creche II O que tem por de trás da cortina? Uma brincadeira
que vai além do esconde-esconde
Ane e Carla - Creche II Corpo e música: descobrindo habilidades e
possibilidades
Vera e Clau - Creche III Toca, pega, explora: as linguagens e as
experiências das crianças com a natureza
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2019.
Figura 16 – Docências
Figura 17 – Docências
Os encontros dos dias 04, 11, 18 e 25 de junho foram destinados aos encontros
em pequenos grupos, para dar continuidade ao processo de interpretação e
elaboração da documentação pedagógica. Em consenso, o grupo decidiu elaborar
uma “revista pedagógica” para socializar a documentação. À cada dupla ou trio,
disponibilizamos um espaço com duas laudas que integrarão a revista.
A documentação pedagógica apresenta os acontecimentos, histórias,
fotografias e as narrativas de experiências vividas na prática docente. A esse respeito,
Vecchi (2016, p. 125) afirma:
Acho que é uma coisa que a gente não esperava... a gente não tá
acostumado. A gente passou bastante trabalho no estágio... e vê que tudo
não foi em vão, que não foi só pra ganhar uma nota. A gente fica mais
contente. Tem mais incentivo para continuar. [sic] (Narrativa Carla)
Alguém também teve um olhar sensível ... assim como a gente teve o cuidado
de ter com as crianças. Aqui é como se a gente fosse as crianças, alguém
tem que cuidar de nós! (Narrativa de Flor)
Tudo o que a gente fez foi valorizado. Foi resgatado memórias que
particularmente eu nem lembrava mais. É tanta correria durante o semestre...
então, tem momentos que com certeza vão ficar na memória. [sic] (Narrativa
de Estela)
Figura 21 - Confraternização
Figura 22 – Correspondências
De tudo ficaram três coisas...
A certeza de que estamos começando...
A certeza de que é preciso continuar...
A certeza de que podemos ser interrompidos
antes de terminar...
Façamos da interrupção um caminho novo...
Da queda, um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro!
narração aberta que permite não encerrar a imagem do passado numa única
‘constatação’, mas modificá-la. Assim, permite também a apreensão do
passado pelo presente. Com efeito, se o passado é findo, acontecido
(vergangen), e é, nesse sentido, imutável, ele continua, porém a ter sido
(gewesen), a passar, a perdurar no presente. Esse estatuto ‘enigmático’ do
passado presente dão ao passado uma outra interpretação e o transmitem
(uberliefern).
mortos e seus cidadãos cada vez mais mudos e com menor poder de fala, de
expressão. A memória provocada desencadeia perguntas que levam à busca de
respostas. Nessa procura, os alunos se encontraram, se perderam, se
compreenderam enquanto sujeitos constituídos em um processo histórico social.
Nesse processo, dúvidas, medos, anseios, descobertas e narrativas possíveis foram
tecidos para esse tempo....
No primeiro dia em que fomos observar, pensei: ‘Senhor, o que estou fazendo
aqui!!’ Fiquei muito angustiada. Após o terceiro dia de observação, o meu
olhar começou a mudar sobre esses pequenos. Sim, confesso foi tudo novo,
trabalhava apenas com crianças maiores. Cada dia foi um desafio, até uma
simples troca de fralda. (Trecho da carta de Vera)
Ouvir o que não é dito com palavras, mas com olhares, gestos, movimentos.
Foi preciso sensibilizar o olhar e a escuta para ir ao encontro das crianças no cotidiano
da Educação Infantil. “Deixar falar aquele que não tem voz e ouvir aquele que não fala
é um desafio instigante” (PANDINI-SIMIANO, 2015, p. 76). Percebe-se a importância
em ter o olhar voltado às crianças, tentando interpretar o que estão dizendo, “seus
olhares demonstram a intenção de se comunicar, sua curiosidade e seu desejo”
(RINALDI, 2002, p. 77).
Esse é um exercício importantíssimo nas observações e registros, porque os
bebês estão em constante movimento, sejam sozinhos, com a professora ou em
grupos. Dessa forma, na hora de observá-los, é necessário escolher algumas cenas,
descrevê-las e ir além da descrição, observando-os e interpretando suas diversas
linguagens. (RINALDI, 2002).
E a falta de tempo foi um dos desafios encontrados pelos alunos/estagiários.
Tempo que, dividido entre o trabalho, a família, as aulas, estudos, estágios e
principalmente o dedicado à documentação pedagógica, deixou marcas e fragmentos
de cansaço e superação, mostradas nos registros: “Eu consegui ultrapassar os
desafios, os que surgiram durante o processo, as coisas que deram errado, as ideias
que o tempo não permitiu que se realizassem.” (Trecho da carta de Jô)
Conforme vimos, todos os estudantes da pesquisa são trabalhadores e
enfrentam uma rotina diária, com carga horária desafiante, que contribui com a falta
de tempo. São alunos de uma tripla jornada e sua formação inicial é o terceiro tempo
dessa rotina adversária. Noite adentro, seguem o longo caminho de volta às suas
casas distantes. Entretanto, eles e elas precisam trabalhar o dia todo para poder pagar
seus estudos na universidade no período noturno. Todo esse empenho diário
dificultou a participação e atenção dos estudantes que, muitas vezes, pareciam
distantes e cansados, entretanto, a turma inteira permanecia insistentemente até o fim
da aula:
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tanto na minha vida pessoal como profissional, sou grata por ter conhecido
vocês, deixaram marcas na minha vida. (Trecho da carta de Bianca)
Voltar ao passado e procurar a criança oculta, a criança eterna, que ainda está
em formação e que precisa constantemente de cuidados (OSTETTO, 2012b). Esse
foi o caminho escolhido para iniciar o estágio com os estudantes.
Que criança e infância os estudantes/estagiários foram/tiveram? É primordial
saber sobre si, falar de si e ressignificar a própria imagem de criança. Buscar resgatar
narrativas do bebê que foram para poder contar os bebês que irão encontrar no
cotidiano educativo. É necessário resgatar a consciência de si, da sua própria
historicidade. Como diz Gramsci (1978, p. 12):
Essa não foi inicialmente uma tarefa fácil para os estudantes. Encontramos
resistência para essa proposta. Era comum ouvir os alunos dizendo: “Como poderia
contar algo que não lembro?” Convidamos os estudantes a buscar encontrar
fragmentos de sua história. Materialidades e narradores que pudessem ajudá-los a
83
resgatar a história dos bebês que foram. No “memorial de bebê” exposto nas aulas,
Carla apresenta sua criança:
No ano de 1999 nascia... Carla, muitos presentes recebe com a sua chegada,
e um deles permanece até hoje... um urso de pelúcia, um personagem de
desenho, o ursinho Pooh, nomeado Tigrão, que ganhou de uma de suas tias
(eu trouxe ele, mas não coube na caixa)... Esses são apenas alguns dos
vários momentos... que são guardados em sua memória, deixando muita
saudade. Eu trouxe bastante fotos, tem o vestido do batizado que está bem
amarelo e a mãe também tinha o cordão umbilical, mas eu não trouxe. A
minha irmã era bem carequinha, custou a nascer cabelo, então minha mãe
conta que quando nasceu um fiozinho dela, ela colocou no pé de mamão,
para ver se ele crescia, e ela é bem cabeluda agora. [sic] (Narrativa de Carla)
Assim, Flor, em sua carta, narra o resgate de memórias, abre-se para novos
encontros e possibilidades:
84
Ao relatar um pouco dessa experiência, que para mim foi muito significativa,
nossos encontros foram todos de muito aprendizado, onde podemos contar
nossas histórias e também, mesmo que, por pouco tempo, fazer parte da
história de algumas crianças. Nós aprendemos uma prática pedagógica muito
valiosa, que eu como futura pedagoga quero levar para toda a minha carreira.
(Trecho da carta de Flor)
Aquilo que é realizado não com os ouvidos, mas por meio de todos os
sentidos; em um tempo que não é linear mas cheio de silêncios e pausas;
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Apesar de ser uma pessoa contida, tímida, acredito que apesar de poucas
palavras, os olhares, a troca se fez presente em todos os encontros. A
dinâmica dos encontros com diálogos, troca de experiências, diferentes
vivências acrescentaram positivamente o processo do estágio. (Trecho da
carta de Luci)
Depois de tanto carinho de vocês duas, não tem como não lembrar desse
estágio tão especial e com certeza das experiências. Com toda a certeza,
isso tudo me fez crescer tanto como ser humano e na minha formação.
Agradeço por tudo feito, pelas experiências compartilhadas, por enaltecer
nossos trabalhos e pelas orientações tão especiais e ter um olhar sensível a
cada um de nós. (Trecho da carta de Adriana)
que respeitar uma hora marcada (uma refeição, um encontro) ou quando damos o
trabalho por terminado”. Não há término quando falamos de narrativas e
documentação pedagógica, há novos olhares e novas interpretações... As caixas
seguem abertas...
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Após essas rememorações, não se houve mais ruídos e sim estrondos que
vibram e apresentam novamente a principal pergunta deste percurso: quais as
narrativas dos acadêmicos sobre o processo de documentação pedagógica no estágio
orientado supervisionado em Educação Infantil I do Curso de Pedagogia da UNISUL?
Os alunos/estagiários, no decorrer da pesquisa, revelaram segredos,
entregaram-se ao novo e no percurso deixaram ser encontrados e encontraram o
outro.
A pesquisa possibilitou acompanhar os estudantes/estagiários durante
todo o percurso da disciplina, assim, as marcas de um primeiro encontro foram se
intensificando. Como abrir as janelas e quebrar o incômodo silêncio? Cada dia era um
primeiro encontro que foi se fortalecendo com a ajuda do tempo, das narrativas e das
experiências vividas e compartilhadas.
Compartilhamentos que expuseram sentimentos presentes, muitas vezes
resguardados nas bordas das caixas, prontos para serem vistos e escutados. Os
pequenos gestos de empatia, paciência e respeito trouxeram a gratidão, admiração e
o desabrochar de olhares sensíveis à docência refletidos pela docência dirigida a eles.
Como exigir um olhar sensível de um professor, quando ele nunca sentiu esse olhar
em sua formação? Certamente, olhares afetivos se revelam na reciprocidade,
comprovada nas narrativas e na companhia dos sujeitos da pesquisa.
O movimento constante nos tira a imobilidade, desafia, não existem certezas.
Diante de tantas incertezas surgem as dificuldades e os medos. O que encontrar?
Para onde olhar? Como vencer a falta de tempo e encontrar tempo para
documentar? Olhar para as crianças e a diversidade de suas infâncias é um desafio.
Os alunos/estagiários tiveram a oportunidade de educar o olhar e de diferenciar o ato
de ver e simplesmente olhar. Aquele que vê é passivo. E que aquele que olha é ativo,
tenso, inquiridor e imaginativo. O ato de olhar foi proposto aos estudantes ao longo do
processo de documentar no estágio.
Diariamente enfrentaram as eternas dificuldades confrontadas na docência em
encontrar tempo, em escolher caminhos demarcados ou simplesmente se aventurar
nos desvios. Nas análises das documentações, foi possível encontrar palavras que
evidenciaram os temores sentidos pelos alunos estagiários ao se depararem com a
docência e com a responsabilidade de documentar. Palavras como: preocupação,
desafio, tensão, ansiedade, imprevisto e medo permearam todo o processo de
construção da documentação pedagógica. Dificuldades que foram confidenciadas nas
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cartas e nas narrativas tecidas ao longo da pesquisa. Os alunos perceberam que não
é fácil e, muitas vezes, não é prazeroso o ato de documentar, pois as adversidades e
rotina diária tornam o processo penoso e cansativo.
Os maiores medos encarados foram: não conseguir tecer a documentação
pedagógica e assumir a docência com os bebês. Como ouvir o que não é dito com
palavras? Como olhar, escutar, sentir e registrar? Questionamentos que encontraram
respostas nas narrativas e nos encontros possibilitados pela docência e pela
documentação pedagógica.
Assim, diante de tantas dificuldades e infortúnios, como a falta de tempo, o
excesso de trabalho e o cansaço, esses não foram suficientes para apagar a
superação enfrentada pelos alunos/estagiários, triunfo evidenciado nas narrativas que
revelaram a autoria, assumida nas escolhas colhidas nos encontros e apresentados
na documentação pedagógica.
Os alunos/estagiários também flertaram com o passado e resgataram
memórias e narrativas de um tempo que não finda, mas se ressignifica. Que criança
e infância os alunos/estagiários tiveram/foram? Os encontros com o passado
possibilitaram novos encontros e novas narrativas com os bebês que encontraram no
estágio. Que imagem de criança e infância os alunos tiveram a partir da
documentação pedagógica? Com resistência e medo todos se expuseram e
narraram histórias pessoais, sentimentos que afloram olhares focados para si, para
os outros alunos e professoras e para as crianças e bebês.
Os alunos/estagiários descobriram, no decorrer do processo de documentação
pedagógica, crianças/bebês protagonistas, inventivas, potentes, que dialogam nos
encontros com outros no contexto educativo. Nas cartas, apresentaram olhares
atentos quando se voltaram exclusivamente para os bebês e crianças e,
simultaneamente, preocuparam-se em oferecer espaços vigorosos para que exerçam
sua autonomia e criatividade.
Com as narrativas que entrelaçaram os fios da experiência, os olhares se
ampliaram e possibilitaram encontrar sua imagem de criança, apresentada na
documentação pedagógica, tecida no percurso da pesquisa. É visível o protagonismo
das crianças e o quanto elas foram vistas como autoras da sua própria história.
Evidenciaram, em suas cartas, os contextos que foram (re)visitados e
(re)conhecidos pelos alunos/estagiários, mostraram diferentes imagens, espaços,
crianças e professoras que, aliados às aulas teóricas, possibilitaram reflexões sobre
103
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Arnaldo. Agora aqui ninguém precisa de si. São Paulo: Companhia da
Letras, 2015.
ARIÈS, Phillipe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, arte e política. Obras Escolhidas I. 2. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1986.
BENJAMIN, Walter. Rua de mão única: Infância berlinense: 1900. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2017.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamin: Os cacos da história. São Paulo: N-1
Edições, 2018.
NOVAES, Adauto (Org.). O olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
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RINALDI, Carla. A imagem da criança e o ambiente em que ela vive como princípio
fundamental. In: GANDINI, Lella; EDWARDS, Carolyn. Bambini: a abordagem
italiana à educação infantil. Porto Alegre: FGV, 2002. cap. 4. p. 75-81.
APÊNDICES
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Prezado Estagiário,
Elaine Maria da Silva dos Santos Prof. Dra. Luciane Pandini Simiano
(Pesquisadora responsável) (Orientadora do estudo)
elaine_1504@hotmail.com Telefone (48) 991338851
(48) 984324210
TERMO DE CONSENTIMENTO
Assinatura: ____________________________________________________
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ANEXOS
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CEI São Judas Tadeu: Localiza-se no bairro Dehon, em uma casa alugada.
Atende crianças de 0 a 3 anos e 11 meses, todos em horário integral. A estrutura física
do CEI organiza-se da seguinte forma: cinco salas (creche I, creche II, creche III e
creche IV), das cinco salas 3 possuem banheiros inclusos e 2 compartilham um
banheiro externo, possui cozinha, refeitório, banheiro para os funcionários, depósito,
lavanderia, setor administrativo e uma pequena biblioteca. O espaço externo é
limitado e conta somente com um parque. O PPP do CEI São Judas, foi atualizado
em 2018, tem como principal objetivo proporcionar às crianças, um ambiente de
recreação e educação apropriado, onde podem obter carinho, atenção e cuidados.
CEI Cantinho da Alegria: Está situado no bairro Morrotes na cidade de
Tubarão em Santa Catarina. No PPP, consta, que se trata de uma instituição de rede
pública e atende as creches I, II, III e IV e o pré-escolar I e II, que são compostas por
crianças de 3 meses a 6 anos de idade. A instituição tem seu funcionamento em
período integral (7h15min ás 18h15min). Tem como missão “oferecer formação
integral que favoreça a autonomia, por meio de educação com qualidade e
atendimento aos cuidados essenciais, formando crianças que contribuem para um
mundo melhor, capazes de sonhar, criar, de se expressar, adaptar-se e principalmente
de serem felizes.” Seus valores contam com integridade, desenvolvimento continuo,
ética, honestidade, respeito, solidariedade, credibilidade, clareza das informações na
comunicação entre instituição, crianças e pais.
CEI Peixinho Dourado: Localiza-se no bairro Humaitá de Cima, recebe 179
crianças, desde a creche I ao Pré-escolar. São divididas em uma estrutura de 13 salas,
sendo estas: 2 turmas de Creche I, 3 turmas de Creche II, 4 turmas de Creche III, 3
turmas de Creche IIII e 2 turmas de Pré-escolar divididas entre os dois períodos
(matutino e vespertino). O CEI também dispõe de outros espaços como: cozinha,
refeitório, direção/secretaria, sala dos professores, banheiro para funcionários,
banheiro para as crianças, lavanderia, parque externo, pátio e solário.
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